TIZIANO

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Copyright © 2023 de Francis Leone.

TIZIANO – 1ªEdição
Todos os direitos reservados.
Edição DIGITAL | Criado no Brasil.

Os direitos autorais dessa história pertencem à autora.


Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com a realidade é
mera coincidência. São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução total
ou parcial de qualquer parte desta obra, através de quaisquer meios
(eletrônico ou mecânico, incluindo fotocopia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei n°
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do código penal.

Capa: Francis Leone


Revisão: Pamela Torres e Fran Moraes
Betagem, Leitura Crítica e Leitura sensível:
Tatiane Bezerra, Taciane Albonico, e Cris Carvalho
Agradecimento especial assessoria e mentoria de escrita: Jay
Felix
Ilustração: Carlos Miguel Artes
Diagramação: NS Assessoria Literária (Naylane Sartor)
Sumário
NOTA DA AUTORA
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 52
CAPÍTULO 53
CAPÍTULO 54
CAPÍTULO 55
CAPÍTULO 56
CAPÍTULO 57
CAPÍTULO 58
CAPÍTULO 59
CAPÍTULO 60
CAPÍTULO 61
CAPÍTULO 62
CAPÍTULO 63
CAPÍTULO 64
CAPÍTULO 65
CAPÍTULO 66
CAPÍTULO 67
CAPÍTULO 68
CAPÍTULO 69
CAPÍTULO 70
CAPÍTULO 71
CAPÍTULO 72
CAPÍTULO 73
CAPÍTULO 74
CAPÍTULO 75
CAPÍTULO 76
CAPÍTULO 77
EPÍLOGO
NOTA DA AUTORA
Olá, Amadas Leitoras
Com uma maneira de inclusão aos leitores que preferem ouvir esse
livro em algum dispositivo de audiobook, as palavras e frases estrangeiras
foram colocadas no texto, não em nota, para que seja possível a
compreensão.
Este é um aviso muito importante antes de começarem a ler este
manuscrito. Ele mergulha em temas sensíveis que podem mexer com as
emoções de cada um. Por favor, cuidem de vocês ao lerem, e se sentir que é
demais, tá tudo bem em desistir. Respeite seus limites emocionais.

TEMAS ABORDADOS:

Lactofilia
Abuso físico descritivo, abuso psicológico e manipulação
Tortura explícita
Transtorno de personalidade borderline
Tentativa de suicídio
Incesto

Não me responsabilizo pelos sentimentos que essa leitura possa


despertar, mas espero que, de alguma forma, ela toque vocês.

Não deixe de me seguir nas minhas redes sociais:


Autorafrancisleone

Com carinho, Francis Leone


PRÓLOGO

(Pray – Sam Smith)


(Sound of Silêncio – Disturbed)

23 anos

— Hoje, um dia sombrio se apresenta diante de nós. Nossos


corações pesados lamentam enquanto nos reunimos para nos despedir de
alguém que foi um farol de luz em nossas vidas. — O eco solene da voz do
padre reverbera dentro da capela, preenchendo o espaço com uma tristeza
profunda, no início desta cerimônia. Cada palavra pronunciada parece
carregar o fardo de nossa perda e o som ecoa através dos pilares, como se o
próprio edifício lamentasse conosco.
Nesse instante, o peso avassalador de ter alimentado durante meses
a angustiante visão dessa tragédia se abate sobre mim, imergindo-me em
um oceano de culpa e dor. As lembranças da negação, das tentativas de
afastar o presságio sombrio, agora se desdobram em um amargo
arrependimento, como um manto de tristeza que envolve meu ser. A ironia
da vida se desdobra diante de mim e a dor é tão profunda que mal posso
permanecer nessa capela.
Na penumbra da minha existência, a tragédia se desenrola diante dos
meus olhos e a sensação de impotência é brutal. Aquele momento que
imaginei como uma mera fantasia, agora se materializa como uma terrível
realidade, pesando sobre minha consciência como um fardo insuportável de
carregar pelos dias que virão.
E, em meio às pessoas velando o corpo do meu amigo, um
pensamento sombrio tortura minha mente:
“Cazzo…(caralho) como eu desejaria que fosse eu ali, naquele
caixão, sendo velado agora!”
Pensando sobre a maldição que trago comigo, reflito sobre a decisão
de negar qualquer compromisso que seja fixado no mesmo horário imposto
há anos, naquele sonho que me consome dia após dia. Se eu não estivesse
ocupado em busca de um destino incerto, e viajado no lugar de Lorenzo,
hoje não seria ele ali.
Levanto meu rosto abatido pela tristeza enquanto o padre, um
homem de voz grave e emocionada que toca o coração dos ouvintes,
finaliza o discurso. Ele nos leva numa viagem pelas memórias felizes que
tivemos com Lorenzo, provocando lágrimas até dos mais fortes.
O dia está cinzento e nublado, combinando com a tristeza de todos
nós. A cerimônia acontece em uma capelinha pequena, um lugar especial
para a comunidade e os parentes. Os bancos de madeira estão cheios de
amigos, família e pessoas queridas, todos vestidos com roupas discretas em
sinal de respeito.
Olho para o meu lado esquerdo e vejo Mirko, meu único amigo
restante, ao lado de sua noiva Melinda. Mesmo por trás dos óculos escuros,
consigo perceber sua tristeza e as palavras silenciosas que ele reza. Mais
perto do caixão, está Glória, a noiva que espera um bebê, carregando o peso
do luto em seus ombros curvados. Seus olhos estão vermelhos e inchados
de tanto chorar, mas mantém seu olhar firme no caixão.
A dor no meu peito se intensifica, dilacerando meu interior. É mais
do que fazer uma autoanálise e entender a dor dos outros, é encarar o fato
de que meu amigo Lorenzo se foi por minha causa. Dar-me conta que sou o
responsável por essa tragédia e perceber que sou o culpado pelo sofrimento
de quem o amava é angustiante. O que mais me atormenta são os desafios
que sua noiva terá que enfrentar a partir de agora, e isso vai me atormentar
para sempre.
Ouço as palavras reconfortantes e histórias compartilhadas por todos
que conheciam Lorenzo, e a comoção dos presentes em choro e murmúrios
de lamento aumenta. É extremamente dolorosa essa sensação.
Depois das preces e das músicas, chegou a hora de nos despedirmos
fisicamente. Devagar, entre lágrimas e soluços, algumas pessoas se
aproximam do caixão para a última homenagem. Alguns beijam sua testa,
outros tocam gentilmente suas mãos, deixando uma lembrança ou um
último gesto de amor sobre o corpo.
Eu não consigo participar desse ritual. A dor de saber que arruinei a
vida do seu filho não nascido e da sua futura esposa me impede. Ele tinha
um futuro perfeito pela frente, casaria e constituiria uma família. Por que
ele foi levado e não alguém sem nada a perder como eu? Não compreendo
as tramas do destino.
Finalmente o funeral termina em um momento de silêncio, uma
pausa para lembrar o nosso amigo e permitir que as lágrimas rolem. Depois,
seguimos para o cemitério em passos silenciosos, nada é dito, apenas a
canção de alguns pássaros escondidos nos galhos das árvores frondosas ao
redor do local, confirmando a tranquilidade da última morada que um dia
nos aguarda.
Conforme o caixão desce lentamente, a cena torna-se cada vez mais
impactante. Com a alma despedaçada, vejo Glória ser agarrada para impedir
que se abrace ao caixão, no qual abriga o corpo de seu amado que não terá
mais em seus braços. Entre a sua dor e a comoção dos presentes, se eu
implorasse para que minha culpa fosse sepultada junto com ele, seria
atendido?
Nenhuma súplica pode mudar o que houve. Ignorar os presságios
malditos não impediu a tragédia, e a insistência em ir naquele posto de
combustível não trouxe a garota dos meus sonhos à realidade.
Nesses vinte e três anos nunca me senti tão desprezível quanto
agora.
“O que será da minha rotina sem Lorenzo daqui em diante?’’
‘’O que farei quando chegar no trabalho, um dos meus poucos
refúgios e não o encontrar me aguardando?”
Eu sou o miserável que deveria ser atirado naquela cova! Talvez se
contasse para alguém a responsabilidade por essa morte, me sentiria
diferente. Mas receio que ninguém poderia compreender o que houve.
CAPÍTULO 1

Depois do evento beneficente, combinei com minha acompanhante


seguir com a festa de forma privada. Não vou negar que sabíamos bem que
essa noite era uma espécie de acordo. Ela ganharia um pouco de destaque
ao meu lado, e eu teria a chance de satisfazer meu novo vício.
— Tenho uma amiga que adoraria participar da nossa festinha pelo
preço certo — Betina ou Lenita, não recordo, sussurra em meu ouvido.
Aceno sorrindo para os paparazzi na escadaria da saída do salão principal,
próximo ao meu carro.
— Loira ou morena?
— Loira!
— Chame-a! Dê o endereço.
Esta noite é mais uma prática necessária para descarregar a tensão.
Faz algum tempo que tenho notado que a fuga da realidade e o mergulho no
prazer sem limites melhorou meu foco profissional. Minha criatividade
ganhou um plus depois que o sexo desenfreado se estabeleceu na minha
rotina. À medida que perco o controle durante os finais de semana, meus
dias tornam-se mais produtivos.
Exceto nas segundas-feiras.
No resto da semana me transformei em uma máquina de
desempenho. A energia sexual liberada se traduz em uma motivação extra
na empresa, fico cheio de inspiração para enfrentar os desafios
profissionais. Sinto uma clareza mental ampliada e uma concentração
aguçada nas metas e projetos de customização. Ninguém cria designs tão
espetaculares em motocicletas como eu. Por isso, somos os melhores do
ramo.
Conforme dirijo em direção ao meu apart hotel, destinado somente
para esses momentos de diversão, acelero o Corvette sentindo o vento
chicotear o rosto e ao mesmo tempo excitando a garota da vez que sorri
descontraída.
Na intenção de esquentar as coisas, acaricio sua coxa revelada pela
fenda do vestido. Ela se arrepia com meu toque e se aproxima beijando meu
pescoço.
— Gosta de adrenalina, safadinha?
— Tô ansiosa para chegar no quarto e sentar em você, gato!
Sem distrair da direção, abro o zíper da calça.
— Por que não mostra o tamanho dessa ansiedade?
Encaro seu rosto, enquanto ela passa a língua pelos lábios.
— Vamos lá, não seja tímida!
O sorriso malicioso da moça é a última coisa que vejo antes de focar
na rodovia, acelerando meu conversível a toda potência, com manobras
perfeitas e arrojadas enquanto recebo um boquete fenomenal.
Ao chegar no quarto da minha cobertura, dispo meu smoking e me
sirvo de um uísque.
A garota, após tirar algumas selfies deslumbrada com o luxo da
suíte, atende a ligação da amiga e a manda subir. Quando a outra chega no
quarto, a segunda dose do líquido âmbar cumpriu seu papel.
— Desliguem os celulares e passem para cá. Os terão no fim da
festa.
Percebi desde a primeira vez que saí com essa garota o quanto ela
gosta de se exibir e fiz um acordo a meu favor, para aproveitar o máximo da
noite. Quando sugeriu chamar uma terceira participante, me agradou ainda
mais. Essas mulheres sabem exatamente o que gosto, então não tenho por
que me controlar e me privar de nada.
Sento-me na cama vendo como a amiguinha é gostosa. Os peitos
pedindo atenção no decote generoso me fazem sorrir.
— Adorei os vestidos de vocês, agora gostaria de ver o que tem
dentro deles! O que acham de começar sem mim enquanto termino meu
drink?
As duas são ótimas juntas, cabelos longos e claros, com corpos
esculpidos em academia e plásticas. Não sou muito exigente quanto ao
resto, desde que tenham os seios do meu agrado, cheios de leite. Assim que
bebo o último gole de uísque, a amiga nova se aproxima e a faço sentar em
uma das minhas pernas.
— Como se chama? — pouco me importo com isso, mas mantenho
o clima agradável.
— Lara.
— Lara, Betina conversou sobre as minhas preferências?
— É Lenita, Tiziano! — A outra me corrige visivelmente chateada.
Cazzo! Que hora para confundir o nome!
— Desculpe, acho que exagerei no uísque. Deixe-me compensar
isso? — Faço sinal para se juntar a nós com a cara mais culpada do planeta.
As duas nuas sentadas no meu colo me olham como se eu fosse o
seu jantar. Retiro o protetor do seio de Lenita delicadamente.
— Espero que essa minha gafe não tenha estragado o clima, gata. —
Lanço meu sorriso sedutor comedido e umedecendo o lábio ao ver uma
gotinha de leite aparecer no mamilo pontudo.
— Não, essas coisas acontecem.
— Perfetto! Assim que eu gosto.
Olho para Lara que não perde nada da nossa interação e tiro o
protetor dela também. Só que o leite dessa escorre em abundância, de modo
impulsivo não resisto à vontade e caio de boca nele.
A garota começa a gemer descontroladamente.
— Oh, meu Deus!
— Eu falei que a boca dele fazia maravilhas! — diz Lenita.
Meu corpo já entra em total alerta com o gostinho do meu vício. Ao
me afastar, sussurro para o rosto corado.
— Deliciosa!
— Delicioso é você! Acho que você está muito vestido, né Lenita?
A amiga concorda e as duas tecem elogios ao mesmo tempo.
— Façam as honras, meninas. Essa noite sou todo seu.
Sem mais palavras fico em pé e elas se ajoelham. Uma na cama e
outra no chão. Despem-me rapidamente com sorrisos, beijando meu corpo
inteiro.
— Mostre o que essa boquinha é capaz, gostosa! — exclamo para a
loira no carpete.
E para a minha acompanhante de nome trocado ereta na cama, tomo
os seios fartos sugando feito louco, agarrando seus cabelos.
Sinto o leite escorrer pela minha barba, puxo mais os fios dourados
à medida que meu pau é sugado com força pela amiga. Dedico minha
atenção a cabeça da garota ajoelhada, segurando-a para meter forte até o
talo e sentir a garganta me tomando, ouço seu engasgue e impulsiono de
modo mais intenso e rápido, a fodendo descontrolado até sentir meu pau
inchar e minha porra rasgar para fora sendo engolida avidamente. Com
pressa, me acomodo na cama vestindo o preservativo e ordeno:
— Vem Lenita, quero vê-la engolindo meu pau inteiro! — Ela
obedece gemendo, me oferecendo um sorriso depravado enquanto a outra
traz as tetas cheias para mim, preciso tanto disso!
Anseio sentir o leite molhando meu rosto e peito, enchendo minha
boca enquanto gozo.
Agarro seu cabelo enrolando duas vezes em meu pulso, e com a
outra mão, aperto mais o seio para sentir o líquido jorrar. A selvageria é
sem limites. Agarro o quadril de Lenita com violência a fazendo quicar com
bastante vontade, engolindo-me inteiro, provocando estalos dos nossos
corpos suados.
— Cazzo! Rebola mais, safada! — vocifero com a necessidade em
meter e socar até as bolas e senti-la sugar essa monstruosidade de dentro de
mim.
Assim que Lana ou seria Lara? Não importa! Assim que me
amamenta goza gemendo alto pelas minhas sugadas vorazes, em
consequência me vejo liberando a porra em uma intensidade absurda. No
transe do vício, começo a esfregar meu rosto em suas tetas redondas e
cheias, saboreando e sentindo seu leite me banhar como um alucinógeno
potente.
Percebo que apesar de ter gozado como um animal no cio, entalado
até o limite na boceta da garota, meu caralho não amolece, mas que merda!
As pernas, as bolas e todos os meus músculos tensos pelo esforço doem,
mas no peito o vazio só aumenta. ”Concentre-se seu maldito! Só fode!”
Visto outra proteção.
— Qual das duas vai me dar o rabo primeiro?
A que acabou de me saciar avisa que precisa se preparar no
banheiro, não perco tempo ouvindo suas explicações.
Agarro Lara e me divirto um pouco com ela, sua boca e seus peitos
ficam rubros com meus beijos e sugadas. Deixo-a derretida com as carícias
e submissa as minhas vontades.
— Gosta de levar um pau no cuzinho, gata?
— Se for esse pau gostoso, adoro!
Satisfeito, a guio para ficar de quatro na beira do colchão e dou
uma cusparada certeira, deslizando para dentro de uma vez, sem dó!
Ela me recebe arquejando, empurro no início lentamente, mas em
segundos o ritmo melhora e urro como um louco de tesão. Tenho que
admitir, essa garota tem um buraco apertado. Seguro firme seus cabelos
lisos e os puxo com gana enquanto estoco e arrombo com força seu anel.
Quando viro meu rosto vejo que Lenita aparece do banheiro, faço
sinal para o chão. Ela me obedece sem pensar duas vezes. A garota se
aproxima de quatro engatinhando, com sua cara devassa instigando o que
há de mais promíscuo em mim.
Ordeno com um leve aceno para se aproximar ainda mais. Dou meu
dedo para que chupe, a língua quente circula o dedo com avidez.
— Quer algo melhor para chupar com essa boquinha maravilhosa?
Em um abano de cabeça, Lenita confirma e eu a conduzo até minhas
bolas. Ela, eufórica, abocanha com sua boca borrada rodando a língua
quente e úmida, me lambendo como se não houvesse amanhã. Uma
explosão sensorial me atinge quando o clímax se aproxima, peço para que
mude a posição a fim de sugar seus peitos.
A noite segue como um flash de prazeres, alguns tão intensos que
pareço fora da realidade, uma noite tão animalesca que na madrugada
precisei chamar mais duas, pois as primeiras não aguentaram e
adormeceram.
Sei que meu apetite pode ser um tanto exagerado quando esse
instinto selvagem aflora, pois preciso sentir e mergulhar na compulsão
completamente, só assim relaxo. É viciante, impossível libertar meu corpo
sem uma noite inteira de exaustão física. Mais que isso, preciso me
desconectar da realidade, esse hábito acalma as emoções, principalmente as
negativas, esvaziando a mente dos pensamentos sombrios de ser um homem
vazio, um cara que não consegue se apegar a nada real. Porque quem eu
quero não existe!
Então mergulho no sexo para tomar e possuir ao máximo, receber
tudo o que essas mulheres podem me dar sem ter a responsabilidade de
retribuir sentimentos que não tenho para dar. Sou egoísta, quero o que há de
mais primitivo nelas, aquele minúsculo instante de entrega total quando o
prazer toma forma sendo amamentado as fazendo gozar e gozando durante
o ato. Ainda não entendo o motivo dessa necessidade, só sei que meu corpo
exige isso. Mesmo sabendo que o pós frenesi é devastador, pois a solidão, a
frustração e a tristeza me abatem profundamente.
É agora na volta para casa, sentado no banco desse carro esportivo,
que a queda da adrenalina é terrível. Olho para o céu e vejo um resto de
estrelas sumindo com a aproximação da aurora. A estrada ainda na
penumbra é cheia de curvas semelhante à minha vida que se moldou aos
presságios em forma de sonhos.
Nesse momento meu peito aperta por saber que se eu tivesse
desistido de um sonho inalcançável que tive aos quinze anos, a maioria dos
meus arrependimentos poderiam ser evitados. O passado me consome, o
presente me devora e o futuro me engole. E tudo o que consigo pensar é:
‘’por que essas visões tiveram início?’’
Desde criança a única certeza que tenho é que não gostaria de
sonhar, isso sempre me afligiu trazendo imagens confusas do futuro. Na
maior parte do tempo, são incógnitas e charadas que perturbam minha
mente em um quebra-cabeças de peças angustiantes.
Ainda lembro do sonho que antecedeu o meu primeiro beijo. Foi tão
vívido que me assustei quando aconteceu exatamente como no sonho.
Lábios de tutti frutti iam me agradecer por um caderno emprestado na saída
da escola e foi desse jeito que se cumpriu.
As sensações tão bem detalhadas da primeira vez que fiquei a sós
em um quarto com uma garota, também foram mostradas antes em sonho.
Naquela época, eram previsões tranquilas e reconfortantes, me
avisando de algo bom, novo e prazeroso. Ainda não tinha consciência do
que me aguardava no futuro.
Aos poucos, outras experiências negativas foram se infiltrando na
minha puberdade. Acontecimentos desagradáveis, desde uma simples queda
na escada, até incidentes com pessoas importantes que faziam parte da
minha vida.
O impacto aos quinze anos quando comecei a sonhar com o acidente
do meu pai, a partir disso tudo mudou.
Por medo e desespero, tentei com todas as minhas forças evitar. Não
sabia se conseguiria, afinal, todas as vezes anteriores que tentei evitar algo
ruim, nunca tive sucesso. Mas, daquela vez insisti e todos os dias falava
com meu pai para usar o cinto de segurança e nunca ultrapassar o limite de
velocidade.
No início ele achou graça dos meus comentários, mas depois passou
a me tranquilizar dizendo que se cuidaria. Bem, após algumas semanas o
sonho se concretizou, mas dessa vez consegui driblar o destino e meu pai
saiu ileso do acidente por causa do cinto que tanto insisti para que usasse.
Quebrou um braço apenas.
Até hoje me pergunto por que ele acreditou em um filho que se
mostrava tão instável e rebelde, mas agradeço aos céus por ter me escutado.
Após esse período, transformei-me em um jovem inquieto e aflito,
muitas vezes demonstrando agressividade no meu dia a dia, o que a maioria
não compreendia, mas era explicável devido aos meus sonhos intensos e
desafiadores. Minha inquietação e agressividade social se tornaram uma
parte de quem eu era moldado pela maneira que as previsões se cumpriam.
A sensação de solidão causada pela falta de compreensão foi uma
constante na minha vida. Muitas vezes, me isolei, guardando dentro de mim
os detalhes dos acontecimentos, temendo ser rotulado como alguém
violento e insano. As pessoas tendem a julgar o que não entendem. Essa
percepção surgiu há muitos anos quando eu tentava proteger as pessoas ao
meu redor, evitando situações desagradáveis.
Com o tempo, as conversas em família se tornaram difíceis. Não
gostava das perguntas curiosas deles. Minha mãe parecia entender menos
ainda e nossa relação acabou se tornando estranha. Ela não entendia por que
eu brigava na escola e porque às vezes me isolava de todos. Não conseguia
contar a ela que um fato horrível tinha acontecido sem que eu pudesse
evitar. Preferia o silêncio.
Cansado da sensação de impotência me afetando cada vez mais.
Decidi fechar esses pensamentos e me recusei a ouvir o que diziam. Na
época não sabia qual era a melhor abordagem, mas os tratamentos sugeridos
me faziam sentir como se fosse “louco”, quando só precisava da ajuda
certa. Seu Nicola e Dona Olívia, meus pais tentaram psicólogas, mas
sempre recusei a me abrir com elas.
Exausto daquela situação, certa noite foquei em pensamentos
positivos, desejando evitar previsões negativas. Fiquei aliviado quando meu
anjo da guarda apareceu para me confortar. Desde a infância, como uma
espécie de amiga imaginária, essa entidade acalma minhas preocupações,
mas já havia passado muito tempo desde a última vez que ela apareceu em
minhas noites solitárias. Lembro como se fosse hoje aquela cena:
"No sonho, tudo é calmo, banhado por uma luz suave e
reconfortante. Estou em um lugar sereno, um amplo campo de flores lilases,
quase como um paraíso na Terra. Enquanto observo, a mulher que parece
um anjo aparece. Mesmo sem asas brancas, sua expressão serena e olhar
gentil me fazem sentir que ela é um ser especial. Seus olhos brilhantes,
cabelos dourados, roupas brancas e pés descalços completam a imagem.
— Você me abandonou! — murmuro ao nos conectar visualmente.
Ela se aproxima gentilmente e estende o braço ao tocar meu ombro,
olha profundamente em meus olhos, transmitindo confiança e
encorajamento.
— Nunca te abandonei, Tiziano. Mas quando você fica perdido na
sua evolução, não sou permitida a te alcançar, mas continuo a observar.
Precisa mentalizar coisas boas para nos conectarmos nesse plano.
— Desejei algo bom, tô cansado, preciso de uma luz para continuar.
Apontando para um caminho específico à minha frente, uma cortina
de fumaça se abre e revela uma estrada. A princípio é iluminada por um
brilho dourado, irradiando uma sensação de calma e propósito que aos
poucos se desenrola com suavidade, se transformando em uma rodovia
erma, limpa e deserta.
— Siga em frente, sempre!
— Posso correr?
Sua mão pousa sobre meu coração e fecho os olhos ao ouvir sua voz
reconfortante me trazendo a paz sublime. De repente uma sensação de
clareza e direção toma conta de mim.
— Sim, o mais rápido que puder, pois em breve você encontrará a
liberdade cortando os ventos. Desperte agora sem angústia meu menino,
pois o caminho pode levá-lo a lugares desconhecidos e desafiadores, mas
sempre estarei ao seu lado oferecendo orientação e conforto."
Na mesma hora despertei, mas não de maneira assustada semelhante
às vezes que tenho as premonições. Senti um apelo mais profundo com o
meu propósito de vida e um senso renovado de determinação.
O anjo continuou a aparecer em momentos cruciais, reafirmando sua
confiança e lembrando-me do caminho que devia seguir. Implorei a ela que
me abençoasse com esperança. Algo que trouxesse luz para minha
existência. Nunca fui um rapaz mau, sempre tive um bom caráter, só me
sentia perdido.
Então um ano depois, quando completei 16 anos, ao adormecer meu
destino se revelou.
Foi incrível! Naquela noite do meu aniversário foi maravilhoso, um
sonho como presente.
Era um lugar conhecido, na saída do continente, dez quilômetros ao
norte pela rodovia, um posto de combustível que já tinha visitado durante
um passeio com meu pai. Era um clima misterioso, não conseguia
identificar se havia sol nem chuva. No meu sonho me via encarando um
grande relógio na entrada do local que marcaria a fatídica hora do encontro
no futuro.
Quinze horas marcavam os ponteiros. Não sabia o que aquele
horário poderia representar na minha vida, mas algo dentro de mim dizia
que era um marco que definiria o meu destino. Em meio a uma sensação de
expectativa, eu a senti antes mesmo de vê-la. Parado, perdido naquele lugar
deserto, fui banhado por um calor reconfortante como se o sol me
abraçasse, acalentando minha alma perturbada com a calmaria de uma paz a
qual só ela parecia prover.
Ao olhar sobre o ombro, uma moça da minha idade se aproximava.
Frágil, mas corajosa olhando diretamente para mim. Me enfeitiçou com sua
beleza deslumbrante. Uma criatura capaz de cativar qualquer olhar que
recaísse sobre ela. Mesmo sob uma névoa suave eu conseguia distinguir os
detalhes de seu rosto, e seus traços graciosos eram como imã para o meu
olhar.
Sua feição delicada formava um rosto angelical, adornado por uma
pele suave e impecável. Seus cabelos longos e sedosos caíam como seda
dourada pelos ombros, exalando um brilho radiante. O sorriso tímido era
como uma obra de arte, iluminando o ambiente com doçura e encanto. Mas
era nos seus olhos que residia uma tristeza profunda e envolvente que me
perdi totalmente. Um olhar misterioso resplandecia com um tom de verde
sedutor e penetrante.
Como janelas para sua alma, revelavam histórias não contadas e
dores silenciosas. A aura melancólica conectava-se com minha angústia de
um modo surreal, como se nos compreendêssemos com o olhar.
Demonstrava uma vulnerabilidade ao carregar um fardo pesado em seu
coração que eu deveria amparar. A presença magnética da ragazza era
intrigante, despertou em mim a curiosidade e um desejo irresistível de
desvendar os segredos que se escondiam por trás de seus olhos.
Despertei tremendo e com a boca seca, desejando seu gosto. Meu
corpo sabia que aquela princesa de olhos verdes e cabelos de sereia, seria o
meu destino. Sentia dentro de cada célula pulsante do meu corpo que ela era
feita para mim. A alma gêmea que tanto esperei.
A partir daquele momento reconheci qual seria a minha rotina.
Todos os dias naquela mesma hora da tarde, eu partiria em direção àquele
posto para aguardar a mais bela criatura que meus olhos tinham visto. Podia
ficar calmo, ela estava chegando e eu não estaria mais sozinho.
Nos anos seguintes, a busca por uma conexão e ligação afetiva sem
julgamentos me aproximou dos meus dois amigos. Mirko e Lorenzo. Os
valentões que gostavam de uma boa confusão, acabaram se identificando
comigo, mesmo eu sendo o mais jovem dos três era o mais provocador,
preferia a dor das brigas na escola do que a angústia de muitas vezes não
conseguir bloquear esses pesadelos que continuaram prevendo
acontecimentos amaldiçoados.
Antes de estreitar nossa amizade, sonhei com o sol no meu rosto e o
vento fresco bagunçando meu cabelo, e percebi que a moto se tornaria uma
parte importante da minha vida para sempre, porque desde muito cedo a
paixão por motos era visível nos desenhos e brincadeiras, e o sonho só
confirmou o futuro. E a melhor parte é que estava trilhando essa jornada ao
lado dos meus dois irmãos que a vida me deu.
Assim, Mirko, Lorenzo e eu começamos a trabalhar com
motocicletas, e rapidamente as pessoas começaram a notar nosso trabalho.
Nossa oficina, que era pequena, se tornou a mais popular da região em
personalização de peças de motos. Tivemos tantos clientes que nossa
agenda estava lotada por um ano inteiro, com dezenas de máquinas
esperando para serem customizadas. Ficamos tão ocupados que, em menos
de quatro meses, tivemos que mudar para um lugar maior e mais bem
equipado.
Para muitos pode parecer simples, mas enfrentamos enormes
desafios em cada etapa. Éramos jovens, e cada um de nós tinha sua própria
área de estudos, algo que nossos pais não estavam dispostos a negociar.
Portanto, Lorenzo escolheu contabilidade, Mirko optou por psicologia e eu
me dediquei à engenharia mecânica e outras áreas relacionadas.
No início, pensávamos que era apenas um hobby, mas acabamos nos
envolvendo em um dos negócios mais bem-sucedidos do país. Graças ao
investimento do pai de Mirko, conseguimos crescer, e a partir daí não havia
limites para o que podíamos conquistar. Aos dezoito anos já tínhamos o
status de milionários mais jovens do país.
Nossa empresa se sobressaiu na sociedade como a primeira
montadora de peças e customização de máquinas de elite.
A fama do reconhecimento na Itália foi enorme devido à nossa
tecnologia avançada e trabalho impecável. Superamos todos os
concorrentes e nos tornamos os melhores. Alcançamos o sucesso, mas ele
teve um custo. Com o tempo, me tornei desconfiado e solitário.
Enquanto meus amigos seguiram o curso natural de ter uma
namorada e planejar o futuro com elas, eu não fiz isso. Não consegui ter um
relacionamento sério com ninguém, porque estava esperando encontrar a
garota dos meus sonhos com olhos verdes como jade e cabelos dourados
como o sol.
Por anos a fio, todos os dias, independentemente do tempo, quando
eu era adolescente ia de bicicleta e depois de moto até aquele posto de
gasolina às três da tarde. Era um compromisso que fiz com minha alma
gêmea que nunca apareceu. O único sonho verdadeiramente feliz que não se
realizou, e minha vida pessoal começou a tomar um rumo amargo por causa
disso. Me tornei dependente do prazer de outros corpos na busca incansável
de uma conexão, que eu só consegui nutrir através de um sonho.
Aos vinte anos, eu me sentia muito mais experiente do que minha
idade indicava. Para fugir das preocupações e me manter longe
emocionalmente das pessoas ao meu redor, acabei me envolvendo em
relacionamentos superficiais com desconhecidas, buscando sentir-me vivo
ao fugir das visões perturbadoras dos meus sonhos.
Por muitos anos, pesadelos constantes fizeram minha mente tentar
ignorar esse sentimento assustador, porque a única visão maravilhosa que
eu desejava parecia estar longe da realidade.
Percebi que ao resistir às minhas próprias sombras internas, elas
acabavam consumindo minha alma e me deixando na escuridão sozinho.
Minha esperança desaparecia aos poucos, em doses de um bom uísque ou
refinados vinhos, sempre entre as pernas de uma desconhecida sem nome,
personalidade ou vínculo real.
Por fim, encontrei uma saída que me trouxe uma sensação de
conexão totalmente nova, um novo vício que me levou a um estado de
satisfação especial, quase um nirvana particular. Era como uma pequena luz
no meio de toda a dor ao meu redor.
Posso dizer que esse nirvana recém-descoberto é doce, quente e
agora se transformou em uma preferência indispensável. O meu gosto
adquirido se tornou essencial para o vazio da minha alma. Portanto, é essa
diversão que procuro quando saio com uma garota. Além do sexo, precisam
saciar o meu novo fetiche, é só isso que me interessa nessas relações
casuais.
CAPÍTULO 2

Minha última reunião está quase terminando, mas Mirko me ligou


de sua sala e pediu para falar comigo por alguns minutos. Posso adivinhar o
que ele quer discutir – as sessões com o psicólogo que recomendou. — Não
me sinto à vontade sendo analisado, especialmente revelando fraquezas
sobre mim que nem consigo admitir.
Não foi possível esconder meus atrasos nesse último ano, junto com
o semblante exausto das noitadas sem descanso. O motivo? Minha
compulsão.
Desvio o olhar da tela do macbook quando a batida suave na porta
de vidro chega aos meus ouvidos.
— Ei, cara, posso falar com você por um momento?
Ele entra na sala e serve-se de um café, sentando-se diante da minha
mesa.
Um riso amargo estampa meu rosto.
— Fala, Mirko!
— Tenho percebido que anda buscando prazer de maneiras
excessivas e intensas ultimamente, e isso está me deixando preocupado.
Não é mais só no fim de semana. Parece que está se tornando um vício para
você, e pode trazer consequências negativas.
— Direto como sempre — murmuro baixo. — Ah, isso... — fecho o
MacBook para prestar atenção nele. — Eu apenas gosto de aproveitar as
oportunidades, o evento acabou cedo e decidi relaxar um pouco.
Seu olhar estreita me inspecionando enquanto dá um longo gole em
sua bebida quente.
— Frate(fratello irmão), está na hora de levar o que falo a sério!
Nunca lhe vi dessa forma.
Mirko continua imponente na postura, mesmo agora tendo se
habituado aos ternos caros. O cabelo escuro bem cortado está devidamente
alinhado, assim como a barba curta e desenhada. A graduação em
psicologia lhe conferiu uma sensatez e calmaria que não existia quando o
conheci há dez anos. E é isso que me deixa desconfortável. Ser analisado
constantemente por alguém tão próximo.
— Não é nada demais, só exagerei um pouco na noite passada.
Depois do evento, dei uma relaxada no apart hotel do centro. Geralmente só
exagero no fim de semana, mas ontem as coisas fugiram um pouco do
controle.
— Hum… — Seu sorriso ácido antecede algo que certamente não
vou gostar de ouvir.
— Um exagero que está se tornando rotineiro. Sua saúde mental
precisa de tratamento.
— Não sou maluco, Mirko! — Levanto-me da cadeira aturdido.
A xícara de café é deixada de lado sobre minha mesa, e meu amigo
cruza os braços no peito me encarando seriamente.
— Senta aí! Não falei que é maluco! Mas agora você vai me ouvir!
Sua voz calma é firme e me atinge de modo imperativo. Volto a
sentar, obrigado a enfrentar a situação.
— Você está agindo de maneira relapsa e descontrolada, e isso é um
transtorno psicológico de cunho sexual que pode ser tratado. É preciso
equilíbrio na vida meu amigo, e não é o que vejo em você. Foi à consulta
com meu colega terapeuta que indiquei na nossa última conversa?
Alinho minha barba não suportando encarar o semblante sério do
homem diante de mim. As sobrancelhas juntas e lábios apertados por baixo
da barba escura, mostram o quanto está chateado comigo.
— Não é como se fosse arranjar tempo para transformar uma Harley
em Chopper, ou personalizar um guidom para uma motocicleta Maxwell
Hazan ou ir a um evento social. Não tive tempo para isso!
— Não teve tempo ou não arranjou? — Nos encaramos por alguns
segundos até ele suavizar o franzido da testa. — Olha só, entendo que a
sexualidade é uma parte natural em nós, mas parece que está se tornando
uma obsessão para você, cara. Já parou para pensar como isso está afetando
outras áreas da sua vida?
— São só alguns atrasos, uma fase, mas vou resolver.
— Sabe que esse papo de apenas uma fase é ilusão, e viciados em
sexo são confrontados por consequências sérias em suas vidas. Isso pode
afetar seus relacionamentos, sua saúde mental e até mesmo sua saúde física
se pender para este caminho.
— Sempre fiz sexo seguro, Mirko. Nunca esqueci a proteção. Não
exagere!
— Sério Tiziano?! Não se deu conta que você troca outros fluidos
com essas mulheres? E veja bem, não é uma condenação da minha parte
essa sua preferência, no entanto preciso alertá-lo que algumas doenças são
transmitidas além da penetração. Está entendendo a gravidade do seu
descontrole, frate? Você realmente não conhece essas mulheres, cara! além
do risco iminente de infecção pelo HIV, causador da Aids, outras doenças
também podem ser transmitidas pelo leite, como hepatites, HTLVs,
mononucleose, citomegalovírus, eu poderia citar uma cartela de coisas aqui,
mas você não precisa de tantos exemplos para entender o ponto em questão.
Em um instante o chão parece desaparecer dos meus pés. Como fui
tão descuidado? Cazzo! Ele tem razão! Mirko levanta-se de sua cadeira e
me serve uma bebida da mesinha do fundo da sala. Bebo um gole longo e
confesso em voz alta.
— Nunca me dei conta disso, sei de tudo isso, mas no momento que
estou… é muito louco, não penso em nada além..., Mas o que posso fazer?
— A primeira coisa é reconhecer que você enfrenta um problema.
Se sente que não tem controle sobre suas ações e que está colocando o sexo
à frente de outras coisas importantes em sua vida, é hora de buscar ajuda
profissional. Um terapeuta especializado em vício sexual pode te orientar e
ajudar a lidar com isso.
— Fiz terapia quando mais jovem, mas não consigo me abrir
totalmente, é complicado.
— Eu sei, mas precisa tentar de novo.
Bebo o resto do copo e tiro meu blazer. Um calor abrasador de
pavor queima meu peito e sinto-me quase sufocado.
— Calma. Tudo vai se resolver. Mas você precisa me deixar ajudar.
Olho para Mirko me encarando sem desviar, não é piedade, nem
nojo, é compreensão que vejo em seu olhar.
— Eu te enxergo Tiziano, sempre me preocupei com você. Quanto
tempo não corta o cabelo? Sua barba cobre quase toda sua face. E veja bem,
não tenho nada contra homens barbudos, eu mesmo gosto e mantenho a
minha. O que quero dizer é que nunca o vi tão recluso dentro de si mesmo,
até parece que quer se esconder do mundo dentro de sua aparência como
um disfarce, fugindo para as orgias sem controle.
É assim que me sinto. Quero esconder minha vergonha, o homem
que me tornei em devassidão me deprime. Mirko nunca desistiu de mim e
suspeito que jamais o fará.
— Por precaução pedi para que investigassem suas atividades
pessoais. A fim de evitar polêmicas com o seu nome que afetasse a família
DiMateo, você próprio e a empresa. E além disso, marquei exames, já que
não faz um check-up completo há dois anos.
Pisco os olhos surpreso, mas não ouso questionar. Ele tem razão,
sempre tem.
— A maneira como está conduzindo sua vida não deve ser encarada
como vergonhosa, mas sim como algo que precisa ser vivido com discrição
e segurança. Para ajudá-lo a evitar possíveis riscos em sua fuga da
realidade, que você escolheu através desse fetiche, gostaria de lhe indicar
um lugar que pertence a um conhecido. Tenho certeza de que vai apreciar,
pois é um local mais exclusivo e focado na privacidade dos sócios. — Meu
interesse é capturado com suas palavras. — Uma comunidade que prefere
desfrutar das preferências sexuais não convencionais de maneira
confidencial. Mas...
— Mas?
— Se eu fizer essa ligação para o proprietário com sua indicação
para associar-se ao clube, você vai prometer que buscará um tratamento.
Nunca me pronunciei com tanta ênfase, porque você mostrava uma certa
imagem de controle que nesses últimos meses não vejo mais. Você se
compromete, Tiziano?
Deixo um sorriso amargurado falar por mim. Quantas tentativas
Mirko fez para que eu me abrisse com ele? Inúmeras. Ele tentou de várias
formas me ajudar, no entanto não posso falar dos sonhos e me abrir com ele
ou com qualquer pessoa. Quem acreditaria?
— Fechado Mirko! Prometo que vou buscar respostas, vou ligar
para o seu colega de profissão e agendar uma sessão. Você tem razão. Não
posso ser relapso dessa forma, agradeço a conversa.
— Sempre estarei aqui para você, frate. Nunca esqueça!
Foi marcada para hoje a entrevista com o gerente do clube que
Mirko conversou semanas atrás.
Em alto mar, a noite me abraça como uma velha amiga. Dirijo a
lancha em alta velocidade fazendo meus cabelos chicotearem meu rosto
pelo vento. As águas escuras de Veneza são como uma nuvem sobre meus
sonhos proibidos, deixando a ansiedade ser cortada pela espuma que se
forma pelo caminho percorrido. O rugido do motor remete a sensação de
liberdade que experimento com as motocicletas na autoestrada.
A fúria da adrenalina correndo em minhas veias me faz sentir vivo,
parece uma prévia de um curto-circuito a explodir em cada molécula do
meu corpo. A ansiedade do novo ambiente que irei conhecer em poucos
minutos provoca o impulso de acelerar ainda mais.
O clube Istar é localizado numa ilha adjacente a poucos quilômetros
da ilha Pellestrina. Mirko me passou as coordenadas do GPS e a senha para
ser recebido no local.
O trajeto entre a casa da minha família e a pequena ilha é de
quarenta minutos, estou chegando quando vejo as bandeiras de sinalização
de modo estratégico na enseada.
Ao atracar a lancha estibordo no píer, sou recebido na plataforma
por um quarteto de homens vestidos socialmente em ternos de serviço. Um
prende as espias da lancha, enquanto outro me revista. Meu celular é
confiscado com a promessa de devolução na saída. Ao responder o
questionamento sobre meu nome, outro dos homens pede autorização em
um transmissor de áudio.
O trajeto sobre a plataforma é feito com dois à minha frente e dois
homens na retaguarda.
O imóvel não é visto de onde estamos, é preciso cruzar o píer até o
final e subir alguns degraus de uma escada que a princípio leva a lugar
algum, pois só o verde do paredão das árvores me recebe. Somente ao
passar por dentro desse estreito e fechado muro de plantas, o edifício branco
é visto. Ao analisar parece apenas uma mansão de um rico excêntrico, mas
Mirko tinha me avisado sobre o sigilo do lugar.
No momento que avisto a porta de três metros, meu cérebro envia
sinais ao meu corpo, comunicando onde estou prestes a entrar e o que irei
vivenciar. É muito rápida a velocidade com que gera as sensações de
euforia. Associa as lembranças dos sons, odores, e me permite desenvolver
os atos na mente antes de realizar.
Antes de adentrar ao recinto, um broche vermelho é preso em minha
lapela. Em seguida, sou direcionado a sala de espera. Tudo é branco e cinza
na decoração e o mobiliário francês repleto de curvas com aspecto
detalhado em bronze, mesclam a classe do veludo e tapetes sóbrios. Móveis
luxuosos reunidos dentro de um cômodo com pé-direito duplo. Tento me
distrair com a decoração, mas é em vão. O motivo de estar aqui preenche
meu consciente.
A percepção de estar tão perto da minha fuga, do meu vício, acende
meus sentidos como um narcótico prestes a ser consumido. Posso sentir na
minha língua o sabor e o calor da plenitude de saciar meu vício, de
pertencer a algo, nem que seja por alguns segundos que dura o tempo do
prazer.
Agora passado um ano que conheci essa minha compulsão, apesar
de ainda buscar algo além dela, o conhecimento de que posso praticar todas
às vezes que quiser em um ambiente discreto e seguro traz um certo alívio.
Também mascara meu segredo obscuro de forma mais atraente.
Não sei se essa sensação de me sentir sujo e horrível procurando um
ato para satisfazer minha libido de uma maneira tão pervertida vai passar
um dia, pois quando termina percebo que me sinto um lixo por não estar
minimamente interessado no corpo que está me satisfazendo, mesmo com
todo o prazer que me proporciona.
Agora enxergo isso como um vício que dia após dia, mina minha
essência, persistindo em me consumir e esgotar minhas energias.
Compreendo por que não me subjugou completamente. Por que ainda
enfrento esse tormento em me sentir incompleto? Porque o sentimento de
euforia, ansiedade e antecipação por uma totalidade que teima em não se
realizar é meramente uma fugaz substituição do que desejo vivenciar ao
lado da garota dos meus sonhos.
‘’Esqueça-a Tiziano, a garota de olhos verdes não existe e fantasiar
no rosto de mulheres desconhecidas está te afundando em um poço de
destruição sem volta’’!
Preciso esquecer aquele sonho e me concentrar na realidade do que
estou prestes a fazer e me esforçar para manter invisível a saliência do pau
endurecendo sob a roupa ou irão me tomar por um tarado! Alinho minha
calça disfarçando a ereção evidente. Não quero que a primeira impressão
sobre mim seja péssima. Definitivamente não é bom para a entrevista de
admissão de sócio.
Ao ouvir a porta da sala diante de mim, foco meu sentido auditivo
até ouvir meu nome ser chamado. Confesso que estou mais curioso que
apreensivo. O homem moreno e esguio me recebe na porta e me direciona a
cadeira em frente à sua mesa. Parece mais uma entrevista de emprego do
que um clube secreto.
— Tiziano DiMateo, quem foi o membro que indicou sua posição
para associar-se conosco?
— Mirko Rossi.
— Perfeito. Precisamos de algumas informações suas se não se
importa e farei uma ficha para o nosso arquivo. Tudo bem?
— Tudo bem.
— Temos também um contrato de confidencialidade, pois nem todos
optam por máscaras, no entanto, esperam que os sócios mantenham a
discrição assim como eles os mantém em retribuição. Afinal, todo mundo
terá algo a perder se for exposto por sua preferência peculiar. De acordo?
— Concordo perfeitamente.
— Ótimo! Durante nossa conversa, preencha esse formulário
simples de localização, idade e outras informações de contato.
O homem me entrega uma folha e obedeço prontamente o que ele
diz.
— Qual é o seu objetivo com a prática que realizamos aqui?
— Objetivo?
— Sim, o que pretende com a rotina da prática? Preciso saber, pois
será direcionado a um atendimento personalizado conforme seus interesses.
O que deseja? Encontrar uma parceira, sexo casual ou apenas alívio de um
desejo latente que não é saciado de outra maneira? Suponho que já tenha
experimentado, por isso curiosidade está fora de questão.
— Sim, já pratico há algum tempo. Somente busco privacidade para
um alívio necessário.
— Muito bem, então não procura uma relação monogâmica?
— Não.
— Ok. Explicarei rapidamente antes que entre no local e se sinta
desconfortável com a visão da dinâmica. Temos quartos privativos, onde
pode receber quem quiser para partilhar o ato. É aconselhado não trocar
informações pessoais entre os praticantes, nem mesmo nomes se não
quiserem, pois algumas das profissionais têm vida paralela fora dessa
associação. Algumas delas preferem disfarçar o rosto com máscaras ou
adereços e é preciso respeitá-las.
— Pode haver sexo, o senhor quer dizer?
— Na linguagem simples é isso mesmo. É inevitável o alívio se o
fetiche é essencial ao gozo. Entretanto elas têm livre escolha, não são
obrigadas a aceitar quem solicitou. Tudo o que ocorrer no quarto privado
deve ser consensual.
— Certo, está muito claro. Compreendi as regras.
— Todos são testados com exames médicos rigorosos regularmente,
nosso associado Rossi, deve ter repassado a informação.
— Sim, estão nesse envelope.
— Ótimo, veremos depois do seu primeiro dia quantas vezes na
semana o senhor gostaria de frequentar, bem como as taxas. Espero que
nossas instalações sejam do seu agrado. Chamarei meu assistente para
acompanhá-lo ao salão.
Um aperto de mão cordial encerra a conversa e sou direcionado
novamente à sala de espera.
Um outro rapaz de uniforme me acompanha para conhecer a casa. A
euforia toma conta de mim quando ele gira a maçaneta de uma porta
entalhada em detalhes de mogno, dando-me a visão de um salão espaçoso e
iluminação baixa.
As cores me seduzem, é um ambiente intimista e o ar chega aos
pulmões com dificuldade por tamanha necessidade que me toma, fazendo
minha garganta secar à medida que meus passos vão trêmulos e incertos
pelo piso escuro. Percorro o olhar pela tapeçaria luxuosa, os móveis e
estofados são em tons avermelhados quase vinho e me vejo entrando em um
universo de prazeres ocultos, uma simbiose de depravação e luxúria em
uma quase catarse.
Sinto que vou me romper nesse espaço, não vou conseguir apenas
degustar em poucos momentos. O vício alcançará um novo nível e serei
dependente desse lugar.
Observo os divãs e recamiers com alguns casais e pares em
interações ousadas, mas não posso me entusiasmar, sei disso, embora meu
corpo não obedeça.
Vejo alguns rostos que já encontrei em eventos sociais de elite:
políticos, atores famosos e até alguns clientes e investidores. Todos se
esbaldando em carícias e sorrisos, no entanto, as práticas preferidas devem
ocorrer nos quartos privativos.
Hoje sou somente um observador e isso está me consumindo e me
queimando por dentro, como um ácido que corrói.
Agora é como se eu implorasse para me libertar, ser livre, desnudar
minha máscara e deixar aflorar meu lado monstruoso e minha necessidade
desesperada de tudo isso. Minha concentração está no limite ao admirar o
objeto do meu desejo em grande escala e os atos em torno dele fazendo-me
salivar de desejo.
Sou como um cão preso a uma coleira, rosnando e babando ao ser
hipnotizado pelo alimento. A ferocidade está dentro de mim e não consigo
evitar. Ajeito minha calça novamente ouvindo as palavras soltas do rapaz
uniformizado que me explica a dinâmica do que estamos acompanhando.
Não consigo prestar a porra de atenção alguma ao que ele diz, só
consigo me imaginar no lugar desses sócios apreciando o prazer mais denso
e obsceno que se pode conseguir desse ambiente. O tour finaliza e percebo
que estou com uma puta ereção dolorida e muitos olhares em direção a
minha virilha dentro do jeans, certamente os presentes notam, e estão se
perguntando como consigo me controlar.
Ah! Foda-se, são todos pervertidos como eu. Saio do local aturdido,
com um misto de sensações, o corpo arrepiado, cada célula do meu ser vivo
ligado e ao mesmo tempo em labaredas por alívio e minha consciência
interrogando-me se é o certo a se fazer. Nunca me incomodei em pagar por
prazer, entretanto, agora me incomodo com essa dependência de completa
obsessão por um ato no qual não consigo explicar a mim mesmo.
É uma sensação tão sublime, de pertencimento que não senti em
nenhum outro momento e quando acaba, sinto que não pertenço a nada nem
a ninguém.
O gerente foi muito claro, aqui poderei satisfazer todos os meus
desejos e praticar minha nova compulsão sem receios e com total discrição.
Essa informação por si só já me deixa satisfeito. Provavelmente vou gozar
até perder as forças nesse lugar. Agora não sei se isso vai preencher em
algum momento da minha vida esse vazio, talvez minha alma esteja
condenada a vagar vazia e solitária até o fim dos meus dias.
CAPÍTULO 3

(Here Without You – 3 Doors Down)

A rotina de frequentar o clube melhorou meus atrasos. Consigo


frequentar apenas no fim de semana. Sem excessos depois dos eventos.
Relaxo meu corpo desfrutando do meu vício e durante a semana foco no
trabalho alcançando metas e buscando o sucesso e eficiência nos projetos da
empresa. Me tornei altamente produtivo e obtive resultados significativos.
Consigo criar peças cada vez mais exclusivas, com originalidade,
imaginação e expressão artística.
Minha fuga se estende também às premonições oníricas, pois desde
que comecei a focar no trabalho e extravasar no clube, já não sonho mais,
portanto, aquele compromisso que fazia por uma rotina estipulada de ir ao
posto todas as tardes por uma premonição que nunca se cumpriu, foi
deixado de lado.
Finalmente aceitei que aquela garota do meu sonho quando
completei dezesseis anos não existe. Embora nove anos depois ainda
lembro daquele olhar, ela era linda! Não importa mais, porque eu era um
otário por acreditar naquilo.
Depois de uma reunião um tanto estressante com um cliente,
embarquei na moto para retornar ao meu apartamento. Sabia que fazer esses
quilômetros na autoestrada com a Harley iria relaxar minha mente.
Cruzo pelo posto de combustível com a sensação de nostalgia e uma
profunda tristeza por ter abandonado a última esperança que possuía de
encontrar minha alma gêmea. Desde que o clube Istar entrou na minha vida,
nunca mais apareci neste lugar em uma busca inútil por uma garota com
rosto angelical. Talvez tenha sido uma projeção da minha mente
atormentada como um suspiro de esperança para a avalanche de
premonições mórbidas.
Acelero a motocicleta sem desviar o olhar para o estabelecimento,
somente reduzindo a velocidade mais adiante no cruzamento onde o
semáforo indica a necessidade de parar. O sol escaldante do meio da tarde
castiga meu rosto enquanto aguardo pacientemente o sinal abrir para
continuar o caminho de volta.
Um brilho ofuscante invade minha visão, mas persisto em fixar meu
olhar no horizonte. Observo o veículo parado à minha frente na direção
contrária, um SUV preto, que aguarda o sinal para também retomar a
marcha.
E então sinto o coração bombear tão furioso dentro do peito que
meu corpo inteiro se agita e estremece. Preciso firmar o pé no asfalto para
segurar a moto. O ar se torna escasso e as mãos suadas deslizam nas
manoplas da motocicleta. Uma ansiedade absurda me invade e meu cérebro
faz a conexão do que vai acontecer em instantes. Hoje minha vida vai
mudar. Dentro daquele SUV está o que tanto busquei e desisti por pensar
ser uma ilusão de um lunático… É ela!
Vejo de onde estou apenas a lente de uma máquina fotográfica e
cabelos dourados que flutuam para fora da janela do veículo como um véu
delicado. Tento segurar minha respiração para captar toda e qualquer
molécula de ar que nos envolve.
Uma nuvem esconde o sol, mas o calor que meu corpo experimenta
é equivalente ao astro incandescente. O sinal abre e lentamente consigo
colocar a moto em movimento.
A cada metro percorrido parece uma eternidade de estrada sem fim.
A pulsação e o formigamento nos meus músculos se fundem e meu sentido
sonoro ignora qualquer som. Não há motores, nem pássaros e nem o ruído
do vento.
Assim que a máquina fotográfica baixa, sinto os olhos marejados de
emoção, porque finalmente encontrei minha paz. O olhar mais incrível
emoldurado no rosto mais lindo que já vi na vida se concentra no meu. Um
instante, uma bendita fissura no tempo, onde nada além desse encontro faz
sentido.
Parece literalmente um querubim, os fios ainda balançam pelo vento
tornando-a maravilhosamente divina. A ninfa de cabelos dourados dos
meus sonhos é de uma beleza sem igual, somando-se a uma tristeza
sublime, dói encarar esse olhar quebrado, mas parece tão familiar essa dor
que ensaia e conversa com a minha.
Mesmo sentindo um aperto no peito admirando os olhos de
esmeraldas, me vejo como uma mariposa atraída pela luz, assim como o
inseto se guia pela intensidade do brilho, os olhos lindos e sofridos me
guiam para um lugar onde nunca estive, mas que desejo desesperadamente
estar.
Desacelero o máximo para não apagar o motor, a fim de cruzar em
câmera lenta e gravar cada detalhe dela. A garota me encara com
intensidade, parece me compreender, saber da minha angústia em buscar a
completude que tive no sonho com ela. Agora sei que é real. Minha alma
finalmente se aquietou e encontrou seu par. Não sou louco, ela realmente
existe e é meu presente perfeito.
E pela primeira vez na vida tudo faz sentido, meu fôlego ao inspirar
e meu coração a bater. É por essa mulher que vivi até hoje, revivendo cada
detalhe dela em minha mente todo o maldito dia, desde que desperto pela
manhã até quando vou dormir e é por ela que viverei daqui em diante.
Ao cruzar pelo veículo, imediatamente dou a volta e o sigo de uma
distância segura, em algum momento ele vai parar e meu destino descerá do
carro.
O Suv manobra para estacionar no posto de combustível e me
antecipo com minha Harley ao parar na lateral das bombas de
abastecimento. Ao descer da motocicleta, o grande relógio como um ícone
das minhas memórias fugazes, grita no seu silêncio que são exatamente três
horas da tarde. O momento é predito há tanto tempo que nem parece que
está acontecendo.
Ao retornar à realidade, volto minha atenção ao veículo e quando a
porta se abre, constato a pouca idade da garota.
O rosto apesar de angelical parecia ser maduro, mas quando a vejo
fora dele o meu engano é gigante. Que ironia do destino! Meu sonho se
tornou tão real que não envelheceu junto comigo. A garota tem a idade
certa para aquele adolescente de dezesseis anos que a encontrou há nove
anos em meio às angústias daquela época.
Mesmo me condenando, não consigo desviar o olhar do longo
cabelo que ondula ao caminhar, nunca encontrei cabelos tão longos e bem
cuidados, passando o quadril parecendo uma fada. As pernas esguias e ágeis
e as mãos delicadas que afastam as mechas bagunçadas pelo vento são tão
elegantes.
A moça é de uma coragem admirável, me encara sem piscar, não
com curiosidade, mas com o mesmo fascínio que desperta em mim.
Conforme se aproxima, o perfume suave e cremoso de textura
aveludada, envolve delicadamente o ar ao meu redor, invocando uma
tranquilidade infinita que necessito fechar os olhos pela recordação do
sonho. Um aroma que remete ao calor reconfortante de pertencimento.
Como um pássaro perdido, aguardo do lado de fora do banheiro
quando ela entra e fecha a porta. Seu motorista avalia algo no motor do
carro. Ando disfarçando em frente a porta de metal, parecendo um cãozinho
abandonado. É errado, tenho que sair daqui pois, a garota é jovem demais.
Mas ao girar, trombo com seu corpo frágil.
É tão rápido e ao mesmo tempo tão marcante, que meu corpo inteiro
se acende como luzes de Natal. As mãos delicadas formigam em meu peito
quando se apoia, fazendo com que eu às toque para mantê-las ali, estão frias
contra minha palma. Novamente meus olhos marejam, meu sonho não
chega aos pés da realidade. Nós estamos finalmente juntos.
E nesse instante admirando a boca espantada trêmula se
desculpando e sorrindo sem graça, é que o tempo realmente estagna. Esse
momento parece marcar a ferro meu coração tão solitário. Vejo-me
hipnotizado como nunca aconteceu em meus vinte e cinco anos de vida. Seu
fôlego se misturando ao meu, os olhos brilhando como chama viva e o
perfume me convidando a inspirar no aconchego de seu pescoço delgado,
são tentações demais para resistir. Afasto meu corpo com relutância,
acompanhando seus passos para longe de mim ao retornar para sua
carruagem.
A princesa de lábios rosados e cabelos de sereia está partindo, me
deixando com sua presença marcante e o desejo de deslizar meus dedos
pelos cabelos lindos e sentir a textura suave deles.
A garota me desejava assim como eu a ela, e meu peito se encheu de
algo bom ao confirmar em seus olhos o mesmo que eu senti, a compreensão
de que somos feitos um para o outro.
A previsão finalmente se cumpriu, compreendo agora porque
demorou tanto para se realizar. Ela era uma criança na época que sonhei a
primeira vez, portanto, meu destino precisava crescer para ser colocado em
meu caminho. A única sensação que me golpeia como um soco violento é a
culpa.
Uma culpa dilacerante. Nunca me arrependi tanto na vida por ter me
entregado à escuridão da devassidão e busca de prazeres. Me tornei o
homem mais corrompido e maculado, indigno de tocar uma deusa que
acabou de sumir pela autoestrada dentro do veículo escuro. Meu sonho
continua sendo inalcançável. Apesar disso, anotei a placa do SUV. Irei
descobrir tudo sobre ela, endereço, família, o que estuda e onde. A cada
passo que ela der, eu estarei lá. Quero saber seu prato favorito no
restaurante predileto e o suco de frutas que prefere ao acompanhar o prato.
Tudo, eu vou decorar cada detalhe do meu destino. Demorou para que nos
encontrássemos, mas certamente não foi o acaso que me fez passar por
aqui, foi traçado e cumprido. Agora não a perderei de vista, mesmo de
longe, ela faz parte do que sou.
CAPÍTULO 4

Hoje estou na casa da minha melhor amiga Jessica e o dia


amanheceu menos cinzento, pois a possibilidade de encontrar o amor da
minha vida novamente é grande. Tiziano DiMateo, seu irmão mais velho. O
conheci antes de frequentar a casa de Jess. Foi amor à primeira vista quando
meu olhar cruzou com o dele.
Acomodada no estofado de veludo da sala de chá da mansão dos
DiMateo, converso animadamente com as mulheres da casa, tentando
camuflar meu coração, que está a mil de ansiedade em talvez poder revê-lo
hoje. Sei que Tiziano tem o apartamento no continente com uma localização
mais cômoda próximo à sua empresa, pois Jessica comentou dias atrás. Fico
imaginando se terei sorte de ter sua presença em qualquer parte da casa, já
que hoje é feriado e provavelmente não deve ter compromissos na empresa.
O que sinto por ele é uma paixão platônica e mesmo sendo uma
garota sonhadora, sei que as coisas não são como um conto de fadas como
eu gostaria.
Ocasionalmente ele a levava para escola no último ano do ensino
médio. Lembro-me do susto que levei quando foi acompanhá-la e o vi pela
primeira vez depois de encontrá-lo naquele posto. Jamais contei a minha
amiga que já o tinha encontrado antes.
Descobri a coincidência depois na primeira semana da chegada da
aluna nova. A instituição de ensino católica é a melhor escolha da elite
veneziana para matricular seus filhos. Dificilmente alguém de fora das
famílias tradicionais vem transferida no segundo mês do ano. Na época,
Jess veio de outro colégio como uma estranha em um ninho de vespas.
Jessica não tem um sobrenome tradicional como a maioria dos
alunos. Os DiMateo a colocaram onde eu estudava porque podiam pagar o
melhor para ela e todos os antigos alunos ao perceberem uma garota sem
‘pedigree’ no meio deles, como já se referiram nas ofensas, acharam um
motivo para isolá-la.
A nossa aproximação veio de uma situação nada agradável.
Intercedi com o diretor sobre um colega que a ofendeu no pátio e ninguém
defendeu a menina. Eu estava chateada aquele dia, pois meus pais
desmarcaram um jantar comigo outra vez, não conseguia disfarçar minha
irritação e quando ouvi as palavras duras sobre sua origem e porque estava
naquela escola, foi a gota d’água. Após o incidente, ela me procurou para
agradecer e começamos a nos aproximar.
Não podia contar para ela que já conhecia e nutria interesse pelo
irmão, pois poderia confundir a amizade.
Jess tem um gênio forte e não admite que as pessoas se aproximem
dela pela fama do irmão, que é um empresário muito famoso não só no país,
mas na Europa. Jamais quero perder nossa relação, por nada na minha vida.
Minha amiga também me salvou. Ela foi um sopro de luz na minha
rotina escura, sempre sorridente apesar do bullying social que sofria
constantemente na escola. Procurava nunca transparecer a dor das
zombarias, assim como eu que sempre distribuo sorrisos doces e
simpáticos, porque se revelasse meus pensamentos depressivos, ninguém
ficaria perto de mim.
Naquela instituição o status vale mais do que a pessoa.
Já havia percebido aquele comportamento desagradável, sempre
observei as pessoas ao redor e questionei se elas se aproximavam de mim
pela minha pessoa ou meu sobrenome.
Aquela época me fazia suspirar de frustração cada vez que eu
entrava pela porta da frente. Os olhares assim que me viam, cochichos,
sorrisos falsos, e constantes convites para aniversários de pessoas que eu
mal conhecia, eram comuns. Mas só elogiavam minha roupa, lugares onde
estive ou qualquer coisa que eu falasse apenas para bajular meu sobrenome
e tudo que ele carrega há décadas e logo em seguida vinha a demonstração
de interesse pela minha privacidade. Isso se torna cansativo quando você
não se vê como os outros te enxergam.
Me analisavam constantemente como o modelo perfeito de popular,
sendo que nunca aspirei nada disso, contudo, acabei desempenhando um
papel de aluna feliz com a vida perfeita, apenas para evitar especulações e
burburinhos sobre mim. Lembro até hoje das conversas das meninas no
banheiro que não sabiam que eu estava trancada em uma das cabines a
alguns metros delas, falando como deviam se aproximar de mim porque sou
uma Malpucci.
Por isso Jessica me faz tão bem, ela é diferente, pois nunca se
aproximou com segundas intenções e sempre senti sinceridade nela. As
meninas de dezesseis anos da nossa sala geralmente buscavam andar na
moda e paquerar garotos, mas Jess não, ela é autêntica, simpática e linda,
não se importa com a opinião alheia. Invejo minha amiga por não se deixar
abater pela crueldade dos nossos colegas.
Nossa amizade prosseguiu firme dali em diante, demorou para me
abrir totalmente com ela sobre meus pais e o modo como sou solitária, é
muito difícil despir essa máscara agradável. Dizer que faço terapia pela
minha depressão também não foi fácil. Tive medo de seu afastamento, invés
disso, Jess abriu as portas da casa e da família para mim e isso não posso
perder. Eles me tratam com tanto carinho e é tão agradável estar entre uma
família de verdade que quase me sinto fazendo parte dela.
Portanto, tenho cuidado quando me deparo com Tiziano. Apesar de
amar estar entre os DiMateo, ver como são unidos, se apoiam e se
preocupam uns com os outros, não devo exagerar nos olhares em direção ao
irmão mais velho. Só quero poder ter um pouco da minha fantasia ao meu
alcance.
Mesmo me sentindo desconfortável quando sua indiferença me
desconcerta, toda vez que nossos olhos se encontram nos compreendemos,
como se a necessidade dele só eu pudesse suprir e vice-versa. Pelo menos
por alguns segundos, depois ele disfarça como pode.
Talvez eu tenha me enganado naquele posto de combustível quando
o conheci. Ele não demonstra nenhum interesse na minha presença, mas
quando estou perto, minha vida fica menos melancólica por me permitir
essa inocente ilusão.
Há três meses frequento a casa dos pais dele e hoje não foi diferente
sua reação. Há pouco ele desceu a escada, estava casualmente vestido, lindo
com o jeans delineando, abraçando as coxas torneadas, a camiseta de
algodão justa mostrando os bíceps tatuados.
Estagnou na mesma hora no final da escada quando viu que eu
estava aqui. Mas, rapidamente seu rosto tomou outra forma, dura e
visivelmente desinteressada.
Silencioso pegou um biscoito e deu um beijo na nonna Olímpia,
sua avó, acenou um cumprimento educado e saiu depressa. Mas esses
poucos segundos foram suficientes para meu pulso acelerar, senti o coração
quase saindo pela boca.
Aquele aceno foi rápido e formal, e minha tentativa de uma
saudação oral audível foi por terra. Fiquei nervosa mesmo que aqueles
olhos azuis turbulentos não estivessem conectados com os meus, emudeci e
minhas mãos gelaram sob a mesa, espero que ele não tenha percebido. Mas
é tão bom vê-lo nem que seja por breves momentos, receio que ultimamente
eu viva apenas para isso.
Pronto para sair, deixo meu quarto e paro por um momento no
corredor. No segundo andar da mansão dos meus pais, na ala dos meus
aposentos e escritório, a brisa circula suave e refrescante. De repente meus
sentidos são totalmente despertados pelo perfume convidativo dos meus
sonhos.
Corro apressadamente em resposta ao aroma, como se minha vida
dependesse disso. Essa experiência sensorial é algo que só encontrei em
meus sonhos e quando Selena Malpucci está na minha presença. Cazzo! Ela
está aqui!
Pedi ao meu pai que me mostrasse as diferentes essências para tentar
lembrar o perfume que sinto ao sonhar. Nem ele, o perfumista mais
conceituado do país, soube dizer qual espécie de cheiro eu me referia.
Lavanda se aproximou, mas ainda não era o perfume. O aroma distinto,
uma mistura de doçura floral, vem do andar de baixo. Ao descer o último
degrau da escada, paro de repente. Inspiro fundo o perfume que me
transmite um relaxamento por algo familiar de serenidade e tranquilidade
reconfortante. Mia ragazza!
Ao conectar nossos olhares, tudo se torna obsoleto pelos segundos
que nos encaramos.
A escuridão de sua alma responde a minha através dos olhos. Minha
boca semiaberta tentando capturar a atmosfera de Selena, me assusta. E ao
lembrar que não estamos sozinhos na sala, ajo rápido para cessar nossa
interação silenciosa antes de ser percebida pelas minhas parentes. Pego um
biscoito na bandeja da mesa de chá e saio em busca de ar. No mesmo
espaço que ela, tenho medo de chamar a atenção em não desviar os olhos de
sua imagem linda.
Sempre planejei o meu disfarce para às vezes que a encontrasse.
Para não parecer um tonto hipnotizado igual naquele primeiro encontro.
Na realidade, desejei encontrá-la inúmeras vezes depois daquele
posto portanto, planejei os mínimos detalhes para isso. Para começar,
investiguei a placa do SUV e descobri tudo sobre a bela ragazza loira.
É filha única de pais importantes no cenário italiano. Mário
Malpucci já foi senador do Parlamento, mas se afastou por motivos que não
consegui me aprofundar. Eles são elitistas e viajam por toda a Europa, por
mais que não os tenha conhecido pessoalmente, sei da educação
conservadora e protetora que ambos mantêm sobre a única filha. Selena tem
acesso às propriedades e fortuna, mas sob a tutela da governanta que a
assessora sob às ordens dos pais.
Conheci todas as suas preferências, hábitos e até uma parte do seu
prontuário médico. Em uma das intercorrências consegui descobrir que ela
entrou em cirurgia aos treze anos por um ferimento grave em casa. Os pais
retornaram às pressas de uma viagem, mas nada mais na imprensa foi
noticiado.
Busquei os mínimos detalhes, Selena prefere peixes em vez de carne
vermelha nas refeições e adora suco de limão. Leva seus horários com
muita seriedade, mantendo-se pontual tanto em casa quanto em seus cursos.
Se veste de forma elegante, preferindo roupas discretas, monocromáticas e
joias sutis. Ela brilha aos meus olhos sem a necessidade de adornos
chamativos ou maquiagem, é perfeita!
Em seus olhos, nota-se uma alma sensível e nobre. Sua paixão pela
arte é clara em suas frequentes visitas a galerias e museus, onde se perde
nas obras, deixando-se levar pelas emoções transmitidas pelas pinceladas.
Ela é uma estudante exemplar, obtendo notas excelentes. Além disso,
aprecia a fotografia e bibliotecas. Toda segunda-feira, desfruta de um café
Mocha enquanto lê um novo livro de Jane Austen na galeria próxima à
praça Ferretto.
Nota mental para adquirir um dos livros da autora, que volta e meia
entra em catálogo na casa de leilões Londrina Bonhams. Conheço o CEO da
Private Equity, que acabou de adquiri-la, certamente não me negará esse
favor pessoal.
Depois de descobrir o básico, para acompanhar sua rotina foi muito
rápido. Cuido dela à distância, e não permitirei que nada de ruim lhe
aconteça, nem que ninguém a toque.
Então decidi ficar mais próximo e encontrei uma desculpa para
conseguir vê-la mais vezes. Já acompanhava à distância em seu curso de
fotografia no prédio próximo a montadora, o tempo era tão limitado que não
resisti em manipular as circunstâncias.
Pensando nisso, optei por colocar minha irmã no mesmo colégio
renomado, no qual minha bella estudava. Havia outra opção de minha
preferência para Jess, mas era a oportunidade perfeita.
O fator que não esperava, foi as duas se tornarem melhores amigas.
Essa nunca foi minha intenção, mas Selena passou a frequentar a casa dos
meus pais e quando me dei conta, ela já estava debaixo do meu nariz entre
minha família. É tão irônico e maravilhoso!
Depois que minha irmã nos apresentou na porta da escola e o
choque inicial foi digerido aos poucos, a tentação se tornou infame e voraz
dentro de mim.
Demorou semanas para encontrá-la frente a frente outra vez.
Durante esse meio tempo, sonhava com ela nas horas mais inapropriadas. A
associação ao clube se tornou obsoleta depois que a encontrei.
Cada dia é mais insuportável olhar para alguém que
desesperadamente desejo e não posso ter. Não consigo mais relaxar o
mínimo que conseguia com meu fetiche, nada mais faz sentido se não posso
pelo menos vê-la por um instante do meu dia. É como se eu precisasse me
nutrir da sua presença. Agora sei aonde quero chegar, preciso ficar com a
princesa onde nada nos impeça de estarmos juntos.
CAPÍTULO 5

Hoje após uma reunião na empresa fui em busca da minha amada,


estacionei à distância para observá-la com sua máquina fotográfica, corpo
ágil e os cabelos longos se movendo e capturando imagens de pessoas
passeando na praça central.
É lindo como o sol reflete naqueles fios, a cortina dourada parece
me convidar para tocar. Qual seria a sensação de escorregar por eles com
meus dedos? Que perfume teriam ao inspirar ao pé do ouvido? Seria um
sonho tão bom acordar com eles no meu rosto depois de fazermos amor.
Cazzo! Seria o céu!
É melhor me aproximar. Vou retirá-la do meio daqueles
playboyzinhos cheios de sorrisos. Meus punhos fecham-se na manopla do
guidão. Preciso impedir rápido, ninguém toca na mia ragazza, Selena é
minha. Decido girar a quadra e surpreendê-la.
Ao retornar com a motocicleta, estaciono no meio fio, acelerando e
roncando o motor da Harley. O rapaz, rapidamente se afasta. Ergo a viseira
do capacete e noto ela soltar um gritinho surpreso.
— Oi, Selena, é esse o seu nome, né?
— Sim, sou eu. — Seu olhar é de muita surpresa.
— Lembra de mim? O irmão da Jessica!
Deixo um sorriso de lado, seduzindo a linda loira que rapidamente
cora tímida. Perfeita essa reação.
— Claro, lembro sim, Tiziano.
Hum, meu nome em seus lábios soa maravilhosamente bem, cazzo!
Que voz doce e suave ela tem.
— Está a passeio? O que faz aqui nessa praça, sozinha? — ela se
encolhe, suspeito que com minha pergunta direta.
— E-eu estou capturando algumas imagens para os meus arquivos, o
clima está lindo nesta tarde.
— Realmente, está um dia perfeito. Conhece aquela turma ali que
estava fotografando? — ainda preciso saber se tem alguém de seu interesse
aqui.
— Não, eu não os conheço, apenas pedi licença para clicar a
interação deles, estavam tão animados.
— Ah, entendi, é uma forma de fazer novas amizades, isso? —
questiono para ver sua real reação e entender um pouco mais da sua
cabecinha.
Assim que a vejo morder o lábio envergonhada, obtenho a resposta.
Ela é mais solitária do que imaginava. Poderia achar isso uma merda, mas
sou um homem egoísta e sedento por seu gosto, e saber que Selena pode ser
só minha faz a fera dentro de mim gritar.
Não consigo responder essa pergunta, o que eu diria? A verdade?
Que sou infeliz e preciso capturar emoções e imagens felizes de outras
pessoas para manter minha sanidade? Não posso contar a verdade do meu
tormento de viver a vida dos outros em imagens, seria taxada de louca,
assim como já ouvi os burburinhos na cozinha da mansão, que sou instável
e amarga e por isso meus pais não me querem por perto. O que ele vai
pensar de mim? Um homem tão seguro e experiente e eu tão deslocada em
minha própria pele.
Controlo minha resposta e nem ouso olhar nos olhos azuis com
medo de que ele enxergue o que não quero demonstrar. Arrumo minha
mochila guardando a câmera e me vejo trêmula ao fechar o zíper. A
presença dele me deixa tão nervosa, não sei como agir e o que falar para o
homem que não sai dos meus pensamentos, e nunca se aproximou de mim
antes deste momento.
— Onde está indo?
— Tenho um curso em pouco tempo, preciso me apressar.
— E seu motorista? Não o vejo por aqui.
— Dispensei, queria andar um pouco — Na realidade queria correr,
gritar, chorar, queria sumir do planeta.
— É perigoso para uma garota inocente sair por aí sozinha. Me diz
onde é que levo você. — De moto com ele? ‘’Eu não te entendo, me diz por
favor o que eu significo pra você, Tizi?’’ Ainda encaro o olhar que me
interroga, mas não consigo negar nada a ele.
— Preciso avisar meu segurança que está no outro lado da avenida
mantendo a guarda.
— Hum... Faça isso, diga que vai até o curso de carona com um
amigo, se ele quiser nos seguir não há nada de mal em uma carona, certo?
Enquanto dígito no celular sinto seus olhos em mim e meu
nervosismo aflora.
— Que horas começa seu curso? Temos tempo para fotografar o pôr
do sol? Sei de um lugar…
— Temos, claro que temos tempo para fotos — Na minha euforia,
interrompo sua fala, provocando um sorriso de lado tão sexy que bambeia
minhas pernas.
Aproximo-me e ele coloca o capacete aberto em mim e antes de
afivelar, ajeita uma mecha do meu cabelo para não prender. Consigo sentir
sua colônia masculina, seu cheiro delicioso de homem e admiro sua beleza
tão de perto. Seu olhar inspeciona cada pedacinho do meu rosto, noto os
olhos se movendo em direção ao cabelo que tocou, ao meu pescoço e minha
boca, para então encarar meus olhos.
Ele afivela o capacete e coloca os óculos escuros.
— Perfeito, pode subir.
Me acomodo na garupa e a mão quente pega a minha esticando ao
redor de seu corpo másculo. Tiziano puxa minhas pernas me fazendo chegar
ainda mais perto, me deixando maluca pelo contato. Ao apalpar minha
coxa, chama a atenção sob o som do motor ligado.
— Segure-se firme em mim até chegarmos no local.
— Você não costuma correr muito, não é?
— Não, fique tranquila. Está segura comigo.
Ele todo é quente, apesar da jaqueta de couro sinto seu calor, a
rigidez do corpo e o cheiro bom que ele exala. Queria que o trajeto não
tivesse fim, dessa forma eu ficaria eternamente colada no corpo enorme
como um abrigo contra tempestade, me sinto segura e em paz aqui.
Nunca tinha andado em uma motocicleta e sei que jamais me
esquecerei dessa carona. O vento, o ronco do motor e o homem por quem
me apaixonei é o combo perfeito de felicidade.

Tiziano, depois de uma subida de alguns minutos, estaciona em um


mirante onde a vista das casas lá embaixo é espetacular, adiante apenas o
oceano e o sol se recolhendo para a noite entrar em cena.
Minha empolgação faz com que eu desça da motocicleta já abrindo
a mochila para pegar minha máquina fotográfica. Depois de alguns cliques
do horizonte se transformando a cada segundo, olho sobre o ombro atrás de
mim.
Ele está escorado sentado sobre a moto, admirando a paisagem
também, suponho, porque seu rosto é de total concentração.
— A vista é incrível, Tiziano! — exclamo.
Até penso que ele não ouviu minha voz, mas em instantes ouço sua
aproximação, um pouco atrás, mas ao meu lado.
— Concordo.
— O sol beijando o mar é apaixonante! — continuo.
— Como dois amantes — completa ele.
Olho para ele que não desvia do espetáculo, então volto a fotografar.
Ouço seus passos no cascalho se aproximando.
— As cores parecem se fundir, pois o azul forma um duo poderoso
com o laranja e mostram que se complementam como ninguém. Por
estarem em lados opostos do círculo cromático, as cores compõem um
equilíbrio visual rico e pra lá de harmônico. Azul do mar e laranja do sol.
— Ele encara meu rosto surpreso e dá um sorrisinho.
— Realmente o azul e o laranja são um conjunto clássico de beleza.
Você pinta telas nas horas vagas? Entende tanto de cores.
— Não, mas meu trabalho ao criar um projeto de customização em
uma motocicleta engloba cada detalhe, principalmente as cores. Precisei
fazer um curso de colorimetria para aprimorar as artes. E você, pinta além
de fotografar?
— Sim, às vezes gosto de me aventurar. É relaxante e estimula a
criatividade. Mas ver a arte da natureza é de perder o fôlego. — Clico mais
algumas vezes a paisagem espetacular totalmente fascinada por ela.
— Posso fazer uma pergunta pessoal?
Baixo a máquina fotográfica, mas Tiziano não desvia o olhar do
espetáculo. O que passa pela cabeça desse homem?
— Faça! — respondo segura, mas por dentro o receio me toma por
completo.
— Já tiraram seu fôlego? — Que pergunta estranha!
— O ... o que quer dizer?
— Desculpe, eu não queria te constranger, deixa pra lá — Gostaria
de continuar a conversa, mas não sei como me comportar na presença dele.
— Tudo bem, só não compreendi o que quer saber realmente.
— Já foi beijada, assim como o sol beija o mar nesse momento?
Dessa vez meu olhar se amplia. Apesar de estar desconcertada com
essa ousadia, melhor respondê-lo.
— Sim, já fui beijada.
— E como foi, Selena?
Olho o horizonte mais uma vez tentando entender o homem ao meu
lado.
— Foi normal.
— Normal?
Volto a clicar com a máquina tentando demonstrar uma naturalidade
em um assunto que não sei qual a finalidade.
— Sim, nossos lábios se tocaram e aconteceu.
— Hum… — Com essa resposta segura, pode ser que o assunto
acabe aqui. Clico mais uma vez até ouvir sua voz baixa e rouca mais
próxima ao meu ouvido me atordoando por completo.
— Os lábios se tocaram primeiro de maneira suave, depois ele
lambeu seu lábio inferior, você arfou e abriu levemente a boca, então ele
aproveitou e encontrou sua língua ao prová-la chupando seus lábios com
voracidade?
Meu corpo se arrepia inteiro, como se sua voz e a rouquidão
fizessem carícias na minha pele. A pulsação retumba ao meu ouvido como
um tambor. Seguro firme a máquina que empunhava agora sem utilidade,
estou paralisada ouvindo Tiziano descrever um beijo, ou está me
perguntando?
— Não! Não foi assim! — respondo sem fôlego, mas tentando
manter o controle das minhas reações. Meu ímpeto em rebater me deixa na
defensiva e não consigo me mover enquanto inspiro seu perfume suave de
limão e algo mais.
— Ele não segurou sua nuca para melhor saboreá-la?
— Não!
Tiziano em um gesto rápido, pega a máquina fotográfica da minha
mão. Meu fascínio em acompanhar sua presença dominante, seus
movimentos e seu rosto me fitando me deixa zonza. A mão quente envolve
a minha e permito sem resistência quando ele a segura tirando de mim.
— Não tocou seu corpo e acariciou sua pele? Não foi além do beijo,
Selena?
— Não! Por que está fazendo isso?
— As carícias são uma forma de arte, o sexo entre dois amantes é a
mais profunda expressão artística que existe no universo. Estamos falando
de arte, não estamos?
Aceno afirmativamente confirmando sem palavras como se eu não
estivesse confusa com essa situação.
— Me ensina? — Pisco as pálpebras surpresa. O que ele quer que eu
ensine?
— O que disse?
— Me ensina a fotografar, quero capturar esse momento.
Rapidamente ele se posiciona de costas focando o horizonte, me
deixando aparvalhada, assimilando como mudamos de assunto tão rápido.
Respiro longamente buscando calma e concentração para ajudar o homem a
destravar minha máquina Leica S3.
Equilibro meu corpo nas pontas dos pés e guio por trás dele a
dinâmica da máquina, em certo momento me vejo abraçando seu tronco
para ensinar os botões de foco e disparos automáticos. Quando vejo que
aprendeu, me afasto. No entanto, Tiziano gira rapidamente capturando fotos
minhas me deixando envergonhada. Escondo meu rosto com as mãos rindo,
mas é um riso nervoso. Ninguém me fotografa.
— Ei! Se posar para mim, deixo que me fotografe também — fala
ainda clicando em minha direção.
— Não sei posar, nunca fiz isso!
— Selena, por favor tire as mãos do rosto, fique de costas, gire,
dance, qualquer coisa, mas não se esconda de mim.
Faço o que ele diz, mesmo sentindo o rubor esquentar as bochechas,
tímida desvio de seu rosto e olho para o sol na metade do seu percurso de
encerramento do espetáculo.
— Selena!
Atendo rápido ao seu chamado que se move a uma distância melhor,
para fotografar o pôr do sol e a mim diante dele.
— Faz de novo! — ordena.
— Como assim?
— Balance seus cabelos!
Uma risada sutil me escapa. Tiziano agindo como um fotógrafo
profissional, quem diria! Faço um movimento apenas girando em meus
próprios pés.
— Isso! Gire mais rápido! Outra vez!
Aos poucos começo a girar no mesmo lugar e em segundos pareço
uma criança de braços abertos girando e rindo em total sintonia com o
momento. Alguns bons giros depois e a tontura previsível surge, mas antes
de cair um braço robusto me ampara pela cintura. Os sedutores olhos azuis
me encaram de perto, quase tocando o nariz no meu.
É como um sonho! Um príncipe salvando sua princesa do perigo de
uma queda. Sinto cada detalhe, a mão espalmada nas minhas costas, o hálito
fresco de menta, o peitoral colado ao meu, seu aroma pungente parece de
um pomar em dia de chuva. É isso! Floresta e limão é um perfume
delicioso! É um sacrifício enorme não mover minhas mãos para tocar sua
barba, gostaria muito de provar a sensação dos fios loiros sob minha palma.
— Não caia, micina!
Com essa frase rouca ele se afasta devagar e me entrega a máquina.
— As fotografias devem ter ficado lindas! — consigo expressar
apesar do espanto em ouvir ‘gatinha’. Ele me acha uma gatinha? Ou é o
jeito dele em tratar as garotas?
— Podemos dar uma olhada? — pergunta empolgado.
— Podemos sim.
Andamos lado a lado até a motocicleta e Tiziano senta como se
fosse um banco e faz sinal para eu fazer o mesmo ao seu lado.
— Me mostre!
Obedeço, acionando o arquivo do cartão de memória. Tiziano se
aproxima e estremeço quando retira meu cabelo do ombro para poder
enxergar. Coloca seu braço apoiado no banco como se fosse me abraçar, o
calor do seu corpo envolve o meu e o soprar de sua respiração em meu
pescoço me rouba o fôlego.
As fotos realmente ficaram muito boas, minha figura diante do sol
se pondo e os cabelos no ar parecem uma pintura.
— Você leva jeito como fotógrafo.
— O cenário ajudou... E a modelo muito mais, posso ficar com elas?
— Giro meu rosto rápido e surpreso em sua direção. Foi um elogio?
— Posso te dar o cartão. Tenho cópias na nuvem, elas vão
diretamente pra lá. — Por que ele quer as fotografias? Claramente o motivo
não sou eu.
Retiro o cartão de memória e lhe entrego. Pela segunda vez me
concede um daqueles sorrisos estonteantes quando agradece o gesto.
— Acho que vai se atrasar para o curso. É melhor irmos.
Meu semblante decepcionado me trai, não queria que esse passeio
terminasse, mas, aceito a mochila quando ele me entrega para guardar a
máquina.
O retorno é rápido, apesar de uma certa velocidade na descida da
rodovia, vez ou outra Tiziano se assegura de que estou bem-posicionada.
Toca minhas mãos para ver se estou segurando firme e também minhas
coxas, para verificar se as mantenho apertadas em seu corpo.
Queria que esse momento feliz se tornasse uma realidade diária na
minha vida, seria meu conto de fadas perfeito!
Ao estacionar na frente do prédio do curso, ele mostra preocupação
ao perguntar se estou segura para voltar para casa. Explico em poucas
palavras que Salvatore sempre está por perto e que ligarei para o motorista.
Agarro seus ombros pra descer da máquina e quase perco o fôlego
quando o braço me auxilia me guiando involuntariamente para perto dele.
Tento tirar o capacete, mas vendo ele me prender em seu braço forte,
tão próximo, desisto de qualquer ação. Sinto a respiração pesada e nossos
olhos passeiam pelas bocas um do outro, meu sonho será ainda melhor
assim que esse beijo acontecer. A despedida perfeita para um dia
maravilhoso.
— Deixa que eu tiro pra você.
Seus dedos tocam meu pescoço enquanto ele desata a fivela e roçam
minha pele arrepiando cada pedacinho do meu corpo.
Sua respiração é tão profunda e seus olhos tão intensos em mim que
parecem me pedir algo. Seu polegar toca meu queixo e lábio de maneira
gentil. Ouço Tizi novamente inspirar puxando o fôlego profundamente.
Balanço meus cabelos quando ele segura o capacete e afasta com a outra
mão.
Os fios tocam seu rosto sem querer e o vejo sorrir aberto dessa vez.
É um sorriso doce e feliz que me deixa encantada. Ele apoia o capacete no
guidão e afasta uma mecha atrás da minha orelha. Se inclina levemente e
fecho meus olhos aguardando seu toque. Ele parece cheirar os meus
cabelos. Seu fôlego aquece a pele sensível do meu pescoço provocando um
frenesi louco dentro de mim.
Abro meus olhos novamente para vê-lo me observando de perto. Se
aproxima e beija de modo singelo meu rosto. Antes de se afastar fala em
meu ouvido arrepiando cada centímetro do meu ser.
— Se cuida micina!(gatinha) Não volte para casa sozinha, não
espere seu motorista aqui do lado de fora.
A decepção é enorme, essa despedida é gentil e cuidadosa como de
um irmão mais velho e não de um príncipe encantado.
Em seguida o ronco do motor uiva um lamento e acelera sumindo na
avenida me deixando parada em frente ao local do curso. Mas o que eu
queria? Que ele me beijasse? Isso nunca vai acontecer, Selena, Tiziano
provou hoje como te vê realmente, uma menina sonhadora e iludida, que
nunca foi beijada de verdade por um homem. Não sonhe com ele!
Esqueça-o! Acorde dessa ilusão garota!
Acelero ainda sentindo um formigamento por todo o meu corpo.
Quando segurei a mão delicada apesar de gelada, atingiu uma corrente
elétrica na pele, queria manter a minha mão calejada sobre a dela, aquecê-la
em um calor possessivo. Ela era minha nessa garupa, seu corpo colado e
seus braços e pernas ao meu redor como sendo parte de mim.
Não era só o perfume que me excitava, era a visão no retrovisor dos
fios longos ao vento, os cabelos que sonho em me enroscar. Sua confiança
em gestos me dizendo que mia ragazza estava comigo.
Era minha, somente minha.
Meu corpo incendiou com seu aperto pela velocidade da
motocicleta, e começou a aquecer inteiro, senti meu pau latejando dentro da
roupa e meu pulso acelerado. Tive que me concentrar o passeio todo, pois
meus sentidos são tomados por ela quando dividimos o mesmo espaço,
fazendo com que eu perca totalmente o foco para outras coisas ao meu
redor, além de Selena.
Estou em uma encruzilhada crucial, dividido entre duas forças
poderosas. Tenho uma paixão avassaladora que me preenche de prazer e
gratificação instantânea, mas estou consciente de que se me entregar a esse
sentimento, causarei danos irreparáveis.
É difícil ignorar.
Não consigo resistir ao meu desejo desenfreado. Sei o que é certo a
longo prazo, mas não sinto vergonha por essa atração obsessiva.
Selena é uma mulher, o que me preocupa é que as pessoas me vêem
como um CEO desejado por várias mulheres, mas nunca comprometido
com uma única pessoa. Não é que eu queira manter isso, mas entendo como
a mídia pode afetar a mente de uma garota de dezessete anos. No entanto,
assim que completar a maioridade vou tirá-la desse lugar onde ela passa a
maior parte do tempo sozinha.
Selena não sabe, mas ela já é minha muito antes de entender o que é
um relacionamento para a vida inteira. Depois que a tiver, não a libertarei
nunca mais, será o meu momento de calmaria após a tempestade.
Mas agora preciso encontrar uma maneira de equilibrar meu
impulso em estar perto dela, pelo menos até completar dezoito anos. Esse
passeio testou meus limites. Quando paramos e descobri que ela ligaria para
o motorista, confesso que implorei em pensamento para que dissesse que
ninguém a buscaria, eu estaria lá e sei que não seria para casa dela o
destino, a levaria para qualquer outro lugar que pudéssemos ficar sozinhos
sem prazo nem interrupção. Sem pensar duas vezes, poderia subornar
aquele segurança dela, esse seria o menor dos meus problemas.
Mas é melhor me conter e guardar os detalhes do passeio na
memória.
Como quando Selena balançou os cabelos, fazendo a maciez e o
perfume gostoso dos fios me atingirem em cheio, provocando uma
transmissão direta com meu desejo mais profundo. Quase perdi o controle.
Mirei aquela boca cheia e umedeci a minha, descontrolado para reivindicar
os lábios corados. Eu estava pela porra de um milésimo para devorar minha
bella de cabelos dourados.
Sei que Selena estava afetada também, mas devo pensar
racionalmente por nós dois. Pela primeira vez, devo admitir que Mirko tem
sua posição em relação a minha compulsão.
Cazzo, vou ter que arranjar uma boa psicóloga, e uma que ainda se
sujeite a um contrato de confidencialidade além da questão paciente e
terapeuta. Preciso tirar de dentro de mim esse animal com sede de sexo e
depravação. Fui ao médico que ele me indicou, mas não consegui me
adaptar, então não deu para continuar as sessões.
No entanto, Selena é a motivação para tentar novamente um
tratamento que me ajude.
Como poderei ficar com mia ragazza sendo que ela não sabe nem o
que é um homem viciado no hedonismo como eu sou?
Posso mentir para muitos, mas não para mim mesmo. Depois de
tantos anos tomei consciência que sou pervertido e a pior parte, é que
mesmo amando-a loucamente, não consigo deixar de imaginar como seria
cada perversão realizada naquele corpo delicado feito só para mim.
Ao invés dela calar esse lado obscuro, eu a sinto instigando e
aumentando essa latência compulsiva que possuo.
Penso como seria entrar no clube e tê-la em uma sala privada me
aguardando como minha mulher com a barriga distendida acolhendo nosso
filho, emoldurada pelos seus cabelos longos iguais a Vênus de Botticelli,
para me alimentar dos seios perfeitos e cheios.
Puta merda! Só a idealização dela comigo em algo tão íntimo
desperta a fera que guardo sob a pele. Desejo isso com ela, mas para que
aconteça, devo tirar muitas loucuras que minha mente alimenta. Então, se
preciso tentar os terapeutas outra vez, terá que ser agora.
A porra mais fodida é que essa tarde vai me assombrar em todos os
momentos dos meus dias, até conseguir ter minha loira embaixo de mim,
tomando tudo o que sou.
A ragazza(garota) é inocente e merece algo diferente, mas merece
que venha do seu homem, eu. Preciso levar a sério o tratamento, está
decidido, mas também vou conquistá-la e quando ela completar seus
dezoito anos, tomarei o que é meu. E para isso farei desse um ano, que o
seu mundo comece e termine em mim, como o meu começa e termina
somente nela.
Está na hora de costurar o nosso destino com linha de aço.
CAPÍTULO 6

Hoje eu e Jess iremos a uma festa de um conhecido, minha amiga


está em uma missão para que eu me divirta mais. Estamos nos arrumando
na casa que meus pais mantêm no continente para ser prática nossa
locomoção. Jessica ordenou, como uma boa mandona que é, todo o meu
look. O vestido que estou usando a pedido dela é vinho com detalhes que se
ajustam ao meu corpo como se fosse uma segunda pele, não entendi o
exagero, mas obedeci. Nos pés saltos doze centímetros iguais aos dela,
prefiro tênis, mas, não consegui negociar, só a maquiagem suave foi a
minha escolha.
Sinto-me receosa de usar esse tipo de roupa por não ter muito seio e
curvas, mas Jess me incentiva a ser confiante assim como eu a incentivo.
Na verdade, me sinto sem graça pois quem eu quero que se interesse, posa
nos tabloides dos eventos com mulheres curvilíneas. Dio Santo (Santo
Deus), Selena! Tente se distrair um pouco, hoje você vai sair pela Jess e por
você também.
Mais uma conferida no espelho e me sinto pronta.
Assim que giro e enxergo Jessica. Choque total! Meu queixo vai ao
chão! Ela está na minha frente em um vestido curto mostrando suas coxas e
pernas grossas definidas, com um scarpin stiletto preto poderoso. Dio! As
pernas e a bunda dela ficam magníficas nesse salto. E para matar de vez, o
vestido curto estilo tailleur Chanel azul, é de um tecido nobre que marca
seu corpo e deixa seus seios, que são maravilhosos e fartos, bem marcados.
Caramba! Minha amiga parece uma femme fatale (mulher fatal). Seu
olhar destila sedução. Ela anda desfilando, fala de forma baixa e sensual,
seus gestos são naturalmente sedutores de uma maneira não vulgar, mas sim
quase como uma pantera. Sempre soube o futuro de Jess, ela é de uma
beleza quente e convidativa, sei disso porque a observo de fora e vejo o
quanto ela chama a atenção masculina quando andamos juntas. Prontas,
seguimos para o local. Achei esquisita a desculpa que ela deu para o meu
segurança que aceitou sem questionar que eu fosse no carro com o
motorista de Jessica. Quando questionei se ela pagou o silêncio de
Salvatore, ela apenas sorriu e deu uma piscadela marota.

O ambiente apesar de um espetáculo de sofisticação está repleto de


jovens bêbados, alguns suados e fedorentos. A mansão, com seus amplos
salões decorados com bom gosto, se transforma em um oásis de garotas e
garotos desvairados pelo álcool. Jovens antes elegantes em seus uniformes
escolares, agora se reúnem em trajes ousados, enquanto as luzes neon e a
música pulsante criam a atmosfera perfeita para eles.
O som de risadas e conversas altas ecoam pelos salões à medida que
a maioria desfruta de coquetéis artesanais e aperitivos gourmet servidos por
garçons impecavelmente vestidos.
Uma pista de dança sofisticada dentro da grande sala é o centro das
atenções, com um DJ talentoso comandando a música, mantendo todos
dançando como em um show de corpos aglomerados. Os jardins bem
cuidados oferecem refúgios para aqueles que desejam uma pausa do som
alto.
Ao lado leste da mansão, a piscina aquecida reluz sob a iluminação
noturna, convidando os mais atrevidos a dar um mergulho refrescante.
Essa festa não é nada do que estou acostumada a frequentar.
Para completar, Jessica está aos poucos se soltando na bebida,
minha amiga sorri e brinca cada vez mais descontraída.
Durante as horas que se passam, vejo o capitão do time de futebol
vidrado nela. Andei reparando faz tempo, é por esse motivo que as líderes
de torcida a perseguiam, notavam também que a atenção dele é bem
indiscreta.
Ele a acompanha com o olhar, em todos os lugares exatamente como
fazia na escola. Ela está muito animada, bebericando aqui e ali, começo a
me preocupar quando percebo o tio do dono da festa, engolindo Jess com os
olhos me deixando ainda mais apreensiva. Não posso descuidar dela em
nenhum minuto, pois pode se tornar perigoso esse ambiente num piscar de
olhos.
Não tinha a mínima ideia em vir a esse lugar, por mim ficaríamos na
minha casa vendo filmes e nos enchendo de porcarias, mas minha amiga
estava tão eufórica, não podia negar essa diversão a ela. Vários garotos me
abordam, porém não dou brecha, finjo que Jess quer minha companhia,
contudo sei bem que o motivo para não me envolver é outro.
Enquanto dança ao meu lado, Jess provoca os rapazes com
movimentos sensuais ao ritmo da música, o que faz o garoto do futebol,
Allan, se aproximar interessado. Apesar de ela dizer que não quer nada com
ele, dançam de maneira envolvente e movida pelo efeito da bebida,
aceitando as investidas do rapaz. É quando Allan a convence em
acompanhá-lo que entro em desespero tentando impedir. Seguro firme o
braço dela tentando afastá-la dele.
— Jess, venha comigo. Você bebeu demais, amiga!
— Ei boneca, deixe sua amiga se divertir. Não vamos demorar.
Tento separar os dois, mas ela não se dá conta do perigo. Dança de
modo sensual ao som da melodia de Ariana Grande, enquanto Alan que é
muito maior em tamanho, agarra seu corpo.
— Pare! Se afaste dela, Jessica não está bem!
Sinto que o desespero faz meu coração pular dentro do peito, pois
não consigo afastá-lo. Até que um anjo da guarda aparece.
— Alan, que bom que te encontrei! — A voz de Vance o afasta da
minha amiga e eu a puxo para perto. — Estefânia está procurando por você,
disse para ir até o segundo andar que uma surpresinha o aguarda.
Vejo Alan sorrir, enquanto Vance joga um braço sobre seus ombros
a fim de cochichar algo o fazendo gargalhar. Este se afasta apressado
enquanto Vance nos guia para fora.
— Vamos, Selena, vamos tirar nossa amiga daqui.
— Obrigada, Vance. Não sei como agradecer.
— Não se preocupe com isso, agora.
Vance Mollieri é de longe o garoto mais popular da fraternidade
jovem de Veneza. É um rapaz lindo de verdade, não posso negar isso. Não
sou hipócrita em não perceber tal coisa. Ele possui uma beleza natural, com
traços definidos e expressivos. Tem um porte atlético, não é muito alto, no
entanto possui uma elegância ao se vestir. Tem um ar soberbo como se não
precisasse de ninguém. Seus cabelos escuros, talvez um pouco mais longos
do que o usual, são perfeitamente desalinhados, como se ele não se
importasse com as convenções sociais. Os lábios finos e corados sempre
mostram um sorrisinho sexy e travesso, às vezes me desconcerta porque
chamam meus olhos um pouco mais para eles.
O conheço há algum tempo, me acostumei com seu jeito cínico e
expansivo, nos damos bem. Ele é amigável e prestativo quando se aproxima
de mim.
Sou completamente apaixonada, de forma insana por Tiziano, mas
isso não me impede de apreciar a beleza de outros homens. Além de bonito,
Vance é sempre educado e gentil quando conversamos, trata tanto a mim
quanto a Jess com respeito e gentileza.
Ao chegarmos no lado de fora, a brisa da noite é um alento a bêbada
que parece despertar. O que é pior porque a atrevida quer retornar para
dentro. Encosto seu corpo na mureta da área externa soprando seu rosto e
tentando conversar com ela.
— Ei, Jess! Você está bem? — Ela parece estar em outro mundo,
canta a música Summertime Sadness que está retumbando do lado de
dentro, movendo o corpo como se ainda estivesse lá.
— Vou pegar uma água pra ela, aguenta firme, Selena. Não deixe a
Lana Del Rey cair!
Acabo soltando um riso da piada de Vance.
— Jess, é melhor chamar alguém para nos buscar.
— Hum — murmura sem muita percepção do meu aviso.
— Não devíamos ter vindo nesta festa. — Dio! (Deus) Ela vai me
colocar em encrenca, pior vai nos colocar em encrenca. Ela não vê como
tem uma porção de tarados a cercando querendo um pedaço seu?!
Vance retorna esbaforido com uma garrafinha de água, abrindo o
lacre me alcança e bebe um gole da sua bebida.
— Vou levar vocês para casa.
— Não! Melhor eu chamar o pai dela. Não quero ter problemas com
a família da minha amiga.
— Ah sim, tem razão. Não queremos escândalo nos tabloides. Não
deviam ter vindo nesta festa. Se fosse nas que eu costumo organizar na
minha mansão, não teríamos preocupações. Costumo pagar bem para a
mídia não se envolver.
Vance se senta na mureta enquanto molho a nuca de Jess. Estamos
na parte de trás da propriedade onde a festa ocorre, onde foi organizado o
estacionamento.
— Foi a Jess quem insistiu em vir. Aliás, não tenho certeza se a
família dela sabe.
Vance solta um assobio e bebe outro gole do copo que trouxe ao
retornar com a água.
— Vocês estão fodidas, Selena. Amanhã as fotos de Jess estarão em
todos os sites de fofoca. — Ele pega seu celular. — Deixa eu ver se já não
postaram o vídeo dela dançando sobre a mesa lá dentro.
— Vance! Será? — Minha garganta seca e olho minha amiga
cantando ao usar a garrafinha como microfone.
Não contenho meu sorriso nervoso ao perceber que a pior parte é
que ela até bêbada seduz, parece que o olhar dela fica mais carregado e
pesado de sensualidade... ah merda! Tio Nicola e tia Olívia vão me matar
por trazê-la para cá. Se bem que foi ela quem me trouxe.
— Selena, acha que ninguém filmou a cena?
— Ah! Dio Santo (Santo Deus)! Que azar!
Ele ri divertido ao procurar no celular.
— Nossa Lana Del Rey bêbada teve sorte, nada nas redes, por
enquanto — profere ao me oferecer um gole de sua bebida, mas nego. —
Tem certeza que não quer que eu leve vocês?
— Não! Melhor eu tentar resolver isso.
— Shshsh! calem a boca vocês dois, minha cabeça dói — reclama
Jess.
— Ah, abusada! Claro que dói, exagerou no álcool!
— É, enchi a cara. Glup! Diversão, lembra? — ela sorri de lado
levantando o canto da boca desenhada.
Um garoto ainda mais ousado que Alan se aproxima:
— Querem ajuda para chegar em casa? Seria um imenso prazer.
Hum Jess, você é um pecado! — Mas que cretino cara de pau!
Viro furiosa para responder, mas Vance interpela o tarado com seu
carisma, pedindo que vá buscar outra bebida para ele.
O rapaz sai feliz da vida como se o papa tivesse pedido um favor
pessoal.
— Como você faz isso? — pergunto ao vê-lo se recostar outra vez
ao nosso lado com seu sorriso convencido.
— O quê?
— Como consegue manobrar as coisas ao seu favor sem que as
pessoas se deem conta disso?
— Prática, eu acho — revela com um sorriso maroto.
— Grata pela ajuda, preciso chamar o segurança pessoal dela para
nos buscar.
Ele assente com um aceno me encarando firme. Os olhos negros têm
um brilho cintilante, deve ser o álcool. Desvio para Jessica cantando e
pergunto pelo seu telefone.
— “I’m feeling electric tonight”...(Estou me sentindo elétrica esta
noite) — canta ela alto de modo espalhafatoso.
— Me dê o seu celular, amiga, vou ligar para o seu segurança.
— Meu segurança não! Liga para o meu motorista… fiz um trato
com ele — responde aos soluços.
Rolo os olhos ao pegar o aparelho na pequena bolsa. Quem mais eu
poderia chamar nessas circunstâncias? Jess não circula sem aquele armário
ruivo engravatado. O telefone chama algumas vezes e ele atende…

“– Alô?
– Sim, senhorita Malpucci, onde está a senhorita DiMateo? Estão
juntas? — Ah! Merda! Esse é o tal segurança! Tiro o telefone do ouvido e
confiro a tela. Eu liguei certo, por que o outro atendeu? Respiro fundo e
solto a bomba…
– Então, precisamos ir para casa, Jess bebeu um pouco e... -
– Bebeu, onde vocês estão, afinal? — Dio (Deus)! Eu sabia que ela
não tinha contado para ninguém sobre a festa. Falo tropeçando as palavras
quase em pânico:
– Passamos numa festa de um ex-colega de escola. Nada demais.
Mas ela está bem, não vou me afastar dela, não se preocupe. Passo a
localização por mensagem.
– Certo. Estou a caminho imediatamente.
Sinto o alívio misturado a um pressentimento que vai sobrar pra
mim essa fuga dela. Mesmo não tendo culpa sinto que vai dar ruim.
— Obrigada.”

— Vance, poderia esperar aqui conosco até nossa carona chegar?


— Claro, Selena. Mas sugiro que faça nossa Lana Del Rey botar um
pouco de álcool para fora.
Assimilo a dica concordando com a ideia. Jess não pode chegar em
casa desse jeito. Arregalo os olhos, vendo-a rodopiar ao nosso lado,
cantando de olhos fechados. Agarro seu braço e a guio para a beirada da
mureta.
— Jess, você precisa vomitar.
— Quê?
— Vomita, o seu segurança está vindo e você precisa estar bem.
— Não, eu não ...Glup... Vomito! — retruca com cara de nojo dando
um passo em direção a porta.
— Jess, pell'amore di Dio (pelo amor de Deus), quando chegar
bêbada assim seus pais vão me culpar! Você não me disse que vinha a festa
sem avisá-los!
Vance se põe ao lado de Jess impedindo caso ela queira voltar para
dentro.
— Shshsh eu... Não adiantaria pedirrr para sair… você não tem c-
culpa! Eu menti! — A gargalhada dela chama atenção dos grupinhos que
estão na área externa conosco.
Vance segura o riso.
— E você Vance! Belo amigo, hein! Rindo da minha desgraça!
— Desculpa, Lena. A cantora está me divertindo, não posso evitar.
Jess começa a falar frases cortadas me desesperando ainda mais.
Vemos um carro da polícia estacionar e um policial subir a escadinha da
área sondando o ambiente. Mas quando vê que não há nada demais,
embarca no veículo e vai embora. Maldita hora que aceitei vir!
— Lena, não se culpe, ninguém leva uma pessoa obrigada para lado
algum! E muito menos a princesa teimosia — tento segurar o riso, mas
acabo soltando uma gargalhada. Jess é geniosa, difícil dizer não a ela.
Aguardamos juntos quase meia hora, mas é compreensível, a equipe
de segurança está na ilha e se Jess fugiu ninguém sabia que estávamos no
continente, fora o motorista ao qual a espertinha deve ter subornado
também.
Engano-me redondamente, quando a Land Rover preta aparece e
para no estacionamento improvisado, fazendo todos os meus pelinhos
eriçarem. Poucos percebem a aproximação dos dois homens grandes e
intimidantes que estão saindo de dentro dela.
A maioria está concentrada em se divertir ou achar um par.
O semblante sério e exigente de Tiziano contrasta com o ar gelado e
indiferente que irradia do irmão ao seu lado.
Agora a situação se elevou a uma tragédia sem tamanho, Dio Santo
(Santo Deus)! O que será de mim?
CAPÍTULO 7

Não ouso desviar os olhos da imagem imponente que os dois exalam


na noite. O loiro caminha seguro e sobe os degraus da escada trazendo um
olhar distante, e a cada passo meu coração trepida junto.
Ele chega próximo a irmã e olha inspecionando tudo ao redor. Os
jovens se amassando nos cantos, as rodinhas bebendo, a porta com as luzes
neon piscando no interior da casa. Ele parece uma águia predatória à
procura do responsável pela festa, essa é sua caça!
— Onde está o responsável por essa festa?
Gabrielle ignora a todos ao seu redor, e em um único movimento
pega a bolsa que Jess girava como uma rédea.
— Tiziano, vamos embora, Jessica está girando feito um cata-vento.
Deploravelmente bêbada!
— Gabrielle, bêbada seria o de menos, não sabemos o que foi dado
a ela. Olha só para o estado da nossa irmã, parece uma drogada em euforia.
Exijo saber, quem está envolvido na porra desse hospício? Onde está o
dono?
— Deve estar comendo alguém no andar de cima — responde Vance
ao meu lado.
Tiziano fuzila meu amigo, trincando os dentes e estalando o
pescoço.
— Eu conheço você?
— Acho que não fomos apresentados. Vance Mollieri, ao seu dispor,
senhor DiMateo. — Meu amigo mesmo com um sorriso aberto não estende
a mão em cumprimento e Tizi muito menos.
Olho de um para o outro como uma barata tonta aguardando um jato
de veneno ou uma bofetada de algum deles.
Tiziano inspira fundo, visivelmente controlando sua fúria,
modulando sua voz em um tom neutro.
— Você conhece o responsável por isso, então? Quero falar com ele.
Onde já se viu uma festa regada a álcool e outras merdas sem supervisão de
idade. Tem menores aqui. Colocando as garotas em risco de... Cazzo! Nem
quero imaginar. E você, Selena! Não tem medo de estampar os jornais de
amanhã?!
— Por que ela teria? — Vance indaga o barbudo que se aproxima
mais com o dedo em riste rangendo os dentes.
— Fique fora disso, garoto!
— Que eu saiba o risco de a mídia chegar só ocorreu depois que
você estacionou. Acho que as páginas de amanhã terão fofocas muito mais
interessantes para vender jornais. “Bilionário italiano dá ataque de
estrelismo em festa de arromba.” — explana Vance com as mãos como se
fosse uma grande manchete. — Estou errado, senhor DiMateo?
Olho ao redor apreensiva, alguns na área externa começam a
acompanhar a discussão. Sinto o calor no meu rosto. Que vergonha!
Observo Gabrielle conduzindo Jess em direção a escada logo atrás, e escuto
a bronca.
— Vamos Jessica! Você já deu problemas demais para nós e para si
mesma.
Ergue seu olhar e analisa meu amigo Vance com cuidado.
Tiziano com as mãos fechadas em punho do lado do corpo parece
um cão raivoso preso na coleira, nada responde, só nos encara.
— Fique tranquila Selena, sua amiga está bem! Vou levá-la para
casa em segurança, pois já está tarde, permita-me buscar o meu Porsche,
fique aqui — avisa Vance colocando a mão no meu ombro e se afastando
numa corrida até seu carro no pátio.
Olho para Tiziano que foi até a irmã perguntando a ela de um modo
protetor se está bem. Conversa algumas palavras com o irmão que aperta
seu braço instando com ele algo que não escuto. Os DiMateo agem com
rapidez ajudando Jessica com os três degraus até o gramado, isso me
acalma bastante quando me aproximo do topo do primeiro degrau. Minha
amiga vai ficar bem, ela tem uma família preocupada e atenciosa para
ampará-la.
Vance retorna e acena ao abrir a porta saindo do carro. Movo minhas
pernas descendo também, seguindo em direção ao veículo vermelho de meu
amigo.
— Selena, onde você pensa que vai?
Me assusto com o timbre afiado da voz grossa que nem sequer me
encara de tão desgostoso.
— Tiziano, vamos embora! Já deu por aqui! — fala Gabrielle
entediado com a situação.
— Cale a boca, Gabrielle! Eu decido quando ir! — corta ele e me
encara com um olhar insensível. — Responda Malpucci, onde pensa que
vai? — Dessa vez nossos olhos se encontram e o que reflete é somente uma
onda fria e cortante. É como se eu deixasse de ser a Selena e me tornasse
apenas um sobrenome qualquer no seu círculo social.
Reparo pela minha visão periférica, que Gabrielle se aproxima e fala
ácido com um jeito indolente.
— Vamos embora desta festa delle carlotte, (de patricinhas) já
resolvemos o problema e a mídia virá sedenta! — Ao olhar para mim é
como se eu fosse um objeto que precisa ser retirado do caminho para
seguirem. — E você, Selena, se vai com o garoto do Porsche, vá de uma
vez! — O interesse volta para o irmão. — Não precisamos ficar aqui a noite
toda aguardando a porra daqueles canibais midiáticos.
Temendo pela superexposição em revistas e redes sociais, e acima
de tudo não querendo mais estar no foco dessa confusão, decido falar em
meio a gagueira.
— Sim, v-vou de carona com meu amigo.
Tizi me encara longamente como se estivesse aguardando a
reafirmação do que eu disse. Desviando os olhos do seu olhar intimidador,
busco em Vance a tranquilidade que deixou o meu corpo quando os
DiMatteo chegaram. Mas como se estivesse ligado com meus pensamentos,
o loiro sombrio a minha frente sentenciou meu destino dessa noite.
— Você vai para a casa com a gente! — ordena seco e incontestável.
— Apreciamos sua preocupação, Dumbledore nórdico, mas como
pode ver, meu Porsche é bem espaçoso para levar a princesa para casa. E
sou um ótimo motorista, modéstia à parte, sei guiar direitinho — diz Vance
dando uma piscadela sugestiva para mim.
O abusado dá a volta e abre a porta do passageiro fazendo um sinal
como um chofer para que eu entre, mas antes que eu dê o primeiro passo,
sou interrompida por um grande corpo que fecha a porta do Porsche e
captura um de meus braços fazendo-me ficar tonta com seu cheiro e a
proximidade repentina. Inexpressivo, ele me puxa pela cintura em direção a
ele, mas o que me desorienta é o aperto dos seus dedos na minha pele,
causando um calor traiçoeiro, a mão na cintura parece uma brasa aquecendo
tudo pouco a pouco.
— Agradeço a iniciativa garoto, mas Selena vai embora comigo! —
diz ele baixo, mas com um tom de quem não aceita constatação.
Tiziano me conduz até sua Land Rover e abre a porta do carona.
Circula pela frente do carro já ciente que eu entraria sem questionar. Me
espanto com a tensão que vejo em seus ombros e não querendo criar uma
situação desagradável entre nós, começo a subir para me acomodar no
assento de couro, mas antes disso tenho meus dedos enlaçados.
— Eiii, nada de ir sem se despedir, vá para a casa direitinho. —
Vance me olha com seu sorriso debochado e se despede com um beijo no
meu rosto.
— Pode deixar, estou segura com eles.
— Fique bem, Lena. Te ligo amanhã para saber se chegou em
segurança — ele diz beijando uma das minhas mãos enquanto olha altivo
para Tiziano, que no mesmo momento solta uma risada seca e sarcástica.
Entro na Land Rover ainda observando Vance parado no gramado
nos encarando com seus olhos de ônix, enquanto me acena com a mão e seu
sorrisinho sedutor habitual. Sinto meu rosto esquentar, e observo meus pés
de cabeça baixa.
Escuto a voz indiferente de Gabrielle no banco de trás e um arrepio
atinge minha pele.
— Jessica, vá para outra ponta do banco, não sou obrigado a
encerrar a noite com vômito sobre minha roupa.
— Não seja rude Gabe, eu te amo…. — diz minha amiga aos
soluços.
— Se me amasse não faria merda atrás de merda. Por acaso tenho
cara de quem está amando alguma coisa nesse momento?
— As pessoas sarcásticas demonstram afeto por meio de gozações,
sabiaaaa?
— Hum... E as com falta de inteligência enchem a cara!
— Ihhhh… acho que você está há muito tempo sem dar uma…
Uhhhh ele tá nervosinho.
— Puta merda!!! — ele sussurra cortante.
Fico tensa porque Gabrielle é o irmão mais observador e também o
mais frio dos três. Às vezes seu olhar vazio me assusta e instiga a tentar
entender como alguém pode ser tão indiferente o tempo todo. Ele é uma
incógnita!
Seus olhos gelados revelam desconforto ao observar os outros,
como se pudesse ler qualquer pensamento vergonhoso e deprimente que
passa pela nossa cabeça. Isso é assustador!
Meu maior problema agora é a falta de defesa. Estou próxima do
homem que habita meus pensamentos constantemente. Em outras
circunstâncias, estaria em êxtase, mas com ele tão distante, não sei o que
me aguarda.
— O que foi que ela bebeu? — pergunta ele.
— Fez uma mistura de várias bebidas — respondo baixo.
— E você não pensou em impedir? Bebeu também?
— Não.
— Não o quê?
— Eu não bebo, nunca bebi, Tiziano. E Jess não ouviu meus avisos
— murmuro chateada.
— Já pensou no que poderia acontecer em um ambiente cheio de
energia masculina e bebidas? Vocês duas, despreocupadas e desatentas,
poderiam ser expostas a substâncias indesejadas simplesmente ao inalar
algo ou pegar um gole de água de um copo compartilhado, poderiam parar
na cama de um desses moleques e serem compartilhadas de inúmeras
maneiras horríveis.
Sua fala me desestabiliza e sinto a mão do medo agarrar a minha
mente nesse instante. Poderíamos ter corrido perigo real esta noite. O que
nós fizemos?
Ele desvia o olhar do trânsito e me olha seriamente. Suas palavras
cavam o meu cérebro pelo resto do caminho. Jess murmura incoerências
bêbada durante o sono e eu me concentro na escuridão do lado de fora da
janela.
Pelo reflexo o vejo coçar a barba, e pelo que percebi nesse tempo de
pouco convívio é um ato natural de nervosismo. Ele deve estar mesmo
furioso pela bebedeira da irmã, mas está se controlando, suspeito que depois
de hoje os DiMateo's não deixarão mais Jess andar comigo.
Remexo-me inquieta no banco de couro quando percebo os sinais
que meu corpo transmite pensando nele, somente com seu cheiro ao meu
lado e as respirações longas que ele dá, sinto-me incendiar completamente.
Como seria se estivéssemos sozinhos dentro desse carro?
Provavelmente eu entregaria o meu desejo e revelaria minha inexperiência.
No mínimo Tiziano daria uma gargalhada na minha cara. Um homem como
ele, que saiu em várias capas de revistas com mulheres maravilhosas e
muito mais sensuais do que uma adolescente como eu, acharia que estou
sofrendo de um surto delirante.
"Selena, você não cansa de sonhar coisas ridículas."
Chegamos no estacionamento e logo fomos para a lancha em um
silêncio sepulcral, nem Gabrielle se dignou a olhar em minha direção. Com
Jess atravessada como um saco de batatas em seu ombro, ele entra com um
pulo elegante para dentro da embarcação.
Fico surpresa com sua agilidade e força, mas na verdade, não
conheço totalmente os dois homens à minha frente.
Tenho pavor de navegar, ainda mais em lanchas abertas, pois não sei
nadar e a água me assusta pra caramba. Sei que isso se deve aos meus
pensamentos destrutivos e muitas vezes suicidas. A água, melhor, o oceano
me chama de maneira sombria me convidando a habitar no fundo dele
durante a solidão que convivo.
Vendo minha indecisão e completo pavor surgindo a flor da pele
com o fato de entrar na lancha, Tiziano fica impaciente e chama minha
atenção na ponta da embarcação.
— Você vem, Selena?
Levanto o rosto e ele me olha com atenção pela primeira vez de
verdade. Ele franze a sobrancelha e paralisa me encarando com aquela
compreensão que não sei explicar.
— Tiziano, é hoje que pretendemos chegar em casa? Porque se for,
pegue a Malpucci e a coloque aqui dentro, pois ela está mais perdida do que
a inconsciência da Jessica — A voz de Gabrielle projetando alta e fria nos
tira do transe silencioso.
Ele suspira alinhando a barba, claramente desconfortável com a
situação. Tizi estende a mão para que eu me apoie. Assim que toco a mão
grande sentindo a aspereza da pele, uma corrente elétrica corre pelo meu
corpo inteiro, fazendo todos os meus pelos se arrepiarem e minhas pernas
bambearem assim que entro na embarcação. Todavia sou devidamente
amparada pelo corpo enorme que numa facilidade absurda, agarra minha
cintura e me prende contra ele.
— Não tenha medo, conosco você está segura! — murmura
baixinho em meu ouvido, quase me acalmo. — Tem medo do mar?
Aceno que sim. Ele me segura com os dois braços ao meu redor.
Não consigo me mover e não quero sair do seu calor, ele é tão forte, quente,
perfumado e por um instante parece que o irmão mais velho da minha
melhor amiga não quer que eu me afaste, quer me proteger.
Sinto toda a rigidez dos seus músculos das coxas, barriga, peitoral,
mas o que me surpreende é a sua ereção. Uma ereção descomunal roçando
meu estômago, deixando-me confusa por eu ser o motivo de tal reação.
Os olhos azuis transmitem uma angústia visível que os meus não
conseguem desviar. Inspiro o ar pela boca na ansiedade em me acalmar e
sinto seu olhar sobre meus lábios antes de me encarar novamente. Não é o
momento, mas, o que eu daria para sentir um beijo de Tiziano?
A respiração quente e instável tão próxima, junto a sua presença
máscula turvam meus sentidos, meus olhos imploram por essa conexão,
enquanto os dele me convidam para tocá-lo. Seu olhar esconde segredos
misteriosos e proibidos instigando-me a desvendá-los e me envolver
inteiramente.
É involuntário minha mão livre apoiada no peitoral largo sob a
camisa social, afagar suavemente ao mesmo tempo que tento me equilibrar
em minhas pernas, acabo roçando de forma não intencional em seu corpo.
Ele puxa o ar com força como se não houvesse fôlego suficiente
entre seus lábios e logo em seguida, vejo que foi meu erro, pois esse gesto
quebra o momento. De repente sinto um vazio e a madeira sob meu traseiro,
nem percebi que ele me acomodou sentada no banco da lancha se
colocando em seguida ao meu lado e me puxando próximo a ele.
Continua me protegendo pela forma como seu braço se inclina atrás
de minhas costas como se fosse uma gaiola, evitando que eu caia na água.
Tizi liga o motor e não olha mais em meus olhos. O som é alto e o vento
castiga feroz nossos rostos.
Jess com o movimento repentino da lancha sobre as águas, começa a
vomitar, ouço no banco do outro lado de Tiziano. Gabrielle a auxilia
virando para a borda da embarcação e acaba ficando em uma posição
confortável para nos analisar. Tiziano resmunga quando ouve outra golfada
da irmã.
Durante o trajeto observo as ondulações escuras da água conforme a
lancha acelera. É uma imensidão, se alguém cair aqui nunca mais é
encontrado. Mudo meu olhar de direção e foco adiante.
Mesmo navegando rápido, consigo controlar o pavor do mar
inconscientemente com o braço ao meu redor. Mas, quando avistamos ao
longe o ancoradouro a lancha aumenta muito a velocidade e me vejo em
pânico total, como se eu ouvisse o oceano me chamando e reafirmando
nossa cumplicidade, me deixando verdadeiramente ansiosa.
Minhas mãos gélidas transferem a sensação de frio para o corpo
inteiro. Concentrando-me em como a aceleração da lancha corta as águas,
me pego a pensar que talvez não precisaria lidar com a indiferença de
Tiziano, só basta que eu caia agora nessas águas escuras.
Não! Gabrielle interviria.
E além disso, Tizi está com sua razão de certa forma em se
preocupar com Jess e me culpar. Me dou conta que o homem que ampara a
irmã está falando algo quando presto atenção na dinâmica áspera dentro da
embarcação, ele repete por causa do barulho da água.
— Diminua a velocidade Tiziano, deveria ter me avisado se queria
voltar nadando! Precisaremos acionar o mercado negro de órgãos desse
jeito, pois Jessica perderá o estômago no caminho!
— Jess tem que aprender que tudo na vida tem consequências,
Gabrielle.
— Certamente ela está em ótimas condições de aprender suas lições
enigmáticas, o problema para tal aprendizagem é que ela tá pouco se
fodendo para isso!
— Não vamos passar a mão na cabeça dela por ser irresponsável.
Amanhã as fotos de Jessica estariam nas capas de todos os jornais e sites de
fofoca. E muito além, poderia ser sequestrada ou algo ainda pior dentro
daquela mansão repleta de marmanjos. Se quem a leva soubesse dizer
"Não" e fosse menos ingênua, entendesse que uma amizade não é composta
somente por "Sim", não estaríamos aqui agora. Não é mesmo Selena? —
Seu olhar gelado me destrói.
— Conheço minha irmã Jessica, e sei o quanto ela é insistente e
imprudente, mas e você, quem é você nessa história, Selena? Uma amiga
influenciável de fibra fraca ou uma pessoa que sabe valorizar a sinceridade
em uma amizade?
Ouço essas palavras como um tapa na cara, o frio delas me atravessa
, não sou irresponsável, sei que tenho dificuldades de me auto afirmar, mas
Jess é a única amiga que tenho, para mim é tudo novo nessa relação de
amizade e confiança.
Ele não nota que estou segurando as lágrimas, apertando minhas
mãos com força, consigo disfarçar para não parecer ainda mais infantil aos
seus olhos. Mas quando se trata de Gabrielle, não consigo esconder minhas
emoções. Ele me observa com seriedade, o que me enche de vergonha por
perceber que nota minhas reações.
Tiziano me confunde, será que sou tão burra e não percebo o que ele
quer realmente de mim?
Mordo o lábio violentamente para suprimir um soluço e ainda mais
quando ouço um praguejar ao meu lado.
Meu corpo estremece de frio pelo vento da madrugada e pela aflição
que sempre está presente quando interagimos, os dentes batem e o
massagear dos braços nus parecem não adiantar. Em instantes sinto um
abraço de couro, um abrigo acolhedor em forma de jaqueta. Tiziano se
despe da jaqueta e envolve-me com ela.
O calor da pele dele contido no material me envolve tão
protetoramente que eu poderia adormecer agora. Aliso o tecido com meus
dedos e inspiro o cheiro único. Em outra situação eu adoraria esse gesto, o
cheiro tão bom me envolvendo. Mas, agora é um pedaço de couro como
agasalho e com ele vem a aguda percepção que isso é o mais próximo que
estarei dele. Uma lágrima escorre enquanto a lancha atraca na enseada em
frente à minha mansão. Percebo que a ligação frágil que construímos
naquele dia ao pôr do sol parece ter se desfeito.
Ao chegarmos penso que haverá uma despedida mais suave, mas me
engano. Tiziano desliga o motor e seco me repreende com a voz polida e
cortante.
— Selena, eu esperava mais dessa sua relação com Jessica,
considerando a postura firme e determinada que sua família sempre
demonstrou nos negócios. Não imaginava que você fosse tão influenciável a
ponto de se envolver em festas com amigos que têm o mesmo perfil daquele
sujeito que tentou levá-la para casa. Jessica é uma rebelde sem causa, busca
provocar e criar situações embaraçosas para todos ao seu redor. Uma amiga
mais atenta teria percebido isso desde o início.
— Mas… — tento responder.
— Mas o quê, Selena? Vai me dizer que falou um enfático NÃO
para a minha irmã? Acredito que não, caso contrário eu não estaria aqui,
trazendo duas adolescentes imprudentes para casa.
— Eu não fiz nada… — respondo em um sussurro.
— Exatamente! Você não tomou nenhuma ação para mudar sua
situação atual. Cuide de si mesma e aprenda a se proteger, pois se não fosse
por nós naquele momento, você e Jessica poderiam estar agora sendo
brinquedinhos sexuais de alguém ou de alguns. A imprudência tem um alto
custo!
— A Jess não me falou que havia mentido para seus seguranças, eu
não sabia — explico na intenção de que ele não me olhe dessa maneira
gélida.
— E você acredita em tudo que lhe dizem? Não percebeu nada
errado, quando saíram sem proteção alguma para uma festa noturna?
Acorda Selena, vocês duas são alvos da mídia por si só, somente por serem
quem são.
Fico muda, sentindo a vergonha e consciência das suas palavras
cortando qualquer nível de respeito que ele poderia nutrir por mim.
— Falando francamente, Jess é vibrante e independente, enquanto
você tende a ser apática e dependente da energia dela. É melhor você entrar
agora, Selena, a imaturidade de vocês conseguiu ferrar com a noite de
todos.
Em meio ao soco emocional, sou estapeada pelas palavras na voz
entediada de Gabrielle.
— Já acabou o discurso? Sério, estou com um saco de vômito em
meus braços e não está ficando mais leve. Deixe a Malpucci sair, ela tem
empregados para recolher a dignidade dela do chão.
Sua fala cortante me tira da inércia e conduz meus passos vacilantes
para fora da lancha.
Estou rasgada ao meio, parece que um buraco se abriu em meu
coração, tão grande que não consigo fechar, dói como nunca senti antes. Ele
acabou de revelar o quanto sou insignificante em relação a essa amizade e
ao elo platônico que criei por ele.
Com a cabeça baixa evitando seus olhares condenatórios, não aceito
a mão que ele me estende. Não quero encarar os seus olhos outra vez, pois
sei que estou a ponto de desmoronar diante dele. Minha boca treme
segurando a represa de lágrimas que tenho em minha alma. Solidão e
lágrimas, é só o que tenho.
Retiro a jaqueta e sigo o caminho em direção a minha casa sem
olhar para trás. Salvatore me interpela no meio do píer dando uma desculpa
por ter me deixado aos cuidados da segurança de Jessica. Já tinha
desconfiado que ela conseguiu que de algum modo meu guarda pessoal
permitisse que eu saísse à noite com ela, portanto, nem sequer respondo
seus questionamentos.
Uma longa madrugada de pensamentos dolorosos me aguarda.
Deus! Como pude ceder para Jessica e ir naquela festa? Realmente aceitei
para fugir das minhas dores e encontrar um pouco de distração, mas ainda
assim, tenho que admitir que se fosse qualquer outro motivo, eu não
conseguiria dizer não.
Agora vejo que de certa forma isso pode ser em parte culpa minha.
Estou muito confusa e não consigo pensar direito. Se pelo menos pudesse
dormir e não acordar mais, esses pensamentos e a dor iriam sumir para
sempre. O fundo do oceano nesse instante não me parece tão amedrontador,
talvez seja meu alívio.
CAPÍTULO 8

Ao chegar em casa não consegui descansar.


Foi uma catástrofe controlar minhas reações diante de Selena, mas
era impossível não ir buscá-las. Tinha ideia do que seria, pois assim que o
segurança de Jess me informou que as duas estavam em uma festa privada
rodeada de pirralhos fervendo de hormônios, praticamente com o pau na
mão, acionei Gabrielle de imediato. Seria ainda pior sem ele, dessa forma
agimos rápido para evitar estragos ainda maiores se a mídia decidisse
publicar algo.
Entretanto, quando avistei as duas naqueles trajes lá fora e com um
playboyzinho a tiracolo, cazzo! Só vi vermelho! Meu corpo tremia, minha
pele estava quente, sentia meus punhos abrirem e fecharem por instinto.
Minha irmã bêbada com os peitos quase pulando da roupa, puta que pariu!
Mas que roupa era aquela? E o risco que correram?
É muito mais que preocupação normal de irmão mais velho. Há um
tempo eu sonhei com Jess, um pesadelo terrível. O corpo da minha
irmãzinha seminua encontrada em uma viela. Estuprada e morta! Desde
aquela previsão, dobrei a segurança, proibi com toda a autoridade de irmão
que saísse sozinha. E ela não obedeceu, entendo que é difícil porque não
contei sobre aquela maldita previsão, pois não havia formas de avisar. Só
consegui ver aquela cena terrível sem outros detalhes, por isso me
aterrorizou tanto. E além disso correndo risco junto, havia Selena.
A minha Selena rodeada de testosterona? Não!
Além de todos os outros apreciando o corpo dela naquele vestido
justo, aquele garoto sem filtro, metido a herdeiro, estava cheio de
intimidades com a mulher dos outros, a minha mulher! E o que foi mais
foda, num lapso de segundos na hora de partirmos, aquele caralho de garoto
se achou no direito de levá-la para casa? Cancro dos infernos!
Não havia outra saída, perdi as estribeiras.
E o pior, dentro daquela lancha não consegui controlar as reações do
meu corpo. Queria proteger e cuidar, mas o desejo por ela é mais forte que
qualquer outra coisa. Apesar de perceber o seu pavor do mar, ainda assim
sobrepus o meu desejo insaciável por ela acima de tudo.
Meu pau doía, latejava, minha obsessão por Selena está acabando
com meu juízo. Puta merda!
Senti a umidade escorregando dentro da cueca ao admirar aquele
decote com os peitinhos frescos espremidos no vestido. Era a visão dos
meus sonhos. Quantas vezes sonhei em adormecer cheirando os seios de
Selena? Admirando-os com os bicos rubros de tanto os chupar antes de
dormir. Era isso que estava na minha mente naquele momento quando a
segurei naquela lancha.
Busquei meu controle no fundo do meu ser, para não a devorar
como o homem das cavernas que me torno quando estamos próximos. Se
me deixasse guiar por meus instintos, a marcaria de todas as formas para
que olhasse para sua pele toda vez e visse que ela é minha, só minha. Que
sou dono do corpo, da mente, do coração e da sua alma. Essa noite saiu
totalmente do meu controle, cazzo!

Selena não saiu de sua mansão. No dia seguinte com remorso fui até
lá para conversar com ela, mas a governanta não permitiu, disse que a
senhorita não estava recebendo ninguém e que ficaria uns dias reclusa para
estudar para a prova do curso que está fazendo. Prova o caralho!
Decidi manter a agenda de reuniões na empresa, cumpri meus
afazeres profissionais e voltei para casa de meu pai. Confidenciei a nonna
Olímpia o que houve com Jessica e a fiz prometer que se a amiga fosse até
lá, era para me avisar, pois minha irmã está proibida de sair sem sua guarda
pessoal. Confio na minha nonna, ela sabe do meu instinto protetor com
relação a família e acho que não desconfia do meu interesse por Selena.

Nos próximos três dias dei uma pequena pausa em rondar a mansão
de Selena para ir à sessão com minha psicóloga.
Contei o que houve naquela noite, como agi e o que falei. Seu papel
foi me fazer refletir sobre minha culpa em afirmar para Selena que ela era
culpada. Concordei que fui tóxico, que devo pedir desculpas. Mas como
farei isso? Tive meus motivos para agir do jeito que agi. Foi
propositalmente pelo desespero de vê-las em perigo naquele lugar e ainda
pior, Selena se distanciando de mim ao ser apresentada ao sexo de modo
promíscuo com aqueles garotos fodidos. Não! Selena não pode ser
corrompida por ninguém e nem tocada por ninguém a não ser por mim.
Saí da consulta dando a certeza que procurarei mia ragazza para me
redimir. Mas, desculpas não vou pedir! O que preciso é me conectar
novamente com ela e mantê-la perto, Selena precisa me ter em cada
pensamento do seu dia. Aquela festa de merda fodeu com o início de nossa
relação naquele píer.

Minha família já percebeu que não estou agindo normalmente.


Minha mãe não para de perguntar se estou bem, é a mais observadora
depois de Gabrielle.
Como contar que não consigo descansar bem a noite, pois mesmo
com as medicações do tratamento que a Dra. Sara me prescreveu, sinto na
carne a necessidade do meu vício?
Os tremores, a inquietação e angústia da abstinência por sexo, estão
cada vez piores. Meu humor é de um tigre faminto. Tento me manter calmo,
mas acabo descontando nas pessoas ao meu redor. Não só em Jess que
proibi de exalar sua rebeldia, mas em meu irmão também. Comentei que ele
devia parar com as rondas noturnas, mas me arrependi no momento que
falei.
Gabrielle não se dignou a comentar sobre aquela noite até o
momento que mexi com ele. Parecia uma vespa predatória aguardando para
dar o bote na primeira provocação.
“Nāo conseguiu despejar seu lixo radioativo no seu alvo? Hum…
mesquinho, imaturo pelo seu ciúme mascarado sob a preocupação com
Jessica. Até que enfim a Malpucci acordou. Você merece engolir a
indiferença dela e vê-la se tornar mulher longe de você!”
Foi apenas essa sentença que meu irmão, apagando seu cigarro,
proferiu enquanto o confrontava. Foi um chute na minha bunda. Não
esqueço as palavras que jogou na minha cara.
Uma semana sem conseguir uma brecha para conversar com Selena
e as coisas estão desesperadoras.
Já fiz algumas manobras para adiar reuniões na empresa somente
para segui-la em busca de uma oportunidade para me reaproximar. Mas
quando ela sai de casa, sempre se encontra com o garoto metido do Porsche.
Estão se vendo mais e pela ficha que levantei não há nada de errado com
ele, apesar de desconfiar que há, vou continuar minhas investigações mais
adiante.
Não importa sua índole, ele está tentando seduzir a minha garota,
cáspitta! É uma questão de tempo até confrontá-lo. Mesmo que tenha sido
eu quem a empurrou para ele com meu descontrole naquela noite na lancha.
Agora o meu foco é Selena. Pela minha notoriedade e a necessidade
de me manter anônimo, estou sempre disfarçado num moletom escuro de
capuz e óculos escuros espionando suas saídas. Estando ela segura e
protegida dentro de sua mansão, posso enfim voltar para o meu
apartamento.

Hoje a segui numa rota que conheço bem, até a Piazzale Roma,
onde Selena ama capturar o movimento do fluxo de turistas e a diversidade
da paisagem.
O suv preto estacionou e a vi, num vestido simples, porém perfeito
nela. Vestia também uma jaqueta jeans, com uma mochila pequena nas
mãos. Os cabelos que amo, estavam presos numa trança deixando-a ainda
mais inocente. Puta que pariu! Inocente para aquele fedelho de merda
colocar as mãos sujas nela. Fechei meus olhos pela dor de vê-lo a
cumprimentar com um beijo no rosto e aquela mão possessiva na cintura.
Não movi meus pés até não ver os dois saírem de lá. Ansioso e
nervoso aguardei, será que ela iria com ele no carro? Mas imediatamente
relaxei quando o suv apontou na esquina. Trocaram algumas palavras e
então se despediram, mais uma vez ele agarrou sua cintura na hora de se
despedir. Me vi apertando as mãos em punho. Decepcionado em ver a
interação deles.
Mais de uma semana sem olhar naquele olhar sincero. Mesmo que
em nenhum momento os olhos se encontraram com os meus, ainda assim
fantasiei que a tinha em meus braços.

As noites seguintes foram igualmente torturantes, vou para ilha


quando ela vai, fico no continente quando ela fica. Os dias que não tenho
desculpas para dar na empresa, a inquietude durante as reuniões me corrói.
Mas sei exatamente os horários que ela não está nos cursos.
Hoje à tarde, por exemplo, ela foi à praça novamente fotografar e
com o merdinha a tiracolo. Muito interessado em tudo, em todas as
atividades dela, aquele fingido, e é engraçado como ele a faz rir e a encanta,
a vejo prestando atenção no que ele fala, sempre buscando tocá-la e a
divertindo com aquele carro esporte espalhafatoso.
Estou com muita saudade! Ela está tão linda e a maneira que se
move, tentando encontrar o melhor ângulo para as fotos é tão graciosa. As
pernas longas flexionam quando se abaixa e eu pervertido a imagino
montada em mim rebolando frenética. Ah cazzo!
As horas passam e continuo vendo-o em meu lugar. O merdinha
ocupando o espaço na vida dela que é meu. Dessa vez eles vão lado a lado,
minha angústia vem à pele, os dois a cada dia estão mais íntimos, os toques
aumentam, os olhares prolongam e meu coração se estilhaça um pouco
mais.
Ando extremamente descontrolado. Sigo-os a distância e me
escondo como um fodido de merda masoquista, para ver a despedida. Todas
as vezes meu coração está na garganta pelo medo de que haja um beijo, mas
se alivia logo em seguida quando ela oferece o rosto.
Existe um risco de acontecer a qualquer momento e certamente não
estarei preparado para ver. Já anoiteceu e as luzes da fachada do prédio já
estão acesas fazendo contraste com o par.
Parece um filme, um maldito filme de suspense, as silhuetas dos
vultos dando a visão um pouco distante, mas, para a minha desgraça
consigo ver perfeitamente os dois.
O metido a príncipe, muito possessivo e seguro de si, guia o rosto
dela para um beijo. Solto a respiração presa quando Selena desvia e lhe dá o
rosto. Observo com desespero a intenção dele em seduzir minha mulher.
Nesse momento sinto meu corpo todo tremer de fúria. Ela se afasta olhando
de forma atordoada e surpresa. Acompanho a cena toda quando ela acena
tímida para ele.
Preciso encontrá-la amanhã, ela não pode continuar vulnerável a
qualquer desgraçado que se aproxime, meu sonho não pode se desfazer
dessa forma.
Sinto-me exausto, mas aliviado pelo movimento dos turistas ter
terminado e eu possa arrumar minha postura atrás dessa árvore. Já passa da
hora do jantar e meu estômago ronca, mas não consigo mover meu corpo
para me afastar daqui. O segurança já entrou na casa também, as luzes do
segundo andar se acendem e o vulto dela circulando por lá começa a tomar
forma. Minhas pernas doem depois de uma hora na mesma posição, me
apoio no tronco e arrumo o capuz do moletom escuro que estou vestindo
para melhor camuflar.
Não sei o que espero, mas, preciso vê-la mais uma vez antes de
partir. Eufórico, me surpreendo quando o janelão se abre e ela sai para a
sacada do seu quarto com seus poucos trajes. Ou melhor, trajes mínimos.
Esse lado da casa não tem outros vizinhos além de mim. É, comprei o
prédio em frente, só não tenho a visão daquela janela, pois a sacada do
quarto de mia ragazza é mais baixa e tem uma aba que impede minha visão,
por isso estou aqui a fim de vê-la mais de perto de pijama.
Acontece que Selena não está de pijama, mas sim de blusinha de
alça e calcinha, porra do caralho Selena! A porra de uma calcinha branca?
Ela observa segurando o parapeito de metal da sacada, os cabelos
balançando pela brisa da noite, lindos e esvoaçantes como um quadro raro.
Então minha mente suja vagueia como sempre.
Imagino aquela pele branquinha arrepiada, os bicos durinhos, e eu lá
com ela apenas afastando a calcinha branca e me afundando com gosto,
grudado nos peitos deixando mordidas de amor. Cazzo! Tiziano! Você está
enlouquecendo!
Volto a posição agachado entre os arbustos e o tronco da árvore,
onde a sombra me encobre me deixando invisível. E num movimento
desesperado de alucinação, baixo o cós da calça de abrigo e aperto meu pau
dolorido, acariciando de forma violenta, olhando minha bella debruçada na
sacada sem imaginar o que faço por ela aqui escondido.
Sua imagem é um quadro raro, as pernas perfeitas, flexionadas com
o corpo inclinado procurando algo, a fantasia que criei nos vendo naquela
sacada agarrando sua cintura fina, que ergue uma perna para abraçar meu
quadril. Os seios marcados com minha boca, rubros, mordidos e molhados,
minha mão segurando seu cabelo longo e a outra em seu traseiro comendo
seu rabo com meu dedo enquanto a fodo escorado na parede. Ela dizendo
que é minha, que me quer, rebolando como louca no meu pau enlaçando
meu pescoço. Isso tudo enquanto os cabelos flutuam ao vento igualzinho ao
dia que a vi pela primeira vez. Minha porra jorra longe, mas meu cazzo não
amolece, preciso de mais, preciso saciar esse frenesi insano, mas tem que
ser com ela.
Assim que Selena entra, saio desgovernado em direção ao meu
apartamento. Preciso de uma ducha gelada, um calmante, não sei. Apenas
devo chegar até o prédio em segurança. Com os tremores das mãos e corpo,
preciso de concentração para mover minhas pernas.
Dei uma desculpa para o meu segurança, não havia jeito de fazer
isso com ele na minha cola. Puta merda! Tô colocando em risco minha vida
por essa mulher, cáspitta! (Porra)!
CAPÍTULO 9

O sol brilha alto no céu enquanto caminho em direção ao restaurante


luxuoso próximo a montadora. Finalizei minha agenda na empresa e decidi
encontrar Selena na saída do seu curso que fica aqui perto. Inclusive
consigo ver as portas de entrada do prédio enquanto almoço. Sei dos
horários, portanto, não haverá erro no cronograma dos meus planos.
Almoçar sozinho sem o meu sócio Mirko, dará tempo de desfrutar de uma
refeição tranquila enquanto repasso na minha mente o que direi a mia
ragazza.
Gosto desse lugar, é um ambiente requintado, conhecido por sua
elegância e reputação culinária impecável, com mesas cuidadosamente
arrumadas, cadeiras confortáveis e uma atmosfera sofisticada.
Assim que adentro o restaurante, sou recebido pelo som suave de
música ambiente e pelo aroma sedutor de iguarias culinárias. O maître me
conduz até a mesa no canto da minha preferência, oferecendo uma vista
panorâmica do restaurante e da fachada do outro lado da avenida.
Sento-me tranquilamente e repasso na minha cabeça o meu plano
perfeito.
Depois de fazer o pedido e degustar o menu cuidadosamente
elaborado, uma sensação de desconforto começa a surgir em mim. Algo
parece estar fora do lugar, como se uma presença indesejada estivesse se
aproximando. Tento ignorar esse sentimento, mas persiste, deixando-me
cada vez mais inquieto.
É então que, para minha surpresa, avisto uma figura familiar
adentrando o restaurante. Meu coração acelera e meus músculos se
tensionam. De maneira alguma esperava encontrá-la aqui.
A ruiva que prefiro evitar qualquer tipo de contato, é uma pessoa
com quem me relacionei naquele clube.
Enquanto ela caminha em minha direção, me sinto preso. É tarde
demais para fugir ou encontrar um disfarce para me esconder. Estou prestes
a enfrentar um encontro pra lá de indigesto, um encontro inesperado que
abala a tranquilidade que buscava neste almoço solitário.
A mulher de vestido vermelho, finalmente chega à minha mesa e
cumprimenta-me com um sorriso ladino.
— Tiziano, como vai?
Tento manter a compostura e trocar palavras educadas, mas a tensão
em mim é palpável.
— O que faz aqui?
— Ora, o mesmo que você, é um restaurante bastante aprazível. Não
poderia deixar de frequentar o restaurante que serve o melhor tartufo
Bianco da região.
Afasta a cadeira e senta-se diante de mim, como se fosse minha
acompanhante.
Não consigo evitar um sorriso de escárnio, essa mulher não perde a
oportunidade de ostentar um padrão social alto, como se fosse me
impressionar.
Ok, ela é gostosa e sabe como agradar um homem, no entanto não
faz mais parte da minha rotina há tempos. O meu desconforto se deve a
lembrança do homem que me tornei, ao ter me envolvido com mulheres
como ela.
— Achou de bom tom sentar-se à mesa sem ser convidada?
— Oh, não! Me perdoe, minha mesa é aquela perto da entrada,
apenas não resisti em cumprimentar um amigo tão íntimo.
— Amigo? — Seu gesto displicente em abrir o pequeno botão do
decote apenas amplifica o desconforto que sinto pela sua presença.
— Pensei que nossa intimidade me desse esse privilégio de
cumprimentá-lo fora do ambiente onde nos conhecemos.
— Está enganada quanto a intimidade. — Seu charme e voz baixa
não me seduzem, mas seu esforço é visível.
— Hum, seis meses de confidências nos lençóis, não é íntimo para
você, Tizi?
Confiro a hora no meu relógio de pulso e dou uma passada de olho
no prédio em frente, onde se encontra a única pessoa importante na minha
vida.
— Seis meses em que você foi, uma das dezenas de parceiras na
diversão naquele clube. Apenas. Isso não lhe dá nenhuma vantagem com
relação a qualquer desconhecido à nossa volta neste restaurante, por
exemplo.
— Ah, relaxe, sabe como sou uma mulher paciente. Por que não nos
divertimos juntos hoje à tarde?
Ela segura minha mão e a coloca sob o tecido e por dentro da
lingerie forçando meus dedos em sua pele sedosa. Apesar do meu corpo
implorar por isso, sinto um asco gigantesco, puxando discretamente minha
mão, limpo-a no guardanapo de pano. Olho diretamente em seus olhos
maliciosos e falo baixo, mas direto.
— Nunca mais se atreva a tomar uma liberdade dessas comigo,
Natasha Gagliardi! Ponha-se no seu lugar. Se me der licença, estou de saída.
Ao sair do restaurante aguardo impaciente dentro do meu carro,
Selena a qualquer momento vai sair do curso e sei que irá esperar o
motorista vir buscá-la.
Alguns minutos depois a vejo na porta mexendo no celular.
Rapidamente faço uma manobra e estaciono na frente do local, ao baixar o
vidro noto seu olhar surpreso.
— Ei, Selena! Está indo para casa? Venha que eu te levo.
Andando em direção ao veículo receosa e educada ela responde:
— Estou indo para a ilha, Mafalda me espera para o almoço, não
quero atrapalhar seus afazeres.
— Bem, é exatamente para a ilha que estou indo, é uma agradável
coincidência. Avise seu motorista que está a caminho de casa comigo.
Ao terminar de argumentar já abro a porta para não haver recusa.
Estendo a mão para ajudá-la a subir na Rover e puxo o cinto de segurança,
prendendo-a com um sorriso de lado. Quero agir naturalmente para que
Selena relaxe dentro do veículo. E para isso é um esforço tremendo
disfarçar minha euforia. Seu perfume dos deuses está por todo o veículo e
meu corpo parece ter ganhado vida depois de dias na inércia de sua
ausência.
— Como foi o curso?
Seus olhos tímidos me analisam enquanto nos ponho em
movimento.
— Foi bom.
— Esse é o curso de línguas ou fotografia? — Apesar de saber,
preciso iniciar um assunto.
— É um módulo de fotografia. — Mia ragazza (minha garota) está
magoada, não olha diretamente para mim.
— É uma profissão linda essa que escolheu.
— Você acha?
— Claro, para capturar imagens tem que ter sensibilidade. E você
tem uma alma sensível.
Ao encarar seu rosto, vejo que a deixei corada pelo elogio, mas
ainda está nervosa, pois mexe as mãos no colo inquieta. Ligo o som e
entrego o controle para ela.
— Gosta de música?
— Gosto.
— Escolha a que te agrada.
Selena troca as estações até encontrar uma melodia de uma cantora
famosa. Saímos da avenida e pegamos a ponte Della Libertà. Pelos dez
minutos seguintes conversamos trivialidades, no entanto, ainda é uma
conversa fria..
— Jessica sente sua falta.
Selena me encara firme, mas não responde absolutamente nada.
Chegamos no estacionamento e em um impulso agarro sua mão.
— Aquela noite eu estava muito preocupado com vocês duas,
entende isso, Selena?
Ela acena com a cabeça mordendo o lábio, com receio de responder.
Afago sua mão dentro da minha palma em um carinho.
— Eu e Jessica temos uma relação muito achegada, é mais que
fraternal, me sinto responsável por ela. E me preocupo demais, mas naquela
noite fiquei preocupado com você também.
Minha garota não encara meu rosto, mas sim nossas mãos unidas.
— Aquelas palavras que disse me magoaram muito, pois amo Jess e
ela queria muito ir naquela festa. Ela não me passou detalhes de como seria
o evento, portanto, não vi motivos para negar o convite, só quando
chegamos na mansão é que percebi o quanto era inadequado o ambiente. Eu
fiz de tudo para convencê-la a sair de lá, não era a intenção causar
problemas para sua família. Você conhece bem sua irmã, sabe como ela é
irredutível quando põe uma ideia na cabeça.
— Eu sei... eu fiquei muito nervoso de ver o ambiente perigoso que
vocês estavam. Entendo que é difícil contrariar Jessica.
— Sabe, mas mesmo assim me culpou pela irresponsabilidade dela
— Selena é fria.
É um golpe certeiro, percebo de imediato o tamanho do meu erro
com ela. Quero ver seu olhar, preciso saber o tamanho do estrago que fiz,
guio seu rosto pelo queixo para me encarar. Os cílios longos piscam ao me
avaliar. Meu olhar desvia rapidamente para seus lábios. Ela tem o superior
levemente maior que o inferior, gordinho e suculento, o que me faz
umedecer os meus me segurando para provar.
— Foi meu temperamento explosivo. Não vai se repetir. Mas
preciso ouvir, Selena. Estamos bem?
— Espero realmente que a nossa última conversa desastrosa não se
repita — concordo com um sorriso.
— Até por que, como vai aprender a guiar uma motocicleta se está
chateada com seu futuro professor?
Dessa vez seus olhos parecem duas esmeraldas lapidadas pelo mais
experiente artista. Até mesmo sua boca se abre levemente e um sorriso lento
toma conta do meu rosto.
— Você vai me ensinar a guiar, Tiziano?! — o sorriso é tão doce que
me derrete como um sorvete em um dia quente.
— Depende de você, Selena. Quer aprender a guiar uma moto?
Agora o sorriso amplia mais e meu peito se inflama de satisfação
por ter acertado na ideia que tive de aproximação.
— Nunca imaginei tal coisa, mas adoraria aprender!
— Perfeito, no caminho até sua casa vamos combinar uma tarde que
fique bom para nós dois. Vamos? Está armando uma chuva e se não nos
apressarmos, iremos nos molhar.
— Dai! (vamos lá)
Assim que chegamos, descemos rápido do veículo e quando me
aproximo, retiro minha jaqueta e a visto com ela. Os pingos esparsos
começam a cair. Pego sua mochila e passo um braço sobre seu ombro
trazendo-a para perto.
Fecho os olhos me concentrando para não pensar bobagens e
provocar uma ereção, só o perfume já me deixa maluco. Esse cheiro é
mágico, parece ser um aroma que faz parte de mim também. Parece
cheirinho de amor, como é possível remeter essa sensação ao inspirar?
Ah cazzo!
Tô sentindo a dor no meu pau ao senti-lo duro, imaginando-a nua
enquanto cheiro cada pedacinho seu. Deslizando meu nariz, lábios e face
por seu corpo. Cazzo! (Porra) Estou machucado de tanto que toquei bronha
nesta última semana pensando nela, desejando esse momento.
Tento ignorar os sinais do meu corpo à medida que avançamos pelo
caminho. A conversa melhora muito e a nossa tarde juntos para andar de
moto é marcada para o fim da semana. Ao chegarmos diante da mansão de
Selena estamos molhados, mas unidos novamente como deve ser. No ponto
inicial da nossa relação de intimidade.
Na porta da frente, estou preparado para me despedir, mas a visão da
minha bella me impede de mover meus passos. É extremamente difícil
manter o controle, Selena sorri para mim e puta que pariu! Tô
completamente fodido por ela! O tempo que nos encaramos parece uma
vida e a boca tão próxima me convida para provar.
Uma gotinha escorre lentamente pelo seu pescoço rolando pelo colo
e se esconde no vale entre os pequenos seios. É involuntário umedecer
meus lábios e o descontrole está a um passo de acontecer. Não consigo
evitar olhar para o seu corpo. A camiseta úmida deixa a vista hipnotizante.
Ela tenta devolver a jaqueta, mas não permito.
— Por que não entra para secar um pouco seu cabelo?
— Confesso que sua governanta não é muito simpática.
Selena é espontânea em rir da minha confissão.
— Concordo, para os estranhos Mafalda parece um general do
exército italiano. Venha até o hall que busco a toalha e devolvo sua jaqueta.
Ela agarra minha mão, guiando-me para dentro. Nem precisava
desse incentivo, seu pedido é como uma oferta para mais alguns minutos no
paraíso da sua companhia.
Dentro da mansão enquanto admiro um quadro renascentista de
Caravaggio, pendurado na parede oposta à porta, alinho o cabelo molhado
para trás.
Selena é rápida ao retornar com uma toalha felpuda e um guarda-
chuva discreto.
— Você está todo molhado! — ressalta, secando meu rosto e
pescoço com um jeitinho natural e relaxado.
Ela está confortável com minha presença outra vez.
— Você também está — retruco ajeitando uma mecha dos cabelos
longos revelando seu pescoço delicado. Vendo que não paro de olhar, ela
tira meu casaco. Fica infinitamente mais difícil resistir a ela. Seguro a roupa
e cheiro.
— Seu perfume ficou nele — murmuro mais para mim do que para
ela.
— Desculpe, é...
— Não! — Toco sua boca com meu dedo, impedindo que fale, mas
é só um subterfúgio para tocar seus lábios macios. — Não se desculpe,
adoro o seu cheiro.
— É mesmo? — Seu lindo rosto ganha cor e já estou fora de
controle.
— Qual o nome do seu perfume? — Em um segundo já soltei a
jaqueta no chão e enlacei sua cintura.
Inclino meu rosto até seu pescoço na base da orelha e inspiro
longamente, quase ronrono pela excitação que corre pelo meu sistema como
lava incandescente. A toalha que ela segurava, se junta à peça aos nossos
pés e sinto o aperto de suas mãos em meus bíceps e seu corpo esbelto se
aconchega mais ao meu. É tão quente e receptivo. É divino!
— Sua nonna (avó), um dia me presenteou com um óleo floral
perfumado, só uso ele desde então. — A voz baixa e suspirada me diz que
mia ragazza está tão afetada quanto eu com esse abraço cálido.
Meu corpo inteiro está em alerta, a pulsação acelera e respiro com
dificuldade. Aqui colado em minha amada é onde sempre quis estar, e a
sensação é surreal, melhor que qualquer sonho.
— Humm... esse perfume delicioso combina muito com você —
sussurro ao pé do ouvido a fazendo estremecer e arrepiar os cabelos da
nuca. Minha preciosa é responsiva a mim como sempre imaginei.
Desvio da minha experiência sensorial olfativa e encaro seu belo
rosto. Essa proximidade é irresistível, aperto suas costas mantendo
totalmente mia ragazza (minha garota) no meu abraço.
— Selena?
— Sim?
Nossos olhos se encontram, repletos de intensidade e desejo. Em um
instante mágico, o mundo ao redor desaparece, deixando apenas nós dois
protegidos de todos.
Suas mãos trêmulas, suaves e delicadas, tocam minha barba, me
pedindo o que estou ansioso para tomar.
— Quero tanto beijar você, bella! — murmuro delirante.
— Por favor... Me beija! — A cadência da voz doce é como uma
ordem imperativa a qual jamais conseguiria recusar esse pedido. Tão linda e
tão minha!
Nossos lábios se encontram em um beijo arrebatador, que
instantaneamente incendeia minha alma. É um encontro apaixonado e
intenso, como se o tempo parasse para dar lugar apenas a esse momento
único de conexão e entrega.
Os lábios de Selena se moldam em perfeita sincronia com os meus,
dançando em um ritmo próprio. Explorando cada contorno e curva com
uma necessidade voraz. Uma onda de calor percorre nossos corpos unidos,
os mamilos enrijecidos de encontro ao meu peitoral arrepiam a pele e
aumenta a intensidade do beijo.
Agarro sua nuca e faço o que descrevi naquele píer, tomo seus lábios
com a propriedade do dono. Mas Selena apesar de inexperiente tem fome, e
corresponde com a língua explorando a minha, me deixando à sua mercê.
As mãos que antes buscavam meu rosto se aventuram a explorar e
acariciar meu pescoço e nuca, demonstrando seu carinho e o desejo por
mim. Esse é um abraço que une não apenas o corpo físico, mas também
nossas almas.
A paixão cresce e se espalha como fogo, envolvendo-nos em um
êxtase arrebatador. Com uma promessa, um juramento silencioso de amor e
entrega total. Os suspiros entrelaçados ecoam no ar, testemunhando a
intensidade do que se desdobra a cada segundo. Esse beijo alucinante
explode em uma fusão de emoções, um mergulho profundo em um oceano
de desejo, ternura e vulnerabilidade.
Quando finalmente nos separamos, nossos olhares se encontram
novamente, estamos sem fôlego, mas agora transbordando de um amor
renovado e um vínculo indescritível. Esse beijo enlouquecedor transcendeu
os limites do tempo e do espaço, marcou profundamente nossos corações,
selando um amor que será eterno.
Encosto nossas testas e sorrio:
— Desculpe, é melhor eu ir.
Ao me afastar, ela toca seus lábios me fazendo sorrir.
— Obrigado pelo guarda-chuva, devolvo na sexta-feira quando te
buscar para a nossa tarde. Não vai esquecer nosso combinado?
Ao vestir a jaqueta olho para ela buscando a confirmação e me sinto
um rei por vê-la corada com um sorriso tímido e a mão delicada agora sobre
o coração. Deve estar com a pulsação exaltada como a minha, mas sou mais
experiente em esconder minhas reações.
— Sim, claro. Quer dizer, não vou esquecer. Obrigada... Pela
carona, Tiziano.
— Até mais, micina. (Gatinha)
CAPÍTULO 10

Jessica e eu combinamos de tomar um café depois do almoço, na


confeitaria da praça São Marco. Amamos o Caffè Florian e seu ambiente
clássico.
Sentadas em acolhedoras poltronas de veludo, concentro-me no
frescor que Jess traz com sua presença e cumplicidade.
— Estou te achando diferente, Selena. Um brilho no olhar.
Aconteceu algo desde aquela festa que não me contou?
Quase me engasgo com o café Mocha. Não posso contar sobre o
beijo de dois dias atrás, minha amiga tem o irmão mais velho em alta conta.
E se isso estragar a relação deles de alguma forma? Não!
— Além do sufoco que me fez passar? — disfarço com um sorriso.
— Não, Jess. Apenas estou feliz em te ver. — O que eu diria? Fui beijada
por seu irmão e estou perdidamente apaixonada por ele? Não posso
confidenciar isso.
— Hum. Por que demorou tanto para atender minhas ligações? Suas
mensagens também estavam monossilábicas.
— Estava atarefada com os cursos. Não pude me distrair com o
celular essa semana. Me perdoe.
Aproveito a deixa e tento expressar como realmente me sinto em
relação a negar seus pedidos. Meio tímida começo confidenciando sua
importância em minha vida, afinal não desejo passar por mais situações
humilhantes como naquela noite na lancha.
— Jess, — limpo a garganta — você sabe o quanto é importante
para mim. Sua amizade é um refúgio, um porto seguro onde encontro
conforto e apoio em meio aos desafios que enfrento. Amo você como uma
irmã.
Ela espreme os olhos desconfiada.
— O que você aprontou, Selena?
— Não é isso, Jess. É sobre a festa que fomos. — Meu pulso
acelera, mas preciso que entenda como me sinto, que ela precisa respeitar
minhas escolhas também. Minha amiga rola os olhos e beberica um gole do
seu chá gelado de maçã.
— Foi errado da minha parte não recusar. Eu sofro um conflito, por
vezes quero dizer não a você, mas não consigo. Mesmo valorizando
imensamente nossa amizade, há momentos em que me vejo privada do
direito de escolha. Me senti desrespeitada quando mentiu para mim naquela
noite. Você não contou que ninguém sabia que íamos à festa. A minha
vontade foi suprimida pela sua. Até Salvatore foi envolvido, sabe como é
um risco, meu segurança responde ao meu pai.
Lágrimas ameaçam rolar, contudo, permaneço firme, é importante
que ela compreenda que respeitar minhas escolhas faz parte da nossa
amizade e precisa haver um diálogo participativo de ambas nas nossas
decisões no futuro.
Jessica ouve em silêncio por um momento, absorvendo cada palavra
com atenção e reflexão. Então, minha apreensão se torna nítida nas minhas
mãos inquietas no colo.
Até que por fim, humilde, ela admite:
— Tem razão, Selena. Talvez não tenha percebido como minhas
ações podem te afetar. Peço desculpas por não ter sido mais consciente e
respeitosa em relação às suas vontades e opiniões. Devia ter falado a
verdade e dado a escolha a você.
Jess se aproxima e me abraça. Sinto um alívio reconfortante e apesar
de não ter negado ir com ela naquela festa, foi um sacrifício válido. Se
aquilo não tivesse acontecido, Tiziano não teria pedido desculpas ontem
com aquele beijo maravilhoso. Ok, tecnicamente não falou as palavras, mas
entendi como ele queria fazer as pazes comigo.
— Sei como foi difícil você falar o que estava sentindo, Selena. Mas
quero que ouça com atenção. Eu não me moldo à vontade de ninguém, não
ajo da forma que esperam quando não é da minha vontade agir, sou livre
mesmo em uma gaiola dourada, por enquanto.
— O que quer dizer, Jess?
— Meu jeito é reflexo das minhas relações pessoais. Sabe como
gosto de sair, mas sou sempre monitorada e proibida. Papai é sempre
distante, a sua única conexão é o filho mais velho. Gabe é um muro de
pedras com camadas e camadas de concreto.
— Isso eu concordo, e nunca entendi o motivo.
— Ele sempre foi seco, mas aconteceu algo na sua adolescência que
o afastou ainda mais de todos, ninguém conta, é como um assunto proibido
e eu nunca perguntei.
— E sua nonna (avó), ela parece tão compreensiva.
— É e não é, Selena. Sabe a expressão ‘sim, só que não’?
Começo a rir do jeitinho dela explicar.
— Ela e mamãe estão em um complô para que eu siga a carreira
dela em administração para trabalhar sob suas asas. Deus me livre! Quero
conhecer o mundo, Selena. Quero ser dona de mim, dos meus passos, das
minhas conquistas!
— É lindo o modo como você fala do futuro — expresso a
sinceridade tomando um gole do meu café.
— Andou falando com Tiziano, Selena?
Meu Deus! De onde ela tirou isso?
— Por que essa pergunta? — quase engasgo de aflição.
— Porque essa frase é dele. Toda vez que contava a ele meus
planos, meu irmão sempre dizia isso. Quando comecei a aprender idiomas
diferentes, nós nos sentávamos no jardim de inverno para treinar. O pobre
não entendia quase nada das minhas frases erradas, mas aplaudia e elogiava.
Pensando agora, apesar de controlador, Tizi é o único que me apoia em
viajar.
— Admiro você minha amiga, pois é segura do que quer.
— Selena, o futuro é incerto, mas ainda é meu, somente meu para
construir!
Essa conversa me deu ainda mais certeza que não devo contar a
minha amiga sobre a relação que tenho com seu irmão mais velho, pois,
também tracei planos para o meu futuro, mas ainda não ouso recitar em voz
alta.
Pelo menos consegui expor o que queria para Jessica. Percebo que
nesse momento de vulnerabilidade compartilhada, nossa amizade encontrou
uma nova dimensão, um vínculo ainda mais profundo.

Após a conversa com Jess, vou em direção a biblioteca ao lado do


prédio onde curso o módulo de fotografia. Tizi sugeriu este lugar discreto
para me buscar, já que dispensei o motorista avisando que iria estudar até
tarde. Meu segurança Salvatore está parado ali em frente, depois preciso
conversar com ele sobre uma maneira de não me dedurar para o meu pai.
Afinal não tem nada demais. É durante o dia e vou estar com alguém
conhecido e responsável, ao qual já frequento a casa e conheço sua família.
Ok, não sou adepta a mentiras, no entanto, se um dia pensei em
mentir, o único motivo seria para me encontrar com Tiziano. Por ele vale
infringir as regras.
Estou nervosa e ansiosa, mas também empolgada por ter a
oportunidade de passar mais tempo com ele. Ao chegar, caminho inquieta
pelos corredores, fingindo olhar as prateleiras repletas de livros, sentindo o
coração acelerado em antecipação, confiro o relógio no pulso a cada
minuto.
Ao olhar pela décima vez, digo:
— Ele está atrasado... Espero que chegue logo — murmuro para
mim mesma.
Enquanto espero, começo a brincar com o colar em meu pescoço,
nervosamente.
Meu olhar varre a entrada da biblioteca a cada som de porta se
abrindo, esperando vê-lo. Olho pela janela observando as pessoas passando
pela rua, mas meu pensamento está em Tiziano.
— Será que ele esqueceu do nosso encontro? Será que aconteceu
alguma coisa? — pergunto a mim em um modo de me acalmar.
Tiro o telefone da bolsa e verifico se há mensagens ou chamadas
perdidas, mas não encontro nenhuma notificação.
— Talvez eu deva ligar para ele e ver o que está acontecendo. Sim,
pode ter acontecido um imprevisto de última hora.
Com coragem, faço exatamente isso. Depois de alguns toques, ele
atende:

Tiziano: Oi, Selena.


Selena: Oi, Tizi... Hum... Estou aqui te esperando. Você está preso
em algum compromisso?
Tiziano: Sim.
Suspiro decepcionada.
Tiziano: Estou em um compromisso importante, inadiável na
verdade.
Selena: Ah, tudo bem! Desculpe, não queria atrapalhar. Até mais.

Não foi minha intenção ser mal-educada e desligar na cara dele, mas
era bom demais para ser verdade. Um homem como Tiziano tem muitas
reuniões importantes, não haveria tempo para uma bobagem, como ensinar
uma garota a guiar motocicletas. Que besteira, Selena!
Ao guardar o telefone na pequena bolsa transversal, sinto uma
presença nas minhas costas e duas mãos firmes segurando minha cintura.
Giro rapidamente assustada por estar distraída e agora indefesa nas mãos
que certamente é um homem, pela forma que prende meu corpo junto ao
seu. Só relaxo quando ouço um riso rouco conhecido e um par de olhos
azuis me encarando maroto.
— Tiziano! Dio Santo! Você me assustou!
— Devia prestar atenção, micina.
Ele não me solta e me deixo conduzir mais para o fundo do
corredor, onde é ainda mais deserta a circulação de pessoas. O cheiro bom
dele misturado com cheiro clássico dos livros, será uma memória olfativa
que jamais esquecerei.
— Verdade, não estava prestando atenção. Você disse que tinha um
compromisso inadiável?
— E tenho. Acha que trocaria qualquer evento por isso?
— Isso o quê? Não entend...
Tizi agarra minha nuca e me conduz para seus lábios exigentes, a
surpresa dura poucos segundos, pois os meus respondem instantemente a
ele como se fossem feitos exclusivamente para ele devorar. É ainda melhor
que o primeiro beijo, pois esse ele belisca e instiga meus lábios de uma
forma tão irresistível que arrisco imitá-lo dando mordidinhas nos dele.
Ele é intenso, é algo que nunca provei ou imaginei existir. Seu
punho fechado segurando meus cabelos na nuca e guiando como deseja é…
uau!
A barba roçando meu rosto é uma sensação tão gostosa que provoca
uns calores estranhos, mas tão deliciosos que deixo escapar uns murmúrios
baixos. A língua dele explora cada canto e às vezes chupa a minha com
vontade. Ele tem gosto daquelas balas fortes, que gelam a boca, mas a
sensação é incrível.
Tizi de súbito termina o beijo, mas não a conexão, pois apoia sua
testa na minha respirando pesado e lambendo os próprios lábios.
Minhas bochechas doem pelo tamanho do sorriso que trago no rosto.
Sinto os lábios até um pouco doloridos, com aquele ardido bom.
— Está pronta para se transformar em uma expert em motocicletas?
— Completamente.
Sem dizer mais uma palavra, pela mão ele me conduz de modo ágil
para a porta lateral da biblioteca, colocando o capacete em mim e nele.
Subimos na Harley e seguimos pela rodovia. A ansiedade de minutos antes,
agora dá lugar à alegria e ao prazer de estar com Tiziano. Dio Santo (Santo
Deus)! E se Salvatore me procurar dentro da biblioteca? Ah! Certamente
vai ligar no celular e então vou explicar tudo. Não vou me prender a isso
quando estou na carona do meu amor.
Perco a noção do tempo aproveitando a paisagem de ciprestes
passando rápido pela velocidade da moto. De vez em quando Tizi
inspeciona se estou segurando firme, assim como fez da primeira vez. Toca
minhas mãos ao redor de seu tronco e traz a coxa quase trançando as pernas
sobre as dele. É tão protetor e cuidadoso! Um príncipe!
Ao sairmos da rodovia principal, seguimos por uma estrada
secundária pavimentada e deserta, com uma mão só, como se conduzisse
para uma propriedade particular. Ao estacionar em uma parte mais larga da
estrada que parece um recuo, Tizi me instrui a desembarcar. Ele também
desce e começa a explicar a posição da embreagem e freios, conto que olhei
alguns vídeos no YouTube o que o deixa satisfeito pelo sorriso que me
oferece. Mesmo assim me faz testar cada coisa que explicou antes de subir
nela.
Freios, embreagem, acelerador, ignição.
— Pode deixar a bolsa junto dos capacetes ali no chão, iremos bem
devagar e não haverá perigo. Sabe andar de bicicleta?
— Sei, apesar de ter um tempo que não ando, acho que não esqueci
— Faz um tempão mesmo!
— Ótimo, tem o mais importante, senso de equilíbrio.
Obedeço ao me livrar da bolsa.
— É seguro deixar nossas coisas? Ninguém passa por essa estrada?
— Não! Essa estrada segue para uma propriedade particular. Não
viu a câmera na saída da rodovia?
— Não vi, a paisagem me distraiu.
‘Eu estava concentrada em te abraçar e sentir seu cheiro, não havia
nada que pudesse me interessar, bobinho.”
— Qualquer pessoa não autorizada, tem os pneus dilacerados por
um sistema secreto terrestre nos primeiros metros do caminho.
— Como sabe disso?
— Fui eu quem mandou construir.
Dou um sorriso vendo o dele todo convencido e a piscadela de olho
que me derrete feito manteiga. A propriedade é sua.
Em seguida Tizi começa a ensinar o que fazer e de que forma.
Concentro-me em cada orientação que ele passa para colocar a moto em
movimento.
— Essa Nightster é muito pesada para você e como é a primeira vez,
não se preocupe em colocar os pés no chão. O câmbio é automático
também, o que facilita para iniciantes. Serei o seu apoio, pode subir.
Faço como diz e em seguida ele se acomoda atrás. Junta seu corpo
trabalhado em músculos todinho colado no meu, como uma gaiola.
Posiciona minhas pernas corretamente com uma pegada firme. Os
braços também, colocando minhas mãos nas manoplas. Testa e fala ao
mesmo tempo, coloco todo o meu esforço em ignorar a sensação deliciosa
da voz sedutora rente ao meu ouvido.
— Está pronta para isso, micina (Gatinha)? — ele sussurra fazendo
com que eu feche os olhos pelo arrepio que desencadeia.
— Com você como apoio, estou mais do que pronta. Vamos lá!
O motor é ligado e Tiziano sobrepõe a mão sobre a minha no
acelerador, acelerando para escutarmos o rugido sinistro da Harley. Uma,
duas, três vezes...
— Ouça Selena! Isso é...
— LIBERDADE!
Falamos juntos completando a frase.
Passei a noite de ontem em claro, com a ansiedade transbordando
pelos poros. Monitorei cada minuto do meu dia para este momento, para
estar com ela no nosso universo particular.
Fazia trinta minutos que a esperava naquela biblioteca, angustiado
que talvez ela não fosse. Mas quando seu perfume tomou conta do lugar,
senti minha pulsação acelerar como um viciado sedento pelo frasco de
entorpecente.
Assim que a vi meu coração veio à boca. Estava ansioso por sua
presença e não resisti. Depois do nosso primeiro beijo dois dias atrás, nada
mais fez sentido. Tudo perdeu o sabor, o alimento foi consumido apenas
para que eu tivesse energia, a água cumpriu o seu papel em me hidratar,
mas o único gosto que prevaleceu foi o beijo de Selena, sua entrega a mim
fez uma marca como uma tatuagem em meu coração.
Senti que estava em abstinência dela, portanto, na primeira
oportunidade naquele corredor eu aproveitei. Sorvi os lábios doces como se
minha vida dependesse disso. Ah, como queria tê-la em meus lençóis
naquele instante!
Desde que a tive em meus braços é necessário manter o foco, ou a
qualquer momento mando meu juízo pra casa do caralho!
Podia levar Selena até o meu rancho a cinco quilômetros adiante,
mas tenho guardas na guarita de entrada e o casal que cuida dos animais
morando nas dependências da propriedade. Seria um incômodo dos infernos
se um deles abrisse o bico sobre quem chegou comigo no rancho. Selena é a
conhecida herdeira de um dos casais mais influentes e de renome da Itália.
Não posso estragar tudo agora tão perto de poder viver meu sonho.
Em breve ela será maior de idade e então esse sacrifício em manter a
discrição valerá a pena, pela sua reputação e a minha também.
Tento relaxar e acalmar meu espírito ansioso, pois ao simples toque
dela estou a ponto de cometer uma loucura. Minha bella é inocente e ainda
não compreende que a maneira despretensiosa que a toco é para aplacar
essa fera faminta que está à espreita de devorá-la.
Mas neste momento, ao ouvi-la completar o que ia dizer, é mais uma
confirmação que Selena foi feita para mim.
— Sim, liberdade! Ouça o convite do motor, não é fascinante?
Seu rosto vira para olhar sobre o ombro, mas estamos tão próximos
que a lufada doce de seu hálito, me entorpece.
— Tenho que admitir, ouvindo essa potência estou um pouco
nervosa.
Minhas mãos não obedecem a meus comandos, preciso tocá-la.
Aliso suas coxas num vai e vem reconfortante, e sussurro palavras de
incentivo.
— Não se preocupe, Selena, estou aqui para te proteger. Jamais
deixarei nada acontecer com você. Confia em mim?
— Confio.
— Solte lentamente a embreagem, vou acompanhar a aceleração até
se sentir segura.
— Ok.
Ela me obedece e faz tudo certo. Aos poucos começamos a nos
mover na estrada reta, seguindo minhas instruções, é o momento de tirar
minha mão e deixá-la seguir sozinha. Volto a agarrar sua cintura,
transmitindo meu calor, minha posse sobre seu corpo.
— Eu consegui! Consegui Tizi!
— Sabia que era capaz, acelere um pouco mais e mantenha.
O sopro da brisa suave traz as mechas de cabelo loiro para meu
rosto e a sensação é de entrar no paraíso. Observo seu rosto pelo espelho
retrovisor e mesmo concentrada, Selena deixa um sorrisinho dançando em
seus lábios. Tão linda, tão minha!
— Você fica ainda mais bonita quando está focada assim.
— Você sabe como me deixar envergonhada. Não pode me distrair
assim, Tiziano!
— Euuu? Distraindo você? Pelo contrário, você é uma distração
ambulante, Selena!
Dou uma risada alta quando seu rosto surpreso olha no retrovisor.
Mia ragazza aciona o freio sem querer fazendo a moto apagar em um
solavanco, me fazendo rir ainda mais e abraçá-la com toda a força para nos
segurar sobre o veículo. Ela também acha graça e se diverte com a situação.
— Falei que eu era inocente. Você quem deixou apagar!
Conforme a aula progride, Selena se sente mais confiante. Ela está
resplandecente, descontraída desse jeito, compartilhando risadas e trocando
olhares cheios de afeto comigo. Não quero que esse dia termine. Em
seguida ela aponta para uma curva à frente.
— Acho que consigo fazer essa curva sem problemas. O que acha?
Observo a determinação com um orgulho gigante dentro de mim.
— Tenho certeza de que você vai arrasar. Vá em frente, não irei
desgrudar de você.
Selena inclina a motocicleta e passa pela curva com sucesso,
sentindo-se animada com a conquista. Inspiro seu pescoço e beijo sua pele
tirando uma gargalhada feliz e melodiosa. Afago carinhosamente sua
cintura, enquanto continuamos o percurso.
Se isso não é sinônimo de felicidade, não sei o que é.
No final da tarde, após várias voltas e lições, estacionamos a moto
no ponto de partida. Ela está radiante e orgulhosa de suas realizações.
Descemos do veículo e vestimos os capacetes para retornar.
— Tizi, obrigada por ter sido tão paciente nesta aula. Não teria sido
tão divertido e emocionante com outra pessoa.
Olho em seus olhos brilhantes, segurando suavemente suas mãos.
— Eu não podia escolher aluna melhor, Selena. E mal posso esperar
para vivermos muitas aventuras juntos de motocicleta por essas estradas.
Seu rosto toma a melancolia habitual.
— Minha família não permitiria tirar a carta para guiar motocicletas.
É uma pena, gostei tanto!
De maneira gentil, me aproximo e toco seu rosto carinhosamente.
Esses lábios tão lindamente desproporcionais são uma tentação!
— Pode ser um segredo só nosso. Você pode passear de motocicleta
somente comigo.
Selena me surpreende lançando seus braços ao redor do meu
pescoço em um abraço contente.
— Você faria isso por mim?
Se ela soubesse o que estou disposto a fazer por ela, provavelmente
não acreditaria.
Respiro fundo o perfume dos seus cabelos enquanto ela me aperta
contra si.
— Estou ansioso para vê-la guiar sozinha ao meu lado em um
passeio especial.
— Passeio especial? — Amo quando a surpreendo, eu sou o sortudo
que irá apresentar o mundo para ela.
— Sim, podemos organizar um roteiro de pontos turísticos em um
fim de semana.
Selena me olha de um modo que me deixa emocionado, toca meu
rosto desejando mais que toques. No entanto, não posso dar chance para a
fera escapulir, se beijá-la outra vez, aqui sozinhos, suspeito que não vou
conseguir parar. Ao invés de sua boca, beijo sua palma e dedos.
— Melhor irmos, estamos há horas aqui e não quero complicações
para você. Assim podemos treinar mais vezes em breve.
— Claro, tem razão, acho melhor me deixar na biblioteca outra vez.
Prendo a fivela de seu capacete e nos acomodamos na Harley para
retornar. Mas não vou acelerar, quero aproveitar o máximo que puder desse
sonho.
CAPÍTULO 11

Já estou no quarto a quinze minutos com Jessica ao telefone


tentando me persuadir. Pelo visto nossa conversa sobre minha liberdade de
opinar, não teve grandes efeitos.
— Selena, não vou admitir uma recusa. Preciso da minha melhor
amiga.
— Por que não podemos fazer um passeio tranquilo de gôndola? Aí
você me conta com calma o motivo da sua chateação.
— Gôndola, amiga? Por favor, esse é um passeio para dois
namorados e não duas garotas da nossa idade que precisam curtir. Combinei
com alguns amigos para irem conosco. Passo aí para buscar você em quinze
minutos. Me espere no cais.
Jessica definitivamente é meu oposto. Aprecia uma interação social
da qual prefiro me afastar. Só queria ver um filme com minha melhor amiga
e conversar a sós. Mesmo não podendo contar meu maior segredo que é o
relacionamento com o irmão mais velho, ainda assim amo nossas
conversas.
Troco minha roupa em tempo recorde. Uso o biquíni e a saída de
banho, junto com a bolsa e meus objetos pessoais para a praia. Amo o sol,
infelizmente, ele não me ama tanto assim. Protejo minha pele com o
protetor solar e desço para o cais esperando a maluquinha.
Ao atracar a lancha, os seguranças de Jess me ajudam a entrar na
embarcação. Graças a Deus essa lancha tem uma cabine fechada enorme,
sem riscos de queda na água pela velocidade.
Depois de cumprimentá-la, faço o mesmo com nossos colegas que
ela buscou no caminho. Alina e Carlo de beijinhos em um banco, um outro
casal que às vezes se reúnem com a gente olhando o mar e Vance
conversando com um dos seguranças.
— Avisei a Lázio para não acelerar tanto durante o trajeto. Como
você está?
— Estou bem, obrigada por se preocupar comigo. E você, vai contar
o que a aflige?
— Vou. Lá na praia. Aqui tem muitos ouvidos. Não quero que
saibam da minha vida.
Vance se aproxima de onde estamos sentadas com um sorriso
radiante.
— Uau, Jess! Sua lancha é simplesmente sensacional! Nunca vi uma
embarcação tão moderna e luxuosa! O design é elegante e essa combinação
de cores é perfeita. Parece uma obra de arte flutuante.
— Realmente é uma verdadeira obra-prima, mas é do meu irmão
Tiziano. Ele comprou há pouco tempo na última exposição da Azimut
(empresa italiana cujo ramo são os iates de luxo).
— Tô de olho em uma dessas desde que lançou.
— Fico feliz que você tenha gostado. Sabia que Vance tem
habilitação capitão amador, Selena?
— Hum. Não sabia disso, Vance!
Ele sorri orgulhoso estufando o peito.
— Ele pode dirigir até seu próprio transatlântico. Não é incrível ser
amiga de um cara tão descolado?
Vance dá uma gargalhada de Jess enquanto ela beberica uma
marguerita piscando um olho para mim. Depois trocam olhares demorados
entre si. Conheço esse olhar sapeca. O que será que ela está planejando?
— Jessica, você é a garota mais icônica deste país! Lembre-se de
não apresentar meus amigos descolados para você, pois vai criar uma
disputa entre eles.
— Obrigada pelo elogio, é um elogio, né?
— Claro que é! — concorda ele, muito simpático.
Seguimos pelo mar até uma praia pouco movimentada na costa do
continente.
Durante o dia, tomamos sol e banho de mar com muitas risadas e
diversão. Jess organizou um piquenique de luxo, com uma diversidade de
deliciosos queijos, pães e frutas à nossa disposição.
É sempre uma experiência incrível quando ela organiza o dia. Quase
na hora de voltar, fomos andar à beira mar molhando os pés na água morna,
então ela suspira e começa.
— Selena, sabe como sou espontânea, transparente e aventureira.
— Sei e a admiro muito por isso. — Jess ajeita sua saída de banho
orgulhosa e se aproxima.
— Não quero que me ache paranoica, mas tenho a impressão que
sou observada.
A encaro surpresa e cochicho:
— Mas você é cercada de seguranças, Jess! Não compreendo seu
ponto.
— É uma sensação estranha, parece que tem sempre alguém de olho
em mim. E além disso, todos parecem me cercar, mas continuo invisível
para eles, entende?
— Você se refere a sua família?
— Sim.
Voltamos para a areia seca e nos sentamos sob o guarda-sol.
— Mamãe é superprotetora comigo, comentei no jantar num dia
dessa semana que pretendo viajar, conhecer alguns lugares lindos, ela não
gostou nada da ideia. Minha avó apesar de me mimar, concordou com ela.
— Ah, mas minha família também é contra eu sair da Itália, mesmo
que a passeio ou intercâmbio. É preocupação deles Jessica — Jess estala os
lábios muito segura.
— Selena, nós não somos plantas para ficarmos paradas no mesmo
lugar e aguardar o ciclo da nossa vida passar como a porra da fotossíntese.
Somos jovens, precisamos nos autoconhecer e para isso acontecer é
necessário a liberdade de ir e vir para onde quisermos.
Ela bate em seu próprio peito em um ato de rebeldia.
— Devemos a nós mesmas! Nós podemos fazer o que quisermos
nessa vida. Me sinto podada. Eu, planta Jessica, além de ser obrigada a não
me mover, ainda sou podada.
— Jess não me faça rir, é assunto sério!
— Eu sei, Selena. Quero desabafar, e não te deixar triste.
— E seu pai? O que pensa sobre isso?
— Com relação a mim ele não interfere, só mamãe decide. Ele só
enxerga Tiziano. Parece alheio a minha presença e de Gabe, como se
entregasse a responsabilidade à minha mãe.
— E seus irmãos?
Jess rola os olhos quando se refere a Gabrielle.
— Gabe tem seus demônios internos que é melhor não tentar
cutucar.
Mas quando fala de Tizi ela sorri.
— Meu irmão mais velho é o único que me apoia naquela casa. Ele
me incentiva a estudar, viajar e conhecer o máximo do mundo que eu puder,
mesmo sendo exagerado na segurança, é o que se parece mais comigo na
personalidade aventureira. Quando tinha tempo ele me levava nas viagens
com ele, mas ultimamente está difícil.
Dio! (Deus) Jess o ama. Pensei em conversar com ela sobre o que
está acontecendo com a gente, mas sabendo da ligação extremamente
achegada com ele, é melhor esperar.
— Por esse motivo também estou chateada.
Embora disfarçando como posso, fico alerta.
— Descobri uma coisa decepcionante ontem.
— Meu Deus! Será que...?
— Lembra da minha professora de línguas estrangeiras?
Solto o ar dos pulmões como se fosse salva de uma corda bamba.
— Lembro, a senhorita Cavalli, que sempre foi prestativa e
interessada em te ajudar?
Jess bebe um gole de sua garrafinha.
— Sim! Ouvi uma conversa dela sem que percebesse. Ela confessou
que me tratava bem e elogiava para cair nas graças do meu irmão. Que
mesmo me achando uma exibida, fez favores a outra mentora para ser ela
própria a me acompanhar.
— Meu Deus! Que decepção, Jess!
— Você não imagina o quanto. Eu a considerava uma amiga, tinha
pensado em convidá-la para sair com a gente e era tudo interesse por
Tiziano! Eu não admito ser moeda de troca! Sou um ser humano pensante e
interessante, poxa! Para mim é uma das piores traições!
Engulo seco, e sem querer minhas mãos ficam inquietas sem nada
para fazer. Não consigo olhar em seus olhos enquanto ela fala da moça. Mas
nunca fiz isso. Jamais imaginei que o motoqueiro daquele posto de
combustível, o qual me encantei à primeira vista, fosse irmão de Jessica.
Sou uma boa amiga, eu a amo sem interesse, mas como ela vai acreditar?
— E se... E se um dia seu irmão se apaixonar por uma amiga sua,
você vai achar ruim?
— É diferente, Lena. Se acontecer naturalmente de Tizi se interessar
por alguém que eu vá conhecer e trazer para a companhia da família, tudo
bem. Mas não é esse o caso. Essa já o conhecia, também sua fama de CEO
mais famoso que a Vogue publicou na capa e se aproximou de mim depois.
Me enganou com uma falsa amizade e eu tola, acreditei.
Não consigo falar, agir e nem pensar em qualquer argumento.
Pego minha garrafinha d’água e bebo um longo gole.
O que eu fui fazer, meu Deus! Me apaixonei e me envolvi com o
homem dos meus sonhos que é a pessoa mais próxima da minha melhor
amiga! Pode acontecer um milhão de coisas! Ela descobre e briga com ele,
afetando a família toda. Renega minha amizade e me expulsa da sua vida. O
que eu vou fazer?
É uma feliz coincidência encontrar Jess atracando minha lancha no
cais do estacionamento Roma. Dei autorização para que ela fizesse um
passeio e solicitei ao nosso chefe de segurança Lázio, que levasse um dos
homens com ele. Certamente Selena está na lancha.
Aciono o alarme do meu carro e alinho meu cabelo diante do vidro,
mas minha visão periférica capta uma figura saindo da lancha em direção a
um carro esporte.
Puta merda! O metido a herdeiro foi com elas? Passaram o dia
juntos? Preciso descobrir que ligação ele tem com minha bella.
Quando ele arranca com o Porsche, apresso o passo até o cais e
entro na lancha antes de retornarem ao mar.
— Estão indo para casa? — indago após cumprimentar a todos.
— Sim, irmão. Vou deixar Selena antes.
— Acho melhor ir direto para casa, Jess, pois tenho uns papéis que
preciso buscar. Quando retornar para a empresa, deixo Selena na casa dela.
— É muito urgente? — pergunta Jess.
— Sim, saí apressado e esqueci o esboço do projeto que fiz ontem à
noite. É um cliente muito importante e quero mostrar o desenho de como a
estética da motocicleta ficará após nossa customização.
Preciso ser convincente, minha irmã é muito inteligente. Com
Selena nesse biquíni não estou muito concentrado. Preciso desviar o olhar
de seu colo corado. Seus seios delicados acomodados sob aquela cortininha
de tecido, é como um maldito imã.
— Hum. Tem reunião ainda hoje com o cliente? Não vai jantar
conosco? Papai estava contando com você, disse que precisava da sua
opinião, algo referente a sua nova fragrância... Tiziano! Falei com você!
Está com a mente em que lugar?
— Ah, sim desculpe. É por esse motivo minha pressa, Jessica! Não
quero desapontar nosso pai, mas tenho que pegar a pasta em casa.
— Bene (bem)! Já vi que está com a cabeça no trabalho.
É isso que pretendo que acredite, minha irmã. É melhor assim.
Mia ragazza vez ou outra me olha com seu olhar cristalino. Os olhos
estão tão claros que se assemelham ao mar. A pele corada e hidratada do
protetor solar a deixa espetacular. Não havia ainda admirado criatura mais
fascinante que Selena com roupas de banho, cazzo!
Viro de costas quando nossos olhares se conectam, com medo de
não resistir em colocá-la no meu colo e lambê-la inteirinha. Tô morrendo de
saudades do seu gosto, faz dias que não conseguimos nos encontrar nas
aulas de motocicleta. Preciso ficar a sós com ela, mais do que saber sobre o
merdinha do Porsche, preciso tocar em Selena. E como ela está em alto mar
na companhia apenas do segurança que ficou com Jess, é o momento certo
para ficar a sós com mia bella.
Vou até a cabine onde Lázio está dirigindo e o instruo a entrar na ala
dos meus aposentos, e na mesa do meu escritório trazer a pasta que deixei.
Ao atracar ele me obedece sem questionar. Como não vou demorar,
aviso que farei o trajeto sozinho, deixo Selena em casa e sigo para a
empresa. É um ótimo plano de última hora. Jess só precisa acreditar que
estou falando a verdade. Amo minha irmã, mas me envolver agora com sua
melhor amiga enquanto é menor de idade, certamente irá abalar nossa
relação e a dela com Selena. E meu objetivo é sermos uma família unida
com minha esposa e não um motivo para nos distanciar.
Com meu plano em prática, chamo Selena para perto de mim na
cabine. Dirijo rápido para uma de minhas prioridades do outro lado do
canal, onde possuo o píer sob a casa. Foi um requisito quando a adquiri, um
lugar discreto onde ninguém tem acesso a quem está comigo nas
embarcações privativas.
— Onde estamos, Tiziano?
— Fizemos uma pequena pausa em uma das minhas casas.
Atraco e desligo o motor na privacidade da garagem e me acomodo
depressa ao seu lado no banco.
— Você esqueceu outra pasta aqui?
Esboço um sorriso lento, tenho minha inocente ragazza (garota) só
para mim por algum tempo.
— Não, minha bella (linda)! Queria ficar a sós com você.
Cheiro seu pescoço e um murmúrio de deleite escapa da minha
garganta. Que saudades!
— Você queria?
— Não. Eu quero! Preciso sentir seu perfume de pertinho, na
verdade, quando a vi não pensei em mais nada, apenas nos nossos beijos.
Selena afaga meu rosto e me conduz para seus doces lábios. Tem
gosto de fruta madura e inebria como o mais suave vinho. Beijo sua boca e
agarro sua cintura nua, a pele quente e cheirosa se encosta em mim,
provocando labaredas na minha virilha. Ah, cazzo! Como desejo essa
mulher! A devoro como o faminto que sou por ela. Deslizo os beijos pelo
pescoço ouvindo seus suspiros.
— Estava com saudade sua, Tiziano. Principalmente dos nossos
beijos.
— Eu mais ainda, minha bella!
Acaricio a pele das costelas e subo para sentir a maciez do
pedacinho carnudo da lateral do seio. É tão suave e sedoso que na ilusão de
sugá-lo, sugo seu ombro nu.
— Como foi o passeio?
Preciso que ela fale sobre o merdinha do Porsche. Aliso a coxa por
dentro da saída de praia, continuo beijando suavemente seu ombro e
pescoço. Sinto seu tremor ao meu toque e fico muito satisfeito.
— Foi ... Muito agradável! — ela sorri enquanto se arrepia toda. —
Jess sabe como ninguém planejar um passeio.
— E seus amigos gostaram de passar o dia na praia?
Selena sorri e fica com o rosto corado quando mordisco seu lábio e
dou uma lambida em seguida.
— Gostaram muito!
— Fico feliz que se divertiram.
Com a ponta dos meus dedos aliso suas costas na região da lombar
em círculos lentos.
Tô ficando no limite da minha resistência, mas não há outra forma
de saber o que eu quero.
— Ti... Zi! Está quente aqui, não está?
— Está, você pegou sol e isso influencia na sua temperatura
corporal que, aliás, está deliciosa.
— Estou com um calor incomum.
Agarro sua nuca e guio para que sugue minha língua.
Selena está tão entregue que poderia tomá-la aqui mesmo. Aposto
que está molhada e pronta para mim. Puta que pariu!
— E o rapaz do Porsche conversou bastante com você, o que
conversaram?
O rubor de sua pele é convidativo demais, é irresistível.
— Nada demais! Ele adorou sua lancha e quer comprar uma igual.
Claro que quer, por certo quer a minha mulher também, escrotinho
figlio di puttana (filho da puta)!
Volto a cheirar seu pescoço, roçando meu nariz na pele sensível e
Selena agarra minha camisa com força, cruzando as pernas. Minha doce
menina está excitada, queria tanto sentir!
— O que mais ele falou para você? — As lambidas no pescoço a
deixam maluquinha. Eu amo isso!
— Que... Ele tem habilitação para guiar ...
— Tem? — mordisco o lábio mais uma vez e ela arfa.
— Hum hum.
— Ele tocou em você, micina? Convidou para sair com ele?
Mordo seu queixo lambendo em seguida e mia ragazza agarra meus
cabelos. Cazzo! Que tortura!
— Não! Nós mal nos falamos.
Olho em seus olhos nublados de desejo e pergunto:
— Você não sairia com ele, não é? Não faria isso comigo, né?
— Claro que não, Vance é só um amigo.
Ainda mantenho o olhar e vejo como tenho tanto para dizer a ela, no
entanto ainda preciso esperar.
— Queria ficar assim sozinho com você para sempre — declaro.
Selena toca minha barba e me admira com adoração. Para evitar
perder o resto do meu controle, a beijo um pouco mais, mas com menos
intensidade e toques, pois preciso levá-la em casa. Pelo menos garanti que
ele não está no meu caminho. Mas juro a mim mesmo, se aquele fedelho
ousar se colocar entre mim e Selena, acabo com a raça dele e mando aquele
Porsche de merda para o fundo do oceano.
CAPÍTULO 12

Devidamente acomodado no consultório da Dra. Sara Bellini,


observo a senhorinha de óculos modernos e coloridos, prescrevendo as
receitas para mim. Ela é uma médica excepcional com formação em
psicologia e psiquiatria, que tem me ajudado desde que iniciei o tratamento.
A cada dia, com sua ajuda, aprendi a diferenciar impulsos sexuais saudáveis
dos prejudiciais à minha condição.
— É realmente necessário o medicamento, doutora? — remexo-me
na cadeira diante de sua mesa.
— Sim, Tiziano. O objetivo é evitar que isso evolua. É muito
importante você ter procurado ajuda. Nossas sessões até agora foram ótimas
para avaliar o seu quadro.
— Confesso que no início, me senti desconfortável ao buscar ajuda
profissional. Sempre associei isso à insanidade, mas estou começando a
desmistificar essa ideia.
Seu sorriso condescendente me acalma.
— Nada de insanidade, eu sempre digo que todo o ser humano
deveria fazer análise.
— Poderia me explicar melhor porque a lactofilia pode evoluir?
— Tiziano, a lactofilia é um transtorno que, como qualquer
compulsão sexual, pode levar a um vício em sexo. Até agora, o seu
diagnóstico é de tendência a ser semi-adicto ou como gosto de simplificar,
semi-viciado, o que significa uma inclinação para desenvolver um novo
transtorno sexual, a satiríase.
— Dra., é um alívio saber que existem maneiras de controlar essa
progressão e evitar que as coisas piorem. Qual função o medicamento fará
no meu organismo?
A senhorinha é bastante compreensiva e exerce muita paciência
comigo, pois quero saber cada detalhe do tratamento.
— A medicação é para o controle da ansiedade e reduzir sua libido
hiperativa, como um apoio para lidar com seus impulsos. Embora não seja
uma solução permanente, é um ponto de partida, lembrando que somente os
medicamentos não farão milagre.
— Sim, farei as sessões de psicanálise regulares, sei que é essencial.
— Ótimo. Mas é importante entender os motivos dessa compulsão.
Como conversamos anteriormente, vou deixar o telefone de um colega
psicanalista que trabalha numa vertente mais profunda. Ele é hipnólogo.
O cartão que me oferece é de grafia simples, escrito:
"Jacques Levi, médico psiquiatra.”
— Vejo no verso que é francês, ele tem consultório aqui no país? —
pergunto.
— Sim, ele vem algumas vezes no mês, pode agendar e avise-me
que mando sua pasta para ele.
— Vou esperar um pouco.
Seu olhar sobre a armação do óculos azul não é julgador, mas me
deixa desconfortável.
Talvez a Dra. Sara tenha razão. Deveria investigar as causas, mas aí
teria que falar sobre minhas visões e o medo de ser julgado me impede.
— Como estão os sintomas de abstinência?
— Tem noites mais difíceis que outras.
— Entendo, vou colocar uma ajuda de um fármaco aqui na receita.
Desde que encontrei minha amada naquele posto, não vou mais ao
clube, mas isso não impede meu corpo ou minha mente de desejar estar lá
em alguns momentos para um relaxamento e fuga da rotina, mas, não irei
entrar em detalhes agora.
— As informações que me passou me assustaram um pouco —
decido confessar para saber mais detalhes sobre o assunto.
— Tiziano, minha função não é assustá-lo, contudo, preciso preveni-
lo. Quem desenvolve a satiríase, tem uma vida sexual perturbada e curta em
função dos hábitos desregrados.
Ela é enfática ao relatar as consequências.
— Como assim, doutora?
— Veja bem, aos poucos o corpo enfraquece, a imunidade cai e a
pessoa começa a apresentar uma série de doenças e pode até morrer por
inanição e por complicações de uma infecção não tratada pelos ferimentos
auto infligidos na busca por alívio.
— Isso é terrível!
— E isso não é tudo. Além dessas implicações, o desenvolvimento
da impotência a longo prazo e traumas sexuais perversos estão sempre nas
estatísticas recorrentes. Portanto, repito, se não seguir o tratamento para a
ansiedade sexual, poderá regredir com qualquer gatilho.
— Fico aliviado que busquei ajuda antes do pior. Estou determinado
a seguir as orientações. — ressalto confiante.
— Isso é ótimo, se manter a disciplina do tratamento tudo vai correr
bem.
— Assim espero, só preciso evitar que a situação se agrave.
Nos despedimos e passo na farmácia para comprar as medicações da
receita. No trajeto até meu apartamento, reflito sobre a consulta e a situação
atual.
Repassando os últimos anos, é difícil manter a abstinência sexual,
mas agora é fundamental ter a capacidade de controlar os impulsos.
A motivação vem surgindo dia após dia tendo contato com minha
pequena.
Mesmo que o principal fator para reconhecer meu comportamento
semi-viciante foi manter a fidelidade no meu relacionamento, não desejo ser
uma decepção futura para Selena, muito menos causar traumas para nós
dois. É um fato incontestável! Mesmo que tenha pensamentos negativos,
minha auto aversão me impede de pensar em qualquer mulher que não seja
ela.
Selena se tornou minha única certeza na vida.
Ao chegar em casa depois de uma refeição leve e um banho
relaxante, é o momento de descanso. Tomo a medicação e passo com
cuidado a pomada prescrita para a sensibilidade do meu pau. Andei me
aliviando de modo exagerado essa última semana. Quando estou sozinho
em casa, perco a noção do tempo, enquanto relembro as sensações com ela.
As memórias do sabor, perfume e dos toques me dominam.
E hoje foi uma tortura estar excitado ao tocar seu corpo e não poder
realizar meus desejos. Estou louco para bater uma e não posso fazer isso,
pois as dores no pau esfolado são terríveis.
A disciplina com as medicações e a rotina de dormir sozinho não
são exatamente o que eu mais gosto. Adormecer sem a pessoa que desejo ao
meu lado é desafiador. Às vezes, penso em agir por impulso, mas ainda
faltam meses para Selena completar dezoito anos. Se pudesse ter a certeza
de que isso não se tornaria público, já teria agido de outra forma e não
estaríamos mais aqui na Itália.
O complicado é que, tanto ela quanto eu somos figuras públicas, ela
devido ao seu sobrenome e eu graças ao renome que conquistei com meu
trabalho. O que me motiva é que em breve poderemos viver nosso amor
plenamente.
Após os cuidados, deito-me na cama com apenas a luz amarelada da
luminária quebrando a penumbra do quarto, e um aromatizador de lavanda
na mesa de cabeceira ao meu lado. O cheirinho do meu paraíso é o toque
final para reviver meus pensamentos do encontro com Selena, até que eu
finalmente caia no sono.
Mais tarde na mesma noite, percebi que acordei em um lugar
diferente. Vi meu corpo envolto por uma névoa densa, mas reconfortante,
quase sublime. Gradualmente, a névoa se dissipou, e ao olhar para baixo,
meus pés estavam fincados em uma ruela de pedras, junto a outro par de pés
descalços caminhando ao meu lado. Meu anjo da guarda está aqui, com um
sorriso amigável e caloroso.
— Saudade de você — murmuro.
O vestido branco, leve como a própria névoa, parece fundir-se com
o ambiente recém-desperto. Encontro-me em um dos meus sonhos
enigmáticos recorrentes, onde minhas emoções fluem como as ondas do
mar. O cenário mágico de um vilarejo bucólico se destaca, acentuado pela
voz doce e melodiosa que ecoa nos meus ouvidos.
— Vamos dar um passeio, Tizi. A noite está linda hoje e quero lhe
mostrar alguns lugares especiais.
— Onde estamos? — pergunto desorientado, mas cativado por tudo
ao meu redor. Ela simplesmente faz um gesto para que a siga, sem
responder à minha pergunta.
Enquanto caminhamos juntos, ela me encoraja a compartilhar
minhas angústias.
— O que está te afligindo, meu pequeno Thor? — pergunta me
fazendo rir do apelido carinhoso.
— Já não sou tão pequeno, concorda? — Sua doce gargalhada
paralisa meus músculos e embaça meus olhos nessa realidade onírica. Baixo
o rosto e contemplo as pedras antigas da rua sob meus pés.
“Queria muito que ela fosse real, queria ter alguém para conversar e
me entender além dessa barreira irreal.”
— O que há de errado, Tiziano? Por que sinto sua dor? — ela
pergunta preocupada.
Sua expressão não se assemelha à rigidez de um ritual religioso, mas
transmite um sentimento de empatia e carinho.
— Estou angustiado enquanto espero pela mia ragazza. Meu amor
por ela é tão profundo que me sinto cada vez mais propenso a buscar sua
companhia, mesmo que isso represente um risco para ambos. No entanto,
quando estou ao lado dela, meu controle é testado ao limite.
Andamos juntos em silêncio por tempo indeterminado, mas isso não
me incomoda. Finalmente, ela responde ao conflito interno que
compartilhei.
— Você é realmente um bom rapaz, um homem de valor, e sinto que
seu amor é sincero. No entanto, ainda não é puro, então deve ser cuidadoso.
— Meu amor por ela é genuíno, acredite em mim — afirmo com
total convicção.
— Mas é um amor tingido de egoísmo — ela me encara com seus
olhos cintilantes como safiras, tomando para si todas as minhas defesas.
— Compreendo suas preocupações, ela é jovem e inexperiente, pode
enfrentar desafios que não imagina, quero protegê-la e... — tento explicar,
mas sou prontamente interrompido.
— Não! Ela é jovem e merece experimentar a vida, e, se você não se
voltar para o seu próprio interior, meu pequeno Thor, acabará sufocando o
que há de melhor nela.
— Selena é minha, eu a encontrei depois de anos. Você não pode dá-
la e depois tomá-la de mim! Isso não é justo! — retruco com lágrimas nos
olhos e meu coração apertado de aflição.
Antes que eu perceba, sou envolvido por seu abraço caloroso e sinto
o carinho de suas mãos nos meus cabelos. Esse gesto evoca uma sensação
sublime, uma saudade da compreensão absoluta que sempre me assombra
no plano da realidade.
— Em seu coração, a escuridão ainda reside — ela sussurra,
aquecendo minha alma atormentada com ternura. — Você deve lutar para
afastá-la, pois a plenitude só é possível quando as almas se libertam de suas
próprias sombras e se entregam para se fundirem. Não posso tirá-la de
você, pequeno Thor, mas isso não impede que você a tire da sua vida. Seja
forte e resiliente.
Ela pega meu rosto com suas mãos delicadas, oferecendo-me um
consolador sorriso. Nesse momento, uma brisa suave nos envolve, fazendo
seus cabelos longos brilharem como o luar. Seu aroma permeia todo o meu
ser e começo a questionar a sanidade disso tudo.
— Por que você tem o cheiro de Selena?
Observo o seu sorriso ganhar mais forma e uma risada açucarada
nos envolver.
— Acredito que ela tenha o meu cheiro, não acha?
Sinto-me confuso com sua resposta, mas logo estamos caminhando
lado a lado novamente, enquanto conto alguns acontecimentos novos de
minha interação com minha namorada.
No instante seguinte, encontramo-nos imóveis, e percebo um leve
estremecimento na sua pele alva, além de uma profunda dor em seus olhos.
Antes que eu possa perguntar sobre o que está acontecendo, ela aponta na
direção de uma estrutura opulenta diante de nós, aguardando pacientemente
que a névoa se dissipe para revelar seus segredos.
Questiono a mim mesmo como chegamos diante dessa majestosa
mansão, que surge de forma tão imponente e impressionante, destoando
completamente do cenário ao nosso redor. Sua estrutura é clássica e
tradicional, assemelhando-se a um castelo de pedras adornado por vitrais
magníficos. Uma escada em arco diante dela com duas esculturas de lobo
em cada ponta nos recepciona.
O olhar dolorido da mulher, que parece ser um ser celestial, se fixa
na mansão por breves momentos, enquanto ela suspira profundamente,
como se o fardo de tudo isso a tivesse exaurido por completo.
— Como chegamos até aqui? Quem mora nesse lugar?
Por alguns segundos penso que não terei respostas sobre tais
dúvidas, mas por fim, ela me responde com um novo enigma.
— A resposta não é como chegamos ou quem mora, mas sim por
qual motivo.
Seu olhar azul cinzento se volta para o meu rosto.
— Tudo se resume ao que está dentro destas paredes, desta
construção. Aqui é a fonte onde as camadas profundas de sua alma e do seu
círculo precisam ser testadas.
Não consigo compreender o significado de suas palavras e expresso
minha confusão ao anjo.
— Quem mora ali dentro? Não entendo, o que quer dizer?
Ela me abraça com carinho como se uma nuvem de algodão me
afagasse, beija minha testa e responde:
— Tiziano, a resposta que você procura precisa ser encontrada por
você, sozinho. O passado deve ser encerrado e a jornada pelo corredor do
tempo não é longa o suficiente para evitar o confronto com a realidade. É
fundamental que compreenda os sinais que irão surgir, mas apenas uma
mente em equilíbrio poderá percebê-los com clareza. De outra forma, será
impossível seguir em frente e alcançar o seu destino.
— Por favor, eu não compreendo!
Ignorando minhas súplicas, o anjo agarra minha mão e me conduz
pelas pitorescas ruas de pedra novamente, celebrando os cheiros, sons
noturnos e a vida que habita dentro de mim. Sua energia me faz rir sem
motivo e penso que adoraria viver esses momentos na realidade. A sigo
com uma alegria repentina, até chegarmos à entrada de uma praia.
A brisa do mar como uma anfitriã acaricia minha pele.
— Tiziano, você não acha que poderia construir novas lembranças
nesta pequena praia?
Encantado com o cenário, sinto-me como se estivesse em um
paraíso particular, onde todas as preocupações desapareceram.
— Esse lugar é lindo! Mas ele me parece familiar!
— Você acha?
— Sim…
— Então talvez seja.
Viro para seu rosto pálido como porcelana e apesar da sua beleza
exuberante, minha atenção está no bem-estar que sinto ao seu lado.
— Você é minha única amiga e a pessoa que mais me conhece, dói
que só exista aqui nesse lugar desconhecido da minha mente. — Seu sorriso
floresce e sua fala me aquece.
— Você é meu melhor amigo! E meu único desejo é sua felicidade
pequeno Thor, em breve nos veremos outra vez.
Antes que possa responder, sinto no rosto a brisa se tornando um
vento com cheiro delicioso de lavanda e Jasmim, carregando o anjo para
longe do meu alcance, deixando-me em um estado de encanto e reflexão.
Parado na areia, me concentro no cenário de conto de fadas. É um
lugar onde o tempo parece desacelerar, onde a mente encontra paz e a alma
é nutrida por sensações de bem-estar. Um refúgio.
Esta praia paradisíaca tem cara de propriedade exclusiva de alguém,
pois não há ninguém aqui além de mim. As casas distantes despontam ao
longe no vilarejo e a mata tranquila ao redor certamente denuncia que é
mesmo uma praia particular.
Admiro o entorno, é magnífico o tom turquesa do mar. As águas
calmas reluzem suavemente, cristalinas se estendendo até o horizonte. A
areia é fina e branca como açúcar, convidando os pés a afundarem em sua
maciez ao caminhar. Ando em direção ao oceano, e ao molhar os meus pés,
a sensação é ótima, como se as águas me chamassem com esse afago
reconfortante. A temperatura está perfeita para um mergulho.
Ao erguer meus olhos para a paisagem ao redor, fico deslumbrado.
As árvores nas encostas balançam serenas com a brisa, criando uma
dança ritmada que acompanha o som relaxante da natureza. A cada
respiração, o ar é perfumado com um aroma fresco e salgado do ar marinho
e das flores selvagens que crescem nas proximidades. Por que o anjo me
trouxe aqui? Tenho a sensação de que conheço esse lugar e as ruas por onde
caminhei. Já estive aqui antes, sei disso.
Giro para procurar pessoas, mas me deparo com uma verdadeira
maravilha arquitetônica. Localizada estrategicamente em um penhasco alto
e majestoso, esculpida na rocha, uma mansão branca clássica e de uma
arquitetura impecável. Pedras irregulares foram cuidadosamente trabalhadas
para formar uma fachada charmosa, que se mistura harmoniosamente com o
ambiente.
No lado oeste, observo um deck de madeira que se estende do
penhasco até a praia, dando um acesso exclusivo ao mar e tornando a
experiência ainda mais especial.
— Tizi, amore mio (meu amor), vêm!
Giro outra vez para encontrar a dona da voz. E a pequena porção de
razão que eu ainda tinha, vai pra casa do caralho.
Às minhas costas, Selena molha os pés. Não vejo seu rosto, parece
uma miragem, mas sei que é ela pela voz, cabelos e corpo. Adornada em
um vestido simples com ombros à mostra, a pele dourada é um ímã para os
olhos e os fios lindos e loiros balançam com o vento suave. É como admirar
a porra de um quadro de Monet.
Aproximo-me de onde ela está e a agarro tirando-a do chão. Sua
risada alta faz com que eu também gargalhe, como nunca me vi fazer.
— O que acha de um banho de mar, mia principessa (minha
princesa)?
— Hum, muito tentador!
Entro com ela na água enganchada na minha cintura aos beijos. A
temperatura está morna e deliciosa. Damos um mergulho e quando retorno a
superfície nossas roupas estão encharcadas e grudadas no corpo. Admiro os
mamilos rosados, perfeitos como um manjar a ser degustado. Saímos da
água e nos deitamos na areia. Sinto-me completo, finalmente a sós com ela.
Selena é minha, só minha!
Abaixo o vestido e começo a acariciar seus seios e beijá-los com
desejo. Ela afaga meus cabelos e a paz da completude me invade. Antes de
penetrá-la sinto que estou gozando descontroladamente, mas nenhum de
nós se importa com isso, como se esse fato fosse natural a nossa rotina de
intimidade.
Acordo em minha cama respirando pesado e com um sorriso no
rosto. Ao descer meus olhos por meu corpo, vejo que estou todo lambuzado
de porra. Acordei gozado, puta merda!
CAPÍTULO 13

Passei a manhã com uma sensação intrigante, percebo que o sonho


de ontem não é apenas para me acalmar e anunciar mudanças, mas o início
de uma jornada que preciso trilhar.
Relembrando as ruas e a praia, tenho vagas lembranças de um lugar
especial, mas não consigo identificar de onde exatamente são. Durante
horas reflito tentando trazer à tona a imagem nublada do meu sonho. À
medida que o dia na empresa chega ao fim, a frustração me incomoda, pois
a memória parece escapar entre os dedos.
No momento em que estou prestes a sair da minha sala, os olhos
pousam em uma fotografia emoldurada sobre a estante. É uma imagem
antiga na qual estou com apenas dois anos de idade sendo carregado nos
ombros de meu pai. Ao fundo, vejo o mar cristalino e a areia branquinha,
como se fosse uma pintura do lugar que eu havia sonhado.
Um lampejo de reconhecimento invade minha mente e me dou conta
de que esse lugar do sonho é na verdade, a Sicília. A foto desencadeia uma
torrente de emoções e sentimentos conflitantes. Sorrio feliz por finalmente
conectar meu sonho com um lugar real, mas também sinto uma dor
profunda ao perceber que essa recordação remota é tudo o que tenho da
minha primeira infância. Antes disso e os anos seguintes até a pré-escola
são como um borrão.
Embora eu queira recuperar esses anos esquecidos, entendo que a
vida não é apenas feita de lembranças, mas também de novas experiências e
momentos a serem criados. Meu amigo Mirko, já havia me dito que muitas
crianças não se lembram de sua primeira infância, e isso me tranquiliza de
alguma forma. Talvez algumas coisas simplesmente estejam destinadas a
permanecerem escondidas nas dobras da memória e do tempo.
Ainda assim, sinto-me grato por ter finalmente lembrado o lugar do
sonho. Estive na Sicília algumas vezes como adulto, mas sempre para
reuniões de negócios rápidas. No entanto, agora preciso ir até lá de qualquer
maneira, Selena precisa conhecer e se apaixonar por aquele cenário. Mas
como? Qual a desculpa para viajar com minha ninfa?
Enquanto me dirijo para a casa dos meus pais, medito planejando
uma maneira plausível e não tão descarada de levar uma menor de idade
para uma ilha a um dia de distância de nossas casas. Recordo que meu iate,
o qual comprei junto com a última lancha, chegará neste fim de semana. Por
que não inaugurá-lo?
Perfetto, cazzo!

À noite, com a família reunida à mesa para o jantar, observo


contente seus rostos concentrados na refeição.
Desde que me lembro, sempre compartilhamos nossas refeições
juntos. Recordo-me dos tempos em que meu pai comprou esta casa, quando
nosso padrão de vida era mais modesto. Tínhamos uma parcela de conforto,
pois, seu Nicola havia vendido algumas terras, proporcionando à nossa
família um certo nível de bem-estar na classe média alta.
No entanto, somente quando conquistei meu primeiro milhão, pude
finalmente abraçar o verdadeiro luxo, apesar da oposição dos meus pais.
Gabrielle não deu sua opinião, pois desfruta de uma vida confortável como
analista de cenas de crime, uma profissão que o tornou renomado, mas que
demanda um alto custo para contratá-lo. A educação de Jessica e a sua
segurança, insisto em manter sob minha responsabilidade, de modo a
permitir que meus pais mantenham a rotina da sua própria empresa sem
desvios.
Ao me servir de um copo de vinho tinto, aproveito para exibir minha
nova aquisição para a família e fazer o convite que planejei:
— O que acham de passar um fim de semana na praia? Todos juntos
a bordo do iate que chegará por esses dias?
— Hum, ótima ideia, meu filho — concorda meu pai com um
sorriso. — O que acha, Olívia? — pergunta ele à minha mãe na outra ponta
da mesa.
— Seria uma folga vinda em boa hora.
Olho sua figura perfeitamente alinhada em seu vestido discreto azul
marinho. O cabelo escuro cai em ondas até os ombros e as sobrancelhas
bem desenhadas fazem conjunto com as maçãs do rosto levemente
marcadas com maquiagem. Minha mãe é idêntica a Jéssica, só que mais
velha e menos espevitada.
Ela sorri timidamente para mim bebendo um gole do seu vinho
branco.
— E qual praia vamos conhecer, filho? — pergunta.
— Ouvi maravilhas das águas turquesas da Croácia. Será ótimo sair
em família, acho que nunca fizemos isso. — Jess se anima, pois adora
viajar e conhecer lugares novos. Perfeito para inserir Selena nessa hora.
— Pode levar sua amiga conosco. Selena é sempre bem-vinda.
Jess bate palminhas como uma criança e nonna Olímpia me alcança
a salada com um sorriso.
— Não vamos para a Croácia, vamos para a Sicília — falo com
orgulho pelo meu plano estar dando certo.
Um barulho de vidro quebrado sobressalta a todos.
Mamãe derrubou seu vinho na própria roupa e deixou escorregar a
taça no chão.
Um alvoroço de vozes perguntando se ela se feriu com os cacos, não
a distrai do olhar perturbado e vago com que me encara.
— Você está bem, mamãe?
— Ahhh claro, é que… — Sua frase morre e seu olhar perdido voa
para suas mãos, mas é meu irmão que nos tira do transe.
— Ela está bem. Talvez a menção da praia a deixou ansiosa. Algum
ferimento que quer nos contar, mãe? — ele questiona, mas juro que seus
olhos apertados estão perguntando outra coisa. Ainda não soube identificar,
mas noto que até Jess percebe o tom ácido e inquisidor de Gabrielle.
Ele é sempre assim nas interações com as pessoas, nem a família ele
perdoa.
— Está tudo bem, sem querer peguei a taça com a mão úmida e
como uma desastrada que sou, acabou escorregando dos meus dedos. Fique
tranquilo querido, não me cortei.
Depressa a funcionária da casa recolhe o vidro espatifado e seca o
chão.
Neste momento Gabrielle escolhe sair da mesa com a carteira de
cigarro, seu isqueiro e o sorrisinho debochado. Jessica se serve de uma
porção de tortellini, e vovó com um pano úmido trazido pela governanta,
limpa a saia da nora com precisão.
— Gosto muito da Sicília — fala nonna apressada, desviando a
atenção do incidente. — Tenho uma boa lembrança da vez que fui com seu
avô. Será ótimo retornar, dessa vez quero passear um pouco mais. —
Estranho dona Olímpia inquieta na atitude, parece nitidamente um disfarce.
— Então mamãe, o que acha da proposta de Tiziano? — pergunta
Jess afoita. — Vamos lá mãe! Nunca conseguimos viajar todos juntos.
— Eu... Hum. — Seus olhos de coloração esverdeada iguais os da
minha irmã me encaram, mas rapidamente desviam para o prato, que não é
mais tocado após o convite que fiz. — Apesar de querer muito conhecer a
Sicília, infelizmente tenho duas reuniões inadiáveis com os patrocinadores
do próximo lançamento da linha de perfumes masculinos do seu pai. Como
gerente de publicidade e marketing da empresa, terei que declinar o convite
para uma próxima oportunidade. Fica pra próxima, filho, tudo bem?
— Se não tem como adiar os compromissos, eu entendo.
Apesar da complexa explicação da recusa, seu nervosismo é
evidente. Não entendo sua reação, gostaria de saber o verdadeiro motivo,
mas vou evitar insistir para não causar desconforto. Desde pequeno,
percebo resistência em compartilhar intimidade, o que me entristece.
A atmosfera na sala de jantar após o incidente ficou estranha, com
pouca conversa e muitos olhares. Apesar de continuarmos a planejar a
viagem, minha mãe evita opinar, suas desculpas são vagas. Talvez ela hesite
em passar três dias em um iate com um filho com quem não consegue
manter uma conversa prolongada. Meu pai, sempre atento, segura minha
mão em apoio, suas palavras aliviam as feridas familiares.
— Obrigado pelo convite meu filho, você não tem ideia do quanto
estou feliz por estar com você nesses dias. Sicília sempre será um dos
lugares mais belos que já conheci.
Seguro firme sua mão e lhe dou um sorriso. Desde pequeno esse
homem na minha frente é a fortaleza que me acolhe, mesmo diante de todos
os meus rompantes agressivos, sempre esteve ao meu lado.
— Que bom pai, quero muito aproveitar esse momento com vocês.
Ele sorri e volta a beber seu vinho, falando com a nonna sobre os
lugares que pretendem visitar. Sinto a energia de Jess e a flagro com seus
olhos exóticos de múltiplos tons de verdes avaliando a pequena interação
com papà (pai).
Minha irmã caçula sempre está de olho em tudo e todos, mas sei que
nesse momento está chateada por saber que nossa mãe não irá mais uma vez
em uma de nossas viagens.
A tensão dá as caras e apresso-me no término da refeição para ir
atrás do meu irmão lá fora. O encontro debruçado na mureta baforando para
a noite sem estrelas.
— Sabe algo da nossa mãe que eu não sei, Gabrielle? — Apoio meu
corpo ao seu lado admirando a vastidão da noite.
Ele arruma levemente a postura elevando os ombros relaxados.
— Sei muitas coisas das pessoas ao nosso redor que a maioria não
percebe.
— Não precisa se exibir com sua mente perceptiva privilegiada —
retruco com tédio.
Ele se apoia de lado, concentrando-se em mim.
— Se tirasse tempo para observar os detalhes, descobriria muitas
coisas. É só apurar o seu senso de observação ao invés de sonhar acordado.
— Já te disseram que você é um saco?! — retruco.
— Já, mas você é o único que eu me divirto ao ouvir. — Voltamos a
olhar o horizonte sem estrelas. Por alguns instantes só o som baixo dele
assoprando a fumaça do seu cigarro é ouvido. O cheiro forte graças a Deus
é empurrado pela brisa noturna.
— A escuridão é fascinante, não é, Tiziano?
— Prefiro o dia, o sol que aquece a alma — respondo plácido.
Gabe olha em meus olhos e estremeço, hoje ele está particularmente
melancólico. Uma melancolia sinistra no olhar. Os cabelos escuros cortados
com a máquina um o deixam parecido com um soldado. A sombra da barba
no rosto duro e maxilar quadrado o fazem ainda mais feroz. Sempre achei
nossas diferenças físicas peculiares.
— Geralmente as preferências do ser humano são as que possuem
dentro de si — explica entre a baforada.
— Está afirmando que é um homem sombrio como a noite? — O
riso baixo e sem graça me deixa desconfortável.
— Encontro a paz na noite, pois é no breu que minha alma se ajusta,
Tiziano. — Mais uma tragada do cigarro de filtro vermelho depois dessa
sentença melancólica.
— Não acha um pensamento agourento demais para o clima de
véspera de viagem? — pergunto hesitante.
— Não farei essa viagem.
Neste momento um arrepio gelado rasga minha coluna. Acho
melhor acatar meus instintos.
— Talvez deva cancelar essa inauguração. — Mais uma onda de
fumaça dispersa no céu escuro.
— Não por minha causa. Vá se divertir. Faça a viagem com a
família. Estar em um grupo de pessoas por mais de sessenta minutos
durante o dia é demais para mim — suspira.
— Entendo, não é nada com a gente.
— Não, não é — confirma ao apagar a bituca no cinzeiro. — E
deixe a mamãe e seus demônios, nós também temos os nossos e são umas
merdas!
Reparo que hoje à noite seus olhos estão naturais e livres das
costumeiras lentes de contato. Talvez seja isso que tenha me feito estranhar
seu olhar penetrante. A cor clara dos olhos contrasta tanto com a pele
acobreada que é impossível desviar a atenção dele.
Sei que durante muito tempo ele se esquivava das pessoas que o
encaravam, mas depois de alguns anos, percebemos que a lente foi a forma
dele preservar quem ele realmente é. Meu irmão é uma pessoa diferente da
maioria, e sua presença causa impacto em qualquer lugar.
— Sabe que se precisar falar comigo sobre qualquer coisa, estou
aqui para você. — Aperto seu ombro. — Você é meu irmão e eu te amo.
Sinto sua retração ao meu toque, mas não fico afetado por isso.
Gabe sempre foi assim, não acha toques algo interessante no convívio
social. Ele me olha demoradamente avaliando algo que desconheço, então
me aproximo e o abraço forte. Ele fica parado sem reação com braços
frouxos e sem jeito.
— Abraça direito seu irmão, porra! — repreendo.
Ele retribui e me dá um tapinha nas costas.
— Vai lá, Tiziano, vá se preparar para sua viagem, sei que está
ansioso pelas experiências novas que vai vivenciar no fim de semana. —
Ignoro o tom malicioso e me afasto.
O miserável sabe de tudo, do meu interesse por Selena
principalmente.
Após acertar meu plano de ir à Sicília, o capitão Solomon, que é de
minha inteira confiança, me orientou sobre os procedimentos adicionais
para cruzar as fronteiras marítimas. Alinhou os trâmites burocráticos para
que em poucos dias possamos zarpar de Veneza.
O dia chegou e tudo o que mais desejava estava acontecendo nesse
momento. Como marcado, nos dirigimos ao porto onde o iate estava
atracado. Com um sorriso no rosto, apresentei à família cada detalhe da
embarcação. Tinha certeza de que a grandiosidade e o conforto agradariam
a todos. Selena também estava animada, peguei sua mala e instruí o marujo
a levá-la para a ala das cabines.
Meu pai e minha avó ficaram realmente fascinados com o requinte e
a sofisticação dos três andares da embarcação.
No primeiro andar, há uma espaçosa sala de estar, com móveis
elegantes e uma vista panorâmica para o mar.
Ao subir para o segundo, Jess e Selena se encantam ao descobrir que
o iate possui uma área de lazer completa, com piscina, jacuzzi e um bar.
Peço um drinque refrescante a todos, enquanto conto o itinerário da viagem
do fim de semana.
Finalmente os levo ao terceiro pavimento, onde estão localizados os
quartos. Explico que cada membro da família tem sua própria acomodação
privada. Jessica escolhe imediatamente uma das cabines mais isoladas, com
vista para as estrelas, equipada com um teto de vidro para apreciar a beleza
noturna do céu, a outra é reservada para mim.
Penso em minha irmã como uma jovem independente e decidida.
Desde criança, valoriza muito sua privacidade, recusando-se a compartilhar
quartos durante viagens escolares. Admiro sua confiança e autoconsciência,
apoiando-a em seus sonhos. No entanto, percebo uma solidão em seu
coração, uma brecha invisível para os outros. Quero ajudá-la a superar suas
dores, mas ela é reservada quanto aos sentimentos. Apesar da nossa
proximidade, há um aspecto inatingível em sua vida e essa inquietação
persiste, pois a amo profundamente e desejo do fundo do meu coração que
ela alcance a plenitude da felicidade. Valorizo a privacidade, compreendo
sua importância e respeito sua decisão. A todo momento deixo claro que
estou sempre estou ao seu lado, pronto para escutá-la, caso opte por se abrir.
Ela nunca estará sozinha.
— Sim Jess, fique com a última cabine, é toda sua, assim como esse
iate também é.
Asseguro com voz suave recebendo seu sorriso radiante.
Volto-me ao meu pai e avó e os destino às cabines do outro lado das
nossas. Não posso correr riscos quando chamar Selena para dormir comigo.
Não quero ser flagrado por um dos dois, porque de uma coisa tenho certeza,
irei dormir com ela. A cabine de Selena é a mais próxima da minha e esse
foi meu objetivo inicial. Ela dividirá o banheiro com minha suíte.
Quando aceitei esse projeto não sabia se mais a frente teria filhos,
mas de qualquer forma gostei da ideia da suíte master ter um banheiro
conjugado com outro quarto. Isso de início me possibilitaria um escritório
mais privado. Só não imaginava que agora esse benefício cairia como uma
luva aos meus propósitos. Essa viagem é exclusivamente para ter a presença
de Selena o máximo que eu puder. No meu ambiente controlado é possível
fazer isso acontecer.
Após a alocação das acomodações, mal posso conter minha
ansiedade pelos inesquecíveis momentos que compartilharei com minha
amada nesta viagem. Tenho a certeza de que essa experiência será
eternamente gravada em nossas memórias.
O tempo passa devagar desde o começo da viagem de barco até o
jantar. Nos divertimos no convés, curtindo a piscina e os drinques saborosos
preparados pelo mixologista. Mais tarde, à noite, depois do jantar, encontro
um momento para dizer o que tenho em mente. Convido Selena para assistir
um filme no meu quarto antes de dormir, e com um tímido sorriso, ela
aceita.
Na hora marcada, deitado na cama, olhando as estrelas pelo teto de
vidro e pensando no sonho que tive com minha namorada, me pego
sorrindo ao lembrar que tudo se tornará real em poucos meses. Passarei um
mês inteiro viajando com ela, explorando lugares incríveis e criando
memórias que jamais esqueceremos. A amarei em cada canto desse iate,
marcando nosso tempo juntos e mostrando que nunca mais nos
separaremos.
Olho a hora no celular contando os minutos, será que ela não vem?
Lembro que não avisei sobre a suíte compartilhada e por mensagem
conto sobre a passagem da porta interligada do banheiro. Para a minha
frustração ela não responde. Inquieto, faço alguns abdominais e conto até
dez. Depois paro chegando a conclusão que vou suar. Preciso estar tranquilo
perto dela. Uma batida suave na porta do banheiro surge e dou um pulo da
cama vestindo a camiseta de algodão. Ela veio! Cazzo! Ela veio.
CAPÍTULO 14

Nem acreditei quando Jess me convidou para ir com eles no passeio


do fim de semana. Estava ansiosa, pois o tão esperado dia da viagem
parecia não chegar nunca. A euforia pulsava em meu peito, fazendo com
que meu coração batesse mais rápido a cada minuto que passava. Passei as
horas imaginando como seria um fim de semana inteiro junto com Tiziano.
Minha mente fervilhava de ideias para aproveitar ao máximo cada segundo
ao lado dele.
No entanto, a empolgação também me deixou um pouco apreensiva.
Tive medo de que algo desse errado. Pensamentos negativos invadiram
minha mente. Sempre tive um histórico de ansiedade e pessimismo, mas,
quando se trata de estar com Tiziano, a ansiedade parece se multiplicar.
Finalmente o grande dia da viagem chegou, preparei
cuidadosamente a mala escolhendo roupas leves e adequadas para o
passeio. Vestidos florais, biquínis cavados, embora comportados e minhas
blusinhas de alcinhas favoritas. Abri um sorrisinho ao imaginar a reação
dele quando me ver com os looks que escolhi.
Quando me buscaram e por fim zarpamos, meu coração se encheu
de alegria. Era como se todas as preocupações e ansiedades desaparecessem
instantaneamente.
Fui surpreendida com tudo, o iate é um luxo, me encantou com cada
detalhe. Meus pais possuíam um veleiro com meu nome, mas tristemente
nunca pude colocar meus pés nele. Infelicidades de uma vida familiar
ausente.
Saindo desse fosso de autopiedade, reparo que o clima está perfeito
e o Sr. Nicola e nonna Olímpia fizeram-me sentir como um membro da
família. Jess sempre muito animada, acaba nublando as atenções discretas
dispersas por Tiziano. Tudo nele me faz suspirar, cada ato de cavalheirismo
enche a minha alma solitária.
É como se tudo ao redor estivesse conspirando para que este fim de
semana fosse perfeito.
Claro que não conseguimos ficar sozinhos durante o dia, visto que a
nossa relação ainda é um segredo e por Jess manipular a atenção de todos
inclusive a minha, com sua energia efervescente.
Mas confesso que quando ele me convidou para assistir um filme
em sua cabine depois de todos dormirem, quase infartei.
Bem, estou agora diante da porta compartilhada do banheiro de
nossas suítes, completamente apavorada com a possibilidade de estragar
nosso momento juntos sozinhos. Tenho consciência que será a primeira vez
que passamos tanto tempo a sós e para endossar meu nervosismo, isso tudo
acontecerá em seu quarto, perto de uma cama. Acabei de bater na porta,
mas meu coração está pulsando nos ouvidos de tão eufórica.
Aliso a camisola que escolhi, não é àqueles modelos sensuais, mas
também não é um pijama de adolescente. Preciso mostrar a ele que não sou
tão juvenil assim. A porta se abre e preciso segurar o entusiasmo. Tizi
parece ter saído há pouco do banho. Cabelos úmidos e calça folgada de um
tecido leve, pés descalços e uma camiseta simples, mas que abraça cada um
dos seus músculos.
— Oi.
— Oi, bella. Entra!
Assim que passo, ele fecha a porta e me prensa na parede, mas
quando penso que serei arrebatada por mais daqueles beijos de tirar meu
fôlego, Tiziano roça o nariz cheirando minha pele do pescoço.
— Eu posso te beijar, Selena?
O sopro dessa pergunta sussurrada é suficiente para derreter meus
ossos feito calda quente. Sua mão segura minha cintura e a outra minha
nuca. O calor de sua palma em minha pele é uma faísca para meu corpo
inteiro incendiar.
— Por favor... — Minha voz não passa de um miado, tanto pelo
sorriso gigante que carrego no rosto, quanto pela paixão que parece não
caber dentro do peito.
Nossas respirações se misturam em um só suspiro e a boca exigente
me devora com a fome de sempre. Tiziano me beija como se não me visse
há meses, sempre, toda vez é assim e adoro essa urgência nele. É diferente
de tudo o que conheço. Ele me ergue nos braços, conduzindo-me até sua
cama king. Sinto seu corpo se acomodar parcialmente sobre mim e quando
se afasta dos meus lábios, admira meu rosto com total fascínio.
— Que ótimo que você veio! — Afagando meu rosto, ele me abraça
se aninhando em meu pescoço. — Já falei que adoro seu cheiro?
Acaricio seus cabelos e devolvo o abraço que é tão protetor e
íntimo.
— Já. E eu gosto do seu, sua barba tem um cheiro doce.
— É minha loção.
Tenho tanta coisa para dizer a ele, mas quando me olha diretamente
nos olhos dessa forma, é impossível formular palavras.
— Dorme aqui comigo depois do filme? Quero aproveitar ao
máximo nosso tempo juntos.
Vendo que não respondo pelo choque do pedido, Tizi continua:
— Nada vai acontecer, Selena. Antes de todos despertarem você
atravessa para o seu quarto — Jamais vou negar nada a ele. Nunca.
— Eu adoraria ficar.
Seu sorriso me tira o fôlego, é lento, sensual, um sorriso que nunca
se vê. Parece que é reservado somente para mim.
— Que tal você escolher o filme?
Assim que diz isso ele se afasta e me entrega o controle.
— Será que você vai gostar das minhas preferências?
“Quais são as dele? Será que gosta de ação, terror ou ficção?”
— Eu quero ver um filme que você goste, Selena. Você tem o poder
aqui neste quarto.
Sinto meu rosto esquentar, porque fico tímida quando ele fala desse
jeito e nesse tom. Não seja tão boba, Selena! Ao olhar diretamente para ele,
o vejo bebendo dois comprimidos e me preocupo.
— Tiziano, você está doente? Por que não adiou a viagem?
Nesse momento ele disfarça e sorri. Droga! Não devia ter
perguntado, é assunto particular e talvez ele não queira revelar.
— Não! São apenas suplementos, não se preocupe.
Pode ser suplemento, mesmo sendo pílulas e não cápsulas. Volto a
atenção a escolha do filme. Opto por um romance um pouco antigo, mas
que sempre ouvi falar bem. Ele se aproxima e ajeita os travesseiros e
almofadas nas minhas costas para garantir o máximo conforto, e se
acomoda ao meu lado, passando um braço sobre meus ombros me
incentivando a iniciar o filme.
— Então? Já escolheu?
— Se chama, ‘Para Sempre’, diz na sinopse que é um romance com
drama.
— Hum. E o que mais? — Noto que ele está realmente ouvindo,
quando me olha vejo seu interesse em minha escolha.
— Eles sofrem um acidente e ela perde a memória, e esquece da
vida que teve com ele. O mocinho precisa lutar para reconquistá-la, é uma
segunda chance para eles. Você já assistiu este?
Ele pisca como se eu o acordasse de algum transe e sorri.
— Não, nunca vi este, mas a sinopse é interessante.
Abraçados, iniciamos o filme. A trama começa a se desenrolar, eu
até mantenho o foco em prestar atenção no início. As mãos dele me puxam
para mais perto quando me emociono com a primeira discussão dos
personagens.
Tizi acaricia suavemente meu braço, me distraindo completamente.
Apreciando seu toque suave, beijo seu pescoço tirando um riso baixo e
quente dele.
Conforme a história se aprofunda, nos inclinamos mais um para o
outro, os olhares intensos se encontram ocasionalmente. Aí perco o
interesse na tela quando ele passa a acariciar, massageando minha nuca de
maneira convidativa. Esse carinho me faz suspirar de prazer, sentindo o
calor aumentar. Os beijos carinhosos na minha pele descoberta do ombro
provocam uma eletricidade sutil que percorre meu corpo dos pés à cabeça.
O filme continua, mas em segundos é apenas o pano de fundo para o
que se desenrola sobre os lençóis brancos. As mãos exploram os contornos
um do outro com carinho, cada toque transmitindo nossa conexão
emocional. Ele é gentil, e me envolve aos poucos, me deixando maluca ao
roçar o polegar no meu mamilo. Sinto-o duro e dolorido e Tiziano o acaricia
em círculos sem cessar. Meus lábios reivindicam os dele, ávidos e
entregues. E ele retribui com beijos apaixonados.
O calor entre nós é palpável e me entrego ao momento, curtindo
cada sensação nova maravilhosa. Enquanto, a história do filme atinge seu
clímax, as carícias chegam ao limite do ápice, me vejo recebendo seu corpo
inteiro entre minhas pernas.
Posso sentir sua rigidez, ele está excitado provocando em mim uma
dor diferente em meu ventre, uma necessidade que nunca senti. Suas mãos
agarraram minhas pernas sem o contato da camisola, pois com a dinâmica
intensa, o tecido subiu até minha cintura. Sua pegada é quente e firme, e a
maneira que as palmas deslizam sobre minha pele, formigando cada
centímetro é o paraíso!
— Tizi...!
Exclamo ao agarrar seus cabelos e olhar em seus olhos. Estão azuis,
mas com as pupilas enormes. Seria um olhar escuro e perigoso se não fosse
o sorriso lento e preguiçoso que se arrasta em sua face, perfeito nele.
— Eu sei minha bella! Precisamos parar.
— Não estou dizendo que não quero, é que...
— Não precisa se justificar, não é o momento para avançarmos e
não vai mudar nada, só vamos adiar.
— Promete? — pergunto ao acariciar sua barba.
— Prometo, eu também quero.
Sinto no peito o calor da certeza dessa afirmação. Ele quer. Ele me
quer. E está me respeitando. Isso significa tudo para mim. Ele é um
príncipe, mas ainda assim, sinto algo obscuro além da superfície e essa
escuridão convida a parte mais sombria que carrego em mim!
Guio seus lábios de volta para os meus mantendo nossa conexão. Os
beijos ardentes se tornam urgentes, mas carinhosos, encenando a própria
representação do romance que estávamos assistindo.
O tempo perde o significado e minha própria história de amor fará
essa noite ser memorável. A magia do cinema se mistura com a magia do
que estou vivendo, tornando essa experiência o momento mais inesquecível
e especial da minha vida.
Mais tarde na hora de dormir, Tiziano se posiciona com o rosto em
meu pescoço, enquanto observo as estrelas pela transparência do teto.
— O céu está lindo, repleto de estrelas.
— Está? Não tenho o menor interesse pelo céu tendo você aqui.
— Ah, Tiziano, você me deixa tímida!
— Sua timidez me encanta!
Nos encaramos por alguns segundos, sempre que me perco em seus
olhos, fico sem fala.
— Adorei nossa sessão de cinema — confessa ao alisar meus
cabelos.
— Não lembro de muita coisa do filme — retruco ao achar graça da
situação.
— Quem sabe possamos revê-lo na volta.
Toco seu rosto e o vejo fechar os olhos, deve estar cansado, tadinho.
A preparação e preocupação para esta viagem deve ter sido exaustiva.
— Está cansado?
— Um pouco. O que acha de dormir, minha micina? Amanhã temos
um tour intenso pela Sicília.
Concordo com um sorriso, então ele ajeita um cobertor sobre nós e
se acomoda entre meus cabelos e pescoço. Entrelaça seus dedos sobre
minhas mechas e aninha seu rosto nos meus fios. Envolvo-me em seus
braços e não demora nada para que eu adormeça. Não preciso sonhar, já
estou vivendo o meu sonho.
Antes de amanhecer, como combinado, sou despertada. E é de um
modo que vou recordar pelo resto da vida. Beijos suaves no meu pescoço e
palavras doces no meu ouvido.
— Está na hora de despertar, minha doce bela adormecida.
Tiziano é rápido em levantar, dizendo que precisa ir ao banheiro
antes de me acompanhar. Logo após um beijo de despedida, com todo o
cuidado, sou acompanhada até a minha cabine.
A manhã começa normalmente como se eu não tivesse passado a
melhor noite da minha vida. Jessica despertou com toda a disposição do
planeta para dar início ao tour assim que atracamos na costa da Sicília.
Tomei um café da manhã bem completo para a energia que irei gastar com
minha amiga.

Após o café, ancoramos em Taormina. Depois de um passeio pelo


museu natural, onde nos deslumbramos com a luxuosa flora exótica local,
Jess estava ansiosa para avançar. Partimos cedo, pegando uma estrada
sinuosa que serpenteava montanha acima. Dispensamos o passeio pelas
praias da região, para mergulhar na rica atmosfera local até a cidadezinha.
Tiziano alugou dois carros para todos nós e os seguranças que nos
acompanham.
O ar está impregnado com o aroma das flores silvestres e do mar, e
não é possível disfarçar minha alegria.
— Selena, a brisa marinha fez bem para você, parece que dormiu
com anjinhos cantando Aleluia ao pé do ouvido. O que havia naquela
cabine?
Meu rosto pega fogo na hora, mas os seguranças no banco da frente
nem sequer fazem ideia do que falamos.
— Jessica, é meu primeiro passeio com você, preciso de melhor
motivo para acordar radiante?
— Oh, sim! Nessa você foi bem!
O sorriso que ofereço é o meu melhor, realmente estou feliz com
tudo.
— Confesso que estou eufórica para andar por aí, bionda!
Dei uma olhada no itinerário quando Tiziano comentou por onde
iríamos, fiquei curiosa para conhecer Taormina. Sei que é bem pequena,
com aproximadamente onze mil habitantes, e conseguiremos conhecê-la em
poucas horas.
Tiziano está no outro carro com o motorista, seu pai e a nonna, que
quer visitar a igreja e o artesanato local. Não sei se andar com ele pelos
lugares seria de bom tom, pois Jessica poderia perceber que estamos
íntimos.
Como a cidade está no topo de uma montanha, nos vemos rodeadas
de terraços com vistas para o mar, ruelas pitorescas parecidas com as de
Veneza e sacadas floridas maravilhosas. Minha máquina fotográfica nunca
trabalhou tanto. Um ponto turístico que me fascinou foi o Teatro Grego de
Taormina.
— Selena, você se deu conta que esse lugar foi construído por volta
do século III e até hoje recebe shows de grandes artistas?
— O que eu imagino é assistir um concerto nesse lugar, deve ser
inesquecível!
— Inesquecível está esse cannolo, eu estava mortinha de fome!
Deixo uma risada alta escapar. Jessica ao mesmo tempo que é um ás
em recordar as belezas históricas dos lugares, também não perde a
oportunidade de provar tudo o que pode da culinária.
Quase perto do meio-dia nos encontramos com os demais no jardim
público. Seu Nicola e nonna repletos de pequenas sacolas, por certo
compraram algumas lembranças. Me afasto deles disfarçando para não
encarar Tiziano e seu óculos de sol. Entro mais no jardim para capturar uma
memória deste lugar tão espetacular. Não posso perder a oportunidade de
fotografar as belezas. Não é sempre que terei essa vista linda da cidade e do
Vulcão Etna ao fundo.
— Gostou daqui, Selena?
Sobressalto-me ao ouvir a voz baixa próxima às minhas costas.
— É lindo, na verdade, a combinação apaixonante da natureza e do
mar deixa-me sem fôlego!
— Gosta do mar, eu percebi.
— Gosto, mas não sei nadar, não é irônico?
— Precisamos mudar isso.
Quando ele tira os óculos para que eu veja seus olhos, ouvimos a
voz de Jess.
— Ah, vocês estão aí. Vamos! Estou faminta!
— Mas encontrei você agora mesmo devorando um doce, Jessica —
retruca ele divertido.
Jess põe as mãos na cintura com sua pose despreocupadamente
charmosa.
— Faminta de novidades, maninho. Para onde vamos agora? — ela
engata o braço nele e andamos os três para a saída onde os carros nos
aguardam.
— Vamos à próxima vila, para matar sua fome. Nonna está
reclamando que está na hora do almoço e estamos na rua.
Ouço a distância, nonna Olímpia conversando com o motorista do
veículo sobre a parada do almoço e assim que nos vê, vem ao nosso
encontro. Os cabelos alvos bem penteados e os olhos de águia maquiados
não perdem nenhum detalhe. O corpo esguio apesar da idade é ágil e seu
modo de andar é elegante.
— Aí estão! Cáspitta! um calor do próprio Vulcão e nós de
estômagos vazios, Tizo! Vamos, vamos se apressem! Quero passar pela
igreja de San Nicolo e rezar um Padre Nostro (Pai nosso) pela nossa boa
viagem.
— Si, nonna! Andiamo! (sim, vovó! Vamos)
E o passeio segue. Meia hora depois estacionamos o carro na
entrada da cidade de Castelmola e nos apressamos a explorá-la. Esta
também fica situada no alto de uma rocha e por isso seu terraço é
espetacular. Subindo as escadas de pedra, encontramos as ruínas do Castelo
Normando e no centrinho da cidade algumas lojinhas de souvenirs, bares e
restaurantes, aproveitamos o horário e paramos para comer uma pizza. Jess
parece que acendeu neste lugar, está tão feliz que reflete em cada gesto.
Mas mesmo assim continua atenta ao seu redor.
— Selena, ainda me sinto observada, sabe.
— Lógico, se não notou, temos dois seguranças como chicletes na
sola dos nossos sapatos.
— Não é isso, bionda (loira)! Aqui parece que a coisa de
espionarem a distância piorou.
Um arrepio eriça os cabelos da minha nuca. Será que Jess tem
razão? Mas qual seria o motivo? A fama do irmão mais velho? Poderia ser
isso mesmo. O que poderia nos tornar alvos? Preciso perguntar a ele quando
estivermos a sós.
Durante a próxima hora visitamos alguns edifícios históricos, tirei
fotos da arquitetura e da vista com o charme autêntico e rústico que o
vilarejo possui, guardei paisagens incríveis para recordar.
Próxima parada, o vilarejo famoso de Savoca. Ele fica no alto de um
penhasco, a estrada até ela é cheia de curvas e bem estreita, sendo um
atrativo a parte, fazendo aumentar a ansiedade para chegar logo e ver para
onde levam essas estradinhas. Quando estacionamos, respiro fundo e
admiro a autenticidade do vilarejo montanhoso da Sicília.
— Onde está o movimento? Pessoas? Barulho?
— Jess, essa é uma vila com uns dois mil habitantes apenas. Calma,
a maioria está no descanso pós almoço.
— Ah, esqueci, é verdade Selena. Você é bem mais atenta nestes
detalhes que eu. É melhor irmos para Messina então.
Nesse momento o carro com o resto da família estaciona.
— Tenho quase certeza que Jessica está entediada com o silêncio —
fala Tiziano ao descer do veículo.
— Está, e quer seguir adiante. — Sorrimos cúmplices eu e ele ao vê-
la impaciente, mas feliz pelo passeio.
— Vamos tomar uma água no famoso bar do filme Hollywoodiano
enquanto a nonna vai até a igrejinha. Vem conosco, pai?
— Não, meu filho. Vou com sua avó e vocês nos esperam, depois
seguimos o passeio.
— Combinado.
Entramos no Bar onde foi gravada a cena do filme 'O poderoso
Chefão'. Parece que o local parou no tempo assim como o vilarejo. Tudo
antigo e rústico, mas de uma simplicidade bela. Algumas fotos penduradas
dos atores durante as gravações deixam tudo mais verossímil.
Escolhemos uma mesa e tomamos um café com biscoitinhos de
amêndoa. No momento que Jess vai ao banheiro, Tizi me rouba um beijo
com gostinho de café.
— Está gostando do passeio, minha micina?
— Sim, muito! Cada local que visitamos é fantástico.
— Quero lhe mostrar um lugar. Acho que vou conseguir roubar
você de minha irmã um pouco neste fim de semana.
Abaixo o olhar desconcertada, e ele ergue meu queixo.
— O que foi? Algum problema?
— Na verdade estou preocupada com Jess perceber e não gostar de
nós juntos e...
— Ninguém pode nos impedir, somos solteiros. Mas entendo o que
quer dizer. Fique tranquila, seremos discretos por enquanto.
Quando minha amiga retorna, Tizi acerta a conta e saímos. Ele fica
no carro aguardando o pai e a avó, e nós junto aos dois seguranças
seguimos para Messina. Algo me diz que o ápice do passeio será nesta
cidade.
CAPÍTULO 15

Em Messina, por ser uma cidade maior, o movimento é nitidamente


mais expressivo. Após visitarmos a praça famosa que eu queria ver, onde
está situado o relógio astronômico, paramos em um restaurante
aconchegante no centro. É intimista e muito convidativo.
Os seguranças ficam no carro estacionado a poucos metros, por
ordem de Jess. Nas poucas mesas diante do estabelecimento, tem um
movimento tranquilo. Em uma mesa, um casal divide um doce aos sorrisos,
noutra, um homem de chapéu lê o jornal degustando um café. Portanto,
sentamos em uma mesinha do lado de fora mesmo, pois o clima está
agradável.
— Não duvidaria se você quisesse voltar ali na praça a meia noite só
para ver os doze minutos de badalações do relógio, Selena!
— Não são simples badalações, Jess. É um conjunto de um show
complexo. Me diga, onde vai encontrar fases da lua, o planetário do sistema
solar, o calendário anual perpétuo e mais todos os dias da semana com um
tipo específico de estátua romana que mostra as horas?
Ela ergue seus óculos escuros e pousa como uma tiara. O rosto
expressivo de minha melhor amiga está radiante pelo passeio. Mas os olhos
perfeitos em uma heterocromia linda de verdes e dourados, são sagazes e
encaram-me divertidos.
— Sim, sim, eu sei que o relógio é magnífico, mas para vermos um
show completo de som e movimentos dos deuses romanos, precisaríamos
ficar uma semana em Messina, né?
— Tem razão.
— Eu sempre tenho razão, bionda (loira)! — exclama com uma
expressão engraçada.
Um garçom loiro se aproxima muito solícito. Só me dou conta que o
bistrô é alemão, quando Jess inicia uma conversa animada no idioma
germânico. O rapaz entra no restaurante e retorna com duas águas sem gás e
um senhor calvo, mas igualmente loiro pelos fios do bigode. Aí então a
conversa se estende com risadas e parecem elogios da parte dos homens,
pois falam algo com um tom reverente.
Assim que se afastam, não aguento a curiosidade.
— O que foi isso?
— Estava garantindo o melhor menu para o nosso lanche.
— Toda essa conversa e sorrisos foi para escolher um prato?
Minha amiga rola os olhos e me oferece seu sorriso enigmático,
aquele com duas covinhas, uma em cada lado das bochechas que raramente
vejo em seu rosto.
— Não! Tudo começou quando eu pedi para o garçom um
Kartoffelpuffer e um Spätzle. Ele se espantou em como não havia sotaque
na minha pronúncia e chamou o proprietário que é um alemão radicado aqui
na Itália. E o homem quis saber de onde éramos e se eu era alemã. Disse
que quer nos agraciar com seu melhor menu. Mesmo não sendo hora do
jantar, não sou boba em recusar comida boa — fala ela com um sorrisinho
ladino.
Jess não recusa mesmo, tem um corpo belíssimo e não se refreia de
provar e apreciar o que gosta.
— Não sabia que falava alemão também. Quantos idiomas
atualmente já domina? Cinco?
— Oito, contando com mandarim que foi o último que aquela
stronza (pedaço de merda ou idiota) me ajudou. Acredita que ela tentou
continuar minha mentoria no curso de línguas estrangeiras, mesmo depois
de eu tê-la confrontado?
Jess realmente ficou magoada com a Srta. Cavalli. Seu rosto
endurece quando fala na antiga professora.
— É mesmo? Bem, pode ter sido uma stronza com você, mas é
inegável o profissionalismo com que te auxiliou na aprendizagem dos
idiomas. Oito? Uau!
Jess solta uma bufada e já muda o assunto para algo mais aprazível,
de outro modo faria com que me sentisse ainda mais culpada pela noite de
ontem. Suspiro alto e Jess percebe.
— Selena, estava pensando com meus botões, poderíamos viajar
juntas depois dos nossos cursos. O que acha?
— Meus pais não permitiriam. Sempre ligam ressaltando como
estão tranquilos com relação a minha segurança e minha vida planejada
aqui na Itália. E gosto do meu país, não sei se me vejo em outro lugar no
futuro.
O garçom retorna em seu colete bávaro. Com um sorriso caloroso,
saúda-nos com um ‘Genießen’ (bom apetite) e começa a distribuir os pratos
cuidadosamente arranjados sobre a mesa.
O aroma delicioso das comidas alemãs assalta nossas narinas.
Primeiro, ele coloca diante de nós um prato de pretzels frescos, macios e
levemente salgados, acompanhados de mostarda escura e um suave molho
de queijo. Em seguida, um prato com salsichas alemãs, que estão
perfeitamente grelhadas e douradas.
— Onde vai caber tudo isso?
Jess ri da minha pergunta e espeta uma das salsichas dando uma
mordida generosa. As escolhas que ela pediu também chegam e iniciamos a
refeição em meio a conversas animadas.
— Sabe, Selena, logo que cheguei aqui na Sicília, senti uma
vibração de felicidade percorrer meu corpo. São necessários apenas
segundos para se identificar e se apaixonar por algum lugar e dali em diante
ele se torna inestimável para a gente, foi assim que a Sicília se tornou
especial para mim. Parece que ela me recebeu de braços abertos como uma
filha. Me vejo estabelecendo um lar aqui.
— Mas você sempre diz que quer viajar o mundo, não entendo.
— Sim, mas é preciso ter um lugar para voltar e chamar de lar. Sinto
que encontrei o meu. Muito mais do que Veneza, onde vivi a vida toda.
Sicília é minha escolha.
Admiro a segurança com que minha melhor amiga fala da vida e
futuro. Jessica me inspira de maneiras que nem imagina.
No final da refeição ao terminar a torta de maçã com sorvete de
baunilha, a qual Jess me ensinou o nome de Apfelstrudel, um fato inédito
me impressiona.
— Jess, Jessica! Dio Santo! — Chamo de maneira calma, mas já me
levantando da cadeira.
— O que foi, Selena?
— Tem um cão se aproximando. Não, está mais para um bezerro
cão. Meu Deus!
Jessica olha em direção ao meu pânico e sem desviar do monstro de
pelos ordena com voz suave:
— Selena, fique sentada.
— Você só pode estar maluca!
Jess continua a encarar o cão enorme e com pelagem dourada
misturada a um marrom escuro.
— Selena Malpucci, sente essa bunda de volta na cadeira, bem
devagar.
Minhas pernas estão molengas, mas obedeço com a garganta seca.
Observo o cão com sua imponente presença e olhar amarelo, um amarelo
profundo combinando com a mescla da pelagem dourada. E o monstro
aproxima-se lentamente da nossa mesa, não sei de onde veio, mas
atravessou a avenida. Seu pescoço musculoso possui uma coleira, é de
alguém, fugiu talvez, mas tem dono. Onde está esse dono que não vejo com
grilhões para aprisionar esta fera?
Os passos do cão são firmes e confiantes, mas também demonstram
uma certa cautela e respeito por Jess que quando desvio meu olhar, está
agachada diante de sua própria cadeira chamando o animal. Dio Santo!
— Ei, garotão! Venha aqui, tenho um pedaço de salsicha alemã bem
gostosa para você.
— Jessica! Dio buono! Ma che fai? (bom Deus! O que você está
fazendo?)
— Ele só quer nos cumprimentar, Selena.
— Ah, certamente! Com um dos nossos mindinhos como aperitivo.
Minha voz nunca saiu tão esganiçada desse jeito e ela está mais
plácida que um poço de águas serenas.
— É um Cane Corso, cão de guarda, mas também é dócil. Calma, só
quero afagar esse bonitão.
Jess ri e continua a chamar o cão bezerro.
Enquanto se aproxima, o tal Cane Corso mantém seus olhos fixos
nela, avaliando-a com curiosidade. Seu focinho úmido e suas orelhas curtas
alertas, denotam sua atenção aos detalhes ao seu redor. À medida que se
aproxima, ele emite um suave rosnado.
— Ouviu? Ele está bravo, Jess! Você ouviu?
Permaneço apavorada e paralisada na cadeira, mas com a mão no
celular dentro do bolso da calça. Se esse monstro atacar a jugular da minha
amiga, a única coisa a fazer é ligar para Tizi buscar o corpo despedaçado da
irmã e a culpa será minha outra vez, porque fiquei parada só olhando. Mas
também o que eu poderia fazer? Gritar, “xô fera, não ouse morder Jessica,
porque eu a protejo?’’ Se estou mortinha de medo nesta cadeira!
— Não está bravo, Selena! É uma forma de comunicação natural,
indicando que está ciente da minha presença.
Ao chegar perto o suficiente, o cão para, inclinando-se levemente
para frente, como se estivesse ansioso em conhecê-la melhor. Ou mordê-la,
quem sabe.
Os olhos seriam bonitos se não estivessem em um animal tão
ameaçador, e Jess consciente da linguagem corporal do cão, mantém-se
calma e tranquila, estendendo sua mão suavemente. Para minha surpresa ele
inclina a cabeça em resposta e lentamente cheira a mão estendida.
— É isso aí amigão! — elogia ela. — Viu amiga, ele só precisava
buscar informações através do olfato para me conhecer melhor.
Ainda espantada bebo o resto da água do meu copo. Vejo minhas
mãos trêmulas e sem cor. Meu rosto deve estar igual a um copo de leite.
Aos poucos o cão bezerro relaxa totalmente e permite que ela acaricie sua
cabeça, demonstrando um visível agrado ao gesto. O rosnado inicial dá
lugar a um suave ronronar de satisfação. Jess continua a conversar com ele
e com gentileza põe a metade da salsicha no chão, que é rapidamente
devorada pela bocarra cheia de dentes. Que pavor!
A cauda que antes estava retesada, agora se move em um suave
balançar, ele está feliz.
— Seu sedutor! Você é o cão mais bonito que eu já vi — fala ela
sorrindo ao ficar em pé com ele sentado como um guarda diante dela, mas
abanando o rabo.
— Se Giallo pudesse falar, certamente lhe diria a mesma coisa,
signorina (senhorita). — A voz suave e polida do homem na mesa à nossa
direita é ouvida.
Ele deixa o jornal na mesa junto ao seu chapéu Borsalino. Levanta-
se com seu casaco cashmere em punho e se aproxima. Estende a mão para
minha amiga e posso notar o ar aristocrático do homem.
— Muito prazer em conhecê-las. Lutèro Vitalle ao seu dispor. —
Jess estende a mão e ele beija o dorso com um sorriso genuíno.
— Encantada senhor Vitalle. Me chamo Jessica DiMateo.
Ele oferece sua atenção a mim e consigo analisar melhor sua figura.
Quarenta e cinco anos talvez, charmoso e definitivamente muito bonito.
Cabelos escuros bem penteados, pele acobreada e um rosto liso, barbeado, o
maxilar é evidenciado pelo queixo quadrado e um nariz anguloso que o
deixa belo de um modo exótico. Os olhos são de uma intensidade absurda, é
um tom de verde diferente, frio e profundo, com pinceladas marrons abaixo
da pupila, dá a impressão que escorreu dela para a borda e escureceu a base
da íris. Está vestido com um terno grafite de três peças que com toda
certeza foi feito sob medida. Preso ao colete vejo a corrente dourada de um
relógio.
— Peço humildes desculpas por Giallo tê-la assustado, signorina?
— Malpucci, Selena Malpucci. — Depositando o mesmo
cumprimento no dorso da minha mão, constato que é muito galante e
respeitoso. No entanto, sua atenção é toda para Jessica. E disso eu não o
culpo, minha amiga é uma sedutora nata.
— Giallo é meu cão de guarda pessoal, mas escolhi a raça por ser
dócil e extremamente obediente. Tinha certeza de que não atacaria nenhuma
de vocês, mas foi desrespeitoso assustar e interromper sua refeição. Por isso
peço, novamente perdão pela situação, signorina Jessica.
— Não precisa se desculpar, não interrompeu em nada, Sr.Vitalle.
Sempre quis um cão, e tenho jeito com animais, mas infelizmente meus pais
nunca permitiram que tivesse um. Não me contive, pois conheço um pouco
da raça por curiosidade e acho os Cane Corso os canídeos mais fascinantes.
O animal sentado ao lado do homem obedece a um sinal de Jess
para ganhar mais alguns afagos.
— Nenhuma criança deveria crescer sem um cachorro — expressa
com lábios apertados.
— Bem, nisso concordamos.
Fico observando a interação dos dois. Jessica age normalmente, o
que encanta qualquer pessoa e o homem semelhante ao seu cão, está
deslumbrado por ela.
—- Giallo é o terceiro em meu cuidado, antes dele houve seus pais,
dois puros-sangues sangues iguais a ele. — O cão move a cabeça em sua
direção quando ouve seu nome proferido pelo dono.
—- Que maravilha! Vejo que gosta de cães de grande porte. —
minha amiga diz, ainda brincando e afagando o pescoço do monstro à nossa
frente.
O homem sorri e juro que nesse momento ele me parece familiar,
não sei, a boca e o maxilar quadrado me lembram alguém. Acredito que o
esteja comparando a algum membro da elite italiana que tenha visto em um
evento, mas não sei identificar quem.
— Na verdade, recebi de presente os pais de Giallo. Eles foram
meus companheiros de longa data.
Jess abre seu sorriso de milhões e penso que o pobre homem perdeu
até o fio da meada, porque parece congelado vendo o charme e sorriso
brilhante dela.
— Acredito que a pessoa que lhe deu tal presente deve ser
reverenciada, porque acredite, os cães são o que temos de mais leais nessa
humanidade.
Ainda admirado, ele diz quase em um murmúrio do qual eu escuto
com perfeição.
— Sim, ela é…
Enquanto conversamos, Jess discorre sobre raças de cães de grande
porte. Reparo que o sr. Vitalle parece nutrir um interesse descarado nela,
pois seu rosto fica fascinado pela desenvoltura dela em falar sobre o
assunto.
Acho isso estranho porque ele é bem mais velho que minha amiga,
mas ao mesmo tempo que penso em tal coisa, me sinto hipócrita, pois
durante essa viagem a única coisa que penso é em estar com seu irmão que
também é mais velho do que eu. Saio dos meus devaneios com a pergunta
curiosa do homem à nossa frente.
— Vocês não são de Messina, eu presumo, nunca as encontrei pela
cidade.
— Não, estamos a passeio.
— Oh! Espero que estejam apreciando as acomodações na Sicília.
Somos muito hospitaleiros.
Sr. Vitalle olha diretamente para mim com um sorriso comedido,
não sei por que, mas me pego falando sem ser questionada.
— Na verdade, não estamos hospedadas em um hotel.
— Ah, não? Bem, se necessitam de acomodações posso
providenciar em um instante. — Ele faz menção de pegar o celular no bolso
da calça slim, mas Jessica me olha com um jeito condenatório e decido me
calar.
— É muita gentileza sr. Vitalle, mas não é necessário. Estamos em
um iate ancorado em Taormina, é uma viagem em família de fim de
semana. Em uma próxima oportunidade devemos planejar mais dias na
Sicília.
— Seus pais estão com vocês? — questiona depois de limpar a
garganta e noto o interesse ainda maior.
— Sim, estão passeando por aí no outro carro.
O homem sorri, mas não chega aos olhos, faz uma reverência
respeitosa.
— Desculpe mais uma vez, o que eu estava pensando, não é? Não
queria ser tão curioso e desrespeitá-las por minha oferta. Um desconhecido
pode intimidar agindo desta maneira.
— Oh! Não, de forma alguma. Foi muito gentil de sua parte, é que
realmente nossa estadia é rápida. Mas certamente vou retornar em breve
para ficar uma temporada, a Sicília me encantou de tantas formas que nem
sei como me expressar. É como se me achasse nesse lugar.
O homem dessa vez abre um sorriso enorme, tão feliz que parece
um elogio a ele próprio. Confesso que por mais que ame loucamente
Tiziano, não posso negar que esse homem é muito bonito.
— Permita-me acertar a conta para me desculpar decentemente.
— Não se incomode com isso, Sr. Vitalle.
— Por Giallo, signorina. Hum? Veja, se pudesse ele mesmo
ofereceria essa gentileza.
Jessica também está afetada pelo charme e cavalheirismo do
homem, parecem velhos amigos em um reencontro de décadas. Até suas
covinhas raras ela revelou em um sorriso para ele.
— Muito bem, signore (senhor) Lutèro Vitalle. Aceito de bom grado
sua gentileza.
O homem muito galante demonstra satisfação pelo olhar, chama o
garçom pelo nome e conversa com ele, avisando que vai acertar as duas
comandas logo em seguida.
— Espero que aproveitem o festival no vilarejo da costa. É sempre
animada a noite das danças.
— Ouvi falar muito desse festival — Jess se anima ainda mais e
olha para mim piscando marota.
— Sim, San Vito nessa época é bem agitada.
Com um sinal do Sr. Vitalle, o garçom loiro retorna com um folheto
da programação do Cous Cous Fest. O homem entrega a Jess junto com um
cartão de visitas.
— Vou deixar meu contato, signorina. Se precisar na próxima
estadia na Sicília, em qualquer situação pode ligar neste número, é o meu
particular.
Jess agradece, mas neste momento o cão gigante parece se espantar
com o barulho de uma pequena lambreta, e mais que depressa Jessica pega
em sua guia curta e o mantém próximo do seu corpo conseguindo domar a
fera arisca pelo som agudo do pequeno veículo.
Seu movimento rápido e seus reflexos elegantes, surpreendem não
só a mim como o dono da fera.
— Giallo é pesado e bruto às vezes, a signorina foi hábil e muito
rápida. Obrigado por acalmá-lo.
— Não há de quê! — ela diz com leveza.
O homem estende a mão a fim de pegar a guia do monstro de quatro
patas, mas, no momento que Jessica lhe entrega a guia, seus olhos
penetrantes se fixam em algo no braço dela.
Sua voz rouca chega com um toque estranho, mas a situação fica
sem pé nem cabeça quando ele toca seu antebraço e o vira para a sua
análise.
— Você tem uma marca de felicidade em sua pele? — diz ao
encará-la com curiosidade e algo mais que não sei definir.
Acho tudo muito bizarro e não entendendo sua abordagem, olho
para Jess que observa o que o homem diz e o responde com seu costumeiro
chame.
— É um pequeno sinal. Como minha mãe fala: Estou carregando
um…
— … pequeno mapa de sua terra e coração… — interrompe o
homem, completando sua frase e deixando o clima no mínimo estranho.
Jéssica o observa agora com cuidado, e fala receosa:
— Isso mesmo. Como sabia?
A expressão penetrante e até um pouco abismada do homem de pele
acobreada que nos encara, ganha um ar meio divertido, mas sem sombra de
dúvidas contemplativo.
— Esse é um antigo ditado italiano. Falamos sempre que queremos
criar uma referência a nossa casa.
— Eu não conheço tal ditado — falo com suspeitas.
— Mas vocês ainda são duas bambinas, (meninas) em breve quando
estiverem tão vividas quanto eu, ouvirão tais ditados ou farão os seus
próprios.
Sua fala quebra o clima peculiar e ele se despede cortês, entrando no
estabelecimento com o cão bezerro. E nós duas retornamos ao carro
conversando sobre a programação do festival.
— Selena, preciso te alertar. Nunca jamais revele informações
nossas a desconhecidos. Ele não precisava saber onde estávamos ou
qualquer coisa assim.
— Ele inicialmente me pareceu tão bonzinho!
— Você esqueceu que Lúcifer foi um dos anjos mais belos do céu?
Ele não era pouca coisa não, Selena, então não pense que o diabo padece de
sua imagem. Para conseguir o que quer ele usa suas melhores vestes.
— Per Dio (por Deus), Jessica, que mau agouro!
— Não, minha amiga bionda, isso é só um alerta. Depois que você
falou que não estávamos em hotel, precisei agir com diplomacia e dar
alguma informação para não parecer grosseira — diz ela me apressando a
entrar no veículo.
— Ok. Desculpe. Vou prestar atenção nas próximas vezes. Mas uma
coisa foi estranha, como ele sabia completar sua frase?
Em silêncio minha amiga se acomoda no banco e depois admira a
janela e as paisagens ao redor conforme o veículo ganha velocidade.
Quando penso que esqueceu da minha pergunta, ela surge com sua resposta
evasiva.
— Era somente um ditado Selena, somente um ditado.
No retorno para o ponto de encontro com o outro veículo, fico
meditando no alerta de Jess. Minha amiga tem um anseio de liberdade, mas
sempre cautelosa com a privacidade. Mas que a interação com esse homem
foi um tanto estranha, isso foi.
CAPÍTULO 16

Está acontecendo o festival cultural no vilarejo, com danças, música


e degustação do cuscuz de sêmola, assim como as inúmeras exposições.
Agora à noitinha, após a tarde de passeio, estamos aqui no salão decidindo
o horário que iremos até lá. Nonna já se recolheu, cansada pela atividade do
dia, papai está ao telefone e avisou que mais tarde irá, já minha irmã
ansiosa por agitação, quer dançar e conhecer pessoas.
— Selena não está animada para dançar. Ela sempre preferiu as
exposições — comenta Jess desanimada.
Essa é a oportunidade perfeita, mais que perfeita. Com um sorriso
sedutor no rosto, me aproximo de minha irmã e sugiro uma ótima ideia:
— Não seja por isso, Jess. Você vai com os seguranças direto para o
festival e eu levo Selena para visitar a exposição, depois encontramos vocês
lá. Resolvido. Todo mundo fica feliz.
— Irmão, você faria isso?
— Pra ver minha irmã feliz? Claro que sim.
Jessica saltita e me abraça quase me derrubando.
— Vou avisar a Selena que vai poder ir à exposição. Ela vai adorar!
Jessica some apressada em direção ao andar das cabines.
Fico feliz pela sua reação, mas é lógico que não sou hipócrita, fiz
essa oferta por mim. O que posso fazer se preciso ficar sozinho com mia
ragazza? Meu corpo clama por uma chance de estar ao lado dela, mesmo
que apenas por algumas horas e pensando nisso, não meço esforços para
conseguir o que desejo.
Depois de alguns minutos, Selena e Jess retornam, minha irmã sai
com os seguranças, eu e ela descemos do iate em direção a exposição, que
não é muito longe de onde estamos ancorados.
Meu coração bate descompassado com a visão dela. Selena está com
um vestido semelhante ao do sonho, claro e delicado, com os ombros à
mostra. Isso me faz respirar fundo enquanto caminho ao seu lado, pois a
percepção de que tudo está ocorrendo quase naturalmente para se tornar
real, me enche de esperança e plenitude. Estava louco de ansiedade para
estarmos a sós outra vez. Seu sorriso se abre como um sol radiante,
iluminando todo seu rosto quando me vê.
Como ninguém nos conhece, meus seguranças são pagos pelo
silêncio e Jessica está do outro lado do vilarejo, no momento que pisamos
em terra firme, agarro sua mão para andar de mãos dadas.
— Falei que conseguiria te roubar da Jessica.
— Eu esperava ansiosa por isso, Tiziano.
Puxo minha bella para um beijo e a elogio.
— Você está linda nesse vestido.
— Obrigada.
Gosto de vê-la corar, minha imaginação é muito fértil em criar
situações para ver isso mais vezes. Ela exerce um feitiço sobre mim, pela
voz suave e a maneira como seus olhos brilham quando fala de suas
paixões. Não canso de admirar sua beleza. Linda por dentro assim como é
por fora. Doce, altruísta, sincera e perfeita.
Após uma volta na exposição da história siciliana e africana sobre
como o prato festejado foi inserido na culinária italiana, decidimos degustar
um cuscuz que um dos renomados chefs preparou. Satisfeitos, seguimos
para o próximo ponto do passeio.
O lugar fica mais afastado do vilarejo, na verdade fica do outro lado.
Então para chegar até lá, coloco Selena em um dos carros alugados e sigo
pela estradinha rochosa que adentra em uma pequena mata, até chegarmos
ao final de uma ruela cercada por rochas. Por si só, a pequena estrada é uma
apreciação à parte e sob a luz da lua cheia, fica ainda melhor. Quando
desligo o motor, abro sua porta a convidando ao desconhecido, observo sua
ansiedade e curiosidade no modo que o olhar atento analisa tudo ao seu
redor.
— Onde estamos? Parece um bosque.
— Você vai ver… — digo ao lhe roubar um beijo antes de andarmos
por um caminho de pedras entre algumas árvores, margeado por um
paredão de rochas.
Quando chegamos, ouço o suspiro da mia ragazza e isso por si só, já
me fez ganhar os dias, semanas e meses que terei que me torturar à sua
espera.
“Espera? Porra…! nem sei se consigo esperar mais.”
— Tiziano, esse é um dos lugares mais lindos que já vi na vida, per
Dio, estou apaixonada por tudo! Essa é a praia mais perfeita que conheci até
hoje!
É espontânea a risada que sai de mim pela sua reação, pois seu rosto
demonstra um sincero encantamento.
— Gostou?
— Amei! — ela diz pulando em meus braços e desferindo vários
beijinhos sobre o meu rosto.
Entendo bem a sensação, até porque vivi o mesmo quando sonhei
com esse local.
O que mais gostei é que a privacidade da praia é real, há uma
dificuldade moderada de acesso e uma exclusividade para poucos.
Decidimos tirar os calçados e aproveitarmos o momento juntos,
desfrutando da companhia um do outro. Caminhamos pela areia por quinze
minutos, enquanto o som suave dos passos nos envolve em uma melodia
relaxante, convidando a nos deixar levar pelo encanto do lugar que é tão
reservado quanto no sonho.
Ela se aproxima de mim, buscando o calor do meu abraço, pergunta
suavemente:
— Não iremos até onde Jessica está?
Com carinho, respondo:
— Podemos ir se você quiser.
— Não, prefiro ficar aqui, se não houver problemas com ela depois.
— Mesmo hesitante pela amiga, ela deseja ficar comigo.
Com um sorriso a tranquilizo:
— Depois daremos um jeito, agora não se preocupe.
Sinto seu rosto deslizar levemente em meu pescoço, em busca de
aconchego. Quando suas palavras são sopradas sobre minha pele, leva
muito da minha concentração para responder seu questionamento.
— Esse era o local que queria me mostrar?
— Sim, este é o lugar especial que eu queria compartilhar com você.
— Por que aqui? — ela pergunta baixinho.
— Neste momento, é onde deveríamos estar.
Ela me abraça mais apertado e fala sussurrando.
— É lindo! Está tão deserta…
— Sim, é uma praia bem reservada, na verdade praticamente
ninguém vem até aqui.
Selena se afasta de mim para molhar os pés, e contente diz que água
está morna e deliciosa.
— Mas será que não haverá problemas de voltarmos muito tarde?
Não vi movimentação de pessoas enquanto estávamos na estradinha.
—- Fique tranquila, aqui é seguro!
Seu sorriso tímido, jeitinho recatado e preocupado, fazem minha
sede sexual pulsar em ondas estratosféricas. É difícil até respirar ao lado
dela e manter-me disciplinado a cada segundo. É um sofrimento esperar.
— Oh, meu Deus! — exclama surpresa.
— O que foi? — Me aproximo e a abraço por trás, preocupado.
Selena aponta para a colina, entusiasmada.
— Que casa fantástica é aquela?
—- Sim, é muito bonita.
— Tiziano, aquela casa está além de bonita, ela é linda! Veja
novamente, parece resplandecer vida em cada parte dela.
Ela afaga meus braços em volta da sua cintura, enquanto cheiro seu
cabelo.
— Que arquitetura incrível, e na rocha nunca vi uma tão grande. Ela
parece estar vazia, nenhuma iluminação, será que podemos ir até lá?
Sorrio pela empolgação tão sincera.
— Não acho boa ideia, mesmo parecendo inabitada não podemos
entrar. Ela ainda será de qualquer forma uma propriedade particular. Talvez
seja de alguém importante a qual não deveríamos perturbar. E depois, não
queremos ser presos hoje à noite, não é mesmo?
Sua gargalhada me completa e suas palavras só enfeitam seus lábios.
— É uma pena, uma casa daquela sem ninguém. Ela merece ser um
lar de alguém, construir memórias, sons, amor de uma família grande, não
concorda?
Giro seu corpo em meus braços e ela retribui a paixão, enlaçando
meu pescoço. O sorriso em meu rosto é tão grande que dói.
— Concordo! Essa paisagem durante o dia é incrível. Uma pena não
ter conseguido trazê-la mais cedo.
— Tudo bem, o importante é estarmos juntos aqui agora.
Ela reluz como se estivesse à luz do dia. Os ombros à mostra
revelando a pele dourada do sol é uma obra prima. Observo cada
movimento como se fosse uma dança para ser apreciada. Seus olhos verdes
brilhantes, refletem a paixão que sente, e sua boca à espera dos meus beijos
é perfeita. Aproximo meus lábios e roço nos dela a fazendo sorrir.
— Está ouvindo a música ao longe? Se quiser ir dançar, posso te
levar.
— Eu não sei dançar, Tizi. É vergonhoso, mas não sei — revela
tímida em meio aos meus beijos suaves em seu maxilar.
Aos poucos começo a balançá-la em meus braços em uma dança
lenta.
— Precisamos mudar isso.
— Oh, não! Vou pisar no seu pé.
— Para cada pisada no pé, você me deve um beijo.
Ela dá uma risada alta me fazendo rir também, mas fica na posição
de dança quando alinho nossos corpos colados. Então começamos a dançar
na areia. Seus movimentos são inseguros seguindo o ritmo de uma música
lenta ouvida à distância. Mas aos poucos ela pega o compasso. Cada
movimento é um convite para nos entregar ao sentimento enorme que
possuímos.
O desejo queima em meu coração e sei que essa noite assim como a
de ontem, será inesquecível. Enquanto dançamos, a brisa do mar acaricia
nossas peles, trazendo ainda mais sensações para esse momento mágico.
Nos movemos em perfeita sintonia, como se estivéssemos unidos por um
fio invisível que nos guia através da dança. Cada toque, cada olhar e
respiração são carregados de promessas.
Nossos lábios se aproximam cada vez mais, até se encontrarem em
um beijo ardente. Os lábios de Selena estão escaldantes e doces como um
vício. Nossas mãos se acariciam, buscando o calor um do outro enquanto o
beijo continua como uma chama que não quer se apagar.
Em segundos estamos deitados na areia branquinha. Assim que
minha mão entra por baixo do vestido, meus cabelos são agarrados com
força, provocando uma leve ardência no meu couro cabeludo. Mesmo com
a urgência em sentir cada pedacinho dela que ainda não senti, trilho minhas
carícias com cuidado.
Minhas bolas estão doloridas e tenho certeza de que não vou resistir
em gozar nas calças dessa vez. À medida que acaricio sua fenda úmida
sobre a calcinha, sua voz gemendo baixo é extraordinariamente sexy de
uma maneira natural. Meus dentes beliscam de leve a ponta de sua orelha e
Selena geme meu nome como uma melodia. Ao sentir que a umidade da
bocetinha aumenta, uma fisgada potente atinge meu pau e vejo que perdi a
batalha contra meu controle.
A pele impecável dos ombros me convida a beijos cada vez mais
ousados. Sinto-me hipnotizado por cada detalhe, desde que coloquei meus
olhos sobre ela. E agora sozinhos e tão envolvidos, é a oportunidade
perfeita para provar um pedacinho do meu paraíso.
Baixo a parte do vestido para expor os seios maravilhosos, tão
lindos e firmes, mesmo pequenos são perfeitos. Apesar da baixa
luminosidade da noite, consigo ver seus mamilos rosados e quando os toco
com as pontas dos dedos, reverenciando minha amada, perco o fôlego. Seu
corpo estremece, mas é impossível parar agora.
Beijo seus lábios deslizando os dedos num afago gentil fazendo com
que fiquem cada vez mais inchados e durinhos ao toque. As línguas se
exploram urgentes e ávidas, ansiando cada vez mais por ambos. Não
suportando mais, deslizo os beijos para o pescoço e colo, beijo a pele entre
os seios e sinto seu cheiro quase chorando de emoção. Os mamilos
excitados são irresistíveis e um desejo esmagador me empurra a beijá-los e
sentir a textura deles. Sonhei tanto com esse momento que ao cobrir um
bico com meus lábios, uma lágrima discreta rola pelo meu rosto e sinto a
cueca melar gozando descontrolado.
— Oh, meu Deus! — Selena arfa, arqueia o corpo, puxando meu
rosto para devorá-lo e eu em transe atendo o apelo.
Com a boca ocupada, o gemido gutural fica preso em minha
garganta. Continuo a sugar até sentir a última gota de porra melar minha
roupa e os tremores deixarem minhas pernas.
Ergo meu rosto em busca do seu olhar, meu coração batendo forte,
como uma sinfonia de emoções que me envolvem completamente. Um fogo
intenso arde em meu corpo feito chama viva, mas não posso tomá-la aqui.
Seus lábios tremem e os olhos pequenos são sinais de que Selena
precisa de alívio.
Acaricio seu rosto com a ponta dos dedos.
— Depois desta noite, você é minha!
— Sim, eu sou.
— Ninguém toca em você, só eu posso fazer isso.
— E você é meu, Tiziano? Ninguém vai tocá-lo também?
— Sou seu, ninguém toca em mim além de você.
Coloco a palma de sua mão no meu coração e o olhar antes
pequenino se agiganta.
— Pensei que seria sua completamente. Eu quero muito.
— Também quero, tenha certeza disso. Mas se te possuir agora, não
vou conseguir lidar com a espera de completar a maioridade. Vou querer
com desespero o seu corpo todos os dias.
—- Isso parece tão… — ela fica muda quando sente meus dedos
deslizarem por seus mamilos sensíveis. — ...tão intenso.
— Daqui a dois meses tudo se ajeita. Se for flagrado devorando mia
ragazza antes dos dezoito, verei o sol nascer quadrado, minha bella. Além
disso, seus pais irão se opor de imediato e preciso de você livre das
responsabilidades legais deles.
— Preciso avisar que eles são muito tradicionais.
Rindo, falo beijando seu pescoço e cheirando sua pele.
— Acho que posso ser um pouco tradicional também, só um pouco,
e só por você.
Nos beijamos até o ponto de esquecer o que estávamos falando
anteriormente e todo o meu desejo aflorar novamente.
— O que acha de tomar um banho de mar comigo para ajudar no
nosso controle? — Ela sorri timidamente afagando minha barba.
— Não posso, como pode ver estou só de calcinha por baixo do
vestido.
Me afasto ficando de costas e tiro minhas roupas, mantenho a cueca
melada para que não perceba o estrago e a minha nova ereção.
— Melhor ainda, vem só de calcinha, assim o vestido não molha e
não precisamos inventar nada quando voltar.
— Podemos mesmo entrar seminus na água?
— Podemos qualquer coisa se quisermos, aqui estamos sozinhos. Os
meus seguranças estão na entrada do lugar do outro lado das árvores,
ninguém virá aqui, pode ficar tranquila.
Ando até a água e molho meus pés, ao girar, mia ragazza está
despindo o vestido olhando receosa em minha direção.
Não posso me mover, pois o poder da beleza da Afrodite
caminhando ao meu encontro me paralisa. Admiro as pernas longas com
relação ao corpo delicado, os seios como gotas de um licor açucarado, o
colo suave com os ossinhos tão bem estruturados abaixo do pescoço
delgado. Posso perceber que está tímida ao ver que a olho demoradamente.
— Fico envergonhada com seu olhar para o meu corpo. Ele é
muito…!
Quando se aproxima. Estendo a mão e ela segura firme.
— Muito?
Afago sua bochecha vendo seu olhar desviar do meu.
— Muito sem forma, não tenho curvas e sou magra demais.
— Não diga isso, seu corpo é perfeito. Quero mostrar como se
encaixa tão bem no meu.
Beijo seus lábios docemente dessa vez, para dispersar essa áurea
insegura. Chego em seu ouvido e sussurro:
— Na verdade seu corpo foi feito só para encaixar no meu, minha
micina!
Seu riso doce preenche meu peito de calor e certezas.
Andamos mais para dentro da água.
— Tenho medo, não sei nadar!
— Não precisa temer, não vamos para onde é fundo, apenas nos
molhar e namorar no mar, nada vai acontecer.
Seguimos de mãos dadas e quando a água cobre nossas pernas, a
puxo para meu colo, pendurada em minha cintura, ela cruza as pernas se
mantendo firme.
— Tem dúvidas que o encaixe é perfeito?
Suas mãos delicadas deslizam em meus cabelos e seu olhar de afeto
faz com que a ame ainda mais.
— Não, dúvida nenhuma.
— Pronta para um mergulho?
— Pronta.
Ao imergir nossos corpos e retornar, selamos nosso abraço com um
beijo salgado, cheio de sorrisos. Nossas peles deslizando molhadas, as
bocas se devorando são um novo estopim para o desejo ardente
interrompido na areia. Mia ragazza sente a ereção de encontro a sua boceta,
que me espreme protegida apenas pelos tecidos encharcados.
Ela é inocente para se dar conta que planejei esse contato, para que
pudesse lhe dar o alívio que não posso de outra maneira neste momento. Os
seios roçando na minha pele são uma sensação divina, ela é o meu presente
dos céus. Provoco minha língua nos beijos a fazendo involuntariamente
rebolar em meu colo, e de maneira certeira friccionar o clitóris no meu pau
duro feito rocha.
— Ah, Tiziano!
— Sim, bella, continue, está tão bom!
Esse incentivo é o que ela precisa para rebolar mais, em busca do
seu prazer gemendo nos meus lábios. Provoco com mordidas e lambidas
afoitas em seu pescoço. Quando Selena arqueia o corpo no ápice do prazer
gemendo, consigo capturar um mamilo para sorver e explodo dentro da
água, gozando como nunca gozei. Meu corpo inteiro sente os espasmos da
sensação de dar a ela talvez seu primeiro orgasmo. É tão intenso que sinto
as veias do pau vibrando sob a pele e as unhas dela arranhando minha nuca
me deixando maluco com o ardor de sua intensidade.
Cazzo!
Nossos corpos sentem os tremores juntos, unidos, trêmulos pelo
prazer, urrando de delírio me seguro em seu delicado corpo molhado. Ela
amolece totalmente amparada em meu peito ofegante. Eu amo você minha
menina! Amo e ainda não posso lhe dizer isso. Se o fizer e receber uma
fração de reciprocidade, não terá mais como esconder nossa relação de
ninguém. Não aceitarei que esteja em qualquer outro lugar que seja não ao
meu lado.
Saímos do mar do jeito que estamos. Com as pernas cansadas,
sento-me na areia úmida, amparando mia ragazza em meu colo. Descanso
ao deitar e a acomodo sobre mim.
— O que nós fizemos, Tizi? — murmura ela aninhada em meu
pescoço.
Envolvo meus braços em seu corpo de uma forma protetora e a
acalmo:
— Nada, minha bella. Apenas aplacamos o desejo de nossos corpos.
Mas não fizemos nada demais. Você se sentiu bem?
— Sim, foi... maravilhoso! Nunca me senti assim.
Beijo sua testa e fecho os olhos por uns minutos.
— Esse é o nosso segredo mais bonito.
CAPÍTULO 17

Depois de passarmos o dia na praia de Taormina, com o sol


maravilhoso banhando nossa pele e a água cristalina refrescando nossos
corpos, é chegada a hora de retornar para o iate.
Após o banho, ao me preparar para o jantar, uma batida na porta da
minha cabine me deixa alerta.
— Selena! Sou eu, posso entrar?
— Claro, Jess, o que houve?
Minha amiga entra e inspira fundo.
— Delíciosa essa loção, bionda! Combina com você.
Fecho o vidro de óleo corporal e animada agradeço o elogio. Tiziano
também ama meu cheiro. E como dormirei com ele, aproveitei para
caprichar na preparação.
— Preciso de um socorro — ela diz ao sentar-se na poltrona de
leitura, me deixando apreensiva. — Meu ciclo está sinalizando que vai
descer, tem um absorvente para me emprestar? Amanhã cedo, antes de
partir, vou em busca no vilarejo. Acredita que esqueci de colocar na mala?
Estava tão eufórica que fui relapsa com essa questão.
— Hum, infelizmente vou ficar devendo, eu quase não menstruo.
Posso conseguir uns dos meus protetores diários, aqueles fininhos que
tenho, mas se for outro não uso.
Minha amiga me encara com olhos assombrados. Sua postura muda
e ela se aproxima de onde estou sentada na cama escovando os cabelos.
— Como assim, não menstrua?
— Sim, eu não costumo carregar absorventes comigo, já que minha
menstruação é tão irregular que quase não aparece. Menstruo poucas vezes
no ano e o protetor dá conta, porque é um fluxo mínimo quando vem.
Seu olhar incrédulo provoca um desconforto que não consigo
disfarçar.
— Selena, preciso falar sobre algo que tem me deixado um tanto
preocupada e que, por mais difícil que seja admitir, pode ser um distúrbio
que esteja te afetando. Ao longo dos meses que interagimos, é quase um
ano, né?
— É… é mais ou menos, faltam quase dois meses para isso.
— Bem, tenho percebido que algo parece estar fora do lugar em
relação ao seu corpo. Você parece uma boneca, você é linda, não há como
negar, mas não parece a idade que tem. Suas formas são de uma adolescente
de treze anos e você vai completar dezoito em menos de sessenta dias. E
agora com o que me contou? Tenho certeza de que há um problema com
você.
Guardo a escova na gaveta do aparador com a garganta seca e mãos
trêmulas. Sempre me senti deslocada em relação ao padrão social, nunca fui
muito confortável com meu próprio corpo. Minha mãe raramente estava
presente para orientar minha fase pré-adolescente e responder às minhas
dúvidas. O pouco que aprendi me fez perceber que a variedade dos corpos é
normal, e meu biótipo pequeno se encaixa nessa diversidade.
— Você faz exames periódicos? Tipo, sua mãe sabe sobre isso?
Você conversou com alguém? Desculpa, eu tô tentando entender. Senta aqui
comigo, Selena, vamos conversar um pouco. Quero ajudar.
Obedeço emocionada, porque nunca tive amigas para conversar
sobre assuntos tão íntimos.
— Fui ao médico várias vezes, faço exames regulares e todos eles
indicam que minha saúde está em ordem. Minha mãe está sempre ocupada
com suas viagens, e quando nos falamos por videoconferência, raramente
temos a chance de discutir isso. Afinal, sempre fui mais próxima do meu
pai, e bem, não é apropriado abordar esse assunto com ele.
Jess segura minhas mãos e o calor reconfortante desse gesto aquece
meu coração.
— Entendo, mas você já pensou que pode ter um distúrbio
hormonal, amiga? Há diversos fatores que podem influenciar no
desenvolvimento de uma mulher. Tudo pode ser tratado e ajustado. Talvez
seja melhor procurar um especialista e ver o que está acontecendo — ela diz
com uma expressão de preocupação no rosto.
Ela sempre foi sincera e cuidadosa comigo, então sei que suas
palavras vêm do coração. Mesmo assim, sinto-me desconfortável ao ouvir
suas preocupações.
Não sei como reagir. Em todas as minhas visitas médicas, todos
afirmaram que não há nada de errado comigo. No entanto, desde a
adolescência, meu corpo permanece inalterado, sem curvas, o que me deixa
ainda mais insegura.
— Os médicos dizem que não há nada de errado. Confesso que me
sinto estranha e deslocada às vezes. Mas quem sabe vai mudar assim que
começar a namorar alguém, não sei, ter relações íntimas... — ressalto, com
a voz trêmula.
Jessica olha para mim com compaixão nos olhos.
— Amiga, você é virgem?
— Sim.
— Hum. Olha, entendo que seja difícil para você ouvir essas coisas,
mas transar não vai mudar nada em você.
Sinto-me envergonhada por acreditar nisso. Olho para qualquer
lugar menos para seu rosto consternado.
— Mas como falei antes, talvez seja hora de procurar uma opinião
especializada que possa ajudá-la a entender melhor o que está acontecendo
com o seu corpo. Porque todas nós, em algum momento, experimentamos
altos e baixos hormonais que acompanham o período, você parece estar à
margem dessa experiência tão comum entre as mulheres. Posso estar
enganada, mas essa ausência de menstruação pode indicar uma questão
mais profunda, algo que merece uma atenção médica.
Pisco os olhos realmente alarmada.
— Fique calma, só estou preocupada com o seu bem-estar, e minha
intenção é apenas ajudar. Você nunca se perguntou por que não tem seios ou
quadril redondo?
Puxo as mãos desviando o olhar.
— Não sei o que dizer, eu...
— Selena, não é uma crítica e sim uma constatação. Seu corpo
permanece com a aparência similar à de um pré-adolescente, suas curvas
são tão suaves que parecem imperceptíveis. Embora cada pessoa tenha seu
próprio ritmo de crescimento, essa discrepância pode ser um sinal de que
algo não está ocorrendo como deveria. Entendo que falar sobre esses
assuntos pode ser desconfortável, mas acredite, meu objetivo não é de modo
algum constrangê-la. Estou aqui para oferecer meu apoio e auxílio em uma
possível busca de respostas. Como amigas, compartilhamos não apenas
momentos felizes, mas também os desafios que a vida nos apresenta.
— Não sei o que fazer — murmuro envergonhada da minha própria
ignorância.
— Tenho a solução. Posso ir junto com você, quando se sentir
pronta procuraremos um profissional de saúde especializado, como um
ginecologista, endocrinologista e talvez um reumatologista para investigar
essa situação. Eles possuem o conhecimento e as ferramentas necessárias
para diagnosticar e tratar distúrbios relacionados ao ciclo menstrual e ao
desenvolvimento físico. Tenho certeza de que, com a orientação adequada,
vamos encontrar uma solução para as suas dúvidas ou tratamento correto.
Agradeço com um sorriso tímido. Sei que minha aparência delicada
demais me faz sentir insegura, especialmente quando se trata do meu
relacionamento com Tiziano. A diferença física entre nós é óbvia para todos
que nos verão juntos. A interpretação de que posso ser vista como sua irmã
mais nova e não sua esposa, é inevitável. Isso me perturba constantemente,
causando uma insegurança avassaladora.
Conforme conversamos, começo a recordar os momentos que
compartilhamos e sinto tristeza ao pensar em como nosso relacionamento
pode evoluir a longo prazo. Ele é um homem experiente, sei que já esteve
com pessoas incrivelmente atraentes, beldades com corpos e rostos
estonteantes. Como eu, uma garota com uma aparência frágil e simplória,
posso competir com isso?
Nesse instante, uma dúvida intensa aperta meu coração com força.
Será que estou interpretando tudo de maneira errada? Será que Tiziano se
interessa por mim pelo que sou de verdade ou simplesmente porque pareço
disponível demais, fácil de conquistar? Não consigo perceber o quanto sou
especial aos olhos dele.
Ao aceitar sua ajuda, Jess me abraça ternamente. É realmente um
consolo ter essa amizade tão sincera. Não quero perdê-la jamais.
Enquanto ainda falamos sobre aparência, desligo o pensamento
sobre o irmão mais velho e foco na minha melhor amiga, que se mostra tão
interessada e disponível para mim.
Observo que Jess é magra, mas curvas e pernas torneadas que
seriam o desejo de muitas mulheres. Fico perplexa por não investir mais em
sua aparência e seguir uma carreira como modelo, considerando que várias
marcas e grifes já a procuraram para editoriais de moda.
Ela simplesmente alega que essas oportunidades surgem devido ao
fato de ser irmã do empresário mais famoso da Itália, mas a verdade é que
Jess é extraordinariamente bela. Sua beleza é realmente notável.
— Não tenho interesse em fama, amiga. Para mim, as verdadeiras
riquezas residem nas histórias e nas pessoas que encontro ao redor do
mundo. São essas experiências que realmente enriquecem a alma, pois
nossa imagem pode mudar constantemente, mas o conhecimento só cresce
com o tempo.
— Hum, como as pessoas que conhecemos na Sicília? Como era
mesmo o nome do dono do cão bezerro?
Jess solta uma gargalhada gostosa.
— Senhor Vitalle. O encontrei por acaso no festival na noite
passada, sabia?
— Será que foi por acaso? Quer dizer, o homem apesar de ser mais
velho, ficou interessado em você.
Jess sorri sem graça.
— Discordo! Apesar das gentilezas, Sr. Vitalle não me olha com
desejo. Se eu percebesse tal atitude, o evitaria.
— Por quê? Ele é um homem bonito, cavalheiro e não vi aliança no
dedo.
Jess se apoia em um cotovelo e fica parcialmente deitada na minha
cama, brincando com um detalhe da colcha.
— Envolver-se com homens mais velhos é furada, bionda. Acredite
em mim, eles brincam com nossos sonhos, desejos e corações, depois nos
descartam como se fôssemos apenas mais um item bonito usado. Quando se
envolvem com garotas jovens como nós é somente para nos manter como
um segredinho sexual sujo.
De imediato meus pensamentos são tomados por Tiziano e uma
palpitação me faz suspirar alto.
— Jess, o que está dizendo?
— É, e digo mais. Quanto mais inocentes e mais obtusas sobre a
realidade sexual, mais fácil é a presa nas mãos deles. Na verdade, não existe
um perfil específico para esses tipos de predadores, eles podem ser qualquer
um. Desde um homem importante até um amigo aparentemente dócil da
escola. Mas, os homens mais velhos são mais perigosos porque sabem
mexer nos gatilhos certos. Nos iludem com maestria.
Meu coração aperta com essas palavras.
— Concordo que existam pessoas assim, mas não podemos
generalizar, Jessica. Nem todos os homens mais velhos são predadores. Na
verdade, alguns podem ser muito respeitosos e sinceros em seus
sentimentos. Afinal, se fosse assim, eu deveria ter cuidado até mesmo com
seus irmãos.
Minha amiga ri alto do meu questionamento, colocando a mão sobre
a minha, confortando-me.
— Não se preocupe, minha inocente bionda. Nem de longe você faz
o tipo de Tiziano, pois ele prefere mulheres altas, glamourosas e repletas de
curvas perfeitas, e no caso de Gabrielle, não deve nem se incomodar,
porque ele simplesmente não suporta seres humanos, acho que nem
animais.
Minha testa se enruga ao escutar isso, e um mar de emoções invade
meu coração, despedaçando as esperanças que nutria e destruindo o conto
de fadas que estava vivendo. Tento responder, mas minha mente está apenas
zumbindo incertezas.
Sou uma garota em busca de descobertas e amadurecimento, me
sinto inexperiente comparada às mulheres com quem ele se relacionou,
sendo que ele já viveu tanta coisa e alcançou muitas realizações. Fico me
diminuindo ao lado das mulheres bonitas e confiantes que estiveram nos
holofotes ao lado de Tiziano. É inevitável a insegurança recair sobre mim.
— C-como... Quem te ensinou tudo isso? — pergunto, levantando-
me um pouco trôpega e indo até a janelinha do iate. Preciso esconder a
decepção que tomou conta do meu rosto.
— Meu irmão me orientou sobre tudo isso. Até porque ele já teve
uma fase muito sombria, e usar mulheres se tornou um hobby para ele.
Viro em sua direção em câmera lenta, vendo minha amiga distraída
observando suas unhas antes de se levantar para sair.
— O que você quer dizer, Jessica?
— Ah, Selena, pelo amor de Deus! Tiziano conquistou um sucesso
incrível em sua carreira e alcançou sua estabilidade financeira antes de
completar vinte anos. Lembro da época em que ele dividia a casa na ilha
conosco, sempre rodeado por uma fila interminável de modelos e garotas
que se jogavam para ele. Ele ignorava as garotas, mas usava as mulheres
como se fossem peças de um guarda-roupa.
Jessica percebe meu olhar exasperado e a expressão assustada que
deixa minha boca aberta sem reação.
— Và bene (tudo bem)! É meu irmão, mas a maneira como ele
tratava as mulheres sempre me incomodou profundamente. Vê-lo usá-las
como se fossem objetos descartáveis para satisfazer seus desejos egoístas
me revoltava. Era difícil entender como alguém tão inteligente e talentoso
poderia agir de maneira tão irresponsável e insensível. Com o tempo,
Selena, aprendi que a inteligência nem sempre está ligada à moralidade.
Tiziano é um exemplo disso. Sua mente brilhante e sagacidade não o
impedem de cometer erros e agir egoisticamente. No entanto, isso não
diminui as lições que posso aprender com ele. Filtro suas palavras e
absorvo apenas o que considero válido e ético.
— Entendi o ponto — meus lábios falam, mas minha mente não está
mais na conversa. Tudo que ouvi atingiu algo sensível dentro de mim.
Minha falta de experiência me deixa desarmada diante de minhas
próprias emoções, incapaz de expressar os sentimentos sem mostrar
vulnerabilidade. Cada vez que o vejo, fico totalmente cega da realidade. E
agora estou bastante confusa. Talvez deva ter cuidado com ele, afinal,
Tiziano pode muito bem-estar me usando e iludindo.
— Bem, vou deixá-la se preparar para o jantar. Talvez possamos dar
uma volta mais tarde.
— Talvez — respondo com um sorriso forçado, mas receio que até a
fome não seja mais relevante no meu caso.
CAPÍTULO 18

Em breve vou desgastar o assoalho desse iate com essa marcha


angustiante que não me leva a lugar nenhum. Selena está atrasada, são
apenas quinze minutos. Mas pareço um leão enjaulado, sedento por sua
presença.
Puta merda! Será que ela realmente não vai aparecer?
Durante o jantar, senti que estava longe, como se refletindo em algo,
perdida nas conversas. Sequer ousou trocar olhares comigo, as poucas
interações que fez tentava um sorriso forçado, poucas palavras e logo pediu
licença para se ausentar com a desculpa esfarrapada de uma dor de cabeça
que não me convenceu.
Não quis pressionar com mensagem sobre o nosso encontro, achei
que talvez precisasse de um tempo por tudo o que aconteceu, no entanto,
preciso saber de alguma forma o que está acontecendo. Decidido, atravesso
o banheiro e bato na porta que divide nossas suítes. A cada segundo de
espera, meu controle vai escapando pelos dedos. Quando a maçaneta gira e
revela minha garota, sinto como se todo o ar desaparecesse dos meus
pulmões. A camisola pérola adorna seu corpo com perfeição, revelando
detalhes que me fazem salivar, mesmo sua expressão me encarando
seriamente. Saio do transe pelo visual sexy que usa, e falo de forma
controlada tentando esconder minha sede por ela:
— Ei, como está? Vi que se recolheu com dor de cabeça depois do
jantar, precisa de algum analgésico?
— É, eu tomei assim que vim para a minha cabine. Sempre tenho
comigo alguns para enxaqueca.
— Fiquei preocupado.
— Não precisa se preocupar, é só uma de minhas enxaquecas
habituais.
— Acho que não tem intenção de dormir no meu quarto, então
quero perguntar se pode ir até lá apenas para que entregue um presente
especial que encomendei para você?
Seu olhar se amplia e os lábios expressam a surpresa ao se abrir.
— Presente especial para mim?
— É, mas não quero atrapalhar seu descanso, posso trazer aqui para
você.
Sua postura torna-se mais receptiva e ela solta os braços cruzados,
alisando o tecido fino, prendendo o lábio com os dentes.
— Com uma condição.
— Qual condição?
— Ganhar um beijo da mia ragazza. — sorrio de modo sedutor e
espero seu próximo passo.
Selena relaxa a expressão e se aproxima de mansinho. Agarro sua
nuca e a guio até mim. Meu beijo é suave, mas exigente, acaricio seu rosto
com carinho.
— O que foi, bella? O que te deixou angustiada? — pergunto gentil
assim que a abraço, pois meu alívio é parcial. — Quer conversar um pouco?
Ela concorda. Percebo seu nervosismo, tem sim algo muito sério a
incomodando. Assim seguimos para minha suíte. Ao entrarmos, vou direto
para a minha mala e encontro a caixa com um embrulho dourado.
— Por que o presente, Tiziano? — questiona desconfiada.
Guio a ragazza para sentar-se na beira da cama e entrego-lhe o
pacote nas mãos.
— Faz sentido simbolizar nossa relação.
Ela desvia a atenção do pacote muito rápido para me encarar.
— O que disse?
— Abra!
Ao notar seu nome gravado em dourado na caixa retangular de
veludo escuro, ela acaricia a inscrição e solta um suspiro. Ao abri-la, quase
deixa a caixa cair devido à surpresa, cobrindo a boca com as mãos para
conter a emoção.
— Essa pulseira é... Linda! Nunca vi uma igual.
— Comprei esmeraldas e mandei criar a joia especialmente para
você.
Amo surpreendê-la, sua reação tão crua e sincera me encanta.
— Quando você encomendou esta joia?
— Muito antes da viagem, na realidade, esse passeio foi
especialmente para lhe entregar de modo tranquilo. Com um tempo a sós
sem pressa e sem olhares sobre nós.
O dedinho desliza lentamente sobre a pulseira de esmeraldas.
— Escondido — murmura triste.
— Por enquanto e por esse motivo uma pulseira é adequada. Quero
que a use sempre, não a tire para nada, é um símbolo do nosso
compromisso. O anel do conjunto já está encomendado e vai usá-lo num
momento oportuno que seja inesquecível para nós dois.
Selena suspira, pisca repetidamente como se assimilando a
revelação e pega a joia na mão.
— Anel, você comprou um anel?
— Sim, lembra que falou ontem sobre seus pais serem tradicionais?
Então, farei tudo certo como deve ser, já planejo isso a algum tempo na
verdade.
Selena suspira com o olhar brilhante e hipnotizante, fixos nos meus.
— Lembro de ontem muito bem.
— Mas vejo que algo a perturba. Conte para mim enquanto coloco a
pulseira em você.
Seu silêncio é como caminhar em uma corda bamba, sem saber se
consigo chegar ao outro lado ileso.
— Sabe, tenho refletido sobre o que está acontecendo. As conversas
que tenho com Jessica sobre a vida e o nosso envolvimento têm me feito
questionar...
— Sobre? — Seguro sua mão gentilmente e pego a pulseira de
esmeraldas fechando em seu pulso. Quando encaro seu rosto, ela está
olhando fixamente meus gestos. — O que conversaram hoje que te fez
pensar sobre nós?
O rostinho ganha cor e os olhos se desviam.
— Não posso tirar suas dúvidas se não me contar, bella!
Beijo seu pulso e a faço afagar minha barba, desse modo seu sorriso
tímido aparece.
— O que você vê em mim, Tiziano? Por que eu?
— Por que não você? Por que acha que não pode despertar
sentimentos em um homem? Você é uma mulher linda!
— Não para um homem experiente e famoso como você. As
mulheres que apareceram com você nos holofotes são lindas e com corpos
perfeitos. É difícil acreditar que está interessado em mim.
Sua voz suave e hesitante derruba todas as minhas defesas. Nunca
imaginei que ela se visse tão subestimada em relação à sua aparência. Ela é
tudo o que desejo nesta vida miserável e não tem ideia disso.
— Realmente já apareci na mídia com muitas mulheres bonitas, mas
muitas vezes era um teatro necessário de uma figura pública como eu. Mas
não importa agora, não dê importância ao meu passado, depois que conheci
você, meu mundo mudou. Se baseie no nosso futuro, nossa felicidade, não
nas fofocas da imprensa.
Seus lábios apertam visivelmente apreensiva.
— Tenho medo de não corresponder às suas expectativas, Tiziano.
Me acho tão inexperiente sobre a vida.
— Seu interesse por mim é sincero, não está comigo pelo que
represento na sociedade. Vejo beleza na pessoa que você é com os outros,
seu carinho genuíno pela minha família. Selena, você é linda por dentro e
por fora, sua doçura me atrai, sua timidez e inexperiência franca me
encantam. Acha que eu daria um símbolo tão significativo como do infinito
para uma pessoa aleatória? Que não é real o que temos?
— Infinito?
Viro seu pulso e mostro o detalhe no fecho gaveta da pulseira. Em
ouro branco mandei criá-lo em forma de símbolo do infinito. Seus olhos
marejaram e ela se lança em meu pescoço. Abraço-a apertado transmitindo
a confiança que ela precisa.
— Não deve se sentir menos que qualquer mulher. Você é a mulher
mais autêntica que conheço. Precisa entender que é perfeita do jeitinho que
é!
— Você é tão gentil enumerando qualidades que eu nem sequer
sabia que possuía. Fiquei com tanto receio que eu não significasse para
você o que você significa para mim.
Toco seu rosto em um afago carinhoso.
— Você significa muito para mim, bella! O que mais minha irmã
falou? Percebi que você estava chateada no jantar.
— Jessica sugeriu que eu vá a um especialista para ver por que meu
corpo não ganha formas, talvez eu tenha um distúrbio que só um
profissional possa descobrir.
Agarro minha pequena e a coloco em meu colo, ajeitando as mechas
de cabelo para trás a fim de ver seu rostinho consternado.
— Não se preocupe com isso agora, quero ir com você. Vou
acompanhá-la em tudo, e se tiver qualquer problema será resolvido pelos
melhores especialistas do país.
Selena afaga meu rosto e beija meus lábios com devoção.
— Você quer ir comigo?
— Certamente! Um namorado precisa apoiar sua garota em todas as
situações. Quer que eu vá?
— Adoraria.
Finalmente posso respirar aliviado, porque retirei as nuvens escuras
que pairavam sobre ela. Depois de alguns beijos ela sussurra nos meus
lábios:
— Adorei meu presente.
— Jura? E não vai tirá-lo por nada?
— Não vai sair do meu pulso nunca mais.
Muitos poderiam me julgar por ter colocado um rastreador na joia,
mas não é por más intenções, e sim uma medida de proteção. Selena ainda
não está ciente dos perigos deste mundo e é meu dever protegê-la. Ninguém
mais adequado do que o homem que daria a vida por ela para cumprir essa
missão.
E depois, não consigo ficar tranquilo sem saber todos os seus
passos. Sim, sou um perseguidor, mas foda-se, ela é minha e ninguém irá
tirá-la das minhas mãos.
Sem dizer mais nada, aproximo lentamente meu nariz do seu
pescoço inspirando profundamente. Ela me abraça mais forte sentindo a
eletricidade no ar.
— Essa é a melhor parte da viagem, quando estamos a sós.
— Também não vejo a hora de ficar assim com você.
Deixo beijos perto da orelha onde Selena é mais sensível e
responsiva. Ela se arrepia e solta os risinhos doces que tanto amo.
— É mesmo? Não vê a hora de ser beijada e tocada por mim?
— Conto os minutos para ter seus beijos. — O sorriso aberto é o
sinal para avançar.
— E ser carregada em meus braços? — falo já levantando com ela e
acomodando seu corpo no seu lado da cama.
— Tudo, tudo com você, Tiziano.
Seu corpo se curva em direção ao meu quando pairo sobre ele, e
seus lábios buscam os meus em um beijo ardente e apaixonado. Cada toque,
cada carícia, faz com que nossos corações acelerem e as respirações se
tornem ofegantes. Nos entregando ao desejo que nos consome.
— Hoje quero sentir o seu toque, deseja me tocar, Selena?
— Eu nunca toquei em um homem — ela diz apoiada em um
cotovelo para melhor me olhar.
É tão extasiante saber que serei o primeiro e último a mostrar e
desvendar cada etapa da sua sexualidade. Farei com todo o sentimento
intenso que possuo dentro de mim. É minha para ensinar, amar e dar prazer
da melhor forma possível.
— Quer tirar minha camiseta?
— Hum... Eu…
— Por favor, não precisa ficar tímida. Afinal somos namorados e
daqui a menos de dois meses todos saberão.
Assim que falo essas palavras, ela avança de mansinho e puxa o
tecido para fora do meu corpo. Me deito de costas ao seu lado e espero pelo
seu toque. É como esperar pela água em um deserto escaldante. A mão
delicada desliza pelo meu peitoral, delineando as tatuagens, formigando
cada centímetro, transmitindo ao meu cérebro que o toque é da minha
mulher.
— Suas tatuagens são diferentes, mas são lindas.
Tento não trincar os dentes pelo contato, finalmente a dona está
tomando posse do que é dela. Não escondo minha ereção, nem há como
fazer isso, quando os olhos de Selena recaem sobre ela, as bochechas ficam
rubras feito uma romã.
— O que mais é diferente no meu corpo, bella?
— Sua intimidade está... — ela morde o lábio, o que me deixa
maluco.
— Intimidade?
— É, o seu ... A sua calça está...
— Ah! — É involuntário rir, mas isso a deixa mais envergonhada.
Agarro sua cintura e a puxo para colar em meu corpo.
— Não, o jeito certo é falar o nome, nada de melindres entre nós.
Seus olhos arregalados suavizam assim que arrumo as mechas
revoltas do cabelo e beijo seus lábios, queixo e rosto até chegar no pescoço.
Deixo lambidas perto da orelha mordendo o lóbulo só na pontinha.
— Diga que quer tocar meu pau, bella! — a rouquidão na minha
voz é absurda.
Meu corpo estremece por dentro de necessidade de tê-la.
Brinco com a alça da camisola de seda, deslizando meu dedo por
dentro e simulando que vou tirar.
Seu riso tímido pelos beijos e pelo que falei só atiçam a fera dentro
de mim. Ao retornar os beijos na boca, mordisco o lábio e com uma
lambida, incentivo:
— Fala pau! Micina.
— Pau — sussurra ela ofegante.
— Seu pau, repete!
— Seu pau — mia ragazza pegou o espírito da dinâmica, pois sorri
entre meus beijos provocantes.
— Quero ouvir, minha bella.
— Quero tocar seu... pau, Tiziano.
— Hum, pode tocar, como quiser, quanto quiser, é todo seu.
À medida que a mão desce pelo meu abdômen, meu fôlego se
esgota, me concentro e controlo ao beijá-la com o máximo de erotismo,
para ela relaxar e continuar as carícias. Coloco minha palma sobre a dela e a
faço apertar sobre a calça, a dor nas bolas amplia quando ela tateia a forma
dele e uma fisgada quase me arrebenta. Cazzo!
— É tão grande!
Minha risada entre os beijos a faz apertar mais minha carne.
Seguro seu rosto entre as mãos e devoro sua boca. Imaginando
quando estarei dentro dela e sua mão estará sobre meu corpo totalmente nu.
Desço finalmente a alça da camisola e revelo seu seio fresco. Não beijo,
antes preciso cheirar sua pele. Sentir a textura do bico no meu rosto,
enquanto ouço seus gemidos.
— Tiziii, isso é...
— O que, minha bella?
— Está me arrepiando e sinto algo diferente...
— Quer sentir o que sentiu ontem na água?
Olho em seus olhos pequenos e a boca inchada pelos meus beijos
treme.
— Quer namorar igual ontem?
— Não vamos?... Quer dizer...
— Só vai ser completo daqui há 56 dias.
Ela sorri, lânguida e entregue.
— Está contando os dias para o meu aniversário?
— Pode apostar que tô. Porque tô maluco pra sentir minha
namorada inteirinha.
— Ahh, meu Deus! Você é incrível!
Selena abre as pernas como um convite quando deslizo sobre ela.
Não resisto e puxo a outra alça fazendo a camisola se embolar na sua
cintura. Beijo cada pedaço de pele sedosa, cada cantinho enquanto nossos
movimentos sincronizados aumentam a velocidade.
Meu pau está sob controle dentro da calça de algodão, mas mesmo
assim sinto o calor da bocetinha que roça ansiando por ele. Beijo os
mamilos até começar a chupar com vontade. Suas mãos puxam meu cabelo
e a voz baixa geme me enfeitiçando.
Vou manter minha mulher grávida tanto quanto eu puder, para que
sempre tenha leite em abundância. Meu sonho será completo e será lindo.
Ao pensar sobre isso começo a gozar, mas não paro de friccionar e
impulsionar o contato até ver os sinais do orgasmo da ragazza. As mãos
apertando os lençóis, o corpo totalmente arqueado e o rosto em êxtase com
os olhos fechados. Ela gozou comigo e é maravilhoso saber como nos
encaixamos tão bem. Ao deitar ao seu lado, toco com meus dedos sobre a
calcinha, sentindo como a fenda está encharcada. Seu olhar me encontra e
fico bem pertinho para falar de uma forma doce e sussurrada.
— Você pode se tocar em casa pensando em mim. Assim como
estou fazendo agora, imagine que sou eu. Já fez isso?
— Não, nunca.
— Eu sempre faço quando penso em você, imagino suas mãos
alisando e apertando meu corpo. Fico louco, Selena!
Ela agarra meu rosto e beija minha boca vorazmente, subo a mão e
acaricio o seio lindo, aproveitando suas reações.
— Adoro quando você me toca, nunca imaginei que existisse o
paraíso, Tiziano.
— Paraíso é você, Selena. Minha micina!
— Posso dormir aqui?
— Achei que não fosse pedir. Só preciso trocar essa calça e colocar
outra para dormir, já volto.
Vou até o banheiro, lavo-me da porra e coloco uma cueca limpa,
depois tomo meus comprimidos e retorno para ela que já ergueu a camisola.
Queria pedir para sugar até dormir, melhor não, tenho receio que se
assuste. Preciso ir aos poucos, com o tempo vou revelar sobre a lactofilia,
mas temos um longo caminho pela frente.
Desligo as luzes mantendo apenas a luminária do canto acesa, e me
aconchego ao seu corpo. Mas ao invés de colocá-la em meu peito, é no dela
que busco abrigo. Após um beijo de boa noite, cheiro o vale entre os seios e
me acomodo envolvendo meus braços em seu corpo.
— Tizi?
— Hum!
A camisola desliza propositalmente e minha bella me encara.
— Quer dormir sugando eles, é tão gostoso quando você faz!
Suspiro profundamente enquanto ela acaricia meus cabelos, a
sensação de que meu sonho se realiza a cada dia é uma certeza. Preciso
apenas ter paciência para a completude.
O sono chega de mansinho com o pensamento na felicidade tão
próxima e o seio de minha amada nos meus lábios.
CAPÍTULO 19

Animada em conversar com meus pais por vídeo, me acomodei na


biblioteca onde tenho privacidade. Estou ansiosa em contar sobre meu
passeio de iate com a família DiMateo, pois sei o quanto se interessam por
cada detalhe do meu dia. Hoje cedo recebi mensagem assim que acordei,
era papai avisando que queriam me ver após o almoço. Agora que atendi a
chamada, fico preocupada com minha mãe por ver seu semblante abatido.
— Está doente, mãe? Estou achando seu rosto diferente.
Os cabelos muito claros estão presos em seu habitual coque
elegante. O terninho rosa chá alinhado perfeitamente em seu corpo esguio e
as mãos pousadas no colo deixam-na parecendo uma pintura clássica.
— Não querida. Essa semana passei por um pequeno procedimento.
Meu septo me incomodava depois da última plástica e precisei retocar.
Papai muito menos engessado sorri aberto. Barbeou o rosto, está
mais jovial e com o semblante menos fechado. Os cabelos loiros estão
penteados de modo tradicional para o lado como sempre.
— A praia lhe fez bem, está corada e linda, minha filha. Nossa
menina não está linda, Dalila?
— Certamente, uma joia, Mário! Nostro gioiello (nossa joia)!
— Como foi o passeio pela Sicília, figlia (filha)?
— Foi o máximo, pai. Conheci lugares incríveis!
— Oh! Eu imagino. Sicília é tão… pitoresca.
Feliz com o clima da conversa, me pego a tagarelar de alguns
lugares que me marcaram. Percebo que meus pais estão maravilhados com
minhas palavras. Sinto-me tão feliz em poder compartilhar momentos
especiais com eles, mesmo que através de uma tela.
Empolgada com o interesse, sorrio ao descrever cada etapa da
viagem fantástica. Em dado momento, papai interrompe minha fala e
pergunta sobre a família DiMateo. Respondo que todos são muito
respeitosos e carinhosos comigo, que gosto muito da companhia deles.
— Fico muito satisfeito, Selena. Aprovo sua amizade com a menina
Jessica. O irmão mais velho está crescendo bastante no mercado
internacional. Apesar de não terem um sobrenome forte e de berço como o
nosso, estão se tornando uma das maiores fortunas do país. Não será ruim
estreitar laços com eles.
É tão triste ouvir esse tipo de colocação com relação aos meus
amigos. Além de ter a única amiga, sou colocada nesta situação de
aproximação por interesse, justo eu, que tenho aversão disso. Sempre fui
verdadeira na amizade com Jessica, apreciando-a não pelo status material,
mas pela essência da pessoa que ela é. E minha proximidade com a família
não é fruto das circunstâncias sociais, mas sim baseada em valores
genuínos. Papai sabe que não me importo com essas coisas.
Apesar de decepcionada, continuo com um sorriso no rosto para
manter o clima agradável, porque são tão raros esses momentos em que
posso falar e contar sobre uma viagem que fiz, que não quero perder isso.
Não posso irritá-los.
Pelo menos ele aprova essa amizade. E com entusiasmo, decido
arriscar um pedido a ele.
— Pai, Jess está planejando viajar para alguns países no final deste
ano, e já que poderei viajar desacompanhada de responsável depois dos
dezoito, gostaria de ir com ela. Seria maravilhoso explorar novas culturas e
me aventurar em novas experiências.
Ao ver sua testa franzida, me apresso a deixá-lo tranquilo com
relação a minha segurança.
— Jessica sempre tem proteção da equipe de seguranças do irmão.
Certamente haverá mais seguranças e estaremos seguras.
Minha mãe deixa uma risada escapar e meu pai olha feio para ela.
— Selena, você não está autorizada a sair do país e acredito que sua
amiga também não sairá.
Essa reação é tão inesperada e contrária à minha expectativa, dado o
teor da nossa conversa com relação aos DiMateo.
— Pai, o que quer dizer? Por quê?
— O fato de atingir a maioridade legal não significa que está pronta
para enfrentar todos os desafios da vida adulta. Até os vinte e um anos,
Selena, você ainda é financeiramente dependente de mim e algumas
responsabilidades civis e legais perante a justiça, recaem sobre o seu pai.
Minha tristeza é enorme, vou perder minha única amiga porque não
posso acompanhá-la.
— Além disso, o CEO DiMateo não cometerá o erro de permitir que
sua irmã caçula seja um alvo fácil para predadores sociais que rondam
iguais abutres moças abastadas como vocês.
Engulo seco pelo tom duro que fala, até sua postura relaxada se
transformou totalmente em seu modo homem de negócios.
Minha mãe intervém preocupada com o rompante de papai.
— Filha, você pode viajar pela Itália, ficar nos hotéis da família,
absorver a cultura do nosso povo. Somos tão ricos em história. Não é de
bom tom sair como uma mochileira sem eira nem beira por aí — diz com
sua voz suave, mas visivelmente incomodada. Seus lábios são uma linha
fina de tensão em seu rosto.
— Exato, sua mãe está certa. Ao passear pela Itália com segurança e
proteção, estará aprendendo sobre suas raízes e evitando os perigos que
poderiam surgir em lugares desconhecidos. Quero que se torne uma mulher
forte e confiante, mas também sei que isso exige um cuidado especial nessa
transição para a vida adulta.
— Tudo bem, pai. Só pensei em conhecer um pouco do mundo e...
— Selena, vou ressaltar de uma vez por todas para que esse assunto
seja finalizado aqui. Uma Malpucci é da famiglia (família) e não do mundo.
— enfatiza ele com voz firme.
— O que acha de jantarmos juntos no seu aniversário? — pergunta
minha mãe com a intenção de suavizar a reação exagerada do meu pai.
Até o rosto dele ganhou um tom avermelhado. Sinto muito por ter
aborrecido seu humor.
— Está falando sério, mãe?
— Claro, querida. Vamos jantar naquele restaurante que seu pai
adora. Vou solicitar ao meu assistente pessoal que faça a reserva na ala que
costumamos jantar. Assim teremos privacidade para comemorar essa data
tão significativa em família. Provavelmente voaremos direto, então vamos
nos encontrar no Ristorante Quadri, no horário costumeiro para cear.
Depois entregamos o seu presente.
— E o que é o meu presente? — pergunto encantada e eufórica.
— Uma surpresa, prometo que vai gostar.
Depois disso, peço desculpas ao meu pai por aborrecê-lo e sugiro
para que fiquem uns dias em Veneza quando vierem para o aniversário. Fico
feliz quando concordam e prometem ficar uma semana comigo, já que os
negócios estão calmos.
Encerramos a chamada de vídeo com declarações de saudades,
cuidados e recomendações da parte deles.
Tento compreender os motivos por trás das palavras do meu pai. Sei
que ele age com amor e preocupação. Mas, será que a negativa dele tem
algo além do que a simples segurança? Talvez seja um delírio meu e exista
razões legítimas para negar meu pedido.
Embora respeite sua decisão, sinto uma pontada de frustração ao não
ganhar a aprovação para a viagem. Quem sabe depois que me casar com
Tiziano tenha a minha tão sonhada liberdade.
Meditando sobre minha vida, fico apreensiva. Há tantas coisas que
gostaria de conversar com meus pais e tenho receio em falar. Como irão
lidar com a revelação da minha relação com Tizi? Nosso compromisso e
planos para o futuro? Não tenho coragem nem para contar que parei de
tomar minhas medicações.
Fiz isso porque meu estômago estava sempre irritado e vi a melhora
da minha evolução depois que comecei a passar um tempo com Jessica.
Nada de crises depressivas como antes de conhecê-la. Assim como depois
que conheci o meu amor, minhas mudanças de humor estão mais suaves.
Claro que de vez em quando a irritação chega acompanhada pelo
sentimento de baixa autoestima e me sinto um pouco frustrada, mas estão
cada vez mais raros esses episódios. Seis meses sem remédios e sem surtos.
Não estou recorrendo a dor física para não pensar na dor emocional. É um
grande progresso.
Toco meus pulsos onde haveria cicatrizes maiores da tentativa de
dar fim a minha dor. Lembro como papai acionou o melhor cirurgião
plástico para, como ele mesmo disse, ‘'consertar minha filha’’. Disse que
não queria rastro do meu passado nem de minhas fraquezas. Não entendo
como ele às vezes soa tão preocupado e outras ofende-me com suas
expressões. Parece que não sou rara como pessoa e sim como uma
propriedade que não deve ser depredada.
Recordo do último episódio grave em nossa fazenda na Toscana.
Tinha catorze anos e por dois anos não houve visitas deles. Dois anos sem
vê-los cara a cara. Naquelas férias, combinamos de nos encontrar na
fazenda para o final de semana. Infelizmente, um imprevisto os impediu de
chegar na data marcada.
A tristeza tomou conta de mim ao pensar que não nos veríamos,
então decidi caminhar sozinha pela propriedade. O sol se punha e as árvores
pareciam ganhar vida, seus galhos se contorcendo e sussurrando segredos
ao vento. Mesmo com passos firmes, meu coração estava quebrado no
peito. A dor da solidão me empurrou em direção ao poço que havia no
jardim dos fundos. Tinha prometido ao meu pai que não me cortaria depois
da primeira vez que tentei.
Vi uma saída para a solidão naquele refúgio de pedras. Tirei meu
casaco de peles que me foi ordenado usar para esperar minha mãe. Pareceu
bem não sujar a peça, já que a escolha era de uma grife da qual ela gostava,
e achei esse ato de me presentear como um elo entre nós duas.
Enquanto olhava as águas escuras do poço, sentia um chamado
estranho para a liberdade da dor que aprisionava tão forte em meu peito.
Não havia machucados para que ela sangrasse e houvesse a descompressão
daquela agonia sem fim. Então, em meio ao sussurro do vento e o espelho
d'água refletindo as dores em minha expressão pálida, me lancei naquele
poço sem olhar para trás.
Não houve grito algum enquanto eu caía sem controle, com meu
corpo girando em queda livre.
As paredes rochosas pareciam se estender infinitamente, como se
estivessem se fechando sobre mim feito um abraço protetor. Meu peito
apertado e dificuldade para respirar foi um alívio, porque sabia que não
sentiria mais a dor nem a solidão que me matava aos poucos.
Os segundos pareciam se arrastar, enquanto afundava
profundamente nas águas. Nunca aprendi a nadar e naquele instante a dor
veio, porque a água rasgou seu caminho para dentro do meu organismo,
levando com ela as aflições de uma vida vazia.
Meu corpo lutava violentamente contra a vontade pela vida,
fazendo-me soltar um grito mudo e afogado, no qual a inconsciência era
bem-vinda. E quando o ar se foi e a calma abraçou a alma com a percepção
da iminente morte, tudo se aquietou. Não estava em um lugar sombrio e
desconhecido, não sentia mais dor, finalmente estava em paz.
O pesadelo se deu quando acordei. Não sei quanto tempo depois,
não sei como me tiraram de dentro do poço. Mas despertei numa cama de
hospital, meus pais estavam lá, mas só ele esbravejou. Com lágrimas nos
olhos perguntou o que me faltava e o que precisava para ser feliz. Ele estava
molhado da cabeça aos pés e seu terno de três peças que sempre estava
impecável, se encontrava destruído por terra e água. As mãos dele e um
joelho estavam em carne viva e minha mãe o estava convencendo a se
medicar e colocar curativos.
Foi ele, naquele lugar escuro e frio como a morte, foi meu pai que se
lançou à minha procura. Ele não me deixou ir, tirou a minha última escolha.
A vergonha e a sensação de inadequação preencheram o vazio que eu tinha,
foi ainda pior.
Mamãe perguntava o porquê de eu chamar a atenção de forma tão
drástica. Eles estavam cansados de como meu jeito extremista de agir era
visto pela mídia. E fora o fato que nesse meu impulso, ela quase perdeu a
filha e o marido que não conseguia aceitar minha morte. Não pude retrucar,
me resignei e aceitei ao tratamento com aquele monte de medicamentos que
prescreveram. Disseram que iria melhorar minha inquietude com relação à
vida.
Desde então, prometi ao meu pai que viveria, por mais dolorido que
fosse cada dia. Era impossível lidar com a decepção e raiva evidente em
seus olhos naquele dia cinzento. Não quero mais passar por aquela situação,
mesmo o descanso eterno sendo extremamente convidativo.
Ainda bem que é passado e agora estou saudável. E em breve estarei
ainda melhor com o homem que amo. Tudo ficará perfeito, como um
romance com final feliz.
CAPÍTULO 20

Hoje estou em Gênova com meu amigo Mirko. Decidimos acelerar a


expansão da empresa para a Europa oriental, antes de implementar a filial
no Japão. E como o renomado arquiteto Renzo Piano aceitou a reunião
conosco, não perdemos tempo em vir até uma das sedes da Renzo Building.
A presença de nós dois é extremamente importante para acertar os
detalhes do planejamento desse investimento. Renzo é referência mundial
em arquitetura com obras em todas as partes do mundo. É uma parceria que
buscamos há muito tempo, mas com sua agenda sempre fechada, só foi
possível agora, aqui na sede da sua holding.[i]
— O que admiro em Renzo é a genialidade versátil. Ele nunca quis
se enquadrar dentro de um único segmento — discursa Mirko sentado na
minha frente.
— Concordo.
— A ideia dele sempre foi criar obras voltadas para o contexto em
que elas estão, que fizessem sentido para determinado lugar. E estar agora
trabalhando com ele é incrível!
Ele prossegue animado com sua taça de Merlot nos lábios, mas,
estou pensando em Veneza, naquela ragazza de olhos verdes, cabelos de
sereia, lábios irresistíveis e uma voz doce que sussurra meu nome.
À medida que temos mais intimidade, a ansiedade cresce, não vejo a
hora de ficarmos juntos de vez. Já ensinei várias coisas para minha
namorada, tivemos carícias quentes até a fiz gozar e isso me deixa louco de
tesão. Estou no limite do meu controle o que gera uma excitação e angústia
ao mesmo tempo.
Ela desperta meus instintos mais selvagens. Quando não estamos
juntos me faz imaginar mil e uma maneiras de fodê-la em lugares
diferentes. Sim, foder! Ridículo é o homem que pensa que foder não
envolve afeto e dedicação. Estou louco para foder minha mulher perfeita e
moldada para mim, estou salivando por todos os pedaços inseguros e
quebrados que ela esconde em sua alma. Não quero mais esperar, não posso
mais. Meu corpo e mente estão exaustos de segurar essa fome de Selena.
Por esse motivo, decidi fazer algo especial para o meu aniversário:
uma viagem de fim de semana na Toscana. Parece um plano incrível, com
aquele cenário perfeito ninguém vai nos atrapalhar. Quero dormir e acordar
dentro dela, vou devorá-la por vinte quatro horas ininterruptas. Vou
degustar aqueles seios lindos e saborosos até ficarem rubros como amoras.
Um sorriso lento aparece em meu rosto e Mirko me tira do transe.
— É por isso que as construções desenhadas por Renzo Piano são
tão plurais, tanto conceitualmente quanto esteticamente... Ei! Frate, acorda
cáspitta!
— Desculpe, Mirko. Foi sem intenção, estava com a cabeça longe,
mas não foi proposital.
— Certo, sei bem! Deve ter mulher aí, obviamente. Está perdoado,
mas a conta é sua. Vou ao banheiro e aguardo do lado de fora, vamos rever
as notas que criei para a reunião enquanto dirigimos até o local. Você disse
que gostaria de acrescentar algumas sugestões.
Aceito sem protestar, chamando o garçom. Decido esperar Mirko do
lado de fora, mas ao passar pela porta da saída, esbarro em um cara, minhas
pernas quase cedem, mas ele me segura, evitando que eu caia. É alto,
magro, jovem e com cabelos ondulados escuros que cobrem parte das
sobrancelhas grossas.
— Oh! Mi dispiaàce, stai bène? (me desculpe, você está bem?) —
ele se desculpa em um sotaque sulista.
Quando suas mãos me apoiam ao segurar meu braço e os meus
dedos tocam sua pele, um arrepio percorre minha espinha, um cheiro forte
de ferro misturado a carne podre invade minhas narinas. Sangue e morte!
Olho para o homem e para meu horror, seu rosto está coberto de
sangue. Seus olhos vazios e sem vida parecem penetrar na minha alma. Um
sorriso macabro se forma em seus lábios finos, revelando uma maldade
indescritível. É como se eu estivesse sendo transportado para um pesadelo
cruel. Mas não estou dormindo e isso não é um dos maus presságios
habituais no sono.
"Tô acordado, cazzo!"
Tento recuar, mas parece que meus pés estão grudados no chão. As
pernas ficam fracas e o homem me segura com força. Visões assustadoras
invadem minha mente como ondas violentas: facas afiadas perfurando e
desmembrando corpos, tiros ensurdecedores, cenas de estupros brutais e por
fim canibalismo.
Meu peito ruge feroz, o corpo treme, o suor gelado escorre na testa,
os olhos reviram como um maluco recebendo a descarga de pensamentos
ruins que me consomem como uma praga. Parece que ouço a voz de Mirko,
mas é distante e confusa, como se estivesse debaixo d'água lutando contra o
afogamento.
A angústia vai aumentando enquanto encaro os olhos negros
sagazes, ao mesmo tempo que vejo o homem movendo a boca, mas o que
vejo são dentes manchados de sangue, cuspindo em gorgolejos, não por
estar ferido e sim se alimentando, até que, finalmente, meu corpo não
suporta mais. Perco a consciência caindo em um abismo de escuridão e
desespero.
Não sei quanto tempo fiquei desacordado, mas ao despertar, para o
meu alívio, somente Mirko surge diante dos meus olhos, estapeando meu
rosto. Imediatamente as visões recomeçam ao sentir a palma quente na pele
do meu rosto.
Sou como um espectador assistindo uma situação envolvendo o meu
melhor amigo e sua esposa. Diante de uma cena assustadora e angustiante,
Melinda é assaltada por um bandido que a ameaça com uma arma. Sem
pensar duas vezes, Mirko tenta reagir e pegar a bolsa de volta, e acaba
sendo atingido por um tiro no peito. Mesmo em transe, tenho consciência
que estou gritando a plenos pulmões, desesperado por não conseguir salvá-
lo. Vou perdê-lo igual a Lorenzo!
A dor da esposa dele é tão intensa que posso senti-la em meu
próprio corpo. Ao mesmo tempo, posso sinto a agonia rascante do meu
amigo com a ferida exposta e fatal. É como se o mundo continuasse a girar,
indiferente ao sofrimento que presencio.
Perdido em meio a essa visão, olho ao redor e percebo que sou
testemunha desse trágico evento em uma rua movimentada daqui de
Gênova, busco uma referência de local para tentar impedir de alguma
forma. O letreiro de um cinema próximo chama minha atenção, ao exibir o
título de um filme e o horário da sessão: ‘Mulher maravilha 1984’, às vinte
horas. Não posso reviver outra morte nas minhas costas! Não posso! Não!
Neste momento de transe, ouço uma voz distante chamando meu
nome. É Mirko tentando me trazer de volta à realidade. Com esforço,
consigo focar no tom familiar e retornar à consciência. Sem hesitar, lanço
meus braços ao redor do pescoço dele, provocando a queda do celular ao
qual estava aos berros.
— Graças a Deus, cara! Você está vivo! Calma, frate! Os socorristas
estão a caminho!
Deitado no banco do carro alugado em que estamos circulando pela
cidade, afago minha nuca sentindo o calombo, devo ter batido a cabeça
quando desmaiei. Meu amigo se inclina procurando o celular no chão.
— Cancele essa merda, Mirko! Precisamos conversar.
— Está maluco? Você teve um surto epilético na calçada,
precisamos ver isso.
— Não preciso de socorristas, cancele! — exclamo gemendo alto
pela dor. — O homem em quem esbarrei, quem era?
— E eu vou saber? — pergunta em assombro.
— O sotaque era siciliano, quem era o rapaz moreno que esbarrei
na porta do restaurante, Mirko? Ele é perigoso!
— Quem? Ainda está em surto? Do que está falando, cáspitta?
— Esquece! Tem outra coisa mais urgente...
Mirko começa a falar e explanar termos técnicos de uma possível
concussão pela queda que sofri, o apagão e todas as preocupações com
relação a minha saúde.
— Mirko! Per la miseria! Você está em perigo! Me ouve, cazzo!
Seu olhar consternado me analisa com cuidado, contudo se cala de
imediato com minha expressão perturbada. Então decido compartilhar com
ele que sou assolado por visões do futuro a vida toda e o que vi agora
pouco, descrevo detalhadamente o assalto, o tiro no peito e a dor que meu
próprio corpo sofreu ao ver a cena.
Apesar de um tanto surpreso com minha narrativa, Mirko escuta
atentamente, ouvindo a seriedade da situação.
— O filme será hoje à noite, como sabe que vamos assistir? Melinda
comprou os ingressos on-line na noite passada — indaga em choque.
— É como falei, preciso de tempo para explicar, mas não é o que
temos hoje.
— Vou ligar para Mel e cancelar nossa saída! — Impeço-o no
mesmo instante.
— Não! Você deve ir. Não funciona como pensa. Tudo tem que
acontecer, basta só tomar uma decisão diferente.
— Está de brincadeira? Primeiro você avisa de uma premonição da
minha morte e depois manda que eu vá para a forca?
Pouso a mão em seu ombro e o encaro seriamente.
— Por favor, me ouça e confie em mim. Já tentei alertar e mudar os
destinos antes, muitas e muitas vezes, mas poucas dessas funcionaram.
Somente quando alertei e tomaram decisões diferentes, no último momento
a tragédia não se confirmou. É como se não pudéssemos enganar a morte.
Ela toma o que é dela de uma forma ou de outra, mas se você não reagir e
manter Melinda calma, esse evento trágico não se concretizará com vocês.
— Mas vai acontecer com alguém.
— Provavelmente. — Não é uma pergunta, mas mesmo assim
confirmo.
Mais tarde nessa mesma noite, mesmo suando bicas pelo
nervosismo, sigo os dois a distância. Com um grande aperto no coração,
intrigado e preocupado, a ansiedade aumenta a cada segundo. Por fim,
acontece. Sinto o calafrio da morte percorrer meu corpo, pois sei
exatamente o que está prestes a acontecer.
Meu amigo não reage quando o ladrão exige a bolsa. Nesse
momento, o assaltante se assusta com um segurança de um estabelecimento
que começa a gritar, sem pensar duas vezes, atira no peito do homem.
É nesse instante que confirmo uma maneira segura de proteger
quem eu amo. O destino não pode ser mudado, apenas contornado. O curso
dos eventos já estava traçado e eu só posso observar.
Essa confirmação me afeta de uma forma indescritível. Sentimentos
de impotência e culpa invadem minha mente. Questiono-me se poderia
fazer algo mais para evitar essa tragédia, mas a resposta é clara: o destino é
implacável e nem mesmo as nossas melhores intenções podem alterá-lo. Ele
pode ser cruel, mas isso não significa que devemos nos render a ele.
Podemos encontrar maneiras de lidar com as circunstâncias e assim, tomar
uma decisão contrária à que deveríamos tomar.
Se a dívida tem que ser paga, será. “Dê a César o que é de César’’,
mas nos meus termos, com a maior barganha que eu puder fazer. Quem eu
amo, farei de tudo para proteger, não importa a decisão que precise tomar
para que fiquem seguros, não importa se perderei algo no caminho ou se
comprarei uma briga com a própria morte para uma troca que me seja justa.
Ao retornar da viagem sentia uma inquietação dentro de mim.
Depois de toda a situação com Mirko e o impacto do que descobri sobre
como ocorre a concretização dos presságios, foi impossível minha alma
sossegar. Já era madrugada quando decidi pegar a lancha e ir para a mansão
dos meus pais. Assim que atraquei no píer, andei uns passos sobre a
plataforma, mas ao ver que a casa estava silenciosa e meus parentes
provavelmente dormindo, recuei. Talvez não fosse uma boa ideia atrapalhar
o descanso de todos, pensei.
Para a minha surpresa, um vulto se aproximou e me assustou no
final do píer.
— Que susto, nonna! O que faz a esta hora aqui fora?
— Vem Tizo.
Caminhei até ela e ao me encontrar, seus olhos brilharam de alegria.
— Bebi um chá noturno para a minha doce companheira gastrite. E
abri a janela, para quando chegasse em casa, ouvir melhor o motor da sua
lancha. Então desci quando o vi atracando.
— Mas como? — Enlacei seu braço frágil no meu e andamos pelo
caminho de granitos entalhados no jardim, até o gazebo no lado leste da
mansão.
— Sempre sinto quando você precisa vir para casa — disse
enquanto nos sentamos de frente um para o outro sob a luz do luar.
Nonna Olímpia com seus olhos sábios carregados de ternura,
questionou o que me perturbava.
— O que o aflige, meu neto?
Hesitei por um momento. Achava que ela não entenderia o meu
pesadelo.
— Acho que a senhora não vai entender essa angústia.
— Não vou entender se você não explicar — insistiu.
Então, decidi resumir em um relato breve sobre o sonho e o que
aconteceu na viagem que me tirou do eixo.
— Foi a primeira vez que o véu da realidade descortinou seus olhos
ainda acordado?
— Sim. E isso me assustou demais.
Seu sorriso transmitia uma paz reconfortante, e aceitei suas mãos
quando segurou as minhas. A pele fina e delicada alisou minhas palmas
com carinho.
— Vejo cada dia menos escuridão em você, Tizo. Isso é bom.
Embora, devo alertar sobre seu maior inimigo: a insegurança é seu maior
obstáculo. Se deixar que essa insegurança cresça, ela será como um câncer,
corroendo-o por dentro até o momento em que tomará tudo o que é mais
importante em sua vida. Você pode autodestruir o seu emocional,
transformando em migalhas o homem cheio de esperanças que um dia foi.
Acredite na verdade!
— A senhora viu isso?
Ela confirmou com um aceno de cabeça e continuou:
— Sinto as coisas, sabe?
Não respondi, apenas aguardei.
— Ser como nós é difícil no começo. A sensação de ver além das
aparências, de sentir as emoções das pessoas é um dom, assim como sonhar
e ver uma possibilidade do futuro como você. Nossa família tem raízes e
uma ancestralidade antiga. Nossos dons se manifestam de diversas formas
para cada um. Somos iguais, mas ao mesmo tempo diferentes.
— Como assim? A senhora sonha e vê o futuro também?
— Com menos frequência e não da forma que seus avisos são
recebidos. O que quero dizer é que, nossos antepassados sempre foram
guiados por uma clarividência instintiva, foi herdado por cada geração em
diferentes manifestações. Nós sentimos em demasia. E por isso somos
usados de diversas maneiras para ajudar quem amamos.
— Não consigo ajudar, é isso que me frustra. Sinto-me um inútil
com esse dom.
— Você é capaz, mas primeiro precisa ajudar a si mesmo. Se
conhecer e controlar a escuridão que existe dentro de si. Humanos que
conseguem ver por de trás do véu da realidade imposto pelos seres eternos,
precisam trabalhar seu dom e se abrirem para tal oportunidade.
Minha avó então sorriu e começou a contar um pouco da história da
família. Ela revelou que éramos nômades e místicos por natureza,
espalhados pela terra com seus dons especiais.
— Tizo, você não está sozinho nessa jornada, há muitos outros
como você. Somos parecidos com médicos, nos nomeamos curandeiros de
almas. Mas, assim como um bom diagnóstico clínico e remédios adequados,
nem sempre podemos salvar um doente, da mesma forma, uma visão por
mais que seja bem clara, algumas vezes não consegue evitar o problema
pelo qual a pessoa precisa passar. Um sensitivo pode aconselhar, orientar,
mas isso não impede que a força do destino se imponha para que se cumpra
o que Deus determinou para cada um de nós. Lembre-se sempre, nós não
temos poder para impedir o destino de seguir seu curso.
— Por que nunca me contou isso, nonna?
— Porque cada pessoa precisa de um tempo para conhecer sua
própria história e geralmente, essa pessoa precisa estar aberta para recebê-la
e aceitá-la. Até este momento, meu neto, você ainda não estava pronto. Ao
aceitar e contar para Mirko, mostrou que é hora de agir.
Com um abraço apertado, agradeci minha nonna por sua sabedoria e
orientação. Quando descobri que não estou mais sozinho nas previsões,
senti uma autoconfiança e uma determinação em trilhar meu caminho com
coragem.
Enquanto observamos a noite e as estrelas por alguns minutos antes
de entrarmos, a conclusão que cheguei ontem, de fazer o que for preciso
para proteger minha família, se confirma ainda mais.
Colocarei os meus desejos como oferta voluntária, em troca da
salvação de cada pessoa que amo neste mundo.
CAPÍTULO 21

Ao sair da empresa, confirmo por telefone o compromisso que teria


com minha namorada, porém em cima da hora numa mensagem de texto,
sem muitas explicações ela diz ter outros planos com uma amiga.
Como assim está cancelando?
Mas que porra de amiga é essa que surgiu de repente?
Lógico que não é esse tipo de reação que transpareço ao telefone.
Planejei um encontro especial com Selena esta noite. Primeiro apreciando o
pôr do sol no nosso local, o mirante que fomos na primeira vez, e depois
seguiríamos para uma das minhas propriedades que adquiri recentemente,
em Marghera.[ii] Poucos quilômetros, apenas um refúgio próximo ao forte
Tron, encomendei uma cesta de piquenique para ficarmos lá até o
amanhecer. Não contei esses detalhes, seria uma surpresa, já que ela
planejou dormir na casa dos meus pais, a convite de Jessica, seria a
desculpa perfeita para passar a noite com mia ragazza.
Escrevo em retorno que assim que terminar o compromisso com a
amiga, ela me avise para buscá-la. Mas tem uma voz no fundo da minha
mente avisando que tem algo errado nisso. Selena está dando muitas
desculpas que não combinam com sua personalidade. Devo me preocupar?
Melhor dar uma volta na casa do meu pai e sondar minha irmã, meu instinto
diz que não vou gostar do que irei descobrir.

Na casa de meu pai, a desconfiança de Jessica consome o restinho


de paciência que ainda tenho.
— Só aproveitei que estava por perto para ver como minha família
está — respondo minha irmã ao me sentar junto com ela na sala da mansão.
Nonna pediu que a governanta nos servisse com chá e biscoitos
recém feitos por ela.
Nem eu nem Jess somos adeptos da bebida, no entanto, não
ousamos chatear nossa avó.
— Está planejando uma comemoração para o seu aniversário,
irmão?
— Tinha uma viagem a trabalho, tô esperando uma resposta
importante. Se a viagem não der certo, pretendo comemorar. — Mastigo o
biscoito que parece sem sabor, pensando em como descobrir sobre minha
namorada.
— Remarque a viagem, aniversário deve ser comemorado! Vai
reservar qual clube para o evento?
— Pensei em algo diferente das outras vezes, talvez convidar alguns
amigos íntimos para um almoço e tarde na piscina, aqui. Comentei com
papai e ele gostou da ideia.
— Claro que gostou — retruca fazendo uma careta pelo chá quente.
— Por que não em uma casa noturna badalada igual o ano passado?
— Prefiro algo mais intimista, que eu possa convidar amigos que
desfrutem da companhia da família e não só do aniversariante.
— Que altruísta! — comenta com seu ar sarcástico.
— Tenho esperanças de que a família de Lorenzo, Glória e António
venham para a festa.
— Hum, ela nunca aceitou seus convites para confraternizar durante
esses anos sozinha.
Enquanto o chá esfria um pouco na xícara, a ansiedade dentro de
mim se torna efusiva.
— Bem, espero que ela aceite dessa vez, e traga o menino António
para passar a tarde com brincadeiras e doces, acho tentador. Os sobrinhos
de Mirko vêm também e até sua amiga, que ainda é menor de idade para
frequentar uma casa noturna, pode aproveitar a festa conosco. Não haveria
problema em obter o sigilo para uma convidada menor de idade numa festa,
mas é bom evitar dor de cabeça.
— Ah, Selena? Se meus planos derem certo, ela estará ocupada
pelas próximas semanas, talvez até o mês — diz com um sorrisinho.
— O que quer dizer? — bebo o chá analisando sua reação.
— Arrumei um encontro para ela hoje.
Metade do chá desce por um lugar errado e começo a tossir pelo
engasgue.
— O que disse? Por que fez isso?
As paredes em tons pastel parecem escurecer pouco a pouco e se
fechar sobre mim.
— Apenas ajudando uma amiga a aproveitar a vida, relaxa, comprei
camisinhas para ela.
Arqueio as sobrancelhas, tentando me manter controlado, mas por
dentro parece que alguém mastiga minhas vísceras.
— Acha prudente, Jessica? Empurrar sua melhor amiga inexperiente
para algum garoto mal-intencionado? Você pirou de vez?
Ela cruza as pernas totalmente relaxada e pega o celular no bolso da
calça.
— Como você é dramático, Tiziano! Tudo bem que bionda é
inexperiente e nunca teve um relacionamento sério, mas é esse o motivo
dela ser tão insegura consigo mesma. E eu como sua best melhor amiga, dei
apenas um empurrãozinho. Afinal, não é nenhum tarado ou predador de
jovens inocentes, é nosso amigo Vance! Veja, está tudo bem por lá. — Vira
a tela do celular e mostra uma selfie do filho da puta arrogante do Porsche e
Selena sorrindo para a câmera.
Ainda processando a informação e segurando qualquer reação
exagerada, continuo a apuração dos fatos.
— Você arrumou um encontro para ela? E Selena aceitou numa boa?
— Sim, ela aceitou! Por quê? Não há nada de errado em se permitir
viver experiências novas, né? — argumenta.
Respiro fundo antes de responder.
— Acho errado e uma irresponsabilidade, não é seu papel tomar a
iniciativa, sua amiga é que tem a decisão sobre a própria vida. Não acho
que um encontro arranjado seja a solução para as inseguranças dela!
— Entendo sua preocupação, mas nem sempre as coisas acontecem
naturalmente. Selena está pronta para isso e acredito que ela encontrará nele
uma virada de chave para sua timidez. Não acha que talvez esteja sendo um
pouco conservador demais? Afinal, você não a conhece como eu para saber
do que minha melhor amiga precisa. Deixa-a curtir um pouco, irmão!
— Tudo bem, Jessica. Se acredita que isso é importante para Selena,
então não está mais aqui quem falou. Aliás, vou indo, tenho projetos de
alguns clientes para orientar a equipe ainda hoje. Não sei que horas retorno.
— Nem me despeço da abusada. Como ela pode fazer isso?
Saio da mansão a passos largos, no caminho até a garagem de
barcos, já localizei pelo aplicativo de rastreamento da sua pulseira onde o
casalzinho está. Não queria usar esse subterfúgio para localizá-la, mas, é
por uma boa causa.
Depressa pego a lancha e acelero para o continente, Jessica
pressionou a ragazza para viver experiências que não viveu, acredito que
Selena não conseguiu recusar, porém não vou facilitar para aquele merdinha
com olhos de doninha sorrateira. Ele não irá seduzir minha garota, o cazzo
que vou permitir que ele a toque!
No meio do trajeto, guiando a lancha em alta velocidade, solto um
grito raivoso de frustração que ecoa pelo mar aberto. Sou um ás na direção,
tanto em mar como em terra, portanto, atraco a lancha em tempo recorde
impulsionado pela adrenalina. Ao pegar a Land Rover, a fúria guia minhas
mãos ao volante, pelo aplicativo vi que estão no restaurante Mulinello.
Aciono o gps e acelero até lá.
A rapidez com que chego próximo ao local depois de estacionar à
distância, combina com o turbilhão de emoções fervendo dentro de mim.
Reflito tentando encontrar um motivo para ela sair com aquele fedelho. Não
tem comparação com o que temos. Fora o sentimento e proteção que
ofereço a ela. Ele é um bosta se comparado a mim!
Dentro do carro, envio uma mensagem para dar uma chance de
Selena consertar as coisas, mas para o meu desespero ela mente outra vez.
Será que cometi um erro? Fui iludido por um sonho que só era real
para mim? E a garota dentro do restaurante, aos sorrisos com o palhaço
metido a herdeiro, não passa de uma adolescente instável e volúvel? Não!
Ela me ama.
Mas, não justifica sua atitude de mentir e cancelar nossos planos
sem uma palavra sincera. Isso é no mínimo um desvio de caráter.
Decido esperar o garoto deixá-la em casa, para assim, conversar e
ouvir o que ela tem a dizer. Com os vidros escuros, não é possível que
alguém veja quem está aqui dentro do veículo. Observo os dois saindo do
restaurante aos sorrisos e entrando naquele Porsche dos infernos. Espero
onde estou para ver pelo aplicativo de rastreio onde o barquinho do palhaço
está ancorado, já que Selena precisa ir para a mansão do meu pai.
Mas a grande merda é que ao acompanhar o localizador, a direção é
desconhecida para mim. Estão indo para um lugar afastado do bairro Mestre
e próximo ao porto. Não posso acreditar que ela vai para a casa do fedelho!
Ponho imediatamente a Rover em movimento e em alguns minutos
estaciono próximo a uma casa de dois andares. Relativamente grande e de
alto padrão, onde o Porsche se encontra estacionado na propriedade diante
da casa. A cada minuto que passa meu coração se esmigalha e a mente é
invadida por pensamentos sombrios.
Dentro do meu carro, a espera se torna uma tortura. O tempo não
passa e a ansiedade me consome como um monstro faminto. Olho
fixamente para a porta, esperando ver minha namorada sair a qualquer
momento. Mas as horas correm e nada. Mil e uma possibilidades passam
pela minha cabeça e mais desolado fico com a constatação do que estão
fazendo lá dentro. Duas horas trancada em uma casa com um cara que quer
foder seu corpo, o corpo que é meu por direito!
Ao colocar a mão na maçaneta para sair do carro, desisto.
Poderia ir até lá, bater na porta e arrebentar a cara daquele
merdinha. Seria fácil o desfecho, mas também seria fácil um processo por
tentativa de assassinato, porque não ia parar de bater até o último suspiro
daquele infeliz.
Mirko comeria meu fígado com o nome da empresa afundado na
lama, melhor me controlar.
Decido terminar essa angústia. Dirijo sem rumo durante um tempo,
rodo por toda a cidade. Não quero pegar a lancha para ir até a mansão do
meu pai, pois temo dirigir por impulso até o clube.
Não! Preciso de uma bebida forte.
Ao estacionar em frente ao Tabacchi bar, recebo uma ligação e
atendo depressa pensando que é Selena com uma desculpa qualquer.
— Ah, é você!
— Sim, sei que talvez não seja a pessoa que esperava ao telefone,
mas o que houve? O líder da equipe de engenharia me ligou dizendo que
estavam aguardando o chefe no pavilhão e você não apareceu?
— Puta merda! Cara! Desculpa, eu... Eu.
— Você tá bem, frate? Onde você está? Ouço música e trânsito. Me
diz o endereço que em minutos chego aí.
— Não precisa... tô bem, Mirko!
— Fala, cáspitta!
Aciono o alarme do veículo e cedo ao apelo do meu melhor amigo.
Em quinze minutos ele me encontra com a terceira dose de álcool no meu
sistema.
É impossível esconder dele a perturbação que corrói minha alma em
meio às confissões bêbadas.
— La mia ragazzzza mi prende in giro! (minha garota está
brincando comigo)
— Bugiardo! (mentiroso) Namorada? Desde quando você namora
sério? Quem é ela? Como não apresentou ao seu fratello (irmão) aqui?
Demoro um pouco a explicar, ainda que de forma resumida e
bêbado, como conheci Selena em sonho, já que meu amigo está por dentro
das premonições com as quais convivo. O assunto torna-se sério quando
conto o porquê de não estarmos juntos ainda.
— Ma dai! (Mas o quê) Menor de idade? Minchia, (caralho) cara!
Está louco?
Bato o copo na mesa sem notar que não tenho mais forças, o álcool
já ganhou a batalha.
— Já … falei que … não sou louco! Ela é minha… minha… ouviu?
— Está ciente dos riscos desse relacionamento? O envolvimento
sentimental com uma pessoa com a cabeça em formação pode te destruir.
— Já tô totalmente envolvido, fodido por ela! — balbucio.
— Non ci credo! (Não tô acreditando) E o escândalo se vazar na
mídia, pensou nisso? Sei un matto! (Você é um louco) Qualquer um com um
celular pode filmar vocês e a merda tá feita!
Ele assopra visivelmente preocupado e pede mais uma dose ao me
questionar:
— Và bene… o que houve hoje à noite para se consolar com uísque,
frate?
Continuo o relato com a força do ódio, desviando as vezes para o
celular em busca de uma resposta às mensagens que enviei. Em meio as
doses e a raiva profunda, tento encontrar alguma explicação para o que
aconteceu, mas todas as possibilidades levam ao pior cenário. A mulher que
amo há anos, que eu estava respeitando, decidiu entregar a outro o que
prometeu em declaração e juras para mim. Será que eu não era suficiente
para ela? Como foi me trocar por aquele bostinha punheteiro?
Insisto em pegar o celular e mandar mensagens para que me ligue,
são recebidas, mas nem sequer lidas. Merda! Abro o localizador e ainda
está no mesmo lugar. Dentro da maldita casa!
— Eu vou lá! — chego a levantar da cadeira, mas Mirko é rápido
em me segurar.
— Mas nem sobre o meu cadáver, Tiziano!
— Ela está com ele há horas e isso tá me corroendo por dentro. Eu
não tenho vocação pra corno!
Minha mente fica mais escura a cada dose de uísque, cheia de
pensamentos sobre traição e abandono, me levando a questionar meu
próprio valor e a confiança que tínhamos construído juntos. Essa
insegurança é nova para mim. Como poderia não ficar chateado com isso?
É claro que me sinto traído, porra!
— Você não vai cometer uma loucura, cara, não vou permitir!
— Ela ainda não saiu da casa, cazzo! Estou vendo pelo localizador.
Agora faz mais de quatro horas com o figlio di puttana, e ela continua sem
responder minhas mensagens. — Ainda sem acreditar, chamo em ligação e
cai na caixa de mensagens, quase quebro o celular sobre a mesa.
— Precisa se acalmar, Tiziano! Essa relação não é saudável. Você a
está rastreando sem seu conhecimento. Uma garota que pelo que contou,
não tem experiência de vida, nem malícia. Esse não é você!
Bebo outro gole longo sem sentir absolutamente nada do líquido ao
mandar pra dentro.
— Ela desligou o celular, Mirko, desligou, cazzo! Ela é minha e
tenho direito de saber aonde ela vai. — Vendo seu olhar acusatório concluo.
— Se não tivesse colocado a merda do rastreador nunca saberia que tô
perdendo tempo!
— Minha opinião contrária não vai ajudá-lo agora. O melhor é
confrontá-la e ouvir explicações da sua namorada. Ressalto, ela não é como
nós, está saindo da adolescência agora e apesar de não concordar com a
relação de vocês, quero o seu bem. Cara, você não está lá dentro para saber
o que houve entre eles. Tudo pode não passar de um mal-entendido, deve
haver uma explicação plausível para aquele encontro e ela decidiu não
contar por que você não gosta do stronzo (idiota).
— Stronzoooo, ecco, figlio de una putana, maledetto! (idiota, filho
de uma puta, maldito seja!)
— Está compreendendo o que estou dizendo, frate? Talvez sejam
apenas amigos e somente isso.
— Você é muito ingênuo, Mirko. Conheci aquele stronzo di merda,
vi como olhava para minha mulher. Ele quer foder a garota, ele quer o que é
meuuu! — Solto um riso amargo. — Só não esperava que tivesse sucesso.
— Mesmo alterado com a bebida, vou ser direto e dar um conselho
valioso. Lembre-se de que estamos falando de uma garota jovem e sabemos
que os relacionamentos na adolescência muitas vezes giram em torno da
busca pela liberdade individual. Os hormônios estão a mil e compreender
completamente a profundidade do compromisso em um relacionamento é
um desafio nessa fase. Reconheço que isso pode ser um risco que não esteja
considerando. Essa dinâmica não é universal, nem todos os jovens
enfrentam as mesmas situações. No entanto, a maioria deles se vê diante
desse dilema.
Fico pensando em Jess, em como ela tem uma aversão a se sentir
presa em um relacionamento. Será que Selena é igual?
— Você está passando por um momento difícil devido à imaturidade
da sua namorada. Pode ser doloroso perceber como isso afeta a relação de
vocês. Deve levar em conta esse fato para te ajudar a tomar decisões mais
conscientes no futuro. É importante cuidar de si mesmo e priorizar seu bem-
estar emocional. Precisa manter um diálogo aberto e honesto com Selena,
para viver uma relação saudável e alinhada com suas necessidades, veja
bem, no futuro, não agora! Capici? (entendeu)? Lembre-se de que o
autoconhecimento e o respeito por si mesmo são fundamentais em qualquer
relacionamento que venha a cultivar, mas respeitando sua namorada
também. Não pire com isso! Andiamo (vamos), vou te levar pra casa,
Melinda vai me capar se eu chegar muito tarde!
Com alta concentração de álcool na mente, as percepções não estão
muito claras, mas as palavras dele mexem comigo.
Seguimos depois de acertar a conta, deixamos a Rover onde está e
usamos seu carro até a lancha ancorada. O próprio dirige e me leva para a
casa do meu pai. Grato, me despeço do meu bom amigo, ouvindo ainda
seus conselhos de preferir o diálogo ao impulso. Diálogo? Essa é boa!
CAPÍTULO 22

Horas Antes
Estou a caminho de um encontro com meu amigo. Dentro do
veículo observando a paisagem pela janela, recordo como me envolvi nesta
situação.
Jessica, sempre preocupada com o meu bem-estar, decidiu que era
hora de arrumar um encontro para sua amiga introspectiva, eu. Como podia
recusar? Assim que demonstrei relutância ela me encarou com seu olhar
incomum de um jeito que me intimidou.
— Você está saindo com alguém que eu não sei, Selena?
— N-não, claro que não!
— Então precisamos agitar essa rotina, bionda. E bem notei a
maneira que Vance olha para você.
Claro que ela tinha que pensar logo em Vance.
— Acho que é impressão sua, Jessica.
Entrei numa enrascada. Não podia contar sobre meu romance com o
irmão mais velho dela. Por outro lado, que desculpa usaria? Fiquei nervosa
a cada frase que dizia, especialmente sobre dicas relacionadas ao rapaz
interessado. Por outro lado, me senti desapontada mais uma vez. Jessica não
estava respeitando minhas decisões de escolha. No momento, minha opção
era parecer livre de relacionamentos.
Entre tantos conflitos em minha mente, ainda tinha que cancelar o
encontro com Tiziano. Que desculpa eu daria? Odeio mentiras, ainda mais
sobre algo tão importante. Sei que minha amiga só quer o melhor para mim,
tentando ajudar na busca do príncipe perfeito. Mas, a culpa me condena por
esconder a relação com seu irmão. Não quero perder nenhum dos dois. Meu
amor com Tizi é algo que pensei nunca ser correspondido, e ela é uma
amiga maravilhosa.
É um erro o que vou cometer, ainda mais sabendo que a impressão
de Tiziano sobre Vance não é das melhores. Posso estar dando motivos para
teorias infundadas. Mas pretendo contar para meu príncipe verdadeiro o
motivo de tudo isso. Espero que ele entenda. E para Vance, esse encontro
vai deixar claro que só teremos amizade, nada mais.
Ao chegar no local do encontro, um restaurante requintado no centro
do bairro Mestre, Vance já estava esperando quando a recepcionista me
recebeu na entrada.
Acomodado na mesa especialmente escolhida, próximo a janela, o
próprio faz a gentileza de afastar a cadeira para mim, depois de um
cumprimento singelo na minha bochecha.
— Selena, que bom vê-la! Como está? Faz tempo que não nos
vemos. Pensei que não teria brecha na sua agenda para esse humilde
admirador. — O jeito cínico dramático com a mão no coração me diverte.
— Vance, sempre divertido. Estou bem, terminando meu último
módulo de fotografia e você, como tem passado?
Dou a iniciativa para que ele fale, seus assuntos sempre variados
deixam a conversa fluir naturalmente. Degustamos nossas refeições, e
mesmo que a conversa às vezes desvie para um flerte, consigo disfarçar e
retornar para os assuntos triviais.
Em dado momento, meu celular emite um bipe e confiro as
mensagens para ver Tiziano perguntando onde estou e se pode ir ao meu
encontro. Escrevo que estou no compromisso com uma amiga. Ele insiste
para me buscar, o que respondo com outra desculpa que não sei a hora que
vou terminar a conversa com ela.
Uma traidora, é assim que me sinto, nem consigo terminar o último
pedaço de torta da sobremesa e Vance percebe meu desconforto.
Apesar de simpático e educado, não resiste em questionar os
motivos do meu rosto consternado. Não revelo, não é adequado, pois não
temos intimidade para confissões pessoais.
Ele faz de tudo para me agradar, mas simplesmente não consigo vê-
lo e me interessar por ele de outra forma que não a amizade. Meu coração
pertence a outra pessoa, e essa situação deixa-me extremamente angustiada.
— Falando em arte, tenho algumas obras em casa que gostaria de
mostrar a você — sugere.
— Não sei se é uma boa ideia ir para a sua casa, Vance.
— Relaxa, Selena, já saquei que não tenho chances com você, mas
gosto da sua companhia. É sem interesse e muito sincera. Aprecio pessoas
assim. É raro encontrar alguém da nossa idade que curte conversar sobre
Van Gogh, a propósito, já assistiu ao filme “No portal da Eternidade?”
— Não. Queria ter ido quando estreou, mas não tive oportunidade.
— Hum, vamos marcar para assistir um dia desses.
Não acredito que o garoto popular se interessa por arte do pós-
impressionismo.
— Já enviei mensagem para meu mordomo preparar a sala de tv
para uma sessão de cinema com tudo o que temos direito.
— Acabamos de comer, Vance!
— Cinema sem pipoca e refrigerante não é cinema, garota!
— Você mora sozinho?
— Meu tio está em uma viagem de negócios, talvez retorne no fim
da semana. E meu primo que mora comigo, também viajou. Mas a casa é
repleta de pessoas, fique sossegada, não estaremos sozinhos, Stanley ficará
feliz de atender uma moça dessa vez, vive reclamando da bagunça dos meus
amigos homens. Além disso, Jess vai nos dar uma folga por algumas horas.
E seu segurança, quer que eu fale com ele?
— Não. Eu vim apenas com o motorista, fiz um acordo com
Salvatore. Quando vou para casa de Jess ele está dispensado.
— Mas você não está lá agora!
— É, mas o senhor Salvatore é bem flexível, consigo uma certa
liberdade sem que ele conte para o meu pai.
— Hum… não devia colocar seu segurança nessa situação. Se seu
pai descobrir ele tá ferrado!
Seu rosto fica sério por um instante. Ele nem conhece meu pai para
levantar essa análise. Papai é bravo, mas não faria nada de ruim ao homem
tão gentil que é meu segurança há anos. Será que estou prejudicando o
emprego do homem?
— Pronta para ir? — O sorriso animado de Vance aparece.
— Và bene, (tudo bem) podemos ir na sua casa.
Depois de acertar a comanda, saímos rindo de uma piada que ele
conta. É leve o clima e me divirto com as palhaçadas dele.
O pequeno trajeto é um pouquinho longo. Vance mora do outro lado
do bairro Mestre, perto do porto, mas é um lugar bonito. A casa é fantástica,
repleta de obras de arte e uma decoração clássica, mas com toques
divertidos nos móveis.
Após fazer um tour pelos ambientes que ele queria me mostrar, onde
ficam os quadros e algumas esculturas, me pergunta se eu gostaria de
assistir ao filme ou jogar um jogo. Vance ama videogames, curiosa pergunto
quais jogos ele tem, porque nas minhas diversões, gosto de jogar,
principalmente jogos de RPG. Tenho os meus prediletos para ajudar a
passar o tempo solitária em casa.
Depois de me falar que joga o mesmo jogo que eu, videogame é
nossa escolha.

Perdi a noção do tempo, a conversa fluiu animada, depois Vance me


apresentou um jogo novo de videogame, onde fui um verdadeiro fracasso.
A distração foi ótima e cheguei na casa de Jessica já era bem tarde, passava
da uma da madrugada. A curiosa me aguardava na porta da mansão, com a
desculpa para liberar minha entrada, camuflando o interesse sobre o
encontro.
— Não podia esperar até de manhã para saber como foi, vi você
chegando. Vance te trouxe de lancha?
— Sim.
— Ah, imaginei, pois mandei mensagem se precisasse do meu
piloto para buscá-la com a nossa embarcação e caiu na caixa de mensagem.
Um alvoroço me atinge ao pensar que o meu telefone descarregou.
E se Tizi me ligou durante esse tempo que estive com Vance?
Conto a Jess o que fizemos desde o jantar no restaurante, enquanto
plugo o aparelho no carregador.
Minha amiga não perde a piada sobre meu encontro fracassado e me
alerta com seus conselhos de garota experiente, para um próximo que ela
arrumar para mim.
— Estou ouvindo direito? Você foi para a casa dele e não transou?
— Ah, Jessica! Foi tão bom passar algumas horas com pessoas da
minha idade, conheci tanta gente mesmo que online em um jogo, que nem
lembrei o motivo que você arrumou o encontro.
— Hum, e eu preocupada com você, bionda, que não tivesse
gostado da coisa, ou sei lá, gostado demais. — Sua risada soa alta. — Você
não deve agir dessa forma novamente.
Acomodo-me na poltrona ao seu lado, buscando entender ao que
minha melhor amiga se refere.
— Não compreendo, você arrumou o encontro para mim.
— Exato, mas jamais vá no abatedouro do cara.
— Abatedouro?
— Ah, Selena! — O peteleco na minha testa descontrai um pouco o
clima. — Na casa, no ambiente, no local onde ele conhece. Prefira um
motel, hotel, ou até a sua casa se possível. Desse jeito você se sente mais
segura e não é passível de coação ou abuso, uma bebida batizada ou
qualquer coisa do tipo. Aliás, nem em locais públicos, nunca aceite bebidas
de ninguém. Deve prestar atenção, minha amiga, você está prestes a
completar maioridade, não pode permitir que a ingenuidade da adolescência
a acompanhe na fase adulta. Há muita maldade ao nosso redor e os homens
falam muitas coisas bonitas para alimentar o próprio ego e desejos.
— Mas era o Vance!
— Ok, por esse motivo estou orientando você e não surtando
apavorada. Só nós duas sabemos do seu descuido com a segurança. Relaxa,
conte-me mais, vejo que está feliz.
Aliviada, retiro as sandálias baixas e exalo um suspiro.
— Foi bom me divertir pela primeira vez sem julgamentos ou
interesses implícitos de alguém sobre meu sobrenome. Vance me deixa à
vontade, é um bom amigo. Confesso que não percebi as horas passarem.
— Notei, mandei mensagens para você e quando não respondeu,
pensei que o encontro estava muito bom. Videogame! Quem diria. E
Tiziano me passando sermão, preocupado que arrumei um encontro para a
minha inocente melhor amiga.
Subitamente sinto uma claustrofobia chegando, ele sabe? Ela
contou?
— C-como disse? Seu irmão sabe?
— Sim, mas não se preocupe, já falei que dei todas as dicas de
segurança e proteção, além disso, ele não deve se meter no que não é
assunto dele.
Uma olhada para o celular e a ansiedade em ligar o aparelho para
descobrir se há ligações, me dilacera. Jess percebe que quero ficar sozinha,
pois olha para o telefone ao ver que estou focada nele e não na nossa
conversa.
— Bem, vou repousar minha beleza e deixá-la descansar.
A acompanho até a porta, e assim que estou sozinha no quarto, corro
até o celular. O colchão me ampara quando as pernas enfraquecem ao ligar
o telefone. Droga! Droga!
Não, não!
Lágrimas grossas rolam pelo meu rosto e com as mãos trêmulas,
confirmo o que temia. O castelo de areia que construí começa a
desmoronar.
Dezenas de ligações e mensagens de Tiziano surgem, a tela molha
pelo choro descontrolado e o desespero toma conta de mim. Meu amor sabe
com quem eu estava e menti para ele.
Uma hora depois ainda chorando, sons e luzes externas chamam
minha atenção. Apressada, verifico pela janela que é ele chegando em casa.
Corro no banheiro do quarto e lavo meu rosto, na tentativa de melhorar meu
estado.
Ao sair do cômodo, caminho com cuidado na ponta do pé até
alcançar a escada para o andar seguinte, que é a ala do quarto e escritório de
Tizi. Preciso me explicar e esclarecer o mal-entendido que se instalou na
nossa relação. Contudo, quando avisto o longo corredor branco, o panorama
com que me deparo não é o que imaginei.
O blazer escuro e os sapatos estão atirados no chão, enquanto
Tiziano tenta se equilibrar na soleira da porta do seu quarto com a camisa
amarrotada. A testa apoiada na porta enquanto gira a maçaneta,
visivelmente alterado. É involuntário, soltar uma exclamação audível,
nunca o vi desse jeito. E um engano gigante pensar que ele não notaria
minha presença. Assim que me olha, rasga uma risada debochada.
— Você aqui!
— Tizi?
— É, esse é meu nome.
Começa a andar na minha direção olhando fixamente em meus
olhos, um calafrio corre pelo meu corpo, triplicando minha pulsação. A
respiração se transforma em um ofegar à medida que se aproxima. Jamais
seus olhos ficaram transtornados desta forma, um misto de decepção,
tristeza e fúria, ou pode ser apenas o álcool pela lentidão que caminha. Por
instinto vou andando para trás até que me vejo encurralada no canto da
parede.
Tenho a visão do meu namorado como um predador, lentamente se
aproximando, e tudo me diz que não vou conseguir explicar nada hoje pelo
jeito que me encara. Seu corpo grande prensa o meu e o hálito forte de
bebida golpeia meu rosto, revirando meu estômago. Começo a
hiperventilar.
— Por que, Selena?
Sua voz soa arrastada, mas compreendo perfeitamente sua pergunta
direta. Ele acaricia meu pescoço e fecha a mão ao redor dele, mas não
aperta, parece querer sentir a pressão arterial da minha jugular.
— Por que fez isso comigo?
— E-está me assustando, Tiziano.
O ruído da risada baixa não me conforta, é sombria e melancólica.
— Estou? É por não se sentir segura comigo que buscou a cama de
outro?
Meu Deus! Ele acha que eu o traí.
— Eu não...
— Não o quê? Vai negar que recebeu dicas da Jessica para usar
preservativo e lingerie sexy? E que ainda teve o descaramento de responder
com um joinha todas as instruções ridículas? — ele diz levantando o
polegar em uma clara demonstração do emoji.
Por fim, volta a acariciar meu pescoço falando de modo ameaçador.
— E a promessa de poucas semanas atrás que ninguém iria tocá-la?
Fui um grande idiota depositando uma confiança e sentimentos em uma
adolescente volúvel como você...
— Tiziano, por favor...!
Tento tocar seu rosto, mas ele desvia rápido.
— Não toque em mim! — rosna.
Agarra meu pulso e vira minha mão olhando para ela com nojo.
— Acha que pode me tocar com as mesmas mãos que tocaram
aquele merdinha?
As palavras saem de sua boca como facas atingindo meu coração.
Sinto-me impotente, sem conseguir articular uma frase sequer para me
defender.
— M-meu celular…
— O que tem ele? Você recebeu todas as mensagens que enviei. Não
ouse negar!
— Por favor! Me deixe explicar?
— Agora a senhorita quer falar? Fale! Fez com ele o que ensinei a
você? Pediu para tocar o pau daquele merdinha stronzo? Não olhe para mim
como se fosse a vítima aqui, Malpucci! Eu sou o enganado, o traído.
Tento explicar que não há motivo para ciúmes, mas as palavras
parecem fugir de minha boca. A culpa e o nervosismo secam minha
garganta e o coração trepida violentamente.
— Não se dê o trabalho de negar mais uma vez que não estava com
ele, vi o casalzinho dentro do maldito Porsche!
Nessa hora meus pulmões ardem pelo ar preso na garganta, os olhos
marejam enquanto ele me abraça mais forte e se aninha no meu pescoço,
respirando pesadamente. Tento lutar contra a batalha de emoções dentro de
mim, buscar as palavras certas para fazer com que ele entenda a verdade
por trás do que viu e sua imaginação distorcida construiu. Mas tudo o que
consigo é gaguejar e balbuciar frases desconexas.
— Fiz planos com você, sou um louco iludido, porque moldei minha
vida inteira para que pudéssemos ficar juntos. Planejei itinerários de
viagens pelo mundo, para levá-la as melhores experiências junto comigo.
Comprei até a nossa casa, a casa do sonho mais perfeito que tive com você.
Isso tudo, para construir uma família com uma garota que na primeira
oportunidade que teve, me pôs um par de chifres.
Assim que seu corpo se afasta do meu e o vejo limpar o rosto, dando
as costas, meu coração volta a bater.
— Fui um bom professor, não fui? Ensinei direitinho como agir para
seduzir um homem.
— Tizi, não é o que você está pensando! Por favor!
— Mentiu para mim ou não mentiu?
As lágrimas brotam novamente sem controle e começo a gaguejar,
na tentativa de implorar para que me escute.
— E..e-e- qu-e quee… — gaguejo tentando ser coerente, mas não
tenho resposta a não ser um ‘’Sim, eu menti.’’
— É difícil bolar uma nova mentira, já que descobri o que você fez.
A expressão de Tiziano é dura, como se eu tivesse cometido uma
traição imperdoável. Ele não acredita em minhas tentativas desesperadas de
explicar que não há nada além de amizade entre mim e Vance. O problema
é que quando fico nervosa, não consigo falar, não sei como explicar e a
embriaguez parece ter potencializado sua convicção. Nesse momento, me
sinto culpada por não conseguir acalmar seu coração. Meus lábios tremem,
sem formular uma sílaba sequer. Ele se apoia na parede, mas prefere olhar
para o chão do que em minha direção.
As palavras têm o poder de construir e destruir relações, de gerar
confiança ou desconfiança, e agora ele não acreditará em nada do que eu
disser. Porque eu menti. A mentira que achei que nos protegeria, foi na
verdade a munição para a sua imaginação criar um universo de ciúmes
fundados sobre um pequeno passo em falso que eu dei. Sou a culpada por
essa impressão ruim que ele tem sobre mim. Sou culpada pelo fim do que
nem começou de verdade.
— Seu silêncio tem o mesmo peso de qualquer palavra que disser.
Não tem valor algum para mim. Agora volte para os seus aposentos, tenho
pouco tempo de sono e preciso dele muito mais do que ficar de conversa
fiada com você.
Observo o homem frio e trôpego ir para o seu quarto sem me lançar
um último olhar. Recolho-me adornada de culpa e desespero e desço em
direção ao quarto de hóspedes. As lágrimas turvam meus olhos, as sinto
como torrentes de água pela face e pescoço, temo não conseguir parar até o
amanhecer.
CAPÍTULO 23

Ao trancar a porta atrás de mim, sinto o peso da traição em meu


peito. A mentira é como uma faca que cutuca uma ferida aberta, que não
para de sangrar. Ter que olhar em seus olhos e ver que como seu silêncio
confirmou as palavras que eu disse, foi torturante. A sensação de vazio me
toma como se eu fosse uma casca com uma alma que foi desprezada. Deixo
o corpo cair pesado na cama e miro o teto me perguntando: como pude ser
tão idiota me deixando seduzir por aquela ninfeta? Pior, a traição não é
apenas por ser ela, mas também por todos os momentos felizes que
tínhamos vivido juntos. Meu Deus!
Quantos planos fiz para o nosso futuro? Os roteiros de viagens, o
sonho de construir uma família, tudo trocado por uma fantasia com um
moleque! Ela me descartou como se eu fosse qualquer um! Nem vi remorso
em seu olhar. Fecho os olhos e imagino seu rosto, lembro dos seus beijos….
Por um momento, tenho o impulso de ir até o seu quarto e lhe dar
uma segunda chance de falar. Mas, a confiança foi quebrada e não sou
homem de deixar um absurdo desses passar.
Não adianta lamentar um fato do qual não fui culpado, ela é culpada
e no momento a odeio por isso, me odeio muito mais por ser otário. É
melhor esquecer Selena e todos os planos que fiz com ela.
Assim que o sol desponta no horizonte, o álcool já saiu do meu
sistema deixando só os estragos que Selena fez na minha vida. A dor de
cabeça real anuncia a dor que permanecerá na alma. Inspiro profundamente
engolindo o ódio que ainda sinto pela sua traição. É hora de recomeçar,
dessa vez sem me deixar iludir.
Decido voltar ao meu apartamento antes que possa encontrá-la pelos
corredores e cair na tentação de outra conversa. Não sei por que vim até
aqui sabendo que seria onde ela estaria. Queria uma explicação de que tudo
que imaginei era mentira sobre os dois trancados dentro daquela casa. Que
patético! Você viu o quanto estavam felizes, cheios de sorrisos naquela
merda de restaurante.
Devo ser ágil, não quero decepcionar Mirko outra vez pela minha
falta de responsabilidade.
Na garagem de barcos, preparando para zarpar, um som de saltos
andando rápido no assoalho não tratado da área de circulação, chama minha
atenção. Olho sobre o ombro para ver a esnobe assistente da minha mãe,
andando quase aos tropeços.
— Ah, bom dia. Não sabia que o encontraria aqui tão cedo.
Entendo o desconforto dela, Karinna Logli já passou pela minha
cama, e a desculpa da proximidade com minha mãe, foi perfeita para
terminar nosso casinho. Era apenas curiosidade da minha parte, mas para
ela, foi mais que isso. Pouco me distraio da tarefa de preparar a lancha
ainda na plataforma móvel para zarpar imediatamente. Faço eu mesmo a
tarefa, pois é cedo e a equipe de funcionários ainda não chegou.
— Bom dia. Estou de saída, posso ajudar em algo, senhorita Logli?
Ela observa as quatro embarcações alinhadas lado a lado, ancoradas
com seus respectivos cabos de aço, à procura de algo.
— Tão formal, como sempre. Não o julgo e também não o culpo.
Sabe qual das lanchas sua mãe usou ontem?
— Não sei, desculpe. Por que o interesse? — pergunto por educação
enquanto ando ao redor da lancha que vou usar, conferindo se há algum
cabo que ainda não soltei. Mesmo com a amplitude do local, a iluminação é
baixa, pois o sol ainda não alcançou as portas de saída repletas de vidros.
Ela se aproxima e deixa a bolsa sobre a mesa paralela à parede.
— Sua mãe esqueceu uma caixa de amostras de essências, com os
chips de informações de cada uma. Disse-me ao telefone que precisa que eu
catalogue antes da reunião com os fornecedores. Então vim buscá-las.
— Devia ter perguntado a ela qual a lancha que ela e papai
retornaram ontem.
A mulher caminha em direção a lancha ao lado da minha, latejando
minha cabeça com o som dos saltos no assoalho. Ressoa em um eco grave e
irritante. Maldita ressaca!
— Tem razão, foi um lapso da minha parte. Então, como tem
passado, Tiziano?
No instante em que acionaria o controle para abrir as portas de
correr, presto atenção a pergunta da moça de cabelos castanhos presos em
um coque discreto. Deixo os cabos onde estão e a encaro curioso, enquanto
observa meu corpo com um olhar que conheço bem. Alisa a saia clássica de
modo nervoso, os pés se mexem inquietos sem sair do lugar.
— Estou muito bem.
— Não parece. Noto que seu rosto está tenso. Algo que eu possa
ajudar… de alguma forma?
Reconheço exatamente essa sobrancelha arqueada e sua intenção
descarada. A investida me pega desprevenido, não que minha mente esteja
distante de sexo e depravação, mas o momento não é oportuno para isso, ou
é? Karinna nunca agiu de maneira tão ousada.
Aproxima-se lentamente e alisa a camisa amassada que uso com um
sorriso sensual.
— Vamos lá! Lembro muito bem que não recusava uma boa
diversão, mesmo rápida.
Sua ousadia aumenta ao desabotoar lentamente os botões da minha
roupa. O perfume forte e o cheiro da umidade da madeira desse local
fechado, revira meu estômago.
— Perdeu o jeito, Tiziano?
— Não estou interessado.
— Por quê? — ela questiona baixo.
A risada baixa que escapa da minha garganta, nada tem a ver com a
pergunta da mulher. Não tenho o mínimo interesse nela, mas meu corpo
reage como se estivesse faminto por isso.
— Acho que não devemos desperdiçar esse encontro, temos
privacidade, já nos conhecemos bem, por que não relembrar os momentos
prazerosos que passamos juntos? — sugere em meu ouvido.
— Acha prudente brincar com fogo?
Ela agarra meu pau sob a calça e não se surpreende por encontrá-lo
duro feito uma rocha. O ranger dos meus dentes é audível, quanto tempo
não fodo uma boceta? Nem lembro a última vez que enterrei meu pau fundo
em alguém, e tudo por que? Por quem? Talvez seja exatamente isso que
preciso agora, foder um corpo com um rosto comum para esquecer o gosto
amargo da mentira.
Agarro firme sua cintura e debruço seu corpo e rosto na mesa de
mogno. Depressa vasculho na carteira do bolso de trás a procura de um
preservativo. É tão automático como andar de bicicleta, não há frenesi,
desejo e nem prazer. É a ansiedade por liberar a fúria e aliviar a tensão e
tristeza que corrói minhas entranhas. Abro minhas calças com agilidade e
coloco o preservativo selando meu pau.
— Ai Tiziano, não me trate como uma vadia!
A voz manhosa e chorosa teatraliza uma falsa moralidade, rindo e
gemendo enquanto puxo sua calcinha para o lado, enterrando de uma vez no
calor da boceta molhada.
— Gosta disso, né? — Agarro seu cabelo com uma mão
desmanchando o penteado e com a outra espalmo a bunda redonda com
gosto até deixar marcas, golpeio ouvindo o som dos corpos em movimento.
— Você é demais! Me fode, seu gostoso! Aiii... Delícia!
Continuo socando rápido e forte, mas não sinto nada com isso, não
me excito com os gritos e gemidos dela, minha mente não está mergulhada
nesse ato, esse sexo vazio e sujo não chega ao meu verdadeiro eu.
Ela me implora por mais como uma boa cadela no cio, mas não
consigo me entregar, está mecânico e não desperta o desejo genuíno.
Gotas de suor descem pelo meu rosto de forma fria e não quente
pelo esforço em meter sem gentileza em uma foda fácil. Mas que merda,
estou amolecendo! Cazzo! Isso tudo porque queria tirar os pensamentos de
um par de olhos verdes da minha mente. Puta que pariu! Começo a ficar
duro de novo, só de recordar o olhar tímido de Selena.
— Por que você me traiu? Por que fez isso comigo?
Tento voltar minha concentração para a mulher abaixo de mim, mas
os cabelos tão diferentes no meu punho parecem zombar da minha
desgraça, me fazendo apertar as pálpebras para equilibrar a mente e tentar
terminar. A dor da decepção rasga toda a fantasia em pedacinhos.
— Hum… Gosta de fantasiar? Posso jogar esse jogo, amor... — diz
ela com voz doce aos arquejos pela força que estoco.
Dois animais parcialmente vestidos, a calça arriada até o meio das
minhas coxas não será retirada, e a saia dela também ficará presa ao corpo,
sem o mínimo interesse da minha parte em vê-la nua. Não consigo gozar
assim e muito menos manter a ereção assistindo meu pau entrar nela. Num
lapso de segundos meu cérebro fantasia e praticamente visualiza o corpo
miúdo e delicado de Selena entregue em minhas mãos, para ser maculado
com minha perversidade. A pele branca e sedosa dos seios pequeninos
completos na minha boca, as marcas de mordidas e chupões feitos por mim,
só por mim. E não por aquele figlio di puttana miserável!
Começo a gemer e foder alucinado. Quero os gritos, golpeio com
força até a mesa ranger e estalar contra a parede. A mulher rebola na minha
frente mais frenética e meu corpo responde ao fodê-la com toda a fera
animalesca que está dentro de mim, emergindo numa ânsia de raiva.
Não consigo segurar mais, sinto o calor subindo por minha espinha
e me rasgando de maneira intensa e dolorida.
— Eu te amei e você me usou, não tenho mais nada para você! —
grito em meu desespero alucinado.
Meu pau soca com tanta força que chega a estalar alto. Ahhhh,
Cazzo! Grito feroz em euforia ao liberar a tensão. O êxtase vem sem
controle em espasmos e tremores que me queimam de dentro pra fora. As
estocadas aumentam com velocidade e violência, meto uma, duas, três e
esporro com tanta força que sinto as veias doloridas pulsarem estourando de
tão inchado dentro da mulher. Suando e febril, acabo mordendo meus
próprios lábios para não gritar alto o nome de outra. A puxo pelos cabelos
de encontro a mim e cravo os dentes em seu ombro para conseguir calar
meus gritos e minha porra jorra enchendo o preservativo. Fico tonto
sentindo a boceta que estou metendo me apertar e enfim escuto um gemido
horrendo e irritante da real mulher que estou fodendo. Cáspitta!
Um barulho de metal atrapalha a calmaria pós sexo, ao conferir o
som e fixar meu olhar, me deparo com a fonte da minha desgraça e prazer
torturado.
Selena, pálida parecendo uma estátua, olhando assustada para nós,
observando meu corpo colado à mulher que ainda geme indiferente a sua
presença.
Ao encarar seu rosto petrificado, me dou conta da merda que acabei
de fazer. Não, isso é muito errado! Porra Tiziano! Não consigo pensar já
que minha mente está conturbada pela dor. Agora que usei o sexo para
esquecer momentaneamente a traição, deveria sentir uma satisfação ou
alívio, mas ao contrário disso, sinto-me ainda mais vazio e arruinado. Essa
foda me deixou sujo.
Afasto-me da mulher, tirando a proteção e dando um nó para manter
segura no bolso até descartá-la, enquanto Selena com a mão no coração
como se o segurasse, vai andando para trás. Ao fechar a braguilha da calça,
ela não está mais na garagem, fugiu correndo depressa como um coelho
assustado.
— Preciso de uns minutos para me recompor, pode ir se está com
pressa. Não tenho expectativa alguma com relação a nós, estava precisando
extravasar — explica karinna.
— Ei! quem tá aí dentro?
A voz da minha irmã do lado de fora altera meu plano e desisto de
partir de lancha, melhor dar tempo para a garota se alinhar.
Na porta, encontro Jess com o rosto confuso.
— O que foi que deu na Selena? Eca... Irmão! Vá tomar um banho,
está fedendo a uísque e suor! — reclama ao apertar o nariz e dar um passo
para trás.
— Ela passou por aqui — respondo seguindo-a em direção ao
corredor que dá para o salão principal da mansão.
Melhor tomar banho aqui mesmo, penso enquanto caminho.
— É isso que quero saber, saiu desesperada chorando. Cruzou os
portões e sumiu sem dizer nada, o segurança vinha buscá-la em algumas
horas. O que houve? Ela estava em sofrimento, ouvi seus soluços à
distância.
Esfrego o rosto com as mãos tentando clarear a mente que parece
estar em colapso.
Mas que merda!
— Cazzo! — exclamo na base da escada para o meu andar.
— Quer me contar o que está acontecendo? Primeiro acho que deve
tomar um banho, e depois preciso conversar com você sobre outra situação.
Concordo e me apresso até o quarto.
Sob a ducha me preparo mentalmente para a conversa com Jess,
tentando não pensar em Selena. Ela não devia ter ido à minha procura.
Não foi proposital, na realidade foi um impulso de extravasar a raiva
que no fundo se tornou uma vingança pessoal sem conserto. Parece que ela
me deixou burro, incapaz de tomar decisões razoáveis, como pude fazer
isso? Agora não tem jeito, selei o meu destino.
A preocupação agora é minha irmã, não sei se algo passa pela
cabeça dela, devo medir bem as respostas que eu der, talvez ela nunca
descubra o que houve entre eu e a melhor amiga e essa história morre de
uma vez.
Após alguns minutos, confirmo que o nosso papo será mais
complicado do que imaginei. Somente de calças, enxugando o cabelo e
barba com a toalha, me deparo com a abusada na minha poltrona de leitura.
Pernas inquietas e braços cruzados em defesa.
— Vejo que é um assunto urgente. — resmungo mal-humorado.
Jess se põe em pé em modo interrogatório com as mãos na cintura.
— Não disfarce, Tiziano. Lembro do sermão sobre o encontro que
arrumei para a bionda. Fale! O que disse para a menina? Julgou a garota
pela situação?
Busco uma camisa limpa no armário dando tempo de formular a
resposta seguinte.
— Não! Nem falei com sua amiga. Ela... Ela me pegou em uma
situação constrangedora, estava... com uma mulher na garagem. — Ela
esbugalha os olhos surpresa. — Antes que me repreenda, não foi planejado,
foi uma coincidência.
Jess desaba sentada na minha cama.
— Quem era?
— Karinna — respondo apático, acomodado na poltrona colocando
as meias.
— A assistente exibida da mamãe? Você e ela estavam...?
O olhar de tédio que ofereço faz sua boca abrir como um peixe fora
d’água.
— Puta merda! Que péssimo lugar, hein Tiziano? Bem, você não
tinha como imaginar que minha amiga virgem pegaria vocês no flagra e se
assustaria.
As palavras não fazem sentido algum e as batidas do meu coração
subitamente trepidam nos ouvidos.
— O que disse, Jessica?
— Tadinha, ela é imatura nessas questões sexuais. Não é sua culpa,
como disse ontem, estava tentando ajudar, mas...
— Mas? — questiono com um nó na garganta, mas ainda mantendo
a expressão neutra com muito esforço.
— Selena ainda é virgem e deve ter se chocado com a cena explícita
que viu. — Minha irmã ri debochada.
— Mas... co-como? — Ergo-me aos tropeços com apenas um
sapato. Agarro seus braços chacoalhando seu corpo — Você disse ontem
que arrumou um encontro para ela trepar, como agora diz que sua amiga é
virgem?
Jess desfere tapinhas nas minhas mãos até soltá-la.
— Pare, seu doido! É sim, tentei ajudar Selena, mas a nerd ficou
jogando videogame com o Vance até a madrugada. Acredita? Os dois não
são compatíveis, não para sexo pelo menos. Tive uma aula de Legend of
Zelda que me fez repensar dispositivos eletrônicos.
— Merda! Porra do caralho! — murmuro, girando em meu eixo
com as mãos na cabeça como se esse simples gesto apagasse meu erro.
Afobado, pego o celular sobre o aparador preparado para sair,
confuso e desnorteado.
— Aonde vai com apenas um sapato? Ainda não falei com você
sobre o meu assunto importante.
Tento me acalmar e disfarçar a aflição que agarrou meu juízo, ao
retornar à posição de calçar o sapato ausente.
— Estou ouvindo, mas estou com pressa para o trabalho, vá direto
ao ponto, irmã.
— Se não tivesse gastado o tempo com … — A encaro impaciente
— Bene! Gostaria que financiasse um curso na Sicília de três semanas, é
uma especialização nos dialetos locais, quero muito aprender todas as
formas de comunicação daquela região e estudar o mercado marítimo. Você
sabe que ainda não me decidi por relações internacionais ou gestão política.
E como o tempo de conclusão é curto, dá para finalizar e retornar para o seu
aniversário.
— Si, si…pago o curso.
— Ótimo, será daqui a dois dias e preciso preparar minha mala —
ela diz empolgada.
— Claro, faça o que tem que fazer… Você disse que Selena ficou
jogando videogame na casa do cara?
Jessica para de falar o que quer que seja e me olha intensamente.
— Não falei que foi na casa dele.
— Que seja! Falou que não treparam! Não falou?
Ela insiste em me olhar de maneira estranha, depois revira os olhos
e volta a relatar os fatos.
— Sim, você sabe que Selena não tem amigos com real interesse na
pessoa dela, além de mim e Vance. É carente de experiências, tentei ajudar,
mas esqueci que ela gosta de eletrônicos e jogos. Se distraiu com um jogo
on-line do qual gosta muito e com um parceiro que ama esse lance de Xbox,
nem ao menos percebeu a hora passar.
— Isso pode ser uma desculpa para não te dar detalhes, já pensou
nisso? — questiono mantendo uma serenidade que está longe, junto com a
minha alma em algum lugar.
— Naaaaada… Selena não estava muito interessada, eu sabia. Mas
tentei, fiz a minha parte. Fiquei preocupada no início, porque não respondia
às minhas mensagens, mas depois descobri que foi por causa do fone de
ouvido durante o tal jogo. Ela não tinha ouvido as notificações das
mensagens que enviei e quando liguei para o Vance, ele avisou que o
celular dela descarregou, então pensei que estava tudo bem. Só quando
chegou de madrugada descobri que não rolou nem um beijinho com o cara,
foi um fracasso o meu plano. Satisfez sua curiosidade?
Desvio de seu rosto olhando o celular para disfarçar meu transtorno.
— Sim, Jessica. Preciso ir para a empresa.
— Certo, vou preparar minhas malas.
— Malas? Para quê?
Seus braços pendem ao lado do corpo em um gesto cansado, quase
triste.
— Para o curso, Tiziano! Ou você só ouviu o que estava realmente
interessado?
— Claro, o curso. Quando você parte? Vou falar com Lázio para
preparar a equipe que vai acompanhá-la.
— Daqui a dois dias, eu já falei. Está com a cabeça aonde, Tizi?
— Na minha reunião de agora cedo, desculpa. Vou cuidar de tudo!
— digo encarando seus olhos tentando passar segurança nas palavras.
— Está bem, obrigada.
Percebo que sua animação do início da conversa sumiu, o olhar
melancólico que me observa me traz um desconforto estranho.
— Sente-se mal, irmã? Ficou tão quieta de repente.
— Impressão sua, Tiziano. Vá para seu trabalho, não se preocupe.
Deixo a mansão de meu pai com um gosto amargo na boca.
Remoendo os eventos das últimas vinte e quatro horas... É uma mistura de
arrependimento e tristeza que me consome por dentro. Agi impulsivamente,
porra a nossa falha de comunicação e o álcool ditou tudo! Dei a ela a
chance de explicar, permiti que ela se defendesse, mas ela só sabia chorar, e
no final, movido pelo ciúme e raiva, tomei a decisão errada porque era
nítido para mim a mentira.
Vi os dois juntos! Cazzo! Ela mentiu para mim, seu namorado, e
não só uma vez, várias vezes. Sempre fui eu quem abandona as mulheres e
nunca ao contrário. Ontem na minha cabeça a garota me botou um par de
chifres e isso feriu meu ego.
Será que se eu mostrar arrependimento tem conserto? Sinto o peso
desse erro. A magoei novamente!
Agora, o que me resta é correr atrás, tentar reparar o dano que
causei. Sei que não será fácil reconstruir a confiança que foi abalada, mas
estou disposto a lutar por isso. Vou mostrar a Selena que reconheço a culpa,
que me arrependo profundamente e que estou disposto a mudar, ela precisa
perdoar essa recaída. Se ela me ama, vai me perdoar. Precisamos resolver
isso, eu preciso resolver isso!
CAPÍTULO 24

(Lovely – Billie Eilish)


(Creep – Radiohead)

Saí tão rápido daquela garagem que não pensei em mais nada. A
humilhação de ver Tiziano tão à vontade com aquela mulher, cortou minha
alma em pedaços. Vaguei pelas ruas de Veneza sem intenção de chegar a
lugar algum. Só queria correr até meus pulmões estourarem por exaustão.
Mas só o que consegui foi uma dor nas pernas gigantesca.
Consegui chegar em casa antes do almoço, chorei o caminho todo e
as pessoas me olhando com piedade foi pesado demais para suportar.
Arrependo-me de ter deixado a bolsa e o celular na casa de Jess. Mas que
importância tem? Para quem eu ligaria? Ou quem ligaria para mim? Entro
depressa ouvindo a voz de Mafalda preocupada enquanto corro para o meu
quarto, mas sou mais rápida e tranco a porta, deixando claro que não quero
falar com ninguém nesse momento.
Ligo o aparelho de som no volume máximo, Radiohead vai
contrapor o barulho da minha mente e disfarçar meus soluços até me
acalmar. Meu reflexo no espelho agora está tão diferente de quando parti
para aquele encontro. O rosto inchado de tanto chorar, olhos vermelhos
irritados e banhados pelas lágrimas. A mão na boca tentando conter o grito
de ódio pronto para arrebentar o peito. Onde foi que eu errei?
Sim, menti, mas porque Tiziano é possessivo. Sabia que ele não
permitiria um encontro com Vance, já deixou bem claro que o odeia,
mesmo dizendo que existe apenas amizade entre nós, o que fiz foi evitar
uma discussão e o que resultou? Seco o rosto com o dorso da mão com
força, respiro fundo e analiso meu corpo.
Observo as calças que visto. Por que não se ajustam melhor? Não
vejo músculos e curvas evidentes para isso! E essa blusa de algodão ridícula
que mais parece um saco vazio? Não tem formas bonitas dentro dela! Os
ossos da clavícula salientes e feios me deixam com uma aparência
cadavérica. E meus seios? Por que tão pequenos? Sem atrativos?
Maldita genética materna. Minha mãe ama sua aparência
esquelética, exalta a magreza como um presente, mas eu me odeio. Dispo
minha roupa e de lingerie, analiso meu corpo magro, pequeno e sem
nenhuma curva atraente, sinto a tristeza me abater ainda mais. Por que
insisto em fazer o que querem, o que esperam de mim? Se não adianta
nada!
A roupa que escolhi para o encontro com Vance, não demonstrava
intenções românticas e sim porque queria inibir as dúvidas de Jess. Não era
minha maldita escolha! É sempre a mesma coisa! Tenho deixado que as
pessoas escolham por mim. A escola, os amigos, namorado e até mesmo a
opção de viver.
Nesses últimos anos me apeguei às promessas que fiz ao meu pai, de
não desistir da vida. Mas para quê? Não há motivos para respirar.
Devo ser uma boa garota, reconhecer os esforços de meus pais em
prepararem um futuro melhor para mim, e como prêmio, devo agradá-los ao
obedecer e agir como desejam que uma filha exemplar aja. Mas, nunca
alcanço a porcaria do padrão que eles esperam!
O que há para mim? A única coisa é a certeza que irei perder cada
um que se aproximar, porque ao me conhecerem, vão perceber que não
tenho nada para oferecer. Não sou interessante, não sou experiente, sou
ingênua, tímida e sem atrativos físicos para um relacionamento e por mais
que ame Jess, não posso retribuir os ensinamentos que me oferece,
principalmente no que diz ao escolher um namorado.
Há quase um ano, conheci Tiziano naquela rodovia e meu objetivo
era revê-lo. Não tinha ambição alguma, só queria olhar naqueles olhos
lindos. Aí depois, conheci Jessica e parece que uma aquarela cheia de cores
surgiu em meio ao cinza que vivia até então. E quando menos esperava,
reencontrei o homem dos meus sonhos.
Jamais imaginei que seria correspondida, mas ele me fez acreditar
que tudo seria diferente, que jamais voltaria para o abismo cinzento onde
vivi a maior parte da vida.
Ledo engano quando pensei em me desculpar, o homem que amo já
estava entorpecido pelo álcool por conta de suposições. Nada do que eu
dissesse naquele momento faria sentido e só recebi o choque da realidade
que poderia ser o nosso futuro. E essa realidade brutal me fez enxergar o
quanto posso sofrer ao seu lado.
A maldita cena que me esperava naquela garagem de barcos, foi o
complemento, o soco no estômago que faltava para completar esse cenário
grotesco.
O corpo de Tiziano suado pelo esforço, as mãos apertando a pele
morena do corpo da mulher, dando ordens aos gemidos descontrolados dela.
Ela tinha carnes e ele parecia adorar, agarrava os cabelos e quadril com
força! Aperto os olhos para tentar esquecer, mas sei que a cena me
assombrará para sempre.
Observo meu corpo em frente ao espelho, comparando-o com o
daquela mulher. Toco em cada parte da qual ele a possuiu com suas mãos. O
quadril tão reto e as pernas finas. Analiso meus seios que são pequenos e só
conseguem encher minhas mãos, tão diferente dos dela preenchendo sua
blusa. A pele morena das pernas era tão brilhante como um caramelo
quente, e a minha tão sem vida que o dourado do sol nem aparece direito.
Nós dois faríamos sexo, não daquele jeito, mas sim com beijos e
carícias, como ele prometeu. Seria uma entrega mútua, não promiscuidade.
Falso! Prometeu que não tocaria e não seria tocado por ninguém
além de mim. E eu tola, acreditei!
Ele foi cruel me fazendo sentir como um brinquedo, humilhada e
paralisada após ver aquela cena tão humilhante.
Mais que isso, foi crueldade me fazer sentir inveja daquele tipo de
sexo! É daquilo que ele gosta? Se ele me ensinasse, faria o mesmo para
agradá-lo.
Meu sonho que era ser tudo para Tiziano, foi destruído.
Espalmo os ouvidos tentando esquecer os sons, nunca poderei dar
ou ser o que ele quer. Sou uma adolescente tão patética!
Isso rasga meu peito em gritos histéricos e descontrolados, aflita
atiro tudo no vidro na ânsia de destruir essa imagem tosca que reflete. As
lágrimas grossas de desespero de não ter nenhum consolo por um coração
partido, me arrebentam por dentro. Meu corpo treme de raiva. Raiva de
tudo, dos meus pais por terem me largado aqui sozinha, raiva de Tiziano por
despertar em mim esses sentimentos que não consigo apagar, raiva do meu
corpo por não ser do jeito que eu quero, e principalmente raiva da minha
covardia em não ter terminado com essa vida de merda todas às vezes que
tentei!
Os espelhos não são os únicos a pagar o preço do meu ódio, destruo
tudo o que há no quarto acompanhado de gritos furiosos de fúria. Tudo dói,
as pernas cansadas por correr quilômetros a manhã toda, a cabeça latejando
numa enxaqueca cruel, meus olhos inchados de tanto chorar, os pulmões e a
garganta por gritar. Mas a dor no meu coração é a pior.
Não quero mais viver assim do jeito que vivo.
Eu só desejava chegar em casa e chorar no colo de uma mãe, ganhar
um abraço apertado de um pai dizendo que vai ficar tudo bem. Passaria por
essa rejeição com o apoio e o amor deles, mas onde eles estão? Seria um
consolo se estivessem mortos, mas não estão. Onde está o afeto familiar que
eu mereço? Ele existe? O amor de uma família como a de Jess não existe
para mim, um irmão amoroso e cuidadoso não existe, por quê? Não mereço
afeto? Por que eu nasci, Deus? Responda-me?
Agarro um caco de vidro e aperto com força, até sentir a dor amiga e
o sangue aflorar na pele. Meu pai não gostaria que me ferisse fisicamente
outra vez. A boa filha deve obedecer! Um riso amargo sai da minha
garganta.
— Menina pelo amor de Deus, abra essa porta! — As batidas na
porta me lembram de onde estou, largada no chão com o caco na mão e o
quarto destruído.
— Preciso de um tempo, Mafalda. Me deixe, por favor!
— Os patrões não vão gostar! Vou chamar os seguranças para
arrombar essa porta! — É claro que não vão gostar. Do que será que eles
gostam? Dio Santo!
Deixo escapar um riso louco, não vou dar o gosto a eles de
retornarem seja lá de onde e pagarem de pais preocupados para a mídia
italiana. Ainda recordo de como minha mãe falou que eu quase chamei um
exército de paparazzi para eles, mas como sempre, ninguém descobriu o
que realmente aconteceu na Toscana. Só o médico de confiança dos meus
pais. Signore Malpucci paga o silêncio do papa se for preciso!
Queria apenas de tirar esse peso esmagador do peito, fugir dos meus
demônios como fiz naquela tarde ao me atirar no poço.
Encolho-me no canto do quarto destruído, abraçando minhas pernas
e fugindo para minha memória feliz, a do dia que conheci o homem
misterioso da motocicleta.
Parecia ser o destino oferecendo um lindo presente de consolo para
não pensar na dor.
Lembro como se fosse hoje, naquele sinal vermelho minha câmera
deu o primeiro clique, era a paisagem mais espetacular que capturara na
vida, o sol se punha atrás como uma moldura.
Ele imponente com uma jaqueta de couro elegante, parado com as
mãos empunhadas no guidom da Harley. O jeans escuro em uma perna de
apoio e seus cabelos dourados ao vento, o olhar fixo e impactante. Rude e
refinado na mesma medida. Era uma mistura de um homem com um estilo
próprio. Ele era perfeito.
E não parei de registrar, só quando começamos a nos mover é que a
câmera quase escapou das minhas mãos. O motoqueiro misterioso se moveu
na pista oposta cruzando ao meu lado, me encarou com intensidade, me vi
ofegante em busca de ar. Admirei os olhos azuis lindos e intensos mais
perturbadores que já vi, como um mar revolto e perigoso, e ao mesmo
tempo perdido e triste que desnudaram minha alma.
Seus olhos não me amedrontavam, pelo contrário, pareciam me
convidar a subir naquela garupa misteriosa e ir para qualquer lugar com ele.
Compartilhando alguns segundos de conversa num olhar penetrante, disse
tantas coisas naquele encontro ocasional. Não prestei atenção em mais nada
do homem, mas tenho certeza de que me apaixonei por aquele olhar no
posto de combustível quando o vi de perto.
Meu Deus!
Não consegui desviar a atenção dele, estava tão hipnotizada, pois
havia algo naquele olhar que me chamava. Um desespero, um pedido
velado que me oprimia e fascinava. Me vi inspirando o ar com dificuldade.
Não piscava e nem respirava. Senti que naquele momento algo estava
entrando em eixo na minha vida.
Ele não desviava o olhar do meu, de mim, me avaliava lento e
sedento, quando me dei conta, cheguei na porta do banheiro daquele posto.
Não restava mais nada além da minha completa desorientação naquele
cubículo. Molhei os pulsos e nuca, encarando minha imagem no espelho
gasto pensando, quem era ele? E o que o machucava tanto para carregar tal
olhar perdido.
O príncipe na jaqueta de couro era um sonho!
Até hoje. E por mais que queira pertencer a ele, a algo ou alguém,
não pertenço a nada e a ninguém.
As lágrimas continuam rolando sem controle, banhando meu rosto
nessa busca frágil da minha memória.
O quarto na penumbra totalmente destruído, a música 'Creep' toca
alta. Murmuro seus versos como um poema:
'Quero ser especial, quero ter o controle, quero um corpo perfeito,
quero uma alma perfeita, quero que ele perceba minha ausência quando
não estou por perto.'
A música termina com um estrondo da porta vindo abaixo!
Mafalda chamou os seguranças e eles arrombaram a porta do quarto,
isso não me abala, já o fizeram inúmeras vezes.
— Madonna Santa, signorina! (Minha nossa senhora, senhorita)! O
que houve com você? Está machucada? E esse sangue?
— Per l'amore di Dio! (pelo amor de Deus)! Que destruição! Deixa-
me ver? Precisa de pontos? — Mafalda se apavorada não pára de falar e me
ajuda a levantar, pega a colcha para me enrolar com ela e cobrir meu corpo.
— Não, é só um arranhão.
— Venha, vou limpar esse ferimento e precisa se alimentar! Vou
preparar o quarto de hóspedes enquanto a equipe trabalha no seu.
Nesse momento a acompanho sem retrucar. Nem Mafalda, nem a
solidão amiga podem me consolar. Talvez me enfiar embaixo do edredom e
sumir por alguns dias ajude a esquecer.
Se Deus fosse bom, conseguiria sumir para sempre.
CAPÍTULO 25

(Where’s My Love – SYML)


( You Don’t Know – Katelyn Target)
(The Heart Wants What It Wants – Selena Gomez)

O dia seguinte foi ainda mais cinzento, parecia se fundir com o meu
estado de espírito, a alegria era uma lembrança distante. Dormi mais de
doze horas e assim que despertei, Mafalda insistiu que me alimentasse. A
salada caprese e o filé pareciam areia na minha boca e colocar para fora foi
imediato assim que saiu do meu quarto. Aliás, no de hóspedes, fui
deslocada para o conserto não atrapalhar meu descanso. Certamente
trocarão todos os móveis e tapetes, providenciarão novos espelhos, quem
sabe um recomeço emocional também.
Em mais uma das suas visitas ao quarto, Mafalda, preocupada
perguntou onde estavam as caixas de medicações, as quais nem imagina que
não estou tomando. Desconversei como pude, mas suspeito que ela vai
investigar a fundo se estou tomando como deveria. Deixou chá e biscoitos
já que recusei comida, nada mais me desceu ao estômago.
— Ah. Antes que me esqueça, senhorita. A menina DiMateo ligou,
avisando que virá devolver seu celular e quer vê-la.
— Jessica?
— Sim. Posso mandar subir assim que chegar?
— Pode. Preciso de um banho e roupas adequadas, talvez você
possa trançar meu cabelo. Quem sabe o meu rosto precise de umas
compressas geladas, acho que está inchado e...
— Calma, o primeiro passo é se alimentar um pouco, quase não
comeu depois que voltou da casa dela. O que houve lá, menina?
O olhar severo parece amolecer por um instante, não a vejo como
uma amiga, mas é o mais próximo disso que tenho, além de Jessica.
— Pressenti que teria uma crise, não quis que a família soubesse e
vim para casa.
— Hum... Então, quer que lhe ajude com as roupas? Posso preparar
um de seus vestidos e sapatos para vestir depois do banho. Precisa se
alimentar antes.
— Sim farei isso. Você pode me ajudar a ficar apresentável para
receber minha amiga?
— Claro que posso, senhorita.
Por que será que ela vai vir aqui? Será que é só pelo celular que
ficou lá ou está desconfiada do motivo da minha fuga? E se souber que
tenho esses rompantes descompensados e não quiser ser amiga de uma
doida? Preciso passar uma impressão boa para Jess. Saudável e feliz para
não perder essa amizade tão importante para mim.
O que irei contar sobre a minha fuga daquela garagem? Meu Deus!
Estou perdida! Apesar de tudo, ela quer me ver, se importa comigo e me dar
conta disso em meio a sensação dolorida da perda de um amor, é como se
um raio de luz tivesse penetrado em meu mundo sombrio.
Esforço-me para alinhar minha roupa o melhor possível, mesmo que
a motivação para isso seja mínima. Cada detalhe é pensado com carinho
para que minha melhor amiga não perceba que estou destruída, ela é tão
animada, não combina com uma pessoa quebrada como eu. Ela odiaria a
verdadeira Selena. Mas preciso me agarrar a essa amizade para não afundar
de vez, sinto isso no fundo do meu ser.
Cada minuto que passa, ansiedade e nervosismo misturado aos
sentimentos de alegria e medo tomam conta de mim. Temo que Jess veja
através da fachada que construí e perceba o quão frágil estou por dentro.
Mas, a perspectiva de passar um tempo com ela supera qualquer
insegurança. Ensaio um sorriso na frente do espelho, tentando parecer
natural.
Quando a campainha toca, sinto um turbilhão de emoções. Demora
um bocado para que ela suba até o quarto. Não é melhor descer para a sala?
Mas daí não vamos conseguir falar a sós. Ouço Mafalda conversando na
subida da escada. Sento-me o mais calma possível na poltrona de leitura,
alinhando o vestido amarelo.
Ao abrir a porta, lá está Jess com um sorriso caloroso e aberto. Não
há julgamento em seu olhar, apenas amor e compreensão.
— Oi Selena, como está?
Assim que a porta se fecha, vou até ela e a abraço com carinho, esse
gesto parece trazer uma sensação de paz que não experimentava há muito
tempo. Ao nos sentarmos, seu olhar está diferente. Piedade e preocupação
que me deixam envergonhada desse rompante sentimental.
— Estou bem, Jess. Obrigada pela visita. Fico muito feliz que veio.
— Trouxe seu celular e sua bolsa, que você deixou na minha casa
quando saiu.
— Obrigada pela gentileza. Quer comer alguma coisa? Posso pedir a
Mafalda para providenciar um chá, biscoitos, quem sabe um suco de maçã
que você gosta tanto...
— Selena, não se preocupe. Quero pedir desculpas a você.
A mão delicada, com unhas esmaltadas de azul, segura a minha.
— Desculpas? Sobre o que?
— Sim, por ter arrumado aquele encontro para você. Acho que tudo
começou a partir daquela pressão que fiz para se envolver com alguém.
— Tudo bem, Jess, tudo bem. Desculpe não ter saído como
planejado, é que...
— Eu sei... E está tudo bem.
— Sabe? — afasto a mão rápido pelo desconforto que seu olhar
intenso me analisa.
É agora que ela me abandona e me acusa de não ser sincera?
— Sei. Você não tem interesse no Vance e é normal. Não devia ter
forçado um envolvimento entre vocês. — Surpresa, ainda não consigo
formular uma resposta.
— E está tudo bem mesmo, amiga. Independente de quem você
gosta, não é meu papel interferir e não precisa dizer nada, não vou tirar sua
opção de escolha outra vez, eu juro. — Beija o dedo cruzado em juramento.
Engulo o nó na garganta e apenas aceito suas palavras.
— Mafalda comentou algo sobre você precisar de descanso quando
está assim. E que as medicações são boas para você. Mas nunca ouvi da sua
boca que faz algum tratamento.
Antes que me levante e me afaste, Jess segura minhas mãos
novamente.
— Selena, não deve ficar envergonhada em admitir alguma
fragilidade ou problema, pois todo mundo tem. Não entendo por que não se
abre comigo, mas quando se sentir preparada, quero deixar claro que estou
aqui para você. Sempre, para tudo o que precisar. Você é importante demais
para mim, não quero perdê-la.
— Sou importante?
— É, claro que é. Você é minha melhor amiga, a confidente, a que
atura meus surtos e loucuras impulsivas. E nada vai mudar o que sinto por
você. Nada!
Reflito sobre as declarações sinceras do rosto que me avalia, queria
me abrir totalmente, mas tenho tanto medo de ficar sozinha.
— Já precisei de medicações para ansiedade e insônia, mas agora
estou melhor. Não se preocupe. Quero saber, como você está?
Melhor desviar o assunto da fuga de ontem e o coração partido por
seu irmão.
— Estou animada, vou viajar para a Sicília. Farei um curso por lá.
— Você... Vai embora? Quando? Quanto tempo vai ficar fora de
Veneza. Sua família permitiu?
O som da risada de Jess, antes música para os meus ouvidos, agora
não alivia a escuridão que me cerca.
— Calma, bionda, só ficarei fora três semanas no máximo. Retorno
a tempo para o aniversário do meu irmão.
O momento que minha amiga traz à tona o irmão, é impossível
disfarçar o desconforto que surge. É como uma planta hera que agarra meus
tornozelos e se alastra rapidamente pelo corpo, abraçando de modo feroz,
apertando e sufocando meu peito em uma dor dilacerante.
— Ah, que alívio, achei que ficaria sem você.
— Você nunca vai se livrar de mim, bionda.
Seu abraço protetor acalma um pouco minhas inseguranças.
Seguimos conversando sobre seu curso e projetos da carreira que ainda não
definiu para si.
O dia com Jéssica passou muito rápido, na verdade, meu desejo era
que não terminasse nunca. A leveza das conversas e planos dela me
distraíram um pouco, como se as nuvens escuras começassem a se dissipar.
Sua presença foi um bálsamo para minha alma ferida. O medo que senti de
que haveria um mundo de questionamentos e dúvidas sobre mim, acabou
infundado. Jess não tocou mais no assunto de ontem, nem insistiu em saber
das medicações. No final do dia, com um abraço apertado, ela se despediu,
prometendo voltar depois da viagem.
Quando fechei a porta do quarto, me senti exausta. À medida que a
noite caía, percebi que continuava sozinha em minha luta. Ainda me sentia
como um barco à deriva.

Na última semana, as paredes claras do quarto, são as únicas


paisagens que detém meu olhar. O desânimo se intensificou. Sinto como se
estivesse afundando em um mar de tristeza e não consigo me agarrar a
nenhuma tábua de salvação. Por que é tão difícil seguir em frente? As
noites são especialmente difíceis quando a solidão parece mais intensa. Não
havia ligado o celular nesses dias. Mas, quando liguei tive um choque!
Várias ligações perdidas de Tiziano e alguns áudios no WhatsApp. Não
ouvi, se por acaso mais alguma de suas palavras rudes me atingissem, seria
devastador, decidi ignorar, pois não suportaria.
As mensagens de texto e áudio de minha amiga, por outro lado, li e
escutei com atenção. Ouvir seus relatos sobre o curso são o que me mantém
interessada no mundo exterior. Sem motivo e energia para sair, nem a
atividade de fotografar, a qual amo fazer, desperta o mínimo de interesse
para sair desse quarto.
Hoje recebi uma mensagem de um número desconhecido, ao ler,
nonna Olímpia se apresentou na primeira frase, pedindo que ligasse assim
que recebesse a mensagem. Aturdida muito mais do que curiosa, decidi
ligar:
— Alô, nonna Olímpia? Aqui é Selena. Como está? Pediu que eu
ligasse?
— Oh, querida! Que bom conversar com você. Estou melhor agora
ao ouvir sua voz. E você, como está, figlia?
"Sobrevivendo."
— Estou bem. A senhora precisa de algo? Algum problema que
possa ajudar?
— Ah, sim! Sabia exatamente a quem procurar quando padre Inácio
conversou comigo na última missa. A paróquia vai organizar uma maneira
de angariar fundos para uma pequena reforma. Sugeri um calendário do
coral da juventude e é aí que você entra.
— Infelizmente não sei cantar, nonna, mas gostaria muito de ajudar.
A risada alta e alegre ao telefone é tão inesperada que mantenho
silêncio.
— Não é para cantar, figlia mia. É para fazer as fotos. Acha que
pode fazer? Fiz uma propaganda grandiosa sobre você.
— Qual igreja, nonna? E quando posso ir?
— Oh! Mas que benção! É perto da piazza principal, no bairro
Cannaregio. A igreja Madonna Dell’Orto.[iii] Avisei que se você aceitasse o
convite, passaria lá amanhã para conversar com o pároco pessoalmente.
Não sabe como fico feliz por ter aceitado.
— Será bom visitar a igreja. Faz tempo que não vou até lá.
Agradeço a indicação e por lembrar de mim.
— Você é uma menina de ouro, como poderia esquecer? Perfeito.
Obrigada e até breve, figlia.
— Tchau, nonna.
"Não sou essa maravilha, se pudesse me conhecer a fundo, nonna
Olímpia, saberia que não sou interessante."
Desligo a chamada apreensiva. Sei que preciso fazer esse favor para
a senhorinha que sempre me tratou tão bem, todavia, não tinha planos de
sair de casa.
A sensação de exposição é avassaladora. Cada olhar de estranhos na
rua parece penetrar profundamente na alma, como se todos os julgamentos
do mundo estivessem concentrados em mim. O peso do sofrimento que
carrego parece visível para todos, uma marca permanente impressa, e a
simples ideia de ser vista assim gera uma ansiedade esmagadora. Mas
também me sinto só e gostaria que me enxergassem como sou. É tão triste
esses sentimentos em conflito, estar entre a necessidade de ser vista e o
medo de ser julgada me deixa confusa. Essa busca por equilíbrio suga
minhas forças e nesses momentos sombrios, penso que é melhor ficar onde
estou, onde me sinto de alguma forma, protegida.

Foi uma verdadeira luta sair de casa, mas com os incentivos de


Mafalda fui obrigada. Estou sentada em um dos bancos da igreja Madonna
Dell’Orto, admirando o quadro “Apresentação de Maria no Templo”.
Observo o cenário divino de uma escadaria, onde Maria sobe as escadas do
templo. As cores vibrantes entre dourado e vermelho, junto ao jogo de luz e
sombra espetacular, deixa-me hipnotizada. Mas o que capta a emoção
profunda, são as mães que o artista pintou. Mães zelosas, preocupadas e
protetoras com seus filhos e filhas, é tão tocante que meus olhos marejam. É
lamentável a representação de algo tão sublime, onde a realidade é tão
oposta para alguns filhos.
Volto a realidade quando padre Inácio me desperta do transe de
contemplação ao se aproximar com um sorriso simpático.
— Signorina Selena, podemos nos juntar ao coral ali na outra
capela?
— Sim, padre.
Enquanto cruzamos a porta lateral, conversamos sobre como ele
quer as fotografias, iniciando por fotografar as obras de arte para fazer parte
do cenário.
É bem-vinda essa distração, faz com que esqueça de tudo e foque na
minha câmera e a melhor fotografia que consigo capturar. Os integrantes do
coral também opinam. É um grupo de idosos animados, as senhoras muito
simpáticas e alegres, o trabalho flui natural e eficiente.
Próximo às três da tarde, estava satisfeita com o resultado das fotos.
O padre e a líder do coral me convidaram para uma das capelas adjacentes
da igreja a fim de escolhermos as melhores artes que iriam para o
calendário, logo o trabalho finalmente chegou ao fim. Depois de me
despedir, retorno para o salão principal em busca do restante do material
para partir. Meus passos congelam instantaneamente sob o arco da grande
porta que separa o corredor dos bancos escuros.
— Tiziano!?
O eco da voz surpresa que não consigo conter, ressoa alto.
Especialmente hoje, há pouquíssima visitação na igreja e rapidamente sou
notada por ele.
Ele parece ter visto um fantasma, ajoelhado diante da imagem da
Virgem Maria com as mãos postas em oração, olhando para mim de boca
aberta.
— Bella? Selena?
Mesmo que tivesse todo o controle do planeta, não seria possível
ordenar meu coração a desacelerar. As mãos suadas buscam uma distração
ao estalar os dedos nervosos. Os sons dentro dessas paredes suntuosas
começam a incomodar, os poucos passos de fiéis distantes no piso de
ladrilhos de mármore no corredor lateral, as preces baixas de algumas
senhoras nos bancos ao fundo e os murmúrios dos sacristãos no púlpito do
altar, organizando algo que me foge a atenção. Por fim, consigo mover as
pernas e ir até a bolsa no banco onde a deixei, assim que o vejo levantar e
andar na minha direção.
— Selena? Eu...
Enquanto a coloco no ombro, ando para trás em direção ao outro
corredor evitando o do centro, onde ele está parado. Sou covarde? Sim, sei
que sou, mas é difícil não lembrar do que houve. A imagem daquela manhã
horrenda surge como um letreiro luminoso na minha mente.
— Preciso conversar com você, me deixe acompanhá-la até sua
casa?
— Salvatore está lá fora, não é necessário — Graças a Deus que
articulo uma resposta coerente nesta hora.
Sofro ao dar as costas e me afastar.
— Amore mio, per favore, ascoltami?
“Meu amor, por favor, me ouça?”
Todo o meu corpo para de se mover com esse pedido. Amore? Sou
seu amor? Sua voz quebrada e o timbre rouco parecem facas rasgando
minha carne. Tiziano me conhece porque ao encarar seu olhar outra vez, ele
já diminuiu a distância entre nós. Olho para seu rosto abatido e arrependido,
e vejo o quanto parece cansado.
— Vamos conversar, mia bella?
O cheiro bom dele envolvendo meus sentidos, desperta inúmeras
memórias. Tão doces e amáveis, mas agora com tudo o que ele fez,
parecem recordações vazias. Suspiro, passando a mão pelos cabelos,
visivelmente dividida entre a mágoa e o sentimento evidente em meu rosto.
Por fim, aceito que me acompanhe com um aceno leve de cabeça e
rapidamente a bolsa troca de mãos. Tiziano a tira com cuidado do meu
ombro e a carrega. Talvez seja uma maneira de se aproximar enquanto
andamos juntos até a saída da igreja, lado a lado no silêncio aterrador que
parece nos proteger um do outro.
CAPÍTULO 26

(Take Me To The Church – Hozier)

Horas antes

Na sala da casa do meu pai, jogado na poltrona, penso na semana de


merda que passei.
Tentei falar com Selena, mas não consegui. A governanta, filha da
puta, não me deixou entrar na mansão dos Malpucci, e o telefone dela está
sempre desligado. Há uma semana ela não sai de dentro daquela casa.
Preciso me justificar e não consigo uma brecha para conversar com
ela, cazzo!
E para completar essa fase azarada, o caos dos sonhos não me deixa
descansar. Pela manhã tô um caco!
Na primeira noite, sonhei com ela, mas nos braços de um homem
desconhecido. Despertei puto da vida!
Não me conformo, Selena é minha!
A imagem dela nos braços de outro se agarrou à minha mente,
durante o dia e me perguntei se era uma premonição ou apenas o medo da
perda.
Tentei me convencer de que não significava nada, que era apenas
uma criação das consequências dos eventos. Mas, na noite seguinte sonhei
outra vez, e naquela, Selena apareceu no altar de uma igreja, ao lado de um
homem sem rosto colocando uma aliança em seu dedo, mas não era eu, tive
certeza disso. O futuro está mudando, quer dizer, minha atitude causou uma
fissura no nosso feliz para sempre e agora outros finais estão se
apresentando.
Na terceira noite, sonhei algo totalmente diferente, estávamos rindo
juntos abraçados, em um lugar pouco iluminado, mas com um clima
sedutor. Confesso que fiquei perdido. O que os enigmas querem dizer?
Parece que ela está fora do meu alcance e as lembranças agora são
ecos que se desfazem feito fumaça. Concluí que a perdi, e os sonhos
reforçam isso. Evito dormir, tendo apenas cochilos para evitar pesadelos
dela com outro. Não quero lidar com essa merda, cazzo! Se bem que, se ela
não tivesse mentido, nada disso estaria acontecendo.
Mantive-me ocupado com trabalho e atividades, mas sempre com
ela na cabeça. Mirko notou meu cansaço e perguntou o que estava
acontecendo, mas omiti a foda na garagem, o que é vergonhoso até para
mim.
— Figlio, o que está passando por essa cabecinha?
Aprumo a postura na poltrona rapidamente, assim como fazia na
infância à mesa quando meu pai chamava a nossa atenção por alguma
discussão de irmãos.
— Desculpe, nonna. Estava com o pensamento longe.
— Hum, percebi. Há dez minutos estou preparando nosso chá e
organizando as xícaras aqui na mesa e você não se moveu admirando o
horizonte. Venha, seu chá de hortelã-pimenta está pronto.
— Não me leve a mal, nonna. Nunca lhe disse, mas não gosto de
chás, de nenhum tipo.
Sua risada alta atrai meu olhar.
— Sei disso, garoto. Mas você precisa. Vou listar os benefícios de
beber chá e quando terminar, quero vê-lo sentado na cadeira aqui na mesa
de jantar comigo — responde enquanto senta-se olhando para mim.
Acabamos ficando apenas nós dois em casa após o almoço. Meus
pais foram para a perfumaria. Inédito mamãe acompanhá-lo a tarde, já que
suas reuniões com os investidores, clientes e o jurídico da empresa, são
sempre no período vespertino. Jessica, está na Sicília e Gabrielle, posso
apostar que está fechado em seu quarto como um vampiro com intolerância
ao sol.
— Beber chá acalma a mente, melhora a qualidade do sono, diminui
os níveis de colesterol no sangue, ajuda a desintoxicar o organismo,
controla a pressão arterial, reduz o risco de câncer e as chances de
problemas cardiovasculares.
Sou rápido em me sentar na cadeira diante dela.
— Tudo bem, nonna! Já estou sentado e aguardando a deliciosa
bebida fumegante que vai queimar minha traqueia.
— Fazendo piada? Hum, bem melhor, Tizo.
Uma bela xícara branca pintada a mão, com uma listra dourada na
borda, é colocada diante de mim. O perfume é gostoso, mas nunca me
acostumei com a temperatura.
— Muitas vezes o que não gostamos é o que precisamos, guarde
essas palavras, vai lembrar delas.
Expresso um grunhido pelo gole na bebida quente.
— Esse chá tem todas essas propriedades?
— O nosso é especificamente para o estômago.
— Não tenho problemas de estômago, gastrite e essas coisas.
— A possibilidade de chegar a minha idade com algum desconforto
no aparelho digestivo é grande.
Surpreso, deixo de lado a xícara para encarar seu rosto sério.
— Como tem essa certeza?
— Médicos da alma, recorda? Nossas dores muitas vezes refletem
no físico e esse é nosso ponto fraco.
Volto a beber, olhando para a porcelana Richard-Ginori que vovó
adora. Não queria recordar o dom ou fardo custoso que carrego, mas é
involuntário.
— Quanto tempo não tem uma noite de sono completa e
revigorante, figlio?
— Não lembro.
— E suspeito que terei a mesma resposta se perguntar o motivo.
Minha avó sorve um longo gole, como se fosse um suco refrescante.
— Nonna, não quero falar sobre isso!
Seu olhar estreita e ela sorri com compaixão.
— Talvez possa receitar algo para essa angústia que estampa seu
rosto há dias. Percebi que não se alimenta adequadamente e emagreceu
alguns quilos.
Ante a uma recusa, suas mãos frágeis e delicadas se estendem sobre
a mesa em busca das minhas. Um pouco relutante, aceito a oferta e estendo
as mãos para que as olhe. Ela vira as palmas para cima e as analisa durante
mais ou menos um minuto em silêncio, o que me desconcerta.
As fecha e segura firme, olhando dentro dos meus olhos:
— Precisa ir à igreja!
— O quê?
— Precisa rezar, agora!
A careta que faço, provoca seu riso novamente.
— Vamos! Precisa comprar velas para acender a São Cristóvão, e
demora um pouco para chegar à igreja.
Levanto-me atrapalhado e confuso com sua urgência.
— Você não viu isso! Está com aquela cara.
— Que cara, menino?
— Está segurando o riso.
— É realmente, a minha leitura de mãos é bem mais demorada, mas
no seu caso já sabia o que você precisa, só confirmei. Se não quer acreditar,
tudo bem. — Ela entorta a boca chateada.
— Muito bem, mesmo não tendo o costume, se preciso rezar vou até
a igreja de São Sebastião, que é a mais próxima … — Ela também se
empertiga em pé, argumentando apressada:
— Nem pensar, precisa rezar para o santo dos viajantes. São
Cristóvão é na Madonna Dell’Orto.
Coço a barba pronto para discordar.
— Figlio, precisa ir àquela igreja e oferecer uma súplica àquele
Santo específico, a nossa família deve muito a ele, nem todas as nossas
vidas juntas, pagarão a proteção que fomos abençoados.
— Por quê? Qual diferença vai fazer? É uma oração necessária? Vou
e faço o mais rápido possível. A igreja da Madonna é do outro lado da ilha,
no bairro Cannaregio, melhor ir nessa mais perto.
Isso é tão surreal! Ela às vezes parece maluca!
— Deve ir para a igreja que falei. Esse é o paliativo da receita para a
sua dor. Se for em outra ou ficar aqui nesta sala, questionando sua avó
curandeira, nem paliativo terá. Gosta quando as pessoas duvidam dos seus
avisos?
Indaga com as duas mãos na cintura, parecendo uma imperatriz.
Essa pergunta me pega de jeito. Não posso duvidar, ela tem razão.
— Certo, certo. Tô indo até a igreja da Madonna neste exato
momento.
Ao chegar na porta ela me chama outra vez.
— Lembre-se, é um paliativo. Tem que curar a infecção antes que
acabe com você!
— Nonna! Per l'amore di Dio! Está me deixando louco com esses
enigmas!
— Bene, bene, vá, vá depressa! Quando chegar lá vai entender.
Saio da mansão com o senso de urgência correndo sob minha pele.
É mais rápido circular de lancha pelo mar do que ir a pé. E a vela? Foda-se!
Perdão Santo, mas a oração terá que servir. Prometo em outro momento
comprar cem velas para oferecer.
Demoro apenas quinze minutos para chegar ao local. Ancoro a
lancha próximo e ando alguns metros a pé pela rua de pedra que beira o
canal Cannaregio. Ao cruzar a porta faço o sinal da cruz, como um bom
cristão não praticante, que visita a casa de Deus uma vez a cada década.
Esta, fiz somente uma única visita na vida.
— Perdoe-me padre porque pequei, ou seria para murmurar isso na
confissão? Dio, nem lembro mais a liturgia.
Pago a entrada para a visitação ao funcionário amigável e gordinho
que recebe os visitantes. Dou uma olhada sobre o ombro. Não há ninguém
além de mim buscando um conforto nesse edifício sagrado.
Ao observar a grandeza do interior suntuoso, lembro-me exatamente
da minha surpresa na primeira vez que estive aqui com a família, aos sete
anos. Jess era bebê de colo e não parava de chorar, o som estridente dos
gritos da minha irmã deixaram mamãe aflita.
Recordo de achar graça, pensando que poderiam quebrar as vidraças
das janelas. Vovó e meu pai recitavam o Padre Nostro, (Pai Nosso) no
mesmo corredor comprido que ando agora, mas não era em italiano e agora
tantos anos depois não recordo absolutamente nada do idioma.
O chão era tão encantador com seu xadrez castanho e bege para uma
criança, no entanto não prende um segundo da atenção a mais que o
necessário ao caminhar atualmente sobre ele. O restante está praticamente
igual às memórias da infância. As colunas de mármore brancas, como
paredes cercando as fileiras de bancos de madeira maciça escura ao centro,
e as pinturas atrás delas enfeitando o concreto coberto de gesso, pareciam
ser bem maiores e intimidadoras.
Ao chegar perto do altar, admiro o microfone no púlpito e a toalha
branca na mesa com a grande cruz de ouro, o cálice, o candelabro e outros
utensílios litúrgicos que não sei nomear. Adornando o fundo, as três
pinturas famosas das quais não tenho interesse algum em admirar. Estudei
na escola sobre a história da cidade, mas poxa vida, arte sacra é um porre!
— Perdão Deus, não sou obrigado a gostar dessas pinturas. Prometo
uma doação à igreja para compensar essa falta.
Procuro um banco afastado do corredor para fazer minha prece. Há
muitos lugares vagos a minha escolha, portanto, é na ala direita, diante do
pequeno altar da Virgem Maria que a oração será entregue.
Me ajoelho e junto as mãos como fui ensinado e foco na imagem
sagrada.
— Virgem Maria, perdão por pedir isso, mas poderia entregar essa
primeira prece ao São Cristóvão? É que minha nonna, senhora Olímpia
DiMateo, deu-me uma ordem que devo seguir para aliviar meu sofrimento.
Bem, como sei que isso não será possível e a estátua do Santo está lá fora
sobre a porta da igreja, achei adequado pedir a senhora para entregar a ele.
De outro modo, seria necessário me ajoelhar na fachada e atrapalharia o
fluxo de devotos. Seria um pecado que não gostaria de cometer. Tenho
tantos para buscar absolvição e não desejo dar mais trabalho do que já dou.
Dito isso, começarei pela oração do Padre Nostro…
— Tiziano?
Essa voz não é minha imaginação, tampouco a Virgem Maria,
respondendo meu pedido. Ao olhar em volta, pisco rápido os olhos, sem
acreditar na visão da ragazza. Pálida como papel, parada sob uma das
portas que levam a capela adjacente oposta de onde estou.
— Bella? Selena?
Ela não se move, impactada assim como eu, aqui ajoelhado.
— Selena, eu... — Ergo-me com o coração na garganta e começo a
andar, a princípio com calma por vê-la ir até o primeiro banco. Mas
aumento o passo quando agarra a bolsa de couro onde carrega sua câmera e
começa a se afastar tentando fugir.
Não vou te deixar fugir micina! Nem hoje, nem nunca!
Preciso justificar porque fiz aquilo, não sou um cafajeste!
— Preciso conversar com você, me deixe acompanhá-la até sua
casa?
— Salvatore está lá fora. Não é necessário — A voz é um lamento
triste acompanhado de ressentimento, e o seu abatimento profundo esmaga
minha alma, deve ter perdido uns três quilos, talvez mais. Olhos fundos e
derrotados, olheiras evidentes e a palidez? Porra! Parece que não há vida
ali. Os cabelos em uma trança longa revelam as costas tão miúdas na blusa
larga.
Deus, Virgem Santa, São Cristóvão, intercedam! Não quero soltar
uma maldição dentro da igreja.
A vendo se afastar uso meu último recurso:
— Amore mio, per favore, ascoltami?
As palavras fazem seu corpo parar no lugar e aproveito para me
aproximar o suficiente. Sofro por ver a dor contaminar sua beleza.
— Vamos conversar, minha bella?
O suspiro profundo evidencia seu cansaço. Mia ragazza confirma
que aceita, mas não pronuncia palavra alguma. Apenas acena com a cabeça.
Agarro a alça da bolsa e a guio para fora da igreja. É um silêncio
esmagador, não quero derramar minhas palavras andando com pressa ou
parados na rua sob o risco de exposição. Seguimos pela ponte delle Guglie
e atravessamos até o outro lado com algum movimento de turistas. Algumas
pessoas circulam, mas com risco mínimo de reconhecimento a nossas
personas conhecidas da mídia.
Falo com o segurança que vamos entrar para um lanche em um
restaurante menos movimentado.
Entramos em um estabelecimento simples, porém aconchegante.
Noto que é um restaurante judeu, a placa dizia ‘’kosher’’. Não costumo
visitar essa parte da cidade, no entanto, era esperado já que o antigo gueto
judeu se estende até a grande piazza.
Converso com o garçom se há uma mesa mais discreta. Ele nos
atende e mesmo tendo poucos clientes, somos acomodados em uma mesa
de quatro lugares em um tipo de camarote. A decoração mostarda das
paredes não é de toda ruim, combina com a cor acesa das aberturas e
móveis. O cardápio da mesa indica comida israelense e pelo perfume
convidativo, deve ser muito boa.
— Está com fome?
— Não.
O ambiente é carregado com a tensão não dita. Não suporto o peso
do que fiz, não posso olhar para a ragazza sem sentir uma mistura sufocante
de culpa e arrependimento. Seu olhar é de tristeza e desconfiança, e quando
a encaro, ela cruza os braços, como se precisasse criar uma barreira entre
nós e a mesa não fosse suficiente.
Ignoro o coração acelerado e as mãos suadas alisando meu jeans sob
a mesa. Meu estômago ronca, mas suspeito não ser de fome e sim de
nervosismo remexendo as entranhas.
Nervoso, encaro seu rosto magoado e começo a falar:
— Selena, sei que errei feio. Estou aqui, de coração partido, sem
palavras o suficiente para dizer o quanto lamento por quebrar sua confiança.
Magoei o que mais valorizo: nosso relacionamento.
Essa confissão é muito sincera, cada sílaba pesa como uma âncora
em minha consciência. É doloroso ver seu olhar decepcionado. E ela
escolhe não olhar por muito tempo em meu rosto. Quando tento tocá-la, ela
esconde as mãos sob a toalha, pousadas no colo.
— Reconheço que minhas ações foram inaceitáveis, não posso
justificar o injustificável. Quero que saiba que muitas coisas passaram pela
minha cabeça. Quando não respondia às mensagens, sabia que estava com
aquele cara. Ao ver suas respostas aceitando as dicas para o encontro que
Jessica arrumou, pareceu indicar que estava envolvida com ele. E perguntei
novamente, mas você mencionou uma amiga inexistente, escolhendo
esconder com quem estava.
Talvez seja tarde demais para nós. Engano-me ao pensar que não
vou obter resposta. Seu olhar desconfiado me avalia, antecipando suas
palavras e causando inquietação. As mãos surgem sobre a mesa, segurando
a manga da blusa. Poucos gestos revelam sua imaturidade; Selena costuma
ser contida, mas nunca a vi tão vulnerável e reflexiva.
— Menti sim, porque naquela hora não quis criar um atrito e não
recusei aquele encontro, porque não podia decepcionar sua irmã que tanto
amo. Mas quando tentei te explicar... Você pressionou uma resposta de
maneira rude e intransigente, e eu travei. Você já tinha a própria resposta,
não adiantaria falar.
— Eu sei, eu sei... você tem razão, desculpa. — Agarro sua mão e a
beijo desesperado por um contato. — Bella, tô muito arrependido de ter
agido daquela forma. Fui cego, egoísta e ciumento, agora percebo o quanto
perdi ao não deixar que se explicasse. Fiquei desnorteado e busquei na
bebida um consolo inútil e o que houve na garagem foi reflexo desse
desespero.
— Foi horrível ver aquilo — murmura quase sem voz. — Você
prometeu que não deixaria ninguém te tocar.
— Não senti nada, minha cabeça não estava lá. Nem sequer a beijei,
eu juro Selena, ela não tocou em mim, foi um ato automático de ... De fuga
para não pensar na dor do meu coração partido. Sei que é inexperiente nesse
assunto, mas foi um ato mecânico.
Seu olhar melancólico acaba comigo e num gesto impulsivo guio
sua mão até minha barba e meu rosto. Anseio o carinho, o vínculo que
temos mesmo tão frágil. Sinto a mão responder a esse apelo silencioso.
— Perdona-me! Per favore! (Perdoe-me! Por favor!) Aproveitar
nossos sentimentos juntos tem sido tão incrível. Nossas lembranças e
momentos preciosos não podem se perder assim. Não quero que o nosso
amor seja definido por aquele ato impulsivo. Tudo o que resta dentro de
mim é a vontade enorme de me acertar com você, não me reduza ao meu
erro. Fui um idiota. Agi por impulso porque sou completamente apaixonado
por você. Me perdoe?
Seus lábios entreabrem pela surpresa da minha declaração. Cazzo!
Mas é verdade, não estou dizendo somente para que me perdoe, ela precisa
acreditar na sinceridade da minha voz.
— Você gosta de mim, Selena?
“Por que desvia o olhar e não responde?”
— Gosto.
— Então, peço que considere dar uma chance de me redimir, de
provar que posso ser melhor. Daqui a pouco tempo nós dois podemos sair
daqui e viajar o mundo juntos, só eu e você.
Selena morde o lábio de modo nervoso, visivelmente em dúvida.
Não afasta a mão do meu rosto me dando a oportunidade de usar esse
contato ao meu favor. Beijo sua palma e pulso suavemente.
— Se você me der essa chance, saberei que está disposta a lutar por
nós.
— Você transou com outra mulher, Tiziano, horas depois de termos
discutido! E quando discutirmos de novo?
— Jamais vai acontecer. Selena, a dor me cegou, entende? É só você
que eu penso em beijar, tocar e estar perto.
— E fazer aquilo, também?
A princípio compreendo a pergunta, mas não o que significa.
— Não vou negar que a única pessoa que penso em transar é com
você.
O rostinho ganha cor e ouso arrastar minha cadeira próxima a dela.
— Daquele jeito, Tiziano?
Selena pergunta tão baixo que quase não ouço. É surpreendente, mas
de uma ótima maneira. Inclino o rosto para responder como um segredo ao
pé do ouvido.
— Fazer amor, bella, não transar como aquele ato raso. Nada se
compara ao que viveremos, amore. É só com você que penso em fazer
amor.
Ao ouvir um suspiro, beijo suavemente seu pescoço e entrelaço
nossos dedos com carinho. Ela vai me perdoar e as coisas irão voltar ao
normal, sinto isso.
— Só você, amore mio — ressalto aos beijos até encontrar seus
lábios. — Você me perdoa? Vamos esquecer o que passou? — sussurro.
A resposta é entregue sem sílaba alguma. Ela corresponde o beijo
com saudade e entrega. Meu peito parece explodir de alegria. Fui para
aquela igreja desacreditado de tudo. De encontrá-la e da possibilidade do
perdão. E agora tenho minha bella de volta, revivendo cada célula viva do
meu corpo e coração.
Permanecemos em silêncio, abraçados, as emoções pesadas ainda a
nossa volta como uma sombra. Por isso não vou me afastar, preciso
reconquistar a confiança da mulher que amo.
— Tô com saudade, micina! — confesso e consigo um sorriso
breve.
— Eu também senti saudade.
Sentados agora lado a lado, sem que a mesa impeça de abraçá-la,
não resisto e a enlaço tão junto a mim, que é impossível ver onde os corpos
se separam. Protegidos de olhos conhecidos ou mídia, quero ficar o máximo
de tempo com ela.
Durante a conversa, questiono o motivo de estar naquela igreja e
noto que não usa mais a pulseira que lhe dei. Não é o momento para
questionar sobre ela e deixo mia bella contar sobre a sessão de fotos, que
foi belamente orquestrada por minha inocente avó. Ora, ora, o destino não é
tão onipotente assim que não precise de uma ajuda para cumprir seus
propósitos!
— Estava indo para casa quando vi você rezando.
— Sabe o que ia pedir para a Virgem?
— Nem imagino — Seu olhar busca o meu com curiosidade.
— A única preciosidade que não posso perder na vida: você.
Gosto tanto quando a deixo feliz e seu olhar brilha dessa forma, que
poderia morrer agora.
— Estava lá a pouco tempo?
— Sim, talvez uns dez minutos.
À medida que minha namorada relaxa com a conversa, ela se anima
gradualmente. Aproveito e peço um lanche para nós dois, observo satisfeito
ela se alimentando bem. Entre as garfadas, conto sobre os preparativos do
almoço do meu aniversário e aviso que ela não pode faltar. É como
rejuvenescer dez anos em uma hora ao seu lado.
Ignoro até a pulga que nonna Olímpia plantou na minha orelha. “É
somente um paliativo.”
Vou deixar para resolver esse enigma mais tarde, pois agora minha
atenção, olhos, coração e vida, estão totalmente dedicados à mia ragazza.
CAPÍTULO 27

Hoje é o almoço do meu aniversário. Faz uma semana desde que eu


e Selena nos falamos cara a cara. As reuniões que foram remarcadas na
minha agenda, pelo tempo que tentei uma oportunidade de reconciliação,
cobrou seu preço.
Não tive um horário sequer de folga para nossos encontros furtivos,
que coincidisse com os horários em que ela poderia sair sem maiores
questionamentos da tal governanta. Nós nos falamos apenas por chamadas
de vídeo. Ouvi sua empolgação enquanto descrevia seu novo projeto de
fotografia, fiquei fascinado com sua inteligência. Nas nossas conversas,
percebi o quanto Selena é emotiva e detalhista, certamente, o projeto será
incrível. Incentivei que fizesse uma exposição dos trabalhos e vi o quanto
gostou do meu apoio.
Bem, quando fico relembrando nossos momentos, perco realmente o
foco do que estou fazendo. O que eu ia fazer mesmo? Ah, lembrei! Falar
com o responsável da organização das mesinhas ao redor da piscina.
Depois de localizá-lo e mostrar a ele como gostaria que ficassem,
subo até a cozinha do segundo andar onde minha avó insiste em trabalhar.
Na metade dos degraus já sinto o aroma gostoso do chocolate dos doces que
ela está preparando.
— Nonna, onde estão todos?
Ela me entrega uma colher que acabou de usar, com resquícios de
cobertura de chocolate branco. Desde que me recordo, aos seis anos de
idade, sou o detentor de lamber o chocolate branco, é como um troféu.
— Seu pai foi resolver um detalhe na perfumaria, Olívia está em
uma reunião por videoconferência no escritório, Gabinho acho que está
dormindo, chegou tarde essa madrugada da ronda.
— Acha que ele vai participar do almoço?
— Não sei querido, você conhece seu irmão. Ele não é chegado a
aglomerações.
Minha avó tem um jeito suave de se referir ao neto ranzinza.
Gabrielle odeia barulho, festas e qualquer coisa divertida, o mau humor
habitual eleva-se à máxima potência.
— E Jessica?
— Hum, faz algumas horas desde a última vez que a vi, estava
escolhendo as roupas de banho. Disse que iria olhar os preparativos das
bebidas e os garçons que estão organizando o bar improvisado no lado de
fora.
Mas era só o que faltava, Jess seduzindo a equipe de barmans! Me
preparo para o confronto com ela quando minha avó interpela novamente.
— E Glória? Eles virão para o almoço?
Meu rosto expressa melancolia ao responder.
— Não sei, nonna. Todas as vezes que a convidei para algo, ela
recusou. Parece resistir em ver os amigos de Lorenzo. Mirko também
questiona essa atitude. Queríamos ser mais próximos de António, mas ela
não tem intenção de permitir tal coisa.
— Eu os encontrei na missa semanas atrás, ele está cada dia mais
parecido com o falecido pai, é precoce e com uma inteligência absurda. Na
aparência, o ruivo dos cabelos, as sardas, tudinho como Lorenzo.
— Lorenzo era um gênio, fazia cálculos de cabeça num piscar de
olhos.
— Bem, o menino puxou ao pai. Tem apenas três anos e conversa
como um adolescente. Glória me contou que o levou para análise de QI de
crianças superdotadas.
— Queria muito participar mais da vida dele.
— Tenha paciência, querido, quem sabe não é hoje que a situação
mude?
— Pode ser — concordo muito mais para me conformar do que
qualquer outra coisa.
Glória murchou depois que perdeu seu amor, não a julgo, acho que
me destruiria se perdesse mia ragazza.
Ao retornar para o jardim, observo a equipe trabalhando, são quase
dez horas da manhã e a organização ainda não terminou. Procuro com o
olhar pela abusada da minha irmã e a vejo em frente a piscina sentada em
uma das cadeiras próxima a mesa, onde dois barmans organizam as bebidas.
— Jessica! — À distância ela se empluma toda vaidosa e cruza a
perna esperando por mim.
— O que faz aqui?
— Ora, meu honorável irmão, vim conhecer os rapazes que irão nos
manter hidratados. Nós garotas vamos tomar um solzinho à tarde e
bebericar uns drinks.
— Tenho certeza que ninguém vai usar trajes de banho na festa.
Perdeu o juízo?
Um dos barmans deixa uma taça sobre a mesa e ela agradece em
francês, charmosa e sorridente, observo o homem hipnotizado. Limpo a
garganta de modo a terminar com a interação dos dois e pego a taça para
cheirar o que é a bebida.
— Tiziano! — começa ela com voz baixa, porém divertida. — Seu
humor não combina com o de um aniversariante, e a caretice com relação
aos biquínis não combina com sua idade.
— Só quero que tudo saia perfeito hoje, confesso que estou
preocupado.
Não posso confessar que ando ansioso pela chegada da Selena.
Tenho tanta saudade de ficar a sós com ela!
Jess levanta altiva e toma a taça da minha mão.
— Está tudo organizado aqui do lado de fora, irmão. Não se
preocupe, a comemoração será perfeita.
— Posso pedir para que se comporte hoje?
Ela emite um grunhido de pouco caso e bebe um gole da água
saborizada.
— Com relação ao que?
Olho para a taça em sua mão e ela solta uma risada displicente.
— Acha que vou passar do limite só porque tem bebidas ao meu
dispor?
— Não é isso, Jess. Sei como gosta de se divertir, só peço que
modere esta tarde e não faça como na última festa que te encontrei.
— Para o seu governo, aquela noite foi um fato isolado. E se pensa
que depois do almoço vamos ficar na água de flores, está muito enganado.
Melinda, eu e Selena vamos aproveitar a piscina com muitas bebidinhas.
Afinal, somos três pessoas adultas, com perfeitas faculdades mentais e livre
arbítrio para decidir o que queremos. Vá bene?
Ela devolve a taça, agradece e me deixa sem argumentos. Mas nem
sobre o meu cadáver que vão babar na minha namorada. Era isso que eu
temia. Se algum figlio di puttana olhar para ela, eu arranco os olhos, não me
interessa se for um dos meus primos postiços.
Me afasto do jardim em direção à mansão. Gabe avesso a festas,
bem que poderia ter outra personalidade, talvez uma mais maleável que me
ajudasse nas interações sociais, às vezes sinto falta de um irmão mais
parecido comigo. Jessica também me deixa apreensivo às vezes, sua
rebeldia ainda irá pôr em risco minha diplomacia. Que cenário hein,
Tiziano!
Os filhos dos afilhados da minha avó, que são considerados primos
pela família, vêm chegando um a um. Mirko e Melinda avisaram que vão se
atrasar um pouco, e eu pensativo com a espera por Selena. Será que ela não
vem? Tenho planos para nós dois.
Após trocar minha roupa no meu quarto, retorno para o primeiro
andar. Na sala de jantar ouço uma algazarra entre minha avó, minha mãe,
Jessica e Melinda, mas uma voz sobressai suave e polida, a dela. Ela
chegou! Já sinto um calor incomum e a aceleração do meu pulso. Por que
Selena está agradecendo? Eu é que tenho que agradecer por ela ter vindo.
Ao olhar para a sala, meus olhos encontram diretamente ela. Está
usando um vestido rosa elegante, com os cabelos soltos, do jeito que gosto.
Seu sorriso ao me ver reflete o meu, mas logo disfarço, limpando a garganta
para cumprimentá-la, juntamente com a esposa do meu amigo.
— Fico feliz que vieram, Selena e Melinda. — Mas as boas-vindas
são só para a dona dos meus sonhos, meus olhos pertencem somente a
minha garota, que sorri tímida em resposta. Corada fica ainda mais
irresistível!
— Onde está meu pai? Já chegou da empresa? — Tento agir
naturalmente e acho que funciona, pois todas voltam a conversar apesar do
nosso diálogo silencioso de olhares.
— Sim filho, Nicola está trocando à roupa e já desce. Mirko está a
sua espera — responde minha mãe.
— Ok, vou encontrar com ele lá e fiscalizar se está tudo pronto para
o almoço, logo aviso vocês.
Ao sair pela porta, encontro meu irmão escorado na árvore em
frente à casa fumando seu cigarro. Chego ao seu lado cruzando os braços.
— Vai almoçar conosco?
— Preferia sentar em uma colmeia de abelhas africanas, mas nonna
insistiu que eu participasse — fala ele baixo sem olhar para mim.
— Como foi a ronda, Gabrielle?
Ele me encara enfadonho, demonstrando como está animado para
sumir daqui.
— Às vezes duvido que tenha um coração batendo aí dentro, Gabe!
— Está sensível pelos vinte e seis anos? É falta das minhas
felicitações? Parabéns, ehhh viva! Buon compleanno, joyeux anniversaire,
feliz cumpleaños, happy birthday, go maire tú do lá breithe, s dnem
rozhdeniya! Mais feliz agora?
Mal-humorado ele é ainda mais ácido.
Desanimado, ando em direção às mesas. Cumprimento meu amigo
Mirko engatando uma conversa sobre o trabalho.
Mas o papo é interrompido pela chegada de Glória e o pequeno
António entrando na propriedade. Trocamos olhares, sem entender a
mudança de atitude da viúva de Lorenzo. Caminho rapidamente até o início
do jardim para recebê-los.
— Glória, que prazer que aceitou meu convite. Ei, garotão! —
Inclino-me para cumprimentar o menino ruivo, que agarra a perna da mãe
tentando se esconder.
Me emociono ao ver como ele está crescido e é a cópia do pai.
— Sou grata por sempre lembrar de nós. Toni, se apresente para o
aniversariante e entregue o presente. Esse é o tio Tiziano.
Ergo meu olhar para ela e Glória oferece um incentivo para puxar
conversa com o menino.
— Não precisa entregar o presente agora se não quiser, pode ser na
hora do bolo. O que acha, Toni? — digo ao ver a caixa pequena em sua
mão.
— Bolo? — pergunta ele timidamente.
— Tem bolo, posso levar você para ver como é enorme.
Ele confirma ao balançar a cabeça. Andamos os três pela grama
aparada até as mesas.
— O que a fez mudar de ideia, Glória?
— Acho que é o momento de Toni conhecer o pai por meio dos
amigos dele. Ninguém melhor que você e Rossi que eram os sócios e
melhores amigos de meu Lorenzo. E sua avó na última conversa que
tivemos, me ajudou a perceber isso.
— Hum, certamente foi uma ótima decisão. — Nonna Olímpia
consegue manobrar qualquer coisa.
Ao nos aproximarmos dos outros convidados, Mirko se achega e as
mulheres que estavam lá dentro se juntam a nós no jardim. Selena fica por
último na soleira da porta da mansão, observando atenta minha interação
com Toni, então o levo para cumprimentá-la, na porta.
O garoto até então tímido, um minuto atrás, transforma-se em um
grilo falante.
— Oi, me chamo António Zattari.
— Olá, eu sou Selena Malpucci, é um prazer conhecê-lo — ela
estende a mão para cumprimentá-lo e o garoto se exibe todo para ela.
— Ele é filho de um grande amigo — explico.
— Meu pai morreu quando minha mãe estava grávida de mim —
dispara Toni em sua sinceridade genial.
— Oh! Meu Deus, sinto muito, António. — Selena se surpreende
com a revelação do moleque. Pouso a mão no ombro dele e declaro
confiante:
— Tenho certeza que Lorenzo está orgulhoso vendo o menino
inteligente e educado que você se tornou.
— É, sou inteligente e bonito como o meu pai.
— Não tive a oportunidade de conhecer seu pai, mas concordo.
Você é o menino mais bonito a quem fui apresentada — Selena dá um
sorriso estonteante para o garoto que se fosse para mim eu derreteria feito
um gelato no sol do verão. Ele me olha feliz e fala:
— Viu tio, ela me acha bonito.
Observo a conversa dos dois segurando o riso pelo
conquistadorzinho todo vaidoso. O garoto tem só três anos! Além de
articular frases e diálogo perfeito, me surpreende pelo carisma igual a
Lorenzo.
— Você é uma princesa da Disney que veio para o aniversário do
tio?
Selena desvia o olhar para mim, constrangida e sem resposta.
— Sim Toni, é uma princesa, mas não é da Disney, é daqui de
Veneza mesmo — respondo vendo seu sorriso tímido.
— Você está irritada, princesa? — Toni pergunta.
— De forma alguma, por que acha isso? — ela se inclina para olhar
nos olhos dele, muito simpática e cuidadosa.
— Quando minha mamãe fica com o rosto vermelho assim, é
porque está muito nervosa comigo. Aí eu peço desculpas rapidinho. —
Dessa vez ela ri mais alto.
Nonna se aproxima e chama o menino para ver os doces, o que ele
atende depressa.
Minha bella com esse vestido soltinho está magnífica, apetitosa na
verdade, os olhos acenderam com esse tom de rosa, eles brilham tanto
quando a encaro que é impossível desviar. Os lábios levemente maquiados
ficam maravilhosos. Tem a cor do seu mamilo. Porra!
Não posso lembrar isso agora.
— Estava contando os minutos para te ver, Selena.
Os cabelos sobre os montinhos dos seios fazem uma ondulação tão
delicada, lembro de seu corpo nu naquela praia, um espetáculo
inesquecível. Me ajoelharei todos os dias para lambê-los agarrado às
madeixas douradas. Concentra Tiziano, ah cazzo! Meu pau feito rocha
chega a doer dentro da calça.
Percebo que ela está um pouco tensa e envergonhada. Fico curioso
sobre o que se passa em sua mente quando está perto de mim.
Olho para seus lábios em movimento, ela fala rapidamente, preciso
me concentrar para não pensar no que quero fazer com ela.
— E eu ansiosa para entregar o presente que escolhi para você,
Tiziano.
“Só consigo pensar... ah, minha deusa, só quero você de presente.
Quero sua boca, seu cabelo e todo o resto na minha cama. Mas tenho que
aguardar mais um pouco.”
Ela avança para dentro do hall e pega uma pequena caixa no
aparador. Eu a sigo imediatamente, ansioso para tocá-la mesmo que por um
breve momento. Ela me entrega o presente e a primeira coisa que percebo é
o seu tamanho, mas quando suas mãos tocam as minhas, meu corpo
incendeia. É a falta do toque essencial da minha garota, vital para a minha
sobrevivência.
— Não havia necessidade de comprar nada, sua presença já é meu
presente. — Seus olhos intensos não desviam dos meus segurando minhas
mãos com a caixa. É tão doce a maneira que responde!
— Convite para uma festa pede um presente especial — responde
sorrindo.
Controle-se Tiziano, é apenas saudades que você tem! Faz uma
semana desde que se beijaram. Não a agarre, estamos em público e haverá
um problema gigante se você se deixar levar pelo seu desejo. Mas, Selena
não facilita aproxima-se um pouco mais e percebo um olhar diferente,
quase receoso.
— Fiquei pensando no que escolher, é tão difícil presentear homens,
nunca fiz isso. Sei que viaja bastante, muitas vezes de motocicleta e como
há perigos na estrada, sua família deve se preocupar muito.
Ouço muito interessado, aonde ela quer chegar? Nem imagino qual
o presente.
— Sabe, fiz aquelas fotos na igreja a pedido do padre Inácio e
naquele dia encontrei um motociclista muito gentil.
Um figlio di puttana se aproximou dela? Preciso descobrir quem
foi! Meu corpo fica tenso com ciúmes repentinos, mas sinto o toque dela e
relaxo, absorvendo o calor das suas mãos nas minhas.
— Fazia parte do coral, era um senhorzinho muito simpático —
Suspiro aliviado ao perceber que era um velhinho, não há o que se
preocupar Tiziano. — E ele comentou comigo sobre um Santo protetor dos
motociclistas. Percebi a importância de ter algo que represente proteção,
algo para lembrar que sempre há alguém que ama e espera por você.
Comprei uma pequena medalha para você usar. Desejo que esteja sempre
seguro e iluminado em todos os caminhos, Tiziano. Desejo que sua fé
sempre cresça. Se algo doloroso pesar em sua alma, lembre-se de que há
pessoas que amam você e estão aqui para compartilhar seus momentos.
Basta que esteja seguro ao voltar para elas.
Selena abaixa a cabeça e enrubesce, deve ter pensado muito no que
falar, foi lindo o que ouvi.
— Isso claro se você aceitar usar.
Encaro os olhos brilhantes. Apesar da melancolia constante, há tanta
doçura que meu coração parece se expandir no peito. Essas palavras ficarão
gravadas em minha alma até o fim. Ela é a mulher mais linda que já vi.
Minha garota quer me proteger, cuidar de mim, e eu só penso em sexo
quando estamos juntos. Cazzo! Não sou digno da beleza que ela possui, sou
corrompido, egoísta em meu desejo por ela. Aceito minha maldita natureza
egoísta, pois a quero com todas as minhas forças. Em breve, ela será minha
esposa!
Faço um esforço sincero para me recompor e respondo com um
sorriso:
— Sim, claro que aceito. É de São Raphael? — Retribuo o sorriso
doce e sincero. O cuidado dela comigo nunca senti igual, derrama pelo
olhar e isso só me faz amá-la mais.
Ela confirma, enquanto desembrulho e contemplo a joia, percebo
que ela espera ansiosamente minhas reações.
— Selena, foi um gesto muito generoso, adorei a escolha e agradeço
do fundo do coração. É um presente lindo que vou carregar sempre comigo.
Seus olhos se iluminam e seu rosto mostra satisfação, mas ela não
percebe que para mim, o valor não está no material, poderia ser de lata ou
vidro. O que importa é a lembrança carinhosa. É tão perfeita quanto ela,
única e sincera, algo que guardarei para sempre. Este pequeno pedaço da
minha garota estará comigo aonde quer que eu vá. Com carinho, fecho o
cordão de ouro ao redor do pescoço.
— Não se preocupe com o valor, Tizi, precisava ser algo que não
deteriorasse, afinal, não é sempre que o papa abençoa relíquias em tão
pouco tempo. — Encaro-a rapidamente espantado.
— Você enviou ao Vaticano? — Ela balança rápido a cabeça
mordendo o lábio para não rir do meu jeito.
Que pergunta idiota Tiziano, o sobrenome Malpucci consegue até
uma audiência com o Santo padre se quiser.
— A nonna vai morrer quando souber! — Ela ri mais e não resisto
em tirá-la do chão e rodopiá-la em um abraço.
— Feliz aniversário, Tiziano! — ela murmura em meu ouvido.
— Obrigado, minha princesa de Veneza.
Aproveito esse pequeno instante e cheiro seu cabelo, apertando seu
corpo quente junto ao meu. Beijo seu rosto e arrisco um selinho em seus
lábios curvados pelo sorriso.
— Adorei o presente e não vou deixar você ir para casa antes de
ganhar o meu beijo de aniversário, vou encontrar uma maneira de ficarmos
a sós depois. — Com a proximidade sussurro em seu ouvido.
O som de Toni e minha avó ecoa ao retornarem no topo da escada.
Solto-a, mas ainda seguro suas mãos, mantendo essa ligação especial.
Selena deseja que retorne em segurança para quem amo. “Sempre voltarei
para você, minha preciosa.”
— Que bom que gostou, é um alívio ter acertado o presente.
Observo como os fios de cabelo emolduram seu rosto, é como se ela
estivesse envolta em uma aura angelical… o anjo que vai me salvar da
escuridão, meu amor.
— Bionda! Onde está você? Não acredito que não trouxe sua roupa
de banho para irmos na piscina à tarde. — A voz de Jessica nos interrompe,
não sei se amaldiçoo ou agradeço, limpo minha garganta visivelmente
atordoado de emoção.
— Selena me entregou seu presente, uma medalhinha de São
Raphael para a minha proteção. Não é bacana, Jess? — disfarço bem meus
sentimentos à flor da pele.
— Certamente, muito devoto que você é, né Tiziano! Precisa mesmo
de proteção dupla. — debocha a abusada. — Vamos nos acomodar para o
almoço, depois quero mostrar meu biquíni novo, amiga. — Ela arrasta
minha namorada para longe.
Nossos olhares ainda se cruzam antes de se afastar. Beijo a
medalhinha como se fosse ela e espero o menino descer a escada com
minha avó e seu meio sorriso.
Dona Olímpia fez de propósito nos deixar a sós? Ela percebe mais
do que mostra, devo ser mais cuidadoso com o que planejei esta tarde com
Selena. Ninguém pode descobrir.
CAPÍTULO 28

(Ily I Love You Baby – lofi edit)

O almoço corre bem, depois das felicitações e doces, todos relaxam


com os drinks e conversas. Alguns trocam a roupa pela de banho no andar
de cima, apesar do calor, não tenho intenção de fazer o mesmo. Fico
satisfeito em ver que Selena continua de vestido, as roupas de minha irmã
não serviriam de nenhuma maneira em minha doce ragazza.
Bebo meu cálice de vinho, ouvindo a conversa entre os filhos dos
afilhados de minha avó. Alezzandro vangloriando-se da graduação em
economia, do carro novo e de outras merdas fúteis para os outros dois. Um
babaca!
Após alguns minutos, é difícil me manter indiferente ao assunto
deles. São uns maledetti idioti (malditos idiotas), falando do que fazem com
as garotas que ficam nas festas, de como algumas vezes as humilham depois
de obterem o que querem. Me enoja esse tipo de homem, posso ser o pior
sujeito para julgá-los na questão das fodas, mas jamais falei do que fiz com
uma garota depois de passar a noite com ela.
Vejo meu irmão com seu semblante de pedra que oculta qualquer
emoção, muito interessado na conversa, quieto bebericando algo na mesa
próxima. Garanto que se Alezzandro percebesse a forma que Gabrielle o
analisa, se borraria nas calças. Os olhos intensos não perdem um detalhe
dos gestos e trejeitos escandalosos do cara. Meu irmão possui vários dons
natos, o de amedrontar as pessoas com seu olhar é um deles.
Não sei se as lentes de contato mascaram ou acentuam o desconforto
que causam ao encarar as pessoas, parece ser capaz de sondar a alma de
qualquer um que cruze o seu caminho. Só sei que Mads Mikkelsen[iv] perde
feio na intimidação facial para Gabrielle. Sua expressão ao ouvir a conversa
dei tre stronzi (dos três idiotas) na mesa ao lado, está pior que a minha,
acho que se ele pudesse cortaria cada um deles em pedacinhos e atiraria no
mar.
— Cara! Por que a amiguinha da sua irmã não quis colocar um
biquíni? Será que está com medo da gente? — Viro o rosto em câmera lenta
para ver Alezzandro perguntando debochado para mim.
— Ela deve ser uma delícia! — expressa ao outro muito interessado
na vista da piscina. Se olhar para minha irmã também, vai se arrepender de
ter nascido.
Antes de me levantar de onde estou, Mirko ao meu lado, segura meu
braço e resmunga:
— Não vá por esse caminho, Tiziano! Calma!
Já fui muito impulsivo na vida, hoje tento me controlar, porque um
ato pode fazer a imagem de uma pessoa.
— É melhor não se meter com a filha dos Malpucci, Alê. Nem uma
boceta de ouro vale um incômodo desses — avisa Roberto ao seu lado.
— Aquela é a filha dos Malpucci? Não a conhecia ao vivo, bem,
está explicado o porquê dos pais se referirem a ela como il gioiello (a joia).
— Você conhece o casal Malpucci?
— Não. Meu pai falou que os encontrou em um evento na Sicilia,
mas não deu detalhes e quando insisti, desconversou.
— Hum, entendi.
Rapidamente o assunto muda, mas fico intrigado com essa pequena
história. Meu irmão neste momento se afasta para dentro da mansão com
suas passadas largas e movimentos calculados. Provavelmente, surgiu um
compromisso.
Algum tempo depois vendo as meninas na piscina, menos Selena
que está fora dela fotografando, me aproximo com drinks e o baldinho de
gelo.
— Antes de terminar o dia, pode tirar umas fotografias minhas?
— Sim, claro que posso.
Na realidade, essa pergunta é para confirmar quem está
acompanhando nossa conversa. Com a movimentação da equipe de garçons,
alguns convidados amigos de meu pai se despedindo e a algazarra na
piscina, ninguém está dando a mínima para a nossa interação.
— Daqui a pouco vou na adega buscar uma garrafa de vinho e
talvez eu beba um pouco na tranquilidade do local. Espero você lá. —
Baixa e rouca minha voz não é percebida por ninguém além de quem ouviu
o convite.
Apesar de enrubescer um pouco, Selena confirma que vai.
Ao entrar na adega de vinhos, o ar fresco e levemente úmido
envolve o ambiente, criando uma atmosfera convidativa e sofisticada. O
cheiro característico das uvas maduras e dos barris de carvalho impregna o
ar.
As listras dos raios de sol penetram pelas minúsculas aberturas,
estrategicamente posicionadas distante das garrafas, apenas para manter a
temperatura do ambiente. Deixando a iluminação baixa e sedutora.
Amo vinhos, a família toda ama, meu pai planejou muito bem para
manter essa adega no porão, mesmo tendo reformado e modernizado a
mansão, esta estrutura se manteve praticamente igual de quando a comprou.
Ao caminhar pelas estreitas fileiras de vinhos cuidadosamente
organizados, é possível sentir o aroma inebriante que se desprende das
garrafas. Admiro os requintados rótulos, cada um contando sua própria
história de sabor.
Escolho um vinho rosê delicado. Um moscato de Piemonte. É
perfeito para degustar com minha preciosa ragazza. Pego uma taça e abro a
bebida, levando comigo para o fundo da adega. Sento-me no degrau de
pedras da parede artesanal, não é um lugar propício para descanso, é apenas
a divisória da parede com espaço para acomodar uma garrafa. Passei o dia
planejando um lugar para ficar a sós com Selena e aqui entre as duas únicas
barricas de carvalho envolvidos pela magia do vinho é um excelente
esconderijo.
O som dos passos apressados ecoa pelo piso de pedra, ressoando
uma trilha sonora suave e elegante à medida que meu sonho dourado vem
até mim, e um sorriso lento desprende no meu rosto.
— Tizi! Onde você está? — Ao longe, posso ouvir a voz suave.
— Aqui no fundo.
Aperto o sistema automatizado e tranco a porta da adega. Ninguém
saberá que estamos aqui. Quando ela chega, percebo que está com as
bochechas coradas, talvez pela caminhada apressada ou timidez. E eu amo
isso!
— Esse lugar é incrível! — ela gira analisando o espaço, encantada
com o que vê.
— Nunca havia entrado na nossa adega?
— Não, Jess nunca me trouxe aqui.
— Mas já provou o vinho, presumo.
Seu sorriso envergonhado me desconcerta. Ela precisa relaxar, está
nervosa, talvez por estar fazendo algo proibido.
— Também não. Não tenho idade para certas coisas, inclusive
ingerir bebidas alcoólicas.
— Hum. Discordo. Acho que na sua idade pode fazer tudo. Quero
dizer, você é perfeitamente capaz de saber o seu limite. Aproxime-se, prove
uma taça comigo.
Selena obedece e quando está a centímetros de distância, entrego-
lhe a taça. Receosa, segura o cristal na mão e sorve um pequeno gole.
— Hum… é delicioso!
Vejo a língua alisando o lábio de modo sutil, provocando um tremor
no meu corpo inteiro. A posição em que estou, nos deixa no mesmo nível
de altura, afasto minhas pernas e de maneira gentil, mas fremente, a puxo
para perto, enquanto bebe outro gole. Mas, sou rápido em tirar a taça de
suas mãos.
— Calma, princesa de Veneza. É delicioso, e alcoólico. Por mais
que escolhi o mais suave e fraco, pode causar sonolência rapidamente em
quem não é acostumada, como você.
— Acho que será minha bebida favorita.
A memória do sonho da semana passada onde vi nós dois juntos em
uma atmosfera sedutora e pouca iluminação, era aqui, exatamente nesta
adega. Varro da mente essa percepção e por agora, concentro-me na mia
ragazza.
— Ok, mas o vinho não é para beber e sim degustar, apreciar. É
muito mais do que uma simples bebida. É uma verdadeira paixão que une
pessoas, celebra momentos e enriquece a vida.
— Interessante, não sabia que apreciava tanto essa bebida. Você não
tem cara de que gosta de vinhos.
Ela reflete brincando com a gola da minha camisa. Acho graça da
observação e encaro seus olhos límpidos por mais segundos que o normal.
— Tenho cara de que tipo de bebida?
— Algo mais intenso, uísque eu acho.
— Já provou uísque, Selena?
— Não. — Seu riso divertido é uma graça.
— E como sabe que é mais intenso ou forte?
— Eu vejo filmes, Tiziano — responde confiante.
Sirvo mais um pouco e entrego para ela.
— Nem tudo o que se vê em filmes é a realidade. — Ao devolver a
taça, bebo o restante. — O que mais os filmes te ensinaram?
— Nada! — amo a felicidade em seu rosto corado.
Até esse momento, meus toques foram sutis, mas no limite do meu
desejo abraço sua cintura juntando seu corpo ao meu. Selena arfa em meus
braços, enlaçando meu pescoço.
— Mentira! — roço meu nariz no dela, sentindo o perfume do vinho
em seu hálito.
Sua risada descontraída me encanta, poderia ficar horas admirando
esse sorriso.
Ela alisa meu peitoral e a medalhinha com reverência.
— Nunca assistiu um filme pornô?
— Claro que não!
— Lembre-se que você tem idade para isso.
Seu olhar encontra o meu, sinto como se esse momento fosse único
e somente nosso. Ela admira meus lábios e depois vem se aproximando, me
pedindo autorização silenciosa para estar mais perto. Quero que ela me
beije, ela precisa desejar o mesmo querer absurdo que sinto por ela. Precisa
tomar a iniciativa.
Seus lábios macios e quentes tocam os meus de forma leve como se
fosse um tremular de asas de borboleta, distribuindo pequenos e delicados
beijos, afaga meu rosto delicadamente com a ponta dos dedos. É carinhosa
como se estivesse se declarando para mim. Isso é bom e não é, porque a
sensação que provoca em mim é de um furor, como lava de vulcão prestes a
expelir.
Minha maneira de demonstrar o sentimento gigante e avassalador
por ela, é diferente, não é suave, mas sim arrebatadora. Foda-se! Chega de
represar meu lado animal. Tomo seus lábios com a avidez de um sedento.
Devorando sua boca com a saudade que me corroeu esses dias sem tocá-la.
Contrariando seus movimentos suaves, provocando sua reação de entrega
em resposta. Após o longo beijo, buscamos fôlego acalentados, sem nos
afastar. Nossas respirações entrelaçadas são interrompidas por sua
exclamação:
— Uau! — Observo seus lábios totalmente corados pela minha
voracidade, e logo suas bochechas ganham cor.
Selena foi criada em uma redoma onde a alta sociedade não permite
a liberdade e leveza do sexo para as garotas jovens. São educadas para
serem esposas, não amantes. É natural ela ser comedida e tímida nos gestos.
Toco seu rosto e dedilho seu lábio inchado pelo meu beijo. Deslizo a pele
delicada do pescoço e o ossinho do esterno.
— Estou com muita saudade, bella. Preciso sentir seu toque, por
favor.
Selena abre o primeiro botão da minha camisa com os dedos
trêmulos, mal sabe ela que estou me contendo para não rasgar sua roupa e
possuí-la como um animal irracional. Meu sistema entra em um estado de
alerta assim que sinto suas mãos quentes e macias alisando meu peitoral.
Meu corpo responde a carícia exploratória, como se o vulcão
finalmente estivesse ativo e expelisse lava incandescente pelos poros.
— Toque mais, quero sentir o calor de suas mãos.
Ela abre toda a camisa e a retira de uma forma lenta, que para mim é
uma tortura agonizante. Não consigo falar, apenas sentir a palma sedosa
deslizando pelas tatuagens do meu peito. Sua respiração rápida e pesada é
um estímulo poderoso.
Seus olhos desviam para baixo e miram em minha ereção, mas
rapidamente retornam para meu rosto.
— Você sabe que está duro por você, não sabe?
Selena confirma com um aceno, engole e umedece os lábios.
— Quando fala desse jeito me deixa tímida.
Tento acalmar meu corpo, mas minhas mãos estão trêmulas de
euforia e minha cueca começa a melar.
— Está tremendo? Deve sentir frio sem sua camisa.
— Sim, me abrace para me aquecer.
Seus braços me agarram e pouso a cabeça em seu colo e pescoço,
inspirando fundo, sei que não posso contar agora que estou desesperado
para sugá-la. As mãos afagam minhas costas e me vejo cheirando e
beijando a pele exposta do decote.
O perfume do carvalho das barricas de envelhecimento se mistura
ao aroma de lavanda, criando uma sinfonia olfativa irresistível. Cazzo!
Estou no inferno tendo o vislumbre do paraíso sem poder entrar.
Selena beija meus cabelos e ao fechar os olhos, a cena dela nua me
amamentando provoca uma alucinação tão vívida, que chupo por cima do
tecido o biquinho rígido. Os gemidos baixos são o que me impulsionam a
pegar uma de suas mãos e colocar sobre minha virilha.
— Ah! — Não seguro o gemido quando ela aperta levemente.
Espalmo sua mão e incentivo a acariciar sobre o jeans, respirando
profundamente ao sentir a porra vazando dentro da roupa.
— Selena! Preciso beijar seu corpo outra vez.
Se dissesse lamber seria demais.
— Será que alguém pode entrar e nos pegar aqui?
— Não. Fechei no controle, não há perigo. Quer namorar um pouco
daquele nosso jeito especial?
— Quero! — Seu olhar tímido por entre os cílios é meu fim.
— Preciso provar o gosto da sua boceta.
Seus olhos ampliam e seu rosto fica da cor de um tomate.
— Tiziano? O quê? Está falando sério?
— Muito sério, tenho certeza que vai gostar. Fique mais próxima da
parede, se apoie se for necessário.
Ansioso, me ajoelho e aliso suas panturrilhas. Sempre mantendo seu
olhar, os lábios entreabertos respiram pesado e acelerado, consigo até
mesmo escutar no silêncio do lugar. Minhas mãos vão escorregando para
cima e para baixo, até sentir que posso avançar na parte de trás das coxas.
Depois aliso até chegar na bunda.
— Oh Deus!
Percebo sua intenção de apertar as pernas uma contra a outra.
— O que está sentindo?
Sem controle, toco ansioso sua bunda, sentindo a textura lisa e
quente da carne firme e empinada. Meu corpo não me obedece, ele apenas
responde ao estímulo de senti-lo.
— Não sei, um calor incomum, uma necessidade de algo que não
consigo definir.
Queria dizer que esse algo sou eu, que é meu pau tomando posse do
que é dele, mas não posso assustá-la. Ao chegar na borda da calcinha,
deslizo a despindo lentamente.
Assim que tiro, levo ao nariz, inspirando a umidade da excitação
dela, me deixando em transe. Estou agindo como um viciado, e ao abrir os
olhos observo Selena tocando os lábios para suprimir o espanto.
— Como... Como vou sair daqui sem calcinha?
Guardo a peça no meu bolso e guio sua mão aos meus cabelos,
inspiro fundo buscando controle para responder calmamente.
— Ninguém vai perceber, seu vestido é solto e comportado. Não
precisa se preocupar. Só quero uma lembrança desse momento.
Meu coração acelera assim que dobro o vestido e admiro a fenda
nua sem pelos, é tão linda e delicada a bocetinha que me seguro para não
morder. Cheiro e roço meu nariz e lábios sentindo Selena estremecer.
O perfume da boceta molhada entorpece minhas funções cognitivas
de uma forma avassaladora. Estou entregue, ajoelhado reverenciando a
deusa que domina cada milésimo de segundo dos pensamentos.
Quando sinto em minha língua o gosto dos seus lábios macios,
lisinhos e molhados, gemo com um rosnado do fundo da minha garganta.
Meu cazzo melando, escorregando na roupa, ao gozar descontrolado.
Degusto a bocetinha deliciosa como um manjar açucarado.
— Ah! Dio, eu... Vou cair.
— Apoie-se na parede, segure-se em meus cabelos. — Ergo uma de
suas pernas em meu ombro e devoro seu néctar, que aumenta a cada
lambida voraz que desfiro.
A ardência do meu couro cabeludo só me deixa mais faminto, pois é
o sinal visível de que vai gozar. Agarro sua bunda mantendo-a em pé e
chupo com vontade, ouvindo os gemidos da minha garota, alucinado e em
transe até fazê-la estremecer na minha boca.
Cazzo! Tô todo gozado, pela segunda vez encharcando minha cueca.
Amparo Selena e a coloco sentada no degrau que eu estava, mas ainda fico
entre suas pernas ajoelhado, admirando seu rosto pós gozo. Terei esse olhar
gravado na memória até chegar o dia em que a amarei nos nossos lençóis.
Tão linda saciada por mim. Ao me aproximar do seu pescoço, murmuro:
— Quer sentir seu gosto na minha boca, bella?
Ela gira o rosto e me encontra sorrindo parcialmente apoiado em seu
colo.
— Sinta o cheiro delicioso na minha barba, sinta como me alucina!
— Você é louco, Tiziano
— Sou louco por você, Selena. Beije seu homem!
Meu pau ainda está duro, louco para sentir seu calor, no entanto
preciso me acalmar.
Sua mão afaga a barba e ela cheira enquanto ri baixinho.
É o beijo mais alucinante que já compartilhei, voraz, faminto e
descontrolado. Ela demonstra que também está no limite ao corresponder a
avidez com que a devoro. Me morde e lambe com a mesma intensidade que
faço. Minha gulosinha perfeita!
Ao tomarmos fôlego, repouso em seu pescoço.
— Quero passar o seu aniversário com você. Programei uma viagem
para nós, em uma propriedade que comprei em Marghera — confesso.
— Não posso passar a noite fora, meus pais virão à Veneza.
Reservaram o restaurante para a comemoração. Juro que queria viajar com
você, mas não posso.
Suspiro fundo, mais uma vez os planos serão adiados. Paciência,
homem! Aguentou por quase uma vida para tê-la. Ela me abraça apertado
ao recusar o convite.
— Tudo bem, bella, mas podemos nos encontrar para receber o seu
presente?
Neste momento seu olhar me procura.
— Presente? Você já comprou o presente? O que é? — pergunta
eufórica.
— Claro que já providenciei, mas é surpresa. Se tem compromisso a
noite, vou liberar a agenda do meu dia para passar com você, o que acha?
A maneira surpresa que me avalia deixa-me extremamente
satisfeito. Selena precisa se dar conta que sua vida vai mudar em menos de
quinze dias. Ela será noiva de uma figura pública e não vou limitar nosso
tempo juntos, íntima e publicamente. Quero mostrar nossa felicidade ao
mundo e minha posse sobre meu tesouro.
— Vai passar a data comigo?
— O que um namorado faria?
Dessa vez ela sorri deslumbrada. Toca meu rosto com devoção, o
sentimento estampado no olhar.
— Celebraria o aniversário da namorada.
— Então é o que vamos fazer. Um dia romântico para celebrar essa
data tão importante. Agora devemos nos despedir, nossa falta pode estar
sendo percebida do lado de fora.
— Oh, sim, tem razão.
Nos despedimos e sugiro que ela saia primeiro do local. Levo
comigo o vinho e a calcinha, meditando um novo plano para ter um fim de
semana com minha namorada.
Seus pais atrapalhando foi um cálculo que não havia colocado na
equação. Merda! Quanto tempo ainda ficarei andando por aí de cuecas
meladas de porra? Já não aguento mais esses encontros pela metade.
CAPÍTULO 29

Três semanas passaram muito rápido. Desde que fizemos as pazes,


Tizi e eu nos encontramos várias vezes, mas, nenhuma foi tão intensa
quanto na adega, no dia do aniversário dele.
Esse é o motivo da euforia com que despertei hoje cedo. Acordei
com um nó no estômago, uma mistura de emoções que variam entre a
empolgação e o nervosismo. Finalmente, completei dezoito anos e irei
comemorar com meu namorado e meus pais, mesmo que não todos juntos,
mas em breve tudo será diferente. Tiziano será minha família e eu a dele.
Já preparei a roupa para sair e tomei meu banho. Ele especificou em
mensagem que vamos almoçar juntos, já que o jantar e a viagem terão que
ficar para amanhã.
A empolgação que sinto, também se deve ao encontro com meus
pais, passou mais de seis meses desde que nos vimos cara a cara. Estou
ansiosa para contar sobre meu namoro, mas preciso de calma e prudência.
Vou aguardar um pouco mais para não aborrecê-los. Talvez seja melhor
conversar com Tizi para uma sugestão de como revelar a todos sobre nós.
Após vestir a blusa e a calça, levo comigo o moletom. Ele avisou
que virá me buscar de lancha e não queria me ver resfriada por causa do
passeio. Do topo da grande escada para o andar inferior, Mafalda me
aguarda em sua postura inflexível, certamente para questionar para onde
vou às dez da manhã.
— Vai sair a esta hora, senhorita? Salvatore disse que o dispensou.
— Sim, Mafalda. E não me espere para o almoço, vou passar o dia
com os DiMateo e eles tem a própria equipe de segurança.
— O piloto vem buscá-la com a embarcação deles?
— Sim, vou esperar no píer, já fui avisada da chegada da lancha.
Passo por ela sem me incomodar com seu olhar curioso e acusatório.
Nada vai estragar esse dia.
— A propósito, feliz aniversário! Não esqueça de voltar a tempo de
se preparar para o jantar. Sua mãe mandou as opções de vestido e joias que
deve usar para a comemoração. Não pode se atrasar, sabe como seu pai
preza a pontualidade. Devem cear às oito em ponto. Portanto, precisa estar
no restaurante no mínimo quarenta minutos antes.
Quase reviro os olhos, assim como Jess faz às vezes, mas prefiro
evitar conflito.
— Não se preocupe, estarei aqui para me preparar.
Despeço-me e saio em disparada pela porta da frente. Chego ao píer
em minutos, pois avisto a lancha ancorada e o meu lindo príncipe piloto,
esperando na proa com seus óculos escuros.
— E como está a minha namorada aniversariante? Parabéns, amore
mio!
Exclama me puxando pela mão para dentro da embarcação e
agarrando meu corpo ao tomar um beijo.
— Você já me parabenizou a meia-noite e dois.
— A vontade era te raptar ainda essa madrugada.
Fico muito feliz com a alegria dele. Tiziano não para de sorrir e falar
palavras bonitas com declarações românticas. Rapidamente vamos para a
cabine, onde ele assume a direção.
— Para onde vamos?
Meu namorado, apesar do banco de pilotagem duplo, me coloca em
seu colo, diante do volante e me incentiva a segurá-lo para guiar junto com
ele, enquanto distribui beijos no meu pescoço e nuca.
— Quero entregar o seu presente, depois pensei em almoçar aqui na
lancha.
— Aqui?
A embarcação torna-se veloz quando ele aciona a alavanca de
aceleração. Mas não sinto medo, ao contrário, estou segura em seus braços.
— É, pedi que preparassem uma refeição mediterrânea para nós.
Trouxe o peixe pré-cozido e o acompanhamento.
— Amo peixe.
Sento-me de lado e enlaço seu pescoço.
— Dei sorte na escolha. E à tarde pensei em namorar um pouco na
suíte master, o que acha?
— Namorar? Daquele jeito que já fizemos?
O sorriso de lado misterioso e sedutor, tira o fôlego de qualquer
garota.
— Hoje você tem dezoito anos, bella. E contei cada minuto para que
esse dia chegasse. Me diga que me quer tanto quanto eu te quero?
O rubor incendeia meu rosto e mordo o lábio, fazendo Tiziano
mordê-lo e sugá-lo desacelerando a lancha.
— Quer ser minha, amore? — sussurra.
— É o que eu mais quero.
— Então confie em mim.
Navegamos mais uns cinco minutos, entre beijos e risos, até atracar
em um píer no continente, em um edifício que nunca estive.
Desde que falou sobre o presente, podia sentir a ansiedade
crescendo dentro de mim. E agora é como se eu flutuasse com a mente
envolta em uma nuvem de expectativa e mistério.
— O presente está ali?
— Sim. Essa é uma das minhas propriedades, ainda não tem
mobília, pois, precisa de uma reforma para alugar, mas tem um espaço onde
guardei o seu presente.
Insisto em saber, mas ele apenas ri das minhas perguntas, guiando-
me para fora e andando apressado em direção ao edifício de dois andares. É
enorme, quase uma quadra completa, e ao circular até a lateral dela, nos
deparamos com uma enorme porta de metal. Uma garagem que facilmente
comporta quatro carros lado a lado.
Em pé diante das portas fechadas, olho para ele tentando descobrir o
que há do lado de dentro e a falta de pistas sobre o que pode ser me deixa
inquieta. O que ele pode ter planejado?
— Abre, por favor! Estou curiosa!
Deve ser algo muito especial. Ele permanece misteriosamente
silencioso, com um sorriso travesso nos lábios. A porta começa a subir por
um comando do controle em sua mão, e um formigamento percorre minha
pele.
Meus olhos se arregalaram quando observo uma caixa enorme
embrulhada em papel dourado, com um laço de fita vermelha envolto em
torno dela. Deve ter um metro e meio de altura e dois de largura, é gigante!
Tem somente a grande caixa dentro das paredes brancas.
— Vá até lá! Abra! Puxe o laço!
Com as mãos trêmulas, faço o que ele diz.
Depois do laço e o papel laminado, rasgo o papelão fino com
urgência.
— Acho que precisa de uma mãozinha.
Tizi rasga uma parte onde encaixa as folhas de papel e todas se
soltam ao mesmo tempo.
Uma motocicleta fantástica aparece. Não qualquer uma, é o último
modelo Harley Davidson!
— Tiziano! Ela é linda!
Com cuidado, me aproximo, a pintura brilha com um acabamento
impecável, refletindo a luz ao seu redor e capturando meus olhos em um
jogo de reflexos. Os detalhes dourados a deixam feminina.
Aliso a lataria escura respirando profundamente, enquanto meus
dedos deslizam suaves sobre a superfície ao sentir a textura lisa da pintura e
do metal sob as pontas. Cada curva e contorno da lataria parecem ganhar
vida embaixo de minhas mãos, transmitindo uma sensação de fluidez e
movimento mesmo estando a moto parada.
O toque é fresco, quase gelado, e à medida que exploro, é como se
estivesse acariciando a seda. As batidas do meu coração estão tão altas, que
não consigo me concentrar em mais nada que não seja ela. Passeando ao
seu redor é uma sensação de excitação e euforia crescente. Devo me
controlar, minha mãe sempre diz que reações ousadas não são atitudes de
moças como eu.
É um poder diferente, estou prestes a embarcar em uma jornada
emocionante, como se a moto estivesse ansiosa para pegar a estrada
comigo. O couro do banco é um convite, um lembrete da liberdade que a
moto representa.
— É uma Fat boy[v]?
— Como sabe o modelo? — pergunta interessado.
— Aprendi a gostar de motos depois que me ensinou a pilotar.
Estudei cada modelo para diferenciar e ter assunto para conversar
com meu namorado, quero que ele goste de passar tempo comigo. A risada
gostosa ao se aproximar e me abraçar é tão perfeita. Fiz bem em decorar as
motos da marca, ele ficou surpreso e gostou disso.
— Eu mesmo criei e customizei essa Harley para você. Sim, é o
esqueleto de uma Softail Fat boy, mas as peças foram cuidadosamente
escolhidas para esse design. Deixei o mais leve que pude, mesmo assim é
muito peso para uma moça do seu biotipo delicado. Então a rebaixei para
que consiga ter autonomia mais segura, para conduzir uma máquina de mil
e setecentas cilindradas. Customizei as peças na troca de combinações
dinâmicas e eficientes sem perder a elegância do modelo, e fiz eu mesmo
cada detalhe. Precisava de uma motocicleta única, igual a você. E ninguém
poderia tocá-la além de nós dois.
Meu namorado é um artista, a complexidade do design, cada curva e
linha esculpida com precisão, demonstra isso. E só nós dois a tocamos?
Sinto-me parte dessa maestria, ligada a algo que foi cuidadosamente
projetado, construído e customizado especialmente para mim.
Não paro de sorrir, enlaço seu pescoço e o beijo. Lágrimas enchem
meus olhos, pela emoção de me considerar tão especial a ponto de criar
algo desse único. Ele fez o presente pensando em mim. A ansiedade que
havia me dominado antes de saber o que era, de repente se dissipou, sendo
substituída por um sentimento de amor profundo e gratidão. Ninguém fez
algo tão especial assim para mim.
É muito mais do que poderia ter imaginado. É um presente que
confirma a sinceridade de seus sentimentos. Faz parte da nossa história, é
uma lembrança eterna do amor que compartilhamos.
— Obrigada, eu amei o presente e amo você!
— O... O que disse? — Tiziano parece não acreditar, até eu mesma
não pensava em me declarar hoje, mas é a emoção tomando conta do meu
coração.
— Amei o presente, posso dar uma volta na quadra mesmo sem a
carta para conduzir? Ainda não falei com meus pais sobre isso.
Disfarço um pouco, porque não quero que leve o meu ‘eu te amo’
como uma grande coisa. Talvez tenha sido precipitado me declarar, droga!
Sinto-me tão imatura e boba ao lado dele que não sei o que falar.
— Sim, pode dar uma volta. Vou de carona para garantir sua
segurança.
Com os capacetes devidamente postos em nossas cabeças, saímos da
garagem. O ronco do motor é poderoso, e meu namorado abraçado em meu
corpo é a melhor sensação do planeta. Sinto o vento e a facilidade para
guiar por ser mais baixa, consigo alcançar os pés no chão com segurança.
Após o pequeno passeio de motocicleta pela quadra, retornamos
para a garagem.
— O que achou? Gostou de guiar a sua moto? Qualquer ajuste é só
me dizer.
— Sim. Ela é perfeita. Obrigada.
Ao descer da máquina, ele me entrega um molho de chaves e
controle.
— Mandei fazer uma cópia do controle desta casa para você. Assim,
quando quiser sair com sua moto ou retirá-la daqui para outro lugar, poderá
vir quando quiser.
Camuflo muito bem minha surpresa e espanto. Chave de uma das
casas dele? Uau!
— Não sei quanto tempo vai levar para conversar com meus pais
sobre as mudanças na minha vida daqui por diante. E isso inclui a
motocicleta. Papai é irredutível quanto a minha segurança.
— Entendo, mas você não levou em conta que é maior de idade
agora. Pode tomar suas próprias decisões, por isso a cópia da chave para
entrar aqui. Tome o tempo que precisar para contar a eles sobre os seus
desejos e como vai vivê-los. Só não esqueça que eles não podem te impedir.
— Você sempre sabe o que dizer no momento certo e faz tudo
parecer tão fácil.
Sou enlaçada em seus braços, sendo beijada, cheirada e mordida. As
nossas risadas enchem a garagem vazia, provocando ecos e sons que jamais
vou esquecer.
— Pronta para almoçar, mia bella?
— Pronta, meu príncipe.
— Príncipe? Não, amore. Não sou um príncipe.
— É um príncipe para mim. — Seus lábios tão perto, enquanto me
abraça são irresistíveis e a timidez que havia no início do nosso
relacionamento, já não existe. Tomo a iniciativa sempre que quero e o beijo
com voracidade.
— Para você, posso ser qualquer coisa. Vamos para a lancha? Estou
faminto!
Seguimos de volta com ele colocando a lancha em movimento, nos
levando para longe da costa, mas ainda a vemos a distância.
O almoço delicioso com salmão ao molho agridoce de figos e salada
de vegetais crus, estava perfeito. Após degustarmos, junto as conversas
amenas, ele me leva por uma escadinha, quatro degraus até o segundo
convés inferior e me apresenta a suíte. Diz que quando empresta a lancha
para alguém da família, este quarto fica fechado. É só dele, mas como
possuem o iate agora, nunca nenhum deles passou uma noite sequer nesta
embarcação.
— Che figo (que legal)! É lindo aqui embaixo.
O tamanho é toda a parte inferior da lancha, quase o comprimento
do meu próprio quarto. Todo em branco e detalhes em madeira envernizada,
aconchegante e sensual.
— Vou na adega aqui em cima, buscar aquele vinho moscato que
gosta. Fique à vontade, naquela porta à direita é o banheiro. Se quiser
colocar música ou tv, os controles estão sobre as cômodas ao lado da cama.
Olho para a cama king Size tão convidativa com lençóis brancos,
que não resisto. Jogo-me nela com tudo. Tateio em busca do controle, e
quando o encontro, avanço as músicas até às caixas de som espalhadas pelo
ambiente tocarem uma que eu gosto: ‘Cardigan’. A voz de Taylor me faz
suspirar de satisfação. As cortinas blackout estão erguidas, mas mesmo
assim a iluminação é baixa, porém não me sinto nervosa por esse momento.
Sei bem o que vai acontecer e espero tanto por isso que é surpreendente o
sentimento de tranquilidade. Acredito que saber que é o homem que amo
me deixa segura para me entregar.
— Vejo que gosta de Taylor Swift.
Tizi retorna com uma taça e a garrafa de vinho.
— É uma das minhas cantoras preferidas.
Ele senta-se na cama enquanto pergunta se quero vinho, explicando
que é o que provei na adega. Recordo muito bem o que fizemos lá e meu
rosto esquenta.
— Hum, parece que lembrou de algo que fizemos.
— Como sabe?
— Seu rosto me disse isso.
Ao servir o vinho na taça, bebe um gole com o olhar fixo no meu.
Quando tento sentar ele me incentiva a ficar como estou, deitada em seu
travesseiro.
— Eu vou dar o vinho na sua boca. Mas só um pouco, não quero
que durma.
Ele molha dois dedos e toca meus lábios lentamente deslizando de
modo suave, me fazendo lamber a bebida sedenta. Seus olhos estão mais
escuros, um azul profundo e sedutor.
O observo beber um longo gole e então se inclina sobre mim,
beijando-me com um restinho da bebida que não engoliu. É tão íntimo e
provoca sensações incríveis no meu ventre. Um calor e aperto necessitado
que faz minha língua trabalhar com ousadia dentro da sua boca. Ele permite
que eu sugue todo o restinho de líquido e murmura:
— Lembrou do cheiro da sua boceta na minha barba, amore mio?
Quando vê meu sorriso tímido, ele morde minha boca e segue com
mordidinhas em meu maxilar até o pescoço.
— Adoro quando fica tímida. Quero ficar com seu cheiro
impregnado no meu corpo inteiro e o meu no seu. Hoje pode fazer o que
quiser comigo, o que sentir vontade.
Respiro tão profundamente que deixo escapar um gemido, a risada
baixa e rouca no meu ouvido me enlouquece. Adoro esse som, parece que é
especial só para mim.
Levando em conta o incentivo, as sensações de calor e arrepio em
meu corpo, por seus beijos e lambidas, puxo o tecido da sua camisa e o faço
tirar. Espalmo as mãos em suas costas e aliso inteira até o cós da calça,
ouvindo um palavrão baixo e rascante.
Sinto cada músculo sob minha palma, ouso correr as unhas
levemente em sua coluna e sorrio quando ele arqueia mordendo o próprio
lábio.
— Selena, se me provocar assim não vou conseguir ir devagar!
Outra música começa, mas não presto atenção na voz. Minha blusa é
tirada num gesto rápido e o calor de sua pele queima como brasa. Ele
parece estar em todas as partes descobertas do meu corpo. A barba roçando
entre os seios arde um pouco, é um ardido gostoso de atrito, cheira minha
pele murmurando o quanto é gostoso fazer isso, que meu perfume é dos
deuses e que vai me amar por horas. Dio! A sensação é que sou a mulher
mais gostosa do planeta com seu jeito e seus elogios. Estou ansiosa para ser
dele!
Na transição de acorde da melodia, ouvimos meu celular no convés
superior. É inconfundível o som, coloco alto exatamente para não perder as
ligações de papai, ele não suporta quando não atendo.
— É meu celular! Preciso atender. Desculpe.
Ainda respiramos de modo acelerado quando nos afastamos.
— Onde deixou seu telefone? Eu pego.
— Ali, onde almoçamos, deixei a bolsa na mesa próxima a
escadinha de entrada do quarto.
Ele nem chega a subir todos os degraus, rápido puxa a bolsa pela
alça. Quando atendo, ouço a voz irritada de minha mãe.
— Onde está que não atende esse celular, filha? Mafalda nos ligou
porque está tentando falar com você e não a localiza.
— Estou com os DiMateo. Desculpe mãe, deixei o telefone no
segundo andar.
Sento-me vendo Tiziano alinhar o cabelo nervoso e andar pelo
quarto.
— Mandei a equipe do salão de beleza que me atende aí em Veneza,
para nossa casa na ilha para cuidar de você. Esteja em casa daqui uma hora.
— Mãe, mas são apenas duas horas da tarde! O jantar é só às oito.
— Tem que estar no restaurante Quadri antes do horário, não é
apropriado chegar quando todo mundo está à mesa.
É uma decepção enorme perceber que teremos convidados no jantar
familiar. Meu aniversário sendo comemorado com estranhos que não
conheço, é tão desconfortável.
— Achei que o jantar era íntimo, somente nós três como família.
— Está me questionando, Selena? Sabe que sempre sei o que é
melhor para você.
— Claro, a senhora sempre se preocupa com meu bem-estar —
reviro os olhos.
— Sim, e é por isso que sempre deve acatar minhas ordens. Até a
noite. Beijos querida.
— Tchau, mãe.
Guardo o celular com a tristeza estampada no rosto, procuro minha
blusa vestindo-a com agilidade. Mas, Tiziano agarra minha mão e me faz
sentar em seu colo. Nem percebi que ele estava na ponta da cama
analisando a situação.
— O que foi, bella?
— Preciso ir.
Seus dedos afagam meu rosto chateado alinhando as mechas dos
cabelos para me ver melhor.
— O que sua mãe disse ao telefone que te deixou tão aflita desse
jeito?
— A equipe do salão de beleza está me esperando em casa. Pelo
jeito vão trazer mais pessoas para o jantar e preciso estar pronta como ela
gosta. Desculpe, queria muito ficar, muito mesmo, mas é que...
— Tudo bem — os lábios colam nos meus em um beijo rápido —
Não fique mal por ter que ir agora. Posso te buscar amanhã e saímos para
onde quiser.
— Jura?
— Juro, tenho duas reuniões pela manhã, mas à tarde podemos
conversar melhor.
— Combinado.
Um, dois, três beijos de despedida depois e com a camisa arrumada,
ele volta à cabine, iça a âncora e me leva de volta para a casa na ilha. Ele é
muito compreensivo e cavalheiro ao se despedir, me assegura que está tudo
bem e é para aproveitar o jantar com meus pais que amanhã é a nossa noite.
Saio da lancha com o coração mais leve e menos apreensiva pela
tarde interrompida. Agora podemos sair como um casal normal e namorar.
Não devo ficar triste, hoje é dia de comemoração.
CAPÍTULO 30

(Tattoo – Loreen)
(Love On The Brain – Rihanna)

Deixei Selena em casa com a máscara de homem calmo e tranquilo,


a que sempre uso quando estou com ela. Mas por dentro estava com fogo
nos olhos.
Lógico que minha fúria é por causa daquela mãe filha da puta! Fazer
a garota cumprir suas ordens como uma cadelinha adestrada? E mais,
atrapalhando o nosso momento? Preciso agilizar esse noivado. Algo me diz
que não sou a escolha para a filha deles, mas foda-se! Qual partido melhor
eles podem encontrar? Sou o homem da vida de Selena. A amo e vou cuidar
dela, muito melhor do que seus próprios pais.
Guio a lancha até o meu apartamento no continente, relembrando
nosso dia. A felicidade de mia ragazza ao ver seu presente foi algo
indescritível. Ela reconheceu que foi algo importante, uma ligação profunda
entre nós que jamais vai se apagar. E depois seus passos saltitantes até a
lancha, aqueceram meu coração por ver sua felicidade.
Suspeito que o aumento no seu apetite na hora do almoço, foi a
alegria. Gostaria de ter seguido mar adentro com ela e viajado para longe,
onde ninguém nos atrapalharia. Com esse pensamento, atraco na garagem
das embarcações da família no continente, deixando a equipe na
manutenção e preparação da lancha.
Caminho uma quadra em direção ao estacionamento onde guardo
minha Rover. Dirijo focado nos meus próximos passos com relação aos
planos futuros. Preciso organizar um jantar em casa oficializando para a
família, mas, antes disso, tenho que falar sério com minha irmã. Contar a
ela como conheci sua melhor amiga, que foi bem antes da amizade delas,
esse é um fato que Jess precisa compreender.
Chegando em casa, algo na tarde de hoje martela a minha mente.
Selena questionou a mãe sobre outros convidados no jantar de
comemoração. E se levarem um casal com um herdeiro para empurrar para
ela? Muito comum na alta sociedade os casais amigos juntarem as famílias
por meio dos filhos. Ah, cazzo! Vou me preparar para sondar quem mais
estará neste jantar. A primeira coisa é ligar e fazer uma reserva no tal
restaurante.

Chego ao restaurante depois das oito. Consegui, no último minuto,


uma mesa em uma das áreas mais reservadas, o que me deixou satisfeito.
Este restaurante é clássico e luxuoso, frequentado apenas pela elite italiana.
Mesmo que já tenha vindo muitas vezes, a ostentação renascentista me
incomoda. São muitos elementos exagerados. Sinto-me fora de lugar em um
ambiente tão formal.
O papel de parede neoclássico, a opulência com candelabros e
lustres retorcidos. Nem a porra do Henrique VIII devia jantar em um lugar
como este! Caminho pelo corredor sobre o tapete luxuoso, guiado até uma
das alas onde alguns casais estão sentados em mesas para dois. Este salão é
diferente da sala de entrada, iluminação mais clara, com lustres de murano
amarelo, projetando uma luz suave e romântica no ambiente.
Nas vezes que frequentei esse restaurante, fiz uma certa amizade
com o maitre, Stefano. Digamos que temos uma relação de favores
profissionais e cortesia, pois, ele é um grande apreciador de motocicletas.
Na primeira oportunidade que um dos garçons se aproxima, mando chamá-
lo. Após cumprimentos calorosos de ambas as partes, pergunto sobre o
casal Malpucci.
— Ouvi de uma fonte, que o casal está na cidade e que tem um
jantar especial aqui esta noite.
— Hum, sua fonte está bem-informada. Fizeram reserva de uma
mesa para cinco pessoas.
— Sei, é aniversário da herdeira.
— Como sabe? É uma família muito discreta.
— Ela frequenta a casa dos meus pais, é melhor amiga da minha
irmã. Eles já chegaram?
Ele olha para a porta da próxima ala à minha esquerda.
— Não, ainda não chegaram. Só a filha está à mesa esperando. Já
trouxeram a carta de vinhos? Precisa de alguma coisa na qual possa ajudar?
— Sim, já escolhi a bebida. Obrigado Stefano, ajudou bastante.
Ele retorna ao seu posto com uma reverência polida. Meu vinho
Brunello chega e é servido, enquanto minhas pernas inquietas denunciam o
nervosismo sob a mesa. É um momento oportuno para enviar uma
mensagem à minha namorada. Percebo que, surpreendido, não consegui
expressar meu amor quando ela se declarou hoje à tarde.
Cazzo! E se apresentarem um filhote de engomadinho igual ao cara
do Porsche e ela se encantar por ele? Não! Ela me ama. Mas precisa saber
que a amo também.
— Oi amore, como está o jantar?
... imediatamente a resposta vem.
— Ainda não chegaram.
— Você está sozinha? Gostaria muito de poder estar aí para esperá-
los e conversar com eles. Acho que é o momento de formalizar nossa
relação.
Bebo da minha taça quase todo o tinto em um gole ao ver os
pontinhos digitando.
— Gostaria que estivesse aqui...
Um garçom passa pela minha mesa com uma garrafa de vinho rosê
cruzando a porta que Stefano olhou. Será que… será que a ragazza, está
bebendo? Preciso acabar com essa apreensão. Assim que ele retorna sem a
garrafa, espero alguns minutos e vou até lá.
Carrego comigo a garrafa de vinho atravessando a porta para a ala
seguinte. Neste ambiente, Henrique VIII jantaria e foderia Ana Bolena
sobre uma das mesas, com as toalhas feitas à mão.
Observo as quatro mesas redondas espalhadas pela sala entre
espelhos e aparadores. O luxo deste ambiente ressalta aos olhos. Vejo só a
mesa dela preparada para servir as entradas. As outras estão vazias, os
bastardos reservaram a ala inteira.
Selena está de lado, olhando a paisagem das luzes da cidade pela
janela, com uma taça vazia na mão.
Sento-me na mesa próxima a porta, um pouco atrás de uma colunata
estilo grega, para observá-la sem ser visto. Ela está maravilhosa, o cabelo
arrumado com uma presilha dourada de um lado, revela a orelha e pescoço
delgado. O vestido no tom pérola, comportado, com decote comedido e
mangas que escondem os ombros a deixaram uma boneca de porcelana.
Admiro as pernas à mostra sob saltos altos. Uma verdadeira principessa!
Passam-se quinze minutos enquanto observo seus gestos. Mia
ragazza olha o celular na bolsa de mão diversas vezes e bebe pequenos
goles. Seus pais não virão, isso é fato, pois já deveriam ter chegado.
Portanto, é minha oportunidade. Jamais permitiria minha namorada sozinha,
correndo o risco de se embebedar e alguém se aproveitar da situação. De
longe não vejo o quanto de bebida tem na taça ou garrafa sobre a mesa e
conforme caminho até lá, o foco é todo nela. Me surpreendo ao ver seu
rosto corado e olhos pequenos quando me oferece um sorriso largo.
— Ti..ziano, ic... você veio?
Arrasto a cadeira ao seu lado e me acomodo com a visão para a
porta.
— Eu vim, amore mio. Quero conversar com seus pais esta noite.
Selena já está alcoolizada. Observo a garrafa pela metade.
Quatrocentos miligramas de vinho para alguém que provou apenas alguns
goles, é o mesmo que três garrafas para um habituado ao álcool.
— Quanto você bebeu, bella?
— Só um ... pouquinho assim.
Ela faz sinal com os dedos e vejo as unhas esmaltadas. Selena nunca
pinta as unhas, está maquiada também, lindíssima, no entanto não é o meu
amor, é o que a mãe quer que ela seja.
— Sua última refeição foi o almoço comigo na lancha?
Seu corpo se encosta no meu e ela afaga meu rosto sorrindo
languida.
— Foi, ahhh! Aquela lancha! Vamos voltar para lá, meu amor?
Vamos embora desta cidade?
Fecho os olhos ao sentir seu afago e perfume maravilhoso.
— Estou de carro, podemos ir para onde quiser, mia ragazza. Mas
antes precisamos comer alguma coisa.
Ela faz um biquinho lindo com os lábios pintados e me seguro para
não mordê-los.
Envolvo meu braço em seu corpo e ela repousa em meu peito.
— Não estou com fome, não de comida.
Essas palavras chamam minha atenção e encaro seu olhar tímido sob
os cílios. Estonteante! E é toda minha, cazzo! Beijo seu narizinho, mas ela é
rápida ao me oferecer os lábios. A minha perdição, meu pecado em forma
de sonho, chupa meu lábio inferior e lambe atrevida. O álcool a deixou tão
sexy. Porra! Tão contraditória com sua aura de atrevimento inocente que é
impossível resistir. Não quero resistir a esse pedaço de céu!
— Selenaaa! — tento chamar sua atenção, mas começo a rir e me
deixo levar pelo seu sorriso sapeca e a beijo. Foda-se! A devoro com a
propriedade de dono, sou seu homem e ela, minha doce mulher.
— Você está linda! A garota mais linda que já vi!
Ela beija meu pescoço e gentilmente a faço parar, porque o controle
que habitava em mim até ontem, hoje não existe mais.
— Você vai me levar daqui com você? Quero passar a noite contigo
— sua voz soa um pouco arrastada.
— Primeiro vou pedir algo para comer, talvez a sobremesa seja mais
adequada.
O açúcar vai desacelerar a bebedeira. Faço um sinal para o garçom
que está a postos na porta da ala para que se aproxime. O homem com
blazer branco e gravata borboleta faz uma reverência educada, e ao
observar a minha mulher apoiada em meu ombro, dispensa um olhar de
piedade.
— Pois não, senhor?
— Traga-me a entrada. Somente o crostini, caviar e baccalà
mantecato. Traga também a sobremesa.
— Sorbet de damasco ou tiramisù, senhor?
— Tiramisù.
— Às ordens.
Ele se afasta levando consigo seu verniz de humanidade, minha
namorada não está desamparada, um pouco mais desenvolta e corada pelo
vinho, mas estou aqui para levá-la para casa. Apesar disso, não gosto dos
olhares preocupados dos funcionários sobre ela. Sirvo água fresca em outra
taça e faço com que beba.
— Eles não vêm, Tizi... meus pais faltaram no meu aniversário de
dezoito anos!
Afago seu rosto em um consolo, não quero vê-la chorar, porca
miséria (puta merda)! O que aqueles merdas têm na cabeça? Desalmados
do Caralho! Depois do casamento não vou permitir que eles sequer a vejam.
Nunca mais irão magoar minha mulher.
— Talvez tenha acontecido algo no caminho e eles estão atrasados,
não fique triste. Ainda é cedo.
O pedido que fiz chega à mesa, o garçom coloca os pratos e nos
deixa a sós rápido. Faço Selena comer um crostini e ela analisa se faço o
mesmo. Tenho certeza de que não está com fome, está decepcionada e
triste, mas é a única forma de fazê-la sair deste lugar repleto de olhos
fofoqueiros com a dignidade intacta. Não vou permitir que falem que saiu
bêbada ou carregada por mim.
— Mamãe teria avisado. Meu pai prometeu que viria.
— Bem, neste caso, algo muito urgente aconteceu que não
conseguiram avisar por telefone. Certamente mais tarde eles entrarão em
contato.
— Você não vai me deixar sozinha hoje, não é?
— Não! Nem pensar! Vou embora com a minha mulher.
— É tão especial ouvir você falar desse jeito, Tiziano.
O sorriso não chega ao olhar, mas pelo menos está tranquila comigo
ao seu lado. Dividimos a sobremesa, mas, procuro as partes mais doces do
creme mascarpone para dar a ela, me agrada que o esforço está dando
resultado. Selena começa a voltar a si. Seu rosto perde a vermelhidão do
álcool e seus movimentos ficam mais seguros. Bebe água sozinha e olha o
celular outra vez.
— Podemos ir embora deste lugar, agora?
A expressão de raiva mostra que recebeu uma mensagem deles.
Uma mensagem, cazzo! É desse jeito que conversam com a própria filha em
um dia importante como este? Chamo o garçom com a conta.
Coloco o casaco zibeline[vi] nos ombros de Selena e saímos de mãos
dadas. Não haverá fotos na mídia, pois dentro do Quadri[vii] não é permitido
imprensa e do lado de fora, já instruí Lázio com a equipe a postos para nos
blindar de qualquer engraçadinho. E mesmo que tenha, minha única
preocupação é Selena e depois minha irmã, que conversarei mais tarde se
ver nossa imagem juntos em algum lugar.
Ao sairmos do restaurante, meu Bugatti está a postos na entrada
com meus seguranças todos em posição de alerta. Entramos no veículo e
pergunto para onde ela quer ir, mas já vejo as lágrimas banhando seu rosto
delicado. Aviso ao meu chefe de segurança pelo celular, que faremos uma
parada no mirante. Para nos seguir a distância e manter vigilância quando
estacionar.
— Calma, Selena, não fique assim, amore mio.
Dirijo a máquina rapidamente com uma das mãos segurando a dela.
Em minutos chegamos ao nosso local. A lua cheia brilha no céu estrelado e
mesmo noturna, a paisagem é linda com as luzes da cidade lá embaixo. Esse
lugar sempre trará o vínculo latente que temos. Talvez ficar um pouco aqui
a acalme.
Assim que desligo o motor, aciono o controle para o banco ficar
mais confortável e espaçoso. Agarro seu corpo em meus braços e a aninho
em meu colo, beijando seu rosto.
— Só queria esquecer essa dor — Ela aperta o espaço no meio dos
seios e sinto o molhado quente de suas lágrimas em meu pescoço.
Isso imediatamente faz minhas entranhas revirarem, vou sofrendo
junto com esse lamento atravessando e dilacerando meu peito. Cada toque
mexe com meu corpo, mas agora o controle assumiu meus impulsos para
consolar minha mulher, é só isso que eu quero. Tirar a tristeza de Selena.
— Eles já faltaram algum aniversário assim outras vezes?
Seu olhar perdido está acabando comigo. Ela olha para um canto do
painel, perdida em seus pensamentos e vejo a dor estampada em cada traço
de sua expressão.
— Fiz tudo o que mandaram, sou uma boa filha, fiquei esperando
por eles. Meus pais prometeram que viriam ao meu aniversário. — As
lágrimas correm grossas pela face delicada.
Malditos! Esse olhar ferido corta a minha alma e desperta uma gana
de acabar com eles. Ela baixa a cabeça a pendendo como se fosse pesado
demais o fardo de mantê-la, e a vejo olhar para mim de baixo para cima
com uma decepção imensa.
— Estou cansada de viver sozinha naquela casa.
Limpo suas lágrimas com um nó na garganta. Mia ragazza tão frágil
e fragmentada na solidão. Aperto suas mãos entre as minhas tentando
confortá-la de alguma maneira, mas sinto que esse conforto é mais para
mim do que para ela, porque a sua dor é a minha dor.
Seu rosto molhado de lágrimas me faz sofrer, me inclino beijando
sua testa e face tentando contê-las. Sou egoísta demais, pois até suas
lágrimas quero para mim. Aflito por vê-la destruída dessa maneira, abraço
seu corpo. A minha menina solitária sofre e sinto-me impotente em mudar o
que sente. Sua linda voz falha ao continuar seu lamento.
— Os vi tão poucas vezes na vida pessoalmente, que vejo o
sentimento de parentesco enfraquecendo, Tizi. Pareço um objeto decorativo
que eles adquiriram e mantém por posse, não tenho ninguém por mim,
ninguém sente minha falta, não sou importante como pessoa.
Toco seu rosto molhado para que olhe nos meus olhos e me escute.
Mas vejo em sua face que ela acredita no que diz.
— Você é muito importante, é a pessoa mais importante do mundo
para mim.
— Eu sou?
— Sim, você é a minha preciosidade. — Seu sorriso triste é ainda
mais doloroso de ver.
Selena toca minha barba fazendo um carinho gentil, desliza os dedos
por meus lábios vidrada neles e não consigo evitar, tô fascinado nos dela,
rosados, entreabertos, o de cima mais gordinho que o inferior, esperando
pela minha boca, pela minha língua, pelo meu beijo. Olho com intensidade
em seus olhos.
— Eu te amo, minha preciosa — Me permito acarinhar a face
molhada com meu rosto, quero sentir sua pele, deslizo carinhosamente
tentando fazê-la não pensar neles de alguma forma. — Amo você, Selena.
Você é a única para mim, a única que tem meu coração nas mãos e tem um
poder sobre mim que ninguém tem. — Seus olhos me encaram
hipnotizados, mas o único hipnotizado dentro desse veículo sou eu.
Agora que completou a maioridade, vou explicar aos poucos o que
preciso, ela vai compreender e me aceitar, e tudo ficará bem.
— O que disse?
— Que eu amo você, bella. Sei que talvez você não lembre amanhã
por ter bebido no restaurante, mas amanhã e todos os dias da nossa vida vou
lembrá-la de que eu amo você, minha princesa de Veneza.
O sorriso é tão sincero e poderoso que jamais vai se apagar da
minha memória.
— Não estou mais bêbada, Tiziano. Com todo açúcar daquela torta
da sobremesa que pediu, estou perfeitamente lúcida das minhas ações.
E muito rápido ela confirma suas palavras, me deixando tranquilo,
jamais me aproveitaria da situação, por mais apaixonado e tarado por ela,
nunca foderia minha mulher se ela não estivesse completamente lúcida e de
acordo.
Selena ajusta a posição e monta em mim, embolando o vestido na
cintura. Segura meu rosto entre as mãos e captura meus lábios. Com uma
brusca mudança de atitude, beija-me tão voraz que é quase inacreditável,
dada sua tristeza anterior.
Correspondo sem pensar duas vezes, faminto por seus doces lábios,
mordo querendo um pedacinho do paraíso, enquanto meus cabelos são
puxados. Aperto sua bunda e ela ri alto, o riso doce contra minha boca é
alucinante. Seu perfume preenche o carro me levando a uma atmosfera fora
da realidade.
Quero Selena nessa realidade, na minha vida real com tudo o que
tenho direito. Viagens, fodas, filhos, e tudo o que for possível imaginar com
ela.
Ela senta largando o pouco peso sobre o meu quadril e se esfrega
deliciosamente na minha ereção, gemendo baixinho contra minha boca,
fazendo um formigamento de prazer se espalhar pelo meu corpo inteiro.
Me admira com olhos brilhantes e meu rosto em suas mãos
parecendo me adorar, mas é ela o motivo de minha adoração. Sei que não
vou resistir, seu jeitinho me arrebata e a pele dela me incendeia, cazzo! Tô
muito excitado!
Num gesto impulsivo, puxa o vestido pela cabeça e desata o sutiã de
renda, tirando de mim um rosnado ansioso.
— Puta merda! Você é melhor que em meus sonhos!
Abro os botões da camisa atrapalhado com a velocidade.
— Você sonha comigo, Tiziano?
— Sonho, sonho com você em todas as partes do meu corpo e eu no
seu.
Ela sorri beijando meu pescoço e descendo pelas tatuagens do
peitoral.
— O que faço nos seus sonhos?
Guio seu rosto de volta para beijar e forço seu quadril sobre o meu,
fazendo-a rebolar. Os beijos e mordidas que deixo em sua pele sedosa a
arrepiam e ela arranha minha nuca.
— Você me deixa te lamber inteirinha.
Desço a boca buscando o seio fresco. A minha perdição.
— Ah, e o que mais?
— Te fodo em todos os cômodos e móveis da nossa casa.
Sugo o mamilo rígido sentindo seu quadril elétrico dançando sobre
o meu, buscando o atrito delicioso. Ela enlaça os braços em volta do meu
pescoço e geme meu nome em delírio com a voz soprada, suave e falha, é o
melhor estímulo sonoro que já escutei.
— Ah! Dio!... ah como amo você!
Seu gemido é música para os ouvidos. Selena amolece inteira depois
do primeiro orgasmo seco. Busco o cós da minha calça e o cinto abrindo e
tentando liberar o pau. Ela ajuda e puxa tudo junto, me deixando nu.
Não consegue parar de olhar, surpresa por nunca ter visto, seu rosto
ganha cor.
— Posso pegar no seu... pau, Tizi? — pergunta timidamente com a
voz baixa.
Ah cazzo! Meu sorriso entrega o fascínio que ela exerce sobre cada
molécula do meu corpo. Ela lembrou como ensinei e o modo natural de me
seduzir é irresistível.
Afago seu rosto e queixo, guiando de volta para cima. Não quero
comer sua boca antes da boceta. Quero a foda completa para selar nosso
amor.
— Tira a calcinha e vem. Quero você, meu amor.
Ela obedece e volta a montar.
Guio sua mão para pegá-lo entre nossos corpos. Fecho os olhos e
mordo o lábio ao sentir a mão macia e quente apertando e acariciando.
— Ele é sedoso e está molhadinho.
Agarro sua nuca e devoro o sorrisinho sapeca.
— Minha safadinha, deliciosa. Se esfrega nele amore mio, quero
sentir seu calor antes, vai.
Selena o acolhe entre os lábios da bocetinha melada, reviro os olhos
com meu corpo quase em um colapso sensorial. É tão quente e molhada e à
medida que o sobe e desce se intensifica, ela se aninha em meu pescoço
murmurando que está gostoso e arranho suas costas quando o pau começa a
pulsar.
Os gemidos de minha amada preenchem o veículo e não seguro a
porra. Relaxo e deixo nos sujar com os jatos mornos lambuzando nossos
corpos, ofego inspirando o cheiro da minha mulher, em espasmos de prazer
com seu calor. É o orgasmo mais gostoso que já senti, mesmo sem penetrá-
la.
— Jamais vou esquecer essa noite, meu príncipe. Serei sua, como já
sou há tanto tempo! Você é minha única alegria neste mundo.
Aperto seu corpo sobre mim, recebendo essas palavras como um
balde de água fria. Não sou um príncipe, tô aqui como um animal querendo
devorar a presa. Ela merece um conto de fadas, uma trepada histórica. Vou
amá-la em uma cama com lençóis de seda, é assim que minha namorada
merece na primeira vez, não dentro desse Bugatti.
— Selena, bella. Acho melhor a gente se amar amanhã, com calma,
a noite inteira como você merece.
Seu rosto me analisa consternado.
— Você não me quer?
Toco seu lábio afagando com a ponta do polegar.
— Eu te quero há muito tempo, te quero demais, minha preciosa!
Cada pensamento, cada fração de segundos do meu dia é para você. Mas
não assim. Não desse jeito nesse carro. Não é digno do que sinto por você.
— Ele ainda está duro, eu sinto.
A risada espontânea que essa frase provoca a faz rir também. Roço
meu nariz no dela, cheirando sua pele, beijando todo o rosto e por fim os
lábios.
— Estando perto de você, ele jamais vai amolecer por completo. Ele
é seu, lembra? E te amo muito, nunca esqueça.
Ela se afasta do meu colo e baixo o banco na horizontal, puxando-a
para se acomodar sobre mim, afagando suas costas. O silêncio é um
espectador amigo, pois somente nossos olhares conversam. No relaxamento
pós orgasmo a sonolência é previsível, percebo o esforço que faz para não
dormir.
— Tizi, posso cochilar uma horinha antes de me levar para casa?
— Pode, meu amor. Fico acordado velando seu sono.
— Amo você, meu príncipe!
CAPÍTULO 31

Selena repousou em meu peito nua, com sua respiração profunda e


serena. A paz daquele momento vai se repetir todas as noites. Cazzo! Solto
uma risada baixa ao me dar conta que estava sujo de porra seca, com o pau
duro e as bolas doloridas, mas com uma cara de boboca apaixonado velando
seu sono.
Para quem esperou mais de dez anos desde aquele sonho que a
revelou a mim, esperar mais vinte e quatro horas não será um problema.
Despertei minha bella duas horas depois, era quase uma da madrugada. A
vesti e a levei para casa com a promessa de nos vermos hoje à tarde e dessa
vez só o sol de amanhã cedo irá nos acordar.
Vim para a mansão com uma sensação desconfortável em meu peito,
mas penso que seja só ansiedade, pois amanhã quero conversar com Jessica
sobre Selena.
Tomei um banho demorado, deixando a água morna trabalhar seu
efeito reconfortante em meu corpo, sentindo o vapor quente abrir os poros e
os sentidos, elucidando e relaxando minha mente.
Visto-me e percorro o quarto até a mesa de cabeceira, onde tomo a
medicação prescrita pela Dra. Sara. O som suave da chuva começa lá fora, e
ao olhar pela janela, observo pequenas gotas deslizando como lágrimas pelo
vidro. Uma sutil sensação de desconforto ameaça me envolver.
Bufo, "hoje não, hoje estou em paz" falo comigo mesmo e apresso o
passo para me enfiar embaixo do cobertor. Afinal, depois da noite
maravilhosa com minha pequena, dormirei feito um bebê.
Desperto no meio da madrugada como se sentisse alguém me
sacudir, aflito e mergulhado numa onda de terror, procuro quem está no
quarto comigo. Mas, não existe ninguém além de mim e não me encontro
deitado na cama.
Como vim parar no corredor?
Pisco os olhos seguidas vezes tentando confirmar se realmente estou
desperto.
Não! Sinto o formigamento na pele sempre que sonho. Não estou
acordado, nem sonhando, a sensação é de um pesadelo.
O lugar é familiar, estou no lugar onde vivi a vida toda. Encontro-
me na ala do meu quarto ainda com as roupas de dormir. A chuva é uma
melodia chorosa vinda de fora, mas a iluminação do corredor está diferente,
é tremeluzente como uma vela. Vejo-me como se estivesse retornando do
andar debaixo a passos firmes, degrau por degrau, no início do corredor. O
caminhar é descalço, sinto o carpete macio que abranda o som dos passos.
Todas as sensações do meu corpo estão como na realidade, o ar entrando em
meus pulmões pela respiração apreensiva, a temperatura gelada do
ambiente incomodando o nariz, a própria sensação de ser observado, mas
estou fora da minha pele como um espectador impotente.
— Selena, amor, você está aí?
É o futuro! Selena na mansão comigo ainda não aconteceu.
Passo pela porta escancarada do escritório envolto em penumbra, a
janela aberta e as folhas das venezianas enfurecidas estouram os tímpanos
com suas batidas impulsionadas pelo vento soprando cada vez mais feroz.
Ondas de ar, tão fortes como fantasmas invisíveis balançam o cortinado
pesado em um frenesi assustador, deixando no ar uma sensação de
apreensão e vulnerabilidade.
De repente, um risco de relâmpago rasga o céu escuro em um
espetáculo tenebroso. Os raios iluminam tudo ao seu alcance com uma luz
branca intensa, revelando por breves instantes o caos que se desenrola lá
fora do início de uma tempestade. Em seguida, ouço os trovões
ensurdecedores, que ecoam e vibram toda a casa como a voz retumbante de
um deus enfurecido.
A cada estrondo, antecedido pelo espetáculo de luzes, meu coração
salta no peito enquanto sou afligido por uma sensação ruim. Tem algo
errado, pois o prelúdio de pavor aumenta a cada passo que dou.
O macio do carpete aos meus pés torna-se úmido, arrepiando cada
cabelo da minha nuca. O corredor tão conhecido, agora sombrio parece não
ter fim. Uma força desconhecida controla meus passos deixando-os mais
lentos e pesados do que gostaria.
— Selena! — Observo e ouço minha voz chamando minha mulher.
Um clarão de relâmpago ilumina a aliança em meu dedo. Nós
estamos juntos. Claro que estamos casados.
A tempestade aumenta seu ritmo frenético de relâmpagos e trovões
e a ventania do lado de fora é violenta, parece querer atravessar as paredes.
O zumbido no meu ouvido pela pulsação alta me deixa zonzo. Sinto-me
nauseado pelo cheiro ferroso de sangue, que subitamente invade o ar e o
desespero toma conta de mim.
O líquido que envolve meus pés, torna-se viscoso, é o sangue. Sinto
sem enxergar, pois, uma neblina surge em meu caminho como a enseada de
uma praia encobrindo o chão e escondendo seus segredos.
Ouço o choro de lamento da mia ragazza e as lágrimas escorrem
pelo meu rosto em desespero.
— Amore, o que está havendo? Estou indo!
Dou-me conta que cada relâmpago revela algo novo na cena, como
se fossem flashes de acontecimentos fragmentados, embora indecifráveis
são pistas sórdidas e aterrorizantes. A neblina se desvanece e um rastro de
sangue se estende pelo corredor. Decido descobrir de onde vem, percorro
com o olhar para trás a trilha que faz as minhas costas, e a vejo terminar nas
escadas para o primeiro pavimento da mansão. A intuição diz para não
retornar e sim, seguir adiante.
Consigo mover as pernas com mais agilidade e obedecer ao cérebro
e os instintos em comando, eles nunca mentem e isso é preocupante. Sigo
em frente.
Caminho até parar diante da porta do nosso quarto, ela está aberta e
vejo um corpo feminino jogado no chão aos prantos, se apoiando em seus
braços de frente para mim, mas não vejo seu rosto, os cabelos o escondem
pela cabeça encurvada, curtos e sujos como se estivessem há dias sem lavar.
Mas, quando o trovão ruge, o cenário muda de uma forma
sobrenatural, trazendo nuances sombrias ao ambiente e distorcendo a figura
dos móveis. Já não reconheço mais nosso quarto, que agora é um local
fétido, claustrofóbico e desconhecido. O carpete da mansão, não enfeita
mais o chão, mas pedras brutas que emanam a gelada presença da morte sob
meus pés. Grades enferrujadas nas pequenas aberturas no teto dão um ar
pós-apocalíptico à sala pouco iluminada. Contudo, a minha atenção está
dividida entre o cenário angustiante e Selena sofrendo, então deixo outros
detalhes em segundo plano.
Algo está terrivelmente errado! Seu corpo é pálido, mais magro que
o normal e o medo profundo do que pode estar acontecendo com ela
espreme minha espinha, deixando-me petrificado no lugar.
Ela estende em minha direção as mãos feridas ainda com sangue
seco sobre elas, implorando por ajuda, mas sua voz não sai. A única coisa
que ouço é um grito silencioso de desespero. Há grilhões nos tornozelos,
deixando-os arroxeados como se estivesse em cativeiro há um tempo
considerável. Ao seu lado uma mesa auxiliar de objetos cirúrgicos repleta
de bisturis e facas sujas de sangue. A visão é torturante, saber que a pessoa
que você ama está sofrendo nas mãos de algum doente de merda é
insuportável. Minhas pernas estremecem, mas preciso tirá-la dali!
Tento me aproximar para soltá-la e protegê-la, grito como um louco,
mas uma força invisível impede de me mover. Os músculos tensos doem
pela força em me libertar de algo fantasmagórico que me prende, uma força
do mal que me agarra e sussurra obscenidades no meu ouvido como a
sedução de uma mulher em voz suave e feminina. Não compreendo! O que
está havendo? O que esse enigma quer dizer?
Grito com toda a intensidade pelo pavor da impotência que o
sofrimento da minha amada me causa. Correntes invisíveis me prendem e o
sentimento de culpa chicoteia minhas costas. Esse é um dos piores
pesadelos que já tive.
Aos prantos, observo transtornado a visão aterrorizante de Selena
chorando e clamando, acalentando o ventre no chão imundo. Então outro
relâmpago ilumina o cômodo macabro, e leio na parede encardida escrito
com sangue.
‘Sua culpa, sua escolha, sua perda.
Devia ter se afastado. Agora é tarde.’
Minha Selena desaparece como fumaça e em seu lugar só uma poça
de sangue.
Caio destruído de joelhos no chão, apoiando meu corpo nas mãos,
olho em direção ao teto implorando em lágrimas de dor, que não seja o que
estou pensando.
Não! Não! Não!
Meus gritos parecem ecoar no espaço que escurece de repente
tornando tudo à minha volta uma escuridão aterradora.
Desperto em estado de choque, banhado em suor e as mãos imundas
de sangue. Um urro selvagem explode da garganta com o coração pulsando
exagerado. Meu corpo sacode violentamente em espasmos incontroláveis,
presos as mãos que tentam me acalmar.
Ouço a voz do meu pai chamando meu nome, me despertando de
vez do transe sombrio.
— Minha mulher! Minha mulher, ajuda!
Só então me dou conta que a família toda está no quarto, todos
chocados com a cena que presenciam.
— Busquem um pano, uma fronha, qualquer coisa para colocar no
nariz dele! Rápido! Tem muito sangue… precisamos estancar! — A voz
urgente de nonna comanda ao meu lado na cama.
— Fique sentado, filho! Vou chamar o doutor Langaro.
Seguro o braço de meu pai e nego com a cabeça, apertando o nariz
até que Jess aparece com uma toalha.
— Minha pressão arterial deve estar alta — consigo murmurar.
O aparelho de pulso da minha avó é colocado no meu pulso
esquerdo e ligado.
Gabrielle não está assombrado como os outros, inclina minha
cabeça para baixo e pressiona a toalha ordenando que a segure apertado.
O gosto ferroso de sangue, misturado ao salgado das lágrimas é
amargo, e a dor em meu peito dilacera-me completamente. Por que mereço
esse destino?
— Temos que chamar o médico, Nicola, onde dói filho?
Pela visão periférica, vejo minha mãe abraçada em Jess, é ela quem
pergunta.
— Sistólica dezenove e diastólica onze — Gabe dá a sentença e
retira o aparelho.
Como será que hoje à noite ele está em casa? Lembro que está
chovendo na vida real também, mesmo sendo outro cenário.
— Meu Deus! Está altíssima, vamos levá-lo para o hospital! — A
voz de Jess soa desolada.
— Deem um dos remédios da vovó para hipertensão que vai baixar
— fala Gabe como se estivesse medicando um cão com analgésicos.
— Gabrielle, remédio sem prescrição médica? — questiona nossa
irmã.
— Certamente deve marcar uma consulta para ele Jessica, quem
sabe a receita chegue a tempo para o velório.
— Por favor, fiquem quietos! Não é hora de discussão, cáspitta! —
exclama meu pai, afastando a toalha e constatando que o sangramento
diminuiu.
— Vou voltar para o meu quarto. Se precisarem de alguém para
carregar o esquife não me chamem.
— Não diga isso nem de brincadeira, Gabinho! Onde já se viu
brincar com a morte? — ralha nonna.
— O que está sentindo, filho? Onde dói?
— Nada, pai.
— Então, por que está chorando?
Olho para todos que sobraram no aposento, aguardando uma
resposta e apenas seco os olhos.
Seu Nico olha para mamãe, Jess e minha avó, todas em pé perto da
porta e faz um sinal silencioso para nos deixarem a sós.
— Vou buscar um dos meus comprimidos, mas amanhã você vai
consultar com o doutor Langaro.
Confirmo com a cabeça que irei, mas, sei que não é a dor física que
irá me matar.
Assim que estamos sozinhos, seu Nicola vai até o armário, pega
uma toalha e uma camiseta. Molha uma parte do pano no banheiro e senta-
se na beira da cama.
— Consigo me lavar, não sou mais um garoto, pai.
— Até não estabilizar a pressão você não vai a lugar algum. E para
mim sempre será o meu garoto.
Ele limpa com cuidado meu rosto, nariz, barba e mãos com a toalha
úmida, me faz trocar a camiseta suja pela que trouxe.
— Teve outro presságio?
Surpreso, respiro profundamente.
— Como sabe?
— O meu acidente, recordo bem como foi. E por ter avisado, não foi
fatal.
— É diferente dessa vez.
— Como assim? Avise a pessoa que ela corre risco, insista como fez
comigo.
Queria revelar toda a verdade, mas sinto um cansaço físico e
emocional que esgotou minhas forças.
— Esse me envolve.
— Você corre perigo, Tizo? Me diga o que fazer? Eu faço, não vou
te perder, filho!
Agarro seu braço e encaro seu rosto consternado.
— Não, eu não tô em perigo, ela está se eu estiver por perto.
Observo seu Nicola fechar os olhos, com a mente tendo concluído a
compreensão do meu tormento.
— E você não quer se afastar.
— Mas eu vou. Posso morrer por dentro, mas vou me afastar. Aceito
a distância se isso a manter viva.
Jessica entra apressada segurando uma bandeja com a água e o
remédio da pressão.
— Está melhor?
— Vou ficar, obrigado, pode voltar a dormir, não se preocupe. Você
também, pai. Pode descansar.
— Tem certeza? Mesmo assim, amanhã cedo vou ligar para o doutor
vir até aqui para uma visita. Apenas para tranquilizar a família.
— Tudo bem. Boa noite. Vão descansar.
Assim que saem e a luz é desligada, recosto-me no travesseiro,
tendo a certeza de que não vou conseguir descansar mesmo exausto.
A noite será longa, quando recordo os detalhes daquele aviso a dor
volta com tudo.
Não posso ignorar a mensagem sobrenatural. Ainda que meu amor
por ela seja gigantesco, não vou permitir que ela enfrente um destino tão
sombrio e trágico.
É a decisão mais difícil que devo tomar, mas é extremamente
necessária, mesmo que isso arranque um pedaço do meu coração, prefiro
Selena viva.
É uma sensação de perda e tristeza implacável, mas devo aprender a
sobreviver sem ela, consciente de que tomei as medidas necessárias para
proteger quem amo. Apenas preciso meditar e me preparar para me
desconectar da metade da minha alma. As lágrimas persistem, e suspeito
que sempre chorarei por Selena pelo resto da minha vida.
CAPÍTULO 32

Desci para o café extremamente abatido. Papai passou pelo meu


quarto cedo quando acordou. Conversamos e disse a ele que preciso ficar
uns dias fora de Veneza, para pensar e criar coragem para o que tenho que
fazer. Seu Nicola foi irredutível em me acompanhar nesta viagem. No
quarto ligou para o médico da família, Enzo Langaro, avisando que
precisamos de uma consulta ainda hoje antes de partir, quer uma avaliação e
alguns exames rápidos. Avisei ao Mirko que vou me ausentar uns dias por
problemas de saúde, para não dar maiores explicações. Uma virose foi
suficiente para acalmá-lo.
Não consegui dormir depois do pesadelo. Estou sentado à mesa
como uma planta murcha sem água. Minha avó preparou o que costumo
comer pela manhã, mas nada ameniza o clima terrível. Jess e mamãe me
olhando com piedade também não ajuda. O coração pesa como chumbo em
meu peito pela dor tão insuportável, que não me importo com a discussão
que se inicia na mesa do café da manhã,.
— Como vai se ausentar, Nicola? Temos duas reuniões para
apresentar as amostras do próximo lançamento.
Os sons dos talheres contra a louça irritam a audição, e o perfume da
fornada dos cornetos, não é convidativo como normalmente é.
— Pai, posso ir com Tizi — fala Jess.
Nonna se afasta para a cozinha junto com a governanta.
— Não! Eu vou. Se acontecer outro episódio de hipertensão com
meu filho, pode ser fatal.
Alheio aos questionamentos, bebo um gole do café expresso que
desce como água suja pela garganta.
Como vou conversar com Selena? O que direi a ela? É só o que tem
na minha cabeça.
Minha mãe continua a indagar meu pai, enquanto passa geleia no
seu pão.
— Mas o que digo aos patrocinadores e ao próprio cliente? Lembre-
se, é uma das casas de moda mais famosas de Milão, uma edição limitada
de sua criação com o nome Moschino.
— Dio Santo, Olívia! Eu cuido da mão de obra e criação, você do
marketing e burocracia. Nunca me preocupei com os malabarismos que faz
para desmarcar reuniões e remarcá-las. E em um assunto importante como
este, preciso me preocupar com reuniões?
Minha mãe suspira profundamente.
— Foi uma surpresa, só isso. Não pensei que Tiziano fosse viajar
sozinho, apenas não imaginei que você fosse acompanhá-lo.
Seu Nico deixa os talheres de lado, limpa o bigode da espuma do
seu café Macchiato com o guardanapo de pano retrucando impaciente:
— Se acontecesse com a Jessica o que houve ontem com Tiziano,
você desmarcaria sua agenda do mês inteiro.
Minha irmã encara papai de um jeito que não consigo definir se está
chateada ou triste, pois é nítido a testa crispada e lábios apertados.
— E o senhor, não faria o mesmo por mim, pai? — questiona.
Papai aperta a mão dela sobre a mesa com um sorriso consolador.
— Claro, querida. Foi apenas uma comparação. — Olha para a
esposa e finaliza: — O que estou dizendo é que os filhos sempre vêm em
primeiro lugar antes de qualquer situação, concorda Olívia?
Ela não demonstra nada em seu rosto, parece muito centrada e
calma, mas o tom de voz é ressentido.
— Certamente, Nicola. Vou alinhar todos os compromissos da
empresa para o seu retorno, não se preocupe. Ligarei para a assistente de
Jeremy, pessoalmente.
Decido me pronunciar, mesmo conhecendo meu pai e sua teimosia.
— Pai, já disse que não precisa fazer isso. Lázio e mais alguns
seguranças podem me acompanhar, se isso o deixa tranquilo. Preciso desse
tempo sozinho.
Seu olhar de preocupação, deixa os olhos azuis marejados.
— Tem certeza disso, filho?
— Tenho sim, até prefiro.
— Acho que deve passar no doutor Enzo antes de ir, filho — diz
minha mãe.
— Sim, eu vou.
Mamãe se retira da mesa em seguida, desejando boa viagem e
ressaltando que aguarda notícias assim que chegar. No entanto, a educação
sobrepõe a preocupação. Meu celular dá sinal de mensagem e ao ver o bom
dia de Selena, o pouco que comi ameaça voltar. Em seguida, o aparelho
toca e ‘Preciosa’ aparece escrito na tela. Recuso imediatamente a chamada
e Jessica olha para o aparelho e para mim, segurando-se para não perguntar
quem é 'Preciosa.'
Aproveito o momento para me retirar da mesa e organizar a mala.
Não quis responder à mensagem, porque outra viria e mais outra, como
todas as manhãs no último mês. Cazzo! Sou o namorado dela, como ser
indiferente com a mulher que amo? O melhor a fazer é desligar o celular.
Andando em direção ao meu quarto, a sensação apreensiva ao ver o
corredor volta a todo vapor. A tristeza me envolve como uma névoa densa,
obscurecendo a visão marejada e enchendo o peito de melancolia. Preparo a
mala sem interesse algum nas escolhas de peças atiradas dentro da bolsa.
Uma hora depois, a promessa de parar no consultório do doutor
Langaro é esquecida. Viajei com três membros da equipe de segurança para
a propriedade da família na região de Puglia, precisamente no Vico Del
Gargano. Papai, quando me levou pela primeira vez, contou que meu nonno
(avô) amava aquele lugar. Eu particularmente também gosto da natureza e
quando expliquei para seu Nicola que precisava pensar e descansar a mente,
ele sugeriu o vilarejo. Concordei que não há lugar melhor para respirar ar
puro do que o coração da Floresta Umbra.
Talvez me conectar com a natureza incontaminada, traga algum
raciocínio coerente de como devo agir.
Nas primeiras três horas, Lázio dirigiu o SUV, depois da pequena
pausa, outro segurança da equipe assumiu o volante nas quatro horas
seguintes. Não tenho condições de dirigir.
Ao chegarmos, sinto o cheiro dos pinheiros de Aleppo, inspiro
profundamente o ar carregado de frescor, ouvindo os sons que a junção da
brisa com as folhas das árvores faz. O vento toca meu rosto, como se
tentasse me consolar. Caminhamos pelo chão de pedras da garagem ao
descer as malas do veículo. Ao ser recebido, cumprimento o caseiro, senhor
Cenci e o pessoal que mantém o lugar funcionando. Meu pai visita o
castelo, como chama o edifício de pedras brutas e sua estética do
renascimento neogótico do início do século XX, algumas vezes no ano. Eu,
por outro lado, a visitei apenas duas vezes depois de adulto. Na infância não
me lembro deste lugar, mas tem muita coisa que esqueci daquela fase.
O castelo sofreu algumas modificações no interior da construção nos
últimos anos, para o conforto das férias da família, mas a estética externa,
até pelas leis da cidade quanto a preservação cultural e patrimônio histórico,
recebeu apenas reformas de manutenção nas muralhas. O ar úmido e a
largura das paredes, não permitem que o sol faça o seu trabalho de
aquecimento dentro da estrutura. Ao entrar na sala gigantesca com seus
tapetes rústicos e poltronas de veludo, vejo os funcionários trabalhando para
acender a lareira e preparar os últimos detalhes para a minha estadia.
Resolvo subir a escada para o andar dos quartos e desfazer a mala.
Quando entro no meu aposento, recordo dos planos que fiz em
trazer Selena para conhecer o Borgo Dell’amore,[viii] como é chamado o
vilarejo. Seria uma de nossas viagens de lua de mel.
Desabo sobre a cama devidamente preparada e não seguro a tristeza.
Sei que estou aqui a setecentos quilômetros de distância, apenas adiando o
inevitável. Quando retornar a Veneza, devo ignorar o que sinto por ela e
fingir todos os sentimentos contrários. Mas aqui sozinho, lembrando de mia
ragazza, cada plano, cada lugar especial os quais tinha pensado em
momentos felizes juntos, só trazem mais sofrimento agora.
— Senhor DiMateo, o jantar está pronto. Quando desejar descer,
será servido.
A esposa do senhor Cenci avisa do lado de fora da porta.
— Obrigado, dona Marta.

Fiquei fora dois dias e duas noites inteiras, ao chegar na casa de meu
pai, eles me receberam com preocupação. Seu Nicola e Dona Olívia,
chateados por não ter ido ver o médico antes da viagem, e minha irmã
amedrontada com a questão da minha saúde. Tranquilizei todos de que não
houve outro pico de pressão alta. Não podia mentir que o ar da natureza me
fez bem, pois o semblante está ainda pior de quando parti.
Desfiz a mala e à tarde fiquei no meu quarto. Próximo ao pôr do sol,
avisaram que iriam a um evento no teatro, e que se eu não quisesse
acompanhá-los, eles não demorariam mais que duas horas. Recusei o
convite com uma desculpa qualquer para não sair, porque é chegado o
momento do papel que preciso desempenhar. Assim que Jess, meus pais e
nonna saíram, escrevi uma mensagem para Selena avisando que meu piloto
iria buscá-la de lancha.
Vesti uma roupa adequada para um compromisso, mesmo não tendo
um, é um escape rápido da situação desesperadora.
A cada minuto que passa, o coração vai encolhendo dolorido. As
roupas tornam-se desconfortáveis e até a imagem refletida no espelho é
difícil demais de encarar. Dobro as mangas da camisa branca e alinho a
barba percorrendo o corredor para a porta adjacente que leva diretamente ao
jardim.
— Está com pressa?
Meu irmão cruza por mim em direção a garagem de barcos. Tinha
esquecido de sua presença em casa. Os ombros largos e passos firmes, não
aguardam resposta. É tão estranho me dar conta agora, a maioria das
perguntas que faz, Gabrielle não se interessa em ouvir o interlocutor da
conversa, somente quando os questionamentos são de cunho provocador.
Portanto, ele caminha segurando uma bolsa preta na mão, sem olhar para
trás.
Sigo seus passos e me mantenho na porta, vendo a agilidade na
preparação da lancha. Ele é metódico ao extremo, avalia cada item antes de
partir. Entra na cabine e verifica sem pressa. Todas as luzes são testadas, luz
de mastro, luzes de bordo, luz de alcançado e luz de fundeio. Em seguida,
verifica o funcionamento do equipamento de rádio em VHF marítimo,
também do GPS, dos flapes e buzina. Desce da lancha e inspeciona o
funcionamento do guincho da âncora. Confere o nível de combustível e
óleo dos motores.
— Você sabe que temos uma equipe que faz esse trabalho, né Gabe?
— pergunto mais para puxar conversa, porque o nervosismo tá fodendo
minha cabeça e não consigo ficar sozinho no momento. Selena deve estar a
caminho neste instante.
— Sim, ganharam mais um membro na equipe — responde sem se
distrair da tarefa.
A voz neutra é calma e sem emoção.
— Quem?
— Você. Tá aí conferindo a inspeção. Não vai voltar para o quarto?
Ele se afasta do barco e pega a bolsa de lona que deixou na mesa
lateral. De costas para mim não vejo o que vasculha nela.
— Não. Tenho um compromisso. — Olho o relógio no pulso, são
quase oito e meia. O suspiro profundo que exalo não é cansaço, é
apreensão.
— Que horas chega o seu compromisso?
Impaciente, levo os dedos à testa massageando-a.
— Como sabe que não vou sair?
A risada baixa é tão sinistra, misturada ao som de clicks
ininterruptos em algo metálico. Ele está conferindo uma arma?
— Apesar de ter se banhado, não usou o seu perfume predileto.
Sempre coloca ou leva um blazer consigo, e seu sapato, mesmo
aparentemente novo, é o mesmo que voltou de viagem mais cedo. Então, sei
que não vai sair hoje.
— C-como você...? Como sabe se não nos vimos até agora?
— Tem razão, você não me viu.
Sem surpresa pela sua análise certeira, continuo a conversa com ele,
talvez a ilusão de normalidade me acalme um pouco.
— Faz essa inspeção toda vez que sai de lancha?
— Sim.
Aguardo a explanação do motivo, mas esqueço que Gabrielle não
facilita para ninguém.
— E acha necessário, sabendo que tudo é verificado pela equipe de
manutenção assim que as lanchas retornam?
Mais sons de clikcs e o fecho do zíper da lona deslizando é ouvido.
— Confio somente em três coisas na vida, Tiziano.
Ele vira e encara meu rosto com a bolsa sobre o ombro.
— Meu instinto, meus sentidos e minhas habilidades.
O olhar é sombrio e fixo. O rosto duro com a barba por fazer o deixa
intimidante.
— Alguém já lhe disse o quanto soa arrogante às vezes, Gabrielle?
Não acredito que precise ter todo esse cuidado dentro da nossa casa,
debaixo dos nossos olhos. Estamos perfeitamente seguros.
— Acredite na porra que quiser! Não dou a mínima. Agora vá, pois
seu compromisso está se aproximando da margem e meus instintos dizem
que pelo seu nervosismo as coisas não vão sair como planeja.
Ele me dá as costas e coloca a bolsa dentro da lancha, enquanto gira
ao redor dela mais uma vez.
— Prefiro ouvir a razão ao instinto — respondo forçando o ouvido
ao motor da lancha, mas o arrogante se enganou dessa vez, não tem som de
motor algum.
A voz dele flutua por trás da embarcação.
— O homem é absolutamente instinto dissimulado na razão
cognitiva, mas precisa de certa habilidade para escutá-lo. E você não a
possui.
— Gabrielle! Pare de ofender o seu irmão mais velho! Está me
chamando de idiota?
Não espero réplica, pois o maledetto motor da lancha chegando ruge
ao longe.
E o riso astuto e rouco de Gabe, do outro lado da embarcação, dá o
ar da graça nesse instante.
Tomando uma respiração profunda e com o coração batendo nas
costelas, inicio meus passos em direção a ela. Não posso olhar para a
ragazza, devo manter o foco além dela para conseguir atuar. Devia ter
bebido um trago de uísque para amaciar os nervos, pois o fôlego falta e as
mãos começam a suar.
Recordo daquele terrível presságio, que no fim foi uma benção.
Esse mal necessário que cairá sobre nós agora, em última análise,
terá um resultado positivo. Quando se ama alguém profundamente, é
preciso fazer o que é melhor para a pessoa. E o melhor para Selena e para
mim, é que ela continue viva.
Um dia ela vai me esquecer e será feliz, acredito nisso com toda a fé
que possuo. Cada palavra que sair da minha boca hoje, será uma mentira e
precisa ser a porra da verdade para ela. Minha ragazza tem que estar segura
longe de mim, mesmo que eu morra de tristeza, ela não pode morrer.
CAPÍTULO 33

(The Loneliest – Måneskin)


(Already Gone – Sleeping At Last)

Desde que despertei essa manhã, mesmo com uma dor de cabeça
terrível, por causa do vinho de ontem a noite, a euforia dentro de mim é
enorme. Hoje é o primeiro dia da minha maioridade.
Tiziano disse que me ama dentro daquele carro, e declarou isso com
tanto sentimento que me emociono ao recordar. Embora não apague a
ausência dos meus pais e a decepção que isso me causou, foi a melhor noite
com ele até agora. Só senti falta hoje cedo do seu bom dia e das mensagens
matinais com que me acorda. Disse apenas que surgiu uma viagem a
trabalho e que iremos conversar assim que retornar a Veneza.

Esses dois dias e noites foram uma tortura. Foi terrível esperar as
respostas de Tizi as minhas mensagens e isso está acabando comigo. Sei
que ele é um homem ocupado e disse que estava viajando a trabalho, mas é
incomum essa falta de comunicação.
Meu namorado é sempre tão atencioso e interessado, no entanto
esses últimos dias sinto que há algo errado. O sinal evidente de que estou
com a razão é que ele mandou um piloto me buscar com sua lancha, para ir
até a mansão dos seus pais. Olhando as águas do mar dentro dessa lancha,
perdida em pensamentos, encolho-me no banco de couro da embarcação.
Sei que Jessica não está em casa, pois ia em um evento com os pais
e a avó no Teatro San Gallo. Ele está sozinho, poderia ter vindo ele mesmo.
Por que não me buscou pessoalmente? Tiziano nunca fez isso, é sempre um
cavalheiro e apaixonado. Deixar outra pessoa me buscar demonstra uma
falta de interesse que não combina com nossa relação.
Os minutos dessa viagem só servem para encher minha cabeça de
minhocas. Talvez seja a ansiedade da falta dele que está atrapalhando minha
racionalidade.
Entre a saudade e a apreensão, saio da embarcação assim que ela
atraca no píer da mansão dos DiMateo.
Ao andar pela plataforma, uma brisa gelada arrepia meu corpo
provocando uma sensação ruim.
Com passos firmes sigo em frente, olhando ao longe vejo as
enormes portas da garagem de barcos abertas e dois vultos lá dentro. Um
maior e de postura rígida circulando ao redor de uma das lanchas, deve ser
Gabrielle. Talvez esteja pronto para sair. E o outro, próximo a porta começa
a andar com passos rápidos em minha direção. Meu príncipe. Por causa do
nervosismo, deixei até a bolsa na lancha. Bem, não vou olhar o celular
agora já que estarei ocupada com meu amor.
Tiziano diminui os metros de distância entre a garagem e o jardim
frontal, me encontrando na beira da piscina, próximo ao gazebo da nonna
Olímpia. Espero que se aproxime mais e me abrace como costuma fazer
quando fica longe por alguns dias.
Mas ele não tem intenção alguma de fazer isso. Meu namorado está
diferente, mais sério com as mãos nos bolsos da calça. Ele não tem
saudades minhas?
— Selena, precisamos conversar.
— Eu sei, fiquei tão preocupada, meu amor. Não nos falamos por
vídeo, mal respondeu as mensagens que enviei, sei que estava ocupado... —
Eufórica e animada, ando até ele e enlaço seu pescoço para um beijo.
Mas ele desvia do meu rosto e afasta as mãos do seu corpo. Isso me
deixa confusa e envergonhada. Parece me repelir com sua postura tensa.
— O que está acontecendo, Tiziano? Você parece abatido, o que
houve na viagem?
— Não tem nada a ver com a viagem, na realidade, esses dias longe
pensando, cheguei a conclusão de algo.
— Sobre o que?
— Eu e você não vamos continuar essa coisa entre nós.
Pisco os olhos alarmada e analiso seu rosto frio. Quase furioso. Um
arrepio gelado me faz coçar a nuca. Seu olhar tão desinteressado em mim,
me paralisa a uma distância relevante, três passos talvez.
— Essa coisa? O que quer dizer? Não compreendo.
— Preferi falar pessoalmente do que por telefone. — Ele cruza os
braços e olha para mim, mas parece não me ver. — Acabou!
O ar começa a rarear e inspiro profundamente tentando ser forte.
— Como?
— Não podemos continuar juntos. — Essa frase me choca tanto que
os questionamentos explodem no automático.
— O que? Por quê? O que houve? O que fiz de errado?
— Nada Selena, apenas percebi que minha vida é muito diferente da
sua, não posso deixar as responsabilidades de um homem de negócios para
brincar de casinha com uma garota que mal chegou à idade adulta.
Dou mais um passo para trás, sem acreditar no que ouço do homem
que amo.
— Mas..., mas, você disse que iríamos embora, que conheceríamos
o mundo, fez planos comigo há três noites. O que mudou?
Seguro as lágrimas que ameaçam rolar, quero entender o que fiz de
errado. Ele olha o relógio de pulso impaciente. Será que tem compromisso?
— Tizi, o que eu fiz? O que aconteceu nesses poucos dias?
Ele arruma o próprio cabelo com os dedos, desviando o olhar do
meu. Queria correr, agarrar seus braços e chacoalhar, estapear para devolver
o meu Tiziano. Esse homem frio e insensível na minha frente eu não
conheço. E aos poucos começo a desmoronar.
— Aconteceu que me dei conta que não tenho tempo para ensinar
ou preparar uma mulher imatura e sem experiência de vida, para estar ao
lado de um homem como eu. Sou extremamente ocupado pensando em
mim mesmo e na carreira que construí, para me distrair com seu mundinho.
Impactada e sem reação é como me vejo diante dessas palavras. A
garganta seca e ameaça fechar. Não! Preciso entender, é uma brincadeira,
isso não é sério. Não pode ser!
— M-mas você disse... olha, eu aprendo rápido, eu ... eu posso ... o
que você precisa que eu seja eu posso ser. Jamais faria você se
envergonhar... não atrapalho com minhas coisas... nós podemos... — tento
dar um passo para me aproximar, mas ele estende a mão rejeitando a minha
tentativa. A impressão é de que tem repulsa de mim e isso congela meus
músculos no lugar.
— Não se esforce. Não é o que você faz ou pode fazer, é o que você
é. Você é insuficiente para um homem experiente, exigente e com apetites
que não pode saciar. Não tem lugar para você na minha vida, Selena, é isso.
Essa sentença é como uma faca serrilhada nos dois lados da lâmina.
Ela penetra e não corta, ela rasga lentamente perfurando e atravessando
meu coração ao cortá-lo ao meio. Minhas pernas estremecem. Olho para
todos os lados tentando acordar de um pesadelo e ao me dar conta que é
real, abraço meu corpo sentindo muito frio. Os lábios tremem e procuro me
concentrar para entender a situação. Como pode um homem mudar de uma
hora para outra assim?
— Você encontrou alguém nessa viagem?
Ele não nega, nem responde absolutamente nada, só olha no relógio
outra vez.
— Vai sair com alguém?
— Tenho um evento daqui a pouco, uma festa de uma amiga.
— Amiga? — Ando uns passos ao longo da calçada que circunda a
piscina, a brisa noturna gelada golpeia meus cabelos e rosto, e ranjo os
dentes de desgosto.
— Olha, eu preciso sair, então vou pedir para o meu piloto levá-la
para casa.
— Você disse que me ama, você disse que sou perfeita, que sou
única, você me ama, ama ... — murmuro como um mantra enquanto ando
feito uma barata tonta diante dele. Quando olho, o vejo pegar o celular e
teclar algo.
— Você disse que me amava, lembra? — falo um pouco mais alto
fazendo com que desvie do celular e olhe em minha direção.
Ele franze a testa e aperta os lábios. Mudo! Não responde. Seu olhar
está estranho, diferente de como costumava me olhar, não fixa, não se
detém em mim. É como se eu não merecesse o mínimo do seu tempo.
— E tudo o que vivemos, tudo o que você me disse na praia, no iate,
no carro? Você fez planos comigo, promessas e eu acreditei.
— Às vezes dizemos coisas para conseguir o que queremos. — A
voz soa tão impessoal e distante que não reconheço.
Agora, os pedaços partidos do meu coração são pisoteados sem
piedade, e a crueldade das palavras que me diz entram em mim como ácido
corrosivo.
— Tiziano, você mentiu só para... por favor! Fala direito comigo? O
que fiz de errado para não me querer mais?
Ele vira de costas e olha para o céu, murmura algo que não
compreendo e com as mãos na cintura, de um modo arrogante, gira de volta
e começa a falar:
— Não queria chegar a esse ponto, mas você está ouvindo e não
quer escutar. Entenda de uma vez, Selena, foi apenas uma diversão
interessante, você deu importância demais a algo que era casual. Na
realidade estava curioso para tirar a virgindade de uma garota, mas esse
jogo me cansou.
Com o coração na boca, batendo tão alto que os sons ao redor se
perdem.
— Eu não acredito! Não! Não! Foi real! Não foi mentira. Sou a sua
princesa de Veneza! Você prometeu que ficaríamos juntos depois do meu
aniversário.
— Cáspitta! Olhe para mim, garota! Sou o solteiro mais cobiçado
da Europa. Posso ter a mulher que eu quiser! Não tenho tempo para suas
ilusões de conto de fadas.
Sinto dor pelo corpo inteiro, um vazio tão grande que afago meu
peito, tentando me consolar, as lágrimas rolam pelo meu rosto como quedas
d’água.
Subitamente solto um grito de raiva, uma exclamação sem sentido.
Sinto-me sobrecarregada com uma mistura avassaladora de emoções. A
respiração torna-se difícil, irregular, rápida e superficial. Reconheço esses
sinais, estou a borda de um lugar onde já estive várias vezes ao longo da
vida. Em um estado de raiva e desespero.
Agarro meu cabelo com força, puxando-o, como se isso pudesse
aliviar a angústia. Culpo-me por ter acreditado que eu era especial e que ele
me amava. Não, nunca fui.
As lágrimas parecem arder em meu rosto e pescoço enquanto ainda
puxo as mechas de cabelo aos gritos. Quero a dor física, ela sempre foi uma
amiga que trazia alívio para a dor emocional que sinto.
Será que ele ainda está me olhando? Sente pena ou graça?
Quando o ardor na garganta pelos gritos torna-se demais para
suportar, silencio e recuo para o meu refúgio seguro. Minha mente. Tento
me agarrar a alguma memória feliz, mas sinto-me completamente vazia,
incapaz de sentir qualquer emoção.
Olho fixamente para a piscina, depois giro e observo a mansão ao
fundo, e então para o nada. Estou em um estado de despersonalização,
como se estivesse desconectada de mim mesma e do mundo ao meu redor.
A vergonha de ter sido tão ingênua gruda em minha pele como óleo. Não
ouso olhar em sua direção ainda parado a metros de distância, concentro-me
no breu da noite, onde nenhuma expectativa é criada. Os lábios estremecem
antes de liberar o som da minha própria voz.
— Você me fez acreditar que sonhar com um para sempre era
possível e fez isso apenas por diversão? — A dor faz com que o olhe pela
última vez, mas não enxergo humanidade ali. Apenas um homem surpreso
com uma adolescente insana descabelada e alterada. É, devo parecer uma
louca varrida. É o que sou!
Bato no peito com força, pela raiva de mim mesma.
— Eu fui a culpada, fui eu que criei um conto de fadas e o aceitei.
Mas não me arrependo de ter demonstrado o meu amor. Foi uma das
melhores sensações que senti enquanto viva. Só me arrependo que o
monstro que despertou este sentimento tão nobre, tenha sido você, Tiziano
DiMateo. Se não mereço amor, você não merece essa conquista, mas
merece o título de monstro.
Tenho consciência dos músculos das pernas se movendo, estou
andando, mas não sinto o chão. Aos poucos, aumento a velocidade das
passadas para tentar deixar as coisas para trás o mais rápido que posso.
Correndo, alcanço o fim da propriedade e chego na rua de pedras.
Correndo, correndo sem rumo, assim como minha vida é. O frio parece ter
sumido agora que estou em movimento, não vou parar, quem sabe se
continuar correndo, o tempo acelere também e eu encontre um fim para esse
desespero.
( Blood/Water – Grandson)

Tiziano é o mestre do anti-raciocínio. Teimoso, impulsivo e mais


obtuso que uma porta. Claro, sua visão para negócios é ampla e ousada,
mas a vida pessoal dele é um circo. Não me afeta, na verdade, acho hilário
cutucar a fera. Mesmo que ele faça escolhas questionáveis, quem se
importa? Não perco tempo alertando-o, meu interesse é mais escasso que
seu bom senso.
Fui chamado para um trabalho de análise em uma cena criminal,
portanto estou com pressa. Talvez reserve um minuto sagrado para um
cigarro antes de ir, isso é vital. Acendo o filtro vermelho, planto-me numa
das caixas de ferramentas no canto escuro, onde minha presença é
praticamente invisível.
O minuto das tragadas será a análise da interação del babbano
(trouxa) e sua topolina (ratinha).
Tiziano é tão tapado em pensar que ninguém percebe que estão
apaixonados. Até Jessica já percebeu, suspeito que foi a segunda a notar. La
Volpe (a raposa) Olímpia, foi a primeira a descobrir. Mas a sore (gíria para
sorella, irmã) levou um pouco mais de tempo, apesar de astuta, quando veio
com uma conversinha de sondagem sobre as desconfianças dela, eu
simplesmente confirmei. Para que amaciar o tiro? Sou pragmático e minha
paciência para frescuras, é zero.
Poderia resolver todos os dilemas deles, oferecer uma ou duas
soluções para que ele mantenha sua topolina sem culpa ou julgamentos
familiares, e convencer minha irmã a aceitar o romance entre seu protetor
Tiziano e a inocente melhor amiga. No entanto, não tenho uma gota da
essência de Madre Teresa de Calcutá em mim para suavizar as coisas.
Fotarsi! (foda-se)
Com meu cigarro pendendo pela metade, algo me alerta. Um grito
horripilante corta a noite, como se alguém estivesse desmembrando um
corpo ainda consciente. Num salto, ponho-me em pé e percebo que os gritos
vêm da garota Malpucci.
Ao calcular a distância, meus olhos afiados focam apenas nela. Ela
caminha de um lado para o outro na calçada da piscina, agarrando seu
cabelo com força, o rosto contorcido pela raiva enquanto solta palavras
desconexas na direção de Tiziano.
Já presenciei essa cena e é a única que faz os cabelos da minha nuca
eriçarem. O que il testa di minchia (cabeça de caralho) está fazendo tapando
os ouvidos com as mãos?
Sinto meu corpo e mente regressando ao ginásio daquela escola, há
sete anos.
Vejo Maya agarrando e puxando seus cabelos aos berros no meio do
ginásio durante a aula de educação física. A tragédia que não evitei,
encarando seus olhos vazios naquela ocasião, agora me impulsiona a sair da
garagem. O gelado da percepção mórbida percorre minha espinha e as
garras impiedosas das ondas gamma[ix] rasgam meu cérebro, derramando
uma infinidade de cenas que gostaria de esquecer, mas que são impossíveis
de apagar.
Com passos rápidos, não sinto o ar da noite entrando nos pulmões.
Não! São golfadas de merda no ar! Figlio di una troia! O que será que esse
maledetto falou para a garota? Ativou um gatilho nela!
Ao chegar aonde ele está, encurvado na própria autopiedade,
Tiziano não consegue falar. Nem seu choro, nem os jatos de vômito sobre a
grama, me comovem. Passo por ele seguindo a topolina, que desapareceu
na escuridão da noite pelas ruelas de Veneza.
Por qual delas ela seguiu? Escolher por uni-duni-tê não diminui a
sensação de mau agouro que ronda a atmosfera. Preciso encontrar essa
menina antes que o pior aconteça e essa merda me assombre ainda mais.
Vejo seus cabelos esvoaçando ao dobrar uma esquina. Sigo seus
passos focado, desviando dos degraus das portas entre as ruas estreitas,
camufladas pela escuridão, a ratinha pode ir para qualquer lugar, mas
desconfio exatamente o seu destino.
Enquanto a sigo, acendo outro cigarro, analisando os córregos e
canais de águas escuras, mas nem com minha visão aguçada enxergaria se
ela se atirasse no oceano. Se o pior acontecer e nenhuma corrente marítima
a levar, ou algo a prender no fundo, o cadáver demoraria a boiar.
Diocane!(palavrão) O tempo para que isso aconteça depende da
temperatura da água, já que quanto mais fria estiver, menor atividade
bacteriana haverá e menor volume terão os gases acumulados no interior do
corpo. Pode inclusive acontecer de ficar conservado pelo frio e jamais subir
à superfície. Se Selena cair nessas águas, ninguém a encontrará. É escuro
pra cacete! As águas no outono a essa hora da noite até o sol nascer, ficam
na média de catorze graus, nada agradável para um mergulho.
Um riso mórbido me sobe e dou uma longa tragada. Sem corpo, sem
refeição para os abutres paparazzi!
Concentrado, as habilidades que me movem são afloradas! Sei para
onde ela vai, estou pensando como ela.
A ponte Rialto! É o ponto mais alto de fácil acesso para uma
suicida. A Malpucci tem todo o perfil de uma, pelos pequenos sinais que vi
neste um ano da garota frequentando a nossa casa.
Faz muito tempo que não vou até aquele lugar maldito. É a porra da
coincidência mais ridícula do planeta, a topolina escolher o mesmo lugar
que minha Maya escolheu para me deixar.
Infelizmente não tenho como fugir disso. Seguindo-a de longe,
avanço pelas ruas totalmente desertas com os sentidos aguçados ao
máximo, enquanto o vento assovia seu lamento soturno me acolhendo na
sua escuridão confortável.
Uma coruja no alto de um edifício pia, avisando da sua presença.
A última tragada, antes de me deparar com a ponte em arco e a
menina como um fantasma sobre a murada.
Mantenho a respiração controlada para agir friamente. Tenho
segundos para planejar como tirá-la dali.
A merda da cena que não queria ver, evoca memórias terríveis!
‘’Vejo seus cabelos escuros emoldurando sua pele pálida e seu corpo
franzino em pé sobre a mureta, como se aguardasse o momento oportuno
para pular. Ninguém no noticiário se incomodou em mencionar sua partida
silenciosa. Afinal, você não era mais do que um detalhe insignificante em
uma sociedade que idolatrava riquezas e status acima de tudo, Maya.
Quem se importa com o sofrimento de uma reles adolescente
bolsista? Jamais esqueço um só minuto o que aconteceu com você... minha
Maya!’’
— De novo não! — chamo seu nome ao lembrar que não estava
aqui para impedir.
— Maya!
Devo me aproximar sem assustá-la. Ela não tem nenhuma segurança
para se prender caso queira voltar atrás na sua intenção. O corpo frágil
sobre o concreto, na beira da mureta da ponte está a ponto de cair, será
engolida pela escuridão do mar.
— Maya! — chamo outra vez assim que chego a alguns metros dela.
Quando seu olhar marrom, vazio e triste me encara, sinto uma
punhalada no peito. Vejo sua pele quase translúcida e seus cabelos
castanhos voando ao vento como se fosse um fantasma da garota que
conheci. Ela não responde meu chamado. Nunca vai responder!
O silêncio é o grito mais alto. A impotência sobre a morte é a pior
sentença.
Quando a garota dá um pequeno sorriso triste para seu reflexo nas
águas escuras, vejo seus traços ganhando outras cores, seus cabelos se
tornam dourados e os olhos uma coloração de verde única. Me dou conta
que não é Maya, e sim Selena!
Pisco várias vezes, sentindo a morte se instalando ali entre nós dois.
O oceano a está chamando e ela já está inclinada ao chamado. Mantenho as
pernas firmes, mas tenho que andar, preciso me aproximar mais, pois ela
não vai desistir.
Seria um prato cheio para a mídia com a morte da herdeira do ex-
senador italiano. Mas nem a pau! Isso não vai acontecer.
— Selena … — falo com voz calma e baixa para que ela ouça sem
provocar um susto. — Não sei o que aconteceu, mas tenho certeza de que
não quer fazer isso. — Seu olhar desfocado e nublado é vazio, me olha, mas
não me enxerga, a garota não está mais aqui. É uma vítima de um
manipulador e o farabutto (canalha) vive debaixo do meu teto. Dou uns
passos a mais sem pressioná-la. — Quer conversar comigo?
Olhando analiticamente a cena da menina em pé no parapeito da
ponte, vidrada na água turva, faço um cálculo rápido de quantos segundos
consigo tirá-la dali.
— Desça, Selena! Vamos conversar, é só pular para trás! Não vou te
julgar, seja lá o que tenha a dizer.
Continuo a aproximação lentamente. Ela ainda demora um instante
para olhar de novo, será que não me reconhece? Com cuidado e todo o
sangue frio que o momento exige, o próximo movimento que eu fizer tem
que ser certeiro. Se eu errar, a probabilidade que nós dois morramos juntos
é de cem por cento.
Ela certamente afogada pela dor e eu por tentar achá-la nessas águas
infernais.
— Não se mova! Estou aqui com você!
Vejo que não percebe nada ao seu redor, não está pensando com
clareza. Como se ela fosse um corpo conduzido por fios sem vida. Não tem
forças nem para ouvir e menos ainda para voltar ao outro lado. Ela está
seduzida pela escuridão dos suicidas, totalmente entregue à ideia do fim.
Mesmo que consiga salvar essa topolina e ela permaneça bem
fisicamente, em seu espírito não tenho certeza de que irá se recuperar.
Que porra de tragédia é essa que foi construída entre os dois? A
merda de Romeu e Julieta na paródia, quem fode mais a vida um do outro?
Um Romeu fodido das ideias, compulsivo por tetas e em caminho
para ser um satiríaco, e uma Julieta deslumbrada com contos de fadas e
inclinações suicidas, é isso? Como puderam pensar que haveria um
equilíbrio nessa merda?
CAPÍTULO 34

(Say Something – Christina Aguilera & A Great Big World)


( All I Want – Emma Bale)

Nem sei por que corri tanto, não sei como minhas pernas me
trouxeram até aqui. Olho para elas e a sensação é que não me pertencem.
Não sinto os esforços feitos, é como se estivesse amortecida.
Coloco a mão em meu peito e sinto o aperto, mas está oco. Só o
sentimento de inexistência entorpecente permanece.
Minha cabeça está leve e as emoções dolorosas agora fazem sentido
de uma maneira tão certa. Era isso que faltava para me desapegar
totalmente dos sonhos, a confirmação da minha insignificância.
Sinto as lágrimas que rolam pelo rosto e tocando com os dedos a
umidade, o toque é frio, como se a vida estivesse se esvaindo pouco a
pouco.
Parada no meio da rua deserta, tendo a escuridão como abrigo, me
pego a rir. O riso histérico de uma demente é completamente libertador.
Andando sozinha na escuridão de Veneza, observo os fantasmas das
minhas lembranças. Olho para o lado e vejo a igreja da Madonna,
lembrando do pedido de perdão de Tiziano.
Agora a razão me chama. Vejo o quanto fui patética com a ambição
de um amor ao qual nunca fui digna de merecer.
Avanço mais alguns passos e observo a praça onde diversas vezes
tirei fotos de pessoas, que representavam uma aura de felicidade que
constantemente busquei, essa busca era tão humilhante até mesmo para os
mais desprezados.
Seguindo as ruelas de pedras, correndo mais um pouco, o frio da
morte toca meu rosto. Paro diante da ponte de Rialto.
Recordações da minha amada amiga inundam meus pensamentos,
desculpe-me Jess e muito obrigada por me dar verdades e suporte. Mas
agora, não sou fraca, sou forte e estou finalmente em paz com a decisão que
escolhi.
Choro copiosamente lembrando suas palavras e ensinamentos de
incentivo para buscar a liberdade.
Olho para o céu nessa noite sem lua, hoje quero ser soprada ao
vento e voar na liberdade da solidão igual as cinzas. Cinzas são resultado de
algo que um dia existiu. Eu já não existo há tempos.
Elas não sentem dor, não sofrem, apenas flutuam como algo sublime
levadas com o vento, há uma certa beleza no flutuar de cinzas. Serei livre
finalmente.
Minhas lágrimas rolam como rios de tristeza e amargura. Andando
de um lado até o outro, atravesso a ponte em arco inúmeras vezes, sem
parar para olhar a vista ou as lojinhas que estão agora fechadas com suas
vitrines adornadas para atrair turistas deslumbrados, vitrines são ilusões
iguais ao que tive com Tiziano. Mostram uma beleza apenas para atrair, mas
não são seus de verdade.
Sempre busquei algo que não teria, corri sem alcançar. Caminhei
tanto sem querer chegar a lugar algum. Sempre foi assim a minha
existência.
Agora aqui, nessa ponte iluminada pelos postes com lâmpadas
decoradas para o meu verdadeiro destino.
Sinto e escuto os ecos da rejeição que me impulsionaram a fugir, sei
que aqui resolverei todos os meus problemas. Sempre soube o lugar certo
para tal.
O acolhimento das águas escuras de Veneza é o meu lugar, nunca
soube nadar, porque o inconsciente sabia que era assim o fim.
Escondida nessa escuridão que sempre me cercou, adiei o mergulho
definitivo para depois, na esperança de que o vazio se preencheria de
alguma forma. Acreditei que poderia preencher com o amor. Que grande
ingênua! Essa sou eu! Ser amada? Não é para mim.
Finalmente paro no meio dela e olho para baixo, para as pequenas
ondulações formadas pela brisa e ouço o último chamado do oceano para
habitá-lo. Tiro meus sapatos e subo na mureta.
Sorrio como se estivesse sendo cortejada pelo mais belo rapaz e
quando olho mais uma vez, inclinando-me vejo no espelho da água o rosto
de Tiziano. Isso é possível? Ele está ali, sorrindo para mim!
— Selena? — Escuto sua voz.
Observo seu olhar amoroso e atraída pergunto:
— Você me feriu e me afastou, por que está me chamando agora?
Seu reflexo levanta a mão e a estende para mim, sedutor e
apaixonado.
— Aqui no oceano poderemos nos amar para sempre! E você não
sentirá mais dores e nem solidão. Viverá comigo para sempre nas
profundezas do esquecimento. Você será eternamente minha!
Absorvo essas palavras que me envolvem, mas sei que esse não é o
meu príncipe.
O verdadeiro Tiziano não precisa desse fardo que sou. Meu amor é
descartável para ele.
Mas, isso já não importa. A dor tornou-se tão forte que não suporto
mais senti-la.
Prefiro viver uma mentira nas profundezas do oceano tendo a paz
que busco, do que viver a realidade e ser destruída por um homem egoísta e
insensível. É melhor o sono da morte do que voltar para casa e ser recebida
pelo silêncio dela vazia. Baixo a cabeça e as pequenas ondas dançam
sedutoras, me convidando a dançar com elas no salão sombrio.
Certamente serei feliz quando tudo terminar. Como continuar
vivendo sem ter espaço na vida das pessoas que amo?
Meus pais me proporcionam uma vida de luxo para não viver com a
filha que colocaram no mundo. Nem meu próprio sangue me quis. Os
conhecidos e colegas só se aproximam pelo nome que carrego.
Minha única amiga vai seguir sua vida, é corajosa, tem tantos planos
lindos, um futuro brilhante e promissor ao viajar pelo mundo. Não quero
jamais atrapalhar seu futuro com meus problemas e dores. O que sobra?
Recuso a acreditar que é só por causa de Tiziano, seu egoísmo e
crueldade que me encontro aqui na pedra do parapeito de uma ponte,
admirando a escuridão das águas retribuindo sua perigosa paquera. Vendo
uma versão do meu amado, trazida direto dos meus sonhos, espelhando as
águas frias da morte. Não! Isso não é só por ele. Tiziano mostrar minha
insignificância e seu desprezo por mim, foi apenas o estopim de uma vida
solitária e carente de amor.
Decidida, sinto minhas pernas em movimento e quando vejo estou
dando pequenos passos sobre as pedras, apreciando o vão e a brisa fria da
noite me fazendo companhia.
(...) Ouço o som de passos pesados de alguém nas pedras da calçada.
Escuto um nome distante:
— Maya!
E um chamado calmo como de alguém que me conhece, mas não me
chamo Maya.
— Maya!
Ouço outra vez a voz mais alta. Giro o pescoço lentamente,
embriagada pela morbidez da minha decisão.
Olho ao longe a figura enorme se aproximando, o mesmo vulto
daquela garagem de barcos, vindo ao meu encontro emergindo da
escuridão. A essa altura da madrugada nem o medo me distrai, se chegar
mais perto é o incentivo que falta para pular daqui e encontrar meu sonho
pacífico da completude.
Reconheço Gabrielle quando para na claridade do início da ponte,
com um semblante curioso, me olha como se eu fosse um fantasma.
Mas é o que sou, um maldito fantasma que flutua por uma vida
solitária e sem pertencimento.
Seu olhar é perdido e desfocado. Ele me vê e não me enxerga, ou
sou eu que vejo imagens fantasiosas nesse desejo por normalidade?
Dou-lhe um sorriso triste, cansado e solene. Seus passos lentos se
aproximam e ele fala suave, tentando se conectar comigo.
— Selena… — Suspiro reconhecendo sua voz.
Tento esboçar outro sorriso mesmo fraco, mas sou incapaz. Não sei
por que pensei em sorrir, se é para tentar tranquilizá-lo ou se pela fraca
esperança de que fosse o irmão dele a vir atrás de mim.
— Quer conversar? — ele pergunta com voz macia, eu até queria,
mas não com Gabrielle! Para que prolongar isso com conversas?
“Precisa parar de pensar em Tiziano, sua tonta!” O cara acabou de te
desprezar da pior maneira, mostrou a sua verdadeira face. O seu
desinteresse ou melhor, o único interesse era se distrair com um fantoche
que estava disposto a dar tudo o que ele pedisse.
Daria qualquer coisa a Tizi pelo amor que ele declarava em suas
mentiras. Sou tão, tão patética!
— Não sei o que aconteceu, mas tenho certeza de que não quer fazer
isso.
Quero sim, sou inadequada em tantos níveis que só a escuridão é
meu abrigo ideal. Ouço Gabrielle falar, mas parece uma voz distante e
distorcida.
— Desça, Selena! Vamos conversar, é só pular para trás! Não vou te
julgar, seja lá o que tenha a dizer.
A voz se torna mais alta pela proximidade, não sei o que responder.
É estúpida e ridícula a minha atitude em não lhe dar resposta, mas
meu cérebro parou de funcionar e a única coisa que minha alma clama é a
paz do oceano. Ele fala de uma maneira calma, para amenizar os efeitos de
minhas decisões. Ouço sua voz outra vez, ainda mais próxima, mas não
compreendo o que diz.
— Não se mova, estou aqui com você.
Ele não é tão natural e amigável. Devo estar imaginando também,
talvez ele nem esteja aqui realmente.
Subitamente, um abraço quente e apertado me envolve, como a
investida de um predador sobre a presa, arrancando-me de meus
pensamentos e lançando-me ao chão. É bruto e rápido, parece uma
avalanche.
Luto contra sua força por um momento, questionando minha própria
coragem que parece ter desaparecido completamente, deixando apenas uma
covardia cômica.
A dor ainda persiste, amortecendo meus sentidos enquanto estamos
abraçados no chão do concreto gelado. Parece uma eternidade esse abraço,
sinto a respiração furiosa dele saindo rápida e forte. Seus braços parecem
jaulas de aço segurando meu corpo contra si. Quando começo a chorar
descontrolada, ouço sua voz:
— Shhhhh, está tudo bem agora.
Aos poucos as lágrimas cessam, e o corpo que me mantém presa
finalmente recua.
— Está ferida?
Nego silenciosa e envergonhada.
Gabrielle ao se pôr de pé, busca meus sapatos e inclina-se para
calçá-los. Seu olhar penetrante e inabalável, permanece fixo em meu rosto
durante todo o processo.
— Não devia tentar isso outra vez!
Mordo o lábio e abraço meu corpo em uma forma de proteção.
Ele continua de forma pausada me encarando.
— Tem pessoas que se preocupam com você!
Abaixo a cabeça e sorrio tristemente. Todo mundo usa essa fórmula
para me consolar nessas horas.
Andamos lado a lado nos afastando da ponte, seguindo pela rua
Tedeschi e cruzamos a pontezinha Del’Ogio em silêncio.
Ele não foi meu herói ao me retirar daquela ponte, foi somente um
carrasco que me condenou para a infelicidade e pesadelos de uma mente
aprisionada pela dor.
Trocamos menos de cinco palavras nos vinte minutos caminhando
igual um robô até a mansão dos meus pais. Gabrielle questiona quem está
na minha casa e como serei recebida. Também pergunta se desejo que
alguém seja avisado. Nenhuma das perguntas realmente senti que deseja as
respostas. Não sei o que é, educação talvez.
Preocupação e interesse sei que não é o seu feitio!
Vejo um olhar diferente nele.
Hoje, no fundo dos olhos intensos existe uma raiva oculta somada a
decepção e culpa. Será que isso é direcionado a mim? Será que está com
raiva do fato de eu ter escolhido desistir da vida e buscar a felicidade no
vazio do esquecimento? Não. Acho que é algo que ele ainda não resolveu
consigo mesmo.
Chegamos finalmente na frente da casa onde vivo.
— Você não sabe o que é a morte, Selena. Não sabe o que ela
provoca nas pessoas. Não traz paz, traz somente a destruição e mais morte.
Não é o divino, é o mal do ser humano.
Com essas palavras, lembro das imagens que vi no chamado das
águas.
Sim, só poderia ser o mal, porque nunca um anjo com as feições e
corpo de Tiziano me chamaria para me amar no fundo das águas geladas. O
que Gabrielle não entende, é que abraçaria contente o mal, ou o diabo se ele
realmente me desse o que vi como oferta hoje naquele reflexo.
— Não seja covarde. Mesmo alguém que quer se jogar de uma
ponte espera encontrar “felicidade” neste ato. Então por que não tentar
buscar essa felicidade de outra forma? Dê um prazo a si mesma, dezoito
anos é pouco tempo. Tem um mundo de escolhas diante de você, milhares
de possibilidades que ainda se apresentarão. Naquele minuto, andando
sobre aquele concreto, deixou de analisar como poderia mudar sua maneira
de ver as coisas, nos próximos quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos
minutos do próximo ano. Tente, se não houver mudanças, não me
encontrará naquela ponte da próxima vez.
Não vou mais chorar diante dele, pois não há acolhimento aqui.
— Vá! Vou esperar você entrar.
As luzes da mansão vão acendendo e os seguranças da guarita do
portão saem ao meu encontro. Salvatore é o primeiro.
— Onde estava senhorita? Permiti que fosse até a mansão com o
piloto e seguranças dos DiMateo, mas quando fui até lá para buscá-la, me
avisaram que saiu sem me esperar!
Dou uma desculpa qualquer, poucas palavras.
Ao andar até a porta da frente, ainda olho sobre o ombro.
Vejo o irmão de Jessica andando de volta para casa com passos
lentos, mas, sua postura é ainda mais tensa que a habitual, como se
estivesse com receio de se afastar.
Mafalda e mais algumas funcionárias da casa me recebem no hall.
Não ouço o que dizem ou perguntam, não ouço nada. Ando pela sala de
estar vazia e subo as escadas para o meu quarto.
Há um som de vozes atrás de mim, elas devem estar me seguindo
escada acima.
Caminho no meu passo, não há urgência, nem pressa para me
esconder, não me importo que me vejam assim derrotada, não estou aqui.
Fecho a porta na cara delas, não quero ninguém dentro do meu
espaço fazendo perguntas que não quero responder. Tiro o calçado e me
deito sob o meu cobertor felpudo.
Poderia me sentir mais envergonhada e humilhada, mas agora não
sinto absolutamente nada.
Algo morreu essa noite, algo que não vai ressurgir jamais. Quero
dormir e chorar o restante da dor dessa parte que se perdeu nessa
madrugada de pesadelo.
As feridas de hoje quase me levaram à morte. Talvez não morra,
mas sinto que esses ferimentos viraram úlceras que me corroeram a alma e
jamais a partir de hoje serei a mesma.
Quando se é amado e tem pessoas que se importam conosco,
podemos ficar sozinhos e nunca sentir a solidão. Mas e se ninguém se
importa? Você se sente solitário mesmo em meio a uma multidão de vozes.
Quero continuar sozinha, pois ao lidar com um processo de luto, é
comum querer privacidade. Em especial quando se está processando o luto
pela própria morte.
Chorarei o luto da Selena que fui e chorarei a recepção dessa Selena
amargurada e agora destruída que vai perambular pela vida daqui em diante.
CAPÍTULO 35

(Daylight – David kushner)


(The Night We Met – Lord Huron)

Dio cane! Ela saiu daqui com os olhos vazios. Se acontecer algo
com ela, vou enlouquecer. A quebrei tanto para chegar ao resultado que
queria, que não pude aguentar no final. Correria atrás dela se não fosse meu
irmão passar por mim com suas passadas largas. Poderia confiar nos
seguranças no portão, mas até às dez da noite, dei ordens de nunca trancar a
passagem, ainda mais se forem conhecidos.
Espero que Gabe a tenha encontrado aqui perto, na praça talvez ou
em algum lugar chorando escondida.
O rosto devastado de mia ragazza me faz sofrer tanto. Mas lembrar
daqueles gritos dolorosos é a pior parte, eles vão me assombrar até a minha
morte. O vômito invade minha garganta antes que possa controlar. Despejo
no gramado, todo o resto do conteúdo do estômago em extremo desespero
de pavor. Meu corpo treme por inteiro e a visão embaça pela tontura.
Nunca fui de rezar, mas nesse instante, beijo a medalhinha que ela
me deu e faço uma prece a Deus. “Per favore, não deixe que nada aconteça
com minha pequena.’’
O som suave de água da piscina cria um contraste com o silêncio
opressivo que esmaga minha consciência.
Espero apreensivo o retorno de Gabrielle, aflito pela demora,
caminhando pela grama, pensando no que acabou de acontecer. Ela
morreria se não a afastasse de mim! Cazzo! Foi o certo a se fazer!
Quando minha mente clareia, vejo o vulto enorme de meu irmão se
aproximando do portão da propriedade, como é tarde, diferente da ida o
segurança abre o portão antes de Gabe ordenar. Assim que passa por ele,
seus passos ganham velocidade. O caminho vai diminuindo de tamanho à
medida que Gabe, como uma locomotiva percorre o corredor das plantas até
mim.
De imediato, ando ao seu encontro depressa, mas nada me prepara
para a pancada do impacto de seu corpo sobre o meu, é tão violenta que me
derruba no chão. Ele parece possuído por uma entidade e o olhar demoníaco
me assusta.
Enquanto permaneço perdido e quebrado diante de sua fúria. Fico
imóvel, sem oferecer resistência, absorvendo cada golpe dos seus punhos
com um silêncio pesado.
O primeiro soco no nariz explode sangue sobre o lábio. O gosto
ferroso arde a garganta ao engolir. Mais socos e a dor de um novo corte na
boca me faz guinchar.
Eu mereço, mereço uma surra, mereço a morte por ter dito todas
aquelas palavras para ela, mas não havia outro jeito. Se contasse a verdade,
Selena não acreditaria e não se afastaria, poderia até me achar um maluco!
Gabe me olha nos olhos com uma raiva que nunca demonstrou. Será
que sente algo nesse coração gelado? Vejo um ódio cintilando em seu olhar
e o coloboma[x] na íris me encarando tão de perto, mesmo sob a luz fraca da
lua, me aterroriza, deixando seu rosto ainda mais animalesco. Quando ele
questiona o que houve, meu coração quase para de bater...
— Você tem noção do que fez, seu scemo(retardado)! Tem ideia,
Tiziano?
O verdadeiro terror de um moribundo se espalha por cada
centímetro da minha espinha, dominando completamente o meu corpo.
— On...de ela tá?
Meu rosto sem dúvida está desfigurado, mas não há mais sangue a
escorrer, pois ele foi drenado pela apreensão. Sinto as lágrimas vertendo
pela notícia iminente, minha garganta se fechando e a mente prestes a
explodir, ao imaginar uma cena que não quero acreditar.
O peso da culpa pela tragédia que talvez tenha ocorrido, faz meu
corpo amolecer no chão. Não consigo acreditar que não fui capaz de prever
uma coisa dessas. Simplesmente não consigo conviver com isso, não posso
aceitar que tirei a vida dela tentando protegê-la do futuro. Minhas palavras
saem soluçantes e com dificuldade devido à minha boca esfolada.
— Gaaa…be, irmão, me diz que ela está ... bem, Gabe? A levou
para casa? — pergunto aos prantos e soluços.
Sua respiração descompassada é como de um touro no abate!
Levanta-se do gramado e começa a xingar.
— Seu desgraçado testa di merda! Maledetto! — Ele chuta minhas
pernas no chão e não sinto a dor, pois as pernas estão dormentes. A dor
maior está em meu peito que dificulta minhas palavras.
— Gabrielle, pelo amor de Dio! Me diz o que houve! — No
desespero em saber, me seguro numa das pernas dele para impedi-lo de me
deixar falando sozinho. Ele tenta se desvencilhar do meu contato com nojo
e analisa meu rosto com curiosidade doentia.
— Você, sabia? Me diz, Tiziano! Quero entender essa cabeça de
segaiolo, (Punheteiro) você sabia que Selena é uma suicida?
Começo a soluçar incontrolavelmente, cobrindo meu rosto com as
duas mãos, um choro doído sentindo tudo se espedaçar por dentro. De
repente, ouço sua voz potente próxima, forçando-me a encará-lo.
Ele se aproxima como um predador e desfere tapas violentos em
meu rosto, num ímpeto de veneno irracional. Seu semblante está distorcido,
transformado em uma máscara assustadora. Os golpes com a mão aberta,
ardem o rosto já ferido e as palavras cortam minha alma profundamente.
— Não chora, seu farabutto, não chora! Você não tem direito de
chorar por ela. Viva ou morta. — Cada palavra vem com um tapa em meu
rosto, aceito-os sem revidar.
— Irmão, não sabia que ela era suicida, tive boa intenção quando a
dispensei.
Não é mentira, quando investiguei as entradas dela no hospital
desconfiei, mas Selena era tão feliz quando estava comigo. Não pode ser
uma suicida! Respiro profundamente quando ele para de me estapear.
— Boa! A única coisa que desestabiliza o meu controle, são os
abusadores de mulheres. De qualquer tipo. Não porque tenha compaixão e
sofra com a dor de desconhecidas, mas porque um homem não tem direito
de usar seu poder, força ou inteligência para roubar o que quiser. Um
abusador é um porco de um ladrão. Rouba o direito de defesa, o livre
arbítrio e o consentimento da mulher. E isso não admito!
— Me responda? Ela está bem? Per favore...
Nesse momento, se me disser que a perdi, não tem mais sentido
viver com a culpa de tentar salvá-la da minha previsão e enviá-la para a
morte.
— Não implora, seu patético! — Se afastando, gira de costas com
as mãos na cintura, chacoalhando a cabeça. A voz que vem dele agora,
parece outra pessoa, calma, baixa e controlada.
— Per un pelo, um segundo mesmo. Caso não fosse rápido o
suficiente, você despertaria pela manhã com a notícia do corpo dela
desaparecido no oceano. A tirei da mureta do Rialto.
— Ahhhhh — Solto um grito de desgosto.
Deito minhas costas na grama do jardim e me entrego aos soluços,
mas Gabrielle é implacável e não tiro sua razão. Meu peito pesado de dor
pela situação está me esmagando, mas preciso aguentar tudo. Ele a salvou.
Gabe vem em minha direção com tal frieza em suas palavras, que
levam minha bile novamente à garganta.
— Trepou com ela?
— Não.
— Estuprou ela, Tiziano? — Levanto-me como se uma serpente me
picasse.
— Nãoooo cazzo! O que pensa que sou?
O dedo em riste aponta para mim como um juiz implacável.
— Um doente de merda! Um desmiolado de vinte e seis anos com
uma compulsão que não consegue controlar, que decide se aproveitar de
uma garota sem experiência alguma que se encanta por um marmanjo
tarado! — Engulo a verdade amarga enfiada goela abaixo por ele.
— Não fala assim…! — respondo vibrando a raiva de ouvir essas
ofensas, mas ele me corta, falando entre dentes de forma cruel.
— Você tem que aprender a conviver com suas merdas e se não
consegue se ajudar sozinho, vai se tratar. Não vê que é doente? Não vê que
se destrói nessa compulsão sem controle? Não tô nem aí pra sua saúde
mental, pau esfolado ou herpes nessa boca imunda, mas não seja um
criminoso, ou eu passo por cima de você, arranco sua pele e coração
enquanto ainda está vivo.
Caminho uns passos para trás atordoado, sento-me na cadeira de
metal do gazebo de nonna, pois sinto no corpo o impacto dos socos e a
vergonha na alma.
É inútil secar o rosto, mais lágrimas continuam a rolar porque minha
alma chora por ser obrigado a fazer o que fiz. Recordo da forma
assombrada na qual ela saiu deste jardim e me afundo no caos da culpa.
Escuto a sentença de Gabrielle calado.
— Aquela desmiolada tem problemas muito maiores que você nesse
seu mundinho de sexo depravado e descontrolado com tetas. A garota viveu
sem um carinho maternal e essas merdas que amparam o ser humano, foi
acolhida pela Jess, te conheceu e você se aproveitou da ingenuidade dela e
agora nega na cara de pau! — O interrompo de modo impulsivo.
— Já nos conhecíamos antes — murmuro baixo.
O corpo enorme com a camisa suja do meu sangue, se movimenta
em minha direção, lento e seguro, como um leopardo espreitando a caça,
olha para mim estreitando os olhos, se aproximando cada vez mais.
— O quê? Repete!? É muita merda e entupiu minhas orelhas.
— Nos conhecemos antes dela frequentar nossa casa, ser irmão da
melhor amiga dela foi uma surpresa para nós dois. Uma coincidência
miserável.
Meu irmão elimina a distância e chega a encostar a face muito
próxima da minha.
— Coincidência miserável? Quanto tempo faz? — Difícil não se
intimidar.
— Um ano.
— Coincidência, ora essa, a coincidência do bucaiolo — repete,
enquanto rasga uma risada sarcástica. — Você é um mentiroso do cacete!
Não foi coincidência porra nenhuma! Você plantou Jess na escola que a
Malpucci estudava. Lembro exatamente cada palavrinha na mesa de jantar,
enquanto você degustava o spaghetti ao sugo da nonna. “Pai, posso pagar
tranquilamente a escola de Jess. É a melhor de Veneza e para minha irmã
sempre o melhor.” Esqueci algo?
O desgraçado imita minha voz e postura daquela noite.
— Não, você nunca esquece absolutamente nada. Um gênio! Não
precisa exibir sua memória fotográfica.[xi]
Sua risada amarga só contribui para a minha raiva.
— E hipertimesia[xii], é, sou a porra de um gênio! Agora continuando
o meu raciocínio… — com as mãos na cintura todo arrogante continua: —
Se aproximou da garota, iludiu, manipulou e abusou psicologicamente vez
após vez, sabendo o quanto esse comportamento é destrutivo! E tem
coragem de dizer que é coincidência? Ó tão sentimental!
Nessa hora o encaro firme devastado por dentro, ouvindo todas
essas ofensas desgraçadas e me sinto a pior espécie de ser humano. Mas a
paciência para o cinismo, já foi para o espaço.
— Sei o que fiz e os motivos também!
— Hum! O grande CEO admite que errou. Um troféu pela admissão
do mártir de meia tigela!
Levanto-me e olho fixamente no rosto debochado, não queria chegar
a esse ponto, mas ele precisa saber.
— É tem razão, sinto demais, sou sentimental, choro, imploro e
amo. Amo aquela garota e precisei afastá-la de mim de um jeito que não
houvesse mais chances de perdão. E não, jamais imaginei que ela tentaria se
matar, porque vi o fim terrível que ela teria se estivesse ao meu lado. Prefiro
meu amor vivo do que nas garras de uma morte violenta. Prefiro sofrer até
morrer, sentindo a dor da distância de uma mulher viva, do que perambular
sem um coração como você, que perdeu a Maya e não suporta estar vivo
agindo como um juiz da moral alheia. Não vou carregar a culpa pela morte
e ignorar o aviso igual a você.
— Do que está falando? Bebeu?
— Sonhei com a morte de Selena, assim como sonhei com a de
Maya, mas você não podia deixar a cena de um crime importante no início
da sua carreira para atender seu irmão maluco e procurar sua colega de sala.
Gabrielle se aproxima e me agarra pelo colarinho da camisa, pálido,
sem pronunciar uma palavra sequer.
— Sempre me achou maluco, né? Bate de novo! Me espanque! Mas
fiz o que devia fazer, naquela noite que você mediu minha pressão ali
dentro da nossa casa, tive um aviso. “Não case com Selena, não fique com
ela ou ela sofrerá uma morte horrenda.” Escutei e agi.
Gabe me encara atônito, com olhar vidrado parecendo um lobo
faminto.
— E mesmo que ela morresse hoje e eu me culpasse pelo resto da
vida, a morte que vi para ela naquele pesadelo ainda seria o que evitaria a
todo o custo. O que você faria se fosse avisado da morte da mulher que
ama? Ah, você foi e não ouviu, porque insistiu que eu era doido. Lamento
sinceramente por você.
Meu irmão me empurra com ódio e quase vou ao chão.
Imediatamente me dá as costas em direção a garagem de barcos, pisando
duro.
Não queria, juro que não queria fazê-lo se sentir mais culpado do
que se sente, mas ele precisa entender que o que fiz foi a melhor das
alternativas.
Não sei o que será da minha vida daqui para frente, mas ela está
segura longe de mim e isso me basta.
CAPÍTULO 36

Os dias enclausurados em casa se tornaram um simples existir,


limitei-me a responder as mensagens de Jéssica, acalmando sua
preocupação com máxima naturalidade nos textos que escrevi. Evitei
áudios, minha tristeza seria demonstrada na voz e ela é esperta, logo
perceberia e faria questionamentos dos quais ainda não estou pronta para
responder.
Por ironia, Mafalda comentou na hora do almoço, que meus pais
estão preocupados porque não quero atendê-los no telefone.
Falou que me protegeu, que fofa! Disse que eu estava trabalhando
em um projeto novo de fotografia. Nisso ela está certa, preciso de um
motivo para estar ausente nos telefonemas. Portanto, me incentivou a sair
um pouco e me distrair. Distração? Não quero sair! Mas outra vez, não farei
o que quero!
Ela me entregou um convite que chegou em nome da família para
um concerto de balé que estreia hoje à tardinha. Pelo menos tenho algo para
conversar com meus pais amanhã quando ligarem.

Sentada no camarote habitual do teatro, assisto o espetáculo


solitária. Bailarinas graciosas, decoradas com plumas e paetês, executam
movimentos sublimes.
Mas, para os meus olhos, são vultos tristes, perambulando e saltando
de um lado para o outro, com corpos doloridos, ocultando as angústias do
corpo exausto por trás da máscara de beleza. Representando a realidade da
tristeza que arde em meu peito na penumbra do teatro.
Com o passar dos minutos, sinto-me observada, olho
disfarçadamente e reconheço um rosto familiar.
No camarote ao lado, o rapaz acena um cumprimento discreto o qual
retribuo de modo educado.
Recordo bem daquele rosto conhecido. É o filho de um ex-sócio do
meu pai. Pietro Albenacci. Há um ano, minhas referências masculinas eram
diferentes e o rapaz era o meu crush. Por muito tempo na adolescência,
sonhei que poderíamos ser namorados dado a proximidade de nossas
famílias. Nunca mais o havia visto.
Durante a próxima hora de espetáculo, o flagro algumas vezes com
o olhar intenso e desejoso em minha direção, algo que não acontecia entre
nós no passado, na realidade é um pouco surpreendente. Será que mudei
tanto assim nesse tempo sem nos ver?
No final do show algo inusitado acontece. Vejo ele se aproximar,
tento parecer o mais natural possível e arrumo a postura.
— Selena! Quanto tempo!
— Oi, Pietro, como vai?
— Agora muito melhor. Anda sumida garota! Não a vejo nos
eventos sociais, achei que tivesse ido estudar fora da cidade.
— Não saí de Veneza, apenas não aprecio muito a mídia e as
aparições em eventos de grande visibilidade. — Admito um pouco
constrangida.
Pietro pede licença para me acompanhar até o saguão do teatro.
Aceito seu braço e andamos juntos pelo grande corredor acarpetado.
— Também não sou adepto da mídia, mas como empresário, muitas
vezes abro mão da discrição.
É, realmente não vejo Pietro nos holofotes, é um rapaz discreto e
dificilmente mostra sua vida pessoal.
— E Mário, como está? Há muito tempo que não nos reunimos
desde que desfizeram a sociedade na empresa.
— Estavam em Nápoles a última vez que conversamos.
Seu telefone toca e Pietro, muito educado, avisa que precisa atender.
Enquanto ele conversa com alguém do seu trabalho, observo seus traços.
Continua atraente, o maxilar quadrado bem barbeado o deixa muito
sedutor. Olhos de um azul profundo e as sobrancelhas escuras e bem
marcadas dão um ar misterioso. Os cabelos pretos são de um corte clássico
comportado. Não é um homem muito alto, é um pouco mais baixo, e menos
encorpado em comparação a Tiziano. É involuntário comparar,
infelizmente. Lembro que era uns anos mais velho que eu quando
frequentávamos os jantares na mansão dos seus pais.
— Selena, perdoe-me, mas preciso me despedir. Surgiu uma reunião
inadiável agora e já estão me esperando. Mas gostaria de continuar nossa
conversa. É tão bom rever os amigos!
— Concordo, foi bom relembrar velhos tempos.
— Para mim, foi ótimo te ver, o que acha de um almoço amanhã?
Tem uma hora na sua agenda para esse rapaz solitário?
Penso que talvez seja uma oportunidade de me distrair e ele não é
perigoso e nem estranho. Nossos pais se conhecem, acho que não poderia
haver oportunidade melhor.
Sorrindo pela sua simpatia, aceito o convite.
— Passo para buscar você, só me avise em qual das duas
propriedades você estará. — Com seu celular ele anota meu número. — As
onze é um horário bom?
— Pode ser. Aviso hoje a noite, tudo bem?
— Perfeito. — Ao se despedir, Pietro beija minha mão como um
legítimo cavalheiro e seu sorriso aberto me deixa sem fôlego.
Retorno para casa um pouco menos devastada. Esse encontro fez
muito bem para mim, me senti especial com sua maneira interessada e seu
olhar aquecido durante a conversa. Um rapaz tão bonito e educado faz bem
ao ego quando se está de coração partido.

Preparando-me para o encontro que combinamos, reflito que é a


melhor decisão. Não quero ficar sozinha nesse momento. Quero fechar esse
capítulo da minha vida e reescrevê-lo totalmente com novas cores. Preciso
disso para sobreviver a novos momentos e novas experiências.
Opto por um vestido jovial, bem-comportado e elegante. Combina
mais comigo, além disso, não estou segura em demonstrar uma
sensualidade que não sinto. A cor coral e a maquiagem mais discreta trazem
uma aparência saudável ao meu rosto, com um sorriso ensaiado em frente
ao espelho, tento parecer entusiasmada.
Digito uma mensagem para ele ao terminar de me vestir.
“Adorei as flores que me enviou hoje cedo. Estou pronta.”
Desde ontem à noite quando enviei mensagem de que estaria no
continente, Pietro foi muito gentil. Perguntou sobre o meu dia e contou
sobre o dele. Estou encantada como é fácil conversar com ele. É bom ser
ouvida e apreciada.
Após terminar de pentear os cabelos, desço para a sala. Não demora
o próprio estaciona o seu Mercedes na porta de casa. Desce muito gentil e
abre a porta do carona.
— Buongiorno, bella signorina. — Um beijo inesperado em meu
rosto me surpreende.
— Buongiorno, Pietro.
Dentro do veículo o som de Coldplay toca Yellow em volume
ambiente.
— O que gosta de comer? Hoje você é quem manda.
Seu perfume gostoso e cítrico, preenche o veículo. É uma mistura de
brisa do mar e eucalipto.
— Gosto de frutos do mar.
— Hum, delícia de escolha, conheço um restaurante intimista que
vai adorar.
Seus olhos brilham tanto como duas pedras preciosas. E essa
piscadinha me deixou corada.
Seguimos para uma osteria (bistrô) chamada Moka’s. Ao entrar no
local, vejo como o ambiente é requintado. A iluminação baixa e quente
deixa o clima aconchegante. A maioria das mesas está ocupada com casais.
O aroma vindo da cozinha é maravilhoso e inacreditável como faz meu
estômago reclamar ansioso pelo cardápio.
Pietro segura minha mão de modo protetor quando fala seu nome ao
maitre, solicitando uma mesa. Acho que não é nada demais essa
proximidade, é bom me sentir uma jovem normal uma vez na vida. Andar
de mãos dadas com um homem interessante e bonito como ele, não é
sacrifício algum.
Sentamos num canto do salão em uma mesinha redonda. Um
garçom se aproxima e ele pede dois Aperol spritz. Lembro-me dos
conselhos de Jessica sorrindo para mim mesma.
— Não sou acostumada com bebidas alcoólicas. É forte?
— Esse drink é bem fraquinho, você nem vai sentir. É para
combinar com as entradas. O que prefere? Gostaria de pedir o menu
degustação de cinco atos, porque adoro as surpresas culinárias do chef
Homero. Se estiver de acordo, pedimos. Se não escolho a la carte (menu)
sem problemas.
— Melhor pedir o menu degustação, assim conheço uma boa parte
do tempero.
— Perfeito, ótima escolha.
Rapidamente as taças de cor laranja chegam. Provo o drink e me
surpreendo como é gostoso e suave.
Pietro está muito bonito, observo o blazer sobre a camisa social, em
seu estilo misterioso, não digo sombrio, mas sim discreto.
Mexo meu drink arrumando meu cabelo para o lado, tentando
manter a postura elegante que minha mãe ensinou. Ele disfarça bebendo do
copo mas olha dentro dos meus olhos e mostra seu sorriso perfeito.
— Você está linda nesse vestido. O coral realça seus olhos.
— Obrigada, você também está bonito.
Sua mão pousa sobre a minha na mesa e a afasto discretamente.
Não consigo me soltar nessa parte de toques.
— O que achou da bebida?
— Deliciosa, é doce na medida certa e muito refrescante.
Os olhos azuis escuros analisam meu rosto com interesse. Ele chega
mais perto e pergunta:
— Ainda fotografa, Selena? — Surpreendo-me por ele saber disso.
— Como sabe que trabalho com fotografia?
— Seu pai falava muito de como a filha tinha um olho apurado para
capturar momentos perfeitos com uma câmera. Tinha dois de seus trabalhos
no hall de entrada do escritório quando ainda trabalhava em Veneza. —
Minha boca parece com a de um peixe buscando o oxigênio da água, Pietro
percebe e sorri — Não sabia disso?
— Não, meu pai nunca falou que tinha trabalhos meus no escritório.
Na realidade, não é profissão ainda. Começou como uma distração na
infância, mas me encantei e pretendo me especializar — Gosto de conversar
sobre algo que domino.
— Olha só, aposto que já é uma profissional incrível e que captura
imagens lindas. — Olho para seu rosto analisando sua sinceridade.
— Por que acha isso? — pergunto para os olhos que me encaram
curiosos.
— Porque uma garota linda como você, só pode levar beleza para o
mundo através da sua arte. — A timidez surge e deixo um pequeno sorriso
como resposta, sinto o rosto esquentar e bebo um gole do spritz.
— Você seguiu a carreira de administração? — interrompo o
silêncio.
— Sim, precisei aceitar a carreira do meu vecchio (velho). Ele
sempre fez questão de apoiar e incentivar para cuidar dos negócios da
família. Ninguém dizia que daria certo. Mas já ingressei na política, vou ser
candidato a deputado pelo partido do meu pai. Tentar criar projetos voltados
aos jovens do nosso país.
— É uma ótima iniciativa. Às vezes acho que nascemos
predestinados a algo — murmuro.
— É exatamente como penso — Seu sorriso parece ainda mais
sedutor.
Vendo que nossas bebidas terminaram, ele pede outra rodada.
— Outro spritz, Selena? — Aceito, pois é suave, apesar de um calor
diferente, sinto-me bem.
Engatamos uma conversa interessante, sobre como passamos a
adolescência retraídos. Temos pontos em comum, gostos muito parecidos.
Ele adora ler e andar a cavalo. Amava os passeios no haras da família, mas
faz muito tempo que meu pai não faz esse tipo de programa comigo.
A primeira etapa do menu chega e as entradas de antipasto con
caviale e frutto della passione são um espetáculo ao paladar.
Segue o almoço com cada etapa e mesmo sendo porções mínimas,
na sobremesa já me sinto satisfeitíssima. Fora que a cada prato é um vinho
diferente para acompanhar, o que tenho o cuidado de provar apenas um gole
de cada. Mas as bochechas estão pegando fogo e começo a tagarelar.
Logo chega a sobremesa.
— Acho que preciso provar um pedaço dessa palline di cioccolato,
já que não tira o olho da minha Crostata di pere — diz com um sorriso
ladino.
Ele me faz rir com suas brincadeiras.
— Bom, você não precisa barganhar comigo, lhe dou um pedacinho
da minha sobremesa — provoco entrando no clima agradável do final do
almoço.
Não vejo sua aproximação, quando noto ele rouba um beijo. Não o
afasto, mas não sinto nada com os lábios suaves encostando nos meus. São
quentes e com gostinho da calda do doce.
— O que achou da calda de pera? Adorei o chocolate — diz ao se
afastar.
Meu sorriso é forçado. Esse beijo não estava nos meus planos!
— Adorei a calda — confesso me concentrando num último gole de
vinho branco para não demonstrar que não estou pronta para intimidades.
Mas não vou resistir a ele. Preciso virar a página e Pietro é o homem
perfeito para esquecer Tiziano.
Entre nossas conversas, acabo contando que completei dezoito anos
há menos de quinze dias.
— Ora, ora, precisamos comemorar! Tive uma ideia, meus pais a
convidaram para tomar um licor lá em casa. Ficaram eufóricos em saber
que estou almoçando com a filha do Mário. O que acha?
— Será bom revê-los — Concordo. Afinal ainda é cedo, ao olhar o
relógio do celular, vejo que são quase duas da tarde.
Ele chama o garçom e paga a conta para irmos.
— Ótimo, vamos sair pela porta lateral, veja a aglomeração na
entrada, vamos desviar por ali.
Realmente, o balcão de entrada está cheio e a porta também.
No carro o clima é descontraído com ele cantando Bruno Mars
desafinado e me fazendo gargalhar.
Ao chegar na sua mansão, percebo como gosta de arte, muitos
quadros e esculturas belíssimas enfeitam a casa. Na lateral uma escadaria
imponente se divide no patamar do pavimento superior. Seus pais nos
aguardam na sala de leitura, onde tem um bar gigante e uma estante de
parede inteira repleta de livros. Fico encantada com essa parte da casa. Sr.
Giulio Albenacci, um homem totalmente grisalho, mas de rosto
amigavelmente jovial para o tom do cabelo, me cumprimenta sorridente, e
Sra. Pamèla também é muito simpática e gentil.
— Pai, mãe, quero que marquem um jantar para Selena na semana
que vem, na sua casa. Íntimo, apenas nós. O que acham?
— Maravilhoso, meu filho. Selena, vou pedir para minha cheff
preparar o prato predileto de Pietro, risoto de tarufo bianco,[xiii] você vai
adorar.
— Certamente que vou, dona Pamèla.
Tomamos um licor de limoncello para ajudar na digestão. Passado
um pouco mais de meia hora, seus pais se despedem, só então me dou conta
que eles não moram com Pietro.
Ando pela sala de leitura olhando as coleções de livros raros que ele
possui, enquanto acompanha os pais até a porta. Gentil, ele retorna e toma
mais um copo de licor, explanando onde comprou os manuscritos de Edgar
Alan Poe que estou olhando.
— Selena, quero dizer como estou encantado com você. Amanhã à
tarde podíamos tomar um gelato, o que acha?
— Acho uma ótima ideia.
No fim da conversa sobre os manuscritos raros que possui, muito
cavalheiro me leva pessoalmente em casa com meu segurança nos seguindo
no SUV.
Na despedida ele me beija outra vez, mas me afasto antes de toques
mais ousados.
Mesmo me forçando a um envolvimento que surgiu por acaso, não
quero apressar as coisas.

Meus dias começaram a melhorar um pouco, o envolvimento com


Pietro é leve. Ele me mostra lugares novos em nossos passeios, sempre
carinhoso e respeitoso, me trata como uma princesa.
Acho bonito ele me chamar de ‘tesoro', diz que é porque sou rara e
perfeita. Todas as manhãs recebo flores e cada dia fico mais aberta aos seus
galanteios.
Meus pais vibraram quando contei que ele me pediu em namoro e
avisei que Pietro quer marcar um jantar com nossas famílias. Percebi que
meu pai foi sincero quando disse que vai organizar a agenda para vir a
Veneza. Nunca vi minha mãe tão feliz.
Jess ao telefone está doida para conhecer o meu príncipe encantado.
Disse que não aguenta mais meus elogios e que assim que retornar da
Sicília em duas semanas, virá me ver. Sabia que a perderia para o mundo.
Na primeira vez que foi sozinha ficou três semanas, dessa vez é quase um
mês fora de Veneza, logo nossas conversas serão iguais as que tenho com
meus pais por vídeo e assim ela me esquecerá.
Mais um motivo para me apegar a Pietro. Só que apesar do
compromisso firmado, não consigo me soltar além dos beijos. Seus toques
não despertam nada e fico muito triste por isso. Quero sentir, quero me
apaixonar por Pietro, assim como ele que se declarou dias atrás.
É o homem certo e preciso desligar a mente dos fatos que
aconteceram com meu ex-namorado. Vou conseguir, sei que vou!
CAPÍTULO 37

Hoje acordei cedinho, vou em um evento que nunca fui. Solicitei


autorização ao meu pai, já que os seguranças não são autorizados a entrar,
nem mídia ou imprensa. É o primeiro dia de verão e os jovens da elite
italiana criaram o Giorno di Verano (dia de verão). Um dia em um resort
para participar de atividades sem os pais. Na programação do evento,
costumam acontecer partidas de tênis, golfe, rafting e um torneio de veleiro.
Na verdade, Pietro vai comigo, mas me contou que não falou ao pai que
participaria, pois se dissesse teria que confessar que mandou seu assessor
em seu lugar para participar de uma reunião em Verona. É o nosso segredo.
Meu segurança me deixa na porta do local. É como entrar em um
clube, pois a fachada parece uma luxuosa mansão.
Ao entrar, observo algumas moças conhecidas, filhas de empresários
e pessoas importantes que já encontrei em eventos sociais. Um pouco
deslocada, procuro circular, por meia hora andando pelos corredores da
enorme mansão, vou até a parte de trás onde há os jardins e campos de
tênis.
Tem muita gente aqui, e na piscina também tem alguns pares
jogando vôlei. Em cada lugar há grupinhos bebendo champanhe, todo o tipo
de bebida servida é por garçons devidamente uniformizados. Onde será que
Pietro está? Mais uns minutos e quase desisto de ficar, mas de repente um
abraço por trás me tira do chão.
— Mio Tesoro!
— Pietro! Achei que não ia vir.
— E perder um dia completo com minha namorada?
Seu beijo tem gostinho de vinho, ele está alegre e corado.
— Estou muito feliz que veio, Selena. Vem, quero que prove meu
vinho predileto. Não está de estômago vazio, né?
— Não. Tomei um café generoso hoje cedo. Vamos almoçar aqui?
— Sim, o que você quiser nós faremos hoje.
Ele me guia até um lounge com poltronas marfim. Me coloca em
uma delas, muito orgulhoso e animado, começa a falar sobre os vinhos que
gosta, mas sempre me incluindo na conversa.
— Qual você prefere, Selena?
— Gosto do rosê, foi o que mais gostei. — Nesse momento,
lembranças que não queria, invadem minha mente. Não! Não quero voltar
para lá. Esse momento é diferente, aqui tem alguém sério que gosta de mim
de verdade.
— Posso sugerir um rosê que você vai adorar. Será uma experiência
inesquecível prová-lo. Valdobbiadene superiore di Cartizze é a excelência
em proseccos do mundo.
A empolgação dele me contagia, sorrio largo pelo belo homem me
agradando e apreciando minha companhia, isso me encanta.
Ele traz uma garrafa e duas taças, bebemos a primeira sem perceber.
É tão gostoso e refrescante, uma doçura sem igual. Falamos sobre o
itinerário do dia, os veleiros que irão competir e como a disputa é acirrada.
O vinho me deixa desinibida e alegre, permito seus beijos e toques
sem me sentir desconfortável. Só preciso de tempo para dar o próximo
passo. Não sei quando, mas ele é muito gentil, certamente vai esperar me
sentir pronta para transar.
Na terceira taça, estranho um pouquinho porque parece mais amarga
que as duas primeiras.
— Selena, quero mostrar o veleiro em que apostei. Gostaria de ver?
— Sim, adoraria. — Definitivamente Pietro é a escolha certa para
esquecer Tiziano. Se interessa pelo que eu falo e faz de tudo para me
agradar. Ele me quer na vida dele e isso é incrível!
Ao levantar, sinto-me tonta e sento outra vez na poltrona.
— Ops! Acho que a terceira taça te pegou de jeito. — Sorrio um
pouco envergonhada.
— Acho que sim.
— Quer deitar um pouquinho? Eu te levo.
— Deitar? Onde?
— Aqui é um resort, tesoro. Eu tenho um quarto. Acho melhor
descansar até se recuperar um pouco.
Ele me leva, pois realmente meus passos estão lentos. Me guia por
um corredor e descemos um pavimento. É tão silencioso e calmo que não
tenho nenhuma vontade de voltar lá para cima.
— É bem tranquilo essa ala.
— Sim, muito tranquilo. Você vai adorar.
Chegamos no seu quarto, mas não presto atenção à decoração, só
percebo que as paredes são brancas e tudo é muito claro, móveis brancos,
tapetes e poltronas espalhadas pelo ambiente. Sem cerimônia, jogo-me na
cama enorme e chuto meus sapatos.
— Estranho, pareço bêbada, Pietro. Quase nem bebi.
— Acho que não comeu o suficiente antes de sair de casa. Por isso
precisa comer algo mais.
— Acho que não, quem sabe descansar um pouco. — Sinto uma
leveza incomum mesmo, com uma sensação boa de relaxamento. — Está
tão calor aqui.
Nem espero sua fala, com muito sofrimento abro o meu vestido. Os
dedos molengas não seguram os botões e começo a rir.
— Você quer ficar nua, Selena? — Sua pergunta é em tom divertido.
— Não consigo abrir os botões.
— Ok. Vou pegar algo refrescante para nós e ajudo você.
Ele retorna do canto do quarto com uma garrafa e morangos numa
taça.
— Acho melhor não beber mais — falo aos soluços e rimos juntos
da minha fala enrolada.
— Esse é fraquinho para acompanhar os morangos, vai comer uma
fruta e refrescar.
Pietro põe uma na minha boca com um longo gole.
— É doce e delicioso! — exclamo animada.
— Como você, mio tesoro! Doce e perfeita para mim.
Ele ergue meu queixo e beija suavemente envolvendo sua língua na
minha, fazendo meu corpo esquentar.
— Amo você, Selena!
— Você me ama?
— Amo.
Assim que diz isso, me ajuda a tirar a roupa. Fico nua, mas
engraçado que não sinto vergonha. Ainda zonza me deito espalhada no
colchão.
Seu olhar percorre meu corpo com fome.
— Você tem um corpinho lindo, Selena.
Ao se aproximar, ele come um morango e me dá outro, para então
me beijar.
Meus seios são acariciados, arrepiando-se com seu toque. Ele abre
minhas pernas e faz as coisas que Tizi fez naquela adega. Cada vez mais
esparramada, solto gemidos pelas sensações e carícias. Lambe minha
intimidade provocando arrepios em meu corpo todo.
Quando ele se despe, me assusto um pouco, o tamanho é quase igual
ao... tá, esse deve ser o padrão de tamanho. Acho que tenho um fraco
parâmetro de comparação. Olhando o membro duro, olho para seu rosto e
questiono gaguejante:
— Eu d-devia trazer o pre-servativo? — Um soluço chato nos faz rir
e ele se aproxima de onde estou deitada, ficando na mesma posição só que
ele por cima do meu corpo.
Pietro é quente e grande, macio ao toque e os músculos são firmes.
Ele sorri abertamente e alisa meu rosto com carinho, me olhando
como se eu fosse uma caixa de joias preciosas.
— Não se deve usar na primeira vez, não quero que sinta o dobro da
dor. E depois, sou saudável, jamais passaria algo para você. Confia em
mim?
— Será que devemos fazer isso aqui?
— Relaxa tesoro, meu quarto privativo é discreto.
As lambidas por todo o meu corpo me estimulam, a sensação é que
estou acomodada em uma nuvem de algodão doce. Então, ele muito
carinhoso coloca o travesseiro apoiando minha cabeça e senta-se sobre o
meu peito.
Mesmo não soltando todo o peso, ainda pesa sobre mim e dificulta
minha respiração.
— O que está fazendo? — pergunto.
— Calma, essa posição é mais fácil para você experimentar meu
pau.
Pisco repetidamente olhando para o pênis deslizando nos meus
lábios, tão de perto é ainda maior. É salgado, mas macio e imediatamente
ele me instrui a abrir a boca o máximo que posso.
Na minha ignorância sem querer, encosto os dentes.
— Cuidado!
Pouco a pouco consigo agradá-lo, pois vejo que sorri. Não é tão
ruim, pode ser que eu goste disso.
Logo as coisas se tornam rápidas para acompanhar. Os olhos ardem
e meu couro cabeludo também, porque ele agarra com a mão cheia meus
fios. Lacrimejo quando não consigo respirar, e a bile sobe à garganta
quando me engasgo. A boca chega a doer de tão aberta e o ar foge várias
vezes me fazendo tossir.
Pietro se afasta, dá tempo para que possa recuperar o fôlego e volta
com tudo. Socando rápido e agarrando meus cabelos para me guiar. Em
certo momento, minha mente é envolvida em um breu, como se a escuridão
inundasse o quarto. Flashes sem sentido aparecem como um filme, com as
lembranças de quando me atirei naquele poço na adolescência, engolindo
água e me engasgando sem o ar.
Mas, quando retorno, vejo o rosto dele sorrindo e o esperma na
minha boca me faz tossir, vomitar e sujar a cama.
Ele se afasta e desce, posso ver sua cabeça lá no meio das minhas
pernas bem abertas. Chupa a minha intimidade com vontade e enfia um
dedo dentro de mim. Meu corpo convulsiona, é diferente do que um dia
senti, é um misto de euforia e calor forçado, não natural.
— Você tem um gosto divino, tesoro! — ouço sua voz tão longe,
parece em outro cômodo.
Alguns minutos em silêncio e ele traz mais bebida. Bebo um gole
com sede, queria água não álcool. Em seguida abre um vidrinho e faz com
que eu cheire.
— Tem cheiro de incenso. O que é?
— Vai te relaxar. Chamo de poção do amor.
Fico ainda mais tonta e me largo no colchão. A temperatura aumenta
e meu corpo fica sensível ao toque.
Ele apoia minhas pernas nos seus ombros e brinca com seu pênis na
entrada da minha vagina.
— Você é tão linda, Selena. Quero você para sempre.
Penetra todo o comprimento dentro de mim. Engraçado que não
sinto entrar, acho que é desse jeito mesmo. Apenas um desconforto inicial,
estou bem molhada e é fácil o deslizar do vai e vem de seu quadril.
Rapidamente ele se deita movimentando sem parar e fala no meu ouvido
como sou linda e que sou perfeita para ele.
Morde meu pescoço e segura meus pulsos acima da cabeça com
uma de suas mãos, enquanto entra e sai socando de maneira frenética, um
som alto ecoa quando nossos quadris se chocam, mas, não consigo assimilar
muita coisa, acho que a bebida começou a fazer efeito. Os sons vão se
apagando junto com as sensações.
Não sei quanto tempo fiquei inconsciente, mas é um puxão de
cabelo que me acorda. Onde estou?
— Acordou, mio tesoro?
A voz de Pietro me recorda que ainda estou no seu quarto de bruços
nos lençóis brancos. Ele me posiciona de joelhos no chão e rosto no
colchão. A bunda arrebitada e retira algo dela. Um pino de metal, acho que
o tempo em que apaguei ele colocou e não senti.
De repente ele enfia seu pênis inteiro onde o objeto estava e solto
um grito. Nunca imaginei ser penetrada nesse lugar!
Olho sobre o ombro e vejo ele empurrando com o rosto tomado de
prazer. As lágrimas escorrem pelo meu rosto, parece que agora comecei a
sentir dor. Agarro os lençóis com força e sem conseguir segurar, solto outro
lamento agudo.
— Está doendo! Por favor, pode parar?
— Nas próximas vezes melhora, é só aprender direitinho que não
dói. Você é tão perfeita, muito gostosa — diz ofegante enquanto empurra
sem dó para dentro do meu corpo. Parece uma faca perfurando meu interior
em alguns momentos.
Conforme ele se movimenta, penso que deve ser normal. Será que é
mesmo?
— Ai Pietro!
— Calma tesoro, não quer agradar seu namorado?
É, quero que ele goste de mim, precisamos ficar com quem gosta da
gente.
— Quero!
— Prometo que é só mais um pouquinho. Relaxa, não resista!
Não vou negar, ele precisa ficar satisfeito. Será que essa sensação
ruim é normal? Não reclamo mais, ele tem experiência nessas coisas, então,
procuro relaxar a musculatura.
Tento desligar a mente da dor, viajando em pensamentos felizes e
memórias lindas. Preciso estar novamente na Sicília com Jessica,
apreciando um gelato, fotografando as paisagens e sentindo a brisa do mar.
Mas o ardor não permite que me concentre em algo bom. É brutal.
Suas mãos cravam em meu quadril, segurando forte, apertando tanto que
parece afundar como garras na minha pele. Em seguida ouço um gemido
rouco e rascante para depois vê-lo desabar no colchão ao meu lado. Ele
sorri e alisa minhas costas enquanto fico deitada no colchão.
— Está com sede?
— Sim, gostaria de uma água gelada, por favor.
— Eu também, já volto, mio tesoro.
Estou grudenta, descabelada e as pernas doem. Quando ele retorna,
me entrega algo para beber, mas não é água. É vinho branco, geladinho e
doce. Bebo quase toda a taça em um gole pela garganta seca.
— Que tal tirar umas fotos? — sugere animado com o celular na
mão.
— Não acho boa ideia, estamos suados e nus.
— Ah, mas é só para nós dois. Coisa normal de namorados. Depois
de hoje, quero ensinar tantas coisas para você, meu amor.
Então os beijos recomeçam e outra taça de vinho termina. Suas
mãos estão por toda a parte.
Outra vez ele pega o vidrinho com cheiro de incenso e me faz
inspirar fundo.
Logo meu corpo é invadido, mas não sinto mais tanta dor. A cabeça
está leve e não tenho vontade de mover os braços. Tonta, me sinto muito
tonta e relaxada. Assim, apago outra vez. Quando volto a mim, ele está
dando tapinhas no meu rosto para que eu desperte. Apaguei novamente,
acho que dessa vez foi por mais tempo. O corpo exausto implora por
descanso, o que será que aconteceu nesse tempo fora da realidade que
adormeci?
— Desculpe, acho que bebi demais e apaguei.
— Não tem problema, o importante é que você está aqui comigo.
Ele deita ao meu lado e faz carinho no meu rosto, é tão bom! Durmo
um pouco, para despertar um tempo depois de bruços no colchão outra vez.
Sinto uma vibração na vagina e o pênis de Pietro outra vez na
bunda.
— Quero te mostrar um brinquedinho, Selena — explica ele no meu
ouvido.
Quando começa a socar rápido, o brinquedo começa a vibrar. E além
da dor, o formigamento toma o meu corpo todo e ouço ele gemer. A
intensidade aumenta e subitamente parece que estou urinando e choro
envergonhada. Pietro desaba sobre mim lambendo meu ombro e nuca.
— Você teve um squirt. Isso só acontece quando está muito
gostoso. Você consegue ser além da perfeição, Selena.
Não sei quantos minutos se passaram com ele fazendo o brinquedo
vibrar. Meus músculos doem, minha intimidade parece pegar fogo de tanto
que arde, e o cansaço me esmaga como uma pedra gigantesca sobre o peito.
Mas não preciso fazer muito esforço, Pietro faz as coisas sozinho,
alternando o pênis ora na vagina ora no ânus. De vez em quando abro os
olhos para ver seu sorriso, outras só escuto seus elogios e os gemidos altos.
Queria ter mais resistência, mas estou tão cansada!
Sei que na hora de ir tomar um banho, não consigo andar e Pietro
me carrega nos braços para a banheira.
— Vamos tomar um banho juntinhos, você foi tão perfeita.
— Fui?
Não lembro de muita coisa, algumas vezes doeu, outras nem senti.
Mas acho que é assim mesmo.
— Foi sim, nas próximas vezes quero lhe mostrar outros brinquedos
legais. Tenho um lugar exclusivo para te levar. Como minha namorada, é
presença vip em um clube ultra-secreto.
— Hum, parece especial.
— Especial como você, mio tesoro.
Meu sorriso mesmo cansado é sincero, sou especial para ele. O
homem lindo me abraça, falando como me quer na vida dele para sempre.
— Que horas são? — pergunto.
— Passa das quatro e meia.
Olho para a água e vejo que só eu entrei, ele está cuidando de mim.
Lavou meu cabelo com cuidado, tirou o suor com sabonete, até minhas
partes íntimas ele lavou com cuidado. Agora está cortando minhas unhas e
esfregando no meio dos dedos. Ficar sentada é um esforço tremendo, a
bunda arde muito, será que é normal na primeira vez?
— Pietro, a água está cor de rosa. Estou sangrando e arde bastante.
— É normal na primeira vez, meu amor. Só estou preocupado
porque você é tão pequena e sua pele tão sensível, que podem confundir as
coisas.
— Como assim?
— Podem achar que te machuquei ou forcei. Estou muito triste
porque como ficaremos juntos se levantarem uma falsa acusação contra
mim?
Engulo o nó na garganta, agora que alguém me ama, vão tentar
acabar com minha chance de ser feliz?
— Não, mas ninguém sabe que você está aqui, né?
Seu rosto triste e decepcionado me faz sofrer. Após um tempo na
água, meus dedos estão enrugados. Ele me tira da banheira e me enxuga
com uma toalha felpuda.
— Sim, é verdade, mas se alguém perguntar amanhã ou depois
sobre talvez alguma marquinha na sua pele, o que vamos dizer?
— Vou fazer o possível para ninguém ver e perceber nada. Depois
desse banho estou me sentindo muito melhor.
— Precisamos pensar em algo mais sólido. Talvez um lugar que
você possa ir antes de voltar para casa. Assim, se alguém desconfiar de
algo, nós podemos dizer a mesma coisa. Eu estava em Verona e você...foi...
— No cinema! Posso assistir a sessão das seis.
— Você é um gênio, meu amor! — Gosto de ouvir isso, gosto de ser
inteligente para Pietro.
— E nós dois nos vemos em dois dias quando eu voltar oficialmente
de Verona, o que acha?
— Você ainda vai ficar comigo?
— Mas que pergunta é essa? É claro que sim.
Ele senta na borda da banheira e alisa o pênis duro.
— Ele está assim por você, Selena. Acho que temos tempo para uma
despedida dessa boquinha dos deuses. Ajoelha aqui, vem agradar seu
namorado.
Com muito custo, dobro meus joelhos e obedeço, apesar da dor na
garganta, é rápido dessa vez. Consigo segurar o pênis com mais segurança,
mas penso que isso não era necessário, faz horas que estamos transando,
será que ele não está cansado também?
— Chupa, gostosa, isso! Engole! Mais!
Faço tudo certo para que termine logo. Engulo como ele manda e
recebo um beijo na testa e um sorriso agradecido.
É errado sentir alívio quando ele termina? Deveria ficar feliz em
agradá-lo, por que sinto uma angústia agarrando meu coração?
Quero tanto me sentir diferente!
Ainda estou preocupada com o que ele disse, mas, não vou deixar
ninguém atrapalhar minha vida com um homem que realmente me ama.
Vou me esforçar e me apaixonar por ele, é o certo! É só obedecer.
Pietro me ajuda a vestir minhas roupas, mas infelizmente não
consigo ficar em pé.
— Acho que não vou conseguir ir ao cinema, Pietro. Estou dolorida
e não consigo caminhar direito — explico ao me sentar com cuidado na
cama, até o colchão incomoda.
— Hum… é um problema. Você é muito frágil e eu me entusiasmei.
No entanto, há uma forma rápida de resolver.
— Qual?
Ele vai até a poltrona no canto do quarto e pega sua carteira, tirando
de dentro dela um saquinho com um pó branco.
— Isso é droga? Não! Não vou usar isso!
Mesmo vendo a decepção em seu rosto, resisto.
— Tecnicamente não é droga se for usada uma única vez e para fins
medicinais.
Cruzo os braços pronta para resistir.
— Selena, mio tesoro, isso vai amortecer seu corpo até chegar em
casa. Se não quiser ir ao cinema, tudo bem, mas faça seu motorista passar
por lá e veja o filme que está em cartaz, pelo menos.
Ainda não respondo, permaneço sentada vendo-o abrir o saquinho.
— Acha que vai disfarçar esse cansaço para o seu segurança com
olhos de águia te esperando do lado de fora? Como vai explicar que mal
consegue andar?
A resistência do início começa a vacilar.
— Isso vai te deixar alerta, novinha em folha. E sem nenhum efeito
colateral, porque será mínima a quantidade que vai cheirar. É como disse,
apenas um sedativo para a dor.
Esses argumentos me convencem, sendo assim, aceito cheirar um
pouco no dorso da mão dele.
É como uma injeção de adrenalina, fico alerta e confiante, as dores
antes fortes, agora me permitem andar e agir normalmente. Nos despedimos
e sigo para o carro, onde Salvatore me espera.
No veículo uma sensação estranha me invade, um aperto de angústia
no peito que quase me sufoca. Será que meu segurança percebeu algo?
Quando Salvatore me pergunta se estou bem, respondo no automático.
— Sim, muito bem. Pode passar em frente ao cinema? Se não
estiver com muita fila, gostaria de ver um filme.
— Perfeitamente, signorina.
Quando chegamos diante do cinema, digo que desisti de assistir a
sessão.
A caminho de casa reflito sobre o que houve. Tive a primeira
experiência sexual e não absorvi o que significou para mim. Só sei que
entreguei um símbolo do meu amor desprezado. Minha mente parece
desconectada da realidade, dentro do veículo anestesiada em pensamentos
que chegam como ondas agitadas.
Ao chegar, entro pela porta da frente, mantendo a pose de um
caminhar normal. Assim que entro no quarto, o telefone dá um sinal e vejo
uma mensagem de Pietro.
“Chegou em casa, mio tesoro? Me avise por gentileza. Estou
preocupado. Te amo.
Cheguei querido, estou bem. Bjs”
Tenho certeza que um dia vou conseguir amá-lo também. Mas hoje
ainda não.
Decido tomar outro banho quente para dormir melhor. Ainda tô
sangrando um pouco, mas ele jurou que logo vai parar. Pietro sabe das
coisas, Pietro me ama, ele me quer na vida dele. Ele não fez por mal, é o
homem perfeito para mim!
Fico no chuveiro por mais de uma hora, me esfregando. Sei que ele
me banhou, mas parece que precisava de outra ducha.
Ao voltar para o quarto, procuro a camiseta que gosto de usar para
dormir e não encontro. Numa neurose de que preciso daquela roupa, tiro
todas as peças do closet para no minuto seguinte guardá-las outra vez.
— Onde foi parar aquela roupa?
— Signorina, está tudo bem aí? O jantar está pronto! — Ouço a
funcionária do lado de fora da porta, quanto tempo estou arrumando o
closet?
— Não estou com fome, já vou dormir daqui a pouco!
— Vou trazer o seu jantar!
— Não estou com fome, não me faça repetir uma terceira vez! —
Por que é tão difícil respeitar minha escolha?

Demorei para dormir ontem a noite, inquieta a certa altura da


madrugada, parecia que tinha alguém no pátio lá fora. Fiquei de campana
na janela tentando ver quem era, por horas a fio, até o cansaço me vencer.
E quando finalmente consegui dormir, apaguei por umas dez horas.
Agora cedo ao me espreguiçar na cama, segurei o grito. Minha
intimidade arde, tudo dói, cada pedacinho do meu corpo parece ferido,
mesmo sem nenhuma marca aparente.
Com muito custo vou ao banheiro, chego no sanitário aos prantos,
tudo parece se desintegrar, como uma surra a qual meu corpo foi submetido.
Couro cabeludo, boca, pescoço, seios, pulsos e até as unhas. Ao olhar para
elas, vejo que Pietro as cortou curtas demais. Deixo as lágrimas rolarem,
tremendo e soluçando.
Será que se tivesse sido com Tiziano seria diferente? O amava tanto,
queria desesperadamente ser amada e me entregar a ele. Queria ser especial
para aquele homem, ter o meu primeiro amor para me descobrir como
mulher.
“Eu lhe amei tanto Tiziano, e sinto que morri por esse amor.”
— Pare de chorar! Você tem alguém que te ama! — murmuro para
mim mesma.
O celular toca e deixo o som fazer eco no quarto. Preciso tomar um
banho. Ligo a ducha e entro embaixo ainda de lingerie, volto a chorar ao
ver que o sangue ultrapassou o protetor diário que coloquei ontem e
estragou a renda da calcinha.
A água morna não me relaxa, parece intensificar as dores. Cada gota
parece pequenas agulhas cravando na pele. Lavo com cuidado as partes
íntimas, e o choro não cessa, é um sentimento estranho de que fiz alguma
coisa errada. Uma culpa apertando meu peito. Permaneço dentro da água
por mais tempo do que imaginei.
Após me secar, procuro alguma coisa para forrar a calcinha, pois o
sangramento continua, embora menos intenso que ontem. Os protetores
diários talvez sejam suficientes se eu juntar mais de um, amanhã com
calma, posso passar em uma farmácia. Jessica teria para emprestar se
estivesse na cidade. O celular toca mais uma vez e respiro profundamente
antes de atender. Deitada na cama, me acomodo sob o cobertor quentinho.
— Alô.
— Selena, mio tesoro.
— Oi Pietro.
— Como você está?
— Estou bem e você?
— Estou com saudades da minha namorada. Está com saudades
também? — sorrio sem graça.
— Eu... claro.
— Talvez possamos fazer algo amanhã, está muito dolorida?
Alguém perguntou alguma coisa?
— Ninguém perguntou. Estou um pouco indisposta, talvez depois
de amanhã esteja melhor.
— Ótimo, ligo para você. Te amo, nunca esqueça!
A letargia do sono faz com que durma assim que clico em desligar.
É bom dormir, por mim sumiria para sempre. Só Deus sabe como gostaria
disso.
Ouço batidas na porta e a voz da funcionária da casa ao longe.
— Senhorita, senhorita, trouxe sua refeição.
Viro para o outro lado e me cubro com o cobertor.
— Será que não entendem que preciso descansar? — falo tentando
me fazer ouvir, mas ouço passos no quarto, som de louça e alguém que me
chama. Deve ser um sonho.
CAPÍTULO 38

(Always – Gavin James)

Mesmo estando no chão, desolado e morto por dentro, ainda assim,


minha vida não pode parar, pelo menos meus compromissos com a empresa
estou tentando cumprir. Graças a Deus a segunda-feira está terminando.
Meu sócio e melhor amigo, entrou há pouco na minha sala para
rever o plano de condução da customização de algumas motos Softail Slim
para um de nossos clientes suíços. Mas enquanto ele discorre sobre a
planilhas de peças que lhe passei por e-mail, do lado de cá da mesa,
encontro-me no automático.
A dor da saudade de mia ragazza é tanta que já faz parte de mim
como uma segunda pele. A verdade é que se tornou difícil não ter
perspectiva e nem planos quando o que eu queria depois de um dia de
trabalho, era estar com ela. Contudo a decisão de afastamento foi a mais
sensata. Não esqueço aquele pesadelo com ela no chão imundo e prisioneira
de um sádico que iria matá-la da pior forma. Ela está segura em sua casa,
longe de mim.
Mirko percebeu minha apatia durante essas semanas e tenta de todas
as formas estar presente, sei que quer saber o que está havendo. Ele
pergunta e obtém a minha resposta sem a conversa franca e natural de dois
melhores amigos, apenas por ser obrigado a dispensar as funções
cotidianas.
— A sala de reuniões para apresentar o projeto de desenho das
peças, já está preparada para você — avisa meu sócio
— Gostaria que conduzisse a reunião, é só explanar o que te passei
por e-mail.
— Não! Você desenhou as peças que precisam ser fabricadas e além
da nossa equipe habitual de fabricação, estão presentes o representante e a
equipe do nosso fornecedor têxtil. Afinal, as Choppers de Keller tem uma
porção de acessórios com a matéria prima dos Albenacci, e só você sabe
explanar essa parte.
Queria apenas passar por isso e voltar para casa. Mas terminar a
segunda-feira obrigado a ouvir a conversa de um verme bastardo, como
Pietro, é muito frustrante!
— Sério, Mirko? O vecchio Albenacci mandou o filho representá-
lo?
— Natural Tiziano, o cara é o vice-presidente da empresa do pai. O
que está havendo? Desde que retornou daquela sua virose, você não tem
paciência, está inquieto e mal-humorado. Algum problema em que posso
ajudar?
— Não, meu amigo. É só que... não gosto desse cara, é um escroto
que prega uma cartilha de como tratar as mulheres. Já ouvi uma vez a
conversa, é nojento. E algumas coisas que vi dele no clube, me deixam
enojado.
— Tô ouvindo direito? Você está julgando o que os outros gostam
com base no que viu no clube mais restrito do país? Onde, assim como eu, é
sócio e frequenta para saciar uma tara? Ele tem as taras dele, assim como
nós, já pensou se os caras que frequentam aquele lugar deixassem de fazer
negócios com a gente, por que você bebe leite enquanto fode?
— Você sabe que é mais amplo que isso, Mirko. A lactofilia é uma
parafilia de relativa aceitação, não machuca as mulheres. Aquele infame é
perigoso.
— Ótimo, agora está usando a racionalização, elaborando desculpas
intelectuais, comparações para tentar justificar comportamentos ou
pensamentos de base fortemente emocional. Se sente mais confortável com
a sua escolha, tudo bem.
Balanço a cabeça e alinho a barba.
— Pare de usar psicologia comigo, cabeção! Sei o que vi e não
gosto dele, cazzo!
— Se fosse falar como o profissional da psicologia, citaria a Dra.
Élisabeth Roudinesco, que afirmou que “a perversão é uma parte de nós
mesmos, uma parte de nossa humanidade, pois exibe o que não cessamos de
dissimular: nossa própria negatividade, a parte obscura de nós mesmos”.
— Saiba que a parte obscura daquele dissimulado violento não me
agrada.
— Não está sendo profissional.
— Foda-se! Posso ser profissional e não gostar do cara?
— Và bene. Vamos para a sala de reuniões, pelo que fui informado,
estão nos esperando. É a última reunião do dia, depois podemos beber algo
lá embaixo no lounge e liberar a tensão.
Concordo e seguimos para a reunião. Dentro da sala depois dos
cumprimentos habituais, damos início as orientações e o planejamento de
como vamos proceder com as motocicletas do cliente e tudo corre
relativamente bem. Não ouvi uma palavra do farabutto, só ficou no celular
com aquela cara de palhaço bobalhão.
Após terminada a pauta de uma hora, aceito o convite de Mirko para
beber algo antes de ir para casa.
Sentados no balcão do lounge, peço um negroni sbagliato e Mirko
pede o seu uísque. Decido desabafar um pouco com ele sobre o que
realmente aconteceu semanas atrás. Meu amigo como sempre é o melhor
ouvinte e conselheiro, mas na situação atual, é impossível agir de outra
forma com relação a Selena.
De repente ouvimos uma pequena comoção entrando no lugar. Os
caras da equipe do Albenacci que vieram com ele, sentam-se na mesa atrás
de nós, em uma conversa alta e gargalhadas.
— Ele não tem escrúpulos, se vissem o que eu já presenciei, vocês
não dormem a noite.
— Não exagera, Vicenzo!
— O quê? Está pensando que o que ele conta é mentira, Luiggi?
Pietro não fala metade do que faz.
— Ele pode, o cara nunca foi denunciado por nenhuma mulher. A
única lá na faculdade, ele pagou um cala boca e a maluca sumiu.
— Isso é para poucos, Vicenzo. Agora o que me espanta mesmo é a
namorada dele.
Olho para Mirko e bebo um grande gole da minha bebida.
— A menina é uma joia, caralho! Gata, delicada, inocente e aguenta
o homem melhor que le putanne (as putas).
— Não sei que feitiço o cara colocou na boneca.
— Drogas certamente!
— Tá ouvindo essa merda, Mirko? E gostam do cara depois de tudo.
— Mirko acena com a cabeça e bebe todo o líquido do copo.
— Precisamos cunhar uma medalha de resistência para a garota
Malpucci.
— Honra ao mérito para Selena, a namorada do monstro sádico de
Veneza!
Cuspo minha bebida no balcão, apertando meu peito em surpresa.
— Tiziano! Vamos embora, frate, do jeito que entramos sairemos,
não dê ouvidos.
O assunto continua e para minha desgraça, toma um rumo
alarmante.
— Ele falou que vai pedir a garota em noivado assim que se eleger
deputado.
— Caralho! Então é sério? Quanto tempo estão juntos?
— Pouco tempo, algumas semanas, mas o cara gamou na moça.
— Quem é o trouxa que não gama em virgem, Luiggi?
Não sei qual dos dois infames pergunta ou o que mais é dito,
somente o tremor do meu corpo faz com que me afaste do banco alto onde
estava sentado.
— Sim, não quer mais ninguém na vida. Ele me disse que encontrou
a mulher perfeita para ele. Culta, de boa família, linda e obediente.
As mãos trêmulas são agarradas por Mirko e meu amigo me puxa
pelo braço.
— Talvez essa seja a redenção do nosso chefe, o amor transforma
um homem! — E todos caem na risada.
— Vamos embora, Tiziano! — Meu amigo segura meu braço me
afastando dali.
— M-Mirko! Meu Deus!
— Eu sei, eu ouvi, mas preciso evitar que quebre o nariz de alguém
nas dependências da empresa.
Saímos do lugar em silêncio, meu melhor amigo percebe que não
estou com minhas funções cognitivas em total percepção.
— Te acompanho até sua casa na ilha, de jeito nenhum você vai
ficar aqui no apê do continente.
Nada mais passa pela minha cabeça, somente a preocupação com
minha bella. Ela está namorando o pior desgraçado desse país, não posso
acreditar. Selena está correndo riscos ficando com ele e não sabe. Preciso
fazer alguma coisa. Enquanto Mirko me acompanha na lancha, faço uma
ligação para minha irmã:

— Alô.
— Jess, minha irmã. Como está? — Preciso me manter calmo, ela
não pode perceber meu descontrole emocional.
— Ora, ora, meu honorável irmão mais velho! A que devo a honra
dessa ligação em plena segunda-feira?
— Saudades de você, quando volta da Sicília?
— Tenho as passagens para quarta meio-dia saindo da Catania.
Acredito que à tarde chego no Marco Polo.
— Bene… não pode vir antes, Jessica?
— Por quê? Aconteceu alguma coisa?
Respiro profundamente e me concentro.
— Não, só sinto sua falta. A casa não é a mesma sem você.
— Awn que fofo! Só que não, não vou voltar antes, tenho dois
seminários agendados que não posso cancelar. Mas se quiser me buscar no
aeroporto quarta-feira, agradeço.
— Claro que sim, vou desmarcar a tarde na empresa.
— Tizi, você está bem?
— Sim, por quê? — Talvez meu nervosismo tenha ficado evidente na
conversa.
— Você nunca desmarca reuniões para me levar ou buscar quando
viajo.
— Sempre tem a primeira vez, irmãzinha. — Solto o ar preso,
aliviado por ser um bom ator.
— Bene. Te mando um WhatsApp quarta quando chegar. Podia vir
com o Bugatti e me deixar guiar na volta.
— Hahahá, tontolina, não abuse da minha gentileza.
— Tá bom Tizi. Até mais, beijos!
— Até.
— Merda! Merda! Merda! Só quarta-feira? Até lá tô no escuro sobre
a relação dos dois — exclamo ao desligar a chamada.
— Calma, frate! — Mirko tenta me acalmar ao me ver bufar.
— Puta que pariu! Como aguentar até quarta-feira com essa
angústia?
Aperto meu peito sentindo um peso esmagador avisando que tem
algo errado!
Durante o resto do trajeto pelo mar, minha mente está a mil com as
direções ruins que esse namoro vai tomar.
Mirko me deixa em casa e me despeço tranquilizando-o. Mas a
aflição crescente persiste. Queria poder ir até a mansão e ver como Selena
está, ou talvez cuidar de longe. Não! Não devo me aproximar.
Me afastei por um motivo coerente, para mantê-la segura, mas agora
com aquele cara, ela não está segura. Porcocane! O que vou fazer?
CAPÍTULO 39

( Changes – Hayd )

Desperto ao som de vozes altas, será que é um pesadelo? Que horas


são? Não me é estranho esse som:
— Pode deixar que sei o caminho! Não, ela não vai se importar não,
dá licença senhora!
A voz de Jess é como um alarme na beira da cama. Sento sobre o
colchão e cubro as pernas ao ver uma mancha roxa na coxa. Ando
dormindo demais ultimamente. Desde domingo, sinto-me exaurida de
forças.
— Selena, tô entrando!
— Jessica? Que saudades! Bom dia — não esperava essa visita,
tento melhorar meu semblante e ânimo ao vê-la em seus óculos escuros e
vestido de passeio.
— Boa tarde, né, bionda!
Ela para ao fechar a porta e tira os óculos.
— Já é de tarde? Como dormi tanto? — pego o celular ao lado do
travesseiro, passa das quinze horas. Preciso fazer xixi, dez horas dormindo
direto.
— Selena!!
— Oi, o que foi Jess? — Fico nervosa quando ela ergue os óculos
sobre a cabeça para melhor me analisar.
— Vim ver como está, nesta última semana suas mensagens foram
estranhas, recusou as chamadas de vídeo, agora estou entendendo. Cheguei
há pouco da Sicília e estava ansiosa para te ver. O que houve com você?
Seus olhos assombrados marejam e me deixam desconfortável.
— Me deixe pelo menos escovar os dentes e lavar o rosto para me
encher de perguntas, bene? — Não quero que ela saiba os detalhes de
sábado. Tenho medo de que me julgue, mas alguma coisa preciso revelar.
Puxo o cabelo para o lado e tranço até a metade para poder ir ao banheiro
com mais facilidade.
— Bionda! Como conseguiu essas marcas no pescoço? Meu Deus!
Nem me olhei muito no espelho esses dias, será que está tão ruim
assim? Quando coloco os pés no tapete, resmungo de dor sem segurar o
lamento. Disfarçando dou um sorriso amarelo para ela, mas a vejo pálida
soltando a pequena bolsa de couro no chão.
— Selena! Oh, minha amiga, onde te atacaram? Por que não me
ligou? Eu viria correndo — A voz de Jess é tão baixa e assombrada.
— Com licença, vou ao banheiro. — Ao ficar em pé, as pernas
falseiam e ela me ampara, voltando a me sentar.
Seu olhar de piedade é mais doloroso que as dores físicas.
— Tem marcas roxas, chupões e mordidas por todo o seu corpo,
você emagreceu uns dois quilos e... — ela desvia o olhar para onde estava
deitada. — Está sangrando? Passou um pouco no lençol.
— Eu... não é nada... não se preocupe, estou bem. Vou me preparar
para sairmos… — mas não consigo levantar do colchão.
— Não! Pelo amor de Deus, Selena! Converse comigo? Per favore!
— ela se agacha diante de mim e seu olhar repleto de lágrimas é
insuportável.
Sinto o perfume de baunilha de Jessica me envolvendo quando ela
me abraça protetora.
— Estou aqui com você. Quem te atacou, bionda? — ela fala tão
baixo que quase não ouço.
— Eu não vi... — Ela pisca os olhos surpresa.
— O que? Como? Onde? — desvia para a mancha do lençol e põem
a mão na boca suprimindo o espanto. — Quem te machucou? Quem abusou
de você, qual o nome dele? — pega o celular meio atrapalhada vasculhando
na bolsa. — Vamos para o hospital, precisa fazer corpo de delito, delegacia
e ...
— Não! Pare, Jessica! — exclamo me afastando com dificuldade,
mas ela de maneira ágil, apoia meu corpo me ajudando a ir ao banheiro em
silêncio. Para me dar privacidade fica do lado de fora da porta.
— Selena me desculpe, estou em choque. Parece que um trem
passou sobre você. Precisa falar! — Não tenho como negar esse argumento.
Sinto-me perdida, observando seu vulto do outro lado do vidro
fosco, o que devo fazer?
Tapo a boca para impedir um gemido na hora de aliviar a bexiga.
Lavo meu rosto e escovo os dentes planejando o que dizer a ela.
Não fui abusada, de jeito nenhum, não fui obrigada a ir para aquele quarto,
lembro vagamente que tirei a minha própria roupa por vontade própria. Só
não estou acostumada, é esse o motivo de estar tão dolorida.
— Selena, conversa comigo?
— Estou bem, Jess. Não está sangrando tanto — Abro a porta do
banheiro. — Só preciso de um banho e descansar, na verdade, tô sem
energia para sair, desculpe…
— Meu Deus! — Jess fecha os olhos e respira profundamente. —
Vou ajudá-la a tomar banho. — Olho seu rosto consternado e sento-me
novamente agora no vaso fechado, minhas pernas estão tão pesadas que só
quero ficar quieta.
Ela é rápida em preparar a banheira com os sais relaxantes e o
sabonete de lavanda que gosto. Ao se aproximar de onde estou, prende
minha trança no alto em um coque firme e me conduz à banheira. A água
morna parece me energizar, é como um abraço consolador. Fico quietinha
por alguns minutos, vendo Jess retirar o cardigã que veste e pegar um
banquinho no armário. Coloca-o na posição próxima à banheira e começa a
lavar suavemente minhas costas. É tão boa a sensação de ser cuidada assim,
que fecho os olhos para apreciar o momento.
— Então, pode falar qualquer coisa sobre o ataque, só quero ajudar
— Seu tom não é mais urgente e assustado, portanto, sinto-me aberta para
tentar uma maneira de Jessica não pensar que foi Pietro. Porque se eu conto
sobre o que houve ela vai interpretar que fui atacada por ele. Vou deixar que
acredite em uma violência, é mais fácil do que explicar a verdade.
— Eu não vi o rosto.
— Foi seu namorado, Selena? O tal Pietro?
— Não! Pietro é um cavalheiro.
A massagem nos ombros me faz gemer de gratidão.
— Não lembro de muita coisa daquela tarde, tinha tomado um
pouco de vinho a mais num evento que fui, depois decidi ir ao cinema e na
hora que fui ao banheiro, alguém me empurrou e fechou a porta —
respondo o mais neutra possível.
— Quando foi isso?
— Sábado. Saí do resort, fui à sessão das seis e depois tudo fica
muito confuso.
As mãos param de massagear meus ombros por um instante, logo
depois continuam normalmente. Em seguida, Jess posiciona o banquinho de
lado na banheira para me olhar.
— Não entendi. Precisa me contar mais detalhes, por que não deu
queixa? Selena, me responde!
Ao ver o olhar arregalado me encarando, meus lábios tremem e
seguro as lágrimas.
Jess leva as mãos ao próprio rosto me deixando assustada.
— Não fui porque tive vergonha e medo. Não fica brava pela minha
decisão.
Ela pega a esponja macia e lava meu braço com cuidado.
— Não... não estou brava, é só que... me diga, quem é ele?
— Eu não vi, fiquei nervosa e fechei os olhos!
Enxaguo a espuma dos braços e pescoço, lavo minhas partes
doloridas apreensiva, Jess está nervosa. Quando saio da banheira, ela me
seca como se eu fosse uma criança.
— Bionda. Precisamos ir a um médico.
— Não! Por quê?
— Porque você está sangrando desde… sábado!
— Mas eu tô bem. Sinto só um desconforto, pouca coisa, vai parar.
Jess senta-se ao meu lado de boca aberta e seu rosto toma uma
forma tão incrédula e abismada que me retraio ao me abraçar de forma
consoladora. Tenho medo de que ela me julgue e se afaste.
— Selena, você está dizendo que foi atacada e não quer ir ao
médico?
— Jess, você está chorando?
Ela seca a lágrima que escorreu, de forma disfarçada. Segurando
minhas mãos, responde com uma segurança assombrosa.
— Amiga, escute o que eu tenho para dizer. Abusadores, via de
regra, são pessoas sedutoras, charmosas, disponíveis, encantadoras,
dispostas a sacrifícios para fazer com que seus alvos se sintam amados
como nunca antes. Me diz a verdade, seu namorado te envolveu, foi o
Pietro, né?
— Não!
— Vai negar ir ao médico também?
Observo que a paciência dela está no limite, quando seus olhos
apertam numa fenda estreita, sei que ela está se controlando na própria pele.
— Jess, não se aborreça comigo, é só que…
— Selena, você está teimando com relação a sua saúde! Você tem
dezoito anos e não é mais uma criança! Você foi estuprada!
Nessa hora desabo em lágrimas pela voz alterada com que fala, mas
ela me abraça em um consolo.
— Desculpa a minha alteração, bionda. Não sabemos qual a
gravidade dos seus ferimentos internos sem irmos a um médico. Além
disso, precisamos denunciar esse miserável.
Os tremores no meu corpo, do pânico da vergonha para os meus
pais, fazem Jess me segurar.
— Meu pai não pode saber, por favor não conte! — Seguro seu
braço e dou a última cartada. — Estou bem. Meu namorado não pode saber.
— Ele não foi com você no evento? Onde ele estava?
— Foi em um compromisso da campanha política fora da cidade.
— Não contou a ele?
— Não! — é horrível mentir, mas Jess não entenderia. Pietro não
fez por mal, é só que sou pequena e ele grande, o coitado não tem culpa que
sou tão frágil.
Repito a negativa com voz firme, mas as lágrimas brotam sem
controle vendo seu olhar estreito e desconfiado.
— Shhhhhh, calma, pensarei em algo, vou ligar para um amigo que
vai nos ajudar com a discrição, mas preciso te levar ao médico. Ninguém
vai saber, eu prometo. Mas saiba que se quiser ir adiante com a denúncia tô
contigo até o fim.
— Respeite minha escolha, Jessica! — respondo firme.
— Tudo bem, fique tranquila. Jamais vou obrigar você a fazer o que
não quer. Vou ligar para o meu motorista trazer umas coisas, vou ficar aqui
até resolver tudo.
— Vai ficar aqui em casa comigo?
— Vou, agora preciso fazer uma ligação.
Minha melhor amiga tecla no celular e começa a andar pelo quarto
enquanto conversa. Fala um italiano diferente, parece um dialeto, mas
entendo a palavra atacada.
— Quem é esse amigo?
Jess faz sinal para me calar, sentada na minha cama começo a roer a
pele ao redor das unhas. Aflita, ouço ela se despedir.
— Adio, grazie, caro amico! (adeus, obrigada, querido amigo!)
Quando ela senta novamente ao meu lado, vejo como destruí meus
dedos, mordendo até a pele.
— Quem é esse cara?
— É o Lutèro.
— O homem da Sicília? O do cão bezerro?
— É — ela sorri fraco e afaga meu rosto. — Ele se tornou um
grande amigo. As semanas que passei lá, me deram a certeza que posso
contar com ele para resolver qualquer problema. Ele é influente em todo o
país, vai nos ajudar e seu pai não ficará sabendo. Disse que tem uma equipe
médica de confiança em Pádua. Já me passou a localização e que estarão à
nossa espera. Confia em mim?
— Confio. É muito melhor que seja lá.
— Sim, mais discreto e não podemos arriscar os hospitais daqui, né
tontolina. — Ela me dá um peteleco no nariz. — Vou descer e pedir comida
para nós aqui em cima. Não se preocupe com nada.
— Não tenho fome, Jess.
— Mas vai tomar um caldinho de beterraba e uma proteína. Precisa
recuperar esse abatimento para sairmos daqui sem suspeitas de que seja
mais que um simples passeio.
— Tudo bem — aceito resignada.
Assim que me deixa sozinha, reflito no que houve. A sensação é que
não é real, estou em um pesadelo e vou despertar a qualquer momento.
Sinto-me exausta e sem energia física para sequer ficar sentada. Se deitar
mais um pouco, será que Jess ficará chateada? Meu telefone dá sinal de
mensagem e verifico, vejo que é do meu namorado, preocupado se pode vir
me visitar. Confirmo com um emoji de coração.
Escondo rapidamente quando ouço os passos de Jess na escada,
talvez tenha conseguido tirar as suspeitas sobre ele.
A viagem até Pádua é rápida. Viemos no carro de Jessica, mas o do
meu segurança segue atrás. Disse a Salvatore que vou acompanhar Jessica
em uma consulta.
Em quarenta minutos estacionamos em uma rua estreita, em frente a
uma residência de fachada simples e neutra. Um edifício de dois andares
cinza e azul claro.
— Estranho, não tem placa e nem jeito de ser uma clínica médica —
fala Jess analisando o prédio de dentro do veículo. — Mas o local está
correto.
Ela desce e me ajuda com o degrau do SUV, agradeço por isso, pois
minhas pernas parecem que vão se desprender do corpo.
Nem bem ela toca a campainha, uma senhora com roupa comum e
estatura baixa abre a porta.
— Senhorita Jessica?
— Sim senhora.
— Por aqui, signorinas. Vocês brutamontes podem tomar um café aí
em frente. As meninas vão consultar e não estão em perigo aqui.
Vejo o motorista e o segurança se olhando antes de darem meia
volta para o barzinho da frente.
— Cristo, Madonna! Olha essa modernidade, bionda! Impossível
imaginar uma estrutura dessas olhando a fachada, né?
Concordo com ela. Sentada na recepção esperando ansiosamente
pelo exame médico, minhas mãos suam. Sempre tive um medo profundo de
agulhas e o pensamento de enfrentar uma picada me deixa nervosa. Mas, a
beleza e o design futurista da clínica me intrigam e distrai um pouco de
meus medos.
— Dr. Bianco logo vai chamá-las, ele estava na missa das dezessete
horas ali na basílica do Santo Antônio quando foi avisado que tinha alguém
importante para vê-lo. Ele é muito devoto. Fiquem à vontade — fala amável
a mesma senhorinha de olhar afiado que espantou os dois brutamontes há
minutos atrás.
Assim que ela sai pelo corredor de paredes brancas, pontuo:
— Alguém importante? Está em alta conta com seu amigo, hein
Jess?
— É, Lutèro é tão altruísta com seus amigos. Sinto-me como se
fosse da sua própria família. Como um tio distante. Na Sicília todos os
lugares que visitei com ele, as pessoas eram como seus parentes, próximos,
íntimos nas conversas. É um benfeitor daquela ilha.
Inquieta, começo a trançar uma mecha de cabelo.
— Vejo como gosta de ficar naquele lugar — digo um pouco triste,
por não poder acompanhá-la nas viagens.
— Amo a Sicília, tudo lá combina comigo.
Claro que combina, aposto que em breve vai me deixar aqui e partir.
Mudo o foco dos pensamentos e analiso os detalhes da recepção que
parece ter saído de um filme de ficção científica.
As paredes brancas são iluminadas por luzes de LED suaves. Mesas
e aparadores de vidro brilhante circundam o cômodo. O chão é revestido
com um material que parece quase futurista, claro e confortável sob os pés.
Aguardamos mais alguns minutos, até uma enfermeira com
uniforme branco se aproximar com um sorriso gentil.
— Jess, você vai entrar comigo? — preciso falar pouco lá dentro ou
ela vai perceber que menti.
— Claro que vou. — Ela se põe em pé ao meu lado dando o braço
para me apoiar e andar normalmente.
A enfermeira percebe minha apreensão e começa a conversar com a
gente.
— É por aqui, Dr. Bianco está à espera. Não se preocupe, estarei na
sala para o que precisar.
Seguimos pelo corredor branco e entramos por uma porta de metal
pesado.
— Uau! — exclama Jess.
A sala de exames é impressionante pela tecnologia de ponta. Uma
máquina de escaneamento corporal em forma de cápsula está posicionada
ao centro. A enfermeira explica que esse dispositivo permite um exame
muito mais preciso e menos invasivo, eliminando a necessidade de agulhas.
No canto atrás de um tipo de repartição ou biombo de vidro, o
homem de jaleco aparece. Aproximadamente cinquenta anos, cabelo
castanho com uma mecha grisalha na frente, de estatura alta e magricelo
anda com passadas seguras até nós. Dr. Antero Bianco se apresenta com
cordiais apertos de mãos. Mão gelada que estremece meus ossos.
— É uma honra atendê-las. Signorina Jessica, piacere conhecer uma
amiga tão estimada de Don Vitalle.
— Don? — Ela pergunta.
A garganta irritada do médico interrompe a explicação, assim que
limpa e pega o ipad alcançado pela enfermeira ele continua:
— Ele financiou essa clínica como uma benfeitoria para a cidade, é
um homem importante e generoso, portanto, o chamamos de Don, iguais
aos ministros de Deus que fazem o bem.
Que conversa estranha! Ele me olha com seus olhos castanhos e
lábios apertados, não, são finos mesmo de boca fechada.
— Preciso saber tudo o que aconteceu, o que está sentindo e o que
ocorreu desde o fato.
Olho assustada para Jessica que sorri para o médico.
— Minha amiga não lembra de muita coisa, mas posso ajudar com o
que me contou e ela acrescenta. Tudo bem?
— Claro, vamos até a minha mesa e podem se sentar mais
confortáveis.
Jess permanece ao meu lado, segurando minha mão e fornecendo
apoio constante enquanto converso com ele. Ela não entende que Pietro
gosta de mim, como fazê-la acreditar que foi sem intenção? Ela tem medo
da minha ingenuidade, mas ele não me machucaria de propósito, ele falou
que me ama várias vezes. E continua a me procurar mesmo depois de
termos transado, ele quer um relacionamento sério e não apenas tirar minha
virgindade, como Tiziano falou que queria.
Depois da conversa com o doutor, me deitei na cápsula e a
enfermeira iniciou o processo. Enquanto a máquina trabalhava, observei as
luzes suaves e os sons reconfortantes ao meu redor, quase esquecendo meu
medo de hospitais, porém uma coleta de sangue foi necessária.
Após esse exame, o médico me guiou a uma outra mesa para uma
avaliação ginecológica mais detalhada. Respirei fundo, não tinha intenção
de ficar nessa posição tão exposta diante de um homem, mas confiei em
Jess e vou até o fim agora. Diante a vergonha, ouvi ele dizer que precisava
de dois pontinhos no ânus, por isso o sangramento. Senti o ardor da
anestesia local, mas nada mais durante o procedimento. O mais difícil acho
que foi a conversa inicial com ele e a final com Jess questionando sobre
estupro. Não argumentei, deixei que falasse e que ele desse o tratamento
para irmos embora logo.
Sentada na cadeira diante da mesa do médico, tenho a sensação de
estar em um tribunal. Sinto-me extremamente envergonhada e mal por estar
aqui.
— Bom, nenhuma luxação foi constatada, nem danos internos nos
órgãos reprodutores, mas houve uma laceração relevante na pele perianal e
danos leves no canal retal. Agora com os pontos e a cauterização o
sangramento parou. Vou passar medicamentos para dor, pomadas
antibióticas e calmantes, precisa de vitaminas, mocinha. Vou incluir na
receita.
— E os antirretrovirais, doutor? — pergunta minha amiga ao meu
lado na cadeira.
O olhar de piedade do senhor de jaleco é terrível, e meus olhos
ardem para segurar as lágrimas. Engulo o nó na garganta e me mantenho em
silêncio.
— Em até 72 horas depois do estupro, ela poderia tomar o coquetel
antirretroviral e anti-gravidez. Após esse período, infelizmente os remédios
não fazem efeito e as vítimas são apenas acompanhadas para constatar se
não contraíram doenças. Os seus exames não apontaram nada, signorina
Selena, mas precisa retornar para refazê-los, como devem saber, existe a
janela imunológica do falso negativo. HIV, hepatites, sífilis. Então, em
trinta dias preciso que retorne ou refaça os exames específicos. Vou anexar
a receita também.
Começo a hiperventilar diante da mesa do homem, Jess segura
minha mão e a enfermeira traz água fresca para beber. Meus lábios tremem
e começo a gaguejar na pergunta que quero saber.
— E-eu... posso estar, contami- nadaa?
— Calma, a princípio não, mas é um risco calculado pela medicina.
Muitas vezes, o paciente realiza o exame assim que desconfia que possa ter
sido infectado com algum vírus ou outro patógeno, mas como o corpo ainda
não produziu uma resposta àquela infecção, o resultado do exame dá
negativo. Após algum tempo, quando este mesmo paciente repete o exame,
o resultado dá positivo, pois seu organismo já produziu resposta contra a
infecção e esta resposta já é detectável por exames laboratoriais. Só vamos
confirmar o negativo ou iniciar o tratamento adequado sem maiores
consequências se for positivo para algum desses. Nada de alarme, tudo é
tratável. Uma última coisa, fechando o décimo dia, precisa fazer um teste de
hcg para gravidez. Và bene?
Meu coração parece saltar na garganta e a força para não chorar me
faz apertar os punhos. Mas com as unhas curtas não sinto perfurar as
palmas.
— Mas eu...
— Sim, doutor, ela vai fazer e vou acompanhar e apoiar
pessoalmente o tratamento, né bionda?
Confirmo com a cabeça, torcendo para que termine essa tortura.
— E material genético do agressor, conseguiu algo?
— Um dos aspectos para o baixo índice de comprovação do banco
de dados é que os exames são incapazes de detectar material genético, se
forem realizados 48 horas após o estupro ter sido cometido. A orientação à
vítima prioriza não se lavar, tomar banho ou trocar de roupa. Neste caso já
se passaram 96 horas, signorina. — Jess amuada baixa os olhos para nossas
mãos unidas.
O médico olha para mim com seu olhar neutro.
— Apesar da dor e do trauma de ter sido alvo desse tipo de crime, se
quiser punir o agressor, você vai ter que ir à delegacia, relatar o que
aconteceu. Depois, relatar ao MP[xiv] numa audiência, à Justiça. Contudo,
isso revive o que passou, mas o único jeito de punir o agressor neste caso de
ausência de material genético probatório é expô-lo às autoridades.
— Não vi o rosto, já falei. Gostaria de ir para casa agora se já
terminamos.
Não queria ser rude, mas nenhum deles entende. Melhor me calar e
não argumentar mais, sinto-me cansada física e emocionalmente.
— Uma última coisa, signorina?
Olho para o homem que limpa a garganta mais uma vez.
— Usa algum tipo de entorpecente?
— Não! — Será que aquele pó que cheirei é detectável depois de
tantos dias?
— Por quê? — É claro que Jessica quer saber.
— Encontramos no sangue e no fio de cabelo resquícios de nitritos
voláteis, também gama-hidroxibutirato.
— Traduzindo? — insiste Jess para o meu pavor.
— É uma combinação de drogas, o famoso GHB e o outro pode ser
qualquer coisa alucinógena. Apostaria na droga do amor, os poppers.[xv] É
um líquido com cheiro agradável, mas tóxico que relaxa deixando a vítima
maleável e submissa. Também foi detectado em menos porcentagem, um
alcaloide estimulante, com efeitos anestésicos, ácido benzoico.
— Cocaína? — Minha amiga olha em câmera lenta para mim.
— Falei que estava em um evento antes do fato acontecer. Bebi
algumas taças de vinho. Posso ter bebido sem saber. Grata por esclarecer e
pelo atendimento.
Com uma frieza incomum, sigo para o corredor pisando duro e Jess
no meu encalço. Giro e a encaro firme, interrompendo sua expressão
curiosa antes que me encha de perguntas.
— Prefiro ir para casa com o meu segurança se não se importa.
Obrigada por tudo.
— Não esqueça a medicação, por favor. — Me estende o papel da
receita com o rosto decepcionado e triste, então me apresso para sair de sua
presença.
Fora do sufocamento do prédio e julgamento das pessoas, inspiro
profundamente segurando as lágrimas da vergonha.
Após parar em uma farmácia e comprar as medicações, entro no
carro para a pequena viagem de volta.
Ao chegar em casa vejo o SUV de Jess estacionar atrás. Ela desce
receosa, certamente não estamos em um bom momento e sinto-me mal por
isso.
— Posso ficar aqui com você? Só quero ajudar, bionda. Prometo
não questionar mais nada.
Aceito a oferta, porque a amo e não quero esse clima estranho entre
nós.
Conseguimos manter conversas amenas e ouço todas as orientações
quanto às medicações. Ela me faz gravar no celular e acionar o alarme dos
horários dos antibióticos. Não sei o que será da nossa relação depois dessa
mentira, mas meu plano é não mentir mais. Esse foi um caso excepcional,
primeira vez, fragilidade e inexperiência. Não vai acontecer novamente.
Pietro sabe que sou frágil.
Na madrugada, após dormir umas três horas, despertei com um
ataque de pânico, que há meses não sofria. A inquietação aumentou na
madrugada e busquei as aquarelas para me acalmar, assim como fazia
quando sofria de uma crise. Dessa forma, passei o resto da noite tentando
não pensar em coisas ruins. Sei como agir quando entro em crise, preciso
ocupar minha mente.
CAPÍTULO 40

( Snuff – Slipknot )
( Tou Are The Reason – Callum Scott

O dia começou chuvoso. Desde que descobri sobre o namoro de


Selena e o verme sádico, não consigo sossegar. Na terça-feira, quase capei
um ou dois stronzi nas reuniões que tive na empresa. Na quarta, remarquei a
agenda do dia para amanhã, pois fui buscar minha irmã no aeroporto.
Durante o trajeto, consegui entrar no assunto sobre a amiga, depois
de muita conversa sobre as atrações da Sicília e seu entusiasmo. Perguntei
se estavam em contato e quando iria vê-la. Jess apertou aqueles olhos de
azeitona madura algumas vezes, comprovando que estava desconfiada dos
meus questionamentos.
Até que perto das quinze horas, depois de desfazer as malas e um
lanche rápido, foi para a casa da amiga.
Ouvi ela e minha mãe conversando na sala de chá que estava com
saudades de Selena e que por telefone as conversas não são as mesmas.
Até ontem à noite no jantar, quando soube que ela dormiria lá, não
me preocupei, estava de mãos atadas sem saber o que Jess descobriu.
Mas depois, algo me dizia para ligar para o segurança de minha
irmã. Instinto, ansiedade, não sei como nomear, mas precisava de
respostas.
Elas haviam chegado de Pádua há poucas horas e a viagem foi para
uma consulta médica, pelo pouco que ouviram.
Daquele momento em diante, não consegui pregar o olho. Mil e uma
teorias se formaram na minha cabeça.
Fui o primeiro a descer agora cedo para o café, ansioso para falar
com Jessica ou saber de algo com minha mãe. Meus pais se acomodam nos
seus lugares na ponta da mesa e vovó na minha frente.
— Jess não chegou da casa de Selena? Que horas ela volta? —
Pergunto para qualquer um dos meus pais, mas é minha mãe que responde.
— Pediu o café no quarto, disse que estava indisposta. Percebi
quando chegou hoje cedinho que estava abatida. Falei com seu pai que vou
ficar em casa de manhã. Talvez seja alguma virose.
Olho no relógio e o ponteiro marca oito e cinco.
— Ela chegou da casa da amiga cedo assim? Estranho! Será que
aconteceu alguma coisa?
— Não sei, filho. Sua irmã não é de dar muitas satisfações —
responde meu pai abrindo seu jornal.
Sei que minha mãe está sempre apressada pela manhã, mas hoje
estou notando que mal presta atenção a mesa e não olhou torto para ele pelo
comentário sobre Jess. Está aérea e séria, talvez a preocupação com minha
irmã esteja mexendo com ela.
Bebo meu expresso me apressando na refeição para ir vê-la. Mamãe,
assim que termina, avisa meu pai que vai fazer as ligações e resolver as
coisas da empresa por telefone, para depois subir e ver a filha.
— Vou passar lá e ver se ela precisa de algo assim que terminar
aqui, mãe.
— Faça isso, querido, obrigada. Sei que ela vai apreciar seus
cuidados. — Ao dizer isso, mamãe se despede de nós dois.
Reparando agora, a relação deles é tão estranha. Fria e apática. Não
sinto o amor que um casal mesmo com anos de relação demonstra, parecem
dois amigos, sócios, ou algo assim. Nunca vi uma demonstração de carinho,
nem quando éramos crianças os vi em alguma situação constrangedora, ou
íntima. Devo estar imaginando coisas nessa fase difícil que me encontro.
Termino meu café e o bolinho de nata, me despeço de meu pai, que
continua à mesa com seu jornal e a xícara de macchiato.
Ao subir para o pavimento dos quartos, vou para a ala onde está o de
minha irmã. Bato na porta de leve, talvez ela tenha voltado a dormir.
— Mais tarde levo a bandeja do café, obrigada, mas ainda não
terminei.
— Jess, sou eu.
Dito isso, vou entrando e a vejo diante da janela de pé direito duplo,
olhando a paisagem do mar adriático.
— Ei irmã, como está? Mamãe disse... — a vejo secar o rosto de
costas para mim. O café na mesinha ao lado do aparador está intocado. —
Por que está chorando?
— Não estou. Achei que tinha ido trabalhar.
Fecho a porta ao entrar e paro no meio do quarto, aguardando seu
próximo movimento.
O que está acontecendo? Será que brigaram ou descobriu algo?
Ou… ou ela se machucou? Dio! Preciso manter o controle para descobrir as
coisas com minha irmã.
— Jessica, não vai poder ficar de costas nessa janela fingindo olhar
a paisagem para sempre. O que houve?
Ela disfarça indo até a mesinha com o café, mas não toca a bandeja.
Provavelmente está até gelado.
— Nada. Não quero aborrecê-lo. Vou ficar bem.
Ando até ela e a guio até a poltrona para nos sentarmos e conversar.
A preocupação estampa meu rosto, pois Jessica agora derrama lágrimas sem
disfarce. Nunca a vi desesperada assim depois de adulta.
O sangue parece água dentro das minhas veias, sinto as mãos
geladas e suadas.
— Ei, ei maninha, pode falar comigo. Fale per favore? Alguém fez
algo contra você lá na casa da Selena? Preciso saber, sou seu irmão, eu te
amo e quero ajudar.
Abraço apertado tentando consolá-la de alguma maneira, mesmo
não sabendo o motivo. Mas o nó na minha garganta parece uma bola de
sinuca.
— Sou uma péssima amiga, Tizi.
Afago seus cabelos castanhos com preocupação no olhar, abraço-a
ainda mais calorosamente respirando fundo, buscando confortá-la com
palavras.
— Por que diz isso? Vocês têm uma amizade linda. Tiveram uma
briga? Logo vocês se entendem.
— Não protegi a Selena, eu viajei, no meu egoísmo pensei somente
em mim — responde fungando.
Neste momento um mundo de coisas passa pela minha cabeça.
Afasto seu corpo para conseguir perguntar olhando em seus olhos.
— O que aconteceu?
— Não devia contar isso a você por inúmeros motivos que agora
não importam — murmura ela em meus braços.
— O... o que foi?
Sua respiração profunda parece uma preparação para a guerra.
— Selena foi abusada.
Um soco golpeia, ou melhor, uma faca entra e rasga meu peito e só a
dor que me apunhala em cada palavra que ouço é sentida.
— O quê? Como? Tá louca, Jessica?
Ela se levanta da poltrona comigo a seguindo pelo quarto.
— Não devia ter contado. Óstia!
Aflito agarro seus braços e a faço olhar para mim, não importa se
vai perceber meu descontrole, não importa nada, além do meu amor.
— Ela está bem? Onde ela tá? Abusada, como? Fala Jessica!
Minha irmã senta-se na cama olhando o vazio do quarto enquanto
chora.
— Eu a levei a um médico de confiança, ela precisou levar pontos.
Foi lacerada. E ela nega, mentiu para mim, irmão, porque não quer
denunciar. O cara manipulou a inocência e a ingenuidade dela a tal ponto
que ela inventou uma história sem pé nem cabeça. Deu bebida com
drogas...
Não sei se consigo continuar escutando, sinto o corpo tremer tanto
de desespero e fúria que minhas pernas não suportam meu peso e sei que
minha agonia está apenas no início, mas não consigo sair do lugar ao me
apoiar na cama e abrir outro botão da camisa.
— Foi o namorado, não foi?
— Como sabe, Tiziano? Ela nega. Disse que foi alguém no cinema
que a agarrou no banheiro. Duvido até que tenha ido ao cinema.
As batidas do meu coração estourando a caixa torácica
descompensadas roubam meu ar, que num impulso me apresso a abrir o
vidro da janela e buscar fôlego. Os pingos de chuva como lágrimas se
misturam às minhas que rolam tímidas pelo fracasso em segurar. Seco
rápido, não devo chorar.
Volto e me acomodo ao seu lado no colchão.
— Porcocane! Eu sabia! Diga que a convenceu a denunciar!
— Ela está emocionalmente um trapo humano. Insisti na denúncia,
mas ela pensa nos pais e no próprio miserável que ela protege. Não há mais
vestígios de DNA suficientes para a análise, já faz 96 horas do ocorrido,
não há o que fazer.
Levanto-me ao ouvir isso, sentindo meu corpo se desassociar do
espírito. A voz de minha irmã vai se perdendo no ar, não ouço mais nada. A
conversa de ontem ecoa nitidamente em meus ouvidos: ‘‘culta, de boa
família e obediente.’
— Tiziano! Tiziano! Você está pálido, sente-se aqui, vai desmaiar?
— Quando foi? Quando, Jess?
Minha voz arranha a garganta e o aperto no meu peito parece mil
toneladas.
— Sábado.
Aquele figlio di un cane! Eu mato aquele escroto!
— Onde ela está? Quem ficou com ela? Tem que voltar para lá,
irmã. Traga ela para cá em segurança não podemos deixar aquele maldito se
aproximar.
— Tizi, me ouça. Selena está com o pai. Ele chegou hoje cedo, nos
falamos no andar debaixo antes de vir para casa. Disse que está de
passagem e vai ficar uns dias com ela na casa. Não acredito que saiba e nem
que ela vá contar. Mas está segura agora. Sente-se aqui um pouco, vou
buscar uma água.
— Segura? Ela está namorando um criminoso! Que vai abusar dela
novamente!
— Não faça nenhuma besteira… Tizi! Per Dio!
Ainda escuto sua voz à medida que cambaleio para fora do quarto.
Sigo pelo corredor amparando meu corpo na parede, pois a dormência nas
pernas quase me faz desabar. O impacto da conversa com Jessica toca algo
dentro de mim que faz as lágrimas antes represadas brotarem sem controle.
Tinha certeza de que aquele figlio di un cane faria algo, mas estava
confiante que impediria de alguma forma. Seu estúpido! Como impedir se
não pode se aproximar dela? Como protegê-la se fui eu quem a empurrou
para essa situação de merda?
Selena foi abusada por minha culpa, foi enganada unicamente por
minha culpa. Se eu não a tivesse iniciado na intimidade com um homem,
cazzo! Ela estaria segura. Selena amou o vinho que dei para ela provar, se
não tivesse dado, ela teria medo e não teria se posto em risco. E tudo por
quê? Para ensinar coisas que nos ligasse em intimidade. Para satisfazer
meus desejos egoístas!
Sinto que a última parte inteira que havia em mim se partiu, somente
há a dor do reconhecimento que a aliciei para fazer o que eu queria, sou um
maldito abusador.
Entro em meu quarto em uma espécie de transe, arrancando minhas
roupas com ódio de mim, agarro a medalhinha e me ajoelho nu sentindo o
joelho estalar com o impacto da queda do meu corpo. Peço perdão a Deus!
Lembro de todas as vezes que a tive em meus braços e planejava
fodê-la de todas as maneiras.
Naquele iate, na praia deserta, no meu carro, nós fizemos sexo, só
não a penetrei, eu a manipulei. Sou um criminoso também, por mais que a
ame, não justifica a podridão dos meus atos!
Ando trôpego em direção ao banheiro e entro debaixo da ducha para
tentar tirar do meu corpo e alma a sujeira das minhas ações. Tenho certeza
de que por mais que tire a minha pele no processo não conseguirei me
limpar, mas não suporto a imundície que carrego.
Sinto que enlouqueço.
Deixo a água quente correr por meu corpo, mas não é o suficiente,
nada é suficiente para mudar o que sou! Soco a parede agradecendo a dor
no punho.
Preciso me lavar, quero ser bom, queria ser um homem bom para ela
e não fazê-la chorar, meu Deus! Por que sou assim?
Tão depravado e sujo, um animal feito de impulsos podres que
desejava fodê-la igual aquele miserável. Sou igual a ele, cazzo!
Aumento a temperatura da água até deixá-la fervendo e o vapor
nublar a visão de dentro do box. Preciso eliminar essa podridão, então
começo a esfregar o rosto e pescoço com repulsa até sentir a ardência
ganhar a minha pele. Esfrego mais meus lábios, queixo, barba e nariz na
raiva e asco, até a dormência tomar meu rosto. Devo me limpar! Lavar a
lama que está por todo o meu corpo. Agarro a esponja e desço pelo meu
peito arranhando como se arrancasse minha pele.
Ouço nitidamente e com a mesma intensidade as palavras de Selena
no meu ouvido: ‘Você é um monstro.’ Eu sou, porque além de tudo não
pude evitar essa tragédia que aconteceu com ela!
Volto a me esfregar de modo rápido, com raiva e ódio pelo que fiz.
Quase arranco meu pau esfregando e gritando descontrolado. Retorno a
esfregar minha boca com força. Esfrego meus braços e mãos com mais
esforço e fúria. Deixo a água cair em torrentes no meu rosto, tentando
afogar as palavras de Jessica ‘lacerada, drogada!’
Sinto os soluços saindo, mas não os ouço, só escuto as vozes. Me
estapeio igual meu irmão fez ao perguntar com voz fria:
“O que você fez, seu merda? Seu doente.”
Acabo escorregando no azulejo, sem forças, sentindo embaixo da
água quente a ardência queimar a minha pele esfolada, mas não é o
suficiente. Não enxergo nada pelo vapor, olhos ardendo pelo choro e o peito
comprimido de angústia. Começo a me esfregar outra vez, e de novo e de
novo com muito sabonete, insisto e continuo a me sentir totalmente nojento.
Grito urros de desespero dentro do box, pelo homem de merda que sou. Por
tentar me lavar de uma sujeira que não vai sair. Por me autoflagelar mesmo
não tendo perdão pelo sofrimento da mia ragazza.
Sei que jamais terei aquelas palavras doces outra vez, aqueles olhos
gentis e preocupados comigo, nunca mais ouvirei sua voz chamando meu
nome. Aquela doçura foi maculada e as consequências serão terríveis.
“Abusou psicologicamente dela, seu escroto!”
Gabrielle como sempre é a voz que não me deixa esquecer, que
mostra irritantemente minhas falhas.
Não sei quanto tempo estou embaixo d’água, mas sinto alguém
entrar e desligar a torneira.
— Figlio! Figlio, per Dio! Está todo machucado!
— Liga a ducha, pai. Liga, preciso me lavar — exclamo aos berros.
— Mia ragazza, é culpa minha, sou podre!
Meu corpo trêmulo é abraçado enquanto soluço no chão molhado do
banheiro.
— Estou aqui, garoto, conte para o seu pai o que está acontecendo?
Sinto seus braços ao meu redor me apertando contra si e me abraço
mais ainda soluçando.
— Empurrei Selena para um abusador, ele... a feriu e é culpa minha.
— O quê? Por que…?
— Porque precisei afastá-la de mim e aquele maldito Albenacci a
estuprou.
— Meu Deus! O que está dizendo? Onde ela está? Avisaram seus
pais? Precisamos falar com eles! Cáspitta, que tragédia!
— Quem, Tiziano? Albenacci? — A voz fria e calma de Gabrielle
pergunta da porta do box.
— Ouvi uma conversa que Pietro está namorando Selena, e Jess
falou agora pouco que ela foi abusada por um homem que a drogou e
manipulou. Foi aquele cancro!
— Tem certeza de que é esse o nome?
— O que quer, Gabe? Já tô no chão, não preciso que aponte o dedo
para mim! Nem me insulte com sua moralidade!
Meu irmão ergue as mãos em rendição e sai do jeito que entrou,
sorrateiro e silencioso.
Meu pai me ajuda a levantar do piso me guiando para fora.
— O que você fez para a menina Malpucci? A desonrou?
— Estava esperando a maioridade, nunca cheguei ao fim com ela,
mas tivemos momentos de intimidade porque nos amávamos, e agora um
criminoso a estuprou!
— Namoravam escondidos? Cáspitta, Tizo! Como pôde fazer isso?
— Nos amamos, pai!
— Jessica contou se foram na delegacia? Preciso ligar para o pai da
menina!
— Pai, Jess disse que Mário está com ela.
— Melhor, cáspitta! Agora me diga por que se sente responsável
por isso?
— Por achar que nos casaríamos logo, em cada encontro avançava
um pouco mais na intimidade, sou o culpado por ela se colocar em risco!
— O que está dizendo, Tizo? Como você faz uma coisa dessas?
— Ela era minha, e apaixonado queria ter o máximo dela, então
manipulei sua inocência para aliviar o desejo incontrolável que tinha por
ela. Não vou mentir, desejava fazer tudo o que aquele miserável fez, na
minha mente eu fazia.
— Mas você não fez, essa é a diferença entre vocês, Tizo.
Porcocane! Você está todo esfolado, sua mão começou a inchar, vou ajudar
a se enxugar e chamar o médico.
Parado no meio do quarto, observo meu pai buscar a toalha e a
roupa. Ao retornar sobre o tapete, seus olhos azuis calmos encaram os meus
sem piscar.
— Por que não falou com os pais dela? Se a ama, poderiam ficar
juntos.
Agarro seu colarinho em desespero.
— O sonho, o maldito pesadelo, tudo por causa dessas premonições
malditas. Por que me deram uma preciosidade como ela, para depois tirá-la
de mim? Sou tão podre que não mereço ser amado por Selena? Agora sei
que é isso!
— Se acalme!
— Não sou louco, pai. Não sou! Selena era destinada a ser minha,
eu vi, sonhei na adolescência com o encontro que mudaria minha vida. Não
sou maluco! Ela também sentia nossa ligação, sei disso, parece loucura,
mas não é!
— Eu acredito, figlio, estou aqui como pai, para lhe mostrar algum
conhecimento e o único amor incondicional que você terá na sua vida. —
Ao andarmos juntos em direção a cama, ele me acomoda sobre ela.
— Agora deite-se, sua avó vai trazer um calmante para você e
vamos cuidar dessa pele irritada.
Nonna Olímpia entra com um calmante, água, e a caixa de primeiros
socorros.
— Mãe, ligue para o doutor Langaro, diga que preciso dele aqui. —
Nona ouve e sai sem dizer uma palavra.
— Acha que sou maluco, pai? — pergunto mais calmo segurando o
soluço.
Seu Nicola começa a cuidar das abrasões que causei no banho, com
cuidado espalha a pomada sobre a pele ferida.
— Não. Não acho. Como aconteceu o sonho com ela?
Conto desde o início e meu pai quieto ouve sem interromper.
— Selena é sua chama gêmea, a sua alma espelho.
As lágrimas ameaçam verter novamente.
— Sabia que ela era minha alma gêmea.
— Calma, é um pouco mais profundo que isso. Ao contrário da
alma gêmea, a união com a chama gêmea não procura a evolução
individual, mas sim, busca o crescimento coletivo. A atração é forte,
magnética e instantânea, mas se não estiverem prontos para viver juntos,
certamente irão se afastar.
— Como sabe disso?
— Porque vivi isso, mas essa conversa é para outro momento, agora
precisa descansar até o doutor olhar essa mão, pode ter fraturado.
— Não! Preciso encontrar aquele farabutto! Ele não pode sair
impune.
Meu pai fala calmo enquanto guarda os objetos na caixa de
primeiros socorros.
— Tiziano, filho, me escute! Tudo está definido. O que é dele sem
falta o alcançará. Não busque vingança, nem mais dor. Isso só atrasa sua
evolução e a vivência com seu amor. Ofusque a escuridão que possui com a
luz dos seus objetivos. Sei que está sofrendo, mas às vezes desconcentrar-se
de si próprio pode aliviar a carga.
Suas palavras, assim como a loção calmante que aplicou na minha
pele, vão aliviando um pouco a minha aflição.
— Mas você errou e é preciso buscar a sua melhor versão, mesmo
estando incompleto nesse plano. Você sempre terá a oportunidade de
consertar. O que nos diferencia de um homem vil é a capacidade de
enxergar realmente nossos erros e sermos fortes o suficiente para consertá-
los, até mesmo da maneira mais dolorosa. Você se enxergou no homem que
fez mal a uma inocente, então sabe o que precisa eliminar dentro de si.
Confirmo com lágrimas no olhar e arrependimento mortal.
— Mas é hora de se resignar ao destino. Isso não quer dizer que
você será curado dessa dor, mas aprenda com ela, torne-se mais forte para
matar ou controlar outras partes suas que lhe fazem mal e lhe impedem de
ter uma evolução sadia. Saiba que estamos aqui para amá-lo de todas as
formas. Quero que tome o calmante e descanse agora, vou ligar para seu
sócio Mirko e avisar que está indisposto para os compromissos na empresa.
Precisa pensar seriamente no que falei.
Sinto as palavras da verdade de minha real natureza exposta sem
barreiras. Mas entendi os conselhos do meu pai. Deitado sobre o colchão,
tudo arde, tudo dói, mas é por dentro que a ferida é maior. É meu coração
esmagado que não pode voltar no tempo e mudar tudo o que fiz. Talvez se
não tivesse criado as oportunidades para nos aproximar, nada disso teria
acontecido. Essa é a dor mais torturante que já senti.
CAPÍTULO 41

O sol despontava no horizonte tingindo o céu de tons laranja e rosa,


quando senti Jessica se despedindo com um beijo em meu rosto.
Sinto-me melhor, nada daquela exaustão extenuante de dias atrás.
Essa madrugada tive uma crise de terror noturno e quando acordei
com Jessica me acalmando, comentei que pintava para distrair, pois dormir
outra vez não conseguiria. Não sou uma expert, mas gosto de cores e
quando não estou envolvida com fotografia, esse é meu jeito de distrair a
cabeça. Expressar meus sentimentos mesclando cores e criando desenhos.
Assim que confirmou que os pincéis tinham esse efeito, ela
adormeceu na poltrona do quarto e eu segui decorando a parede inteira, foi
dessa forma que passei o resto da noite passada. Criando.
Agora diante da janela olhando o nascer do sol, noto um carro
parando na frente da casa. Não conheço aquele veículo, parece a frota de
carros da segurança de Jess, mas ela ainda disse que iria arrumar sua mala e
prometeu que tomaria um café antes de voltar para casa. Curiosa, aguardo a
pessoa sair do veículo, quase desmaio ao notar que é meu pai. O motorista
pega suas malas e ele em seu casaco longo, atravessa a rua a passos largos.
— Oh! Dio. Preciso me vestir adequadamente. Estou com roupas
sujas de tinta!
Meu coração bate rápido enquanto escolho um conjunto de malha
novo com calça e blusa. Lavo o rosto e escovo os dentes e cabelos.
Não leva mais de quinze minutos para ficar pronta e descer as
escadas. Ouvir sua voz grave e comedida aquece meu coração. Ele está
conversando ao telefone na sala de jantar. Ao chegar na base da escada,
vejo as funcionárias se movendo apressadas. Uma com o atiçador
acendendo a lareira da sala de tv. Outra cruzando por mim em direção a
cozinha, carregando um aparelho de jantar que não uso habitualmente.
Outra sobe as escadas aos tropeços. Posso imaginar que ninguém esperava
o dono da casa hoje, nem eu.
Quando me aproximo da porta, o casaco descansa sobre a poltrona e
o perfume clássico de cedro permeia o ar. Ele gesticula de costas ao celular.
Seu cabelo claro está recém cortado e ele parece estar um pouco maior do
que da última vez que o vi na chamada de vídeo. Se bem que papai é um
homem grande e gosta de musculação, fora a altura de quase dois metros,
talvez vê-lo ao vivo depois de meses deu essa impressão.
Quando gira, se despede de quem está do outro lado e um sorriso
caloroso se espalha por seu rosto ao me ver. O nariz se enruga daquele jeito
quando está feliz e risonho. Dessa vez a barba clara faz sinal no rosto, não
costuma manter a barba, ainda assim está muito bonito.
Corro em direção aos seus braços. Lágrimas de alegria enchem
meus olhos enquanto o abraço com força, sentindo o cheiro familiar de sua
loção pós-barba. Ele acaricia meu cabelo e diz com voz emocionada:
— Como senti sua falta, minha querida. Como você está, stellina?
(Estrelinha)
— Estou bem, pai. Muito feliz que esteja aqui. E mamãe? Por que
não veio com você?
Papai me guia para a poltrona e segura minhas mãos, olhando
demoradamente para o meu rosto.
— No dia do seu aniversário, sofremos um acidente no caminho.
— Oh! Meu Deus! Por que não me avisaram?
— Filha, mandei mensagem horas depois ainda no carro de resgate.
Você não respondeu, tentei ligar para o seu celular tantas vezes, então
contatei Mafalda e ela me tranquilizou que você estava em casa, segura.
Assim que me recuperei, vim ver você. Sua mãe ainda está com a perna e
um braço engessados, mas está bem e disse que virá assim que se recuperar.
— Pai desculpe, não sei o que houve, talvez o celular tenha
descarregado e eu esqueci, ou... ou tive um dos meus episódios de sono que
são inevitáveis e eu apago.
— Eu sei, eu sei querida. Está tudo bem, estou aqui agora. E você
minha stellina, está bem mesmo?
— Sim, estou. Pintei o quarto ontem. Depois quero lhe mostrar.
Seu olhar é tão doce, ele parece querer perguntar algo.
— Tudo bem, pai?
— Claro, vamos tomar um café generoso com seu vecchio? Eu
trouxe presentes.
— Quanto tempo vai ficar? — Sei que ele é um homem ocupado,
mas estou tão empolgada que não resisto enquanto nos sentamos na mesa
de jantar. — Veio a negócios?
— Não. Vim especialmente para ficar com minha filha. A conhece?
Ela é a garota mais inteligente, criativa e linda de todo o país. Ficarei uns
dias com você, faremos nossos programas de pai e filha.
Começo a rir sem parar de tanta euforia ao ouvir o tom brincalhão
do meu pai. Logo a mesa está repleta de guloseimas, não tinha apetite, mas
vendo sua animação e carinho, decido comer um pouco.
Papai balança a sineta e uma das funcionárias que não lembro o
nome aparece, engraçado que só lembro do nome da Mafalda.
— Pois não, senhor Mário?
— Os cornetos de avelã que minha filha gosta, estão prontos, Lúcia?
— Dois minutos e estarão na mesa, senhor.
— Ótimo.
Papai serve ele mesmo minha xícara de café com leite. Seu
semblante preocupado me deixa apreensiva.
— Pai, está preocupado com mamãe? Vejo uma ruga na sua testa. —
Bebo um gole e meu estômago reclama, muitas horas com ele vazio. Me
distraí pintando e não comi o que Jess me trouxe na noite passada.
Rapidamente seu semblante suaviza e ele serve a sua própria xícara
com o expresso.
— É, ela gostaria muito de ter vindo, me deu recomendações para
perguntar sobre a sua saúde.
— O... o que tem minha saúde? — Subitamente surge uma onda de
pavor de que ele desconfie do porquê eu ter ido ao médico com Jess. Seco
as mãos no abrigo escondido sob a mesa, pois a sudorese chega sem aviso.
— Está tomando direitinho as medicações? Conversei com sua
psiquiatra e Dra. Susana disse que há muito tempo não consegue uma
chamada de vídeo para a consulta semanal. Estamos preocupados.
Começo a gaguejar, não gosto de mentir, mas todas as vezes que
perguntavam sobre isso eu desconversava e agora ele descobriu que
abandonei o tratamento.
— Papà, é... que aconteceram tantas coisas, os cursos de fotografia
tomaram todo o meu tempo. Depois teve a viagem com Jess e eu precisava
me distrair com ela, saímos bastante e...
— Entendo minha stellina, você estava sempre exausta.
— É.... é isso. — Mostro um sorriso gigante.
— Mas percebe o quanto sua saúde é importante? Seus remédios e a
terapia ajudam com a qualidade de vida. Sabia que eu também faço terapia?
— Não. Por que precisa de terapia?
— Muitas vezes as reações aos acontecimentos mais difíceis de lidar
começam a tomar proporções maiores, como uma preocupação intensa, é
bom conversar com alguém que não nos julga e pode ajudar. Esse é o papel
dos psicólogos. E se precisamos de uma ajuda a mais, os psiquiatras entram
para nos auxiliares com algum medicamento que precisamos.
— Hum... eu cometi um erro!
— O que aconteceu? — Ele deixa os talheres de lado e pega minhas
mãos. — Pode falar para o seu vecchio, estou aqui para ouvir, alguém fez
mal a você?
— Não! Não é isso, é que faz meses que não tomo os remédios,
menti para vocês. — Ele suspira profundamente e tento consertar essa
confissão. — Mas sinto-me tão bem, conheci Jessica e ela me anima tanto,
não vejo necessidade de todos aqueles comprimidos.
Os doces de avelã chegam à mesa e ele serve no meu prato.
— Entendo. Filha, estava pensando sobre sua amiga, a garota
DiMateo.
O assunto torna-se sério enquanto degustamos nosso café da manhã.
— Ela é uma ótima amiga.
Não quero que ele me afaste da única pessoa que gosta realmente de
mim pelo que sou. Além do Pietro, mas ele, meus pais gostam.
— Sim, concordo e andei pensando naquela conversa que tivemos
um tempo atrás. Acho que precisa espairecer um pouco. Passar uma
temporada fora da Itália com sua amiga fará muito bem a você.
Quase me engasgo com o gole de café.
— O... o que disse? Ouvi direito? Posso viajar com Jessica?
É uma sensação indescritível, uma alegria sem tamanho poder viajar
com minha melhor amiga.
— Eu e Dalila sempre queremos o melhor para você. Sabemos o
quanto deseja essa aventura. — Abraço seu pescoço em um impulso. —
Mas..., mas, escute seu pai, stellina, deve voltar ao tratamento. Antes de
minha partida vou chamar suas médicas aqui para reavaliar e retornarem
com as medicações. Tem que me prometer que vai continuar com a
psicoterapia e a manutenção da sua saúde emocional. E mais importante, o
novo segurança particular vai com você, a manterá segura e nós sempre
estaremos em contato.
— Novo segurança? O Sr. Salvatore não é mais meu guarda
pessoal? — Fico curiosa sobre a troca, mas não vou insistir.
— Não. Preciso dele para outra função menos importante. Para você
contratei um mais atento e incorruptível. E nosso acordo? Está disposta a
retornar aos cuidados que sempre teve?
— Prometo, juro que vou obedecer.
— Bom, essa é minha stellina! Agora me conte sobre seu namoro?
Derrubo o talher no prato, fazendo um som alto.
— O que tem ele?
— É muito importante que ele venha conversar comigo sobre as
intenções dele com você, é sério o relacionamento?
— Ele comentou que gostaria de um jantar com vocês, mas sei que
essa semana ele não está na cidade.
— Hum… quando ele viajou? — Olho seu rosto para tentar saber se
está sondando algo, mas meu pai passa doce de leite no pão muito
concentrado. Deve ser só curiosidade.
— Ainda na sexta passada.
— Não se encontraram no fim de semana, no evento do veleiro que
me pediu autorização para ir? — Seu olhar sério encontra o meu, o que me
faz desviar e comer um pedaço do corneto.
— Não, infelizmente ele não podia faltar aos compromissos da
campanha.
— Entendi, tinha muita gente no evento?
Sorrio o meu melhor sorriso.
— Estou me sentindo em um interrogatório, pai. Alguma coisa
específica que queira perguntar? — Ele sorri, mas não chega aos olhos. Está
agindo estranho!
— Não, minha querida, apenas curiosidade. Agora que vai viajar,
precisamos falar sobre sua segurança longe de casa. Vou conversar de novo
com sua amiga, quero que fiquem no meu apartamento em Valência. Mas
isso é assunto para depois. Vamos terminar nosso café da manhã.
— É tão bom tê-lo em casa, pai.
— Vamos matar a saudade esses dias juntos. Mas antes, preciso tirar
essa roupa da viagem e quero ver aquela nova decoração que falou.
Seco a emoção das lágrimas que escapam tímidas.
Esses dias serão inesquecíveis, meu pai adiar seus compromissos
para ficar comigo e agora dá a permissão para que eu possa viajar, sair
daqui e esquecer as coisas tristes que vivi nesta cidade. É tão fantástico!
Talvez eu consiga esquecer as coisas ruins, substituindo por memórias
novas e lindas.

Esse tempo com meu pai parece um sonho. Fizemos tantas coisas
juntos, que no final do dia chegamos exaustos. Fomos a uma exposição no
museu do centro e depois ele me apresentou a um restaurante de frutos do
mar excelente. Na outra noite fomos a um Concerto de Ópera e nos
divertimos com os clássicos barrocos realizados pela orquestra e cantores
do I Musici Veneziani. Ontem à tarde, ele me levou à praça para fotografar,
digo ele, mas os seguranças estavam conosco como sombras. Acho que
papai quis me apresentar a nova equipe. Não entendi por que trocou a
segurança, mas não questionei. Ele sabe o que é melhor. Durante esses dias,
ele constantemente perguntou se eu estava bem, um tanto exagerado esse
zelo, mas me senti especial.
Esta tarde, quando a Dra. Susana fez uma visita, tive uma sessão
com ela e depois conversamos por videoconferência com a Dra. Amélia, a
psiquiatra. As duas me tratam há anos e mesmo tendo me esquivado das
sessões durante alguns meses, percebi que me trataram da mesma forma
amigável. Confesso que estava receosa quanto a isso.
Hoje é a última noite que meu pai ficará em Veneza, amanhã cedo
disse que precisa voltar a rotina de homem de negócios. Fiquei triste, mas
sabia que seria inevitável sua partida.
Assim que terminamos o jantar, ele sugeriu assistir um filme juntos.
A lareira está acesa e a poltrona aconchegante. Escolhemos um filme de
ficção científica, meu pai ama o gênero e quero agradá-lo.
— Filha, sabe que qualquer coisa que precisar é só me ligar. Và
bene?
— Si papà. — Seu abraço é um porto seguro. Apoio a cabeça em
seu ombro e reflito em como seria bom se todos os dias e noites fossem
sempre assim.
Tom Cruise na tela luta com robôs alienígenas e o filme retorna
como um looping de volta para o início. Ao analisar a história do filme,
rebobino os pensamentos e tento lembrar do último período de minha vida
em que me senti feliz como hoje, me parece tanto tempo atrás que uma
tristeza desponta intrusa. Não! Não quero pensar no passado.
Um bocejo exagerado, faz meu pai sorrir.
— Não durma ainda, stellina, fique mais um pouco com seu
vecchio.
— Fotografar ontem me esgotou um pouco, fazia um tempo que não
tinha um dia agitado assim — respondo me aninhando ainda mais em seu
peito, relaxada na poltrona.
— Lembra a primeira vez que fez uma sessão de fotos? Aquela
polaroid que lhe dei no aniversário de oito anos? Você espantou todos os
cavalos do haras, lembro da quantidade de rabos de potros estampados nas
fotografias, porque você corria atrás deles.
Outro bocejo involuntário e sorrio agarrada a ele.
— Não lembro desse episódio, faz muito tempo e deve ser o sono,
né?
Sinto um afago no meu rosto e a voz chegando distante é falhada.
— É o sono, minha princesa. Nunca esqueça que eu amo você e
sempre vou te proteger.
CAPÍTULO 42

(Empty Space - James Arthur)

Depois daquele episódio terrível, procurei aquele figlio di un cane


por toda a cidade. Fui até o clube Istar e não o encontrei. Preciso achar uma
maneira de confrontá-lo, só um minuto a sós com ele e eu destruiria aquela
cara de falso.
Caminho em direção a sala de reuniões onde meu assistente avisou
que me aguardam para analisar os projetos para a reposição de material.
Distraidamente, ao entrar não percebo quem está na sala e quando
vejo a mão estendida, meu sangue ferve e acerto um soco na boca do
infeliz.
Pietro cai sentado, mas rapidamente se levanta e devolve o golpe.
— Enlouqueceu, Tiziano?
Agarro o colarinho e o empurro contra a parede.
— Estuprador de merda, figlio di un cane!
Ele me empurra e se solta arrumando o blazer.
— Que calúnia é essa? Repete! Tem provas do que me chamou?
— Seu infame, você ...
— Fala?
Me dou conta que não tenho provas e que se eu falar o nome de
Selena, pode ser pior para ela.
— De onde veio esses delírios? Ficou maluco? Bebeu? Meu pai é o
dono da única usina fornecedora de insumos para a sua empresa e você tem
um surto desses com o vice-presidente?
Merda! Não tenho respaldo algum para a acusação.
— Você deveria manter a língua dentro da boca. Você pode ser
conhecido, respeitado no mundo empresarial, mas sem prestígio e poder
você não é nada. Em um estalar de dedos essa empresa pode afundar sem se
dar conta do que houve.
— Está me ameaçando?
A risada baixa e cínica mostra como se diverte em espezinhar e joga
baixo.
— Eu? Jamais! Não sou homem de ameaças e promessas Tiziano.
Mas lembre-se que te conheci antes mesmo de pisar meus pés nesse lugar.
Recorda quando nos esbarramos no píer do clube Istar?
— O que está acontecendo aqui? Que gritaria é essa?
Mirko entra e não esconde a surpresa.
— Nada, Rossi. Estava repassando um conceito muito importante
para o seu sócio. — Ele olha seu relógio de pulso e sorri. — Preciso ir, tô
atrasado para o almoço com minha adorável namorada.
Antes de cruzar a porta, ele retorna e arruma minha gravata.
— Aliás, hoje vou conhecer a melhor amiga dela. Sua irmã. Ela vai
almoçar conosco no Moka’s. Está convidado a se juntar a nós se desejar.
Vou pedir um prato de ostras para as donzelas.
Dá um tapinha no meu ombro e sorrindo olha para Mirko.
Mando Vicenzo repassar o projeto e o requerimento do próximo
fornecimento de insumos.
— Arrivederci! (até breve)
Assim que ele sai, minha camisa é agarrada.
— O que foi isso, cáspitta!? O que você fez, Tiziano?
Afasto-me visivelmente desconcertado.
— Não me controlei, dei um soco nele e o acusei de estuprador.
— O quê? Perdeu o juízo? Ele é ainda mais perigoso que o pai dele.
Dizem que é protegido pela Camorra. Se ele forjar algo contra nós, até
provarmos o contrário, perdemos até nossa alma. Pell’amore di Dio!
— Tá. Tá! Me sinto um frango indefeso e mexendo com o cachorro
grande.
— Melhor ser frango, mas vivo, depois que vira refeição, já era! Ele
pode encomendar até nossas mortes, cáspitta!
— Um dia ele vai pagar, Mirko!
— Até lá, se controle, per favore. Vai esfriar a cabeça, desça e tome
um uísque no lounge. — A cara frustrada de meu amigo me aborrece.
Obedeço chateado, remoendo as ameaças daquele porco ordinário.
Preciso encontrar algo contra ele e urgente! Ameaças vazias só o deixarão
ainda mais prepotente. Talvez com a direção do clube Istar, haja algo que
possa usar, pago a quantia que for, mas vou achar um podre desse cara!

O final de mais uma tarde na empresa chega e me sento em frente a


janela da minha sala, para olhar o mar e beber meu expresso. Ando cada dia
mais cansado e impaciente, e isso reflete no rendimento das criações. É uma
merda quando não há reuniões, pessoas e projetos para ocupar a cabeça, não
gosto da minha própria companhia. Era bom ir para casa e tomar o café com
as conversas cheias de entusiasmo da Jessica.
Mas, há duas semanas minha irmã viajou definitivamente para a
Espanha. Tem um curso lá e outros pela Europa. Conseguiu a
independência tão sonhada e fiquei perdido sem a pessoa mais próxima de
mim, depois do meu pai. Disse que levaria Selena com ela, não ouvi da sua
boca essa informação, não!
Nossa relação sofreu uma mudança depois daquela manhã onde me
esfolei no chuveiro, ela ouviu algumas partes da conversa com meu pai.
Descobriu que sou apaixonado pela melhor amiga.
Minha avó disse que Jess contou que Selena vai passar uma
temporada com ela em Valência. Foi um grande alívio, por tantos motivos,
mas o principal, pela segurança de mia ragazza.
Não sou hipócrita, sei que aquele porco do Pietro continua com ela,
isso dói e me preocupa pra caralho!
Uma batida na porta perturba a linha de pensamentos.
— Sim?
— Sou eu, senhor. Desculpe não ligar, é que eu ia saindo e recebi
uma encomenda para você. Já assinei, posso deixar na sua mesa?
— Obrigado Constantini. Atualize-me sobre a agenda de amanhã
por e-mail, daqui a pouco encerro o expediente, tenha uma boa noite.
— Certamente, senhor. Até amanhã.
Observo desconfiado a pequena caixa devidamente embrulhada e
com a logomarca postal que meu assistente recebeu em meu nome. Bebo o
último gole de café e curioso pego o pacote. Seguro e chacoalho sentindo o
pouco peso sem imaginar o que possa ser.
Abro o papel pardo e a caixa escura dentro dele, sendo amparado
por minha cadeira.
Uma dor rascante me atinge quando observo a chave da propriedade
onde está a moto Chopper de Selena, bem como a Key FOB[xvi] da própria
moto. Na outra caixa pequena está sua pulseira. Ela mandou devolver.
Recusou o presente que fiz para ela com minhas próprias mãos, e a joia com
o símbolo do infinito, encomendado especialmente como sinal do nosso
compromisso. Quebrando definitivamente nosso vínculo. O que você
esperava, seu imbecil? Seu plano teve exatamente o resultado que você
executou.
Começo a rir como um demente, as gargalhadas soltas e altas pela
minha sorte ecoam na sala executiva. Ei, Deus! Ou quem estiver aí
mexendo as cordas da vida, do destino, da porra da humanidade! Deve estar
muito satisfeito com o resultado! Logo minhas risadas se transformam em
choro ao recordar cada memória bonita com meu amor.
Prometo em meio as lágrimas que é a última vez que chorarei pelo
meu destino traçado. De pouco adianta lamentar já que não pode ser
mudado. É melhor que seja assim para Selena.
Ao sair do prédio, Lázio, que me espera como um cão fiel, pergunta
como sempre, para onde vou. Meu apartamento aqui perto da empresa ou a
casa dos meus pais?
— Para o La Nave, faz tempo que não bebo umas antes do jantar.
— Perfeitamente, senhor.
Meu chefe de segurança guia o carro e estaciona no local com um
profissionalismo sem igual. Não questiona, nem fala absolutamente nada
durante o trajeto. Gosto do cara, são poucas pessoas que confio e ele está
entre elas. Ao sair do carro, aviso que posso demorar um pouco, mas ele diz
que não é para me preocupar, estará aqui quando eu sair. Olho o horário em
meu pulso e são mais de nove horas sem trocar a guarda. Ele diz que
prefere trabalhar do que ter a mente vazia, nisso somos parecidos.
Ao entrar pela porta principal, o clima é mais aquecido que a brisa
gelada do outono no lado de fora.
Observo que o restaurante está um pouco lotado e vou direto para
um dos cantos mais aconchegantes, com a mesa de quatro lugares e
divisórias costumeira. Esse lugar é perfeito para relaxar após um dia corrido
na empresa. A iluminação suave agrada aos olhos cansados. Fazia um
tempo que não frequentava este local, mas nada mudou de meses atrás. Os
cheiros, os sons e a música suave ao fundo trazem familiaridade.
Com um suspiro profundo, tiro minha gravata e peço um uísque,
talvez forrar o estômago antes seja melhor. Mas a intenção aqui não é
apreciar a culinária, só quero anestesiar a mente.
No primeiro gole, sinto o ardor da queimação na garganta e um
calor agradável no peito. Maravilha! Vamos lá, senhor álcool, me faça
esquecer de tudo, pelo menos por hoje!
Enquanto tomo o segundo copo, observo os frequentadores, figuras
marcantes da alta sociedade, protagonistas de uma vida cheia de aparências.
Eles exalam glamour e estilo em suas conversas triviais, com uma
naturalidade que dá inveja. “É só o seu mau humor, Tiziano!”
A primeira hora passa sem que eu perceba e o meio litro da bebida
tomada, parece não me afetar. Enquanto aproveito o vazio que vai se
instalando pouco a pouco na minha consciência, observo o ritmo da vida
que se desenrola ao meu redor. Conversas animadas, risadas contagiantes e
olhares apaixonados preenchem o ambiente.
A bebida nubla um pouco minha visão, me esforço em cada gole
para me entorpecer. É nesse instante que me dou conta de que estou
mergulhado em uma existência sem rumo algum, onde as cenas de pura
felicidade alheia parecem congeladas, como se estivessem debochando de
mim.
— Olá, quanto tempo! Como tem passado, Tiziano?
Uma voz familiar interrompe os pensamentos bêbados, mas não
consigo recordar de onde conheço a mulher de vestido preto em pé olhando
para mim.
— Eu... eu te conhe...ço? — Coço os olhos que ardem um pouco,
enquanto tento me concentrar para lembrar seu nome.
— Claro que sim, somos amigos. Posso me sentar com você? Acho
que tomei um bolo no meu encontro e preciso de uma bebida.
— Por favor, ... ic... fique à vontade. Gosta de uísque?
Faço um sinal para um garçom que se aproxima de nós.
— Um copo para a senhorita.
— Sim, imediatamente, senhor Tiziano.
— Parece que o seu dia foi longo hoje. Mais da metade da garrafa,
você está bem? — pergunta pousando a mão em minha coxa.
O perfume dela é agradável, quando se acomoda mais próxima na
poltrona de couro, sua voz baixa é calma e confiante. De onde conheço essa
voz? Minha visão está um pouco embaçada, mas seu vestido é elegante e o
decote chama minha atenção.
— Você não faz ideia de como foi meu dia.
— Deve ser cansativo ter tantas responsabilidades. Concordo que às
vezes é preciso relaxar.
Minha risada escapa alta, foda-se a etiqueta do local. Se ela
soubesse que estou aqui devido a um coração partido, não diria isso.
A vejo beber um gole de sua bebida. Quando foi que o garçom
voltou? Cazzo! Fazia tempo que não bebia tanto uísque. Certo, estava em
tratamento, não podia misturar... Ops! Já bebi.
— Preciso ir ao banheiro... Com sua licença, já volto.
Tento me equilibrar para me afastar da poltrona, mas desabo quase
tão rápido quanto seus braços me amparando, rio descontroladamente até
perder o fôlego.
— Eu não percebi que estava... tão ruim assim.
Seu sorriso é encantador e os lábios vermelhos são convidativos.
— Eu te ajudo a ir até a porta da toalete. Não queremos causar um
alvoroço público, certo?
— Muito gentil da sua parte.
A mulher é quase da minha altura e me apoia com facilidade. Passo
um braço sobre seus ombros e caminhamos lentamente até o banheiro. O
trajeto é complicado e demorado, mas rimos bastante para manter a
discrição da melhor forma possível.
— Valeu, acho que me viro daqui — aviso ao chegar na porta e me
apoiar nela.
— Olha, ninguém está olhando, então posso te dar uma mãozinha.
Começo a rir enquanto entramos, meio perdido na minha
embriaguez.
— Não quero causar nenhum emba-raço para você,... moça bonita.
— Sem problemas, não se preocupe. Vamos lá.
Ela nos encaminha para um dos cubículos do banheiro e me seguro
nas paredes frágeis para não cair.
— Relaxa, Tiziano, segura um pouco que vou te ajudar.
Com uma habilidade prática, ela abre meu cinto e zíper e pega meu
caralho mirando no lugar certo. Solto um gemido de satisfação. É um alívio
esvaziar a bexiga, cazzo! Não paro mais de mijar! Quantos litros mesmo eu
bebi?
Mas não estou tão bêbado que não deixo de sentir a mão quente e
pequena em um aperto gostoso no meu pau.
— Ei, o que você tá fazendo aí? Isso é sac- aanagem, se aproveitar
de um cara que tá meio bêbaaado... hum.
Explodimos em gargalhadas pela minha fala grogue.
Quando ela enfia o pau de volta na cueca, seguro a mão dela no
lugar e viro para encará-la. Olhos azuis, uma pinta fofa na bochecha, é uma
mulher bonita. Não consigo identificar a cor do cabelo, está preso num
penteado repuxado com aquele gel que parece molhado. Cabelo escuro
talvez.
Sua respiração bate no meu rosto e a mão dela começa a se
movimentar por dentro da minha roupa.
— Hummm, safadinha!
— Não resisti, você é um homem lindo e tô tão sozinha quanto
você. Isso seria uma diversão e tanto.
— É, tô mesmo... sozinho, para sempre... né... não é incrível?
A mulher beija meu pescoço enquanto tenta me deixar excitado.
— Mas não precisa ser assim, você pode ter a companhia que quiser,
Tiziano. — Do jeito macio que ela fala meu nome, parece que já ouvi essa
frase.
— Quem é você? Lembro que já te conheço. — Ela aperta meu
cacete com mais força e começo a rir.
— Não lembra meu nome? — Beija novamente meu pescoço.
É tão engraçado querer transar e ter um bloqueador de libido no
sistema! Mas com Selena, sempre ficava duro. Não! Chega! Concentra, seu
idiota! Preciso esquecer essa dor, preciso superá-la.
— Acho que ele precisa de uma ajudinha dife-rente... — murmuro
de forma enrolada.
— Posso fazer o que você quiser. Mas não aqui. É muito arriscado
para nós. Precisamos ir a um lugar mais reservado, onde sua imagem e
privacidade sejam protegidas.
— Humm...
Ela fecha o zíper da minha calça e ajusta o cinto, segurando minha
mão e chupando meu dedo lentamente.
— Eu sei do que você gosta. Já nos encontramos no clube Istar.
Acho que devemos terminar o que começamos lá. Ou podemos apenas
assistir a alguma cena, caso você não consiga se animar. Da minha parte, sei
que preciso me distrair um pouco e esquecer certas coisas que me
chatearam hoje. Devia fazer o mesmo e vir comigo.
Quando ela se aproxima e lambe minha boca, sorri de maneira
sedutora. Lembro desse chiclete de hortelã. Natasha!
— Acho que isso é bem mais eficiente do que afogar as mágoas em
um litro de uísque, garanhão — sussurra como uma canção de sereia.
Vendo por esse lado, não gostaria de chegar em casa nesse estado,
nem ir para o meu apartamento sozinho e muito menos levá-la para lá.
Enquanto volto para a mesa, apoiado nela, decido aceitar o convite. Houve
um momento na minha vida em que ir àquele clube me fazia esquecer o que
me atormentava, talvez seja a hora de voltar à velha fórmula.

Acho que apaguei durante algumas horas, desperto com uma dor de
cabeça terrível. Sei bem onde estou, reconheço esse quarto. É o meu
privativo no clube Istar. Olho ao meu lado a mulher ruiva de bruços
apagada no seu cansaço e a morena a minha direita dormindo nua. A pele
branca de Natasha contrastando com os tons profundos de vermelho escuro
das paredes, seduzem o olhar. O cheiro de sexo me impulsiona a levantar da
cama e abrir uma das janelas. Mesmo por alguns instantes o vento da
madrugada vai cumprir seu papel.
— Aff! Quem abriu a janela? — resmunga ela sem sequer mover
um músculo para me olhar.
Natasha cobre a bunda com o lençol de seda preta e vira para o
outro lado. Ando até o elegante minibar na saleta conjunta ao quarto e pego
uma garrafinha d’água. Sento-me no veludo estofado em vermelho,
deixando que a água elimine o gosto amargo da ressaca.
Um ano sem virar a noite trepando, é um recorde que eu manteria
para o resto da vida, pelo motivo certo. Manter o amor e respeito por Selena
me deu forças para me tratar e conter meus impulsos. Ela me mantinha forte
e focado, porque teríamos o nosso para sempre juntos.
Agora não tenho mais nada!
Não há motivo algum para não me desconectar da realidade. Eu
tinha esquecido como era! Na verdade, o bem-estar dura poucos segundos.
Mas naquele instante, é alucinante, mais que isso, a sensação de saciar um
vício é incrível. Quando nos entregamos, estamos mergulhando em um
mundo de emoções intensas que nos consome por completo. É como se
aquele segundo fosse um universo de prazer sem amarras ou limites.
O corpo se sente vivo, pulsando sexo pelos poros e a mente se
liberta de todas as angústias e se permite voar para além das fronteiras do
convencional. É como se estivesse alimentando minha alma com doses de
afeto real ao aceitar meu eu completamente. Aqui, não me sinto sujo, nem
errado, sou o que sou e quem me permite agir em minha total forma, sem
disfarces, faz com que eu aproveite uma sensação de plenitude. Pena que
são apenas segundos para depois me lançar no inferno. Igual um
entorpecente, que ao terminar seu efeito, traz a realidade cruel, o vazio da
existência.
— Não vai voltar para a cama?
Olho para a minha direita, a morena de cabelos curtos, que não
lembro o nome aparece.
— Já vou voltar.
— Vou até o banheiro dar um jeito nos seios se não se importa,
acordei porque estão doendo um pouco. — A voz manhosa é um convite a
se pensar.
Olho os montes inchados com os bicos irritados de tanto que chupei.
Lembro que Natasha não tinha leite, disse que acabou ficando sem
frequentar o clube por um tempo, como ela induziu e nunca foi lactante de
modo natural, sem medicações e estímulo, secou. Então ela mesma ligou
daqui do quarto para enviarem essa mulher para me atender.
— Pegue um preservativo na gaveta do aparador e vem aqui comigo
— convido num sussurro rouco.
Seu sorriso satisfeito me agrada.
— Natasha disse que era para atendê-lo somente quando ela
estivesse presente — responde ao se agachar entre minhas pernas.
É minha vez de sorrir de modo a deixá-la tranquila e livre para fazer
o que é paga para fazer. Toco sua bochecha e os cílios longos batem
lentamente.
— Ela está presente, só não temos culpa se ela curte mais a cama do
que a diversão sobre ela.
A mulher sorri feliz e engole meu cacete com toda a dedicação.
Silvo de prazer e abro o preservativo deixando-o pronto no minuto seguinte.
— Vem cá, safada. Me deixa aliviar seus seios para você. Senta no
meu caralho, senta.
Os seios graúdos molham meu rosto enquanto a mulher desce e me
fode com gosto. Sigo feroz enquanto meu pau bombeia sem parar. Meu
couro cabeludo dói quando ela goza e puxa meus cabelos e o leite jorra em
abundância para me saciar. Banha meu rosto e barba, escorre pelo pescoço e
peito e em minutos estamos molhados e grudentos.
— Você é uma delicinha, gostaria que sempre solicitasse por mim
quando vier. — Ela diz ao me agarrar enquanto sugo o outro seio e espalmo
sua bunda generosa, ecoando um alto estalo no cômodo. — Ninguém faz
como você faz! Você é tão gostoso!
Não há nada para responder, na realidade se fosse muda não faria
diferença, porque tô em busca da minha fuga e não do prazer dela.
Seu corpo rebola sobre o meu e ela grita gemendo, enquanto minha
mente está numa névoa de alucinação sem fim. Desligando, desligando…
está neutra, sem nenhum pensamento negativo, aproveito o máximo até o
vazio me atingir. Depois que gozo, não quero mais olhar, sentir o cheiro ou
ouvir quem está do meu lado. É por isso que preciso de uma noite inteira,
horas e horas de sexo ininterrupto e descontrolado para adiar o vazio.
Depois que terminamos, vamos para a ducha, mas ela percebe que a
dinâmica mudou. A realidade da minha vida agarra minhas entranhas com
força. O peito se comprime de um vazio tão palpável que tenho vontade de
gritar até estourar os pulmões. Escolho não entrar no mesmo chuveiro que
ela e me lavo rapidamente para voltar ao meu apartamento a tempo do café
da manhã. São quase cinco horas da manhã e tenho um longo dia de
trabalho pela frente.
Antes de sair, ouço a voz manhosa de Natasha:
— A noite te espero aqui, já reservei duas para brincar com a gente.
Você volta né? Não vai me deixar na mão, Tiziano.
— Eu volto. — Ela me lança um beijo soprado agarrada a bagunça
dos lençóis, toda descabelada e sorridente.
A visão me agrada, é selvagem e promíscua, assim como eu nunca
deixei de ser.
CAPÍTULO 43

Adorei o apartamento de cobertura inteira, é gigante! A decoração é


sóbria e minimalista, funcional, mas exagerado para duas pessoas morarem.
Mas, meu pai insistiu nesse do centro da cidade velha, ou como é
conhecida, centro histórico de Valência.
Em dois meses, Jessica já imprimiu sua personalidade expansiva
com cores alegres em alguns objetos de decoração que comprou nas
voltinhas que fizemos no bairro do Carmem. A sala ampla com a parede em
vidraça inteira tem a visão total da Plaza de la Virgen, em frente a outros
prédios igualmente imponentes.
Dio! É um panorama excelente! Dá para passar um bom tempo
fotografando as pessoas na agitação de suas vidas. Elas passeiam,
conversam, sentam-se ou gesticulam ao telefone, igual aos italianos, é um
bom lugar para capturar em imagens o cotidiano espanhol. É como ver o
mundo daqui.
Nos primeiros dias descansamos, acordamos com o sol no rosto, nos
alimentamos bem para entrar na nova rotina da culinária local, fui
conhecendo os arredores e a praticidade do bairro que é nobre. Tem tudo o
que precisamos, restaurantes, padarias e todo o tipo de locais para o
conforto de quem habita essa cidade. Agora na cozinha, preparo um lanche
para Jessica que está prestes a chegar da academia. Treinamos em horários
diferentes, pois foi recomendado como auxiliar no meu tratamento,
exercícios aeróbicos e musculação.
Devo me exercitar com frequência e os mais indicados são os
cardiorrespiratórios. Isso vai me ajudar na oxigenação e desenvolvimento
de resistência para meu corpo lidar melhor com o tratamento hormonal.
Mais que isso, o bom preparo físico é essencial ao meu trabalho,
além de exigir flexibilidade, preciso manter uma máquina fotográfica por
horas nas mãos, fora a bolsa com os materiais que podem sobrecarregar a
coluna. Essa rotina é perfeita, vai manter minha mente e corpo sãos.
Mas faço os exercícios de preferência pela manhã onde sou mais
funcional, no entanto, minha amiga, bem, a dorminhoca odeia manhãs.
Um sorriso brota em meu rosto ao receber a mensagem de que ela
está subindo. É encantador como Jess cuida de mim como se fosse uma
irmã mais velha. A adaptação tem sido um processo gradual e, às vezes,
desafiador. As crises de pânico que ficaram adormecidas desde a puberdade
voltaram com força, tornando-me vulnerável a situações em que se não sei
quem bate à porta, fico nervosa e facilmente pode desencadear uma crise.
É por isso que Jess sempre me avisa quando está a caminho. Um
código de dois leves toques na porta, sei que é seguro e estou pronta para
recebê-la. Ela é meu porto seguro, minha âncora nesta jornada de
superação.
— Ei, amiga, que bom que chegou.
— Nem fala, bionda, eu que agradeço a Deus por passar pela série
de abdominais da coach[xvii] Marisa.
O rosto de Jess está vermelho como um tomate, tanto pelo friozinho
que já dá as caras depois que o sol se vai, como pela maratona de
exercícios.
— Não entendo, por que precisa de séries tão intensas de
abdominais? Lave as mãos, fiz um lanchinho fitness para você. Vou te
acompanhar, vamos?
Sirvo os copos de suco e coloco os sanduíches nos pratos.
— Porque quero manter o manequim que vim da Itália, as comidas
daqui são deliciosas e ando abusando, você sabe — explica em voz alta lá
do banheiro da copa.
— Não concordo — respondo mordendo meu sanduíche de presunto
cru. Amo presunto Parma e aqui é o berço dessa iguaria.
— Hum... delícia! — murmuro baixinho.
— Selena!
Pulo na cadeira com a voz estridente de Jess ao meu lado, o que me
faz rir. Mas ela, com as mãos na cintura continua:
— Onde uma baguete recheada de presunto cru é fitness, bionda?
— Tem rúcula e azeite extravirgem... e fiz seu suco verde! Pronto,
verde é fitness — respondo sem parar de comer.
Jessica ri alto e me abraça de lado.
— Obrigada pelo lanche, amo sanduíche de presunto e rúcula.
— Você está suada, eca!
— Claro — rola os olhos enquanto se acomoda do outro lado da
mesa no banquinho da ilha da cozinha.
— Alguém já lhe disse que você está cada dia mais sem filtro,
bionda?
Tento não rir, pois a boca está ocupada e me limito a usar o
guardanapo para impedir um desastre.
— Acho que a convivência com você está me fazendo bem.
— Ahahah, bromista tu. (Engraçadinha você)
Lanchamos com piadas e amenidades.
— E esse arroxeado no pulso, bionda, onde conseguiu?
Disfarço como posso, ela não entende que tenho a pele sensível e
um pouco mais de firmeza deixa marcas.
— Devo ter batido na hora de me vestir ontem.
— Hum... Deu certo o encontro com seu namorado?
— É, foi uma visita rápida pela Espanha, com as viagens da
campanha política ele conseguiu algumas horas em Valência para me ver.
— E o que fizeram de bom? Foram ao cinema? Restaurantes?
Onde?
Começo a comer rápido para me ocupar com a bagunça da
preparação do lanche.
— Matamos a saudade no hotel, só isso. — Um sorriso forçado é o
único argumento que posso dar.
— Posso perguntar uma coisa? É só curiosidade, não estou julgando
— explica com sua voz calma.
Aceno levando o copo sujo até a pia.
— Ele sabe que você toma medicações controladas? Porque tenho
notado que cada vez que volta dos encontros com Pietro, você retorna
alterada pelo álcool.
— Ele sabe sim, mas bebo bem pouco e já me pega, sou fraca para a
bebida. — Seu olhar quando me analisa em silêncio causa um turbilhão
dentro de mim, odeio ser julgada por minhas escolhas.
— Só estou preocupada, seus apagões de memória estão cada vez
mais frequentes, talvez o álcool esteja contribuindo. Devia pensar melhor
sobre isso.
Perco a paciência e aperto os lábios.
— Você não gosta de Pietro, né Jess? Não quer me ver feliz com um
cara que me ama? — A pego de surpresa pelo questionamento.
— Para ser sincera e não brigar, não suporto aquele cínico. Sabe por
quê? Porque não confio nele. A forma com que é possessivo ao impor
regras ao telefone, deixar que beba álcool com suas medicações e essas
marcas estranhas que aparecem no seu corpo quando volta das saídas com
ele, me causam uma raiva tão grande que tenho vontade de fazer uma
besteira. Não entendo como pode defender um homem que acha que é seu
dono!
Meu coração começa a disparar e as lágrimas ameaçam escapar.
— Ele não é meu dono!
— Não? E aquela mensagem no seu whatsapp que vi da roupa que
deveria ir ao encontro? Ele regula tudo, bionda! Até o que você come. Não
quero mais que me convide para jantar com vocês, entendeu! Se fizer isso,
eu vou…
— Você iria embora e me deixaria aqui? — Ao ouvir minha voz
fraca, Jess levanta e me abraça apertado.
— Não, não vou embora. Vou encher ele de caroço!
— Ele é um político, preciso me vestir de acordo com a namorada
de um homem importante. É só por isso as dicas de look.
Ela se afasta e me encara firme.
— Escute Selena, precisa contar tudo o que acontece nesses
encontros com ele. Não a mim, mas nas sessões de terapia com a Dra.
Susana. Desabafar, conversar sobre seus receios e como se sente quando
está com ele. Só assim terá certeza de que ele faz bem para você. Promete
que vai se abrir mais com sua psiquiatra?
— Como sabe que não me abro totalmente com minha terapeuta?
— Se tivesse feito isso, ela já tinha conseguido abrir seus olhos a
respeito daquele... Do Pietro, coisa que eu não consigo!
Fico muda com sua expressão decepcionada, e triste também, será
que sou tão ingênua assim?
Quando volta para o último pedaço de sanduíche ela pergunta:
— É hoje sua consulta por videoconferência agendada com a
doutora Dolores?
— Sim, daqui a uma hora. Vamos ver os últimos exames da tireoide.
— Bom, depois me chame para contar, vou dar uma olhada no
material do meu curso de idioma grego.
Antes de partir para o quarto, me encara com um sorriso amigável e
lança a piscadinha de um jeito divertido, com seus olhos de felina. Bem
estilo Jess.
— E sempre que quiser falar sobre qualquer coisa, estou aqui.
— Eu sei, obrigada, minha amiga.
Solto todo o ar dos pulmões quando ela se afasta para o quarto.
Não é como se eu mentisse a todo o momento, é que minha relação
com Pietro é diferente. Nunca mais fiquei tão mal quanto a primeira vez
que ficamos juntos. Conversamos sobre aquela tarde e ele me garantiu que
terá cuidado com sua intensidade na cama.
Ele sempre diz que me ama, prometeu noivado, demonstra cuidado
e faz esforços para me visitar, apesar da distância nesses dois meses.
Embora tenha me acostumado mais ao álcool, ele assegurou que isso é
positivo para futuros eventos sociais como sua noiva durante uma possível
eleição, dessa forma evito desconfortos ao recusar brindes e jantares com
champanhe.
Ele é confiável quando disse que era saudável e jamais me faria mal,
não mentiu. Confirmei ao refazer os exames que o doutor Bianco mandou,
graças a Deus, nada foi constatado.
É comum um homem apaixonado ser ciumento, sua preocupação
revela seu cuidado. E como estou prestes a noivar com um deputado de
prestígio, é compreensível que ele queira saber sobre meus movimentos.
Ele me elogia, é romântico e nunca eleva a voz, sempre interessado em
mim. Sua atenção faz com que me sinta especial.
Essa sugestão de falar sobre nossa intimidade com minhas médicas,
não é adequada, ele me alertou sobre isso. As pessoas não entendem uma
relação como a nossa, nem todas estão dispostas a agradar seus namorados
como eu, que nunca disse um ‘não’ para Pietro. Serei julgada por ser assim.
Apesar das chamadas de vídeo diárias com as médicas, priorizo meu
tratamento para crises histéricas em vez de compartilhar minha intimidade.
Reconheço que é um processo contínuo, mas estou comprometida em
cuidar de mim e manter uma boa saúde mental com a medicação.
Jess realiza consultas regulares, pois sendo minha família de apoio
durante crises, é fundamental que participe e mantenha sua saúde. Os
registros em meu prontuário indicam possíveis transtornos, bipolar tipo dois
e de personalidade limítrofe, mas o diagnóstico final está em avaliação.
Antes, meus pais ocultavam isso por receio de desencadear surtos, mas
agora me sinto aliviada em saber disso.
Há pouco tempo uma das minhas terapeutas indicou uma médica de
confiança que mora aqui na Espanha para o tratamento físico, pois
provavelmente tenha algum problema genético e hormonal.
Lembro perfeitamente da conversa com minha psicóloga e seus
questionamentos. Fiquei intrigada com a pergunta sobre o ciclo menstrual
irregular de minha mãe e a semelhança de biotipo. Confusa, confirmei e
questionei o motivo. Ela levantou a possibilidade de uma disfunção
hormonal séria além da baixa gordura corporal, sugerindo que o histórico
no balé não era a única causa. A perspectiva de um problema hormonal
grave e suas implicações me assustou, pensei em consequências que nunca
considerara. Diante disso, ela enfatizou a necessidade de um
acompanhamento médico rigoroso para esclarecer a situação, fazendo com
que buscasse o tratamento com urgência.
Assim, fui apresentada à Dra. Dolores, uma especialista em saúde da
mulher, simpática e gentil. Após realizar e refazer exames, identificamos
uma disfunção hormonal grave. Iniciei um tratamento prolongado que
requer foco e regularidade para obter resultados satisfatórios.
Minha médica alertou sobre complicações futuras para engravidar e
outros problemas de saúde se eu não começasse o tratamento.
Recentemente, iniciamos a reposição hormonal devido à minha baixa taxa,
sendo grata por ainda não impactar significativamente minha saúde mental
e mobilidade. Por isso meu corpo estagnou no final da puberdade, é um dos
sintomas.
Ela assegurou que não serei voluptuosa, mas que desenvolverei mais
curvas e responderei de forma mais positiva aos estímulos hormonais
durante o tratamento.
É uma pena que meu namorado não gostou muito disso, ficou
preocupado sobre o que causariam esses hormônios. Ressaltou que sou
perfeita, que meu corpo é incrível e que não é necessário mudanças. Mas
com jeitinho, mostrei que é importante um dia eu poder engravidar, quero
ser mãe e preciso que meu corpo esteja saudável para isso. Ele sempre me
escuta, é um cavalheiro!
Porém, me proibiu de fazer qualquer intervenção cirúrgica. Disse
que gosta de mim do jeito que sou.
Não faria de qualquer maneira, já que minha médica destacou,
durante nossas sessões, a importância de priorizar o tratamento para garantir
a resposta adequada do meu corpo. Qualquer consideração futura sobre
procedimentos estéticos será discutida em colaboração com minha
psicóloga após avaliação apropriada.
Estou otimista em aprender a me amar e sentir-me bem comigo
mesma.
Informei meus pais sobre o progresso do tratamento, deixando-os
entusiasmados. Percebo maior presença deles, embora meu pai tenha
recomendado evitar viagens internacionais até que o tratamento esteja mais
efetivo.
Destacou a importância de manter minha segurança pessoal ao sair,
sempre. Às vezes acho meu pai meio paranoico com a segurança, a
impressão é que somos alvos de alguém a todo momento. Ou será que sou
eu que não me importo tanto quanto deveria?

Há exatos oito meses, fixei residência na Espanha e hoje celebro


com orgulho minha primeira exposição em Madri. Sinto-me profundamente
realizada pelo magnífico trabalho que adorna as paredes desta galeria. A
jornada para chegar até aqui foi desafiadora, mas este é o ponto exato onde
sempre desejei estar: construindo meu nome no mercado da fotografia fine
art[xviii], expressando minha identidade através do meu trabalho.
O tema escolhido para a exposição é “Os Sentidos”, explorando
detalhes do cotidiano humano, cada obra captura um sentido diferente.
Optei por exibir dez quadros, e para minha surpresa e alegria, seis deles já
encontraram seus novos lares. Mal posso acreditar que em apenas meia hora
de exposição, quase todas as obras foram vendidas.
Jessica, sempre atenta, pega duas taças de champanhe de um garçom
e me entrega uma delas, brindando ao sucesso desta noite especial.
— Parabéns, eu sabia que seria um sucesso estratosférico.
— Sempre exagerada — rolo os olhos, assim como ela faz às vezes.
— Meu nome do meio, Selena. Ih lá vem o seu smurf. — Minha
amiga finge olhar para o outro lado enquanto falo com meu assistente
Hugo.
— Parabéns, Selena, as últimas obras acabaram de ser vendidas. —
Ele me guia para um canto longe da movimentação, com o iPad na mão. —
Seus pais querem parabenizar ao vivo, estão online. Sr. Mário comprou um
dos quadros. Vou voltar a recepção, depois nos falamos.
— Obrigada, Hugo — agradeço e clico na chamada.
— Papà! Mãe, que bom vê-los.
— Filha, parabéns pelo sucesso, você está linda. Seu pai está
impaciente para falar com você, então, beijo, beijo! Ciao! — ela como
sempre foge quando meu pai e eu interagimos.
— Ciao, mãe! Obrigada! Ei, pai, como assim comprou um dos
quadros? Não vale! — Interrompo exibindo um sorriso de surpresa.
Meu pai, com um semblante sorridente, surge na tela segurando uma
taça de champanhe, sua gravata frouxa e um charuto aceso, mas com um
sorriso amplo que transborda de orgulho.
— Minha stellina, estou tão orgulhoso de você! — Observo seus
olhos brilhantes e marejados, e faço um esforço para conter minhas próprias
emoções.
— Está? Ah, pai, não posso me emocionar agora, tenho convidados
para entreter — brinco tentando manter a leveza no momento.
— Eu sei, eu sei, minha principessa está se tornando uma mulher de
negócios. Ficarei com ciúmes! — responde em um tom brincalhão.
— Saudades, papà, onde vocês estão?
— Estamos em Nápoles, mas provavelmente descemos à Sicília
antes do final do mês, por isso não conseguimos estar presentes para
prestigiar sua exposição. Mas, lutei bravamente online como um anônimo
que queria comprar seu último quadro. — Começo a rir das caras e gestos
indignados do meu pai na poltrona com seu charuto in bocca.
— O maledetto já tinha adquirido um e estava dando lances no que
eu comprei. Onde já se viu disputar com o pai da artista?
— Quem era, pai? — pergunto em meio às risadas.
— Não sei, o menino aí, o seu secretário, assistente de topete, disse
que o comprador quer se manter anônimo.
— Certo, mas o senhor conseguiu um.
— Ecco! Consegui. — Mais risadas sinceras que dificilmente ouço,
deve ser o champanhe que tem na mão. — Minha filha, agora falando sério,
espero te ver em breve. Vou organizar aqui as coisas para ir até Valência ver
você. Estão bem instaladas em Madri? Sua amiga foi com você? Teodoro
me disse que estão seguras no hotel, não fique muitos dias fora de Valência,
bene?
— Sim pai, não se preocupe. Jessica está aqui e o meu segurança
pessoal está a postos. Estou vendo ele ali na entrada do salão, a propósito.
— Dou um tchauzinho para Teodoro que apenas sinaliza com a cabeça e
sua ruga na testa. Nunca vejo aquele homem feliz.
— Perfetto, stellina, papà deve andare. Ciao! (Perfeito, estrelinha,
papai tem que ir, tchau)
— Ciao, papà. — Sopro um beijo para a tela.
Hugo pega o iPad e rapidamente me informa quais foram vendidos
online, volto a encontrar Jessica diante de um dos quadros.
— Por que fotos preto e branco, Selena? — pergunta ela com a taça
vazia na mão e olhar analítico para as duas mãos entrelaçadas que
fotografei.
— Preto e branco expõe melhor que qualquer cor primária a
imensidão de um olhar, a delicadeza de um gesto e até mesmo, a tristeza por
trás de um sorriso, depende do ponto de vista do fotógrafo.
— Também é mais chocante — responde sem desviar da imagem.
— Eu diria que é mais profundo o sentimento que quero expressar.
Gosto de ver o impacto que as toneladas de cinza causam.
Jess me encara enquanto admiro minha própria obra relembrando
como consegui a imagem.
No dia que tirei as fotografias desta exposição, estava capturando
cenas na praça em frente a nossa casa. Jessica tinha viajado para Portugal
em um seminário e Teodoro ficou a postos um pouco distante enquanto eu
trabalhava. Foi minha primeira pequena vitória, consegui descer e sair de
casa sem minha amiga. O fato do meu pavor em sair sozinha teve um
motivo muito importante. Um mês antes eu havia terminado o namoro com
Pietro e ele não ficou nada feliz com minha decisão. Três meses de um
relacionamento abusivo.
Tudo começou quando comecei a pensar nas coisas que Jessica
falava e percebi que ficava nervosa demais na presença de Pietro, tinha um
medo constante de desagradá-lo e, por isso, me submetia a coisas que não
me faziam bem.
A gota d’água foi em nosso último encontro íntimo, ele sugeriu
tentar algo diferente no sexo, palmadas. No início eu consenti, mas com o
passar das horas sua mão foi ficando cada vez mais pesada. Até eu pedir
para parar e ele me acertar um soco na boca que cortou meu lábio.
Não adiantou os ramalhetes de flores e bombons que me enviou na
manhã seguinte.
Percebi que a tática era sempre a mesma, posteriormente as
agressões ‘sem querer' recebia ligações de desculpas, pedidos de perdão em
cartões, joias, flores, iguarias e acessórios de grife.
Decidi desabafar com minha terapeuta, depois criei coragem e falei
com Jessica. Terminei o namoro de três meses por telefone. Pietro surtou,
vociferou, ameaçou e me aterrorizou com chantagens, mas não voltei atrás.
Passei o primeiro mês quase vegetando dentro do apartamento, o
pavor das ameaças me paralisou e minha melhor amiga precisou tirar uma
licença no estágio que fazia para me acompanhar, já que não contei para o
meu pai o porquê do término. Depois que consegui emergir da crise de
depressão, foquei no trabalho para manter a mente ocupada. Foi então que
desci para o térreo com meu segurança e comecei a fotografar, no início de
dentro do terreno do prédio, depois fui me aproximando da praça do outro
lado da rua.
Não tive crises, nem falta de ar, foi meu primeiro passo para o que
quero ser, corajosa.
Naquele dia, vi um casal com dois filhos pequenos durante meu
passeio na praça. Tirei fotos aleatórias de todos que passaram por lá,
incluindo essa família. O casal brincava com as crianças, jogando uma bola
azul que fazia o menino rir. Uma imagem especial capturou o momento em
que saíam da praça, cada um segurando a mão do filho, e as mãos deles
estavam unidas. Naquele instante, não pensei no valor comercial da foto,
para mim, era algo sem preço, mais valioso que ouro. Essas mãos
representam o amor de uma família que se ama e vai ficar registrado pela
eternidade.
Pisco rápido os olhos ao recordar que nunca me vi em um retrato
com Pietro criando uma família juntos. Só tinha aspirações e fiz planos de
uma família assim com Tiziano. O amargo dessa lembrança ainda dói como
um ferimento aberto e sangrento.
— Foi na pracinha que você tirou essa foto? — pergunta Jess com a
taça abastecida, bebericando ao meu lado, me tirando do transe dos
pensamentos.
— Foi — Seco discretamente uma lágrima que ameaça cair e abro
um sorriso perfeito e feliz.
— Quem eram? — continua.
— Um casal apaixonado passeando de mãos dadas, nada demais.
— Ficou incrível! Foi essa que o tal anônimo comprou, ouvi falar
que foi a mais cara. O Smurf que disse.
— Pare de implicar com o Hugo, Jessica!
— Hum! Ele gosta de você, vai dar uma chance para ele?
Mordo o lábio pensativa, Hugo e eu somos amigos, nada mais que
isso. É um fofo, calmo e preocupado, além de ser um rapaz inteligente com
assuntos interessantes, mas Jess diz que ele é uma manteiga, e manteiga não
serve nem para pipoca. Agora apelidou o coitado de Smurf.
— Respondendo a sua pergunta, não. E esse quadro foi o que o meu
pai comprou.
Jessica revira os olhos pela fuga da pergunta de um milhão de
dólares do meu interesse em Hugo. Aponto para a fotografia no centro da
galeria, a que dei mais destaque, onde uma mão masculina segura uma mão
infantil. O mesmo dessa foto com a mulher, segura a mão do menininho de
quatro anos.
— Seria mais apropriado o seu pai ficar com aquela foto, que mostra
um pai segurando a mão da filhinha — Jess comenta enquanto caminha
comigo em direção ao centro da galeria.
— Quem disse que é uma menina? Aquela é uma representação de
um pai e seu filho, Jess. Além disso, o comprador anônimo não vai saber, e
se for tão sensível quanto eu, verá além das aparências, enxergará a emoção
na fotografia.
— Ah, và bene! Estou interessada na outra pergunta. Você e
Huguinho Smurf?
— Jessica, por favor. — Faço um leve gesto de súplica, vendo seu
biquinho característico se formando antes de soltar uma risada suave. —
Você sabe que não quero mais namorar ninguém.
— Bionda?
— Oi. O quê? — Coloco a mão no peito num susto controlado,
enquanto Jessica continua impecável com sua taça e suas observações.
— Aquele homem conversando com o seu segurança na entrada,
não é o Vance?
Giro rapidamente na direção que ela indica, avistando Teodoro com
um sorriso largo e Vance gesticulando em uma conversa animada.
— Alguma vez você já viu a cor dos dentes do seu segurança,
Selena? — Ela pergunta com os braços cruzados, enquanto ambas
observamos a distância os vinte metros que nos separam dos dois novos
melhores amigos.
— Nunca, Jess. Nem sei se tem todos eles na boca — respondo
compartilhando um sorriso cúmplice.
— Bem, preciso ir até lá para aprender as técnicas de sedução de
nosso amigo. Em minutos conseguiu o que nós duas em oito meses não
conseguimos. — Tentamos segurar as risadas, mas nenhuma de nós é capaz.
— Bem, se você aprender mais técnicas de sedução, vai virar uma
Bond girl.
Jessica lança um piscar de olhos cativante em minha direção e, com
uma graciosidade digna de admiração, gira nos seus saltos altos em direção
a Vance e Teodoro.
Enquanto ela se afasta, um garçom circula com uma bandeja de
taças. Pego uma delas, e de relance, observo o blazer branco e a calça
escura que ele veste enquanto se mistura entre os convidados.
O que será que deu no Vance? Me falou no whatsapp que não
poderia vir, e hoje está aqui, vestido com o mesmo uniforme social dos
garçons. Aquele abusado está aprontando.
CAPÍTULO 44

Às vezes, tudo o que desejamos é desfrutar de uma trepada


prazerosa, saborear um excelente vinho e nos divertir sem um motivo
específico, apenas pela pura satisfação, na companhia de um homem em
quem confiamos.
Tenho isso em parte, a foda prazerosa e a confiança no homem ao
meu lado. No entanto, relaxar, ultimamente parece estar ausente das opções.
Estou em meu quarto privativo no clube Istar, segurando uma taça
de prosecco[xix] diante do espelho, enquanto dou os últimos retoques no meu
conjunto de lingerie e ligas. Esse corpete, confesso, está me apertando um
pouco, precisei soltar completamente os cadarços da parte da frente para
ajustá-lo devidamente.
— Seis meses, Nati, seis! Você disse que demoraria menos que isso.
Estamos nessa merda há muito tempo, eu principalmente — A voz rouca e
pigarreada do meu Jules, reclama da cama.
Analiso minha cintura fina e meu biotipo ampulheta, simulando um
beijo sexy para meu reflexo, igual Marylin Monroe fazia para os fãs.
Incroyable! (Incrível) Talvez deva clarear o cabelo, ser loira seria um bônus
para esse monumento! Eu sou muito gostosa!
— Natasha! Ouviu o que falei?
— Ouvi, douceur. (Doçura) Mas o que posso fazer se o playboy é
duro na queda? Estamos quase lá, Jules. Precisa me apoiar!
Ele se ergue da cama e enche uma taça de vinho tinto, sua bunda
redonda e esculpida à mostra, quase me faz desejar ficar mais um tempo
neste quarto. No entanto, tenho meu objetivo bem definido e não pretendo
falhar.
A fortuna de Tiziano DiMateo será minha e eu serei a mulher que os
tabloides vão destacar, tirando-o do abismo do vício em sexo. Mas, para que
isso aconteça, ele precisa mergulhar nesse abismo e se afundar na lama, ser
exposto para a mídia, para depois ser resgatado por mim. Posso ver até os
furos de reportagem: “Quem é a mulher estonteante e misteriosa de mãos
dadas com o CEO bilionário no festival de Veneza?” Jules não sabe do meu
verdadeiro plano. Para ele, quero apenas uma assinatura em um cheque em
branco ou uma camisinha de porra do italiano para garantir nosso futuro. Se
sonhar que pretendo me casar com Tiziano, Jules me entrega ou me mata.
Não suporta a possibilidade de ser abandonado.
— Apoiar? — sibila com sarcasmo. — Sou eu quem trabalha quase
doze horas por dia cuidando daquele doente! Enquanto isso, você passou
todo esse tempo em hotéis de luxo, esbanjando a fortuna do seu viúvo.
Amarro o cadarço do corpete e ando até minha mala no canto do
quarto, em busca do meu Louboutin[xx]. Preciso usar de astúcia com ele.
— Vivi o que mereço. Aguentei sete meses um velho moribundo
podre me fodendo com o pau mole e dedo enrugado, para ter o padrão de
vida que temos hoje. — Calço os sapatos altos e me acomodo em frente a
penteadeira para fazer a maquiagem.
Ele continua em pé apoiado no aparador, nu, bebendo seu vinho
cabisbaixo. O corte militar o deixa sexy, e a pequena cicatriz na
sobrancelha, misterioso. Jules é um homem lindo, corpo atlético e pau
enorme, pena que não bate bem da cabeça.
— Não precisa jogar na cara, Nati, não sou seu gigolô, somos
sócios, amantes e somos família. Preciso dizer que estou cansado dessa
vida. Em um dia, sou um corretor espanhol, no seguinte, um motorista
alemão e agora, um segurança italiano. Trabalho tanto quanto, senão mais
do que você. Por favor, não seja ingrata!
Giro rápido meu corpo no pufe onde estou sentada e encaro sua
expressão de superioridade.
— Ingrata? Ingrata foi nossa mãe, aquela degenerada, filha de uma
cadela!
Jules, nos seus um e oitenta de altura, se aproxima de mim em
tempo recorde.
Ergo-me do pufe e o enfrento.
— Não fale assim de Marise! — retruca com o dedo em riste no
meu rosto.
— Ela não era sua mãe de sangue!
— Mas ela me criou como um filho, me protegeu do velho!
Coloco a mão no coração com uma falsa comoção e começo a rir.
— Ah, tadinho! E quando deu aquela boceta peluda pro filhinho era
para protegê-lo também?
Jules empalidece e se afasta sentando na cama bagunçada.
— Como sabe disso? Desde quando sabe?
— Desde sempre, sempre soube de tudo o que aquela vaca dos
infernos fazia. Mas eu ainda era idiota, eu a amava. Fazia de tudo por uma
migalha de aprovação. Mas não havia um pingo de sentimento naquela
psicopata. Só autopreservação e egoísmo.
Ando até ele e olho dentro dos olhos cinzentos.
— Mas você era o queridinho dela, não era? Ela chupava e quicava
no pau do enteado, enquanto a própria filha estava no lugar dela, atendendo
os porcos naquele bordel.
— É mentira, não é verdade, sua mentirosa! — Jules bate com as
duas mãos na própria cabeça, liberando o demente que esconde dentro de si.
Cansei de proteger esse fraco, que além de fraco é ingrato e alienado
da realidade. Depois desse golpe, eu acabo com ele. Não posso levá-lo
comigo depois daqui, fui obrigada a ser uma associada da Bratva para não
morrer, mas o acordo não inclui uma outra pessoa.
— Ah, não é verdade? Vou contar outra historinha. Quando
Ferdinand não achava a esposa na cozinha, era eu quem ele entregava aos
clientes daquela pocilga!
— Não! Não! Não! Mentira!
— É verdade. Na primeira vez sangrei por dias, até ser levada a uma
enfermeira que morava no barraco no fim da rua. Arrebentaram meu rabo e
onde você estava, Jules? No meio das pernas da minha mamãezinha!
De maneira assombrada ele circula pelo quarto tapando os ouvidos.
— E quando matei nosso pai e ela se viu livre daquele sádico,
simplesmente fugiu sem olhar para trás, nos abandonou à própria sorte.
Com fome e frio, numa casa desmoronando sem condições de morar. Você
ficou sem os remédios e eu precisei me vender para garantir a nossa
sobrevivência.
Jules se ajoelha no tapete persa e começa a gritar. Não me importo
mais com suas crises de merda. Ele é um atraso na minha vida, uma vida
onde eu ouvia os meus sentimentos, agora só ouço a razão. Mas, ainda
preciso de um homem de confiança, que me ama e fará tudo por mim. Além
disso, os quartos possuem isolamento acústico, esse paspalho pode gritar
até morrer se quiser.
— Pare! Pare de falar Natasha! Não quero escutar.
Ajoelho-me diante dele, observando o tormento estampado em seu
rosto, um reflexo dos traumas que o assombram. O que será que ele está
pensando? Seus olhos avermelhados e apertados, denunciam um choro
silencioso, enquanto sua boca permanece escancarada. Ele abomina reviver
sua adolescência, sabendo que isso pode desencadear crises de ansiedade e
agravar suas neuroses.
— Lembra como reviramos as lixeiras em busca de comida, na
primeira noite depois que desovamos Ferdinand em bidonville?
— Cale a boca! Cale a boca!
— Subimos aquela escada de madeira improvisada com o coração
acelerado. Era o nosso sonho morar num bairro abastado de Paris. E
vivíamos, mas no subsolo, na obscuridade, no abandono daquela estação de
trem desativada, cercados por mendigos, ciganos, prostitutas, ratazanas e o
cheiro nauseante de esgoto. — Fico de pé novamente, observando meu
reflexo no espelho de parede inteira.
— Odeio ciganos! Não suporto ratos! Não suporto! Não suporto! —
Jules continua com seus lamentos inúteis e patéticos.
Pego meu batom vermelho e começo a pintar meus lábios. A bala do
produto desliza como seda na minha boca, o perfume do cosmético
caríssimo afagando meu nariz, é uma sensação sem igual.
Uma gata maquiada pronta para infernizar o irmãozinho. Sorrio para
o meu lindo reflexo!
— Fomos empurrados pelas circunstâncias, vomitados nas ruas de
Paris, dois adolescentes órfãos, sujos e famintos. Sem um mísero euro no
bolso para comprar um simples pedaço de pão. — Dou um beijo no
espelho, sorrindo e deixando a marca de batom nele. Sempre soube que a
beleza e a inteligência eram minhas aliadas, nunca mereci aquela vida de
merda!
— Você se lembra da sensação de nossos dedos queimados pelo frio,
Jules? — Enquanto ele grita coisas sem sentido, observo minhas unhas
longas, cuidadosamente moldadas em garras stiletto e esmaltadas com um
vermelho intenso como o sangue. — A neve encharcava nossos cabelos
emaranhados de sujeira, nossas roupas desgastadas e gelava nossos ossos. E
depois de andar por horas, nós nos abraçávamos e adormecíamos em uma
ruela sem saída, encontrando refúgio do vento cortante que perfurava como
uma lâmina afiada.
— Não! Não! Pare...!
Volto em direção a ele que chora desolado no chão, se abraçando nu
e sofrendo pelo passado. Com gentileza, seguro seus braços e o guio para a
cama, sentando-o no colchão, seco seu rosto sem pressa com o lençol e o
faço olhar em meus olhos.
— Não sou ingrata, douceur. Matei e mataria de novo e de novo se
isso me trouxesse até aqui. Não quero voltar para aquela ruela úmida e
imunda, nem para bidonville e suas ratazanas. Nunca mais vou revirar o
lixo para comer, Jules! Nunca mais vou vomitar a porra de um velho
bêbado e asqueroso numa pia encardida depois de chupá-lo em troca de
centavos, nem abrir as pernas para homens nojentos e desdentados, só para
conseguir dinheiro para os seus medicamentos, enquanto você luta com os
próprios demônios, trancafiado em um galpão, esperando que eu volte para
te encontrar são e salvo.
Jules me abraça com força, apoiando a cabeça em meu ventre,
fungando e cantarolando a canção ‘Le Pauvre’ baixinho. Afago suas costas
com carinho acompanhando a letra para que se acalme.
— Não vamos voltar para lá, está ouvindo, Jules?
A cabeça se move acenando que entendeu.
— Então você vai retornar para o seu posto. Vai ser o profissional
competente que treinamos, falar o idioma que aprendemos e conseguir o
máximo de informações que puder. Informação é poder, nunca se esqueça.
A voz quebrada e robótica do homem agarrado a mim retruca:
— Não suporto a Itália, odeio os italianos e seu jeito expansivo de
conversar, as comidas com lulas e fígado de boi são nojentas, e o cheiro
dessas águas me lembram coisas ruins. Estou exausto de esconder meu
sotaque e sobrepor esse idioma grosseiro.
Quase deixo escapar uma risada. Jules pensa tão pequeno, tão
arraigado nas tradições e cultura de um país que nos rejeitou.
— Precisa continuar, logo daremos o fora desse país. — Seu olhar
me procura.
— Vamos voltar para a nossa França, petit-fleur? (Pequena flor)
— Não podemos, nossas cabeças estão a prêmio por lá. Mas teremos
um mundo de possibilidades depois que a fortuna do DiMateo for nossa.
— Quanto tempo ficaremos aqui?
— Ainda não sei. Mas preciso de você perto deles, absorvendo cada
nuance daquela família. Preciso saber se ele está em contato com a
patricinha Rapunzel, se a irmã ainda é mantida sob sua tutela financeira.
Preciso dos horários meticulosos da casa, dos códigos intricados do sistema
de segurança.
— Agora que Tiziano raramente dorme na mansão dos pais, é o
velho quem altera as senhas regularmente.
Entre os suspiros, minha voz ressoa com confiança.
— Isso é um problema, mas vamos resolver. Lembrando, mantenha
seus olhos bem abertos em relação ao irmão, aquele sujeito é estranho.
— Ele viajou semana passada, mas ultimamente ele mal fez uma
parada na casa durante o último trimestre.
— Que seja. Além disso, quero informações sobre o sócio de Tizi.
A incerteza preenche o ar quando ele pondera sobre a tarefa.
— Como faço isso? Tiziano raramente aparece na empresa. Depois
daquela acalorada discussão entre eles no estacionamento, não trocaram
uma palavra sequer.
Minha risada surge de imediato. Meus planos estão se desdobrando
exatamente como planejei.
— Sempre preste atenção aos mínimos detalhes. São os detalhes que
fazem o crime ser perfeito. Agora preciso ir, acredito que não vai precisar
sair daqui até amanhã cedo.
— Não precisa se arrumar tanto para vê-lo. Deve ter meia dúzia de
bocetas com ele naquele quarto.
Afasto-me de seus braços sorrindo.
— Sou muito mais que todas aquelas bocetas juntas, Jules. Eu sou a
porra da consciência e da bússola moral do italiano.
Pego a bolsa de lona, deixo-a sobre a poltrona no canto do quarto.
— Aqui, trouxe os livros que prometi, Vitor Hugo, Rimbaud e...
Jean Genet, para quando precisar passar uma noite escondido no meu
quarto. Desfrute de um banho relaxante na banheira e distraia-se um pouco.
Ciúmes só atrasarão a realização dos nossos planos.
Seu olhar enfadonho é a última coisa que vejo ao fechar a porta.
Avanço com passos firmes pelo longo corredor. A iluminação é
baixa e a pouca luz é proporcionada por luminárias amarelas espaçadas.
Esta ala do clube possui um encanto quase medieval, com sua atmosfera
única e misteriosa.
A cada porta fechada que passo, o silêncio é ilusão. Atrás delas é
que acontece a verdadeira festa. Os segredos sujos dos ricaços da Itália,
estão à espera de serem explorados.
Lembro-me vividamente do dia em que fui apresentada a este lugar
por um cliente sócio, pouco antes do meu primeiro casamento. Naquele
momento, meu olhar perspicaz vislumbrou um mar de oportunidades. Esse
santuário tornou-se meu objeto de estudos. Quem seria o cofrinho que eu
conquistaria? Quando vi o solteiro bilionário mais cobiçado da Europa,
entrando pela porta, quase não acreditei.
Levei algumas semanas para desvendar suas preferências. Após
meses de esforço, finalmente consegui produzir leite, uma jornada árdua e
desgastante.
No entanto, ao final desse processo, percebi que ser o objeto do seu
fetiche, me tornava igual as outras. Era necessário ser mais que uma fonte
de leite e depósito de porra! Descobri que criar o cenário que o satisfaria e
incentivá-lo a explorar seus próprios limites, teria maior êxito.
Muitos poderiam argumentar que uma pessoa como eu não é
essencial na vida de um homem atormentado por um apetite selvagem que
ele, de qualquer modo, saciaria. No entanto, dediquei-me a estudar sua vida
para além dos limites deste clube, pacientemente à espreita, esperando o
momento ideal para me aproximar. Tiziano estava se distanciando deste
lugar, encontrando um novo objeto de satisfação, uma coisinha sem sal de
cabelos longos e sorriso doce, algo que não estava disposta a permitir. Foi
justo antes de tomar uma atitude que eles simplesmente pararam de se
encontrar, e foi nesse momento que a oportunidade surgiu. Nem precisei de
esforço para criar um ‘acidente’ para tirá-la do meu caminho. Confesso que
estava doida para ver seus minutos finais de respiração, mas não foi
necessário sujar as mãos
Chego diante da porta do quarto dele com uma cópia da chave que o
mesmo me presenteou, entro sem ser notada.
Ao sentir a atmosfera promíscua, com gemidos e sons cortados ora
por outro gemido mais alto, ora por um palavrão, sinto-me nostálgica. Já
participei de várias dessas festinhas de leite com ele. O italiano é insaciável,
o pau não amolece e seu preparo físico é invejável, mas na fase atual,
prefiro exclusividade e menos interações grudentas.
Ao observar a cena com ele e quatro mulheres suadas e imundas de
leite e porra, não é agradável de ver, nem de cheirar. O fedor de sexo sujo
preenche o cômodo. Ele está de costas para a porta, em pé bombeando em
uma garota deitada, outras duas em cada lado, espirram leite nele que
escorre pelo pescoço e ainda outra está ajoelhada chupando suas bolas.
Suor escorre pelas costas largas, os cabelos longos cobrindo as
orelhas, encharcados e pingando. O brilho da sua pele úmida é evidenciado
pela iluminação baixa e quente do lustre. Parece um Deus grego em batalha
no pôr do sol de um verão escaldante.
Desfilo até a lateral do quarto e pego um copo me servindo de um
uísque. O aparador com a garrafa está localizado na visão periférica dele,
quando dou o primeiro gole, nossos olhares se encontram e noto que o
capricho da minha lingerie com ligas o agradou, pois, ao admirar
demoradamente minhas curvas, esboça um sorriso arrogante. Coitado!
Ainda não se deu conta que perdeu todo mundo e só eu o compreendo e
aceito.
Como Jules me passou, Tiziano dificilmente vai para a casa dos
pais, na empresa está relapso e não atende as ligações do assistente. Sempre
pego o celular dele e respondo as mensagens ou desligo. Finalmente o
último entrave e mais importante para sua sanidade, consegui derrubar.
Sempre arranjo uma diversão mais interessante nos horários das sessões
com a terapeuta.
A única terapia de que Tiziano precisa é uma mulher gostosa,
inteligente, envolvente e disposta a realizar todos os seus desejos, e essa
Deusa, sou eu. Levou seis longos meses para moldá-lo conforme minha
vontade. Agora, executar o plano final será uma questão de dias. Talvez um
filme caseiro jogado na rede seja suficiente para ele correr em busca de
soluções. Então vou sugerir que se case, para mostrar que é um homem
sério e não um selvagem no cio. Quase solto uma gargalhada, não sou uma
pessoa ruim, apenas estou tentando sobreviver. E agora, vou aproveitar um
pouquinho desse gato.
— Está com sede, garanhão? — pergunto assim que o vejo dar o nó
no preservativo.
Ele me olha parecendo em transe, com olhos parados. O azul
desfocado dando a impressão que encara a parede através de mim. A tarde
inteira trepando, posso observar seu abatimento, deve ter perdido uns dois
quilos nessas últimas semanas. Ele acena que está com sede e se aproxima.
Beijo sua boca com gostinho de uísque e só então entrego o copo, no qual é
esvaziado em um gole.
— Está pronto para um banho relaxante comigo? Quero cuidar de
você. — Minha voz é um algodão, suave e convidativa.
Pego sua mão e o guio para o banheiro, dispensando as mulheres do
quarto. — Tomei a liberdade de fazer uma reserva para jantar naquele
restaurante que você gosta, tudo bem para você?
— Por mim, tudo bem. — Ele sempre aceita sem questionar.
Ligo as duchas da banheira e ajusto o aquecedor para a temperatura
da água que ele prefere. Conheço cada uma das manias e preferências desse
homem, buscando atender a todos os seus desejos. Dessa forma, quando
quero sugerir algo, o faço de maneira que ele acredite ser sua própria ideia.
Eu sou genial!
— Depois preparei uma noite incrível para nós dois, tenho certeza
de que vai adorar. Posso entrar no banho com você?
— Que horas é a reserva? — pergunta com um sorriso cansado.
— Temos tempo. Não se preocupe com nada, se desejar algo é só
pedir para que eu realize.
CAPÍTULO 45

(Brother – kodaline)

Na hora do almoço, acomodados à mesa bem-posta para dois,


nossos pratos repletos de um delicioso tortellini são servidos.
Observo minha esposa com os talheres, toda delicada e elegante. A
conheci no colegial, em uma peça de Shakespeare. A Julieta perfeita. Eu
não era o Romeu, infelizmente, era o primo Teobaldo que morria nas mãos
do protagonista. No restante da peça, eu ficava na coxia admirando a atriz
de cabelos negros e rosto de boneca.
Demoro agora, ainda admirando seu perfil perfeito, o cabelo escuro
que está preso num rabo de cavalo, o nariz arrebitado compõe um conjunto
proporcional aos lábios volumosos, se eu a perder não sei o que será de
mim, posso me tornar igual ao Tiziano.
Ando profundamente preocupado com meu melhor amigo. Já faz
semanas que não o vejo e sinceramente, ele não parece estar em um bom
estado. Desde que se afastou da sua garota, a motivação e alegria de viver
que via em seus olhos todas as manhãs na empresa, desapareceram
completamente.
No início, percebi que ele estava ficando mais silencioso, evitando
sair de casa e se isolando dos outros, mas, com o passar dos meses, as faltas
e o relapso no trabalho me surpreenderam. Ele nunca ficou assim. Tentei de
todas as maneiras nesse tempo salvá-lo de si mesmo, mas não tive sucesso.
Essa situação tem me deixado extremamente angustiado, porque
Tiziano significa muito para mim, o cara é como um irmão. Não posso
simplesmente ficar de braços cruzados diante disso. Tenho medo do que
pode acontecer porque vejo que ele está cada vez mais com o olhar perdido
no vazio.
— Desculpe, o que você estava dizendo? — pergunto assim que
ouço meu nome.
Ela nota que parei de dar atenção a refeição e estou me perdendo em
pensamentos, a observando com uma expressão vaga.
— Você parou de comer e está me olhando de um jeito estranho. Seu
tortellini vai esfriar.
— Si, amore, scusa.
Melinda detecta minha preocupação e não perde tempo.
— Ainda pensando em seu amigo? Preocupado?
Um suspiro profundo escapa de mim, como se carregasse todo o
peso das minhas aflições.
— Muito, Mel. Muito mesmo.
— Por que não conversam, Vita? Não podem ficar brigados.
— Não consigo localizá-lo. Ele não atende o celular.
— Mas sabe onde ele está?
— Sim, eu imagino...
— Então por que não vai vê-lo? Em quatro semanas vamos
embarcar em uma viagem longa, já deixou a empresa com o vice-
presidente. Como não conseguiu falar com Tiziano? Não pode adiar, tem
que ir até onde ele está.
Suspiro profundamente.
— Tem razão, não sei por que tive esperanças de que ele voltaria
para a empresa — decido neste mesmo dia à tarde ir ao clube Istar, prometi
a mim mesmo que não voltaria lá, mas é por uma boa causa, devo resgatar
meu melhor amigo.
Horas Depois
A temperatura está agradável e a atmosfera no clube está carregada
com o pulsar dos sons e risos distantes. Sinalizei com minha chave na
recepção que estava entrando nas alas restritas. Caminho entre os
corredores do castelo me afastando cada vez mais do movimento e fico do
lado de fora da porta de Tiziano.
Pego o telefone e busco na discagem rápida, na primeira vez toca até
cair.
— Vamos, vamos, atenda!
Na terceira tentativa, por um milagre, tenho sucesso e o alô do outro
lado me faz responder ansioso.
— Alô Tiziano, onde você está?
— Não... estou...em casa, Mirko. — A voz alterada e espaçada é
Tiziano trepando, che palle! (Que merda)
— Preciso falar com você, me diga onde e vou encontrá-lo.
— Passo na sua casa mais tarde. — Percebo pelo suspiro profundo
que meu amigo está evitando um encontro a qualquer custo.
— Você tá no clube, frate?
Uma pausa longa e a respiração aos tropeços, sério? Nem para falar
comigo ele para de trepar? Tá pior do que imaginei.
— Tô!
Agora é minha vez de suspirar, não será fácil essa conversa.
— Abra a porta, estou do lado de fora e preciso conversar com
você!
Ouço todo o tipo de maldições antes dele desligar a chamada.
Espero diante da porta de carvalho do século XVI, preparando-me
mentalmente para a batalha que me espera ao entrar ali. Resignado, penso
que não vai aceitar me ver, mas em instantes a porta se abre com um
rangido e duas garotas morenas, seminuas, suadas e descabeladas,
segurando os sapatos nas mãos, saem. Entro no ambiente já conhecido, pois
meu quarto privativo é igual ao dele, a diferença é que este está bagunçado
e fedorento.
Mas não é isso que me espanta, meu melhor amigo está recostado
contra a porta agora fechada, vestindo apenas uma cueca box preta, costelas
aparentes, olheiras fundas e rosto escovado, deve ter perdido uns cinco
quilos desde a última vez que o vi há duas semanas. Seu cabelo mais longo
cobre a orelha, está úmido de suor e a barba bagunçada sem cuidados.
Envergonhado, prefere olhar distraidamente para qualquer coisa do que para
o meu rosto.
— Então é aqui que está se escondendo? — pergunto ao correr os
olhos pelo cômodo, procurando qualquer outra pista de um novo vício que
ele possa ter adquirido.
Virando-se lentamente, ele desvia para o outro lado do quarto,
catando algumas peças de roupas espalhadas pelo chão, com um sorriso
irônico.
— Você sempre me encontra, né?
Com um meio sorriso respondo:
— Sempre, porque você é meu irmão, não importa onde esteja.
Nesse momento ele me encara, seus olhos opacos e lábios apertados
de desgosto me deixam emotivo, limpo a garganta e continuo:
— Posso beber um uísque?
— À vontade.
Ando até o aparador onde ficam as garrafas e copos me servindo de
um, bebendo um gole rápido para encher outra vez. A garganta arde e sibilo
o ar para fora.
— Porcocane! Che puzza de fica!
(Que fedor de boceta!)
— Eu estava trepando, Mirko, o que esperava? — A voz é baixa e
sem emoção. Ando até a poltrona no canto observando Tiziano sentar no
recamier[xxi] no meio do quarto. Preciso diminuir essa distância que impõe.
— Desde quando?
— Quê?
— Desde quando está trepando?
Ele cruza os braços e eu sorvo um gole do líquido amargo e num
falso relaxamento, cruzo uma perna.
— Algumas horas, afinal o que você quer aqui com esse olhar
julgador de irmão mais velho?
— Julgar? Não! — Salvar, mas não posso dizer isso a ele agora. —
Vim conversar com meu melhor amigo, meu sócio, meu irmão, já que não
nos vemos tem algumas semanas. Discutimos da última vez, queria me
acertar com você. Pedir desculpas. Vou fazer uma longa viagem e não posso
ir antes de estarmos bem.
— Com Melinda?
— Sim, com minha esposa.
— Que bom para vocês!
Merda! Isso não está ajudando.
— Fui ao seu apartamento, o porteiro disse que você aparece de vez
em quando com uma mulher ruiva. Está namorando e não me apresentou,
frate?
Tiziano solta uma risada ácida e se levanta, percorrendo o quarto.
As costas, uma vez largas e eretas, agora mostram os sinais de exaustão,
curvando-se e perdendo o tônus muscular que um dia o caracterizou.
Tiziano se arma com seu desdém.
— Sabe que não é minha namorada! Não tenho intenção de namorar
ninguém. Por que veio me procurar? Não venha com esse papo de “estou
preocupado com você”.
Cazzo! Ele me conhece, preciso mudar minha tática. Improvisar.
— Não! — respondo firme. — Vim para te atualizar sobre nossos
negócios, sobre a nossa empresa, já que você não aparece por lá há dias.
Seu olhar permanece fixo, enquanto a tensão paira no ar.
— Kengo Kimura aceitou fazer parte do novo segmento da nossa
empresa em Hiroshima. Aceitou ver o protótipo que criamos da BMW.
— Aceitou? Quando ele vem? — O interesse ao sentar outra vez e
prestar atenção na conversa, acende uma centelha dentro do meu peito.
Sei que foi sua ideia e é o sonho dele expandir para o Japão,
customizar BMW’s como uma nova alternativa para alcançar um público
que gosta da marca alemã. E trabalhar com o gênio Kimura seria o auge
para ele. Bebo um gole com toda a calma do mundo.
— Kimura veio semana passada. Luca apresentou o projeto a ele,
bem como o protótipo que você criou e nossos objetivos.
Tiziano engole seco.
— Luca?
— Sim, não é seu primeiro engenheiro, seu braço direito?
— É, é sim?
— O japa gostou da ideia, está preparando tudo para receber nossa
equipe lá.
— Ótimo — conclui com falsa aceitação.
Levanto e deixo o copo no seu lugar, para dar mais uma olhada no
quarto. Vejo uma mala com roupas sobre a outra poltrona, mas não
identifico se é masculina. Pode ser da ruiva.
— A festa de lançamento da fragrância Moschino da parceria com
seu pai foi espetacular. No fim da recepção, ele me apresentou Gildo Zegna.
[xxii]
Estavam em uma conversa interessante, acho que vai sair outra parceria.
Tiziano desvia o olhar, visivelmente envergonhado.
— Eu não... — sussurra.
— Não foi convidado? Claro que foi! Sua irmã até tentou encontrá-
lo em seu apartamento, mas o porteiro não a deixou subir — respondo com
um tom incisivo. Nesse momento, o rosto de Tiziano se contorce em uma
expressão de completa descrença.
— Jessica está na Espanha!
— Sim, está, mas veio para a festa com a família e foi procurar o
irmão, o qual não atende suas ligações, disse que está preocupada e com
saudades.
— Ela não me ligou, está magoada comigo por esconder o que sinto
pela Selena.
— Sente? — pergunto curioso. — Ainda sente algo pela garota?
Ele trinca os dentes e se aproxima, ameaçando me confrontar.
— Não desvie o assunto! Selena e eu terminamos, mas não quer
dizer que deixei de amá-la, cabeção! Não tente me manipular com seu jogo
psicológico de me fazer sentir culpa. Jess não me ligou, eu jamais rejeitaria
uma aproximação com ela. Minha irmã tem livre acesso às minhas
propriedades.
Aceno a cabeça, incrédulo. Com as mãos na cintura, fico parado por
um momento, olhando para meus próprios pés sobre o tapete trabalhado,
desejando encontrar um buraco para me esconder pela cegueira do homem
diante de mim.
— Manipular? Pelo contrário, estou aqui para abrir seus olhos. Você
está sendo manipulado desde que começou a andar com aquela ruiva.
Meu amigo, completamente envolvido pela astúcia daquela mulher,
caminha até a janela e abre as persianas, buscando desesperadamente uma
distração para escapar da minha análise. O sol da tarde, com seus raios
dourados e suaves, inunda o quarto com uma luminosidade calorosa.
— Não! Natasha só quer que eu relaxe, esqueça as preocupações,
quer me divertir.
— Ah, tem certeza disso? — Ando uns passos pelo quarto, observo
o celular atirado junto com uma carteira de cigarros e pego dois, um guardo
no bolso.
— Por que sua irmã foi até minha casa questionar quem era Natasha
que o porteiro do seu prédio cumpria ordens, dizendo que você não queria
visitas? Por que não vê as ligações perdidas da família e não responde as
mensagens deixadas na caixa postal e no whatsapp, Tiziano?
Ele para diante de mim estudando meu rosto enquanto acendo o
cigarro de filtro vermelho.
— Ela respeita minha privacidade, Natasha não mexeria no meu
celular sem permissão — retruca com convicção.
Não consigo evitar soltar uma risada involuntária.
— Então foi você que mandou ela me dispensar nas três vezes que
liguei na última semana, quer dizer, nas três que fui atendido, por ela?
Porque te liguei inúmeras vezes e caía na caixa postal ou era desligado. Se
não tem mensagem nenhuma, foi você próprio quem apagou? É isso que
está me dizendo?
Seus olhos se abrem, assombrados e surpresos, então percebo que a
situação é mais sombria do que eu havia imaginado. Ele está
irremediavelmente cegado pelo vício e pela lavagem cerebral que aquela
mulher astuta realizou durante esses longos seis meses de completa
desconexão com a realidade.
— Eu... ela... não é possível! — murmura.
— Você não é idiota, mas está agindo como um. Está cego!
Enquanto ele tenta articular uma resposta, meu dedo aponta
firmemente em direção ao seu rosto. Meu peito acelera de apreensão, mas
mantenho a voz calma, dadas as circunstâncias críticas do momento.
Começo a falar com firmeza e olhos fixos nos dele.
— Quando foi que menti para você, Tiziano? Acha que inventaria
tudo isso para tirá-lo desse lugar? Fui eu quem o indicou aqui! Meu único
objetivo é fazê-lo perceber que este clube é apenas um refúgio temporário,
não um esconderijo para se isolar do mundo. Lá no fundo, você sabe o que
ela está fazendo, e está permitindo tudo isso porque não quer que sua
família o veja nesta situação.
Enquanto falo, meu olhar se mantém firme, encarando o dele, e o
quarto fica carregado com a gravidade das palavras que acabei de proferir.
Trago longamente e baforo a fumaça em direção ao teto,
observando-a se mesclar com o lustre de murano amarelo. Ah, nicotina!
Como está, velha amiga? O silêncio se mantém, seu rosto se inclina
envergonhado, fixando-se em seus próprios pés. Dou outra tragada no
cigarro, sentindo o peito arder à medida que se enche de veneno, exalo
novamente, agora em um elegante arco.
— Minha vida não faz mais sentido — murmura mais para si
mesmo do que para mim.
Apago a meia bituca no cinzeiro de cristal, que repousa imaculado
sobre a mesa de leitura atrás de mim. Em seguida, seguro seu braço com
firmeza, conduzindo-o até o banheiro. Lá, ligo os jatos da banheira no modo
rápido e observo seu rosto magro, repleto de preocupação.
— Crie coragem, entre nessa banheira e se afogue! É mais digno se
matar dessa maneira do que do jeito que está agindo! Vamos! — pego a
toalha de rosto e limpo as torneiras e botões que apertei para acionar a água.
— O que está fazendo? — indaga parado como um fantasma sobre o
piso branco.
Sem encará-lo, passo o pano pelas bordas da banheira onde me
apoiei, e deixo-o cair no chão, apagando minhas pegadas enquanto me
encaminho para a saída.
Talvez seja mais apropriado utilizar a psicologia reversa.
— Estou apagando os vestígios da minha visita, e farei o mesmo na
sala em breve. Não há câmeras aqui, nem no corredor. Na entrada, deixei
claro que estava vindo para o meu quarto privativo. Sinta-se à vontade para
terminar com isso e eu ficarei responsável por dar a notícia à sua família,
oferecer meu apoio, emitir um comunicado à imprensa e tentar minimizar
os impactos do escândalo da morte do meu sócio bilionário em um clube
secreto de perversão. Faça o que achar necessário para terminar com essa
merda! Mas não continue agindo covardemente. Você nunca foi um
covarde!
Tiziano se apoia com cansaço na cuba de mármore, ocultando o
rosto entre as mãos. Sua respiração sofrida ecoa no silêncio do banheiro
longo e luxuoso. Cada inspiração pesada parece carregar o peso de toda a
culpa e vergonha que carrega.
Isso me comove sobremaneira.
— Tô tão perdido, Mirko! — expressa entre soluços.
Corro até ele e o abraço.
Meu peito se aperta ao ouvir seu choro e a voz trêmula, seu abraço é
tão desesperado que quase faz com que minhas próprias lágrimas escapem.
Mas não posso me permitir chorar. Preciso ser forte e tirá-lo dessa merda o
mais rápido possível.
— Tô aqui com você, fratellino! (Irmãozinho) Mesmo nas situações
mais sombrias, sempre há uma saída.
— Sou fraco, um lixo! Não tenho mais energia para lutar. Parece
que tudo perdeu a importância.
Dou uma tapinha nas suas costas, tentando trazer algum ânimo, o
conduzo pelo banheiro até a outra extremidade, onde uma parede inteira de
espelhos o aguarda.
— Eu sei que parece difícil agora, mas você é mais forte do que
imagina. Vem cá! — Abraço seu ombro e o forço a olhar para si mesmo no
espelho. — O que você vê?
Tenho a sensação de que Tiziano não havia se observado com
verdadeira atenção, desde que se refugiou nessa caverna de devassidão.
— Não consigo olhar! Sou um homem horrível, sou um decadente,
sujo e imprestável! Um lixo!
— Sabe o que eu vejo? Um cara genial, inteligente além da medida.
Protetor e leal a quem ama, com um coração enorme, e um dom incrível de
salvar pessoas da morte.
— Você sempre teve um olhar gentil sobre mim, mais do que
mereço. Olhe como estou agora?
Nós continuamos a conversar olhando para os nossos reflexos
abraçados, como no tempo do terceiro ano do colegial, quando assistíamos
as garotas jogando futebol com roupas justas.
— Você está equivocado. Está vendo apenas a casca menos
importante. Sim, você parece horrível, está sujo e irreconhecível. Mas isso
não significa que sua importância como pessoa tenha diminuído. Esse
espelho é apenas um instrumento para refletir a imagem. É o espelho dos
olhos que precisa enxergar a beleza e o valor das coisas ao nosso redor. Às
vezes, a superfície fica embaçada ou rachada, e não podemos ver
claramente quem somos. Mas isso não muda a sua importância como
pessoa. Você ainda é o mesmo ser humano incrível que sempre foi, com
suas qualidades únicas. Olhe novamente, Tiziano. — Aponto para o seu
coração. — Aqui dentro, quem é você?
Seu suspiro profundo e exausto é tão dolorido que sinto minha alma
aflita.
— Não sei mais. Sinto que minha existência e ações não têm
impacto no mundo daqui em diante. Não vejo pelo que viver.
— É normal questionarmos nosso propósito numa situação como a
sua. Mas lembre-se de todas as vezes em que ajudou alguém, fez alguém
sorrir ou superou desafios. Você já fez a diferença na vida de muitas
pessoas, inclusive na minha. — Coloco o máximo de empatia na minha voz.
— Sabe, quando você estava namorando, testemunhei o
ressurgimento do verdadeiro Tiziano. Aquele cara dos tempos de escola, o
que puxava a orelha de Lorenzo quando ele se atrasava para nossos
compromissos. Você se tornou mais presente em casa, envolvendo-se em
atividades em família. Claro, Selena era a razão, mas aos olhos de todos
nós, aquele Tiziano autêntico, que existia antes da tragédia que levou nosso
amigo, estava de volta. Além disso, você estava cuidando de sua saúde
física e emocional, algo que nunca tinha buscado antes. Foi inspirador ver
essa transformação.
— Eu precisei afastá-la. E sem ela não restou nada.
Observo seu rosto com intensidade, enquanto as palavras fluem
entre nós. O banheiro está banhado pela suave luz da tarde, que penetra
pelas partes do teto de vitrais transparentes, criando desenhos de luz e
sombra no chão atrás de nós.
— Não! Não é verdade. Restou o homem Tiziano, o cara que tomou
a atitude mais nobre que já vi. Renunciou ao amor da sua vida para protegê-
la. E qual o sentido de dar a possibilidade de vida a alguém e depois se
perder nas sombras, incapaz de reconhecer e testemunhar o bem que fez?
Meu amigo olha para o chão, sua expressão cheia de conflito e dor.
— Eu só fiz mal a ela, Mirko.
Aperto minha mão gentil em seu ombro.
— Talvez, mas pelo que me contou naquela ocasião, afastá-la foi um
passo necessário. E se os sonhos te mostrarem novas possibilidades? Já
pensou nisso? Minha circunstância foi mudada por seu aviso, a dela pode
mudar daqui um tempo. Nada é definitivo, absolutamente nada.
A iluminação parece brilhar com mais intensidade, destacando os
traços cansados dele, quando ergue o rosto rapidamente e me encara com
dúvidas no olhar.
— O coração cicatriza com o tempo, frate, e você precisa seguir em
frente. Se eu perdesse a Melinda, ficaria devastado da mesma forma, mas
tentaria viver pelas pessoas que me amam, pelo menos tentaria. Você não se
deu a chance de tentar. — O cômodo fica em silêncio por um momento,
enquanto as palavras ecoam, carregadas de esperança e compreensão.
O guio para a banheira e o faço entrar na água morna, me inclino na
borda da superfície para conversar de modo mais próximo.
— Você tem tantas qualidades e um potencial extraordinário. Você é
único, e o mundo seria menos brilhante sem você. Agora precisa tomar uma
decisão que é urgente e inevitável. — Meu tom se torna urgente — Se livrar
da única pessoa que não enxerga isso. A que o está usando para algum
propósito sórdido, afastando-o da sua família, do seu desenvolvimento
pessoal, seu trabalho, sua vida social e saúde. Sua família sente sua falta,
frate. Imploraram por uma luz para te alcançar e esse é o único jeito de
você enxergar a luz.
Seu olhar parece menos vazio de quando o vi naquela porta ao me
receber.
— Às vezes, precisamos de ajuda para limpar o espelho, e estou
aqui para ajudar. Acredite em mim, você tem um propósito, e sua vida ainda
tem um significado profundo. Vamos sair desse lugar, vamos cuidar da sua
saúde, vamos te desintoxicar e embarcarmos para o Japão juntos. Vamos
trabalhar unidos como sempre fomos. Será uma viagem para se reconectar
consigo mesmo e redescobrir todas as coisas maravilhosas que você pode
fazer.
— Vamos trabalhar nas BMW’s?
Seu despertar aquece meu peito.
— Pode apostar que vamos!
Alcanço a esponja, os sabonetes e loções de banho, me sento na
poltrona perto da porta, acendendo outro cigarro.
Na metade do meu relaxamento ouço a porta do quarto ranger.
Bingo! Segundo ato!
— Tiziano, querido, trouxe seu jantar! Onde está garanhão? Ah,
esperando minha companhia para o banho?
Ouço o som da voz venenosa e das batidas dos saltos altos se
aproximando, apago rapidamente o cigarro na sola do sapato e espero.
Quando a mulher se depara comigo, estou relaxado na poltrona, enquanto o
seu alvo está imerso em seu momento de relaxamento, tomado de espuma,
concentrado em se lavar. Ela leva um susto. Seus olhos se arregalam e ela
fica paralisada à soleira da porta, surpresa pelo inesperado encontro.
Pesquisei seu nome, a tal Natasha se veste de maneira impecável,
com saltos altíssimos que ecoam a cada passo. Tudo planejado, até a roupa
tem uma finalidade. Seu vestido vermelho, que se estende um pouco acima
dos joelhos, decote clássico e discreto em forma de ‘V’, incrivelmente
sensual para despertar interesse dos seus alvos. Os cabelos ruivos
volumosos, tratados com esmero, caem em ondas sedosas até seus seios.
Com uma silhueta que lembra as divas de Hollywood do passado, sua figura
em ampulheta atrai todos os olhares. Ela exala o aroma de um perfume
caro, e suas unhas estão impecáveis, assim como sua maquiagem, que
destaca seus traços com elegância. Sua imagem é sua principal arma, e ela
sabe disso.
— Buonasera, signora.
— Buonasera, não sabia que Tiziano estava com visitas masculinas.
Que bom que está se preparando para o nosso compromisso, amore.
Hum, isso será divertido!
— Frate, fale do seu compromisso para a signora.
Tiziano, que estava em uma luta com a cueca para despi-la dentro da
água, parece perceber somente agora a presença da mulher.
— Ah sim! Vou viajar com ele a trabalho e não tenho previsão de
retorno. Simples, direto, corte limpo e indolor, como só meu amigo pode
fazer. Prendo a risada pela cara estupefata da mulher e me ergo da poltrona.
— Mas… — ela tenta, mas não vou dar brecha para a cobra armar o
bote.
— Vamos dar a ele um momento tranquilo para o banho.
A mulher hesita, porém gentilmente a guio em direção ao quarto,
mantendo meu olhar firme em meu amigo
— Fique à vontade, Tiziano. Estou esperando por você até terminar
o banho. Vou acompanhar a signora até a saída.
Ela caminha à minha frente, com movimentos que parecem
calculados, e posso apostar que está tramando seus próximos passos. Meus
olhos se desviam para o aparador onde uma cesta de alimentos repousa.
Rápido, começo a vasculhar os pacotes de comida, consciente de que algo
está prestes a acontecer.
— Trouxe o jantar dele, que atenciosa! Pode deixar a chave na mesa
quando sair — aviso ainda de costas para ela.
— Não vou a lugar algum, senhor Mirko Rossi. Sei exatamente o
que está tentando fazer.
Volto a atenção para ela, que tenta me analisar do meio do quarto
com a mão segurando o queixo. A voz não demonstra absolutamente nada,
raiva, dor, tristeza, nadinha. Agora a ousadia em me analisar é hilária!
Pego um pacote com uma porção de olive ascolane. Mordo uma e
displicente ofereço à ela, que não move um músculo em resposta.
— Fale, signora Natasha, o que estou tentando fazer?
Saboreio o restante da azeitona e deixo escapar um murmúrio de
apreciação. O bolinho está verdadeiramente delicioso. Após deixar o pacote
no mesmo lugar, cruzo os braços e encaro seu rosto imperturbável,
preparado para o que vier a seguir.
— Quer afastar Tiziano de quem o ama!
Por esse drama eu não esperava, mas os sinais estão ficando muito
claros.
— Ah, Dio! Me perdoe! Não sabia. Ele não me disse que o caso de
vocês era tão sério.
Viro-me e gentilmente sirvo uma dose de uísque em um copo,
levando-o até ela com um sorriso amigável.
— Aqui está, com minhas sinceras desculpas. Acho que precisamos
começar de novo. Bebe comigo?
Observo seu rosto perder a expressão dura, enquanto seu
corpo relaxa, abandonando a tensão e a defensiva postura com que me
encarava antes.
— Não bebo uísque nem nada forte.
— Claro, entendo — respondo com simpatia.
— Então, vamos levar os pacotes com o jantar para o seu namorado
na mesa. O que acha?
Vendo que ela gosta da minha abordagem, continuo a mostrar meu
lado dr. Jekyll.[xxiii]
— É tão bom ver que meu amigo não está sozinho e que tem alguém
que o ampara. Trouxe bastante coisas, o que tem naquele pacote?
Ela sorri com seu charme habilmente construído, enquanto desvenda
o prato para liberar o aroma tentador do bucatini all’amatriciana, que exala
um perfume delicioso de bacon e queijo pecorino.
— Bucatini all’amatriciana!
Dou um sorriso, apreciando a maneira como ela fala.
— Hum! Bonito jeito de pronunciar.
Ela parece confusa. Arqueia uma sobrancelha, fingindo inocência.
— Como assim?
— Seu sotaque.
Ela fica surpresa.
— Está louco! Por que teria sotaque se sou italiana?
Pego outro bolinho ascolane e dou uma mordida.
— Poderia continuar nesse jogo a noite toda, mas estou faminto e
não quero que esteja aqui quando meu amigo sair do banheiro,
“francesinha” de merda! Portanto, não desperdice meu idioma à toa.
Seu rosto toma a cor de um papel e ela dá um passo se afastando da
mesa.
— C-como soube?
— Que é francesa? — dou uma risada baixa e bebo o uísque que ela
negou. — Deve saber que sou médico, claro que sabe. Bem, tratei de um
paciente que era obcecado em falar italiano perfeitamente, sem sotaque, e
acredite, ele era incrível, melhor do que você. Adivinhe? Ele era francês.
Você pode até esconder várias coisas que passam despercebidas para os
desavisados que você usa para não sei que fim, mas a mim você não
engana. E não vou contar o que delatou o seu sotaque, porque qual graça
teria, não é mesmo?
Logo a máscara de diva italiana gelada retorna e seus olhos
estreitam me encarando.
— Você é muito engraçadinho hein psicólogo, mas não vai afastar
Tiziano de mim, uma mulher apaixonada é capaz de tudo, Rossi.
— Apaixonada? — Deixo uma risada no ar. — Se você gostasse um
pouquinho de Tiziano, procuraria saber quem ele é. Meu melhor amigo não
come carne de porco e nem azeitonas. Prefere frutos do mar a qualquer um
desses pratos que trouxe. Você não bebe nada forte porque não pode ficar à
mercê da vulnerabilidade do álcool, precisa estar cem por cento alerta para
manobrar o seu pato para onde quiser. Aliás, o último foi abatido há sete
meses, como morreu Settimo Gagliardi, o seu marido, Natasha?
— Está me acusando de algo Rossi? É calúnia!
Como outro bolinho e olho para a mulher fingindo raiva, fingindo
ofensa, mas sua expressão é totalmente sem emoções. Calma, postura reta,
como se estivesse em uma conversa qualquer.
— Me processe! Me processe, sua fingida, já te avaliei totalmente.
— Oh! Bravo! E o que concluiu, doutor Rossi?
— Você tem um magnetismo pessoal incrível, e é atraente. Sua
personalidade aparentemente mostra nuances interessantes. No entanto, só
busca relações que possam ser fontes temporárias de vantagem, que
satisfaçam necessidades momentâneas em prol de algum plano maior que
sempre parece estar à espreita. A vida, para criaturas como você, é uma
constante escalada pessoal, onde todos ao seu redor servem como degraus
para alcançar o cume da montanha e desfrutar da vista privilegiada.
— Se acha muito inteligente, não é?
Ando até a porta e abro a mantendo aberta enquanto ela deixa a
chave cópia sobre a mesa.
— Vou providenciar novas fechaduras ao responsável do prédio e
falar com Tiziano para trocar as de todas as propriedades.
— Talvez deva informar as autoridades francesas do seu paradeiro,
afinal, uma sociopata como você, deve ter cometido algum crime por lá.
Não volte a se aproximar do meu amigo, ou vou a fundo com esse aviso.
Ela ri debochando das minhas palavras ao passar por mim.
— Au revoir chérie, à bientôt. (Adeus querido, até breve.)
— Au revoir o caralho! Infilati una scopa in culo, e vola via, strega!
(enfia uma vassoura no cu e voe para longe, bruxa!)
Não estou seguro de que a afastei, por enquanto ela vai se manter
longe, o problema é quando retornar. Porque essa cobra vai tentar dar o bote
outra vez e preciso fortalecer meu amigo contra ela.
SELENA MALPUCCI

(Don't Wait – Mapei)


(Paradise – Basi)

É verão aqui na Espanha e a noite quente é convidativa a um passeio


pela vida noturna de Barcelona. Eu e Jess viajamos até a cidade para
participar de um evento na sexta e decidimos esticar o fim de semana para
aproveitar as diversões tão comentadas pelos espanhóis. Vance, nosso
amigo maluquinho, disse que tinha negócios a resolver por aqui e nos
colocaria na danceteria mais badalada da cidade, a Wolf.
Com um visual impecável, prontas para dançar até o amanhecer,
partimos até a danceteria ansiosas por diversão, já que, Jess prometeu uma
noite memorável, pois nunca saí para dançar em uma casa noturna.
Quando chegamos à boate, o jogo de luzes nos recebe ao ritmo da
música alta e dançante que agita as pessoas na pista central, me contagiando
e já fazendo minha amiga requebrar o corpo com um sorriso no rosto,
satisfeita com o ambiente animado. Pessoas bonitas, sorridentes e uma
batida envolvente, à noite, de fato promete muita diversão. Somos
escoltadas até a área VIP por um dos seguranças da Wolf. Vance já nos
aguarda no camarote e logo vem nos cumprimentar com aquele seu sorriso
devastador.
— Finalmente as princesas, que bom que vieram. — com um abraço
e um beijo na bochecha, ele nos leva até um frigobar e aponta um garçom
pronto a nos servir. — Escolham as bebidas de sua preferência e preparem-
se para se divertir muito!
— Obrigada pelo convite, Vance — agradeço um pouco tímida.
— Isso aqui é um espetáculo! Faz jus à fama — Jess comenta
pegando dois spritz refrescantes.
— Vance, você não nos contou o que está fazendo em Barcelona! —
questiono curiosa, aceitando a bebida das mãos da minha melhor amiga.
Ele dá de ombros casualmente.
— Assuntos de negócios, Selena. Estou aqui representando meu tio
em reuniões chatas e intermináveis, um saco!
— Hum, ele deve confiar muito em você para dar essa
responsabilidade! — comento impressionada.
Vance responde com um sorriso convencido, um que parece feito
para desarmar corações.
— Sim, parece que aquele urso branco quer me testar, com certeza.
— Não questiono sobre os negócios do seu tio, pois sempre parece que ele
foge dessas perguntas pessoais.
Logo ele se afasta para cumprimentar duas garotas que chegaram
depois de nós. Pelo visto não fomos suas únicas convidadas.
Olho para Jessica que bebe seu drink com uma cara de desânimo,
olhando a multidão de pessoas dançando na pista.
— Parece que todo mundo já tem seu par, nada avulso de
interessante para admirar — percebo que além de dançar, havia outras
diversões em sua mente.
Agarro sua mão e deixo nossos drinks na mesinha.
— Vem, vamos dançar! Você está muito bonita nesse vestido
dourado para se esconder nesse camarote — A guio diretamente para a
pista. — Afinal, você me prometeu muita diversão, e não precisamos de
nenhum cara para isso.
— Tem razão, bionda, vamos dançar até os pés doerem — sua
risada gostosa completa a frase. — E por favor, não se afaste de mim,
lembre-se de nunca aceitar copos de estranhos — adverte e eu confirmo
com um sorriso.
Ao chegar na pista, somos imediatamente envolvidas pela atmosfera
eletrizante. As luzes neons piscam ao ritmo da música latina, fazendo com
que o corpo sinta a vibração e se entregue no ritmo da dança. Não conheço
as vozes que cantam, nem a melodia, mas é quente e as pessoas dançam de
uma forma sensual à nossa volta. Jéssica encontrou sua voz interior no meio
da multidão. Com cada movimento do seu corpo, ela expressa sua paixão
pela dança de forma envolvente e graciosa. Seus cabelos soltos balançam
no ritmo da música, enquanto o sorriso contagiante ilumina seu rosto.
Eu ainda estou um pouco deslocada, tento seguir seus passos, dançar
é uma experiência nova para mim. Mas acompanho e me divirto com ela,
esquecendo um pouco da realidade, das preocupações do dia a dia e dos
fantasmas amedrontadores, mergulhando nessa atmosfera de liberdade e
novidade.
A noite continua de maneira enérgica, com Jéssica levando a festa
ao próximo nível, cantando junto com as melodias e fazendo graça na pista
para me divertir. Após horas, suadas e exaustas, decidimos retornar ao
camarote. Nossos pés começaram a latejar assim que a adrenalina volta aos
níveis normais.
— O que me diz de irmos para casa, Jess? Estou exausta.
— Concordo, bionda, fazia tempo que não dançava tanto. É melhor
irmos.
— Ah! Não! — reclama Vance se aproximando. — Tem muita festa
para rolar, vocês parecem duas senhoras!
Brinca ele secando uma garrafinha d’água.
— Você fala assim por que não usa saltos altos — retruco,
massageando um dos pés, jogada em uma poltrona.
— Não lembrei disso, bonitinha. Então eu levo as madames até o
hotel.
— Tenho que avisar meu segurança. — Vejo que meu celular está
sem rede. — Não tem sinal aqui dentro?
— Digite uma mensagem, assim que chegarmos no exterior da boate
ele pega antena e envia — sugere. — Vamos, tô morrendo de fome, além de
cansada. — argumenta Jess com uma cara manhosa.
— Com que carro você está, Vance? Preciso dizer para ele nos
seguir assim que ler o aviso — aceito a sugestão dela.
— Um BMW M3 preto competition. E qual é o hotel que estão?
— No Condes.
Fico aliviada que ao chegar na portaria, minha mensagem é enviada
e visualizada. O carro de Vance logo é estacionado diante de nós pelo
manobrista, apressadas entramos e Jess se acomoda no banco da frente.
Enquanto Vance dirige pela avenida, um carro se aproxima com
faróis altos iluminando todo o interior do carro.
— Porra, tá cego, seu merda! — Vance reclama da luz refletida do
retrovisor em seus olhos.
— Deixa ele passar. Vai que bebeu além da conta. — Jess tenta
identificar o modelo protegendo os olhos.
Vance diminui a velocidade, o carro nos ultrapassa e conseguimos
ver pela luz da avenida, que é preto e os vidros com insulfilm. A alta
velocidade e a entrada brusca em nossa frente é perigosa. Vance freia tudo o
que pode para não bater e sinto um arrepio percorrer minha espinha.
— Que louco! Conhece? É algum amigo seu com uma brincadeira
de mau gosto? — pergunto a Vance sobre a situação, me inclinando entre os
assentos.
— Não, não conheço, e é melhor você sentar direito e colocar o
cinto.
O carro da frente desacelera e começa a bloquear nossa passagem
em zigue-zague, tentando fazer Vance parar ou bater nele. Jess assustada, se
preocupa colocando seu próprio cinto.
— Segurem-se! — Vance entra na primeira rua que vê à sua direita e
acelera tentando uma fuga. Mas o outro veículo, manobra e rapidamente
estão em nosso encalço.
A luz dos faróis dentro do nosso carro confirma o perigo se
aproximando, preciso segurar nos bancos enquanto a adrenalina vai subindo
no mesmo ritmo da velocidade do BMW.
Vance não se abala, parece estar acostumado a jogar o jogo deles,
toma atitudes arriscadas, acelerando sem pudor, faz curvas bruscas e no
auge do meu desespero, fura o sinal num cruzamento, mas o outro veículo é
bom adversário e nos segue ignorando o perigo. Os prédios históricos
passam como foguetes por nós à medida que os faróis iluminam as vielas
estreitas da cidade.
— Isso tem a ver com os negócios do seu tio, não tem? Oh, Dio
Santo! — Meu coração parece explodir dentro do peito.
— Selena tem razão, pode começar a falar! — Exclama Jessica
segurando-se alterada, enquanto somos jogadas de um lado para outro pelas
entradas bruscas nas curvas.
— Qual a diferença de falar sobre isso agora? Estão malucas?
Preciso me concentrar no volante.
Os pneus cantam melodias estridentes nas curvas fechadas,
queimam a borracha e os motores rugem como feras selvagens em plena
caçada.
— Preciso despistá-los, logo estaremos seguros.
— Não entendo, como pode estar tão calmo? — pergunto
agarrando-me firmemente ao apoio de cabeça do banco da frente.
— Sabe, Selena, costumo dizer que a vida é como dirigir um carro
em alta velocidade, você nunca sabe o que vai acontecer, mas precisa
aprender a curtir a viagem! — responde com um sorriso maroto no rosto.
— Garoto, se não percebeu, estamos sendo caçados! Isso não é
motivo para piadas! — exclama Jess, olhando pelo retrovisor ao seu lado
em puro pavor.
— Peguem-me se forem capazes, seus otários! — Vance, no entanto,
parece se divertir com a situação, pois os chama às gargalhadas assim que
entramos na rodovia.
Mesmo numa velocidade incrível, um botão próximo ao painel é
acionado, acho que é um propulsor de velocidade, pois meu corpo gruda no
banco traseiro como chiclete.
A longa reta da rodovia dá espaço a um bom distanciamento dos
nossos perseguidores. A rua deserta me faz relaxar, pelo menos não
colocamos pessoas inocentes em perigo.
De repente, tiros são disparados. Um clima de desespero e caos se
instala dentro do veículo, já que é perceptível que o impulso que o carro
ganhou está se esgotando. Mas o humor peculiar de Vance parece não ser
afetado pela situação perigosa em que nos encontramos.
— Querem brincar, seus merdas?
Ele puxa debaixo do seu banco uma pistola e começa a revidar
baixando o vidro. Me inclino de imediato e me deito no banco, suor escorre
pelas têmporas e começo a tremer.
— Vance! O que está fazendo? Selena, respire fundo e conte até dez.
Não entre em crise agora, por favor! — Jess tenta evitar que minhas crises
se somem a mais esse problema.
Os sons dos tiros ecoam na noite, misturando-se ao som dos pneus
cantando no asfalto. Tapo os ouvidos e começo a chorar. A perseguição
continua com Vance ziguezagueando o carro. Os tiros se intensificam, as
balas zunindo perigosamente na lataria e o medo crescente de que isso não
acabe bem.
— Puta merda! — grita ele!
— Dio óstia! — exclama Jess.
— O que foi isso? — ergo a cabeça para espionar.
— Fui atingido, Selena! — O playboy metido, agora lembra de
fechar o vidro ao qual a bala passou e o atingiu no ombro.
— Oh, Dio mio!
— Mas eu... tenho um plano! — diz, uivando de dor. — Selena, no
chão aí atrás tem uma bolsa de lona. Pegue qualquer roupa e segure no meu
ombro com firmeza para estancar o sangue.
Faço o que ele diz, no meu lado esquerdo abro o zíper da bolsa e
com um tecido branco qualquer que puxo dali, pressiono o ferimento.
É muito sangue, não consigo olhar.
— Ai! Você pegou minha camisa de cashmere?
— Sério, Vance? Essa é sua maior preocupação? — respondo ao
rolar os olhos.
— É italiana e caríssima!
— Fica quieto e se concentre no volante! Claro que é italiana, você
também não é?
— Ok, se segurem, o bicho vai pegar agora!
Quando avista o túnel à frente, sem hesitar, entra em alta velocidade.
— Eles continuam atrás de nós! — brada minha amiga olhando para
trás.
Dentro do túnel, estamos presos numa caixa sem muitas chances.
Seguimos, sem saber o que nos espera do outro lado. Mas subitamente o
outro veículo emparelha ao nosso lado, riscando faíscas na lataria do nosso
carro. No banco da frente, o nosso motorista debochado mantém o controle
do volante, enquanto tenta nos acalmar e eu firme pressionando seu ombro.
— Calma, princesas, agora é a minha jogada de mestre, meu xeque-
mate nesses otários!
— O que... o que vai fazer? — Nem termino de perguntar e ele pisa
no freio levantando a fumaça dos pneus cantando no asfalto e deixando
tudo à nossa volta encoberto com a nuvem de borracha queimada enquanto
o outro carro segue adiante sem dar conta do que houve.
Logo ele acelera na marcha ré, saindo do túnel em segundos, dando
um cavalo de pau e voltando para onde viemos. Vance retorna para a
avenida e entra num beco desligando tudo. Motor e luzes. O carro
simplesmente mescla-se à escuridão.
— Vamos Jess, assuma o volante! Sinto que vou desmaiar a
qualquer momento. — Sua voz se arrasta já cansado.
— Enlouqueceu? — Jessica arregala os olhos enquanto trocam de
lugar. — Para onde eu vou? Não tenho ideia de como fugir dessa gente com
que você se meteu. Vance faz sinal para que eu retorne a estancar o sangue.
O tecido encharcado de vermelho provoca-me náuseas.
— Sabe dirigir ou não? — pergunta ele ofegante.
— Claro que sei!
— Ótimo, vou ligar para meu contato de emergência e pegar a
localização de um lugar seguro. Gire a quadra devagar, com os faróis
apagados, deixe que a luz da lua nos guie, vai dar tudo certo, é só manter a
calma. E fique tranquila, os miseráveis estão longe.
— Como sabe? — pergunto apavorada.
— Se estivessem por aqui, já tinham nos encontrado.
Jess dá partida, mas pelo seu estado de nervosismo, deixa o motor
morrer na arrancada, olha em minha direção e devolvo-lhe um olhar de
confiança, ela tenta outra vez, consegue e faz o que nosso amigo ordena.
Vance faz uma chamada e põe no viva voz, que logo é atendida por uma
voz grave e furiosa.
— Onde você está, seu maldito? Tô esperando você chegar há meia
hora! — Mas nosso amigo perde a consciência antes de responder e a linha
fica muda quando Jess diz alô.
— Selena, pegue o celular com a mão livre e chame o último
número agora e põe no viva voz para que eu fale.
Obedeço prontamente e assim que o contato atende, mas não fala
absolutamente nada, coloco perto de Jess no viva voz e pressiono mais o
ferimento de Vance que cada vez fica mais pálido.
— Alô, alô! Você, sei que está aí... preciso de ajuda! — implora ela.
Nada, a linha está ativa, porém o homem furioso não responde.
Começo a contar baixinho, tentando me acalmar, será que Vance morreu?
— Olha aqui, seu figlio di un cane degenerado! Tô dirigindo sem
rumo, com um homem inconsciente baleado no carro. Se não responder
essa merda, abandono o veículo no meio da rua para acabarem com ele de
uma vez, ouviu seu puto!?
A risada rouca do outro lado da linha me desconcerta.
— Não fará isso esquentadinha, se fosse fazer, já teria feito. Agora
me diga a sua localização?
— Não sei, Selena consegue ver alguma placa ou ...
— Tem mais alguém com você? — pergunta calmo.
— Uma amiga pressionando o ferimento.
— Acabamos de sair de um túnel e estamos perto de uma catedral
— interfiro na resposta.
— Certo, vou mandar a localização, ponha no GPS do carro e siga
com cuidado as orientações. Continuem pressionando o ferimento, estarei
esperando vocês.
— Vá bene! Entendi!
Jess aperta o desligar e com o espírito de coragem, acelera. Dou
alguns tapinhas gentis no rosto de Vance para tentar despertá-lo. Vê-lo
nesse estado me deixa cada vez mais nervosa.
— Ei, ei! Acorde!
Ele abre um pouco os olhos, tenta balbuciar algumas palavras e
apaga outra vez. Bem, pelo menos está vivo.
— Ele está perdendo muito sangue, Selena?
— Não muito, acho que está apagando por causa da dor. Parece que
a bala ficou dentro do ombro.
— E como você sabe disso, bionda?
— Porque não tem um outro ferimento que indique a saída dela. —
Jess sorri. Parece satisfeita com minha pouca coragem em verificar esse
fato.
Após cerca de dez minutos seguindo pela rótula e as instruções
fornecidas pelo GPS, a estrada começa a se deteriorar gradualmente,
perdendo a cobertura asfáltica e revelando cascalhos espalhados.
O terreno fica acidentado, e à distância, notamos o sinal de uma
estrutura, mas a escuridão e a falta de iluminação urbana tornam a
visibilidade muito ruim. Jessica acelera um pouco enquanto descemos um
pequeno declive, e subitamente, encontramos uma instalação colossal.
Diante de nós, surge um galpão enorme, com aparência de anos sem
manutenção, e o mato crescido ao redor confirma que ninguém põe os pés
aqui há muito tempo. Minha amiga estaciona o veículo a cerca de quatro
metros da entrada. A única fonte de luz são os faróis do carro, que
iluminam a grande porta de metal enferrujada.
— Jess, não tô gostando disso! Estava com medo antes, agora não
consigo nem respirar de pavor!
— Também estou com medo, mas a arma de Vance ainda está aqui.
— Você não sabe atirar! — Uma arma na mão de um leigo pode ser
muito perigosa.
— Nessas horas, minha amiga, o que se mover vai virar alvo de
treino.
Jessica se inclina para pegar a arma que está no console, enquanto
tento acordar Vance.
De repente, como se surgisse do nada, um homem alto aparece
diante do carro e nos ordena, com voz firme, que saiamos do veículo.
— Saiam do carro!
Jess com a arma em punho, tira o sapato e abre a porta.
— Por que tirou o sapato? — sussurro.
— Se eu precisar me defender desse maldito, o salto não me
atrapalha.
— Você viu o tamanho do cara, Jessica? Meu Deus, se colocar um
chifre no nariz, vira um rinoceronte.
— Não me faça rir, bionda! Fique com Vance, veja se no porta luvas
tem alguma coisa para fazê-lo de refém! Uma chave, uma faca, qualquer
coisa.
— Dio Santo! Ele é nosso amigo!
— Antes ele do que nós, Selena. Questão de instinto e
sobrevivência.
— Já terminaram a conversinha de comadres? Não vou repetir a
ordem — avisa o brutamontes de braços cruzados.
— Quem é você para me dar ordens? — Jess sai do carro com a
arma apontada para a cabeça do homem, que nem se move.
— Você sabe quem sou eu para apontar uma arma para minha
cabeça?
— Não me interessa nem um pouco quem você é, grandão! Se veio
ajudar, ajude, mas se tentar qualquer coisa contra nós ou for uma armadilha,
leva bala!
O homem avalia minha amiga de cima a baixo. O vento noturno
brinca com seus cabelos, e a imagem dela imóvel, com os braços
estendidos, segurando a arma dentro de um curto vestido dourado, parece
ter saído diretamente de uma cena do filme 007.
— Quem é você? — murmura ele, parecendo perguntar a si mesmo.
— Sasha! Rápido! Aqui, seu miseráaaavel!
Vance consegue falar alto sem se mover.
O tal Sasha se apressa e tira o baleado do carro carregando nos
braços como se fosse uma pena.
— Vocês duas, para dentro, agora! Não é seguro aqui fora. A porta
já está destravada.
Meu celular começa a vibrar. E agora, o que direi a Teodoro? Meu
segurança vai acionar a polícia para nos procurar se eu não responder.
CAPÍTULO 47

(Titanium – Boyce Avenue)

Meu celular escolhe justo agora para apitar. Pego aflita encarando a
tela.
— Jess? É o segurança no whatsapp querendo saber onde estamos.
O que eu digo?
— Escreve que já estamos no hotel, que Vance nos deixou na
entrada. E chame a atenção dele por não ter nos seguido. Pergunte onde ele
foi. — Como sempre é objetiva.
— Mas... Será que vai dar certo? — Teodoro é muito esperto,
sempre desconfia de tudo, meu medo é que confirme se realmente estamos
no hotel.
— Confie, jogar a desconfiança de volta nunca falha. Tira o foco
deles.
Faço o que ela sugere e ele responde que seguiu um carro
exatamente igual ao que descrevi, mas que quando os passageiros desceram
do veículo em um bairro residencial longe do centro, eram dois rapazes e
foi aí que se deu conta da falha. Pediu desculpas pelo ocorrido e garantiu
que isso não iria se repetir. Respiro aliviada assim que a ligação é
encerrada, se meu pai fosse acionado, eu estaria em apuros.
Guardo o celular no bolso e analiso o local onde estamos.
O pavilhão é enorme, condizente com a impressão que tive do lado
de fora. Embora tenha sinais de pouco uso do seu espaço, não parece estar
completamente abandonado, tudo é muito simples, vazio, não tem utensílios
básicos de moradia. Ainda assim, é evidente que este lugar foi preparado
para servir como um esconderijo, oferecendo as comodidades básicas
necessárias para passar alguns dias.
Andando pelo chão de concreto bruto, vejo à minha esquerda, dois
veículos estacionados com capas de lona sobre eles e, portanto, não consigo
identificar os modelos. A direita o pavilhão se estende mais ou menos uns
quarenta metros, calculo por uns containers ali enfileirados formando um
corredor central. Provavelmente um labirinto, meus pelos se arrepiam
pensando o que pode sair escondido entre eles e nos atacar nesse corredor.
Aperto o passo para me aproximar dos outros e logo vejo uma mesa
comum de seis lugares, onde o tal Sasha acomodou meu amigo sobre ela.
Ao lado, observo uma pia rústica, armários de madeira robustos presos na
parede e uma poltrona estilo pufe em um canto, além de algumas cadeiras
de madeira espalhadas pelo ambiente que dão um ar sinistro à decoração.
A iluminação é sutil para não ser percebida do lado exterior, mas
ainda suficiente para permitir ter uma percepção adequada do ambiente.
Não há qualquer cheiro desagradável, mas o local parece ter estado fechado
por um longo período, pela poeira nas janelas no alto da parede e alguns
vidros faltando, assim como o bolor em lugares mais altos, evidenciado
pelo seu aspecto intocado ao longo do tempo.
Ao me aproximar da mesa, sofro com o estado de Vance, o sangue
seco, a palidez, a expressão de dor e a própria situação precária que se
encontra em cima da mesa, causam pavor. Respiro fundo e pergunto:
— Ele vai ficar bem? — observo que o tal homem dobra melhor as
mangas da camisa, analisando o ombro de Vance com uma calmaria
irritante em seu semblante.
Os antebraços e as mãos são totalmente tatuados, vejo a parcial de
um desenho despontando no início do pescoço, onde um botão da camisa
branca está aberto.
— Fez um bom trabalho em estancar o sangue. Ele vai ficar bem,
essa peste é pedra dura de quebrar.
Ele circula a mesa e vai até o armário, abre uma das portas, trazendo
até onde estava, uma maleta de primeiros socorros. Prepara e aplica uma
solução na veia do nosso amigo como se fosse comum essa atividade e
rapidamente vai em busca de outros materiais.
— Que lugar é esse? — pergunta Jess ao meu lado, acompanhando
tudo com seu olhar meticuloso, mas o senhor rinoceronte só a observa com
seus olhos escuros.
Enquanto estamos ainda em choque com os acontecimentos
recentes, o ar está denso de tensão. No entanto, Jessica parece não se
incomodar com a situação. Seus olhos estão fixados no estranho movendo-
se pelo espaço como um guepardo, ágil e letal.
— Um esconderijo provisório — responde secamente.
— E por que vocês precisam dele?
O homem misterioso tem um olhar que deste ângulo não consigo
definir a cor, mas sei que são frios e calculistas ao ponto de desvendar nossa
alma.
Jess não se intimida com o olhar ameaçador nos vigiando, se sente
intrigada com sua aparência enigmática. Há algo nele que é absolutamente
fascinante para ela. E para minha surpresa, o sujeito também parece
fascinado por ela.
A tensão à nossa volta é palpável, podemos perder Vance, pois, está
muito pálido e inconsciente, mas observando o diálogo dos dois, parece que
a qualquer momento vão se engalfinhar.
— Não é óbvio, gracinha? — O estranho cuidando dele checa a
respiração, quase afetuoso.
— Não lhe dei intimidades para apelidos — Admiro a coragem e
arrogância de Jess em revidar.
— E como devo lhe chamar, senhorita dona da porra toda?
Aperto os lábios para prender uma risada, Jess está a todo o custo
provocando o homem, e isso demonstra que gostou dele. A conheço muito
bem, o sujeito despindo o blazer do ferido é exatamente o tipo dela.
Cabelos escuros e rosto liso sem barba, nariz grego reto e lábios
ligeiramente volumosos. O corpo é de um jogador de rugby. Massa
muscular, sobre massa muscular e deve ter uns vinte e sete anos. Agora que
se aproximou da luz, posso ver a cor dos seus olhos, um azul tão profundo
quanto o azul petróleo.
— Meu nome é Jessica e essa é minha amiga Selena, somos amigas
desse sacana que nos colocou nessa situação.
O sujeito solta um riso cínico, se aproxima dela ficando a
centímetros de distância do seu rosto. Tenho a sensação de que Jessica
perdeu sua respiração com a proximidade dele, que gentilmente tira a arma
que ela segura próxima ao corpo, de modo hábil ativa uma trava e a prende
em sua cinta nas costas.
— Nunca segure uma pistola destravada se não estiver em combate,
Jêssica. Agora, se a princesa estiver disponível, preciso de quatro mãos para
ajudar a retirar a bala do ombro dele.
Dito isso, se afasta e abre as portas dos armários.
— Nos armários vão encontrar o que preciso. Peguem um recipiente
com água, panos, tem uma garrafa de vodka em algum lugar. Nas gavetas
tem isqueiro e tragam uma faca.
Em segundos obedecemos como abelhas em direção a colmeia. Indo
a procura nas portas dos armários, até retornarmos com as coisas que o
homem pediu. Cada vez que o observo, seus olhos estão sobre Jess e
quando ela o pega olhando, ele desvia de pronto.
Fica claro que há uma faísca inegável entre eles.
— Você é médico? — indago secando o suor da testa do meu amigo
— O que você aplicou nele?
— Morfina — a voz é casual e gelada. — Não sou médico, mas é o
melhor que ele tem. Jêssica, venha ao meu lado e ilumine o ferimento —
mostra o celular que logo ela liga a lanterna — Selena, quando ele gritar vai
precisar beber da vodka.
— Ok. Hum... — Seguro a garrafa e fico a postos. — Você não é
italiano, né? — noto a forma que pontua o ‘e’ no nome de Jess de maneira
fechada mostra que é alemão, ou russo. O ‘r’ pronuncia diferente de nós
nativos.
— Não! E na minha terra, curiosos não vivem muito — Engulo seco
enquanto ele encharca um pedaço de pano na vodka e esteriliza a seu modo
o ombro de Vance, que grunhe maldições pela dor.
Jess se aproxima, até demais do corpo dele e o homem inspira
fundo. Depois de queimar a ponta da faca, o tal Sasha cutuca o buraco e
Vance dá um sobressalto na mesa, esbugalhando os olhos. O homem para e
faz sinal para mim, que preparada, ergo a cabeça do baleado e ofereço um
gole da bebida. Ele bebe mais de um gole, sorve como se fosse água.
— Maldito seja, Sasha krest! — brada Vance e apaga outra vez.
A faca volta a vasculhar o buraco e as gotas de suor encharcam o
rosto do meu amigo, meu Deus! Que dor horrível deve estar sentindo.
— Seu perfume é de especiarias? — solta o médico rinoceronte para
Jess, sem desviar da tarefa. A voz toma um tom novo, uma maciez rouca
quase amigável.
— É, canela e amêndoas.
— Combina com você.
Jess sorri de lado, um pouco tímida. Jessica tímida? Oi? O estranho
a intimida tanto quanto a fascina.
— Já me disseram isso — responde charmosa.
— Aposto que sim — E desse jeito os dois se olham, parece que vão
se beijar, ou não sei, a impressão é que nenhum quer desviar antes do outro,
parecendo um cabo de guerra de tensão sexual.
Limpo a garganta e o silêncio tenso persiste, enquanto Vance
resmunga em sua tentativa de se libertar da situação dolorida. O som
metálico do projétil caindo na mesa ecoa pelo ambiente, sinalizando que ele
finalmente concluiu sua tarefa. É tensa a situação, o ferimento ainda está
aberto e o homem se apressa a lavar com água do recipiente e um pano,
pega agulha e linha da maleta de primeiros socorros e com agilidade e
prática, começa a dar pontos precisos no ombro.
— Ele não perdeu muito sangue, em algumas horas já vai começar a
tagarelar de novo. — diz o homem ao terminar com o curativo. Após isso,
aplica um antibiótico e analgésico na veia e começa a recolher as gases.
Respiro aliviada, a tensão de antes, perante tanta dor, vai se
dissipando do meu corpo. Agora posso relaxar um pouco mais, tenho
certeza de que nosso amigo encrenqueiro está fora de perigo.
— Vamos ficar aqui até falar com ele. — Jess avisa com um tom
imperativo ao sentar-se em uma cadeira.
Eu, por outro lado, numa necessidade de me ocupar, começo a
guardar as coisas na maleta.
— Ninguém sai daqui antes do amanhecer, gracinha — avisa ele ao
nos dar as costas para lavar as mãos.
— Somos prisioneiras? — tenho medo de que essa afronta constante
dela possa nos colocar em perigo
— Por que é tão arrogante dessa maneira?
O sujeito abre outra porta do armário e pega uma bolsa.
— Até eu saber quem são vocês para ele e como estão envolvidas
nesse ataque, vocês não saem.
Ele vai até Vance e tenta despertá-lo com tapinhas, mas nada gentis
como os meus. Pega as roupas ensanguentadas e põe num saco de lixo
estéril.
— Somos amigas dele, não fomos nós que o baleamos se é o que
desconfia — retruca ela indignada ao andar até a mesa.
— Davay, Viktor, prosypaysya! (Vamos Viktor, acorde!)
— Sashaaa! — Vance começa a despertar.
Não sei se é pela frase em outro idioma ou o homem tirando a
própria camisa suja e colocando no lixo, que Jess fica paralisada com um
semblante surpreso.
— Devochki ne vinovaty, oni druz’ya, Aleksandr! (As meninas não
têm culpa, são amigas, Aleksandar)
Como não entendo nada, fico apenas olhando o físico do cara que é
coberto com tatuagens. Na costela, um desenho bonito chama minha
atenção, é um símbolo do yin yang e em cada polo é uma árvore com raízes.
Os bíceps são do tamanho da minha coxa e a barriga dele, por Deus! Tem
tanto degrau que parece a miniatura de uma escada.
— O chem ty dumal, ya skazal, chto mne ne sleduyet priyezzhat’ v
Barselonu! Parkanu eto ne ponravitsya! (O que você estava pensando, falei
que não era para vir a Barcelona! Parkan não vai gostar disso.)
— Tol’ko ne govori yemu. (Apenas não conte a ele)
— Kto eta krasivaya devushka v zolotom plat’ye? (Quem é a gata
linda de dourado?)
Jess pisca os olhos e cruza com os meus rapidamente. Ouço o que
os dois conversam, mas não compreendo, mas ela mesmo disfarçando está
interessada no assunto.
— Dazhe i ne dumay ob etom. Oni ne dlya nas. Oni printsessy
vraga. (Nem pense nisso. Elas não são para nós. São as princesas do
inimigo.)
— Svyatoye der’mo! Ty privel syuda doch’ bossa? (Puta merda!
Você trouxe a filha do chefe deles aqui?)
— A blondinka doch’ yego pravoy ruki, zamestitelya nachal’nika.
(E a loira é filha do braço direito dele, o sub-chefe.)
Jessica me olha outra vez e ergo os ombros para dizer que não tô
entendendo nadinha.
— YA mog by pererezat’ tebe glotku pryamo seychas, ublyudok!
Posmotri na to der’mo, kuda ty menya posadil! (Eu poderia cortar sua
garganta agora, desgraçado! Olha a merda onde me colocou.)
Vance com o braço bom, agarra o de Sasha implorando com o rosto
e voz.
— Ne trogay yeye, Sasha. Eto zapreshcheno lyubomu iz nas. Yesli
vy eto sdelayete, eto budet ogromnyy besporyadok! (Não toque nela, Sasha.
Ela é proibida para qualquer um de nós. Será uma merda gigante se fizer.)
— Radi neye ya by zaklyuchil sdelku s etimi karkamano. YA znayu,
kak spravit’sya so svoim der’mom, i ya ne prosto kto-to. (Por ela, eu faria
um acordo com esses carcamanos. Sei lidar com minhas merdas e não sou
qualquer um.)
Vance fecha os olhos novamente, parece ter perdido a discussão, ou
desistiu de argumentar, pois está visivelmente cansado.
— Dá para falar a nossa língua? Estamos aqui, sabia! — interrompo
a conversa.
— Vamos embora, Selena! — Jess avisa incomodada e sai andando.
Ela anda diminuindo os longos metros até a porta e eu corro atrás, pois seus
passos descalços são rápidos. O que foi que ela ouviu que a fez correr dessa
maneira?
Mas antes de nos darmos conta, o tal Sasha, se põe diante de nós
como uma barreira.
— Ninguém sai daqui! — pronuncia com cenho fechado e voz
perigosamente baixa, em tom de aviso.
Jessica atrevida ergue uma sobrancelha e cruza os braços.
— Tente me impedir!
A risada de desdém do homem é baixa, e dou um salto quando ele
agarra Jessica levantando-a e jogando-a nos ombros como se fosse um saco
de batatas.
— Seu brutamontes, maldito! O que você pensa que está fazendo?
Coloque-me no chão agora mesmo!
Os socos que ela desfere nas costas dele parecem ser ineficazes,
como cócegas para o homem que mantém o riso pela ousadia que fez. Ele
segue andando de volta em direção à mesa, onde Vance agora repousa,
coberto por uma manta grossa e o saco de roupas usadas sob a cabeça como
travesseiro.
Sasha olha para as pernas nuas dela e dá um tapinha em sua bunda
com um ar de deboche.
— Fique quieta e obedeça, é para o seu próprio bem, gracinha!
Nenhuma garota sai desse lugar sozinha de madrugada. Pela manhã, eu
mesmo me encarregarei de deixar vocês onde desejarem.
Ao descê-la, Jess arruma o cabelo bagunçado bufando e estreita os
olhos para ele, que sorri aberto.
— Está com fome? Cara amarrada pra mim é fome! Sente-se, vou
providenciar o jantar para as princesas.
Jessica lança-me um olhar incrédulo e enquanto nos sentamos nas
cadeiras, vendo o homem voltar a atenção para os armários, cochicha:
— Ele está jogando com a gente. Parece um felino brincando com a
presa para cansá-la antes de devorar. Não confio nele, bionda!
— Acha que se fosse nos matar, já não teria feito?
— Eu não sei, ele me confunde.
O homem retorna com garrafinhas de água, barras de cereais e
pacotes de batatas fritas os colocando sobre uma terceira cadeira próxima.
Jess evita olhar para ele e não demonstra interesse nas refeições. Eu
pego a água sem timidez e agradeço a gentileza.
— Onde estão seus sapatos, Jêssica?
Ela responde sem ânimo algum.
— No carro.
Nos surpreendemos quando ele saca a pistola e confere se está
carregada. Em passos seguros se afasta em direção a saída com a arma em
punho. Não demora um minuto para que retorne com o par de scarpins e a
pistola presa em seu cinto. Vai até a pia e pega o recipiente maior que foi
usado para lavar o ferido, cheio d’água, ele se aproxima com um pano
dentro dele. A coisa toda parece surreal, nós não conseguimos nos mover de
tão espantadas. Ele se ajoelha diante de Jess.
— O... o que vai fazer? — primeira vez que a ouço gaguejar. Bem, o
senhor rinoceronte tem esse efeito sobre ela. Tento não rir, e para conseguir,
bebo outro gole de água.
Sasha mergulha os pés dela na água, e minha amiga deixa escapar
um murmúrio tão cativante, quase um ronronar que o homem finalmente
sorri aberto, revelando uma faceta até então oculta. Ele é feroz, mas ao
mesmo tempo incrivelmente cuidadoso e gentil. Parece completamente
atordoado pelas reações de Jess. Não me atrevo a fazer um único
movimento para não interromper esse momento mágico. Tenho absoluta
certeza de que, para ambos, eu sou invisível neste lugar. Nem Vance, nem
este galpão, parecem existir para eles. A maneira como se olham faz
parecer que só existe um ao outro no mundo. Dio Santo!
— A água está do seu agrado? O aquecedor está meio enferrujado,
mas acho que ainda consegue trabalhar.
— Está perfeita. Por que está fazendo isso?
Os dedos acariciam os tornozelos dela com círculos lentos e suaves.
Se eu estivesse no lugar dela, estaria completamente derretida escorregando
pela cadeira, caindo nos braços dele.
— Meu amigo disse que vocês são amigas dele. Então, são
amigas minhas também.
A delicadeza não combina com as mãos enormes e brutas, os gestos
delicados na pele de Jess parecem de cuidado e apreciação.
— O que Vance é para você? Ouvi outro nome na conversa? —
pergunta ela mais calma.
O homem continua a lavar os pés de Jess com o pano e a atenção
com que faz isso me surpreende. Lava cada dedinho com concentração e
carinho. Uau!
— O que ouviu na nossa conversa?
— Perguntei primeiro — mais um sorriso da parte dele. É lento e
sensual, como se quisesse seduzi-la.
— Sempre nos seus termos, não é, gracinha?
— Quem é Aleksandar? — Sem trégua para ela. O assunto da
conversa mexeu com Jéssica.
O homem a encara firme e ela aperta os olhos esverdeados.
— Esse é meu nome, Aleksandar. Sasha é meu apelido. E
respondendo sua pergunta, ele é apenas um amigo de infância.
— Então essa coisa toda de esconderijo e proteção é só sobre
amigos em apuros?
— É exatamente isso.
Ele se levanta, pega um pano seco e o sapato de Jess na pia. Volta a
se agachar, enxugando com cuidado os pés dela que o analisa em silêncio.
Após isso, calça os sapatos.
— Sugiro que coma alguma coisa. Ainda demora uma hora para
amanhecer. Ele se afasta desprezando a água suja e colocando o blazer
sobre o dorso nu. A maldita peça de alfaiataria sem camisa por baixo, fica
tão sexy nele!
Jess decide comer um pouco ebebera água, mas a percebo
refletindo em pensamentos.
— Amiga, o que aconteceu? Você conseguiu entender o que eles
disseram? — pergunto, preocupada.
— Sim, entendi as palavras, mas muitas coisas não fizeram sentido
— ela responde, visivelmente confusa.
— Em que idioma estavam falando?
— Russo.
— Percebi o sotaque de erres pronunciado, só não tinha a certeza se
era russo ou outra nacionalidade.
— Os dois são, Selena. Nosso amigo Vance estava apenas fingindo
ser italiano. Agora preciso descobrir por que ele mentiu para nós. O nome
dele é Viktor. Minha boca se abre, surpresa e amedrontada. Qual o motivo
para que ele nunca tenha revelado isso durante esses anos? Nossas
conversas tomam outro rumo assim que Sasha circula pelo ambiente,
teclando mensagens no celular.
Em pouco tempo, os raios solares penetram nos poucos buracos do
teto. Então ele acorda Vance com muito custo. Acho que os analgésicos e
antibióticos que o vi administrando depois do curativo derrubaram nosso
amigo.
— Ei Sasha! YA ne dumayu, chto eto khoroshayaideya idti v
otel’, gde oni nakhodyatsya. (Não acho boa ideia irmos até o hotel onde elas
estão.)
Enquanto ampara Vance no ombro até o carro, voltam a falar russo.
Penso que seja com a intenção de que não possamos entender, mas nenhum
deles sabe que minha amiga é poliglota e está quieta ouvindo tudo.
— Poyedem v bronevike. YA Sovietnik i ty vypolnyayesh’ moi
prikazy. Ty znayesh’, mne pridetsya nakazat’ tebya za segodnya. (Vamos no
blindado. Eu sou o Sovietnik, você segue minhas ordens. Sabe que terei que
puni-lo por hoje.)
Entramos no veículo preto, um SUV com vidros insulfilm
semelhante aos utilizados por empresas de segurança privada. Vance e eu
nos acomodamos no banco traseiro e ele rapidamente se apoia em mim,
adormecendo. Jessica e o tatuado que está dirigindo, permanecem em
silêncio no banco da frente.
Não sei o que se passa na cabeça de Jess, mas acredito que algo não
está bem com minha melhor amiga.
A breve viagem dura um pouco mais de quarenta minutos, e não sei
se é porque não prestei atenção na estrada durante a madrugada, devido ao
desespero, ou talvez devido à escuridão, mas percebo que o trajeto é
diferente do que fizemos anteriormente.
Ao chegarmos em frente ao Hotel Condes, o carro dá uma volta na
quadra antes de estacionar. Jessica troca algumas palavras com o russo, e
ele a agarra pela nuca, puxando-a para um beijo.
Não consigo parar de olhar.
Não é um simples beijo, daqui de onde estou, sinto-me sem fôlego
apenas por observar. A dominância dele sobre ela é visível, ao beliscar o
lábio e devorá-la faminto. A cena me faz lembrar de como era ser beijada
por Tiziano, mordo o lábio e a lembrança me faz desviar o olhar para a
porta do hotel. Assim que o veículo é destravado, ajeito o dorminhoco no
banco e saio junto com Jess.
Entramos em silêncio até o elevador. Dentro dele é difícil não
reparar em seus lábios marcados e rosto corado.
— Pare de me olhar assim, Selena!
— Desculpe... eu. Foi sem querer.
Jess me abraça quando as portas de metal se abrem.
— Eu que peço desculpas, só fiquei envergonhada pelo que você
viu, por isso pedi para não me olhar.
— Por quê?
— Não sei, medo de julgamento talvez. Por estar atraída por um
fora da lei.
Não sabemos se são foras da lei. Vance sempre foi nosso amigo e se
não fosse esse incidente, tudo seria como antes.
— Algo me diz que as coisas vão mudar em breve — responde
misteriosa. Dentro do nosso quarto conjugado, minha curiosidade não
resiste. Afinal, ela não parece ser a mesma Jessica de antes de toda essa
catástrofe acontecer.
— Tem a ver com a conversa que ouviu em russo? — percebi que
depois daquilo, ela está preocupada.
— Sim, mas só vou contar quando tiver certeza e encontrar as
respostas. Até lá, vamos ter cuidado com Vance.
— Hum... estendi. Jess, posso perguntar o que você disse para o
Sasha te beijar daquele jeito?
Ela sorri como uma menina que ganhou um doce, seus olhos
brilham de modo diferente.
— Agradeci por ele ter lavado meus pés, mas fiz isso no idioma
dele. — Morde o lábio como se tivesse feito uma travessura. — Aí ele
soltou um foda-se e me agarrou.
— Quando vocês vão se ver de novo? — tento garimpar mais
informações.
— Ele só disse que me encontra. Não sei quando e se vai acontecer.
Dou um tapinha descontraído no seu ombro.
— Mas você quer, né?
— Pro inferno, como eu quero! — E às gargalhadas cada uma vai
para o seu banho. Fico feliz por Jessica, ela merece alguém que goste dela
de verdade, e como aquele homem a olhava, era lindo de ver, eu já fui
olhada daquele jeito, pelo menos uma de nós talvez encontre a felicidade no
amor.
CAPÍTULO 48

(Keeping me Alive - Jonathan Roy)


(Sign Of The Times – Harry Styles)
(The Reason – Hoobastank)

Desde que meu amigo me resgatou daquele clube, tenho me


esforçado intensamente para recuperar minha saúde, tanto física quanto
emocional. Naquela tarde, saí com Mirko e fomos direto para uma clínica
em que confio. Realizei todos os exames disponíveis para verificar se havia
algum problema. Lembro que sempre tomei medidas de precaução, mas,
durante o período afundado no vício, fiquei preocupado de que poderia ter
esquecido alguma vez. Para o meu alívio, não contraí nenhuma doença.
Mesmo assim, precisei de um tratamento de reposição de vitaminas,
já que durante aqueles seis meses, perdi cerca de 20% da minha massa
muscular, estava anêmico e desidratado.
O tratamento físico foi fundamental para meu restabelecimento e os
medicamentos para controlar minha libido foram reintroduzidos, já que essa
questão da propensão à satiríase se agravou nos últimos meses. Dieta
balanceada e exercícios para voltar a vida equilibrada foi recomendado.
Estou trabalhando em conjunto com psicoterapeutas em uma longa jornada
de reeducação para lidar com essa situação.
Na questão familiar, meu pai foi a primeira pessoa que quis ver.
Confessei os meus problemas e o que havia feito durante esse afastamento
deles. Por mais preocupação que expressasse, seu Nicola me apoiou quando
disse que precisava sair da Itália por uns tempos. Ele sabia que trabalhar e
ocupar a mente era o melhor a fazer naquele momento.
Agora estou em uma chamada de vídeo com minha terapeuta. Uma
das checagens semanais fora das sessões, um acompanhamento necessário.
— Desculpe, Tiziano, mas não posso alterar o seu sedativo. Já
devíamos iniciar a retirada deles e não aumentar sua dose. Fale-me da sua
rotina, do seu dia aí no Japão.
— Pela manhã faço atividades para o meu bem-estar físico,
alimentação, meditação e exercícios de fisioterapia, e a tarde permaneço na
filial, junto com meu sócio. O trabalho com a customização das BMW’s
exige esforço para me concentrar.
— Por quê? Conte-me essas dificuldades.
— Alguns dias são piores que outros. Os sintomas físicos de
câimbras e tremores, duraram o segundo mês inteiro de estadia aqui. Agora
o que me incomoda é uma inquietação, falta de foco e insônia.
— Hum... nesses seis meses, como definiria seus interesses fora do
local de trabalho? Sua diversão. — Seu semblante é curioso.
— Em um balanço geral, não sobra muito tempo. Faço as refeições
e higienes, leio um pouco antes de dormir e me deito.
— Por quê? Se você é o chefe. Por que não tirar um dia na semana
para dançar ou conhecer pessoas novas além do casal que divide o espaço
da casa com você? — O sorriso da senhora é amigável e compreensivo.
— Não quero correr o risco de uma recaída. Não estou interessado
em encontros ou em conhecer mulheres para fins sexuais. Sofri bastante
durante os primeiros três meses lidando com as crises de abstinência de
sexo, não vou comprometer o progresso do meu tratamento. Além disso,
quando termina o expediente, sinto o cansaço assim que volto para casa.
— Entendo. É por isso que solicitou o aumento da dosagem nos
sedativos? Tem dificuldade para dormir mesmo com a medicação?
— Sim, é isso, quero apenas apagar e religar pela manhã,
sobrevivendo mais um dia.
— Tiziano, receio que a falta de sono esteja relacionada a
abstinência sexual que está forçando ao seu organismo. Essa maneira de
viver nos extremos é prejudicial, precisa haver um equilíbrio.
— Não compreendo.
— Em seis meses você se afundou no sexo e busca da satisfação da
sua parafilia. Então de maneira brusca, parou com tudo, você sentiu o que
isso causou no organismo, mas agora precisa dar atenção ao que esse jejum
de sexo está causando a você.
Suspiro longamente, como farei isso sem voltar à beira da satiríase?
— Você deve estar se perguntando, como retomar a atividade sexual
sem perder o controle? — Sorrio sem graça, a doutora me conhece como
ninguém.
— Deixe seu melhor amigo de sobreaviso, do local onde vai estar e
o tempo que vai ficar, como uma prevenção. Há bastante locais para se
praticar a lactofilia no Japão.
— Confesso que tenho receio de retornar ao descontrole. Talvez
praticar sem sexo ajude se eu conseguir.
— Bem, se a satisfação da parafilia sem o ato sexual fará você ficar
mais tranquilo, precisa tentar.
Alinho minha barba, visivelmente nervoso.
— Sinceramente, estar na beira de uma satiríase não é o quero. Se
me abster de sexo ajudar a não voltar para aquela situação, é o que farei.
— Tiziano, preciso dizer que o equilíbrio é a lei do universo. É
comprovado que a atividade sexual faz bem para à saúde, oxigena os
tecidos e a pele, torna o indivíduo atento, além de reduzir o risco de ataques
das doenças cardiovasculares. Se decidir tentar, verá uma melhora no sono e
na sua concentração. Pense sobre isso.
Desse modo terminamos a conversa e a Dra. me deu bastante no que
pensar.

Despertei mais disposto hoje pela manhã, e agora tomando meu


café, preparo um para Mirko que se despede de Melinda na porta. O jeito
que afaga seus cabelos, arrumando os fios soltos do rabo de cavalo atrás da
orelha e os beijos no pescoço dela a fazendo rir, aperta meu peito.
Observando o amor deles lembro da minha Selena, onde eu podia cuidar
dela e ser seu protetor tanto quanto Mirko é com Melinda. Assim que me
acena um bom dia, retribuo e desvio para a tarefa da cafeteira, não quero
constranger os dois ao acompanhar a interação deles.
Ao ouvir o som da cadeira se movendo, enquanto se acomoda à
mesa, pergunto curioso:
— Bom dia! Aonde sua mulher vai sem tomar o café com a gente?
— Começou uma maratona de exercícios depois que a médica a
orientou sobre a necessidade de alinhar sua coluna, caso deseje engravidar.
Sabe, a questão da cifose leve que ela tem. — Vejo seu rosto preocupado e
sério.
— Não quer filhos? É por isso essa cara?
Ele adoça seu café sem pressa.
— Não sei, não tenho certeza de que serei um bom pai, mas minha
maior preocupação é Mel.
Mirko mexe seu café com a colher, sua expressão pensativa é séria.
— Ela é mais forte do que parece, cara! Não deve sofrer por coisas
que ainda não aconteceram.
Ele alinha os cabelos e a barba escura com um gesto inquieto.
— Mas já aconteceu uma vez. Ela sofreu um aborto e demorou
bastante para se recuperar, foi terrível para nós.
Meus movimentos travam pela confissão de algo tão horrível.
— Por que nunca me contou?
— Aconteceu alguns meses depois da perda de Lorenzo, você não
estava em condições de receber mais uma notícia impactante como a morte
do meu filho. Bem, ele tinha apenas dois meses e nem pensamos em
comemorar a notícia devido a...tudo aquilo e depois a perda… foi foda!
— Cazzo! Mirko, sinto muito. Queria ter te apoiado. Vocês também
são minha família.
— Eu sei, mas não se culpe por isso, bene? É passado.
Ele parte o pão e passa uma camada generosa de manteiga.
— Vejo que acordou bem esta manhã. Conseguiu falar com sua irmã
ontem? Vi que estava aos sorrisos na biblioteca.
Meu semblante melhora e bebo um gole do meu expresso.
— Jessica está diferente, demorou muito tempo para voltarmos à
nossa cumplicidade. Mas tivemos uma longa conversa ao telefone. Quero
pagar os custos de um apartamento em outro lugar.
— Qual o problema com o que ela mora?
— Ainda não sei. Quando mencionei sobre isso, ela disse que está
morando com Selena.
— Sim, mas qual a novidade? Lembro que contou sobre Selena
passar uma temporada com Jessica na Espanha.
— Não sabia que era definitivo e nem que estavam morando em um
apartamento dos Malpucci. Achei que meus pais estavam custeando a
moradia. Mas o acordo entre elas é de Jess arcar com as outras despesas.
Sempre estive à frente disso, mas com minha ausência e nossa distância, ela
não está totalmente aberta à minha ajuda e nem revela muita coisa. Mas
algo nas entrelinhas me diz que preciso investigar mais o que está havendo.
— O que ela disse quando ofereceu ajuda? — Tenho sorte por ter
um amigo como ele, interessado e sempre disponível para me aconselhar. O
que eu faria sem esse cabeção?
— Disse que não quer estar entre mim e Selena. Não quer perder
nenhum de nós dois. Portanto, no que se refere a ela eu não vou saber nada
e vice-versa. Bem, ontem foi um começo, depois de quase um ano
conversamos por mais de meia hora, isso já me deixou satisfeito.
Mirko sorri com aquele sorriso de lado, quando quer segurar e não
consegue.
— Sua irmã é uma garota inteligente e sabe como puxar suas cordas,
hein! O cara que conquistar o coração dela, precisa ser o maior malandro
para conseguir bater de frente com ela.
Aponto a baguete recheada na minha mão.
— Cuidado cabeção! É da minha irmã que estamos falando!
Mirko acha graça e balança a cabeça rindo.
— Sabe que é verdade e você concorda.
A estadia no Japão com o casal MM como gosto de chamar meus
amigos, está me ajudando muito na minha reabilitação e encontrar um
propósito para a minha vida. Mirko já ouviu meus lamentos inúmeras vezes,
me aconselha e me acalma quando minha revolta extrapola na bebida e
outros extremos. Eles se tornaram uma extensão da minha família nesse
quase um ano longe de casa.
Na parte profissional, nossa filial aqui se consolidou no mercado. A
clientela está expandindo dia a dia. Claro que as Hondas e Suzukis tem a
preferência, mas as BMW’s customizadas são itens exclusivos para a elite
japonesa que aprecia a marca alemã. Como eu previa, porém o sucesso
profissional não é mais meu lance. Nada mais é meu lance. Queria
perguntar a Jess como Selena estava. Mas não posso insistir, ela avisou que
não vai contar nada sobre ela.
A merda é que não posso me aproximar e não consigo descobrir
nada pela mídia. O jeito é seguir em frente. Se pelo menos sonhasse com
ela, tenho esperança de que algo tenha mudado, mas infelizmente nunca
mais sonhei com minha Selena.
Hoje precisei tirar uma folga do trabalho, o telefonema de Jessica
ontem me pegou desprevenido. Mirko chegou a pouco e avisou que veio
almoçar em casa. Ele sempre faz isso quando não tô bem.
Uma batida leve na porta da biblioteca anuncia meu melhor amigo.
— Entra Mirko!
— Como está? E não diga que está bem, porque conheço você. Sei
que nem dormiu a noite passada pela cara abatida.
Massageio as têmporas pela dor de cabeça terrível.
— Jessica me ligou ontem, estava destruída e eu queria estar perto.
É difícil minha irmã desabar, é tão forte e corajosa, mas às vezes essas
coisas chegam sem aviso.
— Mas o que houve com ela?
Penso se devo revelar assuntos que não são meus, porém Mirko é
um médico do emocional, ele sempre ajuda de alguma forma.
— Foi com Selena.
— Agora entendo por que está desse jeito.
— É. Selena teve uma crise em uma das viagens junto com Jess.
Então minha irmã abalada, contou toda a história. Selena namorou apenas
três meses com o farabutto, depois confessou que foi abusada por Pietro.
Eu sabia, sabia que aquele figlio di un cane tinha feito aquela violência
contra ela. Lembra que o confrontei e ele me ameaçou? Eu poderia matá-lo
com minhas próprias mãos! — falo entre dentes simulando uma torção de
pescoço.
— Cazzo! Não fale uma coisa dessas! E o que pode ser feito agora?
Caminho pelo espaço da biblioteca como um animal enjaulado.
Tentando buscar uma solução, um jeito de punir aquele desgraçado.
— Nada, absolutamente nada! Porra! Durante os meses que ficaram
juntos, Selena não se via como vítima. Mentia sobre os machucados, sofria
dos apagões constantes da medicação e o álcool que o infeliz a induzia a
beber. Agora ela sofre chantagem e ameaças dele, mas o esperto não deixou
provas.
Mirko senta em uma das poltronas de leitura, acendendo um cigarro.
— E além disso, o bastardo tornou-se ainda mais importante.
Elegeu-se deputado na última eleição. Não deve ter deixado ponta solta
para se enrolar com a mídia, ele é intocável — diz.
— Puta Merda! Preciso ajudar de alguma maneira, Mirko. Fiquei a
noite em claro pensando em uma forma de apoiá-la, nem que
anonimamente. Tem que haver algo que eu possa fazer, vou tentar conversar
com o dono do Clube Istar. Deve haver algum podre daquele cancro para
que possamos agir.
— O espanhol não vai cooperar, é um cara ético com a discrição dos
sócios.
— Preciso tentar. Talvez ir a Nova Iorque, ele tem outro clube lá. Eu
descobri e acho que conversar em uma zona neutra pode funcionar.
Ele me faz parar no meio do cômodo com ar de médico autoritário.
— Primeiro, você vai se alimentar, porque não tomou o café da
manhã. Esqueceu que faz uso de medicamentos e precisa se cuidar?
Assopro o ar preso nos pulmões e concordo com ele.
— Sim, tem razão. É só que não consigo pensar direito quando sinto
essa aflição por causa de Selena.
Mirko me guia para a sala de jantar, onde a equipe da cozinha já nos
espera para servir o almoço.
Converse melhor com sua irmã, ela vai saber do que a amiga
precisa. Mas você pode buscar informações de como ajudar vítimas de
abuso, pode se ocupar em um engajamento nesse tipo de apoio.
— O que sugere? — Subitamente meu interesse é capturado.
— Por que não se envolver em projetos com essas causas?
— Das vítimas de abuso?
— Eu acho uma ótima oportunidade para essas mulheres, um
homem com sua inteligência, recursos e interesse lutando pela justiça que
elas têm direito é o jogador vencedor nessa disputa.
Acomodo meu corpo cansado na cadeira pensando no que meu
amigo diz, é realmente algo que poderia fazer. Dessa forma vou encontrar
maneiras de ajudar Selena a superar ou viver com esse trauma, mesmo que
ela jamais saiba disso.
Os tortellinis são servidos e Mirko, com bom humor, beija as pontas
dos dedos após provar um pouco. Elogia a equipe da cozinha e agradece
pelo menu sorrindo. Mirko é um sopro de vida na minha existência. Nem
parece o garoto problema e bad boy que conheci. Tenho certeza de que Mel
foi a responsável pela mudança nele e o ajudou a se tornar esse cara tão
maduro. Recordo como Selena era a calmaria em meio ao meu caos, apesar
de desejá-la desesperadamente, havia paz para minha inquietação. Talvez
um dia eu descubra por que o destino a tirou de mim, queria oferecer algo
em troca para que devolvesse o meu amor. Daria qualquer coisa para tê-la
de volta.
CAPÍTULO 49

Nesses dois anos longe da Itália, tanta coisa aconteceu. Às vezes


parece que envelheci dez anos. Continuo me esforçando nos cuidados com
minha saúde, mas tem dias insuportáveis.
Não foi fácil admitir e aceitar que vivi uma relação de abuso.
Demorou para que eu lembrasse todos os episódios de violência e os
apagões que tive, durante meu relacionamento com Pietro. Devo muito a
terapia, que me ajudou nesse processo e a Jess, meu apoio.
Mas o problema foram as consequências. Os traumas que aquele
relacionamento provocou quase acabaram comigo. As crises pioraram, as
medicações foram ajustadas, reações físicas, desencadearam uma variedade
de respostas emocionais complicadas, ansiedade, medo constante e acessos
de raiva.
Foi tão grave que a resposta a longo prazo foi o desenvolvimento de
TEPT. [xxiv]

E o pior de tudo é que mesmo tendo colocado um ponto final


naquele namoro, Pietro não me deixa em paz. Constantemente ele faz terror
psicológico por meio de mensagens ou correspondência. Seja eletrônica ou
convencional. Com fotos, vídeos e recados debochados. Ele é cruel e sabe
como me atingir.
Não importa onde eu esteja, aquele monstro sabe e faz questão que
eu saiba que ele tem o poder de descobrir meus passos.
Jessica e eu estamos na França, ela tinha um seminário de línguas
aqui e vim acompanhá-la. Combinamos de nos encontrar para o lanche esta
tarde em uma das confeitarias de Paris. Teodoro me acompanhava por uma
rua de lojas e meu telefone vibrou. Peguei empolgada, achando ser Jess e
era uma mensagem de um número anônimo. Nela dizia para que eu
aproveitasse o clima da França e provasse um vinho rosê Fournier. Sabia
exatamente quem era, porque bebida era a forma com que ele conseguia
fazer o que queria comigo, e depois me culpava por isso.
De repente, um ataque de pânico tomou conta de mim. Olhei ao
redor freneticamente, buscando desesperada por uma saída, mas minha
mente parecia incapaz de processar qualquer informação. Um medo
avassalador me envolveu, sufocando-me. Meu peito doía, respirar tornou-se
uma tarefa árdua e minhas mãos tremiam violentamente. As lágrimas
começaram a escorrer pelo meu rosto, enquanto lutava contra a sensação
avassaladora, suada, trêmula e a beira de uma síncope, quase desabei na
calçada.
Teodoro me levou para o carro imediatamente. Queria ir ao hospital,
mas consegui convencê-lo a retornar ao hotel. Com muito custo meu
segurança me deixou na porta do quarto e eu entrei, trancando a porta e
sentando no chão.
Aqui estou, respirando com muito esforço, suando como uma doente
e tremendo até doer os ossos.
As lembranças dos acontecimentos daquele pesadelo voltam em
detalhes vívidos. Lembro até dos cheiros das bebidas, do perfume forte de
pinho e eucalipto que Pietro usava, do toque dos lençóis, de tudo como
flashes de um filme trash interminável.
Não queria ligar e atrapalhar minha melhor amiga, mas ela me fez
prometer que se um dia acontecesse uma crise sem ela por perto, eu ligaria.
Arrasto-me até a poltrona tentando fazer os exercícios de respiração.
— Um... Mil e um… — inspiro.
— Dois... Mil e dois… — respiro.
— Três... Mil e três… — inspiro.
Com as mãos trêmulas busco o celular e ligo no contato de
emergência.
— Alô, Selena!
— Jess! — Minha respiração está entrecortada e mal consigo falar.
— Onde você está?
— Hotel.
— Ok. Respire e se concentre nas respirações, estou no trânsito,
chego em pouco tempo.
Clico em desligar e deixo o celular de lado. Demora uns bons
minutos para a crise passar. Sinto o cansaço extenuante assim que o ataque
de pânico acalma. A última coisa que lembro é do rosto de Jess ao me
colocar na cama em meio a minha exaustão.
Na manhã seguinte, escuto batidas na porta do meu quarto e sua voz
me chamando.
— Selena? Está acordada?
— Sim.
Estou envolta pelo edredom, meu corpo completamente coberto, e
então, com lentidão, sinto algo deslizando suavemente e descobrindo minha
cabeça. Minha amiga me observa com tranquilidade, seus olhos sábios
avaliando meu estado. Com delicadeza, ela abaixa ainda mais a coberta e
segura minha mão, guiando-me silenciosamente em direção ao banheiro.
Não ofereço resistência, nem emito palavra alguma, pois me sinto
completamente desconectada do mundo ao meu redor.
— Quanto tempo estou na cama?
— Três dias. Como se sente?
— Sinto uma fadiga enorme.
— São as crises de terror noturno e os pesadelos, é cansativo
mesmo, mas depois do banho e do lanche você descansa. — Ela me coloca
na banheira vazia e liga os jatos mornos.
Minha pele aquece de forma reconfortante, irradiando calor para
uma alma que estava tão fria nos últimos dias. Jess ao me acomodar na
banheira, senta-se na borda atrás da minha cabeça. Ela começa a preparar
óleos, sabonete e sais, em seguida me pede para mergulhar na água e
retornar. Ainda não estou completamente conectada à realidade, mas
consigo sentir seus dedos cuidadosos trabalhando em meus cabelos
enquanto ouço sua voz me chamando.
— O que foi bionda? Qual memória dói mais?
Respiro, mas não tenho forças para inspirar ar suficiente.
— Todas! Às vezes que o defendi, menti por aquele monstro de que
não era ele que me feria, acho que isso é o que dói mais. A culpa.
— Humm... — ouço seu murmúrio e seus dedos continuam
massageando meu couro cabeludo, falando calma e me entregando uma
esponja marinha para me lavar.
— Você não é culpada, você é a vítima, Selena, sabe disso, né?
Sinto meus olhos encherem de lágrimas. Ela sempre me consola
com essas palavras. Apoio a cabeça e aceito a lavagem dos meus fios. Jess
continua baixa e tranquila.
— Você está tomando sua medicação certinho?
Confirmo com a cabeça.
— Precisamos falar com sua médica hoje, as duas.
Nego com a cabeça e ela a segura firme me mantendo olhando para
ela em uma posição de submissão.
— Isso não é discutível ou negociável, é uma certeza. Entende isso,
Selena?
Minhas lágrimas descem como rios.
— Dói muito — murmuro quase inaudível.
Ela alisa meu rosto e minhas lágrimas.
— Eu entendo, mas é importante, não acha? Continuar a curar as
feridas em vez de deixá-las infestar seu emocional. Você está
desmoronando rapidamente, não pode guardar tudo dentro de si, precisa
expressar o que sente.
Com essas palavras, as lágrimas fluem descontroladamente. Choro
ininterruptamente por mais de meia hora, meu corpo tremendo, mesmo na
água quente da banheira. A crise parece interminável, até que sinto suas
mãos cuidadosas auxiliando a sair da banheira, me enxugando e me
cobrindo com uma toalha felpuda. Então, me oferece um suco e minha
medicação, mas começo a perceber um incômodo, uma coceira na pele.
“Está chegando! Sinto isso! Meu Deus! Tudo de novo! Não!!!”
Quando penso que estou sozinha e prestes a começar a machucar
minha pele, o desespero crescente me faz ranger os dentes. Minha mão é
rapidamente contida por Jessica.
— NÃO!
— O quê? — respondo nervosa.
— Você não vai se ferir. Não permitirei! Você me ouviu? Não vai se
ferir! Agora vai ligar para a sua psiquiatra, estarei aqui, e não direi uma
palavra. Apenas o meu apoio.
Balanço a cabeça robótica e concordo resignada. Sei que é disso que
preciso, cuidados e tratamentos. Mas, é tão difícil esse ciclo de memórias
dolorosas que parece interminável.

Após o episódio lá na França, nos seis meses subsequentes houve


duas ameaças aqui em Valência. Pietro enviou duas fotos minhas que tirou
em um dos meus apagões em seu apartamento e há três dias foi um vídeo. O
miserável filmou o que fazia comigo, foi tão humilhante descobrir que ele
pode cumprir a ameaça de mostrar esse material para a mídia. Meu pai vai
morrer de desgosto. Para destruir o vídeo e as fotos, ele quer se encontrar
comigo.
Fiquei em choque quando disse que pode ser no prédio em frente ao
nosso, porque a propriedade é dele. Contei a Jessica em desespero e ela
disse que vai resolver. Que no prazo de uma semana terá as respostas.
Estou no quarto agora, acabei de encerrar uma chamada de vídeo
com minha psiquiatra. As consultas nesse período são longas e diárias.
Tenho crises com acelerações cardíacas, desperto com frequência banhada
em suor e aterrorizada. Jess sempre troca as toalhas e os lençóis que uso
para dormir e dorme em meu quarto para me auxiliar no meio da noite.
Ontem quebrei um dos espelhos do meu quarto e minha melhor
amiga chegou a tempo de evitar que me cortasse com um caco. Não tiraria
minha vida, só desejo esquecer a dor emocional e sentir a dor física. Estou
no meu limite! Sinto um medo paralisante.
E esse medo me corrói como ácido.
Preciso me recolher e sarar de novo.
Sou tão fraca… meus pensamentos são confusos. As noites em claro
deixam meus olhos ardendo, o corpo está dolorido pela crise histérica nos
últimos três dias me batendo contra a parede. Tenho vergonha de mostrar
esse meu lado feio para os outros, mas Jess sabe lidar com esse monstro que
me assombra é como se soubesse dominá-lo.
— Bionda! Posso entrar? Terminou a consulta?
— Sim, pode.
Ela entra com uma bandeja com chá quente e gelado, acompanhado
de bolo e biscoitos.
— Precisamos conversar.
Seu olhar sério enquanto nos sentamos nas poltronas, prestes a
começar nossa refeição, me deixa apreensiva.
— Deve ligar para seus pais e contar o que está acontecendo.
— Não! Não, nem pensar — respondo aflita, a ansiedade
aumentando.
— Vamos nos mudar ainda esta semana para Madri.
A notícia cai como um raio, e meu rosto revela a surpresa e
incredulidade ao ouvir isso.
— Mas..., mas meu pai não vai permitir. Aqui é o prédio dele e foi
com essa concessão que me deixou vir com você. — Sua mão pousa sobre a
minha em um gesto de consolo.
— Sem motivo ele não permitiria, mas quando souber que o seu
abusador tem uma propriedade em frente e está chantageando sua filha, ele
vai permitir sim.
Engulo o nó na garganta.
— Jess, ele não vai acreditar que um rapaz tão educado e filho do
ex-sócio, me feriu. E agora além disso, Pietro é um deputado eleito
importante.
— Seu pai vai acreditar sim, tenho certeza. Conversamos muito
pouco, mas percebi que você é a pessoa mais importante para ele.
— Onde vamos ficar? Ele vai querer inspecionar sobre a segurança
e localização.
— É por esse motivo que precisa dizer a verdade. Sei que não será
uma conversa fácil, posso ficar ao seu lado se quiser, mas Mário precisa
saber que você estava sendo ameaçada.
— Estava? Como assim?
— Tiziano resolveu quase tudo.
O impacto dessas palavras me surpreende tanto que levanto da
poltrona com as mãos suadas. Andando pelo quarto, seguro as lágrimas na
garganta. A aflição e vergonha tomando conta.
— S-seu irmão? Ele sabe do abuso? — Meu Deus! Não!
— Desculpe, bionda! Precisei desabafar, estava a ponto de matar
aquele maldito e meu irmão é como um pai, nas horas de medo e tristeza é a
ele que recorro.
A vontade é de gritar e sumir. Que vergonha, Dio Santo!
— Ele deve me achar uma ...
— Não! Pare! — Sua voz alterada interrompe meu raciocínio.
Retraída das minhas palavras, me acomodo na poltrona outra vez.
— Sei que vocês dois tem uma história, mas me recuso a estar no
meio dela. Vocês são muito importantes para mim, não vou perdê-los.
Tiziano ficou arrasado quando soube do que Pietro fez. E é ele quem está
ajudando a te proteger.
— C-como? O que está dizendo, Jess?
Meu coração aos tropeços parece falhar uma batida.
— Ele comprou uma casa em Madri, em um bairro bem localizado e
seguro. Próximo a uma família de sua confiança, onde o patriarca era um
ex-senador daqui do país, na época que seu pai exercia um cargo político na
Itália. Mário deve conhecer Alfonso Salvage.
— Como seu irmão conhece esse homem?
— O filho mais velho, Diego, tem negócios com meu irmão. Ele
tem uma empresa de táxi aéreo e agora estruturou com o cunhado
americano, uma agência de alta segurança. Ele me explicou como nossa
mudança para Madri vai afastar Pietro e mantê-lo quieto.
As surpresas não têm fim, mas conheço o poder que aquele monstro
tem.
— Jess, ele tem vídeos e fotos minhas. O terror não vai parar, aqui
ou lá, ele sempre vai estar à espreita.
Ela oferece seu sorriso irônico, ao explicar o resto da solução.
— Ele é um político, Selena, e guarda segredos que preferiria
manter ocultos. Meu irmão mencionou que iria lidar com a situação,
embora eu não saiba exatamente como. Ele sugeriu que existe uma maneira
de pressionar o sujeito para que ele a deixe em paz. Mas, recomendou que
você contasse ao seu pai. Quanto mais pessoas estiverem a par da situação,
melhor.
— Que vergonha, seu irmão lidar com os meus problemas e ainda
esse! — escondo o rosto nas mãos, mas gostaria de me esconder do mundo.
— Tiziano é a melhor pessoa para nos ajudar nesse momento. Ele é
o presidente da AIAV, Associação Italiana de Apoio à Vítima. Tenho
orgulho do que ele faz pelas mulheres que sofreram abuso.
Surpreendida, observo minha amiga enquanto ela serve o chá de
forma elegante, com gestos suaves e clássicos.
— O que disse, Jessica?
— Há alguns anos, ele luta pela justiça e dá apoio às mulheres
vítimas de abuso. Ele me contou que seu projeto é a implementação do ‘No
Callem’[xxv] lá na Itália, assim como é aqui na Espanha. Tiziano está a frente
deste projeto e ouvi-lo falar sobre e em como está focado, me enche de
orgulho. É por isso que me orientou em proteger você, a vítima. Porque o
ponto central do protocolo é deslocar a atenção para as vítimas do abuso ou
da agressão sexual. A prioridade das ações deve estar nelas e não no
agressor.
Pisco os olhos emudecida, não sei como me sinto em saber disso.
Não quero o meu psicológico ainda pior por pensar em Tiziano como meu
herói. Mas confesso que ouvir tais coisas mexem comigo.
— Preciso de um tempo para me preparar. A conversa com meus
pais será pesada e não sei como começar.
— Bem, vou deixá-la terminar o lanche e volto depois. Fico ao seu
lado para apoiar você, está bem?
Aceno silenciosa e pensativa. A única certeza nessa variável que é a
minha vida, é Jessica. E se ela sugere algo para o meu bem, preciso me
esforçar para fazer.
CAPÍTULO 50

(Imbranato – Tiziano Ferro)

Nosso destino final antes de retornar a Veneza foi o Egito. Ficamos


lá por várias semanas. Marquei um encontro com Jessica porque estávamos
perto, já que ela estava na Grécia. Embora nos tenhamos visto através das
telas dos celulares durante este tempo longe da Itália, foi um encontro
comovente, pois ambos sentimos falta um do outro.
Avisei que minha jornada por enquanto tinha terminado e que iria
voltar para casa. Jess contou que ainda não planejam retornar à Itália. Ela
pelos cursos marcados pela Europa, e Selena, como sempre, não revelou os
motivos da amiga.
Minha irmã no nosso dia juntos contou um pouco dos seus planos.
Definitivamente decidiu cursar relações internacionais, quer se tornar uma
diplomata. Tenho certeza de que minha mãe não ficou nem um pouco feliz
em ter a filha longe de suas asas. Tentei obter informações sobre mia
ragazza, mas Jess falou apenas que Selena estava bem, mantendo-se
ocupada com seu trabalho. Não pressionei, pois aceito minha situação de
amar sem poder vivenciar esse amor por completo. Não tenho tudo o que
desejo, mas aprendi a sobreviver com o que tenho.
Voltei para a Itália há dois meses, após uma jornada de três anos e
meio pelo Oriente, onde cresci e expandi minha empresa. Foram anos longe
de casa, trouxe comigo não apenas bagagem física, mas também um grande
amadurecimento emocional. Minha família sempre foi meu refúgio, e esses
anos distante deles, embora fossem necessários, apenas reforçaram o quanto
são essenciais na minha vida.
Mirko e Melinda voltaram comigo, deixamos um homem de nossa
confiança responsável pela empresa. Embora saiba que, em algum
momento, será necessário fazer uma visita, estou em condições de trabalhar
remotamente e realizar reuniões por vídeo conferência de qualquer lugar.
Fiquei na mansão umas boas semanas. Até porque decidi fazer uma reforma
no meu apartamento no continente.
Aumentei a segurança e ampliei uma parte que planejava há muito
tempo.
No andar de cima, além de uma cozinha muito bem equipada, que
me permite experimentar novas receitas que aprendi a apreciar durante o
tempo fora, criei um espaço para meus treinos. Pratico kickboxing e outras
artes marciais que aprendi. Mirko brinca que pareço um gorila pelo corpo
repleto de músculos. Fazer musculação diariamente junto com as sessões de
meditação, mantém meu controle sobre a mente e o corpo.
Para preencher minha rotina e me adaptar com minha parafilia,
aceitei as sugestões da psiquiatra de focar em várias atividades, para
substituir o sexo com desconhecidas, já que não tenho interesse algum em
conhecer alguém para me relacionar.
Sim, minha compulsão tornou-se bem controlada depois desses
quase quatro anos. A rotina regrada do tratamento e o propósito que
encontrei para minha vida contribuíram para isso.
Tornei-me um líder na luta contra a violência e o feminicídio. Estou
presente em todos os congressos e seminários sobre a deliberação de
projetos que previnem e ajudam as vítimas desse tipo de crime.
Como empresário, além de gerir recursos e tempo, reconheço minha
responsabilidade social em abordar, em conjunto com outras empresas, a
proteção das mulheres contra a violência doméstica. Destacar a relevância
do respeito no ambiente profissional é fundamental. É um dever abordar
questões de gênero, promover campanhas contra preconceitos e apoiar
iniciativas antissexistas e antidiscriminatórias. Sinto-me orgulhoso em
contribuir para a dignidade no local de trabalho.
O envolvimento com essa causa é uma ocupação constante. Além
das responsabilidades na empresa, dedicar esforços para fazer o bem aos
outros transformou minha vida. Durante o período em que buscava
melhorar e lidar com meus transtornos, perdi a capacidade de sonhar.
Talvez meu dom de prever e ajudar pessoas a evitar tragédias tenha
terminado. Como Selena, sinto que o destino tirou muitas coisas de mim,
parte de um mistério.
Talvez isso seja um teste ou um caminho de aprendizado que ainda
não compreendi completamente. Engraçado, houve um tempo que
amaldiçoava o dom, agora sinto falta. Sinto falta de conversar com minha
amiga anjo e seus enigmas. Quem sabe um dia voltaremos a nos encontrar.
(Please Notice – Christian Leave)

Após um dia atarefado no trabalho, chego exausto. Tive uma


jornada inteira de reuniões discutindo a implementação do protocolo 'No
Callem' na Itália.
Ouvir as experiências de várias vítimas realmente me abalou.
Acredito que meus esforços para fazer de Veneza a primeira cidade italiana
a aderir a essa ação não serão em vão. Mas, devo confessar que dias
intensos como hoje têm impacto emocional mais forte em mim do que
outros, porque meu coração fica apertado em pensar no que mia ragazza
sofreu nas mãos daquele farabutto! Após um jantar leve, ligo para o meu
pai, pois deixou uma mensagem hoje cedo e não consegui responder.
— Ei pai! Como está?
— Figlio, quando vem para casa? Nesses três meses conto nos
dedos os almoços que aproveitamos juntos. Está trabalhando demais.
— Verdade, mas isso me ajuda. Deixa minha mente ocupada.
— Tem falado com sua irmã?
Pergunta estranha, será que aconteceu alguma coisa?
— Conversamos essa semana, por quê?
— Não sei, ela e Olívia discutiram. Achei que tivesse comentado
com você.
— Não, nada. Mamãe não contou?
— Não. Anda nervosa e chateada.
— Ah, Jessica comentou comigo que retomou o estágio para
relações internacionais. Será que não é isso?
— Hum, deve ser então. Ela sempre quis que Jessica fizesse
administração e marketing como ela. Para ajudá-la com a burocracia da
nossa perfumaria.
— Deve ser isso, pai, não se preocupe, elas se entendem.
— Eco! E você, como está?
— Bene, bene!
A risada baixa ao telefone é compreensiva.
— Conheço o filho que tenho. Vê se da próxima vez não se despede
do seu vecchio com uma mentira.
— Ah, pai. Não se preocupe comigo, vou levando. Uns dias
melhores, outros piores, mas é a vida.
— Tá bom, aceito a resposta, descanse, sua voz parece cansada.
Buonanotte, Tizo.
— Buonanotte, seu Nico.
Desligo a chamada e pego o livro que estou lendo todas as noites
antes de dormir, para adormecer com a mente ocupada.
Em instantes mergulho em um sono profundo, mas depois de um
tempo, desperto assustado pelo som do livro de capa dura caindo no chão,
aberto. Não estou na minha cama. Caminho lentamente por uma estrada de
pedra em um jardim com grama bem cuidada, repleto de árvores frondosas.
É um local desconhecido, não é o jardim da casa dos meus pais. Olho sobre
o ombro e o livro não está mais no chão.
Oh! Dio, esse perfume? Estou sonhando. Uma mão no meu ombro
me faz girar.
— Há quanto tempo, pequeno Thor!
A mulher anjo com seu sorriso doce, me abraça e sinto uma paz que
reconheço quando estou com ela.
— Senti sua falta. Por que desapareceu todos esses anos?
Começamos a andar no gramado úmido, passeando pelo jardim,
apreciando a luz da lua cheia.
— Não desapareci, foi você quem desapareceu de si mesmo.
Sempre estive acompanhando a sua evolução, meu querido.
— Então deve ter visto o que eu tive que fazer? Tive que renunciar o
que busquei a minha vida toda.
A brisa morna da noite balança os cabelos dela, fazendo quase uma
extensão da sua roupa leve e esvoaçante. Parando na minha frente, ela olha
dentro dos meus olhos de forma intensa e séria.
— Por que o ser humano no plano terreno sempre escolhe o
caminho mais difícil?
— A voz melodiosa parece penetrar no meu cérebro.
— Era o único caminho, a única forma de protegê-la.
— Não! Havia outro caminho ao qual você teve medo de escolher.
— Confuso, meu coração começa a pulsar mais rápido. E se eu pudesse ter
evitado tudo o que aconteceu com Selena?
— Qual? Qual caminho deveria ter escolhido? Por que não me
mostrou? Aquele sonho era uma premonição ou apenas um teste?
— Ainda inseguro?
— Diga-me, por favor, de qual forma deveria ter agido?
— A verdade era a saída. Mas você teve medo de ser quem é, de que
ela não acreditasse. Medo que não encontrasse outra saída. A insegurança
sempre foi sua maior inimiga.
— Está dizendo que se eu tivesse contado sobre as premonições e o
aviso da morte dela, o resultado teria sido diferente? Estaríamos juntos
hoje?
— O desfecho da sua outra escolha não me é permitido revelar, mas
pelo homem que se tornou, fui permitida trazer um presente.
Sou guiado pelo braço adentrando mais o jardim onde as árvores
afunilam em um corredor estreito e no fim dele um paredão de cercas vivas.
A mulher anjo me abraça e sorri com afeto no olhar, e assim estende a mão
como se fosse afastar uma cortina, abrindo a cerca viva revelando uma
outra paisagem.
— Vá encontrar o seu futuro, pequeno Thor. Acredite nele, tenha fé,
só assim poderá alcançá-lo.
Não é mais noite como no jardim. Observo uma praia dourada, onde
o sol lança um brilho suave sobre a areia e o mar azul perfeito. Atravesso o
portal para esse novo lugar, sentindo o calor aquecer minha pele e a areia
afundar sob meus pés. Encho os pulmões com o perfume da brisa marinha
até ouvir risos de crianças ao longe.
Ando pela beira do mar por pouco tempo e paro ao ver duas
pequenas silhuetas brincando na água.
À medida que me aproximo, deparo-me com dois gêmeos, um
garotinho e uma menininha, ambos com cerca de três anos de idade, que
riem enquanto as ondas molham seus pezinhos. Seus cabelos são tão claros
e seus sorrisos tão puros que parecem personificar a própria essência da
felicidade. A pele corada e a alegria dos dois catando conchinhas na areia é
hipnotizante.
Mas onde estão os pais dessas crianças? Conforme caminho em sua
direção, meu peito se enche de um sentimento tão grande e poderoso que
me sinto invencível.
— Papà! Papà!
Lágrimas de alegria e emoção brotam dos meus olhos quando o
menino e a menina correm em minha direção, abraçando-me com força e
gritando papà em voz alta. Posso sentir o calor de seus pequenos corações e
suas mãozinhas quentes me segurando.
Quando elas me olham, seus rostos se iluminam com o mesmo amor
e reconhecimento que sinto. A felicidade e a emoção inundam meu ser
enquanto seguro os gêmeos um em cada braço. É como se o universo
tivesse revelado um segredo profundo e precioso nesse momento mágico.
Sei quem é a mãe sem vê-la, apenas olhando para os olhos verdes dos meus
filhos.
— Meu viking, traga as crianças, elas precisam lanchar. Quando
vocês descem para a praia esquecem de tudo. Dio Santo!
Ergo o olhar para ver a Selena grávida na entrada da nossa casa com
um sorriso aberto. Os cabelos longos balançando pela brisa e a mão
esquerda com uma aliança reluzente alisando o ventre.
Desperto neste exato momento com um sorriso e lágrimas
escorrendo pelo rosto. Fico alguns minutos paralisado, chorando de
felicidade. Para a maioria pode ter sido só um sonho, mas para mim é o
futuro com minha família, uma visão de amor e completude que me traz
uma motivação renovada e a certeza de que revivi outra vez.
Com a imagem dos meus gêmeos sorridentes em minha mente,
preciso planejar uma maneira de chegar até ela. Farei tudo ao meu alcance
para viver o meu destino. E o primeiro passo é contar a verdade para
Selena.
CAPÍTULO 51

(Someone You Loved – Lewis Capaldi)


(Photograph – Ed Sheeran)

A mudança para Madri realmente nos fez bem. Não foi fácil contar
ao meu pai o motivo, mas Jess estava ao meu lado.
A revelação sobre Pietro causou reações nunca vistas ao meu pai.
Ele tremia de raiva e mamãe precisou acalmá-lo enquanto lacrimejava
disfarçando. Ele fez questão de vir pessoalmente inspecionar a nova casa e
a equipe de segurança. Teve uma reunião com Teodoro e o tal Salvage
responsável pela equipe que ficou sob o comando dele pela minha proteção.
Jess como viaja constantemente, tem uma equipe a parte que a
protege e é Tiziano o responsável nas negociações. Mas não esqueço que
todo esse aparato de proteção foi ele quem providenciou e organizou para
meu pai avaliar.
Seu Mário foi só elogios ao DiMateo. Acho que os três dias que
papai ficou aqui em Madri, conversaram por videoconferência. Em outra
época eu ficaria em êxtase, agora se tratando do que conversaram só me
deixa mais envergonhada. Bem, pelo menos surtiu efeito e Pietro não me
importunou mais, quem ou o que foi feito, não tenho a mínima ideia e até
prefiro não saber. Sinto-me quase confortável em ter uma vida de jovem
normal. Focar no trabalho, tentar fazer planos e manter a cabeça ocupada,
vai me fazer bem.
Jess chegou de uma viagem a Londres e estamos nos preparando
para sair pouco. Um jantar com alguns conhecidos, a maioria, pessoas que
trabalham comigo na galeria, que se mudaram para cá, e a assistente de
Jessica que está na cidade.
— Selena, podia me emprestar aquele vestido oliva justo?
A cabeça de Jess aparece na porta do meu closet.
— Claro, entra aqui e escolhe o que quiser. — Agora posso trocar
roupas com ela, ganhei corpo e formas lindas.
Enquanto ela vasculha as peças, fico diante do espelho e faço uma
análise do vestido pink que escolhi usar.
Durante esses três anos e meio de dedicação aos exercícios, meu
corpo passou por transformações notáveis. Jessica frequentemente comenta
que minha aparência lembra a de Afrodite. Apesar de ser de estatura baixa,
minhas pernas estão definidas, minha bunda ganhou volume e se tornou
mais firme devido às corridas e aos exercícios de flexibilidade que faço
para as sessões agachadas com equipamentos fotográficos.
Hoje tenho plena consciência da minha beleza. Meus seios
cresceram significativamente, sem a necessidade de intervenção cirúrgica,
apenas com a reposição e regularização dos hormônios que antes me
faltavam. Sinto meu corpo mais curvilíneo, com uma cintura e estrutura
ainda pequenas, o que destaca ainda mais meus quadris e seios. Embora não
tenham crescido tanto quanto os de Jess e outras mulheres, meu corpo agora
tem mais a forma de uma mulher do que de uma garota.
— Você está linda com esse vestido, bionda. Definitivamente, rosa é
sua cor. Todos os tons ficam ótimos em você.
— Obrigada, Jess. Você sempre dando um plus na minha
autoestima.
Olho para ela alisando o vestido verde em seu corpo, e nossa! É a
personificação de uma mulher que pode escolher a companhia que quiser.
Jessica fez um delineado nos olhos, deixando-a parecendo uma felina.
— O Smurf vai te encontrar lá no restaurante? — pergunta com uma
sobrancelha arqueada.
Começo a rir e faço um coque no cabelo, puxando uns fios soltos
para dar um charme.
— Por que você implica com ele, Jêssica?
Quando ouve minha entonação igual o russo chamava seu nome, ela
fica vermelha e disfarça escolhendo um sapato na parte de trás do closet.
— Peguei no seu ponto fraco, né gracinha? — provoco sorrindo.
— Bionda, bionda, não queira receber minha vingança.
Não seguro uma risada ao aplicar um batom diante do espelho.
— Jess, você implica com Hugo há muito tempo, mas ele é tão fofo,
se mudou para ajudar na galeria.
Ela se acomoda no pufe calçando a bota Balmain que lhe dei no
último aniversário.
— Sei bem por que ele se mudou para Madri. Quer saber, ele tem
jeito de pau pequeno! — sentencia.
Giro para ver seu rosto com o meu totalmente pasmo.
— Não adianta me olhar com essa cara de peixe fora d’água. É
pequeno ou, não é?
Volto a olhar para o espelho na tentativa de fugir da conversa.
Como posso admitir que só experimentei tentar ter intimidades quando
percebi que era pequeno? Nunca mais quero sentir dor, nunca mais vou
inalar nada para relaxar minha musculatura ou ficar bêbada para transar
porque o pau é enorme.
— Está bom para mim, pelo menos não me machuca.
Ela se aproxima e me guia para o pufe sentando-se ao meu lado.
— O que quer dizer, bionda?
— Nada demais, Jess. É só que... não tive experiências boas e o
único que tive me machucou e era enorme quase igual ao... — seu olhar
interessado me apavora, eu ia falar do irmão dela. Não! Não vou tocar nesse
assunto. — Demorei muito para sentir curiosidade de me envolver
sexualmente outra vez, e quando percebi que o do Hugo era pequeno, decidi
tentar. Foi bom que esteticamente ele seja assim.
— Quer dizer que o seu critério para foder é o tamanho do pau? Isso
é bobagem, um grande se for com carinho te deixa nas nuvens.
Pisco os olhos pela forma direta com que Jessica trata o assunto.
— Não fale desse jeito... é que tenho medo. E como não senti dor
com ele, deixei rolar.
Minha amiga se levanta visivelmente inquieta e anda pelo closet.
— Sentiu prazer? Teve orgasmos com ele? Um pequeno pode dar
prazer se o cara for inteligente com as mãos e língua, mas o pau é
importante.
Mordo o lábio confusa, mexendo as mãos no colo.
— Acho que não, nem com Pietro senti o que senti com... não! Não
tive orgasmos! — Não vou contar que era bom apenas com Tiziano, que só
ele me deu um prazer inesquecível, sem sequer penetrar ou me ferir.
— É claro que com o figlio di un cane você não ia ter um orgasmo.
Mas o Smurf não sabe ... não fode... ah óstia! Por que você faz, então?
Refletindo em tudo isso, não sei o que responder, talvez para me
autoafirmar como uma garota normal, bonita e atraente, ou para esquecer
meu sofrimento em amar e não ser amada por quem eu queria.
Tiziano disse que eu não cabia na vida dele e tudo o que fiz até hoje
foi querer pertencer a alguém, mais que isso, pertencer a ele. Penso que
sobrevivo tentando esquecer esse sentimento que me dilacera a alma.
— Acho que não sou mais uma boa companhia para sair hoje. —
Vejo o vulto de Jessica em meio às lágrimas que turvam minha visão,
tentando me abraçar.
— Desculpa, perdão, Selena. Não devia ser tão insensível.
Afasto-me direto para o meu quarto com ela me seguindo.
— Bionda, por favor!
— Pode ir, prometo que não vou me ferir. Tem a minha palavra. Só
não quero ir em um lugar e fingir que tô feliz, igual finjo os orgasmos — É
tão humilhante me sentir desse jeito.
Entro no meu quarto e ela barra a porta quando tento fechar.
— Selena, conversa comigo! Eu quero entender!
Seguro as lágrimas e engulo o nó na garganta.
— Você nunca vai compreender, nunca! Alguém já disse que te
amava no dia do seu aniversário e apenas três dias depois, afirmou que não
havia lugar para você em sua vida?
— Quem fez isso? — ignoro a pergunta, porque tô de saco cheio de
fingir que estou bem o tempo inteiro. É exatamente o contrário disso.
— Já se viu entrando em situações em que buscava
desesperadamente ser aceita, desejada e tentava se encaixar na vida de
alguém? Eu passei por isso, e assim como o primeiro que me usou como um
brinquedo, Pietro também fez o mesmo. Agora, estou tentando encontrar
meu lugar na vida desse rapaz que você chama de smurf, mesmo que não o
ame. Portanto, não, você nunca vai conseguir entender como me sinto.
— Meu irmão fez isso?
— Preciso de um tempo sozinha, Jessica. Seria melhor você ir no
encontro com o russo. Sei que essa preparação não era apenas para o nosso
jantar com o pessoal da galeria. Não há mais clima para mim. Não vou
trancar a porta, mas prefiro ficar sozinha agora.
Fecho-me dentro do meu lugar seguro e me recolho. Sento-me no
chão do quarto com uma caixa que escondo no fundo da gaveta da cômoda.
É meu segredo. Está repleta de fotografias do meu passado, algumas
poucas fotos daquela garota magrela com sorriso triste e muitas outras dos
momentos felizes que deixei para trás. Sempre evitei abrir essa caixa,
apesar de levá-la para onde vou como uma relíquia.
Meu peito aperta tanto ao olhar as fotografias de Tiziano, o coração
fica pequenininho, tomado por uma saudade do que não tive com ele.
Olhando o retrato dele naquele píer, apoiado em sua moto e jaqueta de
couro, me debulhando em lágrimas, me pergunto por que guardo essas
lembranças. E só nesse momento compreendo o motivo.
Fotos não ferem, retratos não desprezam e nem mentem, apenas
aplacam um pouco a saudade que sinto de um amor que tenho certeza hoje,
jamais esquecerei. Olho a outra fotografia na nossa aula de direção, ele
sorrindo para a câmera tão sincero, como pude acreditar?
Na minha dor converso com a foto.
— Não consigo amar outra pessoa. É uma realidade brutal, mas é a
minha realidade, a dor de não ter você agora depois de tudo o que passei, é
tão ou maior daquela que tinha há três anos e meio quando você me afastou
com seu desprezo.
Fecho os olhos e me permito chorar. É um sentimento tão impotente
angustiar-se por memórias que não se pode esquecer. Já morri uma vez, mas
no lugar de sangue, foram lágrimas.

Desde o dia que tivemos aquela discussão no closet, percebi Jessica


diferente. Não no tratamento comigo ou nossa amizade, mas um pouco mais
quieta e pensativa.
Emagreceu, está trabalhando muito, às vezes fica dias sem voltar
para casa.
Teve um dia que a ouvi chorando em seu quarto e quando
questionei, ela disfarçou com uma desculpa qualquer.
Não consigo saber nada de concreto dessa mudança dela e isso me
preocupa. Mesmo não sendo algo com relação a nós duas, tem algo errado.
Será que tem a ver com Sasha? Será que ainda estão se vendo?
Hoje é a primeira semana de folga depois de um semestre da minha
exposição correndo a Europa. Claro que em alguns lugares foram por um
tempo limitado, pois o acordo com meu pai de não me ausentar da Espanha
ainda vale depois de quatro anos. Teodoro e mais alguns seguranças
garantiram que tudo saísse conforme o agrado dele.
Nesse momento estou na cozinha, como sempre preparando um
lanche para quando Jess chegar da academia, é nosso momento de
descontração. Talvez precise conversar seriamente com ela para descobrir o
que está havendo.
Ao receber a mensagem de que está subindo, destravo a porta e
aguardo. Minha amiga entra, cansada das sessões de treino e pouco
conversa. Se apressa a lavar as mãos para comer.
— E o treino? Como foi?
— Cansativo, mas necessário, e você? Aproveitando o primeiro dia
de folga? — pergunta ao sentar na minha frente.
— Ah, nem fala. Me livrar um pouco dos aeroportos é um sonho. —
Deixo um sorriso franco enquanto alcanço seu prato com o sanduíche.
— Queria falar com você.
— Queria falar com você.
Rimos por falar ao mesmo tempo a mesma frase.
— Fale primeiro, bionda. Estou ouvindo enquanto devoro o
sanduíche fitness que tanto gosto.
— Não sei o que está acontecendo, você está diferente e há meses
notei, mas não quis perguntar por receio que eu a tivesse ofendido de
alguma forma aquela vez ... sabe, lá no closet.
Jess para de mastigar depois volta e bebe o suco de laranja.
— Oh! Não. Não é nada disso. O que tenho para dizer é que
devemos voltar para a Itália.
O pedaço de pão entra atravessado na garganta e começo a tossir.
Jess se aproxima com tapinhas nas costas até que recobro a normalidade.
— Como você me dá uma notícia dessas? — pergunto ao beber um
pouco de suco.
Jess sorri encabulada e volta a se sentar para terminar sua refeição.
— Selena, não é grande coisa, estamos há quatro anos longe de casa.
Querendo ou não, lá é nosso lar.
Mordo meu sanduíche tentando pensar em algo para dizer, mas
agora nem o gosto do presunto de Parma eu sinto. Tenho tanto medo de
voltar para Veneza. Minha vida era tão solitária e tem os monstros do meu
passado naquele lugar.
— Deve estar pensando que enlouqueci ao sugerir isso a você. Mas
você está vendo isso com os olhos do medo.
Meu coração começa a acelerar só de me imaginar no mesmo
ambiente que o meu abusador.
— Pietro está lá. Não tô preparada para ficar em um lugar que a
qualquer momento posso encontrá-lo.
Jess segura minhas mãos e afaga com carinho.
— Selena, lá você estará tão protegida quanto aqui, até mais. Porque
ele não vai ousar chegar perto. Você nunca estará sozinha.
— Eu não sei... não sei se consigo — murmuro com o pouco de voz
que tenho.
— Você é a pessoa mais forte e corajosa que conheço. Nós vamos
achar uma maneira de expor aquele monstro e ele vai pagar.
Meu sorriso de otimismo é tão fraco que mal se vê.
— Não podemos fugir do que somos, amiga. Você tem uma história
para terminar naquele lugar assim como eu. Ainda podemos viajar o
mundo, mas antes devemos lutar contra nossos demônios.
— Eu... eu finjo que sou corajosa, que sou independente e estou me
curando dos traumas. Mas não é verdade, Jess. Todos os dias quando acordo
pela manhã, rezo para aguentar mais um dia, porque vivo com medo.
Ela me abraça apertado e deixo as lágrimas escaparem.
— Se você deixar de tentar por medo do que pode acontecer, você
abre mão do risco e se priva de tudo que o destino pode te trazer.
Ela segura o meu rosto entre as mãos.
— É vital aprender a tranquilizar nossas mentes inquietas. O medo,
uma emoção de imenso poder, atua como um mecanismo de defesa. Mas ao
nos rendermos a ele, acabamos aprisionadas por nossas próprias
preocupações. Uma habilidade essencial para as mulheres é desenvolver a
capacidade de diferenciar quando o medo é benéfico, mantendo-nos seguras
e quando se transforma em um obstáculo que nos impede de progredir.
— E se eu falhar, me esforçar e não conseguir estabelecer uma vida
lá? E, considerando que você resolva suas questões e siga em frente, ficarei
sem meu principal apoio. Só tenho você e se te perder, não tenho mais
ninguém.
A ideia de encarar a solidão é, sem dúvida, apavorante!
— Não fale assim Selena. Você não vai me perder, você vai comigo
e vamos enfrentar nossos medos juntas. A vida é ação, movimento e a
coragem de assumir a possibilidade de viver o que se quer viver.
— Por que você quer voltar? — questiono secando meu rosto.
— Descobri algumas coisas do passado da minha família. Preciso
investigar certos detalhes que minha mãe esconde de mim.
— Sua mãe? Como tem certeza? — É difícil de acreditar que Olívia
esconde coisas de Jess. As duas são tão apegadas.
— Uma longa história. Mas agora que conversamos, tenho uma
sugestão para você.
— Hum... — Não sinto essa empolgação que minha amiga exala.
Mas não posso desanimá-la.
— Por que não levar sua exposição para Veneza? — Amplio o olhar.
— Lembra que seu sonho era expor seu trabalho, o tema ‘Os Sentidos’ na
bienal em Veneza? — Balanço a cabeça ouvindo seus argumentos, mas por
dentro estou totalmente amedrontada.
— Você alcançou o sucesso com esse tema, com a sensibilidade das
imagens que capturou. Em quatro anos, você é uma das fotógrafas mais
requisitadas da Europa e o único lugar que não consegue vaga na sua
agenda é o seu país. Você não pode fugir a vida toda!
Desvio a atenção para a janela lateral, buscando na paisagem
ensolarada uma saída para esta conversa. Sei que é verdade o que ela diz,
mas é tão difícil enfrentar o passado.
— Pense Selena, podemos fazer um grande evento, aproveitar que é
época do carnaval e organizar um baile de máscaras.
— Não gosto de holofotes sobre mim, Jess. Não! — Seria um
convite a aquele monstro, ele poderia tentar algo contra mim.
— Bem, então sem exposição, mas que tal organizar um leilão de
uma das suas obras para algum projeto social e as máscaras serem a
temática do evento? Não precisamos dizer que a artista está presente, assim
pode se misturar e decidir se quer aparecer. — Olho para ela com seu
sorriso aberto de expectativa. Talvez se não aparecesse poderia funcionar.
— Com convite seria melhor, assim controlamos quem estaria
presente.
— Está considerando, Selena? Ouvi bem?
Começo a rir encabulada e um pouco insegura com os planos.
— Você faz tudo parecer uma festa, Jess. — continuo apavorada,
mas minha amiga parece me dar coragem para enfrentar qualquer coisa.
— Precisamos arrumar nossa bagagem e tratar com a empresa de
transporte. Aquele closet não vai ficar para trás. Ah! E vou providenciar
uma festa para ficar na memória daquela ilha. Ah se vou!
Ela começa a falar sobre os planos sem parar. Minha mente não
acompanha, pois, uma mistura de melancolia e apreensão toma conta de
mim.
Ao pensar em retornar à minha cidade natal, meu corpo se contrai e
sinto um frio na espinha. As lembranças do que vivi naquele lugar me
perseguem constantemente como sombras que não querem me abandonar.
Evitei todos esses anos qualquer menção à Veneza ou aos eventos que
ocorreram lá, pois temia reviver as feridas emocionais que nunca realmente
cicatrizaram.
Desejo do fundo do coração deixar para trás esse passado doloroso,
mas a coragem de enfrentar meus demônios ainda não me encontrou.
Respiro profundamente porque com coragem ou sem, chegou a hora de
voltar. Não me sinto forte para ficar aqui sozinha.
CAPÍTULO 52

Na semana passada, quando recebi a ligação de minha irmã, a


notícia de seu plano de retornar a Veneza me inundou de euforia. Ela
explicou que Selena estava relutante em voltar, mas para tornar as coisas
mais agradáveis, convenceu sua amiga a organizar um evento beneficente.
A ideia de incluir em um leilão uma obra da famosa herdeira e
fotógrafa foi brilhante, e a temática das máscaras adicionou um toque a
mais, permitindo a Selena decidir quando e como deseja revelar que
retornou ao país. Tenho plena consciência de que a elite italiana e os
paparazzi ficarão alvoraçados com a notícia. E me coloquei à disposição
para organizar tudo, inclusive a entidade que será beneficiada.
Jess já me alertou que a amiga não deseja chamar a atenção para si
mesma e talvez sequer compareça. Desde aquele dia, minha mente está
tomada por um único pensamento. A perspectiva de encontrá-la e ter uma
conversa com ela, representa a melhor oportunidade que tive desde a sua
partida, e é fundamental que eu aproveite essa chance ao máximo.
Lembro da conversa de hoje cedo, quando não consegui segurar a
pergunta:
— Selena vem com você, ao leilão?
Poderia jurar que os olhos de Jess reviraram do outro lado da linha.
Mas minha irmã respondeu com bom humor.
— Achei que a notícia do retorno de sua irmã preferida seria o
motivo dessa voz animada, senhor Tiziano!
Soltei uma risada alta em parte pela boa recepção dela quanto o meu
interesse pela amiga.
— Claro que tô muito feliz em ter minha irmãzinha em casa, mas...
é muito maior que isso, Jess. Se um dia você pudesse e quisesse ouvir, terei
prazer em contar.
Ela suspirou tão alto que achei que estivesse passando mal.
— Jess? Ainda está aí?
— Prometi que não ia me envolver na história de vocês dois. Mas
não vejo saída. Precisamos ter uma conversa muito séria sobre o que houve
e não houve entre vocês. Só assim para decidir se devo ajudar ou não!
Porra! Isso é melhor do que eu esperava.
— Certo, Jess, está na hora de você saber a verdade. Mas não será
hoje à noite.
— Não! Nem sei se vou conseguir levar a artista ao evento, Selena
está com o humor instável. Conseguiu a equipe para a organização? Como
foram os preparativos nesta semana?
— Tudo pronto, a obra já chegou e está na sala de leilões e a
recepção dos convidados está pronta. Estarei no local pessoalmente antes do
evento para conferir os últimos detalhes.
— Restringiu os convites? Não podemos correr o risco di quello
cretino do Pietro comparecer. Se ele ousar participar e comprar a obra de
Selena, somente para seu ego ou para intimidar...
— A obra é minha, vou cobrir qualquer lance.
— Nossa! — ignorei a surpresa dela e continuei.
— O figlio di un cane não vai aparecer. Foi a primeira coisa que
garanti. Ele está viajando, sondei sua assessoria, mas a equipe de segurança
foi orientada a barrar quem não apresentar o convite. Onde vocês estão? Já
chegaram ao país?
— Já, estamos na mansão Malpucci.
— Por que não foi para a casa dos nossos pais?
Mais um suspiro me diz que Jessica esconde algo.
— Discuti com mamãe da última vez que nos falamos, preciso me
preparar para encontrá-la. — Lembrei da conversa com meu pai.
— Percebi que ela anda mais quieta que o habitual. Agora me diga,
qual máscara vai usar para eu reconhecer você? Talvez possamos nos sentar
na mesma mesa antes da revelação dos rostos.
A risada de minha irmã foi tão alta que irritou meus ouvidos.
— Não adianta jogar verde, Tiziano. Selena não está disposta a ir.
— Não falei nada sobre ela, perguntei sobre a sua fantasia.
— Sei. De qualquer maneira, também não quero ser reconhecida.
Esse jogo de disfarces só dá para brincar uma vez no ano e quero aproveitar.
— Nem a mim vai se revelar?
— Especialmente, irmãozinho!
— Bene! Nos vemos à noite, espertinha.
— Ciao!
Finalizei a ligação com o coração apertado. Bem, talvez ela não
compareça, mas, de qualquer forma, mia ragazza está mais próxima agora
do que estava uma semana atrás, e vejo a oportunidade de conseguir um
encontro.
Não que a Espanha fosse um impedimento, mas a minha coragem
ganhou uma aliada: a proximidade. Seguro a medalhinha e a aperto entre as
mãos, fazendo uma breve prece, na esperança de que o destino esteja a
nosso favor.
‘Não me apague do seu coração, porque preciso de você, da sua voz,
do seu sorriso, do seu cheiro, do seu tudo. Não aguento mais me afogar na
distância e na saudade. Volte para mim, minha bella.’
(Caruso - Il Volo)

Chegamos à Itália ontem à noite, e infelizmente, cedi à proposta de


viajar com Jéssica para voltar para casa. Não tenho certeza do que me
aguarda aqui, mas estou inquieta e preocupada. É provável que seja por isso
que meu organismo está reagindo dessa maneira. Hoje cedo acordei com
dores no corpo e uma sensação estranha de que algo grande está prestes a
acontecer.
Minha amiga foi até o ateliê onde encomendamos nossas máscaras e
deve retornar em breve. Estou no quarto, começando os preparativos para o
evento. Prometi a mim mesma que não participaria, mas acho que é hora de
enfrentar meus medos e tentar, de alguma forma, superar o que aconteceu
neste lugar, já que tenho Jess ao meu lado.
Não demora, ela bate na porta do meu quarto e entra com três caixas
de veludo nas mãos.
— Amiga, as máscaras ficaram incríveis! — exclama animada as
deixando sobre a cama.
— Verdade? Quero ver a sua, qual é mesmo sua fantasia?
— Vou de Mariachi.
— Como assim Jessica? Vejo aqui uma máscara de caveira
mexicana — indago ao abrir a caixa trabalhada com fita de cetim.
— Eis o ponto, bionda, no México a caveira mexicana é um ataque
a sociedade hipócrita e paralelamente a desmistificação da morte. No caso
da minha fantasia é uma crítica ao casamento. Os Mariachis inicialmente
foram idealizados para animar casamentos, depois ao longo dos anos se
tornaram símbolo da cultura mexicana, porém misturar a morte aos
animadores de casamento é bem apropriado.
— Você e suas ideias sinistras! — Sua risada ecoa pelo quarto. —
Amiga, tem certeza de que vou conseguir passar por esse evento sem
nenhuma crise? E se eu cair outra vez?
— Por quê? O que está sentindo? — aproxima-se preocupada de
onde estou sentada.
— Não, nada por enquanto, talvez um pouco de dor no corpo, a
cabeça estava latejando até eu tomar um analgésico. Pode ser apenas um
resfriado, ou até o ciclo menstrual. Meus seios estão mais doloridos do que
nunca. — Os toco sobre o roupão de seda e percebo que estão quentes. Vou
menstruar sim, só pode ser.
— De qualquer forma, se evoluir, tem que fazer o teste de covid,
hein! Não quero pegar essa merda outra vez. E se você cair, bionda, eu te
pego! — sorrio pela piscadela marota.
— Bene, bene, vou ficar de olho e farei o teste se notar
que as dores aumentaram.
— Vamos ficar atentas. Agora, chega de conversa, precisamos nos
vestir e ficar ma.ra.vi.lho.sas! — pontua ela.
Admiro sua empolgação, Jess está cada vez mais linda. Hoje ela
alisou os cachos e os prendeu, como se os tivesse curtos como um homem.
— Sasha estará lá? — pergunto por curiosidade.
— Hum?
— Não precisa disfarçar. Sei que está apaixonada pelo russo.
Vejo isso nos olhos cor de oliva, quando ela volta de seus encontros
misteriosos, eles brilham tanto que quase perdem a cor verde e ganham um
puro tom de oliva. Mas de repente quando ela ouve a afirmação de que está
apaixonada se transforma em uma fera, seu rosto fica tenso e ela aperta os
lábios.
— Não me apaixono, Selena! É só diversão. Và bene?
— Oh! Si. Não está mais aqui quem falou — respondo com uma
falsa cara arrependida, nunca a vi negar algo com tanta propriedade, mas
ela não me engana.
— Pode me ajudar com esse colete?
Ela o veste e começa a acomodar os seios apertando-os e
esmagando-os dentro do material de couro.
— Fecha o zíper aí atrás, bionda!
Enquanto obedeço, começo a perceber a coisa que ela está tentando
fazer, e isso me acerta como um tapa!
— Jessica DiMateo, você vai se fantasiar de homem? — Minha voz
sai aguda pela risada que surge em seguida.
O ataque de riso é tão potente que me faz sentar na cama outra vez,
e só aumenta quando ela abre uma outra caixa e tira de dentro dela um traje
típico charro preto, além do sombrero super decorado e chamativo com
pedras vermelhas e bordados dourados.
— Eco! Vou inverter os papéis e você, signorina dourada, será
acompanhada pelo Mariachi dela Muerte!
— Dio! Que maneira de acabar com a graça, Jessica? Estraga
prazer! — Levanto e busco meu vestido no cabide e deixo estendido sobre a
cama.
— Selena, esse vestido é... uau, meraviglioso!
— Não sei se é a melhor escolha para esta noite. — Afago a seda
sentindo a textura sedosa.
— Como não? Esse dourado é clássico e o decote princesa do
tomara que caia fica perfeito em qualquer ocasião.
— Acho que para essa época do ano não é apropriado tanta pele à
mostra — respondo insegura.
— Covardia não, Selena! Você é uma mulher linda e não deve
esconder isso, tampouco se envergonhar de ser o que é. A sua máscara tem
a capa que esconde praticamente ele inteiro, se você decidir retirar e dizer
algumas palavras na hora de entregar sua obra ao comprador. Foda-se! Você
vai ostentar esse lindo vestido de seda, o decote princesa e esses peitões!
Bene?
— Seu irmão estará lá, né? — pergunto num fio de voz.
— Sim, ele é o organizador da festa. E a instituição que ele
representa, a qual será beneficiária do leilão, é a fundação da AIAV. A que
falamos de apoio às vítimas, lembra?
Pisco rápido, recordando que ele é o presidente da instituição.
— Lembro, claro! E... e vou fazer algo bom para essas mulheres ao
ceder uma das minhas obras, não vou?
— Vai, você vai! E isso é tão bonito e importante! Por isso deve
ficar feliz e aproveitar a festa. Tenha coragem de seguir o seu coração. Se
não quiser usar esse vestido, ajudo a escolher outro.
— Gostei do vestido quando fiz a última prova — revelo tímida.
— E quer saber, você vai arrasar com ele. Meu irmão vai... —
quando olho rápido para seu rosto ela se desculpa. — Perdão, bionda, não
queria me intrometer.
— Seu irmão é passado, ele mesmo fez questão de deixar clara essa
decisão.
— Bem, gostando de ouvir ou não, Tiziano vai ter um colapso
quando te ver nesse vestido.
Ao ficar de costas para ela, não seguro o sorriso. Não sou hipócrita,
é lógico que quero mostrar a quem me desprezou como estou bonita e
diferente. Acho que é um desejo intrínseco do ser humano. Porém, isso não
quer dizer que aquele sorriso sedutor, aquela barba máscula e olhos azuis
intensos vão me afetar. Não estou nem um pouco ansiosa em ver aquele
monumento. Não, não! Oh, nem pense nisso, Selena! Educada sim, mas não
disponível.
Assim que ficamos prontas, uma equipe de gondoleiros e suas
gôndolas chegam até o cais da mansão para buscar a nós duas e nossos
seguranças.
É de praxe o desfile na primeira noite de carnaval pelo canal do
Rialto, porém nós não seguiremos a festa ao ar livre, pegamos o desvio e
atracamos na praça onde está o palácio Ducal.
Ao sair da gôndola, fico imaginando como Tiziano conseguiu a
permissão para fazer um evento neste lugar. Caminhamos cruzando os arcos
e indo em direção ao pátio interno do prédio, que agora é além de um
museu, o marco histórico da cidade. Vamos subir pela entrada lateral e não
a principal.
Teodoro apresenta nossos convites na base da escadaria para os
seguranças, muito bem trajados e orientados.
Inspiro profundamente várias vezes e busco o olhar de Jess, que me
encara com sua máscara prateada ricamente pintada, com um design
semelhante à caveira mexicana, em preto e vermelho. A única parte visível
de seu rosto são seus olhos. Embora saiba que por baixo da máscara ela
tenha aplicado uma maquiagem similar, uma piscadela sua me encoraja a
dar o primeiro passo, mesmo assim vou com a pulsação acelerada no limite.
Subindo os degraus da majestosa Scala dei Giganti, alcançamos o
vestíbulo para mais um lance com a Scala d’Oro e por fim o segundo piso.
Olho sobre o ombro e observo vários convidados mascarados atrás de nós, a
maioria em pares. As mulheres com vestidos luxuosos da época barroca,
com suas plumas ornamentais nas perucas do século XVI. Os homens com
seus casacos longos de brocado e veludo, parecendo duques renascidos.
À medida que nos aproximamos da porta da Sala del Maggior
Consiglio, podemos ouvir o som de um acorde familiar que cresce
lentamente. Logo distingo a melodia da música “Caruso”, interpretada por
Il Volo.
— Está pronta? — pergunta Jess ao me dar o braço.
— Muito pronta — disparo a mentira e aceito seu braço, com as
pernas fraquejando e meu coração parecendo correr uma maratona,
começamos a fazer o caminho pelo suntuoso salão, como um casal.
A meia luz deixa tudo mais assustador, claustrofóbico na verdade,
mesmo adentrando um dos maiores salões da Europa. A sucessão de
máscaras que viram para nos olhar é aterrorizante. Um largo corredor de
Pantalones, Arlecchinos, Fracanapas, Morettas e Bautas[xxvi], máscaras de
gatos, leões dourados e dragões parecendo uma cúpula de famintos
predadores à espreita da presa. A mais assustadora delas para mim é a
bicuda, el dotore dela peste circula pelo espaço como um abutre.
As cortinas damasco que pendem nas paredes dão a sensação de
grandes línguas ensanguentadas. Percebo minha respiração descompassada
e começo a contar baixinho, ninguém pode ver meu rosto sob a máscara
dourada. Preciso de algo para me concentrar e acalmar, porque de outra
forma, terei um ataque de pânico sem nem mesmo me acomodar em uma
mesa.
— Um... — Il Volo alça a voz na música:
"Guardò negli occhi la ragazza
Olhou nos olhos da garota
Quegli occhi verdi come il mare
Aqueles olhos verdes como o mar"
— Dois... — À minha direita, Jessica me acompanha, mantendo o
queixo erguido e olhando para frente.
— Três... — Continuo a contar, mas, ao contrário dela, direciono
meu olhar para a minha esquerda. O tenor canta a sequência:
"Poi all'improvviso usci una lacrima
Depois, de improviso saiu uma lágrima
E lui credette di affogare
E ele acredita se afogar"
Um homem enorme se levanta da sua cadeira em um claro interesse
em nossa travessia. A fantasia dele é do fantasma da ópera. Está com um
terno de estilo vitoriano preto, que inclui o colete, uma camisa branca de
alta gola e calças compridas de conjunto. A máscara é principalmente preta,
diferentemente da tradicional branca, e tem um formato distinto em relação
ao que geralmente conhecemos. Ele deseja preservar o mistério, assim
como os demais, por isso ela cobre completamente a parte superior do
rosto, sendo uma pintura que se estende por toda a região, simulando o
formato da meia máscara.
Por que notei tantos detalhes? Porque parei de contar e foquei no
estranho, no rosto encoberto que está fixo no meu. Parece que todo o
nervosismo se dissipou feito fumaça.
Quando passo por ele, sua cabeça se move acompanhando meus
passos e Il Volo ecoa no salão a plenos pulmões:
Te voglio bene assai
Te amo muito
Ma tanto tanto bene, sai
Mas tanto, tanto, sabe?
È una catena ormai
É uma corrente agora
Che scioglie il sangue dint'e vene sai”
Que faz o sangue queimar nas veias, sabe
O estranho misterioso conseguiu que eu não tivesse um colapso no
meio do salão. Talvez mais tarde eu possa agradecer e conhecer o rosto por
trás da máscara. Tiziano não pode ser, ele não era tão grande quanto aquele.
Ou será minha memória me pregando uma de suas peças? Qualquer homem
mascarado pode ser ele, Dio Santo! Sento-me na cadeira em uma mesa
reservada aos nossos convites dourados e começo a analisar os convidados
masculinos. Qual será a fantasia de Tiziano?
CAPÍTULO 53

(Caruso – Il Volo)
(Calling All Angels – Lenny Kravitz)

É minha terceira taça de espumante, Mirko ao meu lado vestido de


Romeu Montecchio e sua Melinda, Julieta, acham graça do meu
nervosismo.
— Calma, frate! Metade dos convidados ainda não chegaram.
Nossa mesa não fica na entrada, mas de onde estamos podemos ver
perfeitamente quem chega. Meu olhar está focado na porta.
— Não sei o que farei se ela cruzar a porta, acho que meu coração
não aguenta!
— Frouxo! — brinca ele.
— Não, ele é romântico, Mirko. Tizi é um eterno apaixonado —
defende Melinda.
— Você nem vai reconhecer as duas, tonto! — provoca meu amigo
entre os goles de espumante.
— Minha irmã certamente virá de algum personagem do cinema ou
Disney.
— Aposto em rainha de copas! — palpita ele.
— Eu acho que ela vem de Vanda Vision!
— Vocês tontolinos estão errados, Jess vai vir de D’Artagnan ou
algum personagem clássico, Hamlet talvez — rebate Melinda.
— Por quê?
— Porque é a Jess! — Ela ri de nós dois.
Um murmúrio de comoção se sobrepõe à voz majestosa dos tenores
do trio Il Volo. Meus olhos se dirigem à entrada. Nada mais consegue
desviar a atenção dos presentes. Um casal permanece imóvel sob o arco,
prestes a entrar no grande salão banhado pela luz amarelada.
Um Mariachi, vestido completamente de preto e ostentando um
imponente sombrero, guia uma dama com uma máscara dourada adornada
com raios que lembram uma coroa, mas é a fantasia de sol. Ela usa uma
longa capa de seda drapeada de ouro, que se estende até o chão.
O homem é ligeiramente mais alto e tem uma aparência
relativamente esguia, combinando bem com a mulher, que é pequena em
estatura. Faço o meu melhor para examinar detalhes que possam indicar que
seja Selena, mas não consigo identificar nenhum pedaço de pele ou fios de
cabelo à mostra.
Cazzo! E onde está Jessica? Não é a mia ragazza, Selena é uma
mulher magra, essa tem curvas, e o pior que não consigo desviar o olhar da
pequena mulher fantasiada de sol.
Conforme eles se aproximam, um impulso me faz levantar e me
posicionar diante da mesa, juntando-me a todos os presentes que estão
igualmente intrigados com as fantasias tão originais do casal. Só quando
eles cruzam pela nossa mesa, e o pequeno sol desfila próximo, reconheço o
perfume de lavanda.
Entre todos os perfumes caríssimos, renomados e raros que se
mesclam neste salão, apenas um, com sua fragrância hipnotizante, tem o
poder de mexer comigo. Ele evoca minhas memórias, envolve meus
sentidos e toca meu coração. E agora ele parece sacudir meu corpo todo de
tanto que pulsa dentro do peito. Ela veio!
— Tiziano! Ei, cara! O que foi? Seja discreto, não viu
que adamaestá acompanhada?
Mirko agarra minha capa para chamar minha atenção, mas estou
completamente distraído em observar para onde as duas estão indo se
sentar. Eu mesmo reservei as mesas premium com vista para o leiloeiro,
localizadas na ponta do salão, marcadas com etiquetas douradas, então
tenho certeza de que elas vão se acomodar em um lugar onde possa vê-las
claramente.
— Conheço muito bem o Mariachi, cabeção. Aquela abusada é
minha irmã! Mirko quase perde o fôlego de tanto rir. Sento-me de volta ao
seu lado, secando outra taça de espumante, em um esforço de amaciar a
garganta seca.
— Quer dizer que o sol é Selena?
— É, não poderia ter escolhido fantasia mais adequada. Ela é meu
sol.
— Ahhhh! — o coro do casal MM me faz parecer um bobo e
começo a rir.
Após alguns minutos todos os convidados chegam e se acomodam,
então o leilão tem início. Três lotes serão leiloados hoje, um conjunto de
taças de cristal Baccarat, um quadro óleo sobre tela de um nu feminino de
Mario Pobbiati e o lote de capa, uma fotografia do acervo da renomada
artista revelação da Europa, Selena Malpucci.
Os lances começam, mas em nenhum momento ela tira a máscara,
nem quando sua obra é arrematada por mim. Jessica aquela petulante, deu
lances até o fim, foi uma verdadeira Shill[xxvii]. Ela sabia que eu arremataria
a obra. Enquanto subia o preço, olhava em minha direção, certamente rindo
por trás daquela máscara de caveira. Selena me encarou de sua mesa
algumas vezes. Será que me reconhece de alguma forma? Não! Meu rosto
está totalmente escondido sob a máscara.
O leiloeiro faz seu papel ao encerrar o leilão e o cerimonialista do
evento assume o microfone.
— Senhoras e senhores, será uma honra ouvirmos algumas palavras
da artista, a signorina Malpucci, que gentilmente concordou em entregar
pessoalmente a obra ‘Uma pausa per la siesta’ ao adquirente. Após essa
ocasião, ela receberá os cumprimentos de todos os presentes que desejarem,
se mostrarem seus rostos. É justa essa condição, concordam senhoras e
senhores? Per favore signorina.
Como se fossem ligados por uma chave, a maioria dos presentes
começa a se desfazer das máscaras, somente para cumprimentá-la depois.
Mas minha atenção está voltada para minha irmã, desatando a máscara e o
broche da capa dourada de Selena.
A trança, anteriormente escondida sob o tecido, agora repousa de
lado sobre um de seus seios, longa até a cintura. Seu vestido revela com
elegância o colo, os ombros e os braços, abraçando seu corpo esbelto e
cheio de curvas. Ela mantém a estrutura física delicada, mas seu corpo
floresceu com a feminilidade da mulher que se tornou. Perco o fôlego ao
adimirá-la.
Linda demais, parece uma deusa dourada! Neste momento, minhas
mãos começam a suar e a respiração dentro da máscara de papel mâché,
parece ainda mais alta do que o som preenchendo o salão. Minha garganta
está tão seca quanto o ar do deserto, cazzo!
— Cáspitta, você deve estar se afogando de baba dentro dessa
máscara, frate!
Mirko aperta meu ombro e provoca:
— Feche essa matraca, cabeção! Preciso ir até lá e não consigo fazer
minhas pernas obedecerem os comandos do meu cérebro!
Ouço a gargalhada dele enquanto me afasto da nossa mesa.
Selena já está no pequeno palco, diante do microfone. É apenas um
degrau, mas tem largura suficiente para acomodar a obra e três pessoas.
Fico impressionado com sua confiança e postura graciosa no vestido de
gala. Enquanto, continuo a observá-la, me aproximo pela lateral do palco,
admirando seu perfil. Sua voz ressoa como um canto de sereia:
— É uma imensa satisfação fazer parte deste evento e contribuir
para uma causa tão importante. Quero expressar meus agradecimentos ao
organizador do evento, caso esteja presente, o Sr. DiMateo. Saiba que todas
nós, mulheres, somos gratas por contar com um apoio tão significativo na
batalha contra a violência de gênero.
Virar senhor não é lá muito animador, mas as palavras são bonitas e
vejo pela sua fala como Selena amadureceu. É um orgulho gigante perceber
como essa mulher ficou ainda mais perfeita.
Apresso-me a desatar minha máscara e capa quando ela chama pelo
comprador.
— E agora, vamos receber com aplausos o comprador generoso que
arrematou ‘Uma pausa per la siesta’.
Há um sonoro coro na plateia, Selena disfarça muito bem a surpresa
ao me ver, mas os segundos que nossos olhares se conectam é como voltar
para casa depois de uma longa viagem.
Após os aplausos, ela me estende a mão num cumprimento formal e
gelado para a foto do único jornalista permitido no salão. Seu sorriso é
forçado e educado, e isso é como um balde de água fria em mim. Era
previsível que ela me trataria dessa forma, mas mesmo assim não deixa de
me machucar.
— Quem diria que o organizador era o homem que arrematou o lote
principal. Parabéns, sr. DiMateo, pela aquisição e pela festa. Certamente os
convidados desejam ouvir algumas palavras do presidente da AIAV.
Assim ela me entrega a palavra e sai simpática do palco. Não sei
exatamente o que estou falando, provavelmente algo que já disse na maioria
dos eventos. Mas como preciso de uma oportunidade a sós decido arriscar.
— Aproveitem a festa, agora vou roubar a artista por alguns minutos
para autografar minha obra. Com licença.
Observo seu olhar penetrante ao longe, tenho a certeza de que diante
de todos, ela não vai recusar meu pedido no microfone. Solicito que levem
o quadro até o salão adjacente, um espaço um pouco menor, porém vazio de
pessoas. Lá, apenas mesas e cadeiras permanecem após as reuniões desta
semana. Dessa forma, teremos a privacidade necessária.
Ao me aproximar de onde elas estão em uma conversa com alguns
casais, interrompo educado.
— Peço licença para roubar a artista um pouco. Signorina, me
acompanha para autografar a fotografia?
— Vou aproveitar para retirar essa máscara e ver a maquiagem no
toalete, depois falo com você, fantasma da ópera! — avisa minha irmã.
Selena recusa meu braço e segue em silêncio ao meu lado, enquanto
nos afastamos das demais pessoas. Merda! Não tenho certeza se vou
conseguir dizer o que preciso. Um garçom passa por nós e pego duas taças
de espumante.
— Não estou bebendo, obrigada — ela responde com frieza.
— Traga drinks sem álcool e água, por favor? — peço ao rapaz.
— Quais drinks, senhor?
— Todos que tiver, estaremos no salão das esculturas e a dama vai
escolher o que prefere.
Entramos no salão repleto de réplicas e figuras em gesso e pedra ao
redor, a sensação de distância é ainda maior. A vejo apressada indo em
direção a uma das janelas de pé direito com vista para a piazzetta.(pracinha)
— Já assinei a obra, signore! — sentencia ela assim que me
aproximo da janela.
O nó em minha garganta é tão grande que faço um grande esforço
para engolir.
— Por favor, não me chame de signore. — A rouquidão da minha
voz é acentuada pelo nervosismo.
— Me desculpe, mas como devo chamá-lo? — Selena não se exalta,
mas a expressão é dura. Ela mantém a voz neutra numa indiferença polida e
mortal, prefere olhar para a noite do lado de fora da vidraça do que em
meus olhos.
— Selena, preciso explicar o que me levou a dizer aquelas palavras
e a terminar nosso relacionamento há quatro anos. Só peço uma
oportunidade para me ouvir. — Consigo capturar seu interesse e ela olha no
meu rosto.
Mas não é mais o olhar de amor que conheci, parece outra pessoa
com os mesmos traços da mia ragazza.
— Por favor, fale! Assim podemos deixar o passado onde está, não
é? — demonstra a pressa em se livrar dessa situação.
“Não, não é isso, mas não posso implorar para voltar pra mim
agora.”
Tomo uma respiração profunda, tentando me encher de coragem. O
coração pulsando violento dentro do peito, faz com que meus músculos
enrijeçam de tensão.
— Desde muito cedo, descobri que sou diferente das outras pessoas.
Tenho sonhos que de alguma forma, se tornam realidade. Um tipo de
premonição.
Seus olhos de jade disparam para os meus rapidamente piscando,
como se minhas palavras a tivessem abalado profundamente.
— O que quer dizer com isso?
— Tenho o dom de prever o futuro.
Seus cílios longos, agora úmidos por um marejar repentino, parecem
quase hipnotizantes em seu rápido movimento. O olhar, antes tão firme e
confiante, parece agora oscilar entre a surpresa, tristeza e a raiva contida. É
evidente que essas palavras a atingiram de alguma maneira.
Ganho uma certa confiança e continuo a falar:
— Geralmente, são visões de tragédias. Levei muito tempo para
aceitar isso como um dom. Sempre me senti um louco, mas quando percebi
que meus sonhos se tornavam realidade, comecei a alertar as pessoas ou a
tentar salvá-las da morte.
— E o que isso tem a ver comigo?
— Sonhei com sua morte, e eu precisava agir para alterar o
resultado.
Ao ver sua boca entreaberta, expressando surpresa e incredulidade,
sinto o impulso de tocar sua mão que está próxima da borda da vidraça. No
entanto, antes que possa chegar até ela, Selena olha para o gesto, então
desisto no meio do caminho. Não me foi permitido tocá-la. Meu toque é um
insulto agora.
Prendo a vontade de gritar, talvez se me ajoelhasse, mas não quero
assustá-la e nem envergonhá-la.
— Alterar o resultado da tragédia, você pode alterar?
Ela acredita, está interessada em como funciona as premonições.
Isso aquece meu coração e reflete o entusiasmo na minha voz.
— Sim, eu posso, de alguma forma, se a pessoa que é avisada me
ouve e muda alguma atitude na cena, ela escapa da morte.
Seu olhar desvia para a paisagem noturna refletindo, é
compreensível, não deve ser fácil aceitar. Mas nosso amor pode superar
isso.
— O sonho foi claro, eu devia me afastar de você para que a morte
não te levasse. Estávamos casados no meu sonho, essa devia ser a alteração.
Quando Selena volta a olhar para mim, vejo a tristeza profunda
estampada. Olhos frios e rosto pálido. Ela se afasta alguns passos e gira
outra vez com os braços cruzados em total defesa.
— Está dizendo que devia me afastar para que eu não morresse?
— Isso mesmo, na época achei que a única forma era mentir para
conseguir isso. — Ela inspira e olha para o teto, soltando o ar como se
buscasse algum tipo de controle.
— Poderia aceitar um pedido de desculpas, sabe. Um homem tão
importante com uma vida agitada de compromissos, não poderia carregar
um fardo de uma garota inexperiente. É plausível nesse mundo de homens
de negócios. Vejo pelo meu pai, escolheu minha mãe porque ela é forte,
você não podia escolher alguém fraca como eu...
— Não é isso, Selena...
— Posso terminar meu raciocínio, signore? — A voz é mordaz e
seca.
— Desculpe. — Morto, é assim que me sinto neste momento, a
agonia em meu peito aperta tanto que quase não consigo respirar.
— Podia aceitar a desculpa de outra mulher, por que não? Não sabia
nada, nem beijar direito. E você é um homem vivido, rodeado de belas
mulheres, desfilando com elas nos tabloides. Mas agora, depois desses anos
todos, tem coragem de dizer que não ficou comigo para me proteger da
morte? Por causa de um aviso do além, de um sonho fantástico? — Selena
contorce a boca em um riso curto e amargo, e logo esconde os lábios com a
mão como se tivesse ofendido.
Seus olhos rasos me encaram firmes, nada amigáveis ou
compreensíveis.
— Agradeço por toda a gentileza que teve ao organizar esse evento
para facilitar meu retorno a Veneza, e sei que sua irmã contou o que
aconteceu comigo. Por favor, não sinta piedade, nem se culpe por tentar
justificar algo que possa achar que é sua responsabilidade ou decorrência do
nosso término. Poderíamos ter construído uma relação de amizade se não
tivesse colocado essa coisa da bola de cristal e salvar pessoas da morte no
meio da conversa. Era só ter a decência de admitir a verdade!
— Essa é toda a verdade que tenho, nada daquilo que falei era o que
eu sentia, você era perfeita e ainda é, eu amo...
Ela estende a mão de forma defensiva, como se ouvir mais lhe
ferisse. Seus olhos, uma mistura de determinação e mágoa, fixam-se nos
meus como um iceberg.
— Não! Não continue! — interrompe com firmeza. — Há quatro
anos, você fez uma escolha, e agora estou fazendo a minha. Com licença,
preciso voltar para os convidados.
O ar parece ficar mais denso e percebo que as palavras não podem
desfazer o passado nem apagar as cicatrizes que deixei. Selena se afasta,
deixando-me sozinho com um turbilhão de emoções e arrependimentos.
Enquanto a observo andar, vejo o que poderia ter sido, escapando de nossas
mãos como areia fina escorrendo pelos dedos.
Não vou desabar agora como um garotinho chorão. Sou homem para
aguentar, cazzo! Pelo menos até o fim da festa. Cruzo pelas mesas em
direção a saída e vejo que o garçom deixou uma bandeja com diversos
drinks e água. Talvez tenha preferido não interromper nossa conversa.
Viro uma taça de espumante em um gole curto e retorno para o
salão. Em nossa mesa, Mirko bebe animado, porém ao ver minha cara
derrotada sua expressão muda.
— Ei frate! O que aconteceu?
— Tentei remediar o irremediável. Fui conversar com Selena, mas
essa pode ter sido nossa última conversa.
Ele nem tem tempo de perguntar os detalhes. Somos interrompidos
por um casal conhecido ainda da época que frequentávamos o Moto clube.
Ambos me cumprimentam pelo sucesso na organização e por
conseguir o museu do palácio como local para o leilão. No entanto, meus
olhos são atraídos para o outro lado do salão, onde vejo Selena cercada por
dois casais de meia-idade. Devem ser amigos do pai dela, pois ela sorri
simpaticamente enquanto conversam, e a visão dela ali, tão distante, me
deixa com a sensação de nostalgia e de perda.
No auge da nossa conversa, ouvimos uma agitação na entrada,
seguida de murmúrios surpresos. Todos os olhares se voltam à porta,
quando vimos Pietro Albenacci entrar de braços dados com uma moça loira.
Meu coração dá um salto repentino, e meus olhos procuram
desesperadamente minha irmã, na esperança de que ela esteja ao lado de
Selena, e assim evite uma possível tragédia. Mas para minha aflição, aquela
abusada não está em parte alguma. De jeito nenhum ele vai se aproximar
dela, preciso impedir e rápido!
CAPÍTULO 54

(Hero - Enrique Iglesias)

Ao testemunhar a completa mudança na postura e expressão de


Selena quando ela percebe seu agressor se aproximando, ando a passos
largos atravessando o salão, chegando no meio da roda de pessoas, onde o
figlio di putana, estende a mão esperando Selena retribuir seu cumprimento.
Ela está paralisada, a cor fugiu de seu rosto, tão pálida quanto uma boneca
de cerâmica.
Sou rápido no improviso.
— Peço desculpas por interromper os ilustres convidados, mas devo
pedir um momento de atenção da signorina Malpucci. Há um casal distinto
que deseja conhecê-la. Poderia me acompanhar por um instante? — Olho
para ela que parece se dar conta que a estou salvando.
Depois encaro diretamente o farabutto odioso, que retribui com uma
expressão fechada. Se pudesse matá-lo com o olhar, ele já estaria boiando
no mar! Figlio di un cane! Então, seguro o braço de Selena e encaixo-o no
meu, afastando-a das pessoas. Roboticamente me acompanha até a porta,
parece não estar absorvendo nada enquanto deixamos o salão. Sua mão
treme e aperta tanto que dou atenção ao seu rosto.
Gotas de suor começam a se formar em sua testa, seu lábio treme
nervosamente. Assim que entramos no amplo corredor em frente à porta da
outra sala, onde tivemos nossa discussão há meia hora, ela desaba e suas
pernas não a suportam mais.
— Não... consigo... respirar... — o olhar esbugalhado e desesperado
é como uma lâmina percorrendo minha coluna. Meu amor está aterrorizada
e não posso impedir o que vai acontecer.
Agilmente, seguro seu corpo no colo, a retiro do corredor, indo
direto ao salão deserto e fechando a porta atrás de nós. Acomodo Selena em
uma cadeira enquanto ela tenta desesperadamente falar, mas apenas
lamentos incompreensíveis escapam de sua boca devido ao choro.
Um ataque de pânico! Todas as simulações e treinamentos que
participei sobre como apoiar vítimas de TEPT e traumas por abuso, agora
parecem insuficientes. Identificar os sinais é uma coisa, mas quando você
vê alguém que ama sofrer uma crise real, a experiência é profundamente
dolorosa. Meu coração se aperta ao testemunhar mia ragazza neste estado.
Ela tenta arrancar os sapatos, começa a arranhar os braços
soluçando. Me ajoelho e desato as presilhas dos tornozelos. Seu rosto
desfigurado de palidez, suor e sofrimento, acabam comigo.
— Ele me tocou, eu sinto... preciso tirar essa coisa nojenta de mim...
as... as mãos dele estão por toda parte... não suporto! Tira de mim, Tiziano...
não deixa... não... por favor!
O choro comovente parte meu coração e o desespero dela rasga
minha pele. Em um impulso inclino a cabeça em seu colo, pegando suas
mãos e fazendo-a agarrar meus fios de cabelo.
— Ele não está aqui! Não se machuque, por favor, puxe, arranhe,
bata em mim! Não se machuque, bella!
Seu lamento ressoa pelo salão, uma angústia palpável que parece
perfurar meu estômago e apertar meu peito com uma tristeza avassaladora.
É como se estivesse vendo a dor dela como um monstro a devorando, um
som agonizante e dilacerante. Meu couro cabeludo arde enquanto ela puxa
com força meus cabelos, mas, apesar da intensidade da situação, sinto um
grande alívio, estou aqui para ela, mesmo que seja apenas para oferecer
algum conforto durante essa crise terrível. Enquanto o mundo ao nosso
redor continua sua pose elegante no outro salão, tudo o que importa é o
momento em que estou ao lado dela. Aceito os tapas, socos nas costas e
arranhões nos meus braços sem me mover por alguns minutos, aos poucos
os gritos cessam e as mãos param de atacar.
— Desculpe, por favor, desculpe! Oh meu Deus! Eu te machuquei?
— a voz quebrada se recrimina.
Ergo meu rosto e a encontro surpresa e apreensiva. Selena está
borrada pela maquiagem e lágrimas, suas mãos geladas tremem, enquanto
seguro delicadamente entre as minhas para aquecê-las.
— Não, não. Nunca peça desculpas para mim, bella. Já
passou, vou chamar Jessica.
O corpo inteiro treme, seus dentes batem me levando a vestir meu
casaco nela. Selena o puxa fechando como se quisesse se esconder dentro
do veludo e quase consegue.
— Não me deixe sozinha, não, por favor, Tiziano... não.... Estou
com medo!
Aperto suas mãos com mais firmeza e vejo mais lágrimas
escorrendo, cazzo! Como gostaria de poder abraçá-la e aliviar toda essa dor
que ela está sentindo.
— Calma, não vou me mover, apenas vou pegar o celular no bolso,
tudo bem? Jess já vai nos encontrar e então as levarei em segurança para
casa.
— Casa... sim, quero ir para casa. Meu segurança... preciso dele...
eu... — sua expressão agora é de urgência.
— Não se preocupe. Vou buscá-lo assim que Jessica chegar, bene?
Hum? Beba um pouco de água agora, per favore! — Enquanto o telefone
chama no viva voz, abro o lacre de uma das garrafinhas que ficaram na
bandeja esquecida pelo garçom e entrego a ela.
Tento manter uma conversa, aprendi que devemos distrair a vítima
da mente onde o trauma está agindo.
Selena responde minhas perguntas de distração apenas com gestos,
às vezes um aceno positivo, às vezes um negativo, suas mãos trêmulas e
seus olhos vermelhos e inchados do choro a deixam tão vulnerável. É
angustiante vê-la assim! A raiva ferve dentro de mim, só consigo pensar em
fazer aquele miserável pagar, vou acabar com a raça daquele figlio di una
putana!
Pego o lenço do meu bolso da lapela e seco delicadamente seu belo
rosto. Seus olhos me medem e uma linha aparece entre suas sobrancelhas.
— Obri..ga..da — murmura quase sem voz.
— Não precisa falar nada. Está tudo bem agora, bella. Respire
comigo. Daqui a pouco estará em casa. — Onde está a peste da minha irmã
que some quando precisamos dela, porra!
— Respire fundo e conte junto comigo, está bem?
— Um — ela obedece fechando os olhos e se concentrando. — Isso,
de novo... dois, três... — As mãos param de tremer, tocam o abdômen e
peito visivelmente em dor física. Jessica finalmente atende o celular.
— Oi irmão.
— Estamos no salão das esculturas, Selena está em crise.
Uma maldição ao telefone me diz que Jess entendeu o recado e está
a caminho.
Vendo que Selena está mais calma, ofereço para colocar seus
sapatos.
— Não, vou esperar meu segurança, Teodoro me carrega, não vou
conseguir andar.
"Teodoro o cacete!"
— Minha lancha está no cais, gostaria eu mesmo de levar você e
minha irmã em segurança enquanto o seu guarda, cobre nossa saída do
palácio. Mas você decide. — Nos encaramos em silêncio por alguns
segundos, até Jess entrar esbaforida e um homem de meia idade
uniformizado a seguindo, o tal Teodoro.
Falo o nome ‘Pietro’ de forma muda para Jessica.
— Onde você estava, Jessica? — pergunto em seguida.
Minha irmã passa por mim visivelmente aflita e não responde meu
questionamento.
— Bionda, me desculpe, não devia ter deixado você sozinha!
Tiziano, você me garantiu que aquele cretino não viria!
Puta merda!
O olhar condenatório de Jess é pior que um tiro. E com essa
maquiagem de caveira, parece que ela ainda está com a máscara
assustadora.
— Ele é um deputado, Jessica, tem contatos em toda a parte, ele
pode muito bem ter conseguido os convites sem ninguém saber.
— Tiziano não tem culpa, amiga. — Selena interrompe qualquer
ação com sua voz baixa e cansada. — Teodoro, ouça as instruções dele,
Tiziano vai nos levar em segurança para casa.
Isso me surpreende, limpo a garganta e chamo o homem até a porta.
— Vá até o salão, de modo disfarçado, localize o deputado, você
sabe de quem eu falo?
— Sim, senhor.
— Certifique-se de que ele não saia do edifício antes de nossa saída.
Tenho duas lanchas esperando no cais, uma com minha equipe para nos
seguir. Você irá com eles. Seguirei com meu piloto e deixaremos as duas na
mansão Malpucci.
Volto-me a elas e vejo Selena exausta com os olhos fechados,
enquanto minha irmã seca uma lágrima que escapa.
— Podemos ir — aviso e a minha pequena mulher estende os braços
para mim, como um filhote buscando proteção.
Seguro a emoção e mantenho a postura séria. Jessica nos observa de
boca aberta, visivelmente surpresa.
— Não esqueça os sapatos dela, Jess.
Com essas palavras e Selena em meus braços, saio em direção ao
corredor. Descemos os dois lances da escada dourada que conectam ao piso
da loggia, não há descanso para os meus pés ao chegar no vestíbulo que
antecede a escadaria dos gigantes. Minha agilidade e força é movida pela
adrenalina.
O caminho parece curto demais, desejava que fosse mais longo para
poder mantê-la abraçada ao meu pescoço por mais tempo. Seu cheiro, seu
calor e sua vulnerabilidade são as únicas coisas que me impedem de voltar
para o palácio e descontar minha raiva naquele indivíduo desprezível. No
momento, minha prioridade é cuidar dela, o resto fica em segundo plano.
Cruzamos o arco para a praça São Marcos e caminhando pela
calçada em direção ao cais, ouço a respiração regular e pesada rente a pele
do meu pescoço, fico aliviado que se acalmou. É uma caminhada de uns
duzentos metros até a embarcação. Em outras circunstâncias, gostaria que
adormecesse assim em meus braços, esse é o verdadeiro desejo do meu
coração. Mas aceito a exaustão pós-crise, sei que ela adormeceria de
qualquer maneira em qualquer colo.
— Ela adormeceu? — indaga minha irmã ao entrarmos na lancha.
— É o que parece.
— Selena nunca adormece sem calmante após uma crise de pânico.
Demora horas até se sentir segura para relaxar.
Acomodo a nós dois na poltrona dupla da lancha, me recuso a
movê-la de onde está aconchegada. Forço meu cérebro com a desculpa de
que é para o bem-estar dela permanecer quieta em seu sono. Mas não é isso.
Um pouco de egoísmo ainda existe dentro de mim.
— Obrigada por isso, irmão. Por perceber e tirar Selena daquele
lugar a tempo.
— Ele... ele foi direto até ela, Jessica! Aquele... succhia cazzo
(chupador de pica) quer se aproximar de Selena! — exclamo com a
garganta dolorida segurando a emoção.
— Nós não vamos permitir que nada aconteça a ela, Tiziano.
— Eu juro que mato aquele bastardo com minhas próprias mãos!
Jess esconde o rosto visivelmente transtornada com a situação. Em
seguida, recebe uma ligação no celular e se afasta para atender. Enquanto
isso, ajeito as lapelas do meu casaco, cobrindo melhor minha pequena, e
tento gravar cada detalhe de sua imagem. Observando seu rosto sereno
descansando junto ao meu peito, sinto uma lágrima escorrer pelo meu rosto,
emocionado.
”Ninguém vai ferir você, amore, não vou permitir.”
A lancha navega rápido e em menos de quinze minutos, atracamos
no píer da casa dos Malpucci. Ao descer com ela, Selena murmura palavras
incompreensíveis no sono, seu segurança e minha equipe chegam logo em
seguida.
Ele faz menção de levá-la para dentro.
— Prefiro deixá-la em seus aposentos, pode me guiar pela casa,
Teodoro?
— Sim, senhor. — O homem é uma estátua sem expressão, ele não
demonstra absolutamente nada. Mas gostei dele, inspira medo e é isso que
deve causar nas pessoas que queiram fazer mal a Selena.
Acomodo-a em sua cama, com Jess ao meu lado e o segurança na
porta. Saio até a ante sala seguido por eles.
Minha irmã diz que já ligou para casa e avisou que está no país, mas
seu rosto aflito não é de preocupação com nossa família e sim com a amiga.
— Selena precisa de mim, vou ficar uns dias aqui, mas já pedi para
Lázio despachar algumas das minhas bagagens para a mansão.
— Ótimo, fique por favor e se puder me dê notícias. Eu ficaria se
pudesse ... eu... — deixo a sentença morrer, não consigo me concentrar para
conversar.
A raiva que corre em minhas veias está nublando meus sentidos.
— O que realmente houve entre vocês? Ela não fala e você muito
menos!
— Não dá, Jessica! Não me peça para contar nada agora!
Vendo minha inquietude em andar pela sala, minha irmã
segura meu braço preocupada.
— Tiziano, vá para casa, não faça uma besteira. Olhe, Selena precisa
de nós e não de mais uma tragédia na vida dela. Escute-me, ela morreria se
visse você atrás das grades, pense nela.
— É só nela que penso. Vou indo, buonanotte! — beijo sua testa e
saio em direção a lancha.
Antes de chegar no píer cruzo por uma árvore e acerto um soco no
tronco. O ferimento na mão é como uma picada de abelha, comparado ao
turbilhão de emoções que estou enfrentando, mal sinto a dor.
Peço para o piloto acelerar direto para o meu apartamento, Lázio
segue atrás com a outra lancha.
Ao chegar em casa, vou direto para o chuveiro. Um banho morno
talvez me acalme. Entrando sob a ducha fecho os olhos e deixo o jato
d’água cair sobre a cabeça, ombros e rosto. Pego o sabonete me lavando
com urgência, ignorando a dor nas bolas. O pau como uma rocha, está
sensível e sente a água morna como abrasões de chamas. Cazzo! Não é
possível! “Nem pense nisso seu miserável!”
Sabonete. Enxaguar. Xampu. Enxaguar. Não vou me concentrar nas
reações do meu corpo. Não! É errado! Foi uma situação terrível, sofri com
ela, como posso estar de pau duro ao lembrar da sua pele cremosa dentro
daquele vestido de seda?
A cintura fina emoldurando a curvatura dos seios visivelmente
redondinhos. Puta merda! Os lábios desproporcionais tão perfeitos para os
meus. Recordo do gosto dos beijos de Selena, do toque suave e gemidos,
sua risada quando a fazia rir e quando dou por mim, seguro meu pau com
força. Duas fricções mecânicas são suficientes para me deixar zonzo. A
porra explode na parede de mármore com uma potência que preciso me
apoiar para não desabar no chão.
Lágrimas grossas se misturam com a água morna, lavando meu
corpo e a alma despedaçada. Raiva pulsa nas minhas veias, por ainda ter
esse instinto animal de desejá-la nessa situação tão trágica, por não
conseguir punir aquele maledetto e pela culpa do sofrimento do meu amor.
A saída para nós era a verdade, se tivesse contado aquela noite, ela
não seria traumatizada dessa forma. Como pude ter esperanças de que
acreditasse em mim? Selena não acredita e não a julgo por isso. Quem
acreditaria em um maluco, sexualmente transtornado que sonha com a
morte das pessoas? Eu no lugar dela não acreditaria.
CAPÍTULO 55

No dia seguinte ao evento, acordei estranha e muito preocupada.


Não só por tudo o que houve ontem a noite, mas com meu corpo.
Devo ligar para a doutora Dolores, embora saiba que o estresse de
ontem pode ter contribuído para as dores.
Jess, como viu que acordei melhor hoje cedo, disse que ia até a casa
dos pais e me orientou a ligar se algo fora do comum ocorresse. Não estou
propensa a quebrar o quarto hoje. Estranho, sempre depois de uma crise de
pânico, durmo o dia todo ou apavorada entro em surto.
Bem, presumo que as medicações estejam me mantendo um pouco
em equilíbrio. Ou talvez tenha sido Tiziano e seu jeito dedicado e sincero.
Minha mente ainda está naquela conversa. Como toda a sua
magnitude me desestruturou como uma bomba atômica. Tanto em
aparência, quanto em segurança.
Ele está muito maior, talvez por isso não o reconheci com aquela
máscara de fantasma da ópera. Estranho, aqueles ombros e braços parecem
mais largos e inchados. Mas foi quando tirou a máscara que acabou comigo.
A intensidade do olhar azul céu era a mesma. A maneira que passeava os
olhos por mim era igual ao que lembrava. Mas havia uma diferença que só
consegui confirmar no final da minha crise, na sala das esculturas.
Devoção, um cuidado extremamente vibrante em cada pequeno e simples
gesto.
Não acreditei naquele papo de premonição, não tem como. Porém,
seu rosto sincero e olhos entregues me disseram outra coisa. Será que pode
ser verdade aquela história sem pé nem cabeça? Não, não deve ser. Ou ele
acredita mesmo naquilo e enlouqueceu?
Por que não admitir a verdade?
Senti que ele cortou muitas cordas que me prendiam ao passado,
mas a principal ele não rompeu.
Meu amor por ele.
Vi que esse amor é forte o bastante para me desestruturar, porém ele
não é incondicional. Não consigo acreditar nele por mais sincero que ele
tenha se mostrado.
Percebi que a todo momento ele se moderava no contato comigo, se
segurava para não me tocar. Me rasguei inteira no processo.
Queria que ele ultrapasse a linha, mas ele não avançou. Ele mudou!
E isso é nítido! Mas mudou até onde e quando?
Tantas questões que me deixam perdida.
Só que ao ver o meu amor tão perto, não resisti e aceitei o colo e o
cuidado com o subterfúgio de agradecimento por me salvar de Pietro.
Queria ser protegida pelo homem forte e responsável que ele se tornou.
Protegida, um caralho Selena!!
Você o queria, ponto final!
Tiziano colocou um laço grande e rosa no seu coração e abalou de
vez minhas resistências. Ai, ai…. Como será agora sem a barreira da
distância polida? Já não sei!
Me dispo da roupa que Jess me vestiu no meio da noite, e
caminhando para o banheiro, vejo o casaco de veludo dobrado sobre o
recamier. Seguro cheirando e me deliciando com seu perfume. O fundo de
limão e floresta úmida, o cheiro másculo daquele homem sempre teve um
efeito quase hipnotizante. Quanto tempo não sentia o cheiro do meu
Tiziano, Dio Santo!
Levo um susto com a batida na porta.
— Bionda, sou eu. Posso entrar?
Dobro de qualquer jeito a peça e deixo no mesmo lugar.
— É... estou indo para o banho.
Ouço a porta abrir e sigo para o banheiro, preparando a banheira.
— Essa manhã estou surpresa com você — exclama do lado de fora.
— É mesmo? Por quê?
— Acordou disposta, não resmungou para tomar os remédios
quando trouxe antes de sair.
Ligo os jatos e despejo os sais relaxantes na água.
— Sim, estranhamente não estou exausta. Engraçado, sempre durmo
o dia todo após uma crise igual a de ontem ou acordo mal-humorada.
— Você lembra de tudo, então? Não teve nenhum lapso de memória
costumeiro pós-crise?
Entro na banheira e exalo um gemido de satisfação. Água morna,
cheirosa e silêncio. Salvo a voz de minha amiga que ecoa no banheiro assim
que entra no cômodo.
— É, lembro de todo imbróglio!
— Não foi nossa culpa o merda ter surgido na festa, aquele cretino
personificação do mal é sorrateiro.
Fecho os olhos apreciando as borbulhas da hidro.
— Eu sei, Jess. Agradeci seu irmão pela preparação impecável do
evento. — Não quero lembrar de Pietro, não! Só quero a imagem de
Tiziano cuidando de mim, me levando no colo e acariciando meu rosto
enquanto repousava em seu peito.
— Por falar nele, vou aproveitar que irei dormir em casa e devolver
o casaco do fantasma da ópera.
— Não! — Abro os olhos para vê-la me analisando surpresa. O
descontrole da minha voz, me deixa constrangida e mordo o lábio.
— Quer dizer, acho de bom tom eu mesma devolver. — Jessica
estreita os olhos me fazendo corar. — Como cortesia por ter sido tão
atencioso, amiga.
— Hum... cortesia, sei. Tudo bem, então. — Seu sorrisinho
malicioso faz com que eu desvie para a esponja e comece a me lavar.
— O preocupado vai adorar. — Solta um riso baixo — Te espero
terminar o banho do lado de fora, depois podemos comer alguma coisa
antes de voltar para casa.
— Vou sentir sua falta.
— Basta você me fazer uma visita. Tenho algumas coisas para
resolver com minha mãe. Mas se precisar de mim, é só chamar. — A
piscadela marota é sua maneira de me deixar continuar o banho.
Sozinha de novo, Selena. Em Veneza, sozinha! Bela merda!
— Ai! — resmungo ao deslizar a esponja pelo bico do seio.
Que dor estranha! Faz um tempo que liguei para a Dra Dolores para
conversarmos sobre meu tratamento. Após a mudança para equilibrar outra
vez a medicação, os sintomas tinham acalmado um pouco, as dores de
cabeça cessaram, assim como a das articulações, o problema é que desde
que saí da Espanha meus seios doem tanto e parecem cada vez mais firmes,
rígidos e inchados, além de muito quentes. Ontem, antes de sair para o
evento, olhei-me no espelho e não havia nada de errado. Percebi que estão
com uma aparência mais volumosa e até mais bonita, só o desconforto é
incomum.
Ando muito preocupada, notei meu sutiã um tanto úmido, e o medo
do que isso possa significar começa a tomar conta de mim. Efeito colateral
não, Dio! Per favore! Pode ser apenas uma reação ao estresse e não
necessariamente um efeito colateral das novas medicações Selena, respire
fundo e tente se acalma!.
Pego meu sabonete esfoliante e decido esfoliar um pouco a pele de
leve e massagear, quem sabe na água morna com uma boa massagem
resolva. À medida que massageio e aperto mesmo sentindo dor, sinto algo
estranho escorrendo e não é água, mas sim um líquido viscoso branco. De
súbito me ergo da banheira, com o coração na boca, não pode ser, não pode
ser leite! Não tem como!
— Jessicaaaaaaa!
Ela deve ter apressado o passo porque instantaneamente surge no
banheiro em modo alerta.
— O que houv......?
Jess paralisa ao me ver em pé dentro da banheira com lágrimas nos
olhos e leite nas tetas, seu olhar quica como bola de ping pong, de um para
o outro.
— Você está lactando?
Balanço a cabeça sem conseguir falar. A angústia só
derrama as lágrimas e não as palavras.
— Calma, bionda. Dra. Dolores avisou que é um efeito colateral
raro, mas infelizmente é possível.
— Depois de tantos anos fazendo tratamento, consultando
trimestralmente e observando meu corpo, não posso estar lactando justo
agora.
— Lembra que foi feito um ajuste na medicação mês passado?
Sente-se, tem que drenar isso para não doer. Talvez comprar uma bombinha
para tirar será melhor.
Choro ainda mais ao me sentar de volta na água morna.
Preciso conversar com a doutora. O que eu faço, Dio Santo!? Vou
andar por aí com forro como se estivesse lactando para um bebê?
— Fale comigo, Selena. Se não colocar os medos e aflições para
fora, vai decair.
— Bombinha não, Jess, por favor. Minha vida social acabou! Como
vou fazer? E se… e se eu ficar com ... alguém?
O choro vem alto e descontrolado.
— Calma, Selena. É apenas temporário. Vamos agendar uma
consulta com a médica ainda hoje e tudo vai se resolver.
Ela se inclina e alcança a esponja.
Massageio a pele expelindo o leite, tentando me acalmar. Sinto a
pressão lateral dos jatos de hidromassagem. O desconforto parece melhorar
conforme os seios são drenados. Fecho os olhos, mas os sinto vazando em
um fluxo maior. A água quente está ajudando a sair mais.
— Ahhhh …. Dio! Jessica, melhor ir para sua casa, aqui vai
demorar pelo jeito.
— Quê? Não! Não vou deixar você sozinha.
— Amiga, você precisa resolver seus problemas e não cuidar
eternamente dos meus.
Jessica dá um pulo e se ergue esbaforida.
— Vou arrumar sua mala, você acabou de ganhar um fim de semana
na modesta mansão dos DiMateo.
Sai em disparada para o quarto.
— Jess não precisa disso! — Fecho os olhos outra vez, conheço
minha amiga, não tenho argumento contra suas ideias.
— Nonna vai adorar te encher de comida! — ela coloca só a cabeça
para dentro. — E chá, eca!
Mesmo nessa situação louca, ela consegue me fazer rir.
Em seguida, retorna com meu celular no viva voz.
— Liguei para a Dra. Dolores, fale com ela.
Desde o início me trato com ela e foi necessário ter seu número
particular pelas minhas viagens e ter acesso livre para orientações e dúvidas
sobre os sintomas do tratamento.
— Selena, como está?
Nervosa e aflita, despejo tudo em um golpe só.
— Doutora, estou produzindo leite, o que eu faço? — ouço sua
risada do outro lado da linha.
— Selena, não se desespere querida. A galactorreia não é um
sintoma anormal do tratamento hormonal. Produzir leite sem estar gestante
pode acontecer. Deve ser excesso de produção de prolactina, o hormônio
responsável pela produção de leite.
— E ... e o que faço para cessar esse desconforto?
— Me diga, quais outros sintomas você sente?
— Dores nos seios, estão muito sensíveis.
— Anda dormindo o necessário? E o trabalho? Algum estresse
recente?
Oh, não! Imagine! Só mudei de país, de volta para o lugar da
maioria dos meus traumas. Sozinha de novo. Tive um encontro com meu ex
mais devastador que um abalo sísmico, depois meu abusador queria se
aproximar de mim, nada demais com a crise de pânico que fechou com
chave de ouro.
— Selena, ainda está aí?
— Sim, Dra. Dolores, tive alguns eventos traumáticos nesse
mês que sobrecarregaram um pouco meu corpo, confesso.
— Humm... Estresse?
— Onde quer chegar, doutora Dolores? Não é um tumor benigno
que tenha que tomar mais medicações, não é? — bufo exausta só de
imaginar tomar mais comprimidos.
— Consultou o Dr. Google outra vez, Selena ansiosa? — Dessa vez
sou quem ri alto no telefone.
— Doutora, ainda não tive tempo de olhar na internet, mas o pior
sempre chega antes na minha cabeça. Por favor, tô preocupada, imagina
meu seio vazando, preciso trabalhar, viver... — ponho a mão na boca pois
diria namorar ou ficar sei lá, mas como terei uma noite tórrida com alguém
com os seios vazando leite. Tiziano nem chegaria perto de uma mulher
vazando leite como uma torneira estragada.
— Calma, apontamos outras causas para a hiperprolactinemia, por
exemplo: estresse e sono. Por isso perguntei anteriormente. O hormônio
prolactina sofre alterações ao longo do dia, aumentando durante o sono e
enquanto se pratica exercícios. Há outra questão relevante, muitos
medicamentos são responsáveis como alguns antidepressivos, como estão
as consultas com sua psiquiatra, alterou alguma medicação?
— Conversamos semana passada, mas ainda não havia secreção nas
mamas para que eu devesse tocar no assunto.
— Bom, então você deve procurar um médico de sua confiança e
contar sobre o tratamento para fazer o exame de dosagem hormonal e
outros exames necessários para descobrir a causa, ou aguardar sua próxima
vinda aqui e fazer os exames na minha clínica.
— É melhor ir vê-la doutora. É perigoso se não for logo?
— Não, para o organismo não, mas as dores não somem se você não
aliviar a pressão das mamas.
— Como assim?
— Terá que providenciar compressas quentes para desobstruir o
fluxo de leite e se for muito, será necessário sucção por aparelhos
bombeadores. A produção agora é pouca, mas lembre-se que com o
estímulo elas aumentam em dosagem. Então o ideal são as compressas ou
banho de imersão com massagem para retirar com calma a pequena
quantidade que houver.
— Vou à Espanha em duas semanas, por causa da minha agenda.
— Infelizmente, não estarei no consultório.
— Entendi, doutora. Obrigada, vou me cuidando com o que você
me passou enquanto não consigo uma brecha para ir até aí com mais tempo
— Ok, avise-me antes, sim?
— Combinado.
— Ahh, e Selena! Não se preocupe se o seu fluxo ficar irregular
novamente, isso ocorre quando o corpo começa a lactar e durante esse
período não haverá fluxo menstrual.
— Isso é uma boa notícia! — Começo a rir e ela concorda.
— Claro, sem TPM’s à vista. Até mais querida!
— Até doutora!
Saio da banheira com Jess pegando o celular e me entregando a
toalha.
— E aí? Pronta para ir comprar a bombinha?
— Jessica, isso não é brincadeira!
Sua risada é divertida, minha amiga quer descontrair da situação,
mas, não consigo rir disso.
— Certo, mas precisamos passar na farmácia buscar forrinhos para o
seu sutiã. Concordo resignada, é a única coisa que posso fazer no momento,
mas bombinha de sucção não vou usar, nem aqui nem na china!
CAPÍTULO 56

( Bad Liar - Imagine Dragon)


(Let It All Go - Rhodes)

Hoje à noite vim a um jantar na casa dos meus pais. Jessica quem
ligou para convidar pessoalmente, pois queria avisar que a amiga está com
eles na mansão. Havia pedido que me ligasse para dar notícias de Selena,
ontem ela fez isso, me tranquilizou dizendo que estava tudo bem.
Duas noites atrás tivemos aquela conversa, e esta noite vê-la outra
vez mexe demais comigo. Estamos bebendo um vinho antes do jantar, meu
pai já chamou minha atenção duas vezes porque não ouvi o que ele disse.
Olho para seu rosto calmo e me desculpo da mancada com um sorriso sem
graça.
— Perdão pai, o que dizia?
— Hum, eu dizia que você precisa disfarçar, cáspitta! Não tira o
olho da menina. — É complicado manter o meu foco com ela tão perto. —
Volto a atenção para Selena sentada na poltrona da sala de chá, junto com
minha avó, irmã e mãe. Alguém a faz rir e ela lança aquele sorriso doce que
eu amo, o qual enruga um pouco o narizinho.
— Vocês já conversaram depois que ela retornou?
— Conversamos um pouco na sexta-feira no evento.
— Gostaria de ter ido, mas não podia adiar a ida a Verona, Olívia
conseguiu um horário com um químico muito requisitado. Precisava estar lá
muito cedo, se fosse ao evento das máscaras, seria para me divertir com
bastante tempo.
— Entendo pai, não se preocupe. Foi um sucesso, aliás.
— Quem arrematou a obra dela? Vi o encarte de capa. Linda
fotografia, essa menina tem o dom mesmo para arte.
— Tem. — Sorrio orgulhoso como se o elogio fosse para mim. —
Ficaria bonito o quadro no seu escritório, posso trazer da próxima vez. Fui
eu quem ficou com ele.
Bebo um gole do vinho Brunello vendo meu pai com seu meio
sorriso sábio.
— Não sei, talvez você queira colecionar o trabalho da sua musa.
— Meu apartamento está repleto de artes de Selena, seria bom olhar
para uma quando venho pra cá — confesso com um sorriso.
— Feito. Eu aceito o presente. Gostei daquela fotografia.
Nonna se aproxima nos avisando que o jantar será servido. Spaghetti
alla carbonara, salada cesar e chips de parmesão, minha combinação
predileta.
Selena não se acomoda à minha frente, e embora não haja um clima
ruim entre nós, a distância é nítida. Quando cheguei, ela foi educada e
trocamos algumas palavras amigáveis, mas parece que algo mudou desde
então. É evidente que há desconforto pairando no ar entre nós.
Ela me trata com cordialidade, mas com absoluta indiferença. É
como se eu fosse apenas um conhecido insignificante. Isso dói, dói pra
caralho!
Durante o jantar, mesmo que eu tente lançar olhares mais
prolongados em sua direção, não sou correspondido, o que se torna cada
vez mais frustrante. Selena é o centro das atenções de todos, e com razão, já
que sempre foi uma presença constante nessa casa, praticamente faz parte
da família.
Admirando seus gestos suaves na mesa, observo como está
confiante e dona de si, na verdade, Selena está irresistível. Uma mulher
envolvente sem perder a inocência da garota que conheci.
Gosto de vê-la interagindo com minha família, as conversas na hora
da sobremesa, correm soltas.
— Foi muita gentileza trazer presentes para todos, Selena. — Minha
mãe socializa com poucas pessoas, mas mia ragazza é especial, porque ela
ama Jessica.
— Jess tem que levar a maioria dos créditos, pois foi ela quem
escolheu os presentes.
— Mesmo assim, é muito atenciosa.
— Eu adorei o vinho, obrigado. — Agradece meu pai, lendo o
rótulo concentrado.
— Que bom que gostou, Seu Nicola.
— Gostava de morar na Espanha, querida? — pergunta minha
nonna.
— Aprendi a gostar, nonna, acho que vou demorar para acostumar
com a Itália novamente. Minha vida era muito agradável naquele país.
— Selena ainda mantém a galeria em Madri. — Como se sentisse
minha dor e minha apreensão interna, Jess me inclui na conversa. —
Deixou uma amiga nossa no comando, a irmã do seu amigo, Tiziano. O
Salvage.
— O Diego?
— Esse mesmo, meio antipático aquele cara, já Stela é totalmente o
oposto em personalidade.
— Ele encomendou uma motocicleta customizada para a namorada,
mês passado. — Selena cruza o olhar comigo rapidamente ao degustar o
tiramisù.
— Bem, se aquele mal-humorado arranjou uma namorada, não vou
perder as esperanças.
Elas riem da piada, mas Selena não está à vontade. Será que
lembrou da moto que a presenteei?
— Então vai manter a galeria na Espanha, Selena? — tento criar um
clima melhor. Ela vira para mim com a face educada e muito polida. Uma
lady na maneira de me tratar, mas de uma frieza gritante.
— Vou manter, Tiziano, não sei se vou me adaptar aqui, talvez eu
volte para lá algum dia.
A admiro sem interrupções ou disfarces, conseguindo apreciar sua
beleza enquanto responde.
— Pode abrir uma galeria aqui em Veneza. Sua arte faz sucesso em
qualquer lugar.
Seu rosto cora e ela disfarça com um sorriso envergonhado. Ainda é
minha menina tímida quando ouve meus elogios.
— Ela vai ter tempo de pensar nisso, né bionda?
— Tem razão, Jess. Para que apressar as coisas.
— Nisso eu concordo, pressa é reservada para poucas coisas na
vida. E você é jovem, tem muita coisa para viver — ressalta minha avó com
sua opinião sábia.
Meu sorriso é calmo e terno para ela, vejo seu olhar um pouco
perdido no meu. Não sei o que significa, mas talvez a crise de sábado tenha
quebrado um pouco sua resistência.
Só queria que ela percebesse que o lugar dela é aqui comigo. A
mesa inteira começa a falar ao mesmo tempo. Termino meu doce e vou para
a varanda. Reflito sobre toda a nossa situação ao olhar as estrelas. Será que
foi certo contar a ela a verdade? Se tivesse pedido somente o perdão não
seria melhor? Algumas pessoas não nascem para acreditar no que não pode
ser explicado, simples assim.
Após alguns minutos, para minha surpresa, ela mesma aparece.
— Oi, eu trouxe seu casaco. Obrigada.
— Casaco?
— É, o traje do Fantasma da Ópera. Não o mandei lavar porque não
sabia onde você costuma cuidar das suas roupas. — Ela deixa a peça
dobrada sobre a poltrona, seu sorriso é contido e educado.
— Você está bem? Quer dizer... eu liguei no dia seguinte para a Jess
para saber de você.
— Ligou? — Ela se encosta na grade da sacada ao meu lado. O
perfume de lavanda me inunda de boas memórias.
— Queria saber se tinha algo que pudesse fazer, para ajudar.
— Já ajudou bastante, Tiziano, não há mais nada a fazer. É o que é.
— Ainda tinha alguma esperança de aproximação, mas desse jeito,
confirmo que é o fim.
— Não lhe agradeci pelo presente, ou devo agradecer a minha irmã?
Seu olhar quando encontra o meu é receoso e desconfiado. Isso é tão
frustrante!
— As duas, sua irmã insistiu na cesta de produtos masculinos para
barba e cabelo, as luvas de motociclista fui eu que escolhi, lembrei de como
ama motos. — Chacoalha os ombros como se não fosse nada demais. — As
duas coisas serão úteis, né?
— Lembra das nossas aulas de direção?
— Tiziano, por favor! Vamos manter as coisas amigáveis assim.
— Amigáveis? Você mal olha na minha cara. — Seus olhos piscam
rápido e ela dá um passo para trás.
— E o que você queria? Que eu me jogasse nos seus braços depois
de tudo? Não confunda meu momento vulnerável da crise naquele evento
ao presumir que eu queria aquilo para ser carregada por você.
Alinho meus cabelos e barba procurando ocupar minhas mãos
nervosas, para impedir de abraçá-la e implorar que ouça.
— Nunca pensei isso. Desculpe se deu essa impressão.
— É a conversa sobre os sonhos, né? É por não acreditar nessa
história que você me recrimina?
— Já contei tudo o que houve, não posso obrigar você a acreditar.
— Não pode. — Ela cruza os braços e desvia o olhar.
Numa tentativa de mudar de assunto, tento falar do que nós temos
em comum.
— Ainda tenho sua moto, guardei para quando retornasse.
— Não havia necessidade. Não tirei a carta para guiar motocicletas.
Nunca mais me interessaram. Venda, deve ter um valor alto já que está sem
uso.
— É customizada, feita especialmente para você, Selena.
— Desmanche, use as peças, não me importa o destino que der a
ela. Aquela moto nunca me pertenceu, eu a devolvi ao verdadeiro dono. —
Trocamos olhares tensos, os sentimentos à flor da pele, cada palavra
carregada de significado e dor.
— Eu.
— Sim, você. É sua, não minha.
— Por que está sendo tão cruel? — Ela se surpreende com a
pergunta, me encarando firme, encolhe os ombros.
— Você está insistindo em algo que não é mais nós. Nunca fomos.
Não jogue essa culpa sobre mim. Você não é capaz de pedir perdão ou... ou
se desculpar com algo razoável. Inventa uma história de sonho a fim de
justificar o canalha que foi. E eu sou a cruel?
Inspiro profundamente, o ar entrando como espinhos no meu peito.
A tristeza abraçando meu corpo com seu aperto de aço.
— Sabe o pior sentimento do mundo? É quando você tem que
desistir de alguém que ama. Mesmo não querendo. Você sabe que precisa e
sabe o porquê. Eu errei em não contar a verdade naquela noite, e isso acaba
comigo cada vez que lembro. Finalmente decidi falar e... — Ela massageia
as têmporas visivelmente perturbada com a conversa.
Mia ragazza me encara dessa vez e vejo pesar, nunca a senti tão
distante nesses quatro anos desde aquela noite desesperadora. Ela aperta o
maxilar tentando controlar a reação que provoco. É melhor não insistir
agora, só vou dizer como me sinto e sair.
— Ano você. Sinto saudades. Sinto tanta saudade de você que até
machuca, mas não sei como alcançá-la mesmo parada na minha frente. É
melhor eu ir embora.
Ao cruzar a sala de jantar vazia, carregando as migalhas do meu
coração, procuro o corredor mais rápido para a saída, não quero encontrar
ninguém, porque estou a ponto de desabar. Os olhos ardem e o ar parece
pesado ao tentar respirar.
Não tem mais como insistir nisso agora, será pior.
Quando dobro em direção a saída, quase trombo com minha avó.
— O que... o que foi, menino?
Mesmo tentando passar por ela, nonna segura meus braços e nota
meu semblante derrotado.
— Tenho que ir para casa!
— Não vai sair daqui sem contar o que está acontecendo, nem que
eu tranque a porta da frente! — Ela me guia até a sala da recepção e me faz
sentar.
— Pode começar!
Chateado com o que aconteceu na sacada, resumo a conversa para
minha avó.
— Tenha calma e paciência. — Com um sorriso doce tenta me
animar. — Amo você e estou feliz em ver o homem que se tornou, olhe para
mim. — Encaro os olhos intensos — Fez muito bem em falar a verdade. Vá
para casa, se recomponha e tente outra vez, sabe que é só o começo, não
sabe? É difícil para as pessoas acreditarem em algo tão fora da realidade
delas.
— Não consigo mais sentir a distância que Selena impôs. É muito
doloroso não poder ficar ao seu lado, ser impedido de ajudar e proteger a
mulher que amo.
— Vocês estão destinados, só precisam ter paciência. O tempo de
vocês chegou. Acredite.
— Às vezes acho que é tarde para nós. Talvez eu não consiga ficar
tão perto e manter a distância que ela quer. Preciso pensar em uma outra
forma de me aproximar, mas por ora é melhor não pressioná-la. Farei
aquela viagem de moto que sempre comentei aqui em casa. Quando
retornar, ela vai estar mais adaptada com seu retorno ao país. Confesso que
ser um brinquedo nas mãos do destino cansa.
— Obrigado por ouvir meu desabafo, nonna. Preciso descansar.
Buonanotte.
— Buonanotte, figlio. — Ela beija meu rosto com seu sorriso doce.
Dentro do quarto de hóspedes da mansão dos DiMateo, solto todo o
ar dos pulmões. Corro até o banheiro, lavo o rosto e o pulso. A pulsação é
agitada e meu corpo sente um calor incomum. Raiva, desconforto e mágoa
fazem isso comigo. Não queria ter discutido daquele jeito com ele, mas é
absurdo que ele tente se fazer de vítima. Eu sou a vítima aqui.
O que ele fez depois que me dispensou? Viajou para o Japão, seguiu
com a vida dele, e agora que estou de volta, ele quer retomar como se nada
tivesse acontecido? Não consigo acreditar no amor dele, porque não
acredito no amor, tudo o que sei sobre esse sentimento são mentiras para me
iludir. Cada vez que ouvi “eu te amo,” foram palavras vazias com a
intenção de me enganar e ferir.
Uma batida na porta me assusta.
— Selena? Pode me ajudar em uma coisa? — O que será que nonna
Olímpia quer? Abro a porta e ela sorri simpática.
— Desculpe perturbar sua privacidade, é que procurei Jessica para
me ajudar com uma tarefa e ela não estava no quarto.
— Claro, eu ajudo.
— Vamos até a cozinha.
Sigo a senhorinha que anda mais ágil do que meus próprios passos.
Seguimos o longo corredor e descemos para o segundo piso, com ela
falando sobre um bule infusor.
— Pois então, decidi fazer um chá vermelho e acrescentei alguns
ingredientes que precisam ir ao infusor e não alcanço na prateleira.
Rio alto na porta da cozinha, sou alguns centímetros mais baixa que
ela.
— Mas nonna, eu também não alcanço.
Ela puxa uma escadinha de metal dobrável e abre diante do móvel.
— Mas é mais jovem para subir as escadas. Não posso fazer isso
com meu joelho fraco.
— Ah, ok!
Enquanto subo e pego o tal bule, ela pergunta se quero beber um
chazinho com ela.
Alega que a nora sempre toma, mas hoje se recolheu com dor de
cabeça.
Após aceitar o convite, observo a velhinha preparando o chá.
— Conhece o chá Pu Erh? Camelia sinensis.
— Mamãe toma o branco, esse nunca provei.
— Ele é medicinal, age para uma infinidade de coisas. Vou fazer um
aromatizado para você.
— Gosto de chás e bebidas quentes.
— Queria que minha neta gostasse para me fazer companhia.
— Jess é mais fã das bebidas geladas — comento.
— Vai adorar este, com adições de baunilha, casca de laranja,
pétalas de rosa, centáurea e girassol. Se gosta de sabores doces, este vai
deixar um suave perfume na boca.
— Hum...
Prepara a bebida e em seguida, carrego a bandeja até onde ela
prefere, na sala de chá. Vejo um álbum de fotografias sobre a mesa e fico
curiosa.
— Posso olhar?
— Claro, vou servir nosso chá enquanto olha.
Folheando o álbum, vejo que são memórias de família. O avô de
Tiziano quando jovem abraçando dona Olímpia era um homem enorme.
Tiziano puxou ele no porte. Mas nos traços não, senhor Domenico tinha
cabelos cor de chocolate e olhos cor de avelã. Nonna apesar de grisalha,
vejo que é clara, por isso o pai de Tizi tem cabelos de uma cor entre os dois.
Só que Tiziano é loiro, como pode se Olívia, sua mãe, tem cabelo escuro?
Pelo gene dominante Tizi deveria ser parecido com Jess e Gabe.
— Está pensativa. O que viu nesta foto?
— Desculpe, nunca tinha visto seu falecido esposo.
Seu sorriso orgulhoso é o máximo.
— Meu Domenico era o homem mais lindo da Itália. — Admiro o
brilho do seu olhar nostálgico.
— Realmente era um homem muito atraente.
— Homem do campo, um pouco rude, mas de um coração enorme.
Tomo um gole do chá que é mesmo muito delicioso e observo mais
fotografias. Vejo uma onde estão seu Nicola com Tiziano no colo e Olívia
com Gabrielle.
— Qual a diferença de idade dos meninos?
— Pouca.
— Parecem ter nascido juntos.
— Gabrielle sempre foi adiantado no desenvolvimento, tanto físico
quanto intelectual. Eles têm menos de um ano de diferença.
— Entendi. E esta? Seu Nicola com o braço engessado, o que houve
nessa ocasião? — observo Tizi agarrado ao pai, deve ter seus quinze anos,
usava cabelos longos, uau! Sempre foi um garoto lindo.
— Um acidente de carro. Ainda bem que o pior não aconteceu, meu
Nico escutou o aviso.
Presto atenção em nonna, medindo seu rosto sério, enquanto bebe o
chá.
— Tiziano sonhou que viu a morte do pai. — Aturdida, olho para
foto outra vez.
— Deve estar surpresa, pois não acredita nessas coisas. Mas não é
porque não acredita que elas não existem.
— O… o que exatamente estamos falando? — pergunto fechando o
álbum e focando na minha xícara.
— De pessoas incomuns, assim como Tiziano e eu. Temos um dom
de clarividência, ele por sonhos e eu pelas mãos. No meu caso leio o
passado e o presente de uma pessoa para ajudar com seu futuro, é um pouco
diferente do dom dele. Mas é disso que estamos falando.
Ainda não consigo responder a isso, pois começo a me sentir
desconfortável. Nonna se levanta, pega uma pequena luminária e a coloca
sobre a mesa.
— Me dê suas mãos.
— Eu ... não...
— Tem medo de mostrar seu passado para mim, ou medo de
confirmar que seu ceticismo é infundado?
Ah merda! Onde isso vai dar, meu Deus!
— A senhora lê as mãos?
— Estudei a quiromancia também, mas por curiosidade. Porque
sempre tive o dom de ver desde pequena. — Seu olhar plácido de um azul
cinzento me analisa. Estendo as duas mãos e ela olha o dorso e as palmas.
Toca a pele e alisa com um sorriso, mas não tô nem um pouco calma.
— Seu elemento é água. Uma quiromante diria que você tem mãos
de água.
— O que quer dizer?
— O que você já sabe. Você é criativa, perspicaz e solidária. As
mãos desse elemento se expressam nas artes, pintura, poesia, música, uma
artista. Mas seus dedos dizem que tem uma personalidade mais fechada,
introvertida, gosta de fazer tudo da sua maneira. Estou errada?
— Não.
Ela vira e olha as duas palmas juntas, dedilha a primeira linha na
base dos dedos e ela continua de uma mão para a outra iguais.
— Linha do coração perfeita. Gentil, sensível e leva em
consideração a opinião alheia. É uma pessoa pacífica, calma e que resiste às
mudanças do dia a dia. Gosta de receber carinho e sentir que é amada.
Minhas pernas começam a ficar inquietas sob a mesa
com meu nervosismo aparente.
— Bom, e essa linha do coração é extremamente curvada,
sensualidade aflorada e ama com paixão intensa. Já a da vida é tão curva em
torno do polegar, que me diz que é uma pessoa que prefere ficar sozinha,
geralmente por causa de grandes decepções na vida.
Nessa hora ela olha para o meu rosto. O pior que ela está acertando
tudinho.
— Está pronta?
— Não é essa a leitura de mãos?
— Me dê a esquerda, agora que vi sua personalidade, quero ver o
que houve com você.
Ela observa com cuidado e suspira fundo, me deixando apreensiva.
— Você tentou contra sua vida quatro vezes. Uma delas quase
conseguiu, né?
Meus cabelos arrepiam e os olhos ardem ao segurar o choro. Ela viu
isso aí?
— Quatro pontos bem nítidos nesta linha, veja! — Aponta o dedo na
curva.
— Selena, você não precisa temer, vi o seu maior medo e não é de
viver.
— Não?
— Não. Você não vai se tornar igual a ela.
— Quem?
— Sua mãe! — puxo rápido as mãos e envolvo os braços ao redor
do meu corpo.
Mordendo o lábio com força.
— Você jamais vai renegar seus filhos. Vi o que você viu quando era
criança. Você escutou uma discussão entre seus pais onde sua mãe dizia que
preferia a criança morta do que uma menina.
Fecho os olhos tentando segurar as lágrimas, mas a memória nítida
dela falando aos prantos com meu pai naquela sala surge na mente. Eu tinha
apenas dez anos e depois daquele dia tudo mudou para mim. Sinto as
lágrimas mornas e o choro vem sem controle.
— Você se sente insuficiente, porque acha que sua mãe nunca lhe
quis, busca obedecer, ser uma boa filha para tentar ganhar seu afeto. Mas o
problema não é você. E talvez você tenha ouvido essa conversa fora de
contexto.
— Pare! Pare, por favor. Não quero ouvir mais!
Levanto-me secando o rosto e recompondo minha postura.
— Pare você de duvidar! Pare você de se boicotar, de tentar entrar
em um padrão que não é seu. Está resistindo a verdade de um homem que te
ama, por qual motivo? Já se perguntou isso? Tem medo do que sua mãe vai
achar se não se casar com quem ela ou seu pai querem? Fodam-se eles,
Selena!
Arregalo os olhos vendo a vovozinha bem perto, olhando
intensamente para mim.
— Só você pode escolher sua felicidade. Lá no fundo você quer
acreditar no meu neto. E saiba que é verdade cada palavra que ele falou de
coração aberto, eu estava lá quando ele acordou a casa toda aos berros, vi
como estava totalmente desesperado. Ele fez o que achava certo para te
proteger, mas aquela atitude o rasgou por dentro e quase o destruiu.
Ela se afasta e pega um caderno, rasgando um pedaço de papel,
escreve uma sequência de dezesseis números nele.
— O que é isso?
— É a senha da segurança da porta externa do apartamento dele, só
a família tem. Vou ligar para o guarda e avisar que se uma Selena for lá, é
para liberar a entrada até a porta.
Olho para os números, minha data de nascimento e a dele em
sequência.
— Não sei o que dizer.
— Faça como ele, diga a verdade. O que sente, o que é e o que quer.
Tenho certeza de que vai dar tudo certo. Seu cão de guarda está na sua
lancha ali no píer. Avise para preparar as coisas e levá-la até lá. O que a
impede de fazer isso, Selena?
Com um tapinha na minha bochecha, a velhinha vidente pega a
luminária e some pela porta do corredor. O choque da realidade bate forte.
E se tudo isso for verdade? Ela viu tudo nas minhas mãos e ele tem esse
dom, mas continuo relutante por medo, por receio de ser abandonada outra
vez. Mas, meu coração o quer tanto!
Preciso ter coragem de viver o que desejo. Corro até o quarto para
pegar a bolsa e envio uma mensagem para Teodoro. Não posso mais me
fazer de cega. Eu quero a minha felicidade, o meu direito de escolha, e eu
escolho Tiziano!
CAPÍTULO 57

(Flaws - Calum Scott)


(Mirrors - Justin Timberlake)

Agora, dentro da lancha com o piloto e Teodoro, sigo rumo a casa


de Tiziano, rezando para que consiga entrar naquela fortaleza.
Estacionamos no píer do apartamento e meu segurança me
acompanha até o guarda da entrada. O homem nos deixa passar e dispenso
Teodoro.
— Se eu não voltar em uma hora, pode ir. Dispensado até segunda
ordem.
O rosto sem reação retruca:
— Desculpe, senhorita, mas cumpro ordens do seu pai.
— Tudo bem, se quiser passar a noite aqui não posso fazer nada.
Estarei lá em cima em segurança.
— Perfeitamente, senhorita.
Na porta externa ao digitar a senha, sinto meu corpo arrepiar e meu
desespero de redenção por nós dois aumentar. Precisamos disso, meu
Tiziano. Entro no elevador e chego em um hall minimalista bem decorado.
Imediatamente o espanto toma conta de mim.
Duas grandes fotografias adornam as paredes da entrada. Como
pode ser? Uma delas é da minha primeira obra de arte, a mão do pai
segurando a mãozinha do filho. É mais uma surpresa inesperada, Tizi
acompanhava meu trabalho, ele era o anônimo que comprava as fotografias.
E a outra é a do pôr do sol, quando ele me fez girar e balançar os cabelos
naquele píer, com o espetáculo da natureza ao fundo.
Respiro rapidamente, chocada com tudo isso enquanto sou
empurrada em direção à minha decisão. Toco a campainha e espero
trocando o peso do pé, com o coração na mão, mas é só quando ele abre a
porta que realmente percebo o impacto dos meus atos. Seus olhos estão
inchados e vermelhos de chorar.
— Selena?
Queria dizer, oi meu amor, mas não falo nada, não respiro, apenas
ajo! Invado seu apartamento e envolvo seu pescoço, beijando-o com uma
mistura de sofrimento, amor, saudade, perdão, desculpas e desejo.
Ele permanece imóvel no início, mas logo me envolve
completamente. Sua boca está ardente, tão quente que sinto arder contra
meus lábios e percebo seu rosto úmido. Beijo-o, lambendo e deslizando por
suas lágrimas e por toda a extensão de seu rosto. Tizi me abraça com força,
sussurrando baixinho:
— Vou sofrer tanto quando acordar — Sofrer? Acordar? O que ele
quer dizer?
Interrompo nosso beijo e o encaro perdida.
— O quê?
Seu beijo retorna cada vez mais voraz.
— Não … não pare, meu amor. Esse sonho ainda não pode acabar.
Preciso tanto de você, minha Selena.
Retribuo o ardor do beijo e sinto meu corpo ser jogado no sofá e o
seu grande e pesado se acomodar sobre o meu me pressionando, tão gostoso
se esfregando e gemendo enquanto me beija alucinado.
— Eu te amo tanto, tanto, amore, vivo para te amar. Não me trate
com indiferença, por favor!
Suas palavras fazem brotar minhas lágrimas junto ao prazer desse
beijo maravilhoso agarrando seus cabelos loiros com gosto.
Correspondo com a mesma intensidade e sinto suas mãos
arrancando minha blusa num lapso, a calça sai em seguida e quando as
mãos enormes agarram minha cintura nua com propriedade, deixo um
gemido baixo escapar ao ouvir um rosnado quase animalesco contra a pele
do meu pescoço. O calor de suas palmas grossas se espalha por cada
terminação nervosa do meu corpo, me vejo apenas de lingerie enquanto ele
ainda não percebeu que mantém sua roupa.
Não quer deixar de me tocar para ele próprio ficar nu, é um
desespero como se a qualquer momento eu fosse desaparecer e o privasse
de me tocar. Seu cheiro bom de limão e floresta úmida evocam memórias
tão maravilhosas que envolvo minhas pernas em seu quadril.
Estamos avançando rápido. Muito rápido.
— Calma Tiziano, precisamos conversar.
— Por quê? Não quero que o sonho acabe, é só isso que eu tenho,
por favor! Me deixe guardar algo de recordação.
Ele está embriagado de luxúria e acha que não é real.
— Tiziano!!! — falo sério pegando seu rosto. — De que sonho está
falando? Eu tô aqui!
Ele me olha agora como se me visse pela primeira vez e vejo que
enrubesce se retirando em um salto de cima de mim.
Encara-me chocado e o observo pegar minhas peças de roupa,
entregando em minhas mãos.
— Desculpe... eu não quis... desculpe não quis desrespeitar você!
Ele toca a boca, barba e cabelo com as mãos, como se não
acreditasse no que fez, olha em volta e de novo para mim como se eu fosse
uma miragem.
— M-mas, é real? Como chegou aqui? Como passou por meu
sistema de segurança? É você mesmo, aqui? Você me beijou? — toca a
boca novamente, retendo meu gosto com os lábios.
Encaro sem compreender entre choque e divertimento, não vou
desrespeitá-lo ao rir da situação.
Ele arregala os olhos embasbacado sem entender, o olhar raso de
lágrimas me comove.
— Sim Tizi, sou eu. Estou aqui e vim com um propósito. —
Levanto-me e me aproximo lentamente, tocando seu rosto e percebendo seu
tremor.
— Vim pedir desculpas, explicar o meu comportamento, e, acima de
tudo... vim dar uma verdadeira oportunidade a nós dois. Preciso de você,
Tiziano. Aceita nos dar outra chance?
Ainda perplexo, toca-me levemente com a ponta dos dedos, como se
quisesse ter certeza de que sou real. Dá um passo eliminando a distância. A
pegada na minha nuca me deixa totalmente mole, inclina-se e roça o nariz
em meu ombro e pescoço, cheirando-me, pergunta com voz macia e baixa,
parecendo um adolescente quebrado, mesmo com seu porte de homem.
— É mesmo você? Aqui, comigo, bella?
— Sou eu.
Sua boca busca a minha outra vez, mas em um beijo apaixonado e
doce, absorvendo cada canto dos meus lábios, e a cada lambida o meu
coração parece explodir na garganta. É um misto de tesão e reconhecimento
do beijo que me deixava torpe cada vez que me tomava exatamente como
eu sempre quis. Mordisca um cantinho e confessa:
— Sempre quis e sempre vou querer você, minha preciosa. Dou
todas as chances para nós dois se você quiser — sorrio recebendo o afago
de nossos lábios, beijo mais um pouco e o abraço apertado sentindo seu
calor me acalmar.
— Você me perdoa por não ter acreditado nas previsões? Por ter
sido rude nas nossas conversas?
— Não foi rude, esqueça isso, o que importa é que você está aqui.
— Antes de qualquer coisa, preciso revelar meus segredos.
— Segredos? — Mesmo me encarando, seus braços demoram a me
soltar.
— Preciso contar o que eu sou, algo que poucas pessoas sabem.
Ele me guia até a poltrona agora mais calmo, sem beijos afoitos e
devoradores. Pergunta se quero beber algo e peço uma água. Quando se
afasta, contemplo a obra de arte que é o seu corpo em roupas de dormir.
Tiziano veste uma calça fina de malha e uma camiseta branca de algodão.
Vejo que é um tecido mais suave que molda o corpo todo. Suspiro
longamente. Seu condicionamento físico melhorou, está mais musculoso,
um pedaço enorme de gostosura. Percebo que minhas mãos estão trêmulas
de ansiedade.
Ao retornar com a jarra de água fresca, bebe um pouco assim como
eu.
— Espere um minuto.
Desaparece em uma porta e retorna com um robe branco de seda.
Quando visto, serve perfeitamente. Aliso o tecido e olho para ele confusa.
— Também quero revelar os meus segredos.
Sentando-se na poltrona de frente para mim, ele espera pelas minhas
palavras.
— Tiziano, quando contou o motivo que me deixou, não acreditei e
peço desculpas por meu ceticismo. Nunca pensei que houvesse pessoas com
tal dom. Sua avó viu coisas do meu passado que somente eu sabia, só eu
senti o que ela viu, portanto, agora sei que essas revelações são reais.
— Ela contou que é de família esses dons? O que você quer revelar
sobre você?
Aceno positivamente, nervosa e apreensiva. E se ele não gostar da
verdade?
— Sou diferente. Desde antes da adolescência sentia um vazio
inexplicável. Uma necessidade de alguém me validar como pessoa. Um
medo de ficar sozinha. E esse medo me fez cometer muitos erros. Alguns
sem grandes consequências, outros me levaram a aceitar situações cruéis
para não ser abandonada se negasse. Já feri a mim mesma e tentei diversas
vezes contra a minha vida para acabar com essa sensação impotente...
— ...O medo me acompanha com frequência e qualquer coisa que
tire uma certeza cimentada dentro de mim, faz com que eu caia nos ataques
de pânico e de histeria. Num minuto estou sangrando e no outro sou a
lâmina. Vivo sempre na borda dos sentimentos e é difícil conviver comigo.
O medo nunca vai embora totalmente. Fui diagnosticada recentemente com
transtorno de borderline. Já ouviu falar?
— Já li alguma coisa, mas vou aprender tudo sobre isso a partir de
hoje.
— Minhas médicas estão em um consenso de que tenho
bipolaridade além do borderline.
Bebo outro pequeno gole com ele me encarando interessado.
— Está em tratamento a quanto tempo?
— Sempre estive desde a puberdade, mas não era o correto.
Faltavam ajustes. Desde que fui para a Espanha, decidi me aprofundar, e
houve estabilidade no quadro. Sua irmã participou desse processo.
— Eu gostaria que você me incluísse no programa de tratamento, se
é assim que vocês falam.
Meu sorriso é de alívio ao ver o homem que amo aceitando minha
condição.
— Talvez eu deva terminar para deixar claro onde você está se
metendo.
Tizi balança a cabeça e sorri.
— Nada do que disser vai mudar o que sinto por você, Selena. Mas
eu quero ouvir tudo sobre o seu tratamento para poder ajudar como puder.
— Depois de conviver com Jess, investiguei sobre o meu porte
físico. Descobri um problema hormonal e venho me tratando, meu corpo
tem mudado, mas de maneira saudável, sem cirurgias. Ainda não tenho
curvas como as mulheres com quem você aparecia na mídia e isso ainda me
deixa insegura, interfere muito no meu emocional.
— Selena, sempre te amei e não somente pelo corpo, mas pelo seu
coração.
— Mas... é algo tão arraigado que é difícil abandonar minhas
inseguranças. — Sinto o nó na garganta por segurar as lágrimas, então bebo
um pouco mais de água, me preparando para continuar.
Observo-o balançar a cabeça negando. Tizi está concentrado me
escutando. Permitindo que libere minha angústia nessa poltrona.
— Eu sei, sei que você está disposto a recomeçar, mas você não
conhece a verdadeira Selena. — Meu fôlego falha com minha apreensão
aos poucos se aproximando. — Sofro de crises TEPT e me machuco para
fugir da dor emocional. Às vezes me isolo, porque a única coisa que quero
no momento é ser invisível para tudo e todos. Então evito confrontos de
todas as formas e me sinto incapaz muitas vezes de enfrentar decisões que
somente eu tenho que tomar.
Ele me olha intenso e muito sério. Começo a sentir a dor e a
ansiedade vir à tona.
— Continuo quebrada, inapta, me sinto feia no geral, não só
fisicamente e tenho medo de que você enxergue isso e se decepcione. —
Nesse momento deixo o copo na mesinha, pois sinto minhas mãos suando,
vendo-o me encarar sem dizer nada. As lágrimas se tornam grossas, ao
verter pelos meus olhos. Devo falar dos seios, mas a coragem não aparece.
Por isso só consigo falar entre soluços.
— Me perdoe, eu jamais quis machucar você com meu ceticismo.
Tive medo de acreditar. Foi preciso de outra pessoa para abrir meus olhos,
desculpe... — começo a sentir frio e meu corpo todo estremece.
— Ei, ei, Selena! — Rapidamente sinto dois braços fortes me
pegando e apoiando meu corpo em um conforto.
Ele me põe em seu colo me abraçando contra o peito largo e permite
que eu chore.
Sinto beijos doces na minha testa, descendo pelas lágrimas e rosto.
— Você teve muitas crises de pânico como aquela na festa? —
Balanço a cabeça.
— Inúmeras, mas é muito mais que crises de pânico. Tenho surtos
reais! Sofro de sérios problemas psicológicos e quero que saiba. Em alguns
casos minhas crises me levam a ferir seriamente a mim mesma, a quebrar
tudo pela frente. Nos surtos eu grito, choro compulsivamente a ponto de os
olhos arderem ou incharem por dias. Não me alimento, não falo, só respiro
e me escondo até de mim.
Ele me olha emotivo e ao mesmo tempo aturdido.
— Jessica sempre morou com você?
— Sim, mas às vezes nem ela eu quero ver. Já fui rude com ela e
falei coisas que não devia. A vontade é de sumir do mundo — murmuro
chorosa.
— Tem noção do que é o mundo para mim sem você nele? — Nesse
momento, olho seu rosto consternado me analisando.
Ele segura meu queixo com carinho para manter o olhar no dele.
— E se te disser que te amo mais que qualquer uma das crises que te
derrubam? Eu te amo mais do que a distância que ficamos separados, mais
do que os dias ruins que estão por vir, que qualquer briga que teremos. Amo
mais do que qualquer um ou qualquer coisa que tente ficar entre nós. Eu te
amo sempre e nada pode mudar isso, Selena.
— Estou longe de ser perfeita para você, Tiziano.
— Não existe a perfeição, sempre haverá dificuldades, só temos que
escolher com quem queremos enfrentá-las e eu quero enfrentar com você,
qualquer uma que aparecer.
Ele afaga meu rosto emocionado e beija meus lábios. Sinto o gosto
das minhas próprias lágrimas e o dele tão verdadeiro.
— Vou cuidar de você amore mio, seja a crise que for, o medo que
for, receio ou fraqueza em se reerguer, vou estar aqui para você, Selena.
Deve entender que eu te amei, te amo e te amaria em qualquer tempo, em
qualquer lugar e de qualquer forma. Você só precisa me deixar amá-la!
A verdade dessas palavras me aquece, e aos poucos, uma sensação
de aceitação começa a tomar conta de mim. Não é total, mas já vislumbro a
realidade e a possibilidade dessa aceitação se concretizar.
— O que eu mais quero é ser amada por você — respondo dessa vez
segura, vendo o sorriso que amo aparecer. Sinto seus lábios nos meus
apenas numa delicadeza entre palavras gentis dele.
— Eu quero você com todas as suas partes inteiras ou quebradas —
sorrio pela atitude dele em me acalmar, mas ainda preciso de coragem para
enfrentar a revelação do que sofro no meu corpo.
— Quer a Selena que não se acha suficiente? Deslocada e sem
graça?
Tiziano cheira meu pescoço arrepiando minha nuca e o sinto sorrir
por perceber o efeito.
— Você não é nenhuma dessas coisas em nenhum sentido, nunca
foi. — Tizi me olha intensamente e fala sério. — Sempre foi você, Selena!
Sempre! Se eu pudesse tirar do meu corpo e mente qualquer mulher que
toquei só para ter a lembrança do seu toque e do seu gosto, faria isso, sem
hesitar um milésimo de segundo. Já fiz muitas coisas erradas com relação a
você.
Amplio o olhar e observo ele se encostar no apoio da poltrona e me
puxar para me aninhar em seu colo. Beija o topo da minha cabeça e me
abraça apertado.
— Coloquei Jessica no mesmo colégio onde você estudava para
poder te ver quando fosse buscá-la. Depois daquele encontro no posto, tudo
o que fiz foi para me aproximar de você. Como um observador stalker,
queria saber tudo a seu respeito. Já te segui, fiquei de campana nas duas
propriedades onde você fica aqui em Veneza.
Olho para ele e Tiziano esfrega a nuca visivelmente desconfortável.
— A pulseira que te dei tinha um rastreador. Era um símbolo do
nosso relacionamento, mas usei para te monitorar.
— Meu Deus!
— Desculpe, eu não era bom para você na época e tinha noção
disso. Eu era egoísta e queria você só para mim. Estou longe de ser perfeito.
Convivo com um transtorno sexual, uma preferência por uma prática
diferente da maioria. Mas prefiro contar com calma amanhã, se não se
importa.
Sinto-me insegura e questiono:
— Vou conseguir suprir essa preferência diferente?
Seu sorriso seguro e confiante ao segurar meu rosto e me olhar
diretamente nos olhos me acalma.
— Não me afeta mais e não é nada que vá interferir em nossa
relação. Está controlado, faço tratamento com muitos anos de terapia e não
tenho relacionamento físico com ninguém há mais de três anos.
— Verdade?
— Sim, virei um punheteiro, palavra de escoteiro. — Acho graça
quando ergue a mão em juramento.
— Selena, quem eu queria era inalcançável. Parei de fazer, simples
assim, falei para minha terapeuta que não ia ter sexo casual só para suprir
uma necessidade física. Só queria você, depois que te conheci o resto
perdeu a importância. Meu passado, vou revelar todo se quiser, mas hoje
prefiro te ouvir.
— Não queria tocar no meu passado, porque me fere muito e me
deixa ainda mais insegura. Tenho muitos traumas com relação ao sexo.
Tizi aperta os lábios em uma linha fina.
— Juro que se pudesse eu mataria aquele bastardo!
Coloco a mão na boca dele impedindo de estragar nosso momento
com as lembranças de Pietro.
— Não o deixe estragar isso. Não o traga para o nosso recomeço.
Está seguro do fardo que terá de suportar, convivendo com uma mulher
quebrada como eu?
De repente ele se ergue comigo nos braços e me leva por um
corredor largo, percebo que várias de minhas fotografias artísticas estão
aqui, junto com as de outros artistas. Chegamos em uma parede que é
completamente espelhada.
— Quero lhe mostrar algo muito importante.
Ele me coloca no chão na sua frente e me faz encarar um reflexo em
tamanho real, nossa imagem, pois ele me enlaça por trás com seus braços
tatuados e coloca o rosto em meu ombro me dando uma visão privilegiada
do meu corpo acolhido em tamanha força e beleza no dele.
— Você quer saber o que vejo? — Mordo o lábio com expectativa.
— Poderia resumir em apenas uma frase. Estou olhando a mulher da minha
vida — Suspiro alto, meu corpo todo se arrepia de apreensão e euforia, não
consigo definir o estado que me encontro.
— Vejo a minha luz, que me guiou para me tornar o homem que sou
hoje.
Cheira o meu ombro e pescoço, acariciando com seu nariz, e as
mãos começam a alisar meus quadris. Amolecida com seus toques, observo
seus gestos pelo reflexo. Tizi segura uma mecha do meu cabelo deslizando
por seu rosto, cheirando e sentindo a textura.
— Esses cabelos lindos de anjo que sonho um dia acordar
espalhados sobre mim. — As mãos descem para o meu ventre, desatam o
roupão acariciando suavemente, olhando em meus olhos pelo espelho.
— Esse corpo que para mim sempre foi lindo e perfeito, minha
pequena, minha preciosa.
Sinto os beijos no meu pescoço e lambidas no lóbulo da minha
orelha, incendiando tudo. Dou-lhe total acesso, alisando os antebraços que
não param de acariciar.
— Esse ventre sonho um dia em ver crescer com nossos bebês,
nossa família. Sempre sonhei com você, Selena, sempre foi você desde
muito antes do primeiro olhar naquela rodovia.
A mão desce lenta e suavemente para dentro da minha calcinha, e
percebendo que a outra subirá ao seio enlaço com meus dedos impedindo
disfarçadamente. Está tão bom, não quero que acabe agora.
— Você diz que nunca foi e nunca se sentirá boa o suficiente, mas
para mim você sempre foi perfeita, única e sempre gravitou como um ser
celestial com sua luz e beleza. E se mesmo assim não acredita, espero que
saiba que a sua imperfeição e inadequação refletem as minhas. Somos
iguais. Também tenho partes quebradas, mais que isso, esmigalhadas,
amore. E não vou esconder de você, não mais.
Sinto os dedos entrarem sob o tecido me acariciando. Quando toca a
fenda molhada, se mela com minha umidade, desliza lentamente respirando
ofegante em meu ouvido. Meu gemido é baixo e contido, mas não consigo
desviar meus olhos dele no espelho, do seu rosto lindo de desejo por mim.
— Veja como é linda sua pele corada quando se excita, sua boca
maravilhosa gemendo de prazer e seus olhos extraordinários, que irradiam
essa luz verde que me deixa vivo.
Os dedos fazem pressão em meu clitóris, primeiro com carinho e
sua língua lambe os próprios lábios. Quando acelera aos poucos me
deixando no limite com um chupão no meu pescoço.
— Ahh! — gemo ao sentir o prazer a borda e mexo o quadril em
busca do orgasmo, gozando em pé diante dele.
Seu olhar brilha me encarando, enquanto os dedos deslizando fazem
barulho com a lubrificação.
— Cazzo, Selena! Não vou aguentar ver você gozar assim, mas eu
quero ver. É a única coisa que quero ver nessa vida, seu rosto quando a faço
gozar.
— Tizi... Ahh Dio...!
— Você me sente, sinta meu corpo inteiro te desejando, bella, sou
maluco por você, louco, alucinado!
Ele esfrega sua dureza escondido pela calça de malha, roçando em
minha bunda, me fazendo estremecer. Sinto-me formigar em ansiedade, em
desejo e loucura, aceito seu corpo todo se moldar às minhas costas se
esfregando e me sentindo com um frisson de excitação.
— Sim, minha pequena, goze para mim.
A voz sai mais rouca e ouço ele gemendo baixo, respirando forte em
meu ouvido. Pego seu rosto virando ao meu e o devorando, sentindo o
clímax me tomar e meu corpo estremecer em espasmos de prazer.
— Ah, simm!
Em seguida ele vira meu rosto para o espelho e eu assisto suas
pupilas dilatadas ao me ver desfazendo-me de prazer em seus dedos, que
deslizam com facilidade. O calor do orgasmo me deixa totalmente corada, e
os espasmos são tão intensos que apoio a cabeça em seu peitoral, enquanto
seus braços me enlaçam para não cair.
Assisto minha boca entreaberta, gemendo, tentando sugar o ar e
respirar esse momento.
Sinto a umidade escorrendo por seus dedos e ele gemer mais me
admirando.
— Cazzo, bella! Isso é mais que sonhei!
Tizi espalha o gozo por todo o meu sexo, enquanto desfere beijos
em minha pele com a respiração alterada. Lambe meu pescoço, ombros e
meu rosto banhado de lágrimas orgásticas, querendo consumir tudo o que
sou, me deixando louca.
— Diz que é minha, Selena!
— Sou toda sua... ah!
Espalha meu prazer pelos lábios externos, subindo pelo púbis e
ventre, sobe e coloca os dedos em sua boca provando o gosto de uma forma
tão erótica que perco o fôlego ao assistir. Geme me olhando pelo espelho e
vira meu rosto para um beijo gostoso e voraz, roubando qualquer restinho
de sanidade.
Quando meu corpo amolece, ele pega a minha mão e coloca no
espelho com a sua sobre a minha.
— Sabe essa mulher linda que assisti gozar nos meus dedos? Essa
mulher é real, muito mais que suficiente. Olhe para ela nos assistindo juntos
e vendo que na verdade ela é a mulher da minha vida e eu não só a amo.
Vivo por ela… e somente para ela, farei qualquer coisa nesse mundo para
fazê-la feliz.
Girando meu corpo, ele me olha de maneira intensa, cheirando meu
pescoço e rosto, beijando e beijando vai me guiando pelo corredor até a sua
suíte. Agarrado a mim contra seu corpo, apertando minha bunda enquanto
me devora. Entorpecida, totalmente submissa as sensações que esse homem
me causa.
Quero me entregar sem reservas a única pessoa que não sai da
minha cabeça, o único homem que eu amo, quero tudo com ele, para
sempre.
CAPÍTULO 58

(All of me - Jhon Legend)


(Grande Amore - Il Volo)

Conduzir Selena por esse corredor em meus braços é um sonho.


Quase perdi o controle quando a vi e pensei que não era real. Cheguei da
mansão chateado pela discussão, chorei em meu quarto por imaginar que
não haveria chance para nós, mas agora isso se tornou nada, pois mia
ragazza veio pedir desculpas, e está lutando como eu por essa relação.
Não posso negar que a revelação sobre sua saúde não me assustou.
Senti na alma as inseguranças em cada palavra, mas estou preparado, desde
que ela se abra e converse. Vou me rasgar inteiro para lidar com tudo o que
for necessário para minha mulher ficar bem. Usei toda a prática e
conhecimento que aprendi, para acalmá-la e fazê-la sentir-se segura
comigo. Não vou perdê-la outra vez, isso nunca. Ela entregou sua confiança
a mim e isso não tem preço. Não sei como tô conseguindo manter minha
sanidade, meu peito parece explodir de euforia.
Cazzo! Dar prazer a nós dois em frente ao espelho minutos atrás,
ativou meu corpo inteiro de uma forma nunca antes. Cada célula responde
aos toques de Selena. Esse nosso momento foi como nos ligar de uma
maneira tão intensa que preciso de muito mais. Minha linda, tão delicada…
preciso beijá-la e amá-la com meu corpo, mente e espírito intensamente, e
sei que jamais vou cansar disso. Selena é tudo o que preciso e desejo.
Ao chegar no quarto, o robe de seda se perdeu no corredor,
apressado tiro toda minha roupa ansioso e fico apenas de cueca. Vê-la
seminua, não parece verdade, não consigo parar de olhar. Selena parece
esculpida delicadamente por Deus. Cada pedacinho é... Perfeito. Estar nesse
quarto, sozinho com ela, é estar em outra realidade, uma que só existe nós
dois.
— Não me olhe assim, Tizi. Você me deixa tímida — diz com um
sorrisinho no rosto corado.
— É que... você é... Uau! Nem sei que elogio posso dizer. Você é
quem me deixa tímido com essa visão.
Aproximo-me dela estagnada no meio do quarto. Selena toca meu
rosto e barba e isso por si só desencadeia um formigar pela antecipação de
senti-la inteira. Suas mãos descem ambas para o meu pescoço explorando
minha pele, me deixando hipnotizado olhando suas feições e reações. Seus
dedos tocam a joia que um dia me presenteou e sorri espalmando meu peito
onde meu coração bate descompensado. Cubro sua mão delicada com a
minha a trazendo para perto, colando nela e acariciando seu rosto com o
meu em um carinho de adoração.
— Você guardou? Queria que tivesse um pedacinho meu quando lhe
dei essa medalhinha — ouço sua confissão baixa contra meus lábios.
— Sempre a mantive perto, tão perto que sentia você pulsando no
meu peito todos os dias. Você é meu coração, minha alma, meu tudo, bella.
Seus lábios tremem ao encontrar os meus, e a enlaço sentindo seu
calor me consumindo. Minha amada reivindica minha boca me mantendo
nela com as mãos delicadas, agarrando meus cabelos como fez naquela
adega anos atrás. Sou tão dela, meu Deus, que apenas retribuo seu querer.
Sinto o tecido da minha box úmido e fecho os olhos quando seus
lábios delicadamente beijam meu rosto, pescoço, descendo pelo meu
peitoral e ficando em frente ao meu pau coberto. De joelhos pra mim?
Sinto-o latejar constantemente de ansiedade.
Ela me olha quieta e corada, escorregando minha box lentamente,
alisando minhas pernas, apreciando o momento. Meu comprimento salta
todo melado e necessitado por ela. A ouço inspirar o ar e levantar devagar
ainda olhando meu pau. Não entendo sua reação.
— Voo… cê é lindo! Todo lindo! E... nunca esqueci como você é
grande.
Seu rosto tímido me diz que está insegura.
— Não queria sentir dor... Será que vai doer?
Essa frase simples e inocente me faz lembrar que já foi machucada,
e isso me fere tanto. Sou um homem vivido e tenho noção que sou maior
que a média. Não sou hipócrita em dizer que não imaginei a sensação de
aperto gostoso da bocetinha delicada.
Só que escutar seu receio me lembra do trauma e que talvez mia
ragazza não teve muitos parceiros sexuais depois daquele farabutto. Não
quero me prender a isso. Foda-se o passado, eu sou o presente, nós somos o
presente. Mesmo excitado e ansioso, tenho que ter cuidado, preciso
tranquilizá-la.
— Minha bella, fique tranquila — seguro sua mão trêmula e enrolo
no meu pau me masturbando lentamente. — Vou fazer caber bem gostoso
para nós dois. Te amo e não vou te machucar. Confia em mim?
Observo atento a suas reações e ela afirma em silêncio que confia. A
mão dela completamente melada, desliza num carinho delicioso me fazendo
gemer e encará-la intensamente. Mas, percebo seu receio surgindo e sua
respiração se alterando. Por que, será que não está gostando?
Solto sua mão e seguro seu rosto.
Mas em nenhum momento ela para de me acariciar.
— Amore, você não quer me tocar?
Seu olhar sustenta o meu e sua voz baixa ressoa aproximando a boca
da minha.
— Eu quero! Você é lindo e sonhei diversas vezes em tocá-lo outra
vez. Poderia ter um orgasmo assim ... só assistindo em lhe dar prazer.
Sinto-me escorrer ao sentir sua mão quente e sedosa se arrastando
pelo comprimento inteiro, vou me inclinando beijando seu pescoço e colo, e
falo baixo em seu ouvido.
— Amo você, amo tanto! E quero amar seu corpo com todo o
sentimento que tenho. Esperei esse momento por muitos anos, você
consome meus pensamentos noite e dia e agora, quero que consuma meu
corpo, me consuma inteiro, Selena, do jeito que quiser.
Beijo seus lábios com fome e paixão, descendo ao seu pescoço e
colo, gememos e nos incendiamos somente com esses toques. Quando toco
no fecho de seu sutiã, ouço um soluço alto, então ergo meu olhar e observo
minha pequena chorar outra vez.
— Ei, bella, o que é?
Ela não consegue falar imediatamente. E quando fala, a voz é
quebrada em um lamento que me assusta, suas mãos tremem e ela agarra
meu rosto desesperada.
— Desculpe, perdão, tem algo que tô escondendo, não consegui
contar. Não me rejeite por favor! Mas meu organismo reagiu ao tratamento
hormonal, ao estresse e às crises dos últimos dias e meus seios estão com
problemas. Eeee… Eu ... Não vou suportar se tiver nojo de mim. Podemos
deixar o sutiã como está?
Noto agora como a insegurança daquela moça ainda está aqui com a
mulher, mas não há nada no mundo que faça com que a rejeite, ela precisa
ter consciência disso.
— Não vou lhe rejeitar, Selena. Eu te amo, vida, olhe pra mim. O
que mais quero é te guardar no meu abraço, te proteger e cuidar de você.
Quero te amar até que não restem dúvidas que meu peito é seguro para você
descansar. Não tenha medo! Mesmo que esteja machucada a tratarei com
carinho, mas por favor, não me impeça de ter você totalmente. Preciso tanto
de você inteira e quero que precise de mim.
Afago seu rosto e beijo suavemente seus lábios, buscando em seu
olhar a permissão para descer. Sua respiração acalma e as lágrimas cessam.
Olho para os montes acomodados no sutiã de renda e me inclino para beijar
a pele do topo dos seus seios lambendo com carinho.
Eles ficaram maravilhosos desde que os vi pela última vez, vejo que
são redondinhos, firmes, grandes para o tamanho da minha pequena.
Confesso que meu corpo vibra em ansiedade, estou maluco para sentir seus
mamilos sensíveis na minha boca. Quanto tempo sonho com isso, cazzo!
Deslizo meus lábios na curva linda, sentindo sua pele quente, Selena está
pegando fogo!
Ela me encara e vê como falo sério, então sem desviar do meu olhar,
mia ragazza abre a lingerie e deixa cair a peça no tapete.
O ar do quarto evapora ...
Eu não estava preparado para isso, nem em um milhão de
possibilidades imaginei a visão que sou apresentado! Dio!
Sinto minhas pernas enfraquecendo e preciso me estabilizar
cambaleante com um passo para trás. Estou totalmente hipnotizado com o
que vejo. Minha boca enche d’água e meus olhos também, lágrimas de
emoção brotam sem aviso como torrentes de água.
Os seios cheios, rosados e inchados, gotejando leite como um oásis
no deserto. Selena devia ter um forro na peça íntima por isso não me deixou
tocá-los diante do espelho, ignorei os sinais porque jamais podia imaginar
que isso estivesse acontecendo com ela.
Minha preciosa está apavorada que eu a rejeite e mal sabe que é o
sonho da minha vida. Ela faz menção de recolher os braços sobre eles,
vendo que não reajo, com razão, estou paralisado, aparvalhado de espanto e
euforia.
Imediatamente meu reflexo me acorda do transe. Seguro suas mãos
com gentileza e a beijo outra vez acalmando-a em seus lábios trêmulos.
— Eles doem, minha pequena? Estão tão quentes.
Ela balança a cabeça confirmando em lágrimas, fazendo apertar o
meu peito em aflição.
— Todas as noites preciso tomar banhos mornos e fazer compressas
para eles vazarem e conseguir dormir — fala ela encabulada e gaguejando
— É...ee que ... é que não tenho como secá-los agora. Tem que ser
gradativo com o tratamento hormonal.
— Há quanto tempo, Selena?
— Percebi na manhã seguinte ao evento do leilão. Eles não estavam
vazando no início, doíam e estavam quentes nos dias anteriores a minha
chegada aqui, o emocional afetado e a medicação causaram a lactação e
agora eles vazam muito. É doloroso quando não dreno. Desculpe, não
queria causar repulsa em você, não consegui contar antes, eu devia ter
dito… talvez possamos tentar outra hora… você ainda me quer?
Nesse momento sua dor e vergonha fazem ainda mais sentido, ela
amedrontada de ser humilhada por isso. Enlaço minhas mãos nas dela
chegando próximo, fazendo os seios tocarem levemente na minha pele nua,
molhando, me fazendo ofegar em antecipação. Concentro minhas pernas e
minha porra que está a ponto de escapar do pau. Preciso cuidar do meu
amor e fazê-la se sentir amada.
— Te quero, te quero inteira. Jamais rejeitaria você por isso ou
qualquer outra coisa, ouviu, bella? Amo você, e os amo do jeitinho que eles
são. Na verdade, seus seios são perfeitos pra mim, mais que perfeitos, se
acalme e feche os olhos, pode fazer isso?
Ela afirma com um aceno, mordendo os lábios visivelmente
nervosa. Beijo sua boca, a saboreando lentamente, escorregando a língua
sem pressa, chupando a dela com vontade. Em segundos o beijo se
transforma em beliscões e pequenas mordidas de ambos os lábios, com ela
dominando e tomando o que quer, tão gulosinha! Vou me inclinando até me
ajoelhar diante dela.
Ajoelhado é a única maneira de reverenciá-la como ela merece.
Dispo sua calcinha e inspiro seu cheiro de mulher e da minha boceta doce.
Amasso sua bunda, enquanto beijo seu púbis e ventre. As mãos de Selena
pousam em meus ombros e afagam minha nuca enquanto subo os beijos
sem pressa a lambendo e cheirando entre o vale dos seios até encontrar o
primeiro mamilo rosado pingando e molhando sua pele.
Ao tocá-lo com minha língua, sinto-a estremecer. Meu coração vem
à boca e um formigamento atinge meu corpo inteiro. Beijo suavemente,
lambendo acomodo seu mamilo sensível com cuidado entre os lábios e
começo a sugar com beijos apaixonados. Nesse instante acaba minha
percepção do mundo, nesse momento só há Selena, amor, paz e calor.
Lágrimas grossas rolam pelo meu rosto e rapidamente faço a mesma
coisa com o outro seio. O líquido morno e doce é absorvido por mim como
seiva da vida, único néctar! Sinto a completude do amor nesse momento,
quando os dedos delicados escorregam em meus cabelos gemendo baixo.
Ela não se deu conta ainda, mas esse ato de afeto primitivo é a entrega total
dela que sempre sonhei.
Dio! Posso morrer agora se quiser me levar!
Nada no mundo havia me preparado para isso. Me ouço gemer
baixo, satisfeito, escuto o meu sugar como se fosse a primeira vez que
provo um seio cheio. Beijo e sugo com vontade, abraçando seu corpo
delicado. Seu leite é tão doce e perfeito que me faz flutuar em sensações. É
como se o universo depois de anos moldasse a minha Selena especialmente
para mim. Moldou seu corpo lindo, cabelos perfeitos, seios cheios de leite
doce e viciante, além da sua boceta delicada somente para esse bastardo.
Toco os seios com carinho deslizando meus dedos em uma
massagem. Uma de suas pernas se envolve em mim e sinto sua boceta
molhada se esfregar na minha pele. Ronronando como uma gatinha,
ronronando! Meu Deus! Ela está tendo prazer. Compartilhando esse prazer
comigo!
— Voccceeê… Tizi você está sugando o leite … está usando a
língua de um jeito...! Está me deixando louca!
Não paro e nem consigo responder, apenas a concentração em não
machucar ao mamar importa. É isso, mamo o corpo da minha mulher como
se fosse uma experiência de outra vida. É tão gostoso que resmungo um
gemido abafado, massageando mais para senti-los me melando inteiro, me
deixando rendido de amor e desejo incontrolável.
Não consigo ter mais noção do meu corpo e sinto a porra saindo sem
controle, gozando como há muito não gozava. Meu corpo estremece inteiro
e enlaço a cintura da mia ragazza a apertando junto a mim.
— Ah...!
Ouço um gemido manhoso e quando abro os olhos, a vejo chorando
emocionada, olhando fixamente para as minhas lágrimas. Continuo a sugar
sentindo suas mãos mais ansiosas puxando meu cabelo e seus gemidos
aumentando.
— Tizi, ahhh Tizi... Isso é tão gostoso ... não entendo como pode ...
Sinto você sugando e …. Quero mais ... Ahhhhh…. Eeuuuuu …. Está perto,
eu vou … ah!
Quando deslizo de leve a mão para sentir o quanto está molhada,
Selena explode em um orgasmo potente estremecendo agarrada aos meus
cabelos. Dói quando ela puxa os fios, mas foda-se! Sugo sentindo minha
boca encher de leite e meu pau como uma rocha, mesmo depois de todo
melado em porra. Ela goza apenas sendo mamada por mim, não é
necessário mais nada, puta merda! Não pode ser mais perfeito que isso.
Então em espasmos perde as forças das pernas, mas eu a amparo segurando
sua cintura para não cair.
— Você é a criatura mais deliciosa do planeta! Quero mais! Quer
mais, minha deusa?
Pergunto agora face a face, contra sua boca.
— Quero você, Tiziano.
Nossas lágrimas banhando nossos rostos, misturadas ao nosso
êxtase, é sublime. Acomodo-a sentada sobre mim montada no meu colo no
chão. Meu pau pronto e babando. Todo melado é bom, está lubrificado para
meter gostoso na minha mulher e não machucar. Ah Deus, me deixe vivo
mais um pouco, porque sinto meu peito em frangalhos de emoção.
Beijo seus lábios de uma maneira voraz, agarrando seus cabelos pela
nuca.
— Você é minha inteira, toda e completamente minha, Selena. E seu
sabor na minha língua tem gosto de céu.
Ela se esfrega no meu cacete, como fez naquele carro há quatro
anos. Mas agora seremos um só sem nenhum impedimento.
— Oh! …que gostoso!
— Você que é gostosa. De quem é essa bocetinha gulosa?
Ofego com ela deslizando molhada pelo seu gozo, fazendo-me
quase explodir outra vez. Ouço meu próprio gemido rasgado e sibilado
entre os lábios quando ela diz que é minha.
— É sua Tiziano. Sou toda sua, meu Tiziano.
Ah, Dio! Tô muito fodido por essa mulher, preciso possuí-la agora.
— Então senta, amore mio! Senta no que te pertence. Rebola no
meu caralho, goza outra vez pra mim. Quero te fazer minha, marcar você,
fazê-la sentir o que sempre soubemos desde que nos vimos pela primeira
vez.
Ela me encara embriagada de luxúria com as pupilas dilatadas e se
ergue para me encaixar deslizando lentamente dentro dela.
— Posso ir devagar?
Ahhh Cazzo! Esse jeitinho doce!
— Você é minha dona, senta minha pequena, do jeitinho que quiser.
Agarro sua bunda segurando seu corpo e ela começa a encaixar de
maneira lenta. Cazzo! É apertada pra caralho, e tão perfeita. Sinto que ela
esmaga minha carne e essa sensação é de outro mundo, quente e macia
como veludo. Nem acredito que estamos finalmente vivendo esse sonho.
Entro metade nela e a sinto bem esticada no limite. Gotas de suor pairam
sobre minha testa e escorrem por minha coluna, é o esforço em segurar para
não machucar. Suando de tensão e tesão.
— Encaixou amor... Você me tem.
Falo arfando ao ouvir Selena gemendo e sorrindo, se acomodando e
me fazendo sofrer com seus movimentos lentos, é muito gostoso.
— Não doeu — murmura com um sorrisinho tímido e olhos úmidos
de emoção. — Não doeu... Ahh!
— Nunca mais vai doer, principessa, nunca mais! Isso vida,
escorrega nele. Ahhhh... me engole todo... — Minhas bolas ardem para
gozar e meu peito sobe e desce respirando como um touro no abate.
Seus movimentos lentos sobre mim, seu calor, seu cheiro, estão me
conduzindo a outra onda orgástica, mas preciso que ela goze antes, sendo
preenchida e totalmente possuída. Quero seus tremores com minha carne
enterrada onde pertence, na boceta da minha amada mulher.
— Ahhh, Tizi... Me sinto cheia e completa, você é tãooo…. grande!
Sou inteira sua ... toda sua agora, quero sentir você gozar dentro de mim.
Encaixei meu corpo no seu totalmente.
Puta merda! Desse jeito não seguro muito tempo com ela gemendo
como uma felina manhosa essas palavras e pedindo mais. É uma sensação
nova, que me toma completamente. Sorrio contra a boca que não se afasta
de mim, agarrando meus cabelos.
— É muito mais que encaixe, minha preciosa! Somos destinados,
nossas almas finalmente estão unidas.
Chupo seu pescoço voraz, deixando marcas, mordendo sua pele, e
com as mãos cravo os dedos no seu quadril, enquanto ela rebola agarrada ao
meu pescoço gemendo descontrolada, me fazendo rosnar com seus sons de
prazer.
Selena sorri tomando meus lábios com urgência, enquanto nossos
sexos se chocam e se ajustam ainda mais. Gemo em sua boca a agarrando e
apertando enquanto ela rebola cada vez mais rápido. Selena é quente,
sedutora e delicada, mas rebola insaciável me fazendo delirar. Quando o
orgasmo chega, arrasando com nosso controle, nossos corpos suados
tremem juntos e sinto meu pau expandindo dentro dela, liberando a porra
quente, enquanto ela sorri contra meus lábios em seu prazer.
É a sensação mais incrível que já senti. Parece que meu corpo flutua
em ondas e encontrei o céu. Sua cabeça pende para trás e assim tenho
acesso aos seios outra vez. Adentro o meu paraíso particular novamente.
Chupo consciente dos seus gemidos, a inclinando ainda dentro dela,
a acomodo no tapete felpudo e enterro feito louco, a fodendo com gosto.
Um tesão reprimido de anos que meu pau não amolece. Selena enlaça suas
pernas em mim, sentindo minhas estocadas profundas. Seus seios sugados
por minha boca faminta, arqueando o corpo inteiro para o meu prazer. Seu
corpo lindo e delicado acomodado totalmente em meus braços com o mais
perfeito encaixe.
Minha mão toca o outro seio, colocando seu mamilo molhado entre
os dedos e apertando conforme meto com vontade. Ela grita pedindo mais.
Ah cazzo! Vou explodir de novo em porra. Afundo em seu pescoço,
gemendo baixo e alucinado com as sensações que meu corpo experimenta.
— Amo você! Pra sempre!
Ela afaga meu rosto, afastando um dos braços do meu pescoço e
perdida em desejo devolve minha cabeça até um dos seus seios, isso é o
suficiente.
— Queria sentir de novo. Pode sugar mais um pouquinho? —
pergunta baixinho, quase um murmúrio, envergonhada.
É sonho virando realidade, porra!
As estocadas são mais rápidas ouvindo seus gritos de prazer tomar o
quarto. Seu gosto e cheiro fixam em minha mente, fundindo-se ao corpo,
meu pau lateja, arde para gozar e esporrar nela até a última gota do meu ser.
— Ahhhh!
Caio de boca no outro seio que escorre, metendo e ouvindo Selena
outra vez.
— Tizi… issssso é... tão gosto...sooo. Tiziano poorr favoorr … suga
mais. Ahhh céus! Estou goz...zandoo outra vez, preciso mais forte...
Sugo o leite jorrando na minha boca, ouvindo-a gemer alto e meu
pau ser mastigado com os pulsos do orgasmo dela.
— Ahhhhh…. Selena!
Sinto seu aperto que parece um punho de aço fechado, seu prazer
banhando todo ele, enquanto aprecio o impacto das minhas estocadas
molhadas. Jogo minha cabeça para trás, urrando seu nome a plenos
pulmões.
Explodindo toda a porra que ainda resta dentro dela, fazendo vazar
da sua boceta pequena e gulosa que é só minha. Ahhhh! Por favor, se isso
for mais um sonho, pell'amore di Dio, me deixem em coma, porque não
quero nunca mais acordar.
CAPÍTULO 59

(Como Mirarte – Sebastian Yatra)

Estamos deitados entrelaçados no tapete há minutos, horas, não sei


dizer, só sei que me sinto leve e não consigo explicar. E a melhor sensação é
de me sentir completa e confortável como nunca fiquei em minha vida com
ninguém. Tenho plena certeza de que essa conexão e entrega mútua nunca
aconteceria com outra pessoa. Deitada em seu peitoral consigo ouvir as
batidas do seu coração, que antes eram rápidas e intensas e agora estão
calmas em sintonia com meu próprio.
Meu rosto esquenta e meu sexo pulsa com a lembrança dele me
tomando e entrando não só em mim fisicamente, ele entrou em meu coração
e me marcou como dele definitivamente.
Ouvi-lo dizer que me ama e ver seu rosto gozando em lágrimas, foi
como sentir meu universo o consumindo em meu corpo e nunca mais
liberá-lo para longe de mim. Meu querido foi tão cuidadoso e amoroso. A
forma como dissipou meus medos foi algo que jamais imaginei ouvir e ver.
Senti que todas as minhas peças quebradas e danificadas se encaixaram
perfeitamente nas partes dele que também estavam despedaçadas após anos
de separação. Pela primeira vez, pude perceber que sou amada
completamente. O deslumbramento pelos meus seios foi lindo, é como se
nós dois tivéssemos um segredo só nosso e esse segredo fosse doce.
Tizi foi perfeito.
Não posso afirmar a sua perfeição por causa de uma experiência
sexual apenas. Mas como me fez sentir foi perfeito. Vejo que ele ainda está
meio duro, não completamente, mas está no caminho.
Dio Santo! Realmente não estava preparada para ele, acho que vou
ter que aumentar meus exercícios.
Quero ter uma boa resistência para meu homem, desejo ser
suficiente para Tiziano como ele é suficiente para mim. Ah... merda! Será
que esse tipo de análise é saudável?
Acredito que não. É melhor não me perder em pensamentos
destrutivos nesse momento. Quero somente me concentrar no seu calor,
corpo, cheiro, toque e o gosto dos beijos que nunca esqueci.
A saudade de algo que idealizei era grande, mas saber que o real é
muito melhor que a imaginação, me deixa um pouco ansiosa. Preciso lutar
contra meus medos e meu psicológico estragado, para viver plenamente e
ser feliz com o homem da minha vida.
Eu o amo tanto. Enquanto penso respirando minha agitação,
rapidamente sou arrastada sobre ele, sobre seu corpo protetor e quente me
fazendo sorrir. Sou enlaçada por dois braços fortes num aperto gostoso de
segurança e carinho, sinto o amor em seus gestos. Ronrono apreciando seus
dedos massageando minha nuca e couro cabeludo enquanto encaixo o rosto
no seu pescoço me fazendo esquecer no mesmo instante meus receios e
inseguranças.
— Shhh……. sinto em você a tensão e em suas expressões os seus
medos. Amore mio, depois que você entrou por aquela porta, tudo que você
é, tudo que sente e o que você teme é meu. Você não está mais sozinha. Sou
todo seu e quero você inteira pra mim.
Ele acaricia minha face, ergo para olhar seu lindo rosto. Tiziano me
beija com uma lentidão e carinho que me emociona, murmurando contra
minha pele.
— Quando você chora eu choro, quando sorri, traz o meu sorriso, e
quando você me amar de novo, fará o meu amor por você lhe encobrir e
acalentar, porque hoje tudo que sou ama você.
Começo a rir de felicidade em meio às lágrimas e beijos suaves, me
aninhando outra vez no meu lugar favorito, seu pescoço.
Apesar de estarmos grudados de esforço, lavados de tudo, leite,
gozo e suor, não há outro lugar que eu queira estar nesse momento. Nunca
estive tão confusa em meus sentimentos nesse misto de felicidade e medo
em toda a minha vida.
Mas a única certeza é meu amor por esse homem.
Minhas costas são acariciadas com carinho em toques suaves, ele
fala coisas lindas para ressaltar o quanto me ama. Sinto-me acolhida e
completa. Porque em todos esses anos, era por ele que eu esperava e por
seus braços que deveria ser acolhida. Sempre soube o meu lugar assim
como Tiziano. Preciso aceitar que meu coração se doou para ele quando o
conheci, porém minha mente está presa ao medo que só o tempo que nós
dois teremos nos amando vai dissipar.
— Desculpe — ouço a voz baixa e rouca.
Ergo meu olhar para o rosto que me encara sorrindo, o meu é
afagado com uma delicadeza que nunca senti.
— Por que se desculpa?
— Fui ansioso e não nos levei para a minha cama. Fiquei preso em
toda a sua essência e só mergulhei em você o máximo que pude, sem me
dar conta que minha preciosa merece um leito de seda e ouro.
Seguro seu rosto e o beijo lenta e preguiçosamente, querendo nossos
gostos. Sinto o sabor do leite misturado ao gosto dele. Esse nosso beijo
representa o sabor da nossa paixão e isso é maravilhoso. O ouço gemendo
baixinho abaixo de mim. Ao beijá-lo, sorrio com seu sorriso em minha boca
e sinto o rosto pegando fogo.
— Por que está envergonhada? — pergunta curioso.
— Será que é certo ... hum... — olho para os seios — amamentar
você?
Tizi encara meu rosto com uma expressão preocupada, uma ruga
profunda se forma em sua testa. Seus olhos azuis estudam cada traço do
meu rosto em busca de sinais de desconforto ou dor.
— Você se sentiu mal? Podemos nunca mais fazer isso se te deixa
culpada de alguma forma.
Mordo o lábio e me escondo no meu refúgio, sentindo a barba roçar
meu rosto.
— Nunca senti nada parecido... eu... adorei — sussurro tímida. A
gargalhada rouca e contente me deixa feliz. Ele me inclina para trás e fica
sobre meu corpo novamente.
— Adorou?
— É errado? Quero dizer, é um pecado? Não sei bem como
descrever o que estou sentindo, é uma mistura de sensações, algumas
incrivelmente boas e outras assustadoras. Além disso, estou suada e me
sinto um pouco grudenta.
— Não é errado, nem pecado, nem nada de ruim, se nós dois
gostamos e não ferimos ninguém, não há problema.
Ele é tão seguro e me passa tanta confiança quando me olha
intensamente desse jeito.
— E a questão de estarmos grudentos, vamos resolver agora mesmo.
Quero relaxar com você e te banhar com cuidado. Sua pele é tão sedosa e
perfeita que necessita de muita atenção. Topa ir para a banheira com seu
namorado?
Assim que balanço a cabeça concordando, já estou nas alturas,
porque ele se ergueu numa rapidez e elasticidade, me segurou em seu colo
nos direcionando para a banheira, que mais parece uma piscina aquecida
dentro do quarto.
— Lembra que falei sobre ter um transtorno de cunho sexual e que
tô em tratamento para conviver com ele?
— Lembro, você quer contar o que é agora?
Tizi prepara o banho com os jatos rápidos, sais e sabonetes, o
perfume delicioso de limão permeia o ar. O cheiro dele. Inspiro longamente
com ele me guiando com todo o cuidado para dentro da água morna e
relaxante.
Meu corpo agradece ao sentir o calor reconfortante da temperatura.
— Tinha pensado em conversar amanhã sobre isso, achei que seria
difícil de compreender, mas...
— Mas...?
— Deixa eu buscar as toalhas e óleos perfumados.
Ele se afasta um pouco nervoso para o cômodo lateral, que confirmo
ser o restante do banheiro e pega o necessário para nós. Para diante da
banheira refletindo ao olhar para mim mergulhando nela.
— Sabe que adiar a conversa não vai funcionar né? — incentivo ao
me apoiar na borda admirando seu corpo lindo e ...duro. É um pau de
respeito! E é meu!
— Cazzo! Você parece uma pintura dentro dessa água toda molhada
e sexy. Não quero perder isso!
Estendo a mão e pego a dele.
— Entra aqui, Tiziano. Eu quero saber do que está fugindo com os
elogios.
— Espertinha, mas não é mentira os elogios. Você parece um
outdoor de gata molhada.
Minha risada soa alta.
Ele se junta a mim na água deliciosa.
Toco seu rosto em um afago para tranquilizar seu semblante que está
mais sério, a boca em uma linha fina de tensão. Beijo sua testa, olhos, nariz
e rosto até chegar nos lábios.
— Fala pra mim. Me conta?
Ele sorri e começa a lavar meu corpo todo com toque de veludo.
Não sei como é possível mãos enormes possuírem um toque tão suave e
cuidadoso. Após isso, ele apanha o frasco de óleo de banho e começa a
massagear meus ombros.
— Já ouviu falar em lactofilia?
Reflito se já ouvi essa palavra alguma vez, mas não lembro.
— Lacto tem a ver com leite certo?
Então me dou conta, surpresa olho para os meus seios e mordo
o lábio envergonhada.
— Meu Deus! Você...?
Tiziano engata minha cintura dentro da água e esconde o rosto no
meu pescoço.
Ele beija minha pele e fala baixo em minha orelha:
— Não quero te perder, sei que gostou da sensação, mas se achar
que não se sente bem com sua consciência moral, vou me conter. Prometo
buscar qualquer forma de não...
Puxo seu cabelo para olhar dentro de seus olhos.
— Você não vai me perder.
O olhar intenso me derrete.
— É o leite? Você gosta de mamar?
— Seios, sensação, gosto, formas, tudo com relação a uma lactante.
Engulo uma surpresa enorme, mas não demonstro.
— Quando começou?
— Cedo, logo após a morte de Lorenzo, fiquei muito perdido.
Busquei uma forma de fugir da realidade e o sexo foi uma desconexão
paliativa. Então, experimentei essa sensação nova e viciei nisso.
Gostaria de perguntar tantas coisas, mas não sei se sou capaz de me
expressar sem pressionar ou se estou preparada para as respostas.
— Já investigou por que gostou tanto de ser amamentado?
— Pensei nisso há alguns anos, depois deixei pra lá. Minha
terapeuta já me indicou um especialista se eu quiser. Acho que está na hora
de buscar as causas.
— É... não queria ser invasiva, mas isso não é arriscado para sua
saúde? — Como posso perguntar algo tão íntimo? Merda! Não usamos
proteção!
— Nunca me contaminei com nada, não tenho nenhuma doença,
fique sossegada. Peço desculpas por não ter usado preservativo.
— Eu tomo pílula para regular meu ciclo faz muito tempo. Mas
gostaria de saber mais sobre esse transtorno.
Sua respiração profunda me diz que é difícil se abrir.
— Antes de te conhecer eu frequentava um clube discreto e privado,
com alta segurança na questão saúde.
— Clube?
— É, um lugar onde quem tem preferências diferentes pode realizar
com discrição e pagar por isso.
— Você foi amamentado por outras mulheres — murmuro
assombrada ao me dar conta o que tudo isso envolve.
— Ei — agarra meu rosto para fitá-lo. — Foi antes de te conhecer
naquele posto.
Sim, ele tem um passado, não posso me apegar a isso. Mesmo não
querendo deixá-lo desconfortável, tenho curiosidade de saber mais. Olho
seu rosto sincero e decido perguntar:
— Aquelas pílulas que uma vez vi você tomar, era pra tratar isso?
— As consequências disso. É um transtorno e como qualquer
parafilia, se não houver equilíbrio, leva a algo destrutivo.
— C-como o quê? — Minha preocupação me deixa tensa, mas ele
não se afasta e vejo que precisa da minha compreensão.
— Satiríase. A ninfomania masculina.
— Oh! Meu Deus!
— Faço terapia e uso medicamentos para equilibrar a libido. Se não
controlar a minha hipersexualização, posso ter consequências sérias.
Pisco rápido e meu coração acelera ouvindo sua voz baixa e
preocupada.
— Já aconteceu?
Tiziano desvia o olhar para a água e não consegue encarar meu
rosto.
— Quando foi? — Ele luta contra o desconforto ao falar sobre isso.
Afago sua barba e rosto admirando seus olhos se fecharem.
— Há quatro anos, quando te afastei da minha vida. Me perdi por
quase seis meses. Eu estava me matando, Selena, é vergonhoso a forma que
tentei fazer isso. Sinto-me um lixo.
Mesmo impactada, sou compreensiva, beijo seu rosto emocionado
de modo carinhoso. Somos quebrados tentando juntar nossos pedaços.
Também tentei me matar depois daquilo, mas de modos diferentes.
— Assim como eu preciso falar a verdade sobre minhas partes feias,
quero ouvir as suas e aceitá-las. Podemos lidar com isso?
— Podemos, minha preciosa, obrigado por compreender.
Sua testa apoia a minha e ficamos alguns segundos em silêncio só
olhando um para o outro.
— Você vai precisar me ajudar, porque não quero me tornar um
insaciável. Nunca vivi o que vivi hoje e você será meu único vício daqui em
diante.
É tão fácil relaxar nos braços dele que parece que estou sonhando e
a qualquer momento alguém vai me sacudir para acordar.
— Por que está sorrindo? — pergunta ao roçar o nariz no meu
pescoço, deixando pequenas mordidas.
— O problema é se eu me tornar insaciável, quem vai nos segurar?
É por isso que estou rindo como uma boba.
— Você não é boba, só está feliz assim como eu.
Sinto suas mãos massageando os seios e os mamilos sensíveis, as
sensações são extraordinárias.
— Tizi, foi mágico, tudo o que senti hoje eu pensava que não
existia. E estar aqui, me banhar com você, não vou esquecer jamais.
Minha voz sai preguiçosa e manhosa e Tiziano solta um rosnando
no meu pescoço enquanto beija. Estou presa em uma teia de relaxamento e
excitação tão intensa que quase não ouço suas palavras.
— Hoje vamos estabelecer alguns rituais. Um deles é que me deixe
banhá-la sempre que puder. Amo tocar e ver sua pele suave e deliciosa
quando fica rosada por orgasmo ou pelo calor. Seus banhos são meus a
partir de agora.
— Ok, e o que mais?
— Você inteira é minha — ele beija o ombro e fala — cada
pedacinho... gostoso ... — lambe os ossinhos do esterno — sedoso ... — o
topo dos seios deixando uma marquinha — delicioso e perfeito, é todinho
meu.
Começo a rir quando ele mordisca minha boca e chupa em seguida.
Agarra um seio e aperta me fazendo arfar.
— Você ainda os sente doloridos?
Aceno confirmando e meu amado massageia com intensidade, me
tirando gemidos baixos de prazer e alívio. Espalha mais óleo e massageia
ritmado e carinhoso meus montes com os olhos fechados. Aproveito a
sensação de relaxamento e afago sua barba enquanto sinto suas mãos em
mim, mas percebo que ele os quer e não quer pedir.
Acaricio sua face onde não há barba para que sinta meu toque na
pele. Sua concentração nos meus seios além de alívio, me deixa contente.
Porém, preciso saber por que ele está desconfortável em pedir.
— O que foi, meu amor? O que está havendo?
Sinto seus movimentos cessarem. Ele me encara um pouco
espantado, deve ter algo errado mesmo.
— Por que você está assim?
— Você me chamou de meu amor.
Meu rosto ruboriza vendo o sorriso encantado dele.
Mantenho o olhar, pedindo tudo e oferecendo tudo de mim a esse
homem forte, que está disposto a estender os braços para me impedir de cair
no precipício escuro do medo e da solidão.
Ele é o meu amor, meu único amor.
— Você deve pedir quando tem vontade de sugar.
Tizi me beija com carinho, me observando e falando com olhar o
quanto sou dele.
— Fico um pouco apreensivo, pedir e amar sem reservas, é tão novo
pra mim. Quis tanto cuidar de você e agora que posso, não vou estragar o
que estamos construindo. Você é a minha luz mais brilhante e não quero em
nenhum momento que essa luz deixe de brilhar, Selena.
Seu beijo apaixonado e suas palavras em meus lábios me rendem.
— Vou viver só pra você! Tenho que me acostumar a pedir — Não
posso chorar, é muita emoção ouvir o que sempre sonhei, mas não devo
assustar esse homem com minha sensibilidade e carência.
— Agora que sei sobre a lactofilia, quero que você peça sempre que
sentir vontade.
Preciso que ele saiba da intensidade do meu amor, tenho que me
esforçar em pôr nas palavras como Tizi expressa a todo o momento.
— Agradeço por ter me ouvido na sala mais cedo. Tem muita coisa
que talvez leve um tempo para expressar e colocar em palavras. O que mais
quero é esquecer as recordações ruins, não quero de jeito algum que elas
nos roubem o que vamos viver agora e preciso da sua ajuda para isso. Por
isso precisamos falar o que desejamos um do outro.
— É o que mais desejo bella, construir novas recordações,
memórias únicas somente nossas. Esperei muito por isso e garanto que farei
o impossível para lhe fazer feliz, minha pequena.
Sorrio para o homem que não desvia seus olhos me adorando com
eles, alisando meu corpo com carinho.
— Quando decidi retornar, mesmo que uma parte minha quisesse
encerrar esse ciclo e seguir em frente, eu sabia que não estava voltando para
te deixar. Minha intenção nunca foi te perder, Tiziano. A esperança de viver
com você sempre esteve profundamente enraizada aqui dentro. Jamais te
esqueci, e agora compreendo que fui guiada de volta pelo poder do meu
amor, aguardando uma nova oportunidade para nós dois.
Observo um Tiziano mudo, e vejo aos poucos seus olhos analisando
meu rosto demoradamente. Seu beijo é urgente, talvez para conter a
emoção. Um beijo amoroso, quente, repleto de doçura, mas ao mesmo
tempo com desejo. Sinto os braços fortes me puxando para ele, colando
nossos corpos e a mão na minha nuca me fazendo tão dele. Em segundos
estou aninhada em seu peito largo sendo beijada no rosto todo até abrir os
olhos e encontrar os dele tão próximos, que me espelho neles.
— Selena — ele segura minha mão e espalma o peito. Sinto trepidar
o pulsar do seu coração. — Isso é o que você faz comigo. Isso é por você,
sempre foi.
Seu olhar intenso me aquece inteira e então ouço a voz rouca:
— Concordo com o que disse. Sempre expressar o que sentimos e
jamais esquecer o que podemos construir com nossos sentimentos. Eles são
únicos e pertencem somente a nós, a mais ninguém. Precisamos ser fortes
juntos para vencer as batalhas que vamos enfrentar.
Não consigo mais conter as lágrimas enquanto nos beijamos. Sinto
que a conexão que tivemos no primeiro olhar, lá naquele posto de
combustível, está mais viva e sólida do que nunca em minha mente. Tizi me
carrega no colo para sairmos da banheira.
Permito que ele seque cada parte do meu corpo com carinho, seus
gestos são como carícias e seus beijos doces e suaves. O único sorriso que
aquece minha alma.
— Gosto de sentir meu cheiro em você!
Acompanho seus passos até o closet, ele me entrega uma de suas
camisas. Ao inspirar o aroma de roupa limpa, sinto um arrepio percorrer
minha pele. No entanto, é a sensação de vestir a camisa dele que me marca
de maneira única, de tantas formas diferentes. Parece que Tizi entende meus
pensamentos, pois me olha com diversão e um sorriso nos lábios enquanto
veste uma calça de moletom.
— Descobri minha nova visão favorita, vê-la vestida com minhas
roupas, amore.
Sinto meu rosto quente e seu toque penetrante e dominador em
minha face puxando o meu olhar para o seu.
— Você em pé na minha frente, usando apenas a minha camisa, com
essas pernas maravilhosas e douradas à mostra, e esse cabelo que me fez
suspirar inúmeras vezes em meus sonhos, você não faz ideia do que a sua
imagem está fazendo comigo agora. Você é tão minha. Vê-la assim nos
meus braços me faz sentir ainda mais completo.
Ele consegue me deixar tímida com as palavras. Não somos capazes
de nos desgrudar, pois um agarra o outro e começamos os beijos, ávidos,
desejosos, longos, vorazes e sorridentes.
— Estou aqui e sempre quis estar aqui. Agora quem o tem sou eu.
Você é meu! Só meu!
Tizi ri me colocando novamente em seu colo e andando para a
cozinha.
— Ainda acho que é um sonho e acordarei amanhã desnorteado sem
você.
Dou uma risada alta.
— Você precisa me contar esse sonho, é a segunda vez que ouço
hoje.
— Hum — resmunga ele me acomodando na mesa de jantar, sim na
mesa sentada e não na cadeira. — Só se você me contar o que prefere no
café da manhã, sei que ama sanduíches de presunto e chocolate quente.
— Como sabe?
— Stalker, lembra?
— Você descobriu o que eu gosto?
— Nas vezes que via você nas confeitarias e restaurantes da cidade,
decorei o que você gostava de comer. Assim como os livros da Jane Austen
que lia na biblioteca.
Vendo minha boca aberta e surpresa ele baixa o olhar.
— Desculpe, preciso que saiba o que eu fiz. Comprei algumas peças
de roupas sonhando com você aqui na minha casa.
— Por isso o robe de seda?
— É, comprei para você. As outras peças estão em um
compartimento do closet, na parte feminina. Onde espero que você coloque
suas roupas quando quiser. Mas prometo que não sou mais aquele cara
obcecado e sem noção.
As revelações são assustadoras, mas as que eu contei a ele também
são. É assim que um casal funciona, sendo sincero e se esforçando para a
melhor versão um do outro. É o momento de viver o que eu sempre quis.
CAPÍTULO 60

Gosto desse Tiziano. Sincero, feliz, fofo e gentil, nossa! Preciso


tanto desse homem de mais maneiras do que posso imaginar.
— Tizi, me conta por que estou sentada na mesa e não em uma
cadeira?
Ele gira rápido da pia onde estava pegando os pratos, talheres e
xícaras. Xícaras? E se acomoda entre minhas pernas me dando uma
mordidinha no lábio, respondendo:
— Essa é fácil, bella, para ter acesso mais rápido aos seus beijos
enquanto preparo nosso lanche. Não quero me afastar um minuto sequer de
você.
Dou mais uma risada alta enquanto ele me dá um selinho e volta a
preparar os sanduíches de costas pra mim. O vejo se movendo e pondo água
para ferver, todo preocupado em me manter confortável e aceita em seu lar.
Fico maravilhada observando o quanto ele é escultural e feroz em sua
aparência.
Tiziano tem uma beleza nórdica que não se parece em nada com as
belezas exóticas dos DiMateo, nunca havia focado muito nisso, mas desde
quando reparei naquele álbum de fotografias, vi diferenças entre os irmãos.
Ele parece um pouco com seu pai, mas parece mais um Viking instalado no
seio da família. O meu guerreiro Viking gostoso.
Observo a cozinha moderna e muito bem equipada que essa casa
possui, vejo que tudo é de alto padrão luxuoso e ao mesmo tempo de bom
gosto, com personalidade como todo o apartamento.
Sempre fui acostumada ao luxo e nunca me prendi a isso, mas sinto
um orgulho tremendo em ver o que ele construiu para si. A carreira dele
com as montadoras é notória por tantos continentes.
Comprei uma revista uma vez, que estampava uma foto de capa com
ele. Lembro que perdi o fôlego quando vi. Fiquei com ciúmes, queria
comprar todos os exemplares para ninguém olhar a perfeição, somente eu.
Aquela fotografia não foi posada, foi de um momento espontâneo onde ele
dava um dos seus raros sorrisos travessos. Sonhei com aquele sorriso por
tantas noites e agora eu o tenho só para mim aqui.
— O que essa ninfa dourada está pensando tão silenciosa, hein?
Pergunta ele de costas, cortando tomates cerejas e arrumando em um
prato. Suspiro com minhas lembranças.
— Que sua casa é linda e respira você em cada canto. Ahh… claro,
ela é enorme e ao mesmo tempo aconchegante.
Ele gira arrumando o prato com dois sanduíches de presunto Parma,
queijo cortado e duas pequenas xícaras fumegando. Em seguida se
aproxima entre minhas pernas me agarrando e respondendo:
— Obrigado pelo elogio, realmente ela é enorme para um ou dois
viverem aqui, mas talvez quatro ou cinco não.
— O que quer dizer?
Ele inspira profundamente alisando meu rosto e falando seriamente.
— Quero dizer que quando planejei essa casa, foi com a esperança
de preencher com a minha família... Com você.
É maravilhoso sentir o calor pelo pertencimento se instalando em
mim com cada palavra que ele diz. Ele continua demonstrando em palavras
a segurança que tem em seus sonhos.
— Selena, não tenho intenção de lhe pressionar com essas
confissões, mas preciso que fique ciente do meu desejo. Meus planos com
você sempre foram muito claros na minha mente. E sabendo que você é a
mulher da minha vida, tenho certeza que sabe quais são.
Sinto meu peito aquecer ao perceber que meus sonhos encontram
eco nos dele. Em nosso beijo, as emoções transbordam, como se nossos
corações batessem unidos, reafirmando que encontrei meu lugar no mundo.
Quero tanto ser sua família e construir um mundo só nosso. Pertencemos
um ao outro, sem sombra de dúvida.
Tizi me segura no colo e minhas pernas entrelaçam no seu quadril.
— Tiziano, sabia que ainda sei caminhar?
— Claro, preciosa, mas descalça nesse piso gelado nem pensar. E
além do mais, é quase uma vida que espero para estar perto de você e não
me contento com menos que isso, pelo menos nos próximos... talvez dez ou
quinze anos.
Começo a gargalhar abraçada ao seu pescoço.
— Tem mais desse carinho e fofura aí dentro, meu Viking?
Ele para de rir e me olha nos olhos surpreso, como se eu o tivesse
ofendido.
— O que disse?
— E...e-eu... desculpe, você me chama de tantas formas. Quis um
apelido pra você só meu. Mas se não gosta... — ele me interrompe com um
beijo de tirar o fôlego, quando se afasta toco meus lábios sentindo o ardor e
sorrio.
— O que foi isso? — pergunto vendo seu rosto emocionado.
— Repete o apelido, Selena?
— Viking? Meu viking.
— Seu viking tem um poço de carinho que vai transbordar cada vez
que você estiver por perto, ou seja, sempre.
Inevitável não me aconchegar a esse homem e sentir seu cheiro que
agora me remete a segurança. Essa noite ficará marcada por tantas emoções
diferentes.
Começamos a comer enquanto conversamos.
— Gostou do apelido, então?
— Sonhei com ele.
Meu sanduíche para no meio do caminho antes de mordê-lo.
— Como assim? Com um viking?
Tiziano bebe o café tranquilamente e como se não fosse nada
significativo solta:
— Não, sonhei com você me chamando assim, porque demorei com
nossos filhos na praia e eles precisavam lanchar.
Assombrada e confusa, deixo de lado o sanduíche e encaro meu
namorado que continua aproveitando o seu como se não tivesse falado nada
de anormal.
— Tiziano! Você sonhou...? Filhos, praia, o apelido? Por favor, me
explica?
— Precisa comer, amore. Por que deixou de lado o lanche? Não está
do seu agrado? Eu refaço.
— O lanche está perfeito, quero saber o futuro que viu.
Mesmo no colo dele, coloco as mãos na cintura e espero séria ele
contar.
Ele pega o sanduíche e me devolve.
— Enquanto eu conto, a senhorita come.
— Bene.
— Sabe que eu sonho, certo? Na maioria das vezes são avisos de
urgência relativos à morte das pessoas ao meu redor. Mas acho que meu
anjo da guarda gosta muito de mim, porque ele me mostra sonhos bons para
me consolar e os bons são só com você.
Ele pega a xícara, assopra o chocolate quente e alcança para que eu
beba. Bebo um gole tão interessada no assunto que logo termino de comer.
— Você tem um anjo da guarda?
— Acho que todos nós temos, mas o meu tecnicamente é uma Anja.
Ela é como uma amiga imaginária, desde criança aparece nos meus sonhos.
Lembro que antes das premonições ela aparecia apenas para brincar
comigo. Nunca mudou, ela sempre tem o mesmo rosto, os mesmos cabelos
claros e o mesmo perfume. Inclusive é muito parecido com o seu cheirinho
bom.
— Tô encantada com essa história. Você vê sua anja da guarda. Isso
é lindo! Conta mais sobre o sonho comigo.
— Teremos três filhos, dois eu já conheci.
Meus olhos marejam, mas seco rápido para que ele continue a falar.
— Um estava na sua barriga.
— E como eles serão?
— Olhos verdes iguais aos seus e loiros, um menino e uma menina.
— Gêmeos?
Ele acena afirmativo e suspiro eufórica.
— Estávamos na praia, onde?
Ele também termina o lanche enquanto aos poucos revela nosso
futuro.
— Provavelmente na Sicília. Naquela casa que visitamos, a que
parecia inabitada.
— Era linda, eu me lembro.
Tizi me ergue e segue comigo pendurada em seu pescoço, falando
orgulhoso sobre a casa.
— É minha, eu adquiri ainda aquele ano. Aliás, já era minha quando
ficamos naquela praia.
Seguro a boca em espanto enquanto seu peito chacoalha de tanto rir.
Ele está tão feliz que não consegue parar de falar.
— Eu tinha sonhado com aquela praia umas semanas antes.
— Eu estava naquele sonho também?
— Por isso comprei aquela mansão.
— Ó meu Deus! Você não existe!
Beijo seu rosto todo com ele a gargalhadas. Tudo o que me falou é
tão extraordinário que me amedronta, mas essa noite me sinto invencível.
Vou aproveitar seus carinhos e essa incrível nova sensação, que é ser amada
e cuidada por ele sem reservas.
Amanhã são novos desafios, se surgir dúvidas tenho consciência que
precisamos esclarecer para seguir em frente. Um passo de cada vez, Selena.
Você o ama e se não se permitir ser amada, será infeliz sem o homem da sua
vida, você sabe o que é isso, pois você tentou por anos e falhou.
Quando chegamos ao quarto, ouvimos o celular dele tocando.
Ele me deita na cama e pega o celular mostrando a foto de Jessica
piscando na tela. Seu sorriso travesso me diz que vai aprontar.
— Alô, irmã. Isso são horas de ligar?
— Tiziano, óstia! Tiziano, aconteceu algo com a Selena. Eu ligo e
ela não me atende, cheguei em casa e ela não está mais aqui. Precisamos
mobilizar Lázio para ajudar na busca!
— Jess, talvez ela tenha voltado para a mansão dos pais dela.
— Não, não! Já liguei lá e a general da governanta disse que ela não
está lá. E tive que disfarçar pra mulher não acionar o Mário.
— E o segurança dela?
— Não encontro Teodoro em parte alguma.
Tiziano faz sinal para manter silêncio enquanto seguro uma risada.
Jess está aflita tadinha, isso não se faz.
— Onde você estava que perdeu sua melhor amiga dentro da casa
dos nossos pais?
Nessa hora tapo a boca com a mão pelo riso que quase escapa.
— Não interessa, não muda de assunto, vai me ajudar ou não?
— Me desculpe, estou muito ocupado e por nada nesse mundo saio
da minha cama.
— Tiziano! Tá de onda comigo?
— Ligue pra ela!
— Eu já liguei, Dio óstia!
— Ligue outra vez, buonanotte, irmãzinha.
Tizi se acaba na risada e diz para buscar meu celular. Faço isso
pegando minha bolsa que ele trouxe para a suíte. O som já está avisando
que Jessica obedeceu ao irmão.
— Oi Jessica! — atendo como se não soubesse de nada.
— Oi? Oi? É só isso que tem para dizer? Onde você tá? Por que saiu
de noite daqui? É perigoso! Me fale onde que vou buscar você agora! —
Sua respiração alta e acelerada se ouve nitidamente.
Tiziano começa a beijar meu pescoço e me acariciar com as mãos,
me agarrando e se aconchegando no meu corpo. Morde meu pescoço e
lambe sem parar.
— Estou... um pouco... ocupada, Jess!
— Oh, meu Deus! Você está com alguém?
— Está muito ocupada e não é pouco, amore. Diz para ela que está
muitíssimo ocupada — fala ele animado e divertido.
— Mas... que ... porra! Tiziano? É você? Vocês dois estão brincando
comigo? Vocês não têm coração?
As risadas são tantas que Jess desliga. Sinto-me culpada e retorno a
ligação até cair na caixa de mensagem. Tiziano decide mandar um áudio do
meu celular pedindo desculpas e assumindo a culpa pela brincadeira de mau
gosto. Então ela me liga outra vez.
— Jess, desculpe. Eu só me deixei levar porque estou feliz e quis
brincar com você, mas prometo não fazer esse tipo de brincadeira outra vez.
Ela inspira profundamente.
— Certo, vou perdoar porque conheço a mala que você tem aí do
seu lado. Nunca mais me deixe aflita desse jeito! Eu cheguei e não te vi no
quarto, sabe como fiquei?
— Desculpe... mesmo!
— Você chegou a essa hora de onde Jessica? — pergunta ele.
— Tô de mal com você. Só vamos conversar amanhã. — Tiziano ri
e me abraça ignorando minha postura séria, começa a me beijar de novo
tentando tirar meu foco.
— Escute bionda, não vou conseguir ir com você até a Espanha para
desfazer a papelada da galeria, vou descer até a Sicília.
— Outro curso, Jess? — Tizi pergunta preocupado.
— É, surgiu um seminário de última hora e não quero perder —
duvido, deve ter uma reserva em algum hotel com o Sasha em alguma praia,
lembro que ela estava pesquisando um na internet semana passada.
— Tudo bem, eu vou com a equipe dos seguranças. É uma viagem
rápida, bate e volta.
— Ótimo. Hum... Estou feliz por vocês. Dou minha benção!
Sorrio satisfeita, quanto receio tive de perder a amizade dela! Sofri
tanto em imaginar o pior que o alívio agora é tremendo.
— Para o seu governo, conheci minha namorada antes que você,
irmã misteriosa! Não tem nada que abençoar.
Jessica imita a voz do irmão numa provocação divertida.
— E vocês ainda precisam me contar essa história, vou cobrar sem
escapatória. Selena, não esqueça de buscar sua medicação se vai ficar aí
com Tiziano ou vai acompanhá-lo na viagem. Contou que está
programando uma viagem a ela?
— Ainda não tivemos tempo... de conversar muito.
— Oh meu Deus! Sem detalhes quentes, por favor.
Jess me faz rir e escondo o rosto com as mãos. Tô pegando o irmão
da minha melhor amiga, Dio! É desse jeito que ela falaria.
— Bem, é melhor eu descansar, amanhã tenho um voo para pegar.
Boa noite, aos pombinhos. Nos falamos no whats!
— Beijo, boa viagem, amiga. Dê notícias!
— Se cuida, irmã. Me ligue se precisar.
Ao desligar a chamada, Tizi me enlaça em seus braços sem dar
tempo de respirar, confesso que adoro essa intensidade.
— Sobre a viagem, há muito tempo planejei um itinerário de moto
pela Itália e gostaria que você fosse comigo. Pode guiar se preferir.
— Não posso guiar lembra, acabei não tirando a carta.
— Ah sim! Lembro que falou na nossa discussão.
— Não vamos falar do passado. E se eu for sua copiloto? Aceita que
eu vá de carona?
— Está falando sério? — ele abre seu sorriso de milhões beijando
meu rosto todo. — Faria essa viagem comigo? Só nós dois sem data de
retorno?
— Faço, mas primeiro preciso ir à Espanha fechar os trâmites do
contrato de uma galeria, que não vou mais trabalhar. Não tenho como
resolver sem minha assinatura de forma presencial.
— Você usa meu jatinho, então. Assim fico mais tranquilo. Sua
equipe de segurança vai com você?
— Sim.
— Porque se precisar de novos guardas, leve alguns meus.
— Não, Teodoro é muito competente e homem de confiança do meu
pai, ele tem tudo sob controle.
— Melhor assim, eu iria com você, mas não quero sufocá-la no
início do namoro, quero tentar fazer direitinho.
— Hum... meu pai gostou de você. E se vai fazer direitinho, seu
Mário vai gostar ainda mais.
— Isso é um pedido, minha bella?
Sinto o rosto pegando fogo! Ele me abraça mais apertado e me
aninho em seu pescoço.
— Você tem o dom de me deixar tímida a todo o momento.
— Vou conversar com meu futuro sogro o mais rápido possível.
Volto a encará-lo super envergonhada e falo baixo porque vejo ele
segurando sorriso.
— Não quero ser a doida que pressiona por compromisso. É que ele
é bem tradicional e quero viver sossegada esse início de namoro.
— Nem precisa pressionar, sou seu de livre e espontânea vontade.
— Esse seu lado fofo é irresistível.
— Só com você eu mostro esse lado.
— Gosto de todos os seus lados.
Quando ele me abraça resmungo de dor.
— Ai! Estão começando a doer.
— Eu ... euuu.. posso sugar?
Isso é o suficiente para mim. Aceno com a cabeça e ele abre com
cuidado os botões da minha camisa e os admira.
— Eles são... perfeitos.
Assim que me beija, confesso em seus lábios:
— São seus, meu viking.
— Não fala essas coisas, você precisa descansar e tô louco para...
não te deixar descansar.
Meu sorriso é preguiçoso e sem querer bocejo.
— Durmo só umas horinhas então, depois você me acorda.
Ele se aninha em meu peito. Coloca o mamilo mais inchado na boca
e suga com um carinho de maneira tão entregue e sensual.
Que alívio! Fico olhando seu rosto sereno enquanto o leite flui. Seu
lindo e apaixonado sugando de olhos fechados, me acalma de qualquer
pensamento inseguro.
Seus fios loiros macios em meus dedos se entrelaçam em uma
carícia constante de apreciação. Tizi geme baixinho e sinto ele se esfregar
em minha coxa. Está duro e se movimentando lentamente sem perceber.
Dio! Ele ama meus seios e tem prazer nisso! É incrível, porque
estou amando isso em cada pedacinho.
Ele vira seu rosto cheirando minha pele e abocanhando com sugadas
e beijos apaixonados o meu outro seio. Enquanto ficamos nessa carícia, ele
olha para mim e fala baixo:
— Bella, posso sugar até você dormir?
— Sim... você pode. — respondo em um sussurro.
O amor transborda em seu olhar. Tizi se acomoda e não se esfrega
mais, apenas suga. Seus braços envolvem meu corpo, trazendo alívio e
dissipando o cansaço acumulado pelo estresse e pelas emoções do dia. De
olhos fechados, permito-me sucumbir ao sono, encontrando refúgio e paz
em seus braços fortes. É como se todo o peso do mundo se dissolvesse e
finalmente, posso me entregar ao descanso profundo que tanto necessito.
Antes dos meus olhos pesarem, assisto o ato lindo dele em me
mamar e me amar de forma plena e completa como ninguém mais. Escuto
suas palavras sussurradas:
— Amo meu sonho e meu sonho me ama.
CAPÍTULO 61

Aviso ao meu segurança Lázio, para me seguir que vou para a


consulta de motocicleta, quero a liberdade do vento no rosto para refletir
um pouco. A estrada, a paisagem ensolarada passando é um pequeno
momento de leveza para repensar algumas coisas. Penso na minha pequena,
considerando como o estágio atual da nossa relação está cada dia mais forte.
Após aquela noite em que Selena foi me procurar no meu apartamento,
ficamos grudados por três semanas. Sem nos afastar um segundo. Cumpri
as reuniões na empresa de casa só para curtir o meu amor. Ontem ela viajou
no meu jatinho para o compromisso na Espanha. Não pôde adiar mais. Me
avisou hoje que não conseguiu retornar pelo clima. Os aeroportos não estão
permitindo decolagem e está no hotel. Aproveitei a chamada de vídeo e
contei que consegui horário com o hipnólogo e assim vou iniciar as sessões
para descobrir o que motivou a lactofilia.
Minha evolução notável é resultado do reconhecimento do meu
problema e do empenho em buscar ajuda. Mas, é fundamental reconhecer
até onde manter a compulsão e compreender como ela não deve evoluir.
Não quero trazer o fetiche sem controle para prejudicar o que estou
construindo com minha mulher.
Necessito desta sessão e de compreender o significado dos meus
sonhos.
O renomado psicanalista e hipnólogo Jacques Levi, altamente
conceituado na França, está agora disponível na Itália, tornando esta sessão
particularmente significativa para mim.
Ao chegar à porta, uma apreensão me envolve. O que aguarda por
trás das portas da minha mente? Será que vou gostar das descobertas? Não
posso permitir receios neste momento.
Ao tocar o interfone, Dr. Levi, não tão idoso como eu imaginava,
com não mais de quarenta e cinco anos, recebe-me. Sua seriedade e cortesia
me convidam a entrar imediatamente.
— Boa tarde, Tiziano. É um prazer recebê-lo. — Retribuo o aperto
de mão.
— Boa tarde, doutor Levi.
— Fique à vontade, sente-se e sinta-se confortável. Vamos conversar
um pouco para saber os detalhes que o trouxeram aqui, está bem?
Adentro a sala pela grande porta dupla de carvalho.
— Certo — Na sala, em um sofá de veludo, obedeço às orientações.
Alguns poucos quadros clássicos, mas discretos. No chão de linóleo
a cobertura é de uma tapeçaria sóbria e elegante.
— Doutor Levi, obrigado por me receber e conseguir um horário na
sua agenda.
Não sei como funciona, mas preciso de ajuda.
— Diga-me o que exatamente o aflige?
Sua voz calma e tranquilizadora, parece acessar minha mente antes
mesmo do início da sessão. Observo o consultório acolhedor em tons
marrons e marfim, com uma atmosfera relaxante.
— Há anos tenho sonhos com uma jovem mulher, ela nunca
envelhece e sinto que ela tem alguma relação comigo e minha vida. Não sei,
talvez possa ser apenas uma impressão, mas em meus sonhos com ela a
chamo de anjo, porque nos momentos mais difíceis da minha vida foi
através desses sonhos que ela me aconselhou. Admito que não cheguei a
levar em conta todos os seus conselhos, pelo menos a maioria deles não.
Preciso saber da possibilidade de ter inventado esse personagem, essa
pessoa no meu cérebro para que pudesse me trazer conforto, ou algo
inerente a minha compulsão.
Ele abre uma pasta de couro preta e começa a ler um pequeno
relatório.
— Conversei com a junta médica que trata o seu caso. Sua terapeuta
passou previamente seu prontuário com todos os prognósticos. Uma
parafilia, você tem, não é? Conte-me mais, por favor. Esse transtorno é
sexual e psicológico?
— Sempre me faço essa pergunta. Posso afirmar que no início era
algo puramente sexual, mas não sei se começou assim ou se evoluiu ao
longo do tempo. Mas, o que tenho com minha namorada, Selena, é algo
muito mais profundo do que apenas sexo e alívio da necessidade parafílica.
É uma sensação de pertencimento, quando estamos juntos é como se
fôssemos acalentados, amados incondicionalmente. É como se fizéssemos
parte um do outro, uma conexão profunda e única.
Quando olho seu rosto compenetrado, tenho a impressão de que o
doutor tem essa resposta, parece que lê meus pensamentos.
— Bem, Tiziano, a hipnose é um processo em que exploramos uma
parte profunda da mente. Existem três partes da mente: o consciente, o
subconsciente e o inconsciente. Quero entrar no seu inconsciente para
descobrir se há algum evento traumático que esteja relacionado à sua
parafilia. Você entende que muitas vezes as parafilias têm origem em
traumas?
Confirmo que sim.
— Mas em todos esses anos que tenho feito análise, as conclusões e
tratamentos são atrelados a minha vida familiar.
— Sua vida familiar?
— Exato.
— Fale sobre isso.
— Desde pequeno, notava como minha mãe me tratava de maneira
diferente em relação aos meus irmãos e sua visão distante do vínculo
familiar. Embora sinta seu amor, às vezes parece que ela se contém comigo.
Já em relação ao meu irmão do meio, não posso dizer o mesmo, porque...
porque...
— Por quê? O que tem a ver com o seu irmão do meio. Qual é o
nome dele?
— Gabrielle.
— Prossiga ...
— Ele é diferente, é inteligente, perspicaz e sempre teve a
habilidade de ler as pessoas muito bem, mesmo quando criança. Mas
prefere se isolar e não interagir socialmente. Demonstra uma maturidade
além de sua idade, só que com uma frieza absurda. Durante a infância e
adolescência, sofreu bullying, mas não buscou o apoio de nossa mãe. Dessa
maneira, não é um exemplo que eu possa usar para comparar a relação
maternal.
O doutor acena a cabeça em compreensão.
— Certo, compreendo, mas você tem mais um irmão, é isso?
— Não, tenho uma irmã.
— Uma menina, uma jovem?
— Uma mulher. Jess já é uma mulher.
— E como é a relação da sua mãe com ela?
— Próxima. Na verdade, vejo a relação da minha mãe mais próxima
com Jessica do que com o resto da família. Superprotetora em exagero,
como se tivesse aflorado muito mais nesses últimos anos.
— O que acha disso? Sente a ausência da sua mãe?
— Sim, sinto falta dela. Não sei exatamente por quê. Ressalto que
ela nunca foi rude, mas parece haver uma barreira entre nós.
— Entendo, Tiziano. Às vezes, gostamos mais de alguns familiares,
mas isso não quer dizer que não amamos os outros. Sua mãe te ama de
verdade, e o amor é algo que sentimos. Ainda assim, queremos
compreender melhor o que se passa na sua mente e explorar as raízes dessa
parafilia. Não conseguiremos resolver tudo numa sessão, mas estou no país
por dois meses. Caso seja necessário, podemos ter mais sessões. Se estiver
aberto a isso, trabalharemos juntos ao longo do tempo.
— Estou disposto, preciso descobrir.
— Ótimo.
Dessa forma, ele diminui a luminosidade da sala. Sempre mantendo
contato visual, pergunta:
— Está pronto para tentar, agora?
A ansiedade tomar meu corpo. O médico percebe
imediatamente me acalmando:
— Fique tranquilo. Nada de ruim vai acontecer. A mente é um
mistério, até para nós mesmos. A falta de conhecimento é o verdadeiro
desafio. Vamos explorar sua mente, revelando partes do seu inconsciente.
Pronto para começar?
— Sim.
— Sinta-se confortável. Segure a minha mão.
Ele senta-se ao meu lado e começa a falar olhando intensamente nos
meus olhos.
— Tiziano, quero que feche os olhos, respire e solte o ar devagar
dez vezes. Vamos lá! Respire e solte … 1, respire e solte…. 2, respire e
solte …. 3…
Estou ouvindo a contagem e fazendo o que ele pede, então sua voz
se desvanece um pouco, mas ainda escuto de forma mais longínqua, suave,
melódica e audível.
— Respire profundamente e solte... 7...
Sinto meu corpo enfraquecer, mais leve, como se um manto de
tranquilidade envolvesse meus membros.
— Respire e solte... 10. Agora, quero que você comece a contar de
99 em contagem regressiva. Quando chegar a 83 ou até mesmo antes, você
vai se permitir parar de contar e se desconectar completamente. Vou tocar
em seu pulso e você começará a contar lentamente. Entendido?
— Sim.
Começo a contagem 99, 98, 97, 96, 95, 94…82 e…
De repente, algo me arrasta para a completa escuridão. Um toque no
meu pulso é sentido e escuto a voz do doutor falando ao fundo:
— Os números sumiram e nada resta em sua mente. O que sobra é
sua última lembrança. Tiziano, fale um pouco mais. Me diga quando foi a
primeira vez que você viu o anjo da guarda em forma de mulher?
Sinto a conexão do passado ficar mais intensa e começo a me
enxergar como um menino em memórias borradas.
— Eu era pequeno, meu irmão não brincava comigo, me sentia
sozinho. Parece que já tinha sonhado com ela antes, pois, ao recordar esse
sonho, percebo que nossas conversas eram como continuações das
anteriores.
Enquanto relato, ele toca no meu pulso outra vez. É como se eu
fosse sugado por outra memória, mas mesmo assim escuto sua voz
nitidamente.
— Onde você está, Tiziano?
— Estou numa floresta.
— Que floresta?
— Não sei, é uma floresta com ela.
— Interessante, quero que volte o máximo possível e pergunte a ela
onde você a conheceu.
Olho para a mulher angelical loira e pergunto:
— Quando foi que te conheci? — ela sorri ternamente.
— Você sempre me conheceu, sempre estive aqui para você.
Repito a resposta em alta voz e o médico progride.
— Tiziano, pergunte agora qual foi a última vez que passearam na
floresta. Volto-me ao anjo da guarda que é muito mais alto do que eu, já que
sou um garoto de três anos de idade talvez.
— Anjo, quando foi a última vez que passeamos na floresta?
Nesse momento vejo uma lágrima rolar pelo rosto pálido e
automaticamente é como se fossemos transportados para um outro
ambiente.
Relato tudo o que vejo ao doutor Levi.
— Agora estamos em um quarto, ela deitada sobre um leito de casal.
Seu rosto está muito abatido e seus olhos estão fundos.
“Anjo, o que houve com você?”
Só que ela não responde e uma pontada de dor agonizante acerta
meu peito. Algo terrível a feriu. Estamos nesse quarto e olhando ao redor
não reconheço o lugar, é um cômodo diferente, não é o quarto da casa dos
meus pais. É escuro e simples em alvenaria, estilo uma choupana de uma
fazenda. Observando com atenção, vejo as janelas fechadas com folhas de
venezianas rústicas. Sobre a cama, lençóis limpos e brancos, é um quarto
acolhedor, mas tão triste. Tudo está triste porque ela está doente.
— Pergunte onde ela se feriu.
Antes mesmo de fazer isso, me vejo voltando para outro plano.
— Agora estou de volta à floresta com meu pai. Estamos felizes,
colhendo frutinhas vermelhas para fazer uma torta. Mas a atmosfera muda
quando homens armados chegam, ferindo e matando as pessoas. Papai se
altera. Com movimentos rápidos, me agarra no colo e desata em uma
corrida desenfreada. Sinto o sacolejo de seu corpo forte, sua respiração
pesada e ofegante e a angústia pelo desespero em me proteger. Meu choro
surge descontrolado e quero muito gritar. Mas ele diz para ficar quietinho.
Quero chamar ajuda e quando viro o rosto para a nossa lateral, minha mãe
corre para mim. Não, não é para mim, é para o meu pai.
— Sua mãe, Tiziano? Como ela está vestida? — ouço a voz do
médico.
— Está com um casaco azul, seus cabelos castanhos ao vento,
chorando ao correr em nossa direção. Espera! Sinto um impacto que nos
derruba. Nesse momento observo papai preso aos galhos na encosta de um
barranco. Não consigo alcançá-lo, pois sou pequeno e frágil demais. Então
meu grito agudo arde minha garganta com a força que faço.
— Não, não, por favor! Ajuda! Socorro! — grito alto aqui no divã
como se eu estivesse vivendo a memória outra vez.
— O que está vendo? — Dr. Levi pergunta.
— O eu menino sente a garganta seca de chorar e gritar, sinto tudo
como se estivesse realmente lá.
— Pode relatar, fale a cena que está vivendo.
— Ai! Uma ardência acomete meu lado direito, uma dor muito forte
no meu ombro e quando espalmo tem sangue, um ferimento quente que
arde. Ponho a mão segurando o sangue, olho para frente vejo um homem
assustador com uma arma. Ele anda na minha direção e está vindo depressa.
Minha mãe está muito longe e não consegue me alcançar. Nesse instante
quando penso que vai atirar em mim, observo alguém impedindo ao
empurrar seu pesado corpo com um salto. Ele cai no mesmo barranco que
meu pai, mas não há apoio para ele, o homem mau quebra o pescoço em
uma cena horrível. Quando desvio dessa cena e olho adiante, meu Deus! O
meu anjo! A mulher loira dos meus sonhos está na minha frente.
“Tiziano! Tiziano! Tiziano, querido!”
Ela tem uma faca na mão e nisso outro homem se aproxima de nós,
mas ela o golpeia com precisão e me coloca as suas costas me protegendo
de tudo e todos. O anjo num lapso me alça em seu colo apertando contra si
e gemo de dor pela minha ferida. Mas ela me acalma que vai ficar tudo
bem.
“Vamos sair daqui meu pequeno! Fique calmo, ninguém vai
machucá-lo. Você vai viver!” “Yvy!”
Escutamos o grito do meu pai. Ela olha a encosta e o vê preso entre
os galhos e chora de pavor. Nós vemos minha mãe se aproximando,
correndo em direção do meu pai, mas mesmo assim muito distante ainda.
Ela tira o casaco azul, acho que para que ele agarre, na intenção de salvá-lo.
— Ela grita que estão lá por ela! Que os homens querem matá-la.
Minha mãe… algo ...algo não está certo.
— O que não está certo, Tiziano? Me diga, onde está a sua família?
Vê seu irmão?
— Não. Não está na floresta conosco. Mas vejo minha nonna na
batalha, ela é loira e não grisalha, luta como uma guerreira para nos
encontrar, ela é muito rápida. Tem um homem com longos cabelos cor de
chocolate e olhar severo se aproximando de forma avassaladora, é meu avô.
Ele é forte e veloz, quer proteger a mim e a Yvy. O nome do anjo é Yvy, o
homem ordena que ela se esconda. Nesse momento, dois grandes homens
armados aparecem de trás de uma árvore. É nessa hora que sinto a dor do
desespero, eles vão nos matar! Me engano totalmente, porque após mirar
para mim, o anjo me olha em lágrimas.
“Vire-se de costas, Tiziano, entre naquele arbusto e não saia, não
saia por nada, meu pequeno Thor.”
Quando me viro, sinto o corpo da minha avó me empurrando para os
arbustos e tomando o meu lugar. Neste momento ouço os disparos. Choro
com medo pelos estampidos que não cessam, mais disparos ecoam pela
floresta. O grito de dor e fúria de minha nonna me aterroriza.
“ Yvy Não!! Nãooooo!! Nãooo! AAAAHHHHH…” — ainda ouço
os berros e o impacto do corpo dela no homem que estava em algum local
às minhas costas. Vejo ela escalar o corpo dele com as roupas sujas de
sangue e rasgar a garganta do homem com uma faca, espirrando sangue por
toda a parte, gritando e chorando muito, sua voz rouca e furiosa me
desespera ainda mais. Nonna se levanta com as mãos banhadas em sangue e
corre para um ponto atrás de mim.
— Estou com medo, muito medo!
— Tiziano, quero que se vire para a ação e conte o que está vendo.
Você quer se virar? — Doutor Levi pergunta.
— Tenho receio, mas preciso ver.
Nesse momento, viro para a ação. A visão mais aterradora que já vi!
— Observo que Yvy está no chão. Seu corpo ferido, ensanguentado,
balearam a jovem mulher. Meu pai grita, furioso e desesperado. Minha mãe
aparece e se debruça chorando sobre o corpo dela. Vejo o homem grande,
meu avô, levantar o corpo ferido do chão e correr com ela nos braços
ordenando para que me peguem e sigam em segurança.
Minha mãe, em desespero, consegue ajudar meu pai a escalar o
barranco.
— Estou sozinho. Não tenho ninguém, meu anjo se foi ...ela ... ela ...
— Quer continuar? — Dr. Levi pergunta.
— Quero!
— Sinto dois braços me abraçando em um aperto familiar e
reconheço o cheiro da minha avó. Ela se agacha comigo atrás das moitas e
assiste meu pai subir, mamãe lhe dá uma arma que saca do bolso da calça e
ela a empunha com agilidade.
Muitas pessoas correm, mas a mulher ferida sumiu.
“Ela ...elaaaaa...ela está?”
“Tizo meu menino, ela ficará bem. Tudo ficará bem, nossa família
estará unida novamente. Não chore, pequeno Thor.”
“Não posso viver sem ela, nonna! Não posso!”
“Também não, meu menino, mas ela é forte, viu como ela é forte?”
— Vejo meu pai caminhando desesperado aos prantos, todo
machucado com escoriações nos braços e pernas, as roupas despedaçadas
por lutar pela vida. Nesse momento de fuga entre a mata, observo o caos
instalado por todo o lugar, é traumático, uma cena horrível, é uma
carnificina sangrenta.
Em meio ao relato e o choro que esmaga o peito com a recordação
da mulher alvejada, a consciência apaga completamente. Ao acordar, seco
meu rosto úmido.
Dr. Levi alcança um copo de água e eu bebo aflito.
— O que foi isso? O que houve? Isso foi real? Eu vivi aquela cena,
doutor? — pergunto alterado em angústia.
Ele transmite tranquilidade em suas palavras:
— Tiziano, tive que trazê-lo de volta. Essa regressão foi intensa
demais. Você precisará ir com calma. Você é incomum, tem facilidade para
retornar ao passado, mas isso pode prejudicar seu emocional. Parece-me
que o seu caso é igual as crianças que esquecem eventos traumáticos
propositalmente por serem incapacitantes para seu desenvolvimento.
— Não tenho certeza se aquela tragédia foi vivida realmente. Será
que foi nessa vida?
— Sim Tiziano, provavelmente você viveu nessa vida. Embora sua
mente possa trazer elementos que não são necessariamente reais. Vou lhe
explicar melhor. O inconsciente guarda traumas e lembranças dolorosas,
enquanto o subconsciente lida com memórias menos impactantes na vida
social, aquelas moldadas pela sociedade para aceitação e convívio. Há
muito tempo, na época de Freud, ele usou a hipnose para tratar doenças
emocionais e impedir que afetassem o corpo. Mas percebeu que os
pacientes acabavam recaindo com o tempo. A hipnose não era uma cura
definitiva, então Freud introduziu a psicanálise, onde os pacientes podiam
falar sem interrupções no divã para identificar seus traumas.
— Confesso que essa sessão foi muito real! Como será que a
parafilia se encaixa naquela visão?
— Para casos como o seu, a análise com regressão pode ser
altamente eficaz. A parafilia é uma resposta a um trauma específico que
precisa ser identificado para curar. O seu inconsciente pode estar buscando
entender e superar esse trauma, levando você a procurar ajuda. Sua
compulsão está se tornando mais do que apenas um desejo sexual. Você está
criando um vínculo emocional com sua parceira através da amamentação.
Isso vai além do prazer sexual, envolve conforto, pertencimento, cuidado e
amor. Pode ser uma carência da infância. Para descobrir mais, precisaremos
investigar suas memórias, que podem ser tanto dolorosas quanto agradáveis.
Com cuidado, porque as lembranças podem não estar em ordem
cronológica, e algumas podem ser informações adicionais. Como
profissional, vou ajudá-lo a filtrar e encontrar a causa subjacente desse
desejo.
Todo esse assunto, esse monte de explicações entram em mim, mas
não consigo expressar muita coisa.
Murmuro uma despedida e remarco a próxima sessão.
Ele confirma e sinto meu corpo ainda em estado vivo de dor. Não
consegui me conectar com minha mãe nessa memória, somente com o
desespero do meu pai.
Saio do consultório dormente, anestesiado com as visões. Está tão
fresco, tão vívido em minha mente a cena do anjo sangrando e sofrendo. O
impacto foi tão grande, meu Deus! Ela se jogou na minha frente, mais que
isso, tento encaixar as peças, mas não faz sentido! Mesmo naquelas
circunstâncias de uma possível morte, nós poderíamos ter escapado.
Por que ela não me levou no colo? Por que não corremos? Ela
poderia fugir para o meio da floresta. Mas não aconteceu isso, é como se ela
não tivesse essa opção.
Recordo de ver a dor da minha nonna, me abraçando e segurando
meu rosto para evitar que eu assistisse a carnificina que estava acontecendo.
Foi real? Ou uma projeção da minha mente? Tanta confusão, enfim,
mas uma coisa é certa. O doutor levantou questionamentos e escutei a sua
voz, acima de tudo foi a minha mente que trouxe para fora.
Continuo guiando minha moto pela estrada até meu apartamento.
Ao chegar, aviso Lázio que vou para a casa do meu pai. Quando subo na
lancha com a equipe de segurança, recebo uma ligação de minha avó.
— Estou indo para casa, nonna!
— Oh! Que bom, querido. Venha, seu pai precisa de você.
Amparando as pernas, me sento no banco da lancha.
— O que houve, ele se feriu? Onde ele está?
— Não, não. Ele está no quarto, mas deve saber que ele e Olívia se
separaram. Ela acabou de sair de casa com Jessica.
— Cazzo! O quê?
— Apresse-se, vocês conversam quando chegar aqui.
Desligo a chamada pensado, mas que porra está acontecendo?
CAPÍTULO 62

( Human – Rag’n’ Bone Man)

Jessica e minha esposa acabaram de sair de casa, ex-esposa, melhor


dizendo. Sentado na cadeira da sala do chá, apoiado na mesa repleta de
documentos e fotografias, minha mãe tenta me consolar. O vapor das
xícaras detém minha atenção por mais tempo que o normal. Como será essa
família agora?
— Calma figlio, infelizmente, isso era inevitável. Elas vão ficar
bem. Você fez tudo o que podia.
— Não importa, mãe! Me preocupo com elas. Podemos não ter laço
sanguíneo algum, mas todos esses anos nos tornaram família.
— Sei disso, querido! Mas elas estão mais protegidas que nós. Ele
cuida do que é dele, jamais vai deixar alguém fazer mal a elas. Pelo que
Jess falou ele é dono da Itália inteira. Não sofra com isso.
Seguro a antiga fotografia e não consigo desviar meus olhos da sua
imagem.
É como se eu voltasse no tempo e assistisse seu sorriso de todas as
manhãs. Como se pudesse me virar e sentir seu corpo quente cheirando a
jasmim, me convidando para ficarmos um pouco mais na cama. Sinto a
devastação em meu peito vazio e a emoção fluir e correr em meu corpo
pedindo passagem pela saudade que nunca me deixou.
Tenho tantas saudades, minha luz, tanta. Por que me deixou aqui
sozinho, com a miséria de existir sem você? Minhas mãos tremem, sei que
preciso conversar com nosso filho, porque ele merece recordar a verdade
por mais dolorosa e difícil que seja.
Não queria desencavar memórias tão tristes e violentas que
rasgaram seu psicológico em tenra idade, mas é inevitável. Tizo já é adulto
e se tornou um homem honrado, assim como o nome que você escolheu
para ele.
— Que cazzo está acontecendo afinal? — Tiziano com sua voz
áspera, aparece na porta desfazendo minha reflexão saudosa.
Ao vê-lo tão preocupado, deixo escapar um longo suspiro, minha
mãe se aproxima e beija seu rosto.
— Que bom que chegou, Tizo. Vou preparar um chá. Sente-se com
seu pai.
— Liguei para Jessica — o semblante triste me abala.
— E o que ela disse? — pergunto interessado em saber por onde
começar as revelações.
— Nada. Esse é o problema. Mandou conversar com você.
— Sua avó já contou. Eu e Olívia nos separamos. — Talvez se eu
adiasse um pouco mais...
Olho para ele parado no meio da sala me encarando confuso, tão
parecido com você, minha luz. Tizo sempre foi o seu reflexo, com seus
traços e suas expressões. Minha mãe nos deixa a sós na sala, sei que meu
filho não está entendendo nada, mas hoje cedo quando Olivia trouxe essa
pasta, para mostrar a Jess e contar a verdade sobre a família, me fez
repensar as escolhas que fiz.
(The Night We Met - Lord Huron)

O pequeno trajeto de lancha até a casa do meu pai parece uma


eternidade. Assim que minha avó desliga o telefone, faço uma chamada
para Jessica. Diferente das outras vezes, ela demora a me atender.
— Oi Tizi.
— Oi irmã, o que está acontecendo?
— Onde você tá?
— Tô na lancha a caminho de casa. Pode me falar o que houve?
Mamãe está com você? Por que ela deixou nosso pai?
— Converse com ele. Não julgue as coisas antes de saber todos os
fatos.
— De que merda está falando, Jessica?
— Te ligo outra hora para conversarmos melhor.
— Jess, espera!
— Te amo, nunca esqueça disso, meu irmão.
A linha fica muda. Ela desliga sem que eu consiga arrancar algo.
Por que tenho a sensação que é uma despedida?
Não! É coisa da minha cabeça afetada pela sessão de hipnose de
hoje. Desço no píer da mansão a passos largos. Ao entrar na casa, sigo as
vozes que vem da sala de chá. Ouço o fim da conversa entre meu pai e
nonna.
— Que cazzo está acontecendo, afinal? — Seu Nicola chorou, com
certeza, pois seus olhos estão irritados.
Minha avó me cumprimenta e sai com a desculpa de buscar outra
xícara de chá. Meu pai economiza nas respostas e me olha pensativo.
Comento que liguei para Jess, tentando sondar suas reações, e noto
sua apreensão.
— Eu e Olívia nos separamos. — Meu pai sempre foi muito evasivo
com relação ao seu casamento, mesmo que esteja dolorido demais para
colocar pra fora qualquer sentimento, preciso mais que isso para entender.
Tento arrumar a bagunça da mesa, guardando os papéis que meu pai
não parece se importar, o que são todos esses documentos e fotografias?
— Vai ter que falar mais que isso, seu Nicola. Mereço saber o que
houve e não saio daqui sem uma resposta decente. — Em pé, me esforço na
tarefa desviando a atenção de seu rosto triste.
Odeio vê-lo assim! Ele resmunga algo, enquanto olho algumas das
fotos antigas. Ele jovem, pescando com o pai. Nonna e nonno sobre um
cavalo. Mas uma perto dele chama minha atenção, por ser a única virada
para baixo e escrita atrás.
“Floresta Umbra, agosto de ...” o ano está rasurado.
Num gesto rápido pego a foto, pois a impressão é que ele a virou
para não mostrar. Ao ver de quem se trata, me acomodo na cadeira atônito.
Duas moças muito jovens sentadas num tronco, em meio a um campo,
sorrindo, abraçadas com seus cabelos ao vento numa memória desbotada,
mas ainda assim numa sublime recordação de felicidade. Reconheço muito
bem apesar da juventude.
Minha mãe com cabelos mais longos, mas ainda é seu sorriso, talvez
um que pouco me presenteou ao longo dos anos, e a outra loira com os fios
loiros é o meu anjo da guarda em um vestido casual, tal qual a conheço nos
meus sonhos. Mas como, meu Deus?!
Ela … ela é real. Ela existe!
O que minha mãe fazia na floresta Umbra? Ela nunca quis ir até a
casa que nossa família possui naquele lugar!
Jamais soube que tivesse viajado para lá quando jovem. Eram
amigas? Parentes?
Será que aquela dor e cena foi real e a tal Yvy morreu na minha
frente?
Será irmã ou prima de mamãe? Por que nunca falaram sobre ela?
Na mesma hora lembro de uma risada melodiosa e recordo de voar e
ser apanhado nos braços pela mulher anjo. Massageio as têmporas
visivelmente desconfortável.
“Meu pequeno Thor, corra, corra!”
“Você não me pega!!”
“Corra, pequeno Thor!”
Ouço nitidamente a voz dela. Seguro a cabeça recebendo uma
enxurrada de memórias me engolindo e volto no tempo.
Estou em uma campina desconhecida com Yvy que me olha
sorrindo e fazendo cócegas em minha barriga.
Escuto sua voz:
“O que acha de nadarmos na cachoeira e depois fazermos sabonetes
para vendermos na feira da cidade?”
“Quero! Vou ganhar doces? “
Sorrindo, ela cheira meu pescoço me enchendo de beijinhos, falando
docemente, balançando a cabeça e roçando seus longos fios loiros no meu
rosto.
“Somente se vendermos tudo e você me ajudar a colher ervas na
volta. Aí sim teremos muitos doces.”
A minha gargalhada e a dela vem como um soco em meu peito.”
— Ela existiu! — murmuro alto.
— Quem? — Nonna pergunta ao chegar com a outra xícara.
— Ela foi real!
Tenho uma sensação latente e dolorosa de tal magnitude, que me dá
forças quando não quero seguir o caminho do confronto para obter as
respostas.
Preciso saber quem ela é ou foi nas nossas vidas. O que ela foi para
mim? Sinto em minha alma que o anjo me pertence de alguma forma e eu a
ela.
Não romanticamente, mas de uma conexão forte e intensa. Admiro a
foto e vejo os rostos alegres que demonstram um afeto, a cumplicidade uma
pela outra que atesta de forma inegável a presença dela na minha família ou
vínculo. O que houve depois disso? Na minha sessão de hipnose eu a vi
ferida, vi minha mãe em desespero, preciso saber agora!
Olho os dois diante de mim com a fotografia em minha posse. Eles
sabem e vão me contar seja lá o que for, tenho que saber, cazzo!
— Pai?
— O que foi?
— Quem é essa mulher da foto? — Coloco a foto sobre a mesa
diante dele. O vejo arregalar os olhos pegando o papel nas mãos trêmulas,
meu pai olha diretamente para minha avó.
— Sonho com essa mulher desde criança e a cada dia ficam mais
frequentes as memórias retorcidas com seu rosto e sua presença. Quem é
ela, pai? Que ligação essa mulher tem com nossa família? Não minta pra
mim! Não admito que escondam a verdade!
Vejo minha nonna alisar o ombro de papai, sua voz é baixa e triste:
— Nikolaev, chegou a hora de conversar com seu menino, meu
filho.
Nunca a vi tão séria e meu pai tão abalado.
— Afinal, o que está acontecendo aqui, meu Deus! Nikolaev? Meu
pai chama-se Nicola, ou estou enganado? Que segredo está sendo
desenterrado agora nesta sala?
— Sente-se, filho.
Obedeço desconfiado, as mãos tremem e sinto no fundo da alma que
sei as respostas que estou procurando. Sempre busquei isso por anos com
uma melancolia arraigada em meu peito.
Ele abre a pasta novamente e observa os documentos antigos.
— Olívia sempre foi uma mulher precavida, sabia que não poderia
esconder o passado dos filhos para sempre. Essas coisas que ela guardou,
são lembranças de uma vida que não vivemos há muito tempo.
— O que são? Documentos importantes? Por que ela não levou
consigo? E por que nonna lhe chamou por outro nome? O que está
acontecendo? Quero saber sobre essa Yvy e preciso saber agora!
Encaro ele ao ver sua reação surpresa ao ouvir o nome Yvy.
— Não são documentos importantes, Tizo, apenas memórias de um
passado distante assim como meu antigo nome. Preciso lhe contar o
contexto antes que entenda o que são essas informações. E o que essa
fotografia significa para você e para mim. Você me disse que sonha com
ela? Como sabe esse nome? Alguém lhe contou?
— Sim, desde pequeno ela conversa comigo, são sonhos tão vívidos,
ela convive comigo em várias etapas dos sonhos, me consola e acalma,
muitas vezes me abraça e sinto a paz que busco nos momentos aflitos. Mas
nunca me disse quem era até hoje, por isso eu a chamava de anjo.
— Anjo?
— É, como um anjo da guarda que me guia — ele olha a foto e
afaga com seus dedos, visivelmente emocionado.
— Então resolvi buscar ajuda.
— Ajuda? Como assim?
— Eu precisava entender e desvendar esses sonhos, tantas coisas
que ela disse aconteceram que percebi que a envolviam de alguma forma.
Ela fez parte da minha vida em algum momento que não recordo, e
precisava desvendar o motivo dela aparecer.
Vejo meu pai engolir seco, encarando meus olhos com seu rosto
amargurado, desencadeando uma apreensão e nervosismo ainda maior.
— Ela me mostrou a Selena, pai. Há muito tempo, disse que eu
encontraria meu objetivo e disse que a menina dos cabelos longos e olhar
triste, fazia parte do que sou, que nossas dores iriam se encontrar em algum
momento e que qualquer coisa que houvesse não era para desistir dela.
Nunca levei a sério até cruzar meu olhar com o de Selena naquela rodovia,
a dor dos olhos dela parecia espelho da minha. Uma dor de não pertencer a
ninguém, só a nós mesmos. Daquele dia em diante não consegui me afastar
dela e não sabia agir, era egoísta, mas reconheci o que o anjo dos meus
sonhos disse. Selena é minha...
— ...Alma par — termina a frase com verdade na voz.
— Sim, minha alma par perdida, o meu destino. Nunca acreditei
nessas coisas até aquele dia e esse anjo se tornou real a partir do momento
que conheci Selena e suas palavras se confirmaram. Como sabe que ela
falou alma par? Foi exatamente essas palavras, pai. Quem é ela? Esse
suspense está me matando. Procurei até um doutor psicanalista que trabalha
com hipnose. Ele desencadeou uma memória minha terrível!
Sinto a pulsação acelerar, será que meu pai viveu aquela destruição
ou minha memória está me pregando peças?
— Na minha sessão regressiva assisti a cena mais dolorosa e
perturbadora da minha vida. Era como se eu estivesse vivendo aquilo com
vocês. Sentindo aquele terror novamente. Essa mulher foi ferida e você
quase morreu. Mamãe estava devastada. Havia armas, sangue, um massacre
numa floresta. Meu Deus! Estou ficando louco! Me diga que não estou
enlouquecendo, por favor!?
Ele segura minha mão sobre a mesa fazendo com que eu não desvie
de seu rosto aflito.
— Calma, filho. Você não está enlouquecendo. Vou lhe contar tudo.
Mas preciso que fique calmo, por favor, pois não é fácil relembrar a história
toda, há muitas coisas sobre o passado que você não lembra e outras que
você não sabe.
Minha expressão relaxa um pouco, então respiro longamente e
presto atenção a sua fala.
— Nem sempre nós vivemos aqui, Tiziano. Eu e sua mãe não
nascemos na Itália. Nós viemos da Rússia muito jovens, era uma época
muito difícil, nossas famílias viviam praticamente escondidas porque havia
perigos, não calmaria como agora. A União Soviética estava em guerra com
os Estados Unidos. Você deve ter estudado na escola sobre a Guerra fria,
mas estudar é diferente de viver. Naquela época muitas pessoas morreram,
muitos conhecidos, amigos queridos, até alguns parentes. Sua avó e seu avô
na época em que nasci estavam na Rússia, em um trabalho que de alguma
forma era humanitário, foi por isso que eu nasci lá. Seu nonno era italiano,
mas sua nonna nasceu na Alemanha. Veio refugiada para a Itália e foi
abrigada pela família dele. Porém, na juventude precisaram fugir.
— Fugir? — fugir de quê, cacete? Será que minha família é fora da
lei?
— Sim, eram outros tempos, como eu disse. O pós da segunda
guerra na qual seus avós sofreram perseguições, e não foi porque vivemos
em guerras diferentes que a fuga não foi a mesma. Éramos perseguidos pelo
que éramos, famílias inteiras, assim como os judeus precisavam se esconder
de pessoas obstinadas pelo poder e pela hierarquia de raças, nós também...
— Por que a perseguição? Ainda não entendo.
— Nós somos ciganos, Tiziano. Clãs espalhados por todos os
continentes. Por isso sua avó foi abrigada pela família de seu avô. Somos
unidos como povo, além de unidos em sofrimento e preconceito.
Tenho certeza que meu rosto empalideceu, ciganos? Como eu nunca
soube? Minha avó coloca o chá e água para beber e tenta nos acalmar. Ele
bebe um gole da xícara para continuar.
— Depois de alguns anos do meu nascimento, partimos da União
Soviética direto para a Itália, algumas famílias antes e outras depois. E com
a ajuda de amigos influentes conseguimos nos estabelecer neste país.
Quando a família de sua mãe chegou, um pouco depois da nossa, éramos
muito jovens, mas eu a reconheci como minha, assim que olhei nos olhos
dela. Já tinha lhe falado um pouco sobre a chama gêmea. As almas
espelhadas, lembra?
— Vagamente. Lembro dessa expressão, mas não o que significa.
— Também conhecidas como almas-espelho, chamas gêmeas são a
outra metade da alma. Basicamente o que acontece é que sua chama gêmea
tem a mesma alma que a sua, uma alma que foi dividida em duas e vive em
dois corpos distintos. É um reencontro impactante, uma conexão e
intensidade fortíssimas. Depois de um primeiro encontro é difícil de não
pensar, de não querer mais, mesmo sem conhecer muito bem a pessoa. É
porque vocês dividem a mesma alma. Bem, sua avó sabe mais detalhes.
Quando olhei para sua mãe, foi instantâneo o reconhecimento, a atração, o
afeto e o sentimento foi muito intenso, não conseguimos mais esconder e
nem conseguimos viver longe um do outro. Casados, vivemos relativamente
bem nessa comunidade, todos se conheciam, pois era uma vila pequena,
famílias amigas se respeitando mutuamente, embora vivêssemos sempre em
alerta porque sabíamos que a qualquer momento poderiam descobrir as
nossas origens. Sempre acompanhamos os rumores da guerra. A Europa era
aliada dos Estados Unidos. As caçadas e perseguições se intensificaram e o
pavor de um ataque era constante, até que em 1991 a guerra fria acabou.
Sua mãe tinha uma amizade com uma jovem que nasceu aqui na Itália. Essa
da fotografia. Vivíamos no Gargano.
— Sim, você comprou uma propriedade lá. Eu sei. Então eu nasci lá
em Puglia?( Apúlia)
— Exatamente, e essa amiga nasceu em Salerno, na Calábria. Não
sei como as duas se conheceram, mas tinham uma amizade íntima.
— Salerno não é longe de Gargano.
— Não, não é. Quando ela buscou auxílio, confidenciou à sua mãe
que estava grávida de um homem influente, alguém cuja identidade não
podia revelar à família nem ao próprio sujeito. Seu nonno permitiu que ela
vivesse conosco e naquela época, sua mãe e eu já aguardávamos ansiosos
por sua chegada. A notícia de que ela estava grávida do meu filho foi a mais
extraordinária da minha vida. O nascimento ocorreu sob os cuidados da sua
nonna, assim você e o bebê dela, cresceram juntos com apenas alguns
meses de diferença. Três anos depois, relaxamos porque não havia perigo
de nenhuma tragédia iminente. Mas o massacre que sua memória trouxe à
tona realmente ocorreu logo depois. Você tinha três anos e meio. Àquela dor
que vivenciou e muitos outros episódios tristes que talvez a sua memória
tenha blindado você de lembrar, tudo realmente nós vivenciamos e decidi
protegê-lo da melhor maneira que consegui. Aquele ano foi marcado por
um trauma intenso para uma criança tão pequena e inocente. Nenhum pai
suportaria ver seu filho confrontar essas memórias incessantemente. Era
injusto fazê-lo reviver aquele terror, então decidimos deixar aquele lugar.
Optamos por construir novos nomes, novas identidades, novas memórias e
uma vida totalmente diferente.
Preciso ouvir da boca dele quem é Yvy, mas sinto no fundo da
minha alma a verdade.
— Sim, eu era Nikolaev e agora sou Nicola por questões de
segurança, mas seu nome sempre foi Tiziano, sua mãe escolheu como um
significado nobre, de homem honrado que você se tornaria. — Aperta
minha mão sobre a mesa e respira fundo.
— Assim nos estabelecemos em um novo local que é onde estamos
agora, figlio.
— Aqueles homens perseguiram e fizeram aquele massacre por que
somos ciganos?
— Não. Foi porque queriam eliminar a amiga da sua mãe, e
suspeitaram de um filho que não tinham certeza se havia nascido. O
herdeiro do homem mais poderoso da Itália.
— O que houve com ele? A amiga da minha mãe e seu filho,
morreram?
Admiro a fotografia, o sorriso doce da mulher é o mesmo que
sempre me oferece.
— Aquele foi o pior dia da minha vida, filho. Sua mãe me fez
prometer que protegeria a amiga e o filho.
Sinto os meus olhos arderem e as lágrimas ameaçarem como águas
incontidas ao ver que a verdade é o que desconfio.
— Nunca mais me permiti chorar, mas sinto que não vou represar
agora. Há muito tempo que não via esse sorriso e olhar essa fotografia e
constatar que a imagem do meu amor nunca saiu da minha mente, me faz
perceber como fui forte em suportar todos esses anos a ausência de minha
Yvanka. A luz dos meus dias, que se apagou me deixando um vazio
devastador no peito.
— YVANKA? Não é Olívia o seu amor?
— Podíamos ter morrido naquele dia, Tiziano. Mas sua mãe era a
mulher mais corajosa que conheci. Ela empurrou o homem que nos
alvejaria e usou o próprio corpo como escudo para que nada o ferisse. Sua
mãe chamava-se Yvanka Silienko. Ela foi alvejada por seis tiros naquele
massacre e um deles foi fatal. Ela preferiu dar a vida para que você vivesse.
E não a culpo pois faria o mesmo. Faria qualquer coisa por você. Yvy era
uma alma de coração nobre, ainda convalesceu por alguns dias, mas não
havia nada a se fazer.
Levanto-me com os olhos arregalados, percorrendo a sala de um
lado para o outro, balançando a cabeça em negação. Em desespero, bato o
punho na lateral da cabeça, agarrando meu peito com uma dor profunda.
Uma onda violenta de decepção e angústia me domina. Como puderam
esconder isso de mim? Permito que o rio de recordações e dor flua
livremente, liberando o peso que carrego dentro de mim.
— Então? ... Ela ... O anjo? — visivelmente alterado alinho os
cabelos, inquieto, negando com um abanar de cabeça numa confirmação
lógica.
— Sim — responde secando o rosto.
— Ela era minha mãe? A mulher dos meus sonhos... é… a minha
mãe?!
— É, e você não saiu um minuto do lado dela, até o fim. A nossa
imagem foi a última coisa que seus olhos viram antes de partir — entre
soluços e voz quebrada ouço seu lamento. — e... ela ... disse ... que sempre
estaria com você... Sempre... lhe protegeria. Gostaria que ela tivesse me
visitado em sonhos, ah como gostaria de vê-la, Tiziano! Sinto a dor pulsar e
fluir dos seus pulmões ressecados que hoje choram em uma tortura visceral.
É horrível vê-lo chorar dessa maneira, mas o que ele fez foi cruel!
— Busquei seu rosto por tantas noites, imaginando seu doce sorriso
ao me levantar a cada dia. Tantos momentos que deixei meu leito vazio
porque nada mais importava do que ver o sol nascer e lembrar da luz que se
apagou e me deixou na completa escuridão — continua falando enquanto
chora.
Esconde seu rosto com as mãos, numa tentativa falha de conter a
dor. Seu choro alto só me deixa ainda mais decepcionado.
— São vinte sete anos de sua morte e você não contou? —
Impossível evitar a explosão de descrença.
— Ninguém entende, mas vivi anos como um fantasma da minha
própria existência, porque depois que vi a vida deixar seus lindos olhos,
deixei a minha seguir junto com a dela.
— Não cazzo! Não admito ser colocado a parte das minhas
memórias, por mais dolorosas que sejam!
Ando até ele largado sobre a cadeira com os cotovelos apoiando o
rosto choroso.
— Você permitiu que eu a esquecesse? Minha própria mãe? Você é
um monstro!
— Tizo, você teve uma afonia decorrente de um trauma. Ficou
doente, sem falar por mais de um ano. Chorava sem parar, recusava-se a
dormir e a comer. Olívia desempenhou um papel vital, ajudando-o nesse
período difícil. À medida que o tempo passava, as lembranças desse
sofrimento desvaneceram, e eu vi isso como uma possível vitória. Sinto
muito, filho, por não compartilhar toda essa carga antes. Acreditava que o
tempo curaria as feridas, mas a perda irreparável de sua mãe permaneceu
comigo. Me perdoe por permitir que você a esquecesse. — Abandono a
mesa e percorro a sala como um animal enjaulado.
— Então Olívia é a culpada pela morte da minha mãe! E... Cazzo!
Gabrielle é o filho que corre perigo!
Nonna surge do outro cômodo, visivelmente emocionada.
— Ninguém sabe da existência dele, só descobriram Jessica. Por
isso elas partiram.
— O quê? Nem Jessica é minha irmã? Que tipo de pessoas são
vocês? Como puderam?
Descontrolado, encaro seu rosto derrotado, mas ele não consegue
responder a isso.
— Acalme-se menino! — Nonna toma a palavra. — Como revelar
essas informações para dois garotos que falariam sem pensar e nos
colocariam em risco? Nós seríamos mortos junto com Olívia e Gabe.
Respiro profundamente tentando recobrar a razão e ouvir o que ela
diz, mas sem sucesso, as mãos continuam trêmulas em conjunto ao estralar
da mandíbula.
— Olívia e seu pai nunca foram um casal. Anos depois por um
tempo até tentaram, mas não se amavam romanticamente. Ela viajou a
Milão sete anos depois e reencontrou o pai de Gabrielle, tiveram uma noite
juntos, mas não contou sobre o menino e depois descobriu a gravidez.
— Puta que pariu! — Não é possível uma coisa dessas! Ela é burra a
esse ponto? Voltar a se envolver com o homem que é o responsável pelo
massacre que matou a mão amiga que a acolheu?
— Cale a boca, Tizo! Ou vai levar umas palmadas. Você quem não
está raciocinando! Os inimigos dele descobriram sobre Olívia. Gabrielle e
Jessica compartilham o sobrenome do seu pai, sendo considerados filhos
dele para todos os fins. Olívia, ao que parece, manteve em segredo a
gravidez de Gabe, até mesmo de seu próprio irmão, com quem rompeu
relações. A intenção dos inimigos, possivelmente na época, era capturá-la
como moeda de troca em vingança a esse homem com quem teve uma
relação, ou submetê-la a tortura para confirmar a existência de um filho.
— Quem é o pai deles, afinal?
— Olívia nunca falou o nome, só disse que era perigoso — Meu pai
responde. Seguro a raiva que se acumula em meu peito, respirando
rapidamente para recuperar o equilíbrio emocional. Minha voz carrega um
tom de mágoa, impossível de esconder.
— Agora tudo faz sentido, depois de ouvir a história completa
compreendo por que Olívia não me ama. — Ele ergue o olhar turvo de
lágrimas.
— Nunca mais diga uma coisa dessas, Tiziano! — Comprimo os
lábios nervoso. — Olívia sempre amou você como um filho, ela amava sua
mãe como uma irmã, eram inseparáveis. Apesar de nossos esforços, o
coração segue suas próprias regras, e ambos nutrimos sentimentos por
outras pessoas. Cáspitta! A tragédia que enfrentamos nos uniu, vivendo
anos de luto, fortalecendo nossa proximidade. Assim, compreendendo a
importância de fornecer-lhe uma figura materna, decidimos criar novas
memórias ao permitir sua aproximação tentando consolá-la também. Ao
procurar, incansavelmente, suportar a dor e ser o pilar para você, meu filho,
nos momentos em que eu próprio estava inconsolável, percebi que não
podia enfrentar essa jornada sozinho. Deus sabe o quanto me esforcei, mas
no dia em que perdi sua mãe, perdi a mim mesmo. A dor, implacável, me
consumiu e afogou minha existência. — Sento-me diante dele novamente,
que toma um gole do chá para aliviar a garganta.
— Olívia recriava os pratos familiares, que sua mãe fazia para
reconquistar seu apetite, entoava canções de ninar, inspiradas nas melodias
de Yvy, para embalar seu sono tranquilo. Em meu estado fragilizado, aceitei
de bom grado sua presença, recebendo de maneira egoísta tudo que ela
oferecia, pois, na verdade, minha única preocupação era você. As cores
desvaneceram, o significado se perdeu. Num acordo conjunto, decidimos
forjar um casamento, moldando uma fachada para nossos filhos, tudo por
vocês e pela necessidade de camuflar a realidade. Assim, optamos por
permanecer unidos.
— Mas você não a amava, foi injusto!
— Olívia também não me amava, mas aprendi a amá-la como amiga
e companheira. O problema é que o amor que surgiu da convivência não é
digno, e não conseguimos esconder isso de você e Jessica.
— E Gabrielle?
— Ele sempre se lembrou de que você tinha outra mãe, graças à sua
memória superdotada. Olívia conversou com ele quando percebeu que você
estava retomando uma vida normal. Queríamos que fosse um garoto
comum.
— Eu nunca fui normal e vocês dois sabiam. Poderiam ter ajudado.
Faz sentido eu ter recorrido aos vícios e ao meu transtorno com tantas
informações ocultas. Olívia sempre manteve uma certa distância de mim e
eu sentia a todo o momento.
— Essa distância entre vocês eu sempre percebi e permiti, mesmo
inconscientemente. — Encaro seu rosto me sentindo confuso. — Você é um
pedaço da minha Yvanka, Tiziano. Um pedaço vivo, dos olhos, do sorriso e
personalidade intensa dela. Eu, num ato egoísta lá no fundo, não queria que
Olívia tirasse o lugar de mãe que era dela. Ou que chegasse tão perto da
única parte que sobrou do meu amor. Perdão, meu filho. — Nessa hora a
garganta arde por segurar mais lágrimas.
— Pelo menos sei de onde puxei o egoísmo — retruco magoado.
— E eu fiz a mesma coisa com os filhos que não eram meus e ela
permitiu. Ferimos você e ferimos Jessica. E agora sua irmã desconfiou do
passado e pressionou a mãe, até que ela decidiu contar. Jess confessou que
entrou em contato com o pai e Olívia surtou. Cometi muitos erros depois da
morte da sua mãe. O que teria feito se perdesse Selena com um filho
pequeno?
— Não justifique esse absurdo colocando minha mulher no meio!
— Não tô justificando, figlio, coloque-se no meu lugar. Não
protegeria seu filho da dor, de tudo o que pudesse? Consegue imaginar
viver sem a mulher que ama?
— Não, jamais. Eu morro com ela.
— Mas eu não podia partir com sua mãe. Não podia morrer com
minha Yvanka, não fisicamente. Eu tinha você, pequeno Thor, não podia
deixar de cumprir a promessa de vê-lo crescer e viver por nós dois, de
proteger a amiga de Yvy e seu filho, pedido este feito no leito de morte —
Sofro com essa afirmação.
— Entende que vi a morte de minha mãe hoje? Que vivi essa
tragédia horas atrás? O que eu não entendo é que ela parecia conformada
antes de acontecer.
— Ela sabia como ia morrer, só não sabia a circunstância — revela
nonna.
— O quê?
— Ela sonhava igual a você.
Levanto-me dessa vez com uma fúria enorme no rosto, vociferando
minha sentença a minha avó.
— Você mais do que todos, me devia a verdade, Olímpia. Você
sabia que eu tinha essas premonições e não fez nada. O povo cigano é
ensinado a deixar os seus iguais no limbo da ignorância?
— Não! Somos ensinados a dar escolhas para nossas crianças. Mas
com o cuidado de não influenciar as decisões da pessoa que o dom é
recebido. Porém, devido ao seu trauma, Nikolaev decidiu deixar a memória
de Yvy desaparecer. Eu não podia interferir mais do que fiz. Só aconselhar.
Quanto mais coisas eu revelasse do passado, mais riscos você teria de
recordar do massacre. Pelo menos agora adulto é mais compreensível.
— Ah, é muito compreensível. Isso é... nem sei como nomear o que
fizeram!
— Só peço que nos perdoe, filho. Errei buscando acertar, me
desculpe. Não justifica o que eu fiz, mas imploro o seu perdão.
— Preciso de um tempo.
— Essa é toda a verdade — ressalta minha avó.
— Não sei se um dia vou perdoar você, Olímpia! Desde sempre
sentiu na pele o que é ser atormentado com a dor do outro por ver o futuro.
Podia ter revelado muito mais para me ajudar. Tem ideia do que passei na
adolescência? A confusão que era aqui dentro? — Aponto para a cabeça a
encarando decepcionado — Jamais serei relapso assim com meus filhos!
Não vou permitir que quase se percam só para evoluírem, proteger alguém
ou por qualquer código moral! Vou pra casa, não tenho condições de falar
mais com vocês neste momento.
Minha nonna baixa a cabeça e vejo secar os olhos. Foda-se!
Também estou magoado, cazzo!
Enquanto me afasto em direção a lancha, recolho minha tristeza.
Entendo que meus transtornos em busca de uma conexão íntima,
tem tudo a ver com esse trauma. Se eles não tivessem escondido a verdade
como fizeram, talvez a transição da juventude para a vida adulta teria sido
mais suave.
É melhor viver meu luto agora, meditar em tudo o que aconteceu
para poder conversar com minha amada e começar nossa vida em paz.
Preciso conversar com meus irmãos, pra mim eles sempre serão meus
irmãos!
CAPÍTULO 63

(You’re Gonna Be Ok - Jenn Johnson)

Desde ontem, mergulhei no luto. As revelações da dolorosa verdade


me abalaram. Chorei solitário em meu apartamento, afundando-me na
tristeza, diante das memórias que a descoberta trouxe consigo.
Recordei vividamente as últimas horas de minha mãe, sua despedida
no leito, o adeus doloroso e suas palavras de que sempre estaria comigo,
desejando minha felicidade, assim como foi feliz com meu pai.
Além disso, lembrei daquele dia chuvoso em que a enterramos.
Recordei que fui levado para casa por Olívia e nonna. Papai dormiu ao lado
do túmulo embaixo da chuva, se negou a sair de lá. Eu não dormi aquela
noite, queria minha mãe, seu colo, seu cheiro e seus afagos. Olívia ficou
com a nonna cuidando de mim até meu pai retornar no outro dia,
encharcado e devastado de dor e lama.
Solucei inconsolável ao reviver memórias tão tristes, era de se
esperar que quando eu ligasse hoje cedo para Selena, estivesse com o rosto
totalmente inchado. Tentei não trazer a carga que estou carregando para a
nossa interação, mas não consegui.
Selena percebeu no instante que o laptop acendeu a tela e ela me
viu.
— O que houve, meu Viking? — os olhos dela marejaram e ela
tocou a tela como se quisesse me tocar.
Fechei meus olhos por uns segundos, porque ansiava pelo seu toque,
queria seu abraço e consolo. Contei sobre a separação dos meus pais, das
minhas consultas e de várias memórias difíceis que estava relembrando.
Minha verdadeira mãe e as circunstâncias da sua morte.
Garanti que preferia falar com ela quando retornasse. Ela disse que
está ansiosa para saber de tudo o que me aflige e quer me apoiar.
Minha pequena está lutando para ser forte, e cada dia tenho mais
orgulho.
Mas mesmo assim, expliquei que preciso do seu amor, da sua
compreensão e carinho físico. Para o meu alívio, avisou que chega à
tardinha. Nos despedimos sem eu relatar que o cheiro e o afeto que ela me
dá por meio da minha compulsão, se deve ao fato de ter recebido da minha
mãe, porque até então eu não sabia qual era a ligação disso.
Conversei com minha terapeuta sobre as memórias que estão
chegando como enxurradas.
Dra. Sara garantiu que é normal agora as sequências de tudo o que
esqueci, vir à tona. O hipnólogo tinha me dito que é como se o meu
subconsciente se abrisse de forma gradativa e as memórias chegariam a
qualquer instante e em qualquer lugar. Que realmente eu me lembraria de
absolutamente tudo que vivi e que fui obrigado a esquecer pela dor ou
simplesmente para proteção.
Lembranças de minha mãe e de como ela me fazia sentir único, de
como eu era a pessoa mais importante da sua vida, e ela ressaltava a todo o
segundo, porque sabia que tinha pouco tempo comigo.
Fiquei meditando nessa ligação de todos os fatos passados, com os
fatos que estou vivendo, a conexão que há entre o afeto, o carinho e o amor
da minha mãe e o de Selena. Claro que não se compara o amor de uma mãe
e o amor da mulher amada para seu homem. Mas nosso cérebro é um ser à
parte, é um ser vivo e ele faz ligações que nem a gente compreende ao
certo.
Lembro-me de uma memória que me tocou fundo me acertando
como um soco, pois foi imediata a ligação que fiz com o perfume de
Selena.
Minhas primeiras memórias com mamãe, que antes de dormir às
vezes ela me acalentava somente em seu colo. Sentia seu cheiro único de
Jasmim, acariciava seus cabelos longos, e se tivesse cansado por ter passado
o dia brincando, adormecia em seus braços. Vieram outras memórias em
conjunto, uma específica que eu estava resfriado e com dores no meu
pequeno corpo.
Ela me alimentou do peito, preparou minha cama e me colocou para
descansar, em um gesto terno, trouxe um frasco de óleo perfumado,
insistindo que a massagem aliviaria a dor. Surpreendentemente, longe de ter
o odor de um medicamento, o aroma era tão agradável que me envolveu
completamente. Não pude deixar de expressar meu contentamento.
"— Mamãe, esse cheiro é bom”
— É meu filho, ele é muito gostoso e esse é especial, porque é só
você que tem.
— Ah é mamãe, foi papai que fez?
— Não, fui eu que fiz. Essa receita é secreta, criei essa essência
única para o meu pequeno Thor. E só é usada quando eu aplico em você,
para que sempre lembre que mamãe deu esse cheirinho gostoso para o
pequeno filhote dela.
— É muito especial hein!
— Sim, é muito especial assim como você.”
Depois daquele dia, ela me fazia lembrar do cheirinho de lavanda
quando me segurava em seus braços para amamentar. Um pequeno colar
que trançou com fio delicado de algodão, pendurava em seu pescoço, ali,
pingou a essência que fez para que, enquanto eu mamasse, lembrasse o
quanto era especial para ela. Eu era o filhote especial da mamãe.
Em outra ocasião falamos sobre isso, perguntei se ela havia feito
bastante daquele óleo, porque eu não queria me esquecer do perfume.
“— Esse é o seu cheiro de amor Tiziano, você sempre se lembrará e
sentirá que é especial quando senti-lo, você não vai esquecer.”
Então fechei os olhos e continuei sugando enquanto acariciava meu
rosto cantarolando. Sentia o seu amor, em como eu era importante a ponto
de deixar tudo o que estava fazendo somente para me atender, me
amamentar e cuidar com afagos e ternura. E o cheiro, bem, nunca mais
encontrei o cheiro de pertencimento, ou algo que me remetesse àquela
essência.
Mas quando me aproximei de Selena pela primeira vez, senti a
mesma paz da conexão da essência de amor. Depois daquele dia, queria
desesperadamente inspirar de novo, sentir a familiaridade do afeto.
Quando minha bella retornou da Espanha com o mesmo perfume,
foi como voltar para casa após tantos anos perdido.
Ao fazermos amor, pela primeira vez senti o perfume de lavanda em
sua pele, do óleo que mamãe dizia ser a essência especial, só agora
assimilei a ligação. O cheiro de Selena me remete ao amor incondicional.
De como eu era importante para alguém e assim outra memória surgiu.
Mamãe dizendo que eu seria muito amado por uma mulher, que ela
via outra me fazendo sentir especial.
“— Não quero outra, mamãe. Eu sou só seu! — Ela riu aquela
risada melodiosa do anjo que agora sei que é ela.
— Mas você vai querer, ela tem os cabelos cor de ouro, iguais os
meus.
— Ela é bonita, como você?
— Ela é mais bonita, parece um anjo.
— E ela vai gostar de mim?
— Vai sim, meu pequeno Thor, vai amar você com todo o coração
dela, vai dar tudo o que você precisa.
— E onde ela está? — perguntei arregalando os olhos na beira da
minha cama.
— Ela ainda não existe, meu menino. Mas ela vai lhe encontrar —
respondeu afagando meus cabelos.
— E como vou saber que é ela?
— Assim que olharem um para o outro, vocês vão reconhecer que
não podem ficar separados.”
Essa memória me atingiu quando estava indo para o carro meia hora
atrás, até sobreveio uma leve tontura que Lázio precisou me amparar.
Lembranças das brincadeiras com ela, das cantigas, dos passeios
para colher frutas. Pude sentir o aroma da torta de amoras silvestres que ela
fazia. Das risadas quando ela tocava o pandeiro, quando me ensinava a
cantar e quando se balançava comigo no balanço feito de corda, amarrado
na árvore do bosque perto de casa. E da forma como ela dançava e me
tirava para rodopiar com ela.
As recordações de como éramos ligados e de como nunca nos
separamos. Papai trabalhava muito naquela época fazendo essências,
buscando materiais e até vendendo produtos, tudo para nos dar um maior
conforto. Vovó e vovô tinham a casa por perto, mas estavam sempre em
função de algo, porém mamãe Yvy vivia para mim, amava meu pai, mas
vivia somente para mim. Na verdade, ela viveu pouco tempo comigo, mas
em cada segundo ela me preparou para viver sem ela. Agora compreendo
isso.
Estou a caminho do aeroporto, para buscar meu amor. Estou
contando os minutos dentro desse carro enquanto meu motorista acelera.
Ahh... Queria ter tido mais tempo com você, mamãe, queria que
vocês duas se conhecessem.
Desço na pista de pouso sem prestar atenção ao redor. Entro pela
porta do aeroporto vasculhando atrapalhada minha bolsa em busca do
celular. Preciso avisar Tiziano que cheguei e não encontro esse aparelho.
Mas como uma canção que aquece meu peito, ouço a voz que amo me
chamar.
Ergo o rosto à procura, então meus olhos são afetados pela visão
magnífica dele andando depressa ao meu encontro, meu coração erra uma
batida.
— Selena! Bella!
Tiziano a poucos metros com o sorriso que me derrete é tudo o que
preciso. Agradeço aos céus que voltei para o meu lar. Voltei para os seus
braços.
Paraliso de tanta emoção, solto a alça da bolsa de mão e quando ele
se aproxima me enlaçando pela cintura com segurança de quem é o dono
dos meus pensamentos, dono de mim, me penduro em seu corpo como um
abrigo protetor. Meu amor me pega em seu colo sem cerimônia ou receio da
nossa falta de etiqueta em público, me conectando a ele, mantendo os
olhares. Me deixo enlaçar pelo corpo grande sentindo seu cheiro e beijo seu
pescoço precisando confirmar que estamos juntos reunidos como um só ser
de novo. Quatro dias sem ele foi demais para uma mulher apaixonada como
sou aguentar. Vivi muitos anos sem sentir esse amor, agora não quero mais
me afastar um segundo sequer.
— Que saudade, minha preciosa, como foi a viagem?
Sinto minha nuca ser agarrada numa firmeza gentil e ao mesmo
tempo possessiva. Imediatamente sou tomada por uma boca quente, gostosa
e dominante. O beijo é intenso e regado a tanta saudade, que meu coração
quase sai pela boca.
— Foi ótima, meu viking, mas longa demais. Muitas saudades.
Estou morrendo... — dramática como sempre quando se trata dele.
Sorrio, afagando meu rosto no dele, o sentindo tão perto e carente
como eu. Aceito a mão enorme no meu cabelo adentrando mais e enlaçando
os dedos em uma carícia lenta no meu couro cabeludo, descendo até um
afago na base da minha nuca.
Os olhos azuis brilhantes me encaram profundamente.
— Não quero que morra, só se for de prazer comigo dentro de você
serpenteando esse corpo sobre mim, como só você faz — sussurra ele
baixinho só pra nós dois, contra meus lábios me arrepiando da cabeça aos
pés.
Me dá o sorriso maroto que amo e beija meu pescoço deixando a
língua passear pela pele um pouquinho. Ainda estou atordoada quando ele
se afasta me olhando sorrindo ao me soltar no chão e apanhar minha bolsa
para irmos. Minhas pernas bambeiam e corpo inteiro esquenta.
— Confesso que estou cansada, o estresse para saber quando o
aeroporto liberaria a decolagem contribuiu — respondo corada de
excitação. — Senti tanta saudade, viking!
— Eu muito mais. Saudades do seu cheiro, Selena. Foi uma das
coisas mais difíceis na sua ausência. Dormir sem seu perfume foi um
suplício, confesso que revezei as camisolas que você tinha deixado no
closet, mas nem de longe é a mesma coisa.
As mãos me apertam outra vez me agarrando contra ele em busca do
meu pescoço, inspirando e ronronando como um gato nórdico. Dio Santo!
Meu corpo está implorando por ele. E agora sem plateia chegando no carro,
não sou de ferro, volto a cheirar o pescoço dele ao retribuir o abraço. Ah!
Como senti falta desse carinho.
— Hum, senti tanta falta desses braços ao meu redor. Juro pra você,
não via a hora de estar assim juntinho. Estou louca por um banho relaxante,
tirar essas roupas e ficar à vontade em casa.
— Nossa casa está lhe aguardando, vou preparar seu banho de
banheira e um jantarzinho gostoso. Tenho certeza que vai ajudar a relaxar,
faço uma massagem ótima, sabia? A minha mulher, uma loira sensual e
cabelos de rapunzel ama, ela sempre diz que em breve serei um profissional
na massoterapia. — Gargalho animada.
— Ah é? Que garota sortuda! Hum! vamos para casa agora mesmo,
quero ver esse especialista de massagens em ação.
Ele pega minha mão sorrindo, me guiando para dentro do veículo.
Seu jeito ansioso não é maior que minha ansiedade, não vejo a hora
de estar nua com ele. Doida para me perder no seu abraço protetor, senti-lo
em mim, enorme e gostoso e descansar vendo meu amor adormecer no meu
seio após mamar. Não esqueci seu rosto devastado nas chamadas de vídeo,
mas tenho certeza que vamos conversar sobre sua mãe e vou consolá-lo
com meu sentimento profundo por ele.
— Imaginei que chegaria cansada e não consegui pensar em outra
coisa senão cuidar de você. — Ele sabe me desestabilizar, sorrio
apaixonada, o que faz com que eu ganhe um beijo no nariz e um selinho
doce.
— Aconteceram muitas coisas enquanto estive fora, né?
— Algumas coisas — fala ele sorrindo com um brilho fascinante
nos olhos. Acho que ele percebe meu olhar interrogativo, se aproxima
atando meu cinto e esfregando seu nariz no meu em um cuidado fofo e
delicado.
— Teremos tempo para conversar.
O trajeto é rápido, tenho certeza que cochilei no seu ombro, não
queria, mas realmente o jet lag está cobrando seu preço. Tizi leva minha
bolsa me acompanhando até o quarto, rapidamente liga as torneiras da
banheira deixando encher. Se aproxima me beijando castamente.
— O que deseja, minha preciosa?
— Obrigada por preparar o banho.
— Algo mais? — pergunta me abraçando e beijando minha testa e o
topo da cabeça. Ergo meu rosto e encaro os olhos sinceros.
— Quando vamos conversar?
— Eu perguntei primeiro — responde com um sorrisinho malicioso,
ajeitando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.
— Você. Eu quero você, Tiziano. Tô sendo egoísta?
— Não, de forma alguma, ficaria ofendido se não retribuísse essa
fome que tenho de você. Fala mais, diz o que você quer realmente?
— Quero mais que um banho, comida ou repouso. Na verdade,
preciso só do meu namorado agora. Quero suas mãos em mim, sua boca,
seu corpo inteiro!
Seu sorriso lento e sensual é como uma lambida voraz, incendeia
tudo.
Mesmo cansada, isso não me impede de desejá-lo como uma
alucinada. Ele me olha vasculhando meu rosto a procura de algo.
— Preciso olhar e gravar esse rosto lindo dizendo que me quer, não
tem ideia de como me sinto quando ouço você dizer essas palavras —
responde sedutor.
Começo a abrir os botões da camisa branca lentamente, já sentindo
minha respiração embalar com a excitação guardada e dormente por dias.
Abro toda a camisa deslizando minhas mãos pela pele quente, ouvindo-o
suspirar baixinho. Aliso os desenhos, aproveitando a rigidez dos músculos
que tanto amo. Dio! Que saudade de sentir esse corpo, esses sons de prazer
com meu toque, a voz e tudo dele. Me faz rendida antes mesmo de qualquer
preliminar.
Ele escorrega as mãos pela barra da minha blusa, despindo
lentamente, ajoelha-se imediatamente descendo minha calça. Cada toque
suave das mãos grandes me arrepia inteira. Ao me ver de lingerie rosa,
Tiziano me olha lento, namorando meu corpo ao sorrir lânguido. Em
seguida se abraça em minha cintura, cheirando meu ventre e costelas,
deixando beijos molhados em cada pedacinho, alisando a mão possessiva
pela minha pele, explorando como se fosse a primeira vez que me toca. Me
sinto flutuar em um prazer calmo e reconfortante como lar.
— Como lidou com as dores nesses dias, amore mio? Se adaptou
com o aparelho de sucção?
Respiro gemendo dolorida quando ele pousa as mãos sobre meu
sutiã, apalpando suave, olhando hipnotizado. Minha excitação e cansaço me
faz vazar automaticamente mais. Parece que meu corpo sabe que seu dono
está perto e que ele o necessita.
— Aprendi a usar. Mas eles sentem que não é a mesma coisa.
Sabem que não é o dono deles que os alivia.
Observo Tizi engolir embevecido ouvindo minhas palavras.
— Você sabe que é dono deles, não sabe?
Seus olhos brilham e ele sorri, me alisando desde a panturrilha,
subindo para minhas coxas e barriga, roçando os lábios em minha pele,
descendo minha calcinha ao chão.
— Eu sei — murmura ele — Senti muita falta de ouvir que sou o
dono, eles são meus, assim como você é. — Continua cheirando minha pele
com pequenos beijos. — Senti tanta falta do seu cheiro de amor que me
acalma.
Suspiro fundo, tentando me controlar, hoje esse homem vai acabar
comigo no bom sentido da palavra. Sorrindo de felicidade, acaricio seus
cabelos, me demorando na suavidade entre meus dedos. Suas mãos
tomando posse do meu corpo, aquecendo tudo por dentro feito uma
labareda.
Inclino o corpo acariciando as costas musculosas, deslizando as
pontas das unhas, ouvindo Tizi suspirar alto abraçado a minha cintura. Ele
se ergue olhando nos meus olhos e abre sua calça despindo junto com a box
branca.
Engulo a saliva que enche a boca d'água.
As veias salientes do maior pau que já vi, fazem desenhos tortuosos
ao longo do comprimento.
Ele está tão ou mais necessitado que eu, a ponta do pau brilha pelo
líquido pré sêmem e não resisto. Acaricio de leve e passo meus dedos
melando mais sua carne, o escutando gemer baixinho.
— Cazzo, Selena!
— Tô com saudade dele também.
Sinto os espasmos na minha mão pulsando pela excitação no limite.
Mas o ritmo das carícias não acelera. Queremos aproveitar cada segundo.
Tizi me beija, a boca beliscando meu lábio superior, envolvendo as mãos
pelas minhas costas e desatando o sutiã. Ouço um praguejar baixo assim
que meus seios molhados tocam sua pele dentro do abraço possessivo. Dio!
Ele nunca pragueja, sempre se controla, mas hoje merecemos o descontrole.
Beijo seu pescoço e sussurro perto do ouvido:
— Você é meu ponto fraco, Tiziano.
Mordo o lábio ao ouvir um rosnadinho sexy e ele me agarrar de
supetão, apertando minha bunda.
— E você quando fala essas coisas, é meu fim.
Essa voz rouca quando sussurra em meu ouvido, faz transmissão a
todas as células do meu ser.
— Bella, tenho que confessar, não aguento ficar um dia sequer longe
de você, precisei de todo o meu controle para não ir atrás de você na
Espanha.
Quando me encara, ele me ergue em seu colo em direção a banheira,
dentro dela ele não se acomoda às minhas costas como sempre faz, mas
desliza sobre mim me beijando com saudade e fome, lambendo meus
lábios, beliscando sensualmente e descendo para o queixo, sussurrando que
me ama.
— Tenho sede da minha mulher, me deixa cuidar de você a noite
toda, deixa?
— É só você que eu preciso, Tizi. Faz o que quiser comigo!
Ronrono aérea pelo prazer de ver seu sorriso ao me acarinhar da
maneira que só ele sabe. Não consigo pronunciar palavras, só gestos e
gemidos pelos beijos molhados no meu maxilar, pescoço e ombros. O
cheiro dele me faz entrar em um estado de torpor. A língua quente
serpenteando por cada pedacinho de pele até chegar no topo do seio
inchado que vaza por ele é alucinante. Ouço suas palavras e fecho minhas
pálpebras pela sensibilidade dos beijos.
— Ahhh, Selena! Bella… te amo tanto, desculpa... Queria segurar
para me libertar dentro de você, mas não vou aguentar. Perdona il tuo
uomo? (perdoa seu homem?)
Geme e lambe meu colo, cheirando e massageando meus seios com
cuidado, fazendo o leite escorrer. Mesmo enlouquecida pelas carícias, toco
sua face para que me olhe.
— Eu não me importo, amor, não importa mais nada a não ser estar
assim com você. Me ame, cuide de mim por favor. Preciso sentir, meu
viking.
Direciono seu rosto para meu seio pesado e dolorido, quando sinto
os lábios quentes ao redor do meu mamilo, circulando a língua e gemendo,
arqueio bruscamente meu corpo todo num choque de sensações. A descarga
elétrica reverbera se alastrando por minha pele me fazendo flutuar, o
formigamento começa desde a ponta do pé se espalhando feito pólvora.
Tiziano começa a me sugar gemendo baixo, certamente gozando
dentro da água pela intensidade das sugadas. Abraço seu corpo com minhas
pernas, sentindo o êxtase do clímax, ahh! Como senti falta disso! Ah! Meu
Deus! Ah! Dio! Sinto tudo formigando, não ouço nada, meu cérebro
sucumbiu a um prazer arrasador, espiralando pela coluna, me deixando
zonza.
— Ahhh, Tizi... Como... Como seeenti sua faa...aalta!
Gozo, gemendo e rebolando, estremecendo o corpo, agarrando seus
ombros e nuca, querendo, necessitando dele dentro de mim... buscando por
ele…
É um orgasmo intenso, explodo em um frenesi cálido pendendo a
cabeça para trás, sentindo o êxtase poderoso me envolver e me carregar
para outra sintonia.
— Ahhh... preci-so de você, preciso de nósss.. — Minha fala
gaguejada e sussurrada é como um mantra para o nosso momento.
Estou febril, meu corpo não acalma, pareço em transe porque meu
cérebro não obedece. Nunca senti nada parecido. Arrasto meu amado para
meus lábios, mas não consigo articular frases inteiras, não faço ideia porque
estou dessa maneira. Tudo está sensível, sinto vontade de chorar, de gritar
de euforia como uma maluca, sem compreender essa reação! O êxtase com
ele sempre me tira do ar, mas esse tempo separados me afetou em demasia,
agora que o tenho, não posso mais me afastar.
O beijo é embriagado e hipnotizado por tudo que sinto. Lágrimas
começam a brotar dos meus olhos pelo prazer intenso que acabamos de
compartilhar. Ele sente o molhado do meu rosto e questiona preocupado:
— Selena, ei... Você está bem?
Me agarro nele percebendo a emoção sem controle transbordando
pelo meu rosto em um pedido de mais carícias e amor.
— Não, Tizi. É só… saudade e a sensação de bem-estar com tudo
que nós somos, o orgasmo foi muito intenso.
Acaricio sua face e ele esfrega seu rosto em meus seios, beijando os
dois e lambendo com vontade. Sorrio toda molenga, porque o bico do seio
está sensível e faz transmissão em uma fisgada gostosa no meu clitóris.
— Me leva pra cama, por favor?
O pedido é porque sinto um frenesi que não acalma. Não queria
preocupá-lo, mas não sei o que é isso! Meu corpo nunca experimentou tanto
prazer e ferve ao toque. Com todo cuidado, meu amore me põe na cama e
tenta se afastar em busca da toalha.
— Não, por favor não me deixe sozinha aqui. Me abraça... só me
abrace agora.
Seu olhar tranquiliza, e assim ele obedece me envolvendo e se
deitando de lado na cama comigo ainda molhados.
— Por que está chorando, mia bella?
— Não sei, é tão bom voltar para você e...e me sentir amada. É
como estar completa e em um nirvana de prazer ao mesmo tempo.
Ele beija minha testa e meu rosto todo, esfregando o nariz em minha
pele, rosto e pescoço, sussurrando com voz rouca me acalmando.
— Shhh... Calma, estamos em casa. Vamos nos amar e matar essa
saudade.
— Peço desculpas, não entendo por que reagi dessa forma. Desde
que voltamos a nos relacionar, não consigo pensar na ideia de nos
separarmos, é assustador pensar em ficar sem você mais uma vez.
— É assim minha bella, que me sinto a todo momento que estou
perto, colado ou dentro de você. Prometo estar sempre ao seu lado onde
quer que você queira, é só pedir, não vamos mais nos afastar tantos dias.
Também não consigo mais ficar longe de você. Não consigo e não quero.
Ao sentir a proteção e tranquilidade dele, me acarinhando com seu
corpo grande e quente, me acalmo da euforia louca que me abalou há
pouco.
— Eu amo essa sensação de ter você e de nos entregarmos tanto até
a exaustão. É pecado eu querer você desse jeito tão intenso? — pergunto
encarando os olhos azuis brilhantes.
Ele sorri bem pertinho da minha boca e responde:
— Não amor, não é pecado. E se tivermos fé um no outro sempre,
isso pode ser único e especial até o fim das nossas vidas.
Acaricio seu rosto sentindo os braços me envolvendo e me
arrastando sobre seu corpo, me beijando, mordiscando meu queixo e
pescoço, descendo para o colo, suspirando e gemendo junto comigo. Me
arrumo de modo que ele possa me sugar, o que ele faz com vontade
segurando meu quadril. É tão gostoso que me esfrego rebolando sobre ele,
relaxo totalmente nas carícias molhadas. Eu amo isso, meu Deus!
— Ahhh, Tiziano, quero você agora, por favor. Preciso me sentir
preenchida e completa por você. Quero sentir você vindo em mim e me
enchendo com seu amor e prazer.
Ouço um grunhido baixo e muito sexy de tesão, então ele começa a
apalpar carinhosamente, fazendo movimentos para o seio jorrar em sua
boca. Seus lábios são delicados ao sugar, o ato de mamar é tão prazeroso
que perco um pouco a noção da realidade. Sinto Tizi me guiar lentamente
para encontrá-lo. Gemo alto quando a pontinha do pau macio e melado
entra em contato com meu sexo. Está quente e inchado, deslizando devagar
me fazendo abrir os olhos e encontrar os dele que me observa apaixonado,
com meu seio na boca.
Seu olhar me reverencia enquanto me sento lentamente para
acomodar seu comprimento todo, agarro seu cabelo na base da nuca
elevando seu rosto e encontro sua boca com a minha entreaberta, gemendo
e suspirando pela sensação grandiosa do momento.
— Ahh.... Tizianooo, me faça sua!
— Você me despedaça e junta num piscar de olhos quando pede
desse jeito.
Beijo seus lábios sorrindo, rebolando agora com ele inteiro dentro
de mim.
— Eu amo tomar totalmente o meu homem, você me faz completa,
meu Viking.
Tizi me devora segurando meus cabelos, estocando de encontro às
minhas sentadas. Deus do céu! Não vou durar nada em cima dele, daqui a
pouco vou explodir e amolecer inteira em seus braços. Quero essa
intensidade para o resto da vida.
CAPÍTULO 64

Ainda bem que consegui acalmá-la, sei exatamente o que houve na


banheira, foi um tipo de disforia pós-sexo. Nunca havia presenciado, mas
nos meus estudos sobre minha parafilia, li alguns artigos sobre esse tipo de
comportamento que às vezes pode ocorrer, decorrente de uma emoção
intensa. Choro ou ataque de riso, irritabilidade e desespero pós orgasmo são
acontecimentos relativamente normais. E agora a vendo relaxada e excitada,
me sinto tão aliviado.
Cazzo! E quando ela fala essas coisas me desarma totalmente, eu
não via a hora de ter meu amor em meus braços, senti meu corpo se acender
inteiro naquele aeroporto quando a beijei. Parece que estive morto esses
quatro dias e só ressurgi quando a vi.
Ela está rebolando toda apetitosa sobre mim, é surreal, seus toques e
palavras naturais tem o poder de me desestruturar.
— Repete, que sou seu homem, amoo...oooore mio, repete? —
gemo sem fôlego contra a pele sedosa.
Ouvir essas confissões enquanto fazemos amor me deixa maluco.
Abraço seu corpo todo, sentindo-o quente inteiro em meus braços, beijo sua
boca e desço ao pescoço, chupando no ritmo de seus movimentos sobre
mim. Selena manhosa gemendo em meu ouvido me arrepia completamente.
Quero absorvê-la e me fundir a ela para sempre.
— Você é... Ahhh Tiziaaano, você é.... Meu homem... É meu tudo.
Essas palavras cravam fundo em mim como uma tatuagem interna.
Meu sangue bombeia violentamente esquentando meu corpo inteiro. Sinto o
aperto brutal no pau quando o orgasmo a encontra a fazendo rebolar mais e
mais. Necessito sentir tudo, seus espasmos, seus gemidos, suas respirações
cortadas contra minha pele, e seu descontrole lindo, por isso envolvo meus
braços em suas costas a mantendo em meu peito. Minhas mãos adentram
seus cabelos puxando seu rosto para me encarar. Seus olhos verdes
nebulosos de prazer são maravilhosos, e eu sou o homem que proporcionou
isso. Porra, é incrível!
— Selena, amo sentir seu corpo quando goza, amor... Amo demais,
e seu lugar é aqui, em meus braços — aliso suas costas — seu lugar é aqui
em minha boca — tomo sua boca chupando um dos lábios entreabertos
pelos gemidos. — seu lugar é comigo aqui em nossa cama na nossa casa, e
meu lugar é dentro de você, me ouviu?
Ela abre os olhos se acalmando do êxtase intenso. Segura meu rosto
beijando meus lábios de olhos abertos.
— Eu ouvi, Tizi. Não há outra coisa que eu queira mais nessa vida
que viver com você, dormir, acordar e ser inteiramente sua a todo momento
que desejarmos. Ser seu vício e você o meu.
Giro com ela na cama ficando por cima, entre suas pernas ainda me
movimentando, ela as envolve em meu quadril me prendendo nela. A minha
pequena demonstra sua posse sobre meu corpo me deixando nas nuvens.
Ela acabou de verbalizar que quer morar comigo de forma definitiva. Estou
mesmo no céu!
A olho hipnotizado enquanto meto fundo, estoco com gosto e
saudade, gemendo e sentindo meu pau arder e formigar de tanto tesão.
Minha pele se arrepia quando suas mãos afagam meu rosto puxando
para perto do dela até tocar nossas testas em conexão. Respiramos sôfregos
e cansados e cada palavra não passa de um suspiro.
— Você é o homem da minha vida, Tiziano.
Entrelaço minhas mãos nas dela acima de sua cabeça, metendo
gostoso até o talo em sua boceta quente. Escorrego meu rosto no dela,
puxando o fôlego e sentindo o calor dessa declaração se espalhar por minha
coluna e lombar em forma de êxtase, sentindo as bolas comprimindo para
liberar.
— Ahh... cazzo!
Tento beijar, mas meu clímax está sob a pele e não consigo respirar.
Meu prazer se esvai violentamente dentro dela, pulsando e jorrando, meu
coração parece sair pela boca, consigo somente gemer contra seus lábios:
— Ahhh... Ti amo ... Ti amo ... Ti ammm ...oooh.. amore mio.
Meu último suspiro é olhando em seus olhos, vendo como eles
sorriem para mim. Ganho um beijo suave dos lábios que respiram
sorridentes e deito-me sobre seu corpo segurando meu peso, recuperando
meu fôlego aninhado em seu pescoço. Toco meu nariz em sua pele,
inspirando o cheiro de amor que é meu lar. Sentindo suas mãos em minhas
costas úmidas, em seguida ela toca meu rosto num afago manhoso em
minha barba e desliza os dedos numa carícia doce a qual sou apaixonado.
— Selena?
— Hum?
— Não sei o que é melhor, se é estar dentro de você, vendo-a se
desmanchar em prazer sobre mim, ou esse momento que você me acolhe
por inteiro.
Ouço sua risada tímida.
— Eu adoro as três coisas exatamente nessa ordem.
Sorrio ao cheirar sua pele e deslizo minha mão cobrindo um seio
inchado e corado pela minha boca em uma massagem gostosa, sentindo
molhar pela doçura de seu leite.
— E qual a terceira que você adora, minha preciosa?
Ergo meu olhar para o dela passando a língua por meus lábios.
— Adoro quando você chupa meus seios, me leva ao céu com essa
boca dos deuses.
Seus olhos brilham sorrindo e meu peito se expande.
— Pode fazer isso agora, meu viking?
Inclino, sorrindo e beijando seus lábios sussurrando:
— Como pode ser tão perfeita assim, mia bella?
Ela ri e se arruma no travesseiro para ser sugada. Desço distribuindo
beijos molhados até chegar no meu néctar e entrar no paraíso. Sugo
massageando e drenando totalmente seus seios. Fecho meus olhos sentindo
tudo dela, seu cheiro, sua textura e seu gosto de sonho. Seus afagos em meu
rosto me deixam totalmente pronto novamente, ao ouvir seu ronronar
melodioso apreciando. Selena é meu lar, a calmaria para a minha
tempestade.
— Quando você suga, sinto coisas.
Estico um pouco o mamilo e mordisco de leve.
— Hum... será que temos tempo para aquela massagem na banheira
antes do jantar?
Me afasto do seio e subo mirando seu olhar luxurioso como o meu,
adoro que ela se excite com a mamada. Selena é tão transparente nos sinais
e eu amo isso. Deslizo a mão no vale dos seios ouvindo sua voz doce. Não
sei o que ela planeja, mas essa carinha maliciosa nunca vi.
— Esse sorriso sapeca é novidade — falo vendo-a sorrir mais. —
Seu sorriso me deixa rendido, bella
— Meu sorriso é de felicidade — diz ela ao se afastar da cama. —
Vou preparar e trocar a água da banheira, se puder pegar um pacote no
compartimento lateral da minha maleta, por favor? Trouxe alguns óleos de
massagens novos, os meus tinham acabado, não posso ficar sem eles.
Ainda fico deitado vendo Selena circular pelo quarto ao apanhar o
prendedor para prender o cabelo no alto. Ela prende calmamente e observo
minha porra escorrendo pelas pernas. Lambo os lábios já endurecendo outra
vez. Quando olha na direção da cama, me vê a admirando e seu rosto
avermelha envergonhada. Caminha nua com sua bunda redondinha
maravilhosa, enquanto a acompanho com interesse apoiando a cabeça no
braço. Meu olhar é intenso e sem pudor, passeio pelo seu corpo nu e
gostoso, aliso meu pau e a vejo acompanhar o gesto com o olhar. Ela é uma
doçura, porque ainda fica tímida e eu amo essa faceta dela. Envergonhada
com minha atitude descarada, entra e some na água morna.
Levanto-me e pego o pacote com os frascos de óleo, acomodo-me
dentro da banheira atrás do seu corpo me encaixando nela. Sob suas
instruções, apanho o frasco de tampa lilás e pingo nas mãos, iniciando a
massagem nos seus ombros.
— Adoro te ver nua, seu corpo é maravilhoso, é o mais lindo que já
admirei. Andando corada com minhas marcas, me faz sentir incrível. Não
fique tímida para mim, um dia quero ver você se dando prazer, ali na nossa
cama, nua com esses lindos cabelos soltos.
— É uma fantasia?
— É, sonhei algumas vezes — confirmo rindo enquanto a afago
lentamente.
Ela recebe meus beijos carinhosos em seu pescoço, manhosa.
— Adoro o perfume desse óleo — falo alisando a pele sedosa.
— É lavanda.
— Eu sei, é seu cheiro único, então descobri o segredo.
— Sim, uso esse óleo há anos. A primeira vez que visitei sua irmã,
nonna me deu uma caixinha com vários vidrinhos de essências. Havia
aromas maravilhosos, como Jasmim, madressilva e outros que não consigo
mais lembrar. Porém, quando destampei o frasco desse, simplesmente não
queria mais parar de inspirar esse perfume. Era como se ele sempre tivesse
sido meu e eu não soubesse disso até aquele momento. É estranho admitir
isso, nunca compartilhei com ninguém. Por isso, solicitei a um profissional
que, a partir da amostra, criasse a essência para mim, sinto que esse cheiro é
meu. — Fico aliviado por estar às suas costas e não demonstrar minha
emoção. Ela vai me achar um molenga daqui uns dias se eu continuar
assim.
Selena sempre foi feita para mim. A minha pequena é o meu
presente perfeito. A mulher que me amaria de todo o coração. Me concentro
em sua fala e disperso minhas lembranças por agora.
— Fui nessa casa de aromaterapia que eu frequentava na Espanha, e
trouxe uma boa quantidade do óleo essencial que encomendei.
— Lavanda sei que ajuda a relaxar, promove o bem-estar e acalma
os nervos tensos — respondo fazendo pressão nos ombros e pescoço, a
deixando mole se apoiando em meu peito.
— Sim, melhora a circulação sanguínea, alivia as dores do corpo
quando massageado, e uma vez uma moça falou que controla a ansiedade e
a depressão. Eu fazia sessões constantes quando morava lá e adorava.
— Vou contratar a melhor profissional da região para atender minha
mulher em casa — sorrio orgulhoso, Selena morando aqui, puta merda!
Minhas mãos são lambuzadas mais uma vez e pouso em seus seios
agarrando com vontade, massageando possessivo. Eles se encaixam tão
bem nas minhas mãos, foram desenhados para mim. Perfeitos, macios,
firmes e redondinhos, cazzo! Começo a respirar irregular em seu pescoço, e
sinto a fisgada quando meus dedos apertam delicadamente seus mamilos.
Deus! Eu amo esses peitos, ficaria horas mamando e gozando com eles em
minha boca. Ela sente minha dureza pulsando e cutucando a bunda gostosa.
Se remexe gostoso ronronando gemidos baixos.
— Aiii... ai...Como está booom! — diz ela com voz chorosa.
— Está gostoso, bella?
Espalmo os dois seios, e ela gira o rosto em direção aos beijos em
seu pescoço, os tomando para os lábios. Me morde e chupa, e correspondo a
intensidade. Aperto-os com vontade, ahh!
— Ti ... zii! — murmura ela contra mim.
Lambo marotamente o superior gordinho e respondo:
— Hum?
— Esse óleo tem propriedades anestésicas, sabia?
Sorrio e continuo.
— Sei sim, minha pequena.
Selena toca meu rosto e minha barba com
carinho, mas as bochechas ficam vermelhinhas.
— O que você quer que a deixou envergonhada para pedir?
— Eu não sei, tenho medo da dor, você sabe. Mas...
— Mas? Diga, onde você quer meu pau, minha safadinha!
Aciono o controle e faço a água baixar. Ergo mia ragazza e a
acomodo sentada em meu abdômen, os peitos na minha cara, mas aguardo o
momento certo para tomá-los.
— Quero mostrar como comigo nunca mais vai sentir dor,
principessa.
Acaricio sua bunda, enquanto meus lábios tomam os dela numa
emoção devoradora, buscando sua língua, explorando como se não a visse
há séculos. Termino o beijo deslizando meu rosto, e começo a morder seu
maxilar até chegar na orelha.
— Quero ser totalmente sua, me ensina como fazer?
Cazzo! Essa mulher vai me matar. Não consigo nem articular
palavras corretamente.
Pego o frasco de óleo e espirro em suas costas, massageando e
lambuzando até escorrer para dentro da fenda da bunda. Abro as nádegas e
acaricio com os dedos melando tudo.
— Oh! — Selena arfa e puxa meus cabelos para olhar seu rosto em
êxtase, enquanto aliso o buraquinho e começo a sugar.
Numa jogada de quadril encaixo o pau na bocetinha e Selena geme
alto!
— Diooo!
Enfio o dedo e sinto as pregas sugando para dentro dela.
— Tá gostoso?
Ela não consegue falar, só me empurra para o seio rebolando em
delírio. Coloco mais um dedo e Selena se desmancha no meu pau, gozando
em espasmos e squirt. Meu corpo pega fogo, o pau bombando a ponto de
gozar, os pulsos da boceta ordenhando em seu orgasmo avassalador. Mas
não quero terminar agora.
— Fico maluco, Selena... com você tão disposta a sentir prazer
comigo desse jeito insaciável.
Fodo seu cu com os dedos enquanto estoco com movimentos
rápidos na bocetinha.
— Ahhh...! Quero você o tempo todo, Tiziano, eu não sei como,
mas é assim — geme em minha boca e começa a rebolar mais.
— Você quer provar meu pau aqui, Selena? Quer sentir como é
gostoso? — pergunto enquanto sinto o calor do cuzinho recebendo meus
dedos.
Meu amor deixa escapar um risinho mordendo o lábio. Selena
desperta em mim o instinto primal de homem das cavernas.
— Sim, por fa...vor...ahhh...quero, quero você...Tizi... Quero sentir
seu pau inteirinho no lugar dos dedos.
Ah cazzo! Sinto a porra prestes a jorrar e o coração trepidando em
meu peito. Deus do céu! Adoro ela desesperada por mim, como sou louco
por ela.
Dou-lhe um beijo arrastado e fixo meu olhar dentro de seus olhos
nublados de luxúria.
— Quero encher esse cuzinho com minha porra, te fazer esquecer
tudo e só lembrar de mim te amando com tudo o que eu sou.
— Quando ele entrar, vai acabar com esse calor que sinto? —
pergunta baixinho no meu ouvido.
É uma doçura essa minha preciosa.
— Vai ser ainda melhor.
Tiro os dedos, espirro óleo no meu pau e coloco na entrada
preparada. Ao sentir a cabeça entrar, minhas pernas estremecem e jogo a
cabeça para trás. Ela aproveita para deixar um chupão no meu pescoço e me
provocar.
— Ohh! Quero sentir você! Põe ele todo, põe...
Puta merda! O cu vai engolindo aos poucos, sugando meu pau e
chupando pra dentro. Ahhhh! É quente e apertado demais.
— Amoooore... Você comanda a partir de agora. Você é a dona
desse pau, me toma bella, me engoleeee, sou maluco para sentir seu fogo
me queimando.
Ela empurra sentando lentamente ronronando manhosa, fazendo
meu cazzo inchar ainda mais dentro dela. Esticada no limite, mas adorando
com um risinho sensual nos lábios. Meu fôlego se vai ao admirar sua
entrega.
Abro a bunda para me receber inteiro, a fim de sentir a pressão do
cuzinho guloso engolindo centímetro a centímetro. Minha deusa geme de
uma forma dolorosa e sinto seu corpo trincar, apertando minha carne
extraindo arrepios e gemidos roucos.
— Ahhhh! Mulher gostosa da porra! E é toda minha!
Quando entra todo, quase perco a consciência com o aperto de aço.
Parece que está mastigando meu pau em veludo quente. Ah cazzo! Ela
começa a rebolar lentamente, subindo e descendo, arranhando minha nuca.
Não vou aguentar muito tempo. Esfrego meu rosto em seu pescoço e falo
em sua orelha gemendo em sussurros.
— Sinta como é gostoso. Como você é a dona dele.
Meto mais um pouco em um vai vem delirante para nós dois. O
cuzinho a cada arremetida, o chupa tão intensamente, quente e delicioso que
trinco os dentes para não meter com muita força. Ela arranha meus ombros
gemendo cada vez mais alto.
— Tizi, isso é... é… boooom demais.!
Suas mãos agarram meu cabelo falando que meu pau é gostoso e é
dela. É demais pro meu controle essa mulher. Aqui na banheira seca, sinto
meu suor na testa em um prazer desesperador.
— Oh! Céus! — ela arfa.
Conheço os sinais da minha pequena, mas esse será um gozo
tremendo! Sinto que ela está perto, porque seus gemidos aumentam e a
bocetinha começa a encharcar molhando minha virilha.
— Ahhh! Você é meu vício, bella.
— Vou gozar, Tiziano, está tão perto.
É torturante para mim, tô quase explodindo de tanto tesão. Então
massageio pressionando em círculos meu polegar em seu clitóris e enfio só
as pontinhas de dois dedos na sua entrada molhada. Faço um vai e vem bem
lento e delicado, cadenciado com as estocadas na bunda.
— Goza bella, esfola esse cazzo que é só seu!
Ela alcança a minha outra mão e chupa meu polegar de olhos
fechados, rebolando alucinada. Fico hipnotizado vendo seu rosto em êxtase.
Quando abre os olhos é meu fim, agarra meu rosto entre as mãos e devora
meus lábios com uma propriedade sem igual. Esse jeitinho é de tirar
qualquer juízo que ainda possuo. Quando começa a gozar, Selena apoia a
cabeça no meu ombro em um grito rouco e alucinado de prazer.
Meus dedos são mastigados com fúria pelo calor dos pulsos da
boceta apertada. Seu corpo estremece em espasmos incendiando sobre mim,
nesse momento me perco em abandono de prazer. Não me limito e fodo
sem parar ao ver ela sorrir manhosa em meio aos gemidos. Ouço a voz
chorosa que faz minha respiração tornar-se rápida e ofegante, minha voz
falha gemendo, soando pela acústica do banheiro.
— Goza, meu Viking, ... Ahh quero sentir o prazer do meu homem
me invadiiiir .... querooo… tudo…
Ela segura meu rosto contra o seio gemendo.
— Sou suaa… continue, meu amor — fala ela ofegante.
Sinto o tesão tomar conta de mim e minhas metidas vagarosas e
delirantes serem tomadas por seu rebolar erótico e hipnotizante. Ela está
amando isso. E quer mais. A enlaço possessivo e mamo seu seio com gosto
me deliciando com a doçura do seu leite. Aperto seu mamilo entre os lábios,
ouvindo Selena gemer alto.
— Te amo, pequena. Você me estragou, Selena! Me estragou para
uma vida sem você! Ahhh…Cazzo! Amore você está acabando comigo...
Seu rebolado ensandecido no meu caralho é de perder totalmente o
juízo. Seguro sua bunda ajudando a descer e subir com gosto, começo a
meter rápido e com vontade. Ela me olha de lado apoiada em meu peito,
ofegante e rebolando, recebendo todo meu pau em seu cu apertado que é
um sonho, como toda ela é um sonho doce. Ela lambe meu rosto e
choraminga:
— Agora Tiziano! Goze para sua mulher agora! Goze pra mim!
Nesse momento esqueço tudo! Tudo! É só eu, ela e nossa entrega.
As contrações do orgasmo travam meu pau inteiro dentro da bunda em uma
pressão esmagadora e ela grita se desmanchando sobre mim. A visão mais
linda do planeta, a face corada e sua boca entreaberta com os lábios bem
corados e os olhos dilatados de prazer.
Um urro animalesco sai de minha garganta em um som gutural ao
sentir minha alma saindo pelo meu pau, tremendo, jorrando e gritando seu
nome, liberando tudo de mim. A visão escurece por alguns segundos e a
vibração no meu corpo é intensa.
— SELENA!!! Ahhhh...
A porra não para de jorrar rasgando de prazer a minha extensão,
dessa vez sinto meu peito soltar todo o ar quando termina. Molhado de suor
e ofegante, amoleço o corpo na banheira. Nunca gozei tanto e de maneira
tão avassaladora. Ficamos imóveis por alguns instantes, agarrados,
respirando com dificuldade, tiro o pau exausto e a acomodo melhor no meu
colo.
Pouso muitos beijos carinhosos desde o pescoço até sua boca,
seguro firme sua nuca guiando como quero e ela permite ser dominada
pelos meus lábios por longos minutos. Selena está molinha e cansada, se
esfregando em minha barba e pescoço como uma gata lânguida, sorrindo
até se aninhar em mim. Aperto o controle dos jatos mornos, enquanto enche
a banheira outra vez. Seus beijos doces acompanham o significado de suas
palavras.
— Agora todos os meus pedaços quebrados são seus, meu Viking.
Tudo que sou, eu entreguei e você me curou.
Me derreto emocionado, sentindo onde pertenço. Eu pertenço a essa
mulher. Ao seu coração, alma e corpo, tomo sua boca em um beijo
demorado, fechando os braços ao seu redor.
— E tudo o que eu sou é seu, minha preciosa.
Ficamos parados com nossas testas e narizes grudados, sentindo
essa conexão que é só nossa.
— Agora, vamos conversar. Quero saber todos os detalhes do que
me contou nas chamadas de vídeo. Tudinho.
Meu sorriso fraco é por reconhecer que meu amor me conhece como
ninguém. E a única pessoa com quem eu quero desabafar é com ela.
CAPÍTULO 65

Depois de contar tudo a mia ragazza, sobre os acontecimentos da


sua ausência, nos emocionamos bastante com as revelações sobre o meu
passado. Selena me fez prometer que irei conversar com meu pai antes de
viajar, além disso, tenho mais uma sessão de regressão com o Dr. Jacques
amanhã. Já faz duas semanas que ela trouxe as coisas dela definitivamente
para cá, e hoje ela anda preocupada com uma ligação que recebeu ontem do
pai. Não sei o que conversaram, mas pelo rosto apreensivo é sobre nós.
Insisti que quero conversar com ele, mas ela pediu para esperar.
Terminei há pouco uma reunião por videoconferência no escritório e
a governanta avisou que Lázio está na sala me aguardando. O que será que
aconteceu?
Apresso-me até onde ele está. Seu semblante neutro não demonstra
nada.
— Aconteceu alguma coisa, Lázio?
— A patroa está?
— Deve estar no novo estúdio que transformei para ela trabalhar,
por quê?
— Ela me ligou mais cedo e me deu uma lista da farmácia para
buscar, está aqui. Só queria entregar.
— Estranho, Teodoro não está a postos? Não me importo que ela te
use, mas não é do feitio dela fazer isso.
— Talvez ela queira manter sigilo das suas compras. Não sei,
desculpe a opinião.
Seu olhar baixo e submisso não revela mais nada.
— Ok, Lázio, obrigado. Eu mesmo entrego o pacote.
Vou em direção ao estúdio e ela não está lá. Chamo seu nome pela
casa e ela me responde do quarto. Ao entrar a vejo nervosa andando
descalça sobre o tapete.
— Oi, Lázio deixou isso comigo lá na frente. — Entrego o pacote
que ela quase arranca da minha mão.
— Pode aguardar aqui? Preciso fazer uma coisa no banheiro e quero
falar com você depois.
— Claro. — Antes que ela saia do tapete, pego seus chinelos e os
calço. — Nada de pés descalços no mármore frio, amore mio.
— Obrigada. — Seu rosto apreensivo me deixa preocupado.
Sento-me na cama e aguardo uns bons minutos com o coração
batendo forte.
— Tá tudo bem aí, Selena? — aliso minhas calças nervoso. Será que
é o que estou pensando?
— Tá, pode entrar!
Ao fazer isso me deparo com três testes de gravidez sobre a bancada
e Selena abraçando a si mesma sentada no pufe diante do espelho. Seu olhar
emocionado e apavorado me faz querer protegê-la do mundo. Está
acontecendo, serei pai, meu Deus! Obrigado por essa benção! Agacho-me
entre suas pernas e ela abraça se aconchegando em busca de carinho.
— Amore mio, deu positivo?
— Sim Tizi. Eu tô.... Feliz.... Muito, mas tô com medo.
Beijo sua testa e seco suas lágrimas. Ergo mia ragazza no colo e a
levo para o quarto.
— Eu vou ser pai? Vamos ter nossos bebês juntos, não precisa ter
medo. — Sentados na poltrona de leitura seu rosto é pura aflição.
— E se eles forem como eu? Se tiverem os meus transtornos? O que
vamos fazer? A preocupação é plausível, mas não posso deixá-la apreensiva
e preocupada. Darei total apoio e assistência e minha família vai superar
qualquer coisa.
— Nós vamos criá-los com todo nosso amor. E eles serão as
crianças mais amadas desse mundo. — Afago seu rosto choroso e beijo seus
lábios.
— Obrigado por esse presente — Coloco a mão em seu ventre e ela
pousa a dela sobre a minha.
Consigo tirar um sorriso em meio as suas lágrimas.
— Preciso conversar com seu pai e agilizar nosso casamento —
ressalto ao abraçá-la junto a mim.
Selena amplia o olhar e comprime os lábios.
— Ele já sabe que você está morando aqui, né?
— Teodoro contou.
— Por isso você pediu ao meu chefe de segurança para comprar os
testes?
— Quero uns dias para contar a ele sobre a gravidez. Não sei como
meu pai vai reagir à notícia.
Aliso seu rosto e seco as últimas lágrimas que derramou.
— Preciso falar com ele, amore. Ele tem que entender que vamos
nos casar e criar nossa família.
— Eu sei. — Somos interrompidos pelo som do meu celular.
Ao ver que é Jessica em uma chamada de vídeo, mostro a tela para
Selena e atendo de pronto.
— Oi irmão! Desculpe não entrar em contato antes, estou em uma
praia particular e aqui o sinal é péssimo.
Seu rosto corado de sol e as roupas de praia confirmam seu
paradeiro. Nos ligamos uma vez depois que descobrimos que não somos
irmãos de verdade, mas foi só pra confirmar que esse detalhe físico não
importa. Somos irmãos de qualquer maneira.
— Que bom que ligou, temos novidades. — viro a tela para mia
ragazza que se esforça para disfarçar o rosto corado de choro.
— Oi Jess!
— Selena? Por que está chorando? — É imediata a preocupação de
Jess. — Tiziano fez algo que te magoou?
— Não, é só emoção, acabei de descobrir que estou grávida!
— Grávida? — minha irmã se surpreende ao arregalar os olhos e
desvia para alguém ao seu lado que não aparece na tela.
— Quem tá aí com você, Jess? É Olívia?
— Não. Não tem ninguém, é impressão sua. — disfarça, mas não
me deixa tranquilo ao voltar o foco para Selena.
— Seu pai já sabe? — Jess sempre foi preocupada com a amiga, no
entanto percebo uma aflição diferente em sua voz.
— Não! Estamos um pouco distantes desde o dia que ele descobriu
que estou morando com seu irmão.
Vejo Jess engolir algo como um nó de apreensão talvez, ela anda
estranha desde que descobriu a verdadeira paternidade. Abatida, nervosa e
não sorri mais daquele jeito leve de antes
— O que ele disse?, quer dizer, por que seu pai está implicando com
isso?
— Sabe como ele é tradicional.
— Sim, é verdade. Sugiro vocês darem um tempinho para ele se
acostumar com a ideia e depois falar sobre a gravidez.
Muito estranho minha irmã tão pragmática sugerir esse tipo de
adiamento em um assunto tão sério.
— Vocês não iam viajar?
— Sim, nós vamos — respondo — Mas tenho um último
compromisso inadiável amanhã à tarde.
— Por que não nos encontramos nessa viagem? É só me avisar o
lugar irmão, se pretendem descer para o sul, nos vemos no meio do
caminho.
— É uma boa ideia.
— Vocês têm que sair pra comemorar hoje, relaxar, curtir o
momento, ir nessa viagem, depois sim com a cabeça despreocupada ligar
para Sr. Mário.
— É, acho que você tem razão — concorda mia bella.
— Sempre tenho razão, bionda!
Jess se despede, no entanto algo nessa conversa não soou bem aos
meus ouvidos. Tem alguma coisa fora do meu conhecimento. Pelo menos
essa conversa entre amigas deixou Selena um pouco mais calma e relaxada.
— O que acha de uma comemoração prévia agora na nossa
banheira? — convida, tirando um sorriso gigante de mim.
— Nem precisa convidar uma segunda vez. — Carrego minha
amada para o banheiro, deixando as preocupações de lado.
Saímos essa noite em um programa diferente de comemoração.
Vamos para uma boate requintada e muito exclusiva aqui no continente,
nunca fizemos um programa desses como casal. Estou empolgada porque
Melinda e Mirko vieram conosco e nunca tive algo tão íntimo com amigos e
uma diversão com meu Tizi.
Decidimos vir de motocicleta para encontrar com eles aqui. Tiziano
está animado com tudo que está acontecendo e eufórico com a notícia da
gravidez. Sei que o que estamos construindo é sólido e forte, temos a
consciência que não vamos nos separar por nada, mas precisei contar meus
medos a ele. Não quero que nada de ruim aconteça com meus filhos, Dio! E
serão gêmeos! Porque meu marido sonhou com eles, que loucura!
Entramos no clube por uma porta vip na lateral, Mirko e Mel aos
sorrisos por algo que ele disse em seu ouvido. Nossos amigos são muito
apaixonados nas demonstrações de afeto.
Uau! Que casa noturna diferente! Estou impressionada com o alto
luxo do clube. Sempre frequentei ambientes luxuosos, porém nunca fui
apresentada a um lugar como esse. Nunca fui adepta de danceterias.
Quando vivia na Espanha, saía para dançar com Jess e os amigos da
galeria, buscando diversidade de experiências. Mas, meu coração inclinava-
se mais para jantares do que para as luzes das boates. Embora não seja meu
cenário predileto, ao lado dele, tudo se transformava em momentos
agradáveis.
Escolhemos um camarote próximo à saída para o toalete, onde a
beleza se revela em detalhes dourados que permeiam todo o espaço.
Poltronas individuais de veludo em tons escuros adornam cada mesa,
criando uma atmosfera de elegância. O domínio do preto e vinho na
decoração confere uma sofisticação única. Com a iluminação baixa, o
ambiente assume um ar misterioso, por vezes quente demais. Garçons e
barmens, elegantemente vestidos com máscaras e black tie, movem-se
habilmente pelo salão.
Em palcos solitários, algumas moças dançam como se fossem
inalcançáveis objetos de decoração, elevadas como gaiolas bem no alto. O
som ambiente envolvente traz conforto e sensualidade, criando uma
atmosfera convidativa e relaxante.
Enquanto observo os frequentadores, mesmo sem reconhecer seus
rostos, percebo o requinte em suas vestimentas. Este local é reservado para
um público especial, como o meu namorado – CEOs e milionários que
procuram o anonimato para desfrutar de momentos divertidos e relaxantes.
Enquanto absorvo a decoração, um casal oriental se aproxima para
cumprimentar, conhecidos de Mirko e Tizi.
Na nossa ala, eles trocam algumas palavras conosco. A mesa é
circundada por uma poltrona gigante, espaçosa o suficiente para abrigar
confortavelmente uns cinco casais.
Olho Melinda ao lado do esposo exalando a beleza clássica de uma
lady. Seu cabelo escuro desliza em ondas graciosas até a cintura, destacando
sua elegância. Vestida com um deslumbrante vestido dourado, sua presença
chama a atenção. Observo-a com admiração, ao sentar-se, sua postura
revela a graça de uma bailarina. Curiosamente, compartilhamos uma
história de infância ligada ao balé, ambas fizemos aulas, mas eu optei por
não continuar. No entanto, Melinda, ao contrário, conquistou um lugar em
uma companhia importante.
Surpreendentemente, ela recusou a oferta, priorizando seu amor por
Mirko sobre a paixão pela dança, conforme ela mesma revelou.
O amigo do meu namorado é fascinado pela esposa. Apesar de
aparentar ser mais velho, Mirko compartilha a mesma idade que Tizi. A
barba escura, combinando com seu cabelo, esconde uma pitada de ruivo
quando a luz incide. Conhecem-se desde a escola, e a história das barbas
começou como uma aposta na juventude, persistindo como parte de suas
identidades ao longo do tempo.
As mãos de Tiziano constantemente buscam o toque, mostrando a
apreciação pelo meu vestido de cetim rosa, que realça minha pele
levemente bronzeada. Com tiras finas e as costas nuas, a peça é a escolha
perfeita para o calor intenso. O decote sutil destaca meus seios, capturando
a atenção de Tiziano, que admira meu visual de maneira possessiva. Ao
entrarmos, suas mãos continuam firmemente entrelaçadas nas minhas,
guiando-me a cada passo.
Em público, caminhar ao lado dele é sempre um espetáculo. Ele me
proporciona a sensação de pertencimento que sempre busquei, tornando-me
exclusivamente dele diante dos outros. Agora, tenho minha própria família:
meu viking e nossos preciosos bebês.
Sentados à mesa, dentro do aconchego do box de vidro, ele solicita
um drink suave sem álcool para mim, enquanto eles apreciam whiskys
robustos e costumam beber. Continuamos a namorar, imersos no agradável
som ambiente, curtindo as conversas tranquilas sobre nossos planos.
Em meio a esta nova fase da nossa vida, a felicidade transborda de
tal forma que mal parece que nos unimos há pouco tempo. Recordo como
se fosse ontem quando ele abriu a porta do seu apartamento. Num ímpeto,
me entreguei de corpo e alma aos seus braços. Beijos trocados e lá estava
eu, sendo amada pelo homem que, entre lágrimas, afirmava ser tudo um
sonho. Agora, me flagro sorrindo, agradecendo por tudo ter terminado bem.
De tempos em tempos, interrompemos nossa conversa para saudar
casais que conhecem meu amado. Empresários também se aproximam para
cumprimentá-lo, e Tizi, sempre diplomático e respeitoso, os atende com
carinho e gentileza. Com orgulho, me apresenta como 'minha mulher' a
todos que têm a coragem de se aproximar. Em um instante oportuno, nossos
amigos anunciam que vão ao toalete, e Mirko, atencioso, acompanha sua
esposa, um gesto que ela aprecia com um sorriso sincero.
— Está gostando, amore mio?
Pergunta Tizi no meu ouvido, me fazendo arrepiar com seu hálito
quente.
— Estou, nunca frequentei um lugar como esse, parece ser algo
proibido. Ele ri alto e me dá um selinho rápido, seus olhos brilham de
satisfação pelo clima e pelo álcool.
Mas é então que ouço uma voz conhecida que me gela os ossos.
Levo um choque que me paralisa, quando o homem sorridente entra
pomposo no camarote.
CAPÍTULO 66

— Olá, peço licença para cumprimentar o senhor DiMateo. Há


quanto tempo? — cumprimenta Pietro com sua falsa simpatia.
Sinto a tensão no corpo do meu namorado quando ele me abraça
possessivo e protetor. Vejo dois guardas particulares de Pietro parados do
lado de fora do camarote.
— O famoso dono das montadoras de motos mais exclusivas da
Europa, anda sumido dos eventos sociais, agora entendi o motivo.
Meu Deus! Estou suando frio! Meus dedos formigam. Respiro
longamente, não vou ter uma crise, aqui não.
— O que deseja, deputado? — Meu coração quase sai pela boca
ao ouvir a acidez com que Tizi estabelece a dinâmica da conversa.
Meu amor, quando se vira em minha direção percebe minha palidez,
pois não sinto meu sangue bombear. O abusador me olha com seu sorriso
canalha e se aproxima para beijar minha face, mas meu homem protetor não
permite, estendendo a mão, impedindo o outro de dar o último passo.
— Não tente esse tipo de intimidade com minha mulher, Albenacci.
Ele solta uma risada nervosa dando um passo para trás e senta-se na
poltrona, cruzando a perna tentando parecer à vontade no camarote. Mas
conheço o jeito que roda o anel no dedo mindinho, está nervoso.
— Achei que em nome dos velhos tempos seria uma indelicadeza
não cumprimentar Selena. — Aperto a perna de Tizi numa demonstração da
minha apreensão. — Desculpe senhor DiMateo, ela e eu fomos namorados,
não sei se lembra disso.
— Sei de tudo sobre o tipo de relação que tiveram!
Ele faz um aceno, mas sua cara debochada me diz que vai ser um
desastre essa visita.
— Uísque? — faz sinal para um garçom e mostra a garrafa. — O
que houve com o vinho rosê, Selena? Não curte mais? Ou só preferia a
bebida na minha adega?
— Não precisa se incomodar, nós não vamos mais beber —
responde Tizi calmo e neutro, tentando espantá-lo — Estamos de saída. —
Ele pousa sua mão sobre a minha e sinto o tremor.
O garçom chega e troca à garrafa pela que ele pediu. Pietro serve
um copo e vira num gole, visivelmente alterado.
— O que é isso, Tiziano? Apenas uma cortesia, afinal Selena agora
é namorada do CEO mais famoso da Europa. Já levou ela no clube? Ops!
Perdoem-me, esqueci que é secreto — ouço um rosnado feroz baixo e vejo
meu namorado falar entre os dentes.
— Saia agora!!!
Pietro ri alto e Tiziano aperta minha mão tentando me acalmar. O
desgraçado faz um barulho com a boca daqueles que denota negativa e
descontentamento, um traquejo com a língua que conheço bem quando
estava nervoso.
— Por favor, a garrafa acabou de chegar, pretendo brindar com
vocês, afinal a putinha herdeira finalmente encontrou a pica de milhões.
Não é, tesoro?
— Pietro, por favor — falo pela primeira vez tentando dissuadi-lo
do que quer que seja a intenção dele. Ele ri mais divertido da minha agonia.
— Ah Selena, Selena! Contou para o seu ... namorado sobre as
brincadeiras que você gosta? Hum?
Sinto o corpo de meu amor todo tenso, a maneira que alinha a barba
me diz que ele vai explodir a qualquer momento.
— Sabe, Selena — vira outro copo em um gole — eu estava
disposto a dar a você a vida de luxo que desejava, era só falar. Tenho muita
grana, você sabe, até mais que esse aí. Ah, desculpe, talvez ser esposa de
um deputado é muito para você.
— Retire-se do meu camarote! — retruca Tiziano.
Pietro ri muito histérico.
— E o que vai fazer? Agredir um homem do parlamento? Já pensou
nas manchetes de amanhã? Não, você não vai fazer isso. Bem, espero que
tenha preparo físico pra dar conta dessa loirinha. Ela é insaciável, é uma
pena não termos ficado juntos, era muito obediente, não era, Selena? É uma
vadiazinha gulosa, quando mama um caralho, até não engolir o último
resquício de porra ela não se satisfaz.
— Está arrumando uma merda para você sem precedentes, seu
escroto! Cala a porra dessa boca nojenta e pare de falar da minha mulher ou
eu acabo com essa cara deslavada, seu figlio di un cane! — rosna Tizi entre
dentes. O sorriso debochado aumenta, e Pietro solta o copo na mesa.
— Seria engraçado amanhã uma manchete nos tabloides:
‘‘Tiziano DiMateo, o CEO mais famoso da Europa, apanha para
defender a namorada puta, porque não admite descobrir que ela é mais
rodada que o pneu das próprias motocicletas que monta.’’ — ele gargalha
muito desnorteado. — Não seria hilário? — ele fecha a cara tresloucado. —
Vocês dois se merecem, a piranha que paga de santinha, mas escolhe as
rolas premiadas, e o otário milionário que gosta de acreditar só para exibir a
Barbie mascote.
— Vou calar essa boca podre, pra você nunca mais pronunciar
sequer o nome da minha noiva! — Tizi se levanta.
— Ora, ora, o daddy está nervosinho! Por que não vem calar você
mesmo, seu frouxo? Era por isso então que ela terminou comigo, precisava
colocar em prática seu plano de caça ao bilionário. — Ele me olha e aperta
o maxilar, vejo ódio nas feições e um arrepio corre minha espinha.
— O que está acontecendo aqui? — Mirko e Melinda retornam e o
deputado com falsa inocência os cumprimenta muito galante.
— Eu já estava de saída, vim apenas saudar o belo casal.
Pietro sai do jeito que entrou, rápido e discreto. Solto todo o ar dos
pulmões e quase desmaio na poltrona. Mel me ampara enquanto Tizi anda
de um lado para outro dentro do cubículo vidrado.
— Eu podia acabar com aquele bastardo, Mirko! Estava a ponto de
quebrar a cara dele! — pragueja meu viking alterado.
— Ainda bem que não o fez, já pensou na repercussão de machucar
o deputado? Seria como arrastar seu nome na lama, era esse o objetivo dele,
você não percebe?
Não consigo segurar o choro, Tiziano se aproxima me abraçando.
— Calma, amore mio, pensa nos nossos filhos. Ele já foi e eu não
deixaria que tocasse um dedo em você.
Mel se afasta, pede ao garçom uma garrafinha d’água e volta
fazendo com que eu beba pequenos goles.
— Vamos sair pela lateral e iremos para casa agora, fique calma.
Tiziano me abraça protetor. Não consigo dizer uma palavra sequer,
tentando a todo custo me acalmar até chegarmos na moto. Paro de chorar
quando vejo seu rosto decepcionado e me sinto ainda mais culpada por ter
me envolvido com uma pessoa como Pietro. Eu o abraço apertado ainda
fungando.
— Você dispensou os seguranças essa noite? — pergunto para
iniciar uma conversa.
— Não. Eles estão ali em frente nos aguardando para seguir nossa
moto.
— Desculpe, Tizi. Não queria que meu passado entrasse em nossa
relação assim. Foi um erro gigantesco.
Ele segura meu rosto nas mãos, e me tranquiliza:
— Selena, não precisa se justificar, não é culpa sua e passado é
passado. Não se preocupe com ele. Aquele abusador vai ter o que merece.
— Encaro o olhar sério e lembro da fúria que vi há minutos atrás.
Agora enxergo outra coisa no lugar da ira. Dor, vejo que está
sofrendo e envergonhado por não conseguir dar uma surra naquele
desgraçado. Ele está sentindo todos os meus receios e inseguranças. Percebi
seu olhar se fechando e sua postura muito mais.
— Não fique assim, Tiziano. — Minha voz sai baixa e triste.
Ele põe o capacete em mim e prende colocando o dele rapidamente,
essa é a deixa para terminar o assunto e ir para casa. Mas a todo momento
meu instinto grita para agir, fazer algo, lembro da única coisa que pode nos
conectar agora, e não pode esperar.
Observo a estrada passando rápido, ouço o rugido feroz da
motocicleta... Ainda demora para chegarmos em casa. Não! Eu quero nós
dois agora.
Estou em um dos clubes mais badalados e seletos de Veneza. Em um
dos camarotes mais discretos do lugar, apreciando o espetáculo, e não me
refiro as showgirls ou a cantora atração que está no palco esta noite. Outro
espetáculo bem mais divertido. Sorrio eufórica cantarolando uma melodia
que toca não muito alta ao fundo das conversas laterais da minha cabine. A
música neste clube até que é boa.
Gostei.
— Garçom, mais uma garrafa, por favor? É hora de comemorar!
Olhando o casal dourado e meloso no camarote da frente, me enche
de asco. Você não é homem para essa sonsa Tiziano e hoje vou abalar seu
psicológico. Rio sozinha vendo a cara daquela sonsa assustada, isso não tem
preço. Está tudo dando tão certo, que acredito que forças divinas querem
que eu consiga o sucesso do meu plano e por isso o acaso nos proporcionou
essa noite prodigiosa.
O garçom põe a garrafa de champanhe na mesa e se afasta. Observo
a cena. Tiziano está alterado abraçando a namoradinha.
Ainda não acredito que a levou para morar com ele! Ela não merece
aparecer como a moça virtuosa que capturou o bilionário. Odeio essas
santinhas inocentes com cara de vítima desprotegida. Ela é suja, tem
ligações com o submundo. Além de ser uma patricinha mimada, tem a
possibilidade de estampar as colunas sociais como a primeira-dama das
montadoras DiMateo? Não! Eu não vou permitir.
Desato a rir bebendo e me divertindo, vendo o deputado pedir uma
garrafa e sentar-se com eles. É como assistir um espetáculo de ópera, a
tragédia de Homero, não, Shakespeare é mais brega. Queria ser uma
mosquinha para ver de perto a cara da putinha. Deve estar toda medrosa de
olhar o ex conversando com a mina de ouro dela.
Mal posso esperar para meu cúmplice chegar e comemorarmos o
sucesso. Sou mesmo um gênio quando descobri que viriam a este clube.
Estragar a noite deles não é nada perto do que estou planejando. Bebo outro
gole da minha taça ao ver o deputado sair do camarote de Tiziano. E mais
um ao ver a sonsa se debulhando em lágrimas lá dentro. Espero que ela
perca aquele filhotinho de ouro que ela está gerando. Ou melhor, ela precisa
estar de alguns meses para a informação valer mais. Agora ainda não
decidi, se entrego ela para os inimigos da Cosa Nostra ou para própria
famiglia italiana. Sim, porque uma traição dessas deve valer milhões.
— Querida, como me saí?
Pietro se aproxima e o puxo pelo colarinho beijando seus lábios com
avidez.
— Hum, sua performance acendeu minha libido, espero que me
agrade depois que sairmos daqui. Estou faminta!
O deputado agarra minha nuca e morde meu pescoço deixando um
chupão.
— É você que precisa me agradar daquele jeitinho que só você sabe.
Você viu o motoqueiro metido a CEO descontrolado? Era isso que queria?
— Era, meu gato. Obrigada por fazer essa pequena vontade a sua
tigresa.
Soltando o ar pesadamente, ele pega uma taça e bebe. Não gosto
dele tão descontrolado pelo álcool, mas o que se pode fazer? Tive que
recorrer a um homem poderoso se eu quisesse levar meus planos adiante. E
quando o vi lá no clube dei um jeito de me fazer vista, para ele querer me
conhecer. Não gosto do seu sadismo, não como alvo, mas não se faz
omelete sem quebrar os ovos.
— Não vou mentir Natasha, o gostinho de acabar com a noite deles
foi doce. Como sabia que estariam aqui?
— Sabe que tenho meus morceguinhos sempre espionando e
trazendo informações privilegiadas. — Puxo seu rosto bonito para me olhar
— Acho que gostou de rever sua ex sonsa, isso sim. — Faço um biquinho e
olho para o meu boneco de cordas.
— Você fica linda enciumada. Não, não fiquei nem um pouco
nostálgico com minha ex. Agora só quero vingança por ter terminado
comigo. Quem ela pensa que é pra desprezar um partido como eu?
— Muito idiota! Onde ela encontraria um homem como você,
Pietro, tão sedutor, experiente, inteligente e lindo? Ela quem perdeu o maior
partido da Itália! Ele se envaidece e estufa o peito, pobre menino rico, não
tem ideia de que é mais uma peça no meu jogo.
— É, mas agora está com o CEO mais famoso da Europa.
— Que não tem prestígio nenhum! Não tem berço e nem aspirações
políticas grandiosas como você. — Aliso o rosto bem barbeado enquanto
ele olha vidrado o casal saindo do camarote pela saída lateral.
— Você acha isso tudo mesmo? — Pietro me olha e lambo os lábios
numa atuação digna do Oscar.
— É claro, meu lindo. Eu ainda vou vê-lo na cadeira da presidência
do país. Não se preocupe, ela também vai quebrar a cara com ele. Talvez
depois possamos brincar um pouco com ela na sua sala de jogos lá no clube,
o que acha?
Pietro agarra minha cintura quase me arrastando para seu colo.
— Você me ajudaria a conseguir uma última trepada com ela?
— Só se eu puder vê-la sendo subjugada por você daquele jeito que
eu amo, presa nas grades da sua linda gaiola.
Ele beija meu pescoço gemendo como um doente, imaginando as
torturas que fará com a sonsinha. Conheço o ponto fraco dele e consigo
manipular para fazer o que eu quiser.
— Mulher, você é perfeita pra mim! Isso foi genial!
— Aposto que está excitado com a ideia? — Seguro o pau sobre a
calça e confirmo com uma risada baixa. — Nossa, deputado, acho que
precisamos aliviar essa surpresa, o que acha?
— Você me deixa assim, tigresa. Suas ideias sempre são fantásticas,
assim como você.
— O que prefere que sua tigresa faça? Um prêmio pela maravilhosa
performance de minutos atrás, o que acha?
Dou uma risada ao ver seus olhos brilhando, refletindo nos espelhos
caros de cristal da boate. Sinto uma euforia drogada, pelas perspectivas
maravilhosas dos meus planos e esse marionete me ajudando como um
drone teleguiado. Será perfeito! Claro que ele não sabe da gravidez da sonsa
e nem a ligação dela com o submundo, mas vai servir para o meu propósito.
— Quero que chupe minha rola aqui e engula toda a minha porra
com espumante!
— Seu desejo é uma ordem, deputado Albenacci. Pronta para
atendê-lo.
O sorriso satisfeito é melhor que uma joia. Porque manter o doente
feliz é ter uma carta recheada na manga. Logo ninguém vai me pedir nada,
eu é quem serei a dona da porra toda e vou exigir o que mereço. Foda-se!
Quero o poder e terei tudo o que eu conseguir alcançar e além.
Porque eu nasci rainha, e logo vou começar a reinar!
CAPÍTULO 67

(Surpreender – Natalie Taylor)

Tenho consciência que as palavras de Pietro o machucaram


profundamente. Está sofrendo pelas ofensas sobre mim. Não posso deixá-lo
ser afetado por pensamentos sombrios! Isso eu não vou permitir, agora
Tiziano é meu, faz parte da minha vida e nada vai nos separar.
Tiziano precisa de mim de uma maneira que nem mesmo
compreende. Sei o que devo fazer agora, meu objetivo é conduzi-lo a nossa
conexão da forma mais rápida e intensa possível.
A velocidade da moto torna-se absurda, o vento não é gentil e deixa
minha pele arrepiada. Tensa, agarro a cintura dele mais forte, sinalizando
que está demais. Ele está perdido em pensamentos acelerando na rodovia, e
me preocupo com nossa segurança. Farei o necessário para curá-lo e
acalmar essa angústia.
Tamborilo os dedos no capacete fazendo sinal para reduzir e parar.
Aponto para uma pequena viela entre os prédios a frente, o que ele atende
imediatamente. Observo o carro dos seguranças parar adiante, mas ninguém
desce do veículo. São treinados para serem cegos nas horas que precisam
ser. Retiro meu capacete assim que ele para, desço da garupa e ele me olha
interrogativamente.
— O que foi, bella? Está mais calma? — Confirmo com um aceno.
O vento balança meus cabelos, mas não é frio, pelo contrário, o ar
morno de verão permeia a noite. Ando até o veículo com os seguranças e
peço que nos aguardem fora da nossa vista da rua apenas vigiando, porque
preciso de privacidade para conversar com meu namorado.
Eles confirmam comigo sobre o botão de pânico na moto de Tiziano
e agradeço a discrição deles em se afastarem da entrada da rua. Retorno
sentindo o calor tomar meu corpo, mantendo meu olhar nele, com
intensidade e carinho.
Chego próximo a motocicleta e tiro seu capacete o colocando em
uma escada de incêndio lateral do prédio industrial que está ao nosso lado.
Ele ainda não compreendeu a minha intenção. Olho a viela novamente e
vejo que é somente um local para descarga e recarga de mercadoria. Paredes
sem janelas elevam-se como duas barreiras. Estamos protegidos de
quaisquer olhos.
Imediatamente monto na motocicleta de frente para ele segurando
seu rosto em minhas mãos.
— Quero saber o que se passa nessa cabeça, meu viking. Sei que
está frustrado por não poder tocar no deputado.
— Eu o mataria de pancada, Selena — argumenta com voz calma,
mas vejo que suas mãos e corpo ainda tremem de fúria. Começo a distribuir
beijos doces no seu rosto.
— Por favor, não faça nada contra ele, se for preso, não vou
aguentar ficar sem você. E nossos filhos precisam de nós dois juntos.
Sozinha não consigo.
A delicadeza dos meus toques e as carícias associadas a beijos,
fazem ele aliviar um pouco a tensão corporal. Ouço seu gemido baixo e as
mãos me apertando contra si. Deslizo meus lábios sobre os seus em um
beijo lento e Tizi amolece inteiro com um grunhido baixo. As mãos
enormes acarinham tão suave minha pele que me arrepia.
— Quero te amar e quero que me ame Tiziano, só assim para
esquecer a maldade que tentou nos alcançar hoje. — Roço meu rosto no
dele, sentindo a maciez da barba, seu cheiro fantástico que amo. Toco meu
nariz e lábios em sua pele, cheirando e gemendo baixinho.
Dispo-lhe do blazer e camisa, alisando o peitoral quente, explorando
os ombros e pescoço, olhando para os olhos azuis e sentindo seu corpo
responder aos meus toques.
— Ninguém vai me dar o que você me dá todos os dias, amore.
Queria viver para sempre para desfrutar esse amor imenso — Beijo a
emoção que rola timidamente pela sua face, toco seu nariz com o meu
segurando seu rosto para respirá-lo, acarinhá-lo e beijá-lo com todo o meu
amor. — Preciso agradecer por ter impedido que aquele monstro me
tocasse, por ter me defendido, mas não quero você em perigo.
As mãos grandes prendem minha cintura, enquanto meus cabelos
fazem uma cortina sobre nós.
— Selena, o que está fazendo? Estamos na rua, bella!
— Não existe lugar para amar o meu Viking e mostrar que eu sou
dele e ele é meu. Se existir um lugar certo, terá que haver um tempo
limitado e uma validade. Não medimos o que sentimos. Por favor, vamos só
sentir um ao outro agora. Quero você aqui. Preciso disso. — Não consigo
definir a intensidade dos olhos me admirando.
Entrelaço meus dedos em seus cabelos, penteando num carinho,
fazendo ele fechar os olhos, gemendo e se inclinando, dando acesso para eu
beijar seu pescoço, mordiscar e chupar sua pele. Ao me olhar
profundamente, vejo aos poucos o desejo aparecer A cor intensa de azul no
olhar que me entende sem reservas.
— Tiziano, você é meu primeiro, único e último amor.
Ele encosta seus lábios nos meus, respirando emocionado.
— Repete? Por favor. Fala outra vez — Afago seu rosto com o
dorso de minha mão e sussurro:
— Meu primeiro — pouso um beijo suave em seu lábio — meu
único — pouso outro beijo ouvindo seu suspiro — meu último amor para
sempre. — Cheiro a barba numa carícia enquanto sussurro:
— Seu cheiro, seu corpo, você é só o que preciso nesse momento.
Ele sorri e é a deixa para tomar seus lábios, assim o faço com
cuidado e carinho. Sem perder a conexão do seu olhar, inclino meu corpo
deitando sobre o tanque da Harley. Está morno pela velocidade que ele a
guiou. Deslizo as alças do vestido e tiro os protetores invisíveis dos seios, o
tecido escorrega até o umbigo com seu olhar que permeia entre os meus
olhos e meus bicos arrepiados. A brisa gentil como um prenúncio do amor
que faremos ao ar livre me deixa tão excitada a ponto de sentir minha
umidade escorrendo entre as coxas.
— Vem, meu Tiziano. Quero sentir sua boca me tomando. Quero
que me aprecie para sermos um só, meu Viking.
Seu olhar me vendo sobre o tanque entregue e o chamando como
meu e somente meu é algo que nos marcará para sempre. Sinto isso.
Ele se inclina para repousar no vale de meus seios, deixando um
gemido baixo e sofrido.
— Ah! Mulher...
Acaricio seus cabelos como se estivesse o acalentando. Aproximo
com cuidado seu rosto dos meus seios com uma mão, enquanto com a outra
pego um deles e esfrego o mamilo úmido em seus lábios. O observo segurar
o gemido e lamber a pequena gota pressionada, o molhando fazendo Tizi
suspirar alto.
Ele abocanha gemendo e se esfregando nos meus peitos pesados e
prontos. Suas mãos possessivas cravam em minha cintura nua, subindo
lentamente, acariciando e adorando meus montes embevecido.
— Você sente o meu amor? Sente como preciso de você, Tiziano?
Só você pode me tocar, me tomar, me consumir, e eu sou toda sua. Só sua.
É só o homem da minha vida que tem esse direito sobre meu corpo.
— Ahh... — ouço o gemido intercalado com a sugada intensa.
Meu gemido escapa junto ao dele quando as sugadas tomam força
no meu mamilo. Chupando daquele jeito fabuloso que me transporta para
outro lugar, meu paraíso particular.
Os sons dele são tão eróticos que me deixam nas nuvens. Estou
banhada de calor, me sinto em chamas e o formigamento nas minhas
extremidades se instala de mansinho. Vou gozar com meu homem sugando
e mamando com vontade. Sua barba de encontro a minha pele e os braços
me mantendo no lugar quando arqueio meu corpo me dão a melhor das
sensações. Segurança.
Minhas mãos vão para os cabelos loiros puxando gentilmente de
encontro ao meu corpo pela intensidade do momento, oferecendo o meu
carinho conforme ele suga me fazendo latejar de desejo.
— Ahhhhh, Tizi. Cada dia é melhoooor. Queeero ... mais amore!
Quero você!
Em um lapso sou erguida como uma pena e colocada sobre seu colo.
Afago a barba espessa me acomodando sobre ele, montando sobre suas
pernas e cruzando as minhas em sua cintura, para que meus seios fiquem na
altura dos seus lábios. Um gemido baixinho escapa de meus lábios e danço
roçando de mansinho a dureza abaixo de mim entre minhas pernas. Pouso
uma de suas mãos totalmente sobre meu outro seio, e falo rouca,
sussurrando em seu ouvido enquanto ele me suga gostoso:
— No mesmo instante em que te vi pela primeira vez naquela
rodovia, meu coração soube que deixaria de me pertencer.
Ele puxa com as duas mãos meus cabelos e traz o meu rosto para
ele, beijando minha boca, fazendo amor com ela, duelando a língua quente
na minha e meu gosto doce se misturando ao nosso. Me acomodando
melhor sinto o peito desnudo me incendiar em combustão aos meus bicos
duros, ele está febril como eu. É uma sensação absurda de êxtase alucinada
com o homem que envolve a língua na minha convidando para fazer tudo
com ele.
— Ahhh... minha Selena, preciso tanto de você, que dói. Você é
minha. Minha alma gêmea, meu amor e tudo o que preciso para viver,
ninguém mais vai ferir você.
Essas palavras me desarmam como sempre, assim como os beijos e
gemidos no pescoço que me derretem.
— Eu sou e quero ser por toda a vida, não há outro para mim, nunca
houve, só você, meu amor. — Seu olhar sorri com o meu, brilhante e
vidrado.
— Eu preciso… bella... Me toma... toma posse do que é seu, amore
mio, preciso sentir seu calor me consumindo agora!
Não sei em que momento ele abriu a calça baixando o tecido para o
pau inchado estar pronto para mim, mas não me importo em saber, só sei
que é natural o encaixe e é perfeito. Estou molhada, ardendo e pulsando por
ele, Tizi afasta a calcinha para o lado rapidamente e quando ouço seu
gemido rouco no momento que deslizo na grossura quente me estirando e
esticando completamente, perco o resto do meu controle. Entra tudo até o
talo, sinto-me no céu e quase acredito que posso voar de tanto tesão.
Então começo a me remexer lentamente, acomodando o tamanho
completo e gemendo baixinho em sua boca, ele afasta seu rosto e me
observa subindo e descendo devagar sobre sua extensão, fazendo-o gemer
rouco em abandono com a boca levemente aberta e o olhar nublado de
desejo, segurando minha nuca para fitá-lo e não perder o efeito que tenho
sobre ele. Guio seu rosto para meu seio enquanto me seguro em seus
ombros para cavalgar e aprofundar nosso encaixe me fazendo ver luzes
sobre meus olhos de tanto prazer.
— Suga, amor, por favor. Goza me levando ao céu com sua boca,
ahh...
Sua respiração é forte e suas sugadas pinicam meu corpo inteiro. O
pau pulsando dentro de mim, às mãos firmes me segurando me dando
segurança, alisando e apertando assim como as minhas nele.
— Ah Seleeena, il mio mondo sei tu… ahhh… (o meu mundo é
você)
Ele continua a sugar alternando os dois seios com força e aperta-os
com aquela maneira gostosa que me faz eletrizar.
Sinto uma lágrima solitária em meu rosto rolar pelo ato sublime que
estou vivendo. Permito ser sugada enquanto cavalgo sobre ele. Seguro seu
rosto entre as mãos encarando os meus olhos apaixonados, vendo um filme
na mente me retornando àquele posto onde senti minha vida ter sentido pela
primeira vez.
— Mio Tiziano, mio amore ... — ele suspira contra meus lábios
antes de me devorar.
Tizi me prende firme pra cavalgar nele sem medo, sentindo que
pertenço a ele, somente ele me faz completa. Os lábios me beijam, me
acariciam e me consomem sobre a motocicleta com a segurança das coxas
grossas que ajudam a prendê-la no chão. Estou segura, estou em casa.
Sinto seu comprimento ficando mais volumoso, mais quente dentro
de mim e não sei como é possível ele parecer mais inchado. Aceito a marca
dele. É como se estivesse me marcando como ferro quente de dentro para
fora em uma dança erótica e deliciosa. Ele está tomando o meu corpo como
dele, somente o meu viking tem o direito sobre mim.
— Nunca ninguém me possuiu como você, ninguém jamais esteve
no seu lugar dentro de mim, dentro do meu espírito, dentro da minha dor e
desejo como você Tiziano. Desde que te vi eu te pertenço. — O aperto das
mãos tatuadas intensifica.
— Só você!

— Você é o único que me tem!


Ele geme de forma descontrolada, me abraça com tanta força e
desejo, que é impossível não sentir o amor que ele carrega por mim. O sinto
escorregadio, entrando lento, porém profundamente. Prolongando, gemendo
que me ama. Tão dentro de mim que me perco no frenesi do gozo, é tão
intenso que lacrimejo vidrada nos olhos azuis por quem sou encantada, e
me perco no olhar que me hipnotiza há anos.
O prazer nos encontra abraçados como um, sua boca grudada em
meu seio, seus gemidos agora baixos como se fossem de um menino sendo
acalentado por alguém que o ama mais que a própria vida. Tiziano é minha
vida.
Sinto sua carne pulsar dentro de mim e me encher até a borda,
gemendo longamente enquanto se esvazia e me deixa completa e plena. É
tão gostoso essa intensidade quente e desesperada, o gemido gutural
enquanto explode inteiro, me tomando como se só eu pudesse dar isso a ele.
— Ahhh ... Selenaaa...gostoso demais! É um sonho ser seu.
Beijo seu rosto e sinto os pulsos da minha própria carne mastigando
ao redor de sua extensão em um prazer infinito, absorvendo, sentindo sua
respiração acelerada. O repousar em meus seios na calmaria sôfrega pós
prazer, a mão deslizando em carícia nas minhas costas, delicada e bem-
vinda acalmam minha respiração.
— Você é perfeita, mia bella! É minha, somente minha. Como eu
sou só seu... Mas sempre vou lhe defender, não importa as consequências
para mim, seu amor me cura de qualquer coisa. Não suporto aquele cara
vivo no mesmo planeta que você! — a voz rouca e agora calma se declara e
me volto a ele que sorri. Afago seu rosto, sua barba admirando cada detalhe
dele que me faz amá-lo.
— Esqueça ele. Você é tudo o que preciso e muito mais, Tiziano,
nunca duvide do meu amor nem um segundo, vamos esquecer o que tenta
nos ferir.
Recebo o sorriso mais lindo do mundo, confirmando que consegui
afastar aquela dor de não poder me defender contra aquele bastardo. Não
preciso que ele brigue por mim, porque para mim ele é mais que suficiente,
é necessário para que eu viva.
CAPÍTULO 68

(Over My Head - Fletcher)

Desde que Selena me contou sobre a gravidez, não consigo mais


descansar. É a cereja de bolo mais suculenta que ela poderia me dar. Depois
dos acontecimentos das últimas semanas quando mamãe saiu de casa,
pensei que nada me abalaria mais. Estava tão chateada que eu precisava de
uma distração, precisava espairecer longe de todos.
Mamãe ficou em Milão, na casa de uma amiga, mas sei muito bem
que ela vai precisar de mim em algum momento. Não estamos bem, nossa
relação estremeceu com a revelação dos segredos que ela mantinha a sete
chaves. Como poderia ser diferente? Ficou chateada comigo por eu ter feito
contato com meu pai sem ela saber, e eu descarreguei sobre ela a minha
mágoa. Nós duas nos decepcionamos uma com a outra.
Mas ela não se pôs no meu lugar, como eu me sinto em ficar duas
décadas sem saber quem é o meu verdadeiro pai, muito que tenha feito
diferença na questão da confiança familiar, porque ele também foi uma
decepção. Não quero conversar com ele, não quero nada de um homem
como ele, que mente para a própria filha como se fosse a coisa mais natural
do mundo. Mas é o que ele é, né? Um mentiroso, como não vai ser? Para
comandar um país e ser o rei do submundo, precisa mentir.
Faz isso para viver, então enganar a filha não é esforço algum.
No entanto, da forma que foi me magoou muito e eu precisava
desses dias sozinha. Com meu único alento, Sasha que mesmo não nos
assumindo em público, ele sempre encontra uma brecha para me ver.
Estamos aproveitando a praia aqui na Calábria, já que ele tem um
acordo com o chefe daqui e consegue circular pelo país, nos encontramos
em Tropea e acabamos de tomar o café da manhã vendo o sol nascer na área
externa da cabana particular do hotel. Um lugar paradisíaco, é uma
plataforma bem perto da água e para chegar aqui tem uma escada na
encosta, em uma privacidade muito bem aproveitada por nós.
— Sólnêchka,(sol) se pensar mais um pouco vai sair fumaça desse
cérebro. Venha aqui! — Sasha com seus óculos de sol me chama para me
juntar a ele.
Atendo seu pedido, vou até a espreguiçadeira e me deito sobre seu
corpo me aninhando em seu pescoço. Está quente e cheiroso da água
salgada, seu perfume delicioso e comestível de noz moscada e lima da
Pérsia, meu perfume preferido, já me acende todinha.
— Só estou preocupada, pensando no que fazer.
Os círculos suaves nas minhas costas me relaxam, mas dura pouco,
porque a voz grossa é direta e sem rodeios.
— Você sabe exatamente o que fazer.
Saio do aconchego para encará-lo e tiro os óculos quando ele me
devolve o olhar intenso.
— Se ama sua amiga e seu irmão adotivo, fará o que precisa ser
feito.
— Você tem muita fé em mim, não é Aleksandar?
Os cílios escuros se fecham um pouco e o olhar se torna uma fenda
perigosa que me seduz.
— Adoro quando chama meu nome inteiro, claro que é sempre
quando estou entre suas pernas.
Levanto-me da espreguiçadeira olhando a infinidade turquesa do
mar Tirreno.
— Odeio quando não leva a sério as minhas preocupações!
— Não seja mimada, daragáya!(querida) Só falei a verdade e não o
que quer ouvir. Você sabe o que fazer, mas está brigando com seu orgulho!
Olho sobre o ombro quando os braços enormes enlaçam minha
cintura.
— Pra você é fácil aceitar, nasceu na máfia, sempre soube suas
origens e que um dia seria o Parkhan.
Seu longo suspiro me diz que essa conversa é indigesta quando eu a
conduzo.
— Ainda está longe disso acontecer. Sou apenas o Sovietnik e
minha lealdade aos irmãos é plena, não aspiro a liderança quando tudo vai
bem na Solntsevskaya.
— Bem, você entendeu o meu ponto. Recuso-me a viver sob as leis
da máfia.
— ‘Net’(não) quanto antes entender que precisa aceitar seu sangue,
menos sofrimento causará aos seus e a você própria. Deixe de ser obtusa,
Jêssica! Aceite as regras!
Viro meu corpo dentro do seu abraço e encaro os olhos escuros.
— Se eu aceitar meu sangue, terei que me casar com quem meu pai
escolher. — Seus lábios comprimem em desgosto, e o olhar transparece um
brilho assassino, mas ele nada fala. — Este arranjo deixa você satisfeito,
‘daragóy moy’?(meu querido) — Uso o mesmo sarcasmo que ele, quando
se trata da sua posição na Bratva. — Imagine um italiano no seu lugar, nos
mares da costa amalfitana aproveitando o sol comigo. Alguma vez pensou
nisso? — Seus dedos cravam em minha pele.
A mão tatuada agarra minha nuca, nada gentil, desfere uma longa
lambida no pescoço até perto da orelha e sussurra:
— Cada vez que arrisco a vida para passarmos tempo juntos, penso
nisso. Ninguém vai tocar no que é meu, Jêssica.
Ao conectar nossos olhares, minha boceta contrai pela ferocidade
das suas feições. Adoro esse homem bravo. Puta merda! Me deixa louca!
— E agora falando desse jeito ficarei pensando todo o tempo que
estiver longe de você. Mas está cansada de saber sobre nossos papéis nas
nossas famílias. Você na sua e eu na irmandade! Mas, isso não significa que
estou feliz com essa situação e não pretenda fazer algo a respeito.
Queria saber o que ele pretende fazer, mas não quero que entre em
guerra com meu pai.
— Presumo que não irá comigo a Palermo? — Mudo totalmente o
teor da conversa e o tom, pois não quero que faça nada impulsivo.
Sasha analisa meu rosto um pouco mais antes de responder.
— Sabe que eu te acompanharia se pudesse. Mas não tenho
autorização para entrar na Sicília! Isso você deve fazer sozinha, Sólnêchka.
E não lance seu olhar triangular, não vai funcionar nessa questão.
Deixo um sorriso aparecer antes de beijá-lo. As mãos brutas apertam
minha bunda até quase me alçar do chão só para sentir a dureza da ereção.
Ele dá aquela mordidinha de sempre em meu lábio inferior, como uma
pequena ferroada, sua marca sobre mim.
— O que acha de entrarmos naquele quarto e nos despedirmos de
modo apropriado antes de você partir? — convida acenando em direção a
porta dupla da cabana.
— A viagem é breve. Não vou me demorar lá, volto hoje à noite.
Ele me carrega no colo, subindo as escadas com segurança.
— Não, seu pai não vai permitir que sua principessa viaje a noite e
não posso estar aqui quando sua nova escolta vier com você amanhã. Você
não vai conseguir subornar os homens dele como faz com os do seu irmão.
Nos vemos em breve, eu prometo. Mas tenho que guardar mais algumas
memórias recentes para me aliviar quando estiver longe.
— Quer que eu faça aquele agrado com o seu piercing? Tem que se
esforçar um pouco mais para ser atendido, Aleksandar.
A risada rouca é meu som preferido quando está de bom humor.

Assim que liguei para o meu pai um pouco antes do meio dia, sua
voz pareceu surpresa ao me ouvir. Há mais de uma semana tinha prometido
que não o procuraria. Merda! Não gosto de voltar atrás nas minhas
decisões, mas bionda faz minha bússola moral descalibrar.
As horas de carro de Tropea a Palermo, me deram tempo de planejar
o que dizer, porém, sei muito bem as implicações que isso acarreta na
minha vida. Se ele negar meu pedido, preciso apelar pela afeição que ele diz
ter por mim e pela minha mãe, e rezar para dona Olívia ceder quando cobrar
uma posição dela a favor do seu amor.
Não sou idiota, minha mãe arrasta um bonde por ele mesmo depois
de vinte e dois anos sem vê-lo. Quando mostrei uma selfie com ele no meu
celular, mamãe ofegou disfarçando como pôde. Só prendi a risada porque
estava possessa com ela, mas dona Olívia é transparente quando o assunto é
o pai dos seus filhos. Teimosa é verdade e orgulhosa, mas terá que ceder.
Quando falei que era um assunto urgente, meu pai logo perguntou
dela. Fui breve ao dizer sobre minha visita e que era de importância da
famiglia. Sua voz tomou um tom macio ao ouvir que os negócios fazem
parte do meu interesse. Coitado, nem imagina que não mudei minha posição
com relação a sordidez da máfia, no entanto devo pisar com cuidado ou a
petição será negada.
Fui ordenada a estacionar próximo à praça Vigliena onde um carro
nos escoltou até o local que ele marcou para me receber. Primeira vez que
isso acontece, das outras vezes sempre nos encontrávamos em hotéis e
passeios que fazíamos juntos, mas naquela época eu não sabia sobre meu
passado e meu pai fingia ser apenas um amigo.
Estamos seguindo o veículo preto que nos abordou com a senha
previamente enviada para o meu celular. Nada surpreendente, pois agora sei
do perigo que corro por ser quem sou. Apesar que ele me garantiu que
apenas homens de sua confiança sabem da minha existência e da real
paternidade de meu irmão Gabrielle, ninguém além de nós dois. Atrás de
nós outro veículo igual nos segue.
Ao chegar no portão de ferro, a guarda permite a entrada do
pequeno comboio. Olho pela janela enquanto uma estradinha de pedra,
larga apenas para um carro, integra-se a uma floresta. No início rala, com
árvores espaçadas, mas aos poucos uma densa mata de todo o tipo de
vegetação transforma o dia em noite. Estamos entrando em um santuário da
selva amazônica? Ou em algum estúdio de filmagem de um filme de
suspense?
Abro mais um botão da minha camisa de seda, o calor do
nervosismo chegando sem aviso. Seguimos por mais ou menos um
quilômetro rasgando a mata ao meio até um lago natural, com direito a um
casal de cisnes, brancos como a neve, nadando nele. O sol volta a aparecer
igual a grande mansão marfim, que mais parece um castelo Normando.
A grandeza do prédio é espantosa. Uma estrutura de três andares,
com uma escada em arco para o segundo andar, que é possível subir tanto
pela direita, quanto pela esquerda. Na ponta de cada pilar inicial da escada,
mas olhando para frente, recebendo quem estaciona diante da mansão,
estátuas gêmeas de um lobo com uma coroa.
Essa é a casa dele? Per l’amor di Dio, não achei que a conheceria
justamente hoje.
O carro para diante da porta principal do primeiro andar, que fica
sob a escada de arco, toda ladeada por cerca viva. Dois homens de terno
estão parados guardando a entrada e um terceiro sai lá de dentro com um
sorriso aberto para me receber, assim que desço do veículo.
Seu terno de três peças não combina com a idade que parece ter,
quarenta anos no máximo. Cabelos e barba num tom de castanho escuro,
mas alguns fios dourados quando o sol reflete. A barba apesar de ser
completa no rosto, é rala como se fosse aparada para deixar uma sombra de
seu formato, mas são os olhos de águia que chamam atenção. É um azul
profundo e escuro e mesmo sorrindo amigavelmente tenho a nítida
impressão que está me escaneando como um general.
— Ettore Baroni, signorina Jessica, piacere di conoscerti! (Prazer
em conhecê-la.)
— Piacere, signore Baroni.
— No, no. Me chame de Ettore, per favore. Amiga do padrinho é
minha amiga também.
Sorrio engessada para o belo homem que beija minha mão, mas não
é digno de confiança em saber que sou filha do chefe. Hum, interessante!
Qual cargo será que ocupa?
— Por aqui, vou avisar Don Lupo que já chegou. — Lupo, hum, tem
a ver com as estátuas de lobo que vi na entrada. Símbolo da família talvez?
Ou dele? Mamãe não me falou sobre isso.
Seguimos pelo hall suntuoso amarelo pálido repleto de quadros
famosos nas paredes lado a lado como se fosse uma exposição de arte.
— Vou pedir que te atendam em algo para beber, está com fome? O
chef será chamado.
— Obrigada, é muito gentil, Ettore.
Paramos na primeira sala da casa, a cor pálida permanece nas
paredes, mas agora invés de quadros, são afrescos pintados por todo o
cômodo. Uau! Dio óstia, nunca vi isso na vida, bem, exceto nas catedrais
que visitei, mas aqui são pinturas nas paredes. Algumas com uma moldura
dourada na imagem para enfeitar, mas a tela é a casa!
O tal Ettore sai com um aceno polido e logo um homem de uniforme
parecendo de um hotel se aproxima com um carrinho de prata, repleto de
garrafas e taças.
— Temos o melhor prosecco do país, signorina, é minha sugestão se
me permite. — O homem careca me serve uma taça assim que confirmo.
Sentada em uma poltrona de veludo vinho, ainda estou hipnotizada
com a decoração barroca do lugar. É tudo tão elegante e detalhado que dá
até medo de sentar e estragar alguma coisa. Lustres de cristal, móveis
entalhados com requinte de detalhes em dourado, putti em esculturas de
mármore espalhadas pelo ambiente, tapeçaria francesa rica, sou acostumada
a estar em ambientes luxuosos, mas este é além de luxo, é a casa de um
monarca.
Uma mulher de uniforme de copeira aparece com um tablet em
mãos.
— Buon pomeriggio signorina. (Boa tarde, senhorita) Me chamo
Cordélia, sou a cheff responsável pela gastronomia da casa e gostaria de
saber o que será o jantar. Frutos do mar ou carne vermelha?
— Deve haver algum engano, não vou ficar para o jantar.
— Don Lupo ordenou que o menu será escolhido pela signorina. Ele
disse que sua escolha para ele está perfeito.
Quase coloco o gole de prosecco de volta na taça. É uma imposição,
devo jantar e ficar esta noite, Aleksandar tinha razão, acabei de aceitar as
regras.
— Frutos do mar. — Cordélia sorri pronta para se afastar. — Sabe
se meu aposento está pronto?
Quero confirmar o que meu pai planejou e ver até onde mostrou as
garras.
— Oh! Si, si. Signore Caruso, o mordomo, preparou pessoalmente
sob as ordens de Don Lupo.
— Obrigada. — Não consigo retribuir o sorriso simpático, pois a
dor de não ter mais controle sobre a própria vida me atinge como um
terremoto.
Termino a bebida e deixo a taça sobre a mesinha. E logo Ettore
retorna.
— Podemos ir?
Assim que me ponho em pé aliso minha roupa mesmo não estando
amassada. Será que estou vestida para a ocasião? A saia lápis me deixa com
aspecto de uma secretária? Talvez secretária da máfia né, tontolina! Eu
mesmo me repreendo mentalmente. Ainda bem que tinha uma blusa
comportada na mala, dentre as alças e decotes, a camisa marfim de botões
de madrepérola me pareceu discreta e elegante o suficiente para uma
reunião com o Capi dei tutti i Capi.
Sigo o modelo Tom Ford que caminha apressado um pouco adiante
pelas pernas atléticas. O perfume dele é denso, cedro e tabaco como um
ótimo badboy. No entanto, dois passos antes de sair para o corredor, sou
derrubada de bunda no chão por quatro patas enormes e uma língua babada
me cumprimentando afoito. O olhar amarelo de Giallo encara o meu em
meio as lambidas me fazendo gargalhar.
— Quem deixou esse monstrengo fedorento entrar? Olhem o que ele
fez?
O berro de Ettore me assusta e acalmo o cão para poder levantar.
Vários empregados aparecem, um me ajudando a ficar de pé, outro com um
lenço para secar o rosto e outro com uma guia e pálido como uma folha de
papel.
— Foi você, Zucchero? Não tem competência nem para segurar um
cão, seu inútil! Leve-o daqui, agora!
Giallo rosna para o homem que de vermelho está roxo de fúria,
parece que é o próprio dono da casa e o ofenderam cuspindo no chão, não
compreendo essa reação.
— Desculpe Don Ettore, desculpe... O cão sentiu o cheiro da visita e
não pude segurá-lo.
— Não foi culpa dele, Ettore — falo calma enquanto acaricio a
cabeça de Giallo. — Giallo só quis me cumprimentar, faz tempo que não
nos vemos. Zucchero, não precisa de guia, ele vai comigo.
Ettore bebe um copo de água que uma das serviçais trouxe, mas seu
olhar de curiosidade sobre mim não me passa despercebido.
— O cumprimento dele quase rasgou suas roupas, signorina. Vou
castigar Zucchero por essa falha.
Andamos pelo corredor que aos poucos vai tomando uma decoração
mais sóbria e fria.
— Não deve fazer isso, a sinceridade dos animais é muito bem-
vinda no mundo caótico que vivemos. E aliás, ele não gosta de você.
Ele mal olha para mim, vejo o ossinho da mandíbula se
movimentando ao apertar o maxilar com força. Está nervoso.
— Nem eu dele, não gosto de cães. De nenhum animal, no máximo
cavalos e ainda assim somente nas corridas.
Acabou de perder o pingo de simpatia que eu tinha por ele. Um
homem que não gosta de cachorro não é digno de confiança, espero que
meu pai saiba disso ou ele tá muito ferrado!
Chegamos em uma antessala com alguns homens sentados em
poltronas que circundam as paredes, vidrados na televisão suspensa diante
deles.
— É clássico hoje, Palermo e Catania estão jogando — explica
Ettore.
Somente o pai de Selena nota nossa presença e rapidamente vem me
cumprimentar.
— Signorina Jessica, é um prazer revê-la.
— Igualmente, senhor Mário.
— Padrinho está aguardando — esboça um sorriso comedido e
fecha a cara ao encarar o homem ao meu lado.
— Obrigada, senhor Mário.
No meio de todos os outros, o pai de Selena é o maior deles. Deve
ter dois metros de altura e os ombros mais largos que Michael Phelps.[xxviii]
Ettore e seu olhar de águia, apenas acena para o homem grisalho.
Mas acho que não é grisalho de velho, mas sim, de tão claros os fios
parecem brancos. Seu Mário sempre me pareceu tão jovem e...
amedrontador. Olho sobre o ombro e o bíceps estica tanto a manga do terno
que parece que vai rasgar a qualquer minuto.
— Já se conheciam? — pergunta Ettore ao me acompanhar até a
porta dupla que deve levar a sala do Don.
— Sim. — A minha satisfação interna acabou de se elevar à máxima
potência. Ele deve estar doido para saber de onde conheço o subchefe e me
limito a não fazer sua vontade.
A pergunta agora é, se Mário é o Subchefe, quem é Ettore nessa
organização?
— Padrinho? — Introduz ele ao abrir a porta.
Giallo segue ao meu lado, sem rosnar mais, pois o
acalmei com afagos na cabeçorra.
A sala é completamente diferente das salas da mansão de tons
amarelo pálido. Aqui, tudo é revestido em tons terrosos profundos. Os
móveis são escuros e polidos, com algumas obras de arte que lembram o
estilo de Leonardo da Vinci. Mas, o que realmente impressiona é o painel
atrás da mesa do chefe. Uma representação imponente de um enorme lobo
marrom, emergindo das sombras com uma postura de ataque, exibindo
presas afiadas e um nariz enrugado. Seus olhos dourados brilham assim
como uma coroa em sua cabeça, tornando-o ao mesmo tempo ameaçador e
hipnotizante.
— Bambina!
Don Lupo sai de sua cadeira e vem me receber no meio da sala,
beija minha bochecha de cada lado e me faz sentar na cadeira diante de sua
mesa de carvalho enorme.
Ettore está postado ao lado dele quando ele se acomoda em seu
assento. Minha pulsação dispara ao olhar os olhos claros de meu pai, tão
calorosos mas ameaçadores iguais ao lobo atrás dele.
— Vejo que Giallo foi convidado sem meu consentimento.
— Culpa minha, padrinho. Eu permiti que a acompanhasse, minha
falha.
Don Lupo olha com certo divertimento para o homem postado ao
seu lado.
— Já está defendendo a ragazza, Bello? Mal a conhece!
O outro apenas sorri sem mostrar os dentes e se acomoda em uma
cadeira na lateral do cômodo, semelhante a um guarda costas. Será seu
guarda pessoal? Ele nunca falou ou sequer mencionou esse homem.
— Os animais escolhem seus humanos, sei que não tem muito
conhecimento sobre eles, Ettore, mas meu cane corso escolheu a sua
humana. Certamente dará a vida por ela. Preferirá ela a mim que o alimentei
durante toda a sua vida. Não me importo, é o meu orgulho ser preterido pela
minha figlia!
Os olhos do belo e intragável homem quase saem das órbitas,
tamanha surpresa, porém dura milésimos de segundos sua reação.
— Filha? Não sabia que havia uma...
— Diga? Ouse pronunciar a palavra bastarda dentro dessa mansão e
darei seu pau a Giallo como merenda. — A voz é tão baixa e calma que
parece não ter feito uma ameaça, e seu olhar castanho esverdeado claro não
deixa o meu em nenhum momento.
O cão ao meu lado mostra os dentes em um rosnado baixo.
— Jamais o ofenderia dessa maneira, padrinho. Só fiquei surpreso,
nunca soubemos que tinha uma filha além de Otto.
— Eu sempre soube e é isso que importa. Diga bambina, quanto
tempo ficará com seu papà? Mandei preparar seus aposentos.
— Não é uma visita de cortesia. Já conversamos sobre isso, não
estou aqui como uma Vitalle, meu sobrenome...
— Do que precisa? — A mudança de tom é nítida, interrompeu
minha fala e o homem de negócios assumiu, seu rosto se transforma em
rocha e os olhos como facas afiadas. Ou talvez não quis que o outro
soubesse meu sobrenome de registro?
Ele pega uma caixa de metal e tira um charuto de dentro dela, corta
a ponta e acende. O cheiro da fumaça empesteia o ar.
— Tenho uma petição a fazer.
Meu pai não olha mais no meu rosto, mexe em alguns papéis na
mesa visivelmente chateado. Merda!
— Qual o dia das petições, Bello?
— As quintas, Don Lupo. — O homem responde.
— E que dia da semana estamos?
— Sexta-feira, padrinho.
Então ele olha para mim com os lábios em uma linha fina, o maxilar
quadrado bem barbeado define a dureza de seu semblante tensionado.
— Como pode ver, terá que agendar uma reunião com meu
consigliere aqui. — Estende a mão para o homem que sorri parecendo
conhecer o jogo do seu chefe. — Bello, acompanhe a ragazza até a saída!
— Seu olhar sustenta o meu, magoado e triste.
— Pai! — Meu orgulho está nas solas do meu sapato agora.
Na briga que tivemos semana passada, falei com todas as letras que
não o chamaria de pai. Ele ainda me olha do mesmo jeito, mas deixa um
sorriso convencido aparecer. Traga o charuto e exala a fumaça para o teto
cruzando as mãos sobre a mesa, ao aguardar minhas palavras.
— Preciso de um indulto para Selena.
Os olhos suavizam e ele deixa de lado o charuto se afastando da sua
cadeira. Vai até a janela olhando para a paisagem com as mãos no bolso.
— Tem a ver com o noivado dela?
Como ele sabe que Selena está com Tiziano? Quase ninguém sabe,
bem senhor Mário deve saber.
— Bello, mande chamar Mário e nos deixe resolver esse assunto.
— Não devíamos reunir a cúpula? Posso organizar e convocar todos
o mais rápido possível.
— Não! É assunto dos clãs dos noivos. A bambina é prometida de
Otto. Eu e Mário vamos decidir.
Meu queixo cai, o herdeiro legítimo do meu pai é prometido de
Selena? Como vou contar da gravidez? Puta merda, bionda!
— E sua filha, já tem um noivo para ela, padrinho?
Ouço a pergunta às minhas costas que me gela os ossos, não me
atrevo a olhar sobre o ombro. Don Lupo não move um músculo sequer,
parece ter encontrado uma distração na paisagem do lado de fora.
— Ainda não foi definido, está propondo aliança, Ettore?
O riso confiante que ouço me causa náuseas, o que ele tem de lindo,
tem de sinistro.
— Como sabe, nunca me casei, ainda não surgiu uma oportunidade
que esteja à altura de um Baroni.
Meu pai ri, mas não é de diversão, abana a mão para o homem sair.
Ouço a pesada porta fechar e não contenho minha língua.
— Não me caso com esse psicopata!
— Você nem conhece Ettore Il Bello, bambina! — ele olha pra mim
dessa vez divertindo-se com minha recusa.
Pelo menos o apelido faz jus ao homem. Pena que meu instinto
apitou, mesmo o cara sendo gostoso pra cacete.
— O que vi desde que desembarquei do carro já definiu que não
confio naquele homem! Lutèro, confia mesmo nesse Ettore?
— Prefiro que me chame de pai, gostei mais da sonoridade. — Ele
desvia do foco da janela e se agacha ao meu lado afagando Giallo.
— Não conhecia esse seu lado cínico, pai.
Seu sorriso doce de quando passeávamos pelas ruas
apreciando um gelato, aparece.
— Não posso mostrar minha verdadeira essência para os meus
homens. Ainda mais aos que não confio, respeito conquistado é um luxo
que não se pode perder, figlia.
— Se não confia nele assim como eu, o que ele faz num cargo de
confiança? No mais alto cargo?
Ele volta a fumar o charuto sobre a mesa e se apoia nela sorrindo.
— Mais importante que armas em uma batalha é conhecer e manter
seus inimigos por perto, cara mia! O clã Baroni perdeu a votação da cúpula
no início do século, quando meu nonno foi nomeado Capo dei tutti Capi. E
em um acordo para manter a paz, os Baroni seriam os consiglieres. Sempre
a um passo do poder se os Vitalle não tivessem um sucessor. Nunca
aconteceu e não vai acontecer. Meu filho vai sentar na minha cadeira!
— Otto. É o prometido de Selena?
— Não! Meu filho mais velho se chama Gabrielle.
Tenho um ataque de riso, nervosismo, alívio, apreensão, surpresa, eu
nem sei mais o quê.
— Gabe é homem da lei, não vai mudar para o lado negro da força e
além disso, nós não somos herdeiros legítimos.
— Serão, muito em breve.
— Qual é do lobo? Por que tem lobo por toda a parte nessa mansão?
Me admira não ter um como guarda em seu canil.
— Quem disse que não tenho? — Ri enigmático. — O lobo é o
símbolo do nosso clã. Assim como Ettore é conhecido por Il Bello, eu sou
conhecido por Il Lupo, sou o último Vitalle vivo. — Dobra mais a manga
até revelar o antebraço e mostra a tatuagem de um lobo, igual a da pintura,
mas totalmente sem cor, apenas sombreada, viva e feroz.
— Onde está sua mãe? — pergunta direto, seus olhos escurecem um
pouco. Olhando de perto são diferentes um do outro, uma heterocromia que
só se vê se eles ganham esse tom de ocre. Perto da pupila é mais claro.
— Está em Milão, na casa de uma amiga estilista.
— Quero vê-la.
— Eu não sei se...
O rangido da porta interrompe minha resposta com um olhar severo
do meu pai.
— Mário, perfetto, sente-se. — Lutèro se acomoda novamente em
sua cadeira atrás da mesa, com a postura de Don Lupo outra vez, mas
menos cinismo no olhar ao convidar o pai de Selena a sentar-se mais
próximo de nós.
— Diga, figlia. Qual sua petição?
Olho os dois homens diante de mim, homens que sei que são
assassinos impiedosos, perigosos bandidos que não tem escrúpulos. E
mesmo assim são o mais próximo de família que terei. Sabendo que Selena
ficará com meu irmão adotivo e meu pai não vai descansar até trazer minha
mãe e Gabrielle para debaixo de suas asas. Engulo o nó da garganta e busco
a coragem de dentro de mim.
— Quero que Selena tenha autorização para sair da máfia. — Mário
parece ficar mais branco do que já é e meu pai não demostra emoção
alguma no rosto bonito e moreno.
— Sabe que isso é impossível. Só se sai da Cosa Nostra, morto. E
uma filha nascida da máfia é da famiglia, não do clã que a concebeu. Por
que esse pedido?
— Porque ela está apaixonada pelo meu irmão adotivo e ele por ela.
Estão morando juntos em Veneza e se separarem os dois, nenhum deles
sobrevive.
Mário muda de cor para um porquinho cor de rosa, nervoso
certamente, e meu pai bafora o charuto como se não fosse novidade o que
acabei de contar.
Provavelmente para ele não é novidade.
— Sabia disso, Mário? Sabia e não contou ao seu capo que o nosso
acordo firmado diante de Deus e a cúpula, está rompido?
— Não, não está rompido, padrinho. Como foi permitido uma certa
liberdade a ela depois... Depois do ataque a sua pureza, achei que poderia
contornar a situação.
— Do que estão falando? — odeio essa outra face de Lutèro. A face
do mal, autoritária e implacável.
— A filha de Mário é a única exceção à regra na famiglia. É um
segredo que somente eu e ele mantemos pela ligação que temos, como um
voto de confiança. Por todo o histórico da saúde dela, respeitei a escolha
dos pais em não contar sobre sua origem e o fardo de ser uma futura esposa
da máfia. Abri outra exceção quando aquele infortúnio aconteceu a ela. Já
não era mais virgem, mas não por escolha dela, no entanto tornou-se sem
valor e não podia vir a público essa informação. Compramos silêncio,
lealdade e o que mais possa imaginar para manter a bambina de Mário,
imaculada diante da cúpula.
Minhas mãos suam, aliso minha saia tentando não mostrar como
estou apreensiva nesta cadeira. Tenho que contar sobre a gravidez e que
Deus me ajude, se ele não se compadecer.
— Como se sentiu ao saber que tinha uma filha escondida pela mãe?
— Traído!
— Mas sempre desconfiou, porque não a questionou?
— Eu amava sua mãe, e não se deve separar um filho de una
mamma.
— E de um pai?
— Jamais faria se tivesse outras alternativas, por que está
questionando isso?
— Selena está grávida, foi por isso que vim. Eles querem se casar,
mas não sabem em que isso pode repercutir para ela, per favore papà!
Mário se levanta e implora pela filha.
— Execute a sentença em mim, meu Don. Eu imploro e aceito o
lugar da minha filha. Se tiver que morrer diante da cúpula, morro sem um
suspiro sequer.
Meu pai observa o homem enorme, muito maior que ele, numa
posição subserviente, ombros encurvados, olhos baixos e mãos sobre a sua
mesa com as palmas para cima.
— Estava satisfeito com nosso acordo, Mário?
— Sim, meu Don. Foi a maior honra que me concedeu. Ter minha
filha como sua nora, carregar um sobrenome tão sagrado é a satisfação que
qualquer homem de honra aspira.
— E Otto como genro, responsável por sua bambina?
Mário engole e não consegue responder, o que tem esse Otto que os
dois entortam as bocas para se referir a ele?
— Pare com isso, Mário! Conheço o filho que coloquei no mundo e
sei que puxou os genes desvairados da falecida Bárbara, que Deus a tenha
ou o Diabo a carregue. Otto deixou de ser meu filho há muito tempo.
Renegou o clã e está foragido, e mesmo colocando uma dúzia de homens
atrás dele, não conseguem capturá-lo. Não desejaria casar uma filha com
um stronzo como aquele, nem em duzentas encarnações. Pode respirar
aliviado, erga a cabeça e olhe para o seu capo!
Meu pai olha para mim, depois volta a encarar o pai de Selena.
— Precisa levar um recado para o DiMateo. Ele deve manter
residência na Sicília, nunca afastar a esposa das suas origens. Se um dia eu
solicitar sua presença para alguma coisa, dentro da lei, ele deve obedecer.
Se o filho deles porventura, um dia desejar ser um soldado podemos
arranjar. Lembre do nosso código. A omertà deve ser seguida. E se você
abençoar a união, tem minha benção.
Solto todo o ar preso nos pulmões. O pai de Selena também solta a
respiração presa, posso ouvir a um metro de distância.
O homem agarra e beija a mão do meu pai agradecendo com tanto
fervor que me compadeço. Depois se aproxima e faz a mesma coisa
comigo, beija as minhas mãos e mesmo segurando firme a postura vejo o
olhar marejado.
— Obrigado, signorina, obrigado.
Assim que o homem é dispensado por Don Lupo, levanto-me com
Giallo alerta se posicionando ao meu lado.
— Como estava a praia de Tropea? — Meu pai apaga o charuto no
cinzeiro de ouro.
Seus olhos analisam displicentes minhas reações. Enquanto meus
pelos da nuca se arrepiam.
— Está me espionando, Lutèro?
— Não posso mais permitir exceções, bambina. Sua identidade foi
revelada a famiglia hoje e imagino que saiba o que isso implica. Concedi o
indulto por você, não foi por Mário nem sua filha, foi apenas porque me
pediu. Faço tudo por você figlia, mas não me peça para escolher entre a
Cosa Nostra e qualquer outra opção. Sempre será a Cosa Nostra. Capisci?
(Entendeu)?
Pisco os olhos rapidamente com seu olhar intenso aguardando uma
resposta, apenas consigo acenar concordando, minha garganta seca me
impede de argumentar muito.
— Escolheu minha mãe.
— Mas eu ainda não era o Capo. — O olhar suaviza e mostra o
afeto. — Bem, teremos tempo para conversar o fim de semana. Tenho
certeza que vamos alinhar nossos planos conjuntos. Que tal um lanche antes
do jantar?
Ele segue comigo e me alcança o braço para engatar no dele. O
mesmo gesto que sempre fez quando estávamos juntos nos passeios. Mas
agora não é mais o Lutèro, meu amigo. Agora é Don Lupo, o Capo dei tutti
Capi, Don da Cosa Nostra, conduzindo orgulhosamente sua herdeira para
dentro do seu império.
CAPÍTULO 69

Finalmente fizemos a viagem, meu viking precisava mesmo se


afastar de Veneza por uns tempos. Descemos direto para Puglia, ele avisou
que comprou uma casa próxima da propriedade do pai. Ela é linda, com
uma área verde espetacular na parte de trás, e cômodos enormes, muitos
deles conjugados. Estamos pintando o quarto dos bebês. Decidi fazer uma
arte nas paredes. Em um lado pintei o pequeno príncipe e no outro lado, fiz
apenas algumas minúsculas flores. Quem sabe meus filhos e eu possamos
terminar a outra parede.
Nesta, do pequeno príncipe, Tizi me ajudou a colorir e o resultado
ficou fantástico.
— Adorei a ideia de estrelas de vários tamanhos ao fundo. Ficou
lindo — elogio encantada.
— Você é ótima em desenho, por que não trabalha em telas?
— Já tive vontade, acho que vou ter muito tempo para isso agora
que não estou mais fotografando para exposições.
Olho seu sorriso lindo, e num impulso faço uma brincadeira
inocente ao pintar o rosto do meu viking com o dedo sujo de cor de rosa.
— Safadinha, também tenho uma arma dessas.
— Não Tizi, mais tarde Jess vai chegar. Se eu me sujar muito,
demora um tempo para lavar os cabelos.
— Tarde demais!
E a bagunça é geral. Tiziano me agarra com a mão lambuzada de
tinta propositalmente. Não é problema para a saúde porque compramos tinta
à base de água.
Corremos pelo quarto quando eu faço o mesmo com ele. Em
segundos ultrapassamos o corredor e já estamos fugindo um do outro pelo
jardim. Até o sem vergonha se esconder de mim, me ameaçando com uma
bisnaga de tinta vermelha. Corro muito, entrando na área verde,
procurando-o entre as árvores, sabendo que ele quer me sujar ainda mais.
Perdida dentro do labirinto de cercas vivas, sinto um braço me enlaçando
por trás no meio as plantas e me tirando do chão. Gargalho sendo carregada
quando me dou conta de que ele me encontrou. Tizi me carrega até o
pequeno bosque na saída do labirinto e me põe no chão ao pé de uma
tamareira, me prensando contra o tronco largo rindo junto comigo.
Mio amore, todo colorido de tinta, é a visão mais linda que já
admirei. Uma fotografia de encantamento. A barba mesclada de azul e rosa
o faz parecer um quadro raro o mais lindo de todas as galerias. As risadas
dão lugar a sorrisos cúmplices, eu por ele e ele por mim. Toco seu rosto
admirando meu amor tão envolvida no momento que não consigo piscar.
Ele não acaricia meu rosto com as mãos, mas com seu nariz cheirando
minha bochecha, inspirando profundamente. Adoro quando ele faz isso.
— Tô morrendo de saudades de você, bella. Não via a hora de
terminar o trabalho no quarto e sentir seu perfume único.
Me abraço no corpo gigante apertando contra mim sentindo seu
calor abrasador, rígido e cheiroso. Seus olhos encontram os meus bem de
perto. Consigo ver todas as nuances da íris azul, e como os pontos claros
minúsculos pincelam o azul intenso. Nossa respiração pesada é tão
excitante que faz meu coração bombear feito locomotiva.
— As cores ficaram mais lindas agora que estão enfeitadas de você
— diz ele com voz sussurrada.
Sinto meu rosto esquentar e ele rir.
— Está quente? — questiona faceiro, elevando um sorriso sedutor
no canto dos lábios.
— Sempre estou quente por você — respondo sincera.
Tizi toca meu rosto procurando minha boca dedilhando antes de
cobrir com a dele. Lentamente me absorve em lambidas me fazendo sentir
seu sabor de menta. Meu corpo todo aquece com o toque de sua língua
molhada lambendo meus lábios e pedindo passagem pra buscar a minha.
Sabor de felicidade, e desejo desmedido assim rapidamente se torna voraz e
sedento, muito mais da minha parte que não consigo suportar a vontade de
devorá-lo. Minha mão em sua nuca o arrastando em desespero faz com que
seu corpo inteiro acompanhe colando ao meu.
Desejo sentir, desejo Tiziano intensamente e dessa maneira minhas
mãos deslizam pelo peitoral até o abdômen trincado. Busco a barra da
camiseta branca e apalpo a pele lisa ouvindo seu resfolegar ao tocar os
gominhos. Dio! Amo tocá-lo, amo seu corpo másculo, é rígido feito rocha e
maravilhoso. Sedoso como seda. É insuportável a vontade de ser dele cada
vez que o toco, ainda mais ao constatar a ereção que se esfrega em mim.
Num impulso deslizo minha mão para dentro da calça de malha, totalmente
excitada pelo chupão no meu pescoço e os gemidos contra minha pele.
Quando agarro sua carne e sinto como ferve e pulsa, um arrepio
percorre minha espinha acompanhado de um calor entre as pernas de
derreter minha roupa e minha mente. Tizi volta a tomar meus lábios, voraz
mordendo e beliscando com seu jeito erótico sugando o ar e meu lábio em
desespero, me fazendo deslizar os dedos e apertar com vontade a ereção
pulsante.
Sinto-me molhada, latejando e em chamas por ele. Ao deslizar para
a ponta, minha mão aproveita o pré gozo deslizando ainda mais. Fecho as
pálpebras por um instante, pois meus seios pesam e meus mamilos estão
duros e doloridos. Ao abrir o vejo morder forte seu próprio lábio com seu
rosto imerso em dor. Toco com a outra mão seu rosto, preocupada
desfazendo esse ato.
— Por que se fere mordendo assim?
Olho de pertinho para a boca vermelha pelo meu beijo e seus dentes.
E inspiro longamente mantendo a minha mão em sua ereção, acariciando e
escorregando gostoso.
— Te quero tanto, Selena, sou viciado em você. A desejo a todo
momento, quero te marcar em cada pedacinho como minha, assim como me
sinto inteiro seu. No entanto, não quero me mostrar ansioso, mas a cada
toque, a cada beijo, meu corpo não obedece e tenho medo da minha
intensidade.
Encaro o olhar intenso que amo, ao qual me perdi desde a primeira
vez que nos encaramos.
— Olhe, para mim, meu amor — peço alisando sua boca marcada
pelos dentes.
— Olhe pra mim, meu amor — Selena não tem ideia do tamanho do
sentimento que tenho por ela. Que um simples toque mexe com todo o meu
ser.
Não é só o físico estonteante, é a coragem que ela tem de viver, de
passar por tudo o que passou e não perder a doçura e a sensibilidade.
— Tizi, não se machuque para controlar seu desejo... você me
descontrola emocionalmente e fisicamente cada vez que se aproxima,
sabia? E amo isso apesar de muitas vezes não saber lidar com nossa
intensidade, quero sempre tudo de você. Não se limite se ferindo ou se
preocupando se o acho ansioso ou não, porque quero tudo de você sempre
enquanto eu viver. — Sorrio um pouco menos tenso e acolho suas palavras
entrando na mente me acalmando. — Você quer a minha boca nele, meu
viking? — pergunta enquanto o alisa.
Cazzo!
— Aqui no jardim?
Sinto meu corpo estremecer e o pau latejar em desespero para se
derramar em sua língua. Ela sorri tímida, beija e chupa meus lábios e língua
fazendo com que eu imagine as sugadas em outro lugar. Selena me destrói
com suas ações impetuosas e inocentes, e sua voz em tom doce e baixo é
sexy como o inferno!
— Nós não tivemos uma comemoração ousada pela chegada das
crianças. Talvez depois seja difícil fazer uma loucurinha dessas.
É doce, é perfeita essa minha principessa.
— Eu quero aqui. Sou viciada em tudo o que você é.
Encosto a testa na dela respondendo ofegante.
— Porra! Minha pequena, não fala desse jeito ou vou gozar na sua
mão.
Minha respiração rápida atinge seus lábios, a vendo sorrir aquele
sorriso inocente de menina mulher que eu amo. Sinto-o pulsar parado na
mão dela, fervendo, com as veias bombeando na palma macia e quente me
deixando maluco. Observo seu olhar embriagado de desejo, e vejo todos os
sinais de sua excitação. Deslizo seu lábio com uma lambida lenta e gostosa
a fazendo sorrir.
Tô a ponto de implorar para que me deixe possuí-la aqui mesmo! É
intenso demais o que estou vivendo! Me sinto incendiando por dentro com
cada palavra e cada toque.
— Quero que você não feche os olhos em nenhum momento,
Tiziano. Quero que veja a minha boca lhe dando prazer.
Rosno um gemido ansioso e a beijo desesperado balançando a
cabeça concordando feito um garotinho acatando sua ordem. Não me
preocupo em estar no jardim, pois estamos num ponto onde não há como
algum dos seguranças nos ver aqui. A propriedade é enorme e segura. Volto
a encará-la e ela sussurra tão próximo que o timbre baixo e suave nos meus
lábios é enlouquecedor.
— Promete não se machucar controlando, amore?
Sorrio próximo a sua pele e respondo ansioso:
— Ah, minha preciosa, nem que eu arrancasse um pedaço do meu
lábio mordendo, conseguiria controlar, você não tem ideia do que faz
comigo, Selena.
Minha barba é afagada como ela sempre faz, com um carinho de
quem me conhece e foi feita para mim.
— Também não tem noção do que sinto quando toco em você. É
muito importante pra mim te mimar como me mima a todo o momento. —
Essas palavras e seus olhos brilhantes me encarando com desejo e ternura
me deixam completamente fascinado.
Suas delicadas mãos escorregam na minha cintura e deslizam os
dedos no cós da minha calça suja de tinta, puxando para baixo junto com a
box. Sinto a brisa arrepiar minha pele sensível. Selena se ajoelha e me
instrui a tirar a camisa e me inclinar me apoiando no tronco da árvore. Fico
nu, tomado por um pequeno tremor nas pernas pela antecipação. Essa boca
me dando prazer é minha perdição.
Observo ela ajoelhada sobre minha roupa o admirando. Ajoelhada
para ele e sinto seu hálito quente em pequenas rajadas por seus lábios
perfeitos.
— Você é lindo Tiziano, você é todo lindo, uma perfeição.
Ah! Esse elogio não é só para inflar meu ego, é sincero, pois os
olhos estão vidrados no pau e ela o agarra com a mão firme, escorregando
lentamente por meu comprimento, espalhando o pré gozo com os dedos, me
encarando e buscando orientação com seu olhar luxurioso.
— Selenaaaa... não tortura, por favor!
Sinto meu corpo flutuar quando ela roça seus lábios suavemente
pela virilha, depois acima do meu pau, descendo entre as coxas e tudo isso
segurando meus quadris. Os beijos molhados iniciam com sua língua quente
delicadamente em meu abdômen. Selena beija e lambe minha pele, o pau
lateja desesperado e as bolas doem em necessidade.
Minha amada continua explorando meu corpo, as mãos são suaves,
e cada vez que deslizam explorando, mais sensações tomam meu corpo.
Acaricio seus cabelos bagunçando os fios, tentando buscar o ar, ofegante. E
ela está apenas explorando a pele ao redor dele, sem alcançá-lo.
Cada toque, cada olhar exige um controle absurdo para não a
colocar sentada no meu pau e devorá-la com toda a minha paixão.
Porém, nunca senti um carinho tão grande e intenso de uma mulher.
É uma delicadeza gostosa, de quem quer aproveitar o máximo do que vai
fazer e como posso impedi-la?
Sonhei com esse momento por tantos anos, e estou
extremamente feliz porque a realidade com ela é infinitamente melhor.
Ouço seu gemido baixinho quando se inclina e passa a cabeça
pingando pré gozo nos lábios, faz lentamente como se fosse um batom
provando de forma curiosa, me fazendo saltar no chão.
— Ahhhh!
Selena me acaricia e vê como estou melado. E com seu rosto
delicado desliza carente, cheirando minhas bolas e minha virilha. Percebo
minhas veias proeminentes saltadas, em um controle extremo, porém é
inevitável. A visão da minha mulher adorando o meu pau faz a pequena
fenda da cabeça inchada liberar meu desejo sem controle, escorrendo minha
excitação e fazendo meu saco doer ainda mais. Firmo minhas pernas com o
coração acelerado aos pulos, batendo como um tambor dentro do peito.
— Tizi me ensina o que você gosta? Quero tanto ser boa para você!
Deus do céu! Essa fala tão inocente e ao mesmo tempo sedenta, me
deixa insano.
Cazzo! Não consigo nem responder direito, é como um sonho essa
mulher.
— Eu gosto... De você ... Só de você, amore mio.
Do jeito que ela fizer será o paraíso, fecho os olhos por um instante
quando sinto a língua limpar a cabeça inchada e soltar um gemidinho que
parece de uma gata manhosa, o arrepio é como uma chibatada.
— Selena, pell... Amoooore di Dio!
— Seu gosto é bom. Gosta assim? — pergunta com voz doce e meio
insegura, é de perder totalmente a sanidade.
Seus olhos brilham ao me encarar enquanto a mão apalpa minha
ereção rígida, seus lábios beijam a ponta e a língua quente brinca circulando
molhada, cás.pi.ttaaa!
Agarro seu cabelo um pouco mais firme e ordeno:
— Coloca ele na boca ... assim por inteiro, chupa bella … isso…
ahhhhh… isso minha pequena, engole gostoso porque ele é todo seu.
Fecho os olhos pela sensibilidade e me seguro pra não gemer alto.
Sua língua faz círculos lentos, depois lambe com mais segurança
deixando a cabeça dele molhada e escorregadia. Sinto uma fisgada violenta
que se alastra pela minha coluna. A boca quente, pequena e aveludada é
como uma nuvem de calor que acalenta meu pau. Cazzo! Essa exploração
cuidadosa é pra acabar com qualquer bastardo!
Preciso ver meu pau sendo sugado inteiro pela boca deliciosa e
quente da minha pequena mulher.
— Ahhh Dio! Isso … amore quero mais … está quase todoooo! Que
boquinha deliciosa! — me descontrolo no prazer absurdo.
Num ímpeto guio seu rosto lentamente para ainda mais perto, para
poder deslizar até o talo na sua boca rosada e úmida.
Ela começa a me engolir devagar em um ritmo torturante e chupa
até a base de uma maneira tão erótica, que meu corpo convulsiona em
pequenos espasmos, e como reação involuntária, inclino meus quadris para
sua sugada dos deuses a ponto de ficar nas pontas dos pés em total
desespero.
Respiro com dificuldade e seguro seus cabelos com uma mão
admirando os lábios rosados escorregando. Mordo o lábio pra não gritar e
puxo seus fios praticamente implorando controle que não possuo, pois não
consigo suportar.
Ela segue lambendo da base ao freio e seus olhos parecem drogados
em transe. Sinto minha pulsação no limite. Selena abocanha de forma tão
sexy, e chupa com uma carinha tão entregue que urro delirando e me
apoiando na árvore como um homem embriagado em luxúria. Porra! Não
vou aguentar mais!
— Ahhhhh... Bella você me estragou para tudo! É impossível viver
sem você!
Ouço Selena ronronando baixinho enquanto me chupa adorando
meu pau, devorando-o com desejo e prazer. Geme e me massageia com a
mão molhada com saliva e pré gozo que vaza de tanto tesão do meu pau até
as minhas bolas. Me engole num ritmo rápido, uma e outra vez, num vai e
vem perfeito e cada movimento é mais sedutor. Ela me suga como se
estivesse me venerando em um beijo quente e me degustando em uma
refeição torturante, me deixando maluco.
Lágrimas de esforço rolam de seus olhos, mas ela não pára, parece
impulsionar mais. Essa visão está tão fantástica que tento num esforço
segurar um pouco mais, porém é impossível. Sinto ela extrair tudo de mim,
sugando como uma miragem colorida e deliciosa da mulher mais sexy e
gostosa que conheci na vida. A minha Selena, o meu sonho.
Meu corpo estremece inteiro sentindo a porra sair em jatos longos e
rascantes, e para completar sinto sua garganta me mamando e massageando.
Sorvendo cada gota ao engolir tudo. Jogo a cabeça pra trás numa vertigem,
todas as minhas extremidades estão sensíveis, e quanto mais ela chupa,
mais espasmos acometem meu ser, zonzo de prazer, chegando forte e
intenso no meu orgasmo alucinante. Respiro com dificuldade tentando
recuperar o fôlego apoiado no tronco com ela ajoelhada entre minhas pernas
em frente ao meu pau molhado. Sinto a respiração forte e quente sobre ele.
Deslizo ao chão sentando sobre a roupa e a guio sobre as minhas pernas.
Ela não consegue dizer nada, ofegante e cansada, então apoio seu corpo em
meu peito.
Quando conseguimos recuperar a respiração a beijo apaixonado e
deliciado com tudo que ela me deu, agradecendo o momento mágico neste
jardim.
— Isso foi lindo, … foi perfeito ... você é perfeita para mim. E antes
que diga algo contra isso, suas imperfeições também são minhas para amar,
cuidar e sarar quando houver dor. Minha bella, minha Selena.
Deslizo meu rosto no dela sentindo nossa conexão e querendo mais
desse momento.
— Preciso de você, preciso mais que o ar nos meus pulmões…
Ela não me deixa pedir, só se entrega às minhas mãos e corpo,
quando habilmente se livra da blusa fina e seu sutiã.
Assopro seu rosto e colo, pois vejo como suas forças se esgotaram,
não consigo parar de tocá-la e sorrir como um bobo apaixonado, e foda-se!
Sou mesmo maluco por ela. Toco seu rosto num afago cuidadoso e o verde
dos olhos me encontram, muito mais verdes e brilhantes, lindos demais.
— Fiz do jeito que você gosta, Tizi? — a voz baixa pergunta me
encarando. Me aproximo colando meu rosto e beijando seus lábios,
agarrando sua cintura ajudando a tirar a bermuda, tô em transe de vontade
de sentir seu calor, sua pele, ser minha e eu dela.
— Foi muito mais do que eu “gosto”, nunca senti tanto prazer. Foi a
melhor sensação da minha vida... Foi fantástico... Sou louco por você,
maluco e isso que você fez, jamais vai sair da minha memória.
Seu sorriso sincero faz meu peito aquecer de alegria, belisco seu
lábio superior com meus dentes, ela ama minhas mordidas e sorri contente.
Selena acaricia meu rosto e se aproxima me beijando docemente.
— Adorei dar prazer a você assim, meu Viking — fala ela para o
meu cérebro assimilar que sou dela, eu sou, todo e completamente.
Agarro seu corpo sentindo a umidade dos seios me fazendo salivar.
Ergo-a pela cintura e os encontro perfeitos e prontos para mim. O doce na
minha língua me faz abocanhar mamando com vontade ouvindo seus
gemidos apreciando minhas sugadas vorazes. Aperto em uma massagem
fazendo o leite espirrar em minha boca e ela gemer lindamente me deixando
desesperado de tesão.
Ela alisa minha nuca, alternando com as pontas dos dedos e
pequenos arranhões deliciosos. Puxo seus cabelos para trás para ter acesso
ao pescoço e subo lambendo e ouvindo ela dizer pra amá-la por inteiro.
— Você me faz um homem completo, vivo para lhe amar, minha
fome de você é tamanha, que eu poderia lhe morder inteirinha, lhe marcar
como minha para o mundo saber que faço parte de você — falo já
mordendo o topo do seio e chupando ganancioso em seguida.
— Ahhhhh…. — ela geme melódica e pergunta grogue de desejo —
Você quer me devorar, amore?
— Selena, mesmo que lhe devore, ainda assim nunca ficarei
satisfeito.
Minha amada me oferece a luz do seu sorriso, acariciando meus
cabelos me fazendo olhar em seus olhos que estão totalmente verdes,
brilhando como nunca vi.
— Quero você na mesma medida, Tiziano, nunca duvide — ah!
Cazzo! Amo essas declarações em meio a gemidos.
Acomodo seu corpo sobre meu pau que está pronto, aproveitando o
encaixe perfeito. Ela geme em meu ouvido, bem próximo dizendo como
está gostoso, como sou gostoso. Dio! Seu sexo me engole centímetro a
centímetro, e sua voz como um canto de sereia que me enfeitiça, me
envolvendo numa experiência extracorpórea. Sinto-me em outra realidade
com o corpo pequeno e sedoso agarrado a mim suado, quente exalando seu
perfume de lavanda e aroma de mulher. Tão delicada me acomodando
inteiro, entregue, me tomando, desejando e sendo minha em qualquer lugar.
— Adoro quando me abraça desse jeito, quando me aperta
possessivo, me faz sentir que estou em casa, não para ... por favooor, meu
amor!
Geme ela rebolando e se ajustando ao meu tamanho. Selena acelera
na cadência da ânsia do clímax esmagando e mastigando minha carne pelas
contrações vaginais da sua boceta doce...
— Goza pra mim, vita mia!? Me devora que sou todo seu, te amo
demais, você é a mulher da minha vida, a única razão de eu respirar…
Selena me olha piscando os cílios parecendo se emocionar, e a
ligação é tão forte que ela se inclina um pouco para trás me direcionando ao
seio, adivinhando o que preciso nesse momento. Sinto a porra na borda.
Sugo forte os mamilos quentes e macios da minha pequena e é tão bom!
Tão gostoso! Tão meu céu! Envolto em seus gemidos melodiosos, ouço sua
fala cantada em meio aos gemidos e sinto meu corpo flutuar em um
subespaço no qual nunca visitei em tal prazer ...
— Ti amo, Tiziano, ti voglio tanto, mio amore! (Te amo, Tiziano, te
quero tanto, meu amor)
Sei que às vezes alucino de tanta emoção e escuto palavras que
quero ouvir. Selena me ama, sei disso, mas tem dificuldade de trazer isso
em palavras. Será que ouvi bem? Ela me enlaça os ombros, agora pós gozo.
Meu amor segura meu rosto com as duas mãos, beijando e lambendo minha
boca eufórica e faminta.
— Desculpa, desculpa demorar tanto, mas minha mente não
conseguia confessar. Eu amo você, te amo demais e sentir essa intensidade
me faz ter medo de não conseguir segurar isso tudo que estamos vivendo
por todo o restante dela. Perdão por não dizer essas palavras antes e
retribuir cada vez que você diz. — Seu olhar me busca sofrido e angustiado,
mal sabe ela que não consigo respirar de emoção.
— Eu te amo tanto Tiziano! Te amo e minha paixão é quente e forte
o suficiente para me tirar do chão e me mostrar que desde que meus olhos
encontraram os seus naquela rodovia, desde que esbarrei em você naquele
posto, não consegui pensar em mais nada a não ser que me fizesse sua para
sempre. — Suas mãos movem-se acarinhando minha barba como se as
palavras não fossem suficientes, mas é tudo o que preciso. — Preciso
confessar agora. Nunca esqueci você, todos os dias eu só pensava em você.
Eu amo tanto que dói e doeu durante a maior parte desses anos. — Dio!
Não esperava essa declaração tão profunda agora.
— Sabe por que eu não conseguia abandonar a dor que me
consumia com relação a nós? Porque isso significaria abrir mão de nós! E
você é a única parte de mim sem a qual eu não conseguiria viver. Não posso
viver sem seu amor, Tiziano DiMateo.
A emoção vem a pele e derrama de meus olhos, muito mais ao
lembrar de como ela sobreviveu a tanto sofrimento sem eu estar presente
para ela. Selena me amando dessa maneira é como se o universo tivesse me
dado um punhado da poeira do tempo e mostrando que tudo valeu a pena,
para tê-la aqui me dizendo que toda minha entrega, paixão e amor são
recíprocos.
Me agarro a ela, sem conseguir pronunciar uma palavra. O que
acabei de ouvir penetra direto no fundo da minha alma.
Sua sinceridade é nítida e corajosa, mesmo com medo de se
declarar, me faz ver que somos apenas humanos em nossas fragilidades
tentando se encaixar e colar nossas peças quebradas com a cola da
cumplicidade e amor.
Não quero que ela tenha medo e se arrependa em dizer o que sente.
Expressar em palavras esse amor que não faz só bem a mim, mas a ela
também. Sinto o pavor que minha pequena tem de sofrer e isso me rasga.
Selena beija minhas lágrimas, então decido falar:
— Só tenho que lhe pedir perdão, bella, você me amava todo esse
tempo e eu só fiz mal a você mesmo te amando de forma avassaladora.
Ah... Selena como meu amor era tóxico no início. Eu a amava, sonhava,
chorava e sofria por você todos os dias de forma agonizante. Mas tive que
sofrer e infelizmente a fiz sofrer para aprender a te amar sem egoísmo. Não
sou perfeito e provavelmente ainda vou errar adiante, mas dedico minha
vida a você, a nossa relação e a nossa família. Eu quero sentir isso!
Deslizo minha face em seu rosto e coloco a mão no meio dos seus
seios, sentindo seu coração acelerado.
— Quero sentir seu coração batendo por você e por mim e isso será
o suficiente para lutar, cair, levantar e lutar novamente por nosso amor
sempre. Te amo mais que tudo que possa existir nesse universo, Selena. Eu
renasci da minha dor só para te amar. Não quero que tenha medo que um
dia eu te afaste novamente, porque não vai acontecer. Jamais aquele velho
Tiziano estará entre nós, nunca, me ouviu? E vou garantir isso todos os dias
da minha vida com você. E preciso que tenha certeza disso.
Ela balança a cabeça compreendendo entre lágrimas com um sorriso
lindo que acaba em meus lábios, beijando carinhosa e amorosa.
— Eram outras partes nossas, meu amor. Essas partes eram tristes e
perdidas. Sei que ainda as carrego dentro de mim e que elas com suas
pontas afiadas me machucam, mas tenho esperança que vamos reconstruir
uma nova vida maior e mais forte, agora juntos. Por isso preciso abrir meu
coração. Te amo, meu Tiziano, não vou deixar de dizer isso nunca mais.
Preciso que me ajude a reconstruir uma parte dentro de mim e sinto que
nosso amor pode fazer isso. Só quero que lute comigo, porque a batalha
sozinha é muito triste e dolorosa, já com você sinto que sou invencível,
você é minha força.
— Obrigado, por voltar pra mim, e ter dado essa segunda chance pra
nós.
Sinto o narizinho cheirando minha pele e não consigo mensurar o
amor tão grande dentro de mim por ela, que não sei como é possível cada
dia aumentar mais. Ficamos assim em silêncio por alguns minutos sentindo
os afagos mútuos, nus escorados no tronco sob a sombra da tamareira.
— Você acredita no poder da natureza, Tizi? — pergunta ela
aninhada em meu pescoço.
— Acredito, por quê?
— Não sei, o que fizemos aqui agora foi algo diferente. Senti uma
força que me impelia a desbravar os meus medos. Me fez falar o que eu
sinto, foi tão forte que eu queria explodir gritando que te amo. Foi uma
energia além do meu controle. Acho que esse solo é de alguma forma
mágico.
Sorrio alisando as costas nuas, beijando sua testa.
— Mágico talvez não, mas sagrado é provável. Nonna disse que nos
tempos antigos nosso povo vivia da terra, e a cultuava de maneira diferente,
só descobri que éramos ciganos quando tivemos aquela discussão.
— Tem conversado com eles?
— Liguei ontem para saber se precisavam de algo.
— Sabe o que eu penso sobre essa distância que você impôs ao seu
pai e sua avó. São sua família, não os reduza ao erro deles. O passado não
pode ser mudado, mas o futuro é nosso e agora dos nossos filhos. E eles
precisam da família unida. Toca seu ventre com carinho e isso mexe muito
comigo. Nossos filhos, uma linda mistura de nós dois.
— Tem razão, vou resolver isso assim que nossos hóspedes se
forem.
— Acho que é melhor voltarmos para a civilização, meu amor.
Jessica não vai demorar a chegar. Preciso de um bom banho e lavar todo
esse cabelo dá trabalho. — Não vai demorar, porque vou ajudar a lavar o
seu cabelo e seu corpo, esqueceu nosso ritual? — indago malicioso e ela
sorri.
— Hum, essa ajuda me agrada muito.
— É, minha pequena, então vamos, que tô louco para aproveitar um
banho gostoso com você.
Voltamos de mãos dadas pelo jardim, sorrindo e conversando sobre
nossos planos.
Encontramos um dos seguranças à nossa procura.
— Senhor Tiziano, sua irmã acaba de cruzar a guarita na entrada da
propriedade.
— Obrigado, Castelli, pode liberar a entrada assim que chegar no
portão.
— Tizi, posso fazer um pedido?
— Qualquer um, e será atendido prontamente.
Meu rosto entregue em suas mãos pequenas e seus beijos doces me
derretem.
— Não vai implicar com o namorado da sua irmã!
— Você já o conhece? Como?
— Se é quem eu penso, tivemos um incidente inusitado na Espanha
onde os dois se conheceram ano passado.
— E suspeito que não vou receber detalhes desse incidente.
Ela nega segurando o riso, parecendo uma menina sapeca. Sorrio
distribuindo beijos em todo seu rosto.
— Por você eu faço qualquer coisa.
CAPÍTULO 70

Depois do banho rápido e de banhar minha mulher, deixo-a para se


vestir, e vou para a sala receber minha irmã e seu namorado que já
chegaram, conforme a governanta avisou.
Ao chegar na sala, me deparo com um homem tatuado enorme,
agarrando a minha irmã, que mais parece uma lolita deslumbrada
conversando com ele juntinho na poltrona.
Esse comportamento não é o perfil de Jess.
Limpo a garganta chamando a atenção do casal.
— Irmão? Que bom te ver.
Dou um abraço apertado nela, animado por finalmente encontrá-la
depois daquele dia que partiu de Veneza com Olivia.
— Jess, você está ótima, que saudades!
— Você é que está ótimo.
O homem depois de me escanear de lá do seu assento, se aproxima.
Vestido como um homem de negócios, camisa e calça bem cortada, e cabelo
alinhado para trás. Não usa barba e nem tem piercing, mas os antebraços e
mãos têm desenhos interessantes.
— Tizi, este é meu namorado, Aleksandar.
— Sasha para os íntimos. Satisfação em conhecer o irmão de
Jêssica. — Aceito o aperto de mão.
— É muito bom conhecer o namorado da minha irmã, primeira vez
que ela apresenta alguém para a família.
— Só pra você por enquanto, Tiziano. — Jess fica envergonhada e
me surpreende isso acontecer.
— E onde está bionda?
— Logo vai se juntar a nós, estava no banho, mas tinha saído da
ducha assim que vim pra cá.
Espero alguma brincadeira ou comentário, mas Jess está diferente.
Existe uma tensão no ar.
— Tiziano, nossa visita, é especialmente para conversar.
— O que está acontecendo?
— Calma, irmão. Não falamos mais depois das revelações da
família.
— Não está ajudando, Jessica! O que é?
— Aí vem ela! — simplesmente abre o maior sorriso que já vi e
abraça minha pequena, me deixando sem respostas.
— Jess, que bom te ver minha amiga.
— Ah, bionda! Não podemos ficar tanto tempo sem nos ver! E
agora serei titia! Olho para o homem parado, simplesmente encantado com
a interação das duas, a maneira que olha pra minha irmã, é de um zelo de
amor. O cara a ama.
— Oi Sasha, como vai?
— Muito bem, senhorrrina Selena. Parabéns ao casal pela gravidez.
— Obrigado — respondo. — Você é Russo? Como conheceu minha
irmã?
— Amore? — Selena se aproxima com a mão no meu ombro e me
olha daquele jeitinho doce. — Vamos à sala de jantar, o lanche está na
mesa. Nossos convidados estão cansados e seus filhos precisam comer.
— Filhos? São dois? Como já sabe? São... São gêmeos?
— Longa história irmã, mais tarde. Vamos fazer a vontade da dona
da casa?
— Hum, Tiziano tão paternal, gostei disso! — Jessica ri nos
seguindo para a sala de jantar com o russo a tiracolo.
O clima da refeição é leve e agradável. Jessica diz que passou por
Tropea antes de ir a Sicília e retornar.
Selena se alimenta bem, ama os bolinhos, as frutas e o suco natural.
Gosto de vê-la comer assim.
Depois do momento descontração, minha mulher leva Jess para ver
o resto da casa e o que estamos fazendo com o quarto dos bebês. No
entanto, minha mente está no assunto que Jessica precisa falar. O homem
atende uma ligação e pede desculpas para se afastar, tagarelando em russo.
Quando as meninas retornam do tour, um olhar de minha irmã, me diz que é
o momento para o assunto sério.
Sentamo-nos do lado de fora, na área da piscina, à tardinha vai
terminando com o sol se pondo no horizonte.
— Selena, lembra quando conheci o Sasha?
— Lembro, como poderia esquecer? — Sua risada gostosa não me
acalma.
Coloco minha pequena sentada ao meu lado na espreguiçadeira e a
abraço.
— E recorda quando chegamos no hotel e eu disse que investigaria
sobre a conversa em russo que eu ouvi?
— Sim. — Seu semblante muda ao ver Jess tão séria, me olha e nota
a apreensão em meu rosto. — O ... o que está acontecendo?
— Calma amore, não fique nervosa. Não é nada grave não é, Jess?
— Encaro severo o olhar de compaixão de minha irmã e fico ainda mais
apreensivo.
— Jessica, por favor? Precisava disso agora?
— Aquela noite ele e Vance falaram coisas estranhas.
— Como é? O merda do porshe se encontrou com você, ... vocês?
— olho para as duas que me encaram sem reação.
— Nada demais, amore, foi uma perseguição e ele levou um tiro,
nós socorremos — explica minha mulher como se fosse uma partida de
futebol.
— O quê? — Olho de uma para a outra e vejo o russo segurando o
riso.
— Me diga que aquele abusado morreu ou o tiro alejou seu pau!
— Tiziano! — repreende minha irmã.
A gargalhada do russo me surpreende e rapidamente ele se esconde
no pescoço de Jess.
— Desculpe, eu tirei a bala e ele não morreu, e foi no ombro, aliás
— diz o homem em meio às risadas.
— Aquele abusado queria minha Selena, sabia? E o cara me
provocava sem medo!
— Medo ele não tem, mas posso assegurar que era só provocação.
Viktor não se envolveria com Selena.
— Como pode ter certeza? Vocês são amigos?
— De infância — ressalta mia ragazza.
Estreito o olhar para o homem que cala consentindo.
— Dio óstia! Posso terminar?
— Claro, Jessica. Termine o que dizia.
— Eles se referiam a nós como as princesas dos inimigos. Descobri
primeiro que Sasha é da Bratva!
— Máfia Russa! — Eu e Selena exclamamos juntos.
— Sim, e eu sou filha do chefe da Cosa Nostra.
Selena se afasta do meu lado e vai até amiga.
— Ah, Jess, sinto muito!
Selena não se deu conta que minha irmã falou no plural. Sasha
desvia os olhos e Jess corre um rápido olhar para mim. Eu compreendi a
merda toda, por isso seus pais virão nos visitar daqui a dois dias.
— E o que isso te envolve, Jess? — pergunta Selena.
— Minha vida não é mais minha. Tem muita coisa que preciso pedir
autorização para o chefe da famiglia.
— Mas ele é seu pai, né? — rebate de modo doce e inocente.
— Não nesse sentido. As ordens do Capo são a lei. Se ele decidir
um noivo para mim, não posso recusar. — Sasha comprime os lábios e
fecha o punho do lado do corpo.
— Por isso você não o apresentou para ninguém?
Minha apreensão é visível, Selena não se dá conta do que Jess está
fazendo. Minha irmã veio aqui nos dar um aviso que talvez nossa relação
esteja ameaçada.
Mas eu morro antes de deixar Selena, isso jamais vou permitir.
— Preciso beber um drink. Vem comigo, Sasha?
O homem acena e me acompanha.
— O que preciso fazer? — pergunto assim que chegamos no home
bar da minha sala.
Sirvo um uísque e ele aponta para a vodka.
— Nada. Precisa aceitar as regras. Não tô autorizado a falar sobre
isso, até porque sua irmã pouco contou da visita que fez ao pai para
interceder por vocês.
— Ela fez isso? — Bebo as duas doses de uma vez, sentindo o bom
ardor na garganta.
— Fez. Disse que conseguiu o indulto sob algumas regras.
Provavelmente seu sogro é quem vai ditá-las.
Respiro umpouco aliviado enquanto ele bebe do seu copo.
Está visivelmente chateado.
— Vocês não terão a mesma sorte que eu, presumo.
— Provavelmente não.
— E o que pretendem fazer?
— Ainda não achei uma saída pacífica para isso.
Arregalo os olhos bebendo mais um longo gole.
— Cazzo! Tem ideia de que regras podem ser essas?
— Pode ser qualquer coisa. Desde trocar a equipe de segurança por
homens deles, pagar tributo, até fixar residência no território da
organização.
— Será feito, se precisa trocar o teto das minhas casas eu troco. Se
as paredes não estão de acordo, mando derrubar, se tiver que replantar os
jardins inteiramente novos, eu faço. Se eu tiver que viver na Sicília o resto
da vida pra ficar com ela, assim será. Beijo os pés do homem se ele exigir,
nenhuma imposição é grande demais que eu não possa cumprir. Desde que
não me separe dela eu cumpro a exigência que for.
— Yebat!(Porra!) Queria poder agir como você!
— Por que não pode?
— Não sou um mero soldado e sua irmã não é uma simples filha de
um capitão. Ela é a princesa, ela vale o peso em ouro se o homem exigir.
Terminamos nossas bebidas em silêncio, cada um com seus
demônios tentando acabar com nossa paz.

Há dois dias minha irmã e Sasha partiram e desde aquela conversa


não consigo formular pensamentos que não sejam relacionados a máfia.
Meus sogros chegaram há pouco, Selena os acompanhou até os
aposentos que foram reservados para eles. Sua mãe chegou reclamando do
calor e de um borrachudo que picou seu pé. Disse que precisava de um
banho urgente.
Quase soltei uma gargalhada, a mulher parece a esposa de um
monarca, cheia de exigências e engessada igual uma escultura neoclássica.
Eu já tinha conversado com seu Mário daquela vez da troca de residência
das meninas na Espanha, mas dona Dalila, ainda não tive a oportunidade.
Agora compreendo a preparação de mia ragazza ao aguardá-los, não
é pelo pai e sim pela mãe. Tô no bar preparando uma dose de uísque e
orientando meu funcionário.
— Santino fique a postos quando eu solicitar, mas prefiro eu mesmo
preparar a bebida do meu sogro. Uma forma de estender minha
hospitalidade.
— Como preferir, senhor Tiziano.
Bebo um gole da minha bebida quando Selena retorna da inspeção
com a equipe do jantar e me abraça por trás.
— Tá feliz, amore mio?
— Um pouco nervosa, mas tô — expressa com um meio sorriso.
Giro o corpo e a beijo.
— Um pouco menos nervosa agora? — Agora o sorriso doce
aparece, mas infelizmente não acalma o turbilhão dentro de mim.
Não sei o que meu sogro vai exigir, vou cumprir, mas a que preço
para Selena? Ela não pode entrar em uma crise agora, grávida dos nossos
filhos. Tenho medo de sua saúde regredir toda a evolução que teve.
— Pedi para a Santino providenciar um suco natural de uva verde e
maçã, para você enquanto bebemos os drinks antes do jantar.
Guio minha pequena até a poltrona e a vejo alisar o vestido
marfim de modo ansioso.
— Você está linda, bella.
— Talvez se eu usasse aquele vestido mais fechado em cima,
combinaria mais.
Ao sentar ao seu lado afago seu rosto.
— Escute, você disse que eu sou sua força. Mas você é a fortaleza
aqui. Você é a dona da casa, a dona da sua vida, da sua vontade. Não é sua
mãe.
Ela ouve com atenção olhando dentro dos meus olhos.
— Você precisa se sentir bem na sua própria pele. Sua roupa tem
que ser do seu agrado. Assim como tudo o que preparou para recebê-los.
Você fez o seu melhor?
— Sim.
— É justo você agradar os seus pais, mas eles são os hóspedes.
Quem manda aqui é você e se ela não gostar de algo da sua roupa, da nossa
casa, do menu que você estudou com a equipe durante o dia inteiro para
agradá-los, o problema é dela. Sua vida é independente de dona Dalila e
você está ótima lidando com tudo ao seu modo.
Mia ragazza se lança em meus braços e me beija aos sorrisos.
— Obrigada por ser meu tudo — sussurra.
— Não esqueça, deve mostrar isso e se impor como a dona da casa.
O som de um limpar de garganta interrompe nosso momento, mas
vejo que Selena compreendeu nossa conversa, pois se acomoda com graça
ao meu lado cruzando a perna menos tensa.
— Adoramos as acomodações — diz a mulher muito polida.
— Que ótimo, bebem algo antes do jantar? Será servido em breve,
sentem-se conosco — Selena convida olhando para a mãe.
— O que prefere, meu sogro? — observo a grande estatura se
acomodando na poltrona “L” de frente para Selena.
Mário desvia a atenção das duas e me olha curioso quando eu
mesmo vou até o home bar e começo a preparar minha bebida.
— O que está bebendo?
— Estou no uísque.
— Perfetto, eu acompanho, sem gelo.
Tomo meu tempo em preparar as doses para o homem, enquanto
ouço um pouco da conversa deles.
— Fico feliz que está bem, minha filha. E seu tratamento? Está se
cuidando? — pergunta a mãe.
— Estou, percebo que a rotina se torna cada dia mais fácil. E viajar
está me fazendo muito bem.
— E seu trabalho? Pretende fazer exposições no país, agora que se
mudou?
— Por enquanto ainda não pensei em trabalho, pai.
Levo o copo até o homem que mesmo disfarçando, é uma águia em
sondar a movimentação dos funcionários, dos seguranças do lado de fora,
pela porta janela. E em mim seu olhar inspeciona, mas não sei bem a
procura do que.
— E você Tiziano? Tirou uma licença da empresa? Sei que comanda
pessoalmente o processo de criação na sua holding. — Bebo um gole do
uísque sem demonstrar absolutamente nada do que estou pensando.
— Não totalmente, ainda tenho algumas reuniões por
videoconferência, mas meu tempo escolhi dedicar primeiro a sua filha.
— Hum... Ensaiou direito, rapaz! Está tentando ganhar o sogro
agora? — A risada do homem não soa divertida para mim.
— Não é ensaio, senhor Mário. Sou um homem de família, e minha
dedicação é sincera a sua filha não para ganhá-lo de alguma forma, mas
porque a amo e quero me casar com ela.
O homem comprime os lábios e olha para a esposa que enlaça seu
braço sentada ao seu lado. A tensão paira no ar como um monstro faminto.
Ele bebe outro gole e olha para a filha ao meu lado que aperta minha mão
entrelaçada.
— Então faça o pedido, é ela quem deve aceitar. — Acho que ele
imagina que eu não esteja preparado para isso, não falou as regras, porque
conclui que de outra forma eu fugiria.
— Você dá a sua benção, pai?
— Você o ama, figlia?
— Amo muito. — Ela sorri ao olhar calorosamente para mim.
Ele acena como uma deixa para mim. Então deixo o copo na
mesinha e me ajoelho diante dela. De dentro do bolso da minha calça pego
a pequena caixa aveludada e a abro, revelando o anel de esmeralda.
Mia ragazza fica muda, quando o tiro da caixinha. Seu olhar
marejado o admira com encantamento. Mandei confeccionar na joalheria
Buccelatt[xxix]i, uma gema de seis quilates em formato redondo e os raios
como os de sol cravejados de diamantes em ouro amarelo.
— Selena Malpucci, separo a minha vida em dois momentos, antes e
depois de conhecer você. Depois, que te conheci, tudo ganhou um novo
significado, como se finalmente soubesse qual era meu lugar no mundo.
Você ilumina meus dias escuros e acalma minhas tempestades. Meu coração
bate mais forte porque o seu bate por mim. De tudo o que a vida me pode
dar, apenas peço para passar o resto dos meus dias ao seu lado. Quero me
casar com você. Quero fazer do seu sorriso uma constante. Quero acordar
ao seu lado e poder olhar seu lindo rosto todas as manhãs. Quero que
possamos dormir abraçados, agarrados, amarrados um ao outro sedentos de
uma paixão que nunca se esgota. Quero que você seja o meu “para sempre”.
Hoje, amore mio, me ajoelho em sua frente para unir nossos caminhos e
entrelaçar nossos destinos mais uma vez. Hoje, sou um impulso, sou amor e
tudo que preciso é o seu sim. Aceita fazer de mim o homem mais feliz do
mundo? — Coloco o anel no dedinho trêmulo e sou enlaçado por ela, que
emocionada beija meu rosto todo.
— É claro que eu digo sim, Tiziano.
Selena e eu visivelmente emocionados pelo momento, ouvimos os
aplausos dos pais de Selena e nos recompomos na poltrona.
— Santino, traga o champanhe e as taças — chamo o barman que
aparece detrás da parede de vidro que circunda o home bar, com o que pedi
em uma bandeja de prata.
Meu sogro como uma águia observa e ao me encarar pede para
dispensar o serviçal que nós mesmos cuidamos da bebida. Cazzo!
Precisamos melhorar esse clima!
— Posso ver a jóia? — Dona Dalila se aproxima da filha.
Mãe e filha admiram o anel enquanto faço as honras com o
champanhe, e não esqueço de servir o suco na taça de Selena.
— É um Buccelatti? — pergunta Dalila.
— Sim, mandei confeccionar assim que saímos de Veneza há um
mês.
— Lindo anel, não é Mário?
— Meu genro tem um excelente gosto. Aprecio isso em um homem,
proporcionar o melhor para a família. Fico ainda mais satisfeito que
pretendia se casar antes de saber da gravidez de sua namorada, o filho não é
o motivo então?
Selena quase derruba a taça que segura.
— Pai? Como sabe?
— Ora seu noivo não lhe serviu álcool para o brinde.
— Tiziano queria contar no dia que fiz o teste, mas eu estava com
receio. O senhor não mostrou que estava de acordo quando falei que estava
definitivamente morando com ele.
— As coisas mudaram, stellina. Primeiro vamos brindar esse
compromisso tão feliz que é o seu noivado.
Todos nós nos levantamos e brindamos com nossas taças.
— Aos noivos! — exclama.
— A família! — O braço longo do homem se estende para pousar a
mão no meu ombro.
— A família, meu genro!
Ao sentar degustamos a excelente safra que escolhi.
— Então, sua irmã chegou a visitá-los por esses dias?
— Sim, há alguns dias.
— Eu e Dalila somos muito gratos a signorina Jessica. A amizade
com Selena faz muito bem a ela. Encontrei com ela na Sicília.
Acho que chegou a hora da verdade. Abraço disfarçadamente minha
mulher.
— Achei que estivesse em Nápoles, pai. Onde se encontraram?
— Na casa do pai dela.
Sinto o corpo da mia ragazza enrijecer.
— O pai dela é... Um mafioso, pai. Você o conhece?
Seu olhar cruza com o meu e volta para a filha.
— Sua amiga contou sobre o pai? O que mais ela disse?
— Só revelou o que ele é. Quem ele é. Nada mais. Estava a passeio
e veio nos felicitar pela gravidez. Não é, Tiziano? — ela me olha
docemente.
— Isso mesmo, amore. Ela estava feliz pela novidade. E como não
tínhamos nos visto depois que minha madrasta saiu de casa, acabamos
tocando no assunto. Mas ela não falou que encontrou o senhor na Sicília.
— Verdade, eu me lembraria, pai. Como foi esse encontro? Por que
será que ela esqueceu de contar?
O homem parece convencido da nossa resposta conjunta, embora
Selena realmente respondeu de modo sincero, eu sei que meu sogro é um
mafioso.
— Ela não estava autorizada a falar mais do que disse. Conheço
Don Lupo desde a infância e sei como o homem é prevenido. Você recebeu
um presente, e nós também. Está autorizada a se casar com um homem fora
da organização.
— O que isso significa? Não estou entendendo porque alguém
deveria autorizar nosso casamento? — Selena agarra minha mão com força.
— Faço parte da Cosa Nostra, figlia. Sou o Sub chefe da máfia
Siciliana. Você é uma princesa da máfia.
— Senhor Mário... — tento argumentar vendo Selena empalidecer e
estremecer ao meu lado.
— Não há maneira fácil ou suave de contar, Tiziano. — Filha, por
muito tempo te protegi, por toda a sua vida eu e sua mãe escolhemos não
contar sobre o que lhe esperava no futuro. Porque se isso acontecesse você
sofreria ainda mais.
— Por isso me abandonaram?
— Nunca te abandonamos, figlia. Até eu deixar a vida política,
vivíamos juntos, você não lembra? Comecei a viajar mais depois que seu
avô faleceu e eu assumi a cadeira dele na Cosa Nostra. Era mais fácil te
proteger dessa maneira do que perto de nós. Sofremos muitos atentados ao
longo dos anos, imagine como seria os traumas para você ou o que poderia
acontecer se vissem uma adolescente conosco? Era um risco enorme. Mas
estávamos presentes acompanhando sua saúde, seus estudos, sua segurança.
— Seu aniversário de dezoito anos nós perdemos porque fomos
alvos de uma emboscada — fala a mulher. — Mas foi o único que não
conseguimos passar com você. Em todas as datas comemorativas estávamos
reunidos.
— Preferia estar com vocês, sempre obedeci e fiz o que me pediram.
Eu podia ficar com vocês — Minha mulher se emociona.
Não sei como reagir a essas revelações.
— Você não cumpria as orientações médicas, não fazia o tratamento
correto. Ficava violenta e agredia a si mesma e aos outros durante suas
crises.
— Está mentindo, mãe! — acusa e me olha envergonhada.
— Não filha. Não é vergonha admitir. Você não é mais relapsa com
sua saúde. E todos aqui sabemos disso. Mas não se pode apagar totalmente
as cicatrizes emocionais e físicas. Olhe as marcas dos seus pulsos. Jamais
vamos esquecer a indenização que foi feita a antiga governanta, a qual você
riscou o rosto com o caco de vidro, poderia ser muito pior. Nem a sequela
no osso do joelho do seu pai quando te tirou daquele poço, graças a Deus
que foi o joelho dele e não você. Bambina, você não tinha condições
psicológicas de carregar o fardo de ser filha da máfia. Pelo menos até o
casamento, até moldarmos você para o seu papel na organização.
Engulo o nó na garganta e puxo mia ragazza para o peito,
permitindo que chore a dor e vergonha dessas memórias. Isso é tão sofrido,
meu Deus! Tão difícil de sobreviver!
— Nós amamos você, Selena. Do nosso jeito, mas amamos. Talvez
tenhamos errado em muitos aspectos, mas devido às circunstâncias foi o
melhor para sua proteção.
— Como conseguiram que Selena vivesse a parte da organização?
Não conheço muito as regras de vocês, mas presumo que são rígidas —
indago meu sogro que observa a filha se acalmar em meus braços.
— Eu e o pai de Jessica sempre fomos amigos. Nos criamos juntos e
fomos iniciados homens de honra na mesma época. Tanto ele quanto eu
devemos a vida um ao outro. Quando conversei com as médicas de Selena e
me passaram alguns possíveis prognósticos, eu estava muito preocupado.
Don Lupo tinha acendido Capo há poucos anos, conversei com ele o que
poderia ser feito. Tivemos a ideia de fazer um acordo entre nossas famílias
por casamento, dessa forma, quando Otto acendesse Capo ele se casaria
com minha filha. Mas até lá ela seria protegida pela guarda da minha
responsabilidade. Ninguém questionaria o acordo que o próprio chefe
firmou.
Selena o encara firme secando as lágrimas.
— Quando foi esse acordo? — pergunta com voz firme.
— Você tinha dez anos. Sua mãe ficou muito abalada com o esse
arranjo e foi o seu primeiro surto. Lembra que foi para a clínica e
precisamos sedar você para descansar? Faziam três dias que não dormia.
Não quero que ela reviva essas memórias dolorosas.
— O que houve depois, Mário? — curioso eu insisto.
— O filho de Don Lupo era um garoto problema. Um problema
gigante para a máfia. Aos quinze anos o pai não conseguia segurar o
sadismo dele. E as mortes gratuitas começaram a chamar a atenção das
autoridades locais. Padrinho precisou intervir e o rapaz enlouqueceu. Foi
internado uma época, mas quando saiu deu um jeito de sumir das vistas do
pai, e nunca mais foi visto. Desertou a organização. Ninguém comentava, e
para todos os fins o acordo prosseguiu. Selena era intocável, mesmo depois
do... abuso. Ninguém ousava questionar o Capo, porque o filho também não
estava em condições de honrar o acordo.
— Minha vida virou sessão de notícias de bandidos?
— Filha!... — se exalta a mãe, visivelmente surpresa com o
rompante de minha pequena.
— Tudo bem Dalila, ela tem razão em se sentir dessa forma. Ela não
foi preparada como você para ser uma esposa da máfia. E não precisará ser,
confesso que isso me alivia bastante. Quando vi o que aquele rapaz era
capaz de fazer, juro per Dio, me arrependi a morte pelo acordo, mas não
podia voltar a palavra com o chefe. Ele ter sumido foi uma benção. Depois
você conheceu Jessica e foi a melhor coisa que podia ter acontecido. Sua
amiga foi até a Sicília e pediu indulto para que você se casasse com
Tiziano.
— Ela fez isso? — Selena olha para mim emocionada.
— Ela é muito corajosa e leal. E Don Lupo atendeu o pedido da
bambina, sob algumas condições. Eu já sabia da gravidez, figlia.
— Quais condições? Meu marido não vai participar de nada
perigoso! — Essa mulher enfrentando o pai por mim me enche de orgulho!
— Nós já somos visados, amore. Temos condições de cuidar da
nossa segurança. — Beijo sua testa e ofereço um sorriso consolador.
— Devem permanecer na Sicília. Qualquer movimentação para
outro local, é por tempo limitado e previamente avisado.
— Claro — sem pensar dou a resposta.
— E sua empresa, meu viking? Você vai abrir mão de cuidar do seu
patrimônio? — Selena segura meu rosto com lábios trêmulos, visivelmente
preocupada.
— Faço um acordo com Mirko, não se preocupe com isso.
— Deve reformular a segurança, trocar todos os homens pelos da
nossa confiança.
Confirmo sem discordar.
— Viverá pelo “omertá”, um código de silêncio que demonstra
lealdade total. Quem não cumpre, é considerado traidor e pode ser torturado
ou morto e a punição pode ser estendida à família inteira. Entende isso?
— Entendo e aceito.
— Bom, em qualquer emergência, nada de polícia. Temos tudo o
que precisar. Profissionais da saúde, inteligência e segurança.
Absolutamente nada deve ser compartilhado com as autoridades a respeito
de qualquer coisa referente a famiglia.
— Justo.
— Em algum momento, Padrinho vai querer uma reunião com você,
apenas para conhecê-lo. E o casamento deve ocorrer antes da barriga
aparecer, nada de imprensa ou mídia.
— Entendido.
— Você ainda quer se casar comigo depois disso tudo? — Seu olhar
marejado fere meu coração. Minha principessa tem medo que eu a rejeite.
— Selena, já somos marido e mulher, o casamento é mera
formalidade. Eu amo você e se alguém tentasse impedir o nosso amor, a
gente fugiria para um lugar onde ninguém nos encontraria. — Beijo suas
mãos que seguram meu rosto e a vejo sorrir entre lágrimas.
— Filha, precisamos pedir perdão a você. — A mãe interrompe
nosso momento. — Quando se envolveu com aquele maledetto político, nós
ficamos aliviados, poderia ser arranjado um novo acordo entre as
organizações, não sabíamos o que você estava sofrendo, filha. Para nós, dá-
la a Otto seria sua morte. Não tínhamos ideia que aquele rapaz que
conhecemos adolescente era outro monstro!
Minha mulher suspira fundo.
O pai toma a palavra depois de secar o champanhe da taça.
— Eu sinto tanto por não ter feito o que eu queria na época, figlia.
Eu investiguei, e não consegui provas para agir contra ele. Sob nossas leis
não podia matá-lo sem a certeza da identidade do abusador sendo ele um
protegido da Camorra. Padrinho não permitiu, porque seria o início de uma
guerra. Com uma prova incontestável as coisas mudam de figura.
— Você vai matá-lo, pai? Você pode ser preso!
— Não se preocupe comigo. — Seu sorriso misterioso me intriga.
— Podemos jantar agora? — pergunto com intenção de encerrar o
assunto.
Olho para o meu sogro que nos encara neutro.
— Perfetto! Vamos comer! O perfume do jantar chegou até aqui. —
diz o homem que parece outra pessoa. A tensão no ar foi embora como
fumaça. Seu sorriso é franco e o olhar caloroso.
Selena incorpora a legítima anfitriã, tilintando a sineta para a equipe
servir as entradas e os acompanhamentos. Descreve os pratos com orgulho e
eu muito mais satisfeito por vê-la confiante. No meio do jantar a abusada
prega uma peça em mim que me pega desprevenido.
— Papà, lembra da minha primeira exposição? Dos lances online
que o senhor estava indignado com o anônimo que levou uma das minhas
fotografias?
Mário bebe um gole do seu vinho e agarra a faca com força.
— Sim! Ah me lembro! Sabe que teve mais duas das suas telas em
outras ocasiões que ele me passou a perna?
— Não acredito? Será que foi a mesma pessoa? — olho para ela
estreitando os olhos e ela sorri sapeca. — Queria dar uma lição nele, pai?
— E como? As fotografias mais lindas das exposições o homem
levou e eu o pai da artista perdi pra ele. Se eu descubro a identidade desse
anônimo, ele ouviria poucas e boas.
— Ainda bem que só ouviria, não quero ficar viúva antes mesmo de
casar, não é Tiziano?
A mesa toda cai na risada, até Dalila não aguenta a minha cara de
culpado para o pai dela.
— Foi você? Sério? Ah... Mas está perdoado.
— Ele tem obras minhas por toda a mansão em Veneza. Eu amei
saber disso. — Vejo que está feliz, Selena. E nós ficamos muito mais felizes
em confirmar isso.
CAPÍTULO 71

Depois daquela semana que meus sogros nos visitaram passaram-se


seis meses. Selena estava pisando em ovos, achando que os pais iriam me
hostilizar de alguma forma. Mas seu Mário agiu de maneira contrária.
Explicou os detalhes do indulto que Jess conseguiu para nós. Disse que a
Liderança de Don Lupo é a mais pacífica que tiveram desde que o clã
Vitalle assumiu o poder da Cosa Nostra. E que ele é muito mais
condescendente do que todos os outros Capos que já lideraram.
Meu sogro repassou todas as normas de segurança para a nossa
família, e assim que partiu, fiz o que ordenou. Troquei toda a equipe de
homens pelos que indicou, apenas segurei Lázio como chefe da equipe na
mansão de meu pai. Muitos anos conosco e o homem mostrou o
profissionalismo irretocável. Desse modo o técnico foi resolvido. Na
questão familiar, eu e Selena nos casamos em uma cerimônia íntima na
Sicília.
Antes da barriga aparecer como meu sogro exigiu. Quase todos os
DiMateo compareceram à cerimônia. Somente Olívia e Gabrielle não. Pois
Don Lupo fez questão de estar presente. Tive uma reunião com ele, antes da
cerimônia. Apenas para confirmar cara a cara o que ele já sabia. Andarei
sob suas ordens, em alguns aspectos. A única coisa difícil foi explicar a
Mirko nossa permanência na Sicília. Foi uma conversa complicada, e
alguns ajustes na empresa tiveram que ser feitos.
Sem viagens, o trabalho em home office foi obrigatório.
Não me importo nenhum pouco, posso aproveitar, mimar e cuidar da
grávida mais linda e doce desse planeta. A minha grávida. Se era possível
ficar ainda mais linda, isso eu duvidava, mas Selena conseguiu.
A cada dia, ela está mais bella, mais vibrante, mais viva. Seu sorriso
parece ter encontrado o contorno perfeito, seus olhos brilham a quilômetros
de distância, o cheiro que exala me deixa doido, seu caminhar segue suave
como brisa da manhã. É um mistério como a natureza amplificou as
qualidades da minha preciosa. — Amore, já terminou de arrumar as malas?
— ela se aproxima da minha cadeira e senta-se no meu colo.
Estou no escritório finalizando algumas coisas do último projeto que
fiz e enviando as pastas para a nuvem, assim Mirko pode acessar
imediatamente.
— Comecei, mas não terminei. Estava enviando algumas pastas para
Mirko olhar.
— Hum, e essa página com nomes de bebês também vai em anexo?
Abraço minha principessa e aliso o ventre redondo. Beijo seus
lábios sedento, andamos mais calmos ultimamente, tento não exagerar, pois
ela está exausta pelo seu biótipo pequeno em carregar tanto peso.
— Estou ansioso, olho de vez em quando. Pensou em algum?
— Ainda não, quero primeiro ouvir sua preferência.
— Tenho algumas. Pelo menos para menina.
Ela se acomoda melhor no colo, enlaçando meu pescoço.
— Conta quais são?
— Bem, pensei em variantes do seu nome.
— Hum, não sei! — pego seu queixo para olhar pra mim.
— O significado do seu nome é, "brilho da lua", beleza e
luminosidade, quer significado mais perfeito?
Ela cora as bochechas ainda com meus elogios.
— Meu pai sempre me chamou de estrelinha, porque dizia que eu
era a luz que fazia seus olhos brilharem, mas não sou estrela, sou satélite.
— É o meu satélite, influencia diretamente as minhas marés e
equilibra as minhas estações.
Que lindo! — Ganho outro beijo pela declaração. — Uma vez
pesquisei e vi que Selena tinha a ver com uma deusa grega.
— Sim, tem origem na mitologia grega, sendo associado à deusa da
lua, Selene. Era admirada por sua beleza e mistério. As variantes do nome
pode ser Zelena, Selene ou o meu preferido, Luna, a correspondente
romana.
— Luna... Luna DiMateo. É sonoro e bonito. Eu adorei. E o
menino?
— Acho que este quero ouvir as suas sugestões.
O telefone toca interrompendo o nosso momento. Vejo que é minha
nonna. Coloco no viva voz e a voz imperativa soa no cômodo.
— Ciao! Onde vocês estão? Já chegaram no aeroporto?
Rimos ao escutar a ansiedade da minha avó.
— Ciao, nonna! Ainda nem saímos da Sicília!
— Porca miséria! Vocês querem infartar meu coração? Eu
aguardando os dois há horas e nem sequer pegaram o avião?
— Nonna sem pressa, questão de horas estaremos aí.
— Assim que aterrissarem liguem, per favore. Seu pai saiu para
fazer a feira e buscar frutas fresquinhas para a nora. Está ansioso!
— Prometo, nonna. Ligo assim que chegar. Ciao.
— Ciao.
Selena faz menção de se afastar dos meus braços.
— Aonde vai?
— Terminar a arrumação das malas. Se não chegarmos em Veneza
hoje, é capaz da sua vó vir a nado nos buscar.
Levanto-me junto com ela.
— É impressão minha ou depois que fizemos as pazes ela ficou
ainda mais protetora conosco?
— Às vezes ela me liga três vezes no mesmo dia — responde Selena
divertida. — No dia que escolheu as cortinas do quarto que fizeram para os
bebês, foram cinco vezes.
— Ufa! Achei que só eu fosse o alvo.
Selena me abraça na porta do escritório com seu olhar doce.
— Fiquei muito feliz que fez as pazes com eles e muito mais quando
conseguiu autorização para termos os bebês lá. — O sorriso feliz de minha
mulher é só o que preciso.
— Seu pai foi pessoalmente inspecionar a nossa segurança na
mansão. Podemos ficar um tempo com os DiMateo.
— Sua mãe deve estar muito orgulhosa de você, meu viking. Mande
um abraço quando falar com ela nos seus sonhos. — Um beijo para garantir
o pedido.
— Ela ama você e os nossos filhos. Sabe como fiquei emocionado
no último encontro.
Selena sorri e me guia para o quarto a fim de ajudar na tarefa das
malas.
Realmente o sonho que tive com minha mãe foi carregado de
emoção, mas teve avisos, só que esses, omiti de Selena. Não podia contar a
ela que devemos redobrar os cuidados quando os gêmeos nascerem.
As palavras dela me acompanham noite e dia:
“— Meu menino, o mal está sempre no encalço dos bons, sempre
em busca de vencer a batalha. Cerque-se de amor, gratidão e tudo o que é
bom, mas fique atento, a calmaria precede a tempestade.”
Despertei aquela madrugada aos prantos, sei que algo vai acontecer.
Olho para minha amada, tão linda e seu doce sorriso, como posso
compartilhar minha aflição com ela? Jamais farei isso. Prefiro mil vezes ter
as noites insones do que ela.
É pelo meu instinto de proteção que vamos ter os bebês em Veneza.
Meses Depois
— Senhor DiMateo, uma palavra para a imprensa?
— Per favore, respeitem o momento delicado da nossa família.
Queremos levar nossos filhos para casa.
— Por que o CEO mais cobiçado da Europa casou-se em uma
cerimônia às pressas? E por que fixou residência longe de Veneza?
— Por que a imprensa foi proibida de cobrir o evento?
— Por que a Sicília, senhor DiMateo?
— O casamento foi por que a senhorita Malpucci engravidou?
— O que estão escondendo, senhor DiMateo.
— O ex-senador obrigou o compromisso?
— Senhores, senhores parem de especulações. — Agora que Selena
está segura com as crianças dentro do veículo decido encerrar o assunto. —
Ninguém está escondendo absolutamente nada, só queremos privacidade na
nossa vida conjugal.

Os bebês nasceram saudáveis e fortes, e estamos apenas preferindo a


companhia da família nessa fase inicial. Respeitem nossa privacidade por
favor!
— Por que se mudaram para o sul, senhor Tiziano?
— O clima da Sicília é excelente e minha esposa adora praia.
Simplesmente isso. Obrigado a todos por entender.
Entro e sento-me no banco da frente, Lázio nos conduz e a senhora,
chamada Carmela, que meu sogro contratou para ajudar com as crianças,
acompanha Selena e os gêmeos no banco de trás do SUV.
— Oh meu Deus, Tizi! Que avalanche de repórteres?
— Você está bem? Como se sente, já, já estaremos na mansão.
Lázio, já comunicou a equipe no píer? Quero um isolamento se houver
tantos repórteres como na saída do hospital.
— Sim senhor, a logística foi organizada por mim. A lancha nos
espera no píer de um dos canais do Parco San Giuliano, ele nos levará
direto ao mar e chegaremos à casa de seu pai com segurança e discrição.
— Obrigado Lázio, que bom que conhece bem nosso território. Nem
eu mesmo sou tão aplicado nessa imensidão de canais.
— Conheço cada trajeto e cada ilha, senhor. Se precisar de um
esconderijo sabe a quem procurar.
Retribuo o sorriso, meu chefe de segurança não é de conversar
muito, aliás é super discreto e calado. É um italiano a moda antiga, sério e
focado, mas hoje está estranhamente gentil. Gosto dele, além de um
profissional competente, a cara mete medo em qualquer um que se
aproxima. Talvez a cicatriz na sobrancelha o deixe tão feroz que não é
necessário uma palavra sequer.
A pequena viagem do hospital Dell’Angelo até o píer e depois até a
mansão do meu pai, mesmo curta, é cansativa. Acho que saber que
finalmente estaremos em casa acolhidos pela família, nos deixa ansiosos.
Ao atracarmos, vemos ao longe a porta principal abrir. Nonna
também está ansiosa pela recepção dos bisnetos.
Dona Carmela e Lázio carregam um bebê conforto cada um,
enquanto eu carrego minha amada nos braços. Alguns homens seguem atrás
com nossas malas.
Cumprimento os guardas da guarita com um sorriso gigante.
— Bem-vindo à casa, signore e signora DiMateo.
— Obrigado, Calebe. — Donatello apenas me acena e retribuo.
São homens do meu sogro, além dos outros nove que estão a postos
vigiando a propriedade, fiz questão de conhecê-los por nome.
Nonna e meu pai pegam as crianças e suas vozes ecoam pela casa,
conforme seguimos para nossos aposentos.
— Dio Santo, como estão ainda mais lindos!
— Nonna vocês estiveram no hospital ontem. — Rimos eu e Selena
dos dois babando nossos filhos.
— Domenico, vem com o nonno, vou ensinar uma coisa sobre seu
papai. — Meu pai está tão fascinado pelos netos, não o vejo tão feliz há
muito tempo.
— Luna mamou tão pouco, Tizi. Assim que me acomodar no nosso
quarto, prepara ela para a mamada?
— Sim, amore. E depois vou ver com a nonna a sua alimentação, a
equipe da cozinha já deve ter deixado tudo pronto.
— Tô tão cansada!
— Sei que está exausta, mas é necessário. Tem sua medicação para
tomar.
— É verdade, já ia esquecendo.
Acomodo minha esposa na cama e busco nossa filha para alimentá-
la.
Selena foi uma guerreira no parto. Na gravidez inteira, na verdade.
Não vou negar que tiveram algumas crises, mas leves e sem consequências.
Os três últimos meses aqui em Veneza foram tranquilos e ela conseguiu
segurar os bebês até as trinta e sete semanas recomendadas para a gravidez
gemelar, sem constar como prematuros.
Ela foi rigorosa em seguir as orientações da nutricionista e da
obstetra em não ganhar muito peso e ter uma alimentação saudável. E como
as crianças são gêmeos bivitelinos, não tivemos maiores preocupações
como nos univitelinos. A saúde de mia ragazza não apresentou alterações e
o parto foi o mais tranquilo possível.
Quando a médica falou que os dois estavam em posição para o parto
normal se ela quisesse, achei graça do jeitinho dela ao dizer que nossos
filhos eram tão obedientes que se esforçaram para a mamãe se recuperar o
mais rápido possível. Confesso que fiquei apavorado, não saí do seu lado
nem um minuto durante todo o processo. Mas a obstetra chefe da equipe
nos tranquilizou. Mesmo Selena sendo uma mulher pequena, seu corpo
acomodou e trabalhou perfeitamente para cuidar dos nossos filhotes. Porém,
foi cansativo para ela. Vi como seu esforço está cobrando o preço agora.
Portanto, estou com ela a cada segundo, para velar seu descanso,
cuidar da medicação, refeições e nutrição. Tirei as minhas férias na
empresa, faziam dois anos que não tirava. Mesmo em home office, eu não
poderia atendê-la dessa forma, então conversei com Mirko e negociamos
minha ausência.
Depois de Luna, minha outra preciosa, terminar de se alimentar,
levo a bebê para o berço. Cuido de minha esposa e a deixo repousar. Assim
que Selena apaga no cansaço, peço a Carmela que leve os bebês para o
quarto deles que é conjugado ao nosso, separado apenas por uma porta de
vidro deslizante.
Seu Nicola contratou uma empresa incrível, para reformar a ala do
meu quarto e acomodar minha família. Ficamos extremamente satisfeitos
quando chegamos há três meses.
Desço para o pavimento térreo afim de fazer um lanche e encontro
meu pai e nonna tomando um chá.
— Filho, estão acomodados? Selena se alimentou? E as crianças? —
Feliz, aperto seu ombro e me acomodo a mesa com eles.
— Tudo na mais perfeita ordem. Selena finalmente está
descansando. Até a próxima mamada dormirá umas três horas.
Nonna serve o meu café expresso e um pedaço de bolo de nozes.
Bebo um gole degustando minha bebida e quase me engasgo com sua
observação.
— Que bom que a menina tem bastante leite, Dio! Para amamentar
dois bezerrinhos tem que ter uma fonte inesgotável. Desceu cedo o leite pra
ela, né Tizo?
— É... Foi rápido. — Dou uma garfada no bolo e me ocupo
enquanto ela tagarela nas recomendações.
— Ela precisa se alimentar muito bem, cuidar para não empedrar se
for leite demais e os pequeninos não derem conta de sugar. Eu vi o tamanho
daqueles seios, dá pra alimentar quádruplos, pelo biótipo da menina são
enormes.
— Sim, já conversamos com as obstetras, as pediatras e elas
orientaram corretamente, não se preocupe. — Não sei de onde veio essa
tranquilidade em responder, mas consegui.
Com a situação deliciosamente incomum de Selena, de já produzir
leite há mais de nove meses, ela quis saber tudo sobre como proceder. Claro
que não abrimos nossa preferência sexual para as médicas que acompanham
as crianças, mas tivemos que nos precaver.
Então, durante os quinze dias antes do previsto nascimento e até o
décimo quinto dia de vida das crianças, é o período de fornecimento do
“leite vitamínico” para meus filhos. O amadurecimento e fase final do “leite
maduro,” que Selena já produzia, ocorre quinze dias após o nascimento. A
partir desse ponto, tudo volta ao normal. E se desejarmos nos divertir como
antes, podemos.
Termino meu café com os elogios dos dois às crianças e o orgulho
que cresce em meu peito pela minha família.
— Você falou sobre ter casos de gêmeos na família de Selena? —
pergunta meu pai.
— Sim, dona Dalila comentou quando nos visitaram no hospital.
Sua avó teve gêmeas, mas uma das meninas não sobreviveu. Pegou uma
pneumonia e era a mais fraquinha das duas.
— É porque na nossa família não tem casos de gêmeos.
— Mas a chance de se ter uma gravidez gemelar está muito ligada à
genética, principalmente materna então nosso lado é quase irrelevante.
— Não gosto daquela mulher!
— Mamma!
— É Nico, sempre com o nariz arrebitado. Aquele cabelo esticado
nos penteados, parece uma boneca de cera. Esnobe e arrogante, não tive
uma boa impressão.
— É bom se acostumar dona Olímpia, eles virão daqui algumas
semanas para uma visita. — Minha nonna revira os olhos.
— E vocês ficam até quando?
— Não conversei com Selena ainda, mas acho que mais um mês e
voamos para casa.
— Acho que precisam ficar um pouco mais, muito cedo pra nos
deixar.
Afasto-me da mesa sorrindo vendo o bico de desgosto da nonna,
papai pisca de olho e termina seu chá abanando a cabeça.
— Vou subir, tomar um banho e ficar de olho nas minhas
preciosidades.
— Sim, figlio, nos vemos no jantar.

Um mês de vida, os gêmeos completaram hoje e nonna mandou


confeccionar uma torta de dois andares.
— Que exagero, nonna! Eles nem tem ideia do mêsversário —
brinca Selena.
— Mas nós sim. E essa data é de comemoração com doce. Tizo
estava doido pela torta de chocolate branco e não esqueci da sua com
recheio de ameixas.
— Bem, nesse caso retiro minhas palavras.
Chego com o carrinho próximo e aviso da mamada. Selena se
acomoda na sala de chá e eu acompanho para auxiliar. Tiro o celular do
bolso e capturo uma foto dela sorridente com Luna no colo.
— Esse seu celular deve estar com a memória cheia de tantas
fotografias.
— Comprei um cartão de memória com o dobro de espaço, pra
poder encher o iPhone com vocês.
Ela afaga meu rosto quando me inclino para um beijo.
— Tem certeza que precisamos viajar pra casa semana que vem?
— É preciso, na conversa de sábado com seu pai, ficou implícito
que é o melhor.
— Aqui está tão bom!
— É, eu sei, mas lá é ótimo. Não gosta da nossa casa, compro outra
propriedade. — Seu sorriso doce é minha segurança.
— Não meu viking, amo nossa casa, é que mudanças são
complicadas pra mim, você me conhece. Fico uns dias meio deslocada e
mau humorada. Você já está tão sobrecarregado, terá mais os rompantes de
sua mulher para equilibrar.
— Eu? Sobrecarregado? Não, eu tô no céu com tanta alegria que
você me deu.
Por um instante as palavras de minha mãe nublam meus
pensamentos e um frio gelado na espinha me apavora, sobressalto
assustado!
“Fique atento, a calmaria precede a tempestade.”
— O que foi, Tiziano? Parece que levou um choque! — mia ragazza
se empertiga na poltrona atenta.
— Nada, acho que um bichinho entrou dentro da minha camisa.
— Ah, que susto você me deu.
— Vou buscar a torta para nós, acho que vai demorar com as
crianças, estão cada vez mais gulosinhos. Podemos degustar aqui o doce.
— Estão famintos esses dois. Quem é a principessa da mamma? —
Selena conversa com Luna e é minha deixa para ir até a sala.
Minha nonna se aproxima rápido:
O que houve menino, está pálido.
— Estou com um pressentimento ruim. — Espalmo o rosto
alinhando a barba.
— Venha, sente-se. Conte o que está acontecendo.
Obedeço e bebo a água que ela me oferece. Procuro falar baixo para
não assustar Selena na outra sala, no entanto, conto tudo a nonna Olímpia.
Desde o sonho que tive com minha mãe e os avisos.
— Precisa ler minhas mãos, nonna!
— Não posso fazer isso agora! Tenho que me preparar. Além disso,
sua mulher vai perceber que algo está errado. Sugiro que se acalme.
Amanhã em um dos horários de sono dela a gente senta e vê.
— Certo, sim ... É o melhor. — Tento me acalmar e agir
normalmente, mas minha cabeça está um caos.
Durante o dia passei a impressão de normalidade a Selena, e quando
nos deitamos à noite, mentalizei forte para que minha mãe me mostrasse o
que fazer. Uma pista, qualquer coisa que me acalmasse.
Desperto na madrugada no jardim da mansão, coço os olhos para
ver se estou mesmo descalço no gramado, mas não sinto a umidade do
orvalho da grama, é um sonho e minha mãe aguarda no gazebo onde nonna
e eu conversamos tantas vezes.
— Chamou, meu filho?
O vestido marfim se arrasta no chão e cobre seus pés na cadeira de
ferro branca.
— Mãe! O que vai acontecer? — sento-me diante dela e seguro sua
mão.
— Há perguntas que não é permitido que eu responda.
— Que tipo de pergunta devo fazer? Estou aflito, algo vai acontecer
e está perto. O que eu devo fazer para prevenir o perigo?
— Os bons cercam-se de pessoas confiáveis. Mesmo que essas
pessoas não aparentam ser boas, deve confiar.
— O que quer dizer? Me mostre?
Ela aperta minha mão e afaga meu rosto com doçura.
— Feche os olhos e fique em silêncio, independente do que
acontecer.
Obedeço e aos poucos sou transportado para outro lugar.
A escuridão da noite ainda domina o cenário, revelando apenas a
silhueta de uma fila de prédios centenários que se estende diante de mim.
As ruelas estreitas, mal iluminadas e completamente desertas, são como
convites sombrios para destinos desconhecidos. Instintivamente, escolho
seguir por uma dessas vielas, onde murmúrios distantes ecoam despertando
minha curiosidade.
Mas, à medida que avanço, minha percepção muda radicalmente.
Não sou mais humano, minha visão é agora uma visão canina, e a cidade se
transforma em um mundo de cheiros e sons que os humanos jamais
poderiam compreender. Ando com destreza em quatro patas, próximo ao
chão, minha audição aguçada captura sons que de outra forma não
conseguiria.
O ar é cortante, fazendo com que meu pêlo curto se erice, e o
pavimento gelado da rua resfrie minhas patas peludas a cada passo. O trote
rápido é a minha linguagem, e a audição apurada é meu guia até as vozes
cada vez mais audíveis. A lua, pendurada no céu como um farol
sobrenatural, ilumina meu caminho com sua luz prateada, revelando
obstáculos, dos quais desvio com agilidade.
Ao dobrar uma esquina a viela se afunila ainda mais, entre fábricas
antigas e aparentemente fechadas. Muros altos lado a lado como um
corredor sufocante. Cheiro a umidade do local, densa e repulsiva e aos
poucos outro odor se mistura ao mofo. Cobre! É pungente no ar conforme
ando. Observo adiante um cadáver, recém atingido por um golpe certeiro na
garganta. Não consigo saber se é homem ou mulher, não me é revelado
detalhes, como se uma névoa encobrisse as formas e apenas a garganta
estraçalhada fica a mostra. O sangue ainda está jorrando arrepiando meus
pelos e acelerando meu pequeno coração.
Três pares de sapatos lustrosos estão ao redor do cadáver, pingos de
sangue sobre todos eles. A poça escarlate aumentando pouco a pouco.
Desvio as patas para o outro lado do corpo, tentando descobrir quem é a
vítima.
— Dívida paga — ouço uma voz masculina dizer.
— Ainda iremos nos ver, tenho certeza — outra responde.
As vozes são de alguma forma familiares. Mas é o riso baixo e
cínico da terceira voz que faz minha atenção desviar do cadáver.
Surpreso, dou um passo para trás ao ver meu irmão Gabrielle entre
os dois homens, meu sogro e o namorado de Jessica. Todos os três com as
mãos ensanguentadas. Gabe traga seu cigarro de filtro vermelho e Mário
ajunta uma faca curta no chão e entrega para Sasha, que limpa a lâmina na
calça de alfaiataria, devolvendo a Gabrielle com um riso misterioso.
— Acho que verei os dois, espero que em melhores circunstâncias.
Gabe olha com curiosidade e sua voz pinga sarcasmo ao falar.
— Arrivederci dr. House, dê um jeito no presunto para não ficar no
meu território. — Seu olhar de felino demoníaco ordena para o Russo que
está parcialmente de costas para mim. — Não retorne para a Sicília tão
cedo. — Com essas palavras meu irmão se afasta dos dois abanando seu
longo casaco e sumindo na escuridão.
— Entendido — responde Sasha, mas esse último aviso foi para
mim. Ficou muito claro. Não devo voltar para a Sicília.
Meu sogro e o Russo não falam mais nada e se despedem com um
aperto de mãos sangrentas. Pingos carmesim como em um filme de terror
caem na poça no chão. O som é alto para audição do eu canino, é como uma
torneira com vazamento, porém o líquido é vermelho.
Olho mais uma vez para o cadáver e parece que a névoa se dissipa e
finalmente será sanada a minha curiosidade... Quem foi assassinado?
Nesse instante desperto num salto, em minha cama banhado em
suor, meus cabelos colados na testa, encharcados e uma angústia
desesperadora. Busco o ar em sofrimento para respirar.
Sinto o coração no peito pulsando em agonia, hiperventilando de
nervosismo. Limpo minha testa e o suor gelado desce pelo meu pescoço.
Sei que gritei, pois senti os afagos de Selena e os beijos na testa, sua voz
falando palavras calmas me fizeram despertar totalmente.
— Quer um pouco de água, Tizi?
— Sim, por favor.
Ela caminha até o frigobar e quando me alcança o copo. Minhas
mãos estão trêmulas, tremendo de pavor. Esfrego meu peito apertado,
imagino que minha pulsação deve estar nas alturas. Ela busca uma toalha no
guarda-roupa e começa a me secar com cuidado. Calma e amorosa
consegue aos poucos me acalmar.
— Outro pesadelo? — meu olhar surpreso a faz sorrir consoladora.
— Há várias noites você sonha.
— Achei que esse fosse o primeiro que você despertasse, como não
percebi? Eu não acordei nas outras noites?
Ela deixa um risinho tímido nos lábios colocando o copo vazio de
lado e se deita, me arrasta para ela com um beijo doce, massageando minha
nuca. Aí compreendo, quando não desperto ela simplesmente me dá o que
me acalma e durmo outra vez.
— Amore, acho melhor ficarmos mais um pouco aqui em Veneza.
— O... O que você sonhou?
— Nada, minha bella. Cenas sem conexão, mas acho que querem
me dizer alguma coisa.
— Você me contaria se fosse algum aviso claro?
— Sim, contaria. Mas por enquanto é só uma impressão.
— Certo, então vamos dormir, temos duas horas de sono até as
crianças acordarem, amanhã cedo tratamos disso.
Não é uma mentira, apenas a estou protegendo. Sinto que além do
aviso, aquele cadáver tem muito a me dizer, talvez seja alguém que os três
impediram de tentar algo contra a nossa família. Se eu tivesse ao menos
visto o rosto, poderia tomar medidas específicas de proteção. Mas e se não
foi nada disso e o sonho era sobre os três homens apenas? Ah, cazzo! Como
vou conseguir dormir depois disso? Em todo caso amanhã converso com
nonna e juntos podemos chegar a uma conclusão melhor.
CAPÍTULO 72

Caminho feito uma sombra pelo quarto de hotel numa tentativa


frustrante de me acalmar. Paro diante a janela, observo a rua por entre as
cortinas e bebo um gole do meu bordeaux predileto, buscando equilibrar a
ansiedade. Respiro fundo, apoiando a taça na mesa próxima. Aguardo por
Jules desde que o sol raiou com respostas, mas como era previsto, aquele
"con" (idiota) não deu sinal de vida.
Checo a caixa de mensagens novamente e nada. Tenho uma imensa
vontade de espatifar o celular contra a parede, porém contenho-me, reviro
os olhos furiosa ao olhar outra vez o site do jornal Il Gazzettino:
“Bilionário das holdings de customização de motocicletas, Tiziano
DiMateo e esposa decidem prolongar sua estadia na Sereníssima.
Questionado, o casal afirma não ter previsão de retorno a sua mansão na
praia da Sicília.”
Na poltrona, deixo a cabeça pender para trás o insultando enquanto
miro o teto.
— Je t’emmerde Tiziano, Je t’emmerde! (Vá se foder!)
Nesse momento Jules entra pela porta irrompendo o quarto a passos
largos com um sorriso irritante.
— Como está, petit-fleur? (Pequena flor)
— Como estou? Tem coragem de sumir por quase dezoito horas e
chegar aqui com essa cara deslavada, seu incompetente!
Levanto-me e circulo pelo quarto com os nervos à flor da pele.
— Não devia me receber do trabalho desse jeito, querida! Ainda
mais agora tão próximo de concretizar nossos planos.
Deixo uma risada amarga ecoar, abanando a cabeça em descrença.
Tantos anos, tanto esforço para morrer na praia. Puta merda!
— Que planos? Se os Axemen[xxx] deram pra trás! O prazo venceu,
nossos ovinhos de ouro não foram pra Sicília. Ficarão em Veneza. Estava
tudo no esquema, cada passo cronometrado. Quando pegássemos os bebês
na pista de pouso do bilionário, já teríamos compradores no porto. Com
bônus de facilitação na captura. Miyabe ligou e cancelou tudo. Disse que
está fora da sua alçada entrar no território italiano.
— E qual a diferença? Sicília é na Itália. — Dá de ombros não
entendendo a quebra do acordo.
Mas é além de burro! Sabia que não podia contar com ele. Aliás,
com ninguém. Eu me basto, só a sorte que me abandonou. Mon Dieu! (Meu
Deus)
— Duzentos e oitenta quilômetros, pra quase dois mil é pouca
diferença pra você? — Aproximo-me e o encaro firme, tenho certeza de que
pode ver as labaredas de ódio em meus olhos. — Os perigos de serem
interceptados e o sequestro ser um fracasso é muito maior. Quem vai arcar
com os prejuízos Jules? Você? Estamos falidos!
Seu jeito arrogante, principalmente a cara de tanto faz, hoje me tira
do sério. Ele se afasta de mim, despindo-se sem pressa do blazer do
uniforme e serve-se do meu vinho.
— E se o pagamento não fosse todo em grana?
— Mesmo assim, já era. O africano não volta atrás.
— Estou falando de outra organização.
Analiso sua postura confiante quando se senta na poltrona onde há
pouco eu estava.
— Está negociando pelas minhas costas? — estreito o olhar
buscando uma traição.
— Não! Apenas me precavi com um plano B, que aliás a senhorita
não fez.
Arrumo meu cabelo para o lado, com o humor injetado nas alturas.
Será que subestimei esse homem intelectualmente limitado? Sempre fui eu
que planejei os golpes, será que esse macaquinho delirante aprendeu novos
truques?
Ando até ele, lentamente jogando com o quadril um pouquinho
mais, seduzindo meu cúmplice. Quando me aproximo, sento-me em seu
colo, cruzo a perna nua e bebo um gole da taça.
— De quem está falando, mon cher?
— Não sei se falo, fui recebido de maneira tão rude!
Oh bobinho, precisa ser mimado. É tão ingênuo acreditando que
faço o que ele quer. Corro um dedo delicado ao redor da borda da taça de
vinho, molhando no líquido vermelho e toco seus lábios lentamente.
Remexo o quadril em seu colo quando agarro seu rosto e passo a língua em
sua boca oferecendo-a.
— Ah, não seja malvado, só porque sua Petit, estava ansiosa pra lhe
ver. — Beijo seus lábios devorando sua língua e ele sorri convencido.
— Estava?
— Não faça mistério, conte-me e resolvemos esse impasse, para
podermos aproveitar nosso tempo na cama e não aqui nesta poltrona tão
pequena. Quero espaço para saciar meu homem. Conte, douceur! Qual
organização vai nos ajudar?
— Os albaneses. — Abro os botões da camisa branca ouvindo-o
suspirar com meus toques em sua pele.
— Hum, e o que querem além de dinheiro para facilitar a
negociação dos herdeiros?
— Mulheres. Quantas ainda tem?
— Poucas. Sabe que me desentendi com os russos na última
remessa.
— Preciso das que tiver. Posso adiantar para eles essa semana e na
próxima pegamos as crianças.
Paro os afagos tentando controlar a surpresa. Planos apressados
nunca dão certo.
— Tempo muito apertado, semana que vem não dá.
— Vai ter que dar, Nati. O velho vai viajar pra Índia, ficará a semana
fora. E o casal ouvi que vão a um evento sem os filhos. Somente a velha e a
babá em casa.
— Tem certeza que vai dar certo?
— Sim, tenho tudo planejado. Preciso de grana, consegue algum
com o deputado?
— Claro que consigo, se for pra prejudicar a ex, ele vende até a
mãe. — Jules ri e serve mais vinho.
— Otário de merda!
— Otário rico!
— Homens, preciso que recrute alguns russos fiéis a você. Ainda é
possível contar com alguns? Precisamos invadir a casa e chegar em Olib
sem sermos seguidos pela Cosa Nostra. Essa foi a condição da máfia
albanesa para entrar no negócio. Ficaremos na ilha por um período pré
definido por eles até confirmarem que estamos sozinhos, depois eles
fornecem a saída em segurança por terra. Até lá estamos por nossa conta.
— Ok. Farei os contatos hoje mesmo. Preciso reservar uma das
meninas para cuidar das crianças, valem o peso em ouro, não podemos
correr o risco.
— Já planejei isso também.
— Não gosto disso.
— Ta gueule (cale a boca) deixe de mau agouro. Vamos tomar um
banho relaxante, tô precisando tanto. Finalmente vou sumir desta cidade
que fede a peixe!
— Oh! Mon cher, precisa mais que um banho. Vamos, vou cuidar de
você daquele jeito que só eu sei.
— Tem ideia de quanto vamos pedir pelos herdeiros? — pergunta
guiando-me para o banheiro da suíte aos beijos no meu pescoço.
— Ora, querido, vamos pedir tudo. Daremos a conta codificada e ele
fará a transferência. Em pouco tempo seremos bilionários.
— Vou comprar um anel de diamantes para o nosso noivado.
— Jules, somos meio-irmãos, acha que algum juiz vai nos casar? —
tiro as calças dele às gargalhadas.
— Compro o juiz de paz, compro um padre e até uma igreja, petit-
fleur! Com a grana do cara, posso comprar a porra que eu quiser.
Deixo-o delirar que vai conseguir pôr as mãos no dinheiro. Já tenho
a conta devidamente aberta para sumir no segundo seguinte à transação.
Jules pode afundar no mar Adriático,
Tiziano será um homem pobre e eu vou ganhar o mundo. Claro,
depois que der um fim naquelas crianças. Não vou permitir que aquela
sonsa seja feliz com uma família perfeita. Ela já teve tudo do melhor, agora
quero vê-la soterrada na merda!
CAPÍTULO 73

Saio do meu lado do closet, dobrando as mangas da camisa recém


vestida, mas preciso parar a tarefa quando vejo Selena aplicando
maquiagem, sentada diante da penteadeira e alguns cosméticos. Os
movimentos suaves e elegantes das unhas esmaltadas, causam um frisson
em mim. Recordo do nosso banho juntos mais cedo e como mia ragazza
estava particularmente faminta. Com a chegada dos gêmeos temos que nos
adaptar para aproveitar o tempo sozinhos, no entanto quando conseguimos
vale muito a pena.
Agora ela usa um pincel com um pó cintilante e levemente encosta
na pontinha do nariz. Depois aplica um batom acentuando o contorno dos
lábios perfeitos em um tom corado e ... cazzo! Sexy!
— Tiziano! — A risada doce dela tira minha concentração e ela olha
para minha calça.
Fui flagrado pelo espelho, logo busco o que a impulsionou chamar
meu nome com tanta ênfase e acompanho sua risada, porque a ereção
gigante fora de hora me pegou desprevenido.
— Se a babá entra aqui e vê os dotes do meu marido, será uma saia
justa.
— Ela nunca entra sem bater.
— Pode acontecer uma emergência e você aí de...
— Diga? — A encaro com ganância em meu olhar.
Ela sorri voltando a se maquiar.
— Diz, amore, fala só uma vez hoje!
— De... pau duro! — Amo que ainda cora levemente as bochechas
ao falar ‘palavrões’.
Ando até ela devagar, inclino meu corpo e beijo seu pescoço vendo
a pele se arrepiar com o toque dos meus lábios. Arrasto meu nariz até
próximo da sua orelha e sussurro:
— Adoro quando você fala do meu pau.
— Safado… — Tenta se afastar, porém com um sorrisinho sapeca
— Vamos! Se apresse! Quanto antes sairmos, mais rápido voltaremos.
Deslizo um afago em seu braço nu, olhando diretamente em
seus olhos pelo espelho:
— Tenho uma proposta melhor, que tal desistir da exposição e ir
para o nosso apartamento no continente? Eu lamberia essa pele de seda,
bem devagar. Te daria um orgasmo para cada pedacinho do seu corpo e só
depois, meu pau afundaria na sua boceta doce.
Seu olhar prende o meu por um instante em um misto entre malícia
e repreensão, e Selena suspira longamente.
— Eu adoraria, meu viking. Mas, não podemos furar com Jess.
Depois vamos jantar no bistrô que ela escolheu para Sasha nos encontrar.
Não vamos estragar o programa de sua irmã, ela nos convidou com tanta
insistência.
— Ela é sempre insistente.
— Bem, faz dias que marcamos esse evento, fizemos preparações
então iremos — define assim que termina o batom.
— Tem razão, signora DiMateo, precisamos sair um pouquinho de
casa, mudar a rotina. — Agarro por trás sua cintura quando ela se ergue da
cadeira acolchoada e cheiro o pescoço onde há mais pele exposta.
— Mas na volta essa trança será completamente bagunçada.
— Combinado — Contemplamos nossa imagem juntos no espelho e
tenho certeza que ela recorda da nossa primeira vez, pois inconsciente
morde o lábio inferior, provocando um arrepio em mim.
Devidamente prontos, vamos ao quarto das crianças e mesmo os
dois dormindo nos despedimos brevemente próximos aos bercinhos.
Carmela está na poltrona concentrada lendo um livro e minha
esposa fala baixinho com a mulher.
— Dona Carmela, voltaremos logo, mas tirei leite com a bombinha
para as próximas refeições, se caso demorarmos mais que três horas.
— Poderíamos ficar fora até a tarde que teriam comida, amore. Você
exagerou.
— Uma mãe nunca exagera nos cuidados dos filhos, meu viking. —
É um orgulho vê-la tão madura, lembro no início da gravidez como estava
apavorada.
— Luna tem sua boca, Selena. Olhe o lábio superior dela,
igualzinho ao seu. — Abraço sua cintura por trás.
— Estão começando a lembrar cada vez mais nossos traços. Uma
mistura tão perfeita!
Eles são realmente lindos e não porque são meus filhos, mas são
perfeitos como a mãe.
— Qualquer coisa anormal, não deixe de ligar, Carmela.
— Certamente, senhor DiMateo.
Após as recomendações saímos com a lancha e nossa equipe de
segurança.
É bom termos um tempo para nós, dois meses sem sair de casa
praticamente. Minhas impressões ruins passaram, desde que conversei com
meu sogro e expliquei que deveríamos ficar um pouco mais em Veneza.
Nonna viu a mesma coisa na leitura da minha mão, evitar viagens longas e
retorno ao sul, pelo menos por um tempo. Sendo assim, nos divertir um
pouco vai fazer bem.

A exposição de esculturas foi fascinante, pois contou com um artista


local esculpindo ao vivo, permitindo que os amantes de arte
acompanhassem o processo. No entanto, a pior parte foi lidar com os
paparazzi. Eles tiraram tantas fotos nossas que meus olhos ficaram irritados
com os flashes. Ficamos mais de uma hora para conseguir apreciar todas as
obras.
Neste momento estamos indo de lancha para o outro lado do canal,
no bistrô que Sasha já avisou que nos espera. Jess se aproxima da nossa
com o celular em punho.
— Vocês viram as últimas notícias?
— Não, sobre o quê?
Ela alcança para lermos a manchete.
” Deputado Pietro Albenacci morto em circunstâncias misteriosas.
O corpo do membro do parlamento foi encontrado esta tarde boiando
próximo à costa da ilha de Córsega. O cadáver não estava inteiro, apenas
a parte superior presa a uma boia. Sinal claro de um recado a sociedade,
pois possivelmente os relatos do seu envolvimento com a máfia são
verdadeiros. As investigações começaram imediatamente e o pai do político
exige justiça para o filho."
— Eco, justiça divina, certamente — comento.
E alívio para minha amada.
— Será que nossos pais têm a ver com isso, Jess?
— Não duvido nem afirmo. É melhor acreditar que foi justiça divina
como Tizi falou.
— É, tem razão.
— Sempre tenho razão, bionda.
Ao chegarmos no restaurante, uma sensação estranha começou a
incomodar. Parece que o ar a minha volta está pesado, carregado de uma
névoa sufocante. Disfarço e abro mais um botão da camisa de linho, sei que
o clima aos olhos alheios é perfeito, só que o desconforto que se forma em
meu peito, denuncia que algo está errado.
Mostro um sorriso leve a todos durante o jantar, tento manter o
manto da calmaria sobre mim, só que a sensação ruim vai crescendo,
espalhando-se por entre outros órgãos, deixando o nervosismo evidente.
Agora no fim do jantar, Jessica tagarela como está empolgada com
sua viagem para a Austrália. Vai ficar uma semana por lá. E eu como retirei
o celular do bolso e deixei sobre a mesa, a cada instante dou uma olhada
enquanto a ouço detalhar o roteiro. Sasha não está feliz em não poder
acompanhar minha irmã, pois é nítida a cara fechada. Porém a abusada nem
se importa com o mau humor dele e segue tagarelando.
— O que você tem, viking? Está inquieto desde que chegamos, não
gostou do lugar? — Selena sussurra.
— Não! Não sei o que é. — Afago o coração por dentro da camisa
sentindo um aperto estranho.
— Acho melhor irmos para casa.
Assim que ela diz isso, o celular emite o sinal que o botão do pânico
foi ativado na mansão.
— Oh! Dio, Oh! As crianças! — abalada, Selena se exalta.
— Calma, pode ter sido um engano da nonna. — Rezo para que
seja.
— O que foi? — Jess pergunta enquanto ligo pra mansão.
— A guarita não atende! — ligo para a minha avó, sem sucesso.
— Irmão! O que houve? — Jess insiste.
— Tem algo de errado na mansão — respondo com meus nervos
abalados.
Todos ficamos alarmados, Sasha sinaliza a conta e tento colocar
meus pensamentos em ordem, perder a cabeça agora, só piora as coisas.
Selena se agarra ao meu braço, lágrimas silenciosas rolam pelo seu rosto
enquanto meu coração acelera no ritmo dos passos que nos levam para fora
do bistrô.
Os seguranças me encontram avisando que Mário ligou ao receber o
alarme, mas que a ligação foi interrompida de forma brusca e eles ainda não
sabem nada pra informar.
A adrenalina faz com que eu quase corra para o píer onde a lancha
está ancorada, carrego Selena aos prantos nos braços, mas não consigo
acalmá-la. Jess e Sasha decidem nos acompanhar, ela para ajudar a
confortar a amiga que se debulha em desespero e ele oferecendo ajuda no
que precisar.
A apreensão me faz ficar em pé na proa como se isso fosse acelerar
os motores. Meus olhos varrem a escuridão da noite imaginando as piores
situações possíveis. Tento manter o controle do meu corpo, mas meus
músculos estão doloridos de tão tensos e contraídos. Minhas mãos trêmulas
e inquietas, formigam diante da impotência da situação. Cansado de
imaginar probabilidades, entro na cabine como um demônio enfurecido
gritando aos quatro ventos.
— Acelere essa merda, Ernesto! Cazzo!
Vou até Selena amparada por Jess na poltrona e agarro firme suas
mãos.
— Bella, não se desespere. O que for, nós vamos resolver. Lembra,
eu sonhei com nossa família na praia. Lembra!
— Tizi e se aconteceu alguma coisa com eles?
Seu olhar borrado e perdido me destrói.
— Não há nada que não possamos resolver, calma.
Mesmo angustiado, tento transmitir a mulher que amo, conforto e
segurança, mas a ideia de que algo muito sombrio esteja à espreita é
avassaladora. Sei que as previsões não são infalíveis, mas não admito que
algo terrível possa ter acontecido com meus filhos aqui em Veneza, com
toda a segurança que nos cerca.
Enxergamos a mansão à distância, envolta em total escuridão.
Nenhuma lâmpada da guarita de entrada, da recepção do píer ou dos jardins
permanece acesa, como se tivessem desligado todas as luzes. Isso provoca
um arrepio de medo que percorre minhas veias.
Ao atracarmos, Jess e Selena se posicionam para descer comigo,
mas Sasha impede:
— Sabe atirar?
— Sei ... — Busco uma concentração extraordinária para acalmar
minha mulher que treme colada ao meu corpo. Não vou demonstrar como
estou por dentro. Mia ragazza precisa de mim.
— Vou na frente. Nos siga com elas, mantenha a mira na retaguarda.
Dê a ordem para seus homens me obedecerem. Confie em mim.
O rosto duro e feroz do russo não é a única coisa que me faz confiar,
mas sim as palavras da minha mãe no sonho de aviso. “Confie nos homens
que não parecem bons.”
— Homens, obedeçam Sasha, ele é amigo e sabe o que fazer.
Ele acena e me entrega uma pistola 380. Enquanto destrava uma
glock. Sigo em alerta com a mira pronta para qualquer imprevisto. Jess e
Selena seguem entre mim e os homens com Sasha adiante. Busco qualquer
sinal de movimento na escuridão, mas nada se move.
Eles avançam pelo píer, um verifica a guarita e o russo entra na
mansão com dois deles enquanto os outros circulam a propriedade e os
jardins. Rapidamente as luzes dos geradores são acionadas. O cenário é
terrível e as duas exclamam alto em horror, ao verem os corpos dos
seguranças que guardavam a casa, mortos no chão.
Elas cruzam aflitas a porta da frente.
No degrau da porta de entrada, entrego a arma a Carlo, que alerta,
nos espera. Adentramos no hall, e para nosso alívio, não há sinal de
violência aparente. As mulheres, preocupadas, aguardam na entrada da sala
olhando para nós dois com expressões ansiosas.
— O... O que houve, Carlo? Fale sem rodeios! — Peço, ansioso por
respostas.
— Levaram as crianças! — A resposta de Carlo é direta e cheia de
preocupação. Selena desmaia assim que escuta a notícia. Mas consigo com
um passo segurá-la em meus braços antes que caia.
Assim que entro ouço a voz de Sasha conversando com minha
nonna, mas não tenho tempo de focar neles. Se está conversando está bem.
Levo minha mulher até o tapete da sala e a deito no chão, de barriga para
cima, e elevo as pernas dela em relação ao corpo e a cabeça; afrouxo o
cordão do vestido para facilitar sua respiração
— Amore, sou eu, estou aqui, pode me ouvir?
Verificando sua pulsação, noto que está voltando a si. Jess se
aproxima aflita.
— Busca um pouco de açúcar ou mel?
Assim que ela recobra a consciência, me abraça apertado.
— Diz que é um pesadelo, Tizi! Diz que não é verdade. — É um
esforço para me manter forte, vendo seu desespero.
Minha irmã volta e dá um pouco de mel em sua boca.
— Precisa de glicose, bella, seu pulso está fraco. — Sinto as mãos
geladas e a pego no colo levando para o quarto de hóspedes do térreo.
— Jess, lá em cima no nosso quarto tem a bolsa de medicação de
Selena, ela precisa de um calmante.
— Não! — retruca em lágrimas. — Não quero dormir alheia ao que
está acontecendo, quero os meus filhos, Tiziano! E você não vai me apagar
com calmantes!
Seu corpo trepida em meu abraço e acabo denunciando minha
angústia em palavras.
— Selena pell’amore di Dio! Escute! Estamos numa situação
delicada, não podemos nos colocar em risco. Não quero te manter alheia,
mas per favore precisa confiar em mim agora!
Abraço apertado transferindo um pouco de calor para seu corpo
visivelmente afetado pelo nervosismo. Beijo sua testa e vejo minha irmã
retornar com uma jarra de água e a bolsa de medicações.
— Jessica vai ficar aqui com você, preciso ligar para o seu pai e
traçar o plano de resgate. Vou recuperar nossos filhos.
— Eles são tão pequenos e tão frágeis... — com a alma dilacerada
em ouvi-la chorar seu lamento, deixo minha irmã tomar o meu lugar no
abraço consolador e me afasto em busca dos homens, determinado a
recuperar as crianças.
Carlo me guia pelo corredor até a cozinha contando que minha avó
estava no andar de cima quando foi surpreendida. Conseguiu se arrastar até
a cozinha ferida, porque seu celular estava lá.
Encontro nonna sentada na cadeira gemendo, enquanto Sasha a
atende com as mãos ensanguentadas e a maleta de primeiros socorros na
mesa.
— Lázio está morto, Carlo?
— Não sei signore, Federico quem fez o reconhecimento do lado de
fora.
— Verifique, cazzo! — Alinho os cabelos tomando meu tempo para
me concentrar.
Engulo o nó na garganta ao olhar as escadas e o rastro de sangue,
subo até o segundo pavimento e confirmo o caminho vermelho no chão,
igual ao sonho macabro de cinco anos atrás. A cena revolve meu estômago.
Ao descer as escadas que levam de volta, agarro as mãos da minha parente.
— Nonna, está muito ferida? Desculpe eu entrei e fui direto atender
Selena... Quem levou as crianças?
— Conte todos os detalhes que falou, senhora Olímpia, seu neto
precisa de todas as informações que puder. — Sasha olha para mim ao lavar
as mãos na pia. — Sua avó levou um tiro na perna que atravessou o
músculo e um de raspão nas costelas. Estanquei os ferimentos, ela vai ficar
bem até o médico chegar. Presumo que tenha um para chamar. — Ele se
afasta em busca de informações do lado de fora.
— Carlo! — chamo o homem que aparece na porta. — Chame o Dr
Bianco, diga que é urgente.
— Nonna! — Me agacho diante dela que respira aos tropeços por
causa da dor.
— Eu lutei, quase a desarmei, mas estou velha e minha força não é
mais como antes. — Franzo a testa, uma mulher?
— Era ruiva e bonita, tinha uma pinta na bochecha, mas seus olhos
eram de maldade.
Cerro as mãos em punhos.
— Puttana de una Troia. Quella sgualdrina di merda!
— Conhece ela, Tizo? — Empurro os cabelos para trás,
visivelmente transtornado.
— Infelizmente, mas como ela entrou aqui? Quem matou todos os
homens?
— Tinha muitos bandidos. Lázio ajudou.
— Porcocane! O quê? Lázio o meu segurança pessoal? O homem
que confio?
— Não consegui entender quase nada do que diziam, falavam
francês. E eram íntimos pelo que percebi. Levaram Carmela e a obrigaram a
pegar provisões para as crianças.
— Ela está com eles?
— Não! Estava assustada e chorando. A única coisa que a ruiva
falou em nosso idioma, disse para você não envolver a Cosa Nostra, ou ela
mata um dos bebês.
— Diocane! Uccido quella puttana! (Mato aquela puta)
Abro a geladeira e o estoque de leite foi levado, pelo menos temos
algum tempo. Não, ela quer mantê-los vivos. Afago meu peito em dor,
preciso acreditar nisso para manter a esperança viva, e agir com frieza.
— E os homens? Falavam francês também?
— Não, falavam russo!
Olho para Sasha que traz as metralhadoras dos mortos do lado de
fora.
— O que foi? — coloca as armas sobre a mesa.
— Os homens que renderam a segurança falavam russo, está
envolvido nesta merda, Sasha? — Agarro seu colarinho e entredentes
indago: — É por isso que se aproximou de minha irmã?
Ele não me toca nem revida com defesa, apenas olha dentro dos
meus olhos com um brilho assassino neles.
— Vou relevar porque está nervoso, e suas percepções estão
nubladas pela situação. É melhor soltar a minha camisa antes que você se
machuque.
Sua voz soa completamente diferente do que eu conheço, torna-se
mais seca e ganha um tom ameaçador ao subir uma oitava.
Solto a gola e respiro profundamente, massageando a nuca ao me
afastar dele. Che maledetto mal di testa! (Que droga de dor de cabeça!)
— Não me aproximo como amigo de quem desejo eliminar. Se
tivesse intenção de matar alguém da sua família, já teria feito. Sou um
homem de honra, Tiziano e enfrento meus inimigos olho no olho. Não me
compare a qualquer porra que tenha conhecido ou ouvido falar.
— Essa sentença é dita de forma calma enquanto com agilidade
verifica os pentes de munição das quatro armas sobre a mesa.
— Admito que tô desapontado por ter feito uma escolha tão
equivocada, confiando em um homem e o colocando como guarda pessoal
da minha família.
— Há quanto tempo ele trabalhava para você?
— Há mais de cinco anos.
— Senhor Tiziano, seu sogro no telefone! — Carlo me alcança seu
celular e me concentro para enfrentar o homem.
— Mário?
— Minchia! Tiziano! Por que não atende esta merda de celular?
— Scusa suocero, non avevo sentito! (Desculpe sogro, não ouvi)
— Carlo me contou sobre o sequestro. Estou saindo de Siena, no
máximo em duas horas e meia chego aí.
— Não podemos envolver a Cosa Nostra senão matam um dos
pequenos.
— Eles sabem quem somos? Foi um ataque a famiglia?
— Não, foi um ataque a mim.
— Conversamos quando eu chegar.
A linha fica muda e Sasha digita algo no seu celular.
— Conhece a mulher? Quero mandar informações para a minha
inteligência — pergunta ele.
Meu rosto demonstra a culpa auto infligida.
— Infelizmente sim.
— Senhora? Alguma característica física além do idioma russo em
algum dos homens? Que arma portavam? Roupas, algo marcante? —
pergunta a minha avó que continua sentada em estado de choque.
— Um apareceu na porta com uma dessas metralhadoras e tinha
uma cruz enorme no dorso da mão, e na outra parecia uma estrela de cinco
pontas.
— Preciso saber quem é essa mulher. Se tem alguma ligação com a
bratva que eu não sei, haverá sangue como reparação. Tem alguma foto que
mostre seu rosto?
— Talvez alguma imagem nos tabloides da morte de seu marido,
pode haver algo. Seu celular é limpo?
— Com as bençãos da Madonna da tecnologia russa.
— Posso ligar para o meu irmão? Quero evitar usar o meu.
Digito os números e aguardo atender, quando isso acontece, meu
irmão nada emite do outro lado.
— Gabe? É você? Sou eu Tiziano.
— Por que me liga com número oculto? — a respiração forte
identifica que está fumando.
— É o celular de um amigo.
— Desde quando tem amigos russos?
— Como descobriu que é russo?
— Não questione meus métodos, o que quer a essa hora da noite?
Tô saindo da cena de um crime.
— Preciso de ajuda, os gêmeos foram sequestrados e não posso
envolver a polícia. — Minha voz trêmula sai baixa e derrotada.
Ouço a respiração profunda de Gabe do outro lado da linha.
— Sabe quem foi? — pergunta com seriedade.
— Sei.
— Um agente da GIGN[xxxi] me deve um favor, em duas horas e
vinte estaremos aí — avisa, confiante.
— Como vai chegar tão rápido? — questiono perplexo.
— Mais uma vez, não questione meus métodos. — Mais uma
baforada. — Vou de helicóptero.
A linha fica muda outra vez, e sei que meu irmão é necessário para
trazê-los de volta, portanto é isso que deve ser feito.
Jessica aparece do quarto e avisa que Selena finalmente dormiu. Vai
apagar por horas com a medicação.
— Chamei Gabrielle. Devo me preocupar sobre a Cosa Nostra? —
encaro seu rosto aflito.
— Já contei tudo sobre nosso pai. E não, ele não quer a máfia para a
vida dele. E seu sogro?
— Está a caminho. — Ando pela cozinha inquieto e preocupado. E
se meus filhos estão feridos? E se ela os matou?
— O que fazemos até eles chegarem? — pergunta ela.
— Não sei irmã, não sei. Venha nonna vou levá-la para ficar mais
confortável.
— Talvez precisem comer ou se preparar. Irão atrás dos bandidos?
— insiste Jessica.
— Sim, nós vamos. — Encaro o russo que afaga o rosto de minha
irmã.
— Você vem conosco, Sasha?
— Pode apostar que sim. Vou ligar para o meu apoio para aguardar
no cais do velho mercado. São os meus melhores homens, ex membros da
unidade de elite das Forças Armadas Russas, estão no continente em um
veículo blindado com todo tipo de tecnologia de ponta e armas. Sempre me
acompanham nas viagens. Se puder falar o que procurar sobre a tal mulher,
a hora é essa.
— Procure sobre a morte do empresário Settimo Gagliardi.
Enquanto levo minha avó para a poltrona, ouço seu canto oratório
baixo. Agora longe dos outros as lágrimas rolam silenciosas por meu rosto e
quando a acomodo na poltrona, ela me consola:
— Não chore, menino, seja forte. Seu anjo da guarda é poderoso!
Confie.
CAPÍTULO 74

As horas parecem voar e a apreensão envolvendo a todos consome


feito um predador implacável. Ninguém fala nada, mas quanto mais a
madrugada se avizinha, mais riscos meus filhos correm.
A porta da frente se abre e Gabrielle entra com seus passos
calculados e pesados. Jess se apressa a cumprimentá-lo com um abraço e
mesmo sabendo que ele odeia isso, imito minha irmã. Dá um certo alívio
em ter a frieza de Gabe em casa uma hora dessas.
— Que bom que chegou! — expresso meu alívio.
— Quem estava aqui quando aconteceu?
— Nonna e a babá — respondo.
— Se feriram?
— Nonna foi baleada, mas nada grave — minha irmã explica.
— Onde ela está?
— Na sala do chá.
Sasha retorna do banheiro e retrocede inconscientemente os passos,
ao ver Gabe o encarando.
— E quem é esse?
— Meu namorado.
— Hum ... E o namorado tem nome? — A expressão facial de
Gabrielle permanece inescrutável, um semblante de pedra que oculta
qualquer emoção. Tenho certeza de que sabe de tudo e está apenas atuando.
— Aleksandar.
— Esse é o russo?
— Assim disse minha mãe — corta Sasha.
— É bem-humorado, maravilha! — provoca com escárnio.
Meu irmão vai até a porta da sala de chá ver nonna que o chama
para um cumprimento. Quando retorna de lá, senta-se e incorpora o analista
criminologista. Pergunta a maioria das coisas que Sasha indagou antes e um
pouco mais. Acrescenta que trouxe dois homens preparados para a
intervenção, mas sem saber aonde ir, não adianta de nada. Minha apreensão
redobra.
— Já fizeram contato para o resgate?
— Não!
— Descobrimos algumas coisas sobre a mulher — avisa Sasha ao
colocar o celular no viva voz sobre a mesa.
“Natasha Gagliardi por casamento, Natasha Sordi por falsificação,
mas é conhecida por Natalie Berny trinta anos, chamada de araignée.
(aranha) Seu meio irmão, Jules Berny trinta e cinco, estava trabalhando
como Lázio Bataglia. Cresceram na Boulevard Ney, em Paris, uma
bidonville, literalmente, “cidade do lixo” instalada em uma linha de trem
abandonada. Depois do sumiço dos pais, provavelmente assassinados,
juntos aplicaram golpes por toda a cidade, até serem caçados pela polícia
local pelo assassinato de dois empresários do alto escalão francês.
Foragidos desde então. Ligações com todo o tipo de operações
criminosas.”
— Esses são os sequestradores? — A voz penetrante e rude do pai
da minha esposa se faz ouvir na porta da cozinha.
Finalmente a equipe que vi no sonho está completa! Aperto a mão
do meu sogro e seu olhar suaviza.
— Vamos recuperar nossas crianças, confie!
A segunda vez que ouço para confiar, assim como minha mãe disse.
Sasha garantiu mais cedo, meu sogro, só falta Gabrielle, não que o sucesso
do resgate se baseie nisso, embora ouvir me deixe um pouco mais tranquilo.
— E como pretende fazer isso?
— Com isto. — Mostra seu celular e um ponto vermelho.
O homem loiro entra na cozinha com passos decididos e, presença
imponente, se aproxima da cadeira próxima ao meu irmão. Seu corpo
definido é visível através da camisa justa que veste por baixo do colete
kevlar. Com facilidade, ele se deixa cair na cadeira, fazendo com que o
estofamento ceda sob o peso de seus músculos. Os braços fortes repousam
nos apoios da cadeira, e ele ajusta a postura, mantendo-se ereto e confiante,
ocupando o espaço com sua intensidade.
— Carmela tem um biochip rastreador, e uma escuta espiã, ativada
por mim em situações de perigo. Porém com cem metros de alcance. Uria!
Traga o mapa! Um de seus homens com a mesma roupa de combate entra e
coloca o mapa aberto sobre a mesa.
— Lidere! — Fala para meu irmão pela primeira vez olhando em
seus olhos.
Gabe em um primeiro momento não se move, o encara seriamente, a
sombra da barba por fazer realça a dureza de seu rosto.
— Você nem me conhece!
— Conheço seu pai, é suficiente pra mim. — Mário nem pensa para
responder. Gabe não demonstra nada em sua expressão e volta o olhar para
o mapa com os pontos circulados em vermelho. Pequenas ilhas próximas à
costa da Croácia.
— Atualize-nos sobre o local dr House? Latitude:44° 22’ 30” Norte,
longitude 14° 46’ 55” Leste — pergunta meu irmão para Sasha, que até
então estava de braços cruzados sobre o peito, escutando a conversa dos
dois. Lembro do sonho, Gabe o chamava desse apelido.
O russo é um Ás com seu celular e logo coloca no viva voz sobre a
mesa outra vez, o interlocutor com sotaque carregado descreve:
“— Olib ilha ao norte da Dalmácia, localizada a noroeste de Zadar
46km, a sudoeste de Pag, a sudeste de Lošinj e logo a leste de Silba, com
uma área de 26,14 km quadrados. Altitude de 1 metro acima do nível do
mar. Ponto mais alto 74 metros. População 149 habitantes. Terreno coberto
de mata fechada, vegetação em questão formada basicamente por maquis e
garrigue, pouca visibilidade a distância. Aeroporto mais próximo para rota
de fuga a 37 km em Losinj.”
— Quem é esse? — indaga meu sogro apertando o olhar sobre
Sasha.
— Bratva — solta meu irmão de modo impiedoso, embora um canto
da sua boca eleva-se com cinismo.
Certamente Gabrielle já tinha a ficha do russo, por causa da ligação
com Jessica, mas como sempre usa as informações quando lhe convém.
O espanto transforma o rosto do meu sogro, a veia salta para fora do
seu pescoço pela tensão.
— Um soldado da Bratva em sua casa, Tiziano?
— Não sou um soldado ‘signorrre sottocapo.’
— E quem é você? — Duas feras separadas apenas pela mesa de
mogno do meu pai. Gabe escolhe esse momento para acender um cigarro e
baforar para o teto.
— É mesmo relevante? — intervenho espalmando as mãos sobre o
mapa.
— Óbvio que é relevante! — exclama ríspido meu sogro. — Preciso
saber quem vai cobrar este favor!
Enterro a mão nos meus cabelos temendo o andamento da discussão
e encaro Gabrielle que sonda os dois divertindo-se com seu cigarro. Deveria
saber que trazer o agente do caos causaria isso! Cazzo!
— Ascendi com orgulho Sovietnik da irmandade Solntsevskaya
Bratva.
Mário se levanta e Sasha pousa a mão na glock em alerta.
— Non ci posso credere!(Não dá para acreditar!) O consigliere!
Gabe apaga o cigarro na sola do coturno e se ergue calmamente:
— Rapazes, guardem seu tesão apaixonado para a quadrilha.
Nenhum de nós gosta do outro, mas é a melhor equipe que temos. Quantos
homens tem, Malpucci?
O senhor armado até os dentes suspira igual a um touro bravo.
— Doze.
— Poder de fogo?
— Ak47, 9mm e 380s.
— Aleksandar House. Per favore, o que tem?
Certamente o deboche por ter medicado minha avó é o melhor
elogio que Sasha vai receber de Gabrielle.
— Dois homens, atirador furtivo de elite e observador.
— Poder de fogo?
— Uma AK-308, uma ponto 40, oito AKs-12, equipamento de visão
noturna e infravermelho para todas elas. Granadas flashbangs, molotov e
smoke em quantidade considerável. Radares de 72 milhas náuticas de
alcance para quatro embarcações.
— Percebe como é melhor ter a bratva como aliada? Deveria sugerir
ao seu chefe — provoca Gabe ao encarar Mário com desdém.
Puta merda!
— E onde está esse tesouro que nos dará esse poderio de combate?
— rebate ele.
Meu irmão olha para Sasha induzindo sua resposta.
— Está a postos no píer do antigo mercado.
Gabe conduz o plano:
— Então faremos o seguinte, vamos descer na orla da ilha, Malpucci
segue pela direita com cinco dos seus melhores, o resto monitora o entorno
dentro das embarcações, pode haver atiradores a nossa espera. Eu e Dr
House aqui, seguimos pela esquerda. Os dois grupos ao avistar a casa alvo
aguardam a distância de cem metros até você ligar a escuta espiã e obter
melhores informações com a refém — Aponta para Mário que confirma. —
Não sabemos exatamente se é um pavilhão de armazém, uma casa de
alvenaria, uma estrutura de concreto, nada. Só que é um local relativamente
deserto e não muito distante da costa. Faremos a incursão na ilha,
recebemos a transmissão, eliminamos os alvos e extraímos os reféns vivos.
Limpo, rápido e sem baixas do nosso lado. Duas embarcações com homens
e armas, uma de apoio com combustível. Pode manter os quatro seguranças
com você aqui, Tiziano
— Eu vou junto.
— Não tem experiência em campo, aposto que nem sabe usar uma
arma. Você fica! — Um caralho que fico! — me exalto.
— Ele pode ficar na lancha de apoio, haverá homens com ele. São
seus filhos, não podemos impedir — argumenta meu sogro.
Gabe não responde, apenas me encara.
— Foda-se! Não respondo a você. Vou buscar um colete para mim.
— Saio sem olhar para trás.
Terminada a pequena reunião começa a movimentação em retirada
de dentro da mansão. Um a um saem atrás de mim. Deus ajude que
consigam salvar meus filhos. Faço uma prece silenciosa enquanto visto o
colete e entro na lancha. Essa noite horrenda parece não ter fim.
CAPÍTULO 75

Atendi ao pedido de Tiziano, não pela sua aflição ou nada parecido.


Vim pela curiosidade de ver como o subchefe se comporta diante de uma
situação extrema, além disso, desde que Jessica falou que estava de caso
com um russo, eu investiguei.
Ah, qual não foi minha surpresa ao descobrir que o cara é da bratva!
Não vou mentir que queria ver o circo pegar fogo naquela cozinha. Dois
braços direitos das próprias organizações criminosas, lutando juntos pelo
mesmo objetivo? Uma festinha que eu não poderia perder.
De todo o modo, aqui estamos. Após passar pelo ponto de encontro
de Sasha e pegar todo o aparato de armas que ele tinha dentro daquele
furgão, seguimos por alto mar munidos de radares em cada uma das
embarcações.
Desse jeito poderemos perceber se uma embarcação inimiga se
aproxima na escuridão da noite. Não há espaço para erros, estamos lidando
com uma quadrilha que quer a todo o custo uma compensação pelos filhos
de Tiziano, mas ao sinal de perigo podem facilmente eliminá-los.
Ainda não ligaram pelo resgate, pois somos rápidos, usamos duas
lanchas de alto desempenho com velocidade máxima de 60 nós. Os 225 km
de Veneza até a ilha foram feitos em duas horas e vinte minutos. Descemos
todos armados até os dentes, cada um com o plano bem gravado na mente.
A verificação de possíveis atiradores foi feita em segundos, assim
como previsto, ninguém nos aguardava. Cruzamos a pequena margem de
areia em minutos e adentramos a mata.
— O que acha dos albaneses? Podem estar envolvidos? — pergunto
a Sasha no meu encalço desviando dos arbustos com sua Ak-12.
— Provavelmente, se não tivessem não dariam essa ilha para se
esconderem, ninguém abre o seu território se não fizer parte do negócio.
A ilha Olib é um esconderijo quase perfeito. Cercada de plantações,
um belo bosque e casas grandes do tempo da colonização. A paz e a
tranquilidade da paisagem de gravura de férias românticas, esconde os
filhos da puta que estão com meus sobrinhos. Tecnicamente não são
sobrinhos de sangue, mas esse fato é irrelevante para mim.
Caminhamos por cerca de um quilômetro mata adentro até a
localização com o Malpucci coordenando pelo ponto eletrônico. O velho é
ágil e está com sangue nos olhos, é a porra do melhor estímulo para a
guerra!
Ao chegar, camuflados na mata, deitados entre os arbustos, eu e o
russo nos posicionamos em um ponto estratégico a cem metros a oeste da
casa. Uma enorme caixa de madeira de dois andares, seria um grande
celeiro se não fosse a sacada circundando toda a estrutura. Homens armados
fazem a guarda no chão e no alto.
Quando defini o plano, a princípio pensei em uma grande incursão.
Mas, temos uma única chance em pouco tempo de investigação. Não dá pra
desperdiçar o elemento surpresa. E muitos homens poderiam fazer com que
fôssemos descobertos antes do que prevíamos.
Duas lanchas. Seis dos melhores em cada uma, um atirador de elite
guiado por Sasha pronto pra estourar o caralho que vier.
Aqui, na escuridão da madrugada, respiramos devagar e
controladamente tentando manter a calma. Precisamos de toda atenção
necessária para que nada dê errado. Um silêncio aterrorizador é quebrado
somente pelo vulto e farfalhar das roupas pesadas dos uniformes e coletes
kevlar de combate em meio as folhas da vegetação.
O atirador, posicionado a uns metros de nós, sinaliza que está
pronto.
— Temos seis na varanda lado oeste, e dois no chão e do seu lado,
Malpucci? — pergunto no ponto eletrônico.
— Mais seis. Um para um. Ninguém no chão deste lado.
— A entrada principal é do meu lado.
O atirador comunica que precisa de dez a quinze segundos para que
o alvo principal visto dentro da casa, entre em sua mira. E que não
garantiria sucesso no abate.
— Aguarde, Kratos! Sem riscos aos reféns. Melhor vermos o alvo
do que atirar sem a certeza da identidade.
A palavra abate, faz o russo ficar inquieto ao meu lado e pressionar
o seu homem. Ele sabe que quando o primeiro alvo tombar, o caos se
instala. E que esses dez a quinze segundos serão triplicados. E a mira do
colega será muito mais difícil de ser reajustada.
— Gosta realmente da minha irmã, não é, House?
Ele aperta os lábios, mas não é indiferente a pergunta.
— Sabe que estão em um jogo de merda. E o pai dela, não vai
facilitar pra vocês.
— Também é seu pai!
— Não o conheço! — respondo.
— Calem a boca vocês dois! — A voz do ciborgue albino no ponto
eletrônico é dura. — Não é só a vida dos meus netos que está em jogo.
Nossos homens estão correndo o mesmo risco. .Esses testa de
minchia(cabeça de caralho) estão preparados para uma guerra, contra quem
quer que se aproxime portando um arsenal pesado. Os mesmos elementos
que nos protegem de um ataque, protegem quem pretendemos eliminar.
— Entendemos o discurso, sottocapo! — encerro com tédio.
O homem gosta de pensar que mete medo só porque tem dois
metros de altura. Esboço um sorriso para mim mesmo. Agilidade sempre
ganhou da força bruta.
— Mesmo com o armamento pesado dos outros, com o plano que
temos é a melhor opção de ataque — ressalto.
— Embora a defesa seja relativa — conclui o russo.
Sasha é esperto e tem visão, fui com a cara dele, pois é eficiente e
direto. Não se exibe e, portanto, sei que é um assassino letal.
Seguro firme a arma que tenho em mãos, exalo o ar com força para
fora dos pulmões e sinalizo que estamos prontos.
Mário mantém a posição e avisa que Carmela conseguiu avisar pela
escuta que está sozinha num cômodo nos fundos, mas tem homens dentro
da casa e não sabe dizer quantos.
— Consegue vê-los, Mapucci?
— Não. Devem estar do lado de vocês.
— Vou me aproximar e atualizo. Aguarde!
Em meio a escuridão, desloco-me a cinco metros à minha esquerda
e avanço rastejando por mais dez. Ao focar outra vez, o infravermelho capta
uma forma maior de calor e dois montinhos deitados juntos.
— Encontrados, térreo, fundos. Os guardas do chão estão guardando
a janela não a porta principal. Malpucci, avise a refém que vamos retirá-los
em cinco minutos. Consegue eliminar cinquenta metros camuflados?
— Quando você usava fraldas eu cumpria missões mais
complicadas que essa!
Acho graça da vaidade do homem.
— Pois mexa essa bunda albina e ao meu sinal abra fogo. Além de
eliminar o seu lado, será uma distração para nós avançarmos.
Em conjunto diminuímos a distância. Sasha e o homem com a ponto
quarenta em mira adiantam-se sorrateiramente ao meu lado, entretanto a
única coisa que esquecemos ocorre...
Cães!
Três monstros rottweilers correndo em nossa direção.
— Filhos da puta, fiquem parados! — ordeno.
Sasha até mantém a posição na esperança de não ser visto, mas olha
pra mim apreensivo.
— Malpucci! Agora!
Os dois primeiros tiros dão o sinal de alerta aos que guardam a
entrada da grande casa. Granadas de efeito moral despistam os cães. A
fumaça nos cobre parcialmente.
O atirador consegue abater os dois homens do chão. O namorado de
Jessica é rápido e certeiro, abate três que saem de dentro da casa. Entrada
livre, pois os da sacada do meu lado, iguais a baratas tontas correm para
defender os outros alvejados pela equipe de Mário.
Enquanto tentamos manter uma mira precisa, eu e o russo
avançamos deixando o homem dele na retaguarda, assim como os outros
três cobrindo nossa aproximação da casa.
— Não sou a favor de matar animais, mas se for eu ou eles, a
matemática é fácil! — diz Sasha quando chegamos na porta do local.
— Talvez prefiram carne velha.
— Tô ouvindo, garoto! — o ciborgue da Cosa Nostra dá sinal no
ponto eletrônico.
A risada que deixo escapar se mistura ao caos dos disparos.
Ao ouvir as balas zunindo, entramos pela porta principal, eu e ele
com sede de sangue. Outros seis nos aguardam do lado de dentro.
Sasha simplesmente descarrega o pente da sua glock, enquanto
desvio dos tiros como posso escondendo-me entre os móveis. Os cacos e
destroços da decoração voam por todos os lados. Um caos se forma dentro
da casa. Um a um os derrubamos ao alvejar cada um deles na cabeça. Há
somente um homem dentro do quarto com os reféns e aposto que é o
succhia cazzo do Lázio, ou Jules que seja esse seu nome verdadeiro!
— Está com os reféns? — questiona Mário ofegante pela escuta.
— Negativo. Mas estamos dentro.
— E os sequestradores?
— O cara vai morrer em exatamente quarenta e nove segundos, a
mulher não consegui achar — aciono minha carta na manga pelo receptor
no meu relógio de pulso.
— Maldito exibido — resmunga o russo recarregando a arma com
um meio sorriso.
— O que posso fazer se sou bom no que faço. Lembra do nosso
plano?
— Positivo.
— Vamos lá — falo sem voz e entro no quarto sozinho.
Ao passar pela porta, como esperado o tal Jules está com os gêmeos
na mira. A babá em um canto desacordada, talvez uma pancada na cabeça.
O quarto tem menos de seis metros cúbicos e o retardado no fundo dele
prestes a atirar.
— Nenhum movimento ou eu acabo com eles!
— Não sabia que era covarde ao ponto de matar criancinhas
indefesas.
— Não venha com essa merda de culpa que não vai funcionar.
Vocês acabaram com meu plano, vou levar quantos eu puder comigo pro
inferno.
— Onde está Natalie? — pergunto calmante.
A risada dele é infame e doentia. Poderia atuar em algum filme b de
terror gore.
Tédio!
— Aquela traidora fugiu com um dos homens. — Seu rosto
decepcionado dá vontade de rir.
— Não vai longe, mas você pode ir.
— Do que está falando?
— Se me levar pode sair daqui em segurança.
— O que você vale, seu otário?
— Eu sou o filho do Capo da Cosa Nostra e você acabou de ganhar
na loteria. O homem esbugalha os olhos, mas não se move com a pistola
mirando nos bebês conforto.
— Mentiroso! Você não me engana!
— Posso provar, vou baixar minha arma e chamar o helicóptero para
nos tirar daqui se mirar em mim essa arma.
Baixo devagar a Ak e mostrando a ele aperto o contato no relógio de
pulso. Jean o piloto que me trouxe da França e que ao meu comando
aguardou na ilha Silba, há poucos quilômetros daqui, está sobrevoando em
algum lugar próximo. Imediatamente ao ser chamado pelo sinal o som
impactante do helicóptero é ouvido.
— Faça pousar e saímos, vamos dê a ordem! — grita ele
desesperado — Quero ouvir!
O maluco com olhar tresloucado obedece e mira o cano da glock em
meu peito, gritando ordens. Finjo falar com o piloto no ponto eletrônico.
— A postos House? Pode pousar a aeronave vamos sair. Agora!
— Entendido chefe!
A bala da arma do russo passa ventando próximo a minha orelha e
tem destino certo na cabeça do francês, que cai inerte no chão. Sasha pousa
a mão no meu ombro, vindo de trás de mim e andando até a babá a
erguendo nos braços.
— Que bom que não esqueceu o silenciador — resmungo pegando a
arma e prendendo-a nas costas para melhor carregar as crianças.
— Foi pelos bebês, não por você. Pensando melhor, até que merece
um crédito. Você é um bom chefe de equipe — grita já se afastando para
fora do quarto.
— Malpucci, tô com as crianças! Limpe a área. Ninguém fica vivo!
Tiziano já está no helicóptero aguardando. Se nos desencontramos, deixe a
lancha de apoio pra mim, e retornem para a Itália.
— Entendido... Gabrielle?
— Fala!
— Obrigado, te devo uma.
— Pague ao russo, foi ele quem salvou seus netos do tiro da glock
do vagabundo!
Agarro os dois bebês conforto e saio para fora da estrutura. O
restante dos quatro homens que vieram conosco dão cobertura com as
armas em riste. Ao longe ainda ouvimos os disparos da equipe do Malpucci
limpando a área. Corro até o helicóptero que aguarda a duzentos metros da
casa. O russo já retorna de deixar a mulher desacordada no helicóptero, com
a arma pronta para a ação e Tiziano vem ao meu encontro buscar os filhos.
— Obrigado irmão, não sei como agradecer.
— Vá com Jean, ele vai deixar vocês em casa.
Ao retornar para os homens nos movemos em conjunto para
terminar com qualquer testemunha. Ainda demora um pouco para clarear o
dia, e a diversão está longe do fim. Talvez agora possa acender um cigarro,
a adrenalina substituiu um pouco a sensação da nicotina no meu sistema.
— Mexam essas bundas seus bastardos, a festa ainda não acabou!
CAPÍTULO 76

Não costumo rezar, mas desde que os doze homens desceram das
lanchas é só o que eu faço. Pelo menos Gabrielle não foi mais rude e frio
comigo. Quando sua lancha estacionou do lado da minha, ele mostrou um
pouco de consideração: — Quando o helicóptero chegar, você embarca,
pois vai levar seus filhos para casa, confie!
— Sim, eu confio.
Naquele momento, há vinte minutos, uma parcela de alívio aqueceu
meu peito brevemente. Mas agora, ouvindo os disparos ao longe, tô a ponto
de entrar na mata atrás deles. Será que meus filhos estão feridos? Ou estão
realmente no local? De repente ouço ao longe o som do helicóptero, é como
respirar ar puro em meio a fumaça tóxica. Gabe me prometeu que quando
eu embarcasse iria buscar meus filhos. Então ele está com eles!
Quando a aeronave pousa, desço aos saltos e corro até lá,
protegendo os olhos da areia que permeia o ar pelas hélices. Ao me
acomodar com o cinto, o piloto decola. A escuridão não deixa ver quase
nada, e é aterrorizante porque ele não foca as luzes para ter a visão do
terreno, parece que quer se manter despercebido.
Dois minutos depois um bip na cabine chama minha atenção, e a
aeronave se aproxima de um terreno com um telhado enorme. Olho para
baixo pela janela e o sangue congela nas veias. Rajadas, faíscas e fogo dos
disparos são como um show de luzes. Um turbilhão de disparos corta a
noite, e aos poucos o lado oeste silencia. O piloto faz uma manobra e
circula a casa, pousando a duzentos metros de distância em um ponto
relativamente limpo.
Apreensivo, suando e com a respiração aos tropeços solto o meu
cinto. Vejo os homens de guarda na porta com as armas mirando qualquer
movimentação. São os homens de Sasha e Gabe, os de Mário usam roupas
de combate. O peito aperta angustiado para saber alguma informação.
— Sabe alguma coisa? Eles estão bem? Vou descer!
— Fique na aeronave, senhor. Gabrielle mandou aguardar que está
vindo.
Subitamente Sasha vem correndo com Carmela nos braços
segurando a cabeça. A mulher murmura um agradecimento baixo assim que
ele a faz entrar no helicóptero.
— Meus filhos, Sasha?
— Seu irmão está com eles. Deu tudo certo!
Nem consigo expressar o que essas palavras provocam em mim.
Nada mais importa agora, do que segurá-los e protegê-los do mundo.
Ele gira correndo de volta para a escuridão de onde veio e vejo meu
irmão com os dois bebês conforto. Desço eufórico e agradeço por ter salvo
os meus tesouros.
O chorinho dos dois me faz rir dentro da aeronave.
— Papà está aqui — beijo suas testas conversando com eles. —
Logo vamos chegar em casa e ver sua mamma.
O choro continua, pego Luna no colo e embalo um pouco e vejo
Domenico chupar o dedinho se acalmando. Estão famintos, meus filhotes
estão bem. Estão a salvo! Assim que converso com eles um pouco mais, os
dois param de chorar. Voltar para casa com eles em segurança é a melhor
sensação que senti em toda a minha vida.

Agora dentro da sala do meu pai, após quarenta minutos voando, dr.
Bianco examina as crianças. Graças a Deus está tudo bem com elas.
Quando enviei mensagem para o celular de Jess, avisando que
estávamos chegando, perguntei de Selena e fui informado que minha
mulher não despertou, teve alguns resmungos em meio a um pesadelo e
Jessica a deixou descansar. Passaram-se um pouco mais de cinco horas
desde que apagou, agora próximo ao amanhecer, ela terá os filhos com ela.
— Pode me ajudar a trocá-los, Jess?
— Claro, irmão. Vamos prepará-los para que possam se alimentar da
mamãe.
— Preciso jogar uma água no corpo rapidinho. Esse colete e o
nervosismo me fez suar como um camelo no deserto.
Eu e Jess somos rápidos em trocar as fraldas e lavar os dois.
Enquanto Jess termina de secar os dedinhos e colocar as roupas em
Domenico, corro para a ducha.
Enquanto a água morna lava a tensão do meu corpo, nesse espaço
solitário, permito que as lágrimas escapem dos olhos. Choro desabafando
por um minuto inteiro, alívio, alegria, não sei do que exatamente, mas deixo
fluir. A tensão de todas essas horas castiga meu corpo dolorido, mas não há
como medir minha alegria neste momento.
Assim que me acalmo e termino o banho, seco meu corpo e coloco
uma calça leve. Já ouço o chorinho dos dois quando abro a porta de vidro.
Agradeço a Jess que prefere se retirar para aguardar o retorno de
Sasha e me aproximo com os bercinhos próximo a cama.
Selena ainda demora uns segundos para assimilar o que está
havendo. Desperta e coça os olhos assustada com o choro dos dois.
— Oh, Santo Dio! Tizi! ... — segura a boca surpresa e as mãos
estremecem — Oh Dio! As crianças? Você trouxe nossos filhos de volta?
Ela se aproxima em lágrimas e pega nosso menino no colo. Beija a
testa de Luna e me encara sorrindo e chorando de felicidade.
— Eles estão bem? Quando... Quando chegaram? Por que não me
acordou? Estão famintos pobrezinhos.
— Sì, è la tua mamma, mio principe — fala ela com voz doce para
nosso bebê, que ao ouvir sua voz, magicamente silencia.
— Chegamos há pouco, o médico examinou e estão perfeitos. Jess
me ajudou com as fraldas e tomei uma ducha rápida apenas para não sair
mais do lado de vocês.
Selena se acomoda sentada na cabeceira da cama e estende a mão
para mim com seu sorriso gigante e olhos brilhantes.
— Traga Luna, meu viking. Vou alimentar os dois ao mesmo tempo.
Ajudo e acomodo os bebês nos seios e fico em silêncio observando
minha família reunida. A mulher mais corajosa e linda do universo. E os
sons dos meus gulosinhos finalmente com a pessoa mais importante da vida
deles, sua mamma.
Admirando a cena, circulo a cama e me acomodo atrás de Selena,
como se fosse seu apoio, numa posição que ela junto aos nossos filhos
esteja entre minhas pernas e a faço se apoiar em meu peito. Hoje vi como é
fácil perder tudo. Numa fração de segundos nossa família poderia ser
destruída e se perdêssemos as crianças, nos perderíamos para sempre.
Portanto, a cada instante quero estar com eles daqui em diante. Serei o que
eles precisam, seu herói e sua rocha. Talvez, uma só vida seja pouco para
demonstrar o tanto de amor que tenho guardado por eles, mas vou me
esforçar para fazê-los sentir esse amor imenso.
Beijo o pescoço de mia ragazza e ela vira o rosto com seus cílios
úmidos: — Tô tão feliz, Tiziano, que não consigo nem falar — murmura
baixinho. — Obrigada, amo você, amo nossa família.
Seco suas lágrimas com beijos suaves.
— Eu que tenho que agradecer por ser você o maior motivo dos
meus instantes eternos de felicidade. Saiba que é seu o meu dormir, o meu
despertar e o meu viver. Eu amo vocês para sempre.
CAPÍTULO 77

Meus olhos se abrem devagar diante a penumbra que me rodeia. A


cabeça pendente em meu pescoço reclama a dor pela posição e o peso que
sustenta. Tento elevar minhas mãos e sentir o que me apagou, porém sou
impedida. As mãos e os pés estão presos na pesada cadeira onde estou
sentada. As amarras, muito bem-feitas, marcam a pele quando tento sem
sucesso me soltar.
Mon Dieu! Alguém me capturou. Tento manter o controle varrendo
com o olhar a minha volta, preciso saber onde estou, quais são minhas
opções de fuga e provável defesa. Forçando os olhos só me deparo com a
escuridão da noite, pisco inúmeras vezes, talvez esteja em um pesadelo,
mas o vento chicoteia minha pele seminua anunciando que tudo é bem real.
Sei que ainda uso a lingerie do dia anterior pelos detalhes da renda
que tocam meu corpo e estou descalça. Meus pés tateiam o chão em busca
de pistas, plástico, parece plástico bolha. Estouro uma para ter certeza e
confirmo. Corrente de ar, não! Céu aberto! Está um breu e não enxergo
absolutamente nada para me localizar. Estou com frio.
— Ei! Alguém me tire daqui! Ei! Onde estou? — não grito muito
alto, pois temo que será ainda pior.
Tento ouvir os sons, mas a sensação de vazio e o medo me deixam
confusa, mas a marola contra algo denuncia que água me circunda, ou seja,
posso estar enganada, mas o suave balanço denuncia que... Ah, porra! Tô no
mar? Me deixaram em um bote para morrer? A garganta começa a secar e
os batimentos aceleram. Forço os olhos, mas tudo é um vazio escuro e
sombrio. Olho para o céu, não tem estrelas e a lua está encoberta por uma
nuvem.
— Jules? Também te pegaram? — exclamo outra vez.
— Alguém? Alô! Me soltem daqui caralho! Seus connard!(Filhos da
puta) — grito a plenos pulmões e tento me soltar, mas as cordas machucam
minha pele. Ardem e os pés começam a amortecer.
Embora o vento tenha cessado, ouço um som na água. Tem alguém
nadando... Nadando ao redor da lancha, até que o som cessa!
De súbito uma tela acende, é como se os canais estivessem fora de
sintonia e levo um susto ao ver um monitor de tv numa cadeira diante de
mim, uns cinco metros talvez. A luminosidade que provoca espanta as
sombras e mostra o meu cativeiro e vejo que estou numa embarcação, na
proa de uma lancha.
Uma gravação começa no televisor, um homem atado a uma cadeira,
assim como eu. É um espaço vazio, não ao ar livre, um cômodo de
iluminação amarelada. A princípio não reconheço sua figura, então aos
poucos o zoom é ajustado.
Amplio meu olhar ao reconhecer, é Pietro Albenacci. O deputado
está nu e imobilizado por cordas, seria hilário dado às suas preferências de
amarrar e torturar mulheres naquele clube, mas agora é apavorante. Não
vejo escoriações de surra ou ferimentos, embora tenha uma poça de mijo
sob a cadeira. Ele olha para frente, tem alguém com ele que foge ao campo
de visão da câmera.
“— Então você gosta de guardar recordações!”
A voz grave chama a atenção dele e seus olhos não piscam, será que
já ouvi essa voz? Pela gravação não dá pra saber se não é manipulada.
“— Vamos fazer um filminho, não que eu precise disso para lembrar
os bons momentos que vamos passar juntos.
— Por favor, eu juro por tudo o que é sagrado, nunca mais chego
perto dela! — Pietro tenta amolecer seu algoz.
— Fique tranquilo, estou aqui para garantir isso, nobre deputado. —
Entonação segura e calma.
— Não, por favor! O que vai fazer com isso?”
Só o deputado vê o que o amedronta, sei qual o objetivo dessa
gravação, me apavorar.
Em um flash, a tela fica branca, sem som algum. Apenas o som do
mar.
— Ei, alô! Tem alguém aí... Por favor? — grito para a imensidão
escura da noite.
O som das braçadas na água recomeça por mais um pouco, talvez
uma volta inteira ao redor da embarcação.
— Sei que está nadando quem quer que seja, por favor?
Mais sons de água, então de repente para. Alguns minutos de
silêncio e então passos, passos molhados na madeira do assoalho, vindo do
fundo da lancha.
— Por favor? Eu esperava mais de uma mulher como você.
Implorar não combina com seu perfil, mademoiselle Natalie.
— Você? — Engulo o nó da garganta e tento me manter calma,
enquanto ele seca os cabelos com uma toalha.
— A água está excelente, você não imagina como é agradável nadar
a essa hora.
— Onde estamos? Ainda na costa da Itália?
— Sim, ainda estamos no oceano Adriático, bem no meio do nada.
Silêncio, sossego e ... Nós dois.
Meu peito se comprime, aqui será o meu fim. O nada será a última
visão que eu terei.
— Não vou sair daqui, né?
O riso baixo e rouco é acompanhado de um ruído irritante de um
banco de ferro sendo arrastado bem ao lado da televisão iluminada pela tela
branca.
— Devo admitir que é um pouco esperta apesar de tudo.
Ergo a cabeça, não vou me humilhar e nem implorar pela minha
vida, não vou dar esse gostinho. Ele senta-se no banco com uma maçã na
mão que trouxe com ele. A calça de abrigo é fina, molda as coxas torneadas
e é tão baixa, que a entrada em ‘v’ esculpida aparece.
— Gostou do filme?
— Pare com isso, mate-me de uma vez! Já entendi, não devia ter
mexido com a sonsa.
Seu olhar percorre o meu corpo inteiro, mas não vejo nenhuma
admiração, cobiça ou interesse. Nem tampouco, nojo ou raiva, é apenas
curiosidade. Ele tira um canivete do bolso com cabo de madrepérola e
lâmina escura, abre e parte a maçã ao meio, cortando uma fatia, e de modo
natural, começa a comer.
— Por que a pressa? Vamos conversar um pouco. — Posso ouvir os
dentes triturando calmamente a fatia de maçã.
— Você se acha esperto, né? No meio do nada, não dando chance a
vítima, é covardia. Isso, você é um covarde eu sempre soube. O que
aconteceu com meu irmão?
— Seu amante, você quer dizer?
— Que seja! O que houve com ele? — Outra fatia é cortada e o
brilho da lâmina é bem visível pela luz que emana da tv.
— Foi abatido em confronto por um projétil de uma Kaláshnikov. Já
viu o que uma bala de um AK faz na cabeça de um homem, Natalie?
— Não é necessário se exibir com meu verdadeiro nome, é muito
fácil descobrir minha identidade falsa.
Ele ri mais uma vez comendo outro pedaço de fruta. Parece se
divertir da maneira que falo.
— Essa é sua tática, né? Desviar o assunto, enredar as pessoas em
sua teia, tentar seduzir, fugir das perguntas e confrontos diretos.
Interessante, mas tedioso! Acho que desisti de prolongar nossa interação,
depois de terminar meu lanche, vamos nos despedir.
Sinto um arrepio gelado correr pela espinha. Talvez se eu o provocá-
lo, ele me mate rápido.
— Não vai filmar como fez com o deputado?
— O deputado foi um achado. Algumas pessoas têm uma
importância quase acadêmica para mim. Pietro me auxiliou a aprimorar e
monitorar o tempo de aplicação de uma técnica, bem simples na verdade,
mas que com base no tempo de resposta, precisa ser reproduzido de forma
mais lenta.
Sempre me atraí por seus belos olhos, tem um brilho irresistível,
mas hoje tem efeito contrário. E um pavor nauseante acomete meu
estômago. Mas não vou demonstrar medo, se isso acontecer, ele vence.
— Eu acredito que tenha muito mais para estudar em uma mulher
linda como eu, do que aquele maluco.
— Ah não! Você é escória! Absolutamente nada de interessante.
Igual esse miolinho de maçã. — Segura o cabinho da fruta que acabou de
devorar, olha de mim para ela e atira no mar. — Lixo.
Aperto os olhos e trinco os dentes, ele quer me irritar? Como se
fosse indiferente a mim? Mentiroso! Eu sou interessante, sou bonita e
envolvente, como pode falar isso? É apenas provocação, é isso!
— Vamos terminar de ver o filme? Pietro mandou um recado
carinhoso para você. Foi... como posso dizer? Tão profundo e tocante! —
Põe a mão no peitoral musculoso fingindo comoção. Cínico! A risada
macabra corta minha fúria e traz uma onda de medo paralisante.
Tento engolir a saliva, mas não tenho, a garganta arranha
completamente seca. A pouca iluminação da tela revelando o rosto dele é
arrepiante como um filme de terror. O televisor volta ao foco e o rosto do
deputado preenche a tela. Em zoom total, a pele do rosto molhada e
escorregadia de suor, os olhos fixos na câmera clamam clemência. Uma
clemência que é evidentemente ignorada há um bom tempo.
A câmera vai se afastando gradualmente enquanto ele fala. O rosto
em sofrimento, e o cabelo antes elegantemente penteado e alinhado, colado
na testa quase escondendo seus olhos irritados, estão vermelhos de quem
chorou por horas a fio.
— Natasha... Não sei qual... Será a maneira... Que você... Irá
morrer... — ele fala de maneira ofegante e espaçada, como se estivesse
cansado.
— ...Mas sugiro que... Implore... Talvez ele mate... Você rápido.
É como se alguém o empurrasse constantemente em direção a
câmera. Oh mon Dieu! Alguém está literalmente fodendo o deputado. O
zoom vai diminuindo a tal modo que é possível ver a cena completa.
Pietro preso a uma guilhotina de madeira, cabeça e mãos atadas
entre duas tábuas e ajoelhado sobre um tablado da mesma estrutura rústica.
Com as mãos e a cabeça imobilizados é impossível se mover.
— Sei que deve ter visto seu ‘amigo’ deputado usando uma
guilhotina erótica algumas vezes, não viu? Ele não era muito criativo com
suas amantes. Já esteve nessa posição?
Não respondo ao homem ao lado do televisor, bebendo uma
garrafinha de água tranquilamente enquanto inicia um assunto.
— Mostrei a ele como elevar o nível. Foi de uma beleza surreal,
fazê-lo compreender o que elas sentiam quando ele as usava. Sou atencioso,
ensino a maioria com um método particular para cada um. É uma forma de
arte, não concorda?
— Você é doente! — cuspo.
Seu sorriso apesar de ser um homem lindo, é assustador. Ele está
com olhos vidrados na cena e esse olhar me apavora porque não vou
conseguir seduzi-lo dessa vez.
— Um elogio? Você também é doente, sua doença é a ambição.
Acha que é melhor que eu ou o deputado?
No televisor o mesmo filme, agora a câmera se move e vejo a cena
horripilante de lado. Não tem ninguém de carne e osso fodendo Pietro, é
uma máquina com um consolo de madeira gigante ou qualquer material
rígido que não consigo definir pela cor.
É uma haste longa com movimentos de vai e vem ora lentos, ora
rápidos que socam sem parar o rabo do deputado. O volume é aumentado e
escuto o rangido da máquina, os grunhidos do homem nu, banhado de suor
e vermelho como um peru assado. Seguro firme quando a bile sobe na
minha garganta por ver a poça de vômito, urina, merda e sangue, abaixo da
estrutura de madeira onde ele está posicionado de quatro. Uma nojeira sem
igual.
— Pietro Albenacci mantinha uma imagem irrepreensível diante da
sociedade, mas muitos sabiam da sua veia sádica. Sua predileção era
arrombar o rabo das mocinhas. É particularmente especial descobrir as
predileções das pessoas, não concorda? Você usa essa tática.
Ouço a voz neutra explanando como se fosse uma palestra ou
discurso de uma universidade. Mas qualquer resposta da minha parte,
precisa ser inteligente, porque vai se virar contra mim e é exatamente o
objetivo desse monstro disfarçado de ser humano civilizado.
Olho a tela e a câmera foca o rosto em sofrimento agora, e a boca
entreaberta começa a salivar sangue. De repente o consolo aparece
engasgando o homem e uma explosão de sangue respinga na câmera.
Fazendo meu corpo dar um pulinho de susto na cadeira. Minha pulsação
acelera me desconcentrando da minha postura de falsa coragem. Quanto
tempo ele sofreu para morrer? Ele fará a mesma coisa comigo? Preciso
morrer rápido, não quero morrer assim!
Ele se levanta quando a tela fica branca e afasta junto com a cadeira
o televisor.
— Ele definhou no meio da sujeira que ele era. Com a prática
predileta. Um luxo quando estou de bom humor. Deve estar se perguntando
se farei a mesma coisa com você, Nati. Posso chamar assim, né? Afinal
somos íntimos e serei seu último contato com esse mundo que não
compreende uma diva como você.
— Já disse, me mate! Esse lenga lenga está cansativo.
Tento manter a voz firme, mas não é suficiente. Sai falha e com
menos entonação do que gostaria. Um golpe de vento bagunça meus
cabelos e faz meu corpo estremecer. E a apreensão de não saber como será
minha morte faz lágrimas se acumularem em meus olhos. Esforço-me para
não demonstrar como estou afetada por tudo isso e não derramo nenhuma
sequer.
— Ah, mas prometo que essa preliminar só deixa tudo mais
saboroso. — Ele se afasta até a cabine e traz consigo um espelho e uma
pequena bolsa de couro, quem sabe não é apenas uma injeção letal que tem
dentro dela? Um frasco de veneno?
Talvez queira me deixar apenas apavorada.
— Sou um homem com princípios, gosto de descobrir do que as
pessoas são feitas antes de tomar qualquer atitude. Sadismo, crueldade e
arrogância como Pietro ou, manipulação, falta de escrúpulos e vaidade
como você. Até que foi fácil descobrir e agora, igual ao deputado, quero ver
como se sente quando o seu maior poder é tirado de você.
— Do que você está falando, seu psicopata?
— Eu? Psicopata? Não! Gosto de pensar que sou apenas um
jardineiro, limpando o mundo das pragas. Algumas ervas daninhas precisam
ser arrancadas rápido pra não se espalharem, outras menos relevantes, mas
igualmente tóxicas, prefiro descascar camada por camada até ver a sua real
essência. Já viu a sua verdadeira face diante do espelho?
— O... O que quer dizer?
— A sua juventude não duraria pra sempre, nem sua beleza
permaneceria por muito tempo. Hoje vamos descascar sua camada
principal, a vaidade. Vai morrer como realmente é. Um ser humano feio e
desprezível.
Tento me soltar, e me machuco ao forçar as amarras que me
seguram na cadeira, ao vê-lo tirar de dentro da bolsa um descascador
manual e um bisturi cirúrgico.
— Você não vai fazer isso! Não! Não! Por favor, eu faço qualquer
coisa, não me mate dessa maneira! — Inevitável deixar as lágrimas rolarem.
É humilhante implorar, mas não quero morrer assim.
— Pra provar que sou simpático vou deixar você escolher por onde
começo.
— Por favor não faça isso! Corte a minha garganta!
Grito até as cordas vocais ficarem doloridas e é quando eu paro que
o descascador desliza, descascando uma tira longa da minha coxa. Então
desisto de manter a máscara de coragem. Imploro com toda a força que me
resta, mas só recebo o olhar satisfeito do monstro que rasga outra camada
da minha pele!
EPÍLOGO

Hoje é aniversário de três anos dos gêmeos, a casa está cheia de


alegria e cores. Admiro a decoração que Selena organizou com a equipe que
contratei. Uma parte da casa foi decorada para Domenico, que ama
dinossauros. E a outra parte para Luna da personagem Merida do filme
Valente. Nossa princesa ama a ruivinha da Pixar, e todas as vezes que
assistimos o filme, Luna se emociona.
Sentados nas poltronas que circundam o salão de festas da nossa
casa, os homens bebendo os licores e vinhos e as mulheres encantadas com
as brincadeiras das crianças. Mirko trouxe os três dele e Glória veio com
Antònio que está de férias da escola. Minha mãe se aproxima de onde estou
com Selena. Desde que voltamos a conversar, nossa relação melhorou
muito. Foi necessária a verdade vir à tona para derrubar os muros
construídos entre nós.
— E Nicola, filho? Como está? Soube que viajou outra vez.
— Sim, agora que está namorando, decidiu aproveitar um pouco
mais a vida.
— Fico muito feliz por ele. — Olívia é sincera e noto que está um
pouco preocupada.
— E você, se acertou com o pai da Jess?
— É mais complicado do que eu gostaria — suspira.
— Esse é o motivo dessa ruga na sua testa, mãe? — Ela ri sem
graça.
— Não deixe sua mãe tímida, querido — interrompe Selena ao meu
lado.
— Papà, mamma, olha o presente que a tia Jè me deu!
Luna entra no meio da nossa rodinha de conversa com um arco e
flecha da personagem que ama. Nossa bebê está linda com o cabelo
colorido. Selena comprou giz vermelho, especial para coloração temporária
e nossa filha ficou eufórica em se tornar ruiva por algumas horas.
— O que você vai fazer com esse arco, filha?
— Vou enfrentar o mundo, valente serei! — exclama com uma
flecha de plástico na mão.
Abraço minha bella vendo seu olhar orgulhoso.
— Meu Deus! De onde saiu isso? — pergunta Olívia ao se agachar
ficando na altura de Luna.
— Do filme Valente, nonna! A senhora nunca assistiu? — ela se
diverte enchendo nossa menina de beijinhos.
— Não, nunca assisti.
— Nonna Dalila assistiu comigo o dia que veio aqui em casa.
Nonno Mário e nonno Nico também ‘assistiu’.
Nós três interessados na conversa da pequena Merida com seu
vestido verde, rimos sem parar.
— Vem nonna Olívia, vamos tirar uma foto lá no castelo.
As duas saem de mãos dadas em direção ao painel para as fotos,
com a imagem do castelo da Disney.
— Queria ver a cara da sua mãe a hora que nossa filha a chamou de
nonna — Selena acha graça.
— Meu pai adorou ver isso, apesar que mamãe mudou bastante
depois que casamos. Está mais próxima e carinhosa, acho que agora com
meu tratamento em ordem percebo que eu era distante dela também.
— Tenho um orgulho tão grande da mulher que você se tornou,
minha princesa de Veneza.
Beijo seu pescoço e ganho um selinho.
— Tenho certeza que você é um dos motivos da minha evolução.
— E você da minha.
Jessica se aproxima com Domenico no colo reclamando pela mãe.
— Bionda, seu bebê quer você.
— O que foi, meu filho? Quer aquele sanduíche agora?
— Sim, tô com fome.
— Vem que a mamma pega um para você.
Selena leva Dom para lanchar e Jess senta-se ao meu lado.
— Tenho tanto orgulho da Selena, irmão!
— Imagina eu! Ela é a mulher mais incrível que existe!
— E você o homem mais apaixonado!
— Tenho que concordar. — Sorrio vendo minha esposa ensinando
nosso filho como se comportar a mesa como um homenzinho.
Enquanto Jess responde algo em seu celular, admiro a minha
família.
Nesses três anos com ela vejo o quanto Selena me fez bem. Me
ensinou a ser o melhor pai que eu poderia ser, com seu olhar gentil e
sensível mostrou como ser forte diante de qualquer obstáculo. Ela se tornou
minha âncora, meu porto seguro.
Jessica murmura uma maldição baixa ao meu lado.
— O que houve? Não vou perguntar por que Sasha não veio, pois
sei que ele não pode vir na Sicília, mas vocês como estão?
— Não estamos!
— Como assim? Não estão mais juntos?
— É complicado, aquele russo é complicado, minha vida muito
mais! Não se preocupe com meus problemas, olha lá sua esposa chamando
você.
— Atendo minha mulher ao ir até ela, mas pensando que eu gostava
daquele russo. O que será que houve entre eles?

Depois da festa dessa semana o clima casa continua festivo.


Desci com meus filhos para a praia, Domenico ama o mar igual a
mãe.
Estamos catando conchinhas e Luna fazendo pegadas na beira da
areia molhada.
— Papà, quando o nonno volta? — Dom pergunta.
— Essa semana, filho. Está com saudade dele?
— Muita, ele faz aviãozinho comigo.
— Mas eu também posso fazer.
Ele ri com o baldinho com suas conchinhas.
— Não é a mesma coisa papà. Nonno é maluco, gosto quando ele é
maluco.
Solto uma risada alta.
Luna gritando que encontrou uma estrela do mar cor de rosa na
areia, chama nossa atenção. Pego meu filho nos braços e corro uns metros o
fazendo gargalhar simulando o tal aviãozinho.
— Papà, posso levar a stellina pra casa? — pergunta minha filha.
— Não podemos, querida.
— Por quê?
— Porque ela morre se tirarmos ela da casinha dela.
— Essa praia é a casa dela?
— É sim.
— É grande né? — Dom entra na conversa.
— Cada um com sua casa, a nossa também é grande, e temos uma
estrela lá também.
Os dois se agarram nas minhas pernas brincando ao me impedir de
andar na areia.
— Onde está a estrela, papà?
Pego os dois nos braços andando para a entrada do jardim, para
subir a escadinha até nossa casa.
Selena aparece na área com a mão afagando o ventre que começa a
aparecer.
— Olhem lá a nossa estrela.
— A mamma? — exclama Domenico assombrado.
— É tontolino, a mamma é a stellina do papà.
— Ela é a nossa estrela.
Os dois sapecas dão gargalhadas pelo jeito que os carrego, um em
cada braço como dois saquinhos de batata.
— Meu viking, traga as crianças para o lanche. Quando vocês
descem para a praia não voltam mais, Dio Santo!
Só posso sorrir emocionado, meu sonho de anos atrás acaba de se
concretizar.
— Si, amore mio. Estamos subindo.
Ao pisar na sala, nonna Olímpia se aproxima alegre.
— O que acham de ir na vila, junto com essa vecchia para buscar as
frutas orgânicas que encomendei e lanchar por lá?
Sei o que nonna está fazendo, levando as crianças para um passeio
afim de deixar a casa para nós por algumas horas.
— O que é ‘organio’ nonna? — pergunta Domenico, muito
interessado.
— É ‘orgonho’ Dom! — explica Luna, tirando uma gargalhada de
todos.
— Orgânico é quando é cultivado respeitando a natureza, sem
nenhum tipo de veneno.
— Se usa veneno nas frutas que a gente come, nonna? Eca! —
Minha filha sem filtro nos diverte.
— Vou explicar direitinho se forem comigo.
— Vamos tomar um gelato? — Domenico se anima.
— Mas é claro que sim, deem um beijo nos seus pais e vamos
colocar os calçados. O motorista e os seguranças estão esperando.
Os dois contentes obedecem, se despedindo de nós e correndo para a
nonna.
Assim que a comitiva de vai, Selena se aproxima e me guia até a
poltrona, sentando no meu colo.
— Está com fome, querido?
— Faminto!
— Somos culpados por aguardar essa folga das crianças? —
pergunta alisando meus braços e mexendo na gola da minha camisa.
— Nem um pouquinho.
Seu sorriso doce é tudo o que eu amo ver. Cheiro seu pescoço louco
de ansiedade. Agora nosso tempo é dividido entre as crianças, não podemos
ficar o tempo inteiro grudados.
— Bella, entende que minha obsessão por você não está curada? —
pergunto contra seus lábios. — Você é como uma extensão minha, uma
continuidade dos meus desejos. E me sinto tomado por sua presença sempre
— falo beijando e acariciando seu rosto.
— E o que pensa em fazer sobre isso, meu Viking?
Respiro fundo em seu pescoço inspirando seu cheiro delicioso.
— Recarregar nossas forças juntos, porque quando estou com você
sinto-me renovado, é como se meu corpo só recarregasse sua energia dentro
do seu. — Ela umedece os lábios e responde:
— Também quero sentir você a todo o momento. Preciso do seu
corpo no meu, sua fome me devorando e seu calor me consumindo.
Entendo sua necessidade porque é igual a minha. Preciso me sentir amada e
especial por você a cada segundo do meu dia. Sonhei tantas vezes com
nossos momentos, que confesso, às vezes isso me apavora. Acho que
também sou obcecada por você.
Minha boca se abre em surpresa, não esperava essa confissão.
Hipnotizado olho seu rosto angelical afirmando que é obcecada por mim.
Não resisto a tomar seus lábios, faminto, violento e desesperado de desejo.
Agarro sua nuca mordendo sua boca e chupando sua língua.
— Amore, vamos para o quarto? Tô louco de saudade!
Entre beijos a carrego pelo corredor até a nossa suíte. Os amassos
começam conosco em pé no meio do quarto.
Ela se afasta do beijo beliscando meu lábio com os dentes,
cheirando minha barba manhosa, lambendo meu pescoço e ombros com a
língua quente, e retorna para a boca lambendo meu lábio.
— Ahhhhh... Amor, não brinca assim com essa língua maravilhosa!
— percebo ela sorrir ouvindo meu gemido enquanto beija minha pele.
— Seu gosto e seus beijos são meus vícios, Tiziano.
Ela admira um instante minhas tatuagens do peito, como se nunca
tivesse visto. Eu amo isso! Passeia as mãos por todas elas fazendo meu
corpo arrepiar inteiro.
— Quero você nua, deixa eu tirar esse vestido? — Sorrindo ela
permite que eu deslize as alças do tecido.
Meu pau pulsa e vaza, sempre estou me segurando para não a tocar
na frente das pessoas, por mim viveria com ela em meu colo. Agora sinto a
conexão e entrega completa, a junção mais perfeita que um dia sequer
imaginei. Não há mais dor e desespero sujo para saciar minha tara. Só a
ansiedade de estar a sós com ela, uma agonia prazerosa. Porque eu
encontrei minha alma.
Sou convidado a sua pele e não consigo desviar dos seios, eles são
tão perfeitinhos, redondos, cheios, úmidos, e meus, cazzo!. Me vejo
passando a língua pelo meu lábio totalmente vidrado, sorrindo apaixonado.
Observo ela olhando minha reação ao se inclinar despindo minha box.
— Adoro o seu olhar para os meus seios, amore mio. Você os quer?
Espalmo sua cintura, sentindo a euforia enchendo minha boca
d'água ao ver seu rosto corado de desejo.
— Quero você toda, consumir minha mulher até o meu
esgotamento. Te desejo tanto, bella, que até meus sentidos embaralham.
Levo minha esposa até a cama deitando sobre ela.
— Vem, meu Tiziano, vem beber do meu corpo e saciar a sede de
nós dois.
Ah! Selena vai acabar comigo.
Obedeço imediatamente, tomando o meu sonho na boca, sugando e
reverenciando meu pedaço de céu. O pau estourando e minha vontade dela
no limite. Vou descendo e rapidamente estou sugando outra coisa
igualmente gostosa. Cheiro seu aroma de mulher, beijando a pele do interior
das coxas, os lábios por fora com lambidas suaves sentindo os tremores
dela.
— Tiziiii… Ah Dio!
Mergulho o nariz antes, deslizando na umidade das dobras até
deslizar a língua para participar. Lambo e sugo voraz sorrindo com sas
reações de prazer. Rebolando na minha cara, marcando minha barba com
sua essência dos deuses.
— Amo essa boceta, amo seu gosto na minha língua, e sua maneira
de rebolar pedindo mais — expresso entre as lambidas.
— Ahhhh... você me tem sempre querendo mais…
Esse pedido me faz sorrir, volto ao clitóris sugando e rodando a
língua sentindo o ardor no couro cabeludo por suas mãos agarrando meus
cabelos e guiando. Cazzo!
— Não queroooo.... Gritar ... Vem me beijar pra calar, amor, vem?
— geme ela.
Me afasto rapidamente subindo e falando contra sua boca chorosa,
mas continuo usando meus dedos no seu ponto doce.
— Ninguém nos ouve aqui, lembra que estamos sozinhos. Geme
para o seu marido, vai?
Meus dedos trabalham rápido e imediatamente Selena começa
estremecer e os espasmos lhe acometem olhando nos meus olhos e
arranhando minhas costas, enquanto prova meus lábios com seu gosto
sorrindo.
— Hum! … Você está com meu gosto e meu cheiro. — sorrio de
imediato. Ela morde meu lábio e o suga. — Adoro meu gosto e cheiro
misturados ao do meu homem.
— Ah! Selena, você não tem noção de como me excita, como me
deixa maluco quando diz essas coisas. — O rosto safadinho é ainda melhor.
— Abre bem as pernas, porque meu pau também quer sentir essa bocetinha
gostosa.
Ela me beija mais, gulosa e desesperada, enlaçando as pernas no
meu quadril e sinto a boceta me engolindo pouco a pouco, molhada, tão
pronta para mim, me fazendo gemer em sua boca. Meto fundo estocando
lentamente sentindo minhas bolas chocando-se contra a bunda gostosa,
enquanto ela rebola encontrando meu corpo.
— Ahhhhh... Bella!! Isso ... sente o quanto preciso de você, toma ele
inteiro, mulher — falo agarrado o peito que molha meu rosto todo.
Mantenho a boca ocupada sugando enquanto sinto o aperto
incendiando e tomando meu cazzo como sua propriedade.
É o paraíso na terra, sinto as veias bombeando, o pau sendo
estrangulado pela bocetinha faminta, me banhando inteiro com seu gozo em
um pulsar esmagador do seu orgasmo.
Meu cabelo é puxado com mais intensidade e é tão incrível fazer
amor com ela. Não resisto e mordo o mamilo só pra ouvir seu grunhido alto
e sua expressão de prazer e entrega. O corpo serpenteando em um rebolado
sedutor e erótico na medida perfeita abaixo de mim. A pele bronzeada,
brilhante de suor, os seios balançando e os cabelos lindos espalhados nos
lençóis são um quadro espetacular. Afasto minha boca do seu seio e a beijo
de forma apaixonada a fazendo sentir seu gosto doce e viciante.
Selena geme mais ainda e sinto seu aperto de ferro na minha bunda
me puxando com as mãos, me impulsionando a estocar tudo dentro dela.
Ela adora nossa intensidade, ama me tomar todo, sempre com sede e
vontade do meu corpo.
A bocetinha mastiga meu comprimento enquanto, Selena morde
meu lábio inferior. Permito, deixo ser completamente usado para o prazer
dela, agarrado com as duas mãos em seus cabelos sentindo os apertos feito
punho de aço no meu pau.
— Te quero de quatro, preciso ver sua bunda perfeita batendo em
mim enquanto entro gostoso nessa boceta doce, diz que também quer?
— Quero, ... Quero tudo com você! — responde me beijando e se
afastando do meu encaixe, ficando bem empinada sobre o colchão.
Ao admirar a visão da bunda redondinha e dos lábios da boceta
vermelha e melada pelo meu pau, me inclino degustando, bebendo seu
prazer, amando-a com minha língua e vendo ela apertar os lençóis em
agonia prazerosa para alcançar o ápice que só nós dois podemos oferecer
um ao outro. Selena empina mais para receber meus carinhos molhados.
Lambo tudo com uma vontade imensa de possuí-la de todas as formas
enquanto rebola ao sentir minha língua por trás, me deixando zonzo de
tesão.
Me ergo esfregando meu pau em toda ela brincando até ouvi-la
ronronar acompanhando meus movimentos me querendo de toda maneira,
me deixando maluco.
— Ai... Viking... não faz assim, não me faça esperar, amore ... Por
favor!
Esse pedido manhoso me deixa nas nuvens. Posiciono o pau e
deslizo todo para dentro dela segurando seu quadril parado, e em instantes a
observo rebolar devagar e isso é a melhor parte da visão.
Seu rebolado é lento, como se estivesse se acostumando ao meu
tamanho. Ela geme em suspiros enquanto meto mais forte em estocadas
lentas, soltando um urro mais rouco toda vez que sinto o calor abraçando
por inteiro a marcando com a forma da minha extensão.
Aliso a pele suave e gostosa de sua bunda e costas enquanto meto
devagar e forte a elevando todas as vezes que estoco até o talo. Sinto-me
um rei ao ver minha posse sobre ela. A sensação de ver seu corpo quicar
com minha arremetida me faz inchar.
— Cazzo! Você é linda de todos os ângulos, Selena!
Começo a estocar mais lento para a tortura dos dois, saindo inteiro e
metendo outra vez. Nossos gemidos se misturam. Abro as nádegas e
começo a acariciar seu rabo, ouvindo um miado suave da minha gata. Seu
abandono sedutor me excita ainda mais.
Os cabelos longos espalhados na cama, o suor nas costas e o encaixe
perfeito é a visão da mulher que eu sempre quis. Espalmo sua lombar
deslizando para suas costas e num ímpeto agarro um punhado de fios loiros
me inclinando e arrastando-a contra meu peito.
Aos poucos um calor invade meu corpo todo ao sentir sua pele
quente em meus braços. E é inevitável o formigamento me consumir, urro
meu prazer apertando seu seio escorregando o molhado na minha mão, me
fazendo delirar.
Acelero aos poucos ouvindo sua voz baixa gemer baixinho.
Sussurro em seu ouvido como vou enchê-la com minha porra. Selena geme
e o som de nossos corpos se chocando me faz liberar agarrado nela.
Envolvo meus braços em torno do seu corpo, beijando seu ombro e
pescoço, declarando como a amo.
Desabamos no colchão, e deixo meu corpo descansar sobre o dela
parcialmente. Com minha mão sobre a sua espalmada no colchão,
respirando ofegante em seu ouvido, sussurro ofegante:
— Amo você, muito, nunca esqueça, Selena. E você me faz
completo, simplesmente por existir.
Nossos corpos estão grudados em suor, calor e exaustão, repousando
juntos, porém extasiados. Afasto-me e me deito na sua frente beijando seus
lábios não querendo me desgrudar. Minha esposa molinha em meus braços
me beijando com gemidos e respirações pesadas.
Acaricio seu rosto, arrumando seu cabelo para vê-la corada e
linda. Acaricio seu ventre, meu filhote Rocco demora ainda uns bons meses
para chegar, mas já trouxe a beleza da maternidade para a minha mulher.
Amo vê-la se alimentando tão bem e seu sorriso gracioso quando elogio seu
corpo.
— Você está tão linda, minha bella. — Aliso suas costas, ouvindo-a
ronronar feito uma gatinha.
— Você adora me ver roliça né, meu Viking?
— Adoro te ver de qualquer forma, nos meus braços principalmente.
— Amo você, meu príncipe.
Sorrio beijando seus lábios. Gravando sua voz suave dizendo que
me ama. O pós sexo é tão maravilhoso quanto o durante, porque consigo
contemplar e gravar cada detalhe do seu rosto saciado.
Vejo seu cansaço e o meu batendo às portas também.
— Dá tempo de dormir umas duas horas até às crianças voltarem do
passeio — fala ela acariciando a barriguinha. Pouso minha mão sobre a dela
acariciando nosso bebê, nosso Rocco.
— Hoje vi a cena que sonhei anos atrás.
O olhar curioso me procura.
— Aquele que vi nossos filhos a primeira vez. Você me chamando
pelo apelido.
— Sério?
— Igualzinho, só o vestido era diferente, nos sonhos os detalhes
menos importantes se perdem, mas você alisava o ventre e eu vinha da praia
com os dois no colo.
— Isso é incrível! Amo ouvir quando conta essas revelações. Ontem
à noite você sonhou algo, eu vi quando levantou e foi beber água. Mas eu
estava muito cansada e adormeci sem perguntar.
— Sonhei com Gabrielle, não foi bom.
— Ele corre perigo?
— Não, ele encontrou alguém do seu passado lá na França.
Não posso contar a ela que Gabrielle é o perigo! Se minhas
desconfianças estão certas, ele vai iniciar uma guerra se alguém tocar no
que é dele.
— Que bom para ele, quem sabe essa pessoa amoleça um pouco
aquele coração de pedra — ela diz me aconchegando em seu peito.
— É, quem sabe.
Nos acomodamos na posição predileta desde a primeira vez que
dormimos juntos. Com meu rosto em meio aos seus seios e ela mexendo
nos fios dos meus cabelos. Realizado pelo carinho e amor da minha esposa.
— Você quer sugar mais um pouco, meu viking?
Ela coloca o seio em minha boca e a vejo alisar meu rosto, cabelos e
sobrancelhas com afeto enquanto me deixa sugar e imergir no prazer do
meu vício.
Observo seus olhos se fechando e um murmúrio apreciando, ao
tocar entre suas pernas sinto a umidade. Ela ama ser sugada, assim como
eu. Gemo baixinho e escuto sua voz sonolenta dizer.
— Tizi, adoro isso! Quando olho meus seios vermelhinhos com suas
marcas, lembro que são seus e me sinto Iinda.
Cazzo! Quero viver mil anos pra ouvir as declarações sinceras e
amorosas. Flutuo cada vez que temos esses momentos, meu desejo por ela
é tão imensurável que meu corpo não obedece.
Sinto meu corpo relaxar por completo e meus olhos pesando
agarrado ao meu sonho cálido em meus braços, tão delicada e entregue.
Minha Selena, minha vida.
Esse é o meu paraíso, tão pleno, e tão perfeito... Amo o meu sonho
realizado.
[i]
é uma empresa que mantêm participação acionária em uma ou mais empresas).
[ii]
É uma comuna italiana da região do Vêneto, província de Veneza, com cerca de 28 622 habitantes
(2009). Ela está localizada a oeste da cidade histórica de Veneza, e é parte do aglomerado conhecido
como Mestre.
[iii]
A Igreja de la Madonna dell'Orto fica em Veneza (Itália), no sestiere de Cannaregio.
[iv]
é um conceituado ator dinamarquês, conhecido por sua presença em filmes independentes e por
balancear trabalhos estrangeiros e Hollywoodianos. Também ganhou notoriedade na televisão
americana ao estrelar a aclamada série Hannibal, como o célebre personagem literário, serial
killer e canibal, Dr. Hannibal Lecter.
[v]
Modelo de motocicleta da marca Harley Davidson
[vi]
Um casaco de pele do Marta-zibeline chega a custar um milhão de euros, dependendo da casa de
moda. O animal habita o norte da Sibéria. O pêlo da zibelina é extremamente valioso, pois é um dos
casacos de pêlo mais macios do reino animal.
[vii]
Na história, o restaurante Quadri foi transferido do contexto insular para o continente para
acomodar a cena em que Tiziano chega de carro, considerando que na ilha de Veneza não há tráfego
automóvel.
Se quiser pesquisar o luxo desse lugar, ele está localizado no segundo andar do histórico café de
mesmo nome, é um elegante restaurante, que oferece releituras hábeis de clássicos venezianos e
italianos. Com o seu papel de parede ornamentado, lustres sumptuosos, vista para a Praça de São
Marcos e características do século XVI cuidadosamente restauradas, este é verdadeiramente um
restaurante para uma ocasião especial.
[viii]
Vico del Gargano é uma das aldeias mais antigas de toda a Apúlia. Está localizado a cerca de
uma hora e meia de carro de Foggia e está imerso no Parque Nacional Gargano . Situa-se numa
colina a cerca de 500 metros acima do nível do mar e está suspensa entre o mar, que fica a cerca de 6
km, e a Floresta Umbra, a pouco mais de 10 km. Nem todos sabem, porém, que Vico del Gargano é
considerada a “cidade do amor”. O Dia dos Namorados, aliás, é o seu Padroeiro e aqui, 14 de
Fevereiro, é um dia verdadeiramente especial.
[ix]
As ondas gama são importantes para a memória, processamento de informações, ligação dos
nossos sentidos no que diz respeito à percepção, e está envolvida na aprendizagem de novos
materiais, sendo ideais para a cognição.
[x]
Coloboma ocular o famoso olho de gato, como se a pupila escorresse, é uma malformação ocular
relacionada a um defeito na embriogênese.
[xi]
refere-se à capacidade ver um objeto por alguns minutos depois que ele não está mais presente e
de recordar páginas de texto, números, ou similares, com grande detalhe.
[xii]
Trata-se de transtorno neurológico que faz o portador recordar, sem esforço e de forma imediata,
informações e acontecimentos com precisão, como se fosse um filme. A condição poderia até ser
considerada uma vantagem, mas ocorre que coisas ruins também são lembradas detalhadamente.
[xiii]
Trufa branca, é uma espécie de trufa da ordem Pezizales e da família Tuberaceae . É encontrada
no sul da Europa. As italianas são muito apreciadas e as mais valiosas do mercado. O preço recorde
pago por uma única trufa branca foi estabelecido em dezembro de 2007, em US$ 330.000.
[xiv]
Ministério Público
[xv]
Os poppers são drogas inaláveis, que têm efeitos praticamente instantâneos nos usuários. Essa
substancia também é conhecida como a droga do amor por ter o poder de intensificar o prazer sexual,
promovendo um relaxamento maior. Como a droga provoca o relaxamento da região pélvica e do
ânus, ela é muito utilizada pelas pessoas que praticam o sexo anal. Os poppers promovem um
aumento do desejo sexual, permitindo uma relação anal sem dor.
[xvi]
Chaveiro eletrônico com localizador e trava.
[xvii]
Personal trainer ou treinadora de exercícios.
[xviii]
Fotografias em fine art são a visão do artista sobre o fotografado e costumam ser expostas em
museus e galerias de arte e vendidas como objetos de decoração.
[xix]
É um vinho branco italiano produzido a partir da uva glera, nas variantes espumante, frizzante, e
tranquilo. Originária da região Veneto, Itália.
[xx]
É um sapato de um famoso estilista francês. Christian Louboutin e a marca registrada é a sola
vermelha. Um sapato pode custar 4.800 euros (29.000 R$)
[xxi]
É um estofado sem encosto e pode ser utilizado em outros locais da casa, além da sala. Vai bem
no quarto, biblioteca, escritório ou no closet. Por ser uma peça versátil, sua função vai depender do
local onde estiver colocado.
[xxii]
Ermenegildo Zegna é dono da casa de moda de luxo italiana de nome Zegna.
[xxiii]
É uma novela gótica, com elementos de ficção científica e terror, escrita pelo autor escocês
Robert Louis Stevenson e publicada originalmente em 1886. A famosa obra O médico e o monstro
aqui Mirko se refere que ele é o médico por enquanto.
[xxiv]
Transtorno de estresse pós-traumático.
[xxv]
O protocolo No Callem foi criado pelo governo de Barcelona em 2018 para combater agressões
sexuais e violência machista em espaços de lazer da cidade, como discotecas e bares.
Cerca de 40 locais da capital catalã aderiram ao protocolo, que foi reativado no fim de 2022 depois
de um período de paralisação das atividades privadas de lazer devido à pandemia de covid-19.
Os locais aderentes ao protocolo recebem treinamento e acompanhamento e devem aplicar medidas
específicas para combater a violência machista. (Informações g1.globo.com)
[xxvi]
Máscaras venezianas
[xxvii]
Indivíduos que aumentam os preços com lances falsos geralmente chamados de lances
“fantasmas”
[xxviii]
Nadador americano com uma envergadura de 2.01 m
[xxix]
Joalheriade luxo na Itália com filiais em vários países.
[xxx]
BLACK AXE máfia Nigeriana. Os membros são chamados Axemen.
[xxxi]
GIGN *Unidade tática da polícia de elite da Gendarmeria Nacional francesa. Suas missões
incluem antiterrorismo, resgate de reféns, vigilância de ameaças nacionais, proteção de funcionários
do governo e combate ao crime organizado.

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