Aula 9 - A Cultura Organizacional
Aula 9 - A Cultura Organizacional
Aula 9 - A Cultura Organizacional
A Cultura Organizacional
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Se nós somos sempre
Iguais a nós próprios.
Fernando Pessoa
Teoria Geral da Administração e Edita Thomson
10.1 Introdução
O tema cultura organizacional foi, desde os anos 80, objeto de importantes
estudos acadêmicos.i Linda Smircich, uma pesquisadora norte-americana,
publicou em 1983 um importante artigo sobre cultura organizacional, ajudando
a definir esse conceito. Segundo esse artigo clássico, o conceito de cultura orga-
nizacional normalmente é tratado de duas formas. Alguns autores consideram
que a organização — empresas, entidades públicas etc. — tem uma cultura que
muda com o passar do tempo. A cultura seria, assim, uma característica da
organização. Outros consideram que a organização não tem uma cultura,
ela é uma cultura, ou seja, ela seria a expressão cultural dos membros da orga-
nização. A organização é vista assim como uma esfera cultural e simbólica e
a cultura é utilizada como uma metáfora — uma imagem que nos ajuda a com-
preender melhor o sistema (Smircich, 1983; Morgan, 1996). Veremos essas
duas abordagens a seguir. De qualquer forma, a abordagem cultura organi-
zacional foca o aspecto interno e relacional das organizações.
———
Cultura Organizacional
eo
A organização é uma cultura
A cultura pode ser uma variável - podemos considerar que a organização tem
uma cultura, que muda com o tempo. De acordo com essa visão, define-se
+ Um artigo da revista norte-americana Business Week, publicado em 1980 e intitulado Corporate culture:
The hard to change values that spell success or failure (Cultura corporativa — A dificuldade de mudar
valores ligados ao sucesso ou fracasso), geralmente é reconhecido como um dos artigos que mais difundi-
ram o conceito de cultura organizacional nas empresas e no grande público, Em setembro de 1983 foi
dedicada uma edição especial do Administrative Science Quarterly, importante publicação norte-ameri-
cana da área de administração de empresas, ão tema cultura organizacional, O tema tornava-se, assim,
objeto de estudos acadêmicos nos Estados Unidos e em outros países. Na França, uma edição especia]
da Revue Française de Gestion difundiu esse tema em 1984. No Brasil, um dos primeiros estudos sobre
o assunto foi elaborado pela Profa. Maria Esther de Freitas, que defendeu dissertação de mestrado na
EAESP/FGV, publicando em 1991 o livro Cultura organizacional — Formação, tipologias e impactos,
divulgando esse tema no meio acadêmico brasileiro.
Casino 10 — A Gulura Ceganizacicra! = Maty / Vasconcalos
O subsistema humano e cultural, por sua vez, relaciona-se aos outros subsis-
temas da empresa — o subsistema gerencial, o subsistema estrutural, o
subsistema estratégico e o subsistema técnico. Trata-se, assim, de compreen-
der como os subsistemas humano e cultural se transformam e interagem com
os outros subsistemas (Morgan, 1996).
Outro importante autor, Edgar Schein, referiu-se à cultura organiza-
cional como variável.
É importante ressaltar, no entanto, que a definição entre as organizações
formal e informal, nesse caso, é apenas didática. Veremos que regras, nor-
mas e valores “oficiais” são institucionalizados na organização com base nas
relações informais dos atores sociais, que constroem em conjunto, a partir
de suas interações, a organização onde convivem diariamente, sendo tam-
bém influenciados por essas regras e normas. Uma via de mão dupla, não
podendo separar de fato esses elementos, que estão intimamente interli-
gados, como vimos no Capítulo 4 ao abordarmos a racionalidade limitada.
À organização integra elementos formais e informais e a dualidade entre
esses elementos é artificial, mas ajuda a compreender melhor esses con-
ceitos e apenas com esse fim é aqui utilizada.
Los
Elemento Formal Cultura oficial da organização
salvando suas vidas, atender à comunidade por meio de certos serviços bási-
cos etc. Cada grupo que compõe essa organização, no entanto, tem seus padrões
e sua visão de mundo particular. Em nosso exemplo, o hospital, podemos consi-
derar que médicos, enfermeiras e funcionários administrativos possuem
uma linguagem, valores e maneiras de ver o mundo de forma diferente — uma
vez que suas experiências de trabalho são diferentes umas das outras. Indiví-
duos que possuem experiências de trabalho similares tendem a desenvolver
valores e visões de mundo semelhantes no que se refere à sua prática profissio-
nal, Isso se refere ao conceito de identidade social, desenvolvido pelos estudos
dos pesquisadores do Instituto Tavistock de Londres nos anos 50. Indi-
víduos que ocupam posições comparáveis em organizações similares, que
executam o mesmo tipo de tarefa e têm acesso a experiências parecidas
tendem a desenvolver valores, comportamentos, padrões e uma linguagem
similar. Determinados profissionais, dada a sua formação, compartilham, por
exemplo, certo tipo de conhecimento e de vocabulário e jargão profissional espe-
cífico que só eles entendem. Assim o grupo define suas fronteiras e sua posição
na sociedade. Utilizando os médicos como exemplo, o domínio de certas
técnicas e de um vocabulário especializado caracteriza a profissão médica.
Esse conceito — identidade social - não é simples. Na maioria das vezes
encontramos subgrupos dentro de outros subgrupos, até chegarmos ao indiví-
duo como unidade de análise, Por exemplo, os médicos possuem um vocabulário
em comum. Mas, de acordo com sua especialidade, grupos diferentes de
médicos têm maneiras diversas de tratar certos problemas e analisá-los.
Na mesma especialidade médica, encontramos ainda correntes e posições
políticas diferenciadas. Isso ocorre também com outros profissionais: enfer-
meiras e funcionários administrativos, em um hospital, dependendo de seu
trabalho específico e do departamento no qual estejam inseridos, possuem
diferentes visões de mundo.
Às organizações, assim, são complexas: têm diversos subgrupos de indi-
víduos que possuem seus próprios padrões culturais, formados a partir de
suas experiências. Os membros de uma mesma organização, porém, possuem
acesso a alguns padrões culturais comuns — que só os membros daquela
organização têm - e que estabelecem as fronteiras do sistema organi-
zacional. Podemos adotar outro exemplo: uma universidade pode ser
conhecida por sua excelência e sua importância em dada comunidade.
No interior dessa universidade, existem diferentes faculdades, cada qual
com suas características próprias. No interior de cada faculdade, dife-
rentes professores, alunos e funcionários formam grupos com seus próprios
padrões culturais. Trata-se de um sistema complexo. No entanto, pode-
mos observar elementos culturais comuns aos membros dessa universidade,
que a diferenciam de outra universidade. O mesmo raciocínio pode ser uti-
lizado para empresas privadas, organizações sem fins lucrativos, hospitais,
empresas públicas, clubes, escolas, enfim, para os diversos tipos de organiza-
ção. É possível encontrar padrões culturais próprios em cada tipo de sistema.
Teoria Geral da Administração = Editora Thomson
Mudanças de elementos
Identidade Social culturais adquiridos durante
a socialização secundária
Elementos culturais €
identitários comuns a indivíduos
que exercem a mesma profissão
Valores efetivamente
Valores professados
praticados da
pela cultura qficial cultura informal
Preservação da
ordem social vigente
individualismo ol é
|
solidariedade social | Distância do poder |
|
| Modelo
de Cultura
Organizacional
de Hofstede
a) Socialização Primária
O processo de socialização primária é aquele em que o indivíduo se torna
membro da sociedade a partir do contato com seus outros significativos, ou
seja, com seus pais e parentes, pessoas próximas, que mediatizam o mundo
para ele, apresentando-o como realidade objetiva, selecionando aspectos
considerados importantes a serem transmitidos de acordo com sua posição na
estrutura social e em função de suas idiossincrasias e racionalidades próprias
(Berger, 1998). Mead descreveu esse processo e como formamos os pri-
meiros elementos de nossa personalidade a partir da socialização primária.
b) Socialização Secundária
Na socialização secundária passamos a conviver com outros significativos —
outros indivíduos além do nosso círculo familiar. Vizinhos, colegas de escola
e professores, colegas de trabalho passam a nos apresentar outros modos de
pensar e outras formas de comportamento que passam a nos influenciar.
Normalmente a socialização secundária se inicia em nosso contato com
organizações às quais passamos a pertencer — escola ou trabalho. A interna-
lização de conhecimentos técnicos e profissionais, com vocabulários e formas
de comportamento específicos, faz parte da socialização secundária. Esta, no
entanto, começa mais cedo, desde que a criança passa a compreender que
não é só a mãe ou o pai ou membros do seu círculo familiar que esperam
que ela se comporte de certa forma. A sociedade em geral fornece regras e
normas de comportamento que devem ser seguidas, papéis sociais que deve-
mos desempenhar. Cada um desses papéis tem um conjunto de expectativas
e modos de comportamento associados a ele. A sociedade espera coisas dife-
rentes de nós quando nos comportamos como filhos, como alunos ou colegas.
Cada papel tem um vocabulário específico, o seu próprio script — o seu
próprio texto e forma de expressão a ele associada. O papel oferece o padrão
socialmente aceito, segundo o qual o indivíduo deve agir em uma situação ou
em outra. Erwin Goffman define um papel como uma resposta tipificada a
uma expectativa tipificada. Assim, por exemplo, um homem pode ter vários
papéis: o de marido, o de pai, o de professor, o de colega de trabalho etc. —
e ao desempenhar cada um desses papéis age de forma diferente, utiliza
expressões verbais, não-verbais e gestos próprios à sua interpretação.
A partir da socialização secundária, descobrimos grande número de com-
portamentos e papéis que a sociedade espera que desempenhemos no decorrer
de nossa vida. De acordo com as influências que recebemos em nossa sociali-
zação primária e secundária incorporamos certas expectativas de papel:
formamos conceitos do que podemos esperar de cada tipo de pessoa, de como
devemos nos comportar em cada situação e com quem, do que devemos
esperar “ser” na nossa vida — dos papéis que desempenharemos em nosso
310
Capíruco 1H) — A Cuitura Organizacional m Morta/ Vasconceias
futuro. Dessa forma, podemos concluir que nossa cultura (valores, crenças,
gostos etc.) e a nossa identidade (o que somos) não são elementos preexis-
tentes: eles dependem de atos de reconhecimento social, do desempenho de
nossos papéis e da aceitação de nosso grupo de referência. Como analisa
Peter Berger, somos aquilo que os outros crêem que sejamos, tal qual o
reflexo de um espelho. Isso não significa que não tenhamos características
próprias com as quais nascemos, que fazem parte de nossa herança gené-
tica. No entanto, a margem para a formação social dentro desses limites
genéticos é bastante grande, como destaca Peter Berger:
Internalização Aquisição de
de regras
conhecimentos
e valores
específicos &
predefinidos
treinamento
no âmbito
profissional
da família
311
Teoria Geral da Agminisização m Edilora Tunsor
312
Carmo 10 — À Cultura Crganizadona! e Motta
/ Vasconcelos
313
Teoria Geral da Atministração m Editora Timnsor
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Copinuco 10 - À Cultura Organizacional m Adata/ Vascarceios
Grupo de referência
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Teoria Geral da Administação m Editora Thomsan
316
Caprio 10 — À Cultura Organizacional = Matta/ Vasconceios
817
Teoria Geral da Administração m Eoifora Thomson
Assim a ação humana não se limitaria aos objetivos que um indivíduo acre-
dita possuir e nos quais ele acredita fundamentar sua ação cotidiana. A ação
humana seria influenciada por elementos incertos e novos, que vão além dos
princípios e ideais nos quais as pessoas imaginam basear sua ação. O contato
com novas culturas, normas de comportamento e sistemas modifica em parte
os critérios de decisão anteriores das pessoas.
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Casino 10 — À Cultura Organizacional m Maito/ Vasconcelos
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Teoria Geral da Administração mm Editora Thomson
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