A Virtude Da Ordem
A Virtude Da Ordem
A Virtude Da Ordem
Introdução:
A virtude da ordem não é um conselho de autoajuda, nem técnica de rendimento
pessoal ou eficácia. Sua origem e fim estão fora do espaço e do tempo, na eternidade,
que nos precede e nos aguarda.
Sem a virtude da ordem nada persiste, mais cedo ou mais tarde, tudo se torna
um amontoado de entulhos feios e incômodos. É uma virtude humilde com o destino de
enterrar-se e aguentar sem aparecer, como uma estaca que sustenta o edifício. Tem por
objetivo servir (virtude-serva), mas é na verdade uma virtude-senhora, pois
paradoxalmente servimos a esta virtude que nos serve.
Mas, muitas vezes, não somos capazes de agir com toda a consciência por uma
motivação tão elevada, sendo necessário a orientação por dois princípios:
1) Convencermo-nos de que vivemos, pensamos e trabalhamos para a cooperação
de um plano superior. Não ser um simples perdido na imensidão do universo,
mas compreender que o universo foi criado em uma ordem estabelecida por Deus
com leis naturais, físicas (ação e reação, lei da gravidade, “na natureza nada se
cria, nada se perde, tudo se transforma”) Como participo desta ordem
preestabelecida? De que forma esta ordem me atinge e sou transformado por
ela?
Critérios da ordem:
É necessário que as prioridades sejam selecionadas em relação à proporção e finalidade
de nosso destino. Se não, vivemos em um enredo de interesses, mas distantes da meta
última: a santificação e plenificação.
Elemento ordenador
Disso depende a finalidade última da ordem, porque “de que serve ao homem ganhar o
mundo inteiro se vier a perder a sua alma?” (Mt 16, 26) Por ela se compreende que a
matéria há de estar subordinada ao espírito: o corpo à razão, a razão à alma, a alma a
Deus.
Ninguém pretende afirmar que se deva dedicar a maior parte do dia a práticas
devocionais ou atos de culto, mas sim que os elementos necessários para alimentar a
vida religiosa não podem ser sacrificados ou mesmo antepostos a quaisquer outros
objetivos. Não falamos aqui de uma maior ou menor dedicação de tempo, mas de
hierarquia de valores. Todas essas circunstâncias e muitas outras constituem a base do
que poderíamos chamar “deveres de estado” e devem enquadrar-se na virtude da
ordem.
A regra da mão
1) Deveres religiosos:
“A virtude está no meio” (Santo Tomás de Aquino) ou seja, não está na escassez, nem
no extremismo, mas sim em saber resolver os problemas com isenção e magnanimidade.
Para isso é necessário saber ganhar um espírito de reflexão, olhar e sentir as situações
com seus olhos e seu coração, distinguir o necessário do imediato, o importante do
banal.
Ter tempo para Deus nunca é uma perda ou uma camisa de força, mas a expressão da
liberdade para os sacrifícios que a ordem exige no dia-a-dia. A vida se compõe de ritmos:
coração, respiração, do dia e da noite, refeições, calendário... assim, as práticas
religiosas devem se tornar um costume tão vital que compõe a nossa existência.
É importante ter tempo para oração, meditação, leitura espiritual... esse tempo exclusivo
de conexão com a divindade. Uma paradinha na igreja a caminho ou regresso do
trabalho, pedir luzes e forças ou agradecer no fim da jornada os benefícios recebidos.
Normas de piedade bem distribuídas podem ser um valioso fator de ordenação do dia.
“Corremos para Deus ou corremos fugindo de Deus. Em qualquer caso, Deus esteve no
centro de tudo.”
2) As ocupações profissionais:
A profissão é o campo por excelência para a prática da virtude da ordem. “Faz o que
deves e está no que fazes.” (São Josemaría Escrivá)
Não reduzir o trabalho a um elemento organizador, mas inspirador: por que me ocupo
nisto e não naquilo? Afinal, qual é a intenção que me move a realizar este trabalho e
não aquele? É necessário atingir a verdade da sua existência para que se alcance a
realização como ser humano e cristão autêntico. O trabalho é o local onde se forja as
virtudes.
Reflexões:
Trabalhamos com sossego ou agitados? Sem precipitações nos estudos e assuntos, sem
aflições, com prazos? Sem atropelar nem magoar ninguém, até com elegância humana?
Trabalhar não por mero automatismo, mas refletir e favorecer um bom clima pela sua
atitude interior? Começo e termino habitualmente o meu trabalho à hora fixa? Tenho
bem programada a agenda do meu dia? Sei prever, prevenir, prover? Disponho dos
suficientes instrumentos de trabalho e de pessoas que me auxiliam? No meu
planejamento profissional e nos meus compromissos, cuido de não estender o braço
mais que a manga? Só inicio uma tarefa depois de perfeitamente terminada a anterior?
Esvazio periodicamente, por exemplo no primeiro dia da semana, a minha pasta de
pendentes? Tenho clara a ideia de que os prazos são para serem cumpridos? A minha
ordem respeita e favorece a ordem dos outros? Sei dizer não a compromissos
supervenientes a menos que seja por um imperativo de caridade? Trabalho com a
consciência de que Deus, meu Pai, me vê aqui e agora, de que o tempo não é meu, mas
dEle, e há de ser, pela pureza de sentimentos e pelo esmero, um ato contínuo de
adoração e louvor?
3) Ocupações familiares:
4) Descanso e cultura:
O que acontece é que para ser intelectual, basta parecer intelectual. Verniz de cultura,
semianalfabetismo, conhecimentos puramente utilitários e... em consequência a tudo
isso, o achismo: eu acho, eu não acho, tudo nivelado pelas sensações e impressões do
momento, pelo comodismo, por propagandas que visam o lucro ao preço da dignidade
humana.
Temos que aprender a amar a Deus e descansar sobre Deus. “Onde está o teu tesouro,
aí está o teu coração.”
*Haverá uma formação no canal sobre “Aprender a descansar.”
5) Responsabilidade social:
O que todos nós podemos fazer, e assim Deus nos pede indubitavelmente, é que sejamos
humanos no trato com os nossos amigos e conhecidos, sempre com abertura aos outros.
Reflexões:
Que tempo a mais me leva ser acolhedor, bem-humorado, prestativo no relacionamento
habitual com os meus colegas de escritório?
Que me custa aconselhar a um amigo desorientado ou aflito um bom livro que
responderá mil vezes melhor que as minhas palavras ao problema de que me falou?
Será que me exige horas extras mostrar firmeza de convicções, baseada em
conhecimentos sólidos, numa roda de amigos em que se tocam levianamente problemas
que dizem respeito à conduta do homem: o reto uso do sexo, a moral profissional, o
equilíbrio entre autoridade e liberdade sem preconceitos na verdade da fé, a existência
de Deus, a imortalidade da alma, a plena compatibilidade da sua doutrina com o avanço
da ciência?
Será tempo a mais, durante um almoço de negócios de se ter tratado dos assuntos
profissionais, abordar algum tema menos pragmático, que suscite inquietações acerca
da alma e abra horizontes espirituais?
A agenda:
Se você tivesse 1h a mais no seu dia, no que empregaria? E se tivesse 1h a menos, que
coisas cortaria? Não é simplesmente uma questão de método, de ordem na cabeça e no
coração?
“As potências do homem não são três, mas quatro: memória, inteligência, vontade e...
agenda!” (São Josemaría Escrivá)
Reflexões:
1) O que tenho que fazer hoje? (Não o que nos agrada ou nos é mais fácil)
2) Montar a sequência do que temos de fazer. Definir cada ocupação o momento
exato em que devemos realiza-la, fazer uma coisa de cada vez. Definir o
momento exato de cada coisa é poder entregar-se a ela de corpo e alma,
concentrado na perfeita execução e com paz de espírito
3) Ser justo na avaliação do tempo que cada coisa nos vai exigir. Qualquer erro
nesta matéria compromete as coisas que vem a seguir
4) Não somente o fazer, mas o fazer bem feito, capricho. O inferno está cheio de
coisas feitas pela metade, trabalhar com folga suficiente, serenidade e paz
“apressa-te lentamente”.
5) Nem tudo que é urgente deve ser resolvido na hora. Há questões urgentes que
devem ser pensadas, consultadas, ou deixadas em banho-maria para ganhar
maior certeza. É preciso pensar urgentemente.
6) Prever o que temos de fazer hoje significa também prever que temos de fazer
hoje a parcela diária daquilo que tem de ficar pronto daqui a uma semana, um
mês, um ano...
Conhecimentos engolidos sem mastigar, colados com cuspe, irão desqualifica-lo
para uma carreira profissional séria.
7) Contar com imprevistos. Não podemos programá-los, mas podemos precaver-
nos. “Não buzine, saia mais cedo.” Por que há pessoas a quem acontecem mais
imprevistos do que as outras?
8) Ter postos de observação: depois de terminar uma tarefa, antes de entrar em
outro projeto, avalie se até esse momento tudo se cumpriu ou se vai cumprir a
tempo e horas. Porque, se há atrasos que não se podem recuperar, há outros
que tem remédio dentro do próprio dia. Muitas vezes, será preciso refazer a
nossa agenda segundo às novas circunstâncias.
9) Fazer um balanço ao fim do dia, pois a experiência tem de ser assimilada. Onde
foi que eu perdi tempo? Que coisas omiti ou não acabei? Por que furei este prazo
ou faltei àquele compromisso? Se não há dúvida de que a ordem é uma virtude
– não uma qualidade com que se nasce – isso significa que tem de ser adquirida
e cultivada.
10) Todo o planejamento cai por terra quando surge um dever de caridade. Se o
meu próximo precisa de mim agora. Toda a minha ordem consiste em abandonar
o que vinha fazendo ou ia fazer, para socorre-lo.
11) Se a desordem é um mal para mim, seria um mal grave se prejudicasse os outros.
Além de você perder a sua honra, aumenta a dívida que deves a Deus.
12) Para um cristão não há deveres mais ou menos importantes. Se são deveres,
todos são igualmente importantes. Presidir pontualmente a uma reunião da
empresa tem a mesma importância de telefonar a um amigo íntimo pelo seu
aniversário.
É preciso evitar também a todo custo esses pântanos que podemos designar com nomes
pomposos: miscelânea, pendentes... mas que são verdadeiros cemitérios de coisas e
assuntos à espera de um dia de ressurreição que nunca chega.
“Quem não tem cabeça tem que ter pés”, tem de correr atrás dos prejuízos, e o mesmo
se poderia dizer da ordem.
Colocar a cadeira no lugar após a reunião, ter a mesa de trabalho sem parecer um campo
de batalha ou no final de uma feira-livre, ter o armário de roupa com os tipos de peças
bem separados, são pequenas ações que configuram uma flor a Deus.
Pontualidade
Pontualidade = veículo da ação de Deus, ponto de aplicação da força de Deus.
A pontualidade é fonte de alegria. Não pode deixar de ser alegre o encontro da vontade
atual do homem com a vontade eterna de Deus. É como se naquele momento
comungássemos: o agora no cumprimento do dever é uma comunhão espiritual. Nessa
fidelidade ao dever do momento, não há pois, motivo para resmungos, caras feias, má
vontade, cansaço ou tédio. E se por vezes essa pontualidade custa uma lágrima, a
lagrima torna-se sorriso. Aparece o rosto de Deus, infinitamente amável e consolador.
A ordem não é um modo de ser ou uma mania, mas virtude. Não há nele estridências
nem histerismos, incompatibilidades e conflitos habituais na execução das diversas
responsabilidades. Tudo se torna uma engrenagem.
Para Deus que não teve começo nem terá fim, a vida é continuidade, e portanto, inteira
atualidade; por isso, os que estão unidos a Ele não param de descobrir novos atalhos
para melhorar a ordem no cumprimento dos seus deveres e até na disposição das coisas
materiais.
Conclusão:
Guarda a ordem e a ordem te guardará:
“São precisos novos regulamentos, dizer... – Achas mesmo que o corpo humano
melhoraria com outro sistema nervoso ou arterial?”
É preciso adquirir o sentido de compromisso conosco próprio. Uma das mais claras
manifestações de imaturidade é trocar aquilo que se deve fazer por aquilo que custa
menos ou agrada mais. A vida vai-se, e o tempo que passa é irrecuperável. É preciso
sair da agitação do problema para entrar na paz da solução.
“A ordem dará harmonia à tua vida. A ordem proporcionará paz ao teu coração e
gravidade à tua compostura.” (São Josemaría Escrivá)
Há coisas que valem a pena e coisas que não valem e o critério para distinguir uma das
outras é o dever e não o apetecer. O dever é sempre entrega, não posse. Realiza a
pessoa na medida em que contribui ao mesmo tempo para realizar o próximo, humana
e sobretudo espiritualmente
Deus não foi feito como super-homem, mas Deus encarnado no tempo dos homens.
Veio tornar Eterno o momento que passa. Que saibamos responder o “Faça-se”
encarnando Jesus nas nossas obras, as de agora, não as de ontem nem as de amanhã,
que são apenas pesadelos ou fantasmas.
Que o seu hoje seja o teu hoje, obras insignificantes, mas obras certas, feitas com a tua
graça, no lugar certo, na hora certa, com a intenção certa, do modo certo. Que você
reconheça a cada instante da sua vida como tempo da visita divina.
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Bibliografia: