Racismo No Brasil e Racismo À Brasileira

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Racismo no Brasil e racismo à brasileira:

ISSN: 2238-9091 (Online)


traços originários
Joilson Santana Marques Junior1

Resumo
O presente artigo busca traços originários que constroem o chamado racismo à
brasileira, entendendo esse como forma sofisticada que responde à concretude
das relações raciais brasileiras. Tomando-o como um dos elementos estruturais da
sociedade brasileira. Pode-se considerar que há três momentos chave para a con-
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cepção do chamado racismo à brasileira estes são: o sistema escravista, o racismo


científico em seu modo particular de apropriação pela intelectualidade nacional e a
mestiçagem/miscigenação em Gilberto Freyre como premissa do branqueamento.
Desse modo, expressões aparentemente surpreendentes de racismo hoje podem
ser mais bem compreendidas, à luz das inflexões do próprio racismo enquanto
construção sócio-histórica.

Palavras-chave
Raça; Racismo; Desigualdade;

Racism in Brazil and Brazilian racism: original traits

Abstract
This article looks for original traits that build the so-called racism towards Brazilian
women, understanding this as a sophisticated form that responds to the concrete-
ness of Brazilian race relations. Taking it as one of the structural elements of Brazilian
society. It can be considered that there are three key moments for the conception
of the so-called Brazilian racism, these are: the slave system, scientific racism in its
particular mode of appropriation by the national intelligentsia and miscegenation /
miscegenation in Gilberto Freyre as a premise of whitening. In this way, apparently
surprising expressions of racism today can be better understood, in light of the in-
flections of racism itself as a socio-historical construction.

Keywords
Race; Racism; Inequality.

Artigo recebido: novembro de 2020


Artigo aprovado: dezembro de 2020

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Introdução
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Neste artigo nossa atenção estará direcionada para discussão do


racismo particularmente em relação ao negro, embora, nem por isso,
desconsideremos que esse atingiu indígenas e outros grupos que não
atendiam ao fenótipo branco europeu.
É importante destacar que o racismo molda as relações raciais e
produz um sistema que estabelece a divisão das riquezas socialmente
produzidas no mundo, tanto pela classe social de pertença dos sujei-
tos, como pela racialização dessas mesmas classes.
Nosso objetivo é uma aproximação da expressão singular do racismo
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no Brasil, concebido a nosso ver como racismo à brasileira, pois embora


esteja relacionado as ideologias de supremacia racial disseminadas his-
toricamente pelo globo, possui contornos específicos no Brasil. A partir
desse objetivo, procuramos abordar a escravidão racial como parte da
formação do racismo nacional, particularmente pela sua manipulação
discursiva no sentido dessa ser retratada como “benigna” “suavizada” etc.
O racismo científico concebido no século XIX na Europa ganhou
uma adaptação nacional, uma vez que em suas origens não poderia
coadunar-se com a ideia de miscigenação para servir aos interesses
de construção de um projeto nacional que via no negro o entrave a
modernização do país;
Por fim, Freyre como síntese do processo iniciado com a escravi-
dão em sua obra clássica Casa grande e senzala vai contribuir defini-
tivamente para a noção democracia racial, a obra de Freyre sintetiza
uma forma de pensar as relações raciais brasileiras, colocando, princi-
palmente, o intercurso sexual inter-racial como símbolo da não exis-
tência de racismo enquanto sistema de privilégios e poder e critério de
divisão de riquezas socialmente produzidas.
Esses três tópicos de análise guiaram a divisão do texto em três se-
ções, a fim de torná-lo mais claro e objetivo. Por fim, optamos por
construir uma breve subseção trazendo como os discursos que se eri-
giram no decorrer do tempo são utilizados até os dias atuais, inclusive
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no que diz respeito ao rechaço as políticas acionadas pelo Estado no

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sentido de enfrentar o racismo.
Gostaríamos de ressaltar que essa divisão não significa fragmenta-
ção e linearidade dos acontecimentos, pensamentos e discussões, até
porque o texto pretende uma lógica dialética evidenciando rupturas e
permanências na construção do racismo.
Ademais, nossa tarefa está situada na historicidade desses fenô-
menos, embora tenhamos muito claro que mudanças importantes
ocorreram em outros períodos históricos, e que atualmente vivemos
processos raciais com diferenças. Não podemos negar que muito da
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continuidade dessas relações, como bem apontado no dossiê temáti-


co do IPEA 2017 sobre título Democracia racial e homicídios de jovens
negros na cidade partida, evidencia como está presente o mito da
democracia racial, como mecanismo ainda hoje de encobrimento das
iniquidades ensejadas pelo racismo.
Portanto, não foi nosso intento trazer as expressões contemporâne-
as do racismo na sociedade brasileira, mas rastrear os pontos em que
se sedimenta os fundamentos dessas relações, procurando algumas
de suas especificidades. Dentre elas, uma das mais fulcrais é a misci-
genação e branqueamento que se articularam em torno da democra-
cia racial e são postulados como chave de mobilidade social, porém
as realidades dos dados concretos demonstram que pretos e pardos
(miscigenados) encontram-se em profunda desigualdade frente ao
grupo branco. O que desmistifica a ideia de branqueamento como as-
censão social (OSORIO, 2004; PAIXÂO, 2017).

Escravidão mercantil africana afro-brasileira: transformando negro


em “peça”
É importante iniciarmos situando o próprio “descobrimento do Bra-
sil” na expansão ultramarina2, como parte de um movimento maior na
busca de expansão da produção de matérias primas para abastecimen-
to da manufatura mercantil (BORGES, MEDEIROS e D’ADESKY,2002).

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O trabalho escravizado foi sem dúvida fundamental para a conso-


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lidação do capitalismo, assim esse momento é central pois propiciou


um nível de acumulação para a Europa até então sem precedentes,
ao utilizar-se da mão de obra escravizada e usurpar a terra dos povos
originários (CHIAVENATO, 2012; HONOR, 2015).
Ao mesmo tempo, o capitalismo se caracteriza por coisificar e
mercantilizar as relações e os próprios indivíduos, pode-se perce-
ber que a escravidão se relaciona analogamente a esse processo ao
pretender tornar seres humanos como mercadorias, ou como de-
nominado no período da própria escravidão, “peças” num proces-
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so que em última análise reduziria humanos a um instrumento de


trabalho que poderia ser adquirido e comercializado (MOURA,1983;
ANDREWS, 1998; CHIAVENATO, 2012.)
Os negros eram pesados e medidos. Eram “peças da África”
[...] própria forma como se comercializavam os negros afri-
canos era reflexo da sua desumanização: não se vendia um
negro, dois negros, cinquenta negros – vendiam-se peças.
(CHIAVENATO, 2012:102)

Mas chama atenção um fato evidente, por que a escravidão ga-


nhou contornos fenotípicos? A questão é que do ponto de vista ide-
ológico foi à reedição de um mito bíblico que justificou a escravidão,
particularmente dos africanos, é no mito de Cam, o filho de Noé,
que teria desonrado o pai que essa justificativa toma forma. A mal-
dição seria de que Cam e seus descendentes deveriam ser escravos
de seus outros irmãos Sem e Javé, ocorre que os canaanitas seriam
os africanos, os semitas judeus e os descendentes de javé europeus
(BORGES, MEDEIROS e D’ ADESKY, 2002).
É importante colocar que mesmo antes da escravidão colonial, a
demonização do continente africano, bem como o estabelecimento
de negros como “semibestas”, já ocorria e que o entendimento de que
os africanos não possuíam alma também já existia, mas todos esses
argumentos são utilizados no processo de escravização como meio
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para garantir o sequestro e a exploração do trabalho forçado de afri-

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canos, e depois de seus descendentes nascidos no Brasil (CHIAVENA-
TO, 2012; BORGES, MEDEIROS e D’ ADESKY, 2002; MAESTRI, 2017).
Soma-se a esses aspectos, a ideia disseminada que os africanos
escravizados e seus descendentes tinham na condição de escravo
o modo de purgar seus pecados, o modo de martirizar suas culpas
por serem eles “incivilizados”, “escravos de seus instintos” (BOSI,
1992, MAESTRI, 2017).
Por fim, o tráfico negreiro representou um empreendimento lucrati-
vo que enriqueceu indivíduos e nações. No caso do Brasil, tanto no pe-
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ríodo colonial, como no pós-independência, é a coisificação do negro


uma das formas mais rentáveis de lucro. Na esteira desse processo,
ocorre a concentração fundiária e a formação de uma elite, a princípio
colonial e mais tarde nacional, cuja escravidão se constitui como sua
base (CHIAVENATO, 1987; ALMEIDA, 2015; BOSI, 1992; MOURA, 1983).
Cabe lembrar que o Brasil é o último país a abolir a escravidão
e é fato que além dos próprios movimentos abolicionistas, rebeli-
ões e quilombos havia uma pressão externa especialmente advinda
da Inglaterra para o fim da escravidão, pois esse modelo já não era
mais interessante para o capital central, que pretendia a expansão do
mercado de consumo para seus produtos (ANDREWS, 1998; CHIA-
VENATO, 1987; HONOR, 2015). Constitui-se então a necessidade da
figura do trabalhador assalariado para escoar sua produção, isso nos
revela as determinantes impostas pelas relações do capital com a
escravidão (ANDREWS, 1998).
A escravidão, por sua vez, traz no seu bojo o preconceito e a ideo-
logia da inferioridade da população negra, a própria forma de divisão
racial do trabalho na colônia irá construir o lugar reservado ao negro
no Brasil (ALMEIDA, 2017).
Ao mesmo tempo, é na negação da escravidão como processo de
construção sócio histórica no Brasil que repousa uma das primeiras
singularidades da construção e expressão do nosso racismo. O apa-

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gamento da figura do escravizado como trabalhador que erigiu os ali-


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cerces da nação torna-se lugar comum (MOURA,1983).


Esse processo ocorre ora acionado pela romantização da escravi-
dão, ora pela noção de algo que pertence a um passado remoto, e
que não mais encontra ecos no presente, pois a própria concepção de
divisão do trabalho na sociedade brasileira “bebe dessa fonte até hoje”
(MOURA, 1983; ALMEIDA, 2017).
Mesmo a miscigenação como possibilidade de branqueamento
já surge nesse período, vide a exaltação do mulato que aparece em
obras como a de Andreoli, obviamente uma exaltação mais retórica do
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que concreta, e a situação dos pardos até hoje em nossa sociedade,


mas que serviu a disseminação de uma ideologia de competição entre
os pretos e pardos, a fim de, se aproximar do branco, símbolo máximo
da detenção de poder e posse no período colonial (BOSI, 1992).
Esse modus operandi é extremamente eficiente quando pensamos
que desde o período colonial a população negra brasileira circunda
em torno de 50% da população, e as classes dominantes locais pre-
cisam de um aporte ideológico suficientemente forte, para fragmen-
tar qualquer possibilidade de unidade nessa população que poderia
de fato colocar em cheque a ordem vigente e não, por acaso, no pós
abolição a miscigenação o branqueamento e a inferioridade racial, se
tornaram cada vez mais propulsoras da construção da nação.

Racismo científico criando a raça marcando estereótipos


Uma cena que pode ilustrar o racismo científico3 é a represen-
tação do negro nas telenovelas, quase que invariavelmente repre-
sentado como pouco inteligente e “domesticado”, ou criminoso e
pouco amigável, podemos “agradecer” ao racismo científico a base
fundamentada do racismo como uma verdade4. Isso ocorre porque
desde a metade do século XIX, o racismo científico que postulava a
supremacia racial branca, já se fazia presente entre os intelectuais
nacionais. No entanto, além das ideias europeias de origem, nos
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interessa mais particularmente a apropriação do racismo científico

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no Brasil (SCHWARCZ, 1993).
No século XVII começou a ser esboçada a ideia de relacionar carac-
terísticas físicas de um povo aos seus traços culturais e sociais, ou seja,
foi a partir desse século que começaram as primeiras proposições sobre
raça5 propriamente dita, ainda assim não eram explicações cientificas.
Ao mesmo tempo em que o humanismo inaugurou a concepção
de uma unidade racial baseada no princípio de que há uma igual-
dade entre todos os seres humanos, fundamentada principalmente
nas teorias de Rousseau, alguns teóricos naturalistas como Lineu6 e
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Buffon7, do mesmo período, começaram a classificar e hierarquizar


os seres humanos baseando-se no princípio da supremacia europeia
sobre os outros povos.
Em 1768, foi adicionada a esse corpus teórico a noção de dege-
neração, isso ocorreu nas publicações do jurista Cornelius de Pauw,
que deu novos nuances a esse conceito , em princípio por aplicá-lo a
seres humanos, e ao mesmo tempo por redefini-lo como um desvio
patológico do modelo original (SCHWARCZ, 1993). Sua visão asso-
ciou à patologia as diferenças existentes entre os seres humanos e em
consonância com uma profunda estratificação a partir do pensamento
europeu. Dentro da lógica desse autor, o tipo original era o europeu, e
as demais “espécies” humanas eram tipos desviantes, enfraquecidos.
Ao olharmos para o século XVIII percebemos que o racismo per-
meava o pensamento científico, são essas as condições que fizeram
consolidar as teorias raciais.
Com a publicação de A origem das espécies, em 1859, por Char-
les Darwin, mais alguns elementos foram trazidos para a conceituação
do termo “raça”9. A obra de Darwin era biológica e estava calcada no
conceito de adaptação das espécies como forma de garantir a sobre-
vivência mediante as transformações ocorridas na natureza.
O que ocorreu após o lançamento dessa obra foi à transposição
da teoria darwinista para a realidade dos seres humanos, somou-se a

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isso uma distorção dos conceitos utilizados em sua pesquisa e a partir


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daí as ideias de seleção natural, competição entre outras passaram a


servir de análise para os seres humanos inaugurando o “Darwinismo
social”10. A partir desse momento, a teoria racial tomou um novo im-
pulso, de tal maneira que todas as áreas de conhecimento foram in-
fluenciadas por esse tipo de interpretação (SCHWARCZ, 1993).
Firmaram-se a partir de então os postulados da teoria racial: as ra-
ças são distintas por princípio, e qualquer cruzamento entre elas le-
varia a degeneração11, haveria uma correlação entre o fenótipo e os
valores, a cultura e a sociabilidade de um povo. Por fim, a ideia de que
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o meio determina os indivíduos tornou-se tão dominante e que o ter-


mo raça se transformou em sinônimo de meio, logo o ser humano foi
reduzido ao fruto de sua suposta raça.
A miscigenação a partir dessas teorias passou a ser considerada no-
civa para todas as “raças humanas”, com o estabelecimento da relação
entre degeneração e mistura configurando a concepção de impureza
e bestialidade12.
A hierarquização baseada no conceito de raça cristalizou o princí-
pio de supremacia de uma raça sobre as outras, conceituou o mestiço
como a pior de todas as degenerações, já que isso levaria a uma raça
débil (SCHWARCZ, 1993). Esse foi o trajeto tomado pela categoria raça
a partir de sua conceituação cientifica.
No caso brasileiro, os pensadores recriaram essas teorias de modo
que elas coubessem nos interesses do projeto de identidade nacional
(SCHWARCZ, 1993). Nesse sentido, é possível apreender que desde a
independência do Brasil foi sendo desenhado um projeto de branque-
amento13, e no segundo império essa concepção tomou força e tor-
nou-se um arcabouço teórico.
O Conde Goubineau, amigo e conselheiro de Dom Pedro II, que vi-
veu no Brasil durante o ano de 1869, declarava a inferioridade racial
negra e à degeneração que seria levada a termo com a mistura das
raças no Brasil (CHIAVENATO, 2012; NASCIMENTO, 2017).

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No transcorrer do século XIX esse pensamento se torna hegemônico,

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em tal medida, que mesmo a campanha abolicionista sofreu a influência
dessa ideologia24. Isso porque a abolição começou a ser vista como a
possibilidade de libertar o Brasil dos negros, agora culpados pelo atraso
da nação. Tal questão foi denominada de “problema do negro”.
Entre 1888 e 1890, a soma de negros e mulatos15 perfaziam mais de
55% da população brasileira isso significa que mais da metade da na-
ção era considerada inferior e potencialmente perigosa (CHIAVENA-
TO, 2012; NASCIMENTO, 2017). E convém lembrar, que a luta em torno
da abolição havia demonstrado às elites o potencial de organização e
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combate de escravizados e classes populares. Assim, a assimilação do


racismo científico foi a resposta encontrada para resolver o “problema
do negro” (ANDREWS,1998).
A ideologia do branqueamento tem solo cada vez mais fértil e se
consolida a partir de variados aspectos de ordem racial, política, eco-
nômica e social, dentre os quais destacamos: o mito da inferioridade
racial do negro, a política de imigração europeia, a exclusão do negro
do mercado formal de trabalho e sua associação à vadiagem, e por
fim, mas não menos importante, a miscigenação como fator que con-
duziria o Brasil a uma nação branca, onde os traços africanos seriam
eliminados (NASCIMENTO, 2017).
Silvio Romero, da Faculdade de Direito de Recife relata que:
[...] A vitória na luta pela vida, entre nós, pertencerá no porvir, ao
branco; mas que esse, para essa mesma vitória atenta às agru-
ras do clima, tem necessidade de aproveitar-se do que de útil
as outras duas raças lhe podem fornecer, máxime a preta, com
quem tem mais cruzado, pela seleção natural, todavia, depois de
prestado o auxílio de que necessita, o tipo branco irá tomando a
preponderância até mostrar-se puro e belo como no velho mun-
do (ROMERO, 1980:924 apud CHIAVENATO, 2012:156).

A partir desse trecho podemos perceber as influências do evolucio-


nismo, do Darwinismo social e da miscigenação como forma de aprimo-

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ramento genético, ao mesmo tempo em que são traçadas as ações que


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deveriam ser tomadas no sentido de garantir a melhoria racial pretendida.


Francisco José Oliveira Viana, do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro-IHGB, em 1920 escreveu o relatório “histórico” Evolução
do Povo Brasileiro, o texto introdutório do censo de 1920, em um de
seus trechos dizia:
Neste trabalho de aryanização do nosso povo, há outros colla-
boradores mais enérgicos do que a immigração das raças bran-
cas da Europa. Há seleções naturaes e sociaes, que aceleram
extraordinariamente entre nós a rapidez do processo reductor
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dos elementos etnicamente inferiores. (RECENSEAMENTO do


BRAZIL, 1920 apud REGUEIRA, 2004: 35).

Nas palavras de Hasenbalg,


A miscigenação aponta para a homogeneidade e inclusão e se
contrapõe às normas de separação e pureza vigentes em ou-
tros sistemas raciais. Mas a mistura racial é também um passo
no caminho ao branqueamento, resultado final esperado, que
implicaria hierarquia e valorização negativa de negros e índios.
(HASENBALG, 1996 apud REGUEIRA, 2004:33)

Por sua vez, a imigração é acionada como parte da estratégia do


branqueamento orientada pelo racismo científico, a questão do de-
senvolvimento nacional fica resolvida pela “marcha rumo a branqui-
tude”. Podemos dizer que essa marcha tinha o mesmo significado da
“marcha do progresso”, porque progredir significava antes de tudo fa-
zer desaparecer o negro como parte da nação.
Esse quadro vai construindo progressivamente tonos específicos
para o racismo, a saber:
i) Ao invés, de investir diretamente em leis segregacionis-
tas, ou acionar outras formas “legais” de apartheid, produz
e dissemina: o “negro” como aquele que por princípio deve
entender o branco como melhor e deve querer tornar-se
esse, mesmo que para ele isso não seja possível;
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ii) O filho do intercurso interracial estaria mais próximo des-

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se ideário e gozaria de uma vida melhor, o que não se con-
firmou vide os dados de acesso a direitos sociais básicos
como educação, saúde, trabalho etc. Confirmados exausti-
vamente pelos estudos de: Paixão, 2017; Nascimento, 2017;
Chiavenato, 2012. E ainda, a partir da divulgação de dados da
PNAD16 do terceiro trimestre de 2017, pretos e pardos perfa-
ziam o maior número de desempregados e de trabalhado-
res informais tanto em números absolutos, quanto quando
proporcionalmente comparados aos brancos, provando que
mesmo nos dias atuais a proclamada mobilidade via mis-
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cigenação é muito mais estratégica para a divisão interna


do grupo populacional identificado como negro, do que um
dado concreto de mudança social (NEDER e NUNES, 2017);
iii) Embora até a abolição os negros17 fossem força massi-
va de trabalho, no pós-abolição, ocorre sua identificação
como vadio, numa espécie de ciclo que basicamente tinha
haver com a ideia bastante calcificada de que o negro ape-
nas trabalhava em face da utilização da força, uma vez que
eram avessos ao trabalho;
iv) E por fim, o processo de interiorização entre a própria
população negra desses estigmas e estereótipos de modo
a consolidar uma busca de um modelo de futuro (branco)
em que se apaga a história (negra).

A mestiçagem/miscigenação em Freyre e a construção do mito da


igualdade racial
Em 1933, Freyre lança Casa Grande e Senzala, que trouxe em seu
bojo uma nova forma de discutir a questão racial. A obra de Freyre
centra-se na formação social brasileira, seu maior feito provavelmen-
te foi colocar as três raças como construtoras da sociedade brasilei-
ra (não sem as hierarquizar), afirmando que cada uma delas contribui
com sua cultura para a construção da nação, e nos seus trabalhos pos-
teriores continuou a desenvolver tais teorias (FREYRE, 1998).

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Outro mérito da obra é a retomada histórica do Brasil procuran-


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do ressignificar os aspectos antes tidos como depreciativos da nação


brasileira. É uma revalorização da nacionalidade procurando exaltar
as características nacionais, principalmente a ideia de um país em que
as raças conviviam de modo harmonioso, e que diferente dos Estados
Unidos, não existia um violento conflito racial.
Contudo a obra de Freyre está centrada no elogio ao mestiço – e a
mestiçagem como estratégia – este seria o representante da nação por
excelência, é ele o grande símbolo da democracia racial. É a fusão das
três raças tanto em nível cultural quanto biológico que deu ao Brasil
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a sua nacionalidade. A questão é que mais uma vez tratou-se de uma


“armadilha”, porque recai sobre a tese da miscigenação como reso-
lução da questão racial nacional e da questão do progresso nacional.
Ainda que de maneira diferenciada das teorias racistas adapta-
das à realidade brasileira, Freyre também colocou a miscigenação
como resolução da questão racial no Brasil. É como se ao criar a
figura do mestiço o Brasil naturalmente resolvesse seu problema
racial, pois as barreiras raciais não seriam rígidas no Brasil, e uma
convivência harmônica se estabeleceria. De certo modo não deixa
de ser uma solução biológica, pois é o intercurso físico que cria o
tipo brasileiro (SISS, 2003).
Assim como ocorre a miscigenação racial, ocorre para Freyre (1998)
a mistura cultural; o sincretismo cultural compõe a nacionalidade. As
culturas se imbricaram de tal maneira que esse cruzamento em si é
a cultura nacional, mas ao fazer essa colocação o autor, novamente,
coloca a questão racial como algo solucionado, pois, reconhece a par-
ticipação das três culturas fundantes do Brasil e consoante diz que elas
se fundiram para formar a cultura brasileira.
Assim a discussão Freyriana fez à proposição do intercurso sexual
entre senhores de escravos e mulheres negras escravizadas como
símbolo da não existência de racismo (no sentido de aversão) aque-
les considerados negros.

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A questão que parece ficar fora da discussão tem relação com qual

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o lugar reservado a mulher negra nessa narrativa e que ao final a misci-
genação tem um curso e esse curso é o branqueamento dos brasileiros.
Outro ponto nevrálgico parece estar localizado no que tange a es-
cravidão, é o nível de autonomia de uma pessoa escravizada sobre seu
corpo e qual a possibilidade de consentimento para esse tipo de relação
que por definição já era completamente assimétrica (SILVA, 2006).
Ainda é preciso considerar a “confusão” entre intercurso sexual e
ausência de preconceito, Stolke (2006) citando Bastide, vai dizer que
“sexo” sem casamento na ordem societária tanto no período escra-
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vocrata quanto no momento em que Freyre está escrevendo significa


apenas o uso e abuso do corpo feminino, que não possuía nenhuma
legitimidade para exigir nada.
Logo, essa mulher tornada escrava (e mesmo aquelas libertas), não
é mais que um instrumento da satisfação desse homem branco eu-
ropeu detentor de posse, obviamente houve exceções, mas elas não
mudam o modo de organização vigente e as profundas marcas que
este deixou (SILVA, 2006).
Nesse sentido, a própria masculinidade desse homem é reificada
através do abuso do corpo da mulher negra; é como se ao final fosse
um atestado dessa masculinidade, por outro lado esse corpo é como
o hospedeiro necessário a gênese de um novo ser – o “mulato” que é
ao final o representante da nação (SILVA, 2006).
Quanto ao “mulato”, “mestiço”, “pardo”, “moreninho”, dentre outros,
seria segundo o pensamento de Freyre (1998), o que com o tempo
iria tornar-se o branco dos trópicos tanto pelos próprios processos de
miscigenação que tornariam a população cada vez mais branca, como
pela sua busca pelo status da branquitude.
A despeito de ser um marco de reação às teorias biológicas de
cunho racista, a perspectiva teórica de Freyre é sistematizadora do
ideário da democracia racial, um modo de pensar que se instalou no
imaginário nacional e que invisibiliza as desigualdades sócio raciais.

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Um museu de grandes novidades18: o velho/novo racismo


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Como já dito anteriormente, mesmo antes da abolição já se desenhava


o “problema do negro”, que para as nossas elites significava a composi-
ção racial brasileira como o grande obstáculo ao progresso nacional.
Tendo como direcionamento os valores civilizatórios europeus e
a compreensão de progresso, completamente desarticulada de um
mínimo de investimento em ações do Estado que visasse educação,
regulação do trabalho entre outras medidas. Passamos a uma discus-
são de desenvolvimento nacional que articulava de maneira imediata
supostas características raciais a progresso e desenvolvimento. Isso
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contribui para explicar por que a discussão racial tomou larga dimen-
são, e o Estado construiu políticas de investimento na imigração como
solução do “problema negro” e ao mesmo tempo do progresso (CAR-
VALHO, 2002; ANDREWS,1998).
E por fim, a democracia racial de muitos modos substituiu a dis-
cussão da democracia política é como se pudesse ocorrer uma trans-
posição, se existisse uma democracia racial existiria uma democracia
política, talvez não seja admirável que a síntese dessa ideia se dê em
meio a um período de suspensão dos diretos políticos no período Var-
gas (HANCHARD, 2001).
A propósito, a concepção de democracia racial esteve balizada pelo
fato de existir miscigenação racial, daí conclui-se que é esse um em-
pecilho natural ao racismo. De certo modo, assim como a democracia
política foi vivida de modo quase esporádico ao longo da história bra-
sileira, a democracia racial não passou de uma possível utopia basea-
da em algumas exceções que mais confirmaram a regra das injustiças
calcadas no racismo.
Mas não podemos deixar de considerar um fato marcante, o poder
material de uma ideologia de tal modo que com a implementação das
Ações Afirmativas e principalmente com o advento das cotas raciais,
faz ressurgir os argumentos calcados na democracia racial e na antiga
tese da inexistência do racismo no Brasil, de modo que temos um livro
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lançado por um alto executivo das organizações globo, Sr. Ali Kamel

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chamado Nós não somos racistas: uma reação aos que querem nos
transformar numa nação bicolor, em 2006. Uma coletânea realizada
por pesquisadores de renome no Brasil (alguns inclusive que constru-
íram suas carreiras discutindo o racismo), Dr. Peter Fry, Drª Yvone Ma-
ggie, Dr. Marcos Chor Maio, Drª Simone Monteiro, intitulado Divisões
Perigosas, em 2007, cuja base argumentativa são a reedição deste ar-
cabouço teórico ideológico (COSTA, 2011).
A persistência e acionamento dessas expressões do racismo demons-
tram a sobrevida da ideação democracia racial, e a correlata inexistência
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do racismo e mostram que essas não são questões do passado, ao con-


trário elas se fazem presentes no cotidiano brasileiro, de tal forma que em
estudo realizado por Camino e colaboradores, em 2014, sobre as políticas
de ação afirmativa e mais especificamente sobre cotas raciais, um dos
argumentos mais utilizados pelos estudantes contrários as cotas se referia
ao enunciado de igualdade entre negros e brancos, uma igualdade mar-
cada pelo formalismo abstrato da democracia racial que desconsidera o
conjunto de desigualdades enfrentadas por essa população.

Considerações finais
Esse breve passeio pela construção sócio-histórica dos conceitos/
ideias de raça, racismo, miscigenação, nos mostra a maneira como
raça tem sido acionada como mecanismo de exploração, privilegia-
mento e estabelecimento de poder e aquisição da posse, inclusive so-
bre o outro, infelizmente estamos longe de superarmos do ponto de
vista social, aquilo que a biologia ultrapassou; a separação dos seres
humanos através de critérios fenotípicos.
O racismo é um sistema que ultrapassa as fronteiras nacionais, tan-
to que, entre metade do século XX e início do XXI, ocorreram três
conferencias internacionais para tratar desse tema, contudo o modo
como ele se desenvolveu no Brasil é marcado por alguns aspectos es-
pecíficos, a miscigenação apreendida como valor símbolo da unidade
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nacional, a construção de um imaginário coletivo que inferioriza mais


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da metade da população brasileira e o obscurecimento do trabalho de


africanos e seus descendentes escravizados.
Soma-se a esses aspectos o encobrimento do questionamento
acerca da fundação da riqueza das elites nacionais nos braços de cati-
vos, assim como a exclusão do negro no mercado formal de trabalho
uma vez que no pós-abolição se instaurou uma hierarquização racial
que permaneceu relegando aos negros as formas de trabalho mais
aviltantes, humilhantes e degradantes.
Podemos dizer que ao longo do tempo ocorreram avanços. Eles
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têm se intensificado nos últimos 20 anos, ainda assim alguns fenô-


menos demonstram não só a persistência, mas a necessidade de um
combate antirracista, a saber, o crescimento dos partidos de extrema
direita na Europa à onda conservadora e reacionária que vem atingin-
do o Brasil, o assassinato diário de jovens negros moradores da peri-
feria, os persistentes índices de desigualdade entre negros e brancos
no Brasil e poderíamos certamente sinalizar no mundo. Isso mostra
que o racismo enquanto sistema é um dos princípios que hierarquiza
as vidas humanas em todas as suas dimensões, nesse sentido faz-se
necessário enfrentá-lo não só a partir de suas expressões mais indivi-
dualizadas, mas como parte da estrutura social ou, antes, como uma
máquina que leva destruição e espalha a morte, enquanto constrói um
abismo de desigualdade entre seres humanos.

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Notas

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1 Assistente Social (Angra dos Reis) Brasil; Mestre em Saúde Coletiva IFF/FIOCRUZ;
Doutorando em Serviço Social FSS/UFRJ; ORCID: https://orcid.org/0000-0001-
8326-3110; [email protected]

2 Desde o final da Idade Média europeia (1350-1450), a história vem registrando a


unificação do mundo pelo capitalismo: a gradativa constituição do mercado in-
ternacional, envolvendo economia, política e cultura, a partir de um movimento
comumente designado nos manuais de história como – expansão ultramarina,
comercial e colonial europeia (BORGES, MEDEIROS e D’ ADESKY, 2002:11).

3 Neste texto escolhemos não denominar pseudo-científico, ou por aspas, uma


vez que de fato corpos negros foram abusados para a construção de supostas
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verdades científicas e mais, subsidiaram conhecimentos que foram incorporados


à própria ciência. Vide o caso de Saartjie Baartman, mulher africana que além de
uma história marcada pela violência das mais diversas formas, teve ao final, seu
corpo vendido para Georges Cuvier, que a teve como objeto de seus estudos e
formulações e, sobre seu corpo, solidificou sua carreira cientifica tornando-o até
hoje reverenciado (DAMASCENO, 2008).

4 Devemos lembrar que uma das questões mais caras à ciência principalmente
nesse período é o estabelecimento da verdade, portanto o racismo como prática
já existia, mas ganha novo estatuto a partir dos pressupostos científicos, logo os
estereótipos ganham lugar de uma imagem fixa, uma prisão.

5 “O viajante francês François Bernier foi um dos primeiros a adotar critérios como
cor da pele e outras características somáticas para dividir o gênero humano em
quatro ou cinco espécies ou raças humanas (..) Bernier não hesitava em usar ter-
mos depreciativos; segundo ele, os asiáticos tinham - olhinhos de porco-, os
negros, em vez de cabelos tinham – uma espécie de lã parecida com o pelo das
nossas lontras -, e os lapões eram – feios como animais. Evidentemente, os eu-
ropeus eram poupados dessas comparações nada lisonjeiras” (BORGES, MEDEI-
ROS e D’ADESKY, 2002:14). A publicação do artigo desse viajante, em 1684, não
pode ser considerada um trabalho científico, mas demonstra como esse pensa-
mento foi se construindo na história até se tornar uma teoria cientifica.

6 “O Sueco Lineu, por exemplo, em sua obra Systema Naturae, dividia o gênero
homo (...) distribuíam-se em quatro grupos: o homem europeu (europaeus albus)
- engenhoso, inventivo, branco, sanguíneo, governado pelas leis; o homem ameri-
cano (americanus rubescus) - satisfeito com sua condição, gostando da liberdade,
pardo irascível, governado pelos costumes; o homem asiático (asiaticus luridus)
- avarento, amarelo, melancólico, governado pela opinião – e o homem africano
(afer niger) – manhoso, preguiçoso, negligente, negro, fleumático, governado pela
vontade arbitrária de seus amos. (BORGES, MEDEIROS e D’ADESKY, 2002:15).

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7 Buffon era um naturalista francês que em 1734 publica a infantilidade do conti-


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nente, obra que explicita toda sua concepção eurocêntrica e delineando o con-
torno da superioridade do europeu frente aos outros povos (SCHWARCZ, 1993).

8 “Até então chamavam-se degeneradas espécies consideradas inferiores, porque


menos complexos em sua conformação orgânica”. (SCHWARCZ, 1993).

9 “O termo raça é introduzido na literatura mais especializada em inícios do sé-


culo XIX, por Georges Cuvier, inaugurando a ideia da existência de heranças fí-
sicas permanentes entre os vários grupos humanos” (STOCKING, 1968:29 apud
SCHWARCZ, 1993:47).

10 O Darwinismo social era um determinismo racial, que pressupôs a ideia de que


as características eram inatas às raças humanas “as raças constituiriam fenôme-
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nos finais, resultados imutáveis” (SCHWARCZ, 1993).

11 Nota-se a integração do conceito de degeneração, lançada por Pauw, na teoria


das raças.

12 “Para os autores Darwinistas sociais, o progresso estaria restrito às sociedades


puras, livres de um processo de miscigenação[...]” (SCHWARCZ, 1993).

13 Em 1823, o então ministro das relações exteriores José Bonifácio expressou em


uma carta, destinada ao cônsul inglês lorde Chamberlain, qual o tipo racial que
deveria formar a nação brasileira: “Bonifácio disse a Chamberlain que gostaria
que os ingleses capturassem todo navio negreiro (...) - não quero vê-los nunca
mais, são a gangrena da nossa prosperidade, a população que queremos é bran-
ca (LUZ, 2000:217 apud CHIAVENATO, 2012:183).

14 “Em O abolicionista, Joaquim Nabuco tem o cuidado de explicar o que se pre-


tende ao abolir a escravidão: - absorver o sangue caucásico vivaz, enérgico e
sadio – que certamente embranqueceria o nosso povo” (CHIAVENATO, 2012:156)

15 Negro e mulato eram categorias censitárias à época, o que hoje equivaleria a


pretos e pardos.

16 Pesquisa Nacional de Amostra Domiciliar (PNAD).

17 Aqui compreendidos como pretos e pardos.

18 Referência a trecho da música O tempo não para de autoria de cazuza.

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