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THIEME

Artigo de Atualização 665

Lesões do Aquiles – Parte 2: Rupturas


Achilles Tendon Lesions – Part 2: Ruptures
Nacime Salomão Barbachan Mansur1 Lucas Furtado Fonseca1 Fábio Teruo Matsunaga1
Daniel Soares Baumfeld2 Caio Augusto de Souza Nery1 Marcel Jun Sugawara Tamaoki1

1 Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Escola Paulista de Endereço para correspondência Nacime Salomão Barbachan Mansur,
Medicina, Universidade Federal de São Paulo, Saõ Paulo, SP, Brasil PhD, Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Escola Paulista de
2 Departamento de Ortopedia e Traumatologia, Universidade Federal Medicina, Universidade Federal de São Paulo, Rua Napoleão de Barros,
de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil 715, 1° andar, Vila Clementino, São Paulo, SP, Brasil
(e-mail: [email protected]).
Rev Bras Ortop 2020;55(6):665–672.

Resumo A crescente incidência de rupturas do tendão calcâneo tem impactado substancial-


mente o cuidado ortopédico e os custos relacionados ao seu tratamento e prevenção.
Motivada principalmente pelo aumento da expectativa de vida, o crescimento do uso
de drogas tenotóxicas e o acesso errático à atividade física, essa lesão gera morbidade
considerável aos pacientes qualquer seja o desfecho a ser considerado. A evolução das
técnicas cirúrgicas e de reabilitação permitiu que ortopedistas, nos últimos anos,
Palavras-chave tivessem melhores condições para decidir a conduta mais apropriada nas roturas
► tendão do calcâneo agudas do tendão calcâneo. Por mais que ainda frequentes pela sua alta taxa de
► ruptura tendínea negligência, as rupturas crônicas do Aquiles hoje encontram opções operatórias
► doença aguda biológicas mais simples e são amparadas por um novo paradigma que se debruça
► doença crônica sobre a especialidade.

Abstract The increasing incidence of calcaneal tendon ruptures has substantially impacted
orthopedic care and costs related to its treatment and prevention. Primarily motivated
by the increased life expectancy, increased use of tenotoxic drugs and erratic access to
physical activity, this injury accounts for considerable morbidity regardless of its
Keywords outcome. In recent years, the evolution of surgical and rehabilitation techniques gave
► calcaneus tendon orthopedists better conditions to decide the most appropriate conduct in acute tendon
► tendon rupture rupture. Although still frequent due to their high neglect rate, Achilles chronic ruptures
► acute disease currently find simpler and more biological surgical options, being supported by a new
► chronic disease specialty-focused paradigm.

acomodar no solo, fazendo do gastrocnêmio um dos últimos


Introdução
músculos a alongar e a ganhar potência no processo evolu-
Rupturas do Tendão Calcâneo tivo. O Aquiles pode suportar até 12 vezes o peso corpóreo em
A peculiar anatomia do tendão calcâneo, explanada criterio- uma corrida e é responsável por 93% do torque de força de
samente no capítulo 1 desses artigos de revisão (Lesões do flexão do tornozelo.1–3
Aquiles – Parte 1: Tendinopatias), foi essencial para o desen- A microanatomia do tendão calcâneo respeita a organi-
volvimento do ser humano, sendo um dos grandes protago- zação de outros tendões do corpo humano. O componente
nistas no progresso do animal quadrúpede para o bípede. celular é formado por tenócitos e tenoblastos em até 95% dos
Com o objetivo de obter uma plataforma firme e estável para seus elementos. Essas células têm diferentes tamanhos e
a marcha bipodal, o retropé foi rodado inferiormente para se formas, sendo dispostas em cadeias longas e paralelas. O

recebido DOI https://doi.org/ Copyright © 2020 by Sociedade Brasileira


10 de Setembro de 2019 10.1055/s-0040-1702948. de Ortopedia e Traumatologia. Published
aceito ISSN 0102-3616. by Thieme Revinter Publicações Ltda, Rio
05 de Dezembro de 2019 de Janeiro, Brazil
666 Lesões do Aquiles – Parte 2: Rupturas Mansur et al.

elemento extracelular é composto em 90% por tecido colá- As contraindicações para o reparo aberto incluem o status
geno, com predominância do tipo I (95%), organizado em não deambulatório, doença arterial periférica grave compro-
bandas paralelas mantidas por pequenas moléculas proteo- metendo os tecidos moles, comorbidades médicas mal con-
glicanas. Cerca de 2% é elastina que confere até 200% de troladas e incapacidade de compreender a detalhada
capacidade de deformação antes da falha. O envelhecimento reabilitação pós-operatória. Tabagismo e diabetes também
e a incapacidade corpórea em prover cicatrização ideal a são contraindicações relativas devido ao aumento significa-
esses tecidos modificam essa configuração, promovendo o tivo de complicações pós-operatórias.14
acúmulo de mucina, fibrina e colágeno dos tipos III e VII.4,5
A concentração de tecidos desprovidos da capacidade Propedêutica Armada
tênsil, elástica e biológica dos nativos enfraquece os tendões As radiografias do tornozelo devem ser rotineiramente obtidas
e os predispõem a rupturas macroscópicas. Autores afirma- para se procurar fraturas do tornozelo ou da tuberosidade
ram que essa quebra ocorreria por uma carga aplicada por posterior do calcâneo, o que impõe mudanças no planeja-
uma contração muscular máxima em um tendão em sua fase mento. O borramento da gordura de Kager é um sinal indireto
de alongamento inicial. Esse risco seria potencializado por de lesão do tendão de Aquiles.15 A ultrassonografia (US) é o
uma incapacidade na capacidade corporal de controlar con- primeiro exame a ser requisitado quando há necessidade de
trações excessivas e não coordenadas, achados comuns em confirmação através de imagens. O ultrassom pode inclusive
atletas que treinam de modo errático.6–8 Os mecanismos de auxiliar na decisão terapêutica. Estudo recente revelou que
rotura relatados são principalmente durante a fase de des- gaps > 10 mm ao primeiro exame aumentaram o risco de re-
prendimento (início da corrida ou salto) com o joelho em ruptura dentre os pacientes tratados de modo não operatório.
extensão (53% dos casos), seguida pela pisada inadvertida em Aqueles pacientes que seguiram o tratamento não cirúrgico e
um buraco (17%) e pela extensão abrupta de um tornozelo em apresentaram gaps > 5mm demonstraram resultados funcio-
flexão (10%).9 nais piores ao final de 12 meses.16
Em ocasiões específicas, uma ressonância magnética (RM)
poderá ser realizada para melhor se avaliar o tipo de ruptura,
Rupturas Agudas do Tendão de Aquiles
uma vez que lesões oblíquas e longitudinais impõem maior
Epidemiologia cuidado no planejamento das vias de acesso. Lesões associa-
O tendão de Aquiles é o tendão mais frequentemente rompido das, como tendinopatia crônica do Aquiles são também
do corpo humano, com uma incidência anual de 18 por indicações para se realizar exames mais detalhados, dado
100.000 pessoas.10 Em 1575, Ambrose-Pare foi o primeiro a que degenerações prévias e graves podem alterar o planeja-
descrever um tratamento para ruptura aguda do Aquiles, mento intra e pós-operatório, como a necessidade de reforço.
através de enfaixamento e bandagens.11 Desde então, o trata- Por fim, a RM pode ser útil quando se identifica alterações
mento não operatório era a escolha até o início do século XX, adicionais ao exame clínico. É descrita, como exemplo, a
quando a cirurgia passou a ser rotineiramente indicada para as luxação aguda do tendão tibial posterior em conjunto com a
rupturas agudas do tendão calcâneo. Na década de 1920, ruptura do tendão de Aquiles.17
Abrahamsen, Quenu e Stoianovitch reportaram os primeiros
resultados positivos com a tenorrafia para este tipo de lesão.12
Tratamento Não Cirúrgico
Clínica Historicamente, o tratamento não operatório tem se pautado
Durante a avaliação inicial, história e exame físico completo pelas maiores taxas de re-ruptura e pela menor força flexora
devem ser realizados. A ruptura do tendão de Aquiles apre- final. No entanto, protocolos recentes utilizando da reabilitação
senta três achados clássicos ao exame clínico. Estes incluem funcional produziram melhores resultados cinéticos e menores
fraqueza na flexão plantar do tornozelo, gap palpável a  4 a taxas de re-rupturas.18 Ensaios clínicos randomizados e con-
6 cm proximais ao calcâneo e sinal de Thompson positivo trolados avaliaram diferentes formas de reabilitação no trata-
para lesão.13 As condições de partes moles devem ser ava- mento não cirúrgico. A carga imediata protegida com treino
liadas para verificar edema, hematomas, incisões prévias e funcional precoce é ser recomendada (►Figura 1) aos pacien-
integridade dos outros músculos flexores. Os pulsos são tes tratados de modo conservador.19 Ela deve ser realizada com
palpados e, se ausentes, a avaliação vascular deve ser consi- uma bota imobilizadora estável e com calços apropriados para
derada. Comorbidades médicas também devem ser identifi- manter o tornozelo em equino pelas 6 semanas subsequentes.
cadas, com ênfase em diabetes mellitus, histórico de má Em serviços que não dispõem de uma reabilitação funcional de
cicatrização de feridas e eventos tromboembólicos. qualidade, o tratamento não cirúrgico deve ser visto como
Quando a cirurgia é indicada, ela pode ser realizada em até exceção, visto que nestas situações a cirurgia diminui o risco de
uma ou mesmo duas semanas após a lesão, para também re-ruptura e de perda de força.20
permitir que o aumento de volume se resolva e facilitar o Outros ensaios clínicos randomizados, com pacientes alo-
posicionamento dos nós de sutura. Neste ínterim, os pacien- cados entre tratamento não operatório e cirurgia, com o
tes podem ser imobilizados em ligeiro eqüino, com ausência mesmo tipo de reabilitação funcional, demonstraram resulta-
ou não de carga no membro, e a elevação do membro deve ser dos clínicos e funcionais similares para ambos.21 No entanto, o
encorajada. Quando o apoio é liberado, uma bota ortopédica pico de força na avaliação isocinética demonstrou que a
longa com presença de saltos em retropé deve ser utilizada. cirurgia (10–18% de diferença para o lado contralateral)

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O reparo aberto tradicional consiste em 5 uma incisão


posteromedial longitudinal de 5 a 8 cm sobre o foco da
ruptura, com dissecção do paratendão, evacuação do hema-
toma, desbridamento dos cotos tendíneos, e colocação de
suturas tipo Krackow para atamento dos fios “boca a boca” e
cooptação dos cotos. Embora esta técnica de reparo seja
biomecanicamente forte e apresente bons resultados em
geral, tem sido associada à deiscência de ferida superficial
e profundamente. Neste contexto, as técnicas “mini-open”
são atrativas, uma vez que minimizam o dano às partes
moles, alcançam um reparo sólido e firme do tipo direto.
Essas características permitiriam ganho funcional e menores
complicações cirúrgicas.19
O sistema percutâneo de reparação de Aquiles (PARS, na
sigla em inglês) (Arthrex Inc., Naples, FL, EUA) é uma técnica
moderna e mini-aberta que utiliza uma incisão cutânea
transversal de  2 cm em combinação com a introdução de
um aparato de metal ligeiramente curvo por dentro do
paratendão para passar as suturas de bloqueio. A técnica
permite abertura mínima dos planos profundos e confere
grande estabilidade ao tendão suturado (►Figura 2). Recen-
temente, a técnica PARS demonstrou acelerar a recuperação
e o tempo de retorno, assim como apresentar menores taxas
de deiscência de ferida operatória.28
Uma comparação biomecânica do reparo tipo PARS com o
“mini-open” utilizando apenas suturas não bloqueadas

Fig. 1 Tratamento conservador funcional de uma lesão aguda do


tendão calcâneo utilizando carga imediata com imobilização tipo bota
e calços para manutenção do equino.

proporciona melhores índices ao longo de todos os 18 meses do


período avaliado. E esta tendência é verificada em outros
estudos de alta qualidade que também avaliaram a força
muscular pormenorizadamente.22–24 De fato, a grande maio-
ria dos pacientes apresentará maior perda de força de flexão
plantar quando tratados não cirurgicamente. No entanto, esta
diferença não compromete suas atividades de vida diária,
especialmente em pacientes não atletas e tratados de forma
funcional.22–24

Tratamento Cirúrgico
O tratamento das rupturas agudas do tendão de Aquiles é
controverso e sem consenso na literatura no que diz respeito
à abordagem (não operatória versus a cirúrgica) e a técnica
ideal para a realização do tratamento operatório.25 Uma
revisão da Cochrane avaliando as diferenças entre estas
condutas relatou que o reparo cirúrgico significativamente
reduz o risco de re-ruptura do tendão de Aquiles, não
obstante as maiores taxas de complicações, incluindo infec-
ção da ferida operatória.26 Diretrizes apresentadas pela
Academia Americana de Ortopedia (AAOS, na sigla em inglês)
determinam moderada evidência de que a abordagem não
operatória apresenta menos complicações, com maiores
taxas de re-rupturas em relação ao reparo cirúrgico, e que
as técnicas que utilizam incisões menores, ou minimamente Fig. 2 Tenorrafia de uma ruptura aguda do Aquiles com um método
invasivas, apresentam menores taxas de complicações minimamente invasivo. Os garfos são introduzidos nos cotos proximais
quando comparadas ao reparo aberto.27 dentro do paratendão e as suturas passadas pelo dispositivo.

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constatou que o PARS teve maior força em termos de carre- Rupturas Crônicas do Tendão de Aquiles
gamento cíclico e carga até a falha.29 Uma grande série
recente comparando 101 PARS e 169 reparos tradicionais Epidemiologia
abertos de Aquiles relatou que o reparo tipo PARS apresentou Apesar de comum, a ruptura do Aquiles ainda apresenta uma
tempos operatórios significativamente mais curtos e um taxa de falha no diagnóstico à primeira avaliação médica de
número maior de pacientes capazes de retornar às atividades 20 a 25%, ocasionando um atraso no seu diagnóstico e
físicas regulares aos 5 meses após a cirurgia, em comparação tratamento, concorrendo para um aumento na prevalência
com o reparo aberto. A taxa global de complicações pós- de casos crônicos.31,32 Essa alta porcentagem é causada tanto
operatórias no PARS foi de 5%, enquanto o reparo aberto pela falta de procura por atendimento desses pacientes
apresentou 11%, em sua maioria devido às deiscências e (muitos creditam uma lesão muscular ou de menor gravi-
infecções. Não houve casos de re-ruptura, neurite do sural, dade), pela incapacidade de acesso de muitos indivíduos a
ou infecção profunda no grupo PARS.26 serviços especializados de saúde e pela deficiência de pro-
Em relação ao reforço agudo nas rupturas do tendão fissionais em realizar o correto diagnóstico precoce.33,34
calcâneo, os estudos atuais não suportam o seu uso. Uma Alguns critérios podem ser utilizados para a definição da
revisão sistemática e meta-análise recente demonstrou em lesão crônica como a existência de tecido fibrocicatricial
169 participantes (83 com reforço agudo e 86 com tenorrafia interposto entre seus cotos, a presença de largo defeito
isolada do Aquiles) que não houve diferenças quanto à com afastamento e retração dos mesmos, um período decor-
satisfação, taxas de re-rupturas e complicações.28 rido da lesão até o momento do diagnóstico > 6 semanas ou
Importante ser notado que a literatura também vem favo- sintomas de fraqueza e dificuldade para caminhar e subir
recendo a reabilitação precoce e funcional, em detrimento da escadas.31,32,35
imobilização isolada nas primeiras semanas nos pacientes
operados, independentemente da técnica utilizada.29 Em Fisiopatogenia
linhas gerais, o protocolo pós-operatório para ambas as abor- A rotura do tendão provoca uma separação natural entre as
dagens cirúrgicas, “mini-open” e aberta, é o mesmo. Os extremidades. A partir do momento da lesão, em decorrên-
pacientes são mantidos em flexão plantar de  20°, ou cia do sangramento local e da sinalização inflamatória
simétrica ao lado sadio, por 2 semanas. A seguir, a bota regional, tecido reparativo começa a ser formado.36 A per-
removível é colocada com os calços específicos para Aquiles.30 sistência de contração muscular e mobilização local pro-
Os pontos são deixados por 3 semanas, e o equino reduzido da move uma migração proximal do tríceps e a conseguinte
4ª até a 6ª semana. Acreditamos que seja crucial a proteção do aderência dos cotos no paratendão e tecidos adjacentes.31
Aquiles durante as 4 primeiras semanas, em razão do potencial Na zona da ruptura forma-se comumente um tecido fibro-
de alongamento do tendão. Em pacientes atletas, início de cicatricial alongado e que carece de competência mecânica.
carga em equino na 2ª semana demonstrou ser uma aborda- Em alguns casos, nenhuma cicatrização se forma e um
gem segura e de rápido retorno ao esporte.17 O objetivo é que grande defeito se estabelece. Qualquer que seja o desfecho,
os pacientes estejam com carga total plantígrada ao final da 6ª o tríceps sural perde substancialmente a força pelo alonga-
ou 7ª semana. Entre as semanas 8 e 12, os pacientes passam a mento da unidade musculotendínea ou pela ausência de
utilizar sapatos regulares, evitando-se a extensão do tornozelo comunicação entre origem e inserção.37,38
além do neutro, com o uso de salto interno no calçado, para
elevação do retropé. Atividades como corrida e salto são Clínica
normalmente permitidas após 16 semanas, e o retorno total Em efeito do tempo decorrido após a lesão inicial, muitos
ao esporte ocorre entre os meses 5 e 6. pacientes não reclamam de dor ou edema na região posterior
Caberá ao cirurgião decidir qual técnica cirúrgica a ser da perna. A evolução do quadro leva comumente esses
utilizada, baseado em sua análise individual de cada paci- indivíduos a procurarem atendimento pela fraqueza na
ente, e especialmente em sua capacidade técnica e experi- flexão plantar do tornozelo. Ainda que presente pela inte-
ência. Todavia, deve-se levar em consideração as evidências gralidade dos flexores secundários, essa força se encontra
crescentes de que as técnicas menos invasivas podem ser extremamente amortizada pelo protagonismo funcional do
superiores ao tratamento clássico para as rupturas agudas do tríceps sural. Esse prejuízo afeta de modo direto as atividades
tendão de Aquiles. O resumo das indicações das modalidades do cotidiano dos seus portadores, pois chega a incapacitá-los
de tratamento baseado nas evidências científicas atuais a ficar na ponta dos pés ou de caminhar com qualidade.31,39
encontra-se na ►Tabela 1. A rica propedêutica de uma ruptura aguda pode não estar
presente nas lesões crônicas. É possível observar uma marcha
Tabela 1 Grau de recomendação dos tratamentos para a irregular, com encurtamento da passada ipsilateral, aumento
ruptura aguda do Aquiles da fase intermediária e do segundo rolamento, além de
ausência de desprendimento de qualidade no membro. O
Modalidade Grau de Recomendação clássico gap pode não ser palpável pela presença de tecido
Tratamento Conservador B cicatricial na região, o que também pode confundir o teste de
Reparo Aberto A Thompson. A hipotrofia da musculatura da perna é evidente
e o teste de Matles mostra assimetria entre os lados avalia-
Reparo “Mini-Open” A
dos, corroborando a presença da lesão.38,39

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Propedêutica Armada as cirurgias propostas encontram amparo apenas em estudos


Apesar de o diagnóstico ser essencialmente clínico, alguns nível IV de evidência. Ainda não há consenso sobre a melhor
exames subsidiários auxiliam no desenho do quadro do técnica para essas rupturas.37,43
paciente e no planejamento do tratamento. Radiografias Falhas pequenas (até 2 cm) poderiam ser tratadas com
simples em perfil podem traduzir rupturas insercionais suturas boca-a-boca após liberações do compartimento pos-
geradoras de avulsões da tuberosidade posterior do calcâ- terior. Defeitos moderados (2 a 6 cm) seriam manejados com
neo. A RM do tornozelo é de uso restrito apenas aos casos de alongamento V-Y, retalhos locais ou transferências tendí-
dúvida diagnóstica. A US tem sido utilizada como método de neas. Lesões maiores (> 6 cm) requereriam o uso de aloen-
avaliação do alongamento musculotendíneo, ainda com xertos, enxertos sintéticos, liberações, retalhos ou a
resultados incipientes. O estudo isocinético pode contribuir combinação desses métodos.43,44 Entretanto, essas aborda-
na determinação da fraqueza clínica de pacientes com qua- gens clássicas possuem taxas de complicações que se apro-
dros mais frustros e auxiliar o profissional na decisão ximam dos 72%, compreendendo deiscências, infecções,
terapêutica.39,40 morbidade doadora e perda de força. O alto índice de
A evolução do conhecimento torna a realização de uma problemas em decorrência das grandes vias de acesso e
RM da perna (bilateral comparativa) uma importante arma das aderências nessas cirurgias tem levado pesquisadores a
em pacientes com rupturas crônicas do Aquiles. Estudos procurar opções de menor agressividade local.45
prévios demonstraram alterações no ângulo de bipenação As produções atuais caminham para procedimentos de
e substituição gordurosa da musculatura com o decorrer da que respeitam a biologia local e a qualidade da musculatura
condição, como discutido no capítulo de tendinopatias do complexo gastrosóleo. Na presença de lipossubstituições
(Lesões do Aquiles – Parte 1: Tendinopatias). Lipossubstitui- grau 0 ou 1, tentativas de salvamento da unidade muscular
ções grau 0 e 1 (classificação de Goutalier adaptada) no através da reconstrução do tendão são válidas. Nas degene-
tríceps sural possibilitam o investimento em procedimentos rações grau 2, 3 ou 4, o quadro irrevogável do músculo obriga
reconstrutivos no tendão, pois o músculo ainda é funcional. o cirurgião a buscar substitutos para o tríceps sural.46–48
Degenerações gordurosas grau 2, 3 ou 4 determinam proce- Maffulli et al.45 publicaram artigos utilizando enxertos
dimentos de substituição, com o uso de transferências ten- livres na reconstrução de tendões de Aquiles cronicamente
díneas, visto que o complexo muscular gastrosóleo apresenta rompidos com uso de pequenas incisões e preservação da
perda irreversível nessas ocasiões.39,41 ponte de pele sobre a falha. Relataram bons resultados e
abriram possibilidades para técnicas menos mórbidas na
Tratamento Não Cirúrgico região. O coto proximal do tendão (em um músculo com
Praticamente não há espaço para o tratamento conservador qualidade) é preparado com o enxerto livre (semitendíneo,
em pacientes com rupturas crônicas do Aquiles pelo alto grau por exemplo) e essa reconstrução é fixada na região posterior
de limitação imprimido com a fraqueza do compartimento e distal da tuberosidade posterior do calcâneo (►Figura 3)
superficial posterior da perna. A condução não operatória deve através de um túnel com um parafuso de interferência.45,49
ser reservada a pacientes com comorbidades graves e contra- Diferentes tendões doadores são relatados para trans-
indicações absolutas a qualquer cirurgia. O tratamento con- ferências nas rupturas crônicas do tendão calcâneo. Hoje,
servador é baseado no fortalecimento dos flexores secundários entende-se que essa indicação é mais voltada para músculos
do tornozelo (hálux, dedos, fibulares, tibial posterior) e na que apresentam degeneração gordurosa e não possuem
utilização de órteses dorsais e anteriores (AFO) que limitam a funcionalidade para uma possível reconstrução. A escolha
hiperextensão do tornozelo e a marcha calcânea.31,33 entre flexor longo do hálux (FLH), flexor longo dos dedos ou
Mesmo os pacientes com baixa demanda ou com doenças fibular curto deve ser baseada na qualidade dos tecidos
de base que prejudicam a cicatrização tecidual (vasculopa- locais, o perfil de cada paciente e as perdas previstas com
tias, diabetes, tabagistas, doenças reumáticas...) podem ser a transposição (perda de toe-off e força de arranque, perda de
beneficiados de modo substancial por um procedimento, força dos dedos menores, perda de um estabilizador lateral
ademais quando se considera as opções menos invasivas secundário do tornozelo). Nenhuma das técnicas mostrou-se
disponíveis na atualidade. A necessidade cirúrgica em superior a outra, em que pese a maior constância do FLH nas
pacientes com este perfil, devido a incapacidade funcional publicações e na preferência de muitos autores. Técnicas de
decorrendo do quadro, é mais um forte argumento a favor de menor invasividade também têm sido utilizadas para as
políticas de prevenção de perdas diagnósticas. Essa popula- transferências, com destaque para a possibilidade de trans-
ção poderia usufruir de um resultado efetivo se o tratamento posição endoscópica (►Figura 4) do FLH.50–54 O resumo das
não cirúrgico correto fosse a eles oferecido na lesão indicações das modalidades de tratamento baseado nas
inicial.41,42 evidências científicas atuais encontra-se na ►Tabela 2.

Tratamento Cirúrgico Considerações Finais


Tradicionalmente, a decisão sobre a técnica cirúrgica tem As últimas duas décadas foram determinantes para o pro-
sido baseada no tamanho do defeito observado durante a gresso no conhecimento sobre as rupturas agudas do tendão
cirurgia após a limpeza e liberação dos cotos. Esses estadia- de Aquiles. A evolução das técnicas cirúrgicas, do tratamento
mentos são baseados em opiniões de especialistas (nível V) e não operatório e da reabilitação trouxe luz a um tema de

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670 Lesões do Aquiles – Parte 2: Rupturas Mansur et al.

Tabela 2 Grau de recomendação dos tratamentos para a


ruptura crônica do Aquiles

Modalidade Grau de
Recomendação
Transferência Aberta do FLH ou FC C
Reconstrução em VY C
Reconstrução em “Turn Down Flaps” C
Transferência Endoscópica do FLH I
Reconstrução com Enxerto Livre (ST/G) C

Abreviações: FC: Fibular Curto; FLH: Flexor Longo do Hálux; G: Grácil; ST:
Semitendíneo.

publicações correntes ofertam grau de recomendação B


para o tratamento não cirúrgico funcional e grau A para
tanto a tenorrafia aberta quanto a minimamente invasiva.
Qualquer que seja a escolha, ela deve ser seguida por um
protocolo de reabilitação dinâmico, que contemple carga e
mobilidade controlada precoce.
Ainda que menos exuberante, enriquecimento também tem
sido observado na ciência das rupturas crônicas do Aquiles.
Políticas de prevenção de perdas diagnósticas, o que diminui-
ria a demanda de grandes procedimentos reconstrutivos,
permanecem praticamente inexistentes. Entretanto, a morbi-
dade das técnicas tradicionais tem sido suplantada por cirur-
gias com um respeito maior à biologia local e à qualidade do
músculo disponível. Mesmo observando um grau máximo de
recomendação C para esses tratamentos operatórios, esses
Fig. 3 Reconstrução de uma lesão crônica do tendão calcâneo com procedimentos têm permitido que essa população alcance
autoenxerto livre de semitendíneo em um músculo com viabilidade. resultados funcionais mais animadores e muito superiores
aos relatados no passado.

Conflito de Interesses
Os autores declaram não haver conflito de interesses.

Referências
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