Apostila Neuroanatomia

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Professora autora/conteudista:

Ângela Mitzi Hayashi Xavier


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SUMÁRIO
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
Mecanismos neuronais envolvidos na plasticidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

Fundamentos da neuroplasticidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
Perspectiva do aprendizado e memória . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29

Conceitos de habituação e sensitização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41


Conceitos de recuperação de lesão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
Recuperação da eficácia sináptica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Potencialização sináptica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Cotransmissor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
Aumento da sensibilidade sináptica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Persistência de hiperinervação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Recrutamento de sinapses silentes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Brotamento regenerativo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Brotamento colateral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
Morte e sobrevivência após lesão do SNC . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Potencial regenerativo dos neurônios . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49

Conceitos de aprendizagem motora . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 50

A plasticidade cerebral e o aprendizado motor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56

Controle motor e desenvolvimento hierárquico de habilidades motoras . . . . . . . . . . 58

Desenvolvimento motor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

Conceitos de capacidade, habilidade e potencialidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

Retenção e esquecimento de aprendizagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

Considerações finais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70

Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71
INTRODUÇÃO
O conceito do funcionamento encefálico é muito diferente daquele de algumas décadas atrás.
Antes, em condições normais ou patológicas, era tido como estático. Não se sabia como o sistema
nervoso se comportava durante a aprendizagem – havia dúvidas sobre sua modificação e, se esta
existisse, sobre como se transformaria durante a aprendizagem. Hoje, graças ao avanço da tecnologia
da neuroimagem funcional – que permite analisar o encéfalo durante a execução de tarefas – e dos
estudos sobre habilitação ou reabilitação física e cognitiva, sabe-se como as estruturas neuronais
se modificam conforme se desenvolvem e pode-se afirmar, com toda certeza, que o sistema nervoso
é extremamente flexível e plástico.

Vale ressaltar que, em neurociência, quando tratamos de localização da função, referimo-nos


à área que contribui para a realização de uma atividade neural específica, pois as funções neurais
são executadas por uma rede de neurônios, e não por centros isolados (LUNDY-EKMAN, 2008).

Por volta de 1800, a hipótese da neuroplasticidade começou a ser descrita quando estudos
sugeriram que partes intactas do cérebro alteravam sua atividade funcional tentando compensar
as partes lesadas para contribuir com sua recuperação. Santiago Ramón y Cajal, no início do século
passado, afirmou que o cérebro se modifica constantemente, adquirindo e eliminando informações
de maneira contínua durante toda a vida. Sua teoria se apoiou em Ernest Lugano, que em 1906 definiu
a plasticidade cortical, referindo-se à capacidade do sistema nervoso de se adaptar a alterações.
Só em 1973 foram encontradas evidências para essas teorias por alguns cientistas, inclusive John
Eccles, que ganhou o Prêmio Nobel de Medicina (BAYONA; PRIETO; LEON-SARMIENTO, 2011).

O sistema nervoso é composto por bilhões de células nervosas em todo seu trajeto. Elas se
organizam e reorganizam buscando o equilíbrio entre diversas funções. Os neurônios são as principais
células nervosas. Através da comunicação entre eles e o processamento das informações pelos
receptores sensoriais é possível a obtenção de informações sobre o ambiente, que são transformadas
em percepções no controle do movimento. Eles constituem o sistema de comunicação no sistema
nervoso e são os responsáveis pela transmissão de informações entre as células nervosas, o que
permite perceber, interpretar e interagir com o ambiente. Diferenciam-se das outras células nervosas
pela capacidade de receber e emitir informações através de variações do potencial elétrico das
suas membranas.

No final do século XIX, Santiago Ramón y Cajal estabeleceu a estrutura neuronal. O neurônio
é a unidade estrutural e funcional do sistema nervoso especializada para a comunicação rápida.

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Suas funções básicas são recepção, integração, transmissão e transferência de informações. Ele se
divide em quatro regiões: o corpo celular, os dendritos, o axônio e as terminações pré-sinápticas, que
desempenham um papel fundamental no processamento de aprendizagem e memória (MACHADO
et al., 2008).

FIGURA 1 - Divisões estruturais do neurônio

Fonte: http://training.seer.cancer.gov/brain/tumors/anatomy/neurons.html

Os neurônios são células altamente excitáveis e se comunicam entre si e outras células-alvo


através de impulsos elétricos. A maioria possui três regiões funcional e anatomicamente definidas:
o corpo, os axônios e os dendritos.

O corpo celular é o centro metabólico do neurônio. Fornece a maior parte dos nutrientes e dele
se originam as outras partes (GUYTON, 1993), que os transportam até a extremidade dos axônios
(transporte axoplasmático). O corpo do neurônio também é um local de recepção de estímulos.

O axônio é o prolongamento longo e fino do corpo do neurônio. Eles transmitem os impulsos


originados no corpo do neurônio. A sua extremidade final pode se ramificar e formar até milhares
de terminais axônicos, onde são armazenados neurotransmissores que facilitam a transmissão de
impulsos nervosos nas sinapses. Um grande número deles é mielinizado, o que torna a transmissão
dos impulsos elétricos mais rápidos.

Os dendritos são processos ou projeções que transmitem impulsos para os corpos celulares
dos neurônios ou para os axônios. São considerados os principais locais para a estimulação do

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neurônio. Um único neurônio pode apresentar milhares de dendritos especializados em receber
estímulos. Enquanto os dendritos são receptores de estímulos, portanto, os axônios são transmissores,
especializados em enviar informações a outros neurônios, músculos ou glândulas (LUNDY-EKMAN,
2008).

O estudo de neuroplasticidade e aprendizagem requer conhecimento prévio de neuroanatomia,


pré-requisito para o entendimento de funções e mecanismos neurais. O encéfalo é dividido em
cérebro, diencéfalo, mesencéfalo, cerebelo, ponte e bulbo. Para se discutir aprendizagem, ressalta-se
também o sistema límbico, que controla as funções vegetativas ou internas do encéfalo – controle
que está ligado ao comportamento. Além disso, no sistema límbico se localizam a amígdala e o
hipocampo, que também regulam o comportamento. O hipocampo ainda apresenta um mecanismo
neuronal crítico para tomada de decisões. Se o hipocampo diz que um sinal neuronal é importante,
provavelmente ele será guardado na memória (GUYTON, 1993).

Outra estrutura muito importante para a aprendizagem, memória e neuroplasticidade é a camada


cortical ou córtex cerebral. Essa área também é denominada substância cinzenta, composta por
corpos ou núcleos de neurônios e localizada na superfície dos hemisférios cerebrais. A espessura
dessa camada varia entre 2 a 5 mm e contém aproximadamente cem bilhões de neurônios (LUNDY-
EKMAN, 2008; GUYTON, 1993).

Estudos demonstram que ocorrem modificações na representação somatotópica das partes do


corpo envolvidas em amputações no córtex sensorial. Nos experimentos com animais observa-se
(BRASIL NETO, 2000, p. 218):

1. quando um membro é amputado, a sua área de representação somatotópica no córtex


sensitivo ou motor não fica silenciosa, mas passa a se relacionar com o coto ou com outras
regiões corporais representadas no córtex adjacente;
2. quando se faz uma sindactilia artificial, os dígitos (do morcego, por exemplo) deixam de
ter representações corticais separadas, passando a compartilhar uma única área cortical
no giro pós-central;
3. essas modificações podem ocorrer de modo extremamente rápido.

Para que ocorra a aprendizagem, é necessário integridade motora, emocional e cognitiva, além
das possibilidades oferecidas pelo ambiente. É fundamental, portanto, que entendamos sobre o órgão
que orquestra tudo isso: o encéfalo. Ele é o órgão que controla, coordena, integra e é responsável
pela homeostase dele próprio e entre os sistemas do organismo. Gerencia todos os processos

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voluntários e involuntários; recebe, integra, processa, armazena e recruta as informações sensoriais
e sensitivas e controla o comportamento geral. Abriga as emoções, sentimentos, pensamentos,
consciência, memórias e sonhos. Analisa o passado, compreende o presente e projeta o futuro
(ANNUNCIATO, 2013).

Entende-se que plasticidade cerebral (neuroplasticidade, ou ainda plasticidade neuronal)


é a capacidade dos neurônios de alterar sua função, seu perfil químico (quantidade e tipos de
neurotransmissores produzidos) ou sua estrutura. Essa capacidade do Sistema Nervoso Central
(SNC) se modificar morfológica e funcionalmente, não periódica e com duração maior que poucos
segundos, ocorre como resposta às alterações do ambiente (LUNDY-ECKMAN, 2008, OLIVEIRA;
SALINA; ANNUNCIATO, 2001). Ainda pode ser considerada a capacidade de adaptação do SNC às
mudanças ambientais diárias, à exposição do indivíduo a novos estímulos e aprendizagens, ou
ainda as respostas ou o comportamento após lesões.

Ainda segundo Roberto Lent (2004), a neuroplasticidade é a capacidade de adaptação dos


neurônios às mudanças de condições do ambiente que ocorrem no dia a dia. Sempre que um estímulo
do ambiente chega ao sistema nervoso, deixa nele uma marca, modificando-o. Reforçamos que a
neuroplasticidade não ocorre somente após lesões. São consideradas também as modificações
provocadas pelo ambiente. Nesse aspecto, considera-se a idade ou a fase da vida. A fase de maior
plasticidade ocorre durante o desenvolvimento neuropsicomotor ou durante o desenvolvimento
ontogenético.

Sabe-se que na maioria das vezes a informação é transmitida no sistema nervoso sob forma
de impulsos nervosos ao longo de vários neurônios, cujas funções são:

1. bloquear a transmissão de um neurônio para o próximo;


2. alterar-se de um só impulso para impulsos repetitivos;
3. integrar-se a impulsos oriundos de outros neurônios para produzir complexos impulsos nos
neurônios sucessivos (GUYTON, 1993).

São considerados mecanismos plásticos aqueles que aumentam potenciais elétricos dos
neurônios e da transmissão sináptica. A sinapse é a região de transmissão química ou elétrica
entre neurônios – ou entre neurônio e célula muscular – necessária para que o estímulo chegue à
região desejada. É ela quem facilita as funções básicas do neurônio, que são recepção, integração,
transmissão e transferências de informação.

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A sinapse é facilitada ou inibida pelos neurotransmissores. Eles se localizam nas terminações
sinápticas, locais onde ocorre a transmissão das informações. Existem terminações pré-sinápticas
e pós-sinápticas, o que determina a direção a ser tomada pelas informações. Durante a sinapse, há
necessidade de equilíbrio entre facilitação e inibição, o que permite o controle da atividade celular.

Há dois tipos de sinapses: a sinapse química e a sinapse elétrica. No sistema nervoso central,
quase todas as sinapses são químicas, e as sinapses elétricas transmitem o potencial de ação a
células musculares. Nas sinapses químicas, é secretado um composto químico (neurotransmissor)
por um neurônio que atua sobre a proteína receptora da membrana do neurônio seguinte, quando
é liberado na fenda sináptica (GUYTON, 1993).

FIGURA 2 - Sinapse química

Fonte: http://www.psiquiatriageral.com.br/cerebro/figuras.htm

A plasticidade cerebral é a possibilidade de o organismo criar modificações funcionais duradouras,


permitindo a acomodação entre os estímulos do ambiente e as possibilidades do indivíduo. A
excitabilidade do sistema nervoso também possibilita mudanças adaptativas rápidas, porém não
são memorizadas (RIBEIRO SOBRINHO, 1995).

É fundamental que se entenda a relação da neuroplasticidade com a aprendizagem, tanto


motora quanto cognitiva, pois os processos neurais ocorrem da mesma forma em ambas. Somente
as condutas mudam, ou seja, a forma de estimulação. Porém, em termos fisiológicos, trata-se do

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mesmo processo, que também se assemelha aos processos de habilitação e de reabilitação (em
um encéfalo lesado ou não).

Evidências indicam inúmeras situações que interferem no mecanismo molecular deste processo e
influenciam na recuperação funcional após lesões cerebrais. Um dos aspectos da neuroplasticidade
é o fato de que áreas de representação cortical e mapeamentos corticais podem ser modificados
pelo aprendizado e experiência sensorial. Quando são realizadas atividades motoras regulares, por
exemplo, com o membro superior direito, a área de representação cortical dele será ampliada, como
acontece nas pessoas que tocam instrumentos (BARBRO, 2000).

Ainda há diversas características e tipos de neuroplasticidade: ontológica, crítica, morfológica,


funcional e comportamental.

1. Ontológica: o grau de neuroplasticidade varia conforme a idade e o desenvolvimento


ontogenético, confundindo-se com o próprio desenvolvimento, tendo mecanismos celulares
fisiológicos e fisiopatológicos semelhantes.
2. Crítica: nessa fase, o sistema nervoso está mais exposto a interações ambientais e
experiências. É caracterizado como o período de maior plasticidade na vida. O sistema
nervoso fica mais suscetível aos estímulos do meio.
3. Morfológica: novos neurônios e novas conexões são estabelecidas em função de influências
ambientais e experiências. Nessa fase ocorre também a apoptose neuronal. É caracterizado
como um dos mais importantes tipos de neuroplasticidade.
4. Funcional: novos circuitos axonais e novas configurações dendríticas se formam, modificando
o número e a forma das sinapses e aumentando as possibilidades de conexões.
5. Comportamental: as mudanças estruturais e funcionais do sistema nervoso produzem
efeitos no comportamento e no desempenho psicológico do indivíduo.

Mecanismos neuronais envolvidos na plasticidade


Como foi visto, neuroplasticidade é um assunto envolvente e muito amplo. Hoje está em pauta
a inteligência artificial, que partiu de pesquisas sobre o funcionamento de redes e programas de
computador, apropriou-se de conhecimentos da Biologia e na década de 60 acreditava-se ser
possível as máquinas realizarem capacidades complexas como raciocinar. Daí criou-se o termo
neurônios artificiais, que recebem essa denominação porque se originaram a partir de um neurônio
biológico do qual foi feito um modelo matemático (neurônio artificial) e cuja principal propriedade
é a capacidade de aproximação quase ilimitada, através da qual adquirem conhecimento pela

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experiência e, consequentemente, o aprendizado. Ressalta-se aí a “grandeza” e a abrangência da
neuroplasticidade.

Aceita-se que a neuroplasticidade interfere em muitos aspectos e, no contexto do nosso tema,


neuroplasticidade e aprendizagem motora, isso acontece por influência ambiental (externa e do
microambiente celular), neurotransmissores e fatores de crescimento neural, por exemplo. Para
certos tipos de memória, a plasticidade pode ser a base celular, já que possibilita modificações na
eficácia da transmissão sináptica.

O início da neuroplasticidade se dá pelo conhecimento dos neurônios e das sinapses. Os neurônios


são as principais células do sistema nervoso. Destinam-se a receber informações, processá-las e
gerar um estímulo-resposta (LUNDY-EKMAN, 2008). Eles constituem as unidades fundamentais a
partir das quais o sistema nervoso é montado (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000). São células
especializadas para a função do sistema nervoso (COHEN, 2001) e são as unidades sinalizadoras
do sistema nervoso (LENT, 2004). O que garante a funcionalidade múltipla dos neurônios é sua
variedade morfológica e funcional. Existem neurônios de todas as formas – há muita diversidade
e apenas um plano básico (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000).

Os neurônios estabelecem uma maquinaria de comunicação do sistema nervoso e são elementos


responsáveis pela transmissão de informações. Isso permite ao organismo perceber, interpretar
e interagir com o meio externo. Através de variações do potencial elétrico das suas membranas,
os neurônios são capazes de receber (input) e emitir (output) informações. Os experimentos
realizados no final do século XlX por Santiago Ramon y Cajal começaram a descrever a estrutura
do neurônio. Foram distinguidas quatro regiões do neurônio: o corpo celular, o axônio, os dendritos
e suas terminações pré-sinápticas, que desempenham um papel fundamental nos processos de
aprendizagem e memória.

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FIGURA 3 - Diferença de potencial elétrico da membrana da célula nervosa

Fonte: http://www.sobiologia.com.br/conteudos/FisiologiaAnimal/nervoso3.php

O entendimento desse plano básico se inicia no conhecimento da propriedade única e fundamental


a todos, a capacidade de gerar sinais elétricos que funcionam como unidade de informação
(LENT, 2004). Essa capacidade, única dos neurônios, permite a comunicação precisa e rápida e a
longa distância entre eles e as células-alvo. Isso ocorre devido a três características: polarização,
excitabilidade e presença de neurotransmissores (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000).

Os neurônios são bioquímica e morfologicamente projetados para transmitir informações entre o


maior número possível de células simultaneamente. O axônio é um prolongamento, geralmente único,
que emite sinais de saída das informações geradas e as conduz a outros neurônios. Os dendritos
recebem as informações que provêm de outros neurônios (LENT, 2004). Nos dendritos existe outra
estrutura fundamental para a plasticidade neuronal, as espinhas (ou espículas) dendríticas. Estipula-
se que cerca de 90% das conexões cerebrais excitatórias ocorram aí, possibilitando o aumento do
número de sinapses. Essas espinhas ficam “adormecidas” e são ativadas quando recebem estímulos
diferentes ou específicos.

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FIGURA 4 - Sinapses em um neurônio

Fonte: Lent (2004).

A sinapse é o ponto de contato entre os neurônios (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000). As


superfícies que se contatam são chamadas de terminações pré-sinápticas ou botões terminais
e ocorrem entre as superfícies da membrana de um dendrito ou do corpo celular. Quando
estimulado, o terminal pré-sináptico de um neurônio libera uma quantidade de hormônio (substância
neurotransmissora no espaço entre o terminal e a membrana do outro neurônio), provocando a
estimulação também nele (GUYTON, 1993).

As sinapses podem ser químicas ou elétricas. As sinapses elétricas funcionam como


sincronizadores celulares. São simples, rápidas e de alta fidelidade, porém têm baixa capacidade
de modulação. As sinapses químicas são chips biológicos capazes de armazenar substâncias
neurotransmissoras e neuromoduladoras e podem modificar as informações que transmitem
conforme inúmeras circunstâncias (LENT, 2004).

As sinapses químicas predominam no Sistema Nervoso Central. Nas sinapses elétricas


ocorre a transmissão de impulsos entre as fibras da musculatura lisa e também nas fibras da
musculatura cardíaca. As sinapses químicas ocorrem na presença de uma substância química
chamada neurotransmissor, liberado no espaço (fenda sináptica) entre as membranas do neurônio

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pré-sináptico (antes da sinapse, local do output ou da emissão dos estímulos) e atua na membrana
do neurônio pós-sináptico (após a sinapse, neurônio receptor – input). Esse neurotransmissor atua
sobre a proteína existente na membrana e pode excitá-lo, inibi-lo ou modificá-lo, o que depende do
tipo de neurotransmissor presente (acetilcolina, a norepinefrina, a dopamina, a histamina, o ácido-
gama-aminobutírico ou GABA, o glutamato, a serotonina), cuja função é excitatória ou inibitória
sobre os neurônios (GUYTON, 1993).

A primeira hipótese sobre a transmissão sináptica foi a da sinapse elétrica. Com o uso do
microscópio eletrônico foi localizada a junção comunicante, região de aproximação entre duas
células que possuem uma espécie de poro ou canais circulares formados por proteínas (conexinas).
Eles são ocos, possuem canais iônicos especiais e permitem que substâncias atravessem pela
membrana plasmática sem intermédio de mediadores químicos, em uma transmissão ultrarrápida
(em apenas centésimos de milésimos de segundos). Esse tipo de sinapse é tão rápido que é incapaz
de processar informações, porém é necessário para fazer com que inúmeros neurônios sejam
estimulados sincronizadamente durante o desenvolvimento ontogenético (GUYTON, 1993).

Nas sinapses químicas também há presença de uma corrente elétrica, os potenciais elétricos
das sinapses, que a ativam. Ocorre a seguinte sequência de eventos (LUNDY-EKMAN, 2008):

1. Um potencial de ação chega ao terminal pré-sináptico;


2. A membrana do terminal pré-sináptico se despolariza;
3. As vesículas sinápticas, cheias de neurotransmissores, são conduzidas até o terminal pré-
sináptico pela influência do Ca++;
4. As vesículas sinápticas se fundem com a membrana, liberando neurotransmissores na
fenda sináptica;
5. Os neurotransmissores se difundem na fenda sináptica;
6. Os neurotransmissores entram em contato e se unem aos receptores da membrana pós-
sináptica;
7. A forma dos receptores da membrana se altera abrindo o canal iônico ou ativando mensageiros
associados ao receptor da membrana.

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FIGURA 5 - Transmissões sinápticas

Fonte: Lundy-Ekman (2008).

Os potenciais elétricos são alterações na carga elétrica através da membrana celular, que transmite
a informação com rapidez por toda a extensão do axônio e provoca liberação de neurotransmissores
químicos a outros neurônios ou aos músculos. Os sinais elétricos - potenciais do receptor, potenciais
sinápticos e potenciais de ação - são todos produzidos por variações do fluxo de corrente elétrica
entre o ambiente intra e extracelular, o que ocorre através da membrana celular. O potencial elétrico
é gerado pela diferença nessa carga elétrica dos íons. Existem três tipos de potenciais elétricos
nos neurônios (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000, LUNDY-EKMAN, 2008):

• Potencial da membrana em repouso


• Potenciais locais
• Potenciais de ação

O potencial da membrana em repouso caracteriza os neurônios em silêncio, ou seja, não está


transmitindo informações. Reflete a separação das cargas elétricas através da membrana entre
o meio intra e extracelular. No repouso, a superfície externa é mais positiva e a interna negativa.
Essa diferença entre as cargas elétricas é conhecida como potencial da membrana, cuja medida é
de -70mV (menos 70 milivolts), aproximadamente. O período em que a membrana permanece em
repouso é importante para preparar a membrana para as alterações no potencial elétrico.

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Os potenciais locais são classificados como potenciais do receptor e potenciais sinápticos.
Os primeiros são gerados em um receptor periférico de um neurônio sensorial, representando o
sinal de entrada, e podem variar na amplitude da duração. A maioria dos potenciais do receptor é
excitatória. Nos neurônios motores, esses estímulos partem do neurônio pré-sináptico, que libera
um neurotransmissor. Este interage com as células receptoras (pós-sinápticas), transformando
esse estímulo químico em elétrico, gerando o potencial sináptico (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL,
2000) na membrana pós-sináptica.

Os potenciais do receptor são despolarizantes (excitatórios ou potencial pós-sináptico excitatório


– PPSE) ou hiperpolarizantes (inibitórios ou potencial de ação pós sináptico inibitório – PPSI).
No PPSE, predomina o fluxo de Na+ de fora para dentro, tornando o interior da célula cada vez
menos negativo. A membrana pós-sináptica se aproxima cada vez mais do limiar do potencial de
ação, excitando o neurônio a novos potenciais de ação. No PPSI, há um aumento do fluxo de K+ de
dentro para fora, tornando o interior do neurônio mais negativo, afastando a membrana do limiar
do potencial de ação, inibindo-o (LENT, 2004).

Os potenciais locais são gerados quando receptores sensoriais são estimulados por pressão,
temperatura, estiramento muscular etc. Quanto maior e mais duradouro for o estímulo, maior e
mais duradouro será o potencial do receptor. Como o potencial local não se propaga muito, a força
dele pode ser aumentada e múltiplos potenciais podem ser integrados pela somação temporal e
pela somação espacial.

A somação temporal é o efeito cumulativo de uma série de pequenas alterações geradas no


potencial após estímulos que ocorrem a milissegundos uns dos outros. Na somação espacial, os
potenciais do receptor ou os potenciais sinápticos gerados em regiões diferentes do neurônio são
somados. Por meio desses somatórios, os potenciais em número suficiente e ocorrendo em um
curto espaço de tempo ocasionam alterações significativas no potencial da membrana, estimulando
ou inibindo a geração de um potencial de ação (LUNDY-EKMAN, 2008).

A diferença entre os potenciais locais e os potenciais de ação é que os potenciais locais ocorrem
em uma curta distância e o potencial de ação constitui uma alteração do potencial elétrico que se
dissemina por uma extensão muito maior da membrana.

O potencial de ação possibilita ao neurônio transmitir as informações através dos estímulos


vindos da periferia ou os gerados no interior dos neurônios. É um sinal elétrico muito rápido (LENT,
2004). São tidos também como sinais utilizados pelo cérebro para receber, analisar e transmitir

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as informações e são desencadeados por estímulos ambientais como pressão, toque, odores, luz
etc. A transmissão do potencial de ação não é determinada pela forma do sinal, mas sim pela sua
via de condução, assim cada sinal tem a sua resposta específica. O que garante a velocidade de
condução dos potenciais de ação é a bainha de mielina (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000).

Ele é um sinal despolarizante. Isso significa que ela libera neurotransmissores quando a
membrana pré-sináptica é despolarizada. A membrana pós-sináptica é estimulada, facilitando a
propagação/sucessão de estímulos ao longo do trajeto nervoso. O potencial de ação é “tudo ou
nada”, ou seja, ele será gerado todas as vezes que um estímulo mínimo suficiente chegar até ele
– independentemente da intensidade ou da velocidade desse estímulo, a resposta será a mesma
(LUNDY-EKMAN, 2008).

Cada potencial de ação começa por uma variação abrupta da carga elétrica do potencial da
membrana, que é negativo e passa a ser mais positivo, retornando quase que imediatamente à carga
negativa. Isso dura cerca de um milissegundo (GUYTON, 1993; LENT, 2004).

Uma vez gerado o potencial de ação, a alteração do potencial elétrico se dissemina como um
rastro de pólvora: depois de aceso, não há como parar. A despolarização e repolarização vai ocorrendo
por toda a extensão do axônio. Duas estruturas aumentam a velocidade da propagação desses
impulsos elétricos: a mielinização e o aumento do diâmetro do axônio. As informações podem ser
transmitidas através dos neurônios de forma convergente e divergente. Na convergente, múltiplos
estímulos de várias células terminam em um único neurônio. Por sua vez, na divergente, um único
axônio se ramifica e estimula vários outros neurônios (LUNDY-EKMAN, 2008).

Segue um resumo das etapas do potencial de ação (GUYTON, 1993):

• Repouso: ocorre antes de o estímulo chegar ao neurônio. A membrana encontra-se polarizada


devido à grande concentração de carga negativa no seu interior.
• Despolarização: aumenta a permeabilidade da membrana ao Na+, permitindo sua entrada
para o interior do axônio. A potência elétrica vai se invertendo, tornando-se mais positiva (ou
menos negativa).
• Repolarização: após milésimos de segundos de a membrana ter ficado permeável ao Na+,
esse canais começam a fechar e se abrem os canais de K+ , que saem e o interior do axônio
retorna ao potencial de repouso da membrana (negativo).

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FIGURA 6 - Dinâmica do potencial de ação e repouso da membrana da célula nervosa

Fonte: Lundy-Ekman (2008).

A atividade neural possibilita a plasticidade uma vez que o papel dos potenciais de ação é
essencial para a regulação do seu desenvolvimento e ocorre por meio de ativação dos receptores
sensoriais advindos de estímulos físicos e ativação espontânea dos neurônios. Ainda se discute o
papel exato da atividade elétrica, mas sabe-se que entre os seus efeitos ela consolida os circuitos
neurais. O centro dessa discussão é “[...] se a atividade neural tem a função de ajudar a criar as
conexões (construtivismo) ou de selecionar, a partir de um conjunto inicial, conexões estabelecidas
intrinsecamente (selecionismo)” (OLIVA; DIAS; REIS, 2009, p. 132).

Segundo Lent (2004), pode-se questionar se a plasticidade compensa. Ela pode ser benéfica
na relação do sistema nervoso com o meio ambiente, mas pode também ser maléfica, causando
compensações que geram má adaptações danosas ao indivíduo. Essas má adaptações resultam
em comportamentos ou sensações alteradas, como o membro fantasma, cujas vias aferentes das
áreas de representação cortical próximas (no caso da mão, as áreas de representação próximas são
a face, o ombro e o tórax) se expandem ou seja, fazem novas conexões. Tocar uma dessas áreas
produz a sensação de tocar a mão perdida (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000).

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Na plasticidade benéfica, a compensação possibilita adaptações funcionais, por exemplo,
tornando maior a área dos dedos no córtex motor e sensitivo de indivíduos cegos que lêem em
braile. Algumas hipóteses podem ser consideradas (LENT, 2004):

A entrada em atividade de circuitos previamente existentes, antes silenciosos.

A estabilização de conexões transitórias que desapareceriam em circunstâncias normais.

O brotamento colateral de axônios vizinhos às regiões lesadas ou inativas.

Diferentes combinações dessas possibilidades.

ACONTECEU

Nas primeiras décadas do século XX a pesquisa sobre a mediação química da ação do sistema
nervoso vegetativo, como era chamado então o Sistema Nervoso Autônomo, estava se desenvolvendo
a uma velocidade febril em muitos laboratórios do mundo. Saiba mais como isso aconteceu
acessando o site abaixo:

http://www.cerebromente.org.br/n17/history/neurons5_p.htm

FUNDAMENTOS DA NEUROPLASTICIDADE
A modificabilidade neuronal assemelha-se à moldagem do material plástico, que se deforma
conforme a sua própria resistência e sob as forças externas. Assim é o SNC: está suscetível a
mudanças conforme as influências do meio e sua própria resiliência. A definição de neuroplasticidade
pode compreender:

• as tentativas do SNC em manter ou recuperar alguns circuitos;


• as capacidades intrínsecas das células nervosas lutarem contra alterações químicas e/ou
estruturais, ou seja, de lutarem contra doenças;
• as capacidades intrínsecas das células nervosas em formar novas conexões ou refazer
sinapses perdidas;
• as capacidades intrínsecas da célula nervosa em modificar suas atividades conforme o meio que
a rodeia se modifica e/ou as mudanças que ocorrem durante os processos de armazenamento
de informações na memória cognitiva e muscular (ANNUNCIATO, 1994; SILVA, 1995).

Além disso, as conexões neuronais são constantes e modeladas pela experiência ou por doenças.
A neuroplasticidade também é essa capacidade que o neurônio tem de se alterar com relação a

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sua função, sua química com relação aos neurotransmissores produzidos e sua estrutura a fim
de manter ou melhorar as funções cerebrais e ainda auxiliar na recuperação de lesões (LUNDY-
EKMAN, 2008). Pode-se afirmar então que o sistema nervoso altera sua morfologia e sua função
em resposta às alterações ambientais.

Antes dos três anos de idade, ocorre a maior parte do desenvolvimento do cérebro da criança.
Nesse período elas desenvolvem as habilidades de raciocínio, fala e estabelecem conceitos sociais
e valores morais. Nessa fase, as transformações bioneuropsíquicas e comportamentais ocorrem
em uma velocidade impar, e a maleabilidade do encéfalo em formação o torna apto a receber todo
tipo de estímulo, o que estabelece uma base para o equilíbrio futuro. O desenvolvimento do sistema
nervoso sofre influência de muitas variáveis: o programa genético, os fatores epigenéticos e as
diferenças individuais (ANNUNCIATO, 2013).

Os fatores endógenos ou fatores genéticos incluem o programa genético básico herdado logo
na concepção, que predetermina o desenvolvimento do encéfalo e determina as chances de um
desenvolvimento normal. Sobre o programa genético básico incidem os fatores epigenéticos, ou seja,
todos aqueles que não pertencem ao programa genético básico, mas o influenciam. Dentre os fatores
epigenéticos se tem o microambiente e o entorno (o ambiente em si). O microambiente corresponde,
entre outros, ao ambiente gestacional, ingestão de álcool, drogas, desnutrição materna, radiação e
infecção viral, fatores que podem comprometer a formação do sistema nervoso, a diferenciação e
migração neuronal e a formação dos sulcos e giros. Considera-se também complicações no parto:
prematuridade, traumas, asfixia neonatal, hemorragias intracranianas, hiperbilirrubinemia e o baixo
peso ao nascimento, condições que comprometem a organização e mielinização neuronal, além
de provocar lesões (ANNUNCIATO, 2013).

Os fatores exógenos, entorno ou ambiente são determinantes para o desenvolvimento do


sistema nervoso. Uma criança que tem o programa genético básico eficiente, não sofreu nenhuma
alteração ou ameaça pelo microambiente e nem pelo nascimento, mas é privada de estímulos, tem
atrasos que podem ser irrecuperáveis. O ambiente modula a aprendizagem, as experiências, as
memórias e as emoções. A estimulação pelo ambiente ainda melhora a vascularização encefálica,
a produção de fatores neurotróficos. Também interfere no desenvolvimento normal a nutrição,
higiene e segurança. A inteligência é inata, mas pode ser influenciada pelo ambiente em até vinte
pontos no QI. As diferenças individuais devem ser consideradas durante o desenvolvimento e na
aprendizagem, o fenótipo, o genótipo, os pensamento e elaborações pessoais e a facilidade de
interação socioambiental (ANNUNCIATO, 2013).

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As novas conexões neurais podem ser:

◊ axossomáticas: entre axônio e o corpo do neurônio;

◊ axodendrítica: entre axônio e dendrito;

◊ axoaxônixa: entre dois axônios;

◊ dendrodendrítica: entre dendritos.

Existem cinco tipos de plasticidade neural:

• axônica: pode ser regenerativa e não regenerativa;


• dendrítica: mais numerosa e fundamental para o estabelecimento e a consolidação da memória;
• somática: modificação neural em resposta a interferências do mundo exterior;
• sináptica: altera as sinapses entre os neurônios;
• regeneração: crescimento dos axônios lesados.

QUADRO 1 - Fatores neurotróficos

NGF (nerve growth factor): Fator de crescimento neural proveniente da


periferia das células-alvo. É transportado de
forma retrógrada.

BDNF (brain-derived neurotrophic factor): O fator neurotrófico derivado do cérebro é


produzido pelos neurônios e células da glia.

NT-3 (neurotrofina 3): Proteína caracterizada a partir do NGF e BDNF.


Ajuda na sobrevivência e diferenciação de
neurônios do SNC e SNP.

NT-4/5 (neurotrofina 4/5): Idem ao NT-4, porém age no SNC.

A plasticidade axônica, além de regenerativa e não regenerativa, pode ser central e periférica.
A plasticidade axônica periférica regenerativa ocorre no sistema nervoso periférico após lesão,
permitindo a sobrevivência do neurônio mesmo após transecção, se houver sobrevivência do corpo
do neurônio e se o microambiente ao redor da célula estiver propício. Ocorre a degeneração do coto
distal e regeneração do coto proximal à lesão. A degeneração do coto distal é proposital e permite a
proliferação de células de Schwann, de bainha de mielina e a sintetização de moléculas que comporão
a matriz extracelular capaz de estimular o crescimento do coto distal até o coto proximal, que não
se degenera – pelo contrário, se regenera. Esse processo é denominado de regeneração walleriana.

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FIGURA 7 - Plasticidade axônica

Fonte: http://biologiasomosnos.blogspot.com.br/2011/11/degeneracao-walleriana-quando-um.html

A plasticidade axônica central, ao contrário da periférica, é mais difícil e complexa. A lesão de


axônios centrais provoca a morte da maioria dos neurônios atingidos. As reações internas não são
suficientes para o crescimento dos cotos proximais, que dependem mais de fatores tróficos liberados
pela célula-alvo. Como as células podem estar muito distantes entre si ou o microambiente pode
não favorecer, as substâncias que facilitam a regeneração ficam desorganizadas. Já a plasticidade
axônica não regenerativa ocorre sem a presença de lesão e é provocada por modificações sutis do
ambiente. Ela ocorre durante o período crítico – período de maior plasticidade e desenvolvimento
do sistema nervoso central, também de plasticidade axônica ontogenética. Podem ocorrer os
brotamentos colaterais.

A plasticidade dendrítica é caracterizada por alterações no número, no comprimento, na


organização e na densidade das espinhas dendríticas. Durante o desenvolvimento neuronal, tanto
as espinhas como os próprios troncos dendríticos podem ser modificados por ação do ambiente. A
plasticidade somática só acontece no sistema nervoso central embrionário, na etapa de proliferação

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e apoptose neuronal. Os estudos com relação à célula-tronco se concentram nessa fase ou nessas
características. Na figura abaixo vemos dois axônios com seus respectivos dendritos.

FIGURA 8 - Espinas dendriticas de axônio

(A) e espinas dendríticas de axônios ativados por estímulos externos (B). Fonte: adaptado de
http://www.nature.com/nrn/journal/v9/n3/fig_tab/nrn2286_F2.html.

A plasticidade sináptica é caracterizada por alterações nas sinapses entre as células nervosas.
Teve como precursor Donald Hebb, cuja lei defende que se dois neurônios estão simultaneamente
ativados, suas conexões aumentam. Caso apenas essa ativação seja alternada e apenas um
neurônio esteja ativado, suas conexões são enfraquecidas ou anuladas. Essa teoria surgiu antes
da descoberta das sinapses. O modelo de Hebb embasa a inteligência artificial ou redes neurais
de modelos matemáticos. A plasticidade regenerativa consiste no “recrescimento” de axônios
lesados. Está mais presente no sistema nervoso periférico e é facilitada pelas células não neurais
que compõem o microambiente dos tecidos.

Ele verificou que um grupo de neurônios, chamado por ele como “agrupamento de células”, ativava-
se simultaneamente na camada cortical para representar um fato ou objeto. Se a informação fosse
verbal, ativava a região auditiva; se fosse visual, a área da visão; se fosse através de movimentos, as
áreas motoras e assim ocorria a auto-organização cortical. Por isso, ele imaginava que as células

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estavam interconectadas e no modelo de Hebb esse estímulo se conservava na memória de curto
prazo. Assim, sua repetição reforçaria as conexões entre esses neurônios. Na aprendizagem, a
estimulação de uma só área levaria à ativação da representação completa do objeto (MACHADO
et al., 2008).

Hebb propôs que durante a aprendizagem um neurônio estimula o outro, fortalecendo as sinapses
e produzindo alterações estruturais, já prevendo uma forma de plasticidade sináptica decorrente da
sincronia entre os neurônios pré e pós-sinápticos. Esse mecanismo depende dos seguintes fatores:

• O que um neurônio faz depende do conjunto dos outros neurônios vizinhos no qual o primeiro
se insere.
• O que os sistemas fazem depende de como os conjuntos se influenciam mutuamente em uma
arquitetura de conjunto interligados.
• A contribuição de cada um dos conjuntos para o funcionamento do sistema a que pertence
depende da localização nesse sistema (MOREIRA, 1999).

Em resumo, quando o neurônio A e o neurônio B descarregam simultaneamente, então os dois


sofrem transformações tróficas que fazem com que as conexões sinápticas entre os mesmos sejam
reforçadas. Se a descarga não for simultânea, elas se enfraquecem.

Santiago Ramon y Cajal, em 1888, descreveu as sinapses. Tido como o pai da neurobiologia
moderna, segundo ele elas são unidades de processamento da informação que se conectam e
formam redes dinâmicas que possibilitam as funções. Estão unidas por conectividade e não por
continuidade. Isso predispôs a lei de polarização dinâmica, que prega que a transmissão do impulso
nervoso é unidirecional e se deve à relação entre os neurônios do início da excitação. A teoria dos
neurônios foi formulada em 1891. Conforme ela, os neurônios são unidades estruturais e funcionais
do sistema nervoso, células individuais que têm três partes: dendritos, axônio e corpo. Cajal também
descobriu que o crescimento axonal é o que permite o desenvolvimento do sistema nervoso e as
espinas dendríticas, que são microestruturas encarregadas de aumentar a comunicação entre os
neurônios (VASQUEZ, 2013). Em 1896, introduziu o conceito de polarização dinâmica, sugerindo
que os neurônios apresentavam-se assimétricos.

A eficácia sináptica pode ser alterada em algumas células nervosas pela atividade intensa, e a
condução sináptica pode ser alterada por descargas e bloqueios em longo prazo. Isso é fundamental
para os processos de aprendizagem. Nessas células, uma sequência de potenciais de ação é seguida

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por um período de potenciais pós-sinápticos maiores e a estimulação com alta frequência do
neurônio pré-sináptico é chamada de estimulação tetânica (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000).

Na potenciação pós-tetânica, o aumento do tempo de potencial pós-sináptico é resultado de


acúmulo de cálcio no neurônio, a tal ponto que os mecanismos reguladores do nível intracelular de
cálcio ficam esgotados, necessitando até de horas para que a célula possa ser estimulada.

O aprendizado e a memória dependem ainda de outros mecanismos celulares que produzem


alterações na eficácia da transmissão sináptica, a habituação e a sensitização. Na habituação,
quando um estímulo é repetido diversas vezes sem modificação, cria-se um padrão de habituação
e a resposta ao estímulo desaparece, tornando a célula resistente. Isso se associa ao declínio da
liberação do transmissor por diminuição do cálcio intracelular. A habituação depende da depressão
da transmissão sináptica (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000).

A sensitização é a resposta pós-sináptica obtida após uma estimulação associada a um estímulo


lesivo, facilitada por um neurotransmissor pré-sináptico. Em longo prazo, novas sinapses podem
ser desenvolvidas nessa área. A sensitização depende da intensificação da transmissão sináptica.

As sinapses podem ser químicas, elétricas ou eletroquímicas. A diferença dependerá do fluxo de


correntes elétricas e da liberação de mediadores químicos, os neurotransmissores. Cada neurônio é
capaz de formar milhares de sinapses individuais, excitatórias, inibitórias ou regulatórias (KANDEL;
SCHWARTZ; JESSELL, 2000). A atividade elétrica regula o desenvolvimento neuronal e depende da
ativação dos receptores sensoriais especializados por estímulos físicos e ativação espontânea das
células neuronais. Essa atividade elétrica pode auxiliar na criação de novas conexões ou selecionar
conexões intrínsecas.

A neuroplasticidade consiste ainda na capacidade das células nervosas em lutar contra alterações
químicas ou estruturais; lutar contra lesões ou doenças; modificar suas atividades se o meio
ambiente se modificar e nos processos de armazenamento de informações; formar novas conexões
e tentar refazer conexões perdidas. Os fatores que influenciam esses processos são a idade, a
biografia individual (programa genético básico e os fatores epigenéticos) e os fatores diretamente
relacionados à lesão como a extensão e a localização (ANNUNCIATO, 2013).

Podemos considerar a plasticidade dendrítica e a plasticidade somática. A plasticidade dendrítica


pode ser estrutural ou morfológica. Em adultos, ela só ocorre na extremidade das espinhas dendríticas
e nas crianças, durante o desenvolvimento – inclusive os troncos dendríticos podem ser modificados

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pelo ambiente. Por plasticidade somática entende-se a possibilidade de alterações da capacidade
dos neurônios de se proliferarem ou morrerem de acordo com os estímulos do ambiente.

A plasticidade dendrítica pode ocorrer durante o desenvolvimento da criança ou em adultos.


Durante o desenvolvimento da criança entende-se a plasticidade dendrítica como ontogenética.
O desenvolvimento dos dendritos depende do código genético, e na embriologia, durante a fase
migratória neural, já se sabe que tipo de neurônio se tornará. Por exemplo, um neurônio piramidal
do córtex será ele mesmo, porém o ambiente é capaz de interferir nele sem modificá-lo, alterando
o número deles, o comprimento, a disposição espacial dos dendritos, o número e densidade das
espinhas, e por consequência aumentando a possibilidade de conexões sinápticas e a plasticidade.
A plasticidade dendrítica em adultos se restringe às espinhas dendríticas, consideradas regiões
fundamentais para o estabelecimento e consolidação da memória (LENT, 2004).

A plasticidade também pode ser somática, entendida como possibilidade de alteração na


proliferação ou de neurônios em resposta a interferências do meio externo. A proliferação de neurônios
em adultos ainda é um dogma. A corrente maior diz que eles não se proliferam, porém neurônios de
algumas regiões parecem se regenerar, como no caso da mucosa olfatória, onde elas se organizam
em camadas, à semelhança da pele, e conforme se desgastam são substituídas pela proliferação
e diferenciação de células mais profundas. Essa possibilidade de proliferação e diferenciação de
células nervosas no adulto motiva as discussões sobre as células-tronco (LENT, 2004).

Existe a crença de que a idade determina a plasticidade: maior no período de desenvolvimento


e em queda no envelhecimento. Porém, a plasticidade ainda pode ocorrer no envelhecimento. As
espículas dendríticas silentes podem ser ativadas a partir de novos estímulos – as universidades
da terceira idade investem nisso, por exemplo.

A biografia individual inclui o programa genético básico e o desenvolvimento pré, peri e pós-natal,
a infância, a adolescência, a fase adulta e a velhice. Ambos – programa genético e desenvolvimento
– interferem simultaneamente, facilitando ou não a plasticidade (OLIVEIRA; SALINA; ANNUNCIATO,
2001).

A plasticidade ocorre em três estágios: desenvolvimento, aprendizagem e recuperação de


lesões. O estágio de desenvolvimento corresponde ao período pré-natal, desde a embriogênese e
a proliferação neuronal, a capacidade bioquímica intrínseca dos neurônios, a secreção dos fatores
de crescimento neurais, os fatores genéticos, o microambiente fetal e o ambiente externo. O estágio
de aprendizagem está presente em qualquer etapa da vida e compreende todas as aquisições

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que possam ser recrutadas a qualquer momento conforme a necessidade. A aprendizagem e a
prática ou experiência modificam o comportamento (motor, emocional ou social) e as estruturas
e funcionamento das células neurais (OLIVEIRA; SALINA; ANNUNCIATO, 2001). A recuperação de
lesões apresenta mecanismos e situações distintas que serão discutidas a seguir.

FIGURA 9 - Relação entre a prática e a neuroplasticidade

Fonte: http://en.wikipedia.org/wiki/File:Brain_neuroplasticity_after_practice.png

É necessária a compreensão sobre os fatores neurotróficos (FNT), uma vez que eles fornecem
condições para a reorganização e retomada das funções encefálicas. Os fatores neurotróficos
são proteínas solúveis que regulam a sobrevivência, o crescimento, a plasticidade ou a síntese de
proteínas utilizadas para funções específicas dos neurônios. Permitem a diferenciação de neurônios,
induzem o crescimento de axônios e dendritos e garantem a sobrevida dos neurônios. Eles são
subdivididos por tipos (ANNUNCIATO, 1994; SILVA, 1995):

NGF (Nerve Growth Factor):

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O fator de crescimento neural é proveniente da periferia, das células-alvo, sendo transportado
de forma retrógrada. A sobrevivência neuronal, a extensão de prolongamentos e a diferenciação de
neurônios são papéis importantes que têm relação com o NGF. O mecanismo básico de ação do
NGF é simples. Ele é produzido por células-alvo, liga-se a receptores dos terminais axonais, sendo
internalizado e transportado até o corpo da célula, e participa da ativação do metabolismo neuronal.
Essa ação é importante para a sobrevivência celular e para os fenômenos plásticos.

BDNF (Brain Derived Neurotrophic Factor)

O fator neurotrófico derivado do cérebro é produzido pelas células da glia e por neurônios. O
BDNF parece mediar os principais processos dependentes de estímulos externos e faz a modulação
de diversas funções sinápticas, induzindo estímulo a maturação, nutrição, crescimento e integridade
neuronal.

NT3 (Neurotrophin - 3):

Neurotrofina 3 é um fator neurotrófico da família NGF de neurotrofinas. É uma proteína de


fator de crescimento de certos neurônios do sistema nervoso central e periférico, o que apoia a
sobrevivência e diferenciação de neurônios existentes e melhora o crescimento e diferenciação de
novos neurônios e sinapses. NT-3 foi o terceiro fator neurotrófico a ser caracterizado após o NGF
e BDNF.

NT 4/5 (Neurotrophin – 4/5):

Um fator neurotrófico que indica, predominantemente através do receptor tirosino kinase, a


responsividade do NGF e do BDNF.

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FIGURA 10 - Fatores neurotróficos (FNT)

A - NGF (Nerve Growth Factor); B - BDNF (Brain Derived Neurotrophic Factor); C -


NT3 (Neurotrophin – 3) ; D – NT 4/5 (Neurotrophin – 4/5) .

Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:NGF_Beta_2.5S_RCSB_1BET.jpg; http://www.rcsb.


org/pdb/images/1B8M_bio_r_500.jpg?bioNum=1; https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Protein_
NTF3_PDB_1b8k.png e http://www.rcsb.org/pdb/images/1HCF_bio_r_500.jpg?bioNum=1

Vários estudos sobre a neuroplasticidade funcional foram feitos com amputados.

A melhor interpretação para o fenômeno dos membros ou partes fantasma após


amputações é com base em fenômenos de plasticidade representacional cortical.
Neurônios que originalmente representavam a parte amputada do corpo passam a ser
ativados por áreas corporais cuja representação cortical é vizinha ou funcionalmente
conectada.

O grande desafio contemporâneo não diz mais respeito à demonstração da existência


de plasticidade sináptica em adultos, mas ao melhor modo de explorar o fenômeno
clinicamente de modo a promover a restituição funcional após lesões cerebrais.
(HAASE, 2006).

Concluímos que a plasticidade ou mutabilidade neural pode englobar as mudanças de curto


prazo na eficiência da força sináptica até mudanças estruturais em longo prazo na organização
e quantidade de conexões entre neurônios. A aprendizagem também pode ser considerada uma
continuidade de mudanças de curto a longo prazo provocada pelas mudanças neurais. As mudanças

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de curto prazo estão associadas à elevação da eficiência sináptica. Se essas persistem, gradualmente
promovem mudanças estruturais nessas sinapses. Esta é a base da aprendizagem e da memória
a longo prazo (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2003).

Perspectiva do aprendizado e memória


A plasticidade era considerada uma propriedade exclusiva do sistema nervoso em desenvolvimento.
Apesar da plasticidade ser maior nesse período, ela ocorre no tecido neuronal cortical adulto
normal, no pós-lesão e durante os processos de aprendizagem e memória (KANDEL; SCHWARTZ;
JESSELL, 2000). Da mesma forma, a teoria anterior – localizacionista (anterior à descoberta das
sinapses) – afirmava que havia um local específico no sistema nervoso para a memória, e a teoria
antilocalizacionista pregava que diferentes áreas corticais contribuíam igualmente no processo de
formação da memória (MACHADO et al., 2008).

Vários pesquisadores tentaram estabelecer a sequência da memória e a descrição dos seus


mecanismos mentais. Toda memorização se inicia na aquisição, que consiste na entrada de um
estímulo externo ou interno (um pensamento, gesto, objeto etc.) no circuito neural da memória. Esses
estímulos costumam ser complexos e necessitam ser processados (somente aspectos relevantes
da informação são selecionados). Ainda não se sabe exatamente como ocorre esse processo, mas
ele ocorre, por exemplo, quando tentamos recordar um filme: lembramos de algumas cenas, mas
não do filme todo (MACHADO et al., 2008).

Os três sistemas de memória: emocional (sentimentos), declarativa (fatos, eventos, conceitos,


localizações) e procedimental (como fazer) servem para tipos distintos de informações. Por exemplo,
um sistema lembra dos sentimentos de felicidade, outro do que aconteceu ontem e o último de
como se anda de bicicleta (LUNDY-EKMAN, 2008).

Atualmente se sabe que a retenção ocorre em áreas corticais distintas, cada qual com a sua
função (por exemplo, memória visual no córtex occipital, auditiva no temporal, motora no frontal, e
assim por diante). A memória emocional se inicia pela amígdala, a motora pelo cerebelo, a cognitiva
pelo hipocampo. Essas estruturas são “portas de entrada” para o estímulo específico (ANNUNCIATO,
2013). Cada tipo de memória é dependente de diferentes regiões cerebrais.

As funções corticais e as teorias básicas dos mecanismos neuronais envolvidos no processamento


do pensamento, da memória, da análise de informações sensoriais são fundamentais no entendimento

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dos processos de aprendizagem. O córtex é dividido em camadas e cada uma tem uma função
especifica:

• Camadas l, ll e lll: realizam a maioria das funções de associação intracortical, principalmente


os neurônios das camadas ll e lll.
• Camada lV: recebe a maior parte das informações sensoriais específicas.
• Camada V e Vl: emite a maioria dos sinais eferentes.
FIGURA 11 - Camadas corticais

Fonte: http://willcov.com/bio-consciousness/diagrams/Cortical%20Layers%20Diagram.htm

Na figura anterior notam-se as conexões das camadas entre elas e entre outras áreas,
principalmente o tálamo e o tronco encefálico. Pelo sistema tálamo-cortical, todas as informações
sensoriais provenientes da periferia passam pelo tálamo para atingir o córtex, exceto as olfativas
(GUYTON, 1993). A maioria dos núcleos do tálamo se conecta com o córtex de forma recíproca
através de vias talamocorticais e corticotalâmicas. Existem os núcleos talâmicos específicos que

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estimulam áreas corticais somestésicas e auditivas. Os núcleos talâmicos inespecíficos, por sua vez,
excitam grandes áreas corticais e não apenas regiões específicas. As conexões corticotalamicas
apresentam influências sobre a motricidade, o comportamento emocional, o grau de ativação do
córtex e a sensibilidade (MACHADO, 2002).

As funções corticais são localizadas em áreas específicas, divididas em motoras, sensoriais e


associativas. Essas áreas foram classificadas em dois grandes grupos: áreas de projeção e áreas
de associação. As áreas de projeção são as que recebem ou dão origem a fibras relacionadas
diretamente com a sensibilidade e com a motricidade. E assim são divididas em áreas sensitivas
e motoras.

FIGURA 12 - Localização das principais áreas do córtex cerebral

Fonte: Guyton (1993).

As áreas sensitivas do córtex, no giro pós-central, e que compreendem as áreas 1, 2 e 3 do


mapa de Brodmann constituem a área somatossensorial ou área de sensibilidade somática, ainda
denominada área somestésica primária, sua função é receber informação de dor, temperatura,

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pressão, tato e propriocepção. Para essa área há também a representação através do homúnculo de
Penfield sensitivo. A área visual se localiza no sulco calcarino e corresponde à área 17 de Brodmann.
A área situada no giro temporal corresponde a área auditiva e corresponde a área 41 de Brodmann.
A área responsável pela apreciação consciente da orientação espacial é a área vestibular, que fica
próxima a área somestésica e auditiva. Ainda correspondem à área somatossensorial a olfatória,
na parte anterior do Uncus, e a gustativa, área 43 de Broadmann (MACHADO, 2002).

FIGURA 13 - Mapa ou áreas de Brodmann

Fonte: fourier.eng.hmc.edu/e180/lectures/visualcortex/node5.html

QUADRO 2 – Descrição das Áreas de Brodmann

Áreas de Brodmann Área funcional

1, 2, 3 Córtex sensitivo-somático primário

4 Córtex motor primário

5 Córtex sensitivo-somático terciário: área associativa parietal

6 Córtex motor suplementar; córtex pré-motor, campos oculares frontais

7 Área associativa parietal posterior

8 Campos oculares frontais

9, 10, 11, 12 Córtex associativo pré frontal; campos oculares frontais

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17 Córtex visual primário

18 Córtex visual secundário

19 Córtex visual terciário, área visual temporal média

20, 21 Área temporal inferior visual

22 Córtex auditivo superior

23, 24, 25, 26, 27 Córtex associativo límbico

28 Córtex olfatório primário, córtex associativo límbico

29, 30, 31, 32, 33 Córtex associativo límbico

34, 35, 36 Córtex olfatório primário; córtex associativo límbico

37 Córtex associativo parieto-temporo-occipital; área visual temporal média

38 Córtex olfatório primário; córtex associativo límbico

39, 40 Córtex parieto-temporo-occipital

41 Córtex auditivo primário

42 Córtex auditivo secundário

43 Córtex gustativo

44 Área de Broca; córtex pré-motor lateral

45 Córtex associativo pré-frontal

46 Córtex associativo pré-frontal (córtex pré-frontal) dorsolateral

47 Córtex associativo pré-frontal

52 Córtex sensitivo auditivo

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FIGURA 14 - Homúnculo de Penfield

Fonte: http://tecfa-bio-news.blogspot.com.br/2009/05/cest-lintention-qui-compte.html

As áreas corticais motoras foram descobertas mais “recentemente”. Até então acreditava-se
que o córtex era responsável pelas funções intelectuais e perceptuais. Após os experimentos de
Sherrington no início do século 20 e de Penfield (1930), ficaram definidas as funções específicas
motoras do córtex, responsável pelos movimentos voluntários. Há subdivisões: córtex motor primário,
motor suplementar e pré-motor (GUYTON, 1993).

A área motora primária é responsável pelos movimentos voluntários de todas as partes do


corpo. Controla a força, velocidade e direção e ainda compreende o mapa somatotópico motor
do homúnculo de Penfield. A área motora suplementar prepara o movimento através de sinais já
memorizados. A pré-motora é pouco explicada, mas também responde pelo planejamento motor,
porém através de estímulos sensoriais (GUYTON, 1993).

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Todas as áreas são importantes para a aprendizagem e memória. Em todas elas a plasticidade
influencia e é influenciada pelas modificações celulares ou ambientais, mas o grande envolvimento
é das áreas chamadas áreas de associação. Elas recebem e analisam sinais de múltiplas regiões
do córtex e áreas subcorticais e são divididas conforme sua especialidade (GUYTON, 1993).

• Área de associação parieto-occipitotemporal: se localiza entre a área somatossensorial, a


área auditiva e visual. Ela interpreta sinais sensoriais, auditivos e visuais. Localiza cada parte
do corpo e a sua relação com o meio. A área de Wernicke encontra-se aí, e é responsável pela
compreensão da linguagem falada ou lida. Também existe uma área para denominação de
objetos.
• Área de associação pré-frontal: localiza-se anteriormente ao giro pré-central e seu limite
inferior é o úncus. Participa de planejamento de movimentos complexos e sequências junto
com a área motora. Nela se encontra a área da Broca, responsável pela elaboração da fala
e intimamente associada à Wernicke durante a comunicação e linguagem. Talvez o aspecto
mais importante dessa área seja a elaboração dos pensamentos.
• Área de associação límbica: ela se situa na porção inferoposterior do lobo frontal e na porção
anterior do giro cingulado. Está relacionada basicamente com o comportamento, emoções
e motivação. Essa área ativa outras áreas cerebrais e fornece impulso motivacional para o
processo de aprendizagem.

A área de Wernicke, além de fundamental para a linguagem, também recebe o nome de área da
interpretação geral, gnosia, conhecimento. Além disso, acredita-se que também haja importância
dela nos padrões de memória que necessitem da interpretação de complicados significados de
diferentes experiências sensoriais (GUYTON, 1993).

Com relação às subdivisões, os tipos e sistemas de memória, a memória emocional é pouco


conhecida. A memória declarativa se refere a lembranças que podem ser declaradas verbalmente,
explícitas. Também chamada de memória consciente, explícita ou cognitiva, exige atenção durante
a lembrança. É subdividida em memória imediata, memória de curto prazo e memória de longo
prazo. A memória procedimental é implícita, sem percepção consciente. Lembranças de habilidades,
hábitos e automatismos secundários necessitam de prática para serem retidas, porém, depois são
resgatadas inconscientemente (LUNDY-EKMAN, 2008).

A retenção ocorre quando o estímulo é armazenado por alguns segundos ou muitos anos. Esse
tempo de retenção pode ser classificado em memória de curto prazo e memória de longo prazo. A
memória de curto prazo tem capacidade de retenção de segundos, se situa no momento presente

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e garante a sequência lógica. A memória de longa duração se estende por dias e é responsável
pela história do indivíduo. A memória declarativa ou explícita possibilita armazenar números, fatos,
acontecimentos e outras situações conscientes. Essas informações podem ficar retidas por muito
tempo ou se apagarem rapidamente, por isso ela promove poucas alterações sinápticas corticais
(MACHADO et al., 2008).

As principais estruturas implicadas na memória declarativa ou explícita estão no hipocampo,


no lobo temporal, porém associadas à outras regiões corticais. A amígdala, a substância negra, os
núcleos da Rafe e o núcleo basal de Meynert são regiões moduladoras da memória declarativa. A
amígdala é influenciada por hormônios (corticoides, adrenalina) liberados no organismo pelo estresse
e fortes emoções, isso justifica a interferência da emoção na memória. As demais regiões regulam
os estados de ânimo – a ansiedade, a atenção e as emoções são responsáveis pela liberação de
neurotransmissores (dopamina, noradrenalina, serotonina e acetilcolina) (MACHADO et al., 2008).

FIGURA 15 - Esquema de memória

Fonte: Lundy-Ekman (2008).

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O hipocampo e as áreas relacionadas do lobo temporal processam as informações recentes por
períodos relativamente prolongados (semanas ou meses), transferindo-as para o córtex. Assim, o
hipocampo não armazena a longo prazo a informação mas facilita o armazenamento inicial (KANDEL;
SCHWARTZ; JESSELL, 2000). O arquivamento das memórias implícitas e explícitas envolve alterações
sinápticas em regiões diferentes do sistema nervoso, cada qual com a sua especificidade.

Na habituação e na maioria das outras formas de aprendizagem, a prática aperfeiçoa e prolonga


a memória para a sensitização. Estudos sugerem que a memória a longo prazo parece ser uma
extensão elaborada da memória de curto prazo, por três motivos: a sensitização, tanto a curto como
a longo prazo está associada a alterações sinápticas que ocorrem no mesmo local: a conexão
entre neurônios sensitivos e motores. Nos dois processos, a intensificação da força sináptica se
deve à liberação aumentada de neurotransmissor e, por fim, a serotonina, produtora da facilitação
a curto prazo, também produz facilitação após quatro ou cinco estímulos (KANDEL; SCHWARTZ;
JESSELL, 2000).

Essas alterações proteicas e dos genes que a codificam podem ser mantidas a longo prazo,
provocando alterações morfológicas que não são frequentes na sensitização a curto prazo. Como
consequências da ativação dos genes da sensitização a longo prazo ocorre o crescimento das
conexões sinápticas, dobrando o número de conexões pré-sinápticas, com aumento em 25% de
terminações pré-sinápticas ativas, e o crescimento dos dendritos dos neurônios motores para
acomodar as sinapses adicionais (ANNUNCIATO, 1994).

Um mecanismo celular para a formação da memória, a potenciação a longo prazo (long-term


potentiation ou LTP) foi identificada no hipocampo. O LTP é a facilitação dos PPSEs (potenciais
pós-sinápticos excitatórios) com duração de vários dias. Para que isso ocorra é necessário:

• mais de uma fibra nervosa ser ativada (cooperatividade);


• as fibras contribuintes e a célula pós-sináptica serem ativadas simultaneamente (associatividade);
• a potenciação ser específica para apenas uma via ativada (especificidade).

O LTP induz a mudanças morfológicas nas espinhas dendríticas, sendo as menores locais
preferenciais desses potenciais e as maiores representantes dos traços físicos das memórias já
registradas. Também promove a cooperatividade, a associação e a especificidade nos neurônios
excitatórios e converge a informação para células piramidais do hipocampo e do córtex. Além
dos neurônios excitatórios, as espinhas dendríticas se localizam em diversas regiões do cérebro,

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associadas a memórias explícitas (hipocampo e córtex) e memórias implícitas (amígdala e núcleos
da base) (OLIVA; DIAS; REIS, 2009).

A memória não declarativa ou implícita se encarrega das informações mais subjetivas, como as
sensações de medo que afetam a amígdala e a aprendizagem motora, os hábitos e comportamentos,
chamada também de memória de procedimento. Ela se armazena no córtex, mas como ela é
automática, recupera-se de maneira inconsciente. Os exemplos mais comuns são de atividades
como dirigir um carro ou andar de bicicleta. Porém, a memória de procedimento também está
presente quando a resposta requer uma organização mental estratégica, como por exemplo, contar
as janelas da sua casa. O indivíduo necessita recordar visualmente das janelas, efetuar a conta,
criando uma conduta de procedimentos (MACHADO et al., 2008).

A memória não declarativa é resultado de experiências ao longo do tempo e requer alterações


sinápticas duradouras que só ocorrem através de prática e repetição. As regiões cerebrais responsáveis
pela retenção duradoura são o núcleo caudado, o cerebelo e, às vezes, o lobo temporal. Esse tipo
de memória raramente falha (MACHADO et al., 2008). A memória implícita ainda pode ser não-
associativa ou associativa. A forma não-associativa ocorre quando há um só tipo de estímulo e o
aprendizado se dá por habituação ou sensitização, considerando a habituação o decréscimo da
resposta a estímulos benignos repetidos ou ainda uma redução de potencial pós-sináptico excitatório
(PPSE) produzido pelos neurônios sensoriais e motores. Esses impulsos de tamanho reduzido no
início da aprendizagem de algo novo podem durar apenas alguns minutos (KANDEL; SCHWARTZ;
JESSELL, 2000; SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2003).

No decorrer da aprendizagem, ainda na habituação, a apresentação contínua do estímulo


resulta em mudanças estruturais nos neurônios sensoriais. Reduz o número de sinapses entre
os neurônios sensoriais, interneurônios e motoneurônios e diminuem também as zonas ativas de
transmissão nas conexões sinápticas. Como resultado dessas mudanças estruturais, a habituação
persiste por semanas, o que se entende por memória de longo prazo para a habituação. Porém,
esse processo não envolve neurônios específicos para o armazenamento da memória (SHUMWAY-
COOK; WOOLLACOTT, 2003).

A sensitização é o fortalecimento da resposta à ampla variedade de estímulos que se seguem a


um estímulo nocivo intenso (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000). O mecanismo é mais complexo
do que na habituação. Uma das formas que ela pode ocorrer é pelo prolongamento do potencial de
ação durante as alterações de potássio, liberando mais neurotransmissores e aumentando a PPSE.

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A memória de longo prazo da sensitização envolve as mesmas células da habituação, porém estão
presentes mudanças estruturais (SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2003).

Além dessas, há a aprendizagem associativa ou por imitação (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL,


2000). Forma associativa de aprendizagem é amplamente distinguida, porém dois paradigmas são
utilizados: o condicionamento operante e o condicionamento clássico. Inicialmente, quando dois
neurônios estão ativos ao mesmo tempo (em associação), há mudança na eficiência sináptica.
Essa associação em longo prazo resulta na formação de novas sinapses (SHUMWAY-COOK;
WOOLLACOTT, 2003).

QUADRO 3 - Diferença entre condicionamento operante e condicionamento clássico

Condicionamento clássico Condicionamento operante

• Associa o estímulo anterior (neutro – som), a • Não necessita de nenhuma resposta anterior
resposta reflexa condicionada (salivação) e outro
estímulo (comida) • O resultado depende das ações do sujeito

• O resultado independe das ações do sujeito • Reforça positivo ou negativo aumentam a


possibilidade de ocorrência da resposta
• Influi na mudança de opiniões, define gostos e
objetivos • Influi nas mudanças de comportamento
perante um objetivo

No condicionamento clássico, o aprendizado depende da relação entre dois estímulos e geralmente


está associado ao comportamento involuntário e ao sistema nervoso autônomo. Por exemplo, quando
sentimos cheiro de comida, nossa boca começa a salivar – reflexo condicionado: um estímulo
condicionado produz uma resposta incondicionada (cheiro/saliva). O estímulo condicionado deve
preceder o incondicionado em até 0,5 segundos para que os interneurônios sejam estimulados
imediatamente após o neurônio sensitivo, produzindo facilitação pré-sináptica bem maior. Porém,
somente esse mecanismo não seria adaptativo, o que não produziria retenção da aprendizagem
(KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000).

No condicionamento operante, há relação entre o estímulo e o comportamento do organismo. As


respostas operantes são emitidas quando um organismo deve se adaptar a condições ambientais
ou resolver problemas. Depende da associação entre um comportamento específico e um evento
reforçador, também chamado aprendizado por tentativa e erro. O condicionamento operante altera
a frequência do comportamento, baseado no resultado. Não faz correlação entre os estímulos, mas
os associa à consequência. O estímulo reforçador pode ser positivo quando fortalece o tipo de

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comportamento (recompensa), ou negativo, quando tende a inibir certo comportamento (punição).
A maioria das aprendizagens complexas é de tipo operante.

A aprendizagem e a memória são processos correlacionados capazes de sofrer modificações


em função dos estímulos ambientais. Não é possível dissociá-las nem diferenciar os processos no
circuito neuronal interno. A memória é a capacidade de recuperar as informações adquiridas, por isso
se relaciona intimamente com o aprendizado. No sistema nervoso, aprender significa produzir uma
referência básica dos padrões neuronais construídos e incorporados ao longo das diversas etapas
compreendidas entre o nascimento e a maturidade. A aprendizagem e a memória se incorporam
durante toda a vida, o que permite a antecipação ao estímulo anteriormente vivido. Nesse contexto,
a aprendizagem é um processo pelo qual os seres humanos e os animais adquirem conhecimento
sobre o ambiente. A memória seria a capacidade do indivíduo de reter e utilizar informações de
diferentes maneiras e diferentes períodos.

A aprendizagem motora inclui formas complexas além do condicionamento operante e o clássico


a aquisição de movimentos hábeis. Existem duas hipóteses para a compreensão dos mecanismos
neurais das capacidades motoras mais complexas. Um mecanismo subjacente à aprendizagem
motora envolvia o potencial a longo prazo de células específicas no córtex motor por meio das
células somatossensitivas, possível razão da prática repetida da capacidade motora resultar na
melhora de eficiência sináptica entre os córtex sensorial e motor.

Por outro lado, as lesões no córtex somatossensorial podem não afetar o desempenho das
capacidades já aprendidas. Isso se explica pela existência de outras conexões além daquelas diretas
entre córtex sensorial e motor que são coativadas durante a aprendizagem. Após a prática repetida
da atividade, essas outras conexões se fortalecem e a partir daí não há necessidade de informações
sensoriais exigidas após a aprendizagem. Observa-se que no momento do aprendizado de uma nova
capacidade motora há necessidade de se ativar vários músculos e, com a prática, as contrações
desnecessárias são eliminadas e apenas se contraem os músculos essenciais (SHUMWAY-COOK;
WOOLLACOTT, 2003).

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CURIOSIDADE

Sendo o termo “neurociência” jovem, acesse o artigo abaixo para se inteirar de que, para compreender
como o sistema nervoso opera, existe a necessidade de se obter conhecimento sobre muitos
aspectos envolvidos, tais como o funcionamento e desenvolvimento das células nervosas e suas
capacidades elétricas e químicas, e a importância de haver um planejamento criterioso para otimizar
a aprendizagem em qualquer etapa.

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1415-69542011000100011

CONCEITOS DE HABITUAÇÃO E SENSITIZAÇÃO


A habituação é o decréscimo da resposta a estímulos benignos repetidos (KANDEL; SCHWARTZ;
JESSELL, 2000; LUNDY-EKMAN, 2008). É a redução funcional da eficácia sináptica entre os neurônios
sensoriais e os interneurônios devido, em parte, à diminuição da quantidade de neurotransmissores
liberadas pela terminação pré-sináptica do neurônio sensorial. Geralmente, após alguns segundos de
repouso, os efeitos da habituação estão ausentes e um reflexo pode ser provocado. Com repetição
prolongada da estimulação, ocorrem alterações estruturais permanentes: o número de sinapses
diminui e isso é importante porque as respostas podem se tornar mais rápidas e outras sinapses
e neurotransmissores são “liberados” para novos estímulos.

Esse termo significa então a diminuição da resposta com a repetição e isso ocorre naturalmente
em todos os animais. Todos se habituam a estímulos repetitivos e deixam de responder a eles. Os
neurônios motores recebem sinapses dos neurônios sensitivos através dos interneurônios, que se
habituam com a repetição. Isso ocorre em neurônios comuns, não específicos para processamento da
memória. Talvez se possa generalizar e explicar os circuitos sinápticos para armazenar informações
de curtos períodos, o mecanismo celular da memória de curto prazo (LENT, 2004).

A redução da eficácia das conexões sinápticas entre os neurônios e as células-alvo, os


interneurônios e os neurônios motores pode ser breve ou alterações duradouras podem ocorrer. Essas
alterações plásticas são distribuídas pela força funcional das conexões sinápticas e representam
o processo de memória de curto prazo para a habituação. Portanto, o armazenamento da memória
resulta de alterações em neurônios que são componentes funcionais da via reflexa normal, levando
a supor que o cérebro humano pode armazenar a memória em células neuronais que têm outra
função, não de armazenar as informações (ANNUNCIATO, 1994; SILVA, 1995).

Nas sinapses participantes do aprendizado, como as conexões entre neurônios sensoriais


e motores, bem como certas conexões interneurais, uma quantidade relativamente pequena de

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treinamento pode produzir alterações grandes e duradouras da força sináptica. Na habituação ocorre
a depressão monossinática. Com a diminuição do mediador químico glutamato, que é excitatório,
diminui a quantidade de cálcio. Com menos cálcio entrando nas terminações do potencial de ação,
menos neurotransmissores são liberados nas sinapses sensoriais. Além disso, a habituação produz
redução da capacidade de mobilização das vesículas com transmissor para a zona ativa da sinapse,
de forma a ficarem disponíveis para a liberação (ANNUNCIATO, 1994; SILVA, 1995).

A sensitização (ou pseudocondicionamento) é o fortalecimento da resposta à ampla variedade


de estímulos que se seguem a um estímulo nocivo intenso (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000),
modificando diversas conexões sinápticas, inclusive as conexões entre interneurônios e neurônios
motores. Após um estímulo lesivo, há uma resposta mais vigorosa a diversos estímulos, mesmo
não lesivos. Os reflexos ficam aguçados, preparados para luta ou fuga. Alguns autores se referem
à sensitização como aprendizado e memória, ou ainda, memória de curto e de longo prazo, durando
dias ou semanas. Na sensitização, ocorre a facilitação heterossináptica, neurotransmissores como
a serotonina ativam a proteinoquinase, levando a três consequências (ANNUNCIATO, 1994 e SILVA,
1995):

1. Fechamento dos canais de potássio, dificultando a repolarização do potencial de ação,


prolongando-o. O cálcio dependente da voltagem pode entrar nas terminações, o que
aumenta a liberação do neurotransmissor.
2. Intensificação da mobilização das vesículas sinápticas e a eficiência do aparelho de liberação
de transmissor por meio de mecanismo independente de cálcio.
3. Altera os canais de cálcio, que aumenta a mobilidade das vesículas de transmissor por
meio do mecanismo de cálcio.

Esse tipo de plasticidade sináptica consiste na elevação da eficácia da transmissão, justamente o


oposto da habituação. Nesse caso, o estímulo ambiental nocivo é capaz de modificar o desempenho
ou a forma do sistema nervoso. A sensitização demonstra que a memória de curta duração pode
ocorrer em circuitos neurais inespecíficos (LENT, 2004) de forma disseminada em muitas regiões
corticais, o que auxilia no acúmulo de informações para favorecer a eficiência da recuperação da
informação solicitada.

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Conceitos de recuperação de lesão
Atualmente a tecnologia tem permitido grandes avanços na neurociência que contribuem para
o conhecimento do cérebro humano a fim de prevenir e tratar doenças ou sequelas. Na reabilitação
de lesões neurológicas, o maior conhecimento dos processos de aprendizagem e reabilitação
possibilitam a implementação de novas, mais abrangentes e mais assertivas técnicas.

As lesões do sistema nervoso central, especificamente as lesões encefálicas, dão lugar a


manifestações subdivididas em quatro grandes áreas: reações gerais de estresse, próprio da patologia;
alterações médicas gerais; alterações neurológicas e alterações neuropsicológicas. Nas atividades
corticais superiores, deve-se insistir que todo paciente pode ser alvo de alterações neuropsicológicas
e, consequentemente, deve ser estudado e tratado nesse sentido (PEÑA; CASANOVA, 1987 apud
HAYASHI-XAVIER, 2002).

QUADRO 4 - Semelhanças entre o desenvolvimento fisiológico e pós-patologia

Desenvolvimento do SNC Evolução do SNC após lesão

Formação da “membrana pio-aracnoide” – Formação de uma membrana pio-glial - isola a


revestimento externo área do trauma

Origem da membrana limitante pio-glial – Reformação de um barreira hematoencefálica e


formação de vasos no interior da membrana pio- hematoliquórica – isola a área do trauma.
aracnoide. Isola o SNC do restante do organismo

Formação da barreira hematoencefálica que Produção de fatores tróficos


isola o parênquima nervoso do sistema vascular.

Sinaptogênese – migração, diferenciação e Neoformação de sinapses


sinapses dos neurônios.

Alguns FNTs são liberados somente em condições fisiopatológicas– são os produzidos


pelas células e armazenados no citoplasma. Juntamente com as neurotrofinas, eles poderão ser
extremamente importantes no tratamento de doenças degenerativas ou traumáticas do sistema
nervoso central ou periférico (SILVA, 1995). A regeneração do SNC depende ainda dos processos
fisioanatomopatológicos que aparecem após uma lesão.

Após uma lesão encefálica vascular ou traumática, há morte imediata de neurônios nessa área,
e depois de quatro dias, em média, ocorre a extensão da área primária da lesão e os neurônios
localizados perifericamente (e relacionados à área lesada) também degeneram. No local da lesão, há
intensa produção de células da glia, que protegem contra o crescimento inadequado e desordenado

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das fibras intactas, que iniciam brotamentos compensatórios e acabam ocupando sinapses vagas
(SILVA, 1995).

Embora os neurônios adultos não tenham capacidade para se dividir ou replicar, o sistema
nervoso apresenta alto grau de plasticidade controlada por dois processos (ANNUNCIATO, 1994):

• Processo intrínseco: alteração no potencial da membrana neural e dos potenciais de ação.


• Processo extrínseco: entrada sináptica a partir de outros neurônios.

Após lesão encefálica, tanto a intensidade da reabilitação, como o intervalo de tempo entre a
lesão e o início da reabilitação influenciam na recuperação da função nervosa. A falta prolongada
de movimentação ativa após lesão cortical pode levar à perda subsequente de função em regiões
adjacentes, não lesadas no encéfalo (LUNDY-EKMAN, 2000). Isso justifica a necessidade de iniciar
o processo de reaprendizagem motora o mais precoce possível.

Baseado nesses conhecimentos, pode-se assegurar que há a recuperação das funções da área
lesada, o que depende, para potencializá-la, de estimulação adequada e repetitiva, o que ocorre, por
analogia, durante a aquisição da leitura e da escrita de um encéfalo intacto.

Os distúrbios de áreas específicas do córtex cerebral podem levar as seguintes sintomatologias


(LUNDY-EKMAN, 2000), relacionadas com o local afetado:

• Áreas sensoriais primárias: perda da informação sensorial discriminativa


• Áreas associativas sensoriais: agnosia
• Áreas de planejamento motor: apraxia, perseveração motora e afasia de Broca
• Córtex motor primário: perda do fracionamento do movimento e disartria
• Córtex associativo pré-frontal: perda das funções executivas e do pensamento divergente
• Córtex associativo límbico: alterações da personalidade e alterações emocionais
• Áreas associativas parietotemporais: problemas com a comunicação, com a compreensão
do espaço e com o direcionamento da atenção.

Em indivíduos que sofreram lesões encefálicas, como o acidente vascular encefálico, é muito
comum ocorrerem alterações que vão além das motoras. Podem ocorrer as chamadas disfunções
cerebrais superiores, como a afasia, o déficit parietal caracterizado por desatenção sensitiva ou
visual, negligência visuoespacial e perda da noção de posição segmentar (ANDRÉ, 1999 apud
HAYASHI-XAVIER, 2002). Também aparecem alterações da visão, da sensibilidade, mudanças da
atividade mental, personalidade ou conhecimento do esquema corporal.

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FIGURA 16 – Sistema nervoso central

Fonte: takito/ shutterstock.com

Vários eventos podem ocorrer no SNC após uma lesão. Isso pode contribuir para a limitação
ou recuperação da função. A supersensibilidade de desnervação pode ocorrer quando grande
quantidade de neurônios foi destruída e há perda de informações entre regiões encefálicas e a
regeneração neural: sinaptogênese regenerativa e a germinação colateral, sinaptogênese reativa
(SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2003). Essas serão vistas à frente como brotamento regenerativo
e brotamento colateral.

De acordo com as bases neurofisiológicas da reabilitação de lesões encefálicas, os mecanismos


plásticos do SNC são os seguintes (OLIVEIRA; SALINA; ANNUNCIATO, 2001; RIBEIRO SOBRINHO,
1995; ANNUNCIATO, 1994):

a) Recuperação da eficácia sináptica


b) Potencialização sináptica
c) Cotransmissor
d) Aumento da sensibilidade sináptica
e) Persistência de hiperinervação
f) Recrutamento de sinapses silentes

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g) Brotamento regenerativo
h) Brotamento colateral
i) Morte e sobrevivência após a lesão
j) Potencial regenerativo dos neurônios

Recuperação da eficácia sináptica

Normalmente ocorre logo após a lesão, durante o período agudo, depois da involução do
edema, diminuindo a compressão das áreas vizinhas. Algumas sinapses muito próximas da lesão
se tornam inativas ou hipoativas pelo processo inflamatório, principalmente pelo edema. Quando
ele diminui, ocorre considerável recuperação das funções sensitivomotoras ou cognitivas sob
responsabilidade dos neurônios cujos corpos estavam em sofrimento, mas não haviam morrido
pela lesão. Há necessidade de administração de drogas neuroprotetoras para melhorar a oferta de
oxigênio e glicose, reduzir o edema, hematoma e eventual hemorragia local e proteger os neurônios
sobreviventes.

No início do século 20, foi descrita a diasquisis ou inibição parabiótica, fenômeno no qual ocorriam
perdas funcionais correspondentes a áreas corticais adjacentes preservadas. Esse estado durava
períodos prolongados e comprometia a recuperação funcional, havendo necessidade de retardar
os fenômenos histológicos e neuroquímicos, que constituem o substrato material da plasticidade
cerebral. Atualmente, na fase aguda da lesão, essa área é denominada área ou zona de penumbra.

Potencialização sináptica

As substâncias neuroativas: neurotransmissores e neuromoduladores são sintetizados no


interior da célula e desviados para os terminais – botões sinápticos não lesionados, aumentando e
efetivando as sinapses. Quando um ou mais ramos de um axônio são lesados e outros se mantêm
íntegros, as substâncias neuroativas produzidas no corpo celular desse neurônio migram para os
botões pressinápticos intactos desse mesmo neurônio. Isso não ocorre somente após lesões, mas
durante o desenvolvimento, quando há repetição de uma atividade.

Cotransmissor

São substâncias que têm capacidade de potencializar a ação do neurotransmissor principal,


aumentando a possibilidade de novas sinapses.

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Aumento da sensibilidade sináptica

Em caso de denervação os neurônios podem desenvolver uma supersensibilidade a mediadores


químicos, aumentando muito o efeito deles. A célula pós-sináptica deixa de receber as substâncias
neuroativas da célula pré-sináptica. Para manter seu adequado funcionamento, ocorre o aumento
dos receptores e das substâncias neuroativas nos botões sinápticos vizinhos. Ou ainda, quando
os neurônios pré-sinápticos são afetados, aumentam os receptores na membrana pós-sináptica
nas sinapses íntegras e esses podem responder a substâncias neuroativas de sinapses vizinhas.
A função também pode retornar pela reabertura do circuito parcialmente lesado.

Persistência de hiperinervação

Algumas interferências podem manter vivos e funcionais neurônios que normalmente teriam
morrido durante o desenvolvimento embrionário do sistema nervoso. Quando há lesão de um
neurônio, desencadeia-se o recrutamento dos botões terminais presentes desde a fase embrionária
– os outros neurônios que inervam o lesado.

Recrutamento de sinapses silentes

No sistema nervoso íntegro existem algumas sinapses que estão presentes, mas que funcionalmente
estão inativas. Essas sinapses são ativadas ou recrutadas quando um estímulo importante às
células nervosas é prejudicado. No caso de lesão das fibras principais de uma determinada função,
outras fibras que estavam dormentes poderão ser ativadas. As sinapses que são pouco utilizadas
ou que se manifestam fracamente são a base para o processo plástico. Seu recrutamento induz à
liberação de substâncias neuroativas (ou neurotransmissores), diminuição da fenda sináptica e o
crescimento morfológico do terminal axônico.

Brotamento regenerativo

Acontece quando um axônio é lesado ao longo de seu trajeto ou quando seu alvo de inervação
é destruído. Nesse caso, originam-se da porção proximal do axônio, que mantém comunicação
direta com o corpo celular e brotamentos curtos formam novas sinapses nesta área. Ocorre então
o brotamento regenerativo nos axônios lesados. Forma-se novos brotos provenientes da porção
proximal – o coto distal, geralmente, é rapidamente degenerado, em direção a outros corpos celulares.

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O crescimento desses brotos e a formação de uma nova sinapse constituem a sinaptogênese
regenerativa.

Brotamento colateral

Acontece quando a lesão ocorre em um neurônio aferente. Axônios centrais geram brotos
colaterais e assim formam novas conexões quando sistemas neuronais com os quais eles dividem
um mesmo destino polissináptico tenham sido destruídos. Nesse caso, a célula-alvo que deixou de
receber informações das outras células desenvolve a capacidade de atrair brotamentos de células
nervosas vizinhas para ocupares sítios sinápticos vagos. Isso se chama sinaptogênese reativa.

Os brotamentos colaterais e a facilitação do trajeto neural respondem positivamente à reabilitação.


A facilitação de trajeto neural se dá através de técnicas que dirijam o brotamento ao alvo específico.
A motivação do paciente, as necessidades funcionais e o treinamento intensivo são meios possíveis
para favorecer o trajeto neural e a reorganização do sistema nervoso.

Existem evidências de que fatores neurotróficos podem salvar neurônios no estágio agudo.
Adicionado à redução do tamanho do infarto, mesmo horas depois da isquemia, o fator de crescimento
dos fibroblastos básicos pode atenuar a degeneração. A presença do fator de crescimento neural
foi observada na melhora da memória e funções motoras e na redução da atrofia dendrítica, nos
neurônios piramidais restantes (BARBRO, 2000).

No encéfalo adulto, as áreas corticais rotineiramente ajustam o modo como processam as


informações, conservando a capacidade de desenvolver novas funções (LUNDY-EKMAN, 2000).

Após uma lesão e durante a recuperação da função podem ocorrer alterações nos mapas
corticais. Essas alterações dependem da causa, extensão da lesão, período de restabelecimento
hemodinâmico e reabilitação, pois pesquisas mostram que os mapas do córtex somatossensorial
variam entre indivíduos e conforme a experiência. O remapeamento ou a reorganização do SNC após
a lesão é possível. Ocorre a reorganização de áreas corticais amplas, podendo algumas “tomar” o
lugar de outras. Há também a colaboração de vias ipsilaterais, ou seja, as vias descendentes dos
hemisférios cerebrais que não se cruzam podem contribuir com os movimentos (SHUMWAY-COOK;
WOOLLACOTT, 2003).

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Várias pesquisas vêm sendo feitas para desenvolver estratégias de limitação das sequelas
das lesões do SNC e para a ampliação do potencial de regeneração dos neurônios. São duas as
condições básicas para que haja regeneração neuronal após uma lesão do SNC (SILVA, 1995):

Os neurônios atingidos direta ou indiretamente devem sobreviver ao trauma (morte e sobrevivência


após lesão do SNC).

Os axônios danificados devem regenerar e estabelecer novas conexões com os alvos originais
(potencial regenerativo dos neurônios do SNC).

Morte e sobrevivência após lesão do SNC

Mecanismos de excitotoxidade têm sido implicados em lesão neuronal secundária ao trauma


do parênquima encefálico. Os receptores, em caso de patologias cerebrais que caracterizam
morte neuronal, são submetidos a alterações bioquímicas. A liberação do glutamato (aminoácido
excitatório) e influxo de cálcio excessivo são fatores que provocam modificações da expressão dos
genes das neurotrofinas e seus receptores. Após uma lesão, seriam fatores de proteção contra a
morte neuronal e de estimulação do brotamento axonal e reorganização sináptica.

Potencial regenerativo dos neurônios

No início desse século, acreditava-se que a regeneração do sistema nervoso central fosse
interrompida logo no seu início, enquanto que a capacidade de regeneração do sistema nervoso
periférico era imensa. Nos anos 80, experimentos demonstraram que os neurônios do sistema nervoso
central apresentavam uma capacidade intrínseca de regenerar os seus axônios após uma lesão,
bastando apenas um ambiente propício para que, após iniciado, esse processo pudesse continuar.
O conceito atual indica a possibilidade de regeneração de neurônios do sistema nervoso central
após a lesão de seus axônios, desde que as condições favoráveis sejam oferecidas aos neurônios
traumatizados. Todos os elementos propícios a um processo regenerativo axonal parecem estar
presentes no sistema nervoso central.

Atualmente propõe-se a existência de um potencial intrínseco de regeneração comum a neurônios


centrais e periféricos. Fatores que estimulam e inibem o crescimento axonal estão presentes no
sistema nervoso. A expressão aumentada de substâncias estimulatórias e a rápida eliminação
de moléculas inibitórias resultam na grande regeneração axonal observada após lesão. A morte e

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sobrevivência neuronal após uma lesão do SNC e mecanismos de excitotoxidade têm sido implicados
em lesão neuronal secundária ao trauma do parênquima cerebral.

Conforme Schmidt (1988) e Magill (2000), a reaprendizagem motora resulta da prática e


deve modificar de forma relativamente permanente o comportamento. Os princípios básicos da
reaprendizagem motora podem ser: os estímulos, a variação dos estímulos, as repetições, o feedback
e a motivação do paciente. Todos colaboram na reaprendizagem e melhora da capacidade funcional
(FERNANDES; SANTOS, 2012).

CONCEITOS DE APRENDIZAGEM MOTORA


A aprendizagem é tão abrangente que pode inserida na saúde por vários aspectos, tornando
necessária uma fusão de áreas e ideias afins para que o homem seja contemplado como ser
biopsicossocial. Daí a importância do conhecimento da neurologia, já que o encéfalo é o “objeto”
da aprendizagem.

A aprendizagem motora pode ser entendida como a aquisição ou a modificação do movimento


e é descrita como uma série de processos associados à prática ou à experiência que levam a
mudanças relativamente permanentes na capacidade de produzir uma ação. Envolve, ainda, a
aprendizagem de novas estratégias para sentir e se movimentar e surge de um processo complexo
de percepção/cognição/ação. Três conceitos refletem-se na aprendizagem motora (SHUMWAY-
COOK; WOOLLACOTT, 2003):

1. Resulta da experiência ou da prática;


2. Não pode ser medida, a não ser pelo comportamento motor;
3. Produz mudanças relativamente permanentes no comportamento.

A neurociência cognitiva cobre os campos do pensamento, aprendizado e memória. Estudos


sobre o planejamento, o uso da linguagem e as diferenças entre a memória de eventos específicos
e a memória para o desempenho de habilidades motoras são exemplos oriundos da análise no
nível cognitivo (LUNDY-EKMAN, 2008). Verifica-se a complexidade do tema, que não compete a
uma única área ou campo de atuação ou de pesquisa.

Em 1823, Jean-Pierre-Marie Flourens propôs que o cérebro tinha um papel muito importante
na coordenação motora, sugerindo que a partir daí se desenvolveriam as funções cognitivas, cujas
propriedades neurais globais provinham da atividade integrada de todo cérebro. Porém, no início

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do século 20, Pierre Paul Broca argumentou que a linguagem, que distingue o homem de outras
espécies, se localiza em uma área específica. A partir daí surgiram as ideias principais:

• O encéfalo se comunica com o corpo através de nervos e condução elétrica.


• As lesões do sistema nervoso podem afetar as sensações, o movimento e a cognição.
• O encéfalo tem partes distintas com diferentes funções: o movimento, a percepção, a emoção
e a linguagem podem se localizar em sistemas neurais anatomicamente diferenciados.

As pesquisas em neurociência, a partir do século 20, se baseiam principalmente na eletrofisiologia


e na neuroanatomia (REDOLAR, 2002). Em 1912, Sherrington e Brown propuseram a organização
dinâmica do córtex cerebral estimulando o córtex motor de um chimpanzé, e desde aí foi descrita
a neuroplasticidade.

O estudo do aprendizado, da memória e da linguagem está, atualmente, produzindo informações


importantes sobre como o processamento do conhecimento explícito e implícito é distribuído no
encéfalo. O aprendizado pode ser avaliado pelo treinamento repetitivo do sujeito em uma tarefa e
observando-se a alteração progressiva do desempenho (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000).
Esse é o resultado da estimulação, o que pode ser extensivo à área motora com muita propriedade,
pois o ato motor não ocorre sem antes ter sido aprendido, repetido e memorizado.

Para compreender melhor o assunto faz-se necessária a relação entre a evolução do homem, sua
filogênese e o desenvolvimento do encéfalo. Nos primatas, houve modificação na estrutura óssea
e postural do homem, o que possibilitou a diferenciação do seu encéfalo. A grande diferença entre
o humano e os primatas não é a quantidade de neurônios ou o volume, mas a organização interna,
as inter-relações entre as várias áreas, a eficiência bioquímica e neuroendócrina e as conexões
entre os vários blocos funcionais.

A evolução da motricidade não se deve à expansão do encéfalo, mas sim à sua reestruturação, e
em função da qual podem-se compreender três aquisições de grande importância: a aprendizagem
(a maioria dos comportamentos dos homens são aprendidos), a fabricação de instrumentos e a
linguagem.

A aprendizagem (simbólica ou não), a linguagem e o trabalho exigem que o encéfalo se organize e


planeje as ações no espaço e no tempo, o que inclui a capacidade motora adequada para a realização
do ato, obtendo resultados satisfatórios. Se entendermos a aprendizagem como mudança estável
e permanente de comportamento adquirida através da experiência, o encéfalo humano, antes de

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ser um instrumento de ação (transformação), deve ser um instrumento de preparação (informação-
formação).

O nascimento do pensamento reflexivo traduz a relação entre a mão (aspecto motor) e o encéfalo
(aspecto psíquico) através da exploração e da observação visual. E a reflexão é a consciência da ação
retardada que possibilita ao homem a antecipação da ação, que exige uma imagem que sustenta o
projeto (táticas e estratégias) da ação que se prolongará através da mão (FONSECA; MENDES, 1988).

Um encéfalo que é capaz de gerar linguagem também pode produzir objetos, fabricar instrumentos.
O trabalho gera cultura, razão predominante da expansão cerebral, com todas as suas ilimitadas
capacidades e aptidões biológicas, dependentes de uma organização social cada vez mais complexa.
O comportamento social é o último nível da inteligência humana, resultado de bases biológicas que,
em termos filogenéticos, foram se diferenciando a partir da experiência no meio.

O homem é resultado de uma totalidade biopsicossocial que se fundamentou na evolução


da espécie, tornando-se capaz de conceber e fabricar instrumentos, de se comunicar com seus
semelhantes por meio da linguagem articulada e de conviver em sociedade. O esquema abaixo
permite melhor visualização da evolução da espécie, dividindo-se em hominização do corpo e
hominização do espírito, sendo uma a evolução morfológica e outra a evolução da “inteligência”,
respectivamente.

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FIGURA 17 - Evolução da espécie

Fonte: adaptado de Fonseca e Mendes (1987).

A denominação funções corticais superiores tem como sinônimos, na bibliografia especializada,


“funções mentais superiores”, “funções cerebrais superiores”, “funções superiores” ou ainda
“funções psíquicas” (MACHADO, 2002). Também se vê que, na fase posterior, se agrupam três
entidades: apraxia, agnosia e afasia. Estas podem ser descritas com as seguintes características:
são específicas do homem, são produtos de processos de aprendizagem e são indispensáveis em
todos os processos de aprendizagem.

Um fato muito relevante que deve ser levado em conta é a memória e a aprendizagem motora.
Alguma aprendizagem motora ocorre no córtex sensório-motor. Karni et al. (1995) realizaram um
experimento no qual os participantes praticaram uma sequência específica de movimentos dos
dedos. Conforme o desempenho melhorava, ocorria aumento da área cortical ativada pelo movimento.
A movimentação dos dedos de acordo com padrão não praticado ativava uma área menor. Desta
forma, os neurônios da área sensório-motora parecem ter formado redes que delineiam padrões
motores específicos.

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Em outro estudo de movimentos sequenciais dos dedos, o aprendizado de um padrão sequencial
de movimento dos dedos ativou a área sensório-motora da mão, a área pré-motora, a área associativa
sensório-motora contralateral e o cerebelo ipsilateral. Conforme progrediu o aprendizado, a atividade
na área somato-associativa diminuiu à medida que os participantes relatavam não estarem mais
usando indícios (pistas) verbais internas para dirigir os movimentos e estes movimentos ficavam
menos dependentes da informação somatossensorial. Enquanto declinava a atividade da área
associativa somatossensorial, a atividade do globo pálido e do putâmen aumentava. Concluiu-se
que os gânglios da base eram críticos para o estabelecimento das memórias motoras (LUNDY-
EKMAN, 2008).

Quando tratamos do homem em relação à aprendizagem, é necessário defini-lo como objeto da


mesma, mais precisamente caracterizado como ser cognoscente, o ser em processo de construção do
conhecimento (SILVA, 1998), processo esse que só termina com o fim do indivíduo. O ser cognoscente
está envolvido em um todo no qual o aspecto biológico e motor também se encontram envolvidos.

A aprendizagem passa pelo corpo em todo seu processo. É o corpo que realiza a ação e sente
prazer por dominar a ação (FERNÁNDEZ, 1991). O corpo é o mediador entre a informação e a
formação, fixando aquela até que se transforme em memória e possa ser requisitada a qualquer
momento. O mundo exterior (os objetos e os outros) deve primeiro ser agido e experimentado para
que possa ser pensado e conhecido (integrado) posteriormente. A inteligência se encarregará de
coordenar a motricidade (FONSECA; MENDES, 1987).

Sara Paín vê diferenças entre corpo e organismo, propondo que o organismo tem uma função já
codificada e o corpo aprende a função, porém um está vinculado ao outro. Acredita também que a
memória do corpo é diferente da memória do organismo, e ambas se conjugam com as memórias
das inteligências e do desejo na aprendizagem (FERNÁNDEZ, 1991).

Não há aprendizagem que não esteja no corpo, assim como não há imagem enquanto o corpo
não começa a inibir o movimento. É o registro desta inibição o que possibilita separar o pensamento
do momento em que esse movimento vai tornar-se ativo – o movimento é entendido como uma
marca interior (FERNÁNDEZ, 1991). Segundo Piaget, todos os mecanismos cognitivos assentam
na motricidade. Esta é o meio (e o instrumento) facilitador de todas as formas de expressão verbal
e não verbal (FONSECA; MENDES, 1987).

A aprendizagem é um processo e uma função que vai além da aprendizagem escolar e não se
limita à criança (FERNÁNDEZ, 1991). Visto que o indivíduo “em aprendizagem” constitui um processo

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em construção, em um eterno ir e vir, deve ser considerado até a sua morte como um indivíduo apto
a aprender e transformar-se.

A aprendizagem é um processo que ocorre por vínculo e de forma lúdica e sua base é a experiência
corporal. Para que os resultados da aprendizagem se concretizem, o processo é mais importante
que os rendimentos. Deve ser levado em conta principalmente as necessidades, desejos, objetivos e
capacidades dos indivíduos para poder estabelecer formas que possam atender suas expectativas
e motivá-las à aprendizagem e, como consequência, suas transformações.

É importante ressaltar o papel do cerebelo na aprendizagem motora. O cerebelo armazena alguns


aspectos da memória motora e aprende as habilidades motoras com as extremidades. Durante o
aprendizado, a frequência de picos de descarga elétrica é muito extrema. Quando se aprende, esses
picos se normalizam sob a influência da modulação das fibras trepadeiras, musgosas e células
de Purkinje, todas no córtex cerebelar. Esse estímulo é aumentado e leva à resposta adaptada dos
movimentos inicialmente imprecisos. O cerebelo também participa da harmonização e coordenação
dos movimentos, influenciando o mecanismo de inibição recíproca entre os grupos musculares
agonistas e antagonistas (LENT, 2004).

Em todos os movimentos há contração muscular. Para que seja coordenada, essa contração
deve ser sinérgica, ou seja, os músculos agonistas e antagonistas ao movimento devem atuar
sincronicamente. O agonista, conhecido como motor principal, é o músculo que provoca ou controla
o movimento. O antagonista geralmente se localiza no lado oposto ao agonista e participa do
movimento, controlando-o. Por exemplo: quando o antebraço flete, o bíceps braquial é o agonista
e o tríceps é o antagonista. Isso resulta em um movimento harmônico e coordenado.

SAIBA MAIS

A prática é considerada o fator mais importante em aprendizagem motora e consequentemente


organização da prática é o fator mais investigado na área. Existem dois diferentes tipos de prática:
mental e física. Prática física é dividida em fracionamento, distribuição e variabilidade de prática.
Apesar dos estudos investigarem diferentes tipos de organização da prática separadamente, em
situações de ensino e treinamento todas elas interagem na organização da prática. Leia a revisão
sugerida para saber mais sobre este assunto.

http://www.scielo.br/pdf/rbefe/v25nspe/04.pdf

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A PLASTICIDADE CEREBRAL E O APRENDIZADO MOTOR
A aprendizagem motora ocorre com a participação de todos os níveis do sistema nervoso
central e se caracteriza pela necessidade e desejo de interação com o ambiente, de uma forma
adequada e que possibilite maiores explorações e experiências. A plasticidade nos humanos,
como já foi descrito, envolve mecanismos celulares como o desequilíbrio rápido entre excitação
e inibição, o que depende da região de conexões anatômicas neuronais influenciadas pelo treino
das funções. Há intensificação ou diminuição das sinapses existentes pela potencialização a longo
prazo ou depressão a longo prazo. A alteração na excitabilidade da membrana neuronal predispõe o
aparecimento de novos brotamentos e novas sinapses, promovendo inclusive alterações anatômicas
nos neurônios. A plasticidade ocorre no córtex e além dele, no tálamo e tronco cerebral. (BORELLA;
SACCHELLI, 2009).

O aprendizado motor requer ativação de diversas áreas cerebrais, como a região límbica, a
região têmporo-parieto-occipital e a região do lobo frontal. As informações somatossensoriais
que chegam da periferia participam da construção de engramas relacionados à movimentação
(ANNUNCIATO, 2013).

A interação com o ambiente, o comportamento e as experiências são capazes causar alterações


anatômicas e funcionais em cérebros adultos normais ou lesionados. A plasticidade experiência-
dependente é acompanhada pelo aumento do número de sinapses. Muitas pesquisas observam
que o treinamento motor pode induzir a adaptações estruturais e funcionais (plasticidade) em
várias áreas motoras, incluindo núcleos da base, cerebelo e núcleo rubro (BORELLA; SACCHELLI,
2009). A plasticidade pode ser atividade-dependente ou aprendizagem-dependente. A capacidade
de modificação das sinapses químicas no cérebro é um mecanismo importante na aprendizagem
comportamental (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000)

A plasticidade atividade-dependente é estimulada pelo treinamento e repetição. O treino de


atividades funcionais ativa os dendritos, aumenta a expressão de fatores neurotróficos, a neurogênese,
a sinaptogênese, a modulação pré e pós-sináptica e a angiogênese. Esses processos são mais
referidos quando se fala em cérebro lesado, porém os mecanismos celulares são os mesmos
durante as aquisições motoras do desenvolvimento infantil e as novas aquisições até a maturidade.

A plasticidade aprendizagem-dependente também potencializa as sinapses e aumenta os ramos


dendríticos, promovendo a plasticidade cerebral. O aprendizado depende de alterações persistentes
e de longa duração sináptica (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000), o que possibilita a localização

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e especificação das áreas corticais. É o aprendizado, e não a intensidade, que (re) organiza o córtex,
representando a consolidação das novas sinapses.

FIGURA 18 - Sinapse modificada pelo uso

Fonte: http://www.sistemanervoso.com/pagina.php?secao=2&materia_id=463&materiaver=1

A plasticidade neural permite mudanças adaptativas e/ou reorganização em condições normais


ou patológicas. Em condições normais, como nos processos de aprendizagem condicionado e não
condicionados e, em casos patológicos ocorrem a adaptação e não adaptação (BAYONA; PRIETO;
LEON-SARMIENTO, 2011).

Segundo Kandel, Schwartz e Jessell (2000), a aprendizagem é o processo por meio do qual
adquirimos conhecimento sobre o mundo e memória é a retenção ou armazenamento desse
conhecimento. Para aprender, portanto, é necessário e fundamental experimentar, e a retenção
precisa de inúmeros processos bioquímicos neurais. O armazenamento da memória é distribuído

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e dependente de várias regiões do encéfalo, embora os processos e tipos de memória tenham
localização específica.

Existem pesquisas que comprovam, por imagem, as alterações plásticas no mapa somatotópico
do córtex motor de humanos adultos em decorrência do aprendizado motor. Os indivíduos cegos
leitores de braille têm maior representação cortical motora do dedo “leitor”. Em pianistas profissionais,
a representação cortical motora da mão é maior e provavelmente definitiva, uma vez que estudos
feitos em leigos demonstraram um aumento dessa área durante o período de treinamento e o retorno
ao tamanho original quando o treino era abandonado (BRASIL NETO, 2004).

CONTROLE MOTOR E DESENVOLVIMENTO HIERÁRQUICO DE HABILIDADES


MOTORAS
Controle motor é a capacidade de regular ou orientar os mecanismos essenciais para o movimento
(SHUMWAY-COOK; WOOLLACOTT, 2003). Gallahue e Ozmun (2003) consideram o controle motor
como pré-requisito do aprendizado e do desenvolvimento que lida com o estudo de tarefas isoladas
em condições específicas e, ainda, como a atuação do sistema nervoso com o objetivo de realizar
movimentos corporais de maneira eficiente e adaptada ao contexto (CRUZ, 2005).

O resultado final do controle motor é a realização do movimento voluntário coordenado e


harmonioso. Para que isso ocorra, quatro processos estão envolvidos: a motivação, a programação e a
execução. O sistema límbico e o sistema sensório-motor também estão envolvidos (de forma interativa
mas distinta). O sistema límbico inclui estruturas corticais conectadas a áreas do mesencéfalo e
do tronco cerebral que controlam a fome, sede, frequência cardíaca, pressão arterial e temperatura
corpórea. Está ainda envolvido no controle e na regulação do comportamento emocional e no
processo de aprendizagem (COHEN, 2001).

O termo sistema sensório-motor indica a combinação de todos os processos envolvidos na


produção de movimentos coordenados. Ele se responsabiliza pelas sensações, percepções e ações
motoras. O movimento depende de centros motores, porém, para que ele ocorra, é necessária a
retroalimentação sensorial e perceptual armazenada (COHEN, 2001).

As motivações originadas no sistema límbico são analisadas e transformadas em ideias no córtex


associativo (lobos frontal, parietal, temporal e occipital). As ideias são formatadas, programadas
no córtex sensório-motor, no cerebelo, nos núcleos da base e nos núcleos subcorticais, e são
codificadas as estratégias desde movimentos gerais até específicos (COHEN, 2001).

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O córtex motor é o último a ser ativado na programação de movimento voluntário do giro pré-
central, antes de o estímulo ser retransmitido ao tronco encefálico e à medula para a execução.
O movimento é produzido por contrações musculares precisas e coordenadas, ativadas pelos
motoneurônios através das inervações musculares.

Diferentes circuitos neuronais participam do controle motor, desde movimentos reflexos até
o planejamento e execução de movimentos voluntários. Esses circuitos vão respectivamente dos
mais simples, que ocorrem em apenas um nível (alça curta), até os mais complexos, que demandam
vários níveis (alça longa). As alças curtas, níveis de controle neuronais mais baixos, promovem
respostas simples e rápidas e corrigem pequenas perturbações no movimento. Por sua vez, as
alças longas, níveis de controle neuronais mais altos, respondem de maneira elaborada e lenta e
corrige perturbações maiores no movimento resultantes de mudanças ambientais ou dificuldade
de execução (CRUZ, 2005).

FIGURA 19 - Modelo de organização das estruturas envolvidas no controle motor

Fonte: Cruz (2005).

Nos músculos encontramos órgãos sensoriais – órgãos tendinosos de Golgi – e os fusos


neuromusculares ou fusos musculares. Os órgãos tendinosos de Golgi são estruturas encapsuladas
que entrelaçam o músculo ao tendão e fibras nervosas sensoriais. Eles são responsáveis por
detectar mínimas tensões sobre o músculo. Essas tensões podem ser internas ou externas. Já os

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fusos neuromusculares consistem em fibras musculares, terminações sensoriais e terminações
motoras sensíveis à variação do comprimento da fibra muscular (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL,
2000; COHEN, 2001; LENT, 2004; LUNDY-EKMAN, 2008).

Esses órgãos sensoriais, conforme suas funções específicas, são responsáveis pelo controle
da contração muscular e pela propriocepção, fundamentais para o controle motor involuntário e
voluntário. A palavra propriocepção deriva do latim proprius (“de si mesmo”), percepção do próprio
corpo e refere-se aos processos sensoriais envolvidos na consciência postural estática e dinâmica
e é frequentemente usada como sinônimo de percepção de movimento (COHEN, 2001).

As informações sensoriais ou informações aferentes partem da periferia e acessam a região


cortical por meio das vias ascendentes, que após o reconhecimento do estímulo o envia para regiões
encefálicas superiores, passando pelo tronco encefálico e o tálamo até atingir o córtex. A resposta
é então planejada e o estímulo eferente é enviado através das vias descendentes para que o órgão
efetuador execute a tarefa.

Todo comportamento envolve movimento e contração controlada dos músculos. O sistema


nervoso possui uma organização hierárquica desses sistemas. Dele participam estruturas localizadas
na medula espinhal e no tronco encefálico, reguladores dos movimentos reflexos e posturais,
locomotores simples e automáticos. No córtex cerebral estão localizadas as áreas motoras que
iniciam e controlam os movimentos voluntários mais complexos. Ainda há participação do córtex
motor pré-frontal e dos núcleos da base, envolvidos também no controle do movimento voluntários
das várias partes do corpo (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000). O cerebelo é responsável pela
manutenção do tônus muscular, do equilíbrio, da postura, bem como da coordenação dos movimentos.

O desenvolvimento hierárquico do controle do movimento acompanha a maturação do sistema


nervoso, caracterizada pela mielinização axonal, desde a embriogênese. Conforme os axônios se
mielinizam e associam-se às interferências do ambiente, o movimento se torna cada vez menos
reflexo e mais voluntário.

O controle do movimento evolui da seguinte forma: primeiro se desenvolvem as estruturas


executoras ou efetuadoras do movimento, que são os músculos. Depois, seria necessário um
sistema de comando: as estruturas ordenadoras, que transmitem aos músculos os comandos da
ação, formadas por neurônios medulares, do tronco encefálico, mesencefálicos e corticais. As
estruturas controladoras, compostas pelo cerebelo e pelos núcleos da base que se conectam ao
córtex, garantem a qualidade da execução do movimento. Além dessas, também há as estruturas

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planejadoras ou programadoras, regiões corticais que programam o movimento e veiculam aos
ordenadores para transmitir aos músculos (LENT, 2004).

A via descendente corticoespinal é a que parte do córtex motor primário direto para controlar os
neurônios motores dos músculos – especificamente os músculos individuais das mãos e dos dedos.
Após inúmeras repetições desses processos e com o aprendizado da tarefa ocorrem alterações
no padrão de conexões dos sistemas sensoriais e motores participantes desse aprendizado, o que
resulta no mapa somatotópico (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000) nas áreas corticais, ou seja,
áreas corticais que correspondem a certas partes do corpo.

Somatotopia, do grego soma (corpo) e tópos (lugar), é o mapa do corpo no cérebro. O mapa
somatotópico atualmente é chamado de homúnculo de Penfield sensitivo e motor. A existência
deles pode ser comprovada através da ressonância magnética funcional. O homúnculo sensitivo
se localiza na área sensitiva, no giro pós central e o homúnculo motor, na área motora, no giro pré-
central (LENT, 2004; MACHADO, 2002). O tamanho da área representativa corresponde à maior ou
menor funcionalidade do segmento.

O controle do movimento exige complexidade, velocidade e a precisão, e necessita de um


sistema de controle sofisticado. Desse controle participam duas estruturas: o cerebelo e os núcleos
da base, lembrando que essas duas estruturas são controladoras. Elas não têm contato direto com
os neurônios motores, mas apresentam conexões com áreas superiores através do tálamo. Desse
contato entre córtex e cerebelo se estabelece o controle motor (LENT, 2004).

DESENVOLVIMENTO MOTOR
Vários fatores influenciam o processo e o resultado do desenvolvimento motor de forma isolada ou
em conjunto. Fatores genéticos e ambientais interferem na aquisição, desenvolvimento e refinamento
de padrões e habilidades motoras de maneira complexa. A maturação neuromotora obedece a uma
sequência (cefalocaudal, proximodistal) desde a fase intrauterina e se mantém ao longo da vida e,
na velhice, a “involução motora” ocorre a partir das últimas aquisições. A coordenação motora fina
é dificultada antes dos movimentos dos ombros, por exemplo (GALLAHUE; OZMUN, 2003).

O desenvolvimento motor é resultante da maturação neuromotora e se caracteriza pela crescente


habilidade para diferenciar e integrar mecanismos motores e sensoriais. Segundo Gallahue e Ozmun
(2003), a diferenciação e a integração tendem a agir simultaneamente em um movimento coordenado:
a diferenciação proporcionando refinamento dos movimentos e a integração permitindo que os

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sistemas sensoriais e vários grupos musculares, mesmo que opostos, participem dos mesmos
movimentos de forma coordenada.

Os sinais neuronais constituem o meio através dos quais sistemas sensoriais e motores se
comunicam no sistema nervoso e possibilitam a execução de tarefas. Os neurônios sensoriais
recebem o estímulo externo e os neurônios motores são a via final comum do sistema nervoso para
execução do movimento. Há uma hierarquia morfológica e funcional no sistema nervoso central que
permite a evolução do controle motor, de reflexo a voluntário (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000).

Os movimentos reflexos ocorrem na medula, são iniciados na fase intrauterina e são a forma
mais simples (menos elaborada neurologicamente), porém ela é a estrutura fundamental, pois
participa da execução de todos os movimentos, inclusive os voluntários. Superior a ela na hierarquia
motora é o tronco encefálico, responsável pelos movimentos automáticos ou padrões motores
rítmicos associados aos núcleos da base, que auxiliam na modulação do movimento. Já o córtex
cerebral é a estrutura mais elaborada do sistema nervoso central e aí concentram as estruturas
que permitem o movimento voluntário (MACHADO, 2002). Essas três classes de movimento diferem
em sua complexidade e no grau de controle voluntário.

Os movimentos reflexos são respostas rápidas, estereotipadas e involuntárias, como a deglutição.


Os padrões de motores rítmicos combinam movimentos reflexos com voluntários. O início e o
término são voluntários, mas a sequência é repetitiva, automática como o andar. E os movimentos
voluntários são mais complexos, proposicionais (dirigidos a um objetivo) e aprendidos (sua execução
melhora com a prática), como tocar piano. Além do controle pela maturação do sistema nervoso, há
necessidade de coordenação da contração muscular entre os músculos agonistas e antagonistas
(KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000).

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FIGURA 20 – Ato reflexo

LEGENDA: Ato reflexo é o nome dado ao movimento que é realizado; arco reflexo é a comunicação, o caminho
que o impulso nervoso percorre desde o estímulo no órgão receptor até o movimento no órgão efetor.

Fonte: http://www.museuescola.ibb.unesp.br/images/1.Movimento_Reflexo_patelar_exp_1.jpg

Assim como a capacidade, a habilidade e a potencialidade, a aptidão também é necessária


para o desenvolvimento motor. A aptidão pode ser definida como as condições intrínsecas à
tarefa, ao indivíduo e ao ambiente que permitem o domínio da tarefa. Por sua vez, a aptidão física
é a capacidade de realizar atividades físicas com relativa facilidade e pode ser dividida em aptidão
física relacionada à saúde e aptidão referente ao desempenho motor. Podemos, ainda, definir a
aptidão física como a percepção de fatores que podem encorajar o aprendizado. A maturação física
e mental, a interação com a motivação, o aprendizado de pré-requisitos e um ambiente enriquecedor
influenciam na aptidão (GALLAHUE; OZMUN, 2003).

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CURIOSIDADE

Nascemos já sabendo mamar, o que é importante para a alimentação. O reflexo de sucção e procura
do seio passa a ser voluntário por volta do segundo mês!

Também nascemos quase sabendo andar: o reflexo de marcha; esse logo desaparece. Sabemos
nadar: quando os pés estão em contato com a água, ocorre movimento reflexo dos braços, como se
fosse uma tentativa de nado. Seguramos: reflexo de preensão palmar, entre outros.

Para mais informações acesse o site sugerido abaixo:

http://sonosesonhos.blogspot.com.br/2009/08/reflexos-dos-recem-nascidos.html

CONCEITOS DE CAPACIDADE, HABILIDADE E POTENCIALIDADE


As capacidades, habilidades e potencialidades são diferentes, porém interdependentes. É
necessária capacidade para realização de uma atividade, porém de habilidade a atividade não se
concretiza ou não há aperfeiçoamento.

A capacidade é inata, herdada geneticamente, estável e permanente. É definida como uma


composição de características funcionais essenciais na execução de uma habilidade motora.
Subdivide-se em condicionantes (força, explosão, resistência, velocidade, flexibilidade e agilidade)
e coordenativas (ritmo, equilíbrio, coordenação e adaptação espaçotemporal). Ela está relacionada
com a qualidade em que o indivíduo executa as tarefas e com a variedade das habilidades motoras,
como força, velocidade, tempo de reação, flexibilidade e equilíbrio (PALAFOX, 2004). É uma capacidade
inata e estável no indivíduo.

Além disso, há também as capacidades motoras globais, que não necessitam de precisão do
movimento, mas apenas coordenação – correr, saltar etc. – e as capacidades motoras finas, que
envolvem o controle de grupos musculares específicos e pequenos que garantem a precisão dos
movimentos e requerem coordenação óculo-manual – escrever, digitar, bordar etc.

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FIGURA 21 – Capacidade, habilidade e potencialidade

Fonte: vitstudio/ shutterstock.com

As habilidades são atos ou tarefas que refletem uma capacidade de alcançar um resultado com
mínimos erros, gasto energético e tempo. Pode ser aprendida e modificada com a prática. As diversas
habilidades dependem de diferentes subconjuntos de capacidades que, agrupados corretamente,
desempenham uma função (por exemplo, nadar). Podem ser subdivididas em fundamentais ou
específicas. As fundamentais são: deslocamento, manipulação, estabilização e combinadas. As
específicas podem ser entendidas como a utilização das habilidades fundamentais em atividades
mais elaboradas e com regras específicas (GALAHUE; OZMUN, 2003).

Pode ainda ser entendida como uma tarefa com uma finalidade específica a ser atingida e que
normalmente exige movimentos voluntários do corpo e/ou dos membros para atingir o objetivo
e, portanto, precisam ser aprendidas (MAGILL, 2000). Representa, ainda, a capacidade adquirida
através da prática de atingir um objetivo com a máxima certeza em mínimo tempo.

Potencialidades são características dos indivíduos sujeitas à mudança como um resultado da


prática. Representam o potencial de uma pessoa para exceder o desempenho de uma tarefa.

Em resumo:

• Capacidades: estáveis, geneticamente determinadas. Embasam o desempenho dos indivíduos.


Não são modificáveis pela prática.
• Habilidade: potencialidade para produzir um resultado do desempenho com máxima eficiência,
desenvolvida como um resultado da prática.

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• Potencialidade: características modificáveis com a prática que representam o potencial da
pessoa para progredir na tarefa.

RETENÇÃO E ESQUECIMENTO DE APRENDIZAGEM


A memória é a retenção ou armazenamento dos conhecimentos sobre o ambiente (KANDEL;
SCHWARTZ; JESSELL, 2000). Quando a retenção ocorre, muitas modificações neuronais, temporárias
ou definitivas já estão em curso, causando mudanças no número, calibre e velocidades das sinapses
e caracterizando alteração no comportamento neuronal e no comportamento do indivíduo. Recentes
estudos nas neurociências possibilitam um entendimento cada vez mais preciso sobre como os
circuitos neurais incorporam e consolidam experiências passageiras em eventos duradouros de
nossa memória (OLIVA; DIAS; REIS, 2009).

A capacidade de retenção é individual e difere em cada situação. No caso da memória de curto


prazo, tal capacidade pode ser finita e não parecer que ultrapassa um pequeno número de itens
por vez. No caso da lembrança de dados autobiográficos, por outro lado, essa capacidade pode
ser infinita (LENT, 2004). Com relação ao tempo de retenção, já visto no item anterior, pode ser de
curto ou longo prazo.

Quando se recebe uma informação nova, ela precisa ser estabilizada e consolidada. Essas
etapas são fundamentais para a fixação da memória e necessitam de tempo depois do aprendizado.
A maior parte do processo de consolidação se completa nas primeiras horas após o aprendizado,
mas a estabilização da informação armazenada se estende mais e envolve alterações neuronais
contínuas. A lembrança de algo necessita de reconstrução e adição de alguma informação nova
ao arquivo já formado.

Para que haja a retenção duradoura, são necessárias várias etapas (LENT, 2004):

• Aquisição: entrada de qualquer evento memorizável (objeto, som, acontecimento, emoção etc.)
nos sistemas neuronais ligados à memória.
• Seleção: durante a aquisição deve haver a seleção dos eventos, priorizando detalhes e/ou
importância dos fatos.
• Consolidação: os eventos mais significativos permanecem na memória por longo tempo ou
permanentemente.
• Evocação: também denominada lembrança. Acesso e utilização da informação armazenada.
• Retenção: por curto ou longo prazo, os aspectos selecionados ficam disponíveis para serem
lembrados.

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• Esquecimento: importante para a seleção e priorização dos eventos que devem ser retidos.
Depende do tipo e quantidade de utilização de cada evento.

Antigamente, estudiosos questionavam sobre a localização específica das funções da memória


e havia um contrassenso sobre a ampla distribuição por todo cérebro ou a localização específica.
Atualmente se sabe que existem algumas regiões predeterminadas para cada tipo de retenção –
motora, fala, audição e visão, mas a memória depende de muitas regiões cerebrais que precisam
de interligação (KANDEL; SCHWARTZ; JESSELL, 2000).

Experimentos demonstram que as conexões neuronais podem ser hipertrofiadas, originar novas
sinapses ou até regredir para dar lugar a sinapses mais novas através de estímulos repetitivos ou
ativação intensiva, que resulta em crescimento dos potenciais pós-sinápticos excitatórios (EPSPs),
facilitando a transmissão das informações entre os neurônios. Se as sinapses se modificam em
resposta à ativação intensiva, elas podem ser responsáveis pelos fenômenos da aprendizagem e
memória (ECCLES, 1979).

O conteúdo emocional das memórias também afeta a maneira como estas são armazenadas e,
portanto, a sua evocação, a facilidade com que são lembradas e a sua retenção. A emoção melhora
a memória declarativa através de circuitos na amígdala. O humor e a motivação também interferem
na retenção e evocação da memória.

FIGURA 22 – Esquecimento

Fonte: macro-vectors/ shutterstock.com

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O esquecimento é um processo fisiológico normal no processo de retenção, prevenindo a
sobrecarga dos sistemas cerebrais e permitindo a filtragem dos aspectos mais relevantes da
informação. Contudo, também há o esquecimento patológico (LENT, 2004). O esquecimento
fisiológico é adaptativo, na medida em que são retidas apenas informações relevantes para agir
sobre o ambiente (PERGHER; STEIN, 2003).

Há dois modos diferentes de esquecimento: o acidental e o proposital. O acidental ocorre quando


uma parte do novo conhecimento não foi retida nem integrada no sistema de memória e é perdida
rapidamente, ou ainda como consequência de perda acidental do conhecimento já armazenado – por
exemplo, na transferência do sistema límbico para o córtex. Esse tipo é frequentemente prejudicial.
O esquecimento proposital envolve a remoção da parte obsoleta da nova informação antes que seja
retida. Apesar de ser proposital, há manutenção de várias outras partes para facilitar a organização
e armazenamento da informação (REMOR et al., 2010).

Segundo Pergher e Stein (2003) há várias teorias que explicam o esquecimento, a principal delas
é a teoria da deterioração, que acusa o desaparecimento dos traços da memória. Há também a
teoria da falha na recuperação e a teoria dos esquemas, dificuldade ou impossibilidade de acesso
a informações já armazenadas. Ainda temos a teoria da interferência, que atualmente embasa as
teorias do esquecimento e pode ocorrer em ambos os grupos anteriores, dependendo do período
do seu aparecimento.

A teoria da deterioração, demonstrada por Ebbinghaus, no final do século 19, demonstra que o
esquecimento ocorre em grande parte nos momentos iniciais da aprendizagem. Estudos posteriores
afirmam que há variações discretas nesse período conforme as informações. Conforme essa teoria,
com a passagem do tempo as memórias se enfraquecem até desaparecerem completamente. Esse
processo é diretamente proporcional ao uso, o que reforça e favorece as novas conexões sinápticas,
diminuindo a possibilidade de deterioração. Essa teoria é amplamente aceita, porém alguns estudos
não concordem completamente com ela, principalmente com a evolução dos estudos da memória
e formas de estimulá-la.

A falha na recuperação é outra teoria proposta que considera que as informações não são
“apagadas” da memória, mas pode ocorrer uma falha no acesso a elas. Várias pesquisas foram
empreendidas a fim de comprovar essa teoria e constatou-se que pode sim haver falhas na recuperação
da memória. Os motivos são simples: desde estresse até falta de estratégias no momento da
recuperação (por exemplo, quando se solicita a recordação de uma lista de “coisas”, é interessante

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que se agrupe essas “coisas” conforme suas espécies para facilitar a recuperação). Também sabe-
se que uma informação com mais significância emocional possui maior possibilidade de retenção
e de recuperação quando solicitada.

Na teoria dos esquemas, o que é codificado e armazenado na memória é fundamentalmente


determinado por um esquema pré-existente. Algumas informações podem ser perdidas pela falta de
familiaridade com elas. Isso foi comprovado através de testes que envolviam mais do que a repetição
de palavras ou sílabas desconectadas. Introduziram-se fenômenos do dia-a-dia (teste denominado
validade ecológica) e foi comprovada a influência de um esquema mnemônico preexistente que,
quando ativado, poderia perder ou distorcer informações já armazenadas e resultar no esquecimento.

Ainda segundo Pergher e Stein (2003), a teoria da interferência refere-se à influência de uma
memória sobre a outra, da facilidade de recuperar as informações mais antigas. Essa teoria não
considera o efeito corrosivo do tempo, e sim a sequência dos eventos mais atuais ou mais antigos
e as informações entre esses períodos.

O esquecimento ou dificuldade de retenção e manutenção da memória sempre foi alvo de


muita preocupação de indivíduos e pesquisadores. Atualmente, as fortes influências ambientais
(poluição atmosférica, sonora e visual, impregnação dos alimentos por agrotóxicos, entre outras),
sociais (estresse, por auto-afirmação baseada em fatores cada vez mais “inalcançáveis”), culturais
(excesso de informações causadas pela globalização e facilidade de acesso), profissionais (mercado
de trabalho cada vez mais exigente) e financeiras, entre outras influências, tornam o esquecimento
cada vez mais frequente, precoce e preocupante, passando de um fenômeno fisiológico para os
limites das doenças demências.

ATIVIDADE REFLEXIVA

A emoção interfere no processo de retenção de informação. É preciso motivação para aprender. A


atenção é fundamental na aprendizagem. O cérebro se modifica em contato com o meio durante
toda a vida. A formação da memória é mais efetiva quando a nova informação é associada a um
conhecimento prévio. Reflita sobre qual é o papel futuro da neurociência na área de educação.

Artigo: Neurociência: como ela ajuda a entender a aprendizagem

https://novaescola.org.br/conteudo/217/neurociencia-aprendizagem

Portal do Instituto de Pesquisas em Neuroeducação:

http://www.neuroeducacao.com.br/neuroeducacao.asp

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CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se estuda sobre aprendizagem, é imprescindível a curiosidade pelo processo e como
ocorre. A aprendizagem é descrita de várias formas. Os estágios, as aquisições específicas, a
necessidade de maturidade e de controle físico e emocional respondem ao que acontece (como
acontecem os “resultados”), mas a plasticidade neuronal pode ser a explicação do que ocorre
bioquímica e neurofisiologicamente para que o encéfalo se modifique e possa se afirmar que a
aprendizagem foi consolidada.

GLOSSÁRIO
• Denervação: desaparecimento de alguns botões axonais. É uma das alterações patológicas
mais comuns em músculo. Decorre da perda do axônio motor, ou de todo o motoneurônio.
• Desenvolvimento ontogenético: corresponde ao conjunto de transformações que ocorrem em
um organismo, desde que se forma o zigoto, passando por todas as fases embrionárias, até
que se complete a sua formação.
• Disartria: distúrbio da articulação da fala (dificuldade na produção de fonemas) que resulta
de uma lesão cortical ou de uma lesão periférica (paralisia dos órgãos de fonação).
• Epigenéticos: a epigenética é um termo usado na biologia para se referir a características de
organismos unicelulares e multicelulares (como as modificações de cromatina e DNA) que
são estáveis ao longo de diversas divisões celulares mas que não envolvem mudanças na
sequência de DNA do organismo.
• Espinhas (ou espículas) dendríticas: são pequenas saliências (espinhos) que ficam ao longo
dos axônios e dos dendritos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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