Apostila - O ESTUDO DA PALAVRA Ronaldo Batista
Apostila - O ESTUDO DA PALAVRA Ronaldo Batista
Apostila - O ESTUDO DA PALAVRA Ronaldo Batista
O estudo da
palavra................................................................................................................. Seção 1:
estudo da sentença..............................................................................................................
Bibliografia e indicações de
leituras..........................................................................................
O autor.......................................................................................................................................
Apresentação
Ao chegar ao nível superior para iniciar um curso de Letras, os alunos, em geral, deparam-se
com uma situação que os leva à surpresa, senão a espanto, já que o objetivo dos cursos de
língua na universidade é predominantemente o de oferecer subsídios, de caráter científico,
para a prática de descrição e análise linguísticas. De fato, muitos dos estudantes esperam
encontrar na graduação em Letras uma oportunidade para rever, ou mesmo aprender, aspectos
de norma culta escrita e de uso oral formal da língua. Mas não é isso o que os estudantes
encontram. É importante frisar, sempre, que o desenvolvimento dos alunos no uso da norma
culta da língua é responsabilidade do ensino de língua portuguesa nos níveis básicos e
resultado de leitura e prática de escrita ao longo do desenvolvimento de nossas diferentes
perspectivas profissionais. Não quero, com essas considerações, negar a importância e o valor
da norma culta em nossa sociedade. Tal forma de uso da língua encontra seu espaço social já
bastante sedimentado, e a escola deve fornecer ao aluno o instrumental adequado para que ele
seja proficiente nessa forma de uso de sua língua materna, assim como também é importante
que a escola transmita a ele noções de variação linguística, para que esse mesmo aluno não
reproduza opiniões imprecisas a respeito do que é a língua e suas formas e modalidades de
uso no espaço social.
Sendo assim, o objetivo principal deste livro é oferecer aos alunos de Letras um material
didático que permita o ingresso no universo fascinante de descrição e análise de uma língua
tendo por bases concepções da ciência da linguagem. Encontramos aqui outra barreira, uma
vez que os descaminhos do ensino de gramática nos níveis básicos faz com que nossos alunos
adquiram verdadeira aversão em relação ao estudo gramatical da língua. Também não
iniciarei aqui uma reflexão a respeito dos objetivos e funções do ensino de gramática na
educação básica, porém é importante salientar que tal perspectiva deveria ser feita por meio
do estímulo da curiosidade científica do aluno, que passaria a ver uma língua e sua gramática
como algo a desvendar, como se estivéssemos diante de uma curiosa engenharia que pode ser
desvendada para que melhor se conheçam seus mecanismos de organização e uso. Bom, a
tarefa é árdua e necessita, sem dúvida, de uma revisão do ensino de gramática para os alunos
de níveis básicos. Mesmo assim, o que se propõe neste livro é que os alunos de Letras
comecem a ver a organização gramatical da língua portuguesa como um objeto científico, e
deixo nas mãos dos professores a tarefa de fazer com que esses alunos vejam a língua e sua
gramática como um objeto de estudo instigante.
Tendo esse caminho em vista, este manual procura introduzir o aluno nas atividades de
descrição e análise da estrutura da língua portuguesa. Não assumi de forma incisiva nenhuma
teoria para aproximar o aluno do tratamento científico de uma língua. Naturalmente que
muitos dos pontos vistos no livro apresentam subjacentes aspectos particulares a alguma
teoria linguística, porém optei pela iniciação a uma atividade antes de tudo descritiva e não
teórica, seguindo passos pioneiros de Perini (2006).
Assim, convido vocês, alunos dos cursos de Letras, a iniciar o que vou chamar de aventura no
universo de observação científica da língua portuguesa. Para sua iniciação, trabalharemos
essencialmente com a estrutura, usos e funções da língua portuguesa, considerando
privilegiadamente três componentes gramaticais: o componente lexical, com os estudos sobre
a palavra; o componente morfológico, com os estudos sobre a estrutura da palavra; o
componente sintático, tomado de duas perspectivas diferentes – a formal e a funcional. O
leitor perceberá que os aspectos formais da sentença são estudados tendo como teoria
subjacente propostas da gramática gerativa chomskiana, assim como os aspectos funcionais
são estudados por meio de uma perspectiva que retoma pontos teóricos da gramática
funcional. Nessa aventura, espero que fique aberto o caminho da curiosidade para que vocês
possam se interessar pelo aprofundamento de estudos sobre a sentença em uma dessas
perspectivas ou também pelo complexo estudo da palavra.
Agora, sim, acredito que o caminho está no seu início. Desejo a vocês, alunos de Letras, uma
boa jornada na aventura de descrever e analisar a língua portuguesa.
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Dedico aos alunos das turmas de Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie dos anos
2007 e 2008 este trabalho, já que tiveram contato com muitos tópicos deste livro, em uma
versão preliminar. Eles foram, talvez sem saber, constantemente fonte de inspiração para que
este material pudesse tomar a forma que agora ele tem.
Introdução
O que é uma língua?
Como ela pode ser analisada?
O estudo da palavra
Seção 1
Léxico e a noção de palavra
E a Lexicologia tem como objeto de estudo o léxico de uma língua, que é então definido
como o conjunto de unidades, de diferentes naturezas, que compõe o universo lexical de uma
língua.
Nossa mente tem armazenado, por assim dizer, um estoque de palavras, denominado de
léxico. Mas o que é esse léxico? Do que ele é constituído? Teorias linguísticas têm apontado
que o léxico contém raízes e afixos, além de elementos de natureza gramatical. Tal afirmação
baseia-se nas seguintes hipóteses:
2ª. hipótese: Há, evidentemente, em todas as línguas uma grande possibilidade de criação de
novas palavras. Essas criações não estão armazenadas no léxico. Daí a se supor que, na
verdade, o que o léxico contém são raízes, afixos, material gramatical e informações a
respeito dos processos de formação de novas palavras.
“É muito comum que o léxico não seja entendido apenas como uma longa lista de palavras. Ao
contrário, concebemos o léxico como um conjunto de recursos lexicais, que incluem os morfemas
da língua e mais os processos disponíveis na língua para construir palavras com esses recursos.
Por exemplo, dada a existência em português de verbos como compensar e oxidar, e dos afixos
formadores de palavras — ável — (a)nte e anti-, qualquer falante podia chegar às palavras
compensável
(como em cheque compensável) e anti-oxidante [...], bem antes que elas fossem dicionarizadas,
usando-as com a expectativa de ser imediatamente compreendido por seu interlocutor, mesmo
que os dois não as tivessem nunca encontrado antes.”
(R.L. Trask, Dicionário de linguagem e lingüística, p. 155)
Para estudar o léxico da língua portuguesa, é preciso iniciar com uma definição precisa, ou
pelo menos tentar uma definição precisa, do que consideraremos como o léxico da língua
portuguesa e seus componentes. Tendo essa definição em vista, começamos com uma
distinção entre o que vamos considerar como os dois tipos de léxico: o léxico interno e o
léxico externo.
Chamamos de léxico interno o conjunto de conhecimentos que o falante nativo tem a respeito
da estrutura, significado, composição e formação das unidades lexicais que compõem sua
língua. Ou seja, o léxico interno é correspondente a nossa competência lexical, saber abstrato,
internalizado, parte do desenvolvimento de nossa competência linguística (que todo falante
possui, independentemente do grau de escolarização que o define).
Nesse léxico interno, há, por hipótese, uma vez que é um conhecimento de natureza abstrata,
uma categoria estabelecida pela observação científica, os seguintes elementos:
A resposta para essa pergunta está relacionada a um quinto componente do léxico interno: o
conhecimento da organização estrutural das palavras e dos processos de formação de itens
lexicais. Só de posse desse conhecimento é que podemos compreender como a produtividade
lexical se dá de forma tão satisfatória nas línguas.
Mas, de fato, não é essa a definição de léxico mais corrente que temos. Na compreensão mais
usual do que seja uma língua, léxico é o conjunto de palavras disponível para uso e
dicionarização. Essa imagem de léxico, como conjunto de palavras utilizadas pelos falantes de
uma língua, é relacionada ao conceito de léxico externo.
Isso nos leva a considerar que o léxico de uma língua é um conjunto sempre pronto a receber
unidades novas (a produtividade lexical) e a descartar unidades que deixam de ser usadas
pelos falantes (incluem-se aqui as unidades consideradas como arcaicas). E por que isso
acontece?
Exatamente porque é o léxico que por hipótese recorta a nossa percepção do mundo, em seus
aspectos naturais, biológicos, sociais e culturais. Sendo assim, nossa representação linguística
do mundo é feita por meio das unidades lexicais, aquelas que possuem uma significação por
elas mesmas, já que recortam o mundo ao nosso redor.
Como o mundo em que os falantes se situam não é fixo (já conseguiu conceber um mundo
sem alterações de qualquer natureza?), o léxico também não pode ser fechado, pois as novas
experiências e fatos que surgem na convivência e na vida precisam ser nomeados pelos
falantes. Daí a necessidade de um sistema lexical (e de um conhecimento produtivo desse
sistema) ser aberto e passível de expansão, já que o léxico categoriza o mundo.
As entradas lexicais
Vamos refletir agora um pouco mais a respeito da natureza das unidades que compõem o
nosso léxico. São as seguintes:
Ainda buscando conceituar unidades do universo lexical e das atividades de análise desse
conjunto de elementos, vamos estabelecer uma distinção entre lexema, vocábulo, gramema e
afixos.
Observe a análise seguinte para visualizar a aplicação dos conceitos. Numa frase como As
meninas brincaram com o tio nos parquinhos, depreendem-se:
- os lexemas: MENINO, BRINCAR, TIO, PARQUE;
- os vocábulos: meninas, brincaram, tio, parquinhos;
- os gramemas: as, com, o, nos (não presos) e -s (preso, desinência de plural) e –o
(preso, vogal temático no sufixo inho);
- o sufixo: -inh.
Partindo da ideia do léxico como um componente com dados sobre as palavras da língua e
informação sobre o processo de produtividade lexical, podemos iniciar uma reflexão a
respeito do tipo de regras que está armazenado no nosso léxico mental.
Essas regras seriam específicas para as línguas, indicando, por exemplo, que o português pode
formar palavras a partir de um radical e do acréscimo de prefixos e sufixos, desde que sejam
respeitadas algumas estratégias combinatórias, como as que determinam que
preferencialmente prefixos são anexados a determinadas classes de palavras e o mesmo
ocorrendo com os sufixos.
De maneira muito geral, podemos apontar que uma possível regra de produtividade lexical
contida em nosso léxico mental (interno) seria:
Em português, os itens lexicais são formados de um radical, ao qual podem ser acrescidos
elementos como prefixos e sufixos.
Naturalmente, essa regra ainda deve passar por outro estágio de maior especificação, aquele
que determinará quais afixos podem se prender a quais radicais.
Podemos observar alguns fenômenos em português que nos apontam regras de formação de
palavras em nossa língua, por exemplo:
a. Temos palavras como infeliz, insatisfeito, impreciso; mas não temos seqüências como
*inconhecimento, *ininteligência; por outro lado, no entanto, temos palavras como
imprecisão, infelicidade. Ou seja, há algo que regula a presença do prefixo {in-} em
português, e é muito provável que uma regra esteja relacionada ao tipo de palavra (à classe de
palavra) e a que tipo de informação semântica (de significado) ela veicula.
Considerando os dados acima, também teremos de admitir que palavras devem aparecer em
determinadas combinações sintáticas para possibilitar a formação de sequências gramaticais
no português.
Observações como essas levam-nos a considerar que o léxico contém informações também a
respeito das classes de palavras de uma língua. Ponto que retomaremos em próxima seção.
E o que diz o dicionário?
“lexema
De um modo geral, o emprego do termo ‘lexema’ permite evitar uma ambigüidade do termo
‘palavra’. É embaraçoso ter que dizer que cantando é uma forma da palavra cantar, como o exige
a gramática tradicional. Servindo o termo ‘palavra, num sentido muito mais concreto, numa
oposição palavra/ vocábulo [...], é freqüente que a lingüística moderna recorra ao termo lexema
para indicar uma unidade abstrata.” (Jean Dubois et al., Dicionário de lingüística, p. 361)
“vocábulo
O termo vocábulo designa a ocorrência de um lexema no discurso, na terminologia da estatística
lexical. Como o termo lexema está reservado às unidades (virtuais) que compõem o léxico, o
termo palavra a qualquer ocorrência realizada em fala, o vocábulo será a atualização de um
lexema particular no discurso. Assim, pequeno, entrada de dicionário, é um lexema. Mas, por
outro lado, a frase realizada O pequeno príncipe mora no pequeno planeta comporta sete
palavras e duas vezes o vocábulo pequeno.” (Jean Dubois et al., Dicionário de lingüística, p. 614)
É a palavra que parece se manter na intuição dos falantes como unidade central de reflexão
linguística, estabelecida em termos técnicos ou não. É inclusive a palavra que emerge como a
unidade de comunicação e expressão fundamental da criança durante o processo de aquisição
de sua língua materna. Ao desenvolver os estágios linguísticos de aquisição, a criança passa
pelo período inicial da “fala holofrástica”, no qual unidades utilizadas para a criança se
expressar e se comunicar são formadas por palavras isoladas, que em diferentes contextos
representam diferentes significações. Na entrada da criança no mundo da linguagem, a
palavra é o meio de acesso e realidade psicolinguística, colocando em funcionamento o
discurso.
Para saber mais:
“É certo, porém, que a noção de palavra varia conforme o nível de consciência do falante. Nas
nossas culturas ocidentais, herdeiras do patrimônio greco-latino, ao lado da intuição espontânea,
se sobrepõe a longa tradição gramatical [greco-latina], em que o indivíduo aprendeu a isolar
palavras, a identificá las e a apor-lhes rótulos. Provavelmente esse falante comum ficará muito
surpreso ao saber que os lingüistas não sabem definir a palavra, nem tampouco delimitá-la.
Estamos falando naturalmente de uma definição de validade universal. A noção acaciana que o
vulgo tem de palavra se opõe ao quebra
cabeças que ela se revela para um analista de línguas. Garcia de Diego, muito a propósito,
cognominava a palavra de ‘fantasma da linguagem’.”
(Maria Tereza C. Biderman, Teoria linguística, p. 100)
De qualquer maneira, complexa ou não, a definição do que seja a palavra encontrou diferentes
formulações ao longo da história dos estudos sobre a linguagem verbal. Retomando pontos
apresentados por Basílio (2004) e Rosa (2000), podemos ver a seguir diferentes tentativas em
busca de resposta para a permanente indagação: o que é uma palavra?
O critério parece de fato funcionar, tendo em vista a representação escrita da língua. Mas
devemos nos perguntar: se o objetivo de um estudo descritivo sobre uma língua é buscar
generalizações que também possam ser aplicadas a outras línguas, como pensar no conceito de
palavra gráfica se há línguas ágrafas? Isso quer dizer que para o português a idéia de palavra
gráfica parece ser pertinente. Mas é possível definir uma unidade linguística pensando apenas
em uma realidade linguística? Não, isso não é o mais adequado na concepção das ciências da
linguagem. No entanto, não podemos também eliminar a idéia de que no âmbito da escrita a
noção de palavra gráfica parece ser pertinente.
Qualquer falante de língua portuguesa não aceitará (2) como unidade de comunicação e
expressão possível na língua. Dizemos que (2) é agramatical (fato representado pelo asterisco
antes da sequência). E por que (2) e sua agramaticalidade exigem a reformulação do conceito
de palavra gráfica?
Porque a palavra gráfica não é somente a unidade separada por espaços e pontuação, mas a
unidade separada por espaços, pontuação e que apresenta uma sequência de sons aceitável na
língua portuguesa.
A noção de palavra estrutural e sua necessária coesão interna nos remetem ao conceito de
lexia. A lexia é uma unidade memorizada pelo falante e pode ser simples ou composta. Uma
lexia simples é uma unidade como flor. Beija-flor seria uma lexia composta, palavra
integrada. Chá de cadeira em Ele tomou um chá de cadeira, uma vez que a constituição
interna de chá de cadeira não pode ser alterada, seria uma lexia complexa.
Pensar na palavra estrutural e em sua obrigatória coesão interna nos leva também a uma
revisão do conceito de palavra simples e palavra composta. Seriam compostas ou complexas
unidades que apresentassem estrutura rígida, que não pode ser alterada, mesmo que essas
unidades não apresentem os tradicionais elementos gráficos como o hífen ou a justaposição
(beija-flor e aguardente, por exemplo). As locuções, então, apresentariam também problemas
para a definição de palavra. Em a pé, de manhã, temos em cada grupo palavras diferentes ou
estamos diante de uma mesma palavra (com rígida coesão interna)?
E o que diz o dicionário?
“lexia
Na terminologia de B. POTTIER é a unidade de comportamento léxico. Opõe-se a morfema, menor
signo lingüístico, e a palavra, unidade mínima construída. É, portanto, a unidade funcional
significativa do discurso. A lexia simples pode ser uma palavra: cão, mesa [...] A lexia composta
pode conter várias palavras em via de integração ou integradas: quebra-gelo. A lexia complexa é
uma seqüência estereotipada: a cavalo [como em bife a cavalo]. B. POTTIER propõe que a
distinção tradicional das partes do discurso tome por unidade a lexia e não mais a palavra. Com
efeito, o comportamento sintático de máquina de costura, desde que encoraja a classificar essas
lexias nas categorias gramaticais [classes de palavras] respectivas: substantivo, conjunção.”
(Jean Dubois et al., Dicionário de lingüística, p. 361)
Em (6), já não é possível apontar relações de significado entre as ocorrências de manga. Aí,
então, estaríamos diante de unidades distintas?
Além disso, para aceitar a definição semântica de palavra de forma isolada, teríamos de
reconhecer que as seqüências seguintes são palavras, já que ambas possuem apenas um
significado.
(i) remador
(ii) aquele que rema
No entanto, nossa intuição é bem clara em não aceitar a seqüência (ii) como palavra.
5. A palavra fonológica
Nessa concepção, a palavra é um grupo de força que apresenta um único acento principal em
sua ocorrência sonora. O critério leva em conta, então, a materialidade sonora da palavra.
Teríamos por conta desse critério a possibilidade de uma distância entre o que se percebe
como palavra pelo critério gráfico, por exemplo, e o que o critério fonológico determinaria
como palavra. Isso porque um grupo de força pode ser constituído de mais de uma palavra
gráfica. Por exemplo:
(7) de repente
possui duas unidades gráficas, mas uma dessas unidades não possui acento próprio. De é um
elemento átono, e no processo de produção sonora essa partícula átona é pronunciada em
conjunto com a unidade tônica que lhe segue. Sendo assim, teríamos apenas uma palavra
fonológica.
Pelo critério da palavra fonológica, duas unidades gráficas (que seriam indubitavelmente
reconhecidas como palavras distintas) podem se juntar formando apenas uma palavra
fonológica. Nesse caso, os clíticos (partículas átonas como artigos e pronomes) apresentam
problema para a definição de palavra, já que são independentes na estrutura, mas não
apresentam autonomia no plano sonoro, uma vez que são átonos e colocam-se em conjunto,
na produção sonora, com outras unidades tônicas. Observe-se o caso de Ela pegou o livro. O
artigo e o substantivo são palavras gráficas independentes, mas constituem a mesma palavra
fonológica, pois o clítico átono (o artigo) é constituinte do mesmo grupo de força dominado
pelo substantivo.
Vale lembrar que a observação da palavra fonológica, como vimos nas seções dedicadas às
unidades sonoras da língua portuguesa, permite uma compreensão mais adequada para
ocorrências na escrita de unidades como porisso e derrepente, já que a grafia conjunta dos
elementos é resultado de uma análise fonológica que destaca apenas um elemento com um
acento principal.
6. O critério sintático
Ao lado da noção de palavra estrutural, a idéia de um critério que coloque a definição de
palavra no âmbito das relações contraídas com outras unidades e com o processo de
comunicação parece ser também um dos mais adequados.
Por essa perspectiva, a palavra é (i) uma unidade que sintaticamente no processo de
comunicação pode ser usada como resposta mínima a uma pergunta e (ii) que pode ocupar
diferentes posições numa estrutura sintática.
palavra: forma mínima que pode ocorrer isoladamente numa sequência linguística, desde que
possa ocupar diferentes posições e diferentes funções sintáticas, e que apresente uma coesão
interna e significação aceitável na língua (lexical ou gramatical).
Joaquim Mattoso Camara Jr. (1904-1970) foi um dos principais linguistas que trataram da
descrição da língua portuguesa, em livros que já se tornaram clássicos na área (Estrutura da
língua portuguesa é um desses livros). Ele propõe uma definição de palavra (partindo de
classificação do linguista norte-americano Leonard Bloomfield) em torno de formas e seu
funcionamento morfossintático.
São palavras o que o linguista, apoiado em teorias das ciências da linguagem, determina como
formas livres e formas dependentes.
a) Formas livres: ocorrência livre mínima que pode constituir sozinha um enunciado. Essas
formas são representadas por classes de palavras como substantivo, adjetivo, verbo e
advérbio.
b) Formas dependentes: são formas que apresentam uma estrutura independente, mas não
podem ocorrer sozinhas em um enunciado, pois encerram relações gramaticais e por isso
precisam estar relacionadas a outras unidades. Artigos, preposições, conjunções, verbos
auxiliares são exemplos de formas dependentes em português.
Ao lado das duas formas anteriores, há as formas presas, sem independência estrutural e que
se apresentam como partes mínimas constituintes de outras formas (estabelecendo noções
gramaticais ou processos de derivação lexical), como o s em casas, indicando o plural.
Leituras sugeridas:
• Basílio, M. (2004) Formação e classes de palavras no português do Brasil. São Paulo:
Contexto. p. 13-19.
• Biderman, M.T.C. (2001) Teoria lingüística. São Paulo: Martins Fontes. p. 99-178. •
Mattoso Camara Jr., J. (1995) Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes. p.
77-80.
• Rosa, M.C. (2000) Introdução à morfologia. São Paulo: Contexto. p. 73-84.
Exercícios
Questão 1
“Uma das características da palavra é que ela tende a ser internamente estável (em termos
da ordem dos morfemas componentes), mas posicionalmente móvel (permutável com outras
palavras na mesma sentença.”
(Lyons, J. (1979) Introdução à lingüística teórica. São Paulo: Nacional: Edusp. p.
211) Explique a afirmação acima, utilizando dados do português.
Questão 2
“[...] só a dimensão semântica nos fornece a chave decisiva para identificar a unidade léxica
expressa no discurso.”
(Biderman, M.T.C. (2001) Teoria lingüística. São Paulo: Martins Fontes. p.
155) Explique a afirmação acima, utilizando dados do português.
Questão 3
“Por falta de uma definição adequada para vocábulo e da confusão, a seu respeito, entre
plano mórfico e plano fonológico, há na nossa tradição gramatical uma teoria dos vocábulos
compostos, que é inteiramente falsa.”
(Mattoso Camara Jr., J. (1997) Problemas de lingüística descritiva. Petrópolis: Vozes. p.
38) Explique o posicionamento acima, articulando sua manifestação ao conceito de lexia.
Questão 4
“Em português, num verso como ‘As armas e os barões assinalados’, há três segmentos
fônicos e seis palavras.”
(Biderman, M.T.C. (2001) Teoria lingüística. São Paulo: Martins Fontes. p.
138) Explicite a afirmação.
Questão 5
Analise os componentes da sentença em termos das formas propostas por
Mattoso. As pessoas do prédio deram-lhe os parabéns pelo novo
cargo.
Questão 6
Observe a seqüência Comprei um guarda-chuva novo depois que saí da casa de
detenção. A partir da seqüência, trate do conceito de lexia.
Questão 7
Associe os dados aos conceitos de:
(a) palavra como unidade semântica;
(b) palavra fonológica;
(c) palavra sintática.
Após a associação, explique suas escolhas.
(Dados: Sândalo, M.F.S. (2004) Morfologia. In: Bentes, F.; Mussalim, A.C. Introdução à lingüística: domínios e
fronteiras. São Paulo: Cortez. p. 181-184.)
Questão 8
Observe a sentença do português:
Os alunos fizeram bagunça com outros alunos nas salas da escola.
Aponte a presença de:
• gramemas;
• vocábulos mórficos (ou formas vocabulares);
• lexemas.
Questão 9
Observe o texto abaixo publicado na revista Época, em fevereiro de 2008.
DICIONÁRIO
“rastreabilidade”
Origem Palavra não-registrada nos principais dicionários. Substantivo feminino. Indica a
possibilidade de uma movimentação monetária ser documentada.
Definição O termo foi usado pela ministra Dilma Rousseff para se declarar a favor do uso de
cartões de crédito corporativos por funcionários do governo. Afinal, fora o uso de dinheiro
vivo, quase toda atividade financeira é hoje rastreável. Dagomir Marquezi
a) Como se explica o fato de o dicionário poder não apresentar palavras que efetivamente são
utilizadas pelos falantes de uma língua?
b) Considerando sua resposta anterior, discuta a validade da conceituação da palavra como
“unidade dicionarizada”.
c) De que forma o texto confirma o fato de que o léxico recorta o mundo biossocial e
categoriza linguisticamente nossas experiências?
Questão 10
O léxico da língua portuguesa contém unidades com diferentes funções, como indicar: • o
universo externo, funcionando como unidade de denominação (o recorte do mundo
biossocial);
• um universo indefinido, ou seja, aquele que depende de referências estabelecidas
contextualmente;
• um universo interno, atuando no funcionamento da estrutura gramatical da língua.
A morfologia ocupa-se das palavras, estudando sua estrutura e formação, bem como suas
flexões e classificação.
O objetivo da Morfologia, ramo dos estudos das ciências da linguagem, é investigar do que é
constituída uma palavra, quais são seus elementos básicos e suas regras de combinação.
Conseguimos entender esse objetivo quando analisamos palavras como música-músicas e a
forma verbal amavam.
Algo semelhante ocorre quando analisamos a forma verbal amavam. Temos consciência de
que podemos dividi-la em am-, -a-, -va-, -m. Fato comprovado quando se observa essa forma
em comparação com outra do mesmo verbo: amaram. Esse método comparativo buscando a
detecção das unidades significativas que compõem a estrutura das palavras é chamado de teste
de comutação.
Por outro lado, podemos perceber que nem todas as palavras podem ser analisadas por meio
dessa divisão. É possível dividir a palavra sol em unidades menores? Não, porque se a
dividíssemos não conseguiríamos obter nenhuma unidade menor que colaborasse com um
significado.
As palavras podem ser divididas em unidades menores, desde que essas unidades mantenham
um significado que colabora para a formação do significado de uma unidade inteira.
Essas pequenas unidades, menores que a palavra (ou ainda equivalentes à noção de palavra,
como no caso de sol), dotadas de significado (lembrem-se do s de músicas), são elementos
formadores da palavra, chamados de morfemas.
Podemos dizer que os morfemas são as menores partes significativas (os formantes) que
compõem as palavras. Numa primeira definição, podemos partir da idéia de que se não
tiverem significado não podem ser reconhecidos como morfemas, ainda que essa posição
tenha de ser reformulada, como veremos adiante.
des-: parte mínima que indica negação de algo ou ação reversa àquela explicitada pelo núcleo
central de significado da palavra
leal: qualidade do ser humano, núcleo central de significado da palavra
-dade: parte mínima que altera a informação da classe gramatical a que pertence o núcleo
central de significado da palavra.
Pudemos ver que essas partes mínimas são morfemas porque todas elas atuam como
elementos formadores de uma unidade mais complexa, a palavra, e todas têm um significado
intrínseco que colabora para compor o significado final.
3. Radical e Afixos
Radical é o morfema básico que constitui uma palavra de categoria lexical, como substantivo,
adjetivo, verbo e advérbio. Ele indica o significado básico que compõe a unidade complexa.
Muitos radicais podem, por eles mesmos, funcionar como morfemas lexicais, sendo
identificados com a noção de palavra, como vimos com sol e leal, nos exemplos apresentados
anteriormente.
Para saber mais:
“A raiz ou radical primário é o elemento mínimo de significado lexical. Se for ampliado por
derivação ou por composição, forma o radical ou radical secundário. Em transformar, por
exemplo, temos um radical ou radical secundário transform-. Retirado o prefixo (trans-), ficamos
com a raiz ou radical primário form. Em terceiro-mundista, temos um radical (terceiro-mundo), que
é a base do derivado em -ista; temos, porém, duas raízes.”
(Maria Carlota Rosa, Introdução à morfologia, p. 51).
4. Os alomorfes
Os morfemas podem apresentar diferentes formas (os significantes, chamados de morfes),
condicionadas por razões fonológicas (relativas a combinações dos elementos sonoros) ou
morfológicas, gerando diferentes expressões que estabelecem o mesmo significado (morfema
em caráter abstrato). Passamos a ter, então, não morfemas diferentes, mas diferentes formas
de um mesmo morfema, os alomorfes.
Ainda que se possa fazer a distinção entre forma concreta, realizada de fato, o morfe, e a ideia
que o morfema expressa, unidade abstrata, neste livro utilizaremos o conceito de morfema
tanto indicando a ideia abstrata, quanto a forma que veicula o significado.
E o que diz o dicionário?
“Idealmente, um mesmo morfema deveria ter sempre uma única forma constante e um único
significado ou função constantes, mas, na prática, os morfemas variam em sua forma,
dependendo de sua localização. Por exemplo, o morfema saúde tem uma forma quando aparece
nas palavras sáude e saudável, e tem outra forma quando aparece nas palavras salutar e
insalubre. Analogamente, o prefixo negativo in- apresenta formas diferentes nas palavras
insincero, impossível e ilegal. Chamamos essas formas variantes alomorfes do morfema.”
(R.L. Trask, Dicionário de linguagem e linguística, p. 199)
6. Desinências e afixos
As desinências que compõem a estrutura de uma palavra em português são responsáveis por
exprimir os “acidentes” das palavras, isto é, categorias gramaticais nominais e verbais.
7. Morfema vazio?
Os conceitos de morfema zero e de morfema vazio colocam um problema para a descrição
morfológica. Se na definição de morfema dissemos que ele era um signo mínimo, como
aceitar como morfemas unidades que não apresentam os constituintes básicos de um signo na
visão saussuriana, o significante e o significado?
Um morfema zero tem significado, mas não significante. Um morfema vazio (como as vogais
e consoantes de ligação) apresenta significante, mas não significado.
Pontos como esses colocam a morfologia como uma área, assim como outras das ciências da
linguagem, que ainda precisa refinar muitos de seus critérios de descrição, análise e atribuição
metalinguística.
Ainda considerando o caso de ovo e ovos, vemos que, além da alternância sonora, há outra
marca da distinção de número: a presença do morfema aditivo de plural e a do morfema zero
de singular. Nesses casos, dizemos que há presença de redundância na estrutura, já que a
distinção do número gramatical é dada tanto pelo morfema alternativo quanto pelos morfemas
aditivo e zero.
Já as vogais temáticas verbais e sua classificação são mais compreensíveis para o falante, pois
temos o conhecimento de que os verbos dividem-se em classes, determinadas pela presença
das vogais temáticas -a (1ª. conjugação), -e/o (2ª. conjugação) e –i (3ª. conjugação).
a) Classificação formal
• aditivo: morfema anexado a uma base, como em fazer e refazer, sendo re- o aditivo •
subtrativo: eliminação de algum segmento do radical, como em órfão e órfã, com a
subtração de parte do radical para indicação do gênero feminino
• alternativo: alternância de traços sonoros do radical, como em ovo e ovos • reduplicativo:
repetição de parte do radical, produtivo em português em formas afetivas como papai
• de posição: mudança de posição das palavras (consideradas como morfemas livres),
ocasionando alterações de sentido, como grande homem e homem grande • zero: quando a
ausência de determinado segmento indica alguma propriedade gramatical, como nas
formas de singular do português
• cumulativo: quando uma única forma nos indica mais de uma significação, como nos
casos de modo-tempo e número-pessoa dos verbos em português
• vazio: representados pelas vogais e consoantes de ligação, como em cafeZal e gasOduto
b) Classificação funcional
• radical
• afixos
• desinências
• vogais temáticas
• vogais e consoantes de ligação
A morfologia flexional trata das relações entre uma palavra e suas diferentes formas
ocasionadas pelos fenômenos de flexão gramatical, estabelecendo paradigmas flexionais,
como aqueles que reconhecemos quando conjugamos um verbo ou organizamos quadros com
palavras no singular e suas respectivas formas no plural.
Já a morfologia lexical trata da estrutura das palavras e de regras em relação a processos de
formação de novos itens lexicais, como a derivação e a composição.
A flexão possui caráter de obrigatoriedade, uma vez que indica a sistematização coerente da
língua, estabelecendo os reconhecidos paradigmas flexionais de nomes e verbos, já de longa
tradição na Gramática Tradicional, presente em todas as gramáticas pedagógicas, na
exposição, por exemplo, das tabelas verbais de conjugação.
O mecanismo da flexão indica a relação estreita entre morfologia e sintaxe, por conta dos
arranjos morfossintáticos estabelecidos entre palavras quando elas são submetidas a relações
contraídas nas sentenças. Sendo assim, a flexão evidencia a gramática, a estrutura de arranjos
internos da língua, num processo de operação conjunta entre os componentes morfológico e
sintático. Daí seu caráter obrigatório, uma vez que gramatical.
Essa observação coloca em situação pouco sustentável a insistência de várias gramáticas (por
conta da manutenção de uma forma de fazer gramatical estabelecida a partir das descrições
clássicas para o latim) em situar o grau como flexão. Aumentativo, diminutivo, superlativo
não são processos obrigatórios na língua. É possível dizer, por exemplo, casinha (com o
sufixo de diminutivo) ou casa pequena (sem a presença do sufixo) — tal fato demonstra que o
mecanismo que transmite a noção de grau não é um processo obrigatório como o que
determina a presença do morfema de plural para indicar o número correspondente.
Flexão nominal
Temos em português as seguintes regras para a flexão de gênero, segundo Mattoso Camara
em Estrutura da língua portuguesa:
a) nomes substantivos de gênero único, masculino ou feminino, como em a criança;
b) nomes substantivos de dois gêneros, sem flexão, com a presença de artigo indicando o
gênero, como em o estudante a estudante;
c) nomes substantivos de dois gêneros, com indicação feita pelo artigo e pela flexão, num
processo redundante, como em o menino a menina.
Flexão verbal
A flexão de tempo e modo indica temporalmente a ocorrência da noção expressa pelo verbo
ou o recorte temporal em que se encontra o processo verbal. Essa informação temporal pode
se dar em três tempos verbais: presente, pretérito (perfeito, imperfeito e mais-que-perfeito),
futuro (do presente, do pretérito). Além da noção de tempo, a flexão de tempo e modo
também expressa a atitude do falante em relação ao enunciado. Há flexões indicadoras dos
modos indicativo, subjuntivo e imperativo. No português, ainda há os chamados tempos
compostos, formados pelos particípios verbais acompanhados dos auxiliares ter e haver, com
predominância para o uso do primeiro nas formas do português brasileiro contemporâneo.
Os verbos também apresentam desinências que indicam suas formas nominais, como r para o
infinitivo, ndo para o gerúndio e ado para o particípio. São chamadas de formas nominais
porque assumem comportamento nominal ou verbal morfossintaticamente.
Em relação ao uso das desinências de modo e tempo, o português brasileiro apresenta algumas
mudanças, cada vez mais evidentes no uso da língua, principalmente na modalidade oral:
Também é importante notar que o paradigma dos pronomes pessoais e o uso das desinências
número-pessoais passam por processo de mudança no português brasileiro. A 2ª. pessoa
marcada pelo pronome tu sobrevive em algumas regiões do Brasil com emprego irregular das
desinências apropriadas, segundo o padrão estabelecido pela tradição e facilmente encontrável
em gramáticas pedagógicas. Em seu lugar, há emprego cada vez mais constante do pronome
você para a 2ª. pessoa do discurso, empregado com formas gramaticais de 3ª. pessoa.
Tendo essas observações em vista, pode-se apontar que a estrutura da flexão verbal em
português é a seguinte:
V = Tema (Rad. + VT) + Flexões (Des. de Modo-Tempo + Des. de Número-Pessoa)
Esse padrão deve ser observado levando-se em conta alterações cada vez mais presentes no
português brasileiro em relação ao uso das desinências verbais. Não se pode esquecer também
da existência de irregularidades na classe verbal e também de alomorfias presentes nos
radicais verbais quando conjugados e em outros elementos da estrutura. Essas alomorfias
apontam a presença de morfemas alternativos, como se pode observar em casos como fazer,
faço. Também devem ser consideradas formas com morfema zero, bastante comuns no
paradigma verbal da língua portuguesa.
Para saber mais:
“Os elementos respeitam sempre esta ordem. Do mesmo jeito que na estrutura nominal a
desinência de número se pospõe à de gênero, no verbo a desinência número-pessoal aparece
invariavelmente depois da desinência modo-temporal.
A técnica de depreensão é bem fácil. Se tivermos uma forma verbal a ser analisada, procedemos
a comutação ao mesmo tempo com o infinitivo impessoal e com a primeira pessoa do plural do
tempo em que se encontra o verbo. O infinitivo sem o /r/ apresenta o radical e a vogal temática.
A primeira pessoa do plural exibe a desinência [mos] (DNP). O que sobrar será a desinência
modo-temporal.”
(José Lemos Monteiro, Morfologia portuguesa, p. 102)
Os processos de formação de palavras no português podem ser vistos como resultado de duas
operações linguísticas centrais: uma de natureza aditiva e outra de natureza subtrativa.
Neologismos
Exercícios
Questão 1
“A depreensão das formas mínimas resume-se, em última análise, em atribuir a dado
segmento fônico uma parcela do conjunto de significações que dada forma linguística carreia
em si.”
(Mattoso Camara Jr., J. Princípios de linguística geral, p. 95)
Explique com exemplos a afirmação acima.
Questão 2
Dê um exemplo que possa ilustrar as considerações abaixo.
“O exame da complexidade do vocábulo conduziu-nos à análise de seus elementos
constitutivos. Partindo de pares mínimos, cujos membros devem apresentar uma relação de
semelhança e uma relação de diferença, depreendemos, através das técnicas explicitadas, os
morfemas, unidades mínimas portadoras de sentido.”
(Kehdi, V. Os morfemas do português, p. 48.)
Questão 3
Uma língua como o português pode apresentar palavras monomorfêmicas e também palavras
constituídas de mais de um elemento. Explique com exemplos.
Questão 4
Identifique se há um morfema comum às palavras abaixo. Justifique sua
análise. previsão - pressuposição - preposição - pressão
Questão 5
Identifique morfemas livres e morfemas presos. Justifique sua análise.
(a) flor (b) imoral
(c) infelizes (d) descontroladas
(e) bem-bom (f) pé-de-moleque
Questão 6
Identifique radicais e afixos (determinando o tipo dos afixos). Justifique sua
análise. (a) civilização (b) infelicitar
(c) desenterrados (d) desenganchar
(e) nacionalização (f) empobrecer
Questão 7
Por que as seqüências abaixo são agramaticais?
(a) * des (c) * lealdes
(b) * relápis (d) * smoça
Questão 8
Observe triste e entristecer e procure definir os conceitos de radical primário e radical
secundário.
Questão 9
Por que se pode dizer que há ocorrência de morfema vazio nos vocábulos pobrezinho e
paulada?
Questão 10
Observe o conjunto de palavras:
esposas falávamos
gato cantasse
garota esperam
a) Identifique a razão de se afirmar que há no conjunto estruturas típicas da morfologia
flexional.
b) Quais são as categorias gramaticais que aparecem no conjunto?
Questão 11
No livro Introdução à linguagem, Fromkin e Rodman, linguistas norte-americanos, citam a
seguinte frase de Samuel Goldwyn, figura importante na história do cinema: “Em duas
palavras: im possible”.
Do ponto de vista da pesquisa morfológica, Goldwyn não foi preciso em sua formulação. Por
quê?
Questão 12
Com dados do português, mostre que:
(i) Um morfema pode ser formado por um simples fonema.
(ii) Um morfema pode ser composto de apenas uma sílaba.
(iii) Um morfema pode ser composto de duas ou mais sílabas.
(iv) Dois morfemas diferentes podem ter a mesma representação
fonológica. (v) Um morfema pode apresentar alomorfes.
Questão 13
Responda às seguintes questões, apoiando-se em justificativas.
a) Há no vocábulo mesa desinência de gênero?
b) Qual o tema do vocábulo acabar?
c) Qual é a natureza do elemento i em rapaziada?
d) O que os vocábulos motor, rapé e sofá tem em comum?
e) Em lugares, existe a vogal temática e ou não? Pesquise sobre os diferentes pontos de
vista para tal posicionamento.
f) Qual é a natureza da desinência verbal em compram?
g) Em desrespeitar, há elementos que indicam a morfologia flexional e a derivacional. Por
quê?
h) Qual a constituição derivacional de mortalmente?
Questão 14
a) Demonstre que a desinência modo-temporal em formas do presente do indicativo é zero. b)
Evidencie que há alomorfia na desinência modo-temporal do futuro do presente do indicativo
em verbos da 1ª. conjugação.
c) Indique alomorfia do radical em formas do verbo ser no modo indicativo. d) São possíveis
formas verbais que, quando conjugadas, apresentam forma zero para o radical? Dê exemplos.
e) Dê um exemplo que confirme a presença de homonímia na flexão verbal do português.
Questão 15
Separe os elementos mórficos das formas abaixo.
a) levávamos
b) lemos
c) dançaríamos
d) saímos
e) defenderemos
f) amasso
g) fizerem
h) pusemos
i) tocam
j) saiamos
Questão 16
Para fixar os processos de formação de palavras, indique quais fenômenos ocorreram
abaixo. a) vilarejo
b) agridoce
c) casa-de-pensão
d) enriquecer
e) abalo
f) alegremente
g) desalmado
h) corte
i) cricri
j) (o) talvez
Questão 17
Agora trataremos de regras de formação de palavras. Lembremos antes que essas regras
podem fazer parte de nossa competência lingüística. Para a análise, seguem dados do
português.
b) Perguntas
(i) Quais são as classes das seguintes palavras: pensar, beleza, azul, tristeza, chover, vermelho,
realizar, mesa, triste?
(ii) A que classes de palavras os afixos {re-}, {-eza} e {-izar} são anexados? (iii) Após o
processo de afixação, qual é o resultado, levando em consideração classes de palavras?
Questão 18
Classificar os neologismos:
a) O posicionamento do empresário é hiperestranho, já que o seu projeto considera
propostas over de uma estrutura considerada como pós tudo.
b) A nova prefeita demonstra atitude incomum, meio oficialesca.
c) Minha irmã falou que a peça tinha sido super.
d) “O novo xampu que é um xuxexo vai xuperar as ixpectativas.”
e) A chefe não escondeu seu passado de ex-professora-escritora da área de comunicação.
f) Foi a turma do empurra-empurra que provocou o tumulto na palestra.
Questão 19
Margarida Basílio (Formação e classes de palavras no português do Brasil, p. 27) afirma que
“sabemos pelas gramáticas, e por nossa experiência com o uso da língua, que é possível
formar palavras de uma classe a partir de palavras de outra classe”.
a) Dê três exemplos que evidenciem mudança de classes promovida pela afixação de sufixos a
uma base.
Questão 20
Dê exemplos para as regras abaixo.
a) (X) → [(X) + ear]
N N V
b) (X) → [(X) + mento]
V V N
c) (X) → [(X) + mente]
ADJ ADJ ADV
d) (X) → [(X) + vel]
V V ADJ
O estudo da palavra
Seção 3
Classes de palavras
Classes de palavras abertas e fechadas no português
Todos nós, falantes do português, possuímos intuições a respeito das classes de palavras de
nossa língua e acerca das combinações que podemos realizar. É possível generalizar alguns
desses conhecimentos em forma de regras:
a.
(i) As palavras que ocorrem após determinantes (artigos, pronomes possessivos,
demonstrativos) em português são substantivos, também chamados de nomes na teoria
linguística. Ou seja, temos conhecimento de que, se um determinante (em função adjetiva)
aparece numa seqüência, é necessário que ele seja acompanhado de um substantivo.
substantivo
A ____ a menina, mas * a vermelho (asterisco indica formas e combinações
impossíveis na língua)
número.
b.
(i) As palavras que ocorrem após substantivos, sendo flexionadas por conta de informações
gramaticais contidas nesses substantivos, são adjetivos. Também é possível a ocorrência de
adjetivos antes dos substantivos na língua portuguesa. Essa alteração na posição pode
ocasionar alterações semânticas.
adjetivo
___S__ a menina feliz, os livros amarelos, feliz menina mas * após
amarelo, * correram amarelo
(iii) A estrutura morfológica do adjetivo aponta para o fato de que essa categoria deve
concordar em gênero e número com substantivos que acompanha, como vimos em (i), numa
articulação entre fatores morfológicos e distribucionais dos elementos numa sequência
linguística.
c.
(i) Verbos são palavras que apresentam relações de estado, de ações, de eventos, de processos
numa língua, considerando sua semântica.
(ii) Em relação à estrutura morfológica, verbos apresentam flexões de tempo, modo, número e
pessoa, possuindo em português rico paradigma flexional.
(iii) Quanto à sintaxe, verbos ocupam papel central dos predicados, sendo palavras que
selecionam ou não a presença de complementos. Essa característica sintática não se aplica aos
verbos de ligação nem a verbos auxiliares, que têm como função a transmissão de
informações gramaticais.
d.
(i) Advérbios são palavras invariáveis que modificam verbos, adjetivos, advérbios, sentenças.
Também podem indicar modalizações em relação a informações veiculadas nas sentenças,
como indicações de fatos tomados como certos ou duvidosos (Exemplos: Certamente, ele
sairá de lá; Provavelmente, ele não sairá de lá.)
As classes fechadas são constituídas de itens gramaticais, que têm como função principal
relacionar elementos numa sequência, ou seja, possuem função gramatical. A classe é fechada
porque os inventários são em número mais limitado, e mesmo uma expansão (ou alterações
nessas classes) pressupõe processos complexos de mudança linguística. São exemplos de
palavras funcionais:
3ª.) Conjunções atuam como conectores entre orações que se equivalem sintaticamente
(orações coordenadas) e que pertencem a níveis diferentes (orações subordinadas). Há uso de
conjunções relacionando também palavras com mesma função sintática, como em carro e
moto foram compradas.
“Algumas classes de palavras são amplas e aceitam facilmente novos membros: elas são
chamadas de classes abertas. Outras são pequenas e só aceitam novos membros com muita
dificuldade: são classes fechadas. Em português, o substantivo, o verbo e o adjetivo são classes
abertas, ao passo que o pronome e a preposição são classes fechadas. As línguas podem diferir
a esse respeito: há línguas em que a classe dos adjetivos é pequena e fechada.”
(R.L. Trask, Dicionário de linguagem e linguística, p. 226)
“Ora, na medida em que há uma relação óbvia (embora não totalmente uniforme) entre
propriedades semânticas, sintáticas e morfológicas, uma questão geral de descrição se coloca:
seriam certas propriedades derivadas de outras propriedades? Se esse fosse o caso, a definição
mais adequada seria aquela em que teríamos refletida essa hierarquia.”
(Margarida Basílio, Teoria lexical, p. 55)
Um quadro de definições: possibilidades para o português
classe de palavra critério semântico critério morfológico critério sintático
Esse último aspecto torna-se relevante quando lembramos que processos que formam palavras
determinam quais afixos podem ou não aparecer anexados a determinadas classes de palavras.
Sabemos, por exemplo, que um prefixo como -re deve ser anexado a uma classe de palavra
que apresente propriedades típicas de verbos, ou seja, esse prefixo é um prefixo verbal.
No entanto, mesmo essas observações devem indicar que critérios de definição de classes não
são sempre produtivos e exceções são possíveis.
E o que diz o dicionário?
“É uma característica do português e de algumas outras línguas que uma palavra possa
pertencer a duas ou mais classes diferentes sem mudar de forma. Por exemplo, cinza é um
substantivo em uma bonita tonalidade de cinza, um adjetivo em uma saia cinza; amarela é um
verbo em Vê se, na hora do vamos ver, você não amarela, mas é um adjetivo em A Lucinha está
amarela porque adoeceu ...”
(R.L. Trask, Dicionário de linguagem e linguística, p. 225-226)
E as interjeições?
Como vimos, definir classes de palavras em uma língua coloca em jogo um complexo de
fatores distintos entre si. Vamos, então, observar de uma forma mais esquemática
possibilidades de divisão para as palavras da língua portuguesa.
1. A divisão herdada da Gramática Tradicional
Seguindo a tradição gramatical, as classes de palavras, chamadas de partes do discurso na
origem da tradição, podem ser classificadas de acordo com suas propriedades semânticas,
sintáticas e morfológicas.
Exercícios
Questão 1
Considere o texto abaixo.
Era uma vez a filha muito prodding de um rei. Num dia sombrio, um drogs raptou-a, levando-a para sua
mestos. O rei drencom a um príncipe que liberte sua filha. No dorso de skorry cavalo, sai o príncipe com
pressa de resgatar a velloct.
No caminho, uma velha, perdida, implora ao belo príncipe que a leve de volta para casa. O príncipe peet-se
do caminho e conduz a mozg velha ao lar. A velha revela-se como uma bela fada de elses transluzentes.
Assim, o príncipe ganha da fada poderes para moloko a princesa. Todos ficam no final boglin felizes.
a) Identifique a que classes de palavras abertas os itens sublinhados podem pertencer.
b) Dê evidências para justificar suas classificações anteriores.
Questão 2
Considere o fragmento de texto abaixo e as palavras sublinhadas.
Observar como efeitos expressivos e estéticos (estilísticos, portanto) podem ser observados nos mecanismos de produção dos
sentidos dos textos. Essa proposta caminha em direção a uma estilística próxima à investigação semântica, caracterizando um
primeiro contato com o estudo da expressividade na língua portuguesa, com o objetivo de preparar os alunos para a análise
estilística a partir do exame dos diferentes níveis de descrição lingüística, objeto de estudo no próximo semestre. Assim,
delineiam-se os seguintes objetivos específicos: a) tornar o aluno apto para rever no texto mensagens e construções explícitas
e implícitas fundamentais para o processo de formação e transformação dos sentidos; b) desenvolver a análise estilística de
textos, observando efeitos expressivos e estéticos em sua forma final e também nos mecanismos de formação; c) com base
nas propostas da semiótica greimasiana, capacitar o aluno para descrever e analisar aspectos estilísticos de textos verbais e
sincréticos em língua portuguesa.
Questão 3
Não é difícil apontar falhas nas definições tradicionais para as classes de palavras. Observe as
definições seguintes e aponte explicativamente um exemplo em português que contrarie cada
definição.
Questão 4
Pesquise sobre pronomes e responda às questões:
a) Por que é possível afirmar que possessivos e demonstrativos são, na realidade,
pronomes pessoais?
b) Linguistas apontam como errônea a denominação de pronomes indefinidos. O que
poderia sustentar tal posicionamento?
c) Por que se pode afirmar que pronomes relativos reúnem funções de conjunção, de
demonstrativo e de possessivo?
Questão 5
Considerando a classe dos substantivos, dê:
a) exemplos que confirmem uma divisão dos substantivos em contáveis e não-contáveis; b)
exemplos que confirmem o fato de o substantivo, assim como verbo, poder indicar fatos,
processos, acontecimentos.