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Porto Alegre
2016
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Porto Alegre
2016
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BANCA EXAMINADORA
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Profª. Drª Raquel da Silva Silveira (UFRGS) - Orientadora
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Prof. Drª Paula Sandrini Machado (UFRGS) – Convidada para comentar
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RESUMO
SUMÁRIO
_____. _____. Atlas Socioeconômico Rio Grande do Sul. Região Metropolitana de Porto Alegre –
RMPA. 2013 Disponivél em: <http://www.atlassocioeconomico.rs.gov.br/conteudo.asp?
cod_menu_filho=807&cod_menu=805&tipo_menu=POPULA&cod_conteudo=1396>.....................19
1. APRESENTAÇÃO
Sei que a cela é monitorada
24 horas por dia.
TORPEDO Contudo, diz a ela
Irmão, quantos minutos por dia Que alguns exercícios devem ser feitos
I tua identidade negra toma sol Para que não perca completamente
Nesta prisão de segurança máxima? A ginga
Depois de cada nova sessão de tortura.
E o racismo em lata
Quantas vezes por dia é servido a ela Irmão, espero que esta mensagem
Como hóstia? Alcance as tuas mãos.
O carcereiro que eu subornei para te levar o
Irmão, tua identidade negra tem direito presente
Na solitária Me pareceu honesto
A alguma assistência médica? E com algumas sardas de solidariedade.
Ouvi rumores de que ela teve febre alta Irmão, sei que é difícil sobreviver
Na última semana Neste silencioso inferno
E espasmos Por isso toma cuidado
– Uma quase overdose de brancura – Com a técnica de se fingir de morto
E fiquei preocupado. Porque muitos abusaram
E entraram em coma.
Irmão, diz à tua identidade negra
Que ela lhe mandou um celular Fica esperto!
Para comunicar seus gemidos E não esquece o dia da rebelião
E seguem também Quando a ilusão deve ir pelos ares.
Os melhores votos de pleno restabelecimento
E de muita paciência Um grande abraço
Para suportar tão prolongada pena Deste teu irmão de presídio
De reclusão. Assinado:
Diz ainda que continuamos lutando Zumbi dos Palmares.
CUTI. Negroesia. Belo Horizonte: Mazza
Contra os projetos de lei
Edições, 2007.136 p.
Que instauram a pena de morte racial
E que ela não tema
Ser a primeira no corredor
Da injeção letal.
O poema de Cuti revela muito como eu, e muitos outros se sentiram e se sentem
durante a graduação. Presa em um mundo branco onde tudo que podia fazer era tentar
ser aceita. Aceitar que nunca pertenceria por completo àquele lugar. Cheguei a desistir.
Desistir de tudo, aceitar o lugar que me foi dado, lugar que definitivamente não era a o
ensino superior, e tentar seguir outro caminho, um caminho menos doído, que fizesse
mais sentido para alguém como eu.
Tudo que eu queria era não me sentir excluída, mas meus pais, jamais me
deixariam abandonar aquele lugar, lugar que eles sabiam que era meu por direito, e já
que insistiam em dizer que não, eu devia toma-lo para mim. Mas como? Como tomar
um lugar, que deveria ser seu, mas não é, para si? Um lugar que sempre lhe foi negado?
Passei por diversas estratégias para amenizar o sofrimento. Embranqueci, ou tentei.
Andava na maioria das vezes com pessoas brancas, mesmo me sentindo melhor com
pessoas negras. Comecei a me negar, já não me emocionava tanto com o samba, me
afastei do hip hop, o que escutei minha adolescência toda. A religião, Aforumbandista,
era mais uma obrigação do que o conforto e a alegria que uma fez foi. Me aproximei do
pop, que apesar do Rei, Michael Jackson, ser negro, é uma cultura em sua maioria
branca, o próprio Michael tinha diversos problemas com sua raça, e tentou
embranquecer de diversas formas. Tentei diversos outros movimentos, para me
embranquecer. Até que pensei: Fui aceita! Fui aceita?
Então, porque tinha o mesmo sentimento de vazio? O mesmo sentimento de
exclusão e não pertença de sempre.
Cortei os cabelos! Chega de liso! Agora sim! Sou negra! (Como se antes eu não
fosse). Agora tenho cabelo crespo e TUDO vai mudar! Quem dera que o racismo
sumisse de acordo com a estética. Assuma seus traços e o sofrimento some. Admito que
ajuda, se olhar no espelho sem a obrigação de seguir o padrão e se gostar dessa maneira
ajuda sim, mas não resolve.
Então o que mudou? Comecei a perceber que alguns elogios, por melhor
intencionados que fossem, me incomodavam, me exotificavam, e mais ainda,
continuavam a me excluir. “Nossa, que negra linda! ” Era o mesmo que: “é bonita para
uma negra, mas uma branca é mais bonita”. “A Jéssyca deve ter mil homens a seus pés”.
Hoje percebo como esses comentários reforçam os discursos de hiperssexualização da
raça. Esses elogios me doíam, pois não me sentia assim, não era bonita, nem “gostosa”,
nem sexy, nem inteligente, muito menos tinha homens aos meus pés. Eu estava sempre
8
sozinha, no máximo, eu me sentia como uma pessoa legalzinha. Sempre tentei exaltar
como eu sou divertida, e como sou uma amiga leal. Não que não fossem boas
qualidades, que ainda gosto de exaltar, mas era um sentimento que seria isso e mais
nada.
Foi quando percebi que aquele mundo não era meu, não porque eu não deveria
estar ali, como o sentimento anterior, mas porque ele não falava de mim. As teorias não
falavam de mim, nem da minha constituição, nem do meu sofrimento, nem de nada
sobre mim. As teorias nunca pensaram em mim enquanto Ser. As teorias foram
ampliadas para me incluir (e notem que falei ampliada, pois nem adaptadas foram),
dizendo que eu era igual aos outros, quando cada parte do meu eu gritava que eu era
diferente. Procurei, agora sim, meus iguais. Sim, éramos poucos na época, mas éramos.
Cada um de nós lutando e buscando formas de sobreviver àquele mundo. Comecei
devagar, lendo alguns blogs, indo a alguns encontros promovidos pelo coletivo
Negração1 (coletivo de estudantes negros da UFRGS) que também estava em seu início.
Comecei a ver que não estava sozinha, e que muitos passaram e passavam pelo
mesmo que eu. Me aproximei de novas teorias (novas para mim pelo menos), questionei
as clássicas. E depois de muita luta interna, aqui estou, viva, viva neste mundo que tenta
me eliminar diariamente. Posso hoje dizer que sou aceita. Aceita por mim! Hoje tenho
condições de fazer meu Trabalho de Conclusão de Curso questionando exatamente o
que me fez sofrer tanto, questionando a falta de estudos raciais nos cursos de graduação
de Psicologia. Questionar o porquê de não facilitar a vivência do negro nesse mundo
branco, e quando falamos de ensino superior, mais branco ainda.
Ainda há muito a ser feito e não podemos nos contentar com pouco. Mas hoje
vamos comemorar, pois uma das milhares de batalhas foi vencida, existe mais uma preta
no mundo que se ama como preta, que está disposta a lutar. A guerra não acabou, nem a
interna, nem a externa, mas hoje, só hoje me deixa sambar.
2. INTRODUÇÃO
O motivo causador deste sofrimento, que impede o sujeito de seguir com sua
vida, pode ser qualquer um. Por isso, é estudada a constituição do sujeito psíquico e
como é produzida, de forma geral, a psique do ser humano. É estudado também o
contexto familiar e social em que este sujeito está inserido/a, o que contribui para sua
formação, e pode corroborar para maiores ou menores sofrimentos psíquicos.
E quando o/a paciente relata ter sofrido racismo? Quando relata não seguir em
frente, pois não há representações positivas a seu respeito? Quanto relata não ser feliz
em sua pele e que se sente inferiorizado perante uma pessoa branca?
Estes são relatos retirados do texto Meu Psicólogo Disse que Racismo não
Existe, por Jarid Arraes. Estes depoimentos mostram o despreparo de profissionais da
área da psicologia em lidar com pacientes que sofrem racismo. Mesmo com resoluções
10
como a RESOLUÇÃO CFP N.º 018/2002, que estabelece normas de atuação para
psicólogas e psicólogos em relação ao preconceito e à discriminação racial, e a
RESOLUÇÃO CNE/CP Nº 1/2004, que institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação das Relações Étnico e Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-
brasileira e Africana (2004), nas instituições de ensino superior (IES), em 2015 (data da
reportagem) ainda se têm relatos como os citados acima. Estas mesmas diretrizes vão
frisar que para o combate ao racismo e a discriminação deve haver:
Não podemos falar sobre análise de currículos nas instituições de ensino superior
e a necessidade de se estudar relações raciais durante a formação sem falar de racismo.
Existe uma crescente produção científica sobre a temática das relações raciais e do
racismo, mas ainda se tem dificuldades para se falar do assunto. Trabalhos acadêmicos
sobre racismo de forma geral, tem crescido. Com o simples descritor, racismo, se
encontra mais de 300 trabalhos na base de dados do SciIELO. Porque então é tão
delicado trazer o assunto em sala de aula, ou em rodas de conversa?
(...) formas de viver que podem ser prescritas e proscritas; que podem ser
tanto individuais quanto coletivas; homogêneas e aprisionadas; mas também
podem ser singulares e experimentar novos territórios de existência. A
subjetividade é algo modelado, produzido por processos coletivos,
institucionais, sociais, que atravessam os indivíduos.
Durante seu trabalho, Carlos Moore (2012) apresenta estudos históricos que
comprovam que o primeiro ser humano nasceu na África. Esta informação é importante
para que haja o reconhecimento de que durante muito tempo só existiram povos
melanodérmicos. Provando assim que toda a humanidade descende de africanos, e que
as mudanças fenotípicas nada mais são que mudanças evolutivas para melhor adaptação
e sobrevivência do ser Humano em outras localizações e condições climáticas. Assim,
pode ser repensada a premissa de uma raça superior à outra.
Em sua teorização sobre racismo, Carlos Moore (2012), vai trazer que o racismo
surge a partir da xenofobia, fazendo que povos de determinada região que em contato
com povos diferentes, acreditavam serem superiores. Fazendo com que o novo povo
perdesse e usufruto dos recursos da sua própria região. Como aconteceu com os índios
no Brasil. Para esse autor, o racismo surge com a fenotipazação das diferenças, ou seja,
ele deixa de ser xenofóbico, a partir do momento em que o mais importante são as
características físicas de determinado povo, e não necessariamente de onde eles vieram.
Carlos Moore (2012) também discute as dinâmicas que ajudaram a criar o racismo, das
quais ele destaca a simbolização, as estruturas sistêmicas e as ideologias. A humanidade
quando entra em contato com algo que foge a sua compreensão, se sente ameaçada pelo
inexplicável, e busca através do extra-racional, religião por exemplo, as respostas para
neutralizar tal temor, dando abertura para o processo de simbolização. É comum “que
processos de sacralização ou demonização gerem mecanismo que conduzem,
ulteriormente, a um processo de simbologização” (Moore, Carolos 2012, p. 200). No
sentido que simbolizar seria ligar algo a um símbolo, o racismo liga as ideias extra-
racializadas, das características fenotípicas de um povo especifico de forma negativa. As
estruturas sistêmicas mostram como as sociedades multirraciais foram criadas através da
miscigenação violenta, criando assim castas, que baseado em suas características
fenotípicas, classifica os seres. Fazendo assim que os mestiços tendam a se identificar
mais com o grupo dominante do que com o dominado, fragilizando cada vez mais a
busca por resistências.
Lia Vainer, Sylvia Nunes e Eliane Costa (2015, p. 2) trazem que “a construção
social da raça e do racismo são os principais organizadores das desigualdades”,
influenciando nos modos de subjetivação e socialização de todas as raças. Estruturando
todas as formas de relações sociais, afetando as possibilidades das raças consideradas
inferiores de atingirem ascensão social e satisfazerem suas necessidades. Da mesma
forma que mantém e cria privilégios para a raça considerada superior.
Esta construção social faz parte das Ideologias racistas que formam um Pacto
Social que permite a manutenção do racismo, fazendo que o próprio povo subalterno
negue a existência do racismo, “essa característica de poder de ‘negar a si mesmo’ que
confere tal plasticidade e resistência aos esforços de mudança. ” (Moore, Carlos 2012,
p. 205)
Segundo Lia Vainer (2010), o conceito de raça vai surgir na modernidade como
uma ideologia necessária para justificar o processo de escravidão dos povos africanos,
bem como para justificar a ideia de pureza racial. Nesse sentido, as instituições das
ciências biológicas trataram de defender a sociedade dos perigos das raças inferiores
(não brancas), produzindo discursos que alegavam que a mistura de raças poderia causar
danos a raça branca. A diferenciação da raça, serve também, para desumanizar os
negros, justificando assim as ações escravistas, como relata Caio Maximino de Oliveira
(2002, p. 35) “sempre que o homem deseja degradar, explorar, oprimir ou matar o
Outro, declara que este não é "realmente" humano”.
Antiguidade. Para esse autor, o discurso social da Antiguidade corroborou para que
fosse criado o racismo científico, onde diversas teorias, tentavam encontrar explicações
para a inferioridade de raças não-brancas, permitindo assim, ações discriminatórias,
com intuito de preservação da raça superior (brancos).
A partir do século XX, após a Segunda Guerra mundial, que muito utilizou o
conceito de raça para justificar o nazismo, e depois que muitos brancos morreram,
cientistas biológicos chegaram à conclusão que, os marcadores genéticos de uma
determinada raça poderiam ser encontrados em outra, caindo por terra o conceito de
raça biológica, ou seja as diferenças entre pretos, brancos, amarelos e vermelhos não
seriam suficientes para serem categorizados enquanto raças. (Vainer, Lia, 2010).
Vainer Sylvia Nunes, e Eliane Costa (2015, p. 2) vão afirmar que “isso é a constatação
de que a não existência de diferenças genéticas significativas entre negros e não negros
não anula as desigualdades sociais que há entre a população negra e a branca, nem
mesmo abole os estereótipos pejorativos atribuídos aos negros e os positivos
adjudicados aos brancos”.
modificaram muito de forma geral, ou seja, o negro ainda era visto como inferior, como
subalterno, e o branco como ser superior que se devia respeito.
Como o negro poderia ter algum tipo de ascensão social pós-abolição se ainda
era visto por ele e pelo branco de forma inferiorizada? Somente pela aproximação de
um ideal branco. Neuza afirma que um “tripé formado pelo contínuo de cor, ideologias
do embranquecimento e democracia racial – sustentáculo da estrutura das relações
raciais no Brasil – produziram as condições de possibilidade de ascensão do negro. ”
(Souza, Neuza, 1983 pg. 22)
Contínuo de cor é o fato de negro e branco, não serem as únicas cores de pele no
Brasil, sendo que as inúmeras tonalidades têm significados e posições sociais diferentes,
seguindo a lógica de quanto mais branco, mais aceito a pessoa será. O fato de não ter
tido uma segregação oficial e legal no Brasil, permitiu que se falasse em democracia
racial, hoje estudada por diversos artigos como mito (Guimarães, Antônio, 2006).
Durante muito tempo o Brasil foi visto como um país livre de preconceito,
principalmente em virtude de sua miscigenação. A partir dos estudos da Unesco,
coordenados por Florestan Fernandes nos anos 1950, a democracia racial passa a ser
desmascarada enquanto mito. Vale destacar que essa crítica já vinha sendo feita pelos
movimentos negros brasileiros. Autores como Caio Maximino de Oliveira vão afirmar
que a democracia racial é “uma armadilha de urso que nos captura e não nos permite
enxergar a falta de negros nos shopping centers e sua presença quase exclusiva na
periferia” (p. 34). O mito da democracia racial ainda hoje é utilizado para amenizar
atitudes racistas. (Guimarães, Antônio, 2006)
entendido desde muito cedo, que o negro deve ser duas vezes melhor, pois já é fixado
que o negro é inferior ao branco, sendo assim, para se igualar ao branco deve se esforçar
mais. A democracia racial faz com que o negro acredite na universalidade do ser, e
coloca ênfase no individuo, como se ele fosse o único responsável por suas conquistas.
A democracia racial reforça a ideia de meritocracia. (Souza, Neuza 1983).
Voltando para Neuza Souza (1983), a autora irá trabalhar com uma segunda
alternativa para a realização do Ideal de Ego. A modificação do Ideal de Ego, o que não
é simples, pois o Ideal de Ego, seja qual for, é algo construído e imposto desde a
infância e está enraizado no sujeito. Para uma modificação de Ideal de Ego Branco deve
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ser feito uma construção de uma identidade negra positiva. “Assim, ser negro não é uma
condição a priori. É um vir a ser, Ser negro é tornar-se negro”. (Souza, Neuza, 1983, p.
77). Para tanto, exige uma condição de negar o modelo advindo do externo. Negar a
construção de Ideal de Ego Branco, romper com esta ideia é organizar condições do
negro ter um Ideal de Ego, próprio. (Souza, Neuza 1983). É comum que a pessoa negra
encontre sua identidade negra, a partir da luta antirracista, onde ela terá que lidar com
suas questões e opressões sofridas diariamente e se identificará com pessoas que
sofreram e sofrem o mesmo. O indivíduo negro se distancia do ideal branco, quando
consegue se enxergar de forma positiva, o que não é fácil. Pois ir contra as estratégias
de branqueamento é ir contra o que é lhe imposto socialmente desde muito cedo.
(Santana, Hellen e Castelar, Marilda, 2015)
Ela é também revolta (...) a Negritude foi uma forma de revolta, em princípio
contra o sistema mundial da cultura tal qual ele se constituiu durante os
últimos séculos e que se caracteriza por um certo número de preconceitos, de
pressupostos que resultam em uma hierarquia muito rígida.
A discussão feita neste livro traz a questão de como é importante para o negro se
assumir enquanto negro. Dá visibilidade ao fato de que a universalização da raça
significa negar o racismo. E mostra que a forma de enfrentar o racismo é por uma
“afirmação racial legitimadora também global” (Moore, Carlos 2010, pg. 18). Entrando
em acordo com o que diz Neuza Santos Souza em seu livro, que o negro só conseguirá
diminuir seu sofrimento, quando se aceitar enquanto negro. É nesse sentindo que
Césaire trabalha o conceito de negritude.
Retomando o conceito de raça social, podemos perceber que para uma forma de
luta contra o racismo este conceito é fundamental, quando utilizado para uma
identificação com a identidade negra. A afirmação de uma raça social, hoje pode ser tida
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como uma afirmação pessoal, uma ferramenta para que a população negra se reconheça
como tal. Permitindo que juntos sejam reivindicadas mudanças acerca das
desigualdades raciais. (Vainer, Lia, Nunes, Sylvia e Costa, Eliane, 2015).
4. METODOLOGIA
Neste trabalho foi pesquisado inicialmente quais cidades fazem parte da região
metropolitana de Porto Alegre. Sendo o total de trinta e quatro (34) cidades com sua
última atualização no ano de 2013, de acordo com o site governamental, Atlas
Socioeconômico Rio Grande do Sul. O segundo passo da pesquisa foi encontrar
instituições de ensino superior cadastradas no e-mec, ou seja, que já eram devidamente
regulamentadas pelo Ministério da Educação. Das trinta e quatro (34) cidades da Região
metropolitana de Porto Alegre, dez (10), não foram encontradas no e-mec. Das vinte e
quatro (24) restantes, quinze (15) não ofereciam o curso de graduação em psicologia.
Permanecendo nove (9) cidades para participar da pesquisa. São elas: Cachoerinha,
Canoas, Gravataí, Guaíba, Novo Hamburgo, Porto Alegre, São Jerônimo, São Leopoldo
e Taquara.
A segunda parte do estudo foi analisar cada currículo dos dezenove (19) cursos
de graduação em psicologia encontrados nas nove (9) cidades citadas. O Instituto
Brasileiro de Gestão de Negócios, IBEGEN, foi retirado da pesquisa, pois não
disponibiliza acesso ao currículo para não alunos. Os currículos avaliados foram os
disponíveis nos sites das universidades e faculdades inclusas na pesquisa. As
universidades e faculdades avaliadas foram: CESUCA Cachoeirinha, UNILASALLE
Canoas, ULBRA Canoas, ULBRA Gravataí, ULBRA Guaíba, IENH Novo Hamburgo,
FEVALE Novo Hamburgo, IPA Porto Alegre, UNIRITTER Porto Alegre, FADERGS
Porto Alegre, IBEGEN Porto Alegre, UNIFIN Porto Alegre, UFCSPA Porto Alegre,
PUCRS Porto Alegre, UNISINOS Porto Alegre, UFRGS Porto Alegre, ULBRA São
Jerônimo, UNISINOS São Leopoldo e FACCAT Taquara.
Os cursos incluídos como pertencentes ao grupo que estuda relações raciais são
aqueles que em suas disciplinas, tanto no nome da disciplina quanto na ementa,
apresentavam descritores como: Afro-brasileiros, Afrodescendentes, África, Relações
Raciais, Étnico-racial, Etnia, Cultura Negra, Negros e seus semelhantes.
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De acordo com a análise feita de currículo dos dezoito (18) cursos de graduação
em psicologia, no período de março a junho de 2016, de Porto Alegre e região
metropolitana, somente seis (6) cursos apresentam disciplinas que trabalham com
questões raciais. Destes, somente um (1) apresenta o assunto em disciplina obrigatória,
os outros cinco (5) apresentam de forma optativa/eletiva. O curso que apresentava de
forma explicita e obrigatória as discussões sobre relações raciais foi o curso da
CESUCA, Complexo de Ensino Superior de Cachoeirinha, que apresenta logo no
primeiro semestre na disciplina de Psicologia Comunitária com a seguinte ementa “Um
olhar para a inclusão social. Desafios em psicologia social e comunitária. Noções de
Ética Profissional. Cultura Negra na formação da sociedade brasileira. Resgate da
contribuição dos negros nas esferas sociais, econômicas e políticas relativas à História
do Brasil. Educação ambiental, Direitos Humanos e pluralidade étnica racial e gênero. ”
Como podemos ver mesmo tendo um enfoque maior nas questões raciais, ainda
é uma disciplina com diversos assuntos de grande importância, o que torna difícil dar
conta de tudo em um semestre. Visto a importância dos assuntos citados acima, a
duração de um semestre fará, provavelmente, com que algum deles ou todos sejam
negligenciados. Mesmo assim este é o único curso que fala em seu currículo sobre
questões raciais de forma obrigatória.
O motivo desta disciplina ter sido alterada foi que a professora responsável pela
disciplina e que tem interesse na temática acabou não conseguindo conciliar a docência
da disciplina com suas outras responsabilidades. Sendo esta uma disciplina de
departamento, ou seja, ela é pertencente ao Departamento de Psicologia Social e
Institucional e todos os professores deste departamento podem lecionar nesta disciplina.
A temática dada será aquela com que o professor responsável tem maior identificação e
julga necessário passar estes conhecimentos aos graduandos. Hoje, a temática das
relações raciais está inclusa na disciplina obrigatória de Psicologia Social II, lecionada
pela orientadora do presente trabalho, e responsável pela disciplina de Estudos em
Psicologia Social III em 2011 quando a disciplina trabalhava a temática das relações
raciais. Mesmo a temática estando presente em uma disciplina obrigatória como
Psicologia Social II, o assunto não se encontra na ementa da disciplina. O que abre a
possibilidade de outras disciplinas obrigatórias trabalharem com a temática, mesmo não
apresentada nos currículos ou nas ementas.
(...) o tema das relações raciais ainda possui pouca expressão na psicologia.
Existem manifestações explícitas e implícitas do racismo. Uma dessas formas
de manifestação é a da crença de “Democracia Racial”, que oculta as
diferenças sociais e minimiza injustiças que acontecem a todo instante,
marcando as subjetividades das pessoas, e favorecendo, assim, o
encobrimento do preconceito racial, alimentando o discurso de uma relação
sem desigualdades entre brancos e negros, o que não é verdade. Dessa forma
percebe-se uma necessidade de enfrentamento do racismo que diz respeito às
relações raciais entre brancos e negros, sendo necessária a sensibilização de
profissionais e estudantes para a importância da reflexão sobre as relações
raciais em suas práticas, além das discussões para compreensão das
consequências do racismo como gerador de sofrimento psíquico.
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Não podemos ignorar que o ensino de forma geral não é neutro. Ele vem de uma
construção histórica, cultural e política, então, os currículos expressam o interesse de
foças políticas que regem o sistema educacional em um dado momento (Joana Passos,
Tatiane Rodrigues e Ana Cruz, 2016). Os currículos analisados deste trabalho, não
podem ser considerados meros documentos de informação sobre as disciplinas
ofertadas, mas sim expressões públicas do que interessa às instituições ensinar.
Como foi exemplificado no início deste trabalho, muitas pessoas negras sofrem
não somente com o racismo, mas também com o silenciamento dele. Se profissionais da
psicologia não tiverem condições de perceber e acolher este sofrimento, o indivíduo que
veio em busca de ajuda terá seu sofrimento aumentado. Com a falta de estudos sobre
relações raciais, também se corre o risco de reforçar estereótipos ou negligenciar
temores. Por exemplo, em uma palestra ofertada pelo COMITÊ GDC (Gerência
Distrital Centro) DA POPULAÇÃO NEGRA, realizada no auditório do 6º andar no
posto de saúde Santa Marta, em novembro de 2015, sendo uma das atividades
relacionadas ao mês da consciência negra. Naquele momento houve diversas falas em
que profissionais da saúde reforçaram estereótipos, como o da raça negra sendo mais
forte, falas de enfermeiras como “um negro deste tamanho chorando? ”, quando na
verdade se tratava de uma criança que acabava de tomar uma vacina. Este tipo de
estereótipo pode fazer com que a população negra esconda seu sofrimento por acreditar
que deve sempre se manter firme e também que seja negligenciada pela saúde pública,
pois ao entender que a raça é mais “forte”, correm o risco de não ter tanto cuidado,
como teriam com pessoas pertencentes a raça branca. Durante a palestra ministrada pela
profissional Alexandra Angélica Marques, enfermeira da ESF (Estratégia de Saúde da
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Família) do Posto Santa Marta, também foram denunciados casos de mulheres negras
que recebiam menos anestesia no parto que mulheres brancas.
extremamente sofrido, mas ela entende que esse acontecimento não seria
reponsabilidade dela, e nem se daria pelo fato de uma mulher branca ser mais bonita que
uma mulher negra, baseado única e exclusivamente na raça.
O segundo caso, infelizmente o rapaz não voltou aos encontros marcados, e não
deixou nenhuma forma de contato. Mas o fato é que desde o início da sessão ele passou
se depreciando, e mesmo trazendo fatos que negavam seus defeitos, ele não conseguia
enxergar suas qualidades, ele trouxe que era burro demais para entrar em uma
instituição de ensino superior, ao mesmo tempo que conta que desenvolveu um
aplicativo na sua casa. A questão da inferiorização da raça, junto com o HIV fez com
que ele não enxergasse nada além do preconceito que viveu e que iria viver.
Como lidar com estas questões sem estudar relações raciais? Como reagiria um
terapeuta que nunca passou por estas situações e que também não estudou sobre isso?
Talvez como as terapeutas citadas na introdução deste trabalho, minimizando e
silenciando o sofrimento destes pacientes? Algo que seria mais difícil de acontecer se os
psicólogos estudassem estas questões durante a graduação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando temos uma resolução afirmando que a (o) psicóloga (o) deve utilizar
seus conhecimentos para a eliminação do racismo, afirma-se que este conhecimento
existe, e que será utilizado, para auxiliar pessoas não brancas com seus sofrimentos e
empodera-lás, para que este sofrimento seja diminuído, mas nunca desacreditado. Para
eliminar o racismo as (os) profissionais da psicologia, devem tentar que pessoas brancas
(inclusive o próprio profissional quando for o caso) entendam que são privilegiadas, e
que em uma sociedade visivelmente desigual, falar em meritocracia é no mínimo
ingênuo. Fazer entender que, para uma sociedade igualitárias, devemos eliminar os
privilégios de uma raça sobre a outra, e que isso não é retirar direitos das pessoas
brancas, mas sim igualar os direitos de todas as raças, sempre respeitando suas
diferenças.
Nesta citação Moore mostra que para se diminuir o racismo é preciso que toda a
sociedade, independente de raça se manifeste contra o racismo. Para que isso ocorra, é
necessário que se entenda o que é o racismo e como ele opera, por isso a importância de
disciplinas obrigatórias sobre relações raciais. Sem essas disciplinas muitos podem
cometer as mesmas falhas das psicólogas citas na introdução deste trabalho, e acreditar
no mito da democracia racial. Como combater algo, se não se acredita que ele exista?
A importância que as leis de educação, que dizem que deve ser ensinado sobre a
temática das relações raciais, serem cumpridas é de trazer benefícios, para uma
sociedade mais igualitária e justa. Falar sobre racismo, não pode se limitar a pessoas
negras. Pessoas brancas são privilegiadas com o racismo, e quando falamos em
privilégios, falamos de benefícios conquistados às custas de uma opressão a um grupo.
Muitas vezes, pelo racismo já estar enraizado na sociedade, as pessoas brancas não
percebem seus privilégios. O estudo sobre relações raciais faz com se perceba a
diferença social que acomete as raças. Profissionais brancos da psicologia podem
através destes estudos entender seus privilégios e auxiliar no sofrimento de uma pessoa
negra, quando esta vier buscar ajuda em terapia.
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REFERÊNCIAS
ARRAES, J, Meu Psicólogo Disse que Racismo não Existe, Revista Forum 2015.
Disponível em : <http://www.revistaforum.com.br/2015/06/25/meu-psicologo-disse-
que-racismo-nao-existe>