Imaginários Literários - Do Regional Ao Histórico
Imaginários Literários - Do Regional Ao Histórico
Imaginários Literários - Do Regional Ao Histórico
IMAGINÁRIOS LITERÁRIOS:
DO REGIONAL AO HISTÓRICO
Criação Editora
Edlic/2021 1
IMAGINÁRIOS LITERÁRIOS:
DO REGIONAL AO HISTÓRICO
Criação Editora
Aracaju | 2021
Grafia atualizada segundo acordo ortográfico da
Língua Portuguesa, em vigor no Brasil desde 2009.
Projeto gráfico
Adilma Menezes
C268i
Cardoso, Ana Maria Leal; Maciel, Luciana Novais; Plácido, Elane
da Silva (org.).
Imaginários Literários: do regional ao histórico /Organiza-
dores: Ana Maria Leal Cardoso, Luciana Novais Maciel e Elane da
Silva Plácido. -- 1. ed. – Aracaju, SE: Criação Editora, 2021.
648 p.
E-Book: PDF. Formato A4.
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-60102-33-4
CDD 801.95
CDU 82-95
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ANA MARIA LEAL CARDOSO, ELANE DA SILVA PLÁCIDO E LUCIANA NOVAIS MACIEL (ORGS.)
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• APRESENTAÇÃO.............................................................................................................. 5
• DUAS ESTREIAS............................................................................................................422
Tânia Cristina Souza Borges
Regionalismos plurais
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Parte I: Regionalismos plurais
Bruno Lima
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Parte I: Regionalismos plurais
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Parte I: Regionalismos plurais
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Cada partido possuía seu próprio viveiro e todos os meios eram em-
pregados para seduzir e prender os eleitores, tratados animalescamente. E
como animais aglomeravam-se nos viveiros, em explícito rigor naturalista.
A natureza humana é posta em relevo aqui, seja a dos poderosos,
dispostos a tratar desumanamente aqueles cuja serventia é apenas a
manutenção do poder, seja a dos miseráveis, tratados como animais
ávidos em se saciar com a comida e a bebida servidas, pois raramente
possuíam meios para tamanho “banquete”. A descrição da putrefação
do viveiro é exemplar da estética naturalista, em certa medida aproxi-
mando a miséria de Óbidos com a do cortiço de João Romão, cuja serven-
tia era propiciar-lhe os lucros advindos com o suor alheio. A exploração
dos mais fortes sobre os mais fracos nesse romance pode significar uma
realidade escamoteada até a chegada do naturalismo, que põe em pri-
meiro plano uma parcela da sociedade até então ignorada, bem como
demonstra como o homem é determinado pelo meio em que vive.
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Parte I: Regionalismos plurais
Referências
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do Estado, 1993.
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Parte I: Regionalismos plurais
Estou identificado com esta terra mártir. A ela dei toda a minha
mocidade, os melhores dias da minha vida e continuo a dar os dias
cansados de minha velhice. Contei as suas glórias e chorei as suas
desventuras... Nos meus livros reflete-se o desmedido amor que
lhe voto. Todos falam nela. Quanto mais infeliz, mais a amo. Eu po-
dia mentir-lhe optando pela Bahia, o berço adorado de minha mãe,
terra opulenta, e abandonar o Ceará que é paupérrimo. O meu caso
é de um filho que foi separado de sua mãe ao nascer e criado por
outra mulher. Adulto, soube que sua verdadeira mãe era opulenta
e o chamava. Preferiu ficar com a sua mãe de criação, paupérrima
e infeliz. (TEÓFILO, 1932, p. 23)
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foram pôr o pau às costas para seguir com a defunta, quando esta
desfez-se em muitos pedaços, os tecidos, não tendo resistência
para sustentar o próprio peso, despegaram-se dos ossos, as vísce-
ras caíram no chão; enfim o corpo de Quitéria desmanchou-se em
podridão e fedor. (TEÓFILO, 2011, p. 265).
Referências
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Regionalismo ainda?
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Nhô de Barros teve que conversar muito com ele. Ele quisera saber
mais, sobre seo Quinquim e a cobra, a picada. Dizia que o soro não
podia deixar de salvar o rapaz; a não ser se tivesse sido atingido
numa veia; mas, se fosse numa veia, teria sido fulminante. Ora, seo
Quinquim durara ainda muitas horas... Não teriam, acaso, dado
ao doente algum remédio de curandeiro? Garrafadas, calomela-
no com caldo de limão? Sabia-se que era mantido, ali, na fazenda,
como agregado, um desses, charlatão... — “É um velho, um coitado.
Dá-se casa p’ra ele morar, e três alqueires, p’ra plantar, à terça...
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Conclusão
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Referências
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1 É o caso do ludibrio pela ganância em “Pollice verso”, onde um jovem médico recém-formado,
Inácio Gama, filho de um coronel, leva premeditadamente a óbito ao major Mendanha, ten-
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cionando herdar parte de sua fortuna, ou da violência movida pelo ciúme em “O estigma”, no
qual a abastada herdeira da família Leme assassina Laurita, por ciúmes do marido, Fausto. Em
Urupês, portanto, a crítica ao caipira não se restringe à sua classe social, mas a seu complexo
sóciocultural como um todo, remetendo, nesse sentido, ao que aponta Antonio Candido ao
lembrar que a “diferenciação de camadas, pelo nível econômico e as formas de participação
cultural, não decorreu necessariamente de uma diferença social na origem dos grupos. O fa-
zendeiro abastado, o pequeno agricultor, o posseiro provêm as mais das vezes dos mesmos
troncos familiares, e seus antepassados compartilharam, originariamente, das mesmas con-
dições de vida” (CANDIDO, 2010, p. 94). Evidentemente, como também aponta Candido, esta
descrição remete a uma fase inicial, que acolherá um “fermento de diferenciação” econômica
e demográfica ao longo da formação histórica, o que se observa, em Urupês, nos costados da
família Leme brevemente mencionada em “O estigma”, nome que arrasta consigo o peso de
uma nobiliarquia indubitável na história econômica e política de São Paulo.
2 Seu avô foi o visconde de Tremembé, grande proprietário de terras na porção paulista do Vale
do Paraíba, o que torna Lobato, de acordo com Sérgio Miceli, “herdeiro de quase 2 mil alquei-
res”. Em Intelectuais à brasileira, Miceli afirma ter vindo a morte do avô a liquidar a situação
instável do escritor, “dando-lhe posse da imensa fortuna em terras de que se valeu para tor-
nar-se empresário cultural” (MICELI, 2001, pp.98-99).
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3 Há uma contenda aberta entre Monteiro Lobato e Cornélio Pires, autor de A musa caipira
(1910), Quem conta um conto... (1916) e As estrambóticas aventuras de Joaquim Bentinho, o
queima campo (1924), dentre outros livros e espetáculos protagonizados por personagens do
meio rural paulista, em torno do “caboclismo” e do caipira, como se nota em carta enviada
por Lobato a Godofredo Rangel, datada de 03 de julho de 1915: “O caboclo de Cornélio é uma
bonita estilização – sentimental, poética, ultrarromântica, fulgurante de piadas – e rendosa.
O Cornélio vive, e passa bem, ganha dinheiro gordo, com as exibições que faz do ‘seu caboclo’.
Dá caboclo em conferências a 5 mil-réis a cadeira e o público mija de tanto rir. E anda ele por
aqui, Santos, a dar caboclo no Miramar e no Guarani. Ora, meu Urupês veio estragar o caboclo
do Cornélio – estragar o caboclismo” (LOBATO, 1968, p. 40). Mais que a renda obtida mediante
o caboclismo de Pires – e não se pode negar que Lobato tenha obtido algo ainda mais vultuoso
com o seu Jeca Tatu –, interessa reter aqui a demolição intentada por Lobato da estilização de
um caboclo idealizado.
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4 Em carta enviada a Lobato, Oswald de Andrade reconhece o seu papel precursor para o movi-
mento que se destacaria a partir da Semana de 1922, da qual Lobato não teve “sua merecida
parte de leão” por ter se posicionado como “o Ghandi do modernismo”: “De fato, Urupês é
anterior ao Pau Brasil e à obra de Gilberto Freyre” (ANDRADE, 2014, p. 625).
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5 Sobre essa imagem, que, após os rompimentos das barragens de rejeitos de minérios nas ci-
dades mineiras de Mariana e de Brumadinho, passou a assumir ainda mais funestas significa-
ções, ver STERZI, Eduardo. Terra devastada: persistências de uma imagem. Remate de Males,
Campinas-SP, (34.1): pp. 95-111, Jan.-Jun. 2014.
6 Década e meia mais tarde, Gilberto Freyre sintetizará a questão em Casa-grande & senzala,
opondo-se às teorias antropológicas que localizavam na raça e no clima o atraso dos povos
tropicais: “Sob semelhante regime de monocultura, de latifúndio e de trabalho escravo, não
desfrutou nunca a população de abundância de cereais e legumes verdes. [...] É uma socieda-
de, a brasileira, que a indagação histórica revela ter sido em larga fase do seu desenvolvimen-
to, mesmo entre as classes abastadas, um dos povos modernos mais desprestigiados na sua
eugenia e mais comprometidos na sua capacidade econômica pela deficiência de alimento”
(FREYRE, 2002, pp. 186-187).
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Parte I: Regionalismos plurais
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Paulo: Biblioteca Azul, 2014, pp. 642-644.
PRADO, Paulo. Retrato do Brasil. In: SANTIAGO, Silviano (coord.). Intérpretes do
Brasil, vol. 2, 2. ed. Rio de Janeiro: Editora Nova Aguilar, 2002, pp. 03-104.
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les, Campinas-SP, Unicamp, v. 34, n.1, pp. 95-111, Jan.-Jun. 2014.
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Parte I: Regionalismos plurais
sobre o Junco passara a ser novo, fruto de todas as outras relações e re-
ferências existentes. Com o transcorrer temporal Totoinhim adquire uma
visão mais contemplativa da terra. Nesse regresso, ocorre um processo de
reencontro afetuoso com suas antigas raízes, numa tentativa de realinhar
os laços familiares com o seu pai e reformular a relação com a sua terra,
sua gente, e consigo mesmo.
Em certa medida, é possível afirmar que, as intermitências do tem-
po redefinem o olhar do narrador sobre o lugar, e do próprio autor, por
meio de outra modulação de escrita. Acabando por resolver ou abrandar
as tensões, ou “ranhuras” existentes em Essa terra. Em notas mais fluídas
e sinestésicas, sentidas aos doces toques das canções, o autor, por meio
do narrador/personagem, cartografa e singra um “novo” Junco, ressignifi-
cado e sentido de forma diferenciada. Cid Seixas em, O cachorro e o lobo:
Uma fábula do bicho homem disserta:
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fragmentada entre ser e não ser mais uma pessoa com vínculos
ligados a sua terra e ao seu povo. (MACÊDO, 2011, p. 111.).
- Não se mate pelo que acha que deixou de fazer por sua mãe, seu
pai, seus irmãos, mulher, filhos, o país, tudo. E, principalmente,
por você mesmo. Ou pelo que de lhe fazer. Nem por isso o mundo
acabou. Abrace-se sem rancor. Depois, durma. E quando desper-
tar, cante. Por ainda estar vivo. (...) E, depois, marcaria um outro
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Referências
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Introdução
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dos povos que lhe deram origem e superá-los exatamente por isso. Cabe
ressaltar que a matriz africana, que também foi fundadora do Brasil, é
vagamente explorada. Há no romance algumas menções a escravos e
há apenas um personagem negro livre, que, ainda assim, sequer tem
nome. Ele é quem agracia Gonçalo com um cinturão contendo um amu-
leto. Neste momento a disparidade entre a religião católica e a de matriz
africana é escancarada:
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igreja, o que pode indicar que o catolicismo foi utilizado também para man-
ter a escravidão e o status quo. Outro fato que corrobora com essa leitura é
que o protagonista, teoricamente mais próximo dos desígnios celestes por
ser um penitente, aceita os escravos como presentes do santuário.
Conclusão
Referências
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Introdução
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dendo a Beth Brait, no livro A personagem (1990), de onde vêm seus per-
sonagens, assegurou que “eles vêm de uma gaveta chamada memória”
(BRAIT, 1990, p. 71). Assim, diz o autor:
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Podiam morrer todos à míngua, diante dos meus olhos, que eu nem
sequer iria me preocupar em enterrá-los. Por tudo o que me fize-
ram, a vida toda, e principalmente o que me fizeram durante os
anos em que precisei deles, por causa de um curso de ginásio. Os
outros pensam do mesmo jeito. Tenho certeza. Entre nós só uma
estrela brilhou. (TORRES, 2008, p. 23)
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Para os familiares que ficaram, a vida seguiu o seu curso desse mes-
mo ponto e as relações foram se transformando cotidianamente. Para To-
tonhim, o que existiu foi um grande intervalo que congelou o passado, a
tristeza das pessoas e dele próprio, num espaço de tempo que separa os
dois romances, Essa terra (2008) e O cachorro e o lobo (1997).
Como afirma Regina Dalcastagné (2017),
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Vinte anos para frente, vinte anos para trás. E eu no meio, como
dois ponteiros eternamente parados, marcando sempre a meta-
de de alguma coisa — um velho relógio de pêndulo que há mui-
to tempo perdeu o ritmo e o rumo das horas. Eis como me sinto
não apenas agora, agora que já sei como tudo terminou. (TORRES,
2008, p. 20)
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[...] testemunha seria aquele que não vai embora, que consegue
ouvir a narração insuportável do outro e que aceita que suas pa-
lavras levem adiante, como num revezamento, a história do outro:
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Isto posto, compreende-se pelo viés comparatista, que nos dois ro-
mances, o percurso da memória, da história e do testemunho são traços
marcantes na construção do narrador-personagem, que tem nele o elo
que une as duas histórias e que busca de forma reflexiva construir uma
nova história.
Considerações finais
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Referências
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HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva;
Guacira Lopes Louro. 12. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.
TORRES, Antônio. Essa Terra. 1. ed. Rio de Janeiro: Best Bolso, 2008.
TORRES, Antônio. Pelo fundo da agulha. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.
TORRES, Antônio. O cachorro e o lobo. 2. ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.
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Introdução
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Como pensar em recriar a vida por ouvir dizer? Como falar desse
país da Bahia, desse povo mestiço e antigo, forjado em longa e difí-
cil caminhada, num caldeirão de misturas, como falar dessa cidade
[...] onde as culturas se amalgamaram, as cores se confundiram
para criar uma nova cor, inédita, onde nações se misturaram num
leito de amor sem medidas, como escrever sobre a vida ardente e
mágica da Bahia sem ser parte integrante dessa vida, como? (AMA-
DO, 2003 apud MASCARENHAS, 2011 p. 110)
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Parte I: Regionalismos plurais
tas presentes nas vinte e sete obras do autor, que permitiram as análises
de métodos, preparos e ingredientes característicos da cultura alimentar
baiana. Cheias de memórias e insumos desde a região cacaueira até a ca-
pital. Rita Lobo (2014) pontua na apresentação da obra como o livro des-
creve superstições e segredos culinários baseados na oralidade de quem
cozinha com muito sincretismo e herança cultural.
A grande diversidade de informações presentes nas obras de Jorge
Amado, referentes à alimentação, renderia, segundo Paloma (2014), uma
pesquisa rigorosa do alimento com a antropologia, sociologia e psicologia,
dialogando com as relações interpessoais e comportamentais. Presentes
na obra estão pratos baianos, não só composto pelo dendê, mas por ingre-
dientes do sertão e do recôncavo tornando-o um típico livro da culinária
da Bahia, com afeto e memória de personagens e cotidiano. Imortalizada
diante das obras relidas junto ao livro de receitas, a cozinha literária ama-
diana dialoga com religião, sedução, lugar social e manifestações cultu-
rais. E na construção da prosa culinária, alguns personagens são exemplos
do regionalismo através de seu protagonismo.
Considerações finais
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Referências
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2 Ao considerar essa sobreposição subjetiva, João Luiz Lafetá comenta: “Na verdade, o que há
são duas personagens, Arabela e Carmélia, que são simultaneamente as duas faces de um só
personagem: Belmiro. O mito Arabela é a interioridade, a moça Carmélia é a realidade obje-
tiva. No movimento entre os dois mundos o amanuense hesita entre a criação de seu espírito
e a existência real, e sente que é impossível conciliar os dois polos.” (LAFETÁ, João Luiz. A
dimensão da noite e outros ensaios. 1a. Ed. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 34 – 35).
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Lá, como algumas plantas, ele vinga uma vez única naqueles largos
peitos encourados dos rústicos vaqueiros, e se gera nos corações
das pobres donzelas, como pérola a mais oculta no fundo dos ma-
res. Elas amam nas suas cabanas coitadinhas! - como as juritis nos
seus mimosos ninhos, entre os galhos do espinheiro; vivem arru-
lhando saudades ou trabalhando para os filhinhos, nunca alargan-
do o horizonte do seu vôo para longe do seu tesouro! (CASTELLO
BRANCO, 2003, p. 34 - grifo nosso).
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Logo, é aquele espaço, que outrora era vida, agora tinha cheiro de morte
anunciada; as casas continuariam, os poços estavam ali para receberem a
água da chuva, mas restaria quase nada ou ninguém para amar e se iden-
tificar como parte do que era apresentado como a própria extinção de
muitas histórias.
Dessa forma, continuar naquele espaço não era possível. O chamado
para partir era constante, como é transcrito na passagem a seguir: “-Va-
mos, tia Deodata; não fique aqui, as coisas fazem medo! Não me engano
e juro que, em quinze dias, será defunto quem se demorar no sertão. Per-
cam-se os anéis e fiquem os dedos! (CASTELLO BRANCO, 2003, p. 59- Grifo
nosso). Percebe-se que o suplício dos amigos de tia Deodata é um convite
para que ela continue sua luta, sua história, mas noutro espaço. A metáfo-
ra dos anéis, significa a relutância da personagem apegada ao seu lar, sem
qualquer pretensão de se ausentar, mesmo diante das lamúrias produzi-
das pela seca. Um dos aspectos preponderantes nesse comportamento
que teima em olhar para o seu pedaço de terra, como se outros mundos
fossem inatingíveis. Tudo isso, reflete a visão de Deodata, que movida por
um sentimento de falsa segurança, deixa agir de forma racional.
Na verdade, o temor de Deodata era morrer na travessia. Dionísio, o
agregado de ocasião, com a sua viola, fazia suas cantorias, mas sabedor
das dificuldades que viriam com o agravamento da seca, ele previa que o
fim daquela doce senhora, poderia estar por vir. Ele, que já tinha experiên-
cia em salvar muitos retirantes, insistia, mas Deodata tinha a certeza de
que o seu lugar ainda haveria de ser cheio de fartura. Entretanto, o sol es-
caldante e a escassez de água não deixava esperança naqueles que cerca-
vam aquele ser de uma teimosia, que era a característica dos mais velhos.
Tia Deodata e Terezinha que antes, só pensavam em alimentar suas
histórias presentes, veem-se incapacitadas de resguardar seus espaços.
Sobre isso, traz-se o que Merleau-Ponty (1999) assevera sobre a relação
do homem com o mundo que é a percepção da realidade de várias ma-
neiras, ou seja, o espaço é definido por meio de uma relação estabelecida
entre o sujeito, o pensamento e o mundo. Essa relação perpassa por sen-
timentos realistas, de modo que no texto as personagens se identificam
com seu espaço de acolhimento.
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O espaço vivido por tia Deodata é permeado por várias imagens e sím-
bolos que dão sentido à sua vida. Lefebvre (2006) ressalta que a dimensão
simbólica é interpretada por diversas maneiras de pensar essa dimensão do
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espaço e, que alguns espaços públicos, ajudam a compor este espaço, ser-
vindo como base, muitas vezes, para o surgimento de ações que manipulam
o sujeito. Nesse sentido, no romance aquele solo, mesmo com aspecto de
cemitério deserto, ainda representava o lar, o lugar de segurança. A sensa-
ção de se ver perdido na imensidão da seca não significava fraqueza, mas
era fator de determinação para a tia Deodata que alimentava o peito com a
esperança de uma labuta interminável, mas honrada.
Considerações finais
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Referências
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Parte I: Regionalismos plurais
Introdução
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sugere que Fernandes escreveu o livro como quem quisesse “exibir eru-
dição” (FERNANDES, 1997, p. 10). Ainda segundo Sátyro, o autor também
não teria obtido êxito artístico, ainda que tivesse saído “a tomar notas, a
verificar, quase a copiar ambientes e situações” (FERNANDES, 1997, p. 11).
E conclui demonstrando a falta de fidedignidade da obra, ao avaliar um
dos trechos onde o autor representa uma vaquejada: “Nunca, no pátio de
uma fazenda. Hão de correr dois cavaleiros, quase colados à rês, um de
cada lado” (FERNANDES, 1997, p. 11).
Anos após a morte de Sátyro, o seu parecer negativo sobre a escrita
de Fernandes reapareceria novamente, porém, dessa vez, como prefácio
da segunda edição de Os cangaceiros (1997). O que por si só já é um fato
interessante: a própria obra criticada pelo fazendeiro foi publicada pela
Fundação Ernani Sátyro.
Diante disso, valeria se perguntar: será que o malogro dos escritos
literários de Carlos Dias Fernandes – atualmente quase esquecidos, se-
não, presentes somente nos círculos culturais da Paraíba (TAVARES, 2020,
p. 28) – poderia se justificar somente pela falta de fidedignidade da sua
escrita em relação aos costumes ou pelo mal-uso das ideias da psicanáli-
se e da criminologia, na caracterização de suas personagens?
Apesar de reconhecer o papel decisivo que a crítica exerce na recep-
ção de textos literários, é provável que o esquecimento do autor se deu
não somente por julgamentos estéticos, mas também por questões políti-
cas e pedagógicas (NASCIMENTO FILHO, 2008; GALVÍNCIO, 2015). Contudo,
não é intenção minha adentrar especificamente em tais questões, senão,
produzir um breve estudo literário, contribuindo para recolocar o referido
escritor no debate acadêmico.
Assim sendo, com base nos pressupostos da literatura comparada,
como campo de investigação que se preocupa em “interpretar questões
mais gerais das quais as obras e os procedimentos literários são mani-
festações concretas” (CARVALHAL, 2006, p.86), esse artigo visa analisar a
cultura material4 textualmente representada no romance, inferindo sobre
4 Vale dizer que o sentido aqui empregado a expressão cultura material refere-se a sua acepção
mais geral, ou seja, enquanto constatação de que todo objeto é uma manifestação cultural.
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Coisas de “cangaceiro”
5 São elas as categorias Bélica: onde foram agrupadas as armas brancas, de choque ou de fogo;
Religiosa: objetos sacros e ritualísticos; Indumentária: vestimentas e acessórios; Utensiliar:
agrupamento de itens gerais, de uso doméstico ou laboral.
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6 É esse duo que vemos com certa centralidade nas leituras de grandes interpretes do
banditismo nordestino, como faz por exemplo, Rui Facó, em Cangaceiros e Fanáticos (1976).
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7 Catharina Moura (1882-19xx) – foi uma advogada e ativista pelos Direitos da Mulher na Paraí-
ba do início do século XX.
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8 É sabido que muitos cangaceiros provinham de famílias abastadas, sendo, inclusive, senhores
de escravos (PERICÁS, 2010, p. 43-6).
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Além disso também chama atenção que Fernandes opta pela repre-
sentação de um sertão verde e fértil, fugindo de um discurso centralizado
no problema das secas – que viria a ser (juntamente com o fanatismo re-
ligioso e o banditismo), temas amplamente incorporados ao imaginário de
“invenção do Nordeste”9.
No que se refere a distribuição dos artefatos baseada em critérios de
gênero, avaliados conforme a interação das personagens com os objetos
(ver gráfico II), constata-se que o gênero masculino aparece com o dobro
de itens em comparação ao gênero feminino.
9 Ver: A invenção do Nordeste e outras artes (2011), do historiador Durval Muniz de Albuquerque Jr.
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Aqui talvez fosse interessante elencar pelo menos dois pontos: um, é
que apesar de não diplomado, sabe-se que durante a juventude, Fernan-
des foi estudante de farmácia em Recife – o que pode esclarecer o empre-
go do medicamento na narrativa; outro, é que o artefato parece ancorar
à Dona Catarina um zelo maternal pelo qual o autor busca construir uma
“essência feminina”. Sobre este último ponto, cabe destacar que, muito
embora o ativismo político do escritor paraibano tenha se dado através de
pautas como a defesa do voto e a educação às mulheres, Fernandes insis-
tia na existência de características típicas ao “sexo frágil”, como parte de
um suposto “instinto feminino” (VASCONCELOS, 2015, p. 35).
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Indo para o capítulo IV, Carlos Dias descreve o que seria o mercado
do município de Floresta-PB, utilizando-se de recursos próprios da es-
pacialidade para conferir verossimilhança aos lugares ocupados na feira
pelos comerciantes:
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Conclusões
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A verdade é que não havia opção alguma para ela. Mariinha não
questiona a decisão de seu pai, tão logo se confessa e recebe alguns con-
selhos do padre de Tauá, e parte para Juazeiro. Diante deste episódio, po-
dem parecer discutíveis os traços de autonomia ou de independência nes-
ta personagem. Todavia, o que podemos observar é que neste momento
Mariinha toma completamente as rédeas da sua vida.
Sobre isso, é importante retomar um fator fundamental da estru-
tura de A cabeça do santo. Além do caráter notadamente regionalista, o
romance também se aproxima do que seria o realismo mágico, tradicio-
nal na literatura hispano-americana do século XX, uma vez que, como se
sabe, o elemento central do enredo é a capacidade que Samuel tem de
ouvir as vozes dentro da cabeça do santo.
Essa capacidade sobrenatural não exatamente se descola da reali-
dade. Ela se constrói exatamente a partir do real, da mitologia cristã, do
que se sabe sobre o santo casamenteiro dentro do contexto católico, ente
outras noções. Este não é, no entanto, o único elemento sobrenatural do
romance e são exatamente estes elementos sobrenaturais, ora identifi-
cados como milagres, ora naturalizados, que armam Mariinha e Niceia de
autoridade e autonomia.
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Ela chamou a chuva, pediu que viesse. Antes, pouco antes, o céu
estava limpo, sem dar sinal nenhum de que as nuvens estavam
para chorar. Todas as nuvens do céu choraram ao mesmo tempo
(ACIOLI, 2014, p. 17).
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outro guerreiro, Dom Varão, que era uma moça vestida disfarçada
de homem. Mas Dom Varão tinha olhos pretos, com pestanas mui-
to completas, o coração do Príncipe não se errava, ele nem podia
mais prestar atenção em outra nenhuma coisa. (ROSA, 2016, p. 146).
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O nome desse vaqueiro, ele mesmo não dizia: – O meu nome a nin-
guém conto, pois o tenho verdadeiro. Se o meu nome arreceberem,
sina a respeito eu perdo. Me chamem de nada, até saberem: se sou
tolo, se sou ladino. Enquanto eu não tiver nome, me chamem só de
Menino... (ROSA, 2016, p. 198).
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Na história narrada pelo viajante, surge Cirino que relata uma es-
tória que gira em torno do jovem cabo Joaquim Paulista, homem que foi
assassinado por ter se apaixonado por Carolina, uma moça que também
era desejada por Timóteo. Na história que virou lenda naquele local, Cirino
relata que Joaquim Paulista foi amarrado por Timóteo e um viajante, e em
seguida mordido por cobras, entretanto foi salvo por um senhor que tes-
temunhou a violência contra o jovem cabo, e após os homens irem embora
o tirou daquele lugar. Ainda que tenha sobrevivido ao ataque por cobras,
Joaquim não escapou dos homens que o queriam morto, e foi esfaqueado
no coração.
Apesar de todo o esforço, Timóteo e o ajudante não enterraram o
corpo de Joaquim direito, o que causou o assombramento do morto. O
contador da história informa ao viajante que se os ossos do morto não
forem devidamente enterrados, a dança dos ossos continuará ocorrendo,
assombrando quem passar pela mata.
Cirino traz fortes argumentos de que sua história é verídica e o nar-
rador, o viajante que antes desconfiava da história, acaba se convencendo
de que realmente há um espírito que assombra a comunidade: “Portanto já
se vê, meu amo, que o que lhe contei não é nenhum abusão; é cousa certa
e sabida em toda esta redondeza. Todo esse povo aí está que não me há de
deixar ficar mentiroso.” (GUIMARÃES, 2019, p. 192), nesse fragmento, Cirino
deixa transparecer que a história é de conhecimento do povoado.
É interessante ressaltarmos a fase romântica nacionalista presente
no conto, porém apresentando o sertão tal como era à época. Guimarães
faz questão de demonstrar a tradição oral de um povo e tenta reproduzir
a fala daquele tempo e o ato de contar causos, no caso do conto, histórias
de assombrações contadas à luz das fogueiras, no meio da mata, esta ação
é comum nas regiões sertanejas e o autor teve preocupação em evidenciar
os costumes do sertão:
– Vm. Não quer acreditar!... pois é coisa sabida aqui, em toda esta
redondeza, que os ossos de Joaquim Paulista não estão dentro dessa
cova e que só vão lá nas sextas-feiras para assombrar os viventes; e
desgraçado daquele que passar aí em noite de sexta-feira!...
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– Que acontece?...
– Aconteceu o que já me aconteceu, como vou lhe contar. (GUIMA-
RÂES, 2019, p. 175).
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Joaquim Paulista tinha uma paixão louca pela Carolina; mas ela anda
de amizade com outro camarada, de nome Timóteo, que a tinha tra-
zido de Goiás, ao qual queria muito bem, Vai um dia, não sei que diabo
de dúvida tiveram os dois, que a Carolina se desapartou do Timóteo
e fugiu para a casa de uma amiga, aqui no campo. Joaquim Paulista,
que há muito tempo bebia os ares por ela, achou que a ocasião era
boa, e tais artes armou, tais agrados fez à rapariga, que tomou conta
dela. Ah! pobre rapaz!...se ele adivinhasse nem nunca teria olhado
para aquela rapariga. (GUIMARÃES, 2019, p. 186).
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começando por entortar seu pé (há uma indicação sutil no início do ro-
mance que o pé de sua mãe está torto, mas o narrador só contará a razão
depois – o pai, por alguma desconfiança ou mesmo por algum motivo mais
simples, cometeu esse ato infame – ou seja, a violência contra as mu-
lheres é hereditária). As violências seguirão se intensificando até arrancar
um dos olhos dela e, então, espancá-la quase até a morte (ele de fato
achou que a havia matado). Pois bem, em meio a toda essa violência, Bal-
tazar um dia pergunta a razão das visitas, pois a violentou pela primeira
vez sem antes ter perguntado, e a resposta era que Dom Afonso gostava
de conversar com ela. É impossível, na visão de um homem como aquele,
imaginar que isso fosse verdade. Há aqui, portanto, além de uma limitação
histórica do horizonte de expectativa dos personagens, uma inveja pela
sensibilidade de Ermesinda, inclusive por sua inteligência, já que Baltazar
não passava de um grosso, rude e violento como seu pai. Outra inveja é a
da esposa de Dom Afonso com Ermesinda.
Compulsando o romance O Remorso de Baltazar Serapião analisa-
-se os direitos humanos pelo instrumental conceitual de Pierre Bourdieu,
principalmente pelos seus conceitos de poder simbólico, campo jurídico
e habitus. O Direito também pode ser reconhecido como uma narrativa,
um discurso que, mais do que descrever fatos e normatizar, estabelece
um relato sobre a vida humana, refletindo e, ao mesmo tempo, fundando
os imaginários, o universo simbólico no qual se vive. Tendo tudo isso em
conta, é possível considerar que a literatura tem um papel de subversão
crítica por se converter em um modo privilegiado de reflexão sobre a vida,
possibilitando a reconstrução de lugares do sentido dominados por um
senso comum teórico.
Na tentativa de construção de sentidos do mundo social, as classes
travam uma luta simbólica para defini-lo de acordo com seus interesses
e o fazem tanto nos conflitos cotidianos quanto por especialistas, dispu-
tando o monopólio da violência simbólica legítima. Aqui há um especial
destaque para o Direito. Isso porque seu desenvolvimento ao longo da
história humana rendeu-lhe uma particular intensidade estruturante.
A família de Baltazar Serapião - e não sarga, como se optou nes-
ta análise - é o relato de que remonta inúmeras reflexões. A narrati-
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texto, tudo aquilo que tem toque poético, ficcional ou dramático nos mais
distintos níveis de uma sociedade, em todas as culturas, desde o folclo-
re, a lenda, as anedotas e até as formas complexas de produção escritas
das grandes civilizações. E defende a ideia de que não há um ser humano
sequer que viva sem alguma espécie de fabulação/ficção, pois ninguém é
capaz de ficar as vinte quatro horas de um dia sem momentos de entrega
ao “universo fabulado”.
Se ninguém passa o dia todo sem mergulhar no universo da ficção e
da poesia, a literatura (no sentido amplo dado nesse texto) “parece cor-
responder a uma necessidade universal, que precisa ser satisfeita e cuja
satisfação constitui um direito” (CANDIDO, 1989, p. 112). A literatura é,
para ele, “o sonho acordado da civilização” (CANDIDO, 1989, p. 112), e assim
como não é possível haver equilíbrio psíquico sem sonho durante o sono,
“talvez não haja equilíbrio social sem a literatura” (CANDIDO, 1989, p. 112).
É por esta razão que a literatura é fator indispensável de humanização e
confirma o ser humano na sua humanidade, por atuar tanto no conscien-
te quanto no inconsciente. A literatura tem importância equivalente às
formas evidentes de inculcamento intencional, como a educação familiar,
grupal ou escolar. Por isso, as sociedades criam suas manifestações lite-
rárias (ficcionais, poéticas e dramáticas) em decorrência de suas crenças,
seus sentimentos e suas normas, e assim fortalecem a sua existência e
atuação na sociedade. Antonio Candido (1989) salienta ainda:
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riência inofensiva, mas como uma aventura que pode causar problemas
psíquicos e morais, ou seja, a literatura tem papel formador de persona-
lidade, sim, mas não segundo as convenções tradicionalistas; ela seria, na
verdade, “a força indiscriminada e poderosa da própria realidade” (CÂNDI-
DO, 1989, p. 113). A literatura, então, não corrompe e nem edifica, mas hu-
maniza ao trazer livremente em si o que denominamos de bem e de mal.
E humaniza porque nos faz vivenciar diferentes realidades e situações. Ela
atua em nós como uma espécie de conhecimento porque resulta de um
aprendizado, como se fosse uma espécie de instrução. A humanização, de
acordo com A. Candido, é:
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Introdução
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O deus Cefiso, levado pelo desejo, tomou a jovem Liriope para rela-
ção sexual e fruto desse envolvimento conflituoso surgiu um Ser dotado
de expressiva beleza e vitalidade. Esse foi chamado, pela mãe, de Narci-
so, admirado e cobiçado pelas ninfas e muitos jovens. Entretanto, todos os
olhares e desejos dirigidos ao mesmo eram rechaçados. À altura da beleza
do filho de Liriope, estava apenas a sua autossuficiência e indiferença pe-
rante os sentimentos alheios. Por sua vez, Eco era uma das mais belas ninfas
mencionadas na mitologia helênica. Por ter o hábito de falar muito e por
ajudar o senhor do Olimpo nas aventuras amorosas, distraindo Hera com
suas conversas, a esposa de Zeus condenou a jovem ninfa a não pronunciar
mais nenhuma palavra. Ficaria restrita, apenas, a repetir a última palavra
que tivesse ouvido. Certa vez, Eco encontra Narciso durante uma caçada e
por este se apaixona. Entretanto é rejeitada. Essa primeira parte ou sinopse,
da narrativa mítica, servirá como norte para desenvolvermos nosso raciocí-
nio. Discutir as particularidades do narcisismo primário, ao nosso ver, pas-
sa, necessariamente pela concepção ou ideia do duplo. Essa imago que, na
perspectiva freudiana, é desenvolvida pela figura materna e que nas pers-
pectivas de Lacan e Françoise Dolto é, também, vivenciada pela influência
da experiência da imagem do espelho. Inicialmente, partiremos das contri-
buições freudianas acerca do narcisismo formuladas no célebre texto psica-
nalítico Introdução ao Narcisismo (1914). Nessa obra, o psicanalista vienense
delineia sua teoria sobre o desenvolvimento psicossexual da criança desde
as experiências autoeróticas até alcançar seu narcisismo. Para Freud, o ego
não é uma estrutura pré-formada ou pré-existente na psiquê humana. Ve-
jamos como nos ensina o pai da psicanálise:
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cia dos seus primeiros objetos de amor. Por meio da maternidade, mesmo
que momentaneamente, o bebê se torna o falo da mulher. Aquilo que a
completa e que a faz reconhecer-se em sua feminilidade3 Nos enlaces en-
tre a mãe e a criança, o bebê se entrega e se sente completo por estar nos
braços daquela que, ao lhe fornecer os meios para sobreviver, o erotiza
com seus carinhos. Sendo assim, a relação de duplicidade é estabelecida
entre ambos personagens, uma vez que Eco assume a falta e Narciso re-
nega sua falta como sujeito movido pelo desejo. Vejamos:
Eco, que jamais teria respondido, fosse a que som fosse, com maior
agrado, repetiu: “Encontremo-nos!” Secundando ela as próprias
palavras, sai da floresta e avança, disposta a abraçar o cobiçado
colo. Ele foge. E diz, ao fugir: “Retira as mãos deste aperto! Antes
morrer que seres, senhora, de mim! (OVÍDIO, 2017 p. 189)
3 Esse termo de cunho psicanalítico não mantém relações com o termo feminismo oriundo dos
movimentos feministas. A feminilidade diz respeito a um conjunto de pulsões orais, anais e
genitais associadas a normas culturais que definem um modelo do que viria a ser feminino.
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4 Lacan busca, na área jurídica, o sentido psicanalítico do gozo. Para ele, o gozo implica em fa-
zer uso de algo com determinado limite ou até certa medida. O gozo se encontra nos limiares
do prazer e da dor, da satisfação e da angústia, do êxtase e do descontentamento. O gozo
sempre é parcial.
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ao tentar tocar, beijar abraçar a suposta outra criança, assim como faz
Narciso com seu reflexo:
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por funcionar também como referência para a criança. Sendo assim, ob-
servamos que Narciso é desprovido de um intermediador entre o Eu e a
imagem que observava. A angústia diante de um ser que supostamente
correspondia seus sentimentos, mas que não podia tocar, fica evidente
em suas palavras: “Por que troças de mim, jovem sem-par? Para onde fo-
ges quando te busco? Não são, com certeza, nem o aspecto nem a idade
razão para que fujas, e até as ninfas me amaram!” (OVÍDIO, 2017, p. 193)
Os dizeres seguintes confirmam a ideia do intermediador necessário, na
perspectiva doltoniana: “Será, florestas, que alguém amou com tão cruel
sofrimento? Com certeza sabeis, pois fostes, para muitos, refúgio oportu-
no! Tendo vossas vidas atravessado tantos séculos, recordais-vos, nesse
longo curso, de alguém que se haja consumido assim?” (OVÍDIO, 2017, p.
193). Narciso clama por alguém que lhe restitua a racionalidade levada
pelo devaneio do enamoramento.
A angústia, da impossibilidade de amar um ser que ao mesmo tempo
corresponde aos gestos amorosos, mas que foge daquele que dirige es-
ses gestos, toma conta do jovem. Sobre a imagem especular: “ela distorce
na medida em que mostra apenas uma única face do sujeito, quando, na
verdade, a criança sente-se inteira em seu ser; tanto nas costas como na
frente.” (DOLTO, 2008, p. 43) Lacan (1998) entende que o narcisismo pri-
mário se inicia a partir do momento em que a criança se reconhece diante
do espelho. O Eu ganha contornos e prenuncia sua inserção futura na or-
dem simbólica e consequentemente na cultura. Dolto (2008), por sua vez,
postula que o narcisismo primário se instaura a partir do momento que a
criança passa pela angustiosa prova do espelho. Lograr êxito, nessa pers-
pectiva, é não se reconhecer na imagem, mas saber que aquilo que obser-
va não é o Eu mas um reflexo parcial de um corpo unificado. A passagem
seguinte nos oferece reflexões infindáveis:
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Referências
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Lucas Dias; apresentação de João Angelo Oliva Neto. São Paulo: Ed. 34 Lt, 2017.
VEIGA, Francisco Daudt da. A criação segundo Freud: o que queremos para nossos
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jornais, assistiu a filmes em que ela atuou, fez entrevistas com o embal-
samador do corpo, com militares e com a família do coronel Moori Koe-
nig (responsável pela ocultação do cadáver), conversou com pessoas que
afirmavam saber algo sobre esses tempos, e após reunir este material,
concluiu: “nesse romance povoado de personagens reais, os únicos que
não conheci foram Evita e o Coronel. Evita eu ainda pude ver de longe, em
Tucumán, do coronel Moori Koenig só encontrei algumas fotos e uns pou-
cos rastros” (MARTÍNEZ, 1996, p. 49).
Santa Evita é a história de uma minuciosa investigação acerca da
força de um mito que se apresenta como o paralelo entre a história do
corpo de Eva e a história da Argentina. Em entrevista a Nicolás Wiñazki
para o jornal La Prensa, em 2004, Tomás Eloy declarou que toda ficção
resulta de um processo de investigação jornalística, pois para escrever so-
bre algo é preciso ter profundo conhecimento sobre o que vai ser escrito.
“No se puede fabular con la ignorancia y el desconocimiento. La novela tal
cual yo la veo no solo es un proceso de escritura, sino también de investi-
gación” (WIÑAZKI, 2004, s/p). Para Tomás Eloy Martínez, o mito de Evita
alimentava-se tanto do que ela fez como do que ela poderia ter feito caso
não morresse tão jovem. Sua figura ficou marcada por sua fanática devo-
ção a Perón e aos cabecitas negras, como chamava os desvalidos sociais
que tanto necessitavam dela. “Ela foi o Robin Hood dos anos 40” (MARTÍ-
NEZ, 1996, p. 161), pois como vítima da miséria social, nada a amargurava
mais que os ver sem assistência.
A ficção tem como norte o desaparecimento e a devolução do cadá-
ver embalsamado de Eva Duarte Perón, a primeira-dama da Argentina, a
Evita dos descamisados, entre 1955 (quando Juan Domingo Perón sofre um
golpe de Estado que o leva a exilar-se) e 1971 (quando é entregue a Perón
na Espanha, onde vivia exilado). O autor opta por iniciar a narrativa aten-
do-se aos últimos dias de vida de Evita, fazendo com que a estrutura da
obra se componha de forma não cronológica.
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Referências:
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Essa é uma cena que nos enche de emoção, diante de tantos desa-
fios, dificuldades, aprendizagens durante o romance, chega o momento
de abrir o baú da memória, trazer todos que foram importantes para sua
vida e iniciar a construção de um romance, dentro do romance.
No texto Onde agora? Quem agora?, Blanchot (2005) apresenta uma
discussão acerca da metamorfose das personagens, e, muitas vezes, o
autor está ali, na essência das personagens também se multiplicando, se
transformando a cada narrativa, se escondendo de si mesmo ou se encon-
trando a cada personagem.
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Para tal, este estudo reflete sobre o texto YKamiabas - Filhas da Noi-
te, Mulheres da Lua, de Regina Melo (2012), como um contra narrativa que
desconstrói a imagem da mulher amazônica tal como foi feita na versão
produzida pelos viajantes colonizadores europeus. Este trabalho busca ain-
da, evidenciar o foco da representação das mulheres no enredo da obra.
A base referencial teórica deste estudo orienta-se pelas ideias de
identidade cultural da mulher e de textos relacionados com a teoria do
mito, da crítica feministas, dos estudos pós-coloniais e decoloniais de
autores como Eliade (2011), Xavier (2007), Polar (2000), Loureiro (2008),
Souza (2019) e Bernard (2011).
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Referências
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1 O princípio do prazer, circunstância que guia o Id, é uma via do funcionamento do aparelho
mental, cujo funcionamento pode ser até perigoso, conforme cita Freud nesta obra. Assim, in-
fluenciado pelos instintos e na batalha de autopreservação do Ego, esse princípio, o princípio
do prazer, é sucumbido pelo princípio da realidade. E, embora este último não apague a inten-
ção de obter prazer, ele pode adiar a satisfação. Na obra Além do Princípio do Prazer (1920),
Freud conclui que a mente humana é conflituosa, porque subsiste entre o sistema pré-cons-
ciente e o princípio da realidade. Este último desenvolve-se a partir do amadurecimento da
personalidade, das regras culturais, e do princípio do prazer.
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zer – em sintonia com o desprazer, ocorre porque “[...] estes também podem
ser encarados como possuindo uma relação psicofísica com condições de es-
tabilidade e instabilidade” (FREUD, 2018, p. 47). Portanto, o princípio do prazer
inclina-se para um princípio de instabilidade, quando a ansiedade dos fatos,
denunciada pelo narrador, cria no leitor uma expectativa depreciativa: “Aquilo
ficou na minha cabeça: o que era morrer donzela?” (VIANA, 2009a, p.117). No
menino, a pulsão do sexo, ou “a influência dos instintos de autopreserva-
ção do ego”, (FREUD, 2018, p. 50), ocasiona uma mudança psicossocial sem
retrocessos, isto é, uma vez estabelecida, não há como voltar. Contraditó-
rio, Viana, ao abordar a sexualidade, ora o faz via a ars erotica (FOUCAULT,
1999a), quando o sexo visa ao prazer; ora sob a scientia sexualis, em que
sexo e corpo são vigiados, e controlados pelo sistema (FONSECA, 2015).
Na abordagem histórica, a partir dos séculos dezesseis e dezessete,
no Ocidente, os discursos do sexo proliferam-se; embora somente tenha
havido a liberação a partir do século dezenove. Obviamente, houve proje-
tos disseminadores e disciplinares desse discurso; isto é, criaram-se apa-
relhos multiplicadores do discurso do sexo, a exemplos da psiquiatria e da
psicanálise – mas vigiadas pela ciência médica e por órgãos de controle
(FOUCAULT, 1999a). E, enquanto o discurso médico, envolto pela aparente
neutralidade científica, determinou verdades para o sexo, as origens do
desprazer – provocadas pelo sexo – continuaram escusas para o grande
público. Com a psicanálise de Freud, o discurso do sexo ganha legitimida-
de, sendo amplamente divulgado também como tara, recalque, ou doen-
ça. Na concepção deste ‘ousado’ projeto científico – mais identificado com
as circunstâncias políticas da época, a ordem médica determina o sexo
mediante uma verdade relativa entre o “patológico” e o “pecaminoso”
(FOUCAULT, 1999a). Em Cine Privê (2009a), obra pesquisada, haveremos de
perceber que a deformação nos corpos pelo viés do “princípio do prazer”
(FREUD, 2018), segue uma ótica determinista. Desse modo, o desejo pro-
move a extensão entre sentimentos e/ou objetos díspares, ou seja: vida e
morte, gente e bicho. Na definição de Bakhtin, cujos estudos seguem uma
vertente mais ligada ao popular, além de adequados à leitura vianiana, o
corpo grotesco é um corpo aberto e incompleto, que “está misturado ao
mundo, confundido com animais e coisas” (1996, p. 24).
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morte” se entrelaça com a “pulsão de vida”: “Isaura foi ajudar e sua saia
ficou presa no braço da cadeira. Suas coxas grossas e brancas, da cor da
graviola quando a gente abre, foi um clarão na sala (VIANA, 2009a, p. 119)”.
O conflito do narrador-menino, tal qual a morte, é o que surpreende,
isto é, os princípios da realidade diante do sexo. Freud cita (2018, p 122):
“[...] mas o impulso sexual é a corporação da vontade de viver”. Leiamos o
conto, em uma referência a Jade, prima de 13 anos do narrador-menino:
“Eu, de cá, via a calcinha azul e suas pernas alvas. Ela nem parecia se inco-
modar”. Observemos que o menino traz suas descobertas fragmentando
o corpo e, da dualidade entre prazer e desprazer, abandona o corpo pueril.
No conto “Da cor da graviola”, o princípio de prazer alcança o ápice na
figura de Isaura, moça que trabalha na casa, cujas pernas à mostra des-
pertam o desejo sexual no narrador-menino, que se entrega ao prazer so-
litário do coito: “Quando voltei do banheiro, o enterro já havia partido e eu
fiquei ali sozinho, no meio das flores murchas, aturdido não com a morte,
mas com a vida a escorrer de nosso corpo” (VIANA, 2009a, p. 119). Parece
que o menino, ao conhecer o poder do sexo, torna-se ‘homem’, pois encara
a morte. Mas na ironia sutil do narrador, infere-se que, nessas circunstân-
cias, estariam murchas as flores e murcho o aparelho genital do menino,
enquanto o pronome “nosso” compromete o leitor.
Digamos que o texto hiper-realista não projeta apenas o cenográ-
fico, e sim torna a análise subjetiva porque compromete a veracidade e a
confiabilidade do testemunho de quatro categorias situadas entre o real e
o ficcional, ou seja, a do autor, a do leitor, a do narrador e a do personagem
(SCHOLLHAMMER, 2009, p. 110). Mas é o ser do devaneio, que atravessa
sem envelhecer todas as idades do homem – da infância à velhice, o res-
ponsável pelas reminiscências pueris (BACHELARD, 1996, p. 96). A predile-
ção do autor pelos narradores meninos talvez se estabeleça pelas liber-
tinagens delegadas à criança que, normalmente, surge com a consciência
dos adultos: “Fiquei intrigado e fui olhar tia Lenira, ver se seu rosto de-
notava algum pecado, como dizia o padre no catecismo, todos os nossos
pecados aparecem no rosto quando a gente morre” (VIANA, 2009a, p. 117).
À luz da sociologia, o século vinte foi o período disseminador das
sociedades contemporâneas: deslocadas, complexas e fragmentadas.
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e velho, mas no qual ainda se via o ouro: “comido em parte pelo tempo,
uns delfins esculpidos nos ângulos superiores da moldura, uns enfeites de
madrepérola e outros caprichos do artista. Tudo velho, mas bom...” (ASSIS,
2007, p. 157). A aparência do espelho é uma alusão ao Jacobina mais velho,
aquele que narra, que apesar de carregar as marcas do tempo em si, ainda
se conserva “a melhor peça da casa” (ASSIS, 2007 p. 157).
Por fim, ele não era mais Jacobina, tornou-se definitivamente alferes.
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Quando passa por sua cabeça a ideia de vestir a farda e ele a executa,
volta a olhar no espelho e a imagem que recebe de volta é clara, reencon-
trada estava a alma exterior quase perdida, e dela não se separaria mais.
Apaixonou-se de si e encontrava, agora, no espelho a afirmação alheia
que lhe estava sendo negada por estar só. Jacobina só volta a encontrar
seu eu quando veste novamente a farda e aprecia-se com ela no espelho
porque a farda é o símbolo do status, e “ter status é existir no mundo em
estado sólido” (BOSI, 2020, p. 99).
Machado não tem necessidade de explicar mais nada acerca de sua
personagem, e nem precisa, pois ela é viva, atemporal como o mito ao
qual faz alusão. Jacobina impressiona seus companheiros que o escutam
e os leitores que o leem, conservando a atenção presa às suas palavras
até o fim da narrativa, “quando os outros voltaram a si, o narrador tinha
descido as escadas” (ASSIS, 2007, p. 162).
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neceria sendo quem ele se tornou e quem era orgulhoso de ser: senhor
alferes, a alma exterior.
Referências
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Introdução
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Cangaço, não só por ser a companheiro de Lampião1, mas também por sua
personalidade intrépida. A figura de Maria Bonita é relembrada e sua nar-
rativa recontada principalmente nas festividades juninas típicas do sertão
nordestino.
Similaridades são vistas nas imagens de Deusas rainhas míticas
como Aíne das Fadas, presente no Mabinogion irlandês, cujo culto foi
incorporado às festividades populares como forma de resistência à cris-
tianização da Irlanda. Ísis, esposa e irmã de Osíris, cujas festividades
e culto dão origem aos primeiros mitodramas e formas de teatro, são
manifestações datando de um período anterior ao teatro grego clássico,
conforme ressalta o arqueólogo e egiptólogo brasileiro Antônio Branca-
glion Júnior:
1 Nós referimos a Virgulino Ferreira da Silva, conhecido como Lampião, o chefe dos cangaceiros
entre 1926-38. A imagem do cangaceiro é sinônimo de disputa, o movimento controverso dos
cangaceiros é tema popular ao se falar do coronelismo no sertão. O Lampião é o cangaceiro
mais conhecido, não só por sua notoriedade como combatente, como também por suas capa-
cidades de negociação.
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contar mais uma vez sua história trágica no monólogo Falas da Castro.
Enquanto dama de companhia da Rainha Constança, Inês se torna amante
do então infante D. Pedro, herdeiro da coroa portuguesa, sendo coroa-
da postumamente por ele, quando já soberano do reino, como Rainha de
Portugal. O amor de Pedro e Inês é reescrito por Manuel Maria du Bocage,
Luís de Camões e uma infinidade de outros autores, até os tempos da con-
temporaneidade, a exemplo de José Saramago, Rosa Lobato de Faria, Ana
Luísa Amaral, Agustina Bessa-Luís e Luís Rosa.
Nossa segunda Mulher-Rainha é a angolana Ginga, que durante a
acirrada ocupação portuguesa em seu território assume a coroa após
a morte do irmão. A rainha representara a resistência do povo contra a
colonização, sendo conhecida por vários nomes, como Nzinga Mbande,
Jinga, Singa, Zhinga, Ginga e até Dona Ana de Sousa, por ocasião de um
batismo católico. A Rainha Ginga é uma figura complexa como convém
a uma mulher que ocupou uma posição de poder quase exclusivamente
sozinha num período dominado por homens. É na voz do escritor ango-
lano José Eduardo Agualusa que escolhemos reler a história da Rainha
Ginga, que tem, como Inês de Castro, sua história tecida entre mito e a
imagem da pátria.
A retirada dos poderes da mulher não é facilmente aceita dentro da
memória coletiva. Neste sentido, as mitologias e o folclore que atraem as
imagens das rainhas são uma prova constante da resistência do imaginá-
rio da mulher-rainha, figurando, portanto, como remanescentes de um
período distante em que o poder do rei vinha da sua união com a mulher-
-sagrada, como bem observado pela historiadora Regina Schüssler em
seu estudo sobre o sacerdócio feminino na Suméria:
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A rainha, que na altura ainda o não era, não obstante o porte, osten-
tava sobre os ombros uma capa vermelha de apurada oficina, e aquela
capa parecia fazer refulgir seu rosto, como se um incêndio a consu-
misse. Ginga discutia em alta voz com o irmão, como se com ele par-
tilhasse a mesma vigorosa condição de macho e de potentado. Já na
altura não admitia ser tratada como fêmea. E era ali tão homem que,
com efeito, ninguém a tomava por mulher. (AGUALUSA, 2015, p. 12).
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A Ginga não o entendeu assim. Deu ordens a uma das suas escra-
vas, uma jovem mulher de graciosa figura, chamada Henda, para
que se ajoelhasse na alcatifa e, para grande assombro de todos os
presentes, sentou-se sobre o dorso da infeliz. Aquele extraordi-
nário gesto marcou o tom do encontro, ou da maca, no dizer dos
ambundos. Ainda que o governador João Correia de Sousa falasse
a partir de cima, era como se o fizesse a partir de baixo, tal a
soberba e a clareza de ideias da Ginga. (AGUALUSA, 2015, p. 19).
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po, Alina já morava no Rio de Janeiro, e ela contou como Mestre Graça
ensinou-lhe as técnicas de um bom romance: “Quando começávamos os
trabalhos ‘técnicos’ referentes à narrativa, ele dizia: lá vem cinco anos de
experiência.” (CARDOSO, 2017, p. 263-264). A amizade durou até a morte
do autor nos anos 50, quando Paim permanecia em fase de conclusão de
seu romance, A hora próxima.
Em entrevista a pesquisadora Ana Leal Cardoso (2017, p. 265), a es-
critora falou sobre seu primeiro romance, Estrada da liberdade. Esta obra,
além de trazer o seu envolvimento com o partido comunista e de tratar de
questões sociais, sempre foi intenção de Paim falar sobre o convívio com
as freiras no internato e a sua atuação como professora em um bairro po-
bre de Salvador. Momento este que aconteceu após o seu casamento com
Isaías Paim. A autora falou que:
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O encontro entre esses dois mundos eram proibidos, pois elas po-
deriam sofrer advertências, castigos ou serem expulsas. Esse tipo de
amizade não era tolerado pelas freiras, mas com todo esse controle, as
meninas burlavam as regras e se encontravam às escondidas. O contro-
le era severo, porém, para as freiras, as meninas do orfanato não eram
dignas de valores morais e condutas sociais, e por isso, eram conside-
radas diferentes das alunas pensionistas. Para as freiras, essa aproxi-
mação poderia ser prejudicial à formação das alunas pensionistas. Guta
narra alguns detalhes sobre esse contato em segredo entre Maria José
e Hosana, a aluna do orfanato, e o descreve como “um apaixonado co-
mércio se estabelecera entre ambas durante um ano”. Algumas externas
se correspondiam com as internas, formavam amizades e compravam os
produtos vendidos por elas, mas tudo isso era feito em um sigilo abso-
luto. Como descreve Guta:
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ardentes: “As rosas que vês aos pés de Jesus não são tão puras
quanto o teu coração”. “Minha amizade por ti é como esse sacrário
guardado por anjos.” “Nas tuas orações ao meigo Jesus, faze uma
prece por tua amiga até a morte.” (QUEIROZ, 2021, p17)
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E realmente, que seria Teresa mais do que isso, senão um belo ani-
mal jovem, vigoroso e revoltado, capaz de todas as audácias para
quebrar a corrente, sair atrás do seu destino, do companheiro, nas
vastas estradas da liberdade? (QUEIROZ, 2021, p.43)
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tos não eram bem vistos: “no casamento a mulher sempre sai perdendo.
Perdia a pureza. As freiras olhavam com pena quando uma aluna dizia que
estava noiva.” (PAIM, 1944, p. 19). De outro, a linguagem da Igreja, que
além desse, se consolidava na pedagogia dos exemplos, comparando as
boas mães como a Virgem Maria e outras santas. A Igreja, desde o final do
século XIX, mantinha um discurso moral e religioso de que os bons ho-
mens seriam bem formados se fossem criados por boas mães, criadas nos
moldes católicos. Guacira Lopes Louro (2004, p. 447) cita que “esse ideal
feminino implicava o recato e o pudor, a busca constante de uma perfei-
ção moral, a aceitação de sacrifícios, a ação educadora dos filhos e filhas”
(LOURO, 2004, p. 447).
Não era somente a questão da sexualidade feminina. As próprias re-
ligiosas empenhadas na direção de colégios, além de outras instituições
de caridade, demonstravam certa autonomia e exercício de poder. Como
Nunes (2004, p. 494) afirma, “numa época em que havia poucos lugares
permitidos a uma mulher de família frequentar essas entidades religiosas
propiciavam ainda um ponto de encontro para mulheres entre si”.
Leituras de romances com amores ardentes e proibidos eram com-
batidos nessas instituições. Exercia um controle das manifestações da
sexualidade que levavam ao conhecimento do corpo e dos prazeres. So-
mente eram permitidos livros e romances que exprimiam as aventuras
heroicas, tipo Gulliver, Robinson, o Capitão Nemo e os romances leves
e poesias- tais obras são mencionadas no romance As três Marias. Já
em Estrada da liberdade, as alunas criavam subterfúgios para adquirir
livros proibidos que eram trazidos pelas externas, como Lucíola, de José
de Alencar, considerado perigoso para época. Marina conta como eram
guardados esses livros para que as freiras não descobrissem o escon-
derijo dessas obras ‘contrabandeadas’. Dessa maneira, Marina recorda
esse episódio:
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ela fez deles. Ela acredita que com o mapa é possível entender tudo que
acontece, inclusive o modo como vão morrer.
Aponta que todas nossas ações estão interligadas com o universo e
ficam ecoando e ainda assinala que buscamos desculpas para os nossos
atos, no intuído de recebermos um perdão divino.
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Faz uma conexão entre a vida e a morte, lembrando que elas são
complementares e que condizem com o fechamento e o início de um novo
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do mais inclusive os nomes das coisas e sua utilidade. Nesse sentido, não
podem mais recordar e elaborar seu passado, resta apenas uma tentativa
de através da escrita dos nomes ainda lembrados dar algum sentido para
seus afazeres, sensações e relações.
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seria possível a esse sujeito um lugar de nomeação de si? Seria esse o lugar
da libertação da linguagem?
O conceito de punctum em Barthes (2015) instiga a pensar sobre esse
possível lugar próprio de nomeação, reconhecimento e produção de si. O
punctum é trazido como o ponto cego da imagem, mas que chama o sujei-
to, o que o fascina, é o indizível da imagem ao mesmo tempo em que é sua
continuação narrativa, é o que faz aparecer um para além do que foi visto.
Talvez seja essa ideia de continuação no indizível que faz pensar sobre o
que não pode aparecer em palavras, mas que tem um lugar de existência.
Mas se para existirmos, precisamos ser nomeados, como fugir da palavra?
Segundo Sousa (2019) cada sujeito fala sua própria língua desde que chega
ao mundo, língua essa que tem a ver com lalíngua, uma constituição an-
terior ao simbólico, algo que perpassa o real da língua, algo indizível que
permanece inconscientemente no sujeito, insistindo em uma significação.
Daí se operam mal-entendidos, cada um com sua própria língua e a co-
municação por si só já é fadada a falhas e interdições.
Há um ponto que escapa, no impossível da fala e da nomeação, no
impossível de uma imagem completa, algo irrompe que fica para além da
compreensão, e que mesmo assim nos fascina, nos chama atenção e nos
captura. É no impossível que parecemos buscar espaços de identificação
e por isso pode haver algo de possível nesse caminho, algo que tem a ver
com o “quase-sujeito” de Foucault (2006), quando fala sobre uma verdade
não localizável, algo que é produzido a partir de um outro lugar que não
o da essência, mas que fala de si, um lugar de construção. Pensar em uma
história própria seria, portanto, pensar na possibilidade de uma constru-
ção narrativa a partir do próprio sujeito, sendo a nomeação uma ferra-
menta de apropriação de um texto já dado para poder então fazer uma
escrita de si.
As singularidades dos personagens em Cem anos de solidão são
atravessadas por um destino já nomeado e datado nos pergaminhos que
são a representação de uma história inconscientemente escrita, vivida,
portanto, por todos, mas negada e esquecida. A história da família era
“uma engrenagem de repetições irreparáveis, uma roda giratória que
teria continuado dando voltas até a eternidade, se não fosse o desgaste
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Gabriel Franklin
Introdução
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Trauma
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Mais tarde, ele disse: “Nunca vou superar aquele episódio dramá-
tico enquanto viver”, e, de fato, ele não conseguiu, até o dia de sua
morte. Foi, certamente, a pior noite de sua vida, a noite de “minha
maior tragédia” — a qual ele, repetidamente, colocava nos termos
de seu veemente sentimento de não realização por sua mãe “nunca
ter tido a oportunidade de ver algo meu publicado”. (MICHAELIS,
2015, p. 17)
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Quando pediam que falasse sobre sua vida, ele nunca começava
pelo início, com seu nascimento em 26 de novembro de 1922, mas
sempre com a morte de sua mãe em 1º de março de 1943, sua pró-
pria partida para a guerra e a impiedosa velocidade de tudo aquilo:
na mesma semana, Dena Halverson Schulz havia falecido na se-
gunda-feira, sido enterrada na sexta e, no sábado, o exército o le-
vou embora. (MICHAELIS, 2005, p. 12)
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pado dos piores combates por seu zelo e por sua capacidade de treinar
novos recrutas, para sempre sentiria que não fez o bastante, ou que o que
chegou a fazer não teve seu valor reconhecido devidamente:
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Repetição
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Freud entende que “as fobias têm a natureza de uma projeção devido
ao fato de que substituem um perigo interno instintual por outro exter-
no e perceptual” (FREUD, 1926/1976, p.149, apud PISETTA, 2008, p. 412). E,
tendo-se em vista que do que é interno não se pode fugir, apenas do que
é externo, esse processo de substituição se dá para que o sujeito possa
afastar a ameaça que o trauma representa para o seu aparelho psíquico:
“Sob a influência automática da compulsão à repetição, a angústia reen-
gendra a repetição da situação experimentada, o que demonstra a ine-
xistência de uma proteção completa ao retorno da situação traumática
original e a falha do aparelho psíquico em dominar toda a quantidade de
excitação” (BARBOSA, 2008, p. 46).
Schulz, então, optou por substituir o perigo interno, do qual não po-
deria fugir, por uma repetição externa, à qual poderia controlar:
Ele desenhou cada uma das 17.897 tiras — todas sem assistentes. Ain-
da mais importante: ele nunca usou ideias de ninguém. Cada episódio
de Peanuts era dele e dele apenas, iluminando o mundo e, ao mesmo
tempo, permitindo — na verdade, dando poder – ao cartunista, de se
manter separado dele por uma parede. Para fazer o que fez, ele tinha de
estar sozinho, somente a cargo de seu universo modesto mas comple-
to. Uma pessoa mais gregária e mais equilibrada não poderia ter criado
o continuamente sofredor mas perseverante Charlie Brown, a brigona
e frequentemente malvada Lucy, o filosófico Linus, a sapeca Patty Pi-
mentinha, o decidido Schroeder, e o grandioso e absorto Snoopy. ‘Uma
pessoa normal não conseguiria fazer isso’. (MICHAELIS, 2015, p. 8)
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E mais,
Considerações Finais
De tal sorte que a arte nos parece ser uma das formas de materialização
do trauma, através de uma tentativa de sua representação no real, uma vez que
esta proporciona “uma aproximação densa e silenciosa entre duas pessoas num
terreno a que nenhuma outra voz consegue chegar” (TEZZA, 2012, p. 215), e onde
“o que se quer, de fato, é partilhar uma experiência, refratada em palavras [ou
imagens], que diga aos outros onde [estamos]” (TEZZA, 2012, p. 34).
Esse “contar ao outro onde estamos” caracteriza-se por uma tentativa
de conciliar dois tempos, uma vez que o evento traumático é rearranjado a
posteriori através da memória. Há o tempo “vivido” e há o tempo “lembrado”.
A narrativa, portanto, relata o “lembrado” tentando acessar o “vivido”.
O referido processo parece se dar através de uma composição da me-
mória, semelhante à composição de uma fotografia ou de uma narrativa li-
terária. A memória é também uma narrativa, utilizada com inúmeros intuitos,
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Referências
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Parte II. O imaginário social
Palavras iniciais
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aos 6 anos e entregue aos cuidados das três tias solteiras, logo após a sua
morte”. Ainda a respeito do tom autobiográfico da obra Simão Dias (1949),
Afonso Henrique Fávero (2019, p. 119) fala a respeito da “transferência de
aspectos da vida de Alina Paim ao sentido geral da obra”. Neste sentido,
assistimos no romance tanto o amadurecimento social como o psicoló-
gico da jovem protagonista Maria do Carmo, em consequência também
da própria Alina Paim, pois “não era mais a menina das tarefas de renda,
também havia mudado, trazia os lábios um traço enérgico de rebeldia, nos
olhos uma interrogação viva” (PAIM, 2015, p. 265).
Tecendo o resgate...
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Vou ser sincera, tomei um grande susto quando minha filha disse-
-me, naquela tarde que me telefonou uma professora de Sergipe,
e que gostaria de falar comigo, que essa tal moça estava pesqui-
sando a minha obra. [...] Agora você, uma professora pesquisado-
ra, quer também saber de mim. Estou importante! (risos). Fiquei
surpresa, pois estive esquecida durante tanto tempo, cerca de 30
anos vivendo no meu mundinho. Hoje estou velha e cega. [...] Agora
perto dos 90 anos, você me traz alegria, me faz voltar a tempos
outros, lembrar pessoas da minha vida pessoal e literária [...] Por
acaso tenho essa importância toda? (CARDOSO, 2017, p. 250).
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Perfeito, vamos falar sobre Simão Dias, sim. É um livro de que gos-
to muito. Olha, eu não tenho pormenorizada toda a história, minha
memória falha, contudo, lembro-me de que trata de uma perso-
nagem que foi, assim como eu enviada para um convento. Antes,
porém, viveu com a família na cidadezinha em Simão Dias, em Ser-
gipe. Sabe, professora, com essa obra eu me vinguei das minhas
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Na citação acima, Paim nos diz que o romance Simão Dias pode ser
tomado como autobiográfico, tal declaração vem legitimar a leitura crítica
realizada por Fávero (2017) e Cardoso (2010), pois os pesquisadores desta-
cam a presença das experiências pessoais de Alina Paim na obra. Ou seja,
diante da exposição da romancista e em consonância com o pensamento
dos críticos, somos tentados a dizer que os planos ficcionais e factuais se
entrecruzam a partir das experiências vividas por Maria do Carmo e Alina
Paim. Após Simão Dias, incentivada pelo camarada Mestre Graça (ambos do
Partido Comunista), em 1950 Paim publica A sombra do patriarca, conforme
nos descreve Morais (1993, p. 200) após a leitura de mais um manuscrito
“ele a incentivaria a concluir o segundo livro, A sombra do patriarca, que se
desenrolava numa fazenda de cana do Nordeste. “Isso mesmo, fale de sua
gente”, recomendaria”. Diante do romance A sombra do patriarca, a entre-
vistadora interroga em relação à escolha do título, eis a resposta de Paim:
Não, apenas quis saber por que o nome ‘patriarca’, se eu conhecia al-
gum patriarca em minha vida. Rimos muito. Então eu disse-lhe que
tive um tio que era grande latifundiário, um ‘patriarca’ com a família,
conhecido como Zé Candinho, era bastante exigente e rude no trato
com as pessoas, por isso, logo o associei aos patriarcas do Velho Tes-
tamento, que havia estudado nas aulas de religião do Convento da
Soledade. Mestre Graça apenas sorriu. Afora isso, pediu-me para ler
uma cópia, queria averiguar se eu tinha melhorado a técnica roma-
nesca. Notou alguma diferença, e o liberou para publicação. Era um
homem exigente... Bem, este foi o livro que mestre Graça mais gos-
tou, eu o chamava assim. Também foi a última cópia que Graciliano
acompanhou, fez até revisão (CARDOSO, 2017, p. 263).
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dos nossos melhores romancistas: também fora do Brasil sua obra tem
repercutido com sucesso”.2
Laureada por notórios romancistas como Graciliano Ramos, Jorge
Amado e Dalcídio Jurandir, a produção literária de Alina Paim, traz em si
o reconhecimento literário como “estrela de primeira grandeza”, apre-
sentado no prefácio de Jorge Amado. A obra consagrada com prêmio de
destaque por Valdemar Cavalcanti, João Felício dos Santos e Plínio Bastos
(críticos literários da ABL), recebe, no entanto, uma crítica mordaz de Fá-
bio Lucas sobre o romance Sol do meio-dia, nos seguintes termos “A mu-
lher participante das lutas sociais aparece em Sol do Meio-dia (Rio, 1961),
de Alina Paim. Ester, a heroína, é a moça do Norte, sem família, que mora
numa pensão do Rio de Janeiro. [...] A novela é estonteantemente fraca”
(LUCAS, 1970, p. 91).
No premiado romance, apesar da crítica ferina de Fábio Lucas, Ali-
na Paim nos apresenta a personagem Ester, mulher de fibra e coragem.
A jovem, incentivada pelo seu mentor, o professor Virgílio -a importância
e valorização do professor são temas recorrentes na literatura de Paim-,
evade da patriarcal sociedade da pequena Paripiranga, na Bahia, rumo ao
Rio de Janeiro em busca da realização profissional: trabalhar como tradu-
tora de francês. Ester, assim como Marina, Do Carmo, Raquel, Catarina, a
nefasta Isabel e a doce Catita, protagonizam a voz da mulher, marginali-
za ao longo da história que, não mais se deixarão calar, marca da estéti-
ca literária de Alina Paim. Assim sendo, como reconhecem Gomes (2014),
Dal Farra (2017) e Ramalho (2017), a literatura de Alina Paim apresenta
“mulheres rebeldes, independentes, capazes de romper com as normas
patriarcais, enredadas em discursos que mostram suas lutas por espaços
mais democráticos e inclusivos” (CARDOSO, 2010, p. 128).
2 O texto em deste faz parte do prefácio redigido por Jorge Amado, o excerto foi reproduzido de
PAIM, Alina. Sol do meio-dia. [S.l.]. Associação Brasileira do Livro, 1961.
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Introdução
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A consciência da tragédia
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[...] a composição da mais bela tragédia não deve ser simples, mas
complexa, e tal tragédia deve ser a mimese de fatos temerosos e
dignos de compaixão, fica a princípio evidente que não se devem
apresentar homens excelentes que passam da prosperidade à ad-
versidade – pois isso não desperta pavor nem compaixão, mas re-
pugnância – [...] (ARISTÓTELES, 2020, p.113).
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1 Hýbris pode ser traduzida por “desmedida’’. Afirmação de si arrogante, falta de medida, uma
disposição de humor estranha ao deus, a desmedida ousadia do homem e sua punição. (NIET-
ZSCHE, 2014, p. 04).
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2 Hamartia: erro ou falha cometida pelo herói trágico [...] remetem sempre à ideia de uma fa-
lha, ignorância ou erro cometido por aquele que desconhece o teor e as consequências de sua
falha. (PINHEIRO, 2015, p.113).
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e esse antes de entrar em combate pede à irmã Antígona que sepulte seu
corpo caso venha a morrer e tem a promessa dela. Creonte, irmão de Jocasta
toma o poder e após subir ao trono, em seu primeiro ato, proíbe o sepul-
tamento do malfeitor, sob pena de morte para quem o tentasse, embora
ordenasse funerais de herói para o morto como defensor da cidade.
A peça Antígona insinua que sempre a ordem perturbada do mundo
se lança de volta à situação de repouso. Antígona só conhece um único
caminho: cumprir a promessa que havia feito ao irmão, pois um corpo in-
sepulto, presa de cães e aves, é inimaginável e assustador, para qualquer
família cumpridora dos rituais não escritos nas leis dos mortais, na es-
sência do pensamento de todos os tempos. Antígona foi firme na decisão
de assegurar o cumprimento da promessa ainda que sua irmã Ismene se
submeta as novas ordens. Lesky (2015), descreve o agir ponderado e cô-
modo de Ismene com a obrigação, por cumprir o ritual de despedir-se do
irmão, de Antígona, esta então nos revela com clareza a solidão em que se
encontram as mulheres tebanas da antiguidade, com todos os seus de-
sejos e esperanças de jovem princesa, assim como o são todas as grandes
personagens de Sófocles, e, em geral todas as grandes personagens deste
mundo. O ajuste que há na peça é na maioria das vezes esquecido pelo
público trágico, mas não devemos ignorar que, para o caráter grego, o va-
lor peculiar da argumentação racional, através da qual se fundamenta na
peça de forma perfeitamente compreensível, é o amor fraterno, e o saber
que precisa e deve suportar as consequências. A heroína responde pelas
leis não escritas dos deuses, é o choque do direito natural com a vaidade
cega do rei, pois o amor fraterno que concede a ela validade humana é
incombatível e sócio benfeitor dessas grandes leis. Ela luta pelas leis não
escritas e invioláveis dos deuses, as leis às quais a polis nunca deve se opor,
mesmo com todos os seus desejos e esperanças de jovem noiva que sur-
gem ao longo da peça, também o pretendente dela é levado ao suicídio. A
decisão de Antígona de conceder as honras fúnebre ao irmão, movida pela
convicção de que seu direito era mais válido, neste drama de rara beleza,
levantou questões fundamentais para o espírito humano, principalmente
a do limite da autoridade do Estado sobre a consciência individual, ou seja
as leis não escritas, e o direito da obediência ao soberano prepotente.
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A intensidade do pensamento
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Referências
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Literatura e violência
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O meio do mundo
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tom ácido e irônico do narrador, que cruelmente nos representa Lila como
uma figura que beira ao devaneio e que perdeu o senso da realidade.
Conforme Bataille o erotismo seria a “[...] aprovação da vida até na
morte” (BATAILLE, 2021, p. 35). Em Miss “Brasil”, talvez possamos pensá-lo
numa aprovação da vida numa morte que se constrói por meio da velhice
e da passagem do tempo. O aspecto polissêmico da linguagem, como na
seguinte passagem, que sugere um ato de masturbação, contribui para
pensarmos num tom erótico que reveste o conto: “de vez em quando pas-
sa um e se tranca no banheiro. Lila faz um gesto com as mãos e as ou-
tras riem”. (VIANA, 1993, p. 21). Ela encontra apoio para essa fantasia no
suposto asilo, que se compõe de elementos que retomam a sexualidade
humana, tais como a masturbação, a sedução, o corpo. Para a persona-
gem, todos são gaviões, animais que anseiam por devorá-la. Afinal, “[...]
ninguém é mais feliz do que ela, longe da casa paterna, ainda mais com
tanto gavião em cima” (VIANA, 1993, p. 23).
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pela morte da mãe, pois podemos pensar que caso ela não tivesse feito
sexo ainda jovem ou solteira, a matriarca não teria tido um ataque car-
díaco e falecido.
Com a morte da mãe, o pai de Lila, figura extremamente dependen-
te dos préstimos da finada esposa, agarra-se à filha como um parasita e
dela suga sua seiva vital. Lila perde a vida cuidando do pai, definido por ela
como aquele “[...] porco do pai, pai mesmo não [...]” (VIANA, 1993, p. 21).
Diante de tais colocações podemos ambientar o conto num contexto
social em que a mulher era (ou deveria ser) extremamente passiva e ser-
viçal para o homem, algo que se apoia na visão hereditária que o pai tem
para com Lila: se a filha deve ser quase que sua escrava, assim também o
teria sido sua esposa. Entretanto, a personagem assume um papel confli-
tuoso e de extrema relevância para o estranhamento da narrativa e para
a subversão do papel da mulher perante a sociedade. Ela não é extrema-
mente servil, não é pudica, não é passiva, mas é (ou tenta ser) livre. Toda-
via, esta tentativa de elevar-se diante das construções sócio-históricas
normalizadas tem um preço, que é o da falência de si.
Lila vive em constante contato com os impedimentos, com as castra-
ções que lhe são impostas: é impedida de comer doce, é impedida de ser
miss, é impedida de viver. Estas proibições podem ser simbolizadas a partir
da própria representação da casa paterna, marcada pela infelicidade, pela
fatídica falência da vida, assim como podemos perceber na primeira frase
do conto: “ninguém é feliz na casa paterna [...]” (VIANA, 1993, p. 21).
Podemos considerar a protagonista uma vítima partindo do caráter
de perseguição que se estabelece entre ela e as lembranças do pai. Mes-
mo com ele morto, Lila vive a rememorar as angústias sofridas ao lado do
“porco do pai”, característica presente também em outras narrativas de
Antonio Carlos Viana, como é o caso de “Olhos de fogo”, conto do livro Em
pleno castigo (1981).
A personagem desiste da pretensão em possuir o título de miss
ao perder um dente da frente. Ela, que “[...] foi miss de quase tudo, ra-
inha da laranja, miss primavera [...]”, “só perdeu a esperança de ser miss
quando quebrou um dente da frente numa unha de caranguejo” (VIANA,
1993, p. 21). Diante deste acontecimento, interessa-nos pensar quais se-
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cebemos isso diante do último período do conto. Para Lila, “[...] ninguém é
mais feliz do que ela, longe da casa paterna, ainda mais com tanto gavião
em cima” (VIANA, 1993, p. 23). Ou seja, a felicidade estaria associada a fa-
tores complementares: livrar-se da repressão da casa paterna e ver-se
rodeada por homens que a desejassem.
Por outro lado, podemos pensar que a vontade de ser miss tenha
nascido como um desejo de romper com o paradigma de servilismo que
recobria as relações entre mulheres e homens, herança da mãe. Ou seja,
o título de miss representaria o quê Lila havia desejado, contrariando um
horizonte de expectativas limitado e extremamente impositivo.
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Referências
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Introdução
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Parte III. Literatura e contextos históricos
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Dona de si, ela sabia que tudo lhe era possível e, de pergunta em per-
gunta, achou a casa de um mestre aonde só iam rapazes para apren-
der português, latim, aritmética, mas cuja esposa, essa sim, ensinava
as moças a ler, escrever, contar e cozer (SILVEIRA, 2002, p. 78).
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Maria, viúva, era agora a única responsável pelo engenho. [...] Com
a guerra e a invasão, muitas mulheres tinham assumido papéis que
antes eram restritos aos homens, mas nem todas tinham a inte-
ligência e o tino de Maria, nem todas tinham sua graça de mulher
bonita, nem todas tinham seu frescor de viúva jovem (SILVEIRA,
2002, p. 97).
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Parte III. Literatura e contextos históricos
[...] talvez ela fosse, naquela época em Salvador, uma das mulhe-
res mais instruídas. Tinha dinheiro suficiente para viver bem e sem
trabalhar, se quisesse, deixando os escravos trabalhar para ela,
mas seu espírito independente e dinâmico fez com que tomasse
para si a administração da taberna. Seu jeito inteligente e livre fas-
cinava muitos homens (SILVEIRA, 2002, p. 107).
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Parte III. Literatura e contextos históricos
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Parte III. Literatura e contextos históricos
Referências
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Introdução
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Parte III. Literatura e contextos históricos
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Parte III. Literatura e contextos históricos
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Parte III. Literatura e contextos históricos
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Em Capão Pecado:
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Parte III. Literatura e contextos históricos
Estava voltando pra casa quando foi enquadrado pela polícia mili-
tar. Pediram seu documento e, enquanto averiguava se ele estava
armado, conferiram sua documentação pelo rádio. Se Ráulio foi
enquadrado, ficou preso durante uma semana, esperando a res-
posta que diria se ele havia cumprido o tempo certo de pena, pois
havia a possibilidade de ele ter saído em razão de uma fuga. A res-
posta chegou, e ele foi finalmente liberado. (FERRÉZ, 2016, p. 44).
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Em Capão Pecado:
Dida estava caído em frente à sua casa: estava de costas, sem o par
de tênis, e com uma enorme mancha de sangue nas costas.
(...)
Duas horas depois, a Tático Sul chegou ao local, cobriu o corpo com
um lençol pedido a uma vizinha. Ficaram comendo carniça por mais
de seis horas quando o IML chegou e foi logo retirando o corpo. O
pessoal nem estranhou o fato de os legistas não terem examinado
o corpo, todos ali já estavam acostumados com o descaso das au-
toridades. (FERRÉZ, 2016, p. 43).
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A Construção da Identidade
(...)
Não há como excluir qualquer indivíduo, ou qualquer coletividade,
dessa luta pela dignidade da vida humana, como exigência ética.
Quem exclui qualquer um dessa utopia, na verdade, nega-se como
ser humano. Isto não significa dizer que não possam ou não devam
existir lutas políticas específicas, principalmente em relação a gru-
pos, à coletividades, ou até mesmo a grandes parcelas da humani-
dade (CIAMPA, 2003, p. 6).
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Em Capão Pecado
Não temos muitas oportunidades por aqui, a não ser o tráfico, o
roubo a banco, o futebol e o pagode; fora isso você tem que se su-
jeitar a ganhar um salário mínimo e esperar que alguma coisa boa
aconteça. É aí que entram os movimentos alternativos: a leitura, o
rap, que é um dos cinco elementos do hip hop, os projetos sociais
que ajudam o povo da favela. (FERRÉZ, 2016, p. 163).
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Parte III. Literatura e contextos históricos
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Parte III. Literatura e contextos históricos
Danieli Tavares
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A experiência do narrador
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Parte III. Literatura e contextos históricos
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costume das vistas boas” (JATOBÁ, 1978, p. 56), do conto “Nos olhos, ga-
ses e batatas”, percebemos que a sabedoria recebida pelo narrador-tes-
temunha pode modificar o seu próprio meio e mal-estar causado pelos
gases da fábrica onde trabalhava. Walter Benjamin (2012) esclarece que
podemos ter uma noção de como um saber prático pode ser transmitido
através de uma narrativa em que pouco ou nada se explica.
Isto faz parte da Erfahrung enquanto narrativa, não para explicar
seu conteúdo, mas como o ensinamento que se pretende transmitir com
o ato de narrar. (BENJAMIN, 2012) E mais do que isso, um personagem diz
ao narrador-testemunha que chegaria um dia em que ele (narrador) teria
coragem e vontade de arrancar dos olhos “o gás, a batata fétida e crua
e preta eu todo dia se pendurava aqui” (JATOBÁ, 1978, p. 56). A narrativa
tem como valor o saber repassado coletivamente, as angústias do grupo
de operários, e mais profundamente, a incorporação da coragem à vida.
Segundo Benjamin (2012), há três figuras que representam o trans-
mitir e o receber: o marinheiro, o camponês e o artífice. Em Crônicas da
vida operária (1978), percebemos a predominância do artífice, próximo in-
clusive a ideia de “migrante operário”, que tanto percorre terras distantes,
como, por fim, se fixa em um lugar (São Paulo) para plantar ali seus frutos.
Eles representam a distância temporal e espacial que fazem parte da nar-
ratividade e que são vinculadas à experiência na vida.
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Referências
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Walter (2013), observa que “Ter uma identidade significa ter uma
história inscrita na terra” (p.145), por isso, a importância de narrar
está ligada diretamente ao fundamento do indivíduo/comunidade.
No entanto, o lugar de fala desse indivíduo ainda é um lugar oblite-
rado, ou de alcance limitado pelo próprio sistema-mundo. O sujeito
do terceiro mundo, conforme Spivak (2010) argumenta, não é visto
como alguém consciente que pode se “representar”, desta maneira,
tornar o sujeito vocálico é um território ainda mais complicado. Ao
atribuir o lugar de fala por parte de quem investiga, reafirma que o
compromisso do investigador não é se eximir da representação, nem
falar por eles, mas o de: “aprender a falar ao sujeito historicamente
emudecido” (p.114).
Spivak (2010) faz uma importante ressalva sobre esse lugar de su-
balternidade, no que diz respeito ao sujeito feminino. Dentro dessa es-
trutura imperialista, esse grupo ainda se encontra em maior obscuridade,
no sentido de fala e história, já que em várias instâncias sofre não apenas
as consequências da violência sistêmica como também simbólica, assim,
conforme a autora, como representá-la e instaurar um espaço de voz,
tornar-se duplamente obscuro e fraturado.
Maria é aquela que agencia as outras vozes na narrativa, no entan-
to, destaco que outra voz feminina consegue instaurar seu espaço próprio
dentro da estrutura do mundo-comunitário. Fátima, mãe de duas crian-
ças pequenas, será uma espécie de Mestra para Maria enquanto durar
sua estadia no povoado. Mais do que isso, o que interessa na constituição
desta personagem, é o quanto ela desordena o discurso dominante sobre
o lugar da mulher, ao assumir uma função que era destinada aos homens,
ela era a única mulher que remexia a caldeira de tintas, “entre os homens
mudos”, e não ocupava a função do tear. Maria observa que Fátima ocu-
pa: “Um lugar fora de lugar, como o dela” (REZENDE, 2016, p.24). Temos
duas formas distintas de percepção e representação do mundo através
das figuras de Fátima e Maria, dois modos políticos de agenciamento da
experiência de ser, dizer e ver que estão diretamente ligados ao espaço
que habitam e, que, todavia, acabam sendo circunscritos de maneira mais
e menos intensa, no espaço do privado.
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Ainda que Maria tenha viajado pelo mundo, aquela que narra as ex-
periências dos outros, isso incluí dos lugares que visitou também, será o
discurso de Fátima, visto como particular porque ligado ao local, que irá
agenciar o desnudamento da própria geopolítica do conhecimento, não
apenas do mundo racional humano, como o da natureza também, seus
modos internos de autorregulação e sobrevivência. O sertão representa-
do, apesar de ser o de 30 anos atrás, de muitas ausências e lugares de
fala, se coloca também como um espaço fronteiriço, uma vez que, ofi-
cialmente, dentro da perspectiva do comunitário, apesar de existir uma
ordem de ocupação dos fazeres, todavia, ninguém é impedido de adentrar
outras ocupações, desde que consiga realizá-la. É a partir da sua Mestra
Sertaneja, que Maria encontra “ofício e família naquele canto escondido.
[...] Pelas mãos de Fátima cheguei ali de verdade” (REZENDE, 2016, p.24).
Silvia Cusicanqui (2006), enfatiza que para a construção do potencial
epistemológico e teórico da história oral, o que importa é compreender
como as sociedades de cultura oral pensam e interpretam sua própria ex-
periência histórica. Experiência esta instaurada numa fratura, uma tem-
poralidade que se impõe como cronológica, e que descarta a temporalida-
de mítica das culturas orais. Apesar de localizar o cerne de sua discussão
dentro do lócus indígena, estende também esses questionamentos, a
qualquer povo “subalternizado”. A autora reforça que a inclusão destes
povos nas sociedades se torna apenas uma farsa, no sentido de que não
se promove formas e espaços de participação ativa e política que gerem
voz e retorno, estes grupos acabam sendo projetados como símbolos ou
sociedades de culturas e práticas apartadas.
Assim, não se faz uma prática descolonizadora, apenas a discus-
são teórica de um caminho. Estes espaços fraturados pelo agenciamento
da colonização, deveriam ser os espaços da crítica e formas de aprender,
espaços que Cusicanqui (2006) chama de percepções profundas sobre a
ordem colonial. Segundo a autora, a visão do mito enquanto espaço de
conhecimento do “pensamento selvagem” deve ser superado, assim como
os modelos imaginários fabricados e distorcidos sobre tal realidade: “A
história oral neste contexto é por isso muito mais que uma metodolo-
gia “participativa” ou de “ação” [...]é um exercício coletivo de desaliena-
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1 “La historia oral en este contexto es por eso mucho más que una metodología “participativa”
o de “acción” [...] es un ejercicio colectivo de desalienación, tanto para el investigador como
para su interlocutor.” (CUSICANQUI, 2006, p.20)
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gava o prejuízo? Quem é que prestava conta aos castelhanos? Quem é que
ia explicar tudo na aduana? E quem é que ia pagar, ia pagar o serviço dele?
E se o prendessem?” (SCHLEE, 1983, p. 111).
Captura, essa, que não acontece, concluindo, com êxito, a empreita-
da e entregando-se, definitivamente, ao ofício do contrabando: “Quatro
cargas de areia grossa davam mais ou menos uns duzentos mil reis... Eram
dois barris... Doze barris por dia, um conto e duzentos... Um conto...” (SCH-
LEE, 1983, p. 112). Do conto “Contrabandista”, de Simões Lopes Neto, pio-
neiro sobre a temática do contrabando ao conto “O Nossa Senhora Apare-
cida”, de Aldyr Garcia Schlee, observa-se uma gradativa transformação no
tipo social contrabandista, que perde o caráter trágico/heroico e torna-se
mais humano. Se os campos político e jurídico discutem a criminalização
e o combate ao contrabando, outros campos de investigação, como a li-
teratura, atentam para outros aspectos inerentes à prática, como o in-
tercâmbio cultural estabelecido nesse processo. “No caso específico das
literaturas do Cone Sul, sobretudo argentina, brasileira e uruguaia, o con-
trabando, por suas peculiaridades de prática ora interdita, ora consentida
ou até mesmo estimulada, constitui um dos elementos que possibilitam
aproximações e confrontos” (MASINA, 1994, p.63).
Embora os rios, as pontes, as aduanas, todos esses marcos divisórios
naturais ou estabelecidos pelo homem e, sobretudo, a língua ressaltem a
diferença e reafirmem a autonomia dos territórios rio-grandense e rio-
-pratenses, aspectos geográficos, como o pampa; alimentares, como a
predileção pela carne vermelha e o chimarrão; climáticos, tendo em co-
mum a umidade e o frio; e culturais, pela articulação musical e literária,
aproximam comarcas e sustentam novas indagações de cunho identitário.
Seriam o Rio Grande o Sul, o Uruguai e a Argentina, uma terra só, conforme
imaginou Aldyr Garcia Schlee?
Referências
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SCHLEE, Aldyr Garcia. Contos de sempre. São Paulo: LR editores Ltda, 1983.
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SCHLEE, Aldyr Garcia. Linguagem da fronteira. Revista Vox, Porto Alegre, nº 7, p.26,
2014.
ZILBERMAN, Regina. A literatura no Rio Grande do Sul. 3. ed. Porto Alegre: Mer-
cado Aberto, 1992.
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DUAS ESTREIAS
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1 A “ralé” estrutural brasileira “é a classe, que compõe cerca de 1/3 da população brasileira, que
está abaixo dos princípios de dignidade e expressivismo, condenada a ser, portanto, apenas
‘corpo’ mal pago e explorado, e por conta disso é objetivamente desprezada e não reconheci-
da por todas as outras classes que compõem nossa sociedade”. (SOUZA, 2009, p.137).
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3 No livro República das milícias, o jornalista e cientista social Bruno Paes Manso recompõe
a história de violência do Rio de Janeiro nas últimas décadas, com destaque para formação
e propagação das milícias, fenômeno tipicamente carioca que surgiu dentro do aparelho do
Estado. Essa relação entre legalidade e ilegalidade é objeto de investigação de Manso, que em
suas constatações afirma: “O problema do desvio e do comércio ilegal de munições da polí-
cia reapareceu nas investigações do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista
Anderson Gomes. Oito das nove munições encontradas no local do crime eram procedentes
de um lote comprado pela Polícia Federal, em 2006, da Companhia Brasileira de Cartuchos
(cbc). A Polícia Civil e o Ministério Público identificaram que essas munições tinham aparecido
também em pelo menos dezessete ocorrências desde 2013, em casos de disputas entre tra-
ficantes, milicianos e em atividades policiais. Munição do mesmo lote tinha aparecido, ainda,
numa chacina de dezessete pessoas ocorrida em 2015 em Osasco e Barueri, na Grande São
Paulo, com participação de policiais.” (MANSO, 2020, p. 116).
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Referências
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Apresentação
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Aporte teórico
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Desenvolvimento
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Considerações finais
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Referências
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Introdução
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A chinela turca
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4 A associação entre as visões sobre teatro expostas em “A chinela turca” e as opiniões de Ma-
chado sobre o tema são trabalhadas de modo mais detido em AGUILAR, Luiza Helena Damiani.
O teatro em Machado de Assis: suas peças, suas críticas e sua prosa. Em tese. Belo Horizonte,
v. 24, n. 2, maio-ago 2018, pp. 141-156.
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O que não diz é que nem o último parágrafo do conto nem a ideia
que exprime […] estavam presentes na versão de 1875. Parece-me
que foram acrescentados justamente para fazer com que “A Chine-
la Turca” se adequasse melhor ao ambiente do livro, sendo bastan-
te semelhante a outras frases, de outras histórias […]. (GLEDSON,
2011, p. 12)
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presso pela primeira vez no Jornal das famílias em 1876, o conto teve ainda
uma segunda versão em jornal na Gazeta de notícias no início de 1882.
O texto estampado neste periódico mostra-se muito próximo da versão
que sairia em livro dez meses depois. Quando comparadas as variantes da
coletânea e do Jornal das famílias, porém, as alterações são estruturais,
fazendo de “Uma visita de Alcebíades” a narrativa de Papéis avulsos que
mais sofreu transformações de sua primeira versão para aquela publicada
em suporte livresco. Essas mudanças são responsáveis pelo comentário
que Machado faz na Nota F da obra: “Esse escrito teve um primeiro tex-
to, que reformei totalmente mais tarde, não aproveitando mais do que a
ideia. O primeiro foi dado como um pseudônimo e passou despercebido”
(ASSIS, 1882, p. 300).
Embora Machado aproveite mais do que somente a ideia para com-
por o conto em sua segunda variante, a afirmação de que ele o reformou
totalmente é precisa. No Jornal das famílias, o texto aproxima-se mais
das narrativas que eram, de fato, publicadas pelo próprio Machado na-
quele jornal e que ajudaram a compor seus dois primeiros livros de con-
tos, Contos fluminenses (1870) e Histórias da meia-noite (1873). Trata-se
de um relato anedótico, contado para atender aos pedidos de moças que
frequentavam o mesmo evento. O desembargador Alvares afirma que não
contará “uma anedota mentirosa, dessas que os redatores de folhinhas
aumentam para regalo dos fregueses. Vou referir o que me aconteceu sá-
bado passado” (ASSIS, 1876, p. 305). Em contrapartida, o conto publicado
em Papéis avulsos ganha o formato de uma carta escrita por um desem-
bargador designado como “X” para o chefe de polícia, seu amigo de infân-
cia, relatando algo que recém-ocorrera.
Essa alteração estrutural é a principal responsável pelas mudanças
que ocorrem ao longo de todo o conto. A orientação da narrativa muda por
completo, já que, no Jornal das famílias, Alvares conta sua aventura com
Alcebíades já distante em uma semana do acontecimento, e o faz em tom
mais leve e jocoso, como seria natural em uma “anedota” contada durante
uma reunião de convivas na noite de Natal. Já a carta do desembargador
X traz consigo o susto vivido pelos acontecimentos das últimas horas e a
urgência do assunto, já que o corpo continua presente em sua residên-
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cia. Para ele, essa segunda morte do ateniense provoca “profundo abalo”,
reação bem distinta daquela que demonstra ter o narrador da primeira
versão do conto, que não aparenta qualquer comoção: “Quando lhe pus
a mão no peito, vi que estava diante de um cadáver. Que havia de fazer?
Mandei-o para o necrotério” (ASSIS, 1876, p. 308).
Outra diferença aparece na relação de cada um dos protagonistas
com o espiritismo. Para Alvares, embora manifeste de início uma espécie
de ceticismo em relação a todos os sistemas, ele revela posteriormente
sua predileção pelo estudo fervoroso do kardecismo:
Não sei se sabem que sou um tanto espiritista. Não se riam; sou
até muito. Posso dizer que vivi, como, durmo, passeio, converso,
bebo café e espero morrer na fé de Allan Kardec. Convencido de
que todos os sistemas são puras niilidades, adotei o mais jovial de
todos. (ASSIS, 1876, p. 306)
Essa diferença pode estar na raiz da reação que cada um deles apre-
senta com a chegada de Alcebíades à sua casa, em carne e osso. Alva-
res surpreende-se momentaneamente, mas logo é capaz de interagir e
aceitar o acontecimento como natural. Em contrapartida, X sofre grande
abalo com o ocorrido, demorando para esboçar qualquer interação com o
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Na arca
O conto “Na arca” foi publicado pela primeira vez no jornal O cruzei-
ro em maio de 1878. Seu subtítulo, mantido na versão de Papéis avulsos
(1882), é “três capítulos inéditos do Gênesis”. Na introdução ao texto, im-
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Eleazar propõe que escreverá uma tese de seiscentas páginas para com-
provar que os três capítulos não se tratam de mera interpolação, ele pa-
rece, por meio de uma blague, querer convencer aquele leitor de jornal,
acostumado a ler notícias e fatos reais, de que o texto publicado no folhe-
tim do jornal não é apenas literário.
Já entre seus irmãos em Papéis avulsos, o conto aclimata-se, e o
sentido de furo jornalístico se perde. Na mesma família já podemos nos
deparar com outras paródias, entre elas “O segredo do bonzo” que, assim
como “Na arca”, vem classificado como capítulo inédito de uma obra já
existente – ambos os escritos possuem subtítulos que os classificam di-
retamente como “capítulos inéditos”.
Assim sendo, embora as alterações na estrutura básica do conto
sejam diminutas e pouco interfiram em sua análise intrínseca, a supres-
são da introdução, inclusive das notas que Machado dedica a alguns dos
contos de Papéis avulsos nas páginas finais da obra, é fator importante
para que os sentidos do conto se adequem aos protocolos de leitura nos
quais cada versão está inserida. Embora algumas edições mais recentes
da obra tragam o preâmbulo como um dos paratextos, como a publicada
pela Penguin-Companhia com prefácio de John Gledson e notas de Hélio
de Seixas Guimarães, a publicação desse introito em livro não estava nos
planos do autor. O conto, quando no livro, não precisaria de uma introdu-
ção que o classificasse como Trad. texto sagrado, já que os irmãos que o
acompanhavam representariam outro tipo de contexto e ambiência para
“Na arca”.
Referências
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ASSIS, Machado de. Na arca. O cruzeiro, Rio de Janeiro, n. 133, p.1, 14 maio 1878.
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ASSIS, Machado de. Ideias sobre o teatro. In: LEITE, Aluizio; CECÍLIO, Ana Lima;
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GLEDSON, John. Papéis avulsos: um livro brasileiro? In: ASSIS, Machado de. Papéis
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GLEDSON, John; GRANJA, Lúcia. Introdução. In: ASSIS, Machado de. Notas sema-
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TEIXEIRA, Ivan. O altar & o trono. Cotia, SP: Ateliê Editorial/ Campinas, SP: Editora
da Unicamp, 2010.
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narrativa. Então Deus defende que o Diabo é mais semelhante aos homens
que ele, já que a Igreja do Diabo é resultado de grande sucesso e devoção,
ela consegue tomar para si quase que todos os fiéis da igreja de Deus.
Os personagens passam a praticar tudo aquilo que era contrário aos
mandamentos criados pela Igreja de Deus, sem sequer questionar todas
as barbaridades. Portanto, a ideia de Igreja cristã passa a ser questionada
pelo Diabo, quando compreende que tudo que lhe faltava era a ausência
de uma instituição que pudesse lhe ajudar na organização de suas ideo-
logias terríveis.
Segundo Chartier (1988, p. 137): “O que equivale a dizer simultanea-
mente, que as práticas contrastantes devem ser entendidas como con-
corrências, que as suas “diferenças são organizadas pelas estratégias” de
distinção ou de imitação e que os empregos diversos dos mesmos bens cul-
turais se enraízam nas disposições do habitus1 de cada grupo.” Estas sub-
missões ocorrem de maneira voluntária, sem que os personagens possam
reconhecer que estão sendo subordinados de uma representação que lhes
guiam a todo custo, fazendo-os praticar o que seus exploradores desejam.
Pensemos quando no conto em que a Igreja foi fundada pelo Diabo
seduz os fiéis a partir de um único mandamento. Gradativamente ele vai
adquirindo para si os fiéis devotos da religião de Deus. Esta institucio-
nalização deu espaço para haver mais embates entre as representações
sugeridas pelos líderes de cada Igreja, enquanto o interesse era controlar
as práticas e visão de mundo dos personagens daquele universo e o mais
assustador é que elas vão seguindo sem sequer questionar sobre elas.
É evidente que Deus e o Diabo selecionam suas estratégias a partir
de um lugar próprio, como uma base a gerir suas relações com mais
segurança, de um lugar onde fique longe dos alvos e das ameaças de
outros grupos. Podemos dizer que essa base é a Igreja no conto, sendo
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Considerações finais
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Parte III. Literatura e contextos históricos
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Belo Horizonte: Editora UFMG, 2011.
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da Universidade de São Paulo / Nankin, 2007.
CHARTIER, Roger. A História Cultural: Entre Práticas e Representações. 2. ed. DI-
FEL 82 — Difusão Editorial, S.A. 1988.
CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano. Petrópolis, RJ: Vozes 2014.
D’ ONOFRIO, Salvatore. Forma e sentido do texto literário. São Paulo: Ática, 2014.
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Editora da Unicamp, 2016.
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Qual seria o limite rigoroso entre elas? A “boa” crítica literária, a única
que vale a pena, implica um ato, uma assinatura ou uma contra-as-
sinatura literária, uma experiência inventiva da linguagem, na língua,
uma inscrição do ato de leitura no campo do texto lido. (2014, p. 78).
Um texto ficcional que assimila uma leitura crítica não é algo novo,
mas a forma como esses objetos híbridos vêm à tona obviamente se dife-
rencia. Para Derrida, por exemplo, uma pergunta comum a esses objetos é
a seguinte: “O que é literatura?” — isso em alguma medida produz um “re-
torno à instituição literária” (2014, p. 59). Essa pergunta parece transversal
para o projeto literário de Santiago, especialmente para a triangulação (Em
Liberdade, Viagem ao México e Machado). O objeto de estudo deste traba-
lho, Machado, pode repetir a pergunta: o que é literatura? E Silviano Santia-
go deixa uma série de pistas no livro, até porque, falando da grafia-de-vida
do principal escritor brasileiro, reflete sobre o ato ficcional a cada página.
No capítulo “23 de fevereiro de 1906, dez horas da manhã”, lemos:
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Livros que atingem esse grau de hibridismo, para Ricardo Piglia (2017),
transformam-se em “máquinas de interpretação”. O escritor argentino, que
assume a crítica literária como uma possibilidade de autobiografia, fala de
“máquinas de interpretação” quando se lembra dos conjuntos de livros ar-
gentinos que, misturando ensaio, panfleto, ficção, teoria, relato de viagem
e autobiografia, implicam um modo de ler e consequentemente criam um
tipo de leitor. Para Piglia, “A literatura produz leitores, os grandes textos são
os que fazem mudar o modo de ler.” (2017, p. 17, tradução nossa)2.
Não seria Machado uma máquina de interpretação a respeito da
grafia-de-vida de Machado de Assis? É o salto que Santiago nos ofere-
ce quando se esforça para fundar um método ficcional que, falando de
si mesmo, apropria-se de outra linguagem artística: o teatro. A leitura
de Machado então pode implicar outra pergunta: “Toda ‘literatura’ não é
fundamentalmente teatro?” (ZUMTHOR, 2018, p. 19).
Modos de ler
2 No original: “La literatura produce lectores, los grandes textos son los que hacen cambiar el
modo de ler.”
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“Depois,
o leitor institui
outra linha, lendo.
O leitor constitui
um feixe de linhas cruzadas
organizando os textos.
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Considerações finais
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Parte III. Literatura e contextos históricos
Referências
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GENETTE, Gérard. Paratextos editoriais. 1. ed. Trad. Álvaro Faleiros. São Paulo:
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PIGLIA, Ricardo. Crítica y ficción. 2. ed. Buenos Aires: Debolsillo, 2017.
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ZUMTHOR, Paul. Performance, recepção e leitura. 1. ed. Trad. Jerusa Pires Ferreira
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Considerações iniciais
Genealogia da indignação
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Referências
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Introdução
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O outro lado, Dílson. O lado onde o mar encontra o céu. Bem para
lá de onde jogam a rede. Será que tem pedra de nuvem, praia de
sol, praia de sol, arrecife de lua? Como é o outro lado do mar? Se a
gente jogar a rede bem longe traz o quê? (MACHADO, 2003, p. 21).
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para ver se morria de uma vez e acaba com aquele inferno... coisa
triste... não é bom lembrar...” (MACHADO, 2003, p. 33).
Primeiro acho que era de rei. Depois foi de cativo um tempão. Mas
a história deles ainda não está pronta, ainda está toda hora saindo
no jornal [...] fizeram um quilombo, reino de preto que não era mais
cativo. Lutaram muitos e muitos anos para conseguir não ser cativo
de novo. (MACHADO, 2003, p. 53 – 57).
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Considerações finais
Referências
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FERNANDES, Florestan. O negro no mundo dos brancos. São Paulo: Global, 2007.
FREYRE, Gilberto. Casa-grande & Senzala. São Paulo: Global, 2006.
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VENTURA, Roberto. Estilo Tropical: História Cultural e Polêmicas Literárias no
Brasil 1870-1914. São Paulo: Companhia das Letras, 1991.
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Introdução
O termo Memória nos remete àquilo que faz com que o sujeito tenha
consciência da identidade tanto individual quanto coletiva; já a identidade co-
necta-se ao tempo. Conhecer a si mesmo (self humano), segundo Luckmann
(1983), é “uma identidade diacrônica, histórica” que se constrói da “matéria do
tempo”. Essa síntese entre o tempo e a identidade é realizada pela memória
(ASSMANN, 2008). Para o autor, deve-se diferenciar três níveis de memória:
nível neuromental ou interno, nível social e nível cultural; o primeiro se volta
para a memória pessoal do indivíduo, o segundo para o processo comunicati-
vo, a interação entre membros de uma sociedade, e o terceiro é uma espécie
de memória coletiva, pois há a transmissão de uma identidade coletiva, isto é,
cultural a um grupo de pessoas que, por sua vez, compartilha essa memória.
Ricoeur (2007), com relação à memória e em consonância com Aris-
tóteles, atesta que a coisa lembrada é a primeira abordagem que aparece,
ou seja, ele esclarece que a memória é do passado, está ligada diretamen-
te a episódios que ocorreram há algum tempo. Ao seguir esse pensamen-
to, tem-se uma oposição com o futuro das hipóteses e da espera e com
o presente das percepções que impõe esta caracterização inicial; e é sob a
tutela de uma linguagem dita comum que a distinção é realizada.
Até o início do século XX, pensava-se que as leis, ditas biológicas,
regiam exclusivamente a memória, ou seja, os sujeitos eram os únicos que
tinham a responsabilidade por recuperar o seu próprio passado; Maurice
Halbwachs rompe com essa proposta, apresenta pesquisas sobre o que
chamou de memória individual e memória coletiva e traz definições acer-
ca da inclusão do fator social a esse estudo ao mostrar a relação profícua
entre o individual e o coletivo.
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siga formar um adulto ético, coerente e justo. É a partir daí que surgem
sentimentos de que crescer e se tornar um adulto é algo natural e essen-
cial para qualquer um, portanto é sempre importante passar por diversas
situações a fim de se tirar delas aprendizados com o escopo de contribuir
para o desenvolvimento da pessoa e para o seu convívio social.
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Conclusão
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Referências
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Introdução
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A literatura brasileira passou por diversos moldes para ter o seu fei-
tio de hoje. Logo o que se pode ver no processo de construção literária
e cultural consiste em ter modelos e características próprios, principal-
mente a partir dos anos 1900, quando o pós-romântico passa a dar espaço
a uma literatura de cunho mais regional, algo mais nacional, longe das
ideias das vanguardas europeias.
Por meio de fundamentação teórica de críticos acerca do tema aqui
estudado, a pesquisa se faz necessária por apresentar e discutir o período
obscuro que foi a Ditadura Militar por meio da análise da posição do narra-
dor em “A Resistência”. Nesse sentido, é necessário realizar um estudo que
se possa refletir, com teóricos importantes que dão o embasamento para se
alcançar os objetivos da pesquisa, sobre a posição do narrador na constru-
ção desse romance, o que ajuda a compreender o processo de subjetividade
presente na escrita como exemplo para se analisar os fatos da realidade
durante o período da Ditadura Militar. Pretende-se neste artigo discutir
sobre o autoritarismo na literatura por meio da obra “A Resistência”, de
Julián Fuks; compreender a narratologia e, portanto, a posição do narra-
dor na composição de sua identidade; analisar a questão do autoritarismo
vivido no Brasil tendo como bases aspectos memorialísticos da obra.
Percebe-se, nesse sentido, que a presente pesquisa é relevante por
contribuir com a crítica literária sobre a relação entre literatura e subjeti-
vidade, os desdobramentos da narrativa para abordar e interpretar a rea-
lidade ficcionalizada para verificar como ocorrem na literatura brasileira
contemporânea esses desdobramentos para se discutir, por meio de me-
mórias, o autoritarismo vivido no Brasil, como na Ditatura Militar de 1964.
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Meu irmão é adotado, mas não posso e não quero dizer que meu
irmão é adotado. Se digo assim, se pronuncio essa frase que por
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Fuks toca tanto no assunto de resistência por ser único ato possível
naquele momento para que se pudesse ter esperança por democracia, já
que ocorreram muitos exílios, fugas e mortes:
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Não, não tem um epílogo a história política dos meus pais. Seu in-
conformismo tem contornos mais discretos e a um só tempo mais
nítidos: sua militância sempre se manifestou no hábito de ques-
tionar, disputar, discutir. Agora que assim os vejo, sinto que não
me diferencio, ou que neste momento não o desejo. Agora que a
descrevo assim, sem a ficção que a enleve, a arma volta a perder
qualquer fascínio. Estou com meus pais enquanto deixam o par-
que, deixo para trás o que não conheci. Que se limite a insubordi-
nação ao ato reflexivo, tudo bem, à mesa da sala tomo um gole do
chá que tanto revolvi. (FUKS, 2015, p. 109).
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A produção do mercado nos traz coisas novas, e isto nos propõe no-
vas formas de pensar e ver a sociedade que se modifica com o passar do
tempo. Logo o que podemos verificar com tudo isso é o fato de que um
enorme fluxo de pensamentos nos permite acelerar a ruptura entre fron-
teiras de conteúdo: o novo e o antigo. Nos dias atuais, a mídia contribui
para este processo acontecer de forma mais provisória, mais permanente.
A mídia influência na distribuição de pensamento, nos modos de manifes-
tação artísticas.
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Conclusão
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vai além de uma simples reflexão sobre o conhecimento: é toda uma rup-
tura – que leva tempo – de conhecimentos interligados com a cultura, a
sociedade e o indivíduo.
Coube ao presente artigo dar como exemplo o romance “A Resistên-
cia”, de Julián Fuks, para exemplificar como foi o autoritarismo durante
a Ditadura no Brasil. Deste modo, pode-se dizer que os objetivos desta
pesquisa foram atingidos, pois o narrador apresenta um caráter bem sub-
jetivo em relação à temática do autoritarismo, logo a narrativa e a posição
do narrador apresentam elementos suficientes que atendam ao que foi
proposto, além da pesquisa bibliográfica ter auxiliado para a fundamen-
tação teórica.
Referências
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2012.
AGABEM, Giorgio. O que é contemporâneo? E outros ensaios. Tradução Vinícius
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SCHWARCZ, Roberto. O pai de família e outros estudos. São Paulo: Companhia
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SCHOLLHAMMER, Karl Erik. Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Ci-
vilização Brasileira, 2009.
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Introdução
1 Por preferência didática, o título da obra ao ser citada pode ser abreviado para o termo NVPN.
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2 O termo script aqui utilizado serve para representar os padrões sistematicamente montados
e impostos pelo governo.
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3 Cabe atentar que, ao colocar uma afirmação como essa, o sistema que veio antes da der-
rocada distópica na obra em análise provavelmente seria uma democracia representativa,
pelo contexto apresentado do atual governo, demonstrando resquícios de uma democracia
degradada. Portanto, justifica-se a colocação do pressuposto em que se considera a vontade
individual sobre a coletiva.
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A memória e a lembrança
Seja qual for o fim dessa guerra, a guerra contra vocês nós ganha-
mos; ninguém restará para dar testemunho, mas, mesmo que al-
guém escape, o mundo não lhe dará crédito”. Talvez haja suspeitas,
discussões, investigações de historiadores, mas não haverá certe-
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Sou lúcido para saber que o controle total, rígido, dos meios de co-
municação, aliado à Intensa Propaganda Oficial, IPO, amorteceu as
mentes. De tal modo que esta emergência em que vivemos passou
a ser considerada normal. A nossa memória é admirável, porque
esse passado é recente. (BRANDÃO, 2008, p. 35).
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4 Esses estudantes considerados como “incômodos” provavelmente são uma referência ao mo-
vimento estudantil universitário que, por meio de atos de resistência, buscavam defender o
direito dos alunos e dos professores, e por isso foram reprimidos pela polícia.
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Referências
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O NARRADOR: DO TRADICIONAL AO
CONTEMPORÂNEO
Introdução
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semine-as para que elas façam moradia nas memórias de outros tantos.
Muitas das histórias que marcam determinado grupo são passadas de ge-
ração a geração através da memória daqueles que ouviram e vivenciaram
dia após dia as histórias e ensinamentos. E essas histórias tecem o fio que
chamamos de humanidade.
Neste contexto, consideremos que as sociedades se constituíram
através das narrativas orais, dessa forma, exteriorizam suas tradições e
identidade através das histórias. Zumthor em conformidade com estudos
de Pierre Janet afirma:
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Eles chegam de todas as partes: Norte, Sul, Leste, Oeste. Vêm ves-
tidos de vermelho, azul e amarelo, fitas coloridas penduradas pelo
corpo; vêm com jeito de palhaço ou de princesa; outros vestidos
de si próprio. Alguns trazem consigo instrumentos sonoros, mú-
sicos e cantores; alguns portam malas, bonecos, fantoches, panos
chapéus, tapetes, bonés, caixas de fósforo, mímica, humor; outros
na- da trazem, apenas vão chegando, contando, cantando, dei-
xando leitura, múltiplas leituras aos seus ouvintes hipnotizados.
Eles estão por toda parte: escolas, bibliotecas, creches, asilos de
idosos, abrigos de criança, de jovens, hospitais, feiras, congressos.
Organizam-se em encontros, festivais, associações e rodas. Fun-
dam espaços, ministram cursos, mantêm páginas na web, fórum
de discussão virtual, e cobram muitas vezes, altos preços pela sua
atuação. Eles são contadores de histórias do ´século XXII.
1 Trecho retirado do tópico 1.2 do livro A arte de contar histórias no século XXI: Tradição e cibe-
respaço de Cléo Busatto (2013, p.25).
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às pessoas que buscam por essa arte. Seja para animar, seja apenas para
aqueles que buscam aprender a contar para se profissionalizar; e essa
profissionalização do narrador tem causado confusão, uma vez que não se
diferencia mais, em um espetáculo, a arte de narrar da teatralização das
histórias. É um contador ou um ator? Já que há a encenação, um roteiro a
ser seguido, as histórias prontas para serem contadas. O mesmo processo
seguido pelo ator. De acordo com Busatto
Matos (2005, p.02) aclara que a confusão surge “por ocasião dos fes-
tivais de contadores de histórias, nos quais se inscrevem também o ator
que interpreta o texto literário de um autor, o artista que desenvolve a
performance teatralizada de um conto de tradição oral, o contador de
causos, o contador de piadas”. Busatto (2013) tem outra visão desse nar-
rador atual, para a autora, mesmo que a narração oral tenha corrido o
risco de se perder pelos caminhos do tempo, e tenha retornado nas últi-
mas décadas do século XX de cara nova, agora os narradores contam as
histórias com “performances elaboradas, técnicas e adotam critérios na
seleção do seu repertório”. Busatto (2013, p. 29) ainda reitera:
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Referências
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uma tapeçaria que se encontra nos fundos da loja. O homem nota dife-
renças na peça e aponta no diálogo com a senhora que a tapeçaria está
mais nítida e até questiona se a mulher teria passado algo no tecido. Aos
poucos, vai assinalando as diferenças que observa na imagem estampada.
A senhora, pela fala do narrador, conta sobre como adquiriu o ob-
jeto, enquanto o homem permanece perplexo diante das mudanças que
percebe. O leitor é levado a compreender que apenas o homem nota tais
mudanças na tapeçaria. O narrador descreve a imagem da tapeçaria de
maneira minuciosa, e, desse modo, o leitor passaria a visualizá-la diante
de seus olhos.
Conforme decorre a narrativa, o homem questiona a si mesmo para
saber de onde se originam suas lembranças tão claras a respeito da cena
estampada que observa, e indaga se ele mesmo teria sido o pintor que
elaborou a imagem, ou o artesão que a teceu, ou, até mesmo, se seria o
caçador da cena registrada. Tais dúvidas presentes no texto ficcional for-
tificam ainda mais a visibilidade da imagem da tapeçaria para o leitor ob-
servador. Dessa forma, urge questionar: como o discurso do narrador ins-
tala o diálogo entre as personagens, cuja descrição das diferenças constrói
a visibilidade da tapeçaria na mente do leitor e a significação do conto?
Diante desse problema, a hipótese que se instaura é a de que a visibi-
lidade da imagem da tapeçaria é construída a partir da linguagem textual
elaborada pela autora, visto que o discurso descreve e mostra o objeto
central do conto, além de atuar como mecanismo gerador da visibilidade
da narrativa, pois narra o objeto e mostra-o ao leitor observador.
Por meio de procedimentos específicos, o conto elaborado por Lygia
Fagundes Telles atinge a “unidade de efeito” a qual postula Edgar Allan
Poe. E, diante dos efeitos visuais que a diegese suscita, a pesquisa obje-
tiva analisar as representações do narrador e da personagem do homem
no conto “A caçada” (1965), observando a constituição poética enquanto
instrumento desencadeador da visibilidade da imagem narrada. A abor-
dagem da investigação é qualitativa e descritiva, seguindo o método hi-
potético-dedutivo. A seguir, serão apresentados os teóricos eleitos para
fundamentar a investigação.
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Aportes teóricos
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– Parece que hoje está mais próximo – disse o homem em voz bai-
xa. – É como se..., Mas não está diferente? [...] – Ontem não se podia
ver se ele tinha ou não disparado a seta... (TELLES, 2018, p. 65-6).
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vê-se que há outro caçador que não se consegue captar o rosto, apenas o cor-
po por detrás das árvores. É visível também um tufo espesso no qual a caça se
esconde próximo a folhas não tão nítidas, confundidas com machas no tecido.
A projeção mental desses elementos que são lançados ao leitor é inevitável.
No momento em que a personagem do homem se questiona se ele
próprio era o pintor da tela que depois fora tecida por um artesão e se
tornara tapeçaria, o narrador revela: “Pintara o quadro original e por
isso podia reproduzir, de olhos fechados, toda a cena nas suas minúcias:
o contorno das árvores, o céu sombrio, o caçador de barba esgrouvinha-
da, só músculos e nervos apontando para a touceira.” (TELLES, 2018, p.
66-7, grifo nosso). Tal passagem é fulcral para evidenciar a visibilidade se
cumprindo no conto. Ao se distanciar da tapeçaria, a personagem ainda a
visualiza claramente diante de seus olhos, mesmo que fechados, enquan-
to o ledor também é capaz de ter a imagem da tapeçaria visível em seus
olhos, conforme lhe é representada por palavras.
Ao fim do conto, o leitor tem a visualização do objeto tomando o es-
paço da loja de antiguidades, pelas palavras do narrador: “Imensa, real só
a tapeçaria a se alastrar sorrateiramente pelo chão, pelo teto, engolindo
tudo com suas manchas esverdinhadas.” (TELLES, 2018, p. 68).
Após a explanação de trechos da narrativa que revelam a visibilidade
da imagem da tapeçaria no conto “A caçada”, percebe-se que Lygia Fa-
gundes Telles trabalhou de maneira minuciosa tanto os diálogos dos per-
sonagens quanto as informações fornecidas pelo narrador. Houve clara
seleção e adequação das palavras escritas na superfície o texto – tal como
aponta Georges Didi-Huberman –, contribuindo assim para o efeito visual
da imagem projetada na mente do leitor.
Ademais, o processo imaginativo que parte da palavra para chegar à
imagem visiva, o qual Italo Calvino postula, revela-se como um procedi-
mento possível no conto “A caçada”.
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gem estendeu tanto seu território que hoje é difícil pensar sem ter que
“orientar-se na imagem”.” (DIDI-HUBERMAN, 2012, p. 209). Portanto,
pensar a imagem, ou melhor, pensar a imagem narrativa é um exercício
de ampliação dos horizontes literários. Além disso, o recorte teórico mos-
trou-se suficiente para embasar a discussão que levou a resultados finais
significativos, revelando a seleção e construção textual de Lygia Fagundes
Telles como a maior potência geradora de visibilidade narrativa no conto
“A caçada”.
Referências
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Marilete Nunes
Eliane Dominico
Introdução
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Meu amigo pintor nos mostra uma criança perspicaz que pensa e
argumenta na tentativa de entender os fatos, especialmente a morte do
amigo. Essa composição do personagem se constitui uma contraposição
ao conceito de criança que se tinha na época de frágil, irracional, depen-
dente. Nesses termos, a obra vincula-se à produção teórica emergente na
década de 1980 denominada Sociologia da Infância.
A abordagem sociológica da infância considera essa população como
estrutura social e como um campo atravessado por relações de poder (BU-
JES, 2001). Essa nova ciência além de promover uma reinterpretação das
concepções de criança, infância, socialização e culturais infantis, também
tece apontamentos sobre as pesquisas com e sobre crianças que buscam
investigar a infância como categoria social a partir da escuta, da perspec-
tiva e do interesse da criança. Os estudos desenvolvidos nessa área têm
colaborado com a percepção sociológica da criança, compreendendo-as
como partícipes de relações que ultrapassam os muros da escola reve-
lando que a vida infantil não está circunscrita apenas pelas instituições
familiar e educativa.
Num olhar culturalista, podemos compreender uma crítica da obra
com relação à discriminação e à sujeição praticadas pelos adultos sobre
as crianças. A partir da história de Cláudio, podemos estabelecer uma re-
lação com as situações nas quais as crianças são privadas do diálogo a
respeito de diversos assuntos considerados inapropriados para elas. Essa
abstenção se pauta em posturas paternalistas e em relações assimétricas
de poder entre as gerações. Estas, por sua vez, são fundadas em critérios
biologizantes (idade) ou noções equivocadas de criança como devir e, por
isso, desprovidas da razão e capacidade de compreensão. Este contexto
acaba orientando as decisões que os adultos tomam com as crianças de-
terminando o que é ou não próprio elas.
Esta situação é expressa na obra pelo posicionamento dos pais de
Cláudio ao tentarem evitar falar sobre o suicídio do pintor com o filho:
“Você não tem mais que ficar pensando nisso, Cláudio [...]” (BOJUNGA,
2006, p. 30). Em ações como estas, os adultos além de não satisfazem os
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Referências
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Intertextualidade
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Metaficção
1 Tradução nossa do texto original, em francês: “ [...] le texte est un croisement de mots (de
textes) où l’on lit au moins un autre mot. […] tout texte se construit comme mosaïque de
citations, tout texte est absorption et transformation d’un autre texte. A la place de la notion
d’intersubjectivité s’installe celle d’intertextualité [...]”.
2 Tradução nossa do original, em inglês: “’Metafiction’ [...] is fiction about fiction - that is, fic-
tion that includes within itself a commentary on its own narrative and/or linguistic identity”.
3 “Narcissistic narrative, then, is process made visible”.
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Ironia
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O caminho da glória
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A primeira coisa que ela disse ao entrar foi que, sim, sim, estava
todo mundo cansado, em resposta a uma mensagem de J. D. Salin-
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Não queria compor outro Quixote — o que é fácil —, mas ‘o’ Qui-
xote. Não vale a pena acrescentar que nunca encarou a possibili-
dade de uma transcrição mecânica do original; não se propunha
copiá-lo. A sua admirável ambição era produzir umas páginas que
coincidissem — palavra por palavra e linha por linha — com as de
Miguel de Cervantes. (BORGES, 1989, p. 33)
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D. Noemi, como boa mãe, decidiu que a culpa era dela. Benjamim
tinha chegado à beira da morte porque ela e o marido nunca impu-
seram limites ao bom humor naquela casa. Acabaram por viciar o
garoto em dizer sempre o contrário do contrário do contrário, o que
era engraçado, mas podia levar uma pessoa à loucura. [...]
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aborda uma geração que parece esvaziar-se à toa, sempre atrás de uma
piada, da ironia pela ironia, do deboche pelo deboche. Uma geração que,
enfim, adoece.
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jamin (1987) considera como o autor como produtor, para quem “o pro-
gresso técnico é um fundamento do seu progresso político” (p. 129).
Neste sentido, cabe ressaltar o trabalho de Heringer no romance
aqui analisado. O autor, ao valer-se de estratégias literárias complexas,
fortifica sua crítica ao mesmo tempo em que não deixa de lado o rigor
técnico, necessário aos autores engajados.
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Introdução
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proposta por Humberto Eco, “o leitor que lê o texto como, de certa forma,
ele foi feito para ser lido, onde se pode incluir a possibilidade de ser lido
de maneira a permitir interpretações múltiplas” (ECO, 2005, p. 11), pois
pressupõe um destinatário, com habilidades e competências suficientes
para ler e compreender a obra impressa.
Nesta análise, adota-se também a perspectiva teórica proposta
por Donald Mckenzie, que, em sua obra Bibliografia e a Sociologia dos
Textos (2018), mostra como a forma assumida por um texto é funda-
mental no processo de construção de sentido dele. Mckenzie (2018) in-
dica que as formas acabam por comandar os sentidos e que há diversas
formas de relacionar os elementos vinculados ao modo como o texto se
apresenta (à mise en texte), além dos elementos gráfico-editoriais que
vão além, que extrapolam o texto e configuram o layout da obra ou à
mise en page. Todos os elementos organizam-se, pois, em um conjunto
maior, que culmina com a configuração do livro (ou à mise en livre) e
que vai apresentar diversas materialidades, que, por suas vezes, exigem
procedimentos de leitura variados para aqueles que lerão a obra e que
assumirão diferentes posicionamentos diante dela, a partir dos luga-
res sociais que ocupam, o que de certo modo influencia a produção, a
difusão e a recepção do livro. É possível, portanto, afirmar que o uso
estratégico de diferentes paratextos pode atrair leitores ou até mesmo
afastá-los.
Os paratextos
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tual já não mais cumpra a sua função, pressupõe-se que não é mais apro-
priada a sua permanência na obra, o que leva, muitas vezes, à supressão
do paratexto em processos de reedição, que se efetivam sob a responsa-
bilidade do autor ou mesmo do editor da obra; isto faz com que ela, ao ser
reeditada ou reproduzida, como aponta Mackenzie (2018), assuma nova
forma e novo significado.
Vale destacar que Gérard Genette localiza o paratexto em uma zona
limítrofe entre o texto e o extratexto, que está a serviço da recepção da
obra e de uma leitura mais pertinente, no que diz respeito às intenções do
autor e de seus aliados. Desta forma, pode-se considerar paratexto tudo
aquilo que está nas adjacências do texto (peritexto) mas também o que
está na exterioridade da obra (epitexto), seja através de um suporte mi-
diático, como uma entrevista, seja sob a forma de uma comunicação par-
ticular, uma carta trocada entre autores, por exemplo. Logo, é por meio do
paratexto que “um texto se torna livro e se propõe como tal a seus leito-
res, e, de maneira mais geral, ao público.” (GENETTE, 2018, p. 9). A capa, a
lombada, o título, o nome do autor, a quarta capa, o olho, a página de ros-
to, a dedicatória, o prefácio, o posfácio, as orelhas são alguns exemplos de
peritextos, todos dotados de função, que tornam o livro um objeto com-
plexo e que resguardam, como afirma Genette (2018, p. 17), uma “função
ilocutória”, ou seja, a capacidade de promover sentido quando aparecem
na obra, orientando modos de acessar o texto, estabelecendo, por sua vez,
parâmetros de leitura sob diferentes perspectivas, conferindo-lhe uma
dimensão, por vezes, intertextual.
Ao se declarar que o paratexto está à margem do texto não se pre-
tende reduzi-lo a um elemento acessório ou a um mero integrante do
suporte da obra literária, insignificante durante o processo de análise
textual. Quando se trata de uma posição periférica, remete-se ao espaço
que ele assume dentro da obra, e não como algo único e exclusivamente
“exterior” a ela, mas elemento acompanhante dela e que a ela se agrega,
seja por seu conteúdo ou pelas leituras que pode provocar. Ainda que cir-
cunde ou que acompanhe o texto, pode-se evidenciar o caráter instável
do paratexto e o quanto ele pode interferir na construção e na recepção
da obra; afinal, é um agente promotor de sentidos.
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(...) quando Marina escreveu Uma ideia toda azul, em 1976, não en-
contrava editor que se entusiasmasse. As desculpas eram as mais
estapafúrdias. Uma editora chegou a dizer que queria um livro,
mas só para a faixa de 6 a 8 anos. Ora, vejam só, que loucura de pe-
dagogismo é esse. Vai, o Jaime Bernardes da Nórdica se empolgou,
e o livro que havia ficado quatro anos na gaveta, saiu.
(...) Agora vem esse novo livro, com ilustrações também de Marina,
trabalhadas rigorosamente. Refeitas inúmeras vezes, como inú-
meras vezes vi Marina refazer seus textos.
Quando minha mulher escreve, a casa toda fica em atmosfera de
encantamento. (...) todos participam. (...) Os contos são contados,
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Introdução
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Desenvolvimento
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sonagem” (SANTOS, 1999, p. 132). Isso significa dizer que o espaço urbano
atua diretamente sobre os conflitos nas narrativas, como um agente (uma
personagem) que estimula a violência policial em “A Lei” e a morte cruel
da protagonista em “Socorrinho”. Isso ocorre porque as cidades grandes
brasileiras possuem uma dinâmica social e geográfica que produz desi-
gualdades econômicas e consequentemente atrito entre os sujeitos.
Por isso, não seria inadequado questionar se, sem a presença da ci-
dade e suas configurações, ainda existiriam personagens como um poli-
cial que se aproveita da condição de vulnerabilidade de suas vítimas para
cometer abusos. Não seria inapropriado também questionar se, não fos-
se a violência advinda dessa (des)organização das cidades, haveria uma
personagem como Socorrinho, alvo de criminosos e vítima da impunida-
de, demonstrando, dessa maneira, a ineficiência do Estado em promover
a segurança de todos. Essa mesma relação entre a lógica da cidade e os
eventos da narrativa pode ser encontrada em “Anotações Sobre um Amor
Urbano”, já que o centro urbano é o cenário produtor de relações líquidas,
pois, devido ao enorme fluxo populacional e lugares que facilitam a inte-
ração entre as pessoas (como bares, pubs e baladas), o que não faltam são
“produtos” e meios para alcançá-los.
Em “A Lei”, essa faceta da cidade, fomentadora de miséria, reve-
la-se como um cenário que não oferece possibilidades de vida digna à
parte da população. Nas palavras do narrador, no lugar em que está in-
serido “[...] só dá três tipos de gente, a gente: bandido, polícia e otário”
(p. 34). Para ele, “[o]s bandidos são os caras maus que têm coragem. Os
policiais são os caras maus que são covardes, e os otários são o resto,
são os bonzinhos que são covardes, os mais covardes de todos, são os
trabalhadores[...]” (p. 34/35).
Em “Socorrinho”, chama a atenção o uso de termos e expressões
como “agonia de cidade”, “aquela realidade de cão”, “esquecida reali-
dade” e “aquele mundo estranho”, usados para se referir ao espaço que
cerca os personagens. Essas expressões, aliadas à representação da vio-
lência na narrativa, revelam um lugar no qual as condições de vida são
ruins. Ruins porque a miséria e o crime se mostram como componentes
integrantes da cidade.
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moço, não, descaso, não escuto, moço, não, quero ir pra casa, não,
moço, não, o homem arreava as calças, mais o grito, moço, não,
não, Socorrinho chorava, Socorrinho esperneava, Socorrinho não
entendia aquele mundo estranho, aquele desmaio de anjo (FREIRE,
2000, p. 49).
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Eu nunca percebi isso, mas eu sou muito burro. Não parece nem
que sou que estou pensando isso tudo que eu estou pensando ago-
ra. E muito menos que sou eu que estou pensando nessas palavras
que estão saindo no papel. Eu não sei juntar as palavras e fazer
com que essas palavras, juntas, ganhem um sentido. Eu não co-
nheço gramática, nem nada dessas coisas de escrever. Eu não estou
escrevendo. Eu só estou pensando que eu estou escrevendo. É que
sou burro. Sabe por quê? Porque eu sou da polícia. E na polícia todo
mundo é burro. Tem que ser burro para ser polícia. Nessa polícia
da qual eu faço parte (Viu como eu pensei estar escrevendo bonito
esse negócio ‘da qual’? Na polícia, ninguém fala ‘da qual’.) só tem
gente burra que nem eu (SANT’ANNA, 2007, p. 34).
Eu sou burro, porque eu sou da polícia, mas eu não sou o mais burro
de todos, porque eu sou uma primeira pessoa que nunca se dá mal
nessas porra de metalinguagem, mau, porque esse negócio de os
maus se darem mal no final da história é meio babaca, nem em
novela de televisão os maus se dão mal no final mais, e a porra
da metalinguagem, da primeira pessoa de vanguarda, essas porra,
quer dar uma lição nessa porra de sociedade injusta que premia
os injustos, a mais-valia, a metalinguagem, os artifícios, as con-
quistas da literatura contemporânea, as vanguardas, o hiper-hi-
per-realismo, essas porra (SANT’ANNA, 2007, p. 41/42).
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Conclusão
[a] narrativa deve convencer o leitor de um fato: tudo o que ali está
é porque o personagem, pelo simples fato de existir, faz com que as
coisas aconteçam. Não, os personagens não têm poderes mágicos
ou de super-herói. No entanto, é como se atraísse os acontecimen-
tos narrados. (BRASIL, 2019, p. 35/36).
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“produto” está pronto para uso instantâneo, cujos resultados, para serem
alcançados, já não exigem dedicação prolongada. Nesse contexto, a urbe
se insere como produtora desses vínculos frágeis, pois, devido ao fluxo
populacional e aos locais de encontro entre os sujeitos, possibilita a sua
fomentação.
Como se vê no conto de Caio Fernando Abreu, não apenas no pla-
no temático o espaço urbano se circunscreve. Nessa obra, os recursos
linguísticos também são alusões ao meio em que os personagens es-
tão inseridos. Segundo João Batista Cardoso (2014), a partir da segunda
metade do século XX há na literatura brasileira uma nova linguagem,
que possui, além de outros traços, uma maior velocidade no modo de
narrar – o que vai de encontro à dinâmica social dos grandes centros
urbanos, marcados pela pressa e rapidez com que os eventos se ma-
nifestam. Em “Socorrinho”, essa velocidade se concretiza por meio da
falta de pontos e excesso de vírgulas. Em “A Lei”, o trabalho com a lin-
guagem ocorre através da intercalação de vozes e a metaficção, jogo
narrativo no qual o narrador se reconhece como criação de alguém in-
telectualmente superior, diferentemente dele, que pertence à camada
periférica da pirâmide social.
Em outras palavras, é o mesmo que afirmar que, se o elemento cida-
de fosse removido dos contos, as suas narrativas não seriam as mesmas,
pois ela se introduz de tal maneira nessas produções que é como se inte-
ragisse com os outros personagens, modificando suas maneiras de pensar
e atuar sobre a realidade que os cerca.
Referências
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Robson da Silva
Helenice Fragoso dos Santos
Considerações iniciais
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1 Jornal fundado por Graciliano Ramos aos 11 anos de idade ao lado de seu primo Cícero de Vas-
concelos sob a orientação do professor Mário Venâncio.
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disposto a esperar, por eles e com eles “alguma iluminação” que iluminas-
se os “tempos sombrios” (ARENDT, 2008, p. 9). Vejamos uma passagem,
como exemplo, na obra Memórias do Cárcere (1953): “O mundo se tornava
fascista. Num mundo assim, que futuro nos reservariam? Provavelmente
não havia lugar para nós, éramos fantasmas, rolaríamos de cárcere em
cárcere, findaríamos num campo de concentração” (RAMOS, 2008, p. 161).
De acordo com Wander Melo Miranda (2004), Graciliano Ramos par-
tia de suas próprias experiências para denunciar e criticar o sistema em
que vivia (projetos políticos hegemônicos de Getúlio Vargas2 e dos milita-
res3) e foi construindo uma memória dessas vivências em sua obra: “Nar-
rar é agir. O significado do vivido toma forma de ações e através das ações
compartilhadas, que se tornam o meio essencial para lançar os funda-
mentos de uma atuação autêntica que o futuro arrancado ao passado, na
narrativa, deixa entrever” (MIRANDA, 2004, p. 64).
Segundo Alfredo Bosi (1994), Graciliano Ramos, como escritor, re-
presentou o ponto mais elevado de tensão entre o “eu” do escritor e a
sociedade que o constituiu, pois ele, como produtor de textos literários,
enxergava em cada personagem a face angulosa da dor e da opressão:
“Graciliano não compôs um ciclo, um todo fechado sobre um ou outro polo
da existência (eu/mundo), mas uma série de romances cuja descontinui-
dade é sintoma de um espírito pronto à indagação, à fratura, ao proble-
ma” (BOSI, 1994, p. 402). Bueno também conclui que “a obra de Graciliano
Ramos elabora um arco que, partindo de uma observação do mundo, che-
ga ao escrínio milimétrico do eu” (BUENO, 2008, p. 75-76). Nesse sentido,
as relações entre o autor, personagem e a figura do narrador estão muito
próximas, ambos comprometidos com o mundo.
Sobre o seu “fazer-literário” e suas personagens, em sua última en-
trevista o escritor ainda argumenta “Nunca pude sair de mim mesmo. Só
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rária. Não se tem notícia de que seus romances Caetés (1933), São
Bernardo (1934), Angústia (1936) ou Vidas secas (1938) contenham
forte viés autobiográfico, muito ao contrário: são livros resultantes
de uma atenta observação das histórias, do cotidiano, da realidade
social, dos costumes do povo e do ambiente nordestinos. Já Infân-
cia (1945) e Memórias do cárcere (1953) possuem, de fato, um real
caráter autobiográfico/memorialístico, misturado, em alguns mo-
mentos, com elementos ficcionais, de resto, circunstância inevitá-
vel para qualquer escritor. Mas, para que tais livros pudessem ser
considerados como autoficção, a simbiose entre realidade e ficção
teria que ter sido mais radical. Faltam, ainda, a construção midiáti-
ca do autor, a noção de performance, o desejo narcisista de falar de
si, o embaralhamento proposital da realidade com a fantasia, e a
mistura da verossimilhança com a inverossimilhança. (LIMA, 2013).
4 Sempre que houver citação em português de livros cuja referência bibliográfica esteja em
francês, trata-se de tradução minha.
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Bruno Lima é doutor em Estudos Literários pela UERJ. Dedica suas pes-
quisas, atualmente, ao cânone literário brasileiro, à literatura contem-
porânea e a Machado de Assis. Dentre seus livros, destacam-se Bruxaria
do início ao fim: o projeto filosófico-(meta)ficcional de Machado de Assis
(EdUERJ, 2021) e Eu: itinerário para a autoficção (7 Letras, 2015). Possui
também ensaios e artigos publicados em revistas especializadas e em
capítulos de livros, além de livros de poesia. No momento está vinculado
ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade Unyleya. E-mail: bruno.
[email protected]. Orcid: https://orcid.org/0000-0001-9464-4293.
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João Luiz Xavier Castaldi é natural de São Paulo - SP, e no final de 2006
licenciou-se em Letras na Universidade Estadual Paulista, com habilitação
em língua portuguesa e língua italiana. Desde então tem atuado como
professor desses dois idiomas, bem como de redação e literatura, nos níveis
Fundamental e Médio e também em cursos preparatórios e na Educação
de Jovens e Adultos. Eventualmente atua em processos de avaliação de
redações em larga escala. No âmbito acadêmico, o autor cursou o Mestrado
em Letras entre 2008 e 2012, no Programa de Literatura e Cultura Russa
da Universidade de São Paulo: ocasião em que desenvolveu, com o apoio
financeiro da CAPES e sob orientação do Prof. Dr. Bruno Barretto Gomide,
pesquisa que resultou em um trabalho comparativo entre o russo F. M.
Dostoiévski e o cabo-verdiano Luís Romano. Desde 2019 cursa o Doutorado
em Letras no Programa de Estudos Comparados de Literaturas de Língua
Portuguesa da Universidade de São Paulo, onde desenvolve (a partir de 2021
também com bolsa da CAPES) pesquisa sobre Luís Romano e o brasileiro
Rodolfo Teófilo, sob orientação da Profª Dra. Simone Caputo Gomes. E-mail:
[email protected]. Orcid: https://orcid.org/0000-0003-0124-7067.
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Maria Oscilene de Souza Fonseca, nos últimos cinco anos, tem se dedi-
cado ao EaD (UFS), em que tem trabalhado com Literatura, seu objeto
de pesquisa. Abordar a obra de Antônio Carlos Viana ocorreu pelo fato
de muito ter convivido com o contista, com o qual aprendeu o ofício de
escrever. Em 2018, lançou-se como contista com “A velha Lilita”, que foi
bem recebido pela crítica local, publicado no site www.sosergipe.com.br. É
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