A Adolescencia - Contardo Calligaris
A Adolescencia - Contardo Calligaris
A Adolescencia - Contardo Calligaris
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 3
1. ELEMENTOS DE DEFINIÇÃO ............................................................................... 4
A ADOLESCÊNCIA COMO MORATÓRIA ................................................................. 4
A ADOLESCÊNCIA COMO REAÇÃO E REBELDIA ................................................. 6
A ADOLESCÊNCIA IDEALIZADA ............................................................................. 8
DURAÇÃO DA ADOLESCÊNCIA .............................................................................. 8
2. O QUE ELES ESPERAM DE MIM?” ................................................................... 11
INSEGURANÇA........................................................................................................ 11
INTERPRETAR OS ADULTOS ................................................................................ 12
3. COMO CONSEGUIR QUE ME RECONHEÇAM E ADMITAM COMO ADULTO 16
O ADOLESCENTE GREGÁRIO ............................................................................... 18
O ADOLESCENTE DELINQUENTE ......................................................................... 21
O ADOLESCENTE TOXICÔMANO .......................................................................... 25
O ADOLESCENTE QUE SE ENFEIA ....................................................................... 28
O ADOLESCENTE BARULHENTO ......................................................................... 30
4. ADOLESCÊNCIA COMO IDEAL CULTURAL ................................................... 32
DA INVENÇÃO DA INFÂNCIA À ÉPOCA DA ADOLESCÊNCIA ............................ 34
A ÉPOCA DA ADOLESCÊNCIA .............................................................................. 40
PEQUENA BIBLIOGRAFIA COMENTADA.............................................................. 47
INTRODUÇÃO
Resposta de bolso, caso Holden e os pais o pararem na rua: “Não, não é apenas
uma fase. Por isso nada garante que passe”.
A Holden e aos pais pode ser responder, assim, que os jovens de hoje chegam à
adolescência numa época que alimenta uma espécie de culto desse tempo da vida. E
caberia, então, tentar explicar como isso nos afeta a todos.
1. ELEMENTOS DE DEFINIÇÃO
Imagine que, por algum acidente, você seja transportado, de uma hora para outra,
a uma sociedade totalmente diferente. Digamos que o avião no qual você estava
sobrevoando um canto recôndito da Amazônia teve uma dificuldade técnica. O piloto
conseguiu aterrissar, mas o aparelho está destruído. Não há como esperar socorro, nem
como sair do fundo selvagem da floresta. Por sorte, uma tribo de índios que nunca
encontraram homens modernos, mas que são relativamente bemhumorados, adota você
e seus amigos. Será necessário, imaginemos, 12 anos para que vocês se entrosem com
os usos e costumes de sua nova tribo - desde a linguagem até o entendimento dos valores
da sociedade em que aparentemente vocês viverão o resto de seus dias.
Você está muito satisfeito com isso. Pois, durante os 12 anos, você olhou, imitou e
aprendeu. Você na verdade se acha e talvez seja mesmo ótimo na pesca com o arpão -
pelos anos na selva, seu corpo está treinado, forte e rápido - e está prestes a desafiar
qualquer um numa serenata de berimbau.
Nessa altura, os anciões da tribo lhe comunicam o seguinte: talvez você tenha
tamanho e perícia suficientes para encarar tanto um surubim de dois metros quanto um
berimbau dos mais sofisticados, mas é melhor esperar mais dez anos antes de vir fazer
propriamente parte da tribo e, portanto, competir de igual para igual com os outros
membros. Naturalmente, os anciões acrescentarão que esse "pequeno" atraso é
inteiramente para seu bem. Eles amam você e por isso querem que ainda por um tempo
você seja protegido dos perigosíssimos surubins que andam por ai. Isso sem falar dos
berimbaus...
Portanto, você vai poder se preparar melhor ainda para o dia em que será enfim
reconhecido como membro da tribo. Que tudo isso, acrescentarão também os anciões,
não constitua frustração nenhuma, pois na verdade a tribo inteira considera que você tirou
a sorte grande e que os ditos dez anos serão os mais felizes de sua existência. Você -
acrescentam eles - não terá as pesadas responsabilidades dos membros da tribo. Ao
mesmo tempo, poderá pescar e tocar berimbau à vontade - será apenas como treino, de
brincadeira, mas justamente por isso serão atividades despreocupadas.
É bem provável que você passasse por um leque variado de sentimentos: raiva,
ojeriza, desprezo e enfim rebeldia. Se houvesse uma tribo inimiga, seria o momento de
considerar uma traição. No mínimo, você voltaria a se agrupar com os companheiros do
avião, que talvez você tivesse perdido de vista e que agora estariam lidando com a
imposição da mesma moratória. Juntos, vocês acabariam constituindo uma espécie de
tribo na tribo, outorgando-se mutuamente o reconhecimento que a sociedade parece
temporariamente negar a vocês todos.Vocês se afastariam de suas famílias (adotivas, no
caso) e viveriam no e pelo grupo, onde se sentem tratados como homens e mulheres de
verdade. Circulando em grupo, impondo sua presença rebelde pelas ruas da aldeia se
possível nas horas menos adequadas -, vocês seriam fonte de preocupação e medo,
objeto de repressão e, quem sabe, de inveja.
Pois bem: o que acontece com nossos adolescentes é parecido com o destino dos
aeronáufragos dessa pequena história. Ao longo de mais ou menos 12 anos, as crianças,
por assim dizer, se integram em nossa cultura e, entre outras coisas, elas aprendem que
há dois campos nos quais importa se destacar para chegar à felicidade e ao
reconhecimento pela comunidade: as relações amorosas/sexuais e o poder (ou melhor, a
potência) no campo produtivo, financeiro e social. Em outras palavras, elas aprendem que
há duas qualidades subjetivas que são cruciais para se fazer valer em nossa tribo: é
necessário ser desejável e invejável.
Enfim, esse aprendizado mínimo está solidamente assimilado. Seus corpos, que se
tornaram desejantes e desejáveis, poderiam lhes permitir amar, copular e gozar, assim
como se reproduzir. Suas forças poderiam assumir qualquer tarefa de trabalho e começar
a leva-las na direção de invejáveis sucessos sociais. Ora, logo nesse instante, lhes é
comunicado que não está bem na hora ainda.
1. que teve o tempo de assimilar os valores mais banais e mais bem compartilhados
na comunidade (por exemplo, no nosso caso: destaque pelo sucesso financeiro/social e
amoroso/sexual);
2. cujo corpo chegou à maturação necessária para que ele possa efetiva e
eficazmente se consagrar às tarefas que lhes são apontadas por esses valores,
competindo de igual para igual com todo mundo;
Pensem de novo em como vocês reagiriam na hipotética tribo: mesmo supondo que
evitassem decisões drásticas (cair fora, entrar em guerra aberta com os anciões, trair a
tribo etc.), é presumÍvel que passariam por um período de contestação aguda.
Começariam a pescar com dinamite e a tocar teclado eletrônico em vez de berimbau.
Inventariam e tentariam impor (eventualmente à força) meios de obter reconhecimento
totalmente inéditos para a tribo. Essas são apenas sugestões benignas.
Ora, o caso dos jovens modernos é bem pior do que o destino dos aeronáufragos
na hospitaleira tribo da selva amazônica. Pois, além de instruir os jovens nos valores
essenciais que eles deveriam perseguir para agradar à comunidade, a modernidade
também promove ativamente um ideal que ela situa acima de qualquer outro valor: o ideal
de independência. Instigar os jovens a se tornarem indivíduos independentes é uma peça-
chave da educação moderna. Em nossa cultura, um sujeito será reconhecido como adulto
e responsável na medida em que viver e se afirmar como independente, autônomo como
os adultos dizem que são.
Isso torna ainda mais penoso o hiato que a adolescência instaura entre aparente
maturação dos corpos e ingresso na vida adulta. Apesar da maturação dos corpos, a
autonomia reverenciada, idealizada por todos como valor supremo, é reprimida, deixada
para mais tarde.
Não é difícil verificar que, em épocas nas quais essa moratória não era imposta,
jovens de 15 anos já levavam exércitos à batalha, comandavam navios ou simplesmente
tocavam negócios com competência.
DURAÇÃO DA ADOLESCÊNCIA
Mas, para que fosse possível uma iniciação.à vida adulta, com uma prova
designada, seria necessário que se soubesse o que define um homem ou uma mulher
adultos. Essa definição, na cultura moderna ocidental, fica em aberto. Adulto, por exemplo,
é quem consegue ser desejável e invejável. Como saber então quanto desejo e quanta
inveja é preciso levantar para ser admitido no Olimpo dos "grandes"? Portanto, fica
também em aberto a questão de quais provas seriam necessárias para que um
adolescente merecesse se tornar um adulto.
Como ninguém sabe direito o que é um homem ou uma mulher, ninguém sabe
também o que é preciso para que um adolescente se torne adulto. O critério simples da
maturação física é descartado. Falta uma lista estabelecida de provas rituais. Só sobram
então a espera, a procrastinação e o enigma, que confrontam o adolescente - este
condenado a uma moratória forçada de sua vida - com uma insegurança radical em que
se agitam questões que correspondem aos próximos capítulos: "O que eles esperam de
mim?", "Como conseguir que me reconheçam e admitam como adulto?", "Por que me
idealizam?"
5. que tem o inexplicável dever de ser feliz, pois vive uma época da vida idealizada
por todos;
6. que não sabe quando e como vai poder sair de sua adolescência.
2. “O QUE ELES ESPERAM DE MIM?”
INSEGURANÇA
O que vemos no espelho não é bem nossa imagem.É uma imagem que sempre
deve muito ao olhar dos outros. Ou seja, me vejo bonito ou desejável se tenho razões de
acreditar que os outros gostam de mim ou me desejam. Vejo, em suma, o que imagino
que os outros vejam. Por isso o espelho é ao mesmo tempo tão tentador e tão perigoso
para o adolescente: porque gostaria muito de descobrir o que os outros vêem nele. Entre
a criança que se foi e o adulto que ainda não chega, o espelho do adolescente é
freqüentemente vazio. Podemos entender então como essa época da vida possa ser
campeã em fragilidade de auto- .. estima, depressão e tentativas de suicídio.
Grande parte das dificuldades relacionais dos adolescentes, tanto com os adultos
quanto com seus coetâneos, deriva dessa insegurança. Tanto uma timidez apagada
quanto o estardalhaço maníaco manifestam as mesmas questões, constantemente à flor
da pele, de quem se sente não mais adorado e ainda não reconhecido: será que sou
amável, desejável, bonito, agradável, visível, invisível, oportuno, inadequado etc.?
INTERPRETAR OS ADULTOS
Infelizmente (pois sem isto tudo seria mais fãcil), nessa tentativa o adolescente não
pode se confinar a uma simples adesão ao que os adultos parecem explicitamente esperar
dele e desejar para ele. Pois os adultos se contradizem. Parecem negar a óbvia maturação
de seu corpo e lhe pedir que continue criança; e tentam mantê-lo numa subordinação que
contrasta com os valores que eles mesmos lhe ensinaram.
Querem que ele seja autônomo e lhe recusam essa autonomia. Querem que
persiga o sucesso social e amoroso e lhe pedem que postergue esses esforços para "se
preparar" melhor. É legítimo que o adolescente se pergunte: "Mas o que eles querem de
mim, então? Querem (segundo eles dizem) que eu aceite esta moratória, ou preferem, na
verdade, que eu desobedeça e afirme minha independência, realizando assim seus
ideais?"
Um caso simples e crucial: a idealização do que está fina da lei é própria à cultura
moderna. O individualismo de nossa cultura preza acima de tudo a autonomia e a
independência de cada sujeito. Por outro lado, a convivência social pede que se traguem
doses cavalares de conformismo. Para compensar essa exigência, a idealização do fora-
da-Iei, do bandido, tornou-se parte integrante da cultura popular. Gângsteres, cowboys,
malandros literários, televisivos ou cinematográficos seguem entretendo nossos sonhos.
Eventualmente (mas não necessariamente) essa idealização é acompanhada por algum
tipo de justificativa moral. Por exemplo, Robin Hood está à margem da lei, mas isso porque
o xerife de Nottingham é um usurpador ilegítimo. Ou seja, Robin Hood se situa contra e
acima da lei em nome de uma justiça superior a ela. Mas essa artimanha parece cada vez
menos necessária: nas últimas décadas (justamente quando apareceu e vingou a
adolescência), a marginalidade e a delinqüência são cada vez mais glorificadas pela
cultura popular. Prova de um sonho adulto bem presente e bem reprimido.
Para chegar a essa conclusão, o adolescente não precisa de muito esforço, pois a
cultura popular também idealiza a própria adolescência rebelde.
Esse é um sonho ou uma nostalgia explícita dos mesmos adultos que pedem
obediência e conformida-'de aos adolescentes e sempre lembram o que aconteceu com
Chapeuzinho Vermelho por ter desobedecido à mãe, mas que na verdade se extasiam
com uma longa série de apologias da revolta dos jovens, desde Juventude Transviada até
Kids.
O problema como observamos antes é que para ser reconhecido ele parece ter que
transgredir. Para ser amado, para preencher as expectativas do desejo dos adultos, é
necessário, paradoxalmente, não se conformar ao que os mesmos adultos explicitamente
pedem. Transgredir também não é nada fácil. Não é suficiente atender as expectativas
implícitas e faltar com as explícitas. Como já observamos, o adolescente se encontra
entregue a problemas lógicos complicados.
Não há como tentar uma lista mesmo sucinta dos comportamentos e estilos pelos
quais os adolescentes pedem sua admissão a sociedade adulta. Na mesma época em
que parece vingar o pesadelo do predador urbano, também aparecem jovens que
coletivamente abjuram as seduções do mundo, se engajam a chegar virgens ao
casamento e se vestem como missionários. A variedade de escolhas morais não é menor:
desde o cinismo criminoso até a piedade mais solitária.
As mil e uma condutas que um adolescente pode escolher para tentar obter o
reconhecimento dos adultos têm, portanto, uma coisa em comum, além do caráter difícil,
senão desesperado, do empreendimento. Trata-se do sentimento dos adultos que a
adolescência é uma espécie de patologia social ou, não melhor dos casos, um lugar onde
as patologias psíquicas e sociais seriam endêmicas e epidêmicas.
A vida real dos adolescentes (da grande maioria deles) pode ter pouco a ver com
as figuras dessa patologia. Mas elas são cruciais por duas razões.
Essas visões - embora sempre extremas- traço são também as linhas segundo as
quais de fato se organiza o comportamento dos adolescentes em sua procura de
reconhecimento. São ao mesmo tempo concreções da rebeldia extrema dos adolescentes
e sonhos, pesadelos ou espantalhos dos adultos. Por isso, são chaves de acesso à
adolescência. Destaco cinco: o adolescente gregário, o delinquente, ou toxicômano viva
o adolescente que se enfeia e o adolescente barulhento.
O ADOLESCENTE GREGÁRIO
O adolescente, descobrindo que a nova imagem projetada por seu corpo não lhe
vale “naturalmente” o estatuto de adulto, é acuado a agir
Nesses grupos, ele procura a ausência de moratória ou, no mínimo, uma integração
mais rápida e critérios de admissão claros, explícitos e praticáveis (à diferença do que
acontece com a famosa “maturidade” exigida pelos adultos).
Outros grupos pedem que a senha que dá acesso à comunidade seja uma marca
duradoura - tatuagem, cicatriz - ou um tipo específico de modificação corporal.
Outros, ainda, pedem uma espécie de pacto de sangue, com uma participação
numa responsabilidade coletiva indissolúvel, sem retorno. Aqui o ato de roubar estuprar
ou matar coletivamente produz uma culpa comum, um segredo comum.
Portanto, o gregarismo aparece como uma patologia adolescente por ser uma
forma de insubordinação aos adultos.
Mas, além disso, no grupo assim constituído, eles perseguem e praticam os sonhos
proibidos (dos adultos). O grupo adolescente é transgressor em sua função(Oferecer
reconhecimento sem precisar dos adultos). Mas é também facilmente transgressor em
suas atuações. Para seus membros vale a ideia de que a esperança de reconhecimento
vem da transgressão. Sobretudo, vale a constatação de que a transgressão coletiva
solidifica o grupo e garante o reconhecimento recíproco no seu seio. O grupo adolescente
se torna por isso mesmo um espantalho.
Não é por acaso que, em certos jurisdões dos Estados unidos, por exemplo, a
legislação local permite que os jovens pilotem um carro desde os 16 anos, mas proíbe que
dirijam com outros adolescentes no veículo antes dos 18 anos de idade. A experiência
mostra ao legislador que a reunião de adolescentes multiplica substancialmente a
tentação de infringir regras. Ou seja, desde que o grupo adolescentes cada um (a começar
pelo piloto) terá a tarefa de conseguir aquele reconhecimento pelos outros que os adultos
negam.
Por essa razão, qualquer policial de ronda sabe que, a partir de três, os
adolescentes se tornam potencialmente mais perigosos, visto que se constituem num
grupo de reconhecimento mútuo, em que a infração (grande ou pequena) vale como
senha.
O ADOLESCENTE DELINQUENTE
Ora, custou certo tempo para que alguém se desse conta do que está por trás dos
números (vai custar ainda mais para que esta verdade seja assimilada pelo público). A
verdade é que o número de crimes cometidos por adolescentes provavelmente evoluem
segundo uma curva bem parecida com a curva dos crimes dos adultos. Provavelmente -
porque a grande maioria das pessoas não conta os crimes, mas os criminosos indiciados
e condenados. A consequência dessa abordagem é que a tribo mais gregária sempre
parece mais criminosa. Não é difícil entender porquê: os adolescentes cometem seus
crimes em grupo (para se reconhecerem mutuamente como membros do grupo). É claro,
por conseguinte, que a cada crime vários adolescentes criminosos podem serem
inculpados e condenados. Isso não é o caso dos adultos
Tolerar não é uma opção, visto que o jovem atua justamente para levantar a
repressão. A tolerância é só o forçará a atuar com mais violência.
Por outro lado, a repressão punitiva só manifesta ao adolescente que seu gesto
não foi entendido como deveria, ou seja, como um pacote de presente cheio de ideias e
desejos reprimidos dos adultos. O que também leva o adolescente a aumentar a dose
rebeldia.
A visão da adolescência que parece ser mais preocupante para os adultos é a visão
do adolescente toxicomano. Os adolescentes seriam mais sensíveis do que os adultos ao
charme das drogas ilegais.
Na verdade, não seria difícil argumentar que o interesse dos adolescentes de hoje
para as drogas é a atuação de um interesse para as drogas da geração precedente. Os
adolescentes de hoje são os descendentes de uma geração que explicitamente ligou o
uso das drogas a todos os sonhos de liberação e revolução (pessoal, sexual, social etc.)
que que ela agitou e subsequentemente abandonou e recalcou.
Desse ponto de vista, a relação a adolescente com as drogas seria hoje um capítulo
da rebeldia herdada pelos adolescentes, depois de largada por seus pais. Ela seria a
interpretação e atuação da grande esperança que os adultos de hoje recalcaram, quando
desistiram de sua revolta e abraçaram valores mais estabelecidos.
O argumento que insiste sobre o perigo do álcool e tabaco para a saúde pode
produzir efeito inverso ao esperado, pois nada prova que o adolescente queira ser o objeto
de uma proteção ou de um cuidado especial que, de novo, ou infantilizaria. No entanto,
esse argumento deve ser levantado e defendido vigorosamente pelos pais. Sem isso o
adolescente poderia se sentir entregue a algo bem pior do que a infantilização: o descaso
de seus pais com sua vida.
Ele também pode ser seduzido justamente pelo risco de vida que cigarro e bebida
acarretam. Representante quase oficial das fantasias inconfensáveis dos adultos, o
adolescente não vai poder ficar atrás, logo num campo onde alguns adultos parecem
dispostos a correr riscos para gozar um pouco. A tentação será de desafiar os riscos
fumando e bebendo até não poder mais.
As drogas que são proibidas para todos tem mais charmes ainda.
Além de serem proibidas (um charme em si) podem representar uma maneira de
enriquecer pelo tráfico, desmentindo a moratória.
O que é próprio ao desejo moderno é que, atrás de cada objeto desejado, sempre
há um desejo de algo mais, de uma qualidade diferente: uma vontade de reconhecimento
social - a qual nunca se esgota no objeto. Em outras palavras, o que é desejado é sempre
instrumental para afirmar e construir nosso lugar social. Por mais que eu possa obter o
objeto que eu quero, nem por isso ele me satisfará. A riqueza de nosso mundo depende
Disso: de uma procura que deve se manter inesgotável - nenhum objeto satisfazendo a
sede de reconhecimento social que permanece atrás de nossa vontade de possuir ou de
consumir.
Ora - na fantasia dos adultos e talvez de fato -, a droga seria o objeto que promete
e entrega uma satisfação acabada, mesmo que apenas momentânea. Essa fantasia
transforma a droga em senha de acesso a um universo alternativo regrado por um pacto
diferente. Nesse outro mundo o que importa para todos é o objeto, a droga, sua presença,
não o status social que ela instaura. Por isso a toxicomania talvez seja a transgressão
mais preocupante, porque parece minar um pressuposto fundamental do pacto social
vigente; a permanência da insatisfação.
Por ser ou parecer um objeto que satisfaz de vez, um bem em si, a droga é uma
ameaça muito especial. Ela quebra a regra moderna de funcionamento do desejo. O
drogado para de deslizar de um objeto a outro, da roupa ao carro, ao parecer bonito -
todos metáforas no caminho de um estado social que nem a totalidade dos objetos poderia
produzir. A droga - à diferença dos outros objetos - apagaria o desejo. A preocupação de
que o rapaz ou a moça que usam maconha parem de competir na escola, se deprimam,
não saiam da cama etc. é mais que justificada: ela expressa o medo legítimo de que, pela
droga, eles transgridam de vez as regras essenciais do funcionamento do desejo moderno
Mais do que nas outras formas da delinquência, os adultos veem na droga uma
perigosa porta de saída por onde os adolescentes escapariam à moratória para entrar de
vez em outro mundo.
Precisamos acreditar que os objetos podem nos fazer felizes. Deslizamos sem
parar de um ao outro, sempre na espera de mais um que será decisivo, final. De fato, isso
é um faz-de-conta. Não podemos renunciar à insatisfação que nos faz correr e que vitaliza
nosso mundo. Nenhum objeto pode nos satisfazer, pois o que queremos não são coisas
e posses, mas - atrás delas - reconhecimento ou status. E nada pode extinguir nossa sede
desses dois.
A droga é um objeto mortal. Não só porque pode matar o usuário mas porque - tão
grave quanto isso - ela pode matar seu desejo.
Mas a estética adolescente não surge só para isso (ou seja, para se diferenciar,
produzir coesão de grupo e desafiar o cânone adulto).
A mesma coisa vale para a marca registrada dos garotos dos anos 90: os
centímetros de cueca expostos acima do cós baixado. Eles são uma recusa da
sexualidade pela infantilização (a cueca à vista evoca uma história de cocô xixi e de
fraldas), uma maneira preventiva de se ridicularizar logo nos arredores dos órgãos
genitais, mas também a promessa de um permanente interesse com o que está nas
cuecas (a cueca fica por assim dizer sempre em riste).
Logo, para que o medo, o escândalo do olhar dos adultos convençam o adolescente
de que lá no espelho ele está contemplando um ser perigoso, atrevido e sexy. Alguém que
os adultos teriam que reconhecer como adulto adultíssimo. Na verdade, A grande maioria
dos adolescentes de cabelos ultraloiros, brincos, tatuagens e cara feia, caso
encontrassem a si mesmos numa rua escura, trocariam de calçada preocupados
ocorreriam para casa assustadíssimos.
O ADOLESCENTE BARULHENTO
É uma ironia barata. Pois, de fato, os adolescentes vivem nos mesmos filmes que
os adultos. Caras e People não são revistas para adolescentes. Ou seja, a imitação e a
idolatria são formas básicas da socialização moderna: valem para os adultos tanto como
para os adolescentes. No mais, trata-se, nessa crítica irônica, apenas do embate entre,
digamos, estilistas como Prada e Giorgio Armani contra Tommy Hilfiger. Ou então de um
ator como Leonardo DiCaprio contra Robert De Niro.
Mas, se todos vivemos ou procuramos inventar nossa vida graças aos mesmos
filmes, é verdade que o adolescente é o maior fã de videoclipes. A que, mais do que a
história, importam as imagens e a música. As figuras que cantam e dançam são
personagens que ainda procuram seus roteiros - perfeitas para os adolescentes se
identificarem, pois permitem adotar um gesto, um estilo, um look, sem por isso comprar
uma aventura narrada e pré-estabelecida ou, pior, uma vida inteira.
A música deixa mais Liberdade ainda do que o clipe. Ela dá apenas o clima, sugere
uma atitude, mas não dita uma história. O adolescente vive com uma trilha sonora
permanente, inspiradora de imagens com as quais compõem sua identidade. Ele fica (ou
é) irritado com o metal, romântico com Phil Collins cool e inspirado com o rave, todo
dinâmico com a disco etc.
Seja qual for o efeito disso sobre a comunicação verbal, o volume da música é
também uma espécie de metáfora sonora da intensidade da experiência adolescente.
Uma maneira de gritar: “Eu não vivo, arrebento”. Os adultos, por mais que protestem, não
agem diferentemente e, de vez em quando, adoram estourar as caixas de seus aparelhos
para comunicar (aos vizinhos, aparentemente) as insustentáveis emoções daquele dia
(ou, pior para o vizinho, daquela noite).
Primeiro, porque o acesso à idade adulta em nossa cultura não é regrado por um
ritual, mas depende de um olhar, de um consenso que nem sabe articular suas condições.
Portanto, é necessário procurá-las interrogando e interpretando o desejo dos adultos.
Segundo, por uma espécie de pecado original próprio a uma cultura que idealiza a
autonomia. Mesmo se o comportamento adolescente fosse totalmente regrado pelo plano
de não mais depender do reconhecimento dos adultos, mesmo se isso fosse possível (e
talvez se torne possível, por exemplo no grupo adolescente), a autonomia assim realizada
ainda seria o sonho dos adultos para o adolescente. Aliás, esse é o sonho de liberdade
por excelência, o sonho que acompanha qualquer vida adulta contemporânea nas formas
mais variadas, do desejo de férias à tentação de cair fora.
Tudo leva a fazer da adolescência um ideal social. É até bem possível que a
adolescência surja na modernidade como ideal necessário. Logo, que a adolescência
como ideal seja quase um corolário do mundo contemporâneo. Mas, além dessa
possibilidade, há outras cumplicidades que, no mínimo, colaboram em tal idealização da
adolescência.
O resultado disso é que cada grupo impõe facilmente a seus membros uma
conformidade de consumo bastante definida. Por isso mesmo, todos os grupos se tornam
também grupos de consumo facilmente comercializáveis. Os adolescentes, organizados
em identidades que eles querem poder reconhecer sem hesitação, se tornam
consumidores ideais por serem um público-alvo perfeitamente definido. A adolescência e
suas variantes são assim um negócio excelente. O próprio marketing se encarrega de
definir e cristalizar os grupos adolescentes, o máximo possível.
Esses looks que surgiram como "rebeldia" são então propostos como ideais para
aumentar a adesão de seus membros, ou seja, para seduzir os adolescentes que chegam
ao mercado dos grupos ou transitam de um grupo para outro.
Até aqui pensávamos que havia uma revolta dos jovens contra sua exclusão da
sociedade dos adultos. E acrescentávamos que as formas dessa revolta podiam coincidir
com ideais adultos por duas razões: porque o ideal cultural dominante é, em nossa cultura,
a insubordinação e porque, ao se revoltar, os jovens ainda estariam tentando agradar aos
adultos, ou seja, realizar algum sonho deles.
Vimos como e por quê - correndo atrás de um reconhecimento que os adultos lhe
negam e que ele procura com seus pares - o adolescente constitui grupos e conformismos.
É interessante notar que esses grupos mudam com extrema rapidez. Há uma constante
invenção de novos estilos. Como se o adolescente tentasse correr mais rápido do que a
comercialização, que quer descrevê-la para melhor idealizá-la e vender seu estilo. Como
se ele fugisse da assídua recuperação de sua rebeldia pelos adultos, famintos de modelos
estéticos de juventude, liberdade e rebeldia.
Chegou a hora de perguntar em que medida e como essa moratória que produziu
a adolescência veio a ocorrer logo na modernidade tardia que nós habitamos. Chegou a
hora, em suma, de explicar por que e como a adolescência que nos interessa é um
fenômeno sobretudo dos últimos 50 anos.
Para entender como isso aconteceu, é necessário primeiro lembrar que a própria
infância é uma invenção moderna. Em princípio e com as devidas exceções, em nossa
cultura todos amamos, ou melhor, veneramos, as crianças incondicionalmente e
irresistivelmente. Não podemos deixar passar um miúdo perto de nós sem estender a mão
para uma carícia protetora na pequena testa. Quando, num café ou restaurante, cruzamos
o olhar de uma criança sentada em outra mesa, estamos dispostos a fazer qualquer
macaquice para extrair seu sorriso. Em. outras palavras: qualquer adulto parece estar
investido da dupla missão de proteger as crianças e torná-las felizes. Mas por que essa
seria uma propriedade exclusiva da modernidade?
O amor pelas crianças nos parece portanto natural, um efeito quase fisiológico da
prematuração dos pequenos humanos, necessário na batalha da evolução das espécies.
Sem amor e cuidados as crianças decerto não sobreviveriam, mas nem por isso o amor e
os cuidados foram sempre os mesmos.
Ao contrário, como foi inicial e magistralmente mostrado por Philippe Aries pode-se
dizer que a infância é uma invenção moderna. Entendendo aqui por infância não os
primeiros anos da vida - que sempre existiram, obviamente -, mas a própria idéia de um
tempo da vida bem distinto da idade adulta, miticamente feliz, protegido pelo amor dos
pais e, sobretudo, não definido simplesmente pela espera apressada de se tornar adulto.
Na modernidade, a infância se tornou objeto de preocupações, meditações, planos e
projetos infinitos, tema inesgotável e autônomo de exploração e debate. Aliás, essa
posição aos poucos parece ser herdada pela adolescência.
Vamos ver como essa idéia ou visão da infância veio surgindo em nossa cultura
junto com a modernidade (do século 13 em diante) e se afirmou definitivamente só quando
a modernidade ganhou a partida, no fim do século 18.
A maneira moderna de olhar para as crianças, esse jeito de amá-las que faz da
infância uma verdadeira divindade cultural, triunfou quando a sociedade tradicional cedeu
o passo ao individualismo.
Sem passar por uma descrição da transformação cultural que leva da sociedade
tradicional ao individualismo que domina nossa modernidade, é possível lembrar dois
traços essenciais que contribuíram para fazer dessa mudança cultural o momento da
invenção da infância.
O próprio Aries nos deixou uma obra centrada sobre essa transição, da qual
salientou, além da invenção da infância, outro aspecto decisivo: uma mudança na
experiência da morte.
Numa sociedade tradicional, cada criança vinda ao mundo ocupa um lugar definido
numa rede social articulada e estabelecida. Em qualquer comunidade hierarquicamente
organizada, nascer numa classe, numa casta, numa corporação são figuras iniciais e
decisivas do destino. Certo, a vida de cada um continua em suas mãos e eventualmente
nas da graça divina, mas o sujeito encontra uma exigência social ao mesmo tempo
fundamental e incontestável e, por isso mesmo, pacificada, tranqüila, geralmente explícita:
trata-se de ocupar o lugar que o nascimento outorgou a cada um, num universo onde por
regra a divisão social é decidida pela tradição.
Não há, não pode haver, objeto, façanha ou mesmo triunfo social que possa apagar
essa insatisfação. Para o sujeito moderno, sua obra, seu trabalho de escalador social
permanecerão sempre inacabados.
Talvez se compreenda melhor agora por que a modernidade realizada produz uma
paixão inédita pelas crianças. Para seus pais e para os adultos em geral, elas são a
consolação e a esperança. Graças a elas, os adultos estendem o sentido e a expectativa
de suas vidas para além do limite estreito de sua sobrevivência individual. Graças a elas,
a insatisfação própria do sujeito moderno se torna suportável, pois o fracasso - inevitável
numa corrida que desconhece faixa de chegada - alimenta a espera de que as crianças
façam revezamento conosco.
Para isso, ela proporciona, antes de mais nada, um prazer estético. Não é por acaso
que Aries descobriu a transformação que a modernidade produziu na maneira de ver e
amar as crianças principalmente a partir da iconografia da infância. As crianças modernas
são um objeto de contemplação, de agrado e descanso para nossos olhos. Criamos,
vestimos, arrumamos as crianças para comporem uma imagem perfeita e segura de
felicidade. No começo da visão moderna da infância, elas eram vestidas aquém da
diferença sexual, seu desejo era negado por ser para elas uma possível fonte de
inquietação. Nós precisamos ver as crianças ao abrigo das imperfeições e das mágoas:
completamente diferentes de nós, por serem protegidas da corrida insatisfatória ao sexo
e ao dinheiro. Amparadas da necessidade, não desejantes, elas são sorridentes, amadas,
encantadas: vivem em outro mundo.
Essa imagem de felicidade, inocência e paz que construímos como um presépio
permanente no meio de nossas casas é a perfeição que nunca alcançamos nem
alcançaremos, pois ser insatisfeitos é para nós definitório. Por isso, a infância, mais do
que uma utopia, é nossa idade de ouro.
Isso é o que parece à primeira vista. Mas o verme da modernidade está no encanto
desse jardim reservado, onde artificialmente contemplaríamos nossas crianças felizes. A
infância não oferece só um prazer estético: a imagem da felicidade infantil tem também
outra função. Essas crianças felizes são também encarregadas de dar um sentido a nossa
corrida social - garantindo que, embora incompleta, ela será continuada. Elas são as
herdeiras de nossos anseios, de nossa insatisfação constitutiva.
Por isso mesmo precisamos lutar para que nossos anseios passem para elas nas
melhores condições possíveis, ou seja, com a maior chance de serem satisfeitos por elas
no futuro.
A ÉPOCA DA ADOLESCÊNCIA
Aos poucos, os adultos verificam que essas crianças que estão se preparando já
são um pouco crescidas, à força de esperar. Elas constituem uma nova mistura, inédita.
Os adultos tentam mantê-las protegidas e felizes, assistidas, no mundo encantado da
infância, sem obrigações e responsabilidades. Por outro lado, elas se parecem cada vez
mais com os adultos, pelo tamanho, pela maturação de seus corpos e pelas exigências
de sua felicidade e de seus prazeres, que não são mais brinquedos e historinhas, mas,
por exemplo, sexo e dinheiro - segundo eles vão aprendendo. Além disso, a própria
pressão preparatória se torna parecida para essas crianças com a pressão da corrida
adulta.
Cada vez mais, o olhar dos adultos se desloca das crianças para os adolescentes,
pois o espetáculo de sua felicidade é de fato mais gratificante. Se conseguirmos realizá-
la mantendo os adolescentes protegidos e irresponsáveis como crianças, mas com
exigências e voracidades de adultos, eles vão nos oferecer um show bem parecido com a
felicidade que gostaríamos aqui e agora, para nós.
A imagem da infância encantada nos deleita porque nos consola e contém uma
promessa. A imagem da adolescência feliz nos propõe um espelho para contemplar a
satisfação de nossos ávidos desejos, se por algum milagre pudéssemos deixar de lado os
deveres e as obrigações básicas que nos constrangem. Ou seja, se pudéssemos ser tão
despreocupados quanto gostaríamos que fossem nossos adolescentes. Gostaríamos por
quê? Para nos oferecer esse show, justamente.
A infância é um ideal comparativo. Os adultos podem desejar ser ou vir a ser felizes,
inocentes, despreocupados como crianças. Mas normalmente não gostariam de voltar a
ser crianças.
Com a adolescência que hoje toma o lugar da infância no ideário ocidental, a coisa
muda.
Talvez adoremos mais essa imagem do que a imagem das crianças que nos
extasiava. Pois é propriamente uma imagem de nós mesmos gozando, felizes, sem
impedimento ou quase. Gostamos tanto que é uma pena nos confinarmos na
contemplação estética ou no sonho. Por que simplesmente não imitá-los? Concretamente
não é simples, pois quem vai nos dar a mesada? Mas podemos, por exemplo, imitar seus
estilos.
Até a metade dos anos 60, claramente o ideal (inclusive estético) da maioria dos
adolescentes era a idade adulta. O que os adolescentes dessa época mais queriam era
ser aceitos e reconhecidos como adultos, obter, em suma, pleno acesso à tribo. Isso
provavelmente não é diferente do que querem os adolescentes de hoje. Mas,justamente
com esse fim, os de então se esforçavam em imitar os adultos. O aniversário (12 ou 13
anos) em que as calças compridas eram autorizadas era esperado como se fosse mais
importante ou tão importante quanto crisma, bar mítzvah ou equivalente. As maneiras em
público eram, do mesmo jeito, inspiradas pelos adultos. Chegando em casa da escola, os
jovens deviam trocar da roupa de rua para a roupa de casa (isso porque se presumia que
uma "criança" se sujasse, deitasse no chão etc.).
A vontade frustrada de poder ficar o dia inteiro de paletó e nó de gravata tem como
paralelo hoje a grande vontade dos adultos de poderem enfim se vestir como adolescentes
nos domingos e mesmo nas sextas-feiras informais permitidas nos escritórios. A vontade
de usar sapato amarrado até em casa corresponde hoje à vontade adulta de usar tênis
até quando não é a hora de praticar nenhum esporte.
Talvez por isso os adolescentes dos anos 60 acabaram sendo uma geração de
indivíduos politicamente engajados, para mitigar e esconder uma vontade de folia atrás
da seriedade da consciência social. O ideal deles era a vida adulta. O desejo era não de
se conformar aos adultos, mas de não se diferenciar deles por ser infantis, adolescentes.
Como satisfazer aos adultos, senão sendo mais adolescentes ainda do que já
eram?
Isso significa apenas que os Estados Unidos mostraram primeiro esse traço de
modernidade, dita avançada, pelo qual os adultos preferem sonhar em ser adolescentes
a ficar contemplando as crianças supostamente felizes. De qualquer forma, a
adolescência é o ideal coletivo que espreita qualquer cultura que recusa a tradição e
idealiza liberdade, independência, insubordinação etc. Os Estados Unidos foram aqui a
vanguarda do Ocidente moderno.
A adolescência, nessa altura, não precisa acabar. Crescer, se tornar adulto, não
significaria nenhuma promoção. Consistiria em sair do ideal de todos para se tornar um
adulto que só sonha com a adolescência.
Moral da história: o dever dos jovens é envelhecer. Suma sabedoria. Mas o que
acontece quando a aspiração dos adultos é manifestamente a de rejuvenescer?
PEQUENA BIBLIOGRAFIA COMENTADA
Para ler mais sobre o tema e também para percorrer com mais detalhes algumas
das etapas que permitiram escrever este ensaio, podem-se apontar três caminhos.
É a obra fundadora dos estudos sobre adolescência. Hall pode ser considerado o
criador da adolescência, seu inventor. Ele se preocupou com a precocidade dos jovens
de seu tempo, os quais lhe pareciam chegar cedo demais às ruas, às fabricas, aos braços
de parceiros sexuais e também às prisões. Essa precocidade não constituía novidade
nenhuma ao que era novo, naquele começo do século 20, era a preocupação de Hall. Ele
foi à luta para que os benefícios da infância se prolongassem. Suas palavras foram
decisivas para que, aos poucos, os adolescentes fossem escolarizados tão
obrigatoriamente quanto as crianças. Inaugurou-se assim uma tendência que hoje
empurra a escolaridade obrigatória (e com ela a adolescência) para além dos 20 anos de
idade.
Margaret Mead, Coming Age in Samoa. New York: William Morrow, 1928.
Albert Cohen, Delinquent Boys: the Culture 01 the Gang. New York: Free Press,
1955.
Daniel Offer (com Melvin Sabshin e Judith L. Offer), The Psyehologieal World o] the
Teenager: a Study of Normal Adoleseent Boys. N ew York: Basic Books, 1969.
Enfim, Erikson entende a crise da adolescência como efeito dos nossos tempos.
Para ele, a rapidez das mudanças na modernidade torna problemática a transmissão de
uma tradição de pais para filhos adolescentes. Estes devem portanto se constituir, se
inventar, sem referências estáveis. Erikson foi o primeiro a usar o termo "moratória" para
falar da adolescência. Também foi um dos raros a perceber que a crise da adolescência
se tornava muito difícil de administrar,já que o mesmo tipo de crise começava a assolar
os adultos modernos.
II. O segundo caminho é o das produções culturais que instituem a adolescência como
ideal social. A idealização da adolescência é preparada pela idealização da infância
insubordinada. O exemplo mais famoso, ainda do século 19, é o Huck1eberry Finn de
Mark Twain (há várias edições portuguesas disponíveis de As Aventuras de Huekleberry
Finn).
Depois da Segunda Guerra Mundial, a figura do adolescente perdido e transgressor
assume dignidade literária com The Cateher in the Rye de J.D. Salinger em 1951 (O
Apanhador no Campo de Centeio. Rio de Janeiro: Autor, 1999).
Sobre a constituição do ideal adolescente nos Estados Unidos dos anos 50, vale
conferir (no mínimo em sua segunda parte):