O uso do corante urucum (Bixa orellana L.

) na tcnica de colorao histolgica*

The use of stain urucum (Bixa orellana L.) in the techniques histological staining
Dayana Cardozo Rohde1, Sergio Oliveira Silveira2 & Vera Regina Andrade Vargas3 RESUMO - A tcnica de colorao histolgica uma etapa importante na confeco de lminas para a visualizao em microscpio
ptico. Entretanto, a maioria dos corantes histolgicos sinttica. O uso desses encarece o processo de colorao, pois so produtos importados, com altos custos. No presente estudo, uma nova associao de corantes, naturais, foi empregada. A principal inovao desta tcnica o uso da bixina, pigmento encontrado na planta Bixa orellana L. (urucum), como corante histolgico, dissolvido em lcool etlico 96C. O uso desta soluo alcolica a base de urucum demonstrou tima fixao nos tecidos, permitindo a visualizao das estruturas celulares. Alm disso, a substituio de corantes importados por corantes nacionais constitui uma alternativa para este processo em laboratrio. PALAVRAS-CHAVE - bixina; histologia; inovao; colorao.

SUMMARY - The techniques histological staining is an important stage in the confection of glass slides for the visualization in light
microscope. However, the major is synthetic histological stain. This use are expensive the staining process, because is imported products, with high costs. In the present study, was used a new association of natural stain. The main innovation of this technique is the use of the bixina, pigment found in the plant Bixa orellana L. (urucum), as histological stain, dissolved in ethylic alcohol 96C. The use of this alcoholic solution of urucum demonstrated to excellent fixed in tissue, allowing the visualization of the cellular structures. Moreover, the substitution of stains imported for national stains constitutes an alternative for this process in laboratory. KEYWORDS - bixina; histological staining; innovation.

INTRODUO

s coloraes biolgicas so utilizadas, em microscopia ptica, para aumentar o contraste visual entre os elementos dos tecidos. Esse procedimento consiste em uma etapa indispensvel no processo de confeco de lminas histolgicas. O processo consiste em corar as diversas estruturas dos cortes histolgicos, previamente incolores, com diferentes cores. As tcnicas de coloraes histolgicas j eram utilizadas desde o incio do sculo XVIII, neste caso, empregando o corante Aafro. Porm, foi s a partir do sculo XIX que a colorao de clulas passou a ser mais empregada. Atualmente, foram desenvolvidos diferentes corantes para os diferentes componentes das clulas e dos tecidos. (GARTNER & HIATT, 1999; GENESER, 2003; SALAS et al., 2004). Os corantes podem ser agrupados em trs classes: corantes que coram os componentes cidos e bsicos da clula; corantes especializados e os sais metlicos. Na colorao histolgica, os corantes mais utilizados so a hematoxilina (corante bsico) e a eosina (corante cido), onde o corante bsico reage com os componentes cidos do ncleo e o corante cido reage com os componentes bsicos citoplasmtico, corando-os (ROSS & ROMRELL, 1993; GARTNER & HIATT, 1999; GENESER, 2003). Atualmente, os corantes utilizados, com exceo da hematoxilina e do carmim, so sintticos. O uso desses encarece o processo de colorao, pois so produtos importados, com altos custos. A substituio de corantes importados por corantes nacionais constitui uma alternativa para a viabilizao desse processo em laboratrio. O Brasil apresenta uma diversidade em espcies vegetais que poderiam ser fonte para a extrao de corantes. Exem-

plo disso o urucum j conhecido e utilizado pelos ndios brasileiros, quando da poca do descobrimento. Os ndios brasileiros fazem uso, ainda hoje, da tintura vermelha extrada do urucum para pinturas do corpo. Essa semente rica em bixina, principal corante, que d a colorao vermelho-alaranjada. Este pigmento j vem sendo amplamente utilizado como corante em diversos setores industriais, tais como: alimentcia, para uniformizar ou dar cor aos alimentos originalmente incolores; farmacutica; txtil e cosmtica (NOGUEIRA-CARVALHO, 1999; MERCADANTE & PFANDER, 2001; TOCCHINI & MERCADANTE, 2001; FILGUEIRAS & PEIXOTO, 2002; TOLEDO et al., 2004). O urucum um corante vermelho-alaranjado obtido da Bixa orellana L. (Bixaceae), uma rvore nativa das florestas tropicais da Amrica do Sul, Amrica Central e sia. A Bixa orellana L conhecida por diversos nomes como achiote, terra orellana, bixa orellana e annatto. No Brasil, o annatto conhecido como urucum ou urucu, palavra de origem da lngua Tupi-Guarani. Essa planta pode atingir de 3 a 6 metros de altura, dependendo das condies ecolgicas e da sua idade. Seus frutos so ovides, tipo cpsula, dependendo da variedade, e apresentam um denso revestimento de espinhos moles e inofensivos de at 0,5 cm de comprimento. As cpsulas so chamadas de "cachopas", variando de 360 a 4.900 por planta, comportam em seu interior uma mdia de 54 sementes, envoltas por uns arilos vermelhos que lhes d a cor caracterstica (NOGUEIRA-CARVALHO, 1999; DeOLIVEIRA et al, 2003; TOLEDO et al., 2004). O corante do urucum extrado a partir da polpa da semente da Bixa orellana L. (Bixaceae), constituda de fina camada resinosa, possui colorao vermelho-alaranjado e corresponde, aproximadamente, a 4% do gro integral. Esse corante apresenta-se convencionalmente de duas for-

Recebido em 10/02/2005 Aprovado em 14/11/2005 *URI Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses Campus de Santo ngelo, Santo ngelo, Rio Grande do Sul, CEP: 98802-470 e UFSM Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Rio Grande do Sul. Fonte financiadora: PIIC-URI. 1 Acadmica do Curso de Cincias Biolgicas da URI Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses Campus de Santo ngelo, [email protected] 2 Histotcnico do laboratrio de Histologia e Embriologia da UFSM Universidade Federal de Santa Maria, [email protected] 3 Professora do Curso de Farmcia da URI Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses Campus de Santo ngelo, [email protected]

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mas: a bixina lipossolvel e a norbixina, que hidrossolvel. A bixina o principal corante dessa Bixaceae, pertence classe dos carotenides e est presente na semente entre 70 a 80%, sendo o restante um pigmento ainda no caracterizado, de cor amarela, em pequenas quantidades, cujas estruturas esto relacionadas com a bixina, incluindo a norbixina. O principal aspecto tecnolgico do urucum a capacidade deste corante se aderir s protenas (LIMA et al, 2001; De-OLIVEIRA, 2003; TOLEDO et al., 2004). Os carotenides bixina e norbixina apresentam duas configuraes estereoqumicas, isto , cis e trans. Nos extratos em condies normais predomina a cis-bixina ou cis-norbixina mais instveis. A cis-bixina ou cis-norbixina em soluo sob aquecimento parcialmente transformada para a configurao trans, mais estvel, conhecida como isobixina e isonorbixina. Os carotenides so, na sua maioria, tetraterpenos (com 40 carbonos), formados por oito unidades de isopreno (C5H8). Uma vez que estas unidades so ligadas cabea-cauda com exceo da posio central em que a ligao do tipo cauda-cauda, a estrutura simtrica, com reverso do plano de simetria no centro da molcula. Sua caracterstica cromfora dada pela presena de uma srie de duplas ligaes conjugadas. Para atuar como precursor de vitamina A, um carotenide deve ser dotado de um grupo B-ionona no substitudo, com cadeia lateral polinica de pelo menos 11 carbonos, no presente, portanto, na estrutura qumica da bixina. Alm disso, possvel obterem-se com o uso de emulsificantes formulaes solveis tanto em gua como em leo (De-OLIVEIRA et al, 2003). Na busca de novas opes para coloraes histolgicas, o presente projeto pretende utilizar corantes nativos, visando obter um resultado igualmente satisfatrio aos corantes convencionais ou importados e, ainda, valorizar a matriaprima de nosso pas alm de reduzir os custos dessas coloraes no laboratrio de microtcnica. O objetivo desse estudo foi desenvolver uma nova associao de colorantes histolgicos com o pigmento encontrado na planta Bixa orellana L. (Urucum). MATERIAIS E MTODOS A amostra, para o corante histolgico, foi constituda de p de essncia de Bixa Orellana L., adquiridas no comrcio local de Santo ngelo, Rio Grande do Sul. As amostras histolgicas, que foram empregadas para os testes de colorao, foram obtidas de peas de necropsia de camundongos. Foram avaliadas as amostras histolgicas das fibras musculares esquelticas, de glndulas serosas e mucosas, de tecido nervoso e de alguns tecidos epiteliais corados com soluo de hematoxilina, para corar o ncleo e aps, com soluo alcolica de urucum para corar o citoplasma. A colorao histolgica foi realizada com a Hematoxilina, para corar o ncleo, e uma soluo preparada com 5g de Urucum em p, dissolvidos em 100ml de lcool etlico que posteriormente foi filtrada, para colorao do citoplasma. Aps o preparo dos corantes foi necessrio distender os cortes em gua, temperatura ambiente, e secar os mesmos em uma estufa. Aps esse procedimento, os cortes histolgicos foram imersos em xilol por 5 minutos; lcool 70%, lcool 60% e lcool 40%, 1 minuto cada; gua destilada por 1 minuto; Hematoxilina por 2 minutos; gua corrente por 5 minutos; soluo alcolica de Urucum por 15 minutos;
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gua corrente por 1 minuto. Terminado o processo de colorao, foram colocadas lamnulas sobre as lminas com preparaes histolgicas coradas, com uma substncia adesiva (Entelan), e observadas ao microscpio ptico. Esse projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comit de tica em Pesquisa da URI (COBE/URI), protocolo nmero 025-4/PIA/04. RESULTADOS PREPARO DO CORANTE Foi preparada uma soluo com 5g de p de urucum solubilizado em 100 ml de lcool etlico 96C que, posteriormente, foi filtrada em papel filtro. Aps, foram utilizados 10 g de p de urucum em 100 ml de lcool etlico 96, tambm filtrados em papel filtro, para o preparo da soluo. Em seguida, substitumos o lcool etlico 96 por gua destilada, e misturamos com 10g de urucum. TESTES DE COLORAO Com diferentes quantidades de urucum, solventes, tempo e temperatura Na tabela I esto apresentados os testes de colorao que foram realizados com diferentes quantidades de urucum, solventes, tempo e temperatura. Foram realizados os testes com a soluo alcolica preparada com 5g de urucum em p durante 10 minutos e 20 minutos, em temperatura ambiente, sendo que nenhuma delas mostrou uma definio clara das estruturas celulares e histolgicas. Foram realizados testes de colorao com a soluo alcolica de 10g de urucum durante 10 minutos e 20 minutos, em temperatura ambiente. A colorao que melhor evidenciou as estruturas celulares foi aquela em que foi utilizado o tempo de 20 minutos. Aps, foram realizados testes, com a mesma concentrao de corante, porm em estufa a 60 Celsius, durante o tempo de 10 e 20 minutos, mostrando uma diferena visual com as coloraes realizadas em temperatura ambiente (Fig. 1). Os mesmos testes foram realizados com soluo aquosa de urucum. Com diferentes solues de lavagens Aps a colorao com a hematoxilina e o urucum, as lminas foram lavadas com cido actico, lcool e gua. As lminas lavadas com cido actico apresentaram o melhor resultado. TABELA I Testes de colorao com diferentes quantidades de urucum, solventes, tempo e temperatura.
Soluo alcolica de urucum 5 gr Temperatura ambiente 10 min Temperatura ambiente 20 min Temperatura 60C (estufa)10 min Temperatura 60C (estufa) 20 min + ++ + ++ 10 gr ++ +++ ++ ++++ Soluo aquosa de urucum 5 gr 10 gr -

Legenda: - = fixao insuficiente. + = fixao fraca, no permite a visualizao das estruturas celulares. ++ = fixao regular, permite pouca visualizao das estruturas celulares. +++ = fixao boa, permite a visualizao das estruturas celulares. ++++ = fixao tima, permite a ntida visualizao das estruturas celulares.

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evidenciando assim os ncleos dos fibroblastos. Desta forma, essa associao vem como uma alternativa frente substituio dos corantes importados por corantes nativos, pois um corante natural de fcil utilizao e no apresenta toxidade, oferecendo maior segurana aos profissionais. AGRADECIMENTOS Os autores agradecem ao PIIC/ URI pela bolsa de Iniciao cientfica ao primeiro autor; s instituies envolvidas: Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Misses (URI - campus de Santo ngelo) e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) pelo auxlio financeiro. REFERNCIAS
1. De-OLIVEIRA, A.C.A.X.; SILVA, I.B.; MANHES-ROCHA, D.A.; PAUMGARTTEN, F.J.R. Induction of liver monooxigenases by anatto and bixin in females rats. Braz. J. Med. Biol. Res; 113-118; 2003. 2. FILGUEIRAS, T.S. PEIXOTO, A.L. Flora e vegetao do Brasil na carta de Caminha. Acta Bot. Brs; 16:263-272, 2002. 3. GARTNER, L.P.; HIATT, J.L. Tratado de histologia em cores. 1 edio. Rio de Janeiro, RJ. Editora: GUANABARA KOOGAN S.A. 1999. 4. GENESER, R.J. Histologia. 3 edio. Rio de Janeiro, RJ. Editora: GUANABARA KOOGAN S.A. 2003. 5. LIMA, L.R.P., OLIVEIRA. T.T.; NAGEM, T.J.; PINTO, A.S.; STRINGHETA, P.C., TINOCO, A.L.A.; SILVA, J.F. Bixina, norbixina, quercetina e seus efeitos no metabolismo lipdico de coelhos. Braz. J. Vet. Anim. Sci; 38:196-200, 2001. 6. MERCADANTE, A.Z.; PFANDER, H. Caracterizao de um novo carotenide minoritrio de urucum. Cinc. Tenol. Aliment; 21:193-196, 2001. 7. NOGUEIRA-CARVALHO, P.R. Urucum - avanos tecnolgicos e perspectivas. Arch. Latino Am. Nutri; 49:71S-73S, 1999. 8. ROSS, M.H., ROMRELL, L.J. Histologia texto e Atlas. 2 ed. So Paulo, SP Editora Mdica-Panamericana, 1993. 9. SALAS, V. W., et al. Utilidad de tcnicas histolgicas para el diagnstico de infeccin en piezas anatmicas. Rev. Cubana Med. Milit; 33(2), 2004. 10. TOCCHINI, L; MERCADANTE, A.Z. Extrao e determinao, por CLAE, de bixina e norbixina em colorficos. Cinc. Tenol. Aliment; 21:310-313, 2001. 11. TOLEDO, T. O., et al. Propriedades biolgicas de los tintes naturales. Ars Pharmaceutica; 45:1, 5-20, 2004.

Figura 1: Fotomicrografias de cortes histolgicos, em A - tecido epitelial de transio, corado com Hematoxilina e Urucum (HU), tempo de 20 minutos, estufa a 60 C, lavado com lcool; B - tecido conjuntivo, corado com HU, tempo de 20 minutos, estufa a 60 C, lavado com cido actico; C - tecido muscular estriado esqueltico, corado com HU, tempo de 20 minutos, estufa a 60 C, lavado com cido actico e em D Glndulas serosas e mucosas, corado com HU, tempo de 20 minutos, estufa a 60 C, lavado com cido actico.

DISCUSSO Este o primeiro relato do uso do pigmento bixina (urucum) em coloraes histolgicas. A bixina um corante natural extrado da planta Bixa orellana L. (urucum), facilmente encontrada na flora de nosso pas. A associao desta com a hematoxilina representa uma nova tcnica de colorao histolgica que demonstra resultados igualmente satisfatrios aos das tcnicas convencionais. Esta similaridade devida caracterstica de corante cido da bixina, que reage com os componentes bsicos citoplasmticos, corando-os, permitindo assim a substituio da eosina por aquele pigmento. A colorao de fibras musculares estriadas, com a tcnica hematoxilina-urucum (HU), apresentou tima definio das estrias assim como JUNQUEIRA E CARNEIRO utilizando a tcnica hematoxilina-eosina (HE). Esta mesma semelhana foi percebida na diferenciao de cinos serosos e mucosos. No tecido conjuntivo, a tcnica HU demonstrou grande afinidade com as fibras desse tecido, os componentes bsicos,

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