Livro Arquitetura Contemporanea No Brasil

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A Am«tutAO CAftflNA~i.Oet..a.t DA NOYA
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1. OS ESTILOS HISTORICOS

O panorama oferecido pela arquitetura brasileira racterizada pela falta de originalidade e por um com-
por volta de 1900 nada tinha de animador. Nenhuma ori- plexo de inferioridade levados ao extremo sob o ponto
ginalidade podia ser entrevista nos numeros6s edificios de vista local, mas que ja contem o germe dos elemen-
recem-construidos, que nao passavam de imitayoes, em tos de uma reayao salutar que nao demorou em se ma-
geral mediocres, de obras de maior ou menor prestigio nifestar.
pertencentes a um passado recente ou longinquo, quan-
do nao eram meras c6pias da moda entao em voga na Eu-
ropa. Ora, essa evoluyao s6 foi se acentuando durante as 1 . OS ESTILOS CLASSICIZANTES
primeiras decadas do seculo XX. Os cariocas e paulistas
abastados, que iam com freqi.iencia ao Velho Mundo, ad- No Brasil, costuma-se englobar sob o r6tulo "nco-
miravam em seu contexto natural, os chales suiyos, as classico" todos os edificios onde se pode notar o empre-
velhas casas normandas de estrutura de madeira apa- go de um vocabulario arquetetonico cuja origem distan-
rente, as moradas rusticas da antiga Franya, os palacios te remonta a Antigi.iidade greco-romana. Portanto o que
florentinos ou venezianos, mas nao compreendiam que se convencionou chamar de neoclassicismo, na realidade
o encanto dessas casas provinha de sua autenticidade, niio passa de uma forma de ecletismo, onde e possivel
de sua perfeita adaptayao as condiyoes do meio e, nao encontrar justapostos todos os estilos que utilizam co-
raro, de sua inseryao num conjunto do qua! nao podiam lunas, cornijas e frontoes, da Renascenya italiana ao
ser desvinculadas. Assim, um notavel mostruario de re- Segundo Imperio frances, passando pela classicismo, pe-
produyoes mais ou menos fieis, e sobretudo verda~eiras lo barroco e pelo verdadeiro neoclassico de fins do secu-
miscelaneas de estilos hist6ricos floresceram no R10 de lo XVIII e primeira metade do XIX. Assim, nessa cate-
Janeiro, em Sao Paulo e, em menor grau, nas demais goria de obras nao existe qualquer unidade profunda,
grandes cidades do pais. Esse fato era por si s~ suf!cien- mas apenas um certo parentesco, devido ao espirito aca-
te para subtrair todo carater a essas construyoes, iusta- demico que marca as diversas construyoes desse tipo.
postas de modo arbitrario, mesmo que tivesse?1 algum Existem, contudo, diferenyas regionais, que colocam em
valor estetico (o que era raro). Portanto, o eclet,smo que oposiyiio principalmente os dois grandes centros, Rio de
dominou entao plenamente as construyoes particulares, Janeiro, a capital federal, e Sao Paulo, a metr6pole ri-
em menor grau, os edificios publicos era por sua pr6pria val, de crescimento espantoso devido ao poderio econo-
natureza um fato profundamente negativo. 0 mau gos- mico originado da comercializayiio do cafe.
to, ou mesmo a total falta de gosto, que predominava na
epoca veio somar-se a esse ecletismo; seria facil enume-
rar a 'serie de horrores e fantasias arquitetonicas edifi- 1. A escola carloca
cadas durante esse periodo 1 . Mas isso seria de pouco in-
teresse, cabendo estudar apenas as grandes correntes
representativas desse ecletismo de carater hist6rico : 0 verdadeiro neoclassico foi introduzido no Rio
elas sao efetivamente o reflexo de uma epoca, ca- de Janeiro pela missiio artfstica francesa, que veio ao
Brasil em 1816 a convite de D. Joao VI. 0 arquiteto
1. Cf. L. SAIA , Notas sob r~ a Euoluf0o do Morada Pauli~ta , Sao Grandjean de Montigny, fundador da Escola de Belas-
Paulo, 1957 pp 25-26 onde sio reproduzidas doze casu constnndas C?J -Artes do Rio e primeiro titular da cadeira de arquite-
Sio Paulo ;ntre' 1900 ; 1930 nos mais variados estilos. Nclas, a clegAnCJa
refinada esti )ado a Jada com pcsquisa.s estranhas c , em certos casos, com tura, exerceu consideravel influencia, apesar da rivali-
uma Calta absoluta de qualquer senso estCtico. [Publicado cm Morada Pou• dade que a princfpio se estabeleceu entre ele e seus c(>-
lista , Sio Paulo, Penpcctiva, 1972, Debates 63.J

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legas 2 . Aos poucos, ele foi impondo a arte oficial um tral (hoje, Rio Branco) . Alias,_ sua abertura d_cmonstrou
neoclassicismo puro, construindo edificios de qualida- como havia mudado a mentahdade dos arq~1tetos: tor-
de (o mais importante foi o da Escola Imperial ou Aca- naram-se, acima de tudo, fazedores de proJetos, traba-
demia de Belas-Artes) e dando a seus discipulos uma lhando no papel e pelo prazer de desenhar plantas e fa.
forma9iio muito rigida, baseada nos principios aplica- chadas, mesmo sabendo tratar-se de um _ge~to puramen-
dos na Fram;a na epoca da Revolu9ao e do lmperio. Es- te gratuito; o concurso de fachad~s mstltmdo em 1903
sa corrente neoclassica tardia prolongou-se, como e 16- para os edificios da futura Avemda Central teve 138
gico, por muito mais tempo do que no resto do mundo candidatos, embora nem o governo nem os particulares
e s6 come,ou a degenerar depois de 1860, quando ou- tivessem se comprometido a executar os proJetos vence-
tros estilos hist6ricos vleram aos poucos nela se enxer- dores5. De certa forma, isto era tipico do gosto da epo-
tar. Ainda se podia encontrar seus vestfgios por volta ca e do espirito da "Escola de Belas-Artes", que cada dia
de 1900, mas niio passavam de um corpo sem alma, de dominava mais.
uma moda como as demais, utilizada para constru96es Niio e de espantar que , no momento em quc se
destinadas a abrigar os poderes oficiais; de fato, o es- aplicava o principio de Haussmann em materia de urba-
tilo neogrego (para utilizar o vocabulario da epoca) era nismo, tambem se tenha manifestado a influencia da
considerado como simbolo de majestosidade e equili- arquitetura do Segundo lmperio £ranees. Esta havia pe-
brio, especialmente apropriado para sedes do governo, netrado amplamente por toda a Europa e; por vezes,
assembleias legislativas e tribunais. Esse simples fato havia mesmo exercido em outros paises uma influencia
basta para provar a influencia exercida pelo espirito da mais profunda do que na Fran9a 6 • Este estilo chegou ao
missiio francesa na mentalidade brasileira, ou melhor, Rio com certo atraso, o que pode ser sentido principal-
na mentalidade da aristocracia e da grande burguesia mente em alguns edificios publicos. Entretanto, suas ca-
que dirigiam o pais. Quase todas as casas do centro da racterfsticas principais podem ser encontradas em gran-
cidade, com suas fachadas semelhantes alinhadas mas de numero de constru,oes particulares, sem que os au-
sem solu9iio de continuidade de ambos os !ados da rua, tores destas tenham tido plena consciencia disso; estes,
conservaram seu aspecto portugues durante todo o enquanto acreditavam seguir o estilo Luis XIV, Luis
seculo XIX; alias, era freqiiente que elas fossem cons- XV ou Lufs XVI "modernizado", freqiientemente es-
truidas por pedreiros portugueses, cuja imigra9iio era tavam mais pr6ximos do Napoleiio III do que dos mo-
constante. Em compensa,iio, os edificios publicos, e de- delos originais. 0 edificio de estilo mais nitida e cons-
pois os palacios e grandes casas da classe dominante, cienciosamente Segundo Tmperio e o que abriga hoje a
adotaram o vocabulario arquitetonico importado pelos Escola e o Museu Nacional de Belas-Artes, obra de Adol-
franceses. Assim, uma rivalidade cada vez maior colo- pho Morales de los Rios, arquiteto de origem espanho-
cou em confronto o antigo mestre-de-obras de origem la, ex-aluno da Escola de Belas-Artes de Paris e dis-
portuguesa ou local, formado no canteiro de obras, e cfpulo de Guenepin. Construido em 1908 para abrigar
os arquitetos, saidos da Escola de Belas-Artes do Rio ou a veneravel institui9iio academica e suss cole9oes, que
vindos da Europa. 0 triunfo destes havia se tornado evi- ja niio cabiam no elegante palacio neoclassico de Grand-
dente desde 1880, de ta! forma que o grupo rival foi jean de Montigny, a nova constru,iio era uma imita9iio
for,ados a imita-los, ao menos parcialmente, ea utilizar, do Louvre de Visconti e Lefuel, imita9iio especialmente
como eles, as ·novas possibilidades da tecnica moderna, visfvel na ala principal , cuja fachada da para a Aveni-
a fim de tentar sobreviver3.
da Rio Branco (Fig. 1). Pavilhoes com coberturas em
No 'inicio do seculo XX predominava portanto no mansardas (retos na extremidade, convexos no centro),
Rio de Janeiro a influencia francesa : aproveitando a arcadas em arco-pleno flanqu eadas por maci9os pilares
tradi9iio implantada pela missiio francesa de 1816, esta com ranhuras no pavimente terreo, ordem corfntia, ca-
havia se fortalecido ap6s um ligeiro eclipse nos anos riatides no atico dos pavilhoes, alternancia de frontoes
1860-1900, quando a Renascen9a italiana e os palacios triangulares e circulares (estes seccionados no centro) ,
romanos do seculo XVII eram fonte de inspira9iio mui- - todos estes elementos, essenciais na fachada do mu-
to freqiiente 4 • 0 prestigio de Paris, no auge naquela epo- s~u carioca, provem diretamente de Paris e, mais pre-
ca, contribufa significativamente para isso: as grandes c1samente, do Louvre de Visconti e Le[uel. O parentesco
obras de Haussmann (que tinham dado a capital fran- entre os dais ediffcios fica evidente a primeira vista, ape-
cesa um novo aspecto, com a cria9iio de grandes aveni- sar de algumas diferen,as, como a coluna do andar no-
das) obcecavam os espiritos e fizeram com que Fran- bre existente no Rio e a falta de uma decora9iio em re-
cisco Pereira Passos, quando prefeito do Rio (de 1902 a levo tiio abundante quanta a do ed i[fci o parisiense. 0
1906), destrufsse parte do centro antigo para abrir am- resultado, contudo, e in[eliz: a obra de Morales de los
plas avenidas das quais a principal foi a Avenida Cen- Rios, muito atarracada , niio tern distin9iio nem equili-
brio de propor,oes; o sentido de majestosidade que o
2. Cf. A. DEE. TAUNAY, A Mi1160 Art/Jtito J, 1816, Rfo Publica-
f~.da Dirctoria do Patrim6nio Hist6rico c Artbtico National: n.• 18, no_vo Louvre transmite transforma-se, aqui, em uroa
co1sa pesada, desprovida de harmoni a.
3. L, C9STA 1 Documcnt~io Ncceuiria , Rruirta do S.P.H.A.N,, n .11
I, 1937, pubhcado novamcnte cm Sohre Arquitllura, vol. 1, pp, 92-93.
). M. VJNHAS DE QUEIROZ, Arquitetura e DcaenvolVimcnlo, M6~
<I- . ,Cl. J. GIURIA , cLa Riqucia Arquitect6nica de Algunas Ciudadcs dulo, n.o 37, agosto de 1964, pp , 6-7.
i!,t~io~r~\..tii, dr
Rr1.1i1la d, la Sod1dad Amiios d, la Arqu,o-
. 6. H. R. HITCHCOCK, Archii.t:tv,-,, Nin,tunth and Tw, nli,th C, ,..
tu11 11, Hardmonsworth, 1958, pp. 131-172 (capt, 8 e 9).

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blemas apresentados. Mas nao havia ai nada de novo:
era a aplicac;iio purn e simples das soluc;oes encontra-
das durante a segunda metade do seculo XIX . Em com-
penm;:iio, eram evidentes as preocupac;oes estilfsticas e
ate arqueo16gicas8 : o aspecto de conjunto, em estilo Se-
gundo Imperio, foi procurado, propositalmente, em ra-
ziio do prestigio da Opera de Paris; ate mesmo as tor-
rinhas de angulo coroadas por cupulas que flanqueiam
a fachada estiio plenamente no espirito da epoca, em-
bora nada tenham a ver com a Opera de Paris em si.
0 gosto pelo estilo Napoleiio III, claramente sen-
sivel na primeira decada do seculo, declinou posterior-
mente, e assistiu-se a um retorno aos estilos anteriores,
que continuaram a ser essencialmente franceses. 0 pres-
tfgio do classicismo £ranees era tal que classificavam-se
os edificios com caracteristicas classicas em tres cate-
gorias principais: Luis XIV, Luis XV e Lufs XVI,
segundo sua decorac;iio fosse mais ou menos ric.:1 e
suas fachadas fossem planas ou tivessem corpos avan-
c;ados ligeiramente salientes. 0 arquiteto carioca que
ocupou entiio o primeiro piano foi sem duvida Heitor
de Mello, em atividade de 1898 a 1920, quando morreu
prematuramente. Durante esses vinte e dois anos, ela-
borou oitenta e tres projetos, dos quais quatorze nao
foram realizados. A importancia a ele atribuida por
seus contemporaneos e ressaltada pela homenagem
p6stuma prestada no numero inaugural da primeira
revista de arquitetura do Brasil9 ; pode-se ai ver a rela-
c;iio de todos os seus trabalhos e a indicac;iio do "estilo"
em que foram construidos. Essa relac;iio e particular-
mente instrutiva, pois mostra como o ecletismo estava
entao profundamente enraizado na mentalidade brasi-
leira; e explica o verdadeiro carrossel arquitetonico da
epoca, quando o mesmo arquiteto mudava de estilo de
um projeto para outro, sem o menor constrangimento.
Contudo, o exame da obra de Heitor de Mello revela
Fig. I. Adolpho MORALES DE LOS RIOS. Museu Na- uma nitida predominancia dos estilos classicizantes,
cional de Be/as-Artes. Rio de Janeiro. 1908. tanto em numero (quarenta e dois projetos somando-se
os estilos Renascenc;a, Francisco I, Luis XIV, Luis XV,
Menos marcada e a influencia da arquitetura do Luis XVI, Adams e neogrego), quanta em importancia.
Segundo Imperio no Teatro Municipal (1906-1909), Quase todos os edificios publicos obedecem a tais esti-
inspirado vagamente na Opera de Charles Garnier, na los, enquanto que os estilos pitorescos regionais eram
planta, na elevac;ao e na decorac;ao interna, feita origi- reservados as casas particulares e sem duvida corres-
nalmente de marmores e bronzes 7 • Foi construido por pondiam ao gosto de seus proprietaries. Alem disso,
Francisco de Oliveira Passes, engenheiro conselheiro da existe uma divisiio caracteristica dos estilos classicos
administrac;ao municipal, vencedor de um concurso ins- segundo a func;iio do im6vel: o Francisco I era utilizado
tituido em 15 de outubro de 1903 e julgado em marc;o para quarteis e postos policiais, o Luis XIV e prin-
de 1904. Persistem duvidas quanto a imparcialidade do cipalmente o Lufs XVI e o neogrego eram quase obri-
juri, principalmente quando se considera que se tratava gat6rios para os demais ediffcios publicos (hospitais,
do filho do prefeito na epoca, Francisco Pereira Passes, clubes, correios, prefeituras, bibliotecas, sedes de
cujo papel decisive no campo urbanistico ja foi assina- assembleias legislativas, palacios de justic;a, que, alias
lado. f, certo, porem, que esse projeto correspondia per- niio foram todos construfdos), e o Lufs XV convinha
feitamente ao gosto da epoca, muito mais do que o de as residencias particulares de alto luxo.
Victor Dubugras, cujas caracteristicas art nouveau nao
foram devidamente apreciadas. Oliveira Passes era en- 8. 0 salio do restaurante oferecia uma justaposi~o de amostras da
artc assiria e acm~nida conservadas no Louvre; o forro era sustentado por
genheiro, mas nao se preocupava apenas com proble- pilares encimados por capitt:is com cabec;;as de touro, cnquanto a decorat;io
mas tecnicos. Utilizou amplamente o ferro e o ac;o para era constitulda de reproduc;;0es das grandes eslatuas do pal3cio de Sargio
em Khonabad e frisos ·do pal8cio de Dario cm Susa.
a cobertura ou suporte da cupula central e dos pisos, pois
eram os materiais mais adequados para resolver os pro- jctos di.1cli~h:.::'":::.:"d::~~
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Rcnasccnc;a, trCs cm Luis XIV, dcz cm Luis XV, catorze em Luis XVI
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trl!s cm Adams, oito ncogregos, sctc coloniais, trCs suic;os, um soi~o•alcmi.o:
7. Cr. a abundante documen~o fotogrifica da obra .de Paulo Barreto, um alcmiio, quatro inglcscs, um anglo-normando 1 cinco em Seussion setc
publicada em 1913 sob o p1eud6nimo de Joio do Rio. modcrnos, quatro 1cm estilo e 1ci1 indefinido1. '

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0 apogeu de Heito r de Mello situa-se na ultima A se de do Jockey Clube ( 19 12), na esquina da


decada de sua vida, re lat ivamente curt a. Nessa epoca, Avenida Rio Branco e Ru a da Assembleia, tern uma
decora9iio muito carregada devida aos escultores Cor- Versa!:
recebe u muitas encomend as im portan tes, algum as feremi
oficiais (como o im6ve l da Assembl eia Legislativa e o reia Lima , Ve rbi e e Wald emra Bordanotte; foi ela,
das d:
Palacio da Ju sti,;:a do Es tado do Rio, em Niter6i, ou sem duvida , insp irada e cop iada da escultura fran cesa
do " Grand Siecle" (pode-se mes mo encon trar uma re. tin91io
a Prefeitura do Ri o de Janeiro), outras particulares devia-:
(como a sede do Jockey Clube e do Derby Clube da produ9iio dos cavalos de Marly). que fez com que a ricas:
antiga capital federal). Tod as essas obras possuem uma obra fos se qualificada de " Luis XIV'' , embora a primei
distin9iio que geralmente faltava as constru96es da epoca abundiincia de orname ntos do pav ilhao da fac hada decon
e trazem a marca pessoal de Heitor de Mello. Nao es teja mais pr6xima do espirito do Segundo Imperio fachac
cabe aqui dar muita importiincia as afirma96es das do que do seculo XVII. 9iio, I
mas Iinguas rivais, que garantiam que o estilo do Mais autenticos e tambem mais harmoni osos sao ultimc
mestre mudava cada vez que empregava um "negro" os dois edificios " Luis XVI", o D erby Clube (1914, Jacqu
novo. :£ certo que o atelie de Heitor de Mello foi a continguo a sede do Jockey Clube) ea Prefeitma (1920) , dosa
primeira organiza,;:ao comercial do genero no Brasil e ambos derivados da arquitetura classica francesa . O neogr
logo atingiu grande envergadura, mas, como observou primeiro (Fig. 2) foi construido num terreno bastante o vol
eleva
Lucio Costa1 0 , o sabor caracteristico de suas realiza96es estreito e desenvolveu-se em altura, o que !he confere
parec
desapareceu depois de sua morte; seus auxiliares e uma verticalidade muito pouco ortodoxa , contrabalan-
,;:ada de modo feliz pelas pronunciadas saliencias hori- tado
sucessores niio puderam mante-lo, nem reencontra-Io, adot
prova evidente do papel desempenhado por Heitor de zontais do balcao do primeiro andar e pelas duas da J
Mello. cornijas que enquadram o atico ; o andar nobre e duplo, Esta
mas o emprego de uma ordem colossal de pilastras de dos
capitel jonico conserva sua unidade arquitetonica e e 1'
atenua tanto quanto possivel a excessiva eleva9ao dessa Fed,
parte do edificio. Naturalmente, as considera96es pra-
ticas e os interesses de ordem financeira prevaleceram ink
sobre a exatidao hist6rica e estilistica ; alias, esta niio um
era uma grande preocupa9iio: certos elementos arqui• sad
tetonicos , como os consoles em volutas sustentando o me
balcao, estiio muito mais ligados a arte do seculo XVII arc
do que a do XVIII. 0 mesmo ocorre com a Prefeitura me
(Fig. 3) , cuja fachada para a Pra9a Floriano e consti: do
tuida por um pavimento terreo com ranhuras, vazado UIT
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de portas e janelas em arco-pleno, encimado por uma
colunata jonica flanqueada por dois pavilhoes coroados sid
com ~~ueles pequenos templos que se gostava ianto gn
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de eng1r nos pan,ues durante o reinado de Luis XVI;
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em contrapartida , as estatuas postadas nos cantos da
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Fig. 2 . 1914.
Heitor de MELLO. Derby Clube. Rio de Janeiro. f'
tg. J. Heitor de MELLO. PreJeitura. Rio de Janeiro. 1920.
base desses pequenos templos e , de modo geral , toda
IO . L. COSTA, Arquit,t u,a B,aril, i,a, Rio de Janeiro, 1952, p. 20. a escultura do seu coroamento provem diretamente do

36
Versalhes de Luis XIV. Portanto, empregava-se indi- segundo andar, em estrutur& metalica, era provido de
ferent~mente nos mesmos edificios o vocabulario formal grandes paineis de vidro, por onde penetrava livre-
~as _d1versas epocas do classicismo £ranees, e a dis- mente a luz. Embora os problemas tecnicos tivessem
tlm;:_ao entre os estilos Luis XIV, Luis XV e Luis XVI sido resolvidos satisfatoriamente, o mesmo niio ocorria
d_ev1a-se, antes de tudo, a algumas caracteristicas gene- com o aspecto geral do edificio: a mistura do p6rtico
n~as: . coroamento do edificio com mansardas para o corintio, inspirado na arte antiga, com estatuas que
pnme1ro, corpos avanyados ligeiramente salientes e tendiam para o barroco e coroavam um corpo avan9ado
decorayiio mais ou menos rococo para o segundo 11 maciyo, chocante pela nudez de sua parte superior,
fachadas retilineas em planta e retangulares em eleva'. com uma cupula de perfil renascentista, cujo volume e
~ii~, tetos I?lanos mascarados por balaustradas para o materiais niio estiio em harmonia com a planta e a
ult1mo, ma1s ou menos inspirado na arquitetura de decora9iio interna, que lembram a Opera de Paris, desva-
Jacques-Ange Gabrie!1 2 • Fazia-se uma distinyiio cuida- loriza a obra - que, por causa de sua feiura, nem
dosa entre o Luis XVI e o neoclassico chamado chega a alcan9ar a monumentalidade e imponencia dese-
neogrego, mais austere, sem decoray5es em ;elevo com jadas. E. evidente que Mem6ria e Cuchet pouco se
o volume cubico ainda mais acentuado pelo fato' de a interessavam pelos estilos classicos e que suas preocupa-
elevayiio da fachada desenvolver-se no piano unico da y5es voltavam-se para outra direyiio, a do estilo
parede nua, coroada por um grande frontiio susten- neocolonial, tendencia que se afirmava dia-a-dia, depois
tado por uma ordem colossal. Esse estilo severo foi da Exposiyao Internacional do Centenario da Indepen-
dencia do Brasil. Alias, neste estilo foram muito mais
adotado por Heitor de Mello em Niter6i para a sede
felizes, mas o preconceito em favor de uma arquitetura
da Assembleia Legislativa e do Palacio de Justiya do
oficial classicizante ainda estava muito enraizado na
Estado do Rio, hem como para os projetos niio construi-
mentalidade das classes dirigentes para que, nesse caso
dos de um Palacio do Congresso Nacional (entre 1898
especifico, o tabu pudesse ser transgredido.
e 1905), e depois para o de um Palacio do Senado
Depois da Primeira Guerra Mundial, a influencia
Federal (entre 1914 e 1920). francesa foi reforyada pela presenya, no Rio, de varios
A morte subita da Heitor de Mello marcou o
arquitetos vindos da Franya, 0 primeiro predio de
inicio do declinio dos estilos classicizantes. Ele possuia
apartamentos construido na cidade foi projeto da firma
um indiscutivel conhecimento da arquitetura do pas-
Vire! e Marmorat; segundo Lucio Costa, que conheceu
sado; evitava toma-la como modelo e copia-la fiel-
o edificio, podia-se dizer que ele tinha sido transpor-
mente; de fato, niio existia qualquer preocupayiio
tado diretamente de Paris 14 • 0 Hotel Copacabana Pa-
arqueol6gica; misturava estilos, utilizava certos ele- lace15 foi projetado e construido em 1920 por Andre
mentos formais num contexto completamente diferente Gire, ex-aluno da Escola de Belas-Artes de Paris; a
do original, mas sabia efetuar esses arranjos e dava planta, perfeitamente academica e simetrica, resolvia
um toque particular a cada um de seus edificios. Estes de modo pratico os principais problemas funcionais do
correspondiam ao programa especffico que !he havia complexo programa, dado tratar-se ao mesmo tempo
sido proposto, mas ta! programa funcional era inte- de um hotel de alto luxo e de um cassino; a deco-
grado numa concepyiio formal predeterminada, sem rayiio era em " estilo Luis XVI", mas tratava-se apenas
jamais chegar a desvirtua-la. Existia, conseqiientemente, de revesti mento aplicado sobre uma estrutura oculta.
uma grande unidade arquitetonica nas obras de Heitor Gire tambem construiu a estayiio Barao de Maua, uma
de Mello, embora uma analise detalhada evidencie seu das principais do Rio, e, um pouco mais tarde, outros
ecletismo academico. dois arquitetos franceses, Sajous e Rendu, tambem
Seus sucessores, pelo contrario, niio souberam desempenhavam um papel importante. Quando se tra-
manter esse equilibria. Quando, em 1922, os herdeiros tou de estabelecer um piano urbanfstico para o Rio
de seu atelie, Arquimedes Mem6ria e F. Cuchet (tam- de Janeiro, mais uma vez foi chamado um £ranees,
bem professores de composiyiio na Escola de Belas- Alfred Agache. Todos esses arquitetos, formados pela
Artes) receberam, do presidente da Camara dos Depu- Escola de Belas-Artes de Paris, niio pertenciam mais
tados Arnolfo de Azevedo, a incumbencia de projetar ao ecletismo classicizante propriamente dito; conserva-
o pai~io destinado a essa assemblfia, re~am um vam certos principios do classicismo (como a simetria
monumento medfocre, pesado e sem o mesmo mteresse e o cuidado da medida, o senso de proporyiio), mas
estetico13 • A construyiio prestava-se muito bem a sua evitavam, salvo algumas excey5es, empregar o vocabu-
funyiio e o interior estava disposto com habilidade: a lario do estilo; procuravam timidamente uma arqui_te-
estrutura de concreto armado, oculta dentro de paredes tura que, sem romper com o passad?,. tira_sse p_ro~e1to
de tijolos, assegurava plena !iberdade, aos arquitetos; .o das possibilidades dos novos matena1_s d1sp_omv~1s .e
plenario era iluminado por vasta cupula dupla, cu10 especialmente do concrete armada. Sofnam a mfluenc1a
de Perret e encontra-se neles o desejo de simplifica9iio
11. Um bom exemp1o C a c~sa de Antonio Maria, da Costa (f~ita em cl6ssica deste, mas sem o mesmo conhecimento e a
1904-1905), situada na Avenida Rio Branco c rcproduz1da ~m Arch1t•~•ura
no Brasil n 9 6 marc;o de 1922 p. 185. 0 vasto 1m6vel, cuJo grande numc- mesma originalidade. Or.1, essas novas tendencias con-
ro de a~rt~ras' quase faz desaParecr:r as paredes, C, !lpi~o de fin• do detdo
XIX e jamais poderia ter 1i~o cons,tr:ufdo scm a utihzac;ao de uma estrutura
melalica oculta pela alvenana tradicional. 14. L. COSTA, artigo publicado no Corrtio da Manhil de 15 de j'!nho
de 1951 e reproduzido em Sobre pp. 169-201 , com o t1tulo
12 Sendo cla considerada como a rcpresentante dpi~a do _cstilo Lu!•
XVI ;mbora todas as grandes obras do arquiteto tenham stdo fe1tas no re1- «Ot!poimento de um Arquiteto Carioca» (p. 170 e 171) .
15. CL Arquitetura t Urbanismo , n,9 2, julho-agosto de 1936, PP· 7,.
de Lu(s XV.
13 Cf A,ehit,clura no Brasil, ano III, vol. V, n,Q 29, junbo-julho de I 7 (fotografias, plantas) .
1926, PP· 143-163 (Cotograliu, plantas, desenhos).
37
-
denavam irremediavelmente a arquitetura formal das estabeleceu-se na cidade em definitivo, enquanto alguns,
d_uas primeiras decadas do seculo. Alem do mais, ofere- como Pucci, que retornou em 1896, voltaram a sua
c1am uma solu9iio para o desenvolvimento da cidade, patria depois de alguns anos. Alem disso , muitos imi-
que rapidamente se transformava numa grande metr6- grantes enriqueceram rapidamente com o comercio e a
pole. 0 concreto armado, cuja utiliza9iio em grande industria, formando uma clientela abastada, e mesmo
escala difundiu-se depois da guerra de 1914-1918, per- riquissima (como as familias Matarazzo e Crespi), que
mitia a constm9iio economica de grandes im6veis sem naturalmente dava preferencia aos compatriotas ali esta-
c_ar~t~~• que se mult(plicar~m com a especula9iio imobi- belecidos - quando nao ia buscar arquitetos e constru-
hana e que, depo1s de mundarem a arquitetura pri- tores diretamente na Italia. Portanto existia um
vad_a, inv~d!ram tambem a arquitetura publica, ate ambiente italiano em Sao Paulo nas ultimas decadas
entao domm10 reservado da arte classicizante. Os enor- do seculo XIX e, principalmente, nas primeiras decadas
mes blocos de forma cubica ou em paralelepipedo com do XX; ambiente este que nao era meramente superfi-
fachadas despojadas, sem molduras nem ornament~s do cial, e sim decorrente de uma firme inten9ao da colonia
Ministerio da Guerra e do Ministerio do Trabalho 'siio italiana de recriar uma atmosfera que atenuasse a nos-
ei:em~los significativo~ <lesses edificios utilitarios' que talgia pelo pais distante que fora preciso deixar. Foi
nao tmharn o menor mteresse estetico e que continua- naturalmente o periodo aureo da Renascen9a e do
ram sendo construidos mesmo depois da eclosiio do Maneirismo que forneceu modelos e fontes de inspi-
movimento "moderno". Com efeito, ao contrario do que ra9ao. 0 livro de cabeceira dos mestres-de-obra origina-
por vezes se pensa, niio foi este movimento que matou rios da peninsula era o Tratado das Cinco Ordens da
o ecletismo inspirado nos estilos classicos; o ecletismo Arquitetura de Vignola.
ja havia sido quase completamente abandonado no Rio Contudo, nao se deve pensar que essa arquitetura
nos ultimos anos que precederam a revolu9ao politica italiana foi imposta de modo arbitrario a um meio tradi-
de 1930, ponto de partida da reforma da Escola de cional brasileiro que nao estava preparado para
Belas-Artes sob a dire9ao de Lucio Costa. recebe-la. Pelo contrario, nao houve qualquer resisten-
cia local. 0 italianismo estava na moda; predominou
tambem no Rio de Janeiro entre 1860 e 1900, e a
2. 0 caso de Siio Paulo aristocracia dos plantadores de cafe adotou-o com entu-
siasmo. A diferen~a esta em que, devido as circunstan-
A capital do cafe conheceu um ecletismo pelo cias favoraveis encontradas em Sao Paulo, ali ele se
menos equivalente ao do Rio, e ali, mais uma vez, manteve vivo durante muito mais tempo que no Rio
os estilos classicizantes tiveram papel importante nas e nao foi inteiramente suplantado pelos estilos fran-
primeiras decadas do seculo. Contudo, o contexto onde ceses. Mas os arquitetos italianos nao foram os unicos
se desenvolveram era totalmente diferente. A tradi9ao a introduzir em Sao Paulo as formas e o vocabulario
neoclassica, solidamente implantada no Rio pela missiio classico. Ate por volta de 1900, os alemaes desempe-
francesa de 1816, surgiu com atraso em Sao Paulo. Ate nharam um papel determinante; trazidos a Sao Paulo
por volta de 1880, a cidade tinha o aspecto de um por seus compatriotas que formavam uma colonia impor-
burgo colonial e apenas algumas residencias dos plan- tante e pr6spera, de imediato passaram a gozar de
tadores de cafe inspiravam-se nos modelos em voga na grande prestigio, nao s6 junto a rica clientela industrial
capital imperiaJl 7 • A ruptura com a tradi9ao local, germanica dos Glette e dos Nothmann, mas tambem
ocorrida em 1878 com o "Grand Hotel" do alemao junto a importantes familias locais (Prates, Paes de
Puttkamer, s6 se firmou com a constru9ao do monu- Barros,. Chaves, Queiroz). Suntuosas mansoes , geral-
mento comemorativo da Independencia (atualmente mente 1soladas no meio de belos parques, · foram entiio
Museu Paulista, no bairro do lpiranga), vasta constru-
construidas segundo os projetos de Matheus Haiissler
9ao com arcadas e ordem corintia, sem originalidade
e Julius Ploy 1 ~ nos novos bairros elegantes criados a
nem poesia, mas de propon;oes corretas. Projetada pelo
norte e oeste da cidade. A mais importante foi a de
italiano Tommazio Bezzi e construida entre 1882 e
Elias_ ~ha~es (mais tarde, Palacio dos Campos Elisios
1885 por seu compatriota Luigi Pucci, essa obra teve
e res1denc1a do governador do Estado), iniciada em 1896
grande repercussao e inaugurou a era italiana em Sao
po~ Ha~ssler e terminada por Claudio Rossi, que res-
Pau!o. Com efeito, a influencia peninsular foi tao pro-
pe1tou f1elmente o projeto original. Era uma miscelanea
funaa em Sao Paulo quanto a da Frarn;a no Rio de
curiosa, onde se encontravam !ado a !ado p6rtico e
Janeiro, embora por motivos diferentes. A enorme
loggia italianos, formas vagamente palladianas, corpos
imigra9ao italiana levou a Siio Paulo mao-de-obra
avani;ados laterais a francesa e cobertura com mansar-
abundante, crmpreendendo varios artesaos e pedreiros
das. 0 resultado, apenas aceitavel, devia-se a uma
formados nos canteiros de obra de seu pais de origem;
dosagem muito habil , mas o precedente aberto provou
era uma 6tima oportunidade para os arquitetos italia-
ser dos mais arriscados, principalmente nas maos dos
nos, que tambem vieram em grande numero 18 ; a maioria
dos engenheiros civis que dominaram rapidamente
16. L. COSTA, op. cit. , pp. 188-189. varias sociedades construtoras. A prova disto esta numa
17. Y. ~E AL~~IDA PRADO, Sao Paulo Antigo c a Sua Arquitc- velha fotografia do Parque do Anhangabau, em pleno
~~ioi;:!~a!)~ Bran/eira, ano X, n.9 109, setcmbro de 1929 (seis pagina, cora~ao da cidade (Fig. 4); os dois feios e pesados
18. ~E. DEBENEDEITI c A. SALMONI , A.rchitttiura italiana a Sart
P~olo , Sio Paulo, 1_953. !Trad. bras. : Arquitetura Italiano. em S40 Paulo
Sio Paulo, Pcnpect1\la, 1981 , Debates 173.] '

38
edi_ffcios em primeiro piano nao se vinculam a nenhum Justii;:a (1886-1896), modificando assim inteiramente o
antigo Largo do Palacio (hoje, Patio do Colegio), que
estl~o, apesar da roupagem de que foram revestidos,
a f1m de mascarar a estrutura de ferro e as lajes de ate entao conservava sua arquitetura colonial. Final-
concreto arma~o, _que, tornaram possfvel sua construr,.ao mente, na mesma epoca, construiu a Escola Normal
!1Um terreno tao mstavel quanta o desse antigo vale20_ (hoje, Caetano de Campos, concluido em 1894) na
Prai;:a da Republica, e a Escola Politecnica (1897),
onde ingressou coma professor em 1894, a fim de orga-
nizar o curso de engenheiro arquiteto que dirigiu ate
sua morte. Blocos cubicos ou prismaticos com massas e
I volumes simples, claramente definidos, fachadas planas
s6brias e hem proporcionadas, divisao tripartida per-
feitamente simetrica, ordenada em funi;:ao de corpos
ligeiramente avani;:ados constituidos por um pavimento
terreo em arcadas, e um andar nobre com colunas e
frontlio, sao as caracteristicas gerais dessas obras pura-
mente neoclassicas, que um observador incauto pode-
ria datar da primeira metade do seculo XIX. Apenas
alguns trai;:os italianos aparecem dispersos no vocabu-
lario arquitetonico e na decorai;:iio.
Ramos de Azevedo estava impregnado de cultura
academica: para ele, Vignola era o mestre indiscutivel,
e exigia dos alunos do curso de composii;:ao arquite-
tonica um conhecimento profundo da sua obra; em
sua opiniao esta era a melhor orientai;:ao que era pos-
sfvel dar e dedicava especial ateni;:ao aos projetos dos
4. Parque do A~hangabau. Sao Paulo. (Por volta de
alunos, ao controle das propori;:oes, chamado de "geo-
Fig. metria do arquiteto"23 • Mas nao se deve pensar que
1920.) (A extrema esquerda, o edificio da Associa-
1,ao Comercial, de 1912, de RAMOS DE AZEVE- suas unicas preocupa96es eram o estilo e o desenho.
DO.) Sua formai;:ao tecnica de engenheiro e suas qualidades
de empresario levaram-no a criar uma empresa de
A arbitrariedade com que foram justapostos um emba- materiais de construi;:ao e mais tarde reorganizar a
samento de alvenaria grosseira de linhas sinuosas, uma antiga Sociedade de Difusao da Instrui;:ao Popular,
fachada italianizante com loggia e belvederes, alas que fundada em 1873, transformada por ele e chamada,
lembram os predios parisienses de fins do seculo XIX, em 1882, de Liceu de Artes e Offcios; a nova insti-
tudo isso coberto de telhados de ard6sia artificial com tuii;:ao tornou possivel a formai;:ao dos artesaos qualifi-
mansardas, mostra o baixo nfvel a que. tinha chegado cados de que ele precisava, em todos os setores. Assim
a arquitetura nas maos de certos profissionais da cons- desde fi°:s do seculo, Ramos de Azevedo dirigiu um~
trui;:ao durante a decada de 1910. grande f1rma, onde empregava muitos colaboradores
Apesar de tudo, era mais nobre a terceira "sen- estrangeiros, principalmente italianos, destacando-se
tinela" do vale21 , que trazia a marca (ao menos oficial- dentre eles Domiziano Rossi, Claudio Rossi Felisberto
mente) do mais conhecido arquiteto aut6ctone da epoca, Ranzini e Adolfo Borione. '
Ramos de Azevedo (1851-1928). Engenheiro da Com- t perceptive! uma mudani;:a de estilo devida a
panhia Paulista de Estradas de Ferro, cuja sede era influencia destes. 0 toque neoclassico caracteristico das
em Campinas, a 100km de Sao Paulo, havia estudado primeiras obras, ainda visfvel na Caixa Economica
arquitetura na Europa, na Universidade de Gand; ali, an~erior ao comei;:o do seculo 24 , foi entao desaparecendo'.
tinha seguido os cursos de Cloquet, conservando por echpsado por um nova estilo, onde predominavam ele-
22
toda a vida a orientai;:ao academica recebida • Voltando mentos da arquitetura italiana dos seculos XVI e XVII.
a Campinas, foi chamado a Sao Paulo, por volta de Inicialmente, foi o Teatro Municipal (1903-1911), onde
1886, por seu protetor, o Visconde de Parnafba; ali Ramos de Azevedo parece ter-se subordinado a Domi-
comei;:ou uma longa e brilhante carreira que s6 termi- ziano e Claudio Rossi : a concepi;:ao de conjunto e da
nou com sua morte, em 1928. Energico e dinamico, Opera de Paris, mas a maioria dos motivos interiores
gozando de um apoio poderoso, logo se impos e garantiu e exteriores inspira-se em modelos do Seicento. Em
para si a maioria das encomendas oficiais da epoca. compensai;:ao, slio mais discutiveis os edificios "Renas-
Refez o Pai;:o Municipal (1886), projetou e construiu ceni;:a Modernizada" que entao proliferavam em m.1mero
os ediffcios gemeos das Secretarias das Finani;:as e da consideravel. A sede da Associai;:ao ComerciaI 25 (1912)
20. Cf. R,uista Polyteehnica, n.• 38, ,etembro de 1912, pp. 19-94: . 23 . . Ibid., p. 26: Silva _Neves f~ aluno de Ramo, de Azevedo na Escola
de1eri~io, desenhos, plantu, cortes do Pal£cio Prates (l esquerda da foto-- Pohttcn1ca. EJ?genbeiroJ veio postenormente _a lecionar nessa mesma escola
grafia) (eitos por seu construtor Samuel Cristiano das Neves. ~em como, mats ~ e, na Faculdad! de. Arqwtetura, quando esta foi criada .
21. Nome dado aos trCS edifici01 quc margeiam o Parque do Anhan• mternsou-se _ parbcula~ente pela hist6na da arquitetura em Sia Paulo an:
te1. da ecl~o do movimento «modemo». Seu testemunho escrito OraJ 6
gabaU a lnte, entre o Viaduto do Ch& e a Av. Sio Joio, todos corutruidos
mwto prea~ no que se refere a esse periodo. , e •
entre 1912 e 1920 (cf. Fig. 4). 24. R1111sla Polyteehnica, n.• 39-40, out.-nov. de 1912 154 (fot-
22. J. M. DA SILVA NEVES, Mestres da Arquitetura Neoclassica, grafia plan ta). • P·
do cE.tilo Coloniab e da «Arquitetura Tradicional Brasilciro, cm Depoi• 25. Ibid., n.• 92, fev. de 1929, pp. 94-99 (fotografw) •
.,,.101, n.• I, 1960, pp. 26-31.

39
Fig. 5. Parque do Anhangabau. Sii.o Paulo. (Por volta de 1920 - no centro, o Teatro Municipal. de 1903-191 I. de RAMOS DE
AZEVEDO, Domiziano e Claudio ROSSI.)

ja mencionada (Fig. 4, a extrema esquerda) e o edifhio


Avenida Paulista; com efeito, esta avenida vem sofren-
da Companhia Docas de Santos 26 sao exemplos can. te-
rfsticos dessa tentativa de adaptai;ao de formas antigas d0 a invasao dos grandes ediffcios ha apenas uma
a programas modernos. 0 aumento da altura e do dezena de anos e ainda nao esta completamente con-
numero de pavimentos permitidos peb~ no\as tecnicas sumado o aniquilamento de tudo o que lembra seu
construtivas e exigidos pelos proprietarios, ou a neces- aspecto anterior. Este arquiteto italiano trabalhou em
sidade de colocar lojas no terreo eram fatos novos que Sao Paulo de 1912 a 1927 e de 1933 a 1942; interessa-
alteravam os problemas classicos de propori;oes e arranjo nos principalmente o primeiro periodo, quando a aristo-
das fachadas, mas mesmo assim o atelie de Ramos de cracia de origem italiana incumbiu-o da construi;ao de
Azevedo nao renunciou as galerias em arcadas, as colu- luxuosas mans6es isoladas em meio a grandes jardins,
nii:: , aos entablamentos e as janelas com frontoes. Con- que em geral ocupam todo o quarteiriio (casas do Conde
tudo, esse vocabulario arquitetonico nao era empre- Attilio Matarazzo, da Condessa Marina Crespi, em 1923 ;
gado de modo arbitrario, e sim procurava obter (as de Renata Crespi Prado em 1924; do Conde Adriano
vezes com sucesso) um novo equilibrio relacionado com Crespi em 1925; todas situadas na grande arteria ele-
o estilo imitado. Firmemente imbuido de suas convici;oes gante que era entiio a Avenida Paulistaf 7 • A casa de
academicas, Ramos de Azevedo continuou fie!, ate o Adriano Crespi e francamente neoclassica no exterior,
fim, a linha de conduta que trai;ara e nao se deixou mas seu interior e bastanre hibrido: ao £undo do ves-
seduzir, nem pelos estilos medievais, nem pela atrai;ao tibulo central, quatro colunas corintias , finas e altas
exercida pelas experiencias do art nouveau ou do estilo demais para respeitar os canones classicos, flanqueiam
neocolonial, embora Victor Dubugras e Ricardo Severo uma escadaria de dois lances com corrimoes de ferro
(os principais representantes deste estilo) tenham sido fundido cujo desenho de arabescos e em estilo art
seus colaboradores durante algum tempo. Condenava nouveau; a decorai;iio e inteiramente italiana, quer se
como um deslize de seu assistente Domiziano Rossi a trate dos estuques em cima das portas, quer dos afrescos
unica obra de aspecto Modern Style realizada por sua de espirito renascentista do antigo saliio de musica. A
firma (uma casa, hoje demolida, na Rua Visconde de casa de Renata Crespi Prado, com as loggias super-
Rio Branco). postas, os tetos pianos e s6brias paredes vazadas por
t claro que Ramos de Azevedo nao desprezou a janelas retangulares dispostas com regularidade, pode-
habitai;ao particular, e muitas foram as casas de porte ria parecer uma casa romana do seculo XVI. Enfim,
construidas por sua empresa. 0 extraordinario cresci- a de Marina Crespi, embora menos caracteristica, tam-
mento de Sao Paulo, a especulai;ao imobiliaria e o surto bem tern uma pequena loggia sustentada por finas colu-
de arranha-ceus que invadiram, a partir de 1940, os nas de marmore rosado e uma decorai;ao de estuque
antigos bairros perifericos residenciais empurrando-os ressaltando o contorno das janelas, que a fazem pertencer
cada vez mais para longe, e, iinalmente, a mania paulista a mesma linha das anteriores, onde o italianismo e evi-
de derrubar ou reformar totalmente toda casa com mais dente e corresponde a uma vontade firme de reconstituir
de vinte anos, fizeram desaparecer inapelavelmente os um clima que lernbre a mae-patria. 0 rnesmo espirito po-
vestigios dessa atividade. A maioria de seus colegas de ser encontrado nas obras de Giulio Micheli (1862-
nao teve melhor sorte, excetuando-se, talvez, Giovanni 1919) e Giuseppe Chiappari (nascido em 1874), sendo a
Battista Bianchi (1885-1942), au tor de algumas mansoes mais caracteristica a sede do Banco Frances e Italiano pa-
ainda preservadas (sem duvida por pouco tempo) na
21. E. DEBENEDETTI e A. SALMON!, op. cit. , pp, 64-68-94. As
autoras comct era m um cngano ao incluir essa.$ casns no ca pltulo do arl f'! OU•
26 ..
gralia) Arr/1itecl11.ra no Brasil, n ,Q 7-8, abril-maio de 1922, p. 8 (foto- i•eau, jil quc os trai;os arl nout•ta u limitam-se a alguns eh:mc nt o., dcc-orn tl\'OS
pouco significatlvos quando comparados com o cspfrito dccididanumte clas•
siciz.ante e italianizantc dos edificios.

40
ra :',merica ~o Sul _(1919), uma c6pia pouco fie! do rara em Sao Paulo naquela epoca, que merece ser des-
Palacto Strozzi mas amda assim o suficiente para sur- tacada.
preender o observador que .~assa pela primeira vez na Em Sao Paulo, o ecletismo classicizante teve por-
Rua 15 de Nove~bro. Ahas, esse predio in·augurou tanto um carater bem peculiar, um toque italiano,
uma .moda
d pflorentma
. . G que surgiu em Siio pau Io Iogo percetivel principalmente depois de 1900, em oposic;:ao
depots a nme1ra uerra MundiaFs ao predominio £ranees que ocorria entao no Rio de
. Nesse periodo,. de fato , prolifer~u na hab"tI ac;:ao
_ Janeiro. E tambem foi mais diversificado, a Renascenc;:a
parhcu 1ar um ec 1ettsmo desordenado: a fantas· ., e a p6s-Renascenc;:a forneceram os modelos preferidos,
, I ,· . ia anuava
a so ta e o ex_ottco, o mesperado, o bizarro, tornaram-se mas niio os unicos: desde o Quattrocento ate o
moda. _cuno~o. notar . qu~,. pelo menos num caso, 0 seculo XIX 32 , de Roma a Veneza, de Florenc;:a a Miliio,
vocabulano classtco fo1 utthzado com esse espirito e todos os estilos e suas variantes regionais foram em
chegou-se a um resultado um tanto surpreendente. maior ou menor grau empregados. 0 declinio desse
Trata-se de u~ c~sa de 1922 (na Rua Martiniano de estilo iniciado em 1920 e, mais ap:m:nte do que real:
C~rvalho, 277) : s1tuada num terreno muito abaixo do o edificio do Correio Central de Ramos de Azevedo e
mvel da rua (Fig. 6) ; ocor_reu ao seu proprietario e
A Ranzini (concluido naquele ano) foi certamente um
construtor, u~ p~rtugues cu10 nome foi esquecido, de- dos ultimos monumentos italianizantes, mas niio seria
senvolver o ed1f1~10 em altura (Ires andares sobre terreo) . ele um dos ultimos edificios representantes desse estilo
0 acesso dar-se-ia pelo ultimo andar, ligado a rua por pela simples raziio de que, a partir daquela data, come-
c;:am a rarear as construc;:6es de edificios publicos33 , em
34
Sao Paulo? Basta consultar algumas fotografias antigas
para constatar que esse genero de ecletismo s6 veio real-
mente a terminar, no ambito local, com o advento da
arquitetura "moderna".

3. Os outros centros brasileiros:


Salvador, Belo Horizonte

Identica situac;:ao e encontrada em quase todo o


Brasil; ate cerca de 1940, a adoc;:ao de um estilo neo-
classico ou neo-renascentista, relativamente puro e um
pouco pesado, foi regra quase constante na maioria dos
edificios oficiais, fossem eles faculdades, escolas, teatros
(como o celebre grande teatro de Manaus) ou sedes
dos principais 6rgiios governamentais. Seria inutil e
cansativo estudar detalhadamente o que foi feito nas
principais cidades brasileiras, pois todos esses edificios
apresentam um interesse muito limitado. Assim, toma-
Fig. 6. Casa da Rua Martiniano de Carvalho n.• 277. Sao remos como exemplo duas cidades onde a realizac;:iio
Paule. 1922.
de tais obras teve um significado particular, o que
um terrac;:o-passarela que contornava todo o ediffcio; ilustra bem a importancia psicol6gica atribuida a apa-
esse terrac;:o e sustentado por enormes colunas de capi- rencia formal neoclassica.
teis diferentes entre si encimados por grandes vasos de Salvador, a velha capital colonial, ainda hoje con-
flares que originalmente niio estavam ligados por uma serva seu encanto de cidade colonial grac;:as a predomi-
balaustrada; devido a essa disposic;:iio, o andar supe- nancia em seu centro de construc;:oes do seculo XVIII,
rior, ricamente decorado (olhos-de-boi circundados de tanto da arquitetura religiosa, quanta da civil. Mas essa
festoes, ameias) apresenta-se como um atico que repousa caracteristica era ainda muito mais marcante ha uns
sobre uma colunata, atras da qua! desaparece na sombra sessenta anos; pode-se mesmo dizer que, entiio, ela era
a nudez das paredes inferiores. 0 efeito obtido pelas praticamente exclusiva, pois todos os edificios cons-
oposi<;oes brutais, o jogo espacial de passarelas e esca- truidos seguiam o mesmo estilo, que preservava a unida-
darias que Jevam diretamente da rua ao jardim 30 , e de perfeita do todo. Mas o valor desse conjunto e dos
surpreendente e niio consegue nos deixar indiferentes. elementos que o compunham niio foi percebido pelas
Luis Saia31 , diretor do IPHAN em Siio Paulo, classi- autoridades; responsaveis pelas primeiras mutilac;:oes em
ficou essa casa, com algum desprezo, como arquitetura edificios de qualidade inegavel, preconizando dessa
de sonho, de carater surrealista, quando na verdade e forma a pressao dos interesses economicos que s6 se
o espfrito barroco que ali predomina. A condenac;:ao
nao se justifica: a soluc;:ao adotada nao e irracional, _32 . Originalmel!t!, o proj~to do Pal&cio da Jwtic;a da Prac;a Cl6vis
Bevilacqua , de J:?o~mziano _Rossi . era ~ma ad,aptac;i o do de Roma (1883-
e nao lhe falta encanto nem originalidade; coisa tao i;;~l' R~enzrnil.denm. Postenormente, fo1 amphado e modificado por Felis-

33 . !l5 que eram constn:idos - como a nova Faculdade de Dire.ho


28 . .Ibid. pp. 57-64. i~~r~~~~t1~ 1~~c!buil~!8,cliJsi;o~go convento franciscano - continuaram a
29 . A dat11 em algarismos romanos est.i inscrita na (achada .
30 . lnleli zment e, hoje transformado em cortii;o. 34. Sao Paulo Anti10 • Sao PaMlo Mod,rno . Album Com"'ar f Si
31 . L. SAIA, op. cit .• pp. 25-26. Paulo, ed. Melhoramentlll, 19~3 . ,, a auo, o

41
manifestaram mais tarde. 0 desaparecimento da pre- trariamente a construr;6es modestas, que se alongavam
feitura (que, como e regra no Brasil, continha original- em profundidade). Em geral desenhados por especia-
mente tambem a prisao) e do Palacio dos Governadores listas no assunto, esses frontispicios nao passavam de
(que passou em 1900 e 1912 por duas reformas tao uma especie de paravento, mascarando quase total-
completas que nada deixaram subsistir <las caracterfs- mente o resto da casa, nao raro em oposir;ao total
ticas originais do monumento) alteraram totalmente o com a per;a correspondente, que era a empena frontal
aspecto de uma das prar;as mais tipicas da cidade. Ora, que ela revestia grotescamente. Isto pode ser constatado
esse ato de vandalismo s6 pode ser explicado por moti- ao examinarem-se as faces laterais dessas habitar;oes
vos psicol6gicos 35 ; a arquitetura colonial era despre- que se abrem para um jardim: a fantasia teve livre curso,
zada, considerada indigna de abrigar os poderes locais erguendo varandas !eves com pequenas colunas e cober-
-. ~~jo prestigio s6 podia ser acentuado ao ocupar tura de ferro, freqi.ientemente decoradas com motivos
ed1f1cw:' com f~chadas decoradas com colunas. pilastras art nouveau (que tambem sao caracteristicos da arqui-
e frontoes, e ate mesmo, no caso do Palacio dJs Gover- tetura civil da epoca) 40 •
nadores, co~oado por uma cupula feia e inutil. Assim, O exemplo de Belo Horizonte mostra que o acade-
uma menta!tdade complexa, onde se misturavam o de- micismo classicizante ainda era uma forr;a que predo-
sejo de imitar de modo servil o que era feito nas outras minava no comer;o do seculo XX, forr;a essa mantida
· · do pa1s
cap1ta1s , 36 , a preocupar;ao de nao ficar para ate a epoca da Primeira Guerra Mundial. 0 prestigio
tras e de seguir o "progresso", a vor.:A \e de . ' : ..,at formal do qua! o estilo desfrutava nao tinha sido ainda
que Salvado,r nao era _apenas um vestigio do passado, abalado pelo emprego dos novos materiais industriais,
como tambem uma c1dade moderna atualizada nao fo-rro e mais ta;rde concreto armado, cuja difusao no
perrnitiu que a Bahia hist6rica esca;asse a infl~encia Brasil era fato consumado desde fins do seculo XIX.
de um pseudoclassicismo que ali proliferou de maneira Entretanto, esse academicismo ja nao passava de um
acentuada e com longa durar;ao 37 , embora ja estivesse revestimento superficial, com que se recobriam as
superado quando foi ali introduzido. partes mais visiveis dos edificios, qualquer que fosse
, Se esse _estado de espfrito tinha conseguido penetrar a tecnica de construr;ao utilizada 41 . Esse comportamento
ate nos ant1gos centros da epoca colonial, e evidente pouco racional devia-se, antes de mais nada, a uma
qu~ s6 podia imror~se com vigor nas cidades de criar;ao atitude intelectual, onde estavam associados uma certa
ma1s recente, prmc1palmente tratando-se de Belo Hori- rotina profissional, a preocupar;ao de conservar uma
zonte, a capital administrativa de um dos principais tradir;ao mesmo sendo esta relativamente recente e um
Estados da federar;ao 38 • Dessa forma, esta foi bene- violento desejo de imitar os estilos nobres que tinham
ficiada com uma indiscutivel unidade, que !he conferiu contribuido para a grandeza da civilizar;ao europeia.
um carater nitidamente definido ao qua! nao falta um De _fato, o classicismo nao foi a unica fonte de inspi-
certo ritmo, apesar da ausencia de qualidades intrin- rar;ao de que lanr;ou mao o espirito ecletico da epoca.
secas nos edificios construidos entao. Existia uma con-
cordancia entre a rigidez do piano urbanistico (cuja 2. OS ESTILOS MEDIEVAIS E PITORESCOS
dupla quadr1cular;ao superposta formava figuras geome-
A~ autoridades civis transformavam a ador;ao de
tricas definidas), a aparencia neoclassica dos grandes
um estilo que empregava as tendencias e o. vocabulario
edificios publicos (dispostos em torno da Prar;a da
classicos em necessidade psicol6gica e as autoridades
Liberdade em funr;ao de uma hierarquia cuidadosamente
estudada, onde dominava a preocupar;ao com o arranjo religio!as. faziam o mesmo quando 'confessavam suas
<las perspectivas) e enfim o aspecto geral <las casas pre~erenc1as pelos modelos romanos e g6ticos que sim-
(que formavam um conjunto homogeneo apesar de sua bohzavam o apogeu da fe cat6lica. Por conseguinte
diversidade). £ claro que nao se pode falar de unifor- todas as igrejas construidas no comer;o do seculo (~
midade em relar;ao a estas ultimas, construidas com toda mesmo mai.s tarde, ja que o clero brasileiro em seu
a liberdade por seus proprietarios39 , mas existia um conjunto_, muito _con~ervador) lanr;aram mao <las gran-
certo parentesco marcando suas fachadas (todas elas de~ trad1r;~es med1eva1s. Deve-se dizer que o resultado
academi.cas, estreitas e muito carregadas, aplicadas arbi- de1xou mmto a desejar: nao s6 e dificil citar um unico
exito do poi:to de vista estetico, como tambem parece
. 35. A segunda restaurac;.io do Pal.icio dos Governadores ocorreu de- que os arqmtetos e construtores rivalizavam-se numa
pots_ de Salvador ter ~ido bomba.rdeada pcla frota federal, quando da, dis-
sens~es entrc as autondades loca1s e o governo central• evidentemente era incrivel competir;ao de feiura. Sao hem variadas as
prcciso rep-:rar o~ d~nos sofridos pelo e?ificio, mas isso' n3o implicava 'uma raz6es desse fracasso total. Uma das causas principais
transformac;ao eshlist1ca que o tornasse 1rrcconhedvel. Alias operac;io scm .
lhante acont~ceu em 19!7, _quan~o. a residf:ncia do governad~r foi transfcridea era, com certeza, a falta de gosto e, na maioria dos
para um ba1rro _da penfena: _ongmalmente, o atual Pa18cio da Aclimac;io
dom e'ui dxrrac;ao_ casos, a falta de conhecimentos arqueol6gicos dos res-
ponsaveis. De fato, e preciso lembrar que a tradi9ao
pesada, t~p1ca das obras dassicizantes da segunda metad~
.ohs cu_o I X , nao dera ma1s do que uma grande residCncia particular de
Im as 11mp es e ~are es nuas, a casa Morais.
36 .d No Bra51l 1 to~os os Estados tCm uma capital, nio sendo O tenno academica era muito menos forte nesse setor do que
reserva o apenas a capital federal.
d 37 · 9 prideiro projeto do F6rum Rui Barbosa foi elaborado em 1937
na construr;ao nao-religiosa; as regras precisas e o
sen o mau tar e ret?n_iado;_ porem a constru,ao 56 foi realizada efetiva:
mente durante a admmutra,ao do ~overnador Ota.via Mangabeira (de 1947 40: D_ocumento ~rquitetOnfco 5 (publi~do pela Escola de Arquitetura
a 1951 ) ,. se.ndo, p~rtanto, contemporanea do Hotel da Bahia d p IO A . da . Umvers1dade de Mmas Gera1sL Belo Honzonte, 1961 (v8.rias fotografias ).
tunes R1be1ro e D16genes Rebouc;as. · ' e au n
Modulo , n.• 38, dez. de 1964, pp. 1-31 (artigo de S. DE VASCONCEL·
38. ~- BARRETO, Btllo Horizon.I t. MemOria HistOrica e Descriptiva LOS e fotograhas ).
B_elj ~onzonte , 1936 .. Fundada no periodo 1893-1894, a cidade tornou-se ca: _4!. maioria das ca.sas continuava sendo construlda com m11teriai1
P1,ta O Estado ?c Mmas qerais ~m _12 de dezembro de 1897, mas s6 assu- trad1c1ona1S, mas nas grandes obnu utilizava-se as tCcnicas mall avanc;adas
m1u seu v~rdadeiro aspecto na pnme1ra dCcada do seculo XX . dese~:-olvidas na Europa, de ond~ se. importavam estruturas e vigamentos
,39. ~a quc os re~lamentos ,municipais nio previam limitai;0es muito metahcos ,PfOntos para montar. Fo1 ass1m que vieram da 8 1:lgi ca os elemcn-
eatritas a 1cm da necewdade de ahnhar as fachadas ao Iongo da rua. tos eSJcnc1a1s para a construc;io dos cdifkio1 oriciais de Belo Horitontc,

42
respeito pelas pro~or¢es classicas, que constitufam 0 Encontra-se a influencia do g6tico alemiio em
fundamento do ensmo nas escolas, niio achavam equiva- outra grande basflica paulista, a de Sao Bento, ?bra
lente quando ~b~ndonava a~ formas a que se apli- basicamente alemii, rea!izada pelo abade Dom Miguel
cavam esses prmc1p1os; os arqu1tetos, entiio tinham de Kruse que, em 1910, tinha trazido de Munique o pro-
criar suas P!6prias solu96es - o que ev_;dentemente jeto elaborado pelo arquiteto Richard Be:11dI. Porem
era catastr6f1c~ quando se tratava de profissionais me- no conjunto das igrejas do Estado de Sao Paulo, o
dfocres, que nao se d~stacavam por seu talento natural. neo-romano 46 teve mais receptividade do que o neo-
Por outro lado, as m1scelaneas arbitrarias de elementos
romanos, g6ticos e renascentistas, feitas por engenheiros
ou mestres-de-obras que nem sempre compreendiam 0
espfrito desses varios estilos, provaram ser muito mais
perig;>s~s do que as mi_scelaneas ~eitas pelos arquitetos
academicos entre os d1versos esttlos classicos. E, por
fim, a f~ta de pedra de boa qualidade (cujo griio e
cor contr1buem para a beleza das velhas igrejas euro-
peias) e a freqiiente utiliza9iio de tristes revestimentos
de cimento cinzento vinham apenas completar o aspecto
sinistro da maioria das igrejas da epoca.
Um dos arquitetos mais atuantes no setor foi o
alemiio Max Hehl, professor da Escola Politecnica de
Siio Paulo, cidade onde se estabelecera. Dentre seus
projetos do periodo de 1908 a 1913, devem ser citados:
a Igreja da Consola9iio42 , uma nova igreja paroquial
em Santos 43 e a nova Catedral de Siio Paulo44 , estas
duas destinadas a substituir antigas igrejas da epoca
colonial, que eram consideradas mesquinhas e indignas
de grandes cidades em pleno desenvolvimento. Todas
as tres tern uma caracteristica comum: a tentativa de
combinar uma planta de basilica com cupula central
e a disposi9iio tradicional do coro (capela-mor), sem
naves, nem capelas laterais, trazida pelos portugueses
desde o seculo XVI. A solu9iio tim tanto desvirtuada
adotada no inicio •(naves laterais apoiadas na cupula
octagonal e desviadas ao longo desta para fonnar os
bra90s do transepto, terminados por uma pequena absi-
de) foi aperfei90ada para a catedral e levou a uma planta
de cinco naves (tres naves centrais da mesma altura,
cuja largura total corresponde ao diametro da cupu!a,
flanqueadas de ambos os lados por um. corredor 1:stre1to
e mais baixo que chega ate a cabeceira. 0 estilo era
escolhido em fun9iio de consideraycies particulares em
cada caso: a Igreja da Consola9iio (simples igreja de
bairro) recebeu um exterior neo-romano, enquanto que
em Santos, somava-se a um conjunto g6tico, uma cupula Fig. 7. Max HEHL. Projeto da nova catedral de Sao Paulo.
imitando a de Santa Maria da Flor (de Flore119a), e 1913. Desenho.
para a Catedral de Siio Paulo foi escolhido um estilo
francamente g6tico45 por se tratar de uma basilica ar- g6tico; isso deve-se, com certeza, a predominancia dos
quiepiscopal. Alias, nesse ponto o projeto de Hehl italianos, que eram nitidamente avessos a esse estilo.
(Fig. 7) era bastante puro e nitidamente n6rdico, _com Em compensa9iio, o neog6tico foi preferido pelos arqui-
exce9iio da enorme cupula a italiana que recobna o tetos cariocas, mais voltados para a Fran9a, como ja foi
cruzamento do transepto; sem duvida alguma, uma dito; sempre que possfvel, estes empregavam certas
execu9iio fiel deste projeto teria sido melhor do que particularidades arqueol6gicas regionais, como as ab6-
a monstruosa constru9iio que hoje ali se encontra, ainda badas com nervuras finas originarias de Angers na
inacabada*, que niio passa de uma par6dia do desenho lgreja das Carmelitas Descal9as 47 , projetada em 1921
por Raphael Galviio. Contudo, nenhuma dessas obras
original.
merece um exame mais detalhado e e somente o estado
42. R1vlslo Polyl,chnico, n.• 26, (ev. de 1909, p. 104 (desenbo da (a, de espfrito manifestado atraves delas que apresenta
chada e pla111a).
43 . lbil., n.• 29, nov.-dez. de 1909, pp. 359-360 (deJenb01 da (acbada algum interesse.
• da e l ~ lateral)
44. 1611., n.• 4i4t, maio-julbo de 1913, pp. 20-22 (d~nboo, plantjl-0 46 . A lgreja de Sonia Cecilia, de Micheli, um dos exempl01 DWI
45. A primeira pergunla (eila e(etiwmente pelo arqwteto era qua caracteri1tic01.
atl!o que devla ,er emprepdo. Ora, no artigo ja cl!ado, ele cliz que o 47 . ,lreM11,1ur• no Brosil, n.• 1, out. de 1921 , pp. 6-IS (plantu,
16tico i o eotllo DWI apropriado para um• catedral, detenbos).
• Elle dado re(ere.., ao do 1969. (N, da T .)

43
,,
1
0 g6tico " modernizado" tambem foi usado em pitoresco era um perigo temivel; qu~ em Lucio Costa,
alguns edificios religiosos que nao se destinavam ao nao passou de um pecado d~ sua JUventude d_o qua!
culto (hospitais como a Santa Casa de Sao Paulo, de logo se desvencilhou, mas mu1tos outros, que nao pos-
Micheli e Pucci, ou colegios como o das Conegas de sufam o mesmo talento nem o mesmo discernimento,
Santo Agostinho, de Max Hehl 48 ) , isso naturalmente cairam na armadilha, a come<;:ar por Morales de Ios
sem falar dos conventos erguidos junto as igrejas Rios (autor da nova Escola de Belas-Artes) que niio
contiguas, o que era perfeitamente 16gico do ponto de deixou passar a oportunidade de construir em estilo
vista da epoca. persa na Avenida Rio Branco54 • 0 aspecto carnavalesco
que assumiram entr~ 1900 e 1920 as_ grandes av~nidas
Em compensa<;:ao, e muito menos justificavel a do Rio e, pouco ma1s tarde, _as de Sao Paul?, fo1 con-
ado<;:ao dos estilos medievais para edificios publicos e seqiiencia desse gosto m6rb1do pela fa_n~as1a e dessa
residencias particulares. E. curioso observar que em
preocupa<;:ao superficial com uma erud19ao ma! com-
fins do seculo XIX eles foram bastante utilizados na preendida. O ma! estava tao profundamente enraizado,
constru<;:ao de casernas e prisoes; de fato, e principal-
mente ali que parece existir gosto duvidoso pelo pito- que nem mesmo um moviment? como o art nouveau
resco e pela literatura romantica 49 • Existem, contudo, conseguiu escapar dessa mentahdade.
algumas exce<;:6es; no come<;:o do seculo, Victor Dubu-
gras (cuja obra sera novamente mencionada ao estu- 3. 0 "ART NOUVEAU"
darmos o art nouveau e o neocolonial) passou por
uma fase medieval que foi de 1891 (data de sua insta- A primeira vista, pode parecer estranho classifi-
la~ao em Sao Paulo) ate 1902: nesse periodo, ele foi car entre os estilos hist6ricos um movimento que acima
uma especie de funcionario encarregado de construir, de tudo foi uma pesquisa basicamente inovadora e
no interior do Estado - Botucatu, Sao Manoel, Sao livre 55 , uma tentativa de encontrar um estilo que real-
Carlos, Santa Barbara, Sao Joao do Curralinho, Araras, mente pertencesse a sua epoca, e que, conseqiiente-
Jaboticabal - , varias escolas e prisoes, onde empregou mente, foi uma ruptura com o passado, uma rea<;:ao
tanto o neo-romano, quanto o neog6tico 50 • Tambem contra o ecletismo entao predominante. E. certo que
construiu varias casas para os plantadores de cafe, nele pode-se encontrar motivos decorativos (abundancia
e especialmente a mansao Uchoa 5 1 em Sao Paulo, com da flora naturalista, linhas que ondulam como chamas)
motivos decorativos aplicados sobre o arco-pleno da que tambem pertencem ao repert6rio da arte g6tica,
entrada e sobre as balaustradas (Fig. 11) 52 lembrava ou tra<;:os em comum com o barroco (amor pela curva,
muito a Idade Media, dando um toque sui generis a pelo movimento, pela profusao de ornamentos) ; mas
um edificio que, por sua arquitetura, ja se ligava ao o parentesco de temas ou tendencias e totalmente super-
art nouveau. ficial e mais aparente do que real ; nao se trata jamais
de reminiscencias, mas sim de uma interperta<;:ao funda-
Essa inspira<;:ao medieval pode ser sentida prin- mentalmente nova, sem qualquer vinculo profundo com
cipalmente nos ultimos anos do seculo XIX, mas pro- o que foi realizado anteriormente. Mas o que e verda-
longou-se ainda por varias decadas e sao abundantes deiro para a Europa, ber<;:o do art nouveau, nem sempre
os exemplos extemporaneos . Existe em ltaipava (Estado e valido quando se muda de hemisferio e se focaliza o
do Rio de Janeiro), um castelo (com torreao de canto, movimento dentro de seu contexto brasileiro . No Velho
muralha flanqueada por torres e vigias, com seteiras, Continente, o art nouveau foi uma tentativa de reno-
estando o todo coroado por ameias e mata-caes) que fez va<;:ao e de sintese das artes - arquitetura, artes plas-
com que seus autores, Lucio Costa e Fernando Valen- ticas e, principalmente, das artes decorativas; que em-
tim, ganhassem a grande medalha de prata do salao bora efemero e tendo durado no maximo uma dezena
da Escola de Belas-Artes de 1924, juntamente com uma de anos, tinha raizes profundas na realidade a qua!
casa de estilo normando com madeiramento aparente estava vinculada e correspondia a condi<;:6es peculiares
construida em Teres6polis pelos mesmos arquitetos 53 . A de sua epoca, tentando solucionar (solu96es estas as
grande cultura de Lucio Costa e seu born gosto, ja vezes contradit6rias) o aviltamento que ocorria em de-
visiveis em suas primeiras obras, permitiram que ele terminados setores da arte, devido ao advento da era
realizasse edificios de indiscutivel qualidade, implanta- industrial. No Brasil, pelo contrario, desapareceu total-
dos na paisagem montanhosa. Contudo, o anacronismo mente o equilibrio entre o aspecto tecnico e o aspecto
formal do art nouveau: a industria local era pratica-
48 . Re visla Polylechnica, n .9 25, jan. de 1909, p. 12 (dcscnho da
faehada) . .
mente inexistente e tudo, ou quase tudo, era importado
49 . Excmplo tipico dcssa arquitetura de (achada C o quartel de infan.
da Europa; os problemas fundamentais que deram
taria da Marinha (de 1898), primcira obra de Hcitor de Mello (cm atllo
«Tudor») .
origem as novas pesquisas nao podiam ser sentidos de
modo acentuado e o art nouveau era visto como a ultima
50. F. MOTTA, Contribui,ao do Estudo do «Art Nou veau» no Brasil
Sio Paulo, 1957, p . 50 ( cap. 2). ' moda em materia de decora9ao, que era de born tom
51 . 9 projcto foi exposto na Es':ola de Bclas-Artcs do Rio cm 1902 c imitar, na medida em que fazia furor nos paises tradi-
a casa fo1 construfda cm 1903. Dcpots, tornou-sc propricdadc das COncgas
de Santo Agostinho c foi dcstruida h2 algum tempo. cionalmente de grande prestigio economico e cultural.
52. Ali~ , cssa d~coratio era muito ccletica, misturando cntrclac;ados
Assim, trata-se mais uma vez de uma mentalidade
romanos, moh"°s _norais do SCcu!o XIII , arcos entrclai;ados, soufllets mou-
~h4tte, [partc honzon tal do lacnmal de uma cornija que impede a .igua
de eseorrer - N . da T.J do flamboyant, e girgulas a Viollct-lc-Duc . 54. Architu tura no Brasil, n,o I, out. de 1921, p . 5.
53. Terra do Sol, n.o 9, aet.--out. de 1924-, pp. 416--417. 55 . Como indicam claramcntc scus v&rios nomcs: art nouv~ou, modtrft
st~yle , ]u6endstil, liberty.

44
ou outra forma mutilados 61 . Os exteriores eram s6b~ios
muito semelhante aquela que tornou possivel O sucesso
e o desenho das fachadas era fruto de um proieto
do ecletismo: era novamen!e uma arte exotica, impor-
tada por europeus e apreciada enquanto ta! por uma geometrico tipico da escola au~tria~ de Otto Wagner:
paredes lisas vazadas por estre1tas 1ane_las retang:1Iares,
aristocracia rural e uma grande burguesia que vivia
dispostas pr6ximas umas _as ?utra~'., a fim d~ eqml_ibra~
com os olhos fixos na Europa. por sua acentuada verticahdade - honz<;>ntahdad
Nessas condic;:oes, e facil compreender por que 0 do volume do edificio, predominanc1a da hnha reta,
art nouveau desenvolveu-se principalmente em Sao valorizando o emprego de arcos e curvas em pontos
paulo, local onde vieram a conjugar-se uma serie de
estrategicos, decorac,;ao floral ou linear limitada a alguns
fatores favoraveis. A riqufssima clientela dos planta-
motivos hem delicados, mas dispostos de modo a des-
dores de cafe, cujas freqi.ientes viagens e leitura de
tacar sua importancia. Podia-se encontrar essa mesma
revistas gerais ou especializadas56 mantinham-na em influencia austriaca em c:ertas obras de Max Hehl, mas
fntimo contato com a Europa, encontrou ai arquitetos ja nao era tao pura: com efeito, _o g6tic~ modernizado
.
artistas e art ~saos
- 57 em1gra
• dos d"1retamente dos paises,
de seu Colegio de Santo Agostmho nao passava de
onde esse est1lo alcanc;:ou grande forc;:a. Alem do mais uma miscelanea de algumas caracteristicas Sezession
tratava-se indiscutivelmente da cidade brasileira mai~ somadas a um conjunto onde predominavam formas e
capacitada a apreender e partilhar o entusiasmo que
se tinha apoderado da Europa no comec;:o do seculo XX, ornamentac;:ao g6ticas.
e a fe no futuro da qua! o art nouveau era uma mani- Contudo, a arquitetura de Ekman nao se resumia
festac;:ao: embora a industrializac;:ao em Sao Paulo fosse nesse aspecto externo Sezession, ger~lme~te adotado.
Pelo contrario, foi no tratamento dos mtenores de suas
mais uma promessa do que --uma realidade concreta, o
desenvolvimento de uma importante rede ferroviaria _
---
......
contribuiu para a transformac;:ao da mentalidade, ao
mesmo tempo em que o crescimento rapido da cidade
justificava o entusiasmo e as esperanc;:as da populac;:ao. .. • ,1:'.:

Mas o art nouveau nao foi um fenomeno simples, . '· .


facil de ser definido. Principalmente no campo da
arquitetura, o termo nao esta isento de equivocos, nao . ,;. . \:i -
58
escapa a uma certa ambigi.iidade ja mencionada ; fre- - .. - f . '.
qiientemente engloba sob certos trac;:os comuns tenden-
cias variadas e por vezes contradit6rias. De fato, existi-
ram varios tipos de arquitetura modern style, que cor- ·~- . --1
respondiam aos centros regionais marcados pela ativi- ~' ...... .:...:·~- .':.~
dade de uma ou mais personalidades particularmente
fortes . Essa situac;:ao nao podia deixar de se repetir
em Sao Paulo, cidade onde o art nouveau foi obra de
arquitetos vindos de lugares distintos.
A influencia da Sezession vienense e perceptive!
.. f_--_J
·.~",~-~:,t:,,· __ , --} ::,- .Ir
:','f:-
~\;,(• :· .
,~; <. .
......
em Karl Ekman, embora parec;:a ter sido principal-
• · · '1 '.fLC '"-' . · · •
\.-~~- .. "
mente livresca 59 : nascido em 1866, na Sueda, estudou
na Escandinavia, indo depois para a America, onde
~..'.. '.'" ...;., - ..
-"""'-- . ' -- C-
.... :.:· . ',.·.•.'::"'
trabalhou para diversas firmas em New York
Argentina, antes de se estabelecer por conta propr1a
~a
·_. . ..' _ .;-~--.~!1i , f!#•~-~~ ..,
no Brasil. Depois de uma rapida estadia no _Rio de
Janeiro, fixou-se em Sao Paulo, onde construm uma Fig. 8. Karl EKMAN. Casa Alvares Penteado, 1902. Estado
serie de edificios importantes: a Escola Alvares Pen- atual, esmagada pelos predios que a circundam.
teado, o Teatro Sao Jose, a Maternidade Sao Pa~~o
e varias residencias ' das quais se destacam as da •fam1ha casas que obteve os melhores resultados e impos sua
Alvares Penteado (Vila Penteado e Vila Antometa .
)60 marca pessoal. Destes, somente um sobreviveu ate os
Quase todos, hoje, desapareceram ou foram de uma dias de hoje, por milagre o mais importante, em termos
hist6ricos e esteticos - a Vila Penteado, construida
. 56. Grande nUmcro de rcvistas curopCias de artc dccora~va, quc ...difun- em 1902. Esta residencia foi de fato o primeiro edificio
,dtam o novo estilo, era rccebido cm Sio Paulo; mas a de ma1or d1£usao era
Ulc~mtcstavclmentc a inglcsa Studio . Cf. F. MOTTA, Art Nouveau : um art nouveau de Sao Paulo. Seu proprietario, o Conde
Esu_lo cntrc a Flor c a M.iquina, Cadernos Branleirot, n.O 28, marc;o- Alvares Penteado, uma das personalidades paulistas
abnl de 1965, pp. 54-63. ·
. 57. futcs, cm sua maioria italianos, rcunidos no Liccu de Artcs c Of!-
ci«?s . sob a eficientc dirc~io de Luigi Scatolini, dcram, uma grande contn- 61 ., Sobraram apcnas a Escola Alvares Penteado, a Matcmidade Sio
buu;ao para a difwio do novo estilo nas artes decorahvas. ~a':'lo (onde e visivel a influCncia barroca~ c a Vila Pentcado, mas as duas
58 . Y. BRUAND L,ambiguitC de l'art nouveau en architecture, Infor- ultimas pcrderam grandc partc de scu caratcr com a construc;io de enormes
mation d'historie de i'art, ano 9, maio-junho de 1964, n .o 3, PP· 118-124. prCdios nos jardins que cram scu complcmcnto indispens.ivcl. A fachada
. 59. Alias, FIAvio Motta encontrou, na antiga biblioteca ~c Ekman , principal da Vila Pcnteado (atualmcntc Faculdadc de Arquitetura c Urba•
\'a.nos u .cmplarcs de um .ilbum fartamentc ilustrado chamad<? Wiener Neu- nismo) csta hojc totalmentc oculta , s6 podcndo scr vista lateralmcntc c de
baut!n Style der SeHssion , quc dcmonstra o intcrcsse do arqwteto por cons- uma distincia quc nio permite apreci.i.•la intciramentc: s6 os fundos Jo cdi-
truc;ocs dcue tipo (cf. F. MOTTA, Contribuif00 ao Estudo do «Art Nou- ficio (hojc acesso principal) conscrvaram seu contrxto original (Fig. 8).
ueau» no Brasil , S. Paulo, 1957, p. 25). 62. Quando Ekman utilizava U}11 grandc vio ce'!tral, como na Escola
60 . F. MOTIA, op. cit., pp. 47--48 (cap. 2) . F. MOTIA, Sao Paulo Alvart:s Pt-ntcado! cortava•o com vllnos montantcs verticai1 a fim de conscr-
c o Art Nouveau , Habitat , n.9 10, janeiro-wan;o de 1953, pp . 3-18 (£oto- var o mc1mo efct to.
,rafia1 e dttrnhos) .
45
da epoca, ao mesmo tempo latifundiario e industrial , efeitos decorativos, quer pelo tratamento ornamental
era grande conhecedor da vida europeia e tinha um que !he dava, quer pelo jogo de contrastes obtido;
espirito esclarecido voltado para o futuro; foi ele quern de fato, soube manipular com destreza o contraste
encomendou a Ekman uma casa em estilo art nouveau, entre a cor escura da madeira envernizada e a clari-
lan9ando uma moda que se espalhou como rastilho de dade uniforme das paredes 63 c usar a contraluz para
p6lvora. real9ar o desenho das balaustradas, cujo perfil desta-
0 elemento basico da composi9ao e o vestibulo cava-se nitidamente de um fundo luminoso. Para
(Fig. 9), que ocupa todo o corpo central, em compri- Ekman, entretanto, a madeira era muito mais do que
mento, largura e altura; niio e um mero ponto de pas- simples meio de decora9iio : explorou ao maximo niio
sagem, mas a pe9a essencial, onde se concentram todos so suas qualidades esteticas, como tambem suas possi-
os efeitos esteticos, tanto decorativos, quanto espaciais. bilidades funcionais e construtivas; isto pode ser com-
Podemos encontrar ali uma aplica9iio caracteristica dos provado pela escadaria da Vila Penteado ou pelo teto
principios de Victor Horta, cujas grandes realiza96es da casa do Dr. Kowarick, ja demolida. Dessa maneira,
Ekman certamente conhecia, seja pessoalmente, ou por criou obras de uma unidade e uma coerencia perfeitas,
meio de revistas especializadas. A liberdade da planta onde a madeira assumia um papel semelhante ao ferro
e da distribui9iio dos diferentes niveis, o efeito visual fundido na arquitetura de Horta. Isto pode ter sido uma
obtido pelas escadarias, tribunas e aberturas de tipo, concessao as condi96es ainda bastante artesanais do
forma e dimens6es variadas que diio para esse vestibulo, pais, mas e pouco provavel, pois havia na epoca facili-
a interpenetra9iio de espa9os dai resultante, tanto ver- dade de importar tudo o que fosse necessario a um
tical, quanto horizontalmente, derivam certamente de custo relativamente baixo: na pr6pria Vila Penteado,
solu96es e ci:mcep96es adotadas por Horta nos edificios la1f.;1,1s, lustres, objetos e estatuetas de metal e ate
construfdos em Bruxelas alguns anos antes. P.or set1 lado, mesmo a grande fonte do jardim vieram diretamente
a decora9ao predominantemente com curvas ·e arabescos da Europa. Estruturas, vigas metalicas, colunas de ferro
resultantes mais · do jogo abstrato da geometria do que forjado, prontas para montar na obra, grades, corrim6es
da imita9iio da natureza aproxima-se muito do espirito de escada, etc., tudo entrava livremente, como ja vimos.
de Henry Van de Velde, outra grande personalidade Nao foi por necessidade, portanto, que Ekman decidiu
artfstica da Belgica, nessa epoca. Ekman, portanto, fazer art nouveau utilizando a madeira como elemento
estava certamente a par das realiza96es europeias e das fundamental. Pode ser que tenli.a sido encorajado pela
modifica96es no gosto, ocorridas nas grandes capitais. abundancia e beleza das especies encontradas no Brasil,
Sabia inspirar-se nelas, mas niio era um imitador servil: mas sua firme tomada de posi9iio certamente decorreu
a feliz sfntese que conseguiu efetuar entre a rigida sime- da experiencia secular que os escandinavos tiveram com
tria do estilo Sezession, a audacia e a liberdade de esse material, habituados que estavam a viver em meio
inven9iio dos mestres belgas e uma prova da seguraiwa a imensas florestas: o amor atavico dai resultante faz
de sua escolha, de seu talento para a assimila9ao, e de com que a madeira ainda hoje seja um dos meios de
expressiio preferidos pelos povos n6rdicos.
0 sucesso da Vila Penteado foi imediato. Estava
lan9ado o art nouveau, e em alguns anos os bairros
novos (Santa Cecflia, Campos Elisios, Higien6polis, Vila
Buarque, Bela Vista) estavam cobertos de belas resi-
dencias ou de simples casas de aluguel que traziam a
marca indelevel - embora muitas vezes superficial -
desse estilo. Quase todas foram demolidas, sendo subs-
tituidas por enormes predios de apartamentos; o fato
e lamentavel, mas niio se deve esquecer que a maioria
dessas constru96es ·estava longe de ser obra-prima
e faltava-lhe autenticidade. Alem de Ekman, somente
um outro arquiteto, parece ter conseguido se impor de
maneira indiscutivel: Victor Dubugras.
Nascido em La Fleche (Sarthe, na Fran9a) em 1868
e falecido no Rio de Janeiro, em 1933, ainda criam;;a
emigra com a familia para a Argentina. Estudou arqui-
tetura em Buenos Aires e trabalhou com o italiano Tam-
borini, mas cansado da situa9iio instavel desse pais,
instala-se em Sao Paulo em 1891. Durante algum tempo,
foi um dos colaboradores de Ramos de Azevedo, sendo
Fig. 9. Karl EKMAN. Casa Alvares Penteado. Vestibulo. admitido em 1894 como professor de desenho arqui-
tetonico na Escola Politecnica. Inicialmente partidario
sua criatividade. Contudo, sua originalidade deve-se convicto dos estilos medievais 64 , chegou ao art nouveau
principalmente a habilidade com que transformou a
madeira no elemento essencial de seus interiores. Foi 63.
ci~ncia.
F. MOTTA (op. cit. , p. 84) viu uma influf:nciB jo.poMU neua
desse material que ele extraiu quase todos os seus 64 . er. supra , p . 44.

46
em 1902, quando expos seu projeto para a casa de
Flavio Uchoa 65 , <:onstrufda no a~o seguinte. Como ja
vimos, essa casa amda era uma m1stura bastante curiosa
de neog6tico, predominante na decora<;ao externa em
relevo, e de pitoresco, resultante da justaposi<;ao arbi-
traria de elementos tomados de emprestimo aos estilos
mais diversos 66 • 0 art nouveau nao era evidente na
fachada principal; estava relegado a entrada lateral ,
coroada por uma marquise de cobre pontilhada de lam-·
padas eletricas (Fig. 10). Era mais visive! no interior,
onde o vestfbulo em galeria ocupava dois andares e
era decorado com pinturas inspiradas pela flora brasi-
leira, executadas a partir de esbo<;os do pr6prio arqui-
teto (Fig. 12). Parece certo que Dubugras empregou
ali, algumas <las li<;oes titadas de Ekman na Vila Pen-
teado, construfda no mesmo ano em que fez seu projeto.
A Casa Uchoa foi um ediffcio de transi<;ao na obra
de Dubugras: o exterior, ainda impregnado de ecletis-
mo e de reminiscencias de ou 'ros estilos hist6ricos, era
uma continua9ao 16gica da linha que vinha seguindo; Fig. 11. Victor DUBUGRAS. Casa Uchoa. Sao Paulo. 1903.
em compensa9ao, a liberdade <las solu96es adotadas na Detalhe da porta principal.
disposi<;:lio interna, tanto na planta, quanto na orna-
menta<;:lio, prenunciava a orienta<;:ao muito diversa que
o arquiteto, bruscamente convertido ao art nouveau,
passou a ter logo depois .

Vestfbulo.

,~, ,·~·
Com efeito, o ano de 1903 ma rca uma reviravolta Fig. 12. Victor DUBUGRAS. Casa Uchoa. Sao Paulo. 1903.
no seu estilo. f claro que a ruptura nao foi total.

- - l r ·i·,.I •'
·-

.
1
, i ' :,. J ~.1uu1u1/
_,

Fig. 10. Victor DUBUGRAS. Casa Uchoa. Sao Paulo. 1903 .


Entrada lateral.

Os motivos decorativos modern style, utilizados a par-


tir dessa data, a princfpio assemelhavam-se claram~nte
ao repert6rio antes tornado de emprestimo a arte g6ttca:
flora naturalista arcos trilobados rede de curvas entre-
lai;adas lembrando um pouco o :stilo flambo yant, prin-
cipalmente quando eram empregadas para ornamentar
65. Cf. R•virla Pol11technica n.9 2, janciro de 1905, PP· 75-77 ( fo to-
,,,.fw). ' '
. ~- A to rre c1treita redonda quc flanqueia um dos lado!. d,:'J cnt/da
innapaJ apraenta J'abos mata-cies cncimados de uma balaw tr.. A .1 am-
.0Y0•.'' que circunda um mi rantc coberto com uma cUpula de lan tcrnih le
liP;O ataliano; ot varios corpOI da casa estio cobcrtos de gra ndcs te! a os
11.hcntea de QW11 accntuadu e mUlti plas lcmbrando os cbaMs 1ofist.1cados
cntio cm moda na Europa.

47
10 mais original. Tinha respeitado a soluyao clas-
as balaustradas ou eram esculpidas na pedra para for- sica, marcando com volumes disti ntos as, Ires partes dida
mar os peitoris das janelas, como na casa de Numa de se al
Oliveira (Fig. 13) 67 • Rapidamente esses motives torna- essenciais de um teatro: palco, sala ~e espe~acul~, foyer . que
ram-se mais abstratos e tambem mais caracteristicos Mas apenas a planta do palco pod_ia ser msc_n ta num pesa
do art nouveau, onde quer que Dubugras empregasse retangulo, enquanto que, nas de_mat~, predommava em. dize
o ferro: grades, varandas, caixilhos de algumas janelas. termos absolutos, a elipse (long1tudmal e truncada no
A cada ano, seus projetos tornavam-se, menos rigidos, caso da sala , transversal e completa no c?so do fo yer) rink
em planta e em volume, os trayados arredondados fica- (Fig. t 5). Essa forma incomum ~ra perfe1tamente v1 1- ta Irr
ram mais freqi.ientes, as varandas passaram a assumir vel do exterior, embora_seu mov1mento fosse at~nuado nali
uma importancia fundamental na composiyiio, chegando pela aplicayiio de galenas superl?ostas. 0 exterior era avai
mesmo a contornar quase inteiramente a casa, era o :;;na curiosa mistura de formas movado~as_ e de dee°: de
primeiro passo no sentido da etapa seguinte da car- r~~ i\o tradicional, esta to~ada de empre~t1mo tanto a arrr
reira do arquiteto: o estilo neocolonial. f facil acorn- a;-te romana italiana (galena de arcadas £mas em arco- van

"" -,...rr-.
..4. ...,-,.~

----------- ~
Fig.
--- --------------""
13 .
-~
Casa de N uma de Oliveira.
Victor DUBUGRAS.
Sao Paulo . 1903. Fig. 14. Victor DUBUGRAS. Casa de Joao Dente. . , fJ Q
Paulo. Por volta de 19 \0. Plantas e eleva<;iio.
panhar essa evoluyiio atraves das fotografias publica-
das por Flavio Motta 68 : constata-se uma crescente liber- pleno colocadas imediatamente abaixo do teto) , quanta
tayiio das formas romanas e g6ticas 6 \l , mas tambem uma a deuterobizantina (pequenas torres flanqueando a
certa depurayiio daquilo que o art nouveau tinha de fachada) e a g6tica (arcos trilobados das balaustradas
gratuito, com procura de soluyoes arquitetemicas, ao e ~a galeria lateral no terreo); e certo que o conjunto
mesmo tempo esteticas e funcionais, baseadas no em- tena resultado pesado e heterogeneo. Em compensayiio,
prego correto dos materiais de construyiio; originalmente no interior nao se repetia a mesma falta de unidade; o
uma das preocupayoes essenciais do movimento euro- vestibule era o toque de mestre (Fig. 16): via-se o
peu, e que Dubugras foi dos poucos a preservar no amor de Dubugras pelas galerias em arcadas que se
Brasil. superpunham em tres fileiras , mas desta vez sem qual-
0 Teatro Municipal do Rio de Janeiro teria sido, quer reminiscencia hist6rica; o movimento das esca-
sem duvida, se houvesse sido construido, sua obra- darias , o desenho sinuoso da ab6bada, a decorac;iio
prima e forneceria a melhor sintese de suas sucessivas floral estilizada do piso, contrastando com as linhas
tendencias. 0 projeto de Dubugras obteve apenas o geometricas, porem dinamicas, dos corrimoes e balaus-
segundo lugar no concurso realizado em 1904, sendo tradas de ferro forjado , finalmente a original ideia de
preferido pelo projeto do engenheiro Francisco Oliveira agrupar as luminarias em torno das colunas coma se
Passos 70 • Contudo, o projeto de Dubugras era mui- fossem capiteis , todos esses elementos combinados
teriam criado um conjunto sem precedentes, homogeneo,
~7. Esta e um dos raros cxemplarcs que sobrcvivcram ao massacre gc-
nerahzado quc se abateu sobrc as constru~Ocs dcssa Cpoca e, alias, nio dci- moderno, muito avanc;ado para a epoca.
xava; de, tcr um ccrto parentcsco, dcvido a sua empcna frontal e accntuada
vcrtlcahdadc, com as velhas casa.s flamengas, parcntcsco cssc quc talvcz ac Dub1 ·gras alias nao foi bem-sucedido nos seus es-
de':• ao fato da obra scr uma casa p~ alugucl, situada num terreno cs-
trc!lo c profundo. col!lo nos Palscs Ba1xos, c n3.o uma mansio isolada cm
tudos par I edificios oficiais, pois seu projeto para o
mc10 a um bclo Jard1m . Congresso Federa\7 1 , um pouco posterior ao teatro,
68. {!P , cit., pp. 72-74, c Habitat, n.o 10, jan.-mar. de 1953 pp 3-18
• n .• 12, iul.-set. de 1953, pp. 58-61. ' · ' tampouco foi construfdo . De boa concepc;ao tecnicaH
69_. Contudo1 .a fonte de inspirai;io nio desaparccc totalmcntc : a casa e funcional, niio apresenta o mesmo interesse na me-
de Joao Dente (fe1ta por volta de 1910), apcsar de seu car;itcr dccidida-
mcntc modcmo e do uso franco c resoluto do ferro , ni.o -tern uma ibsidc
arrcdo!'dada contof"!'a~ por uma .varanda polilobada cuja planta lcmbra a .. 71. Revida Pol,•tec hni ca, n.o 15, maio de 1907 t pp . 113.121 (cleva•
c;ocs, cortc e plantns ).
cabcccira de uma 1grcJa com abs1diolas (Fig. 14)?
70 . er. sup,., p. 35. utili;:do. Nclc, Dubugras prcvia quc o cnnr-re to nrmnd o 1c ri n nmplnm cntc

48
FACULDADE D/.MAs7
81bhoteca

dida em que seu au tor nae pode ou niio quis neste case ferro forjado que , junto corn a marqui se que circunda
se abster de utiliza r um vocabulario decorative classico o ediffcio, Iernbram a afeii;:iio que Dubugras tinha pelo
que visivelmente niio o atrafa. 0 resultado, macii;:o e art nouveau. O conjunto prenuncia de modo nitido a
pesado, niio teria side feliz - e o minimo que se pode arquitetura funcional, mas denota _um gosto acent?ado
dizer. pelas preocupai;:oes formais, que nao Coram es9uec1d~:
0 mesmo niio aconteceu com a estai;:iio de May- no jogo habil de curvas e de linhas retas, na 1ustapos1-
rink 73 , primeiro ediffcio no Brasil construido to- i;:ao de volumes simples, pressentia-se o carninho que
tal mente em concrete armado, onde irrompe a origi- mais tarde tomaria a arquitetura brasileira. Era cedo
nalidade das concepi;:oes de Dubugras, muito rnais demais , porem, para que esse caminho fosse trilhado
avani;:adas do que as de seus colegas, tanto do ponto finnem ente e o pr6prio Dubugras logo o abandonou
de vista tecni co, quanto estetico. A escolha do concrete para se lani;:ar na aventura neocolonial.
armado, neste case especifico, oferecia uma serie de rnuito rnais facil detectar em Dubugras, do que
vantagens essenciais: tornava possivel a obteni;:iio de um em Ekman, as influencias que atuaram nesse periodo

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Fig. 15 . Victor DUBUGRAS. Projeto para o Teatro Muni-


cipal do Rio de Janeiro. 1904. Plantas. Terreo.

bloco unico, indefonnavel e capaz de resistir as trepi-


dai;:oes, distribuindo o peso unifonnemente no terreno,
alias de pessirna qualidade; alern disso, era uni processo
barato, tanto mais que a estrutura foi feita corn trilhos
usados. Mas Dubugras nao era apenas urn engenheiro
cornpetente, era tarnbern urn arquiteto que jamais es-
quecia as preocupai;:6es esteticas; sob esse ponto de
vista, dedicou-se a urna verdadeira reabilita<,: ao do con-
crete armado, ate entao desprezado e cuidadosamente
dissimulado quando ernpregado. A esta<,:ao, a qua! se
tern acesso atraves de urna passagem subterranea, esta
situada entre as linhas das duas cornpanhias ferrovia-
rias que a utilizarn, o que constitui uma solu<,:ao pratica
para os· viajantes que tern de fazer baldea<,:ao; assim,
ela nao tern fachada frontal e posterior e pode ser con-
cebida sobre uma planta absolutamente sirnetrica: cor-
po retangular ilurninado por grandes vidra<,:as, flan-
queado por dois corpos secundarios em sernicfrculo que Fig. 15a. Victor DUBUGRAS. Projeto para o Teatro Mu-
abrigam a parte de servi<,:os. A rnesma simplicidade da nicipal do Rio de Janeiro. 1904. Planta do ter-
planta encontra-se na eleva<,:iio. Mas foram acrescenta- ceiro andar.
das quatro torres nos cantos do corpo central, com
finalidade purarnente estetica 74 (ernbora sejam utiliza- art nouveau de sua carreira. Ernbora nascido na Franc;a,
das pelo telegrafo) ; sao coroadas por plataformas em passou toda sua vida na America do Sul; sua formac;iio
balan90, muito salientes, sustentadas por montantes de portanto, apesar de europeia, niio foi direta, mas sim
transrnitida de segunda miio por intermedio de arqui-
13 . R• visl'!_ Polytuhnica, n.q 22, junho-agosto de 1908, pp. 187-192 tetos emigrados, como o italiano Tamburini. Oaf um
(plantu, eleva1woes e foto1rafias ).
pro !~. 0 que valeu a esta~o o apelido popular de celcfante de peroas certo atraso em sua evoluc;iio, compensado pela n~
cessidade de um esfory0 maior para se manter atuali-

49
r

zado e de um aprofundamento mais pessoal nos pro- Comparados a Ekman e Dubugras, OS arquitetos
blemas arquitetllnicos e estiHsticos. Nao M duvida de italianos que trabalharam em Sao Paulo no estilo art
que Dubugras possufa grande cultura arqueologica e nouveau fazem uma triste figura 75 • De fato, contenta-
t6cnica; todos os scus trabalhos o comprovam. E evi- ram em aplicar as suas eonstru~oes uma decora~ na-
dente que ele mantinha contfnuo contato com a Europa turalista, que nao lembra nem de longe o vigor /lore"Je
atraves de revistas especializadas de arte ou de carater de seu pais de origem. Essa posi~o retr6gada e muito
cientffico, conservando sempre um equiHbrio entre o curiosa, ja que, no campo das artes aplicadas, foram
aspecto formal e o aspecto construtivo propriamente os italianos, sob a ~ o de Luigi Scattolini, que ti-
dito; de fato, desenvolveu sempre esses dois aspectos, veram papel de destaque no Liceu de Artes e Oficios•
inclinando-se ora para um, ora para o outro. Dadas isto pode certamente ser explicado, pelas razoes psiCO:
essas preocupa~ fundamentais, as realiza'r6es que 16gicas ja mencionadas76 e pelo controle rigido de Ra-
mais despertaram seu interesse foram as dos belgas mos de Azevedo, pouco propenso a permitir que seus
Horta e Van de Velde e talvez as do escores Mackin- colegas se afastassem do vocabulario arquitetonico
tosh, mas e diffcil encontrar nele uma influencia deci- classico, mas que em materia de omamenta~ao era mui-
siva seja de qual mestre for. Alias, ele jamais foi tao to mais tolerante77 • Assim, nem Domiziano Rossi, nem
longe no art nouveau quanto seus colegas europeus e Micheli, nem Chiappori, nem mais tarde, Bianchi, po.
s6 raras vezes se desembara~u das imposifrOCs dos es- dem ser considerados por suas realiza¢es como adeptos
ti_los hist6ricos, sem duvida alguma por causa do am- fervorosos do art nouveau; aderiram por vezes a moda
b1e_nte que o cercava no Brasil e da incompreensio que da epoca e conservaram ainda por muito tempo (prin-
tena acompanhado toda tentativa mais audaciosa de cipalmente o ultimo) um gosto acentuado pela decora-
se libertar desse contexto. Por conseguinte, a diversi- ~o floral, mas sua arquitetura inspirou-se mais nos
dade da obra de Dubugras, passando do neo-romano e modelos da Renascen~a do que nas constru~ reali-
Blllm:...- ·.
,.
~~1/~-
. . .
-.. .~- .. · _'. -:-.q · :~i,!! zadas na Europa no come~ do seculo.

"'

·~ \~JTlu~i No Rio de Janeiro, o art nouveau nao se desen-


volveu78 tanto quanto em Sao Paulo. Segundo Lucio
Costa , um dos arquitetos mais significativos desse
" -. . t_ movimento foi Silva Costa, que construiu varias casas
na Praia de Copacabana; contudo, nao se pode formu-
lar qu~lquer ju~? sobre elas, ja que desapareceram
sem de1xar vestig1os. Em compensa~o, subsistiram al-
gumas obras do italiano Virzi, outro grande nome do
art nouveau carioca; sao construyoes bem curiosas
o~d~ cara~teri~ticas do modern style misturam-se a r~
mm1srenc1as h1st6ricas. A casa situada na Rua da Gl6-
ria, ~onstruida para o laborat6rio "Elixir de Nogueira",
poss1velmente terminada em 191679 , tem a entrada
flanque~d~ por potentes atlantes barrocos, exemplo
~aractensttco de uma decora~ao sobrecarregada. Mais
mteressante e a casa (Fig. 17) situada no mesmo bairro,
0
n~ ~raia do Russel n. 734 (antigo n.0 172), que sem
~uv1da alguma logo ira cair sob a picareta dos demo-
hdo~es80. Como a anterior, e uma habita~ao cujo tra~
dommante e a verticalidade; a inspira~ao medieval 6
clarameI:te visivel nessa verdadeira torre que lembra
as soluyoes adotadas em certas cidades italianas; o co-
dl 75. Cf. E. DEBENEDETTI e A. SALMONI, op. cit., pp. 57-.58 e apln·
ce., a f,· 94. A fim de ampliar o capitulo que trata do assunto 01 aut<>-
ra •nclu ram obraa (como as casas de Bianchi) 9ue de orl 11ouu,..;. tinbam
~ictor DU(?UBRAS. Projeto para o Teatro Muni- apenu
reatante.alguns elementos decorativos' sendo n1tid~ente clanici~ta 110
b':ic:. do Rio
de Janeiro. 1904. Eleva~iio do vestl- 76 . Cf. supra, p. 38.
7
d ~ · E_ lie meamo. n~o usou margaridas como tema fundamental da cua
e arpn a Marchesimt em homenagem ao nome da proprietaria?
78 . L. Costa., Arqu!ldvro Conl•mf>or8ft•o, p. 19.
d? neog6ti~ ao art nouveau e mais tarde ao neocolo- • 79 . Com efe1to, :""ti.? sravadas na fachada as datas «1876-1916.; f 16-
nial, e mats aparente do que real; e possivel identifi- c,co pel\J&r 9ue • pnmeira se reran a funda,;io da firma comucial e a
j"'i°dd • •n•tal~o dcsta, no edificio que acabara de construir neac
~-sc nela .um~ . grande continuidade e uma 16gica
ro
oca · . que se 5!'be da urbanlza,;io e crescimento da cidade toroa ._
data_ Vl&vel , ~.as .•uo s6 P?der~ ser confirmado atrav& de uisas nOI
mterna que Justiftcam o parentesco, sensfvel apesar de ..veu.
~~YOI muruap&11. Estes, 1nfehzmente, ha varioo anoo nio maiJ aces-
tudo, entre obras pcrtencentcs a estilos tao diversos. duJ!:da <:'mm~ 954~ casa de Vind, na Avenlda Atllntica em Copacabana,

50
roamento em terra90, coberto por um telhado sustentado Gaudf, que tambem tinha partido de uma inspira9iio
por fines pilares de madeira geminados e assentados de origem medieval para chegar a cria96es totalmente
sobre suportes de pedra muito salientes tern um ar de ineditas. Naturalmente, Virzi niio atingiu a for9a nem
fortifica9iio de opereta que niio e frut~ do acaso; as a audacia caracteristicas das realiza96es de Gaudi, mas
arcadas que contornam tres lades do minuscule patio, e incontestavel que ele foi, no Brasil, um digno repre-
sentante de uma tendencia muito pouco difundida do
modern style81 , na qual a enfase maier era dada aos
problemas formais.
0 art nouveau parece ter se prolongado por muito
tempo no Rio82 , integrando-se no setor da habita9iio
popular, a onda de ecletismo hist6rico que assolou a
cidade. Tambem alcan9ou certo exito em edificios co-
merciais e industriais, cujas fachadas niio raro eram
ornamentadas com abundante decora9iio naturalista ou
por grades e balcoes de ferro forjado com intrincados
arabescos 83 •
A moda do modern style niio se limitou aos dois
principais centres do pais. Alguns tra9os esparsos desse
estilo podem ser encontrados em Salvador e em Belo
--~·1· -.-=- Horizonte84 • Apesar de ter sido construida na epoca de
maier impulse do art nouveau, nesta cidade apenas
algumas casas, pertencentes a personalidades locais
::.,_ _ . ·- (como Joiio Pinheiro, governador do Estado de 1906
a 1908) adotaram a nova moda, conservando, ao mes-
" mo tempo, alguns trac;:os tradicionais; o que ocorria na
maioria dos cases era apenas uma justaposi9iio de al-
guns elementos funcionais e, mais ainda, decorativos
a constru96es de espfrito diverso85 . Niio se tratava alias
de cria96es locais, mas sim de estruturas e de ornamen-
tos de ferro importados diretamente da Europa e depois
sem qualquer altera9iio montados na obra. A obra-pri-
ma e indiscutivelmente a magnffica escadaria metalica
instalada no Palacio da Liberdade, sede do poder exe-
cutive: o interesse que ela apresenta e redobrado pois
mostra o prestigio que tinha o ferro no campo <las ar-
tes aplicadas; nesse setor, e somente nele, eram reco-
nhecidas as qualidades esteticas do ferro, que o torna-
vam digno de figurar no lugar de honra de um edificio
oficial, cujo arquiteto - pelo contrario - era obrigado
a obedecer a um academicismo classicizante.
Contudo, a cidade brasileira mais atingida pelo
art nouveau, alem de Siio Paulo e Rio, acha-se as mar-
gens do Amazonas. Trata-se de Belem, capital do Para,
que, gra9as ao comercio da borracha, teve um desen-
f volvimento•fantastico, mas efemero durante a primeira
Fig. 17. VIRZI. Casa da Praia do Russel n. 734. Rio de
0
decada do seculo. A riqueza rapidamente acumulada
J.aneiro. Por volta de 1920. por particulares reflete-se na constru9iio de belas resi-
dencias ou de edificios comerciais mais ou menos sun-
como se fosse um pequeno claustro, a abundancia de tuosos, onde podem ser encontrados varies tra90s
arcos, as colunas geminadas encimadas por capiteis, os modern style86 • Nao ha nada de extraordinario nisso,
varies ornatos em relevo, o volume saliente do segundo uma vez que o periodo aureo da borracha, que fez a
andar do edificio recuado, e varies outros detalhes, fortuna de Belem e de Manaus, coincidiu com o grande
tambem contribuem para uma aproxima9iio com a ar-
81. Alias, assim como Gaud{, ele utilizava muito a policromia, mas oa
quitetura da Idade Media. Por o~tro lado, as formas proprietirios fizeram desaparecer todos os seus vcstigios quando passou a
originais, estranhas e niio raro 1rregulares, a?otadas moda. CC. L. COSTA, op. cit., p. 20.
82. Vin:i, por exemplo, parece ter continuado a trabalhar por muito
principalmente no tra9ado dos arcos, a fantasia total tempo, depois da Primeira Guerra Mundial. Cf. L. COSTA, op. cit., p.
que reinou na justaposi9iio e ~uperposi9iio de. volumes, 20 .
83. Fotografias publicadas por Flavio Motta em CaJ,rnos Brasil,iros,
a abundancia de grades e balcoes de ferro. for1ado onde mai.o-abril de 1956, pp. 54-63.
se destaca o jogo linear das diagonais e das volutas, 84. Modulo, n.o 38, dczembro de 1964, pp. 1-31 (fotografias).
pertencem ao espfrito e ao vocabulario do art nouvea_u. 85. er. supra., p. 42.
86 . .Arqui1,1ura, n.• 22, abril de 1964, pp. 12-15 (fotorrafias).
A sfntese e feliz e lembra um pouco a obra do catalao
51
prestigio intemacional do art nouveau; pelo contrario, 4. 0 ESTILO NEOCOLONIAL
teria sido estranho que essa clientela de novos-ricos,
com olhos e interesses voltados inteiramente para a Conforme observou Lt1-cio Costa89 , a controve .
Europa, nao tivesse sido seduzida pelo carater de os- entre o "falso colonial" e "o ecletismo dos falsos ;:1.a
tenta9ao dessa moda. Os resultados, porem, foram bas- los europeus" (que chegou ao seu ponto critico 1 11·
tante mediocres. Mais ainda do que em Sao Paulo. ou ap6s 1920) pode hoje parecer uma discussao infa~i1
no Rio, a maioria dos ediffcios construfdos era uma sobre o sexo dos anjos. Os partidarios das duas teori
extraordinaria miscelanea de estilos do passado. A Vila nao percebiam as profundas modifica96es que a revot~
Bolonha, obra do engenheiro Francisco Bolonha, figura 9ao industrial havia causado na vida contemporane:
de destaque do art nouveau em Belem, com sua peque- nem os novos problemas que os arquitetos seriam cha'.
na torre hexagonal vagamente medieval, o p6rtico em mados a resolver, a fim de dar uma resposta adequada
arcadas, a comija sustentada por suportes que lembram as necessidades do · homem do seculo XX. Ora, a ar-
mata-caes, o terreo com ranhuras, a cobertura com man- quitetura jamais foi e jamais sera uma arte pela arte·
sardas, as janelas Sezession e, nas salas de estar do ela esta intimamente ligada as necessidades materiai;
primeiro andar, as varandas em proje9ao que lembram da civiliza9ao que a faz nascer e da qual e um dos sig-
a arquitetura do ingles Webb de fins do seculo passa- nos mais evidentes; ela nao pode ignorar essas neces-
do, sao um exemplo tfpico desse fato. Assim, s6 se sidades, sob pena de perder toda sua autenticidade e
pode falar de uma penetra9ao superficial do modern qualquer valor duradouro. Por conseguinte, o debate
style nas margens do Amazonas, e nao da implanta9ao puramente formal que tinha sido instaurado era total-
concreta de um movimento original87 • mente academico, e nao abria qualquer perspectiva
nova.
0 art nouveau assumiu portanto no Brasil aspec- Seria um erro, porem, desprezar o aspecto psico-
tos hem diferenciados segundo as regioes e segundo a l6gico da questao e considerar a moda do neocolonial
personalidade e a forma9ao dos arquitetos que o intro- como um epis6dio inconseqiiente. Esse movimento foi
duziram ou o adotaram. Existe, entretanto, um deter- na realidade a primeira manifesta9ao de uma tomada
minado numero de pontos comuns que devem ser res- de consciencia, por parte dos brasileiros, das possibili-
saltados. S6 raras vezes foi uma tentativa de renova9ao dades do seu pafs e da sua originalidade. Ja assinalamos
da arquitetura, uma procura de um estilo caracterfstico anteriormente a importancia desse fenomeno, sem o
de sua epoca; nao teve portanto a mesma significa9ao qual a arq'uitetura brasileira nao seria hoje o que e90 .
profunda que teve na Europa. Longe de tentar comba- Nessas condi96es, pode parecer um pouco estra-
ter o ecletismo entao reinante, integrou-se perfeitamen- nho que os precursores do neocolonial tenham sido
te nele, tomando-se essencialmente uma moda como estrangeiros radicados em Sao Paulo - cidade inteira-
as demais. Nao houve uma ruptura, uma incompatibili- mente voltada para o presente e para o futuro, que des-
dade total com a imita9ao dos estilos do passado, mas prezava e audaciosamente destrufa os vestfgios de seu
uma curiosa sfntese de elementos tomados de empres- passado, alias pouco significativos quando comparados
timo desses estilos, principalmente da arte g6tica88 , e aos de outras regioes. Essa anomalia pode ser explica-
de tra90s tfpicos do art nouveau. Nada de duradouro da em parte quando se considera a nacionalidade de
podia surgir dessas preocupa96es quase sempre pura- um desses dois arquitetos, o portugues Ricardo Severo,
mente formais, principalmente numa epoca em que o e a personalidade do outro, o ja conhecido Victor Du-
gosto era tao instavel. Enquanto que na Europa o mo- bugras.
dern style foi um primeiro passo no sentido de uma Originario do Porto, onde fizera seus estudos, o
arquitetura realmente contemporanea, no Brasil ele nao engenheiro Ricardo Severo91 foi for9ado a exilar-se no
passou de mero epis6dio sem futuro: de fato, nesse pais Brasil depois de uma conspira9ao para derrubar a mo-
nao se pode estabelecer qualquer rela9ao entre esses na~quia em Portugal. Permanecendo aqui mesmo de-
dois movimentos, separados por um intervalo de no mi- pots da proclama9ao da republica em seu pafs, em 1910,
nimo vinte anos, e tendo sido o primeiro decididamen- tomando-se s6cio e mais tarde sucessor de Ramos de
te ignorado pelo segundo. A nova arquitetura brasileira Azevedo, gozando, conseqiientemente, de uma s6lida
nao nasceu de uma lenta matura9ao da arquitetura lo- posi9ao. Homem de grande cultura, era muito ligado a
cal - ela foi resultado mais uma vez de uma importa- arquitetura tradicional de Portugal, principalmente a da
9ao pura e simples do Velho Mundo. Contudo, logo regiao Norte 92 , que conhecia de modo admiravel inclu-
superou o estagio da aplica9ao mais ou menos servil sive do ponto de vista arqueol6gico. Para Severo, po~-
de certas regras e principios e encontrou um caminho tanto, procurar inspira9ao atraves de uma relativa 1m1-
pr6prio. Isto deve-se indiscutivelmente ao nascimento ta9ao -dos modelos de sua terra natal, era uma atitude
de uma personalidade artfstica genuinamente brasileira, tao natural quanto a dos imigrantes italianos, quando
cujo primeiro sintoma foi ainda uma vez mais um es- davam preferencia aos diversos estilos originados da
tilo hist6rico: o neocolonial. Renascen9a. Ora, esse nacionalismo portugues (fran-
camente admitido por Ricardo Severo na serie de con-
87 . 0 art nouu,-au foi meno, dilundido em Manaus do que em Belem,
sem dUvida devido i. distlncia, jA que, embora sendo porto para navios de 89 . L. COSTA, op , cit., p. 22.
grande calado, situa-s.e a I 500km para o interior do pais.
90. Cl. supra, p. 25.
88 . A semelhanta dos te&ias decorativos modnn sly/1 e g6ticos (flora
naturali.sta do seculo XIII, depoi.J arabcscos e linhas movimentadas do pe- 91 . Depoimentos, I, 1960, pp. 26-31 (fotografiu).
riodo Jlamboy4nt) explica essa predominlncia e a facilidade com que certos 92. Precisamente a regiio que mais influenciou a arquitetura do Bra-
arquitetos coma Dubugru pauaram do neog6tico ao mo,l.,n Jl)'l6. sil durante todo o s~culo XVIIJ .

, 52
ferencias feitas em 1914, sob o patrocfnio da Sociedade tes exerc1c10s de virtuosism~ gratuito, e tampouco era
de Cultura Artistica) podia encontrar no Brasil um passive! cogitar o grau de refinamento alcanc;:ado por
terreno propicio e uma certa 16gica interna; afinal , tra- Ricardo Severo. Portanto, suas obras eram modernas,
tava-se de uma volta a tradic;:ao, que jamais tinha sido mas concebidas de modo a evocar intensamente uma
totalmente esquecida e que podia ser considerada como arquitetura do passado.
um manancial caracteristico da personalidade luso-bra- A distinc;:ao alcanc;:ada com naturalidade, sem es-
sileira. Mas Ricardo Severo nao se limitou a conduzir forc;:o aparente, por Ricardo Severo, nao podia ser
com vigor sua campanha em favor do "estilo colonial encontrada em Victor Dubugras; devido a suas origens
brasileiro" 93 , deu o exemplo, construindo, para si pr6- e formac;:ao, este nao podia ter a mesma sensibilidade
prio e para alguns clientes atraidos por suas ideias e aguc;:ada do portugues em relac;:ao a arquitetura luso-
pela elegancia de sua arquitetuta, belas residencias, to- brasileira, nem o mesmo conhecimento profundo dos
das elas infelizmente ja demolidas. As mais caracterfs- mais infimos detalhes . Era bem diferente portanto o
ticas foram aquelas destinadas a seu pr6prio uso, uma espirito que o animava: nao se preocupava em empregar
em Sao Paulo, outra no litoral, no Guaruja (Fig. 18), os mesmos materiais da epoca colonial, nem em repro-
duzir sistematicamente um repert6rio decorativo fiel,
limitando-se a um certo parentesco formal, sem jamais
se ater ao respeito de principios absolutos. Com efeito,
seu espirito ao mesmo tempo ecletico e inovador leva-
va-o a pesquisar todas as fontes, para delas extrair o
que considerava melhor.
Desde 1915 Dubugras vinha adotando o novo es-
tilo96; portanto parece que sua conversao foi devida a
campanha em favor do neocolonial feita por Ricardo
Severo em 1914. Ali estava uma nova possibilidade
que surgia no momenta em que o veio do art nouveau
estava se esgotando, e Dubugras nao iria deixar passar
uma oportunidade de sucesso, mas tambem nao estava
disposto a renegar sua obra anterior. Sua "arquitetura
tradicional brasileira" (termo que adotou para designar
essa ultima tendencia) nao rompeu totalmente com as
fases anteriores de sua obra, como ainda hoje pode ser
constatado, atraves das realizac;:oes que tiveram a sorte ·
de chegar ate n6s: a escadaria da Ladeira da Mem6ria,
Fig. 18 . Ricardo SEVERO. Casa do arquiteto. Guaruja (Siio executada quando Washington Luis era prefeito de Sao
Paulo). 1922. Paulo, e o conjunto de monumentos comemorativos do
centenario da Independencia97 , construidos em 1922 ao
ea residencia Numa de Oliveira na Avenida Paulista94 . longo da antiga estrada para Santos quando o mesmo
0 carater dessas residencias provinha do emprego sis- Washington Luis era governador do Estado. Em todos
tematico de elementos tomados de emprestimo a arqui- esses monumentos, Dubugras fez amplo uso dos azule-
tetura civil portuguesa dos seculos XVII e XVIII: va- jos desenhados por W asth Rodrigues 98 e retomou al-
randas sustentadas por simples colunas toscanas, telha- guns elementos classicos da arquitetura luso-brasileira
dos planos com largos beirais, feitos de telhas-canal e (varandas, balcoes, telhados pianos de telhas-canal com
tendo, nos vertices, uma telha em forma de pluma vi- largos beirais, linteis das janelas, frontoes com pina-
rada para cima (lembrando a moda do exotismo chines culos tomados de emprestimo a arquitetura religiosa e
no Seculo das Luzes), r6tulas e muxarabis de longinqua nao a civil) , mas sem pretender utiliza-los de modo
origem muc;:ulmana, azulejos fabricados diretamente no arqueologicamente correto; a tudo isso junta outras for-
Porto recobrindo as paredes das varandas95 . Contudo, mas que ja vinha utilizando anteriormente com fre-
nao se tratava de c6pias de casas antigas, as quais ti- qiiencia (arcos-plenos de colorac;:ao romana, curvas dos
nham um esquema muito simples tanto em planta, degraus da escada ou das muretas das varandas que
quanto no tratamento dos volumes. As casas de Ricardo lembram o art nouveau); finalmente e acima de tudo,
Severo, pelo contrario, eram extremamente variadas e usava pedra bruta muito escura disposta de. modo irre-
tratadas com toda a liberdade permitida pela tecnica gular, o que dava a seus edificios (Fig. 19) um aspecto
contemporanea. Nao vacilava em jogar com os planos bruto e pesado, em violento contraste com a cor clara
na distribuic;:ao <las massas e, mais ainda, recuos pro- do reboco empregado sistematicamente na arquitetura
gressivos em elevac;:ao, particularmente visiveis na casa portuguesa. A mistura de estilos e a fantasia pitoresca
do Guaruja. Na epoca colonial, jamais houve semelhan- era ainda mais visive! num de seus ultimos projetos,

93 . Publicou em 1918 um livro sobre a arquitdura tradicional no 96. F. MOTTA, op . cit ., p. 53 (cap. 2).
Bnuil. 97 . Estes sio trb: a pousada de Pa.ranapiacaba, no alto da aerra a
constnu;io erguida a meia-encosta em mem6ria do itinerario percorri.do
94. Reprodw:ida em D-poim~nto, I, 1960, p. 28, por p. Pedro I em 1822 quando tomou a decisio de proclamar a Indepen•
95 . Na casa de Numa de Oliveira, o azulejo tinha um wo bastante d~nc1a, e uma grande cnu no sopi da montanha.
original (que surgira r&fidamente como tema espedfico da arte neocolonial) 98. Deaenhista que foi colaborador e amigo de Dubupas · era ,rande
pois havia uma decorac;ao floral em azul e branco• no avesso das telhas dos conhecedor da arquitetilra colonial, sobre a qual tinba fe1to :...nos levan..
beirais do telhado . tamentos .

53
,.
que nlio chegou a ser construido: a casa de Arnaldo ridade s6 teve inicio com a explorac;iio do cafe, a partir
Guinle em Teres6polis (Fig, 20), no sope da cadeia da segunda metade do seculo XIX. Por conseguinte Sl
de montanhas dominada pelo estr~nho pico chamado a priori uma volta ao passado niio apresenta grande; d
Dedo de Deus. Nao pretendia ele retomar no edificio atrativos, ainda mais quando se considera que a grande
a forma inesperada da montanha contra a' qua! este s; maioria da popula9iio era composta de imigrantes, sem l
destacava? qualquer vinculo com o pais. A cidade, pelo contrario i,
orgulhava-se de seu crescimento extraordinario, qu~ h
provocava a destrui<;iio sistematica de tudo que era um h
pouco mais antigo. Tai mentalidade niio podia ser fa. (
voravel a um movimento tradicionalista. d
A situac;iio no Rio de Janeiro era bem diversa. £
certo que tambem ali existia a facilidade de demolir,
mas essa atitude niio assumia o mesmo carater sistema-
tico que tinha em Sao Paulo. E, principalmente, o clima
cultural niio era o mesmo; na Capital Federal existia
uma elite intelectual que niio ficava indiferente ao es-
tudo das artes do passado. A Escola de Belas-Artes tinha
ate entiio procurado imitar a Europa , ignorando tudo

Fig. 19. Victor DUBUGRAS. Monumento comemoralivo ao


centenario da lndependencia do Brasil. Caminho do
Mar. 1922.

Niio se pode dizer que tenha sido feliz a evolu9ao Fig. 20 .


.
.
I-
· I . I
-
II

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,tt'"
Victor DUB~GRAS. Terceiro projeto para a casa
Arnaldo Guinle. Teres6polis. 1927.
· -'
.
-- -- . -;......,.,:; .

de Dubugras em dire9ao ao neocolonial; embora sem-


pre se tenha preocupado com a franqueza na utiliza9ao
dos materiais, fica evidente que prevaleceu afinal o !ado q~e l~mbrasse o per!odo colonial, mas bastou que essa
formal, nesse ultimo periodo de sua obra. Ora, esse niio ehte mtelectual tomasse consciencia do valor da arte
era o ponto forte do arquiteto, que apesar de sua ine- luso-brasileira, para que um movimento neocolonial de
gavel imaginac;iio, era muito influenciavel e de menta- carater erudito, encontrasse de imediato um clima pro-
lidade muito ecletica. Foi um retrocesso patente por picio a seu desenvolvimento; ora, as condi9oes eram
parte de quern, ja em 1908, tinha preconizado novos favoraveis: em certos meios, come9ava-se a abandonar
caminhos. o ecletismo, e a sentir a necessidade de coisas novas e
Embora o movimento neocolonial tenha come<;ado de uma independencia que niio fosse unicamente po-
em Sao Paulo em 1914, grac;as a atua<;iio pessoal de litica. A volta as fontes da arquitetura "nacional" ofe-
Ricardo Severo, seguido logo depois por Victor Dubu- recia um meio de afirmar em publico a personalidade
g:as, ~iio foi. ne~te Estado que ~lcan9ou grande expan- brasileira e a maturidade do pais 09 . Assim, bastou que
sao e 1mportanc1a em termos h1st6ricos. Alias, nem se surgisse no Rio um defensor resoluto da arte neocolo-
poderia esperar o contrario, pois as circunstancias niio nial, dotado de vigorosa paixiio aliada a um dinamismo
eram favoraveis. Na epoca colonial, Siio Paulo niio sem precedentes e cuja fortuna pessoal !he dava gran-
passava de uma grande aldeia bastante pobre, que niio des meios de a9iio, para que o movimento neocolonial
chegou a conh~cer o esplendor de outras regioes, como
o Nordeste, Mmas Gerais ou Rio de Janeiro. A prospe• 99. Ali&s, o movimento neocolonial ocorreu s.imultancamentc em to&
a Am~rica Latina e mtsmo nos E1tados Unido1. ·

54
se espalhasse come rastilho de p6lvora. Esse not,vel a sua morte ao que considerava come urns verdade
defensor chamava-se Jose Mariano Filho100 • absolute.
Nao era arquiteto, mas crftico de arte e te6rico. A pregai;:iio apaixonada de Jose Mariano teve gran-
Uma de suas primeiras iniciativas foi a criai;:iio de um de repercussiio entre os arquitetos e o publico erudito.
importante premio, cujo patrono escolhido, com grande O estilo neocolonial encontrou de imediato uma mag-
habilidade, era. Heitor de Mello, arquiteto de prest!gio nffica oportunidade de afirmar-se: a Exposii;:iio
105
Inter-
ha pouco falec1do. Tratava-se de um concurso publico nacional do Centenario da Independencia , inaugu-
(julgado pelo Institute Brasileiro dos Arquitetos em s rada em 1922. Alguns dos pavilh6es brasileiros eram
de setembro de 1921) "destinado a incrementar os es- inteiramente academicos, mas a sua maioria (e indis-
tudos preliminares visando a criai;:iio de um tipo de cutivelmente os melhores) prendja-se ao novo estilo,
arquitetura nacional, inspirada diretamente no estilo considerando "sfmbolo da emandpai;:iio artfstica do
das construi;:oes arquitetonicas sacras e civis feitas no pafs", cem anos ap6s a sua emancipai;:iio polftica. Qua-
Brasil durante o perfodo colonial"101 . Era uma manobra se nenhuma dessas construi;:6es subsistiu ate hoje, pois
habil: de um !ado, confiando a constituii;:iio do juri a eram geralmente provis6rias, mas provavelmente -~o~-
organizai;:iio profissional que representava todos os ar- sem obras de qualidade e contrastassem, por sua ongi-
quitetos, e de outro, conseguindo que os projetos fos- nalidade, com o ecletismo da maioria dos pavilh6es
sem expostos no Saliio Anual da Escola de Belas-Artes, estrangeiros. Um dos mais tfpicos era o Pavilhiio das
Jose Mariano Filho assegurava para sua concepi;:iio da Pequenas Industrias, de Nestor de Figueiredo e C. S.
arquitetura uma grande publicidade e uma ampla pe- San Juan (Fig. 21); o qua! tinha buscado inspira<;:iio no
netrai;:iio nos meios que desejava conquistar102 • Dessa ·.
maneira, conseguia obter uma especie de reconhecimen- '·
to oficial de sua tomada de posii;:iio e trai;:ava um pro-
grams para o futuro.
Jose Mariano valorizava fundamentalmente o as-
pecto plastico103 , mas, de acordo com seu ponto de
vista, o estilo neocolonial niio devia limitar'.se apenas
a retomar as formas do seculo XVII ou XVIII: devia
ser expressiio de novas formas, fieis ao mesmo te.mpo
ao espfrito do passado e ao do presente. Essa ideia de
procura criativa, niio estando vinculada il. forma mas
ao conteudo, podia dar uma contribuii;:iio fecunda, mas
niio se aplicava ao setor especffico que interessava a
Jose Mariano. Este niio percebeu a contradii;:iio basica
criada ao limitar suas preocupai;:oes ao aspecto formal:
o vocabulario arquitetonico e decorative da epoca colo-
nial correspondia a utilizai;:iio de determinados mate-
riais, a detenninados usos e a um determinado tipo de
sociedade; desejar manter parte <lesses elementos, limi-
tando-se a fazer algumas variai;:oes sobre os mesmos te- Fig. 21. Nestor de FIGUEIREDO e C. S. SAN JUAN . Pa-
mas, quando seu significado profundo e sua verdadeira vilhiio das Pequenas Industrias na Exposi~iio Inter-
raziio de ser tinha desaparecido, era o mesmo que cair cional do Rio de Janeiro. 1922.
no . anacronismo que ele queria evitar. Assim, logo se
fechou em um sistema rfgido, elaborando uma verda- Convento de Sao Francisco, em Salvador (Bahia); ins-
deira doutrina e ditando regras que chegavam a abor- pirai;:iio esta transposta de modo muito feliz para um
dar detalhes muito precisos 104 , permanecendo fie! ate tipo de ediffcio de finalidade hem diversa; o grande
frontiio rococ6 decorado com azulejos, as duas galerias
!(JO. Seu nome complcto era Jose Mariano CARNEIRO DA CUNHA, laterais superpostas lembrando a elevai;:iio dos claus-
mu sem,prc asainou os livro1 e artigos apcnu com os prcnomes. tros franciscanos, as torres <las extremidades e todos os
101. A.rchitutura no Brasil, n.o J, out. de 1921, pp, 38-39 e pp. 45-46.
102 . 0 tema proposto era o projcto de um sobrado, dcstinado a um motives decorativos eram tomados de emprestimo il. ar-
terreno de 20m de largu.ra por 50m de profundidadc, c um or~amento de quitetura religiosa barroca, mas estavam integrados de
100 000 mil•ttil. As condiccies impost.al cram: l) todos os motivos arqu.ite•
t6nicos, dccorativos ou da constru-;io dcviam inspirar-se exclusivamut, em modo notavel no programa funcional de um pavilhiio
motlelos jd uislenl,s "o Brasil; 2) todOs essts tnotivos teriam um tratamen-
to arquitet6nico tradicional (colunas galbadas, ai~ du . arCBdas reliaixados, adaptado ao clima do pafs, com suas longas galerias
etc.); 3) uso uclusivo da ordetu. toacanaj .f.) uso de materiaii tradicionais;
5) peritita adaptac;io ls COndic;Oes d&' v:i,da moderna (respeito a01 rcgula-
para exposii;:iio abertas dos !ados para permitir uma
agradavel circulai;:iio do ar.
~en~:~d~cl~\e~ de PB~1~~u::,ln~~e~ ~ - a e~ 1:ili~"!:~c:
d.iu, depoit. do ence~ento do Salio da Escola de Belas-Art~s_, onde os Eram mais simples o Pavilhiio de Cai;:a e Pesca,
proJelol senam exp01tet1. de Armando de Oliveira, onde havia uma feliz combi•
103. Alli.I, o concuno foi julgado ncsse aentido , . 0. tr~s crit~rios ado-
tados foram, pela ordem : 1) melhor utilizal;io dos element01 artisdcos co- na9iio de elementos caracterfsticos da arquitetura rural
lonials na composic;iO da fachada; 2) melhor dittribui~o da planta; 3)
custo da constru?o. Era a conaa~O ilbsoluta · do upecto decorativo, i
do Nordeste brasileiro, e a grande ports monumental
o primeiro prfm10 coube a Nereu Sainpaio e Gabriel Femandes1 embora norte, de Raphael Galviio e M. Brasil do Amaral, tra-
o Juri julgaae a planta pouco aatitfat6na e o orc;amento maxi.mo prcvisto
tenha lido ultrapassado.
104. .Arditeclura no Brlffll, n.9 24, set. de 1924, p. 161 («O. Dez 105. Ibid. , D ,9 3, dez. de 1921, pp. 93-112 (dcsenho,, eleva,;C>el e plan•
Mandamentos- do Estilo Neocoloniab). ta,). [b;d., n.• 24, ,ct. de 19'l4, pp, 143-157 (fotografiu).

55
y

tada com uma sobriedade que acentuava os elementos do prem10 Het'tor de Mello em 1921) parecia um .con.
A •

tomados de emprestimo a arquitetura tradicion~l. ~ vento do seculo XVIII, o de A~g:1o 8 ru hns osc1lava
unica obra neocolonial da exposi9ao que existe ate hoie entre a arquitetura laica e a rehg1osa, o de Raphael

Fig. 22 . Arquimedes MEMORIA e F. CUCHET. Fig. 23 .


Pav(lhiio Angelo BRUHNS e Jose ~ORT_EZ. Escol~ Norma
das grandes industrias na Exposirlio_ In~ern (hoje Instituto de Educa~ao). Rio de Janeiro . 1926-l
do Rio de Janeiro (atual Museu H1st6rico acio~a
Nac10-
l
1930. Fachada.
nal). 1922.

e o atual Museu Hist6rico Nacional Galvao e Edgar Vianna tinha encontrado o equilibria
(Fig. 22), na epo- monumental necessario,
ca Palacio das Grandes Industrias, obra de Mem6ria mas as custas das solu96es
e Cuchet. Em princfpio, nao passava da restaura9ao do funcionais; s6 o projeto vencedor, do jovem Lucio Cos-
antigo arsenal de 1762, mas na realid~de foi feita uma ta, resolvia perfeitamente os probl emas de distribui9ao
reconstru9ao completa, onde os arqmtetos demonstra- interna e de circula9ao, conservando ao mesmo tempo
ram grande liberdade de interpreta9ao e um conjunto um grande parentesco formal com a arquitetura da epo-
muito bem resolvido, cujo principal atrativo e seu jogo ca colonial.
cromatico: o rosa dominante das paredes se harmoniza A mais importante realiza9ao oficial no estilo neo-
perfeitamente com o cinza de reflexos azulados dos colonial foi a Escola Normal do Rio de Janeiro (hoje,
pilares de canto feitos de pedra aparente, com o mar- Instituto de Educa9ao) , obra de Angelo Bruhns e do
rom escuro das galerias de madeira <lo andar superior, portugues Jose Cortez (construfda entre 1926-1930) .
com o azuJ e branco dos azulejos e das telhas envemi- Nela, percebe-se mais uma vez a inspira9iio da arqui-
zadas no avesso dos beirais. Alias, a reabilita9iio da tetura monastica, tanto na parte externa (Fig. 23) ,
cor foi uma das contribui96es indiscutfveis do estilo quanta internamente. 0 patio, com sua fila tripla de
neocolonial , primeira manifesta9iio de uma tendencia galerias superpostas , faz lembrar os antigos colegios
que, mais tarde, sera encontrada na arquitetura "mo-
dema" local.
0 sucesso do neocolonial na exposi9iio intemacio-
nal de 1922 teve profunda repercussiio; o estilo niio
apreciado apenas em termos locais , mas tambem elo-
giado pelos estrangeiros , encantados com o exotismo
que ele exalava; por sua vez, esses elogios refor9aram
o entusiasmo brasileiro pelo movimento, que a partir
de entao passou a contar com o apoio oficial declarado.
Em 1926, quando o Ministerio da Agricultura instituiu
um concurso para a escolha do anteprojeto do pavilhiio
do Brasil na Exposi9ao de Filadelfia, a primeira condi-
9iio do programa era a ado9ao do estilo colonial. Os
seis projetos apresentados pelas figuras de proa do se-
tor eram muito distintos, mas evidenciavam as dificul-
dades com que se deparavam os arquitetos quanta ei
escolha do caminho a seguir106 : os dais projetos de
Elisario Bahiana pareciam grandes casas residenciais,
o de Nereu Sampaia e Gabriel Fernandes (vencedores
- -=
106. Ibid., vol. V, abril-maio de 1926, n.o 28, pp. Fig. 24 . Angelo BRUHNS e Jose CORTEZ. Esco/a
117-118. Normal.
Rio de Janeiro . 1926-1930. P61io central.
56

.IO
jesuitas (Fig. 24), enqu~nt~ _o corpo central da fachada
gradayiio cuidadosamente ~stud ad~, q1;1e ~vam
um equilibrio entre a l6g1ca e a imagm ayao, eq
:u~~
se assemelha sos fronhsp1c1os de algumas igrejas de va num encan to · espect·at· .Os e1e-
mwto
esse que resulta
conventos da regiao de Pemambuco. Contudo, o cunho mentos decorativos eram tomados de emprestuno ao
classico esta presente tanto na simetria absoluta do con- mas nao se exclufa pesquisas novaseem outros
junto, quanto nas ranhuras que ressaltam a austeridade Passado ' . para
setores. Alias, quando construm na mesma . poca
do terreo, austeridade essa que contrasts com uma certs a familia Daudt de Oliveira duas casas gem!n adas com
exuberancia decorativa dos demais andares. £ visive! um jardim com um , Lucio Costa sou be alrar a seme-

. ·,
111
terem os arquitetos pretendido dar ao edificio um ca-
rater monumental, o que pensavam s6 ser possivel atra- ~ -~ ~=
ves de um equilfbrio do todo, mas sem excluir a fantasia
nos detalhes .
107
Mais ainda do que nos edificios publicos, o neo-
colonial triunfou na arquit etura residencial, mas e
6
l .
.-=;;:l
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I•
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. . . f.:$'(~\-7..J ~. -~ -
curioso notar que a maior aceitayao em termos quan- r ;:::.f.,JC..! , ~- _ :a:,:... , - •-

titativos nao foi de um estilo de origem aut6ctone, e .-•·-...i.rJ. - ..• '""''.k~ --


sim a moda das casas "missao espanhola", importada t- -r-

+ro-~ .
~ ;_-
dos Estados Unidos por Edgar Vianna. Esse estilo com

J
maciyas arcadas em arco-pleno, colunas torsas, reboco
grosso em relevo com desenh108 os informais lembrando
vagam ente a decora yao arabe , nao sera examinado
mais detalhadamente pois tambem nao passou de um.:i
forma de ecletismo ex6tico, de interesse limitado. Me- . J1
L t=:~ffi1·1<r~-- -
·_µ~ ~ -J-r--'"'·-~'! ~-~ ! -~~ ®
rece maior atenyao a verdadeira conversao ocorrida na
Escola de Belas-Artes, em 1925, cujos formandos apre- •· ~;l~j '?"-1~-.~ ..·· .la··..
I.
~~
. :.: •., .•
~~ ~ ~
·- . .
sentavam projetos em estilo neocolonial, destacando-se .~

dentre eles os de Attilio Correa Lima e Paulo Antunes


Ribeiro109 que, a seguir, iriam destacar-se em outro -J..~ r~ ·: , ... • - ··-

caminho, o da arquit etura "mode rns". 0 arquiteto mais Fig. 25. Lucio COSTA e Fernando VALEN TIM. Projeto
intimamente vinculado a essa dupla aventura, cuja per- para a casa de Raul Pedrosa, na Rua Rumania. Rio
sonalidade marcou tanto o movimento neocolonial, de Janeiro . 1925. Plantas.
quanto o movimento racionalista posterior, foi sem du-
vida Lucio Costa. Pode parecer estranho que um jovem
de vinte e quatro anos (em 1924, quando se formcu
pela Escola) tenha conseguido tamanha ascendenc.
sobre seus colegas assumindo rapidamente o papel t ;
lider, mas o fato e explicavel: sua vasta cultura, a f(Jt-
mayiio parcialmente europeia, a seguranya de seu gosto,
a grande modestia e o apoio de Jose Mariano foram os
elementos essenciais de sua rapids ascensao. Associado
a Fernando Valentim, projetou e construiu uma serie
de casas de estilo neocolonial de interesse consideravel,
pois ja continham o germe da evoluyiio que alguns
anos mais tarde o levou ate a nova arquitetura. A 110 titulo
de exemp lo, vejam os o projet o de Raul Pedro sa ; o
aspecto geral era tipico do neocolonial, mas havia uma
coerencia total entre a disposiyiio da planta (Fig. 25) ..
e a distribuiyiio dos volumes (Fig. 26); cada um destes
correspondia a uma parte bem definida da casa (da
esquerda para a direita: partes baixas destinadas aos
empregados, bloco principal com planta em "L ", poi··
tico encimado por um terrayo, atelie); a hierarquia Fig. 26. Lucio COSTA e Fernando V ALENTIM. Projeto
para a casa de Raul Pedrosa, na Rua Rumania. Rio
entre essas partes era nitidamente marcada por uma de Janeiro. 1925. Eleva~iio.
diferenya de altura, mas nao havia qualquer rigidez; a
composiyao era livre e o jogo dos telhados de uma,
lhanya entre elas com varia;:oes que evitav am uma si-
duas e quatro aguas estabelecia uma transiyao e uma
metria absoluta, tanto em planta, quant o em elevayao
que decoram
l07. Como u coruju (,imbolo da cibcia) dos azulejosno patio, atru
a fim de obter uma unida de que desca rtava qualq ue;
• parte de baixo du telhas dos beirais do p6rtico situado trayo de monumentalidade capaz de pertur bar a intimi
-
d• fachada. ser muna
pp. 16-23 (fotogra- dade, rnonumentalidade essa sem razao de
Ii 108. Archiltclura no Brasil, n.• 25, nov. de 1925,
w, corte, e elev~oe ,) . simples residencia familiar. Mais perspi caz do que os
109. Ibid., pp. 25-33.
a, planlal
110. Ibid., n.o 27, fev.-mar. de 1926, pp. 86-87 (elev~o 258-250.
• cortoa), 111. Arquil,tura • Urbaninno, n.o 5, set,•out. de 1958, pp.

57
arquitetos mais idosos que ele, Lucio Costa logo per- (e ate mesmo pavilhoes de exposic;iio que se assernelh
cebeu que a ad~ iio de um "estilo" niio bastava para varn ff este ultimo genera) , mas nunca (a menos a.
resolver os problemas. Enquanto Jose Mariano louvava se caisse na arbitrariedade total) predios de escrit6iiue
a necessidade de o neocolonial ester perfeitamente au de apartamentos, fabricas e outros edificios tipi~s apr,
adaptado a vida moderna, mas dando ao aspecto for- da civiliza9iio· industrial. Par conseguinte, tudo n-s um
I . h ,. . d ac ius
mal uma importancia ta! que se tornava prisioneiro de passava de s1mp es capr~c o esk tico e natureza eru. na:
um sistema 112 , enquanto m\jitos de seus colegas incor- dita e nlio de uma solu9ao para o future. nli
riam no erro de querer imitar fielmente os detalhes da . Contudo, n_lio se de~e i,u~gar o m.ovimento neoeo.
arquitetura ..de epoca colonial, continuando assim es- Jamal em fun9ao d~ ~~nc1p10s ;;.era1s, mas sitn em de
pl
cravos de um ecletismo de ·carater hist6rico e de um fun9lio de sua contnbu19ao para o contexto brasileiro• n
decorativismo superficial, Lucio Costa tinha compreen- ora, essa contribuic;ao niio foi nada desprezivel. Deix;.
r
dido que era preciso nao se ater a interpreta9iio literal, remos de lado o aumento de interesse que m, epoca se
~as procura_r tambem encontrar o espfrito que presi- manifestou pela arquitetura autentica da epoca colonial.
d1:a ~o nasc1mento dessa arquitetura colonial: ora, seu Ao contrario do que se possa pensar, o movimento neo-
prmc1pal valor era o de ter trazldo, principalmente pa- colonial niio foi apenas uma conseqilencia desse reno-
II ra a constru9iio civil, uma resposta satisfat6ria aos vado interesse pela arquitetura colonial; num primei.ro
problemas decorrentes das necessidades da epoca; por- momenta ele contribuiu para o aprofundamento do co-
tanto niio bastava tomar de emprestimo seu vocabulario nhecimento que se tinha dessa arquitetura115 e conse-
arq_uit~tonico, era preciso tambem transpor sua perfeita qtientemente ajudou a conserva<;lio de um patrimonio
l6g1ca mterna para termos contemporaneos. A profunda artistico, cujo valor vinha sendo esquecido. lsso foi de
compreensao do· sentido verdadeiro da arqu,te'.Jra do grande valia, mas apresenta um interesse apenas indi-
pass~do, assim manifestada por Lucio Costa, era um reto para nosso trabalho. Tambem e precise constatar
c?~s1deravel passo a frente, que o distanciou em defi- que o neocolonial produziu algumas obras de inegavel
rutlvo de um ecletismo esteril. S6 faltava agora liber- valor estetico, por exemplo, o atual Museu Hist6rico
tar-se de um vinculo sentimental a um formalismo, Nacional; o fato de ser um exemplo perfeito de arqui-
apenas extemo, para que um futuro brilhante se abris- tetura completamente voltada para o passado, em nada
se a sua frente. diminui suas qualidades intrinsecas; ate entao, nenhum
Procedendo-se a um balan90 do movimento neo- resultado equivalente tinha sido alcan9ado com os ou-
colonial, conclui-se que ele foi bastante positivo, apesar tros estilos contemporaneos116 . Mais importante entre-
da contradi9ao que o condenava desde a origem. ~ ver- tant~ ~ o fat~ ~e alguns pioneiros da nova arquitetura
dade que, no conjunto, ele foi essencialmente um retor- bras1le1ra (Lucio Costa, Ath1io Correa Lima, Paulo
no um tanto nostalgico ao passado. 0 fato de ter em- Antunes Ribeiro, Raphael Galvao e out.cs) terem pas-
pregado de modo diferente elementos antigos ou mesmo sado por uma fase neocolonial antes de se tomarem
de ter imaginado algumas variantes originais113 nao discipulos de Le Corbusier. Certas particularidades do
basta para dar a esse estilo um verdadeiro carater cria- mov~mento racionalista brasileiro nao poderiam ser
tivo, uma real independencia; as tendencias arqueol6- exphcadas sem se levar em considera~o esse £ato evi-
gicas predominam nitidamente. Havia alem de tudo, dente. At! i:nesmo Niemeyer, que sempre recusou tomar
por parte da maioria dos arquitetos, um desconheci- ?e e1!1p~esh~o formas do passado, jamais renegou a
mento dos principios basicos e da diversidade da arqui- mfluencia d1fusa que a arte colonial teve sobre ele em
tetura luso-brasileira dos seculos XVII e XVIII; nao cons~quencia do ambiente que o cercava117 • Enfi~. a
se fez uma diferenciatriio entre a arquitetura laica e a arqu1tetura neocolonial foi o simbolo de uma tomada
religiosa, nem se levou em conta as varias diferentras de consciencia nacional, que a seguir iria se desenvolver
regionais existentes. A preocupatriio predominante com e dar um carater particular as realiza9oes brasileiras.
a forma decorativa levou a tomar de emprestimo e a Por ~o~seguin~e, por mais estranho que possa parecer,
misturar sem discernimento o repert6rio utilizado nas a priori, o estilo neocolonial constituiu-se nuroa transi-
construy5es mais ricamente ornamentadas, isto e,
nas 9iio necessaria entre o ecletismo de carater hist6rico,
igrejas da Bahia e de Pemambuco, para aplica-lo a edi- do qual era parte intrinseca e o advento de um raci.o-
ficios de finalidade totalmente diversa114 • Dessa con- nalismo modemo, cuja origem foi a doutrina de Le
fusao entre os generos e desse arbftrio resultava uma Corbusier, mas cuja grande originalidade local nao po-
inevitavel artificialidade. Enfim, e acima de tudo, essas de ser questionada.
pesquisas puramente plasticas (ou quase) desviavam,
os que a ela se dedicavam, do estudo de solu~oes para •••
os problemas contemporaneos; e
claro que se podia
construir em estilo neocolonial igrejas, casas e palacios reahzados, . _115 . Muitos levantamentos de arquitetura luso-bnuileira loram entio
tendo em vista sua eventual utiliza,;io pelos arquitetos contelll;·
po.ran~os. Cf. F, RANZlNI Estylo Colo11ial B,asilei,o: Composi,oes .Arch•·
tectonicas ,d, Motivos Orielna,s, Siio Paulo, 1927, <IQ ilustra,;oes.
112. ~lias, Jose ~•no_nio se limitou a teoria, mas fez, ele mes•
mo, o proJeto _de sua ~es,_clenaa, o Solar do Monjop~, uma corutru)a·0 de 116. Basta comparar o Museu Hist6rico Nacional com o [raco Palicio
grand~ porte intermediaria entre casa e palacio no bairro do ardim da Camara dos Deputados, dos mesmos arquitetos, Mem6ria e Cucbet, pai;a
Botln1co. ' perceber que, em mat~ria lie ecletismo o estilo neocolonial correspondia
melhor is. possibilidades locais do que u~ pseudoclassicismo superficial lruto
I ~3, Como as telha.s vitrilicadas com liguras uuis sobre !undo branco da total 1ncompreensio dos atrativos do neoclauicismo.
que sao encontradas com freqiicncia ,ob os beirais do, telbados.
117 . . Ora, we Cli!IIA dovia-se parcialmente ao sucesso da arquite~Ul'I
114, De fato, poucas fonun as ignjas construldas em estilo neocolonial neocolomal, que cotutitula ,em duvida um contra-senso hist6rico • 16gico,
e elas apresenta!D um interesse apenas limitado. Pode-se citar: a do bairro ~ii! que co~~buiu para a revaloriza~o da arquitttura luso-bnuileira tra·
da Urea no. Rio, de Faro Filho, e a do Convento do Carmo em Sio d1c1onal, fat1htando seu estudo e divul~o e mesmo em alsuns casos, ,ua
Paulo (19'l8). '
compreensio prolunda,

58
-
Portanto, no periodo que vai de 1900 a 1930 ambos perceptiveis nas classes dirigentes do pafs. 0
aproximadal!1ente, a ar9t_Jit~tura no Brasil passou por apelo sistematico a estrangeiros vindos dos quatro can-
um certo numero de v1c1ss1tudes. Os estilos hist6ricos tos da Europa trazendo consigo as caracteristicasdAlo-
' , s6 serviu para refor9ar a ten en-
justapuseram-se ou. sucederam-se num ritmo impressio- cais de que gostavam
nante, sem conseguir lan9ar bases duraveis . Com efeito cia para a diversific a9ao. De fato, e necessario !azer
nao tinha sentido querer manter e adaptar as forma; uma c·onstata9ao espantosa: durante todo esse peno~o,
do passado a programas novos, possibilitados pelo em- sao raros os arquitetos brasileiros que chamem aten9ao;
p~ego ?e novas tec:nicas e. mat~riais; esse fato, porem, e mais, aqueles que na epoca gozavam de maior reno-
nao fo1 compreend1do de 1med1ato, e o que tinha ocor- me (Ramos de Azevedo em Sao Paulo, Heitor de Mello
rido no seculo anterior na Europa, aconteceu no Brasil no Rio, por exemplo) mostr~ram-se os mais fi~i~ d.e-
no come90 de.ste. seculo. S6 se percebeu com atraso que fensores das tradi96es europe1as e os menos ongma1s.
o ferr?. e, prmc1palmente, o concreto armado podiam Os primeiros sintomas de um desperta r propriam ente
s~r utihzados de modo ao mesmo tempo racional e es- brasileiro e de uma procura de unidade estilistica s6
tetico, de maneira a gerar um novo estilo, que rompesse come9aram a manifestar-se a partir de 1920, quando
com o que se tinha feito ate entao. Assim, nao se deve aos pouco~ o movimento neocolonial foi se impondo .
ver no triunfo do ecletismo ate por volta de 1930, o Este, porem, nao era mais do que um beco sem safda;
reflexo automatico de um atraso tecnico118 e o indicio nao podia frutificar sem que ocorresse uma profund a
de um desconhecimento das possibilidades materiais transforma9ao na maneira de encarar os problem as.
dos novos meios de constru9ao; os arquitetos sabiam Por conseguinte, mais uma vez foi preciso apelar para
servir-se destes perfeitamente, e fizeram-no com fre- a cultura europeia (mas desta vez para a cultura con-
qiiencia, mas sem abandon ar o antigo vocabulario 119 ar- temporanea) , antes que o arquiteto brasileiro fosse ca-
quitetonico, reduzido a um papel puramen te formal • paz de trilhar seu pr6prio caminho e encontra r uma
Essa atitude era fruto de uma escolha voluntaria, ex- solu9ao para o futuro. Essa reviravolta esbayou-se de
plicada por um apego conservador a principios supe- modo timido por volta de 1930, data que, sob todos os
rados e por um complexo de inferioridade generalizado, pontos de vista, e um marco na hist6ria do Brasil.

118. 2 clan, que cid,tia eue atruo nu pouibiliclad a .Jfereddaa pelo


local, mu IMO era compensado pela (adlidade de l m ~ o.
119. Aliu, CACI arqultetol cram na mal_o rla euro~111 ou t!nbam.-te
formado no nterlor, como Jtamoo de Azevedo. Conheaam per(utaiaen tc
01 prosreao, lfctuadoo no aetor cla con1&u~io.

59
2. AS PREMISSAS DA RENOVACAO
(1922-1935)

Para abordar o problema das origens da r-e.nova9lio suas origens, a dualidade do "modernismo" brasileiro,
da arquitetura no Brasil, impoe-se um recuo no tempo. na tentativa de sintetizar preocupa96es ao mesmo tem-
Assim como evidentemente os estilos hist6ricos nlio po revolucionarias e nacionalistas.
desapareceram de um momento para o outro1 , o movi- Nern os escritos de Oswald de Andrade, nem as
mento "moderno " nao surgiu repentinamente. Por mais primeiras exposi96es expressionistas realizadas em Sao
que assim possa parecer, ele e no entanto resultado da Paulo por Lasar Segall (mar90-abril de 1913) e Anita
evolu9ao do pensamento de alguns grupos intelectuais Malfatti (maio de 1914) provocaram controversias
brasileiros, especialmente paulistas, evolu9lio essa que dignas de nota. 0 mesmo nlio ocorreu com a segunda
criou um minimo de condi96es favoraveis, sem as quais exposi9lio de Anita Malfatti, realizada de 12 de de-
as primeiras realiza96es do genero nlio teriam frutifi- zembro de 1917 a 10 de janeiro de 1918, que alcan9ou
cado. ~ necessario, portanto, analisar rapidamente esse relativo sucesso, tendo a critica se mostrado inicial-
fenomeno antes de se proceder ao exame das posi96es mente prudente. No entanto, um artigo de Monteiro
te6ricas assumidas pelos arquitetos de vanguarda e das Lobato4, acendeu subitamente o estopim. 0 prestigio
obras pioneiras do movimento. ·do autor, que chamava a artista de "ser bizarro", com
vislio anormal, levou .milhares de paulistas a compar-
1. A VANGUARDA PAULISTA E A SEMANA tilhar de sua opiniao: quadros adquiridos foram de-
DE ARTE MODERNA2 volvidos, recaindo o descredito sobre a jovem que,
profundamente atingida por esse ataque pessoal, passou
Os movimentos de vanguarda europeus, que agita- a duvidar de si mesma. A atitude pouco elegante de
ram as letras e as artes no inicio do seculo XX, nlio Monteiro Lobato teve, porem, um resultado aparente-
tiveram repercusslio alguma no Brasil, ate o termino mente paradoxal, mas perfeitamente 16gico nesse con-
da Primeira Guerra Mundial. Contudo, desde 1912, texto: um grupo de jovens da sociedade paulistana,
o poeta Oswald de Andrade, que tomara conheci- ciosos de afirma9ao nas letras e nas artes 5, organizou-se
mento em Paris do Manifesto de Marinetti, empenha- em torno de Anita Malfatti, considerada vitima da
va-se na divulga9lio dos principios futuristas; embora incompreensao de seus concidadaos. Constituia-se,
rejeitasse integralmente, como seu colega italiano, os assim, o nucleo dos futuros organizadores da Semana
valores do passado, deles se valia para exigir uma de Arte Moderna de 1922. Oswald de Andrade assu-
poesia e uma pintura "nacionais", inspiradas na miu a lideran<;:a do grupo e respondeu a Monteiro
"paisagem, na luz, na cor, na vida tragica e opulenta Lobato num artigo publicado no /ornal do Comercio
do interior do Brasi1"3 • Fica assim evidenciada, desde de 11 de janeiro de 1918, um dia ap6s o encerra-
mento da exposi9ao. A polemica estava lan<;:ada, encon-
1. Vario, vestlgio.s dele, podem ainda scr encontrados, apesar do pres- trando assim os jovens rebekles um meio de romper
tlgio da arquitetura «modema».
2. M. DA SILVA BRITO Historia do Mod1rnismo Brasileiro. I. An- com o confinamento a que estavam reduzidos.
tecedenter da Semana de Arie 'Moderna, Sio Paulo, 1958, in•oitavo , lnfc.. 0 impacto provocado pela exposi'riiO de Anita
lizmente, essa obra fundamental sc dctem nos antecedentcs da Semana de
Arte Modema nio tendo lido publicado o scgundo volume. Quanto a Se-
mana, podt-se' consultar os depoime,nlos re~olhid'!" pelo io"!al O _Estado d, 4. Publicado em 20 de dczembro de 1917, na edi~o vespertina de O
S. Paulo por ocaliio do quadrages1mo aruvenario da man1fes~ao: Suple- Estad~ d, Sao Paulo e integralmente transcrito por M. DA SILVA BRITO '
mento Llteralrio, n.9 269, 17 fev. 1962, e n.• 277, 14 abr. 1962. op. <ii. , pp. 45 a 49.
. 3, «Em prol de uma Pintura Nacional», 0 Pirra/ho, n.• 168, 4.o ano, 5. Oswald de. A1;1drade, Mario d~ Andrade, Guilherme de Almeida,
2 Jan. 1915 Alia. 0 futurismo de Oswald de Andrade era, antes de tudo, Agenor Barbosa, Ribeiro Couto, Clndido Mota Filho' Joio Fernando d e
litcralrio. P.;...ce U:csmo ter desprezado ou ignorado 01 manife,tos de Boccio- Almeida Prado e o pintor Di Cavalcanti.
nl e Sant'Elia ■obre escultura e arquitetura futurutas.

61
Malfatti atenuou-se aos poucos, mas os contatos esta- a de uma semana de arte modema, da mesma forma
belecidos nessa oportunidade favoreceram a conscienti- como existiam as semanas de moda. Inicialmente, foi
za9ao desses intelectuais insatisfeitos quanto as suas prevista apenas uma exposi9ao de pintura e esculturas,
possibilidades. 0 grupo organizou-se objetivamente em acompanhada de conferencias e sessoes de leituras poeti-
1920, mas nao deu inicio imediato as hostilidades. cas, na livraria de Jacinto Silva, este sempre pronto a
Come9ou-se por contemporizar, obtendo inclusive o colocar a sua livraria a disposi91io do grupo futurista.
apoio de Monteiro Lobato, visando impor as autorida- O apoio financeiro do rico cafeicultor Paulo Prado, a
des o reconhecimento do valor de Vitor Brecheret, interven9ao de Gra9a Aranha, o dinamismo do escritor
escultor descoberto por Oswald de Andrade, Di Ca- Rene Thiollier, principal organizador, fizeram com que
valcanti e Menotti del Picchia. 0 projeto de Brecheret a manifesta9ao se revestisse de um carater excepcional
para um monumento as bandeiras nao foi realizado, e encontrasse um contexto proporcional as ambi96es
conforme previsto, para a comemora9ao do centenario dos que a tinham imaginado: a loca9ao do Teatro Muni-
da lndependencia, em 19226 • Teve no entanto acolhida cipal transformou-se num acontecimento da vida paulis-
favoravel da critica, quando apresentado ao publico tana, o que nao teria passado de um fato de pequena
ern 28 de julho de 1920. No ano seguinte, uma estatua importancia. Inaugurada em 13 de fevereiro de 1922,
de Eva era adquirida pela Prefeitura e colocada no a Semana desencadeou paix6es e atingiu seu objetivo:
Parque Anhangabau, no centro da cidade, enquanto pouco importava tivessem sido as conferencias vaiadas
o artista ganhava uma bolsa do governo do Estado com freqi.iencia e a critica severa quase sempre enca-
para ir a Paris. Tais fatos encorajaram os "futuristas"7 rado as manifesta96es como uma palha9ada digna de
a empunhar armas. Em 9 de janeiro de 1921, quando um circo e niio da literatura e das artes - o impacto
do banquete oferecido a Menotti del Picchia pelos emocional havia sido consideravel, pelo menos em Sao
principais literatos paulistas de entao, Oswald de Paulo10•
Andrade8 fez um discurso em que ressaltou ser a Nao se deve porem exagerar quanto as suas reper-
obra do homenageado somente aceita pelos "conserva- cuss6es imediatas no piano literario e, sobretudo, artis-
dores", e proclamando pertencer este ao grupo dos tico. Com o passar dos anos, criou-se uma certa mistica
jovens inconformados que tinham a firme determina9ao sobre a Semans da Arte Modema, sendo apresentada
de se afirmarem. 0 espanto que atingiu inicialmente como uma transforma9ao decisiva, uma verdadeira revo-
os meios criticados - sem entretanto faze-los protes- lu91io radical, de incalculaveis conseqi.iencias. Na reali-
tar - cedeu lugar rapidamente a uma rea91io violenta, dade, seus participantes niio tinham nenhum programa
quando Oswald de Andrade franqueou a Mario de coerente11 • 0 denominador comum era sobretudo de
Andrade as colunas do Jornal do Comercio, para que natureza negativista e demolidora: a ruptura com o
ali publicasse uma serie de artigos sobre os "mestres passado e a independencia cultural frente a Europa -
do passado"9 • Todos os literatos brasileiros da gera91io especialmente Portugal e Fran9a, paises que haviam
anterior e cujo prestigio estava entao no auge, eram ai marcado de modo mais profundo a literatura e as artes
solenemente enterrados, como gl6rias defuntas, sem brasileiras - eram os dois pontos fundamentais, de
interesse algum para as futuras gera96es. Em outubro uma clareza por sinal ilus6ria. A revolta contra a tra-
de 1921, os dois Andrade, lfderes do grupo, foram di91io e o retorno as fontes primitivas, que caracteriza-
ao Rio de Janeiro manter contato com os intelectuais ram o movimento "antropofagico" dos anos seguintes
da Capital Federal para que compartilhassem a inquie- a explosao de fevereiro de 1922, niio podiam ser disso-
ta91io de seus colegas paulistas. Gra9a Aranha, que ciados da atmosfera de Paris, para onde se voltavam
retornava nesse momento da Europa, aderiu ao grupo os olhos de toda a elite brasileira, quer conservadora,
futurista, apoiando-o com todo seu prestigio, assegu-
quer revolucionaria 12 • Mas os responsaveis pela Semana
rando assim uma nova for9a e um novo entusiasmo ao
movimento. em absoluto se preocupavam com suas contradir;oes
internas, com a falta de uma unidade real, das obras
Foi nessa atmosfera tensa que surgiu repentina-
lidas ou tocadas nas salas do Teatro Municipal. Tra-
mente a ideia da Semana da Arte Moderna. Ha varios
tava-se, antes de tudo, de uma manifesta9ao de pro-
meses os jovens paulistas cogitavam uma manifesta91io
para 1922, ano comemorativo do centenario da Inde- 10. De fato, no Rio de Janeiro parece ter sido bem reduzido, lptW'
p~~dencia. ~m novemb~o de 1921, durante uma expo- da participa~io atlva dos literatos canocas e da importlncia do program&
musical qu~ con1!'buiu para o lan~amento d~ jovem compositor local Villa-
s19ao de D1 Cavalcantl na livraria de Jacinto Silva -L~b~. i,:01 praucamente nulo nas outras CJd!ides bruileiras, que, na 1ua
essa antiga aspira91io assumiu sua forma definitiva ~ maiona, ignoraram totalmente a Semana. Cf. os tcstemunhos de persona•
lidades imparciais, eomo Rodrigo Mello Franco de Andrade e Carlos Drum•
mond de Andrade em O Eslado d, S . Paulo, Suplemento Literario, n.• 269,
17 fev. 1962, p. 1.
6 . 0 fato de a eolonia portuguesa de Siio Paulo deaejar tamb~m ofe-
recer um mo!De!1to aobre o mcsm.o tcma (que seria executado pelo escultor 11. Menotti del Picchia propusera um programa futurist& no artlgo
«Na Mare du ReformBD, publicado no Correia Pau/isluo em 24 de i•·
:~~etoo. 0
!;°!'lugue! Teix ra Lopn) criou uma rivalidade, levando ao abandono dos
e:," 1 de Brecheret foi retomado bem mau tanle e inaururado neiro de 1921 (texto reproduzido por M. DA SILVA BRITO, op. ell.,
pp. 164-166) . Mas era um programa vago limitado a algumas ideias gerais
e euencialmente literi.rio. '
deu~· a N~~poa.! este r6tu~o, que era ac~ito pelas pes.sou envolvidu, esten•
os nao-c:onformistas que dcseJavam uma renovati o qualquer e 12 . Sem duvida alguma, ninguem descreven melhor a situa~ o da de-
C) todo, OS quc ae . afastava':11 da linha tradicional, mesmo que discretamente. cada de vinte do que Mario Pedrosa: «Escritores e a.rtistas vindos a Paru
tumo cm~cmuta>, hoJe empregado com frcqilCncia eara designar aque• delro nta~-se com um J?,O,v~ culto por tudo aquilo quc era ingf:nuo, bi.-
1es que . parbapan.m da Semana de Arte Moderna, surg,u bem mau tarde b~o,. ~ntuntelectual! antic1v1lizado, antiocidcntal. Compreenderam a COD·
pan. e\'ltar conlwio com o futurismo italiano. ' tnb?,iu;ao que pod~na ser dada pclos valore.s instintivos c pri.mitivos, que
8 . Texto em M. DA SILVA BRITO, op. cit., pp, 157 a 159. podiam. fazcr surgu de seu pr6prio solo, 1em a ncceuidade de procu.r&~los
9. «Mestns do Pauado», Joma/ do Comlreio de 2 12 15 16 20 e na ~!nca, na Asia ou nas ilhas perdidas do arquipilago oce&nico. Foi
23 de •s01to e l.o de. setembro de 1921. Texto reprod;..;d~ pC:,. M. DA parundo de Montparnaue e de Montmartre que eles descobriram seu pals,
SILVA BRITO, op. ,11., pp. 223 a 276. ~u. evangelho ~aseou-sc, IWim, na !us.io de dois termos opostos : cultura •
msbnto». ( Ar<~1lu lur, d'OMjourd'hui, n.• 50-51 , dez. de 1953, p. XXJ),

62
testo, de um desafio a opiniiio publi .
sua essencia cntica de um certo car..:teca, ~eves_hdo em ao movimento renovador a base financeira indispensa-
. . " r anarqmco vel17. Era apenas o primeiro passo, ao qual poderia se
A prova ma1s ev1dente da falta d • :
. e coerenc1a da seguir o surgimento de uma clientela interessada numa
Semana, enquan to coniunto de propost d arquitetura nova, por pouco que esta tivesse a oferecer
estava na sessiio consagrada 8 arquite:~ra e ~anguard~
em termos de propostas concretas e realizaveis. 0 meri-
zadores contavam com grande num 0 · s. orgam-
quatro pintores (Anita Malfatti Di ct 1
do Rego Monteiro e o sui90 J~hn Grva cant!, Vicente
de . hte_ratos, to de compreender esse fato coube a um jovem arqui-
teto vindo da Europa e chegado a Sao Paulo um ano
(Brecheret)1s, um compositor (Villa-Laozb), u) m escultor depois da Semana de Arte Moderna: Gregori War-
..: ..: • . os ; era tam- chavchik.
b1;ffi necessc1no um arqu1teto para que a expos19ao . _ fosse
1 t R
comp ea. ecorreram, entiio a um espanhol d' d
- P 1 A t · . ra tea o
em Sao au o, n omo Garcia Moya auto d 2 . 0 PAPEL EA OBRA DE GREGORI WARCHAVCHIK
· d as na trad'19ao
·msp1ra - mourisca espanh , r e casas
. o1a, que em
suas •horas 11vres,
. . ..:co. 1ocava no papel desenhos de ' uma
arqwtetura v1s1onc1na . tas por
que agradava aos f u tuns 1. Os primeiros anos e os manifestos de 1925
.. .
sua f1S1onom1a extravagante14. Nada de valido poderia
da{ resultar, e toma-se dificil caracterizar melhor a A configura9lio -favoravel de alguns elementos,
·r
d1·eren9a
t ,
especulat'1vo e gra- conforme acabamos de esbo9ar, nlio deve, entretanto,
d en re . . , puramente
· o carater .
tmto os proietos _v1S1onanos, for~emente,m~rcados _por. insinuar um domfnio antecipado -d a situa9lio; quando
um cu~o p_assa~1sta e as necess1dades concretas, qu'e muito, correspondia ao mfnimo necessario para se cogi-
o arqmteto Jamais pode abandonar. tar uma renova9lio na arquitetura. Em contrapartida,
Portanto, de um ponto de vista objetivo, niio os obstaculos a superar eram imensos: indiferen9a ou
e~erceu a Semana ?e Arte Modema qualquer influencia hostilidade da opinilio publica, incompreensao geral,
d1reta sobre a arqu1tetur?. Isto niio significa, no entanto, necessidade de contornar a legisla9lio municipal, que
que seu papel tenha s1do nulo. Ela criou um clima Iimitava a liberdade de composi9ao, o alto custo dos
novo, revelou ·Um espirito de luta contra o marasmo materiais industrializados (cimento, ferro e vidro), os
intelectual, contra a aceita9ao incondicionel dos val~ metodos de constru9ao ainda artesanais. lndiscutivel-
res estabelecidos. Mesmo que suas conseqiiencias nao mente, era preciso coragem, energia e entusiasmo para
tenham sido imediatas, mesmo que a revista de arte ousar enfrentar tantos problemas de uma s6 vez; para
modema, Klaxon, lan9ada alguns meses depois, nlio ser bem-sucedido, era necessario tambem um certo senso
tenha sobrevivido111, nao resta duvida de que algo de diplomacia e uma grande capacidade para convencer.
mudou no ambiente geral. Alem disso, a unanimidade Nenhuma dessas qualidades faltou a Gregori War-
em contestar e a ausencia de um verdadeiro programa chavchik, cuja a1,lio pioneira merece ser destacada18 .
construtivo, que caracterizaram a manifesta9ao, eram Pode, a primeira vista, parecer estranho que, para
reflexo de uma insatisfa9ao profunda e de uma hesi- a introdu9ao da arquitetura no Brasil, tenha sido neces-
ta9ao quanto ao caminho a seguir. Havia, portanto, uma sario um emigrante russo, formado na Italia, vista nao
predisposi9lio de espirito por parte daqueles que se estar o ~ovimento modernista de 1922 isento de laivos
revoltaram contra a ordem estabelecida, mas que no de nacionalismo. Essa tendencia nacionalista, nlio tinha
entanto estavam incertos quanto a solu9ao apropriada. porem nenhum carater restritivo e nem poderia te-lo,
Tudo isso propiciava no campo da arquitetura condi96es num pafs nova e numa cidade cosmopolita como Sao
psicol6gicas favoraveis a afirma9ao de uma personali- Paulo, cuja riqueza se devia em grande parte a uma
dade decidida, capaz de propor solu96es simples e recente e abundante imigra9ao europeia. Nao existia
precisas e de passar a a9ao. host_ilidade alguma .em rela9ao ao estrangeiro; .pelo con-
I! sabido porem que, para a realiza9ao arquiteto- trar10, era ele ace1to sem restri96es se quisesse inte-
nica, nao bastam as condi¢es psicol6gicas, sendo indis- grar-se a comunidade. Portanto, rapidamente, War-
pensfveis os recursos de ordem material. Mas tambem chavchik foi considerado brasileiro; desde a primeira
neste particular a Semana de Arte Moderna abria novas casa que construiu, a crftica favoravel, notadamente a
perspectivas, a mais ou menos longo prazo. 0 simples dos Hderes da Semana de 1922, insistiu no carater ao
fato de ter sido possivel organiza-la com uma ampli- mesmo tempo "moderno" e "brasileiro" de sua arqui-
tetura19.
tude imprevisivel alguns meses antes era intrinsecamente
significativo: mais do que a pequena subven9ao conce- 17. Mario da Silva Brito (Suplemeoto Literario n.o 2619, p. 4, de
dida por Washington Luis16 governador do Estado de 0 Estado d, S. Paulo de 17 de fev, de 1962) mostrou que a participa~io
de Paulo Prado • de Gra~• Aranha na Semana de Arte Moderna nio foi
Sao Paulo, o elemento promissor era o apoio do rico talvez totalmente isenta de intercssu e que sua o ~ i o tenha talvez
cafeicultor e comerciante Paulo Prado. A converslio de servido de apoio a uma opera~io financeira e comercial de grande porte.
Mas, indepcndentcmcnte disto1 as convic,;Oes estelicas manHestadas por
um dos membros da aristocracia paulista, assegurava Paulo Prado e Grac;a Aranba nio podem ser pastas em duvida.
. 18. 9 que fi~e.ra Geraldo F~r.raz ~• mais de dez anos, quando ini-
aou a sene de artlgos sobre «Jndividuahdades . . , da atual arquitetura bra-
13. Brecheret se encontrava na Fran~ quando foi realizada a Semana, 1Heira» com um estudo sobre Warcbavchilr. (Habitat, n.• 28 mar,;o de
mas deixara esculluru para serem expostas. 1956, pp. 40-48). 0 autor estava tio interessado no assunto 1 qu~ o retomou
H . Moya foi revelado ao grand• publico por ~•notti del Picchia, num numa importante mooografia, compreendendo uma documenta"'io original
artigo do Corr,io Paulutano, publicado em 20 de iulbo de 1927, . particularmente importante (n,cortes de periodicos da epoca ;ntigas foto-
grafiu, pla~tas • desenh~ de todu u _primeiru obras ~e 'warcbavcbilr.):
15 . O primeiro numero duta revista mensal de a.rt• modema f~• Ian• G. FERRAZ, Warchavd,k e a latrodurao da Nova Arqu&1,t11ra no Brasil:
~ado em 5 de maio de 1922· a publi~o foi interromp1da no sexto numero. 1925 a H/40, Sio Paulo, Museu de Arte, 1965.
16. Cinco mil mil-nis• (testemuobo de Reni Thiollier no _Suplemento 19. G. FERRAZ, op. cit., pp. 56-62.
Literario, n.• 277, p. 4, de O Eslado d, S. Paulo de 14 de abnl de 1962).

63
r

veniencias de um estrangeiro do que a trai9iio (ou


Longe de ser uma d~svantagem, a condi~iio de
que a maioria tomasse co~o. ~al) .de um brasi-
estrangeiro beneficiou Warchavchik. Nascido em aquilo
leiro de cepa. Sob esse aspecto, e s1g~1f1ca~1~0 o exemplo
Odessa em 1896, iniciou seus estudos de arquitetura Flavio de Rezende Carvalho, cu1a at1V1dade desen-
de
nessa cidade, interrompendo-os em 1918, quando
volveu-se paralelamente a de Warchavchik: embora for-
emigrou para a Italia; concluiu-os em 1920, no Insti-
mado na Inglaterra e tendo ja em 1927 proposto um
tuto·Superior de Belas-Artes de Roma, tendo trabalhado
projeto "moderno" para a fachada do Palacio do
nos dois anos seguintes como assistente de MarcelJo de Sao Paulo, jamais soube esse
Governo do Estado
Piacentini. Essa forma~iio, embora estritamente acade- e a_falta de recepti-
arquiteto se impor; seu diletantismo
mics, assegurou-lhe uma nitida vantagem sobre seus encontraram Junto a opiniiio
vidade que suas ideias
colegas paulistas, quando emigrou para o Brasil, em ob_tida
ausencia ~e r~per~uss~o
1923, contratado pela maior empresa construtora do publica explicam a _total a pnme!ra_ vista,
obra, cuJO autor parec1a,
pais, a Companhia Construtora de Santos. Com efeito, por uma do que um urugrante
estar mais fadado ao sucesso
I embora o ensino nas escolas europeias permanecesse 22
academico, era mais aberto do que na America Latina. recem-chegado •
I 0 espfrito classico niio estava voltado para a c6pia das O inicio da atividade de Warchavchik foi mar-
formas do passado, nem impedia a pesquisa de uma cado pela prudencia; durante cerca de dois anos, per-
II arquitetura pratica e economics, de volumes e linhas
puras, onde os elementos decorativos fossem reduzidos
maneceu
para a
calado, realizando honestamente o trabalho
companhia que o contratara, e adaptando-se ao
ao mfnimo e correspondessem a uma fun9iio, sem jamais pais que o havia acolhido. Seu conhecimento do italiano
esconder a estrutura do edificio. A preocupa~iio com a facilitou-lhe o trabalho numa cidade onde a colonia
verdade e com a simplicidade e a rejei~iio do orna- italiana era numerosa e pr6spera; assim, foi natural
mento superfluo eram uma tendencia profunda, de ter ele procurado um dos seus 6rgiios, o jornal II Piccolo,
modo algum exclusiva dos mestres de vanguarda fran- quando decidiu passar a a9iio, publicando na edi9iio
ceses, austrfacos ou alemiies; o neoclassicismo monu- dominical de 14 de junho de 1925, um manifesto
23
mental de Piacentini baseava-se nos mesmos princi- intitulado "Futurismo?" Era apenas um primeiro
pios20. Mas Warchavchik niio se limitou as li96es te6ri- passo, de alcance limitado, pois o conteudo desse
cas oficiais. Na epoca, os meios europeus eram agita- artigo era acessivel somente a uma parcela da popula~iio
dos pelas tomadas de posi9iio e projetos revolucionarios paulista; foi por isso que Warchavchik mandou tra-
de alguns arquitetos audaciosos, liderados por Le Cor- duzi-lo para o portugues e o enviou para a reda9iio
busier. Quando Warchavchik deixou a Italia, Le Cor- de um dos grandes jornais do Rio, o Correio da Manha,
busier ainda niio tivera a oportunidade de colocar em que o publicou em 1. de novembro de 1925, entre
0

pratica a doutrina que havia elaborado entre os anos uma coluna sobre moda feminina de Paris e propa-
de 1920 a 1925, mas sua veia polemica ja lhe havia ganda de autom6veis, sapatos e produtos farmaceuti-
chamado a aten~iio; os artigos que publicara na revista cos24. Nao teve, naturalmente, qualquer repercussiio
L'Esprit nouveau, e em seu livro Vers une architecture21 imediata, e a tomada de posi9iio de Warchavchik pas-
(sfntese dos trabalhos precedentes) tinham surpreen- sou praticamente despercebida, da mesma forma como
dido a opiniiio publica pelas formulas simples e meta- a carta mandada de Roma por Rino Levi, publicada
f6ricas de que se servia. A partir de entiio, teve inicio quinze dias antes em O Estado de Siio Paulo2~. Mas o
o debate em toda a Europa, assistindo Warchavchik as fato de terem dois dos maiores jornais do pafs acolhido
primeiras escaramu9as, mesmo sem ter delas partici- artigos sobre um assunto ate entao totalmente ignorado,
pado. Conhecia os escritos de Le Corbusier e, deles era sinal de uma certa mudan~a no estado de espfrito
tomara emprestado parte de argumentos utilizados no geral. ' s
manifesto lan9ado em 1925. Apresentamos ate agora como equivalentes e igual- F
Warchavchik explorou com habilidade as vanta- mente importantes essas duas manifesta96es26, que fo-
gens inerentes a sua qualidade de imigrante. Valendo-se ram exatamente contemporaneas, embora inteiramente 2
do prestigio de sua forma~iio tecnica europeia e niio independentes. Com efeito, encontravam-se temas co-
estando ligado sentimental ou socialmente a terra onde muns em Warchavchik e Rino Levi: a arquitetura ditada
recem-chegara, era mais livre para propor um pro- pela praticidade e pela economia, a redu9iio dos ele- Cl
grama revolucionario do que alguem nascido no pais; mentos decorativos ao minimo e que deveriam corres- .p
o espirito do pioneiro que veio para conquistar um tf
mundo novo e esta disposto a veneer os obstaculos, 22. Enquanto Warchavchik 10 preocupava, acima de tudo, com a via- e1
constituia para ele um trunfo consideravel, ao qua! se bili~ade de construir aquilo que projetava, Flavio de Carvalho acumula>-a
proJetos nio edificados e contentava•se com dissertai;Oes tc6ricas em . ~.n- tr
associava o fato de estar a opiniii9 publica natural- greuos deatribula arquitetura. Sua innut ncia foi tio insignificantc que a opiDJdO
suas raru realiza~oe• a Warchavcbik, como. o coojunto • fc
mente mais inclinada a respeitar e a perdoar as incon- publica
CIUIU do bairro do Jardim America em Sio Paulo (cl. G. FERRAZ, P· 0
to
cil., p . 42).
23 . Cf. fragmento justilicativo n.o I, ver p. 379.
za
. 20. A ~ de t~do, ':"" pri_nclpioo no B,..il pareciam tio origi-
nus quc o ,Jovcm ~uJuta Rino Levi, tamWm cstudantc de arquitctura cm 25
24. A pagina do jornal foi reproduzida na obra de G. FERRAZ. P· :
R1
Roma, senb_u necewdadc de escnver uma carta ao jornal O Eslado de S. 0 tcxto, publicado sob o thulo «Acerca da Arquitectura Moderna>, fo• e11
p..,J_o, publicada e!" 15 de outu~ro de 1925, a lim de informar ,eus com- reproduzido em D,poim,.los, I, 1960, pp. 33-35, e por G. FERRAZ, •P·
patnow. do. prove,to que podenam tirar desses princlpios. Eue tnto foi cil., p. 39-D. te1
reprodundo. 101<,ralment, em 1960 pela revuta doo estudantes de arquite-
tura da Uruvenidade de S. Paulo (D,poi"11•lo1, I, pp. 32 e 33). 25 . R. LEVI, A Arquitectura e a Esthetica das Cidades, 0 Esioio
21. _LE CORB(!SIER (Charles-Edouard Jeanneret, cbamodo), Ver,
••• ar<A1l,cl•r1, Pa'!', Ed. Cm, 1923 (col. do Espril No•uta•). (Trad.
hl'u.: Po, •m• Arq..111u,a, Sio Paulo, Penpectiva, 1977, Estudoo 27.]
d, S. Pa•lo, 15 de outubro de 1925. Cf. D,poimulos, I, pp. 32 e 33.
26. H. MINDLIN, L'arcAiltcl•r, mod1r•1 a• Brisil, Paris, 1.d., P·
4. D,poim1•lo1, l, 1960, pp. 32-35,
..
fun,

64
8
culos . O primeiro foi a obten9ao de al~ara para
ponder a _uma fun9iio, a neces si?ad e da
e do tecmco na pe~soa ?O arqu1t~to. Mas o espfr pela
uniiio do artist a
ito dos constru9iio de um projeto ' ..._
cuja fachada ngorosarnente
- f ff f I
.-I
ado

ill
dois texto s era mmto dtver so. Rmo Levi, form II L..J - .... I= ~ ~
ante
mesma escola que Warchavchik, mas ainda estud e ~

por urban ismo


em Roma, interessava -se sobre tudo
aceitava sem hesita9iio o neoclassicismo simplificapartir
do de [ IHFl -
-

ri) ~Loi =r-:


seu profe sso~, Marc ello Piace ntini, prete nden do ~ 1
dessa s prem 1ssas para enco ntrar "solu
adequadas ao clima, a vegeta9iio e as tradi9oes do
radic al:
96es

rejeit ava
brasi

a
leiras
pais".
ideia
fl C .
. CP
~
_ ~~

_,_
:r
Warchavchik era bem mais
epoca
de estilo contemporaneo (ja que o estilo de uma ttt'
'
a ser defin ido mais tarde , pelas gera9 oes segui n-
s6 viria
tes) e propunha uma explica9iio racionalista para do
a @ 0
s do passa Tl t:::;::i_ - -· - - ' :::__-.:::
I

hist6ria da arquitetur a (o valor dos estilo 111 . 11 ' 11 rT


◊ -- ;:::
provinha do carater funcional de seus elementosvida e
deco- •I

~o ◊ ◊
---
rativos e da unidade existente entre as
os meios tecnicos de uma deter ntina da
artes,
epoca
a
); con- !do tj o ,+-- _ _ ...
~.::=-:·

cluia que a civiliza9ao do seculo XX, apoiada


crescente mecaniza9ao, devia extrair uma estetica cia;
numa
pr6-
1 ·1 @ @
.,,,
\)◊
_
--"-
ct:;:-;

i:a4: ~~,I
1:

:L

pria das possi bilida des que essa meca niza9 ao ofere ◊ I ~ _ ..___._ I
rete
os novos materiais - ferro , vidro e sobretudo conccuja
armado - condicion avam uq1a nova
beleza resultaria automaticamente da solu9ao seria
arqui tetura ,
16gic a ~~ *~* R~ ~
·T
/-¥
~ tt¥ * ~~
I

dada aos probl emas abord ados ; o arqui teto nao ~ - teto. Sao
uma Gregori WARCHA VCHIK. Casa do arqui
seniio um engenheiro encarregado de construir io. Fig. 27 . Paulo. 1927-1928. Plant s do terreo.
maquina, cuja forma seria determinada pela fun9i de Le
Identificam-se ai as teorias e mesmo os slogans
sua preoc upa9i io
Corbusier, seu gosto pelos principios e ser
pelo absolute; o estilo e meno s incisi ve, prete nde
mas as
mais esclarecedor e persuasive do que polemico,
as mesm as e e evide nte a fonte de inspi-
ideias sao
e de pouc a
ra9iio, mesmo que nao citada. Contudo, se
de Warc havc hik nao
importancia que o manifesto
princi-
tenha caracterizado pela originalidade de seus s,
era simp lesm ente torna r conh ecida
pios: seu objetivo ica
a nivel local, as conquistas da vanguards arqui teton
simpli-
europeia. A sinceridade das ideias expostas, a
ulas propo stas e, sobre-
cidade um tanto vaga das f6rm
atico que presi dira a elabo ra9iio
tudo, o espirito sistem a
propo sta, estav am aptos para respo nder
da doutrina
e em todos os
ansia de reformas que, ha alguns anos
s do
setores, vinha-se apoderando de algumas classe
pais.
(1927-1928)
2. A primeira casa moderns em Sio Paulo
Fig. 27a. Gregori WARCHAVCHIK. Casa
do arquiteto. Sao
Paulo. 1927-1928. Plant s do prime iro andar.
Nao bastava, entretanto, enunciar principios te6ri- ia de
cos; para realmente convencer era necessario po-lo
s em plana niio cornportava o mlnimo ornamento. Exist
facha das que, em nome
pratica. Warchavchik nao podia empe nhar- se nessa fato, um servi90 de censura de
ist6ricas
tarefa se nao tivesse uma certa independencia e,
assim, do born gosto, aprovava elucubrayees pseudo-h inte-
issfveis, mas niio tolerava a nude z
em 1926, deixou a comp anhia cons truto ra que o con- ·as mais inadm
1927 carac teristica do proje to de Warc havc hik. Apre-
tratara. A sorte Ihe foi favor avel, e o ano de gral, es
28) onde os volum
in27 , sentou entao urn projeto (Fig.
foi decisive para ele: o casamento com Mina Klab idos, mas sua purez a pro-
e reali- eram cuidadosamente mant
tomou possivel estabelecer-se por conta pr6pria ficticios
zar a primeira obra pesso al, sua pr6p ria resid encia , a vocante desaparecia debaixo de acrescimos es);
s (cornijas, enquadramento de janelas e porta s, balco
na Vila Mariana. As dificu ldade
Rua Santa Cruz, cons trufd o confo rme
encontradas foram consideraveis, mas o jovem obsta-
arqui- uma vez aprovado, o ediffcio foi iteto
teto jamais se deixou abater, vence ndo todos os concebido originalmente (Fig. 29), alegando o arqu mu-
para justif~car, peran te os 6rgao s
falta de recurses utili-
, d_e origem lit!'""" , ~via
27. A gc~o anterio r da famllia Klabio ..Shda fortuna mdwtn al •
nicipais, o suposto "inacabamento" . O artiffcio u
nte que passo
"' fl.Udo no Sul do Brasil e acumu lado
lundiaria,
uma
zado era grande, mas resultou tao eficie

65
a ser empregado sistematicamente, com a cumplicidade proporciona um notavel exemplo da habilidade com
das autoridades, que acharam preferfvel fechar os olhos que o arquiteto contornou a situa9iio de modo a obte
uma solw;:iio original, mas que levasse em conta ar
ate que essa forma de censura fosse abolida, o que
ocorreu alguns anos mais tarde. imposi96es materiais do meio ambiente. Examinemos !
0 obstaculo mais serio foi a falta , no local, de obra tal coma se apresentava em sua primeira versa0 2s
qualquer produto industriaiizado, capaz de satisfazer Estamos Ionge do dogmatismo do manifesto, que pre:
ao arquiteto. Tendo exaltado no seu manifesto a padro- gava uma verdade total e o abandono de todos 08
niza9iio e o uso resolute de produtos acabados produ- artificios. Existe contradi9iio com o manifesto em pelo
menos quatro pontos :
1 . Parecia tratar de uma constru9iio em con-
creto armada - que era a ideia original - , mas 0
D c:-J D

I
ediffcio foi construfdo quase que inteiramente de tijolos

I ffl ocultados sob um revestimento de cimento branco.


2. As janelas horizontais de canto davam a obra
um toque caracteristico inegavel, mas, sob o ponto de
vista tecnico, niio se justificavam numa constru9ao
'

executada com materiais tradicionais, tendo elas acarre-


tado complicados problemas de construyiio.
3. A solu9iio, que consistia em dar a ala direita
da fachada (Fig. 29) o mesmo aspecto externo da ala
esquerda, quando essa correspondia a uma varanda
(Fig. 30) e niio a um interior coma a ala oposta, contra-
Fig. 28 . Gregori WARCHA VCHIK. Casa do arquiteto. Sao
Paulo. 1927-1928. Projeto da fachada apresentada dizia a afirma9iio feita em termos por demais absolutes
ao servi90 de censura. no manifesto de 1925: "a beleza de uma fachada deve
rcsultar da racionalidade da planta da disposi9ao inter-
na, assim coma a forma de uma maquina e determinada
pelo mecanismo, que e sua alma".
4 . A cobertura do corpo principal niio era um
terra90, conforme se poderia supor, mas um telhado de
telhas coloniais cuidadosamente escondido pela plati-
banda.
A adoyao dessas solu96es assegurava ao ediffcio
uma aparencia enganosa, contradizendo a rigorosa dou-
trina funcionalista, cujo apogeu deu-se exatamente na
decada de 20, epoca em que niio podia no entanto
ser aplicada no Brasil. Por outro !ado, o distancia-
mento no tempo possibilitou a defini9ao de seus limites
e sua exata dimensiio em escala internaciona!: meio
eficaz de combate no piano te6rico, o racionalismo de
Gropius ou de Le Corbusier nao fundamentava sua
raziio de ser apenas em sua 16gica intrinseca; estava
Fig. 29. Gregori WARCHAVCHIK. Casa do arquiteto. Sao
Paulo. 1927-1928. Fachada da casa construida.

zidos em grande escala, Warchavchik deparava-se com


um dilema: ou utilizava o que podia encontrar, sacri-
ficando sua concepyiio estetica, ou desenhava e man-
dava fabricar as esquadrias e os caixilhos metalicos
das janelas, as grades, as lanternas e outros acess6rios,
.,~'val '-1'if I iU iTftii1fYSJ' ii flilillF
inclusive o mobiliario, a fim de que sua linguagem
correspondesse a sua arquitetura, sacrificando nesse
caso o princfpio da economia, um dos fundamentos da
doutrina exposta. Nao hesitou, nesse particular, optan-
do pela segunda soluyiio: para assegurar-se de um
posterior barateamento dos materiais modernos e a
fabrica9iio em serie de certos acess6rios, era necessario
evidenciar a conveniencia disso, qualquer que fosse,
nesse exato momenta, o custo real dos prot6tipos
empregados.
Fig. 30 . Gregori WARCHAVCHIK. Casa do arquiteto. Sao
~o~t~do, era LJ?POssfvel aplicar de maneira rfgida Paulo. 1927-1928. Terra90 atras da fachada.
os prmc1p10s enunc1ados dais anos antes sendo inevi- 1
28. Na rcalidade, as modificatOes cfctuadas cm 1935 para ampliar
taveis os comprometimentos. A casa da 'vita Mariana casa alteraram 1cu car.her original, que e o quc nos intcrcua,

66
tam~em comprometido com uma estetica, a estetica do tambem a ideia do terra90-jardim, por nao existirem
cub1smo. O_ mesmo ocorreu com W archavchik, embora na epoca os materiais de impermeabiliza9ao necessa-
suas pesqmsas nesse campo jamais tenham avan9ado rios211. Limitou-se entao a um telhado classico de telhas
tanto quanto as do arquiteto da Bauhaus ou o da coloniais, escondido na platibanda, de modo a nao alte- 30
Ville Savoy. rar o carater deliberadamente moderno da fachada .
As preocupa96es formais eram evidentes na casa Quanto a planta livre e a fachada livre, ficavam com-
da R~a Sant~ _Cruz: a fachada principal apresentava prometidas pelo emprego for9oso de materiais tradi-
uma 1ustapos19ao de ~olumes simples contiguos, onde cionais na execu9iio das paredes.
s6 eram em~r:gados hnhas e angulos retos; nao havia Assim sendo, por for9a das circunstancias, as inova-
nenhum veshg10 de modinatura e as superficies absolu- 96es de Warchavchik limitaram-se ao piano estetico,
tamente lisas eram animadas somente pelos vaos da entendidas por ele como um primeiro passo. Na ver-
porta e das janelas, equilibradas com harmonia. Por dade, mesmo nesse campo, o arquiteto havia feito
seu carater absoluto, a ausencia de elementos decora- concessoes a tradi9ao local: para a face posterior da
tivos constituia uma provoca9ao. Estava diante de uma casa, adotara a varanda espa9osa da casa-grande, tiio
arquitetura cujo ascetismo lembrava a Casa Steiner racional num pais tropical, niio hesitando em cobri-la
construida em 1910, em Viena, por Adolf Loos. ~ com elegantes telhas-canal, utilizadas desde a epoca
ambos ~s casos, podia-se constatar um despojamento colonial. Neste caso, evitou esconde-las, tirando partido
voluntanament e agressivo, caracteri'.stico da obra de de uma composi9ao de linhas modernas atenuadas,
pioneiros que reagem contra os floreios academicos. A onde esses elementos antigos se integravam perfeita-
influencia do cubismo, pbrem, nao se limitava a fisio- mente. Esse compromsiso denotava indiscutivel apreye
n?~~ extema, composta por prismas elementares; eram pelo pais onde decidira estabelecer-se e foi bem recebido
v1s1ve1s as pesquisas de continuidade espacial, de liga- pela crftica, que via nos elementos tomados de empres-
9ao entre o exterior e o interior. A porta envidra9ada, timo e no elegante jardim tropical, que envolvia e
protegida apenas por uma elegante grade de ferro que complementava harmoniosamente a constru9ao, o sim-
nao impedia a visao e a janela de canto da ala direita bolo de uma arquitetura ·atualizada no piano interna-
31
que abria para a varanda, davam uma sensa9ao d~ cional e ao mesmo tempo profundamente "brasileira" .
Nao resta duvida que essas caracteristicas particulares
acentuada transparencia a essa face da casa, enquanto
que a organiza9ao da planta (Fig. 27) visava a cria9ao facilitaram, num primeiro instante, a aceita9ao da obra
de W archavchik e da mensagem que pretendia ti;ans-
de um _espa90 continuo, ao mesmo tempo interno e
mitir.
externo, valendo-se de grandes superficies envidra9adas
Sua casa apresentava-se como um manifesto, desta
e de graildes aberturas, que colocavam os ambientes de
vez de ordem objetiva, a favor de um novo estilo. 0
estar em comunica9ao direta com a vasta varanda sem 32
impacto causado na opiniao publica foi consideravel ,
criar uma separa9ao visual; a oposi9ao completa entre
tendo os debates pela imprensa contribuido decisiva-
as diversas faces agrupadas duas a duas, umas com-
mente para isso. 0 primeiro a ocupar-se do assunto foi
postas de volumes prismaticos, as outras dominadas
pelo carater particular dado pela varanda em "L", estava o Diorio Nacional, jornal de oposi9ao politica, onde o
grupo dos intelectuais de 1922, liderado por Mario de
de acordo com uma das maiores preocupa96es do
Andrade, ocupava uma posi9ao importante88 • Um artigo
cubismo: a de nao poder apreender-se um objeto a
de meia pagina, publicado em 17 de junho de 1928,
partir de uma unica perspectiva, sendo necessario des-
destacava as qualidades do edificio, acentuando que,
locar-se em torno dele para poder compreende-lo ou
mais uma vez, um passo decisivo pela renova9ao das
representa-lo na sua totalidade.
artes no Brasil havia sido dado em Sao Paulo. Para
Embora este ultimo aspecto da questao fa9a pensar
nao ficar atras, o Correio Paulistano, jornal da situa9ao,
mais em Gropius do que em Le Corbusier, foram as
franqueou suas paginas a W archavchik, no dia 8 de
teorias deste que inspiraram Warchavchik: a compo-
julho seguinte; de modo muito habil ele repisou nos
si9ao baseada em formas elementares, o uso exclusivo
argumentos que contavam com maiores possibilidades
tlo aogulo reto, a regularidade do conjunto e dos de-
de convencer: de um lado, era uma obra "racional,
talhes tanto em planta quanto em eleva9ao correspon-
diam plenamente ao espirito formal dos projetos pro- 29. Cf. relat6rio enviado por Warchavchik a Giedion, secretario-ge-
postos na epoca pelo mestre frances. Entretanto, dentre ral dos C.I.A.M., por ocasiiio do congresso de Bruxelas em 1930. Extrato
em G. FERRAZ, op. cit,, p. 51.
os cinco pontos da nova arquitetura estabelecidos por 30. Aliu, num pals sujeito a precipita~oes violentas, cuja vazio as
canaliza,;OCS nio conseguem atender, a cobertura em terrac;o nio era abso-
Le Corbusier, pouco antes, Warchavchik utilizou apenas lutamente funcional. A vantagem do terra~o-jardim seria tambem reduzida
um e mesmo assim parcialmente: a janela horizontal. numa casa isolada no meio de um grande jardim. Um recurso desta ordem
teria assumido um significado pol~mico, mas nenhum sentido pratico.
A razao era simples, de ordem exclusivamente material. 31 . Depoimentos transcritos por G. FERRAZ, op. cit., pp. 56-62. O
jardim, com sua flora tropical de palmeiras e cactw, cuidadosamente orde-
Estava fora de cogita9ao um edificio sobre pilotis; razoes nados para ressaltar a arquitetura, cujas linhas puras contrastavam com a
de ordem economica bastavam para descartar de ime- exuberancia disciplinada da natureza, era obra de Mina Warchavchik, mu-
lher do arquiteto e sua importante colaboradora, tambem uma pioneira
diato essa op9iio. Na epoca, o custo do concreto armado em sua especialidade.
32 . Pode-se encontrar em G. FERRAZ, op. cit. , pp, 26 e 51-63 nu-
era muito elevado, tendo o arquiteto desistido de mel'OIOI extratos da imprensa da epoca, acompanhados de abundanto ;...te-
emprega-lo, embora previsto no projeto original. Nao se rial fotografico da casa da Rua Santa Cruz.
33. Essc grupo intoressou-se desde o lnlcio pelas ideias de Warchav-
deve esquecer que, em 1927, nem o pr6prio Le Cor- chik, tendo sido uma entrevista sua publicada na primeira p,gina do jomal
quinzenal Tarro Roxo • Outros T,rros, de 17 de setembro do 1926 6rpo
busier havia tido oportunidade de aplicar esse principio, inteloctual dos antigos participantes da Semana de Arte Modorna (J)&lina
visto que a Ville Savoy data do ano seguinte. Renunciou reproduzida em G. FERRAZ, op. cil., p. 26).

67
confortavel, de pura utilidade, cheia de ar, luz e tava dai um ritmo reforc;:ado pelo contraste das persia-
alegria", de outro, uma adaptac;:ao a regiao, ao clima e nas vermelhas com o branco das paredes e o verde do
as tradic;:oes do pais. No entanto, foi essa exposic;:ao, jardim circundante.
de tom modesto, que acendeu o estopim. 0 arquiteto A partir de entao, o estilo de Warchavchik ja
Dacio de Moraes iniciou a polemica, no mesmo jornal, estava definido, em suas linhas basicas. Sua evolu~ao
com uma serie de artigos publicados a partir de 15 de nos anos seguintes deveu-se aos rapidos progressos da
julho de 1928 e que, a seguir, foram por ele reunidos tecnica, que propiciaram maiores audacias ao arquiteto.
num livro84 • Aconselhava seus colegas a adotarem uma A partir de 1929, na casa de Joao de Souza Lima
politica de prudente expectativa, nao respondendo ao utiliza pilotis para corrigir a forte declividade do ter'.
canto de sereia dos ap6stolos intransigentes e sectarios reno; cria a seguir, um terrac;:o-jardim na casa do
da nova arquitetura, cujo fracasso comec;:ava a mani- Dr. Candido da Silva, no bairro da Lapa; as janelas
festar-se na pr6pria Europa. Warchavchik aproveitou corridas tomando toda a fachada, empregadas para
a oportunidade para redigir uma longa defesa, intitu- iluminar adequadamente os ambientes de estar e pro-
lada "Architectura Nova", publica<la semanalmente, du- piciar, do interior, uma visao panoramica contfnua,
rante _d ez semanas, a partir de 29 de agosto, no mesmo surgem pouco depois, na casa de Luis da Silva Prado
Correio Paulistano. A polemica desenvolveu-se ininter- (1930-1931); o emprego de lajes em balanc;:o deu um
ruptamente ate 1929, propiciando a Warchavchik um sentido plastico mais acentuado aos edificios, m;is o
excelente meio de divulgac;:ao de seu nome, reforc;:ado espirito geral permanecia o mesmo.
pela adesao de um certo numero de personalidades poli- 0 ano de 1930 marca sua consagrac;:ao total. Desde
ticas e criticos da imprensa. A casa da Vila Mariana a fundac;:ao dos Congressos Internacionais de Arquite-
tomou-se um dos t6picos prediletos de discussao, na tura Moderna, em La Sarraz, em 1928, Warchavchik
cidade provinciana que era ainda Sao Paulo nessa epoca. aderira ao movimento, divulgando seus objetivos. A
Muita gente ia aos domingos ate esse bairro periferico passagem de Le Corbusier por Sao Paulo permitiu-lhe
para ver a "caixa d'agua" - apelido popular advindo travar contato direto com o movimento. Convidado por
da ridicularizac;:ao da obra. Na verdade, o nome s6 Paulo Prado a visitar a capital do cafe, quando de volta
podia alegrar o te6rico funcionalista que acima de tudo de Buenos Aires, Le Corbusier pronunciou conferencias
era Warchavchik. De fato, as concessoes de ordem pra- em Sao Paulo e no Rio; visitando as obras de War-
tica e estetica que fora obrigado a fazer nessa primeira chavchik, surpreso com a existencia de uma arquitetura
obra eram apenas provis6rias - o que confirmou plena- "moderna" naquela cidade e entusiasmado com o que
rnente nas obras posteriores. vira, escreveu imediatamente a Giedion, secretario-geral
dos C . I. A. M. , para comunicar-lhe o fato e propor
3. As outras obras de WarchavchikS5 fosse W archavchik nomeado delegado para a America
do Sul, com o que sua obra passou a ser conhecida e
0 sucesso da casa da Vila Mariana prop1c10u ao divulgada na Europa 36 .
arquiteto um certo numero de projetos. Desde o pri-
meiro (Fig. 31), a casa de Max Graf na Rua Melo Alves
(1928-1929), Warchavchik empregou decididamente o
concreto armado, tendo substituido a varanda por uma
audaciosa marquise, em projec;:ao sobre a fachada; suas
grandes dimensoes criavam um lugar de repouso e
sombra, propiciando para os moradores o desfrute do
vasto jardim que circundava a casa. Era um predio
pequeno, mas concebido com perfeic;:ao, baseado num
programa rigorosamente l6gico. A unidade de estilo
era total, nao havendo desta vez nenhuma influencia
visive! da arquitetura do passado; a pureza dos volu-
mes prismaticos, o culto ao angulo reto e a ausencia
de ornamentac;:iio, caracteristicos da fachada principal
da casa da Rua Santa Cruz, eram aqui encontrados
co~ _o mesm? rig?r, mas somados a novas pesquisas
plastlcas: a. s1metria e o tratamento num unico piano,
que pre<lommavam na obra anterior, foram substitufdos Fig. 3 1. Gregori WARCHAVCHIK . Casa de Max Graf. Sao
por uma certa preocupac;:ao com o jogo de pianos e Paulo. 1928-1929.
volumes na disposic;:ao dos diversos elementos; resul-
.Estimulado com esses resultados, Warchavchik
34 . DACIO A. DE MORAES, A .Architectura Moduna em Sao Paulo decidiu dar um grande passo, organizando uma exp?-
S. Paulo, 1928. Cl. G. FERRAZ. o b . cit.. p . 52. ' sic;:ao de a~te moderna na casa que acabava de constnur
~ • Documcnta~o grafica e fotognirica abundantc cm G . FERRAZ,
op. ed ., pp. 68-227 (comprecndcndo toda a obra do arquiteto atC 1939) c na Rua Itapolis, no bairro do Pacaernbu- (Fig. 32),
cm ~ - SARTqR~S, E~cJclopldu de /'arc/iitectur, moderne, t, III, Ordre
ct cl,!"at amlneain, ~{iJ~o,. Hoepli , 1954, pp. 292-325 (ate 1950). Lista cro•
nol6gu:a du o_bnu pnnaP'W at~ 1_952 cm E. DEBENEDETII c A. SAL- 36. G. FERRAZ (op . cit., pp. 28 c 29) rcconstituiu u grande1 linha.l
~~ik 0
f~i d!~oflda~5- A ma10na das residCncias construidas por War•
da pennanCncia de Le Corbwicr; rcproduziu tambCm, no final do Uvro
(pp. 231•241). a correapondCncia quc Warcbavchik trocou oom Gicdon e
Sartoris, que publicaram alguns de 1cus trabalhos.

68
entao mais ou menos deserto. Inaugurada em 26 de postas completas de um estuu nova, de acordo com as
marc;:o de 1930, a exposic;:ao da casa "modernista"37 exigencias do seculo XX. 0 arnbiente assim organizado
prolongou-se ate 20 de abril, tendo atrafdo mais de prestava-se magnificamente a uma visao de conjunto
vinte mil pessoas. Toda a alta sociedade paulista a das artes plasticas no Brasil; pintores, escultores e gra-
visit~u, podendo admirar um conjunto homogeneo de vadores da vanguarda do pa{s, cuja notoriedade come-
arqmtetura e decorac;:ao interior, realizado por War- c;:ava a afirrnar-se, participaram entusiasticamente da
chavchik (Fig. 33). Com efeito, assim como seus colegas exposic;:ao, que obteve significativo sucesso38 • Houve
da vanguarda europeia, ele nao encarava a arquitetura naturalmente reac;:6es desfavoraveis e ataques maldosos,
isoladamente - fato que ira repetir-se com freqiiencia como o do engenheiro-arquiteto Christiano das Neves,
no movimento brasileiro. Espirito sistematico, acredi- que solicitava a prefeitura um ponto final nessas cons-
tando na integrac;:ao das artes, de modo a criar um truc;:oes grotescas que nao respeitavam as normas muni-
ambiente propfcio para a vida dos homens, recusava-se cipais, prevendo o fracasso financeiro <la Companhia
a fazer qualquer concessao a esse respeito e nao admitia "City", proprietaria dos terrenos do Pacaembu, caso ela
um mobiliario antigo em uma casa moderna. Assim, ele transformasse a cidade-jardim prevista em cidade-
pr6prio montou oficinas que fabricavam, com base em cemiterio, onde imperariam os tumulos de Warchavchik.

seus desenhos, os m6veis, s6brios e funcionais, adequa- Fig. 32. Gregori WARCHAVCHIK. Casa "modernista". Sao
Paulo. 1929-1930.
dos as linhas de sua arquitetura. A experiencia iniciada
com sua pr6pria residencia estava agora madura, sen- Por outro lado, muitas pessoas se mostraram prudentes
tindo-se ele em condi1y6es de oferecer ao publico pro- e evitaram tomar posic;:ao. Mas, a partir deste momento,
o arquiteto era por todos conhecido e sua clientela
37. Foi nessa oportunidade que surgiu o termo, a scguir cmpregado
rctrospcctivamcntc para dcsignar todas as tcndCncias rdonnistas postcriores
crescia rapidamente39 •
a Semana de Arte Modcrna. Warchavchik nao gostava do termo «arquitc•
tura modcma», usado no scu mcio para «casas que de moderno s6 tinham 38 . G. FERRAZ, op. cit., pp. 32-34 e S!i-99.
a eletricidadc e o banheiro». Prcferia o de «arquitetura nova» (cl. llus- 39. Importantes famllias paulista.,, destacand~se a SilYa Pmdo ,nco-
lra,ao Brasileira, n.• 109, setcmbro de 1929, sem pagina~o), ma. o termo mcndaram-lhe a con.stru~io de suas residCncias. Por outro lodo c~nstruiu
nio chcgou a impor•sc. Criou cntio o ncologi.smo «modcrnista», de acci- ele, •m 1929-1930, doi.s conjuntos rcsidenciais de baixo c usto pe:maneeendo
t~ao imediata. o segundo um modelo no genero (cf. G. FERRAZ, op . .,;,'., pp. 77-82) .

69
. Sua reputa9ao ja chegara a Capital Federal; assim, destaque ao acontecimento40. Compareceram num
fo1 natural que Lucio Costa a ele se dirigisse, quando rosas personalidades, destacando-se Frank Lio ~
pretendeu introduzir a arquitetura " moderna" na Es- Wright 41 , cujo prestigio repercutiu na obra de W y
cola de Belas-Artes, ao ser nomeado seu diretor, ap6s chavchik, obra que ele aprovava inteiramente. War-
a Revolu9ao de 1930. Sua atividade didatica durou chavchik mantivera seu escrit6rio em Sao Paulo, viai·an-
ar.
apenas alguns meses, de abril a novembro de 1931, do semanaImente ao Rio, o_ que Ihe acarretava consj.
pois a reforma fracassou e os antigos professores per- deraveis problemas. Alem d1sso, contando com grand
maneceram, por alguns anos, dominando a situa~ao. numero de projetos na capital federal, resolveu as~
ciar-se a Lucio Costa. Fundaram, no mesmo ano de
1931_, uma e~presa de "arquitetu_r~ e constru9ao" que
func1onou ate 1933. Embora of1c1almente estivessem
os dais arquitetos em pe de igualdade, nao ha duvida
quanta ao papel claramente predominante de War-
chavchik nessa epoca, pois o estilo das obras cons-
truidas42 nao se diferenciava das que vinha realizando
sozinho em Sao Paulo, nessa epoca. Em todas elas
encontrava-se a mesma simplicidade racional da plant~
e da eleva9ao - baseada na utilizayao quase exclusiva
da linha reta, as vezes atenuada por uma ligeira curva
dos elementos secundarios43 - , o mesmo jogo de volu-
mes cubicos e prismaticos, a mesma superposiyao de
terrayos que asseguravam ao conjunto o essencial de
seu carater, a mesma nudez absoluta das paredes e,
finalmente, o emprego dos mesmos elementos de deta-
lhe, em particular das janelas com caixilhos metalicos,
Fig. 33 . G regori W ARCHAVCHIK. Casa "modernista". Sao
Paulo. 1929-1930. Saliio. e laminas horizontais basculantes, empregadas quase
que sistematicamente por Warchavchik nos pavimen-
Entretanto, foi tempo suficiente para que Warchavchik tos terreos.
exercesse uma influencia direta sobre os estudantes da Pode-se de fato, falar de · um estilo Warchavchik,
epoca, muitos dos quais desempenhariam mais tarde que atingiu o apogeu nesse exato momenta. Inspirado
um papel de destaque na arquitetura. Mas esse periodo nas teorias de Le Corbusier, fundia intimamente o fun-
teve outros resultados, mais imediatos, propiciando a cionalismo e o cubismo arquitetonicos, em moda na
Warchavchik a oportunidade de firmar-se no mercado decada de 20. A evoluyao iniciada com a casa de Max
do Rio de Janeiro. Seu primeiro cliente, um alemao Graf (Fig. 31) prosseguiu nas obras posteriores. Acen-
seduzido por suas ideias, encarregou-o de construir tuou-se o carater plastico, sem afetar a austeridade do
uma grande residencia no bairro de Copacabana. A conjunt?: o tema da grande marquise, formada por
casa Nordchild, na Rua Toneleros (Fig. 34), foi execu- duas la1es de concreto armado (uma horizontal, outra
vertical), foi retomado na casa modernista de Sao
Paulo (Fig. 32); deu-se um passo a mais na casa do
Rio (Fig. 34), onde a forte inclinayao do terreno possi-
bilitou nao apenas a justaposiyao, mas a interpene-
trayiio dos volumes, completada pela proje9ao da Iaje
em balan90 do balcao, que ultrapassa o piano da facha-
da44. Entretanto, o objetivo dessas audaciosas inova-
yoes nao era em principio de ordem estetica; visava
principalmente mostrar todas as possibilidades que o
concreto armado possibilitava, liberando o arquiteto e
permitindo-lhe concentrar-se na soluyao dos problemas
funcionais. Nao se procurava a forma a priori, nem a
forma pela forma - ela era o resultado 16gico de um
programa coerente: habita9ao clara, com os ambientes
40. G . FERRAZ, op. cit ., pp. 38 e 155-170.
41 . Na epoca, Wright encontrava•se no Rio, como representante c.!05
Fig. 34 . Grel!ori WARCHAVCHIK. Casa Nordchild. Rio de Estados Unidos no julgamcnto do concuno intem acional para constnllr,
Janerro. 1931. nas Antilhas, um farol em m cm6ria a Crist6vi o Colombo.
42 . G. F ERRAZ, op. cit ., pp. 181-194.
43 . Por exemplo, a passarela de accsso ao andar superior do conjunt3
tada rapidamente; inaugurada em 22 de outubro de de casas econ6 micas do bairro da Gamboa no Rio de Janeiro, obra de 193
(G . FERRAZ, op. cit. , pp. 191 e 192) , onde a cw-va, acima de tudo, de•
1931, deu lugar a manifesta96es oficiais e a uma nova corria da forma do tcrrcno.
44 . Essc balcio causara Corte i mpressio em F. L . Wright. LUcio Costa
ex~o~iyao "modernjs_ta" - desta vez puramente arqui- reualtou que a, talvcz csteja a origem do desenvolvimento aistem, tico da
tetomca, ao contrano da anterior, realizada em Sao mesma idCia, rcalizada pelo arquittto americano na caaa da cascata em
Bear Run ( Pennsylvania) em 1936. Cr. L . Costa, Sohr• Arquit•Jura, Porto
Paulo. A repercussao foi consideravel e a imprensa deu Alegre, 1962, p . 127.

70
81bholeca

amplamente voltados para o exterior, prolongados na a influencia da tradi9iio e o estabelecimento de um


medida do possfvel por terra9os e balcoes. Contudo, o novo vfnculo com as correntes vivas da arquitetura
funcionalismo absoluto, para o qual o resultado phis- internacional. O que ele niio conseguiu foi impor_ essa
tico era decorrencia direta do tratamento adequado dos arquitetura de modo definiti~o. Ale~ da sua capac1da_de
dados objetivos da realidade, era mais te6rico que criadora ter-se esgotado mwto rap1damente, era mmt_o
real; ja foi observado que esse funcionalismo, cons- estrangeiro para o pais e muito radical para consegurr
cientemente ou niio, estava ligado a estetica cubista, realmente naturalizar-se48 •
a qual tinham aderido os arquitetos de vanguarda da O passo decisivo niio foi portanto dado na cidade
epoca, inclusive Warchavchik. Ele foi, indiscutivel- cosmopolita de Sao Paulo, por volta de 1930, mas
mente, um dos partidarios mais convictos da doutrina alguns anos mais tarde, na Capital Federal,, ~r uma
e um de seus mais fieis seguidores, mesmo depois de equipe inteiramente brasileira liderad~ por Lucio ~osta
superada. Abandonou posteriormente a ortogonalidade e inspirada diretamente em Le Corbus1er. Mas duv1da-se
dgida de suas primeiras obras4~, mas continuou reali- que isso pudesse ocorrer sem a a9ao pioneira de War-
zando uma arquitetura austera, inteiramente baseada chavchik, que preparou o caminh~, contribui1;1do para
em soluy6es tecnicas46, sem qualquer concessiio a forjar uma nova mentalidade nos Jovens arqmtetos do
imagina9ao formal 41 . Rio de Janeiro.
Essa adesao incondicional a principios cuja seve-
ridade era uma excelente arma de combate podia, pas- 3. 0 COMECO DA AROUITETURA "MODERNA"
sado os primeiros instantes, cair no desagrado, dada NO RIO DE JANEIRO
a sua aplica9iio estrita, de excessivo rigor. Isto explica
por que decaiu rapidamente o papel inicialmente deci- 1. A tentativa de reforma da Escola de
sivo de Warchavchik; a partir dos anos 1935-1936, Belas-Artes (1930-1931)
passa a uma posi9iio apenas secundaria, quando novo
impulso foi dado, sob a influencia direta de Le Cor- Ate 1930, a arquitetura "moderna" nao contava,
busier. Com efeito, a evolu9iio dos dois foi oposta: o na Capital Federal, com nenhum ad~pto. ~ Escola de
mestre do racionalismo partira de uma teoria pr6pria Belas-Artes, dirigida por Jose Mariano F1lho, estava
e, em seus projetos, libertou-se progressivamente da- dominada pelo modismo do neocolonial, e os jovens
quilo que ela poderia ter de restritivo. Warchavchik arquitetos empenhavam-se ardorosamente em seguir esse
percorreu o caminho inverso: tendo aceito seus prin- estilo. :£ claro que alguns deles niio ignoravam a pole-
cipios basicos, empenhou-se em aplica-la, atingindo por mica e as realiza9oes do movimento racionalista euro-
aproxima9oes sucessivas, o ideal a que se propusera; peu, mas niio estavam naquele instante convencidos de
a flexibilidade que evidenciara inicialmente 1 e que que se tratava do caminho a seguir. Lucio Costa, o
fora imposta pelas condi9oes locais, foi-se restringindo mais brilhante desses jovens, e de prestigio ja consi-
a medida que os progressos tecnicos permitiam que deravel entre seus colegas, expressava a opiniao dos
ele abstraisse aquelas condi95es. Uma vez alcam;:ado _o elementos mais esclarecidos, quando, em 1928, reco-
objetivo, sua a9iio pioneira perdeu em parte a razao nheceu publicamente ter duvidas a respeito desse movi-
de ser o entusiasmado arrefeceu, vendo-se presa de mento411. Espirito aberto e reflexivo, havia conhecido
seu pr6prio sistema; menos original, menos vigoroso e durante recente viagem a Europa as realiza95es dos
sobretudo menos inquieto e inovador do que Le Cor- "estilos francamente modernos" e feito o levantamento
busier, nao pode conceber f6rmulas novas, capazes d; de muitas obras importantes, niio deixando de acha-las
combater o desagrado que o ~undo come~ava a '!!am- arriscadas, inesmo "quando as ideias de Le Corbusier
festar frente a aridez excess1va da arqmtetura _mo- eram adaptadas com modera9iio"; pois podia ser uma
dema". £ claro que a crise economi~a, que retra1u ,a moda passageira, capaz de parecer mais tarde "tao
clientela particular, e a falta _de apo1?. ~o p_oder, pu- ridicula, extravagante, intoleravel como o art nouveau
blico, encarregando-o de proJetos of1c1a1s, 1~flmram de 1900". Assim, o ambiente parecia extremamente
para seu relativo retraimento, ap6s um penodo de desfavoravel, e surpreende a brusca mudan9a ocorrida
grande atividade, entre 1927 e 1934. Julgamos, porem, em 1930, pela qual foi responsavel o pr6prio Lucio
que ele niio teria podido continuar a desempenhar um Costa, tao cheio de reservas dois anos antes.
papel fundamental mesmo que as condiy6es tivessem Nao e poss{vel explicar a transforma~ao ocorrida
sido mais favoraveis. com Lucio Costa sem levarmos em conta seu carater e
A obra de W archavchik represefitou uma etapa seu profundo senso de reflexiio. Timido e modesto por
necessaria, ja que tornou possivel o rompimento com natureza, com uma inteligencia e cultura de primeirls-
45 BaJcoe1 curvOI do edificio de apartamentOI cla Rua Bario de Li-
sima ordem, nao rejeitava nada a priori, nem se pro-
mtira ·em Sio Paulo, 1939 (Arcltit,ctural R!coril, vol. 96, n.o 4, ouJubro nunciava com leviandade; profundamente honesto,
de 1944 . 88 e 89; H. MINDLIN, Areltat,ctur, mo~'"'' a~ BrJsil, P·
86; G. 'Fli'utAz, op cit., pp. 209-211). - Clube Atl~tico Paulistano, 1956
48 Nio devemos nos iludir com o entusiasmo d01 primtifOI depoi•
(Habitat n • ♦7 ~o-abril de 1958, pp. 10-15) •
♦6. f~rma' dos balcon do edillcio ~a Rua Bario de Limeira resultava
A mentos· que insistiam no carater brasileiro da primeira cua do arquitt;to.
Os asPcctos da inspira~io local correspondiam ~penas a um compromiuo
da utiliza~io mais racional do es~o duponlvel. provis6rio, log? aban~o~ado. N~ obras suhse,uentes, fofa';"- con.sc:rv~OI
47. Essa atitude parece, por outro lado, 1er _iustili~dad por ~mti ce~a apenas os jardins trop1cau de Mina Warchavchik, que contrihulram, alias,
limita~o da arquitetura nesse campo. Os melhorei _resu ta os. P1as cos . ~ para valoriza-las.
Warchavchik remontam a seus primeiros anoi te ativtdade~ o8tt' ~il;~o 49. Numa entrevista concedida ao diario O /ontal (28 -de abril de
de um met6dico ascetismo. Uma obra comp e.xa co~o .
1928) ondc justificava a adoc;io do estilo ncocolonial para 1cu projcto da
Paulistano, re10lvida adequadament~ 10b o ponto de vuta lunc,onal, E, • 0 cmb.fxada da Argentina, vcncedor do concuno, mas nio exec:utado.
contririo, plasticamente pouco febz.

71
estava pronto a reconsiderar suas opinioes, desde que viaduto de seis quilometros de comprimento e cem
~ouvesse razao para tal, e a lutar ate o fim por seu novo metros de largura, ligando as varias baias e abrigando
ideal, uma vez persuadido de seu valor intrinseco. im6veis de quinze andares. Todos os problemas, relati-
Homem sensivel as obras do passado, achava deploravel vos ao zoneamento e expansiio da cidade, novas habi-
o abandono a que elas se achavam relegadas no Brasi150 • ta96es, circulac;:iio rapida, financiamento de opera9a0
Apesar da educa9ao europeia que desde tenra idade eram resolvidos de maneira brilhante no projeto se~
recebera na lnglaterra e na Sui9a, se voltaria, de infcio, afetar ao minima a estrutura da cidade, preservadas
para. o estu?o do patrimonio arquitetonico brasileiro, que eram todas as constru~6es antigas e as habita9oes
adermdo logicamente ao movimento neocolonial em voga particulares55 . A vitalidade de Le Corbusier, seu raci0-
na epoca em que era aluno da Escola de Belas-Artes cinio rapido e penetrante baseado sempre num sistema
do Rio. Entretanto, como ja se viu51 , desde o inicio de 16gica sedutora, a insistencia na preservac;:iio da paisa-
su~s pesquisas divergiram de seus colegas, preocupados gem natural e das construc;:oes existentes, provocaram
prmc1palmente em copiar as formas e os motivos deco- uma decisiva influencia em Lucio Costa56 • Impressi0-
r?tiv~s do passado. A preocupa9iio com as solu9oes fun- nada com os argumentos precisos do conferencista, per-
c1ona1s e os volumes claramente definidos, caracteris- cebeu, no movimento racionalista, possibilidades de
ticos de suas primeiras obras, era um retorno consciente expressiio e de renovac;:iio arquitetonicas ate entiio insus-
aos valores permanentes que havia descoberto na arqui- peitadas; resolveu estuda-lo atentamente, comec;:ando
tetura luso-brasileira dos seculos XVII e XVIII, da pelos escritos daquele que tao profunda impressiio lhe
qual, em contrapartida, rejeitava o que era pura deco- causara. Tratava-se, portanto, de um recem-convertido,
ra9ao52. Suas preocupa9oes profundas, longe de se disposto a entregar-se a tarefa com o ardor e o entu-
oporem ao espirito racionalista, aproximavam-no dele. siasmo dos ne6fitos, e que foi bruscamente levado ao
0 que o chocava instintivamente no movimento moderno primeiro piano alguns meses mais tarde.
era seu carater absolutista, intransigente e o aparente A Revoluc;:ao que eclodiu em outubro de 1930,
desprezo de se~s te6ricos por tudo que dizia respeito com a tomada do poder por Getulio Vargas, era fruto
ao passado. Preocupavam-no o radicalismo <lesses e o de um longo processo, marcado por uma ansiedade
poder demolidor que confusamente sentia neles existir, e um desejo profundos de mudanc;:a, manifestos em
a ponto de impedir seu aprofundamento no problema todos os setores desde 1922. As revoltas e a agitac;:ao
- problema que, acima de tudo, parecia-lhe estar continuas dos meios militares, desde essa data eram
muito distanciado da realidade brasileira. sinal da inquietac;:iio e da indigna9ao geral, e niio um
Assim, para que reconsiderasse a questao, bastou fenomeno superficial. Existia uma vontade e uma espe-
aperceber-se de que, apesar das aparencias em con- ranc;:a reais de transformar completamente o pafs, sem
trario, existia um denominador comum entre as ideias limitar-se apenas ao sistema politico, a fim de criar as
dos mestres europeus e as suas; que eles propupham um bases necessarias para o seu crescimento e permitir-lhe
programa construtivo coerente, nao desrespeitando tanto desempenhar importante papel no futuro. Uma das pri-
o passado, quanto pensava inicialmente. 0 processo foi meiras medidas do nova regime foi a criac;:ao do Minis-
desencadeado por um acontecimento acidental: a pri- terio da Educac;:iio, cujo titular era o jurista Francisco
meira visita de Le Corbusier ao Brasil e uma conferencia Campos, que escolheu, como chefe de gabinete, o advo-
por ele feita na Escola Nacional de Belas-Artes do Rio, gado Rodrigo Mello Franco de Andrade, intelectual
em dezembro de 192553 . Ja vimos que a estadia de ativo~7, e de espirito aberto, que conseguiu convencer
Le Corbusier no Brasil, quando retomava de uma o ministro a convocar Lucio Costa para a reforma do
viagem a Argentina, foi organizada por Paulo Prado ensino da Escola de Belas-Artes58 • Pretendia-se pro-
e Warchavchik, passando ele portanto a maior parte do porcionar aos seus alunos uma opc;:ao entre o ensino
tempo em Sao Paulo. Mas foi a Capital Federal, com academico, ministrado por professores catedraticos, que
seu extraordinario perfil montanhoso, que realmente o seriam mantidos em suas fun~6es e o ensino ministrado
impressionou, inspirando-lhe uma daquelas ideias fulgu- por elementos mais jovens, identificados com o espirito
rantes que lhe eram pr6prias: o projeto de urbanizac;:ao moderno e que seriam recrutados por contrato. A ideia
do Rio de Janeiro54, baseado na construc;:iio de um era singular, mas inteiramente de acordo com o espirito
de conciliac;:ao caracteristico da mentalidade brasileira.
50. L. COSTA, cO Aleijaclinho e a Arquitetura Colonial», artigo pu- Tratava-se no entanto de um esquema viciado em suas
blicado em 1929 em O Jamal (numero e,pecial declicado a Mina.s Gerai.s)
e reeditado em Sabre Arquitetura, Porto Alegre, 1962, pp. 13-16.
51. Cf. mpra, pp, 56-58. 55 . Na realidade, esse projeto mirabolante nio era cxcqiiivel. Alem
52. t certo que a.s reserva.s feita.s a obra de Aleijadinho, coruiderado du dificuldades de ordem tecnica, inerentes a uma constru~ao desse port~,
no artigo anterior como simple, decorador que nio havia compreendido o sendo o pals entao completamente subdesenvolvido sob esse a.peel?, a opl·
sentido profundo da tracli~io arquite~nica luso-brasileira, sao exageradu niio pUblica e as autoridadcs nio cstavam preparadas para acc1tar um.a
c passlvei.s de critica pelo hi.storiador, que esta hoje munido de element01 transforma~io tio radical, cuja exccu~io iria requcrer nio apcnas um longo
que Lucio Costa nio podia possuir em 1929. Mas elas sao muito represeo- tempo mu tambem continuidade adrninistrativa. Quanto ao upecto finan·
tativas do pensamento do arquiteto na epoca e permitem melbor compreen- ceiro, era habilmcntc cscamoteado pclo circulo prCvio dos recunos que
der os fuodameotos da aparente «virada de ca.saca» que iria ele efetuar. podcriam scr obtidos com a venda dos im6veis, quando, na verdadc,, Cf"!'
53. Lucio Costa assi.stiu-a por aca.so. Eslava naquele momento passando ncccssario um investimento inicial para cxecutar o piano. A me1ma J-~~•·
pelos corrcdore, da escola e, ouvindo que Le Corbuaier ali falava, aproxi- ficativa de autolinanciamento foi usada para BruUia, mu o cidade s6 pvu<
mou..., como curioso. Nao havendo lugar clisponfvel, a.ssistiu a conlerencia ser realizada porque o Estado garantiu os recunos necesslrios a um e.Dl·
do lado de fora da sala. (Dcpoimento oral de Lucio Costa ao autor). precndimcnto dcS5a cnvcrgadura, cuja rcntabilidade, no melhor dos ca.sos,
era a longo prazo.
54 . Esb~ados no local, os desenbos foram completados em Paris, em 56. L. COSTA, Sabre Arquitetura, pp. 170-172. •
julho de 1930. Atualmeote, sio de propriedade de Gregori Warchavchik,
quc pretende doa-los a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Univer- 57. Foi ele quem fund ou, em 1937, o ,ervi~o cncarrogado da prot•~•O
1idade de Sio Paulo. Cf. LE CORBUSIER c P. JEANNERET, Oeuure dos monumentos hist6ricos no Bra.ii [S.P.H.A.N. e dcpou D.P.H.A,N, -
complete d, /929-1934, 4.• ed., Zurique, 1947, p. 138 e Le Corbusier 1910- N. da T.J.
/96(), pp. 296-297. 58. L. COSTA, op, cit., p, 41, G. FERRAZ, o~ cit,, pp, 55-37.

72
bases, pois introduzia no interior da Escola uma riva- deu a seu detrator elevando o nivel do debat~sa · ExpI'icou
lidade entre professores, possibilitando aos estudantes que sua admira9ao pela arquitetura colonial levou-o a
verem o contraste entre os dois ensinos, o que ficou estuda-la como profissional e nao como amador, o que
plenamente evidenciado pelo rapido fracasso que se permitiu-lhe compreender o espfrito profundo dessa
seguiu. Seja como for, Lucio Costa, nomeado diretor arquitetura: franqueza absoluta nos processos const~-
em 8 de dezembro de 1930, com vinte e nove anos tivos empregados, assegurando as con_struyoes um car -
incompletos50, lan9ou-se resolutamente a tarefa que lhe ter de verdade total e perfeita 16gica mterna em corres-
fora confiada; montou rapidamente a .equipe de novos pondencia com o progresso das tecnicas da epoca. S~b
professores, contratando para a area de arquitetura, este ponto de vista, a arquitetura neocolomal surgia
Bud deus e principalmente Warchavchik, na epoca o com uma trama de contradiy5es; nao desprezava os
unico a ter construido no Brasil ediffcios decidida- progresses materiais, mas nao ousav~ con~essa-los (do-
mente "modernos". A principio, o sucesso foi total; os bradi9as falsas, caixotoes imitando v1gas, . Juntas falsas
alunos desertaram em massa das antigas disciplinas, ,simulando pedra, estrutura de concrete cmd~dosamente
voltando-se para as novas, o que criou uma situa9ao disfar~ada, vigas de madeira cortadas perfe1tamente na
embara9osa para os catedraticos, cuja rea9ao foi igual- serraria e depois retocadas a machado para parecer
mente rapida. Surgiram, desde o inicio, protestos vio- que foram esquadradas por esse meio, arestas puras das
lentos por par!e dos meios profissionais60, cujos efeitos barras de ferro mutiladas para faze-las perder su~ per-
foram neutrahzados gra9as ao apoio decidido dado a feiyiio); ela desprezava as consideray5es economt~as e
Lucio Costa por Rodrigo Mello Franco de Andrade. mais ainda as sociais, nao podendo responder rac1on!l-
Fundamentados juridicamente, Jose Mariano Filho e mente aos programas especificos do seculo XX; nao
seus colegas, valendo-se das disposi96es legais resul- passava, pois, de uma armadilha_ sedut?ra qu_e nem ele
tantes da integra9ao da Escola de Belas-Artes a Univer- nem seus colegas tinham consegmdo ev1tar, nao_ passava
sidade61, obtida por Lucio Costa, conseguiram sua de- de um "erro inicial" cuja dimensiio tinha sub1tamente
missao automatica, assinada pelo Reiter em 18 de compreendido e desejava reparar. Portanto, tinha aceita-
setembro de 1931. Deram, assim, um duplo golpe: pre- do a direc;ao da Escola de Belas-Artes
para fazer com
servaram as vantagens pecuniarias obtidas gra9as a a9ao que os alunos e, principalmente, os quatrocentos
energica do jovem diretor e dele se desembara9aram, cinqiienta futures arquitetos nao sofressem e
as conse-
sufocando na origem as reformas iniciadas. qiiencias do problema que ele mesmo enfrentara.
Certamente, a maneira como foi conduzido o pro- Essa profissao de fe muito sincera _(que curi?s~-
cesso que afastou Lucio Costa de suas furn,oes nao foi mente
escapou aos compiladores dos escn_tos ?e Luci?
elegante. Mas isto nao preocupava a Jose Mariano Costa6-1) e de grande interesse para o histonador: e,
Filho, decidido a proteger, por todos os meios, a arqui- sem duvida
alguma, o unico documento em que o autor
tetura neocolonial, da qual fora o grande promotor. explica
a reviravolta total ocorrida em 1930-1931 e
Para tanto, nao se deixou tolher por nenhum escrupulo, reconhece
uma certa continuidade em sua obra, apesar
nao perdoando a transforma9ao daquele que represen-
da ruptura que entao se produziu. 0 texto demonstra
tara sua grande esperan9a e que pr~move~~ C?~st~nte- conhecimento
mente, por mais de dez anos. Sent1ra a tra19ao de e aceita9ao das teorias funcionalistas
(arquitetura essencial e fundamentalmente social, de-
seu protegido como uma afronta pessoal, testemunho
vendo exprimir a extraordinaria mudan9a na vida que
inqualificavel de infidelidade de um_vassalo pa!a ~om
ocorreu ha uma ou duas gera~oes; predominancia do
seu senhor. Assim desde a nomea9ao e os pnme1ros
atos de Lucio Costa como diretor da velha institui9ao, fator economico, justificando o emprego do concrete
armado, o mais perfeito e mais barato material de
Jose Mariano Filho empreendeu contra e~~ ~ma ~iolenta
campanha pela imprensa62 . As ofensas dmgidas a honra constru9ao; necessidade de padroniza9ao para permitir
do adversario assumriam um papel tao destacado qu~nt? o nascimento de um estilo original de carater interna-
os ataques a arquitetura "moderna" e a apologia a cional); as referencias a arquitetura do passado, que se
arquitetura tradicional. Acusado de ser, ao mesmo apoiara em princfpios similares, nao sao, como em Le
tempo, um cinico arrivista, - pronto a vender-se pela Corbusier, simples argumentos propagandisticos para
melhor oferta, e um oportunista sem carat~r, conservou convencer os incredulos; a analise que faz dela demons-
Lucio Costa uma atitude extremamente d1gna; respon- tra uma sensibilidade e apego profundos a um certo
estilo nacional, cujas constantes permaneceram validas
59 Nasceu em Toulon em 27 de fevereiro de 1~. Para ~ ob1er- atraves dos seculos. Portanto, desde 1931, existia em
d o 1ovem
· arqw·1eto r.nodena parecer estado latente a evolu9ao posterior de Lucio Costa, no
vador despreverudo, a escol
:n::
• 1nveros-
• • ha'
rtin ,
simil. No entanto, o fator idade nio te!" no B~I a besma p~~
que na Fran~• niio parecendo a nom~o descab1d1, so ...., cp 10· sentido de uma sintese do racionalismo internacional
outro lado L~cio Costa gozava de grande prestigio, junta ".:',j estudantea . e com a tradi9ao local.
a01 recem:formados. Ha muitos anos era uma figura destac ~ nesse meio
e a boa acolhida · que certamente teria justificava sua n~me~ao. . . . A inteligencia do jovem diretor, suas posi96es pon-
60. Cl. 0 manifesto dirigido ao Mini1tro 1/elo lnatiluto Brasileiro dos
AnJuitetos em 18 de maio de 1931, acerca do 10gre110 d?' «prolesaora fu • . deradas, sua honestidade fundamental em reconhecer
tunstao na Escola de Belas-Artes, parcialmente reprodUZ1do por G. FER-
RAZ, o; cit., p. 37. d f 1
61. 0 regulamento univenitario previa 9ue o diretor e uma acu • 63. Artigo publicado em O Jornal, em 31 de julbo de 1931, sob o
dade ou de um in,tituto devia 1er proleaaor titular. tltulo Uma &cola Viva de Belas-Artes.
62, Artigos reunidos posteriormente num livro ~ublicad? pelo auior. 64. Na fpoca o centro dos estudantes de arquitetura da Univenidade
J. MARIANO FILHO Debates sabre Estltica < Urban•"'!•• Rio de J•?mo, do Rio Grande do' Sul, organizador da obra ja citada (L. COSTA, Sobr,
,..., .• - F • •l .A:rquitetura). Devc-se acrescentar quc, a seguir, Lllcio Coata moatrou-te:
1,.,.., pp. 46-47 («Onenta~ao acciosa • pp . "47-48
.0 p ( «D1tadura
bl Artisbca»),
Ar hitectonico muito re1ervado quanta a tudo que dizia respeito a primeira parte de 1ua
pp. 48-49 («Ma~onaria Artistic:a>), }'P• !i8-7J (d &o I ezde B:ras-Artes»)- obra, niio facilitando sob ease aspecto o trabalho dna pesquisadora,
Naclonal»), pp. 71-74 {«A De.maoonaliza~ao a . co 1

73
que seguira o caminho errado, a seguranya 16gic realiza~oes foram de auto ria de War chav chik ,
a de com quem
suas exposiyoes, o equilfbrio com que respo Lucio Costa se associou de 1931 a 1933. 0
ndeu as papel de
calunias do irascivel, orgulhoso e fanatico Jose Warchavchik nesse prim eiro perio do nao deve
Mariano ser mini-
s6 serviram para aumentar seu prestigio - mizado, nem ignorado, coma muit as vezes
ja consi- ocorreu67.
deravel desde que assumira a fun9ao. E prova
vel que
o pr6prio Lucio Costa, pre~ cupa do en:i destacar a
as responsabilidades de que foi subitamente inves importancia fundamental de Niem eyer, fo1 pouc
tido o obje-
tenham precipitado sua evolu9ao65 • Muitos tivo por ocasiao da polemica com Gera ldo
dos que Ferraz
ignoravam sua recente conversao a doutrina de em t 9486B. Procede plen amen te sua ~irm ativa
Le Cor- de qu~
busier ficaram surpresos com suas novas posi9 a transformayao fund amen tal da arqm tetur a
oes, brasileira
vendo nelas uma nega9ao da obra anterior ocorreu em 1936 e nao em 1928, e de que
ou uma ela certa-
manobra oportunista. Mas os alunos nao se enga mente nao teria obtid o o reco nhec imen to inter
naram nacional
e aderiram com entusiasmo. A demissao de Lucio se ficasse restrita apenas a obra de Warc havc
Costa hik. A
e dos professores "modernistas" foi uma vit6ria questao da prior idade crono16gica - atrib uida
de Pirro a Sao
para os adversarios. Os poucos meses que dirig Paulo pelo critico de arte com uma enfa se
iu a nao isenta
Escola bastaram para exercer uma influencia de bairrismo - era porta nto apen as um pont
decisiva. o secun-
0 termino da greve de varias semanas, que dario que ele mesmo, alias, tinha o cuid ado
eclodiu de nao
co~ sua demis~ao, tendo os estudantes que cede por em discussao. :e., no entan to, discu tivel a
r provi- afirma9ao
son~mente, fo1 apenas pro forma. Em seu conju de que "o que se passa ra, ate enta o, teria
nto, acontecido
hav1am tornado consciencia da necessidade de de qualquer maneira, sem alter ar uma virgu
abando- la, mesmo
n~r a c6pia dos estilos do passado; os mais dinam que Warchavchik tivesse reali zado sua obra
icos em outro
nao tardariam em revelar-se partidarios decid lugar". Com efeito, e prov avel que o talen to
idos da dos arqui-
nova arquitetura, nela destacando-se significati
vamente. tetos cariocas tivesse de qual quer form a se mani
festado
2. Os primelros passos (1931-1935) e que mais cedo ou mais tarde a influ encia de
Le Cor-
busier assumisse papel decisive, mas o exem
plo dado
. ~s anos de 1931 a 1935 podem parecer, a prim por Warchavchik nao pode ser igno rado . Sua
contri-
vista , m6cuos; mas foram na realidade essenciais. eira buiyao constituiu apenas um epis6 dio, logo
superado
Nao pelo retorno direto as fontes euro peias , mas
se pode compreender a subita eclosao produzida pennanece
a parti r o fato ~e que ele guiou os prim eiros passos dos
de 1936 sem_ levar e~ conta a lenta matura<;:ao pionei-
que a r~s canocas que, por um brev e insta nte, foram
precedeu .. Fo1 um penodo de estudos e de defini seus
<;:oes d1sdpulos ou seus associados.
para o atlvo grupo dos jovens arquitetos recem
-saidos
da Escola de Belas-Artes, ap6s terem passa _Ja se destacou 69 a fntima rela~ao entre as
do pela obras
aventura da reforma f rustrada de Lucio Costa da fir~a Warc havc hik e Lucio Cost a e as
Em concebidas
prim~iro lugar, dedicaram-se a complementar exclus1vamente por Warc havc hik. Nao ha duvi
se~ co- ma qua nto a · fl ~ · · da 1 .
nhec1~ento sobre ~ movimento racionalista m uencrn micial exer cida par este sabre
a gu
europeu,
exammado as doutnnas e realiza<;:oes dos grand seu colega, parceptivel tamb em na resid encia
es mes- de Ro-
tres - Gropius, Mies Van der Rohe e principalm nan Borges em Copa caba na (Fig. 35), obra
ente de Lucio
Le s~rb usier . A obra deste transformo~-se numa t(t.., , D :. k"-1"' , . ,,. , ,,.
C.
especi~ ~ " " • • \ h-. ,
'!.CM..,,.i. :.-
i,,.

de .hvro sa~rado da arquitetura"66, sistematica


mente
anali~ada e mtegralmente aceita. A seduyao
que ela
exercia pode ser explicada pela unidade do
sistema
pr_oposto, ~ue partia de argumentos de ordem
econo-
11;1c~ e social de um lado, e de argumentos de
ordem
tecmca ~~ outro, c~l~ inand ~ numa concepyao
artistica.
Seu espm to dogmahco atraia os jovens espfr
itos um
~nto desorientados, na procura de um caminho;
~fere-
c~a, _ao. mesmo tempo, um ideal, regras precisas
d1s~1plma, que podiam servir de referencias e
e uma
o. t
o~ mseguros passos iniciais. A aquisi<;:ao <lesses
cimentos te6ricos foi fundamental ne\a r
numa prepara<;:ao do terreno e . c~n .e-
, pois se conshtmu
de Le Corbusier no Brasil t;ria n~~ca a. segun~a
0
~stadia
teve, se_ assi~ ~ao tivesse sido. a importancia que
A mfluenc1a de Le Corbusier
repentina, e sim progressivame t n-ao se deu de
maneira Fig. 35 · neiro Lucio COSTA C
19 p · asa. de Roman
tra .a evolu<;:ao das obras "m~~• co~? 0 hem
~emons- · 34· erspectiva cavaleira.Borges. Rio de Ja•
proJetadas no Rio de Janeiro Ja e~nas constru1da
s ou · 67 · P. L. GOODWIN B ·1
. v1mos que as primeiras New York, ,
1943. Arquitel~ra rai, builds: archit utur, 111w old 1652-/942,
65 . Um caso klllelh a , ~947 ._Foi_ a dedicat6ria desta ul~;n i,bpor dn,a
Academia de ViI a n,nova~.!' e
mente favori.v 10 O
de Otto Wa
ao da arquitctura q:•d• que •• revelou brusca
• pioneiro, que deu origcm l
68. L CO
iiO _ra, o~de 110Lu<;ioBrasil, Rio de Janeiro,
Costa era qualilicado
po mica nd,ant e c1tada.
Modtrna, Sao ~~:ioemJB94p. Cf. ~- BENE.VOLO
' . •npectiva, 1976 P 2/.,,.oHi,~6~ria
addo prof~ or d~ FERRA . • STA, op. cit. 119
a Arqu,t,tura da Z, pubbcado no Didri.; /,P's p -~28 (reprodu~iio
~ L COS
. TA, op. cit ., pp. l!n, 193,' 202,
. "·
203.
do :::..:•)ta
y •
de L. COSTA, publicada 4 0 di~~ U ~• fcvcrci
do artlgo de G.
ro d~ 1948, •
no ano canoc:a O Jo,nal , cm 14
74 69. er. svp,a, p. 70.
Costa (1934). Certas diferenyas, no entanto, siio dignas como a unica fonte de inspirayiio. Formalmente, havia
de nota: a preocupayiio com o equilfbrio das massas mesmo elementos tomados de emprestimo a outro gran-
pela simetria, as marquises sustentadas por delgadas de mestre £ranees, Auguste Perret: a igreja ins~irava-se
cohmas de concreto, em lugar da soluyiio em balanyo, diretamente na de Rainey (Fig. 37), com as tres naves
tao apreciada por Warchavchik; abandona-se totalmente
o tour de force tecnico e a vontade de impressionar,
deixando a composiyiio transparecer uma concepyiio
mais classica de encarar os problemas. Contudo, o
aspect~ po: dema_is mecanico da arquitetura de War-
chavch1k nao pod1a prender Lucio Costa, espirito refi-
nado, preocupado com as questoes esteticas, por muito
tempo. Para ele, a aplicayiio da doutrina funcionalista
pura era uma_ disciplina,. uma cura desintoxicante que se
1mpusera a flm de parhr de bases novas a procura de
uma sintese entre todos os elementos.
0 resultado desse periodo de reflexiio ja compa-
rece no anteprojeto70 apresentado em 1934 no concurso
promovido pela Companhia Siderurgica Belgo-Mineira:
tratava-se de construir em Monlevade (Minas Gerais)
um conjunto habitacional completo (residencias arma- Fig. 37 . Lucio COSTA. lgreja de Mon/evade. 1934. Plan-
zem, igreja, cinema) para os empregados da 'compa- tas, elevay6es, cortes.
nhia, que ia estabelecer-se naquela nova zona de pros-
pecyiio e explorayiio. Lucio Costa adotou para todas de ab6badas rebaixadas, sustentadas por delgadas colu-
as construy6es, menos para a igreja e o cinema, o pilotis nas, elementos vazados de cimento substituindo as pare-
louvado por Le Corbusier, por constituir a soluyiio des, a posiyiio do campanario no centro da fachada.
mais 16gica para o terreno acidentado: reduzia-se os Tudo, porem, era simplificado ao maxima: as naves
trabalhos de preparayiio do terreno, o que compensava laterais eram abobadadas no sentido longitudinal como·
o elevado custo local do concreto armada; o emprego a nave central, os elementos vazados dispunham-se
deste revelou-se ate mesmo economico, ja que a criayiio rigidamente em quadrados contiguos, o campanario de
de um piso artificial isolado da unidade do solo natu- seyiio quadrada e volume prismatico era encimado
ral permitiu retomar, especialmente para as residencias, apenas por uma cruz. Alguns desses elementos ·foram
o processo tradicional e economico, de execuyiio de retomados em outras edifica<;:6es (ab6badas no arma-
paredes de pau a pique, sem os inconvenientes de fragi- zem central, claustros, pilotis e colunas de mesma forma
lidade e insalubridade. Os problemas eram enfrentados e seyiio, qualquer que fosse a obra), o que assegura ao
segundo o metodo proposto por Le Corbusier: preocupa- conjunto a unidade desejada (Fig. 36). Com esse pro-
yoes sociais, evidentes em todo o memorial descritivo, jeto, Lucio Costa retomava suas tendencias mais signi-
ficativas: ausencia de uma opiniiio preconcebida, infor-
mayiio proveniente das mais diversas fontes, utiliza<;:iio
de soluyoes simples e claras, adaptadas ao meio e a
~ funi;iio 71 , pesquisas modernas sem excluir tecnicas
(/-
fl . - re/' ' ..S...+'1
'c- -- .
'-! - -- r~ ~ r
tomadas de emprestimo ao passado, quando ainda ade-
quadas para o caso especifico, simplicidade, elegancia,
--✓ '"'?-- -~- -.: <e- . ~ _;:~
leveza.
_c:;,rA1~l~-c..,~~;;,-II::!!:~~ ~ Mas o projeto de Lucio Costa para Monlevade -
C r_ original, niio obstante os elementos claramente toma-
dos de emprestimo a arquitetura de Perret - consti-
tu!a uma excei;iio no panorama da epoca, onde predo-

~~~
mt~ava ~~ funcionalismo destituido de qualquer pes-
qms~ plasttca. Nern o pr6prio Oscar Niemeyer, que a
segu1r se tornaria um mestre nesse campo, escapou a
tendencia geral anterior a vinda de Le Corbusier. O
clube esportivo 72 que projetou no ultimo ano da Escola
Fig. 36. Lucio COSTA. Cidade de Mon/evade. 1934. Pro-
jeto de conjunto. de Belas-Artes (1934) - varios blocos prismaticos
contiguos, terrai;o sobre a cobertura, janelas na hori-
analise das condiyoes naturais, emprego vantajoso da zontal - , identificava-se com a linha da firma War-
tecnica moderna, sem o culto do material artificial, e chavchik-Lucio Costa, para a qual ele muito cedo
o prop6sito de impor-se ao meio circundante, caracte- entrara como desenhista.
risticos da obra de Le Corbusier. Esta niio era conside-
71 . Os patios _in~roos, por exemplo, eram uma excelent.e ,olu~ao ra
rada como um modelo a ser seguido literalmente, nem asse1111r&r boa venUla~o; ao ca.rater esscncialmente plaiJtico que ti ha
assumido com Perret, auociava..se aqui um claro sentido funclonal. n am
70. R,vi,la da Direlorio do En11nharia, n.• 3, maio de 1936, repu• 72 . R,vislo do Dir•loria do E1111nhorio n • 14 janei d 193~
236-240 ( eleva~oes, plantas e penpectivu). ' · ' ro • • PP,
blic:ado •m L. COSTA, op. cil., pp. 42-55. 0 projeto nio foi executado.

75
Tern um cunho mais pessoal a obra de Affonso equipe Jorge Moreira-Ernani Vasconcellos79 fund
Eduardo Reidy, ex-assistente de Warchavchik na Escola mentava-se em principios semelhantes e denotava id', a-
de Belas-Artes, em 1931. Como arquiteto da Prefeitura tica fonte de inspirac;ao. Os problemas de o~enta: ·
do Distrito Federal, teve desde cedo oportunidade de e circulac;iio constituiam tambe~ o ponto de Partido
projetar grandes edificios para abrigar os servi90s mu- e haviam sido resolvidos de maneira s:~elhan te; plant:
nicipais73. Desses, foram construidos apenas uma escola e elevac;lio, tratados com o mesmo espmto; nao se dif
rural74 e um albergue (Albergue da Boa Vontade) 711 , renciavam basicame~te . das pr?postas. de Reidy. As
este em colabora9ao com Gerson Pompeu Pinheiro, teorias de Le Corbus1er tmham s1do aplicadas em ambo
em 1931-19 32. A documenta9ao a respeito mostra que os casos: pilotis permitindo liber~ar o pavimento terr~
as preocupa90es de Reidy reduziam-se a alguns pontos para jardim, planta e fachada hvres em conseqiienci
esse~ciais: ilumina~iio uniforme, por meio de janelas da estrutura independente, em balan90, janelas na hori~
corndas , em toda a extensao do edificio· salas de tra- zontal. Dos cinco pontos basicos do mestre racionalista
balho orientadas para a face leste ou s~l de modo a faltava apenas o terrac;o-jardim, substituido por uma
prot~ge-las do sol nas horas de trabalh~76 ; galerias cobertura em terra90 nlio acessivel, que nlio riodia
de czrcula~iio externas, servindo de marquises e prote- oferecer o passeio arquitetonico tao apreciado pelo
gendo do sol as faces norte e oeste; ventila~iio cruzada, mestre £ranees.
permitin do combate r o calor com correntes naturais de Estava-se, portanto , muito distante do toque pes-
ar, criteriosamente dirigidas77 • Partindo <lesses princi- soal com que Le Corbusier sabia marcar de forma
pios, Reidy projetou edificios com varios corpos, dis- indelevel suas realizac;6es. A passagem do piano te6rico
postos de modo mais ou menos simetrico em tomo de para o pratico niio tinha ainda se dado e somente um
patios abertos; a horizontalidade era ressaltada pela contato direto iria possibilitar, no ano seguinte, que
sucessao mon6ton a de faixas de janelas e peitoris, que os jovens brasileiros chegassem a compreender real-
marcava m as fachadas. 0 exemplo mais representativo mente a lic;lio de Le Corbusier.
dessa arquitetu ra rigorosamente funcional, mas plasti- Conforme se pode constata r, a situac;lio entre 1930
camente inexpressiva, e o projeto78 apresentado para e 1935 havia evoluido consideravelmente, embora fos-
o concurso do Ministerio da Educa9ao e Saude, em sem construidos poucos edificios "modern os" no Rio
1935 (Figs. 38 e 39). Nele o arquiteto previra uma de Janeiro . Estava ja constituido um grupo ativo, parti-
1.• PAY&MDffO

Fig. 38. Affonso E. REIDY. Projeto do concurso para o Fig. 39 . Affonso E. REIDY. Projeto do concurso para o
Ministerio da Educa~ao e Saude. Rio de Janeiro. Ministerio da Educa~ao e Saude. Rio de Janeiro.
1935. Planta (primeiro andar). 1935. Elevac;ao.
construc;ao sabre pilotis ate entao praticamente proibida tidario da nova arquitetu ra: os mais velhos, com pouco
pelos regulam entos municipais; embora essa novidade mais de trinta anos - Lucio Costa, como Hder, Attilio
s6 viesse refor9ar a 16gica do sistema proposto, nlio Correa Lima, Raphael Galvlio, Paulo Antunes Ribeiro
introduz ia qualque r modificac;ao sensivel no aspecto - eram desertores da arte neocolonial; os mais jovens -
global da arquitetu ra de Reidy. Reidy, Moreira, Vasconcellos, Marcelo Roberto, a quern
0 projeto apresent ado no mesmo concurso pela logo se juntaria seu irmlio Milton - eram adeptos,
desde o primeiro moment a, da nova arquitetura. Todos
73 .. -~•vista .d~ Di~doria da En~•nharia, n .o 1,
2-5 ( edihcio admin11trat ivo) ; n .o 11, Julho de 1934, p. julho de 1932, pp.
3 (nova prefeitura)
no entanto cerravam fileiras e poliam suas armas,
e pp. 4-9 (aede da dire,;io dos servi~o• ticnicos de constru~iio e de lazer).
reunindo a instrumenta9lio te6rica que os preparava
74. Ibid ., n .o 5, julho de 1933, pp. 3 c 4. para reagir de modo favoravel, a centelha que foi a
75. Ibid., n .o 2, out, de 1932, pp. 26 e 27 e S. GIEDION e K .
FRANCK, .Alfonso Eduardo Reidy - Bau/en und Proj,kte, Stuttgart, 1960, segunda viagem de Le Corbusier. Alem disso, os pode-
pp. 12 e 13 (plantaJ, fotos, cortes) , res publicos e mesmo algumas entidades privadas come-
76 . No Brasil muitos 6rgios administrati vos funcionam s6 a tarde. c;avam a mostrar-se menos insensiveis: o epis6dio da
77 . 0 prindpio era muito simples: as grandes janelas ininterrupta
do.s faces sul e leste opunha-se uma Caixa igualmente continua de hascu·s reforma da Escola de Belas-Artes em 1930, mesmo tendo
!antes, colocada no alto da parede oposta, dando para a galeria de circu-
la~io. 0 ar qucnte saia por esso.s abcrturas, cedendo lugar ao ar mais frio
fracassado, provou que uma interven9lio polftica po?ia
que cntrava pclas fachadas niio expostaa ao sol. alterar determin ada situa9ao; o fato de ter Reidy pod1do
78 , Revista da Dir,loria da Eni• nharia, n.o 18, aet. de 1935, pp, 511-
!ilf, 79. Ibid. , pp. 515-519.

76
propor e .v~r aceitos, mes~o que niio realizados, pro- que viessem a receber subven1yao estat~l. Assumin~o o
jetos dec1d1damente func1onalistas, . de ter Raphael cargo, Luis Nunes montou uma e.9ut~~ de te~n_,~os,
Galviio podido veneer, em agosto de 1933, o concurso artistes e artesaos, cuja colabora9ao ma posstbihtar
para a constru9iio do Cine Ipanema80 , para nos limi- importantes estudos, especialmente no ~ampo da pa~ro-
tarmos a ~lg~~s exemplos particularmente significati- niza9ao da constru9ao, e uma execu9ao de alto mvel
vos, eram md1c10s seguros de que a mentalidade estava dos projetos elaborados. Cercou-.se de col~boradores de
em vias de uma transforma9iio lenta, mas segura. primeira linha, como o engenhe1ro Joaquun Car_dozo e
A situa9iio em 1935 era portanto hem mais favo- o arquiteto-paisagista Roberto Burle Mar~, entao des-
ravel no Rio de Janeiro do que em Sao Paulo onde conhecidos, mas que mais tarde se tomanaII_I famosos
Warch_av~hik, apes!r dos sucessos iniciais obtid;s, per- em suas especialidades1H. Firmemente apoiado pelo
man~c~a 1so!ado~ n~o podendo contar com o apoio da governador Carlos de Lima Cavalc?nti - o q~e lhe
adm101stra9ao pubhca, tendo de limitar-se a uma clien- permitiu veneer os obstaculos e a mcompree~sao que
tela estritamente privada. uma a9ao revolucionaria sempre provoca - Luts Nu?~s
conseguiu realizar, em dois breves periodos de at1_v1-
4. LUIS NUNES E O MOVIMENTO DO RECIFE dade (novembro de 1934 a novembro de 1935; fms
(1934-1937)81 de 1936 a novembro de 1937) , uma obra relativa11;en!e
abundante e diversificada, cujo interesse e coerenc1~
Os dois grandes centros do pais, Rio de Janeiro devem ser ressaltados. Sua originalidade tornou-se ev1-
e Sao Paulo, praticamente detiveram assim no inicio dente desde os primeiros projetos, onde demon!trou qu~
do seculo a exclusividade das iniciativas, em materia a padroniza9ao em nada se opunha. a expressa~ a_rqut-
de arquitetura - se e que se pode chamar de iniciativa tetonica e que uma constru9ao pod1a ser eco~om1~a ~
o que muitas vezes niio passava de um reflexo mais funcional oferecendo, ao mesmo tempo, solu9oes tecm-
ou menos deformado das modas e correntes europeias. cas e f;rmais audaciosas. Na escola para crian9as
As outras cidades limitavam-se a seguir a orienta9iio excepcionais85 que construiu nos arredores de Recife
dada ou transmitida por essas metr6poles, sem nada (1935) (Fig. 40), a uniformiza9ao dos elementos era a
criar de realmente original, mesmo nas raras ocasi6es mais completa possfvel, de modo a reduzir o custo da
em que os modelos haviam sido tomados de emprestimo
diretamente da Europa, como no caso do Art Nouveau,
em Belem do Para. Assim, e particularmente notavel
constatar que, mesmo antes da implanta9ao definitiva
da nova arquitetura no Rio ou em Sao Paulo, desen-
volveu-se no Recife, de 1934 a 1937, um movimento
autonomo, sob varios aspectos ate mais avan9ado. A
causa principal dessa situa9ao particular deve-se a per-
sonalidade excepcional de Luis Nunes, que de certo
modo se teria tornado uma das figuras de proa da
arquitetura brasileira, nao tivesse falecido tao jovem.
Natural de Minas Gerais, evidenciou sua capaci-
dade de lideran9a ja quando estudante da Escola de
Belas-Artes do Rio, onde liderou com Jorge Moreira a
greve estudantil desencadeada em setembro de 1931, Fig. 40 . Luis NUNES. Esco/a para crian9as excepcionais.
para protestar contra a demissao de Lucio Costa e Recife. !935. Maquete.
dos professores por ele contratados. Tao logo ~iplo-
mado, projetou uma serie de apartamentos n~ Rio de constru9ao. A levissima estrutura de concreto armado
Janeiro transferindo-se a seguir para o Recife, onde era constitufda por tesouras transversais de seis metros
lhe er; oferecida uma tarefa que iria evidenciar sua de vao, identicas em todos os andares dos dois edificios;
capacidade. Tratava-se de organiza_r e dirigi~ ~'? ser~i9? assim, uma amplia9ao futura, tanto no sentido vertical,
de arquitetura82 que se encarregana dos ed1f1c1os pubh- quanto no horizontal, seria perfeitamente, viavel. A
cos do Estado de Pernambuco83 e dos edificios privados parede oeste da ala principal foi construfda com ele-
mentos pre-fabricados - blocos de cimento de 50cm
80 Ibid n o 7 nov. de 1933 pp. 3-6 (elev~••• cortes, plantas) • por 50cm com 10cm de espessura, vazados por nume-
Arquit;lura ;•u,bani;,,.o, n.• 3, set. de 1936, pp. 140-144 (fotogralias, plan-
tas, desenh01) .
rosos pequenos orificios retangulares -, concebidos
81. Cf. o artigo de JOAQUIM CARDOZO em M&_dulo, n.• 4, man;o para proteger do sol e da chuva, mas possibilitando a
de 1956, pp. 32-36, retomado em .A,quit,tura, n.• 13, 1ul:EZtR~\.IT: passagem do ar, de modo a assegurar uma ventilac,:ao
3•21 , entremeado a um texto sobre o mesmo assunto de 1· . L , N
TAR e a republicqao sa exposi~iio feita. em 1935 pelo 1;>!15Pno uu une, constante, exigida pelo calor permanente da regiao, a
sobre os objetivos do servic;o, quc orgamzara ncs.sa oca.uao.
82. Criado em 3 de novembro de 1934 e inicial"!ente chamado «Sr 9° de latitude sul. Por outro lado, essas solu96es, sob
~o TCCnica de Eogenbaria e Arquiteturu, esse servic;o tornou•se, ~ 0 todos os aspectos funcionais e o uso de materiais feitos
decreto de 29 de agooto de 1935 a d)iretoria de Arquitelu!"' edCorut ~•~•
(D.A.C.). Fechado em novemb~o de 1935, _ap6s a. lentaliva. d 1~i36
r:;;:i
comunilta, sob , uspeita de atividades 1ubve111vas, foi ~o111_aniza 0(D A U ) 84 . Solicitou de AttUio Correa Lima , autor do piano de Goilnia, um
transfonnando-se na «Diretoria de Arquitetura e 0
r am;~o~e no~e~b~ projeto de urbanismo para Recife. A, propo.stas apresentadas nio foram
que funcionou ativamente ati a morte de Luis Nunes, em · contudo aplicadasJ porque o scrvi~o foi swpenso em fins de 193.S.
de 1937, mas ni o sobreviveu ao seu falecimento. 85. P.D.F., vol. III, n.o 1, jan. de 1936, pp.
83. Ou seja, 01 de responsabilidade do govemo do Estado • as cons-
10-H (fotografia da
maquete • da obra em constru~ o, pl111tas),
~iies a cargo das municipalidades, quando estas as requereuem.

77
mas nao paralelos, de modo a_aproveitar racionalmente
em serie nao impediam de modo algum o emprego de o terreno Iigeiramente trapezoidal.
solu96es tradicionais, como a galeria de circula9iio, que Eram unidos por um bloc? transvers~l, _que ab~-
corria longitudinalmente a fachada oeste do qloco
menor , para proteger as salas de aula do excesso de gava os servi 9os gerais; constrmdo sobre p1!~1Is , e ma1s
insola9 ao. Nao impediam tambem o virtuosismo tecnico, largo e mais alto do que os o~tros, _perm1tra a_ c_onti-7
como as escadas helicoidais apoiadas apenas nas extre- nuidade do jardim, criando um Jogo v1goroso e log1co~
midades$6, e uma sfntese formal de primeira ordem: o de interpenetra 9ao de volumes, o q~e acentuava plasti-
conjunto era de uma simplicidade e de uma pureza camente a entrada principal, or~amzada sob _fo_ri:na de
absolutas. A harmonia derivava do equilibrio na dis- um grande hall inteiramente env1dra9ado, poss1~1htando
tribui9iio das massas, da liga9ao habil dos blocos por a transi9ao interior-exterior. Como na constru9ao prece-
meio de uma marquise e principalmente, da seguran9a dente a estrutura era composta de elementos regulares,
na escolha das propor96es, enquanto certos elementos, mas desta vez colocados no piano das fachadas e nao
valorizados criteriosamente - escadas externas em cara- mais transversalmente. A rede ortogonal assim forrnada
col na extremidade do bloco maior, volume transversal libertava a organiza9ao intema - solu9ao_ muito racio-
I saliente, no eixo do patio sobre a face oriental da ala nal para um hospital. No entanto, esse hpo de estru-
menor - evitavam toda austeridade excessiva e acen- tura tinha toda a canaliza9ao correndo sobre as facha-
II tuavam o sentido plastico da composi9ao. das, o que contrariava um dos principios basicos de Le
I Jdenticas preocupa96es compareciam no hospital Corbusier. Pode-se, portanto , constatar que Luis Nunes
da Brigada Militar (Fig. 41), projetado desde 1935 e - ao contrario de seus colegas do Rio de Janeiro -
nao era profundamente influenciado pela obra do
mestre franco-suf90; este constituia apenas uma dentre
varias fontes de inspira9ao e, de modo algum, o "livro
sagrado da arquitetura" . Dentre os grandes mestres
racionalistas, foi certamente Gropius quern mais serviu
de modelo a Luis Nunes: esse tipo de estrutura havia
sido proposto pelo arquiteto alemao ja em 1922, no
celebre projeto para a sede do jornal Chicago Tribune;
e o jovem arquiteto brasileiro, quando trabalhava no
projeto do hospital, deve ter pensado em certos aspectos
da Bauhaus de Dessau, com seus edificios agrupados
funcionalmente, seus volumes prismaticos puros soli-
damente apoiados no chao, limitando-se a constru9ao
sobre pilotis ao elemento de Iiga9ao fundamental. Por
outro lado, era perfeitamente 16gico que fosse em
Gropius, adepto fervoroso de· uma arquitetura indus-
trializada e padronizada , que Luis Nunes pudesse encon-

1~~~- NUNES. Esco/a rural Alberto Torres. Recife.

trar as preocupay6es mais pr6ximas das suas e um


ponto de partida capaz de orientar suas pesquisas,
baseadas numa economia de meios.
~

Apesar de suas tendencias naturais e da discri9ao


Luis NUNES. Hospital da Brigada Mi/itar. Recife.
Fig. 41 .
1935-1937. que, de um mo~o g,:ral, caracteriza sua obra, aproxi-
ma_ndo-a das ~eahza9oes do periodo alemao de Gropius,
const~u!do somente em 1937, tlurante o segundo periodo ~uis Nunes diferenciava-se dele por uma menor auste•
de at1_v1dade do arquiteto em Pernambuco. Desta ridade no domfmo · . Pode-se ponderar que as
· PI'ast1co
os do1s blocos longitudinais erain sensivelmente iguva~!: c;scadas em caracol da escola para crian9as excepcionais
87 - A cobcrtur a dos cdiHrios J • ell •
86 As primcirns dw, tipo con1lrul du no Bruli. 1fvcl pclo bloco transvorsal ' r.oIocod oongttu nau •m Corm11 de t•rn~01, acr►
no centro da compO&itio.

78
ass:melhavam-se_, pela tecni~ empregada e pela locali- uma boa ventilayio e, em certos casos, uma proteyio
• 90
zayao na e~tre1D1dade ~o edtffoio, com as que Gropius e adequada contra os elementos naturats .
Meyer havtam concebtdo para a usina apresentada na Partindo de posiy0es te6ricas e do prop6sito de
Exposi~o da Werkbund, em 1914. Maso sentido delas introduzir no Brasil o estilo intemacional de 1930 (con-
era muito diver_so: na obra de Col6nia, a pedeita sime- siderado como universalmente valido e o unico repre-
tria e o envolvimento das duas escadas por uma caixi- sentativo de sua epoca), Luis Nunes deu prov~, ~o
lbaria de vidro limitava a enfase nelas colocada • na conjunto, de uma certa flexibilidade na sua apl~cayao
composi~o de Luis Nunes, a escada unica dese~vol- pratica91 ; soube aproveitar a liyio dada pelas £1gura_s
vendo enfatica e livremente sua espiral, dest~cava-se do europeias de proa, sem ficar prisioneiro de seus ens1-
conjunto e. atraia . inevitavelmente a aten~o. Outro namentos. Longe de ater-se fielmente a eles pr~upou-
exemplo, amda mats notavel (Fig. 42), mostra que o se sobretudo com o espirito que se depreend1~ des~es
jovem arquiteto brasileiro, sempre que poss£vel, enfa- ensinamentos e esforyou-se para adotar seus pnnciptos
tizava o virtuosismo tecnico, explorando seriamente o oonforme as possibilidades tecnicas e industriais do
notavel talento de calculista de Joaquim Cardozo88 • meio. Como hem destacou Joaquim Cardozo92 , as cons-
Trata-se da escola rural Alberto Torres (1935), onde o truy0es de Luis Nunes no Recife, de 1935 a 1937, ja
jogo de rampas suspensas por dois arcos parab6licos representavam, pela forya e capacidade de execuyio,
foi sem duvida inspirado no projeto de Le Corbusier uma linguagem brasileira93 • A rudeza que delas ema~ava
para o Palacio dos Sovietes em Moscou (1931), embora parecia orientar a arquitetura do pa{s para um cammho
a interpretayao seja diferente89 • Deve-se tambem notar mais austero do que aquele que foi finalmente seguido,
a audacia da caixa d'agua em cone invertido, cuja forma sob a influencia decisiva de Le Corbusier.
pura e inedita assumia, no conjunto, uma importante Se Luis Nunes nio houvesse falecido, talvez se
fun~o plastica. desenvolvesse no Nordeste um estilo diverso da "ma-
Luis Nunes incorporara, portanto, os principios neira brasileira" que os arquitetos cariocas iriam rapi-
enunciados pelo movimento racionalista europeu: em- damente impor. Mas todas as especulay6es sobre o
assunto escapam ao ambito deste estudo e seu carater
prego sistematico dos materiais novos, especialmente de
puramente hipotetico em nada auxilia a amplia~o de
concreto armado, constru~s com estrutura aparente,
nossos conhecimentos. Portanto, limitar-nos-emos aos
coberturas planas, grandes supedfoies envidrayadas de fatos. 0 movimento do Recife foi um epis6dio breve,
caixilhos metalicos. Aceitara tambem a estetica proposta mas nio se pode negar sua importincia. Extremamente
e nao hesitava em tomar como modelo as obras de dinamico, representou significativo esfory0 de implan-
grandes mestres como Gropius e Le Corbusier. tayio, profunda e racional, da nova arquitetura no
Entretanto, jamais lhe ocorreu a ideia de aplicar Brasil. Perfeitamente homogcnea, em conseqilencia da
pura e sim.plesmente essas solu~s. Embora trabalhando personalidade dominante de Luis Nunes94 , tomou o
dentro do mesmo espfrito de Gropius, o ambiente era caminho de wna sintese entre o carater universal dos
inteiramente diverso, tendo ele sabido levar isto em principios basicos e a expressio regional que lhes podia
considera~o. O fato de conseguir montar, num ambiente ser conferida. Deve-se lembrar, finalmente, que propiciou
a priori des£avor4vel a todo empreendimento desse as primeiras expericncias para dois talentos aut!nticos,
tipo, uma equipe completa, onde o engenheiro, o t~ni~ que a seguir teriam uma brilhante carreira: o engenheiro
e o artesao pesquisavam em conjunto, sob a dt~ao e poeta Joaquim Cardozo e o arquiteto-paisagista Burle
do arquiteto; o modo racional e economico de resolver Marx. Por conseguinte, o esquecimento quase total a
os problemas de constru~o e uma demonstrayao sur- que foi relegada a tentativa interessante e audaciosa de
preendente do senso de realidade que o animava. Nao Luis Nunes e totalmente injustificado. Mais do que seu
podendo apoiar-se numa verdadeira produ~o industrial, lado efemero, e sem duvida o distanciamento espacial
tratou de apedeiy0ar as tecnicas artesanais locais, che- o responsavel por essa situayao anormal, pois a obra
gando a resultados inesperados, nao raro de grande 90. 0 mesmo princlpio foi aplicado aa face leate da acola para criaa•
significado. A criayio mais notavel neste campo foi o ~u excepcionai1, acima n,ferida, mu aerie bavia tamban o propdoito de
uma ,epara~o 6ptica, decorrente da fun~o do ediflcio O cobog6 em a-
emprego - de maneira absolutamente nova - de tado bruto, ainda fn:qucatemente 111&do cm Pcrnambuco, serve para o fe-
blocos vazados de concreto chamados "cobog6s" (pri- cbamento de plcriaa de ~ o , pAtiOI e depeadbciu em pra). £ nela
que ae encontra a orisem 'dOI bris1-sol1il fi:ud01 em caixilboo metaliC01,
meira sflaba do nome dos tres inventores). Eram eles quc a ,eguir foram empnepd01 com conaiderivel fn:qi!fncia na arquitetun
b ruileira.
ate entio empilhados uns sobre os outros, para a cons- 91 , Mu eua flexibilidade aio cbepva a ponto de n:nunciar AOI ter-
truyao de paredes cheias, s6lidas e baratas. Luis Nunes ~~OI~ cuja impermcabili~o era _diflcil aeuc: clima, cuju grandes pn:ci-
p1ta,;oe1 altemam..e com um aol VJoleato, provocando fiauru naa laja de
e seus colegas tiveram a ideia de utiliza-los no estado concn,to. Com cfeito, tratava-1e de um doo priaclpioo fundamentals da
nova arquitetura, cuj01 incoveaientea s6 iriam aparecer com o tempo.
bruto, como brise-soleil elementares, constituindo uma
92. Mo,lulo, n.• 4, ~ o de 1956, pp. 32-'6 e Arq11i1, 111ra n • IS
especie de anteparos transparentes, assegurando assim julbo de 1963, pp. 2>32. ' ' '
93. No pavilbio de verifi~o doo 6bitoo da antip Faculdade de
118. ! mcieDte que O lllllPmeDto daa primeinl IOlll!IOCI pluticamente ~ediciaa ,( 1937), aem duvida a obra-pri_ma do arqulteto sob o ponto de
•udacimu da arquitetura bruilein cm Perumbuco foi co111eqi!Aacia da vuta pl&lttco, enc'.!ntra-oe mamo um deliberado pan:ntaco com a arquite•
~ d01 calcul01 atrutw'UI do ensenbeiro loaol Joaquim Carrlow; twa loaol: a ad~o da cor uul para a pintun dOI revadmealOI mern01
faltava apeau deocobrir e uplorar, awn 1<1ntido formal, o valor daquele deua ob"!' em con~to necordava1 com ~ ~ o , o empn:go de uulejOI
quo ,e tomaria um d01 maior.. calculiltu de con=to armada. DOI extenorea, tndiaooal no Recife bi mau de wn aeculo.
89. Com efeito Le Corbmier bavia previ,to um pude aw> panb6- . 9f. Seu 1u,bito falecimeato p~vocou a imediata ~pooic;io da
lico que wponaria ~ma daa estremidada da !al• de cobertura da grand• oq111pe, _pela nettrada quue automanca do apoio goverume11tal 11ec:aurio
ao funaoaameoto do ~ - '
aala da n:uc,lila.

79
1
. . . te mais conservador do que o da EscoJa d
resultante dessa tentativa foi, em seu conjunto, um exito mf1mtAamten do Rio Esta havia passado por diferent e
significativo011 • Belas- r es · I · I. Ela possib•es
expenenc1as, especialmente
• A •
d a neoco.( oma d 1-
. o debate, facilitan o-o, .atrav1.s •o dcantata entre
• htava
.
. .
disciplmas art1st1cas ensma as. Ernbora
• • as d1versas .
moderna fosse v101entamente combatid
As primeiras tentativas de introdu9iio da nova nelas a ar et d A E I p 1· , . a,
nao- era totalmente ignora . a. sco a o 1tecn1ca _ de
arquitetura no Brasil tiveram, portanto, um ca~ater res- Sao Paulo, pelo contrano, com sua ~equena se~ao de
trito, quer pelo pequeno numero de opo~turudades e . t
encomendas de natureza particular ou pubhca, 4?er - arqmte ura com poucos alunos f hperd1dos
d b
no meio de
.
futuros engenheiros, estava ec a a so. re s1 mesrna,
como em Pernambuco - pelo carater temporano do_s .
recursos concedidos, que niio possibilitaram ao mo~1- 1mpermea' vel as influencias externas d'e f,1el Iao o neoclas.
.. d Ramos de Azevedo e seus 1sc1pu os. sopro
mento se afirmar definitivamente. Siio Paulo parec1a s1c1smo e 1as-Artes d R'
reunir, em 1930, todas as possibilidades de ser o ber90 de ar poro levado a Escola de Be f . r· . o 10 pela
e o centro impulsionador dessa nova arquitetura. Fora direyiio efemera de Lucio Costa 01 su 1c!ente para que
la que nascera e se desenvolvera todo um movimento, se formasse de imediato um gru~o. atlvo_, pronto a
I
as primeiras manifesta96es te6ricas em favor da arqu~- 1an9ar-se por novas caminhos es-dec1d1do a 1mpor-se na
tetura funcional, la enfim que Warchavchik passara a primeira oportunidade. Ja_em ao .pau Io, nao - . .
ex1sttam
I a9ao pratica, construindo as primeiras casas com espfrito senao alguns individuos 1solados, mca~azes de repre-
moderno, introduzindo na America do Sul o "estilo sentar uma verdadeira forya. 0 fator 1~portante foi,
internacional". Acrescente-se a isto o crescimento vege- porem, de ordem politica. 0 ~stado de ~ao Paulo que,
tativo da cidade, seu carater cosmopolita, a ~rigem sob a Primeira Republica, tmha assuffildo um papel
europeia recente de sua popula9iio, a falta particular- fundamental no quadro federativo, viu-se relegado a
I mente sensivel de tradi96es locais profundas, que pare-
cia favorecer a implanta9ao de um movimento revolu-
um piano secundario, pelo regime da Revolu9ao de
1930. A crise economica e a falta de um apoio decisivo
I cionario vindo da Europa, rompendo com os estilos do por parte do governo federal, associados ao completo
I I
I
passado, e ver-se-a que tudo parecia predizer o advento
de uma era paulista. No entanto, ocorreu o contrario,
desinteresse das autoridades e da elite paulista, fizeram
praticamente parar todas as construy6es publicas de
tendo progressivamente passado a lideran9a dos paulis- envergadura. Ocasionalmente foram realizados alguns
tas para os cariocas. Como explicar esse fenomeno concursos, sem que jamais fossem construidos os pro-
aparentemente aberrante, mas na realidade, coerente? jetos premiados, em geral, tradicionalistas97 . Ora, a
Para comeyar, certos fatores considerados favoraveis constru~ao de algumas residencias ou predios de aparta-
eram apenas provis6rios. 0 cosmopolitismo de Siio mentos nao assegurava uma verdadeira repercussiio
Paulo, e a importancia da sociedade italiana favorece- significativa, de modo a propiciar a nova arquitetura
ram, mun primeiro instante, a penetra9iio das ideias o impulso de que necessitava para impor-se. S6 urn
novas e a acolhida dos arquitetos formados na Italia, conjunto representativo de obras poderia faze-lo, e para
fossem eles estrangeiros, como Warchavchik, ou brasi- isso era necessario o apoio estavel do poder politico.
leiros, como Rino Levi. A seguir, isso passou a ser Foi em Pernambuco que ele se manifestou primeira-
uma desvantagem, conforme ja visto96, dado o papel mente, possibilitando a Luis Nunes lan9ar as bases
assumido pelo nacionalismo na aceita9iio e no desen- de um primeiro estilo brasileiro. No entanto, o movi-
volvimento da arquitetura "modema" no Brasil. 0 mento foi por demais efemero para que dele resultasse
mesmo ocorreu com a falta de tradi96es, que 1imitava uma influencia profunda agravada pela distancia e pelo
a possibilidade de encontrar, nas obras do passado, certos provincianismo de Recife (provincianismo este que tam·
meios de expressao capazes de enriquecer o repert6rio hem se nota em Sao Paulo, embora num grau mais
contemporaneo. Alem disso, a inexistencia em Siio Paulo reduzido), para influenciar o resto do Brasil. S6 a Capital
de uma Escola de Belas-Artes assumiu papel signifi- Federal podia oferecer, na verdade, as condi96es politi-
cativo. Com efeito, nao se deve esquecer que a revo- cas, culturais e economicas indispensaveis. A sorte pro-
lu9ao arquitetonica do seculo XX, embora proveniente piciou o encontro dos homens indicados realizando eles
dos progressos tecnicos anteriormente referidos, foi a grande tarefa de erguer o monumento 'que iria mudar,
acima de tudo uma revolu9iio estetica. Ora, o ensino
radicalmente o curso ate entiio seguido pela arquitetura
da Escola Politecnica, que formava os arquitetos locais, brasileira: o predio do Ministerio da Educa9iio e Saude,
revelou-se absolutamente insensivel a esta questiio e no Rio de Janeiro.

95. 0 que. nio si!'!ifica ..tar toda sua obra imune a criticas. Por
exel'!plo, a llll!1' co,nhecida e ~ai• freq~entemente reproduzida obra do 97 • 0 principal desses concunos foi o do Pa~o Municipal, cm 193?,
arqwteto, a ~xa d agua de Ohnda, proJetada em colabora~ao com Fer- par~ a escolha de um projeto, para a constru~io da Prefeit ura. Os doll
nando SatW'lllno de Brito _em 1937, lan~a hoje, ap..ar das propor~oes r o1etos aprescntados, um de Warchavchik e Villanova Artiga, (cf. G.
cortttas de . 1ua maua _negre1ante, uma nota de tristcza na paisagem suave ERRAZ, fl'.archavchik, pp. 217-227) e outro de Flavio de Carvalho,
da velha adade colonial. fo:3m pret~n dos. ~m . favor ~• 1olu~io aprescntada pela finna Severo o
Villan,s, CUJa on11nabdade nao era, em absoluto, a nota dominante.
96 . Cf. SM/mt, pp. 25-26.

80
3. A TRANSFORMACAO DECISIVA (1936-1944)

0 ano de 1936 constitui um marco fundamental 1 . 0 MINISTeRIO DA EDUCACAO E SAODE


na hist6ria da arquitetura brasileira, especialmente pela NO RIO DE JANEIROta
visita de Le Corbusier, convidado pelo Ministro da 1. 0 concurso e a decisio de Gustavo Capanema
Educa9iio e Saude, Gustavo Capanema, para assessorar
0 concurso de anteprojetos para o edificio do
a equipe de arquitetos encarregada do projeto do edificio
Ministerio da Educa<;iio e Saude2 , realizado em 1935,
do ministerio. Ao contrario da primeira estadia do foi ganho por Archimedes Mem6ria, professor catedra-
mestre franco-suf90, em 1929, de conseqiiencias somente tico de arquitetura na Escola de Belas-Artes, com um
indiretas, niio perceptiveis de imediato, como a conver- projeto academico, decorado em estilo marajoara8 • 0
siio de Lucio Costa, a segunda teve repercussoes hem regulamento do concurso previa uma sele9iio de cinco
profundas. A experiencia transmitida por Le Corbusier, projetos, dentre os quais seria posteriormente feita a
nas seis semanas de trabalho intensivo desenvolvido escolha definitiva. No entanto, a comissiio, composta
com a equipe, influenciou profundamente os jovens por arquitetos academicos, selecionou apenas tres das
brasileiros que dela faziam parte, modificando-os pro- trinta e quatro propostas apresentadas, e\iminando,
fundamente com esse breve contato. Desse trabalho, entre outras, as do pequeno grupo identificado com
resultou o celebre edificio do Ministerio da Educa9iio as teorias funcionalistas.
e Saude, conclufdo em 1943, marco da transforma<;iio Mas o Ministro da Educa91io, Gustavo Capanema,
decisiva da arquitetura contemporanea no Brasil. No que presidira o juri, sem direito ao voto, nao era da
entanto, por maior que seja sua importancia, niio se mesma opiniiio. Pretendia ele afirmar-se perante as
gera96es futuras com um edificio marcante; havia com•
pode desconsiderar outras realiza96es desse periodo; preendido perfeitamente que os estilos hist6ricos ja
niio se tratava de uma obra isolada, mas da afirma<;iio faziam parte do passado, nada se podendo esperar dos
de um notavel movimento, que se desenvolveu desde pastiches ou elucubra96es imaginarias totalmente des-
entiio em profundidade. £ por essa raziio que, depois vinculados das necessidades do presente. Nao ignorava,
de analisar a importancia e o alcance do Ministerio da por outro lado, a tentativa de regenera9iio da arqui-
Educa<;iio e Saude, depois de ressaltar o lugar que tetura, lan9ada pelo movimento racionalista europeu;
indubitavelmente lhe cabe, deve-se tambem destacar a este era muito polemico e parecia nessa epoca estar
evolu<;iio paralela de outras manifesta<;oes significativas, perdendo um pouco do impulse mas tinha a seu credito
cujos autores foram os irmiios Roberto, Attflio Correa realiza96es que haviam causado sensa9iio e oferecia
Lima e, finalmente, Oscar Niemeyer, que afirmou toda um caminho para o futuro da arquitetura. Assim, o
Ministro percebeu de imediato como poderia aproveitar
a pujan<;a de sua criatividade no conjunto da Pam-
a situa9iio, se conseguisse construir a primeira obra de
pulha. 0 sucesso internacional da nova arquitetura carater monumental, coerente com a arquitetura que
brasileira deveu-se a essas concep<;6es expressivas, mar-
cadas por um cunho todo particular, e divulgadas em la . PlantaJ e lotos do ediHcio loram reprochwdas nu priocipais re,
vistas de arquitetun.. Cf. H. MINDLIN, L1 4rcJ1it•clur• modcrftl ov Brlsil,
1943 pela exposi<;iio das fotografias de R. Kidder-Smith Pari,, sem data, pp. 196-199 (lotoo, plaotaJ, corte ).
no Museu de Arte Medema de New York e pelo livro 2. Revislo do Dir,lorio do EK1,nhorio, n.• 18, set, de 1935, p . 510,
3 . Ou seja, inapirado na civiliui;io pl'e•colombiana quc se dcsenvol•
que se seguiu1 • vcu na llha de MarajO, coobecida unicameote atrava de pe,;u de ce.rl•
mica! 0 cariter abernntc dcssa id~a cvidencia o alcance da vaga nacio,,.
nalista, quc insatisfeita com o neocolonial pauou a pucauia.ar fontc1 pura•
I. P. L. GOODWIN, Bra:il BuilJs: .A.rcAil,elure N,w anti Old, 1652- me.nte decorativas, nu.ma du rara.s maniftsta~oes de arte 1oc.al , antcriorcs
1942, Nrw Yon , 1943. ao estabelecimento dos portugueses.

81
pensava ser a representativa do seculo XX4 • Na ver- do que a situai;;ao de um arquiteto,. o programa da n
dade, Gropius, Mies Van der Rohe e outros haviam arquitetura; do trabalho_ e~ ~q_mp~, poderia resufi:a
projetado usinas, escolas, residencias, conjuntos de apar- um projeto melhor e ma1s s1gruf1cat1vo, do que aq r
tamentos, pavilhoes de exposiyao, em suma, obras utili- realizado individualmente. Por outro lado, eliminuaeIe
tarias representativas da sociedade contemporanea. Mas pelo menos parc1a · Imente, a tmpressao
· - de arb"1trariedad~
va
o tema do palacio s6 havia sido objeto de estudo par que causava su~ ~s~olha. .
parte de Le Corbusier e, dentre seus tres grandes o grupo m1c1a~ente prev1st? par Lucio Costa
A

projetos, dais nao foram construidos: o Palacio da era composto por ma1s tres arqmtetos, Carlos Le·
Sociedade das Nay6es em Genebra (1927-1928) e o Jorge Moreira, Affonso Reidy, ~endo. logo amplia~o~
Palacio dos Sovietes em Moscou ( 1931); s6 o Cen- para seis membros. De fato, Moreira ple1teou a inclusa
trosoyus, modificado em alguns de seus principios de Ernani Vasconcellos, com quern elabora o antepri
basicos, foi construido na capital sovietica. Mas a URSS jeto apresentado no concurso, merecendo, portanto, um
estava distante, isolada, com o que nao alcanya o edificio Iugar na equipe; a fundamentada ponderayao de Mo.
grande repercussiio mundial. Por conseguinte, havia um reira, que se sentia numa posii;;ao delicada perante seu
vazio a ser preenchido, niio hesitando Gustavo Capa- colaborador habitual, foi logo reconhecida. A entrada
nema nessa tentativa. de Ernani Vasconcellos acarretou a de Oscar Niemeyer
Nao cabia anular o resultado do concurso. Assim, que pratkamente se impos a seus colegas, afirmand~
os premios em dinheiro foram pagos aos classificados, sua energia e decisao por esse ato de vontade: com
mas o Ministro decidiu niio executar o projeto vencedor, efeito, quando ainda estudante da Escola de Belas-Artes,
convidando Lucio Costa, um dos participantes desclas- fizera um estagio gratuito como desenhista na firma de
sificados, para apresentar um projeto novo. Essa atitude W archavchik e Lucio Costa, tornando-se, depois, aju-
constituiu-se num verdadeiro desafio. A tarefa atribuida dante deste; por conseguinte, reivindicou para si 0
a Lucio Costa era um ato arbitrario, encoberto por mesmo tratamento dado a Ernani Vasconcellos, o que
minucias de ordem juridica, mas Capanema nao dis- lhe foi assegurado. Constituido definitivamente em prin-
punha de outro recurso para alcanyar a soluyao que cipio de 1936, o grupo que iria projetar o Ministerio
Ihe parecia fecunda. A escolha de Lucio Costa era da Educai;;ao e Saude era bastante homogeneo: todos
16gica e fundamentada: sem duvida alguma, era ele a os seis arquitetos eram formados pela Escola de Belas-
figura de maior destaque dentre os acleptos da arqui- Artes do Rio de Janeiro, onde tinham vivido, de um
tetura "modema", pelo papel que havia desempenhado lado ou de outro da barricada7 , a luta pela refonna
na tentativa de reforma da Escola de Belas-Artes em frustrada de 1930-1931; e verdade que havia uma dife-
1930-1931 e, a seguir, pelas posi96es te6ricas e praticas reni;;a de dez anos entre o mais velho e o mais mo~o8,
assumidas; apresentava-se claramente como o lider dos mas se se excetuar Lucio Costa, diplomado desde 1924,
jovens arquitetos cariocas adeptos do funcionalismo. todos haviam terminado seus estudos num tempo muito
Assim, nenhum destes poderia protestar, caso Lucio curto de 1930 a 19349 • Todos enfim comungavam
Costa houvesse pura e simplesmente aceito a missao das mesmas preocupayoes e dedicavam uma admira~iio
que o ministro pretendia lhe confiar. Porem, a ambiyao ilimitada a obra de Le Corbusier.
pessoal nao era um dos trayos dominantes do carater
de Lucio Costa; embora nao tivesse qualquer escrupulo 2. A estadia e as duas propostas sucesslvas
em combater por todos os meios uma arquitetura que de Le Corbusler
ele considerava nociva, nao achava justo beneficiar-se A equipe se lani;;ou de imediato ao trabalho, defi-
individualmente com uma oportunidade inesperada que nindo os principios de um primeiro projeto, que nao
julgava serem as demais tao merecedores quanto ele. . Ihe pareceu satisfat6rio. Entao cogitaram de consultar
Ponderou a Gustavo Capanema que, alem do seu, Le Corbusier em pessoa, tendo sido Lucio Costa encar-
outros tres anteprojetos apresentados no concurso - regado de convencer Gustavo Capanema da necessidade
Carlos Leao, Affonso Reidy e Jorge Moreira5 - , mere- do convite ao mestre franco-suiyo 10 • Houve inicialmente
ciam ser considerados, por suas caracteristicas "moder-
nas"'. Propes entao fossem seus autores convidados a 1 • De u~ !ado, Lucio Costa como diretor, e Reidy como assisten5c
participar, juntamente com ele, da elaborayao do nova de Warchavch1k na cadeira de composi~ao arquitet6nica· do outro Lei0
Moreira, Vasconcellos c Niemeyer como alunos. '
projeto. Tratava-se de uma atitude prudente, ditada por 8. Lucio Costa nasceu em Toulon em 1902· Moreira em Paris, cUI
1904; L_eio e Niemeyer, no Rio em 1906 e 19()7; respecti~ente; Reidy,
um sentido de justii;;a e, talvez, por uma certa insegu- em Pans, em ~909, e. Vasconcellos, no Rio, em 1912. 2 cunoso ob3!~
ranya6: ao transferir a responsabilidade da obra para que ~ . dos seu arqwtetos nasceram na Fran,;a. O fato de terem vivido
num mc10 curopeu, coma Reidy, facllitou cvidentcmente os contatos dos
uma equipe, Lucio Costa colocava em evidencia, mais ioven1 brasileiros com o Velbo Mundo e contribuiu para a orien~0 que
adotaram .
. 4:. Nia procedem as afmna~oes do sumario biografico de Lucio Costa, 9. Reidy recebeu o diploma em 1930, Leao em 1931, Moreira CUI
redigido par Jose Carlos C. Coutmho (L. COSTA, Sobr• Arquitetura Porto 1932, Vasconcellos em 1933, e Niemeyer em 1934. • ue
Alegre, 1962, p. 352). segundo as quau o ministro teria sido con~encido 10. l! bastante rcstrita a documenta~io refcrente as ncgocia~ocs !I
pelo pr6prio L~cio Costa da importlncia da arquitetura nova. O teste- prcccdcram a vinda e a estadia de Le Corbusicr no Brasil. Os arqm":?5
munho de Rodrigo Mello Franco de Andrade, um dos asses.ores mais di-
retol de Gustavo Capanema, confirm.a que ha muitos an01 era cle ja aen•
pcssoais de Capancma poderiam proporcionar muitN dados, ma.1 '!i0.
acessfveis. it preclso entio lan.;ar mio do tcstcmunho d01 princip&lS. 1Jl
S::
1ivcl ao problema e que sua decisio loi tomada com toda a convi~o rcssados: o ministro, Lucio Costa e Le Corbusier. Pietro Bardi, d,re;~
ditada por um forte dcscjo peuoal. '
5 . er. 11lJ>ra, p . 76. do Mwtu de Arte de Siio Paulo, conservou uma importante correspCd;
cia, trocada cm novembro e dezembro de 1949 entre ele, LU.do 05 .~
6 .. Lucio Cos~ _asiria da !"esma lo"'!a. trb anos mais tarde, quando Warcbavchik e Le Corbusier, quando este levantou a questio dos bon,oririue
do proieto do Pavtlhio do Bras,( na Expo11~ao Internacional de New York que erroncamcntc julgava lhe screm devidos. Agradcccmos a Bard.it . q •
(cl. in/rG, p. 107) . No en.taoto, quand,o venceu ? concuno do piano piloto prctendc publicar essas cartas num livro sobre Le Corbusier no ~rMI1'la·
de Brasilia, em 1957, ace1tou o p~m,o ser hCDtar, pauando cntio a de-
fcnd!-lo de todas as criticu: neste cuo estava convicto do valor do tra-
pcrmissio de consult8-Jas. Com c{eito, essa troca de correspond&nci•..
rcce o exato papel dcscmpenhado por Le Corbusier na elabora~•0
~°'
balho e de ter merecido o primeiro lugar. sucessivoo projctos do edifkio do Ministerio.

82
uma recusa,, 1!1as o _ministro foi convencido de que situar.;ao ou as sltuac,:oes dadas; insistiu na priorid~de
e:a esse . o umco mi:10 capaz de assegurar o objetivo que devia ser dada ao urbanismo, do qual a arqmte-
tao dese1ado: a reahzar.;ao de uma obra monumental tura era apenas um elemento; finalmente, e acima de
capaz de se consti,t~ir num marco da hist6ria da arqui: tudo, proporcionou uma demonstrar.;ao pratica d~ seus
tetura. Era necessano, no entanto, que o ministro justi- metodos pessoais de trabalho, o que nao pod1a ser
ficasse as despesas consideraveis da viagem e estadia transmitido unicamente por seus escritos.
de Le Corbusier. Decidiu-se que seria ele convidado O projeto da Cidade Universitaria nao saiu do
como arquiteto consul tor, nao s6 para opinar sob re os papel, nao passando de uma manifestac,:ao platonic~.
plan~s d_o futuro ministerio, hem como para elaborar 0 mesmo nao ocorreu, no entanto, com o empreend1-
o pnm~1ro esbor.:.o da Cidade Universitaria, que se mento que tinha sido o objetivo primordial da vinda
pretendta constrmr no centro do Rio de Janeiro11 • de Le Corbusier: o Ministerio da Educar.;ao e Sau.de.
Contudo,. como a legislar.;ao brasileira nao permitia que Desta vez, a lir.;ao do mestre pode produzir todos os
um arqmteto estrangeiro, nao residente no pais, fosse frutos, materializando-se na construr.;ao do edificio que
remunerado por esse tipo de trabalho contornou-se a iria assumir papel decisivo no desenvolvimento da arqui-
restrir.;ao, programando-se uma serie de conferencias tetura brasileira, ou mesmo internacional. Ora, para
que podiam ser remuneradas 12 • Este convite foi aceit~ aquilatar corretamente esse papel, e necessario determ.i-
sem reservas por Le Corbusier, atraido pela oportu- nar qua! a parcela que cabe ao arquiteto £ranees, e qual
nidade de um trabalho a nivel oficial, o ·que permi- a de seus colegas brasileiros, na definir.;ao de varios
6
'tiria superar as frustrac,:6es que havia sofrido, -ate anteprojetos que se sucederam, ate a realizac,:ao final1 •
entao, do seu trato com as autoridades governamentais. 0 anteprojeto elaborado pela equipe liderada por
Recebido com todas as honras, teve ja de inicio uma Lucio Costa enquadrava-se plenamente na linha ate
acolhida consideravel. Suas conferencias obtiveram entao seguida pelos jovens funcionalistas cariocas:
grande sucesso, exercendo uma consideravel influencia estava muito pr6ximo das propostas apresentadas indi-
nos meios profissionais do Rio de Janeiro e fazendo vidualmente, no concurso, por Reidy e Moreira17 , com
com que suas ideias atingissem um cfrculo mais amplo tres alas dispostas em U; a unica diferenc,:a significativa
do que o pequeno grupo de arquitetos que ja estavam era a colocar.;ao do bloco do salao de conferencias no
·a elas convertidos. Porem, o fato mais importante foi exterior e nao mais no interior do patio, embora ainda
o contato intimo que se estabeleceu com os arquitetos no eixo de simetria do edificio. Le Corbusier, vitima
do grupo, grar.;as ao trabalho conjunto, desenvolvido de evidente egocentrismo, afirmaria mais tarde que se
sob sua lider31,19a, de 1.0 de julho a 15 de agosto de tratava de uma " redur_;ao desfavoravel do Palacio do
1936. Centrosoyus em Moscou"18 , o que se constitui num
Durante um mes e meio, os dois projetos foram exagero evidente, pois nao se pode falar nem de c6pia,
executados18 , alternadamente: um dia era o do minis- nem mesmo de uma adaptac,:ao desse edificio, cujos
terio, outro o da Cidade Universitaria. Eram dois atelies pianos remontavam a 1929. Havia, no maximo, um
distintos: a equipe contava tambem com outros jovens parentesco, devido a aplicar.;ao dos mesmos principios.
arquitetos membros dos C. I . A. M. (Firmino Salda- Sabe-se que a obra de Le Corbusier era considerada
nha, Jose de Souza Reis e Angelo Bruhns). 0 projeto como um modelo a ser seguido; e, portanto, 16gico que
da Cidade Universitaria, delineado nessa oportunidade o pequeno grupo . de Lucio Costa se inspirasse nas
e desenvolvido nos meses seguintes a partida de Le soluc,:6es propostas anteriormente pelo mestre para um
Corbusier1 4, assumiu um interesse especia:Imente te6rico. programa mais ou menos semelhante, sem que com
Seus autores tinham, desde o infcio, conhecimento das isso estivesse incorrendo em plagio. Contudo, o projeto
limitadas possibilidades de prosseguimento do projeto15 , do Ministerio, com sua regularidade absoluta na dis-
mas aproveitaram plenamente a oportunidade de acom- tribuic,:ao das massas em torno de um eixo de simetria,
panhar o trabalho de Le Corbusier. Este ensinou-lhes o estava ainda marcado por uma certa concepr_;ao acade-
modo de abordar um programa, partindo dos princfpios mica, que contrastava com a originalidade e o vigor
de ordem geral, adaptando-as a seguir concretamente a plastico obtido por Le Corbusier com meios equiva-
lentes. A fragilidade e a falta de pujanc,:a que caracte-
II . Esse projeto niio tinha qualquer posaibilidade de ser construido, rizavam ate entao a arquitetura funcionalista brasileira
poi, uma forte oposi~io d01 professores encarregados da organiza~io dessa
univenidade havia oconido no ano anterior, quando Marcelo Piacentini, eram do conhecimento de seus principais arquitetos,
arquiteto olicial da Italia fascista, estivera no Brasil e fora consultado a
re.speito.
razao por que desejaram a vinda de Le Corbusier, que
12. Foram seis confer~ncias, proferidas no Teatro Municipal do Rio poderia arranca-los da rotina a que estavam submetidos.
de Janeiro, de 31 de julho a 14 de a gosto de 1936, tendo Le Corbwier
n,cebido 60 000 {rancos (carta de Le Corbwier a Pietro Bardi, de 17 de
novembro de 1949) . 16. Projetos publicados em Arquit, tura • Urbanismo, o.o 4 julho-
13. Termo sistematicamente empn,gado por Le Corbwier oa corr••· agosto de 1939 (artigo ioteiramenle reproduzido em L. COST A, ~/1- cit.,
pondCncia ad.ma referida.
pp. 57-62). Habitat, n.o 35, out. de 1956, pp. 35 e 36, e parcialmente
por S. PAPADAKI, T he Wo rk of Oscar N iemeyer, 2.• ed., New York,
14. A proposta de Le Corbwier preteodia ligar os varios ediflcios atra• pp. 50-51. Penpectivas do primeiro projeto da equipe brasileira do pri-
v~s de uma via que mais tarde ae prolongaria ati o centro da cidade do meiro projeto de L e Corbusier1 e do frojeto final Coram tambfun repro--
Rio (cf. P.D .F. , vol. IV, n.o 4, julho de 1937, pp. 184-186, e LE COR- duzidas na capa da obra de H . MINDL N, L' archit,cture m odern• au Bri-
BUSIER e P. JEANNERET , O, uvr, comi,W, de /934-1938, 3.• ed. , Er• sil, Paris, sem data. Deve-se coosultar com reservas, LE CO RBUSI ER e
leobach-Zurique, 1947, pp. 42-45) . Essa ideia foi de imediato rejeitada pela P. JEANNERET, op. cit,., pp. 78-81 , e Le C~rbusier 1910-196(), Zurique,
comissio de professores que havia elaborado o programa apresentado aos 1960, p. 134, onde as legendas dos desenhos atribuem a Le Corbwier todas
a.rquitetos. 0 projeto definitivo da equipe brasileira1 acompanhado P?r as iniciativas1 criando um eogano lamentivel.
longo memorial justificativo, foi publicado em P.D. F., vol. IV_. n .o 3, ma10
de 1937, pp. 120-139, e reproduzido em L. COSTA, op. c,t., pp. 67-85 17. Cl. ,upr1>, p. 76. Como Lucio Costa niio publicou o projeto com
(com um erro oa refer~ncia exata ao artigo original) . que concorreu, nio C possivel saber atC que ponto o.s novas propostas eram
uma slntese das trCs propo1tas individuais anteriores.
15. Carta de Lucio Costa a Warchavchik, de 2 de dezembro de 1949
(c6pia oxutente na cole~io de Bardi). · 18. Carta de 28 de novemhro de 1949 a Pietro Bardi.

83
,f Desde o infcio, Le Corbusier agiu com sua desen- que desconheciam suas intenc;6es 19 , nem mesmo
ministro, advertiram-no quanta a impertinencia de seo
voltura habitual. Rejeitou sem rodeios os pianos pro-
postos, propondo-se partir do zero. Artista sensfvel e procedimento. A sugestao foi aceita com entusiasm u
perpetuamente inquieto, perseguindo sempre as soluc;6es tendo Capanema imediatamente entabulado conversa~•
mais adequadas, vinha evoluindo desde 1929- 1930, com a prefeitura para a permuta dos terrenos. Contud 5
conservando as ideias basicas e os principios funda- ficou logo evidente que, para a realizac;ao da operac;a~•
mentais de seu programa, mas permitindo-se uma maior havia problemas dificeis de serem superados, fato qu'
liberdade de criac;:ao, no memento da realizac;:ao arqui- Le Corbusier, em sua ingenuidade, nao percebera ~
tetonica e da construc;:iio; assim, nao podia aceitar como ministro pediu-lhe, entao, um novo esboc;:o para O ·ter-
premissa um projeto que se fundamentava em princi- reno originalmente previsto, esboc;o esse conclufdo em
pios que defendera ha sete ou oito anos e que nae 13 de agosto de 1936 (Fig. 44).
mais o satisfaziam integralmente. Estava convencido de . Cumpre exa~inar melhor esses dois anteprojetos,
que o monobloco era soluc;:ao mais apropriada que a a f1m de determmarmos ate que ponto serviram de
disposic;:ao classica de varias alas em torno de um patio. inspirac;:ao p~ra o projeto definitive, elaborado pela
A criac;:ao de um espac;:o contfnuo, com a construc;ao de equipe brasileira. 0 que chama de imediato a atenc;ao
edifi'cios sobre pilotis, era apenas um passo no sentido e a horizontalidade predominante nas propostas de
da maxima libertac;:ao do solo e sua conseqiiente utili- Le Corbusier, oposta a verticalidade do ediffcio cons-
truido. Embora Le Corbusier nao tenha tornado a
za~o coma area verde. 0 monobloco possibilitava
horizontalidade como um principio absolute, e evi-
aumentar ainda mais essa area e correspondia a uma
dente sua preferencia por esta soluc;:ao, especialmente
soluc;:~o perfeitamente racional, nao s6 sob esse ponto no caso de edificios isolados. Com efeito, os unicos
de vista, mas tambem no que diz respeito a melhor edificios por ele projetados, onde a verticalidade era
ori_e?t.ac;:iio, significativamente facilitada pela reduc;:ao do o trac;o dominante, eram parte de um conjunto urba-
ed1f1c10 a duas fachadas principais. Essa opc;ao, perfei- nfstico, cuja extensao contrabalanc;:ava o efeito de verti-
tamente l6gica sob o ponto de vista tecnico que !he calidade parcial, substituindo-a por uma horizontali-

-
- ---.qi---------
- --
------·--
-,, - ~) ~t,
/
/
. /
\ ✓/
Fig. 43 . 1:E _C_ORBUSIER. Primeiro anteprojeto para o Mi-
msterio da Educarao e Saude. Rio de Janeiro. 1936. dade globaF 0 • No caso do Ministerio da Educac;:ao e
(Terreno escolhido por Le Corbusier.) Saude, era evidente o prop6sito de criar um edificio
predominantemente horizontal. O terreno original, que
servia de premissa, foi logo aceita. Contudo, Le Cor- pouco mais tarde qualificaria de "terreno sujo dentro
busi~r nao se limitava a este aspecto. Como o terreno do bairro dos neg6cios" 21 nao lhe convinha, pois era
des~ado ao ministerio nao lhe parecia adequado para acanhado para abrigar o edificio com as dimens6es que
abngar a construc;ao longitudinal por ele imaginada, julgava necessarias, premissa que manteve mesmo
passou a p~ocurar um novo sftio, que correspondesse quando confirmado o uso desse terreno. Assim, o per-
ao seu pr_oJ_eto. Tendo achado, nao muito longe do feito equiHbrio do conjunto projetado para as margens
terre~o ongmal, um terreno livre, de propriedade da
prefe1tm:a, localizado a bei.ta-mar, perto do aeroporto 19 . Carta d e Lucio Costa a Warchavchik, de 2 de dezembro de 1949
( c6p ia na cole~iio de Bardi ) .
(es,te terreno originou-se do aterro de uma parte da 20. Plano para uma cidade de tres mil hoes de habitaotu ( 1922), j>lano
Voisin para Paris ( 1!125), projet05 para o Rio de Janeiro etc. 0 unico
baia, com o entulho de um antigo morro) tomou a 1 projcto de vcrticalidadc accntuada quc rcalmcnte conccbcu , scm ali8.! podcr
iniciativa de esboc;:ar um anteprojeto des tinado ao rcaliza.10, foi a Sccrctaria Geral da O.N.U., situada no ccntro dos arranha..
cfw de New York, n8o podcndo por isso cscapar a CJ.Sa imposi~iio.
novo local, por ele escolhido (Fig. 43). 21 . Carta de Le Corbwier a Lucio Costa datada de 21 de novernbro
de 1936; cita~iio rcproduzida na carta de Lucio Costa a Warchavchik, de
Gozava ele de tanto prestfgio que nem seus colegas, 2 de dezcmbro de 1949 ( colc~iio de Bardi ).

84
Fig. 44. L_E C:ORBUSIER. Segundo anteprojeto para o Mi- seguir, deslocaram-no do limite do terreno, pois era pre-
mster10 da Educa9iio e Saude. Rio de Janeiro. 1936.
(Terreno utilizado.) cise considerar a proximidade de outros predios eleva-
dos que certamente seriam construidos; optaram assim
da bafa nao era encontrado no anteprojeto de 13 de por uma constru<;:iio implantada no centro do terreno,
agosto. Visando conservar neste a maxima horizontali- numa posi<;:ao isolada, tao pr6xima quanto possivel da-
dade e assegurar o maior recuo possivel, colocou o quela pretendida por Le Corbusier para o terreno a
bloco de serviyos na extremidade do terreno e no sentido beira-mar. A op~ao de dispor a obra, ou ao menos, seu
de sua maior dimensao, contentando-se em ganhar, corpo principal, no sentido da largura do terreno, acar-
atraves de um aumento limitado de altura, a area per- retava automaticamente uma outra, que o arquiteto con-
dida com a reduyao da largura do edificio; dessa forma , suitor nao havia examinado ou, o que e mais provavel,
sacrificava, simultaneamente a melhor orienta<;:ao e a nao aceitara como solu<;:iio: o desenvolvimento vertical
vista da baia, ou seja, as premissas que invocara ao do edificio2 :l. De fato, agora nao mais podia prevalecer
pleitear a troca do local. Lucio Costa e equipe nao a solu<;:ao proposta por Le Corbusier em seu esbo<;:o
admitiram essa especie de sacrificioii, retomando o de 13 de agosto, onde prevalecia o carater horizontal
problema e encontrando uma solu<;:ao apropriada. do ediffcio. A pouca largura do terreno e a extensao
do programa formulado impunham uma solu<;:ao diversa,
3. A elaborac;io do projeto definitivo pela nitidamente vertical, que, apesar da audaciosa e ainda
equipe brasilelra2s nao aplicada no Rio de Janeiro26 - embora permitida
pelos regulamentos municipais - a equipe brasileira
Partindo do esboyo elaborado para o terreno ori-
ginal, Lucio Costa e equipe reexaminaram o problema, 25 . Uma certa confusio foi provocada pclo desenho de Le Corbusier
publicado por Max Bill na O,uur, compW, 1934-1938, p. 81, com a le:
empenbando-se em aplicar os principios que haviam gend:i «!egund~ projeto d.• Le Corb~ier adaptad~ para a execu~i0>, • mw
orientado Le Corbusier quando da elabora<;:ao do pri- tardc rcproduudo no numcro espce1al de .Arelut,ctur, d 'aujourtl' lau.i dc-
di~a.do ao Brasil (n.• !3-14, set. d~ 1947, p. 13). Em vez de ser o p,'.,,jeto
meiro projeto. Assim, dispuseram o bloco principal no onirinal de L~ Corbusier . que serv,ra de base para o dcsenvolvimento pos-
sentido de largura do terreno, ou seja, perpendicular a ttnor d? proJcto con..stnudo, tratava•ie ~a. realidade de um ~ o feito,
a p_o1llnon, ~m funtao dos ~lanos de.fin1t:1vos, que LU.cio Costa e , quipe
Av. Gra<;:a Aranha (e nao mais paralelo, conforme fizera hav_,am r~met.Jdo a Le Corb'!''":' cm 1937. 0 respeito destcs por Le Cor-
bus1cr cv1tou um protcslo pubhco contra o abuso de confian~a comctido.
Le Corbusier), recuperando desta maneira a orienta<;:ao Co~tudo, dcpois d_a ~crra 1 quand~ Le 9orbusicr1 amargurado, porque teu
e a vista para a baia, anteriormente preconizadas2-1. . A proJcto para os ed1f!c1os da ONU llnha S1do «roubado» passou a reivindicar
tan:bem, e . com est":"dalha50, ~ paternidade integral do ~i!'isterio da Edu-
cac;ao e Saudc do R10 de Janci.ro, uma carta pes.soal de Luao Costa (cscrita
cm tcnnos comcdidos, mas prccisos, cm 27 de novcmbro de 1949) recolocou
22 . Quando partiu, Le Corbusicr ainda acr editava na ado~ao do tcr- a questao nos devidos termos. A resposta de Le Corbusicr, de 23 de dezem•
reno quc escolhcra, raz.io por quc tomara cuidados cspcciais com o antc- bro1 comprccndc dois longos post•scriptum, ondc ndmitc, cm tcrmos con..
projcto (cf. LE CORBUSIER e P. JEANNERET , Oeu ure Comp/die, 1934- fusos, n3o mai.s sc lcmbrar dn origem dM dcscnhos cm qucstio, fai: protestos
1938, pp. 78-80) , atribuindo importancia sccundaria ao esb<><;o rcalizado de boa _fe e da a cntende_r que a lefenda infeliz foi colocada a sua revelia
para o tcrreno original. pelo editor (o quc ~ mwto provave ). 0 texto da correspondcncia trocada
23 . Uma exposi~ao das negocia~oes que conduziram a solu~ao final ncssa ocasiio lnn(a uma luz. um tanto c.rua sobre todo o assunto e permite
loi publicada pelos arquitctos em Arqui111ura e Urbanismo , n.o 4, julho- quc os £atos sejam facilmcntc rcstnbclccidos scm idCias preconccbida, quanto
agosto de 1939. Geraldo Ferraz rcproduziu intcgralmcnte o tcxto e os prln• as intc nc;Ocs quc d,ram origcm ao caso. 0 tcxto devcri scr publicado cm
cipau desenhos cm Habilal, n.o 35, out. de 1956, pp. 35-36. Ver tamb~m breve por Pietro Bardi.
S. PAPADAKI, op. cil ., pp. 50-51. 26. Contudo nio tardou o surgimento dos arranba-ccus, tendo ficado
24. Mais tardc CSl8 vista foi parcialmente bloqueada, com a constru• evidentc que a solu~io vertical adotada para o Ministerio, salvaguardou-o
~io de varios ed1ficio1 em torno do prcdio do Ministerio. de um esmagamcnto complcto pelo cntomo.

85
nio hesitou em adotar. Estes limitavam a altura dos
ediffcios unicamente em fun~o dC\ afastamento dos pr6-
dios vizinhos, nio bavendo um teto absoluto: assim, a
localiza~o do bloco principal no centro do terreno, com
um recuo de quase sessenta metros, tornou poss{vel
encarar o problema sob esse prisma. As vantagens
eram indiscutfveis: a ocupa~o do solo era reduzida ao
mini.mo, e a area construfda era igual a do ediffoio
mais extenso, este fatalmente limitado em altura pela
restri~o referida. Transformava-se assim o pavimento
terreo numa grande esplanada, adequada a cerimonias
cfvicas, sem que a implanta~o do predio no centro do
terreno alterasse sua continuidade, gra~ ao pilotis.
0 espa~ livre estava habilmente distribufdo de ambos
os lados do ediffoio, contribuindo para valoriu-Io,
sendo portanto a solu~io perfeitamente nacional e muito
inais adequada que a proposta por Le Corbusier, fato
que, em si, nada tern de estranho, visto nio estar ele
realmente interessado nesse terreno. Uma vez fixado
o partido geral do projeto, os arquitetos abordaram os j• • •:
problemas de natureza funcional, dedicando-se preli-

rr:.:~=!~;J
minarmente a solu~o do pavimento-tipo (Fig. 45). Le
Corbusier havia preconizado um edificio estreito, onde
J t, ;:::~' l

I Primeiro andar (audit&io)

I
1.·
a,

I: i
.

: , • •• L . . .. . .. . . . ,::::::i ;:::::a=- -

Terra~o-jardim

Fig. 45. L. COSTA, A. REIDY, J. MOREIRA, C. LEA(?,


E. VASCONCELLOS e O. NIEMEYER. Ministlrio 3
da Educ~ao e Saude. Rio de Janeiro. 193?-194 :
Plantas e corte. 15:copa, 28: imprensa e rad!o~JO.
diretor, 31 : escrit6rios, 32: refeit6rio do rrurus;,
33: cozinha, 34: refeit6rio dos empregados, ·
adminiatra~o do edif£cio, 36: armmos. .
1: r ~ : 2: incinerador: 3: entrada do pessoal,
Andar-tipo
4: rece~o: 5: vestibu.lo publico; 6: entrada d~
ministro; 7: trallafonnador; 8: teaouraria: 9: condi·11
I.. . I l.: I ~ lj. ;·•.--. --~;·•-·.-- cionamento de ar: 10: inastro da bande~a; . 0:
estatua; 12: dep6sito: 13: quadro de distr1b111~
el~trica; 14: dep6sito geral; 15: copa: 16: s~a d~
trabalho das exposi;oes; 17: salio de exposi~~1 •
18: salio de confcr!ncias; 19: audit6rio: 20: c,ab :;-
• de proj~io: 21 : aala de espera; 22: escrit6no 25~
ministro: 23: secretaria; 24: sala de expedi~ o; ·
chefe de gab:'letc; 26: escrit6rio1; 27: tece~0 e
inform•~: 28: imprensa c ddio: 29: peasoal,

86
todas as salas de trabalho se situavam de um mesmo necessariamente m6veis, ja que o brise-soleil fixo, mes~o
lado, sendo assim beneficiadas com a melhor orien- assegurando uma prote9ao eficaz nos dias :1.aros, _f?na
ta9ao e servidas por um corredor paralelo a fachada com que nos dias escuros fosse necessano uhlizar
norte. Ess~ solu9ao nao convinha mais a um predio em ilumina9ao artificial. Assim, a equipe brasile~ra ~ptou
altura; pois sua largura necessitava ser aumentada de por esse sistema, que permitia regular a lummos1?_ade
modo a conservar um certo equilfbrio de propor96es. de acordo com a incidencia dos raios solares, vanavel 1
As salas foram dispostas de ambos os !ados de um de acordo com o ponto da fachada atingido pelo sol3 .
corredor central, com uma variante nos andares onde Esse sistema, empregado por Oscar Niemeyer na Obra
o publico teria amplo acesso: para este, fez-se um do Berc;:o construida em 1937 no bairro da Gavea, 32 no
circuito de circulac;:a o diferente do circuito dos funcio- Rio e ad~ptado as necessida des peculiare s do edificio ,
narios27. Naturalm ente, a procura de uma flexibilid ade '
apresentava-se como a solu9ao f ·
unc10na Imente 'd
I ea 133

que permitisse, em todos os niveis, modifica96es pos- propiciando ao mesmo tempo um vigoroso efeito plas-
teriores, levou ao emprego da estrutura em recuo apre- tico, do qual os ::irquitetos souberam tirar grande pro-
ciada_ P?r Le Co~busier e a
supressiio das paredes, veito.
substitmdas por simples divis6es a meia altura, faceis
de modifica r quando necessari o. Esta solu9ao apresen-
tava outra vantagem fundamental: permitia uma venti-
la~o constante, a circula9ao do ar era naturalmente
assegurada pela diferen9a de temperatura entre as duas
fachadas, o que dispensava um sistema dispendioso de
28 • I I
ar condicionado . Restava solucionar o problema da I '
insolac;:ao. A fachada sudeste, recebendo diretamen te os
raios solares apenas alguns dias do ano e no periodo da
manha, portanto fora do horario de trabalho, foi dotada
de grandes caixilhos de vidro, possibilitando a maxima
29
penetra9ao de luz e assegurando uma vista magnifica
da baia. Em contrapartida, era absolutamente indispen-
5avel proteger a face oposta. A galeria proposta por
Reidy e Moreira no projeto do concurso foi rejeitada
por raz6es de ordem pratica: alem do custo elevado,
que repercutiria sensivelmente no custo do edificio,
impedia a circulac;:iio de ar ao longo da fachada, criando
assim, em <:ada andar, um colchao de ar quente qut:
tenderia a elevar a sua temperatura interna. A apli-
ca9ao de venezianas ou persianas foi tambem rejeitada,
para que o Ministerio nao perdesse seu carater monu-
mental, assumindo a fisionomia de um edificio · de
apartamentos. Ja o principio do brise-soleil, proposto
em 1933 por Le Corbusier em seus projetos para a
cfdade de Alger, era plenamente vantajoso para esse
caso especffico. O estudo das condi96es locais levou a ·I
I
determinac ;:iio do tipo a ser adotado, bastante diverso
• ol
daquele imaginado pelo mestre franco-sui90 ~ara u~
pais mediterraneo, para o qua! sugerira um brise-solezl ~

fixo, fonnado por uma malha ortogonal de laminas de Fig. 46 . L. COSTA, A. REIDY, J. MOREIRA , C. LEAO,
concreto. No presente caso, a orienta9ao da fachada E. VASCONCELLOS e 0. NIEMEYER. Ministerio
exigia apenas o emprego de Iammas or1zon a1s , A h · t · 30

da Educafiio e Saude. Rio de Janeiro. 1936-1943.
Frente sul.
27. Com efeito, 0 corredor central, reservado •~ funcio_narios, servla
as salas voltadas para o ,ul e aos escrit6ri"?5 com gu1~hb, o'!entado_s para Os aspectos plasticos do e.dificio nao foram des-
o norte, estes acessiveis ao pllblico por me10 de galena ~e arc~la~ao 9ue
corria ao longo dessa fachada. Tanto os problemas de circula~ao _vertical
prezados, tendo as solu96es formais acompanhado passo
quanta horizontal, haviam aido particularme nte ber_n . estudados. cnando:-ae a passo as solui;:6es de ordem funcional. A preocupai;:ao
tr&. circula~Oes totalmente independentes para o m1n11tro, p~ os . funcio--
narios e para o publico. A supressio de alguns elevadores mfehzmente fundamental foi a de conceber uma obra que se dis-
alterou o equilibrio, sendo, hoje, comuns as l(!ngas li!as de esl'era, J?<lo.s
28. Uma absurda demonstra~iio da elicac1a do mtema fo1 dada
responsavei. pela biblioteca que mandaram fecha-la com um pano de Yl~ro 31. Esse sistema era constituido por placas horizontais basculantes de
na
ate o teto : enquanto em 'todos os escrit6rios . rein.a uma ~tmosfera mu1to fibro•cimento , fixadas em grandcs ll minas verticais de concreto, situadas
agradavel, aeja qual for O calor extemo, esse infebz recuno transformou a parte externa do edificio • ligadas a estrutura em apenas dois pontoo. 0
biblioteca numa verdadeira estufa. ar circulava livremente ao longo de toda a fachada, entre os caixilhos das
29 . A coloca~o r,osterior de penianas ~tenuou o ..eventual excesso jaoelaa e o conjunto de brise•soleil, afastado 50cm, evitando assim a trans.
missio de calor que certamente se acumularia se empregada uma moldura
de luminosidade em a gumas horas de determmada s est~oes. rlgida que aderisse totalmente a estrutura.
30. No He:Wsferio Sul e oum pais tropical, o sol que bate num~ face 32. As IAminas m6veis do brise-sol,il da creche de Niemeyer eram
norte esta sempre pr6ximo do unite; a.ssim, as l.lminas para!elas destmadas
a impedir e penc~i o dos raios solares podem estar relativameote espa• verticai. _porque a fachada estava orientada para oeste (detalhes em S.
PAPADAKI, op. <it., p p, 6-11 ).
~•das, enquanto que as Jaminas yerticai. e~ g~'!' uma trama bem fecha~a'. 33. Ao monos teoricamente , pois a Calta de manuten~io logo trans-
acarretando uma perda consideravel de vmb1hdade. 0 probleDl!' era ID
fonnou esses bris1-so/1il, de m6veis em Iixos, comervando, mcsmo assim '
verso quando se tratava de uma fachada exposta a oeste, ou seJa, ao sol sua elicacia principal.
poente.

87
tinguisse das constru1r6es vizinhas por sua unidade, (Fig. 48), localizada no primeiro andar do corpo anexo
propor~6es e pureza. Assim, o bloco unico de todos os prendia-se as colunas de sustenta1rao por meio de " pe'.
servis:os essenciais, proposto desde o infcio por Le Cor- quenos consolos", submetidos a grande esfor1ro cor-
busier, foi unanimemente aceito, servindo como ponto tante36. Dessa solu1rao audaciosa resultava uma leveza
de partida. "As outras formas", explicaram os arqui- e um dinamismo, que combinavam com o espirito com
tetos em sua exposi1rao, "foram-se fixando pouco a o qual toda obra foi tratada. Essas qualidades diferen-
pouco em fun1rao dele, das necessidades do programa ciam-se um pouco daquelas utilizadas por Le Corbusier
e dos princfpios fundamentais de composi~ao da arqui- para marcar as suas obras; e preciso reconhecer uma
tetura. Esses princfpios inspiraram a solu1rao adotada, indiscutivel contribui1rao aut6ctone no dominio da
des de as formas dos sal6es de exposi1rao e conferencias plastica.
do pavimento terreo ate as dependencias sobre o telha- Como vinha fazendo nas · opera1r6es anteriores, a
do que se integraram na composi~ao e contribuiram equipe brasileira se inspira nas proposi1r6es de Le Cor-
para o efeito plastico do conjunto"34 . Tratava-se de busier; conserva os elementos essenciais, mas modifica
uma inequivoca profissao de fe racionalista, que nao a disposi1rao, da-lhes um novo tratamento, o que leva
deve ser tomada ao pe da letra. Embora nao haja a uma cria1rao original. No esbo1ro de 13 de agosto
duvida de que o partido resultou da explora1rao das para o local onde foi construido o edificio (Fig. 44).
melhores condi1r6es permitidas pelo programa, nao de- Le Corbusier previa tres volumes distintos, todos sobre
correu dai nenhum automatismo absoluto na realiza1rao pilotis: o bloco principal, a sala de exposi1r6es (perpen-
do ediffcio tal como ele se apresenta hoje (Figs. dicular ao bloco principal) e o salao de conferencias
46 e 47) . Conforme observou Joaquim Cardozo33 , pelo (situado transversalmente a sala de exposi1r6es). Esse

1~
desenho foi usado como ponto de partida, e as formas
sugeridas pelo arquiteto consultado foram cuidadosa-
mente conservadas; todavia a localiza~o do bloco prin-
cipal no centro do terreno levou a retomada da dispo-
si1rao do projeto de Le Corbusier, para o terreno de
baia (Fig. 43): os volumes anexos localizando-se dos

1l11i11!111m, "
;::llt•!•wls:: :;;- 11:i
.,, :::. . ==,,..··,== itl '
I dois lados do volume principal. 0 resultado foi, no
entanto, completamente diferente. Naquele projeto, a
sala de exposi1roes e a sala de conferencias nao passa-
vam de complementos do volume principal, diante do
qual ela se anulava; os volumes distintos e autonomos
lli1ills:! ff i r £
--~-•••-===~•-•~ fra;i•••i•
do esboi;:o de 13 de agosto foram conservados e reorde-
nados pela equipe brasileira, segundo a qual a solu1rao
ii=i=!!J:;t!f!,J5Ji== ••~,.,...,.. - JIJJ de Le Corbusier consistia numa justaposi~ao um pouco

-=-=·,=:::==!n•'i
•• •J~••=
==-=--.. •"'~~ '''''''i=
=====i=!~tt'~c
..~;iin
~I- no 9 .-
arbitraria e nao muito satisfat6ria. Tiveram entao a
ideia de colocar a sala de conferencias no mesmo eixo
da sala de exposi1r6es, a fim de obter uma continuidade
- _iiil'i======== ==~-tmcu.rr
-r- ••:r••ir•r~;:===' === -== no conjunto. Esta continuidade seria conseguida com a
;;■---====-,-----~rtttc: ;;,;
7

·- --------~----=
cria1rao de um volume unico, reservado a esses ele-
".jiilJwi.jiiiiw•rr•
=======,,:== ~ ~ii~~Jw~;Fr=·
===:::::::~=-rf!tim,
. ...-~P •••~••rrfrrrFFr·c d!s
mentos anexos. Isto trouxe duas modifica1r6es essenciais
a concep1rao de Le Corbusier: a sala de conferencias
exigia um pe-direito hem maior que a sala de expo-
fi~:lif ~jj~~ ~~~:~~~r"r:f~gff' :,.f·;~ si~6es, que nao foi construida sobre pilotis, mas implan-
_,, ~--=========
-~--•---=---
Jtlii. == - =g:::.: == ' =;:
~---- -
- - .,-;;.,,,.,,,.,•. r rrrrr , , tada diretamente ao nivel do piso para compensar a
diferen1ra na altura interna. Para nao quebrar o volume
continua assim formado, os pilotis do bloco principal
sofreram um aumento de altura, passando de quatro
a dez metros37 . Essas modifica1r6es deram ao edificio
uma unidade e uma 16gica intrinseca superiores as pro-
.... posi1r6es de Le Corbusier, para o mesmo terreno. A
Fig. 47 . L. COSTA, A. REIDY, J. MOREIRA, C. LEAO, redu1rao do conjunto a dois volumes simples, colocados
E. VASCONCELLOS e 0 . NIEMEYER. Ministerio perpendicularment e um ao outro, contribufa para subli-
da Educa~ao e Saude. Rio de Janeiro. 1936-1943. nhar uma hierarquia estabelecida pela importancia das
Frente norte.
fun1r6es respectivas, era uma retomada do espfrito do
m~nos nu~ caso, _a solu1rao estatisticamente mais apro- primeiro projeto para o terreno da bafa, mas assegu-
pnada fo1 pretenda por raz6es de ordem exclusiva- rando aos servi1ros anexos um lugar de importancia
mente estetica: a laje do piso da sala de exposi1rao dentro da composi1rao.
36. 0 efcit1> phut.ico obtido inllucnciou outros arqultctOJ, como 01
34. A,q,.;1,1,.,a • Urbanism 0. n .9 4, julho-agOJto de 1939, rctomado irmios Roberto, quc nio vadlaram cm adotar o mcsmo proccdimcnto em
cm Habilal, n.9 35, out ubro de 1956, pp. 35 e 36. alguma.s de suas o bras.
35. J. CARDOZO, Forma Estatica-Forma Estetica, Modulo, n .9 10, 37 . A corucqiicnte pcrda de um nndnr nilo tinha maior importAncla,
agosto de 1958, pp. 3-6. na mcdida em quc sc adolJlra u m partldo vertical.

88
\
\

Fig. 48 . L. COSTA. A. REIDY, J. MOREIRA, C. LEAO, abriu novos horizontes e revelou o talento potencial dos
E. VASCONCELLOS e 0 . NIEMEYER. Ministerio
da Educafiio e Saude. Rio de Janeiro. 1936-1943. jovens arquitetos cariocas da nova gera9ao. Convem,
Ala do saliio de exposi~6es. Detalhe. por conseguinte, aprofundar o assunto, ressaltando as
linhas mestras da contribui9iio de cada uma das partes.
As vantagens eram tambem evidentes sob o ponto
de vista estetico: por um lado, a simples justaposi9iio de 4. A contribuic;ao de Le Corbusier e a profunda
influencia de sua estadia em 1936
volumes contfguos transformava-se numa integra9iio
perfeita, tanto horizontal quanto verticalmente; por Seria int'.ttil pretender limitar a contribui9ao pessoal
outro lado, as altas e delgadas colunas do bloco prin- de Le Corbusier, para o desenvolvimento da nova arqui-
cipal evitavam a sensa9iio de esmagamento que certa- tetura brasileira, a elabora9iio dos varios anteprojetos
mente ocorreria caso o pilotis mantivesse a altura inicial- apresentados durante sua rapida estadia, de julho a
mente proposta. agosto de 1936. Essa segunda viagem ao Brasil marcou
Essas modifica96es introduzidas no estudo de Le pro~undamente os arquitetos que com ele tiveram opor-
Corbusier transfonnavam-no num projeto inteiramente tumdade de trabalhar, repercutindo decisivamente no
novo, embora integralmente baseado nas propostas conjunto da classe profissional. Os principios, que siste-
iniciais do arquiteto consultor e aplicando os princfpios maticamente defendia e que ha varios anos os arqui-
por ele ditados. Nao cabe negar a contribui9iio funda- tetos de vanguarda haviam adotado sem reservas, nao
mental de Le Corbusier, plenamente reconhecida pelos se reduziram a um conjunto de ideias essencialmente
jovens brasileiros, que consideravam uma honra o fato abstratas; adquiriram vida nova e uma flexibilidade ate
de terem podido trabalhar sob a dire9iio do mestre que entiio desconhecida, quando o autor levou a pratica
tanto admiravam. Mas niio se deve cair no extremo as inumeras aplica96es que deles se podia fazer. Tanto
oposto, atribuindo exclusivamente ao seu talento o sob o ponto de vista geral, quanto sob o ponto de vista
Ministerio da Educa9iio e Saude. 0 projeto definitivo, especifico do Ministerio da Educa9iio e Saude, a contri-
como se viu, foi obra da equipe brasileira, que !he deu bui9iio de Le Corbusier permite extrair tres pontos
um desenvolvimento e um encanto peculiares, de que basicos:
nao cogitava o arquiteto consultor. A importancia desse
monumento da hist6ria da arquitetura brasileira resulta I . · 0 metodo de trabalho
justamente dessa colabora9ao, que, em termos locais, As teorias de Le Corbusier, particularmente os

89
cinco pontos da arquitetura nova - pilotis, terra9~- forme os slogans presentes em seus escritos sobre .
jardim, plants livre, fachada livre, janelas na _hon· tetura30 , ap6s 1923. Adepto de formas simples e garqu.1·
zontal - eram do conhecimento dos jovens arqu1tetos .
tncas, c11.11ssico por exceIA • exa1tou desde i'nieorne.
enc1a, O •
brasileiros que no entantp aplicavam-nos mecani~a- pureza absoIuta, atravcs o Jogo 1. d . de volumes c10 a
• a uz
mente, como se fossem f6rmulas polivalentes. Adema1s, Portanto, ? emprego s1s_te~c1ttco _do prisma coma 1ele~
1.. ·

estavam atrelados a concep9ao restrita de que a forma mento bas1co da compos1c,:ao arqu1tetonica nao er
derivava da funyao, admitindo, freqiie~tem~nte, que recusa do sentJ'do pI'asttco, . mas uma subordinar- a uma l
uma correta soluyao dos problemas func1ona1s, empre- 1. • d
tctrJa e seu voca u c1no b 11. . aos r 30 VO un.
meios de expressao
gando os recursos mais avan9ados da tecnic~ moderna, J·u1gava capazes de proporc1onar · que
resultaria automaticamente numa boa arqu1tetura. Re- f orma I. Seus d1sc1pu , , 1 b . . uma perfeita satisfa9ao -
, os ras1 1
e1ros entretanto na f I
sultam da( aqueles projetos nao s6 austeros, como tam• desse contato direto, embora nao 'ignorando as ,
pre
a ta
hem inexpressivos, que floresceram entre 1931 e 1935. - . . d ocu.
p~c,:oes ess~ncta1s . e Le Corbusier, tinham perdido de
A personalidade de Le Corbusier abalou todos os pre- vista o carater emmentemente plastico de toda sua ob
..
conceitos. Seu dinamismo e criatividade nao podiam pren_dendo-se f requentemente ao seu aspecto te6ricora,e
submeter-se a uma rotina e a um automatismo que, func1ona~. No ~ntanto, apenas seis semanas de trabalho,
contrarios a seu temperamento, nunca aceitara. Embora sob a onentac,:ao do mestre, cujo metodo nao consistia
se fundamentasse sempre numa ideologia que vinculava em ordenar os problemas de ordem pratica e os de
intimamente as tres facetas de sua formac,:ao, o refor-
orde~ e~tetica, foram suficientes para desinibi-los e
mador social, o urbanista e o arquiteto, nao desvin-
co?s~1ent1za-los do verd.adeiro significado do aspecto
culava suas atividades te6ricas das praticas. Quando
plastico. em toda ~bra d1gna de merecer a qualifica a
se entregava com l6gica implacavel38 e vigor caracte- 90
risticos a analise das condic,:oes que orientariam a da arqu1tetura e nao de mera constru9ao. Se tal fato nao
soluc,:ao arquitetonica pretendida, nao o fazia segundo repercutiu com igual intensidade em todos os mem-
duas operac,:oes sucessivas, a primeira puramente inte- bros da equipe encarregada de projetar o Ministerio da
lectual, fundamentada num raciocinio objetivo, e a Educa9ao e Saude, de uma forma ou de outra todos
I segunda essencialmente manual, dando forma adequa-
foram a ele sensiveis.
da as conclusoes decorrentes do exame preliminar. Para Esteta nato e profundo conhecedor das obras do

I
passado, Lucio Costa ja havia se convertido a essa
Le Corbusier, as duas abordagens eram simultaneas e
maneira de pensar; bastava apenas completar a desin-
indispensaveis. Assim, toda a reflexao correspondia a
toxicac,:ao voluntaria que se impusera ao abandonar o
um desenho, que, por sua vez, gerava uma nova reflexao movimento neocolonial, para assim reencontrar sua linha
provocando um novo desenho; este processo continuava
ate a soluc,:ao final, que resultava do estudo conjunto natural de pensamento e a necessaria seguran9a. O
exemplo de Le Corbusier, nada complacente em relac,:ao
dos diversos fatores funcionais e estetico. Valido tanto
aos estilos do passado, mas que nao hesitava em se
para a pesquisa de um tema ou de uma soluc,:ao, quanto apresentar como seu legitimo herdeiro, chegando mesmo
para a demonstrac,:ao dos fundamentos dos resultados em algumas ocasioes a enaltecer a retomada de algumas
obtidos, esse metodo grafico impressionava fortemente tecnicas de outrora, libertou-o de seus escrupulos.
a todos os que presenciaram a maravilhosa aplicac,:ao Affonso Reidy, ate entao, havia voluntariamente
que o mestre franco-suic,:o fazia, com destreza incom- sacrificado ou ignorado sua sensibilidade plastica -
paravel, desse instrumento. Ninguem absorveu tanto este manifesta em obras posteriores - limitando-se a uma
metodo quanto Oscar Niemeyer, que passou a empre- arquitetura estritamente funcional onde os aspectos
ga-lo sistematicamente por conta pr6pria. 0 contato plasticos eram totalmente ignorados. Talvez tenha sido
direto com Le Corbusier proporcionou outra vantagem: sobre ele que mais intensamente se manifestou a influen·
demonstrou que, embora partisse de uma doutrina supos- cia de Le Corbusier. Mantendo-se fiel a lic,:ao recebida,
tamente objetiva ou a ela chegasse grac,:as a uma ten- empenhou-se em associar uma expressao classica pura
dencia natural para classificar e elaborar normas pre- as soluc,:6es racionais que sempre perseguia. A mesma
cisas, que propunha para si e principalmente p_ara os evoluc,:ao pode ser notada em Jorge Moreira, mas as
outros, pessoalmente ele _nu~ca, se c~mp~omeha por caracterfsticas de requinte de que se revestiu, levaram-no
inteiro com as regras que mstltma. Sabia, hbertar-se de bruscamente de um ascetismo a uma tendencia oposta.
sua rigidez, estimulando, sempre que poss1vel, sua capa• Quanta a Oscar Niemeyer, cujas preocupac,:oes fun•
cidade criadora, o que enfatiza um segundo aspecto de damentais eram ja de ordem formal 40, o fato de co~statar
sua contribuic,:ao pessoal. pessoalmente a importancia que as mesma~ h°:'1am
para Le Corbusier, significou uma v~rdadeua liber·
2 . A preocupafiiO com os problemas formais tac,:ao, posibilitando-lhe \anc,:ar audac1osamente pelo

Le Corbusier nao era somente a:quiteto, _mas tam- 39 «A Arquilelura c o jogo habil, co.rrelo e magnl!ico d<>1 .~olum.."
agrupados sob a luz . .. ; cubos, cones, esfcras, cilindros ou pirlmi j! :;
hem intor e escultor. As preocupac,:oes esteticas assu- as irandcs formas prim.irias que a luz revelai etc.» Um, resum? doth{
mau caractcrfsticos [oi feho por Bruno Zcv1, cm Storia dall are 1 '
,,u,a
mian{ sempre para ele um papel preponderante, con- moderna, 3.• ed., sem local, 1955,pp. 120 • 121 (cap. 3).
40 . Alia.,, em 1963, cpoca em que . a legitimidade da ~•squisa plasti:.
1 - sempre corret~, pois o como fotor prepondcrante era rc<:_onheadamcnt.e. uma tendenc1a ~ori~B-
0
38. 0 quc n~o significa seremsccb~'::s em prcmis.sas indiscudveis tetura contempori nea retente, N1~meyer admltiU t~r sempre : invcn~o
radodnio desenvol~ddo
n~ ::::::iinadaJ
ci.rcunstincias, como no caso
ou lcvava em co~ ~ra~o Rio de J aneiro, em 1929 (cl. supra, p.
f20 mcntc se prcocupado de modo mau ou menos consciente, com rd
formal tcntando jwtirici -la , a po1leriori, por argumcntos de o cm
run-
projeto de usbanna~ao o '
clonal/ capucs de cxplicar sua adoc;:io.
cap. n, oola 55) •

90
caminho que viria a toma-lo internacionalmente pelos jovens racionalistas, que a encararam como um
conhecido0 • recurso meramente decorativo, comprometidos com o
Contrastando com uma certa rigidez dos prind- passado. A tomada de posiyiio de Le Corbusier, res-
pio~ doutrinarios, a _flexibilidade d~ conce~io arquite- saltando o valor dessa tecnica cujo carater funcional e,
tdruca de Le Corbu_s1er e marc_ada amda por um terceiro principalmente, cujas possibilidades de expre~siio pla~-
aspecto que assumiu grande 1mportancia no Brasil. tica ele logo percebeu, eliminou os preconce1tos ma~s
ou menos enraizados no espfrito dos arquitetos bras1-
3 . A valorizafao dos elementos locais leiros. Compreenderam eles que a arquitetura nova 42
niio estava essencialmente voltada para a austeridade
. Seduzido pela _natureza tropical, ocorreu de ime- e que niio se devia excluir o apelo a recursos do pas-
diato a Le Corbus1er explora-la e aproveita-la como sado, se estes conservavam sua raziio de ser e se adapta-
elem~nto complementar. da arquitetura. Particularmente vam ao espirito das edificayoes modernas.
entus1asma~o por um hpo de palmeira de tronco Iongo A pregayiio de Le Corbusier foi ainda mais signifi-
e copa mu1t? cerrada, a. palmeira imperial, percebeu a cativa, porquanto se identificava com as tendencias mais
monument~1dade . dos v1suais por ela definidos, colo- representativas do pensamento brasileiro do seculo XX.
cando-os s1stema~1camente em_ t_odos os seus projetos, A preocupayiio com a plasticidade, ou seja, com a
t8;Dto nos 7roq~1s _para o Mm1sterio, quanto nos da riqueza formal e decorativa, correspondia aos desejos
C1dade Umversitar1a. Embora niio tenha encontrado de uma sociedade em plena evolu9iio, sensivel aos
seguidores i_mediatos a li~iio nio foi esquecida, sendo aspectos exteriores e expressivos que se constituiam
retomada vmte anos ma1s tarde, por Lucio Costa e numa das condiyaes do sucesso. Alem disso, a valori-
Oscar Niemeyer, em Brasilia. zayio dos elementos locais naturais ou hist6ricos, inte-
0 arquiteto consultor recomendou tambem o em- grava-se perfeitamente no contexto nacionalista, cuja
prego de especies locais para os terrayos previsto na importancia ja foi ressaltada. A onda de ascetismo fun-
cobertura do salio de exposiyoes (jardim do ministro) cionalista, tinha por razoes doutrinarias tentado provi-
e na do bloco principal. Mas, nesse campo, a priori- soriamente abafar esses aspectos, em vez de conside-
dade cabe, conforme ja vimos, a Mina Warchavchik, ra-los, na elaborayio de uma arquitetura realmente
que em 1928, associou o jardim tropical a arquitetura racional; no entanto, nio se havia perdido por com-
"moderna", na casa construfda por seu marido· este pleto a consciencia de seu significado. As propostas
exemplo foi logo seguido por quern iria torna;-se a de Le Corbusier abriam novos horizontes e possibili-
grande autoridade no assunto, Roberto Burle Marx. tavam aos arquitetos brasileiros sair do impasse em
Mais importante ainda foi o interesse de Le Cor- que se encontravam: conciliando posiyoes arbitraria-
busier pelo emprego do granito cinza e rosa, extraido mente consideradas como antagonicas, o mestre franco-
das montanhas que circundam o Rio de Janeiro. Fez suiyo demonstrava que o estilo do seculo XX era inter-
ver sua qualidade e beleza, recomendando seu emprego nacional, mas que isso niio impunha, muito pelo con-
tanto para o piso do patio quanto para o revestimento trario, o abandono das variaveis regionais que asse-
das empenas do edificio. Manifestou-se contrario a gurassem uma expressiio original.
importayio generalizada ge pedras ou do marmore, quan-
do podiam ser encontrados nas proximidades, materiais 5. A orlginalldade do Mlnlsterlo da Educa~o e
com as mesmas qualidades. Contribuiu assim para dar Saude, sua lmportincla no piano naclonal
uma nova forya ao prestfgio das jazidas e dos pro-
dutos locais, evidenciando que o emprego exclusivo de Nio pretendemos retomar o exame da elabora9io
materiais artificiais, enquanto elementos estruturais da do projeto definitivo, pela equipe brasileira. ~ preciso,
nova arquitetura, niio excluia um apelo complementar no entanto, ressaltar o alcance das inovayaes introdu-
aos recursos naturais do pais, quando se tratava sim- zidas, para melhor se aquilatar a repercussiio que o
plesmente de revestimentos. monumento obteve e a importancia de que se revestiu.
Ainda mais revolucionaria, e de alcance signifi- Ja vimos que Lucio Costa e equipe tomaram como
cativo para a evoluyio da arquitetura contemporanea ponto de partida o croqui de Le Corbusier para o
no Brasil, foi a recomendayii0 do emprego dos azulejos terreno definitivo, transformando-o fundamentalmente,
originarios de Portugal. No Brasil, seu periodo de maior mas com o empenho de conservar ao maximo o espirito
import_ancia correspondeu aos seculos XVII e XVIII, da _?bra, hem como os elementos formais preconizados
quando foram empregados interessantemente na deco- entao pelo mestre. Compreende-se assim por que a obra
rayiio de sacristias, claustros, patios e salas de palacios; construida traz a marca profunda de Le Corbusier e
no seculo XIX foram usados no revestimento externo das po~ qu: as vezes tern sido ela vista como uma simples
suntuosas residencias do Rio de j aneiro e, principal- aphcayao, por alunos talentosos, dos principios por ele
mente, do Recife, o que assegurava a~ paredes uma enunciados_. Contudo, a pers~nalidade dos arquitetos
proteyao eficaz contra a excessiva umidade do clima. que a real1zaram se fez presente de forma intensa no
Abandonada no infcio do seculo XX, e retomada com campo estetico, onde o resultado obtido diverge nitida-
a voga neocolonial, essli pratica havia sido rejeitada
42. Por outro lado, Le Corbwier nio se limitou apenas a preconbar
, 4/ . As influbdas ,sofridas por Carlos Lelo e Ernani Vasc~ncellos, o emprego d01 azulej01; n01 es~~ do Mi'!lltmo nio desp...,.0 u a escul•
tura, colocando uma estatua no meio do pitio nobre. Encorajou portanto
diflcw de pen:eber, sio deixadu de lado, por apresentarem um mteresse
menor, 1111 medida em que a obra po,terior deles fol de lmport&nda a colabora~o entre arquitet~ • artistas pluticos, o que viria ' a serwi:
d01 ~os marcantea da arqwtetura contompor&nea do Brasil.
secuncUria.

91
~
..

Fig. 49. L COSTA, A. REIDY, J. MOREIRA, C. _L_E~(?. e a horizontalidade do bloco anexo; aos panos de vidro
E.' VASCONCELLOS e ~ - NIEMEY_ER. M1mster10 da fachada sul (Fig. 46) corresponde o dinamismo dos
da EducafiiO e Sau4e. R10 de _Ja~e1ro. 1936-1943. brise-so/eil m6veis da fachada norte; (Fig. 47); a curva-
Os pilotis e os azuleios de Portman.
tura da face principal do saliio de conferencias e as
formas soltas dos volumes da cobertura c-:mtrastam com
mente das concep1roes do arquiteto consultor. No pri- a ortogonalidade geral etc. Assegura-se assim, uma digni·
meiro projeto, feito para o terreno as margens da ~a~a, dade e um equiHbrio geral bastante significativos.
havia a procura da monumentalidade, numa comp?~11r~o Mas esta-se longe da concep1riio mais classica d~
ao mesmo tempo pura e s6bria, baseada num eqmhbno Le Corbusier ao !he introduzirem os arquitetos brasi-
perfeito, onde predominava o carater estatico do con: leiros um lirismo bastante pr6prios 44 • •
junto; a mesma preocupa1riio se observa no cr~qm Outro tra1ro que merece ser referido como contn-
destinado ao terreno definitive, mas sem obter ah as bui1rao pessoal da equipe local e a enfase dada a lev~z~
qualidades anteriores. 0 edificio construfdo por certu do conjunto. Le Corbusier sempre colocou seus edifi·
guardou uma pureza de concep1riio e um senso de pro- cios solidamente plantados no chao, mesmo quando
por1roes dignos do classicismo estrito43 ; em coi:ripensa- emprega pilotis; nunca lhes deu um carater franca·
1rao, devido ao desenvolvimento em altura e a resul- mente aereo e sua evolu'riio prosseguiu sem cessar n~
tante confronta1riio dos dois blocos, o conjunto assumiu sentido da massa e da solidez; sua plastica sempr~ £_01
um inegavel dinamismo, que e explorado nas etapas baseada na pujan'ra e niio na elegancia. Ora, o M1m_s-
posteriores da composi'riiO, atraves de recurso dos mais terio da Educa1rao, com suas delgadas colunas, aha
simples. Consistia numa sucessiio de oposi'r6es no tra- essas duas qualidades, deixando transparecer. ~ma
tamento dos volumes das fachadas e dos detalhes. A preocupa'riio que ira tornar-se uma das caractemt1c?s
implanta'riio no centre do terreno e a verticalidade do dominantes da arquitetura contemporanea do Brasil.
bloco principal contrastavam com a localiza<;:iio lateral Deve-se finalmente ressaltar que, embora tenha Le
Corbusier pregado sempre sfntese das artes, quando se
43. 0 alargamcnto do bloco principal pcrmitiu incorporar-lhe u
elevadoru). evitando a solu~3.o de Le •, ""'
partes de se:rvii;o (principalmente 01 1
Corbusicr que alterava a purez;a do pri11111, ao acresccntar, em cada n• 44 . P. SANTOS, Ralzcs da Arquit, tura Contcmporlnce, Arquo
IJ'cmidade, volumes destinad01 a tue fim. , E•1•nhorio, n.o 30, mar,o-abril de I 9S4, pp. 57-65.

92
trat_ava de s~as concepc;oes arquitetonicas, agiu sempre se manifestou atraves de uma ser1e de ironias50, refe-
sozmho, ar~~ta completo que era. A equipe brasileira rentes tanto ao aspecto formal 51 , quanto ao carater
P:lo _contran_o, ~telou desde o inicio para O pinto; funcional da obra52 • B ainda mais espantosa a brusca
Candido Portman , os escultores Bruno Giorgi AntoAru•o mudan9a de opiniao que ocorreu a partir de 1943.
Ce1so e Jacques L tpc. h'_1tz46, o arquiteto-paisagista

Ro- Nao ha duvida de que a beleza do monumento, quando
berto Burle M_arx, a~r~ndo desta forma caminho para concluido, foi em parte responsavel por isso, impres-
uma colaborac;ao que ma revelar-se frutffera nao apenas sionando varias pessoas ate entao reticentes e mesmo
no caso especifico, como tambem futurame~te. o resul- hostis. Mas o fator principal, como jii vimos, foi a
tado obtido foi um conjunto de grande riqueza phis- repercussao no exterior, primeiramente nos Estados
tica, realc;ando e completando magnificamente a arqui- Unidos, depois, a partir de 1945, na Europa. 0 edificio
tetura, mas, ao mesmo tempo, a ela subordinado. correspondia, de fato, as esperan9as e intenc;oes do
Tratava-se de um retorno ao espirito da tradic;ao dos ministro que mandara construi-lo. Admirado univer-
seculos XVII e XVIII, quando a sobriedade das linhas salmente53, publicado em todas as grandes revistas de
mestras da composic;ao nao era alterada pela profusao arquitetura, tornou-se um simbolo nacional habilmente
ornamental, que era cuidadosamente localizada. explorado pelo governo brasileiro na propaganda inter-
As caracteristicas assinaladas (dinamismo leveza na e externa. Portanto, foi decisiva a influencia psico-
riqueza plastica) sao, portanto, contribui96es i~discuti~ 16gica do Ministerio da Educac;ao e Saude e nenhuma
veis ~ ~5edit~ ~os ar~uitetos b~as_ile!r?s, e foi justo ter outra realiza9ao contemporanea exerceu papel de igual
a op!~ao p~bhca v1sto no M1mster10 uma expressao importancia. Contudo, nao se tratava de uma obra isola-
do gemo nac1onal, apesar da contribui9iio fundamental da, pois outras de alta qualidade, concebidas dentro
que inicialmente proporcionou Le Corbusier. Por outro do mesmo espirito eram concomitantemente construidas,
lado, e dificil determinar o merito de cada um dos mem- formando um conjunto que testemunhava a profunda
bros da equipe no r.esultado f,inal, ja que foram eviden- vitalidade da nova arquitetura no pais.
temente muito discretos a respeito. Contudo, parece
nao haver duvida que a contribuic;ao de Niemeyer foi 2. AS PRIMEIRAS OBRAS DE MARCELO E
preponderante, na concep9ao plastica; sob este aspecto, MILTON ROBERTO 54
o testemunho de Lucio Costa e formal 47 ; o fato de
de ter ele abandonado, em 1940, a direc;ao do grupo4 B,
confiando-a a Niemeyer sem qualquer contesta9ao dos Dentre os arquitetos que de inicio se destacaram
colegas, demonstra claramente reconhecerem eles sua como personalidades importantes, embora nao integran-
contribuic;ao decisiva, apesar de seu tardio e inesperado tes do grupo liderado por Lucio Costa, encontram-se os
ingresso na equipe constituida em 1936. irmaos Marcelo e Milton Roberto. Impuseram-se pre-
maturamente e de forma significativa, ao vencerem em
Finalmente, convem lembrar que o exito do 1936 o concurso aberto no ano anterior para a sede
empreendimento nao se deveu exclusivamente aos arqui-
social da Associac;ao Brasileira de lmprensa (A . B. I . ) .
tetos e que estes nada teriam feito sem o apoio incon- Portanto, sob o ponto de vista estritamente cronol6gico,
dicional do Ministro Gustavo Capanema. Resistiu ele a
cabe a eles o merito de terem concebido e executado a
todas as pressoes politicas internas e externas 49 e a primeira grande obra da arquitetura nova no Brasil;
todas as campanhas contra o grande empreendimento
de sua vida. Ainda em 1942, quando o edificio ja com efeito, seu projeto e alguns meses anterior a con-
clusao do projeto do Ministerio da Educac;ao e Saude
estava quase concluido, a incompreensiio do publico
50. Architutural Forum, fev. de 1943, pp. 37-44.
45 . Confiou-se a Portinari o afresco da ante-sala do gabinete do Mi-
nistro e o desenho dos azulejos quc revestem as paredes do tCrreo. A s!m• 51. Enfatizava-se principalmente o seu car.iter n8utico com os volu-
plicidade dos motivos ao mesmo tempo figurativos e abstratos, dos azuleios, m~s da c?bertu~ (caixa _d'8gua e casa de m3quinas ), em 'rorma de cha-
e o jogo bastante scg'Uro dos tons empregados, inserem•se admiravelmente r~unts, cuJos 8:PC?Jos pare~1am remos. Colocados na face norte, esses apoios
no conjunto, constituindo•se numa contribui~io de primeira linha. tinham uma un1ca finahdadc: anular a for~a do vento sul que varria a
ba13, golpeando com violCncia o edificio, nos dias de tempestadc.
46. 0 Prometeu Acorrentado de Lipchitz, colocado no centro da pa•
rede curva do saliio de confercncias, infelizmente por falta de recunos,. 52. Corria, por exemplo, o boato de que s6 o ministro e os arqui-
nio foi realizado na escala prevista. Assim, o volume ( que C vinte e 1ete tetos sabiam da localiza~io das entradas.
vezes menor) niio desempenha o papel que lhe fora atnbuldo. 53. Contudo, uma exccc;io not8.vel, pol"em tardia foi a opiniio cx-
47. L . COSTA, Muita Constru~iio, Alguma Arqui\etura, Um Milagre, pressa pelo sul~o Max Bi!I, quando esteve no Brasil ~m 1953, publicada
Correio da Manha de 15 de junho de 1951 , reprodUZ1do em L. COSTA, ~m Manchete, n.• 60, de Junho de 1953, e reproduzida cm Habitat , n.• 12,
Sobre Arquitetura, 'op. cit., pp. 169-201 (cf. especialmente pp. 196-197), iul.-set. de 1953, pp. 34 e 35. Nela, criticava o Ministerio porque (he
!altava o s~nso de propo~Ocs _humanas; dcclarava scm rodeios ser o p3.tio
48. Nao se deve deduzir, pelo afastamento antecipa~o de Lucio ~osta, 1nterno mais ~de!lus:do ao c hma.., alCm de . assegurar melhor vcntila~o;
que seu papel foi secundario. O projeto ja estava defi!'1do em suas hnhaa atacava com v1olenc1a a decora~ao de azulcJos, dcclarando quc a pintura
gerai1 em 1937, quando recebeu O aval de Le Corbus1er (carta de 13 de mural jamais tivera outro sentido exccto o de cducar as massas, tarc(a
setembro de 1937, para Lucio Costa) . que, cm nossa epoca, havia.sc transformado em apan3gio dos jornai.s das
revistas c do cinema. Essc ataque, vindo de um partidario do funcionahsmo
49. Sohre aa pressoes internas, ver supra, p. 28, ~ota 43 tlnt~od~~io integral e dcstituldo _da ..mais __clementar objctividadc, cspccialmcntc quanto
Cap. 2) . 2 curioso constatar que chcgou a haver uma 1ntcrvcn~ao 1nd1reta ao problema da vcntilac;ao, nao tevc qualquer repcrcussio profunda pois
do govemo dos EUA. De fato O pintor Georges Biddle apresentou-se ao ncsse ano, a nova arquitctura bra5ileira de ha muito se impuse~; po;
~niatro, com uma recomcnda~io pessoal do Prcsidcntc Roosc':clt, no sen- outro Jado, os prcconccitos de Max Bill cram demasiado cvidentes para
~do de quc o cncancgassem da clabora~io dos a!rcscos J!rcvutos para . 0 que suas cr!ticas fossem levadas a serio.
•n!e~or do Ministerio. Capanema explicou-lhe que a umd~de de estilo
CXlgida para O cdificio nio pcrmitia satisfazcr scu prop6s1to; Contud?, 54. Dcntre os intimeros artigos publicados sobre os irmios Roberto
~'!10 niio era posslvel esquivar-se totalmente, ja que. o Brasil dep~ddJ8 ha dois realmente important•• acerca de suas primeiras obras: G. FERRAz'
•ntimamcnte da cconomia americana ofcrcccu ao art1Sta a oportunt 8 e M .M.M. Roberto, Habitat, n.• 31, junho de 1959, pp. 49-66, e P .F. SAN:
d~ pintar no vestlbulo da Biblioteca Nacional (que, aliu, se pre•ta AJer-
feuamente ao estilo pompi,r)' sendo os dois afrescos A G111rf'a e 15 ':{~
TOS, Marcelo Roberto, Arquitetura, n .• 36, junho de 1965, pp. 4-13. H,
tamb~m uma breve retrospectiva om Habital, n.• 12, jun.-sct. de 1953 p
•xecutados respectivamente de 18 de agosto a 30 de setembro e de 12, Modulo, n.• 3, dez. de 19~5, p. 71 e Arquit•tura, n.• 28, out.' d~
1964, pp. 3-13.
outubro a 17 de novembro de 1942.

93
e sua constru9iio data de 1938, muito anterior a do obra marcante, Herbert Moses queria evitar que se
Ministerio concluido em 1942-1943. repetisse o epis6dio do Minister~o ?a Educa9ao. Assim,
Marcelo Roberto nasceu em 1908 e formou-se pela conseguiu que o juri fosse cons~1tu!do por ~~~ maioria
Escola de Belas-Artes do Rio de Janeiro em 1930. de criticos, indicados pela ass~1a9ao que ?mgia, e limi.
Na epoca, parecia delinear uma carreira de arquiteto tou ao maximo a representai;:ao de arqu1tetos e enge-
decorador, pois desde 1928, e grai;:as as suas quali- nheiros, designados pelos respectivos 6rgaos ou pelas
dades de desenhista, era um dos principais colabora- institui96es oficiais. Adquirindo confiani;:a grai;:as a essa
dores da revista Tecnica e Arte, dirigida por dois de forte determinai;:ao, inscreveram-se varios arquitetos das
seus professores, Jurandir Ferreira e Felipe Reis; ai ultimas turmas da Escola de Belas-Artes, tendo tres
revelara-se um especialista talentoso, inspirado pelo equipes apresentado projetos claramente racionalistas;
estilo fluido e afetado, posto em pratica pela Expo- duas eram compostas, total ou parcialmente, por mem-
si9iio Internacional de Artes Decorativas de Paris em bros da equipe organizada por Lucio Costa: de um
1925. Mas logo abandonou esse caminho; depois de lado, Jorge Moreira e Emani Vasconcellos=-m, de outro
uma viagem de estudos pela Frani;:a, Italia e Alemanha, lado, Oscar Niemeyer, associado a Fernando Saturnino
depois de diplomado, entrou para uma firma construtora, de Brito e Cassio Veiga de Sa60 ; contudo, a vit6ria
com o firme prop6sito de aproveitar ao maximo seu coube aos irmaos Roberto, que puderam, dessa forma,
talento de arquiteto. Identificou-se com a vanguarda afirmar seu valor numa obra de consideravel reper-
da epoca, influenciada pelas teorias de Le Corbusier e cussao.
pelas experiencias praticas de Warchavchik: a casa Nunca sera demais destacar a importancia do pre-
Xavier, que expos no Primeiro Saliio de Arquitetura dio da A.BJ. Com efeito, trata-se de um projeto elabo-
Tropical, organizado por Celso Kelly em 1933, era rado antes da vinda de Le Corbusier ao Brasil, em
nitidamente marcada por esse espfrito e niio se diferen- julho de 1936. Nao sofreu portanto qualquer influencia
ciava fundamentalmente das obras expostas por War- resultante de um contato direto com o mestre franco-
chavchik, Costa, Reidy, Moreira e outros. Nada ante- sui90, que Marcelo e Milton Roberto nem chegaram a
cipava a notavel revelai;:iio que seria o edificio da conhecer durante as seis semanas que aquele passou
A. B. I . , que projetou tres anos mais tarde, em cola- no Rio de Janeiro. 0 edificio e pois prova de que
bora9iio com seu irmiio Milton. Este, nascido em 1914, uma evolui;:ao original no estudo de uma arquitetura
tinha apenas vinte anos quando saiu da Escola de funcional ja se esboi;:ava nos primeiros meses de 1936
Belas-Artes em 1934 e se associou a seu irmiio mais - anterior a estadia de Le Corbusier, cuja contribuii;:ao
velho, a quern, alias, ajudara antes mesmo de forma- foi decisiva, mas que correspondeu a acelerai;:ao de
do55. £ dificil identificar a contribuii;:iio de cada um um processo ja em marcha61 •
numa equipe tao unida quanto a dos irmiios Roberto,
Os irmaos Roberto nao estavam menos imbuidos
onde toda obra era realmente comum, mas e hem plausi- da doutrina de Le Corbusier que seus colegas da
vel que a criatividade plastica de Milton haja fecun-
equipe de Lucio Costa. Tendiam mesmo a ver nos
dado a capacidade de trabalho, o espfrito critico e a principios por ele enunciados a expressao unica da
s6lida cultura te6rica de Marcelo, que permaneceu sem- arquitetura nova, ignorando deliberadamente que esta
pre como o porta-voz indiscutivel dessa sociedade fami-
apresentava orienta9oes paralelas e mesmo correntes
liar. De qualquer modo, desde entao conquistaram
opostas62 • Por conseguinte, os cinco pontos de Le Cor-
continuos sucessos, sendo o primeiro e o mais mar-
cante justamente o primeiro trabalho: o predio da A.BJ. busier tinham ainda sido tomados como elementos basi-
cos da composii;:ao, mas nem todos foram aplicados
integralmente, dadas as circunstancias peculiares do
1. O predio da A.B.1,56 caso. Por exemplo, os pilotis nlio visavam a liberar inte-
gralmente o solo, essa solui;:ao carecia de sentido, pois
Quando em 1935, a Associa9ao Brasileira de Im- o ediffcio nao estava isolado, mas inevitavelmente com-
prensa decidiu instjtuir um concurso para a constru9lio prometido com seus vizinhos: os regulamentos muni-
de sua sede social , seu presidente, Herbert Moses,
recusou-se a confiar a organizacao do concurso ao Insti- (penpectiva,
59 . Publicado em P.D.F., vol. Ill, n.o 5, set. de 1936, pp. 261-270
plantas). Esse projeto assemelha-sc ao dos irmios Roberto,
tuto de Arquitetos do Brasil57. Homem esclarecido, mas os bri1e..soleil eram constitu{dos por uma trama ortogonal de placas
de concrcto, formando
informado quanto aos novos conceitos de arquitetura~8 , a fachada c formavam,retlculas de um metro de lado ; ni o recobriam toda
com os peitoris das jantlas uma altcrnl ncia dt
decidido como o Ministro Capanema a edificar uma laixas horizontai,, cuja regularidade lembrava as ,;,,u~oe• propostas por
Moreira e Reidy no cone'!"° para o MiniJterio da Educa~io e Saude.
55 . 0 caso repctiu•sc mai.s tardc , quando Mauricio, o mais jovcm, 60. Projeto publicado em P.D.F., vol. III, n.o 6, nov. de 1936, PP·
nascido cm 1921 c formado cm 1944, entrou em 1941 para a lirma, que 334-341 (penpectivas, desenhoo, plantas). A solu~i o, concebida para pro-
pa.ssou a sc chamar M .M .M . Roberto, nomc quc foi mantido, apcsar da teger superficies envidra~adas 1 da eruolac;io excessiva , era cngcnhosa c de
rnorte de Milton em 1953 e de Marcelo em 1964. grandc intercs.se pl&stico : suceuio de paredes em linha quebrada, ondc
56. Arquil, tura , Urbanismo, ano II, n.o 2, marc;o-abril de 1937, pp. a parede que scrvia como brise ..soleil alternava..sc com as vi~as; estas
64-72 (plantas, desenbos, maquete) ibid. , ano V. n.o 5-6, set.-d~, de 1940, ocupavam cerca de dois te~os da 1upcrficic total.
1
pp.261-278 (plantas, fotos ), Arch1techtral Record, vol. 88, dez. de 1940, 61 . 0. projetos de Moreira e Niemeyer preteridos polo dos Roberto
pp. 74-79 (plantas, desonhos, fotos) , Architecture d'aujourd'hui , n.• 13- tambCm cram significativos neate particular.
14, ,ct. de 1947, pp. 66-69 e H . MINDLIN, op. cit., pp. 194 e 195 (plan-
tas, fotos ). 62 . No memorial descritivo do projeto apresentado no concuno, os
57. P. SANTOS, op. cit., n.o 7. arquitetos dedaram sem rodcios quc scu trabalho se baseou nu le.is ctemas
da grande arquitetura de todos os tempos e nos principios da arquitetura
58. Herbert Moses fora o tradutor dos discunos e conlerencias de moderna, fruto da tCcnica contcmpori.nea, Ora, os prindpios enumenados
Wright quando da vinda dcste ao Rio de Janeiro em 1931 (cf. supra p. eram: cstrutura independcnte, planta livrc, fachada livre e terra4-o ..jardim,
70, not~ 41 do Cap. 2) . Ficou m"!to impressionado com. a pe!'onalidade tomados diretamentc de Le Corb111ler. 2 verdade que conheciam tambem
do arquitcto amcricano c com as criucas que cs~c fizera l oncnta~ao geral da os escritos de Andre Lun;at, citadoo numa Carta· datada de 18 de junho
arquitetura bnuileira (cf. P. SANTOS, op. cit., p. 7). de 1936.

94
cipais chegavam m~smo a prever um pequeno patio Desta vez nao mais se tratava da aplica9ao meca-
·interno para_ o estac1onam~nto de veiculos. A Jibera980 nica dos prin~ipios de Le Corbusi~r ?u .de solu_96es
do ter~eo nao correspo_n~1a, p~rt~nto, a solu9iio mais puramente funcionais, como na m_a1oria _dos _pro1etos
apropr1ada; pelo contrar10, a umca forma de manter anteriores fundamentados nas teonas rac1onahstas. 0
8 unidade e a personalidade do edificio consistia em ascetismo 'destas havia sido voluntariamente abandons-
. d T.. 63
rejeitar toda tran~pa~e?ci~, em qualquer nivel que ela do. Materiais ricos, como o gramto a 11uca ~ o
se desse. Era necessano mstalar lojas voltadas para a marmore travertino, importado da Argentina, revesham
rua, niio s6 por raz6es economicas mas tambem de os pilares de concreto e as paredes externas, enquanto
ordem plastica. As janelas panoramicas na horizontal
careciam tambem, no caso, de sentido; situado no centro
comercial e financeiro do Rio, a obra nao podia ofere-
cer, de seu interior, visuais de interesse; alem do mais,
as duas fachadas niio gozavam de orienta9ao favoravel
pois estavam voltadas para norte e oeste, recebend~
permanenteme_nte os r~10s do sol. Era preciso entao
elaborar ~m s1stema ~f1caz ?e prote9ao, tendo os arqui-
tetos cog1tado do brise-soleil preconizado por Le Cor- T«!rreo
busier em Argel. Mas . modificaram sua concep9ao,
adotando somente as laminas verticais obliquas, inicial-
mente previstas em alurninio, mas executadas em con-
creto, por questao de economia. As longas faixas hori-
zontais superpostas, dai resultantes, predominaram no
tratamento das fachadas, caracterizando-as funcional e
esteticamente.
Esse projeto, revolucionario para a epoca, conce- S«!timo andar
bido por desconhecidos nas horas em que nao traba-
lhavam numa empresa construtora, nao foi aceito inte-
gralmente pelo juri, que fez ressalvas, endossadas
por varios membros da AssocJa,;:ao, e propos modi-
fica96es. Mas os arquitetos conseguiram convencer
Herbert Moses de que suas propostas formavam um
todo indissoluvel, assumindo este a responsabilidade
de executar a obra tal como fora concebida. Com
energia e habilidade, fez com que fossem aprovados Oitavo andar
sucessivamente: a solu,;:ao interna, com sua estrutura
independente, recusando as colunas de quase dois metros
do piano das fachadas, o terra,;:o-jardim e, finalmente,
o tratamento das fachadas, cuja aparencia cega chocava
frontalmente a sensibilidade da maioria das pessoas,
dado seu aspecto inovador. Quando o edificio come9ou ~
, ·J [}
.
• 0
.
a tomar forma, houve uma rea,;:ao geral, que chegou
a amea,;:ar a continuidade dos trabalhos, mas a situa,;:ao • .• • 0
foi contornada pela repercussao publicitaria, resultante D«!cimo andar
das campanhas na imprensa e da ironia do homem
comum, o que persuadiu o Conselho da Associa,;:ao, ---_;_-;__ _:___ ' - ---'
convencido de que seu presidente havia dirigido com
maestria uma excelente opera,;:ao promocional. De fato,
quando concluido o edificio se constituiu numa atra,;:ao,
sendo admirado pela opiniao publica, que logo se habi-
tuou ao seu aspecto incomum.
A importancia des~e "Palacio da Imprensa" nao Fig. 50. Marcelo e Milton ROBERTO. Pr~dio da A.B.1.
se deve somente as repercuss6es junto a opiniii? publica. Rio de Janeiro. 1936-1938. Plantas. 1: p6rtico; 2:
Contribuiu tambem para modificar a mentahdade dos loja; 3: sala para s6cios; 4: estacionarnento; 5: sani-
tario; 6: sala do bibliotecario; 7: copa; 8: sala de
empresarios ao evidenciar que a arquitetura nova era trabalho; 9: sala de leitura; 10: arquivos; 11: dep6-
rentavel sob todos os pontos de vista. Essa i~portan_cia sito de livros; 12: quarto de despejo; 13: vestiario;
resulta principalmente da qualidade plasttca obt1da 14: bar; 15: audit6rio; 16: exposi~; 17: barbei-
por Marcelo e Milton Roberto, pois sua obra niio era ros; 18: informa,;;oes; 19: sala de leitura; 20: salio;
21: terra~o; 22: sallio de jogos. Pienta reduzida em
tao-somente uma concep,;:ao 16gica, que satisfazia ~s 30%.
necessidades praticas; ela se impunha por sua quab-
dade estetica francamente expressa, e que contrastava 63 . Bairro da periferia do Rio de Janeiro, situado ao lado da Ooresta
e do pico do mesmo nome.
com a medio~ridade das outras constru96es.

95
que o jogo de magnfficas madeiras brasileiras era explo- Niio se pode evidentemente colocar a sede da A 8
no mesmo piano que o'dMinist erio da Educa9iio e sau·,d.I.
rado ao maximo para os revestimento s internos, propor- d
Apesar de suas qua I1 a es, f nao
. . a excel· .e·
_ atmg1u
cionando ao conjunto a nobreza e a elegancia dese- -
das so Iu9oes f . . . ., enc1a
unc1ona1s, o per e1to equ1 11brio ea pu· 9
jadas num edificio de importante fun9ao representativa.
Mas o ponto principal era a imagina9iio e o cuidado pl~stica d~ Ministeri_o; . alia~, _nem podiam atid;i~l aa
pots os meJOs pastas a d1spos19ao dos arquitetos , lo nge'
que haviam presidido as pesquisas formais. f. claro que . . f . a pende
de serem 1gua1s, az,am com que a balan9
estas eram coerentes com as possibilidades tecnicas . . I d d o segun d o ed1ffci
sse
· o. As repcr-
proporcionadas pelo concreto armado e decorriam par- mu1to ma1s para o a o
cialmente das necessidades funcionais, sem no entanto
se constitufrem numa decorrencia automatica destas.
Por exemplo, e evidente, e a experiencia viria a prova-lo,
que um tipo unico de brise-soleil para fachada com
orienta96es diversas niio era a solu9iio ideal, nem te6rica,
nem praticamente: plenamente eficaz contra o excesso
de insola9iio e de luminosidade, o recurso empregado
apresentava um inconveniente psicol6gico, ao impedir
a visiio para o exterior, acarretando uma sensa9iio de
claustrofobia. Em compensa9iio, sob o ponto de vista
plastico, essa solu9iio propiciava ao ediffcio uma per-
feita unidade e um discreto dinamismo (Fig. 51). Alias,
essas duas preocupa96es, unidade e dinamismo consti-
tuiram a base de toda a composi9iio, obtendo-se um
feliz contraste entre a rigidez das linhas retas, caracte-
risticas do tratamento do volume principal e a suavi-
dade das utilizadas nos elementos secundarios, em
fun9iio de uma escala cuidadosamente estudada. Nos
andares superiores, atingidas pelo recuo imposto pela
municipalidade, as arestas foram substitufdas por uma
curva regular, que suaviza a agressividade dessas linhas
do bloco inferior, sublinhando a autonomia relativa
de seu coroamento e, ao mesmo tempo, integrando-o
64 . Por outro !ado, os
impec avelm ente no conjunto
arquitetos nao hesitaram em organizar o espa90 do pavi-
mento terreo (Fig. 50) com paredes ondulantes, lan-
9ando uma nota de fantasia e de repousante intimidade
em meio ao rigor geometrico que domina de modo
absoluto todo o conjunto do ediffcio; mas essa liber-
dade em nada prejudica a monumentalidade pretendida,
ja que corresponde a detalhes imperceptfveis para quern
ve o edificio no seu todo. Fig. 51 . Marcelo e Milton ROBERTO. Predio da A.B.l. Rio
de Janeiro. 1936-1938.
Supera9ao do funcionalismo ortodoxo, renuncia a
um ascetismo esterilizante, valoriza9iio do aspecto plas-
cuss6es de um e de outro, tanto no piano psico16gico
tico da arquitetura a partir de solu96es tecnicas coeren-
quanto material, tampouco siio comparaveis; mas niio
tes com o programa e conduzidas de modo 16gico no
resta duvida de que desempenhou um papel capital,
seu todo constitufram os Ires aspectos inovadores do
tendo marcado uma etapa decisiva no surgimento da
predio da A.B.I. , utilizados pela primeira vez no Brasil,
nova arquitetura brasileira.
e que se antecipam as audaciosas contribui96es trazidas
pessoalmente por Le Corbusier. Portanto, niio se pode 2. 0 Aeroporto Santos Dumont
65

negar a Marcelo e Milton Roberto um sentido profundo


de compreensiio dos problemas e da evolu9iio da arqui- Logo ap6s obter "1 primeira consagra9iio com a
tetura contemporanea. Interpretaram a li9iio de Le Cor- vit6ria de seu projeto para a sede social da A.BJ. Mar-
busier, dando-lhe uma expressiio peculiar, adaptada a celo e Milton Roberto conheceram um novo sucesso
seu talento pessoal. De fato, a preocupa9iio com uma expressivo ao vencerem o concurso organizado em 1937
composi9iio fundamentada no jogo de volumes simples para a constru9iio do aeroporto Santos Dumont. Mas a
e na harmonia das propor96es, niio impediu que deixas- constru9iio niio foi imediata; iniciada em t 938, e quase
sem transparecer, desde essa primeira obra projetada paralisada, foi retomada somente em t 944, sem ter
em fntima colabora9iio, uma tendencia, ainda discreta, sido inteiramente conclufda. 0 projeto premiado em
para um certo dinamismo, que sera desenvolvido clara- ura e Urbanisff!O, ni°
65 . Projetos con correntcs publicad os em Arquitet
mente nos projetos posteriores. 6, nov.-dez. de 1937, pp. 298-301, e Reuista Mu nicipal
de Eni:e nhana, vo ·
Sohre a obra conwuld a, cl.
V. , n.• 4, de julho de 1938, pp. 414-40.
A rchitectu re d'aujour d' hui, n .9 13-14 de l!H7,
pp. 66-69: Bra.nl - Ar-
, individualizando
64 . Alias, o &ngulo rdo reaparece na parte superior quitetura Co nte mpora nea, n.• 10, nov. de 1957,
p. LV a LVII, e H. MIN•
e reafirma ndo ao mesmo
os blocos da casa ~e m3quinas c da caixa d'lgua da composi~ io. DLIN, op. cit ., pp. 22&227 (fotos , pla nta.s) ,
ntal
tempo a ortogonahdade como o motivo fundame

96
1937 foi respeitado, mas introduziram-se varias modi- A soluyiio geral resultava portanto ~a o~g_anizayao
fica¢es, que asseguraram uma simplificayiio dos volu- racional dos sistemas de circulayiio, d1vers1£1cados e
mes e uma maior pureza de concepyiio. logicamente distribuidos. Partindo dessas premissas,
A premissa da composiyao foi a pesquisa de uma Marcelo e Milton Roberto localizaram o cruzamento
dos eixos do edificio valendo-se da secyiio aurea, que
soluyiio simples e eficaz para os problemas de circu- serviu tambem para fixar as propor,;;oes de varios
la~o, fa tor essencial para o born funcionamento de outros elementos do projeto. Dessa maneira, as regras
um aeroporto. Assim, o edificio (Fig. 54) foi concebido classicas eram postas a serviyo da tecnica modems,
como um grande hall longitudinal (Fig. 55), sendo dis- numa clara demonstrayao de seu valor perene.

..'• ·.,..
·•·. ..
--
·-- .

fig. 52 . Marcelo e Milton ROBERTO. Projeto do concurso Comparando-se o projeto original de 1937 (Fig. 53)
para o Aeroporto Santos Dumont. Rio de Janeiro. com aquele construido em grande parte em 1944, per-
1937. Fachada para a cidade. Penpectiva cavaleira.
cebe-se que as alterayoes introduzidas c?rre~pon~eram
tribuidos, de um lado, os balcoes das companhias aereas principalmente a supressao dos terrayos-1ard1m, d1spos-
e os acessos destas a pista e, de outro, bares, bancas tos em varios andares, e a definiylio de todo o bloco
de jomais, lojas, sanitarios; sobre essas duas areas, principal num volume simples! pr6~imo do paral~le-
voltadas diretamente para o hall, a fim de obter melhor p!pedo. A area destinada a Duetona_ da Aeronauttca
ventilayiio, localizaram-se os escrit6rios das companhias Civil era assim consideravelmente amphada66 , ganhando
e o restaurante; essa disposiylio pratica criava, acima de o ediffcio em clareza e homogeneidade aquilo que
tudo, um espayo continuo, dinainico, do qual os arqui- perdia em diversidade. Parece que essa modificayao foi

···-----
··- ---·•·--

. . .....
Fig. 53. Marcelo e Milton ROBERTO. Projeto do concurso feliz no piano plastico-, pois a fachada voltada para
para o Aeroporto Santos Dumont. Ri~ de Jane!ro. as pistas (Fig. 56), a unica afetada, e de uma eloqiiente
1937. Fachada para o campo. Penpectlva cavale1ra. grandeza com sua colossal ordem de elegantes colunas,
cujo ritmo acentua a monumentalidade, sem cair na
tetos souberam tirar partido. Cortando perpendicular- monotonia; de fato, tres contrapontos, dispostos com
mente esse eixo principal, que pelo menos p~rcialment~ criteria, rompem, com seus volumes, o piano unico
continha o germe da configurayiio volumetnca do ed1- em que se desenvolve essa fachada do edificio: a torre
ficio, integraram o eixo do vestibulo, que era tambem de controle, a moldura do vestibulo transversal, a pro-
saida direta para os viajantes, ao desembarcarem dos jeylio do restaurante sobre a sobreloja67 • ~ mais dificil
avioes. julgar a outra fachada (Fig. 57), incompleta porque,
Mas os serviyos do aeroporto propriamen~e dito niio havendo verba, o volume anexo nio foi constru{do
nao eram os unicos previstos no programs, hav1a tam- e s6 foram executadas as placas de suporte dos brise-
hem os da Diretoria de Aeronautics Civil, totalmente soleil68; apesar disto, o edificio assume um belo. aspecto,
independente dos primeiros, e localizados pelos ~rqui- inserindo-se admiravelmente no contexto urbanistico
tetos, com toda 16gica, nos dois andares super1ores. criado pela grande praya transformada em jardim por
Era necessario prever acessos autonomos para essas 66. Menno usim nio foi auficlente, tendo aido, mah tarde, colocadu
depend~ncias dai a ideia de um corpo anexo, contendo no terrac;o superior, 1 revelia d01 arquitetoo ncredncias horrlveia que
deocancterbaram o ediflcio, quando aeria ficil encontrar uma aolu~io fun-
as circulay00; verticais necessarias, localizado a frente clonal que nio comprometesae o ediflcio eateticamente.
67. Euea elementoo conatavam do projeto de 1937, mas 01 doia ulti•
do corpo principal do aeroporto; assi!D essa entrada m05 aio bem di1tint01 do concebido originalmente. Uma aol~ impor-
assumiria caracterfsticas de monumentahdade, enquanto tantmima para o perfeito equilibria da compoai~o foi colocar o rataurante
na eJttremidade do edificio, e nio no centro, lateralmente ao veatibulo
que as passarelas ligando os dois blocos servi_am de tranavenal, reencontrando asaim um ritmo ternuio equillbrado.
68, Nio tendo lido cxecutad01 01 6riu-sol•il prevut01, fol neceuuio
abrigo aos passageiros, na entrada do aeroporto (Ftg. 52).
97
Burle Marx69 • Mais uma vez foram excelentes os resul- fechada, harmoniosa mas pesada, cuja for9a result
tados da oposi9iio proposital entre as linhas nobres e dessa pretendida fisionomia, o Aeroporto Santos Dumon~
definidas ou mesmo um tanto rigidas da arquitetura e mais aberto e principalmente mais !eve, aliando habil-
e os desenhos inforrnais da natureza, organizados pelo mente for9a, equilibrio e elegancia. ~ certo que
paisagista. contexto urbanistico onde se inserem essas duas obras0
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(8 ~7 .)~ ~~ ~
Fig. 54 . M . M. M. ROBERTO. Aeroporto Santos Dumont.
Rio de Janeiro. 1937-1944. Plantas. 1: rampa; 2: ga- hem como seus respectivos programas funcionais con-
ragem; 3: torre de controle; 4: bagagens; 5: contro- tribuiram para essa diversidade, raziio valida s6 parcial-
lc; 6: passageiros; 7: chegada; 8: alfandega; 9: in- mente. Na realidade, a A.BJ. e uma exce9iio no pano-
formayoes; 10: hall; II: escrit6rios das companhias; rama da arquitetura contemporanea brasileira e, prin-
12: cabeleireiro; 13: lanchonete; 14: sanitarios pu- cipalmente, carioca70 , que tern na leveza uma de suas
blicos; 15: telefones; 16: pequenas lojas; 17: cor-
reio; 18: serviyas da aviayiio civil; 19: acesso ao caracteristicas fundamentais . Contudo, esse tra90 parti-
restaurante e ao terrayo-jardim. cular s6 adquiriu dimensoes significativas com o de-
senvolvimento do projeto do Ministerio da Educa9iio e
Confrontando-se a sede da A.BJ . com o Aeroporto Saude, pela equipe de Lucio Costa, e com as primeiras
Santos Dumont, percebe-se uma evolu9iio dos irmiios obras de Oscar Niemeyer. Parece, assim, que a A.B.I.
Roberto. I: claro que o metodo niio foi modificado: o e as obras iniciais dos Roberto71 corresponderam a uma
ponto de partida continua sendo a solu9iio dos pro- primeira tendencia estetica, posteriormente modificada
blemas funcionais, com o emprego dos recursos da sob a influencia do celebre ediffcio do Ministerio. Em
tecnica construtiva moderna. £ igualmente nitida a todo caso, e evidente terem sido certos elementos toma-
preocupa9iio em explorar esses meios com fins este- dos de emprestimo deste edificio, especialmente o siste-
ticos, especialmente atraves de um apelo preciso as ma de sustenta9ao da laje da sobreloja (Figs. 55 e 5~)
regras de composi9iio tradicionais, sem falsos pudores. atraves de pequenos consolos fixados as colunas, cuJo
Essa preocupa9iio com as propor96es corretas ja era lado eminentemente plastico ja foi ressaltado72 • O~a,
no entanto perceptive! no predio da A.BJ . Por outro o inegavel efeito assim obtido identifica-se com a ma1or
!ado, o resultado obtido e bastante diverso; enquanto
70. Nio se pode dizer o mesmo de certas ~orre~tes paul.ttaJ qu~ ~
a A.B.1. se apresenta como uma massa compacta e desenvolveram mais tan:le, ap6s 1950 1 e das quau Vilanova gas
rcprescntante mais signiricativo (d . in/ra, pp. 295•319). .
in1tilar penianu nu (au, intcrnas dos escrit6ri01, voltad~ l!ara oestt. /j J#8:
71. Vmos p redios de apartamentos (1935-1937), ~ odilici~>
Brasileira contra a T ubtrculose e o do I.A.P.l. 1 proJetados 11 9
A~1ar da obra nio tu lido conclul.da t do exu:aordln6no. 1ncremento 1939, respectivamente.
do tri(rgo aCno, o Acro porlo Santos Dumont continua funcu:>aando pie•
namcntc com ,ua limplicidadc 1 e o u-ethor conubido e o m~• dic.az do
Brasil I cmbon o mW antigoj f , tamM.m, 1em dUvida, o mau belo e o
n. Cl. Sltpra , pp. 87.a8. Os arquitet"! previ~ tamlk!m
labora(.io anistica como •~uela que garan~ a urudadc ' d~
W~tcrio
. rram
Uni co a aprHtntar um valor arquitct6nico intrinseco . da Educa(io c Sa\Jdc; infehzmenle 1 as autondades responsavt~ nao'" i,r
ti o esclarecidas quanta Capanema e o ,rand~ afr~o em t1tilo ~ , ro
m. A colabor~io tot.re oa irmi01 Roberto c Burtt Marx tinha c:o-- do vestlbulo detUJl)OU integralmente a 1nten~ao onslnal, para d pt
mt(ado com o projeto de tel'ra(o-jardim do pffiUo da A.B.I . de Roberto.

98
/ llllllllllll1ll1///l✓l/1/II//,

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VASP

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II I

~ I ..
."
Fig. 55. M. M. M. ROBERTO. Aeroporto Santos Dumont. tado em 1941 e construido em 1944. Toda a com-
Rio de Janeiro. 1937-1944. 0 grande hall longitu-
dinal. posir;iio deste projeto foi rigorosamente deternJnada
pelo emprego das regras classicas e baseou-se numa
leveza que caracteriza a evolur;iio de Marcelo e Milton serie de sistemas de proporr;oes tiradas quer da geome-
Roberto, entre 1936 e 1944. Mais uma vez, portanto, tria (triangulo perfeito 3, 4 e 5, e secr;iio aurea), quer
pode ser percebida a profunda marca deixada pelo Minis- da aritrnetica (progressiio 2, 4, 6, utilizar;iio d;i razao
terio da Educar;iio e Saude na arquitetura brasileira no 2 como m6dulo). Os primeiros serviram para organi-
periodo decisivo que foram os anos de sua construr;iio. zar as plantas (Fig. 58), enquantos os ultirnos inter-
Mesmo que, em termos cronol6gicos, niio tenha sido vieram principalmente nas elevar;6es75 • Mais uma vez,
a primeira obra de envergadura do novo estilo, foi ela a secr;iio aurea teve papel preponderante - os acessos
quern definiu, de modo decisivo, as realizar;oes que se foram localizados .em funr;iio da divisiio em media e
seguiram. Tai fato, no entanto, em nada diminuiu o extrema raziio e a linha de forr;a assim obtida destaca-se
merito da obra dos irmiios Roberto, que prosseguiu nas fachadas principais: de um lado, pela caixa de
com outro exemplo, a sede social do Instituto de Res- escadas, de outro, pelo corpo saliente da sala do presi-
seguros do Brasil (I.R.B.) dente (Fig. 59). Mas a preocupar;iio em padronizar
exigia a ador;iio de uma rnodular;iio baseada em nume-
3. 0 predlo do I.R.e.1s ros inteiros, todos multiplos do m6dulo 2 escolhido.
Um estudo aprofundado permitiu assegurar uma uni-
A evolur;iio da equipe M.M.M. Roberto74 para dade perfeita entre a fachada norte e as faces meno-
uma arquitetura tecnicamente moderns, mas plastica- res do prisma, embora a quadricular;iio daquela tenha
mente classics, ja esbor;ada no aeroporto Santos Dumont, sido concebida no sentido vertical, num ritmo quater-
acentuou-se mais claramente e expressou-se melhor com nario, enquanto que a das faces menores era ternaria;
o predio do Instituto de Resseguros do Brasil, proje- a escolha dos viios de 8 e 6 metros entre as colunas,
ou seja, o dobro de 4 e de 3, permitiu resolver o pro-
73. A.rclululvral Po"''" , vo l. 81, n.o 2, agosto de 19+4, pp. 65.77 blema e obter um equilibrio perfeito, do ponto de
(!otCN planlal, cliarramu) ; A,quil,lura, a.• 28, out, de 1964, pp. 5-13
(!otCN) • Archit,cfur, d'au jourd' hui, n.• 13-14, ,et. de 1947, pp. 62-65
(plant,;., !otosl; H . MINDLIN, op. rit ., pp. 202 e 203 _(!otos, _pla ntu) .
74. Razio social adotada em 1941, quando Mauria o se 1untou • 75 . Cf. o depoimenlo de Marcelo Roberto em A,quil.twra, n.o 28,
Mua:Jo e Milton. out. de 1964, pp. ~ e 6.

99
- -

I
I orto Santos Dumont.
Fig. 56 . M. M. M. ROBERTO . Aerop da para o campo.
Fig. 57.
Rio de Janeiro. 1937- 1944. Fach ada para
Dumont.
M. M. M. ROB ERTO . Aero porto San.tos a pra~a.
Rio de Janei ro. 1937-1944. Facha

-
vista este~co. se~ que com isso fosse afetada a eficacia e a caixa d'agua, niio comput adas como a~dar pelos
das solur;oes tecmcas pretendidas76. regulamentos municipais, l-::3m em_ geral s_1tuadas na
Talvez esse prop6sito de classicismo absoluto no cobertura, o que desta vez nao pod1,a _ser fe1to. Pre~e?•
trat~mento plas_tico haja decorrido das necessidades dendo os arquitetos utilizar ao max1mo a s_uP«:rftc1e
pra_ttcas que onent~ram a definic,iio do projeto . Com dispor.ivel, precisavam incorpo rar essas dependenc1as, ao
efe1!0, ~ altur? ~ ax1ma permitida era bastante limitada, volume geral. Assim, 0 ultimo nivel, somente acess1_vel
dev1do a prox1m1dade do aeroporto; a casa de maquin as pela escada, compreende, alem ~esses ele"2entos, o Jar-
I dim de Burle Marx e o mezanmo do salao de confe-
'Q
.1

Torn,o

-v • I t t
. "·
SCtimo a ndar ( ~crit6rio do pr~idcnte i

Oitavo andar (audi16rio ) Fig. 59 M. M. M. ROBER TO. Predio do l.R .8. Rio de
Janeiro. 1941-1944. Frentes leste e sul.

rencias , cujo piso esta no pavimento inferior. Ha pois


economia de espayo, servindo os elevadores a todos os
pavimentos do predio. A ado9iio desse principio levou
Tcrra<;o~jardim os irmiios Roberto a conceber a sede social do I.R.B.
como um paralelepfpedo puro, apoiado sobre pilotis;
M. M. M. ROBER TO. Predio do l .R.B. Rio de
poderiam ter tratado o terra90 como uma forma auto-
Fig. 58 . que consistiu
Janeiro. 1941 -1944. Plantas. noma, mas preferiram a solu9iio estetica , 77
em engrad a-lo no volume da compos i9ao . Tomaram
I : entrada do publico 15: mime6g rafos no entanto o cuidad o de conserv ar a vista da baia,
16: saloes de estar
2: entrada da garagem
J7: enferma ria colocan do uma elegante pergola no lado sul. Esta,
3: entrada dos emprega dos
18: beri,:ario reunia uma outra vantagem, a de integra r-se perfeita-
4: loja
5: tesourar ia 19: sala de leitura mente a fachada (Fig. 59), constituindo-se sua trans-
6: caixa-fo rte (cofres) 20: bibliotec a parencia num fator de equilfbrio que retomava na
21: revi sta do rRB
7: sala do tesourei ro
22: audit6rio cobertura, o carater espacia l conseguido no terreo pelo
8: sala dos membros da diretoria
9: sala do presiden te 23: vestiario dos homens emprego dos pilotis.
24: vestiario das mulherc s
10: sala de esp era
25: cozinha
Por conseguinte, o predio do I .R.B. decorre de
11: escrit6ri o pesquisas a profundadas em todos os 78 sen tidos; tecnica-
26: bar
12: sala da dire~ao
27: cabine de projei,:ao mente, possibilitou novas experiencias , alem do aper-
13: recep~lio
28: equipam ento mecanic o
14: sala do subdiret or
na Ville
77 . Era uma retomnda da solu~io adotada por Le Corbwicr
edificio loi construfdo em onze meses • &J esquodrias Sa vnyc cm 1928.
76. D e fato O
exttrnas m o ntad~J: em dezeno,,e dias o que sc co nslituiu numll du pri~
78 . Prc-labrica~iio das esquadria , extcrnaJ, ja mencionad&J
(cl. nota
no Brasil. alternada mente opa•
meir:u ~puir.nci o, de pre-labric a~io' industriol da construtio _foram
76 ), janel:u di\1ididaj em faixas horizoncai s desiguais,
o pcr-
Por outro lado, os problem&J de pre-fabric a~io e _<.le transportc cu e envidr~~• du, para assegurar com habilidade uma ilumina~
objeto de cstudos aprolunda dos quc as vncs conduz!ra!" a detcronina das e1.J>Olitio
bada, cuja
feita , ne.m muito vio lenta, nem muito fraca 1 nas fac
proposla pclo nio cxigia de modo impcrioso a coloca~io de bri11-10/1il.
lormas como, por cxemplo , a curvat~ra d~pla e . h,gt1ra, fachada none.
cngcnbci ro Paulo Fragoso, para os briu -soleil verucaas da

101
fei9oamento de processos ja existentes; plasticamente, da A.B.I. op6em-se a leveza, a delicadeza das relayoes
foram pesquisados com requinte os aspectos de pro- de equilfbrio, a assimetria calculada mas relativa do
po~oes. cores, materiais 79 , integra9iio das artes80 • Logi- J.R.B.x2. Sob o ponto de vista estritamente funcionaI,

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Fig. 60 . AttOio CORREA LIMA. Estariio de hidravioes. 1: bagagens. 2: vestibulo do publico. 3: alfandega.
Rio de Janeiro. 1937-1938. Plantas. 4: administra~ao. 5: pilotos. 6: balcoes das companhias de
avia~ao. 7: telefones. 8: restaurante. 9: copa-cozinha.
10: despensa e frigorifico. II : terra~.
camente, deveria corresponder a um progresso, em
re\a~o ao da A.B.I., por ser este uma primeira tentativa o segundo edificio e indiscutivelmente superior ao pri-
nesse novo genero. De fato, os dois tern um programa meiro. Em contrapartida, sob o aspecto exclusivamente
semelhante e um certo numero de elementos comuns: plastico, a situayiio se inverte: a refinada elabora~o do
bloco arquitetonico elementar onde a tecnica estetica se I .R.B. e um tan to requintada, faltando-lhe esponta-
concentra principalmente no tratamento das fachadas neidade e niio conseguindo disfaryar urna certa rigidez
retilfneas, desenvolvidas num unico piano; dinamiza9iio mecanica; desapareceram a franqueza e o entusiasmo
<lesses pianos por engenhosos sistemas de prote9iio solar; da A.BJ., substitufdas pelo perfeito equilfbrio do clas-
coloca~o no topo da composiyiio das unicas superffcies sicismo. Alias, os Roberto devem te-lo sentido, pois,
inteiramente cegas; constitufdas de grandes paredes pesquisando novas soluyoes esteticas baseadas no movi-
nuas, solu9ao caracterfstica do estilo dos Roberto; jogo mento, procuraram de imediato outro caminho.
de volumes, ou de espa9os, limitado as partes extremas,
inferior e superior; discreta nota de diversidade dada
3. ATTILIO CORREA LIMA E A ESTACAO DE
por algumas curvas secundarias, rompendo, nos deta-
HIDRAVIOES DO AEROPORTO SANTOS DUMONT83
lhes, a absoluta ortogonalidade do conjunto81. Entre-
tanto, apesar dessas semelhanyas, as duas obras reve-
lam um espfrito muito diverso. A for9a, a simplici- Os anos de 1936-1937 foram realmente decisivos
dade um tanto primitiva, a monumentalidade vigorosa para a nova arquitetura brasileira; foi durante esse
periodo que surgiu uma serie de oportunidades de
execu9iio de obras de real envergadura, principal-
79. Como na A.B.I., a arquitetura era real~•da pelos materiai, no- mente devido ao apoio dos poderes publicos ou, ao
bm : gnnito, mirmo~. cerimica. Alas os revestimentos extemos nio
suportaram a •~io do tempo, ficando em alguns lugares com um aspecto menos, de alguns deles. Depois do epis6dio do Minis-
suior enqua.nto que os da A.B.(. conservaram impet&vel sua apaf'Cncia
ongmal. £ claro que se trata de uma lalba de manuten~io, perceptive! terio da Educai;:iio e Saude e da vit6ria de Marcelo e
tambcm no aspecto esverdudo dos peitoriJ.
Milton Roberto no concurso para a sede da A.BJ.
~ . 0 terra~o-jardim de Burle Marx era complementado por um em 1936, no ano seguinte tiveram inicio essas obras,
mosatco mural de Paulo Wemeck, colega de escola e de ateli! de Marcelo
Rohen~ e scu cola.borador prtltrido, quando qucria chamar um pintor ou hem como ocorreram as vit6rias dos Roberto e de
dcscnhista pan valori.ur um.a parcde, um painel ou um canto determi•
nado. Mas e:ua colabora~o 1 de acordo com o pr6prio Marcelo Roberto,
c.ra .•pc.nas um complcmcnto ocasional, ji quc o essential dos valorcs 82 . Marcelo Roberto declarou (em .ifrquil<lura, n .o 28, out. de 1964,
pii,11co, provinha da pnlpria arquitetura. p. 6) que tit t mu innins prcttndtram criar uma cobra leve, livr<
de marca bcreditiria do monumental», mas parecc quc, para etc, 0 m4>
81. _No l.R.B., podc,.sc c:itar a cscada ntcma cm caracol, quc lcva numcntal sc confundia com o pe.sado e o similrico.
l sobreloia, e a parede oodulada de tijolos de ,idro do oitavo andar; este
83 . Arquilelura , Urbanismo, o.• 6, nov.-du. de 19l8, PP• 286-2f
lcma s.c.ra rtlomado c t:ranslormado, com gn.ndc (clicidadc, cm clcmento
l unda.mental, por Niemeyer, no Banco Boa Y-uta •m 1946. (locos, planw) . H. MINDLIN, o,.
cit., pp. 22♦ e 22.5 (locos, plantas ·

102
Attflio Correa Lima nos concursos para a parte ter- O aeroporto maritimo e um exemplo perfeito de
restre e marftima do Aeroporto Santos Dumont, prova constru9ao racional, inteiramente orientada por um pro-
evidente de que, repentinamente, algo havia mudado84 • grams do qua! o arquiteto extraiu efeitos plastico~ so-
Hoje o nome de Attflio Correa Lima (1901-1943) fisticados e simples, ao mesmo tempo. Uma das clausu-
esta um t~nto relegado ao segundo piano, embora se trate las do programa exigia completa visibilidade dos hi-
~e uma fagura que certamente desempenharia um papel dravi6es encontrados no embarcadouro; portanto, a
1mportante se a morte prematura niio o transformasse no unica solu9ao era fazer com que a fachada orientada
r~aliza:dor ~e ~~a unica obra arquitetonica e, para para esse !ado (Fig. 61) fosse inteiramente envidra<,ada,
cumulo da mfehc1dade, quase imediatamente destituida embora voltada para o norte86 ; o excesso de insola9ao
da fun9iio original. Apesar disso, a qualidade da obra
e a linha em que ela se insere exigem que se restitua
ao autor o lugar que lhe cabe. Nascido em Roma em
1901, filho de um escultor, professor da Escola de Be-
las-Artes do Rio, Attilio Correa Lima diplomou-se por
essa institui9iio em 1925. Tal forma9iio, como era na-
tural na epoca, orientou seus primeiros projetos para
o estilo neocolonial, entiio em voga, mas ele niio perma-
neceu por muito tempo nesse caminho. De fato, ganhan-
do em 1926 um premio que lhe concedia varios anos de
estadia em Paris, matriculou-se na Sorbonne, onde se-
guiu o curso de Urbanismo, apresentando uma tese de
mestrado onde propunha um piano piloto para Nite-
r6i85. De regresso ao Brasil, respondeu pela disciplina
de Urbanismo criada pela reforma de 1931, permanecen-
do a ::ua frente mesmo depois do rapido fracasso da-
quela reforma. Rapidamente ele se impos em sua espe• Fig. 61 . Attilio CORREA LIMA. Esta9iio de hidravioes.
cialidade, recebendo encargos para trabalhos importan- Rio de Janeiro. 1937-1938. Frente norte.
tes, como a elabora9iio do piano regional de urbaniza9iio
do Vale do Paraiba e, principalmente, do piano da nova era corrigido por marquises em balan9087• Bern enten-
capital de Goias, Goiania, que data de 1933. Mas seu dido, o !ado oposto (Fig. 62) beneficiava-se com a me-
interesse pela arquitetura permanecia e, em 1937-1938,
chamou bruscamente a aten9iio, com o aeroporto para
hidravioes, cuja simplicidade e pureza, aliados ao en-
canto do jardim tropical, seduziram os mais reticentes.
0 projeto elaborado com a colabora9iio de quatro
outros arquitetos (Jorge Ferreira, Thomaz Estrella, Re-
nato Mesquita dos Santos e Renato Soeiro), havia ven-
cido o concurso, apesar da insuficiencia dos desenhos,
assinalada pelo juri, compensando dessa maneira o rela-
tivo fracasso da equipe formada por Paulo Camargo,
Renato Mesquita e Attilio Correa Lima no concurso
do aeroporto terrestre, classificada em segundo lugar. 0
aeroporto marftimo niio teria a mesma area constru{da
que o aeroporto terrestre e tratava-se, sob esse ponto de
vista, de uma constrmriio modesta, que pode, alias, facil-
mente ser transformada mais tarde num clube para avia-
dores militares. Contudo, sua importancia psicol6gica Fig. 62. Att!lio CORREA LIMA. Esta9iio de hidravioes.
era enorme, pois atendia ao trafego aereo internacional Rio de Janeiro. 1937-1938. Frentes leste e sul.
que, na epoca, pensava-se que viria a se desenvolver na
base de hidravioes. A obra obteve por isso prioridade lhor exposi9ao e tambem devia ser inteiramente trans-
absoluta, tendo sido terminada em 1938, enquanto que parente88, o que permitia que o viajante que chegava
a parte terrestre s6 seria conclu(da em 1944. para embarcar tivesse uma visao total atraves do ediff.
Foi uma previsiio errada que possibilitou a cons- cio; a diferen9a entre a planta do piso inferior e a do
tru9ao dessa obra, mas dadas as suas qualidades niio piso superior, principal caracteristica da obra, corres-
ha motivo para arrependimentos.
86 . Fol eua mcsma ruio que detcrminou o dcsnlvel entn: o r,,1tau-
rante e o terra~o dcscoberto do primeiro andar.
84 . Nio ae deve exagerar o alcancc do movimento, pois, 10 mesmo
l•mpo, a, aulorldadu dvb e militarc, rcsponsav•!• co~11n1[am um~ ~rle 87. A vannda entre o restaunnte e o terra~o nio maia exiite pois
da •dil[d01 tradidonali1tu ou scm lntcrcuc arquttct6mco. Mu o tmpor- um pano de vidro foi colocado na 1ua extremidade, a fim de aume~tar a
tante nio aera o fato de quc houvc cxccc;oc, ncssa pol[tica, de modo a area interna do que boje e um salio de lcstu (Fig. 61) .
pumillr a afumao;io de novos valores?
88, Tambem _nute caso a mu_dan~• de destinatio do odiflcio foz com
85. A. CORREA LIMA, Amlu11m1nl 11 1x111uion d, la oil/, d, q~~ a parte lnlenor das ~~na, do terreo foue pintada, para pro-
Nit,roi, Puia, 1952, p1ciar ao clube uma ccrta tDtilDldade.

103
pondia a um duplo objetivo funcional, por um lado, co- trico, de sua transparencia e de sua perfeita adapta a0
9
brir o acesso ao vestfbulo da entrada, e, por outro, re- ao local ,emanava uma impressao de born acabamento
cuperar no andar do restaurante a superficie perdida e de facilidade na composi9lio, sinal inequivoco de sua
com o vazio parcial deixado em seu centro. Mas essa qualidade.
defasagem resultara num notavel efeito estetico: _A pureza dessa concep9ao, baseada na economia
a pr6pria fachada ganhava grandeza e anima9ao com a de meios e na explora9ao estritamente racional da tecni-
varia9ao de densidade das zonas de sombra89, enquanto ca contemporanea, lembrava a pureza de estilo das obras
que se criava um jogo de volumes superpostos em ba- de Luis Nunes no Recife. Nao ha duvida de que havia
lan90; este era particularmente bem-sucedido na face uma identidade de pensamento e de valores entre os
leste, onde o equilfbrio era restabelecido pelo recuo do dois arquitetos, talvez ate mesmo uma influencia direta
andar em rela9ao a planta do terreo (Fig. 62) . A fachada em certos detalhes: de fato, o emprego de escadas em
oeste, por seu lado, era totalmente fechada par causa caracol, ressaltando com seu movimento o conjunto es-
de sua insola9ao, mas essa parede nua, cujo unico des- tatico da esta9ao de Correa Lima, pode ter-se inspirado
taque era o mastro da bandeira e a inscri9ao ali coloca- no projeto da escola para crian9as excepcionais que
da, oferecida, segundo Correa, um excelente motivo or- Nunes projetou em 193591 • Por outro lado, podia-se
namental para repousar a vista. percebet uma diferen9a notavel entre os dois arquitetos.
0 tratamento dos interiores era igualmente seguro. Attilio Correa Lima nao havia vacilado em empregar
A distribui9ao dos servi9os era 16gica e a unidade espa- materiais nobres para todos os revestimentos: travertine
cial completa, o que assegurava uma continuidade ab- natural no exterior, travertine encerado no interior,
soluta entre interior e exterior90 no sentido horizontal marmore para os pisos. Nao tivera, a esse respeito, qual-
e tambem uma continuidade interna, no sentido ,ertical, quer ascetismo rigoroso, fato plenamente justificavel,
gra9as a abertura que ligava visualmente o vestfbulo por se tratar de uma obra de prestigio. 0 clima do Rio
do terreo e o restaurante do 1. andar. 0 efeito plastico
0
de Janeiro provaria mais tarde que, mesmo sob o ponto
resultante era refor9ado par uma audaciosa escada em de vista economico, o emprego de materiais caros e ate
caracol, apoiada unicamente numa delgada coluna cen- mesmo luxuosos para os revestimentos era uma opera-
tral (Fig. 63) , solu9ao retomada externamente, para 9ao altamente rentavel, pois evitava problemas de con-
ligar o terra90 com o jardim. serva9ao e o envelhecimento precoce que atingia varias
constru96es modernas. Seja como for, a fatalidade pare-
ce ter recaido sobre os arquitetos brasileiros que tenta-
ram lan9ar-se em pesquisas esteticas baseadas na explo-
ra9ao sistematica e quase exclusiva de elementos do
programa, demonstrando uma grande reserva em mate-
ria de inventividade plastica. A morte prematura de
Luis Nunes, em 1937, cortou um impulso que parecia
pleno de promessas. A morte inesperada de Attilio Cor-
rea Lima, num acidente de aviao em 1934, a algumas
centenas de metros daquilo que era sua obra-pri-
ma, eliminaria, alguns anos mais tarde, outro talento
que poderia ampliar essa tendencia.

4 . A REVELA(,AO DE OSCAR NIEMEYER

Fig. 63 . Attilio CORREA LIMA. Aer6dromo para hidravioes.


Rio de Janeiro. 1937-1938. Vestibulo.
A influencia de Le Corbusier sabre os membros
da equipe do Ministerio da Educa9ao e Saude fez-se
A expressao do edificio resultava da simplicidade sentir desde os primeiros projetos que desenvolveram
de sua concep9ao e de sua coerencia funcional; o voca- individualmente, depois da partida do mestre. ~ facil
bulario usado era intencionalmente reduzido a poucos constatar a evolu9ao que ocorreu, confrontando-se, por
elementos selecionados com rigor, mas tratados com ta! exemplo, os diferentes projetos de Carlos Leao e. de
seguran9a que pareciam impor-se como a unica solu9ao: Affonso Reidy, publicados a partir de 1937 na rev1sta
a meticulosidade com que cada pormenor foi conduzido P.D .F .92 , com os publicados pela mesma revista_ em
garantia a excelencia da qualidade do conjunto. Das li- anos anteriores. Mas deixaremos de lado esses pro1eto~
nhas claras e esbeltas do edificio, de seu rigor geome- nao construidos passando diretamente ao estudo da
. ~•
obra do membro da equipe que, a partir desse momento,
De fato, a sombra do tbreo era bcm mais intcnsa do quc a do
pnmciro andar, por estar cstc cm balan~o.
90. _Essa continuidadc, aliis, prosseguia ate o cmbarco.douro, grac;as 91. Luis Nunes foi aluno de Attilio Correa Lima na Escola d~ Br·
l marquise 9ue ~travessava o jardim tropical, tratado com clcmentos tipi- las-Artes do Rio de Janeiro, quando da criac;io do cuno de Urbanl!F~~
c~~cntc nac1onau, como a flora nordestina e plantas aqu&ticas da Arna• em 1931, e foi por ele convidado, em 1935, para elaborar um piano P1 0
1.oma. ~mu caractcristicas, in(clizmente desapareccram por in tciro quando para o Recife.
a cstac;al? transformou-sc e.m clube: foram ali instalados balanc;os c ou- 92. P.D.F.. vol. IV, julho de 1937, pp. 200.208, 210, 211; ibid., ,,ot.
tr_os _ eqwpamcntos para cnan~, tcndo 1ido o Iago substitui.do por uma IV, set. de 1937, pp. 274-275; ibid., vol. VI, n.• 1, janeiro de 1939, PP·
pucana.
78-82; ibid., vol. VI, n.• 4, julho de 1939, pp. 389-392.

104
iria impor-se coma uma personalidade dominante e dar a brusca eclosiio daquele talento; Lucio Costa, pelo con-
a arquitetura brasileira uma nova orientar;:ao: Oscar trario, encorajou-o e alimentou sua expansao, oao ape-
Niemeyer. nas entre os membros da equipe por ele organizada,
A ascensao_ de Niemeyer foi fulgurante. Apaixona- mas em todas as circunstancias. 0 mais notavel teste-
do par sua prof1ssao, niio vacilou em enfrentar sacriff- munho dessa atitude surgiu com o concurso para o
cios financeiros para poder trabalhar ao !ado de Lucio projeto do pavilhao que iria representar o Brasil na
93
Co~ta • A seg~ir mostrou determinar;:ao ao praticamen- Exposir;:ao Internacional de New York, em 1939.
te 1mpor sua mcorporar;:ao a
equipe do Ministerio94 e 0 juri, constituido por arquitetos, indicados pelo
desenvolveu grande atividade, participando de varios lnstituto de Arquitetos do Brasil, e de funcionarios do
concur~os, elaboran~o diversos projetos, publicados corn Ministerio do Trabalho, patrocinador do concurso, de-
r~gulanda?e na ,rev!sta P.D.F., 6rgao da prefeitura ca- cidiu classificar os anteprojetos em funr;:ao de dois cri-
n~ca _ded1cado a_ d1vulgar;:ao da nova arquitetura95 . A terios : prioritariamente pelo carater nacional e secun-
pnme1ra oportumdade de afirmar;:ao foi a Creche Obra dariamente pelas condii;:6es tecnicas que deviam cor-
96
do Ber90 , construida em 1937, onde empregou o bri- responder a urn pavilhao de exposir;:ao 100 • ~ impor-
s~-solezl ~e laminas verticais m6veis, aperfeir;:oando o tante notar que o carater nacional nao fora encarado
s1stema f ixo, adota do pelos irmaos Roberto na A.B.I. como imitar;:ao do passado, mas como pesquisa de "uma
Alem disso, a obra distinguia-se por um jogo habil de forrna arquitetonica que pudesse traduzir a expressiio
volumes simples, uma surpreendente pureza nas pro- do meio brasileiro"; chegava-se mesmo a recomendar
porr;:6es de todos os elementos e uma certa leveza - que essa forma devia estar preferencialmente baseada
que ja prenunciavam as qualidades pelas quais Nie- nas preocupar;:6es atuais de modo a corresponder ao
meyer iria impor sua profunda originalidade. Porem, a programa da Exposir;:ao de New York, que pretendia
forr;:a de sua imaginar;:ao plastica s6 iria aparecer com oferecer uma visiio do "mun do de amanha ". Pode-se
o Pavilhao do Brasil na Exposic;:ao Internacional de New assim perceber a evolur;:ao desde o concurso para a Ex-
York, em 1939. posir;:ao de Filadelfia em 1926, onde somente o estilo neo-
colonial fora admitido, hem como a permanencia da
constante nacionalista, que continuava como uma as-
1 . A colabora~o Lucio Costa-Niemeyer: o Pavilhio pirar;:ao profunda. Mas em 1938 nao seria um tanto
do Brasil na Exposi~o Internacional de New York prematuro o surgimento de uma obra que correspon-
desse a esse prograrna ambicioso? A nova arquitetura
A rapida ascensao de Niemeyer deveu-se em gran- brasileira apenas comer;:ava a se definir e a libertar-se
de parte, ao apoio que recebeu de Lucio Costa; este, do estilo internacional, sua fonte de origem; ora, a con-
desde que percebeu a forr;:a criativa de seu jovem auxi- ciliac;:ao dos dois requisitos pelo concurso niio podia
liar, nao vacilou em apagar-se perante ele, sempre que resultar de gerar;:ao espontanea, mas de um amadureci-
houvesse oportunidade. Esta forma tao m::traordinaria mento mais ou menos prolongado. Nestas condir;:6es,
de abnegar;:ao explica-se pelo carater particular de Lucio niio surpreende nenhum dos anteprojetos ter sido con-
Costa, que associa modestia a um sentido rnuito acurado siderado plenamente satisfat6rio, pela comissao julga-
de justir;:a. Foi quando da elaborar;:ao do projeto do dora. A escolha recaiu sobre o de Lucio Costa por ser
Ministerio da Educar;:ao e Saude, onde teve urn papel ele o que apresentava mais forte dose de brasilidade101,
preponderante, que Niemeyer revelou pela prii_nei~a vez ficando o projeto de Niemeyer em segundo lugar por
a seu associado mais velho seus dotes natura1s, hbera- seu carater economico e funciona! 102 • A rear;:ao do ven-
cedor foi di versa da esperada. Julgando o trabalho
dos pelo contato com Le Corbusier9~ de t~do ernpecilho
classificado em segundo lugar como de melhor quali-
estritamente funcionalista. Essa orientar;:ao agradou a
dade que o seu, Lucio Costa niio acatou o resultado,
Lucio Costa, sempre sensivel a legitimidade da intenr;:ao
sendo autorizado pela comissao a elaborar um novo pro-
plastica por ele considerado o. elemento f ~damental que
jeto, em parceria corn Niemeyer. Essa atitude generosa
distinguia a verdadeira arqu1tetu~a da simples_constru-
pode surpreender; na verdade, tratava-se apenas da
r;:ao99. Outro profissional ficana constrang1do corn
contrapartida 16gica do que ocorrera tres anos antes, no
concurso de anteprojetos para o Ministerio da Educa-
93, Cf. depoimento de Lucio Costa no prefacio do livro de S. PA·
PADAKI, op. cit., pp. 1-3. r;:iio e Saude, o que comprova nao estar Lucio Costa
naquela oportunidade movido por interesses pessoais,
94. er. supra, p . 82.
95. Reoista da Diretoria da Eneenharia, n.• 14, jan. ~e 1935, PP•
mas sim pelo apego a boa arquitetura, por um senso
236-240 e n.o 19, nov. de 1935, pp. 58S-590; P.D .F., (novo _t,_1ulo da mes• acurado de valores e pela preocupar;:ao de eqiiidade.
ma revista) , vol. III, n,o 5, set. de 1936, pp. 258 e 259; ,b,d., vol. IV,
n,o 4, julbo de 1937, pp. 198-199, e n.• 5, set. de 1937, pp. 274 e 275.
100. Cf. Arquit, tura e U rbani, mo, n.o 2, man;o-abril de 1938, pp.
96 . Architecture d'aujourd'hui, n.• 13-14, set. de 1947, P· 45. S. PA- 98 e 99.
PADAKI, op. cit., pp. 144 e 145 (fotos, plaotas).
IOI . Sem duvida alguma, e a melhor maneira de traduzir a palavra
97 . Arquitetura , U,bani,mo , ano IV, n.o 3, . maio-junho de 1939, «brasilidadc» 1 tcrmo espccHico da lingua portugucsn no Brasil , criado para
pp. 471-480 (fotos, plantas). S. PAPADAKI, op. eit,, PP• 12-17 (!otos, dcsig nar o car:.itcr nacionnl c atualmcntc cmprcgado tanto na linguagcm
plantas). H. MINDLIN , op. cit., pp. 180 e 181 (!otos, plantas) . or.ii, qunnto na cscrit:i.
98 . Mais tardc na. si,rcnificat-iva homcnagcm prcstada a Le Co3rbu~~r, 102. Essas observac:;:Ocs do j Uri induzcm l suposi~i o de quc N iemeyer,
no primeiro numtro da revista M odulo ( n ,0 I, mar~o de 1955, _P• ), te• prc ttrido por iua rclativa £ah a de «braJilidadt"• fi cara muito pr6ximo do
mcycr iria iru.istir no cacltcr de «artista pl:i.stico» de Le Corbus1cr, a qucm cstilo intcrnaciona l, nio dando as.as i sua imag inac:;:i.o pl&Stica. ~fas a rca-
considcrava como O fundador dra :uquitctura contcmporincn. ( iO de LUcio Costa porccc nio con£irmar cue juizo, tanco mais que o
aspecto puromente (uncional, nunca foi o ponco forte da arqui telura de
99. L. COSTA, Con,idtraroes Sob~• Arte Contemporanea, Rio de Nic1ueyer.
Janeiro, 1952, pp. 4 e 5, e Sobre Arqu,t,tura, PP• 202 e 203.

105
'e diffcil saber at~ que ponto o projeto definitivo landia para essa mesma exposiyiio, onde Alvar Aalto
foi influenciado pelos anteprojetos apresentados indivi- empregara uma grande parede ondulada e obliqua _
dualmente por Lucio Costa e Niemeyer no concurso. criando uma imensa superfkie para dispor objetos e
De fate a divulgar;:ao <lesses projetos103 foi muito res- fotografias - que causava uma acentuada sensar;:ao de
trita, sem duvida para evitar qualquer tentativa de ava- vertigem . No Pavilhao do Brasil, a variedade nao ex-
liar a contribuir;:iio de cada um dos autores na obra
realizada, que contou com a colaborar;:iio do arquiteto
aruericano Paul Lester Wiener. Segundo depoimento de
Rodrigo Mello Franco de Andrade parece, contudo, que
se tratava de uma proposta totalmente diversa das an-
teriormente elaboradas.
Partindo do princfpio de que um pavilhiio de ex-
posi96es deve ter as caracterfsticas de uma construr;:iio
provis6 ria e niio simular artificialmente uma obra de
carater permanente, e constatando, por outro lado, que
o Brasil nao poderia chamar a atenr;:ao pelo aparato,
pela monumentalidade ou pela tecnica em confrontar;:ao
com pa{ses muito mais ricos ou mais desenvolvidos,
Lucio Costa e Niemeyer decidiram chamar a atenr;:ao
do publico por meio de uma construr;:ao simples, har-
moniosa e equilibrada, expressiio tao pura quanto pos-
s{vel da arte contemporanea164 • 0 projeto foi estudado
em funr;:iio do contexto no qual seria inserido. A proxi-
midade do pavilhiio £ranees, alto, grande e compacto,
teve papel decisivo na definir;:ao do partido. De fato,
era precise evitar que o pavilhiio brasileiro, de dimen-
soes mod~stas, fosse absorvido pela massa do vizinho,
que ocupava muito espar;:o. Por isso, duas solur;:oes se
impunham: a primeira, afastar ao maximo o corpo prin-
cipal do ediHcio, adaptando-o a curva graciosa da ex-
Alldar superior
tremidade do terreno (Fig. 64); a segunda, dar ao edi-
ffcio um carater leve e arejado, o que propiciaria o ne- Fig. 64 . L. COSTA e 0. NIEME YER Pavilhiio do Brasil
cessario contraste. 0 inteligente equacionamento <lesses na Exposi~ao Internacional de New York. 1939.
Plantas.
dados e a inventividade plastica dos arquitetos torna-
ram possfvel chegar a um resultado notavel , que abria 1: restaurante 5 salas de exposi~iio 9: aquario
perspectivas absolutamente novas. 2: saliio de dam;:a 6 informa1,oes 10: orquidario
3: copa-cozinha 7 viveiro de passaros 11: serpentario
Apesar do emprego de uma estrutura metalica na- 4: cafe 8 dep6sito 12: e~crit6rios
turalmente rfgida105, Lucio Costa e Niemeyer assegu- 13: audit6rio
raram a toda a construr;:ao uma extraordinaria flexibili-
dade, baseada no jogo de curvas (Fig. 65) : ao ritmo
ondulado do corpo principal, correspondia o da mar-
quise que protegia o terrar;:o da sobreloja, o da rampa
de acesso, o das paredes da grande gaiola de passaros,
do aquario, do audit6rio, do jardim; no interior, repe-
tia-se agora, de maneira mais informal, a mesma dispo-
sir;:ao de curvas atraves do contorno da laje do meza-
nino. 0 predomfnio de curvas, especialmente nos pianos
horizontais, constitufa um meio elegante de romper a
ortogonalidade e o rigor do estilo intemacional, conser-
vando, ao mesmo tempo, o espirito de clareza e 16gica
que o caracterizava. Nao havia qualquer ruptura com o
racionalismo, nenhuma inspirar;:ao romantica, nenhuma
procura de surpresas psicol6gicas, de impactos violentos
ou de movimentos bruscos, come no pavilhao da Fin- Fig. 65. L. COSTA e 0. NIEMEYER. Pavilhiio do Brasil
na Exposi~iio Internacional de New York. 1939.
103. A r.-ista Arqui1,1u ,a , U,b ..ismo pretendeu publicar clufa o equiHbrio, pelo contrario; este resultava de uma
projttos em qucstio, mu nio foi atendida pelos autores. os antc-

104. Cf. Arquitetura , Urbanismo, ano IV, o.o 5, maio-junb o serie de oposir;:oes intencionais que se manifestavam n~
1939, pp. 471 ➔80. de tratamento das linhas, ,das superffcies e dos volumes .
105 . ImpunhA-se esse tipo de estrutura para uma constru~io
provi-
retas e curvas paredes nuas cegas, vedar;:oes transparen-
s6ru, principalm ente nos EUA, onde ~ uo1 material barato e produzido
industrial mtnte; {Ace.is de montar e desmontar, os elemcntos
as compGem aprescntam tambim a vantarem de serem recupcriv mcUlicos que
tes ou vazad~s; fonnas geometricas e irregul~res
trastavam discretamente, fundindo-se num coniunto
cog;
eia.

106
unidade perfeita. Alem disso, o jogo espacial desenvol- refa confiada a Lucio Costa; tudo parecia indica-lo
via-se com seguran9a, numa composi91io aberta, onde 0 para essa tarefa delicada: sua condir,:iio de funcionario
visitante, qua_se sem se aperceber, circulava, com a do Servi90 do Patrim6nio Hist6rico, fundado em 1937
maier naturahdade! do exterior para o interior e vice- por Rodrigo Mello Franco de Andrade, seu profundo
versa; era ele conv1dado a entrar, a passear livremente,
conhecimento e seu apego pela arquitetura colonial, s~u
a desca~sar na moldura e_ncantador~ do jardim central,
verdade1ro element~ catahsador, pois era visivel de lon- gosto apurado e a sua cultura. Porem, uma vez ma1s,
ge e de _todos os angulos, atr~ve~ das superficies dos Lucio Costa assumiu uma atitude de discri9iio, de modo
vaos env1dra9ados d? corpo _Prtnc1pal ou dos pilotis da a possibilitar a Niemeyer afirmar seu talento. Este nao
facbada sul. 0 a~b1ente ass1m criado era dos mais fe- era igualmente sensivel as artes do passado, apesar de
lizes e correspond1a de ~o_do extraordinario aquilo que aprecia-las108, e julgava que a arquitetura modema nao
se esper~va de_ um ~avllhao de ._exposi96es. deveria a elas se subordinar, e que ambas podiam man-
Ass1m, a mten9ao dos arqu1tetos traduzia-se numa ter uma coexistencia com independencia reciproca109•
realiza91io _i~pecavel, tan to do ponto 4e vista funcional, Assim, elaborou um primeiro projeto onde niio
quanta plastico. Conforme pretensiio dos autores o edi- levava em considera91io as caracteristicas peculiares do
ffcio construido era uma expressiio purissima da arte meio ambiente. Naturalmente, essa proposta niio foi
contemporanea baseada no emprego racional das tecni- aceita pelo Servi90 do Patrimonio Hist6rico, preocupa-
cas modemas e numa analise acurada das condi9oes do
entorno. Mas ele superava o estadio da arquitetura es- do em preservar de qualquer nota destoante o conjunto
tritaroen,te. tradiciona_lista, provando que esta poderia ter milagrosamente intacto legado pelas gera96es anteriores.
caractenst1cas forma1s extremamente ricas e uma grande Niemeyer reconsiderou elaborando um novo projeto,
liberdade de concep91io, sem que em nada fosse afetada onde mantinha a ideia de uma edifica9lio francamente
sua 16gica intrinseca. Simples na aparencia, apesar da modema nlio s6 pela tecnica110, como tambem pelos
diversidade, modesto nas dimensoes, o pavilhiio de Lu- aspectos internos e externos, mas agora harmonizada
cio Costa e Niemeyer impunha-se por sua leveza, har- com o entorno (Fig. 66).
monia e equiHbrio, par sua elegancia e distin91io. Ele Os altos pilotis que se alinham sucessivamente em
correspondia magnificamente a sua destina91io e atendia, um, dois ou tres niveis niio impedem que a dominante
alem da expectativa, as condi96es que o juri do concurso da composi91io seja uma acentuada horizontalidade que
em viio procurara nos projetos apresentados no ano integra perfeitamente o hotel as duas obras-primas da
anterior. Tratava-se de convincente exemplo de nova
forma de expresslio arquitetonica, com caracteristicas arquitetura civil local, a Casa dos Contos, que fica um
de cria91io autenticamente brasileiras em sua flexibili- pouco mais abaixo, e o Palacio dos Govemadores, si-
dade e riqueza plasticas; contudo esse carater nacional tuado mais acima. 0 carater geometrico do volume, a
nao era mais perseguido na c6pia esterilizante das for- inclina91io do telhado, a repeti91io sistematica de um
mas do passado106, mas atraves de uma linguagem mo- motivo uniforme no andar principal integram-se magni-
dema, com marcante interpreta~iio pessoal plenamente ficamente a simplicidade e a falta de pretensiio decora-
valida e de grande significa9ao. tiva dos edificios antigos. Para reforr,:ar ainda mais a
pretendida unidade foram utilizados materiais tradicio-
nais; a pedra do Pico do Itacolomi, no revestimento dos
2. 0 Grande Hotel de Ouro Preto 107 niveis inferiores, e principalmente a telha colonial; Nie-
meyer chegou mesmo a retomar o motivo das treli-;as
em madeira das venezianas da epoca para as balaustra-
0 sucesso alcan9ado pelo Pavilhlio do Brasil na das que protegem os peitoris dos terrar,:os individuais
Exposi9lio Internacional de New York fez com que fos- dos apartamentos, hem como as cores usadas no seculo
se confiado a Niemeyer um novo e importante projeto
XVII I: o azul e o marrom das portas e dos marcos das
de carater inteiramente excepcional no conjunto de sua janelas que contrastam com o fundo claro das paredes,
obra: o Grande Hotel de Ouro Prete (1940). Tratava-
reencontraram uma fun91io semelhante ao sublinhar, de
se de construir, no centre da capital da antiga capitania
um lado, a linha horizontal dos balcoes, e, do outro,
de Minas Gerais, um ediffcio moderno, que correspon-
desse as necessidades do turismo, mas que niio alterasse a ossatura independente dos pilares totalmente expos-
a fisionomia especialissima da cidade, onde todas as 108. De . fato, Niemeyer scmpn, reconhcceu quc ,ua prcdilc~o pelas
constru9oes, que datam do seculo XVIII, sijo monumen- curvas, perceptive( em toda uma partc de sua obra1 pode ter sido inspirada
pela artc barroca brasilelra; scndo tambem colecionador de estatuas e ob-
tos hist6ricos. Pode parecer estranho nao ter sido a ta- jetos antigo.s, nio vacilou em cmprega•Ios na decorac;io de sew intcriotts
modemos.
sad I06~ 0 ctue nio aigitlfica que cert01 element01 da arquitetura do
0
pa!· 109, Com efeito, Niemeyer considera quc o car,ter revolucionirio da
nao tenham ocasionalinente inspirado motivos tipicamente modemos. tecnica do concreto armado, suprlmindo as paredes portantcs e substituin•
por exemplo, o brist-sol,i/ fixo da fachada sul do pavilhio (Fig. 65), com• do•as por uma ossatura, impede qualquer sintese da tradic;io com a arte
~~to par elementos vazados . de cOncreto1 de for~~to quadra!lgulat, colo- c a ttcnica modcrnas. Portanto, recwa toda c6pia, mas julp nece.uario
i 01 em d!fasagcm, lembra as venezianas d01 balcoe1 du anllgas casas da mantcr a honcstidadc construtiva _d a arquitetura colonial (cf. Arquilltura
d:.ioca
colomal; lrata-se da tran,posi~io de um motivo antigo para finali- , Dtcorafao, n.• 13, sct.-out. de 1955, pp. 10 e 11, e M6dulo, n.• 3, du.
eo novas, que Lucio tlo.sta ira sempre utllizar corretamentc. de 1955, pp. 19-22) ,
ltb/07 · P.D.1'., vol. IX, n.• 2, ma~o de 1942, pp. 82-87 (plantas, de• llO: Sob essc ponlo de vi,ta, nio tinba o~io: o fato de haver um
46 "\raqucte). Ardil,clur, d'aujourd'hui n.• 13-14, set, de 1947, pp. tcrreno disponivcl no ccntro da cidade cxplicava-se unicamcnte por utar
H MINDS . .PAPADAKI, o;. til ., pp. 22-29 (fot01, esquemu, plantas). c)c situado nos flancos de uma colina, num dcclive tio forte a ponto de
· LIN, o;, cil,, pp. 104 e 105 (lotos, plai>tas). impcdir construc;Oc1 pcla tEcnica tradicional de alvenaria,

107
tos111 • Sem duvida alguma tratava-se de concessoes do cional. £ certo que o turlsta gozava de uma esplendid
arquiteto, mas que deram resultado e foram capazes vista da velha cidade, tanto dos sal6es, quanta do sal/
de criar um clima favoravel, sem alterar o lade resolu- de jantar. do terra~o do bar colocado em cima do bl~
tamente moderno do ediffcio. Longe de ser um pasti- autonomo em balan~o que contem a cozinha, ou dos
che, o ediffcio conservava sua personalidade de obra apartamentos do andar superior. Mas a estranha distri-
atual e oferecia um jogo plastico autonomo, resultante buitriio deste andar em dois niveis resultou num com-
do ernprego da tecnica contemporanea (Fig. 67) . plete fracasso sob o ponto de vista pratico: e total 0

Fig. 66 . Oscar NIEMEYER. Grande Hotel. Ouro Preto (Mi-


nas Gerais). 1940.

Sendo a preserva9ao da integridade da cidade-


•monumento, um problema dos mais delicados, a soluyao
adotada merece os maiores elogios, por ter garantido
esta caracteristica.
Por mais excepcional que seja esta realiza9ao, no
contexto da obra de Niemeyer - pouco afeito a este
tipo de compromisso com o passado (ao contrario de
L~cio Costa, fanuliarizado com esse tipo de pesquisa) -
e precise ressaltar sua capacidade nesse campo que nao
mais abordou, e o notavel resultado obtido. Por outro
lado, a solu9ao interna era menos feliz e ate mesmo
passive! de profundas criticas, do ponto de vista fun-

l 11 . Infdizmente, essa camcterlstica foi ha pouco alterada fruto d e


impcrdoavel inc?mpre~ruao ~os r e.,ponsavci., pelo hotel : se a co~ azul dos Fig. 67 . Oscar NIEMEYER. Grande Hotel. Ouro Preto (Mi-
lcchos dos b~lcoes _fo, re~P•]tada, o marrom dos pilares quc imitava tao
bem a madeira. f~• subst1tu1da por uma tonalidade creme, que, no ca.so nas Gerais) . 1940. Detalhe da fachada.
especlffco, . const1tu1u-sc nunu, verdadeira bcrcsia; so os quatro pilares do
nl~e.l 10lcn or (garagem) Coram por sorte esquccidos e conservam sua cor
o_n_ginal. . Eua fol ta d~ gosto quasc que faz lamentar que tcnha sido o edl- desconforto dos minuscules quartos individuais que
l1c10 repintado - co,sa de que tanlD precisava I parecem corredores estreitos e que foram visivelmente

108
sacrificados e, mesmo nos apartamentos de luxo, com- ne1ra. . 0 programa prev1a ·
• cmco edi"fi'ci·os·· um cassino,
postos de_ ~uart_o ~-e casal_ e salao, que abre para os ter- um clube elegante, um salao de danyas P?pular, u~
ra1ros ind1v1dua1s Ja men~1on?dos, o conforto e reduzido. igreja e um hotel para ferias (este nao fot constru! 0
0 acesso a este quarto e fe1to por uma escada intema durante a adrninistrayao Kubitschek, sendo pura e si_rn-
em caracol, pouco ~ratica e ate mesmo perigosa, para plesmente abandonado por seu sucessor). _o p~efeit~
pessoas idosas ou cnanyas, com o grande inconveniente acrescentara, a tftulo pessoal e de exernplo a soc1edad
de reduzir hem em um quarto a superficie util do sa- de Belo Horizonte, de cujo apoio dependta o loteamento,
lao; a ant~c~mara ~o andar de cima na_o tern qualquer urna casa de firn-de-sernana. Ve-se, portanto, que as au-
funyao defm1da e, fmalmente, o lugar dtsponfvel nesses toridades nao cuidaram do planejamento da area que
apartamentos esta lon_ge de co!responde~ a grande area se esperava tivesse um desenvolvimen~o. consid~ravel no
ocupada112• Tudo fo1 conc_e~1do para 1mpressionar 0 future; o objetivo era proporcionar vanos loca1s luxuo-
visitante com um espac;:o ongmal, em grande parte pre- sos de lazer, que atraindo pessoas de re:ursos, garan-
judicado pelo carater frio e impessoal dos apartamentos; tissem ao neg6cio um prosseguirnento autonomo. C?rno
115
certas fotos de angulos favoraveis podem iludir, mas a observou Mario Pedrosa , tratava-se de urn capncho
solu1rao adotada e o correspondente tratamento nao re- sernelhante as "loucuras" que os principes do seculo
sistem a um exame aprofundado das vantagens e des- XVI I I mandavam construir, mas nao se tratava de um a
vantagens resultantes. 0 Grande Hotel de Ouro Preto manifestayao arcaica contradit6ria corn o espfrito atual;
_ exito indiscutfvel enquanto resposta ao problema da pelo contrario, era urna manifestac;:_ao_ tfpica do estado
integrayao da arquitetura moderna a um contexto urba- e das aspiray6es da sociedade brastletra de rn_eados d?
nfstico antigo, principal aspecto do programa - , evi- seculo XX. A iniciativa nao se limitava a servtr de ve1-
denciava, em contrapartida, um certo descuido de Nie- culo para o prestfgio pessoal daquele que a ha~ia criado;
meyer com os aspectos puramente funcionais . De fato, a este objetivo, sobrepunharn-se a preocupayao da. pr.,?-
116, e a correta apreciac;:ao
preocupado acima de tudo com as caracterfsticas plas- paganda de carater eleitoral
ticas da arquitetura, Niemeyer s6 mantinha, do racio- das condic;:6es econornicas e sociais do pafs.
nalismo de Le Corbusier, as novas possibilidades de A ideia de desenvolver uma zona suburbana pre-
expressao formal, mais ou menos justificadas, numa dominantemente de lazer tinha fundarnento: o gosto
primeira fase, pelas tentativas de justifica1rao funcio- . pelo jogo, profundamente enraizado, assegurava a ren-
nalista. Sua imaginayao criadora voltava-se integralmente tabilidade do cassino, e o Iago constituia urn quadro
para o tratamento das superffcies, e, acima de tudo, pa- rnagnifico para a pratica dos esportes nauticos e das
ra os jogos de volume e de espayos. Conseqiientemente, atividades rnundanas, tao importantes aos olhos da alta
os programas que lhe interessavam nao eram aqueles sociedade brasileira. Mas era urn erro de ordern urba-
que impunham uma organizac;:ao estritamente compar- nistica, pois a ornissao antecipada dos poderes publicos
timentada, mas aqueles cuja fluidez permitia que seu assegurava campo livre a especula9ao irnobiliaria, da
talento criador se manifestasse livremente; e, para sorte qua! eles dependiam para dar aspecto definitivo ao
sua, essa oportunidade surgiu de imediato, quando em novo bairro. Apesar disso, tudo parecia conduzir a re-
outras circunstancias poderia ter sido protelada longa- sultados rapidos e coerentes corn as expectativas dos
mente. O Pavilhao do Brasil na Exposic;:ao de N~w York promotores. No entanto, o fracasso, no piano irnediato,
enquadrava-se nessa situac;:ao, que_ incluia tambem o_s decorreu de uma serie de circunstancias acidentais, que
ediffcios da Pampulha, responsave1s pelo renome def1- se sucederam rapidarnente e vierarn rnodificar de forma
nitivo do arquiteto. radical as previs6es: proibiyao do jogo, contarninac;:ao
do Iago por parasitas que impediram a pratica de es-
3. 0 conjunto da Pampulha113 portes aquaticos, rompimento da comporta da barragem
que provocou durante anos uma queda razoavel no ni-
A construrao do Grande Hotel de Ouro Preto co- vel da agua. Conseqiientemente, os ediffcios de Niemeyer
locou Niemeyery em contato com. as au ton'dades_ do erguern-se as rnargens do Iago com todo seu encanto e
114

govemo de Minas Gerais. O prefe1to de Belo Honzonte, beleza formal, mas ainda no mesmo esplendido isola-
Juscelino Kubitschek, cujo di~amism?. e ayao _e~preen- mento do primeiro dia e sem utilidade definida 117 . £
dedora promoveram sua carretra pohttca, dec1dm, des-
de seu primeiro contato corn ele, vale~-se do talen~o do tl5 . Architec1ure d'aujourd'hui, n.o 13-14, set. de 1947, p . XXI.
arquiteto. Confiou-lhe a tarefa de proJetar um. ~0!1Junto 116. A ideia de colocar um saliio de dan~as popular em meio a uma
de constnu;Oe, dcstinadas a classe alta, corrcspondia a uma atitude
de ediffcios, dispersos em torno do Iago art1f1cial da sCrie demag6gica, pr6pria do Brasil dcsdc a Rcvoluciio de 1930, mas nao cspe•
Pampulha, destinados a configurarern o centro ~e um~ cificamente ligada ao regime mais ou menos ditatorial implantado ncssa
Cpoca, ja que a situac;i.o nio se modificou fundamentalmente com a volta
futura area de lazer a alguns quilornetros da capital rot- oficial da dcmocracia, cm I945.
117. Para nio drixar sem uso o edificio do cassino, ele foi transfor--
112 E t' d rtamcnto alias nao SC justificava nu~a cidadc mado em Mu.!ieu de Belas•Artcs; no entanto, nio sio as cxpo.si~s de inte-
• sse 1po c apa ' razo Dai a trans• ressc rclativo, quc atracm o visitantc, mas a lama do cdificio. 0 salio dr.
como Ouro Preto ondc o turista pcrmancce por curto p . I • f
danf;as praticamcntc nunca chegou a Iuncionar, pcrmaneccndo fcchado o
fo~~ac;io dos satC:es em quartos, com camas sup!dmdnta;:~isf:3in~
m1has numerosa.s e mesmo em caso de necesst a e, . -
J~[eit:;
0

. ano inteiro. A utiliz.ac;io do late Clube ficou limitada, com a intcrdic;io


com outros c6modos num~ cidade ondc os rccunos hoteleiros sao mwto do Iago ; contudo, C a Unica realiz.a~io do conjunto cuja atividadc, cmbora
redu.zidos. reduzida , corre.!iponde realmentc 8 prcvista. 0 mcsmo nio sc podc dizcr
quanto a igreja: iniclalmente, o arcebispo recusou•sc a consagr&.Ia devido
t

( otos, plantas, clevacoes) . S. PAPADAKI, 0 P·. c, . , P~


1 7
£ 113. Architecture d'aujourd'hui, n.o 13-14, " \ de ~ 0_11~P· (l;"!;
161 166-17i
As suas caracteristicas rcvoluciomirias, ficando cla por muitos anos scm UM>.
Essa dificuldadc foi mais tardc contornada c hojc sio nela cclebrndos DI•
planta,, cortcs, de3enhos); H. MINDLIN, op. cal., PP•
60 • · guns scrvi(;os rcligiosos. Tratam•sc, no cntanto, de manifcstac;Ocs ocru.ionais
(fotos, plantas, corte, eleva~io). quc nio correspondem a ncnhuma neceuidade pr3tica, vis-to nio cstor B.inda
o bairro habitado.
114. er. wpra . p . 28 (introducao, Cap. 2, nota 44) .

109
O programa do conjunto da Pampulha era na ver-
facil ressaltar, nestas condi~oes, 0 carater grat~i~o e dade muito sedutor para um espfrito empreendedor
arbitrario das obras, o que foi feito por ce~los cr~llcos, mais artiste do que tecnico. I:. certo que um profissi~
e mais severamente por Max Billus, este msens1vel a nal afeito a considera96es de ordem exclusivamente
valores outros que niio os da fun9iio social. funcionais e tecnicas para determinar uma solu~ao es-
o pr6prio Niemeyer apesar de expressar clar?me~- tetica, resultaria perturbado com as liberdades propor.
te uma posi~i'io polftica de esquerda nun~a se 1ludm cionadas; mas Niemeyer s6 podia se gratificar com ela
quanto aos fundamentos desse ponto de vista. Sempre pois havia ja compreendido que as imposi~oes materiai;
identificou a tarefa do arquiteto com os problemas co- jamais definem categoricamente as formas; apenas pos-
letivos e com os grandes programas sociais, mas nunca sibilitam ao arquiteto op~ao mais conveniente, dentre
se constrangeu em elaborar projetos individuais e at~ as varias possfveis, do ponto de vista estritamente uti-
mesmo suntuosos, destinados as classes abastadas. E fot litario. Assim, longe de favorecerem , as limita~6es de-
ainda mais longe ao achar que a arquitetura devia ex- correntes das contingencias simples s6 conseguiam en-
pressar fielmente as imposi~oes do meio: niio vacilou travar sua liberdade criadora. Ora, nada disso se veri-
em justificar teoricamente a posi9iio adotada; de fato ficava em Pampulha, onde o c6digo de obras, excluindo
sempre rejeitou, para o meio brasileiro, uma arquitetura as edifica96es publicas, assegurava plena inspira9ao ao
dura e fria, de "tendencia europ eia", ou uma arquitetu- arquiteto. Disso este se valeu para lan9ar a uma serie de
ra social que s6 iria "empobrecer a arquitetura brasileira pesquisas que apresentavam uma unidade geral - pois
no que eta tern de novo e de criativo, ou aprese nta-la de todas as solu96es propriamente arquitetonicas deeor-
forma enganosa, artificial ou demag 6gica" 119 • Portanto riam de varia~6es de natureza estrutural - , mas eviden-
ciavam extensa gama de efeitos que se poderia extrair da
foi com conhecimento de causa e sem qualquer precon-
plasticidade do concreto armado.
ceito que assim agiu, e o fez de modo muito feliz, coe-
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Andar superior
Te.m o
Belo Ho-
Fig. 68 . Oscar NIEMEYER. Cassino da Pampulha.
rizonte (Minas Gerais). 1942. Planlas.
as; 10: gerente; 11 : escadas de servi~o; 12: restaurante;
13: palco;
l : foyer; 2: vestiarios; 3: entrada dos sanitarios das senhor o;
4: terra90; 5: pista de dan~as; 6: dep6sito; 7: camari
ns dos 14: copa-cozinha; 15: refeit6rio dos empregados; 16: dep6sit
ados; 17: bar; 18: sala de jogos.
artistas; 8: sanitarios particulares; 9: vestiario dos empreg
rente com seu temperamento art{stico, orientado neste
sentido120. A pedra de toque, ao menos no espfrito do patro-
cinador, foi o cassino: a ideia da Pampulha nasceu do
118. Cf. a entrevis ta rulizada por Flavio d'Aquino com o escultor desejo das autoridades de se beneficiarem com um es-
e 35) e o texto da con!e-
sui~o (Habitat, n .• 12, jul.-s<t. de 1953, pp. 34 Urbanismo da USP (Ha-
rencia proferida na Faculdade de Arquitetura e
tabelecimento dessa natureza; foi o primeiro ediffcio a
bitat, n.o 14, jan.-fev. de 1954 encartad a entre as pp. 26 e 27),
1955, pp. JO e II ,
ser construido em local deliberadamente privilegiado,
119. Arquitelvra , Deco,arao, n.• 13, set.-out. de numa penfnsula dominando o Iago, para que o edificio
pudesse ser vista de qualquer angulo e se impusesse a
, J.lddulo , n.• 3, dez. de 1955, pp. 19-22. ocasiio do <1tudo dos projeto,
120. Cf. jwtilica tiva de Niemeyer , por
~ Pampul ha (Arthit ulur, d' avjourd
'bi, n.• 13-14, set. de 1947, p. 22) .

110
vista de quern chegasse a cidade. Mas niio e O mais fe- ganha o equilibrio, grac,:as a varias oposi96es _d 7stinadas
tiz, nem o que apresenta as soluc,:6es plasticas rnais ori- a assegurar a variedade necess~ria e a c~rr!g1r a pr~-
ginais. . _ . ponderancia absoluta das dema1s caractenst1_cas. dom1-
Toda a compos1c,:ao esta baseada num jogo de con- nantes. O contraste com a parede nua do pnme1ro an-
trastes entre supe~ficies_ e, principalmente, volumes pia- dar niio perturba, muito pelo contrario, a le~~za do
nos e curves. 0 v1rtuos1smo que o arquiteto demonstrou conjun to, que prov em da abundancia de sup~rf1c1es ~~­
na distrib~i9ao das massas revela-se igualmente nas vidrac,:adas, das delgadas colunas sobre as qu?•: se ~poia
plantas (Fig. 68), mas a complexidade destas refle- a marquise; a acentuada vertica~idade ?a ca1X1lhan~ de
te-se externamente ~e forma relativamente simples: fechamento contrabalanc,:a a honzontahdade_ do co_r1iun-
assim, a forma de pera do setor que abriga a pista de to; o rigor das retas que predomina no_ coniunto e ate-
danc,:a, o teatro e o restaurante, e atenuada pela escada- nuado pela parede curva de vidro do terre? e p~l~ for-
ma irregular da marquise, cuja aparente 1_n:tab.1hd?de
confere um trac,:o dinamico a uma compos1c,:ao mte1ra-
mente marcada por seu equilfbrio.
0 interior e menos bem resolvido, apesar das pes-
quisas espaciais; o jogo de rampas ~ bal.c6es em balanc,:o
niio surte o desejado resultado, pois d1luem-se na pro-
fusiio de revestimentos coloridos. Pretensamente luxuo-
sos, o marmore do corrimao da escada e aceitavel, mas
o ac,:o cromado das colunas e impr6prio e ?s _espelhos
rosados que revestem as paredes sii.o lamentave1s. Neste
caso Niemeyer niio conseguiu libertar-se do ma~ gosto
que orientou a ornamentac,:ao dos grandes cassmos do
seculo XIX· Jimitou-se a dar-lhe uma versao mod~ma.
Tendo refo;mulado integralmente o tema arquitetonico
propriamente dito, chegando a uma criac,:ao original.
nos aspectos funcional e plastico, niio obteve entr~tanto
os mesmos resultados no tratamento dos ambientes in-
Fig. 69 . Oscar NIEMEYER. Cassino da Pampu/ha. Belo Ho- ternos, o que hoje se encontra agravado pelo fato da
rizonte (Minas Gerais). 1942. Fachada. mudanc,:a de finalidade do ediffcio ter tirado aquilo
que, no espfrito do arquiteto, era sua razao de ser.
ria envidrac,:ada que liga o restaurante ao terrac,:o, per- A justaposic,:iio e a interpenetrac,:iio de volumes, ao
dendo, dessa maneira, sua fisionomia estranha; quern mesmo tempo fundidos e nitidamente individualizados,
se deslocar, portanto, em torno do edificio percebe caracteristica fundamental do cassino, podiam ser par-
principalmente o contraste entre o semicfrculo do bloco cialmente identificadas no late Clube e na Casa Kubi-
posterior e a ortogonalidade absoluta do saliio de jogos tschek (Fig. 71) , mas correspondem a uma versiio di-
(Fig. 70), admirando, por instantes, a habilidade com versa e mais simplificada, decorrente, alias, de um pro-

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Oscar NIEMEYER. Casa Kubitschek na Pampu{ha.


rizonte (Minas Gerais). 1942. Cabeceira. Belo Horizonte. 1943.

que foi realizada a transic,:ao, quando esses volumes pu- grama menos complexo. Desta vez, a fusiio perfeita que
ros se fundem interpretando-se um ao outro_ e, ao m~~- resulta num unico volume, cujos componentes nao po-
mo tempo, integrando-se perfeitamente. 0 Jogo eqmh- dem ser diferenciados senao pela analise, e portanto
brado de contrastes da cabeceira prossegue na fachada uma criac,:ao inteiramente nova, que surpreende pelo
(Fig. 69), mas desta vez os termos estiio invertidos: aspecto inesperado de suas linhas oblfquas, mas que

111
conserva ao mesmo tempo uma clareza geometrica digna postos de tal modo que a perfei9ao da forma circular
e uma pureza pr6pria das grandes realiza96es classicas. permanecesse inteira tanto interior, quanto exterior-
0 sucesso desta original solu9iio deveu-se as suas van- mente, enquanto a parte extema retomava o mesrno
tagens praticas121 e, mais ainda a atra9iio que exerciam, tema na outra ponta da marquise. Nisso pode-se encon-
a originalidade e elegancia do conjunto, cuja eleva9iio trar a habilidade do arquiteto e seu notavel senso cs-
longitudinal era constitufda de dois trapezios retangula- tetico, que o leva a dar plena liberdade a sua imagina-
res unidos pela base menor. Mas essa solu9iio, da qual yiio plastics, mantendo-a, no entanto, dentro de limites
Niemeyer obtivera um resultado tao harmonico a ponto cuidadosamente calculados.
de parecer inerente a f6rmula adotada, nem sempre foi Apesar da significativa importancia das obras ja
empregada corretamente por seus seguidores, niio raro estudadas, nenhuma delas pode ser comparada, em valor
desprovidos da mesma sensibilidade. Transformou-se em
parte, num modismo formal, contrariando o espirito
com que fora concebida: o de proporcionar, tanto no
late Clube quanto na Casa Kubitschek, uma continui-
dade espacial entre exterior e interior atraves do em-
prego de paredes inteiramente envidra9adas e da orga-
niza9iio de um espa90 intemo ao mesmo tempo unico
e diversificado em seus elementos essenciais122.
Nos ediffcios do Cassino e do late Clube, a curva
foi empregada habilmente como contraponto. Criterio
inverso foi adotado no saliio de dan9as popular, situado
numa pequena ilha pr6xima a margem, onde a curva
e o elemento predominante, excetuando-se as colunas e
os montantes dos panos de vidro, a linha reta foi pros- I: passarela. 2: escultura. 3: restaurante. 4: mtlsicos.
5: copa-cozinha. 6 : refei16rio dos empregados.
crita da composi9iio (Fig. 72). Baseia-se ela na marquise 7: palco. 8: vestiario.
sinuosa que liga as duas pequenas edifica96es (Fig. 73):
fonna livre inspirada no contomo da pequena ilha que
acompanha de modo mais ou menos exato, e na verdade Fig. 72 . Oscar NIEMEYER. Casa de Bailes da Pampulha.
a essencia da obra, e quern lhe assegura o carater tao Belo Horizonte. 1942. Planta.
particular de leveza caprichosa e de transparencia abso-
luta. Com efeito, o paradoxo esta no fato de parecer a
constru9iio ter sido realizada unicamente para valorizar
o vazio que emoldurava, comportando-se mais ou menos
como a moldura de um quadro, constituido pela paisa-
gem. 0 exito e total e o lugar, embora ha muito aban-
donado, conserva todo o encanto que a imaginar;:iio de
Niemeyer lhe concedeu. Este exemplo mais uma vez
abriu novos horizontes e exerceu consideravel influen-
cia sobre seus colegas brasileiros; mas nem sempre ela
foi benefica, ja que, conforme o pr6prio Niemeyer ob-
servou123, o espirito com que tratou a fonna Iivre, tanto
na Pampulha, quanto em outros lugares, exigia um edi-
ficio isolado, integrado ao ambiente natural, circundado
por espar;:os livres e jardins; quando os mesmos jogos
Coram retomados, com erro de escala para edificios aca-
nhados ou nos elementos de detalhe, o resultado niio
poderia ser feliz. Tambem niio se deve esquecer que,
no saliio de dan9as da Pampulha, Niemeyer tinha con- Fig. 73 . Oscar NIEMEYER. Casa de Hailes da Pampulha.
seguido manter o senso de medida e evitar excessos que Belo Horizonte. 1942. Marquise.
poderiam resultar dessa realiza9iio aparentemente des-
preocupada, ao equilibrar, pela pureza geometrica, as absoluto, com a obra-prima do conjunto, sem duvi9a
massas colocadas nas extremidades; niio foi por acaso alguma a capela de Siio Francisco de Assis™. Este edi·
nem por razoes estritamente funcionais que o corpo ficio diferencia-se profundamente dos anteriores: a ha-
principal foi inscrito dentro de circulos secantes dis- bitual estrutura independente, constitufda por lajes de
concreto annado apoiadas em pilares, cedeu lugar a
1_2 ) . A dupla iocli~o da cobertun, lormaodo um iogulo reentrante, ab6badas parab6licas autoportantes, estas tambem de-
perm1Uu o cmprego de apena, uma calha.
122. A ulha 1trve de linha divu6ria entre os aalou de estar e o res-
correntes dos progressos da tecnica modems, mas a~r-
taunnte do late Clube e entre a aala e a aala de jantar da residfncia retando automaticamente uma expressiio arquiteton1ca
Kubiuc.he.k, em ambos 01 casos, a parede diviSOria erguida nessa linha nio
ocupa . toda a la,wura do edilicio, o que &sKIJUra a desejada contlnuidade, de espfrito bem diverso. Ate entiio, esse tipo de estru-
pranundo, 10 mumo tempo, junlamenle com a inclina~io do teto, a au•
tonomia relativa dos es~01 dlferenciad01.
124. lntereuante analue do monumonto, feita por Joaquim Cardoao,
123 . Mtid•lo, n.• 7, fev. de 19~7, pp. ~10. em M&d•lo n.• I, mar,;o de 1955, pp. 6-9.

112
tura havia sido empregado apenas por engenheiros: o ximo limilando-se aos elementos acess6rios, como as
£ranees Freyssinnet, nos celebres hangares de Orly125 , li\mi~as do brise-soleil que protegem o ~ulpi~o. ~as
e o sufc;:o Maillart em suas pontes com paredes em arco o equilfbrio nunca e comprometido: ~ ass1metna stste-
e no pavilhao do cimento da Exposic;:ao Nacional Sufc;:a matica e a flexibilidade tanto do conJunto quanto dos
de Zurique em 1939: no entanto por se tratar de obras detalhes traduzem-se numa extraordinaria impressao de
puramente utilitarias, o efeito estetico se constitufa num leveza, e nunca num mal-estar. A li?erdade que emana
elemento exclusivamente acess6rio. Niemeyer, porem, dessa obra apenas refon,:a a harmonia e clareza da con-
modificou o enfoque decidindo empregar essa forma cepc;:ao: os volumes que correspondem a cada uma das
com finalidades plasticas, ja que, sob o ponto de vista partes - nave, coro, sacristia - sao bem m~rc~~os e,
funcional, ela se prestava perfeitamente para uma igre- ao mesmo tempo, fundem-se perfeilamente; c nitJda a
ja. Sem rejeitar a franqueza da escola racionalista no
campo da estrutura - dado que a simplicidade desta
impoe-se a primeira vista -, lanc;:ou-se a pesquisas que
lembram as preocupac;:oes barrocas com a perspectiva
e a criac;:ao de espac;:os grandiosos: a nave vai-se estrei-
tando e declinando da fachada em direc;:ao ao coro (Fig.
74). onde se produz uma brusca dilata9ao do espac;:o,
resultado do movimento contrario quase imperceptive!
(Fig. 76) e, principalmente, de um notavel jogo de
luz que ~ontrapoe o revestimento de madeira escura da
nave a um coro inundado de luz, cuja fonte nao e visi-
ve! (Fig. 77); com efeito, os raios de luz, concentrados
na vasta pintura de Portinari, que ocupa toda a parede
do fundo, caem do lanternim situado na intersecc;:ao das
duas ab6bodas parab6licas, pois a que cobre o coro tern
uma sec;:ao um pouco mais larga do que a extremidade Fig. 75 . Oscar NIEMEYER. lgreja de Siio Francisco de Assis
da ab6bada da nave. Alem disso, emana um certo di- na Pampulha. 1943. Fachada.
namismo do emprego sistematico de curvas e J'inh11s distinc;:ao entre a parte estrutural - ab6bada autopor-
obliquas; as curvas sao visfveis principalmente na cabe- tante - e as paredes, cuja decorac;:ao pict6rica ou reves-
ceira (Fig. 76) e no interior (parede da pia batismal timento de azulejos realc;:am a func;:ao de simples veda-
e do pulpito, e escada helicoidal que leva ate o pulpito) c;:ao que !hes foi atribufda 126 .

II
~
I
·~ - r- .J

Logo da Pampulha Planta do igreja

Fig. "74 _ Oscar NIEMEYER. lgreja de Siio Francisco de Assis Fig. 76 . Oscar NIEMEYER. lgreja de Siio Francisco de Assis
na Pampulha. 1943. Planta. na Pampulha. 1943. Cabeceira.
I: nartex. 2: nave. 3: altar. 4: sala do padre.
5: sacristia. 6: campanario. A: cassino. Por conseguinte, a igreja de Sao Francisco de Assis
B: iate clube. C: Casa do Baile. D: igreja. esta em espfrito muito pr6xima dos demais edificios da
E: paredao. Pampulha, apesar da diferenc;:a que a primeira vista os'
I · para Belo Horizonte
2 - para o aeroporto separa. I:, verdade que se apresenta como uma massa
oi;aca, onde a tonica recai nas superficies cegas - ab6-
as linhas obHquas sao visfveis na fachada (Fig. 75):
m~rqui_se ligeiramente inclinada, campanario vazado, 126. l\ importantc rcssaltar a qualidade do dcsempcnho de Portioari,
CUJas lmhas convergem para a base; em contrapartida que cm suas composi~Ocs monumentai1 encontrou a notn que garantiu sua
p.rleita inl<Kni~ao A arquitctura. PIERRE GUEGUEM (Archituture
as linhas horizontais e verticais sao reduzidas ao ma- d'oujourd'hui, n.• 9, dcz. de 1946, pp. 54-56), niio hcsilou em quolilicar
dt golpe de gCnio mural, o dtsenho dos azulejos da cabeceira, ondc o gra•
fismo e punhados dt piuaros e peixes lembram o material usado pa.ra a
12~ . Nio 1e tr.atIv11 nt1te caso de uma ab6bada continua mas de uma pared,, tran1pondo para um.a superficie unifonne os jogos decorati\'os re,..
1ucnaio de arco. par1bdlico1. ' sultantes do uso do tijolo.

113
f I d ter-se lanc;ado em pesquisas espaciais, como os
badas e parede do fundo - e nao mais na transparencia
a:q~it:tos barrocos, nao significa que se possa ~nq~adrar
e continuidade exterior-interior, que caracterizam os
as obras do periodo sob esse r6tulo. Essa ~spirac;ao
outros edif fcios. Estas podem ser encontradas, de modo
niio esta apoiada no passado; de fato, ~l~ cons1dera que
Jimitado na fachada, no pano de vidro da entrada e no
campanario vazado, que garantem a nota de contrast e, 0 advento do concrete armada mod1f1cou ~otalmente
os termos e a significac;ao dos elementos ~a1s_caract~
risticos da arquitetura e que, co~o cons:q.uenc1a, ; ut.1-
Iizac;ao de formas antigas s6 po_ e_ ser e1ta 7dm etn-
men to das solur6esy . 1a
novas e dcnattvas, - sugen as, pe
tecnica contemporaneal29. Po e-sed enta~ .no hi~a6x1mo
.
afirmar que existe um parentesco. e espmto,
d . p Iese.
em si discutivel; pois o que Niemeyer a m1ra na arqu!•
tetura brasileira dos seculos XVII e XVIII e a honesti-
dade construtiva e nao o seu la~o barroco ou r ~ ,
especial na decorac;ao sobreposta aos ed1-
presen le em s6b · F, · ' ·1
ficios de carater alias extremamente _ no. . muti
tentar catalogar a Pampulha em func;ao de estilos do
passado; e claro que se pode ali encontrar trac;os capa-
zes de serem aparentados !o .gost~ barroco, mas, em
contrapartida, a compreensao 1:ffied_1ata qu~ emana ~os
edificios sua clareza, seu equilibno perfe1to, a l6gica
Fig. 77 . Oscar NIEMEYER. Jgreja de Siio Francisco de Assis intrinsec~ que presidiu sua concepc;ao nao sao q~alid_a-
na Pampulha. 1943.Interior. des classicas? Trata-se, na verdade de uma reahzac;ao
fundamentalmente nova, identificada tecnica e formal-
tipica do estilo de Niemeyer. Por outro lado, as pr~o- mente com o seculo XX, mas que incorpora ao mesmo
cupac;oes fundamentais siio as mesmas, embora os me10s tempo, espiritualmente, uma fus~o b~ilhante das gran-
possam ter-se modificado ligeiramente. _Pode-se encon- des tendencias permanentes da h1st6na da arte com os
trar a mesma fertil imaginac;ao do arquiteto, seu sense fatores que as inspiraram: a razao e a intuic;ao.
escult6rico nas massas e espa9os, a leveza caracteristica Verifica-se, portanto, que ao final da Segunda Guer-
de todas as suas realiza96es, e, enfim, sua vontade de ra Mundial, quando a nova arquitetura brasileira passou
utilizar ao maximo as possibilidades plasticas do con- a ser conhecida no exterior, obtendo uma imediata con-
crete armado. 0 conjunto da Pampulha e uma demons- sagra<;:ao, ela tinha a seu credito um certo numero de
trac;ao notavel de imensa gama de possibilida~es que realiza96es de primeira ordem; havia superado a fase
essa tecnica oferece, ate entao quase que exclus1vamen- das experiencias e afirmava-se como um movimento
,..: :elegada ao tratamento dos esquemas ortogonais. Os autonomo, decorrente da ac;ao te6rica e pratica de- Le
jor os de volumes variados do cassino, a cria9ao ou ado- Corbusier, mas que havia encontrado uma expressao
c;a',; de formas novas, ao mesmo tempo simples e com- pessoal, distinta de ludo que ate entiio se faria. Assim
postas, para o late Clube e a lgreja, a aparente liber-
foi justo ter o Ministerio de Rela~6es Exteriores brasi-
dade dada a inspirac;ao no salao de danc;as popular leiro reivindicado para essa arquitetura - atraves de
abriram bruscamente novos horizontes, rompendo o ri-
diversas exposic;oes itinerantes, apresentadas em inume-
gido vocabulario racionalista e introduzindo na ar-
ros paises - um carater nacional servindo-se dela para
quitetura a variedade e o lirismo que tinham sido b?-
fins de propaganda. Essa iniciativa em muito contribuiu
nidos. Nao se tratava porem de uma ruptura, era ma1s
para divulgar e despertar internacionalmente a atenc;ao
uma superac;ao de principios demasiadamente rigidos;
acerca da obra dos arquitetos brasileiros; tratava-se de
uma especie de desafio e de oposic;ao as teorias estabe-
urna posfc;ao coerente, que confirmara o apoio decidido
Iecidas (como observou Joaquim Cardozo 127 ), uma afir-
dos poderes publicos, que tomara possivel o desenvol-
mac;ao dos direitos imprescritiveis da imaginac;ao for-
vimento dessa arquitetura. De fato, ja foi ressaltado,
mal, mas tambem uma 16gica profunda na decisiio de
mas convem insistir, que durante essa primeira fase,
explorar ate as ultimas conseqiiencias um material mo-
quase todas as oportunidades significativas que os par-
derno, valorizando sua ductilidade e as qualidades es-
tidarios da nova arquitetura tiveram para afirmar-se
cult6ricas a ele inerentes.
foram propiciadas pelas autoridades publicas federais
Deve-se concordar com Gilio Dorfles128, que viu na ou municipais ou por entidades para-estatais, o que ex-
Pampulha o surgimento de um movimento neobarroco
plica certos trac;os caracteristicos dessa arquitetura.
na arquitetura brasileira? Achamos que nao. 0 fato de
Niemeyer ter usado audaciosamente a curva, ate entao e
0 primeiro desses tra<;:os a monumentalidade. Os
praticamente banida pelo movimento racionalista, e o edificios oficiais, em geral isolados, impunham-se no
contexto urbanfatico ou natural que lhes correspondia;
127. Motli,/o , n.• 4, mar~o de 1956, p. 36. nao podiam passar despercebidos, sob pena de perder
128. G. DORFLES, La a,quitutu,a mo,l,rna, Barcelona, 1957, pp. em parte a razao de ser; alem do sentido publicitario
110-114 (tradutio original em italiaoo, de 1956, e o artigo Neobarroco,
ma non Neoliberty, Domvs, n.o 358, set. de 1959, p . 19. Ver tambem P. dificil de evitar, ja que simultaneamente precisavam
CHARPENTRAT, L' architectur, contemporaine : au dela du baroque.
.•bnalts. Eronomits. Soriili1, Ciuilisatio,u, 16.9 aoo, n .o 3, maio-junho de
1961, pp. 457-468. 129. Arqvi lt1Ur4 • Decorocoo, n .O 13, set.--out. de 1915, pp. 10 e II,
e Modulo, n.• 3, dcz. de 1955, pp. 19-22.

114
~roclamar. a g16r!a ~o polftico responsavel pela inicia- deravel, que mostra o caminho percorri-~o em alguns
t1va ou_ a _1mportanc1a de uma instituic;;iio recem-criada anos e tambem um evidente parentesco do ponto de
e const1tu1r-se_ num manifesto em favor da nova arqui- vista' estetico. D~ fato a arquitetura brasileira desse pe-
tetur~, a !oc~ltzac;;~o. privilegiada de que gozavam e sua rfodo caracteriza-se por sua leveza, audacia e grac;;a,
func;;ao publtca ext~tam grandeza e distinc;;iio, para que aliadas a uma grande forc;;a de expressiio.
preenchessem per~e,tament_e seu papel. Caracteriza-se ainda pela riqueza, tanto formal,
. ~essa pnmetr~ , c_ond1c;;iio derivava a importancia quanto material, e por um efeito de sintese das ar,te_s,
a!nbmda nesses ed1fic1os aos problemas formais , espe- possivel pelo fato de que nem sempre era necessano
c1almente, a seu aspecto externo, em geral o mais cui- levar em conta os custos. Escultura, pintura mural e
dado. Violentos ataques foram desfechados contra esse azulejos silo o complemento quase obrigat6rio e, em
forma11smo. · 1ao por certos criticos europeus,
brast·1e1ro geral, de grande efeito. Mas a arquitetura conserva ~
destacando-se pela aspereza os de Max Bill e de Bruno lideranc;;a; e o arquiteto quern decide qual o papel atn-
Zevi, que nega~am qualquer valor as pesquisas orien- buido ao pintor, ou ao escultor, quern o posiciona no
tadas nesse se~ttd?._Mas niio ha duvida de que foi essa lugar adequado. A participac;;ilo destes jamais afeta a
a_grande contnbuu;:ao da escola brasileira, ao conseguir parte estrutural do ediffcio, tendo sempre a decorac;;iio
ltbertar-se dos estritos grilhoes do funcionalismo niio o objetivo de sublinhar o carater de simples vedac;;iio
v~cilando e_m c,re~itar ao aspecto formal o papel ~ssen- das paredes que nunca silo portantes.
ctal mas nao umco que lhe cabe em toda arquitetura Existe, portanto, uma unidade nessa arquitetura
digna desse nome. brasileira que se desenvolveu de uma s6 vez, pouco an-
Inspirando-se no racionalismo de Le Corbusier os tes e durante a Segunda Guerra Mundial, chegando a
arquitetos tomaram como premissa a estrutura indepen- maturidade no final desta. A situac;;iio modificou-se
dente adotada por quase todos, que permitia toda a li- parcialmente a partir de 1944-1945, quando as primeiras
berdade no tratamento das fachadas. Assim, sua irnagi- tentativas foram coroadas de sucesso. Ate entiio exis-
nai;:iio plastica voltou-se principalmente para esse ponto, tiam apenas obras isoladas, muito importantes por sua
esfori;:ando-se eles em animar essas superficies por meio repercussiio e pelo caminho que abriram. Dai por dian-
de um jogo pict6rico, onde entram, ao mesmo tempo, te, a partir do momento em que praticamente da noite
a oposic;;iio dos materiais, a cor, a sombra e a luz, e, para o dia surge uma clientela privada, convertida a
principalmente, o emprego sistematico dos brise-soleil, nova arquitetura, uma produc;;ilo em massa apoderou-se
em todos os casos onde funcionalmente se justifiquem. do · mercado: ~ verdade que tudo o que foi construido
A essas preocupai;:6es essencialrnente bidimensionais, na epoca esta longe de ter um valor uniforme e os fra-
Niemeyer acrescentou novas pesquisas sobre volumes e cassos siio pelo menos tao numerosos quanta os suces-
espai;:os, abandonando a simplicidade geometrics por sos. Talvez, depois de 1944, nilo tenham surgido obras
formas rnais cornplexas e melhor elaboradas, mas sem de primeirissimo piano como as anteriores, mas a quali-
se distanciar do dominio racional e conservando sem- dade media aumentou e ocorreu uma diversificac;;iio ni-
pre uma grande preocupai;:iio com a clareza e o equilf- tida. Por essa raziio e porque a atmosfera niio era mais
brio do resultado obtido. Desde o Ministerio da Educa- a mesma , a primeira pagina da hist6ria da nova arqui-
i;:iio e Saude ate a Pampulha, ha uma distancia consi- tetura do Brasil tinha sido virada.

130. A palavra formalismo f em geral empregada com ,entido pejo-


rativo, o quc ncm sempre se justifies , como hem o dcmonstrou o arquiteto
AndrC Lur,;at, no primeiro volume de .!iCU grandc trntado de cstCtica arqui~
tctOnlCa (A. LURCAT, Fo rmt s, composition e t lois d'hormonie, t. I, Paris,
1953, pp. 312 e 313). Alguma.s das obra., mai, importanles da arquitelura
brasilcira como Pampulha s6 podem ser chamadas de formalistas, toman•
do-sc o lado positivo do tcnno, quc foi definido na pa.ssagcm acima men•
cionada. Em contrapartido C cvidente quc cxistcm no Brasil, como em
qualquc r pals, muitas obras formalistas, no mau scntido - imitac;Ocs infc•
lizcs das ohms de Niemeyer, poc excmplo - mas rstas nio intcrc"an ao
preaente trabalho.

115
SEGUNDA PARTE

A MATURIDADE DA NOVA AROUITETURA


BRASILEIRA: UNIDADE E DIVERSIDADE
1. AROUITETURA NOVA E TRADICAO LOCAL

I! evidente que, por volta de 1944-1945, niio importante, que marcou profundamente a nova arquite-
ocorreu qualquer ruptura na evolw;iio da arquitetura tura brasileira, contribuindo para realyar sua originali-
brasileira. Nern podia ser de outra forma, pois as dsde. ~ portanto 16gico que ele seja estudado em primeiro
figuras de destaque permaneceram as mesmas: os jovens lugar, destacando-se sua influencia profunda, afirmada
arquitetos que, nos anos anteriores, comeyaram a se claramente ou de maneira difusa, conforme o caso, mas
destacar, afirmaram-se integralmente, influenciando quase sempre presente em algum grau, nlio s6 nas obras
recem-egressos cujo talento aos poucos se impos. Por mais significativas, como tambem na maioria das obras
conseguinte, a separayiio que foi adotada ressalta apenas realizadas. Alem disso, o homem que indiscutivelmente
uma diferenya de ritmo, marcado por um desenvolvi- liderou, de forma consciente ou niio, essa tentativa de
mento bruscamente acelerado e nlio por uma ruptura. sintese, continua revelando-se o grande te6rico do movi-
Pode-se inclusive identificar uma clara continuidade mento moderno no Brasil e usufruindo do prestigio que
ffo processo: as realizayoes cada vez mais numerosas essa fuoylio ofic.iosa confere; portanto o papel que
e -significativas entlio feitas enquadram-se na mesma assumiu assegurou-lhe um lugar a parte no panorama
linha das pdmeiras experiencias, assegurando ao con- geral, e seria dificil compreender integralmente o feno-
junto dessa arquitetura uma unidade global que torna meno sem proceder-se inicialmente ao exame do pensa-
possivel falar de um indiscutivel estilo brasileiro. Mas mento daquele que, desde o inicio, impos-se como uma
niio se deve atribuir a ele um carater monolitico, nem personalidade de primeiro piano. Estamos falando,
encara-lo como um estilo perfeitamente definido, a ponto evidentemente, de Lucio Costa.
de nlio propiciar o surgimento de tendencias distintas;
pelo contrario, ocorreu uma diversificaylio, na medida 1. A OBRA DE LUCIO COSTA
em que se afirmava a personalidade de arquitetos que 1 . Contrlbul~ te6rlca
nlio raro tiveram ambiycies diferentes, embora inspiradas
num principio comum. ~ claro que niio se pode quali- A atividade do arquiteto consiste em elaborar pro-
ficar os resultados diversos a que essas divergencias jetos e construir edificios; a grande maioria dos que a
levaram como decididamente opostos e sem pontos ela se dedicam, nlio extravasam esses limites; mas exis-
comuns, mas seria absurdo pretender unificar, a todo tem exceyoes notaveis, cujas tomadas de posiylio te6rica
custo, a arquitetura do pais, para enquadra-la sob um slio tao ou mais importantes que as realizayoes praticas.
r6tulo comum; seria deformar a realidade por uma Nao e o caso de Lucio Costa, ja que suas obras situam-se
simplificaylio excessiva, de um lado empobrecendo um dentre as mais significativas da arquitetura brasileira.
movimento cuja profunda riqueza ficaria ignorada e, Mas nlio se deve minimizar a sua contribuiylio inte-
de outro, nlio reconhecendo uma evoluylio .sensivel no lectual e a funyiio odentadora exercida por seus escritos.
tempo, ocorrida durante esses ultimos vinte anos. De fato, o significativo prestigio de Lucio Costa
Dentre as varias correntes da arquitetura contem- dentre seus colegas explica-se por uma serie de razoes,
poranea do Brasil, ha uma que e especilica ao pais e que seguramente relacionadas as atitudes corajosas e deci-
ao menos sob a mesma forma, dificilmente poderia ter didas que assumiu em determinadas ocasioes, especial-
surgido em algum outro lugar: a tentativa de conci- mente quando nomeado Diretor da Escola de Belas-
liaylio entre os principios da arquitetura "mode~na" e Artes em 1930 e quando do concurso para o Ministerio
os da tradiyiio local, representada pela arqu1ttitura da Educaylio e Saude, em 1935-1936, mas vinculadas
implantada pelos colonizadores portugueses e seus des- tambem a sua atividade de pensador e escritor. ~ facil
cendentes nos seculos XVI e XVII. Esse e um aspecto compreender a atraciio que seus escritos exercem sobre

119

os outros arquitetos: estes eram, acima de ludo, homens eram negligenciadas, coma poderia parecer aos olh
da pratica, pouco afeitos a medita96es profundas, mas de um observador superficial, e sim subordinadOS
sentiam a necessidade de apoiar-se em fundamenta96es aos problemas acima citados. Ja Lucio Costa n~s
te6ricas simples e claras, nesse periodo de incertezas ·
mov.ou fundament aImente, nao
- cnou· uma nova profao
e de profundas mudan9as, em todos os setores. A sii~ de fe; ac~itou. a que havia sido proposta pelos p{~
cultura de Lucio Costa, que !he permitia abordar em n.eiros do rac1onahsm?, tornan?o-se seu defensor intran.
conjunto os problemas do presente e do passado, seu s1gente, adaptando-a as necess1dades locais e corrigindo
gosto pela reflexiio, a seguran9a e a 16gica de seu o que ela podia ter de excessive rigor. Portanto sua
raciocfnio, a vivacidade da exposi9ao, feita num estilo contribui9ao te6rica situou-se em dois pianos disti~tos·
claro e incisive, onde de cada palavra, cuidadosamente de um !ado, a divulga9ao do pensamento europeu ~
pesada tirava o maximo efeito1, asseguravam uma s61ida do sistema que o originou e, do outro, a reflexiio pes-
base em nada desprezivel. Assim, todos reconheceram soal. Naturalmente, nao se insistira no primciro ponto
a incontestavel superioridade de Lucio Costa nesse nem na influencia decisiva exercida por Lucio Cost~
campo, niio questionando ninguem essa posi9iio que em pro! da causa da arquitetura "modema" no Brasil
alias era amplamente merecida. I! certo que essa aceita- assunto esse ja examinado. Limitamo-nos a lembra;
9iio, tacita ou entusiastica, conforme o caso, foi facili- que foi um advogado brilhante e convincente4, quando
tada pela ausencia de rivalidade profissional 2 : e verdade pos sua pena e sua inteligencia a servi90 da causa que
que Lucio Costa nao abandonou o exercfcio da pro- tanto significava para ele. Por outro !ado, convem exa-
fissiio de arquiteto, embora tenha declarado em con- minar com aten9iio o resultado das reflexoes de ordem
versas inforrnais, que a arquitetura foi para ele apenas estetica a que se dedicou e que jamais deixou de expor
um violon d'lngres, brincadeira que nao deve ser e divulgar.
levada muito a serio; mas e verdade tambem que, Naturalmente, insistir em que a contribui9ao te6-
depois de seu ingresso no S. P.H. A. N . (servi90 encar- rica de Lucio Costa deu-se quase que exclusivamente
regado da preserva9ao dos monumentos hist6ricos bra- no piano da estetica, nao significa ser essa a unica preo-
sile.iros), logo ap6s sua cria9ao, em 1937-1938, pro- cupa9ao do arquiteto. Isso seria deformar seu pensa-
jetou e construiu relativamente pouco; em todo caso, mento: pelo contrario, ressaltou ele varias vezes que,
nunca se empenhou na procura de clientes, limitan- em arquitetura, existem tres problemas fundamentais,
do-se a satisfazer aos que o procuravam. Por outro intimamente relacionados - o tecnico, o social e o
lado, o pequeno numero de obras realizadas e sua plastico. A escolha da doutrina de Le Corbusier como
modestia pessoal, que o levaram a se colocar volunta- ponto de partida e como base de referenda obrigat6ria,
riamente em segundo piano, incentivando a ascensao foi motivada justamente pelo fato de que este tratava
de Niemeyer, niio podia despertar qualquer inveja os tres problemas coma se fossem um s6, procurando
especial em rela9ao a sua pessoa. Usufruiu, assim, da uma simbiose entre os varies elementos. Dentre os gran-
estima e respeito de todos os colegas, que nao vacila- des mestres do racionalismo, era ele indiscutivelmente
ram em reconhece-lo como lfder intelectual da nova o que tinha pregado e alcan9ado em suas realiza¢es
arquitetura brasileira, destacando a importancia capital o melhor equilibrio entre esses componentes. Mas, en-
do papel por ele desempenhado nesse movimento. Res- quanto no piano social Lucio Costa aceitava integral-
salte-se, no caso presente, que essa unanimidade, hem mente as ideias de Le Corbusier e no piano tecnico ele
pouco comum na hist6ria, e perfeitamente justificada, !he era fie! sem tornar-se escravo de suas ideias, nao
mesmo que tenham contribuido para isso, de modo vacilando em introduzir varia96es praticas sempre que
consciente ou nao, inten96es de outra ordem3 • passive!, no piano estetico ele achava que tinha uma
A contribui9iio te6rica de Lucio Costa, embora contribui9ao a dar e nao podia contentar-se com o
importante, niio e comparavel a dos dois mestres racio- pensamento de outra pessoa. Uma inclina9ao natural
nalistas, Gropius e Le Corbusier. Estes haviam par- fez com que se voltasse para essa questao desde sua
tido dos problemas tecnicos e sociais para elaborar juventude, quando ingressou na Escola de Belas-Artes.
uma doutrina arquitetonica; as questoes esteticas nao Para Lucio Costa, o estilo neocolonial nao fora uma
questao de moda, mas sim um esfor90 consciente de
I. E'Asas qualidades fizuam de Lucio Costa um polemuta temlvel, regenera9ao de uma arquitetura decadente; quando per-
atento a tod:u as criticas que lbe eram dirigidas. e pronto a rc!uta-las ,com cebeu que essa tentativa, baseada integralmente numa
vigor, quando nio lhc parcciam justas ncm convrnccntes. Scm ~unca 11lcn-
ciar mcsmo diantc de uma afirma5io dcscortCJ ou supcrfic1al 1 sempre preocupa9ao formal, estava fadada ao fracasso porque
soubc rcfutar no tom adcquado is c1rcunstincias, quCJtionando scriamcntc
os argumentos empregados, para destrui-los, mas ta!"bcm la_n~ando dard_os ignorava os demais fatores, retratou-se, sem no ~ntanto
aliados quc desmascaravam tmpicdosamcntc a m~ (c ou a 1mcomprccnsao
manifest& do advcn3rio. Hoje, podc-se tcr flc1I ac!~o a csscs dc~atcs,
cair no extreme oposto; em todas as oportumdades,
g~as ao livro que rcUnc os cscritos e1panos de Lucio Costa, pubhcado
pelo Centro dos Estudantes de Arquitelura da Universidade ~o Rio Grand.•
do Sul, onde as resposl.as de Lucio Costa sao ,empre pre.ced1das pelos aru- 4 . er. Razii<, da Nov• Arquitelura, P.D.F .• vol. l~I, n.• I,
1936, pp. 3.9, reprodu1ido em L. COSTA, Sobr1 Arquiltlura, PP•
i•f;-4t
gos que )hes deram origem. Cf. L. COSTA, Sabre Arqu,lelura, Porto Ale- ·
gre, 1962, J>asnm. 5 Alim do artigo acima, cf. L. COSTA, Con,id1ra(•" _sobr, Ari•
2. Nio scri significativo quc as primeiras cr1ti~ sev!ru dirigid~- a
Conte"mpordnea, Rio de Janeiro, 1952, retomado em Sot" Arquili'';,
0
; ~~
1 202.229, traduzido e publ~cado cm francts . - com o~os 1:mcon~ribution
uma obra de LUc10 Costa, por sew colegas, tenham, ~1do f~1tas por ocas1:io es~os do autor, sob o titulo Imprevu ct importance
de sua \it6ria no concurso do Plano Piloto de Bra11ha? Sa1do brusc,amcntc ,c hitecture con·
de sua torn de marfim para compclir abcrtamcnte com os dcmaH, cssa des arc~itecles br_csiliens •~ d_cveloppe_menl a4;'.'.;'J de ~,:rede 1952, PP•
temporamc, Artlut,chire d auJourd ltu,,. n.o ' •: municado aptt·
vit6ria nio foi, pelo mcnos inicialmcntc accita com facilidadc pclos con- 4-7 Grande, lrechos desse trabalho consbtulram p~t• IoArout'
correntcs pretcridos. qur trv•
scniado pelo autor no primc.iro Congr~o ~nter,acaof?B tarJc ~c:bncada aob
3. Para alguns, va1orizar LUcio Costa, lamentando ter clc cntrcguc .• lugar em Vcncia, cm 1952. E.ua cnmun1ca~.a o 01 ma1s d I o 2 ago,to
lideran~a a Niemeyer, foi uma forma de combatcr o suc~sso dcstc, cuJa o titulo O Arquilelo • a Sociedade Conlempori•~•• Mo u a,
de 1955, pp. 17-24, e novamente em Sobr1 Arqu,1,1uro, PP•
2;o.251
gl6ria e car.her &IU(ado cram frtqilentcmcntc mcnos. aprccaados. ·

120
apoiava a legitimidade ?a
inten9iio plastica na arqui- A seguir, vincula essa dualidade, limitada ao_ pro-
tetura. £ reveladora_ a atltude assumida em 1945, quan- blema da composi9iio arquitetonica, a outra duahdade
do o curso ?e
arqmtetura da Escola de Belas-Artes do mais profunda, desta v:z. relativa ao contunt~ ~as _belas-
Rio de Janeiro tra?sfor?1ou-se em faculdade autonoma, ·artes: a concep9iio estahca e a concep9ao dma011ca d~
enquadrada na umvers1dade federal: ao mesmo tempo forma, representadas respectivamente pela arte med1-
em que reconheceu se~ talvez essa a unica solu980 terranea de um !ado e, de outro, pela arte do Norte
possfvel, d~ ponto d_e vista _tecnico, ja que a aparelha- da Europa e da Asia. Tomando como ponto de apoio
gem necessana e as mstala9oes apropriadas niio cabiam o estudo do passado, determina, assim, dois eixos que
numa Es~o!a de Belas-Artes organizada segundo O mo- niio se cortam, correspondentes ao "habitat natural". de
delo trad1c1onal e c~m ~oucas tendencias a moderni- cada uma dessas concep96es opostas. De certa maneira,
zar-se, lamentou ? d1~6.rc10 estabelecido entre a arqui- e a aplica9iio das teorias de Wolfflin e, principalmente,
tetura e as dema1s ativ1dades artisticas. Tratava-se, no de Eugenio d'Ors, sobre a constancia das correntes
seu entend~r, do menor dos males, tendo insistido num classics e barroca, vinculando cada uma delas a uma
ponto prec1so: ~ programa de estudos deveria permitir determinada area geografica. £ claro que a inten9ao
que os alunos. hvessem uma consciencia clara e nitida niio e negar as trocas que ocorreram entre dois mundos
de que ~ ar~mte,:ura, ~pesar de sua atual complexidade em contato permanente; essas trocas nao s6 sao reco-
de reahza9ao, ~ . "contmuava sendo fundamentalmente nhecidas, como tambem analisadas cuidadosamente~ e
6 ...
uma arte P1ashca • r., portanto, perfeitamente natural a predominancia temporaria de uma ou outra tenden-
que Lucio Costa tenha se preocupado particularmente cia, conforme a epoca focalizada, e sublinhada numa
com ~s. problemas de ordem estetica, empenhando-se rapida retrospectiva hist6rica. Mas, para Lucio Costa,
em ulilizar sua cultura e seu profundo conhecimento essas misturas siio apenas ocasionais, provis6rias, niio
das artes do passado no sentido de extrair dai os ensi- afetam a linha profunda e essencial que caracteriza a
namentos validos para o presente. arte de cada uma das regi6es delimitadas. A uniao s6
0 aspecto plastico, era, porem, apenas uma das se verifica no seculo XX, gra9as ao progresso dos meios
preocupa96es do arquiteto; de fato, e tendencia natural de comunica9iio, que permitem um conhecimento me-
d_o carater _brasil:iro encarar permanentemente as ques- lhor de tudo que se fez no passado, hem como saber
toes em d1scussao sob o ponto de vista filos6fico; a rapidamente o que ocorre presentemente em qualquer
procura de uma explica9iio abrangente, expressa em parte do mundo. Existe, portanto, uma unifica9iio do
termos dialeticos e que permita conclusoes simples, e mundo, uma mudan9a de mentalidade, uma nova visao
uma preocupa9iio quase que sistematica nesse pais. do universo, que se reflete no setor artistico.
Assim, nao surpreende ter Lucio Costa tentado elabo- Essa liberta9iio dos tabus antigos e das tradiy6es
rar uma verdadeira teoria sobre a evolu9iio das artes, solidamente enraizadas atingiu todas as artes, mas e
desenvolvida com espfrito semelhante ao das brilhantes especialmente sensivel na arquitetura, onde a tecnica
constru96es intelectuais de Wolfflin, Eugenio d'Ors e tern papel preponderante. £ assim que a fusao dos dois
Henri Focillon. £ claro que niio pretendeu rivalizar conceitos, organico-funcional ·e plastico-ideal, "conside-
com eles e sua analise, contida dentro das propor96es rados no passado, com razao, contradit6rios", tornou-se
modestas de um breve ensaio, varias vezes retomado7 , possfvel com a inven9ao e melhoria de novos metodos
permanece menos profunda do que a de seus prede- de constru9iio: a estrutura independente, que assegura
cessores. Mas merece um exame atento, na medida a autonomia da planta e da fachada, da ao arquiteto
em que pode esclarecer o pensamento do autor e a a liberdade para ver a obra como um organismo vivo,
forma como se refletiu na atividade de projeto. desenvolvido funcionalmente, "mas visando, sempre,
Inicialmente, Lucio Costa aborda a concep9iio obter formas geometricas definidas ou livres, ideais,
arquitetonica, distinguindo dois conceitos que a presi- isto e, plasticamente puras9 • Por conseguinte, a arqui-
dem: tetura "moderna" apresenta-se como um resultado, co-
mo uma supera9ao das limita96es anteriores e como
1. 0
0 conceito orgfmico-funcional, onde se parte da um novo ponto de partida, que goza de condiy6es
-

satisfai;iio das necessidades de ordem funcional e a obra s~ excepcionalmente favoraveis, em termos esteticos.
desenvolve como um organismo vivo, cuja expressiio arqm•
tetonica de conjunto decorre de um rigoroso processo de sele- Essa tese, assim resumida em suas linhas gerais, e
~iio plastica das partes que a compoem. sustentada por Lucio Costa com a vivacidade que ca-
2. 0
0 conceito plastico-ideal, onde se toma c~mo ponto
-
racteriza seus pronunciamentos. Mas, apesar de sua
de partida a inteni;iio preconcebida de ordenar rac1onalmente importancia, e muito discutivel no conjunto e especial-
as necessidades de natureza funcional a fim de chegar a formas mente nos detalhes. Deve-se inicialmente frisar que
livres ou geometricas "idea is", isto e,' plasticamente puras 8, toda teoria que pretenda simplificar ao extremo feno-
menos eminentemente complexos e reunir elementos va-
6. L. COSTA, Conside~e• sobre o En.sino da Arquitctura, E .Jf.B.A.. ,
Reuista de Arte, n.o 3, setembro de 1945, rctomado cm Sabre A.rqu,tetu:i~ riados sob o mesmo r6tulo, e levada automaticamente
PP-. 111-117. Alguns anos mais tardc, abordaria novamcnte o tcma,
bcsitando em dilcren~ar a orieem da obra de arte (latalmentc _intercssada
a deformar certos fatos e a deixar sistematicamente de
e dependente de fatorcs cstranhos, ao menos no ca~ da a!qui~etura) de !ado qualquer nuan9a. Assim, e f acil identificar deter-
JUa tuincia (cscolha do artista entrc duas ou mau sol_uc;oes . ig~almcnt,e
;J)ropriadas ao objetivo proposto). onde reside a verdadcira cn•~•0 (M o-
minadas imprecisoes e criticar certos aspectos um tanto
u/a, n.o 2, agosto de 1955, pp. 17-24) . superficiais, presentes em toda generaliza9iio ao mesmo
7, Cl. ltl/Jro, nots 5. tempo ampla e abrupta. Assim e que, na pratica, os
0
. .e. Archit1eture d'oujourd'hui, n.o 42-43, agosto de 1952, P· \J~exJ~
"111~1 em portugues: «Considcra~oo sobre Arte Contcmpor&nea», 9. Ibid., p . 4.
Jane1ro, 1952, p. 6).

121
total mas sera que alguma vez chegou a se-lo, a niio
conceitos organico-funcional e plast~c~-ideal, qu7 para
Lucio Costa siio a chave que expltc1ta a arqmtetura ser ~m casos excepcionais? Sob esse aspecto, nao ha
do passado, nao siio categorias tao distintas quant? pre- nem ruptura com o passado ne~ transform~s:ao radical
tende afirmar. Em rela9ao aos estilos por ele c1tados e por certo Lucio Costa o ten~ re~onhec1do _c~so se
como exemplos perfeitamente representatives de cads Jimitasse a agir apenas como h1stonador e cnttco de
uma das duas correntes, e verdade que o g6tico abriu-se arquitetura. Mas ele e, acima de tudo, u~ arquiteto
"como uma flor" , segundo uma evolu9ao natural, mas engajado, e o ensaio inspirava-se num prop6s1to prapna-
essa evolu9iio de modo algum excluiu as inten96es tico, ou seja, visava demonstrar o cara_t~r revoluc1ona-
preconcebidas de ordem racional, nem a procura de rio da arquitetura "moderna" e a magmf1ca perspectiva
formas ideais, plasticamente puras. Quanto a arqui- que para ela se descortinava. A apresentas:a_o da obra
tetura classica, niio oferece ela, no palacio de Versailles, de Le Corbusier, evangelho adotado consc1entemente
um dos mais belos exemplos de crescimento organico coma uma supera9ao das contradis:oes do passado no
vistos na hist6ria? A distin9iio feita nao e isenta de piano estetico, refor9ava a causa defendida e contri-
interesse, principalmente quando nao se procura dar-lhe buia para o progresso da renovas:ao que tinha se impasto
um carater demasiadamente absoluto. 0 mesmo se pode ao mundo em geral, e ao Brasil em particular. Ora,
dizer do confronto do tratamento das formas, tanto nem o papel de ap6stolo, nem o de advogado, asse-
num sentido estatico quanto dinamico, com o levanta- guram uma plena objetividade, mesmo que haja em-
mento de certas constantes opostas na arte mediterra- penho para atingi-la: as pesquisas orientam-se natural-
nea e na arte do Norte da Europa. Lucio Costa, alias, mente para a reuniao de argumentos favoraveis, caindo
nao se deixou apanhar na armadilha de aplicar o siste- no esquecimento aqueles menos convincentes ou os des-
ma proposto com rigor excessive. Sua analise retros- favoraveis. 0 que aconteceu a Lucio Costa e bastante
pectiva esta cheia de sutilezas e nuan9as que corrigem claro11 e nao cabe a n6s critica-lo: agindo assim estava
o !ado excessivamente restrito da tese fundamental: o cumprindo o seu papel e devemos felicita-lo por isso.
juizo emitido sobre a Fran9a, " cadinho onde foram fun- De fato, mais do que a exatidao das teorias expostas,
didas e temperadas, atraves de seculos, as duas corren- o que importava eram as rela96es entre elas e a realiza-
tes de influencias que a atravessam - a estatica, do 9ao arquitetonica.
eixo mesopotamico-mediterraneo, e a dinamica, do eixo Nao se trata de atribuir aos escritos de Lucio Costa
n6rdico-oriental", e um entre muitos exemplos que uma influencia preponderante sobre sua arquitetura ou
poderiam ser citados. Fica-se, assim, mais surpreso ain- vice-versa. Na verdade, a teoria e a pratica desenvol-
da quando a capacidade revelada pelo autor no estudo veram-se paralelamente; trata-se de dais aspectos com-
das artes do passado nao seja encontrada quando se plementares que esclarecem um ao outro; de um mes-
trata do exame do presente. mo pensamento, expresso de dois modos diferentes. As-
De fato, nao e uma afirma9ao audaciosa declarar sim, nao e de surpreender o fato de haver uma perfeita
que o seculo XX testemunhou a fusao dos conceitos coerencia entre a obra escrita e a obra projetada ou
organico-funcional e plastico-ideal gra9as aos novos me- construida. ~ claro que se pode argumentar que, nesta
todos construtivos de que dispunham os arquitetos? ultima, nao ha o esperado equilibria entre a corrente
Nao sera atribuir a tecnica um papel demasiado impor- organico-funcional e a corrente plastico-ideal. Aqui, a
tante, ao conceder-lhe a faculdade de modificar repen- celebre fusao dos dais conceitos que teria sido obtida
tinamente as tendencias esteticas permanentes que ha- na nova arquitetura e apenas ilus6ria, prevalecendo cla-
viam ate entao coexistido, apesar de todos os progresses ramente a segunda tendencia estetica. Contudo, no caso
materiais que ocorreraro? Nao seriam, pelo contrario, em questao, nao ha qualquer contradi9ao entre a pra-
essas tendencias ate certo ponto independentes pela sua tica adotada e o pensamento que sobressai da analise
pr6pria natureza de fatores tecnicos, e niio estao elas da exposi9ao te6rica. De fato, nesta, a chamada fusao
presentes tanto na arquitetura moderna quanta na an- - possibilitada pelos recentes progresses da tecnica - ,
tiga, coma seria 16gico esperar? Parece que Lucio Costa consiste, na realidade, em suprimir pura e simplesmen-
evitou colocar tais questoes e proceder a uma analise te a razao de ser da tendencia organico-funcional em
da arquitetura contemporanea numa escala mundial co- beneficio de sua rival: aquela s6 era justificada por
mo fizera para a arquitetura do passado e nao apenas raz6es materiais, quando a forma plastica pura nao era
em escala brasileira. Teria sido dificil deixar de perce- realizavel ou nao convinha ao- programa e as necessi-
ber a persistencia da corrente organico-funcional nas dades de certos tipos de constru9ao. Assim, ela resultou
obras de Wright e nas dos arquitetos escandinavos e numa arquitetura valida e significativa, mas que, no
finlandeses, dos quais o mais representative, sob esse fundo, e considerada por Lucio Costa coma o menor
aspecto, e Alvar Aalto; nao e por acaso que essa arqui- dos males; que nao e mais admissfvel a partir do ins-
tetura foi qualificada de "organica"10, em oposi9ao ao tante em que novas recurses permitem que a arquite-
movimento racionalista propriamente dito, partidario tura seja perfeitamente funcional e se desenvolva orga-
da forma plastica pura e ideal, mas que nao exclui, nicamente dentro de um contexto formal dominado pela
por outro !ado, um desenvolvimento organico dos pro- preocupa9ao plastica. Na fusao pretendida, a outra ten-
jetos assim concebidos. ~ claro que a dualidade nao e dencia, em compensa9ao, conserva intacta sua caracte-
10. Essa dcnominac;.i o nio pode, po r outro lado, scr considerada um 11 . Some•se a isso um conhecimento da hist6ria da arquitetura euro--
monop6lio c ni o &$.Segura ser rea lmcnte orgA.nica apcnu a ar'Juitetura pCia, evidentcmente men01 profundo do que o de um cspccialista, fato que
assim rotulada, ao contclrio do que afirmam ccrtos criticos, espcc1almcnte o impcdiu de vcr ccrtos clcmentos, levando-o majs facilmcnte a uma esquc-
Bruno Zevi. rnatita(io que corrcspondia a 1eu1 desejos.

122
ristica essencial, pois a composu;ao resulta na forma Portanto Lucio Costa e fundamentalmente um
1
pura considerada como o ideal a ser atingido cada vez classico como o foi seu mestre Le Corbusier ~, mas foi
que as possibilidades materiais o permitam - o que alem d;ste. Com efeito, o gosto pelo debate te6rico, a
agora ocorre! Portanto, nao existe equilfbrio na tese inclina9iio para um pensamento doutrinario, o cu!to ~a
em questao, mas sim a absor9iio definitiva de uma raziio, a preocupa9ao com s forma e com o equtlibr10
corrente pela outra, cuja superioridade encontra-se des- sao comuns a ambos mas o temperamento frio e refle-
sa forma proclamada e justificada. xivo de um contrast~ com o entusiasmo, s exuberancia
verbal, a nftida inclina9iio panfletaria de outro. Embora
. Assim, e perfeitamente 16gico que a arquitetura de ambos tenham lutado contra um inimigo comum, o
Lucio Costa esteja, em termos esteticos, nitidamente academismo 10, ha um ponto capital que os diferencia:
orie?t~da e s: integre na tradi9ao classica da Europa a atitude frente ao passsdo. Le Corbusier, apesar de
Mer1d1onal, v1sando sempre a obten9ao final de uma te-lo negado freqiientemente, nao sentia qualquer atra-
forma plastica que encante pela clareza e pureza. Mas 9ao real pelo passado, querendo conservar, da heran9a
esta niio pode ser determinada sistematicamente a priori antiga, apenas os vestigios que pudessem servir como
e, sempre que possfvel, especialmente nas residencias, testemunho. Lucio Costa, em compensa9ao, estava pro-
encontra-se uma grande liberdade na organiza9ao do fundamente ligado a esse patrimonio, tanto no piano
espa90, uma perfeita integra9ao entre edificio e paisa- geral quanta local, tendo procurado preservsr todos os
gem, o que poderia levar a pensar numa influencia seus valores autenticos, nao s6 aqueles de natureza per-
ds srquitetura "organics". Nao e o caso, visto Lucio manente, mas tambem detalhes capazes de integrar-se
Costa rejeitar, sem hesita9ao, os aspectos barroco1:! e na renova9ao arquitetonica do seculo XX.
romantico que caracterizam esse movimento, por ele A primeira vista, pode parecer que ocorre uma
praticamente ignorado, conscientemente ou nao. De contradi9ao entre a inclina9iio classica de Lucio Costa
fato, num primeiro instante, nao vacilavs em vincular e seu apego a arquitetura luso-brasileira, vinculada
claramente a tradir;:ao mediterranea toda arquitetura quase que sistematicamente ao movimento barroco.
"moderna", nao permitindo que o "misticismo n6rdico" Isto, no entanto, nao procede, por uma razao muito
interviesse de modo algum nessa verdadeira Renascen- simples: a arquitetura colonial portuguesa e na verda-
9a13. E, mesmo ap6s a Segunda Guerra Mundial, quan- de apenas parcialmente barroca e nao sao justamente 17
do a arquitetura organics ja se havia parcialmente im- esses tra90s barrocos que agradam a Lucio Costs •
posto nos Estados Unidos e em certos paises da Europa, Cabe portanto evitar a armadilha das palavras e das
chegando a ser encarada pelo crftico italiano Bruno classificac;oes absolutas, que escondem, sob um rigor
Zevi como uma supera9ao do racionalismo, Lucio Costa de linguagem, uma realidade um tanto diversa. Ate
em absoluto se preocupou com esse fenomeno, que mesmo as igrejas dessa epoca seguiram, em sua maio-
para ele era um retrocesso que nao merecia discussao. ria, uma tradic;ao maneirista e conservaram uma auste-
Assim, no opusculo ja analisado e onde apresenta, em ridade construtiva inteiramente oposta ao espirito bar-
1952, o resultado de suas reflex6es, silencia sobre o roco, que s6 veio a se manifestar arquitetonicamente
vigoroso retorno, ao seio da arquitetura contemporanea, bem tarde, principalmente na Bahia18 , transformando-se
de uma tendencia que recusa integralmente toda con- rapidamente em rococ6, tanto em Pernambuco quanto
cep9ao plastico-ideal. Mas e muito provavel que a ela- na regiao das Minas 10 • Alem disso, ele jamais se impos
bora9ao da teoria da fusiio dos dois conceitos seja uma de modo absoluto, a nao ser no campo da decora9ao.
resposta indireta aos partidarios da organicidade, visan- Quanto a arquitetura civil brasileira dos seculos XVII
do demonstrar a inutilidade de um debate superado, na e XVIII - fonte de inspira9ao seguramente mais inte-
ressante do que os ediffcios religiosos, para um arqui-
medida em que o racionalismo se revelava como uma
arquitetura organicamente con!=ebida. Como ja foi visto, rcotc racionalista e Corrente organicista. LUcio Costa mais um.a vcz res•
essa atitude decorria de uma confusao entre os ca- pondeu que toda arquitetura digna desse nc,me era ao mesmo tempo orgi-
nica c racional. A{as rsclarcccu que, no caso brasilciro, :ic rtsccntava-sc a
racteres secundarios da tendencia organico-funcional, isto uma certa tendcncia ao idealismo formal e uma eventual gratuidade,
pr6pria do maneiru brusileira de ser.
caracteres esses capazes de ]he terem sido emprestados
15. Trata-se, bem entendido, do Le Corbwier do primeiro perlodo,
pela tendencia oposta, e o estado de espirito perma- entre as duas guerras, pois a evolu~ao do arquiteto, a partir de 1950, deu•
nente de que ela e, de fato, a expressao profunda - se num sentido bem diveno.
mas, com isso, a tomada de posi9ao e ainda mais signi- 16. e este quern, aplic.,ndo de modo rigido e simplista princlpios
mal compreendidos, e o rtsponsavel pela decadencia da arquitctura e deve
ficativa14. ~r condcnado, mas os prindpios cm qucstio conscrvam scu valor etcmo.
Por cxcmplo, cm ttlac;io a simctria, LUcio Costa nio accita que RU cm-
prcgo seja limitado a simetria primaria em torno de um eixo, quc se
12. AJ semelhan~u eotre o estado de t1pirito barroco e o da arqui- esque~• que ela tambcm pode ser fruto de um jogo mnis claborodo de
tetura orgaoica Coram sublinhadas por P. CHARPENTRA T (Anna/es E .S.C:. , contrustes que se neutralizam em torno de uma linha definida, colocada
maio-junho de 1961, pp. 466-468). harmoniosament•. Essc tipo de composit.iio, calculado em fun~io de tra-
tados regulndores conhccidos desde • Antiguidade e utilizados pelos grao-
13. «Filia•se a nova arquitetura, isto sim, nos seus excmplos mais ca• dts mestru, rtencontrou o lugar que lhc era dcvido na arquitctura contcm•
racteristicos - cuja clareza e objetividade nada tem do roisticismo n6rdico pornca (P.D.F. , vol. III, n.o I, jan. de 1936, pp. 3-9. L. COSTA, Sobr,
- ls mais puras tradi~oes mediterrineas, aquela mesma razio dos gregos e Arquilelura, pp. 17-41).
Jatinos, que procurou renascer no Quatrocentos,Jara logo depois afund3r
10b os artificios da maquilagem acadtmica - agora ressurgindo, com 17. Cr. o artigo O Aleijadinho c a Arquitelura Trudicional, publi-
imprevisto e renovado vigor» (P. D .F., vol. III, n.• 1, jan. 1936, p. 9, CAdo em 1929 em O Jornal (numero especial sobro o Estado de Minas
relomado cm L. COSTA, Sabre Arquitelura, p. 40) . Gcrais) e retomado em L. COSTA, Sabre Arquilelura , pp. 13-16.
14. Quando o Jornal do Brasil lan~ou uma pesquisa nacional sobre a 18. Cf. G. BAZIN, L'architectur, rrli11ieu,e baroque au Brisil, Pari,,
arquiletura brasileira, em 1961 (suplemento dominical, 25-26 de fevereiro, 1956-1958, ondc o autor acompanha passo a passo essa discrela evolu~io.
4.5 de mar~o, 11-12 de mar~o. 18-19 de mar~o; d. tambcm /. A. B. Cua•
nabara, n.o 5. 1962, pp. 13-19 e 38), uma das pergunlas formuladas aos 19. Cf. Y. BRUAND, Baroque et rococo dnns l'an:hitecture de Min.u
arquitetos dizia respeito a divisio da arquitelura contemporinea em cor- Gerais, Gault, d,s B,aux-Artr, mnio-junho de 1966, pp. 321-338.

123
teto contemporaneo - eta s6 pode ser classificada de Costa conclufra estar a arquitetura brasileira tradicio-
barroca por razoes de ordem cronol6gica, a revelia de nal muito mais pr6xima do que se supunha da arqui-
qualquer criteria estilfstico, pois se opoe radicalmente tetura contemporanea; descobrira que os verdadeiros
a tudo aquilo que caracteriza o movimento barroco. ·problemas arquitetonicos tinham sido percebidos e re-
0 que Lucio Costa efetivamente aprecia na arqui- solvidos com born senso pela arquitetura colonial. Visto
tetura civil luso-brasileira c sua simplicidade e sua que podia oferecer 6timas liiyoes, nao devia ser rele-
pureza. Como vimos, desde sua Case neocolonial, ele gada ao esquecimento. Ao se esfor9ar para compreender
vinha se empenhando em reencontrar essas qualidades a razao de ser das solu96es do passado, ao se impregnar
tradicionais da arquitetura portuguesa, preservadas in- do espirito que as tinha criado, o arquiteto contempo-
tcgralmente nas colonias. Mesmo depois de ter-se con- raneo seria levado a perceber as solu96es que perma-
vertido ao racionalismo de Le Corbusier, preserva essa neciam validas e a encontrar novas solu~oes, adaptadas
preocupaiyao; o carater perfeitamente funcional e 16gico as necessidades presentes. A arquitetura "moderns" nao
dessa arte antiga prestava-se, alias, a uma aproximaiyao podia consistir numa ruptura pura e simples com 0
com o movimento moderno. Mas ele foi mais longe e passado. Era preciso saber rejeitar sem hesitaiyao tudo
logo se apercebeu de que, naquela arquitetura, havia aquilo que nao tivesse mais interesse, evitando uma
urns experiencia de tres seculos, da qua! se poderia imita9ao puramente formal, como o tinha feito o mo-
extrair ensinamentos, ainda hoje validos, desde que se vimento neocolonial; mas por que recusar sistematica-
tomasse o cuidado de nao se ater aos aspectos ja supe- mente a eventual contribui9ao de uma arquitetura que
rados dessa arquitetura, voltando-se para aqueles pro- responders, em seu tempo, de modo satisfat6rio a deter-
cesses utilizados que pudessem interessar a tecnica con- minadas necessidades, algumas das quais tinham certa-
temporanea. Assim, elaborou uma lista de seis t6picos mente desaparecido, enquanto que outras sao fatores
segundo ele merecedores de um estudo mais aprofun- permanentes? Devia ser feita uma triagem, mas o tra-
dado, tendo em vista uma eventual integraiyao de certos balho era compensador e Lucio Costa dedicou-se a ele
elementos a arquitetura contemporanea20 . Eram os se- com decisao. Desde o come90, ele tinha colocado o
guintes: problema tanto no seu aspecto geral quanto nos seus
t.
0
- Os sistemas e processos de construiyao em- aspectos mais particulares. Faltava passar a a9ao e pro-
pregados na epoca. var todos os beneficios que podiam ser tirados da atitu-
de por ele adotada. Esse objetivo foi alcaniyado, con-
2.0 - As soluiy6es adotadas para as plantas e suas
forme o demonstram brilhantemente suas realiza96es
variaiyoes em funiyao das diversas rigioes, dos progra-
praticas, que influenciaram assim uma corrente consi-
mas e dos problemas de ordem tecnica. deravel da nova arquitetura brasileira.
3.0 - Os telhados, muito simples sobre o corpo
principal, mas que se articulavam com flexibilidade, a 2. A arquitetura de Lucio Costa21
fim de englobar varandas e demais dependencias, sem-
pre evitando lanternins ou coroamentos com mansardas Ja foi observado que a dupla atividade de Lucio
(efetivamente, a moda destas coberturas existiu na Me- Costa - a de te6rico e a de arquiteto propriamente dito
tr6pole, mas nao atravessou o Atlantico; o Brasil per- - formava um todo indivisivel: assim, nao e de espan-
maneceu fie) ao velho modelo tipicamente portugues). tar que tenha desde o inicio se dedicado a tentar uma
4.0 - Os vigamentos feitos de modo a formar um sintese entre a arquitetura contemporanea e a arquite-
angulo obtuse no meio do telhado, a fim de que a tura colonial, tentativa essa que e sem duvida alguma,
resultante ruptura do declive e a brusca diminuiiyao da sua contribui9ao pessoal mais caractedstica no campo
inclina9ao tornassem possivel lan9ar as aguas da chuva estritamente arquitetpnico. Mas e evidente que, nesse
o mais longe possivel das paredes (esse era um meio esfor90 pela sintese, existem grada96es, que correspon-
eficaz de remediar a Calta de calhas e goteiras, mas dem mais ao genero abordado do que a uma verdadeira
o procedimento resultava numa cria9ao estetica original). evolu9ao cronol6gica22 ; alguns programas prestavam-se
5.0 - As r6tulas e as janelas, especialmente os perfeitamente a uma sintese desse tipo, outros, hem me-
modelos mais usuais no seculo XVIII: venezianas e ja- nos, e alguns, absolutamente nao o permitia. Nesse ca-
nelas de guilhotina dotadas de um sistema de seguran9a. so, nao se pode tratar conjuntamente de elementos tao
6.0 - 0 mobiliario. diferentes, como casas, predios de apartamentos e de es-
Como se percebe, tratava-se de um completo pro- crit6rios ou projetos monumentais (como Brasilia). A
grams de estudos da arquitetura civil colonial proposto sensibilidade de Lucio Costa sempre the permitiu encon-
por Lucio Costa e com um objetivo concreto. Perce- trar a solu9ao correta. Permanecendo fie! a si mesmo,
bendo, de um !ado, a semelhan9a entre o emprego da sem jamais cair em excessos dogmaticos; mas as solu~5es
estrutura de madeira e da estrutura de concreto e, do adotadas variam consideravelmente, segundo o tipo de
outro, a evolu9ao continua para um numero cada vez programa a ser resolvido.
maior de janelas manifestada do seculo XVI ao XX
21. G . FERRAZ, lndividualidadts na hist6ria da atual arquitttura no
nas constru96es dos velhos mestres-de-obras portugue- Brasil. V. L. COSTA, Habitat, n.o 35, out. de 1956, pp. 28-43 (lotos, plan•
ses (aos quais, a partir do seculo XIX, opuseram-se tM, cortes, tlcvac;Ocs).

os arquitetos diplomados pelas escolas oficiais), Lucio 22. Um t:c.amc superficial podcria £azer pensa.r que, entre. 19:40 e
19501 Lucio Costa apr-.stnta scu principal ptriodo de otividadt 101 P'!"1°
10
em prcocupac;Oes du1a ordem, afastando-se a seguir aos poucos dew hn1 1
anterior em favor de uma arquitctura mais especificamentc voltada P {111
20 . Cl. Documtnta~iio Ncc,uaria, R,vista do Seruiro do Patrimonio
o prese~u~. Contudo, nio parece ter lido a atitudc do arquiteto qued ttn
Histdrico e Arlistico Nacional, n.o I , 1937, pp. 31-39, rotomado tm L. sc modHicado, mas sim o tipo de encomcndes que lhc Coram confia u .
COSTA, Sohre Arqwi1ttura, pp. 86-!14.

124
t . Casas e mansoes
que jamais renega seu carater estritamente contempora-
Naturalmente, esse era o setor que ofer . . neo. Com efeito, Lucio Costa conseguiu evitar toda imi-
fac1·1·d d d ,
1 a es e smtese entre a tradi<;:iio local
ec1a ma1ores
. ta9iio servil, optando com seguran<;:a, de modo a niio
tura contemporanea. De fato a liberdade de a arq~ite- sacrificar o presente em nome do passado. Sua preocu-
d ' o arqu1teto
era ma1or ~esse genero, ? que num programs de fin ali-
• A
pa9iio primeira foi sempre a satisfa<;:iio das necessidades
dad~ colet_iva~, onde as u~posi<;:6es funcionais e exter- atuais e o bem-estar dos moradores, sem jamais deixar

-.r
nas sao m?1s_r~gorosas: prat~camente bastava contar com que as preocupa<;:6es de ordem puramente hist6rica o
um ~r~pnetanob compreens1vo para que se reduzissem dominassem. Um excelente exemplo disso e a organiza-
ao m1mmo os o staculos dessa ordem2s. Existi·a t b.( 9iio da planta dessas casas. A preocupai;:iio principal foi
1' t 1 .b T d am cm
uma cd1en e a_:ens1 1_1zaf a_pelo movimento neocolonial,
capaz e ace1 ar ma1s ac1lmente uma arquitetura dis-
creta~e~te moderna, que niio rompesse totalmente com
a trad1<;:ao. formal, do que as propostas revolucionarias,
que p~rec1am arrogantes aos mais desavisados. A raziio
essenc1al, p~rem, e que na?. se tratava de um programa
de constru<;:ao novo, espec1f1co da civiliza<;:iio do seculo
~X, mas d_e _um genero tr~dicional; e claro que as condi-
~s matena1s e_as neces~1dades a que devia correspon-
der essa categona de hab1ta9ao niio eram exatamente as
me~mas do seculo xy1~I, ~as nao havia uma mudan<;:a
radical _dos ?a~os pn?c1pa1s, que permaneciam pratica-
mente 1mutave1s; ass1m, as solu96es antigas permane-
ciam parcialmente atualizadas e capazes de serem facil-
mente adaptadas.
Sem duvida alguma, Lucio Costa foi o primeiro a
compreender esse fato e a enveredar por esse caminho.
Essa prioridade cronol6gica e a alta qualidade das pou-
cas casas que construiu (menos de uma dezena) assegu-
ram a estas obras um lugar importante no contexto da
arquitetura brasileira. A primeira da serie (de Roberto
Marinho24 ) data de 1937, mas seu aspecto atual niio
corresponde mais ao do projeto original; com efeito, ela
foi reformada uns vinte anos mais tarde a pedido de seu
proprietario, mas conservou o mesmo carater e a per-
feita unidade de concep<;:iio, ja que a reforms foi execu-
tada pelo pr6prio arquiteto. Foi realmente em 1942-
-1943 que o estilo de Lucio Costa afirmou-se plenamente;
nessa epoca, projetou num curto espa<;:o de tempo, tres
belas residencias: a casa de Argemiro Hungria Macha-
do211, no Rio de Janeiro, e as casas de campo do Bariio
de Saavedra e da Sra. Roberto Marinho, em Petr6polis 26 . Fig. 78 . Lucio COSTA. Casa de Roberto Marinho. Rio de
Ap6s esse periodo niio teve mais oportunidade para pros- Janeiro. 1937. Fachada para o jardim.
seguir nessa linha de trabalho, linutando-se a atender a
alguns apelos, como o do Dr. Pedro Paulo Paes de. Car- a cria<;:iio da continuidade entre exterior e interior, alias
valho, em 1944 (casa em Araruama, Estado do R10) e uma das conquistas mais caracterfsticas de nosso seculo,
do arquiteto Paulo Candiota27 , em 1950. mas que procurou criar de modo a niio prejudicar a in-
Um exame desses projetos destaca a habil integra- timidade em geral desejada nesse tipo de constru9iio;
<;:iio dos elementos tradicionais com uma arquitetura pelo contrario, conseguiu refor<;:a-la. Suas casas foram
portanto concebidas em fun<;:iio do jardim, seu comple-
mento necessario e para onde se voltam atraves de pare-
• 23. Ora, Lucio Costa jamais tcvc p~oblcma.s cm. ~•19:~io .a . i"o; o des inteiramente envidra9adas, os comodos principais.
numcro dos clicnte.s quc }be pcdiram proJctos de re!1d~ncJas h~uta-se a
algumas familias amigu, cm geral aparcntadas. entrc Sl, que quer_iam con- Mas niio houve nenhum rigor na solu9iio adotada; esta
liar we trabalho ao arquitcto c no qual manilcstavam total conhan~a.
variava em funi;:iio de cada caso. 0 patio, tiio comum
24. Rwi Dr. Alfredo Gomes. n.o I, Botalogo, Rio de Janeiro.
no mundo mediterraneo e hispano-americano28 , provou
25. Av. Viscondc de Albuquerque, n.o 466, ~o de Janeiro. Cf_., ~ -
MIND LIN L 'architecture modern, au Brlsil, Pans, sem data, pp. ll-l3 ser perfeitamente indicado para os lotes urbanos (casas
(plantas, fotos). Jnlclizmente, essa casa, adq~i~da. pela embaixada da de Roberto Ma:·inho e Argemiro Hungria Machado); ex-
U. R.S.S., corre o risco de sofrcr profunda.s mochhca,oes e de perder parte
de ICU carater original.
26. Essas duas ens.as ficam cm Corrcias, bairro elegant~ mci~ urbano, 28 . 0 piitio, tm compensa,;io, era totalmentc desconhccido na mo•
meio rural, situado na perifcria de Petr6polis (futado do Rio), _c,dade_ nas radia luso•brasilcira ; assim, scu aparccimento na arquitetura contcmponi•
montanhas muito apreciada pela aristocracia c pan.de burguc11a canoca. nca nio C de modo ncnhum resultado da tradic;io local. ao contnirio do
27 . Rua Codaja.s, n .• 231 Leblon , Rio de Janeiro. Cl. .Acr6pole, . n.• quc tcvc a corngcm de cscrevcr, no primciro nUmero consagrado ao Brasil
196, jan. de 1955, pp. 173.175' (lotos, planta.s) . A casa ~e. Paulo Caod1ota de .Architecture d'aujourd•hui (n.o 18-19, julho de 1948, pp. n-82), um
(1950) i obra de seu proprictario, mas este consultou Luao Costa quando jornal.ista anOnimo que ignorava a pro(unda di(ercnta quc scpara, sob
fez o projeto; a influ~ncia deste i claramente perceptive!. muitos aspectos, as duas Americas Latina.s, a e.spaohola e a portugucsa I

125
cec;:a? ~ a_casa_ ~e Paulo Candiota, onde os regulamcntos ha nada que possa lembrar a tradic;:iio luso-brasileir
mu111c1pu1s ex1g1am um grande recuo da parte construi- cxceto talvez a preocupac;:iio de apresentar a maior~
da em rcla~iio aos limites do terreno, obrigando prati- dessas casas, mesmo quando colocadas em torno de um
camentc a 1mplanta<;ao da construc;:iio no centro do ter- patio (Fig: 82)_, como um bloco compacto, dominado
r~1~0; os arquitetos que fizeram o projeto contornaram a por ~m~ ~1~e_tna ~a_ra quern as _olha do exterior. Cantu.
d~f1culdade integrando por rneio de uma pergola o jar- do, e d1f1ctl 1dent1f1car nesse t1po de soluc;:iio uma in-
d1~1 ao ~spa<;o interno c isolando-o da rua por um fluen: ia caracterizada da arquitetura do passado, ja que
bnse-solez/ que protegia tan to do calor,. quanta dos olha- tambcm se trata de uma das constantes da arquitetura

I I'
.

1
I

Fig. 79 . Lucio COSTA. Casa de Roberto Marin/Jo. Rio de Fig. 80. Lucio COSTA. Casa de Roberto Marinho. Rio de
I aneiro. I 937. I anela do terreo. Janeiro. 1937. Terra~o de um dos quartos.

res indiscretos. Em Petr6polis, em compensac;:iio, esse de Le Corbusier. 0 mesmo se pode dizer das varandns
problema niio existia. pois o terreno era amplo; assim, as contiguas a maioria dos dormit6rios, assegurando-lhes
casas foram colocadas propositalmente no centro do um ambiente extremamente agradavel; talvez se trate
terreno, mas a semelhanc;:a resume-se nisso; pois o tra- de um vestigio das grandes varandas que circundavam
tamento das duas obras e totalmente diferente. A casa as belas residencias dos plantadores de cafe do seculo
da Sra. Roberto Marinho (Figs. 83 e 84) terrea, apre- XIx~ii, mas niio seria arriscado ver, nessa disposic;:iio
senta um acentuado carater rustico: os dois apartamen- francamente contemporanea e pessoal, uma lembranc;:a
tos de que e composta desenvolvem-se, organicamente, pura e simples de uma soluc;:iio antiga cujo espfrito e
em torno de um nucleo central, e a obra integra-se har- um pouco diverso?30
moniosamente na natureza circundante. A do Bariio de Alias, os projetos em questiio utilizavam materiais
Saavedra (Fig. 85) responde a um programa mais am- modernos, com excec;:iio da casa da Sra. Roberto Ma-
bicioso: percebe-se nela a influencia dos principios de rinho, que representa um caso particular num panorama
Le Corbusier; nao existe mais uma comunicac;:iio direta geral. Foi o concrete armada que possibilitou a cons-
entre o jardim e a sala de estar, que fica no primeiro
andar, como as demais dependencias principais; a tran- 29 . As mois belns dessas residtncias atC hoje conservadas rncontram-se
no Estado do Rio de J aneiro ( cf. M 6dulo , n.o 29, agosto de 1962, pp. 1-231
sic;:iio exterior-interior e feita pelo espac;:o livre, ao mes- c cm llhabcla (Estado de Sao Paulo).
mo tempo aberto e protegido, situado sob a parte cons- 30. Na tpoca, a vida era eucncialmcntc comuniti.ria, c quartos r
,alas abriam para uma \'&randn comun1 quc, cm muitos casos, tambtan
truida sobre pilotis. Assim, em todas essas plantas, niio stf""ia como galcria de circula.;io que corria ao lon&"O de todo o andar.

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I : sala de estar; 2: patio; 3: impluvio ; 4: varanda : 5 : sala _d e
jantar; 6: copa-cozin ha; 7: despensa; 8: garagem; 9: lavandena :
10: quartos de empregada; 11 : dormit6rio s; !2: terrac;o coberto:
81 . Lucio COSTA. Casa de Argemiro Hungria Macha- 13: es tudio; 14: rouparia : 14: rouparia, 15: terrac;o: 16: parte
Fig.
do. Rio de Janeiro. 1942. Planta. superior do patio.

Fig. 82 . Lucio COSTA. Casa de Argemiro Hungria Machado. Rio de Janeiro. 1942. Fachada.

127
truc;ao do primeiro andar em balanc;o, como na casa de foi o emprego sistematico da cobertura de _telhas-canal,
Roberto Marinho (Fig. 78) ; a varanda do terreo interrada cm lugar do terrac;o, em concreto, trans1U11i.1ado em
ao edificio, como na casa de Argemiro Hungria Machao... pec;:asmestra da doutrina dos mestres racionalistras euro-
(Fig. 81) ; a construc;ao parcialmne te sabre pilotis, como peus. Era uma atitude audaciosa, capaz de parecer
na casa do Barao de Saavedra. £ uma arquitetura sim- sacrilega aos espiritos dogmaticos , porem perfeitamente
ples, toda em linhas retas, que nao procura o virtuo- justificada do ponto de vista funciortal ; de fato, era

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£1c.A&.A.& ,.,. . . . . . . . .
sismo para valorizar a flexibilidad e do material, mas Fig. 83 . Lucio COST A. Casa da Sra. Roberto Marinho em
utiliza discretame nte suas possibilidades numa distri- Correias. Petr6polis. 1942. Planta.
buic;ao muito segura e racional de cheios e vazios. As evidente que, num clima tropical, onde se alternam
qualidades dominantes sao o senso da medida, tao caro calor intenso e chuvas diluvianas num curto espac;o de
a Lucio Costa, e a ausencia de opinioes preconcebid as: tempo, as lajes de concreto tinham tendencia a rachar,
para ele, o concreto armado nesse tipo de obra e apenas tornando dificil a impermeabilizac;:ao e mais ainda a con-
um meio pratico de resolver os problemas tecnicos; servac;:ao; assim o telhado classico, ha muito empre-
apesar de ter extraido desse material uma expressao gado, revelava-se como uma soluc;:ao ao mesmo tempo
original, evitou usa-lo de modo exclusivo e agressivo; mais judiciosa e economica. Mas a escolha de Lucio
pelo contrario, procurou obter uma concordanc ia entre Costa nao foi guiada unicamente por razoes materiais,
os materiais artificiais, concreto e vidro, e os materiais mas tambem por motivos de ordem estetica. Como ja
naturais, como madeira e pedra. Esse esforc;o de sintese foi vista, ele se preocupou conscientem ente em rein-
e particularm ente acentuado na casa do Barao de Saave- troduzir, na arquitetura contempora nea, um carater na-
dra (Fig. 85), onde o arquiteto gozava de condic;:oes cional que garantisse uma continuidad e com o passado,
favoraveis, nao tendo de preocupar- se com as limitac;:oes tomando de emprestimo tudo aquilo que ainda apre·
decorrentes de um orc;amento restrito, e pode dar livre sentasse um interesse atual; em compensac;:ao, preca-
curso a gostos que correspond iam aos de seus clientes. veu-se ao maxima para nao copiar as formas desse
Decididam ente modernas em sua concepc;:ao geral, passado que nao mais se justificasse m, mesmo quando
as casas de Lucio Costa tambem estavam estreitamen te admirava sua elegancia. Nao retomou nem a curva
ligadas a tradic;:ao luso-brasile ira, grac;:as a retomada de graciosa do telhado portugues, nem o complexo viga-
certos elementos do vocabulario corrente da arquitetura mento que o tornava possivel, pois depois que as par~-
colonial. 0 mais importante e tipico desses elementos des tinham deixado de ser de taipa, material parll·

128
cularmente vulneravel as infiltra96es, a preocupa9iio de qiiencia ainda, entregava-se a solu?5es nova:: na ~asa
lan9ar as aguas pluviais longe das paredes niio era mais de Argemiro Hungria Machado (Fig. 82), nao vac1lou
fundamental. Portanto, os telhados eram rigorosamente em fazer com que as telhas repousassem diretamente
retos, de acordo com o carater retilineo de sua arquite- sobre uma fina laje de concreto que avan9ava como
tura, e sua ligeira e uniforme inclina9iio sublinhava a uma cornija, nem em inverter, o sentido habitual da
horizontalidade dominante dos ediffcios; estes extrafam inclina9iio do telhado na casa do Bariio de Saa_vedra
(Fig. 85), uma solu9iio inteiramente nova na epoca.
Pode-se mesmo dizer que, nele, houve um~ ~ontad~
deliberada de associar intimamente os materia1s tradi-
cionais com a tecnica contemporanea, visando humani-
zar o que esta poderia apresentar de abstrato. Por esta
raziio utilizou, em certas fachadas (as residenciis de
Roberto Marinho e do Bariio de Saavedra), janelas pro-
- tegidas por degantes beirais onde as telhas-canal de-
sempenham um papel psicol6gico importante, mesmo

\
/ ~
- quando niio parecem ter, a primeira vista, uma fun9iio
pratica indiscutivel33, estando simplesmente incorpora-

) ·~ · · . ·1iJ das a uma estrutura autonoma capaz de dispensar esse


complemento (Fig. 79) .
O mesmo espfrito de sintese entre necessidades

Ii\ ~ :__ praticas e preocupayaes intelectuais ou sentimentais


reaparece na utiliza9iio muito judiciosa das treli9as de
madeira, inspiradas diretamente nas venezianas da epoca
colonial. Esse processo, que tinha a vantagem de pro-
j]-1 teger ao mesmo tempo do sol e preservar a intimidade,
foi utilizado de modo sistematico e resultou numa gama
de varia96es notaveis - desde a retomada pura e sim-
ples dos elementos de outrora ate a transposi9iio destes
para uma linguagem nova. 0 exemplo mais significa-
tivo desta retomada sao os muxarabis colocados no patio
da residencia de Argemiro Hungria Machado3". Esse
motivo de origem mw;:ulmana, incorporado desde a
ldade Media a arquitetura civil portuguesa, foi trans-
posto para o Brasil, onde foi de uso corrente ate o
seculo XVIII; nas residencias em questiio, Lucio Costa
o retomou sem alterayaes3 ~, a fim de recriar o ambiente
desejado por meio de uma oposi9iio sutil entre a nudez
provocante das paredes de uma residencia contempo-
ranea e a ornamenta9iio delicada, com acess6rios toma-
dos de emprestimo a um repert6rio antigo e capazes de
Fig. 84. Lucio COSTA. Casa da Sra. Roberto Marinho em
Correias. Petr6polis. 1942. Desenhos. real9ar as qualidades fundamentais da arquitetura con-
temporanea. 0 mesmo se pode dizer da veneziana da
seu valor da simplicidade, da perfeita adapta9iio ao con- fachada da residencia de Paulo Candiota (Fig. 88) e das
junto, mais do que de pesquisas puramente formais31 • persianas das pequenas janelas da residencia do Bariio de
Alem disso, niio foram retomados os largos beirais da Saavedra (Fig. 85), que repetem exatamente o desenho
epoca colonial; estes s6 foram conservados quando asse- tradicional com fundo em losangos dos postigos seme-
guravam uma prote9iio eficaz contra a chuva e o excesso lhantes da epoca colonial. Mas esses exemplos niio pas-
de insola9iio32 , capaz de atingir as partes elevadas de sam de exce96es. De fato, Lucio Costa preferia uma
uma fachada muito expos ta (Fig. 82) . cria9iio nova, inspirada nas solu96es de outrora, mas
0 emprego de um sistema antigo niio implicava que respondesse aos problemas contemporaneos, a inte-
recorrer necessariamente aos mesmos processos de gra9iio pura e simples de motivos vindos diretamente do
outrora. Lucio Costa bem o provou; freqiientemente passado. Assim, com freqiiencia empregou um simples
substitufa a madeira pelo concreto armado, conforme o
caso retomando o tipo tradicional de madeiramento de 33. Na verdadc, etas ainda linham uma funcio pr,tica: na casa de
Roberto Marinbo, garantiam uma impcrmcabilizac;io suple.mcntar e pro,.
vigas entrecruzadas (Fig. 87), mas, com maior fre- tegiam a laje de concrcto contra cvcntuais inriltrac;Ot.1i na case do Bario
de Saavedra, alim de sua (unc;io reol de cobcrtura, sua accntunda pro-
jcc;iio constituin um meio cficaz de protec;io do 101; por o utro lado, o fato
31 . Elu existem entretanto na casa de Paulo Candiot.a, onde podem de tcr c nvcrnizado a pa.rte inferior, como sc fosscm azulcjos, ~ um re-
scr cncontrados consolos de madcira para suslentar vigas c ujo cortc lcmbra,
de modo 1implificado, as !ormas usadas no seculo XVIII. quinte ondc sc pode vcr a importAncia quc LUcio Costa atribu{a ao fator
psicol6gico; alia.5, desta ve.z trata-se de um empristimo do cstilo neocolonial.
32 . 0 escudo da arquitetura colonial tin ha levado Lucio Costa a
concluir que os bcirais visavam, naquela ipoca, protcgcr da chuva e nio 34, Cf. H . MINDLIN, op. cil., p . 22.
do 10I (Reuirla do S.P. H .A.N., n .• l, 1937, pp. 31-39, n1omado em Sobre 35 . Mas clc modificou o sistcma de abrir os caixilhos inferiores, que
Arquileluri>, P.P• b'>-94). mas nio se duvida que a aplica~io que clc fez sio empurrados para fora como vencz.ianas ou persianas l italiana, cm ve.z
do metmo pnnclpio nio tinha por objctivo esscncial uma defesa contra de scn:m dobrados pan os lados, demonst.nndo que e.le nio se prendia
um (cn6rncno cuJas corueqil~ncias nio cram mais tio dram,ticas quanta rigidamcnle ao motivo que copiava, quando se trat2va de dar a es.se mo--
antes. tivo um ape.rfei~oamento pr'-tico.

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.:: ~ :=:-:--\ C ~-= .:o B:iriio de Saavedra em Fig. 86 . Luc io COST A. Casa do B,in1o de S,1,1\ edra em
?~-=-... ;--~::.s. : 942·19 ➔4 . Fachada. Correias. Petr6 po lis. 1942-1()44. Entrada

; Jo
ripado de madei~a para fechar parcialmente os espa<;os um ambiente agradavel e de born gosto. Um dos segre-
abe:tos, consegu~ndo obtcr efcitos admiraveis com as dos de Lucio Costa e a dosagem habi l nas misturas
treli9as bara.tas tao usadas na vida cotidiana '· a bala us- feitas, onde os elemen tos tomados de empres timo ao
t~a da que <:_1rcunda o terra90 sab re pilotis da residen- passado assumem um carater moderno c. em compen-
c1a .do Barao de Saavedra insere-se perfeitamente no sa9iio. os acess6rios francamente modernos conservam
con1unto e garantc uma liga9ao impecavel entre O refi - uma afinidade com o passado 37 . Conseguiu perceber o
n_ame~t? de certos elementos decorativos e a apa•entc parentesco entre as antigas venezianas e o brise-soleil
s1~P!!c1dade ge~al do ediffcio ; ainda mais original foi inventado no seculo XX; port anto nao hesitou em justa-
a 1deia de cobnr totalmente, por meio desse proc....,, 50 , por os dois elementos ou, conforme o caso, em fazer
um dos terra90s da residencia de Roberto Marinho uma sfntese entre eles, mas, nas residencias, essa atitude
ga~an~in_do a esse co~~limento natural dos dormit6rio~ foi apenas esbo9ada; a expressao mais marcante dessa
a mt1m~dade necessana· 6 , ao mesmo tempo em que audaciosa tentativa manifestou-se alguns anos mais tarde
proporciona um n:iagnff! co jogo de luz e sombra quando (1948-1954), no conjunto de apartamentos do Parque
o sol bate na trelH;a (Fig. 80). Mas Lucio Costa tomou Guinle.
Ter-se-ia podido pensar que Lucio Costa, tao sen-
sfvel ao encanto da arquitetura civil luso-brasileira dos
seculos anteriores, tambem retomaria o jogo de cores.
mas ele s6 o fez parcialmente nas residencias particula-
res que construiu. Recusa ndo o uso do azul, do rosa ,
do verde ou do amarelo, outrora tao freqi.ientes, pre-
feriu adotar sistematicamente o branco para o revesti-
mento das paredes38 , atribuindo aos telhados e madei-
ramentos a fun,;ao de criar os contrastes de cor; agindo
assim, nao rompia com a tradir;:ao colonial, cujo prin-
cfpio era sublinhar a funr;:ao e a hierarquia dos diferen-
tes elementos por meio de tonalidades diversas, mas
apenas reduzia a palheta a um unico tom. destinada ao
elemento que ocupasse a maior superffcie. Essa atitude

Fig. 87 . Lucio COST A. Casa do Bariio de Saavedra em Fig. 88. P. CANDIOTA, L. COSTA e B. TOROK. Casa de
Correias. Petr6polis. I 942-1944. Terrayo coberto. Paulo Ccmdiota. Ri o de Janeiro. 1950. Fachada.

cuidado para nao se repetir; conseguiu dar, a progra- de conciliar;:ao niio provinha de uma recusa absoluta de
mas semelhantes, uma serie de varia96es que impedi- grandes superffcies coloridas, ja que o arquiteto as
ram qualquer monotonia. Basta olhar as varandas fecha- empregou em outros ediffcios, mas da natureza dos
das e simetricas das extremidades da residencia do projetos: Lucio Costa desejou conservar, em suas resi-
Barao de Saavedra para ver a manifesta9ao de seu espf- dencias, um aspecto totalmente contemporaneo de modo
rito inventive e a seguran9a de sua escolha: alternancia
37 . A ca!a. dr Argcmiro Hungria i l nc hndo ofrrrcc um cxcclcntc
de madeira e concrete armada, persianas com fendas rxcmplo dc~sa dupla tcndi-ncia; n tfc nica atual apart"fc no trat:uncnto
<ladn aos muxarabu do p:\lio c pcrmitc quc cit! sc intcg rrm pcrfri tau,cntc
horizontais, paineis de veda9ao cheios, brise-soleil fi xos oo runju nto ,fa composu:.iio; o cont r3.rio ocorrr na fochada ondc o cm•
com Iaminas verticais mais ou menos espa9adas (Fig. pr,.go de madrira para ru l.i111inas \'C rt.i c.ii s do brin•soltil da · grande porta-
janc la estabclece sutilmt-nte a liga<;:io com o passado.
87) - e um verdadeiro festival de so!U<;6es em si muito 38 . S6 na crun de Pnulo Candio ta ho uve um jogo de cores nitida-
simples, habilmente fundidas para chegar a cria9iio de mente divcnificado : rcvcstimrnto parcial 8 base de pcdra arnarda (crru•
ginosa , ,·ltmentos vazados dt- ctrimira vrrmclha , tijolo aparcntr, etc. t.f as
LUcio Costa foi apcnas colaborador do arquitcto proprit-t3rio, quc ~colhru
36 . De lato, a casa esta ao Iado de grandcs prcdios. pcssoalrnrnte w matcriais.

131
a niio evocar o estilo neocolonial da decadn de vinte· 2 . 0 Hotel do Parque em Nova Friburgo•t
assim, pareceu-lhe que o branco absoluto30 era um~
necessidade_ ~ue se impunha especificamente para o Encarregado, pela fam ilia Guinle, de projetar e
gen~ro trad1c1onal das casas; as mesmas limitac;oes niio meio a um belfssimo parque nas montanhas, um hot:
devrnm ser levadas em considerayiio nas constru96es rnodesto em tamanho, mas destinado a uma clientel
que cram fr_uto da civiliza9ao industrial, sem preceden- rica que ali ~iesse descansar durante as ferias, Luci~
tes na arquttetura do passado. Costa constru1u, em 1945, essa obra marcante, num
lgualmente notavel e a ausenci a quase total de magnffica demonstrac;iio das possibilidades de um a
azu)ejos, enc?ntrados somente em alguns pontos secun- arquitetura contemporanea livre de todo complexo 0 ~
danos, espec1almcnte na residencia de Roberto Marinho, preconceito em rela<;iio ao passado. Inteiramente feito
o~d~ real<;am o enquadramento de uma porta de servi90. de materiais naturais ou de fabricayiio elementar, dis-
Lucio Costa pnrece ter deixado de !ado voluntariamente poniveis no local - soluyiio mais racional do ponto de
esse proccsso, sem duvida pelas mesmas raz6es acima vista economico - , o hotel do Parque de Siio Clemente
exposta_s40 , e_ p~ra evitar cair num excesso decorative e integralmente moderno tanto no espirito quanta no
que t~n a preJud1cad~ a simplicidade estritamente arqui- tratamento. Trata-se de um edificio com estrutura inde-
tet8111ca que pretend1a dar a suas casas. Assim evitou pendente, permitindo o livre desenvolvimento de uma
t~mbem todo vestigio do repert6rio ornament~! ante- planta funcional; andar terreo sobre pilotis, parcial-
rior, com uma s6 exceyiio: o corrimiio da escada de mente fechado par grandes superficies envidrayadas e
acesso a residencia Bariio de Saavedra (Fig. 86), onde piso superior em balanyo, onde todos os quartos s~r-
elegantes volutas alternam-se com simples barras retas· vidos par uma galeria posterior, e cuja fachada da
mas ~sse vestigio, tiio discrete e tiio bem integrado ao~ para um terra<;o coberto, gozam da melhor orientac;iio
dema1s elementos modernos do contexto onde esta colo- e da melhor vista da paisagem. Chama logo a aten9iio
cad? par! um conjunto austere, traz uma nota de leveza a semelhan<;a que existe entre esse hotel (Fig. 89) e 0
e d1st111yao que faz o encanto da composiyiio. de Niemeyer, em Ouro Prete (Fig. 66): o principio geral
. De fato, excetuando-se o periodo neocolonial ante- adotado e identico e conseqi.ientemente o mesmo acon-
n or a 1930, a incorpora9iio de motives tomados de tece com a se<;iio transversal de forma trapezoidal
empresti_mo a arqui tetura luso-brasileira jamais foi feita (Fig. 90), resultado de um programa equivalente e, prin-
em detnmento ~o. carater estritamente contemporaneu cipalmente, de uroa identica disposi<;iio no flanco do
das obras de Lucio Costa. Muxarabis, venezianas de- morro4 2 . Essa aparente semelhan<;a de duas obras
talh~s decorativos inspirados em modelos antigo~ s6 tecnica e completarnente diversas era uma notavel de-
surg1ram em cas~s onde a tecnica construtiva empre- monstra<;iio do acerto das conclus6es a que tinha che-
g~da e a expressao formal dela resultante pertenciam gado Lucio Costa quando assinalou, durante seus estu-
tao ~la_ram_ente a este seculo, que nenhuma duvida podia dos sabre a arquitetura luso-brasileira, o parentesco

I pers1sllr; em compensayiio, eles foram eliminados em


casas coma a da Sra. Roberto Marinho (Figs. 83 e 84),
menos marcada em termos crono16gicos dado o seu
elaborado aspecto rustico. Assim, esses elementos toma-
dos de emprestimo do passado jamais eram pastiches
existente entre as estruturas de madeira e de concrete
armado 43 • Provou assim que a arquitetura contempo-
ranea niio estava obrigatoriamente ligada ao emprego
de materiais artificiais atuais e que, em certos casos,
para construr;6es de pequeno porte, podia-se lanr;ar miio
niio tinham par objetivo copiar o passado; coma ja fol de recurse~ tradicionais sem com isso renunciar as gran-
su~linhado; visavam somente criar uma atmosfera psico- des conqu1stas do seculo XX e aos principios enuncia-
l6g1ca e garantir uma continuidade espiritual entre a dos par Le Corbusier. A ado<;iio de uma estrutura de
arquitetura local de outrora e a arquitetura contempo- madeira, cujas colunas, vigas e pisos eram constituidos
ranea, em nenhum caso prejudicando a independencia par tr?~cos pouco desbastados (Fig. 91), apresentava
total desta. Alias, os elementos tomados de emprestimo uma s~r~e de_ vantagens: economia consideravel, ja que
propriamente ditos siio bastante rares, tendo Lucio Costa a _matena-p_n~a, abun~ante no local, era quase gra-
se dedicado mais a transposiy6es: dessa maneira, con- tu1ta; o ed1f1c10 assum1a um carater de simplicidade
seguiu elaborar um vocabulario absolutamente nova, rustica, muito apreciado pelas pessoas a que se des-
conservando, ao mesmo tempo, profundas afinidades tinava; enfim, o ediffcio inseria-se sem violencia numa
com a tradiyiio local. Mas essa tentativa, ja esboc;ada paisagem inteiramente respeitada (Fig. 89), oferecendo
nitidamente na maioria das obras acima citadas, s6 a? m~smo tempo um notavel conjunto de solu96es fun-
assumiu a sua dimensiio mais significativa nos progra- c1onais.
mas que respondiam a necessidades novas, sem prece- A l6gica domina toda a composi<;iio. Estabelece-se
dentes imediatos na arquitetura antiga, levando a obras uma estrita hierarquia entre o bloco principal, simples,
notaveis, coma o hotel do Parque Siio Clemente, em
41. Cl. A,chiteelurt d'aujou,d' hui, n.• 13- 14, set. de 1947, pp.
Nova Friburgo, e o conjunto do Parque Guinle, no Rio 50-52 c H. MINOLIN, op. cil., pp. 106 e 107 (lotos, p lantas).
de Janeiro . 42. Em an!bos os caso.s, a_ obra f?i concchida cm func;.io de um con•
tcxto prcdctcrmm~do que dcv1a scr intcgralmcntc rcspcitado, oo mesmo
tempo que orercCJo aos fotu_ros ~6spedts uma situac;io privilegiada para
~ 39 . Exccto qu:rn~o utilizava a pcdra bruta para contrastcs, como no desrrut~r. desse con,tcxto. arqutt!tOmcC? ou natural. Mas a distribui(io feita
tcrrco da ctll3 do Ba_rao de _Saavedra; mas essc emprcgo foi rcscrvado par:1 por L'!c10 Costa e !Dulto mau 16gica do que a de Niemeyer; 3 forma
as c:,sa, de Petr6polts, a l1m de dar-lhes um toque rwtico adequado a trupczo1~a! c a ad~ ao do telhado de uma s6 ;igua ntio provCm m3is da
sua funtio de casa de campo. ' supcrpos1<;ao dos quartw servidos por um Unico corrcdor 1 mos da aera(3.0
40 . AIC~ disso, convCm notar quc os azulcjos nio fo ram cmprcgados dos banhciros. dispostos na fachada .P.:Osterior c iluminados par janela.s
P.ara os cxtcnores _na arquitet':!r~ civil da capitania de Mina., Ccrais (par- abertas sobre a galcria de circula~iio ( Fig. 92).
ucularmcntc aprecaada por Luc.1 0 Costa). mas sim no Nordcstc c no Rio 43 . R evisla do S. P./1.A.N., 1937, pp. 31,39, retomado em L. COSTA,
de Janeiro, ~ is.so principalmcntc a partir do seculo XIX. Sabre Arquit,tura, pp. 86-94.

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mas de f~rma pura, clara e imponente, e os elementos particulares, sublinhando a ci;~eren<;a de func;oes e impe-
anexos, d1scretamente colocados na face em recuo mas dindo, grac;as a uma habil gradac;ao, a ruptura com .0
nem por isso negligenciados. Essa face , freqiiente~ente meio circundante, ruptura essa que fatalm_ent~ t_er!a
esqw~cida (Fig .. 92) juntamente com a outra, em geral ocorrido no caso de uma parede lisa. A d1stnbu1c;~o
a umca conhec1da, e um dos pontos altos do projeto: das janelas e uma verdadeira obra-prima de harmoma
0 corredor que serve os quartos e o volume central de e assegura a unidade do conjunto, ao mesmo tempo em
pedra brnta que abriga a escada constituem volumes que sublinha o carater particular de cada um dos ele-

Fig. 89 . Lucio COST A. Hotel do Parque Sao Clemente. Nova Friburgo. 1944. Fachada principal.

Fig. 90. Lucio COSTA. Hotel do Parque Siio Clemente. Fig. 91 . Lucio COST A. Hotel do Parque Siio Clemente.
Nova Friburgo. 1944. Face lateral. Nova Friburgo. 1944. Detalhe da varanda.

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