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A. H. DE OLIVEIRA MARQUES

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HISTORIA
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DE

® PORTUGAL
DESDE OS TEMPOS MAIS ANTIGOS ATE A
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Manual para uso de estudantes e outros /-"-

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curiosos de assuntos
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1- Apetrechamento e necessidades,

Do ponte de vista puramente tecnol6gico, as grandes descobertas Inventos

sido possiv~is nos come<;os do se.culo XIV, cern anos mais cedo na arte
de navegar
.que .realmente principiaram. Estavam conseguidos .os. principais
s na arte de navegar. E erainegil.Vel a sua convergencia ria Pe-
lberica, nomeadamente em Portugal.
Passe decisive fora a invencao do Ierne central fixado.ao cadaste
popa, em substitui<;ao dos lemes laterai.s a maneira de .remos. Cre-
:ditacio ao mundo ba1tico, onde apareceu primeiro, nos meados dose-
9ulo XIII, o leme central era conhecido em Espanha em 1282, pelo
menos, e usado pelos navies cantabricos. A bussola, outra novidade
mesmo periodo, veio da China e generalizou-se na ar,ea do Medi-
'terraneo por intermedio dos Arahes. Uma terceira inven<;ao da centu-
'ria cie Duzentos; o portulano, derivarada observa<;ao directa median~
te o uso da bus sola e levara. a possibilidade de determinar uma rota
·em consideravel extensao de mar alto, contrastando com a tradicio-
nal navega<;ao de cabotagem. Os mareantes italianos serviam~se jade
portulanos assaz evoluidos pelos come<;os do seculo XIV, com as ca-
racteristicas rosas.,dos-ventos e a consequente representa<;ao de linhas
derumo.

«As cartas-portulanos desta epoca, elementos essenciais da navega~ao entao

praticada, representam as costas europeias do Mediterraneo, p .Mar Negro, todo o
:I.,. ·QOroeste da Africa ate o (::,abo Bojador (ja designado por algumas delas por nome de
:; que a palavra portuguesa e mera corrup~ao), a costa do Cantabrica e a do Mar do
Norte, incluindo as Ilhas Britanicas. Analisando de perto e por ord~m cronol6gica
todas as cartas desta epoca que conhecemos, verifica-se qtie a represeilta~ao do Norte
· europeu vai melhorando· de cartografo para cartografo, o que sem duvida espelha
 238
Prim6rdios da expansao ~metrechamento e necessidades 239

como se intensificaram com o tempo as viagens ate esses lugares longinquos. o. caravo .ou caravela (do arabe qarib), semelhante ao
as cartas se encontram entrecortadas de Iinhas de rumo, ou seja de Iinhas rectas .
divergem de certos pontos da carta nas direc9oes dos pontos cardeais, intercardeais ·
usado pelos Arabes no Oceano indico. Os Portugueses aper-
das bissectrizes dos iingulos definidos por esses rumos principais (designadas rna." am-nos aos poucos, surgindo, pelos come~os do seculo XV,
tarde por quartas); sao ao todo 32 linhas que partem de cada urn daqueles pontos, e; tipo de ~avio, ideal para viagens a longa distancia, Ionge da
que marcam na carta as 32 direc9oes assinaladas nas rosas-dos-ventos [... ] i! de costa. Esta caravela de Quatrocentos, que alias nao parou de
[... ] Note-se, porem, que os rumos marcados na carta sao os magneticos, e nao:. transformar ate ao seculo ,XVI, possuia urn casco largo calando
os geognHicos. Com efeito, os cart6grafos limitaram-se a transmitir aos seus esbocos i . . . · 4,gua, com tres mastros hasteando velas triangulares, ligadas a
os elementos fornecidos pelos pilotos; e estes, estimando em milhas as derrotas venci- vergas. Tudo is~o perrriitia grande mobilidade na manobra
das de porto para porto, orientavam cada viagem pela bussola, sem corrigirem da
declinacao magnetica, que ainda nao havia sido reconhecida, o rumo apontado pela
tomar urn r11mo que podia fazer urn angulo de mais de 50 ° com
agulha. Nestas condicoes, todo o desenho ficava deformado: e not6rio, por exemplo, 'C ·,·. do vento. A toncrlagem media nao excedia cinquenta tone-
que o conjunto da bacia do Mediterriineo esta distorcido nos portulanos. [... ]» ~·: om navio corn estas caracteristicas e apetrechado para viagens
berta precisavade mais de vinte homens de tripula~ao.
(Luis de Albuquerque)
Entre as aquisi~oes pratiCas deste tipo, resultado da experiencia e Ciencia
. Estes tres inventos, combinados corn urn aperfei~oamento nas , pericia dos mareantes~ e o:cohhecimento te6rico partilhado pores- nautica
artes de navegar e da constru~ao naval, sugeriam imensas possibilidaJ · . e governantes, o fosso era imenso. A pouco e pouco fora-se
des. A vela triangular ou latina, inven~ao grega ou siria da Alta !dade urn vasto corpus::de ciencia astron6mica e matematica,
Media, tornava possivel inanobrar com relativa presteza ate os mais 1adentemente moldado por longos anos de estudo islamico, judaico
largos navios. Em rela~ao com ela, os mareantes do Mediterraneo sa- , mas essencialmente fundamentado nos conhecimentos do
biam como mivegar a bolina, ou seja, aproveitando a forc;:a contraria romano. Os mu~uhrtanoshaviam sido os criadores de uma ex-
do vento. Mas tinham pouca necessidade de desenvolver ou aperfei~: <~~H~~ ~.complexa terminologia q~e cobria todos os ramos da ciencia.
~oar esta tecnica, uma vez que a navega~ao era sobretudo costeira,' Tinham manti do viva a doutrina grega da. esfericidade da Terra. Cal-
com distancias curtas e ventos geralmente favoraveis. Na regiao do· o comprimento do grau do meridiano com notavel precisao,
Atlantico, tanto mareantes do· Norte como mareantes do Sui iarri acircunferencia da Terra em cerca de 33 000 km, nao mui-
aumentando o tamanh·o das suas naves, fazendo-as, ao mesmo terri~ tolonge dos 40076 km reais. Aperfei~oaram tambem o antigo astro-
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po, mais !eves e faceis de manobrar. Os Cantabricos eram considera- 1abio. Grande parte destas aquisi~oes te6ricas teve Iugar na Espanha
dos peritos em constru~ao naval, exportando navios ·para diversas mu~ulmana. Quando os cristaos a conquistaram, muitos tratados
partes da Europa durante todo o seculo XIV. · ~fabes come~aram a ser traduzidos para latim, surgindo em Toledo
Como inventos e melhoramentos tecnicos se relacionam quase lima famosa escola de tradutores. Foram astr6nomos mu~ulmanos e
sempre com vastas areas, e nao com paises, torna-se dificil determi-. jUdeus que corripuseram igiialrl1ente as famosas tabuas toledanas,
nar o papel exacto desempenhado por Portugal em toda esta revolu.:: cdtitendo grande numero de importantes observa~oes matematicas
~ao nautica. Do que nao resta duvida e de que a sua posi~ao geogra~ coih aplica~ao nautica. Pelos fins do seculo XIII, o rei Afonso X de
fica e as suas caracteristicas culturais favoreciam o encontro de pro- Clistela fez com pilar a urn grupo de escolares cristaos e judeus uma
cessos novos, vindos do Atlantico, do Mediterraneo cristao e do Me- . especie de enciclopedia de astronm:nia, OS Libros del Saber de Astro-
diterraneo mu~ulmano. Sabemos tam bern que o sui de Portugal, com
nbmia. Varios outros tratad6S foram compostos por toda a Peninsula
lb~rica, particularmente na Catalunha.
sua longa tradi~ao islamica e mo~arabe, teve importancia decisiva no' !·":\·,
surto da navega~ao a distanciae na recep~ao de influencias multiplas:· · '•·; 0 conhecimento geografico;estava tam hem partilhado, e diferen- Conhecimentos
Grande val;iedade de· naves, principalmente usadas na pesca, traiam temente partilhado, entrecientistas, mareantes e mercadores. A costa geograjicos
uma origem mu~ulmana, quer no nome quer no tipo. Entre elas. ocidental africana era conhecida ate alem do cabo Bojador
 ~
~· 240
.:oeu:ecnamenco e.necessidades 241

~ .~., ~
.· I ~ (26,5 ° N), como claramente· mostra 'Urn .atlas catalao de 1 .ou nove ilhas mais pequenas na direcc,:ao norte-sui, etc. Em con-
A mesma fonte testemunha sem sortrbra: de duvida que, todas elas fundiam uma boa dose de imaginac,:ao com a tradi-
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: 11

Cam1rias como o arquipelago da Madeira, haviam sido visitad()s · cie descobertas antigas, remontando porventur'a as fontes da des-
~ Ocidentais. 0 interior da Africa do Notte era desoritb ate ao plat6nica das ilhas do Atlantico e de urn continente ocidental.
~ Sahara, com profusao de pormenores s'obi:'e os seus' oasis, pistas · ,,.,,....••1e. «Sete Cidades» derivava dos lendarios sete bispos que ti-
vaneiras e reinos indigenas. Toda e~ta informa~aO, que derivavli. fugido a invasao arabe da Espanha no seculo VIII e fundado
noticias dispersas, fora obtida sobrettido do i'nterior e transmitida'
~'
dioceses numa ilha descoberta algures no Atlantico. 0 nome de
Io e ao mundo muc,:ulmano. . ·' . ,Brandao andava associado a viagem lendaria empreendida por urn
.:
Teoricamente, porem, o Europeu Ocidental ainda sabia mais. irlandes antes do seculo X, talvez uma consequencia das expe-
1 an6nimo Libra del Conoscimiento, escrito ·em Espanha nos normandas a Islandia e Gronelandia.
i do seculo XIV, parece provar que o golfo da Guine e a cons .. y Mais do que nenhuns outros, todavia, foram os Arabes e algumas
mudanc,:a de direcc,:ao na costa africana constituiam conhecin1 ..u suas viagens reais no Atlantico que estiveram por tras das suspei-
i m\. real do tempo. Os ge6grafos arab.es chegavam a mencionar a co de terra a ocidente. Anteriormente ao seculo XII, uns «Aventurei-
>j ocidental de Africa ate ao Cabo da Boa Esperanc,:a. (como lhes chama a historiografia arabe) largaram de Lisboa,
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briram certo numero de ilhas habitadas - provavelmente as
;j «[ ... ) e chegamos ao Rio do Ouro de que ja contei acima que parte do Nilof
qual nasce nas altas serras do polo anu!rctico ond~ se diz que eo Paraiso terrestr~;c_.
arias -, regres~ando depois a Peninsula. Outras viagens arabes
l:j . de negros enquadrados na zona cultural muc,:ulmana parecem ter
atravessa toda a Nubia e toda.a Eti6pia e a saidad.a Eti6.pia parte-seem dois
:j urn vai contra o Egipto por Damietta eo outro bra<;o maior vern para poente e a1canc,:ado a ilha do Sal, no arquipelago de Cabo Verde, visitada com
;:J
-se no mar ocidental e chamam-Ihe o rio do Ouro; e andamos depois que partimos regularidade durante algum tempo a fim de se carregar sal. E bein
Rio do Ouro urn percurso muito grande, obscrvaildo sempre a costae deixamos 1 possivel que os Mouros da Peninsula Iberica tenham igualmente des-
tras as ilhas pcrdidas e achamos uma ilha muito grande pov'oada e de muita gente coberto (ou redescoberto) a Madeira e os Ac,:ores, mas ambos os ar-
chamavam-Ihe ilha Gropis [... j Partimos da ilhade Gropis e tomamos caminho con~
tra o lev ante pelo mar meridiana e achamos outra ilha chamada Quible; esta ilh!}'
.quipelagos se situavam Ionge demais da costa e suscitavam pouco in-
Quible esta ja no mar meridional e e povoada degente negra [... ]e. parti deste teresse econ6mico para um povoamento permanente. 0 historiador
Gotonie c chcguei a urn golfo que faz o mar oceano e havia neste golfo tres Leo Wiener afirmou mesmo, com impressionante acervo de elemen-.
I... I». tos, que os Negros islamizados do Sudao haviam descoberto a Ameri-
(Libro del Conoscimien(92 ca e deixado testemunho do seu feito em· muitos aspectos da agricul-
tura, industria, organizac,:ao politica e social, costumes e praticas reli-
Para noroeste e ocidente, a geografia mqstrava-se mais impreci~~: giosas, e ate terminologia nas civilizac,:oes pre-colombiarias do conti-
Escolares cristaos, como Santo Isidoro de Sevill1a, registavain a exis~ nente americano.
tencia das ilhas Fortunatas, G6rgades e Hesphides, estas duas pp:' Todas estas ilhas e terras, tanto reais como imaginarias, exerce-
voadas de monstros fabulosos. Aqui e alem surgia nos mapas dena~ rarn enorme influencia nas viagens dos Portugueses dos seculos XIV
vegac,:ao do seculo XIV e comec,:os do XV urn vish.1mbre de terra, coin;: e XV. Constituiram um dos mais importantes estimulos e um objecti~
cidindo aproximadamente com a Islandia e vagamente transmitin~9 YO: preciso para muitas expedic,:oes de descoberta, ao mesmo tempo
o eco da descoberta e colonizac,:ao norman<:l.as. A ser autentico, o. c;l~~~ que preenchiam as mentes com descric,:oes exactas (assim o julgavam)
mado mapa de Vinland tam bern representaria a Gronelandia e a costa e pormenorizadas das novas regioes. Eram um incentive para toda
norte-americana ou simplesmente.a TerraNova. Aocidente da Euro- a .gente, desde o homem culto e aristocrata ate ao ignorante vilao.
pa apareciam umas quantas ilhas: · a Antillia ou Ilha das . Sete E haviam de persistir em muitos top6nimos das ilhas e continentes
Cidades, as ilhas de S. Brandao, Brasil e Satanazes, uma cadeia de que vieram a ser .de facto explorados.
 242 Prim6rdios da exnansar ~!ht>trPrhamento e necessidades 243

OMar 0 reverse da medalha estava nas terriveis hist6rias que se mais exacta acerca do Preste Joao, que fora identificado como o
Tenebroso vam de semelhantes terras e mares. Toda a classe de monstros, da Eti6pia, depois de alguns contactos directos tentados e
gos e obsHtculos povoavam o Oceano Atlantico na cren~a de ambas as partes. 0 que permanecia objecto de grande con-
Transmitida ou forjada pelosArabes, a lenda do Mar Tenebroso era a maneira de chegar a Eti6pia por via de sudoeste ou de
crevia urn oceano habitado por seres estranhos e mergulhado em ,.;r~ ..... t~, continuando tambem a saber-se pouco do efectivo poder e
curidao constante, onde todos os navios naufragariam nas ondas do Preste Joao.
donhas ou nas aguas fei'ventes. Toda a classe de supersti~oes A maior parte de todo este conhecimento geografico era transmi-
va a curiosidade e refreava o desejo de presa. Durante muito aos Portugueses, nao apenas pelas correntes comerciais e politi-
os portugueses da !dade Media, como os Europeus em geral, que detinham como resto da Europa, mas tambem pelos embai-
ram entre a vontade de seguir alem, para ocidente e para sui, e o >v"n"r"'c, viajantes e pentgrinos que regressavam aos seus lares. De
mor de nao regressar mais. Era necessaria a pressao de grande importancia parecem ter sido as viagens do infante D. Pe- ::.
t::
ro de for~as poderosas para veneer esse medo e for~a-los a ir. a diversos paises e cortes da Europa (1425-28) e talvez a peregri- r,.
do conde de Barcelos, D. Afonso, a Terra Santa por volta de
A Asia A Asia, com seus misterios, constituia outra fonte de ch 0, ao lado das ernbaixadas enviadas aos concilios de Pisa (1409),
e o Preste lotio mento. Da Asia provinham as cobi~adas especiarias, assim como (1414-17), Basileia (1433-37) e Ferrara-Floren~a (1438-39).
materiais corantes, o marfim, as pedras preciosas e todo o genero
mercadoria requintada. A geografia medieval punha a Asia a «lnformacoes algo precisas sobre o Preste Joao, imperador cristao jacobita da
~ar no Nilo, e nao no mar Vermelho, incluindo portanto nela a Abissinia, podia-aster colhido D. Afonso, conde de Barcelos, bastardo de D. Joao I,
viagem a Terra Santa, que.~ anterior a 1415. 0 infante D. Pedro nao podia
parte da moderna Eti6pia. Alargava tambem o sentido da p
tambem de as trazer do seu p€riplo europeu, embora portador do Marco Polo,
«India», parte da qual englobava o nordeste da actual Africa. em 1428 esteve em Veneza, Ferrara, Roma e Barcelona, e nestas cidades sabia-se
varias «lndias» e · numa delas vivhi. urn grande imperador localizacao africana do Preste. Seu irmao D. Duarte casa em Julho desse ano com
governando urn vasto territ6rio, densamente povoado, imensameme "Leonor de Aragao; ora o pai desta, o rei D. Afonso, recebera no ano anterior em
rico e espantosamente poderoso. Era conhecido como o Preste 1
v.alencia dois embaixadores abexins·.D .. Pedro casa com D. Isabel, filha primogenita
visto ser ao mesmo tempo padre (presbitero) e rei. Faziam parte dq de Urge!, pretendent~ a coroa aragonesa. Mas em 1452 vinha mesmo a Por-
- donde seguiria, enviado pelo rei, para Borgonha - urn embaixador do
seu imperio toda a especie de monstros, figuras lendarias e paisagens · . . Joao: chamava-se Jorge, trata~se de Jorge Sur, enviado pelo Preste aRoma
edenicas. Este mito de Preste Joao revelar-se-ia de enorme importart7' em pdmeiro Iugar e ai chegado eni'Janeiro do ano anterior. Alias ja aquando do
cia no esclarecimento dos fins da ex pan sao portuguesa e ·dos modos Coricilio de Ferrara-Florenca ou pouco depois os delegados portugueses podiam ter-
como se processou . .Sabe:..se hoje que o conceito medieval de «Preste -.se encontrado em Italia com os abexins jacobitas ou pelo menos ter tido noticia da
Joao» (cujo nome parece derivar de zan hoy, «meu·senhor», forma es.tadia destes e do que diziam do pais que representavam. Em suma: nao parece que
· Portugal da epoca henriquina se tivesse acerca do Preste Joao outra concepcao
como OS Etiopes se dirigiam ao seu rei) fundia e confundia diversas nao fosse a que situava na Abissinia seu imperio e o alargava para Ocidente ate
tradi~oes e informa~oes relativas a tres nucleos de cristaos distintos e ~er penetrado pelo ansiado rio do Ouro.»
a varias entidades e realidades politicas: o reino cristao-monofisitada; (Vitorino M,agalhties Godinho)
Abissinia ou Aksum, as comunidades cristas-nestorianas da Asia
Central, e os grupos nestorianos espalhados ·pela india.· Com o mit0· · ,·Extensas e sistematicas viagens de descoberta e explora~ao exigi- Miio-de-obra
tambem se associavam e identificavam, com frequencia; os inipera~ ------- naturalmente mao-de.. obra' adestrada e abundante, quer na tri-
do res mong6is, no seu constante ataque aos reinos «pagaos» e islami~' pula~ao das naves, quer na direc~ao e planeamento gerais. E isto o
cos de toda a Asia, o que explica as repetidas tentativas ocidentais de tende a intrigar muitos historiadores, quando se debru~am sobre
entrar em rela~oes com eles. No sec1:1lo XV, cons·eguira-se ja in forma~; potencialidades demograficas, sociais e econ6micas de Portugal no
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!1
Mnetrechamento e necessidades 245
1m 244 P"rimordios da exoansai
11.1
I:f seculo XV. Na realidade, urn dos aspectos importantes a ;:,au~;;mc:u A Europa tinha falta de ouro. Por todo o .continente decrescera 0 problema
do ouro
que, durante muito tempo, as viagens dos portugueses nao rcontinuadamente a produc;:ao aurifera desde meados da centuria de
nem continuadas, nem extensas, nem sistematicamente 'M"'"'ntos, enquanto as compras feitas ao Oriente aumentaram com
Por muito mais de urn seculo, pescadores do sui de Portugal, igual continuidade. Escassez de numenirio impediu urn flores-
preocupada mas ousadamente, e durante varias gerac;:oes, foram ~;~, ... t,., maior do comercio e incitou mercadores e negociantes a uma
gando cada vez mais Ionge na sua busca de pescado, baleias e a de dominio das minas de ouro fora da Europa. As desvalo-
queio. Seguindo a boa tradic;:ao muc;:ulmana, alcanc;:avam com de moeda alcanc;:aram niveis impensaveis. Em Portugal,
quencia aguas africanas, dando cac;:a a barquinhos muc;:ulmanos. ja se viu (cf. Cap. II), esta fome de ouro - e tambem de
cristaos) que lhes fossem inferiores. Nao haviam de desprezar ;piata- sentiu-se muito especialmente no primeiro terc;:o do seculo
tuais baixadas a terra inimiga, se estivessem certos de que o perigo .XV, quando urn marco ( = 230 g) de ouro subiu de 250 Iibras (fins de
pequeno e a colheita lucrativa. Vagarosa mas continuadamente, Trezentos) para 251000 Iibras em 1433. Ora, sabia-se muito bern no
ram aperfeic;:oando os metodos de navegar dos seus barcos. V Ocidente que existia ouro algures em Africa, a sui do Sahara,
mas continuadamente tambem se foi desenvolvendo a sua de .. tr"'"'"·· visto que as caravanas arabes ou dominadas pelos Arabes o .traziam
transmitida de pai para filho. Quando, ao raiar do seculo XV, para o mundo muc;:ulmano. Para o obter, duas vias se afiguravam
circunstancias permitiram maior consciencia do que fora ja cou;:.~;;l!. possiveis: ou alcanc;:ar a posse de alguns entrepostos norte-africanos
do, e quando burgueses, senhores nobres eo proprio rei, feitos ~- o que explica, .~m parte, os ataques portugueses a Marrocos -, ou
dores, precisaram de mao-de-obra especializada para as suas tentar urn contactb directo com os povos a sul do Islam - o que ex-
empresas, foram acha-la em quantidade bastante para a plica, em parte tambem, as viagens portuguesas de descobrimento.
dos fins puramente piscatorios e empregarem em esforc;:os mais Na verdade, nenhuma nac;:ao da Europa Ocidental se encontrava mais
plexos. perto das jazidas auriferas do que a portuguesa.
Tambem nao saberiamos esquecer o papel desempenhado
pirataria. Obviamente, e pela propria natureza da pirataria, «0 ouro em p6 era extraido das areias da «ilha» ti/Jar, isto e (sabemo-lo hoje),
historicas do seu roteiro preciso terao sempre de ser escassas. da: regiao delimitada pelo rio Senegal ao Norte, pelos rios Faleme e Bakoy (ambos
tudo, ha provas bastantes de actividadepirata desenvolvida ao affuentes do primeiro) respectivamente a Oeste e a Leste, pelo Futa Djalon a Sudoes-
da costa pprtuguesa durante todo o final da !dade Media. Piratas · te e por urn afluente do Niger, o Tinkisso, ao Sui; compreendia os dois paises conhe-
cidos pelos nomes de Bambuk e Gangaran, de povoamento negro animista e feiticis-
tugueses, muc;:ulmanos e estrangeiros participavam nela. E bern t~. Alem da recolha das areias auriferas, estes negros «beil;:udos» conheciam ja, co-
vel que tenham procurado bases permanentes de operac;:ao em algumas; ~o'o atestaram as escava.;oes arqueol6gicas, a tecnica dos p·o.;os (que desciam ate
das ilhas Can arias ou mesmo no arquipelag9 da Madeira, tao perto da· 20 m) e galerias, tanto no Bambuk, Gangaran e Bure como na Costa do Marfim e na
costa africana. No seu proprio interesse, tinham de disfarc;:ar os escdrt:;; Costa da Mina. [... ]
derijos com toda a casta de mentiras e de induc;:oes em erro. Esta ascensao de uma nova for.;a parece estar ligada a entrada em exploracao de
novos jazigos auriferosmais meridionais, os de Bure. E o mansa- rei - dos paises
Avanc;:o tecnico e l).l.ao-de-obra especializada, todavia, nao basta-' e povos mandi -dos mandingas - que se v~ representado nas cartas catalas; tam-
ill' vam para suportar urn esforc;:o continuo visando a descoberta e explo- bern se !he chama Bor-Mali, pois este e o nome da sua capital, junto do rio Sanka-
!';·I rac;:ao sistematicas do mundo desconhecido. Houvera, nos seculos
XIII e XIV, viagens de descobrimento esporadicas, mas sem conti-
rani, perto do Alto Niger. Soberano de fabulosas riquezas, que herdou a grande
pedra de ouro dos imperadores de Ghana; urn dos reis de Mali, em apuros, vende-la-
~a a mercadores egipcios no seculo XV. Todo o pais dos negros, desde o oceano ao
'I,,

' nuidade nem persistencia, como iremos ver. Haviam de intervir for-
•I
·:1 sui do Gambia ateTombuctu, desde o Sahel ao Norte, e ate para Ia do Medio Niger e
:l c;:as maiores e mais profundas. Tinha de existir urn ajustamento de1 de Gao a Nascente, !he obedece. Os imperadores de Mali, como bons mu.;tilmanos, a
I condic;:oes favoraveis, uma conjuntura a seu favor. Foi isso o qu~ . exemplo de seus predecessores Soninke de Ghana, vao em peregrina.;ao a Meca, dis-
aconteceu na primeira metade do seculo XV. tribuindo ouro a rodos durante toda a viagem - e com ele a sua propria fama.
 246 247
Prim6rdios da exvansao: A.npfrechamentos e necessidades

Todos os .anos caravanas de centenas, ou ate de milhares de camelos traziaril do ao lito raJ, por Mellila, Badis e Targa, ou pelo interior, pelo corredor de Taza e
ro, passando pela mina de cobre de Takkeda e por.Kukya, as preciosas manufactu,r,a§ do Uerga. A Ceuta afluiam especiarias em grandes quantidades, quer (como e
e os produtos orientais, regressando evidentemente como fulvo metal~» . tle"nresurriir) trazidas por mar pelos italianos, quer (como diz a Cr6nica da Tomada
vindas dos desertos da'Libia; par esta expressao podemos entender que a
(Vitorino Magalhiies Godinho)
tecebia a malagueta da Guine, transportada por caravanas atraves do Saara,
as especiarias orientais distribuidas pelo Egipto e tansportadas em caravan as por
Para mais, ·a desvaloriza~ao monetaria tinha outra consequenoia rota terrestre ao Iongo do Norte de Africa, a certa distiincia da costa. Que a ci-
ainda: reduzia os proventos, tanto do rei como dos senhores feudajs 1 comerciava como Sudao, exportando coral para Ia (Ghana e outros centros) di-
numa epoca em que os seus gastos iam em aumento. Apesar de todas ; e certo que se trata de in formacao do seculo xfi e que nenhuma outra pos- i~ '

as actualiza~oes de rendas e de impostos tentadas e conseguidas pelos . a corrobora; em todo o caso nao vejo razao para que tal trafico cessasse nos se-
conselheiros regios e pelos legisladores, a nobreza- particularinente }
cU!os subsequentes. Por outro !ado, intermiml.veis caravanas de camelos carregavam ::t
cereais para o extrema da serrlt Ximeira, consoante Iemos em Moamede ben Alcaci-
nas suas fileiras de baixo - sentia-se empobrecer e lutava como .· !;fe: o maior dos fonduques, a Estalagem Grande, destinava-se exclusivamente a ar-
podia para superar esse empobrecimento. Solu~oes 6bvias mazena-los, sem contar com outros fonduques e matamorras; tais carregamentos de-
guerra de conquista, a actividade de corso e o saque. viam vir das planicies do Sebu e ate de outras mais meridionais. Das zonas mais pr6-
ximas o pao era provavelmente acartado em asnos, como sugerem varias passagens
de Zurara. Afigura-se-me plausivel que parte-talvez a maior parte-destes cereais
Outras
motiva~oes
Nao sabemos, por ora, ate que ponto e que urn alargamento siste~ . embarcasse no porto com destino a Granada ou mesmo a Castela. [... ]
matico das areas piscat6rias influiu nas viagens de descoberta. Boa .A darmos credito a Zurara, Ceuta era visitada por mercadores mouros de toda a
parte da industria da pesca achava~se nas maos do rei, de burgueses Barbaria, da Eti6pia, do Egipto (Alexandria), da Siria, da Turquia e das Indias
ricos e senhores feudais, cujos conselheiros podem perfeitarnente ter -enumeracao onde talvez haja amplificacao literaria. [... ]
planeado urn alargamento permanente das aguas «territoriais». Tam- Mas ao !ado da feicao comercial, e alimentando parcialmente este comercio, nao
bern precisamos. de muito mais investiga~ao sobre as migra~oes de
descuremos a feicao industrial do centro urbana. 0 fabrico de objectos de cobre
constituia especialidade de Ceuta, declara ben Alcacime; e urn seculo depois Leao o
l
f·,

peixe e de baleias, que for~aram porventura os barcos de pesca a se- i

Africano volta a falar desta industria, que produzia casticais, bacias, etc.
gui-las. Segundo Damiao de G6is lavrava-se o cobre, latao, ouro e prata em perfeicao
Ainda seriam de discutir outras motiva~oes, conquanto de me- que excedia a da industria congenere de Damasco. A industria textil alimentava nu-
nos peso. Assim, por exemplo, a escassez de trigo, e a atrac~ao das merosa populacao, porquanto existiam quarteiroes s6 de mesteirais da tecelagem (e
negociantes de sedas); o humanista de Quinhentos tambem alude aos panos de Ia,
ferteis searas marroquinas; ou o surto das planta~oes de cana de a~u­ de linho e de seda e tapetes, contudo pelo contexto nao nos sentimos autorizados a
car no Algarve, levando ao desejo de as duplicar com outras, abun- decidir se eram aqui manufacturados, embora seja interpretacao que com ele nao
dantes, em Marrocos; ou a procura de escravos, de novo «ein moda>> colide. No seculo XII-sabemo-lo por Edrici-a pesca do coral dava Iugar a uma
nos finais da !dade Media, redescobertos como empreendimento ren- industria, que trabalhava para exportacao, de corte, pulimento, arredondamento,
doso quer para tarefas domesticas quer para exporta~ao; ou a busca furar e enfiar de corais; e muito natural que persistisse ate o dealbar do seculo XV.
de materiais corantes e de goma laca para a industria textil; ou ainda [ ... ]
[; .. ) certamente em Ceuta o elemento piscat6rio era demograficamente de volu-
a procura de couros e peles, tidos por abundantes no Norte de Africa; me e socialmente de importancia. Com efeito, a zona e de abundantes pescarias de
etc. desvairadas nacoes de peixe, coroo diz Duarte Pacheco (Livro I, cap. 13). Edrici
ilao fora menos entusiastico. [... ]' .
«Como porto, dominando, pela sua posicao e excelencia, algumas das rotas ma- Percorrendo-se a costa desde o Cabo Monte ate o porto de Muca encontravam-
ritimas mais importantes, Ceuta simultaneamente constituia o foco aonde conver- -se 299 lugares de pesca; e pesca frutuosa; armacoes de pesca contavam-se 9. Por
giam algumas vias comerciais terrestres. Valentim Fernandes vai ao ponto de declarar varias vezes Zurara fala de barcos a pescar. Alem de peixe, pescava-se tambem o
que aqui havia a principal navegacao das riquezas e mercadorias para toda a terra do coral-urn coral cuja beleza excede tudo quanta hade mais admiravel nos outros
sertao. Por Zurara sabemos que a .Ceuta chegavam as bestas carregadas de panos de · mares (palavras cl~ Edrici).» ·
seda que vinham da cidade de Damasco e que (e Iicito conjecturar) passavam ou (Vitorino Magalhties Godinho)
 1~1: I

1/R: i
itl 248
Ill Prim6rdios da · ~iietrechamento enecessidades 249

l~ Marrocos, como todo o pais islamico, exercia grande

sobre os Portugueses (e sobre os Castelhanos tambem) da Idade .
dia, exagerando-se enormemente a sua opulencia e fertilidade. ·
negociadas pelos representante·s portugueses em Ita~
apoiaram os projectos militares de Portugal ou aplaudiram as
ja levadas a efeito, rotulando uns e outras de santos e de
aspecto tern de ser bern compreendido para se explicarem os .o convidando os soberanos cristaos a darem-lhes sua ajuda,
vos e os futures desapontamentos da expansao quatrocentista. l:iuu~.;t:ut:ndo indulgencias e ate uma percentagem nos rendimentos da

0 espfrito
Igreja- fim desde sempre almejado.
de cruzada
Razoes econ6micas e sociais, todavia, sao geralmente insuficierid
tes para uma compreensao global de qmilquer feito da Idade Med(a;: ,,,. '· «Tanto pelo minucioso relato de pessoas dignas de fe como pela voz da fama,
Dao-nos a base, a plataforma racional da ac~ao, mas omitem esseiri::; ~e.upemos que o nosso muito prezado filho em Cristo, D. Joao, ilustre Rei de Portu-
v6lucro colorido que todo o homem exige para se desculpar a si prM gal,.ardendo em zelo de propaga9ao da fe crista, resolveu empregar o podedo que pe-
prio e para convencer os outros de uma empresa nobre e idealista. No lo.Sumo Rei !he foi dado na exalta9ao do seu glorioso nome e no exterminio de seus
:; fnimigos. E, organizado urn exercito de soldados cristaos, para combater os sarrace~
caso da expansao do seculo XV, urn tal irtv6lucro era feito de contd~ hose outros infieis que nas terras de Africa e convizinhas afligiam os cristaos com re-
tura religiosa dupla: a luta contra o infi~l e a s~dva~ao das almas. · petidos assaltos, cativeiros e morticinios, partiu para os territories e lugares que eles
No seculo XII, o ideal de cruzada ganhara a Peninsula Iberica; retinham em seu poder, e arrancou valorosamente da sua intolen1vel opressao o Iugar
i/'j,i: entrando gradualmente na mente de soberanos e de guerreiros. Aluta p~ Ceuta, que eles, de ha longos tempos atn1s haviam ocupado, restituindo-o ao sua-
l . com urn contra os Almohadas nos come~os do seculo XIII, a empresa yissimo jugo da fe cd~ta.
, Este mesmo Rei, como esfor9ado atleta e campeao dafe catolica, pretende pros-
I
I que levou Afonso IV eo seu exercito ao Salado, em 1340, pareciarii~
·,: ~~r
:·.i
-se muito com cruzadas, em bora de cor e cheiro fortemente ibericos.
seguir vigorosamente a vit6ria que !he foi dado alcan9ar contra os referidos infieis.
E, reunida em volta de si uma copiosa multidao de cristaos, determinou, com a ajuda
·j
:·)
Nos principios do seculo XV, os Portugueses tinham pensado el1l d~quele Senhor em cuja causa ele esta devotadamente empenhado, empregar todo o
.,,
conquistar Granada; em vez disso, lan~aram-se ao ataque contra seu
. -. poder e o dos seus ditos reinos em subjugar
. os referidos sarracenos e infieis,
. e
lift!'
. .~ submet(!r aoculto da verdadeira fe as terras que eles ocupam. Para .a realiza9iio de
Ceuta e Tanger. Mais instruidas e mais conhecedoras do passado, as
i tao fausto empreendimento, implorou humildemente o nosso patrocinio eo da lgreja
elites peninsulares de entao podiam perfeitamente admitir que, nao Catolica em que esta abrangida a congrega9ao dos mesmos fieis .. [... ]
s6 a conquista de terras mw;:ulmanas constituia uma cruzada per se, . , Nos, com o mesmo intuito, mediante o conselho de nossos irmaos, dispensamos
mas tambem que, conquistando Marrocos, continuavam simples- merces espirituais, isto e, remissoes e indulgencias aquele~ que a dita empresa forem
mente a repelir o infiel e a recobrar territ6rio antes pertencente a Cris- chamados.» . · . ·
(Bula Sane charissimus, 1418)
·
tandade.
Uma cruzada, diga-se de passagem, irnplicava varies aspectos, . Nem.a Igreja nem os Portugueses estavam em boa verdade sendo
podia exprimir-se de diversas maneiras e visttva a diferentes fins: de- hip6critas, porque o Cristianismo medieval abrangia todos, estes
fendia a Cristandade contra possiveis ataques por nao-Cristaos; ata- meios, e outros muitos, que os nossos preconceitos de hoje geralmen-
cava o infiel com o objective de o aniquilar e impedir que espalhasse te consideram crueis, desumanos e puramente inaterialistas.
0 «erro» entre outros; obtinha para OS Cristaos bases econ6micas que
j;
ir serviam a prosperidade de todo o mundo cristae; salvava as almas Outre aspecto que tern de ser cuidadosamente analisado eo da Os estrangeiro.
il
I dos descrentes. Guerra aberta, trai~ao, pirataria, pilhagem, escravi- participa~ao de estni.11geiros e de interesses estr'angeiros.
za~ao, tudo podia ser considerado elemento de cruzada e justificado Os Italianos dominavam boa parte do comercio portugues a dis-
como tal. Expansionismo e imperialismo politicos eram meios legiti- tancia, sobretudo no que respeita ao mundo mediterraneo. Nao ad-
II'
mos de converter o infiel, da mesma forma quea redu~ao ao cativei- mira, portanto, que os Italianos·se mostrassem interessados em atin-
ro. Assim, nao admira que a Igreja aprovasse a e:Xpansao portuguesa gir certo numero de objectives comerciais que poderiam ser de me-
e lhe desse a sua mais calorosa ben~ao. Sucessivas bulas papais, alias ncr interesse para os Portugueses. Os Italianos, contudo, eram mais
 ~'<A'nt>trt>rhamento e necessidades 251
250 Prim6rdios da expansija

ricos, mais peritos e adestrados na pnitica comercial, e possuiam uma ~ 0 .papel.dos italianos no comercio portugues do seculo XV era essen cia!, consti-
eles cer.tamente o maisimportante grupo estrangeiro em Portugal, no que res-
rede internacional de operac;oes. Estavam idealmente colocados para aos capitais e tecnica bancaria em que eram mestres. E era nesse campo que
guiar e canalizar muitos empreendimentos em direcc;ao aos seus pro-• a sua fun<;iio verdadeiramente actuante.
prios objectives. Comec;ou logo nos meados do seculo XIV a sua pa[, (Virginia Rau)
ticipac;ao mi expansao portuguesa, na primeira grande viagem de que
temos noticia segura. Mais tarde, estiveram muitas vezes presenteJ)~ 'Juntamente com os Italianos outros muitos vieram, Bascos, Cas-
Vieram tambem como aventureiros, conselheiros tecnicos, mareantes t€lhanos; Catalaes, Europeus do Norte e, claro-esta, Muc;ulmanos. A
experimentados, tomando parte nas viagens e ate dirigindo algumas participac;ao e o seu contribute nas viagens portuguesas nem de-
delas. Fora,m eles que, com os Catalaes, provavelmente ensinaramt5S vem ser esquecidos, nem sobrevalorizados.
Portugueses a servir-se do portulano e da bussofa. E foram eles tam'" !
Interesses locais hao-de ter intervindo tambem. Os pescadores e Jnteresses
bern que, de terra, exerceram pressao sobre muitos capitaes, mari; /ocais
nheiros e ate senhores mais poderosos para que levassem a efeito est(l dS comerciantes do Algarve nao concordavam necessariamente, nos
ou aquela expedic;ao com este ou aquele objective bern determinado; .· f.ins enos meios, com os Lisboetas ou com os Nortenhos. Os conce-
··lhos, em seus objectives tacanhos e egoistas, contribuiram certamen-
«No seculo XIV, os privilegios concedidos aos mercadores estrangeiros visavam te' para explicar pormenores estranhos e aparentemente absurdos,
a garantir a presen<;a individual de cada urn e, por vezes, de cada companhia, a fini atrasos ou empreendimentos'apressados. 0 mesmo aconteceu com os
de que eies plidessem frequentar, sem risco e com Jucro, OS poftOS portugueses. senhores feudais (comodasse e individualmente), com as ordens reli-
Assim, melhorando as condi<;oes de estadia, aumentou o numero de mercadores es-
trangeiros «estantes» nas principais cidades do reino.
. giosas e como rei. Nada que se assemelhasse a uma empresa <macio-
Consequentemente, melhoraram; para Portugal, as condi<;oes em que eram.rie- nal» ocorreu antes dos finais do seculo XV, quando quase toda a ex-
go<;iadas tanto as importa<;oes como as exporta<;oes. pansao foi como que «nacionalizada» e «monopolizada» pela Coroa.
Estas garantias individuais, a que aludimos, constam das chamadas «cartas de Na sua primeira fase, e antes como somat6rio de iniciativas indivi-
seguran<;a», ou «cartas de seguran<;a real», que atribuiam ao seu possuidor a certe:ia duais de pequenos grupos que a expansao portuguesa tern de ser estu-
«de que coisa alguma !he seria tomada ou penhorada de suas mercadorias, m:iro e
prata, e nao sei'ia posto embargo nem exercida represalia sobre elas, airtda que el-rei
dada. Isto nao exclui o papel mais importante e por vezes decisivo de-
houvesse guerra com a terra de sua naturalidade.» [... ] sempenhado por alguns ou por algumas comunidades.
Concediam-se tambem privilegios de uso de armas, ou para andar em «besta
muar de sela e freio», sem embargo da defesa e ordena<;ao regia em contn3.rio. Outor- Todo este problema traz a baila a discutidissima questao da che- D. Henrique
gavam-se isen<;oes de certos impostos ou de servidoes militares; facilitavam-se os di- fia. Quem foi oreal dirigente das descobertas? Qual o papel efectiva-
reit<;>s de procura<;iio; concediam-se privilegios de carga e descarga, de trans bordo, de mente desempenhado por urn homem como o infante D. Henrique?
reexporta<;ao, etc., etc. De tudo isto nos f'ornecem exen:iplos: as cartas regias de 1357
e de 1363 passadas a favor dos mercadores pr!!Zentins, genoveses, milaneses e caorsi~
Entre os apanagios que D. Joao I concedeu a seus filhos, o qui-
nos, entao moradores em Lis boa; as de 1444 e 1454, a favor de Cristovao Maraboto e nhao de D. Henrique nao era, nem o maior, nem o mais rico. Foi fei-
f
seu irmao Jeronimo, genoveses; a de 1437, concedida a Bartolomeu di ser Jacopo di to senhor, e depois duque de Viseu. Foi tam bern feito senhor de va- r
Servanf, florentino e procurador dos mercadores-banqueiros Eduardo e Andre Cam- rios outros lugares da Beira. Quando Ceuta caiu nas maos dos Portu- I
bini, de Floren<;a; a de 1452, outorgada ao mercador alemao Lucas Bercavelte; a de gueses, o rei deu-lha numa especie de governo-geral, com encargo de
1454, passada a favor do castelhano Afonso Fernandez; a de 1453, outorgada a Joao
Guideti, de Floren<;a; a de 1434, concedida ao veneziano Antonio Valim, morador na
a abastecer e defender. Alguns· anos mais tarde, recebia o governo
Raposeira, termo de Lagos (Algarve). [... ] perpetuo do Algarve, nomeac;ao compreensivel para quem estava ofi-
Mas os mercadores estrangeiros nao vinham so a Portugal carregar e descarregar cialmente ocupado com o destino da cidade africana. Consequente-
mercadorias, tambem se entregavam ao «comerciodo dinheiro» e as opera<;oes de m:ente, D. Henrique transferiu a sua residencia habitual e a sua casa
emprestimo, chegando mesmo, mais tarde, a cobrar rendas e adjudicar contratos. feudal de Viseu para Lagos, ao tempo a maior cidade algarvia (co-
[ ... ]
 253
252 Prim6rdios da exoansao. • •i•i4:i1Ptrechamento e necessidades

mo se sabe, a famosa Vila do Infante, que ele fundou perto do cabq ;menor), foram nao obstante encaradas, antes .de mais nada, como
de Sagres, foi de diminuta importanda na hist6ria da expansao porJ uPl'a maneira de· aU:mentar patrimonio e receitas, constantemente em
tuguesa). Em 1420 foi-lhe confiado o g'o'verno da Ordem de Cri~t(:l'j hlare baixa devido'aos seus empreendimento~ politicos e militares e a
;',: que lhe garantia uma forc;:a militar permanente e amplos rendiniento§ ~y~ casa opJ.Ilenta. n: Henrique estava sempre nec:essitado de dinhei-
em moeda e em generos. Durante a maior parte da sua vida, preocu- ro: nem 0 seu ducado nem OS seus governos produziam rendimentos
pou-se principalmente com as campanb.as de Marrocos (assim como que bastassem. Em rendas, a Ordem de Cristo vinha porventura a bai-
de Granada) e com urn plano sistematico. de coriquista militar noNp~; xo das Ordens de Santiago e de Avis. Assim,· o infante esforc;:ou~se
te de Africa. Como tal, defendeu sempre que se sustentasse Ceu~~ thuito, nao s6 por obter novos senhorios e proventos, mas tambem
contra os ataques muc;:ulmanos, desempenhou o principal papel na in7 por aumentar e tornar mais rendosos.os que ja possuia. Tern interesse
feliz expedic;:ao a Tanger, esforc;:ou-se fortemente pela conservac;:ao de ri.otar que muitos desses esforc;:os se relacionararn com a pesca e acti-
Ceuta mesmo a custo do abandono do infante D. Fernando ao perpe~ vidades marithnas, incluindo a pirataria e a guerra de corso. Como
tuo cativeiro e a morte, apoiou o «partido da guerra» contra seu ir:" governador do Algarve e de Ceuta, onde a navegac;:ao e a pesca de-
mao D. Pedro, contribuindo para a derrota e morte deste ultimo,,,e sempenhavam papel econ6mico de primeira grandeza, o infante D.
esteve provavelmente por detras de toda e qualquer tentativa de ex~ Henrique sabia muito bern dos lucros que o mar podia conceder, se
pansao no Norte de Africa em anos posteriores. Em 1458, velho ~e convenientemente explorado. Poi assim que obteve' o monop61io da
cansado, ainda tomou parte na conquista de Al-Qa~r al-Sagir (Alca~ pesca do atum em todo oreino do Algarve; a dizima de todo o peixe
cer-Ceguer). Ate ao fim manteve-se urn militarista e urn expansionis- apanhado pelos pescadores de Monte Gordo; privilegios e proventos
ta, mas muito mais preocupado com Marrocos do que com as viagens na pesca detoninhas e de corvinas. Tinha nas maos a: maior parte do
de descoberta. Conquistar o Norte de Africa, «reave-1m> para a Cris, abastecimento de peixe a Ceuta .. Mais tarde~ conseguiria ainda o mo-
tandade, eis sem duvida alguma o seu ambicioso e acarinhado objec~ riop6lio da pesca do coral. Outros proventos vinham-lhe dos privile-
tivo. gios sobre a moagem, a industria tintureira e a produc;:ao de sa:bao.
Alem de Marrocos, o infante D. Henrique nunca viajou para Como veremos, nao descurou a explorac;:ao econ6mica das terras re-
.i parte alguma, em contraste com alguns membros da sua familia (dois cem-descobertas, tanto no que respeitava a produc;:ao do solo como
irmaos e urn sobrinho), que conheciam a Europa e os seus problemas. ao trafico de escravos. E obteria ainda uma especie de «subsidio» re-
Nao obstante, como muitos aristocratas do tempo, mostrou-se inte- gular da Coroa. ·
ressado por astrologia e astronomia, matematica e ciencia nautica.
Reuniu a sua volta uns quantos escolares, alem de fisicos hebraicos e 0 itinen1rio do infante D. Henrique nao foi ainda feito, nem sera fad!' faze-lo,
peritos comerciais italianos. Caso tipico de Principe dos finais dalda~. dada a escassez das fontes. Todavia, pelos poucos elementos que permitem detectar a
de Media e dos alvores do Renascimento, acolheu favoravelmente os presene;:a do Infante aqui e ali, fica-se com a impressao de que a sua permanencia no
Algarve s6 se afirma a partir de 1449, ap6s o com bate de Alfarrobeira.(sem esquecer
estrangeiros, escutou-os e exibiu a sua generosidade em dadivas e re-
as estadias derivadas das empresas de Ceuta e Tanger). Antes, as deambulae;:oes de D.
compensas. Mais do que urn escolar ou urn cientista (conquanto fosse Henrique pelo Pais assemelham-se as da corte que ele, alias, acompa:nhava com fre-
instruido e talentoso), parece ter sido urn serihor modelo, sempre ro- quencia; sobretudo durante o reinado de D. Duarte e parte da: regeneia que se !he se-
deado de clientes fieis e louvado por eles. No outono da vida, os inte~. guiu. Tomou parte em-varias Cortes. Vemo.-lo atender aos seus deveres de duque.e
ressantes e inesperados resultados das descobertas desenvolveram e serihor, estacionandonas suas terras de Viseu e Covilha.. Com mais regularidade ain-
da preocupava-se com a administrae;:ao da Ordem de Cristo, detendo-se largas tem-
estimularam acaso o seu desejo de maior conhecimento e de objecti-
poradas em Tomar e Soure. Tambem pousava de tempos a tempos em pae;:os que pos-
vos mais precisos.
suia em Vila Franca: de Xira e-Lisboa.
As viagens de descobrimento, se podem ter interessado o infante Na decada de 1440-50 aparece•nos ja no Algarve com certa insistencia (Lagos,
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D. Henrique (como certamente interessaram, mas num grau muito Vila do Infa·nte), mas foi sobretudo na decada seguinte que essa insistencia se ac.en-
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 254 255
Prim6rdiosda expansiio. Apetrechamento e necessidades

tuou, conquanto D. Henri que continuasse a desempenhar os seus deveres no Nort.e a expansao portuguesa. Para estes, vejam-se, entre outros muitos, Luciano Pereira
sempre que necessaria~, Ao que parece, viveu permarienteme~te no Algarve os .ulti; da Silva, Obras Completas, 3 volumes, Lisboa, Agencia-Geral das Col6nias, 1943-
mos tres anos .da sua .v.ida (excep9ao feita a expedi9iio a Alcacer Ceguer), falece~dR -46; Abel Fontoura da Costa, A Marin haria dos Descobrimentos, 3. a edi9ao, Lis boa,
em 13 de Novembro de 1460 na Vila do Infante (Cabo deS. Vicente). . " ·' Agencia-Geral do Ultramar, 1960; e Luis de Albuquerque, Introdurao aHist6ria dos
Este esbo9o de itinerario nao nos deve stirpreerider. o )infante D. ;J.Ienrique; Hit Descobrimentos, Coimbra, 1962, Curso de Hist6ria da Nautica, Coimbra, Almedi-
juventude e da idade madura era,· acima de tudo, o senhor· feudal, o cortesiio, ·a tes~ na, 1972, e outros trabalhos. Deste ultimo autor sao tam bern variados artigos, dignos
ponsavel maximo pelas .conquistas e tentativas de conquistas africanas. Descobrh .·.de leitura, no Dicionario de Historia de Portugal, dirigido por Joel Serrao. Sobre
mentos e coloniza9oes vinham em segundo plano. SO. no fin.al da vida, ja idoso, lhes cartografia, a .obra padrao foi escrita por Armando Cortesao, Cartografia e Carto-
tera porventura concedido mais relevo nas suas .preocupa9oes e nos seus objectivos, grafos Portugueses dos Seculos XV e XVI (contribuiriio para urn estudo completo),
'· . . . ' . '. - .
'• ··;:\
2 volumes, Lisboa, Seara Nova, 1935, sumariada e actualizada em 1960 como titulo

A pouco e ~ouco, o infante D. Henrique foi-se relacio~ando iq~ .

· de Cartografia Portuguesa Antiga.
Nao existe biografia satisbt6ria do Infante D. Henrique. Os velhos trabalhos de
timamente com as coisas do mar. Muitos dos seus cavaleiros e escu~ Oliveira Martins, Major, Beazley e outros acham-se hoje completamente desactuali-
dei.ros possuiam navios ou participavam em actividades maritimas, zados. Vitorino Nemesio escreveu urn Iivrinho sobre D. Henrique e a sua epoca, que
Todos eles dependiaminteiramente do Infante coino seu senhor feu'~ merece aten9ao: Vida e Obra do Infante D. Henrique, Lisboa, Comissao Executiva
do Quinto Centenario da Morte do Infante D. Henrique, 1959. Merecem tam bern Iei-
daJ, e comandante-em-chefe. Problemas de obedi6ncia p~ece rmnc~ tura a conferencia de Peter E. Russell, Prince Henry the Navigator, Lbndres, 1960, e
s.eterem posto: Portanto, D. Henrique estava em condi~oes ide~is p~­ o artigo de Yves Renouard, L 'Infant Henri le Navigateur dans l'histoire de /'Occi-
ra se lan~ar num vasto plano de expansao maritima, desde que assim dent, sep. da Revue d'Histoire Economique et Sociale, vol. XL (1962), n. o 1, Paris,
o quisesse. 1962.
Todavia, niio se visluml?ram tra~os de qualquer plano durante
muitos anos. P~e~e estarbem estabelecidoqu~, de todas as viagens
que conhecemos, realizadas entre 1415 . e 1460 (data da morte do
Infante), s6 cerca de urn 'ter~o foram devidas a iniciativas suas.
Os. outros dois ter~os deveram-se ao rei (D. ioao I, D. Duarte';
D. Afonso V), ao regente n:·
Pedro, aos senhores feudais, aos merca~
dores e terratenent.es vilaos, ..etc. Outro tanto se. diga da explora~ao
econ6micadas novas terras descobertas. Este facto, sem obliterar 9 I
l
papel desempenhado pelo infante D. Henrique, reduz consideravel- t·
f
mente a sua chefia a uma dimensao mais humana e mais medieval. rr

Bibliografia- Todo e qualquer. estudo dos descobrimentos portugueses deve in-

cluir as quatro obras gerais seguintes, que aliam investiga9iio original com sintese vi-
gorosa:.Jaime Cortesao, Os Descobrimentos Portugueses, vol. I, .Lisboa, Arcadia,
1958; Vitorino Magalhiies Godinho, A Economia dos Descobrimentos Henriquinos,
Lisboa,. Sa da Costa, 1962 (como introdu9ao aos muitos outros livros e artigos do
mesmo autor e provida de urn a excelente bibliografia critica); Duarte Leite, Hist6ria
dos Descobrimentos. Colectiinea de Esparsos, 2 volumes, Lisboa, Cosmos, 1958-61;
e a Hist6ria da Expansiio Portuguesa no Mundo, vol. I, Lis boa, Atica, 1937, em al-. ·:
J:
guns dos seus capitulos.
· Em bora as hist6rias gerais das tecnicas e das ciencias incluam visoes de conjunto
!·'
'

sobre os inventos do fim da IdadeMectia e sua aplica9ao pratica·, omitem, em geral,

aspectos mais pormenorizados, mas que se revelam fundamentais para compreender

:<
 2 - As viagens de descobrimento

Sao raras e dispersas as mein6rias sdbre viagens de descobriinento Seculos xm-x1

.r.ealizadas no seculo XIV e comec;:os do seculo XV. Nos finS·da centu-
:ria de duzentos (1291} uma expedic;:ao ·genovesa conduzida pelos
1tmaos Ugolino e Vadino Vivaldi partiu de ltalia com destirto a costa
·ocidental africana, ultrapassando a latitude das Can arias e desapare-
cendo sem mais vestigios. Talvez em 1336, outra viagem •genovesa
'akanc;:ou as mesmas ilhas: seu chefe, urn tal Lancellotto Malocelli,
0cupou uma ou varias delas durante algUn& anos e regressou depOiS a
patria, deixando a sua presenc;:a assinalada no nome da 'ilha de Lanza-
:rote, que era o Seu; -depois traduzido ;para castelhano.· Urn ·poudo
· ;m.ais tarde (1341), mercadores italianos de 'Lisboa cdnSeguitarh con;..
:Veneer D. Afonso IV a .financiar '(e acaso organizar) unia expedi<;~o
de tres navios as Canarias: os capitaes eram italianos (genoveses e flo-
rentinos), mas a tripulac;:ao incluia castelhanos, portugueses e arago-
neses-catalaes. A expedic;:ao visitou todas as treze. ilhas. Canarias e
provavelmente o arquipelago da Madeira tambem. Pela primeira vez
na: cartografia, o famoso.portulano catalao Dukert de 1339registou
cdrrectamente a maiorparte das ilhas," com muitos dos' seus actuai~

·,;. Estas viagens foram precedidaspor algumas outras.que convem:assinala~;, a car-

&pde navegadores muc,:uimanos., Ja s~m f!ilar dos«Aventureiros>>Ji~boetasdo.seculq.
~II ou anteriores, atras mencionados, indiquei11-se: a viagem.de Ibn Fatim,a, algures
!l() seculo XIII, que atingiuporventura o cabo I;-Jao; e a de Mu,hammad ben Ragano,
~J-:m mercador andaluz de. Alme,ria, que teria chegado a paragens pr6ximas em 1337-~
~m a,mbos os casos, note-se, nao houve qualquer prop6sito d.eliberado de, chegar
 258 Prim6dios da expansao :...ft§·Viagens de descobrimento 259

mais a sui, mas apenas circunstancias meteorologicas adversas que fizeram correr as ;GarJagena, que pouco arites enviara a Lis boa como embaixador, para apresentar urn
embarca~oes para alem do desejado. protesto formal. contra.aqu~la. ten~ativa. 0 Governo Portugues nao atendeu a
Outras viagens e expedi~oes, de que restam somente noticias vagas, terao ocor· · essa ditigencia, pois erri f427 ia~gou de Portugal pani as Canarias uma nova armada
rido na segunda metade do seculo XIV enos come~os do XV, devidas a catalaes, a de ocupa~ao, capitaneada por' Antonio Gon~alves da Camara; por causas que nao
andaluzes, a franceses e, certamente tambem, a portugueses. Todas elas visaram as sao bern conhecidas, tambem esta expedi~ao se malogrou. 2. 0 Em face dos insucessos
Cam'trias e a costa africana. Analisando a cartografia catala e italiana da epoca, dos :vedfidtdos, Portugal procurou tonseguir por negocia~oes o que nao lograra alcan~ar
come~os para os finais da centuria de Trezentos, nota-se claramente urn progresso no · .p~l.as armas, pedindo a Castela_a cedencia de uma das ilhas Can arias que estavam sob
conhecimento da regiao, que so pode reflectir sucessivas viagens efectuadas. j~trisdi~ao castelhana.-.Cq~p() .a.representa~ao feita nesse sentido .obtivesse resposta
negativa,' o infante D, Henrique decidiu negociar com ·o papa o direito ao dominio
Camirias As Canfuias eram habitadas por tribes selvagens vivendo numa ··~obre ~s ilhas pagas do arquipelago; o que lhe veio a ser reconhecido por uma hula
de' 1434. Este documento poritificio foi a origem proxima das alega~oes expendidas
especie de estadio neolitico de cultura. 0 arquipelago mostrava-se por Afonso de Cartagena, no1Concilio de Basileia (1435), em defesa dos direitos cas-
rico em possilidades econ6micas, o que ex plica os esfon;os portugue- telhanos atingidos pela ctecisao do pontifice. A Curia reconsiderou, expedindo a
ses e castelhanos de o submeter, abundando em escravos, materiais I). Duarte ordem para que suspep!fesse qualquer ac~ao porventura ja projectada nas
corantes e peixe. Os Italianos, clare esta, localizavam-se longe de iihas. 3. 0 Em 1448 Maciote Bettencourt, que continuava como governador de Lan~a-
1-'ote, cedeu por venda esse'gove.rno ao infante D. Henrique, em bora com salvaguarda
mais para competir a serio com Portugal ou com Cas tela. A corrida des interesses castelhanos. Uma expedi~ao portuguesa, comandada por Afonso Dor-
para o dominic permanente das. Canarias durou mais de cern anos·, nelas e An tao Gon~alves, foi sem demora enviada a to mar posse da ilha, o que conse-
ambos os reinos organizando e enviando expedic,:oes sucessivas ql,le guiu levar a efeito. Esta ocupa~ao, noentanto, apenas durou dois anos: Antao Gon-
fracas~aram na obten9ao de uma vit6ria completa. Era ainda cedo calves, que ficara com a capitania de Lan~arote, foi deJa expulso, com aqueles que o
demais para tentativas duradouras de expansao: acontecimentos lo:- a~ompanhavam, por hostilidade dos indigenas e dos povoadores cristaos que ja nela
encontrara instalados. 4. o Em 1455 Henrique IV de Castela doou aos condes de
cais e internacionais ocupavam as gentes da Peninsula Iberica, tra~ Atouguia e Vila Real (altos dignitftrios do sequito que, depois do casamento daquele
vando quaisquer manobras persistentes de organizac,:ao politica e rei com D. Joana de Portugal; acompanhara a princesa a Espanha) o senhorio das
explorac,:ao econ6mica •. Para-mais, os povosindigenaslutavam ardua7 ilhas Canarias nao ocupadas por cristaos (Canaria, Tenerife e Ferro). Os dois benefi-
mente pela libeJdade. Tamb~m. os Fninceses intervieram, tendo o rei ciarios imediatamente transferiram para o infante D. Fernando o feudo concedido
de .(;astela doado algumas ilhas na qualidade de. f(mdos a cavaleiros pelo rei de Castela eo proprio D. Afonso V procurou assegurar, com o beneplacito
db papa, a validade da doa(:ao. ·No en tanto, Henrique IV anula-la-ia em 1468.
franceses. EmJ436, o papa Eugenio IVreconheceu formalmente 9~ 5. 0 Enfim, pela letra de urn ttahtdo com Castela confirmado em Toledo em 1480
direitos-de Castela a.posse das Canarias, facto que OS Portugueses se (6,de Mar~o), Portugal abandoriava definitivamente qualquer pretensao sobre aque- IIIII
recusaram a aceitar, continuando o despique ate 1480. las ilhas, reconhecendo aos reis de Espanha «a possessao ou quase possessao em que
estavam das Cam'irias».
(Luis de Albuquerque)
· «Os Portugueses procuraram estabelecet urn d'ominio sobre uma ou algumas das
Camirias, mas:encontraram'-sempre tenaz resistencia da diplomacia castelhana. Jean
de .Bettencourt reconhecera, em 1403, a suzerania de Henrique III de Castela sobre.as Diferente foi o caso da Madeira. Portugal nao lhe prestou grande Madeira
ilhas, vindo mais tarde a vender os seus direitos de senhor feudal ao conde de Niebla atenc,:ao ate com~c,:os do seeulo XV. Por volta de 1417, todavia, Cas-
(i418). Maciote Bettencourt, sobrinho do ocupador riormando que, em seu nome,
governava a ilha de Lan~arote, manteve-se nesse governo como mandatario de Niel
t(;la enviou uma important~ .frota a ilha de Porto Santo. Desta vez,
bla; e conseguiu ainda assegurar a posse do cargo quando, em 1430, Niebla alienou o porem, PortugaLr:c;:sporuleu sem hesitar e com decisao: em 1419 e
senhorio das ilhas Forteventura, Ferro e Lan~arote a Guillen de las Casas. Sobre 1420, duas expegic,:oes, chef.i,~das por Joao Gonc,:alves Zarco, Tristao
estes factosinserem-se as tentativas pcirtuguesas para a ocupa~ao de uma das ilhas do Vaz Teixeira e Bartolom~,lJ Perestrelo, largaram do Algarve e ocupa-
arcjuipe!itgo, como passamos a resumir: 1. o Em 1424 foi enviada as Can arias uma ram a Madeira.e PortoS.~to permanentemente. Foi o comec,:o real da
forte expedi~ao (2500} sob o comando de D. Fernando de Castro, que procurou seiri
exho submeter a Canaria, nao ocupada por castelhanos. Apesar de se nao tratar de
grande expansao ultr:am<~;rinCJ,, E interessante notar que se traduziram
I
urn acto hostil directo, Joa:o II de Castela deu imediatamente instru~oes a Afonso de para portugues os nomes. italianos ou catalaes das ilhas, o que mostra I

II
9~
::;
. ~
261
:~ 260 Primordios da expanslio As viagens de descobrimento
que os povoadores se nao consideravam autenticos descobridores·: «terceira» ilha achada ou localizada no arquipelago·, em vez do nome
assim, Legname passou a Madeira, Porto Santo'nao careceu de tra~ oficial de ilha de Nosso Senhor Jesus Cristo),· Pico .(outro nome
dw;ao e Deserte transformou-se em Desert~s. popular alusivo a alta montanha com seu pico c6berto de. neve;•em
:J•: Iugar do nome oficial de ilha de S. Luis), e Faial.(em vez de ilha de
:1·) Arores 0 passo segui!lte foi urn tanto mais dificil. Na decada de 1420 os S. Dinis); todas elas testemunham o descobrimento ea ocupa<;ao dos
·;I .i Portugueses conheciam ja perfeitamente a costa ocidental marro~ Portugueses. A setima ilha, Graciosa, pode equivaler a ttadu~;ao de
quina, que costumavam bordejar ate ao paraleld 26 ou 25 Norte. Nao outra palavra italiana que surge nos portulanos, mas pode tambem
l11 lhes oferecia tambem surpresas o Atlantica em rector dos arquipela~ significar que a ilha foi julgada «graciosa» pelos seus descobridores
Jl !I ou primeiros povoadores. Quanta ao termo «A<;ores»;. constitui novo
.'1. :i; gos das Canarias e da Madeira. Sempre que navegavam urn pouco
o I ' ~'
mais para ocidente, sabiam da dificuldade em obter ventosfavoraveis enigma. Existiriam muitos a<;ores no arquipelago, quando se efec-:
que os levassem de regresso a casa, a menos que rumassem para no- tuou a descoberta? Ou foi o nome simplesmente traduzido e adap-
rJ. '. ·1 roeste e ai apanhassem os alisados soprai1do qe oeste. E possivel que tado do arabe raham, 1ave de rapina, que o ge6grafo e historiador
!i tentassem igualmente evitar a piratiuia castelhana, muito activa mt
v
mu<;ulmano Idrisi usara no seculo XU para denominar uma ilha len-
.·. I1
zona das Canarias. Num desses desvios, por 1427, urn piloto algarvio daria no Atlantica?
i i
de nome Diogo de Silves tera avistado a ilha de Santa Maria, depois a
II de S. Miguel e possivelmente mais cinco ilhas dos A<;ores em suces- ·A descoberta ·da costa ocidental africana constituiu o principal Costa
ajricana
sao, visto que todas elas se apercebem a distanda umas das outras. objectivo das viagens dos come<;os do seculo XV; Algures para sul
existia o afamado «rio do.ouro», com as minas auriferas que abaste-
A data do «achamento» portuguese o nome do d.escobridor levan tam ainda due ciam todo o Islam. Em 1346, urn navio catalao navegara para o Meio-
vidas. E na carta cataHi de Gabriel de Valsequa, desenhada em 1439, que se regista a -Dia em busca do «rio de l'or» que se pensava ser urn dos bra<;os do
informa~ao mais precisa a esse respeito. Segundo ela, e de acordo com a Ieitura de Nilo.
Damiao Peres, «Aquestes jlles for an trobades per.diego de silues pelot del rey de por~ Varios navios portugueses seguiram nessa.direc<;ao na decada de
togall an lay M ecce xx. vij», ou seja, «Estas ilhas foram achadas por Diogo de Sil~
1420 e principios dade 1430. A linha de costa• era bern conhecida ate
ves, piloto do rei de Portugal, no ano de 1427». «Si)ves»., todavia, t.em sido lido de
diversas maneiras, porque as Ietras nao se apresentarn de forma clara, Autores hou- ao paralelo 26 ° N aproximadamente. Do cabo •Nao em diante, a re-
ve, por isso, que leram «Simis», «Sinus», .«Sunis», etc. A interpreta~ao de Damiaq giao mostra-se desolada ·e perigosa; com nada ·a vista excepto roche-
Peres e, na verdade, a mais correcta paleograficamente e a mais logica no sentido. dos escarpados e dimas de areia:. 'C> rugido das vagas batendo contra
Nada nos garante, porem, que a viagem de 1427 fosse a «primeira» empreendida os penhascos ouve-se a muitas milhas de distancia. Quando sopram
pelos portugueses aos A~ores. Nem sequer sabemos quais os meios de informa~ao de
a
que dispunha Gabriel de Valsequa. Tambem sobre iclentidade de Diogo de Silves
os ventos de oeste, a altura das ondas na costa pode exceder 15 m. De
nada conhecemos. Outubro a Abril sao vulgares os nevoeiros espessos. Para urn mari-
nheiro medieval, com longa pratica de escutar todo o genera de. nar-
Ao baptizar as ilhas, quer os descobridotes, quer alguem por eles rativas fabulosas sabre a·· M~u Tenebroso· e o fim ·do Mundo, essa
em Portugal, transigiram entre a terminologia lehdaria eo direito de linha de costa trai9oeira e deserta anunciava sem duvida alguma o li-
atribuir novos nomes a terras descobertas. Na verdade,. os portulano·s mite da navega<;ao possivel. 0 loiigo promont6rio do cabo Bojador,
existentes mostravam-se muito menos dards e precisos em referir o peneirando com profundidade no·mar, inostravaclaramente onde'se
arquipelago dos A<;ores do que em descrever;•quer a Madeira, quer as encontrava a barreira. Quem ousaria passar alem?
Canarias. Assim, do prirneiro grupo de sete ilhas, s6 a umafoi man- Enviado pelo infante D. Henrique, Gil Eanes foi ousado e experi-
tida a designa<;ao cartografica: S. Jorge,··traduzidb de San Zorzo ou mentado bast ante para cometer a: proeza. Se. as fontes narrativas con-
San Giorgio. Santa Maria, S. Miguel, Terceira: (nome popular para a tama verdade, quinze vez.es .0 tentou e quin.ze veze~ 0 nao conseguiu,
262 Prim6rdios da expansao As viagens de descobrimento 263

De qualquer maneira, o habitual exagero medieval serve aqui p~ra calves Zarco, Tristao Vaz Teixeira, Bartolomeu Perestrelo e Goncalo Velho;
demonstrar quao dificil a empresa se afigurava a. todos e quao impor~. ': 11433 - 1. a viagem de Gil Eanes; 1434 - 2. a viagem de Gil Eanes; 1434?- Afonso
tante a .passagem do cabo Bojador se revelou na hist6ria dos desco-. Baldaia e Gil Eanes vao a Angra dos Ruivos; 1436 - Afonso Baldaia atinge o Porto
da Gale; 1437 - viagem ao Rio do Ouro de iniciativa particular; 1438? - redesco-
brimehtos maritimos. Em 1434 Gil Eanes dobrava finalmente o f:;t.-, brimento das Selvagens; 1440- 2(?) viagens alem-Bojador, talvez de iniciativa par-
moso ·cabo, continuando por aigumas milhas e r.egressando· com a ticular; 1441 - viagens de Antao Gonc,:alves e Nuno Tristao (cabo Branco);
boa nova de que, para efeitos de navegac;:ao, o mundo ainda nao aca,.;. t443 -,...- 2. a viagem de Nuno Tristao (Gete e Garc,:as) e viagem de An tao Gonc,:alves
bava ali. Como prova convincente, trouxe consigo algumas rosa~·sth ao Rio do Ouro; 1444 - viagens de: Gonc,:alo de Sintra ao cabo Branco e Arguim,
:Antao Gonc,:alves com Diogo Afonso e Gomes Pires, Nuno Tristao (3. a ate ao rio Se-
vestres colhidas alem .do. promont6rio do Bojador. Hoje em dia, hi~-..
negal), Dinis Dias (cabo Verde) e expedic,:ao de Lagos (Naar e Tider); 1445 - viagens
toriadores e ge6grafo~discutem se o cabo·famoso.do seculo XV cor.: de: Antao Gonc,:alves com Gonc,:alo Homem e Diogo Afonso ao cabo Branco, Dinis
responde de facto ao moderno cabo c.om esse nome (26,5 °N, no ac- Eanes da Ora com Alvaro Gil~ Mafaldo de Setubal ao cabo de Santa Ana, 2. a expe-
tual Sahara Espanhol) ou .antes ao cabo Juby, varias milhas a suk · dic,:ao de Lagos, Alvaro de Or~elas as Camirias, 1. a de Alvaro Fernandes, e talvez de ;:
Depois ·de 1434, a descoberta 'da costa ocidental africana prosse- Joao de Ornelas as Cam'lrias; 1446 '-- 3. a expedic,:ao de Lagos e viagens de Gomes Pi- 1:
res (Rio do Ouro), Nuno Tristao (Gambia) e Alvaro Fernandes; 1447 - viagens de I.
guiu num ritmo bern mais acelerado. No ano imediato, Gil Eanes 1.
i:
Diogo Gil (Mec,:a), Antao Gonc,:alves (Rio do Ouro), Jorge Gonc,:alves (Rio do
com Afonso Gonc;:alves Baldaia passaram o tr6pico de Cancer Ouro),Valarte e Fernando Afonso (Guine); 1448- viagens de diversos navios de
(23,5 °N) e chegaram ao que supunham sere portanto denominaram Lagos para pescar; 1450 - expedic,:ao as Canarias; viagem de Diogo de Teive para
o Rio· de Ouro (actual Rio de Oro, no Sahara Espanhol). Ai .obtive- ocidente; 1455 - viagens de Uso di Mare (Guine), Cadamosto (1. a) e Antonio da
ram as primeiras amostras daquilo que sobretudo buscavam: ouro. Noli (Cabo Verde); 1456- viagens de Cadamosto (2. a), Diogo Gomes (Guine) e dos
As viagens comec;:avam a produzir lucro que se visse e a atrair numero. chamados escudeitos do Infante (Guine); 1458 - expedic,:ao a Guine;
1460 -- viagens de Gonc,:alo Ferreira (Guine), Antonio da Noli (Guine), «Prado»
maior de gente. Tornararihse mais numerosos os empreendimentos e (Guine) e Pero.de Sintra (Serra Leoa).
as expedic;:oes passaram a largar de Portugal ano ap6s ano .
Em 1441 Nuno Tristao atingiu o cabo Branco (cap Blanc) na . Portanto, em menos de trinta anos, 20 graus da Terra haviam sido
actual Mauritania, a 21 graus norte~ Este mesmo navegador, ao que descobertos, baptizados e cuidadosamente descritos. Os Portugueses
parece apto e experimentado, descobriu pelo menos mais dez graus de estavam prestes a entrar ·no amplo golfo da Guine, que, durante
costa para sul~ em .viagens sucessivas durante os cinco anos que se. se;- aigum tempo, julgaram ser o «mar do Sul», ou seja o fim da Africa.
guiram. Foiprovavelmente o primeiro.a chegara costa do Senegal e.• I/has
depois, aos rios Gambia e Salum. •Outros navegadores descobriram o Ao largo da costa foi descoberto e explorado o arquipelago de
de Cabo Verde
cabo Verde, a 14,5°N, e ·o cabo dos Mastros, ambos na actual repu- Cabo Verde nas decadas de 1450 e 1460. A ilha do Sal ja era conhe-
blica do Senegal. cida antes e aparecia nos map as: por isso os Portugueses lhe mantive-
0 ritmo dos descobrimentos nao afrouxou na decada de 1450 . .Se~ ram o nome. As restantes ilhas foram em geral nomeadas de acordo
guindo a costa, o pilotoDiogo Gomes e varios outros mareantes (in:-: com o santo do dia em que iam sendo achadas: Santo Antao, S. Vi-
cluindo os italianos Cadamosto e Uso <;ii Mare, ao servic;:o do infante cente, S. Nicolau, Santa Luzia, S. Crist6vao (depois mudado para
D. Henrique) alcanc;:aram a Guine e a.Serra Leoa. Nos cornec;:osdo se~ Boavista), Santiago, S. Filipe (posteriormente mudado em Fogo, de-
culo seguinte, ou talvez a11tes, Pedro de Sintra chegou a latitude da vido ao seu vulcao). Este facto permite concluir que as ilhas de Cabo
actual Monr6vi~ (6,5 °N) onde a linha costeira indul;>itavelmente Verde foram descobertas em duas fases, uma na Primavera (Abril-
mostrava curvar par,a leste. -Maio) e a outra no Inverno (Dezembro-Janeiro).

Sabemos da existe~cia de pumerosasviagensempreendidas ate 1460. Uma das «0 achamento das ilhas de Cabo Verde esta ainda envolto em certa obscuridade.
listas mais completas foi-rios. dada por Fernando Bandeira Ferreira e pode assim re- Aceita-se geralmente que foram encontradas em dois grupos, por expedic,:oes diferen-
sumir~se: 1419-33 - uina vintena· de viagens, incluindo as de Diogo de Silves, Gone tes. E assim, o primeiro diploma que se lhes refere (carta regia de 3 de Agosto de
 264 Primordios da expansiio

1460) apenas menciona cinco ilhas: «e da ylha de. Sam Jacobo (Santiago), e. FeiiiP!:,;
(Fogo) e da ylha dell as Mayaes (Maio) e da ylha de Sam Christovam (Boa Vista),-e d!l
ylha Lana» (Ilana, thana, cha, isto e, do Sal, que, de facto, aparece como a ma:is ,pJac
na e baixa do arquipelago). 0 diploma seguinte (carta regia de 19 de Setembro de
1462), acrescenta as cinco ilhas citadas no anterior, a «jlha. Brava e. a jlha d.e Sam
Nycollao e a jlha de Sam Vicente e a jlha Rasa e a jlha: Bramca e jlha de Santa Luzia!e
a jlha de Sant Atonia» (Santo Antao), incluindo portanto todas as ilhas e os princi"
pais ilheus que constituem o arquipelago. Eritretanto, .fizera-se o reconhecimento clo
interior das ilhas, como mostra a mudanc;a de nome ~a ilha do Sal: ilha «cha» paPa
quem ave do mar, mais do que esta particularidade do relevo.(notado igualmente no
ilheu Chao, do grupo das Desertas e no ilheu Rasa,. do arquipelago de Cabo Verde),
impressionariam os viajantes as grandes crostas salinas do interior da cratera (depois
chamada Pedra de Lume) e da extremidade meridionalda ilha. E o nome de Sal pre~
valeceu. [... ] ,;
Ao abordar casualmente (1456?) uma ilha (Boa Vista),. depois,de a correr .algum
tempo a vista de terra, mandou Cadamosto desemb.arcar urn ·pequeno grupo para ver
se ela era habitada; mas nao s6 nao vir am gente, como em balde procuraram ,camb
nhos oli outros sinais da presenc;a do homem; por isso, puderam apanhar a mao; e
com pause cacetes, muitos pombos que Ia havia; de urn Iugar alto, avistaram outras
tres gran des ilhas ou talvez mais, que a distiincia nao permitia distinguir; estas, e .as
que ao depois se vieram a descobrir, eram todas «desabitadas, nao encontrando nela
senao pombos e infinitas aves de especie estranha, e grande pescaria de peixes»•
.-.; Daqui, navegando para o sui e bordejando uma delas; «que parecia abundante de a£~
.. ,
vores», descobriram a boca de urn rio; e, seguindo a margem, «acharam alguns uns
bocados de sal muito branco e excelente» e agua, quecolheram. Tambem ai apanha-
il: ram grande quantidade de tartarugas, de sabor delicioso, que comeram e salgarall) ,, r~~~~l
! para levar como provisao durante a viagem. Tambem pescaram na boca do rio, que \;"~ ··r·:~~J /:~ ,,,. .........
'~\ "'!...·~,!
era largo e fundo bastante para nele entrar urn navlo carregado, de 150 toneis, quan- :
tidade i~crivel de peixe. Ai se demoraram dois dias, niatando l11uitos pombos e forne- /.~~ /''.
I cendo-se de refrescos.
;:~,,~t;J ..'
A primeira ilha que avistaram deram por isso o nome de Boa Vista; a outra;
. .
,-r·'
ll'
«que nos parecia a maior de todas quatro», chamaram de Santiago, «porque no dia :. ':· ,~'
' \ . t;

II de Sao Felipe e Tiago (1. o de Maio) fomos a essa ilha Ianc;ar iincora». \.,,·),. '• ' '•
::.'"':..
i
(Orlando Ribeiro) ..., "
::i ...,,... ·~:
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·. ~· :'
-:.'-.:~.: .... ..- I

lj No Atlantica Nort~, os mareantes portugueses iam igualmente

·(:.;~C)
Viagens ~, .... \
i para Ocidente tentando novas descobertas, em busca das terras Iendarias aporttadas ·1,
I
l nos mapas ou narradas pela tradi~ao. Muito pouco se conhece das'
suas viagens para ocidente porque nao eXistem quaisquer ilhas e pot~
\\ q t:;!..·
~::.-~~:;.-~:~
'.
•"
~)
·!.\.,
... ,
)
(';.r.,,/''1.•· ...'"'•,
tanto raros testemunhos ficavam dessas expedi~oes. Omar, como tai,
era de somenos importancia e s6 o aparecimento de terra merecia as
aten~oes. Atendendo a escassa documenta~ao possuida, alguns Qisto 7
riadores admitem que, pelos meados do seculo, os Portugueses ha~ Fig. 33 - Viagens de descobrimento ate a morte do infante D.· Henrique

i·l
266 Prim6rdios da expanslio As viagens de descobrimento 267

viam alcan<;ado ou pelo nienos avistado algumas das Antilhas, o nor- Em qualquer cas6 os mareantes portugueses chegaram sem duvi-
deste do Brasil e o nordeste do continente norte-americano (Terra da ao Mar .dos Sarga<;os e reuniram elementos e experiencia bastantes
Nova e GroneHindia). Numa dessas viagens, descobriram as duas para tra<;ar urn mapa muito completo e preciso dos ventos e das cor-
mais ocidentais ilhas dos A<;ores, invisiveis do resto do grupo. Preser- rentes do Atlantico, que seria usado por todos os futuros navegado-
varam urn dos nomes lendarios - Corvo; tradu<;ao de Corvi ma- res.
rini - mas baptizaram de Flores a outra ilha, designa<;ao mais do que
apropriada a sua huberancia florida. . Bibliografia (alem das obras gerais ja mencionadas)-A melhor narrativa das
viagens de descobrimento, cronologicamente tratadas, deve-se a Damiao Peres, His-
t6ria dos Descobrimentos Portugueses, Porto, Portucalense Editora, 1943. Comple-
«Comecaremos pelas referencias aquilo que chamaremos descobrimento da J:er- tem-se os seus dados com os de Raymond Mauny, Les Navigations Medievales sur les
ra dos Baca!haus para nos cingirmos aexpressao geografica, empregada por Fernan- cotes sahariennes anterieures h Ia decouverte portugaise (1434), Lisboa, Centro de
do Colombo. Oucamos o que este diz, traduzido em portugues: [... ] «Foi tambem Estudos Historicos Ultramarinos, 1960, e Jaime Cortesao, Os Descobrimentos Pre-
proci.lrar esta ilha (Antilha - Sete Cidades) urn certo Diogo de Tiene, cujo piloto "Colombinos dos Portugueses, Lisboa, Portugalia, 1966.
chamado Pietro Velasco, natural de Palos de Moguer em Portugal, disse ao Almiran- Sobre as expedicoes as Canarias, veja-se tambem Florentino Perez Embid, Los
te em Santa Maria da Arrabida que tendo partido do Faial e navegado mais de 150 le- l)escubrimientos en el Attan.tico_y Ia Rivalidad Castellano-Portuguesa hasta el Trata-
guas para sudoesie (per libecchio) e ao voltar para tras descobriram as ilhas das Flo- do de Tordesillas, Sevi!ha, 1948. Vitorino Magalhiies Godinho escreveu un artigo que
res, as quais foram guiados por muitas aves que viam andar por aqueles sitios, por- merece leitura sobre A Economia das Cantirias nos seculos XIV e XV, sep. da Revista
que sendo tais aves terrestres ·e nao marin has, foi por eles julgado que niio podiam re- d~Hist6ria, n. o 10; S. Paulo, 1952.
pousar senao em alguma terra. E depois que caminharam tanto para nordeste que to-
mara:m o cabo de Clara na lrlanda por !oeste na qual paragem acharam ventos muito
fortes do poente, sem que o mar se turvasse. 0 que eles consideraram que podia ser
causado por alguma terra que os protegesse do !ado do ocidente. Mas porque era ja
entrado o mes de Agosto niio quiseram tornar-se a ilha com medo do Inverno. Foi is-
to mais de quarenta anos antes que se descobrissem as nossas indias.» Otexto de las
Casas conforma-se comeste nas suas linhas gerais, e diverge duin ou outro pormenor
alias de importancia [... ].
Diogo de Tiene esta de ha muito identificado com D\og? de Teive, escudeiro do
![i;
infante D. Henrique, que efectivamente descobriu as ilhas· das Flores em 1452, segun- :~
do os documentos da epoca. No fim deste mesmo ano recebia o alto premio da con"
cessao do monopolio do fabrico do acucar na Madeira, e ao mesmo tempo a sua ca-
ravela era tam bern utilizada no transporte de cereais para Ceuta,o que deve ser con-
siderado como outro premio, e que nos averiguamos em documento oficia! inedito.
Quanto a particularidade que levou ao descobrimento das Flores e do Corvo, e certo
que os roteiros do seculo XVI ensinavam a conhecer a proximidade daquelas ilhas pe-
lo aparecimento nii? so de gaivotoes e calcamares, mas tam bern estapagados e garagi-
nhas brancas, que andam proximo da terra, e cujo habitat e com urn aquele arquipe-
lago e ao da Madeira. Trata-se, pois, dum personagem real que alem de navegante 'I

possuia uma caravela; e averiguado fica que urn dos cometimentos que se atribui e r,.!l
,,,,tr!
e
certissimo em si nas particularidades que !he. singularizam 0 relato. 0 observador' !
conclui-se tambem, conservava uma exactissiina recordacao do facto em si na data e l~~
nas minucias respectivas. Verificada a grande fidelidade nesta parte do re!ato, au-
I~
mentam muito as probabilidades de exactidiio no restante.»
(Jaime Corteslio)
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 primeiros resultados 269

si, abrangendo metade da Madeira, e duas para os seus.companhei-

'· ' ~-. t ros, uma correspondendo a restante parte da ilha maier· e a·terc'eira li-
;:'·~
mitada ao PortoSanto. As Desertas ntinca foram povoad'as. A divi-
i . da ilha da Madeira seguiu uma linha meramente convendonal,.
'.l
tra<;ada diagonalmente do extremo noroeste para o .extremo sueste.
Em cada quinhao, o «senhon~ tinha o direito de conceder terras, fos-
se pelo sistema de aforamento, fosse em plena propriedade.Exigia-se
a ocupa<;ao efectiva da terra e o seu cultivo dentro de urn prazo esta-
belecido.
3 - Os primeiros resultados . :~
Levou mais de uma gera<;ao a conseguir uma perfeita organiza-
<;:ao da Madeira do ponto de vista administrativo .. As ilhas depende-
. !I ;j Durante muitos anos, nem a Madeira neril os A<;ores receberam ram primeiramente da Coroa. Em 1433, o rei D. Duarte doou~as
'i coloniza<;ao permanente. Navios portugtieses e navios castelhanos vP como uma especie de feudo, a seu irmao D; Henrique, embora s6
(
sitavam de quando em vez ambos os arquipelagos, sobretudo a M'a~ . em vida deste e conservando para si a dizima do peixe apanhado.
deira, a procura de materias-primas facilmente carregaveis. Nessa~ A maneira feudal iberica, o monarca nao alienou os direitos de
condi<;oes estava, por exemplo, o muito apreciado «sangue de dra- cunhar moeda nem de prestar justi<;a suprema. Espiritualmente; as
gao», resina de cor vermelha extraida do dragoeiro (planta liliacea) e ilhas foram entregues a Ordem de Cristo·, o que garantia tambem a
utilizada na industria textil para fins de tinturaria. Todas as ilhas se D. Henrique todos os ·seus rendimentos eclesiasticos.
mostravam tambem ricas em madeira. Como senhor da Madeira, o Infante criou urn sistema de tres ca-
pitanias perpetuas e hereditarias, que confiou aos tres «senhores»
Madeira Na decada de 1420, o receio de uma ocupa<;ao castelhana levou locais existentes, confirmando assim a partilha original. Estes capi-
Portugal a decidir o povoamento da Madeira. Menos de urn centenar
tiies, ou capitiies,-donatarios, exerdam a jurisdic;ao em nome de
de pessoas, dirigidas pelos tres «descobridores» (Joao Gon<;alves Zar-
D. Henrique, concediamterras aos povoadores e detinham o mono-
co, Tristao Vaz Teixeira e Bartolomeu Pallastrello ou Perestrelo, urn
polio dos mdos de produ<;ao (moinhos, fornos e lagares comuns) e
italiano), desembarcaram nas duas ilhas da Madeira e Porto Santo
para ficar. Haviam sido provavelmente recrutados nas terras perten<;a da venda do sal, assim como o decimo da dizima ( = redizima) per-
do infante D. Henrique e da Ordem de Cri~to. A maioria proveio, ao tencente ao senhor supremo. Este sistema ihspirava-se no que fora
que parece, do Algarve. adoptado pelas republicas italianas nas col6nias do Levante depois
A estrutura social e econ6mica da metr6pole foi introduzida sem das Cruzadas, e tambem pelos Catalaes e os Franceses nessa mesma
grandes altera<;oes nas duas ilhas. Os tres dirigentes pertenciam aos area. Longe de se limitarem a uma mera imitac;ao, todavia, os Por-
escal5es inferiores da nobreza - dois deles eram escudeiros do In- tugueses (e os Castelhanos, depois deles) n!iacionaramas institui<;oes
fante eo terceiro, urn fidalgo italiano -, o mesmo acontecendo com europeias com as novas condi<;oes que encontraram nas terras des~o­
cerca de catorze outros. 0 resto compunha-se de plebeus (incluindo bertas, estabelecendo assim uma estrutura · altamente original de
alguns degredados), social e economicamente dependentes daqueles. . administrac;ao colonial.
Zarco tinha certa preeminencia dentro do grupo e recebera o encargo Em 1451, jit o Funchal eo Machico, .as. duas principais aldeias da
de dirigir o povoamento. Quer por iniciativa propria, quer em obe- Madeira, e sedes de administra<;ao das duas capitanias da ilha, eram
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diencia a instru<;oes, dividiu 0 arquipeiago em tres partes, uma para elevadas a categoria de vila e recebiam o seu foral.
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 270
Prim6rdios da expanstio primeiros resultados 271

-«Ora urn ano depois [1451], Machico e Funchal sao elevadas a vilas e as institui- · pomares e hortas. Se. bern que ferteis em agua, careciam de urn com-
~oes municipais irao contrabalan~ar, com.o tempo, o poderio exagerado dos. capi., :plicado sistema de canais e de irrigac;;ao, assim como de escoamento.
taes, condicionado pelas circunstancias primitivas da coloniza~ao. No Funchal (d!!,
Machko nada se sabe documentalinente), a vida municipal nao foi, de come~o, mtii'-' : Essencialmente montanhosas, nao favoreciam as praticas agricolas
to pr6spera. Em 1470 nao havia ainda Pa~os doConceJho e as verea~oes realizavam- · sem urn esforc;;o previo de conversao em terrac;;os dos declives orogn1-
-se ao ar livre. Na mesma data contavam-se na vila do Funchal, que coincidia com a Jicos. Nao havia nelas gado nem animais domesticos. Se tinham peixe
capitania domesmo nome, trinta homens-bons, sobre os quais poderiam recair. os em abundancia, faltava-lhes em contrapartida carne. E assim por
cargos municipais. A verdade, porem, e que a maioria deles se esquivavarn, por di-
:diante. Foram todas estas barreiras que impediram o desenvolvimen-
versas formas, as responsabilidades concelhias, de tal modo que, em 1466, o infante
D. Fernando, herdeiro de D. Henrique, havia proibido os «homens-bons>> de se escu- . to acelerado da Madeira (etambem das demais ilhas) como lucrativa
sarem a servir os «oficios» da vila funchalense. A explica~ao do facto residira, par- colonia de povoamento.
ventura, nos atavismos aristocnhicos (atavismos esses que as condi~oes primitivas do Nao obstante, existiram lucros desde os comec;;os. Boa madeira
povoamento exacerbaram) da maioria dos «homens-bons» locais, pouco inclinados, de cedro e de teixo propo!rcionou logo fontes de rendimento. Entre as
socialmertte, ·a defesa dos direitos do povinho com urn. E nao e, certamente, por aca- primeiras exportac;;oes dos colonos contavam-se o sangue de dragao,
so-que o barbeiro Joao do Porto (repare-se: do Porto) desempenha papel de relevo
nos prim6rdios da vida concelhia madeirense. Niio obstante, o movimento municipa- o anile outras materias tintureiras. (Em 1439, uma carta regia isenta-
lista: foi progredindo, ainda,que lentarnente. [... ] va de direitos aduaneiros toda a mercadoria enviada da Madeira para
Tudo quanto se conhece desses ·tempos remotos nos inculca a certeza de que a Portugal. Este privilegio foi renovado, pelo menos, ate 1449). 0 pei-
popula~ao madeirense e de Oiigem fundamentalmente tnetropolitana. 0 estudo dos xe servia de base da alinientac;;ao local. Depois, a pouco e pouco, urn
livros de linhagens locais revela: apenas urn pequeno numero de apelidos de origem esforc;;o persistente e bern dirigido-onde a arte tradicional muc;;ulma-
estrangeira, gente essa, alias, queacabou por ser absorvida pela popula~ao portugue-
sa. E, alem do mais, a lingua, os costumes e as institui~oes tern a marca evidente de na e moc;;arabe estava porventura presente-criou uma rede de leva-
Portugal. [... ] das ou comportas, que permitiu avanc;;o grande da agricultura.
Conhecem-se os nomes dos seguintes companheiros de Zarco: Gon~alo Aires Desde cerca de 1450 a cerca de 1470, a Madeira revelou-se urn
Ferreira; Francisco Carvalhal, Joao Louren~o. Rui Pais, Joao Afonso, Antonio grande centro produtor de cereais (umas 3000 a 3500 toneladas por ill!I
Gago, Louren~o Gomes, Francisco Alcoforado, Vasco Delgado, Alvaro Afonso, Ai- ano), exportando-se para Portugal mais de metade do seu trigo, quer
res Lordelo, Vasco Esteves, Manuel Afonso de Sanha e Joao do Prado, que se fixa-
ram na ilha, com a familia, investidos da fun~ao oficiosa de povoadores. A estes fo- para consumo metropolitano, quer para abastecimento de Ceuta e
ram imediatamente distribuidas vastas terras•em regime de sesmaria, e com elas cons- .das expedic;;oes ultramarinas .. Parte deste comercio cerealifero estava
tituiram avultados patrim6nios, de alguns dos. quais ainda hoje ha vestigios. Esses nas maos de mercadores catalaes e italianos. Cobriam a ilha azenhas e
homens formaram, pois, a aristocnicia local, que, tal como a metropolitana, se defi, atafonas, cujo monop6lio (com o dos fornos publicos) pertencia aos
nia, econ6mica e socialmente, pela posse da terra.»
capitaes. Com urn solo virgem, que era ainda enriquecido pelas cinzas
(Joel Serrao) dos grandes fogos de arroteia, a produtividade mostrava-se tao eleva-
d(!. que os prec;;os tiveram de ser mantidos artificialmente altos. Abun-
Pouco antes de morrer, o infante D. Henrique convenceu o rei dava ja o gaqo, .e o vinho e o ac;;ucar iniciavam a sua carreira triunfal.
Afonso Va transferir o seu senhorio sobre as ilhas para D. Fernando, I;:m 1452, o. infante D. Henrique assinara urn contrato com urn tal
irmao mais novo do monarca e filho adoptivo do Infante. 0 feudo de piogo de Teive para o estabelecimento de urn engenho de ac;;ucar.
D. Fernando, pore"m, incluia o direito de transmissao ·ao filho ma1s .Quatro anos mais tarde, expor,tava-se para Inglaterra o primeiro ac;;u-
velho. car madeirense. Aos poucos, atraidos pela perspectiva de boos lu-
Do ponto de vista econ6mico, as ilhas ofereciam enoniles vanta~ cros, foram chegando a ilha e ai se estabelecendo numero relativa-
gens mas nao menos obstaculos a urn desenvolvimento harmonioso. ' tnente grande de mercadores estrangeiros e nacionais: entre os mais
Estavam cobertas de densa vegetac;;ao que precisava de ser desbastada proeminentes contavam-seos Judeus e os Genoveses, embora os Por-
e arrancada em vastas• areas· para· permitir campos de semeadura, tugueses nunca tivessem alienado a sua parte no comercio ac;;ucareiro
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·~I Prim6rdios da exoansiin.-i primeiros resultados 273

.~ e ainda menos na produc;ao do ac;ucar. Pela decada de 1460, o

comec;ava ja a revolucionar a economiRda ilha e as suas condic;oes __ .
, louros, ginjas e faias, e outras diversas arvores'', que. e hoje o Iugar da Po-
Velha. Estes primeiros colonizadores era,m gente do Algarv<;:, Alentejo, Bei-
1 ~ vida. Em vez do habitual barco por.ano que o ligava a metr6pole;.~" e alguns afri~anos: todos se instalaram e~ cafuas de palha e feno e logo seqlea-
Funchal passou a ser demandado com frequencia por navios portr . - 1a terra de trigo; ffiaS "OS CaffipOS em que foi SeroeadO eraffi taO abundailteS e fer-
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gueses e estrangeiros em ligac;ao directa' com os mercados da Europa - teis que 0 trigo nao dava espiga, mas fazia uma cana grossa, coberta de gran'des e lar-
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I ·gas folhas .. : o que vendo eles escrevenim ao Infante que a terra nao era para
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Ocidental. A populac;ao aumentou, superando os 2000 habitantes . :povoar ... posto que dava em muita abundancia muitos legumes .... e o gado multipli-
_: .1 tre 1460 e 1470, onde se incluiam os primeiros escravos trazidos das ':\<laya ·em grande maneira": [... ]
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I ilhas Canarias, de Marrocos e da costa africana para trabalharem nas' 1\-. ,. E porque o impeQetravel matagal impedia a passagem para o interior, alguns dos
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plantac;oes. • primeiros colonospercorreram a costa em bateis e, arribando a urn terteno aberto, ai
De interesse social foi a rapida transformac;ao de parte dos pri- • dunciaram outra povoac;:ao, Vila Fra,nca do Campo, onde a produc;:ao do primeiro tri-
1
·j mitivos povoadores (onde, apesar da diferenciac;ao social vigente,.
. semeado lhes causou espanto. Desta nova povoac;:ao nao tardaram a seguir pela
para arribarem a Ponta Delgada, baia abrigada e rodeada de· terras ferteis. Es-
l nao se registavam desigualdades econ6micas desmedidas) em class~'· tava lanc;:ada definitivamente a colonizac;:ao da ilha. Daqui por diante foram-se crian-
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i muito mais opulenta de terratenentes absenteistas, que preferiam vi~ . novos lugares, escolhidos quase sempre em pontos da costa de mais facil acesso e
ver no Funchal ou no Machico, entregando a rendeiros ou feitores ;as : de cursos de agua.»
tarefas agricolas locais. 0 surto do trigo .e, depois, do ac;u~ar e do vi; (Roque! Soeiro de Brito)
nho, quer na produc;ao local, quer na exportac;ao, depressa originou '
uma classe de ricos proprietaries, muitos deles de nome e linhagem Santa Maria fbi doada por D_. Henrique a Gonc;alo Velho, seg:un-
aristocraticos. Na Madeira, como em Portugal, uma estrutura de tipo .- dp o.sistema dascapitanias. Tal comona Madeira, a isenc;ao de direi-
feudal caracterizou assim os finais da Idade Media. -tos alfandegarios sabre a mercadoria exportada para o continente
jqrnou-se uma especie de pedra angular no crescimento da economia
A~wes A colonizac;ao dos Ac;ores comec;ou muito mais tarde e produzhi ~<;.oreana. Para mais, em 1447, o infante D. Pedro alargou as possibi-
os seus primeiros resultados importantes :muito mais tarde tambem: pidades de S. Miguel renovando essa isenc;ao e tornando-:a perpetua,
No comec;o da decada de 1430 foram deixados nas ilhas deS. Miguel } privilegio que estimulou a futura prosperidade da ilha, Porem, o fim
e de Santa Maria carneiros e outros animais domesticos como medida i cla_ sua carreira politica e a morte pouco posterior (1449) comprome-
preliminar para uma ocupac;ao permanente. Contudo, foi s6 em 1439 ' t~ram durante algumJemp,o a colonizac;ao efectiva deS. Miguel. Tal
que urn diploma regia autorizou o infante D. Henrique a iniciar o PO" . ~omo na Madeira, todas as .ilhas- a excep<;ao do Corvo j do ada como
voamento, que na verdade comec;ou nos primeiros anos do decenio feudo ao duque de Braganc;a- foram mais tarde con.cedidas pelo rei
de 1440: Tal como sucedera a Madeira, toqo o arquipelago fora coil~ ao seu irmao mais novo p. Fernando, pouco tempo antes da morte
cedido a D. Henrique e a Ordem de Cristo. Mas ao contrario do que , do:infante D. Henrique ..

I
II acontecera na Madeira, o .senhorio do Infante encontrou competido~ · '>: ·. S6 no decenio de 1460 e que os Ac;ores se converteram em objec-
ii res. Seu irmao D. Pedro, ao tempo regente do reino, pretendeu tam: to.:de permanenteinteresse. Alem de Santa Maria e de S. Miguel, tam-
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bern urn quinhao no rendoso empreendimento. Apropriou-se de>~S: bern a Terceira, a Graciosa, o Faial e o Pico foram povoadas e entre-
r·! Miguel e, segundo· parece, ordenou o povoamento sistematico d~ gues a capitaes-donatarios, urn para as duas ultimas nomeadas, urn
ilha. para a Graciosa e outro para a Terceira (ulteriormente dividida em
dais quinhoes, segundo uma linha recta diagonal que separava a ilha
«Os primeiros povoadores abordaram a ilha [Sao Miguel] pelo sui e estabelece- em duas metades). :Capitaes e povoadores receberamprivilegios, ter-
ram-se numa enseada "desembarcando entre duas frescasribeiras de claras, doces ·e ras e rendas de forma muito semelhante ada Madeira. Contudo, veri-
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frias aguas, entre rochas e terras altas, todas cobertas de alto e espesso arvoredo de ficou-se a curta trecho que o recrutamento de colonos nao se mos-
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 274 Primordios da expansiio Vsprimeiros resultados 275

trava tarefa tao facil. 0 infante D. Henriquefoi obrigado a entregar Continuando para sui; quando se alcan~ava a Africa negra e se
duas das mais importantes capitanias a estrangeiros (ambos da Flan- achava meiios subido 0 nivel civilizacional, mostravam-se mais pro-
dres), que trouxeram consigo q.umero consideravel de compatriotas'. rp,issonts as condi~oes de escravatura. Os primeiros negros foram tra-
Na estrutura~ao social, todavia, poucas foram as diferen~as. · '' ~id.()s em 1441 por Antao. Qon~alves, que fez suas batidas na costa
Tal como na madeira, materiais tintureiros e madeirame detiVI!• norte da Mauritania (a cerea de 20° Norte). Foi grande o entusiasmo
ram o primeiro Iugar no desenvolvimento econ6mico dos A~ores dur em Portugal e, tres anos mais tarde, urn grupo de algarvios, associado
rante algum tempo. 0 peixe teve, da mesina forma, papel decisivo no
abastecimento local. Gado e trigo torhar-se-iam as principais fontes ..
.· numa especie de companhia temponiria dirigida pelo almoxarife de
· Lagos, armou seis caravelas, alcan~ou a costa da Mauritania e trouxe
de receita, mas nao anteriormente a: decada de 1470. A produ~ao& pon.,~igq triunfantemente 235 .escravos. Dai por diante, o trafico conti-
a~ucar nunca se desenvolveu, tanto devido ao desfavor do clima . rmou florescente: entre 1441 e 1448 importaram-se em Portugal urn
como a rivalidade madeirense. Em consequencia, poucos escravos fi~ minimo de 1000 escravos e talvez mais; l).a decada de 1450, uma me-
. zeram a sua entrada no arquipelago. dia de 700 a 800 escravos entrava anualmente na Europa, via Algarve
e Lisboa. A costa da Guine revelou-se urn men:ado melhor do que
Escravos Proventos econ6micos da costa ocidental africana nao come~a~ · qualquer outra area atingida ate entao pelos Portugueses.
ram a afluir antes de 1440-50. Durante algum tempo, viu-se que os es- Se parte dos cativos result.ava de incursoes directas no interior, a
cravos eram mais abundantes, faceis de obter e lucrativos do que o maioria provinha de compras regulares a mercadores mu~ulmanos e
ouro. E conveniente recordar que as Canarias, muito antes da costa . . a:os pr6prios Negros. Trocavam-se escravos por panos e por outros
ocidental africana, constituiam a fonte mais importante da escraviz~~ ·. artigos que os Portugueses iam muita vez adquinr a Marrocos, de no-
~ao, e que os Castelhanos, os Franceses e os Italianos, ao mesmo tem- .vo por vias legais. De Portugal, grande numero, senao a maioria dos
po ou antes que os Portugueses, se dedicaram ao trafico de escravos escravos vendia-se depois com bons lucros para Castela, Aragao e ou-
com pingueslucros. Como todos os outros, os Portugueses fizera:m tros·paises europeus e s6 uma parte ficava nas planta~oes de a~ucar (e
as costumadas razias nos Canarinos, trazendo muitos como escravos ein servi~os agricolas ou domesticos) da Madeira e de Portugal. Jun-
para a Madeira. A competi~ao com Castela, todavia, impediu Portu~. t~ente como a<;ucar, o trafico de escravos podia considerar-se urn
gal de se servir do arquipelago das Canarias como mercado de escra~ mais rendosos entre todos; atraindo numerosos mercadores de
vos permanente. Por volta de 1460-70, quando ia em aumento na 'Ma:~ toda a Europa, italianos sobretudo.
deira a procura de mao-de-obra barata para as planta~oes de a~ucars
Castela defendia activamente os seus direitos a exclusiva propriedade
. «Na fase inicial da exploracao do ocidente africano, OS escravos eram, em regra,
e explora~ao econ6mica das ilhas. Nas aguas do arquipelago enxa'~ ' (capturados em opera~oes organizadas pelos navegantes ou negociantes).
meavam os piratas. Alem do mais, os Canarinos mostravam-se difi~ exemplos concretos, alem das razias no Magrebe, as feitas aos guanches,
ceis de capturar e de escravizar, resistindo ferozmente e parecendo ser. das Ilhas Canarias, e aos "Azenegues de coramulatada", em Arguim, por espanh6is
melhores lutadores do que trabalhadores. Os Portugueses preferiram e portugueses, capturando hom ens e mulheres, vendidos depois em Portugal, Sevilha
Cadis, como escravos.
muitas vezes ocupa-los como guerreiros contra os seus rivais, em
. ''Poucos anos volvidos, o Infante D. Henrique reconheceu os efeitos nocivos das
taculo permanente a coloniza~ao efectiva por Castela. ·'Ineracoes de razia e captura, que comprometiam seriamente nao so as boas relacoes
Podiam tambem obter-se escravos na costa marroquina, mas · os povos africanos, com'o ate o bomexito do comercio e da navegacao na costa,
tarefa mais perigosa. Excelentes guerreiros, os Mouros possuiam ·;a,o·sul. Decidiu, por isso, foSse seguido o processo de compra de escravos aos
organiza~ao militar eficaz que travava as veleidades de escraviz::~~~ rJm.1iorais de cada area por..mercadotias das suas preferencias. [... ]
Seria necessario que os Portugueses controlassem primeiro uma , . A pratica de escravizacao de ho.mens e de mulheres, vendidos depois em feiras
area de hinterland marroquino, o que nunca conseguiram fazer. ·
de
'·sociedades africanas era antiga. ·Ai~ni' outros, Almada refere o comercio de es-
em varias etnias, um~s 'vez~s vendendo.-os entre si, outras vezes a etnias dife-
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276 277
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I, rentes. Assim, os Nalus transaccionavam com os Beafares os do pr6prio,gr:upg

como os Bagas e Coco lis capturados pelos Beafares, _que, por sua vez, os r~:
Em 1443, o infante D. Henrique consegufu obter o monop6lio
do o comercio efectuado com a costa africana a sul do cabo Bo-
outros povos e, mais tarde, aos traficantes eurgpeus. Este .comercio contir
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. Foi-lhe mesmo doado o quinto que devia pei'tencer ao Estado.
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feito durante o secuio XVII. Entre Mandingas e Jacancas o neg6cio de
va organizado nas suas feiras peri6dicas, ·onde efa·n:i vendidos a mercadores
outras etnias, nao s6 para revender a trafidintes Arabes, no interior, como.aeoor
ess(! tempo, D. Pedro controlava o governo e l:>enen~iava de to-
os seus pioventos e privilegios: podia bern permitir-:se .ser genera-
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europeus, nos portos do litoral.»

i[' para com o irmao mais novo, de cujo apoio necessitava.
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I' (Ant6nio ,. > Monop6lio de comercio nao queria dizer exclusivo de navega-
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Outros . Da Guine, OS Portugueses traziam tambem goiha arabiea, , Continuaram os empreendimentos de particulares, em bora ·pas-
produtos
de argalia (de on de se extraia urn produto fuedicinal muito aprP.i-< a ser necessaria a autoriza9ao de D. Henrique. Oseu poderio e
malagueta, algodao, marfim e variosdutros'artigos menores; ~Jrganizai;ao de tipoecon6mico nao bastavam ain,da par,a urn mono-
do papagaios. Davam igualmente luc'tos corisideraveis o peixe ·· efectivo implicando coordena9ao completa ,de todo o tr~fieo.
oleo de peixe e de baleia. Alem de peixe·p'ropriamente dito; OS ri~ .vez disso, o Infante preferia conceder uma licen9a de cada vez
portugueses ca9avam baleias e loboS rriatirihbs (focas) nas agl.las; pediam, recebendo em contrapartida uma quinta parte livre
e
Canarias do Norte de Africa, vendendO:' depois em Portugal;:<!~ qualquer esfor9o. Desta forma, o monop61io henriquino asseme-
de eram exportadas para outras partes, as peles e o azeite; •h<>va-se antes a urn senhorio, a maneira dos que possl.lia na metr6ple.
· As licen9as para comerciar obedeciam a duas formas principais:
Ouro Ouro, o tao cobi9ado objectivo,. chegou pela primeira vez a se os particulares .tomavam para si as despesas com a arma9ao e com
tugal em 1442, a darmos credito as cr6nicas. Era trocado por a.viagem, D. Henrique recebia 25o/o dos lucros; se era ele a ter os en-
genero de grande procura entre os NegJ;"os. Este facto explica que cargos de armar o navio, os proventos seriam divididos a meio.
Portugueses, em si mesmos sempre fa:lhos de trigo para consumQ,;:!:j Nao sabemos tnuito de como se faziam os contratos entte parti-
· fossem comprar no estrangeiro ou na Madeira s6 com o prop6sito(4¢ .culares ou se criavam sociedades. Na maioria dos casos, parece que
conseguirem ouro. Os Negros apreciavam tambem, e trocavam pel.Q os pr6prios mercadores participavam nas expedi9oes. Negociantes de
precioso metal, tecidos e pe9as de vestuario, cobertores, contas:<kco~' maior fazenda ou mais bern organizados, clarci esta, haviam de enviar
ral e prata. Nao sabemos, nem mesmo aproximadamente, quanto o.'Uh .0s seus•representantes e preferir ficar. em casa. 0 mesmo acontecia,
TO chegou a Europa nesses tempos, a bordo das embarca9oes portu~. evidentemente, quando urn senhor feudal se decidia a ganhar o seu
guesas. Mas a intensidade do trafico com a costa africana, o seu mo- quinhao no trafico africano. Os lucros mostravam-se elevados, em
nop6lio pelo infante D. Henrique, e as altera9oes para melhor que se geral acima dos 100%, as vezes podendo montar aos 700%.
registaram na moeda nacional (v. Cap. IVO indicam que o comercio
de ouro desempenhou papel de relevo na economia do Pais e correS~' «Fala-se frequentemente de uma sociedade comercial fu'ndada em LagoS em
pondeu aos almejados fins em vista. 1444. Infelizmente as fontes sao mudas a respeito de unia tal sociedade, se !he conce-
ct'e~mos o atributo da permanencia. Havia sociedades cuja dura9ao se restringia a
Form as Ate 1443, eram livres o comercio e a navega9ao com a Afdca:' ti'~a unica viagem, quando multo a duas. Muitas vezes, o armador fazia urn contrato
comerciais com urn ou varios mer'cadores. A bordo havia pelo mei10s urn escrivao, urn piloto eo
qualquer pessoa podia armar urn navio e manda-lo a Marrocos ou.a patrao, alem dos marinheiros. Por Cadamosto sabemos que D. Henrique impunha
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costa norte-africana com objectivos de comercio regular ou simples.- urn dos doistipos .seguintes de contratos: se nao era ele. a fazer as despesas de arma-
mente para pilhagem e pirataria. De todos os lucros, porem, a quinta cao do navio e da viag;em recebia 1/4 (esta percentagem de 250Jo e confirmada por
parte pertencia a Coroa, na velha tradi9ao da <<Reconquista». Apenas· Diogo Gomes, mas legalmente o Infante s6 tinha direito a 20%); se corriam por sua
os infantes D. Pedro e D. Henrique estavam isentos deste tributo e 'tonta os encargos da arniacao do barco, mas todas as otitras despesas incumbiam a
outra parte contratante, dividiam-se OS hicros ao meio. Por desgra9a ignoramos tudo
unicamente no que respeitava a guerra de corso. dos contratos que ligavam simples particulares entre si. Na inaior parte das vezes o
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 278 Prim6rdios da expansiio. 279
Os primeiros resultados

comerciante acompanhava a .sua mercadoria~ nao acontecia assim, porem, :quando Depois da morte do infante D. Henrique, este escritorio seria transfe-
havia urn bail/eur de fonds-senhor ou rico burgues. Os lucros eram muito elev,.a; rido para Lisboa.
dos-ge~almente acima dos IOOOJo; chegavam com razoavel frequencia a ser, de
7 por I. [ ... ] . .,
. .:; , Discutiram-se ja as motiva~oes particulares do Infante e as moti- Planeamento
Na RelafiiO de Diogo Gomes le-se que no tempo do Infante D. Henrlque os alar- das viagens
ves traziam a Arguim ouro puro em p6, pagando-Ihes os portugueses com trig~; f va~oes gerais da expansao. E sumamente duvidoso que D. Henrique
mantas e outras mercadorias; e, indica-se, estas transaccoes continuavam a data da possuisse alguma vez urn plano bern organizado com o fim de explo-
redaccao desse relato, ou seja, na u!Hma decada do seculo XV. Este ponto e confir-· rar terras desconhecidas, e ainda menos que ~calentasse o sonho de
mado por MUnzer, que esteve em Portugal em 1494, pois diz que se troca actualmen". chegar a Asia e aquilo a que hoje chamamos india. Mas seria errado
te trigo por ouro e panos por escravose outras coisas. supor que as condi~oes gerais ao tempo em que as descobertas come-
Reporta-se tambem a decada derradeira de Quatrocentos a descricao que de ~aram eram as mesmas qye por alturas da morte do Infante, em 1460.
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Arguim nos deixou J6ao Rodrigues (transmitida por Valentim Fernandes).
bs portugueses vendem panos de cor (azuis e vermelhos), linho, albornozes, al- Muito se modificara, no 'entretanto, resultado quer das varia~oes da
quices, Iambeis, bordateis, bedens, selas, estribos, bacias, mel, prata, coral vermelhci conjuntura mundial quer dos proprios descobrimentos. Variaram
em contas redondas, alaquecas, trigo. As mercadorias de mais valia sao o trigo,. 11 tambem os pontos de vista, as finalidades e os conhecimentos do pro-
prata e as alaquecas. Os mouros trazem do continente escravos pretos, ouro, peles de prio D. Henrique. No outono da sua vida, e muito provavel que al-
anta, goma arabica, gatos de algalia, ovos de ema e camelos.» bergasse em seu espirito uma imagem bern mais clara do mundo e da-
(Vitorino Magalhiies Godinho) _cjuilo que se poderia atingir nele do que quarenta anos atras.
Mas se nao encontramos urn plano definido de atingir a Asia por
Feitorias Pelos firis da decada de 1440, foi criada a primeira feitoria regu~ via maritima na primeira metade do seculo XV, encontramos, em
lar na ilha de Arguim (20,5° N), nao Ionge do continente. Servindo- contrapartida, uma defini~ao assaz exacta dos fins a alcan~ar em
-se de materiais locais mas com ferramentas e mao-de-obra trazidas Africa e urn estudo bastante completo dos. seus meios. Provas datan-
de Portugal, urn Soeiro Mendes de Evora dirigiua construc;:ao de.um do da segunda decada de Quatrocentos e continuando por mais de
castelo ou fortaleza para, protec~ao e chefiou 0 primeiro grupo orga- cern anos a seguir mostram claramente que estava na ideia de muitos
nizado de povoadores, incluindo.um sacerdote. A.feitoria foi quase .· dirigentes portugueses, incluindo D. Joao I, D. Duarte, D. Afonso V
imediatamente arrendada a uma companhia portuguesa (porventura eo infante D. Henrique, urn plano de conquista da Africa mu~ulma­
com ac~oes de Italianos tam bern) por urn periodo de dez anos~ Ulte- na com o objectivo final, embora distante, de reconquistar Jerusa- ;
riormente, as condi~oes modificaram-se. A morte de D. Henrique u~m. Em suma, o ideal de cruzada norteava os seus esfor~os. Este
(1460) inaugurou. novo periodo de liberdade comercial (v. Cap. V) ideal seria depois associado com as possibilidades de atingir a Asia
mas on de o papel da Coroa seria cada vez maior. por via maritima e vasado num vasto empreendimento de descoberta
No decenio de 1450 foi fundada uma segunda feitoria (e prova- do mundo por Cristo, mas so nos finais da segunda metade do seculo
velmente urn castelo tam bern) algumas milhas a sul de Arguim. 0 seu XV. Ate entao, a politica portuguesa tern de entender-se no enqua-
objectivo consistia em comerciar com malagueta, marfim, almiscar e dramento geral das ultimas cruzadas e de explicar-se por ele.
papagaios. Por esse tempo come~ava a propria Coroa a organizar ru-
dimentarmente o comerdo ultramarino, nomeando funcionarios. Teoricamente os Cristaos nunca haviam aceite a ideia da perda A «Recon- •
quista»
-por exemplo, urn almoxarife. para os escravos mouros importados permanente da Terra Santa e das regioes outrora submetidas ao «ecu-
e para toda a mercadoria vinda da Guine - e criando uma especie de menico» Imperio Romano. A reconquista do Norte de Africa, se-
reparti~ao publica, a Casa de Ceuta, para superintenc:ler nas guindo-se a da Peninsula Iberica, parecia a todos urn objectivo natu-
terras ultramarinas, principalmente em Marrocos. Por 1445 criava-se ral e, pelo menos em teoria, entrava nos objectivos politicos dos mo-
outra reparti~ao, em Lagos, especializada no comercio com Arguim. narcas ibericos. Tanto o rei de Castela como o rei de Portugal sen-
 :n.~mrimt>iros resultados 281
280 Prim6rdios da exnansaoi'

tiam essa mesma obriga9ao, acrescida e adornada da perspectiva nia, em desafio ao monop6lio portugues, o trafico mercantil com as
acrescentar novas provincias a seus reinos e aduzir novas rendas:u',·, novas terras descobertas. Pouco tempo depois, a Africa era oficial-
seus tesouros. mente declarada «conquista de Castela», proclama9aO destituida de
Existia desde havia muito urn bispo nominal de Marrocos. No~ s·~ritido nos seus aspectos praticos, mas mesmo assim desafiadora da
principios do seculo XV, o rei D. J oao I conseguiu que o Papa .no·:~ :6dlitica portuguesa~ A morte do rei castelMmo Joao II (1454) resol-
measse como tal urn sacerdote frances que era o confessor da veu momentan~aniente o problema, visto que o novo monarca, Hen-
D. Filipa de Lencastre. Depois de Ceuta ter caido em maos portugue"' ftque IV, nunca prosseguiu a serio OS esfor90S empreendidos pelo pai.
sas, esse mesmo bispo foi feito bispo de Ceuta, sendo-lhe entao entre~; Ao mesmo tempo os Portugueses atarefavam-se junto da Curia Pon-
gue uma diocese real para governar. Urn portugues fora tambem·~n.,; tificia na obten9ao de mais amplos privilegios papais. Conseguiram
vestido no bispado nominal de Cartage.. Assim, Portugal mostravaoseJ uma victoria retumbante em 1455 quando a bula Romanus Pontifex
ja no comando da administra9ao eclesiastica de boa parte do Norte: . definitivamente endossou Portugal e s6 Portugal, sancionado o mo-
de Africa, no caso de ser bern sucedida a guerra contra os Mouros:1 hop6lio de descobrimento e de conquista, e afirmando outras prerro-
Em 1418, uma bula papal convidava todos os cristaos e todos,os' ~htivas importantes. No ano seguirite, nova bula concedia Ordem a
fieis em geral a juntar for9as com o rei de Portugal contra o Islam;·\. de Cristo a espiritualidade (patronato) de todas as teras recem-desc'o-
aconselhava o clero portugues a pregar a cruzada, autorizava con~l bertas e a serem descobertas no futuro.
quistas de territ6rio e concedia as inevitaveis indulgencias. Foi segui"'
da por diversas outras bulas com objectivos identicos e clausulas pa-
recidas. No mesmo ano, os Portugueses obrigavam os Mouros ale.:,· 0 bulfuio referente ao «Ultramar» pode agrupar-se segundo fases e. temas. De
1418 a 1426, o papa Martinho V publicou mais de uma dezena de diplomas relativos
vantar o cerco a Ceuta e planeavam urn ataque contra Gibraltar que,
a Ceuta, onde se inclu\am variados aspectos de conquista, ocupac;:ao, beneficios espi-
nunca se efectivou.
r:ituais, administrac;:ao eclesiastica, comercio com o inimigo, etc. Numa segunda fase,
As diversas tentativas europeias de organizar uma cruzada, os em 1436-37, Eugenio IV deu primeiramente cobertura aos interesses portugueses na
monarcas portugueses responderam sempre com entusiasrno, qu.er- cjuestao das Canarias e das terras a conquistar, para depois se aproximar de Castela e
em teoria quer em pratica. Em 1437, por exemplo, proclamava-se so-.. revogar o que antes concedera. Numa terceira, de 1442 a 1446, o mesmo pont\fice
lenemente a cruzada em todo Portugal (que levaria ao desastre de voltou a ocupar-se das coisas portuguesas com espiiito mais parcial, promulgando
Tanger). 0 papa Eugenio IV nao se poupou a esfor9os para incitar os uma dezena de hulas de confinnac;:ao das que Martinho V dera e apontando ja para a
reis e senhores da Europa a com bater o Islam onde quer que ele seen~~ futura conquista de Alc;acer Ceguer. A partir de 1452, a diplomacia portuguesa, esco-
contrasse. Na decada de 1440, concebeu uma alian9a com o Preste rada nos sucessos espectaculares dos descobrimentos e as suas rendas e das novas
Joao que atacaria os muc;ulmanos pelo sul. 1Concedeu a Portugal no-, conquistas em Marrocos, conseguiu toda uma serie de importantes concessoes pa-
vas bulas, recheadas de exorta9oes e de privilegios, apoiando a em.:. pais, devidas a Nicolau V, a Calis to lii e a Pioll. Renovac;:ao dos privilegios anterio-
I
tes, direito de conquista e ocupa9ao «ate aos indios», concessao de do is anos de dizi-
:~ " presa de Ceuta e os projectos ultramarinos, garantindo induJgencias'
rriaeclesiastica para a org~nizac;:ii.o da cruzada, neg6cios de Ceuta, co mercia com o
.II aos chefes, etc. Ao mesmo tempo, o Papa procurava nao se compro~:,
infiel, absolvic;:ao para OS ca\dos em Alcacer Ceguer, etc., tudo foi contemplado.

If
I .
meter inteiramente com Portugal, a fim de estimular os interesses de
Castela e beneficiar dos seus esfor9os tambem. Assim, recusou as Ca-
Fases e temas deste extenso bulario tern qe ser estudados em func;:ao da conjun-
tura internacional .e da situac;:ao politico-economica dos Estados peninsulares. Tam-
df narias ao monarca portugues e confirmou-as ao castelhano. Nos fins;
do decenio de 1440 e durante o de 1450, Castela despertou da sua itt~:
bern nao podem ser descurados os.esforc;:os e a habilidade dos·numerosos «diploma-
tis» que Portugal e· Castela inantiveram ou. extnl.ordinatiamente enviaram junto das
diferen9a e resolveu participar nas descobertas e nas conquistas. Osc: ~ortespontificias. Por fim,'nao se.e$qtiec;:ao impacte que teve aconquista.de Cons-
.i
~ seus piratas foram interferindo cada vez mais com a navega9ao portu~' tantinopla pc;los Turcos (1453) na politica concessionaria da Santa Se relativamente a
guesa, enquanto se concedia formalmelite ao duque de Medina Sid6~' Portugal. .

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282 Primordios da expansiio If\

Conquistar a Africa, portanto, e conquista.,.Ia no enquadramento !,;_

geral de cruzada, implicava muito mais do que Marro.cos ou o Norte f;

do continente: significavaa conquista.de quaisquer territ6rios negros
a sul do Sahara, emresumo, todq o continente, onde querque ele ter-
minasse e urn a vez que os seus habitantes nao adorassem a, Cristo. 0~
Portugueses ficavam com as maos completamente livres pata gover~ '
1(:\

nar a Africa com plena aprova~ao da Santa Se: s6 o reino do Presie

Joao permanecia a margem da sua soberania politica. · ·
o Preste Joiio E preCiso ainda recordar que os modos de alcan~ar o Preste Joao
por sul e ocidente continuavam obscuros. Supunha-se que o rio Nilo
corria na direc~ao oeste-leste antes de inflectir para sui-norte. Por va-
rias vezes julgaram OS Portugueses que 0 haviam descoberto, ou pelo
menos urn dos seus bra~os. Pensavam achar-se muito mais perto da
Eti6pia do que era realmente 0 caso. Isto explica que OS seus objecti- I
•,

vos politicos, ligados a urn ataque ao Islam «pelas costas», se afigu-

rassem viaveis aos estadistas europeus da epoca (sobretudo ao Papa e
aos dirigentes portugueses) e prestes a verificarem~se. Justificava-se,
assim, a continua~ao das viagens de descobrimento e a sua integra~ao
na cruzada geral.
;~·
Bibliograjia (alem das obras gerais ja mencionadas) - Sobre a coloniza~ao da
Madeira e dos Acores, ver VitoririoMagalhaes Godinho, A Economia dos Descobri-
mentos Henriquinos, Lisboa, Sa da Costa, 1962, obra igualmente fundamental p;tra
~·
o estudo de todos os aspectos da expansao pre-quatrocentista. 0 artigo «Madeira», r
de Joel Serrao, no Diciomirio de Historia de Portugal, vol. II, da uma ~xcelente sin-
tese dos primeiros tempos da vida· do arquipe!ago. Urn sumario da cplo'niza~ao por~
tuguesa do seculo XV (particulai-mente sobre OS aspectbs agric6Ias) enc6ntra-se tam-
bern nos livros de A. H. de Oliveira Marques, Introdu~iio iiHistoria da Agricultura
em Portugal (A Questiio Cerealfjera durante a /dade Media), 3. • ·edl~ao, Lis boa,
Cosmos, 1978 e Raquel Soeiro de .Brito, A 1/ha de Siio Miguel. Estudo geograjico,
Lisboa, Faculdade de Letras, 19~5. Sobre o mesmo assunto, Charles Verlinden escre- 'r
veu urn artigo inter~ssante que merece referenda: «Formes feodales et domaniales de r·
Ia Colonisation Portugaise dans Ia zone Atlantique aux XIV• et XV• siecles et speeia~
lement sous Henri le Navigateum, Revista Portuguesa de Historia, vol. IX (1960);
pp.l-44. '
Para os come~os do trafico de escravos, seleccionem-se, entre a numerosa bi-
bliografia existente, os dois livros de Ant6nio Carreira, Cabo Verde. Forma~iio e Ex~
tinfiiO de uma SociedadeEscravocrata (1460-1878), s.I., Centro de.Estudos da Guine
Portuguesa, 1972·, e Notas sobre o Trajico Portugues de Escravos, .Lisboa, Universi7
dade Nova .de Lis boa, 1978. Sobre o buliuio relativo ao .Ul~ramar, consulte-se a obni
basica de Charles-Martial de Witte, Les Bulles Pontificates et /'Expansion Portugaise
., ~ .
au XV• siecle, sep. da Revue d'Histoire Ecclesifisthjue, n.o~XLVIII a Llll, Louvain, ~,:

1958.

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