Dialogos para Uma Politica Nacional Book
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Volume 1
Governo Federal
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Luciana Mendes Santos Servo
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Diretora de Estudos e Políticas do Estado,
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Brasília, 2023
© Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – ipea 2023
Como citar:
COSTA, Marco Aurélio. Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano: escalas,
agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro. Brasília: Ipea, 2023. v.1. ISBN: 978-65-5635-062-2. DOI:
http://dx.doi.org/10.38116/978-65-5635-062-2.
As publicações do Ipea estão disponíveis para download gratuito nos formatos PDF (todas)
e ePUB (livros e periódicos). Acesse: https://www.ipea.gov.br/portal/publicacoes
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não exprimindo, necessariamente, o ponto de vista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ou do Ministério do Planejamento e Orçamento.
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Reproduções para fins comerciais são proibidas.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO.........................................................................................7
CAPÍTULO 1
A AGENDA URBANA NO BRASIL: MARCADORES/BALIZAS
PARA A CONSTRUÇÃO DE UM PACTO URBANO............................................9
Marco Aurélio Costa
CAPÍTULO 2
FORMULAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O DESENVOLVIMENTO
URBANO: POSSIBILIDADES PARA O PENSAMENTO E A AÇÃO......................31
Maria Encarnação Beltrão Sposito
CAPÍTULO 3
A AGENDA URBANA E A ESCALA MUNICIPAL: DESAFIOS TIPOLÓGICOS
ENTRE A INSTITUCIONALIDADE E O ESPAÇO CONSTRUÍDO.........................51
Armando Palermo Funari
Lizando Lui
Carlos Henrique C. Ferreira Jr.
CAPÍTULO 4
(RE)ARRANJOS E INSTRUMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO
URBANO NA ESCALA SUPRAMUNICIPAL....................................................89
Bárbara Oliveira Marguti
Marco Aurélio Costa
CAPÍTULO 5
GOVERNANÇA SUPRALOCAL: ALGUMAS REFLEXÕES
E CONSIDERAÇÕES SOBRE O BRASIL........................................................129
Maria do Livramento Clementino
CAPÍTULO 6
QUESTÕES DE ARTICULAÇÃO MUNICIPAL: APROXIMAÇÕES AOS
CONSELHOS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL SUSTENTÁVEL
DO ESPÍRITO SANTO..................................................................................149
Latussa Laranja Monteiro
Nathalia Nogarolli Bonadiman Imbroisi
CAPÍTULO 7
CONTRIBUIÇÕES PARA UMA AGENDA URBANA DE INTEGRAÇÃO
REGIONAL: BASES PARA INTERPRETAÇÃO E TIPOLOGIA DE REDE
URBANA PARA UM BRASIL MAIS POLICÊNTRICO......................................171
Ernesto Pereira Galindo
CAPÍTULO 8
POLICENTRALIDADE NOS GRANDES AGLOMERADOS URBANOS
BRASILEIROS ENTRE 1980 E 2010.............................................................209
Cassiano Ricardo Dalberto
Pedro Amaral
CAPÍTULO 9
FEDERALISMO E RELAÇÕES INTERGOVERNAMENTAIS NO BRASIL:
NOTAS PARA A CONSTRUÇÃO DA POLÍTICA NACIONAL DE
DESENVOLVIMENTO URBANO .................................................................229
Lizandro Lui
Sara Rebello Tavares
Marco Aurélio Costa
Cleandro Krause
Armando Palermo Funari
APRESENTAÇÃO
1. BRASIL. Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano. 3o Termo Aditivo
ao Termo de Execução Descentralizada no 71/2019. Brasília: MCidades Ipea, 2023.
8| Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo foi desenvolvido a partir das reflexões reunidas no Texto para Discussão
(TD) no 2686, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea
(Costa et al., 2021a). O TD decorre da nota técnica elaborada pela equipe da
entidade no âmbito do termo de execução descentralizada (TED) firmado entre o
instituto e o então Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) – atualmente a
cargo do Ministério das Cidades (MCidades) –, com vistas ao apoio à construção da
Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU). O objetivo da nota técnica,
apelidada de “nota-mãe”, era o de contextualizar o atual processo de construção
da PNDU. A nota tornou-se documento de referência para o conjunto de notas
técnicas e seminários (Diálogos para uma PNDU) que foram produzidos entre
2020 e 2022. Dessa forma, cobriram-se os eixos temáticos da agenda urbana, do
financiamento do desenvolvimento urbano, da governança interfederativa e dos
temas transversais à política urbana.
A nota-mãe e o TD têm como ponto de partida – e pano de fundo – uma
leitura da recente história da política urbana no Brasil, especialmente a partir da
redemocratização. Procura-se compreender como, historicamente, nesse período
recente, se deu a trajetória da política urbana no país, tomando como referência
os entendimentos expressos na Constituição Federal de 1988 – CF/1988 (Brasil,
1988), de forma associada à forma como o Estado brasileiro e o governo federal
procuraram lidar com os desafios associados à agenda urbana, em suas diferentes
escalas, a partir da compreensão acerca do que é o desenvolvimento urbano.
Neste capítulo, busca-se retomar essa leitura dando-se ênfase a alguns dos
elementos que melhor permitiriam reconhecer ou construir um entendimento
do que seria a agenda urbana brasileira, em perspectiva multiescalar, intersetorial,
interfederativa e interinstitucional.
1. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Dirur/Ipea); e coordenador nacional do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em
Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial (INCT/INPuT). E-mail: <[email protected]>.
10 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
3. A campanha dos planos diretores participativos e a produção de material de orientação e apoio aos municípios
constituem ações que ilustram muito bem esse esforço. A avaliação dessa experiência pode ser encontrada em Santos
Junior e Montandon (2011).
A Agenda Urbana no Brasil: marcadores/balizas para a construção | 17
de um pacto urbano
4. A contemporaneidade coleciona um extenso conjunto de evidência que dão conta de transformações socioe-
conômicas, geoambientais, culturais e institucionais importantes no mundo, em escala global. Há um mundo em
transição que se manifesta no mundo do trabalho, em novos padrões de produção e consumo e nas mudanças
tecnológicas que se dão em ritmo rápido. A transição possui também uma dimensão ambiental, associada aos desafios
da sustentabilidade, em tempos de mudanças climáticas, que demandam uma visão sistêmica dos assentamentos
humanos. Valores culturais associados a um mundo cada vez mais urbano e conectado, de aceleração do tempo
e compressão do espaço, demandam soluções para os diversos desafios sociais, econômicos e ambientais, com
rebatimentos na dimensão político-institucional, em diversas direções, nem todas necessariamente convergentes,
mas que podem ser sintetizadas, de um lado, nas demandas por uma governança multinível “inteligente” e, de
outro, no aprofundamento dos mecanismos de transparência e na gestão democrática (urbana).
18 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
que promove qualidade de vida e justiça social. Faz-se então a seguinte indaga-
ção: como não exigir da maior parte dos municípios do país a pactuação do que
deveria ser o projeto de cidade, condizente, por óbvio, com as especificidades de
cada cidade, por meio da política urbana, a partir do seu principal instrumento?
Decerto o escopo e o perfil dos planos diretores devem variar de acordo com
as características de cada município. Contudo, essa adaptação do instrumento à
realidade local não seria mais interessante do que simplesmente desobrigar os entes
locais a adotarem esse instrumento de planejamento, que de resto se articularia
a outros instrumentos de planejamento orçamentário que os municípios já são
obrigados a possuir?
A partir da CF/1988, um intenso processo de municipalização das políticas
públicas, notadamente no campo social, deu-se no país, obrigando os municípios
a assumirem diversas competências e atribuições das quais antes não se ocupavam
direta ou exclusivamente.5
Diversos sistemas, como o Sistema Único de Saúde (SUS) ou, posterior-
mente, o Sistema Único de Assistência Social (Suas), passaram a exigir que os
municípios tivessem certas instâncias participativas, muitas destas de caráter
deliberativo, para lidar com a gestão das políticas públicas. Tudo isso de forma
mandatória e homogeneizante – ou seja, sem considerar as características socio-
econômicas, geoambientais, regionais ou político-institucionais dos municípios.
O município passou a receber atribuições, muitas vezes sem possuir os recursos
adequados para exercê-las, independentemente de seu porte, de sua inserção
regional e de seus atributos.
Em todas as demais áreas das políticas públicas e da gestão pública, o mu-
nicípio possui um papel importante na execução de políticas e responsabilidades
quanto à gestão, devendo ter determinadas estruturas para lidar com as atribuições
que passaram à competência local. Contudo, no que diz respeito à política urbana,
a visão que decorre da diferenciação entre os municípios é de que nem todos os
municípios precisam lidar com a promoção do desenvolvimento urbano.
No que diz respeito a esse primeiro balizador, cumpre aqui destacar que, ao
defender-se a obrigatoriedade do processo de gestão urbana, a partir da determi-
nação e da implementação de seu plano diretor, pactuado pelos agentes/atores
locais, não se está aqui fazendo uma apologia ingênua ou acrítica do que vem
sendo a experiência de muitos planos diretores elaborados no país a partir do EC.
A bibliografia dá conta de diversas leituras críticas sobre esse instrumento,6 que
5. Há uma extensa bibliografia dedicada a isso, como exemplificam as publicações de Arretche (2000), Santos Junior
(2001), Sposati e Falcão (1990), entre tantas outras.
6. Ver, entre outros, Villaça (2005) e Bueno e Cymbalista (2007).
20 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
precisam ser consideradas, inclusive, para repensar o que deve ser um instrumento
desse tipo na contemporaneidade. Contudo, o que se argumenta aqui é que, se
este é o instrumento básico da política urbana, não seria adequado e compatível
com o entendimento de desenvolvimento urbano, constante tanto na CF/1988
quanto no EC, estender a obrigação de construí-lo para todos os municípios do
país? Não seria pedagógico que os agentes/atores econômicos, sociais e políticos
de todos os municípios precisassem discutir seu projeto de cidade (de município),
criando balizas orientadoras do desenvolvimento local?
Enfim, o que se argumenta aqui é que a política urbana deve ser capaz de
construir uma visão de território que considere a diversidade do território brasileiro
em suas diferentes escalas, a começar da escala municipal, envolvendo todos os
municípios do país.
7. No projeto Governança Metropolitana no Brasil, desenvolvido desde 2012 no Ipea, vem se produzindo diversas
publicações, entre relatórios de pesquisa e livros, nas quais essas análises podem ser encontradas – ver, especialmente,
Costa e Tsukumo (2013) e Costa et al. (2021b). E, no âmbito do apoio à construção da PNDU, foi elaborada uma nota
técnica sobre o tema, a qual pode ser encontrada na plataforma Brasil Metropolitano (Marguti et al., 2020).
A Agenda Urbana no Brasil: marcadores/balizas para a construção | 21
de um pacto urbano
a expressão financeira de uma crise mais ampla associada aos tempos transicionais,
coloca as cidades como protagonistas desses tempos, em movimento que tem a
ver com a valorização do local. Às manifestações de vulnerabilidade trazidas pela
crise para o espaço urbano correspondem também a oportunidades para a criação
e o desenho de soluções criativas, baseadas no estímulo e no uso de recursos do
território, ensejando o florescimento do que tem sido chamado de “novo munici-
palismo”, segundo Blanco e Gomà.
O mundo local na mudança de época, entendido como um âmbito em que são
possíveis respostas criativas, confluências em um novo espaço público compartilhado
no qual se articulam os bens comuns: políticas públicas com vontade de construção
de uma nova política democrática. Um novo municipalismo para a mudança de
época; dizemos: o municipalismo do bem comum (Blanco e Gomà, 2016, p. 20,
tradução nossa).
Em oposição a um municipalismo autocentrado, de visão curta, esses autores
vislumbram um novo municipalismo, nascido de contexto de mudanças e tensões,
mas que compreende as dimensões estrutural, multidimensional e interescalar
desse momento sócio-histórico.
As manifestações locais das crises, agravadas, no período mais recente, pela
pandemia, reforçam o papel dos governos locais na gestão dos aspectos cotidianos
e na promoção do bem-estar social, ainda que estejam claras as limitações dessa
esfera em lidar com processos econômicos que são globais. De um lado, os efeitos
da crise global e de suas variantes nacionais/regionais rebatem-se no território e
manifestam-se nos municípios e nas crescentes demandas por políticas sociais; de
outro, os movimentos no campo econômico mostram-se bastante descolados da
esfera local, usam os recursos locais a partir de lógicas globais e deixam no território
uma série de efeitos que os governos e as populações locais precisam enfrentar, com
os recursos que possuem. Dessas tensões e contradições, deriva a necessidade de
dar-se respostas locais para os efeitos de problemas que não são gerados, na maior
parte das vezes, localmente. E é isso, esse misto de problemas, tensões, desafios e
oportunidades, que coloca o município como protagonista nesses novos tempos.
Esse protagonismo da esfera local varia para os diferentes perfis de muni-
cípios existentes em cada lugar. No caso do brasileiro, a diversidade de cidades
e municípios que compõem o país, em suas diversas tipologias, permite antever
variadas formas de lidar – e responder aos – com os desafios dirigidos à esfera
local. As cidades brasileiras possuem diferentes capacidades de resposta em face
dos problemas que enfrentam e, mais que isso, têm distintos escopos de prota-
gonismo, podendo assumir importantes papeis no que diz respeito à promoção
do desenvolvimento nas suas áreas de influência.
A Agenda Urbana no Brasil: marcadores/balizas para a construção | 23
de um pacto urbano
4.4.1 Buscar superar as tensões entre políticas setoriais e políticas públicas espaciais
As políticas públicas associadas à política urbana envolvem elementos que
compõem uma agenda específica, que diz respeito a seu conteúdo finalístico,
conformando uma política urbana estrito senso (apoio à gestão e ao planejamento
urbano; ao desenho, à implementação e ao monitoramento e à avaliação dos
instrumentos de política urbana e seu financiamento; às informações relativas ao
desenvolvimento urbano; ao controle social; e à participação cidadã). Além disso,
também abarcam as chamadas políticas setoriais urbanas (mobilidade urbana,
saneamento básico e habitação), que possuem relação direta com a formação
socioespacial das cidades, o que demanda a necessidade de cotejar suas ações
programáticas com os efeitos que produzem no território.
As intervenções das políticas setoriais, em geral, e das políticas setoriais urbanas,
em particular, sobre o território não são neutras. Produzem efeitos e transformam
o território. Portanto, não há como falar em política urbana de forma dissociada
das políticas setoriais, sobretudo das políticas setoriais urbanas.
As relações entre as políticas setoriais e as políticas territoriais, em geral,
envolvem tensões, disputas e conflitos de grande envergadura, que muitas vezes
ficam sem solução. A coordenação das políticas setoriais a partir da gestão do
24 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
Por fim, uma política urbana minimamente associada a uma percepção mais
avançada de desenvolvimento urbano não pode prescindir de enfrentar os desafios
e as tensões de coordenação das políticas públicas. E isso nos leva ao segundo
ponto de atenção.
8. Para uma análise dos obstáculos que dificultam a cooperação metropolitana, ver Garson (2009).
26 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
Mais uma vez, nada disso é simples ou acionado por alguma espécie de “botão
automático”. É necessário pensar em estratégias que estimulem a construção dessas
experiências de governança multinível, nas diversas escalas. É um projeto que mira
no longo prazo, mas que apenas pode ser atingido se constituir um dos princípios
da política e se for traduzido em orientações e estratégias que explicitem isso por
meio dos programas que compõem a política. Instrumentos de estímulo à atuação
cooperativa e solidária e de transparência e accountability no que diz respeito às
ações realizadas é um caminho possível para que as práticas urbanas contribuam
para melhorar a confiança entre agentes e atores econômicos, sociais e políticos.
Respeitando-se o marco de competências legais estabelecido pelo quadro nor-
mativo, o desafio da política urbana é conseguir colocar o território em seu centro.
E, a partir disso, buscar determinar relações baseadas em uma confiança multinível.
envolvendo, como dito em uma nota de rodapé deste texto, mudanças na organiza-
ção e na estrutura do mundo da produção, do consumo e do trabalho; nas técnicas
e nas formas como o uso da tecnologia molda a vida cotidiana; nas mudanças
sociopopulacionais e culturais, em diferentes perspectivas; no enfrentamento das
mudanças climáticas; na gestão dos recursos naturais vis-à-vis as demandas por
soluções por novas matrizes de produção e consumo energético etc.
O Brasil possui grande tradição na reflexão sobre o desenvolvimento urbano e
já produziu experiências e noções centrais nesse campo de conhecimento e prática,
inclusive por meio de suas políticas públicas. Há muitos e variados registros da
trajetória da política urbana brasileira que devem ser referidos e utilizados para a
construção de um novo pacto urbano, como é o caso do Relatório Brasileiro para
o Habitat III (Ipea, 2016) e do TD que resgata a participação do ConCidades na
produção de um relatório para esse evento (Marguti et al., 2018).
Cotejar a agenda internacional com as reflexões acumuladas pela trajetória
brasileira constitui uma estratégia possível e potencialmente eficaz para mobilizar a
sociedade brasileira em torno da construção de um novo pacto urbano, ancorado na
superação de uma visão fragmentada do território. Em um país tão diverso e vasto,
é fundamental usar estratagemas; ferramentas que funcionem como catalisadores
dos debates e propulsores de experimentos e práticas inovadoras e alinhadas com
os objetivos desejados.
Mas não se trata, ao menos não se trataria apenas, de promover amarrações,
vínculos conceitos e de princípios entre a PNDU e as agendas globais, traduzindo-as
às peculiaridades brasileiras, em um movimento ao qual o país possui certa tradição.
Significa também, nas esferas subnacionais, estabelecer diálogos com o mundo,
dialogar e aprender com experiências bem-sucedidas, participar das redes de cidades
internacionais e inserir as cidades brasileiras no novo globo urbanizado que está sendo
constituído – e que se encontra em permanente transformação.
Essas experiências de articulação e compartilhamento de experiências e práticas
possuem grande potencial de transformação das cidades envolvidas e colaboram
para ampliar a perspectiva do mundo transicional, ainda que os problemas e os
desafios enfrentados por cada uma dessas cidades tenham cores e sons locais.
Há de ser criativo, usar recursos e adotar estratégias inteligentes que permitam
responder aos muitos desafios para a construção da política urbana brasileira, a
partir de princípios e diretrizes que permitam a promoção do desenvolvimento
socioespacial, com qualidade de vida e justiça social – como propõe a noção de
desenvolvimento urbano.
Para isso, se, de um lado, não há receita de bolo, de outro, não se parte do
zero. Há uma longa trajetória de práticas e um acúmulo considerável de reflexões,
A Agenda Urbana no Brasil: marcadores/balizas para a construção | 29
de um pacto urbano
REFERÊNCIAS
ARRETCHE, M. T. da S. Estado federativo e políticas sociais: determinantes
da descentralização. Rio de Janeiro: Revan; São Paulo: Fapesp, 2000.
BERCOVICI, G. A ordem econômica no espaço. In: CARDOSO JUNIOR, J.
C.; CASTRO, P. R. F. de; MOTTA, D. M. (Org.). A Constituição brasileira de
1988 revisitada: recuperação histórica e desafios atuais das políticas públicas nas
áreas regional, urbana e ambiental. Brasília: Ipea, 2009. v. 2, p. 183-201.
BLANCO, I.; GOMÀ, R. El municipalisme del bé comú. Barcelona: Icária
Editorial, 2016.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília:
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em: 16 maio 2023.
BRASIL. Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183
da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jul. 2001. Disponível em:
<https://bit.ly/3BRrHTX>. Acesso em: 26 jul. 2022.
BRASIL. Lei no 13.089, de 12 de janeiro de 2015. Institui o Estatuto da Metrópole,
altera a Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Brasília, 13 jan. 2015.
BUENO, L. M. de M.; CYMBALISTA, R. (Org.). Planos diretores municipais:
novos conceitos de planejamento territorial. São Paulo: Annablume, 2007.
30 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
1 INTRODUÇÃO
Os desafios para a elaboração de políticas públicas são grandes e seus autores estão
efetivamente preocupados em mover o pêndulo da teoria para a ação e desta para
aquela. Visam à apreensão das mudanças recentes, como tem sido a atuação do
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que organiza esta obra.
Fazer isso é muito diferente e mais difícil em algumas situações e contextos
políticos, como no atual, do que trabalhar no plano teórico-epistemológico, aquele
no qual as ideias podem voar, promover avanços e recuos na linha de pensamen-
to, além de afrontar a política e a ideologia – o que é bom. Contudo, em grande
parte das situações, isso não necessariamente favorece mudanças sociais em curta
e média durações.
Em face dessa avaliação, de partida, manifesto meu respeito aos profissionais
desse instituto pelas contribuições que vêm oferecendo e pelo esforço de manter
aberto o diálogo com a universidade, como ocorreu no ciclo de debates intitulado
Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano: Visão Territorial,
Escalas e Tipologias (2021), que gerou este texto.
As ideias que apresento neste ensaio têm mais a finalidade de alimentar o
debate do que de fazer balanços exaustivos, apresentar conclusões ou delinear cami-
nhos. Por isso, dou-me o direito de usar poucas referências bibliográficas; de “falar”
para poder “escutar” o contraditório, a partir do ponto de vista dos leitores; e de
errar, ainda que o espírito seja o de tentar acertar, por meio de algumas sugestões.
O texto está organizado em duas partes: a primeira é voltada aos fundamentos
que orientam a reflexão; e a segunda, aos desafios ensejados pela formulação e pela
implantação de políticas públicas, ou seja, o pensamento e a ação. Cada uma das
duas partes está subdivida em outras seções, em que busco pormenorizar algumas
ideias e, quando possível, apresentar alguns exemplos.
2 A BASE DA REFLEXÃO
Quatro planos estão subjacentes aos pontos que serão desenvolvidos na segunda
parte deste texto. Eles funcionam como fundamentos do pensamento e, ao mes-
mo tempo, como ferramentas para colocá-lo em ação e para submetê-lo à prova
das decisões, as quais orientam as múltiplas formas de intervenção na realidade a
partir do poder público.
Embora as ideias sejam aqui expressas como “planos”, faço um esforço para
não as tomar como paralelos, mas sim como páginas finas, maleáveis e leves o
suficiente para se entrelaçarem continuamente. As dificuldades estão sempre
nas interpenetrações entre elas, nas fricções que decorrem desses contatos, no
esconde-esconde peculiar a todo modo de articulação do pensamento. Ainda
assim, farei a tentativa de, com a organização didática do texto, não estancar a
condução do pensamento.
quais não há estruturas de poder e ação efetivamente bem delineadas. Nessas situ-
ações, tanto impasses como retrocessos levam à perda de capacidade de mudança
e ao desperdício dos recursos investidos.
Quando a pauta é elaborar política nacional de desenvolvimento urbano, esses
obstáculos se avolumam pela complexidade da realidade urbana e do processo de
urbanização e pela necessidade de integrar saberes muito diferentes entre si para
ampliar as expertises e articulá-las.
O binômio generalização x especificidades está todo o tempo orientando a
reflexão quando da formulação de políticas públicas, porque elas não se formulam
fora dos contextos políticos nem podem afrontar o marco jurídico, mas têm de,
simultaneamente, resultar de acordos e coalisões ou promovê-los para que a eficácia
e a efetividade dessas medidas prevaleçam.
Em outras palavras, e para ser bem direta, não há aqui espaço nem para a
ingenuidade, nem para o romantismo. Por isso, é de se esperar que tenhamos
capacidade, como nação e como poder público, de encontrar consensos, mas sem
esconder diferenças e sem realizar cambalachos. É disso que se trata este trabalho
quando o assunto é política em uma sociedade que deseja ser democrática, ainda
que estivesse longe de tal propósito no período em que foi escrito este texto.
2. Nota do organizador: a autora faz referência às notas técnicas que foram apresentadas e discutidas nos Diálogos
para uma PNDU, incluindo o Texto para Discussão no 2686 (Costa et al., 2021).
34 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
porque cada setor, ou ramo, ou atividade precisa de sinergias que lhes são muito
peculiares e que, se estão aqui, não se encontram alhures. Ademais, a elevação dos
custos de produção e circulação, com a diversificação levada ao limite, baixaria a
competitividade a níveis que poderiam fazer com que os mesmos territórios e as
mesmas pessoas sucumbissem.
Nesse contexto, o poder público terá de sempre realizar o pendant em relação
à tendência do mercado – especializar-se –, favorecendo a diversificação econômica
e, portanto, produtiva e de oferta de bens e serviços nas regiões e em suas cidades.
Assim, o objetivo é compensar exageros ou evitar oscilações muito fortes, cujas
consequências são, depois, difíceis e custosas de serem contornadas.
Posso lembrar também que as políticas públicas são diversas e, para delinear
uma ação no campo da saúde pública, precisamos de ferramentas e escalas de aná-
lise diferentes das que são adequadas para definir investimentos em infraestrutura
urbana, por exemplo. É muito diferente a propositura de políticas se o foco recai
sobre o território ou sobre a sociedade, embora não haja sociedade aespacial nem
território despido de sociedade. Trata-se, então, de algo estrutural, e como tal, não
se pode disso fugir.
As diferenças herdadas do período colonial, em que nos organizávamos
como uma economia de arquipélago, como apontou Oliveira (1982), compõem
um mosaico de constituição de poderes e formas de atuação que tornam a ação
política atravessada, de um lado, por coalisões de grupos de interesses e, portanto,
de hierarquias que se estabelecem segundo clivagens não coincidentes; e, de outro
lado, por divisões regionais que se orientam por regionalismos que são tanto porta-
-vozes do reconhecimento das disparidades como reprodutores destas por meio de
benesses às elites das regiões onde se concentra mais pobreza.
São diferentes as formas de organização da política, sob formações socioes-
paciais que se originaram da pequena propriedade no Sul do Brasil, por exemplo,
as que resultaram da grande propriedade exportadora do período colonial; as que
se desenvolveram industrialmente a partir da substituição do trabalho escravo pelo
trabalho livre de imigrantes; as que mais recentemente resultaram do avanço intenso
e rápido de formas de produção capitalista, compondo nova forma de produção
primária para exportação, ou da tensa combinação entre a permanência de prá-
ticas extrativistas tradicionais e o avanço de formas ditas modernas de produção.
É preciso ter em mente então que as políticas públicas não devem apenas enfrentar
desigualdades, as quais devem ser minimizadas, mas, ao fazer isso, precisam navegar
em meio a diferenças estruturais, porque estão inscritas no espaço, nas práticas
sociais e nas formas de organização do poder e da política.
Outros desafios são conjunturais e decorrem de algumas circunstâncias que a
equipe de pesquisa não pode controlar, como é o caso dos desafios estruturais, nem
pode prever. Exemplos: mudanças na coalisão de forças que sustentam os governos,
nas várias escalas do poder político-administrativo; variações no desempenho da
economia, que tanto podem decorrer de escolhas políticas nacionais como de
flutuações internacionais; alterações na equipe de pesquisa dos institutos ou dos
órgãos públicos, o que pode acarretar avanços nos modos de ver os problemas
(como a perda de conhecimento acumulado relativa a algum setor ou território) etc.
Vamos abordar quatro desafios que poderiam ser destacados e são igual-
mente importantes.
Formulação de Políticas Públicas para o Desenvolvimento Urbano: possibilidades | 39
para o pensamento e a ação
Em 2017,7 foi publicada a informação de que uma nova tipologia para ca-
racterização de espaços rurais e urbanos, que orientaria a contagem populacional,
teria base na densidade demográfica, e não mais na separação segundo os limites
dos perímetros urbanos. Estes são aprovados pelos legislativos municipais, muitas
vezes estendidos demais, definindo como urbana a população que vive em áreas
de ocupação muito rarefeita e/ou não parceladas para uso urbano, cujos habitantes
nem sempre estão vinculados a funções consideradas urbanas.
Embora a notícia faça referência ao debate a ser finalizado, já se assinalava que
haveria cinco tipos distintos de classificação dos municípios – urbano, intermedi-
ário adjacente, intermediário remoto, rural adjacente e rural remoto. Em março
de 2022,8 o IBGE confirmou a decisão de coletar as coordenadas geográficas de
cada domicílio no recenseamento que seria feito no segundo semestre daquele
ano. O objetivo dessa medida era possibilitar melhor classificação da população
segundo condição urbana e rural, além de considerar as nuances entre elas, o que
se constitui um avanço importantíssimo na coleta. Entretanto, novamente, foram
exigidos cuidados adicionais para a compatibilização de informações de modo a
assegurar alguma análise comparada em termos de série histórica.
Não há dúvida de que a mudança se faz necessária, tendo em vista os incon-
venientes da adoção do perímetro urbano para a classificação das áreas em urbana
e rural.9 No entanto, ainda não há total clareza do impacto da nova tipologia no
recenseamento e sobretudo nos cuidados que serão necessários para compatibilizar
informações e garantir, dentro do possível, a comparabilidade.
Outro desafio grande para a elaboração de políticas públicas, o que já é de
pleno conhecimento dos institutos e dos órgãos responsáveis por isso, é a tendên-
cia ao desmembramento municipal, que cria, ao longo do tempo, novas unidades
municipais. Conhecemos, na história do país, mudanças nos limites territoriais a
partir das quais ou para as quais as políticas vão ser delineadas por desmembra-
mentos, divisões ou redefinições de limites e perímetros, tanto porque a realidade
muda como porque evoluem as formas de coleta e sistematização das informações,
como foi apontado no exemplo relativo às mudanças de classificação da população
em urbana ou rural.
Nos anos de 1990, várias medidas foram tomadas para evitar ou monitorar a
criação de municípios, entre elas, em 1996, a emenda à Constituição que condi-
cionou essa criação à aprovação de lei federal, já que até então isso era competência
dos estados, e os critérios eram os mais diversos possíveis. Foi também importante
a exigência de que dois municípios não tivessem o mesmo nome, o que facilitou
a busca de dados e a compatibilização de informações de censos diferentes; a geo-
metria dos limites municipais sempre se alterava, o que exigia estimativas de como
a população de dois ou mais novos municípios estava dividida entre os territórios
que anteriormente compunham o município que lhes deu origem.
Esse tipo de problema, que desafia e exige trabalho adicional dos formula-
dores de políticas públicas, parece-me de natureza estrutural, pois o Brasil verá
no século XXI o aparecimento de muitas novas cidades. Isso ocorrerá tanto pelo
desmembramento municipal, de modo que um núcleo urbano distrital se torna
uma sede, quanto pelo aparecimento de novos núcleos urbanos em regiões ainda
pouco ocupadas. Uma em cada cinco cidades brasileiras, que são, por lei, sedes
dos municípios, foi criada depois da Constituição de 1988.10
Ademais, há um debate importante acerca da necessidade de repensar o prin-
cípio da Constituição11 para que os entes municipais não sejam todos tratados da
mesma maneira. Não há dúvidas de que essa mudança teria enormes efeitos positivos
sobre políticas públicas a incidirem sobre metrópoles ou aglomerações urbanas,
mas não se faria sem cuidados e ajustes necessários à produção das informações e à
formulação de propostas de modo a considerar um plano de disparidades, além das
já indicadas. Tampouco é possível desconsiderar as mudanças que seriam necessárias
do ponto de vista do pacto federativo em relação à tributação e à distribuição de
verbas entre os diferentes níveis da gestão pública.
3.2 As tipologias
A elaboração de tipologias surge da necessidade de sistematizar informações e de
agrupá-las para que uma miríade de dados, por meio de análise apurada, possa ganhar
alguma compreensão com vistas ao estabelecimento de escolhas, ao delineamento de
ações e à tomada de decisões. Elas podem ser compostas por categorias que variam
segundo intervalos quantitativos, como as classes que agrupam os dados censitários,
ou critérios qualitativos, como tipos e gêneros textuais, por exemplo. Além disso,
podem combinar as duas formas de definição, o que me parece sempre melhor.
12. Nota do organizador: a autora faz referência em particular a um dos eventos que compôs os diálogos, ocorrido em
2021, no qual foi discutida e apresentada nota técnica que se transformou em texto para discussão do Ipea (Costa et
al., 2021). Nesse documento, foram reforçados os amplos contrastes que caracterizam a realidade brasileira.
44 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
13. Para ver as novas divisões, por estados da Federação, acessar: https://www.ibge.gov.br/geociencias/cartas-e-mapas/
redes-geograficas/15778-divisoes-regionais-do-brasil.html?=&t=acesso-ao-produto.
14. Para acessar uma explicação sintética sobre essa mudança, ver: https://aredeurbana.com/2017/10/02/novas-divisoes-
-regionais-do-brasil-regioes-geograficas-imediatas-e-regioes-geograficas-intermediarias/.
46 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
Assim, dois desafios estão presentes para distinguir os dois olhares – o regio-
nal e o reticular – e para fazer a combinação entre eles, em dois planos diferentes,
conforme descrito a seguir.
1) Há regiões que podem ser classificadas no mesmo grupo em uma dada
tipologia, mas o resultado-síntese da combinação de variáveis, embora as
tenha levado à mesma “gaveta” da tipologia, não é composto pelo mesmo
peso de cada variável (resultado do esforço de agrupamento e de genera-
lização). No entanto, o diagnóstico, como resultado das generalizações
que evoluíram para as ações, compreendidas também como tomada de
decisão sobre as prioridades de investimentos públicos, tem de alcançar
as especificidades.
2) A rede se apoia no movimento, e a região, no território (fluxos e fixos).
Se a primeira é fundamental para a compreensão, a segunda é o conti-
nente das ações materializadas na forma de investimentos, ao menos até
o momento. Contudo, dessa constatação advém a seguinte indagação:
em muitas situações, os serviços públicos, em vez de serem oferecidos
segundo circunscrições territoriais, poderiam estar disponíveis e serem
escolhidos pelos usuários conforme suas possibilidades de deslocamento?
Sabemos que o princípio de justiça territorial deve prevalecer na oferta
de serviços públicos, mas é preciso pensar que esse princípio poderia ser
organizado não exclusivamente em áreas, mas também em redes, ainda
que, em cada situação e segundo a condição de monopólio natural ou
não, múltiplas variáveis devam ser ponderadas para a tomada de decisão.
Esses aspectos apontam a necessidade de pensar um pouco mais na orien-
tação de proposta de política de desenvolvimento urbano consoante alguns
pontos de partida. Um deles é a definição dos centros que serão definidos para
reforço da polarização (em função das distâncias em relação às suas áreas pola-
rizadas) e dos que serão eleitos para promover descentralização (em função de
redes mais “encadeadas”).
Em outras palavras, em algumas situações regionais, será preciso reforçar a
hierarquia; em outras, será possível exercitar a heterarquia (Catelan, 2013). Por
isso, ela tem de ser uma proposta policêntrica, e não multicêntrica; o prefixo poli
designa diferentes, enquanto o prefixo multi refere-se a muitos ou vários.
Como foi destacado no debate, é preciso qualificar o tipo de policentrismo
desejado para reforçar esta ou aquela primazia. Penso que a ênfase deve estar na
valorização das diferenças (e não das desigualdades) de modo a tensionar a ideia
de equilíbrio. O policentrismo não pode ser visto com ênfase na descentralização,
mas sim na (re)centralização ou na definição de uma centralização múltipla e
diferenciada. Por essa razão, é preciso, especialmente para políticas públicas de
48 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
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escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
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SPOSITO, M. E. B. O chão em pedaços: urbanização, economia e cidades no
estado de São Paulo. 2004. 508 f. Tese (Livre Docência) – Universidade Estadual
Paulista, Presidente Prudente, 2004.
CAPÍTULO 3
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este capítulo resulta de um esforço exploratório prévio de levantamento, organi-
zação e análise de dados, informações e contextos voltado a subsidiar os debates
basilares para a elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
(PNDU), capitaneado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional – MDR
(Funari, Lui e Ferreira Junior, 2020). Em particular, preocupa-se em sistematizar
ponderações e contribuições para formulação de tipologias municipais que auxiliem
a persecução dos objetivos estipulados para a PNDU.
Para tanto, apoia-se em importante trabalho anterior de contextualização
oferecido por Costa et al. (2021), que reuniram elementos fundamentais para o
entendimento de aspectos históricos, sociais, econômicos e territoriais relacionados
à política urbana no Brasil, dos principais desafios ligados ao esforço de sistemati-
zação de uma PNDU e do próprio conceito de desenvolvimento urbano. Naquela
contribuição, considerou-se o desafio do alinhamento às agendas internacionais,
que trazem objetivos desejáveis no sentido da produção de cidades “inclusivas”,
“solidárias” e “sustentáveis”, porém sistematizados a partir de uma visão eminen-
temente neoliberal das dinâmicas socioeconômicas que dariam lastro a essa visão.
Essas contradições encontrariam dificuldades extraordinárias no cenário brasileiro:
A existência de uma realidade local marcada por um universo heterogêneo de
municípios, os quais apresentam diferentes relações e interações com outros en-
tes da Federação, bem como inserções distintas nos espaços regional, nacional
administrados pelo MDR. Isso se deu de duas formas principais: i) pelo apontamen-
to da existência de determinada característica – seja a presença de peça regulatória
específica, instrumento de controle, ou qualquer outro atributo que pudesse ser
identificado de forma binária; e ii) pela formação de grupos de valores, separados por
medidas de posição (mediana, quartis, decis), visando apontar grupos com maiores
ou menores valores para uma característica (maiores proporções de população em
situação de pobreza, de rendimento mediano domiciliar etc.).
Isso tudo foi feito em uma planilha de trabalho (formato Excel), para todos os
municípios brasileiros, na qual constam valores de variáveis e potenciais “etiquetas”
de grupos de valores. Com o auxílio do recurso de tabelas dinâmicas, foi possível
promover cruzamentos – tão gerais ou específicos quanto se desejasse –, a fim de
se permitir sobreposição ou agregação de características distintas e cortes parti-
culares que pudessem beneficiar a caracterização ou atuação de políticas públicas
sobre recortes ou sub-recortes específicos de municípios, em alinhamento com a
ideia de se buscarem maneiras adequadas de lidar com expressões diferenciadas
de suas situações e contextos locais. Uma longa apresentação desses cruzamentos,
juntamente com justificativas, comentários e resultados está disponível na versão
estendida deste estudo (Funari, Lui e Ferreira Junior, 2020). Decidiu-se, por ne-
cessidade de síntese, trazer quadros resumidos que indicassem os temas e recortes
trabalhados. Dessa forma, passa-se a ideia da trajetória explorada para composi-
ção dos cenários municipais em cada temática, a fim de, na sequência, propor-se
um exercício a partir dos perfis examinados, chegando a “lâminas” tipológicas.
Fica registrada aqui a forte recomendação de leitura e uso do documento com-
pleto, para quadros e análises mais detidas sobre os indicadores e estatísticas que
constam deste capítulo.
Vale ainda notar que, em nenhuma medida, as tabelas e os quadros apre-
sentados na referida versão estendida esgotam as possibilidades abarcadas pela
metodologia proposta. Em realidade, o esforço constante naquele documento
sistematizou retratos simplificados (e compatíveis, em maior ou menor grau, com a
visualização num documento de textos), tentando explicitar justamente as limitações
das usuais maneiras de serem estruturadas leituras sobre os municípios.4 Sempre
que possível, as informações foram organizadas em duplas de tabelas, contendo
cruzamentos entre a informação da inserção macrorregional e o porte populacional
e, adicionalmente, a inserção macrorregional juntamente com a classificação nas
categorias das Regiões de Influência das Cidades (Regics) do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE). Essa opção, no lugar da possibilidade de se apre-
sentarem isoladamente essas três sistematizações, objetivou permitir a visualização
4. Mesmo na versão completa indicada, o texto elencou variáveis e cruzamentos a partir de uma seleção, pois uma
quantidade ainda superior de dados foi manipulada na referida planilha de trabalho.
A Agenda Urbana e a Escala Municipal: desafios tipológicos entre | 57
a institucionalidade e o espaço construído
5. Ademais, ressalte-se que muitas das questões pertinentes associadas às escalas supramunicipal e regional, bem como a
inserção na rede de cidades – ainda que impliquem condicionantes relevantes para a escala municipal –, a par de alguns
recortes temáticos apenas tangenciados neste exercício, foram tratados mais detidamente em outros capítulos deste livro.
A Agenda Urbana e a Escala Municipal: desafios tipológicos entre | 59
a institucionalidade e o espaço construído
QUADRO 1
Eixos temáticos e conteúdos trabalhados para o tema aspectos institucionais
Aspectos institucionais Fonte
1. Sistemas técnicos e informacionais
Contagem de municípios que responderam negativamente à existência de base carto-
gráfica digitalizada, de sistema de informação geográfica (2015) e de estudo setorial
Munic (IBGE, 2015; 2018)
ou diagnóstico socioeconômico (2018), por macrorregião e porte populacional; por
macrorregião e classificação na Regic-18.
Existência ou não de cadastro imobiliário informatizado, cuja última atualização se
deu em 2010 ou antes, por macrorregião e porte populacional; por macrorregião e Munic (IBGE, 2015)
classificação na Regic-18, 2015.
2. Fortalecimento da burocracia municipal
Municípios cuja proporção de vínculos para o Executivo, sem ensino superior completo,
estava no último decil e sem registro de arquitetos, urbanistas ou geógrafos, por Rais (Brasil, 2018)
macrorregião e porte populacional; por macrorregião e classificação na Regic-18, 2018.
3. Consórcios
Municípios participantes ou não de ao menos um consórcio, por macrorregião e porte
Munic (IBGE, 2015)
populacional; por macrorregião e classificação pela Regic-18, 2015.
Contagem de municípios por tema de consórcios celebrados, por macrorregião; por
Munic (IBGE, 2015)
porte populacional; por classificação pela Regic-18, 2015.
4. Mecanismos de participação social
Contagem de municípios que sinalizaram não dispor de conselho, por tema, por
Munic (IBGE, 2017b; 2018)
macrorregião; por porte populacional; por classificação na Regic-18, 2017 e 2018.
sobre sua ocupação, inclusive com menção àqueles previstos no Estatuto da Cidade
(EC). Esse esforço foi sucedido pelo levantamento de planejamento e incidência
de situações de risco nos municípios, pela relevância (e urgência) que a temática
possui, remetendo a parcelas muito expostas da população. Por fim, lançou-se o
olhar sobre a legislação ambiental municipal e a incidência de impactos ambientais.
QUADRO 2
Eixos temáticos e conteúdos trabalhados para o tema planejamento e instrumentos
de desenvolvimento
Planejamento e instrumentos territoriais de desenvolvimento Fonte
1. PD
Existência de PD no município, por macrorregião e porte populacional; por macrorregião e
Munic
classificação na Regic-18, 2018.
Municípios que realizaram ou não revisão do PD, tendo implementado o plano há mais de dez
Munic
anos, por macrorregião e porte populacional; por macrorregião e classificação pela Regic-18, 2018.
Média de anos passados desde a aprovação do PD, em municípios que não realizaram sua revisão,
Munic
por macrorregião e porte populacional; por macrorregião e classificação na Regic-18, 2018.
2. Regulamentação de instrumentos territoriais
Contagem de municípios por número de itens de legislação (0 a 14), por macrorregião e faixa
populacional; por classificação na Regic-18, 2018 (PD; legislação sobre área e/ou zona especial
de interesse social; legislação sobre zona e/ou área de interesse especial; lei de perímetro urbano;
legislação sobre parcelamento do solo; legislação sobre zoneamento ou uso e ocupação do solo;
legislação sobre solo criado ou outorga onerosa do direito de construir; legislação sobre contri- Munic
buição de melhoria; legislação sobre operação urbana consorciada; legislação sobre estudo de
impacto de vizinhança; código de obras; legislação sobre zoneamento ambiental ou zoneamento
ecológico-econômico; legislação sobre regularização fundiária; legislação sobre estudo prévio de
impacto ambiental).
3. Planos e gestão de riscos
Contagem de municípios sem plano municipal de redução de riscos por tipo de incidência, por
Munic
macrorregião e porte populacional; por macrorregião e classificação pela Regic-18 2018.
4. Dimensão ambiental
Quadro de distribuição de municípios por número de itens de legislação ambiental (0 a 11), por
região geográfica e porte populacional; região geográfica e Regic-18 (abrangendo legislação sobre
coleta seletiva de resíduos sólidos domésticos; saneamento básico; gestão de bacias hidrográficas;
Munic
área e/ou zona de proteção ou controle ambiental; destino das embalagens utilizadas em produtos
agrotóxicos; poluição do ar; permissão de atividades extrativas minerais; fauna silvestre; florestas;
proteção à biodiversidade; adaptação e mitigação de mudança do clima).
Contagem de municípios sem qualquer legislação ambiental e que sofreram a incidência de
processos de impacto ambiental nos últimos 24 meses, por macrorregião e porte populacional; por Munic
macrorregião e classificação pela Regic-18, 2018.
QUADRO 3
Distribuição dos rótulos adotados por medida de posição
Grupo Definição
Muito baixo(a) Valores entre o registro mínimo e o 1o decil
Baixo(a) Valores entre o 1o decil e o 1o quartil
Médio baixo(a) Valores entre o 1o quartil e a mediana
Médio alto(a) Valores entre a mediana e o 3o quartil
Alto(a) Valores entre o 3o quartil e o último decil
Muito alto(a) Valores entre o último decil e o registro máximo
QUADRO 4
Eixos temáticos e conteúdos trabalhados para o tema cenário econômico-financeiro
Cenário econômico-financeiro Fonte
1. Perfis de fragilidade
Índice de Gini – Censo Demográfico
Contagem de municípios na faixa muito alta para Gini e IVS, por faixa de PIB, por
(IBGE, 2010); IVS (Ipea, 2010); PIB –
macrorregião e porte populacional; por macrorregião e classificação pela Regic-18.
Contas Regionais (IBGE, 2017a)
Índice de Gini – Censo Demográfico
Contagem de municípios na faixa muito alta para Gini e IVS, por faixa de PIB per
(IBGE, 2010); IVS (Ipea, 2010); PIB –
capita, por macrorregião e classificação pela Regic-18.
Contas Regionais (IBGE, 2017a)
Municípios com faixas de IVS alto e muito alto de IVS (geral e todas as componentes),
IVS (Ipea, 2010); PIB – Contas Regionais
por faixa de PIB para região geográfica e porte populacional; para região geográfica e
(IBGE, 2017a)
classificação pela Regic-18.
2. FPM versus receitas e PIB
Participação do FPM no total de receitas, por faixas, por macrorregião e porte popula-
Finbra (Brasil, 2017)
cional; por macrorregião e classificação pela Regic-18, 2017.
Proporção do FPM frente ao PIB, por faixas, por macrorregião e porte populacional; Finbra (Brasil, 2017); Contas Regionais
por macrorregião e classificação pela Regic-18, 2017. (IBGE, 2017a)
3. Tributos sobre o patrimônio/propriedade versus ISSqn1 – municípios e a regressividade da carga tributária
Contagem de municípios por faixas de proporção de tributos sobre propriedade e
patrimônio na receita total do município, para macrorregião e porte populacional; Finbra (Brasil, 2017)
para macrorregião e classificação na Regic-18, 2017.
Média de proporção de tributos sobre propriedade/patrimônio na receita total, por
Finbra (Brasil, 2017); Ipea (2010)
faixa de IVS, para macrorregião e classificação pela Regic-18.
Média de Gini para agrupamentos de municípios em que a arrecadação de ISS supera Censo Demográfico (IBGE, 2010); Finbra
ou não o conjunto de tributos associados a patrimônio/propriedade, por macrorregião. (Brasil, 2017)
Média de IVS para agrupamentos de municípios em que a arrecadação de ISS supera ou
Ipea (2010); Finbra (Brasil, 2017)
não o conjunto de tributos associados a patrimônio/propriedade, por porte populacional.
Média de IDH para agrupamentos de municípios em que a arrecadação de ISS
2
supera ou não o conjunto de tributos associados a patrimônio/propriedade, por PNUD (2010); Finbra (Brasil, 2017)
classificação na Regic-18.
4. Existência de cadastros versus
arrecadação
Média de percentual de tributos sobre a propriedade e o patrimônio dentro da receita
Finbra (Brasil, 2017); Munic (IBGE, 2015)
total, por existência de cadastro imobiliário informatizado, 2017.
Média de percentual de tributos sobre a propriedade e o patrimônio dentro da receita
Finbra (Brasil, 2017); Munic (IBGE, 2015)
total, por existência de planta genérica de valores informatizada, 2017.
Existência, informatização e atualização da PGV, por macrorregião e porte populacio-
Munic (IBGE, 2015)
nal; por macrorregião e classificação pela Regic-18, 2015.
5. Quadro setorial
Contagem de municípios por setor que concentra a maior parcela da mão de obra
Rais (2018); Ipea (2010)
formal, por faixas de IVS, 2018.
Ipea (2010); Censo Demográfico (IBGE,
Médias de indicadores municipais selecionados, por setor que mais contribuiu para o
2010); Contas Regionais (IBGE, 2017a);
valor agregado bruto municipal.
Finbra (Brasil, 2017); PNUD (2010)
6. Fragilidade: concentração de domínio econômico
Municípios com “concentração de domínio econômico”, por macrorregião e porte Censo Demográfico (IBGE, 2010); Contas
populacional; por macrorregião e classificação Regic-18. Regionais (IBGE, 2017a); Rais (2018)
Fontes: IBGE (2010; 2015; 2017a); Ipea (2010); STN (Brasil, 2017); PNUD (2010); e Rais (Brasil, 2018).
Notas: 1 Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza.
2
Índice de Desenvolvimento Humano.
64 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
QUADRO 5
Eixos temáticos e conteúdos trabalhados para o tema políticas setoriais urbanas
Políticas setoriais urbanas Fonte
1. PD e planos setoriais
Municípios sem PD e planos de transporte, habitação, saneamento e de gestão integrada
Munic (IBGE, 2017b), 2018); Ipea
de resíduos sólidos – por faixa de IVS, por macrorregião e porte populacional; por
(2010)
macrorregião e classificação na Regic-18.
2. Mobilidade
Existência de plano de transporte no município, por macrorregião e porte populacional;
Munic (IBGE, 2017b)
por macrorregião e classificação na Regic-18, 2017.
Municípios sem transporte intraurbano de ônibus, com IVS – infraestrutura urbana alto
ou muito alto, por faixa de densidade demográfica, macrorregião e porte populacional; Munic (IBGE, 2017b); Ipea (2010)
macrorregião e classificação pela Regic-18.
Municípios por faixa de fragilidade de entorno dos domicílios: mobilidade (termos Pesquisa de Características Urbanísti-
relativos), por macrorregião e porte populacional; por macrorregião e classificação pela cas do Entorno dos Domicílios
Regic-18, 2010. (IBGE, 2010)
Participação social e mobilidade – municípios sem conselho, sem fundo temático e sem
conferência nos últimos quatro anos, por macrorregião e porte populacional; por Munic (IBGE, 2017b)
macrorregião e classificação na Regic-18, 2017.
3. Habitação
Municípios sem plano de habitação, por faixa de IVS, macrorregião e porte populacional;
Munic (IBGE, 2017b) e (Ipea, 2010)
macrorregião e classificação na Regic-18, 2017.
Municípios por existência de favelas, cortiços e loteamentos irregulares, por
Munic (IBGE, 2017b)
macrorregião e porte populacional; por macrorregião e classificação na Regic-18, 2017.
Municípios por faixa de déficit habitacional (relativo), por macrorregião e faixa de porte
FJP (2010)
populacional; por macrorregião e classificação na Regic-18, 2010.
Contagem de municípios onde os domicílios vagos superam o déficit habitacional
(urbano), por macrorregião e porte populacional; por macrorregião e classificação na FJP (2010)
Regic-18, 2010.
Municípios por faixas de inadequação de domicílios urbanos – relativo, por macrorregião
FJP (2010)
e porte populacional; por macrorregião e classificação na Regic-18, 2010.
Participação social – habitação: municípios sem conselho, sem fundo temático e sem
conferência nos últimos quatro anos, por macrorregião e porte populacional; por Munic (IBGE, 2017b)
macrorregião e classificação na Regic-18, 2017.
(Continua)
66 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
(Continuação)
Políticas setoriais urbanas Fonte
4. Saneamento
Municípios sem PMSB¹ e PIGRS,² por faixa de IVS, por macrorregião e porte
Munic (IBGE, 2017b) e (Ipea, 2010)
populacional; por macrorregião e classificação na Regic-18, 2017.
Pesquisa de Características
Contagem de domicílios em faixas alta e muito alta de domicílios com esgoto a céu
Urbanísticas do Entorno dos
aberto, por macrorregião e faixas de porte populacional; por macrorregião e classificação
Domicílios
na Regic-18, 2010.
(IBGE, 2010)
Pesquisa de Características
Contagem de municípios com domicílios em faixas alta e muito alta de domicílios com
Urbanísticas do Entorno dos
lixo acumulado no logradouro (relativo), por macrorregião e porte populacional; por
Domicílios
macrorregião e classificação na Regic-18 2010.
(IBGE, 2010)
Municípios sem PMSB, com problema de falta de saneamento (destinação inadequada
de esgoto doméstico), por macrorregião e porte populacional; por macrorregião e Munic (IBGE, 2017b)
classificação na Regic-18, 2017.
Participação social – saneamento: municípios sem conselho, sem fundo temático, sem
conferência nos últimos quatro anos, sem consultas públicas e sem debates nos últimos
Munic (IBGE, 2017b)
doze meses, por macrorregião e porte populacional; macrorregião e classificação na
Regic-18, 2017.
7. Esse exercício foi feito em uma planilha separada, chamada de planilha lâminas, com dados da planilha de trabalho.
70 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
8. Em realidade, menos de 87, pois um município nunca poderia ao mesmo tempo não ter PD e ter PD sem revisão há
mais de dez anos. Todavia, o número total possível interessa menos do que o maior número verificado para os 5.570
municípios.
A Agenda Urbana e a Escala Municipal: desafios tipológicos entre | 71
a institucionalidade e o espaço construído
9. Sem dúvida, o uso complementar de ambas as escalas traria os melhores resultados possíveis, o que pode ser cogitado
para a sequência dos trabalhos nesse tema.
72 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
MAPA 1
Escala relativa de vulnerabilidade dos municípios brasileiros por acúmulo de pontos
para as quatro dimensões e por acúmulo total de pontos
1A – Aspectos institucionais
Obs.: Ilustração cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos
originais (nota do Editorial).
A Agenda Urbana e a Escala Municipal: desafios tipológicos entre | 73
a institucionalidade e o espaço construído
Obs.: Ilustração cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos
originais (nota do Editorial).
1C – Aspectos econômico-financeiros
Obs.: Ilustração cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos
originais (nota do Editorial).
74 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
Obs.: Ilustração cujos leiaute e textos não puderam ser padronizados e revisados em virtude das condições técnicas dos
originais (nota do Editorial).
A Agenda Urbana e a Escala Municipal: desafios tipológicos entre | 75
a institucionalidade e o espaço construído
10. Seriam os grupos de acúmulo de fragilidade: muito baixo, baixo, médio baixo, médio alto, alto e muito alto, de
acordo com as medidas de posição (decis para os grupos extremos, primeiro e terceiro quartis e mediana).
76 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
TABELA 1
Valores mínimos e máximos para pontuação de fragilidades,¹ por proposta preliminar
de tipologia municipal PNDU
1.1 1.2 2.1 2.2 3.1 3.2 Total
Min. Máx. Min. Máx. Min. Máx. Min. Máx. Min. Máx. Min. Máx. Min. Máx.
Centro-Oeste 19 22 13 34 6 43 16 45 9 22 10 44 6 45
Nordeste 15 30 14 45 13 54 23 53 15 35 15 63 13 63
Norte 22 22 23 30 23 51 26 52 11 46 15 61 11 61
Sudeste 9 20 9 32 7 37 12 42 8 25 6 52 6 52
Sul 11 14 13 35 8 35 6 37 9 21 6 42 6 42
Total 9 30 9 45 6 54 6 53 8 46 6 63 6 63
GRÁFICO 1
Valores mínimos e máximos para pontuação de fragilidades, por proposta preliminar
de tipologia municipal PNDU
70
60
50
40
30
20
10
0
Centro-Oeste Nordeste Norte Sudeste Sul Total
1.1 Mínimo 1.1 Máximo 1.2 Mínimo 1.2 Máximo 2.1 Mínimo
2.1 Máximo 2.2 Mínimo 2.2 Máximo 3.1 Mínimo 3.1 Máximo
3.2 Mínimo 3.2 Máximo Total mínimo Total máximo
Fonte: Indicadores e recortes diversos reunidos na planilha “lâminas” (2020).
Elaboração dos autores.
Nota: ¹Quanto maior a pontuação, maior o acúmulo de fragilidades.
marcado entre municípios do Norte versus Sul. Os resultados para aspectos ins-
titucionais e planos setoriais, ainda que em menor grau, também tiveram distri-
buição macrorregional mais dispersa. Por sua vez, os aspectos econômicos foram
aqueles que em maior grau se aproximaram de um claro corte, colocando de um
lado municípios do Norte e Nordeste, num grupo de acúmulo de mais pontos de
fragilidades frente aos municípios do Centro-Oeste, Sudeste e Sul.
Os municípios do tipo 1, metropolitanos, tiveram os registros de maiores va-
lores mínimos (9), seguidos pelos municípios isolados do tipo polo (tipo 3.2), numa
comparação entre os menores valores encontrados para municípios classificados
a partir da proposta preliminar de trabalho aventada pelo MDR (última linha da
tabela). Os demais tipos tiveram valor mínimo igual a 6. Chamou atenção como
foram divergentes os resultados para um mesmo grupo, entretanto. Isso posto, o
tipo 1.1 foi aquele com menor diferença interna, entre todos os grupos apresenta-
dos. As menores diferenças se verificaram na região Norte, como já apontado, com
número menor de municípios metropolitanos. As diferenças no Sul e Centro-Oeste
foram praticamente equivalentes (em número, não em qualidade).
Os municípios que não eram núcleos de arranjos metropolitanos, representa-
dos pelo tipo 1.2, mostraram diferenças internas consideráveis, ainda maiores que
as do tipo anterior, com o valor máximo verificado sendo o equivalente a cinco
vezes o valor mínimo. Os valores máximos apresentaram pontos de acúmulo de
“fragilidades” maiores do que os observados para o tipo 1.1, em todas as regiões.
Entre os municípios do tipo 2, integrantes de arranjo populacional, os valores
extremos, em termos gerais, foram muito próximos, se olhados os subtipos (6 versus
53/54). Olhando os registros mínimos, foram menores ou iguais aos metropolitanos
para o grupo 2.1. Para o tipo 2.2, com exceção do verificado no Sul, os valores
mínimos foram maiores do que para os municípios-núcleo do arranjo. A diferença
entre registros máximos e mínimos para o grupo 2.2 ficou muito próxima em
termos regionais, flutuando em torno de 30 pontos. Em termos gerais, entretanto,
a diferença só foi superada pela registrada no grupo 3.2.
Entre os municípios isolados, aqueles classificados no grupo 3.1
(município-polo – de hierarquia superior na rede urbana) tiveram valores extremos
na contagem de acúmulos de “fragilidades” bem menos desiguais do que o observado
para o grupo 3.2 (município não polo – de hierarquia inferior na rede urbana),
ainda que em patamar de diferenças considerável. Exceção feita à região Norte, os
patamares de valores máximos foram relativamente baixos (no comparativo entre
valores máximos de outros tipos), talvez superando apenas o que se verificou para
o grupo 1.1, de núcleos metropolitanos.
Por sua vez, os municípios classificados como 3.2 foram extremamente de-
siguais. Aqui, a pontuação de acúmulo de “fragilidades” teve diferença superior
78 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A série de rodadas sucessivas de organização das variáveis e sistematizações mostra a
importância de uma abordagem multidimensional para formulação de tipologias.
Ainda que fiquem reforçadas, em linhas gerais, muitas das conhecidas desigualdades,
por exemplo, em nível regional, ou mesmo na hierarquia da rede de influência das
cidades (em que se pauta a proposta preliminar tipológica para municípios adotada
neste momento pelo MDR) e que possivelmente justifiquem incorporação em
tipologias para a PNDU, parece necessário incorporar elementos adicionais. Seria
contraproducente, por exemplo, trabalhar uma extensa gama de políticas públicas,
auxílios técnicos ou financeiros com uma tipologia que engloba 4.476 municípios
brasileiros, como é o caso dos municípios não polo – de hierarquia inferior na
rede urbana (Regic – hierarquia abaixo de centro sub-regional), grupo identificado
como tipo 3.2, sem nenhuma qualificação ou caracterização adicional. O exercício
relatado nos mostra existirem muitas questões – embora mais disseminadas nas
camadas mais baixas da hierarquia de cidades – que estendem seus efeitos ao longo
da hierarquia da Regic, fazendo-se presentes também em municípios metropolita-
nos.11 A oportunidade aqui é de justamente, a partir do cruzamento analítico de
dados, identificar quais as temáticas e fragilidades sobre as quais se queira trabalhar
políticas federais e que se estruturem a partir dessa lógica da hierarquia de cidades
11. As tabelas de levantamentos e os cruzamentos de variáveis presentes em nota técnica de Funari, Lui e Ferreira Junior
(2020) raramente deixam de estampar a presença de algum município metropolitano.
A Agenda Urbana e a Escala Municipal: desafios tipológicos entre | 79
a institucionalidade e o espaço construído
REFERÊNCIAS
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15 set. 2020.
A Agenda Urbana e a Escala Municipal: desafios tipológicos entre | 83
a institucionalidade e o espaço construído
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
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do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, 2 set. 1981.
BRASIL. Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a partici-
pação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá
outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 31 dez. 1990.
BRASIL. Lei Complementar no 91, de 22 de dezembro de 1997. Dispõe sobre a
fixação dos coeficientes do Fundo de Participação dos Municípios. Diário Oficial
da União, Brasília, 23 dez. 1997.
A Agenda Urbana e a Escala Municipal: desafios tipológicos entre | 85
a institucionalidade e o espaço construído
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo sintetiza e dá continuidade aos argumentos desenvolvidos na nota
técnica A Agenda Urbana na Escala Supramunicipal: estudo para uma hierarquia dos
arranjos institucionais para políticas públicas, elaborada no âmbito do apoio dado
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) ao processo de construção da
Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU).3 As reflexões aqui trazidas
dizem respeito à agenda urbana na escala supramunicipal e procuram analisar os
arranjos institucionais existentes no Brasil. Dessa forma, reúnem-se informações
e elementos analíticos que apoiam a proposição de tipologias e instrumentos
necessários para gestão, governança e financiamento urbano, conformando uma
agenda urbana para essa escala.
O fenômeno supramunicipal pode ser caracterizado pelas relações de com-
plementaridade e (inter)dependência entre municípios limítrofes. Ocorre quando
as competências dos municípios se complementam, ou quando há uma assimetria
de capacidades geradora de redes e fluxos em direção ao município com maior
e/ou melhor oferta de serviços. Quando suas malhas urbanas se conurbam, formam
um único “corpo” urbano no território, o qual o Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE) designa como cidade.4
1. Pesquisadora do subrograma de Pesquisa para o Desenvolvimento Nacional (PNPD) na Diretoria de Estudos e Políticas
Regionais, Urbanas e Ambientais (Dirur) do Ipea. E-mail: <[email protected]>.
2. Técnico de planejamento e pesquisa na Dirur/Ipea; e coordenador nacional do Instituto Nacional de Ciência e
Tecnologia em Políticas Públicas e Desenvolvimento Territorial (INCT/INPuT). E-mail: <[email protected]>.
3. O apoio deu-se no âmbito do Termo de Execução Descentralizada no 71/2019, firmado entre o Ipea e a Secretaria
Nacional de Mobilidade e Desenvolvimento Regional e Urbano (SMDRU) do então Ministério do Desenvolvimento
Regional (MDR) – atualmente Ministério das Cidades (MCidades) –, para apoiar o processo de construção da PNDU.
Disponível em: https://drive.google.com/file/d/19V53dRvHynXStla8B5b8PPcI72iJhvD6/view (versão pre-print).
4. Na Região de Influência de Cidades (Regic), a “unidade urbana” de análise, independentemente dos limites admi-
nistrativos existentes, é a cidade, entendida como a unidade formada pela mancha urbana conurbada de dois ou mais
municípios, “ou que possuam forte movimento pendular para estudo e trabalho, com tamanha integração que justifica
considerá-los como um único nó da rede urbana” (IBGE, 2020, p. 11).
90 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
5. São considerados, em especial, o estudo Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas do Brasil (IBGE, 2016), o
qual foi utilizado como subsídio para o mais recente estudo da Regic (IBGE, 2016).
6. Há outros formatos de arranjos, como as microrregiões, previstas na CF/1988, que não vêm sendo experimentados.
7. Resta ainda tratar de outros dois tipos supramunicipais formais, que são os consórcios públicos intermunicipais e
as associações de municípios, experiências que passam a ser comuns a partir das décadas de 1990, como forma de
resolver principalmente demandas relacionadas à saúde, e 2000, quando os consórcios se estendem para políticas de
meio ambiente, resíduos sólidos, desenvolvimento rural, segurança, defesa civil, entre outros temas. Por sua vez, as
associações de municípios (entidades jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, com duração indeterminada e
estatuto próprio) representam um canal de cooperação intermunicipal e, assim como os consórcios públicos, podem
colaborar com a PNDU. As especificidades de consórcios públicos e associações de municípios são tratadas em outro
capítulo deste livro, Federalismo e relações intergovernamentais no Brasil: notas para a construção da Política Nacional de
Desenvolvimento Urbano, assim como em dois capítulos dedicados a esses tipos de arranjos supramunicipais, compilados
no segundo volume desta série, denominado Financiamento do Desenvolvimento Urbano e Governança Interfederativa.
92 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
do planejamento integrado dos serviços comuns é uma das razões que ensejaram
a criação das primeiras RMs na década de 1970 – LC no 14/1973 (Brasil, 1973).
O rol de temas que pode ser eleito quando da definição das FPICs é bastante vasto,
indo de serviços estruturantes, como o saneamento, o transporte/mobilidade, a
habitação, o uso do solo, o desenvolvimento econômico até quaisquer outros te-
mas de relevante interesse para o conjunto de municípios, como saúde, segurança
pública, defesa civil, turismo etc.
8. Além das RMs, a LC no 14/1973 definiu a estrutura institucional para a governança metropolitana, que deveria ser
composta por um conselho deliberativo, um conselho consultivo e um órgão de gestão ligado ao governo estadual.
Aos estados caberia a gestão das RMs, o que se deu por meio da atuação das entidades metropolitanas responsáveis
pela execução dos serviços de interesse comum e a elaboração dos planos metropolitanos.
9. “Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios
desta Constituição. (...) § 3o Os Estados poderão, mediante lei complementar, instituir regiões metropolitanas, aglome-
rações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização,
o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum” (Brasil, 1988).
94 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
10. Municípios integrantes de RMs e AUs; integrantes de áreas de especial interesse turístico; inseridos na área de
influência de empreendimentos ou atividades com significativo impacto ambiental de âmbito regional ou nacional; e
incluídos no cadastro nacional de municípios, com áreas suscetíveis à ocorrência de deslizamentos de grande impacto,
inundações bruscas ou processos geológicos ou hidrológicos correlatos (Brasil, 2001a, art. 41).
(Re)Arranjos e Instrumentos para o Desenvolvimento Urbano | 95
na Escala Supramunicipal
tenha figurado em versões prévias da redação que deu origem à essa norma. Sem
desconsiderar sua importância em inaugurar uma nova ordem urbanística para
as políticas de desenvolvimento urbano,11 o EC reforçou o papel do município
de legislar em matéria urbana, o que implicou soluções circunscritas aos limites
municipais. Ainda que a questão urbana seja, de fato, um tema de interesse local,
um olhar mais atento para as relações socioespaciais e para o território apontaria
para a necessidade de alguma mediação e soluções transescalares.
Da mesma maneira, a estrutura do Ministério das Cidades (MCidades),
criado em 2003, não contemplava o planejamento metropolitano, que permane-
ceu completamente órfão e sem diretrizes nacionais até 2015. Alguns passos nesse
sentido foram dados com a promulgação da Lei dos Consórcios (Lei Federal no
11.107/2005), que, com outras leis federais da década de 2000, conferiram maior
substância à ordem jurídico-urbanística.
O cenário descrito nos parágrafos anteriores, somado aos vultuosos inves-
timentos em infraestrutura urbana aportados pelo governo federal, por meio do
Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)12 e do programa Minha Casa,
Minha Vida (MCMV),13 a partir de 2007 e 2009, respectivamente, formaram o
ambiente propício para a propagação de RMs em todo o país.
O ano de 2009 marca o começo do terceiro período, quando tem início a
“explosão” da chamada metropolização institucional,14 cujo pico acontece entre 2011
e 2013, com a institucionalização de 25 RMs apenas nesses dois anos. O saldo total
do período é de 42 RMs criadas, conformando um universo metropolitano de 72
RMs e 1.208 municípios metropolitanos no final de 2015 (gráfico 1).
11. Para uma discussão mais aprofundada sobre o contexto e as implicações da política urbana brasileira a partir da
década de 2000, consultar Costa et al. (2021) e Marguti, Costa e Galindo (2016).
12. “O PAC representou a retomada do planejamento e execução de grandes obras de infraestrutura social, urbana,
logística e energética do país, contribuindo para o aumento da oferta de empregos e geração de renda, ampliando o
investimento público e privado em obras fundamentais para o desenvolvimento do país. O Programa teve importância
fundamental no enfrentamento da crise financeira mundial entre 2008 e 2009, prevendo inicialmente investimentos
de R$ 503,9 bilhões em obras nos quatro primeiros anos” (Martins et al., 2021).
13. “Em abril de 2009, é lançado o Programa Minha Casa Minha Vida – PMCMV, que apresentava um novo patamar
de investimentos públicos no setor habitacional (R$ 34 bilhões até o final do PPA 2008-2011), com impacto direto na
alavancagem do setor da construção civil, com vistas à produção de um milhão de novas moradias em sua primeira
fase” (Martins et al., 2021).
14. O termo metropolização institucional foi cunhado por Costa, Matteo e Balbim (2010) com o objetivo de designar os
diferentes processos legais que formataram o atual arranjo metropolitano brasileiro, em que, por meio de LCs estaduais,
foram institucionalizadas RMs em todo o território nacional sem que estas correspondessem, necessariamente, ao “fato
metropolitano” como fenômeno urbano.
96 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
GRÁFICO 1
Número de RMs criadas (1973-2022)
45
42
40
35
30
25 23
20
15
10
10
7
5
0
1o período 2o período 3o período 4o período
(1973-1974) (1995-2007) (2009-2015) (2016-2022)
15. A íntegra das alterações realizadas no EM pela Lei no 13.683/2018 foi apresentada e problematizada em detalhes
por Marguti et al. (2021a).
98 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
16. Dados sobre RMs e AUs atualizados trimestralmente na planilha População, PIB, IDH e estrutura das RM – Brasil –
atualizada – database: 30/6/2022. Disponível em: http://brasilmetropolitano.ipea.gov.br/#biblioteca. Acesso em:
20 nov. 2022.
(Re)Arranjos e Instrumentos para o Desenvolvimento Urbano | 99
na Escala Supramunicipal
tados que trilharam esse caminho, mas parece não haver evidências nesse sentido.
De todo modo, o fato é que as AUs – que poderiam ter sido adotadas como o for-
mato institucional mais adequado à realidade socioespacial e econômica de muitas
RMs que foram instituídas neste século – constituem exceções no cenário nacional.
As Rides, por seu turno, não são arranjos criados pelos estados, sendo criadas
a partir de LC federal, por envolver áreas de mais de uma Unidade da Federação
(UF). Diferentemente das RMs, cujo foco diz respeito ao compartilhamento de
FPICs, as Rides têm como foco a promoção do desenvolvimento econômico da
região. Estas são arranjos que se fundamentam na necessidade de solucionar pro-
blemas em comum, em regiões que se articulam em centros urbanos que podem
possuir intensas relações e fluxos entre si, mas que apresentam a particularidade
de encontrarem-se em diferentes estados. Ao envolver duas ou mais UFs, com-
pete à União definir e integrar esse arranjo, estabelecer as competências de órgão
colegiado para a governança, assim como promover incentivos e elaborar planos
para o desenvolvimento das Rides.
A partir da CF/1988, três Rides foram criadas no país, a saber: a Ride do
Distrito Federal (Ride-DF) e entorno, em 1998; e as Rides da Grande Teresina
e do Polo Petrolina-PE e Juazeiro-BA, criadas em 2001, com a finalidade de ar-
ticular e orquestrar a atuação dos três níveis de entes da Federação na efetivação
do desenvolvimento econômico em regiões consideradas estratégicas. A criação
dessas três Rides demonstra, em tese, o interesse no desenvolvimento do interior
do país como contrabalanço ao originário e histórico favorecimento concedido
às áreas litorâneas.
A Ride-DF foi criada pela LC no 94, de 19 de fevereiro de 1998, como única
alternativa para a questão da governança de uma região em franco crescimento,
tendo-se em vista que a CF/1988 não prevê a constituição de RMs interfedera-
tivas. O crescimento da região esteve marcado por profundas desigualdades, e as
iniciativas de investimentos para dirimir a progressiva disparidade socioeconômica
entre Brasília e as cidades da região remontam à década de 1960, com os recursos
do Fundo de Desenvolvimento do Distrito Federal – Fundefe (Souza, 2017).
É apenas no final da década de 1990 que a Ride-DF é institucionalizada para,
na esfera administrativa, enfrentar as questões regionais que envolvem municípios
goianos e mineiros bem como o Distrito Federal. Dessa forma, os temas próprios
da dinâmica metropolitana, já consolidada entre o Distrito Federal e um número
menor de municípios – tal como caracterizado academicamente desde meados
da década de 1980 (Paviani, 1985) –, permaneceram desatendidos, enquanto se
aprofundou o abismo social entre o Distrito Federal e os municípios vizinhos,
conformando o que Sasse (2020) chama de “cinturão de pobreza, desemprego,
violência e serviços públicos precários”.
100 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
Grande Região Metrópole Capital regional Centro sub-regional Centro de zona Centro local
Nível hierárquico Nível hierárquico Nível hierárquico Nível hierárquico Nível hierárquico
Cidades Cidades Cidades Cidades Cidades
(%) (%) (%) (%) (%)
Brasil 15 100 97 100 352 100 398 100 4.037 100
Norte 2 13,3 11 11,3 27 7,7 21 5,3 373 9,2
Nordeste 3 20 21 21,7 88 25 135 33,9 1.436 35,6
Sudeste 5 33,3 38 39,2 120 34,1 107 26,9 1.074 26,6
Sul 3 20 21 21,7 83 23,6 90 22,6 819 20,3
Centro-Oeste 2 13,3 6 6,2 34 9,7 45 11,3 335 8,3
formais, de maneira a propor tipologias a partir das quais seja possível o estudo
e a reflexão sobre instrumentos de desenvolvimento urbano adequados para cada
configuração de cidade.
Dessa forma, retoma-se o argumento central de que o tratamento isonômico
e igualitário não necessariamente resulta em abordagem justa para cidades desi-
guais – ao contrário, pode reforçar as injustiças e as desigualdades socioespaciais.
Assim sendo, a proposição de tipologias para a escala supramunicipal permitirá
a qualificação do papel ativo da União em sua tarefa de fomentar e apoiar o
desenvolvimento urbano-metropolitano, de maneira a equalizar as disparidades
intrarregionais e entre arranjos supramunicipais nas diferentes regiões do país.18
Ressalta-se que o estudo não pretende propor tipologias finalísticas, mas sim
reunir os elementos necessários para que seja possível compreender e refletir sobre
os “tipos” existentes e as incoerências do processo de institucionalização. Além
disso, pretende apontar a dimensão das questões supramunicipais que precisam
ser enfrentadas por uma política federal.
Sendo assim, não se trata de criar uma tipologia supramunicipal – a partir da
qual seja possível definir agendas urbanas personalizadas –, tendo-se em vista que
o primeiro degrau para a definição dessas tipologias já está pronto. Resta, então,
realizar o exercício de identificar o que no campo institucional corresponde a cada
nível na hierarquia de cidades e, assim, propor definições mais objetivas dos espaços
metropolitanos, para que, finalmente, se possa produzir uma efetiva política de
desenvolvimento (urbano-)metropolitano no país.
18. Apenas para não passar desapercebido, a questão dos arranjos institucionais metropolitanos, na perspectiva do
governo federal, não diz respeito apenas à diversidade de RMs instituídas; muitas destas sem o “fato” metropolitano.
Há de se destacar também a necessidade de adoção de abordagens interescalares que promovam a mediação entre a
política urbano-metropolitana e a política regional, de modo que as metrópoles possam exercer também um papel na
promoção do desenvolvimento nacional.
(Re)Arranjos e Instrumentos para o Desenvolvimento Urbano | 105
na Escala Supramunicipal
TABELA 2
Número de municípios metropolitanos – Grandes Regiões (2022)
Grande Região Número de RMs Número de municípios em RMs População (2020)
Centro-Oeste 2 34 3.704.172
Norte 10 73 8.082.725
Fontes: MDR e IBGE, 2020; Plataforma Brasil Metropolitano, 2023. Disponível em: brasilmetropolitano.ipea.gov.br.
TABELA 3
População em arranjos populacionais do tipo metrópole na Regic-2018, que são também
RMs e Rides institucionalizadas (2020)
RMs/Ride Número de municípios em metrópoles da Regic 2018 População (2020)
Centro-Oeste 23 3.474.537
Nordeste 32 11.523.469
Norte 5 4.400.364
Sudeste 93 43.671.963
Sul 52 8.498.198
Fonte: Plataforma Brasil Metropolitano, 2020 – disponível em: brasilmetropolitano.ipea.gov.br – e IBGE (2020).
Elaboração dos autores.
como tal para fins de apoio da União. Assim, associando-se os parâmetros técnicos
aos critérios institucionais existes, além das três categorias de metrópoles definidas
pela Regic 2018 (grande metrópole nacional, metrópole nacional e metrópole),
é possível propor a quarta categoria de metrópole, advinda dos arranjos institu-
cionais (RMs) que possuem como sede uma capital regional e contiguidade do
espaço urbano.
À essa quarta categoria daremos, deste ponto em diante, o nome de metró-
poles regionais. Isso significa a inclusão de mais 34 APs – que são também RMs
institucionalizadas – ao conjunto das quinze já existentes. Outras seis RMs possuem
capitais regionais como sede, porém não atendem ao critério de “espaço urbano
com continuidade territorial”, tal como apresentado no EM. São estas: RM do
Agreste (AL); RM de Feira de Santana (BA); RM de Santarém (PA); RM de Boa
Vista (RR); RM de Palmas (TO); e RM de Lajes (SC). De acordo com a Regic
(2018), suas sedes são consideradas municípios isolados.
A região Norte contaria com mais duas RMs (Macapá e Porto Velho). A região
Sudeste teria outras oito RMs, sendo uma em Minas Gerais – correspondente à
já existente RM do Vale do Aço –; quatro em São Paulo, além das três AUs de
São Paulo (AU de Franca, AU de Jundiaí e AU de Piracicaba), passíveis de serem
convertidas em RMs, tendo-se em vista suas sedes serem capitais regionais C. Por
fim, a região Sul contaria com o reconhecimento técnico de mais onze RMs, já
institucionalizadas pelos estados, sendo três no Paraná, sete em Santa Catarina e
uma no Rio Grande do Sul, além da AU do Sul, com sede em Pelotas, uma capital
regional C.
Considerando-se as capitais regionais que restam no país, que fazem parte de
arranjos populacionais e que, até o momento, não foram formalizadas como regiões
metropolitanas – mas que, segundo os critérios do EM, poderiam ser consideradas
metrópoles –, percebe-se que na região Sudeste existem treze arranjos populacionais
e na região Sul, outros cinco.19 A hipotética transformação desses APs em RMs ou
AUs agregaria 1.348 municípios ao universo metropolitano, o que corresponde a
6,5 milhões de habitantes.
O exercício aqui empreendido não busca propor a criação de novas RMs,
mas sim dar destaque para as cidades que poderiam, a partir de critérios técnicos
e por interesse dos estados, ser institucionalizadas como RMs ou AUs. Indepen-
dentemente de sua efetivação ou não como RM, são arranjos que fazem parte do
mesmo grupo a que chamamos de metrópoles regionais.
19. Na região Sudeste, os APs de Juiz de Fora-MG; de Cabo Frio-RJ; de Campos dos Goytacazes-RJ; de Macaé-Rio das
Ostras-RJ; de Petrópolis-RJ; de Volta Redonda-Barra Mansa-RJ; de Araraquara-SP; de Bauru-SP; de Catanduva-SP; de
Marília-SP; de Presidente Prudente-SP; de São Carlos-SP; e de São José do Rio Preto-SP. Na região Sul, os APs
de Ponta Grossa-PR; de Foz do Iguaçu (Brasil)-Ciudad del Este(Paraguai); de Lajeado-RS; de Santa Cruz do Sul-RS;
e de Santa Maria-RS.
(Re)Arranjos e Instrumentos para o Desenvolvimento Urbano | 107
na Escala Supramunicipal
Resta ainda olhar para as capitais regionais que não conformam APs. Mesmo
sendo municípios isolados – ou seja, sem conurbação de sua malha urbana com
municípios limítrofes –, possuem área de influência de uma capital regional. Segundo
o IBGE, Manaus, ainda que seja um município isolado, configura-se como uma
metrópole na rede de cidades, uma vez que atrai população de mais de setenta mu-
nicípios com finalidades diversas, tais como negócios, serviços públicos e compras.
Com exceção das capitais estaduais (Campo Grande-MS, Rio Branco-AC,
Boa Vista-RR e Palmas-TO), o olhar e as ações propostas por uma PNDU para
esses municípios isolados, que são também capitais regionais e potenciais RMs – em
consonância com a Lei no 13.089/2015 –, não deve ser da mesma natureza daquele
dirigido às três primeiras categorias de metrópoles (grande metrópole nacional,
metrópole nacional e metrópoles).
Nesse grupo, apenas Campo Grande, capital do estado do Mato Grosso do
Sul, é classificada como capital regional A. Entre as oito capitais regionais B, está
Palmas, capital do estado do Tocantins. O maior conjunto é o de capitais regionais
C, com 31 cidades, entre as quais estão Rio Branco e Boa Vista, capitais dos estados
do Acre e Roraima, respectivamente, ambas com população aproximada de 400
mil habitantes. A distribuição dessas capitais regionais aponta maiores ocorrências
no Sudeste e no Nordeste do país. Em Minas Gerais, existem duas capitais regio-
nais B (Montes Claros e Uberlândia) e sete capitais regionais C, com populações
que variam de 691 mil habitantes, em Uberlândia, a 140 mil, em Teófilo Otoni.
O estado de São Paulo conta com três capitais regionais C (Barretos, Araçatuba e
Jaú), com média populacional de 156,4 mil habitantes.
No Nordeste, a Bahia conta com seis capitais regionais, sendo três destas do
tipo B: Itabuna, Vitória da Conquista e Feira de Santana, esta última com apro-
ximadamente 615 mil habitantes. Pernambuco também conta com uma capital
regional B, Caruaru, com 361 mil habitantes.
Na sequência, a região Norte apresenta uma capital regional B (Palmas-TO)
e outras oito capitais regionais C, com populações que variam de 407 mil habitan-
tes (Rio Branco-AC) a 85 mil (Cacoal-RO). A região Centro-Oeste tem Campo
Grande-MS como capital regional A; outras três capitais regionais C (Dourados-MS,
Rondonópolis-MT e Sinop-MT), com média populacional de 199,5 mil habi-
tantes; e Anápolis-GO, que conta com 386,9 mil habitantes. Na região Sul, Passo
Fundo-RS, com seus 203 mil habitantes, constitui uma capital regional B, além
de duas outras capitais regionais C.
Não há critério técnico que justifique considerar tais capitais regionais como
metrópoles, tendo-se em conta que são municípios isolados, sem contiguidade de
suas manchas urbanas com municípios limítrofes. Contudo, institucionalmente,
isso já acontece. Temos hoje no Brasil 27 RMs cujas sedes estão abaixo das capitais
108 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
20. RM do São Francisco-AL (AP de Penedo); RM de Grande Pedreiras-MA (AP de Pedreiras); RM de Patos-PB (AP de
Patos); RM de Guarabira-PB (AP de Guarabira); RM do Mamanguape-PB (AP Mamanguape-Rio Tinto); RM de Toledo-PR
(AP de Toledo); RM de Umuarama/PR (AP de Umuarama); AU do Litoral Norte-RS (AP de Tramandaí-Osório); e RM do
Alto Vale do Itajaí-SC (AP de Rio do Sul).
21. Em Alagoas: RM da Zona da Mata; RM de Caetés; RM de Palmeira dos Índios; RM do Médio Sertão; RM do Sertão;
e RM do Vale do Paraíba. Na Paraíba: RM de Araruna; RM de Barra de Santa Rosa; RM de Esperança; RM de Itabaiana;
RM de Sousa; e RM do Vale do Piancó. Em Roraima: RM de Central; e RM do sul do estado. No Tocantins: RM de Gurupi.
No Paraná: RM de Apucarana; e RM de Campo Mourão. Em Santa Catarina: RM do Extremo Oeste.
22. As capitais regionais B são numerosas nos estados do Sul do país, o que pode justificar tamanha profusão de RMs
institucionalizadas, sobretudo no Paraná, com oito RMs – das quais seis estão em arranjos populacionais –, e Santa
Catarina, com onze RMs – das quais nove estão em APs.
(Re)Arranjos e Instrumentos para o Desenvolvimento Urbano | 109
na Escala Supramunicipal
23. Faz-se referência aqui ao capítulo Contribuições para uma agenda urbana de integração regional: bases para
interpretação e tipologia de rede urbana para um Brasil mais policêntrico, de Ernesto Pereira Galindo.
112 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
possuem uma forte relação causa-efeito bidirecional, que pode ser aferida na própria
evolução dos ciclos econômicos que marcam a formação do país.
Aqui, abordaremos brevemente a Ride do Polo Petrolina-PE e Juazeiro-BA,
cuja criação possui motivações relacionadas ao desenvolvimento regional produ-
tivo, e a Ride da Grande Teresina (PI/MA), que desempenha importante papel de
centralidade regional, com sua atração extrapolando as fronteiras de dois outros
estados, ao mesmo tempo que apresenta dinâmicas metropolitanas. Maior ênfase será
dada à Ride-DF e entorno, cuja problemática é fundamentalmente metropolitana.
A criação das Rides da Grande Teresina e do Polo Petrolina-PE e Juazeiro-BA
deu-se na mesma ocasião, em 2001, por meio das LCs nos 113 e 112, respectivamen-
te. Ambas constituíam “manchas” no interior nordestino que, como apontado por
Oliveira (2016), apresentavam indicadores que comunicavam sobre as possibilidades
de desenvolvimento da região. A intenção de sua criação era, entre outras, retirar
o peso das grandes cidades nordestinas, funcionando como polo intermediário,
tanto para as atividades econômicas, quanto para busca de serviços e empregos.
Os municípios que compõem a Ride do Polo Petrolina-PE e Juazeiro-BA
chamavam atenção pelo seu potencial de desenvolvimento em relação à “fruticultura
irrigada e à agroindustrialização da uva por meio da produção de vinhos, ambas
voltadas tanto para o mercado interno quanto externo, alimentadas pelo potencial
hídrico do rio São Francisco” (Oliveira, 2016, p. 118). Foi institucionalizada com
oito municípios,24 sendo quatro em cada um dos estados, Bahia e Pernambuco;
destes, apenas Petrolina e Juazeiro conformam um AP, com área de influência de
uma capital regional C.
O surgimento do AP de Petrolina-Juazeiro provocou a retração dos limites
da atração exercida pela metrópole de Salvador, no norte do estado, sobretudo nos
deslocamentos em busca dos serviços de saúde de baixa e média complexidade.
Do outro lado da divisa estadual, o AP faz parte da área de influência direta da
metrópole de Recife.
Com atividades majoritariamente agrícolas e de serviços voltadas para a pro-
dução e exportação de frutas (uva e manga, em especial), o polo dinamizou a cadeia
produtiva da agricultura irrigada, transformando completamente a dinâmica da
produção agrícola da região. Do ponto de vista da cooperação interfederativa, a forte
atuação de empresas de capital nacional e internacional, e sua influência na dinâmica
produtiva da região, sobrepôs-se à governança e à cooperação entre os entes federados,
necessária para a formulação de desenvolvimento abrangente para a região.
24. A Ride possuía 778.235 habitantes em 2020. Suas sedes (Petrolina-PE e Juazeiro-BA) reúnem 73% do contingente
populacional, enquanto a população dos demais municípios varia entre 15 mil e 72 mil habitantes, com média de 34,5 mil.
(Re)Arranjos e Instrumentos para o Desenvolvimento Urbano | 113
na Escala Supramunicipal
Por sua vez, a Ride-GT é formada por quatorze municípios, sendo que apenas
Timon não pertence ao estado do Piauí, como visto anteriormente. As duas sedes,
Teresina-PI e Timon-MA, abrigam pouco mais de 1 milhão de habitantes (2020)
e conformam o AP de Teresina, uma capital regional A, enquanto os demais mu-
nicípios da Ride são centros locais com média de 15,8 mil habitantes.
A rede do AP de Teresina possui um elevado alcance espacial, transpondo
as fronteiras do estado do Piauí, avançando sobre o oeste e o sul do Maranhão,
adentrando o estado de Pernambuco e chegando ao limite sul do Piauí, na fronteira
com o oeste baiano.
Entre os APs da Regic (IBGE, 2020), o AP de Teresina tem enorme destaque
por sua atração para serviços de saúde de baixa, média25 e alta complexidade.26 No
caso das baixas e médias complexidades, o AP de Teresina tem influência sobre
95 cidades. Por sua vez, no caso dos serviços de saúde de alta complexidade – que
são mais espaçados territorialmente, resultando em maiores distâncias a serem
percorridas –, exerce influência sobre trezentas cidades, o maior número do país.
É notável e importante a atração que o AP de Teresina exerce nos desloca-
mentos em busca do ensino superior, sendo a terceira colocada entre os APs, atrás
apenas de Belém-PA e Salvador-BA, seguida de São Luís-MA.27
A Regic (IBGE, 2020) aponta que o AP de Teresina possui a maior distância
do país entre a cabeça da rede (AP de Teresina) e a menor hierarquia encontrada
na rede (centros locais), igual a 146,6 km. Isso significa que o AP atrai centros
locais muito distantes que não têm opções intermediárias e recorrem diretamente
à maior cidade da rede (salto hierárquico).
A Ride-DF foi criada em 1998, pela LC no 94/1998, contando com 21 mu-
nicípios, além do Distrito Federal. Vinte anos depois, a LC no 163/2018 agregou
outros doze municípios ao arranjo, perfazendo um total de 4.627.771 habitantes
em 2020.
Quando cotejados, o arranjo institucional da Ride-DF, em sua atual formação,
e os APs do IBGE (2016), verificam-se três APs no interior da Ride-DF. O primeiro
deste é formado pelos municípios goianos de Alvorada do Norte e Simolândia,
um centro de zona B com 15,5 mil habitantes. O segundo AP é um centro sub-
-regional B, que agrupa os municípios goianos de Barro Alto e Goianésia, com
25. Os serviços de saúde de baixa e média complexidades envolvem “consultas médicas e odontológicas; exames
clínicos; serviços ortopédicos e radiológicos; fisioterapia; e pequenas cirurgias; dentre outros atendimentos que não
impliquem em internação” (IBGE, 2020, p. 109).
26. “Os serviços de saúde de alta complexidade compreendem tratamentos especializados com alto custo, envolvendo:
internação; cirurgias; ressonância magnética; tomografia; e tratamentos de câncer” (IBGE, 2020, p. 111).
27. Apesar do AP de São Luís-MA responder por mais de um terço dos deslocamentos para ensino superior de seu
estado, o AP de Teresina exerce atração sobre cinquenta municípios do leste do Maranhão, havendo sobreposição entre
os dois APs no centro deste estado.
114 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
28. Em Minas Gerais: Arinos; Buritis; e Cabeceira Grande. No Goiás: Abadiânia; Água Fria de Goiás; Alto Paraíso de
Goiás; Cabeceiras; Cavalcante; Corumbá de Goiás; Flores de Goiás; Mimoso de Goiás; Pirenópolis; São João d'Aliança;
Vila Boa; Vila Propício; Alexânia; Cocalzinho de Goiás; e Cristalina. Os três últimos municípios formam parte da Área
Metropolitana de Brasília – AMB (Codeplan, 2014).
(Re)Arranjos e Instrumentos para o Desenvolvimento Urbano | 115
na Escala Supramunicipal
GRÁFICO 2
População da AMB que se desloca para o Distrito Federal em busca de serviços
e equipamentos
(Em %)
45
41
40
35
30
24
25
20
17
15
12
10
0
Trabalho Saúde Lazer e serviços Estudo
o que não significa que essas cidades, de mesma hierarquia, tenham o mesmo perfil
em termos populacionais, socioeconômicos, de oferta de serviços públicos etc.
Cidades muito diferentes, e em contextos regionais diferentes, podem exercer
a mesma influência na rede de municípios cidades. Então, para além do alinhamen-
to dos arranjos institucionais à hierarquia de cidades, realizado na seção anterior,
os estudos realizados por Funari, Lui e Ferreira Junior (2021) e Marguti et al.
(2021b) buscaram traçar um painel de fragilidades para as cidades brasileiras, a
partir de indicadores29 que buscam desvelar vulnerabilidades dos APs, com ênfase
em quatro conjuntos de aspectos: institucionais; de planejamento e instrumentos
de desenvolvimento territorial; de fortalecimento econômico-financeiro; e de
políticas setoriais urbanas.
Um balanço desse exercício demonstrou situações mais graves nos temas ins-
trumentos de desenvolvimento territorial e planos setoriais para todas as hierarquias de
cidades, ainda que em proporções diferentes. As variáveis desses dois temas dizem
respeito justamente aos instrumentos legais e técnicos necessários para que seja
realizado o planejamento integrado das ações no território. Nos vemos diante de
um problema institucional estrutural, que envolve a ausência ou desatualização
de planos diretores, da regulamentação de instrumentos territoriais, de planos de
gestão de riscos e dos instrumentos que tratam da questão ambiental.
De forma sintomática, a alta pontuação de critérios de fragilidades para o
tema dos “planos setoriais” expressa um encadeamento de vulnerabilidades ins-
titucionais. Esse encadeamento se inicia na ausência dos instrumentos de plane-
jamento e conselhos municipais para as políticas setoriais (transporte, habitação,
saneamento e resíduos sólidos), além de expressar as condições de inadequação
dos domicílios e de seu entorno.
As fragilidades ligadas aos aspectos institucionais expressam a inexistência de
diagnóstico socioeconômico nos municípios, ou sua desatualização, bem como a
ausência de base cartográfica digitalizada, sistema de informações geográficas (SIG)
e arquitetos e geógrafos nas secretarias de planejamento. Também expressam a ine-
xistência ou a desatualização de cadastro imobiliário, da planta genérica de valores
e de Cadastro de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN), além da
não participação dos municípios do AP em consórcios públicos intermunicipais
e da debilidade dos mecanismos de participação social.
29. Assim como na construção de índices sintéticos, o exercício de busca por fragilidades simplifica variáveis e indica-
dores (combinação de variáveis), por vezes complexos, no intento de comunicar com maior facilidade os melhores e
piores cenários. Contudo, para sua utilização em políticas públicas, um esforço como esse raramente será útil per se. Os
resultados-síntese desempenham então o papel de farol, a iluminar pontos de atenção que precisarão ser destrinchados,
para que se chegue aos problemas concretos que devem ser objeto do planejamento e da ação pública. O exercício
inverso, de mergulho nas variáveis propostas, é necessário para o mapeamento das reais fragilidades e vulnerabilidades
de cidades e municípios, com o objetivo de que seja possível, primeiro, o estabelecimento de tipologias – para além da
hierarquização – e, em seguida, o desenho de estratégias mais aderentes às diferentes tipologias.
118 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
Para realizar essa distinção, este capítulo lançou mão dos estudos técnicos do
IBGE (2016; 2020), aproximando-se daquilo que seria uma hierarquia dos arranjos
institucionais – e daqueles que ainda podem ser, tendo-se em conta suas características.
Uma vez (re)organizados os arranjos institucionais, perante os parâmetros dos APs e
da hierarquia de cidades, chegou-se à primeira camada de categorização.
Não é possível ignorar as modificações realizadas no EM. Entende-se ne-
cessária a reconstituição do EM, de maneira que fiquem claros os critérios que
diferenciam as RMs, criadas pelos estados, e as metrópoles “de fato”, e quais destas
serão alvo de políticas públicas federais direcionadas à equalização das proble-
máticas urbano-metropolitanas no compartilhamento dos serviços comuns. Essa
distinção possibilitará o endereçamento correto dos dispositivos de uma PNDU
e dos critérios para o apoio da União. Este último deve ainda ser especificado: o
que é? E qual espécie de apoio será dada a cada “tipo” supramunicipal?
A seção 3 avançou, então, na apresentação dos resultados dos estudos sobre
fragilidades dos APs, sobre os aspectos institucionais, de instrumentos de desen-
volvimento territorial e planos setoriais, lançando luz às debilidades existentes nas
cidades, em maior medida nas metrópoles e capitais regionais.
Os 22 anos de existência do EC e os oito anos do EM significam um grande
acúmulo de instrumentos urbanísticos, ainda que os balanços se ressintam de sua
baixa aplicação, do fato de não terem revolucionado a forma de se “fazer” cidades e
da apropriação seletiva de dispositivos da lei pelos interesses imobiliários e financei-
ros. Isso posto, a tarefa de uma política nacional deverá, antes de mais nada, definir
qual projeto de cidade se deseja – qual desenvolvimento urbano e para quem? Sem
avançarmos nessa definição, a simples listagem e correspondência de instrumentos
a serem implementados nas diferentes tipologias de cidades não será suficiente e,
possivelmente, significará incorrer nos mesmos percalços e tropeços do passado.
Afinal, os instrumentos não caminham sozinhos. Retomar a disputa pelos
valores contidos no EC segue sendo necessário, e cada vez mais. Além disso, é
preciso que a União integre sua responsabilidade em equalizar as incapacidades de
gestão e governança que predominam nos municípios brasileiros e, tão importante
quanto, fomentar a cooperação entre os entes.
Em um cenário de municípios, pertencentes à APs ou não, sem repertório
para a gestão e a governança e sem recursos próprios, um caminho seria garantir
o nivelamento de suas competências, seja envolvendo diretamente os governos
estaduais no suporte aos municípios, seja dotando os municípios de recursos e
aptidões para aplicarem os instrumentos conforme necessitem. As atribuições
constitucionais dadas aos municípios na divisão interfederativa é desproporcional
se não há meios para que desempenhem suas competências.
122 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
REFERÊNCIAS
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(Re)Arranjos e Instrumentos para o Desenvolvimento Urbano | 123
na Escala Supramunicipal
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
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Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, n. 4, p. 53-127, out.-dez. 1969.
(Re)Arranjos e Instrumentos para o Desenvolvimento Urbano | 127
na Escala Supramunicipal
1 INTRODUÇÃO
A emergência teórica da questão urbana e a relevância da política urbana no mundo
contemporâneo podem ser tomadas como consenso. Expressam a inevitabilidade
da posição central do fato urbano, quando as redes de informação e articulação da
economia capitalista ganham dimensão global e têm nas cidades seu principal espaço
de comando. Ao mesmo tempo, expressam várias escalas:2 do local, da cidade e
das referências socioespaciais, sempre ampliadas e sempre localizadas, fortalecidas
e presentes na vida cotidiana.
As áreas urbanas estão mudando rapidamente sua forma e sua função. O in-
teresse pelo urbano, sempre progressivo, vem revelando um crescimento explosivo,
quer em número, quer em dimensão. Em 2016, 1,7 bilhão de pessoas, ou 23% da
população mundial, morava em cidades com pelo menos 1 milhão de habitantes.
Até 2030, uma população projetada de 27% das pessoas em todo o mundo estará
concentrada nesse porte de cidades (UN, 2017). E mais preocupante que a con-
centração da população mundial em grandes cidades será sua concentração em
grandes cidades de determinados países, como por exemplo o Brasil. Até 2030,
uma população projetada de 730 milhões viverá em cidades com pelo menos 10
milhões de habitantes, representando 8,7% das pessoas do mundo (UN, 2017).
De acordo com a recente divulgação dos dados populacionais do Censo Demográfico
de 2022, o município de São Paulo confirmou a projeção de população de 12,2
milhões de habitantes, sendo uma das grandes capitais a não perder população no
Brasil (IBGE, 2022).
Esses acontecimentos e projeções revelam a constante busca de oportunida-
des para uma melhor qualidade de vida nas cidades e ensejam, mais que nunca, a
necessidade de mecanismos efetivos de governança urbana. Os municípios lidam
1. Professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) lotada no Instituto de Políticas Públicas;
docente do Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais; e coordenadora do Núcleo Natal do Obser-
vatório das Metrópoles (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico – INCT/CNPq). E-mail: <[email protected]>.
2. Ver Vainer (2002).
130 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
e intraestaduais); a população mudou seu perfil rural para urbano; suas atividades
sociais e econômicas cresceram e se tornaram cada vez mais dinâmicas e complexas
(notadamente nas metrópoles e nas cidades maiores); a população urbana experi-
mentou transformações significativas em sua qualidade de vida e em seus valores,
atitudes, motivações, aptidões e aspirações.
No entanto, todo esse relevante processo sociocultural e socioespacial
(e urbanístico) mostrou aspectos colidentes: a ocupação territorial operou contra a
natureza, a produção foi depredadora e contaminante, a qualidade de vida tornou-
-se precária para muitos, a segregação residencial intensificou-se no interior das
cidades e a vida na cidade começou a entravar-se, na medida em que se agravaram
os problemas urbanos de transporte, segurança, moradia e tantos outros. A tudo
isso, agregam-se os efeitos adversos da globalização, o recrudescimento e “agudi-
zação” das falências político-eleitorais e político-administrativas que vêm afetando
o país historicamente.
No Brasil, a maioria das cidades, qualquer que seja o seu porte ou dimen-
são, conta com estruturas políticas e administrativas fragmentadas para manejar
os interesses compartilhados de suas jurisdições municipais. Cabe destacar aqui
a insuficiente capacidade de gestão, o pouco espírito público dos governantes, a
ausência de vontade política direcionada para a solução dos problemas urbanos, o
escasso compromisso com a cidade e seu futuro e, em muitas situações, o descaso
e até a corrupção. Revela-se, assim, a “falta de um planejamento com perspectiva
de futuro, ou seja, um planejamento prospectivo com visão de cidade, de conheci-
mento ecológico, de dinamismo econômico, e que inclua a solidariedade social e o
compromisso político de sua classe dirigente” (Clementino e Ferreira, 2015, p. 21).
Tudo isso tem chamado atenção para a necessidade de contar com sistemas efetivos
de governança que facilitem a coordenação em todos os níveis de governo e brindem
mecanismos eficientes para a tomada de decisões em matéria de desenvolvimento
territorial e econômico das regiões. Embora muitas soluções para essas questões
sejam formalmente de base local, o município, por si só, não consegue mobilizar
recursos institucionais para encaminhá-las. As relações de governança que ensejam
a solução de problemas de interesse comum são uma realidade a ser buscada. Aqui
reside nosso interesse.
Neste artigo, apresentamos algumas reflexões e considerações para a situação
em que a governança urbana requer a colaboração supralocal (ou supramunicipal)
para a solução de problemas de interesse comum. Ele está estruturado em seis seções,
além desta introdução: modelos de arranjos de governança; quadro normativo para
os arranjos de governança; potencialidades e lacunas normativas para o enfrenta-
mento dos efeitos negativos da descentralização; o pacto territorial enquanto pacto
político; a experiência de Sahuayo e Jiquilpan no México; e considerações finais.
132 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
5. O Estatuto da Metrópole, Lei no 13.089/2015, quebrou o silêncio de quase três décadas após a Constituição Federal
de 1988 (CF/1988) e recoloca na agenda a questão metropolitana. Com a promulgação do Estatuto da Metrópole,
os gestores públicos estaduais e municipais passaram a ter a responsabilidade de implementá-lo em todas as regiões
metropolitanas (RMs) no país. Aos entes estaduais foi atribuída a responsabilidade de elaborar e aprovar o Plano de
Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI); aos municípios, por sua vez, foi imputada a compatibilização dos Planos
Diretores ao PDUI. Ambas as medidas possuíam prazo de implementação até 12 de janeiro de 2018. Em 2018 reformu-
lou-se com retrocessos no que se refere à obrigatoriedade de sua implementação e em sua forma de implementação,
uma vez que reduziu a participação da sociedade civil organizada no processo.
Governança Supralocal: algumas reflexões e considerações sobre o Brasil | 133
De acordo com Câmara et al. (2015), existem pelo menos quatro subtipos
do nível de cooperação institucional quando referidos a gestão metropolitana:
CAM metropolitano (administrado por conselhos), CAM inframetropolitano
(plurissetorial); CAM monossetorial com alcance multissetorial, e os distritos
especiais. Ainda seguindo a adaptação do modelo de Lefèvre (2008), os modelos
não institucionais estão planejados como alternativas para se estabelecerem novas
instituições, focando uma coordenação mais eficiente de políticas ou serviços em
diversos setores e em nível da área correspondente. Sua organização inclui a co-
ordenação das estruturas existentes, bem como dos acordos e convênios formais
(Câmara et al., 2015).
A OECD (2015) parte de um esquema mais rigoroso em termos institucio-
nais, embora classifique os modelos de forma similar a Lefèvre (2008): coorde-
nação informal leve (usualmente encontrada em centros urbanos policêntricos);
autoridades intermunicipais (que dividem custos e responsabilidades); autoridades
supramunicipais (nível de governo adicional ou por sobre os municípios); e trata-
mento especial de cidades metropolitanas.
Estudo recente realizado pelo Ipea (Marguti et al., 2021), visando ao esta-
belecimento de uma hierarquia dos arranjos institucionais para políticas públicas,
sistematiza, como tipos de arranjos urbanos, as categorias formalmente institucio-
nalizadas pelos governos (em todas as escalas, a partir de dois ou mais municípios),
cotejados à luz do fenômeno dos arranjos populacionais definido pelo estudo
Arranjos populacionais e concentrações urbanas do Brasil (IBGE, 2016), e utilizado
como subsídio para o mais recente estudo da Região de influência de cidades –
Regic 2018 (IBGE, 2020). Faz uma primeira e fundamental distinção em “tipos
supramunicipais de fato” e “tipos supramunicipais formais” (Marguti et al., 2021).
Como tipo supramunicipal de fato, toma como parâmetro os arranjos (infor-
mais) enquanto “fenômeno urbano” (Marguti et al., 2021) de interações entre áreas
urbanas, delimitando tecnicamente o fenômeno das relações entre centros urbanos,
e sua hierarquização como metrópole, capital regional, capital sub-regional, centro
de zona e centro local (conforme Regic 2018). Como tipos supramunicipais formais,
assume como parâmetro as regiões e conjuntos de municípios consorciados ou
associados que foram/são instituídos formalmente, através de instrumentos legais
federais, estaduais, municipais ou interfederativos.
6. A regulamentação da Lei no 11.107, de 6 de abril de 2005, que dispõe sobre normas gerais de contratação de
consórcios públicos, foi determinada pelo Decreto no 6.017, de 17 de janeiro de 2007.
7. Conforme apontado no Estatuto da Metrópole, as FPICs podem ser compreendidas como toda política pública e
ações cuja realização por parte de um município, isoladamente, seja inviável ou cause impacto em municípios limítrofes.
Governança Supralocal: algumas reflexões e considerações sobre o Brasil | 137
8. A Lei dos Consórcios, mesmo que não tenha sido traçada para a gestão metropolitana, pode auxiliar na superação
de alguns desafios impostos pela ausência de cooperação municipal, em razão da adoção de instrumentos firmados
que promovam uma maior confiança entre os poderes políticos. Nesse sentido, Almeida et al. (2015) chamam atenção
para o âmbito político na escala metropolitana, pois é nesse campo que se pode formar a cooperação, em razão da
inexistência de uma esfera de governo metropolitano.
Governança Supralocal: algumas reflexões e considerações sobre o Brasil | 139
práticas sociais a depender das relações entre governos e diferentes atores no que
tange à mediação dos múltiplos interesses a serem negociados.
9. A descrição e análise acerca da experiência de Sahuayo e Jiquilpan é resultado de atividades do convênio estabelecido,
em 2022, entre o Núcleo Natal do Observatório das Metrópoles na UFRN e a Universidad de La Ciénega del Estado
de Michoacán de Ocampo – UCEMICH (México). Realizamos em agosto 2022 visita científica à instituição superior
mexicana, incluindo visita de campo nos dois municípios.
10. Segundo Ferreira (2018), região metropolitana emergente (RME) é uma área geográfica que começa a concentrar
áreas urbanizadas menores, como municípios em transição, que começam a se integrar espacial e funcionalmente com
outros municípios em uma região maior.
140 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
11. Embora não haja um acordo universal sobre o conceito de cidades intermediárias, Roberts (2014) fornece
um resumo claro das principais ideias desse conceito. Este autor argumenta que as cidades estão substituindo
os Estados-nação como os principais motores do comércio e do investimento. Por esta razão, é importante focar
sistemas de cidades ao invés de sistemas de nações para fins de políticas públicas como descentralização, alocação
orçamentária e cooperação internacional.
12. Uma primeira categorização que Roberts (2014) discute é o tamanho das cidades secundárias. Em termos de
tipologia espacial e econômica, o autor categoriza as cidades secundárias em: i) subnacionais; ii) metropolitanas; e
iii) corredores de cidades secundárias. As cidades secundárias subnacionais são o tipo mais comum, geralmente com
uma população de mais de 200 mil habitantes e servindo como capitais provinciais, centros de manufatura e transporte
ou centros industriais de recursos naturais (Roberts, 2014). Seu desenvolvimento geralmente está associado a uma
história colonial ou culturalmente delimitada pela condição de cidades intermediárias ou secundárias.
13 “A Região de La Ciénega de Chapala inclui os municípios vizinhos dos estados de Michoacán e Jalisco, que com-
põem a zona leste da bacia do Lago Chapala: Sahuayo, Jiquilpan, Venustiano Carranza e Villamar” (tradução nossa).
14. No México existem 74 dessas zonas metropolitanas, totalizando 417 municípios.
Governança Supralocal: algumas reflexões e considerações sobre o Brasil | 141
15. “[...] compartilham uma conurbação intermunicipal, definida como a união física entre duas ou mais localizações
geoestatísticas urbanas de diferentes municípios, e cuja população somada seja igual ou superior a 100 mil habitantes,
formando a cidade central da metrópole. Os municípios sobre os quais se estende a conurbação intermunicipal (ou
cidade central) têm características urbanas. A união física entre as localidades geoestatísticas é entendida como a
continuidade na conformação do bloqueio” (tradução nossa).
142 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
16. “[...] a segurança dos cidadãos é o mais importante, por isso devemos continuar trabalhando, analisando e gerando
possíveis soluções, e trabalhando de forma coordenada entre os municípios, gerando assim ações que possam devolver
tranquilidade e segurança aos cidadãos” (tradução nossa).
17. “Resulta importante mencionar que los Consejos Intermunicipales de Seguridad Pública son órganos colegiados
de coordinación, regulación y planeación, vinculados entre los tres niveles de Gobierno, cuya función es fortalecer la
coordinación para establecer estrategias y acciones conjuntas para cumplir con los fines de salvaguardar la seguridad
y el orden público” (Realiza Jiquilpan..., 2022).
Governança Supralocal: algumas reflexões e considerações sobre o Brasil | 143
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O repertório legal brasileiro contempla caminhos possíveis para criar regionalizações,
em conformidade com o interesse dos entes estaduais e municipais. Essa forma de
regionalização, ausente das prerrogativas que levam ao “natural” relacionamento
entre áreas urbanas, acaba por confundir a compreensão daquilo que é o fenômeno
supramunicipal “de fato” (Marguti et al., 2021). A confusão se estende tanto ao
entendimento dos estados, na busca por pseudovantagens em implementar arran-
jos institucionais, quanto à União, em seu papel de fomentar as capacidades das
cidades de suavizar as polarizações – constituindo um território mais homogêneo
do ponto de vista da oferta e do fomento daquilo que é essencial – e de ofertar às
pessoas liberdades e possibilidades não limitadas pelas insuficiências e carências
do lugar onde vivem (Marguti et al., 2021).
18. “[...] atende uma matrícula de 616 alunos, distribuídos nas seis carreiras oferecidas, além de 250 alunos no programa
de idiomas da Escola Municipal de Línguas e Informática, em colaboração com o município de Sahuayo” (tradução nossa).
19. “No referido convênio está contemplado que os alunos das diversas carreiras que são ministradas no Tecnológico
de Jiquilpan possam realizar seu serviço em benefício da comunidade sahuayense; o referido convênio foi assinado
pelo presidente municipal e pelo diretor do Tecnológico, sendo testemunha o referido; com esta assinatura, são já onze
anos consecutivos de estreita colaboração entre estas duas instituições” (tradução nossa).
144 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
REFERÊNCIAS
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146 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
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MEZA, O. Agenda local: el entorno institucional detrás del processo de las polí-
ticas públicas. Tlaquepaque, México: Inap, 2015.
CAPÍTULO 6
1 INTRODUÇÃO
Este capítulo responde ao desafio proposto de dialogar com os temas discutidos nas
sessões virtuais e na Nota Técnica para Discussão Contextualização e diretrizes gerais para
a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Essa nota foi elaborada no âmbito do
Termo de Execução Descentralizada no 71/2019, firmado entre o Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada (Ipea) e a Secretaria Nacional de Desenvolvimento Regional e
Urbano (SDRU), do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, para
apoiar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU). O objetivo é reunir e
atualizar as discussões sobre política urbana no Brasil, com foco específico nas questões
de articulação municipal.
Dessa forma, o capítulo apresenta como mote de discussão o projeto DRS
do Espírito Santo, uma experiência de planejamento na esfera estadual atualmente
em execução.
Concebido para qualificar a relação da política, principalmente nos âmbitos
municipal e estadual, a partir da lógica regional de integração, pretende “promo-
ver o desenvolvimento de forma mais equitativa e distribuir os benefícios gerados
por todo o território” (IJSN, 2022a, p. 11).3 Ademais, visa à descentralização das
oportunidades para além da Região Metropolitana (RM) da Grande Vitória.
O referido DRS é composto por dois pilares complementares de atuação:
i) projeto de pesquisa conduzida pelo IJSN, apoiado pela Fundação de Amparo à
Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes); e ii) conselhos de desenvolvimento
regional sustentável (CDRS), a cargo da Secretaria da Ciência, Tecnologia, Inovação,
Educação Profissional e Desenvolvimento Econômico (Sectides).
4. O Plano de Desenvolvimento Urbano Integrado da Região Metropolitana da Grande Vitória (PDUI/RMGV) foi elaborado
como projeto de pesquisa e recebeu apoio da Fapes.
Questões de Articulação Municipal: aproximações aos conselhos de | 151
desenvolvimento regional sustentável do Espírito Santo
MAPA 1
Divisão microrregional do Espírito Santo
MAPA 2
População dos municípios do Espírito Santo
MAPA 3
PIB microrregional do Espírito Santo
8. A Sudene tem o objetivo de reduzir o desequilíbrio nas regiões do Brasil e inclui 28 municípios do Espírito Santo.
9. Para mais informações, ver: Caderno DRS 03: Diagnóstico de componentes ambientais relacionados à temática água
e desenvolvimento regional sustentável do Espírito Santo. Disponível em: https://ijsn.es.gov.br/Media/IJSN/Publicacoe-
sAnexos/cadernos/IJSN_Caderno_DRS-03.pdf. Acesso em: 20 set. 2021.
160 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
MAPA 4
Investimentos previstos para o Espírito Santo (2019-2024)
MAPA 5
Bacias hidrográficas no Espírito Santo
10. O ISH segue metodologia construída pela Agência Nacional de Água (ANA, 2019) a partir da média simples de
indicadores agregados em quatro dimensões de análise: humana, econômica, ecossistêmica e de resiliência.
11. Na categoria de áreas do entorno das áreas semiáridas e subúmidas secas segundo o Programa de Ação Nacional
de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca (PAN-Brasil).
Questões de Articulação Municipal: aproximações aos conselhos de | 163
desenvolvimento regional sustentável do Espírito Santo
que infelizmente está presente para além da gestão integrada de recursos hídricos.
Nesse sentido, de maneira geral, conforme apontado no diagnóstico fruto do Cader-
no DRS 3 (IJSN, 2021b), a aplicabilidade dos instrumentos de gestão, que fariam
então a governabilidade desses recursos hídricos, é afetada, a título de exemplo,
quando há baixo número de estações de monitoramento fluviométrico e baixa
adesão aos cadastros de outorgas, ou quando a própria confiabilidade e fragilidade
das informações repassadas se mostram como impeditivos para o gerenciamento e
o monitoramento do controle dos recursos hídricos.
12. O Escritório de Projetos do Governo do Estado do Espírito Santo, que atua na SEP, desempenha o gerenciamento
intensivo, identifica e aponta soluções de riscos e gargalos dos projetos estruturantes do governo do estado.
164 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
FIGURA 1
Composição de um conselho de desenvolvimento regional sustentável
17. A RM da Grande Vitória, que tem legislação própria, mantém-se vinculada ao Conselho Metropolitano de Desen-
volvimento da Grande Vitória (Comdevit) e às demais estruturas da gestão metropolitana, conforme Lei Complementar
no 318/2005.
166 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tendo em mente os principais resultados e as restrições do projeto DRS do Espírito
Santo como ferramenta da articulação municipal na escala regional, de início é
necessário lembrar que foi inteiramente pensado para atuar a partir do território
para o próprio território. Seu desenho, tanto na vertente da pesquisa quanto na de
participação social mediante conselhos, considerava primordial o estabelecimento
de equipes locais e a visita das equipes técnicas principais. Com o advento da pan-
demia da covid-19, foi preciso executar o projeto de forma virtual.
Apesar da principal adversidade, o maior risco, no entanto, é bastante comum:
o da descontinuidade do processo, dada a complexidade e as exigências de pessoal
e recursos envolvidos. Ainda que a virtualidade da execução tenha possibilitado
“percorrer” centenas de quilômetros ao mudar o link da sala de conferência remota,
é patente a maior interação gerada por meio do encontro presencial. Ademais, para
o pesquisador lotado na RM da Grande Vitória, a vivência da realidade interiorana
pode “calibrar” modos de se enxergar a realidade e de fato aproximar os investiga-
dores de seu objeto de investigação concreto.
18. Os sumários executivos dos diagnósticos e as diretrizes do plano de ação estão disponíveis em: http://drs.ijsn.
es.gov.br/produtos#microrregioes.
168 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
REFERÊNCIAS
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BRASIL. Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183
da Constituição Federal, estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jul. 2001.
Questões de Articulação Municipal: aproximações aos conselhos de | 169
desenvolvimento regional sustentável do Espírito Santo
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BRASIL. Lei no 13.089, de 12 de janeiro de 2015. Institui o Estatuto da Metrópole,
altera a Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, e dá outras providências. Diário
Oficial da União, Brasília, 13 jan. 2015.
CAPÍTULO 7
1 INTRODUÇÃO
Segundo Brenner (2013, p. 87), as geografias da urbanização eram vinculadas às
populações adensadas das cidades, mas agora têm assumido novas morfologias em
escala cada vez maior. O autor entende não haver mais espaço para a dicotomia
rural/urbano. Considera-se que a urbanização do território, como a difusão mais
ampla do urbano no espaço (Santos, 1993), torna a relação urbana/interurbana
relacionada a todo o território, incluindo o campo, ou, nos dizeres de Milton Santos:
estaríamos, agora, deixando a fase da mera urbanização da sociedade, para entrar
em outra, na qual defrontamos a urbanização do território. A chamada urbani-
zação da sociedade foi o resultado da difusão, na sociedade, de variáveis e nexos
relativos à modernidade do presente, com reflexos na cidade. A urbanização do
território é a difusão mais ampla no espaço das variáveis e dos nexos modernos
(Santos, 1993, p. 125).
Os grandes centros urbanos se multiplicam, em um contexto global que vis-
lumbra a intensificação do processo de urbanização com a criação de novas e grandes
cidades em todo o mundo. No Brasil, além disso, o crescimento de cidades médias
e seu papel articulador e intermediador regional, bem como o adensamento popu-
lacional em áreas já consolidadas e a ocupação de frentes pioneiras, trazem também
novos desafios de entendimento. Fenômenos que podem agravar a desigual repartição
dos ônus/bônus sobre o território.
Essa complexidade exige um referencial ontológico/epistemológico que possa
auxiliar na compreensão do fenômeno urbano para que decisões possam ser tomadas
tendo em vista a redução e mitigação das desigualdades socioterritoriais ou a melhor
distribuição dos ônus e bônus da urbanização e das relações econômicas.
1. Técnico de planejamento e pesquisa na Diretoria de Estudos e Políticas Regionais, Urbanas e Ambientais do Instituto
de Pesquisa Econômica Aplicada (Dirur/Ipea). E-mail: <[email protected]>.
172 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
2 AS TIPOLOGIAS DE REDE
Os estudos institucionais que supostamente tratam de redes focam a regionalização
e a sua caracterização. Mesmo que tenham uma abordagem de região polarizada,
a tipologia resultante não tem as redes e os subsistemas em rede como objeto de
categorização. Mesmo os estudos de rede urbana institucionais tampouco produ-
ziram diretamente tipologias de rede. Ainda que a análise de rede faça parte de seu
processo de estudo, o resultado final é a hierarquia dos “nós” e sua caracterização,
além da indicação dos vínculos que cada subsistema de rede possui.
174 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
Para além dos estudos institucionais sobre rede, observa-se que alguns autores
propuseram tipologias e definiram categorias de rede propriamente ditas. São reu-
nidos aqui três caminhos mais comumente encontrados na proposição de tipologias
ou de critérios para sua análise. Um deles parte da própria configuração proposta
por Christaller, distinguindo configurações de rede que fogem do tipo ideal por
ele proposto. Outro trata de definir indicadores que retratem a distribuição da
noção de centralidade, em uma linha mais aproximada da teoria de grafos. E por
fim, alguns diferenciam as redes por suas atividades preponderantes e como essas
definem sua configuração.
Milton Santos, ao tratar de sua nova teoria dos dois circuitos econômicos,
em um de seus textos em referência a países (à época referidos como) subdesen-
volvidos, aponta, por exemplo, que “algumas aglomerações de nível inferior não
necessitam mais transpor as cidades que estão num nível imediatamente superior,
mas recorrem diretamente às cidades mais importantes” (Santos, 1977, p. 53).
Ilustra-se isso por meio da figura 1.
FIGURA 1
Cidades dentro de uma rede
2011 (Sedur/BA, 2011). Ao propor uma interpretação para a rede urbana baia-
na, Sedur/BA (2011) considera que “por salto hierárquico compreende-se a falta
de níveis de centralidade intermediários entre um centro de menor hierarquia
e um de hierarquia superior” (Sedur/BA, 2011, p. 78). Deste modo, completa,
“um subsistema urbano, ou mesmo a própria rede, pode apresentar baixa densi-
dade hierárquica quando apresenta grandes saltos hierárquicos ou alta densidade
hierárquica, quando o contrário ocorre” (op. cit., p. 76). Os saltos podem ser exem-
plificados com a análise da região de influência (RI) de Juazeiro à época (figura 2),
conforme apresentado em Sedur/BA (2011, p. 78).
FIGURA 2
Saltos hierárquicos da RI de Juazeiro
Corrêa (1989) aponta dois tipos básicos de rede urbana. No Brasil a rede
dendrítica tem origem colonial, localização excêntrica, junto ao mar. Há uma
primazia desmesurada da cidade principal, com excessivo número de pequenos
centros indiferenciados e de início sem centros intermediários. Existe uma limitada
mobilidade de precárias vias de transporte, sendo exemplos a origem de Belém,
São Luís, Recife, Salvador e Rio de Janeiro (op. cit., p. 72). Por sua vez, a rede
complexa aproxima-se da estrutura christalleriana, com complexidade funcional e
espacial, na qual não há aleatoriedade nem distribuição de Poisson (op. cit., p. 73).
Corrêa (1996) traz ainda uma diversidade de tipos que podem servir para
caracterizar uma rede ao indicar, como um dos cinco pontos para se repensar a
teoria dos lugares centrais, a “conexão entre a inserção de uma determinada área
na divisão territorial do trabalho e o arranjo estrutural e espacial de sua rede de
localidade centrais”, em que “as diferenças nos arranjos estruturais e espaciais das
redes de localidades centrais sejam, em primeiro lugar, reveladoras das diferenças
relativas ao avanço do capitalismo e das formas que assume” (op. cit., p. 25).
Esses arranjos espaciais podem se apresentar, por exemplo, como primaz
(op. cit., p. 24) ou primate system (op. cit., p. 25), dois circuitos, de variação
temporal (sazonal ou semanal), christalleriana (conforme princípio de mercado,
transporte ou administrativo), dendrítica, feeder system, top-heavy system, hierár-
quico imperfeito (op. cit., p. 25).
Para Corrêa (1989, p. 52), “uma classificação funcional de cidades, isto é, a
descrição da divisão territorial do trabalho em termos urbanos, deve procurar dar
conta dos papéis que cada cidade cumpre na criação, apropriação e circulação do
valor excedente”. De certo modo, as configurações christallerianas de cada um
dos seus três princípios, mas especialmente o de mercado, auxiliam nesse desafio.
Essa indicação parece também permear a proposta – positivamente menos geome-
trista – de Ribeiro (1998) ao resgatar Miossec (figura 3).
Ao interpretar as redes conforme sua função predominante, Miossec, adotado
por Ribeiro (1998), reforça um entendimento que o IBGE utiliza na Regic ao iden-
tificar em sua análise de rede, mas sem definir tipos propriamente ditos, o comando
estatal e empresarial, além dos fluxos de comércio, serviços e produtivos – embora
este último seja mais o foco dos estudos regionais.
178 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
FIGURA 3
Tipos de rede miossecianas
3A – De distribuição de bens e serviços
3B – De produção
3C – De gestão
Considera-se que os indicadores abordados por Mello et al. (2010) são úteis no
entendimento da centralidade e das conexões de rede, podendo-se usar seus resultados
na construção de tipologias de rede. Um deles é a “distância entre nós”, que “mede o
comprimento do caminho entre dois nós considerados” (Mello et al., 2010, p. 10).
De forma simplificada, acredita-se ser possível utilizar os dados já mapeados pela
Regic referente à distância euclidiana entre os nós ou mesmo utilizar dados de tempo
de viagem como usado em Ferreira (2006) e passíveis de obtenção por dados de
agências reguladoras de transporte ou mesmo via aplicativos de rede ou sistema de
posicionamento global (GPS), como Waze, Moovit, Google ou similares.
Outro indicador que poderia ser usado consiste no “grau do nó”, mesmo com
as limitações e simplificações apontadas por Mello et al. (2010): de forma simples, ela
é o número de arestas que saem do nó. Também é conhecida por out-degree (out d).
A medida também pode ser construída utilizando-se o número de arestas que chegam
a este nó, sendo neste caso conhecida por in-degree (in d) (op. cit., p. 11).
Por sua vez, o rank de página “foi inicialmente desenvolvido por Brin e Page
(1998), os fundadores do Google, para medir a importância de uma página na World
Wide Web (www)” (Mello et al., 2010, p. 12). O rank de página é definido como:
Corrêa (1974, p. 16) supõe que cada uma dessas categorias respectiva-
mente, desenvolve:
• tanto centros de ordem menor quanto maior;
• muitos pequenos centros, poucos centros de alta ordem;
• de forma fraca poucos pequenos centros e, de forma relativamente forte,
poucos centros de alta ordem; e
• de forma fraca lugares centrais de quaisquer ordens.
Essa análise, assumidamente simplificada pelo próprio autor, é ampliada
(Corrêa, 1974, p. 17) para abranger faixas intermediárias de cada uma das variáveis.
Moreira (2014) sugere uma divisão em três estratos de renda que poderia ser
adaptada à essa proposta de Corrêa (1974).
Da releitura realizada nesta seção, destacam-se, portanto, de forma resumida
e direta ao menos as seguintes tipologias:
• direcionada ou não direcionada, ponderada ou não ponderada, es-
parsas ou densas, conectadas ou não conectadas, dinâmica ou estática
(Mello et al., 2010);
• primaz ou primate system; dois circuitos; variação temporal (sazonal ou
semanal); christalleriana (conforme princípio de mercado, transporte ou
administrativo); dendrítica; feeder system; top-heavy system; hierárquico
imperfeito (Corrêa, 1996);
• dendrítica, complexa, radial, solar (Corrêa, 1989); e
• distribuição, produção e gestão (Miossec, 19762 apud Ribeiro, 1998).
Para além delas, todo esse conjunto de dimensões, preocupações e indicadores
desvelam um leque de possibilidades para se definirem categorias de rede que sejam
úteis aos objetivos das políticas públicas, em especial, mas não apenas aquelas de
caráter mais regional e urbano.
2. Miossec, Jean-Marie. La localisation des forces de décision dans le monde: esquisse de geógraphie
politique théorique. L’Espace Géographique, Paris, n. 3, p. 165-175, 1976.
Contribuições para uma Agenda Urbana de Integração Regional: Bases para | 183
Interpretação e Tipologia de Rede Urbana para um Brasil mais Policêntrico
GRÁFICO 1
Distribuição da hierarquia urbana na Regic (2007 e 2018)
Por sua vez, ainda na década de 2000, o Estudo da Dimensão Territorial para o
Planejamento (Brasil, 2008) indicava, para além dos onze macropolos consolidados,
32 outras centralidades, desde novos macropolos (sete) a aglomerações locais (três)
e geopolíticas (duas), passando pelas aglomerações sub-regionais (vinte), conforme
apresenta o quadro 1.
184 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
QUADRO 1
Níveis secundários do Estudo de Dimensão Territorial para o Planejamento
Nível Município Bacia
Belém
Litoral Norte-Nordeste
São Luís
Palmas
Macrorregional
Cuiabá
Porto Velho Centro-Norte
Campo Grande
Uberlândia
Boa Vista
Macapá
Amazônica
Rio Branco
Santarém
Marabá
Imperatriz
Centro-Norte
Araguaína
Barreiras
Petrolina
Juazeiro
Sub-regional
Crato
Juazeiro do Norte
Semiárido
Barbalha
Montes Claros
Teófilo Otoni
Vitória da Conquista
Sinop Centro-Oeste
Cascavel
Chapecó Sul-Sudeste
Santa Maria
Itaituba Amazônica
Local Eliseu Martins
Centro-Norte
Souza
Cruzeiro do Sul
Geopolítico Amazônica
Tabatinga
Fonte: Brasil (2008).
FIGURA 4
Facilidade versus complexidade na identificação de uma cidade média
Porte
Complexidade - Fluxo
Facilidade - Estoque
Primazia
Posição
Intermediação
Elaboração do autor.
FIGURA 5
Tipos de cidades médias
A De massa
1 Pseudo-polo
B Vulnerável
Potencial: estoque
A Serviço Geral
C Especialização
Efetiva: fluxo
A Estatal
3 Comandante
B Empresarial
Elaboração do autor.
MAPA 1
Cidades intermediárias da Bahia (2010)
MAPA 2
Recurso, ciclos econômicos e ocupação do território
QUADRO 2
Territórios, tipos de investimento e fatos estilizados
Tipo ideal dos investimentos em territórios predo-
Territórios Fatos estilizados
minantemente impactados e (re)definidos por:
Concentração no litoral, RMs, capitais e cidades
Forças inerciais dos fatores de aglomeração e de
Territórios tipo I médias das vantagens locacionais produtivas sobre-
urbanização
tudo na rede urbana do sul-sudeste-litoral
Tendência a se constituírem em polos isolados ou en-
Territórios tipo II Investimentos pontuais, tópicos e enclavados
claves com baixa indução do entorno e da hinterlândia
Vulnerabilidade marcantes em sua dinâmica de
Territórios tipo III Demanda e preços mundiais das commodities
crescimento
Territórios tipo IV Provisão de infraestrutura de transportes e energia Constituição de eixos de expansão e escoamento
Chão da reprodução social cotidiana, com melhoria
Territórios tipo V Impulsos das políticas sociais
das condições de vida
QUADRO 3
Relação renda familiar/PIB em municípios selecionados do Rio de Janeiro (2010)
(Em %)
Município Relação renda familiar/PIB 2010
Porto Real 2
Quissamã 5
São João da Barra 6
Campos dos Goytacazes 14
Rio das Flores 15
Angra dos Reis 16
Carapebus 16
Casimiro de Abreu 17
Itaguaí 18
Itatiaia 19
FIGURA 6
Exportação de ferro
Além do impacto que esse modelo gera por princípio, a alta dependência
de um só produto ou setor atrelado a preços internacionais gera oscilações que
dificultam o planejamento orçamentário. Os efeitos no orçamento local podem
ser exemplificados com o caso do município de Campos, no estado do Rio de
Janeiro, que reduziu à metade os royalties de petróleo recebidos, passando de quase
1,4 bilhão, em 2012, para pouco mais de 600 milhões, em 2015.
Além das grandes mudanças sofridas de forma abrupta no tamanho da po-
pulação, na ocupação do território, no orçamento municipal e da baixa absorção
da riqueza gerada, muitas vezes, a depender do empreendimento, outros proble-
mas sociais são gerados, como aumento da insegurança, incapacidade de prover
infraestrutura urbana no ritmo do aumento da demanda etc. Não necessariamente
os bônus da instalação de grandes empreendimentos econômicos compensam
os ônus dos problemas sociais, ao menos não para parte da população residente.
Contribuições para uma Agenda Urbana de Integração Regional: Bases para | 193
Interpretação e Tipologia de Rede Urbana para um Brasil mais Policêntrico
Nesse aspecto, uma abordagem regional poderia gerar indicadores positivos en-
quanto análises urbanas e sociais não.
Considerando que um dos objetivos fundamentais contidos na Constituição
Federal (CF) é reduzir as desigualdades sociais e regionais, observa-se então que,
se pensados de forma independente, há grande risco de a busca por um afetar
negativamente o alcance do outro.
A própria PNDR já define em seus objetivos a necessidade dessa convergência
socioeconômica, como é indicado explicitamente em seu objetivo I (Brasil, 2019),
mas a síntese do diagnóstico da PNDR tem limitações de categoria pela sua sim-
plificação muito maior que a de Brandão (2017) por exemplo, resumida no mapa
de renda (PIB e rendimento). Deve-se, portanto, avançar na conciliação dessas
abordagens, passando eventualmente pelas categorias de Brandão.
Observados esses resultados, parece que a abordagem socioeconômica, com foco
no emprego e renda, pode funcionar tanto para se verificar a economia (o regional),
quanto o urbano (em suas atividades e conexões) e o social, sendo uma variável co-
mum a essas abordagens e servindo de tradutor para que se percebam as trocas entre
essas dimensões de análise. Do ponto de vista espacial, a região polarizada parece ser
o elo entre as análises regionais e (inter)urbanas, ao ter aspectos tanto de uma análise
em rede quanto em região.
FIGURA 7
Os dois circuitos da economia e a rede de centros urbanos
pode transitar por padrões mais afeitos a um ou a outro circuito e, além disso,
pessoas mais ligadas ao circuito inferior podem vender sua força de trabalho,
eventualmente, ao sistema superior.
Para identificar os circuitos de forma mais pragmática e útil para a ação
pública, ainda que sob o risco de se estar deturpando a pureza da teoria, a base
da Rais, desde que numa análise preliminar identificada e cruzada com outras
(base de agricultores familiares, Cadastro Único, beneficiários de políticas sociais
como Benefício de Prestação Continuada – BPC, bolsas e auxílios diversos, rendas
de aposentadorias e pensões), pode auxiliar na compreensão desses movimentos
e dinâmicas, podendo caracterizar territórios e vínculos interurbanos em sua
distribuição e peso, a cada circuito, bem como sua dinâmica intra e interurbana.
Questões como rotatividade, estabilidade, informalidade permeiam as conclusões
dessas potenciais análises. Dados do Censo Demográfico também permitem
análises mais específicas sobre a informalidade e categorias de trabalho mais
vinculados ao circuito inferior. Por sua vez, o próprio Censo Demográfico ou
a Rais podem auxiliar na identificação do trabalho formal e da administração
pública, em específico. O PIB pode ser usado também como proxy de intensidade
de emprego por setor e subsetor. O perfil de pequenas empresas e tempo de vida
pode ajudar também no entendimento.
A partir desse detalhamento e da qualificação das atividades, seria possível
identificar municípios/arranjos que não cumprem as competências básicas mí-
nimas, aqueles que cumprem apenas o básico, aqueles que cumprem mais que
o básico e aqueles que ainda ofertam a outros municípios/arranjos. Em tese,
espera-se mais conforme for a hierarquia do município/arranjo e consequente-
mente sua responsabilidade territorial, cabendo verificar também se as atividades
que desenvolvem são consumidas apenas em sua (sub)rede própria ou se também
ofertam a outros subsistemas urbanos de outras redes, incluindo a mundial.
Cabe distinguir a oferta de serviços/produtos propriamente urbanos, ou
a exportação/importação (interna ou externa ao Brasil) de serviços/produtos
fruto de sua atividade produtiva, bem como identificar possíveis relações entre
elas, podendo fazer parte de uma cadeia produtiva, mas não necessariamente
de relações interurbanas. Assim, assume-se um papel relevante na economia,
mas pouco significante na rede urbana propriamente dita, ou seja, sem exercer
influência nesse sentido.
Questionamentos devem permear essa análise. A atividade econômica passa
pela rede sem desenvolvimento urbano local? Há transbordamento, efeito mul-
tiplicador ou é apenas um enclave? Quais as externalidades positivas e negativas
conforme o papel econômico/regional que cada rede desempenha na relação entre
seus nós? Considera-se que daí advém o elo para conectar a PNDU com a PNDR na
198 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
FIGURA 8
Relação e situação de agentes e território
“Estado” (governo local) Firmas
Território
Situação Situação
fiscal financeira
Situação
da rede
Situação
social
Famílias
Elaboração do autor.
FIGURA 9
Saneamento, energia e rede urbana sustentável na relação agentes e território
“Estado” (governo local) Firmas
Território
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Elaboração do autor.
FIGURA 10
Fluxos da visão territorial na relação agentes e território
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“Visão” Territorial
Famílias
Elaboração do autor.
Constata-se que se avançou do urbano mais básico para uma rede urbana e
de influência, ainda muito centrada no urbano e nas relações de rede por ele dire-
tamente geradas com base na ótica christalleriana de busca por serviços e produtos
ou deslocamento para o trabalho. Também já foram incluídas no último passo, as
cadeias de comando (estatal e empresarial) que podem ser vistas como um início de
transição da ótica da urbana para a regional (econômica). A última “extensão”
de temas (figura 10) continua nessa direção, incluindo a compreensão do fluxo de
cargas interno e externo (importação e exportação) pelas firmas, a comunicação
geral e fluxo também de cargas dos correios pelo Estado, e os fluxos de deslo-
camento gerais da população por motivos além dos já focados. Apesar de já ter
perdido a relação sempre tripartite que permeia até a rede urbana sustentável, até
aqui ainda se tratam de relações eminentemente territoriais, mas é possível avançar
para incluir como economicamente são financiadas essas atuações dos agentes na
transformação do território.
O Estado pode se autofinanciar por meio de transferências e financiamentos
entre governo central e locais, as firmas por meio de si mesmas e seus bancos, e as
famílias de forma direta pelas vias solidárias e alternativas de bancos locais e populares.
Entre os agentes o Estado tributa e, com isso, financia e fomenta as firmas por um
lado e tributa e transfere para as famílias por outro. Na relação das firmas (bancos e
instituições financeiras) com as famílias, enquanto os bancos lucram, as famílias se
financiam, podendo se endividar.
202 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
FIGURA 11
Do desenvolvimento urbano ao regional na relação agentes e território
“Estado” (governo local) Firmas
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Desenvolvimento Regional
Famílias
Elaboração do autor.
de estratos. Por sua vez as famílias além da essencial distinção de classes,3 por seu
perfil racial/étnico, de gênero, etário, de domicílio (rural ou urbano) ou mesmo
cultural, podem estar submetidos a determinadas vulnerabilidades.
A partir de todo esse constructo, a tipologia de rede poderia incluir análise de
sua variação em tamanho e complexificação, além de usar os critérios topológicos
de grafo das relações de centralidade e atratividade apontado de forma geral sua
macrocefalia, saltos hierárquicos, bem como comparando realidade com os tipos
ideais trazidos da literatura. Além disso caberia distinguir as idiossincrasias regionais
para além das hierárquicas de cada subsistema.
3. Santos (2004, p. 359) é explícito ao considerar a classe média como o elo entre os circuitos.
204 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
REFERÊNCIAS
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Ilhéus, Bahia. Anais… 2016.
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reflexão. In: BITOUN, J.; MIRANDA, L. (Org.). Desenvolvimento e cidades
no Brasil: contribuição para o debate sobre políticas territoriais. Recife: FASE;
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metropolitanos e no mundo do trabalho no Brasil. Cadernos Metrópole, v. 19,
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Territorial – PNOT (versão preliminar). Brasília: MI, 2006.
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CORRÊA, R. L. A rede urbana. São Paulo: Ática, 1989.
206 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
ABLAS, L. A. de Q. A teoria do lugar central: bases teóricas e evidências empíricas –
estudo de caso de São Paulo. São Paulo: IPE/USP, 1982.
CAPÍTULO 8
1 INTRODUÇÃO
Em meio à ampla e diversa literatura sobre economia urbana e regional das últimas
décadas, duas importantes noções ganharam espaço: as críticas aos modelos baseados
em estruturas espaciais monocêntricas, considerados cada vez mais defasados para
explicar a estrutura econômica no espaço; e o reconhecimento de que a compreensão
das unidades espaciais não se restringe às suas delimitações político-administrativas.
Em contraste à abordagem monocêntrica,3 desponta a ideia de policentrismo,4
em que a primazia de um centro no espaço passa a ser disputada, e mesmo compar-
tilhada, com outros núcleos, seja no nível intraurbano, seja no nível intrarregional,
de modo que a organização das atividades e sua articulação espacial se tornam mais
complexas e multifacetadas.
No que tange ao extravasamento dos limites cartográficos tradicionais, há que
se ressaltar a necessidade de considerar os vínculos funcionais dos centros urbanos
com seus respectivos territórios adjacentes. Nesse sentido, constructos teóricos
como cidade-região, mercado de trabalho local e região funcional (RF) têm povoado
os estudos que visam enfatizar tais vínculos.
Na interseção entre esses elementos há a possibilidade de caracterizar o poli-
centrismo em sua dimensão relacional (ou funcional), explorada neste capítulo. Em
uma sociedade de fluxos, afinal, é cada vez mais importante não limitar a análise
de tal fenômeno ao seu aspecto estrutural/morfológico.
5. Nota do organizador: os Odus foram definidos no processo de construção da proposta da PNDU, que vinha sendo
conduzida no Ministério de Desenvolvimento Regional (MDR), durante a gestão 2019-2022.
Policentralidade nos Grandes Aglomerados Urbanos Brasileiros entre 1980 e 2010 | 211
6. As informações a respeito da população e do PIB foram obtidas do Ipeadata. Disponível em: <http://www.ipeadata.
gov.br/Default.aspx>.
212 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
descrito por Diniz (1993) –, pouca atenção tem se destinado a averiguar em que
medida ele se traduziu em uma configuração urbana mais ou menos policêntrica
no nível regional, especialmente no que tange à sua dimensão funcional.
Garcia e Simões (2013) propõem uma metodologia para identificar centros
urbanos que possam potencializar o desenvolvimento econômico no território,
em direção a um maior policentrismo da hierarquia urbana nacional e regional.
Os autores enfatizam indicadores morfológicos, isto é, que retratam característi-
cas dos municípios tomados individualmente, mas também adicionam à análise
indicadores funcionais, ou seja, de fluxo intermunicipal, como os movimentos
pendulares e de emigração. Tal trabalho, entretanto, não permite averiguar em que
medida esse policentrismo já é ou não uma realidade do tecido urbano do país,
tampouco possibilita comparações entre os diferentes sistemas urbanos regionais.
Pessoa (2011), por outro lado, elabora uma tipologia de sistemas urbanos
brasileiros, enquadrando-os em três possíveis casos de policentrismo, a depender do
porte urbano associado ao fenômeno: região de cidades-médias, região metropolitana
e região intermetropolitana. Os critérios utilizados para classificar um caso como
policêntrico não são claros, mas a desconcentração da distribuição demográfica
é um ponto que ancora a constatação feita pela autora de que o policentrismo é
uma tendência no país – constatação esta que não permite qualificação quanto a
períodos e regiões específicas, tampouco quanto ao caráter funcional dessas relações.
Apesar de a desconcentração populacional e da econômica serem, em
grande medida, reflexo de um processo de transição de estruturas monocêntri-
cas para policêntricas, não se pode tratar aquela como condição suficiente para
caracterizar esta. Cidades-dormitório, por exemplo, podem aglomerar grandes
contingentes populacionais nas vicinalidades de grandes centros urbanos, mas
dificilmente essa situação significa um movimento em direção ao policentrismo,
dado o caráter eminentemente subordinado com que essas localidades se inserem
na estrutura urbana regional.
Como esta análise se dará sobre o recorte das 26 maiores regiões funcionais
brasileiras, cabe destacar que essas representam territórios caracterizados pela
intensidade interna dos fluxos pendulares, além de serem marcadas pela presença
de grandes centros urbanos que as polarizam economicamente. Tais constatações
demandam análises que possibilitem compreender as dimensões desse segundo
fenômeno levando em consideração o primeiro. Metodologicamente, isso implica
mensurar a capacidade de atração de fluxos pendulares e a centralidade de cada
um dos municípios que compõem as redes de fluxos das regiões funcionais, bem
como obter tais medidas agregadas no nível de cada rede.
É importante salientar que a policentricidade é um fenômeno espacial mul-
tiescalar, isto é, a observação de sua validade empírica depende da escala geográfica
Policentralidade nos Grandes Aglomerados Urbanos Brasileiros entre 1980 e 2010 | 213
em análise. Desse modo, ela pode ser objeto de interesse tanto no nível intraurbano
quanto de uma região metropolitana, ou mesmo de uma região maior, delimitada
segundo outros critérios. No presente caso, o objeto de análise – a RF – é definido
de antemão, de modo que as conclusões e os resultados oriundos dessa definição de
unidade de análise se restringem à sua adoção. A ideia, assim, é a de verificar em
que medida a policentricidade é um fenômeno pertinente às regiões funcionais
brasileiras e como estas podem ser diferenciadas em relação a tal aspecto.
Outro sentido em que é necessária uma pormenorização da policentricidade
diz respeito à distinção entre seus perfis morfológico e funcional. Enquanto em sua
dimensão morfológica a avaliação se dá em termos dos atributos dos municípios
da rede, no quesito funcional o interesse está nas conexões existentes entre estes –
como é o caso neste trabalho, em que tais vínculos são dados pelos movimentos
pendulares entre os municípios que compõem a RF.
3 METODOLOGIA
A abordagem metodológica se divide em duas etapas. Inicialmente são utilizados
métodos que visam mensurar a centralidade dos nós, no caso, municípios, da
rede urbana de cada RF, a fim de dimensionar suas respectivas preponderâncias
em termos de fluxos pendulares. Em seguida, o policentrismo de cada região será
mensurado em duas dimensões: a importância relativa do centro principal vis-à-vis
o centro secundário; e o grau de centralização de sua estrutura geral de fluxos, dada
pelas medidas de centralização de redes.
3.1.1 In-degree
O degree representa o número de conexões (fluxos pendulares) que cada município
tem com outros municípios da rede, sem distinguir os fluxos por suas direções.
Para tanto, tal indicador pode ser desdobrado em in-degree e out-degree, que men-
suram, respectivamente, o número de fluxos que um município recebe e envia.
Como o interesse primário é mensurar a centralidade de um município em termos
de sua preponderância na rede de sua RF, o in-degree é mais adequado, por repre-
sentar o poder de atração de fluxos de um dado elemento dessa rede. Assim, quanto
214 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
mais elevado for seu valor na estatística, maior a sua capacidade de polarização dos
fluxos pendulares da RF. O in-degree de um município pode ser expresso por
. (1)
Em que representa a quantidade de conexões da rede direcionadas
para o município . Cabe destacar que as conexões, neste caso, são ponderadas
pela dimensão dos fluxos relativos à população do município.
3.1.2 Eigenvector
Tal medida consiste em mensurar o prestígio (influência) do nó que, neste caso,
corresponde ao município. Em tal abordagem, a influência é dada pelas conexões
de uma municipalidade com outras localidades bem conectadas – isto é, os mais
influentes são aqueles que se conectam a outros locais que possuem um elevado
número de conexões.
Definindo-se como a medida de prestígio do município i e tomando-se
a i-ésima coluna da matriz de adjacências da rede – em que constam os municípios
cujos fluxos se direcionam ao município i –, multiplicam-se os valores dessa coluna
pelo prestígio dos demais municípios da rede, de modo a obter uma combinação
linear para mensurar o prestígio de i.
PR (ni ) = x1i PR (n1 ) + x2i PR (n2 ) + ⋯ + xgi PR (ng). (2)
Assim, se o município n2 for escolhido por e , de modo que
e as demais entradas na segunda coluna da matriz de adjacências sejam zero,
então o valor do prestígio para tal ator é dado por , isto
é, a soma do prestígio dos atores que se conectam a ele.
Com isso, existirão equações (2) interdependentes, formando um sistema
com incógnitas. Definindo-se a matriz de adjacências como X e o conjunto de
índices de prestígio como um vetor = ( ), ( ),… , , o sistema
de equações pode ser escrito como
. (3)
Rearranjando os termos de modo que , sendo I uma matriz
identidade de dimensão g, e p e 0 vetores de comprimento g, tem-se uma equação
característica, em que p é um autovetor (eigenvector) de associado ao maior
autovalor (eigenvalue) normalizado, que assume valor 1.
Uma maneira de solucionar esse sistema é através de uma padronização
em , de modo que o somatório de cada coluna seja 1. O maior autovalor dessa
matriz assumirá o valor de 1, e o autovetor p a ele associado conterá os índices de
prestígio dos nós da rede.
Policentralidade nos Grandes Aglomerados Urbanos Brasileiros entre 1980 e 2010 | 215
. (4)
Dessa maneira, o nó mais bem conectado da rede (em termos de influência,
isto é, de conexão com outros nós bem conectados) apresentará uma centralidade
do eigenvector de valor 1, enquanto os demais nós apresentarão valores inferiores
a esse limite.
, (5)
em que RC representa a razão de centralidades; é a medida de centralidade g
(in-degree ou eigenvector) para o município i no período t, sendo i o município de
maior centralidade da RF; e é a medida de centralidade g para o município j
no período t, sendo j o segundo município de maior centralidade da RF.
Ao verificar se tal razão aumentou ou diminuiu ao longo do tempo, pode-se ter
uma ideia se houve um afastamento ou uma aproximação de um modelo policêntrico.
Caso o valor da razão aumente (diminua), tem-se que o centro principal ganhou
(perdeu) poder de atração em relação ao centro secundário (muito embora este não
necessariamente seja o mesmo ao longo do tempo). Além disso, tal métrica permite
comparar as regiões funcionais em termos de suas policentricidades.
A segunda maneira de se mensurar o grau em que uma dada RF é mais ou
menos monocêntrica será através das denominadas medidas de centralização de redes.
Essas visam atestar a dimensão em que uma dada rede é organizada ao redor de um
ou de poucos nós, isto é, quão centralizada é sua estrutura. A centralização pode
ser aos indicadores de centralidade anteriormente descritos e, segundo Wasserman
e Faust (1994), sua forma geral pode ser expressa por
, (6)
Tal medida é normalizada pelo máximo teórico da centralização daquela rede, dada
pelo valor que a soma dos desvios assumiria caso apenas um município central fosse o
destino de todos os fluxos dos demais n-1 municípios da rede. Quanto maior for ,
mais centralizada é a rede, de onde se depreende que ela também é mais monocêntrica.
Embora não sejam sinônimos exatos, modelos monocêntricos tendem a ser,
por sua própria natureza, mais concentradores de fluxos, uma vez que sua dinâ-
mica econômica está mais associada a um único centro. Neste caso, a medida de
centralização que será considerada a principal para análise do caráter monocêntrico
das regiões funcionais será o in-degree, ao passo que o eigenvector será interpretado
como medida complementar. A escolha pelo in-degree se dá pelo fato de ser a medida
mais comumente utilizada para mensurar o poder de atração de fluxos dentro da
rede, aproximando-se da ideia de monocentricidade funcional.
7. O Censo 1991 não permite identificar os movimentos pendulares, pois seu questionário não possuía campo abran-
gendo a cidade de trabalho do indivíduo recenseado.
8. Art. 6o, inciso XXXIV da Constituição Federal; e art. 403 da Consolidação das Leis do Trabalho.
9. Para uma discussão em relação ao conceito de pendularidade, ver Moura, Branco e Firkowski (2005).
Policentralidade nos Grandes Aglomerados Urbanos Brasileiros entre 1980 e 2010 | 217
MAPA 1
Distribuição das RFs para as grandes concentrações urbanas, contrastadas com os
arranjos populacionais do IBGE (2010)
4 RESULTADOS
Calculados os indicadores de centralidade para cada município em cada RF,
procede-se inicialmente com o cálculo da razão entre a centralidade do município
mais preponderante da rede de cada região e a segunda maior centralidade desta.
Tal indicador visa observar se houve alguma aproximação entre a capacidade
de atrair fluxos dos principais municípios da RF, o que indicaria movimento de
caráter policêntrico.
As estatísticas obtidas para tais razões são apresentadas na tabela 1, na qual
constam as informações referentes a cada ano para as duas medidas de centralidade
ora utilizadas, in-degree e eigenvector.
Policentralidade nos Grandes Aglomerados Urbanos Brasileiros entre 1980 e 2010 | 219
TABELA 1
Estatísticas da razão entre a primeira e a segunda maior centralidade
In-degree Eigenvector
1980 2000 2010 1980 2000 2010
Observações 1
25 24 23 26 24 23
Mínimo 1,040 1,141 1,058 1,027 1,189 1,298
Máximo 42,700 36,333 22,258 23,102 24,714 16,410
1o quartil 1,944 2,188 1,623 3,553 2,993 2,702
3 quartil
o
10,035 9,452 5,049 10,222 9,151 6,111
Média 8,078 8,283 5,090 6,937 6,388 5,196
Mediana 6,196 6,087 3,063 5,103 4,487 3,642
Variância 83,524 88,203 34,314 30,213 27,065 16,564
TABELA 2
Estatísticas das medidas de centralização
In-degree Eigenvector
1980 2000 2010 1980 2000 2010
Observações 26 24 23 26 24 23
Mínimo 0,012 0,013 0,032 0,891 0,899 0,903
Máximo 0,649 0,411 0,507 0,997 0,998 0,992
1 quartil
o
0,032 0,040 0,055 0,954 0,952 0,952
3o quartil 0,088 0,127 0,147 0,980 0,977 0,973
Média 0,099 0,110 0,128 0,963 0,963 0,960
Mediana 0,053 0,075 0,095 0,968 0,973 0,964
Variância 0,018 0,010 0,012 0,001 0,001 0,000
era de 0,291, neste era de 0,306. Já em 2000 o valor da estatística foi menor,
de 0,192, o que a colocava, então, em quarto lugar. Logo, da mesma forma que
para São Paulo, a RF de Curitiba reduziu sua monocentricidade entre 1980 e 2000,
mas voltou a incrementá-la entre 2000 e 2010. Diferentemente daquele caso, a
RF tornou-se mais monocêntrica em 2010 do que era em 1980.
Complementavam a lista de RFs de maior centralização do in-degree Brasília,
Belo Horizonte e Rio de Janeiro. No caso da capital nacional, houve expressivo
aumento da estatística de 1980 para 2000, quando passou de 0,053 para 0,362, o
que fez a RF avançar de 13a para a segunda mais centralizada no período. Em 2010,
com a redução da centralização para 0,269, a RF passa a ser a terceira mais mono-
cêntrica sob tal métrica. Belo Horizonte incorre em movimentos similares, mas me-
nos intensos: sua centralização cresce de 0,145 para 0,199 entre 1980 e 2000, de-
pois diminui para 0,147 em 2010. Esses valores situavam a capital mineira como a
quarta mais monocêntrica nos dois primeiros períodos e a sexta no último período.
Por fim, a RF do Rio de Janeiro observou considerável redução no tempo, de-
caindo de 0,289 em 1980, para 0,206 em 2000, e 0,186 em 2010, valor este que
equivalia a 64,6% do observado no primeiro período. Tal redução é a segunda
mais intensa entre as RFs, ficando atrás apenas do caso da RF de Vitória, cuja
centralização em 2010 equivalia a 59,4% da observada em 1980.
As RFs de menor centralização geral do in-degree, por sua vez, foram São
Luís, Teresina e Manaus. As três tenderam a apresentar crescimento ao longo do
tempo, mas não o suficiente para alterar suas posições relativas dentro das RFs
consideradas. São Luís, por exemplo, que apresentava a menor centralização em
2010, com 0,032, teve um incremento bastante tímido em relação a 1980, quando
tal valor era de 0,030. No caso de Teresina, a centralização nesse mesmo período
passou de 0,014 para 0,037. Já em Manaus, a mudança foi de 0,013, em 2000,
para 0,041, em 2010 (não foi possível calcular a centralização da RF para 1980
por possuir apenas dois municípios).
O panorama dessa estatística revela que, para os dois principais centros na-
cionais (São Paulo e Rio de Janeiro), ocorreu um movimento de amenização da
centralização entre 1980 e 2010, o que sugere redução de suas forças monocêntricas.
Por outro lado, os comportamentos tendem a ser diferentes para os demais centros,
onde, na maior parte dos casos (dezenove das 23 RFs de 2010), ocorreu um aumento da
centralização do in-degree no período, em linha com a elevação na média da estatística.
A centralização do eigenvector, por sua vez, apresenta pouca variação de
seu valor médio ao longo do tempo, concomitantemente a uma leve redução da
dispersão dessa métrica, o que se observa tanto pela aproximação entre os valores
máximo e mínimo quanto pela diminuição da variância. A menor dispersão indica
haver aumento da similaridade entre as RFs no que diz respeito à maneira como
222 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pela ótica da estrutura de fluxos pendulares, o fenômeno da monocentricidade,
em termos funcionais, pode apresentar diferentes dimensões, com a capacidade
de atração de fluxos (mensurada pelo in-degree) sendo a mais objetiva, mas com-
plementada pela distribuição da influência na rede (eigenvector).
Utilizando inicialmente as medidas de centralidade segundo esses dois cri-
térios, as razões entre o primeiro e o segundo maior valor dessas estatísticas entre
os municípios de cada RF revelam uma tendência de redução, o que indica uma
possível redução do caráter monocêntrico das RFs, na medida em que se estreitam
as forças de polarização dos fluxos pendulares entre os grandes núcleos urbanos e
os centros secundários de cada região.
Já as medidas de centralização, especialmente do in-degree, indicam um mo-
vimento diverso, revelando que as redes de fluxos pendulares intermunicipais das
RFs se tornaram mais centralizadas ao longo do tempo, isto é, a estrutura de tais
movimentos passou a estar mais associada a um ou a poucos centros urbanos da
região. Embora isso não implique intensificação de seu perfil monocêntrico, tal
resultado, em conjunto com o observado para as razões das medidas de centrali-
dade, sugere um movimento mais intrincado. Nesse caso, tendências policêntricas
ocorrem em conjugação com uma maior concentração dos movimentos pendulares
através do ganho de força polarizadora de centros secundários, em detrimento não
do centro principal, mas, sim, dos demais municípios da região.
Contudo, cabe ressaltar que, nesse ínterim, esses movimentos não são unívocos
para todas as RFs, dada a existência de comportamentos que caminham em sen-
tido contrário à média. Assim, em última instância, eventuais mudanças no perfil
monocêntrico das RFs devem ser atestadas no nível individual. A heterogeneidade
dessas regiões, cujas estruturas dos fluxos pendulares apresentam movimentos
distintos e idiossincráticos, repele a tentativa de abordagens homogeneizantes.
Nesse sentido, por meio das estatísticas de centralização, evidenciou-se,
por exemplo, a proeminência de São Paulo, principalmente através do in-degree,
de modo que a sua RF pode ser considerada a mais monocêntrica do país em
todo o período. Apesar disso, a intensidade dessa monocentricidade se reduziu
entre 1980 e 2010 (mas se elevou entre 2000 e 2010). Após São Paulo, as RFs
mais monocêntricas foram Curitiba, Brasília, Belo Horizonte e Rio de Janeiro.
Do corpo de resultados obtidos, pode-se apontar que, apesar de haver um
possível movimento em direção ao policentrismo, esse deve ser qualificado quanto ao
seu caráter concentrador. Além disso, as principais RFs do país ainda se apresentam
marcadamente monocêntricas. Embora em diversas instâncias essa característica
tenha se amenizado entre 1980 e 2010, é importante ressaltar que entre 2000 e
224 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
REFERÊNCIAS
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model in a polycentric age: US metropolitan areas in 1990, 2000 and 2010.
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BATTY, M. Polynucleated urban landscapes. Urban Studies, v. 38, n. 4,
p. 635-655, 2001.
CANO, W. Concentração e desconcentração econômica regional no Brasil: 1970/95.
Economia e Sociedade, Campinas, v. 8, p. 101-141, jun. 1997.
Policentralidade nos Grandes Aglomerados Urbanos Brasileiros entre 1980 e 2010 | 225
APÊNDICE A
TABELA A.1
Medidas de centralização das regiões funcionais
In-degree Eigenvector
Período
1980 2000 2010 1980 2000 2010
Manaus NA 0,013 0,041 NA 0,951 0,935
Belém 0,036 0,039 0,056 0,984 0,986 0,978
São Luís 0,030 0,030 0,032 0,965 0,992 0,992
Teresina 0,014 0,040 0,037 0,995 0,979 0,985
Fortaleza 0,028 0,094 0,125 0,977 0,952 0,947
Natal 0,060 0,144 0,087 0,959 0,948 0,977
Recife 0,086 0,059 0,113 0,975 0,976 0,971
João Pessoa 0,039 0,094 NA 0,980 0,974 NA
Maceió 0,026 0,064 0,095 0,977 0,972 0,964
Aracaju 0,046 0,094 0,131 0,957 0,973 0,968
Salvador 0,032 0,027 0,049 0,960 0,979 0,960
Belo Horizonte 0,145 0,199 0,147 0,964 0,960 0,976
Vitória 0,077 0,039 0,046 0,968 0,978 0,976
Rio de Janeiro 0,289 0,206 0,186 0,935 0,931 0,948
São Paulo 0,649 0,411 0,507 0,891 0,903 0,903
Campinas 0,041 0,046 0,068 0,984 0,976 0,964
São José dos Campos 0,052 0,068 0,101 0,924 0,952 0,929
Sorocaba 0,099 NA NA 0,954 NA NA
Curitiba 0,291 0,192 0,306 0,932 0,965 0,957
Santos 0,106 NA NA 0,951 NA NA
Florianópolis 0,085 0,122 0,083 0,973 0,954 0,964
Porto Alegre 0,088 0,119 0,147 0,983 0,969 0,962
Campo Grande 0,012 0,014 0,054 0,997 0,998 0,960
Cuiabá 0,070 0,056 0,086 0,977 0,977 0,967
Goiânia 0,029 0,115 0,178 0,991 0,973 0,969
Brasília 0,053 0,362 0,269 0,926 0,899 0,938
1C
OMO O DESENHO FEDERATIVO BRASILEIRO IMPORTA PARA O
DESENVOLVIMENTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
Soares e Machado (2018) fazem um resgate do que é federalismo e seu desen-
volvimento ao longo do tempo. Os autores iniciam o debate pela etimologia do
termo, com origem no latim foedus, que significa pacto ou contrato. O cientista
político Daniel Elazar, em sua obra clássica Exploring Federalism, de 1987, chega
ao mesmo ponto de debate acerca da acepção original do vocábulo. A ideia que
plasma o conceito de federalismo relaciona-se fortemente à questão da autonomia
política e administrativa das partes que compõem o todo.
O Brasil é uma federação desde a Proclamação da República, em 1889. To-
davia, o modelo de organização do Estado variou de formato desde períodos mais
centralizadores (como na era Vargas e na ditadura civil-militar) até períodos em
que se conferiu maior autonomia aos entes subnacionais (como o que vai de 1946
a 1964 e pós-1988). Conforme aponta Abrucio (2005, p. 42), a história federativa
brasileira foi marcada por sérios desequilíbrios entre os níveis de governo. No pe-
ríodo inicial, na República Velha, predominou um modelo centrífugo, em que os
estados tinham ampla autonomia, pouca cooperação entre si e um governo federal
bastante fraco. Nos anos Vargas, o Estado nacional fortaleceu-se, mas os governos
estaduais, particularmente no Estado Novo, perderam a autonomia. Segundo o
autor, o espaço temporal entre 1946 e 1964 foi o primeiro momento de maior
equilíbrio em nossa Federação, tanto do ponto de vista da relação entre as esferas
de poder como da prática democrática. Contudo, o golpe militar acabou com esse
padrão e, por cerca de vinte anos, manteve um modelo autoritário com grande
centralização política, administrativa e financeira.
A Constituição Federal de 1988 (CF/1988) remodelou o sistema federativo
brasileiro, reconhecendo, para além da União e dos estados (entes presentes em
praticamente todas as federações), a figura do terceiro ente federado: o município.
Além disso, outras duas marcas caracterizam o modelo proposto pela CF/1988, a
saber, o processo descentralizador e o amplo conjunto de direitos sociais assegurado
a todos os cidadãos brasileiros. A análise elaborada por Abrucio (2005) também
aponta que a redemocratização do país marcou um novo momento no federalismo.
As elites regionais, particularmente a figura dos governadores, foram fundamentais
para o desfecho da transição democrática – desde as eleições estaduais de 1982,
passando pela vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral (ele próprio, não
coincidentemente, um governador de estado), até chegar à Nova República e à
Constituinte. Além disso, segundo o autor, lideranças de discurso municipalista
associavam o tema da descentralização à democracia e também participaram ati-
vamente na formulação de diversos pontos da CF/1988.
É interessante observar que os demais entes (estados e municípios) passa-
ram a assumir maiores responsabilidades sobre o desenvolvimento das políticas
públicas a partir da CF/1988. Desse modo, não apenas se desconcentraram as
tarefas que eram da União para os entes subnacionais, mas também se descentra-
lizaram essas responsabilidades, quer dizer, criaram-se centros com competência
decisória sobre as políticas públicas, e não meros braços executores de atividades.
A diferença entre desconcentração e descentralização e, principalmente, a opção
por seguir na via da descentralização definiram todo o debate realizado desde
então sobre o federalismo, o que traz implicações para este estudo de apoio à
elaboração da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU).
Apesar da grande aceitação acadêmica da tese defendida por Abrucio (1998) – de
que a Constituição teria sido o resultado de um grande pacto de políticos localmente
influentes e de que, por isso, ela teria assumido contornos mais em prol da descentra-
lização –, estudos mais contemporâneos problematizam tal posição. Segundo Arretche
(2012), a CF/1988 já continha traços centralizadores que, ao longo do tempo, foram
tomando contornos mais perceptíveis. O principal argumento dessa tese está baseado
no fato de que a União centraliza a autoridade legislativa sobre a maioria das políticas
públicas e a maior parte dos recursos arrecadados. Esse arranjo, segundo a autora, não
proporcionou aos estados e aos municípios nenhum mecanismo de veto às decisões
da União. Conforme Liziero e Alcântara (2020), essa característica teria levado à crise
Federalismo e Relações Intergovernamentais no Brasil: notas para a construção | 231
da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
dos estados nos anos 1990, o que fomentou as diversas reformas que centralizaram
ainda mais a Federação brasileira, principalmente no que diz respeito às competências
decisórias e de alocação de recursos.
O principal argumento de Arretche (2012) é o de que os constituintes
formularam um modelo de Federação que concedeu vasta autoridade à União,
mas esparsas possibilidades de veto por parte dos governos subnacionais. Mais do
que isso, a partir da análise dos convênios firmados entre a União e os consórcios
intermunicipais que ocorreram entre 1996 e 2018, Lui, Schabbach e Nora (2020)
apontam para o fato de que os entes subnacionais tentam enquadrar as demandas
locais nas políticas ou nos programas federais já existentes a fim de garantir o re-
passe dos recursos. Assim, no quadro atual, tendo em vista que a União é a maior
detentora de recursos financeiros, os repasses ficam condicionados principalmente
às agendas das políticas propostas por esse nível de governo. Desse modo, a Fede-
ração brasileira apresentaria um caráter pendular, ora oferecendo a possibilidade
de autonomia dos entes subnacionais, ora concentrando recursos e a pauta sobre
as políticas públicas.
6. Dados provenientes da base Finanças do Brasil (Finbra) e disponíveis na plataforma Sistema de Informações Contábeis
e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), da Secretaria do Tesouro Nacional (STN). Para fins de comparação, consi-
deramos apenas os municípios comuns aos anos de 2013, 2015 e 2018 (5.306 dos 5.570 municípios brasileiros) que
estão presentes na base Finbra, uma vez que esta não contempla o total de municípios brasileiros para todos os anos.
234 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
22,2% em 2015, porém voltaram para 21,7% em 2018, o que mostra também a
importância de outras fontes para os municípios (tabela 1).
TABELA 1
Indicadores selecionados de finanças públicas – Brasil
Receitas 2013 (R$) 2015 (R$) 2018 (R$)
Receita total 457.051.765.942,67 537.868.195.476,12 650.750.162.234,46
Transferência total 322.767.866.061,27 364.694.763.927,73 447.476.604.105,52
FPM 70.347.836.107,39 80.895.103.222,46 97.110.152.716,05
Receitas 2013 (%) 2015 (%) 2018 (%)
Transferência total/receita total 70,62 67,80 68,76
FPM/receita total 15,39 15,04 14,92
FPM/transferência total 21,80 22,18 21,70
7. Importante apontar que o conceito direito à cidade não foi registrado no documento oficial e que ele foi substituído
por direito a cidades sustentáveis.
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escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
Desse modo, caso ela se mostre inadequada ao contexto local, poderá ser reajustada
e monitorada novamente. Como é impossível, do ponto de vista da União, estar
no dia a dia dos municípios, essa tarefa deve ficar a cargo dos atores locais.
O conceito de coprodução de serviços públicos (CSP) existe há muitas décadas
na academia internacional, como mostra o trabalho de Whitaker (1980) e de Gomes
e Moura (2018), porém, nos últimos anos, esse debate ganhou força e relevância
dentro da academia e voltou a ser utilizado. Para Ribeiro, Andion e Burigo (2015),
a coprodução está associada ao compartilhamento de poderes e responsabilidades
entre agentes públicos e cidadãos na produção de bens e serviços públicos. Desse
modo, ela ocorre quando o Estado não está sozinho na tarefa de planejar e executar
a entrega dos serviços à sociedade, de modo que divide essa responsabilidade com
organizações do setor privado, do terceiro setor ou de ambos, simultaneamente.
O conceito de CSP tem sido aplicado a diversos estudos produzidos em
âmbito nacional (Rêgo, Teixeira e Silva, 2019; Gomes e Moura, 2018; Coutinho
et al., 2019; Reis e Isidro-Filho, 2020; Rocha et al., 2019; Rodrigues et al., 2020).
Nessas análises preliminares, verifica-se que as experiências, mesmo que incipien-
tes, demonstram potencial para promover melhorias na forma como as políticas
públicas são desenvolvidas nos contextos locais.
Há, de forma geral, três tipos de coprodução, conforme aponta a literatura.
O primeiro tipo refere-se ao que Rodrigues et al. (2020) chamam de consumer
co-production, ou seja, coprodução voltada ao usuário; nesse caso, o objetivo
da coprodução estaria ligado à melhoria da qualidade e ao impacto do serviço
público já existente. O segundo tipo seria algo mais voltado ao que se chama de
participative co-production, ou seja, coprodução participativa; nela, o objetivo seria
melhorar o planejamento dos serviços públicos existentes através do envolvimento
dos cidadãos. Por fim, o terceiro tipo de coprodução é a enhanced co-production,
ou seja, coprodução melhorada, cujo objetivo seria trazer a experiência do usuário
a fim de combinar o planejamento participativo, gerar novas abordagens para os
serviços públicos e, com isso, produzir inovação.
Esses tipos de coprodução podem ser aplicados à implementação dos objetivos
da NAU entre os entes municipais. Do ponto de vista da União, não se podem
prever todos os tipos de situações, demandas e questões que afetam as cidades atu-
almente. O que pode ser realizado, de fato, é a criação de ambiente institucional
que garanta e promova a concertação entre movimentos sociais, atores privados e
agentes públicos, de modo a possibilitar a troca de ideias e o controle da sociedade
civil sobre as ações do Estado.
Em relação às formas de participação e controle social, considerados elemen-
tos fundamentais para a prática da coprodução e também presentes na NAU, a
realidade brasileira mostra que ainda há um imenso caminho a ser percorrido. No
238 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
8. Em relação aos estudos sobre burocracia municipal, ver Nota Técnica no 1.2 (Funari, Lui e Ferreira Junior, 2020).
Federalismo e Relações Intergovernamentais no Brasil: notas para a construção | 241
da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
legal. Segundo os autores, eles representam uma das formas recentes de cooperação
intergovernamental para a implementação de políticas públicas. Quando envol-
vem transferências voluntárias de recursos financeiros, os repasses são, em geral,
liberados após o envio de projetos pelos proponentes e a sua posterior aprovação,
com a exigência de que a execução financeira seja adequada ao objeto e ao plano
de trabalho. As transferências voluntárias não são reguladas por previsão legal que
padronize o volume ou a proporcionalidade de recursos passíveis de serem alocados
aos governos subnacionais, o que atribui autonomia ou discricionariedade à esfera
de governo concedente (Franzese, 2006; Moutinho, 2016).
É preciso observar que a prática não é exclusiva da Federação brasileira. Na lite-
ratura norte-americana sobre o tema, esse fenômeno é chamado de pork barrel – numa
tradução mais livre, significa trazer o porco para casa. Trata-se de metáfora para se
referir à apropriação de recursos do governo central para projetos localizados, garan-
tidos única e exclusivamente para trazer dinheiro ao reduto eleitoral do parlamentar
que destina a verba. Logo, representa controle legislativo sobre os projetos regionais
e sobre os recursos federais.
Conforme apontado pela literatura, há um viés alocativo que pode ser atribu-
ído às alianças dos governos locais com a União no que se refere às transferências
voluntárias federais para os entes subnacionais. Em outras palavras, o governo federal
distribui mais recursos para regiões governadas por aliados político-partidários e
menos para aquelas governadas pela oposição (Moutinho, 2016; Meireles, 2019).
Existe uma premissa dentro desses estudos de que a escolha de onde alocar verbas
se transforma em uma decisão de investimento eleitoral para a coalizão de partidos
do governo central. Em contrapartida, espera-se que os governantes subnacionais
retribuam, na forma de apoio eleitoral, os recursos recebidos anteriormente.
Além disso, segundo a análise de Meireles (2019), o alinhamento partidário
ao governo federal produz aumento da solicitação de recursos, seguido da sua
posterior distribuição. Esse dado mostra que as burocracias partidárias e as rela-
ções políticas estabelecidas entre os agentes municipais e os da União importam
tanto para o acesso aos órgãos federais que distribuem recursos quanto para a
distribuição em si. Do lado oposto, é interessante que os agentes políticos situados
no Legislativo e no Executivo federais (leia-se ministros, deputados e senadores)
acolham, tendo em vista o apoio político futuro, as demandas por verbas e políticas
públicas oriundas de suas bases eleitorais, o que pode ocorrer na forma de emendas
parlamentares, recursos orçamentários ou transferências voluntárias (Baião, 2016;
Baião e Couto, 2017).
Grande parte dos recursos discricionários no Brasil é distribuída por meio de trans-
ferências voluntárias da União (TVU), que são solicitadas pelos governos subna-
cionais por meio de propostas e planos de investimentos detalhados. Isso cria um
Federalismo e Relações Intergovernamentais no Brasil: notas para a construção | 243
da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano
identificou-se que a União, por intermédio de seus fundos (como o Fundo Nacional
de Saúde) e de alguns ministérios (Ministério da Integração Nacional, Ministério
do Meio Ambiente e Ministério da Agricultura), consegue estimular a proposição
de projetos dos consórcios públicos através de incentivos legais, como a Política
Nacional de Resíduos Sólidos, que institui que os municípios consorciados terão
prioridade no repasse dos recursos nessa área (Lui, Schabbach e Nora, 2020).
Nesse sentido, é consenso o fato de que os consórcios possibilitam aos municí-
pios (principalmente os menores, com baixa capacidade estatal instalada) alcançarem
um conjunto de produtos e serviços que, sozinhos, não teriam condições. Por isso,
entende-se que essas organizações representam um avanço na implementação do
federalismo cooperativo no Brasil.
Esse conjunto de reflexões tem implicações na forma como os municípios
podem buscar recursos para implementar projetos voltados às diretrizes da PNDU.
O primeiro fato constatado é que não há clareza em relação aos critérios que orien-
tam a distribuição de emendas parlamentares aos municípios. Mais do que isso,
verificou-se que a vinculação partidária e a busca por apoio político são variáveis
que regem essas relações políticas e financeiras.
Uma maneira de superar a falta de critérios para a transferência e a dificuldade
de acesso aos recursos é a construção de consenso social e político em torno da im-
portância do desenvolvimento urbano. Sem isso, recursos seguirão sendo destinados
sem critérios técnicos e tenderão a aprofundar as desigualdades regionais e inter-
municipais existentes. Contudo, o arcabouço institucional brasileiro foi desenhado
para operar dessa forma, o que dá liberdade para os parlamentares alocarem, por
intermédio de suas emendas, os recursos em áreas do próprio interesse. Na impos-
sibilidade de modificá-lo em curto prazo, a principal medida factível é a busca por
consenso entre os atores políticos, tanto em nível nacional quanto subnacional, em
torno da necessidade de financiar o desenvolvimento urbano no país. Os esforços
para a instituição do orçamento impositivo ilustram exatamente esse princípio da
autonomia parlamentar, visto que busca tornar obrigatória a execução orçamentá-
ria e financeira das emendas individuais dos parlamentares pelo Poder Executivo.
É bastante evidente que políticas setoriais, que têm rebatimento sobre a questão
urbana, estão constantemente sendo desenvolvidas nos municípios brasileiros.
Todavia, acredita-se que a PNDU deveria justamente promover a integração das
políticas voltadas ao urbano. No que concerne ao âmbito regional, os consórcios
são um espaço muito interessante para a construção de agenda coletiva e podem
ser instrumentos muito eficientes na implementação de políticas relacionadas ao
desenvolvimento urbano no país.
A pesquisa desenvolvida no Ipea, no âmbito do projeto Governança Metropo-
litana no Brasil, aponta que há, nas RMs brasileiras, amplo conjunto de consórcios
246 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
6 NOTAS FINAIS
Desde os anos 1990, a tônica criada no desenvolvimento de políticas públicas no
Brasil foi marcada por intensa centralização decisória e execução descentralizada.
Conforme aponta Jaccoud (2020), o progressivo engajamento dos níveis
subnacionais na produção de políticas sociais não foi, assim, acompanhado pela
retirada do governo federal. Segundo a autora, o que se deu foi o contrário, pois a
atuação da União foi crescente; buscou-se, em um primeiro momento, incentivar
a descentralização com foco na municipalização da oferta dos serviços e, poste-
riormente, aprofundar a integração de esforços dos entes federados em torno de
objetivos comuns e estratégias partilhadas.
Em certo sentido, a mesma lógica perdura até os dias atuais. Para a efetiva
implementação dos objetivos da PNDU, é preciso que se construam esforços no
sentido de promover a cooperação e a coordenação interfederativa. Não é possível
nem recomendável que a União elabore sozinha todos os objetivos e os instru-
mentos da política, visto que sua implementação depende de amplo conjunto de
atores no contexto subnacional.
REFERÊNCIAS
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brasileira. São Paulo: Hucitec, 1998.
ABRUCIO, F. L. A coordenação federativa no Brasil: a experiência do período
FHC e os desafios do governo Lula. Revista de Sociologia e Política, Curitiba,
n. 24, p. 41-67, jun. 2005.
250 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
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(Fecam) en la construcción de consorcios públicos. Revista de Administração
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ALVES, A. M.; ROCHA NETO, J. M.; AMPARO, P. P. Política regional brasileira:
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mento Regional – PNDR II: entre a perspectiva de inovação e a persistência de
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BRASIL. Decreto no 6.047, de 22 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional
de Desenvolvimento Regional (PNDR) e dá outras providências. Diário Oficial
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BRASIL. Ministério da Integração Nacional. Fundos regionais e incentivos
fiscais. Brasília: MI, 2012.
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MPOG, 2005.
BRASIL. Política Nacional de Desenvolvimento Regional. Brasília: IICA;
MI, 2008.
254 | Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano:
escalas, agendas e aspectos federativos no urbano brasileiro
EDITORIAL
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Editoração
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Capa
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Ipea – Brasília
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Missão do Ipea
Aprimorar as políticas públicas essenciais ao desenvolvimento brasileiro
por meio da produção e disseminação de conhecimentos e da assessoria
ao Estado nas suas decisões estratégicas.
Os volumes que compõem a série Diálogos para uma Política Nacional de Desenvolvimento
Urbano são frutos da parceria estabelecida entre o Ipea e o Ministério das Cidades, no âmbito
de um termo de execução descentralizada firmado ainda em 2019. Os três volumes da série,
que reúne 31 capítulos e mais de quarenta autores e autoras, trazem ao público as discussões
e as contribuições produzidas ao longo do desenvolvimento do projeto de apoio à construção
da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), abarcando o tema do
desenvolvimento urbano numa perspectiva interescalar, intersetorial e atenta aos desafios da
governança interfederativa e das soluções de financiamento. Os e as
, bem como os registros dos onze Diálogos para uma PNDU, eventos realizados
ao longo de 2021, são os principais insumos desta rica e diversa produção que pretende
enriquecer e fomentar o debate sobre a PNDU. Objetiva-se contribuir, ao final, para que esta
seja capaz de orientar o desenvolvimento urbano no país levando em conta a diversidade do
território brasileiro e as necessidades de enfrentamento dos desafios contemporâneos que se
somam aos problemas e às assimetrias socioespaciais estruturais que fazem parte da formação
social e econômica do país.