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Economia e Sociedade, Campinas, Unicamp. IE.

http://dx.doi.org/10.1590/1982-3533.2016v25n2art7

Estratégias competitivas e desempenho da


indústria automobilística no Brasil *
Rodrigo Morem da Costa**
Hélio Henkin***

Resumo
Nos anos 1990, a indústria automobilística brasileira experimentou um processo de reestruturação
induzido pela mudança nas estratégias de concorrência das montadoras e pelas transformações na
economia nacional. O trabalho analisou como ocorreu esse processo no período 1989-2013 desde uma
concepção teórica Evolucionária. A reestruturação levou à redução do hiato tecnológico em veículos e
em processos de fabricação, frente ao observado em países avançados. Isto se manifestou por meio de
investimentos em modernização das plantas existentes e em abertura de novas unidades de produção.
O resultado foi um expressivo aumento de produção, produtividade e consumo de autoveículos, que
alçaram o Brasil à 7ª posição no ranking de países produtores e à 4ª no de vendas domésticas,
consolidando sua condição de plataforma regional de fabricação para o mercado sul-americano.
Ademais, algumas das subsidiárias brasileiras chegaram a um nível de domínio da tecnologia, que as
habilitaram ao desenvolvimento autônomo de novos autoveículos.
Palavras-chave: Paradigma tecnológico; Estratégias empresarias; Padrão de concorrência setorial;
Indústria automobilística brasileira; Plataforma regional de produção.

Abstract
Competitive strategies and performance of the automotive industry in Brazil
In the 1990s, the Brazilian automotive industry experienced a restructuring process induced by the
changes in competitive strategies of assemblers and in the national economy. This study analyzes how
this process took place in the period 1989-2013, under an Evolutionary theoretical approach. The
restructuring process reduced the technological gap in vehicles and in the manufacturing process, in
comparison to what was observed in developed countries. This has been shown in investments in the
modernization of existing plants and the opening of new ones. The result was an expressive increase in
production, productivity and consumption, putting Brazil in the 7th position on the ranking of producers
by countries and in the 4th for domestic sales, which consolidates its condition as a regional
manufacturing platform for the South American market. Moreover, some subsidiaries reached a high
technological mastery level, which has enabled the autonomous development of new products.
Keywords: Technological paradigm; Competitive strategy; Pattern of sectoral competition; Brazilian
automotive industry; Regional manufacturing platform.
JEL L1, L23, L62, O14, O33.

*
Artigo recebido em 9 de fevereiro de 2015 e aprovado em 30 de junho de 2016. Agradecemos ao
parecerista anônimo pelas sugestões, as quais ajudaram a aprimorar a qualidade deste trabalho. Eventuais erros e
omissões remanescentes permanecem sendo de inteira responsabilidade dos autores.
**
Pesquisador da Fundação de Economia e Estatística (FEE), Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail:
[email protected].
***
Professor do Programa de Pós-Graduação em Economia da Faculdade de Ciências Econômicas da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGE/UFRGS), Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: [email protected].

Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016.


Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

Introdução
O trabalho analisa a evolução das estratégias de concorrência da indústria
automobilística mundial, particularmente em sua atuação no Brasil, no período 1989-
2013. A ótica analítica empregada tem por base a Teoria Evolucionária, com foco
nos conceitos de concorrência schumpeteriana e de paradigmas tecnológicos. Busca-
se mostrar que a convergência das estratégias de concorrência das subsidiárias
brasileiras com as de suas matrizes, somada ao processo de mudanças econômicas e
institucionais ocorridas no Brasil no período 1989-2013, em conjunto, levaram à
reestruturação produtiva da indústria automobilística no País. Esse movimento
caracterizou-se por investimentos, a partir de uma estratégia direcionada a
plataformas regionais de produção e vendas, que resultaram na entrada de outras
montadoras externas no Brasil e modernização de filiais nacionais. Isto significou a
atualização tecnológica – catching-up – em veículos e em processos de fabricação,
reduzindo o hiato em relação aos países avançados. Em decorrência, houve
significativos incrementos de produção, de produtividade e de consumo, que
consolidaram o Brasil como plataforma regional de fabricação para atender o
mercado da América do Sul.
O estudo aqui realizado foca os produtores de autoveículos: automóveis,
veículos comerciais leves, caminhões e ônibus. Ainda que cada um desses produtos
apresente especificidades de mercado, existem pontos em comum entre eles, em
termos das estratégias adotadas, tecnologias e outras, permitindo que sejam tratados
conjuntamente. Dada esta delimitação, a pesquisa foi realizada mediante revisão de
literatura sobre a indústria automobilística internacional e nacional e de análise de
dados disponíveis no Anuário Estatístico da Indústria Automobilística Brasileira
(2014), publicado pela Anfavea1. Além desta introdução, o trabalho está organizado
em cinco seções: a primeira contempla o arcabouço teórico do estudo; a segunda
trata da caracterização da indústria automobilística; a terceira analisa a evolução de
suas estratégias de concorrência; a quarta estuda os seus impactos no Brasil; e a
quinta apresenta as conclusões do trabalho.

1 Arcabouço teórico
A concorrência schumpeteriana é entendida como sendo a disputa de
mercado entre empresas rivais por meio da diferenciação de algum atributo ligado
ao produto. Para tanto, as empresas adotam estratégias capazes de desenvolver
capacitações que propiciem vantagens competitivas sustentáveis e maiores lucros.
Assim, uma estratégia competitiva é definida como sendo:
[...] um conjunto de metas, políticas e restrições autoimpostas que descrevem
como a organização planeja dirigir e desenvolver todos os recursos investidos

(1) Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores do Brasil (Anfavea).

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Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

na produção para melhor cumprir (e possivelmente redefinir) sua missão. No


caso de uma organização de negócios, essa missão geralmente é expressa em
termos de sobrevivência, rentabilidade e crescimento e é posta em prática na
tentativa de diferenciar a empresa dos seus concorrentes (Hayes et al., 2008,
p. 57).
Ressalte-se que a decisão de adotar uma determinada estratégia ocorre
condicionada pela racionalidade limitada dos agentes, por informações incompletas
e por incertezas, abrindo margem para a existência de diversidade comportamental
(Simon, 1987). De acordo com a abordagem neoschumpeteriana, a principal
estratégia para a firma se diferenciar em relação às concorrentes é a liderança na
introdução bem-sucedida de inovações, entendidas como sendo um conjunto de
conhecimentos teóricos e práticos incorporados em produtos, processos de
fabricação e rotinas de organização da produção (Dosi, 2006, p. 40). O sucesso em
introduzir inovações gera um desempenho superior no mercado, pois:
[...] se os custos são reduzidos, a firma [inovadora] estabelece um preço abaixo
do normal, mas com uma margem de lucro maior, de modo que sua
competitividade aumenta; se a qualidade do produto é aumentada, ela pode
cobrar um preço de mercado mais elevado, ganhando margem de lucro e
competitividade (Metcalfe, 1998, p. 102, tradução nossa).
Geralmente as novidades introduzidas no mercado pelas empresas tendem a
ser superiores às suas predecessoras, dado que as primeiras se desenvolvem a partir
de conhecimentos e tecnologias prévias, mediante o desenvolvimento de avanços
(Nelson; Winter, 2005, p. 371). A afirmação de novas tecnologias depende de sua
aceitação pelo mercado. Esse último é entendido como um mecanismo de seleção
entre concorrentes atuando em um segmento particular. Em um sentido amplo de
mercado, além de produtores e consumidores, contempla também o poder público e
outras instituições extramercado. Essa concepção decorre do duplo caráter de
avaliação e escolha pelo mercado. De um lado, existe a seleção da tecnologia que
melhor atende às necessidades da demanda e às restrições regulatórias vigentes. De
outro, os produtores com tecnologia de maior qualidade e eficiência são escolhidos
devido ao desempenho de seus produtos no mercado. O resultado desse processo é a
prosperidade das empresas inovadoras e o declínio daquelas que ficaram
tecnologicamente defasadas. Contudo, as vantagens competitivas e o lucro daí
auferido não são estáticos, estando em constante alteração devido às respostas dos
concorrentes via imitação ou introdução de inovações superiores; à entrada de novos
competidores na atividade; e às mudanças na demanda e na regulação do mercado.
Um processo de mudança tecnológica radical ocorre quando surgem
inovações que sejam percebidas pelo mercado como superiores àquelas existentes,
alterando significativamente produtos, processos produtivos ou rotinas
organizacionais até então estabelecidas. O seu sucesso faz com que sejam eliminadas

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antigas tecnologias, assim como aquelas empresas que não conseguem acompanhar
a mudança. A isto Schumpeter (1984) chamou de “processo de destruição criadora”,
em que os agentes passam a progressivamente produzir, consumir e direcionar
recursos para aquilo que é novo, destruindo o antigo e criando novos padrões de
produção e consumo no mercado. Segundo Dosi e Nelson (1994, p. 163, tradução
nossa) isto ocorre porque as “[...] técnicas mais produtivas e lucrativas tendem a
substituir as menos produtivas através de dois mecanismos: firmas usando
tecnologias mais lucrativas crescem; e tecnologias mais lucrativas tendem a ser
imitadas e adotadas por firmas que utilizavam outras que propiciavam lucros
menores”. A aceitação e a difusão dessas novas tecnologias radicais estabelecem o
que Dosi (2006, p. 41) chamou de um novo paradigma tecnológico. Em sua
definição, um paradigma tecnológico é “[...] um ‘modelo’ e um ‘padrão’ de solução
de problemas tecnológicos selecionados, baseados em princípios selecionados,
derivados das ciências naturais, e em tecnologias materiais selecionadas”. Uma vez
firmado, o paradigma determina e limita as possibilidades de desenvolvimento
futuro de inovações tecnológicas, bem como a direção do esforço de solução de
problemas, a tecnologia material desenvolvida, as propriedades físico-químicas
exploradas e seus aspectos econômicos (Dosi, 2006, p. 43). Nesse sentido, há um
efeito de focalização dos desenvolvimentos subsequentes das inovações radicais
introduzidas, como avanços secundários, que acabam se constituindo em uma
determinada trajetória tecnológica. As inovações que ocorrem ao longo de uma dada
trajetória tecnológica podem ser consideradas como incrementais, devido ao seu
caráter de complementaridade em relação àquela radical. Isto significa que são
avanços que ocorrem em design, em novas funções e características, em adaptação
de outras tecnologias ao produto, etc. Ou seja, as tentativas adicionais de
diferenciação das empresas no processo de concorrência tenderão a ocorrer ao longo
da trajetória, até que o paradigma tecnológico alcance os seus limites e venha a ser
substituído. O que determinaria o caráter do avanço, se radical ou incremental,
seriam dificuldades crescentes, tanto técnicas quanto econômicas, de propiciar
vantagens competitivas quando o ciclo do produto atinge sua fase de maturidade,
onde existe pouco campo para melhorar alguma característica da mercadoria ou de
seu processo de fabricação com viabilidade econômica (Utterback, 1996).
O caráter de seleção e focalização dos esforços no avanço tecnológico,
determinados pelo paradigma, também acabam criando uma hierarquização dos
atributos de competição que as firmas procuram desenvolver, em termos de
características dos produtos, eficiência do processo de fabricação e habilidade em
atender ao mercado, resultando na instituição de um padrão de concorrência setorial.
Isto significa que dentre todas as variáveis possíveis de competição empregadas
pelas empresas, existe um conjunto delas que possui maior importância relativa. Os
atributos de concorrência cruciais são determinados pelas características da
tecnologia, da mercadoria, da fase do ciclo de vida em que o produto se encontra e

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pelos requisitos de sua aceitação pelo mercado. Isto, obviamente, não significa que
as firmas não procurem, sempre que oportuno, concorrer também nas demais
variáveis. Assim, as estratégias individuais seguidas pelas empresas devem ser
compatíveis com o padrão de concorrência setorial dominante.

2 Caracterização da indústria automobilística mundial


A indústria automobilística mundial é caracterizada por produzir diversos
tipos de veículos automotores terrestres, atuando nos segmentos de automóveis,
comerciais leves, caminhões e ônibus, comercializando-os montados e desmontados
(SKD ou CKD)2, além de fabricar autopeças. Cada segmento possui uma lógica de
competição própria, sendo que as empresas podem atuar em diferentes linhas de
produtos ou se especializarem em determinados nichos de mercado. Assim, trata-se
de uma indústria heterogênea e diversificada, em que há aquelas empresas dedicadas
apenas à produção de um tipo de veículo (ex.: BMW, em automóveis) e outras que
operam em mais de um nicho (ex.: Volkswagen em automóveis, comerciais leves,
caminhões e ônibus). Observa-se que as montadoras costumam possuir plantas
especializadas por tipos de veículos e por suas plataformas, onde se produzem os
modelos que as utilizem e seus derivativos. Quanto ao tamanho, as montadoras
podem ser consideradas de grande porte, em relação à estrutura industrial da
economia, devido ao padrão tecnológico do setor e à amplitude do mercado atendido.
Devido à complexidade tecnológica no desenvolvimento de veículos e em seu
processo de fabricação, o setor incorre em custos fixos de elevada magnitude: gastos
em pesquisa e desenvolvimento (P&D), propaganda, custos de setup, investimentos
em máquinas e equipamentos, montagem de infraestrutura produtiva, etc. Assim, as
empresas buscam abater esses custos por intermédio da obtenção de economias de
escala e de escopo. Além disto, as montadoras procuram elevar a margem de lucro
pela diferenciação de produtos. Portanto, para que uma empresa seja lucrativa nesse
setor, uma estrutura empresarial de porte razoável ou a especialização em atender a
um nicho de mercado específico de produtos de maior valor agregado são
necessárias. Logo, em decorrência de seu desenvolvimento tecnológico e histórico,
a indústria automobilística se apresenta como um oligopólio diferenciado-
concentrado.
As diferenças observadas entre empresas residem basicamente nas escolhas
estratégicas para obter vantagens competitivas naquelas variáveis que determinam o
padrão de concorrência setorial. Isto, por sua vez, depende de recursos,
conhecimentos e capacitações individuais acumuladas, resultantes de decisões
tomadas no passado e de como as empresas interpretam a melhor alternativa a ser
seguida. A variedade de escolhas decorre, além do mencionado, da existência de
racionalidade limitada, de informação incompleta e de incertezas, que permeiam

(2) A sigla SKD corresponde a veículos semidesmontados e CKD a completamente desmontados.

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Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

uma economia baseada em decisões descentralizadas, o que torna a interpretação dos


sinais de mercado particular a cada agente.
Na maioria dos casos, as empresas desse setor são transnacionais, atuando
em escala global ou no atendimento de uma região específica, operando em
multiplantas e produzindo e ofertando basicamente os mesmos tipos e plataformas
de veículos em diferentes mercados. Trata-se de uma divisão do trabalho na cadeia
global de valor do produto, com os centros de decisão e de P&D tendendo a se
localizar nos países sede da empresa e a fabricação dispersa internacionalmente.
Contudo, no que tange à P&D, também há unidades localizadas em outros países,
cujo objetivo é o acesso a conhecimentos específicos ao seu sistema nacional de
inovação. Em geral, as plantas são instaladas nos principais mercados consumidores
devido, entre outros fatores, aos custos de frete e de barreiras alfandegárias, às
políticas de apoio ao setor, aos menores custos de produção e às demais vantagens
de localização. Ademais, em muitos casos, parte da produção é exportada para
mercados e regiões adjacentes menores, configurando-se em plataformas regionais
de fabricação e vendas. Elas tanto servem para atender ao mercado final, via
comércio intrafirma, quanto às necessidades de outras filiais da empresa, quando não
é viável a produção de determinados produtos ou de algum de seus sistemas no país
adjacente.

3 Evolução das estratégias de concorrência da indústria automobilística


mundial
Ao final dos anos 1960, a indústria automobilística internacional, assim
como outros segmentos produtivos, foi afetada pela crise do paradigma tecno-
econômico da produção em massa, decorrente da saturação dos mercados de bens de
consumo duráveis ‘padronizados’ que ocorreu, principalmente, nos países
desenvolvidos, levando ao acirramento da competição entre empresas e à queda nos
lucros. Somam-se a este quadro os choques nos preços do petróleo em 1973 e 1979,
um dos insumos industriais básicos neste período, elevando os custos de produção.
A resposta da indústria automobilística à crise deu-se por meio de dois movimentos:
mudança do paradigma tecnológico setorial e ingresso em novos mercados
geográficos.
Em nível tecnológico, desenvolveram-se inovações de produto e de processo
de fabricação a partir dos avanços na microeletrônica e em técnicas organizacionais,
no âmbito do conceito de produção enxuta (sistema just-in-time). As novas
tecnologias se difundem nos países avançados ao longo das décadas de 1970 e 1980
visando recuperar o crescimento das vendas. Neste período, a indústria
automobilística caracterizou-se por adotar estratégias competitivas voltadas para a
redução de custos, ampliação de escala e de escopo, elevação da flexibilidade da
produção e maior variedade de produtos (Boyer; Freyssenet, 2006, p. 2-7). Em geral,

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Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

esses objetivos eram alcançados através da organização mais eficiente do espaço de


trabalho, de investimentos em máquinas e equipamentos, da padronização das
plataformas de montagem dos autoveículos, da melhoria no desempenho dos
veículos e de maior esforço de vendas.
Em relação à globalização, este é um movimento de ampliação de mercado,
particularmente no acesso àqueles dos países emergentes. Em decorrência, aumenta
a pressão política e econômica para a liberalização dessas economias. Trata-se de
abertura comercial, produtiva e financeira, intensificando o fluxo de mercadorias e
de capitais entre as nações, que ganha maior ímpeto a partir do começo da década de
1990. Esse movimento atingiu as montadoras em diferentes países, modificando seu
comportamento estratégico e gerando um processo de internacionalização da
produção de veículos, com um fluxo de investimentos diretos externos para países e
regiões em desenvolvimento, onde havia um maior potencial de crescimento do
consumo de autoveículos (Humphrey, 2003, p. 127).
A partir dos anos 1990, a continuidade do acirramento da competição exigiu
reavaliações estratégicas pelas montadoras. Buscam-se maiores reduções nos custos
de produção para diminuir o preço de oferta dos veículos e encurta-se seu ciclo de
vida tecnológico, por intermédio da aceleração do processo de introdução de
inovações, visando a obtenção de liderança em diferenciação e em tempo até o
lançamento no mercado (lead time). O lançamento de novos modelos com maior
frequência insere-se no arsenal de concorrência das empresas. Há ainda a
necessidade de maior flexibilidade na fabricação dos veículos, de modo a atingir uma
gama mais variada de perfis de consumidores.
Dado esse cenário, as seções seguintes do trabalho irão analisar como as
estratégias de concorrência das montadoras evoluíram em âmbito internacional a
partir dos anos 1990. Elas se caracterizam por estarem interligadas, conformando um
conjunto coeso de decisões estratégicas em diferentes esferas. Entretanto, elas serão
segmentadas em algumas categorias para efeito de análise: produto e
desenvolvimento tecnológico; produção; esforço de vendas e investimento.

3.1 Estratégias de desenvolvimento tecnológico de produtos


Após os anos 1990, as estratégias de produto na indústria automobilística
aprofundaram a tendência de redução do número de plataformas de veículos e de
elevação de sua padronização, assim como de aceleração de seu ciclo de vida
tecnológico, viabilizadas pela inovação da arquitetura modular. Este comportamento
é uma tentativa de resposta às pressões competitivas causadas pela saturação e
acirramento da concorrência nos mercados dos países desenvolvidos. De um lado, a
racionalidade econômica dessa escolha é a de reduzir o custo com o desenvolvimento
tecnológico do produto e de diminuir as despesas com insumos. De outro, existem

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ganhos decorrentes de economias de escala e de escopo, pois se eleva o volume de


produção de cada plataforma, sendo que cada uma delas pode ser adaptada para a
montagem de diferentes modelos e suas ‘versões’ derivativas em uma mesma linha
de fabricação. Note-se que a maior parte dos gastos em P&D se divide entre
desenvolvimento de plataformas, de motores e de sistemas e, em menor parcela, no
projeto de variações nos modelos. Inclusive, não é incomum a fabricação de veículos
de diferentes marcas do mesmo grupo empresarial seguindo essa lógica3, mas que
são vendidos com qualidade e valor agregados diferenciados. O fato de a plataforma
ser a mesma permite que, com um baixo custo adicional, seja ofertado um veículo
de qualidade superior e/ou com maior número de acessórios, obtendo assim
economias de escopo. Ademais, quanto mais padronizadas forem as plataformas,
mais elevados serão os ganhos associados a essa estratégia.
Como uma das vias para sustentar a estratégia de intensificação no
desenvolvimento tecnológico e aceleração do ciclo de vida dos veículos, desde o
início dos anos 1990 a indústria automobilística mundial vem passando por um
processo de concentração de mercado, o qual é marcado por inúmeras ações de
fusões e aquisições, resultando em aumento de escala das plantas. Nesse movimento,
os concorrentes menos competitivos foram sendo absorvidos, ainda que suas marcas
tenham sido mantidas pelo grupo empresarial comprador. Além disto, a
intensificação no ritmo de introdução de novas tecnologias nos veículos também
passou pela formação de alianças estratégicas entre montadoras e, sobretudo, destas
com empresas fornecedoras de sistemas e de autopeças (Carvalho, 2005a,
p. 291).
A novidade, em comparação ao que era feito antes da década de 1990, está
no aumento do outsourcing dos processos produtivos e tecnológicos (Firmo; Lima,
2004, p. 6). Isto equivale a dizer que parte dos gastos e das incertezas técnicas e de
mercado, inerentes ao processo de desenvolvimento de inovações tecnológicas é
dividida com os fornecedores de primeiro nível. Ademais, como a organização da
produção passa a ser modular, torna-se mais fácil adaptar as inovações em partes e
componentes específicos aos veículos produzidos. Como os componentes são
desenvolvidos e montados separadamente, a plataforma, o desenho do veículo e a
linha de montagem não sofrem alterações significativas. As modificações ocorrem
apenas nas partes afetadas e em algum grau de adaptação do modelo à nova
tecnologia, permitindo a aceleração de seu ciclo de vida tecnológico. Andrade e
Furtado (2006, p. 8, tradução nossa) resumem esse argumento da seguinte forma:
[...] a combinação de outsourcing e montagem modular se constitui em um
modo de lidar com as incertezas de mercado e com os riscos relacionados a
elas. O resultado final são carros que podem ser configurados e montados de

(3) Um exemplo dessa situação pode ser observado nos modelos ‘Golf’ da Volkswagen e ‘A3’ da Audi,
que utilizam a mesma plataforma.

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Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

maneira mais rápida e eficiente. (...) se um projeto de produto a ser montado


de forma modular for outsorced, então o tempo de design pode ser reduzido e
as mudanças tecnológicas são aceleradas, na medida em que possam ser
concebidas pelos especialistas dos fornecedores. O mesmo ocorreria com o
intervalo de espera. Logo, o tempo entre concepção e lançamento no mercado
é consideravelmente reduzido e os produtos finais podem ser bem mais
variados. Mais ainda, as montadoras vêm provendo alguns sistemistas com
manuais técnicos de produtos e processos com abertura para que eles utilizem,
testem e os melhorem, repassando-os para as primeiras.
Os ganhos advindos da redução do número de plataformas e de sua maior
padronização são potencializados pela oferta dos mesmos produtos em diferentes
mercados. Com isso, vem ocorrendo uma tendência à ideia de veículos ‘mundiais’
ou ‘regionais’, com a consequente diminuição da produção de modelos locais. As
variações observadas nos veículos decorrem, sobretudo, da necessidade de
adaptação às condições de cada país no que se refere a: preferência dos
consumidores, nível de renda da população, legislação local, qualidade das estradas,
características dos combustíveis, condições climáticas, etc.
A prática de outsourcing também implica que as firmas sigam estratégias de
‘follow source’ (seguir a fonte) e ‘follow design’ (seguir o desenho) em relação aos
fornecedores (Humphrey, 2003, p. 130-136). No primeiro caso, ao abrir uma nova
unidade de produção, a montadora procura firmar a parceria de fornecimento com a
empresa que desenvolveu a tecnologia e o desenho de determinada peça,
componente ou módulo. A decisão relativa a desenvolver uma inovação pode ser
tomada em conjunto, ou unilateralmente pela montadora ou pelo fornecedor, desde
que o último conte com o aval da primeira. No entanto, é importante salientar que
normalmente essa iniciativa é tomada pela montadora, baseada em sua percepção
quanto às necessidades da demanda e ao comportamento dos concorrentes. No
segundo caso, ‘follow design’, refere-se a adaptações do veículo às condições locais.
Nesse sentido, as montadoras procuram fazer os ajustes necessários na engenharia
do produto com os fornecedores que o desenvolveram ou com os locais que possuam
as capacitações tecnológicas requisitadas. Assim, os fornecedores de primeiro nível,
que desenvolveram a tecnologia de um determinado sistema, tendem a acompanhar
as montadoras em seu processo de expansão para novos mercados.

3.2 Estratégia de produção


O desenvolvimento tecnológico e a expansão de atividades da indústria
automobilística para economias emergentes mediante investimentos na produção
nessas regiões, tanto pelas empresas já estabelecidas nesses mercados quanto por
novos entrantes, têm levado à modernização das plantas existentes e à inauguração
de novas unidades. As fábricas se caracterizam por estarem voltadas para a obtenção

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Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

de economias de escala, por meio da especialização por plataforma de automóvel, e


de economias de escopo possibilitadas pela montagem de diferentes modelos na
mesma, facilitadas pela organização modular na produção (Santos, 2001, p. 53).
Uma definição de arranjo modular pode ser expressa da seguinte forma:
[...] por modularidade nos referimos a mais do que co-design ou design pelo
fornecedor, entrega de partes parcialmente montadas e proximidade física dos
fornecedores com a montadora: tudo isto é bem conhecido. É possível existir
o suprimento modular com fornecedores localizados distantes da montadora;
pode ser um arranjo viável, dependendo do volume e dos custos com logística.
Nossa interpretação da atual organização modular incluiu outras atividades
além de design ou entrega física: consórcio modular, condomínio industrial ou
semelhante significam a divisão dos riscos e investimentos com os
fornecedores de primeiro escalão; eles também assumem responsabilidades
como prover alguns serviços de assistência técnica para o módulo, participar
diretamente na solução de problemas na linha de montagem, lidar com
alterações no planejamento diário de entregas, efetuarem eventuais alterações
no design do produto e assim por diante (Salerno, Camargo; Lemos, 2007,
p. 2, tradução nossa).
Em um arranjo modular, a montadora segmenta seus fornecedores 4 em
quatro níveis segundo a importância dos itens fornecidos: 1º) codesenvolvedores dos
módulos ou sistemas; 2º) produtores de peças e componentes de maior complexidade
para a montadora e para os fabricantes do primeiro escalão; 3º) fornecedores de peças
de menor valor agregado; e 4º) fabricantes de matérias-primas (Calandro; Campos
2003, p. 192). Os critérios que informam essa segmentação compreendem:
capacitação tecnológica para o desenvolvimento de módulos e componentes
juntamente com a montadora; capacidade de oferta; adequada logística de
distribuição; preço e qualidade dos produtos ofertados; reputação do fornecedor;
importância dos itens a serem adquiridos para a montagem final do veículo; e
capacidade financeira para investir na nova planta. Essa segmentação é feita para
cada conjunto de módulos (propulsão, suspensão, freios, transmissão, etc.),
componentes e itens envolvidos na montagem final do veículo.
Isso feito, a montadora escolhe dentre os fornecedores de primeiro nível,
aqueles que irão participar do empreendimento como sistemistas. Esta escolha
aplica-se a todas as unidades que fabricam os veículos que utilizem um determinado
módulo, independente da localização geográfica da planta. Ou seja, devido à
concepção de “veículos mundiais”, a definição dos fornecedores sistemistas é
seguida nos diferentes mercados regionais em que os produtos são comercializados.
Logo, existem vantagens para o fornecedor em se tornar um sistemista.

(4) A segmentação de fornecedores pelas montadoras vem causando um processo de reestruturação no setor
de autopeças, expresso por um aumento da concentração de mercado por meio de fusões, aquisições e eliminação
de empresas menos competitivas. Contudo, foge ao escopo deste trabalho a análise deste processo.

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Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

Normalmente, apenas aqueles fornecedores que montam os sistemas ou os


componentes mais críticos, de maior tecnologia e complexidade, são instalados
diretamente na área da unidade de produção da montadora. Os demais mantêm
plantas produtivas ou armazéns de estocagem nas proximidades do complexo da
montadora, procurando atender aos pedidos segundo a lógica de organização Just-
in-Time (JIT): “as quantidades necessárias no tempo requisitado”. Isto significa que
a montadora decide quais atividades serão executadas na maneira modular e quais
seguirão a forma tradicional, inclusive, podendo coexistir ambos os arranjos em uma
mesma unidade de fabricação.
A decisão de organizar o espaço produtivo em módulos é complexa,
envolvendo os diferentes objetivos e estratégias das montadoras. As configurações
modulares encontradas com maior frequência no setor automobilístico são os
aglomerados (ou clusters), em que a proximidade física viabiliza a adoção deste tipo
de arranjo, e os condomínios industriais. Em ambos, a montadora possui o controle
da operação da linha de fabricação, realiza a montagem dos módulos e os testes de
qualidade final do produto. Além disto, no condomínio industrial a montadora possui
a propriedade da área na qual são instalados os fornecedores, conforme a sequência
de montagem dos módulos e demais componentes (Alvarez, 2004, p. 272-273).
A racionalidade econômica que permeia a escolha pela modularidade funda-
se na redução de tempo e de custos de produção e, em conjunto com a estratégia de
codesenvolvimento de veículos com os fornecedores de primeiro escalão, acelerar o
processo de introdução de inovações tecnológicas para diferenciar os produtos em
relação ao das rivais. Nesse sentido, constata-se que existe vantagens na organização
modular da produção em relação ao sistema JIT, considerado o padrão vigente até o
início da década de 1990. Ao alocar os principais fornecedores em proximidade, a
montadora obtém maior coordenação e produtividade, pois a fabricação de cada
módulo é feita de forma simultânea pelos sistemistas, reduzindo o tempo e a
complexidade do processo de montagem dos veículos; o número de trabalhadores
necessários; os prazos de entrega de partes e componentes; os custos com frete e
logística; e os riscos de falta de suprimentos. Ou seja, ocorre a troca do processo de
fabricação sequencial pela montagem em tempos paralelos (Neto; Iemma, 2004,
p. 7). Além disto, essa inovação organizacional – a modularidade – possibilita a
diminuição do número de fornecedores diretos das montadoras. Isto reduz os custos
de transação associados à prospecção de preços e de fornecedores e à negociação,
elaboração e monitoramento dos contratos de fornecimento. Ademais, também
compete aos sistemistas a articulação de suas respectivas cadeias de suprimentos e
os custos de fabricação dos seus respectivos módulos. Em conjunto, estas reduções
de custos no processo de produção, juntamente com aquelas referentes ao
desenvolvimento de produtos, permitem que o fabricante de veículos se concentre
em acumular capacitações em outras áreas importantes para o desempenho do

Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016. 467


Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

negócio (Andrade; Furtado, 2006, p. 8). Portanto, ao possibilitar esses ganhos de


eficiência, o arranjo modular pode ser entendido como sendo uma evolução ao longo
da trajetória tecnológica estabelecida pelo sistema JIT (Costa, 2008, p. 141-142),
embora também torne mais complexa a organização dos sistemas de transporte e
logística e exija um aumento no grau de coordenação entre as unidades (Torres;
Cario, 2012). Nesse sentido, a organização modular vem exigindo das montadoras a
realização de investimentos em tecnologias de informação e comunicação, para
ampliar o fluxo de dados e conhecimentos entre as partes, bem como para melhorar
a tomada de decisões.

3.3 Estratégia de esforço de vendas


Na indústria automobilística, devido à tecnologia e ao padrão de
concorrência setorial, as empresas necessitam despender um volume elevado de
recursos em custos fixos como: bens de capital, infraestrutura física de fábricas e
desenvolvimento de inovações e design de veículos. Para garantir a competitividade,
esses custos devem ser diluídos mediante a racionalização do processo de produção
e a obtenção de economias de escala e de escopo, além de aumento da margem de
lucro pela diferenciação de produtos. Na medida em que a força competitiva das
montadoras coloca-se no mesmo nível em termos de atributos tangíveis em que
realizam a competição em veículos, o ânimo por ganhar a preferência dos
consumidores, através de algum instrumento que as diferenciem individualmente
entre si, ganha proeminência em suas estratégias competitivas. Nesse sentido, o
esforço de vendas é um dos caminhos a ser seguido, através da fixação de marcas,
de gastos em propaganda e em marketing, no controle de canais de distribuição e na
oferta de serviços pós-vendas.
As maiores montadoras da indústria automobilística se caracterizam por
operar múltiplas marcas de veículos. Inclusive, elas relacionam essa ação com a
estratégia de redução do número de plataformas e de variação dos modelos ofertados.
Sob esse aspecto o setor é bastante heterogêneo. Algumas marcas apresentam um
escopo amplo de produtos, atendendo a mais de um segmento de mercado,
normalmente aqueles de maior escala de produção, destinados ao consumidor de
classe média. Outras são especializadas em um determinado tipo de produto:
automóveis, comerciais leves e utilitários, caminhões e ônibus. Há ainda aquelas
focadas no atendimento de nichos específicos de mercado, em que as quantidades
demandadas são relativamente pequenas e de elevado valor agregado, como nos
segmentos de luxo, super esporte, off-road, etc.
Existem ainda marcas que resultam de processo de fusões, de aquisições
(completa ou parcial) ou de joint-ventures, que buscam o acesso ao mercado de
determinado país, atuar em novos nichos de produto, adquirir competências, ter
acesso a novas tecnologias, ganhar market-share, etc. Em especial, nesse processo a

468 Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016.


Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

marca é normalmente mantida, pois já está estabelecida no mercado alvo, possuindo


reputação e inserção na cultura de consumo local. No entanto, em geral as marcas
adquiridas restringem-se aos mercados em que já estão estabelecidas. Outra
vantagem está no ganho de know-how em atender a particularidades da demanda
local, que é um conhecimento importante para a adaptação com sucesso de modelos
aos requisitos de um novo mercado.
No que tange às estratégias de propaganda e marketing, as mais usadas são
aquelas voltadas para o fortalecimento da marca e para a divulgação de novos
produtos. Dentre as últimas, destacam-se a propaganda persuasiva, que tenta induzir
o cliente a comprar determinado modelo de automóvel, e a informativa, que procura
transmitir ao consumidor características do veículo consideradas importantes na sua
decisão de compra. (Rotta; Bueno, 2000, p. 5).
Quanto ao controle de canais de distribuição, as montadoras estabelecem
uma rede de concessionárias credenciadas na oferta de veículos novos com
exclusividade, constituindo-se em uma das principais vias de vendas. Essas firmas
seguem políticas e padrões estipulados pela montadora, em termos de preço dos
veículos, qualidade de atendimento, oferta de serviços pós-vendas (oficina), e adesão
às campanhas publicitárias e às promoções de produtos (estratégia de vendas). De
modo geral, o credenciamento de concessionárias ocorre por meio de contratos de
longo prazo. Essa prática visa estabelecer um número de pontos de venda que cubra
uma ampla área geográfica, de modo a atender ao maior número possível de
consumidores e viabilizar a obtenção de economias de escala e de escopo.
Cabe ainda observar que sendo os veículos de elevado valor, se comparado
a outros bens de consumo, a disponibilidade de crédito é importante para a realização
das vendas. Logo, torna-se interessante para as montadoras possuírem um serviço
próprio de financiamento aos consumidores na aquisição dos veículos. Sendo assim,
algumas montadoras são proprietárias de instituições especializadas no
financiamento de veículos, ofertando diferentes produtos financeiros: linhas de
crédito, leasing, consórcios e outros. Trata-se também de uma fonte adicional de
lucros, não estando diretamente ligada à atividade principal de produção de
autoveículos.

3.4 Estratégia de investimento


A partir do início dos anos 1990, a estratégia de investimento5 da indústria
automobilística objetivou elevar a participação em mercados de países emergentes.
Isto se deu mediante abertura de novas unidades produtivas nesses locais ou da
modernização daquelas já existentes. Esse movimento está associado à saturação de

(5) Nessa seção serão tratados apenas os investimentos realizados em abertura de novas unidades de
produção. Os demais tipos de investimentos foram comentados em suas respectivas seções.

Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016. 469


Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

mercado nas nações desenvolvidas e, também, à criação de blocos econômicos


regionais, com livre comércio entre seus membros e incidência de barreiras
comerciais aos países externos ao grupo. Assim, a decisão de produzir em mercados
emergentes também é informada pela eliminação de barreiras comerciais à
importação, pela busca por vantagens locacionais e por reduções de incertezas
políticas, de mercado e cambiais, relativas a essas economias. A conjunção desses
fatores tornou mais vantajosa a instalação de uma subsidiária para abastecer o
mercado de cada bloco regional, se comparado com a alternativa do atendimento à
demanda local por meio de exportações oriundas da matriz da montadora (Neto;
Iemma, 2004, p. 7).
Nesse sentido, a escolha do país emergente a sediar os novos investimentos
esteve associada ao tamanho do seu mercado e à existência de vantagens locacionais
em relação aos vizinhos do bloco regional, em termos de: adequada infraestrutura
industrial; de transportes; de comunicações; de maior nível de capacitação
tecnológica; de força de trabalho mais qualificada; dentre outras. Logo, as
subsidiárias nas nações emergentes selecionadas tornaram-se plataformas regionais
de produção e comercialização. Note-se que esses investimentos inserem-se no
processo de convergência entre as estratégias de desenvolvimento tecnológico de
produtos, de produção e de esforço de vendas seguidas pela matriz e por suas
subsidiárias regionais. Essa inflexão no comportamento das montadoras no pós-
década de 1990 é identificada por Sturgeon e Florida (1999, p. 92 apud Carvalho
2005b, p. 289), que apontam que esse período pode ser entendido como:
[...] de profunda transição: de um velho modelo ‘doméstico’ de competição,
que permitia aos fabricantes de automóveis competirem através de exportação
a partir de suas bases estabelecidas nos seus países de origem, para um
emergente modelo ‘global’ de competição, que crescentemente demanda que
as funções de produção do dia a dia sejam organizadas em base regional e
global; (...) de uma indústria export-led onde as firmas de diferentes países
competiam principalmente através dos mercados, para uma indústria network-
led com cada firma importante produzindo em cada mercado.
No âmbito da expansão dos investimentos das montadoras para as nações
emergentes, os principais destinos foram os BRICS: Brasil, Rússia, Índia, China e
África do Sul. Essa proeminência se manifesta no significativo e continuado
aumento da produção de autoveículos nesses países no período 2001-2012 (Gráfico
1). Assim, o hiato de produção entre esse grupo e o do G7 6 diminui
significativamente em um curto espaço de tempo, passando de uma diferença de
cerca de 30 milhões de unidades produzidas em 2001 para aproximadamente dois
milhões em 2012. Inclusive, a fabricação de autoveículos nos BRICS se mostrou

(6) O grupo das sete economias mais desenvolvidas do mundo (G7) é formado por Estados Unidos, Canadá,
Japão, Alemanha, França, Itália e Reino Unido.

470 Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016.


Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

menos suscetível aos impactos da crise financeira mundial, iniciada em fins de 2007,
enquanto que no G7 a queda de produção foi acentuada. Note-se também que os
dados contidos no Gráfico 1 evidenciam o ponto da saturação do mercado de
autoveículos nas nações do G7, o que se expressa na relativa estabilidade observada
entre 2001 e 2007. Portanto, o encurtamento da diferença entre o número de
autoveículos fabricado a cada ano nos BRICS e no G7 salienta o ponto, como já
mencionado, de que esteja em curso uma transição de um modelo “doméstico” de
competição para um novo de cunho “global”.

Gráfico 1
Produção Mundial de Autoveículos 2001-2012
(Milhões de Unidades)
40,0

30,0

20,0

10,0

0,0
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012
G7 BRICS Demais Países
Fonte: Anfavea/Anuário Estatístico da Indústria Automobilística 2014. Elaboração dos autores.

No processo de expansão da produção de autoveículos para os BRICS, cabe


destacar os casos da China e da Índia. Além da instalação de subsidiárias pelas
montadoras oriundas do G7, o diferencial para ambas as nações foi o concomitante
desenvolvimento e ganho de competitividade dos fabricantes de capital local. Isto
ocorreu por intermédio da política industrial praticada naqueles países. Em ambos
os casos, a estratégia adotada seguiu uma lógica similar àquela aplicada pela Coreia
do Sul, consistindo na transferência de tecnologia às montadoras locais como
condição de acesso ao mercado interno. O mecanismo utilizado para transferir a
tecnologia para as montadoras da China e da Índia foi o estabelecimento de
operações de joint-ventures e de aquisição de licenças de produção junto às
congêneres do G7. Com isso, durante o período 1980-2000, os fabricantes da China
e da Índia conseguiram adquirir capacitações tecnológicas em produtos e em
processos de fabricação, bem como competitividade no atendimento da demanda de
seus respectivos países. Este movimento permitiu a realização de um processo de
catching-up tecnológico com sucesso em relação às montadoras do G7 (Carvalho;
Faria; França; Morceiro, 2010, p. 16; Donnelly; Collis; Begley; Tan, 2011, p. 7;
Richet; Ruet, 2008, p. 455-460; Malerba; Nelson, 2011, p. 1559). O diferencial
competitivo dos fabricantes chineses e indianos reside na oferta de veículos a um
custo relativamente menor, devido aos níveis salariais praticados em suas

Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016. 471


Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

economias. Particularmente, as vantagens desenvolvidas com maior intensidade


ocorrem no segmento de veículos compactos de baixo custo, em decorrência de sua
aceitação pelo mercado local. Esse desempenho positivo possibilitou a
internacionalização desses produtores a partir do final dos anos 2000. Em um cenário
de saturação da demanda de autoveículos nas nações do G7, esse movimento também
ocorreu para outros países emergentes, a exemplo da estratégia de investimentos
seguida pelas montadoras ocidentais e japonesas. No caso dos investimentos das
montadoras asiáticas na América do Sul, o Brasil vem despontando como seu
principal destino.
Portanto, no cômputo geral do processo de expansão da produção de
autoveículos para os BRICS, as montadoras vêm seguindo uma lógica de modelo
‘global’ de competição. Esta é marcada pela crescente integração das subsidiárias
em rede com a matriz, resultando na centralização da governança de suas cadeias
globais de valor. Neste novo contexto, passa a existir uma maior convergência entre
as estratégias de concorrência das unidades centrais e as de suas filiais. As
subsidiárias passam a replicar a oferta de produtos, bem como o padrão de fabricação
e de organização do espaço produtivo, mas, com alguns graus de liberdade para
adaptação às particularidades do ambiente local de concorrência, constituindo-se em
plataformas regionais de produção e de comercialização (Santos, 2001, p. 51). Nesse
sentido, o arranjo modular facilita o processo de internacionalização das montadoras.
Nessa configuração, parte dos custos são divididos com os principais fornecedores,
de modo que se reduzem para a montadora os dispêndios nos diferentes ativos
necessários à implantação de uma nova unidade industrial. De acordo com Alvarez
(2004, p. 271):
[...] a redução dos ativos das montadoras refere-se tanto aos recursos de
produção (instalações industriais, equipamentos, etc.) como àqueles dedicados
ao desenvolvimento de projetos (equipes de engenharia, sistemas, tecnologia,
etc.). A adoção de novos arranjos (condomínios e consórcio modular) nas
implantações de unidades de montagem de autoveículos, bem como o
desenvolvimento conjunto de projetos entre montadoras e sistemistas, são
aspectos relacionados ao objetivo de redução de ativos.
Em suma, as mudanças nas estratégias de concorrência da indústria
automobilística impactaram sua organização em âmbito internacional. No caso do
Brasil, a partir da transformação do ambiente institucional e econômico ocorrida ao
final da década de 1980, esse processo passa a atingir as subsidiárias instaladas no
País e a induzir a entrada de novas montadoras, levando a um processo de
reestruturação no setor, mas com algum grau de adaptação às condições locais.

472 Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016.


Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

4 Mudanças na economia brasileira e os impactos das estratégias da indústria


automobilística
No Brasil, a produção de veículos ao final da década de 1980 encontrava-se
concentrada entre poucos fabricantes: Ford, General Motors, Volkswagen, Fiat,
Toyota7, Mercedes-Benz8, Scania, Volvo9 e Agrale, bem como apresentava atraso
tecnológico em relação aos países do G7. Essa situação resultava do travamento dos
investimentos das montadoras do setor no período 1982-1989 (gráfico 2). No
certame internacional, o ganho de competitividade das fabricantes japonesas,
calcado no conjunto de inovações que compõem o conceito de produção enxuta,
pressionava as matrizes das subsidiárias instaladas no Brasil a direcionar esforços
para o desenvolvimento tecnológico das fábricas nos países avançados, com o intuito
de defender suas posições nesses mercados, em detrimento da atualização das
unidades instaladas em economias menos desenvolvidas (Latini, 2007, p. 279-281).
A esse cenário se soma, à época, a elevada incerteza presente no ambiente econômico
brasileiro, que foi decorrente da crise da dívida externa, do persistente quadro
hiperinflacionário, da estagnação econômica, de juros elevados, e a incidência de
barreira comercial no setor automotivo, cuja tarifa de importação de veículos
chegava a 85% em 1990 (Piani; Miranda, 2006, p. 16-17), impedindo a ameaça
competitiva de montadoras não instaladas no Brasil. Em conjunto, esses elementos
contribuíam para inibir a realização de investimentos, inclusive em atualização
tecnológica. Nesse sentido, as montadoras do setor automotivo no País seguem uma
tendência similar à da indústria nacional, conforme apontado por Kupfer (1998,
p. 58): “as condições internas aos investimentos eram adversas, mas a proteção à
indústria impedia a ameaça à sobrevivência das empresas, desestimulando a
realização de gastos em elevação da produção e atualização tecnológica”. Portanto,
o trinômio composto pela contestação das posições no mercado nos países
desenvolvidos, do ambiente econômico adverso aos investimentos e da proteção
contra concorrentes externos, inibiu os dispêndios das subsidiárias das montadoras
instaladas no Brasil no acompanhamento das novas tecnologias automotivas,
tornando-as tecnologicamente defasadas em relação às suas matrizes e às rivais
externas. Com efeito, a partir da crise da dívida externa em 1982, as inversões do
setor automotivo em valores reais a preços de 2012 10 caem de cerca de US$ 1,6
bilhões em 1981 para US$ 647,5 milhões em 1984, sendo que de 1985 a 1989
mantiveram-se relativamente estáveis, apresentando pequenas variações nas
proximidades da faixa dos US$ 1,1 bilhões (Gráfico 2).

(7) Comerciais leves.


(8) Caminhões e ônibus.
(9) Caminhões e ônibus.
(10) Valores a preços anuais de 2012, deflacionados pelo IPC dos Estados Unidos (Ipea, 2015).

Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016. 473


Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

Gráfico 2
Investimentos das Montadoras da Indústria Automobilística no Brasil no Período 1980-1995
(US$ Bilhões a Preços de 2012)
6,0
5,0
4,0
3,0
2,0
1,0
0,0
1980
1981
1982
1983
1984
1985
1986
1987
1988
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
Fonte: Anfavea/Anuário Estatístico da Indústria Automobilística 2014. Dados deflacionados pelo
IPC EUA (Ipea, 2015). Elaboração dos autores.

Com a abertura comercial ao final dos anos 1980, o setor automobilístico


enfrenta dois processos distintos de mudança em seu ambiente competitivo. De
reestruturação produtiva entre 1989 e 2003; e de consolidação do Brasil como centro
consumidor e plataforma regional de produção e distribuição de autoveículos na
América do Sul entre 2004 e 2013. A reestruturação é marcada pela redução do hiato
tecnológico em relação a produtos e ao processo de fabricação, havendo igualmente
uma maior convergência entre as estratégias das subsidiárias brasileiras com as de
suas matrizes. Isto ocorre também em duas fases distintas: 1989-1993 e 1994-2003.
Entre 1989 e 1993, ainda que tenha sido implantado um conjunto de medidas
de incentivo ao setor automotivo11, o cenário macroeconômico manteve-se adverso
aos investimentos. No entanto, o período também é marcado por uma maior
exposição das subsidiárias locais das montadoras ‘tradicionais’ à pressão
competitiva de rivais externas, em razão da progressiva diminuição do Imposto de
Importação de veículos. De fato, a tarifa de importação de veículos foi reduzida em
50 pontos percentuais em um curto espaço de tempo, passando de 85% em 1990 para
35% em 1993 (Piani; Miranda, 2006, p. 16-17). Cabe mencionar que o Imposto de
Importação de veículos chegou a atingir uma alíquota mínima de 20% em setembro
de 1994, embora por um breve período, voltando a ser elevada para 32% em fevereiro
de 1995 e, posteriormente, incidindo a Tarifa Externa Comum do Mercosul,
inicialmente de 70%, mas retornando a 20% ainda no mesmo ano no Decreto 1767
(Brasil, 1995; Latini 2007, p. 351-352). Inclusive, na Política Industrial e de
Comércio Exterior (PICE), o diagnóstico era de que a redução da barreira comercial
incidente sobre o setor automotivo seria benéfica, em decorrência do incremento da
pressão competitiva sobre as subsidiárias brasileiras. Isto induziria à modernização

(11) As principais medidas de incentivo ao setor entre 1989 e 1993 foram: a implantação da Câmara Setorial
da Indústria Automobilística em 1992, os Acordos Automotivos de 1992 e 1993 e o Decreto 799/1993 que
estabelecia incentivos à fabricação de veículos “populares” (Latini, 2007, p. 288-295).

474 Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016.


Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

do parque industrial e contribuiria para a manutenção da estabilidade econômica,


dentro da concepção da âncora cambial, pela via da concorrência no preço de oferta
dos veículos. Inicialmente, o estabelecimento dessa medida resultou em um relativo
pequeno incremento nos investimentos. As inversões da indústria automobilística,
em valores reais a preços de 201212, sobem de aproximadamente US$ 1,1 bilhões em
1989 para US$ 1,4 bilhões em 1990, estabilizando-se até 1993 nas imediações desse
patamar (Gráfico 2). Os investimentos ocorreram, sobretudo, em mudanças
organizacionais, como a adoção do sistema JIT e a desverticalização de funções não
diretamente ligadas à produção, como atividades de apoio e partes do processo de
fabricação (Calandro; Fligenspan, 2002, p. 8).
Com a abertura comercial, as importações de veículos pelo Brasil crescem
continuamente entre 1990 e 1995, passando a oscilar na faixa de 200 mil a 400 mil
unidades licenciadas por ano até 1998 (Gráfico 3). Em particular, o elevado
licenciamento de veículos importados no período 1995-1998 pode ser creditado à
estabilização econômica. O Plano Real, ao estabilizar o poder de compra da moeda,
gerou um efeito-renda positivo para os consumidores brasileiros, além de permitir
um horizonte de planejamento mais estável, o que viabilizou a tomada de crédito.
Soma-se a isso o fato de que o câmbio valorizado tornava atrativo o preço dos
veículos importados. O resultado foi a expansão desse mercado no Brasil.

Gráfico 3
Licenciamento de Autoveículos Novos Importados pelo Brasil 1989-2013
(Unidades Licenciadas)
900000
800000
700000
600000
500000
400000
300000
200000
100000
0
1989
1990
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013

Fonte: Abeiva, Anfavea e Denatran em Anuário Estatístico Anfavea 2014. Os dados até 2001
referem-se a vendas internas no atacado. A partir de 2002 referem-se a licenciamento
(Denatran/Renavam). Elaboração dos autores.

A entrada de veículos importados entre 1990 e 2001 é um ponto relevante


para a compreensão do processo de reestruturação produtiva da indústria
automobilística no Brasil. De fato, a partir do bom desempenho nas vendas de
autoveículos importados e do tamanho potencial do mercado nacional, as

(12) Valores a preços anuais de 2012, deflacionados pelo IPC dos Estados Unidos (Ipea, 2015).

Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016. 475


Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

montadoras ainda não estabelecidas passaram a enxergar o País como um destino


promissor para novos investimentos. As importações facilitaram igualmente a
decisão de instalação de unidades produtivas no Brasil, pois contribuíram para
consolidar suas marcas na cultura de consumo local (Costa, 2008, p. 109). A
formação do Mercosul em 1991 também ajudou nesse movimento, pois facilitou o
comércio entre os países membros e erigiu uma barreira comercial aos produtos de
fora do bloco, via estabelecimento da Tarifa Externa Comum (TEC) a partir de 1995
(Latini, 2007, p. 351). Com isso, criaram-se condições atrativas no Brasil, que o
qualificaram como mercado potencial e como possível plataforma de produção e
comercialização para atender ao Mercosul e demais países da América do Sul. Nesse
sentido, a escolha do País como sede dos novos investimentos também passou pela
existência de vantagens locacionais relativas aos seus vizinhos, em razão de
melhores condições em termos de logística, infraestrutura, qualificação da força de
trabalho, capacitação tecnológica e outras.
No que tange a queda no licenciamento de veículos importados no período
1998-2003 (gráfico 3), parte significativa pode ser atribuída à maturação dos
investimentos e início da produção local substituindo importações, tanto pelos novos
entrantes quanto pela fabricação de novos modelos pelas montadoras tradicionais.
De outra parte, a queda nas importações de autoveículos também está relacionada à
turbulência no ambiente econômico. De fato, os efeitos da Crise Asiática (1997-98),
da Moratória Russa (1998-99) e da Crise Argentina (1998-2002), cujos efeitos
negativos alcançaram também a economia brasileira, concorreram para a redução do
consumo de autoveículos importados. Não menos importante nesse período foi a
mudança do regime cambial, com a subsequente desvalorização do Real,
encarecendo o preço relativo dos autoveículos adquiridos de fora do Brasil.
Portanto, em decorrência da entrada de veículos importados e da melhora do
ambiente econômico no Brasil, o processo de reestruturação da indústria
automobilística ingressou em um segundo estágio, que se inicia por uma
intensificação no montante de investimentos realizados pelas montadoras no período
1994-2003 (gráfico 2). Concomitantemente às inversões das novas entrantes no País,
as fabricantes ‘tradicionais’ de veículos se viram pressionadas a fazer um movimento
similar, visando defender suas posições de mercado. Em geral, a maior parte dos
gastos foi dirigida à ampliação da capacidade de produção, modernização das plantas
existentes, instalação de novas unidades de fabricação e atualização tecnológica dos
veículos fabricados no Brasil. Em consequência, o volume de recursos investidos a
preços de 201213 salta de US$ 1,4 bilhões em 1993 para US$ 3,5 bilhões em 1996,
representando um crescimento de 145,2%. Inclusive, apenas em 2002 o patamar das
inversões retorna ao nível observado em 1993. A queda que se observa a partir de
1998 decorre das crises anteriormente citadas que atingiram a nação e, também, pela

(13) Valores a preços anuais de 2012, deflacionados pelo IPC dos Estados Unidos (Ipea, 2015).

476 Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016.


Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

maturação dos investimentos dos novos fabricantes no mercado brasileiro Honda


(1997), International (1998), Mitsubishi (1998), Toyota (1998) 14, Mercedes-Benz
(1999) 15 , Renault (1999), Iveco (2000), PSA (Peugeot-Citroën, 2001) e Nissan
(2002) 16 . Ainda assim, o patamar de investimentos das montadoras mantém-se
relativamente elevado até 2001, passando então a declinar até 2003 (Gráfico 2).
Cabe salientar que o processo de modernização do parque fabril da indústria
automobilística no Brasil foi diretamente estimulado por medidas governamentais
de política industrial setorial. Nesse quesito, destaca-se o Regime Automotivo de
1995, instituído pela Medida Provisória 1235/1995 e pelo Decreto 1761/1995,
posteriormente regulamentado pelo Decreto 2072/1996 e pela Lei 9449/1996.
Nomeadamente, os objetivos desta política foram: incentivar as montadoras a
investir em modernização de fábricas e veículos; fomentar a produção e o emprego;
e estimular as exportações. Assim, o Regime Automotivo originalmente estabeleceu
a diminuição de 90% no Imposto de Importação de bens de capital, sendo que foi
estipulado um cronograma de reduções para a aquisição de peças, componentes e
demais matérias primas de 70% em 1996; 55% em 1997; 40% em 1998; e 40% em
1999 (BRASIL, 1996). Adicionalmente, a diminuição na tarifa de importação de
veículos pelas montadoras instaladas no Brasil foi de 50% até 31 de dezembro de
1999. Para usufruir destas medidas, as subsidiárias locais deveriam produzir
autoveículos com no mínimo 60% de conteúdo nacional e atingir um desempenho
exportador capaz de compensar o incremento nas importações de bens de capital,
peças, componentes e insumos (Piani; Miranda, 2006, p. 16-17). Além disto, os
investimentos das montadoras também foram facilitados pela política cambial em
vigor no período 1995-1998, que reduziu o custo relativo de aquisição de máquinas
e equipamentos. Ainda no âmbito da política industrial, também foi importante no
processo de definição dos investimentos a MP 1532/1996, posteriormente
transformada na lei 9449/1997, que criava incentivos fiscais para a instalação de
unidades de produção nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste (Latini, 2007,
p. 297).
A reestruturação seguiu a tendência de replicar as estratégias adotadas em
âmbito internacional pelas montadoras, aumentando a convergência e integração das
ações das subsidiárias brasileiras com as de suas matrizes. Isto significou: a redução
do número de plataformas; a ampliação da variedade de modelos ofertados; a
instalação de bens de capital de elevado conteúdo tecnológico baseados na
microeletrônica; e a realização de mudanças organizacionais. No que tange a esse
último aspecto, difundiu-se o sistema JIT no processo de fabricação, juntamente com
arranjos modulares na forma de condomínios industriais. Dadas as vantagens dessas

(14) Início da produção local de automóveis.


(15) Início da produção local de automóveis.
(16) Produção de comerciais leves, em acordo estratégico para fabricação na unidade da Renault.

Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016. 477


Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

estratégias, a indústria automobilística brasileira experimentou ganhos de escala e de


escopo, bem como a diminuição de custos e de tempo de fabricação, o que contribuiu
para a melhora do desempenho das empresas. Além disso, o alinhamento de
estratégias veio acompanhado de assimilação de inovações já em uso nos principais
mercados, reduzindo o hiato tecnológico em produtos e em processos de fabricação
em relação aos observados nos países desenvolvidos.
Como pode ser observado na Tabela 1, no período 1994-2003 eleva-se
a produção local de autoveículos no Brasil, substituindo importações (Gráfico 3).

Tabela1
Produção de autoveículos, emprego e produtividade nas montadoras
da indústria automobilística no Brasil 1989-2013

Ano Unidades Produzidas Emprego Produtividade (un./emp.)

1989 1.013.252 118.369 8,6


1990 914.466 117.396 7,8
1991 960.219 109.428 8,8
1992 1.073.861 105.664 10,2
1993 1.391.435 106.738 13,0
1994 1.581.389 107.134 14,8
1995 1.629.008 104.614 15,6
1996 1.804.328 101.857 17,7
1997 2.069.703 104.941 19,7
1998 1.586.291 83.049 19,1
1999 1.356.714 85.100 15,9
2000 1.691.240 89.134 19,0
2001 1.817.116 84.834 21,4
2002 1.791.530 81.737 21,9
2003 1.827.791 79.047 23,1
2004 2.317.227 88.783 26,1
2005 2.530.840 94.206 26,9
2006 2.612.329 93.243 28,0
2007 2.980.108 104.274 28,6
2008 3.215.976 109.848 29,3
2009 3.182.923 109.043 29,2
2010 3.646.133 119.392 30,5
2011 3.442.787 125.972 27,3
2012 3.430.604 129.907 26,4
2013 3.736.629 131.595 28,4
Fonte: Anfavea/Anuário Estatístico da Indústria Automobilística 2014. Elaboração dos
autores.

478 Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016.


Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

Essa expansão se deve a maturação dos investimentos realizados pelas montadoras


entre 1994 e 2003 e à elevação na demanda, decorrente do processo de
desvalorização do Real a partir de 1999, das barreiras comerciais em uso, elevando
o preço do similar importado, e da ampliação do crédito e dos prazos de pagamento
(Bahia; Domingues, 2010, p. 15). Em decorrência, a produção passou de
aproximadamente 1,6 milhões de unidades em 1994 para 2,1 milhões de unidades
em 1997, representando um aumento de 30,9%. É importante salientar, igualmente,
o aspecto qualitativo da produção. Ainda que as crises tenham impactado
negativamente a produção em alguns momentos, a produtividade das montadoras se
manteve crescente entre 1994 e 2003, com exceção do ano de 1999, apresentando
incremento de 52,1% no período. Isto foi resultado das estratégias de modernização
adotadas pelas subsidiárias brasileiras. A substituição de força de trabalho por capital
se expressa no fato de que em 1994 foram necessários 107.134 trabalhadores para
produzir 1,6 milhões de unidades de autoveículos, enquanto que em 2003 empregou-
se apenas 79.047 trabalhadores para fabricar 1,8 milhões de unidades. Ou seja, na
comparação entre os dois anos, o incremento na produção de autoveículos foi de
15,6%, mas com redução de 26,2% no número de empregados. A produtividade
média das montadoras no período 1989-1993, em comparação a 1994-2003,
praticamente dobrou (95,2%), sendo respectivamente de 9,7 unidades/empregado e
18,9 unidades/empregado. Aqui se evidenciam os efeitos dos dois momentos do
processo de reestruturação das montadoras da indústria automobilística no Brasil.
Com a maturação dos investimentos feitos pelas montadoras no período 1995-2003,
com diminuição das inversões (Gráfico 2) e elevação da produção nacional entre
2000 e 2003, o processo de reestruturação se completa.
Com isso, o ano de 2004 marca um ponto de inflexão para a indústria
automobilística, inaugurando uma nova fase de consolidação do País como centro
consumidor e como plataforma regional na América do Sul para a produção e
distribuição de veículos. Nesse ano, havia no Brasil uma taxa de motorização de 8,6
habitantes/veículo, significativamente menor que a média do G7, que foi de 1,6
habitantes/veículo (Anfavea, 2014). O patamar dessa taxa indicava uma
oportunidade para a expansão do setor no Brasil. Com a melhora do quadro
econômico a partir de 2004, a demanda por autoveículos no País aumenta. Isto foi
decorrente do aquecimento da economia em relação ao período 1995-2003, com
inclusão de população ao mercado de consumo, o que se deu por meio do incremento
da renda das famílias e pelas facilidades creditícias (Arbix; Salerno, 2010, p. 2).
Logo, o incremento na demanda por autoveículos no Brasil ocasionou dois efeitos.
De um lado, houve uma expansão da produção e do consumo. De acordo com a
Tabela 1, em 2004 foram fabricadas 2,3 milhões de unidades e em 2013 esse volume
saltou para 3,7 milhões, perfazendo um aumento de 61,3%. Com isso, o País saiu da
9ª colocação no ranking mundial de produtores em 2004 para a 7ª posição em 2013
(Oica, 2013a). Em termos de consumo de autoveículos no Brasil, o volume adquirido

Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016. 479


Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

salta de cerca de 1,6 milhões de unidades em 2004 para aproximadamente 3,8


milhões de unidades em 2013, perfazendo uma elevação de 238,6% (Gráfico 4). Este
salto na quantidade de autoveículos vendidos anualmente colocou o Brasil como o
4º maior mercado no mundo em número de unidades.

Gráfico 4
Licenciamento de Autoveículos Novos Nacionais e Importados no Brasil de 1989 a 2013
(unidades licenciadas)

Fonte: Anfavea/Anuário Estatístico da Indústria Automobilística 2014. Dados deflacionados pelo


IPC EUA (Ipea, 2015). Elaboração dos autores.

De outro lado, o aquecimento do mercado também gerou um significativo


influxo de veículos importados (Gráfico 4). Na comparação entre 2004 e 2013, a
elevação do licenciamento de autoveículos importados foi de 1.145,2%, saltando de
61.722 unidades licenciadas para 706.847. Ambos os efeitos vêm induzindo um novo
ciclo de investimentos no Brasil. Os valores a preços de 201217 passam de US$ 898
milhões em 2004 para US$ 5,1 bilhões em 2011, representando uma elevação de
465% (gráfico 2). Para as montadoras já instaladas no território nacional, tratava-se
de ampliação da capacidade produtiva e desenvolvimento de novos modelos (Pudo;
Vale, 2012, p. 70). De outra parte, a expansão dos investimentos foi facilitada pelo
crescimento das importações consolidando as marcas de novos fabricantes no
mercado nacional. Em termos de estratégia de produção, produto e vendas, o
posicionamento continua sendo essencialmente aquele que se verificou até 2003.
Duas são as novidades a partir de 2004 em comparação ao período 1994-
2003. A primeira é a internacionalização das montadoras, cuja origem do capital é
proveniente da Ásia continental: Coreia do Sul, China e Índia, conforme mencionado
anteriormente. A segunda é o crescente credenciamento das subsidiárias brasileiras
como plataformas de desenvolvimento de produtos para mercados de países
emergentes.

(17) Valores a preços anuais de 2012, deflacionados pelo IPC dos Estados Unidos (Ipea, 2015).

480 Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016.


Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

Esse último ponto merece um maior aprofundamento. A execução de


atividades de desenvolvimento de novos produtos, particularmente de automóveis
compactos, pelas subsidiárias brasileiras é decorrente de um longo processo de
aprendizado e aprimoramento de capacitações em P&D, por intermédio de inversões
e de experiência acumulada (learning-by-doing). No período pós-2004, as
subsidiárias locais alcançaram o ponto da curva de aprendizado que tornou viável a
realização do projeto do veículo na íntegra. De acordo com Amatucci (2010, p. 6-
10), para todas as subsidiárias brasileiras, o processo de aprendizado iniciou-se pela
adaptação do projeto original dos veículos para as condições locais – a chamada
“tropicalização” dos modelos. Trata-se de seu ajuste às características da demanda,
dos combustíveis ofertados, das ruas e estradas, do clima, etc. As montadoras
‘tradicionais’ percorreram um caminho mais longo que as novas entrantes. A partir
dos anos 1970, o esforço das subsidiárias ‘tradicionais’ era apenas de adaptação dos
veículos. Na década de 1990 elas atingem o estágio de desenvolvimento de versões
de modelos originais, através da realização de modificações no projeto. A partir da
metade dos anos 2000 chegam ao estágio de fazer todo o desenvolvimento do projeto
do veículo, sendo bem-sucedidas na sua comercialização. Destaca-se aqui a
Volkswagen com o “Fox”; a General Motors com a “Meriva”; e, um pouco atrás, a
Fiat com o “Palio” em codesenvolvimento de 50% do automóvel com a matriz
italiana (Amatucci, 2010). O sucesso nesse processo de aprendizado não só habilitou
as subsidiárias das montadoras ‘tradicionais’, mas também criou um efeito-
demonstração importante, que abreviou esse esforço para as novas entrantes. As
últimas trilharam um caminho similar, realizando a “tropicalização” dos
autoveículos para, posteriormente, desenvolver versões próprias para o mercado
brasileiro em conjunto com a matriz (ex. Renault “Sandero”). Inclusive, parte dos
investimentos pós-2004 destinaram-se à infraestrutura e à contratação de recursos
humanos para sustentar as novas atividades de P&D. Note-se que devido às
características do mercado nacional, as subsidiárias brasileiras estão se
especializando no desenvolvimento de veículos compactos e econômicos, para
atender à demanda interna e àquela de países com características similares ao Brasil,
o que se reflete nos principais destinos externos da produção local.
Portanto, a fase atual é de consolidação da posição do Brasil como mercado
consumidor e plataforma regional de fabricação e distribuição de veículos na
América do Sul. Em 2013, a produção atingiu a marca de 3,7 milhões de unidades,
respondendo por 80,3% do total fabricado na América do Sul, que foi de
aproximadamente 4,7 milhões de unidades (Oica, 2013a). Esse montante é ofertado
por 21 fabricantes instalados em 55 plantas no País (Anfavea, 2014). Em termos de
comércio internacional, em 2013 as exportações de autoveículos do Brasil somaram
US$ 9,6 bilhões, totalizando 609.793 unidades, que correspondem a 16,3% do total
fabricado no País. Neste ano o principal destino das exportações foram os países da

Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016. 481


Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

América do Sul (87,6%). Individualmente, os parceiros mais relevantes foram


Argentina (71,7%), México (5,3%) e Chile (4,8%) (Tabela 2).

Tabela 2
Exportações Brasileiras de Autoveículos em 2013

Valor Participação
Países/Regiões Quantidade
(US$ Milhões) % Valor
Mundo 609.793 9.553 100,0
América do Sul 535.282 8.365 87,6
Argentina 479.212 6.845 71,7
Chile 12.446 461 4,8
Peru 8.452 369 3,9
Uruguai 15.020 227 2,4
Colômbia 9.672 219 2,3
Paraguai 4.832 77 0,8
Venezuela 2.683 72 0,8
Outros 2.965 93 1,0
México 48.149 509 5,3
Resto do Mundo 26.362 679 7,1
Fonte: Brasil (2015). Elaboração dos autores.

Note-se que parte dessas exportações é feita por meio de comércio


intrafirma, no âmbito de uma divisão internacional do trabalho, por intermédio da
complementaridade em relação à produção efetuada na Argentina e no México,
embora o último não pertença ao continente. Assim, as informações apresentadas
evidenciam a posição do Brasil como plataforma regional de produção para abastecer
o Mercosul e outros países da América do Sul.

Conclusões
A partir do referencial de análise evolucionário, baseado nos conceitos de
concorrência schumpeteriana e de paradigma tecnológico, o trabalho procurou
estudar como a indústria automobilística no Brasil se reestruturou e foi alçada ao
posto de plataforma de produção e de distribuição para a América do Sul no período
1989-2013. Este processo foi decorrente de duas vertentes. A primeira deriva da
expansão das montadoras em âmbito internacional para mercados emergentes. A
segunda vertente resulta das mudanças ocorridas na economia brasileira nos anos
1990. Dentre as principais modificações institucionais, se pode elencar a abertura
comercial, a estabilização econômica, a alteração do regime cambial e o
estabelecimento de novas políticas de apoio à indústria automobilística. Além disto,
a formação do Mercosul também foi um fator importante a incentivar o processo de
reestruturação do setor. O resultado da influência destas duas vertentes foi uma maior

482 Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016.


Estratégias competitivas e desempenho da indústria automobilística no Brasil

convergência entre as estratégias de concorrência das subsidiárias brasileiras com a


de suas matrizes, mas com algum grau de adaptação ao ambiente institucional local.
Assim, a indústria automobilística no Brasil enfrentou um processo de
reestruturação em duas fases: 1989-1993 e 1994-2003, que a colocou como
plataforma regional de produção e distribuição para atender ao mercado da América
do Sul. A primeira fase foi marcada pelo forte incremento nas importações,
disputando o mercado brasileiro de autoveículos, e pela adoção de novas técnicas
organizacionais, baseadas no sistema JIT, pelas montadoras ‘tradicionais’. A
segunda fase foi marcada pela expansão do mercado local de autoveículos, devido à
melhora do ambiente econômico do País e pela realização de investimentos em
atualização tecnológica do setor automotivo. Em geral, os investimentos seguiram a
lógica das estratégias adotadas pelas montadoras em âmbito mundial: redução do
número e elevação da modularização das plataformas de veículos; encurtamento do
ciclo de vida tecnológico dos mesmos; e maior flexibilidade no processo de
fabricação. Ademais, houve a instalação de novas unidades organizadas segundo a
lógica de arranjos modulares, na forma de condomínios industriais. Isto foi feito
mediante gastos em modernização das plantas existentes e abertura de novas
unidades de fabricação pelas montadoras ‘tradicionais’, assim como pela instalação
de fábricas por novos produtores. O impacto econômico da aplicação destas
estratégias pode ser observado na redução do hiato tecnológico no processo de
fabricação e nos veículos produzidos; na ampliação da variedade de modelos; no
incremento na produtividade e no volume de produção.
A partir de 2004, a indústria automobilística no Brasil entra em uma nova
fase, agora de consolidação de sua posição como plataforma regional de produção e
de importante mercado consumidor de veículos. O setor beneficiou-se do
aquecimento da economia decorrente das medidas distributivas que aumentaram a
renda das famílias, pelos investimentos públicos e pela elevação no nível de
emprego. Com o novo ambiente econômico, houve um surto adicional de
investimentos no setor. De um lado, as subsidiárias brasileiras empenharam-se em
ampliar sua capacidade de produção e continuaram a incorporar novas tecnologias
em seus produtos. De outro, houve um aumento de importações de autoveículos que,
ao consolidar a marca de novos fabricantes no mercado nacional, criou condições
para que estes tomassem a decisão de também se instalar no Brasil. Nesta última leva
de entrantes, destacam-se as subsidiárias das montadoras da Ásia continental, que
passaram as últimas décadas em um processo de atualização tecnológica com ganhos
de competitividade apoiados pela política industrial de seus países. Como resultado
desse ajuste estratégico, o Brasil chegou em 2013 na 7ª posição no ranking mundial
de países produtores e na 4ª no de vendas domésticas, respondendo por 80,3% da
produção de autoveículos da América do Sul, configurando-se como plataforma
regional de fabricação para atender à demanda dessa região. Ademais, algumas

Economia e Sociedade, Campinas, v. 25, n. 2 (57), p. 457-487, ago. 2016. 483


Rodrigo Morem da Costa, Hélio Henkin

montadoras conseguiram chegar a um nível de domínio da tecnologia de produção


de veículos que as habilitam ao desenvolvimento autônomo de novos produtos:
plataformas de autoveículos e seus modelos derivativos, sobretudo, para mercados
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