Você RH #88 - Out23
Você RH #88 - Out23
Você RH #88 - Out23
AS VANTAGENS E DESAFIOS DA
22
SEÇÕES
POR UM ESCRITÓRIO EM QUE TODOS ENTREM
A diversidade traz vantagens competitivas para a empresa.
3 | CARTA AO LEITOR Mas muitas seguem despreparadas para a inclusão de fato.
BOLETIM 36 50
FALE COM
ASSINATURAS
Fundada em 1950
VENDAS CORPORATIVAS, PROJETOS
ESPECIAIS E VENDAS EM LOTE
VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA
[email protected] (1907-1990) (1936-2013)
ATENDIMENTO
minhaabril.com.br Publisher: Fábio Carvalho
WhatsApp: 11 3584-9200
Telefones: SAC 11 3584-9200
Renovação 0800-7752112
De segunda a sexta-feira, das 9 às 17h30
E-mail: [email protected]
Diretor de Portfólio: Alexandre Versignassi
Editor-Chefe: Alexandre Carvalho
Editores de Arte: Pedro Emílio e Juliana Krauss
Repórter: Luisa Costa Estagiária: Juliana Brunes (arte) Colaboradora: Lia Fugita (revisão)
De segunda a sexta-feira,
das 9h às 17h30
VOCÊ RH 88 (ISSN 244709500), ano 16, no 6, é uma publicação bimestral da Editora Abril.
VOCÊ RH não admite publicidade redacional.
PARA BAIXAR SUA REVISTA DIGITAL
Acesse revistasdigitaisabril.com.br
SERVIÇO AO ASSINANTE Autoatendimento minhaabril.com.br WhatsApp 11 3584-9200 Telefones: SAC 11 3584-9200
CORRESPONDÊNCIA Renovação 0800-7752112, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h30
ANUNCIE
Anuncie em VOCÊ RH e fale com o público
leitor mais qualificado do Brasil:
[email protected] www.grupoabril.com.br
CLUBE DE REVISTAS
CLUBE DE REVISTAS
BOLETIM NOTAS
REPORTAGEM: LUISA COSTA
Crescimento
foi de 50%
no primeiro
semestre deste
ano em relação
ao mesmo
período de 2022.
S
erá que a sua companhia pais contratantes no momento são estavam crescendo”, afirma Genis
está supervalorizando al- indústrias químicas e de minera- Fidelis, gerente executivo da con-
gum salário? Ou pode se ção. O salário chega a R$ 20 mil. sultoria PageGroup. Algumas com-
dar melhor ao negociar Esses funcionários analisam panhias que aumentaram de tama-
com os fornecedores de tudo relacionado ao RH que pode nho em ritmo acelerado podem ter
benefícios? Esse é o tipo impactar o resultado financeiro de ido com muita sede ao pote na hora
de pergunta que um analista ou uma empresa. E não são procura- de amealhar talentos, oferecendo
gerente de remuneração sabe res- dos, necessariamente, quando uma salários não muito sustentáveis.
ponder. Não à toa, o cargo está em companhia está no vermelho – tam- Num segundo momento, então, elas
alta no mercado. bém quando ela percebe a neces- tendem a contratar especialistas
A demanda por esses profissio- sidade de se estruturar de maneira em remuneração para arrumar
nais aumentou 50% no primeiro mais estratégica. a casa.
semestre deste ano, em relação ao “Nos últimos dois anos, atende- Só cuidado para não exagerar
mesmo período de 2022. As princi- mos muitas empresas novas que nos salários deles ;)
CLIMA ORGANIZACIONAL
DOS COLABORADORES
32% SENTEM FALTA DE RECEBER
APOIO DE SEUS GESTORES.
O desconto no
salário acontece de
BENEFÍCIO DE ACADEMIAS VISA A
acordo com os dias
de frequência na
malhação. ALCANÇAR PEQUENAS EMPRESAS
Há um novo personagem no mercado de benefícios que levam funcionários à
academia. Trata-se do Namu Pass, que promete conquistar negócios de peque-
no porte e, assim, oferecer uma rotina de exercícios para mais gente.
Deuk Yeo, o CEO da Namu, defende que os modelos atuais de benefícios
tendem a favorecer quem já frequenta academia e trabalha em compa-
nhias grandes, justamente porque os valores da malhação não costumam
ser acessíveis para as pequenas.
O diferencial do Namu Pass é que ele não possui segmentação por planos ou
categorias nem opera com o pagamento de mensalidades. O benefício funciona
pela contratação de diárias em academias e estúdios – de ioga, crossfit, natação
e afins. Ou seja, só há desconto no salário se o colaborador realmente usar.
A ideia é que a empresa contratante pode sair ganhando ao depender do nível
de engajamento dos colaboradores em vez de pagar uma mensalidade salgada.
As academias, por sua vez, recebem por todos os check-ins em uma unidade.
Hoje, o Namu Pass abrange 1.400 academias em 20 estados brasileiros. A
expectativa é alcançar 5 mil até o fim de 2023.
5
BOLETIM MACRO - Gartner*
T
Todo segundo da sua vida importa,
é claro. Mas, para estar feliz e
produtivo na empresa, há momentos
realmente transformadores, que
têm um grande impacto sobre a
carreira do colaborador.
Um estudo da Gartner mostrou
que cinco deles, especialmente,
melhoram os sentimentos de justiça
(que proporcionam engajamento e
inclusão) e alteram o cansaço e a
saúde mental da força de trabalho (o
que influencia na sua performance).
OS LÍDERES DE RH Para chegar aos cinco momentos-
DEVEM IDENTIFICAR chave, a Gartner entrevistou mais
OS PONTOS-CHAVE de 3.500 trabalhadores de diversas
DA JORNADA DOS empresas ao redor do mundo.
FUNCIONÁRIOS E Os funcionários avaliaram como
FOCAR NAS SITUAÇÕES a experiência de cada situação
EM QUE HÁ MAIS afetou sua satisfação com seus
CHANCE DE IMPACTO empregadores. Confira quais
NA SATISFAÇÃO DELES. foram os destaques.
*EMPRESA DE BENCHMARKING GLOBAL DE CAPITAL HUMANO. CONTATO: [email protected] OUT / NOV 2023 VOCÊ RH 13
CLUBE DE REVISTAS
BOLETIM MACRO - Gartner*
FAZER UMA
APRESENTAÇÃO
5 1 TER UMA
4 2
CONVERSA DE
DESAFIADORA PARA ORIENTAÇÃO COM
3
A EMPRESA SEU SUPERIOR
Avanço: facilita o
Avanço: dá a rota
envolvimento em
para o crescimento
experiências fora da
na carreira.
zona de conforto.
3 4
Melhor percepção Soluções de RH que são
e relacionamento realmente relevantes
da equipe de RH. para os colaboradores.
*EMPRESA DE BENCHMARKING GLOBAL DE CAPITAL HUMANO. CONTATO: [email protected] OUT / NOV 2023 VOCÊ RH 15
CLUBE DE REVISTAS
BOLETIM DESAFIO DO RH
O COMEÇO DE QUEM
JÁ NASCE GRANDE Daniel Tucci, diretor
de RH da Renault
Brasil: seis ações
gratuitas para cada
funcionário do grupo
P
ense num bebê enorme. e o atendimento ao cliente”, diz. De E também para manter todos os
Criada a partir da decisão acordo com a executiva, a gestão funcionários informados sobre as
da Johnson & Johnson de de talentos foi um desafio crítico. mudanças, a visão da empresa
separar sua unidade de “Trabalhamos na identificação e os objetivos de curto, médio
consumo, a Kenvue mal das competências essenciais para e longo prazos. “Nossa cultura
chegou ao mercado (em o sucesso da empresa e garantir é trabalhada diariamente nos
maio deste ano) e já conta com uma equipe bem capacitada.” canais internos de comunicação
mais de 2,4 mil funcionários e Essa ação teve de ser realizada e nas ações integradas. O
um faturamento em torno de US$ em paralelo com a definição de objetivo é reforçar a ideia de
15 bilhões. Para se ter uma ideia cargos e funções, remunerações e time único, conectando todas as
dessa dimensão, a empresa ocupa benefícios. Tudo ao mesmo tempo. áreas”, explica.
um terreno de mais de 1 milhão de Entre as atividades para que
metros quadrados em São José dos Propósito da nova essa conexão saísse do papel, há
Campos (São Paulo). empresa fluiu pela encontros e eventos para falar
Nada mau para uma recém- comunicação interna de resultados, propósito, valores
-nascida. Mas esse tamanho Além de treinamentos sobre e comportamentos; cafés com a
também traz complicações: se, a cultura da companhia, liderança para aproximar os times
por um lado, garante holofote Jakociuk ressalta que foi preciso da alta gestão (e dar oportunidade
e credibilidade logo de cara, implementar uma estratégia para que todos possam fazer
também traz enormes desafios de engajamento interno e perguntas, sejam pessoais ou
para estabelecer os processos de comunicação para dar vida aos relacionadas ao negócio), além
RH – como fazem os negócios mais valores e propósito da Kenvue. de abrir espaço para sugestões de
novos, só que, neste caso, para melhorias e novas ideias.
uma estrutura mastodôntica. A Kenvue também adotou
Para lidar com a gestão de tecnologias específicas de
tanta gente em tão pouco tempo, recursos humanos para gerenciar
o primeiro passo da companhia foi todas as informações referentes
focar na cultura organizacional, aos funcionários, os processos de
definindo missão e valores. Isso avaliação para fornecer feedback
porque era preciso garantir contínuo e apoiar o crescimento
que os profissionais vindos da profissional. Com o objetivo
Johnson estivessem alinhados
com a visão da nova empresa e, A ESTRATÉGIA DE de manter o time dedicado ao
cumprimento das leis trabalhistas
ao mesmo tempo, assegurar que
as contratações fossem certeiras.
ENGAJAMENTO INTERNO e regulamentações, criou uma
área de compliance.
Tudo para que a companhia E COMUNICAÇÃO MANTÉM Um último ponto importante
operasse de forma eficaz desde desse alinhamento do negócio,
o início. É o que afirma Gisele OS FUNCIONÁRIOS destaca a diretora de RH, foi a
Jakociuk, diretora de recursos
humanos no Brasil da Kenvue. INFORMADOS SOBRE A implementação de estratégias de
diversidade e inclusão, de modo
“Esse movimento permitiu
começar com uma equipe
VISÃO DA EMPRESA E OS a promover um ambiente de
trabalho acolhedor a todos. Afinal,
experiente e, ao mesmo tempo,
graças aos novos colaboradores,
OBJETIVOS DE CURTO A nada como se sentir confortável
rapidamente numa casa nova.
impulsionar a agilidade, a inovação LONGO PRAZO.” E grande.
COM O RH
Cynthia Betti, da Plan
International: “Quando
cheguei eu tinha uma sala.
Então dispensei aquele
espaço e hoje me sento
no meio da equipe. O RH
também tem de estar mais
próximo das pessoas”.
NAS VEIAS
CEO DA ONG PLAN INTERNATIONAL, CYNTHIA BETTI CHEGOU AO TERCEIRO
SETOR APÓS OCUPAR O CARGO MAIS ALTO DE RECURSOS HUMANOS
EM UMA GRANDE COMPANHIA DE SEGUROS – ONDE FOI DE ANALISTA A
DIRETORA. ESSA TRAJETÓRIA LHE DEU UMA VISÃO DIFERENCIADA SOBRE
CAPITALISMO CONSCIENTE E AS LACUNAS DO RH.
ALEXANDRE CARVALHO
R
aros CEOs de empresas têm intervalo no setor de planejamento
uma trajetória com uma visão estratégico. Essa jornada de carreira,
tão abrangente sobre o RH diz a própria executiva, serviu como
quanto Cynthia Betti. Desde uma preparação para os desafios que
2018, ela é a número um no enfrenta hoje no terceiro setor. Foi
Brasil da Plan International, uma quando sentiu na pele a resistência
organização não governamental ao protagonismo das mulheres e teve
de 85 anos, presente em 82 países, o primeiro contato com os preceitos
que se dedica a garantir os direitos do capitalismo consciente e seu foco
e as oportunidades das crianças no propósito das organizações – algo
carentes, principalmente meninas que teve grande influência em sua
– viabilizando acesso ao estudo, transição para a ONG.
melhorando as condições de sua Nesta entrevista, Cynthia Betti
comunidade e combatendo a compartilha essa perspectiva
exploração sexual. privilegiada de CEO com visão crítica
Antes de receber o convite para do RH, apontando caminhos e os
assumir essa posição, Betti trabalhou pontos em que tanto o C-Level como
por 16 anos na Mapfre Seguros, os profissionais de recursos humanos
passando a maior parte desse tempo poderiam melhorar. Sugestões
na área de recursos humanos, onde para que o setor cumpra todo o seu
galgou todas as posições. Foi de potencial: torne-se, ao mesmo tempo,
analista a diretora de RH, com um mais estratégico e mais humanizado.
Ao longo da sua trajetória no RH Luluzinha”. E eu respondia: “mas aqui Não tinha. Em 2014, implantamos
da Mapfre, houve um período a gente vive no ‘clube do Bolinha’”. um conselho de diversidade na
em que você teve um intervalo Ainda assim, criamos um programa Mapfre quando ninguém falava
na área, indo trabalhar com de mentoria para mulheres que disso. Fomos a primeira seguradora
planejamento estratégico. Como poderiam ocupar cargos maiores. a assinar o compromisso do Fórum
foi isso e sua volta ao setor? Percebi que uma mulher num das Empresas LGBT [na época, a
Eu tinha de fazer o planejamento da cargo acima precisa puxar outras. sigla se resumia a essas letras].
empresa como um todo, de todas
as áreas. E aí passei a olhar o RH Essa percepção rendeu O que, então, abriu sua cabeça de
de fora, o que foi uma experiência outras reflexões sobre o vez em relação a essas questões?
incrível. Até que veio um convite ambiente corporativo? Fui a um congresso em Chicago
para voltar para a área de recursos À época, não tantas. Eu acreditava sobre capitalismo consciente.
humanos, mas aí já como diretora. muito em meritocracia. Vim de uma Saí de lá entendendo que a gente
Só que retornei com essa visão família muito simples, frequentei precisa ter um propósito. Para uma
estratégica, de cliente do RH, às vezes escola pública, comecei a trabalhar seguradora, o propósito dela é
não tão satisfeita com o que estava com 16 anos, fui balconista de proteger as pessoas. Mas os líderes
sendo oferecido. Minha missão era doceria... e cheguei lá. Só que eu sou vão perdendo essa noção ao longo do
mesmo aproximar o RH do negócio. uma mulher branca, né? De cabelo tempo. O foco vira dinheiro para os
claro, olhos verdes. E só percebi acionistas e bônus para os
Como foi essa mudança de estilo? isso quando vim para o terceiro executivos. Então virei a xiita do
Criamos, dentro do RH, uma área setor. Conseguimos colocar muitas capitalismo consciente. Houve
de controles e indicadores, e mulheres em cargos de liderança, gestores que me apoiaram nesse
transformamos tudo em números. mas quantas delas eram negras? caminho, mas outros eram contra.
Por exemplo, promovíamos diversos
treinamentos, mas muita gente Por que você decidiu deixar
não ia. Aí, sendo uma empresa de uma posição de diretoria
seguros, nós transformamos essas numa grande empresa para se
ausências em apólices. Falávamos: tornar líder de uma ONG?
“Vamos ter de vender mil apólices A decisão de sair foi muito bem
OS PRESIDENTES
a mais porque tantas pessoas não pensada. Eu fiz um coaching de
foram ao treinamento”. Começamos carreira, refletindo o que eu queria
PRECISAM DAR
a adequar a linguagem do RH à fazer nos meus próximos setênios...
linguagem do negócio, do C-Level. E eu me lembro de dizer: “Quando
A CANETA PARA
estiver aposentada, vou trabalhar
Que desafios você encontrou no terceiro setor”. Eu já pensava no
O RH. TÊM DE
nesse período? assunto em 2014, 2015, mas só fiz a
O principal foi a falta de diversidade. transição em 2018. Minha tristeza
COLOCÁ-LO EM
Eu era a única mulher e, conversando foi deixar a equipe que eu tinha.
com outras que tinham algum cargo Porque nós fizemos muita coisa,
CONDIÇÕES
de liderança, descobri que sempre mas fazer muita coisa ali me custou
havia muito mais homens nas equipes demais. Eu não sabia o que era
EQUIVALENTES
delas. Quando organizei um grupo de mansplaining, manterrupting... e vivia
mulheres para discutir essa questão, isso o tempo todo. Tinha dificuldade
ÀS DE UM CFO.”
alguns diretores passaram a dizer de me colocar nas reuniões, de ser
que eu estava criando o “clube da ouvida, respeitada. Chegou um ponto
em que precisava ser mais gentil E como o C-Level poderia sobre o Estatuto da Criança e do
comigo mesma e seguir os meus melhorar a atuação do RH? Adolescente, fiz um curso a respeito
propósitos sem tanta rejeição. Os presidentes precisam dar a de violência contra a criança.
caneta para o RH. Têm de colocá-lo Foi uma imersão mesmo, para
O que poderia mudar para melhor em condições equivalentes às de entender a causa. Também precisei
nos profissionais de RH? um CFO, ou essa pessoa nunca vai aceitar meus limites. Na Mapfre,
Quando cheguei para liderar a Plan ter a mesma escuta das demais. havia problemas para resolver
International, eu tinha uma sala. Não só a escuta, mas a capacidade diariamente, e eu resolvia. Aqui eu
Então dispensei aquele espaço e hoje de interagir e influenciar na não resolvo. Estamos trabalhando
me sento no meio da equipe. O RH tomada de decisões estratégicas. contra a violência infantil, a
também tem de estar mais próximo exploração sexual, mas ela ainda
das pessoas. Em vez de haver um E como foi, para você, assumir existe e vai continuar existindo. O
departamento de recursos humanos a Plan International depois Brasil é o segundo país do mundo
apartado do resto da empresa, de tantos anos no RH? em exploração sexual. Compreendi
precisa ter um profissional de RH Cheguei com grandes missões, de que estamos impactando a vida de
trabalhando dentro do marketing, arrumar os custos, a estrutura, milhares de crianças, mas nunca
outro junto à operação... Para criar processos. E com o desafio de vai ser suficiente para resolver
entender a realidade das pessoas. aprender muita coisa. Fui estudar os problemas de todas.
AS VANTAGENS E
OS DESAFIOS DA
DIVERSIDADE
EQUIPES COM MEMBROS DE VÁRIAS
ETNIAS, GÊNEROS E ORIENTAÇÕES
SEXUAIS TENDEM A SER MAIS
INOVADORAS E PRODUTIVAS.
MAS NEM TODAS AS EMPRESAS SABEM
PROMOVER A INCLUSÃO – OU SE
IMPORTAM DE FATO COM ELA.
ENTENDA O QUE PRECISA MELHORAR.
ALEXANDRE CARVALHO
“S
mos anos”, conta Michele Salles,
diretora de Diversidade, Inclu-
são, Equidade e Saúde Mental
da empresa – também ela uma
mulher negra. “Reconhecemos
que havia uma longa caminha-
da pela frente quanto à te-
mática racial e assumimos
compromissos importantes,
direcionando investimentos
internacionais para promo-
Sou uma mulher negra, te- ver uma agenda de equidade.”
nho 37 anos, moro até hoje no Segundo a executiva, o Dàgbá
Parque Novo Mundo. Estudei veio conectar as ações de di-
grande parte da minha vida em versidade a um processo real
escola pública e só consegui cur- de pertencimento das pessoas
sar uma faculdade por bolsa de negras. “Estamos trabalhando
estudos. Trabalhava e estudava esse tema pela discus-
ao mesmo tempo.” Essa é a his- são e entendimento
tória de vida de Carol Garrido – tanto da questão ra-
ou pelo menos parte dela. cial quanto do am-
No ano passado, essa mu- biente corporativo.”
lher de origem humilde teve a Além de Carol Garri-
oportunidade de participar do do, outros 11 colabo-
“Dàgbá – Líderes do Futuro”, radores negros foram
um programa da Ambev volta- promovidos na primeira
do aos funcionários negros. Os edição do programa.
integrantes do projeto foram
desafiados a desenvolver pro-
postas inovadoras com foco no “A BlackRock
negócio, e a equipe de Garrido acredita que
ficou em primeiro lugar. Como conselhos diversos
prêmio, ela ganhou uma viagem permitem que as
para Nova York. Será a primeira empresas gerem
vez que essa moradora da pe- valor para o
riferia de São Paulo vai entrar
num avião rumo a outro país. E
acionista.”
Comunicado da BlackRock, a maior
não ficou nisso. Por seu desem- gestora de fundos do mundo.
penho no programa, ela foi pro-
movida a uma posição de gestão
Nos ú lti mos a nos, assi m
estratégica. Tornou-se brand
como a Ambev, muitas outras
PR manager, liderando um time
empresas, de todos os setores
responsável pela comunicação
e tamanhos, têm investido em
e reputação de todas as marcas
promover uma cultura de di-
da companhia.
versidade dentro de casa. Um
“A Ambev passou por uma
trabalho que busca acolher e
transformação radical nos últi-
COMO OS PROFISSIONAIS
dar maiores oportunidades a
mulheres, negros, LGBTQIA+,
pessoas com mais de 45 anos
ou com deficiência.
Não é que todo mundo tenha
ficado bonzinho e empático com
VEEM A IMPORTÂNCIA DA
a dificuldade do próximo da noi-
te para o dia, claro. Enquanto
há as empresas que realmente
DIVERSIDADE
se dedicam a discutir e promo- Valorizam relativamente pouco, segundo esta
ver essas pautas por convicção pesquisa do Pew Research Center. Logo, esta é
e propósito, existem também as uma questão a ser resolvida.
que entraram na onda por obri-
gação. Ou para não ficar de fora MUITO IMPORTANTE TEM ALGUMA IMPORTÂNCIA NÃO TEM IMPORTÂNCIA
de negócios milionários.
A BlackRock, maior gestora TER DIFERENTES ETNIAS NO ESCRITÓRIO
de ativos financeiros do mundo,
publicou em 2022 um documen-
to com seus novos princípios de
investimento. A empresa, que
administra US$ 10 trilhões, in-
cluiu no topo de suas exigên-
cias para investir num negócio
32% 30% 38%
tópicos como a diversidade nos
DIFERENTES IDADES
conselhos de administração.
“A BlackRock acredita que
conselhos diversos podem pro-
mover uma maior resiliência na
liderança e na força de trabalho
e, por fim, permitir que as em-
presas respondam melhor às ne-
28% 34% 37%
cessidades de seus stakeholders
e gerem valor para o acionista MESMA PROPORÇÃO DE HOMENS E MULHERES
no longo prazo”, comunicou a
gestora de fundos. Por conta
disso, ela solicita aos conselhos
“Há companhias
em que não existe
nem ambiente
para conversar
sobre inclusão.”
Reinaldo Bulgarelli, consultor
especialista em diversidade.
As pedras no caminho
Pensando em todas essas informações, a receita
do sucesso parece simples: aumente a diversidade
e os resultados virão. Só tem um problema: as or-
ganizações, assim como a sociedade em geral, não
são esse mundo idílico onde os opostos se atraem.
Estamos falando de ambientes cuja tradição é de
maioria masculina, branca e heterossexual. Abrir
espaço para negros, pessoas trans, PCDs (pessoas
com deficiência) e mesmo mulheres em certos
negócios ainda é um desafio e tanto – que exige
sensibilidade e persistência do RH.
CONSCIENTIZE
SUA EQUIPE
Veja as dicas da consultoria Gartner para a empresa
disseminar um ambiente acolhedor à diversidade.
75%
da. Havia uma eletricista, Carolina Ignarra, con-
mas nunca era chamada. sultora e CEO da Talento
Se vinha, precisava ter um Incluir, especializada em
profissional homem junto”, encontrar oportunidades
conta Fabiana Santana, de emprego para PCDs.
diretora de RH. “Todo dia aqui eu tenho
“Há companhias em que oportunidade de vender
não existe nem ambiente pessoas com deficiência
para conversar sobre in- como se vende xampu.
das
clusão”, afirma Reinaldo Porque tem empresa que
organizações
Bulgarelli, consultor es- com uma liga pedindo 80 PCDs para
pecialista em diversidade cultura um prazo de 40 dias. Mas
e secretário executivo do diversificada não fazemos isso, mesmo
Fórum de Empresas e Di- excedem perdendo dinheiro. Se
suas metas
reitos LGBTQIA+. “Hoje, quer 80 pessoas com defi-
financeiras.
com o avanço da agenda ciência num prazo tão cur-
ESG, esses negócios estão to, é para cumprir cota,
em risco, porque precisam não tem uma preocupação
adotar uma mentalidade em se preparar para rece-
que não faz parte da sua ber quem vai chegar lá.”
cultura. Muitas vezes, têm Vale dizer, o Brasil é
de lidar com clientes im- um dos poucos países que
portantes que mandam exigem das grandes em-
exigências quanto ao nú- presas cotas de vagas para
mero de pessoas negras e profissionais com deficiên-
mulheres na organização, cia. E, se há negócios que
e eles não têm ninguém. contratam PCDs por obri-
Nem estão preparados gação, existem também os
para ter.” que o fazem por convic-
Uma pesquisa da con- ção. É o caso do Citibank.
sultoria de recrutamen- Não que o acolhimento,
to Talenses, realizada nesse caso, também não
sob encomenda para a seja um desafio.
Michele Salles,
da Ambev:
“Reconhecemos
que havia uma
longa caminhada
pela frente quanto
à temática racial”.
Negras
homossexuais
têm mais
chance de
sofrer racismo
no trabalho em
comparação
com negras
heterossexuais.
85%
é que essa preocupação para identificar ranhuras
é recente. Ou não vería- e outros defeitos nos pro-
mos uma imensa maioria dutos. “Foi uma questão
de homens brancos hete- também de encontrar as
rossexuais no C-Level das posições certas para elas
companhias. A opinião dos dentro da empresa”, diz
especialistas é que os tra- Fabiana Santana.
balhos de aprendizagem e Há de se ter persistên-
conscientização, somado cia, como no exemplo
dos
aos programas de desenvol- dessa diretora de RH. E
profissionais
vimento de líderes e inclu- ninguém melhor que os
acham que
são mesmo na base, preci- empresas negros, as mulheres e a
sam ser constantes, porque falam de comunidade LGBTQIA+
a questão não é pontual, diversidade para saber quanto tempo
e devem envolver a maior sem ter levou para que conquis-
interesse
variedade possível de gente. tassem uma série de di-
real, aponta
Dos 45+ às mulheres e ho- pesquisa da reitos de plena cidadania
mens trans, dos PCDs aos Talenses. – alguns ainda em risco
negros, e sem nunca deixar de retrocesso.
de lado a equidade de gêne- Seria muito otimismo
ro – ainda que a presença esperar que, dentro das
das mulheres em cargos de empresas, a inclusão cor-
liderança seja uma realida- resse muito mais rápido
de mais tangível. Afinal, o que no resto da socieda-
trabalho firme nessa cons- de. Mas o comportamento
cientização dá resultado. no ambiente corporativo é
Como prova a fábrica de mais regulamentado que o
pneus pesados Prometeon. do indivíduo na rua ou no
Como parte dos esfor- mosaico de vozes das redes
ços do RH em sensibilizar sociais. E ele tem todo o
as lideranças, a empresa potencial para acelerar a
investiu em palestras men- igualdade também da porta
sais sobre a importância para fora do escritório.
GESTÃO E
ESTR ATÉGIA
SEGUNDO
AOS 100 ANOS DE IDADE, O MAIOR ÍCONE VIVO DA DIPLOMACIA E DA GEOPOLÍTICA COMPARA, EM
SEU ÚLTIMO LIVRO, OS ESTILOS DE LIDERANÇA DE PERSONALIDADES DO SÉCULO 20. VEJA AQUI
SUAS ANÁLISES SOBRE MARGARET THATCHER, KONRAD ADENAUER E CHARLES DE GAULLE.
LUISA COSTA
P
latão, Sun Tzu, Maquiavel: todos
foram pensadores de peso que
refletiram sobre como ser um
bom líder. Agora, mais uma figu-
ra histórica se junta a esse time.
Trata-se de Henry Kissinger, o res-
ponsável pela política externa dos EUA
nos anos 1970, e que se tornou um ícone
do século passado.
Nascido na cidade alemã de Fürth,
em 1923, de família judia, ele esca-
pou da perseguição nazista ao se
estabelecer nos EUA em 1938. Lá,
estudaria história e construiria uma
carreira acadêmica em Harvard. Em
1954, ingressou no corpo docente da
universidade, tornando-se professor
de assuntos governamentais em 1962
e diretor do Programa de Estudos de
Defesa entre 1959 e 1969.
Mas foi seu livro Nuclear Weapons
and Foreign Policy (“Armas Nuclea-
res e Política Internacional”), de 1957,
que o tornaria uma autoridade em
estratégia. Nele, Kissinger se opunha
a um ataque nuclear massivo contra a
União Soviética, preferindo uma com-
binação de armas convencionais com
armamentos nucleares táticos, menos
devastadores. Seu livro posterior, The
Necessity for Choice (“A Necessidade
de Escolha”), de 1960, ia além, advogan-
do pelo uso apenas das convencionais
(de lado a lado, claro) no caso de um
conflito entre as superpotências. Acha-
va que o desenvolvimento de tecnologia
militar não deveria ser uma corrida à
toa, mas alinhado à estratégia exigida
em cada situação.
O brilho do seu pensamento não Konrad Adenauer
passou ao largo do governo americano. confessou os
crimes alemães
Entre 1969 e 1977, ocuparia os cargos na Segunda
de conselheiro para Assuntos de Segu- Guerra e aceitou
as penalidades.
rança Nacional e de secretário de Es- Assim, conquistou
a confiança do
tado (cargo equivalente ao de ministro resto do mundo
das Relações Exteriores no Brasil, só e reconstruiu a
Alemanha.
que mais importante, dados os ten-
táculos dos EUA pelo mundo). Permaneceu na função sobre como liderar sem deixar que as intempéries do
ao longo das gestões de Richard Nixon e Gerald Ford. passado impeçam um futuro próspero. E também sobre
Sua atuação durante a Guerra do Vietnã foi contro- como encontrar saídas para crises apesar das limitações
versa. Tanto adotou uma linha dura, com papel central que inevitavelmente aparecem – seja para o chanceler
no planejamento dos bombardeios no Camboja (1969 e da Alemanha ou para você, que está na gestão de uma
1970), quanto assumiu a frente das negociações de paz equipe no escritório ou tem de lidar com líderes no dia
que levariam à retirada das forças americanas do Vietnã. a dia do RH.
Por esse feito, receberia o Prêmio Nobel da Paz em 1973.
O conhecimento adquirido na política e na experiência Konrad Adenauer:
acadêmica permitiu que Kissinger escrevesse mais de a estratégia da humildade
uma dúzia de livros sobre política externa e diploma- Com 73 anos, Konrad Adenauer foi eleito chanceler da
cia. O mais recente é o best-seller Liderança (2023). República Federal da Alemanha em 1949. Recém-der-
São 500 páginas em que compartilha bastidores da rotado na guerra, seu país estava moral e politicamente
política internacional do pós-Segunda Guerra enquanto arruinado, com a economia também em frangalhos.
analisa a trajetória e as estratégias de seis líderes que, A tarefa de Adenauer, portanto, era reerguer seu
num momento crítico de transição, teriam moldado a país e restabelecer a soberania democrática para que a
ordem mundial. Alemanha, um dia, pudesse voltar a falar de igual para
Entre eles, vamos destacar três aqui: o chanceler igual com o resto da Europa – e do mundo.
Konrad Adenauer, símbolo do que Kissinger chama de Antes de assumir o cargo, Adenauer fez um discurso
“estratégia da humildade” ao reconstruir a Alemanha; afirmando que a Alemanha só poderia encontrar o
Charles de Gaulle, que teria investido na “estratégia da caminho para um futuro melhor reconciliando-se com
vontade” ao liderar a França; e Margaret Thatcher, cuja o passado – e que deveria buscar seu futuro dentro de
trajetória Kissinger considera marcada pela “estratégia uma Europa em unificação.
da convicção”, com a qual fez valer suas ideias contra Ali ele proclamava a postura que viria a adotar
uma oposição ferrenha no Reino Unido. enquanto chanceler – a qual Kissinger chamou de
Estudar suas trajetórias é uma maneira de aprender “estratégia da humildade”. Ela consistia em aceitar
Tipos de ESTADISTAS
São ambiciosos, mas não revolucionários. Buscam fazer
Margaret Thatcher:
a estratégia da convicção
Em 1979, a Europa teve finalmente uma mulher a
servir como primeira-ministra, no Reino Unido: Mar-
garet Thatcher. A antiga potência imperial estava
em declínio, com uma economia fraca e perdendo
importância mundialmente.
Defensora do conservadorismo e do liberalismo clássi-
co, a líder britânica adotou aquilo que Kissinger chamou
de “estratégia da convicção”: diante de uma resistência
feroz, implementou uma série de reformas econômicas,
que mais tarde receberia o apelido de “thatcherismo”. Ela
privatizou estatais, eliminou subsídios dados a compa-
nhias, reduziu despesas com serviços sociais, diminuiu
o poder de sindicatos e abriu o mercado financeiro a
investidores estrangeiros.
Só que, a princípio, os resultados não foram bons. A
indústria encolheu, e as tensões sociais aumentaram.
O desemprego disparou, de 5,3% em 1979 para 10,4%
em 1981.
Por outro lado, o setor de serviços cresceu com a
abertura econômica, e o de construção civil também,
graças a um programa que incentivou a aquisição de
moradias públicas.
E a situação melhorou. Um boom econômico ajudaria
a reduzir o desemprego no fim da década. Ainda assim,
Thatcher se tornou uma figura impopular, e o próprio
Partido Conservador ficou cada vez mais cético em
relação a suas reformas. Até que chegou uma grande
1 COMUNICAÇÃO
É A CHAVE 2 NÃO ESPERE
CONSENSO 3 SAIBA LIDAR
COM RISCOS
Um bom Você dificilmente verá Isso é tão importante
líder comunica todos concordando quanto a capacidade
objetivos e busca ao seu redor. Para analítica, porque
apoio – porque agir mesmo assim, é um líder se apoia
depender da preciso coragem em certezas
coerção é sintoma para escolher uma relativas do passado
de uma liderança direção e caráter e ambiguidades
inadequada. para sustentá-la. do futuro.
4 SEJA CRIATIVO
Em momentos de transição, é preciso
avaliar quais legados devem ser
5 ACREDITE NO FUTURO
Para Henry Kissinger, “nenhuma
sociedade pode permanecer grande se
preservados e quais possibilidades perder a fé em si mesma ou se impugnar
devem ser descartadas. sistematicamente sua autopercepção”.
ASSÉDIO
INTERNACIONAL
AOS TALENTOS
A
pós 17 anos de carreira na
indústria automotiva, a en-
genheira Ana Carolina Sorbo
quis ampliar os horizontes.
Com bagagem nos mercados
latino-americano, norte-
-americano e asiático, ela tinha um
alvo em mente: a Europa. Trabalhar
no continente, pensava ela, seria
uma boa estratégia de crescimento
profissional e pessoal – a qualidade
de vida do Velho Mundo, é claro,
contava pontos.
Até que o grande momento chegou:
a engenheira recebeu dois ótimos
convites para concretizar seu pla-
no. Não houve contraproposta da
montadora na qual trabalhava que
segurasse sua então head de geren-
ciamento de projetos. Em 2021, a
engenheira embarcou para Munique,
na Alemanha, onde assumiu o cargo
de head de lançamento e expansão
da Amazon. E ela não pretende voltar
ao Brasil tão cedo.
A executiva faz parte de um con-
tingente significativo de talentos
RESISTA QUEM PUDER: EMPRESAS ESTRANGEIRAS assediados por empresas estran-
ESTÃO ATRÁS DE PROFISSIONAIS BRASILEIROS, geiras. Não se trata do processo de
expatriar funcionários para outros
PRINCIPALMENTE NO SETOR DE TECNOLOGIA.
países, como as multinacionais fazem
E ISSO ACIRRA AINDA MAIS A DISPUTA POR há décadas. O fenômeno também não
COLABORADORES NUM MERCADO JÁ ESCASSO DE se refere às pessoas que emigram, na
MÃO DE OBRA. DIANTE DESSA REALIDADE, RETER cara e na coragem, em busca de uma
vida melhor. No cenário em questão,
FUNCIONÁRIOS É UM DESAFIO EXTRA PARA O RH.
são os nossos profissionais que estão
MARCELLA CENTOFANTI
recebendo propostas concretas para
atuar em companhias internacionais,
em modelo presencial ou remoto.
“O mercado de atração de talentos
está cada vez mais deixando de ser
local para se tornar global”, aponta
Lucas Toledo, diretor-executivo da
consultoria de recursos humanos
PageGroup. Embora não seja uma
invenção da atualidade, a diáspora
foi catalisada durante a pandemia
Leonardo Ferraz, da
ClearSale: “Conseguimos
reter alguns funcionários.
Com outros, fomos
transparentes em explicar
que não havia o que fazer.
Tinha gente com proposta
para ganhar o dobro”.
Segurança
psicológica conta
o único motivador para o êxodo. Ale- multiculturais e multifuncionais. Empresa de gestão de contratos
xandre Benedetti, managing director Também de que gostamos muito de software e serviços online, a
da Talenses, consultoria especializada de trabalhar”, aponta Benedetti. Brasoftware aposta no bom clima
em recrutamento, aponta que a mu- para reter seus talentos. Do ano
dança acontece também por fatores passado para cá, quatro dos 270
intangíveis. “As razões que levam um “Os brasileiros colaboradores receberam ofertas
profissional a fazer uma transição para têm fama de boa para emigrar – três para Portugal
o exterior são pessoais, profissionais e uma para a Suécia. Por enquanto,
adaptabilidade e de
e monetárias, além da perspectiva de ninguém saiu. “Como a gente tem
médio e longo prazo, porque nos países
bom relacionamento um canal muito aberto de comuni-
desenvolvidos há mais segurança na interpessoal com cação, antes de qualquer decisão, as
carreira”, afirma. times multiculturais.” pessoas nos procuram. Não foram
Neste ano, a Talenses está em pro- Alexandre Benedetti, diretor da Talenses. conversas em tom de barganha,
cesso de recrutar mais de 30 profissio- mas de uma troca para entender o
nais brasileiros para duas companhias momento delas na empresa”, afirma
europeias, uma alemã e uma suíça, am- Mesmo que o canto da sereia Shirley Rodrigues, gerente de RH
bas do setor automotivo. Um dos pro- seduza uma parcela dos colabo- da companhia. “Olhando para o
jetos é um hub de tecnologia sediado radores, o executivo da Talenses mercado, nós temos um ambiente
em Portugal. Além do mesmo idioma, acredita que um funcionário feliz interno muito saudável.”
nesse caso, o brasileiro é valorizado provavelmente vai ficar onde está, Dois funcionários desistiram
por outras qualificações. “Nós temos ainda mais em se tratando de um da mudança para a Península
fama de boa adaptabilidade e de bom passo tão arriscado quanto uma Ibérica quando a área jurídica da
relacionamento interpessoal com times mudança para o exterior. “Se Brasoftware apontou a burocracia
necessária para conseguir o visto de dor. Cada certificado, que custa de novo endereço.
trabalho. A firma estrangeira não US$ 150 a US$ 5 mil, é emitido no A engenheira Ana Carolina Sorbo
se responsabilizaria pela papelada. CPF do profissional, não no CNPJ concorda que nem tudo são flores.
O terceiro colaborador assediado da empresa. Ou seja, se a pessoa sai Apesar de trabalhar menos do que
pela companhia portuguesa não da Brasoftware, leva a certificação no Brasil, ela dedica três horas por
enfrentaria esse problema, por ter com ela. Trata-se de uma aposta dia na Alemanha, de segunda a
passaporte europeu. Nesse caso, de risco, como parte da estratégia sexta, ao estudo do idioma local.
a medida para evitar sua saída foi para criar vínculo com o time. Por Além disso, precisa correr atrás de
transferi-lo de uma função téc- enquanto, tem funcionado. conhecimentos numa área que ain-
nica, com salário fixo, para uma da não domina. “Às vezes, eu penso:
área de negócios, onde agora ele Should I stay estava tão bom, ganhava bem, esta-
recebe comissões. or should I go? va acomodada e, de repente, me pus
Já a funcionária tentada a traba- Morar em um país seguro e ganhar numa situação que é desconfortável
lhar na Suécia decidiu usar seu pe- em dólar ou euro é bom? Óbvio que todos os dias”, reflete. Mas ela não
ríodo de férias, durante a apuração sim. Mas também tem seu lado ne- se arrepende. “É preciso estar em
desta reportagem, para conhecer o gativo, como tudo na vida. Apesar constante desenvolvimento.”
país. Se decidir manter o emprego de os rendimentos serem maiores De fato, deixar uma situação
brasileiro, terá um acompanhamen- em nações desenvolvidas, o custo de estável para trabalhar em outro
to de carreira para se desenvolver vida, principalmente o de moradia, continente não é para qualquer um.
por aqui. também tende a ser – assim como Muito menos para quem é apegado
Além da segurança psicológica, a os impostos, dependendo do país de à zona de conforto. Mas os atrativos
Brasoftware aposta na capacitação destino. Depois que a pessoa ganha que vêm de fora parecem cada vez
dos profissionais como forma de experiência em dois ou três anos no mais irresistíveis. E essa realidade
retenção. Há seis anos, criou uma exterior, ela pode voltar ao Brasil e obriga os RHs daqui a, também eles,
área responsável pela certificação receber um salário que talvez não sair de uma situação confortável. É
dos colaboradores. A empresa banca seja exatamente igual àquele, mas hora de ir à luta – com criatividade
cursos oferecidos pela Oracle, pela que valha mais, quando se coloca e benefícios que vão além da grana
Microsoft e pela AWS, entre outros, tudo na balança. Outro ponto que – para segurar o que há de melhor
como parte da jornada do trabalha- pega é a adaptação da família ao no talento brasileiro.
A EVOLUÇÃO DO
AS REGRAS PARA ROUPAS NO TRABALHO NASCERAM NA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, PARA DISTINGUIR GESTORES
DE OPERÁRIOS. AGORA, COM OS COLABORADORES DEMANDANDO MAIOR FLEXIBILIDADE – E ACOSTUMADOS AOS
TRAJES INFORMAIS DO HOME OFFICE –, É UM BOM MOMENTO DE REAVALIAR AS NORMAS.
BEL DUVA
A
pandemia acelerou a flexibilização do dress code, mas ela já estava em andamento. Nos EUA, por exemplo,
o faturamento com as vendas de ternos masculinos caiu de US$ 2,2 bilhões em 2013 para US$ 1,9 bilhão
em 2018. E estamos falando de um negócio que, em 1948, segundo a associação americana de fabricantes
de vestuário, representava US$ 12,5 bilhões em dinheiro de hoje.
Mas foi nos últimos anos que o tema ganhou força – e vem ocupando cada vez mais espaço nos debates.
“Já antes da pandemia eu era convidada para dar palestras em empresas tradicionais para incentivar o
Diferenciando o topo
do chão de fábrica
O dress code é tão antigo quanto a humanidade. Na
Roma do século 4, o uso de vestes de seda púrpura
era restrito ao imperador e a quem ele autorizasse
pessoalmente – o aristocrata que vestisse uma sem
tal permissão seria decapitado.
Não surpreende, então, que os códigos de vesti-
menta no ambiente de trabalho tenham começado
A roupa de trabalho da
justamente com as primeiras empresas modernas, mulher logo absorveria
a influência do dress
na Revolução Industrial do século 18. code masculino. Uma
O uso da camisa branca de escritório prevaleceu tendência que se
intensificou à medida que
justamente por se tratar de uma roupa fácil de sujar. elas passaram a disputar
Só seria possível usá-la se você definitivamente não espaços de poder.
INFORMALIDADE
VEM ASSOCIADA À
PERSONALIZAÇÃO
A demanda por mais bem-estar psicológico dentro
das empresas tem crescido. Parte desse cuidado
passa por reconhecer o seguinte: os funcionários
não querem ser vistos como mais um número numa
planilha. E um dress code uniformizado transmite
justamente essa mensagem, a de que não há
preocupação com a individualidade da pessoa.
Segundo a consultoria americana de recrutamento
Vintti, flexibilizar o dress code traz inúmeros
benefícios. “As pessoas vêm de diversas origens,
com vários costumes e tradições. Permitir que se
vistam de uma forma que se alinhe com sua cultura
as ajuda a se sentirem valorizadas e respeitadas”,
aponta um comunicado da consultoria. Veja todas as
vantagens dessa flexibilização, segundo a Vintti:
O GURU
Algo mudou nas transições de
carreira desde que você lançou o
modelo de Pipeline de Liderança?
Sim. Há uma grande mudança
e também uma continuação
dos fundamentos da liderança.
A mudança é o uso de novas
DA
tecnologias. Elas estão diminuindo
O INDIANO RAM CHARAN TORNOU-SE O CONSULTOR o número de transições. As
DE EMPRESAS MAIS CÉLEBRE DO PLANETA AO tarefas que não tinham como
DELINEAR AS TRANSIÇÕES PELAS QUAIS UM LÍDER ser feitas agora serão realizadas
PASSA AO LONGO DA CARREIRA. NESTA ENTREVISTA, pelos algoritmos. Na maioria
ELE FALA SOBRE AS NOVAS DEMANDAS DOS dos casos, a supervisão pessoal
GESTORES NUM MUNDO EM EVOLUÇÃO ACELERADA. não será mais necessária, então
ALEXANDRE CARVALHO haverá um estágio de liderança
LIDERANÇA
a menos nessa jornada. E
isso vai dar mais tempo para
os líderes se dedicarem ao
coaching, ao planejamento de
carreira, à expertise... Será
um grande passo à frente.
"O
A percepção é algo muito pessoal.
consultor mais influente apresenta as transições pelas quais Ela pode ser influenciada
vivo.” Assim a revista um gestor deve passar ao longo da pela comunicação interna da
Fortune se referiu a Ram carreira, desde o primeiro cargo de empresa ou pela personalidade
Charan, indiano de 83 anos chefe até a posição de CEO. Cada do profissional. Para que essa
que vive nos EUA – isso uma com as mudanças de atitudes percepção seja positiva, a chave é
quando não está viajando que o profissional deve ter no dia a descobrir como as pessoas estão
pelo mundo para visitar empresas. dia, suas novas responsabilidades se sentindo em seus trabalhos. Há
Não é para menos. Ele é reconhecido e tarefas das quais deve desapegar aquele que pensa “eu preciso do
internacionalmente pelo seu para ser um grande líder. meu emprego só para sobreviver”.
trabalho com boards e CEOs das Chamado a compartilhar sua visão E tem o que diz “nem consigo
maiores companhias do planeta. de carreira e liderança em todos sair da cama para encarar meu
Foi inclusive conselheiro pessoal de os continentes, esse profissional expediente”. Também podem ser
Jack Welch, o lendário CEO da GE. participou em agosto do evento visões melhores, como “estou
No universo do RH, Charan se Flash Humanidades, em São Paulo, totalmente imerso no meu
tornou uma referência incontornável que premiou as empresas com RH trabalho, porque amo fazer o
no conhecimento sobre gestão mais inovador do Brasil. Foi quando que faço” ou “as pessoas ao meu
desde que lançou, em 2013, seu deu esta entrevista exclusiva redor me apreciam”. Precisamos
livro Pipeline de Liderança. A obra para a VOCÊ RH. levar em conta que estamos
A APRENDIZAGEM
CONTÍNUA É O QUE ME
MOVE PARA A FRENTE.”
OUT / NOV 2023 VOCÊ RH 57
ENTREVISTA
CLUBE DE REVISTAS
Há cerca de cem anos, a gestão de assumir riscos. Até vencedores Como a inteligência
empresarial foi inventada para que do Prêmio Nobel contaram artificial pode influenciar no
tivéssemos indústrias. Em algum com pessoas muito diferentes planejamento de carreira?
ponto, essa gestão prevaleceu deles em seus trabalhos. A coisa mais importante é
sobre qualquer liderança. E isso entender o que a IA pode fazer por
vai mudar porque nós precisamos Hoje ouvimos bastante sobre a você. Toda a informação disponível
das duas, em proporções necessidade de se ter uma cultura já está no Google. Então aprenda
semelhantes. Há líderes ruins de de aprendizagem nas empresas. como ela pode te ajudar no uso
gestão e existem gestores que não Como você vê essa questão? desse conhecimento, e tente se
conseguem liderar com empatia. Uma cultura que estimule o antecipar, estudando do que ela
Ambos acabam demitidos. autoaprendizado é fundamental. será capaz num futuro próximo.
Antes da internet, nos Estados Porque a sua carreira precisará
Ficou mais difícil ser um Unidos, eles pegavam um ir nesse mesmo caminho.
líder agora que há modelos livro, discutiam por duas horas
flexíveis de trabalho e e aprendiam. A maioria dos Você tem contatos com
funcionários que demandam bilionários tem essa capacidade muitos líderes de empresas
mais de suas empresas? de aprender sozinhos. Nós no Brasil. Vê diferenças de
Não. A questão é o encaixe, como construímos os primeiros estilo entre os gestores dos
no esporte. Você tem de jogar na aviões sem um manual que nos diversos países em que atua?
posição em que se sai melhor. ensinasse. Se não praticar o Eu tenho vindo ao Brasil há 25
Mas a pessoa que fazia sucesso autoaprendizado, você morre. anos. Fui apresentado a muitos
25 anos atrás nessa função pode líderes. E, como sou indiano,
achar difícil se manter nela se também conheci muitos líderes
não continuar aprendendo ao na Índia. Aliás, como vivo nos
longo da vida. Já alguém das Estados Unidos, obviamente
novas gerações tende a encontrar conheço muitos líderes
mais facilidade. O líder tem de americanos. Nos EUA, percebo
perceber isso, orientar esses que eles têm os melhores na
profissionais, e vai ter sucesso na
sua gestão, independentemente
HÁ LÍDERES área de ciência. Já no Japão, por
exemplo, você encontra líderes
dessas mudanças.
RUINS DE GESTÃO muito disciplinados. Mas aprendi
que generalizar, na maioria das
Manter um ambiente de
diversidade é um desafio
E EXISTEM vezes, não é muito proveitoso.
AMBOS ACABAM
pequenos grupos com diversidade. algo novo. A aprendizagem
Porque elas requerem diferentes contínua é o que me move
DEMITIDOS."
inputs. Pode ser diversidade de para a frente. Me faz querer
pensamento, de etnias, de vontade prolongar o meu trabalho.
MESMA FUNÇÃO,
NA CONCENTRIX
NÃO TEM “GERENTE
NÍVEL 2” E “NÍVEL
3”, COM ATIVIDADES
IDÊNTICAS E
REMUNERAÇÃO
DIFERENTE. GANHA
MESMO SALÁRIO
IGUAL QUEM TEM O
MESMO TRABALHO,
SEJA HOMEM
OU MULHER.
CAROLINE MARINO
A
equiparação salarial é tema estra-
tégico na Concentrix – empresa que
atua na área de soluções para a
experiência do cliente. Ao iniciar as
atividades no Brasil em 2014, depois
da aquisição da unidade de negócios
CRM Industry da IBM, a companhia
começou seu processo de gestão de
pessoas com a pauta da igualdade de
gênero muito bem definida – e como
parte essencial de sua cultura. Por
lá, todos têm direitos iguais, o que
inclui a remuneração: profissionais
com a mesma função ganham exa-
tamente o mesmo salário, desde o
nível operacional. Não importam as
Juliana Brito, gerente de
pessoas: manter poucos níveis diferenças entre os funcionários. Se
hierárquicos facilita a equidade. estão naquele cargo é porque mere-
cem um determinado valor. Ponto.
CONCENTRIX
Esse padrão é baseado em pesqui- e o diretor são apenas cinco níveis.
sas de mercado e nos conhecimentos, Esse sistema ajuda a evitar possí-
atribuições e habilidades exigidos para veis manobras para justificar salá-
cada atividade e área. “Ao receber- rios diferentes, como a contratação
mos o direcionamento global com de uma mulher como gerente 2 com ANO DE FUNDAÇÃO:
1983
os planos de carreira, começamos uma remuneração menor do que um
a preencher as posições sem ne- gerente 3 – mesmo que executem as
nhum viés de gênero, por exemplo, mesmas funções e tenham respon-
pois o importante é a capacidade e sabilidades iguais.
a senioridade dos profissionais para “É olhar para o ser humano, inde-
CHEGADA AO BRASIL:
desempenhar suas funções”, explica pendentemente de sexo, etnia, origem
Juliana Brito, diretora de pessoas da
companhia. O trabalho começou pela
análise das descrições dos cargos e o
ou idade. Não existe uma posição que
não possa ser desempenhada por uma
mulher ou que justifique um salário
2014
que exigiam de competências e perfil. mais baixo.”
Segundo a executiva, alguns pon- O trabalho de conscientização, UNIDADES:
tos são essenciais para o esquema principalmente dos líderes, também
realmente funcionar. O primeiro entra nessa lista. “Educar as pessoas SEIS NO BRASIL,
é iniciar a equiparação a partir da
base da hierarquia. “Se a empresa
é fundamental. Isso pode ser feito por
meio de cases de sucesso, palestras SENDO UMA EM
não fizer isso, pode até ter uma eco-
nomia num primeiro momento, mas
sobre vieses e dados de mercado a
respeito do valor da diversidade. A
FORTALEZA, UMA EM
vai alimentar um sistema desigual e
será muito mais difícil equiparar os
receita é informar, treinar e depois
implementar”, afirma.
BARUERI E QUATRO
valores mais para a frente”, diz. Ela
dá um exemplo: se um homem recebe
A diretora aponta que também é
importante contar com práticas que
EM SÃO PAULO.
R$ 3.000 no nível operacional e uma fomentem um ambiente de segurança
56,5%
mulher, R$ 1.500, a porcentagem de psicológica. “Ouvimos muito as pesso-
aumento em cada promoção nunca as para entender demandas e neces-
poderá ser de 100%, e isso vai criar sidades. No caso das mulheres, temos
um desequilíbrio muito grande. um grupo de afinidade para debater
O segundo é contar com uma des- os temas que são importantes para
crição de cargo muito bem definida, elas, como gestão do tempo, síndro-
como tempo exigido de experiência e me da impostora e mães com filhos dos cargos de liderança
skills. “Dessa forma fica muito mais neurodiversos.” Entre as iniciativas são ocupados por
simples desenhar e explicar promo- que surgem dessas conversas, o RH mulheres.
ções e movimentações”, afirma Brito. passou a questionar o horário e local
em que cada uma prefere trabalhar,
62%
SEM FIRULAS PARA JUSTIFICAR para conseguir alinhar a vaga às ne-
cessidades individuais.
DIFERENÇAS SALARIAIS Acolher a diversidade, afinal, vai
Outro ponto é contar com uma estru- muito além de uma remuneração jus-
tura organizacional horizontal, com ta. O ambiente favorável é fundamen-
menos níveis hierárquicos, o que dei- tal. Mas saber que seu salário será
xa os critérios de remuneração mais idêntico ao de qualquer colega com do quadro de
transparentes e claros para todos. a mesma função, sem dúvida, ajuda funcionários é constituído
Por lá, entre o agente de atendimento muito na construção desse ambiente. por elas também.
EXPANSÃO
COGNITIVA
Tiago Forte revela, em Criando um Segundo Cérebro, que digitalizar com
disciplina os dados mais relevantes pode mudar a forma como lidamos com
a informação, ampliando nossa capacidade de organizar o conhecimento e
acessá-lo rapidamente em apps ou na nuvem – uma forma de aumentar a
produtividade e nosso poder de criação.
T
udo começou com uma leve dor de garganta. Ao longo de meses, Tiago Forte (autor americano de
mãe brasileira) viu seu organismo tomado por uma doença misteriosa. Foi perdendo a capacidade
de falar, engolir e até de rir. Os médicos, cada um pedindo exames diferentes, não chegavam a um
consenso. Um dos medicamentos que Forte recebeu o fazia ter graves perdas de memória. “Eu era um
jovem de 24 anos com a mente de um idoso de 80.”
Até que teve o que chamou de uma epifania. Resolveu assumir a responsabilidade pela sua saúde
e começou a digitalizar todas as informações sobre sua condição e os tratamentos que havia recebido.
Organizou os dados e passou a estudá-los, procurando padrões. “Eu me transformei no gerente de projeto
do meu problema de saúde.” Compartilhando suas anotações em arquivos de computador com seus médicos,
acabou descobrindo que sofria de um distúrbio que afeta os músculos que agem sobre a voz – uma condição
que não seria resolvida com remédios, mas com cuidados com o corpo.
Desde então, ficou obcecado pelo potencial da tecnologia para canalizar as informações ao seu redor.
E percebeu que a rotina de anotar todo tipo de dado relevante, seja num aplicativo ou num documento na
nuvem, poderia ser uma poderosa ferramenta de trabalho. Concluiu que quem explora bem os recursos
tecnológicos de modo a estender sua capacidade de lembrar e organizar informações se torna um tipo de
mutante: ganha um cérebro a mais. E, claro, ter esse poder cognitivo ampliado é um grande diferencial – seja
para seus assuntos pessoais, seja para se destacar na carreira.
O trecho a seguir da obra de Tiago Forte, Criando Um Segundo Cérebro, revela um pouco de como esse uso
da tecnologia pode substituir antigos padrões, conectar ideias e explorar todo o seu potencial criativo.
TRECHO DO LIVRO
Uma pesquisa da Microsoft mostra balho de lembrar. nas planícies da África Oriental.
que o funcionário americano médio Precisamos reconhecer que as Toda vez que gastamos energia
gasta 76 horas por ano procurando demandas cognitivas da vida mo- nos esforçando para recordar coi-
anotações, itens ou arquivos perdi- derna aumentam a cada ano, mas sas, estamos deixando de utilizar a
dos. E um relatório da International ainda estamos usando o mesmo cé- mente para aquilo que só os huma-
Data Corporation descobriu que um rebro de 200 mil anos atrás, quando nos são capazes de fazer: inventar,
profissional do conhecimento gasta os humanos modernos surgiram elaborar histórias, reconhecer pa-
26% do dia procurando e consoli-
dando informações espalhadas por
diversos sistemas. E, por incrível
que pareça, apenas 56% das vezes É hora de aTualizar nossa memória paleolíTica.
eles conseguem encontrar as infor-
mações necessárias. de reconhecer que não podemos “usar a
É hora de atualizar nossa me-
mória paleolítica. É hora de reco- cabeça” para armazenar Tudo que precisamos
nhecer que não podemos “usar a
cabeça” para armazenar tudo que saber, e de Terceirizar para máquinas
precisamos saber, e de terceirizar
para máquinas inteligentes o tra- inTeligenTes o Trabalho de lembrar.
OUT / NOV 2023 VOCÊ RH 63
CLUBE DE REVISTAS
NA ESTANTE
drões, seguir a intuição, trabalhar bert Darnton, historiador e ex-di- próprio livro, marcado com sua
em colaboração com outras pesso- retor da Biblioteca da Universidade personalidade.
as, investigar novos assuntos, fazer de Harvard, explica o papel dos li- As pessoas instruídas utilizavam
planos, testar teorias. vros de lugar-comum: os livros de lugar-comum como
Cada minuto que desperdiçamos Ao contrário dos leitores mo- uma ferramenta para interagir com
tentando mentalizar tudo que te- dernos, que seguem o fluxo de o mundo. Recorriam a eles duran-
mos a fazer é um minuto a menos uma narrativa do começo ao te as conversas e os usavam para
que temos para atividades mais im- fim, os ingleses do início da era conectar conhecimentos de dife-
portantes, como cozinhar, cuidar moderna liam de forma intermi- rentes fontes e inspirar o próprio
de nós mesmos, praticar hobbies, tente, pulando de um livro para pensamento.
descansar e passar tempo com outro. Dividiam os textos em Como sociedade, todos nós po-
quem amamos. fragmentos, que agrupavam em deríamos nos beneficiar do equi-
Só há um problema: toda mudan- novos padrões ao transcrevê-los valente moderno do livro de lugar-
ça na forma de usar a tecnologia em seções diferentes de seus ca- -comum. Atualmente, a mídia foca
também requer uma mudança na dernos. Então liam de novo o que no que é novo e público – a mais
forma de pensar. Para de fato apro- tinham copiado e recombinavam recente controvérsia política, o
veitar o poder de um Segundo Cé- os padrões à medida que acres- novo escândalo de alguma cele-
rebro, precisamos ter um novo rela- centavam mais trechos. Assim, bridade ou o meme do dia. Res-
cionamento com a informação, com ler e escrever eram atividades suscitar o livro de lugar-comum
a tecnologia e até com nós mesmos. inseparáveis. Pertenciam a um nos permite conter essa maré, al-
esforço contínuo de entender as terando nosso relacionamento com
O legado do livro coisas, pois o mundo era repleto a informação e passando a focar
de lugar-comum de sinais: era possível transitar no que é atemporal e privado.
A prática de anotar os pensamentos por ele usando a leitura e, ao re- Em vez de consumir quantida-
para entender o mundo vem de lon- gistrar o que lia, você criava seu des cada vez maiores de infor-
ga data. No decorrer dos séculos, mação, poderíamos adotar uma
artistas e intelectuais, de Leonar- abordagem mais paciente e pon-
do da Vinci a Virginia Woolf, de derada que favorecesse a releitura,
John Locke a Octavia Butler, têm
anotado as ideias que consideram
um app de calendário a reformulação e o trabalho com
as implicações das ideias ao lon-
mais interessantes nos livros de
lugar-comum.
É uma exTensão go do tempo. Isso não só poderia
levar a discussões mais civiliza-
Popularizado num período an-
terior ao da sobrecarga de infor-
do cÉrebro para das sobre os assuntos importan-
tes do dia como também poderia
mações – a Revolução Industrial
do século 18 e o início do século
regisTrar evenTos. preservar nossa saúde mental e
evitar que nossa atenção fosse
19 –, o livro de lugar-comum era
mais do que um diário ou um lugar
o celular, para se tão fragmentada.
Fazer isso não significa retor-
onde a pessoa anotava suas refle-
xões pessoais: era uma ferramenta
comunicar. a nuvem, nar ao passado. Agora nós temos a
oportunidade de trazer a tradição
de aprendizado que a classe esco-
larizada usava para entender um
um espaço dos livros de lugar-comum para
a Era Moderna. Temos a chance
mundo em rápida mudança e com-
preender qual era o seu lugar nele.
para memória. de transformar essa prática his-
tórica em algo muito mais flexí-
Em A Questão dos Livros, Ro- vel e conveniente.