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Julho de 2003
Resumo
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Agradecimentos
índice
I- Apresentação do estudo
Introdução 1
A razão e a importância do estudo das concepções 4
O estudo das concepções dos professores em Portugal 7
II - Metodologia
Um estudo qualitativo 17
As opções metodológicas instrumentais 21
A natureza dos dados e a perspectiva analítica geral 24
Os participantes na investigação 26
A relação investigador-participante e o papel do investigador 28
As entrevistas 30
A observação de aulas 36
A análise dos dados 41
i
Em síntese 64
O conhecimento prático dos professores 66
A crítica ao modelo da racionalidade técnica 66
A noção de conhecimento prático 68
O “conhecimento-na-acção” e a “reflexão-na-acção” de D. Schõn 70
O conhecimento prático em Freema Elbaz 74
D. Jean Clandinin e o “conhecimento prático pessoal” 80
Em síntese 84
V - Os matemáticos
Manuel Silva 173
A escolha da Matemática e da profissão 175
A Matemática 178
A actividade matemática 184
O ensino da Matemática 194
Manuel Nunes 200
A escolha da Matemática e da profissão 202
A Matemática 206
A actividade matemática 214
O ensino da Matemática 222
ii
Discussão 228
A escolha da Matemática e da profissão 228
A Matemática e actividade matemática 230
O ensino da Matemática 238
VI - As professoras
Maria da Graça 243
Escolha e percurso profissionais ^ 244
A Matemática 251
A actividade matemática 258
As aulas de Matemática 265
Maria José 292
Escolha e percurso profissionais 294
A Matemática 300
A actividade matemática 303
As aulas de Matemática 315
Discussão 348
A escolha da Matemática e da profissão 348
Evolução profissional 349
A Matemática e actividade matemática 351
A Matemática nas aulas 364
VII - A concluir
Síntese do estudo 369
Conclusões 371
A relação com a Matemática e a escolha profissional- 372
A relação com a profissão 376
Concepções sobre a Matemática e sobre a actividade matemática 382
Considerações finais 403
Referências 409
Anexos 427
iii
I — Apresentação do estudo
Introdução
1 “Pense-se o que se pensar, o professor é aquele que sabe mais e que é mais competente”,
diz Hannah Arendt (2000, p. 33), criticando uma pedagogia entendida como ciência do ensino
em geral, que anula ou desvaloriza a formação do professor no domínio específico da matéria
que vai ensinar, e que desse modo retira ao professor “a fonte mais legítima da sua autoridade
enquanto professor” (p. 33).
2 Sabemos que pode existir aprendizagem sem ensino pois, como é da condição humana,
desde o dia que chegamos ao mundo, podemos sempre aprender, nos mais diversos contextos e
circunstâncias. Mas, que sentido ou significado atribuir a ensino se a este não corresponder
uma aprendizagem?
2
I - A presentação do estudo
3
I - A presentação do estudo
4
f - A presentação do estudo
maneira significativa aquilo que o professor faz. Já em 1974,. como relatam Clark
e Peterson (1986), na sequência de uma conferência promovida pelo National
Institute o f Education que visava ò estabelecimento de uma agenda para a
investigação no ensino, dizia-se mesmo, num dos relatórios apresentados: “ é
óbvio que aquilo que os professores fazem é dirigido de maneira não desprezá
vel por aquilo que eles pensam” (p. 256). Os próprios Clark e Peterson, no
estudo referido, apresentam como pressuposto da investigação sobre o pensa
mento do professor, a ideia de que o seu comportamento pode mesmo ser
“determinado” pelos processos de pensamento que desenvolveu1. Fennema e
Franke (1992), por sua vez, são de opinião de que é indiscutível que o conheci
mento do professor “é uma das influências mais importantes naquilo que é feito
na sala de aula e, em última análise, naquilo que os alunos aprendem” (p. 147),
ideia que vem exactamente no mesmo sentido da de Frank Pajares (1992),
referindo-se, neste caso, às crenças (beliefs) dos professores:
5
I - A presentação do estudo:
6
I - A presentação do estudo
em educação: “a orientação teórica que póssüímos determina, no que é pensado, àquilo que é
‘variável importante’ e o que é ‘ruído’” (p. 3).
1 Refiro-me aos estudos desenvolvidos no quadro dos chamados mestrados de Boston
iniciados em 1983 e que deram origem às primeiras teses de autores portugueses na área do
ensino da Matemática, e ao trabalho de Paulo Abrantes apresentado em 1986 para prestação
das provas de aptidão pedagógica e competência científica.
2 Cristolinda Costa (1984) e José Manuel Matos (1994).
3 Domingos Fernandes (1984), Fátima Costa (1984) e Maria Cecília Monteiro (1984).
4 Rui Soares (1984) e Paulo Abrantes (1986).
7
I - A presentação do estudo
8
I - A presentação do estudo
1 Este problema foi também identificado entre os matemáticos num trabalho de que a seguir se
dá conta (Mura, 1993).
9
I — A presentação do estudo
10
I - A presentação do estudo
1 Situação também identificada, como então referi, em outros estudos como, por exemplo, em
Brown, Brown, Cooney e Smith (1982), Owens (1987) e Thompson, (1982).
11
I - A presentação do estudor
Concepções sobre a actividade m atem ática. Alguns dos estudos que analisei
identificam nos professores uma distinção: uns tendem a encarar a Matemática
fundamentalmente como um “corpo de conhecimentos”, outros como uma
“actividade” (Canavarro, 1993; Martins, 1996). Esta distinção não é muito
especificada mas um desses estudos apresenta-a como traduzindo as “duas
concepções principais” dos seus participantes e dá-nos conta que, para uma das
professoras, as acções mais importantes nessa actividade são “a criação e a
exploração de relações entre conceitos” onde intervêm saberes matemáticos
(Canavarro, 1993, p. 312). Da professora em questão, é ainda dito que ela se
reconhece como uma matemática pois considera as actividades que profissio
nalmente desenvolve da mesma natureza das que os matemáticos realizam. Esta
identificação não foi no entanto encontrada nos outros participantes do mesmo
trabalho, sendo referido que, para uma outra das professoras, contrariamente, a
actividade matemática escolar “é muito diferente da genuína actividade matemá
tica dos cientistas”, diferença que, no entender dessa professora, reside no facto
de ela ser essencialmente “transmissiva e não criativa” (p. 178). Este trabalho,
reporta ainda o reconhecimento, por parte dos professores estudados, da com
ponente criativa na actividade matemática científica como um elemento que
caracteriza essa actividade, dando-nos conta igualmente que, para esses professo
res, o matemático, no processo de “criação do novo conhecimento, [é] motiva
do pela resolução de problemas” internos ou externos à Matemática (p. 312).
Numa outra investigação, a Matemática-como actividade de resolução de
12
! - A presentação do estudo
13
I - A presentação do estudo
14
I - A p resen tação do estudo
15
I - A presentação do estudo;'
16
II — Metodologia
Um estudo qualitativo
O interesse que a psicologia social teve, nos primeiros anos do século XX,
em relacionar as crenças dàs.pessoas com as suas acções!' desvaneceu-se nos
17
Ií .«*Metodologia
18
II': M etodologia
19
II - Metodologia
20
II - M etodologia
dade é ela própria objecto de estudo, sobre o qual o investigador não tem (e não
pretende ter) qualquer controlo (Merrian, 1988; Yin; 1984). É, além disso, uma
modalidade de investigação adequada quando se pretende compreender em
profundidade uma situação num registo exploratório, mas também descritivo e
analítico, e evidenciar os aspectos singulares mais relevantes que a caracterizam.
0 recurso a vários casos tem por objectivo gerar evidência diversificada, e em
maior quantidade, e possibilitar, com o seu confronto, uma iluminação mútua
desses casos, bem como a identificação de elementos de homogeneidade (aspec
tos comuns, convergências, semelhanças) e de heterogeneidade (singularidades,
divergências, contrastes).
21
II - Metodologia
22
II - M etodologia
1 O ‘essencialmente’ não é despiciendo uma vez que nas entrevistas também intervém a
observação que dá conta, por exemplo, de aspectos da comunicação não verbal ou relativos ao
contexto ambiental, da entrevista, enquanto que, no processo de observação de aulas, por sua
vez, existe também uma componente comunicaçional introduzida pela minha interacção verbal
com as professoras, sobretudo nas entrevistas sobre as aulas observadas.
24
II - Metodologia
vivo da elocução oral” (Cunha e Cintra, 1986, p. 63)', ele próprio também
indutor de sentido. A pontuação, sem a qual a transcrição escrita seria,: em
muitas situações, senão ininteligível, pelo menos de difícil compreensão, é
inferida a partir da audição das pausas e entoações do discurso oral e de outros
“inumeráveis recursos rítmicos e melódicos da língua falada” (p. 639) detecta
dos nos registos sonoros, e conferida pelo sentido, e portanto, pela interpretação,
do discurso oral audio-registado. No processo de observação, o registo de aula é
também uma reconstrução predominantemente descritiva mas menos próxima
dos factos observados e com um vínculo menos profundo com eles. A sua
elaboração é mediada pela interpretação que intervém de forma mais notória e
intensa, uma vez que integra elementos de natureza analítica e apreciativa, quer
na selecção in situ dos factos ou acontecimentos que irão compor o registo,
quer na posterior estruturação e redacção desse registo.
O processo de análise teve início com um exame preliminar da priméira das
entrevistas longas que visava sobretudo o planeamento da segunda entrevista.
Importa dizer que, num sentido mais amplo, a análise começou mesmo antes da
recolha de dados com a definição do enquadramento teórico e das principais
questões da investigação, bem como com a própria escolha dos participantes do
estudo e dos instrumentos de recolha de dados. Estes momentos dà investigação
integram-se no processo de redução de dados, mais precisamente, na “redução
antecipada de dados” que Miles e Huberman (1984) mencionam como antece
dendo a recolha de material empírico 2 e cuja importância justificam pelo facto de
“conduzir a dados que são radicalmente mais ricos para a análise [subsequen
te]” (p. 25). Na verdade, esses momentos da investigação contribuem a priori
para a selecção dos dados e para os centrar de acordo com o objecto e propósi
to do estudo e, para além disso, têm um papel importante na recolha do material
empírico e no desenvolvimento completo da análise. Para Miles e Huberman a
redução de dados faz parte integrante do processo de análise, visto como
conjugação de “três fluxos concorrentes de actividades”, “Redução dos dados”,
1 É, como os autores citados o referem, uma forma de “suprir [a] carência” da língua escrita
face à quantidade de recursos de que a língua falada dispõe e a escrita não (Cunha e Cintra,
1986, p. 639). '
2 Estes autores subdividem a redução de dados em “antecipada” (antecipatory), “no interim”
(interin) e “posterior” (post), conforme o momento êm que se realiza relativamente à recolha
do material empírico (Miles e Huberman, 1984, p. 25).
Os participantes na investigação
26
II - M etodologia
27.
II - M etodologia
As professoras que integraram este estudo não eram minhas conhecidas até
à data da realização do curso de formação em que participaram e que foi
preparado no âmbito de um projecto de pesquisa sobre os saberes do professor
a que eu próprio pertencia, tendo sido um dos seus formadores. Também os
matemáticos não faziam parte das minhas relações pessoais. Umas e outros,
aceitaram a participação que lhes solicitei no primeiro contacto que tive com
cada um, não tendo existido no processo de escolha nenhuma recusa. Na mesma
altura foi-lhes assegurado o seu anonimato e foram informados do objecto e do
propósito geral da investigação que pretendia realizar, bem como do tipo de
colaboração que lhes iria pedir e do fim a que se destinava a investigação — a
realização das minhas provas de doutoramento. Esta foi, fundamentalmente, a
informação que transmiti aos professores que vieram a participar no meu
estudo, para minimizar o perigo de a sua participação vir a sofrer algum envie-
zamento devido a um conhecimento antecipado excessivamente detalhado e
aprofundado dos meus propósitos com a investigação.
A questão agora mencionada tem a ver com a relação investigador-
participante, questão que em estudos qualitativos é de grande complexidade 1 e
se reveste de uma importância porventura muito maior do que em estudos de
outra natureza. Em particular, McCracken (1988), reconhecendo os méritos e
potencialidades da perspectiva que vê o participante como um “colaborador” na
investigação — nomeadamente no que se refere à transparência dos objectivos
da pesquisa e à resolução de questões éticas associadas a estudos desta natureza
— recomenda, todavia, alguma prudência e limites para o grau de colaboração
1 McCracken (1988) considera mesmo “uma das diferenças principais entre a,maioria da
investigação qualitativa e a quantitativa reside no facto de que .a primeira exige uma relação
entre o investigador e o respondente muito mais complexa” (p. 25).
28
II - Metodologia
29
II - Metodologia
As entrevistas
“instrumento primordial para a recolha e análise dos dados” (p. 36) num estudo de caso de
tipo qualitativo.
30
II - M etodologia
por outro, foram orientadas de forma flexível para integrar alterações na se
quência prevista ou questões não planeadas motivadas pelas intervenções do
entrevistado. São, por esta razão, entrevistas mais “orientadas para a informa
ção” do que “para a resposta”, usando a categorização de Powney e Watts
(1987)1, uma vez que pretendia sobretudo criar condições para or entrevistado
explorar, ele próprio, as questões propostas e desse modo captar e compreender
os seus pontos.de vista.
Para as entrevistas longas elaborei dois guiões, um para os matemáticos e
outro para as professoras (anexos 1 e 3, respectivamente) que, para álém de um
conjunto de itens que é comum aos dois, incluem questões que diferem confor
me o tipo de participante a que se dirigem, com o propósito de tirar proveito dà
especificidade de cada um, particularmente, ao nível da sua experiência com a
Matemática. No-caso das professoras, as questões específicas incidem sobretudo
em aspectos relacionados com o ensino e aprendizagem desta disciplina, e, no
caso dos matemáticos, essas questões recaem principalmente sobre sua experiên
cia como investigadores em áreas matemáticas.
Em cada guião, as questões estão organizadas de acordo com os temas e
subtemas do estudo e apresentadas numa sequência que procurei" seguir, não só
para facilitar o processo de análise de dados mas também pàrá que as diferentes
questões surgissem, a cada entrevistado, sensivelmente no mesmo contexto da
entrevista. Embora com esta preocupação, o guião não foi assumido como um
plano para cumprir rigidamente, mas serviu principalmente de fio condutor das
entrevistas e para garantir a cobertura dos temas e subtemas sobre os quais
pretendia recolher informação. Sempre que o andamento da conversa èm curso
o justificou, introduzi alterações na sequência prevista das questões e foram
intercaladas perguntas não planeadas motivadas por respostas do entrevistado,
muitas vezes para obter maior esclarecimento, detalhe ou profundidade dessas
31
II-, Metodologia
32-
II - M etodologia
33
II * Metodologia
Ludke e André (1986) consideram que a “imposição de uma problemática” é uma das
“principais distorções que invalidam frequentemente as informações recolhidas por uma
entrevista” (p. 35).
34
II - Metodologia
35
t.
II - M etodologia
Á observação dé aulas
36
II - M etodologia
37
II - M etodologia
perspectivas, ideias e acções dos sujeitos, tendo em- vista compreender; do seu
interior, a realidade em que se inserem, integrando os seus próprios pontos de
vista. Decidi contudo por um envolvimento reduzido, não participando nos
acontecimentos observados e não tendo tido, em nenhum momento, qualquer
intervenção quer na preparação das aulas, quer na sua realização1. Esta opção
permite uma maior disponibilidade para observação e um maior distanciamento,
uma vez que o investigador não está envolvido em nenhum aspecto da prática
lectiva do professor e, para além disso, minimiza o efeito da sua presença na
prática do professor em observação. Ou seja, diminui os riscos de ‘contamina
ção’ dessa prática pelo investigador, naturalmente mais provável quando ocorre
um envolvimento extensivo e profundo do investigador. Importa todavia dizer
que o ‘afastamento’ deliberado do investigador pode, em contrapartida, dificul
tar a compreensão dos pontos de vista do professor sobre a prática que empre
ende2. As entrevistas de curta duração sobre as aulas observadas foram
pensadas e realizadas, justamente, para contrabalançar tal afastamento e, em
alguma medida, conseguir, através da interacção com as professoras a propósito
dessas, aulas, uma maior proximidade e compreensão dos seus pontos de vista
sobre a prática lectiva observada. Esta maior proximidade e compreensão foram
também visadas na segunda das entrevistas longas com as questões que introdu
zi a partir da análise das notas de observação.
Çomo preparação específica para o processo de observação de aulas e pos
terior análise, elaborei um guião contendo uma lista de itens, a considerar na
recolha das notas durante as aulas, e respectiva especificação (anexo 5). Não
utilizei qualquer grelha de observação ou outros instrumentos de natureza
semelhante, optando por uma observação não focada embora conduzida tendo
38
II - M etodologia
1 Estas notas são do tipo observacional* (observational) a que Alba Thompson (1982) se
refere, pois baseiam-se sobretudo no olhar (watching) e no escutar (listening) por parte do
observador e tendem a incidir sobre “o ‘quem ’, o ‘o quê’, o ‘quando’ e o. ‘com o’ da situação
observada, contendo pouca interpretação” (p. 43). (*Tratar-se-á, eventualmente, de um
neologismo que julgo adéquado à tradução do termo utilizado por Alba Thompson).
2 São, podemos dizer, notas com o cariz das que Thompson (1982) considera como do tipo
teórico e metodológico, uma vez que se referem, respectivamente, “aos significados que o
investigador extrai das notas observacionais, isto é, interpretações, inferências, hipóteses, e
conjecturas (...) [e] às próprias acções do investigador na condução do.estudo ;— instruções a
si próprio, reminders, críticas etc” (p. 43).
39
I I 7 Metodologia
1 Os episódios aqui referidos, tal como as vignettes de Erickson (1986), possuem um carácter
analítico uma vez que apenas captam e destacam determinados aspectos da realidade observada,
40
II - M etodologia
desvalorizando ou omitindo outros, tendo também, como elas, .funções “retóricas” e “co m
provativas” (evidentiary) (p. 150).
1 Erickson (1986) considera que o conjunto dos materiais recolhidos no campo — riotás de
campo, material documental, gravações e mesmo as transcrições de entrevistas — não constitu- -
em os dados (data) da investigação mas recursos documentais “a partir dos quais os dados .
devem ser construídos através de um processo formal de análise” (p. 149). Na presente
investigação, a análise começou por incidir nos textos integrais das transcrições, das :notas de
campo e dos registos de aula, de onde resultou a selecção das “unidades básicas” .(p. 149) »
sobre as quais a análise de dados, no seu desenvolvimento, se centrou e sé foi aprofundando.
Importa dizer que a própria elaboração dos registos de aula constituiu um momento da análise
prévio, integrado no processo de redução de dados de que Miles e Huberman (1984) falam,
processo de redução que progride durante toda a análise e culmina com as redacção das
conclusões.
2 Trata-se, podemos dizer, da “apresentação dos dados” que Miles e Huberman (1984)
referem, embora para tal não tenha recorrido às modalidades'que estes autores sugerem para
essa apresentação — “figuras descritivas” e “matrizes descritivas” e “explicativas” (pp. 25-
41
II - Metodologia
26), optando antes por um texto do tipo nairativo que considerei mais adequado ao estudo que
pretendia realizar. Esta fase é também penetrada por uma redução e transformação dos dados
no sentido em que na apresentação dos dados existe “selecção”, “resumo ou paráfrase” dos
dados ou a sua “inclusão numa metáfora ou padrão mais amplo”, formas que a redução
qualitativa de dados pode assumir (Miles e Huberman, 1984, p. 24).
42
II - M etodologia
43
II - M etodologia
Estes exemplos, consistem em citações directas das entrevistas, ou das notas de campo, e em
episódios narrativos extraídos dos registos de aula, as primeiras com a indicação expressa da
sua localização na entrevista respectiva (número da entrevista e da página de onde foram
extraídas) e os segundos referindo a data da aula.a que dizem respeito.
Este tipo de descrição, tal como o autor a preconiza (nomeadamente, recorrendo a tabelas de
frequências simples), não foi utilizada neste estudo por não se lhe adequar, embora o objectivo
de síntese e identificação de regularidades que lhe é atribuído tenha, naturalmente, também
norteado a análise aqui efectuada.
Erickson (1986) descreve ainda dois outros tipos de comentários interpretativos: um, como
sendo a “discussão teórica que faz salientar a importância mais geral das regularidades
identificadas nos acontecimentos relatados”, e outro, a “explicação das mudanças que
ocorreram no ponto de vista do autor no decurso da investigação” (p. 152).
44
II - M etodologia
A segunda fase analítica ocorreu após a elaboração dos relatos das profes
soras, resultantes da análise efectuada na primeira fase e incidiu, precisamente,
sobre esses relatos. O seu propósito principal era confrontar os dois casos numa
discussão em que procuro salientar elementos de homogeneidade e de heteroge
neidade no que diz respeito às suas concepções sobre a Matemática e sobre a
actividade matemática e também no que se refere aos seus percursos escolares e
profissionais. Os casos das professoras e os casos dos matemáticos foram trata
dos em separado. Estes últimos só foram iniciados depois de concluídos os casos
das professoras e a respectiva discussão. Com este tratamento separado, procurei
criar condições para o referido confronto entre as duas professoras, por um
lado, e os dois matemáticos, por outro, minimizando uma eventual contamina
ção que não pretendia, nem na primeira, nem na segunda fase de análise.
A análise nesta fase foi, como na primeira, orientada pelas questões mais
amplas desta investigação e resultou numa discussão dos casos dos participantes
dois a dois, em que procuro destacar aspectos comuns, convergências ou seme
lhanças, bem como singularidades, divergências ou contrastes. Para tal, construí
uma tabela para cada par de casos, contendo os trechos extraídos da descrição
dos casos respectivos que considerei relevantes para a sua discussão. Esta
informação era inserida na tabela de acordo com as categorias e subcategorias
que estruturaram a descrição dos casos. Da análise destas tabelas, fequentementé
acompanhada pela leitura ou releitura de trechos das entrevistas e dos próprios
casos resultaram os itens que estruturaram e deram corpo à discussão pretendida
na segunda fase da análise. Cada uma das discussões constitui, por assim dizer,
uma espécie de ‘conclusões intermédias’, correspondendo a um trabalho de
síntese mais notório e intenso do que na primeira fase.
A terceira fase da análise incidiu sobre as discussões que resultaram da se
gunda fase, embora tenha recorrido, com alguma frequência, às descrições dos
casos individuais e também aos dados ‘em primeira m ão’ (trechos das entrevis
tas e dos registos de aula). O seu propósito era confrontar as análises já realiza
das, em particular as da segunda fase, num èsforço de síntese mais acentuado e
visando a formulação de asserções interpretativas mais abrangentes1. Esta última
45-
\
II - Metodologia
fase analítica foi igualmente orientada pelas questões mais amplas do estudo,
desta vez cruzando professoras e matemáticos e integrando elementos da
literatura teórica e empírica sobre as temáticas desta investigação. Deste trabalho
emergiram os itens que estruturam as conclusões relativas a cada uma das
questões sob investigação e que são apresentadas em três pontos — “A relação
com a Matemática e a escolha profissional”, “A relação com a profissão” e
“Concepções sobre a Matemática e a actividade matemática”.
46
Ill — O conhecimento do professor
As concepções e as crenças
1 Conceber: desenvolver em si o gérmen de; gerar; imaginar, inventar (J. Almeida Costa e
A. Sampaio e Melo (1994). Dicionário da língua portuguesa ( T ed.). Lisboa: Porto Editora.
2 Em rigor, nem sempre se tratará de um exterior psicológico pois quando o pensamento se
debruça sobre si próprio, ou quando incide sobre objectos ideais, o objecto é interior ao sujeito
que pensa e não deixa de lhe ser transcendente, transcendência entendida no sentido gnoseoló-
gico que Nicolai Hartmann (1945) lhe dá: “a oposição entre o sujeito e o objecto não pode ser
suprimida [ainda que] não se trate, necessariamente, de uma oposição no tempo e no espaço;
um objecto ideal (uma proposição matemática, por exemplo), ou ainda mais, alguma coisa de
47'
I ll - G conhecim ento do professor
espécie de, ‘dar à luz’, é no entanto sempre interior, significando este ‘dar à luz’
que a concepção ficou disponível para os ‘olhos’ (do pensamento) da pessoa.
Num sentido amplo, concepção pode designar “todo o acto do pensamento
que se aplica a um objecto” (Lallande, 1976, p. 161), ou o resultado desse acto,
entendido assim como “a simples visão que temos das coisas que se apresentam
ao" nosso espírito” (P .-Royal, em Lallande, 1976, p. 161). Hannah Arendt
(1992), considerando o pensamento como uma das actividades de base do
espírito, apoia-se na distinção kantiana entre razão e intelecto, para distinguir
pensamento de conhecimento ou saber. Citando o próprio Kant, diz:
puramente subjectivo (como uma opinião ou um sentimento), uma vez que se tomem objecto
em relação ao sujeito que conhece, opõem-se necessariamente ao sujeito enquanto tal e nessa
medida são transcendentes” (pp. 91-92).
1 Com “entender” (entendre) a autora pretende, julgo,, salientar a dimensão receptiva do
intelecto uma vez que a palavra francesa possui também o sentido de ouvir e perceber.
2 Esta acepção de verdade como uma evidência irrecusável — “A verdade é o que a natureza
dos seus sentidos e do seu cérebro obriga o homem a admitir” (p. 79, itálico meu) — não
implica no entanto, em Arendt, uma noção absoluta e imutável de verdade: “O saber (savoir)
tem certamente por fim a verdaide, mesmo se esta verdade, como nas ciências, nunca é durável,
mas parcial e provisória, e que nos esforcemos por substituí-la por outras,- mais exactas, à
medida que o saber progride” (p. 79).
48 As concepções e as crenças
Ill - O conhecim ento do professor
não pergunta o que é uma coisa ou se ela existe (...) mas o que significa ela
existir” (p. 75).
Mas, se significado e verdade são coisas diferentes — “a exigência da razão
não é inspirada pela pesquisa da verdade mas pela pesquisa do significado; e,
verdade e significado não sãò uma única e a mesma coisa” (p. 30) — isso não
significa, no entanto, para Hannah Arendt, que as actividades do espírito não
estejam relacionadas1. Para conhecer, diz-nos Arendt, servimo-nos do pensamen
to e a razão, num certo sentido, “representa a condição a priori áo intelecto e
do conhecimento” (p. 79): sem o pensamento, sem esse “apetite de significado”,
como lhe chama, não seríamos capazes de conhecer.
Também para John Dewey (1991), é a procura de significado que norteia o
nosso pensamento. “Pensamos para captar significados {grasp" meaning)”,
asserção que, no entanto, este autor aplica igualmente ao acto de conhecer: ;
“todo o conhecimento, toda a ciência, visa assim captar o significado dos objec-'
tos e acontecimentos” (p. 117).
Quando em How we think2, Dewey analisa o modo como pensamos, apre
senta quatro modalidades de pensamento. Duas delas, as formas de pensar mais
elementares, correspondem a pensamentos que aceitamos sem que tenhamos
necessidade de algum tipo de fundamento. Consistem na simples consciência que
temos de alguma coisa, real ou imaginária, ou na evocação mental que fazemos.
das coisas que não temos em nossa presença. As outras duas correspondem a._
formas de pensar mais elaboradas, em que já exigimos algum tipo de fündamen-.
to para que aquilo em que pensamos nos mereça crédito. Nuns casos, esse
fundamento não é questionado nem examinado, e os pensamentos que elaborar
mos são aceites numa base de que não temos consciência, como diz Dewey, por
tradição, instrução ou imitação: tais pensamentos “provindo de origens obscuras
e por canais desconhecidos, insinuam-se para aceitação e, sém que’ ténhamos,'
consciência, passam a fazer parte do nosso equipamento mental” (p. 4). Noutros
casos, para fazermos crédito no que pensamos, procuramos deliberadamente
examinar o seu fundamento. É a forma a que Dewey chama de pensamento
1 “Ao distinguir verdade e significado, saber e pensamento”, diz Arendt, “não tenho a
intenção (...) de negar o facto de que o pensamento, nã procura do significado, e o saber, na
procura da verdade, estão ligados” (p. 79). , . .
2 Dewey (1991).
As concepções e as crenças 49
Ill - 0 conhecim ento do professor
50 As concepções e as crenças
III - O conhecim ento dò professor
Concepção e crença
As concepções e as crenças 51
I ll - O conhecim ento do professor
52 - As concepções e as crenças
III - O conhecim ento do professor
1 A partir de meados dos anos noventa começa a tomar corpo, em Portugal, uma outra linha de
investigação na área do conhecimento do professor que trabalha essenciamente com o conceito
de conhecimento profissional (Guimarães, 1996; Ponte, 1993,1994).
2 Alba Thompson (1982) apresenta como um dos propósitos do seu estudo: “identificar òs
principais conceitos, pontos de vista e crenças (concepts, views, and beliefs) que constituem as
concepções dos professores” (p. 2). No final do estudo, Thompson usa também a ideia.de.
“preferência” (preference) para descrever extensivamente a noção de concepção: “existe uma
forte razão para acreditar que, em Matemática, as concepções dos professores (as suas crenças,
pontos de vista e preferências) (...)” (p. 261).
3 O que também acontece em áreas que não a do ensino da Matemática: Frank Pajares (1992)
no seu estudo sobre crenças, refere investigação das ciências físicas que também utiliza o termo
concepção num sentido mais alargado do que o de crença, englobando, entre outras noções,
“crenças metafísicas”, “metáforas”, “analogias” e “conceitos” (p. 320).
As concepções e as crenças 53
I l l - O conhecim ento do professor
Crença e conhecimento.
54 Às concepções e as crenças
Ill - O conhecim ento do professor
As concepções e as crenças 55
III -.0 .conhecim ento do professor
56 As concepções e as crenças
IFI - O conhècim ento do professor
As concepções e as crenças 57
I l l - 0 conhecim ento do professor
de uma coisa, exige um postura mecanicista difícil de digerir” (p. 310). Também
António Damásio (1995), na sua obra a propósito da clássica distinção entre
corpo e mente, afectividade e racionalidade, sublinha as dificuldades que esta
separação levanta e o papel que as emoções desempenham no pensamento
racional considerando, por exemplo, que sem a intervenção destas o pensamento
lógico, pelo menos em certas situações, tem dificuldade em operar, nomeada
mente para tomar decisões.
Existe, assim, dificuldade em conseguir uma distinção clara entre crenças e
conhecimento. Frank Pajares (1992), recorrendo a fontes da Psicologia e estudos
cognitivos (Rokeach, 1976; Nisbet, 1980; Lewis, 1990) chama a atenção para
esta dificuldade — “não há maneira de fugir à natureza entrelaçada das crenças
e do conhecimento” (p. 313) — afirmando que há inclusivamente perspectivas
que sustentam que todo o conhecimento tem a sua raiz em crenças. Entre esses
autores, uns consideram o conhecimento um conceito mais amplo do que o
conceito de crença, incluindo-as no conhecimento, outros, pelo contrário, vêm
nas crenças um conceito mais abrangente do que o conhecimento. Para Roke
ach (1976), por exemplo, “qualquer crença considerada isoladamente, uma vez
que representa uma.predisposição para responder de um modo preferencial ao
objecto da crença, pode ser vista como possuindo, quer uma componente
afectiva, quer uma componente cognitiva” (p. 115). Para este autor, cada
crença, isolada ou inserida num conjunto de crenças determinado, possui ele
mentos afectivos, responsáveis pelos aspectos emocionais, e elementos cognitivos
que representam o conhecimento. Rokeach propõe ainda uma terceira compo
nente a que chama “componente comportamental” 0behavioral), uma vez que,
concebida como uma predisposição para agir, considera que a crença conduz “ a
algum tipo de acção, se convenientemente activada” (p. 114).
Referindo-se ao conhecimento, Fenstermacher (1994) distingue, do ponto
de vista da epistemologia, dois tipos principais que identifica como conhecimento
proposicional (propositional knowledge) e conhecimento comportamental
(performance knowledge), cotejando-os, respectivamente, com as noções de
conhecimento formal e de conhecimento prático na análise que faz da investiga
ção sobre o conhecimento dos professores (veja-se a secção mais adiante sobre
o conhecimento prático).. Trata-se, no fundo, da mesma categorização que
Pajares (1992) vai buscar, a outros autores — “conhecimento declarativo”
58 As concepções e as crenças
IÍI - O conhecim ento dó professor
As concepções e as crenças 59
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Os sistemas de cr en ça s..........
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III ■O conhecim ento do professor
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I ll • O conhecim ento do professor
Em síntese
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IÍI - O conhecim ento do professor
As concepções e as crenças 65
III - 0 conhecimento do professor
nos, não se adequá às situações da prática com que nòs deparamos, uma vez
que elas não se apresentam como problemas claramente definidos para serem
solucionados, mas como “situações problemáticas caracterizadas pela incerteza,
desordem e indeterminação” (p. 16).
As situações da prática profissional não são simples, estáticas, estruturadas
ou uniformes mas, pelo contrário, como Schõn (1991) sublinha, são situações de
elevada complexidade, de carácter único, instáveis e ém que existem conflitos. É
este tipo de situações que o profissional defronta (muito evidentes em educação)
e para as quais a formação tradicional — que poderíamos traduzir de forma
simples por aprender para aplicar — é inadequada. A ciência e a técnica não
contêm todas as respostas às questões e problemas que a prática levanta e
existem elementos essenciais no conhecimento profissional que só se manifestam
e desenvolvem na prática. Desta análise decorre a proposta de uma epistemolo-
gia da prática que, ao contrário da racionalidade técnica, reconheça e integre
elementos dessa prática. “Se o modelo da racionalidade técnica é incompleto na
medida em que não contempla as competências práticas que situações ‘diver
gentes’ exigem”, diz Schõn, “procuremos, em seu lugar, uma epistemologia da
prática implícita nos processos intuitivos e artísticos que alguns profissionais
desenvolvem em situações de incerteza, instabilidade, singularidade e de conflito
de valores” (p. 49). Atribui-se assim à prática, um valor epistemológico conside-
rando-a como fonte de conhecimento profissional, o que equivale a reconhecer,
nesse conhecimento, uma componente que os profissionais adquirem e desen
volvem em situações dessa prática.
1 Regressando a Hannah Arendt, Schön identifica este outro processo de reflexão com a ideia
de stop-and-think de Arendt: “aqui, o pensamento volta-se sobre si próprio, quer sobre o
conhecimento-na-acção revelado por um padrão de comportamento,, quer sobre a reflexão-na-
accção que reformula a nossa compreensão em plena acção” (Schön, 1992, p. 126).
2 Angel Pérez (1992), socorrendo-se de Habermas, designa este processo reflexivo, a par com
a reflexão-sobre-a-acção, por “reflexão crítica”, considerando-o, como o processo pelo qual o
indivíduo analisa “as características e processos da sua própria acção” (p. 105), fazendo notar
que seria mais adequado utilizar outro tipo de terminologia: “reflexão sobre a representação
ou reconstrução a posteriori da acção” (p. 105).
uma prática informada e auxiliada pela ciência convencional, [mas] não tem por
base [essa ciência]” (p. 43). Para Elbazi todos estes tipos de conhecimento,
experienciais e teóricos, “tal como são integrados pela pessoa do professor, em
termos de crenças e valores pessoais, e na medida em que são orientados para a
sua situação prática” (p. 5), constituem o conhecimento prático do professor,
atribuindo-lhe assim, para além da natureza experiencial já referida, um carácter
pessoal e situado ou contextuai.
Frema Elbaz justifica a escolha da expressão “conhecimento prático” por
um lado, por esta expressão chamar a atenção para o facto de a situação em
que o professor se insere ser uma situação de acção e de tomada de decisões e,
por outro lado, por considerar que o conceito que lhe está subjacente explica o
conhecimento do professor “em função da sua resposta a essa situação” (p. 5).
Existe nesta justificação uma valorização da prática, da acção do professor,
como fonte do conhecimento do professor e local privilegiado onde esse conhe
cimento se revela. Segundo esta perspectiva, poderemos compreender o conhe
cimento do professor se analisarmos a sua prática, embora essa análise só em
parte explique esse conhecimento. A razão de ser do ‘em parte’ referido tem a
ver com conhecimentos do professor de outra natureza, como se tom a claro no
exemplo fornecido para uma professora de História:
tos-e interesses (commitment)” (p. 17). Por outro lado, o conhecimento prático
tem também um carácter social na medida em que é “socialmente condiciona
do”, carácter que se revela, como diz a autora referindo-se ao caso que estudou,
“no modo como a professora, por exemplo, irá adaptar o assunto a tratar de
forma a ter em conta os factores étnicos ou económicos que influenciam as
expectativas, interesses e sentido cívico dos seus alunos (ou dos pais)” (p. 18).
. Freema Elbaz considera ainda o conhecimento prático como experiential e
teórico. Aqui, também, uma dupla determinação desse conhecimento, agora
segundo uma outra dimensão, a dimensão teoria-prática. Por um lado, recorren
do a autores da fenomenologia como Schütz e Luckmann, considera o mundo
da experiência, com as suas “províncias da realidade” — vida quotidiana,
sonhos, ciência, religião — onde inclui o “mundo do ensino”, como elementos
estruturadores do conhecimento prático. Provém daqui o seu carácter experien-
cial, de alguma forma já contido, como a autora salienta, nas três características
— situacional, pessoal e social — já descritas. Por outro lado, considera que no
conhecimento, prático, existem elementos teóricos, uma “orientação teórica”,
para usar a sua terminologia, reconhecendo a existência de conexões entre o
conhecimento prático e o conhecimento teórico, dizendo mesmo que esse
conhecimento “é mantido numa relação particular como o mundo da teoria”
(p. 21). Os professores, diz-nos, “são influenciados por formas de pensamento e
de disciirso que os cercam; a sua formação académica aprofunda, invariavel
mente, tais influências e instila concepções teóricas, concepções de conhecimen
to válido [e] de pesquisa” (p. 21), concepções estas que, uma vez integradas,
fazem parte do conteúdo do seu conhecimento.
Em terceiro lugar, e por último, na conceptualização que faz do conheci
mento prático dos professores, Freema Elbaz propõe uma estrutura, ou seja, um
conjunto de componentes e suas relações, para esse tipo de conhecimento.
Considerando que é este conhecimento que orienta o professor na sua prática,
pressupõe a existência de alguma forma de organização interna, uma vez que
sem tal organização, o conhecimento não seria mais que um conjunto de “recei
tas” desordenado — “um livro de cozinha sem índice” (p. 21) — sem possibili
dade de poder constituir qualquer orientação. A estrutura proposta é uma
organização hierarquizada por graus ou níveis de generalidade, a cada um dos
quais a autora associa diferentes tipos de “instrumentos de ordenação” (orde-
a pessoa que o possui, com, como diz Clandinin, a sua história experiencial,
pessoal e profissional. No que se refere ao qualificativo ‘prático’, a sua utilização
pretende significar que se trata de um conhecimento que se revela na prática do
professor e para cuja constituição e desenvolvimento essa prática desempenha
um papel determinante. O termo ‘prático, dizem Connelly e Clandinin (1986),
“qualifica o [nosso] interesse epistemológico alinhando-nos com autores como
Schön cujo interesse é a epistemologia do pensamento prático” (p. 296).
Cada um dos três termos utilizados evidencia também as opções teóricas e
metodológicas seguidas e demarcam o campo da investigação. O termo ‘conhe
cimento, segundo Connelly e Clandinin (1986), evidencia o carácter epistemoló
gico do trabalho desenvolvido, o termo ‘prático’, o interesse pela
“epistemologia do pensamento prático”, e, o termo ‘pessoal’ revela que esse
interesse incide no modo como “indivíduos específicos” conhecem as situações
que vivem. Trata-se assim de, numa linha de valorização epistemológica da
prática dos professores, estudar problemas do seu conhecimento do ponto de
vista dos próprios professores. A expressão ‘conhecimento prático pessoal’,
dizem os autores, “define o nosso interesse em compreender os actos de ensino
em termos de explicações concretas personalizadas do conhecimento das
pessoas” (p. 297).
Com esta ideia do conhecimento prático pessoal, como um conhecimento
de carácter experiencial, transportando valores e propósitos do professor e
orientado para a prática que ele desenvolve, Clandinin (1986) considera esse
conhecimento como “transitório”, “sujeito a mudanças” e desenvolvendo-se
num processo de tentativa-erro, demarcando-se da ideia de um conhecimento
“fixo, objectivo e imutável” (p. 20). Passa por aqui, sublinhe-se, um certo
distanciamento em relação a Donald Schön como significa a crítica à opção
deste autor no estudo do conhecimento do professor, “o conhecimento que se
persegue já não é objectivo tal como Schön o considera aò ‘observar’ (entre
cómas no original) as situações” (Connelly e Clandinin, 1986, p. 296)'.
1 Connelly e Clandinin (1986) recusam quer o objectivismo de uma perspectiva que encara o
conhecimento como independente do sujeito que conhece, quer o relatívismo a que conduziria
uma perspectiva meramente subjectivista; reclamam-se das ideias de Polanyi, considerando que
o seu conceito de' conhecimento pessoal resolve, dialecticamente, a oposição objectivo-
subjectivo: “por ‘conhecimento pessoal* Polanyi quer significar que o conhecimento não é
objectivo (...) nem é meramente subjectivo (...) é, de um ponto de vista dialéctico, a resolução
do subjectivo e do objectivo na pessoa, isto é, o pessoal” (p. 296).
1 Trata-se de conceitos como os de “regra prática” e “princípio prático” (referidos, entre
outros, a Freema Elbaz (1983) que também usa o conceito de “imagem”), de “filosofia
pessoal”, de “rotina”, de “ritual, hábitos, ciclos e ritmos”, estes referidos a investigadores
diversos (Connelly e Clandinin, 1986, p. 296).
juízos de valor, permitindo ao professor julgar a sua própria prática. “As ima
gens não são [moralmente] neutras”, diz-nos, “sugerem uma acção melhor ou
pior” (p. 147). Para além disto, considera que as imagens possuem “uma
coloração emocional” e, por isso, também não são neutras do ponto de vista da
afectividade.. Neste sentido, podemos dizer, as imagens traduzem a orientação
afectiva do professor face a determinada situação ou acção. É assim, pelas
imagens, que os valores do professor e a sua afectividade penetram e constituem
o seu conhecimento profissional. Além disso, para Clandinin, as imagens ligam
mundos de experiência diferentes: “o constructo de imagem, na sua origem e
nas funções que desempenha, liga a experiência privada pessoal e a experiência
profissional educacional do indivíduo” (p. 148). As imagens, como também, diz
aglutinam estes dois tipos de experiência, são a “coalescência” destes dois
mundos experienciais. E assim que, pelas imagens, o conhecimento profissional
do professor incorpora elementos da experiência extra profissional.
Em síntese
Uma ideia generalizada, como diz Clandinin (1986), “é que o professor não
possui um corpo de conhecimentos exclusivo da sua profissão” (p. 9). Ao
professor, como também diz, não se lhe reconhece conhecimento mas experiên
cia; aquilo que a sua prática profissional lhe dará é tão só isso, experiência, sem
estatuto de conhecimento. Deste ponto de vista, o conhecimento que se supõe o
professor possuir, da matéria disciplinar que lecciona ou das técnicas e proces
sos, abordagens e teorias para seu ensino e aprendizagem, é um conhecimento
que vai buscar a áreas científicas ou académicas exteriores à sua profissão.
Assim, não se atribui aos professores um saber próprio, desenvolvido no quadro
da sua prática profissional. Ou melhor, o saber específico que se admite possuí
rem é um saber desvalorizado face ao que é produzido por especialistas na
investigação científica ou educacional: “o conhecimento é visto como sendo
teórico e na posse de peritos; o conhecimento experiencial dos professores não é
reconhecido” (p. 3). O que se espera do professor é que use bem esse conheci
mento e que o aplique competentemente, ficando-lhe reservado apenas o papel
de “um mero agente realizando intenções de outrem” (p. 3), transmitindo
conhecimento que lhe é exterior.
académica do professor “instila concepções teóricas” (p. 21) que sãò integradas
no seu conhecimento. Em Clandinin (1986), por sua vez, é saliente a considera
ção de elementos-afectivos no conhecimento. Na conceptualização que faz do
conhecimento prático pessoal do professor, utiliza o conceito de imagem como
uma componente desse conhecimento, descrevendo-o em várias dimensões,
entre as quais a dimensão moral e a emocional. Deste modo faz impregnar o
conhecimento pelos valores e pela afectividade do professor.
Podemos ver também o esforço referido na consideração do elemento re
flexivo no conhecimento do professor, por parte de Donald Schön (1991), bem
como, em Fenstermacher (1994), na menção à interdependência entre o saber e
saber fazer {knowing tkat, knowing how), rejeitando a dicotomia entre estes dois
tipos de conhecimento. Também Freema Elbaz (1983) sublinha a importância
em reconhecer que o conhecimento prático tem um conteúdo, que é “sobre
alguma coisa” e não apenas um mero saber-fazer. Para esta autora, o conheci
mento prático tem um conteúdo e uma estrutura que o organiza segundo níveis
de diferentes graus de generalidade e diferentes relações com a pessoa e com a
acção. Clandinin (1985), por sua vez, refere-se ao conceito de conhecimento
prático pessoal como não sendo, nem apenas conteúdo, nem apenas estrutura,
observação que vai buscar a M. Johnson (1984) numa análise ao trabalho de
Freema Elbaz: “o conhecimento prático não é apenas conteúdo nem é apenas
estrutura — é um exercício de capacidades num determinado contexto para a
organização imaginativa da nossa experiência” (p. 467).
No que se refere à dicotomia teoria-prática, Clandinin (1985) considera que
o conhecimento que os professores desenvolvem não é nem teórico nem prático
mas um conhecimento “especial” que descreve como sendo “composto” por
aqueles dois tipos de conhecimento. Freema Elbaz (1983), por sua vez, vai ao
ponto de incluir, no conteúdo do conhecimento prático, formas de conhecimen
to proposicional. Além disso, quando lhe atribui um carácter situacional, recusa a
ideia de que ele possa ser considerado como uma “compilação de conselhos
práticos” oriundos de outras áreas e a ideia de que o professor precisa mais do
conhecimento prático do que do conhecimento teórico produzidos nessas áreas.
A respeito das relações entre teoria e prática, estas autoras inserem-se uma
perspectiva dialética considerando-as “inseparáveis” uma da outra, influencian
do-se e modelando-se reciprocamente.
89
IV - A M atem ática e a actividade m atem ática
1 As escolas secundárias (ou o ensino secundário), na época a que este ponto se refere, de um
modo geral abrangiam os níveis etários entre os onze e os dezoito anos.
2 É corrente a ideia de que nasceu nos Estados Unidos da América o movimento e impulso que
veio a lançar a reforma para a modernização do ensino da Matemática dos anos 60. Bob Moon
(1986), no entanto, considera esta visão muito simplista, tal como a ideia, também muito
divulgada, de que foi a reacção nos EUA ao lançamento do Sputnik que veio a estar na origem
da realização do Seminário de Royamont, ideia que, como diz, “não é sustentada pelos factos”
(p. 65). Segundo Moon, as bases da reforma da Matemática Moderna, desenvolveram-se em
paralelo na Europa e nos Estados Unidos e “os americanos viram Royamont como uma
oportunidade para aprender sobre os desenvolvimentos europeus” (p. 47). Diz-nos Moon que
existia um desfasamento significativo entre a experiência americana e a europeia no que se
refere ao movimento reformador em germinação, e os recursos financeiros gerados pelo
impacte do lançamento do Spiitnik foram utilizados pela comunidade educativa americana
“para compreender o que se estava a passar nos outros países, assim como para, no processo,
fazer progredir a causa [da modernização do ensino da Matemática]” (p. 66).
1 A realização do inquérito e a análise dos seus resultados não decorreu no calendário espera
do o que, no entanto, segundo os redactores do relatório final, não prejudicou os trabalhos. Isto
é dito, explicitamente, no prefácio ao relatório que foi elaborado por Howard Fehr (Universida
de de Columbia) com a colaboração de Luke Bunte (Universidade de Utrecht), que retiram do
facto uma consequência positiva, uma vez que consideram que, desse modo, os participantes
puderam dedicar-se ao trabalho previsto “sem se deixarem influenciar pelos programas em
vigor, nem pela situação actual” (OECE, 1961a, p. 7).
2 Para a sessão de trabalho foi pedido a cada país participante que enviasse três delegados,
“um matemático eminente, um especialista em pedagogia da Matemática ou uma pessoa do
Ministério da Educação responsável pela disciplina de Matemática e um professor de Matemá
tica reputado do ensino secundário” (OECE, 1961a, p. 7).
3 Un programme moderne de mathématiques p o r l ’enseignement sécondaires. Trata-se,
efectivamente, do título do livro publicado pela OECE em 1961, dando seguimento a uma das .
conclusões gerais do seminário de Royamont onde se recomendava, explicitamente, que, para „
lançar as bases da reforma pretendida, a OECE constituísse uma comissão de peritos (profes- •
sores matemáticos, professores de Matemática universitários, das escolas secundárias e das
instituições de formação de professores) que fosse encarregue de elaborar “um quadro
sinóptico do conjunto dos assuntos [matemáticos] (...), precisando o espírito dentro do qual
esses assuntos deveriam ser ensinados” (OECE, 1961a, p. 130). Esta comissão, constituída por
Matemática, mas a que mereceu maior destaque— “ainda que não tenha sido
unanimemente aprovada” (OECE, 1961a, p. 31) — e veio posteriormente a
celebrizar-se mais, foi, justamente, a proposta de Jean Dieudonné1.
Na concepção bourbakista da Matemática (Bourbaki, 1971), há três ideias
que ocupam um lugar chave: a unidade da Matemática, o método axiomático e
0 conceito de estrutura matemática. A concepção unitária da Matemática,
lembra-nos Bourbaki, é antiga, e está presente, por exemplo, nos pitagóricos
quando defendiam que todas as coisas eram números, em Descartes que criou a
Geometria analítica, ou ainda, mais recentemente, na tentativa logicista de
reduzir a Matemática à Lógica. Aos insucessos repetidos das diversas tentativas
de unificação da Matemática, o autor considera que, já neste século, sobreveio a
ideia de que tal objectivo — unificar a Matemática — era inatingível, e que
“havia pouca esperança em ver a Matemática como uma ciência caracterizada
por um único objectivo e por um único método” (p. 25) e procura contrariar tal
tendência2, afirmando a convicção oposta:
1 Com alguma ironia, Bourbaki chama a atenção que a pretensão de que o raciocínio dedutivo
caracteriza a. unidade da Matemática, não tem em conta a complexidade das diferentes teorias
matemáticas e que essa aspiração seria equivalente a pretender que o método experimental
unificaria ciências tão diferentes como a Física e a Biologia.
2 Bourbaki faz aqui apelo a Descartes, atribuindo-lhe esta ideia relativa à Matemática.
3 Para sublinhar o carácter mecânico do raciocínio silogístico e a sua incompletude no que se
refere à compreensão da Matemática, diz-nos ainda o autor: “todo o matemático sabe que uma
demonstraçãomão é Compreendida’ se ele apenas tiver verificado, passo a passo, a correcção
das deduções, sem tentar compreender claramente as ideias que conduziram à construção desta
cadeia de deduções com primazia face a todas as outras” (Bourbaki, 1971, p. 25).
1 O autor considera que, só pelo facto de a Matemática estudar formas abstractas, as estruturas
matemáticas, cujo conteúdo intuitivo .inicial que ,“não. pode ser negado”, foi “voluntariamente
esvaziado” para tomar possível o.seu uso pleno de eficácia, é que o método axiomático,pode
ser visto como um formalismo (Bourbaki, 1971, p. 36).
1 Tal como é apresentada, esta ideia de considerar as estruturas como os únicos objectos
matemáticos surge na sequência das sucessivas tentativas de definir as entidades básicas da
Matemática— dos núm eros,aos conjuntos — e das dificuldades que essas tentativas sempre
colocaram, nomeadamente no caso destes últimos, devido “ao carácter extremamente geral e à
natureza muito vaga das concepções mentais que evocavam”(Bourbaki, 1971p. 29).
2 Esta definição de estrutura matemática, não é a definição mais geral que deverá considerar a
situação das propriedades da estrutura se aplicarem não só aos elementos, mas também a partes
do conjunto e mesmo a “elementos do conjunto de grau mais elevado dentro do que é chama
do como escala de tipos (Bourbaki, 1971p. 29). De uma outra forma, Sebastião e Silva (1953)
diz que esses elementos podem ser “indivíduos” (elementos do conjunto dado), “c la sse s”
(subconjuntos, famílias de subconjuntos...), ou “relações” definidas no conjunto dado ou em
conjuntos dele obtidos.
3 Bourbaki (1971) chama a atenção para o facto de que aqui, a noção de axioma como
propriedade postulada — isto é, que apenas pede que seja aceite como verdadeira (etimologi-
camente postular, do latim postulare, significa pedir, solicitar — está muito distante da noção
antiga de axioma como verdade auto evidente de aceitação geral. Deste ponto de vista, axioma e
postulado são sinónimos. Esta equivalência de significado entre estas duas noções, é uma das
características do conceito moderno de axiomática, segundo o qual “não há que fazer distinção
entre postulado e axioma” (Silva, 1953, p. 3, também em Oliveira, 1991)
1 Para além deste aspecto, os autores consideram a descrição realizada “esquemática” — como
fazem notar, “as coisas não acontecem da forma tão simples ou regular” como é sugerido — e
“idealizada” pois, relativamente às estruturas principais o seu “exacto papel está longe de ser
perfeitamente conhecido em todas as áreas da Matemática” (Bourbaki, 1971, pp. 33-34).
2 Os Estados Unidos da América do Norte e o Canadá não eram membros da OECE mas
participaram também no inquérito e nos trabalhos do seminário de Royamont. Em 1960, vieram
contudo a integrar aquela organização que, com a sua entrada, passou a denominar-se Organi
zação para o Desenvolvimento e Cooperação Económica (ÒCDE).
3 Na exposição sobre os “argumentos em favor de uma reform a” que inicia o relatório do
seminário, podemos encontrar:
— “A sociedade exige cada vez mais de todos os cidadãos o conhecimento de noções
elementares de Matemática e o reconhecimento da importância do ponto de vista numérico.”
— “Solicitam-se cada vez mais investigadores e engenheiros e que tódos eles devam possuir
conhecimentos matemáticos sólidos.”
Marshall Stone, na conferência com que abriu os trabalhos, depois de referir que
grande parte dos assuntos matemáticos, que então se ensinavam aos alunos até
ao final do ensino secundário, provinha de há pelo menos duzentos anos, e que,
neste período de tempo, “e mesmo durante o último século”, como frisou, “se
fizeram mais descobertas matemáticas do que no decurso de toda a restante
história da humanidade” (Stone, 1961, p. 16), sintetiza, do seguinte modo, as
razões para uma reforma do ensino da Matemática:
1 Diz-se no relatório que é duplo o objectivo dos esforços empreendidos: “em primeiro lugar,
preparar melhor os alunos para os estudos universitários; em seguida por à disposição de cada
um, um instrumento utilizável na vida de todos os dias” (OECE, 1961a, p. 132).
quer ao nível dos conteúdos matemáticos, quer ao nível dos métodos de ensino.
Na verdade, esta dupla incidência com que a reforma era proposta é explicita
mente formulada no relatório do seminário e permeia muitas das intervenções
que ocorreram durante os trabalhos. “Todos estes elementos [que justificavam a
necessidade de uma reforma] militam em favor de uma revisão do conteúdo e
dos métodos de ensino da Matemática*’ (p. 11), diz-se logo nos primeiros
parágrafos do relatório, assim como são aí valorizados aspectos como a “troca
de pontos de vista entre os promotores de novos métodos de ensino da Matemá
tica” (p. 12) e aqueles que irão elaborar nos novos programas, sublinhando-se
que essa troca deveria incidir, não só sobre as transformações programáticas,
mas também sobre “as técnicas pedagógicas e os problemas psicológicos”
(p. 12) que esse ensino coloca. Igualmente, na especificação da reforma já
referida — “Um programa moderno de Matemática para o ensino secundário”
(OECE, 1961b) — elaborada cerca de um ano depois, na sequência das orienta
ções e recomendações saídas de Royamont, constam, para além do conjunto
dos temas e subtemas matemáticos, propostos para integrar os novos progra
mas, indicações de carácter metodológico com algum desenvolvimento e dè
diferente grau de generalidade1.
Também René Thom, um dos fortes detractores da reforma da Matemática
Moderna, quer ao nível pedagógico, quer ao nível dos seus pressupostos episte^
mológicos (Thom, 1970), embora reconhecendo a grande complexidade, da..
Matemática Moderna no que diz respeito às suas origens, e ao que a constitui
como movimento reformador, não deixa de lhe atribuir quer o objectivo de
renovação pedagógica, quer o objectivo de modernização do currículo (Thom,
1973). A mesma dupla incidência, portanto, nos métodos de ensino e nos
assuntos matemáticos curriculares, também reconhecida por James Fey, em
1978, na sua análise das mudanças na educação matemática nos Estados Unidos
da América: “o projecto da ‘Matemática Moderna’ tendo em vista [a introdu
ção no ensino] de novos conteúdos, nova estrutura curricular e novos estilos
pedagógicos, constituiu uma ambiciosa agenda para os responsáveis pelo desen-
1 Por exemplo: “As situações concretas familiares aos alunos podem ser utilizadas como um
ponto de partida para a teoria de conjuntos” (OECE, 1961b, p. 15); ou, “Com a ajuda cons
tante dos alunos, muitas aplicações serão descobertas: o conjunto dos alunos na aula, o
conjunto dos dedos da mão” (p. Í7); ou ainda, “Um modelo material (dando lugar, à observa
ção e à experiência) é a base a partir da qual podemos desenvolver a abstracção matemática”
(p. 75).
- “Que não fosse apenas por esta razão, não podemos esperar mais
. tempo para estudar de modo aprofundado a possibilidade de introdu
zir certas noções modernas no programa do ensino secundário. É in
dispensável fazê-lo se nós quisermos que os alunos estejam
familiarizados, ao entrar para a universidade, com a forma de raciocí
nio matemático que deles depois esperaremos”, (p. 17)
’ *>
Jean Dieudonné, por sua vez, começou a sua intervenção, referindo, preci
samente, o atraso do ensinò secundário face ao universitário, relativamente ao
conteúdo matemático dos cursos, sublinhando as necessidades do ensino superi
or: “para poder proporcionar um ensino matemático satisfatório, os professores
da Faculdade são da opinião que os seus alunos do primeiro ano deverão estar
1 Dieudonné refere-se aqui a tópicos como álgebra linear elementar, Geometria analítica,
elementos de cálculo diferencial e integral, tendo acrescentado ainda o domínio dà dedução
lógica e “ter uma ideia” do método axiomático (Dieudonné, 1961, p. 32). No entanto, fez
questão em salientar que a enumeração destes tópicos não quer dizer que a eles se reduzam os
objectivos do ensino da Matemática no nível secundário, justificando a enumeração que fez por
ter apenas em mente, no que iria expor, o que chamou “o problema estritamente prático da
passagem dos estabelecimentos [de ensino] secundário para a Universidade” (p. 32).
2 Na introdução do programa referido diz-se; “Ò grupo [de trabalho] decidiu dedicar-se mais
particularmente à formulação de um programa adáptado à metade mais dotada dos álunos
frequentando os liceus e ós gymnases” (OECE, 1961b, p. 6).
e se ajuste, podemos dizer, às suas percepções espontâneas primordiais (também aqui, por
certo, não será alheia a influência dos trabalhos de Piaget). Sobre esta questão, diz-se no
relatório: “não é necessário respeitar, no iniciar [da aprendizagem] dá Matémáticà, uma
unidade que não resulte da intuição, nem das noções instintivas de quantidade e de esp aço ”
(OECE, 1961a, p. 113).
1 Cabe aqui a menção ao facto de que não houve acordo, no que se refere ao ensino das,
estruturas algébricas dos números como os grupos, anéis è corpos. A este respeito, na disc.us-
são subsequente à intervenção de Servais, a “maior parte” dos presentes consideraram
preferível que essas ideias constituíssem uma orièntação para o professor “mais do que [idéias
a] serem estudadas sistematicamente no rifvel secundário” (OECE, 1961a, pp. 76-77).
secundário. “Ainda que vos possa parecer que critiquei severamente a Geome
tria”, disse no final da sua intervenção, “não tenho a intenção de diminuir a sua
importância” (p. 46). Reconhecendo que uma das finalidades do ensino ao nível
secundário é a formação e desenvolvimento, nos alunos, da intuição do espaço,
Dieudonné chama a atenção que as suas críticas visavam principalmente os
métodos do ensino da Geometria e, em particular, a utilização da noção de
triângulo como base desse ensino, reclamando o seu abandono, a preencher pela
noção de vector, em seu entender, uma noção mais útil e fecunda:
1 Diz Dieudonné: “Os triângulos (...) têm tanta relação com aquilo que fazem actualmente os
especialistas da Matemática pura e aplicada, como os quadrados mágicos ou os problemas de
xadrez” (Dieudonné, 1961, p. 36).
1 As ideias apresentadas por Dieudonné não foram no entanto consensuais, tendo inclusiva
mente dividido os participantes no seminário: “a comunicação do professor Dieudonné foi
simultaneamente aprovada por alguns participantes e acolhida com sérias reservas por o u tro s”
(OECE, 1961a, p. 47). O debate que se gerou deu origem a um acordo em favor da manuten
ção de alguns aspectos da Geometria euclidiana, por se reconhecer que muitos conceitos
matemáticos necessitam do suporte de uma representação geométrica. O próprio triângulo foi
defendido com base em razões históricas e na sua importância nas aplicações em ciência e na
vida corrente, e também por favorecer uma abordagem intuitiva da Geometria que se reconhe- .
ceu ser importante no início do seu. estudo. Foi também salientado que a Geometria formal
euclidiana era até então “a principal disciplina que habitua os alunos aos métodos do pensa
mento dedutivo” e que se mantinham válidos, a este propósito, muitos dos seus aspectos.
1 Também neste caso é referido que as sugestões que foram feitas não receberam unanimidade
entre os participantes.
1 Cabe aqui dizer que um dos pontos de desacordo que é retido nas conclusões do seminário
diz precisamente respeito à máquina de calcular cuja utilização, para substituir o cálculo
manual, não foi consensual entre os participantes. .
2 Servais recomenda, entre outras coisas, o recurso à representação gráfica de funções para
tomar a sua noção “viva e activa” (OECE, 1961a, p. 73).
“Um traço dos programas sugeridos, que deve ser encarado como
uma inovação, é insistir na utilização dás técnicas experimentais no es
tudo da Aritmética. Esquecèmo-nòs demasiadas vezes do facto de que
podemos fazer experiências com números1do mesmo modo que as -
fazemos com as figuras concretas da Geometria”, (p. 11) . ...........
1 Para explicar o seu entendimento destas experiências, os autores remetem para tarefas do
tipo: “23 *4-7 = 71, __ x 50 = 600, 80 (50+___) = 6400”; ou, tarefas como, dados “20 x 30,
21 x 29, etc., o que observamos? que se pode i z e r de 40 x 50, 41 x 49 etc.? Mais generica
mente: (10n + a) (10 (n + 1) - a) = ?” (OECE, 1961b, p. 67).
2 Relativamente à utilização de materiais, um outro ponto de desacordo entre os participantes
que mereceu registo nas conclusões finais do seminários foi “o abuso dos cubos, dos pausi-
nhos e dos coloridos” (OECE, 1961a, p. 115, em itálico no original).
3 Todavia, em Royamont, Servais, por exemplo, sobre a introdução da álgebra de conjuntos diz:
“mais do que expor aos alunos as propriedades da álgebra dos conjuntos, faremos que eles as
descubram” (OECE, 1961a, p. 72), sugerindo, a utilização de manipulações e de exemplos de
aplicação prática.
refere-se a esse tipo de trabalho como sendo o que distingue a Matemática neste
nível de ensino, da Matemática no ensino superior1.
Na mesma linha, Bostch recomenda que a Geometria dedutiva deve ser
precedida por um estudo com base na observação e manipulação de objectos e
materiais diversos (OECE, 1961a). Esta recomendação é uma das que consta
nas conclusões gerais do seminário: “o ensino da Geometria dedutiva nas escolas
secundárias deve ser baseado numa experiência prévia satisfatória da Geometria
intuitiva ou física” (p. 129), e também no programa de Geometria para o Io
ciclo (OECE, 1961b). Aqui aparece, por exemplo, sob a forma do princípio
orientador que remete para a necessidade e importância da observação e da
experiência em tomo de objectos e materiais concretos, consideradas como base
para o desenvolvimento da abstracção matemática por parte dos alunos é que
acima já foi enunciado2.
O segundo dos princípios directores que Dieudonné apresentou, diz.iespei-.
to, à questão do rigor no ensino da Matemática:
1 É no entanto de referir que Dieudonné, considerando que a partir dos quinze anos é já
possível o enunciado dos axiomas (para a Geometria dedutiva), afirma que, a partir dessa idade:
“O estudo experimental da Matemática.nos estabelecimentos do ensino secundário, para falar
propriamente, está terminado” (Dieudonné, 1961, p. 44).
2 Esta preocupação com uma abordagem intuitiva no ensino da Matemática, associada à
observação, experimentação, manipulação de objectos e materiais, está presente sobretudo nos
programas para o Io ciclo (11-15 anos), não assumindo visibilidade significativa nos progra
mas do 2o ciclo (15-18 anos).
1 Nas conclusões do seminário, no resumo dos argumentos que justificavam a reforma, um dos
pontos salientados diz concretamente o seguinte: “As novas exigências de rigor e de clareza
dos enunciados matemáticos (...) fazer emergir a necessidade de reveros conceitos sobre os
quais repousa confusamente a apresentação clássica da Matemática” (OECE, 1961a, p. 112).
2 A este propósito, é dito que neste nível de ensino os alunos deverão ser perfeitamente capazes
de distinguir uma prova formal de uma ilustração intuitiva.
Como possíveis causas desta situação, Christiansen salienta a falta de motivação dos
professores face aos novos programas e também o facto de os cursos de formação serem de
curta duração e centrados nos novos tópicos e na terminologia matemática.
2 Christiansen refere que se vivia, na altura, um momento de recessão económica que provocou
uma viragem à direita na política de muitos países europeus o que, em seu entender, criou
campo para movimentos de reacção “em favor de programas pedagógicos restritivos” (p. 9).
Para o autor, a Matemática Moderna pode ter servido como “bode expiatório” pois foi
responsabilizada'por problemas educativos de carácter geral, em sua opinião, muito estreita
mente ligados com a evolução da situação social e cultural da época.
1 Dez anos mais tarde, Zalman Usiskin (1985), conclui o mesmo numa análise do ensino da
Matemática nos Estados Unidos da América e Canadá, afirmando a tese de que “as mudanças '
no conteúdo e na estrutura das disciplinas tendem a durar mais do que as mudanças nos estilos
ou abordagem de ensino” (p. 9). Referindo-se.aos aspectos metodológicos e a formas d e.
ensino associados à Matemática Modema, afirma que em muitos.casos eles não eram pratica
dos nas escoías, dando o exemplo do método de descoberta: “O ensino, por descoberta, não é -
muito usado actualmente” (p. 2).
1 Thom (1971) critica também a forma como era utilizada a teoria de conjuntos, nomeadamente,
a simbologia e operatória que lhe estavam associadas, conduzindo a exercícios “bizarros e
inúteis” podendo perturbar, pela sua insistência, o “equilíbrio intelectual dos alunos” , (p. 234).
Thom refere-se, nomeadamente à utilização dos símbolos e , c , D , u , e n , e à sua tradução em
frases da linguagem corrente e vice-versa, chamando ainda a atenção para o “erro filosófico”
(p. 232) que.consiste em supor que, com essa utilização, é,possível.explicitar qualquer raciocí- .
nio ou dedução. . . . . . . ..
2 Sobre a questão da substituição da geometria pela álgebra, Thom (1971) justifica a sua
discordância ainda com o argumento de que, ao nível de ensino elementar e secundário, é
1 Thom (1973) afirma que em Matemática “trabalha-se quase sempre em situações semi-
formalizadas, com uma metalinguagem que é o discurso corrente, não formalizado ” (pp. 201-
202) e que o matemático “atribui significado a todas as proposições” (p. 202) com que
trabalha. Para o autor, apenas os cálculos numéricos e algébricos são processos formais, e
pergunta:. “Podemos reduzir a M atemática ao cálculo?” (p. 202).
2 “No desenvolvimento inicial de uma criança” , diz René Thom (1973), “a aprendizagem
éxplícita e dedutiva não está de modo nenhum envolvida” (p. 198) e, referindo-se às estruturas
matemáticas, afirma que “não se deve necessariamente pensar que se sabe Matemática por se
saber as [suas] estruturas padrão; pelo contrário, elas apenas representam os seus aspectos
mais superficiais” (pp. 198-199).
3 Considerando que a teoria de conjuntos é o tópico matemático que veio a receber maior
atenção e a ter mais visibilidade na reforma da Matemática Moderna, Kline (1976) é de opinião
que, ao contrário do que era proposto, a sua utilização curricular não contribuiu para um visão
da unidade da Matemática. A forma como era utilizada no ensino, diz-nos o autor, resumiu-se a
questões de linguagem e de vocabulário “além de usá-la artificialmente para definir
conceitos, nenhum uso significativo é feito (da teoria de conjuntos]” (p. 119) — è, em seu
entender, na Matemática elementar, ela é “um formalismo oco que dificulta as ideias que são
muito mais facilmente compreendidas intuitivamente” (p. 120).
mática ser apresentada sem conexões com outras ciências e sem relações com
situações reais e com as suas aplicações concretas.
/
Esta ideia teve grande impacto logo no princípio da década de setenta, em grande parte
resultante das intervenções de M orris Kline, nomeadamente, através do conhecido livro de
1973 que muito significativamente intitulou Why Johnny can't add: The faillure o f the New
Math (Kline, 1976). Sobre este livro, Vogeli (1976) considera que ele “abalou a confiança dos
pais, professores e técnicos educativos (administrators) no movimento da 'Matemática
M odem a’” (p. 18) o que teve como resultado um “retom o às aptidões básicas" (basic skills,
p. 19). Referindo-se ao mesmo livro, e à contestação que teve lugar no início dos anos setenta,
responsabilizando o currículo gerado pela Matemática M odema pelo insucesso dos alunos,
Usiskin (1985) diz por sua vez: “Apareceu uma rebeíião com uma convocatória, Why Johnny
can 7 add" (p. 7).
J. R. Hooten Jr. (1981) situa em 1975 o início deste movimento de reacção à Matemática
Modema: “Cerca de 1975, começou a reclamar:se [nos Estados Unidos] um regresso aos
antigos caminhos, num movimento popularmente chamado 'back to basics' (p. 34).
com que os alunos sigam facilmente o processo’* (p. 20); Esta crítica, segundo o
autor, era particularmente relevante quando aplicada ao ensino da Álgebra ou ao
ensino da Geometria, nomeadamente no que respeita à demonstração. A Geo
metria, lembra Kline, era ensinada numa perspectiva essencialmente dedutiva e,
uma vez que “o aluno não pode perceber o fundamento lógico [da demonstra
ção] , ele pratica na Geometria o mesmo que pratica em Álgebra, decora a
demonstração” (p. 22), concluindo que, em Geometria ou em Álgebra, com ou
sem demonstração, “o método tradicional de ensinar resulta francamente num
único tipo de aprendizagem: memorização” (p. 22).
Uma outra característica do currículo tradicional, descrita por Kline (1976)
como “o defeito mais grave que se pode lançar sobre qualquer currículo*’
(p. 22), era a falta de motivação, a ausência de relações com aspectos não
matemáticos. Para Kline, esse currículo, propunha uma espécie de Matemática
pela Matemática, ou seja, uma Matemática autojustificada pelas suas próprias
características -— por exemplo, características estéticas, ou propiciadoras de
desafios intelectuais — ou pelos seus eventuais contributos de natureza formati
va — do tipo, desenvolvimento do raciocínio do aluno — e pela sua necessidade
para o percurso escolar do aluno e utilidade futura na sua vida. A inexistência de
laços com outras disciplinas e de relações com situações reais, conduz a que, no
entender do autor, o referido currículo “não ofereça motivação para o estudo
da Matemática’’ (p. 28) e os alunos não atribuam significado nem reconheçam
importância ao que é ensinado.
/ .0 currículo, de Matemática dito tradicional pode pois ser caracterizado, em
termos gerais,, por: o privilégio da Aritmética, particularmente nos primeiros
anos de. escolaridade; o predomínio do cálculo e manipulação quer numéricos,
quer algébricos; uma Matemática descoritextualizada; uma sequência de ensino
essencialmente do tipo exposição do professor seguida da resolução de exercí
cios por parte dos alunos; uma ênfase na memorização e mecanização; um
estudo da Geometria a partir dos axiomas e definições de Euclides, com a
Kline (1976) chama a atenção para o facto de a demonstração de um teorema ser algo que
raramente, surge de forma espontânea e natural nos alunos, uma vez que, frequentemente, é o
culminar dê um processo de tentativas e baseia-se em alguni “esquema engenhoso que permita
provar o teorema na devida sequência lógica” (p. 21). Tal. como as demonstrações eram
ensinadas, diz o autor, não conduziam a uma percepção e compreensão de todo o processo que
a elas conduziam.
E assim que, por exemplo, surge, logo em 1975 nos Estados Unidos da
América, o relatório OverView and analysis o f school mathematics: Grades K-
12 do National Advisory Committee on Mathematical Education (NACOME),
três anos depois, o documento Position Statements on Basic Skills do National
Council ofSupervisors o f Mathematics (NCSM, 1978) e, em 1980, pela mão do
National Council o f Teachers o f Mathematics, o conjunto de recomendações j
para o ensino da Matemática publicado sob o título An agenda fo r action:-
Recommendations fo r school mathematics o f the 1980s (NCIM , 1980)2. Estes
documentos visavam precisamente contrariar a lógica de retrocesso inerente ao
movimento back to basics, contrapondo-lhe uma lógica de renovação quê, no
essencial, podemos caracterizar pela visão mais alargada que oferecia das apti
1 Esta comissão foi encarregue de elaborar o relatório referido cujo propòsito era descrever e
analisar a situação do ensino da Matemática não superior nos Estados Unidos da América,
tendo como incidência principal os seus objecti vos, práticás e resultádos (NÁÇOME, 1975); '
2 Existe uma tradução portuguesa deste documento publicada em 1985 (NCTM, 1985).
Duas outras ideias fortes, em termos das orientações curriculares para o: en
sino da Matemática, caracterizam o s . três documentos: a valorização das
aplicações da Matemática e o papel de relevo atribuído à tecnologia, em parti
cular, às calculadoras e ao computador. Na verdade, por exemplo, é realçada a
importância do facto de os alunos poderem “aplicar a Matemática num domínio
tão amplo quanto possível” (NACOME, 1975, p. 138) e “considerar situações
da vida corrente, traduzi-las em expressões matemáticas, resolver os .aspectos
matemáticos em presença e interpretar os resultados”. (NCSM, 1978, p. 149),
recomendando-se que os programas de Matemática proporcionem aos alunos
“experiência da aplicação da Matemática” e os. envolvam “na resolução de.
problemas apresentando aplicações” (NCTM, 1980, pp. 3-4), quer relacionadas
com o quotidiano, quer com outras disciplinas e áreas da actividade humana. N o ,
que diz respeito à tecnologia, é também bem visível a importância que lhe.é
reconhecida, e o relevo dado ao seu papel no ensino da Matemática. A utilização
da calculadora, por exemplo, é aconselhada desde muito cedo. na escolaridade,
recomendando-se a sua disponibilização para “cada um dos alunos” e em “cada
aula de Matemática” (NACOME, 1975b, p. 138), e a “literacia .em computado-,
res” (Computer literacy) é uma das áreas das aptidões básicas do NCSM (1978., .
p. 150). Por sua vez, o NCTM (1980), na sua Agenda para os anos oitenta,
estabelece como uma das recomendações para o ensino da Matemática que os
programas desta disciplina “tirem todas as vantagens das potencialidades das
calculadoras e dos computadores em todos os níveis de ensino” (p. 1), sübli-
nhando igualmente a importância da acessibilidade da máquina de calculai* em
todas as aulas de Matemática e da progressiva integração dos computadores. À
incorporação da utilização destes instrumentos tecnológicos no currículo é
considerada obrigatória e proposta numa perspectiva que valoriza a exploração,
a descoberta e o desenvolvimento dos conceitos matemáticos por p a rté d o s
alunos e não apenas a verificação de resultados e a realização de exercícios.
efectivo de aptidões matemáticas básicas deve sér dirigido ‘não pará trás’ mas
para a frente (em itálico no original), em direcção às necessidades essenciais dos
adultos no presente e no futuro” (NCSM, 1978) — insistindo na necessidade da
renovação da Matemática escolar. Para a efectivação desta renovação, foi
tomando corpo nos Estados Unidos da América, até ao final da década de
setenta, um conjunto de perspectivas e orientações curriculares que, no que
respeitava às aptidões básicas a desenvolver nos alunos, iam muito além do mero
domínio do cálculo, das técnicas ou manipulações numéricas e algébricas e da
simples memorização e mecanização na aprendizagem.
Essas perspectivas e orientações curriculares — que vieram igualmente a
mamfestar-se na Europa e também aí a influenciar novos movimentos reforma
dores — e o quadro de aptidões matemáticas básicas que lhes estava associado,
incorporaram novos e mais diversificados objectivos de aprendizagem, e de nível
cognitivo mais elevado, bem como uma gama mais ampla de aspectos da
actividade matemática. São disso exemplo, a valorização dos processos de
recolha, organização e interpretação de informação e de tomada de decisões, da
estimação, cálculo mental e análise da plausibilidade dos resultados, da realização
de prèvisões com base na Matemática, bem como, muito particularmente, o
relevo dado à utilização da máquina de calcular e do computador, às aplicações
da Matemática e à resolução de problemas.
1 Por razões de simplicidade, usarèi por vezes a expressão abreviada Standards para designar
este documento.
1 Um dos princípios gerais que são enunciados relativamente ao tipo de actividades a propor
aos alunos diz concretamente que tais actividades “devem nascer de situações problemáticas”
(NCTM, 1991a, p. 11).
da. Matemática escolar” (NGTM* 2000, p. 12). Pretendem, como é dito, descre
ver características de um ensino de qualidade, constituindo orientações gerais
para o ensino da Matemática que são apresentadas como fundamento e guia
para a tomada de decisões em diversas instâncias, nomeadamente, ao nível da
elaboração e desenvolvimento curricular, ao nível da prática lectiva e ao nível da
definição, dos programas de desenvolvimento profissional dos professores. Os
princípios propostos, de um modo geral, referem-se às ideias principais já
constantes nos documentos anteriores do NCTM sobre os temas a que cada um
dos princípios diz respeito, muitas vezes. desenvolvendo-as e elaborando mais
sobre elas, ou valorizando aspectos particulares pouco visíveis nos ditos docu
mentos. Há também, no entanto, situações em que se abandona ou se dá menor
ênfase a ideias a que anteriormente se tinha dado um relevo especial.
Nos dois primeiros princípios, por exemplo, são desenvolvidas e melhor
explanadas, respectivamente, a ideia de uma Matemática para todos e a própria
ideia de currículo. Na verdade, se a ideia de uma Matemática para todos estava
já-presente nas Normas de 19891, ela adquire maior visibilidade e importância
nos Principies and standards com a formulação do princípio da equidade, e
com a forma como ele é descrito, bem como com o relevo que lhe é dado na
visão da Matemática escolar traçada neste documento: “a equidade educacional
é um elemento nuclear desta visão” (p. 12). Este princípio é o de índole mais
geral e sustenta que não há contradição entre excelência e equidade e que estes
conceitos não são incompatíveis ou mutuamente exclusivos em educação.
Afirma pelo contrário que “a excelência na educação matemática exige equida
de” (p. 11), implicando esta consideração, como também é dito, a existência de
“expectativas elevadas” (p. 11-13) face a todos os alunos, a oferta de oportuni
dades, significativas a esses alunos, aceitando e integrando diferenças e
proporcionando meios e recursos apropriados. Por sua vez, a ideia de currículo,
a que é dedicado todo o segundo princípio, é aqui mais desenvolvida e elaborada
do que nas primeiras Normas. Sublinha-se explicitamente a ideia de que um
currículo não é um mero conjunto de actividades, dando grande ênfase a três
aspectos apresentados como características importantes de um currículo: a
constante nessas normas (NCTM, 1991a, p. 161), como “permissão para abolir
completamente a demonstração para toda a gente” (Kilpatrick, 1997, p. 958).
so, e,os objectivos.gerais de cada standard são também comuns a todos esses
níveis, o que anteriormente não acontecia:
A forma como são encaradas algumas dicotomias clássicas na Matemática
escolar, como é o caso de conteúdos versus processos matemáticos, conceitos
versus técnicas ou ainda, aprendizagem concèptual versus conhecimento factual
ou .domínio de procedimentos, evoluiu, aparentemente, de modo a consensuali-
zar perspectivas diferentes sobre essas dicotomias. Ou seja, evoluiu no sentido
inclusivo, isto é, numa perspectiva em que se sustenta que os pólos dessas
oposições não devem ser considerados como domínios de aprendizagem mutu
amente exclusivos, mas como áreas fortemente interligadas e capazes de se
fecundarem entre si na sua aprendizagem. É disto bem revelador, por um lado, a
forma equiparada como são tratados os conteúdos e processos matemáticos nos
Principies and standards (NCTM, 2000), e a recomendação aí explícita, de que
devem ser trabalhados de forma integrada, sublinhando-se que os conteúdos
podem ser aprendidos no contexto dos processos, e que processos não se
aprendem em vazio, isto é desligados de qualquer conteúdo, exigindo, por
conseguinte, o conhecimento de conteúdos matemáticos e a sua compreensão.
Por outro lado, o tratamento também equiparado da aprendizagem dos concei
tos e dos procedimentos, e a consideração de que, em “aliança” (alliance), a
compreensão de conceitos, o conhecimento de tipo factual e o domínio de
procedimentos — todos eles considerados componentes importantes da compe
tência em Matemática — “tom a a utilização de todas as três componentes com
grande potencialidade” (NCTM, 2000, p. 20).
Uma outra ideia que ganhou um lugar de maior relevo entre as perspecti
vas e orientações curriculares mais recentes do NCTM, é a ideia que saber
Matemática é compreender Matemática e ser capaz de a aplicar, e portanto, que
a grande finalidade do ensino desta disciplina é desenvolver no aluno essa
compreensão e capacidade de aplicação. A compreensão, incidindo sobre
conceitos, processos e procedimentos, emerge, na verdade, como elemento
unificador. Esta situação, aparentemente, sobrepõe-se à ideia de que saber
Matemática é fazer Matemática, muito embora, se mantenham com importante
destaque a valorização do papel do aluno na aprendizagem — por exemplo,
com recomendações como á de que o aluno deve “construir activamente o
nòvo conhecimento à partir da experiência e de conhecimentos prévios”
Davis e Hersh (1981), logo nas primeiras páginas do seu livro A, experiên
cia matemática, chamam a atenção para a ancestralidade da Matemática nas
sociedades humanas, ainda que, naturalmente, de carácter elementar nos seus
primórdios. “Muito dificilmente se encontrará uma cultura”, dizem-nos Davis e
Hersh, “por mais primitiva que seja, que não exiba alguma Matemática rudi
mentar” (p. 9). Referindo-se apenas à Matemática ocidental, estes autores
apresentam-nos um período de cerca de 5000 anos, desde os antigos egípcios
até aos dias de hoje, durante o qual a Matemática que conhecemos se constituiu
e desenvolveu. Com este longo período de desenvolvimento,, a Matemática é
que, nos dias de hoje, não se imagina a possibilidade de uma só pessoa poder
elaborar uma lista de problemas como a que Hilbert fez no seu tempo.
O domínio onde se exerce a actividade matemática cresceu e diversificou-
se. ‘Quantidade’, ‘espaço’, números ou formas, são conceitos que, por si sós, há
muito se tomaram insuficientes para delimitar o universo da Matemática. Actu
almente, reconhece-se um outro conceito mais amplo — o conceito de ordem
— como mais adequado para uma delimitação do domínio matemático tal coirio
ele hoje se nos apresenta (Steen, 1988), ideia já presente em Descartes, como se
assinala no documento Reshaping School Mathematics (NRCy 1990). “ A
Matemática revela regularidades (pattems) escondidas que nos ajudam a com
preender o mundo que nos cerca” ou “a Matemática é uma ciência da
regularidade e da ordem” são expressões de um outro importante documento1
programático para o ensino da Matemática — Everybody Counts -— que. traduz
já a influência desta tendência (NRC, 1989, p. 31) e onde ainda se pode ler:; -
1 Halmos (1980) usa esta expressão como título de um artigo que encerra recomendando que
os problemas devem merecer um relevo cada vez maior no ensino dá Matemática.
Lógica e intuição
1 Leone Burton (2001) encontra nos matemáticos que estudou um terceiro estilo de pensa
mento que distingue dos dois aqui mencionados. Designa-o por estilo conceptual, e apresenta-o
como sendo aquele em que o pensamento recorre preferencialmente, não a símbolos (estilo
analítico) ou a figuras (estilo visual ou geométrico) mas a ideias e a processos de classificação.
2 Poincaré (1948) interroga-se sobre quão separados estarão estes dois tipos de intuição e se,
realmente, a intuição do número puro não recorrerá ela também à experiência. Não aborda
contudo esta questão pois, em sua opinião, é “assunto para psicólogos e metafísicos” (p. 32).
Considera, no entanto, as duas espécies de intuição essencialmente diferentes.uma vez que
incidem sobre objectos diferentes e envolvem faculdades distintas do nosso espírito.
tipo de intuição que, segundo Poincaré (1948), orienta o trabalho dos matemáti
cos analistas, ou seja, dos matemáticos de espírito lógico, e faz com que também
eles possam “não só demonstrar mas também inventar1 (p. 33). A intuição
sensível é a que serve os geómetras no seu trabalho criativo e Poincaré conside-
ra-a “o instrumento de invenção mais vulgar” (p. 34) em Matemática.
A lógica e a intuição estão presentes na actividade matemática, a primeira
desempenhando uma função essencialmente certificadora e organizadora e a
segunda, uma função essencialmente criadora. A lógica tem um papel funda
mental na organização e sistematização da Matemática enquanto corpo de
conhecimentos, mas não explica o seu crescimento, nem está na base da activi
dade . matemática enquanto actividade criativa. Inúmeros matemáticos têm
também disto dado testemunho. Para A. Weil, por exemplo, a lógica pode ser a
“higiene” do matemático mas “não é aquilo que o alimenta” (Fang, 1970,
p. 109). Joong Fang (1970) considera que, se um matemático pretender ser
criativo e realmente descobrir algo de novo terá que arriscar-se pelos caminhos
incertos da “tentativa-e-erro”, em novas direcções ou procurando novas ideias,
terá que fazer conjecturas, “experiências de pensamento (thought experiments)
em termos, matemáticos” (p. 118), como lhes chama. Morris Kline (1970), como
Poincaré, considera que com a lógica nada se descobre em Matemática e que, se
a lógica pode constituir uma “norma” ou “obrigação” em Matemática, “ela
não é a essência” (p. 2 7 2 ) desta ciência.
1 Como Poincáré (1908) assinala, uma demonstração não é meramente uma justaposição de
silogismos e a ordem pela qual estes estão dispostos é mais importante que os próprios
silogismos; considera que esta ordem pode ser intuída e que é a sua intuição que possibilita “ a
compreensão num relance do conjunto do raciocínio” (p. 360). Podemos assim dizer que a
intuição, está na base da actividade criativa, da descoberta e invenção matemáticas, mesmo
quando está em jogo a demonstração de um teorema.
muito diversos, colocando a .sua pedra no. edifício, até que um arquitecto bri
lhante gize uma construção original” (p. 25). O processo de especialização que
tem vindo a acontecer na Matemática faz surgir problemas novos em‘ zonas
onde se encontram domínios ainda mal definidos. Estes problemas obrigam ao
trabalho conjunto de matemáticos de diferentes áreas e, por esta razão, diz-nos
Flato, nos dias de hoje, “ainda que o essencial d a s. actividades matemáticas
permaneça constituído pelo trabalho de pesquisa individual, acumulam-se os
exemplos de tais trabalhos colectivos” (p. 27). . . .
Sobre o lugar e a importância do trabalho de colaboração em investigação
matemática, Alan Schoenfeld (1992) vai mais longe e considera que êsta forma
de trabalho em Matemática constitui uma das alterações significativas na prática
dos matemáticos nas últimas décadas. Para este autor uma dás três mudanças
recentes a este nível “consiste em que fazer Matemática é visto cada vez mais
como um acto social e de colaboração” (p. 344). Schoenfeld dá vários exemplos
onde a actividade matemática assumiu uma forma “de elevada colaboração”: na
teoria dos números, nos desenvolvimentos matemáticos associados a tomografia
assistida por computador e na demonstração de algumas conjecturas. Os teste
munhos que reproduz, evidenciam o reconhecimento do trabalho dé
colaboração como fonte de prazer e entusiasmo, como fonte de estímulo e de
maior eficácia, contribuindo para que os intervenientes se ultrapassem a si
próprios e para a complementaridade das contribuições de cada interveniente:
No entanto, para lá destas virtudes, diz-nos este autor, há hoje perspectivas
sobre o conhecimento que reconhecem à prática de colaboração um papel mais
importante e de natureza epistemológica, sustentando que pertencer a uma
comunidade matemática “é uma parte daquilo que constitui o saber, e o pensa
mento matemático” (p. 344).
O trabalho individual tem sido e continuará certamente a ser uma compo
nente essencial no trabalho dos matemáticos. Se, historicamente, os exemplos dé
trabalho conjunto em Matemática poderão ser considerados de excepção — e
os casos mais citados são os trabalhos de Russel e Whitehead e de Hardy e
Littlewood — a ideia de que o trabalho em equipa não faz parte da forma de
trabalhar dos matemáticos, parece não corresponder à situação actual ein
investigação matemática. Há cada vez mais exemplos de áreas onde essa form a:'
de trabalho se pratica, o que também se evidencia pela autoria partilhada dos
artigos de investigação publicados. Leone Burton (1999) considera que “um dos
resultados mais importante” do seu estudo é a constatação de que a pesquisa
em Matemática nos dias de hoje deixou de ser exclisivamente caracterizada por
uma prática individualista, desenvolvendo-se num ambiente em que a “colabo
ração ou cooperação são predominantes” (p. 137). A interacção entre os
matemáticos, todavia, sempre existiu — basta pensar na correspondência que
estabeleciam em épocas mais antigas — mas é actualmente mais extensa e
intensa devido ao desenvolvimento dos meios de comunicação e à evolução
tecnológica em geral. Esta interacção e a comunicação do conhecimento mate
mático que lhe está associada têm vindo a ser consideradas elementos
importantes no processo de constituição e desenvolvimento desse conhecimento.
Manuel Silva
173
V - Os matemáticos
“Eu nas férias ia para casa dele. Era fora de Lisboa, na Guarda, e ele
muitas vezes adiantava-me matéria do ano seguinte, discutindo comigo
e dando-me umas ideias. Portanto eu tinha um enquadramento positi
vo, até nas férias, com uma pessoa que gostava de Matemática.”
( e n t r e v .h p .i l )
A Matemática .
Não sendo a disciplina pela qual sentia maior atracção, enquanto estudante
do ensino liceal, Manuel Silva, como vimos, já neste nível de ensino sentia gosto
e interesse pela Matemática, gosto e interesse que vieram mesmo a aumentar, à
medida que os seus estudos progrediam. Quando lhe pedi, logo no início da
primeira entrevista, que explicasse a razão desse seu sentimento relativamente à
Matemática e do seu investimento nesta disciplina, respondeu assim:
“Eu acho que a Matemática tem uma coisa que é muito importante, é
que permite uma grande... digamos, uma... uma grande... Permite uma
abordagem com uma dose de reflexão muito grande e de... contem
plação também. Quer dizer, há uma visão... uma parte contemplativa
da Matemática que eu acho que é importante. Permite uma certa satis
fação interior... mediante a perfeição... e uma certa arquitectura dos
resultados obtidos.
Portanto, [a Matemática]... Eu diria que está muito próxima da Arte e
da Filosofia e da Música, enfim dessas coisas. Penso que talvez isso me
tenha atraído bastante, porque dá uma certa satisfação ver um edifício
relativamente completo e ainda por cima que a pessoa pode dar uma
contribuição, nem que seja pequena.”
(entrev. 1, p. 4)
Foi deste modo que, pela primeira vez, Manuel Silva se referiu à Matemáti
ca, mencionando duas componentes no trabalho com esta ciência, a reflexão e a
contemplação. Justificou assim a sua atracção pela investigação em Matemática,
por um lado, pela percepção que tem de poder participar no desenvolvimento
do conhecimento nessa área, na construção do “edifício”, para usar as suas
palavras, apesar de o reconhecer já “relativamente completo”. Por outro lado,
por sentimentos de natureza estética — “a perfeição”, “a arquitectura” — face
aos resultados desse trabalho. Acrescente-se ainda que, quando lhe solicitei uma
reacção à frase de um matemático célebre que defendia a beleza na Matemática,
contra a ‘Matemática feia’1, Manuel Silva concordou completamente com a
ideia defendida, dando mesmo como exemplo dã dita ‘Matemática feia’, aquela
1 “Os modelos que o matemático cria, como os do pintor e os do poeta, devem ser belos; as
ideias, como as cores ou as palavras devem ajustar-se harmoniosamente. A Beleza é o primeiro
teste: não há lugar permanente no mundo para a Matemática feia.” (Hardy, 1988, p. 2003,
anexo 2, episódio 3)
que se faz pela força bruta, com base da “técnica” ou, como também disse, do
“martelo-pilão”, acrescentando: “quando há umas certas subtilezas, a gente fica
mais satisfeito, não é, vê aquilo e diz, ah isto é bonito; até é mesmo o que se diz,
isto é bonito” (entrev. 1, p. 25).
Posteriormente, já na segunda entrevista, procurando esclarecer a relação
da Matemática com a Arte a que se tinha referido, Manuel Silva mencionou
também o “prazer” que a investigação lhe proporciona, quando o trabalho
realizado, seguindo critérios adoptados, “está certo” e tem “coerência interna”,
“é como se fosse uma pintura” (entrev. 2, p. 12). Ainda sobre a relação da Mate
mática com a Arte, referiu-se ao facto de, na Matemática, intervirem também o
que chamou factores de “personalidade” e de “estilo” pessoais (entrev. 2, p. 12).
Para além disso, clarificou um pouco o modo como percepciona a beleza neste
ramo do conhecimento, associando-lhe as ideias de harmonia e coesão, como se
pode depreender das suas palavras:
“[Dirac] achava bem que a Matemática, a partir de uma certa ideia fí
sica,, se desenvolvesse ela própria como ideia matemática, porque até
. podia ser que, passados uns tempos, aquelas ideias matemáticas desen
volvidas tivessem outra vez uma aplicação à Física, por exemplo, um
regresso à origem. É curioso, eu acho que é verdade... Eu acho que is
so é o que se passa. É difícil de estar a dizer que uma coisa tem ou
não ligação imediata [com a realidade].”
(entrev. 1, p. 38)
áreas, mas, como fez questão de sublinhar, esta “não é á única interacção com a
realidade’Yerc/rev. j t p. S8).
Para esclarecer o sentido desta sua frase, a questão das relações da Mate
mática com a realidade foi retomada logo no início da segunda entrevista, e
Manuel Silva referiu-se então a um outro tipo de interacção. Para além de poder
desencadear um determinado desenvolvimento matemático que vem explicar
um fenómeno ou resolver um problema, a realidade, em sua opinião, pode ter
uma interacção com a Matemática que qualificou de “inesperada” (entrev. 2, p. 5),
influenciando formas de pensar ou de raciocínio no decurso de um trabalho
matemático desenvolvido sem qualquer objectivo de aplicação. Deste tipo de
interacção, deu o seguinte exemplo, que lhe foi relatado por um matemático
italiano, conhecido de um amigo seu:
Fez notar todavia que a situação é diferente nos casos em que o probíema
está bem definido. Nestes casos, determinado resultado “ou se demonstra ou
não se demonstra”, podendo então dizer-se que nestas situações a verdade
demonstrada é perene:
“Eu penso que há casos onde se pode dizer, digamos, que é um resul
tado definitivo, há outros casos em que não. Talvez seja melhor
precisar assim. Não é dizer que não há nada de definitivo. É dizer que :
há certos casos que talvez possam ser definitivos e, noutros casos, é .
uma coisa que tem um certo quadro onde aparece e o quadro pode . .
ser melhorado, não é, e portanto ser um resultado mais interessante.”
(entrev. 1, p. 43)
A actividade matemática
“[E o] interesse por fazer qualquer coisa que ainda não está resolvida.
Portanto, um certo desafio... que os problemas põem e que dão uma
certa satisfação quando a pessoa [os] resolve. Por vezes até, a pessoa
fica triste, há uma certa contradição. Quer dizer, a pessoa resolve o
problema e fica satisfeito por um lado, mas, por outro lado, [fica] triste
porque já não tem aquele desafio. Tem que passar a outro imediata- '
mente, para sentir outra vez...
Há uma certa, digamos, ansiedade, da pessoa que se dedica à investi
gação, na medida em que tem os problemas para resolver, mas depois
tem que arranjar problemas interessantes para continuar.”
(entrev: 1, p. 16)
“Eu acho qué são muito curtos (...). As pessoas quando encontram
um resultado interessante para elas, não quer dizer que seja muito im-
“[A pessoa] está a pensar naquilo, mesmo que não esteja a pensar
objectivamente (...) e, por vezes, lembra-se de qualquer coisa que
permite pôr o problema mais a jeito de o poder resolver. Pode não ser
logo... uma solução total... (...) As vezes não, é só uma coisa pontual.
Pode ser assim uma ideia e, depois, vir logo uma série de ideias logo a
seguir. E pode ser uma ideia isolada e daí a um mês a pessoa tem ou
tra [qu]e ‘cola’ nessa. Há os dois tipos de coisas.”
(entrev. 1, p. 37)
Quando lhe pedi que fornecesse alguns elementos que pudessem caracteri
zar uma actividade como matemática, Manuel Silva referiu-se, como já foi
mencionado, ao “método demonstrativo”, considerando-o “o método da
Matemática”, e, de algum modo, identificou Matemática com demonstração.
“Como dizia Bourbaki”, alega Manuel Silva, “quem diz Matemática, diz de
monstração”, acrescentando ainda, “[fazer Matemática] é demonstrar os
resultados que [se] põe[m], dentro do contexto em que se estão a pôr, com as
limitações dos axiomas” (entrev. 1, p. 46).
Para este matemático, pela demonstração comunicamos a certeza sobre a
verdade de um resultado. “À técnica é sempre a mesma”, disse, “é demonstra
tiva, o resultado só é [aceite como] verdadeiro, depois de demonstrado”
(entrev. 1, p. 46), sendo que esta demonstração se terá que revestir de carácter
analítico. “Os matemáticos só o aceitam como verdadeiro, depois de ter uma
demonstração analítica” (entrev. l, p. 46), acrescentou, e deu como exemplo as
reservas que têm sido levantadas a demonstrações feitas por computador ou que
incluem argumentos não analíticos.
A este propósito, referiu na altura o caso de um autor português sobre a
conjectura de Poincaré, contando que a demonstração apresentada envolvia
“muito a intuição”, “bonecos” (entrev. 1, p. 47), e quando se procedeu à sua
tradução analítica, foi descoberto um erro. Considerou, no entanto, que as
demonstrações analíticas também podem conter erros e que na investigação
matemática, de um modo geral, nem todos os passos são explicitamente de
monstrados, sendo corrente o recurso a resultados previamente dados como
provados, em cuja veracidade se confia: . ,
“Uma pessoa está a fazer investigação e por vezes serve-se de. resul
tados [de] que não foi ver a demonstração, se não estava tramado!
Supõe, admite que. Bom, se há trinta pessoas ou quarenta que já vi
ram aquilo com certo cuidado, com certeza que não há nenhum erro.
fundamental. Senão era impossível continuar. É evidente que há sem
pre um grau de confiança que a pessoa tem que depositar naquilo que
já existe feito, escrito.”
(entrev. 1, p. 48)
“Bom, nos teóricos, tipo Física teórica, não sei se há umá grande dife
rença [em relação aos matemáticos], não é. Nos físicos experimentais
“A função (...) tinha pelo menos que ser contínua, portanto, se [n]o
boneco não desse contínua, acabou, não é. Por outro lado, tinha que
ser nula no infinito, de um lado e doutro. Portanto, se de um lado
crescesse, também acabou. (...) Fez-se [então] uma experimentação,
com vários dados iniciais. Aí era preciso ter sorte, não é, porque... (...)
pessoa vê, faz várias experiências (risos) e tenta ver. Bom, para já, lo
go num dos casos deu a impossibilidade portanto, dava mesmo uma
função com uma grande singularidade, e portanto nunca podia ser
contínua. Por outro lado, [n]o outro caso (...) [a função] crescia num
dos lados do eixo portanto, também, por outra razão, não funcionava.
Portanto, a conjectura que a gente fez não deve ser verdadeira.”
(entrev. 2, pp. 19-20)
M anuel Silva
V - ,0s matemáticos
“Eu penso que essa Matemática vem ao de cima um bocado por... por
conhecimento, digamos, do que é a comunidade matemática mais vi
va, e [pel]os encontros que as pessoas têm. As pessoas encontram-se
num seminário, ou num sítio dinâmico, onde há um certo encontro
. periódico das pessoas. Ou então em conferências internacionais, onde
se encontram um certo número de indivíduos para discutir. Mais do
que às vezes as próprias exposições, são as conversas entre as pessoas
que valem. E vê-se um bocado o que se está a passar.”
(entrev. 1, p. 25)
O ensino da Matemática
“muito interessante” — e o do 2o, que era “mais didáctico” (entrev. 1, p. 10) mas
adequado ao nível deste ano. Mais demoradamente, falou de um professor que
teve do 3o até ao 7o ano, reservado e pouco falador, como disse, cujas aulas
descreveu do seguinte modo:
Também no ensino superior, este matemático fez referência aos bons pro-*
fessores que teve — “grande nível” (entrev. l, p. 10) — que considerou terem
contribuído significativamente e de diversas maneiras para a sua formação,
tendo mesmo reconhecido a influência que tiveram na evolução do seu percurso
escolar e académico.
Falando da importância da divulgação e da popularização da Matemática,
Manuel Silva, a certa altura, referindo-se à necessidade que existe em motivar os
jovens para esta disciplina valoriza assim o papel do professor:
turmas muito grandes, “sentir que estou a perder muitos alunos, perder no
sentido de não os estar a ver a seguir o que estou a fazer, isto para mim é um -
sacrifício” (entrev. 2, p . 58). Em contrapartida, de onde retira maior gratificação, é
verificar que os alunos se mantêm interessados, intervêm nas aulas e se gera
alguma discussão:
gente vai para Matemática sem grande vocação”, disse, sublinhando que “ é
necessário ter uma certa vontade e um certo gosto pela Matemática, para fazer
Matemática, mesmo ao nível do professor de liceu” (entrev. 2, p. 35). Explicando
a sua ideia relativa à má preparação em cálculo dos estudantes, Manuel Silva
mencionou dificuldades nos primeiros anos quer ao nível elementar, quer em
assuntos mais avançados. Quando deu exemplos de pontos fracos no ensino
secundário, retomou as ideias do deficiente domínio do cálculo e da visão formal
da Matemática, dizendo:
Tendo-lhe pedido que esclarecesse por que considerava existir pouco inves
timento no cálculo no ensino secundário, ao mesmo tempo que afirma que o
ensino praticado proporciona uma imagem da Matemática excessivamente
formal, deu como exemplo o facto de os alunos não conseguirem resolver
situações mais sofisticadas. Constata que os alunos chegam à Faculdade “meca
nizados” e que “não têm um conhecimento prático que seja inspirado por uma
boa formulação teórica” (entrev. 2, p. 51). Isto é, como ainda acrescentou, com
um mau domínio dos aspectos teóricos, mesmo ao nível de muitas noções
básicas, de que deu como exemplos a noção de limite e de continuidade.
Ainda relativamente ao ensino secundário, Manuel Silva manifestou alguma
esperança numa melhoria provocada pelos novos programas, e revelou concor
dância e simpatia com algumas das suas orientações e propostas. Nomeou
particularmente as que se referem à utilização das calculadoras — “acho muito
bem que utilizem as máquinas, isso é uma coisa importante hoje em dia” (en
trev. 2, p. 48) — e a valorização das abordagens gráficas, da Estatística e da
Geometria. Foi muito crítico sobre à diminuição do número de horas lectivas
neste nível de ensino — “era fundamental aumentar o número de horas (...), no
12° ano deviam ser seis horas [por semana]” (entrev. 2, p. 47) — e criticou
também o pouco tempo e apoio de que os professores dispõem para desenvol
verem acções ao nível da sua própria formação. Chegou mesmo a referir a
Manuel Nunes
“Nem mesmo, assim muito directamente, pensava que iria para o en
sino (...). Foi mais uma opção no sentido de estudar aquilo que me da
va prazer, do que propriamente uma visão profissional do que é que
ia... do que é que ia a ser a minha actividade profissional no futuro.
Nesses anos, convínhamos, também não valia a pena especular muito.
: Era ensino, pura e simplesmente ensino.”
(entrev. 1, p. 1)
relação com essa disciplina. Já na Universidade, essa boa relação veio a manter-
se e a aprofundar-se. A todo este processo associou sempre os bons professores
que teve, particularmente na Faculdade de Ciências: “não me consigo lembrar
de um professor mau” (entrev. l, p. 8).
Como foi mencionado, Manuel Nunes trabalha em Matemática aplicada. Ao
explicar a sua inserção nesta área, esclareceu que desenvolve o seu trabalho, não
em domínios com que ela é tradicionalmente identificada — como as aplicações
à Física, equações diferenciais, certa Análise funcional — mas em investigação
operacional que, em sua opinião, é essencialmente Matemática. Trabalha com
“modelos matemáticos aplicados à resolução de problemas da vida corrente,
[sobretudo] no campo da gestão e da produção” (entrev. 1, p . 11) e, por esta
razão, considerou que é Matemática aplicada.
Manuel Nunes justificou a preferência por esta área da Matemática, com a
gratificação que sente ao ver utilizado o seu trabalho numa situação prática real.
Está possibilidade, em seu entender, exerce algum fascínio, inclusivamente sobre
aqueles que o negam: “penso que toda a gente, mesmo aqueles que dizem que
não, têm alguma sedução em que as coisas que fazem tenham alguma... tenham
alguma concretização” (entrev. 1, p. 11). E, referindo-se especificamente aos
matemáticos, continuou:
“Eu penso que qualquer um tem algum prazer especial em ver con
cretizado aquilo que faz, num caso concreto. Em ver que tipo de fer
ramentas matemáticas correspondem a alguma coisa da vida real, a
uma coisa com que a gente pode... pode... de alguma forma interferir,
associar ou relacionar. Isso parece-me que é algo natural.
Mesmo naqueles que dizem que não (...). Eu acho que as pessoas
quando dizem isso estão mais a dizer assim, ‘eu não estou pressionado
por ver uma imediata aplicação disto’, mas se a virem, com certeza
qué'(...) ficam mais satisfeitos.”
(entrev. 1, pp. 11-12)
Manuel Nunes considerou que teve a “sorte” de ter começado cedo a tra
balhar, cpm problemas reais, propostos do exterior da Faculdade, e em modelos
matemáticos para esses problemas. Este trabalho surgiu ainda nos últimos anos
do curso, e relacionou-o com o desenvolvimento da sua motivação pelas mate
máticas aplicadas, tal como o estudo numa cadeira de programação linear pela
A M atem ática
“A parte que me seduzia mais era aquela parte da gente ter o tal qua
dro final onde queria chegar e, aos poucos, progressivamente, irmos
construindo o caminho para lá chegar, de uma forma lógica e... (pausa,
5 s) segura, que é uma coisa que... [a Matemática tinha].”
(entrev. 1, p. 2)
1 Anexo 2, episódios 4 e 5.
Trata-se aqui da mesma ideia que Manuel Nunes veio a retomar mais tarde,
falando ainda na relação da Matemática com as ciências: com a Matemática é
possível elaborar modelos que permitem uma melhor compreensão da realidade
e o progresso do conhecimento em diversos campos científicos; por sua vez, a
utilização dos modelos matemáticos nesses campos científicos, “vem revelar
novas fraquezas” do conhecimento em Matemática, fraquezas que “os matemá
ticos, por vezes têm dificuldade em reconhecer” (entrev. 2, p. 22).
“Eu não concordo... Eu diria que apenas... Apenas uma pequena parte
da Matemática... (pausa, 5 s) tem utilidade prática visível, digamos.
Mas, mesmo assim, eu não lhe chamaria uma pequena parte mas, en
fim. Se me dissesse utilidade prática visível, imediata, não é?... Isto, o
primeiro aspecto... Em segundo lugar, não acho essa parte relativa
mente desinteressante de forma alguma.”
(entrev. 2, pp. 7-8)
M anuel Nunes 2 1 J*
V - Os matemáticos
M.N.- — Quer dizer que não vale.a pena olhar para ele novamente?
Inv. Não. Não é bem isso. É se a conjectura [demonstrada] fica
considerada verdadeira?...
M.N. — Se [se] conseguir provar... fica provado, não é? Quer dizer...
Inv. — Mas, a pergunta é esta... As verdades matemáticas são eter
nas? Poder-sè-ia pôr assim, desta maneira mais dramática.
M:N. —- Essa é difícil (riu-se). Aparentemente sim, não é? Bem, tudo
depende da axiomática, com que a gente parte, não é? Dentro
. da mesma axiomática... o que está demonstrado, bem demons
trado... O que pode acontecer, e acontece com alguma frequên
cia, é que não estava bem demonstrado.
Inv. — Sim, mas se obedecer às regras lógicas e do sistema...
M.N. — Estará demonstrado.
(entrev. 2, pp. 14-15)
“Eu continuo a dizer que essas frases são muito perigosas. É muito
perigoso dizer que finalmente é encontrado o rigor absoluto. Que está
assegurado o rigor absoluto... (pausa, 7 s). Eu acho que a Matemática
como todas as outras ciências tem os seus... tem os seus fracos, não é,
os seus pontos débeis. Recuso-me a vê-la como uma coisa... perfeita-
1 Referi de memória uma afirmação de Poincaré (1988) no princípio do século XX que dizia
“pode-se pois hoje dizer que o rigòr absoluto.[em Matemática] foi atingido” (p. 11).
A actividade matemática
“De facto a... os problemas da [minha área] têm muito essa caracterís
tica, têm já uma grande aplicação prática, mas, simultaneamente;
[têm] uma grande exigência... de desenvolvimento teórico sempre as
sociado. Aplica-se, a prática exige mais desenvolvimento teórico que
permite resolver melhor a prática, mas ela volta a pedir mais, e assim
por diante. É um processo interessante.
(entrev. 1, p. 15).
O trab alh o com modelos m atem áticos. Para dar conta do que consiste o seu
trabalho de investigação matemática, Manuel Nunes descreve-o essencialmente
como um processo de criação e desenvolvimento de modelos matemáticos:
“Repare que tem também muito a ver com os instrumentos que te
mos hoje em dia à nossa mão, não é? Convinhamos que há trinta ou .
quarenta anos atrás, a experimentação era dolorosa em Matemática,
não é? (...) Quer dizer, era impensável fazer experimentação, nem que
fosse para ver... assim... gerar um grafo e ver se era possível, se não
era possível; (. . .) Quer dizer, isto não serve de prova, mas é uma ma
neira que leva... É o mesmo que leva o experimentalista noutras áreas
O trab alh o dos m atem áticos. Posto perante a questão de existirem diferenças
significativas no modo de trabalhar dos matemáticos, Manuel Nunes demorou
um pouco a responder e mostrou alguma hesitação. “Tenho dificuldades em
dizer que sim ou não” (entrev. 1, p. 18)> declarou, justificando estas dificuldades ,
pelo facto de as diferenças na forma de trabalhar, ainda que em áreas diversas,.
serem frequentemente mais aparentes que reais. No entanto, tendo-lhe pedido
que fizesse a comparação entre o trabalho de hoje e o dos matemáticos- de há
uns anos, considerou existirem muitas mudanças, particularmente no tipo de
tecnologia disponível, entre as quais destacou a utilização do computador como
a mais importante. A diferença, disse, está em que no passado, “o matemático
trabalhava com papel e lápis” enquanto que, actualmente, “trabalha com papel,
lápis e computador”, acrescentando que “mesmo o matemático mais tradicional
que a gente possa imaginar, mesmo esse... está um pouco condenado a mudar as
suas formas [de trabalho]” (entrev. 1, p. 19).
tem uma equipa, mas hesita em reconhecer que o produto final do trabalho
possa ser visto como um trabalho dé equipa. Referindo-se à publicação de
artigos científicos, fez notar que não se encontram exemplos com um número
grande de autores e que, mesmo quando correspondem a duas ou três pessoas,
em geral, a cada uma coube uma parte do trabalho, embora, como sublinhou,
exista naturalmente interacção entre os autores. “A verdade é que os três
discutiram”, disse, acrescentando no entanto que “a parte de reflexão mais dura,
se calhar na maior parte dos casos, foi feita em solidão” (entrèv. 1, p. 22). Reco
nheceu contudo que também se poderá ver aqui algum tipo de trabalho em
equipa que, reflectindo sobre a sua experiência, descreveu assim:
Por esta razão, acabou por manifestar a opinião de que os trabalhos de co
operação em Matemática estão a surgir cada vez com mais frequência:
“Eu penso que [os trabalhos conjuntos] cada vez são mais... mais fre-:\
quentes. Agora... ainda têm uma componente muito forte de solidão,,
de esforço individual. (...) Eu acho que há trabalho de equipa [em M a-..
temática], vendo bem acho que é trabalho de equipa. Mas, quer dizer,
pode-se imaginar dois ou três químicos, noite e dia, a fazer uma expe
riência. Não vejo dois ou três matemáticos discutindo o assunto, às ve
zes até podem discutir, nalguns casos, mas, em geral, o que eu
imagino é discutir muito sobre o problema e depois cada um... O quí
mico não, vai ver se vai fazer aquela parte da experimentação e outro
vai fazer a outra, e depois volta-se a juntar. O matemático ãindà faz
um bocado isso. Eu vou olhar para isso melhor, tu olhas para aquilo.
Mas há, há de facto... aliás seria uma injustiça dizer o contrário. Há um
intercâmbio científico muito mais intenso, as pessoas visitarem-se, é
muito mais intenso, isso também tem efeitos extremamente positivos..
Era muito injusto, de facto é verdade.”
(entrev. 1, p. 23)
O ensino da Màtemática
Manuel Nunes, quando procurou explicar a origem do seu gosto pela Ma
temática, situou-a nos primeiros anos de escolaridade, tendo valorizado muito os
contactos iniciais com a disciplina e õ papel do professor na relação que o aluno
cóm ela estabelece. Daí ter discordado de uma concepção muito corrente,
mesmo entre os próprios alunos, de que há pessoas que não têm jeito ou, para
usar palavras suas, que ‘não dão’ para a Matemática. “Depende muito de quem
nos ensina os primeiros passos” (entrev. 1, p .3 ), disse, para transmitir a sua ideia
de que a relação do aluno com a Matemática é muito marcada pela fase inicial
da sua aprendizagem e pela forma como o professor a conduz.
No seu percurso escolar, este matemático referiu-se a vários professores em
diferentes níveis de escolaridade, evocando algumas experiências positivas e
outras negativas. Em seu entender, foram estas experiências positivas que mais
se enraizaram e mais o marcaram, estando na origem da sua boa relação com a
Matemática. Na Universidade, essa boa relação aprofundou-se para o que terá
sido decisivo o facto de, como sublinhou, ter tido sempre bons professores.
còmo contou, ‘treinar’ muitos exercícios, dê tódos os tipos, não vindo por isso a
ter qualquer dificuldade no examé que se seguiu. Sublinhe-se, no entanto, que
Manuel Nunes, ao relatar este episódio, reconheceu esta forma de proceder e a
aprendizagem que lhe está associada, como sendo o lado problemático do tipo
de ensino da época:
“A minha preparação notável para tirar 18, foi fazer ‘500 m il’ exercí
cios de Matemática todos iguais. Números complexos e limites, era a
matéria que vinha [para o exame]. Limites, todos os ‘30 mil'... Aquela
coisa que, olhando bem, era horrível... com aqueles truques baratos.
Não passam disso, são truques baratos. Como fiz os ‘500 mil* quando
cheguei ao exame, qualquer um que ele me apresentava já tinha feito,
daí apanhar a nota que apanhei. Os outros desgraçados que não ti
nham feito esses exercícios todos, de trás para a frente e de frente pa
ra trás (riu-se), chumbavam. Aí a imagem é a pior de todas.”
(entrev. 1, p. 7)
Por esta razão, Manuel Nunes manifestou a opinião de que o ensino prati
cado deve estar de acordo com o grau de desenvolvimento mental de cada
aluno. A este respeito, fez notar as dificuldades de gestão que a concretização
desta intenção implica em turmas com muitos alunos: “com uma turma de
trinta, como é que é? [Qual é] o que está ao mais alto nível? [Qual é] o que está
ao mais baixo nível? (...) É difícil de gerir” (entrev. 2, p. 36).
Falando ainda sobre as suas aulas, e igualmente a propósito dos bons alu
nos, Manuel Nunes aludiu também ao gosto que tem em propor exemplos “em
que algo falha” (entrev. 2, p. 37). Perante esses exemplos, como explicou, as
respostas que mais lhe agradam não são necessariamente as mais imediatas, que
vão directas à solução sem explicações por parte do aluno; mas as que fazem
sentido e em que são apresentadas razões para a justificação da resposta dada:
Nas aulas teóricas, é nesta interacção que se apercebe quem são os melhores
alunos; nas aulas práticas, como esclareceu, essa percepção é mais fácil, devido à
maior proximidade com o trabalho que os alunos aí realizam.
Manuel Nunes considerou a actividade de ensino “estimulante”, “extre
mamente agradável” (entrev. 2, p. 2) e capaz de proporcionar momentòs de
gratificação profissional. No entanto, como fez questão de dizer, as condições
difíceis em que muitas vezes se exerce, nomeadamente, no que idiz respeito á
instalações, bem como ao número de alunos das turmas e à sua falta de motiva
ção, restringem muito essa possibilidade. Como explicou, pessoalmente não vive
muito essas dificuldades, pois, nos últimos anos, tem sobretudo tido a seu cargo
a orientação científica de teses de mestrado e de doutoramento.
Convidado a pronunciar-se sobre o modo como vê a relação entre a inves
tigação e o ensino, Manuel Nunes considerou que estas duas actividades têm.
fortes e íntimas relações, e que, em sua opinião, deveriam estar sempre associa
das no professor universitário. Segundo as suas palavras “dificilmente se ensina
rá bem uma coisa... algo [de] que não tenhamos uma visão mais geral” (entrev. 2,
p. 38) e, na Universidade, isto, em seu entender, pode ser proporcionado pela
investigação científica. Do ensino superior, considerou ainda Manuel Nunes,
espera-se que abra perspectivas aos seus alunos, que lhes proporcione uma
“mente mais aberta” e, para este matemático, “será difícil ao docente universi
M anuel Nunes
V - Os m atem áticos
D iscu ssão
228 D iscussão
V - Os m atem áticos
Discussão 229
V - Os m atem áticos
230 D iscussão
V - Os m atem áticos
Discussão 231
V .-.O s m atem áticos
deste estudo, todavia, esta distinção foi considerada irrelevante e mesmo recusa
da. Para Manuel Silva só há uma Matemática e não parece fazer muito sentido a
dicotomia Matemática aplicada—Matemática pura. Manuel Nunes, pelo seu lado,
considerou a dicotomia em questão como uma “falsa divisão” que apenas
permanece por razões de carácter histórico e institucional.
Pronunciando-se sobre as relações da Matemática com a realidade, Manuel
Silva começou por considerar que a Matemática nasceu para resolver problemas
que a realidade colocava ao homem da Antiguidade, e que só muito mais tarde
se autonomizou como ciência. Do seu ponto de vista, a relação da Matemática
c.om a realidade é feita, precisamente, através dos mais diversos problemas que
esta coloca ao. homem e da sua resolução. Manuel Silva considera que essa
relação se mantém nos dias de hoje, e concebe-a como uma interacção entre a
Matemática e a realidade, em que esta surge, simultaneamente, como fonte de
inspiração para o desenvolvimento do conhecimento matemático e como seu
domínio de aplicação. Muito embora, acrescente-se, este matemático tenha
sublinhado que a Matemática, podendo ou não existir alguma motivação ‘exte
rior’, também se desenvolve autonomamente, seguindo uma lógica interna. Isto
é, que há conhecimentos matemáticos produzidos independentemente de qual
quer relação com domínios não matemáticos, e sem que se tenha em vista
qualquer tipo de aplicação fora da Matemática. É o que Manuel da Silva cha
mou de desenvolvimento “endógeno” da Matemática, ressalvando que mesmo
do conhecimento assim produzido, podem sempre surgir aplicações. Todavia,
mesmo no caso em que os trabalhos matemáticos em desenvolvimento não têm
qualquer objectivo de aplicação, Manuel Silva considerou que é corrente existi
rem interacções “inesperadas” com a realidade que sugerem ideias e tipos de
raciocínio que influenciam o trabalho criativo do matemático, e que muitas
vezes possibilitam a resolução do problema que ele tinha em mãos.
Ambos os matemáticos destacaram a grande e crescente aplicação dos re
sultados matemáticos nas diversas áreas da actividade humana. Para Manuel
Nunes é muito difícil negar, em absoluto, a aplicabilidade da Matemática, mesmo
pensando nas áreas mais abstractas. Além disso, demarcou-se de perspectivas
que desvalorizam os aspectos aplicados da Matemática e das que a encaram
como um domínio isolado que se desenvolve sem qualquer relação com a
realidade ou oUtrós domínios científicos. Recordo que, a este propósito, Manuel
Nunes salientou o facto de que a utilização do conhécimento matemático por
232 Discussão
V - Os m atem áticos
Discussão 233-
V— Os m atem áticos
O papel dos problem as, o trab alh o com os m odelos m atem áticos. Os
problemas e a sua resolução parecem ócupar um lugar de relevo entre as
concepções de Manuel Silva sobre a Matemática e a actividade matemática.
Recordo; por èxemplo, que um bom matemático para Manuel Silva, é aquele
que resolve problemas que a comunidade matemática considera interessantes e
234 D iscussão
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Discussão 235
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O ensino da Matemática
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240 D iscussão
V - O s m atem áticos
Discussão 241
VI — As professoras
Maria da Graça
243
VI* As professoras
1 Anexo 4.
Terminado o Liceu, teve então que fazer nova opção, desta vez com. mais
hesitações: “estava muito indecisa entre a Matemática, a Física e as
Engenharias” (entrev. 1, p. 1). Sentiu assim dificuldades em escolher entre estas
alternativas e para a decisão final terá pesado o facto de algumas colegas suas
terem optado pelo curso de Matemática:
“Acho que realmente, [n]o primeiro ano [em] que nós damos uma
matéria... ehhhmmm... ou, ou mesmo [n]os primeiros anos [em] que
ensinamos, porque não temos uma visão da globalidade, falta-nos
aquele espírito de dizer: ‘olha, isto é importante, porque isto vai ser
preciso’; ‘isto é menos importante, porque isto não tem muito
interesse futuro, nem lhes desenvolve assim grandes coisas’. (...)
Depois, [quando] a pessoa experimenta uma determinada... táctica e
acha que se os alunos não correspondem... há duas hi[póteses]... ehh...
considera assim: ‘ou foi falha minha, ou foi falha deles’. Mas [se]
nunca tinha experimentado antes, naturalmente até nem nota... que há
falha. Ao fim de uns certos anos, a pessoa já... já sabe mais ou menos
que as reacções [dos alunos]... a determinadas coisas, são
sensivelmente sempre as mesmas... ”
(entrev. 1, p. 11)
pontuais de cada aluno. Que era uma coisa que... Pronto, ao princípio
não tinha aquela noção... e agora já vou tendo. Já vou.conseguindo .
perceber que aqui... têm dificuldades sobre isto. E este tem, mas
aquele não tem. Por razões... particulares de cada um.”
(entrev. 1, p. 13)
provas de avaliação •finais ■externas. Por esta razão, acaba por dar aulas
“altamente expositivas” (entrev. 1, p. 15), explicando que o faz conduzida pela
atitude de pouca participação dos alunos e por sentir que é o tipo de aula que
eles próprios desejam. Em seu entender, os alunos no 12° ano são pouco
participativos, querem, como explicou, “informação-registo” (entrev. 1, p. 15), isto
é, esperam que o professor lhes proporcione a informação necessária que eles
devem transcrever.
Quando lhe perguntei pelo que mais a motivava na profissão, Maria da
Graça referiu, sem hesitar, o “relacionamento com os alunos”, que gostava
“conversar” com eles e de “conhecer os seus problemas” (entrev. l, p. 18).
“Depois”, acrescentou, “eu gosto muito de ensinar, gosto de transmitir aquilo
que sei aos outros” (entrev. 1, p. 18). No entanto, também sem hesitação,
considerou que não se sentia profissionalmente realizada, devido principalmente
ao insucesso dos alunos e à atitude negativa de muitos deles nas aulas e para
com o professor. O que provoca a sua frustração são os alunos que “não
correspondem a nada”, são “completamente desinteressados”, “não ligam
nenhuma” e com os quais é como “trabalhar para as paredes” (entrev. l, p. 19).
Com estes alunos sente-se muitas vezes sem saber o que fazer: “não consigo
encontrar nada, nada que os consiga motivar” (entrev. l, p. 19). Este sentimento,
aliado também a algum desânimo, voltou a manifestar-se, já na segunda
entrevista, quando a professora procurou explicar o facto de haver quem
considere que os alunos terminam o ensino secundário mal preparados:
que a pessoa sai dali mais que desmotivada” (entrev. 1, p ..19). Em sua opinião, a
situação agrava-se com o actual desprestígio social da profissão e da >figura do
professor. Para Maria da Graça, esta desvalorização, fora e dentro da escola, faz
com que para muitos alunos 0 professor seja “aquela coisa [a] que se não liga”
(entrev.l, p. 19). Todas estas questões parecem, pois, provocar-lhe algum
desencanto profissional, que diga-se, se manifestou logo no princípio da
entrevista quando evocou a influência do pai que a via com bons olhos na;
profissão de professor: “se ele me ouvisse hoje, acabava por não achar nada
assim” (entrev. l , p . 4).
A Matemática
Quando Maria da Graça teve que escolher entre as opções de qiie idispunhà
para se matricular no então 6o ano do Liceu, inscreveu-se na alínea fj; Nessa
altura, como contou, já gostava de Matemática e esse facto terá tido bastante
influência na escolha que fez. No entanto, a sua relação com esta disciplina; ao
longo de toda a escolaridade, não foi sempre uniforme.
No Io ciclo, embora referido muito de passagem e sem mencionar a
Matemática, a experiênciá não terá sido muito positiva, como sugerem as suas
palavras: “eu... do Primário eu não recordo coisas muito boas (riu-se)... sob
ponto de vista nenhum” (entrev. 1, p. 18). As memórias que guarda do 2o ciclo,
embora pouco nítidas, também não são muito boas. Não recordou néntium dos
seus professores, mas referiu-se a dificuldades de adaptação, eventualmente por
ser um ano de passagem, e ao facto de ter sido colocada numa turma fraca, o
que terá contribuído para as dificuldades que disse ter sèntido: '
“O meu primeiro ano do [2o] ciclo não foi bom (...) teve coisas... mais
fracas. E eu nem me lembro porquê. Sei lá se os professores que eu
tive... se tive bons, se tive maus. Isso já não me lembro... e de nada.
Mas sei que o meu primeiro ano do [2°] ciclo não foi nada bom. A
nível geral. Foi aquela transição... E eu custou-me muito a adaptar à
transição... Depois [es]tava numa turma muito má. E ... e aquilo era
mesmo muito mau. E eu... tive muitas dificuldades. E aí eu não
entendia nada do assunto.”
(entrev. 1, p. 27)
que fosse, o curso escolhido, tinha que ter uma componente matemática forte
pois, como disse, era pela Matemática que se sentia mais atraída.
Quando explicou a sua escolha profissional, logo nò princípio da primeira
entrevista, a professora referiu-se à sua preferência pela Matemática dizendo que,
a via como “um mundo completamente diferente do resto do mundo a volta”
(entrev. l, p. 4). Mais tarde, já na segunda entrevista, a tentativa de clarificar ò
sentido desta afirmação, deu origem ao diálogo que a segiiir transcrevo.
sim, ou não”, foi o que disse. Esta visão da professora já se tinha manifestado no
final da primeira entrevista, quando foi confrontada com a ideia da Matemática
como uma ciência exacta, construída dedutivamente1, e voltou de novo a
evidenciar-se na sua reacção perante os comentários fictícios de um aluno a
justificar a sua preferência pela Matemática2. Em ambas as situações, Maria da
Graça identificou-se com as ideias apresentadas considerando, face à primeira,
que, em Matemática, um conceito “ou é, ou não é” e que, nesta disciplina, as
coisas são “muito certinhas” (entrev. l , p . 45). A propósito, aventou a hipótese de
ser este o motivo por que gosta de Matemática: “eu tenho impressão que é um
bocado por isso que eu gosto da Matemática, porque... porque é uma coisa [em]
que eu sei com o que conto” (entrev. 1, p. 45).
Confrontada com a segunda situação, declarou que concordava “cem por
cento” com as opiniões do aluno, que a Matemática “é clara e é concisa”,
acrescentando ainda a ideia de que a Matemática é “prática”, parecendo com
isto referir-se à já mencionada clareza ou ausência de ambiguidade nas ideias e
processos matemáticos — “não há as duas hipóteses, aquilo ou deu certo e está
certo, ou deu errado e está errado” (entrev. 2, p. 10).
O carácter abstracto com que no mesmo diálogo Maria da Graça
caracteriza depois a Matemática, já tinha também sido utilizado para a distinguir
das outras ciências: “a Matemática pode ser trabalhada toda no abstracto...
enquanto que as outras [ciências] são trabalhadas todas no concreto” (entrev. 1,
p. 39). No entanto, para a professora, o desenvolvimento da Matemática, como o
das outras ciências, não é desligado de uma origem exterior ‘real’, embora
reconheça a dificuldade em integrar no ensino esta sua característica. “P ’ra
mim, [a Matemática] tem base concreta, disse a este respeito, acrescentando,
“eu não sei é se, quando se transmite, ela se consegue -transmitir dessa forma
(...); em relação às outras ciências, eh... neste aspecto, eu acho que todas elas têm
base concreta, a Matemática também tem, pronto.” (entrev. 1, p. 39).
Há aqui, portanto, uma aproximação entre a Matemática e as outras
ciências, sendo as respectivas linguagens aquilo que, do ponto de vista da
professora, mais as distingue: “eu acho que a diferença maior é em termos de
A actividade matemática
estágio: “é uma coisa que eu até era... capaz de gostar de vir a fazer, [mas], até
aqui tenho tido muito medo, (...) lá está, faz parte daquele... daquilo que eu sinto,
eu tenho sempre medo... do salto pa[ra] qualquer coisa diferente (riu-se)”
(entrev. 1, p. 21). A este propósito, logo a seguir, a professora recordou a
passagem da Escola Primária para o Liceu — “senti-me tão mal naqueles
primeiros tempos” (entrev. l, p. 21) — e do Liceu para a Faculdade.
Ainda falando do mesmo assunto, Maria da Graça, no entanto, deu a
entender que se sente hoje já um pouco diferente, quer em relação ao facto de
ter que estudar — “eu hoje já gosto... eu hoje já... aprendo coisas por gosto,
gosto de ouvir coisas novas” (entrev. l, p. 35) — quer perante situações de
mudança de que deu o exemplo da decisão que tomou em leccionar o 12° ano
— “lancei-me assim... de cabeça (...) se a outra [colega] faz, porque .é que eu
não hei-de ser capaz?” (entrev. 1, p. 36).
Maria da Graça concordou que também lida com a Matemática, e que “até
[tem] gosto” (entrev. l, p. 34), vendo neste gosto algo de comum com os
matemáticos. Todavia; como explicou, o seu propósito é ensiná-la, enquanto que
o trabalho dos matemáticos tem, para ela, o objectivo de fazer crescer o
conhecimento no seu domínio: “um matemático explora... para chegar a coisas
mais à frente, sim, mas... não é com o espírito de ensinar a alguém, é com o
espírito de... de que as coisas evoluam” (entrev. l, p. 34).
Por estas razões, no seu trabalho como professora, Maria da Graça não
acha que se envolva muito em actividades de carácter matemático, embora
reconheça esse envolvimento quando trabalha com conceitos de maior
elaboração, nos anos de escolaridade mais avançados. “Aí” , disse, “acho que
[es]tou a desenvolver conceitos matemáticos, estou a trabalhar [em]
Matemática”, acrescentando ainda:
“Eu já tenho dito muitas vezes [que] não é preciso fazer muitos
[exercícios]. É preciso é fazê-los, fazer alguns, e ir fazendo e
conversando com os exercícios (...). Ao mesmo tempo que se vai
fazendo, ir dizendo ‘vou fazer isto por isto e isto e isto, e agora faço
isto, por isto e isto e isto’. E isto (...)obriga-me a que eu não tenha
que fazer cinquenta [exercícios] para mecanizar o esquema.”
(entrev. 2, p. 13)
“Ele sabe Matemática quando faz as coisas sabendo o que é que está a
fazer e porquê e . .. Essencialmente o porquê, e sabendo porque é que
se faz [assim]. Eu acho que é fundamental.”
(entrev. 2, p. 14).
1 Anexo 4.
“Conforme as coisas têm estado até aqui, com o programa como elé
tem estado, no fundo, o que é que a gente faz, a nível do unificado e
do preparatório? Não é mais que trabalhar cálculos... regras. Eles
aprendem regras para somar, regras para multiplicar, regras para isto,
regras para aquilo, [e] mal têm tempo de dar outras coisas que são
aquelas que lhes podem proporcionar raciocínios... mais evoluídos, ou
pelo menos um raciocínio mais matemático.”
(entrev. 2, p. 19)...........
1 Anexo 4, episódio 1.
As aulas de Matemática
1 As citações da professora utilizadas aqui e no ponto seguinte, foram extraídas das notas de
campo, recolhidas a partir de conversas informais e de entrevistas curtas realizadas durante os
períodos de observação de aulas.
Recordando noções
Corrigindo exercícios
Diálogo individualizado
2
No quadro, o aluno desenha um referencial, escreve y - 3 x - 1 2 e
fica à espera. A professora lembra-lhe que tinha estado distraído na
aula anterior (a pôr pingos nos olhos), escreve y = ax + b e
pergunta-lhe: “o que vimos na aula passada?”.
O aluno não diz nada e então a professora escreve y = 3x enquanto
lhe pergunta... “é muito diferente?”. O aluno parece recordar
vagamente, dizendo algo como “esta tem o vértice no zero” (fazendo
o gesto). A professora depois pergunta-lhe pela orientação da
concavidade. O aluno não sabe (diz uma coisa e depois outra). A
professora esclarece — “a concavidade está virada para cima e o
vértice está na origem” — e retoma o exercício inicial “como será v
y = 3x - 12?”. Como o aluno não progride a professora sugere a
marcação de pontos usando uma tabela que ela própria constrói. (...)
Tudo se passa no quadro, com a professora perto do aluno e
dirigindo-se a ele que vai respondendo em voz baixa. Na sala os
alunos estão mais ou menos silenciosos, a maioria olha para o que se
passa no quadro mas há alguns que parecem não estar a acompanhar.
(registo de aula, 2 de Maio)
Um outro tipo de situações ocorria quando era pedido aos alunos que
realizassem alguma tarefa no caderno e lhes era dado algum tempo para isso.
Quando isto acontecia, a professora afastava-se do quadro e acercava-se dos
alunos, por iniciativa própria ou quando era solicitada, para acompanhar o
trabalho que realizavam, responder às solicitações e dar indicações acerca da
tarefa em questão. Veja-se, por exemplo, o seguinte registo, correspondente ao
momento de uma aula, logo após a indicação da tarefa a realizar pelos alunos:
A M atem ática nas aulas. Na primeira das turmas observadas o tema estudado
foi a Geometria Analítica e na segunda estudou-se a função quadrática. Na
Geometria, durante as quatro aulas, foram trabalhados os seguintes tópicos:
representação de pontos, rectas e regiões de um plano num referencial
cartesiano. As rectas estudadas foram rectas em posições particulares — rectas
horizontais, verticais e bissectrizes dos quadrantes pares e ímpares — e as
regiões do plano eram regiões delimitadas por este tipo de rectas. No estudo das
rectas e das regiões do plano, trabalharam-se as representações gráficas e
analíticas e fizeram-se traduções de um para outro tipo de representação. Na
{(x,y)e/?2 :>>2j
ou ainda,
j(x ,;y ) G 7?2 : |x| < 1 a 1^ < 3 j
e perguntou: . . . . .
7 r /
/ /!/ Figura 3
á professora resolveu, desta vez, apenas uma parte do exercício, pedindo aos
alunos que o terminassem. A resolução foi orientada do mesmo modo, passo a
passo è colocando questões aos alunos, como dou conta no registo seguinte:
Professora (dirigindo-se a toda a turma) — São duas partes
distintas ou estão ligadas uma com a outra? Sim ou não?
Podemos considerá-las completamente distintas? (referia-se
. . à figura 3)
Não se ouvem respostas da parte dos alunos.
Dois alunos dão cada um a sua resposta, um diz y igual a zero, outro,
x igual a zero.
Professora — E se fosse y = 0 , 4 x 2 - 3?
A mesma aluna volta a fazer bem, colocando a mesma parábola agora
com o vértice em y = - 3 .
(registo de aula, 29 de Abril)
Figura 4 .
JC • y
2 8
3 18
4 32
Figura 6
marcar os trabalhos porque acredita que há sempre algum aluno que pode
aproveitar. Reconheceu também que, sem os alunos terem realmente apreendido
os assuntos, o progresso é ilusório, mas manifestou uma certa impotência
perante uma situação que não vê como ultrapassar: “é sempre a mesma coisa”
(entrev. pós-aula, 3 de Março).
“Se ele estava consciente do que estava a fazer, ele aqui estava a fazer
Matemática. Estava a fazer uma mudança, estava a fazer uma
aplicação de um conceito. Depois esteve a aplicar a via analítica na
resolução de uma equação. Ver que geometricamente tinhã uin
aspecto e que analiticamente conseguia lá chegar. Eli acho què aí,'
nessa fase, fez-se Matemática.”
(entrev. pós-aula, 2 de Maio)
M aria José
estava muito sol. A sala dos docentes era agradável, os professores pareciam
bem dispostos e via-se que as duas professoras falavam com gosto da escola.
Maria José estava muito solícita, talvez não totalmente à-vontade e um pouco
nervosa, mas sorria bastante e parecia satisfeita. Tratava-me na terceira pessoa e
mesmo depois de eu ter sugerido que nos passássemos a tratar por tu, já durante
a entrevista, regressava ao tratamento inicial com alguma frequência.
Depois de alguns minutos de conversa, dirigimo-nos os dois ao local que á
professora tinha escolhido para a entrevista. Era uma sala onde dava as aulas de
tecnologias de informação. Uma sala ampla, com mesas junto às paredes e
vários computadores. Sentámo-nos quase frente a frente, junto à única mesa sem
nada em cima e que estava encostada a uma janela. Durante toda a entrevista, só
o soar da campainha para a entrada e saída das aulas nos interrompia. Embora
forte, era um toque curto, pelo que nunca causou grande perturbação. Não dei
por barulho de alunos.
Foi uma entrevista com cerca de duas horas que decorreu de forma fluente,
apesar de me parecer que Maria José nunca se sentiu completamente
descontraída. Por vezes, sobretudo nos momentos em que a confrontava com os
episódios escritos1 a que lhe pedia um comentário ou reacção, hesitava um
pouco, dizendo mesmo que não sabia se tinha compreendido a pergunta, ou
aquilo que eu lhe apresentava. Sobre alguns aspectos da sua prática lectiva
pronunciava-se com algum cuidado, parecendo não querer dar ideia que fazia
coisas que na realidade não realizava.
Pela sua postura durante a entrevista, fica a impressão que Maria José
estava a levar a sério o seu papel de entrevistada, que encarava a situação como
importante e que ela própria reconhecia interesse na contribuição que lhe era
solicitada. O tom geral foi dé colaboração, sentindó-se sempre disponibilidade da
parte da professora em responder às questões colocadas. Falou bastante, muito
em particular sobre a sua vida escolar e profissional. Sobre as aulas alòrigóu-se
um pouco menos mas, de facto, talvez não seja fácil falar em abstracto sobre
este assunto. Mesmo assim, desenvolveu alguns aspectos relacionados com as
aulas, dando elementos específicos (com exemplos). Sobre a Matemática e a
1 Anexo 4.
actividade matemática, sentiu mais dificuldade em falar mas expôs algumas das
suas ideias e opiniões, sobretudo quando confrontada com os episódios.
A segunda entrevista realizou-se à mesma hora e na mesma sala, passadas
cerca de duas semanas. Encontrámo-nos pontualmente às dez horas na sala dos
docentes onde Maria José me aguardava e de onde partimos para dar início
imediato à entrevista. Desta vez a conversa durou pouco mais de uma hora
(cerca de uma hora e quinze minutos). Todas as questões previstas foram
abordadas quer as que não foram tratadas na primeira entrevista, quer as
questões sobre as aulas observadas e os episódios.
Maria José manifestou o mesmo espírito de colaboração embora, em vários
momentos, a sentisse um pouco mais retraída, menos convincente (e talvez
menos convicta) nas respostas que dava, sobretudo nos momentos em que falou
sobre a Matemática e a actividade matemática e também um pouco nos seus
comentários e reacções aos episódios.
Foi perceptível, e a professora disse-o várias vezes, que Maria José achou
as perguntas difíceis, sobretudo porque incidiam em assuntos sobre os quais,
còmo declarou, nunca tinha reflectido. No fim da primeira entrevista, talvez por
issò, declarou que a conversa tinha sido útil.
Maria José é professora numa escola secundária de Lisboa. Depois dos três
primeiros anos da licenciatura em Matemática na Faculdade de Ciências, seguiu
o Ramo Educacional nessa faculdade, mas começou a leccionar mesmo antes de
ter terminado o curso, possuindo actualmente uma experiência de cerca de
catorze anos no ensino.
Nos seus tempos de aluna no ensino liceal, Maria José, como contou, nunca
pensou vir a ensinar Matemática, apesar dos vaticínios nesse sentido da sua
professora dessa disciplina dos 6o e 7o anos, aos quais respondia sempre “nem
pense, nem pense” (entrev. 1, p. 2). Explicou que falava assim porque considerava
essa profissão com “muito trabalho”, que exigia “muita paciência”, e que a
“posição de um professor era muito ingrata” (entrev. 1, p. 2). No entanto, referiu
que já nessa altura gostava de Matemática — “sempre gostei muito de
Maria José terminou o seu curso no princípio dos anos oitenta, altura em
que realizou o estágio, do qual guarda uma imagem globalmente positiva. “Foi
produtivo”, disse, referindo-se genericamente a contribuições do estágio ao nível
das “novas questões” que lhe colocou e ao nível da discussão das aulas
assistidas — “fez-me (...) pensar naquilo que se diz” — e da sua planificação —
a gente não sabfia] preparar uma aula” (entrev. 1, pp. 14-15). A este respeito
destacou o facto de ter passado a explicitar melhor o que queria fazer com os
alunos, dando relevo ao que considerava mais importante, e a verificar se os
alunos realmente aprendiam o que era pretendido. Referiu, a propósito, o papel
da orientadora como pessoa “muito organizada” e o trabalho com as colegas de
estágio: “nós discutíamos tudo em conjunto^enfrev. 1, pp. 14-15).
Relativamente à sua formação educacional na Faculdade, a professora
reconheceu que lhe terá aberto algumas perspectivas — “abriu-me os olhos p ’ra
montes de... de aspectos, de teorias e de tudo o mais” (entrev. 1, p. 12). No
entanto, embora para algumas disciplinas tivesse considerado que as “aulas eram
pertinentes e faziam pensar” (entrev. 1, p. 12), evidenciou sobretudo um
sentimento de que a formação terá sido demasiado teórica ou geral, e algo
desligada do que encontrou no estágio e depois já como professora
profissionalizada. Em particular, referiu-se à necessidade, na sua formação
educacional, de uma maior ênfase nas questões do ensino da Matemática e no
tempo é sinal que o aluno, quer participar (...), e [agora] não estou preocupada
com o barulho em si; essa é... é outra mudança” (entrev. 1, p. 10).
Ainda relativamente ao modo de ensinar, fez também sentir que hoje está
mais sensível à importância de fazer chegar aos alunos a noção de que a
Matemática “serve para alguma coisa” (entrev. 1, p. 8) e que agora valoriza mais a
compreensão dos alunos do que vai sendo ensinado. A este respeito, reconheceu
que, nos primeiros anos de ensino, a preocupação em cumprir o programa era
muito forte e que a progressão na matéria decorria muitas vezes sem a sua
efectiva compreensão por parte dos alunos:
dinheiro para participar, lhe oferecera um ramo dè flores silvestres.' Além dèsté
tipo de contrapartidas, sentir que pode contribuir para a aprendizagem e para o
gosto dos alunos pela Matemática, são outras das suas motivações profissionais:
Maria José não diz que se sente profissionalmente realizada :— “acho que
uma pessoa nunca se sente totalmente realizada” (entrev. l, p. 18) — e apresenta o
insucesso dos alunos como o principal obstáculo a essa realização:
“Quando digo que não me sinto realizada, não quer dizer que não
goste... tem a ver com os resultados deles... Quer dizer, para mim
seria óptimo que... o eco do meu ensino fosse... Pronto... fosse mais
produtivo, [que] tivesse muito mais positivas que as que tenho... Aí é
que a gente acha que ainda não está realizada de todo e começa por
vezes... aquela insatisfação... ”
(entrev. 1, p. 18) "
A Matemática
Mariá José considerou que a sua relação com a Matemática enquanto aluna
foi sempre globalmente positiva e que esse bòm relacionamento se manteve sem
variações significativas até ao ensino superior. Na passagem para este nível de
ensino, notou algumas diferenças na Matemática trabalhada — “no secundário
era mais... o cálculo, tudo mais mecanizado; ali [na Faculdade] era uma
aprendizagem dos conceitos” (entrev. 1, P.26). A facilidade que sentia na
disciplina “teve muitos altos e baixos” (entrev. 1, p. 26), o que no entanto, como
disse, não fez esmorecer a sua relação com a Matemática.
Na primeira parte da nossa conversa, Maria José não destacou nenhum
assunto matemático que a tivesse atraído mais na sua formação escolar ou, pelo
contrário, de que tivesse gostado menos. Nessa altura, apenas referiu que não
gostava muito de cálculo — “contas muito grandes não é assim lá muito
comigo” (entrev. 1, p. 24). Tinha entretanto já mencionado o seu gosto pela
Aritmética, nos primeiros anos de escolaridade, e pela Análise, que preferia à
Álgebra, no ensino superior. Para além disso, nomeou, como vimos, a
demonstração como sendo a actividade matemática que lhe dá mais prazer.
Veio depois a manifestar outras preferências temáticas, como á
Trigonometria, preferência essa que reafirmou, já na segunda entrevista,
acrescentando-a às Funções e à Geometria na lista dos tópicos que mais gosta de.
ensinar. O seu agrado em trabalhar estes tópicos com os alunos foi justificado,,
no caso das Funções e da Trigonometria, por eles não exigirem grande
necessidade de memorização, e, no caso da Geometria, por. ser um tópico com.
características ‘concretas* e apelativo: “é mais palpável, uma pessoa consegue ali
brincar com as figuras e, sei lá, há problemas tão engraçados à custa da... da
Geometria que os miúdos gostam de fazer” (entrev. 2y p. 18). Em relação à
Trigonometria, referiu-se ainda ao facto de ela ter muitas aplicações è ser um.
tópico fácil de relacionar com aspectos da realidade. ■
Para Maria José, disse-o ela, a Matemática não é uma ciência experimental
e, contrariamente ao que acontece nas ciências experimentais, é uma ciência em
que se consegue demonstrar a veracidade ou falsidade das suas proposições.
Esta ideia foi, aliás, retomada por mais de uma vez, ao longo das entrevistas,
bem como a ideia da demonstração como actividade matemática por excelência.
Quando, por exemplo, procurava distinguir a Matemática das outras ciências,
afirmou que a Matemática “continua a ser a ciência („.) pura [em] que nós
conseguimos demonstrar tudo o que queremos” e que reside aí “a: diferença
fundamental** (entrev. 1, p. 35).
A Matemática será assim, para esta professora, uma ciência onde não há
lugar para ambiguidades e onde se consegue sempre saber quem tem razão, o ,
que está certo e o que está errado, e porquê. São estes atributos que a levam a
referir-se à Matemática como uma ciência “intocável*Yenrrev. l, p. 35) ou, como
A actividade matemática
Percebe-se, pois, que Maria José reconhece existir o perigo de, uma vez na
escola, o professor se ir afastando do estudo da Matemática, e o seu
envolvimento com esta ciência acabar por se circunscrever aos limites estritos
dos tópicos que ensina. Se isto acontecer, em sua opinião, a actividade do
professor do ponto de vista matemático rotiniza-se e tende para a estagnação:
“passa a vida a mecanizar actos, situações e... e não progride muito” (entrev. 1,
p. 28). Para esta professora, como mencionou em mais do que uma altura, é
importante uma actualização científica, “para não se perder o contacto”
(entrev. 1, p. 19) com a Matemática, para, como também disse, “aprender mais”
(entrev. l, p. 28), “recordar assuntos” (entrev. 1, p. 32) esquecidos. Com este
sentido, a actualização científica constituía aliás, um dos objectivos principais de
uma eventual inscrição sua num mestrado ou em cadeiras matemáticas no
ensino superior: “a nossa Matemática fica um pouco... estagnada, se a gente não
tentar procurar qualquer coisa, portanto, estudar mais qualquer coisa, continuar
a ver as matérias que tinha dantes na Faculdade” (entrev. l, p. 19).
Considerando que os professores de Matemática estão entre os que têm
maior preocupação com a actualização dos seus conhecimentos da disciplina,
Maria José deixou no entanto transparecer a ideia de que, em geral, não têm
muito esse cuidado. Explicou tal acontece pelo facto de muitos dos professores
não estarem a fazer o que realmente gostariam e pela desmotivação que existe
nas escolas. No que lhe diz respeito, gostaria de aprender mais Matemática e,
embora reconhecendo que poderia actualizar-se cientificamente por si própria,
sente que é difícil e que, o alcance de uma auto-formação pode ser algo limitado:
“eu acho que uma coisa é nós fazermos por nós, o que normalmente não á ..
espaçado regularmente, (...) e outra coisa é ir estudar um pouco mais além,
com ..! [em] qualquer [cadeira científica de Matemática]” (entrev. 1, p. 19).
1 “A linguagem da Matemática, quer queiramos quer não, é uma linguagem árida; é uma
linguagem que afasta, desde sempre.” (Anexo 4, episódio 15)
1 “Se não provamos coisas não estaremos certamente a fazer M atemática.” ; “Aquilo de que
verdadeiramente a Matemática consiste, é de problemas e das suas soluções. Os problemas são
o coração da Matemática”; “Não se pode certamente ser matemático sem fazer cálculos. Um
matemático por essência e por destino não pode dispensar-se de fazer cálculos.” (Anexo 4,
episódio 1)
Talvez por esta razão, como esclareceu, a demonstração não seja uma
actividade frequente nas suas aulas:
1 "Se um problema de xadrez é, em sentido grosseiro, ‘inútil’, então, tal é igualmente verdade
para a maior parte da melhor Matemática (...). Apenas uma pequena parte da Matemática tem
utilidade prática e que essa parte é relativamente desinteressante.” (Anexo 4, episódio 4)
“Eles não gostam de contas muito grandes mas acabam sempre por lá
cair. Isso a mim surpreende-me, quando eu... Costumo até dizer, e
digo várias vezes, nas aulas: ‘eu gosto de ser preguiçosa’. Quer dizer,
de tentar simplificar o mais possível, e eles não. Gostam é de fazer [os
cálculos], ao fim é ao cabo, gostam dé fazer contas grandes (riu-se).”
(entrev. 2, p. 2)
A este respeito, falou dos alunos que gostam de resolver equações quando
já dominam bem todo o processo de resolução e do que acontece com o cálculo
de raízes quadradas. A princípio, como contou, os alunos reagem mal,,
“detestam”, acham “muito esquisito”, mas quando dominam a técnica, passam
a gostar e “pedem mais e mais e mais”, embora, como ressalvou, também a
esqueçam com fácilidade — “passado um mês esqueceram tudo” (entrèv. 2, p. 4).
Na opinião de Maria José, para um certo tipo de alunos, o cálculo e o
carácter abstracto da Matemática são os elementos preponderantes na imagem
que têm desta ciência:
Do seu ponto de vista há razões para os alunos terem esta imagem, po is.
para os professores é muitas vezes difícil apresentar a Matemática de outra
forma. Ela própria assumiu essas dificuldades, reconhecendo que: alguns pontos
do programa “têm que ser quase que apresentados como domínio de técnicas”
(entrev. 2, p. 6). Acrescente-se que Maria José, a propósito dos alunos com mais
ou menos ‘jeito’ a Matemática, reconheceu que o domínio do cálculo tem
A utonom ia e iniciativa. Ainda sobre os alunos que considera terem jeito para
a Matemática, Maria José mencionou aqueles que não têm notas muito boas,
mas que lhes reconhece facilidade em raciocinar e em analisar situações. Referia-
se ao tipo de aluno que consegue muitas vezes compreender coisas que outros
não alcançam e realizar, por si só, as suas próprias interpretações, sendo mesmo
capaz de colocar questões:
“E giro [que] por vezes acontecem situações deste tipo: um aluno diz,
‘não, isto é assim’, e outro diz, ‘não porque se for assim, não sei o
quê’, [e] vai buscar aquilo que eu chamo um contra-exemplo. E
quando um aluno consegue de imediato, mal o outro diz;uma coisa, ir .
buscar um aspecto em que isso de facto não se verifica, eu acho que.
[dá]... um importante passo na Matemática. Ele consegue perceber o
que o outro está a dizer... [consegue] pôr-se na pele do outro (...) [e]'
tentar arranjar uma coisa em que falhe, para provar que o outro está
errado. Isto é de facto um... um passo importante. Um aluno que
consegue fazer isso é um bom matemático (riu-se).”
(entrev. 2, p. 9)
M aria José
VI - As professoras
16 = 1*T = J_ 26 _ 2 6 '_ 2 19 .K _ 1_
64 Jfà 4 65 / 5 5 95 _^ 5 _ 5
Sendo, como reconheceu, uma situação com que se deparava pela primeira
vez e sobre a qual não sabia imediatamente o que dizer ao aluno, Maria José pôs
a hipótese de reagir do seguinte modo:
“Era capaz de [lhe dizer para] irmos os dois estudar porque é que isto
era assim e ver se podia acontecer sempre. E, depois de ter trabalhado
com ele, ia ele apresentar [n]a aula porque era ele que me tinha
trazido isto.”
(entrev. 2, p. 22)
1 As citações da professora utilizadas neste ponto foram extraídas de. .notas de campo,
recolhidas em conversas informais e entrevistas curtas realizadas durante os períodos de
observação de aulas.
exercícios), e, depois, o trabalho sobre o assunto do dia. A parte final da aula era
dedicada a exercícios de aplicação sobre o assunto tratado que, se não havia
tempo para resolver, constituíam trabalho de casa. Uma das aulas foi totalmente
preenchida com a correcção de exercícios que os alunos tinham ficado dé
realizar em casa.
Se a escrita do sumário, que muitas vezes funcionava como primeiro
momento para captar a atenção e promover a concentração dos alunos,
marcava claramente o início das aulas, as outras fases sucediam-se sem uma
distinção muito clara entre elas, no que se refere à forma como o trabalho
decorria, muito semelhante quer se tratasse de uma revisão, da introdução de
um novo assunto, ou da resolução exercícios de aplicação. Veja-se, como
exemplo, os extractos de registos de aula que a seguir apresento..
Momento de revisão
^ 14 ^ x ^ 4 9 2
= fyl43 x 7 4
(Vs)2=m x m=W
Na sala ouve-se alguém a dizer: “ 3/5 x 3/5 = ^/5”, perante o que a
professora chama a atenção para a regra de multiplicação de radicais.
Há também uma aluna que faz a pergunta “e não podíamos dar o
mesmo radicando?”, a que a professora não deu sequência. Em
seguida apresenta e resolve outra potência
( V7) 3 = V 7 x V 7 x V 7 = V 7 3
$ 2 * ) 5 =3/24 x 2 4 x 2 4 x 2 4 x 2 4 = ^ 2Õ
Uma aluna repara no que está escrito no quadro e diz que basta
multiplicar os dois expoentes (do radicando e da raiz). A professora
(valorizando a descoberta da aluna) retém o què ela disse e acrescenta
qúe queria que reparassem que a potência não afectava o índice da
raiz. Posto isto apresenta a regra geral — “Vamos formalizar” —
escrevendo no quadro a sua expressão simbólica.
(registo de aula, 9 de Março)
Resolução de exercícios
^ P = 2V 24:V 6 = 2 V 4 = 2 V 2 2 = 4
Vo
(...) Em seguida pede “voluntários para o 8 a)”. Como ninguém se
oferece, 0 que aconteceu por diversas vezes, escolhe ela própria um
aluno. “Tem que ser à força”, disse brincando. Pede ao aluno que
explique o que vai fazer, antes de resolver o exercício.
(...) . . . . . .
Durante a correcção dos exercícios, a professora afasta-se do quadro e
acompanha do fundo da sala o que os alunos vão fazendo. Intervém
com achegas e esclarecimentos, sobretudo se surgem hesitações,'
bloqueios ou dúvidas (mesmo quando estas eram colocadas por alunos
que estavam sentados).
(registo de aula, 10 de Março)
1 Anexo 11.
a) -12 =^ 2?
b) V -5 = t/( - 5 ) 2
(...)
Conclui, pedindo também a justificação dos resultados: “e não só, o
porquê!”. Os alunos escrevem em silêncio com ar concentrado. A
professora dá tempo e os alunos parecem envolvidos na resolução dos
exercícios. Uns minutos depois, a professora inicia a correcção dos
exercícios, dirigindo-se sempre à turma em geral:
Professora — Relativamente à primeira [alínea]?
Vários alunos — Verdadeira.
Professora — Porquê?
Vários alunos iniciam simultaneamente a explicação.
Professora — Um de cada vez.
Um aluno dá uma justificação que a professora sanciona e repete de
forma ligeiramente reformulada. A frente da alínea respectiva escreve .
“V”. Com as outras alíneas tudo se passou de forma análoga
(registo de aula, 7 de Março)
Diálogo individualizado
Aluno — Os índices.
Professora — O mesmo índice. E até têm!
O aluno prossegue a resolução até ao final sem incorrecções.
(registo de aula, 10 de Março)
1 Esta situação e a forma como foi trabalhada na aula estão apresentadas mais adiante, p. 341.
1 Anexo 11.
Vê-se assim que a professora começou pelo caso mais simples (dois radicais
com índices iguais), subiu um grau na complexidade (índices diferentes mas
radicandos iguais), até chegar ao caso mais complexo (índices e radicandos
diferentes). Repare-se que os próprios alunos se aperceberam, deste percurso
quando, no último exemplo, e antes mesmo que a professora o escrevesse no
quadro, se antecipam dizendo: “[agora] é tudo diferente”. Há assim, nos três
casos apresentados sucessivamente, uma abordagem ‘do exemplo para a regra’
em que, do primeiro para o último caso, a complexidade é crescente.
Esta análise pode também ser ilustrada com a forma como a professora
introduziu a multiplicação de radicais: começou com os exemplos V5 x-\/5 ,e
V ÍÕ xV ÍÕ , prosseguiu com V 8 x V 5 e 3/2 x 3/5, e, por fim,. V2 x 3 / 8 .
Resolvido o último exemplo, propôs a generalização. “Vamos .lá assentar ideias,.
vamos formalizar” (registo de aula, 8 de Maio), disse escrevendo no quadro
%fã x ttfb = ttfÕB. Aqui, ao estabelecimento da regra, do caso geral, associa ainda
a ideia de formalização.
Na turma do 10° ano, a abordagem. dos assuntos foi semelhante. As
operações com condições foram sem pre. trabalhadas a partir de exemplos*
primeiro com condições simples, onde intervinha apenas uma operação,, e depois
com condições definidas por combinações de operações. Os quatro exercícios
iniciais da ficha distribuída na segunda aula observada1, por exemplo, consistiam
em determinar o conjunto solução das condições:
a) b ( x ) a a ( x )
b) b { x ) v a ( x )
c) - a ( x )
d)b(x)A~a(x)
com a ( x ) : x < 4 e b { x ) \ x > 2 no universo U= {1, 2, 3, 4, 5, 6}.
1 Anexo 11.
Sobre os erros que foram cometidos pelos alunos, Maria José referiu-se a
eles como oportunidades para tratar dificuldades e formas de proceder
incorrectas, mais habituais. Prefere, no entanto, que o erro suija naturalmente,
não gostando de o provocar, com receio de levar alunos “que não tinham
pensado nele, a fazê-lo” (entrev. pós-aula, 10 de Março).
Num balanço final das aulas do 9o ano, a professora disse estar “m ais;
descansada”, considerando que eles apreenderam a regra da. multiplicação de.
radicais: “no fundo, no fundo, eles percebem qual é a condição essencial para se
multiplicar [radicais]” (entrev. pós-aula, 10 de Março). As principais dificuldades que
identificou, associou-as a problemas de cálculo cuja origem localiza e m . anos
anteriores, e voltou a lamentar não ter ainda conseguido que os àlunos'
reconheçam a importância e a vantagem da utilização da decomposição em ’
factores primos. Não se mostrou, no entanto, demasiado preocupàda.
Em relação à turma do 10° ano, Maria José referiu-se a aspectos
relacionados com a linguagem matemática, não apenas simbólica, mas também a
que se exprime por palavras. “Tenho que falar de forma muito simples e muito
clara” e deu o exemplo: “quando digo ‘estabelecer relação entre conjuntos’, isto
não faz parte do seu vocabulário e tenho que lhes dizer exactamente o que
quero dizer com a palavra ‘relação’” (entrev. pós-aula, 16 de Maio).
b) C.S. { 1 , 2 , 3 , 4 , 5 , 6 }
c) C.S. {4,5,6}
Na altura a professora sugeriu à aluna que não usasse as letras C.S. pois, como
disse, desse modo “parece tudo igual”, lembrando-lhe a notação das letras
maiúsculas para os conjuntos — “só para afinarmos ideias” (registo de aula, 17 de
Maio). A intenção era evitar possíveis confusões em exercícios posteriores que
usavam combinações das diversas condições.
Para além das dificuldades já enumeradas, Maria José, referindo-se à
tradução de condições para conjuntos, considerou que entre os alunos terá
havido quem se limitasse a memorizar. A este propósito contou que gosta de
propor exercícios “ao contrário”, isto é, dos conjuntos para as condições:
“gosto que eles passem de uma forma para a outra, a operação inversa é
sempre mais difícil” (entrev. pós-aula, 18 de Maio). Procede do mesmo modo em
outro tipo de situações, como nos casos notáveis da multiplicação, referindo que
os alunos têm mais dificuldades na factorização do que em desenvolver o caso
notável, pelo que propõe sempre exercícios que os obrigam a trabalhar nos dois
sentidos. Este tipo de dificuldade foi também exemplificado com a tradução das
leis de De Morgan em termos de conjuntos.
hipotenusa
cateto ^
^ -c a te to
= ^ 2 x 32 = | ( Í x 3)2 = ^ x 3 = ^
31 -
i x3
=
2
= Ç/2Õ5
Na entrevista depois da aula, Maria José refere-se a esta aluna como tendo
realizado “um raciocínio extremamente válido”, e acrescenta: “percebeu a
equivalência de radicais e apercebeu-se que ali tem mesmo que estar o quadrado
do [outro] valor; (...) acho que é um raciocínio [a] que a maioria dos alunos não
vai lá” (entrev. pós-aulà, 10 de Março).
No 10° ano, Maria José usou também o mesmo critério e a palavra
‘raciocínio* apareceu frequentemente, sempre que se tratava de justificar que os
alunos estiveram a ‘fazer Matemática’. Quando se pronunciou sobre a primeira
aula, por exemplo, referiu-se, nos seguintes termos, ao caso de uma aluna que,
ao explicar o que tinha acabado de fazer no quadro, verificou que sé üiihá
enganado: “[a aluna] está de facto a raciocinar, está a formular um juízo, está a
formular um raciocínio e para mim isso é fazer Matemática, não tem que ser só
com valores numéricos” (entrev. pós-aula, 16 de Maio). E, quando apreciou a
segunda aula a este respeito, manifestou a opinião seguinte: “estiveram a fazer
Matemática quando raciocinaram comigo” (entrev. pós-aula, 18 de Maio).
Para além disso, analisando o conjunto das aulas do 10° ano, Maria José
escolheu a primeira como sendo aquela em que os alunos fizeram mais
Matemática, tendo justificado assim a escolha:
sim, nem que não” (entrev. pós-aula, 18 de Maio) — e procura confrontá-los com
as suas afirmações, dizendo-lhes: “não sei se está bem se está mal, vão comentar
e vamos chegar à conclusão se está certo ou errado” (entrev. pós-aula, 18 de Maio).
Confrontada com o facto de os alunos, muitas vezes depois de chamarem a
professora, interromperem o trabalho enquanto não eram atendidos, considerou
que isso acontecia por sua responsabilidade. “É defeito meu”, disse,
acrescentando que tem tendência para se prestar a ser “bengala” (entrev.'pós-
aula, 16 de Maio) e que tem dificuldade em dominar essa tendência, o que leva os
alunos a contar com isso. Referiu no entanto que o facto de andar pela sala a
apoiar os alunos lhe permite aperceber-se melhor das suas dificuldades.
Situação problema
(...)
Os alunos parecem dedicados ao trabalho com algum entusiasmo. A
professora segue o trabalho que realizam circulando entre eles.
Verificando que havia alunos que não se lembravam do teorema de
Pitágoras vai até ao quadro, desenha um triângulo rectângulo,
identifica os catetos e a hipotenusa e, usando os valores da figura do
jardim, escreve a equação que os relaciona — 6 2 = 2 2 + x 2- — (...)
chegando depois a jc2 = 32.
Professora — Quais são os números que ao quadrado dão 32?
Alguns alunos — V32
Outros alunos (acrescentando) — - V32
A professora fez notar a impossibilidade do valor negativo e passa
depois para o cálculo da área do quadrado. Escreve no quadro
V32 x V 32, ouvindo-se um aluno (que tem máquina de calcular) dizer
que é 32. A professora diz que ele usou a máquina, pergunta, “como
chegar aí?”, e continua o cálculo da área escrevendo:
$ 4 JÍ = 4
Conclui, dirigindo-se à aluna que colocara a questão inicial: “Está
satisfeita?”
(registo de aula, 8 de Março)
.J ? = 4
e a professora diz (referindo-se ao desaparecimento do sirial de
radical)
Professora — Ela fez o ‘corta-corta’.
(registo de aula, 10 de Março) *
V2 x 3/8 = ^ ? x # = ^23 x 82
(x 2 ) (x3)
V l4 ^ x V49
V28
Passados uns minutos, tendo detectado numa aluna o erro
V l4^ V49
V2 8 X V2 8 ’
a professora escreve-o no quadro, e faz sobressair o erro cometido
com um exemplo sem radicais:
6 2x3
5“ 5
2 3__6_
5 5 “ 25
(registo de aula, 9 de Março)
aconteceu em situações que constam nos registos de aula das páginas 324 e 325,
ou na que a seguir se dá conta:
D iscussão
348 D iscussão
VI - A s professoras
cações particulares que começara a dar, ainda aluna, lhe fizeram sentir. Maria da
Graça, ao entrar na Faculdade, trazia também já em mente vir a ser professora,
escolha que o seu ambiente familiar favorecia, sobretudo pelo lado do seu pai
que a via com bons olhos nesta profissão. Assim, para usar as suas palavras,
acomodou-se à ideia de vir a dar aulas, indo ao encontro também do seu gosto
no relacionamento com pessoas e de uma profissão independente, bem como do
gosto pelo ensino que disse ter e cuja origem também associou às explicações
que dava ainda estudante.
Se podemos considerar que no ensino pré-universitário as professoras tive
ram uma relação globalmente positiva com a Matemática e um, percurso de
sucesso nesta disciplina, tal não aconteceu no ensino superior e de uma forma
especialmente nítida no caso uma delas. Maria José, por exemplo, embora
declarasse que o ensino superior não alterou a sua relação com a Matemática
que vinha do ensino secundário, deu a entender que na Faculdade não se sentia
tão à-vontade em algumas disciplinas matemáticas, passando por vezes por
dificuldades que até aí não tinha conhecido. Maria da Graça, por sua vez, teve
mesmo uma forte desilusão com os primeiros anos na vertente científica do
curso, que qualificou de demasiado teórica, chegando por isso a lamentar nãò ter
seguido um curso de Engenharia que considerava mais prático. Manteve no
entanto a escolha, optando pelo ramo educacional, pois previa maior facilidade
em arranjar emprego como professora, e também porque via esse ramo do-
curso como mais acessível.
Evolução profissional
Discussão
VI - As professoras
Maria José salientou por exemplo que, nos primeiros anos como professora,
sentia um constrangimento muito forte para cumprir o programa, o que a levava
a privilegiar uma abordagem expositiva no tratamento dos tópicos matemáticos,
e reconheceu que, com essa abordagem, nem sempre conseguia um verdadeiro
envolvimento dos alunos, nem a sua compreensão dos assuntos matemáticos
abordados. Actualmente, sentindo-se mais liberta desse constrangimento, dá
maior valor à necessidade desta compreensão e, por isso, mais espaço e impor
tância à participação e intervenção dos alunos, procurando actuar de forma a
proporcionar-lhes mais autonomia no desenvolvimento das suas aprendizagens.
Para além disso, a confiança que foi adquirindo, depreende-se das suas palavras,
tomou-a mais tolerante face a atitudes e comportamentos dos alunos e com mais
capacidade para os compreender e integrar melhor na sua forma de actuar.
Para Maria da Graça, os anos de experiência de ensino terão sobretudo
contribuído para a aquisição de uma visão global dos programas, o que lhe
permite hoje, como salientou, distinguir melhor o essencial do acessório na
sequência dos assuntos programáticos, e sentir-se mais à-vontade em aula, quer
na apresentação desses assuntos, quer na resolução das dificuldades que os
alunos manifestam. Como também sublinhou, a prática de ensino prolongada
conduz a um melhor conhecimento dos alunos e a uma maior sensibilidade face
às suas dificuldades mais frequentes, e desenvolve a capacidade para as resolver.
As duas professoras manifestaram gosto pelo ensino e pela Matemática,
mas nenhuma delas declarou sentir-se profissionalmente realizada, nem se
manifestou particularmente entusiasmada a falar das suas motivações e gratifica
ções na profissão. A explicação que deram para este sentimento foi o insucesso
qiie os alunos apresentam em Matemática, tendo Maria da Graça ainda invocado
com insistência o desinteresse muito generalizado pela disciplina e as dificuldades
que sente para o contrariar, bem como o desprestígio da figura do professor
entre os alunos e na sociedade em geral.
Um sentimento de algum desalento e desencanto profissional foi de facto
sensível nas declarações das professoras, de uma forma mais nítida em Maria da
Graça. A principal motivação e alguma gratificação profissional, como fizeram
sentir as duas professoras, provêm dos alunos, da relação que desenvolvem com
eles e da contribuição que sentem dar para a sua aprendizagem.
350 D iscussão
VI - As professoras
Discussão 351*
VI - As professoras
352 D iscussão
VI - As professoras
Discussão 353
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V I— As professoras
lidade que também atribuiu à Matemática, vendo nela uma. das suas característi
cas mais distintivas.
Discussão 355
VI - As professoras
justificando-a pela natureza conceptual desses temas e por fazerem pouco apelo
à memorização. Também o facto de ter colocado reservas ao carácter matemáti
co da actividade que os alunos realizaram numas das aulas do 9 o ano que foram
observadas, considerando que “para eles [alunos] foi mais o mecânico”, indica
essa mesma valorização.
Referindo-se ao aluno, Maria da Graça considerou que mais do que elabo
rar os conceitos, ele utiliza-os nas tarefas que realiza e que na maior parte dos
casos, eles “são-lhe dados” pelo professor. Porém, é o facto de estarem em jogo
conceitos e a sua aplicação que a leva a afirmar que o aluno “faz Matemática”.
Como explicou, havendo compreensão dos conceitos por parte do aluno, ele
sabe aplicá-los, quando não os compreende surgem as dificuldades e a tendência
para a mecanização, “decora fórmulas”. Foi neste contexto que a professora
acrescentou, aos conceitos, o cálculo, as regras e a sua aplicação prática, consi
derando que tudo isto é Matemática.
Num caso e noutro, no trabalho com conceitos e no cálculo, Maria da Gra
ça introduz a compreensão como elemento para ajuizar dó carácter matémático
da actividade do estudante. Por exemplo, procurando caracterizar um bom
aluno em Matemática, a professora distinguiu entre aquele que consegue bons
resultados, recorrendo simplesmente à memorização de processos e técnicas, por
vezes, sem compreender o que está a fazer, e aquele que “faz as coisas sabendo
o que está a fazer e porquê”. A simples mecanização dos processos e técnicas
de resolução dos exercícios, como sublinhou, não significa saber Matemática.
Podemos ver com este mesmo sentido, algumas apreciações da professora
relativas às aulas observadas. Numa delas, Maria da Graça justificou o carácter
matemático da actividade dos alunos pelo facto de eles não terem estado apenas
a calcular mas também a raciocinar. Comentando uma outra àula, valorizou a
abordagem gráfica das funções, alegando que essa abordagem motiva mais os
alunos e permite que eles compreendam melhor os conceitos em jogo. Num
outro comentário, considerou que o aluno que ela ajudara no quadro a resolver
um exercício estava a fazer Matemática, desde que “estivesse consciente do que
estava a fazer”, pois estavam em presença conceitos matemáticos e a sua
aplicação. Este critério era usado sempre que se tratou de qualificar matemati
camente a actividade que os alunos realizavam: estavam a “fazer Matemática”
quando lidavam com conceitos e os conseguiam compreender. Por exemplo,
356 D iscussão
VI - As professoras
Discussão 357
VI - As professoras
358 D iscussão
VI - As professoras
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VI - As professoras
360 D iscussão
VI - As professoras
ponto de vista matemático, se lhes fosse dado mais tempo no trabalho que
realizam em aula, mas, em seu entender, se tal acontecesse não seria possível
cumprir o programa.
Para as duas professoras, aplicar Matemática é uma actividade matemática
quer se trate, como esclareceu Maria José, de aplicações internas à própria
Matemática, quer da sua aplicação em outros domínios científicos ou da realida
de. Na verdade, como já foi mencionado, a ideia dã Matemática como uma
ciência de grande aplicabilidade pode ser destacada como um elemento impor
tante nas concepções das duas professoras sobre esta ciência. Ambas
reconheceram, no entanto, que a ideia da Matemática como uma disciplina com
aplicações em outros campos disciplinares e com relações com a realidade, não '
se desenvolve nos alunos ao longo da sua escolaridade. Do seu ponto de vista,
esta situação deve-se ao facto de a Matemática, de um modo geral, ser ensinada
sem ter em conta essas suas aplicações e relações, tendo as professoras reconher
eido que elas próprias, em muitos dos assuntos dos programas, têm dificuldades,
em pôr em prática uma abordagem didáctica que as incorpore. .-
Nas aulas observadas, foi manifesta a preocupação das professoras em rela
cionar os tópicos matemáticos em estudo, com assuntos trabalhados em aulas
anteriores, ou mesmo em outros anos, bem como em evidenciar e utilizar
analogias entre esses assuntos. Todavia, isto era feito sempre sem referências a
domínios ou situações não matemáticas que apenas tiveram alguriia expressão
no momento da introdução da função quadrática em. que a professora recorreu
a exemplos da vida real como ilustração da curva dessa função. - ;
D iscussão 361.
VI - As professoras
seja meramente apresentada pelo professor. Coerente com esta intenção, Maria
José destaca, entre aquilo que mais gosta que aconteça nas suas aulas, o sentir
“eco” nos alunos, ou seja, as situações em que os alunos reagem ao que ela vai
apresentando, em que eles colocam questões ou tomam outro tipo de iniciativas.
Como também disse, quando se dirige à turma, espera que os alunos façam
perguntas e se isso não acontece, fica “muito desconsolada”.
• Na verdade, em Maria José, se por diversas vezes e a propósito de várias si
tuações nas entrevistas e nas aulas, se evidenciou o reconhecimento da
importância do envolvimento e participação dos alunos nas tarefas, foi também
patente a valorização do seu espírito de iniciativa e da capacidade de trabalhar
autonomamente. Esta professora, como vimos, para caracterizar um aluno com
jeito para Matemática, referiu-se à aptidão que alguns têm de interpretar sozi
nhos as situações em que trabalham, de se interrogarem e de tomarem a
iniciativa de colocar questões. Para Maria José, um bom aluno a Matemática
deve revelar estas qualidades, tem que ser capaz de “trabalhar sozinho”.
No que se refere às aulas observadas, Maria José, declarou preferir aquelas
em que os alunos estão envolvidos em tarefas que realizam sem intervenção
significativa do professor. Em relação à turma do 9o ano, por exemplo, apreciou
negativamente uma das tarefas que propôs aos alunos, pelo facto de eles não
terem conseguido realizá-la sem o auxílio do professor. E, relativamente à turma
do 10 ° ano, para justificar o facto de ter considerado que os alunos estiveram a
“fazer Matemática”, destacou momentos de aula em que eles realizavam auto
nomamente o trabalho, estabelecendo “sozinhos” as relações matemáticas
pretendidas, elaborando “o seu próprio” modelo matemático. Lembro que nesta
turma os alunos trabalhavam agrupados e as aulas eram estruturadas para que
os grupos dispusessem de um tempo limitado para realizarem o conjunto das
tarefas previstas para a aula, sem intervenção significativa da professora.
Para além disto, esta professora, na análise das suas aulas, valorizou tam
bém os momentos em que os alunos não se limitavam a dar resposta a
solicitações suas e tomavam a iniciativa de questionar ou colocar dúvidas sobre
o que estava a ser apresentado ou sobre a tarefa que tinham em mãos. Perante
as intervenções dos alunos; Maria José evita dar uma sanção imediata procuran
do que os alunos apresentem explicações ou justificações das afirmações que
fazem ou dos resultados a que chegam.
362 D iscussão
VI - As professoras
Discussão 363
VI - As professoras
fazia, em regra dirigidas à turma como um todo, procurava que eles intervies
sem, conduzindo a aula, como já foi mencionado, com base nas perguntas que
colocava e nas respostas que ia obtendo. Os alunos, de uma forma geral, pare
ciam acompanhar o diálogo da professora com a turma, por ela orientado e com
questões de sua iniciativa, e alguns deles iam respondendo às suas solicitações.
364 Discussão
VI - As professoras
366 D iscussão
VI - As professoras
Discussão 367
VII — A concluir
Síntese do estudo
369
VII - A concluir
toma nessa prática. Nesta convicção, a investigação foi conduzida com o objec
tivo de identificar e descrever, nos seus traços mais relevantes, as concepções
dos participantes sobre a Matemática e a actividade matemática, conífontando-as
de forma a evidenciar quer elementos de homogeneidade, quer elementos de
heterogeneidade, com base as seguintes questões: como descrevem os partici
pantes a sua visão da Matemática e a relação que têm com esta ciência; como
caracterizam a actividade matemática; e, em que aspectos se distinguem e em
que aspectos se assemelham as suas concepções sobre a Matemática e actividade
Matemática. Orientaram ainda o estudo duas outras questões sobre os percursos
de vida escolar e profissional dos participantes: que elementos se destacam
nesses percursos; e, em que aspectos se distinguem e em que aspectos se asse
melham, particularmente no que se refere à relação de cada um com a
Matemática e com a profissão.
A escolha das concepções para objecto deste estudo, e o propósito de as
investigar considerando os pontos de vista e significados dos sujeitos estudados,
conduziu a uma opção metodológica qualitativa ou interpretativa (Eriksson,
1986). Uma vez que o objecto da investigação era circunscrito e pretendia uma
análise em profundidade, sensível às particularidades dos participantes, recorri a
estudos de caso como modalidade de pesquisa (Merrian, 1988; Yin, 1984),
concretizados, no essencial, com a realização de entrevistas e, no caso das
professoras, também com a observação de aulas.
A investigação envolveu a participação de dois matemáticos, professores
do ensino superior, e duas professoras de Matemática do ensino básico e secun
dário, todos eles, portanto, docentes de Matemática, embora exercendo em
níveis de ensino muito distintos, nomeadamente, nos seus propósitos e finalida
des, na sua organização e funcionamento institucional, nas solicitações a que
sujeitam os diferentes intervenientes e nos percursos profissionais que lhes
proporcionam. Esta diferenciação nos participantes tomava possível o confronto
entre as concepções de sujeitos com experiências profissionais muito distintas,
em especial no que essas experiências envolvem relativamente à Matemática e à
actividade matemática, procurando com isso uma melhor compreensão dessas
concepções; O estudo dos matemáticos constitui, para além disso, um contributo
para a investigação das suas concepções, sobre as quais não existem estudos em
Conclusões
C onclusões 371
VII - A concluir
372 C onclusões
V I I - A concluir
C onclusões 373
VI] - A concluir
estes factores podem até, em certas situações, ter desempenhado um papel mais
determinante nas referidas opções do que a preferência pela disciplina e a
relação positiva e os bons resultados nela conseguidos previamente. Um dos
matemáticos, por exemplo, pretendia tirar a licenciatura em Física, mas adiou a
concretização da sua preferência e escolheu a Matemática, seguindo o conselho
de um dos seus professores. Acabou por tomar definitiva esta opção, a isso
conduzido pela intensificação do seu interesse e gosto precoce por essa ciência,
estimulado pelo seu ambiente familiar muito favorável à Matemática. No caso de
uma das professoras, a influência familiar foi também manifesta, em particular
através da acção do pai que via o ensino como uma profissão especialmente
adequada a uma mulher e que terá, assim, pesado na sua opção. Nesta professo
ra, para a escolha pela Matemática terão ainda convergido alguns factores
relacionados com a sua personalidade. O seu sentimento de insegurança perante
situações novas, por exemplo, influenciou a decisão que tomou, uma vez que,
escolhendo a Matemática seria acompanhada por um conjunto de colegas
conhecidas que optaram pelo mesmo curso. Para além disto, aspectos como
certas concepções correntes relativas à profissão de professor — profissão vista
como independente e proporcionando disponibilidade de tempo, nomeadamente,
para as ocupações familiares — surgem também como factores com alguma
importância em favor da escolha dessa profissão.
No curso por que optaram, ambas as professoras tiveram uma formação
educacional específica para o ensino da Matemática. Globalmente, a sua visão
dessa formação não é muito positiva, devido ao desajustamento entre as expec
tativas que tinham, centradas na obtenção de orientações específicas concretas,
directámente relacionadas còm a prática lectiva do professor, e a formação
recebida. Consideraram esta formação desligada da realidade da prática profis
sional e excessivamente teórica, com carências ao nível da orientação e apoio
didáctico específicos, limitações que podem estar relacionadas com presença
reduzida destas componentes na formação educacional, na época em que
realizaram o curso. Relativamente ao estágio pedagógico, as duas professoras
tiveram, experiências que qualificaram de forma bastante díspar, num caso,
predominantemente positiva e no outro, predominantemente negativa. Nos dois
casos, a figura e o papel do orientador da parte da escola, bem como o trabalho
de colaboração entre os professores estagiários, surgem como elementos que
374 C onclusões
V II- A concluir
C onclusões 375
VII - A concluir
1 Para explicarem essas dificuldades pedia-se-lhes que escolhessem três razões por ordem de
importância, fornecidas numa lista de doze sobre os estudantes, o currículo, os professores e o
contexto. As razões mais citadas são as que dizem respeito ao contexto — contexto sócio-
económico desfavorável, enquadramento cultural — e aos estudantes, em especial as que
referem a sua fraca preparação anterior (43%) e o pouco interesse e investimento no trabalho
(19% e 33%, respectivamente); razões devidas aos professores, por exemplo, eventuais
carências de formação pedagógica, foram pouco citadas (14%) (Bireaud, 1995, p. 53).
2 Neste inquérito, mais recente (1987), a maioria das respostas relativas às principais causas do
insucesso incidem sobre os estudantes (62%) — mencionando a falta de motivação, de rigor,
de espírito crítico — e sobre o ensino secundário (30%) (Bireaud, 1995, pp. 53-54).
376 Conclusões
V II- A concluir
Conclusões 377
VII - A concluir
378 C onclusões
V H - A concluir
C onclusões 379
VII - A concluir
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C onclusões 381
VII - A concluir
382 C onclusões
V II- A concluir
C onclusoes 383
VII - A concluir
rogeneidade” que o seu trabalho revelou, nomeadamente, “na forma como [os
matemáticos] compreendem a Matemática, pensam sobre esta ciência e realizam
0 seu trabalho matemático” (p. 18). Com este trabalho1, Burton procurou
compreender o processo como os matemáticos chegam ao conhecimento em
Matemática (coming to know mathematics), confrontando as suas descrições
pessoais com um modelo teórico preestabelecido. Este modelo descreve o
referido processo em termos de cinco categorias: relação pessoal e socio-cultural,
estética do pensamento matemático, papel da intuição e do insight, estilos de
pensamento e conexões matemáticas (p. 17). Em trabalhos que publicou posteri
ormente (Burton, 1999, 2001), a heterogeneidade entre os matemáticos é
também evidenciada, nomeadamente quando afirma que, embora os participan
tes do estudo considerassem o seu modelo teórico apropriado às práticas de
investigação que desenvolvem, “posicionaram-se individualmente de forma
muito diferente” em relação às várias categorias do modelo, com excepção de
uma^ “a importância da conexões” (connectivities), em relação à qual a concor
dância foi unânime (Burton, 2001, p. 591).
No que diz respeito ao presente estudo, foram identificados elementos de
homogeneidade (aspectos comuns, convergências, semelhanças) nas concepções
dos matemáticos, e também das professoras, mas emergiram igualmente elemen
tos de heterogeneidade (singularidades, divergências, contrastes) significativos
entre os dois matemáticos, entre as duas professoras, e ainda entre estas e os
dois matemáticos.
384 Conclusões
V II- A concluir
C onclusões 385
VII - A concluir
386 C onclusões
V II- A concluir
expressas por outros matemáticos, sobre a beleza da sua ciência e sobre o papel
e importância heurística da sensibilidade estética na produção dò conhecimento
novo não têm tido grande penetração na Matemática escolar. Numa reacção a
esta situação, Tommy Dreyfus e Theodore Eisenberg (1986), apoiados nas ideias
de Henry Poincaré (1908) e de outros autores relativamente à Matemática, e nas
de Seymour Papert (1985) no que diz respeito ao seu ensino e aprendizagem,
defendem que a componente estética deve integrar a educação matemática dos
alunos, e chegam a considerar como “um tremendo erro” (p. 9) o facto de tal
não estar a ser contemplado como uma finalidade curricular importante.
O desenvolvimento do sentido estético e da capacidade de apreciar a beleza
matemática por parte dos alunos não têm sido valorizados nos objectivos e
orientações curriculares, quer em documentos programáticos internacionais
muito divulgados e com larga influência (NCTM, 1991a; NCTM, 2000), quer
nos mais recentes documentos portugueses com a mesma natureza (DEB, 2001;;
DES, 1997). “Por que razão privar alunos de Matemática do prazer estético de
que os matemáticos falam?”, pergunta Leone Burton (2001, p. 201), rejeitando
0 argumento tantas vezes utilizado de que é preciso, em primeiro lugar, q u é .
aprendam o que é mais elementar para que possam depois aceder a uma com
preensão mais profunda e plena da Matemática e da sua beleza. Esta ideia muito
espalhada concorre, segundo a autora, para que os estudantes não desejem .
progredir no seu conhecimento em Matemática, e a privação d o s. alunos *do .
elemento estético favorece atitudes negativas e concepções distorcidas relativas a
esta ciência. .....................
Seymor Papert considera que os aspectos estéticos da Matemática no seu
ensino quando são considerados surgem apenas como um “epifenómeno” e iião
como “a força motora que faz funcionar o. pensamento matemático” 1 (Papert,
1985, p. 227). Num paralelismo com a arte, a música e a poesia, Dreyfus e *
Eisenberg (1986) consideram que a capacidade de apreciação estética também
pode ser desenvolvida em Matemática, “alimentada” como dizem, pelo enten
dimento das estruturas que lhe são subjacentes. Terá assim, eventualmente, um
papel importante na aprendizagem, como motivação, certamente, mas também
1 Papert (1985), de alguma forma, explica a sua consideração pela grande expansão e influên
cia das teorias psicológicas como as de Piaget que, como diz, “ignoram totalmente o estético
ou mesmo o intuitivo e se concentram na análise estrutural da vertente lógica do pensamento
matemático” (p. 227).
C onclusões 387'
VII - A concluir
388 Conclusões
V II- A concluir
C onclusões 389-
VII - A concluir
390 C onclusões
V II- A concluir
1 É dito, por exemplo, que "mais de um terço” dos matemáticos do estudo manifestaram um
posição "indecisa” e 15% optaram por uma posição de distanciamento, em itens relacionados
com a dimensão de aplicação da Matemática (Grigutsch e Tõmer, 1998, p. 23).
C onclusões 391
VII - A concluir
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C onclusões 393
VII —A concluir
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C onclusões 395
VII - A concluir
396 Conclusões
V II- A concluir
mentos de crenças mais ou menos isolados que impede o confronto entre elas e
permite a existência de crenças conflituantes (Green, 1971).
Deste modo se poderá compreender a coexistência de concepções das pro
fessoras relativas à aplicabilidade da Matemática e à sua importância no ensino,
com concepções, contraditórias, mas porventura mais centrais ou importantes
para elas, dizendo respeito, por exemplo, aos aspectos formais e abstractos da
Matemática, ou a aspectos do seu ensino e aprendizagem, eventualmente limita
dores da integração didáctica das aplicações da Matemática, estas sim orientando
a sua prática pedagógica.
Sobre a demonstração. Em primeiro lugar, pode ser mencionada a tendên
cia em associar demonstração a dedução, quando se trata de estabelecer a
verdade de resultado matemático. Ou seja, sobressai á ideia de que demonstrar é
acima de tudo deduzir, estabelecer as conclusões logicamente decorrentes de
premissas aceites como verdadeiras. Em segundo lugar, a demonstração e o
raciocínio dedutivo aparecem com um lugar proeminente na visão que os
participantes desta investigação têm da Matemática è da actividade matemática.
Aparentemente, pode ainda ser dito, as observações anteriores sobre a demons
tração apenas sobrevêm no quadro da Matemática enquanto ciência e não ‘têm
grande expressão quando está em jogo a Matemática escolar.
As concepções dos participantes deste estudo sobre a demonstração não
são todavia uniformes e, à visão global atrás descrita, podem acrescentar-se
elementos discriminantes para uma descrição mais detalhada dessas concepções.
Na verdade, a ideia da demonstração como a modalidade por excelência da
actividade matemática aparece com clareza numa das professoras e num dos
matemáticos. Ambos reconhecem à demonstração um lugar de grande relevo,
vendo nela o que distingue a Matemática das outras ciências e o que lhe confere
a sua exactidão e o elevado grau de fiabilidade que lhe atribuem; o método
demonstrativo é considerado como o método da Matemática, e, do ponto de
vista do matemático, fazer Matemática é demonstrar resultados. Em contraparti
da, porém, ideias como estas não tiveram praticamente expressão ha outra
professora e, no caso do outro matemático, a demonstração é relativizada no
quadro de outras modalidades dá actividade matemática, no qual a matematiza-
ção, entendida como processo de modelação, surge com m aior destaque. É este
Conclusões 397
VII - A concluir
matemático que* embora distinguindo a Matemática das outras ciências pelo seu
carácter dedutivo, reconhece também uma componente de tipo experimental na
actividade matemática, vendo aí a experimentação como concepção e teste de
exemplos, bem como pesquisa de regularidades, eventualmente conducente à
formulação de conjecturas e sua demonstração. A consideração de uma compo
nente de cariz experimental na Matemática e, em particular, a aceitação da
demonstração por via computacional, introduzem uma distinção clara nas
concepções deste matemático, face às ideias mais dominantes a este respeito que
emergiram no outro, para quem a demonstração, para ser considerada como tal,
tem que se revestir de carácter analítico, única via para a aceitação de um
resultado como verdadeiro.
A demonstração, importa ainda dizer, independentemente da diferente va
lorização perceptível nas duas professoras, é uma actividade praticamente
omissa das suas aulas, como ambas deixaram entrever. As dificuldades dos
alunos em compreenderem a necessidade de uma demonstração e a resistência
que opõem à sua realização, bem como a pouca importância que lhe tem sido
atribuída nas orientações e conteúdos dos programas, foram as razões apontadas
para essa omissão. Para as professoras, os programas anteriores aos que leccio
navam1, privilegiavam os aspectos de cálculo e deixavam pouco espaço para o
exercício do raciocínio matemático mais complexo e elaborado, em particular o
raciocínio demonstrativo. Em seu entender, resulta desta situação a veiculação,
junto dos alunos, de uma imagem da Matemática cujos elementos dominantes
são a abstracção e o cálculo, imagem que vêem persistir e que reconhecem ter,
elas próprias, muita dificuldade em contrariar e modificar.
Por fim, o cálculo. Em relação a esta modalidade da actividade matemática,
este estudo permite também identificar alguma heterogeneidade de posições
entre os participantes que indiciam concepções distintas, às vezes conflituantes,
até na mesma pessoa. Numa primeira análise, o cálculo parece ser visto uma
modalidade da actividade matemática de menor estatuto, no conjunto das várias
modalidades que os diferentes participantes destacaram. As duas professoras
consideraram o cálculo como algo que não as atraía particularmente e manifes-
1 Trata-se dos programas que foram substituídos com a reforma cuja generalização se iniciou
no ano lectivo de 1991/92.
398 Conclusões
V II- A concluir
C onclusões 399
VII - A concluir
Matemática escolar e ocupa uma parte considerável do trabalho dos alunos com
a disciplina. Esta observação em relação ao cálculo é também recíproca dá que
foi manifesta no caso da matematização e da aplicabilidade da Matemática que,
como vimos, são encaradas como aspectos importantes e característicos da
ciência Matemática mas com pouca expressão na prática de ensino das professo
ras deste estudo.
A com preensão e a autonom ia. Para além das concepções descritas no ponto
anterior, relativas às três modalidades da actividade matemática que se evidenci
aram com maior visibilidade neste estudo, a investigação realizada permite dar
conta de outros traços nas concepções dos professores envolvidos que dizem
respeito a outros aspectos dessa actividade. Estes aspectos, ao contrário das
modalidades consideradas — a matematização, o cálculo e a demonstração —
não se referem a formas de que a actividade matemática se pode revestir. São
melhor descritos como uma espécie de seus ‘ingredientes* cuja presença é
considerada necessária para que a actividade possa, justamente, ter carácter
matemático. Alguns destes ingredientes, tal como as modalidades mencionadas,
remetem para uma especificidade matemática e reportam-se à actividade p er se,
isto é, não se referem ao sujeito nelas envolvido. É o caso dos conceitos, regras
ou técnicas matemáticas, vistos pelos participantes deste estudo como ingredien
tes ‘naturais* de uma actividade matemática, a propósito dos quais se justificam
duas observações.
Em primeiro lugar, aos conceitos e às regras ou técnicas não é aparente
mente reconhecido o inesmo estatuto matemático nem, passe o neologismo, a
mesma ‘matematicidade*. Por exemplo, tratando-se de ajuizar do carácter
matemático de uma actividade, o conceito parece ter superioridade face à regra
ou à técnica e maior capacidade em lhe conferir tal carácter. O facto de ‘lidar
com conceitos’ aparece assim como mais característico e marcante de uma
actividade matemática do que o ‘lidar com regras e técnicas*. Em segundo
lugar, uma observação particularmente notória no caso das professoras, certa
mente por terem como quadro de referência dominante a Matemática escolar e
a sua aprendizagem: nesse ‘lidar com*, a compreensão, por parte do aluno que
realiza a actividade, dos conceitos, regras ou técnicas em jogo, é tida como
indispensável para que essa actividade tenha um cunho matemático, para que ele
400 C onclusões
V II- A concluir
Conclusões 401
VII - A concluir
402 Conclusões
V I I - A concluir
Considerações finais
De regresso as concepções.
Este tema, como sabes, é-me caro. Interessa-me e réconheço-lhe bas
tante importância. Simultaneamente, sinto que é uma área com plicada,: -
de difícil (e inseguro) acesso e onde não é fácil conseguir progressos.
Antevejo pois (e confesso que me assusto um pouco) bastantes dificul
dades aliás já um pouco experimentadas.
(carta a João Pedro da Ponte, Abril de 1992)
Optei pois por manter o tema do meu anterior trabalho mas o meu interes
se era especificar mais a sua incidência principal, incluir outros tipos d.e
recair a incidência principal do meu trabalho sobre, um tema ainda muito pouco,
explorado e a que atribuía importância no ensino e aprendizagem da Matemáti
ca. Com esta definição temática, surgiu desde logo a ideia de incluir no estudo
matemáticos — professores do ensino superior que realizam investigação em
Matemática — a par dos professores do ensino básico e secundário desta,disci
plina. Com os matemáticos, grupo profissional sobre o qual não existiam
quaisquer trabalhos de investigação em Portugal, pretendia tirar partido do facto
de eles serem sujeitos da actividade matemática criativa que via como potenci
almente rico face ao que me propusera investigar. Com os professores. de
Matemática, queria trabalhar “todas as questões” da investigação, assumindo-os,
desde o primeiro momento, como “os participantes principais do. estudo” (carta
a João Pedro da Ponte, Abril de 1992). Na base desta minha assunção estava o. facto,
de a formação de professores de Matemática do ensino básico e. secundário e a
didáctica desta disciplina constituírem o núcleo dos meus interesses e preocupa
ções profissionais.
Para além dos professores e dos matemáticos, era minha intenção inicial in
cluir alunos como participantes no meu estudo. O que então tinha em mente,
como na altura explicitei, era obter “elementos relativos à aprendizagem que
a c o n te c e ”, ou, como também disse, sobre a forma como “encaram as propostas
do professor e [sobre] a sua actuação perante elas” (carta a João Pedro da Ponte,
Abril de 1992). Pretendia assim recolher um terceiro ponto de vista-sobre a.
Matemática e actividade matemática, desta vez junto dos sujeitos da aprendiza
gem. Todavia, o desenrolar do trabalho cedo levou à percepção de que a
inclusão de alunos não se justificava e de que podia mesmo tomar-se excessiva,
face aos objectivos delineados para o estudo dos matemáticos e dos professores
e às expectativas que tinha para o seu desenvolvimento. Esta percepção transpa
rece já no relatório que apresentei no final de 1992 sobre o desenvolvimento do
meu trabalho onde enuncio o propósito de fazer incidir a investigação “essenci
almente sobre as concepções de matemáticos (...) e de professores de
Matemática do ensino secundário” (Relatório de actividades, Novembro de 1992). Foi
este o ‘caminho’ que o meu trabalho seguiu, mas queria sublinhar aqui a impor
tância da investigação sobre as concepções dos alunos, em particular a que
procura compreender eventuais relações dessas concepções com as concepções
dos professores e com ãs suas práticas de ensino, investigação que está ainda
pouco desenvolvida no nosso país, no que se refere à disciplina de Matemática.
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420
Referências
422
R eferências
Ponte, João Pedro da, José Manuel M atos,, e Paulo Abrantes- (1998).
Investigação em educação matemática — implicações curriculares (Cap.
IV — O professor de Matemática). Lisboa: HE.
Powney, Janet, e Mike Watts (1987). Interviewing in educational research.
Londres: Routledge e Kegan Paul.
Ribeiro, António (1995). Concepções de professores do Io ciclo: a Matemática,
o seu ensino e os materiais didácticos (tese de mestrado não publicada,
Universidade de Lisboa, Lisboa).
423
Referências
424
Referências
425
Anexos
427
Anexos
428
Anexos
429
Anexos
Guião simplificado
430
Anexos
Episódio 1'
“As ciências experimentais fazem-se nos laboratórios onde equipas cada vez
mais numerosas são necessárias para manipular os instrumentos e descodificar
os resultados. Para fazer investigação matemática são apenas necessários uma
folha de papel e uma boa biblioteca. O trabalho em equipa, tal como é
praticado nas ciências experimentais, é, pois, bastante raro em Matemática,
tendo a maior parte dos matemáticos dificuldade em reflectir seriamente salvo
no silêncio e na solidão. ”
(Dieudonné, 1990a, p. 24)2
Episódio 2
Episódio 3
431
Anexos
Episódio 4
Episódio 5
Episódio 6
432
Anexos
433
Anexos
434
Anexos
435
Anexos
Guião simplificado
(Frases de matemáticos)
Episódio 11
Episódio 2
Episódio 3
“E inegável que alguma da melhor inspiração em Matemática — nessas partes
de Matemática tão pura quanto possamos imaginar — proveio das ciências
naturais. ”
(Neuman, 1988, pp. 2029-30)
437
Anexos
Episódio 4
"Se um problema de xadrez é, em sentido grosseiro, ‘inútil \ então, tal é
igualmente verdade para a maior parte da melhor Matemática (...). Apenas
uma pequena parte da Matemática tem utilidade prática e que essa parte é
relativamente desinteressante. ”
(Hardy, 1988, p. 2005)
(Episódios de aula)
Episódio 5
Foi pedido a um aluno do 10° ano que demonstrasse que a soma de dois
números pares é um número par. Para efectuar a demonstração o aluno
desenhou as seguintes figuras:
438
Anexos
Episódio 6
Considere a seguinte demonstração?
Se x=y*0
então x2=xy
X2_y2-Xy_y2
(x+y) (x-y)=y(x-y)
x+y=y
y+y=y
Logo 2=1
• Usa (acha que se deve usar) este tipo de situações? Que ganhariam os alunos?
Episódio 7
Pediu a um aluno que justificasse se um triângulo de lados 5, 5 e 8 centímetros
era ou não um triângulo rectângulo. O aluno fez o seguinte desenho.
439
Anexos
Episódio 8
A soma dos n primeiros números naturais pode ser apresentada sob várias
foimas. Qual delas prefere?
n 1 _ 1
— (n+1) — n2 + — n
2 2 2
(n+1) n (n+1)
n —
2 2
Episódio 9 -
5x-7=3=5x-7+7=3+7=5x=10=x=2
Episódio 10
Um aluno reparou que
16 _ W _ 1 26 2 19 10 1
64 04 4 65 05 5 95 05 5
440
Anexos
(Frases de alunos)
Episódio 11
Episódio 12
“A disciplina de que eu mais gosto é de Ciências. Fazemos experiências e
aprendemos coisas sobre o mundo, os animais e as plantas. A (Frases de
alunos)disciplina que menos gosto é de Matemática. É muito repetitiva,
sempre muito igual e não percebo para que vai servir. ”
Episódio 13
“Eu gosto de Português e de Matemática mas por razões diferentes. De
Português porque podemos fazer coisas que nós imaginamos, explorar, •*
inventar. De Matemática porque tudo é muito claro e conciso; um problema
ou está certo ou errado e, depois de resolvido, podemos passar a diante sem
nos preocuparmos com o que já fizemos. ”
(Frases de professores)
Episódio 14
“A primeira coisa que me ocorre dizer, é que a Matemática é uma ciência,
uma ciência exacta. É este, aliás, um dos aspectos que a distingue das outras
ciências. Na Matemática não há erro, nas outras ciências tudo é susceptível de
erro. Isto acontece porque a Matemática é essencialmente lógica* construída
dedutivamente a partir de determinadas proposições. ”
Episódio 15
441
Anexos
(Estrutura da aula)
Como começa a aula, quais os seus momentos ou fases principais e qual a sua
sequência, que relações com aulas anteriores ou posteriores, como termina a
aula.
(Papel do professor)
O que caracteriza fundamentalmente a actuação do professor em aula
(expor/explicar, esclarecer, perguntar; dirigir, orientar, discutir; controlar, apoiar,
incentivar): de que natureza são as suas intervenções, como solicita a
participação dos alunos e integra as suas contribuições, como acompanha a
actividade que os alunos desenvolvem, como procede na correcção dos
trabalhos que são realizados, como procede para introduzir novos assuntos.
(Papel do aluno)
O que caracteriza fundamentalmente a actuação dos alunos em aula (escutar,
observar, perguntar, responder, pôr dúvidas, questionar, discutir): como
participam os alunos na aula, que tarefas realizam, de que tipo são as
intervenções ou solicitações que dirigem ao professor, de que natureza é a
colaboração e interajuda entre os alunos; em que grau que tipo de iniciativas
tomam em aula.
443
Anexos
(Actividades na aula)
O que caracteriza fundamentalmente as actividades em aula:
- ao nível da sua origem e iniciativa (do professor, dos alunos); ao nível do
suporte em que são propostas (oral, escrito);
- ao nível do seu grau de estruturação (mais ou menos estruturadas);
- ao nível do estilo de trabalho (individual, grupo, colectivo);
- ao nível da sua duração (mais ou menos prolongada);
- ao nível da sua natureza (exposição, prática/consolidação1,
exploração/investigação2, resolução de problemas3, discussão4);
- ao nível do seu conteúdo (carácter problemático da actividade,
contextualização, ligação com a realidade, utilização de materiais, utilização de
tecnologia)
- ao nível da sua incidência principal (cálculo, demonstração, pesquisa de
regularidades, resolução de problemas, matematização)
Registar: dia, hora, ano, turma, número de alunos (e sexo), condições físicas da
sala, sumário.
444
Anexos
445
Categorias de análise dos casos dos matemáticos
(estabelecidas na interacção com os dados)
Envolvimento profissional
M atem ática M atem ática
Lógica-intuição
(pré-definidas)
Dedução-indução
Carácter exacto-carácter experimental Matemática e ciências
Certeza-falibi lidade Matemática e realidade Modelos matemáticos
Carácter absoluto-carácter-relativo Rigor e verdade Matemática pura-aplicada
Invenção-descoberta Carácter absoluto vs relativo
M atem ática e actividade m atem ática
Matemática e ciências
Matemática e realidade Matemática e realidade, ciências
Actividade M atem ática A ctividade M atemática A verdade e o rigor e a demonstração
0 papel dos problemas
0 papel da lógica e da intuição Modelação matemática
0 papel da experiência 0 papel das tecnologias e da experiência
0 papel da tecnologia Intuição e lógica 0 trabalho dos matemáticos
0 papel das interacções Resolução de problemas Modelação matemática Papel da comunidade matemática
Demonstração 0 papel da experiência
0 cálculo 0 papel da experiência 0 papel do computador
A pesquisa de regularidades 0 papel do computador 0 trabalho dos matemáticos
A formulação e teste de conjecturas 0 trabalho dos matemáticos
A demonstração
A formulação e resolução de problemas
A matematização
Categorias de análise dos casos dos matemáticos
(estabelecidas na interacção com os dados)
« Ensino superior
01)
Preferenciás lectivas
êi Ensino da Matemática Aspectos problemáticos
O papel do professor e do aluno
5 42 O professor e o ensino Ensino da Matemática
+* V O professor e a Matemática Ensino secundário
O aluno e a Matemática
Aspectos problemáticos
§D
a> O aluno e a Matemática
A O professor e a Matemática
Categorias de análise dos casos das professoras
(estabelecidas na interacção com os dados)
M aria da G raça M aria José Discussão
Escolha da M atemática
Percurso escolar
e profissional Preferências disciplinares
Relação com a Matemática
Escolha do curso
Relação com a Matemática Ensino secundário-Ensino superior A escolha da M atem ática e da profissão
Escolha do curso Formação educacional
Formação educacional Evolução profissional
Escolha da profissão
Escolha da profissão
Envolvimento e evolução profissional Motivações profissionais
Envolvimento profissional
Categorias temáticas gerais
Dedução-indução
Carácter exacto-carácter experimental Relação com a Matemática Relação com a Matemática
Certeza-falibilidade Clareza e exactidão Carácter exacto vs
Carácter absoluto-carácter relativo Carácter dedutivo experimental
Invenção-descoberta Aplicabilidade Aplicabilidade
Matemática e ciências M atemática e actividade matemática
Matemática e realidade
Actividade M atemática Envolvimento matemático como
Actividade Matemática
professoras
0 papel da lógica e da intuição 0 carácter distintivo da Matemática
0 papel da experiência Conceitos e cálculo
0 papel da tecnologia Compreensão e mecanização
0 papel das interacções Raciocinar, demonstrar, aplicar
Compreensão vs mecanização Autonomia e iniciativa
Os conceitos e as regras Demonstração
0 cálculo A compreensão ; Matematização
A pesquisa de regularidades 0 cálculo 0 cálculo
A formulação e teste de conjecturas; Autonomia e iniciativa
A demonstração
A formulação e resolução de
problemas
A matematização
Categorias de análise dos casos das professoras
(estabelecidas na interacção com os dados)
W È K Ê È È M
M aría da G raça M aria José Discussão
Às aulas de M atemática
As turmas
Estrutura e sequência
Ambiente e interacções
Categorias temáticas gerais
As aulas de M atemática*
(pré-definidas)
M. da G raça
Ia observ. aulas
cd — __ __ - •
B
<u
00 M. José
Ia entrevista
<N
cd M. José M. José
c
c3
B Ia observ. aulas 2a observ. aulas
V
00
M . d a G raça
CO 2a entrevista
cd
o M . José
00
2a entrevista
Tf M. d a G raça M . da G raça
cd — —
Ia entrevista 2a observ. aulas
a
00
451
Anexos
— ir Q t T & X F J r i ííIW .í í í
3 Projecto
Data da gravação:_24_/_FevereiroJ _ 1994
Intervenientes: Henrique Guimarães
3
3 Tempo da gravação:±2 horas
Transcrição realizada por ){[]}
Data da finalÍzação:08-04-94
3
3 Escola Secundária
iu H.C .— ...e a primeira questão que eu gostava de pôr era tu podias
- P' contar um bocadinho como é comoTé^qitg seria a tua ei (???) »Kj
prõfeisorã.
U — Eu, por acaso, não .... quer dizer, eu quando ... Quando 6 que eu
decidi? Eu decidi ir para Matemática porque era umacoisa que eu
gostava müito anível de con..., de ... de unificado sempre gostei. Tive
adada altura o... uma aiuda de uma prima queera de Físico-Quimicas
eque... eque me deu assim uma ... uma boaajuda efez-me ver isto dc
outra maneira, eeu passei agostar muito! Edepois fui pra, pó sé ...
Sexto e Séümo ano porque gostava daquilo eescolhi logo uma alínea
que tivesse Matemática. Porque eu estava muito indecisa1entre
Matemática, eentre Física eentre asengenharias. Pronto, "lava"
muito indecisa entre estas três. E depois, porque ... eu tinha assimum
certoreceio de ir enfrentar uma Faculdadesozinha! (e riu-se). Eeu, ... í' i , « : » o-
(1
453
Anexos
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455
Anexos
r Aula
A aula leve duas fases distintas. Na primeira, que ocupou a maior parte .•
tempo da aula, os alunos trabalharam sobre o primeiro de um exercícios de i- s
ficha de trabalho que a professora distribuiu logo no início. Na segunda, procedei - -
à correcção no quadro desses exercícios. Nesta segunda fase. depois do momento
que os resultados obtidos foram apresentados no quadro, a professa procurou
relacionar as operações com condições que os alunos efectuaram com as
correspondentes operações com conjuntos.
Os trabalhos iniciaram-se com a professora a distribuir a ficha (o sumário foi
referido logo a seguir, de passagem) equando tocou para a saída a professora deixou
resgistada no quadro uma questão em suspenso para a aula seguinte
Desenvoh’iinenio
457
Anexos
T.P.C
Dados os conjuntos:
A= { x e R : x > -2} , B = ] -5 ,4] . Determina :
a)AnB
b)A\B
c)AuB
d) A n B
459
Anexos
1. a) x temfronteira comPortugal.
b) x temfronteira comaSuíça.
c) x ébanhado pelo Oceano Atlântico.
d) x temfronteira comaSuíça ex ébanhado pelo OceanoAtlântico.
e) x temfronteira comasuíça ou x ébanhado pelo OceanoAtlântico.
f) x nâo temfronteira coma Suiça.
g) x temfronteira com aSuíça mas nâo ébanhado pelo Oceano Atlântico.
2. Duas condições dizem-se incompatíveis quando aintersecçãodos seus
conjuntos solução for 0. Diz de entre as condições seguintes asque são
incompatíveis:
a)x > 1 b)x <-2 c) 2 < x <4 d ) x £ l
3. Das condições anteriores encontra duas condições contrárias.
4. Considera o conjunto : M - { 1, 2, 4, 5 } e ascondições :
a(x): x2+ 1< 8
b(x) : x > 1
c(x): x - 2 * 4
Indica o conjunto solução das condições :
a) b(x)
b) a(x) v c(x)
c) ~( a(x) v c(x))
d) -a(x) a ~c(x)
e) b(x) a (a(x) v c(x))
5. sendo A={ x GR : | x| < 2 } e B = { x GR : x £-5 }
Calcula:
a) A b) B c) A U B d) A U B e) B\ A
461
Anexos
Qa&*t/tatihos-10*
DtwoèSe* tex Çejfdh&s/ÇõipeucÚQf
*00 A
b(x) B
cfx) C
i(x) 0
u(x) U
XípcrãçõoVomtGoniuntòVVól
afx) a b ( x ) A nB
a(x) v b ( x ) A uB
afx) a (b(x) v.cfx)) An fBuC)
~a(x) CA ou A
a{x) a ~b(x) AflCB ou A H B ou A\ B
463
Este trabalho foi escrito com o processador de texto Word 5.1
mas paginado e terminado com a versão do Office 98 do mesmo
processador. O corpo principal do texto foi impresso em carac
teres Times 14. Foram feitos 23 exemplares policopiados e bro
chados que ficaram prontos em Julho de 2003.