Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias-Volume 1
Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias-Volume 1
Linguagens, Códigos e Suas Tecnologias-Volume 1
Ministério da Educação
Secretaria Executiva
ORIENTAÇÕES CURRICULARES
PARA O ENSINO MÉDIO
Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias
ARTE • EDUCAÇÃO FÍSICA • LÍNGUA ESTRANGEIRA
ESPANHOL • LÍNGUA PORTUGUESA • LITERATURA
Volume 1
2 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
ORIENTAÇÕES CURRICULARES
PARA O ENSINO MÉDIO
Volume 1: Linguagem, Códigos e suas Tecnologias
Volume 2: Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias
Volume 3: Ciências Humanas e suas Tecnologias
ISBN 85-98171-42-5
CDU 371.214.12
CDU 373.512.14
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
SECRETARIA DE EDUCAÇÃ BÁSICA
ORIENTAÇÕES CURRICULARES
PARA O ENSINO MÉDIO
Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias
BRASÍLIA
2006
4 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Projeto Gráfico
Eduardo Meneses | Quiz Design Gráfico
Revisão de Textos
Liberdade de Expressão
PROSA Produção Editorial Ltda
TDA Desenho e Arte
Ministério da Educação
Secretaria de Educação Básica
Esplanada dos Ministérios, Bloco L, sala 500
CEP: 70.047-900 Brasília – DF
Tel. (061) 2104-8010 Fax: (61) 2104-9643
http:// www.mec.gov.br
Linguagens, Códigos e
suas Tecnologias
Carta ao Professor
Apresentação
Sumário
Introdução 17
1 A Língua Portuguesa no contexto do Ensino Médio 17
2 Construção de novas rotas nos estudos da linguagem: caminhos
que configuram a identidade da disciplina 19
3 Concepção de língua e linguagem e práticas de ensino 23
4 A disciplina Língua Portuguesa: perspectivas no contexto
do Ensino Médio 31
5 Organização curricular e procedimentos metodológicos
de abordagem dos conteúdos 35
6 Considerações finais 43
Referências bibliográficas 45
CONHECIMENTOS DE LITERATURA
Introdução 49
1 Por que a literatura no ensino médio? 50
2 A formação do leitor: do Ensino Fundamental ao Ensino Médio 60
3 A leitura literária 65
3.1 A importância do leitor 65
3.2 Que leitores somos 67
3.3 Formação do leitor crítico na escola 69
4 Possibilidades de mediação 72
4.1 O professor e a seleção dos textos 72
4.2 O professor e o tempo 76
4.3 O leitor e o espaço 79
Referências bibliográficas 81
Introdução 87
1 O papel educacional do ensino de Línguas Estrangeiras na escola
e a noção de cidadania 88
2 Inclusão/exclusão – global/local 93
3 Letramento 98
4 Orientações pedagógicas: desenvolvimento da comunicação
oral, da leitura e da prática escrita (segundo as teorias sobre
letramento) 109
5 Considerações finais 122
Referências bibliográficas 123
CONHECIMENTOS DE ESPANHOL
Introdução 127
1 O papel educativo do ensino de Línguas Estrangeiras na escola
e o caso específico do Espanhol 131
2 Algumas especificidades no ensino da Língua Espanhola a
estudantes brasileiros 134
2.1 O que fazer com a heterogeneidade do Espanhol? 134
2.1.1 Qual variedade ensinar? 136
2.1.2 Qual variedade os alunos devem aprender? 137
2.1.3 O que fazer quando a variedade presente no livro
didático é diferente da empregada pelo professor? 138
2.2 Algumas representações do Espanhol para os brasileiros 138
2.2.1 Sobre a proximidade/distância entre o Português
e o Espanhol 138
2.2.2 Sobre os efeitos da proximidade/distância nos
processos de aprendizagem. O papel da língua
materna na aprendizagem da língua estrangeira 140
2.2.3 Interferências, interlíngua, mesclas... ¿Qué hacemos
con el portuñol? 141
2.2.4 E a gramática? 143
3 Orientações pedagógicas para o ensino de Espanhol: sobre
teorias, metodologias, materiais didáticos e temas afins 145
3.1 Considerações gerais 145
3.2 Acerca dos objetivos e conteúdos a serem considerados
no ensino do Espanhol 149
3.2.1 Habilidades, competências, e meios para alcançá-las 151
3.3 Métodos e abordagens de ensino 153
3.4 Sobre os materiais didáticos 154
Referências bibliográficas 156
CONHECIMENTOS DE ARTE
Introdução 167
1 Revisão histórica (Como o ensino de Arte se inscreve no
contexto escolar?) 169
1.1 Pedagogia tradicional 170
1.2 Escola nova 171
1.3 Pedagogia crítica 173
1.4 Tecnicismo 174
1.5 Sistematizações conceituais e metodológicas 174
1.6 Diversidade e pluralidade cultural 177
1.7 Cotidiano e mídias 178
2 Arte, linguagem e aprendizagem significativa 179
3 Exigências didáticas nas diversas linguagens 183
3.1 Artes visuais 184
3.1.1 Código 184
3.1.2 Canal 185
3.1.3 Contexto 186
3.1.4 Atividade didática (1) 187
3.2 Teatro 189
3.2.1 Código 189
3.2.2 Canal 190
3.2.3 Contexto 191
3.2.4 Atividade didática (2) 191
3.3 Música 193
3.3.1 Código 193
3.3.2 Canal 194
3.3.3 Contexto 195
3.3.4 Atividade didática (3) 195
3.4 Dança 196
3.4.1 Código 196
3.4.2 Canal 198
3.4.3 Contexto 198
3.4.4 Atividade didática (4) 199
4 Proposições 201
4.1 Princípios e fundamentos 202
4.2 Diálogo com obras de arte e produtores culturais 203
4.3 Inclusão, diversidade e multiculturalidade 203
4.4 Políticas complementares 204
Referências bibliográficas 205
Introdução 213
1 Sobre o aspecto legal 214
2 Identidade: Educação Física como componente curricular 217
3 A escola como espaço sociocultural e da diversidade 219
4 Os sujeitos do Ensino Médio 220
5 O lugar da Educação Física nas escolas de Ensino Médio 223
6 Sobre os conteúdos 225
6.1 Acerca da tradição dos conteúdos da Educação Física escolar 226
6.2 Alguns temas para práticas corporais nas escolas de
Ensino Médio 228
7 Breve crítica à forma esportiva/competitiva como método e
princípio orientador das práticas pedagógicas 230
7.1 A produção de uma Educação Física a partir da escola 232
7.2 Ação pedagógica em face das influências externas à escola 235
8 Indicações de fontes de estudos e pesquisa para Educação
Física escolar 236
8.1 Sites 236
8.2 Grupos de estudos da Educação Física escolar nos estados 237
Referências bibliográficas 238
CONHECIMENTOS DE
LÍNGUA PORTUGUESA
Consultores
Jane Quintiliano Guimarães Silva
Juliana Alves Assis
Maria de Lourdes Meirelles Matencio
Leitores Críticos
Ângela Bustos Kleiman
Jacqueline Peixoto Barbosa
Luiz Antônio Marcuschi
Maria da Graça da Costa Val
Linguagens, Códigos e
Capítulo
suas Tecnologias
1 CONHECIMENTOS DE
LÍNGUA PORTUGUESA
INTRODUÇÃO
O sentido que produzimos para os textos que lemos é, de alguma forma, efeito do
foco que estabelecemos na/para a atividade de leitura, o que dirige e condiciona
nossos movimentos/gestos de leitor.
Por isso, na leitura deste texto, o professor deve ter em mente que a proposi-
ção de Orientações Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa para o ensino
médio é tarefa que se realiza por meio da discussão e da defesa de uma concepção
de ensino orientadora tanto da emergência de objetos de ensino/estudo quanto
das abordagens a serem adotadas nessa tarefa.
As orientações não devem ser tomadas como “receitas” ou “soluções” para os
problemas e os dilemas do ensino de Língua Portuguesa, e sim como referenciais
que, uma vez discutidas, compreendidas e (re)significadas no contexto da ação
docente, possam efetivamente orientar as abordagens a serem utilizadas nas prá-
ticas de ensino e de aprendizagem.
1
Esse momento foi marcado, dentre outras iniciativas das Secretarias Estaduais de Educação, pela produção de material
de referência para o professor, como é o caso dos Cadernos da Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas (CENP),
do Estado de São Paulo, que pretendiam subsidiar a proposta curricular do estado.
20 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
tores como classe social, espaço regional, faixa etária, gênero sexual. Tais fatores,
dizia-se, deveriam, ainda, ser considerados em relação às situações de uso da lín-
gua que determinam tanto o grau de formalidade e o registro utilizado quanto a
modalidade de uso, se falada ou escrita.
O que se defendia nesse momento, em síntese, era uma descoberta dos es-
tudos científicos, de cujos efeitos apenas recentemente a Lingüística se deu efe-
tivamente conta. Tratava-se, especificamente, de promover o debate sobre o fato
de que, se as línguas variam no espaço e mudam ao longo do tempo, então o
processo de ensino e de aprendizagem de uma língua – nos diferentes estágios da
escolarização – não pode furtar-se a considerar tal fenômeno. Ao mesmo tempo,
assumia-se que era necessário trazer à sala de aula textos que circulassem na so-
ciedade, não apenas os literários.
Não se pode dizer, entretanto, que tenha havido, nesse período, uma alte-
ração de fato significativa em termos de objetos de ensino, até porque, muitas
vezes, compreendeu-se que a defesa do respeito ao modo de usar a língua pelos
diferentes sujeitos e nas diferentes situações significava enfatizar o ensino de va-
riedades lingüísticas não padrão. Abrir a escola para reflexões dessa natureza era
considerado como ameaça ao conhecimento sobre a língua que até então impe-
rava nas salas de aula.
Em outras palavras, no debate que então se estabeleceu, tais questões não fo-
ram avaliadas por muitos em sua efetiva importância, a saber: a de que considerar
a variação e a mudança lingüísticas como fatos intrínsecos aos processos sociais
de uso da língua deveria contribuir para que a escola entendesse as dificuldades
dos alunos e pudesse atuar mais pontualmente para que eles viessem a compre-
ender quando e onde determinados usos têm ou não legitimidade e pudessem,
tendo alcançado essa consciência social e lingüística, atuar de forma também
mais consciente nas interações de que participassem, fossem elas vinculadas às
práticas orais ou às práticas escritas de interação. Pode-se complementar dizendo
que faltava uma certa convicção quanto à importância das questões relativas à
variação e à mudança lingüísticas, como efeito, inclusive, da abordagem estrutu-
ralista nos estudos lingüísticos, que ainda vigorava, valorizando excessivamente
o estudo da forma.
É certo, também, que não se pode dizer que o estágio em que se encontravam
os estudos acerca da língua e da linguagem, naquela época, apresentava susten-
tação teórica e metodológica que desse aos professores condições para, em sua
formação inicial e continuada, construírem os caminhos que apenas se anteviam.
Isso porque, se o texto estava na sala de aula, o conhecimento sobre seu funciona-
mento e, mais precisamente, sobre os usos da língua e da linguagem pelos quais
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 21
os textos se configuram eram ainda um dos grandes problemas dos estudos cien-
tíficos e das abordagens pedagógicas até então propostas.
Não se trata, aqui, como já dito, de detalhar as razões pelas quais os estudos
da Lingüística – de abordagem teórica ou aplicada – foram identificando a ne-
cessidade de rever e redimensionar seus objetos de estudo. Mas o fato é que o de-
senvolvimento do campo levou, posteriormente, mais especificamente nos anos
1980, a que se considerasse, grosso modo,
que a variação dos usos da língua – sendo
afeita a variações individuais dos produ- ... o texto passa a
tores e dos receptores bem como a varia- ser visto como uma
ções das situações de interação – só seria totalidade que só alcança
efetivamente compreendida (e isso pelos esse status por um
professores, pelos alunos e pelos próprios trabalho conjunto de
lingüistas) quando considerada na mate- construção de sentidos ...
rialidade do texto e em relação ao contexto
de produção de sentido, o que envolve tan-
to o contexto imediato em que se dá a interação quanto a esfera social de que ela
emerge. Dizendo de outra maneira, esse período foi marcado, junto à comunida-
de acadêmica, por um relativo consenso sobre o fato de que entender os usos da
língua significa considerar os recursos e os arranjos pelos quais se constrói um
texto, num dado contexto. Foi, então, que ganharam força os estudos acerca da
construção da configuração textual, particularmente sobre os mecanismos pelos
quais se manifesta a coesão dos textos bem como sobre os elementos que concor-
rem para a coerência textual.2
Isso produz uma mudança sensível de paradigma: o texto passa a ser visto
como uma totalidade que só alcança esse status por um trabalho conjunto de
construção de sentidos, no qual se engajam produtor e receptor. Ressalte-se, aliás,
que essa nova perspectiva passa a ser essencial para o amplo desenvolvimento dos
estudos dos gêneros discursivos no momento atual. Não se pode dizer, porém,
que houvesse, naquela ocasião, condições efetivas para que se compreendessem,
de forma plena, as variações encontradas no processo de produção e/ou recepção
dos textos em suas múltiplas dimensões:
(a) lingüística, vinculada, portanto, aos recursos lingüísticos em uso (fonológi-
cos, morfológicos, sintáticos e lexicais);
2
À difusão dos estudos desenvolvidos em disciplinas como a Sociolingüística, a Psicolingüística e a Lingüística Aplicada
seguiu-se a de outros domínios interdisciplinares da Lingüística, particularmente o da Lingüística Textual e o da Análise
do Discurso.
22 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
3
Está-se referindo aqui tanto à contribuição de estudos desenvolvidos por essa vertente no escopo da Lingüística, os quais
envolvem estudiosos como Hymes, e na Filosofia da Linguagem, como Bakhtin, na Etnometodologia e Sociologia, como
Goffman, na Psicologia, como Bronckart e na educação, como Schneuwly, quanto aos que se encontram no âmbito da
Psicologia do Desenvolvimento, como é o caso de Vygotsky e seus seguidores.
24 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Pode-se salientar que, desse ponto de vista, as atividades humanas são con-
sideradas, sempre, como mediadas simbolicamente. Além disso, tem-se que, se é
pelas atividades de linguagem que o homem se constitui sujeito, só por intermé-
dio delas é que tem condições de refletir sobre si mesmo. Pode-se ainda dizer que,
por meio das atividades de compreensão e produção de textos, o sujeito desen-
volve uma relação íntima com a leitura – escrita –, fala de si mesmo e do mundo
que o rodeia, o que viabiliza nova significação para seus processos subjetivos.
Um outro ponto essencial, nesse quadro, é o de que, sendo a linguagem uma
capacidade humana de simbolizar e de interagir e, por essa via, condição para que
se construam as realidades, não se pode dizer que entre os signos que constituem
os diferentes sistemas semióticos e o mundo haja de fato uma relação direta.
Assume-se, portanto, o pressuposto de que as relações entre mundo e linguagem
são convencionais, nascem das demandas das sociedades e de seus grupos sociais,
e das transformações pelas quais passam em razão de novos usos, que emergem
de novas demandas.
Daí se poder depreender um outro princípio, o de que os conhecimentos são
elaborados, sempre, por formas de linguagem, sendo fruto de ações intersubje-
tivas, geradas em atividades coletivas, pelas quais as ações dos sujeitos são regu-
ladas por outros sujeitos. Seguindo esse raciocínio, pode-se concluir, também,
que o processo de desenvolvimento do sujeito está imbricado em seu processo de
socialização. Dito de outro modo, é na interação em diferentes instituições so-
ciais (a família, o grupo de amigos, as comunidades de bairro, as igrejas, a escola,
o trabalho, as associações, etc.) que o sujeito aprende e apreende as formas de
funcionamento da língua e os modos de manifestação da linguagem; ao fazê-lo,
vai construindo seus conhecimentos relativos aos usos da língua e da linguagem
em diferentes situações. Também nessas instâncias sociais o sujeito constrói um
conjunto de representações sobre o que são os sistemas semióticos, o que são as
variações de uso da língua e da linguagem, bem como qual seu valor social.
Em síntese, por ser uma atividade de natureza ao mesmo tempo social e cog-
nitiva, pode-se dizer que toda e qualquer situação de interação é co-construída
entre os sujeitos. Pode-se ainda complementar dizendo que, como somos sujei-
tos cujas experiências se constroem num espaço social e num tempo histórico,
as nossas atividades de uso da língua e da linguagem, que assumem propósitos
distintos e, conseqüentemente, diferentes configurações, são sempre marcadas
pelo contexto social e histórico. Mas o fato de que tais atividades recebam seu
significado e seus sentidos singulares em relação aos contextos mais imediatos
em que ocorrem e ao contexto social e histórico mais amplo não elimina a nossa
condição para agir e transformar essa história, para ressignificá-la, enfim.
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 25
Do que foi dito até o momento, pode-se concluir que, desse ponto de vista,
a língua é uma das formas de manifestação da linguagem, é um entre os sistemas
semióticos4 construídos histórica e socialmente pelo homem. Assim, o homem,
em suas práticas orais e escritas de interação, recorre ao sistema lingüístico – com
suas regras fonológicas, morfológicas, sintáticas, semânticas e com seu léxico. Cabe
assinalar que, sendo, porém, uma atividade de construção de sentidos, a interação
– seja aquela que se dá pelas práticas da oralidade ou intermediada por textos es-
critos – envolve ações simbólicas (isto é, mediadas por signos), que não são exclu-
sivamente lingüísticas, já que há
um conjunto de conhecimentos
... a língua é uma das formas de que contribui para sua elabora-
manifestação da linguagem, é ção. Nesse conjunto de conhe-
um entre os sistemas semióticos cimentos, há tanto os relativos à
construídos histórica e própria língua como os referen-
socialmente pelo homem. tes a outros sistemas semióticos
envolvidos no texto, os quais –
decorrentes do desenvolvimento
das tecnologias, fruto de mudanças também sistêmicas nos grupos sociais – são
construídos e apropriados pelos sujeitos. Além desses, devem ser também conside-
rados os conhecimentos sobre as formas pelas quais se estabelecem relações entre
sujeitos sociais e, ainda, conhecimentos sobre os modos de conceber o mundo,
ligados aos grupos sociais dos quais participamos ou com os quais interagimos.
É por essa razão que não se pode dizer que o sentido de um texto já está dado
pelos recursos lingüísticos pelos quais esse texto é construído. Afinal, o sentido
atribuído às formas simbólicas está relacionado aos usos que os grupos fazem
dos sistemas nos quais elas se encontram; portanto é variável, assim como são
distintos os grupos sociais. Mas o sentido também está relacionado ao contexto
efetivo em que se dá a interação, à singularidade de seus participantes, às suas
demandas, a seus propósitos, aos papéis sociais nos quais eles se colocam, etc.
Em suma, pode-se dizer que o sentido é indeterminado, surge como efeito de um
trabalho realizado pelos sujeitos.
4
Vivemos em um mundo culturalmente organizado por múltiplos sistemas semióticos – linguagens verbal e não verbal
–, resultado de trabalho humano que foi sedimentado numa relação de convencionalidade. Além das línguas naturais
(português, francês, inglês, alemão, etc.), há outros tantos sistemas semióticos construídos pelos homens para responder
a demandas da sociedade. Para ilustrar, considerem-se os sistemas numéricos (romano, arábico, decimal, etc.); as notas
musicais; os mapas, com suas legendas; os sistemas de marcar tempo e temperatura – relógio, termômetro; a escrita
alfabética, a cirílica; os ideogramas (japonês e chinês); o braile; a libras; o código Morse; e, por fim, os sinais de trânsito.
Cada um desses sistemas organiza-se por uma combinação (interna) de regras, as quais conferem a cada um de seus
elementos (signo/símbolo) um valor/uma função. Entender como um sistema semiótico funciona é conhecer, a um só
tempo, a função que seus elementos desempenham e como eles se articulam entre si.
26 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Chegando à fazenda dos avós, para visitá-los, o neto se dirige ao avô, que
está na sala:
– Firme, vô?
– Não, fio, Sírvio Santos.
Vale ainda destacar que, nesse processo complexo que é a atividade de com-
preensão – atividade sociointerativa, que não se limita à decodificação e à iden-
tificação de conteúdos –, não se pode perder de vista que a contribuição dos
diferentes sistemas de conhecimento é simultânea e conjunta, embora se possa,
por uma opção metodológica, tomá-los um a um.
A visão aqui defendida supõe uma estreita e interdependente relação entre
formas lingüísticas, seus usos e funções, o que resulta de se admitir que a ativida-
de de compreensão e produção de textos envolve processos amplos e múltiplos,
os quais aglutinam conhecimentos de diferentes ordens, como já referido.
Sabemos que a escola tem a função de promover condições para que os alu-
nos reflitam sobre os conhecimentos construídos ao longo de seu processo de
socialização e possam agir sobre (e com) eles, transformando-os, continuamen-
te, nas suas ações, conforme as demandas trazidas pelos espaços sociais em que
atuam. Assim, se considerarmos que o papel da disciplina Língua Portuguesa é o
de possibilitar, por procedimentos sistemáticos, o desenvolvimento das ações de
produção de linguagem em diferentes situações de interação, abordagens inter-
disciplinares na prática da sala de aula são essenciais.
No bojo das reflexões aqui desenvolvidas, ressalte-se que a assunção de uma
postura interdisciplinar não é um movimento que se deva dar exclusivamente
no âmbito da disciplina Língua Portuguesa, mas deve, sim, refletir uma opção
metodológica orientadora do projeto político-pedagógico da escola. Nesse caso,
trata-se de um projeto que
aposta que a atividade de
conhecer/aprender um dado ... o papel da disciplina Língua
objeto se pode organizar sis- Portuguesa é o de possibilitar,
tematicamente a partir de por procedimentos sistemáticos,
uma lógica que propicie que o desenvolvimento das ações
o objeto em foco seja cons- de produção de linguagem em
truído/abordado por meio diferentes situações de interação ...
de diferentes lentes, isto é, a
partir de diferentes olhares
advindos do conjunto de disciplinas escolares que compõem o currículo ou de
diferentes recortes advindos de áreas de conhecimentos. A assunção de tal postu-
ra pode, certamente, propiciar que o aluno tenha uma visão/concepção do objeto
mais plástica, mais crítica, mais rica e, portanto, mais complexa. Suponhamos
que o objeto de ensino em questão sejam as narrativas do mundo cotidiano. Dada
a amplitude do tema, podem-se propor inúmeros recortes, definidos à luz do
propósito que se quer alcançar. Pode-se prever, por exemplo, uma série de estu-
28 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
dos que vão desde a descrição da estrutura organizacional das narrativas aos es-
paços em que elas emergem; estudos que pressupõem um trabalho de produção
de conhecimento, organizado por ações de leitura, escrita, escuta e socialização
de saberes (informação), a ser orientado e avaliado contínua e permanentemente
pelo(s) professor(es). Sob uma orientação interdisciplinar, podem-se eleger estu-
dos sobre as narrativas do domínio literário; as narrativas dos grandes feitos his-
tóricos (locais, regionais, nacionais); as narrativas do universo oral (da cultura
popular); as narrativas do mundo midiático (imprensa, TV e rádio); as narrativas
do universo mítico; as narrativas do mundo bíblico.
Nesse contexto, a ênfase que tem sido dada ao trabalho com as múltiplas lin-
guagens e com os gêneros discursivos merece ser compreendida como uma ten-
tativa de não fragmentar, no processo de
formação do aluno, as diferentes dimen-
sões implicadas na produção de sentidos. ... as práticas de
Essa escolha também reflete um compro- linguagem a serem
misso da disciplina, orientado pelo proje- tomadas no espaço da
to educativo em andamento: o de possibi- escola não se restringem
litar letramentos múltiplos. à palavra escrita nem
A lógica de uma proposta de ensino se filiam apenas aos
e de aprendizagem que busque promover padrões socioculturais
letramentos múltiplos pressupõe conceber hegemônicos.
a leitura e a escrita como ferramentas de
empoderamento e inclusão social. Some-
se a isso que as práticas de linguagem a serem tomadas no espaço da escola não
se restringem à palavra escrita nem se filiam apenas aos padrões socioculturais
hegemônicos. Isso significa que o professor deve procurar, também, resgatar do
contexto das comunidades em que a escola está inserida as práticas de linguagem
e os respectivos textos que melhor representam sua realidade.
Dando seqüência a esse raciocínio, defende-se que a abordagem do letra-
mento deve, portanto, considerar as práticas de linguagem que envolvem a pala-
vra escrita e/ou diferentes sistemas semióticos – seja em contextos escolares seja
em contextos não escolares –, prevendo, assim, diferentes níveis e tipos de habi-
lidades, bem como diferentes formas de interação e, conseqüentemente, pressu-
pondo as implicações ideológicas daí decorrentes.
Trata-se, assim, não apenas de considerar as trajetórias dos alunos, vinculadas
às práticas dos grupos sociais dos quais participam, como também de possibilitar
sua inserção efetiva em novas esferas sociais, segundo seus anseios como profis-
sionais e cidadãos. Trata-se, noutros termos, de possibilitar que os alunos pos-
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 29
sam, efetivamente, assumir uma postura reflexiva que lhes permita tomar consci-
ência de sua condição e da condição de sua comunidade em relação ao universo
das práticas letradas de nossa sociedade para poder atuar nelas de forma ativa,
como protagonistas na ação coletiva. Nesse quadro, importa salientar que tomar
consciência significa, de um lado, saber identificar como e por que determinadas
práticas de linguagem e, portanto, determinados usos da língua e de diferentes
linguagens são, historicamente, legitimados e, de outro, poder transitar em meio
a tais usos e práticas segundo demandas específicas que se possam ter.
Dito ainda de outro modo, a abordagem proposta considera que, se as reali-
dades sociais são produzidas e construídas nas diversas interações sociais, então,
as práticas de ensino e de aprendizagem
da língua materna devem levar em conta,
sempre, as configurações singulares que os ... a escola que se
diferentes sistemas semióticos adquirem pretende efetivamente
nos eventos de interação nos quais emer- inclusiva e aberta à
gem, numa visão integradora, que procure diversidade não pode
entender o que os sujeitos fazem quando ater-se ao letramento ...
selecionam, estrategicamente, determina-
dos recursos, dentre os disponíveis numa
dada linguagem ou na língua. Ao se assumir tal abordagem, conseqüentemente
também se assume que a reflexão a ser empreendida não pode limitar-se à sele-
ção de recursos, pois é preciso buscar entender, também, por que os sujeitos fa-
zem determinadas escolhas e, mais do que isso, os múltiplos efeitos que se podem
produzir a partir de tais escolhas.
O que se defende, portanto, é a absoluta necessidade de se avocar e levar
adiante o desafio de criar condições para que os alunos construam sua autono-
mia nas sociedades contemporâneas – tecnologicamente complexas e globaliza-
das – sem que, para isso, é claro, se vejam apartados da cultura e das demandas
de suas comunidades. Isso significa dizer que a escola que se pretende efetiva-
mente inclusiva e aberta à diversidade não pode ater-se ao letramento da letra,
mas deve, isso sim, abrir-se para os múltiplos letramentos, que, envolvendo uma
enorme variação de mídias, constroem-se de forma multissemiótica e híbrida
– por exemplo, nos hipertextos na imprensa ou na internet, por vídeos e filmes,
etc. Reitera-se que essa postura é condição para confrontar o aluno com práticas
de linguagem que o levem a formar-se para o mundo do trabalho e para a cida-
dania com respeito pelas diferenças no modo de agir e de fazer sentido.
Deve-se ressaltar que a noção de prática de linguagem aqui adotada compre-
ende o processo de inserção dos sujeitos nas práticas sociais, que têm a linguagem
30 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
como mediadora das ações, tendo em vista os propósitos em jogo. Isso significa
que as práticas de linguagem só podem ser pensadas em termos dos espaços so-
ciais (públicos ou privados) em que se configuram, a partir das finalidades que as
motivam e dos lugares sociais nelas instaurados.
Como se pode concluir do que foi dito até o momento, essa concepção de
língua(gem) traz para a escola e seus atores outros compromissos com relação
ao que comumente se entende por aprendizagem da língua ou, para muitos, por
domínio da língua. Por meio dela, assume-se que o aprendizado da língua impli-
ca a apreensão de práticas de linguagem, modos de usos da língua construídos e
somente compreendidos nas interações, o que explica a estreita relação entre os
participantes de uma dada interação, os objetivos comunicativos que co-cons-
troem e as escolhas lingüísticas a que procedem. Em outras palavras, a assunção
desse ponto de vista determina que o trabalho com a língua(gem) na escola in-
vista na reflexão sobre os vários conjuntos de normas – gramaticais e socioprag-
máticas – sem os quais é impossível atuar, de forma bem-sucedida, nas práticas
sociais de uso da língua de nossa sociedade.
Levado a efeito esse raciocínio, cria-se um terreno de trabalho com a língua
no qual não cabem atitudes e avaliações que a concebam como algo completa-
mente exterior ao sujeito que a usa, com uma configuração formal estável e fe-
chada, e apartada dele ou de quaisquer outros fatores de ordem sócio-histórica.
Ao contrário, espera-se que o estudante, ao compreender determinadas nor-
mas gerais do funcionamento da língua(gem), seja capaz de se ver incluído nos
processos de produção e compreensão textual que implementa na escola ou fora
dela, exatamente porque por meio deles se vai constituindo como ser de ação
social.
Com o objetivo de ilustrar esse ponto, vejamos um outro exemplo, uma
manchete divulgada em jornal de circulação nacional:
EXEMPLO 2
prevê, portanto, é que o aluno tome a língua escrita e oral, bem como ou-
tros sistemas semióticos, como objeto de ensino/estudo/aprendizagem, numa
abordagem que envolva ora ações metalingüísticas (de descrição e reflexão
sistemática sobre aspectos lingüísticos), ora ações epilingüísticas (de reflexão
sobre o uso de um dado recurso lingüístico, no processo mesmo de enunciação
e no interior da prática em que ele se dá), conforme o propósito e a natureza da
investigação empreendida pelo aluno e dos saberes a serem construídos.
conhecimentos que resulte de uma atividade de busca por parte do próprio alu-
no, fundada em situações de aprendizagem significativas, a partir das indicações
e das orientações fornecidas pelo professor. Em suma, tomar a ação de ensinar
como uma ação política reporta à idéia de que o conhecimento é o produto de
um trabalho social e sua construção é fruto de investigação e (re)elaboração com
a cooperação dos outros.
Dessa forma, o que se propõe é que, na delimitação dos conteúdos, as escolas
procurem organizar suas práticas de ensino por meio de agrupamentos de textos,
segundo recortes variados, em razão das demandas locais, fundamentando-se no
princípio de que o objeto de ensino privilegiado são os processos de produção
de sentido para os textos, como materialidade de gêneros discursivos, à luz das
diferentes dimensões pelas quais eles se constituem.
Para ilustrar, pode-se pensar na proposição de seqüências didáticas que en-
volvam agrupamentos de textos, baseados em recortes relativos a: temas neles
abordados; mídias e suportes em que circulam; domínios ou esferas de ativida-
des de que emergem; seu espaço e/ou tempo de produção; tipos ou seqüências
textuais que os configuram; gêneros discursivos que neles se encontram em jogo
e funções sociocomunicativas desses gêneros; práticas de linguagem em que se
encontram e comunidades que os produzem.
Tais agrupamentos devem recobrir, ao longo do percurso da formação ofe-
recida no ensino médio e à luz dos projetos político-pedagógicos das escolas: (a)
o grau de complexidade na configuração, no funcionamento e/ou na circulação
social dos textos e (b) o grau de complexidade na abordagem do(s) recorte(s) de
conteúdos de ensino e de aprendizagem, considerando-se os possíveis cruzamen-
tos e as inter-relações entre os aspectos a serem estudados.
Na acepção em foco, é pertinente conferir à noção de conteúdo programáti-
co um sentido ligado diretamente à idéia de que os conteúdos da área de Língua
Portuguesa podem figurar como elementos organizadores de eixos temáticos em
torno dos quais serão definidos, pela escola, os projetos de intervenção didática
que tomarão como objeto de ensino e de aprendizagem tanto as questões relati-
vas aos usos da língua e suas formas de atualização nos eventos de interação (os
gêneros do discurso) como as questões relativas ao trabalho de análise lingüística
(os elementos formais da língua) e à análise do funcionamento sociopragmático
dos textos (tanto os produzidos pelo aluno como os utilizados em situação de
leitura ou práticas afins).
A defesa dessa abordagem implica uma condução metodológica tanto para a
realização do trabalho pedagógico como para a proposição de conteúdos – obje-
tos de conhecimento (de ensino e de aprendizagem) – que não pode neutralizar
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA PORTUGUESA 37
QUADRO 1
EIXOS ORGANIZADORES DAS ATIVIDADES DE LÍNGUA PORTUGUESA NO
ENSINO MÉDIO – PRÁTICAS DE LINGUAGEM
• Atividades de produção escrita e de leitura de textos gerados nas diferentes esferas de atividades
sociais – públicas e privadas
Por meio desse tipo de expediente, pode-se não só contribuir para a construção e
a ampliação de conhecimentos dos alunos sobre como agir nessas praticas, como
também promover um ambiente profícuo à discussão e à superação de preconcei-
tos lingüísticos e, sobretudo, à investigação sobre as relações entre os gêneros da
oralidade e da escrita, sobre a variação lingüística, sobre níveis de formalidade no
uso da língua, por exemplo.
• Atividades de escuta de textos (palestras, debates, seminários, etc.) em situação de leitura em voz alta
• Atividades de retextualização: produção escrita de textos a partir de outros textos, orais ou escri-
tos, tomados como base ou fonte
• Atividades de reflexão sobre textos, orais e escritos, produzidos pelo próprio aluno ou não
QUADRO 2
EIXOS ORGANIZADORES DAS ATIVIDADES DE LÍNGUA PORTUGUESA NO
ENSINO MÉDIO – ANÁLISE DOS FATORES DE VARIABILIDADE DAS (E NAS)
PRÁTICAS DE LÍNGUA(GEM)
Estratégias textualizadoras:
Mecanismos enunciativos
Intertextualidade
• Estudo de diferentes relações intertextuais (por exemplo, entre textos que mante-
nham configuração formal similar, que circulem num mesmo domínio ou em do-
mínios diferentes, que assumam um mesmo ponto de vista no tratamento do tema
ou não).
Ações de escrita:
• ortografia e acentuação;
• construção e reformulação (substituição, deslocamento, apagamento e acréscimo)
de segmentos textuais de diferentes extensões e naturezas (orações, períodos, pa-
rágrafos, seqüências ou tipos textuais);
• função e uso da topografia do texto (envolvendo a disposição do texto na página,
sua paragrafação, sua subdivisão em seqüências, a eventual divisão em colunas, os
marcadores de enumeração, etc.) e de elementos tipográficos essenciais à produção
de sentidos (o que diz respeito à pontuação, com especial atenção para o uso de
aspas, parênteses e travessões).
EXEMPLO 3
EXEMPLO 4
ANÚNCIOS: “Se sua sogra é uma jóia... temos o melhor estojo (Funerária
Sousa)”; “Vndo máquina d scrvr com falta d uma tcla”; “Dãoce aulas de
hortografya”.
EXEMPLO 5
Existem países onde a coisa mais natural do mundo é ter de mostrar do-
cumento a toda a hora para provar que se é cidadão – entre eles o Brasil. E
existe no mundo um país onde a coisa mais natural é a cidadania. Chama-se
Inglaterra. Exemplo concreto dessa cidadania veio na quarta-feira 3, quando
os ingleses se manifestaram publicamente contra a proposta de seu minis-
tro do Interior, David Blunkett, de reintroduzir no país a cédula de identi-
dade (abolida há mais de meio século). Os jornais britânicos chamaram o
primeiro-ministro Tony Blair simplesmente de autoritário – por aqui nos
sentimos ingenuamente protegidos quando nos pedem o RG e nos fazem
pôr as mãos na capota do carro, e quando não é a polícia que faz isso são,
agora, os marginais disfarçados com coletes de policial. O analista político
do jornal The Guardian, Derek Brown, fez uma incômoda pergunta: “E os
milhares de aposentados e pensionistas na porta dos hospitais também terão
de mostrar suas cédulas de identidade? Roger Bingham, dirigente de um dos
mais atuantes grupos de direitos humanos do mundo, o Liberty, foi taxativo:
“A exigência da cédula de identidade mostra que o governo não confia em
seu cidadão”.
Istoé, julho de 2002
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Leitores Críticos
Lígia Chiappini Moraes Leite
Haquira Osakabe
Linguagens, Códigos e
Capítulo
suas Tecnologias
2 CONHECIMENTOS
DE LITERATURA
INTRODUÇÃO
As orientações que se seguem têm sua justificativa no fato de que os PCN do en-
sino médio, ao incorporarem no estudo da linguagem os conteúdos de Literatu-
ra, passaram ao largo dos debates que o ensino de tal disciplina vem suscitando,
além de negar a ela a autonomia e a especificidade que lhe são devidas.
Ao ler este texto, muitos educadores poderão perguntar onde está a literatura, a
gramática, a produção do texto escrito, as normas. Os conteúdos tradicionais fo-
ram incorporados por uma perspectiva maior, que é a linguagem, entendida como
espaço dialógico, em que os locutores se comunicam. (PCN, 2002, p. 144).
E nisso reside sua função maior no quadro do ensino médio: pensada (a lite-
ratura) dessa forma, ela pode ser um grande agenciador do amadurecimento
sensível do aluno, proporcionando-lhe um convívio com um domínio cuja prin-
cipal característica é o exercício da liberdade. Daí, favorecer-lhe o desenvolvi-
mento de um comportamento mais crítico e menos preconceituoso diante do
mundo. (OSAKABE, 2004).
cia que parece ter sido colocada em questão), assim como atualizar as discussões
que têm sido travadas desde os últimos PCN.
Com uma visão orientada pela práxis utilitária, a mãe detecta a diferença
entre a arte e “a luta de todo dia”, isto é, o trabalho compreendido em seu signifi-
cado de origem [segundo a etimologia, “trabalho” vem do latim “tre palium”, um
instrumento de tortura feito com “três paus”, que se empregava com os escravos
(na Antigüidade eram os que trabalhavam): daí a identificação de trabalho com
tortura]. Enquanto a arte “é um que-fazer que inventa umas alegriazinhas”, o
trabalho é visto como dor. Jauss assinala o uso antigo dessa oposição:
[...] por um lado, prazer e trabalho formam, de fato, uma velha oposição, atri-
buída desde a Antigüidade ao conceito de experiência estética. À medida que
o prazer estético se libera da obrigação prática do trabalho e das necessidades
naturais do cotidiano, funda uma função social que sempre caracterizou a expe-
riência estética. Por outro lado, a experiência estética não era, desde o princípio,
oposta ao conhecimento e à ação (JAUSS, 2002, p. 95).
deixando claro que, se o Inciso I diz respeito ao ensino médio como preparató-
rio para o ensino superior e o II refere-se a ele como terminalidade, o Inciso III,
por sua vez, engloba os dois anteriores, ou seja, a escola deverá ter como meta
o desenvolvimento do humanismo, da autonomia intelectual e do pensamento
crítico, não importando se o educando continuará os estudos ou ingressará no
mundo do trabalho.
O ensino de Literatura (e das outras artes) visa, sobretudo, ao cumprimento
do Inciso III dos objetivos estabelecidos para o ensino médio pela referida lei.
54 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem aque-
les traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição
do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a
capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percep-
ção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A literatu-
ra desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna
mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante
(CÂNDIDO, 1995, p. 249).
À medida que o analfabetismo vai sendo superado, que um número cada vez
maior de pessoas aprende a ler e a escrever, e à medida que, concomitantemente,
a sociedade vai se tornando cada vez mais centrada na escrita (cada vez mais
grafocêntrica), um novo fenômeno se evidencia: não basta apenas aprender a ler
e a escrever. As pessoas se alfabetizam, mas não necessariamente incorporam a
prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquirem competência para
usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociais da escrita: não
lêem livros, jornais, revistas, não sabem redigir um ofício, um requerimento, uma
declaração, não sabem preencher um formulário... (SOARES, 2004, p. 45-46).
sabe ler e escrever, mas cultiva e exerce as práticas sociais que usam a escrita”
(SOARES, 2004, p. 47). Por extensão, podemos pensar em letramento literá-
rio como estado ou condição de quem não apenas é capaz de ler poesia ou
drama, mas dele se apropria efetivamente por meio da experiência estética,
fruindo-o.
Contrariamente ao que ocorreu com a alfabetização, que se vem ampliando
cada vez mais, a leitura de Literatura tem-se tornado cada vez mais rarefeita no
âmbito escolar, como bem observou Regina Zilberman (2003, p. 258), seja porque
diluída em meio aos vários tipos de discurso ou de textos, seja porque tem sido
substituída por resumos, compilações, etc. Por isso, faz-se necessário e urgente
o letramento literário: empreender esforços no sentido de dotar o educando da
capacidade de se apropriar da literatura, tendo dela a experiência literária.
Estamos entendendo por
experiência literária o contato
... faz-se necessário e urgente o
efetivo com o texto. Só assim
letramento literário: empreender
será possível experimentar a
esforços no sentido de dotar o
sensação de estranhamento
educando da capacidade de se
que a elaboração peculiar do
apropriar da literatura ...
texto literário, pelo uso inco-
mum de linguagem, consegue
produzir no leitor, o qual, por sua vez, estimulado, contribui com sua própria
visão de mundo para a fruição estética. A experiência construída a partir dessa
troca de significados possibilita, pois, a ampliação de horizontes, o questiona-
mento do já dado, o encontro da sensibilidade, a reflexão, enfim, um tipo de
conhecimento diferente do científico, já que objetivamente não pode ser medido.
O prazer estético é, então, compreendido aqui como conhecimento, participação,
fruição. Desse modo, explica-se a razão do prazer estético mesmo diante de um
texto que nos cause profunda tristeza ou horror: “Arte é um que-fazer que inven-
ta uma alegriazinha” , diria a Mãe.
Se a literatura é arte em palavras, nem tudo que é escrito pode ser considera-
do literatura, como já dissemos. Essa questão, entretanto, não é tão simples assim,
visto que a linha que divide os campos do literário e do não literário é bastante
tênue, confundindo-se muitas vezes.
Houve diversas tentativas de estabelecimento das marcas da literariedade de um
texto, principalmente pelos formalistas e depois pelos estruturalistas, mas essas não
lograram muito sucesso, dada a diversidade de discursos envolvidos no texto literário.
Mais recentemente, deslocou-se o foco do texto para o leitor (visto esse como co-pro-
dutor do texto) e para a intertextualidade, colocando-se em questão a autonomia e a
56 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Qual seria então o lugar do rap, da literatura de cordel, das letras de músicas
e de tantos outros tipos de produção, em prosa ou verso, no ensino da literatura?
Sem dúvida, muitos deles têm importância das mais acentuadas, seja por trans-
gredir, por denunciar, enfim, por serem significativos dentro de determinado
1
“Dois escritores podem representar (expressar) o mesmo momento histórico-social, mas um pode ser artista e o outro
simples borra-botas. Esgotar a questão limitando-se a descrever o que ambos representam ou expressam socialmente, isto
é, resumindo, mais ou menos bem, as características de um determinado momento histórico-social, significa nem sequer
aflorar o problema artístico. Tudo isso pode ser útil e necessário (aliás, certamente o é), mas num outro campo: no campo
da crítica política, da crítica de costumes, na luta para destruir e superar determinadas correntes de sentimentos e crenças,
determinadas atitudes diante da vida e do mundo; não é crítica e história da arte e não pode ser apresentada como tal, sob
pena de confusão e de paralisação ou estagnação dos conceitos científicos, isto é, precisamente da não-obtenção das fina-
lidades inerentes à luta cultural.” (GRAMSCI, A.ntonio. Cadernos do cárcere, v. 6. Trad. e org. de Carlos Nelson Coutinho,
Marco Aurélio Nogueira e Luís Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 64-65).
CONHECIMENTOS DE LITERATURA 57
contexto, mas isso ainda é insuficiente se eles não tiverem suporte em si mesmos,
ou seja, se não revelarem qualidade estética. Gramsci, em 1934, já estabelecera
uma diferença entre valor cultural e valor estético.1 Muitas obras de grande va-
lor cultural têm escasso valor estético, até mesmo porque não se propuseram a
isso: é o caso, por exemplo, dos escritos de José do Patrocínio; outros, mesmo
produzidos por artistas não letrados, mas que dominam o fazer literário − ainda
que quase instintivamente −, certamente deverão ser considerados no universo
literário: Patativa do Assaré, por exemplo, e tantos outros encontrados no nosso
rico cancioneiro popular.
Qualquer texto escrito, seja ele popular ou erudito, seja expressão de grupos
majoritários ou de minorias, contenha denúncias ou reafirme o status quo, deve
passar pelo mesmo crivo que se utiliza para os escritos canônicos: Há ou não
intencionalidade artística? A realização correspondeu à intenção? Quais os re-
cursos utilizados para tal? Qual seu significado histórico-social? Proporciona ele
o estranhamento, o prazer estético?
Sabemos que em literatura uma mensagem ética, política, religiosa ou mais ge-
ralmente social só tem eficiência quando for reduzida a estrutura literária, a
forma ordenadora. Tais mensagens são válidas como quaisquer outras, e não
podem ser proscritas; mas a sua validade depende da forma que lhes dá existên-
cia como um certo tipo de objeto. (CÂNDIDO, 1995, p. 250).
Mas não nos iludamos: sempre haverá, em alguns casos, uma boa margem
de dúvida nos julgamentos, dúvida muitas vezes proveniente dos próprios cri-
térios de aferição, que são mutáveis, por serem históricos. Mesmo apresentando
dificuldades em casos limítrofes, entretanto, na maioria das vezes é possível dis-
cernir entre um texto literário e um texto de consumo, dada a recorrência, no
último caso, de clichês, de estereótipos, do senso comum, sem trazer qualquer
novo aporte.
A postura dos PCN 2002 gerou alguns problemas que merecem ser dis-
cutidos:
2
No texto dos PCN, relata-se uma situação de sala de aula em que, dados diversos tipos de textos, os alunos foram insta-
dos a responder o que era e o que não era literatura. Uma das respostas mereceu destaque: ““Drummond é literato, por-
que vocês afirmam que é, eu não concordo. Acho ele um chato. Por que Zé Ramalho não é literatura? Ambos são poetas,
não é verdade?” Segue-se o comentário avalizador das opiniões do aluno: “Quando deixamos o aluno falar, a surpresa é
grande, as respostas, quase sempre surpreendentes. Assim pode ser caracterizado, em geral, o ensino da Língua Portugue-
sa no ensino médio: aula de expressão em que os alunos não podem se expressar”. (PCN, 2002, p. 138).
58 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Os produtos culturais das diversas áreas (literatura, artes plásticas, música, dan-
ça, etc.) mantêm intensa relação com seu tempo. O aluno deve saber, portanto,
identificar obras com determinados períodos, percebendo-as como típicas de seu
tempo ou antecipatórias de novas tendências. Para isso, é preciso exercitar o
reconhecimento de elementos que identificam e singularizam tais obras, vários
deles relacionados a conceitos já destacados anteriormente. (PCN+, 2002, p. 65
– grifo nosso).
Podem propiciar aos alunos momentos voluntários para que leiam coletivamen-
te uma obra literária, assistam a um filme, leiam poemas de sua autoria – de
preferência fora do ambiente de sala de aula: no pátio, na sala de vídeo, na bi-
blioteca, no parque (PCN+, 2002, p. 67).
ção dos significados desse mesmo texto. Quanto mais profundamente o recep-
tor se apropriar do texto e a ele se entregar, mais rica será a experiência estética,
isto é, quanto mais letrado literariamente o leitor, mais crítico, autônomo e
humanizado será.
Não só o conceito de fruição, mas também o modo de fruir um texto lite-
rário, tal como aparece nos PCN+, merece ponderações. Se consideramos que
o texto literário é por excelência polissêmico, permitindo sempre mais de uma
interpretação, e se admitimos que cada
leitor reage diferentemente em face de um
mesmo texto, pensamos que o passo ini- ... a Literatura como
cial de uma leitura literária seja a leitura conteúdo curricular
individual, silenciosa, concentrada e refle- ganha contornos
xiva. Esse momento solitário de contato distintos conforme o
quase corporal entre o leitor e a obra é im- nível de escolaridade dos
prescindível, porque a sensibilidade é a via leitores em formação.
mais eficaz de aproximação do texto. Me-
diante o isolamento e o silêncio, a leitura
individual proporciona ao aluno a experiência literária de um texto que pode
atingir sua subjetividade de maneira inusitada e certamente diferente da maneira
como atinge a subjetividade do colega. Como espaço preferencial de manifes-
tação das diferenças, a escola, “da sala de aula ao recreio, pode proporcionar o
espaço-tempo da releitura da própria leitura pelo confronto com a leitura alheia,
pode potencializar o individual pelo coletivo e vice-versa nas conversas e debates
da leitura de cada aluno ou aluna” (CHIAPPINI, 2005, p. 1). Entendemos, pois,
que a atividade coletiva da leitura literária dá-se num segundo momento, sendo
indispensável passar pela leitura individual.
3
São raras as publicações culturais, impressas ou eletrônicas, que se dirigem especificamente ao público jovem ou adoles-
cente. Geralmente textos críticos dessa natureza são escritos para os mediadores culturais e não para o público jovem.
62 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
4
Graça Paulino aborda a disparidade geográfica de circulação de livros de literatura que se restringem “às alamedas da
cidade, evitando perigosas vielas sem recursos”, importante questão, segundo a autora, a ser recuperada pelos estudos que
tratam da democratização do letramento literário (PAULINO, Graça. Letramento literário: por vielas e alamedas. Revista
da Faced, n.º 5., Salvador, Faced/ UFBA, 2001, p. 124).
CONHECIMENTOS DE LITERATURA 63
c) substituição dos textos originais por simulacros, tais como paráfrases ou resu-
mos (OSAKABE; FREDERICO, 2004, p. 62-63).
5
O Programa Nacional do Livro do Ensino Médio. (PNLEM), implementado como programa piloto a partir de 2005,
terá, com certeza, um impacto decisivo no redimensionamento dos objetivos do ensino da Literatura nessa fase da escola-
ridade, o que já se observa como resultado da política de avaliação do PNLD (Programa Nacional do Livro Didático, que
tem por objetivo a distribuição de livros didáticos para alunos do ensino fundamental, e por isso desenvolve, desde 1996,
um processo de avaliação pedagógica que assegure a qualidade dos livros).
CONHECIMENTOS DE LITERATURA 65
3 A LEITURA LITERÁRIA
6
Egon de Oliveira Rangel mostra como IÍtalo Calvino traz essa reflexão sobre o leitor e a leitura para sua narrativa ficcio-
nal no conto “A aventura de um leitor. Letramento literário e livro didático de língua portuguesa: os amores difíceis”. In:
PAIVA, A.; MARTINS, A.; PAULINO, G.; VERSIANI, Z. (Org.). Literatura e letramento: espaços, suportes e interfaces. O
jogo do livro. Belo Horizonte: Autêntica/Cceale/FaE/UFMG, 2003.
7
Leyla Perrone-Moisés fala sobre a multiplicação dos significados das obras literárias ocorrida a partir do fim do século
passado, provocada pelo estilhaçamento temático e pela mistura de discursos, afirmando que as obras, a partir daí, “per-
mitem e até mesmo solicitam uma leitura múltipla” (PERRONE-MOISÉS, Leyla. Crítica e intertextualidade. Texto, crítica
e escritura. São Paulo: Ática,1993,. p. 58.
66 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
a atenção para a dimensão dialógica do texto, apontou para sua pluralidade dis-
cursiva, que ultrapassa os limites da estrutura interna da obra, estendendo-se à
leitura. A palavra plural, disseminadora de sentidos, requer uma leitura também
ela múltipla,7 não mais regulada pela busca do significado único ou pela verda-
de interpretativa, mas atenta às relações e às
diferentes vozes que se cruzam nos textos
literários.8 ... a leitura do texto
Nas discussões sobre o caráter plural da literário possibilita
leitura, uma pergunta deve ser feita: a leitu- a irrefreável
ra do texto literário possibilita a irrefreável disseminação de
disseminação de sentidos, tantos quantos sentidos, tantos
forem os leitores que o fertilizem com seu quantos forem os
olhar? Umberto Eco, em seu famoso livro leitores ...?
Obra aberta, coloca definitivamente em
cena a relação fruitiva dos receptores quando
ainda eram as obras estudadas como um cristal, como estruturas fechadas em
suas relações internas. Eco, motivado pela polêmica gerada pelo seu conceito de
obra aberta, questiona: “[...] é possível fazer tão decididamente a abstração de
nossa situação de intérpretes, situados historicamente, para ver a obra como um
cristal?” (ECO, 1969, p. 29). Questão fundamental para que hoje possamos per-
ceber quem eram os interlocutores de Umberto Eco quando o teórico se viu im-
pelido a reformular conceitos que dessem conta de acompanhar as novas formas
de arte dele contemporâneas, tendo como eixo a relação obra–leitor.
Vinte anos depois de escrito o primeiro ensaio que resultaria em Obra aberta
(1969), Umberto Eco, em Lector in fabula (1986), dialoga com seu livro que pri-
meiro colocou a questão da “abertura” da obra de arte, tentando mostrar como
a solicitação da cooperação do leitor já era estratégia do texto colocada pelo au-
tor. Posteriormente, em Interpretação e superinterpretação (1993), o autor retoma
mais uma vez, na tentativa de desfazer equívocos, seu conceito de obra aberta:
Em 1962, escrevi minha Opera aperta. Nesse livro eu defendia o papel ativo
do intérprete na leitura de textos dotados de valor estético. Quando aquelas
páginas foram escritas, meus leitores focalizaram principalmente o lado aberto
de toda a questão, subestimando o fato de que a leitura aberta que eu defendia
era uma atividade provocada por uma obra (e visando sua interpretação). Em
8
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1981.
CONHECIMENTOS DE LITERATURA 67
gem cotidiana. O desafio será levar o jovem à leitura de obras diferentes desse
padrão − sejam obras da tradição literária, sejam obras recentes, que tenham
sido legitimadas como obras de reconhecido valor estético −, capazes de propi-
ciar uma fruição mais apurada, mediante a qual terá acesso a uma outra forma
de conhecimento de si e do mundo. E é bom lembrar que nem sempre a leitura
literária, como experiência estética, flui de modo espontâneo. Há pontos de re-
sistência no aluno-leitor (seu repertório, os lugares-comuns em que se assenta
sua experiência de leitor), como há tensões de difícil desvendamento em certos
textos, especialmente o poético.
A prática escolar em relação à leitura literária tem sido a de desconsiderar
a leitura propriamente e privilegiar atividades de metaleitura, ou seja, a de es-
tudo do texto (ainda que sua leitura não tenha ocorrido), aspectos da história
literária, características de estilo, etc., deixando em segundo plano a leitura do
texto literário, substituindo-o por simulacros,9 como já foi dito, ou simplesmente
ignorando-o.
Atividades de metaleitura são necessárias na escola, mas devem ser vistas
com muito cuidado, ou melhor, de-
vem responder aos objetivos previstos
no trabalho escolar – “para quê?” é a Atividades de metaleitura
pergunta a ser sempre feita. Em geral, são necessárias na escola,
os professores pensam com elas moti- mas devem ser vistas com
var o aluno à leitura. Mas serão de fato muito cuidado ...
adequadas para alcançar tal objetivo?
Ao fim e ao cabo, tais atividades não
consistem em fazer com que os jovens leiam, mas em fazê-los refletir sobre os di-
versos aspectos da escrita: organização da língua, história literária dos textos, es-
trutura dos textos literários, etc. Todavia, quando os jovens não são ainda leitores
(na nossa escola, é essa a situação da maior parte dos alunos), é difícil fazê-los se
interessarem por atividades de metaleitura, além do que, se não leram os textos,
o trabalho apresenta-se inteiramente inútil, resultando em desinteresse não só
pelas atividades como pela própria leitura do texto, a qual lhes parecerá apenas
um pretexto para realizar exercícios enfadonhos.
Parece, portanto, necessário motivá-los à leitura desses livros com atividades
que tenham para os jovens uma finalidade imediata e não necessariamente esco-
lar (por exemplo, que o aluno se reconheça como leitor, ou que veja nisso prazer,
9
Resumo em publicações dirigidas para vestibulandos, paráfrases do professor, filmes baseados nas obras, adaptações de
obras − todas essas modalidades, que também têm sua importância e às quais se pode sempre recorrer, dependendo dos
objetivos visados, não substituem jamais a experiência de leitura da obra original.
CONHECIMENTOS DE LITERATURA 71
que encontre espaço para compartilhar suas impressões de leitura com os colegas
e com os professores) e que tornem necessárias as práticas da leitura. Tais ativida-
des evitariam que o jovem lesse unicamente porque a escola pede – o que é com
freqüência visto como uma obrigação. Ele lerá então porque se sentirá motivado
a fazer algo que deseja e, ao mesmo tempo, começará a construir um saber sobre
o próprio gênero, a levantar hipóteses de leitura, a perceber a repetição e as limi-
tações do que lê, os valores, as diferentes estratégias narrativas.
Os escritores pressupõem que seus leitores conhecem os gêneros e jogam com esse
conhecimento. Os mundos de ficção que nos propõem são moldados em formas
que (re)conhecemos facilmente: personagens, situações, cenários, intrigas, mo-
dos de dizer, recursos, truques. Todo esse arsenal proporcionado pelos gêneros é
utilizado para criar ou frustrar expectativas, para satisfazer e pacificar o leitor
ou para surpreendê-lo e despertá-lo de velhos encantamentos, propondo-lhe ou-
tros. Por isso mesmo, a familiaridade com os gêneros permite ao leitor apreciar
a habilidade de um escritor, seu gênio composicional, as características e o ren-
dimento particular de seu estilo. Sem isso, dificilmente se produz um verdadeiro
encontro entre autor e leitor; dificilmente se estabelece um convívio amoroso.
(RANGEL, 2003, p. 141-142).
Ora, trata-se, de início, de conquistar esse leitor vítima, que se deixará então
capturar pela leitura, enredando-se na trama (no mais das vezes, não muito com-
plexa) da história e criando uma familiaridade com os diferentes enredos, pois,
como diz Wanderley Geraldi, não há leitura qualitativa no leitor de um livro só
(1985, p. 87).
As escolhas anárquicas dos adolescentes fora da escola, além de permitir essa
formação do gosto, levam a um conhecimento dos gêneros literários que deve ser
considerado como base para a didática da literatura na escola e pode contribuir
para o planejamento de atividades de reorientação de leitura, uma vez que a esco-
la não é uma mera extensão da vida pública, mas tem uma especificidade.
Entretanto, parece que a escola tem sistematicamente desconsiderado essas
práticas sociais de leitura, produzindo-se nela um fenômeno que contraria seus
objetivos mais caros, isto é, obriga ao afastamento e à rejeição do aluno em rela-
ção ao texto literário, “um veto à fruição na leitura e à formação do gosto literário,
quando não têm representado, pura e simplesmente, um desserviço à formação
do leitor...” (GERALDI, 1985, p.138).
Se o objetivo é, pois, motivar para a leitura literária e criar um saber sobre a
literatura, é preciso considerar a natureza dos textos e propor atividades que não
72 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
sejam arbitrárias a essa mesma natureza. Grande parte da ficção juvenil nacional
e contemporânea, por exemplo, não é literatura no sentido mais restrito que es-
tamos utilizando aqui. A vertente predominante dessa ficção, que associa amor
e suspense, está em geral vincada num espaço e num tempo históricos muito
próximos ao aluno, ou seja, o tempo do enunciado, o tempo da enunciação e o
tempo da leitura são praticamente os mesmos, assim como é em torno do espaço
escolar que normalmente se desenrolam as tramas. Respondem a interesses ime-
diatos, pedem um consumo rápido e intenso. O ritmo de produção e de leitura é
o da produção em massa, tão rápido e intenso quanto descartável: descobre-se o
culpado e encerra-se a questão.
4 POSSIBILIDADES DE MEDIAÇÃO
10
Observe-se, porém, que muitos vestibulares estão mudando seu procedimento, tanto no que diz respeito à lista das
obras exigidas (agora em número menor) quanto na formulação das questões (centrando-se mais no próprio texto do
que em elementos externos).
76 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
É verdade que quando há listas de obra estas acrescentam um peso maior aos
alunos já sufocados pela quantidade de conteúdo.10 Entretanto, é preciso primei-
ro aliviar – como se disse – o programa oficial extenso da disciplina, retirando
dele o que não for essencial, e segundo, ter claro que o aluno deve se preparar ao
longo da escolaridade para, ao final do ensino médio, ter se tornado autônomo
em relação à leitura de obras mais complexas. O professor não pode submeter
seu programa ao programa do vestibular: ele deve oferecer ao aluno condições
satisfatórias de aprendizagem para que possa sair-se bem em provas que exijam
um conhecimento compatível ao que foi ensinado.
Dado que a literatura, como a vida, ensina na medida em que atua com toda a
sua gama, é artificial querer que ela funcione como os manuais de virtude e boa
conduta. E a sociedade não pode senão escolher o que em cada momento lhe pa-
rece adaptado aos seus fins, enfrentando ainda assim os mais curiosos paradoxos
– pois mesmo as obras consideradas indispensáveis para a formação do moço
trazem freqüentemente o que as convenções desejariam banir. Aliás, essa espécie
11
Há aqueles mais radicais, como José Hildebrando Dacanal, que, já em 1980, com a postura provocativa que o carac-
teriza, sugeria: “Eliminar estes conceitos e categorias [grupo, escola e estilo] das aulas, das provas, do vestibular e dos
exames supletivos; [...] jogar o texto no contexto histórico, diretamente, quando o nível dos alunos assim o permitir. Na
Universidade, por exemplo; [...] deixar as discussões bizantinas sobre periodização, conceitos e categorias para os cursos
de pós-graduação, onde os alunos têm tempo a perder...”. DACANAL, J.osé H.ildebrando. Vade retro, periodização!. Era
uma vez a literatura... (Porto Alegre: Ed. da Universidade/ UFRGS, 1995, p. 77 ).
12
“A literatura e a formação do homem”, conferência pronunciada na XXIV Reunião Anual da Sociedade Brasileira para
o Progresso da Ciência (SBPC), em São Paulo, foi publicada pela primeira vez em Ciência e Cultura, v. 24, n. 9, 1972. Há
também uma publicação mais recente em Remate de Males,: Revista do Departamento de Teoria Literária da Unicamp,
Campinas: n.º especial, 1999.
78 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Textos curtos, com densidade poética, são instrumentos poderosos para sensi-
bilizar o aluno, ainda que muitos professores observem a resistência, sobretudo
do jovem do sexo masculino, à fruição do poema, considerado por este “coisa de
mulher”. No entanto, todo professor observa também o prazer na leitura em voz
alta, na entonação, na concretude da voz (o prazer do significante, diz Barthes,
em O prazer do texto). Oferecer ao aluno a oportunidade de descobrir o sen-
tido por meio da apreensão de diferentes níveis e camadas do poema (lexical,
sonoro, sintático), em diversas e diferentes leituras do mesmo poema, requer
dedicação de tempo a essa atividade e percepção de uma outra lógica analítico-
interpretativa que não aquela de um academicismo estereotipado, que acredita
que ensinar poesia é ensinar as técnicas de contar sílabas e classificar versos e
rimas.14 Contos e crônicas também devem ser cuidadosamente selecionados para
se não desperdiçar o tempo precioso a eles dedicado em sala de aula. Por serem
mais curtos que novelas e romances, devem motivar o leitor pelo modo como
apresentam o assunto, exigindo, como o poema, um aprofundamento que leve o
13
Alfredo Bosi, em Plural, mas não caótico (in: BOSI, A.lfredo (Org.). Cultura brasileira: temas e situações. São Paulo:
Ática, 1987), analisa os diferentes ritmos das diferentes culturas que convivem globalmente.
14
Mais uma vez recorremos a Antonio Cândido, para retomar as lições contidas no seu Estudo analítico do poema (pu-
blicado em edição caseira pelos alunos da FFLCH da USP, em 1993), no qual se destacam três etapas eficazes para uma
penetração no gênero: comentário, análise e interpretação. Trata-se de um opúsculo destinado ao ensino superior, mas
perfeitamente adaptável ao ensino médio.
CONHECIMENTOS DE LITERATURA 79
A escola não precisa cobrir todos os estilos literários. O professor pode, por
exemplo, recortar na história autores e obras que ou responderam com mestria à
convenção ou estabeleceram rupturas; ambas podem oferecer um conhecimento
das mentalidades e das questões da
época, assim como propiciar prazer
estético. A partir desse recorte, ele Textos curtos, com
pode planejar atividades de estudo densidade poética, são
das obras que devem ser conduzidas instrumentos poderosos
segundo os seus recursos crítico-te- para sensibilizar o
óricos, amparado pelo instrumental aluno, ainda que muitos
que acumulou ao longo de sua for- professores observem a
mação e também pelas leituras que resistência ...
segue fazendo a título de formação
contínua.
Poemas, contos, crônicas, dramas, são gêneros que, assim como os romances,
têm suas próprias exigências de fruição e estudo. Por exemplo, analisar aspectos
técnicos dos poemas sem antes lê-los mais de uma vez, silenciosamente, em voz
alta, sem antes sentir com o corpo sua força sugestiva, sem antes comentá-los,
perceber e entender as imagens, as relações entre som e sentido, entre os elemen-
tos da superfície textual, é obrigar a um afastamento deletério dessa arte.
Pelo exposto, evidencia-se um problema de currículo: se quisermos que o alu-
no leia e considerarmos que esse é o meio mais eficiente para ele conseguir o saber
que a escola almeja, então é preciso mudar o currículo, retirar dele o que é excessivo
e não essencial. Torná-lo realmente significativo para alunos e professores.
[...] no microcosmo da sala de aula [...] talvez não sejamos nós, professores, o
melhor informante para nossos alunos. Rodízios de livros entre alunos, biblio-
tecas de sala de aula, biblioteca escolar, freqüência a bibliotecas públicas são
algumas das formas para iniciar este circuito. (GERALDI, 1985, p. 87).
conteudístico e não pode ficar de fora. Incluem-se aqui tanto a existência de espaços
de leitura quanto a necessidade de composição de acervos que permitem o acesso
contínuo a publicações, inserindo a comunidade no contexto mais abrangente do
mercado editorial, colocando-a em contato, inclusive, com lançamentos).
Na perspectiva do letramento, que implica o enfoque sobre a “inserção nas
práticas sociais de leitura e escrita” (SOARES,1998, p. 83), o letramento literário
permite compreender os significados da escrita e da leitura literária para aqueles
que a utilizam e dela se apropriam nos contextos sociais, o que aponta para ou-
tro aspecto que se deve destacar aqui:
o dos espaços de leitura na escola. O
... o letramento literário projeto pedagógico com vistas à for-
permite compreender os mação do leitor da Literatura deve in-
significados da escrita e cluir a estruturação de um sistema de
da leitura literária para trocas contínuo, sustentado por uma
aqueles que a utilizam ... biblioteca com bom acervo e por ou-
tros ambientes de leitura e circulação
de livros. A ampliação dos espaços es-
colares de leitura resultará, com certeza, na ampliação dos tempos, diga-se de
passagem, exíguos de aulas de Literatura, além de possibilitar trocas menos arti-
ficiais, já que colaboram para a criação de uma comunidade de leitores tão im-
portante para a permanência da literatura, sobretudo em contextos sociais que
não dispõem de uma biblioteca pública e/ou livraria.
Como sabemos, para muitas comunidades de leitores, as práticas da leitura
se efetivam quase exclusivamente na escola, podendo, a partir dela, projetarem-se
para o universo familiar dos alunos e propiciar, assim, as experiências estética e
ética de que fala Benedito Nunes quando lemos o texto literário:
[...] da adesão a esse “mundo de papel”, quando retornamos ao real, nossa ex-
periência, ampliada e renovada pela experiência da obra, à luz do que nos re-
velou, possibilita redescobri-lo, sentindo-o e pensando-o de maneira diferente
e nova. A ilusão, a mentira, o fingimento da ficção aclara o real ao desligar-se
dele, transfigurando-o; e aclara-o já pelo insight que em nós provocou. (NU-
NES,1996, p. 3).
O acesso livre a uma biblioteca com bom acervo é fundamental. Esse espaço
pode ser utilizado também para eventos relacionados à leitura, como a conversa
com um escritor convidado (os alunos ficarão contentes em receber um escritor
vivo, já que a maioria dos que eles estudam estão mortos), a semana do livro, etc.
Em muitas escolas, atualmente, ao lado da biblioteca escolar há outros espa-
ços instituídos, como a sala de informática e a sala de vídeo, que conjugam lin-
guagens diversas e ajudam a criar um movimento cultural na escola; há também
os passeios culturais, estudos do meio, etc. dos quais as escolas podem e devem
lançar mão para desenvolver no aluno a relação com os diferentes aspectos, ní-
veis e ritmos da cultura. Sem essa vivência não é possível comparar, estabelecer
padrões, aguçar a sensibilidade – aprender, enfim. Lembrar também que nesse
movimento cultural devem estar inseridos os próprios professores, para que pos-
sam dar respostas à altura das inquietações dos alunos.
Práticas de leitura e de metaleitura responderiam a uma dupla dimen-
são da Literatura na escola: por um lado, a fruição individual do texto, que
é o modo como se lê Literatura fora da escola, revela uma autêntica prática
social, que, de regra, o professor não consegue mensurar (a não ser que ele
esteja efetivamente próximo de seus alunos e atento ao perfil da comunidade
escolar e da sua turma); por outro lado, a reflexão e a análise, a leitura como
instrumento de aprendizagem e ensino, revelam a prática escolar, esta sim já
apresentando uma certa possibilidade de mensuração por parte do professor,
já que mobiliza um saber institucionalizado, previamente definido. Essa du-
pla dimensão jamais pode ser esquecida, não só na leitura como em qualquer
outro conteúdo escolar, já que a escola não é um microcosmo fechado. Qual-
quer conteúdo na escola é um instrumento de aprendizagem, mas ao mesmo
tempo deve persistir a dimensão social desse conteúdo, uma vez que se forma
para o mundo, para fornecer ao aluno recursos intelectuais e lingüísticos para
a vida pública.
82 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica,
1998.
CONHECIMENTOS DE
LÍNGUAS ESTRANGEIRAS
Consultores
Lynn Mário T. Menezes de Souza
Walkyria Monte Mór
Leitores Críticos
Clarissa Menezes Jordão
Lívia de Araújo Donnini Rodrigues
Sullivan Silk Pouza
Vanderlei de Souza
Vanessa Andreotti
Vera Lúcia Menezes de Oliveira e Paiva
Linguagens, Códigos e
Capítulo
suas Tecnologias
3 CONHECIMENTOS DE
LÍNGUAS ESTRANGEIRAS
INTRODUÇÃO1
1
As propostas de estudos, reflexões, conscientização e ação apresentadas neste documento focalizam questões que emer-
giram de perguntas, questionamentos e sugestões identificados em relatos de professores e alunos por meio de pesquisas
e levantamentos de estudiosos da área. E também, principalmente, por meio de relatórios de seminários ocorridos regio-
nalmente e do Seminário Nacional em 2004, que discutiram um texto que contém uma avaliação crítica e propositiva dos
Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio, PCN+ (ROJO; MOITA LOPES, 2004).
88 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
sobre – ou expandir o que já vem sendo pensado – e a lidar com os conflitos ineren-
tes à educação, ao ato de ensinar, à cultura que consolida a profissão de professor,
ao aprendizado de Línguas Estrangeiras e à construção de uma visão de mundo.
Todos sabemos da necessidade de reflexões, de atualizações a respeito dos pen-
samentos sociais, educacionais e culturais na área do ensino. Mas também sabemos
o quanto é difícil mudar atitudes em nós mesmos, como pessoas, e nas instituições
que construímos ou ajudamos a preservar. Muitos de nós projetamos uma escola
melhor, um ensino mais satisfatório, uma educação mais condizente. Se isso nos
leva a pensar em reformulações, talvez possamos refletir sobre o que nos lembra
Morin (2000, p. 20): “A reforma do ensino deve levar à reforma do pensamento, e a
reforma do pensamento deve levar à reforma do ensino”. Continuamente. Consi-
deramos que essa seja uma premissa inspiradora dos fundamentos das Orientações
Curriculares para o ensino de Línguas Estrangeiras na escola média.
1
Pesquisa realizada por Quirino de Souza para a dissertação de mestrado O professor de inglês da escola pública: investiga-
cões sobre suas identidades numa rede de conflitos. São Paulo: USP, 2006.
CONHECIMENTOS DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS 89
O “conflito” de objetivos
Depreende-se da discussão sobre os objetivos do ensino de Línguas Estrangeiras
na educação básica que o objetivo lingüístico é lembrado com maior freqüência.
Identificamos nas falas e na citação apresentadas que essas se concentram no
“sucesso” ou no “fracasso” do ensino do idioma estrangeiro por si só (fato que
conduz à procura pela solução extra-sala de aula convencional, conforme men-
cionado). A pergunta que então emerge é se a priorização do objetivo lingüístico
desse ensino esconde uma certa “confusão” na compreensão sobre os objetivos
do ensino de inglês na escola regular e se essa “confusão” leva a indefinições e a
desconhecimentos sobre a relevância desse ensino na educação básica.
90 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Esse raciocínio pode ser verificado por meio de investigações de campo, como
as de Paiva (2005) sobre a memória de professores a respeito de seu aprendizado
da língua inglesa. A autora destaca, dentre várias questões, o desconhecimento
dos alunos sobre a necessidade do aprendizado de um idioma estrangeiro para a
vida deles e, conseqüentemente, o desconhecimento da razão para estudar essa
disciplina na escola:
Quando retomamos a questão educacional que sempre tem sido enfatizada nos
documentos oficiais e reconhecida como necessária por tantos, estamos inter-
pretando-a de acordo com essa visão de educação e de formação de educandos
(indivíduos, cidadãos).
Reiteramos, portanto, que a disciplina Línguas Estrangeiras na escola visa
a ensinar um idioma estrangeiro e, ao mesmo tempo, cumprir outros compro-
missos com os educandos, como, por exemplo, contribuir para a formação de
indivíduos como parte de suas preocupações educacionais.
Vale lembrar aqui que há muito tempo (VAN EK; TRIM, 1984) se sabe que
a contribuição de uma aprendizagem de Línguas Estrangeiras, além de qualquer
instrumentação lingüística, está em:
• estender o horizonte de comunicação do aprendiz para além de sua comu-
nidade lingüística restrita própria, ou seja, fazer com que ele entenda que há
uma heterogeneidade no uso de qualquer linguagem, heterogeneidade esta
contextual, social, cultural e histórica. Com isso, é importante fazer com que
o aluno entenda que, em determinados contextos (formais, informais, ofi-
ciais, religiosos, orais, escritos, etc.), em determinados momentos históricos
(no passado longínquo, poucos anos atrás, no presente), em outras comu-
nidades (em seu próprio bairro, em sua própria cidade, em seu país, como
em outros países), pessoas pertencentes a grupos diferentes em contextos
diferentes comunicam-se de formas variadas e diferentes;
• fazer com que o aprendiz entenda, com isso, que há diversas maneiras de
organizar, categorizar e expressar a experiência humana e de realizar intera-
ções sociais por meio da linguagem. (Vale lembrar aqui que essas diferenças
de linguagem não são individuais nem aleatórias, e sim sociais e contextu-
almente determinadas; que não são fixas e estáveis, e podem mudar com o
passar do tempo.);
• aguçar, assim, o nível de sensibilidade lingüística do aprendiz quanto às ca-
racterísticas das Línguas Estrangeiras em relação à sua língua materna e em
relação aos usos variados de uma língua na comunicação cotidiana;
• desenvolver, com isso, a confiança do aprendiz, por meio de experiências
bem-sucedidas no uso de uma língua estrangeira, enfrentar os desafios coti-
dianos e sociais de viver, adaptando-se, conforme necessário, a usos diversos
da linguagem em ambientes diversos (sejam esses em sua própria comunida-
de, cidade, estado, país ou fora desses).
In less than a decade the Internet in Brazil has surpassed classrooms and research
facilities as a way to reach millions of users. According to Brazil’s Ministry of Science
and Technology, the number of people worldwide who are linked to the Internet is
expected to reach close to 400 million in 2005, accounting for more than $ 620 billion
in Internet commerce. The Internet was offered to the general public in Brazil in
1995 by the Ministry and more than 19.7 million Brazilians use the service today.
2 INCLUSÃO/EXCLUSÃO – GLOBAL/LOCAL
Exclusão e inclusão são dois termos há algum tempo utilizados no meio social
e educacional; exclusão, para descrever uma situação indesejável; inclusão, para
94 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
3 LETRAMENTO
[...] o professor de inglês não está apenas ensinando gramática, nem mesmo
letramento, mas sim as práticas discursivas de grupos dominantes, práticas es-
sas que podem ferir as práticas e valores, e a identidade [..] de aprendizes que
venham de outros grupos socioculturais. (GEE, 1986, p. 720).
como a idade, o sexo, a região de origem, a classe social, etc. de seus usuários.
Além disso, as formas variam com o contexto do uso da linguagem e com a fina-
lidade da interação. Isso leva, por exemplo, a variantes mais formais ou menos
formais, e ao uso de formas específicas de linguagem em determinados contextos
(como a linguagem jurídica, a médica, a técnica, etc.).
Esses conceitos sobre o caráter heterogêneo da linguagem refletem, por sua vez,
o mesmo caráter com relação à cultura. Da mesma forma que cada língua é cons-
tituída por um conjunto de variantes, cada cultura também é constituída por um
conjunto de grupos (regionais, sócio-econômicos, de gêneros, religiosos, de imi-
grantes, urbanos, rurais, etc.); e cada um desses grupos possui seus próprios con-
juntos de valores e crenças. É importante lembrar que qualquer membro de “uma
cultura” pertence simultaneamente a diversos desses grupos e, portanto, possui e
usa simultaneamente diversos conjuntos de
valores e crenças. Por exemplo, a mesma
pessoa pode ser ao mesmo tempo mulher, ... a dita norma ou
de uma determinada classe social, de uma padrão, na verdade
determinada idade, de um determinado gru- também são suscetíveis
po religioso e de uma determinada origem de transformações,
geográfica, sendo essa pessoa possuidora de apesar de sua aparência
conjuntos de valores e crenças associados a de estabilidade,
cada um desses grupos aos quais pertence permanência e
na “mesma cultura”. A maneira como esses antiguidade.
variados conjuntos (e às vezes conflitantes)
de valores e crenças se manifestarão variará
de acordo com cada contexto pelo qual essa pessoa transita. Assim, em determina-
dos contextos, suas características sócio-econômicos terão mais peso; em outros
contextos, seu sexo terá mais importância, e assim por diante.
Não se deve achar, porém, que essa complexa heterogeneidade da linguagem
e da cultura seja composta por variantes iguais e intercambiáveis. Cada variante
de linguagem e cada grupo cultural, apesar de possuírem um valor humano in-
trinsecamente igual, sofrerão, na prática, oscilações no valor social e cultural que
lhes será atribuído em contextos socioculturais diferentes e em momentos histó-
ricos diferentes. Em determinados momentos, algumas variantes de linguagem
e alguns grupos socioculturais figuram como centrais e outros como marginais.
Em outros momentos, esses valores que lhes são atribuídos podem transformar-
se. A história de cada língua e de cada cultura é marcada por essas mudanças e
oscilações muitas vezes esquecidas. Da mesma maneira, as formas de linguagem
e de cultura que constituem a dita norma ou padrão, na verdade também são sus-
CONHECIMENTOS DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS 103
Essa nova escrita não respeita as regras da linguagem escrita; ela introduz
novas regras, como a abreviação que privilegia a eliminação de vogais e não de
consoantes.
Outro exemplo recente do uso da linguagem na comunicação mediada por
computador é o caso dos blogs (tipo de diário pessoal, termo derivado de weblog,
equivalente a “diário na rede” em português, que permite postar textos e ima-
gens), que representam a criação de um novo gênero de “escrita”, uma recontex-
tualização radical do gênero anterior do diário pessoal. Novamente, enquanto a
escrita historicamente surgiu como uma forma de registrar ou tornar permanen-
te a linguagem oral, e os diários pessoais serviam para registrar “para sempre” os
pensamentos mais íntimos das pessoas, os blogs na Internet são constantemente
atualizados, reescritos e deixados acessíveis ao público em geral. As diferenças
entre a comunicação escrita e a falada mais uma vez se diluem na construção
desse novo gênero. O amplo uso de materiais visuais, e às vezes sonoros, em blogs
contribui para tornar mais complexo ainda o processo de comunicação desses,
uma vez que as imagens – que parecem apenas complementares – podem ser tão
loquazes quanto o texto escrito.
CONHECIMENTOS DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS 105
SUGESTÕES DE TEMAS
Cidadania, diversidade, igualdade, justiça social, dependência/ interdepen-
dência, conflitos, valores, diferenças regionais/ nacionais.
Atividade A
Uma professora leva um anúncio publicitário sobre o Dia das Mães extraído
de uma revista. Pede aos alunos que o leiam e respondam a perguntas, tais
como:
a. A quem se dirige?
b. O anúncio atende a que necessidade ou desejo (saúde, popularidade,
conforto, segurança)?
c. Que argumentos não estão sustentados?
d. Que recursos gráficos são utilizados para realçar certas informações no
texto?
e. Como o custo do objeto anunciado se apresenta minimizado ou disfar-
çado?
f. Por que o anúncio utiliza depoimentos de pessoas?
g. Que palavras ou idéias são utilizadas para criar uma impressão específica
ou particular?
CONHECIMENTOS DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS 115
Atividade B
Uma professora leva um anúncio publicitário sobre o Dia das Mães, extra-
ído de uma revista. Pede aos alunos que o leiam e respondam a perguntas,
tais como:
a. As mães representadas no anúncio se parecem com as que você conhece?
Por que não?
b. Quais as mães que não estão representadas no anúncio?
c. Que filhos vão dar presentes às mães?
d. Como os filhos arranjam dinheiro para comprar presentes para suas
mães?
e. Quem cria/produz esses anúncios?
f. Por que essas pessoas que produzem os anúncios despendem tempo e
trabalho para garantir que o leitor saiba qual produto está disponível no
mercado?
Não há um conhecimento
definitivo sobre a realidade
A realidade não pode ser
Pode ser conhecida “capturada” pela linguagem
Realidade Serve como referência para a A “verdade” não pode ser definida
interpretação numa relação de correspondência
com a realidade; deve ser
compreendida em um contexto
localizado
Desenvolvimento de níveis
Educação Desenvolvimento de consciência
elevados de compreensão e
crítica
interpretação
Fonte: Extraída de CERVETTI, G.; PARDALES, M. J,; DAMICO, J. S. A tale of differences: comparing
the traditions, perspectives, and educational goals of critical reading and critical literacy,
www.readingonline, 2001.
Tema Diversidade
Tipos de Diálogo entre recepcionista de hotel e hóspede estrangeiro sobre
material costumes locais
Qual a situação? De que se está falando? Quem são os
Contextos de
participantes? Como essas informações se manifestam
uso
lingüisticamente nas palavras e nas expressões usadas no diálogo?
Habilidades Interpelação, cumprimentos, pedido de ajuda, troca de informações,
comunicativas despedidas
Aspectos Formulação de perguntas e respostas, tempos verbais, nível de
lingüísticos formalidade
Tema Diversidade
Tipo de texto Mensagens da Internet
Qual a situação? De que se está falando? Quem são os
Contextos de
participantes? Como essas informações se manifestam
uso
lingüisticamente nas palavras e nas expressões usadas no diálogo?
Habilidades
Troca de informação
comunicativas
Aspectos
Perguntas e respostas, nível de formalidade
lingüísticos
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Leitores Críticos
Carlos Donato Petrolini Jr.
Cristina de Souza Vergnano Junger
Daniela Sayuri Kanashiro Kawamoto
Hélade Scutti Santos
Lívia Márcia Tiba Rádis Baptista
María del Carmen González Daher
Marcia Paraquett
María Teresa Celada
Marília Vasques Callegari
Ucy Soto
Vera Lucia de Albuquerque Sant’Anna
Linguagens, Códigos e
Capítulo
suas Tecnologias
4 CONHECIMENTOS
DE ESPANHOL
INTRODUÇÃO
1
Fragmento de artigo publicado na seção “Lengua y Cultura” do site do Real Instituto Elcano de Estudios Estratégicos e
Internacionales, sem numeração de página. Consulta feita em 27/08/2005.
128 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
[...] uma disciplina do pensamento, algo que deve ajudar a qualquer um a ela-
borar sua estratégia cognitiva, situando e contextualizando suas informações, co-
nhecimentos e decisões, tornando-o apto para enfrentar o desafio onipresente da
complexidade. Muito concretamente, trata-se de um “método de aprendizagem na
errância e na incerteza humanas”. (MORIN, CIURANA & MOTTA, 2003: 13).
Nesse sentido, o método nunca é algo dado de antemão, mas se faz no cami-
nho, um caminho que, segundo eles, é uma trajetória em espiral (ibid.: 22). E o
método, que é simultaneamente programa e estratégia do sujeito, pode modificar
o programa pelo efeito de seus resultados. Isso quer dizer, para os autores (ibid.:
28), que “o método aprende”.
Entendemos, por fim, que nada se fecha aqui, que este documento apenas
abre um caminho que se fará e refará muitas vezes, revendo-se sempre; represen-
ta apenas uma parte de algo que é muito mais amplo, já que, num contexto de
formação ampla como o do ensino médio, uma disciplina não se fecha nela mes-
ma, e que é preciso contemplar o todo dessa formação que se pretende oferecer
aos nossos estudantes, dentro do qual uma disciplina deve interagir com todas
as demais para que se obtenham resultados de maior alcance na constituição da
cidadania.
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – ESPANHOL 131
Retomar aqui o papel educativo que tem o ensino da língua estrangeira significa
ressaltar várias coisas. Em primeiro lugar, é crucial que fiquem bem claras as
diferenças que deve haver entre o papel da língua estrangeira e a forma de abor-
dá-la no âmbito da educação regular e no âmbito do ensino livre. Trata-se de
experiências de natureza diferente, que não podem ser confundidas nem mesmo
quando o ensino das línguas na escola é terceirizado. Não se trata de questionar
ou criticar a atuação das escolas/academias
de línguas, mas de fazer ver que não se po-
... é fundamental
dem identificar a proposta e os objetivos
trabalhar as linguagens
desses institutos com a proposta educativa
não apenas como
e os objetivos do ensino de Línguas Estran-
formas de expressão
geiras no espaço da escola regular, no qual
e comunicação, mas
o ensino da língua estrangeira, reiteramos,
como constituintes
não pode nem ser nem ter um fim em si
de significados,
mesmo, mas precisa interagir com outras
conhecimentos e valores.
disciplinas, encontrar interdependências,
convergências, de modo a que se restabe-
leçam as ligações de nossa realidade complexa que os olhares simplificadores
tentaram desfazer; precisa, enfim, ocupar um papel diferenciado na construção
coletiva do conhecimento e na formação do cidadão.
Em segundo lugar, cabe reiterar um dos princípios registrados na Carta de
Pelotas (2000), documento síntese do II Encontro Nacional sobre Política de En-
sino de Línguas Estrangeiras, segundo o qual “a aprendizagem de línguas não
visa apenas a objetivos instrumentais,2 mas faz parte da formação integral do alu-
no”, e reiterar o que também já está presente na Proposta Curricular para o Ensi-
no Médio, ou seja, que é fundamental trabalhar as linguagens não apenas como
formas de expressão e comunicação, mas como constituintes de significados,
conhecimentos e valores. Estão aí incorporadas as quatro premissas apontadas
pela Unesco como eixos estruturais da educação na sociedade contemporânea:
aprender a conhecer, aprender a fazer, aprender a viver e aprender a ser.
2
Aqui, o termo “instrumental” não se refere ao ensino instrumental de línguas, mas ao papel meramente tecnicista que,
em certas ocasiões, o ensino e aprendizagem de línguas estrangeiras adquire. Assim, o que se pretende é contrapor a noção
de língua como “ferramenta”, ou simples instrumento de comunicação, à de meio pelo qual é possível e desejável ampliar
a formação do indivíduo.
132 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
[...] la resonancia [...] de los ecos “comunicativistas” tiende a acompañar los resulta-
dos menos eficaces en cuanto a adquisición de habilidades en español, incluso en las
prácticas que podríamos llamar “funcionales” [...] (FANJUL, 2004),
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – ESPANHOL 133
[...] un poco menos de “acción”, más de reflexión, y asumir de una vez por
todas que ese objeto tan rodeado, la lengua, debe ser aprendido también como
resultado de un esfuerzo cognitivo en el orden de sus formas específicas. (FAN-
JUL, 2004).
Entretanto, esse esforço cognitivo não pode ser confundido, nem por alunos,
nem por professores, com um conceito, muito recorrente, de língua como código,
que possa, nos termos de Grigoletto (2003), ser “traduzido em frases, vocábulos
ou expressões para comunicação”, e que “possa, também, ser adquirido na sua to-
talidade”. Como aponta a autora, “[...] a representação funciona como se a enun-
ciação em uma língua significasse apenas a expressão de conteúdos lingüísticos”.
Substitui-se, nessa imagem, um código por outro, sem maiores conseqüências
para o indivíduo. Trata-se, portanto, de uma visão redutora, que “[...] oblitera a
realidade de que falar uma língua estrangeira envolve deslocamentos de posições
e, até mesmo, novas identificações do sujeito” (ibid.: 231).
Não é, evidentemente, essa visão redutora do ensino de Línguas Estran-
geiras que se tem em mente neste documento sinalizador de um caminho
para o ensino do Espanhol na escola regular. Nesse espaço, a língua estran-
geira não é simplesmente matéria escolar a ser aprendida, mas tem função
educacional, e um dos seus papéis mais importantes, o de expor os alunos
a outra língua a partir de uma óptica menos instrumental, poderá ajudar,
entre outras coisas, a interferir positivamente na relação que os estudantes
brasileiros guardam com a própria língua, em especial com a escrita. No caso
específico da Língua Espanhola, esta pode contribuir significativamente para
isso, dada a especial relação que mantém com a Língua Portuguesa (cf. CE-
LADA & RODRIGUES, 2004).
Enfim, as idéias arroladas apontam para a recuperação do papel crucial que
o conhecimento de uma língua estrangeira, de um modo geral e do Espanhol
em particular, pode ter nesse nível de ensino: levar o estudante a ver-se e consti-
tuir-se como sujeito a partir do contato e da exposição ao outro, à diferença, ao
reconhecimento da diversidade.
134 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
3
A respeito do tratamento dado no Brasil ao ensino das variedades do Eespanhol, veja-se, por exemplo, Bugel (2000), que
também aborda a opção pelo do Espanhol mais geral com intenção de torná-lo mais neutro.
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – ESPANHOL 135
4
Na atualidade, há quem advogue por um espanhol “panhispánico”. Nessa linha, foi elaborado o último Diccionario
de la Real Academia Española de la Lengua, que incorpora sugestões das academias de língua dos países hispano-
americanos, numa tentativa de dar uma certa unidade a essa língua e de reconhecer falas locais, permeadas de pala-
vras que não pertenceriam à língua geral. No entanto, é preciso ter em mente que iniciativas como essa são válidas
e cumprem uma função determinada, mas tomam como base a palavra, não os contextos de uso relacionados a
questões mais amplas, como a realidade sócio-lingüístico-cultural (veja-se, a esse respeito, http://www.aprendemas.
com/Noticias/html/N595_F14102004.HTML).
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – ESPANHOL 137
E Ventura explica:
[...] es importante resaltar que el contacto que los alumnos tengan con las varie-
dades del español no se puede establecer sólo por medio de simples curiosidades
léxicas, como si las diferencias se redujeran a unas tantas palabras que se usan
en un lugar y en otro no. Es necesario que las variedades aparezcan contextu-
alizadas y por medio de un hablante real o posible que muestre dicha variedad
en funcionamiento. El profesor no puede sólo hablar sobre las variedades y ser
la única voz que las representa, es importante que transmita la palabra a otros
hablantes que mostrarán cómo funciona realmente cada variedad. (VENTU-
RA, 2005: 119-120).
5
Para Krashen, só haverá aquisição de uma LE se o estudante for exposto a amostras dessa língua – input – que se situem
um pouco acima do seu nível atual de conhecimento. O pesquisador esclarece que o nível atual de cada aprendiz seria i e
o input ideal ao qual deveria ser exposto para que se processe a aquisição seria i + 1.
6
Do ponto de vista didático, a língua- meta deve ser, sempre que possível, o veículo de comunicação na aula, tanto meio
quanto fim do ensino. Porém, o peso da LM não pode ser desconsiderado nunca e afirmações do tipo “é proibido usar
o Português” ou “pensem apenas em Espanhol” poderão não ter grande efeito ou até ter efeito negativo se isso não for
levado em conta.
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – ESPANHOL 139
7
A esse respeito, vejam-se González & Celada (, 2000); Celada (, 2002); González (, 2004), entre outros.
8
Para uma discussão a respeito das diferentes contribuições da Lingüística Contrastiva ainda nos dias atuais, vejam-se, por
exemplo, González (, 2004a; 2004b; 2004c); Durão (, 1999; 2000); Eres Fernández (, 2003); Fanjul, (2002), entre outros.
9
Trabalho disponível em página da internet consultada em 03/09/2005, sem numeração de página: http://www.cce.ufsc.
br/~lle/congresso/trabalhos_lingua/Claudia%20Pacheco%20Vita.doc
10
Sobre pesquisas que consideram a proximidade e distância entre o Espanhol e o Português na linha da Análise do Dis-
curso, vejam-se os trabalhos de Serrani-Infante (1994, 2001), Celada (2002) e Fanjul (2002).
140 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
11
Vejam-se a esse respeito os trabalhos de Revuz (1998) e Serrani-Infante (1998).
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – ESPANHOL 141
a do caos12 (língua estrangeira = acúmulo de termos não organizados por regra al-
guma). Isso sem falar daqueles que reduzem essa aprendizagem a procedimentos
lógicos, aprendem apenas regras gramaticais e precisam traduzir tudo. Uma vez
mais, qualquer que seja a estratégia adotada, fica patente o papel crucial que tem
a língua materna no processo de aprendizagem da estrangeira.
É preciso, por outro lado, entender que esse processo não é linear, é marcado
por avanços e retrocessos devidos a fatores nem sempre previsíveis; nem é de
aplicação idêntica em indivíduos diferentes, podendo atingir estágios diferentes
em indivíduos diferentes. Cabe relembrar aqui o papel importante porém re-
lativo do professor, que pode atuar especialmente no estímulo à utilização, por
parte do estudante, de uma estratégia consciente (FANJUL, 2004): a da reflexão, a
conscientização de que a língua, esse “objeto tão rodeado”, nas palavras do autor,
deve ser aprendida também como resultado de um esforço cognitivo naquilo que
tem a ver com as suas formas específicas.
12
Num trabalho de bases teórico-epistemológicas bem diferentes, González (1994, 1998, 2005) também constata o que
chama de duas caras da transferência, numa das quais, os aprendizes, na tentativa de se aproximarem da língua estrangei-
ra, apresentam em sua produção uma série de construções “exóticas”. A autora, sem diminuir o peso da língua materna
na produção desse fenômeno, classifica essa fase de “transferência às avessas”.
142 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
[...] sistema lingüístico interiorizado, que evoluciona tornándose cada vez más
complejo, y sobre el cual el aprendiz posee intuiciones. Este sistema es diferente
del de la LM (aunque se encuentren en él algunas huellas) y del de la lengua
meta; tampoco puede ser considerado como una mezcla de uno y otro, ya que
contiene reglas que le son propias. (FERNÁNDEZ, 1997: 20).
13
A Análise Contrastiva tradicional considerava, entre outras coisas, que a origem das dificuldades e erros dos alunos está
na interferência da língua materna do estudante. Para essa corrente lingüística, todos os erros podem ser prognosticados a
partir da identificação das diferenças existentes entre a língua estrangeira e a materna, e, com isso, a partir de um trabalho
centrado nessas “diferenças”, todos os erros poderiam ser evitados. Essa forma de ver as coisas e de trabalhar vem, pouco
a pouco, perdendo força, embora, na prática, ainda seja bastante utilizada.
14
O termo “interlíngua” difundido por Selinker (1972) equivale, grosso modo, a outras denominações, como “competência
transitória” (CORDER, 1967), “dialeto indiossincrásico” (CORDER, 1971), “sistema aproximado” (NEMSER, 1971) ou
“sistema intermediário” (PORQUIER, 1975), segundo apontem mais para a idéia de sistema, de evolução ou de especifi-
cidade (cf. FERNÁNDEZ, 1997, pp. 19-20).
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – ESPANHOL 143
desenvolver uma forma de ensino em que os erros sejam vistos não como um
“obstáculo” para o sucesso dos alunos, mas como um “trampolim” para chegar
à proficiência na língua-alvo. (FIGUEIREDO, 2002: 121).
É preciso lembrar ainda que o erro deve ser entendido de várias formas: como
efeito da própria prática e de certos procedimentos didáticos, que por isso mesmo pre-
cisam ser permanentemente reavaliados; como
efeito do confronto do aprendiz com a nova
... a avaliação
língua e dela com aquela em que ele se cons-
formativa, contínua,
tituiu simbolicamente; como efeito de formas
de acompanhamento,
de aprender consolidadas pela tradição escolar.
que fornece subsídios
Todas elas devem ser consideradas na hora de
valiosos para o
se analisar, corrigir e avaliar um determinado
professor e para os
dado da produção em língua estrangeira.
alunos, deve ser
Na mesma linha de raciocínio deve cami-
privilegiada.
nhar a avaliação da aprendizagem: seu papel
é de indicador do estágio em que se encontra
o estudante, fornecendo elementos sobre o processo e não sobre os resultados.
Nesse sentido, a avaliação formativa, contínua, de acompanhamento, que fornece
subsídios valiosos para o professor e para os alunos, deve ser privilegiada. Por
meio das avaliações, assim como dos erros nas produções dos alunos, o professor
pode redirecionar seu curso e, ao mesmo tempo, oferecer aos alunos a
2.2.4 E a gramática?
A partir da redefinição do papel dos erros e da avaliação, redefine-se, também, o
papel da gramática no ensino e aprendizagem de língua estrangeira. A gramáti-
144 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Quizás sea éste uno de los factores que hacen que la enseñanza de la lengua
y de su gramática sea, con tanta frecuencia, un fracaso y quizás se deban a
esto las expresiones de disgusto, de enfado, de aburrimiento, que notamos en
las personas cuando se les pronuncia la palabra gramática: algo que asocian
inmediatamente a ese conjunto de reglas vacías de contenido y arbitrarias que
los profesores les hacemos memorizar.
15
Texto no prelo, cópia fornecida pela autora, razão pela qual não mencionamos o número das páginas.
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – ESPANHOL 145
Cabe lembrar, ainda, que o que precisa ser privilegiado no ensino de uma
língua estrangeira é a amostragem e a reflexão sobre a divisão que nela mesma
se organiza ao redor do que é possível e do que é impossível dizer (uma questão
que vai muito além do certo e do errado do ponto de vista da norma gramatical
vigente e reconhecida), sendo que a gramática representa apenas uma das formas
dessa divisão, configurada também por outros eixos, entre eles o da coesão, da
coerência, da relação com o outro, da adequação a contextos e situações. É nesse
sentido que toda produção estrangeira deve ser focalizada, porque depende disso
a possibilidade de ser compreendida e de não incorrer em problemas graves de
inadequação que podem gerar desconfortos.
Por fim, cabe uma última reflexão sobre esse privilégio que se está dando ao
ensinar a língua sobre o ensinar sobre a língua. O ensinar a língua não se confunde
com um abandonar totalmente a reflexão sobre o modo como se apresenta essa
língua em cada caso nem a metalinguagem que se emprega para explicar alguns
desses fatos. O que efetivamente importa é mais o como e o para que fazê-lo, é o
não tornar a análise e a metalinguagem um fim em si mesmas, mas uma forma de
avançar na compreensão, uma maneira de mostrar que as formas não são fruto
de decisões arbitrárias, mas formas de dizer que se constroem na história e pela
história, e que produzem sentido.
tes, o que se objetiva é delinear alguns princípios gerais que permitam aos do-
centes:
a) realizar uma reflexão criteriosa acerca da função da Língua Espanhola na es-
cola regular;
b) estabelecer os objetivos realizáveis, considerando-se as peculiaridades (regio-
nais, institucionais e de toda ordem) de cada situação de ensino, e das rela-
ções entre o universo hispânico e o brasileiro, em toda a sua heterogeneidade
constitutiva;
c) selecionar e seqüenciar os conteúdos – temáticos, culturais, nocional-funcio-
nais e gramaticais – mais indicados para a consecução dos objetivos propos-
tos; e
d) definir a(s) linha(s) metodológica(s) e as estratégias mais adequadas, tendo
em vista tanto o processo de ensino–aprendizagem quanto os resultados que
se pretende alcançar, e, de acordo com isso, fazer a escolha do material didá-
tico adequado para a abordagem e estabelecer critérios de avaliação condi-
zentes com suas escolhas e plausíveis nessa situação.
16
Daqui em diante, apenas Marco.
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – ESPANHOL 147
nos leva, de maneira clara e direta, a pensar o ensino do Espanhol, antes de mais
nada, como um conjunto de valores e de relações interculturais.
Considerando, portanto, as premissas apontadas pela Unesco já assinaladas,
assim como as observações anteriores, os objetivos a serem estabelecidos para o
ensino de Língua Espanhola no nível médio devem contemplar a reflexão – con-
sistente e profunda – em todos os âmbitos, em especial sobre o “estrangeiro” e
suas (inter)relações com o “nacional”, de forma a tornar (mais) conscientes as
noções de cidadania, de identidade, de plurilingüismo e de multiculturalismo,
conceitos esses relacionados tanto à língua materna quanto à língua estrangeira.
Para tanto, é necessário levar em conta não só a língua estrangeira, mas, também,
a realidade local/regional onde se dá o seu ensino.
O enfrentamento da diversidade certamente comportará representações –
sobre o próprio e sobre o alheio, valendo-nos de termos empregados por Fanjul
(2000) – que se manifestam no discurso em forma de “estereótipos, idealizações,
exotismos, etc.”, como aponta Serrani-Infante (1998: 265), representações que
deverão ser analisadas, segundo a autora (ibid.), “[...] como meios imaginários
nos quais se imbricam as questões simbólicas [...] e ideológicas [...]”. Tais re-
presentações, algumas muito alimentadas pela mídia, ora se projetam sobre a
própria língua e suas variedades, ora sobre os seus muitos e distintos falantes,
situados, sobretudo, em distintas regiões, mais ou menos favorecidas e presti-
giadas, ora se projetam sobre a facilidade ou dificuldade de enfrentar o processo
de aprendizagem. Todas elas, a nosso ver, precisam ser objeto de algum tipo de
trabalho analítico-crítico, quer para serem, em alguns casos, exploradas e em ou-
tros, abaladas.
Ainda que essa lista possa e deva adaptar-se às diferentes realidades do país,
é importante que a abordagem da língua estrangeira esteja subordinada à análise
de temas relevantes na vida dos estudantes, na sociedade da qual fazem parte, na
sua formação enquanto cidadãos, na sua inclusão.
Para que a consecução de tais objetivos seja possível, é preciso adotar uma
visão ampliada dos conteúdos a serem incluídos nos programas de curso para
além das tradicionais ha-
bilidades (ouvir, falar, ler,
entender) e das seqüências ... é preciso adotar uma visão
lexicais e componentes gra- ampliada dos conteúdos a serem
maticais próprios da nor- incluídos nos programas de
ma culta. Dessa forma, um curso para além das tradicionais
conjunto de atos de fala ou habilidades (ouvir, falar, ler, entender)
de funções lingüísticas des-
vinculados de um contexto
amplo tampouco será adequado nem suficiente para alcançar os propósitos do
ensino da língua estrangeira. Todos esses elementos e competências devem assu-
mir o papel de permitir o conhecimento sobre o outro e a reflexão sobre o modo
como interagir ativamente num mundo plurilíngüe e multicultural, heterogêneo.
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – ESPANHOL 151
É isso o que entendemos por não tornar a língua um fim em si mesma e também
por não transformá-la num simples instrumental.
17
No mundo contemporâneo, tão marcado pelos meios de comunicação e informação eletrônicos, é crucial repensar o
conceito de habilidades, como modos culturais de usar a linguagem. Em alguns casos, esses modos se interpenetram e se
superpõem de tal forma que se torna difícil estabelecer fronteiras claras entre eles: a fala invade a escrita e vice-versa; as
linguagens se complementam.
CONHECIMENTOS DE LÍNGUA ESTRANGEIRA – ESPANHOL 153
gua estrangeira, uma vez que poderá explicar o processo nada linear de chegada
à língua estrangeira e as marcas que deixa nas atitudes e na produção dos apren-
dizes. Como mostra Revuz (1998) e retoma Serrani-Infante (ibid.), é preciso ver
quando se está ou não pronto para a experiência do próprio estranhamento.
regional e local, isto é, até que ponto apresentam a língua estrangeira – no nos-
so caso o Espanhol – como um idioma genética e tipologicamente próximo do
Português, posto que a (relativa) proximidade existente entre ambas as línguas,
paradoxalmente, facilita a aprendizagem ao mesmo tempo em que pode ser
causadora de interferências ou mesmo de mal-entendidos, uma questão que
já foi explorada neste documento.
Por fim, é bom ressaltar que, quer sejam escolhidos os materiais dispo-
níveis no mercado, quer sejam os produzidos ad hoc pelos professores, quer
sejam as próprias metodologias, todos se apóiam em pressupostos teóricos
nem sempre suficientemente claros, explícitos, para o professor. Muitas vezes,
essas teorias ou crenças que dão suporte às escolhas feitas operam silencio-
samente, sem que o professor tenha clara consciência delas, de seus funda-
mentos e do que postulam, para garantir a coerência entre o que se pensa e
o que se faz.
É fundamental, portanto, reconhecer o que está por trás de uma metodo-
logia, de um manual, de um material didático para poder, em conseqüência,
não apenas dialogar com esses pressupostos, mas também para não ser presa
do último modelo da moda e de interesses puramente comerciais.
Cabe introduzir aqui uma última e importante reflexão, tomada de Or-
landi (1987), a respeito do papel do livro/material didático, da qual se deve
manter distância. O material didático, que é visto por ela como um elemento
de mediação, sofre, como toda mediação, um processo de apagamento
Vê-se, portanto, que nem o manual adotado nem o material didático delibe-
radamente preparado, qualquer que seja, pode ser transformado num fim, mas
deve ser considerado meio para se chegar a algo que o excede, que vai muito além
dele. Da mesma forma, nem as teorias nem as metodologias podem ser tomadas
como verdades inquestionáveis, objetos de uma profissão de fé. E só é possível
romper essa circularidade do discurso pedagógico que transforma os meios em
fins, como mostra Orlandi (ibid.), por meio da crítica.
156 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
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162 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
Leitores Críticos
Lucia Lobato
Sergio Coelho Borges Farias
José Sávio Oliveira de Araújo
Sérgio Luis Ferreira de Figueiredo
Linguagens, Códigos e
Capítulo
suas Tecnologias
5 CONHECIMENTOS
DE ARTE
INTRODUÇÃO
Revisão histórica
Apresentação das principais tendências pedagógicas, desde a visão tradicional
até as vertentes contemporâneas, contemplando pressupostos teóricos e propos-
tas didáticas relativos às diversas linguagens artísticas – música, teatro, dança,
artes visuais e suas repercussões nas artes audiovisuais e midiáticas. Ao mesmo
tempo em que se busca uma leitura crítica desse processo histórico, pretende-se,
também, resgatar as contribuições desses legados históricos, oferecendo subsí-
dios para o professor localizar e repensar criticamente sua prática sob múltiplos
referenciais.
Proposições
Nesta seção, são levantadas as principais propostas e reivindicações dos professo-
res de Arte, conforme formulado nas suas várias instâncias de representação pro-
fissional, como, por exemplo, a Federação dos Arte Educadores do Brasil (Faeb),
a Associação Brasileira de Educação Musical (Abem) e a Associação Brasileira
de Artes Cênicas (Abrace). Nessa pauta, destaca-se a superação da polivalência,
frisando-se a importância da formação em nível superior de professores espe-
cialistas em cada uma das linguagens artísticas e sua atuação nas escolas de nível
fundamental e médio de acordo com sua qualificação.
Ressalta-se, ainda, a importância da implementação de uma política de ava-
liação contínua e propositiva desses documentos nas instâncias federal, estadual
e municipal, visando, não só a diagnosticar a estrita implantação das propostas,
mas, principalmente, identificar as alternativas e mesmo as divergências que por
ventura tenham escapado às suas formulações curriculares, revelando possibili-
dades que extrapolam seus limites. É fundamental a definição de uma política de
formação de professores de Arte em várias instâncias: graduação, pós-graduação,
formação continuada, bem como o acesso a materiais, equipamentos, informáti-
ca e apoio à participação em eventos da área.
Referências bibliográficas
Por fim, entende-se que essas propostas e suas avaliações dependem de um pro-
cesso contínuo de experimentação e pesquisa. Apresenta-se, assim, uma biblio-
grafia que indica fontes para professores e pesquisadores, relativa às formulações
gerais sobre arte, educação, ensino de Arte e especificamente sobre o trabalho
metodológico com as linguagens, sem pretender exaurir esse repertório, feliz-
mente em expansão graças aos crescentes resultados dos programas de pós-gra-
duação nas diversas áreas do conhecimento.
1 REVISÃO HISTÓRICA
Para responder essa questão, é preciso um olhar histórico sobre as diferentes ini-
ciativas (teóricas, metodológicas, práticas) desenvolvidas no ensino de Arte. Essas
170 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
1.4 Tecnicismo
Centrada no uso de recursos tecnológicos, essa tendência enfatiza o estudo pro-
gramado e o uso de meios audiovisuais e do livro didático. No ensino da arte
predomina o “receituário” de técnicas artísticas ligadas à programação visual e à
publicidade. De fato, naquele momento, a indústria cultural e os meios de comu-
nicação de massa efetivam-se no Brasil, surgindo os telejornais, as novelas e os
projetos de educação de adultos via telecursos.
Dentre as principais críticas à tendência tecnicista, ressaltam-se o formalis-
mo dos conteúdos e a ênfase nos recursos tecnológicos de maneira descontextu-
alizada, ou melhor, sem relação com a realidade do aluno e do professor.
Deve-se observar que a adesão aos recursos tecnológicos, proposta nessa ten-
dência pedagógica, é hoje largamente retomada na educação, particularmente
em relação ao acesso à informática e à comunicação em rede (internet). Obser-
vação que nos permite chamar a atenção no sentido de evitar os reducionismos
do passado, desafio das propostas atuais.
Contudo, o que mais marcou o ensino da arte pensado na perspectiva tecnicis-
ta foi o viés da polivalência implementado pela Lei no 5.692/71. Segundo os PCN:
[...] nas escolas, a arte passou a ser entendida como mera proposição de atividades
artísticas, muitas vezes desconectadas de um projeto coletivo de educação escolar,
e os professores deveriam atender a todas as linguagens artísticas (mesmo aquelas
para as quais não se formaram) com um sentido de prática polivalente, descui-
dando-se de sua capacitação e aprimoramento profissional. Esse quadro esten-
de-se pelas décadas de 80 e 90 do século XX, de tal forma que muitas das escolas
brasileiras de ensino médio apresentam práticas reduzidas e quase ausentes de um
ensino e aprendizagem em música, artes visuais/plásticas, dança, teatro; enfim, de
conhecimento da arte propriamente dita (PCNEN, 2002, p. 91-92).
TEXTO
EMISSOR RECEPTOR
CÓDIGO
CANAL
CONTEXTO
CONTEXTO
APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA
Então,
é possível trabalhar,
no ensino de Arte,
múltiplos usos das linguagens
PRODUÇÃO e RECEPÇÃO
de
textos artísticos
CÓDIGO CANAL
morfologia (elementos básicos exploração dos diversos
das diversas linguagens) materiais, suportes e veículos
sintaxe (modos combinatórios (antigos e atuais, tradicionais e
desses elementos) tecnológicos)
CONTEXTO
do aluno, do texto-obra do professor, da escola,
da comunidade do ensino médio
Contexto do Professor.
Além da bagagem cultural como indivíduo, o professor detém uma cultura pedagógica,
ligada à sua cultura experiência estudantil, sua formação profissional. É a partir dessa
bagagem que as transformações educacionais podem ocorrer.
CONHECIMENTOS DE ARTE 183
3.1.1 Código
Estruturas morfológicas
Ponto, linha, forma, plano, textura, cores (primária, secundária, complementar,
quente, fria) etc.
Estruturas sintáticas
Efeitos de movimento, ritmo, peso e direção visual. Efeitos de volume, profundi-
dade espacial, representação em perspectiva, entre outros.
Esses fundamentos da linguagem visual formam um conteúdo já sedimenta-
do no ensino de artes visuais, o qual é normalmente mencionado nos currículos
de ensino superior e nos programas dos ensinos fundamental e médio. Existe,
também, uma bibliografia sobre o assunto já bastante conhecida, tais como os
CONHECIMENTOS DE ARTE 185
3.1.2 Canal
• Exploração dos materiais e das técnicas tradicionais (desenho, pintura, gra-
vura, escultura), inclusive o aprendizado sobre a fabricação de tintas e de
outros materiais.
• Pesquisa de novos suportes e materiais pela apropriação de elementos do co-
tidiano e reciclagem.
• Exploração dos recursos das novas tecnologias.
3.1.3 Contexto
• Do texto da obra
Para representar a aparência física de uma casa, o registro fotográfico ou o de-
senho em perspectiva são excelentes es-
tratégias. Porém, para construir essa mes-
ma casa, o mestre-de-obras precisa de ... os estilos artísticos
uma planta baixa, desenho sem qualquer representam “visões de
efeito de perspectiva que mostra a exata mundo”, isto é, diferentes
posição e a medida de cada um de seus intenções e valores
cômodos. ligados a convicções e
Portanto, não existe um modo de re- necessidades espirituais,
presentação superior a outro. Ao contrá- políticas, econômicas
rio, os estilos mudam de acordo com sua e sociais das diversas
função, ou seja, o contexto e as intenções culturas e épocas.
de cada obra. É assim nos usos cotidianos
e profissionais da linguagem (arquitetu-
ra, sinalização, design de moda, publicidade, etc.), bem como na arte.
Por isso, é dito que os estilos artísticos representam “visões de mundo”, isto
é, diferentes intenções e valores ligados a convicções e necessidades espirituais,
políticas, econômicas e sociais das diversas culturas e épocas.
• Do ensino médio
A criança inicia seu aprendizado sobre a linguagem visual pela produção de seus
primeiros borrões de tinta na educação infantil, bem como pela recepção das
ilustrações da literatura infantil, dos livros didáticos, das imagens da televisão e
de outros veículos. Esse contato aprofunda-se ao longo do ensino fundamental e
deve tornar-se ainda mais consistente e sistemático no ensino médio.
Para interpretar os textos e as narrativas culturais, deve-se analisar as carac-
terísticas (morfológicas e sintáticas) da imagem ou da obra-de-arte, tal como ela
é percebida pelo jovem a partir de seu próprio quadro de referências culturais.
Porém, o objetivo da escola é ampliar e aprofundar esse olhar, alimentando-o
com outras referências, em um processo de aprendizagem significativa.
Assim, não basta apresentar ao aluno ora uma obra clássica da arte ociden-
tal, ora uma máscara de alguma tradição africana, ora um produto da cultura
de massa. O aluno precisa compreender o contexto de cada uma dessas narrati-
vas, sua história e suas motivações
(funções) sociais. Também é im-
portante relacionar essas diferen- O aluno precisa compreender o
tes narrativas. As formas da arte contexto de cada uma dessas
abstrata são encontradas hoje nas narrativas, sua história e suas
estamparias dos tecidos. A “arte motivações (funções) sociais.
erudita” incorpora elementos da
“arte popular”, e esta também se
transforma, tal como a incorporação de recursos tecnológicos para criar os efei-
tos visuais dos desfiles de escolas de samba.
Para que essas relações aconteçam, deve ser estimulado o espírito de pesqui-
sa, por meio de entrevistas com artistas e outros profissionais, visita a exposições,
consultas na internet, nos livros teóricos, além de relacionar esses temas com as
demais disciplinas do currículo.
Entretanto, essas demandas não podem reduzir o aluno do ensino médio a
um decodificador de imagens. A recepção (apreciação) deve estar sempre aliada à
produção na linguagem visual, por meio das oficinas de arte. Aliás, entre as várias
fases da vida humana, a juventude certamente é a que mais precisa e reivindica a
ação criativa.
fruto da ação concreta do professor com seus alunos. A primeira delas reporta-se à
experiência de ensino desenvolvida pelo professor Henrique Lima na Escola Esta-
dual Nazir Safatle (Goiânia), com alunos de 16 a 45 anos, em 2002.
Tema: Artistas goianos contemporâneos (Cristiane Brandão, Marcelo Solá e
Selma Parreira).
Objetivo: apresentar artistas goianos contemporâneos com inserção no cir-
cuito institucional, mas pouco conhecidos pelos alunos, e realizar a primeira
mostra cultural do turno noturno.
Estratégias adotadas:
a) discussão de textos críticos (jornal, catálogos de exposição, livros) sobre as
biografias dos artistas, as poéticas, os objetos, os elementos visuais e concei-
tuais de seus trabalhos;
b) apreciação de imagens mediada por jogos, tais como: quebra-cabeça das
principais obras, “passa ou repassa” com perguntas referentes aos elementos
que compunham as imagens e os dados biográficos dos artistas;
c) produção de trabalhos pelos alunos explorando os materiais, as técnicas e os
suportes utilizados pelos artistas.
3.2 Teatro
3.2.1 Código
Estruturas morfológicas
Movimento, voz e gesto. Espaço cênico. Texto, gênero e partitura cênica. Funções (atu-
ação, direção, caracterização, iluminação, sonoplastia, figurino, maquiagem, etc.).
Estruturas Sintáticas
Jogos tradicionais e jogos teatrais. Improvisação, interpretação e recepção de ce-
nas. Montagem. Relação entre palco e platéia, etc.
A experimentação da linguagem teatral dá-se mediante o envolvimento
do estudante com os elementos referentes à estrutura dramática (ação/espa-
ço/personagem/público), conforme indicam os elementos arrolados, os quais
não exaurem as inúmeras possibilidades que se apresentam a esse campo in-
vestigativo. Assim, não há um ponto de partida nem muito menos de chega-
da, uma vez que o processo do aprender a estudar e a explorar a linguagem
teatral traduz, por si, os objetivos referentes ao desenvolvimento do currículo
na sala de aula.
A escolha de um conteúdo ou de um determinado agrupamento de conteúdos
favorece o compartilhamento de descobertas, trocas, reflexões e análises das propos-
tas de trabalho do professor.
190 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
3.2.2 Canal
Exploração de procedimentos e formas utilizadas tradicionalmente pela escola,
palco ou rua (dramatização de situações, temas, transposição de textos etc.).
Relacionamento com as mídias cênicas disponíveis na atualidade (cinema, ví-
deo, internet e outros), tendo em vista a compreensão da idéia de autoria, de
encenação, das funções teatrais, dentre outras possibilidades atinentes à lin-
guagem.
Em relação aos canais de criação, veiculação e recepção disponíveis ao en-
sino de Teatro, as possibilidades são tão diversificadas que, parafraseando Lope
de Vega, bastam dois estudantes, um sonho... e obviamente o professor!
A rigor, na própria sala de aula, com todas as dificuldades que se apresentam
ao processo de ensino-aprendizagem, a superação dos limites tradicionalmente
impostos pela técnica da atuação no palco favorece a criação de propostas que
podem ser remetidas à reflexão estética e pedagógica, envolvendo, dialogicamen-
te, a participação direta dos jogadores atuantes e dos observadores. Além disso,
tal como ocorre nas demais linguagens da arte, a interação entre forma e conteú-
do, materiais e suportes, processo e produto são faces de uma mesma moeda,
bem como estratégias de construção cotidiana do currículo.
CONHECIMENTOS DE ARTE 191
3.2.3 Contexto
• Do texto, da obra, da partitura cênica
A elaboração de trabalhos no contexto da sala de aula, a leitura e a adaptação de
textos dramáticos de diferentes gêneros, estilos, épocas, bem como a experimen-
tação de diferentes formas de montagem cênica (tradicionais, tecnológicas, etc.),
são algumas das possibilidades que se apresentam ao trabalho docente.
Nesse sentido, o contato com as propostas de representação dramática presentes
na cultura universal e com suas diferentes narrativas é crucial para o envolvimento
dos estudantes nas atividades de Teatro, sem que sejam priorizados certos pro-
cedimentos em relação a outros, ou seja, sem julgamento de valor entre a “obra”
produzida no âmbito da sala de aula ou fora dela, seja erudita ou popular.
• Do ensino médio
A análise dos fundamentos culturais presentes no jogo ou no espetáculo estabe-
lece uma aproximação entre os códigos da linguagem e os modos pelos quais ela
se manifesta, redundando no estabelecimento de elos entre o produto apreciado
e os dados do receptor. Dessa maneira, no cerne dessa relação instaura-se o pro-
cesso de contextualização (sócio-histórica, antropológica, estética, filosófica etc.)
que favorece a aprendizagem significativa, ou seja, o enlaçamento dos conteúdos
de Teatro aos das demais disciplinas e à realidade.
do teatro, nos estilos e nos autores, da maneira como vem acontecendo, nos úl-
timos anos, em muitas escolas brasileiras, segundo avaliação dos professores do
ensino médio que participaram do processo de elaboração deste documento. Nas
palavras de uma integrante do grupo, o trabalho antes descrito, além de mexer
com muitas questões internas, pessoais, “ leva-nos a refletir sobre a própria vida
e nos ensina a não ignorar mais os problemas” (Adriana Ramos, 17 anos).
3.3 MÚSICA
3.3.1 Código
Estruturas morfológicas
O som. O silêncio e seus recursos expressivos. Qualidades sonoras (alturas, tim-
bres, intensidades, durações). Movimento. Imaginação sonora; idéia de música.
Estruturas sintáticas
Modalidades de organização musical. Organizações sucessivas: de sons e/ou ruí-
dos, linhas rítmicas, melódicas, tímbricas, etc.
Organizações simultâneas: de sons e/ou ruídos, sobreposições rítmicas, me-
lódicas, harmonias, clusters, contrapontos, granular, etc.
Estruturas musicais: células, repetições, variações, frases, formas, blocos, etc. Tex-
turas sonoras: melodias acompanhadas, polifonias, polirritmia, pontilhismos, etc.
Estéticas, estilos e gêneros de organização sonora criados ao longo da his-
tória humana nas diversas sociedades e culturas. Criação, execução e escuta de
músicas.
Tomando como base o processo de comunicação que sustenta a estrutura
deste documento, produzir música e interpretar música implica ações musicais
como criar (improvisar, compor, fazer arranjos), executar (cantar, tocar, dançar)
e escutar. Assim, as estruturas mencionadas anteriormente podem ser trabalha-
das tendo como base a produção e a interpretação musicais. Essas estruturas
constituem materiais e possibilidades de organização de vários idiomas, estilos
ou gêneros musicais. Podem, portanto, ser estudadas a partir de uma ampla gama
de músicas. Por exemplo, explorar a linha rítmica do canto falado do rap; as so-
breposições rítmicas de uma bateria de escola de samba.
Outro aspecto a ser considerado reporta-se ao trabalho com essas estruturas.
No cerne das várias tendências pedagógicas no ensino da Música, há algumas prá-
ticas que se consagraram, mas de modo algum significam a melhor possibilidade,
dependendo do contexto de ensino e aprendizagem. Por exemplo, da proposta
194 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
das oficinas de música vem a idéia de iniciar o trabalho com a exploração sonora
e as qualidades desses sons (altura, timbres, intensidades, durações). Qualquer
estrutura pode ser desencadeadora de um processo de aprendizagem musical. O
que se procura garantir nas tendências pedagógicas atuais é que a aprendizagem
seja significativa, isto é, que tenha sentido para quem aprende.
Outra tendência refere-se ao trabalho no contexto e a partir de contextos mu-
sicais, e não a partir de estruturas isoladas. Trabalhar no contexto musical implica
processos musicais. Por exemplo, improvisar com ritmos; explorar nessa improvi-
sação, além de estruturas rítmicas, diferentes timbres. Trabalhar a partir do contex-
to musical implica partir de produtos
musicais. Por exemplo: depois da es-
cuta de determinada música, discutir Qualquer estrutura pode
seus vários níveis de organização. ser desencadeadora de um
Como se espera que o ensino processo de aprendizagem
médio seja uma continuidade do en- musical.
sino fundamental, é importante ava-
liar que conhecimentos e habilidades
musicais os alunos já construíram. Mesmo que eles não se tenham envolvido
com o ensino de Música anteriormente, suas vivências cotidianas proporcionam-
lhes conhecimentos que devem ser considerados nas aulas.
3.3.2 Canal
Diversas fontes de criação musical:
- o corpo, a voz;
- sons da natureza; sons do cotidiano, paisagens sonoras;
- objetos sonoros diversos, movimentos, texturas;
- instrumentos musicais nas diversas culturas: acústicos, eletroacústicos, ele-
trônicos, novas mídias;
- criação de novas fontes sonoras nas várias estéticas e estilos musicais: instru-
mentos no rock, no rap, na orquestra, na capoeira, no samba, no choro, etc.
3.3.3 Contexto
• Das músicas
Considerar e compreender em que contexto as músicas são criadas, praticadas
e consumidas torna-se extremamente relevante em uma abordagem pedagógica
que valoriza a diversidade da produção humana. Assim, as perguntas a serem fei-
tas com relação a um produto musical são: quem os produziu? Quando? Onde?
Com que finalidade? As idéias, os valores, as crenças, os conhecimentos e in-
tenções dos produtores e dos consumidores de música são importantes para se
compreender a diversidade humana. Igualmente importante é estar atento para
as novas possibilidades de recepção de música, já que os significados não es-
tão preestabelecidos, mas são construídos no momento da própria ação musical
(criar, executar, escutar).
• Do ensino médio
A construção coletiva do currículo que se busca no novo ensino médio encontra
na música uma forte aliada. Em razão do interesse que os jovens têm por música,
a escolha coletiva de temas sobre música a serem trabalhados nas aulas constitui
uma possibilidade interessante.
3.4 Dança
3.4.1 Código
Elementos morfológicos
O corpo humano, entendido como totalidade (mente e físico), ativado e capa-
citado para explorar suas possibilidades de movimento e assim desenvolver-se
como inteligência múltipla.
CONHECIMENTOS DE ARTE 197
Estruturas sintáticas
Organização do movimento a partir da priorização de um dos seus elementos,
como desenho simétrico/assimétrico; velocidade rápida/moderada/lenta; fluxo
solto/conduzido, contínuo/descontínuo; assim como impulso central/periférico.
Organização do movimento a partir da combinação desses elementos, resultan-
do em ações básicas como empurrar, socar, torcer, deslizar, etc. Organização em
grupos funcionais de movimento: gestos, formas de andar, corridas, saltos,
giros, quedas e recuperação. Composição a partir de células, repetições, va-
riações, blocos, cânones, simetrias, assimetrias, polirritmia. Criação a partir
de diversos estímulos: materiais, imaginários, emocionais, factuais, individu-
almente ou em grupo.
Tradicionalmente o tempo, o espaço, a forma e o movimento sempre foram
considerados elementos da dança. É importante lembrar que a forma é, de fato,
o resultado da composição dos aspectos espaciais, temporais e de intensidade
do movimento, não constituindo, portanto, propriamente um elemento. Isso
não significa dizer que não se possa, ou
mesmo se deva pensar, organizar, criar
o movimento em função de sua forma. ... a dança constitui,
Essa seria mais uma possibilidade de então, além de um
organização e estudo do movimento, instrumento para o
incluída nas possibilidades citadas ante- autoconhecimento, um
riormente. instrumento para o
A organização dos elementos da conhecimento do outro
dança compõe a estética da obra, e essa em seu espaço ...
organização variou ao longo da história,
por vezes caracterizando escolas, por
vezes desconstruindo essas caracterizações. Dessa forma, o estudo de seus ele-
mentos é um instrumento eficaz tanto para a experimentação do fazer criativo
na dança quanto para a análise dos estilos e das manifestações culturais dessa
linguagem. Na organização espaço-temporal da dança, o ser humano revela sua
relação com o mundo: a dança constitui, então, além de um instrumento para o
autoconhecimento, um instrumento para o conhecimento do outro em seu espa-
198 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
3.4.2 Canal
O corpo humano, em sua aparição fenomenológica.
O corpo humano virtualizado, digitalizado pelas diversas mídias contempo-
râneas: televisão, vídeo, cinema, computador.
A aparição presencial do dançarino é, ainda hoje, em tempos de virtualiza-
ção intensa – e talvez por isso mesmo –, um aspecto importante dessa linguagem
artística, além de fundamental na função educativa da dança tanto do ponto de
vista do aluno-espectador quanto do aluno-criador. É no instante do “aqui e ago-
ra” que trocas sensoriais, estéticas e éticas se dão entre espectador e dançarino.
O corpo humano virtualizado, no entanto, é um importante canal de expe-
rimentação e pesquisa da dança atual e deve estar presente na educação escolar,
principalmente no ensino médio, quando os alunos deparam mais intensamente
com as mídias citadas anteriormente. Esse “dançar mediado” traz especificida-
des resultantes do diálogo da dança com as demais linguagens, entendendo aqui,
como linguagem, também as novas tecnologias.
3.4.3 Contexto
• Do texto, da obra
Identificar o contexto em que as obras coreográficas são criadas é fundamental
para ampliar a compreensão das relações existentes entre esse contexto e a orga-
nização dos movimentos na obra. Toda composição traz marcas do seu criador,
do seu tempo, dos seus condicionantes. O exercício dessa contextualização, além
CONHECIMENTOS DE ARTE 199
• Do ensino médio
Dar acesso ao conhecimento da diversidade da produção coreográfica, das dife-
rentes formas de organização do código estético-motor praticado por diferentes
culturas e estratos sociais é objetivo fundamental do estudo da Dança. No entan-
to, não se deve privar o aluno adolescente ou adulto das importantes descobertas
que o processo criativo em dança propicia para aquele que o pratica, descobertas
essas que não se extinguem com as primeiras experiências, mas constituem no-
vos desafios e desejos expressivos a cada nova fase da vida humana. Processo e
produto estão em permanente transformação, pois assim está o ser humano, mo-
dificando-se a partir de si, do outro, das influências sociais, culturais, científicas
e, principalmente, a partir do próprio processo criativo.
como disciplina durante muitos anos; mostravam-se também ansiosos por aulas
“prazerosas”, “relaxantes”, “interessantes”, “diferente das outras disciplinas, que
são chatas”, “que ensine a me expressar melhor”, segundo palavras dos próprios
alunos.
Essas observações me fizeram optar por trabalhar, primeiramente, com o
fazer artístico, iniciando o processo de desenvolvimento da consciência corporal
e os primeiros contatos com os elementos da dança para só depois partir para a
fruição, a contextualização e a análise de obras coreográficas, estas referentes tan-
to ao processo histórico evolutivo da dança como também à produção de artistas
locais, numa aproximação muito proveitosa feita com alunos da Escola de Dança
da Universidade Federal da Bahia. Abaixo o planejamento do primeiro semestre,
que teve como tema “‘Eu e o espaço”.
Conteúdos trabalhados: 1) reconhecimento do próprio corpo: forma, limi-
tes, formas de andar, forma do corpo do outro; 2) alinhamento postural; 3) arti-
culações do corpo: pequenas e grandes; 4) espaço: interno, pessoal, interpessoal,
grupal, global, linhas, níveis e zonas; 5) conceito de dança: lato sensu e stricto
sensu; 6) história da dança: das origens à estruturação do balé clássico.
Objetivos específicos: 1) reconhecer a forma do próprio corpo e do corpo do
outro, explorando novas possibilidades posturais, perceber a mecânica do andar
e estimular a busca de diferentes formas para esse deslocamento; 2) reconhecer o
alinhamento postural pessoal, compará-lo à postura “ideal”; 3) identificar o tipo
de movimentação específico da cada articulação, buscar alternativas expressivas
de movimento das mesmas; 4) reconhecer os diferentes espaços, seus limites e
pontos de interseção, ampliar e reduzir o espaço interno observando suas im-
plicações no espaço pessoal e grupal, identificar formas de organização do es-
paço global: linhas, níveis e zonas, organizar criativa e expressivamente o espaço
através do movimento, relacionar o espaço do movimento ao espaço social; 5)
compreender os conceitos de dança, lato sensu e stricto sensu; 6) identificar o
processo evolutivo da dança até a estruturação do balé clássico, contextualizar
esse processo no tocante às características sócio-político-econômico-culturais de
cada momento histórico.
Metodologia: a participação foi a essência da metodologia utilizada, uma
participação baseada em relações não autoritárias entre professor – aluno e entre
aluno – aluno, e estimulada com avaliação diária do processo. Foram utiliza-
dos métodos de observação e reprodução do movimento, principalmente nas
atividades de reconhecimento corporal, mas, de maneira geral, a improvisação
(orientada e livre) e a estruturação de movimentos selecionados a partir dela
foram as estratégias privilegiadas em todo o curso. E mais: leitura e discussão
CONHECIMENTOS DE ARTE 201
4 PROPOSIÇÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CADERNOS DE PESQUISA EM TEATRO. Rio de Janeiro: Unirio.
FOLHETIM – TEATRO DO PEQUENO GESTO. Rio de Janeiro.
O PERCEVEJO – REVISTA DE TEATRO, CRÍTICA E ESTÉTICA. Rio de Janei-
ro: Unirio – programa de Pós-graduação em Teatro.
OPUS – Revista Eletrônica da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação
em Música / Anppom.
REPERTÓRIO TEATRO E DANÇA. Salvador: UFBA – Programa de Pós-gradu-
ação em Artes Cênicas.
REVISTA DA ABEM – Associação Brasileira de Educação Musical.
SALA PRETA. São Paulo: USP – Departamento de Artes Cênicas.
URDIMENTO. Florianópolis: Universidade Estadual de Santa Catarina.
http://pages.udesc.br/~c7apice/800x600/home.php
Rede Arte na Escola
http://www.artenaescola.org.br/pesquise_artigos_texto.php?id_m=
Revista Art&
http://www.revista.art.br/
UNESCO – Conferência Regional sobre Arte-Educação na América Latina e
Caribe
http://www. unesco.org/culture/creativity/education/html_eng/latam.html
CONHECIMENTOS DE
EDUCAÇÃO FÍSICA
Consultores
Antonio Carlos Moraes
Admir Soares de Almeida Jr.
Cláudio Márcio Oliveira
Kefren Calegari dos Santos
Lívia Tenório Brasileiro
Nara Rejane Cruz de Oliveira
Leitores Críticos
Elenor Kunz
José Ângelo Gariglio
Eliene Lopes Faria
Linguagens, Códigos e
Capítulo
suas Tecnologias
6 CONHECIMENTOS DE
EDUCAÇÃO FÍSICA
INTRODUÇÃO
Art. 2º. A organização curricular de cada escola será orientada pelos valores
apresentados na Lei 9.394, a saber:
Art. 3º. Para observância dos valores mencionados no artigo anterior, a prática
administrativa e pedagógica dos sistemas de ensino e de suas escolas, as formas de
convivência no ambiente escolar, os mecanismos de formulação e implementa-
ção de política educacional, os critérios de alocação de recursos, a organização do
currículo e das situações de ensino aprendizagem e os procedimentos de avaliação
deverão ser coerentes com princípios estéticos, políticos e éticos, abrangendo:
Esses diversos usos feitos pelos alunos (muitas vezes a despeito da figura do
professor) também estão carregados de valores, sentimentos, subjetividade. O en-
tendimento que os alunos têm de si mesmos; do seu corpo e do corpo dos outros;
de seus valores e posicionamentos éticos e estéticos; de seus projetos de vida pessoal
e do lugar que a escola ocupa nesses projetos: todas essas questões constroem o
papel da Educação Física e dos lugares que pode ocupar na vida dos alunos.
Diante dessa pluralidade de usos da Educação Física na escola, cabe aqui
uma tomada de posição acerca da sua contribuição na formação dos alunos.
Essa tomada de decisão, que não se dá pela via do consenso, é fruto de toda
uma série de debates que o campo da Educação Física vem realizando desde
o final da década de 1980. É fruto também dos debates e dos encontros que
antecederam a produção do presente documento. Tratar o lugar da Educação
Física na escola de ensino médio requer a consideração de alguns pontos de
partida fundamentais para a compreensão das perspectivas dessa disciplina
nessa etapa da educação básica.
Um primeiro ponto de partida diz respeito ao lugar das práticas corporais no
processo educativo. A leitura da realidade pelas práticas corporais permite fazer
com que essas se tornem “chaves de leitura do mundo”. As práticas corporais
dos sujeitos passam a ser mais uma linguagem, nem melhor nem pior do que as
outras na leitura do real, apenas diferen-
te e com métodos e técnicas particulares.
Pode-se dialogar em uma aula de Educa- A leitura da realidade
ção Física com outras linguagens, como pelas práticas corporais
a escrita ou a linguagem audiovisual. Po- permite fazer com que
rém, as práticas corporais possuem valores estas se tornem “chaves
nelas mesmas, sem a necessidade de serem de leitura do mundo”.
“traduzidas” para outras linguagens para
obter o seu reconhecimento. Estão dire-
tamente ligadas a uma formação estética, à sensibilidade dos alunos. Por meio
do movimento expressado pelas práticas corporais, os jovens retratam o mundo
em que vivem: seus valores culturais, sentimentos, preconceitos, etc. Também
“escrevem” nesse mesmo mundo suas marcas culturais, construindo os lugares
de moças e rapazes na dinâmica cultural. Por vezes, acabam eles próprios se tor-
nando “modelos culturais”, nos quais uma certa “idéia de juventude” passa a ser
experimentada, copiada e vivida também por outras gerações.
O diálogo das práticas corporais realizadas com outras linguagens, discipli-
nas e métodos de ensino deve respeitar as práticas corporais como sendo elas
mesmas um conjunto de saberes. Os saberes tratados na Educação Física nos
CONHECIMENTOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA 219
dentro como fora da escola, pela ação dos sujeitos concretos, professores e alu-
nos: pessoas de “carne e osso” que constroem seu dia-a-dia e interferem na vida
social a partir do seu cotidiano.
Ver a escola como espaço sociocultural remete às seguintes questões:
1) Que projeto cultural queremos construir?
2) Quem são os sujeitos a quem destinamos nosso trabalho?
3) Que escolhas devem ser privilegiadas no processo de escolarização das pessoas?
e étnico.
Entendemos que um dos papéis da Educação Física é compreender e dis-
cutir junto a esses jovens os valores e significados que estão por trás dessas prá-
ticas corporais. A título de exemplo, as
experiências que alguns alunos trazem
de academias de ginástica, dança e lu- ... um dos papéis da
tas e de clubes esportivos muitas vezes Educação Física é
não são experiências interessantes a compreender e discutir
ponto de serem reproduzidas na escola. junto a esses jovens os
Na maioria das vezes tais experiências valores e significados
são alvos de críticas severas no que se que estão por trás dessas
refere à acentuada característica merca- práticas corporais.
dológica e ao discurso da mídia. Assim,
as relações existentes entre as práticas
corporais (jogos, esporte, dança, etc.) e os valores e modelos transmitidos pelos
meios de comunicação de massa também podem constituir tema de investigação
e ensino por parte da Educação Física junto a seus professores e alunos.
Por outro lado, existem alunos que são excluídos das possibilidades de re-
alização de uma série de práticas corporais. Tal realidade justifica-se na maio-
ria das vezes pela mesma razão mercadológica. O acesso é restrito à capacidade
econômica da maioria, os produtos incorporados à idéia da prática ideal e de
pertencimento de grupo, nem sempre verdadeiros quanto à sua eficácia e neces-
sidade, são inacessíveis. Assim, o desafio de primeira hora passa a ser a disciplina
se transformar num componente curricular que privilegie a movimentação dos
jovens no sentido oposto ao discurso da competição de mercado, aos modismos
acerca do corpo e às práticas prontas e vendidas.
faça parte e até justifique, de certa maneira, a política de ensino médio na educação
escolar moderna. Queremos, sim , destacar que as questões sobre o esforço e o repou-
so corporal devem fazer parte de uma discussão acerca do mundo do trabalho. O que
é bem diferente dos discursos que tratam de uma falsa relação funcional direta entre
as práticas corporais vivenciadas na escola como forma de compensação e adaptação
às atividades desempenhadas no processo produtivo do trabalho diário.
Em função disso, gostaríamos de pensar o lugar da Educação Física nesse
projeto de escolarização. Na perspectiva de escola e de sujeitos apresentada:
• qual seria o papel da Educação Física?
• que novas perspectivas podemos apontar para a Educação Física como com-
ponente curricular?
A Educação Física no contexto escolar possui uma particularidade em rela-
ção aos demais componentes curriculares. Trata-se de um componente que con-
tribui para a formação do cidadão com instrumentos e conhecimentos diferen-
ciados daqueles chamados tradicionais
no mundo escolar. O conhecimento da
Educação Física é socializado e apro- A Educação Física no
priado sob manifestação de conjunto contexto escolar possui
de práticas, produzidas historicamen- uma particularidade
te pela humanidade em suas relações em relação aos demais
sociais. Portanto, trata-se de uma área componentes curriculares.
de conhecimento que exige espaços e
tempos diferenciados dos espaços e dos
tempos tradicionalmente tratados na escola, uma prática que exige ambiente fí-
sico amplo, arejado, protegido do excesso de sol e da chuva, equipado com ma-
teriais apropriados, que requer ajustes circunstanciais para o desenvolvimento
dos temas específicos. Essa estrutura física vai além dos muros das escolas, com
a disciplina interagindo com a comunidade escolar, podendo explorar espaços
para além dos espaços escolares, como ruas, rios, praias, praças públicas, cacho-
eiras, montanhas, etc.
O que se espera é que os alunos do ensino médio tenham a oportunidade
de vivenciarem o maior número de práticas corporais possíveis. Ao realizarem a
construção e vivência coletiva dessas práticas, estabelecem relações individuais e
sociais, tendo como pano de fundo o corpo em movimento. Assim, a idéia é de
que esses jovens adquiram maior autonomia na vivência, criação, elaboração e
organização dessas práticas corporais, assim como uma postura crítica quando
esses estiverem no papel de espectadores das mesmas. Espera-se, portanto, que os
saberes da Educação Física tratados no ensino médio possam preparar os jovens
CONHECIMENTOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA 225
para uma participação política mais efetiva no que se refere à organização dos
espaços e recursos públicos de prática de esporte, ginástica, dança, luta, jogos
populares, entre outros.
Dessa forma, a Educação Física no currículo escolar do ensino médio deve
garantir aos alunos:
• acúmulo cultural no que tange à oportunização de vivência das práticas cor-
porais;
• participação efetiva no mundo do trabalho no que se refere à compreensão
do papel do corpo no mundo da produção, no que tange ao controle sobre o
próprio esforço e do direito ao repouso e ao lazer;
• iniciativa pessoal nas articulações coletivas relativas às práticas corporais
comunitárias;
• iniciativa pessoal para criar, planejar ou buscar orientação para suas próprias
práticas corporais;
• intervenção política sobre as iniciativas públicas de esporte, lazer e organiza-
ção da comunidade nas manifestações, vivência e na produção de cultura.
6 SOBRE OS CONTEÚDOS
O currículo escolar não pode ser considerado algo dado, natural, como se sem-
pre existisse da mesma forma. Currículo escolar é sempre fruto de escolha e de
silenciamentos, ou seja, fruto de uma intenção. É impossível a qualquer escola
dar conta da totalidade dos conhecimentos e dos saberes construídos pela huma-
nidade. O tratamento de qualquer saber na escola é um processo de seleção cul-
tural, de um recorte de quais aspectos da cultura trataremos junto com os alunos,
o que vai ser explicitado ou não nos nossos processos de formação.
Esse processo de escolha/seleção nunca foi simples. É intencional e político e,
como tal, é sempre resultado de conflitos e lutas de poder realizados pelos atores
dentro e fora da escola. Longe de um simples consenso, currículo é campo de
luta: luta por quais saberes, valores e formas de socialização farão parte da vida
dos alunos.
Um exemplo emblemático dessas escolhas e desses silenciamentos ocorre no
campo das relações étnico e raciais. A forma de tratar ou de ocultar temas como
a escravatura, o racismo e as desigualdades que ainda persistem nas relações étni-
cos e raciais espelha o posicionamento político que a escola tem dessas questões.
No caso específico da Educação Física, não são poucos os casos de um currículo
escolar que privilegie apenas as práticas corporais de origem européia ou norte-
americana, notadamente os esportes. Ao escolher abordar ou não práticas corpo-
226 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
ção como princípio das relações educativas. A competição ganha tal força como
se essa fosse a única maneira de se promover a formação das pessoas, em especial
dos nossos jovens.
A hegemonia da esportivização, que ao longo da história desempenhou pa-
péis distintos, muitas das vezes a serviço da indústria cultural, acabou por gerar
o processo de seleção de poucos para as práticas. Vários foram os discursos que
sustentaram esse modelo esportivo tal como
está colocado na nossa sociedade: o discurso
da necessidade de se ter um “país olímpico”, A hegemonia da
no qual nossos “heróis” seriam um exemplo esportivização, que
para crianças e jovens e motivo de “orgulho ao longo da história
da nação”; o discurso econômico no qual o desempenhou papéis
consumo de produtos e serviços, bem como distintos, muitas das
do próprio espetáculo esportivo é gerador de vezes a serviço da
emprego e renda; o discurso da prática espor- indústria cultural ...
tiva como solução para problemas de saúde,
uso de drogas e outras mazelas sociais. Dessa
forma, entendemos que a análise, a investigação e a desconstrução dessas “fal-
sas certezas” podem ser uma grande contribuição a ser dada por nós, professo-
res de Educação Física.
Esse modelo foi transferido para o interior da escola e introduziu na Edu-
cação Física uma relação que transformou todas as práticas corporais em espor-
tes. A capoeira, guardiã do jogo, da brincadeira, do faz-de-conta que luta mas
joga com o outro, que simula um golpe e tira o outro para dançar, e que tem
uma vinculação étnico e racial com o percurso e o lugar da negritude em nosso
país acabou em algumas escolas, ensinada sob o controle da esportivização, com
regras e pontuações. Esse tipo de prática foi sustentada até mesmo por jogos
promovidos pelo poder público. Tal como a capoeira, a dança, a ginástica, as
lutas e até as brincadeiras de tribos indígenas receberam os códigos do processo
esportivizante. Códigos esses marcados, entre outras coisas, pela padronização de
meios e técnicas (inibindo o surgimento de práticas criativas), institucionaliza-
ção e burocratização das práticas, primazia da medida de escores e placares sobre
os sentimentos/subjetividade das pessoas.
O advento da esportivização proporcionou à Educação Física escolar alguns
modelos de aulas que eram, sobretudo, cópias das tarefas de iniciação e treina-
mento esportivo. No caso do ensino médio, ficou configurada a existência de
aulas pautadas em: a) ensino de gestos determinados pela performance de alguns
atletas; b) fixação do gesto, assimilado pela repetição; c) aprimoramento técnico
232 ORIENTAÇÕES CURRICULARES PARA O ENSINO MÉDIO
8.1 Sites
Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte
www.cbce.org.br
Núcleo Brasileiro de Dissertação e Teses
www.nuteses.ufu.br
Boletim Brasileiro de Educação Física
www.boletimef.org
Centro Esportivo Virtual
www.cev.org.br
Observatório da Juventude
www.fae.ufmg.br/objuventude
CONHECIMENTOS DE EDUCAÇÃO FÍSICA 237
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS