Prevenção e Promoção
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Prevenção e Promoção
ISBN 978-85-363-0166-2
CDU 616.314-002/.87
bucal forem enfatizados, com o passar do tem- Romano que descreve “ capacidade de o orga-
po serão internalizados, contribuindo segura- nismo manter o equilíbrio no qual está razoa-
mente para a manutenção da saúde bucal da velmente livre de dor, desconforto, incapacida-
população, parte importante da saúde do ser de ou limitação de ação, incluindo capacidade
humano integral. social” (Bastos e colaboradores, 2001). Deve ser
ressaltado que, para se fazer educação em saú-
de, é necessário saber em primeiro lugar o que
SAÚDE significa “saúde”. De acordo com os conceitos
e definições aqui apresentados, pode-se perce-
“Saúde é um estado de completo bem-estar fí- ber o quanto é necessário estudar para que se
sico, mental e social e não apenas a ausência de possa compreender adequadamente tais asser-
doença ou de enfermidade”. A definição de saú- tivas e passar a utilizar tais conhecimentos em
de, da Organização Mundial da Saúde, é uma prol da comunidade. Pelas definições explicita-
velha conhecida da comunidade acadêmica in- das (e ainda há muitas outras), pode-se antever
ternacional. Diversas críticas têm sido feitas os cuidados que devem ter os profissionais para
quanto a ser muito abstrata e excessivamente o perfeito entendimento de termos como
simples. Também pode-se interpelar o sentido “bem-estar”, “ritmo”, “adaptação continuada”,
de “bem-estar”, de “saúde”, de “doença” e de “vida frutífera e criativa”, “equilíbrio apropria-
“enfermidade”. Não explica como pode ser do” ou “insatisfação”, dentre tantos outros, para
medida nem a importância de quem a tem. possuir o domínio cognitivo de base e poder
Outras definições são ainda mais complexas para passar seus conhecimentos para indivíduos que
os cientistas e os pesquisadores. Assim é que deverão mudar seu comportamento no sentido
Spencer (1980) conceitua uma “perfeita adap- de manutenção do seu adequado estado de saú-
tação de um organismo ao seu ambiente”. Wylie de. Os resultados positivos estão diante da co-
(1970), ainda acrescenta “(...) perfeita e conti- munidade, de todos nós, basta observar o per-
nuada(...)”, enquanto Sigerist se alonga: “nós centual crescente de indivíduos vacinados na po-
todos vivemos em um ritmo determinado pela pulação, principalmente devido aos programas
natureza, cultura e hábitos. Dia e noite se alter- educativos governamentais veiculados no rádio
nam num fluxo sem fim e nós próprios nos con- e na TV. Quando um programa educativo é bem-
formamos a esse ritmo, acordando e dormin- planejado e tem apoio, embasamento científico
do, trabalhando e descansando... Um ritmo inal- forte e linguagem inteligível adequada para o
terado significa saúde... a doença então inter- grupo que recebe a mensagem, certamente al-
rompe abruptamente esta estrutura” (2001). cançará os resultados esperados (Bastos e co-
Outras definições, inteligíveis para uma par- laboradores, 2001).
cela mínima da população, portanto, longe do
alcance de sua maioria, podem ser citadas, den-
tre elas a de Hoyman de que “saúde é um ajus- SAÚDE BUCAL
tamento pessoal ótimo para uma vida comple-
ta, frutífera e criativa” (Bastos e colaboradores, O conceito de saúde bucal é uma abstração útil. A
2001). Como explicar isso para uma população rigor, saúde é um estado do indivíduo que não pode
carente até de recursos materiais para sua pró- subsistir com saúdes parciais dos diversos órgãos e
pria subsistência? Como levar conhecimentos sistemas. No entanto, para efeitos práticos, o con-
básicos de saúde e motivar uma parcela popu- ceito de saúde parcial, particularmente de saúde
lacional e significativa no Brasil e em grande bucal, serve para identificar objetivos parciais em
parte do mundo, com base em definições de programas de saúde, desde que não se perca de vis-
saúde que falem em “vida completa, frutífera e ta a limitação desse conceito. A expressão “bucal”
criativa”? O que seria uma vida “frutífera”, por será utilizada em vez de “dentária”, atendendo à
exemplo? Para alguns seria o fato de gerar mui- responsabilidade do cirurgião-dentista que deve in-
tos filhos, para outros a posse de muitas terras cluir muito além dos dentes e das estruturas adja-
e uma colheita farta anual, quem sabe a colhei- centes que os suportam. A área de interesse na odon-
ta de muitos frutos? tologia pode ser definida como o “estado de com-
A missão de um educador de saúde pública pleta normalidade e eficiência funcional dos dentes
fica mais complexa ao lidar com a definição de e das estruturas de suporte e também das partes
120 Antonio Carlos Pereira & Colaboradores
circundantes da cavidade bucal e das várias estrutu- foi iniciada a colocação de flúor nos dentifrícios
ras relacionadas à mastigação e ao complexo maxi- em todo país, fazendo supor que o índice CPOD
lofacial”. A saúde bucal, como estado de harmonia, declinasse ainda mais. De fato isso aconteceu.
normalidade ou higidez da boca, só tem significado Outras cidades, como Bauru e Piracicaba, no
quando acompanhada, em grau razoável, de saúde Estado de São Paulo, demonstraram também uma
geral do indivíduo (Chaves, 1988). redução na prevalência de cárie dentária, confor-
O Relatório Final da I Conferência Nacional me as Figuras 6.1 e 6.2.
da Saúde Bucal (1986) afirma que “a saúde bucal é Se consideramos o perfil epidemiólogico da
parte integrante e inseparável da saúde geral do in- cárie dentária da cidade de Bauru, tomada aqui
divíduo, estando diretamente relacionada com as como exemplo, pode-se verificar que houve um
condições de alimentação, moradia, trabalho, ren- declínio de 60% no índice CPOD médio para a
da, meio ambiente, transporte, lazer, liberdade, aces- idade de 12 anos de 1976 (CPOD=9,89) para
so e posse da terra, acesso aos serviços de saúde e à 1990 (CPOD=3,97) e de 85,44% entre 1976 e
informação” e que “a luta pela saúde bucal está inti- 2001 (CPOD=1,44), após 25 anos de fluoreta-
mamente vinculada à luta pela melhoria de fatores ção da água de abastecimento.
condicionantes sociais, políticos e econômicos, o que
caracteriza a responsabilidade e dever do Estado em
sua manutenção” (Bastos e colaboradores, 2001). PROMOÇÃO DE SAÚDE
No que diz respeito ao modo de organização
dos serviços locais dentro do sistema brasileiro A odontologia, ao longo da história, pautou-se na
de saúde bucal, muitos desafios deverão ser su- evolução do processo saúde/doença, buscando
perados, quer pelos próprios gestores quer pela atuar nos níveis de prevenção e intervindo o mais
própria população, cuja participação nas decisões precocemente possível, sendo que a promoção
das políticas de saúde se faz necessária para que
verdadeiramente as necessidades da população
assistida sejam amenizadas.
10 9,89
Os estudos epidemiológicos retrospectivos
mostram que, 30 a 40 anos atrás, países como a 9
Noruega, a Finlândia e a Suécia, entre outros, 8
7,01 1976
apresentavam tanto ou mais cárie dentária que o 7
6 1984
Brasil, em número e severidade de lesão. No en-
tanto, em decorrência dos seus programas pre- 5 1990
4 3,97 4,13
ventivos e educativos conseguiram controlar a 3,42 1995
doença alcançando índices próximos de 1 mesmo 3
1998
antes do ano 2000, atingindo precocemente as 2 1,44
1 2001
metas da OMS para 2010.
Em 24 de maio de 1974, foi sancionada a Lei 0
Bauru
nο 6.050, a respeito da fluoretação de água de
abastecimento público no Brasil, constituindo-se Bauru – fluoretada desde 1975.
o método de escolha em odontologia de saúde FIGURA 6.1 Gráfico do índice CPOD em crianças de 12 anos
pública no Brasil. Acrescente-se que, em 1989, de idade, no período de 1976-2001, Bauru, SP.
determinantes, como amigos ou colegas, também ção entre o paciente e o profissional de saúde
desempenham uma função na formação de atitu- bucal, conforme demonstrado na Figura 6.3.
des, de convicções e de valores individuais sobre Bervique e Medeiros (1983; 1985) propõem
a saúde bucal e os cuidados que ela exige. Por isso, quatro estágios do desenvolvimento da atitude
parece importante utilizar o meio social ao pro- preventiva do indivíduo na proteção e na promo-
mover a saúde bucal. A promoção de higiene bu- ção em saúde como sendo objeto da preocupa-
cal não pode ter sucesso se conduzida imaginan- ção familiar, escolar, pessoal e social:
do que a pessoa vive isolada do mundo, porque
as escolhas pessoais são determinadas por um 1. Estágio familiar – Considerando a família como
certo grau de fatores ambientais. a unidade básica da sociedade, responsável
Inglehart e Tedesco (2000), em 1995, descre- pelo preenchimento de certas necessidades sa-
veram que o modelo de promoção de saúde bu- nitárias e, conseqüentemente, pelo desenvol-
cal do novo século começa pela análise da intera- vimento do primeiro estágio da atitude pre-
Ambiente
• Aspectos objetivos permanentes (como situação socioeconômica; fato-
res estressantes crônicos)
• Aspectos objetivos temporários (como acontecimentos estressantes na
vida)
• Aspectos sociais (como serviço social de saúde bucal)
Afetivo Cognitivo
• Sentimentos (como medo de • Conhecimento
dentista; auto-estima) • Convicções
• Valores (como importância da – convicções em saúde bucal
saúde bucal)
– convicções em saúde geral
• Motivação
– convicções existenciais
(como crenças religiosas)
Indivíduo e os cuidados – convicções pessoais
com a saúde bucal • atitudes
(especialmente cuidados com a • expectativas
saúde bucal, como escovação e
• intenções
uso do fio dental)
Comportamento
• Comportamento antigo
• Habilidade psicomotora
• Comportamento pessoal (com dieta e tabagis-
mo)
• Comportamento relacionado com saúde bucal
(como bruxismo) FIGURA 6.3 Mo-
delo de promoção
de saúde bucal do
novo século. (Fon-
Tempo: X ________________________________________________________________ X te: Inglehart e Te-
Nascimento Morte desco, 1995.)
Odontologia em Saúde Coletiva 123
ventiva, é nesse ambiente que a criança passa, indivíduo reconhecerá no ambiente os recur-
quase integralmente, os seus cinco primeiros sos materiais, humanos e institucionais com
anos. Isso significa que a família deve ser edu- que pode contar para preservar o equilíbrio
cada a fim de que na própria dinâmica da vida do seu “bem-estar físico, mental e social”. É
familiar comece a educação para a saúde, que, fundamental que os serviços de saúde da co-
em última instância, nada mais é do que o pro- munidade, sejam públicos ou privados, tenham
cesso pelo qual se desenvolve a atitude pre- pessoal disponível, preparado técnica e cien-
ventiva nas pessoas, visando conservar a saú- tificamente, para orientar e acompanhar o pro-
de e evitar a doença. Sendo a criança essen- cesso de desenvolvimento de atitudes para a
cialmente intuitiva e captativa, introjetará com manutenção da saúde.
facilidade tudo o que observa no ambiente,
passando a expressar as suas necessidades e O processo de educação em saúde bucal re-
os modos de perceber as coisas conforme as quer, por parte dos profissionais envolvidos, o
experimentou no meio familiar. A atuação da conhecimento do que é educação e de como ela
família no desenvolvimento da consciência da se processa.
importância de hábitos saudáveis na formação
da criança começa a sofrer influência externa
à medida que ela cresce e passa a se relacio- EDUCAÇÃO
nar com outros grupos quando vai para a es-
cola. A palavra “educar” origina-se do latim educare,
2. Estágio escolar – A escola é parte da comuni- que significa conduzir de um estado a outro, é
dade de onde procede a criança, e essa leva modificar numa certa direção o que é suscetível
para o ambiente escolar toda sua experiência de educação (Aranha, 1998). O ato pedagógico
do meio em que vive (pais, vizinhos, grupo com pode então ser definido como uma atividade sis-
que brinca) em termos de atitudes, de cren- temática de interação entre seres sociais, tanto
ças, de valores e de expectativas. Sendo a saú- em nível intrapessoal como em ambiental, intera-
de do educando um dado importante a ser ção essa que se configura em uma ação exercida
considerado pela escola, a instituição deverá sobre o sujeito ou grupos de sujeitos, visando pro-
contar com um calendário organizado que fa- vocar neles mudanças tão eficazes que os tornem
voreça o desenvolvimento de programas edu- elementos ativos dessa própria ação exercida. Por-
cativos e preventivos, havendo necessidade da tanto, estabelece-se a inter-relação, no ato peda-
compreensão e da colaboração por parte do gógico, de três componentes: um agente (alguém,
professor para que eventos como a Semana um grupo, um meio social), uma mensagem trans-
da Boa Alimentação, a Semana da Nutrição e mitida (conteúdos, métodos, automatismos, ha-
Saúde, a Semana da Saúde Bucal, o Pelotão da bilidades) e um educando (aluno, grupo de alu-
Higiene e muitos outros, possam ser organi- nos, uma geração).
zados estimulando o aprendizado. A escola, Para que se consiga entender o processo edu-
como instituição social, representa certo grau cacional, além da conceituação é preciso abordar
de formalização de atitudes dos membros que dois componentes importantes da educação. Esse
a compõem, portanto, o professor é peça im- processo baseia-se na percepção e na motivação
portante para que se obtenha sucesso em pro- despertada pelo educador no educando. A per-
gramas escolares. cepção é um processo organizacional, seletivo e
3. Estágio pessoal – Acredita-se ser na adoles- interpretativo, em que cada ser humano é provi-
cência o início do desenvolvimento da atitude do de orientação perceptiva decorrente de suas
preventiva de modo consciente e intencional potencialidades, derivadas de sua personalidade
e, conseqüentemente, o início da valorização e em parte da cultura e do meio em que adquiriu
da própria saúde, decorrente de uma motiva- sua orientação perceptiva, portanto, a percepcão
ção subjacente, na qual o adolescente associa é peculiar a cada um. Sendo assim, dois aspectos
saúde com aparência, força, poder e prestí- devem ser salientados: esse impulso dinâmico faz
gio. com que certo indivíduo acentue, outro rejeite e
4. Estágio social – É importante para a sedimen- ainda um terceiro deturpe uma mensagem rece-
tação e a manutenção daquilo que veio sendo bida e que, com relação à saúde, o problema não
desenvolvido a partir do nível familiar, onde o é tanto mudar percepções, mas sim criá-las. A