Desenho Urbano (Contemporâneo No Brasil)
Desenho Urbano (Contemporâneo No Brasil)
Desenho Urbano (Contemporâneo No Brasil)
Traduzido de
CONTEMPORARY URBANISM IN BRAZIL BEYOND BRASÍLIA,
First edition
Copyright © 2009 by Vicente del Rio and William Siembieda
All rights reserved
Gainesville: University Press of Florida, 2009
ISBN: 978-0-8130-3536-9
Travessa do Ouvidor, 11
Rio de Janeiro, RJ __ CEP 20040-040
Tels.: 21-3543-0770 / 11-5080-0770
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“Eu sempre quis visitar o Brasil, mas depois de ler (este livro)
sinto-me desencorajado. Antes, eu poderia ter feito uma
viagem rápida, talvez um ecotour na Amazônia seguido por
uns dias no Rio, mas agora preciso de várias semanas para
visitar meia dúzia de grandes cidades brasileiras (...) Este livro
é uma coleção estimulante de artigos de urbanistas e
arquitetos brasileiros, e lida não apenas com urbanismo
contemporâneo no seu país, mas também com a história que
levou ao urbanismo que hoje é contemporâneo.”
Frank Gruber, jornalista do The Huffington Post
BIBLIOGRAFIA
Prefácio da Edição Brasileira
O Livro
Desenho Urbano Contemporâneo no Brasil é uma investigação
sobre como as cidades brasileiras superaram a hegemonia do
paradigma modernista e estão sendo moldadas no alvorecer do
século XXI. Com doze estudos de caso em oito cidades, nossos
colaboradores discutem os avanços, acertos e erros da prática do
desenho urbano, assim como o papel e as relações políticas e
sociais que definem o seu contexto. Os estudos de caso nos
mostram que o desafio mais importante para o desenho urbano
contemporâneo no Brasil – e, de forma similar, para a maioria dos
países em desenvolvimento – é auxiliar na construção de uma
cidade mais igualitária, que ajude a costurar as lacunas espaciais e
econômicas entre os diversos grupos sociais e entre os domínios
do público e do privado. Pela experiência brasileira pode-se
perceber como modernismo e pós-modernismo convivem e
interagem para formar novas lógicas de utilização do espaço
urbano.
Com o desmoronamento do paradigma modernista, o
desmantelamento do regime militar e o retorno à democracia no
Brasil em meados dos anos 1980, o urbanismo brasileiro começou
a perseguir um novo paradigma e novos modelos para responder
às pressões dos desafios políticos, econômicos e sociais nos
níveis global, nacional e local. A despeito das desigualdades
sociais causadas por um desenvolvimento historicamente
desequilibrado, e mais recentemente pela globalização e pelo
liberalismo, o desenho urbano brasileiro evoluiu para além do
modelo de Brasília e seu modernismo, tornando-se mais eficaz na
resposta às demandas sociais.
As perspectivas e soluções inovadoras da experiência brasileira
proporcionam muitas lições a serem aprendidas, particularmente
no que se refere ao papel das agências estatais e de planejamento
na redução das desigualdades sociais, na resposta às demandas
da comunidade e em garantir o acesso a um domínio público
pluralista. Ao menos em tese, embora seja importante fazer notar,
como fez com propriedade Jones (2004), que o Brasil é o único
país na América Latina – e talvez um dos poucos no mundo –
onde, após a redemocratização, seguiu-se um processo decisivo
sobre que tipo de espaço urbano seria compatível com uma noção
mais inclusiva de cidadania. A Constituição Federal de 1988 inclui
uma visão da função social da propriedade e da cidade, assim
como artigos sobre políticas urbanas e ambientais. O Estatuto da
Cidade de 2001 (Lei Federal no 10.257) responde aos objetivos
constitucionais e regula sua provisão, estabelecendo um quadro
legal bastante progressista para a definição e o controle do
desenvolvimento urbano e o uso do solo. Tanto a Constituição
quanto a lei resultaram de longos debates nacionais em torno da
“reforma urbana” e proporcionam aos municípios ferramentas
fundamentais para a construção de cidades melhores e mais
justas. Essas são mudanças essenciais: como Lefebvre (1968)
afirma, o direito à cidade é uma forma superior de direitos
humanos.
É desnecessário lembrar que este livro não pretende prover uma
visão enciclopédica ou absoluta sobre o desenho urbano
contemporâneo no Brasil. Não apenas pela complexidade do tema,
suas múltiplas facetas e diferentes prismas pelos quais se pode
estudá-lo, mas também porque seria uma tarefa hercúlea, dado o
imenso território de nosso país, com quase 87% de seus mais de
190 milhões de habitantes vivendo em cidades e áreas urbanas,
espalhadas em 5.570 municípios (2013). No presente trabalho
interessou tentar identificar as principais tendências do desenho
urbano contemporâneo brasileiro e cidades e experiências
representativas. Como organizadores e colaboradores, esperamos
que os leitores se beneficiem das discussões aqui apresentadas e
que elas contribuam para o avanço do desenho urbano e o debate
sobre a qualidade das cidades não apenas no Brasil, mas em
outros países.
Estrutura do Livro
Inegavelmente, encontramos várias mudanças positivas no
desenho urbano brasileiro contemporâneo. Muitas cidades estão
investindo na remodelação do domínio público por meio de
diversas abordagens que provam que o modernismo e o pós-
modernismo realmente coexistem. Um aspecto positivo do
urbanismo contemporâneo brasileiro é o uso de forças
complementares advindas tanto do modernismo quanto do pós-
modernismo.
O livro se inicia com uma discussão sobre a evolução do
urbanismo no Brasil, de modo a proporcionar aos leitores não
familiarizados com essa faceta do desenvolvimento brasileiro uma
base histórica para o entendimento das condições atuais. A
Introdução apresenta as principais razões pelas quais o
modernismo continua a ser uma forte influência na construção das
cidades, para melhor (incorporando a funcionalidade tão
necessária em áreas de rápido desenvolvimento, por exemplo) ou
para pior (facilitando a segregação espacial e social, por exemplo).
Também comentamos sobre alguns dos efeitos negativos do livre
mercado e da economia global nas cidades brasileiras, e também
sobre as mudanças positivas recentes nos contextos político-
institucional e legal que têm conduzido a processos mais
democráticos e a um desenho de cidade mais socialmente
responsivo.
O livro divide-se em três partes, refletindo as três tendências que
consideramos as principais no desenho urbano brasileiro
contemporâneo, resultado de um estudo prévio cuidadoso sobre o
desenvolvimento das cidades e o do desenho urbano no Brasil.
Escolhemos aquelas experiências de construção de cidade que
pudessem contribuir para um melhor entendimento de uma nação
em desenvolvimento e que pudessem ensinar lições úteis ao
mundo desenvolvido. Infelizmente, como dito anteriormente, devido
à enormidade de nossa tarefa, tivemos que ser muito seletivos em
nossas escolhas de estudos de caso.
Dezoito pesquisadores colaboram, com doze estudos de caso em
oito diferentes cidades, representando regiões e realidades
distintas no Brasil. As cidades selecionadas variam desde as
metrópoles globais e mais populosas até capitais regionais. Os
estudos de caso ilustram os diferentes modos com que o desenho
urbano brasileiro tenta alcançar a grande meta de auxiliar no
avanço da teoria – e, portanto, responde ao paradigma original da
modernidade. Diferentemente do tempo em que a modernidade
dominava o desenvolvimento urbano brasileiro, não há, no
presente momento, nenhum modelo universalmente aceito ou uma
doutrina que dite as soluções de todas as cidades.
Na introdução de cada parte do livro, discutimos brevemente as
tendências mais relevantes e os estudos de caso que as
representam. O fato de que identificamos o modernismo tardio
como primeira tendência não configura uma novidade, devido à
enorme importância política e cultural do modernismo no período
de formação do Brasil como um estado moderno nos anos 1930
até o final da ditadura militar, no início dos anos 1980. O
paradigma modernista serviu como uma combinação perfeita aos
ideais positivistas da jovem nação sedenta de modernização e
desenvolvimento, desde o início do processo de industrialização e
integração, a construção de Brasília, e a reconstrução da nação
nos anos 1960 e 1970. O regime militar centralizou o poder e se
apoiou no modernismo em sua busca totalitária, tecnocrática e
racionalista por uma ordem social ideal (Holston, 1993; Harvey,
1989). O modernismo bem serviu aos grandes projetos de
desenvolvimento e ao desenvolvimento capitalista com suporte do
Estado durante o regime militar.
Após meio século de domínio da cena cultural e política brasileira,
o paradigma modernista, como era de se esperar, permanece
sendo uma forte influência. Os estudos de caso mostrarão como os
preceitos modernistas ainda estão presentes em grande parte do
urbanismo brasileiro e seu desenho urbano, particularmente na
legislação urbanística existente e na perspectiva positivista dos
líderes políticos e das políticas urbanas. Entretanto, obrigado a
reconhecer a existência de diferentes conjuntos de valores, o
urbanismo modernista no Brasil passou a coexistir com outros
urbanismos, modificados para o que optamos por denominar
Modernismo Tardio, tendência que toma a primeira parte do livro.
Os estudos de caso apresentados conduzem o leitor a Brasília
(onde o “modernismo clássico” sobreviveu entre outras morfologias
urbanas nem sempre reconhecidas) e à capital Palmas (um grande
exemplo de cidade racionalista construída nos anos 1990), para a
paisagem dominantemente verticalizada de São Paulo e seus
shopping centers vistos como polos de crescimento. Veremos que,
assim como o modernismo, o modernismo tardio se revela como
uma batalha para controlar o desenvolvimento urbano, sua forma e
função, em prol de um futuro previamente idealizado.
A segunda parte do livro lida com a Revitalização, outra tendência
do desenho urbano contemporâneo brasileiro. Como o
ressurgimento da democracia no Brasil em meados dos anos 1980
coincidiu com o auge de uma grave crise econômica e de
estagnação, tirar proveito da cidade existente da melhor forma
possível e respeitar os contextos social e físico passou a ter
sentido em termos políticos e econômicos. Naquela época, o
fortalecimento dos movimentos ecológicos e da participação
pública e o crescente interesse em preservação e em marketing
urbano com foco em lugares começaram a reorientar o desenho
urbano para longe do paradigma modernista de “destruição
criativa” (Harvey, 1989:16). Política e economicamente, o modelo
corbusiano de urbanismo tipo ”arrasa-quarteirão” tornou-se quase
impossível.
Dos esforços profícuos do Projeto Corredor Cultural no Rio de
Janeiro, à renovação controversa do Pelourinho em Salvador, à
revitalização das áreas ribeirinhas de Belém e à revitalização
conduzida pela iniciativa privada de áreas industriais em Porto
Alegre, os estudos de caso de revitalização demonstram a luta
nacional para aprimorar a cidade existente, usando a história e o
contexto como recursos sociais, econômicos e culturais. Nesse
sentido, o desenho urbano contemporâneo brasileiro está mais
perto dos ideais pós-modernistas: como demonstrado pelos
estudos de caso, ele reconhece o valor dos precedentes históricos,
de usos diversificados, do desenvolvimento sustentável e do
crescente papel das comunidades e do setor privado como
parceiros nos projetos.