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1. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
A questão da natureza jurídica do direito do locatário tem vindo a ser objecto de grande
interesse e da doutrina de reputados autores de distintos sistemas jurídicos 2o longo
dos anos.
• A controvérsia teve o seu início na doutrina francesa
em meados do Século XIX quando Merlin e sobretado
Tropleng, com base no artigo 1743.° do Code, que consagra «a manutenção do contrato de
locação no caso de alienação do direito de propriedade pelo locador»›, (eptio non tolit
locatum), vieram pôr em causa a então pacífica concepção clássica segundo a qual o
direito do locatário tinha natureza obrigacional.
A doutrina francesa e com base em disposições equivalentes do Code Napoleon,
influenciou e transferiu a polémica para a doutrina italiana, alerã e também para a doutrina
portuguesa e por arrasto para a doutrina angolana que herdou o sistema jurídico português
e neste particular dos direitos reais, que se repartiram em concepções pessoalista e
realista.
É certo que à medida que o tempo foi passando, os defensores da doutrina tradicional, a
doutrina pessoalista, foi progressivamente, tornando-se mais flexível e evoluindo para
posições mais elaboradas e consistentes, que consubstanciam certas concessões à
doutrina realista, e que esta última por sua vez se tenha reforçado face à adesão de
diversos e reconhecidos juristas, a questão é que a controvérsia se mantém em aberto e
por essa razão mais se justifica que nesta sede se proceda, ainda que de forma sucinta a
uma abordagem desta matéria.
O direito, a posição jurídica do locatino tem eficácia em relação ao novo adquirente. Ora
isso é sei dúvida uma clara manifestação da característica da sequela. E não colhe aqui o
argumento dos que defendem ser esta não uma manifestação da sequela, mas antes uma
manifestação da cessão da posição contratual.
E de facto é relativamente fácil desmontar esse argumento dos pessoalistas. É que o efeito
do regime jurídico previsto no artigo 1057.° e que confere ao titular o direito de continuar a
utilizar a coisa, exercendo os poderes correspondentes ao .
conteúdo do seu direito ao terceiro adquirente resulta de uma disposição do Código Civil, é
por conseguinte um efeito imperativo do legislador.
Este efeito imperativo por força do qual o adquirente passa a assumir a posição do locador
impõe-se sem que a sua vontade seja solicitada, ou até mesmo contra ela. Ao contrário, se
se tratasse de um pacto nesse sentido em que o adquirente adquiria a posição do locador
teria que haver o consentimento Ido locatário. No caso do preceituado no artigo 1057" não
se verifica a necessidade de manifestação da vontade das partes envolvidas, ou seja,
nesta medida com derrogação geral do artigo 424." quanto à cessão da posição contratual.
Estamos perante um efcito que decorre por imperativo da lei, e ao qual a lei liga
automaticamente à transmissão do prédio, uma situação jurídica que poderemos designar
como sendo uma sub-rogação «ese lege» do contrato e que se traduz no facto de o
adquirente do prédio ficar, mesmo sem que o queira, subzrogado na posição de locador.
Em resumo, podemos concluir que esta solução imposta pelo legislador no artigo 1057."
configura nitidamente uma manifestação da caracteristica da sequela, nos exactos termos
A teoria pessoalista, na sua formulação mais corrente que constrói o direito do locatário
como pessoal de gozo, reage aos argumentos dos defensores da configuração real do
direito do locatário nos termos que importa sublinhar.
Os pessoalistas excluem a qualificação do direto do locatário como direito real porque não
existe um poder directo e imediato sobre a coisa. Para os pessoalistas, o locatário não
teria uma ligação directa e imediata com a coisa mas apenas, mediata, as suas
possibilidades de gozo da coisa passariam pela cooperação com o senhorio.
Acresce que situações desta mesma natureza estão igualmente presentes noutras
hipóteses. Assim sucede no usufruto, nos termos do artigo 1473.° em que podem estar a
cargo do proprietário de raiz obrigações para com o usufrutuário; ou no direito de
superficie, nos termos dos artigos 1532.ª e 1533. em que podem originar deveres especiais
a cargo do proprietário do solo; ou ainda na servidão em geral,
nos termos do artigo 1567. que estabelece a possibilidade de existirem obrigações a cargo
do proprietário do prédio serviente.
Pelo exposto concluímos que sempre que exista uma concorrência de direitos sobre a
mesma coisa, propriedade e um direito real limitado podem surgir deveres especiais a
cargo de um dos titulares desses direitos reais limitados.
E desta forma cai por terra o argumento dos pessoalistas que pretender excluir
decisivamente a qualificação do direito do locatário como direito real.
E deve dizer-se que não é correcto concluir a partir desses deveres especiais que assister
ao locador que não exista uma inerência da coisa ao seu titular enquanto característica
dos direitos reais. Com efeito, onde a inerência se manifesta com evidência é no facto do
legislador conferir ao titular do direito real a possibilidade de perseguir a coisa para onde
quer que ela se desloque, mesmo que para a esfera jurídica e patrimonial de outrem.
B compreende se que não há inerência porque os titulares desses diteitos, que ocupam a
posição de credor, quer o comodatírio, quer o depositário, não têm a possibilidade de
perseguir a coisa e acompanha la nas suas movimentações juridicas.
O comodatário a quem foi emprestado um automóvel, não pode impor o seu direito de usar
o aromóvel ao novo proprietário que entretanto o adquiriu à pessoa que lhe emprestara.
Ora isso não sucede com o locatário, uma vez que este tem a possibilidade de perseguir a
coisa o que constitui uma manifestação da característica da sequela que por sua
- vez se traduz na inerência da coisa ao seu titular.
Os personalistas invocam ainda os seguintes argumentos que têm como decisivos para
qualificar o direito do locatário como direito de crédito. O primeiro resulta do facto do
locatário , ter de pagar uma renda ou aluguer. E esse argumento não . colhe uma vez que
isso também ocorre em muitas situações claras de direitos reais. Com efeito o facto de o
locatário ter de pagar uma renda ou um aluguer em nada tem a ver com a natureza do
direito.
E assim que no direito da enfiteuse tem de se pagar o foro, e no direito de superficie pode
perfeitamente convencionar-se que o superficiário pague periodicamente uma certa
quantia ao proprietário do solo, ao invés de pagar uma importância global única. E o facto
de as partes acordarem essa modalidade de pagamento não modifica de modo algum a
natureza jurídica do direito do enfiteuta ou do superficiário como direito real A teoria
pessoalista na sua formulação mais elaborada, que constrói o direito do locatário como um
direito pessoal de gozo reage aos argumentos dos realistas do modo seguinte;
Refuta o primeiro argumento dos realistas que de resto foi o que deu azo ao debate a partir
do célebre artigo 1743.° do Code de Napoleon, a partir do qual deu lugar por sua vez à
formulação do artigo correspondente da lei portuguesa, o famoso e já estudado artigo
1057.°, dizendo que este artigo permite uma construção obrigacional. É importante
ressaltar a este respeito que esse preceito legal foi nitidamente influenciado pela posição
defendida por Inocêncio Galvão
Este argumento dos pessoalistas que à partida se afigura de grande rácio e por isso de
acolher, entronca no entanto num obstáculo à sua aceitação. É que conforme refere o
regime jurídico do preceito, tem que se ter presente que a transmissão ocorre dispensando
a manifestação da vontade autónoma das partes, ou seja sem necessidade do
assentimento das partes envolvidas, isto é, nesta medida assiste-se à derrogação da regra
geral do artigo 424.° relativamente à cessão da posição contratual.
Relativamente ao argumento esgrimido pelos realistas de o locatário se poder servir dos
meios de defesa da posse, defendem os pessoalistas que se o direito do locatário tivesse
natureza real, o preceito seria inútil, uma vez que é exactamente esse o regime próprio dos
direitos reais de gozo.
Este mesmo argumento vale para o artigo 1057° que consagra apenas a nota de sequela
própria dos direitos reais.
SUBSECÇÃO II
Obrigações Reais e Ónus Reais
1. COLOCAÇÃO DO PROBLEMA
Os conteúdos das situações jurídica em que se encontram investidos os titulares de certos
direitos reais, mostram, que
65 Otiveira Maconado, elições de Discitos Reais, ao curso do 4. ano jutídlico de 1966-19G7,
edição
da Associação da Académica da Faculdade de Dircito de lisboa pág, 374 e seguintes.
Diass Marques «Presctição aquisitivas, lisboa, 1960, Vol. 1 pág 220
Esta situação é conhecida por ónus reais. Trata-se de uma figura que se traduz numa
situação jurídica cuja manifestação fundamental é o direito de obter uma prestação
periódica, geralmente pecuniária, que grava de forma especial e directa um bem imóvel,
em termos de o.seu titular ser o responsável por essa prestação.
Os ónus reais têm uma certa afinidade com outro tipo de situações jurídicas já
conhecidas, as chamadas obrigações reais, ou obrigações «propter rem», ou ainda
obrigações «ob rem».
¡A diferença entre estas duas figuras, consiste no seguinte: Em melbos os casos, tanto nos
ónus reais, domo nas obrigações reais, a necessidade de efectuar uma prestação é da
responsabilidade do titular de um certo direito real.
O que cabe agora analisar é qual a modalidade dos ónus reais enquanto direitos reais. Ou
seja, dito doutro modo analisar à luz do seu regime jurídico, se os ónus reais se traduzem
em simples direitos reais de garantia, do tipo dos privilégios creditórios imobiliários, ou se
ao invés constituem uma modalidade autónoma de direitos reais.
A POSIÇÃO ADOPTÀDAI
Analisando a estrutura dos ónus reais, afigura-se nos pacífico inferir que esse direito não
se apresenta como uma figura autónoma. Com efeito ao analisarmos a estrutura desse
dircito, constatamos que o adquirente do prédio sobre o qual grava o ónus responde pelas
obrigações anteriores à sua aquisição e responde igualmente pelas obrigações posteriores
E aqui chegados cumpre analisar com que bem é que o adquirente do prédio responde
relativamente às obrigações que lhe são devidas.
Pois bem o adquirente do prédio, relativamente às obrigações anteriores à sua aquisição
apenas responde com o prédio, enquanto que pelas obrigações posteriores à sua aquisição
o adquirente responde com todos os seus' bens, porém (e esta nota é de capital
importância), o credor das prestações tem sempre um direito de garantia sobre o prédio
especialmente onerado.
E este particular é, com efeito, de capital importância. O Facto do credor das prestações
dispor de um direito de garantia sobre o prédio especialmente onerado para salvaguardar,
garantir o pagamento das suas prestações, faz como que os ónus reais não configurem um
direito autónomo, na medida em que o seu regime não se revela substancialmente
diferente do que sucede com os privilégios creditórios imobiliários.
É importante sublinhar ainda que nos ónus reais, o que é susceptível de qualificação como
direito real não é o dever de efectuar uma prestação, esse dever de prestação é um direito
de crédito. O ónus real é a situação global que faz gerar essas diversas prestações.
Se assim fosse, haveria reconhecidamente uma autonomia relativamente aos direitos reais
de garantia.
E porque não é de facto esse o seu regime jurídico, tal como se constata através do regime
das distintas figuras avulsas que exemplificam o ónus real no nosso Código Civil, como são
os casos dos artigos 959.° n.° 1 in fine e o artigo 2018.° referente ao cônjuge sobrevivo,
podemos encerra o estudo desta matéria afirmando que o ónus real sendo um direito real,
não é assim mesmo um direito real autónomo.
A primeira nota na individualização dos ónus reais, próprio sensu, reside no facto de, sob o
ponto de vista estrutural, serem obrigações, em geral de prestações periódicas, de
géneros ou de dinheiro, impostas a quem seja, em cada momento, titular de um direito real.
No caso da transmissão do prédio onerado, o credor do ónus real continua a poder exercer
sobre este o seu crédito, mesmo quanto às obrigações vencidas. A coisa responde ainda,
nos termos expostos, pelas obrigações que se venceram após a transmissão.
Assim configurada a sua estrutura; podemos inferir que as notas essenciais dos ónus
reais, vistas do lado activo sejam as seguintes.
1. O direito a uma prestação, em geral peródica, a que está adstrito quem em cada
momento for titular de um direito real sobre uma coisa;
2. O titular do direito, mesmo quando a prestação diga respeito a frutos ou produtos
da coisa, só os pode obter através de acto do devedor;
3. O direito do credor, em caso de incumprimento, pode ser realizado, com preferência
sobre os demais credores, pelo valor da coisa, ainda que essa coisa seja alienada a
terceiro.
Em face desta estrutura da figura do direito de uma proposta itrevogável, concluímos que
essa posição de B, o destinatário não podendo efectivar-se contra terceiros, não constitui
um direito real de aquisição Constitui antes uma figura que gera ao destinatário uma
expectativa factual e que uma vez consumada, isto é, uma vez concretizado o negócio, ai
sim torna o destinatário proprietário desse objecto e do direito real de propriedade
correspondente. Até lá é uma mera posição factual que configura uma simples expectativa
de vir a gerar direitos, mas só concretizados com a efectivação do negócio de compra e
venda. A posição do destinatário de uma proposta irrevogável de alienação de uma coisa,
de resto, não consta, aliás, dos direitos sujeitos a registo no Código do Registo Predial.™