Resenha - Daisy Jones & The Six, Taylor Jenkins Reid

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Resenha – Daisy Jones & The Six, Taylor Jenkins Reid

Com livros eu sempre sou oito ou oitenta.


Ao terminar de ler Daisy Jones & The Six da autora Taylor Jenkins Reid eu estava a
cento e oitenta de tão apaixonado, porque fazia tempo que eu não lia um livro tão
envolvente, fluído e interessante como esse. E quanto mais o tempo passava, mais eu
sabia que não tinha como escapar. Essa era a obra que eu iria resenhar na segunda
edição do nosso clube do livro.
Por isso, peguem suas guitarras, seus comprimidos e suas calça jeans que vamos fazer
uma pequena viagem aos anos 70, a década do rock’n’roll, das drogas e das groupies.
Sinopse: Todo mundo conhece Daisy Jones & The Six. Nos anos setenta, dominavam as
paradas de sucesso, faziam shows para plateias lotadas e conquistavam milhões de fãs.
Eram a voz de uma geração, e Daisy, a inspiração de toda garota descolada. Mas no dia
12 de julho de 1979, no último show da turnê Aurora, eles se separaram. E ninguém
nunca soube por quê. Até agora.
Esta é história de uma menina de Los Angeles que sonhava em ser uma estrela do rock e
de uma banda que também almejava seu lugar ao sol. E de tudo o que aconteceu — o
sexo, as drogas, os conflitos e os dramas — quando um produtor apostou (certo!) que
juntos poderiam se tornar lendas da música.
Neste romance inesquecível narrado a partir de entrevistas, Taylor Jenkins Reid
reconstitui a trajetória de uma banda fictícia com a intensidade presente nos melhores
backstages do rock’n’roll.
Provavelmente quem chegou a ler esse livro já conhecia a autora, Taylor Jenkins Reid
que também escreveu Os Sete Maridos de Evelyn Hugo, um fenômeno literário que me
escapuliu. Confesso que eu não cheguei a ler porque não achei a proposta muito
interessante, mas quando eu vi a sinopse de Daisy Jones & The Six eu soube de cara que
aquele livro seria algo que eu amaria completamente.
Eu sempre fui apaixonado por música. Vivo com meus fones de ouvido plugados na
orelha sempre escutando algo antigo ou contemporâneo, e uma das coisas que eu mais
gosto além de escutar música é saber a história por detrás delas.
O grupo sueco ABBA é o meu favorito, e uma das melhores músicas deles foi composta
em meio ao divórcio dos seus membros, sendo extremamente emocionante quando você
conhece a história por trás da letra. Até hoje, The Winner Take It All é arrepiante com
os vocais de Agnetha e Anni-Frid. Mas mais do que isso, o ABBA se tornou um dos
grupos mais lendários de todos os tempos, que se separou logo em seu auge,
eternizando-se na música de uma forma que poucos grupos conseguiram fazer e
deixando todo um legado que inspirou os mais diversos artistas nas décadas que se
sucederam.
No entanto, a maioria dos fãs sabe que a separação foi fruto dos divórcios e
relacionamentos desgastados dos membros principais, e essa é a sensação que Taylor
Jenkins Reid quis passar com a história de Daisy Jones e os The Six. O que acontece
quando relacionamentos pessoais interferem no ambiente de trabalho? O que vem a
seguir? A resposta é um pouco mais complexa do que o esperado, mas não é menos
interessante por causa disso.
Antes de prosseguir com essa resenha, queria avisar que mais pra frente haverá spoilers
pesados sobre a história. Mas podem prosseguir a leitura de forma tranquila, pois
colocarei um aviso quando esses spoilers chegarem. Nessa primeira parte eu vou falar
sobre alguns aspectos mais gerais e depois vou aprofundar com minhas observações
acerca da história e dos seus personagens principais.
Mas as músicas nunca são só músicas. Se fossem, a gente escreveria letras sobre
guitarras. Mas não é isso que acontece. A gente escreve letras sobre mulheres. As
mulheres acabam com a gente, né? Acho que todas as pessoas magoam umas às outras,
mas as mulheres sempre dão a volta por cima, já percebeu? As mulheres sempre dão
um jeito de se levantar.
Graham, pag. 174
Daisy Jones & The Six não é um livro escrito com uma narrativa comum. Saibam disso
logo de cara, já que a autora escolheu como formato o estilo biográfico que livros
como Twin Peaks: Arquivos e Memórias segue, aquele em que vemos relatos transcritos
de diversas pessoas. Ou seja, basicamente Daisy Jones é um relato oral que foi transcrito
para um livro, o que torna não só a história mais realista como também muito “visual”.
Em meio a tantas descrições, sentimentos e outras firulas narrativas que outros autores
usam, o que eu curti na escrita na Taylor é que ela é uma autora muito direta. O livro já
começa sem perder tempo, apresentado os personagens principais e delineando as
tramas que vão se desenvolver lá na frente. O que eu achei que foi feito de uma maneira
muito impressionante, já que como é uma “biografia” escrita em um estilo oral,
qualquer peça fora do lugar poderia comprometer a estrutura da história. No entanto,
não é isso que acontece.
Os primeiros capítulos do livro nos apresentam os personagens em duas histórias
separadas. De um lado temos Daisy Jones, a menina it-girl “abandonada” pelos pais que
tem dinheiro e liberdade o suficiente para fazer o que quer, além de ser naturalmente
talentosa. E do outro lado, a banda The Six que começa a ser criada pelos irmãos
Dunne, Billy e Graham. De pouco a pouco, os irmãos que também não possuem uma
base familiar muito forte, vão se apaixonando pela música e criando sua banda ao
recrutar pessoas igualmente talentosas. É aí que somos introduzidos a Karen, Eddie,
Pete e Warren, os outros quatros personagens que compõem a banda The Six.
Uma das maiores surpresas que eu tive ao ler a história é de como a autora nos faz achar
que vai rolar um casal e então nos surpreende indo por outro caminho. Ela consegue
desenvolver Billy e Daisy, que são os protagonistas de verdade, separadamente para só
bem na frente os unir de uma forma que nos impacte com força, o que eu achei foda.
Ter segurado a história deles foi ótimo porque conseguimos nos envolver ao longo das
várias páginas em que vamos acompanhando os percalços que ambos passaram.
Daisy foi praticamente abandonada pelos pais, que tinham outros interesses além da sua
criação. Já Billy nunca teve um pai e sua mãe é pouco citada na história. Enquanto eles
seguem caminhos diferentes, é foda ver como esse abandono familiar misturado com o
cenário dos anos setenta conseguiu levar essas duas figuras para vícios extremos como o
álcool e as drogas. (Tudo isso não é spoiler porque acontece bem no comecinho, então
relaxem)
Aliás, esse é uma tema que o livro trabalha muito bem. Os anos 60-70 não eram para os
fracos de coração. O EUA vivia o auge do amor livre, groupies e rock’n’roll, com uma
liberdade que nunca se repetiu até hoje. O que teve seus lados bons e ruins, e os ruins
nós vemos de forma detalhada conforme vamos acompanhando Daisy sem ter uma
única ligação afetiva a não ser com sua melhor amiga Simone, e Billy tendo como único
apoio sua esposa Camilla.
Sem querer ser moralista ou coisa do tipo, fica claro o quanto essa falta de base foi
importante para os dois personagens caírem nos vícios que caíram. O livro mostra de
uma forma muito bonita toda essa questão de como superar essa fase, sem nunca adotar
um tom de julgamento e eu não esperava essa reflexão profunda sobre o tema. Taylor
foi muito feliz em tratar essa temática sem medo, já que é quase impossível falar sobre
as bandas de rock dos anos 70 sem citar as drogas que fizeram parte da própria década.
Uma das maiores inspirações do livro foi a banda Fleetwood Mac, conhecidíssima por
ter como vocalista a bruxa branca Stevie Nicks, por quem eu sou apaixonado até hoje.
Em 1976 eles lançaram o álbum Rumours que é considerado uma obra prima do mundo
da música. Porém, o que a maioria das pessoas não sabe é que a produção desse álbum
foi extremamente conturbada por causa dos relacionamentos pessoais entre seus
membros. Stevie Nicks e Lindsey Buckingham terminaram o namoro de quase dez anos
que tinham e dizem as lendas que uma das partes não aceitou muito bem (Stevie), por
isso há vídeos como o clipe de Go On Your Way em que dá pra ver a tristeza nos olhos
da cantora enquanto ela se apresenta.
Mas se vocês esperavam uma espécie de biografia fictícia do grupo, podem ir tirando o
cavalinho da chuva, já que segundo a própria Taylor:
Mas é o seguinte: quase nada no livro realmente aconteceu com o Fleetwood Mac – é
uma vibração do Fleetwood Mac, mas não é a história deles. Na verdade, não roubei
suas vidas; Eu só queria passar mais tempo ouvindo [o álbum] Rumours e precisava
de um bom motivo para fazê-lo.
— Taylor Jenkins Reid
Então, tudo em Daisy Jones & The Six possui um fundo de verdade, mas a história é
completamente fictícia, e eu preciso bater nessa tecla porque esse é um livro tão bem
escrito que você sai dele acreditando piamente que tanto a cantora como a banda
realmente poderiam ter existido. A história deles é muito real, palpável com os
acontecimentos da década e a forma como foi escrita torna tudo ainda mais suculento,
como se estivéssemos descobrindo uma nova fofoca a cada página.
Por isso, se você quer um livro que você não consiga se desgrudar durante a leitura, esse
livro é Daisy Jones & The Six. Literalmente, virou um dos meus preferidos do ano e eu
já estou correndo pra comprar minha cópia física. A boa notícia é que a Amazon vai
adaptar o livro em uma série de 12 episódios, então além de podermos ver os
personagens em carne e osso, também vamos poder escutar cada uma das músicas
fictícias que a própria Taylor escreveu. Então, se você não leu corre logo pra fazer isso e
se você já leu pode seguir em frente.
Vamos começar nossa seção de comentários com SPOILERS!
ALERTA: SPOILERS DA OBRA A PARTIR DESSE PONTO!
Eu sinto muito calor, sempre senti. Não vou ficar derretendo de suor só para não
constranger os homens. Não é minha responsabilidade controlar o tesão de ninguém. É
responsabilidade de cada um não ser um babaca.
Daisy Jones, pag. 123
Agora que já estou liberado pra falar sobre o livro com spoilers, eu queria dizer que essa
foi uma leitura sofrida no bom sentido. Muita gente que leu o livro e comentou, disse
que a Daisy era uma menina mimada e chata quando na verdade ela era só uma pessoa
solitária. Isso fica claro logo na capítulo de apresentação dela quanto temos notas de que
a menina foi criada basicamente pelos outros, sem um pingo de afeto dos pais, tanto que
ela queria dar um bolo de aniversário ao carteiro por ele parecer se importar com ela.
Um dos pontos positivos é que é a própria Daisy que dá seus registros sobre sua história
e enquanto vamos acompanhando os primeiros passos dela, a sua versão mais velha
também reflete sobre os erros que cometeu no passado. Incluindo o relacionamento com
homens abusivos que cresciam em cima da passividade e da necessidade que ela tinha
de se conectar com os outros. Apesar de um começo meio sofrido, Daisy aprendeu a se
impor, parecendo “chata” ou até mesmo “arrogante”, mas sempre sendo ela mesma sem
tirar nem pôr.
Enquanto conhecemos ela, somos apresentados a Simone, uma mulher negra (que eu
imaginei como sendo uma espécie de Donna Summer) que faz parte da cena musical e
que rapidamente se torna a melhor amiga de Daisy. Mas, não uma simples amiga e sim
sua melhor amiga. Aquela do tipo que realmente cuida e se importa, e um dos poucos
relacionamentos verdadeiramente saudáveis que a protagonista possui ao longo de todo
o livro.
A autora passou um bom tempo construindo a imagem de Daisy de menina inocente e
it-girl até uma cantora que descobre seu talento nos palcos, descobrindo que sua
verdadeira vocação é cantar, seja da forma que seja. Eu amei algumas inclusões que
ecoam até hoje, como o fato de Daisy ter assinado um contrato sem saber de muita
coisa, tendo que fazer gravações que não queria e não tendo um pingo de liberdade
artística para compor seu próprio repertório.
Aliás, algo excelente que é desenvolvido é o fato dela aprender a merecer as coisas que
possui. Daisy não é feita como uma Mary Sue perfeitinha que possui domínio sobre
tudo, a história nos apresenta ela como alguém que tem sim um talento musical, não
apenas vocal, mas também para compor e ao mesmo tempo que ela vai se
desenvolvendo, ela vai lapidando esse talento até que se une a banda The Six por acaso,
o que acontece através de uma participação especial.
Billy Dunne era um astro do rock. Estava na cara. Tinha confiança de sobra, sabia
envolver o público. Cantava com muita emoção. Essa é uma qualidade que algumas
pessoas têm. Se você pegar dez caras e colocar numa fila ao lado do Mick Jagger,
mesmo alguém que nunca ouviu falar nos Rolling Stones vai apontar para o Jagger e
falar: “Aquele ali é um astro do rock”. Billy tinha isso. E a banda fazia um som legal.
Rod Reyes, pag. 27
Alternando com a história de Daisy, Billy e a banda The Six começam a nascer.
Temos aquela clássica história de irmãos apaixonados pela música que começam uma
banda local, tocando em festas de casamento e coisas do tipo, até finalmente
conseguirem lançar algo que os coloca na cena e esse se torna o primeiro passo para o
sucesso. Eu confesso que nos primeiros capítulos, Billy não me parecia ser o tipo de
personagem que eu ficaria empolgado de acompanhar, no entanto é para isso que temos
os coadjuvantes.
Graham é o irmão que vive na sombra, literalmente ele é deixado de lado por quase
todos no livro. Karen é a única mulher do grupo, e precisa constantemente se vigiar para
sobreviver ao machismo da época. Pete é um cara comum que toca na banda por tocar,
mas seu irmão Eddie é alguém ambicioso e de personalidade forte. Warren tá ali
simplesmente por tá, mas é alguém legal de se acompanhar. Todos eles juntos formam o
The Six, uma banda de rock’n’roll que almeja o sucesso nacional.
Mas de todos eles, quem mais me chamou atenção foi Camila, a namorada e depois
esposa de Billy. Ela me surpreendeu muito, porque enquanto eu lia, eu ficava pensando
“meu deus, a Daisy e o Billy são almas gêmeas”, mas aí surgiu a Camila e eu não tinha
como não gostar dela. Aos poucos vamos vendo como ela apoia seu marido no sonho de
ser um cantor de rock famoso e de como ela desempenha o papel de ser “a esposa” sem
nunca ser uma coadjuvante silenciosa. Se aos poucos eu estava esperando uma história
sobre rock’n’roll, eu descobri que estava lendo uma história sobre família e
responsabilidade.
O que me deixou mais chocado ainda foi ver o monte de coisas que o Billy e ela
passaram antes de conhecerem a Daisy. Eles já tinha uma filha juntas, Billy já tinha se
afundado nas drogas e se reabilitado para continuar perto da família e nisso eles já
estavam terminando a gravação do segundo álbum quando Daisy Jones chegou ao The
Six. Por meio de contatos empresariais, ela é chamada para fazer uma participação na
música Honeycomb. Mesmo a contragosto, Billy permite a gravação da música e ela se
torna um verdadeiro sucesso.
Aí é que eu acho que o livro realmente engatou e quando o capítulo “Aurora” começou,
eu já não conseguia mais parar de ler.
É nele que Taylor Jenkins vai desconstruindo o “Efeito Yoko” que é como chamam
quando a chegada de uma mulher atrapalha a perfeição de uma banda. Sobre isso, a
própria autora se manifestou em uma entrevista dizendo:
Quer dizer, eu sou definitivamente, completamente contra a ideia de que uma mulher
pode entrar e arruinar a banda de um homem. Eu rejeito essa noção
completamente. Acho que foi recentemente que Paul McCartney disse: “Não, não teve
nada a ver com Yoko Ono”. Você sabe, você não pode bagunçar uma banda que não
tem muitos problemas.
— Taylor Jenkins Reid
E meu deus, como os The Six tinham problemas internalizados. Para começar, Billy
sempre ofuscava o resto da banda, seja na composição ou na finalização das músicas,
ele que tinha a decisão final ao lado do produtor Teddy, a quem ele enxergava como
sendo sua figura paterna. Conforme o sucesso foi chegando, os membros da banda
começaram a se incomodar com essa postura “ditatorial” do líder, mas foi a chegada de
Daisy que explodiu todos os problemas que já existiam previamente.
Depois de encerrar mais um de seus relacionamentos tóxicos, dessa vez com seu
empresário, Daisy acabou ficando sem banda. Graças ao destino, os The Six a adotaram,
já que ela abria os shows do grupo e coincidentemente no dia que ela participou do
show principal deles ao cantar Honeycomb com Billy, um jornalista estava vendo-os
para escrever um texto sobre eles. No dia seguinte, chega à manchete “Os Seis que
deveriam ser Sete”. E aproveitando o hype, Daisy é contratada pela banda, que a aceita
completamente com exceção de Billy que mesmo reconhecendo o talento dela, fica
incomodado com a postura imponente que a mesma tem.
É aí que a tensão do livro começa a se desenvolver com força. Daisy se impõe para
compor junto com a banda o terceiro álbum, chamado de Aurora, mas como Billy é o
compositor do grupo, fica claro que aquele vai ser um trabalho entre os dois. E aí que
vemos as interações entre eles, sempre misturando uma confusão sentimental, uma
tensão sexual e uma pitada de amor e ódio.
Afinal, Daisy é tudo que Billy tem medo de enfrentar. Ela é uma mulher imponente,
envolvida com vícios muito pesados que lhe aterrorizam e que pode lhe ofuscar dentro
do seu próprio grupo. Enquanto para Daisy, Billy é a personificação do homem-
obstáculo que pode barrar seu grande sonho de se tornar uma compositora e cantora
famosa. Após serem obrigados a trabalharem juntos, os egos dos dois começam a se
chocar violentamente e é quando eles descobrem que possuem mais coisas em comum
do que imaginam.
Coisas essas que eu citei anteriormente no texto, mas que só se tornam claras quando
eles e unem para comporem as letras do álbum. Enquanto conhece e se envolve de uma
maneira muito próxima de Billy, Daisy vai se apaixonando por ele, que a rejeita, mesmo
tendo um sentimento recíproco por já ter toda uma família formada com Camila. E aí
meus queridos leitores, eu que odeio um triângulo amoroso, já estava preso na rede que
Taylor Jenkins construiu, e eu sabia que não ia conseguir me desatar sem chegar ao final
do livro.
Aceitando que não ia tê-lo para si, Daisy se vingou da forma mais bem sucedida e sutil
que poderia fazer, despejando todos seus sentimentos em forma de música. Ao
terminarem a composição das letras do álbum Aurora, o grupo já está fragilizado. A
última música composta é feita de Daisy para Billy, tendo como recheio todos os
sentimentos dela por ele, sentimentos que ele nunca vai poder corresponder da forma
que queria. Juntos, os dois sabem que são tóxicos e não poderiam ter algo minimante
saudável naquelas condições.
Daisy era uma mulher fragilizada pelos vícios que só queria ser vista e ouvida, e ao tirar
a barreira que ele mesmo construiu, Billy a conquistou. Mas aí temos Camila nessa
equação e ela é uma personagem tão boazinha, que não temos como odiá-la. O que
torna esse triângulo amoroso ainda melhor de se acompanhar.
Em meio a essa treta do Billy com a Daisy, temos o relacionamento conturbado de
Karen e Graham, a tecladista e o guitarrista do grupo. Os dois se envolvem sexualmente
em segredo para não comprometerem a banda, mas quando ela engravida de Graham e
decide abortar, eles rompem de uma forma nada saudável, já que ele não aceita o fato
dela não querer uma gravidez. Eu me surpreendi positivamente pela segunda vez
durante a leitura, quando a autora iniciou uma discussão muito bela sobre o aborto que
eu posso sintetizar em uma única fala da Karen.
Não continuar com a gravidez não me assustava. Continuar com a gravidez era o que
me assustava. Meu medo era trazer uma vida indesejada para o mundo. Meu medo era
passar o resto da vida achando que tinha cometido um erro. Meu medo era ser forçada
a fazer uma coisa que não queria. E Graham se recusava a escutar.
Karen, pag. 226
Trazendo Camila de volta ao jogo, ela é a personagem que apoia Karen no momento do
aborto e que segura sua mão do começo ao fim. Eu achei belíssima a maneira que a
Taylor construiu a personagem, já que ela possui todos os atributos de uma mãe da
família clássica, que ainda assim é progressista e não tem medo de ajudar os outros.
Misturando o conflito entre Billy e Daisy, o rompimento de Karen e Graham, a inveja
de Eddie, a vontade de sair de Pete, fica claro que Daisy Jones & The Six não iriam
durar mais que o próximo álbum, por isso que antes de encerrar a turnê, eles fazem um
último show. Um em que Daisy canta a música que Billy compôs para Camila e
finalmente aceita que ela não pode tê-lo para si. Naquele momento, Daisy desiste
daquele amor e também de participar da banda. Em seu ato final, ela também acreditou
em Billy por cantar a música da maneira que ele originalmente queria, substituindo as
interrogações da letra por afirmações.
E então, chegamos ao ponto alto do livro que é a interação entre Daisy e Camila. As
duas mulheres que são consideradas “rivais”, mas que na verdade possuem uma
conversa muito sincera. Muita gente diz que a Camila era corna mansa, mas eu consigo
entender o nível de maturidade que ela precisou ter para enxergar o que tanto Daisy
quanto seu marido estavam passando naquele momento. Camila via que Daisy era frágil
e que precisava de um ponto de apoio, e ela enxergava Billy como sendo esse apoio,
mas esse relacionamento em meio as drogas e a bebida ia consumir tanto ele como ela.
Enquanto para Billy, Daisy era aquela deusa do rock’n’roll que Camila sabia que não
poderia competir. No entanto, Camila tinha uma família para criar e Billy sabia da
responsabilidade que precisava ter tanto para com ela, quanto para suas filhas. E então
num dos diálogos mais sinceros de todos, Camila fala que o melhor para Daisy é ela sair
da banda e esquecer Billy.
E o que poderia ser visto como uma afronta, na verdade é visto como um novo ponto de
partida. Daisy é vista e ouvida novamente, dessa vez por uma mulher firme e estável
que acredita nela. E em vez de se confrontarem, Daisy e Camila entendem seus pontos
fracos e fortes, por isso que eu não segurei as emoções quando Daisy confessou:
Fiquei absorvendo tudo aquilo. Pensei no que ela me disse. E, então, falei: “Essa
música não é… não é sobre o Billy, se é isso que você está pensando. É sobre querer
ter filhos, uma família. Sabendo que seria uma péssima mãe. Se sentindo imprestável
demais para merecer uma coisa como essa. Mas querendo mesmo assim. E aí olho para
você, para tudo o que você é, e percebo que é tudo o que nunca vou conseguir ser”.
Camila me olhou por um instante e disse uma coisa que mudou minha vida. Ela falou:
“Ainda é cedo demais para pensar assim, Daisy. Tem um monte de coisas na vida que
você não sabe”. Isso ficou na minha cabeça. Que o meu destino ainda não estava
totalmente selado. Que ainda havia esperança para mim. Que uma mulher como
Camila Dunne achava que eu… Camila Dunne achava que eu valia a pena.
Daisy, pag. 254
Então, Daisy saiu da banda e a ela se desfez. Billy percebeu que seu lugar era com sua
família e deixou de lado o The Six que nunca poderia voltar a ser como era antes. O
final do livro é meio agridoce. Dói por mostrar que os sonhos as vezes acabam antes de
serem realizados, mas é feliz em mostrar que há esperança para todos.
Após a conversa com Camila, Daisy larga as drogas e consegue estabilidade na vida.
Ela adota filhos, se torna mãe e vira uma filantropa, o que é uma final muito feliz para
uma pessoa que teve uma vida tão conturbada como a dela. Billy também vai viver uma
vida feliz e pacata ao lado de seu família, trabalhando como compositor e por fim, sua
filha é revelada como sendo a autora de toda a biografia. É uma última reviravolta que
consegue arrancar um sorriso do rosto de quem lê.
Antes do livro se encerrar por completo, descobrimos que Camila morreu. Mas antes,
ela deixou um e-mail que pode significar muita coisa. Alguns interpretam como sendo o
fato de que Daisy e ela se tornaram amigas, outros como uma “liberação” para que Billy
e ela possam finalmente se envolver de forma romântica, já que agora ambos possuem
uma estabilidade de vida. No entanto esses “e se” podem viver eternamente na cabeça
dos leitores.
O que importa é o que toda essa banda e esses personagens viveram. E o melhor de
tudo, é saber que essa foi uma jornada repleta de altos e baixos, de sorrisos e de
lágrimas, e que no fim valeu muito a pena. Daisy Jones & The Six podem ter lançado
apenas um álbum, mas ele se tornaram uma lenda. Uma tão grande que merecia se real.
Encerrando essa resenha, eu queria deixar uma última citação. Uma que me tocou
profundamente.
A paixão é… é fogo. E, pô, fogo é uma coisa incrível. Mas a gente é feito de água. É a
água que mantém a gente vivo. É da água que a gente precisa para sobreviver. Minha
família era minha água. Eu escolhi a água. E sempre vou continuar escolhendo. Eu
queria que a Daisy encontrasse sua água. Porque não podia ser eu.
Billy, pag. 230

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