Falta e Vícios Da Vontade - Análise Jurisp.
Falta e Vícios Da Vontade - Análise Jurisp.
Falta e Vícios Da Vontade - Análise Jurisp.
PELA JURISPRUDÊNCIA
1. INTRODUÇÃO
O
negócio jurídico é um dos temas centrais do di-
reito privado, mormente do direito civil. Definido
comumente como o facto jurídico voluntário ou
ato jurídico cujo núcleo essencial é integrado por,
pelo menos, uma declaração de vontade tendente
à produção de determinados efeitos práticos que se pretende que
sejam juridicamente vinculantes1, a categoria encontra nas de-
clarações de vontade (uma ou várias no mesmo sentido, no caso
dos negócios jurídicos unilaterais; pelo menos duas de sentido
oposto mas convergente, no caso dos contratos) um dos seus ele-
mentos essenciais. Tais declarações, por sua vez, são integradas
por dois elementos: um elemento externo (traduzido na declara-
ção propriamente dita) e um elemento interno (que consiste na
vontade por aquela exteriorizada)2. Em situações normais, estes
dois elementos coincidem. Pode, porém, haver casos em que, em
vez da desejável sintonia, ocorre um dissídio entre a vontade e a
declaração. Noutras hipóteses, vontade e declaração não diver-
gem; contudo, a vontade foi formada de um modo não natural.
O que assim se diz, correspondendo a uma lição básica da civi-
lística, identifica dois núcleos problemáticos bem conhecidos
dos juristas: o problema das divergências entre a vontade e a de-
claração, por um lado, e o problema dos vícios da vontade, por
outro lado.
1 C. A. Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por A. Pinto Monteiro e
Paulo Mota Pinto, Coimbra, Coimbra Editora, 2005, 378.
2 C. A. Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 414.
2. SIMULAÇÃO
4 Sobre o ponto, cf., em geral, e entre nós, Manuel de ANDRADE, Teoria Geral da
Relação Jurídica, vol. II, Coimbra, Almedina, 1992, 186 s.; Rui de ALARCÃO, “Simu-
lação: anteprojecto para o novo Código Civil”, in Boletim do Ministério da Justiça,
n.º 84, 1959; A. Menezes CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral. Negó-
cio Jurídico, 4.ª ed., Coimbra, Almedina, 2014, 891 s.; C. A. Mota PINTO, Teoria Ge-
ral do Direito Civil, 4.ª ed. por A. Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra, Co-
imbra Editora, 2005, 470 s.; P. Pais de VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil,
3.ª ed., Coimbra, Almedina, 2005, 520 s.; J. Oliveira ASCENSÃO, Direito Civil – Teoria
Geral, vol. II, Acções e Factos jurídicos, Coimbra, Coimbra Editora, 1999, 193 s.; H.
Edwald HÖRSTER, A parte geral do Código Civil Português, Coimbra, Almedina,
2014, 226 s.; A. Barreto Menezes CORDEIRO, Da simulação no direito civil, Coimbra,
Almedina, 2014. Na doutrina mais antiga, veja-se J. Beleza dos SANTOS, A simulação
em Direito Civil, I, Coimbra, Coimbra Editora, 1921.
Veja-se, ainda, quanto a este caso concreto, Mafalda Miranda BARBOSA, “Simulação
subjetiva: interposição fictícia de pessoa vs. interposição real de pessoas. A propósito
do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de dezembro de 2015”, Estudos em
homenagem ao Professor Doutor Cândido de Oliveira, Almedina, Coimbra, 2017,
717-728.
RJLB, Ano 4 (2018), nº 6________2395_
5A este propósito, cf. Francesco MARANI, La simulazione negli atti unilaterali, Pa-
dova, Cedam, 1971.
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de prejudicar para se poder falar de simulação. A simulação pode ser, portanto, ino-
cente ou fraudulenta, não relevando a distinção, exceto no que toca à legitimidade dos
herdeiros legitimários para arguirem a nulidade do negócio simulado, em vida do si-
mulador. Sobre o ponto, cf. artigo 242.º, n.º 2, do Código Civil.
_2398________RJLB, Ano 4 (2018), nº 6
determinantes dessa forma não abrangerem a causa do negócio (cf. Manuel de AN-
DRADE, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 192 s.; Rui de ALARCÃO, “Simula-
ção: anteprojecto para o novo Código Civil”, 310; P. Pais de VASCONCELOS, Teoria
Geral do Direito Civil, 529 s.). Veja-se, ainda, A. Menezes CORDEIRO, Tratado de
Direito Civil, II, 891 s.; e A. Barreto Menezes CORDEIRO, Da simulação no direito
civil, 127 s., recorrendo à analogia com o artigo 238.º do Código Civil para apresentar
a solução.
13
P. PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, cit., p. 521. A ideia avan-
çada pelo Autor pretende sublinhar que, se não fosse esse intuito enganador, bastar-
nos-íamos com as regras da interpretação para chegar à mesma solução.
14 Cf. artigo 244.º do Código Civil.
_2400________RJLB, Ano 4 (2018), nº 6
16 Considerando, num caso com uma intencionalidade problemática análoga, que não
existe simulação, cf. Acórdão do STJ de 9 de maio de 2002.
17 Relator Carlos Marinho, www.dgsi.pt
_2402________RJLB, Ano 4 (2018), nº 6
3. RESERVA MENTAL
18 A. Menezes CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral. Negócio Jurídico,
4ª edição, Coimbra, Almedina, 2014, 886 s.
19
Veja-se, porém, A. Menezes CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, II, 888, referindo-
se à distinção entre a simulação inocente e a simulação fraudulenta.
Sobre ela, cf., novamente, C. A. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 467.
20 Relator José Eduardo Sapateiro, www.dgsi.pt
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“Reserva mental e declarações não sérias”, Boletim do Ministério da Justiça, 86, 225
s.
22 K. LARENZ/M. WOLF, Allgemeiner Teil des bürgerlichen Rechts, 9. Auflage
neubearbeitete und erweiterte Auflage, C. H. Beck, München, 2004, 644 s. Cf. igual-
mente, Karl LARENZ/Manfred WOLF/Jörg NEUNER, Allgemeiner Teil des Bürgerlichen
Rechts, 10. Auflage, München, C. H. Beck, 2012, 653 s.
23
A. Menezes CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, II, 821 s.
24 A. Menezes CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, II, 822.
25 Cf. C. A. Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 487; Pedro Pais de VASCON-
CELOS, Teoria Geral, 536. Note-se, porém, que, embora Pedro Pais de Vasconcelos
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explicite que, nestas hipóteses, deixa de haver razões para proteger o declaratário, o
autor mostra que “só uma conceção voluntarista psicologista, que confunda a vontade
negocial com o processo de motivação psicológica” pode levar a pensar que a reserva
mental pode significar falta de vontade negocial, o que parece denotar que em causa
não está simplesmente uma ponderação entre o peso que se deve dar à vontade ou à
confiança.
Cf., igualmente, Carvalho FERNANDES, Teoria Geral, 322, considerando que o regime
da reserva mental se harmoniza com a teoria da responsabilidade, do mesmo modo
que se explica por esta via a solução pensada para o caso de reserva mental conhecida.
Pensamos ser preferível pensar no problema à luz da teoria da confiança.
Sobre o ponto, veja-se, ainda, Paulo Mota PINTO, Declaração tácita e comportamento
concludente no negócio jurídico, Almedina, Coimbra, 1995, nº18.
26 Sobre esta remissão, cf. Carvalho FERNANDES, Teoria Geral, 323. Em sentido di-
37
Veja-se, igualmente, numa alusão à posição jurisprudencial maioritária, A. Menezes
CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, II, 796.
_2412________RJLB, Ano 4 (2018), nº 6
6. ERRO
41 <www.dgsi.pt>
42
<www.dgsi.pt>. Trata-se, aí, segundo o coletivo de juízes, de um erro incidental. O
errante pensava ter adquirido um terreno com 420 m2, quando ele media apenas 338
m2. Os compradores precisavam de um terreno com uma área não inferior a 400 m2.
O Tribunal considerou que se deveria aplicar o artigo 292º CC.
43 <www.dgsi.pt>
44
Considera o Tribunal da Relação de Coimbra que “o conhecimento dos elementos
relevantes para a determinação do valor de um terreno, concretamente a sua área real,
refere-se ao conhecimento de elementos identitários desse terreno enquanto objeto de
uma promessa de venda. Assim, a celebração dessa promessa na pressuposição, pelo
promitente vendedor, de que o terreno teria 9920 m2, quando na realidade apresentava
23800 m2 implica uma situação de erro incidente sobre o objeto, expressando igno-
rância das reais qualidades identitárias deste num elemento relevante para a aferição
do valor”.
Note-se, curiosamente, que o problema surge aqui tratado paredes-meias com o pro-
blema do erro sobre o preço ou sobre o valor. O Tribunal da Relação de Coimbra, na
verdade, refere-se ao conhecimento dos elementos reconhecidamente respeitantes à
determinação do valor (a medida do terreno), colocando, com reticências, a hipótese
de estarmos diante do que alguma doutrina considera ser um erro sobre a operação de
fixação do preço.
45 <www.bdjur.almedina.net>
_2414________RJLB, Ano 4 (2018), nº 6
46 A certo passo, o acórdão refere-se à nulidade do negócio, nos termos dos artigos
247º e 251º CC. Contudo, tratando-se de uma hipótese de anulabilidade, cremos esta
aí perante um lapso, razão pela qual, em texto, nos referimos apenas à anulabilidade.
47 Importa, contudo, notar que o erro de cálculo a que se alude não pode – em nosso
entender – ser confundido com o erro de cálculo a que alude o artigo 249º CC.
48 <www.dgsi.pt>
RJLB, Ano 4 (2018), nº 6________2415_
51 Cf. A. Menezes CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I/I, 825 s.; A. Me-
nezes CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, II, 858
52 Cf. A. Menezes CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I/I, 825, n. 2276;
referindo-nos ao “preço” (aqui com um sentido mais direto e preciso), poderemos ter
em vista o aparecimento desse elemento na lógica de um determinado acordo nego-
cial, enquanto elemento integrante do conteúdo deste”.
56 Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2011, <www.bdjur.al-
medina.net>.
Para outras considerações acerca do regime do erro no ordenamento jurídico alemão,
cf., inter alia, Karl LARENZ/Manfred WOLF/Jörg NEUNER, Allgemeiner Teil des
Bürgerlichen Rechts, 10. Auflage, München, C. H. Beck, 2012, 446 s.; Dieter MEDI-
CUS, Allgemeiner Teil des BGB, 9. neu bearbeitet Auflage, C. F. Müller, 2006.
Para a análise de algumas decisões jurisprudenciais na Alemanha, cf. BGH 1988, in
Neue Juristische Wochenschrift, 1988, 2598 s.
RJLB, Ano 4 (2018), nº 6________2421_
Serve o excurso para mostrar que, quando nos referimos ao erro sobre as qualidades
da coisa, não nos estamos a referir a estas situações em que há uma divergência entre
as qualidades da coisa que fazem parte do conteúdo do negócio e as qualidades da
coisa prestada. Referimo-nos antes aos casos em que os motivos atinentes ao objeto
que levaram à formação da vontade de contratar foram determinados por uma inexata
representação da realidade (há, portanto, uma discrepância entre a realidade que se
pressupôs e aquela que existia).
Para uma distinção entre o erro obstáculo e o erro vício, cf. Manuel Carneiro da
FRADA, “Erro e incumprimento na não-conformidade da coisa com o interesse do
comprador”, O Direito, 121, 1989, 461 s., 466, n.12.
60
João Baptista MACHADO, “Acordo negocial e erro na venda de coisas defeituosas”,
73. Cf., também, n. 78, onde o autor esclarece que no caso de atribuição à coisa de
qualidades próprias doutro género de coisa, a qualificação acertada deve ser a de erro
na declaração, só se verificando um erro sobre o objeto no caso de atribuição a coisa
individual de uma característica ou qualidade singular que não lhe pertence mas a uma
outra coisa do mesmo género. Cf., igualmente, pág. 81 s., onde o autor oferece um
critério de distinção entre o erro na declaração e o erro vício: “tudo depende de tomar-
mos a coisa apenas como objeto do querer ou também como meio de expressão desse
querer. No primeiro caso, a vontade real será conforme à vontade declarada, e teremos
erro-motivo; no segundo caso, a vontade real divergirá da vontade declarada e teremos
erro na declaração”. No entanto, o autor critica o critério tradicional de distinção entre
as duas categorias, afirmando que “o motivo erróneo tanto me pode induzir a declarar
um género que não é o que eu quero, como a designar uma coisa que não pertence ao
género que eu quero”. Cf. João Baptista MACHADO, “Acordo negocial e erro na venda
de coisas defeituosas”, 81 s.
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nezes CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I/I, 825. Menezes Cordeiro con-
sidera que está em causa o erro sobre a identidade do objeto, sobre as qualidades do
objeto, sobre o seu valor, sobre as qualidades jurídicas do objeto e sobre o conteúdo
do negócio.
63 C. A. Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 517 s. A solução é consentânea
com o entendimento que se tem do objeto do negócio jurídico. Na verdade, ele inclui
quer o objeto mediato, quer o objeto imediato – o seu conteúdo.
Cf., também, A. Menezes CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I/I, 825,
n.2278, dando como exemplo o caso decidido no Acórdão do Tribunal da Relação do
Porto de 26 de Novembro de 1992: “fora celebrado um contrato de trespasse de um
cabeleireiro, estando o trespassante (erradamente) convicto de que podia ir viver no
local: acabou por ser despejado, vindo, depois, pedir a anulação por erro – a qual lhe
foi concedida: e bem”.
O corpo do acórdão refere, expressamente, que “o erro sobre o objeto do negócio
abrange o objeto material ou mediato, mas também o objeto jurídico ou imediato (isto
é, o conteúdo ou substância do negócio constituído pelo conjunto dos efeitos que visa
produzir)”.
64 Relator Carlos Gil
RJLB, Ano 4 (2018), nº 6________2425_
68 Sobre o ponto, cf. C.A. Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 514 s.; Luís
RJLB, Ano 4 (2018), nº 6________2427_
Carvalho FERNANDES, Teoria Geral do Direito Civil, 163 s.; A. Menezes CORDEIRO,
Tratado de Direito Civil, II, 864 s., Pedro Pais de VASCONCELOS, Teoria Geral do
Direito Civil, 504 s.
69 Nesse sentido, cf. C.A. Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 514; A. Menezes
CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, II, 870. Em sentido diverso, considerando que a
consequência jurídica é a resolução ou a modificação do contrato, cf. Carlos Ferreira
de ALMEIDA, “Erro sobre a base do negócio”, Cadernos de Direito Privado, 43, 2013,
3 s.
70 Galvão TELLES, “Erro sobre a base do negócio”, Estudos em homenagem do Prof.
minação do alcance normativo dos artigos 247º, 251º e 252º CC”, Revista da Facul-
dade de Direito da Universidade de Lisboa, XLV, 2004, 395 s.
_2428________RJLB, Ano 4 (2018), nº 6
sob ameaça de que, se não o fizessem, este, com quem vivia ma-
ritalmente, a abandonaria. Considera, então, o Supremo Tribunal
de Justiça que a ameaça de exercício normal de um direito não
constitui coação, “desde que a vantagem que o titular do direito
pretende obter com o negócio seja inerente ao próprio direito,
quando se trate de uma simples ameaça de ir a juízo com vista a
exigir a satisfação do respetivo direito. Contudo, já representa
uma cominação ilícita a ameaça de um direito, por uma das par-
tes, com o intuito de extorquir a escritura pública de venda de
metade de uma fração predial, pertencente, na sua totalidade, à
outra, atuando sobre a vontade negocial desta a determinando-a
num sentido em que, de outra forma, se não determinaria”76.
Particularmente interessante é constatar, a este ensejo,
numa conclusão que já tinha sido adiantada por Menezes Cor-
deiro77, a escassez de decisões dos nossos Tribunais no sentido
de considerar inválido um negócio por coação moral.
76 Sobre a coação moral, cf. A. Menezes CORDEIRO, Tratado de direito civil, II, 832
s.; C. A. Mota PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 531 s., Pedro Pais de VASCON-
CELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 515 s.
77 A. Menezes CORDEIRO, Tratado de direito civil, II, 833. Interessante, porém, acom-
panhar a resenha jurisprudencial oferecida pelo autor: o STJ, numa decisão de 1997
(Acórdão de 11 de Março de 1997, relator Fernando Fabião), considerou que havia
coação moral no caso em que a EDP ameaçou suspender o fornecimento de energia
elétrica a um consumidor, como forma de o obrigar a pagar uma dívida que não era
sua.
78 Relator Filipe Colaço
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79J. Oliveira ASCENSÃO, Direito Civil – Teoria Geral, vol. II, Coimbra Editora, Co-
imbra, 1999, 138 s.
RJLB, Ano 4 (2018), nº 6________2433_
182.
83 J. Oliveira ASCENSÃO, Direito Civil – Teoria Geral, vol. II, 140.
_2434________RJLB, Ano 4 (2018), nº 6
98 Repare-se que o errante pode ter de indemnizar o dano causado ao declaratário, nos
termos do artigo 227º. Por esta via, é também tutelada a confiança da contraparte no
negócio inválido. Trata-se, contudo, de um remédio para a violação da confiança e
não de um mecanismo que salvaguarde expectativas legítimas na validade do contrato,
impondo a vinculação negocial.
O nosso Código Civil não exige, entre os requisitos de relevância do erro, a desculpa-
bilidade ou escusabilidade deste – cf. Mota PINTO, Teoria Geral, 510 s. No fundo, os
requisitos a que aludimos em texto permitem acautelar devidamente a posição da parte
não enganada. Por isso, pode haver culpa no erro, fundamentando, assim, a aplicação
das regras da culpa in contrahendo. A este propósito, questiona Mota Pinto (op. cit.,
511): “não deverá, todavia, entender-se que nunca haverá lugar para esta responsabi-
lidade, dado que os requisitos especiais de relevância do erro, exigidos pelos artigos
251º e 252º, só permitem a anulação quando não há qualquer confiança do declaratário
digna de ser protegida?”. Ao que responde, de imediato: “se a lei tivesse exigido o
conhecimento ou a cognoscibilidade do erro pela outra parte, como fundamento da
anulação, a resposta a esta pergunta seria afirmativa (…), pois o contraente não en-
gando teria contribuído também, com a sua culpa, para os danos resultantes da anula-
ção, dado que o erro era, pelo menos, reconhecível; ora a concorrência da culpa do
lesado pode levar à exclusão da indemnização (artigo 570º). (…) a lei não exige aquele
requisito, contentando-se (…) com a cognoscibilidade da essencialidade do elemento
sobre que incidiu o erro; ora, pode haver hipóteses em que, verificando-se este requi-
sito, o declaratário nem sequer devesse suspeitar da existência do erro da contraparte.
Neste caso, o negócio pode ser anulado, não obstante a falta de culpa do declaratário
na formação da sua confiança, mas haverá lugar à obrigação de indemnizar o interesse
negativo. Quando, porém, a aplicação do artigo 247º (…) lese clamorosamente os
interesses do declaratário, deve obstar-se à anulação, por força da cláusula geral do
abuso do direito (334º)” (511-512). Em sentido algo divergente, considerando que,
“perante um erro indesculpável, será mais difícil exigir à contraparte o dever de co-
nhecer a essencialidade do elemento”, cf. Menezes CORDEIRO, Tratado, 851.
Sobre os requisitos em questão, v., também, A. Pinto MONTEIRO, “Erro e teoria da
imprevisão”, Estudos de Direito do Consumidor, nº6, 319 s.; Paulo Mota PINTO, “Re-
quisitos de Relevância do Erro nos Princípios de Direito Europeu dos Contratos e no
Código Civil Português”, Estudos em Homenagem ao Professor Inocêncio Galvão
Telles, vol. IV, 81 s.; Rui de ALARCÃO, “Breve motivação do anteprojeto sobre o
_2440________RJLB, Ano 4 (2018), nº 6
da tipicidade…”, 68. O autor considera que “o erro, por corresponder a uma perturba-
ção endógena do processo de formação da vontade do declarante, está desligado da
violação de deveres compreendidos na relação pré-contratual”; e que, no dolo, por se
tratar de uma perturbação exógena, há ligação à violação de tais deveres.
RJLB, Ano 4 (2018), nº 6________2441_
105 Repare-se que, apesar de não se exigir a agravação do dolo, nem por isso prescin-
dimos de um desvalor de conduta do declaratário. Porém, este desvalor não serve de
pilar de sustentação de um juízo de censura. O que se pretende, com a sua constatação,
é determinar a falta de uma confiança normativamente fundada. Ora, se não houver
culpa, isso significa que não há violação de deveres de informação e que, portanto,
ainda que o comportamento do declaratário induza o declarante em erro, esse risco
há-de correr por conta do último. Ou seja, aí há um engano em que é o próprio decla-
rante a incorrer. No fundo, falta a imputação ao comportamento do declaratário que
só pode existir a partir do momento em que se deteta o desvio em relação à conduta
exigível. E essa falta de imputação evidencia, afinal, que há uma confiança normati-
vamente fundada (na boa-fé negocial) na esfera do declaratário. In fine, sublinhe-se
que, em determinadas situações, se o declaratário se aperceber que o seu comporta-
mento não culposo induziu o declarante em erro, pode emergir um dever de esclare-
cimento que, a ser preterido, fundamenta a aplicação do regime do dolo.
106 Cf. Nuno Pinto OLIVEIRA, “O dogma da tipicidade…”, 73. O autor, relativamente
Tempo, pois, para vincar a dupla aceção que o termo encerra: por um lado, o dolo é
um vício da vontade; por outro lado, o dolo pode ser uma forma de culpa. Assim, por
exemplo, na Alemanha, somos confrontados com duas expressões a designar estas
realidades: Täuschung e Vorsatz.
108 Com um percurso de fundamentação diverso, chegamos a uma solução que não
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9. CONCLUSÕES