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Como montar uma bateria para


avaliação neuropsicológica
NEANDER ABREU
ADRIELEWYZYKOWSKI
NATÁLIA CANÁRIO
PÉTALA GUIMARÃES
. SAMARAP.S.REiS

A avaliação neuropsicológica abrange uma sua condição (para mais informações so-
variedade de testes e técnicas que, em boa bre essa etapa da avaliação, ver Capítulo 3,
medida, devem sua rápida evolução ao in- A entrevista clínica em neuropsicología).
teresse crescente de profissionais clínicos Após a entrevista, o planejamento da ava-
na investigação do funcionamento e da in- liação é iniciado com base em seu objeti-
tegridade cerebral de seus pacientes (Lezak, vo, na queixa e nos achados propriamen-
2004), Historicamente, a avaliação neuro- te ditos; em geral, a avaliação será feita com
psicológica serviu a pacientes com lesões o uso de baterias. Neste capítulo, são apre-
cerebrais. Com o avanço das neurociências, sentadas as bases para a composição de
dos testes e das técnicas, foi possívci passar uma bateria neuropsicológica, incluindo-
a abranger pacientes que sofrem de quais- -se o tipo rnais apropriado para atender
quer distúrbios que tenham o potencial aos objetivos da avaliação, com enfoque no
de causar impacto nas funções cognitivas, contexto clínico.
bem como avaliar o impacto do tratamen-
to de outros transtornos da cognição (Har-
vey, 2012). De acordo corn Lezak (2004), o BATERIAS NEURQPSICOLÓGICAS:
exame neuropsicológico atende a seis obje- POR QUE UTILIZÁ-LAS?
tivos: diagnóstico; cuidados com o pacien-
te; identificação de necessidades de trata- A neuropsicologia se consolidou com a in-
mento; avaliação da eficácia do tratamento; vestigação e a tentativa de reabilitação de
pesquisa; resposta a questões forenses. Co- dcficits cognitivos e alterações comporta-
mo esperado, atingir esses objetívos requer mentais decorrentes de lesões encefálicas
preparação e planejamento adequado dos adquirida,^ em meados do século XIX, es-
testes e técnicas que serão utilizados. pecialmente no pós-guerra do século XX
A avaliação neuropsicológica deve ser (Abrisqueta-Gomez, 2012). Até esse pe-
iniciada após uma anamnese exaustiva do ríodo, a avaliação neuropsicológica tinha
paciente, investigando a fundo sua histó- um objetivo essencialmente diagnóstico e,
ria de vida e seu desempenho, levantando a partir de pressupostos localizacionistas,
dados para formulação de hipóteses sobre buscava identificar e catalogar os défícits
108 • Mal|oy~DínÍz, Mattos,'-'Abreu &fue.ntes(o;gs>

decorrentes da lesão de regiões específicas ou baterias completas, ainda que possa


cio cérebro (Máder, 2010). também ser realizada uma avaliação do ti-
Na década de 1860, os estudos de Bro- po exploração flexível, com tarefas específi-
ca e Wemicke a respeito das afasias — altera- cas para cada caso.
ções características na linguagem decorren- Harvey (2012) sugere algumas dimen-
tes de lesões em áreas específicas do cérebro sões importantes das baterias. Em primeiro
— fortaleceram a ideia de que era possível lugar, consistem em uma coletânea de tes-
fazer a associação de défícíts cognitivos a tes que permitem avaliar uma variedade de
substratos neúrais. Muitos pesquisadores funções cognitivas (em geral com mais de
deram continuidade a investigações nessa um teste destinado a cada função), poden-
linha, até que Luria, um século depois, es- do abranger outras medidas de desempe-
tudou diversos processos cognitivos de ma- nho e potencial académico e cognitivo. Os
neira mais ampla e defendeu que, na rea- resultados obtidos por meio dessa testagem
lidade, para a execução de determinada são considerados as informações mais con-
tarefa, diversas regiões do cérebro funcio- • fiáveis da avaliação neuropsicológica, uma
nariam em conjunto, compondo sistemas vez que permitem comparação normativa,
funcionais. Luria trouxe a compreensão de ou seja, confrontação do desempenho do
que era preciso ter noção do funcionamen- paciente com o desempenho médio da po~
to cognitivo global do indivíduo para com- pulação> considerando-se o grupo de refe-
preender determinado quadro clínico em rência quanto a sexo, idade, escolarização,
sua totalidade e, assim, montou a primei- e te. A confíabilidade das informações ex-
ra'bateria completa de avaliação neuropsi- traídas, portanto, depende muito da amos-
coíógica, a Investigação Neuropsicológica tra utilizada na validação dos testes que
de Luria (INL), que serviu como base pa- compõem a bateria.
ra a elaboração de muitas outras (Cosenza, A segunda vantagem das baterias é
Fuentes, & Malloy-Diniz, 2008). que, por darem acesso a diversos domí-
O trabalho proposto por Luria, em es- nios cognitivos simultaneamente, infor-
pecial a f NL3 serviu de base para o desenvol- mam ao profissional tanto aspectos espe-
vimento de uma bateria que pudesse con- cíficos quanto globais do funcionamento
gregar normatização e aplicação de rotina, neuropsicológico do paciente. A composi-
bem como ser capaz de gerar escore e quan- ção dos escores nos diferentes testes indica
tificação. Assim, a partir do trabalho inicial o nível de funcionamento geral do indiví-
publicado com a INL por Anne-Lise Chris- duo no momento da testagem, bem como
tensen, em 1975, foi desenvolvida uma ba- possibilita inferir sua adaptação ao mundo
teria normalizada, a Luria-Nebraska, que . real e prever seu desempenho em situações
cobria os domínios de atividade motora e que requeiram múltiplas habilidades.
percepção, linguagem expressiva e recepti- Em termos intraindividuais, é possível
va, funções visuais, memória, além de ha- comparar o desempenho do paciente nos
bilidades de leitura, escrita e aritmética. diferentes testes ou tarefas que compõem
Desde então,-ocorreram muitos avanços a bateria. Essa comparação é especialmen-
na área da psicornetria, e os testes padroni- te importante em pacientes com lesões ou
zados, idealmente com dados normativos, comprometimentos focais, nos quais fun-
ganharam preferência eni meio à comuni- ções específicas encontram-se ern nível de
dade científica e clínica. Profissionais têm funcionamento notadamente inferior às
utilizado frequentemente um tipo de ava- , demais (p. ex., um paciente com lesão hi-
liação de exploração sistemática (Haase et pocampal que refere apenas déficts em me-
ai., 2012), corn uso-de testes, baterias breves mória) (Harvey, 20)2), Dentro de uma
*
*
Y.Neuropsicplogia 9 109

perspectiva mais teórico-empírica, a com- BATERIAS FIXAS E FLEXÍVEIS


paração citada anteriormente também é o
que permite estabelecer dissociações (sim^ Após decidir-se pelo uso de baterias no exa-
pies e duplas) entre funções cognitivas, me neuropsicológico, ainda é necessário esco-
dando sustentação ao pressuposto da neu- lher qual o tipo de bateria mais apropriado.
ropsicologia cognitiva de que a cognição As baterias neuropsicológícas apresentam va-
humana está organizada cm módulos rela- riações quanto à seleção dos testes e das tare-
tivamente independentes e de que uma fa- fas que as compõem, bem como quanto à for-
lha quaíquer desses módulos levará ao fun- ma corno os neuropsicólogos trabalham com
cionamento do sistema sem ele (Capovilla, eles (Kane, 1991). Em relação à última, exis-
2007). tem defensores de baterias fixas para todos os
Escores independentes também são pacientes e defensores de baterias que se har-
importantes nos casos em que se observa mozinem com o paciente, as chamadas bate-
um comprometimento global, mas reque- rias flexíveis (Káhe, 1991).
rem diagnóstico diferencial, como em sus- As baterias fixas são assim denomina-
peitas de demência. Nessas situações, défí- das porque todos os pacientes, independen-
cits mais ou menos acentuados em funções temente da queixa inicial, responderão aos
específicas são evidências que auxiliam mesmos testes c tarefas (Kane, 1991). Tam-
na distinção entre diagnósticos possíveis bém são conhecidas como baterias com-
(Chim et ai., 2015; Harvey, 2012). Apesar de preensivas, tendo em vista que costumam
ser uma vantagem, o uso de baterias para ser abrangentes, mostrando o quadro geral
o diagnóstico diferencial pode ser capcio- das funções cognitivas (Kane, .1991; Mader,
so. É esperado que os indivíduos apresen- 2010; Werlang & Argimon, 2003). De acor-
tem variações em seu desempenho mesmo do com Werlang e Argimon (2003), o ob-
quando saudáveis, e por isso é preciso se jetivo desse tipo de bateria é a avaliação de
assegurar de que as diferenças observadas áreas do funcionamento afetadas por lesões
entre os escores dos testes de fato se refe- cerebrais estruturais. Essa definição, no en-
rem a um prejuízo cognitivo. Aspectos co- tanto, nos parece um pouco reducionista.
mo co n fiabilidade da medida (estabilidade Baterias fixas podem ser uma ferramen-
em teste-reteste), normalização dos esco- ta interessante para avaliações de rastreio,
res (se foi feita com uma única amostra ou que sinalizam funções a serem mais bem
com amostras diferentes em cada teste) e a investigadas com testes específicos. Um dos
performance do paciente (se há extremos, pontos fortes desse tipo de bateria é que ele
superiores ou inferiores) devem ser consi- permite descobrir dificuldades e potencia-
derados no momento de interpretar os re- lídades não contempladas pela queixa ini-
sultados de uma bateria. cial (Kane ? 1991).
Há, ainda, outras vantagens na utili- Conforme indicado por Mãder (2010),
zação de baterias, além de sua praticidade. baterias fixas são especialmente úteis em
Por urn lado, quando o profissional estabe- pesquisa, em protocolo • específico para
lece uma ou mais baterias para trabalhar, uma população em particular. O uso siste-
economiza tempo no processo de seleção mático dg uma bateria fixa facilita a criação
de instrumentos para cada paciente, assirn de um banco normativo de dados, o que
como aproveita melhor o ternpo despendi- permite extrair padrões e associações entre
do na avaliação. Por outro lado, a adoção quadros clínicos e comprometimentos cog-
de baterias permite a comparação entre pa- nitivos determinados (Kane, 1991).
cientes, tanto em nível global quanto em As baterias flexíveis, por sua vez, são
domínios específicos. compostas por uma bateria nuclear ou
110 * Malloy-Dlniz,Matfo£ Abreu & Fuentes (orgs.)

básica complementada por testes especiali- encontra-se comprometida em uma série de


zados adequados,aos motivos do encami- condições, como o transtorno de déficit de •
nhamento ou da investigação de um trans- atenção/hiperat i vi dade (TDAH), diferentes «
torno específico e, por isso, mais aplicadas tipos de demência, dislexia, esquizofrenia,
em contexto clínico (Werlang áíArgimon, transtornos invasivos do desenvolvimento
2003). Para medição das diversas funções, ou, até mesmo, casos de lesão cerebral (Cou-
Màder (1996) propõe um protocolo bási- tínho, Mattos, & Abreu, 2010).
co para avaliação neuropsicológica clínica Diversas funções cognitivas dependem
com testes que avaliam orientação, atenção, do bom funcionamento da atenção^ prin-
percepção, inteligência geral, raciocínio, cipalmente a memória. Um déficit aten-
memória verbal e visual, de curto e longo cional, portanto, pode afetar outras fun-
prazo, testes de flexibilidade mental, lin- ções cognitivas importantes na vida diária,
guagem e organização visioespacial. o que, por sua vez, pode acarretar uma se-
De fato, a seleção dos testes e das fun- de de sintomas. Assim, testes que medem o
ções que serão avaliadas em uma bateria nível de atenção não podem faltar em uma.
depende dos objetívos do ne u ro psicólogo. bateria n europsico lógica, pois é necessário 9
Corno as funções neuropsicológicas a se- investigar sua relação com as demais fun- 9
rem investigadas em baterias compreensi- ções (Coutinho et alM 2010).
vas costumam ser similares nos principais A seguir, serão citados alguns testes de
manuais de neuropsicologia, será descrita, atenção usados na prática clínica que po-
a seguir, uma síntese de testes capazes de dem ser inseridos em uma bateria de ava-
avaliar essas funções, com especial atenção liação neuropsicológica:
ao que está disponível para o neuropsicó- 9
logo clínico brasileiro que tenha a intenção 1. Teste de Atenção Visual - TAVIS ÍV: tra-
9
de construir uma bateria própria para uso ta-se de um teste computadorizado que
ern suas avaliações. compreende três tarefas para avaliar se- 9
, paradamente aspectos da atenção vi-
sual. A primeira tarefa avalia a atenção
ATENÇÃO seletiva, na qual o indivíduo deve res-
ponder seletivamente a um estímulo-
A atenção é explicada na literatura a par- -alvo, inibindo a ocorrência de distra-
tir de diferentes modelos. De maneira ge- tores. Na. segunda tarefa, o examinando 9
ral, essa função é definida como uni siste- deverá responder de maneira alterna- 9
ma complexo que possibilita ao indivíduo da a dois parâmetros diferentes (aten- 9
filtrar informações relevantes, por um pe- ção alternada e flexibilidade cognitiva). 9
ríodo limitado (Schíindwein~Zanini,20lO). A última tarefa avalia a atenção susten-
De acordo com Strauss, Sherman e Spreen , tada e requer que o examinando per-
(2006), a atenção é vista por muitos autores maneça atento por um período pro-
como urna função que se relaciona com di- longado para responder a um estímulo 9
versos processos básicos, como, por exem- específico (Mattos & Coutinho, 2010). 9
plo, o alerta, a vigília, a seleção sensorial (fil- 2. Tarefa de Performance Contínua - CPT:
trar, focar ou mudar a seieção do estímulo trata-se de um teste computadoriza-
de forma automática) e a seleção de respos- do de atenção e controle inibitório que
tas (controle supervisor, iniciação e inibição). tem diversas versões pelo mundo. Uma
A atenção é uma função primordial das versões é o chamado CPT-II, de-
no cotidiano, que tem efeitos diretos so- senvolvido por Epstein e colaboradores
bre a adaptação do indivíduo. Essa função . (2003). Nessa versão, o examinando é
..NetirppsícalDgra « 1 1 1

exposto a diversas letras que aparecem que vivem via comunicação e socialização.
no centro da tela, uma de cada vez e Portanto, défkits linguísticos, relacionados
em intervalos curtos. O indivíduo deve à compreensão ou à expressão verbal, po-
pressionar um botão todas as vexes ern dem gerar grande impacto na vida de um
que aparecer qualquer letra na tela, ex- indivíduo, sendo necessário investigar de-
ceto a letra X. Ou seja, é necessário ini- talhadamente o problema em si e realizar as
bir a resposta de apertar o botão todas devidas intervenções (Híllis, 2007). De ma-
as vezes em que o X aparecer. Assim, o neira ampla, essa função é compreendida
CPT-II fornece uma medida de contro- em duas classificações: linguagem receptiva
le inibitório por meio dos erros de acão e expressiva. A linguagem receptiva refere-
(apertar o botão ao ver a letra X), bem -se à compreensão e à codificação do input
como uma medida de atenção por meio linguístico e envolve processos auditivos e
dos erros de omissão (não pressionar o de leitura, A linguagem expressiva, por sua
botão ao ver qualquer outra letra). Ade- vez, refere-se à "capacidade do indivíduo de
mais, o teste também permite a avalia- se expressar, verbalmente ou não, por meio
ção por meio do tempo de reação do su- da escrita, da fala e da sinalização (Salles &
jeito. Essa versão é destinada a avaliar Rodrigues, 2014).
crianças a partir de 6 anos de idade, bem A avaliação da linguagem deve ser
como adultos e idosos. abrangente, de forma a identificar os aspec-
3. D-2 Atenção Concentrada: trata-se de tos preservados e comprometidos, o que
um teste que avalia a atenção concentra- auxilia a descrever o perfil neuropsicológi-
da e a capacidade de rastreio visual em co de diversos quadros clínicos, como disle-
sujeitos de 9 a 53 anos. Nele, o exami- xia, afasia, demência, entre outros (Mansur,
nando deverá marcar as letras O acom- 2010). A seguir, serão listados alguns testes
panhadas por dois traços. Os estímu- utilizados por neuropsicólogos na avalia-
los a serem marcados estão misturados ção de aspectos linguísticos:
a diversos distratores distribuídos em 14
linhas (Brickenkamp, 2002). 1. Teste de Nomeação de Boston: avalia
4. Atenção Concentrada — AC: trata-se de a capacidade de nomeação por meio
urn teste de cancelamento, destinado a da confrontação visual. O examinan-
avaliar a atenção concentrada em ado- do é solicitado a nomear 60 ilustrações
lescentes e ern adultos. O indivíduo de- mostradas pelo profissional. Esse Teste
ve reconhecer três estímulos-alvo dian- é frequentemente utilizado em pacien-
te de uma série de distratores, em um tes com suspeita de anemia, sendo im-
intervalo de tempo. Á pontuação final portante comparar o desempenho do
é calculada a partir do número de es- indivíduo com o nível de sua escolari-
tímuíos-alvo selecionados, subtrainr dade, uma vez que é uma variável com
d.o-se a quantidade de erros por ação e grande impacto na nomeação (Man-
omissão (Cambraia, 2003). sur, Radanovic, Araújo, Taquemori, &
Greco2006).
2. Teste ($e Fluência Verbal: avalia fluência
LINGUAGEM verbal semântica e fonética. Na fluên-
cia verbal semântica, o indivíduo deve
A linguagem é uma função cortiça! supe- mencionar o máximo de animais pos-
rior de grande complexidade e relevância sível durante l minuto. Na avaliação da
para o ser humano, uma vez que permite fluência fonética, por sua vez, deve di-
a adaptação das pessoas ao ambiente em zer palavras que iniciam com as letras
1.12" • Mal!oy-0.iaiz, Mattos,, AbreLr&Tuentes (orgs.)

F, A e S. Esse teste está relacionado não justamente por ser primordial para qual-
só à expressão verbal e à memória se- quer tipo de aprendizagem. O caso exem-
mântica, mas também a aspectos da plar de H.M., amplamente estudado por
função executiva, pois exige estraté- pesquisadores, associado ao avanço das neu-
gias de busca de palavras £Lezak> 2004). rociêncías, trouxe grandes elucidações acer-
A versão fonológica F-A-S mostrou-se ca dessa função cognitiva (Corrêa, 2010).
sensível para diferenciar pacientes com Para sua avaliação, é necessário conhe-
TDAH de indivíduos sem o transtorno cimento claro de seus estágios, dos modelos
(Abreu et ai, 2013). propostos e do que se pretende avaliar, sen-
3. Token Test: foi desenvolvido com o ob- do a entrevista inicial de grande importân-
jetivo de avaliar a compreensão da lin- cia. O déficit de memória pode ocorrer ou
guagem por meío de comandos ver- ser central ern diversos transtornos psiquiá-
bais, e apresenta diversas versões. No tricos, corno amnésias e demências, além
Brasil, é possível encontrar dados nor- de fazer parte do envelhecimento saudável.
mativos de uma versão reduzida para a Por isso, é necessário profundo conhecimen-
população idosa, sendo a aplicação mais to das doenças associadas e do curso normal •
rápida e menos cansativa- Nessa versão, do desenvolvimento (Oliveira, 2007).
o indivíduo deve responder a 36 coman- Os estágios da memória são os de aqui-

dos específicos, com diferentes graus de sição (registro ou codificação); consolida- «
complexidade, pela manipulação de pe- ção (retenção ou armazenamento) e evoca- 9
ças geométricas (Moreira et ai, 2011). ção (recordação ou recuperação) (Oliveira,
4. Tarefa de Competência de Leitura de Pa- 2007). Uma boa avaliação da aquisição de •
«
lavras e. Pseudopalavras (TCLPP): ava- memória precisa ser concomitante à avalia- «
lia a competência de leitura silencio- ção da atenção, uma vez que esta pode in-
sa de palavras isoladas em crianças do terferir nesse estágio, não significando défi-
ensino fundamental O teste apresen- cit de memória.
ta 70 figuras associadas a palavras ou A seguir, são sugeridos alguns testes
pseudopalavras. A criança deve iden- que podem ser incluídos em baterias flexí-
tificar as palavras correias em relação veis. Deve-se lembrar que há baterias que
aos aspectos ortográficos e semânticos, avaliam exclusivamente os vários com-
bem como identificar as palavras erra- ponentes da memória, mas são muito ex-
das (p. ex0 pseudopalavra ou palavra tensas, sendo necessário empregar mais
cuja figura não se associa corretamente tempo, delongando a avaliação neuropsi-
a ela). O TCLPP auxilia na realização cológica (Strauss et ai., 2006).
de diagnósticos de distúrbios de aqui-
sição da fala, bem como identifica o ní- 1. Subteste Memória Lógica da Wechshr
vel de desenvolvimento de leitura e o - Memory Scale: trata-se de uma tare-
grau de proficiência da criança (Seabra fa bastante utilizada por neuropsico-
&Capovilla,20lO). logos no mundo, destinada a avaliar a
memória episódica. Consiste em duas
histórias, apresentadas pelo examina-
MEMÓRIA dor, sobre diferentes personagens; cada
uma apresenta 25 itens que serão pon-
A memória é um fenómeno complexo es- tuados posteriormente. Após ouvir a
tudado por várias áreas do conhecimento. história, o examinando será solicitado
Tem papel central para o ser humano e para a dizer livremente o máximo do con-
sua constituição como indivíduo, seu self, teúdo que recordar, da maneira mais
113

exata possível (memória imediata). Após 20 minutos» testa-se novamente a


Para avaliar a memória de longo pra- recordação da primeira lista, e aplica-
zo, depois de 30 minutos, os indivíduos -se uma lista de reconhecimento com
devem novamente recordar o conteú- 50 palavras (Mallov-Diniz, Lasmar, Ga-
do da história (Sullívan, 2005). Apesar zinelli> FucnteSj & Salgado, 2007).
da ausência de normas no Brasil, Bo- 4. Figuras Complexas de Rcy. trata-se de um
lognani e colaboradores (2015) desen- teste que avalia a memória visual. Ime-
volveram formas alternativas para esse diatamente, e 3 minutos após a apre-
subteste, adaptadas ao contexto brasi- sentação de uma figura complexa, re-
leiro, de modo a permitir o teste-retes- quere-se que o paciente reproduza os
te dos pacientes. elementos que conseguir evocar (ver
2. Siíbtestcs Reprodução Visual (RV) J - e Jamus & Mader, 2005). Há versões com
U da Wechsler — Memory Scale IV: tra- normas para reprodução após 30 mi-
ta-se de uma tarefa cie memória ime- nutos; entretanto, publicações com
diata, tardia e de reconhecimento não normas brasileiras utilizam a repro-
verbal visual, amplamente utilizada no dução imediata com 3 minutos. O tes-
mundo para adultos e idosos e adap- te permite identificardc fornia simples
tada para adultos do contexto brasi- e relativamente pura o desempenho de
leiro (Spedo> 2012). Consiste em cinco memória visual do paciente.
cartões, três com uma única imagem e
dois com duas imagens, apresentados
sequencialmente. Cada cartão é apre- VISIOCONSTRUÇÃO
sentado por 10 segundos e retirado em
seguida Imediatamente depois, o exa- Referido também na literatura como praxia
minando deve reproduzir a imagem construtiva, a visioconstrução é uma habi-
vista (RV-I). Esse procedimento é re- lidade que está relacionada ao processo de
petido para cada cartão. Entre 20 e 30 juntar organizadamente estímulos para
minutos depois, o examinando é soli- formar um todo. Qualquer comportamen-
citado a reproduzir novamente as ima- to em que a manipulação de elementos gere
gens (KV-II). Em seguida, pede-se que uni produto final, seja no âmbito bidimen-
ele identifique as figuras visualizadas sional, seja no tridimensional, está ligado à
inicialmente entre uni conjunto de ima- visioconstrução (Benton & Tranel, 1993).
gens (RV-T1). Como procedimento op- Para realizar testes que avaliam essa
cional, no fim> pode-se apresentar nova- função, é necessário que o paciente apre-
mente as figuras para que o examinando sente boa acuidade visual, consiga perceber
as copie (RV-II) (Spedo, 2012). os elementos do modelo apresentado e suas
3. Teste de Aprendizagem Auditivo-verbal relações espaciais e tenha destreza motora.
de Rey, mede retenção, memória recen- Caso contrário, a avaliação das habilidades
te e memória de reconhecimento. Con- visioconstrutivas pode não ser con fiável.
siste na leitura de uma lista de palavras Cabe ao profissional escolher os testes que
(15 substantivos), de forma repetida, são mais Adequados ao contexto do pacien-
por cinco vezes, com a evocação do tes- te (Zuccolo, Rzezak, & Gois, 2010). A ava-
tando no fim de cada leitura. Depois liação da função visioconstrutiva pode ser
disso, é apresentada uma lista de in- realizada a partir dos seguintes testes:
terferência, com recordação do testan-
do no fim. Em seguida, bá uma evoca- 1. Desenho do Relógio: nesse leste, o in-
ção livre da primeira lista apresentada. divíduo deve desenhar livremente um
114 • Malioy-Oini?, Mattos', Abreu &.Fiientes (orgs.j

relógio completo e marcar um horário antecipe eventos futuros e mude de planos


dito pelo examinador. Este é um teste no decorrer de um processo.
de rastreio que permite avaliar de ma- A principal base neurológica dessas
neira simples as funções visioconstru- funções, assim como a da atenção, é o cór-
ção e visioespaciais, benVcomo as fun- tex pré-frontal. O desenvolvimento das
ções executivas (Goodglass & Kaplan, FEs é percebido gradualmente no decor-
1983). 'rer do desenvolvimento humano, do pri-
2. Figura Complexa de Rey: trata-se de meiro ano de vida aos 20 anos de idade,
um teste que avalia as habilidades vi- aproximadamente, quando elas se mantêm
sloconstrutivas no momento ern que o estabilizadas até seu declínio, no envelheci-
examinando é solicitado a copiar urna mento (Fiorés-Lázaro, Castillo-Preciado, &
figura complexa, composta por diver- Jiménez-Miramonte, 2014; Malloy-Oiníz et
sas formas geométricas. O indivíduo aí-, 2008).
deve realizar a cópia da melhor forma Como exposto anteriormente, as FEs
possível, mantendo os detalhes do de- são um conjunto complexo de habilidades
senho, bem como as proporções (Oli- distintas que se relacionam para o alcance
veira & Rígoni, 2010). 1 de uma meta. Não há consenso entre auto-
3. Teste Gestáltico de Render: teste cons- res na identificação de todas elas, de modo
truído por Lauretta Bender, em 1938. que foram propostos diversos modelos de
Nele> o examinando é solicitado a co- interação entre as funções. Citando breve-
piar nove figuras em diferentes níveis de mente alguns, temos o modelo de Barkley
complexidade. As figuras são compos- (2011), no qual o controle inibitório regu-
tas por pontos, linhas, curvas sinuosas laria quatro habilidades executivas: memó-
e ângulos diferentes. ria operacional» fala internaíizada, autorre-
4. Cubos (WISC-IVe WA1S-IU): nesse tes- gulação e reconstituição. Outro modelo, o
te» o indivíduo deverá construir, com proposto por Cicerone» Levin, Malec, Stuss
cubos (compostos por partes brancas e •e Whyte (2006), divide as FEs em quatro
vermelhas), o modelo apresentado pe- domínios principais: cognitivas, autorregu-
lo examinador (Wechsler, 2004, 2013). ladoras do comportamento, reguladoras da
Também requer habilidades visioespa- atividade e processos metacognitivos.
ciais, de raciocínio e organização per- Seabra e Dias (2012) ainda discutem a
ceptual (Schlindwejn-Zanini, 2010). divisão das FEs em diferentes componentes
à luz de observações clínicas e estudos que,
por meio de baterias de testes executivos, in-
FUNÇÕES EXECUTIVAS vestigaram adultos sadios, idosos, adultos
com défícits cerebrais e crianças com pato-
As funções executivas (FEs) são habilida- logias neurocognitivas. Além dos estudos,
des integradas que capacitam o indivíduo análises estatísticas sugerem componentes
a tomar decisões, avaliar e adequar seus que variam em número - dois ou três - em
comportamentos e estratégias em direção casos de pesquisa com crianças. Em estu-
à resolução de um problema. Dessa forma, dos com população adulta, os dados apon-
acabam por orientar e gerenciar funções tam consistente mente para três componen-
cognitivas, emocionais e com portam en- tes executivos; controle inibitório (inibição),
tais (Malloy-Oiníz, Sedo, Fuent.es, & Lei- memória operacional e flexibilidade cogni-
te» 2008). Segundo Strauss e colaboradores tiva (Diamond, 2013; Seabra & Dias, 2012).
(2006),- as FEs permitem que o indivíduo Há enorme carência de testes que
responda de modo adaptativo a estímulos, 1 apresentem normas para a diversidade da
'.Neuropsicologia •. 115

população brasileira, considerando que de- van Zandvoort, Postma, Kappellc, & de
vemos estar atentos a aspectos como se- Haan,2COO).
xo, idade e escolaridade para a maioria das 3. Teste de Trilhas - Parte B: tarefa de fácil
funções cognitivas. A maioria dos testes ci- e rápida aplicação, do tipo lápis e pa-
tados não tem normas para a população pel, constituída de duas partes. Na par-
infantil. Para uma boa avaliação neuropsi- te A, pede-se ao examinando que li-
cológica das FEs, é necessário investigar'e gue os números dispostos na página
aplicar testes por meio de escalas que con- em ordem crescente, o mais rápido que
templem a variedade de componentes des- conseguir, sem tirar o lápis do papel
se processo cognitivo. (Montiel & Capovilla, 2006a, 2006b).
A seguir, são listados alguns dos princi- Essa etapa é destinada a avaliar aspec-
pais testes de FEs utilizados no Brasil para tos como velocidade de processamento e
a composição de bateria neuropsicológica, atenção sustentada. Na parte B, a ins-
rnas sem o objetivo de esgotar as possibili- trução é que o examinando ligue nú-
dades de sua avaliação: meros e letras, alternando-os - os nú-
meros em ordem crescente, e as letras
1. Subteste Dígitos das Escalas Wechslèr em ordem alfabética (Montiel Sc Capo-
de Inteligência (WISC/WAIS): sequên- villa, 2000a, 2006b). A exigência de al-
cias numéricas apresentadas oral- ternar entre os estímulos é o que per-
mente pelo avaliador, as quais o exa- mite que a tarefa seja utilizada como
minando é solicitado a repetir, ora na medida de flexibilidade cognitiva (Ca-
mesma ordem (Dígitos Ordem Díreta povilla, 2006,2007). '
[DOD]), ora na ordem inversa (Dígi- 4. Teste de Categorização de Cartas Wis-
tos Ordem Inversa [DÓI]) (Wechsler, consin (WCST): teste reconhecido in-
2013). O DOD e o DOÍ são utilizados ternacionalmente como padrão-ou-
para avaliar, separadamente, duas fun- ro para avaliação das FEs (Silva-Filho,
ções da memória operacional: memória Pasian, & Humberto, 2011). A aplica-
de curto prazo (DOD) e manipulação ção do instrumento consiste em so-
de informação verbal (DÓI) (Figueire- licitar que o examinando classifique
do & Nascimento, 2007). Apesar de ser um conjunto de cartas de acordo corn
um instrumento normatizado para as o feedback dado pelo avaliador; quan-
populações brasileiras infantil (W1SC) do ofeedback muda, o examinando de-
e adulta (WAIS), apenas o WISC-IV ve descobrir a nova maneira correta de
disponibiliza escores ponderados dis- categorizar as cartas (Heaton, Chelune,
tintos para as tarefas de DOD e DÓI Talley, Kay, & Curtiss, 2005). Trata-se
(Wechsler,2013). de um instrumento muito interessan-
2. Cubos de Corsi; tarefa que segue a mes- te para avaliação da flexibilidade cogni-
ma lógica do Subteste Dígitos, na qual tiva, tendo em vista que exige adapta-
o avaliador apresenta sequências de co- ções nas respostas perante mudanças
ques em cubos, que devem ser reprodu- ambientais (Silva-Filho et ai., 2011).
zidos na ordem direta (OD) e na ordem 5. lowadGambling Task: tarefa que si/nu-
inversa (OI) pelo examinando. Ê am- la a tomada de decisão em uma situação
plamente utilizada para avaliar a me- da vida real ern condições de incerteza.
mória operacional visioespacial, com- Com o empréstimo simbólico de 2 mil
preendendo a memória de curto prazo dólares, o avaliando precisa escolher,
(OD) e a manipulação mental de in- de uma em uma carta, entre quatro pi-
formações (OI) visioespaciais (Kessels, lhas (A, B, C e D), podendo ganhar e
11B

perder somas de dinheiro } variando em ainda é importante porque minimiza


magnitude. Com o objetivo de acumu- efeitos de classe social e educação, per-
lar a maior quantia possível, o avalian- mitindo a exploração do processamen-
do precisa decidir se arrisca sacar car- to mental e da habilidade de mudança
tas dos baralhos A e B, com1 grandes no controle atencional.
ganhos imediatos e grandes perdas fre-
quentes (vantajoso a curto prazo), ou
dos C e D, com pequenos ganhos em COGNIÇÃO SOCIAL EM BATERIAS
curto prazo e perdas menos frequen- DE AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA.- 9
, tes e menores (vantajoso a longo pra- INDICAÇÃO BASEADA EM EVIDÊNCIAS
zo) (Brevers, Bechara, Cleeremans, & •
A cognição social (CS) consiste em um
«
Noel,2Q13).
6. Torre de Londres: teste que avalia plane- conjunto de processos neurobiológicos re-
jamento. Consiste na transposição de lacionados à percepção e à interpretação de
três bolas de cores diferentes (verme- informações extraídas a partir da iritera-
lho, azul e verde) a partir de uma po- ção com outras pessoas e do conhecimento
sição inicial comum a todos os itens prévio de normas sociais, o que possibilita
requeridos pelo pesquisador. Os itens a um indivíduo se comportar de maneira
aumentam de dificuldade gradativa- adequada e adaptada ao contexto (Adolphs,
mente, sendo necessário aumentar o 2001; Butman & Allegri, 2001; Monteiro &
número de movimentos que variam de Louzã Neto, 2010). Fazem parte da CS fun-
2 a 5 (Seabra,20L2). ções como teoria da mente (TdM), percep-
7. Torre de Hanói: tarefa de planejamen- ção e reconhecimento de emoções, empa-
to, similar à Torre de Londres, mas tia, atenção compartilhada, julgamento
com nível mais elevado de dificuldade moral, entre outras.
(Sant'Anna, Quayle, Pinto, Scaf, & Lú- Estudos de neuroimagem indicam que
cia, 2007). Consiste em uma base com diversas áreas do córtex cerebral estão en-
três hastes, cuja haste esquerda con- volvidas na CS, destacando-se o córtex
tém três discos coloridos empilhados pré-frontal ventromedial, o córtex soma-
de acordo com seu diâmetro (maior tossensoriaí direito, a amígdala e a ínsula
no topo). O examinando deve mover (Butman 5c Allegrij 2001; Van Overwalle,
os discos um a um, de uma rf*
haste a ou- 2009), sendo que recentemente foi identi-
tra, sempre deixando os menores aci- ficada também a participação do cerebelo
ma dos maiores, de modo a reproduzir (Van Overwalle, Baetens, Marien, & Van-
a ordem inicial na haste direita. dekerckhove, 2014).
8. Teste aos Cinco Dígitos (ver Pau- Hm se tratando de funções tão relevan-
la, Abrantes, Neves, & Malloy-Diniz, tes para a adaptação social do indivíduo,
2014): teste desenvolvido por Manuel como explicar sua ausência nas baterias de
Sedo e validado e publicado no Bra- avaliação tradicionais, principalmente de
sil pelos autores citados. Seu objetivo adultos e idosos?
é avaliar o controle inibitório. Envolve Há dois aspectos que devem ser consi-
contagem e nomeação de números de dera,dos para responder a essa questão. Em
l a 5 com diversas tarefas alternadas, primeiro lugar, é preciso conhecer o histó-
que minimizam o efeito de processos rico e o contexto específico no qual a CS foi
automáticos de leitura, exigindo, geral- tradicionalmente estudada e, então, pon-
mente, que o indivíduo apresente seu derar de que forma evidências trazidas por
desempenho de controle inibitório. Eie estudos recentes contribuem para que esse
•;;H'êiJropS!Go!ogia « 1 1 7

contexto esteja sendo repensado e amplia- comportamento social e da funcionalidade,


do. Em segundo lugar, é necessário com- além de servir para planejamento e avalia-
preender os desafios inerentes à tentativa ção da eficácia de tratamentos.
de avaliar seus principais componentes de Dessa forma, chega-se ao último aspec-
forma relativamente independente e anali- to que precisa ser discutido: de que forma é
sar a pertinência dos instrumentos propos- possível avaliar a CS? Quais os instrumen-
tos na literatura até o momento para reali- tos disponíveis na literatura e quais suas li-
zar essa avaliação. mitações?
Nos últimos 10 anos, várias investiga- Um dos desafios encontrados ao se
ções demonstraram que na TdM há pelo buscar instrumentos para avaliação da CS
menos duas dimensões envolvidas: a cog- é a dificuldade para separar seus compo-
nitiva, que se trata da inferência de pen- nentes. Por exemplo, ao se avaliar a dimen-
samentos, intenções e crenças alheias; e a são afetiva da TdM, cruza-se também para
afetiva, relacionada à inferência de senti- o domínio do reconhecimento de emoções;
mentos alheios (Kaíbe et ai., 2010; Shamay- ao se avaliar habilidades sociais, caminha-
-Tsoory & Aharon-Peretz, 2007), de modo -se também pelo terreno da empatia; e as-
que as duas dimensões têm alguns substra- sim por diante. Outro problema diz respei-
tos neurais compartilhados e outros não to à escassez de estudos normativos para
compartilhados (Schlaffke et ai., 2015). Lo- esses instrumentos. É muito comum que}
go, é importante que instrumentos sejam em estudos sobre CS, os pesquisadores de-
capazes de discriminar entre ambas, uma senvolvam suas próprias tarefas e realizem
vez que pode haver prejuízo em uma delas > comparações entre grupos para verificar se
enquanto a outra se mantém preservada, há ou não déficits relacionados. Há poucos
Diversos autores defendem que a ava- instrumentos validados e com tabelas para
liação neuropsicológica de pacientes com comparação de um indivíduo à norma, ou
doenças neurodegenerativas deve incluir seja, que investiguem qual scría o desempe-
testes capazes de investigar componen- nho esperado para sua idade e escolariza-
tes da CS, sobretudo a TdM (Adenzato & ção de acordo com a média da população.
Poletti, 2013; Poletti, Enrici, & Adenzato, Por fim, mesmo entre os instrumentos
2012). Estudos recentes indicam que testes disponíbilizados, é preciso sempre ter cui-
neuropsícológicos clássicos, como o Wis- dado ao afirmar que um indivíduo tem dé-
consin ou o Teste de Trilhas, falham em ficit em CS de forma generalizada, uma vez
diagnosticar o estágio inicial da demência que seus componentes funcionam de for-
frontotemporal (DFT), por exemplo (Sa- ma relativamente independente. Por exem-
razin, Dubois, de Souza, & Bertoux, 2012); plo, apesar de tarefas de crença falsa terem
entretanto, déficits na dimensão afetiva da sido consagradas na avaliação da TdM, po-
TdM podem ser detectados desde o princí- de ser necessário, a depender do quadro,
pio, e, à medida que a doença avança, tor- avaliar outros aspectos, como percepção
nam-se mais proeminentes os déficits na de sarcasmo, detecção de mentiras e julga-
dimensão cognitiva (Torralva, Gleichgerr- mento de intencionalidade, capacidade de
cht, Ardila, Roca, & Manes, 2015). compreender conceitos abstratos e metáfo-
Todas essas evidências falam a favor ras, entre outros (Jou & Sperb, 2004; Per-
da inclusão de tarefas para avaliação da CS ner, Kain, 8c Barchfeld, 2002).
em baterias de avaliação neuropsicológica Sem ter a pretensão de exaurir todos os
para adultos e idosos, uma vez que auxi- instrumentos existentes para avaliação de
liam no diagnóstico diferencial entre diver- CS, serão analisados alguns, como ponto de
sos quadros, podem predizer aspectos do partida:
11 8' • Malloy-Diniz,fóatto$,'Àbreil& Fijeníes (

1. Reconhecimento de Emoções: os estu- é necessário que o probando identifi-


dos sobre o reconhecimento de emo- que situações de mentira, sarcasmo,
ções em expressões faciais remontam a fingimento, duplo blefe, figura de lin-
Ekman e Frieseri (1975) e à identifica- guagem, entre outras. Foi utilizado ori-
ção das seis emoções que sãrf reconhe- ginalmente na avaliação de crianças e
cidas universalmente, independente- adultos e adaptado para utilização com
mente de influências culturais, a saber: crianças 110 contexto brasileiro (Vello-
alegria, tristeza> raiva, nojo, medo e sur- 'so>2012).
presa. Desde então, foram desenvolvidos 4. The Himing Task (Corcoran, Mercer, &
bancos de dados com fotografias dessas Frith, 1995): avalia a capacidade de in-
e de outras expressões afetivas básicas, ferir a intenção alheia ern discursos in-
que podem ser utilizadas em estudos. diretos, com base em 10 interações di-
Um desses bancos é o The Karolinska ferentes entre dois personagens. No fim
Directed Emotional Faces, um banco de de cada interaçao, um dos personagens
dados gratuito disponível on-litie.1 conclui com uma mensagem indireta
2. Reading the. Mina in the Eyes Test (Ba- que o respondente precisa reconhecer
ron-Cohen, Wheelwright, Hill, Raste, e cujo sentido real deve ser compreen-
Sc Plumb, 2001); um dos instrumentos 'dido. Caso erre na primeira tentativa,
mais utilizados para avaliar a TdM em urna nova dica é passada. Os escores va-
adultos. É composto por 36 itens com riam de O a 20, e esse instrumento já foi
fotografias em preto e branco da re- traduzido e adaptado para a realidade
gião dos olhos de indivíduos, nos quais brasileira (Sanvicente-Vieira, Brietzke,
o probando deve assinalar a alternati- & Grassi-Oliveira, 2012).
va que melhor define o estado mental 5. The Awareness of Social ínference Test
expressado. Difere do reconhecimen- (TASIT): instrumento dividido ern três
to de emoções por tratar de estados partes, composto por vinhetas encena-
mentais complexas, como convencido das por atares profissionais, como for-
ou sarcástico-, e não apenas de estados 1 ma naturalista de avaliar a CS. A pri-
afetívos básicos. É esperado que adul- meira parte trata do reconhecimento
tos atinjam certo escore mínimo, sen- de emoções básicas a partir do movi-
do que um desempenho abaixo disso mento facial» do tom de voz e de ges-
é considerado indicativo de transtor- tos. A segunda parte mede a habilidade
no do espectro autista. Foi adaptado de detectar o sarcasmo e a sincerida-
para uso no Brasil (Sanvicente-Vieira de. A terceira, por sua vez, avalia a ca-
et ai., 2014), mas ainda não há estudos pacidade de utilizar pistas contextuais
normativos. Esse instrumento condiz para determinar o significado real de
com a avaliação da dimensão afetiva da conversações. O instrumento é comer-
TdM a partir da leitura de expressões 1 cializado na Inglaterra e apresenta nor-
faciais, não contendo tarefas para ava- mas de referência determinadas a partir
liação de sua dimensão cognitiva. de um grupo de adultos jovens, tendo-
3. Strange Stories Tesr. trata-se de um tes- -se mostrado sensível para diferenciar
te avançado para avaliar TdM. Desen- indivíduos com déficits em CS decor-
volvido por Happé (1993), é compos- rentes de lesões encefálicas (McDonald,
to por diversas histórias curtas em que Flanagan, Rollins, & Kinch, 2003).
6. A Movie for the Assessment of Social
1 Disponível em: http/Anvw.emotionlab.se/re- Cognition (MASC): avalia a CS por
sources/kdef. meio de um filme de 15 minutos que
Netiropsicotogia • 11 9

retrata quatro personagens em um con- exaustivo e repetitivo, más não há de se des-


texto social — uma reunião na casa de cartar o fato de que a aplicação de baterias
uma amiga. O filme é interrompido 46 amplas tem valor clínico e diagnóstico.
vezes, sol i citando-s e ao indivíduo que O uso de baterias amplas parece ser, por
imagine o que determinado persona- exemplo, essencial para o corre to diagnós-
gem estaria sentindo ou pensando na- tico de transtorno neurocognitivo leve, an-
quele momento e que responda a uma teriormente conhecido corno comprometi-
pergunta. Essa forma de apresentação mento cognitivo leve (Diniz et ai., 2008). Ao
aproxima o avaliando de um contexto avaliarem 249 indivíduos em uma clínica de
real da vida diária, além de facilitar a memória em um hospital universitário, os
compreensão do contexto e possibilitar autores citados verificaram um aumento da
a leitura de expressões faciais e gestos capacidade diagnostica para discriminação
dos personagens no desenrolar da his- entre os diferentes subtipos do transtorno
tória (Dziobek et ai, 2006). com o uso de uma bateria completa.
Há, de fato, pacientes que parecem dis-
Conforme descrito, já existem instru- pensar a avaliação, quando sintomas já são
mentos de avaliação da CS adaptados para significativamente válidos para identifica-
uso no Brasil. Entretanto, ainda são neces- ção, o que pode ocorrer especialmente em
sários estudos normativos, de modo que é pacientes com demência em estado bastan-
possível utilizar tais instrumentos em pes- te avançado ou em casos de resistência vo-
quisas, na comparação entre grupos e na luntária à avaliação. No" entanto, de forma
análise qualitativa, com ressalva de que não geral, observa-se que avaliar amplamente
apresentem tabela de referência da média é muito mais vantajoso e confiável do que
brasileira. Todavia, como esse é um carn- avaliar de forma breve, Pimentel (2009) su-
po que vem se consolidando cada dia mais gere que, considerando, por exemplo, a so-
dentro da neuropsicologia brasileira, é 'es- breposição de alterações cognitivas em
perado que mais estudos estejam em anda- pacientes com doença de Alzheimer e pa-
mento e que, cm breves sejam desenvolvi- cientes com demência vascular, é essencial
das pesquisas de normatização. a realização de avaliação neuropsicológica
completa, e não npenas uma triagem, a fim
de oferecer contribuição mais efctiva para o
O TODO É SEMPRE MAIOR QUE A diagnóstico diferencial.
SOMA DAS PARTES: AVALIANDO A Também há situações em que os sinais
mais efetivos esperados em alguns transtor-
PERTINÊNCIA DAS BATERIAS DE nos são tão quanto ou ainda mais observa-
AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA dos em outros, podendo o clínico "patinar"
no diagnóstico se não houver um cuidado
O desafio do neuropsicólogo clínico é imen- detalhado com a avaliação neuropsicológi-
so. Escolher entre uma estratégia de avalia- ca, em especial com baterias compreensi-
ção compreensiva, de exploração sistemática vas. Por exemplo, Laasonen e colaborado-
ou de exploração flexível (Haase et ai., 2012) res (2014) investigaram o desempenho de
é apenas um dos diversos desafios da avalia- adultos com história de transtorno especí-
ção. Por exemplo, o uso obrigatório como fico da aprendizagem (leitura) ou TDAH
padrão de baterias extensas e padroniza- em relação à aprendizagem, de gramáti-
das para grupos ou corno escolha do pro- ca. Ern geral, espera-se que pacientes com
fissional na prática clínica pode ser consi- transtorno disléxico apresentem mais er-
derado, em alguns momentos, um trabalho ros nesse tipo de tarefa. Entretanto, os
120» Malloy-Díníz, Mattps; Abreu à Fuentes (orgs.)

resultados mostraram que os erros grama- resposta à questão da pertinência das ba-
ticais estavam presentes nos dois transtor- terias é, claramente, um sonoro sim! Ana-
nos sem que houvesse predileção de erros lisando evidências, vemos que elas são
de acurada por um ou outro, ainda que es- instrumentos úteis e indubitavelmente ne-
tes tivessem mais relação com a capacidade cessários para uma avaliação eficaz.
de processamento fonológico.
O que mostra esse tipo de resultado?
Que uma avaliação neuropsicológica com- REFERÊNCIAS
pleta é necessária para melhorar a precisão
diagnostica c também para servir de parâ- Abreu, R, Argolio, N., Oliveira, R, Cardoso, A. L.,
metro a reavaliações, considerando o ca- Bueno, J. L. O, & Xavier, G. E (2013). Semantic and
phonological verbal íluency tests foradolcscenb; with
ráter heterotípico de determinados trans-
ADHD. Clinicai Netíropsychiatry, J0(2), 63-71.
tornos» com mudanças ao longo do tempo
Ábrisqueta-Gomez, J. (2012), Fundamentos teóri-
resultantes da dinâmica desenvolvimen-
cos e modelos conceituais para a prática da rea-
tal ou de influências de outro nível, como bilitação neuropsicológica ínterdisciplinar. In J.
ambientais ou decorrentes de intervenção. Abrisqueta-Gomez (Org,), Reabilitação newopsi-
Pacientes com alguns transtornos neuro- colôgíca: Abordagem Ínterdisciplinar & modelos con-
psicológicos podenvde fato» melhorar, e as ceituais na prática clínica (pp. 35-55). Porto Ale-
baterias compreensivas podem ser favorá- gre: Artmed.
veis ao acompanhamento das mudanças Adenzato, M., & Poletti, M. (2013). Theory of
com dados claros que permitam verificar rnind abílities ín ne u ro degenerativa diseases: An
suas especificídades, por exemplo, em rela- update and a call to introduce mentalizing tasks in
Standard neuropsychnlogical assessments. Clinicai
ção ao tempo de atenção sustentada.
Neuropsychiatry, 10(5}, 226-234.
Por fim» há de se destacar os avanços
Adolphs, R. (200]). The neurobiology of social
recentes que pesquisas em neuropsicologia
cognitíon. Current Opinion Ín Neurobioly, J i ( 2 ) >
cem trazido tanto ao campo da neuropsico- 231-239.
logia cognitiva quanto ao campo da neu-
Sarldey, R. A. (2001). The execuúve functíons and
ropsicologia clínica,-especialmente no que self-regulation: An evolutionary neuropsychological
diz respeito às contribuições da psicome- perspective. Neuropsychôlogy Revieu>> 11 (l) 11-29.
tria. Testes neuropsicológicos estão mais fi- Baron-Cohen, S., Wheelwright, S., Híil, í-, Raste,
dedignos, isto é, confiáveis. No Brasil, espe- Y., & Plumb, í. (2001). The "Readíng the Mind In
cialmente, tem sido observado aumento no the Eyes" test revised vcrsion: A study with normal
número de testes disponíveis e no desen- adults, and aduíís wítíi Asperger syndronie or high-
volvimento e validação de novas baterias, -functioning autism. Joiwnal of Chila Psychohgy or
tanto para crianças como para adultos. Is- Psychiatry, 42(2}, 241-251.
so oferece ao clínico a possibilidade de se- Bender, L. (1938). A visual motor Gestali íest and
lecionar, entre os testes existentes, aqueles its clinicai use (Vol. 3). Denver: The American Or-
thopsychíatric Assocíation.
que permitem a formação de urna bateria
própria ou, ainda, o uso de baterias com- Benton, A,, & Trancl, D. (1993). Visuopcrceptual,
visuospatial, and visuoconstructive disorders. In
preensivas já validadas com os testes em K. M. Heilman, Sc E. Valensteín, Clinicai neuropsy-
conjuntos. Além disso, a preocupação com chohgy. Oxford: Oxford Universíty.
a inclusão de elementos na avaliação, co-
Bolognani, S. A R, Miranda, M. C., Martins, M.,
mo a CS, permite vislumbrar um horizon- Rzezák, R, Bueno, O- R A., Camargo, C, H. P., 8c
te de incremento na qualidade das baterias Pompeia, S. (2015). Development of alternati-
a serem utilizadas. Os ganhos para a teoria ve versions of the logical memory subtest of the
e para a prática neuropsicológica são ines- VVMS-lí for use-in Brazil. Derneníia 6- Neittopsy-
timáveis e extremamente bem-viridos. A chologia, 9(2}, 136-148.

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