Como+montar+uma+bateria+para+avaliac A O+neuropsicolo Gica
Como+montar+uma+bateria+para+avaliac A O+neuropsicolo Gica
Como+montar+uma+bateria+para+avaliac A O+neuropsicolo Gica
A avaliação neuropsicológica abrange uma sua condição (para mais informações so-
variedade de testes e técnicas que, em boa bre essa etapa da avaliação, ver Capítulo 3,
medida, devem sua rápida evolução ao in- A entrevista clínica em neuropsicología).
teresse crescente de profissionais clínicos Após a entrevista, o planejamento da ava-
na investigação do funcionamento e da in- liação é iniciado com base em seu objeti-
tegridade cerebral de seus pacientes (Lezak, vo, na queixa e nos achados propriamen-
2004), Historicamente, a avaliação neuro- te ditos; em geral, a avaliação será feita com
psicológica serviu a pacientes com lesões o uso de baterias. Neste capítulo, são apre-
cerebrais. Com o avanço das neurociências, sentadas as bases para a composição de
dos testes e das técnicas, foi possívci passar uma bateria neuropsicológica, incluindo-
a abranger pacientes que sofrem de quais- -se o tipo rnais apropriado para atender
quer distúrbios que tenham o potencial aos objetivos da avaliação, com enfoque no
de causar impacto nas funções cognitivas, contexto clínico.
bem como avaliar o impacto do tratamen-
to de outros transtornos da cognição (Har-
vey, 2012). De acordo corn Lezak (2004), o BATERIAS NEURQPSICOLÓGICAS:
exame neuropsicológico atende a seis obje- POR QUE UTILIZÁ-LAS?
tivos: diagnóstico; cuidados com o pacien-
te; identificação de necessidades de trata- A neuropsicologia se consolidou com a in-
mento; avaliação da eficácia do tratamento; vestigação e a tentativa de reabilitação de
pesquisa; resposta a questões forenses. Co- dcficits cognitivos e alterações comporta-
mo esperado, atingir esses objetívos requer mentais decorrentes de lesões encefálicas
preparação e planejamento adequado dos adquirida,^ em meados do século XIX, es-
testes e técnicas que serão utilizados. pecialmente no pós-guerra do século XX
A avaliação neuropsicológica deve ser (Abrisqueta-Gomez, 2012). Até esse pe-
iniciada após uma anamnese exaustiva do ríodo, a avaliação neuropsicológica tinha
paciente, investigando a fundo sua histó- um objetivo essencialmente diagnóstico e,
ria de vida e seu desempenho, levantando a partir de pressupostos localizacionistas,
dados para formulação de hipóteses sobre buscava identificar e catalogar os défícits
108 • Mal|oy~DínÍz, Mattos,'-'Abreu &fue.ntes(o;gs>
exposto a diversas letras que aparecem que vivem via comunicação e socialização.
no centro da tela, uma de cada vez e Portanto, défkits linguísticos, relacionados
em intervalos curtos. O indivíduo deve à compreensão ou à expressão verbal, po-
pressionar um botão todas as vexes ern dem gerar grande impacto na vida de um
que aparecer qualquer letra na tela, ex- indivíduo, sendo necessário investigar de-
ceto a letra X. Ou seja, é necessário ini- talhadamente o problema em si e realizar as
bir a resposta de apertar o botão todas devidas intervenções (Híllis, 2007). De ma-
as vezes em que o X aparecer. Assim, o neira ampla, essa função é compreendida
CPT-II fornece uma medida de contro- em duas classificações: linguagem receptiva
le inibitório por meio dos erros de acão e expressiva. A linguagem receptiva refere-
(apertar o botão ao ver a letra X), bem -se à compreensão e à codificação do input
como uma medida de atenção por meio linguístico e envolve processos auditivos e
dos erros de omissão (não pressionar o de leitura, A linguagem expressiva, por sua
botão ao ver qualquer outra letra). Ade- vez, refere-se à "capacidade do indivíduo de
mais, o teste também permite a avalia- se expressar, verbalmente ou não, por meio
ção por meio do tempo de reação do su- da escrita, da fala e da sinalização (Salles &
jeito. Essa versão é destinada a avaliar Rodrigues, 2014).
crianças a partir de 6 anos de idade, bem A avaliação da linguagem deve ser
como adultos e idosos. abrangente, de forma a identificar os aspec-
3. D-2 Atenção Concentrada: trata-se de tos preservados e comprometidos, o que
um teste que avalia a atenção concentra- auxilia a descrever o perfil neuropsicológi-
da e a capacidade de rastreio visual em co de diversos quadros clínicos, como disle-
sujeitos de 9 a 53 anos. Nele, o exami- xia, afasia, demência, entre outros (Mansur,
nando deverá marcar as letras O acom- 2010). A seguir, serão listados alguns testes
panhadas por dois traços. Os estímu- utilizados por neuropsicólogos na avalia-
los a serem marcados estão misturados ção de aspectos linguísticos:
a diversos distratores distribuídos em 14
linhas (Brickenkamp, 2002). 1. Teste de Nomeação de Boston: avalia
4. Atenção Concentrada — AC: trata-se de a capacidade de nomeação por meio
urn teste de cancelamento, destinado a da confrontação visual. O examinan-
avaliar a atenção concentrada em ado- do é solicitado a nomear 60 ilustrações
lescentes e ern adultos. O indivíduo de- mostradas pelo profissional. Esse Teste
ve reconhecer três estímulos-alvo dian- é frequentemente utilizado em pacien-
te de uma série de distratores, em um tes com suspeita de anemia, sendo im-
intervalo de tempo. Á pontuação final portante comparar o desempenho do
é calculada a partir do número de es- indivíduo com o nível de sua escolari-
tímuíos-alvo selecionados, subtrainr dade, uma vez que é uma variável com
d.o-se a quantidade de erros por ação e grande impacto na nomeação (Man-
omissão (Cambraia, 2003). sur, Radanovic, Araújo, Taquemori, &
Greco2006).
2. Teste ($e Fluência Verbal: avalia fluência
LINGUAGEM verbal semântica e fonética. Na fluên-
cia verbal semântica, o indivíduo deve
A linguagem é uma função cortiça! supe- mencionar o máximo de animais pos-
rior de grande complexidade e relevância sível durante l minuto. Na avaliação da
para o ser humano, uma vez que permite fluência fonética, por sua vez, deve di-
a adaptação das pessoas ao ambiente em zer palavras que iniciam com as letras
1.12" • Mal!oy-0.iaiz, Mattos,, AbreLr&Tuentes (orgs.)
F, A e S. Esse teste está relacionado não justamente por ser primordial para qual-
só à expressão verbal e à memória se- quer tipo de aprendizagem. O caso exem-
mântica, mas também a aspectos da plar de H.M., amplamente estudado por
função executiva, pois exige estraté- pesquisadores, associado ao avanço das neu-
gias de busca de palavras £Lezak> 2004). rociêncías, trouxe grandes elucidações acer-
A versão fonológica F-A-S mostrou-se ca dessa função cognitiva (Corrêa, 2010).
sensível para diferenciar pacientes com Para sua avaliação, é necessário conhe-
TDAH de indivíduos sem o transtorno cimento claro de seus estágios, dos modelos
(Abreu et ai, 2013). propostos e do que se pretende avaliar, sen-
3. Token Test: foi desenvolvido com o ob- do a entrevista inicial de grande importân-
jetivo de avaliar a compreensão da lin- cia. O déficit de memória pode ocorrer ou
guagem por meío de comandos ver- ser central ern diversos transtornos psiquiá-
bais, e apresenta diversas versões. No tricos, corno amnésias e demências, além
Brasil, é possível encontrar dados nor- de fazer parte do envelhecimento saudável.
mativos de uma versão reduzida para a Por isso, é necessário profundo conhecimen-
população idosa, sendo a aplicação mais to das doenças associadas e do curso normal •
rápida e menos cansativa- Nessa versão, do desenvolvimento (Oliveira, 2007).
o indivíduo deve responder a 36 coman- Os estágios da memória são os de aqui-
•
dos específicos, com diferentes graus de sição (registro ou codificação); consolida- «
complexidade, pela manipulação de pe- ção (retenção ou armazenamento) e evoca- 9
ças geométricas (Moreira et ai, 2011). ção (recordação ou recuperação) (Oliveira,
4. Tarefa de Competência de Leitura de Pa- 2007). Uma boa avaliação da aquisição de •
«
lavras e. Pseudopalavras (TCLPP): ava- memória precisa ser concomitante à avalia- «
lia a competência de leitura silencio- ção da atenção, uma vez que esta pode in-
sa de palavras isoladas em crianças do terferir nesse estágio, não significando défi-
ensino fundamental O teste apresen- cit de memória.
ta 70 figuras associadas a palavras ou A seguir, são sugeridos alguns testes
pseudopalavras. A criança deve iden- que podem ser incluídos em baterias flexí-
tificar as palavras correias em relação veis. Deve-se lembrar que há baterias que
aos aspectos ortográficos e semânticos, avaliam exclusivamente os vários com-
bem como identificar as palavras erra- ponentes da memória, mas são muito ex-
das (p. ex0 pseudopalavra ou palavra tensas, sendo necessário empregar mais
cuja figura não se associa corretamente tempo, delongando a avaliação neuropsi-
a ela). O TCLPP auxilia na realização cológica (Strauss et ai., 2006).
de diagnósticos de distúrbios de aqui-
sição da fala, bem como identifica o ní- 1. Subteste Memória Lógica da Wechshr
vel de desenvolvimento de leitura e o - Memory Scale: trata-se de uma tare-
grau de proficiência da criança (Seabra fa bastante utilizada por neuropsico-
&Capovilla,20lO). logos no mundo, destinada a avaliar a
memória episódica. Consiste em duas
histórias, apresentadas pelo examina-
MEMÓRIA dor, sobre diferentes personagens; cada
uma apresenta 25 itens que serão pon-
A memória é um fenómeno complexo es- tuados posteriormente. Após ouvir a
tudado por várias áreas do conhecimento. história, o examinando será solicitado
Tem papel central para o ser humano e para a dizer livremente o máximo do con-
sua constituição como indivíduo, seu self, teúdo que recordar, da maneira mais
113
população brasileira, considerando que de- van Zandvoort, Postma, Kappellc, & de
vemos estar atentos a aspectos como se- Haan,2COO).
xo, idade e escolaridade para a maioria das 3. Teste de Trilhas - Parte B: tarefa de fácil
funções cognitivas. A maioria dos testes ci- e rápida aplicação, do tipo lápis e pa-
tados não tem normas para a população pel, constituída de duas partes. Na par-
infantil. Para uma boa avaliação neuropsi- te A, pede-se ao examinando que li-
cológica das FEs, é necessário investigar'e gue os números dispostos na página
aplicar testes por meio de escalas que con- em ordem crescente, o mais rápido que
templem a variedade de componentes des- conseguir, sem tirar o lápis do papel
se processo cognitivo. (Montiel & Capovilla, 2006a, 2006b).
A seguir, são listados alguns dos princi- Essa etapa é destinada a avaliar aspec-
pais testes de FEs utilizados no Brasil para tos como velocidade de processamento e
a composição de bateria neuropsicológica, atenção sustentada. Na parte B, a ins-
rnas sem o objetivo de esgotar as possibili- trução é que o examinando ligue nú-
dades de sua avaliação: meros e letras, alternando-os - os nú-
meros em ordem crescente, e as letras
1. Subteste Dígitos das Escalas Wechslèr em ordem alfabética (Montiel Sc Capo-
de Inteligência (WISC/WAIS): sequên- villa, 2000a, 2006b). A exigência de al-
cias numéricas apresentadas oral- ternar entre os estímulos é o que per-
mente pelo avaliador, as quais o exa- mite que a tarefa seja utilizada como
minando é solicitado a repetir, ora na medida de flexibilidade cognitiva (Ca-
mesma ordem (Dígitos Ordem Díreta povilla, 2006,2007). '
[DOD]), ora na ordem inversa (Dígi- 4. Teste de Categorização de Cartas Wis-
tos Ordem Inversa [DÓI]) (Wechsler, consin (WCST): teste reconhecido in-
2013). O DOD e o DOÍ são utilizados ternacionalmente como padrão-ou-
para avaliar, separadamente, duas fun- ro para avaliação das FEs (Silva-Filho,
ções da memória operacional: memória Pasian, & Humberto, 2011). A aplica-
de curto prazo (DOD) e manipulação ção do instrumento consiste em so-
de informação verbal (DÓI) (Figueire- licitar que o examinando classifique
do & Nascimento, 2007). Apesar de ser um conjunto de cartas de acordo corn
um instrumento normatizado para as o feedback dado pelo avaliador; quan-
populações brasileiras infantil (W1SC) do ofeedback muda, o examinando de-
e adulta (WAIS), apenas o WISC-IV ve descobrir a nova maneira correta de
disponibiliza escores ponderados dis- categorizar as cartas (Heaton, Chelune,
tintos para as tarefas de DOD e DÓI Talley, Kay, & Curtiss, 2005). Trata-se
(Wechsler,2013). de um instrumento muito interessan-
2. Cubos de Corsi; tarefa que segue a mes- te para avaliação da flexibilidade cogni-
ma lógica do Subteste Dígitos, na qual tiva, tendo em vista que exige adapta-
o avaliador apresenta sequências de co- ções nas respostas perante mudanças
ques em cubos, que devem ser reprodu- ambientais (Silva-Filho et ai., 2011).
zidos na ordem direta (OD) e na ordem 5. lowadGambling Task: tarefa que si/nu-
inversa (OI) pelo examinando. Ê am- la a tomada de decisão em uma situação
plamente utilizada para avaliar a me- da vida real ern condições de incerteza.
mória operacional visioespacial, com- Com o empréstimo simbólico de 2 mil
preendendo a memória de curto prazo dólares, o avaliando precisa escolher,
(OD) e a manipulação mental de in- de uma em uma carta, entre quatro pi-
formações (OI) visioespaciais (Kessels, lhas (A, B, C e D), podendo ganhar e
11B
resultados mostraram que os erros grama- resposta à questão da pertinência das ba-
ticais estavam presentes nos dois transtor- terias é, claramente, um sonoro sim! Ana-
nos sem que houvesse predileção de erros lisando evidências, vemos que elas são
de acurada por um ou outro, ainda que es- instrumentos úteis e indubitavelmente ne-
tes tivessem mais relação com a capacidade cessários para uma avaliação eficaz.
de processamento fonológico.
O que mostra esse tipo de resultado?
Que uma avaliação neuropsicológica com- REFERÊNCIAS
pleta é necessária para melhorar a precisão
diagnostica c também para servir de parâ- Abreu, R, Argolio, N., Oliveira, R, Cardoso, A. L.,
metro a reavaliações, considerando o ca- Bueno, J. L. O, & Xavier, G. E (2013). Semantic and
phonological verbal íluency tests foradolcscenb; with
ráter heterotípico de determinados trans-
ADHD. Clinicai Netíropsychiatry, J0(2), 63-71.
tornos» com mudanças ao longo do tempo
Ábrisqueta-Gomez, J. (2012), Fundamentos teóri-
resultantes da dinâmica desenvolvimen-
cos e modelos conceituais para a prática da rea-
tal ou de influências de outro nível, como bilitação neuropsicológica ínterdisciplinar. In J.
ambientais ou decorrentes de intervenção. Abrisqueta-Gomez (Org,), Reabilitação newopsi-
Pacientes com alguns transtornos neuro- colôgíca: Abordagem Ínterdisciplinar & modelos con-
psicológicos podenvde fato» melhorar, e as ceituais na prática clínica (pp. 35-55). Porto Ale-
baterias compreensivas podem ser favorá- gre: Artmed.
veis ao acompanhamento das mudanças Adenzato, M., & Poletti, M. (2013). Theory of
com dados claros que permitam verificar rnind abílities ín ne u ro degenerativa diseases: An
suas especificídades, por exemplo, em rela- update and a call to introduce mentalizing tasks in
Standard neuropsychnlogical assessments. Clinicai
ção ao tempo de atenção sustentada.
Neuropsychiatry, 10(5}, 226-234.
Por fim» há de se destacar os avanços
Adolphs, R. (200]). The neurobiology of social
recentes que pesquisas em neuropsicologia
cognitíon. Current Opinion Ín Neurobioly, J i ( 2 ) >
cem trazido tanto ao campo da neuropsico- 231-239.
logia cognitiva quanto ao campo da neu-
Sarldey, R. A. (2001). The execuúve functíons and
ropsicologia clínica,-especialmente no que self-regulation: An evolutionary neuropsychological
diz respeito às contribuições da psicome- perspective. Neuropsychôlogy Revieu>> 11 (l) 11-29.
tria. Testes neuropsicológicos estão mais fi- Baron-Cohen, S., Wheelwright, S., Híil, í-, Raste,
dedignos, isto é, confiáveis. No Brasil, espe- Y., & Plumb, í. (2001). The "Readíng the Mind In
cialmente, tem sido observado aumento no the Eyes" test revised vcrsion: A study with normal
número de testes disponíveis e no desen- adults, and aduíís wítíi Asperger syndronie or high-
volvimento e validação de novas baterias, -functioning autism. Joiwnal of Chila Psychohgy or
tanto para crianças como para adultos. Is- Psychiatry, 42(2}, 241-251.
so oferece ao clínico a possibilidade de se- Bender, L. (1938). A visual motor Gestali íest and
lecionar, entre os testes existentes, aqueles its clinicai use (Vol. 3). Denver: The American Or-
thopsychíatric Assocíation.
que permitem a formação de urna bateria
própria ou, ainda, o uso de baterias com- Benton, A,, & Trancl, D. (1993). Visuopcrceptual,
visuospatial, and visuoconstructive disorders. In
preensivas já validadas com os testes em K. M. Heilman, Sc E. Valensteín, Clinicai neuropsy-
conjuntos. Além disso, a preocupação com chohgy. Oxford: Oxford Universíty.
a inclusão de elementos na avaliação, co-
Bolognani, S. A R, Miranda, M. C., Martins, M.,
mo a CS, permite vislumbrar um horizon- Rzezák, R, Bueno, O- R A., Camargo, C, H. P., 8c
te de incremento na qualidade das baterias Pompeia, S. (2015). Development of alternati-
a serem utilizadas. Os ganhos para a teoria ve versions of the logical memory subtest of the
e para a prática neuropsicológica são ines- VVMS-lí for use-in Brazil. Derneníia 6- Neittopsy-
timáveis e extremamente bem-viridos. A chologia, 9(2}, 136-148.