Desmistificando - Setealém
Desmistificando - Setealém
Desmistificando - Setealém
Fábrica de Noobs
Desmistificando: Setealém
Natanael Antonioli
Maio de 2023
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1. SUMÁRIO
1. Sumário ......................................................................................................................................... 2
2. IDENTIFICAÇÃO DA HISTÓRIA
Esse é um vídeo a respeito de todos os aspectos que permeiam o tema sobre Setealém,
mas não uma discussão sobre a possibilidade física da existência de universos
paralelos, outras dimensões ou de relatos genéricos de realidades paralelas não
relacionados a Setealém.
Setealém é uma marca registrada por Luciano Milici e produzir livros, séries, webséries,
filmes ou outras obras do tipo não é autorizado. Vídeos no YouTube como esse, porém,
consistem em um uso permitido por ele, conforme revelado em
https://twitter.com/LucianoMilici/status/1594439557893742596.
A experiência inicial se passa em 1994 na cidade de São Paulo. Milici estava voltando
da Faculdade no começo da tarde, em um percurso que envolvia um longo trecho a pé até o
ponto de ônibus na Domingos de Morais, onde poderia pegar qualquer linha para ir até a
estação de metrô Vila Mariana, onde ele pegaria um ônibus de nome Sacomã e, de lá, iria para
casa.
Ele deu sinal para um ônibus que vinha, e o ônibus parou. Ninguém mais embarcou
com ele, e ele não reparou se o ônibus era ou não usual. Ele sentou ao lado de uma senhora,
e quinze minutos depois, ela o cutucou e disse “você não vai para Setealém, vai?” e “esse
ônibus vai para Setealém. É melhor você descer.”.
Uma moça, mais nova, virou para ele e disse “é, vai, desce moço”. Um rapaz, com uma
pasta na mão, disse “desce aí!”. Antes que ele pudesse perguntar o que estava acontecendo, o
cobrador disse “vai descer!”, e o ônibus parou fora de um ponto para que Milici descesse.
Após ele descer, o ônibus virou à direita em uma ladeira de paralelepípedos, um trajeto
incomum.
Milici voltou para casa, contou o evento aos seus irmãos e isso permaneceu sem
explicações, com repetidas instâncias de sonhos a respeito da Setealém. “Setealém” passou a
ser um termo pessoal, que Milici utilizou para dar nome a uma banda, a animais de estimação
e a personagens de obras que escrevia. Mais de dez anos depois (portanto, depois de 2004)
Milici fez uma comunidade no Orkut com o nome Setealém sem descrições, justamente para
atrair respostas.
Após algumas semanas, pessoas dos mais diversos cantos do país surgiram e
perguntaram o significado de “Setealém”, algumas trazendo consigo relatos extraordinários de
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O termo permanece esquecido até 2016, quando uma postagem no Buzzfeed a respeito
de universos paralelos chamou a atenção de Milici, e ele, enquanto estava no trabalho,
comentou brevemente a respeito de sua experiência utilizando seu perfil pessoal no Facebook.
Ao chegar em casa, encontrou dezenas de mensagens indagando-o por detalhes.
Uma dessas pessoas se chamava Rafaela, e propôs a Milici a criação de uma comunidade
no Facebook para colher novos relatos. O grupo foi criado e novas experiências de pessoas
de todos os cantos do Brasil surgiram, até que, durante a madrugada, Rafaela o excluiu da
administração da comunidade e cortou contato com ele. Milici, entretanto, foi capaz de
recuperar para si o controle do grupo.
Desde então, o tema se tornou cada vez mais popular e Milici vem administrando uma
coletânea de relatos sobre o assunto, que também podem ser lidos no grupo do Facebook
(https://www.facebook.com/groups/Setealem).
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Um relato para o qual existem evidências para quase todas as partes é uma
documentação, e analisar uma documentação é uma tarefa muito mais fácil do que analisar um
relato usual, já que essa análise pode ser voltada para a averiguação das evidências, um processo
muito mais técnico.
Asserções verificáveis são aquelas asserções das quais pode-se extrair algum aspecto
verificável e pode-se averiguar, a partir de informações do mundo real, se esse aspecto
é ou não verdadeiro.
“Assisti à vitória do Corinthians na Neo Química A Neo Química Arena já existia em 2010?
Arena em 2010. Foi lindo!”.
“Em 15 de abril de 2012, eu estava dirigindo na O autor tinha idade para dirigir em 2012?
zona rural de São Carlos por uma estrada de terra Choveu no dia 15 de abril de 2012 em São
de madrugada em meio a uma chuva torrencial” Carlos?
“Uma manhã, Maria saiu de sua casa no Rio de É possível andar do Rio de Janeiro ao Rio
Janeiro para caminhar às margens do Rio Amazonas casualmente?
Amazonas”
“Entrei no ônibus, coloquei meu celular para tocar É possível ouvir a música The Wind em
The Wind, do Zac Brown Band e, quando a música apenas 15 segundos?
terminou, o cobrador me disse para sair [...] Nos 15
segundos que fiquei dentro do ônibus, vi pessoas
estranhas.”
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Asserções não verificáveis são asserções que não podem ser transformadas em um
aspecto verificável, em última instância porque as conexões com o mundo real não estão
disponíveis ao investigador. Mas elas ainda assim podem ser checadas se as condições
forem propícias. É aqui que procuramos por erros de continuidade na história,
contradições, plágios ou improbabilidades.
“Em 2012, fui convidado para um café da manhã Não existe uma lista de reuniões em família
em família na zona rural de São Carlos” que ocorreram em São Carlos em 2012. Não
há o que investigar nessa asserção.
“Em 2012, fui convidado para um café da manhã É normal que um café da manhã em família
em família na zona rural de São Carlos. Ao voltar, termine as 3 da manhã? O autor da história
enfrentando uma neblina muito intensa às três da deu algum motivo para esse horário pouco
manhã [...]” usual, ou apenas o inseriu?
“O último passageiro, Marcos, entrou no carro. Mas Se Marcos era o último passageiro, porque
a ignição não pegava. Foi só quando Fernando Fernando ainda entrou no carro?
entrou no carro que conseguimos contato.”
“Estive em uma praia na qual as pessoas Esse relato é um plágio do filme Old
envelheciam muitos anos em poucos minutos. Duas (https://en.wikipedia.org/wiki/Old_(film)).
crianças se tornaram adolescentes a moça ficou
grávida em questão de horas. Um homem
enlouqueceu. Uma mulher teve um tumor do
tamanho de uma bola de futebol retirado às pressas.”
dinossauro saurópode em um lago, o fato de que saurópodes e humanos não conviveram não
é uma contradição válida, pois é justamente isso que o relato procura denunciar.
Por fim, temos as evidências. Evidências servem para sustentar apenas uma parte do
relato, e é de suma importância que isso seja considerado ao avaliar sua veracidade. A
análise de evidências geralmente segue dois caminhos: avaliar se elas são genuínas, isto é,
não foram adulteradas, e avaliar se há outras formas mais mundanas de produzir o
mesmo tipo de evidência.
“Em algumas cidades do Uma imagem do Street A imagem do Street Existem outras
Brasil, o Street View traz View mostrando a View confirma a explicações mais
anomalias vistas na forma descontinuidade. descontinuidade simples para
de descontinuidades dos naquele local. esse achado?
cabos de energia”
Alguns relatos são reproduzidos múltiplas vezes na forma de múltiplos pontos de vista
ou na forma de múltiplas narrações por parte da mesma pessoa. A comparação entre as
múltiplas reproduções do relato também são uma ferramenta preciosa na busca de
contradições, mas deve-se lembrar que divergências pequenas que não alterem o curso da
história são normais.
Pessoa 1: “Passamos dias limpando a patina das Afinal, qual das duas explicações justifica a
peças, por isso, não há mais patina”. inexistência de patina nas peças, e porque
Pessoa 2: “As peças foram encontradas em um local existem duas explicações contraditórias?
arenoso, e não há patina em locais arenosos”
Momento 1: “esperei 40 minutos para ser atendido, Afinal, houve ou não espera para o
a espera foi horrível e o atendimento pior ainda” atendimento, e porque existem duas versões
Momento 1: “a mulher disse ‘desce aí’” Aqui, a contradição é pequena demais para
alterar o significado da história. Ela
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Momento 2: a mulher disse ‘é bom você descer’” provavelmente se deve à lembrança falha do
narrador, e não a uma mentira.
Em alguns casos, encontramos anomalias tão graves em partes tão cruciais dos
relatos que somos forçados a concluir se tratar de uma mentira. Entretanto, após aplicar
esses crivos, podemos encontrar um relato com anomalias insuficientes para descarta-lo, ou
um relato sem anomalias. Em ambos os casos, esses relatos podem ou não ter partes (ou
sua totalidade) inverossímeis:
▪ Um relato com anomalias insuficientes para descarta-lo pode ser assim porque o
autor não se recorda completamente do que viveu, ou porque o autor deixou passar
alguns problemas em sua história inverossímil.
▪ Um relato sem anomalias pode ser assim porque o autor se recorda muito bem do
que viveu, ou porque o autor tomou cuidado para não deixar passar problemas em
sua história inverossímil.
Ainda na situação em que o relato tenha partes inverossímil, nem sempre essas partes
são ficção deliberada. Conforme verificaremos mais adiante (e já verificamos no
Desmistificando sobre Efeito Mandela -
https://www.youtube.com/watch?v=mM1F9o1ygXc) nosso cérebro tem a capacidade de
criar memórias falsas, inserir ou suprimir detalhes dependendo de nossa experiência.
Por exemplo, ursos assumem uma postura ereta que pode lembrar a de um primata
(https://www.charlotteobserver.com/news/state/north-carolina/article250659094.html).
Ao identificar um avistamento do tipo com um primata, a testemunha pode inconscientemente
suprimir elementos que o identificaram como um urso (tal como as orelhas), e adicionar
elementos que o identificaram como um primata (tal como o jeito de andar). Assim, um relato
sobre o pé-grande originado a partir de um avistamento de urso, mesmo que não seja
deliberadamente ficcional, pode conter elementos inverossímeis que foram narrados pelo
autor de boa fé. Outro exemplo popular é o relato de Cristóvão Colombo que, ao avistar
peixes-boi nas proximidades da República Dominicana, afirmou ter visto sereias que não eram
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Figura 5: um urso em uma postura que poderia, a uma distância razoável, ser confundida com um
primata.
A experiência inicial foi recontada algumas vezes por Milici. Uma delas foi no
LendaCast de outubro de 2021 (https://podcasts.apple.com/br/podcast/desvendando-o-
universo-paralelo-de-seteal%C3%A9m-especial/id1488700283?i=1000540147115) e outra no
Paranormal Experience de 28 de março de 2022 (https://youtu.be/8DKZLGkOf0E).
No Paranormal Experience, Milici revela a faculdade em que ele estudava era a ESPM.
Isso é confirmado em sua biografia (https://www.lucianomilici.com/sobre-luciano-milici).
Isso nos permite reconstruir um mapa de seu possível trajeto. Atualmente, a ESPM fica
na Rua Dr. Álvaro Alvim, número 123, a 750 metros de distância da estação de metrô Vila
Mariana. Entretanto, esse certamente não foi o local em que Milici estudou.
O trajeto de Milici, conforme revelado nos podcasts, envolvia andar alguns minutos da
ESPM até chegar na Domingos de Morais, e então pegar qualquer ônibus para a Vila Mariana.
Antes de prosseguirmos, o objetivo de Milici na estação Vila Mariana é contraditório: no
artigo, ele afirma que acessaria o metrô, mas no Lendacast, afirma que pegaria o
ônibus Sacomã.
Tabela 5: caminho de Milici. Mas afinal, Milici pegava um ônibus ou o metrô na Vila Mariana?
Artigo de 28 de “Os longos trechos à pé até chegar no ponto de ônibus para, em seguida, tomar o Metrô
novembro me permitiam observar [...]
caminhava até lá para tomar um ônibus, qualquer ônibus – o primeiro que passasse
– pois todos levavam para um ponto da avenida onde eu facilmente acessaria o Metrô.
[...]
segui meu caminho costumeiro até uma grande e famosa avenida há alguns minutos do
campus.
Lendacast “Geralmente, como eu tava ali na Domingos de Morais na Vila Mariana voltando
da faculdade [...]
Eu dava sinal para qualquer ônibus, porque qualquer ônibus ali na Domingos me
levaria para a estação Vila Mariana, onde eu pegava um ônibus chamado Sacomã”
Paranormal “Todo dia eu voltava pelo mesmo caminho que era seguir a pé da ESPM [...] até a
Experience avenida Domingos de Morais e tomava o ônibus ali, qualquer ônibus poderia, porque
eu só precisaria caminhar alguns metros até a estação Vila Mariana.”
começa na Rua Estela e termina na Avenida Prof. Noé Azevedo, e um trecho de pista dupla
que começa nesse local e vai até a Rua Luís Góis.
Assim, seu trajeto envolvia caminhar a pé por um caminho não especificado (mas que
se assumirmos ser o menor caminho, então teríamos 2,29 quilômetros da ESPM até o começo
da Domingos de Morais), e então pegar um ônibus que percorreria 1,59 quilômetros até a
estação Vila Mariana.
Figura 10: percurso de Milici. A linha fina indica o trecho a pé, a linha gorssa indica o trecho de ônibus.
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Tabela 6: quanto tempo demorava o trajeto do começo da Domingos de Morais até a estação Vila
Mariana?
Artigo de 28 de “Em média, o trajeto demorava de vinte e cinco a trinta minutos por causa do trânsito
novembro e, quando eu tinha sorte de encontrar um banco vazio, lia várias páginas.”
Lendacast “O ônibus que parava eu entrava, porque era questão de 8 minutos eu descia e já tava
lá na estação [...]”
Paranormal “E a minha ideia era exatamente embarcar no ônibus, e andar, como fazia todo dia,
Experience alguns minutos, cerca de 8 minutos, até a estação Vila Mariana onde eu pegava um
ônibus chamado Sacomã.”
O texto original deixa claro que o trajeto referido não é o percurso todo, mas sim
apenas o trajeto de ônibus. Se considerarmos o trecho todo, essa figura também não faz
sentido, já que Milici levaria 35 minutos apenas para ir da ESPM até a Domingos de Morais
(https://www.google.com/maps/dir/R.+Rui+Barbosa,+322+-
+Bela+Vista,+S%C3%A3o+Paulo+-+SP,+17209-008/R.+Domingos+de+Morais,+1+-
+Vila+Mariana,+S%C3%A3o+Paulo+-+SP,+04009-000/@-23.5680112,-
46.6553261,3810m/data=!3m2!1e3!4b1!4m14!4m13!1m5!1m1!1s0x94ce59b13db15071:0x9c6
845f471d66889!2m2!1d-46.6454383!2d-
23.5583271!1m5!1m1!1s0x94ce599a9031b87d:0xc84f7b2a025b2343!2m2!1d-46.6411505!2d-
23.5782378!3e2), e dali, mais 8 minutos até a estação Vila Mariana, totalizando 43 minutos.
Figura 11: tempo para percorrer o trecho da Domingos de Morais até a Vila Mariana.
Figura 12: tempo para percorrer o trecho da ESPM até a Domingos de Morais.
Ao entrar no ônibus, temos outra contradição, porém menos crítica que as anteriores.
As versões em ambos os podcasts são condizentes, afirmando que Milici entrou no ônibus
ouvindo música, e continuou ouvindo música após entrar. O artigo, porém, é contraditório,
e diz que Milici trocou o Discman por um livro assim que entrou no ônibus.
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Artigo de 28 de “Cheguei no ponto e coloquei um CD, acho que do Nação Zumbi, no Discman. A
novembro pilha estava acabando e a voz do Chico Science parecia demoníaca. Um ônibus chegou
e parou. Entrei e substituí o Discman por um livro.”
Lendacast “Voltando da faculdade, eu tinha o costume de voltar lendo e ouvindo Diskman [...]
eu tava com o livro, e estava ouvindo Discman ao mesmo tempo”
Paranormal “bom, então, eu nem olhava o ônibus, eu tava ali com fone de ouvido lendo um livro,
Experience porque eu sempre leio eu vou emendando [...] eu entrei no ônibus, tô sozinho, eu tava
de fone de ouvido com o famoso Discman”
A próxima falha é mais séria. Ao passo que no Paranormal Experience isso não é
deixado explícito, o relato do Lenda Cast e o artigo de 28 de novembro são contraditórios:
em um, a senhora o importuna depois de menos de 15 minutos depois de sentar, ao
passo que em outro, isso ocorre alguns segundos depois de sentar. Esse detalhe é
importante porque determina a distância percorrida pelo ônibus no momento em que Milici
desceu e o ônibus virou na rua de paralelepípedo. Inclusive, considerando o tempo de 10
minutos de trajeto, uma figura “entre 10 e 15 minutos” parece improvável, pois Milici já
estaria na Vila Mariana nesse momento.
Tabela 8: quanto tempo levou até que Milici fosse importunado pela senhora?
Artigo de 28 de “Naquele dia, nem quinze minutos se passaram e senti a mulher ao meu lado, no
novembro banco, me cutucar.”
Lendacast “De repente eu mal sentei, deu assim, cerca de segundos, nem um minuto fez e a moça
do meu lado me cutucou.”
Paranormal “Sentei do lado dela, tava ouvindo Chico Science na época, aí a mulher me cutucou e
Experience falou assim”
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Tabela 9: Milici parou apenas de ler ou também parou de ouvir música quando foi importunado?
Artigo de 28 de “Naquele dia, nem quinze minutos se passaram e senti a mulher ao meu lado, no
novembro banco, me cutucar. Parei de ler e olhei para ela.”
Lendacast “Ela falou alguma coisa que eu não entendi a princípio o que era, tirei o fone de ouvido
e pedi pra ela, ‘pois não?’”
Paranormal “Aí a mulher me cutucou e disse ‘você não vai pra Setealém, né?’. Na verdade, eu só
Experience vi o labinho dela falando, assim eu tirei o fone de ouvido e falei ‘oi?’”
Ao ser alertado pelos passageiros, a postura da moça mais jovem é também alvo de
contradição. O artigo não deixa claro em qual tom isso aconteceu, mas ao passo que no
Lencast Milici revela que a moça tinha um ar de piedade, no Paranormal Experience
esse ar é de alerta e autoridade.
Tabela 10: com qual tom a moça disse para Milici descer do ônibus?
Lendacast “Ela tava em pé, um pouco mais na minha frente, segurando lá no ferro do ônibus,
ela virou pra mim e falou assim, mas com cara de piedade, ela falou assim ‘é moço,
desce, desce moço’ meio que implorando pra eu descer.”
Paranormal “Eu tinha cerca de 20 anos, ela devia ter 30, 30 anos e pouquinho, segurando no ferro
Experience ali do ônibus, ela falou assim ‘desce agora menino’, ela falou meio que apavorada
assim, ‘desce agora’, meio que me alertando.”
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Milici é então forçado a descer. Ele desce em um local que não era ponto de ônibus, e
o ônibus vira à direita em uma descida estreita de paralelepípedo. A localização dessa
descida depende de quanto tempo Milici ficou no ônibus: alguns segundos conforme ele
conta nos Podcasts, ou por volta de 15 minutos conforme ele conta no artigo original?
Tabela 11: aqui não há contradições, apenas informações complementares sobre a rua em que o
ônibus entrou.
Artigo de 28 de “Assim que pisei no asfalto, o ônibus retomou o caminho, até que, estranhamente,
novembro virou à direita em uma ladeira de paralelepípedos. Um trajeto incomum.”
Lendacast “Parou no meio da Domingos de Morais, eu, e todo mundo olhou pra mim. Eu não
quis saber, eu levantei e desci por trás do ônibus sim. E no que eu desci o ônibus seguiu
mais um pouquinho mais reto, virou à direita, um caminho muito estranho, ninguém
vira naquela rua, é uma quebrada horrível, não tem sentido um ônibus entrar ali,
quase nem cabe ele.”
Paranormal “O ônibus brecou no meio da Domingos de Morais, coisa que não acontece porque acho
Experience que tem um ou dois pontos da onde eu peguei até a Estação Vila Mariana, não era
pra ter parado [...] Eu levantei super constrangido e desci. [...] e o ônibus seguiu e
virou à direita numa rua que não entra ônibus, entra carro, é uma rua pequenininha,
uma descida, uma rua super estranha.”
Os mapas antigos revelam que as ruas que cruzam a Domingos de Morais não mudaram
pelo menos desde a década de 50, o que nos permite utilizar o Google Maps para tentar
localizar a rua em que o ônibus entrou.
Tabela 12: ruas que cruzam a Domingos de Morais, de seu início até a estação Vila Mariana.
Porém, podemos analisar as imagens mais antigas disponíveis do Street View para
checar se há indícios de que essas ruas tenham sido de paralelepípedos em 1994, e então
asfaltadas posteriormente. Esses indícios se dão na forma ou de uma região com
paralelepípedos expostos na fronteira entre a rua e a calçada, na forma de falhas no asfalto que
exponham os paralelepípedos ou na forma de rachaduras no asfalto em formato de
paralelepípedos.
Figura 13: indícios, em outras ruas de São Paulo e de São Carlos, de uma antiga cobertura de
paralelepípedo.
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Se Milici desceu do ônibus segundos depois de entrar, então a única candidata é a Rua
Dr. Eduardo Martinelli. A rua não possui indícios de ter sido de paralelepípedos em 1994:
não há asfalto rachado na forma procurada, tampouco uma guia exposta ou buracos que
revelem paralelepípedos. A guia só mostra asfalto sobre asfalto, um buraco não exibe
paralelepípedos, e uma imagem de 2004 mostra a rua asfaltada.
Porém, se Milici ficou cerca de 15 minutos no ônibus, então existem duas ruas
candidatas. Uma delas é a rua Professor Sud Menucci, que não traz nenhum sinal de ter
sido composta de de paralelepípedos em 1994, pois tem rachaduras diferentes do
procurado, tem a guia de asfalto, e faz fronteira cum uma rua de paralelepípedos, mas não há
vestígio de continuidade entre ela e a Sud Menucci. Essa rua de paralelepípedos, chamada de
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Rua Carlos Vitor Cocozza, é de data posterior à Sud Menucci, conforme mapas da época
revelam.
Por fim, temos a rua Capitão Cavalcanti, que também não traz indícios de ter sido
feita de paralelepípedos em 1994 pois tem asfalto rachado de forma irregular, guia de asfalto
e era asfaltada em 2004. A fotografia de 2004 mostra que nessa época entrar à direita já
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implicava em entrar na contramão, mas não sabemos se a mesma regra valia em 1994. Uma
fotografia
(https://www.facebook.com/GaleriadaSaudade/photos/a.315329521947149/78390396842
3033/?type=3) de 1950 não mostra paralelepípedos na Capitão Cavalcanti.
Milici então afirma ter chegado em casa, contado a experiência para seus familiares, que
criaram algumas hipóteses como a possibilidade de um ônibus fretado para uma festa, reunião
ou empresa, que foram rebatidas pela presença de um cobrador.
Como Milici gostou da palavra “Setealém”, ele passou a utilizar a palavra em projetos
e animais de estimação. Dentre esses projetos citados, estão uma banda de rock que ele tinha
com os amigos, um cachorro (ou gato, já que ele cita ambos no Lendacast) de um amigo
Lendacast “E a partir daí eu comecei a usar a palavra ‘Setealém’ pra tudo na minha vida. Então
assim, em 94 mesmo e antes até eu tinha uma banda de, de rock com meus amigos, e
eu falei ‘nossa banda vai chamar Setealém’, e a banda por um tempo chamou Setealém.
Um amigo meu tinha um cachorro, um gato, que ele pegou novinho e ele falou ‘posso
apelidar de Setealém’ ‘pode, chama de Setealém’. Eu criei um personagem, um super-
herói de quadrinhos assim que não teve nenhuma história, era só um desenho numa
folha, mas eu apelidei lá de Setealém. Na década de 90, eu usei essa palavra pra tudo.
No meu círculo de amigos, a gente utilizava essa palavra em tudo.”
Paranormal “Meus amigos de 94 a 2002/2001 eu usei essa palavra “Setealém” pra tudo na
Experience minha vida, eu achei essa palavra bonita, “Setealém” [...] Então eu usei pra histórias
de ficção, pra um super-herói que eu criei, pra nome de cachorro, pra que tudo que...
meus amigos conheciam essa palavra toda. Até uma banda eu tive com esse nome na
década de 90. E ninguém mais falava essa palavra.”
Mais de dez anos depois (portanto, depois de 2004), Milici cria a comunidade no Orkut.
Aqui, temos uma pequena contradição: o texto diz que ele criou a comunidade para
que pessoas viessem trazendo respostas, mas os podcasts revelam que a comunidade
foi criada apenas para que ele e os amigos falassem sobre assuntos variados.
Assim, o texto dá a entender que a comunidade foi criada como um experimento para
receber relatos, mas os podcasts dão a entender que a comunidade foi criada para ser um grupo
de amigos e, acidentalmente, pessoas apareceram com seus relatos.
Artigo de 28 de “Mais de dez anos depois, decidi utilizar a então popular rede social Orkut para
novembro descobrir mais sobre Setealém. Criei uma comunidade com esse nome, mas não escrevi
exatamente do que se tratava o grupo. Eu queria que o nome trouxesse respostas. Foi
uma maneira de verificar se meu delírio fazia algum sentido.
Após algumas semanas de marasmo, pessoas dos mais distantes pontos do País
começaram a ingressar na comunidade perguntando o significado do termo Setealém.
Ao mesmo tempo que perguntavam, também relatavam suas experiências incríveis que,
de maneira geral, se assemelhavam muito com a minha.”
Lendacast “Aí foi os anos 2000, e o famoso Orkut. Pra reunir meus amigos, eu criei minha
comunidade chamada Setealém mas pra reunir quem sabia o que era. Então eu pus
lá “Setealém” pros meus amigos, primos, meu irmão entrarem pra gente falar de
besteira. Nenhum assunto específico, não era nada sobrenatural. Porém, qual foi o
meu espanto quando começaram a chegar pedidos pra entrar na comunidade [...] e aí
a pessoa deixava o scrap de Setealém. Fui deixando esse povo entrar [...] entrou um
monte de gente de tudo quanto é canto. Primeiro que alguns falavam ‘porque você pôs
o nome Setealém, onde você viu essa palavra?’, outros já contavam a história direto.
[...] Esses outros relatos eram mais assustadores.”
Paranormal “Quando foi na época do Orkut, eu criei uma comunidade chamada Setealém mas
Experience não era pra falar de nada misterioso não, era pra reunir meus amigos porque como a
gente falava muito essa palavra eu criei Setealém pra galeria que conhecia vir ali trocar
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uma ideia. E meus amigos, meu irmão, meus amigos entraram ali pra gente falar de
besteira lá da vila onde a gente morava no Ipiranga. Dois meses depois que eu tinha
criado essa comunidade começaram a entrar pessoas estranhas na comunidade, pessoas
do Brasil inteiro. [...] As pessoas falavam ‘pô, eu quero entrar na comunidade pra
discutir esse assunto porque eu já ouvi essa palavra, a minha mãe já falou essa palavra,
a minha vó já falou essa palavra, eu conheço esse lugar, ah, eu já tive uma história [...]
ah eu tenho um tambor aqui na minha casa que tem a ver, histórias absurdamente
incríveis assim, além da imaginação’”
De qualquer maneira, de acordo com Milici, deveria existir uma comunidade no Orkut
após 2004, que foi apagada em um momento posterior pois a comunidade havia se
desvirtuado. Também questionei Milici sobre os anos de criação e exclusão da comunidade,
bem como seu endereço, mas não obtive resposta.
Uma prova definitiva poderia ser obtida por meio de uma captura do arquivo da
internet, algo que também até hoje jamais foi fornecido. Em
https://web.archive.org/web/20141003024630/http://orkut.google.com/l-s.html,
encontramos um arquivo de comunidades do Orkut de 2014.
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Figura 20: aqui, podemos buscar as comunidades que ainda existiam em 2014.
Não é esperado que a comunidade original de Setealém se encontre lá, afinal, ela foi
apagada. Porém, uma evidência a favor de Milici seria a existência de alguma comunidade com
o nome. Ao percorrer todas as páginas começando com a letra S, não encontramos
nenhuma, algo estranho para um tema que teria se tornado tão popular. Encontramos,
apenas, comunidades como “sete lagoas”, “sete raios e seus mestres”, “setenta capetas”, ou
“setemares” (uma marca de roupas).
Em primeiro lugar, essa captura conta com uma descrição bem completa sobre
Setealém, informando que se trata de um universo ou uma realidade paralela, algo
contraditório com o que Milici informou, já que, em seu depoimento, a página não
tinha qualquer descrição.
Além disso, a imagem de perfil da comunidade, com uma caveira em um fundo urbano,
é de uma coleção da Behance em 2013, portanto bem depois de quando Milici teria
criado a comunidade.
A busca no Facebook
(https://www.facebook.com/search/posts?q=setealem&filters=eyJycF9jcmVhdGlvbl90aW
1lOjAiOiJ7XCJuYW1lXCI6XCJjcmVhdGlvbl90aW1lXCIsXCJhcmdzXCI6XCJ7XFxcInN0
YXJ0X3llYXJcXFwiOlxcXCIyMDEyXFxcIixcXFwic3RhcnRfbW9udGhcXFwiOlxcXCIyM
DEyLTFcXFwiLFxcXCJlbmRfeWVhclxcXCI6XFxcIjIwMTJcXFwiLFxcXCJlbmRfbW9ud
GhcXFwiOlxcXCIyMDEyLTEyXFxcIixcXFwic3RhcnRfZGF5XFxcIjpcXFwiMjAxMi0xL
TFcXFwiLFxcXCJlbmRfZGF5XFxcIjpcXFwiMjAxMi0xMi0zMVxcXCJ9XCJ9In0%3D)
precisa ser feita ano a ano, mas também não retorna nenhum resultado condizente. Os
únicos resultados são falsos positivos nos quais alguém escreve os termos “sete” e “além” em
sequência, mas não para designar a palavra “Setealém”.
35
Figura 26: se quiséssemos atestar que tal história teve origem no Orkut, conseguríamos.
Há, porém, uma evidência em favor de Setealém que não serve como prova definitiva.
A página do Google Trends para “setealém” e “7além”
((https://trends.google.com.br/trends/explore?date=all&q=seteal%C3%A9m,7alem&hl=pt
) traz resultados antes de 2016.
O problema é que o Google Trends também traz resultados para coisas que
certamente não existiam nessa época, tornando esse tipo de evidência não confiável.
37
Termos do tipo (que não carregam quaisquer outros significados) são “covid19” (que só
passou a existir em 2019), “ark survival evolved” (que só passou a existir em 2014), “petscop”
(que só passou a existir em 2017) e “webdriver torso” (que só passou a existir em 2013) -
https://trends.google.com.br/trends/explore?date=2004-01-01%202010-01-
01&q=covid19,ark%20survival%20evolved,petscop,webdriver%20torso&hl=pt.
Figura 28: esses termos não existiam ente 2004 e 2010, mas ainda assim possuem resultados no
Google Trends. O mesmo pode valer para Setealém.
Luciano Milici, sem maiores pretensões, fez um comentário com sua conta do
Facebook enquanto estava no trabalho com algumas linhas relatando brevemente a
experiência inicial. A postagem não mais conta com comentários e nenhuma versão arquivada
os possuem, mas Luciano Milici e fontes independentes confirmam que o comentário foi feito.
Luciano Milici. Não fomos capazes de localizar a postagem, mas o grupo MK ULTRA Ofc
no Facebook também divulgou a história na época de acordo com alguns comentários.
No dia 2 de dezembro de 2016, o texto sobre Setealém foi postado no site Creepypasta
Brasil (http://www.creepypastabrasil.com.br/2016/12/setealem.html), tornando o tema
mais popular.
No dia 30 de janeiro de 2017, o Jornal Ciência fez uma matéria a respeito de Setealém
(https://www.jornalciencia.com/setealem-um-possivel-universo-paralelo/). A matéria não
possui espaço para comentários.
41
Luciano afirma que ao chegar em casa, encontrou dezenas de mensagens em seu perfil
pessoal pedindo mais informações, entre elas, a de Rafaela que criou o grupo no Facebook.
Porém, conforme indicado em https://www.facebook.com/groups/Setealem/about, o
grupo no Facebook só foi criado em 1 de fevereiro de 2017. Posts antigos indicam que ele
se chamava “cetealem”. Esse grupo acumulou alguns relatos nesse período.
O próximo vídeo também é feito por Milici, e foi postado em 13 de março de 2017
(https://www.youtube.com/watch?v=whJThNDm9qQ). O vídeo traz seis relatos.
O vídeo do canal Você Sabia? parece ter sido resultado de um esforço de Milici em
tornar o tema popular, no qual ele enviou relatos para canais grandes e para a imprensa, usando
técnicas de marketing de guerrilha, growth hacking e fofoca
(https://web.facebook.com/groups/Setealem/posts/3248471005394925/?_rdc=11&_rdr).
44
Não são relatos completamente independentes, uma vez que a história de Setealém
já estava disponível na internet, mas também não são relatos completamente dependentes,
uma vez que a história ainda era pouco conhecida e o grupo continha poucos
membros, pouco mais de mil em abril
(https://www.facebook.com/groups/Setealem/posts/1869469613295078/).
Dessa forma, a recompensa (na forma de atenção) por postar um relato ainda era
pouca: existia uma comunidade pequena de pessoas interessadas no tema, e Milici só
estava começando a fazer publicações contando relatos recebidos. Isso torna esse
período de 7 meses e meio uma espécie de experimento social que recriava as condições da
época do Orkut. Afinal, será que surgiram múltiplos relatos independentes de todos os cantos
do Brasil contando sobre Setealém, assim como supostamente aconteceu no Orkut?
A lógica nos diz que sim. Esse período deveria ser marcado pelo surgimento de
relatos espontâneos e explícitos sobre Setealém nos mais diversos locais da internet,
como no grupo do Facebook e nos comentários das matérias que republicaram a história.
46
Antes de analisarmos os relatos que surgiram, é importante distinguirmos entre alguns tipos
de relatos.
Relatos explícitos e não explícitos podem ainda ser sonhos. Sonhos tem a propriedade
de serem produto da mente humana, e têm regras muito mais liberais, já que podemos
sonhar com qualquer tipo de fantasia. Incluímos nessa categoria episódios de paralisia
do sono e outras desordens do sono. Se um relato de sonho envolver eventos que um sonho
não deveria proporcionar (como premonições ou transporte de matéria), então o relato volta
para a categoria inicial.
A tabela abaixo resume todos os relatos que encontramos desse período. Relatos
explícitos publicados por Milici estão marcados em cinza, e relatos explícitos publicados por
outras pessoas estão em amarelo. Essa tabela exclui quaisquer comentários e postagens que
não continham nenhum tipo de relato.
Tabela 15: relatos postados nas matérias, vídeos e grupos sobre Setealém do período pouco popular.
Ref. Data Nome Origem Tipo Publicado
Ônibus para Setealém na
1 28/11/2016 Site de Milici Explícito Milici
Domingos de Morais.
Filha se perde no préido e Orkut (Site
2 28/11/2016 Explícito Milici
passa 7 dias em Setealém. de Milici)
Entre office boys, corre um
Orkut (Site
3 28/11/2016 relato sobre Setealém. Explícito Milici
de Milici)
Algumas já foram pra lá.
47
Um banheiro de shopping
levou para outro shopping Orkut (Site
4 28/11/2016 Explícito Milici
com um ar maligno em de Milici)
Setealém.
Um morador de Olinda
estava em um sítio histórico e Buzzfeed
Não
5 28/11/2016 foi parar em um sítio (Site de Público
explícito
diferente, de onde ele não Milici)
pertencia.
Comentário
Um usuário já viu o nome
6 02/12/2016 Creepypasta Familiaridade Público
Setealém em algum lugar
Brasil
O tio do narrador
Comentário
desapareceu por horas após Não
7 03/12/2016 Creepypasta Público
ficar embaixo d'água, e disse explícito
Brasil
ter ido parar em uma casa.
Comentário
Um usuário diz que o nome é
8 04/12/2016 Creepypasta Familiaridade Público
familiar.
Brasil
O narrador foi para um local
estranho e experimentou um Comentário
Não
9 06/12/2016 doce diferente em uma Creepypasta Público
explícito
viagem para Aparecida do Brasil
Norte.
Um estudante percorreu por
meses um caminho para um
curso que envolvia passar por Comentário
10 31/12/2016 uma rua chamada "Setealém", Creepypasta Explícito Público
mas, ao final do semestre, Brasil
descobriu que havia faltado
em todas as aulas.
Comentário
Um usuário menciona
11 09/01/2017 Creepypasta Familiaridade Público
familiaridade.
Brasil
Comentário
Um usuário teve sonhos com Não
12 18/01/2017 Creepypasta Milici
seres saindo das paredes. explícito
Brasil
Duas pessoas têm sonhos Facebook
semelhantes com um mundo (Canal de Não
13 06/02/2017 Milici
anormal que acreditam ser Milici no explícito
uma realidade paralela. YouTube)
Uma moça sempre passava Facebook
em frente a uma (Canal de Não
14 06/02/2017 Milici
concessionária e via carros, Milici no explícito
mas um dia não viu, e teve YouTube)
48
encarando de formas
estranhas no dia-a-dia
Uma pessoa leu sobre
Setealém e agora se sente mal
Grupo do Não
25 11/02/2017 em casa, além de sentir Público
Facebook explícito
presenças. A luz de casa
piscou algumas vezes.
Uma pessoa leu sobre
Grupo do Sonho não
26 22/02/2017 Setealém e tem sonhos Público
Facebook explícito
estranhos frequentemente.
Uma pessoa tem sonhos com
Grupo do Sonho não
27 06/03/2017 uma cidade chamada Público
Facebook explícito
Trindade.
Uma pessoa experimenta
sucessivos sonhos onde viaja Grupo do Sonho não
28 07/03/2017 Público
para o futuro ou para um Facebook explícito
universo paralelo.
Grupo do Não
29 08/03/2017 Uma pessoa tem um dejávu Público
Facebook explícito
Uma pessoa, ao sonhar, teve
Facebook
uma experiência com gente
(Canal de Sonho
30 13/03/2017 estranha e roupas estranhas, Milici
Milici no explícito
em um trecho urbano de
YouTube)
Setealém
Uma pessoa estava andando
pela rua e viu uma cova
aberta, com um homem de
macacão azul, cheio de terra.
? (Canal de
O homem esticou o braço Não
31 13/03/2017 Milici no Milici
em direção a cova e várias explícito
YouTube)
pessoas saíram da cova. De
repente, eles viraram a cabeça
para o narrador e gritaram
juntos.
Um usuário teve um sonho
explícito com Setealém, Grupo do Sonho
32 13/03/2017 Público
sendo chamado para Facebook explícito
conhecer o local.
50
pelo público. Todos os outros 14 relatos explícitos foram publicados por Milici e, além disso
depender unicamente de sua palavra, conforme veremos mais adiante, o próprio já
admitiu que alguns relatos são parcialmente ou completamente ficcionais.
Isso significa que, apesar do tema estar sendo visto por uma quantidade considerável
de pessoas, apenas 4 (disponíveis em
http://www.creepypastabrasil.com.br/2016/12/setealem.html,
https://www.facebook.com/groups/Setealem/permalink/1871900269718679/,
https://www.facebook.com/groups/Setealem/permalink/1912105939031445/ e
https://www.facebook.com/groups/Setealem/permalink/1902965113278861/) disseram
ter tido experiências no mundo real que, se verdadeiras, envolveram Setealém. Todas
as demais ou reportaram alguma familiaridade com o nome, ou tiveram sonhos, ou tiveram
experiências com alteração da realidade sem o nome Setealém.
58
O nome Setealém soa familiar por uma série de razões. Primeiro, porque é composto
de duas palavras conhecidas e comuns: sete e além. Se fosse um nome completamente
arbitrário, isso provavelmente não ocorreria.
Dessa forma, é perfeitamente normal que você tenha um sonho explícito com
Setealém após novembro de 2016, mesmo que você pense não ter visto o nome até
então, pois nem sempre memorizamos tudo o que vimos. Talvez “Setealém” tenha aparecido
em uma miniatura do YouTube que você viu de relance, por exemplo?
Se você acredita que teve um sonho explícito com Setealém antes de novembro de
2016, então é possível que você esteja sendo vítima de uma memória falsa, e só tenha associado
o nome ao sonho depois. Sem evidências (como um diário de sonhos dá época), é difícil de
averiguar situações assim.
Ao contrário do mundo real, as regras em sonhos são muito mais liberais. Pessoas
sonham com todo tipo de fantasia (como uma breve leitura em
https://www.reddit.com/r/Dreams/ irá revelar) e isso é perfeitamente normal e nada
surpreendente.
Como nossos sonhos são produto da realidade em que vivemos e vivemos na mesma
realidade, também é normal que pessoas tenham sonhos semelhantes, e esse fato não é
um indicador de que ambos estiveram na mesma realidade paralela. Pela mesma razão,
é também normal que pessoas venham a ter sonhos semelhantes com elementos da
ficção, mesmo que não os conheçam.
Isso vale tanto para elementos genéricos como “um hospital com pessoas muito
machucadas”, “uma vila com tons amarelos” ou “uma cidade com pessoas deformadas”, até
61
temas mais específicos. Eu sou testemunha disso: por alguns meses, tive um sonho recorrente
com uma floresta feita de órgãos humanos, como olhos, coração, sangue, carne e veias. Algum
tempo depois, descobri que alguém, pensando em uma ideia parecida, criou um recurso gráfico
para jogos 2D que representa bem o meu sonho (https://finalbossblues.itch.io/monsters-
belly) anos depois de eu tê-lo.
Figura 47: essas imagens, apesar de não serem uma reprodução fiel, são bem semelhantes ao que
sonhei.
A época não popular é marcada por inúmeros relatos não explícitos, que abordam
realidades paralelas mas não trazem o nome “Setealém”. Relatos com o nome “Setealém” só
existem no Brasil, mas relatos não explícitos existem no mundo todo (como visto em
https://www.reddit.com/r/ParallelUniverse/), indicando que eles não são dependentes ou
relacionados com Setealém.
Conforme afirmamos no começo desse vídeo, o estudo desses relatos foge do nosso
escopo, pois envolveria uma categorização mais complexa e a busca por explicações
mundanas para cada categoria criada. Além disso, a maioria desses relatos é indistinguível
e dependente, já que não há elementos que permitam falseá-los, são recontados poucas ou
nenhuma vez e existe uma plenitude de obras muito populares a respeito de universos
paralelos, além de uma comunidade pronta para dar atenção à novos relatos. Por fim, alguns
relatos (como do Homem de Taured ou de Thomas Johnson) foram devidamente falseados
por nós.
Esses relatos não explícitos, portanto, são uma evidência para Setealém tanto quanto
são uma evidência para a existência de qualquer outro universo paralelo, para a existência de
viagem no tempo, para a ocorrência de alucinações individuais ou coletivas, ou para qualquer
outra hipótese que os explique. Uma evidência que serve para sustentar qualquer hipótese, na
prática, não serve para nenhuma.
Alguns relatos famosos e contados em canais são muitas vezes adaptados para
conter o nome Setealém, mas eles não o fazem em sua forma original. Citaremos, abaixo,
alguns deles sem detalhá-los um por um:
63
Começamos com os relatos da categoria (2). Aqui, se incluem muitos dos relatos mais
famosos e replicados na internet. Citaremos, abaixo, alguns deles sem detalhá-los um por um:
Esses relatos têm uma série de problemas. Em primeiro lugar, não sabemos se eles
realmente vieram do Orkut, das mensagens privadas ou do e-mail de Milici, pois isso
depende unicamente de sua palavra.
Isto Não É - “Não tô tentando descobrir nada, eu tô coletando (??) me divertindo na verdade e
Podcast criando mais ficção sobre isso também.”
Dessa forma, se uma parte desconhecida dos relatos é ficcional e os relatos postados
no canal de Milici são adulterados em pelo menos 20%, passando por pelo menos 80% e até
mesmo completamente ficcionais, é impossível utilizar esse conjunto de anedotas como
evidência da existência de Setealém.
Indício de que algumas pessoas mentem em seus relatos é que, em novembro de 2017
(https://www.facebook.com/groups/Setealem/posts/1956038497971522/), Milici afirmou
que relatos baseados em filmes não seriam aceitos. É de se imaginar que esses relatos
baseados em filmes correspondam a apenas à parcela de pessoas sem criatividade que
mentiram, e que relatos mentirosos, porém criativos, tenham passado pelo crivo.
postado pelo público em nossa amostragem, indicando que esses relatos sequer são tão
comuns mesmo nessa época.
Paranormal “Canais variados da internet começaram a me contatar [...] alguns canais falavam
Experience ‘inventa um relato aí, inventa você, escritor, usa sua criatividade e inventa. Inventei
alguns relatos também.”
Ainda assim, alguns relatos publicados possuem falhas que os colocam no limiar entre
o indistinguível e o contraditório. O relato do tambor conta que as crianças iam para uma
caverna escura e ficavam 4 dias, mas não explica como que as crianças conseguiam
perceber a passagem dos dias em uma caverna fechada. O relato também se nega a
fornecer evidências: supostamente, foram encontrados mais 4 tambores iguais sendo vendidos
pelo Brasil (e um deles foi encomendado), mas os links nunca foram fornecidos e o tambor
nunca foi exposto. O desaparecimento do irmão se deu no bairro da Saúde, a família foi
culpada e o assunto saiu na mídia, mas não encontramos notícias a esse respeito.
72
Em 6 de fevereiro de 2017, uma pessoa denominada Lea Meets enviou um e-mail para
Milici utilizando um endereço anônimo do Cazaquistão pedindo para ele parar de falar sobre
Setealém e descrevendo um ritual (uma das 72 maneiras de ir até lá) para acessar a dimensão.
O texto do e-mail completo pode ser lido em
https://strangerbrazil.blogspot.com/2019/02/setealem-uma-incrivel-evidencia-da.html.
O e-mail dá a entender que o método descrito foi retirado de um livro, mas não
encontramos nenhum livro com menção à Setealém, nem com menção ao método sem
trazer o nome “Setealém”. Ele descreve, na prática, uma forma de ter sonhos com temas
específicos que provavelmente funciona, já que essa técnica cria um imenso resto diurno
para ser aproveitado em seus sonhos, independente do tema com o qual você associá-lo.
Pessoas do grupo enviaram seus e-mails para o endereço de Lea, e tiveram em geral
respostas genéricas a respeito de Setealém. Uma delas, porém
(https://www.facebook.com/groups/Setealem/posts/1843805232528183/) recebeu um
código composto de letras e uma chave.
Esse é um código bastante simples de ser solucionado. Basta copiar a mensagem cifrada
e a chave em duas colunas do Excel, uma linha por caractere, e então ordenar usando a segunda
coluna como chave, obtendo como resposta filhodowill;;1660.SolaceSt;;Portal.
Usuários
(https://www.facebook.com/groups/Setealem/permalink/1857567707818602/).
reportaram que jogar o código no Google Maps retorna um resultado na cidade em que eles
estão. Porém, isso acontece justamente porque o Google Maps não identifica nenhum
local e, então, abre na posição padrão (como em
https://www.google.com/maps/search/0.1.6.6.;;.;;.a.a.c.d.e.e.f.h.i.i.l.l.l.l.o.o.o.P.r.S.S.t.t.w/@
-21.9963953,-47.8921486,15z/data=!3m1!4b1). Pesquisar outro termo aleatório no Google
Maps, como “ksdkr-eropg,vpdkewrp68168eoort4r3-0wqei”, produz o mesmo resultado.
76
Figura 60: um usuário reporta que o local, no Google Maps, retorna um ponto de sua cidade.
Figura 61: essa usuária está impressionada com uma falha no Street View.
A imagem é um texto que narra sobre como havia um portal para Setealém no Centro-
Oeste brasileiro, que levava a uma região onde vivia uma tribo sob dois sóis. Em meados da
década de 80, um hospital pegou fogo e oito bebês morreram. O governo sequestrou oito
bebês dessa tribo e os substituiu pelos bebês mortos, de forma que existem habitantes nascidos
em Setealém que hoje vivem entre nós sem saber.
Tabela 19: trecho do vídeo de Milici, comparado com postagem de Milici sobre a mesma imagem.
Vídeo de Milici “A fonte dessa nova febre relacionada a Setealém começou quando surgiu na Deep
Web e começou a circular em grupos de Whatsapp e Facebook a seguinte imagem cuja
fonte ainda é anônima”.
Figura 63: suposta imagem de origem anônima que surgiu na Deep Web.
Porém, essa informação é falsa e Milici sabe disso, pois a fonte dessa imagem,
de acordo com o próprio Milici, foi um e-mail que ele recebeu
(https://www.facebook.com/groups/Setealem/posts/1912870148955024/), e não a Deep
Web. A origem só é “anônima” porque Milici não revelou o endereço de e-mail do remetente.
Uma garota chamada Alma foi encontrada por um amigo do narrador em uma estrada,
e disse a ele que, se quisesse, poderia ir para Setealém, o local de onde ela era nativa, mas foi
roubada pelos pais. Esse trecho faz uma clara referência à postagem de 18 de julho de
2017.
O ritual descrito por Alma envolvia entrar na gruta, encostar na parede e sair de costas.
Os garotos fazem isso e chegam em Setealém, onde são informados por Alma, uma espécie
de divindade em Setealém, que a dimensão é o mesmo mundo que o nosso, apenas alguns
anos no futuro.
Figura 65: o relato da gruta foi enviado a Milici, que por sua vez enviou ao canal Assombrado.
Esse blog serviria como evidência dupla da existência de Setealém antes de 2016
(contrariando nossa pesquisa anterior!) e como evidência da existência de Alma e do hospital,
se não fosse um pequeno problema. Ao visitar o perfil do criador do blog, descobrimos que
ele está na plataforma apenas a partir de fevereiro de 2018
(https://www.blogger.com/profile/10220714009685517000), significando que as postagens
são na verdade de 2018 e tiveram sua data adulterada por um método descrito em
https://www.wikihow.tech/Change-the-Post-Date-on-Blogger. Isso nos deixa com uma
dúvida: Milici sabia que o blog divulgado por ele março de 2018 era falso?
82
Figura 68: é possível mudar a data de postagens no Blogger, e foi exatamente isso que nossa
blogueira de Setealém fez em 2018.
Ao contrário do que Milici deixa a entender em seu vídeo, as postagens com a hashtag
#almasetealem só vieram a surgir depois que ele a divulgou na postagem de 27 de março
de 2018 algo que, no Twitter, só ocorreu em maio
(https://twitter.com/search?q=%23almasetealem%20until%3A2018-06-
01%20since%3A2009-01-01&src=typed_query&f=live).
Assim, parece seguro concluir que Alma, agora presente em vários relatos
dependentes, tem sua origem como um personagem ficcional.
83
O primeiro deles é o Homem Agudo, uma criatura que se parece com um homem alto
e magro, com rosto ovalado e branco que lembra o de um gafanhoto, com uma boca projetada
para frente e olhos negros. A origem dessa criatura é uma história postada por Milici que
supostamente veio do Orkut
(https://www.facebook.com/groups/Setealem/permalink/1968483863393652/) no qual um
garoto tinha o hábito de soltar balões na serra com seu pai. A imagem do Homem Agudo
usada na postagem original, porém, é uma ilustração de um monstro do folclore lituano
chamado Baubas (https://portal-dos-mitos.blogspot.com/2018/10/).
Outra criatura é chamada Aquele Que Encontra Tudo. Trata-se de um padre, que
acompanha um menino que foi à Setealém, e é capaz de trazer qualquer coisa que ele quiser,
inclusive pessoas. A origem dessa história é o relato da Vila do Sapo, postado por Milici
(https://www.facebook.com/groups/Setealem/posts/1886744938234212/). O padre usado
na imagem é um personagem do filme A Sentinela dos Malditos, de 1977
(https://m.imdb.com/title/tt0076683/ e
https://www.google.com/search?q=john+carradine+sentinel).
Temos então O Perturbador, uma criatura de Setealém que consegue adquirir a forma
das vítimas que devora, sendo o último espécime de uma raça que foi extinta. A origem dessa
criatura é um relato postado por Milici no YouTube
(https://www.youtube.com/watch?v=PuxiTkg2K44), supostamente vindo de Marília, uma
garota em contato com ele que está presa em Setealém e transita entre as dimensões. Ela tem
uma playlist dedicada aos seus relatos no canal
(https://www.youtube.com/watch?v=AuqZ0G4Y7FI&list=PLukMu5WgWFpfGTfA69L4p
3_jWMSguMXck), todos dependentes da palavra de Milici.
85
A próxima criatura é chamada de Blatta Nimbus, e é uma das mais resistentes criaturas
de Setealém. É uma espécie de barata gigante que toma conta de cidades inteiras de Setealém,
vivendo na escuridão e comendo restos humanos. Achamos não explícitos relatos que
envolvem baratas comuns no grupo, mas nenhum a respeito de baratas gigantes
habitando Setealém. O nome parece ser inspirado no gênero de baratas Blatta
(https://en.wikipedia.org/wiki/Blatta).
É então dito que Setealém era um universo como o nosso (porém sem humanos) mas
um ser de Setealém queria se tornar o rei daquele mundo, e iniciou uma guerra chamada
Grande Guerra Sombria, que deixou Setealém como conhecemos hoje em dia, destruindo
tudo o que há de bom naquele universo. Essa entidade virou o Rei de Setealém. Não há
quaisquer bases para essa história no grupo, essa história é contraditória com o que os
relatos de Milici narram (pois Setealém tem regiões boas) e “Rei de Setealém” é como
Milici se refere a si mesmo (https://www.facebook.com/lucianomilici/).
Eles então mencionam o “All in One”, uma junção gigante de animais carnívoros com
muitos olhos, que sobrevoa acima das nuvens escuras de Setealém. Não há qualquer menção
a isso no grupo ou nos relatos que Milici publica no canal.
Humanoides que foram afetados pela radiação da guerra sofreram mutações e carregam
deformidades, e são chamados de Hominum Tenebris. Ao passo que existem relatos sobre
Setealém e pessoas deformadas, o nome e a história não são usados fora desse vídeo.
Por fim, Corvus Pragis é uma criatura que usa uma máscara de corvo (como um médico
medieval) e sob um preço, consegue ajudar pessoas a sair ou entra em Setealém. O preço
geralmente é aquilo que for mais importante para ela. Mais uma vez, o nome e os relatos da
criatura não existem fora desse vídeo. No mesmo dia em que surgiu o vídeo do canal Você
Sabia?, a entidade foi mencionada em uma fanfiction
(https://www.spiritfanfiction.com/historia/um-amor-em-setealem-17207877) a respeito de
Jungkook, ídolo de K-POP, está em Setealém.
Muitos relatos afirmam que Setealém é habitada por pessoas de olhos negros. Essa ideia
é uma cópia da creepypasta das Crianças de Olhos Negros, já desmistificada em
https://www.youtube.com/watch?v=zuxKns8PTNA como uma criação ficcional de
Brian Bethel em 1997.
Assim, as ditas criaturas de Setealém ou vem dos relatos de Milici (que não são
confiáveis pois são adulterados em medidas variadas), de um vídeo do canal Você Sabia?
88
que parece ter simplesmente inventado criaturas e histórias com nomes em latim ou
de outras histórias ficcionais.
89
Em uma ocasião, enquanto trabalhava no sebo, ela foi transportada para uma livraria
em Setealém bem diferente do local em que ela trabalha ao encostar em um livro. Um rapaz
com aparência estranha (pele grossa e acinzentada e caninos maiores que o normal) disse que
ela precisaria voltar logo para onde ela veio, mas que isso demoraria um pouco.
O rapaz disse que trabalha para seus criadores, e que alguns dos livros lá eram do nosso
universo, outros do universo dele. O livro, na mão de Alessandra, precisaria ficar por lá. Ela
olhou, e o livro tinha o título “Setealém e o transporte transmundos”, de Dra. Amália Pardal,
com diversos diagramas e cálculos, escrito em 1976. Ele disse que todos os livros dessa edição
estavam sendo recolhidos.
Na prateleira, haviam livros estranhos de temas e autores que ela nunca ouviu falar,
além de livros com letras que ela nunca havia visto. Ele mostrou outro livro, chamado “A
filosofia de Setealém”, de Di Giácomo Mariano, publicado em julho de 2024. Ela, então, foi
transportada de volta para nossa realidade com um empurrão.
Esse relato sofre de todos os problemas que os demais publicados por Milici.
Porém, no dia 9 de dezembro de 2018
(https://www.facebook.com/groups/Setealem/permalink/2194123980829638/), Milici
publicou um desenho da capa enviada por Alessandra e uma recriação digital feita por um
membro do grupo. A foto não mostra uma capa verdadeira do livro, apenas uma
recriação. Milici também disse que, graças à mobilização, duas pessoas tinham o livro e
haviam o enviado pelo correio.
90
Muitos usuários preferem explicações mais acolhedoras: de que o envio do livro foi
intencionalmente sabotado por habitantes de Setealém, ou de que Milici recebeu o livro e o
postou de forma subliminar. Entretanto, a explicação que requer menos premissas é
justamente a de que tais livros nunca existiram.
92
Existem vários métodos na internet que ensinam como ir a Setealém. Alguns desses
métodos são simplesmente inventados juntos com relatos dependentes e, nesses casos,
não há muito o que afirmar a respeito deles exceto pela conclusão dessa seção, que se aplica a
qualquer método. Esse é, por exemplo, o caso do ritual do heptágono, que envolve desenhar
símbolos religiosos em cada face do heptágono e meditar por quase 4 horas
(https://www.facebook.com/groups/1833042156937824/search/?q=ritual&locale=hi_IN).
Outros, porém, são plágios de rituais diversos. Por exemplo, o ritual do elevador
divulgado pela Fatos Desconhecidos (https://www.fatosdesconhecidos.com.br/a-teoria-de-
setealem/) é cópia de um ritual japonês
(https://mitologialendasjapao.blogspot.com/2015/03/5-metodos-japoneses-para-alcancar-
uma.html) que supostamente leva à uma dimensão paralela genérica, e não à Setealém.
(https://www.wattpad.com/253601383-creepypastas-4-m%C3%A9todos-japoneses-para-
alcan%C3%A7ar).
Em 28 de julho de 2017
(https://web.facebook.com/groups/Setealem/posts/1917720985136607/) Milici publicou
detalhes de uma máquina usada para se comunicar com Setealém. A origem dessa descrição é
de um relato supostamente do Orkut postado por Milici
(https://www.facebook.com/groups/Setealem/posts/1917473141828058/) feito por um
membro de um grupo espírita que acredita estar se comunicando com dimensões paralelas ao
invés de espíritos. Mais especificamente, uma pessoa chamada Aparício disse morar em
Setealém o ensinou a construir uma máquina que os coloca em sintonia, fazendo com que um
veja o outro como um fantasma.
A máquina é uma cama com alto falantes na parte de baixo produzindo sons em
frequências específicas e luzes piscando nessas frequências acima. Essa descrição, no entanto,
é uma cópia de camas de chakras
(https://www.google.com/search?q=chakra+bed&sxsrf=APwXEdcAMzQWTvzIgdJjOxtY
94
dk_o-5iiGQ:1683833880004&source=lnms&tbm=isch&sa=X&ved=2ahUKEwj61pyCgu7-
AhVZpZUCHSwyAzkQ_AUoAnoECAIQBA&biw=1517&bih=725&dpr=0.9#imgrc=cT
UrDuHGDuC0HM) usadas para “alinhar os chakras do corpo humano”.
Por fim, vale lembrar que outros “rituais” visam produzir sonhos com Setealém. Esses
guias não são exatamente rituais (uma vez que não cumprem nenhum propósito
paranormal), mas criam restos diurnos e sugestões que, eventualmente, podem fazer com
que a pessoa sonhe com Setealém. Nesses casos, o praticante não viajou para Setealém,
mas apenas teve um sonho com essa dimensão.
Além disso, produzir vídeos realizando rituais para Setealém e forjando situações
paranormais é extremamente fácil, já que pessoas podem atuar e um bom produtor
consegue camuflar cortes e inserir efeitos especiais para produzir todo tipo de situação
e criatura.
Assim, se você acha que é capaz de reproduzir com sucesso um método pra ir a
Setealém, é necessário produzir uma documentação melhor e mais transparente que
um vídeo no YouTube superproduzido e roteirizado para entretenimento.
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Algumas pessoas
(https://www.facebook.com/groups/Setealem/posts/2007204269521611/) usam o
argumento do grande número de desaparecimentos como evidência de que tais pessoas foram
para Setealém.
Esse argumento, porém, é uma falácia lógica conhecida como falácia da única
causa, afinal, existem inúmeras outras causas (mundanas e fantásticas) para desaparecimentos
no Brasil e no mundo.
Isso permite que apenas ele e pessoas autorizadas por ele possam publicar e
vender ficção a respeito de Setealém, bem como vender produtos com o nome. Se
Setealém é algo ficcional, esse é absolutamente um direito de Milici que deve ser reivindicado
por ele, assim como ocorre com Candle Cove.
De acordo com Milici, isso se deve ao fato de roteiristas e escritores quererem usar
o tema que ele se esforçou para popularizar sem envolve-lo, ganhando dinheiro em cima
disso (https://twitter.com/LucianoMilici/status/1594439537371254785).
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O problema é que, segundo Milici, Setealém não é ficcional, mas um local real acessível
por métodos que ainda não estão completamente compreendidos. Se isso é verdade, apesar de
eu não ter gabarito para dizer se registrar Setealém é algo legal, fazê-lo definitivamente não
é algo elegante.
Usarei uma situação pessoal para ilustrar minha visão sobre o tema. Quando visitei a
Praia do Una em Peruíbe em 2015, vi o que parecia ser uma pedra furada nas montanhas ao
sul. Meu Galaxy Y era incapaz de fotografá-la, e desde então, por mais que eu tenha tentado
pesquisar por “pedra furada” no sul de São Paulo ou no norte do Paraná, jamais encontrei
quaisquer registros.
Assim como Milici garante que o ônibus para Setealém foi uma experiência real, eu
garanto que a pedra furada em Peruíbe foi uma experiência real. A seguir, compararemos
ambas as experiências não do ponto de vista jurídico (já que não tenho conhecimento nessa
área), mas ético.
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Eu posso chamar a pedra furada que vi de qualquer nome, por exemplo, Pedra do Sapo
(já que gosto de sapos). Porém, como eu não tenho a posse do lugar (e não sei se ele pertence
a uma pessoa, ou a um parque nacional), não é ético que eu oficialize “Pedra do Sapo” como
uma marca registrada associada ao local e exija que obras de ficção que usem o nome Pedra
do Sapo ou se passem na Pedra do Sapo precisem de minha autorização.
Se a Pedra do Sapo fosse um local ficcional (como Westeros) ou um local privado real
(como o Sítio do Pica Pau Amarelo), então seria perfeitamente ético que eu, como criador ou
proprietário desse local, o oficializasse como uma marca registrada e exigisse que obras que se
passam no local ou usam o nome do local precisassem da minha autorização.
Assim, temos duas opções. Se Setalém é um local ficcional criado por Milici, ele está
perfeitamente certo em exigir direitos autoriais e propriedade intelectual sobre ela, mas
também deveria, assim como Kris Straub fez com Candle Cove, informar se tratar de uma
mera obra de ficção – mesmo que seu estilo seja de não-ficção, como é com obras como The
Office, que tem o estilo de documentário, por mais que saibamos que a Dunder Mifflin não
exista.
Já se Setalém é um local real e Milici esteve em um ônibus para lá, não é ético oficializar
Setealém como uma marca registrada ou exigir direitos de propriedade intelectual sobre um
local e nome que na realidade não lhe pertencem, mas apenas fizeram parte de uma experiência
que ele viveu. Analogamente, visitar a agora batizada Pedra do Sapo não te dá o direito de
registrar o nome e exigir que todos que produzam obra envolvendo esse local real lhe peçam
autorização para fazê-lo, independente de quanto esforço você tenha dedicado para
popularizar o tema.
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20.CONCLUSÕES
1. O relato que Milici conta como experiência inicial está no limiar entre o indistinguível
e o contraditório, pois existem detalhes cruciais a respeito dele que foram alterados
entre 2016 e entrevistas nos anos seguintes, detalhes esses que fogem dos aspectos
menores que poderiam se perder na memória. Além disso, a nossa tentativa em retraçar
a rota de Milici falhou porque não encontramos ruas com as características descritas.
Isso torna esse relato bastante suspeito, e não permite que o utilizemos como evidência
sólida de um evento fantástico.
2. Milici então afirma ter criado uma comunidade no Orkut, onde teriam surgido
inúmeros outros relatos de forma independente. Porém, falhamos em localizar
quaisquer evidências de menções à Setealém antes de 2016, portanto, falhando em
atestar a existência do termo na internet. Milici jamais forneceu evidências do uso do
nome “Setealém” antes de 2016 (como no nome de sua banda ou nas suas histórias), e
jamais forneceu capturas de tela ou páginas salvas da sua comunidade no Orkut.
Tampouco há registros da comunidade no Arquivo da Internet. Dessa forma, o
surgimento de relatos independentes antes de 2016 simplesmente não pode ser
atestado e recai unicamente na palavra de Milici.
3. Temos, então, um período entre novembro de 2016 e o meio de julho de 2017 em que
o tema não era tão popular, pessoas não tinham holofotes para mentir e, portanto,
poderíamos atestar o surgimento de relatos tal qual supostamente aconteceu na época
do Orkut. Porém, para nossa surpresa, dos 93 relatos que surgiram, apenas 4 eram
explícitos e foram publicados espontaneamente, indicando que o fenômeno relatado
por Milici falhou em ser reproduzido nesse período de 7 meses e meio. Esse pode ser
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um sinal de que Setealém, na verdade, não é algo para o qual pessoas comparecem em
peso narrando suas experiências.
4. Esse comparecimento, porém, só vem a acontecer (ainda que em muito menor escala
quando comparado aos relatos não explícitos) quando o tema se torna extremamente
popular e todos os holofotes são direcionados aos que possuem relatos para contar.