O E S H O: D T, S C .: Niversidade Federal Do Rio Grande Do Sul
O E S H O: D T, S C .: Niversidade Federal Do Rio Grande Do Sul
O E S H O: D T, S C .: Niversidade Federal Do Rio Grande Do Sul
INSTITUTO DE PSICOLOGIA
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________
Orientadora: Prof. Dra. Fernanda Spanier Amador
_____________________________________________
Prof.
_____________________________________________
Prof.
Agradeço a todos meus amigos, em especial ao Gabriel, Johhny, Kiko, Cícero, Duda, Luiz,
Digo, Jean, Roberto e Henrique por tornar essa vida uma aventura que sem vocês não teria
menor graça. Agradeço as pessoas do Coletivo Profanações por compartilhar experiências
que levarei comigo o resto da vida.
Agradeço a minha família pelo apoio ao longo desses seis anos. A minha mãe que me
incentivou, me ajudou e tornou tudo isso possível, sempre acreditando no meu potencial.
Agradeço ao meu pai que estava lá quando eu precisava.
Agradeço a minha orientadora, que nessa reta final especialmente acreditou nesse trabalho e
me auxiliou proporcionado um potencial no que eu gostaria de dizer.
Agradeço a minha companheira Fran, pelo amor, carinho e dedicação e por aguentar minhas
loucuras cotidianas. Sem você, nada disso seria possível. Obrigado por compartilhar sua vida
comigo
“A ontologia crítica de nós mesmos tem de
ser considerada certamente não como uma
teoria, uma doutrina e sequer como um corpo
permanente de conhecimento que está em
acumulação; ela tem de ser considerada
como uma atitude, um éthos, uma vida
filosófica na qual a crítica daquilo que somos
é, ao mesmo tempo, a análise histórica dos
limites que nos são impostos e um
experimento com a possibilidade de irmos
além deles.”
Michel Foucault.
Resumo
The experience of listening to workers generally leads us to notice discursive repetitions that
say something of a specific subjective formation of the subjects. Within these repetitions,
words often appear such as networking, skills, entrepreneurship, proactivity, cost-effective,
words that are generally employed in the companies and are now used by workers to
describe their lives and evaluate their conflicts. In this direction, we ask, how does a subject
becomes an Enterprise? From this, this paper aims to discuss the subjective processes at
work and your new arrangement of forces in the contemporary, from fragments and stories
of employees of a public organization in the city of Porto Alegre. We seek also tools for a
critical-clinical look to the Labor Psychologist, inspiring us in the studies of Michel
Foucault, especially in his conception of new Homo Oeconomicus, the entrepreneur himself
Introdução................................................................................................................9
4. Considerações finais.............................................................................................33
Referências..............................................................................................................35
9
Introdução
Este trabalho é escrito a partir de nossa atuação como estagiário no período de dois anos
em um setor de Saúde e Segurança do Trabalhador em uma empresa pública de Porto
Alegre. Dentre nossas atividades, coordenávamos grupos, participávamos de palestras, de
reuniões, de interconsultas com outros profissionais de Psicologia, articulavam-se redes de
saúde, e, principalmente, exercia-se atividades de escuta do trabalhador, quando esse
procurava por motivos diversos, entre eles, por situações de sofrimento no trabalho. A
experiência de escutar os trabalhadores geralmente nos leva a perceber repetições
discursivas, que dizem de algo de uma formação subjetiva específica dos sujeitos. Dentro
dessas repetições, não raras vezes palavras como networking, competências,
empreendedorismo, proatividade, custo-benefício eram empregadas, palavras essas
geralmente encontradas no campo das empresas e da economia e que, agora, aparecem,
corriqueiramente, entre os trabalhadores para descreverem sua vida e para avaliar seus
conflitos.
Esses discursos também são marcas de uma realidade institucional no contexto de
mudanças da organização do trabalho que caracterizam a reestruturação produ-tiva e, muitas
vezes, analisados no escopo da precarização do trabalho, por sociólogos e psicólogos do
trabalho. Palavras e repetições que expressam modos de trabalhar e se subjetivar em um
processo marcado pela arte liberal de governar, que nos leva a perguntar: Que sujeito é esse?
Como um indivíduo vê a si mesmo como empresa?
Nesta direção, os estudos de Michel Foucault são intercessores importantes para
entendermos como se produz o “Homo Oeconomicus”, aquele que empreende a si mesmo e
sua relação com o trabalho e os processos de subjetivação
Assim, este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) inscreve-se na linha de estudos
no campo de Subjetividade e Trabalho, aquele que se ocupa dos “modos como os sujeitos
vivenciam e dão sentido às experiências de trabalho, assim como a forma que as relações e
os contextos de trabalho produzem determinados modos de constituição dos sujeitos”
(TITTONI & NARDI, 2011).
Alguns conceitos são operadores-chave deste TCC, dentre eles, o de Trabalho.
Afirmamos que ele pode ser derivado desde uma perspectiva de Ergón- ação, trabalho- ou
Pónos- trabalho ou fadiga- ou até mesmo tripallium provenientes do latim para tortura,
punição e sofrimento (ANTUNES,2011) desde sua dimensão positiva até sua negatividade.
Dentro dessas perspectivas, uma das mais conhecidas é a de Marx que toma o trabalho como
10
importante meio pelo qual o ser humano modifica a natureza, mas que em virtude de uma
sociedade capitalista, foi exaurido de seu sentido se reduzindo a uma exploração de força de
trabalho. Schwartz et al. (2007), definem trabalho como atividade humana que não podemos
prever, que renegocia normas que foram antepostas, afirmando que para entendê-lo,
devemos assumir uma posição de desconforto intelectual por não sabermos como os
trabalhadores efetivamente criam e recriam o que produzem, reforçando a necessidade de
uma posição ética de trabalharmos com ele em lugar de trabalharmos sobre eles.
Outro conceito-operador-chave é o de escuta, considerando-se as considerações sobre
crítica e clínica que aqui desenvolvemos. Enquanto a escuta é historicamente tomada pelas
disciplinas, entre elas as psi, capazes de desvelar essências como técnicas sofisticadas de
extração da verdade, propomos nos aproximar da perspectiva genealógica que não busca
uma verdade universal a ser revelada. Em lugar disto, busca um forte aliado que nos faz
perceber como as diferentes práticas de escuta se articulam com as experiências que fazemos
de nós mesmos no contemporâneo (ARANTES, 2012). Queremos, portanto, partir das
mudanças da organização do trabalho e dos processos de subjetivação que alteram a gestão e
experiência do trabalho no contemporâneo para entendermos a clínica do trabalho desde um
ponto de vista crítico (AMADOR & BARROS, 2011), entendendo por crítica uma prática de
problematização das verdades constituídas e de abertura a emergência de novos arranjos
existenciais (FOUCAULT, 2005; DELEUZE & GUATTARI, 1997) Isto, porque
acreditamos que as alterações nas vidas dos trabalhadores estão relacionada com a
emergência de discursos gerenciais (MORO & AMADOR, 2014) que tentam produzir o
Empresariamento da Vida (AMBRÓSIO, 2011).
A primeira parte desse estudo destina-se a discussão do eixo teórico trabalho e
subjetividade e uma revisão de literatura da obra foucaultiano em busca de outras pistas para
entendermos as mudanças no âmbito da gestão e da experiência do trabalho no
contemporâneo. Para isso, serão abordados as novas configurações de trabalho e sua relação
com os processos de produção de subjetividade, desde que ponto pretendemos analisar para
então discutir o surgimento de sujeitos-empresas. A partir dai, pensamos de que modo
Foucault pode nos ajudar para entendermos essas novas racionalidades através de seus
principais conceitos como disciplina, biopolítica governamentalidade, além de sua
concepção de Economia e do surgimento do Homo Oeconomicus em sua obra, assunto que
tem ganhado interesse na última década no Brasil.
11
1 Acontecimentalizar o trabalho, conforme proposto pela leitura de Amador e Barros (2009) “[...]é perseguir
sua desnaturalização, é insistir em suas descontinuidades para propiciar a ruptura do evidente, a emergência
das singularidades, é apostar em uma política da singularidade. É [...] uma analítica das práticas que se
imiscuem por entre estratégias de saber-poder, de enunciados e visibilidades que ultrapassam os esforços
analíticos de suas relações de subalternização às distorções da ideologia, [...]. É tramar a urdidura sempre
emergente em uma certa correlação de forças sociais produtora de discursividades que, enquanto práticas,
amarram os trabalhadores em uma microfísica de poderes por eles mesmos desejada e alimentada (p.24)
12
(LAPÍS, 2011, p.28). Era necessário tornar o trabalho mais dinâmico, “flexível” e
simultaneamente combater estratégias de resistência que se manifestavam no corpo dos
trabalhadores.
Já as novas modalidades de organização do trabalho requerem um novo tipo de
trabalhador: que ele seja polivalente, capaz de desempenhar tarefas complexas, de circular
entre diversos postos de trabalho e de operar diferentes máquinas. (BAULMGARTEM &
HOLZMANN, 2011) O trabalho passará ter como foco atingir metas da empresa, sejam
quais forem os meios necessários. O trabalhador passará ser enxergado como “colaborador”,
uma prática que objetiva fazer o empregado se comprometer com as demandas da empresa e
que tem como “efeito alguém que incorpora novos repertórios de discursos e conceitos em
suas competências”.(LAPÍS, 2011). Além disso, chamar o operário de colaborador faz como
assalariado se identifique mais com a empresa do que o colega de semelhante situação
Então, em nome da “flexibilidade” das estruturas rígidas, opta-se por uma série de
estratégias com objetivos de modificar a centralidade do trabalho, como ele é avaliado e
principalmente como o trabalhador vai perceber a si mesmo, em busca empresas e sujeitos
que se adaptem as mudanças mercado global competitivo. Isso se opera por meio de saberes
e discursos gerenciais (MORO & AMADOR, 2014), Saberes ADM (SOUZA, 2013) e pelo
Empresariamento da vida (AMBRÓSIO, 2011).
No discurso trata-se de uma ode ao trabalho criativo e de pertença a empresa com os
conceitos de empreendedorismo e inovação. Na prática, resulta na criação de novas
subjetividades e meios de dominação, com suas implicações na exigência de flexibilização
da vida em nome das demandas trazidas pela empresa.(TITTONI & NARDI, 2011)
Frente a isso, Tania Maria Gali Fonseca e colaboradores (2008) nos trazem
importantes apontamentos o que está em jogo nessas novas relações de trabalho.
“Nesse novo contexto, o que as organizações buscam no trabalhador não é mais a
força, conforme ressaltava o conceito de "força de trabalho", nem o controle do
corpo obediente (o corpo dócil e disciplinado, examinado por Foucault); mas a
"alma" - as produções do espírito, como o conhecimento, a criatividade, a
inteligência, o engajamento subjetivo, a responsabilidade -, conforme observam
Negri e Hardt (2001, p. 11) a respeito da transição do fordismo ao pós-fordismo:
"Não é mais um corpo que pode ser posto a trabalhar, não é mais uma alma que
pode viver independentemente de valores e paixões. Desta vez é a alma que é posta
a trabalhar, e o corpo, a máquina são seu suporte".(p. 505)
esse livro vermelho, e ficamos curiosos para saber de que forma essa leitura causaria
ressonância em você, leitor. Peço então que seja um tanto mais paciente e que nos
acompanhe no percurso de nascimento do Homo Oeconomicus na obra foucaultiana.
discursos e coisas produzidas, das formas e das forças: as relações de poder passam a ser
imanentes e inseparáveis.
O autor afirma que o poder não assume a centralidade em seus escritos
(FOUCAULT, 1995), mas sim, sua pergunta de como através dessa tríade saber-poder-
verdade o sujeito é dividido no seu interior em relação aos outros (em que vemos a
dicotomia entre o louco e o normal, o delinquente e o “cidadão de bem”, o doente e o sadio)
e de como eles passam a ver a si mesmos como indivíduos. Para isso, busca na análise
genealógica dos dispositivos punitivos e do surgimento de técnicas de poder disciplinar a
partir do século XVIII (FOUCAULT, 1975)
O poder disciplinar surge como uma tecnologia centrada nos indivíduos para
produção de corpos dóceis, em sua disposição espacial, em sua vigilância e visibilidade, um
dispositivo que inicialmente cumpre a função de se tornar mais eficaz e menos oneroso (e
não mais humano) de punir melhor (SANTOS,2013). Essas técnicas não eram operadas
apenas pelo soberano ou pelo Estado, mas por uma série de instâncias de captura - como a
prisão, o exército, a escola, o hospital e as fábricas- e que não operam pelas leis ou pelas
regras, mas pela “Norma” (normalização) com o propósito de examinar, comparar,
diferenciar, hierarquizar, homogeneizar, classificar, corrigir e excluir esse corpo em que age.
O efeito do dispositivo disciplinar não se restringe na produção corpos dóceis, mas tem
como consequência o surgimento de saberes sobre esses corpos que atuam, saberes como as
ciências humanas.
O controle e o consumo do tempo, no campo do trabalho, foram alvos privilegiados
por esse dispositivo disciplinar, tendo em vista que o tempo dos homens seja oferecido para
ser comprado por um salário e que fosse transformado em força de trabalho (LOUZADA,
BARROS & CAMARGO, 2014). Os modelos de organização laboral taylorista-fordista
baseiam-se muito nos saberes e técnicas da integração entre a sanção e a vigilância,
estratégias provenientes do que Foucault nomeou de “sociedade disciplinar”, estratégias
produtoras de uma ideia atomística do indivíduo moderno como representação ideológica
dessa sociedade. (Foucault, 1975).
Contudo, Michel Foucault aprofunda suas análises das instituições disciplinares para
entender um novo problema proveniente das mudanças da passagem de uma sociedade
feudal para uma burguesa e industrial, entre elas, o grande acúmulo de pessoas nas cidades.
Passa a dar mais enfoque na sua análise dos poderes, questões como o Governo e o Estado.
Este problema vai ser percebido para além da capacidade das instituições de controle
e do governo dos soberanos. Será preciso a construção de saber sobre algo que passará ser
19
temperança frente aos exageros da carne, um olhar e boa conduta sobre seus afazeres
domésticos, para então partir para as questões da pólis.
Em Governmentality (FOUCAULT,1991) é introduzida uma discussão sobre
L'Œconomique du Prince de um autor do século XVII chamado François La Mothe Le
Vayer destinadas ao futuro herdeiro do trono da França, uma obra pedagógica que apresenta
três tipos de formas de que são necessárias para governar, cada um com seus princípios: (1) o
governo de si mesmo, que compete ao princípio da moral; (2) a arte de governar uma família
como convém, que pertence à economia; (3) e enfim a ‘ciência de bem governar’ o Estado,
que pertence à política. (DANNER,2011; SANTOS, 2013). Reaparece à questão de que é
preciso governar bem a si mesmo, seguido de sua família e bens, para ter condições de
governar uma nação.
Segundo Danner (2011) o objetivo de Foucault estudando essa obra era responder a
pergunta “como introduzir o sábio governo da família, economia, no âmbito do Estado?”
(FOCAULT,1991 p.90). Esse problema é retomado por Rousseau Na Economia Política,
onde define Economia como “sábio e legítimo governo da casa, visando o bem comum de
toda a família” e da necessidade de estender esse governo para a grande família que é o
Estado, posição essa compartilhada por François Quesnay no século XVIII, para quem o
bom governo é essencialmente o econômico. Governar um estado passa pela aplicação da
economia em um nível maior, o que significará exercitar sobre seus habitantes, sobre a
riqueza e sobre o comportamento de todos uma forma de vigilância e de controle tão atenta
quanto aquela que a cabeça de uma família tem sobre seu lar e sobre seus bens
(FOUCAULT, 1991). Aos poucos, pela economia, é dito ao soberano que não se governa o
território, mas o “que se governa são sempre as pessoas, são homens, os indivíduos e as
coletividades.” (FOUCAULT, 2008b. p. 164)
Entre essas duas perspectivas que tinham a Economia como sabedoria da casa, existia
um período histórico considerável, diferentes ainda por um proto-pensamento biopolítico
proveniente primeiras unidades governamentais: O poder pastoral. Esse começou a ser
organizado no oriente pré-cristão, reatualizados pela religião católica e aplicado no Estado
Moderno, como forma de polícia (AMBRÓZIO, 2011 p. 63). O poder pastoral tinha como
objetivo a salvação das ovelhas, conduzindo e produzindo conduta, enxergando um animal
frente ao seu rebanho, processos massificantes e individualizantes, com uma nova concepção
de sujeitos separados de coletivo que os gregos não admitiam (SOUZA, 2013 p.403)
A Economia Política passa a cumprir função como limitador interno ao Estado da
arte de governar, para atingir objetivo limitado da racionalidade estatal que é a manutenção e
22
Neoliberais são as modulações do trabalhador, suas escolhas, suas decisões tomadas para
fins e meios ótimos para atingir um objetivo: a produção de capital.
Por que as pessoas trabalham, para esses neoliberais? Elas trabalham porque querem
dinheiro! Uma renda que é proveniente do capital. Esse Capital provêm do uso de si, de suas
competências de gerar esse dinheiro. Os trabalhadores não vendem a força de trabalho,
conforme tinha proposto Marx, o que os trabalhadores vendem é a si mesmo. Eles são
sujeitos econômicos indissociáveis de sua capacidade de produzir, eles são Capital Humano.
Esse novo Homo Oeconomicus é o indivíduo prescrito e desejado pelas novas organizações
do trabalho,
Nesse sentido é que a teoria do capital humano (construída entre os anos 1960 e
1970) quer ser uma análise concreta do trabalho ao entendê-lo como conduta econômica
racionalizada calculada por aquele que trabalha. (CANDIOTTO, 2011 p.480). Ao mesmo
tempo, produzem diversos saberes para realizar mudanças subjetivas nos trabalhadores, para
que esse indivíduo avalie seus campos da moral, da família e da política por uma lógica de
concorrencial de mercado.
O novo Homo Oeconomicus é uma utopia neoliberal, ele é o reflexo de seu governo:
“Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança” (Gênesis 1:26). Essa
nova concepção de agente econômico equivale o indivíduo a uma empresa, uma empresa de
si mesmo. Empreende sobre si, sobre sua subjetividade, guiado por uma lógica custo e
benefícios e concorrência de mercado. Esse indivíduo é essencialmente responsável por tudo
o que lhe acontece, ele acredita que depende apenas do seu mérito e de suas escolhas
individuais para prosperar.
Sendo assim, especializar-se, graduar-se, fazer um MBA, falar outros idiomas, fazer
exercícios regulares, preocupar-se com a saúde, com sua qualidade de vida são investimentos
em capital humano. Casamentos passam a ser um contrato entre empresas que potencializam
ou atrapalham esse capital. Os resultados dessas empresas precisam de investimentos, pois o
tempo que passa ensinando seus filhos e a nutrição que os dá, bem como quanto gasta em
educação e cultura vão importar no desenvolvimento de competências desse futuro
empreendedor. Mas é importante que se veja bem os potenciais inatos de sua esposa ou
marido, pois a carga genética é o que vai definir quais investimentos são de risco, e quais não
são.
Supomos que determinados tipos de sujeitos e modos de habitar o mundo são
produzidos a partir dos regimes de veridificação e jogos de forças, podemos ver nesses
saberes disciplinares a exemplo dos estudos cognitivos da Tomada de Decisão dos
25
Podemos ver que o propósito der Michel Foucault não era análise da Economia como
uma ideologia ou uma doutrina econômica, mas como um modo de governo, um novo modo
de ser, pensar e agir. (READ, 2009) Nesse ponto, se tomamos um desvio da experiência do
trabalhar e os processos de subjetivação que a alteram, foi para discutirmos os diferentes
modos que, na história da humanidade nos governamos e somos governados, para
entendermos o que está em jogo na nossa gestão da vida cotidiana no trabalho. Contudo, se é
por relações de poder e jogos de verdade que os indivíduos são feitos sujeitos, devemos
acreditar que não existe poder sem resistência.
A leitura da obra Focaultiana nos auxilia em uma ontologia crítica do presente,
enunciando os limites que nos são historicamente impostos, para irmos além deles (Foucault,
1984b). Após esse processo de imersão, teórica passaremos para a discussão de um
empreendedor de si conhecido como João e de como podemos repensar nossa escuta e
intervenção a partir dos conceitos aqui levantados.
26
[...] Onde os homens sejam pessoas livres, o capital humano não é um ativo
negociável, no sentido de que possa ser vendido. Pode, sem dúvida, ser adquirido,
não como elemento de ativo, que se adquire no mercado, mas por intermédio de um
investimento no próprio indivíduo. T. Schultz, 1973,
“... Ontem eu e minha supervisora conversamos sobre uma situação de um servidor que
não estava indo bem em seu estágio probatório. A chefia estava preocupadíssima, pois vê
que ele não tem o perfil para trabalhar onde trabalha. Ele ingressou na empresa como
assistente administrativo, cargo que é bem versátil. Foi-lhe sugerido o Serviço de
Atendimento ao Cliente (SAC), por estarem com falta de pessoal e terem uma vantagem na
carga horária e financeira: não precisam cumprir às oito horas diárias com uma hora e meia
de intervalo, e sim seis dias de seis horas e quarenta e quatro minutos, mais benefícios
salariais. Mesmo assim, não estava indo bem, então o pessoal do Acompanhamento
Funcional (as pessoas que trabalham “lá em cima” na Gestão de Pessoas) encaminharam
para nós. Ele ia ser um dos meus primeiros atendimentos.
Quando algo não vai bem, imagino o que esse pessoal do Call Center passa, pois
sentimos necessidade de sermos escutados em nossas insatisfações, nem que seja para
4
Gary Becker e Theodore Schultz(1973) foram os percursores da teoria do capital humano que
possibilitou a extrapolação do Modelo Homo Oeconomicus para a psicologia. Essas citações, com exceção do
discurso de Margareth Thatcher, são discutidas por Focault no Nascimento da Biopolítica (2008) na aula de 14
de março
27
reclamar para quem não tem culpa. Nesse contexto, ligo para João, 36 anos para termos a
primeira conversa. Foi “sugerido” para ele na avaliação do estágio probatório a psicoterapia.
No meu serviço não fazemos a psicoterapia, mas sim acompanhamento de tratamento e a
primeira escuta para ver se o funcionário tem essa demanda, e então encaminhamos para os
psicólogos conveniados com a empresa.
Vou até a recepção, encontro algumas pessoas com uma camiseta “Eu Sou a Empresa”.
Chamo João que me acompanha bastante fechado:
Valmir: E então, João, o que te traz aqui?
João: Bem, eu vim aqui conforme foi sugerido. Eu tenho me incomodado bastante com as
pessoas que ficam ligando para nós, são pessoas sem instrução, pessoas ignorantes, tento
explicar as coisas para elas e elas não me escutam. Fui mal no meu estágio probatório, mas
tudo bem, ainda faltam algumas competências que preciso aprender e ninguém do meu setor
tira mais que 70 na primeira avaliação do estágio probatório, fui um pouquinho a baixo, mas
dá pra recuperar.
Nesse momento me lembro do conteúdo da conversa e de que tipo foi o pedido para
que eu intervisse: ele não tinha aceitado a sugestão de trocar de setor, e eles se preocupavam
muito com o fato dele um dia gritar com alguém, pois podia resultar em um processo. Seria
melhor se ele fosse para um lugar que não atendesse público, ficasse na dele, enfim, era isso
que sugeria a chefia.
Valmir: Me fale mais sobre seu trabalho– curiosamente naquele ano e no próximo, atendi
várias pessoas desse local.
João: Olha, ele é bem tranquilo, mas é bem rigoroso com horário, temos algumas telas no
computador que precisamos preencher e precisamos saber de tudo um pouco, pois
precisamos dar a informação precisa para o cliente e encaminhar o pedido dele para o setor
certo, para ver se conseguimos solucionar. Temos um monitor maior, que todos temos visão
do controle da nossa meta, que é em média em 1 min e 36 por atendimento. Mas aí as
pessoas não entendem o que tu fala e depois tu és chamado para falar com o supervisor,
ficam te escutando na linha ou até te chamando para um canto falar com outra pessoa. Nosso
salário tem uma remuneração variável, e de acordo com essa meta recebemos parte do lucro
da empresa. O problema é que os outros setores não fazem nada, a gente cria um monte de
registro e ele não serve…
28
Soube de algumas coisas que organizavam seu trabalho entre elas que tinham horário para ir
ao banheiro (apenas quinze minutos durante as seis horas e quarenta e quatro de trabalho) e
que às vezes atendiam em média 60 pessoas por turno, podendo ser superior a 120, quando
há problemas na cidade. E sua extrema intolerância com atrasos.
Valmir: Mas me conta, e o serviço de atendimento aos clientes, como que foi isso?
João: Olha me sugeriram quando eu entrei. Sempre tive dificuldade de falar com pessoas,
preferia ficar na minha, sair com os amigos de vez em quando, sou mais fechado, gostava de
desenhar mesmo. Mas aí vejo meu amigo indo bem, já é o segundo concurso que ele passa e
ele tem uma empresa por fora. Na faculdade agente vê bastante, que o teu próximo sócio
pode ser aquele cara que tu conhece na rua, que tu tens que ser simpático, pró-ativo...
Valmir: Proativo?
João: Sim, proativo. Li muito sobre isso. Dai quando me falaram do quanto eu ia ganhar, e,
além do mais, que eu ia poder desenvolver as competências que preciso, porque esse
trabalho é provisório, o que eu quero mesmo é ser Engenheiro, ter minha empresa. Eu estava
no segundo semestre e ganhava 1300 reais, imagina se eu sou um dono de empresa que nem
era o meu chefe lá. Mas precisa ter contatos, Networking, proatividade e desenvolver essas
coisas que me faltam. O problema é as pessoas que ligam são mal-educadas conosco e não
entendem as nossas informações. Não tem como não se abalar né, não tem como separar, ah
a partir de agora “eu sou João” e agora eu “sou a Empresa”, eu tomo isso pra mim e meu dia
já fica horrível. Mas não é sempre assim, tem dias bons. Mas eu vim aqui, Valmir, por que
me falaram que tinha Psicoterapia e queria saber como funciona. Tenho esperança que com
essas técnicas e mais meu trabalho, vou conseguir falar com as pessoas, mas é sempre
complicado, eu tenho que ficar explicando o que eu tô falando e elas não me entendem.
“Acho que com a psicologia vou conseguir me manter no trabalho, foi só uma nota ruim…”.
29
5
Núcleo de Pesquisa em Instituições, trabalho e subjetividade em anali(s) pertencente ao Departamento de
Psicologia Social e Institucional do Instituto de Psicologia. Este TCC faz parte do projeto trabalho,
Subjetivação e Clínica - Análises nos setores da Assistência Social , Justiça e Comunicações
31
4. Considerações finais
Este trabalho teve como objetivo discutir os processos de subjetivação no trabalho e seus
novos arranjos de forças no contemporâneo, a partir de fragmentos e histórias da experiência
profissional daquele que escreve.
Vimos no primeiro capítulo um esforço conceitual para situar o leitor de que ponto
discutimos as modificações do trabalho propostas por um regime neoliberal de acumulação
flexível. Nele, vimos alguns apontamentos que corroboram com a hipótese de que essas
modificações se sustentam mediante operação de mudanças subjetivas nos trabalhadores,
através de saberes e técnicas que desejam produzir um trabalhador flexível, proativo,
comprometido com a racionalidade de mercado.
No segundo momento do primeiro capítulo procuramos ferramentas de como se
operam essas mudanças a partir do referencial foucaultiano de disciplina, biopoder e
governamentalidade na discussão das diferentes concepções e funções da economia nos
sistemas de pensamento da humanidade. Ela passa de um governo da família para o Estado,
se modifica como ciência de população e é aplicada no neoliberalismo como controladora
das condutas individuais, produzindo um novo Homo Oeconomicus competitivo,
empreendedor, individualista, governamentalizável e previsível.
Nos capítulos finais, articulamos o processo de imersão teórica com a experiência
discutindo de que ponto entendemos uma clínica possível no trabalho, através da conversa
em direção a uma escuta genealógica, afirmando a clínica como desvio e como uma prática
de liberdade. Tomamos os referenciais das Clínicas do Trabalho que analisam o trabalho
enquanto atividade, pois acreditamos que elas nos possibilitam explorar as fronteiras entre
trabalho, experiência e dobras da subjetivação, colocando em análise os modos como os
trabalhadores vivem o trabalho no enfrentamento das provas do real.
No entanto, algumas discussões com outros autores ficaram de fora de nosso escrito,
tendo em vista o foco da discussão trabalho e subjetividade com a articulação com o Homo
Oeconomicus. Acreditamos haver interlocuções importantes nas obras de Rose, Rabinow,
Lazaratto, Negri, Hardt e Agámbem, bem como demais estudiosos da obra de Foucault nos
trazendo sempre novas perguntas sobre uma ontologia crítica de nós mesmos. Há de se
considerar também as positivas articulações com Hannah Arendt, Deleuze, Guatarri,
Baudelaire e outros autores que nos dão ferramentas para acontecimentalizar o trabalho.
Além disso, o trabalho de revisão aqui realizado ficou restrito as discussões do período
genealógico de Foucault, ficando de fora seus trabalhos anteriores e seus estudos sobre um
34
éthos do sujeito.
Outras questões que não foram o foco desse estudo, dizem respeito a uma análise da
incorporação do modelo Homo Oeconomicus Neoliberal nas ciências psicológicas, em
especial aquelas usadas em RH, em coachings, e, principalmente, na reatualização da
psicologia comportamental nos estudos de tomada de decisão, Psicologia Cognitiva e
Psicologia Positiva. Muitos dos fundamentos que basearam a teoria do Capital Humano
estão sendo modificados, principalmente nas abordagens comportamentais que
desenvolveram e ainda desenvolvem, estudos da teoria da motivação, partindo do princípio
de que o trabalhador não é reforçado só por dinheiro. Muitos estudos tentam articular o
empreendedorismo nas Políticas Públicas, na cultura, sendo direção para novas pesquisas
para pensarmos o processo de produção de subjetividade e os impactos no trabalho e na vida
cotidiana.
No processo de escrita deste TCC foram encontrados no portal da Capes
aproximadamente 241 períodos nacionais e internacionais, tendo com o descritor Homo
Oeconomicus. Muitos deles são trabalhos desenvolvidos a partir da discussão foucaultiana,
artigos, teses e dissertações nas áreas de filosofia, sociologia, administração, psicologia,
psicologia social e psicologia social do trabalho. No Brasil, temos visto o crescente interesse
sobre o tema na literatura acadêmica brasileira, surgindo, simultaneamente, obras que tentam
sistematizar o pensamento do autor ou articular com outros campos teóricos, como foi o caso
desse trabalho.
Ainda assim, com esse trabalho não tínhamos como direção obter novas respostas. Neste
sentido, essa experiência de imersão teórico-prática nos serve para começarmos a pensar em
novas perguntas. Como nos tornamos uma empresa? Mesmo que exista uma vida prescrita,
um caminho a ser seguido, seja ele de empresa, indivíduo, polícia ou pastor, no momento em
que nos colocamos em atividade, em movimento, podemos produzir com os trabalhadores
linhas de fuga daquilo que tenta nos capturar. Essa foi a aposta deste TCC, essa seguirá
sendo nossa aposta no exercício da Psicologia
35
Referências bibliográficas
AMADOR, F. S.; BARROS, M. E. B.. Cartas a Foucault: em que estamos em vias de nos
tornar em meio ao trabalho no contemporâneo? Mnemonize, Rio de Janeiro v. 7, p. n. 2, 17-
31 2011.
ANTUNES, R. Trabalho In: CATTANI, Antônio David & HOLZMANN, Lorena (Org.).
Dicionário de Trabalho e Tecnologia. 2 ed. Porto Alegre: Zouk. 2011
FOUCAULT, M. Vigiar e Punir: História da Violência nas Prisões. Petrópolis: Vozes, 1975
__________. What is Enlightenment? In: RABINOW, Paul (Ed.). The Foucault reader.
New
York: Pantheon Books, p. 50 1984b.