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SUELEN CRISTINA DOS SANTOS KLEM

A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA:
ATIVIDADES DE LEITURA LITERÁRIA COM ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL (ANOS FINAIS)

Londrina, PR
2023
Londrina, PR
2023
SUELEN CRISTINA DOS SANTOS KLEM

A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA:
ATIVIDADES DE LEITURA LITERÁRIA COM ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL (ANOS FINAIS)

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-graduação em Educação da
Universidade Estadual de Londrina - UEL,
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre.

Orientador: Profª. Drª. Sandra Aparecida


Pires Franco

Londrina, PR
2023
A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA:
ATIVIDADES DE LEITURA LITERÁRIA COM ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL (ANOS FINAIS)

Dissertação apresentada ao Programa


de Pós-graduação em Educação da
Universidade Estadual de Londrina -
UEL, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Orientador:
Profª. Drª. Sandra Aparecida Pires Franco
Universidade Estadual de Londrina - UEL

Prof. Membro 2
Profª. Drª. Cyntia Graziella Guizelim Girotto
Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho – Campus Marília

Prof. Membro 3
Profª. Drª. Katya Luciane de Oliveira
Universidade Estadual de Londrina - UEL

Prof. Membro 4
Profª. Drª. Amanda Valiengo
Universidade Federal de São João Del Rei

Prof. Membro 5
Profª. Drª. Diene Eire de Mello
Universidade Estadual de Londrina - UEL

Londrina, 10 de fevereiro de 2023.


Ler é cuidar-se, rompendo com as grades
do isolamento. Ler é evadir se com o
outro, sem, contudo, perder-se nas várias
faces da palavra. Ler é encantar-se com
as diferenças.

QUEIRÓS, Bartolomeu Campos. Sobre ler, escrever e


outros diálogos. Organização de Júlio Abreu. 2. ed. –
São Paulo: Global, 2019. 128p. (p.61-62).
KLEM, Suelen Cristina dos Santos. A Literatura Afro-Brasileira: atividades de
leitura literária com alunos do ensino fundamental (anos finais). 2023. 227f.
Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Estadual de Londrina,
Londrina, 2023.

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo central compreender a contribuição das atividades
de leitura acerca de personagens negras na Literatura com alunos do Ensino
Fundamental para ampliação da capacidade leitora e desenvolvimento do psiquismo
humano, como: memória, consciência, percepção, atenção, fala, pensamento,
vontade, formação de conceitos e emoção. A pesquisa está vinculada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina, na Linha
de pesquisa – Docência: Saberes e Práticas do Núcleo de Ação Docente. O trabalho
possui natureza dialógica e foi realizado sob a regência da professora-pesquisadora,
juntamente com dez alunos da turma de sétimo ano do Ensino Fundamental (Anos
Finais) em uma escola pública na cidade de Londrina, Paraná. Para o problema de
pesquisa investigou-se: Como as atividades de literatura com temática africana ou
afro-brasileira contribuem para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores
em alunos do Ensino Fundamental? Como justificativa, ressalta-se a relevância
social do trabalho educativo de permitir o contato dos alunos com a leitura de obras
e produções textuais que valorizem a cultura negra, as quais contribuem para
romper com os estigmas raciais, independentemente de suas etnias. Destaca-se
ainda, a mediação do trabalho docente e a organização do ensino com base nos
pressupostos teóricos da Teoria Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica,
pois estes referenciais teóricos possibilitam o desenvolvimento dos indivíduos
durante o processo formativo. Para a produção de dados (devido ao ensino híbrido)
utilizou-se: a gravação (no Google Classroom e pelo Meeting) das atividades
durante aulas presenciais, com o uso de gravador de voz, fotografias, questionários
e entrevistas individuais. Como se trata de uma pesquisa quase experimental optou-
se pelo tratamento qualitativo dos dados com a abordagem crítico-dialético. Os
resultados apontam que o processo de humanização do indivíduo acontece por meio
das relações que se estabelecem com os instrumentos mediadores da cultura
historicamente construída, a partir da apropriação da função social da leitura literária
e produção textual. Conclui-se que, em decorrência da escolha metodológica e da
práxis docente, abrem-se perspectivas para desenvolvimento do psiquismo humano
e ampliação da capacidade leitora com a leitura literária em alunos dos Anos Finais.

Palavras-chave: Ensino Fundamental dos Anos Finais. Personagens negras na


Literatura. Atividades de leitura literária. Teoria Histórico-Cultural.
KLEM, Suelen Cristina dos Santos. Afro-Brazilian Literature: literary reading
activities with elementary school students (final years). 2023. 227pp. Dissertation
(Master’s degree in Education) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina,
2023.

ABSTRACT

This research had as its main objective to understand the contribution of reading
activities about black characters in Literature with Elementary School students for the
expansion of reading capacity and development of the human psyche, such as:
memory, conscience, perception, attention, speech, thought, will, formation of
concepts and emotion. The research is linked to the Graduate Program in Education
at the State University of Londrina, in the line of research – Teaching: Knowledge
and Practices of the Teaching Action Nucleus. The work has a dialogical nature and
was carried out under the supervision of the teacher-researcher, together with ten
students from the seventh grade of Elementary School (Final Years) in a public
school in the city of Londrina, Paraná. For the research problem it was investigated:
How do literature activities with African or Afro-Brazilian themes contribute to the
development of higher psychic functions in Elementary School students? As a
justification, the social relevance of the educational work of allowing the contact of
students with the reading of works and textual productions that value black culture,
which contribute to break with racial stigmas, regardless of their ethnicities, is
highlighted. Also noteworthy is the mediation of teaching work and the organization
of teaching based on the theoretical assumptions of Historical-Cultural Theory and
Historical-Critical Pedagogy, as these theoretical references enable the development
of individuals during the formative process. For the production of data (due to hybrid
teaching) the following were used: recording (in Google Classroom and by Meeting)
of activities during face-to-face classes, using a voice recorder, photographs,
questionnaires and individual interviews. As this is a quasi-experimental research, we
opted for the qualitative treatment of data with a critical-dialectical approach. The
results point out that the process of humanization of the individual happens through
the relationships that are established with the mediating instruments of the
historically constructed culture, from the appropriation of the social function of literary
reading and textual production. It is concluded that, as a result of the methodological
choice and teaching praxis, perspectives are opened for the development of the
human psyche and expansion of the reading capacity with literary reading in Final
Years students.

Key words: Elementary School of the Final Years. Black Characters in Literature.
Literary reading activities. Historical-Cultural Theory.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Fotos tiradas pela professora pesquisadora em 29/09/2021....................33


Figura 2 - Conhecimento prévio sobre o gênero Conto............................................97
Figura 3 - Roda de Apreciação de Leitura..............................................................105
Figura 4 - Capa do livro “A guardiã dos segredos de família” autora Stella Maris
Rezende.................................................................................................................. 107
Figura 5 - Capa do livro “A cachoeira de Paulo Afonso” poemas de Castro Alves,
adaptada e ilustrada por André Diniz.......................................................................107
Figura 6 - Capa do livro “Cartas para a minha mãe” da autora Teresa Cardenas...109
Figura 7 - Capa do livro “Rapunzefa ”, do autor Luciano Dami e ilustrador Marcos
Garuti....................................................................................................................... 110
Figura 8 - Capa do livro “Kalinda” do autor Celso Sisto..........................................110
Figura 9 - Capa e ilustração inicial do Conto “O casamento da princesa” do autor
Celso Cisto.............................................................................................................. 114
Figura 10 - Pintura de desenhos de princesas africanas........................................119
Figura 11 - Capa do livro “Kalinda: a princesa que perdeu os cabelos” do autor
Celso Sisto...............................................................................................................120
Figura 12 - Imagem representativa da personagem Kalinda..................................122
Figura 13 - Capa do filme de desenho animado “A princesa e o sapo”..................132
Figura 14 - Imagem da princesa Tiana trabalhando e ao lado a foto do seu pai em
um porta-retrato.......................................................................................................134
Figura 15 - Capa do livro “Valentina” do autor Márcio Vassalo...............................141
Figura 16 - Imagem dos pais da princesa do livro “Valentina” do autor Márcio
Vassalo.................................................................................................................... 142
Figura 17 - imagem da princesa Valentina e do castelo.........................................144
Figura 18 - Última imagem do livro..........................................................................148
Figura 19 - Alunos assistindo ao filme “As aventuras de Azur e Asmar”.................153
Figura 20 - Capa do livro "Azur & Asmar" de Michel Ocelot...................................153
Figura 21 - Contracapa do livro "Azur & Asmar" de Michel Ocelot.........................155
Figura 22 - Atividade de desfecho..........................................................................161
Figura 23 - Colagem dos textos..............................................................................167
Figura 24 - Cartazes elaborados com a temática “literatura afro-brasileira”...........169
Figura 25 - Trabalhos elaborados por todas as turmas acerca da temática africana e
afro-brasileira expostos para a semana da Consciência Negra no colégio.............169
Figura 26 - Modelo para produção do conto...........................................................170
Figura 27 - Contos produzidos................................................................................170
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1- Respostas da pergunta 3.........................................................................93


Gráfico 2 - Respostas da pergunta 4........................................................................93
Gráfico 3 - Respostas da pergunta 5........................................................................94
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Livros lidos com a turma semanalmente no ensino remoto (online).......34


Quadro 2 - Organização dos capítulos lidos com a turma semanalmente no ensino
híbrido........................................................................................................................38
Quadro 3 - Cronograma das obras de Literatura afro-brasileira e os objetivos das
atividades organizadas para o 3º trimestre de 2021..................................................44
Quadro 4 - Resumo das ações de leitura com Literatura de temática africana e afro-
brasileira.................................................................................................................... 88
Quadro 5 - Respostas do questionário diagnóstico..................................................91
Quadro 6 - Respostas da pergunta 6........................................................................94
Quadro 7 - Respostas da pergunta 7........................................................................95
Quadro 8 - Resposta da pergunta 8..........................................................................96
Quadro 9 - Cronograma: Roda de Apreciação..........................................................99
Quadro 10 - Planejamento da roda de apreciação literária.....................................100
Quadro 11 - Roteiro para avaliação da obra............................................................102
Quadro 12 - Relação entre a obra escolhida e aluno..............................................103
Quadro 13 - Relatos sobre a obra lida....................................................................105
Quadro 14 - Resposta da pergunta 1: questionário sobre personagens negras....137
Quadro 15 - Resposta da pergunta 2: questionário sobre personagens negras....138
Quadro 16 - Resposta da pergunta 3: questionário sobre personagens negras....138
Quadro 17 - Resposta da pergunta 4: questionário sobre personagens negras....139
Quadro 18 - Resposta da pergunta 5 e 6: questionário sobre personagens negras.
................................................................................................................................. 139
Quadro 19 - Respostas da atividade de desfecho: aluna Sakura...........................162
Quadro 20 - Respostas da atividade de desfecho: aluna Catra..............................163
Quadro 21 - Respostas da atividade de desfecho: aluna Aleatória........................164
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO.....................................................................................................14
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................17
2 METODOLOGIA DO PROCESSO FORMATIVO COM AS ATIVIDADES
ORGANIZADAS........................................................................................................ 21
2.1 CENÁRIO E OS PARTICIPANTES DA PESQUISA...........................................................25
2.2 O MÉTODO, INSTRUMENTOS E TÉCNICAS DA INVESTIGAÇÃO...................................27
2.3 ATIVIDADES DE LEITURA LITERÁRIA: ELABORAÇÃO DO PROCESSO FORMATIVO COM

PERSONAGENS NEGRAS NA LITERATURA INFANTIL E JUVENIL..........................................43

2.4 OS PROPÓSITOS DA INVESTIGAÇÃO........................................................................45


3 TRABALHO, EDUCAÇÃO E LITERATURA AFRO-BRASILEIRA........................47
3.1 CATEGORIA DIALÉTICA DE TRABALHO E O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO..................51
3.2 OBRAS LITERÁRIAS: TESOUROS CULTURAIS, PRODUTO DAS OBJETIVAÇÕES DO

TRABALHO HUMANO.....................................................................................................63
3.3 O RECENTE RECONHECIMENTO DA LITERATURA AFRO NO ROL LITERÁRIO E DO

PROTAGONISMO DE PERSONAGENS NEGRAS................................................................68


3.4 SOBRE A ESPECIFICIDADE DA LITERATURA AFRO-BRASILEIRA E O CONCEITO DE

PERSONAGEM NA LITERATURA...................................................................................... 75

3.5 A IMPORTÂNCIA DA PRÁXIS DOCENTE COM LEITURA LITERÁRIA DE OBRAS AFRO-

BRASILEIRA NO CAMPO EDUCACIONAL...........................................................................81

4 ELABORAÇÃO E ANÁLISE DO PROCESSO FORMATIVO DAS ATIVIDADES


COM LITERATURA AFRO-BRASILEIRA: PONTO DE PARTIDA OU PONTO DE
CHEGADA?.............................................................................................................. 87
4.1 CONCEITOS PRELIMINARES SOBRE A LEITURA LITERÁRIA..........................................91
4.2 PRÁTICA SOCIAL INICIAL: ESCOLHA DE LIVROS NO ESPAÇO BIBLIOTECÁRIO................97
4.3 AÇÕES DE LEITURA EM UMA RODA DE APRECIAÇÃO LITERÁRIA..............................101
4.4 ATIVIDADES DE LEITURA LITERÁRIA: ESTRATÉGIAS DE COMPREENSÃO, CATEGORIA

CONTEÚDO E FORMA E HUMANIZAÇÃO........................................................................112


4.4.1 O Casamento da Princesa: um Convite a Leitura como Construção de
Significados e Atribuição de Sentidos......................................................................114
4.4.2 Kalinda, a Princesa que Perdeu os Cabelos: Conceito de Personagem Negra
na Literatura.............................................................................................................120
4.4.3 Valentina: Leitura em Busca da Compreensão de Dimensões Sociais, Culturais
e Históricas.............................................................................................................. 130
4.4.3.1 Prática de leitura: personagem princesa Tiana, filme “A princesa e o sapo”
................................................................................................................................. 130
4.4.3.2 Prática de leitura: Personagem Princesa Valentina, livro “Valentina”..........140
4.4.4 Azur E Asmar: Desenvolvimento das Sensações, Percepções e Subjetividade
dos Estudantes........................................................................................................ 151
4.4.4.1 Prática de leitura: Filme de animação “As aventuras de Azur e Asmar”,
produzido por Michel Ocelot....................................................................................152
4.4.4.2 Prática de leitura: Personagem Azur e Asmar, livro de Michel Ocelot.........153
4.4.5 Prática Social Final: Ações de Produção Escrita............................................159
5 RESULTADOS DAS PERCEPÇÕES DOS ESTUDANTES DO ENSINO
FUNDAMENTAL SOBRE A PRÁTICA DE LEITURA COM LITERATURA AFRO-
BRASILEIRA...........................................................................................................175
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................187
REFERÊNCIAS.......................................................................................................192
APÊNDICES............................................................................................................202
APÊNDICE A: TERMO DE CONFIDENCIALIDADE E SIGILO..............................................203
APÊNDICE B: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (RESPONSÁVEL).....204
APÊNDICE C: TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (ALUNO)...................208
ANEXOS..................................................................................................................212
ANEXO A: DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA DE INSTITUIÇÃO CO-PARTICIPANTE.........213
ANEXO B: ROTEIRO DE PERGUNTAS...........................................................................214
ANEXO C: PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA.................................................................215
ANEXO D: TRANSCRIÇÃO DA LEITURA DO PREFÁCIO DA OBRA “O CASAMENTO DA

PRINCESA” DO AUTOR CELSO SISTO...........................................................................222


ANEXO E: TRANSCRIÇÃO DA LEITURA DO CONTO “O CASAMENTO DA PRINCESA” DO AUTOR
CELSO SISTO............................................................................................................ 224
14

APRESENTAÇÃO

Caro leitor,
Inicialmente, peço licença para apresentar o formato escolhido à dissertação,
os motivos que me levaram a percorrer este caminho e explicitar um pouco sobre o
meu lugar de fala, trajetória de vida e formação. Dessa forma, começo pelas minhas
origens: eu nasci na cidade pequena de Bela Vista do Paraíso, há 40 quilômetros da
cidade de Londrina, no Paraná, e as poucas oportunidades para dar continuidade
aos estudos e melhores recursos provinham de lá.
Meu pai é motorista e minha mãe, professora dos Anos Iniciais. Na minha
infância, me lembro de, quando criança, algumas vezes, ir com ela assistir às aulas
na sua turma de Magistério, e após se formar, ela trabalhou em uma escola
particular de nossa pequena cidade e alguns anos mais tarde foi admitida no
concurso municipal.
Retenho em minhas antigas memórias, as lembranças da minha mãe como a
minha primeira professora, quando estudava em uma escola particular (Anos
Iniciais), e minha mãe trabalhava como professora, na mesma escola, para que eu
pudesse ganhar uma bolsa de estudos. Essa experiência marcou positivamente
minha trajetória, pois percebi o esforço dela para me oferecer algo que parecia muito
importante: a Educação Escolar.
As minhas inquietações em relação à questão racial na Literatura se iniciaram
em 2018, quando estava atuando como professora em uma prática de leitura na sala
de aula, com o Clássico Conto Chapeuzinho vermelho, turma de 7º ano do Ensino
Fundamental, que sucederia em uma proposta de dramatização deste mesmo
enredo. Nessa prática, tive a percepção do preconceito entre os alunos, em relação
a aceitar o protagonismo de personagens negros na Literatura durante uma
dramatização desta mesma obra, cuja representante da personagem Chapeuzinho
era uma aluna negra. Este fato marcou-me enquanto professora e levou-me a querer
investigar mais sobre a literatura e cultura afro-brasileira no contexto educacional. E
neste ínterim foi possível compreender melhor as minhas raízes ancestrais, pois até
então tinha dificuldade em me autodeclarar como uma mulher negra, e que somente
hoje, reconheço a importância de assumir este lugar de fala para que os alunos (as)
possam conviver no espaço escolar com mais equidade racial.
15

Essa investigação conduziu-me a Pós-Graduação, ao campo teórico de


práticas e saberes docentes, e assim compreendi melhor as diversas práticas de
ensino. Atuando como professora, interessava-me aprender um método didático
para trabalhar com as obras literárias, e no âmbito da pesquisa do Mestrado, estudar
recursos didáticos formativos a fim de auxiliar na ampliação da capacidade leitora e
também na aprendizagem de gêneros literários, promovendo o desenvolvimento
intelectual e cultural nos alunos. Durante a pesquisa realizada, foi possível encontrar
um caminho para estudar o Gênero literário Conto, com uma proposta de produção
de texto autoral, e dessa maneira compreender um processo educativo que
permitisse a apropriação de conhecimentos do meio histórico-social pela Literatura e
a formação dos estudantes como sujeitos conscientes do seu aprendizado.
Como pesquisadora, acredito que avançamos nos estudos, mas tenho a
consciência de que muito há para aprender ainda, visto que o campo científico da
Educação é vasto e complexo e a profissão docente nos ensina que os estudos são
inesgotáveis, pois a vida demanda de constante aprendizado.
A multiplicação das parcerias entre professores e alunos, além de buscar o
fortalecimento das relações dialógicas na pesquisa, sinalizam os possíveis caminhos
de transformação em meio aos desafios educacionais que precisam ser superados.
Na etapa seguinte, busco detalhar o caminho que percorri para a validação da
hipótese de pesquisa, que gira em torno das práticas de leitura literárias serem
ferramentas de colaboração para o desenvolvimento de funções psíquicas como a
atenção, memória, sensação, percepção, além de colaborar para a ampliação da
capacidade leitora e escritora.
No primeiro capítulo, apresentei o método de investigação e os propósitos da
pesquisa, com o detalhamento dos elementos investigativos (espaço, escolha dos
participantes, contexto pandêmico, trâmites legais) e os procedimentos da pesquisa,
tudo sob a perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, a qual analisa os sujeitos não de
forma isolada, mas sim interligados ao seu contexto social e histórico. Ressaltei
sobre a importância e os propósitos da organização das atividades de leitura para o
seu processo de formação humana e literária dos meus alunos de Ensino
Fundamental.
No capítulo seguinte, denominado “Trabalho, Educação e Literatura Afro-
brasileira”, disserto sobre os motivos que me levaram à escolha pelas obras de
Literatura infantil e juvenil com personagens negras no enredo e sua potencialidade
16

histórica (como um objeto da cultura e como produto do trabalho humano), a qual


registra em seu signo, a história, memória, ancestralidade da população afro-
brasileira e a importância da práxis docente com a literatura.
No capítulo seguinte, de “Análise de dados” abordo sobre a elaboração do
processo formativo da pesquisa realizada, problematizando os dados da avaliação
diagnóstica acerca da Literatura afro-brasileira e de temática africana junto aos
alunos dos Anos Finais, após o retorno presencial das aulas. Analiso os dados
coletados durante as práticas de leitura literária e escrita do Gênero Conto. Durante
esta pesquisa quase experimental, analisei de maneira crítica e dialética os relatos e
percepções dos alunos sobre o percurso formativo. Neste capítulo
concomitantemente, avaliei em minha perspectiva o desenvolvimento das funções
psíquicas dos alunos diante da mediação docente (com as atividades organizadas
de leitura e escrita), com a categoria do conteúdo e da forma nas obras de Literatura
afro-brasileira, acerca da ampliação da capacidade leitora e produção textual.
No capítulo cinco, avalio com base na entrevista final o resultado das
percepções dos alunos ao seu próprio processo formativo organizado em torno da
literatura afro-brasileira e suas considerações a respeito. Nas considerações finais,
verifiquei o cumprimento dos nossos objetivos iniciais e os resultados obtidos pela
organização de atividades de leitura e escrita com a literatura afro-brasileira, a fim
compreender melhor sobre os impactos qualitativos da pesquisa no processo de
formação literária dos indivíduos. Ao final, reconheço que a temática desta pesquisa
é um campo vasto e precisa ser estudado, por isso observo novas perspectivas que
se abrem ao meio educativo.
Ao final, anexo nos apêndices o modelo usado para o termo de
confidencialidade e sigilo, o TCLE e TALE, os quais foram assinados e guardados
por mim. E ainda, na seção de anexos, apresentou-se a declaração de concordância
da instituição co-participante assinado, o roteiro de perguntas utilizado nas
entrevistas finais com os alunos e a autorização do comitê de ética por meio do
parecer concedido e ainda a transcrição da leitura dos Contos escolhidos para as
atividades organizadas. Desta forma, com base no método dialético, tive como
intenção, compreender a forma de ser e sentir o processo educativo dos alunos do
Ensino Fundamental, apontando para a formação de indivíduos leitores, na
perspectiva de promover uma educação crítica e humanizadora.
17

1 INTRODUÇÃO

Por meio do campo profissional da Literatura Infantil e Juvenil com a temática


africana e afro-brasileira foi possível perceber o quanto práticas de leitura amplia o
psiquismo pela via do processo formativo intelectual e aquisição cultural. A pesquisa
de mestrado teve como objetivo geral compreender a contribuição das atividades de
ação leitora para o processo formativo acerca da Literatura com personagens negros
no enredo com alunos do Ensino Fundamental para observar as funções psíquicas
superiores e ampliar a capacidade leitora.
Nesse contexto, o estudo configura-se por meio do seguinte problema: Como
as atividades de literatura com temática africana ou afro-brasileira contribuem para o
desenvolvimento das funções psíquicas superiores em alunos do Ensino
Fundamental?
Em busca desta resposta, os objetivos específicos centraram-se nas seguintes
ações: a) Descrevi a metodologia do processo formativo com as atividades
organizadas; b) Relacionei o conceito da categoria dialética de trabalho, educação e
Literatura afro-brasileira, argumentando sobre a importância da Práxis docente com
a leitura literária de obras Afro-brasileira no campo educacional brasileiro junto a
Teoria Histórico-Cultural e Pedagogia Histórico-Crítica; c) Demonstrei o processo de
elaboração das atividades organizadas em um caminho para a formação de leitura
literária dos alunos de ensino fundamental, em seguida, apresentei os dados da
avaliação diagnóstica, com um planejamento de ações de leitura em uma Roda de
Apreciação literária, as práticas de leitura literária e produções textuais; d) Analisei a
partir do relato de percepção dos alunos sobre as suas experiências literárias e
acerca do uso do psiquismo dos estudantes por meio de suas ações de leitura e
escrita envolvendo a Literatura afro-brasileira. Importante enfatizar que, por meio
das entrevistas individuais, foi possível compreender a apropriação da análise dos
conteúdos e formas relativas à Literatura Afro-brasileira em contribuição ao processo
de aprendizagem e humanização dos sujeitos envolvidos.
A justificativa deste estudo centra-se na relevância de se pensar em um
processo formativo que promova o contato dos alunos, independentemente de suas
etnias, com as produções literárias capazes de valorizar a cultura negra. Os signos
linguísticos e culturais presentes nos livros podem contribuir como elementos
mediadores para romper com os estigmas raciais enraizados na cultura brasileira, os
18

quais por muitas vezes ignorados no âmbito educacional afetam a autoestima das
crianças e jovens negros brasileiros. Ao mesmo tempo, o contato com a cultura afro-
brasileira por meio da Literatura enriquece a formação humana, artística e histórica
de todos os alunos, possibilitando o desenvolvimento de valores éticos, de justiça,
respeito e igualdade racial. Segundo Souza (2009) enquanto não superarmos o
abismo racial e social existente no Brasil, fomentado pelo mito da igualdade racial
(brasilidade) e da meritocracia, em busca de construir uma cidadania universalizada,
em que indivíduos são tratados minimamente de igual forma, não teremos o ponto
de partida para a tomada de consciência e transformação social emancipatória que
reverbere na valorização de símbolos sociais como a estética negra representados
artisticamente em personagens literários em uma perspectiva igualitária.
O presente trabalho teve como base filosófica os pressupostos teóricos do
Materialismo Histórico-dialético, a Teoria Histórico-Cultural e a Pedagogia Histórico-
Crítica, pois concebem o leitor como um sujeito social e histórico, capaz de se
apropriar da cultura acumulada pela humanidade para objetivar as suas relações
(MARX, 1978; VIGOTSKI, 1993; CANDIDO, 2006; SAVIANI, 2011). No sentido deste
conjunto teórico, levanta-se a hipótese de que as obras podem representar ou
espelhar a sociedade em seus vários aspectos, por isso são instrumentos ricos da
cultura para efetivar uma leitura consciente, sendo possível promover novas
necessidades humanizadoras, a fim de que o leitor compreenda a realidade e se
emancipe por meio de objetivações artísticas, como em uma produção textual.
Para efetuar a leitura e análise das obras com os alunos, foram adotadas as
estratégias de compreensão e a categoria dialética de conteúdo e forma, para
contribuir na ampliação da capacidade leitora das obras literárias e garantir a melhor
assimilação das características composicionais do Gênero Conto, as quais
melhoram a prática da escrita. Durante as atividades de leitura optou-se por usar
essa categoria em duas obras específicas, a linguagem literária e a linguagem
cinematográfica, presente na obra intitulada As Aventuras e Azur e Asmar, por ser
uma animação da Obra literária com a temática africana Azur e Asmar, ambas do
mesmo autor Michael Ocelot, escolhidas devido a riqueza da linguagem imagética e
de significado, encontradas no interior das obras. E de igual forma analisou-se a
relação da obra (afro-brasileira) Valentina, do autor Márcio Vassalo, com trechos do
filme de animação A princesa e o sapo produzido pela Disney. É importante ressaltar
que recorrer às duas obras e seus respectivos filmes de animação foi um ponto
19

fundamental para a análise do conteúdo de forma contida nas obras escolhidas para
as atividades organizadas devido a sua composição de linguagem multissemiótica,
cuja potencialidade de leitura contribui para a ampliação da capacidade de leitura,
das produções textuais e do desenvolvimento da capacidade psíquica, como o
mecanismo de memória, consciência, percepção, atenção, fala, pensamento,
vontade, formação de conceitos e emoção.
Segundo Cury (1987, p. 21), as categorias são relevantes à prática educativa,
pois “pretendem refletir os aspectos gerais e essenciais do real, suas conexões e
relações”. Assim, aplicadas à leitura literária, elas ganham sentido como
instrumentos de compreensão de uma realidade social. A realidade não é estática,
está sempre em movimento e expansão, por isso considerar o contexto de produção
das obras, autores e leitores é importante, possibilitando que as categorias “captem”
todas as determinações possíveis da prática educativa com a obra literária.
Sendo assim, na pesquisa realizada, levou-se em consideração as categorias
dialéticas relevantes ao contexto da educação, sobretudo, na prática docente com a
mediação da leitura literária. Esse método de análise permite uma leitura da
realidade completa, ampliando a compreensão das múltiplas determinações de
significados e signos linguísticos que a obra apresenta. Assim, para atender ao
objetivo da pesquisa realizada, elegeu-se a categoria dialética de conteúdo e forma
para fazer a leitura das obras de literatura afro-brasileira com os alunos, como
possibilidade de ampliação da competência leitora dos alunos e para compreender
melhor a diversidade humana explicitadas nos elementos da narrativa, visto que tais
elementos presentes nas obras consideram o texto da obra literária e também a
linguagem cinematográfica na obra de animação e imagética das ilustrações dos
livros utilizadas durante o percurso das atividades organizadas.
Estes recursos de imagens, palavras, sons e gestos correlacionam-se com a
totalidade, e precisam ser analisados juntos porque apresentam uma unidade
inseparável, a unidade do diverso. A análise do diverso na literatura afro tende a
abordar todos os elementos composicionais do Gênero Literário no processo de
ensino e aprendizagem e precisam ser compreendidos em sua totalidade. Neste
trabalho, a proposta gira em torno de ensinar sobre a constituição do personagem
negro dentro de um enredo literário e assim, por meio de várias atividades de leitura
que compõem um processo formativo, auxiliando os alunos à perceberem a inserção
do personagem negro na literatura, demonstrando também um movimento histórico
20

e social por trás disso e ao final da prática pedagógica levar o aluno a compreensão
leitora e a produção de textos, buscando a possibilidade de, reunir elementos de
subjetividade e aprendizado dos estudantes, inclusive afirmar a presença de
personagens negros em situação de protagonismo como forma de valorização da
estética africana.
Na perspectiva histórica-crítica, a relação entre a realidade social e a arte é
estreita, por isso, considera-se que a obra artística mantém uma rica ligação com a
realidade, expressando, de certo modo, a subjetividade do autor e, em outra parte,
uma realidade em comum, mais ampla, que supera a mera particularidade, instaura-
se aqui o caráter universal e particular da obra. Parte-se da proposta dialética de
atividades organizadas com a leitura da forma e dos conteúdos nas obras de
literatura afro-brasileira, as quais são ferramentas pedagógicas para a compreensão
de uma determinada realidade e ampliação da capacidade leitora, por meio da
mediação docente, a práxis.
Sendo assim, a prática com a leitura literária tem função de auxiliar o docente
na organização didática das atividades com leitura e a produção de Contos
relacionados à Literatura Afro-brasileira, pela construção de ações didáticas a favor
de um processo formativo, dialético e consciente. Neste sentido, os princípios
orientadores das ações didáticas subsidiaram teoricamente a professora-
pesquisadora, a qual objetiva a apropriação dos conhecimentos – mediante a
análise dos conteúdos e formas na estética Literária – e da ampliação da
capacidade leitora e ao desenvolvimento do psiquismo em seus alunos.
A seguir apresento o método de investigação da pesquisa, os procedimentos
investigativos, com destaque sobre a importância dos propósitos da organização das
atividades de leitura para o processo de formação humana e literária dos alunos do
Ensino Fundamental.
21

2 METODOLOGIA DO PROCESSO FORMATIVO COM AS ATIVIDADES


ORGANIZADAS

Neste capítulo, busco delinear os procedimentos metodológicos que foram


adotados para o desenvolvimento da pesquisa, uma vez que objetivou compreender
o desenvolvimento do psiquismo humano acerca da Literatura de temática africana e
Afro-brasileira com dez alunos do 7º ano do Ensino Fundamental, dos Anos Finais
da Educação Básica, buscando compreender a relevância das atividades de leitura
literária, durante as aulas na disciplina de Língua Portuguesa.
O procedimento técnico se destaca como um delineamento quase
experimental, a partir da abordagem crítico-dialético de tratamento qualitativo dos
dados. O instrumento de produção de dados é gerado a partir da escolha das
atividades com leitura literária para o processo formativo desenvolvido pela
professora-pesquisadora a fim de realizar as medições com literatura e a produção
de Conto afro-brasileiro, a partir da assimilação do conceito sobre personagens
negros na literatura. Ao final, concluo o capítulo explicitando os propósitos da
presente investigação.
Nesse processo, compreendo que os procedimentos metodológicos do
processo formativo no desenvolvimento do psiquismo humano fundamentam-se nas
hipóteses levantadas pelos teóricos soviéticos que defendem a natureza sócio-
histórica do psiquismo humano. Os processos psicológicos humanos são mediados
pela linguagem e estruturados no cérebro em sistemas funcionais, dinâmicos e
historicamente mutáveis. Portanto, indispensáveis na prática docente e para o
desenvolvimento das potencialidades cognitivas (LEONTIEV, 2010).
Segundo Leontiev (2010), designa-se como “atividade” os processos de
relação do homem com o mundo e que satisfazem uma necessidade especial
correspondente ao próprio homem. A atividade caracteriza-se por um processo
psicológico “como um todo, que dirige (seu objeto), coincidindo sempre com o objeto
que estimula o sujeito a executar esta atividade, isto é, o motivo” (LEONTIEV, 2010,
p. 68). Assim, as atividades de leitura e escrita criam e desenvolvem a consciência e
pensamento, dirigem o homem para o entendimento de suas ações e para a análise
do seu próprio conhecimento.
De acordo com Vigotski (2000, 2005), o desenvolvimento das funções
22

psíquicas superiores, não resultam de dispositivos biológicos ou pela


hereditariedade, mas são condicionadas pela atividade do indivíduo com seu
entorno físico e social. Este “trabalho social”, para Vigotski, é o fator decisivo na
humanização do psiquismo humano, ou seja, o signo opera como um estímulo sobre
as funções psíquicas. (MARTINS, 2016).
Sendo assim, a compreensão do termo “Atividade” fundamenta-se na visão
vigostkiana de que os estudantes precisam de atividades específicas que
proporcionem aprendizado, pois o seu desenvolvimento cognitivo depende das
experiências e interações com o meio. Da mesma forma, para Leontiev (1978), as
atividades intencionais são aquelas com a possibilidade de criar necessidade de
aprendizado. Em concordância aos princípios da Teoria Histórico-Cultural (THC),
entende-se que a organização de Atividades alavanca a aprendizagem ao promover
um desenvolvimento dentro de um processo dialético, pois as capacidades humanas
não são dadas geneticamente, mas sim construídas mediante as relações sociais
pela via da linguagem.
A Teoria Histórico-Cultural concebe a transmissão desse universo simbólico
culturalmente formado com a internalização de signos como o foco do
desenvolvimento humano. Por essa concepção, o desenvolvimento do psiquismo
humano precisa ser mediado pelas vias do ensino. Portanto, para a geração dos
dados da pesquisa de mestrado analisei as atividades com a Literatura Infanto-
juvenil, durante as aulas de leitura da professora-pesquisadora e, posteriormente,
avaliados sob o enfoque crítico e dialético.
As abordagens de análise metodológica existem em três grandes grupos:
empírico-analítica, fenomenológico-hermenêutica e crítico-dialético, e “[...] tem uma
maneira especial de conceber esses processos lógico-gnosiológicos, segundo a
maneira de relacionar o real com o abstrato e o concreto”. (SÁNCHEZ GAMBOA,
2011, p. 83). Essa diferenciação precisa ocorrer nos aspectos metodológicos
também, portanto nesta pesquisa, optei por utilizar a abordagem metodológica
crítico-dialético.
Esta abordagem foi escolhida, pois tem como característica principal
apresentar uma visão materialista do mundo. Em conformidade com os aspectos da
pesquisa, o conhecimento no contexto de sala de aula, entre a relação aluno-
professor e os livros, constitui um conhecimento produzido a partir da relação
dialética dos sujeitos inseridos dentro do contexto da realidade histórica e cultural.
23

Segundo Gamboa (2011), a abordagem dialética ou teórica crítica é uma construção


de algo que modifica os sujeitos investigados de maneira constante durante o
processo, ou seja,

O processo de construção do conhecimento nesta abordagem conforme o


nome indica, é um processo dialético que vai primeiramente do todo para as
partes e depois das partes para o todo realizando a síntese e relacionando
sempre ao contexto ou condições materiais históricas onde acontece a
relação cognitiva entre o sujeito e o objeto. Na abordagem dialética essa
relação é, ora de aproximação e ora de afastamento. Ora com predomínio
do subjetivo, ora do objetivo. (GAMBÔA, 2011, p. 4).

De acordo com o autor, o enfoque crítico-dialético busca conhecer o


fenômeno no seu percurso histórico e por meio das suas inter-relações dentro do
contexto. Neste enfoque, o homem busca compreender os processos de
transformação, contradições e possibilidades. Na abordagem crítico-dialética, o
homem questiona o conhecimento crítico do mundo e da sociedade, “[...] questiona
criticamente os determinantes econômicos, sociais e históricos e da potencialidade
da ação transformadora”. (GAMBÔA, 2011, p. 9). A questão é conhecer para
transformar, pois as compreensões da dinâmica das ações e dos determinantes
sociais levam a práticas emancipadoras denominadas “práxis” que significa reflexão
e ação sobre uma determinada realidade em busca de mudança e emancipação
(liberdade) dos indivíduos em seu processo histórico, cultural e intelectual.
Aliada aos pressupostos teóricos da THC, soma-se a contribuição da
Pedagogia Histórico-Crítica, a partir da concepção de que o professor é o
organizador do processo educativo, capaz de mediante ao seu trabalho, produzir,
direta e intencionalmente, em cada indivíduo a humanidade produzida pela história e
pelo conjunto de homens (SAVIANI, 2011).
Contribuindo com essa ideia, Martins (2018) destaca a importância do
professor ao conhecer e se apropriar de concepções didáticas que fundamentam as
suas ações de ensino, na direção de uma prática pedagógica que precisa ser
organizada sistematicamente, consciente e potencialmente transformadora, para
que supere alguns dos problemas da realidade educacional brasileira. Por isso,
justifica-se a escolha pelas atividades organizadas.
A presente dissertação está vinculada a Universidade Estadual de Londrina
(UEL), do Programa de Pós-graduação em Educação Strictu Sensu, Linha de
Pesquisa em Docência: Saberes e Práticas. A professora-pesquisadora integra o
24

grupo de pesquisa denominado “Leitura e Educação: práticas pedagógicas no


contexto da Pedagogia Histórico-Crítica”. Fato em destaque, visto que, a vinculação
a um núcleo de pesquisa contribui para a discussão teórica e o planejamento das
Atividades de leitura com Literatura Afro-brasileira, e ao final, as produções textuais
que reflitam o processo formativo dos sujeitos envolvidos.
Decorrente dos estudos no grupo de pesquisa, este trabalho considera as
contribuições metodológicas da Teoria Histórico-Cultural desenvolvida pelo
pensador bielorrusso Lev S.Vigotski (1896 - 1934), mas também se embasa em
outros estudos sobre o processo de aprendizagem e desenvolvimento humano na
dimensão histórico e social desenvolvidos juntamente com Alexei N. Leontiev (1903-
1979) e Alexander R. Luria (1902-1977).
No entanto, em relação à escolha metodológica não se tem a pretensão de
solucionar repentinamente os problemas da prática pedagógica acerca da literatura
afro-brasileira. Conforme ressalta Gasparin (2012), antes de qualquer coisa, é
preciso entender que o movimento do conhecimento é constante, pois parte de uma
realidade dinâmica e histórica. E ainda, compreender que “o ato de ler é um
processo dialético e cumulativo, que avança a todo o momento, nunca está acabado
e ao mesmo tempo não elimina o interior, pelo contrário, faz o uso deste para a
próxima leitura”. (MARTINS, 2018, p.32).
Como a pesquisa é um procedimento dinâmico e vai se moldando conforme
os acontecimentos, muitas vezes surgem muitas dificuldades, como por exemplo: a
mudança brusca de roteiro, o não aceite dos participantes ou a desistência, falta de
financiamento, falta de recursos materiais e imateriais, dentre outras questões
(FAZENDA, 1994). Um dos exemplos mais concretos vivenciados, no momento das
ações de campo, foi a pandemia advinda do Covid-19, que mudou bruscamente a
forma de contato nas relações sociais. A SarsCov-2 é um vírus altamente
transmissível pelo contato humano e por isso as autoridades governamentais
decretaram o fechamento de todas as instituições de ensino no país, em março de
2020. A partir desta data, as escolas Estaduais do Paraná passaram a realizar as
aulas e atividades na modalidade do ensino remoto (online), e este contexto
pandêmico, para o campo da educação, impôs um desafio na elaboração de novas
formas de estabelecer as interações pedagógicas, diante da necessidade de
isolamento social e, ao mesmo tempo, cuidou para evitar a contaminação.
Diante dos fatores de adversidade destacados, abordei até aqui os caminhos
25

metodológicos, a caracterização da pesquisa, os aspectos filosóficos e teóricos, bem


como a apresentação das propostas de atividades com leitura literária. Recorre-se à
argumentação de que as ações de leitura com a Literatura Afro-brasileira
possibilitam contribuir para a formação intelectual e humanística dos participantes.

2.1 CENÁRIO E OS PARTICIPANTES DA PESQUISA

O cenário da investigação foi o Colégio Estadual da Rede Pública situado na


Zona Norte na cidade de Londrina-PR. Para participar das atividades organizadas
com a Literatura afro-brasileira foi escolhida uma turma do 7º ano dos Anos Finais
do Ensino Fundamental, período vespertino. Turma composta por 35 alunos, na
faixa etária de 13 anos, todos oriundos da comunidade local e imediações próximas.
Os alunos participantes da pesquisa são 4 meninos e 6 meninas. A escolha
foi feita por conveniência do acesso da pesquisadora aos alunos com assiduidade
no modelo presencial e o envolvimento nas ações de leitura durante as aulas
remotas (online). As identidades dos sujeitos foram preservadas no decorrer da
pesquisa. Para a transcrição das falas, nos relatos descritos adotaremos a letra “A”
em correspondência a palavra aluno (a) (ex: A1, A2, A3 …) e para a professora-
pesquisadora, serão utilizadas as siglas “P.P”. Durante as análises os nomes reais
dos estudantes foram substituídos por codinomes, escolhidos por eles.
Cabe informar que a professora-pesquisadora mantém, atualmente, vínculo
empregatício temporário com a Secretaria de Estado de Educação SEED-PR, desde
o ano de 2010, e desde então trabalha como professora do quadro empregatício
denominado PSS (Processo de Seleção Simplificado), nas áreas de Língua
Portuguesa e Educação Especial atuando há dez anos, em várias escolas estaduais
nos municípios de Londrina e Cambé. Para o ano de 2021, o contrato com a SEED
foi aberto em fevereiro, contudo o início de trabalho no colégio co-participante da
pesquisa se deu a partir de abril.
Após a apresentação pessoal da professora à direção e equipe pedagógica
do colégio, o primeiro contato com a turma do sétimo ano “C”, aconteceu de maneira
virtual e as aulas seguiram no formato remoto, com interação por meio do mural do
Google Classroom e de Meetings. No mês de julho, houve uma mudança na
dinâmica na sala de aula, conforme orientação do Ofício Circular n.º 048 –
26

DEDUC/DPGE/SEED Curitiba, de 09 de julho de 2021, com o retorno escalonado


das aulas presenciais no Paraná, denominado ensino híbrido, mas o mesmo decreto
informava que, a partir do dia 21 de julho de 2021, todas as escolas da rede pública
estadual de ensino deveriam retornar com a oferta das aulas presenciais, de acordo
com a realidade de cada escola.
Neste ínterim, a professora-pesquisadora reuniu-se com a diretora da
instituição, fez a exposição do seu projeto de pesquisa e solicitou a concordância da
pesquisa com a turma em questão. A declaração de concordância da Instituição
coparticipante foi assinada no dia 7 de julho de 2021. Após o recesso escolar,
iniciaram-se os procedimentos para o cadastro da pesquisa na Plataforma Brasil. A
primeira submissão desta pesquisa para avaliação do CEP (Comitê de Ética e
Pesquisa da UEL), aconteceu em 15 de julho, tendo retornado com a solicitação de
ajustes, e o parecer do colegiado foi aprovado em 08 de setembro. O CAAE da
pesquisa encontra-se sob o nº. 49937521.9.0000.5231 e o número do Comprovante
de envio do projeto para a análise ética é 081002/2021.
Nesta turma, o retorno presencial aconteceu a partir do dia 27 de julho de
2021, com a presença de até 17 alunos, seguindo todos os protocolos de segurança
e com a autorização dos responsáveis. Devido à insegurança do cenário em geral,
alguns pais optaram em continuar no modelo online e deveriam orientar a
participação dos estudantes via Meetings com os seus professores do colégio e
realizando as atividades pelo Classroom.
Segundo a Lei Ordinária n.º 20.506, o Estado do Paraná havia estabelecido,
desde o dia 23 de fevereiro de 2021, que as atividades e os serviços educacionais
são considerados como atividades essenciais, solicitando juntamente com as
escolas particulares que o ensino público retornasse plenamente como atendimento
presencial.
Mesmo com o esforço para a oferta de ensino remoto, híbrido e ensino
mediado por tecnologia, o impacto da pandemia da Covid-19 na aprendizagem dos
estudantes tornou-se evidente, principalmente na aprendizagem dos alunos em
situação de vulnerabilidade social e pobreza. O Ofício Circular nº 051/2021 -
DEDUC/SEED Curitiba, emitido em 02 de agosto de 2021, destacou que o grande
desafio das instituições de ensino era o acesso dos estudantes à internet e o
aprendizado da maior parte dos estudantes da rede pública estadual estava
acontecendo por meio de material impresso, (CNE – Parecer 6/2021). E, diante dos
27

esforços do Governo Estadual e Municipal para a diminuição dos casos de infecção


da Covid-19 e, devido à imunização dos profissionais da educação e também da
população adulta, com a ampliação ao acesso à vacina, a secretaria alertou para a
urgente necessidade do retorno às aulas presenciais.
O Ofício 051/2021 explicava que o retorno era necessário, pois havia
problemas com a conexão de internet adequada para a oferta das aulas síncronas,
aumento da evasão escolar, o aumento da dificuldade na aprendizagem e da
desigualdade social entre a população e os prejuízos à saúde mental de crianças e
adolescentes perante o contexto pandêmico. Por fim, o ofício ressalta que o ensino
remoto contribui para a aprendizagem, mas não substitui as atividades pedagógicas
ofertadas de modo presencial, por isso a importância do retorno seguro.
Neste período de ensino híbrido, juntamente com a diretora auxiliar, houve a
escolha dos participantes da pesquisa de campo. A amostra foi estabelecida por
conveniência de 10 estudantes participantes convidados e com melhor acesso à
pesquisadora. Justifica-se este número reduzido de estudantes na participação da
pesquisa devido à dificuldade inicial da interação presencial pelo contexto
pandêmico. Inicialmente, a partir de julho de 2021, foi realizada uma escala de 17
estudantes, no máximo, para as aulas presenciais, mas foram identificadas faltas
dos escalados para o ensino presencial, devido ao receio com a contaminação.

2.2 O MÉTODO, INSTRUMENTOS E TÉCNICAS DA INVESTIGAÇÃO

Mediante as leituras de obras de estudiosos da Teoria Histórico-Cultural,


Pedagogia Histórica-Crítica e de discussões teóricas para a compreensão da prática
docente, com base no método, é preciso repensar as práticas pedagógicas
presentes neste século XXI. Essa temática mobilizou novos pensamentos em
relação à práxis docente, à luz destas teorias e do Materialismo Histórico e Dialético
que podem contribuir para a formação de leitores críticos, tendo em vista o
desenvolvimento humano, os quais mediados pela Literatura e a práxis pedagógica,
praticadas de maneira culturalmente rica e intencional, podem colaborar para a
emancipação dos sujeitos envolvidos neste processo de aprendizagem (MARX,
1978; BERNARDES, 2012; MARTINS, 2015; MALANCHEN, 2019).
28

Na obra O método da economia política, Marx (2003) explicita que o todo


(sociedade, população), tem relação com as partes (cada indivíduo), da mesma
forma, ou seja, o abstrato relaciona-se com o concreto, o lógico com o histórico,
tanto no pensamento quanto ao que se refere à realidade histórica e a arte como
expressão do meio social. Esse método atende a necessidade de analisar as
múltiplas determinações da realidade, desde a abstração de um "todo vivo" até o
"concreto já dado". (MARX, 2003, p.117).
Segundo Marx (1978), a realidade é caótica e composta de contrários,
existem muitas contradições internas e externas, fundamentais e não fundamentais,
antagônicas ou não. Por isso, é necessário buscar a totalidade do conhecimento
para tornar-se humano e desenvolver-se, e buscar compreender a realidade e suas
diversas determinações são formas de revolucionar o pensamento humano e
promover desenvolvimento psíquico, e é por isso que esta abordagem se torna
relevante para o campo da educação.
De acordo com Marx (1978, p.116), "o concreto é concreto porque é a síntese
de muitas determinações, isto é, unidade do diverso”. As obras de Arte, Literaturas e
outros produtos da cultura humana tornam-se importantes objetos de análise
histórica e social, pois sintetizam as múltiplas determinações do gênero humano,
reunindo em seu âmago a unidade, da diversa essência humana e de sua
individualidade.
Esse método para o campo educacional torna-se muito importante, pois lança
a sua crítica da maneira como o capitalismo se estabelece na sociedade e ainda,
como este modelo econômico interfere diretamente sobre o papel da educação,
disseminando a fragmentação dos objetos da cultura humana e o acesso ao
conhecimento.
Marx (1978) usa uma metáfora que ilustra bem a relação entre o que
aparentemente é contrário: "a anatomia do homem é a chave da anatomia do
macaco". (MARX, 1978, p. 120). Somente quando se conhece a organização
histórica, em sua possível completude, é que será possível estabelecer relação entre
os contrários para obter-se então a "chave": a compreensão da realidade. O
passado é o ponto de partida para analisar os outros conhecimentos e que, portanto,
a abordagem teórica do Materialismo Histórico e Dialético possibilita uma visão
global dos fenômenos e, consequentemente, uma maior clareza conceitual.
Portanto, o estudo das características dialéticas e das diversas formas
29

universais do ser aponta o Materialismo Histórico e Dialético como um método de


investigação válido para a análise social, elevando o nível cultural do homem, para
que este possa assimilar a sua essência e transformar sua realidade.
A turma a qual se implementou as Atividades Organizadas é de regência da
própria pesquisadora, e isso é um fator relevante de se pontuar, visto que os alunos
já possuíam uma experiência anterior com Literatura durante as aulas online.
Adiante, será abordado sobre quais foram as obras lidas neste período e o retorno
dos alunos, sobre a experiência.
De acordo com a Teoria Histórico-Cultural, o indivíduo em constante
desenvolvimento, aprende impulsionado pelas interações estabelecidas com o seu
meio sociocultural. O espaço escolar é fundamental, juntamente com o trabalho
educativo intencional do professor, os quais, organizados, desempenham um papel
relevante para a formação intelectual e humana.
Assim, as técnicas de investigação da pesquisa de campo consistiram em
atividades organizadas desenvolvidas com as orientações pedagógicas da
professora-pesquisadora durante as aulas de leitura, um dia na semana, duas aulas
seguidas, com a duração de 50 (cinquenta) minutos cada uma, seguindo o horário
da disciplina de Português (Ensino Fundamental, Anos Finais, tem um total de cinco
aulas semanais de Língua Portuguesa). Em relação à interação, que aconteceu
presencialmente, mesmo a gravação dos encontros ocorrendo com o uso da
Plataforma Classroom e/ou via Meet, envolvendo os livros físicos e/ou em formato
PDF, todos os estudantes participantes da pesquisa assistiram às aulas
presencialmente.
A importância da Pedagogia Histórico-Crítica, idealizada por Saviani (2011),
deve-se ao fato de que os seus fundamentos possibilitam compreender e organizar
uma práxis pedagógica adequada, voltada para a educação transformadora. A
Pedagogia Histórico-Crítica defende que a ação educativa é caracterizada pela
intencionalidade de transmissão dos conhecimentos clássicos e pela apropriação
desses, pelo aluno e pelos modos generalizados de ação, assimilados junto ao
método didático do professor e interação com os seus pares. A escolha de um
método teórico que concebe a educação como um processo de formação humana,
proporcionada pela apropriação da cultura, é relevante, pois concebe o homem
como indivíduo histórico, cultural e social.
Os dados da pesquisa foram produzidos (entre os meses de outubro a
30

dezembro de 2021), por meio da inserção da pesquisadora no cenário descrito como


professora de Língua Portuguesa, em decorrência da autorização concedida. Sobre
essa autorização, é importante esclarecer que houve uma leitura prévia com uma
explicação junto aos estudantes sobre o que seriam as atividades organizadas com
a Literatura Afro-brasileira questionando-os sobre o interesse deles na participação.
A partir disso marcou-se, em setembro, uma reunião com os pais dos alunos via
Meet e juntamente com a diretora auxiliar, foram expostos os objetivos do trabalho,
esclarecendo as dúvidas e a importância da assinatura dos termos de autorização
para iniciar as atividades organizadas de leitura.
Em reunião reservada dirigida aos pais, lemos e explicamos sobre o conteúdo
do TCLE (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido) e do TALE (Termo de
Assentimento Livre e Esclarecido), destinado à autorização de crianças e
adolescentes de 7 a 17 anos, esclarecemos sobre os diversos detalhes e etapas da
pesquisa. Os termos foram impressos e encaminhados em seguida para a
assinatura e concordância dos estudantes e seus respectivos responsáveis, com o
prazo de uma semana. Obtivemos o aceite com a assinatura de todos os pais
responsáveis e dos alunos participantes. Após o aceite, seguiu-se com a elaboração
das propostas de trabalho voltadas à aplicação das Atividades Organizadas com a
Literatura Afro-brasileira.
Concomitante ao retorno presencial seguro desde julho, a professora-
pesquisadora solicitou uma visita à biblioteca do colégio para fazer o levantamento
das obras de Literatura Afro-brasileira e de temática afro-brasileira. O contato
presencial da professora pesquisadora com a escola, os demais professores,
funcionários e o cenário da pesquisa aconteceram nos dias 19 e 20 de julho, com a
participação do curso de estudos e planejamento – professores e pedagogos – no 2º
Semestre de 2021. Além disso, o primeiro contato com a biblioteca e com a
bibliotecária responsável, uma professora de Português readaptada, ocorreu
também durante estes dias.
Após várias conversas e familiarização com os outros professores, a
bibliotecária convidou a professora-pesquisadora e outros dois professores de
Língua Portuguesa do período vespertino para conhecer o espaço da biblioteca
escolar. Chegando lá, verificou-se que a biblioteca era pequena, pois divide metade
do seu espaço com a sala de recursos. Ao observar o acervo de maneira geral foi
possível ver que havia também livros novos, ainda embalados, e que foram
31

colocados à disposição para trabalho com a leitura.


Desde o aceite da instituição co-participante, cabe destacar o empenho da
diretora da instituição, diretora auxiliar e professora bibliotecária na colaboração e
apoio para que a pesquisa fosse realizada. A atendente da biblioteca estava
bastante calorosa e se mostrou disponível em demonstrar os livros aos professores
e dar sugestões de trabalho, como a montagem de uma caixa de livros para levar à
sala de aula, entretanto os empréstimos individuais neste primeiro momento não
estavam liberados. Neste momento, em uma visita rápida, havia somente um livro
que trazia a temática afro-brasileira (livro: O que há de África em nós), e ao
perguntar sobre a existência de livros com essa temática, a bibliotecária não soube
responder.
A partir de agosto, por iniciativa da diretora e ajuda dos funcionários da
secretaria, foi feita uma limpeza e reorganização dos livros na biblioteca. Muitos
livros considerados “sem uso” ou muito danificados pelo uso foram doados para os
alunos, professores e ONGs filantrópicas. Neste período, a professora pesquisadora
também iniciou o mapeamento das obras de literatura afro-brasileira “in locus” no
acervo da biblioteca escolar.
Até final de setembro, foi possível notar a presença de 46 obras da Literatura
Afro-brasileira e/ou com representação de personagens negros no enredo, e dessas,
30 obras pertencem ao PNBE Literário de 2020 (acervo novo e retirados das caixas),
2 obras do PNBE de 2009, 3 obras do PNBE 2011, 6 obras do PNBE 2013, 5 obras
do PNBE 2018 e outros 3 títulos sem vinculação com programas nacionais de
incentivo à leitura. Considera-se que este número ainda é bastante incipiente em
termos de representatividade negra na literatura. A direção do colégio também
relatou a possibilidade de aquisição de livros novos com os recursos do PDDE,
títulos que a professora-pesquisadora pudesse indicar.
Anteriormente a estes dados encontrados em lócus na biblioteca escolar da
escola, sabe-se por meio de pesquisa aos bancos de dados, que a autora Debus
(2013) já havia realizado diversos mapeamentos, a fim de monitorar a questão da
representatividade de personagens negros na literatura e foram encontrados sete
catálogos editoriais brasileiros referentes aos anos de 2004/2005 e a partir disso,
verificou-se que a representação de personagens negras na Literatura Infantil
ganhou, nos últimos anos, mais espaço nas editoras. Do total de 1.785 títulos
levantados pela pesquisadora, 79 trazem personagens negras, mas mesmo com
32

esse avanço, ainda ocupa um lugar pequeno na área literária (DEBUS, 2013).
Em outro mapeamento realizado em oito casas editoriais, referentes aos anos
de 2008 e 2009, revelaram que dos 2.416 títulos publicados, somente 170 títulos
(7% do total) trouxeram a presença do negro, a sua cultura e a temática africana e
afro-brasileira no enredo (DEBUS, 2013). Dessa maneira, diante da pluralidade
étnica da sociedade brasileira, a linguagem literária, considerando a sua capacidade
humanizadora, pode contribuir por meio das experiências ficcionais e levar à
ressignificação das experiências relacionadas ao povo africano e aos seus
descendentes.
Enfim, diante do mapeamento e a constatação em lócus da biblioteca escolar
envolvida na pesquisa, é possível refletir sobre a representação dos personagens
negros na literatura infantil, a fim de contribuir para a noção de pertencimento das
crianças negras no Brasil. Conforme recorda Debus (2012, p.154), embora seja duro
lidar com literatura com temas da cultura africana e afro-brasileira, é uma
abordagem necessária, pois “muitas das relações racistas que reverberam na
sociedade contemporânea tem sua origem no tratamento dado aos povos que aqui
foram escravizados e, por consequência, na vida dos seus descendentes".
Após a organização do espaço da biblioteca e conhecimento do acervo de
livros, a professora-pesquisadora solicitou à bibliotecária que realizasse a separação
dos 46 títulos encontrados, para que os alunos pudessem realizar os empréstimos.
A bibliotecária concordou e foi marcado um dia para que os alunos fossem à
biblioteca e escolhessem os títulos colocados sobre a mesa.
As bibliotecas escolares são espaços importantes de formação em que os
alunos têm a oportunidade de refletir sobre os fatos históricos que marcaram a
sociedade em que vivem, desenvolvendo, assim, um pensamento histórico,
buscando compreender “porque determinadas narrativas foram construídas sobre o
passado e porque algumas permanecem mais e outras menos”. (OLIVEIRA;
CANDAU, 2010, p.17).
Os alunos participantes da pesquisa não eram todos negros, o convite para a
pesquisa foi lançado a todos indistintamente, tendo somente como critério o acesso
dos alunos ao ensino presencial. O recorte racial dos participantes não foi
considerado no início da pesquisa, contudo ao longo da pesquisa, a ancestralidade,
auto-pertencimento e identificação étnica foram explicitados pelos próprios
participantes enriquecendo a análise das atividades organizadas e durante a
33

construção de sentidos na leitura. A despeito da questão entre a igualdade racial e


acesso à educação, levantou-se o fato de que no Brasil, a igualdade racial é uma
falácia, não admitida por boa parcela da educação, inclusive por educadores, a
desigualdade racial é percebida pela falta de acesso à educação historicamente
negada a população negra, e aos recursos, como por exemplo, a tecnologia.
O espaço escolar deveria permitir o contato dos alunos, independentemente
de suas etnias, com produções literárias que valorizem a cultura negra, isso contribui
para romper com os estigmas raciais que afetam a autoestima das crianças e jovens
negros brasileiros. Ao mesmo tempo, o contato com a cultura afro-brasileira por
meio da Literatura enriquece a formação humana, artística, histórica de todos os
alunos independente de origem étnica e possibilita o desenvolvimento de valores
éticos, de justiça, respeito e igualdade racial.
Durante a leitura literária, crianças e jovens são capazes de estabelecer
relações com o mundo para aprender, imaginar e criar (SILVA; ARENA, 2012). E
nessa perspectiva, a idade escolar é um período de extrema atenção para o
desenvolvimento e inserção à cultura escrita e ao desenvolvimento da capacidade
de leitura literária. Por isso, é essencial separar tempo e lugar para que os alunos
possam ter contato com as diversas narrativas literárias, de origens culturais
diversas. O professor pode instigar os alunos a atribuir sentido ao que ouvem e
leem, coletivamente, para assim apropriar-se de capacidades como a leitura e
escrita, por meio da relação dialética. Nesse contexto, compreende-se a importância
da escola em promover encontros significativos com a leitura literária, em atividades
organizadas, destacando a biblioteca escolar como um espaço para criar
necessidades de leitura na criança e no jovem leitor, para que ela possa se
expressar e ter contato com os livros, que são tesouros culturais acumulados pela
humanidade.

Figura 1 - Fotos tiradas pela professora pesquisadora em 29/09/2021.


34

Fonte: Acervo próprio (2021).

Antes deste primeiro empréstimo do ano letivo com livros físicos, a professora
pesquisadora já tinha combinado com os alunos desta turma de separar um dia para
uma aula de leitura com obras literárias que estivessem à disposição dos acervos
gratuitos digitais na internet.
Desde abril, a turma já realizava aulas de leitura de obras de Literatura infantil
ou juvenil com a temática geral, por sugestão da professora pesquisadora ou um
título mais votado pelo interesse dos próprios alunos. Como neste momento o
ensino era remoto, a leitura e interação com a professora e com os livros aconteciam
por chamada de vídeo e voz (Meet) e, posteriormente, anexado o PDF dos livros no
mural do Classroom, para que o aluno que faltasse ou tivesse algum problema com
a internet pudesse ler depois. Durante esse processo, foi perceptível que alguns
títulos escolhidos não causavam entusiasmo entre os alunos, por possuírem um
enredo mais voltado ao público infantil. Eles leram mais por curiosidade pela capa
ou por causa da ilustração, entretanto outros livros como Romeu e Julieta,
Chapeuzinho amarelo, Menina bonita do laço de fita, rendiam maior entusiasmo
após a leitura e por causa do tema do enredo promoveram envolventes conversas
sobre os temas encontrados durante a leitura e sua vinculação com o particular de
cada leitor.

Quadro 1 - Livros lidos com a turma semanalmente no ensino remoto (online).


14 de abr. Sugestão de dois links de biblioteca virtuais
22 de abr. Valentina, do autor Márcio Vassalo
28 de abr. Livro Romeu e Julieta, da autora Ruth Rocha e ilustração Claudio
Martins
35

13 de mai Livro O menino Maluquinho, do autor Ziraldo.


19 de mai. Chapeuzinho amarelo, do autor Chico Buarque e do ilustrador Ziraldo.

27 de mai. Livro Menina bonita do laço de fita1, autora Ana Maria Machado,
ilustração Claudius
10 de jun. O livro que lia livros, autora Sandra Aymone
17 de jun. Livro sopa de pedra, da autora Ana Maria Machado.
24 de jun. O grúfalo, de Julia Donaldson e Axel Scheffler.
30 de jun O diário de um banana: assim vais longe, autor Jeff Kinney.
1 de jul. O livro dos sorrisos, do autor Antonio Silvio de Araujo, ilustração de
Breno Macedo.
5 de jul. O príncipe sapo, dos irmãos Grimm. (Libras)
22 de jul. Menina bonita do laço de fita autora: Ana Maria Machado
28 de jul. Extraordinário, de R. J. Palácio.
(iniciado em sala e a continuidade se daria individualmente)
29 de jul. Livro O segredo do rei, Autora Caroline Rodrigues da Silva Souza

5 de ago. Conto, João e o pé de feijão, coleção Conta pra mim.

Fonte: Google Classroom da professora-pesquisadora (2021).

Diante dessa prática, compreende-se que a Literatura Infantil e juvenil, desde


que, adequadamente organizada em um ambiente propício para a leitura como o da
biblioteca escolar, produz sentidos decorrente das experiências relacionadas à
leitura, vindo a contribuir para o processo de humanização das crianças e, torna-se
um poderoso instrumento de inserção ao mundo da cultura escrita. Por isso,
enfatizar a importância de organização de tempo e espaço para o ato de ler na
escola é fundamental.
A leitura individual é uma capacidade adquirida durante o processo de
inserção do indivíduo na escola, contudo momentos de leitura coletiva tornam-se
essenciais neste aprendizado, pois auxiliam os alunos a utilizarem a sua cognição
no aprofundamento da compreensão dos signos da linguagem. Durante o processo
de leitura, o professor pode mediar os signos linguísticos presentes nas obras,
portanto concebe-se que a mediação acontece por meio dos signos, e quem medeia
são os signos, não o professor. Nessa questão, o homem por si só não medeia,
mesmo que toda linguagem humana seja composta por signos, o homem se utiliza

1
Na obra Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado, é possível perceber a ligação entre
cultura e o início da construção identitária dos personagens negros, por meio da escolha do léxico de
palavras e das gravuras, como também da descoberta da genealogia (ancestralidade), a protagonista
em Menina bonita do laço de fita, de forma sutil, afirma sua racialidade em busca da sua construção
étnica negra, por meio de diferentes discursos que compõem a percepção das diferenças raciais.
LIMA, E. V. G; ALMEIDA, M. S. P. MENINA BONITA DO LAÇO DE FITA E A COR DA TERNURA:
uma discussão acerca da identidade étnico-racial na sociedade globalizada e na literatura ifantil
brasileira. Revista Científica da FASETE 2017. Disponível em:
https://www.unirios.edu.br/revistarios/media/revistas/2017/14/menina_bonita_do_laco_de_fita_e_a_co
r_da_ternura.pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
36

disso no processo de leitura, e os signos fazem parte da mediação das ideias


contidas nos livros.
Em consonância com essa ideia, entende-se que o professor mediador é
aquele que faz a ponte, possibilitando a construção de conhecimentos e ideias, e o
lugar do professor no campo da literatura é o de um mediador. No campo da
aparência do fenômeno, “a percepção visual de um adulto que toma um livro nas
mãos e intermedeia a relação da criança com esse livro e com seu conteúdo
literário”. (ARENA, 2021, p. 7.). Contudo, não é possível deter somente sobre
aparência do fenômeno da mediação do trabalho da leitura literária com os
estudantes, é necessário perceber antes de tudo o que está na essência das ações
de leitura.2
O essencial nas ações com a leitura é inserir a criança no processo de
formação leitora e do contato com a literatura, decorrem as possibilidades de
compreensão e construção de sentido (SILVA; ARENA, 2012). Assim, é necessário
promover atividades que utilizem a leitura para o desenvolvimento das capacidades
cognitivas humanas.
Segundo Puentes e Longarezi (2013), o pensamento teórico ocupa um lugar
central no desenvolvimento dos indivíduos e a escola, como uma instituição
socialmente responsável, deve participar desse importante aspecto psíquico na vida
dos estudantes. O ensino escolar e o desenvolvimento do psiquismo estão
intimamente ligados. Embora o conhecimento de maneira geral esteja presente no
mundo natural, é no espaço escolar que os conceitos científicos são estruturados e
organizados para o aprendizado.
Os seres humanos interagem por meio de signos, e todas as situações da
vida manifestam-se por meio dos gêneros enunciativos. Estes enunciados
estabelecem a comunicação humana, e nesse contexto, saber ler e escrever são
maneiras de se constituir em um processo de humanização capacitando o indivíduo
a entender o mundo, agir sobre ele e expressar-se a partir dessas relações
mediadas por signos. Os seres humanos têm sua relação mediada por signos
organizados em gêneros, que por sua vez também compõem o campo da literatura

2
Para o autor o termo mediador refere-se “à uma manifestação concreta, ancorada em conjuntos de
signos”, defende a ideia “dos homens como seres humanos em relação mediada por signos
organizados em gêneros que compõem o campo da literatura para crianças” o homem adulto não
medeia, mas faz parte de um dos pólos, pois quem medeia são os signos presentes nos objetos da
cultura humana. (ARENA, 2021, p. 8).
37

para crianças. A literatura é composta por gêneros, resultado da atividade humana


(ARENA, 2021).
No primeiro trimestre letivo e no início do segundo, as interações aconteciam
pelo meio virtual, eram limitadas a uma aula semanal (50 minutos), depois da leitura
havia o momento de conversa sobre o conteúdo lido, que era feito após a leitura ou
em pequenas pausas durante a aula. A dificuldade da professora pesquisadora era
saber se os alunos estavam conseguindo participar da leitura e conseguindo
processar as informações de imagem e som pelo Meet, visto que os alunos não
abriam as câmeras e falavam ao microfone somente quando precisavam falar, eram
sempre os mesmos alunos que desejavam fazer a leitura e mesmo com os convites
para o diálogo, sobre a obra, raramente participavam mais que cinco alunos, tanto
da leitura quanto da discussão ao final.
Ainda no ensino híbrido, mas com o retorno seguro ao ensino presencial de
parte da turma, optou-se pela escolha de trabalhar com as obras que tinham os
títulos repetidos em grande quantidade de exemplares e separados pela bibliotecária
em caixas para ser levado à sala, pois neste momento final, do segundo trimestre, a
biblioteca ainda estava em período de organização e catalogação dos livros novos, e
as obras de literatura afro-brasileira e de temática africana estavam sendo
mapeadas e separadas pela professora pesquisadora, pois tais as obras vinham
todas misturadas no acervo do PNLD Literário 2020.
Devido a impossibilidade inicial de se trabalhar com as obras da literatura
afro-brasileira da biblioteca escolar, optamos em usar para as práticas de leitura
semanal, antes do efetivo início da pesquisa, as obras do PNLD Literário destinadas
aos alunos de 6º ao 9º ano, tínhamos 5 títulos à disposição para os professores
levarem em caixas com aproximadamente 40 exemplares da mesma obra, e eram
eles: O extraordinário, R.J Palácio, Alice no país da mentira, de Pedro Bandeira;
Malala e Cyberbullying. A professora-pesquisadora levou um exemplar de cada
obra, fez a leitura da sinopse e em seguida solicitou o voto de cada aluno, com a
participação tanto dos alunos que estavam no ensino presencial, quanto dos que
estavam online em casa. O título ganhador foi Alice no país da mentira, do autor
Pedro Bandeira.
O momento da leitura torna-se reservado, intencional e exclusivo para o
professor ler uma obra literária junto com os seus alunos e isso se configura em uma
possibilidade ímpar para o desenvolvimento do leitor crítico, proporcionando a eles
38

um momento de apropriação de toda a dimensão social, econômica, cultural, dentre


outras. Esse trabalho inicial auxiliou na orientação aos alunos das estratégias de
leitura, ao mostrar o caminho pela busca dos significados do texto, possibilitando ao
aluno leitor um momento de apropriação das visões de mundo, de diversas
objetivações e da cultura humana, e assim, elevando as potencialidades das suas
funções psíquicas superiores (MERETT; FRANCO, 2019).
A educação desempenha um papel fundamental para a elevação qualitativa
das potencialidades humanas, sendo assim,
As obras literárias são consideradas uma totalidade, composta por múltiplas
singularidades dos personagens e espaços, resultantes da particularidade
do escritor. Por ser um complexo real, é possível que mediante o ato de ler
uma obra, o aluno parta do concreto – de uma situação real – para chegar
ao abstrato, na compreensão do que não é perceptível. As obras podem ter
uma riqueza de conteúdos a serem apropriados pelos alunos que os permita
a elevação qualitativa de suas funções psíquicas superiores e de sua
humanização. (MERETT; FRANCO, 2019, p.336, grifo nosso).

Portanto, nesta concepção as obras literárias relacionadas em atividades


organizadas são ferramentas pedagógicas que permitem ao estudante apropriar-se
da cultura elaborada e elevar as potencialidades humanas. Assim, após a escolha
do título, a professora pesquisadora providenciou a digitalização dos capítulos que
seriam lidos em cada aula de leitura. Em seguida, está o quadro com a organização
dos dias e separação dos capítulos lidos.

Quadro 2 - Organização dos capítulos lidos com a turma semanalmente no ensino


híbrido.
Aula de leitura Sugestões de organização do trabalho com leitura da professora
12 de ago. Leitura da biografia do autor Pedro Bandeira. Leitura da imagem da
capa, levantamento de hipóteses sobre o conteúdo a ser lido. Leitura
coletiva do 1º capítulo.
16 de ago. Solicitado ler com antecedência individualmente os capítulos 2, 3 e 4
para discussão das principais ideias na próxima aula e leitura coletiva
do capítulo 5.
19 de ago. (somente 2 alunos conseguiram fazer a leitura individualmente e com
antecedência). Diante disso, fizemos coletivamente a leitura dos
capítulos 2, 3, 4 e 5.
1 de set. Leitura coletiva dos capítulos 6, 7, 8, 9 e 10.
8 de set. Leitura coletiva dos capítulos 11,12 e 13.
9 de set. Leitura coletiva dos capítulos 14,15 e discussão final da obra.
Fonte: Google Classroom da professora pesquisadora (2021).

A experiência com uma obra de título comum a todos, lida ao mesmo tempo,
39

demonstrou-se positiva, pois foi possível avançar capítulo por capítulo, buscando
promover a ampliação das possibilidades de leitura, considerando a riqueza dessa
dinâmica em um ambiente coletivo. Contudo, foi necessário desenvolver posturas
durante a leitura coletiva para que o título em comum se tornasse interessante para
todos, e a atenção fosse conservada continuamente. Solicitamos que cada aluno
que assim quisesse, realizasse a leitura, em voz alta de um trecho da obra e ao final
de cada página era feita uma discussão em torno da compreensão leitora. De
maneira geral observou-se que poucos eram os alunos que participavam da leitura.
De acordo com a Teoria Histórico-Cultural, o contato com as narrativas
literárias e mediadas por uma prática docente com a intencionalidade pedagógica
pode proporcionar diversas ampliações culturais e desenvolvimentos de
competências como compreensão leitora, melhoria na escrita e oralidade, pois ao
mesmo tempo em que instiga o leitor, também o leva a conhecer mais sobre o
universo literário. Embora poucos alunos relataram ter conseguido fazer a leitura
individual em casa, com antecedência, a professora-pesquisadora se preocupou
com aqueles alunos que disseram não conseguir fazê-la, por causa do barulho ou
algum afazer que os familiares delegam nos lares. Diante dessa situação, o
replanejamento das ações com leitura foi necessário, organizando o tempo e espaço
da aula de leitura para que todos os alunos pudessem ter um contato com a
literatura de maneira significativa.
A dificuldade de leitura em voz alta ainda persistia com a maioria dos
estudantes, eram sempre os mesmos que gostavam de ler durante os Meet, também
são os que desejaram fazer a leitura em voz alta no ensino presencial, embora essa
etapa de oralidade era oportunizada a todos. A professora pesquisadora observou
que a participação na leitura das imagens da obra com o compartilhamento das
interpretações durante a leitura, ocasionou um relativo aumento na participação dos
alunos durante as aulas presenciais. Outro fator observado na mediação presencial
foi a atenção e o foco na temática do livro, que se potencializou devido a alteração
do meio.
A leitura mediada pelo professor em um espaço escolar insere o leitor no
processo de formação do apreço pela Literatura e contribui para o processo de
humanização. De acordo com Vigotski (2000), o acesso aos objetos culturais como
livros, obras de arte, histórias, filmes, músicas, configura-se como ferramentas
culturais e meios para a humanização do homem, e por isso, a leitura de diversas
40

obras literárias contribui para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores


do sujeito.
O ambiente escolar pós-pandêmico (após o confinamento e início de
atividades em modo híbrido) demonstra experimentalmente, para a professora-
pesquisadora, o quanto o desenvolvimento de práticas de escrita e leitura, mediado
ou não pela tecnologia tornam-se importantes, sobretudo neste período de
pandemia em que muitas vezes o trabalho pedagógico foi dificultado pela distância
das relações sociais e a falta de condições materiais para o ensino e a
aprendizagem. Reconduzir esse caminho do espaço escolar mediado pelo
professor, sobretudo com a construção de ferramentas pedagógicas intencionais e
significativas ou ações de leitura e escrita que possibilitem formação e
desenvolvimento ao aluno dos anos finais, ainda é um desafio constante para a
prática docente.
O homem possui natureza social e por isso aprende por meio das interações
humanas. Na escola, as atividades de leitura e escrita, pedagogicamente
intencionais e organizadas pelo professor visam o aprendizado e desenvolvimento
do aluno. As obras Literárias e de Arte são objetivações humanas composta de
riqueza singular para ambos. As atividades oportunizam ao sujeito a internalização e
apropriação de funções cognitivas tipicamente humanas como o desenvolvimento do
pensamento, linguagem, raciocínio, imaginação e outras (LEONTIEV,
1978). Portanto, a educação desempenha um papel fundamental para a elevação
qualitativa das potencialidades psíquicas humanas.
O uso do significado social e dos sentidos pessoais atribuídos aos signos
utilizados na comunicação promove o desenvolvimento das funções psicológicas
superiores dos sujeitos. No fundamento teórico-metodológico relacionado ao
processo de constituição do psiquismo humano, a linguagem possui destaque, pois
o signo é um mediador entre o sujeito e o mundo objetivo, utilizado nas diversas
formas de comunicação. Os signos expressam conteúdos da consciência humana
acerca da realidade objetiva e de sua adequada compreensão pelo sujeito possibilita
o apropriar-se do conhecimento e da cultura. Vigotski (1998) afirma que o processo
de internalização é decorrente de uma série de transformações que ocorrem no
sujeito diante da atividade mediada (BERNARDES, 2012). Assim, compreende-se
que ler tem relação com a vida particular e social, e é preciso encontrar, junto aos
estudantes as leituras das especificidades humanas e sociais, ampliando o
41

conhecimento do mundo e da própria humanidade.


De acordo com Bajard (2021, p. 141), “A leitura é compreensão, mas
qualquer compreensão não é leitura”. O autor argumenta que tomar conhecimento
de um signo gráfico a partir da escuta em uma sessão de mediação não é leitura.
Ler significa compreender e, para que o ato de leitura ocorra, é imprescindível a
compreensão do texto gráfico, não somente a sua tradução sonora, é preciso
propiciar situações de leituras, confrontá-las a textos desconhecidos e descobrir
junto com o professor, sentidos e significados de um texto nunca visto ou ouvido, em
um movimento dialético de ensino e aprendizado.
A importância do ensino da leitura literária mediada pela práxis docente
acontece por causa da relação entre produção artística literária e sociedade, tendo
como base as experiências e necessidades humanas. O professor é um mediador
neste processo de aquisição de conhecimento, que acontece por meio da
aprendizagem, de práticas sociais sistematicamente organizadas e pela ação
docente, e o eixo central do conhecimento não está no objeto e sim no sujeito que
interpreta o que conhece e atribui sentido ao mundo e aos fenômenos. O
conhecimento crítico do mundo, da sociedade e a compreensão de sua dinâmica
transformadora propiciam ações emancipadoras (SÁNCHEZ GAMBOA, 2011).
Para a continuidade desta investigação metodológica, torna-se necessário
refletir a prática docente e sob a orientação teórica produzir o processo formativo
que de fato possibilitem o desenvolvimento das funções psíquicas superiores como:
sensação, percepção, atenção, memória, linguagem, pensamento, imaginação,
emoção e sentimento por meio da leitura, em alunos dos Anos Finais da Rede
Pública, do Ensino Fundamental (LEONTIEV, 2004; MELLO, 2009. MARTINS, 2015;
MARTINS, 2018; VIDIGAL, 2019; CAMPOS NETO, 2022).
Segundo Gasparin (2012), partindo da prática, é necessário ascender à teoria
e depois descer novamente à prática, só que desta vez não como prática inicial, mas
sim unindo teoria e prática para que um novo patamar de compreensão e ação
humana seja construído. O segundo passo foi o de adequar as propostas ao
ambiente ainda de ensino híbrido. A professora-pesquisadora buscou
esclarecimento didático, junto aos colegas do grupo de pesquisa mais experientes e
com a orientadora, para que por meio destas atividades organizadas de leitura fosse
possível verificar o desenvolvimento das funções psíquicas superiores em seus
alunos e a ampliação da capacidade leitora por meio de ações de leitura.
42

Para isso, o caminho metodológico se deu a partir da prática social relatada


anteriormente pela professora-pesquisadora. O próximo passo foi o de “ascender à
teoria”, estudar o método de análise da realidade que fundamenta esta perspectiva
histórica e dialética, coerente com a concepção pedagógica defendida desde o início
da pesquisa. Os fundamentos da Teoria Histórico-Cultural são importantes no
contexto da educação escolar, pois contribuem para o trabalho educativo e na teoria
pedagógica, e a sua construção advém de contribuições do ramo da filosofia,
sociologia, história, didática, da teoria do currículo e outros campos importantes para
os estudos em educação (DUARTE, 2016, p. 37).
Os instrumentos para a coleta de dados foram as observações e participação
nas atividades organizadas com a prática de leitura literária, registrado por meio de
questionários (de maneira oral ou escrito) aos alunos, antes e depois do
desenvolvimento das atividades de leitura e a gravação das aulas. A gravação foi
realizada com o consentimento dos alunos e os seus responsáveis, presencialmente
e gravado pelo Meet vinculado ao Google Classroom. Devido à pandemia do vírus
Covid-19, as aulas, bem como as atividades organizadas, foram desenvolvidas com
orientações pedagógicas da professora-pesquisadora e aconteceram pela interação
presencialmente e/ou via Meet com o uso da Plataforma Classroom, envolvendo os
livros de Literatura Afro-brasileira em formato físicos disponível na biblioteca da
escola e/ou PDF, e-book digital.
As propostas de atividades organizadas aconteceram presencialmente com a
utilização de papéis (impressão em sulfite e livros de literatura) e o uso do Google
Meet desenvolvido durante as aulas no ensino híbrido. Em se tratando de uma
pesquisa qualitativa optou-se por gravar as atividades organizadas e em alguns
momentos descrever a essência genérica da percepção.
De acordo com Martins (1994), a pesquisa qualitativa é uma forma de
trabalho metodológico das ciências humanas e um recurso básico e inicial da
pesquisa é a descrição. A análise qualitativa é centrada na descrição e por isso se
torna complexa, porque em nível de análise são conceitos diretamente aprendidos
por meio dos sentidos. Intenta-se com este trabalho educativo, que de acordo com
Saviani (2011, p. 06), “o ato de produzir, direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente pelo
conjunto dos homens”, com a finalidade de desenvolver a consciência social e
histórica dos participantes da pesquisa e da própria pesquisadora, buscando sempre
43

alcançar práticas pedagógicas direcionadas a com leitura literária que visem à


humanização, emancipação e criticidade dos sujeitos.
A reflexão da práxis educativa é também um ponto importante a ser
considerado nesta pesquisa, já que a práxis docente é complexa e demanda um
trabalho de estudos e pesquisas que tenha como base uma teoria sólida, que
evidencie o desenvolvimento humano. É importante também organizá-la de forma a
corresponder às especificidades da educação escolar com a transmissão e a
assimilação do saber sistematizado (SAVIANI, 2011). Para que a práxis educativa
alcance sucesso, há a necessidade de que o professor conheça como ocorre o
desenvolvimento humano, para que assim possa planejar, intencionalmente, sua
ação.
Permitir a convivência com o texto literário é importante para o
desenvolvimento e ações de leitura e ter contato com os livros que apresentam a
figura representativa de personagens negros, a valorização da estética negra e o
livro em todas as variações, culturais e de linguagem. Além disso, proporcionar uma
prática de leitura literária, com visitas a bibliotecas, momentos de contação de
histórias, roda de conversa, conto e reconto, ilustrações, dramatizações, teatro e
vivências a partir de obras literárias são pequenas iniciativas do professor que farão
toda a diferença para estimular o desenvolvimento da capacidade de leitura,
formação humana e literária dos estudantes.
O fato de algumas obras de Literatura com a representação de personagens
negros estarem nas prateleiras da biblioteca escolar não garante acesso aos
diversos “tesouros” culturais, acumulados pela humanidade, aos leitores mais novos.
Eles precisam ter oportunidade de conhecê-los, por meio de elementos mediadores
e ações intencionais de leitura propostas pelo professor, para desenvolver a
formação literária, como a organização de espaço, tempo para ler e didática
adequada.

2.3 ATIVIDADESDE LEITURA LITERÁRIA: ELABORAÇÃO DO PROCESSO FORMATIVO COM


PERSONAGENS NEGRAS NA LITERATURA INFANTIL E JUVENIL

Pensar na elaboração de um processo formativo com leitura literária é


importante para consolidar o desenvolvimento de ações leitoras junto aos alunos, e
44

resulta da ação intencional do professor mediador, mas mesmo assim, ainda é


preciso caminhar muito para a superação das dificuldades de acesso às obras de
literatura afro-brasileiras, mesmo que estejam dispostas na biblioteca escolar por
meio da distribuição de Programas do Governo torna-se necessária a mediação
docente nesse processo de leitura, pois o desenvolvimento da capacidade com a
leitura, a reflexão da estética literária e contato com a cultura africana, pela base
Histórico-Cultural são desenvolvidas pelas interações humanas. Sendo assim, o
processo de construção do conhecimento na abordagem dialética desenvolve-se
primeiramente do todo para as partes e depois das partes para o todo, realizando
uma síntese e relacionando-se sempre ao contexto ou condições materiais históricas
em que acontece a relação cognitiva entre o sujeito e o objeto (GAMBOA, 2011).
A partir das reflexões da professora-pesquisadora junto ao grupo de estudos,
buscou desenvolver o processo formativo com literatura levando em consideração a
função das atividades organizadas na valorização das representações estéticas de
personagens negros na Literatura, a qual se considera um avanço muito importante
no âmbito social e escolar. Quanto ao interesse crítico emancipador que orienta a
pesquisa, a atividade intelectual reflexiva se organiza para desenvolver a crítica e
alimentar a práxis que transforma o real e libera o sujeito dos diferentes
condicionantes. Esses interesses básicos da pesquisa se apresentam igualmente
nos diferentes enfoques científicos ou tendências epistemológicas da pesquisa
social e educativa.
Diante disso, no início do último trimestre letivo de 2021, a professora
pesquisadora desenvolveu o processo formativo das atividades organizadas,
baseando-se em investigações dos seguintes dos autores: Bernardes (2012) e Miller
(2020) e as análises da leitura das obras de Literatura Afro-brasileira e de temática
africana foram feitas com base na categoria dialética Conteúdo e Forma, norteados
pelas autoras Franco e Girotto (2017). Com base nestes estudiosos, e em estudos
sobre o Materialismo Histórico e Dialético pode-se pensar em práticas de leitura e
produção textual.
Contudo, a questão norteadora que conduziu a professora-pesquisadora
durante todo processo para desenvolver a proposta didática aos seus alunos foi a
questão: como as atividades de leitura acerca da Literatura afro-brasileira
contribuem para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores em alunos do
Ensino Fundamental, a partir da representação do personagem negro na literatura?
45

O quadro a seguir descreve o planejamento feito com as obras de literatura


afro-brasileira para o último trimestre letivo, que foi elaborado a partir da escolha dos
alunos, por meio dos vários títulos presentes no acervo bibliotecário e após o
compartilhamento de diversas leituras que partem da escolha individual de cada
aluno para a socialização das ideias e relato da percepção da obra escolhida pelo
aluno em uma roda de apreciação.

Quadro 3 - Cronograma das obras de Literatura afro-brasileira e os objetivos das


atividades organizadas para o 3º trimestre de 2021.
PLANEJAMENTO DAS OBRAS
DE LITERATURA AFRO-BRASILEIRA
E DE TEMÁTICA AFRICANA

OBJETIVOS: Ampliar o repertório Cultural e Literário com a análise do conteúdo e forma das obras
selecionadas. Observar o desenvolvimento e uso das funções psíquicas por meio das falas e
compreensão da leitura literária das obras. Estimular a formação leitora do aluno do Ensino
Fundamental.

CRONOGRAMA DE HISTÓRIAS TÍTULO E AUTOR DAS OBRAS


LEITURAS OUTUBRO – RODA DE Leitura individualizada para uma roda de
APRECIAÇÃO LITERÁRIA apreciação e a escolha de uma obra de
(4 aulas - quartas-feiras) Literatura Afro-brasileira disponível no acervo
bibliotecário para socialização pelo aluno aos
demais colegas.
OUTUBRO– 2 aulas cada obra. SISTO, Celso. O casamento da princesa. São
Paulo: Prumo, 2009. (livro em PDF)
Obra escolhida pelos alunos na roda de
apreciação:
SISTO, Celso. Kalinda - A princesa que perdeu
os cabelos e outras histórias africanas, 2018
(PNLD 2020)
OUTUBRO– 2 aulas cada obra. Trecho e imagens do filme A princesa e o
sapo. Disney, 2009.
VASSALO, Márcio. Valentina. São Paulo:
Global, 2007.
NOVEMBRO – (6 aulas - quartas- OCELOT, Michel. Azur & Asmar. Trad. Annita
feiras) Costa. São Paulo: Edições SM, 2007.
NOVEMBRO – (4 aulas - quartas- Filme As aventuras de Azur & Asmar.
feiras) OCELOT, Michel, 2006.
DEZEMBRO – Entrevistas finais

Fonte: A autora (2021).

Depois do compartilhamento das ações de leitura em uma roda de conversa,


os alunos tiveram a oportunidade de votar em uma obra “Kalinda: A princesa que
perdeu os cabelos”, para realizar uma leitura coletiva da obra toda, em sala de aula.
Em decorrência dessa escolha foram desenvolvidas algumas atividades de
produção de escrita do Conto, as quais serão descritas logo adiante. Os outros
46

títulos foram escolhidos pela professora pesquisadora devido ao conhecimento dos


mesmos e pela valorização representativa do personagem negro na literatura. A
partir deste cronograma foram criadas várias atividades organizadas, as quais serão
devidamente detalhadas e envolvem as obras do quadro apresentado, a fim de dar
continuidade ao processo formativo com a leitura literária e desenvolvimento
cognitivo com os alunos.

2.4 OS PROPÓSITOS DA INVESTIGAÇÃO

Por hora, é importante informar ao leitor, ainda neste último tópico do primeiro
capítulo, os propósitos desta investigação. Após a elucidação dos caminhos iniciais
da pesquisa, apresento o cenário, participantes, instrumentos, técnicas e os
pressupostos teóricos e métodos que baseiam a prática docente do processo
formativo com literatura afro-brasileira. No próximo capítulo, apresento a ligação
entre os conceitos de trabalho, educação e literatura, os relacionando à importância
do contato com a Literatura Afro-brasileira.
A pouca representatividade étnico-racial na literatura brasileira promove
incompreensões sobre a natureza social de alguns signos ou conceitos importantes
(como os personagens negros e o enredo de base africana) e é preciso
compreender o porquê de um signo ou figura representativa da cultura africana, que
se encontra presente hoje em bibliotecas escolares, não ter tido espaço na
sociedade há três décadas. Sendo assim, é fundamental descobrir formas de
ampliar a visão de mundo e a partir disso objetivar-se em uma produção textual,
obra de arte, que represente os elementos de sua cultura e da própria subjetividade
do autor, mesmo sendo um jovem estudante dos Anos Iniciais, exigindo uma
capacidade de leitura reflexiva e este é o caminho para o uso e o desenvolvimento
das capacidades psíquicas superiores.
Na escola, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores está ligado
a uma estrutura organizada de aprendizagem para a apropriação de conhecimento,
por isso a relevância da prática de atividades com leitura e escrita. Para tanto
tornou-se necessário que os alunos assimilassem as características composicionais
dos Contos, a fim de produzirem um Conto com personagens negros em situação de
47

protagonismo, o que é um desafio em termos de realidade brasileira, mas não o é no


campo ficcional literário. Sendo assim, é importante justificar que a presente
investigação se concentra no conjunto de ações didáticas, cujo propósito foi o de
permitir aos estudantes compreender o mundo para além dos limites da alienação 3 e
ter consciência do poder transformador da superação da realidade que as criações
de suas ações possuem.

3
O conceito de alienação tem base na obra de Marx, segundo Mészáros (2006) o conceito de
alienação teria quatro dimensões fundamentais: 1) a alienação do homem em relação à natureza, 2)
a si mesmo (a sua própria atividade),3) ao seu ser genérico (a seu ser como membro do gênero
humano) e 4) aos outros homens. A alienação tem origem na atividade material humana que é a fonte
da consciência. Mészáros, I. (2006). A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo.In:
Almeida, Melissa Rodrigues de, Abreu, Claudia Barcelos de Moura e Rossler, João Henrique.
Contribuições de Vigotski para a análise da consciência de classe. Psicologia em Estudo. 2011, v.
16, n. 4, pp. 551-560. Epub 21 Maio 2012. ISSN 1807-0329. Acesso em:22 dez.2022.
48

3 TRABALHO, EDUCAÇÃO E LITERATURA AFRO-BRASILEIRA

Se o nosso planeta fosse vítima de uma catástrofe


que só pouparia as crianças menores e na qual
pereceria toda a população adulta, isso não
significaria o fim do gênero humano, mas a
história seria inevitavelmente interrompida. Os
tesouros da cultura continuariam a existir
fisicamente, mas não existiria ninguém capaz de
revelar às novas gerações o seu uso. As
máquinas deixariam de funcionar, os livros
ficariam sem leitores, as obras de arte perderiam a
sua função estética. A história da humanidade
teria de recomeçar. (LEONTIEV, 1978, p. 272).

Esta metáfora promove uma reflexão acerca da importância da educação na


perpetuação da história humana em vários setores, e a prática de leitura literária
com as gerações mais novas se destaca pela manutenção do conhecimento
científico para que todo o acúmulo de cultura humana elaborada não se perca, e é
também um ponto importante, levar em conta que não só a manutenção da prática
da leitura, mas a leitura compreensiva, reflexiva e consciente dos signos e
significados sociais.
O desenvolvimento do homem acontece em relação a sua cultura e
sociedade, e o mundo da indústria, da ciência e da arte é também uma expressão
da história da natureza humana (LEONTIEV, 1978). Ninguém nasce pronto, com
todas as suas capacidades terminadas (de linguagem, fala, escrita, raciocínio,
cálculo ou mobilidade), elas são desenvolvidas de acordo com a sua experiência
sócio-histórica e sua apropriação dos conhecimentos acumulados e sistematizados
em um processo ativo e interativo com outros sujeitos experientes.
Objetos da cultura como os livros de literatura afro-brasileira, são produtos de
um desenvolvimento histórico e os frutos da atividade humana que se acumulam no
objeto. Segundo Leontiev (1978), o instrumento é ao mesmo tempo um objeto social,
no qual estão incorporadas e fixadas as ações do trabalho historicamente
elaboradas. Os livros de literatura não são simplesmente objetos, mas são
instrumentos culturais e a sua apropriação implica na compreensão de operações
incorporadas ao instrumento, neste caso o domínio da leitura e escrita do Gênero
Literário Conto para a formação de faculdades superiores, no caso desta pesquisa.
O conceito a ser trabalhado nestes contos é o conhecimento da presença dos
49

personagens negros no enredo. Quando um estudante se apropria de um


instrumento é porque aprendeu sobre a sua constituição científica, sua função,
finalidade, constituição e ao servir-se dele mostra que se formaram ações mentais e
operações necessárias para isso. Nesse sentido, ler com compreensão e com
autonomia implica envolver-se em um processo educativo elaborado, ou seja, um
estudante, fora da escola, e sem contato com outros indivíduos que transmitam o
legado da cultura escrita e a elaboração da história em sociedade, pode resultar em
baixos níveis de desenvolvimento humano.
Esse trabalho de ensino é delegado às escolas e aos professores, os quais
lutam contra as dificuldades e contradições impostas pelo sistema para dar
continuidade ao ensino dos conceitos científicos, para que a apropriação de
conhecimentos acumulados não se perca. Segundo Arena (2021), ler livros com e
para as crianças demonstra um dos modos culturais dos atos de ler que são
recriados e legados de uma geração a outra, e ainda, a convivência entre gerações
permite a apropriação e a transmissão da cultura. Experimentar, viver o processo de
apropriação dos signos culturais que medeiam as relações é humanizar-se, pois

Os signos, a literatura para crianças, os modos de ler do homem, seus


gestos e atitudes formam um conjunto semiótico que medeia essas relações
(...). Sem o homem precedente, que já se apropriou da cultura, não haverá a
apropriação correspondente pelo homem subsequente. Bibliotecários,
professores e pais são esses homens históricos, sociais e culturais,
responsáveis por legar tudo isso às crianças que já nasceram e às que
ainda nascerão. (ARENA, 2021, p.20).
A prática da leitura nas escolas conserva uma característica diferente das
leituras realizadas em outros contextos sociais, visto que, no caso da Leitura literária
em contexto escolar, ela carrega a potencialidade do desenvolvimento da cognição
humana, para a apropriação dos signos linguísticos e dos seus vários significados
construídos socialmente, e o conceito trabalhado com foco é a construção do
personagem negro no gênero literário Conto.
As capacidades cognitivas de leitura e compreensão humanas, não são
inatas, ou seja, elas não nascem biologicamente como seres humanos, mas
precisam ser adquiridas, desenvolvidas em cada indivíduo, a fim de que venham a
humanizar-se, e assim, é no espaço escolar que estas práticas com leitura são
elaboradas e organizadas, com a intencionalidade de promover reflexão e análise
dos conteúdos literários. Sabendo que o ser humano não nasce com a capacidade
intelectual de leitura, escrita e cálculo já desenvolvida, é preciso organizar condições
50

para o seu aprendizado, e ao aprender avança no desenvolvimento de capacidades


psíquicas ao longo de toda a vida, enriquecendo essas experiências dentro de um
contexto com acesso aos bens materiais (livros, internet, local adequado de estudo,
interações humanas organizadas para o ensino, contato interpessoal). Segundo
Leontiev (1978) quanto mais rica é a prática sócio-histórica acumulada por ela, mais
progride a humanidade, portanto o movimento histórico só é possível com a
transmissão dos saberes às novas gerações e as aquisições da cultura humana,
mediante a educação.
O progresso da humanidade depende do papel específico da educação, afinal

Quanto mais progride a humanidade, mais rica é a prática sócio-histórica


acumulada por ela, mais cresce o papel específico da educação e mais
complexo é a sua tarefa. Razão por que toda a etapa nova no
desenvolvimento da humanidade, bem como nos diferentes povos, apela
forçosamente para uma nova etapa no desenvolvimento da educação: o
tempo que a sociedade consagra à educação das gerações aumenta; criam-
se estabelecimentos de ensino, a instrução toma formas especializadas,
diferencia-se o trabalho do educador do professor; os programas de estudo
enriquecem-se, os métodos pedagógicos aperfeiçoam-se, desenvolve-se a
ciência pedagógica. (LEONTIEV, 1978, p. 273).

Vale salientar que a ciência pedagógica carece de aperfeiçoamento


constante, de tempos em tempos é necessário reconhecer e estudar novos métodos
pedagógicos para que o progresso da humanidade não corra risco, mas avance
continuamente. Por isso, reconhece-se nesta dissertação o método didático
formativo com atividades de leitura literária, cujas bases auxiliam a compreender o
uso das funções psíquicas nos sujeitos leitores. A educação possui formas diversas
de métodos, metodologias de aprendizado e propostas para que o desenvolvimento
de capacidades humanas ocorra, contudo o aperfeiçoamento das técnicas
pedagógicas é uma constante no processo complexo campo da Educação.
A partir da metáfora de Leontiev (1978), mencionada anteriormente,
compreende-se o quanto o meio social é relevante para o desenvolvimento das
capacidades linguísticas do ser humano e quão trágico pode ser a falta do contato
com outro ser humano mais experiente para promover uma troca cultural, a fim de
“revelar” ou apresentar os signos da linguagem e sua compreensão, em um
movimento dialético de organização do processo educativo, objetivando o cultivo
constante das capacidades humanas. Por outro lado, o não desenvolvimento de um
sistema de aprendizado dos saberes humanos pode ser desastroso em diversas
áreas da vida humana, não somente para o campo da leitura. O período pandêmico
51

sinalizou muito sobre o quanto a dificuldade de acesso aos bens materiais como
livros e vídeos-aula pela internet interferiram no desenvolvimento de muitas
crianças, que apesar dos esforços da rede escolar, não conseguiram se apropriar
dos conhecimentos básicos.
A analogia de Leontiev (1978) também alerta sobre o quanto o ato de ler é
importante na compreensão de objetos culturais elaborados pela humanidade, e
apesar da existência física dos tesouros da cultura, os livros ou máquinas perderiam
o seu valor ou função, pois “não existiria ninguém capaz de revelar às novas
gerações o seu uso”. Aqui está a relevância da ciência pedagógica na ampliação da
capacidade de compreender os signos linguísticos em suas diversas formas
(palavras ou imagens) e que foram desenvolvidos pelos homens. Mas se não
houvesse um constante aperfeiçoamento metodológico, não aumentaria a
possibilidade de desenvolver constantemente o psiquismo humano, a fim de que as
novas gerações desenvolvam a compreensão de uma leitura literária e se apropriem
dos usos e funções dos diversos signos linguísticos presentes nas obras.
Em suma, percebe-se que os tesouros científicos e culturais acumulados por
toda a humanidade estariam perdidos, sem acesso devido às obras, pela
incapacidade de leitura e compreensão, “os livros ficariam sem leitores”, devido à
falta de capacidade de leitura das obras. Desta forma, nota-se que sem uma
mediação docente adequada, com caráter formativo, visando desenvolver
capacidade psíquicas superiores, as obras dos tesouros da cultura são
incompreensíveis, apesar da sua existência física, e mesmo que estas obras
estejam à disposição do contato físico, como em uma biblioteca, por exemplo, o seu
valor em uma prateleira é nulo.
O ato de ler sem compreensão não transmite nenhum legado cultural, muito
menos desenvolve a capacidade humana de leitura. Portanto, sem criar condições
adequadas que ensinem sobre a apropriação das riquezas culturais, mediante a
leitura das obras às gerações mais novas, as quais ainda precisam compreender
como funciona o sistema linguístico da sua língua materna, isso é de extrema
importância ao campo educacional. Em outras palavras pode-se dizer que elas
podem até estar à disposição, porém a não apropriação dos signos da linguagem
incapacita-o a ler e compreender a função estética das obras de arte, dos seus
diversos conteúdos e formas e na construção de sentidos, e não promove o
desenvolvimento da leitura e das capacidades cognitivas dos sujeitos envolvidos.
52

Nos tópicos seguintes há uma discussão abrangente sobre a importância do


trabalho docente com a leitura literária, que é uma objetivação da subjetividade
humana e carrega em si (em seu conteúdo e forma) uma particularidade do autor,
que por sua vez é sujeito de um determinado tempo e sociedade. Ao mesmo tempo,
essa obra é universal (compartilha características do gênero humano), e por isso,
neste trabalho, foram escolhidas obras que tenham o personagem negro no enredo,
portanto pertencentes ao rol da literatura afro-brasileira e de temática africana,
particularmente as obras do gênero textual Conto, com a justificativa da relevância
social e cultural que essas obras têm ao contexto educacional brasileiro, e mais
adiante ressalta-se o aspecto legal de trabalhar com a cultura africana em sala de
aula, além da importância da ressignificação das desgastadas relações étnico-
raciais, sobretudo para a compreensão dos signos e significados relacionados à
população negra presente nas obras. O reconhecimento da importância da
população e de personagens negros na literatura brasileira é um aspecto recente e
merece destaque na história humana.
Já ao final deste capítulo, discute-se como a práxis docente com as obras
literárias da cultura africana pode ser uma ferramenta cultural, auxiliando no trabalho
docente com a leitura literária e oportunizando um espaço de reflexão sobre a
diversidade étnico-cultural. Assim, em decorrência da organização pedagógica e da
relação de dialética (entre professor - aluno - obras), vislumbra-se o caminho da
ampliação da leitura e para o desenvolvimento das capacidades cognitivas como:
memória, consciência, percepção, atenção, fala, pensamento, vontade, formação de
conceitos e emoção. Importante enfatizar que ensinar não é só transmitir
conhecimento e desenvolver capacidades, mas sim pensar no processo educativo
como um todo. Portanto, compreende-se que o trabalho educativo é uma categoria
dialética que promove o desenvolvimento intelectual dos alunos, e no próximo
tópico, será elucidado sobre a importância dessa prática social para o processo de
humanização.

3.1 CATEGORIA DIALÉTICA DE TRABALHO E O PROCESSO DE HUMANIZAÇÃO


53

A THC concebe o trabalho como uma categoria dialética, relevante para o


desenvolvimento das capacidades humanas, sobretudo as cognitivas. O homem, por
ter sua natureza material, busca apropriar e objetivar os conhecimentos produzidos
e acumulados pelas gerações anteriores, assim transforma a si mesmo e o seu meio
dialeticamente, para superar suas necessidades e romper com a alienação.
Compreender a prática social do ser humaniza o homem, para torná-lo parte
integrante da sociedade a qual pertence.
Por meio das pesquisas realizadas, é possível elencar que a grande
contribuição dessa teoria é a concepção do homem enquanto sujeito histórico, social
e que também possui em seu ser a síntese das múltiplas determinações. Marx
(1978), ao tratar da natureza humana, parte da concepção de que o homem faz
parte da natureza com suas particularidades biológicas, porém, motivado pela
necessidade, é capaz de superá-las a partir de ações intencionais, conscientes,
objetivando a transformação da natureza.
Segundo Martins (2015), para garantir a sua sobrevivência, a princípio o
homem precisou adaptar-se à natureza, tendo o seu desenvolvimento marcado pelo
biológico, denominado como processo de “hominização”. Em conseguinte, dado a
um nível maior de desenvolvimento, as necessidades do homem se modificaram e
ele necessitou atuar e retirar da natureza, por meio da sua própria ação consciente,
recursos que suprissem suas novas necessidades essenciais à manutenção da vida,
ou seja, necessitou realizar uma “atividade vital” chamada “trabalho”. Logo, o
homem superou as barreiras do biológico, que o levou a desenvolver novas funções
psíquicas, provenientes da vida em sociedade. De acordo com Malanchen (2019), é
pelo trabalho que ocorrem as alterações na ordem biológica e social do homem,
levando-o ao processo de “humanização”, que por sua vez é resultado da cultura
material e intelectual historicamente acumulada.
Bernardes (2012) explica que o homem, ao longo do seu desenvolvimento
histórico, busca controlar a natureza pela invenção e uso de novos instrumentos
movidos pela necessidade. As mudanças na formação interna do próprio homem
(em sua constituição psíquica) provém do contato com a cultura material e da
internalização dos signos. O homem se desenvolveu enquanto ser social produzindo
a sua existência por meio de atividades vitais, sendo a leitura, escrita e cálculo
produtos dessas atividades humanas. No entanto, Martins (2015) adverte que não é
qualquer atividade que promove novas funções psíquicas ou neoformações no
54

homem. O desenvolvimento psíquico ocorre por meio da mediação consciente, ou


seja, primeiro o homem idealiza o produto, depois define o caminho que precisa
executar pelo trabalho, para então transformar o produto idealizado em material real.
Assim, segundo Bernardes (2012), atividades vitais como leitura, escrita e
cálculo surgiram em um determinado momento na história da humanidade por uma
necessidade e, em decorrência dessa atividade, o aparato psíquico humano também
se desenvolveu. Contudo, o produto do trabalho só acontece devido às capacidades
desenvolvidas pela mediação consciente dos signos linguísticos. Compreende-se,
portanto, que a produção de objetos culturais como Contos, livros e obras artísticas
acontece por meio do desenvolvimento do psiquismo humano, pela via da leitura e
produção de textos. O ensino conceitual de personagens negros na Literatura é um
conceito destacado no estudo em questão, sob a relevância social que este signo
possui no sistema educacional brasileiro, dessa forma produz simbolicamente a sua
existência, ou seja, fazendo emergir as representações sociais que até então, foram
limitadas e ausentes na literatura, como a de personagens negros em situação de
protagonismo.
Por meio da atividade vital, o homem criou objetos nos quais ficaram
objetivados a sua prática social, isto é, as habilidades, as capacidades cognitivas e
os conhecimentos humanos, e assim o homem mais experiente ensina a outro
homem como utilizar os instrumentos historicamente produzidos, pelos quais se
apropriam das objetivações da cultura, tornando-se um ser genérico e participante
da vida em sociedade. O homem desenvolve nesse processo as suas capacidades
cognitivas, aptidões, atitudes e valores, que o levam a superar os limites biológicos e
também incorpora os significados culturais.
O trabalho é base estruturante da consciência, mas o trabalho sozinho não
transforma o homem, é necessário que a consciência seja concretizada pela
linguagem, e pressupõe uma intencionalidade e desenvolve-se por meio da pré-
ideação de sua realização. Sendo assim, o processo da “[...] atividade vital humana
é ação material consciente e objetiva, ou seja: é práxis”. (MARTINS, 2015, p. 36).
Quando supera “os limites da representação imediata da realidade, o homem
passa a representar cognitivamente os fenômenos da realidade, denominando-os
como palavras de sua linguagem e como resultado, formam-se os conceitos e os
significados”. (MARTINS, 2015, p. 39). Isso quer dizer que é pela linguagem que o
homem realiza a mediação entre os instrumentos históricos socialmente produzidos
55

aos outros homens. Superar os limites de representação presentes em nossa


realidade brasileira significa compreender que os instrumentos historicamente
produzidos, como as obras literárias, refletem ainda a estrutura colonialista.
O negro foi retratado desde o período colonial até a República, somente
sendo relacionado às questões ligadas à escravidão ou a processos abolicionistas, e
esse fato é compreensível, considerando que as grandes narrativas destes períodos
históricos se deram a partir da ótica do dominador e colonizador (PEREIRA, 2015).
O dominador é também quem tem o poder da palavra, visto como aquele que produz
histórias, as divulga e constrói imagens sociais, desconsiderando os outros
personagens, que também fazem parte dessa história, mas que não tem voz,
imagem e espaço.
A trajetória histórica dos negros foi acompanhada de muitos enfrentamentos,
e não é somente a história de um grupo que veio da África, pois fala-se aqui da base
histórica do Brasil e de boa parte do povo brasileiro, e nesse contexto, narrar a
trajetória do negro no Brasil é, antes de tudo, falar de um personagem social e
histórico que esteve presente desde o início do processo de colonização e contribuiu
imensamente para a constituição da história.
A perspectiva decolonial que vem ganhando visibilidade na América Latina e
que oferece outro olhar sobre as epistemológicas, que valorizam a produção de
conhecimentos plurais, locais e que buscam empreender as ações transformadoras
da realidade social. Dessa maneira, problematizar a questão do racismo, a partir de
discursos que enfatizaram a educação para o “progresso” como sendo uma tarefa
de brancos, as ideologias de embranquecimento da população brasileira, a
perspectiva da superioridade da raça branca, a noção de meritocracia e o mito da
brasilidade ou da democracia racial4 no Brasil, torna-se importante para promover
uma revisão da história do Brasil em uma perspectiva crítica e localizada, como um
modo de, tornar visível, parte dos conhecimentos e vivências que, de modo
sistemático, vem sendo desqualificados e silenciados na trajetória da população
negra brasileira (CARVALHES; SILVA; LIMA, 2020).

4
O “mito da brasilidade” fundamenta-se em trabalhos de Gilberto Freire (1930) Casa Grande e
Senzala, e também a obra de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, que fundamentou o
campo de estudos de antropologia social, contribuiu para produzir uma materialidade do racismo no
Brasil, tornando o racismo menos explícito ou mais progressivamente sutil e mascarado
(CARVALHES; SILVA; LIMA, 2020).
56

Quando se fala em superar os limites da representação imediata da


realidade, é preciso não problematizar somente os limites do “paradigma
epistemológico eurocêntrico”, da “ciência hegemônica brancocêntrico”
(CARVALHES, SILVA; LIMA, 2020, p.321), mas também os limites de uma literatura
branca e colonial produzida no Brasil, que cerceou as expressões artísticas como a
de personagens negros, sobretudo em posição de protagonismo. Segundo
Carvalhes e Lima (2020, p. 67) no Brasil, percebe-se ainda que existe de maneira
parcial as “estratégias de produção hegemônica do conhecimento e de modos
representacionais (coloniais) de subjetivação”. Neste sentido o diálogo com a
perspectiva decolonial é relevante, pois entende os processos de produção subjetiva
como: incessantes, plurais e localizados.
Segundo Souza (2009), o discurso de que somos todos iguais, as raças no
Brasil coexistem pacificamente e todas as pessoas possuem as mesmas
oportunidades, é um mito amplamente aceito na sociedade brasileira, ainda
justificado pela ideia de meritocracia5, repercute exponencialmente, também no
campo da educação, enquanto esconde um problema sintomático de injustiça social,
completa a desigualdade de oportunidades presentes, não só no campo material
(econômico e de acesso a direitos básicos, cidadania), mas também imaterial e
simbólico (ideias, valores, sentidos e significados sociais).
A desvalorização ou invisibilidade da figura do negro no meio social promoveu
uma descaracterização simbólica dos personagens negros na literatura e artes em
geral. A partir de uma visão escravagista e ideologias de supremacia racial que
orientavam a cor de personagens nos enredos literários, estando estes personagens
negros, predominantemente, dispostos a subserviência, apiedamento,
subalternidade ou subcidadania, ou em outro oposto, em uma perspectiva
eurocêntrica, personagens centrais destacados em atos de heroísmo, poderes
mágicos, figuram-se dominantemente em personagens brancos (DEBUS, 2010;
2012; 2013) e (JOVINO, 2006; 2016).
Compreender o quanto a questão racial e colonial está impregnada nos
modos como se produz os conhecimentos e Literatura no Brasil, pode melhorar a
5
Meritocracia é um discurso do senso comum que considera o meio social como supostamente
democrático, pois entende que todos são iguais por natureza e que possuem os mesmos direitos.
Nesse sentido, a meritocracia figura como o mecanismo explicativo das diferenças entre os indivíduos
via esforço: “ganha mais quem fez mais por merecer”, isto é, do mérito, o atribui ao esforço do
indivíduo, destacando-o do meio social e de sua classe. SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e
como vive. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009.
57

forma de trabalhar com as produções artísticas do campo educacional, no sentido de


contribuir para a “promoção de articulações, conexões e aproximações ético-
políticas entre pessoas e coletividades as socialmente estigmatizadas e
invisibilizadas”, para que possam valorizar as figuras humanas, as quais por meio de
suas interações produza formas fluidas, singulares e variadas em meio a
interconexões sempre parciais e inacabadas (CARVALHES; LIMA, 2020, p. 69).
Sobre a ausência ou pouca expressão de personagens negros na literatura
de recepção infantil e juvenil, Debus (2012) lembra que esta presença de elementos
da cultura africana e afro-brasileira não existia antes da década de 1970 no Brasil.
Antes disso, personagens negros não tinham protagonismo eram somente
representados com docilidade servil, submissos e ligados ao apiedamento. Sobre a
preponderância do protagonismo de personagens brancos em narrativas infantis, a
autora explica que
[...] os protagonistas das narrativas apresentam características vinculadas
aos grupos mantenedores do poder, por certo não contemplando a
diversidade étnica e silenciando a representação de personagens negras,
indígenas, asiáticas, entre outras. (DEBUS, 2012, p.143).

A luta da população negra no Brasil por liberdade e igualdade de condições é


antiga, e mesmo assim, este povo continua à margem da sociedade capitalista. Por
isso, posicionamentos mais democráticos precisam se instalar já na escola e garantir
direito às todas as diferenças, viabilizando o acesso à literatura que valorizem o
pertencimento étnico-racial dos alunos negros ou outras etnias, assim como
fomentar debates sobre as diferenças, mediadas pelo professor, pois são ações
importantes para a implementação da 10.639/2003 e 11.645/20086 e que
corroboram para causas a ruptura do preconceito racial. As leis supracitadas
pretendem trazer visibilidade aos afrodescendentes e os indígenas, e mostrar a sua
importância para a formação de nossa sociedade.
Com o fim do trabalho escravo no Brasil e, consequentemente, a falta de
acesso ao trabalho digno e escolarização dos negros e dos seus descendentes, em
decorrência não só da origem geográfica, mas das marcas corporais étnicas, as
quais provocam o preconceito racial, pautado pela diferenciação dos traços

6
10.639/2003 e 11.645/2008 que tornam obrigatório o ensino da História e cultura africana e afro-
brasileira no currículo escolar com ênfase nas disciplinas de História, Arte e Literatura, objetivando a
educação para as relações étnico-raciais; Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008 - Inclui no currículo
oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena"
http://portal.mec.gov.br
58

fenótipos no corpo, como o tipo de cabelo, formato de lábios, nariz, entre outras
características que remetem a herança biológica africana. Desta forma, traços de
raça, cor de pele podem interferir em oportunidades educacionais, financeiras e
sociais de um indivíduo no Brasil (CARVALHES; SILVA; LIMA, 2020).
O fator histórico da abolição da escravidão seguido de nenhuma política de
inclusão social e universalização da cidadania geram um abandono real e simbólico
das pessoas negras e seus descendentes, isso ocorreu de modo silencioso e
perverso durante todo o processo histórico no Brasil e ainda continua acontecendo
(STERNIK, 2016, p.46).
No Brasil historicamente há a discriminação e marginalização da população
negra, e por isso, ativamente, aprende-se que é preciso negar a sua identidade
étnica para ser aceito socialmente (LOPES, 2012) e o embranquecimento também é
uma estratégia de combate à dor. Dessa forma, a valorização da identidade negra é
possível no ambiente escolar, tendo como caminho norteador a implementação da
Lei 10.639, de 2003, que viabiliza a pluralidade de visões de mundo pela educação,
o acesso aos livros, bens culturais e artísticos que valorizem a estética negra,
africana e contemplem a dimensão multicultural do Brasil.
Neste sentido acredita-se que as apropriações das objetivações históricas
formam os significados abstratos e os conceitos, que irão representar a atividade
mental interna do indivíduo, isto é, a consciência (MARTINS, 2015). Dessa maneira,
Leontiev (2004), argumenta que cada geração inicia a sua vida no mundo com uma
vantagem prévia, criada pelas gerações anteriores, apropriando-se e participando
das diversas riquezas de conhecimento acumuladas na forma de diversas
produções e atividades sociais proporcionadas pelas circunstâncias da vida
concreta.
[...] Com efeito, mesmo a aptidão para usar a linguagem articulada só se
forma, em cada geração, pela aprendizagem da linguagem que se
desenvolveu num processo histórico, em função das características
objetivas desta língua. O mesmo se passa com o desenvolvimento do
pensamento ou da aquisição do saber. Está fora de questão que a
experiência individual do homem, por mais rica que seja, baste para
produzir a formação de um pensamento lógico ou matemático abstrato e
sistemas conceituais correspondentes. Seria preciso não uma vida, mais
mil. De fato, o mesmo pensamento e o saber de uma geração formam-se a
partir da apropriação dos resultados da atividade cognitiva das gerações
precedentes. (LEONTIEV, 2004, p. 284).

Assim, entende-se que a linguagem é fundamental para o processo de


desenvolvimento humano, dado a sua capacidade de comunicação e interação entre
59

os indivíduos, por isso que após o processo dialético de leitura literária com as obras
afro-brasileira, criou-se uma proposta didática aos estudantes: uma produção de
texto autoral de um Conto, para que os estudantes possam objetivar-se por meio da
linguagem. Para Bernardes (2012), o trabalho e a linguagem têm influência no
processo evolutivo da consciência humana, e isto se dá, pois os objetos criados pelo
homem e fenômenos sociais são representados por signos, que refletem no
psiquismo do indivíduo a imagem subjetiva do mundo objetivo.
O homem em seu processo histórico, cultural e social descobriu que a
linguagem oral pode ser representada por meio de signos escritos que representam
a oralidade e os objetos do mundo real, portanto a linguagem escrita é uma
objetivação cultural humana. Dessa maneira, compreende-se que o texto escrito
objetiva transmitir uma mensagem e carrega um sentido representado pelo signo
(escrita gráfica ou imagens), de modo que o leitor precisa encontrar meios para
compreendê-la. Contudo, a compreensão não é dada naturalmente, pois não é uma
capacidade inata, é preciso buscar apropriar-se dos signos da linguagem para
entender os significados das palavras e assim atribuir sentido (ARENA, 2021).
Portanto, argumenta-se aqui que a capacidade de leitura literária e a apropriação do
significado dos signos culturais e linguísticos precisam acontecer no ambiente
escolar, mediados pela Práxis docente.
Sobre a educação das relações étnico-raciais e a prática docente, é
importante ponderar o fato de que ainda existe um distanciamento do tema ou
negligência por parte dos agentes da educação. Segundo Gomes (2005, p.146)
“Ainda encontramos muitos educadores (as) que pensam que discutir sobre relações
raciais não é tarefa da educação”, porém isso demonstra uma falta de formação
completa sobre a história e a cultura brasileira, a pesquisadora demonstra que na
compreensão de parte dos docentes a função da escola está reduzida somente a
transmissão de conteúdos historicamente acumulados, e como se esses conteúdos
pudessem ser trabalhados de forma desarticulada da realidade social do Brasil. A
autora ainda indaga, de como é possível pensar a escola brasileira, sobretudo a
pública, descolada das questões étnico-raciais que fazem parte da construção
histórica, cultural e social do seu país? Em resposta a esse questionamento, destaca
que é preciso que os educadores compreendam as múltiplas dimensões que formam
o processo educacional e constituinte da nossa formação humana. Portanto, é
60

necessário construir estratégias de valorização da população negra na educação


(GOMES, 2005, p.146).
Segundo Arena e Miller (2011), cabe ao professor a escolha dos significados
culturais relevantes para a formação dos indivíduos em período escolar. O ensino da
história e Literatura africana e afro-brasileira tem relevância legal 7 e social. É dever
da organização da prática docente, decidir sobre os objetivos de ensino e as
necessidades dos sujeitos, sobre os quais instrumentos e significados culturais
podem contribuir para o desenvolvimento e apropriação dos conhecimentos
adquiridos pelos estudantes, e cujo aprendizado lhes permite atuar de maneira
consciente na sociedade em que vive. Segundo Gomes (2005, p. 152), “Para se
realizar mudanças é preciso que haja movimento”, e nesse quesito todos são
desafiados a pensar diferentes maneiras de trabalhar com a questão racial na
escola, não só os professores, mas gestores, pedagogos, bibliotecários, pois todos
podem se comprometer com a democracia e pela luta dos direitos sociais.
A Lei 10.639, inserida no currículo escolar desde 2003, representa uma
possibilidade de combate ao preconceito e racismo instalado na escola e propagado,
inconscientemente e conscientemente, por indivíduos de todas as idades. Importa
abrir um debate e um espaço de diálogo, para o reconhecimento do negro na
História do Brasil, bem como a sua trajetória de lutas, literatura e manifestações
artísticas ligadas à África. Racismo é um tema árido e velado na sociedade
brasileira. Quase nenhum brasileiro se considera racista, contudo, os crimes,
violência e marginalização tem um alvo predominante na sociedade brasileira: os
afrodescendentes. O racismo é um problema que deve ser amplamente discutido
por toda a sociedade, uma vez que se busca uma democracia racial de fato, e não
viver um mito. A necessidade da obrigatoriedade da Lei 10.639 aponta para a
resistência que se tem em discutir a questão racial e cultural no currículo escolar.
Nesse contexto. É preciso abrir uma discussão sobre a invisibilidade da cultura
negra, e assim, ainda no século XXI, continua-se a desenvolver recursos
educacionais para valorizar a história dos negros e formar as gerações futuras para
um bom relacionamento étnico-racial com todas as culturas.

7
A lei 10.630, de janeiro de 2003, alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394 de 20 de dezembro
de 1996 nos artigos 26 e 79, torna obrigatório o ensino da História e cultura africana e afro-brasileira
no currículo oficial das redes de ensino públicas e privadas brasileiras. Essa lei tem caráter
obrigatório e isso contribui para o avanço legal e para a compreensão da identidade do negro como
herança cultural e reconhece o negro em sua trajetória histórica.
61

Em decorrência do trabalho docente, que esteja disposto a realizar mudanças


e que vise processos educativos de qualidade, pode-se dizer que apesar de
inúmeras conquistas do desenvolvimento humano decorrente das forças físicas,
intelectuais dos homens e dos seus conhecimentos, infelizmente nem todos têm
acesso a tais aquisições. A desigualdade é um traço marcante na história da
educação brasileira, no qual se tem de um lado, uma educação voltada para os
interesses e manutenção elitista e, do outro, uma educação com recursos
insuficientes destinados às massas, e essas desigualdades não provêm de
diferenças biológicas, mas são resultados da desigualdade econômica criada entre
os homens que se formam no decurso da história.
Em relação às condições de desigualdade entre a população branca e negra
no Brasil e os desdobramentos disso, pretende-se apresentar alguns dados para a
problematização. De acordo com Carvalhes, Silva e Lima (2020, p. 315) a Pesquisa
Nacional por Amostra em Domicílio (PNAD) de 2013, já revelava sobre a
diferenciação entre ricos e pobres no Brasil se dá na seguinte proporção “a renda de
cada um do 1% de brasileiros mais ricos equivale, cem vezes à renda de cada um
dos 10% mais pobres”. Em relação a desigualdade racial a diferenciação continua
bastante acentuada, e a grande maioria dos negros no Brasil pertencem aos
quadros de precariedade social. Em 2017, de acordo com o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE)8, “o rendimento médio de uma pessoa negra era de
56% comparado a uma pessoa branca”. Carvalhes, Silva e Lima (2020) pontua que
“embora negros representem 53,6% da população brasileira, 76% estão entre os
10% mais pobres”.
Enfim, os dados sobre a desigualdade de renda ajudam a explicitar a
diferença na qualificação profissional e em níveis de escolaridade, visto que sem
acesso aos níveis mais elevados de ensino a probabilidade de ascensão econômica
e na carreira diminuem “destaca-se que 24% dos brancos têm nível superior
completo, contra 10, 26% dos negros” (CARVALHES; SILVA; LIMA, 2020, p.316).
Os dados da desigualdade brasileira apresentados são inquietantes, considerando
que as pessoas vivem em uma sociedade democrática e que aboliu a escravatura
há mais de 120 anos, mas esses dados refletem a dificuldade nas condições de

8
Dados recentes do IBGE de 2021, pesquisa sobre a cor ou raça da população brasileira com base
na autodeclaração. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD
Contínua) 2021, 43,0% dos brasileiros se declararam como brancos, 47,0% como pardos e 9,1%
como pretos.
62

acesso aos direitos básicos como renda e educação, portando diante dos dados
pode-se dizer que as oportunidades de acesso pleno a cidadania ainda é desigual
entre negros e brancos, isso é alarmante em uma democracia.
Ainda sobre a desigualdade humana, Leontiev (1978, p. 274) nos apresenta
outra metáfora
Se um ser inteligente vindo de outro planeta visitasse a Terra e descrevesse
as aptidões qualidades físicas, mentais e estéticas, as qualidades morais e
os traços do comportamento de homens pertencentes às classes e
camadas sociais diferentes ou habitando regiões e países diferentes,
dificilmente se admitiria tratar-se de representantes de uma mesma espécie.

As desigualdades sociais entre os homens são tão marcantes que parece


dividir as “categorias” de seres humanos, e essa desigualdade ainda permeia o
espaço escolar e a educação brasileira, em todos os seus níveis, por meio de várias
diferenças entre o sistema de ensino público e privado, o acesso a direitos básicos,
bens de consumo e bens materiais, as condições mínimas de cidadania, diferenças
entre o baixo e alto desenvolvimento de capacidades na leitura, escrita, cálculo,
condições essas que, mais adiante vão reverberar entre outras coisas no acesso ao
ensino superior de formação e profissionalização, repercutindo em aspectos
econômicos e de classe dos indivíduos. Essa divisão social do trabalho transforma o
produto do trabalho em objeto destinado à troca, mediante retorno financeiro, lucro,
acúmulo de capital.
Segundo Marx (1978) o produto do trabalho humano toma um caráter
totalmente impessoal, transformando-se em uma mercadoria, e diante disso, a
divisão social do trabalho tem como consequência que a atividade material e
intelectual humana, como o acesso ao conhecimento e o trabalho, acabe se
tornando uma produção e um consumo que se separam e passam a pertencer à
homens diferentes. A concentração das riquezas materiais nas mãos de uma classe,
dominantemente branca, é acompanhada por uma concentração da cultura
intelectual, e já em contraste a isso, a população negra no Brasil constitui uma
massa expressiva que se contenta com o mínimo de desenvolvimento cultural
necessário à produção de riquezas materiais. Sendo assim, o discurso da
meritocracia colabora para materializar as formas de reprodução da desigualdade e
a manutenção das hierarquias sociais. “Dessa forma, cria-se uma lógica social em
que os próprios agentes excluídos das possibilidades de inserção nessa
determinada esfera produtiva se sentem responsáveis por sua marginalização”.
63

(SOUZA, 2003, p.11).


Com a atualização dos dados obtidos diretamente no site do IBGE, dispostos
em arquivos informativos denominados “Desigualdades sociais por cor ou raça no
Brasil” (2019) e a “Síntese de indicadores sociais” (2021), em que ambos apontam
que a desigualdades raciais precisam ser consideradas, pois são importantes
vetores de análise das desigualdades sociais no Brasil, ao mesmo tempo em que
revelam uma maior vulnerabilidade socioeconômica das populações de cor ou raça
preta, parda e indígena. Esses dados demonstram o desigual acesso de distintos
grupos populacionais aos bens e serviços básicos necessários ao bem-estar (como
saúde, educação, moradia, trabalho, renda etc.). Em destaque, temos neste
informativo a categoria “Mercado de trabalho e distribuição de renda” para os cargos
gerenciais em 2021, demonstram que 69,0% dos cargos são ocupados por brancos,
em contrapartida apenas 29,5% são ocupados por pretos ou pardos.
Em relação à participação e gestão, “Candidatos(as) a prefeito(a) com receita
de campanha acima de R$ 1 milhão” em 2020, 67,5% possui a cor branca, 6,8%
preta, 25,7% parda, e o percentual 0,0% para amarelos e indígenas. As pessoas que
se encontram abaixo das linhas de pobreza, destas 5,0% são branca, enquanto
20,4% são pretos ou pardos. Sobre as condições de moradia e patrimônio,
“Proprietários de grandes estabelecimentos agropecuários (mais de 10 mil ha) em
2021” maioria 79,1% concentra-se nas mãos de pessoas brancas, contra 19,0%
pessoas preta ou parda. Na categoria “Violência” referente a taxa de homicídios, por
100 mil pessoas em 2020, temos um total de 11,5% destes delitos cometidos contra
pessoas brancas, distribuídos por gênero feminino e masculino. Já em relação a
situações de homicídio, a população preta teve um total de 21,9% e a população
parda um percentual ainda maior 34,1%, nessa categoria de violência, o gênero
masculino é a mais afetada.
Outro dado importante, relacionado à questão racial e educação, diz respeito
aos estudantes de 6 a 17 anos de idade, que sem as aulas presenciais por
disponibilidade e tempo dedicados às atividades escolares em 2020, ano de
pandemia, quando foram questionados sobre as atividades escolares
disponibilizadas para a realização em casa, ressaltam que “dedicaram menos de 2
horas diárias às atividades escolares”, “dedicaram menos de 5 dias semanais às
atividades escolares” e “não receberam atividades escolares”, esses dados
evidenciaram que as condições desiguais de oferta das atividades escolares e o
64

acesso prejudicaram principalmente os alunos da rede pública, estudantes com


menor renda, sendo a maioria pretos ou pardos (IBGE, p.09)9.
Em 2021, na classe de rendimento mais elevado, somente 14,6% das
pessoas ocupadas em cargos gerenciais eram pretas ou pardas, ao passo que,
entre as brancas, tal proporção atingiu 84,4%. Em síntese, é perceptível que as
políticas públicas implementadas neste período não foram suficientes para reverter
ou mesmo amenizar as desigualdades que mantém a situação de maior
vulnerabilidade socioeconômica que a população negra carrega historicamente “nos
ombros”.
Os progressos realizados na produção de bens materiais são acompanhados
pelo desenvolvimento da cultura dos homens e o seu conhecimento do mundo
circundante, deles mesmos enriquece-se, desenvolvendo assim a ciência e a arte
(MALANCHEN, 2019). Outro fator a ser observado, é o campo científico, artístico e
literário que constitui-se pela produção predominantemente branca e eurocêntrica
(CARVALHES; LIMA, 2020). Dessa forma, percebe-se que o processo de alienação
interfere ou determina no processo escolar dos indivíduos, tanto na esfera
econômica, quanto na esfera intelectual da vida.
A negação deste espaço de participação e protagonismo do negro na
sociedade, como sujeito portador de uma subcidadania resiste até os dias atuais, e é
sintomático. Hoje, a partir das lutas é possível olhar para essas histórias de maneira
crítica, tomando-as como forma de questionar as estruturas que são constituídas
nos seres humanos. Por essa razão, é importante que desde criança o estudante
perceba as incoerências da sociedade em que está inserido, por meio da leitura e
interpretação crítica, reflexão e questionamento das obras, e assim, o professor tem
um papel fundamental, pois a partir de um olhar crítico da história será capaz de
construir o entendimento dos aspectos culturais das obras para além da escravidão.
De acordo com os dados atuais na pesquisa do IBGE (2021), mais da metade
da população brasileira declara possuir a característica étnico-racial negra ou parda
(56,1%). Portanto, faz sentido que este expressivo número reflita,
proporcionalmente, nas produções literárias no Brasil, por meio de personagens,
artistas e escritores negros, pois a literatura possui caráter social e expressa a

9
Matéria da Revista Retratos sobre cor ou raça "As cores da desigualdade"
(https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101972_informativo.pdf) e
(https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/
17eac9b7a875c68c1b2d1a98c80414c9.pdf).
65

experiência humana, de maneira universal. Em cada época a narrativa literária


compreendeu e produziu narrativas ao seu tempo, pois os autores são sujeitos
históricos e a criação literária expressa toda a pressão do contexto social, os
aspectos ideológicos culturais, políticos e de mudança social (COELHO, 2000).

3.2 OBRAS LITERÁRIAS: TESOUROS CULTURAIS, PRODUTO DAS OBJETIVAÇÕES DO


TRABALHO HUMANO

A literatura tem a possibilidade de mostrar aos leitores as diferentes épocas e


valores, pois como é um produto humano, a criação literária se torna complexa e
misteriosa e é um reflexo da própria condição humana, nesse interim, é por meio da
Literatura e das Artes em geral que “os homens têm a oportunidade de ampliar,
transformar ou enriquecer a sua própria experiência de vida” (COELHO, 2000, p. 28)
em uma intensidade maior e em uma dimensão que supera o imaginário, o
impossível, além de possibilitar ao seu leitor percorrer o campo do real e do
maravilhoso.
Segundo a Teoria Histórico-Crítica, com base em Marx (1978), o homem
nasce biologicamente um ser humano, mas torna-se humano devido ao
desenvolvimento e o uso consciente de suas capacidades cognitivas, nessa
condição, a cognição é uma atividade vital. A atividade cognitiva e o seu
desenvolvimento acompanham o surgimento da própria vida social, e essa
necessidade de apropriação do conhecimento foi decisiva para a conservação e
desenvolvimento da vida humana.
O homem não nasce dotado das aquisições históricas da humanidade, e é só
por meio da apropriação das grandes obras da cultura no decurso da sua vida que o
mesmo adquire as propriedades e faculdades verdadeiramente humanas. Todo esse
processo educativo eleva as capacidades cognitivas humanas, acima dos animais,
mas na sociedade de classes, somente um pequeno número de sujeitos usufrui das
aquisições da humanidade (LEONTIEV, 1978).
A elaboração dos produtos humanos como livros, pinturas, obras de arte,
equipamentos de tecnologia, resultam da cognição intelectual humana, as chamadas
objetivações, e essas atividades humanas objetivadas permitem a produção de
conhecimento científico histórico e cultural da humanidade. Portanto, é possível
66

dizer que o surgimento da consciência se fundamenta no contato com as


objetivações produzidas pela humanidade e na prática social, e ressalta-se ainda
que a forma como o personagem negro é representado nas obras de literatura é de
grande importância para garantir a reflexão de valores de igualdade racial e de base
para a formação humana.
O conhecimento do mundo como realidade e a constituição da consciência
por meio da linguagem foi se desenvolvendo através dos contatos com as
objetivações produzidas historicamente, como os livros e as obras de arte que são
produtos do trabalho intelectual humano, contando a história de diversas
sociedades, o modo de pensar e agir em relação à vida e às épocas distintas. A
literatura é uma fonte histórica de espaço, em que as crianças podem refletir sobre
os fatos históricos que marcaram a sociedade em que vivem, desenvolvendo, assim,
um pensamento histórico, buscando compreender “porque determinadas narrativas
foram construídas sobre o passado e porque algumas permanecem mais e outras
menos”. (OLIVEIRA; CANDAU, 2010, p.17).
Segundo a THC, a atividade vital que o gênero humano executa para
continuar a sua existência e perpetuar-se é o trabalho, sendo assim, uma condição
de existência, de cada indivíduo e da sociedade, pois o gênero humano é constituído
por características históricas e sociais. O trabalho assegura o conhecimento e a
produção das condições materiais para que a espécie humana se reproduza, e
nessa questão, a Teoria Histórico-Cultural argumenta que o trabalho é uma atividade
humana vital, pois por meio dela o homem humaniza a natureza ao seu redor
(devido ao domínio dos elementos da natureza, produção do conhecimento científico
e ferramentas tecnológicas) e a si mesmo (DUARTE, 2014).
O gênero humano, em cada momento histórico, expressa a síntese de toda
objetivação humana genérica e, para que essa humanidade não se perca, é
importante que todos os seres humanos se apropriem das objetivações genéricas
para poder viver. Por exemplo, a linguagem é uma objetivação genérica que,
segundo Duarte (2001), na sociedade brasileira muitos indivíduos passam a sua vida
inteira sem se apropriarem adequadamente dela, devido às relações sociais de
dominação.
A formação do ser humano enquanto um ser genérico passa,
necessariamente, pela sociabilidade (formação do ser social) e o ambiente social
lida com as relações de dominação e alienação, e lutar contra a alienação é lutar por
67

reais condições para todos os homens se desenvolverem à altura das máximas


possibilidades objetivamente existentes para o gênero humano (DUARTE, 2001,
p.27).
Cada ser humano se apropria das objetivações genéricas para construir a sua
individualidade, um processo que dura toda uma vida, mas o problema é quando a
individualidade fica encerrada em si, se tornando uma “individualidade em si
alienada”, na qual não há desenvolvimento humano, mas sim, uma reprodução
automática, uma atuação humana distante das próprias características pessoais e
alheia aos problemas sociais. Um exemplo ilustrativo disso é do uso da linguagem
quando meramente espontânea, sem refletir sobre a sua utilização ou manter uma
relação sem consciência, sem a compreensão da linguagem.
A individualidade para si não é simplesmente espontânea, mas tem relação
ao uso das objetivações genéricas a partir de uma individualidade consciente do
processo de construção. Contudo, o processo consciente de formação para si pode
ser contraditório, pois se desenvolve em uma sociedade estruturada por relações
sociais de dominação, e que, portanto, a individualidade recebe profundas formas de
alienação. A real possibilidade do desenvolvimento da individualidade (livre e
universal) é gerada pelas condições objetivas da sociedade em que o indivíduo está
inserido, e é justamente isso que faz a formação dos indivíduos tornar-se uma
relação consciente com o gênero humano
A formação do indivíduo para-si é a formação de um posicionamento sobre
o caráter humanizador ou alienador dos conteúdos e das formas de suas
atividades objetivadoras, o que implica a formação de igual posicionamento
em relação aos conteúdos das objetivações das quais ele se apropria e
das formas pelas quais se realiza essa apropriação. (DUARTE, 2001, p.30,
grifo nosso).

Sendo assim, o gênero humano expressa historicamente toda a síntese de


suas objetivações genéricas que são determinadas pelo contexto das suas relações
sociais ou na formação de uma individualidade alienada ou fundamentada em uma
formação humana (com base na relação consciente de objetivação e apropriação), a
individualidade para-si. A compreensão consciente dos complexos fenômenos da
linguagem, expressos em conteúdos e formas, caracteriza uma abordagem de
formação da individualidade humana mais ampla. A Teoria Histórico-Cultural e a
Pedagogia Histórico-Crítica abrem caminho para compreender a formação dos
68

indivíduos não só do que são, mas também das potencialidades do que podem vir a
ser.
Trabalhar com a formação humana e seu desenvolvimento, em contexto
escolar esbarra muitas vezes com uma concepção conservadora da escola neutra,
uma vez que os signos possuem uma natureza ideológica, ou seja, portam valores
sujeitos a apreciações e julgamentos,
As relações de troca cultural entre gerações, em que a literatura para
crianças ocupa o papel de mediadora, são constituídas por signos visuais,
enunciados verbais escritos, ilustrações, gestos, expressões corporais,
enunciados verbais orais, entonações, ênfases, timbres, todos eles prenhes
de valores e de ideologia, fundamentais para a formação da consciência e
da própria condição humana. (ARENA, 2021, p. 12).

Não é por proselitismo que o professor trabalha esse ou aquele conteúdo,


dessa ou daquela forma, mas o trabalho docente norteia-se dentro dos aspectos
legais, éticos e com base nos documentos educacionais vigentes, atuando em um
movimento coletivo, articulado com as instâncias colegiadas e acompanhado por
sua equipe diretiva. A intencionalidade do trabalho docente tem um caráter
pedagógico e ético, é importante esclarecer que a vertente teórica histórico-crítica,
desde suas bases, já concebe o ser humano como um ser social e produto de suas
relações históricas e políticas. Nesse sentido, as relações sociais em sala de aula,
mediadas pela práxis docente e contato cultural com as obras diversas nas práticas
pedagógicas, e na visão da PHC, tais obras colaboram para a formação de
indivíduos em sua máxima potencialidade e omnilateralidade10, por meio das
apropriações do acesso aos bens científicos e culturais acumulados.
Contudo, acredita-se também que não basta apenas promover o acesso aos
bens culturais, é necessário também ter formas de se trabalhar o conteúdo e forma
estética das obras, ou seja, uma didática mediadora (consciente, planejada, ética e
crítica), promotora da formação intelectual e consciência social dos sujeitos
envolvidos, e não ser uma abordagem imposta, autoritária, mas livre, universal e
consciente. Infelizmente, o que se tem, dominantemente, nos sistemas de ensino é
uma verticalidade na transmissão de conhecimento, ou seja, pouca abertura para
desenvolver espaços de reflexão étnico-racial, transmitido por livros ou até pela
experiência da práxis docente, portanto o que se busca é a omnilateralidade na
educação, que se refere a uma formação humana oposta à formação unilateral

10
Omnilateral - do latim, cuja tradução literal significa todos os lados ou dimensões. A concepção de
educação que pretende levar em conta todas as dimensões do ser humano. (FRIGOTTO, 2012).
69

provocada pelo trabalho alienado. A educação omnilateral é a que objetiva o homem


completo pelo trabalho produtivo e pela vida em sociedade (FRIGOTTO, 2012).
Em uma perspectiva mais moderna, a educação desenvolvimental empenha-
se em promover ações pedagógicas para, constantemente, desenvolver as
capacidades intelectuais humanas e, concomitante a isso, desenvolver a
individualidade consciente dos indivíduos, no caso a questão racial de personagens
negros na literatura e colaborar para a melhoria do seu meio social.
Descobrir sobre o passado desenvolve o aspecto social e pessoal, e os
estudantes aprendem sobre a sua própria cultura e desenvolvem o senso de
pertencimento (COOPER, 2006). Dessa maneira, desenvolver na criança o senso de
identidade e consciência do passado é um papel importante na Literatura, e também
a sua função social, permitindo o contato de todos os leitores, independentemente
da sua etnia, com as produções literárias que valorizem a cultura negra, e isso se
torna importante para romper com os estigmas raciais. Ao mesmo tempo, o contato
com a cultura afrodescendente por meio da Literatura enriquece a formação
humana, intelectual, artística e histórica dos seus leitores, possibilitando o
desenvolvimento de valores éticos, de justiça, respeito e igualdade racial.

3.3 O RECENTE RECONHECIMENTO DA LITERATURA AFRO NO ROL LITERÁRIO E DO


PROTAGONISMO DE PERSONAGENS NEGRAS

Para compreender o estudo em questão é necessário entender a trajetória


que a Literatura afro-brasileira percorreu no Brasil. O aparecimento dos livros nas
prateleiras das bibliotecas escolares foi um processo lento e gradual, já que a
presença do negro (ou da criança negra) como “protagonista” na Literatura infantil é
uma conquista recente em seu aspecto legal, a partir da lei 10.639 do ano de 2003,
que torna obrigatória a inserção do ensino de história da África e Literatura da
cultura negra, no currículo das escolas brasileiras. A partir disso, o mercado editorial
literário apresentou com maior intensidade as obras infantis em que a figura do
negro aparece como personagem principal (FREITAG; WINKLER, 2014).
Mas, já havia livros de literatura afro-brasileira sendo produzidos a partir da
década de 80, significando o esforço de escritores e intelectuais na inclusão da
70

estética africana na Literatura brasileira. Portanto, é possível delinear que essa é a


reverberação de uma luta histórica de movimentos sociais, autores, educadores e
intelectuais para inserir a representação negra em espaços que antes eram
negados.
Outro capítulo de luta significativa foi a necessidade de identificar o
protagonismo negro em produções literárias, em busca de evidenciar o espaço de
representação. Diante de um olhar investigativo, pesquisadores intentavam
compreender como se apresentavam os personagens negros, se persistia o
deslocamento, a ausência ou ainda uma hierarquização definida no enredo literário.
As pesquisas neste âmbito elucidaram que os personagens negros surgiram na
literatura por uma necessidade social, pois os sujeitos leitores queriam ver-se
representados com palavras e imagens que não carregassem somente a saga da
escravidão. A literatura possui função estética e por isso contribui para o processo
de valorização do sujeito negro, possibilitando reflexões sobre as relações étnico-
raciais e, por isso, torna-se um importante instrumento de ampliação cultural e se
torna um espaço de reflexão da diversidade humana (JOVINO, 2006; DEBUS, 2012;
LOPES, 2012; BERNARDES, 2018; GOUVEA, 2005; KLEM; FRANCO, 2022).
Sabe-se que a Literatura infantil e juvenil no Brasil tem início no final do
século XIX, tendo em vista que, antes disso, a circulação de livros era precária e
representada somente pela cultura portuguesa. As primeiras obras da literatura
infantil foram traduções de clássicos europeus (LAJOLO; ZILBERMAN, 2007). De
modo geral, o papel do negro na Literatura antes de 1850 era praticamente
inexistente, e até a abolição do tráfico negreiro, não havia representação do negro
na Literatura, “o espaço era de silêncio”. (SILVA; SILVA, 2011, p. 4). Após a abolição
da escravatura no Brasil, algumas representações do negro começaram a surgir na
Literatura e Artes, contudo com narrativas que não valorizavam a sua contribuição
cultural, destacando somente a saga da escravidão.
Até a década de 1920, personagens negros estavam ausentes ou ligados ao
contexto escravocrata na Literatura infantil brasileira, mas após esse período,
constatou-se um movimento de integração na Literatura e nas Artes, mas o espaço
social de inserção do negro na Literatura Infantil era o de estereotipo das suas
características etnocêntricas e de construção imagética de embranquecimento das
personagens (GOUVEA, 2005).
71

Lobato introduz, na década de 30, em sua Literatura infantil, alguns


personagens negros que representam a cultura popular, como a Tia Nastácia, Tio
Barnabé e Saci Pererê e somente a partir da década de 1980 é que os personagens
negros começaram a ganhar forma representativa, a fim de valorizar a diversidade
étnica no Brasil. Contudo, salienta a partir de 1975 os personagens negros
aparecem com mais frequência na literatura, porém com um papel social já
restabelecido pelo enredo, pois muitas obras “terminam por apresentar personagens
negros de um modo a repetir algumas imagens e representações com as quais
pretendiam romper” (JOVINO, 2006, p. 187-188), ou seja, como personagens
periféricos, estigmatizados e com pouca expressão no enredo, e é por isso que
surge a necessidade do protagonismo na literatura.
As primeiras obras de literaturas infantis brasileiras eram de personagens
negros (as) descritas de forma mistificada, em um espaço geográfico situado à
margem (moravam nas roças, longe da urbanização) como um reflexo do Brasil
agrário. Os personagens negros nas narrativas para crianças, até a década de 70,
eram apresentados de maneira estereotipada “com docilidade servil, submisso de
seu papel de subalternidade [...] ou é aquele que provoca apiedamento [...] o negro
de alma branca [...]”. (DEBUS, 2012, p. 144).
A primeira protagonista negra criada foi a personagem Tânia, uma menina
negra que vivenciava os conflitos relacionados à sua aparência, retratada na obra
Nó na garganta, escrita em 1980, por Mirna Pinsky, a personagem é apresentada
como uma menina pobre, sem brinquedos e alvo de chacotas por seus colegas. Ao
longo da história, Tânia vivencia várias situações de sofrimento e humilhações, mas
ao final do enredo, ela tem o reconhecimento de sua beleza (SILVA; SILVA; SILVA,
2020). Jovino (2006) salienta que é preciso ter cuidado quando as denúncias de
questões sociais são realizadas apresentando somente os personagens negros, pois
isso tende a repetir alguns estereótipos que se pretendiam romper. Outra
contribuição importante para a história da literatura afro-brasileira foi a produção
literária da autora Maria Firmina dos Reis, que escreveu o romance Úrsula,
publicado em 1859, mas que ganhou a atenção dos estudiosos somente em 1975, e
sobre essa obra Duarte (2005) explica que a escritora brasileira se apropria da
tecnologia deste gênero textual, constituída pelo romance de fácil degustação
popular, e elabora o primeiro romance abolicionista, sendo também, o primeiro
romance afro-brasileiro (DIONISIO, 2013).
72

Iniciado na década de 1970, com o rompimento de representações que


determinavam as posições fixas, os personagens negros ganham força na
contemporaneidade e atualmente, as produções afro-literárias buscam “uma fusão
entre traços fenótipos e história, ambas apresentam nesta nova conjuntura, como
um ambiente cultural, político e social de afirmação identitária” (SILVA; SILVA;
SILVA, 2020, p.181). E essas são novas configurações de representação da estética
negra disseminadas por meio de obras infantis, que visam fortalecer as identidades
negras, e foi somente a partir da década de 1980 que os personagens negros
começaram a ganhar o protagonismo.
Constata-se que o início a Literatura Infantil e Juvenil nacional descrevia os
personagens negros de maneira muito estereotipada, sem protagonismo ou
destaque positivo tornando-se é um reflexo sócio-histórico das raízes do preconceito
racial da sociedade brasileira (FARIAS, 2018). Atualmente, a Literatura Infantil
parece se atentar aos enredos e representações da identidade negra, entretanto o
que parece haver não é uma valorização, mas um mero atendimento a um critério, e
ainda faltam ainda representações significativas e produções de autores negros em
um número expressivo.
O resgate da cultura africana e afro-brasileira na literatura de recepção infantil
e juvenil é relevante, e por intermédio da literatura é possível problematizar algumas
reflexões sobre as práticas antirracistas no universo da criança e o contato com a
estética da diversidade contribui para as relações étnico-raciais (DEBUS, 2010).
Há diversos autores como Celso Cisto, Joel Rufino dos Santos e Júlio Emílio
Braz e outros autores, que recontam narrativas da literatura oral africana, e
destacam "a importância dessas narrativas para a construção de uma identidade
étnica". (DEBUS, 2010, p.192). Os (re) contos de origem africana (contos populares
da África Ocidental), como a obra O casamento da princesa11, são considerados
objetos promotores da reconstrução da memória das personagens e valorização da
ancestralidade (DEBUS, 2012). Nessa história, a presença dos elementos da cultura
africana (paisagem típica, fauna, flora, estampa das roupas, monarquia como
modelo político e interação com a natureza) e a presença predominante de
personagens no enredo são negras, inclusive a protagonista, e isso são formas de
contemplar a diversidade étnica que antes da década de 70 não existia no Brasil.

11
Uma das obras de Literatura afro-brasileira lida com os alunos durante o processo formativo e será
explicitada sua prática logo adiante.
73

Um fato que se deve atentar é que dar visibilidade aos povos africanos e
trabalhar com os temas sobre a ancestralidade são experiências da diáspora dos
povos africanos, e essa atitude tem um papel fundamental na construção da
memória para as gerações mais jovens. Segundo Debus (2012, p. 148), "valorizar a
ancestralidade africana e a tornar desejante aos seus descendentes é algo que
precisa ser construído". Para isso, ilustrar ou narrar a representação de pessoas
negras sem estereótipos racistas, ou associadas a elementos pejorativos e
depreciativos, colabora para criar representações raciais mais democráticas.
Iniciado na década de 1970, com o rompimento de representações que
determinavam posições fixas, os personagens negros ganham força na
contemporaneidade. Atualmente as produções afro-literárias buscam “uma fusão
entre traços fenótipos e história, ambas apresentam nesta nova conjuntura, como
um ambiente cultural, político e social de afirmação identitária” (SILVA; SILVA;
SILVA, 2020, p.181). São essas novas configurações de representação da estética
negra disseminada por meio de obras literárias, que visam fortalecer as identidades
negras, e foi somente a partir da década de 80 que os personagens negros
começaram a ganhar esse protagonismo.
No entanto, apesar do esforço histórico, principalmente dos escritores,
educadores e pesquisadores interessados na ampliação e divulgação da cultura
afro-brasileira de inserir personagens negros no espaço artístico da literatura, ainda
persiste, na atualidade, uma ausência considerável dessas representações de
personagens negras na literatura, salvo sob força da lei, e este fato evidencia
problemas de identidade nacional, observado na manutenção da lógica colonialista e
reforço de estereótipos raciais.
Diante disso, ressalta-se a importância do trabalho docente com a literatura
afro-brasileira, a fim de ampliar o espaço de representação da etnia negra e cultura
africana no rol literário infantil e juvenil, uma vez que a literatura se torna um
instrumento fundamental para realizar a apreciação artística de diversas culturas. A
mediação da leitura literária possibilita um espaço aberto de reflexões, a ampliação
da imaginação, conhecimento de mundo, na desconstrução de preconceitos,
reconhecimento da identidade negra e compreensão da realidade social brasileira.
Por consequência, a Literatura se torna um importante fator para a formação
não somente cultural, mas intelectual dos alunos, por isso a incorporação de livros
que valorizem a diversidade racial permite ao professor trabalhar diversos processos
74

mentais durante a leitura dos conteúdos e formas. Ao realizar a leitura literária em


um espaço de respeito e aberto ao diálogo, o sujeito leitor é convidado a
desenvolver as capacidades mentais importantes como: análise e reflexão na busca
por compreender a obra, por meio de uma interação dialética com o professor,
colegas e a com a própria obra literária.
As mediações literárias com obras que valorizem a diversidade sociocultural
brasileira e sem inferiorização racial promovem ricos espaços de reflexão e
formação intelectual, e ao fazer a leituras de obras literárias que representem o
negro como personagem ou enredos diversificados e em atividades
socioeconomicamente valorizadas, tornam-se detalhes capazes de valorizar a
identidade cultural negra e africana, contribuindo significativamente para uma nova
compreensão, formação de uma mentalidade plural e inclusiva, além de suavizar
ódios raciais que estão enraizados no mundo.
Portanto, levar ao alcance das crianças, negras ou não, livros que valorizem
as diferenças raciais é importante para o desenvolvimento cultural e humano dos
leitores pertencentes a todas as etnias, e diante da realidade histórica e social
brasileira, o professor pode atuar criticamente neste processo por meio das novas
perspectivas para este tempo. De acordo Vigotski (2005), o acesso aos objetos
culturais como livros, obras de arte, histórias, filmes, brinquedos, músicas, configura-
se ferramentas culturais e meios para a humanização das crianças e jovens.
A literatura é um fenômeno artístico criativo que busca representar o mundo,
as pessoas e a vida pela palavra (COELHO, 2000). A leitura literária promove
reflexões sobre as relações humanas, culturas, pluralidades, contradições e
compreende os diferentes sujeitos históricos nos diferentes tempos e espaços, por
isso inserir os alunos do Ensino Fundamental no processo de formação literária é
também uma forma ajudar no processo de se relacionar ativamente com o passado,
evitando transmitir somente uma perspectiva da história, ou seja, tendo contato com
uma variedade de fontes históricas que frequentemente são incompletas, e ao
descobrir sobre o passado desenvolver o aspecto social e pessoal, a criança pode
aprender de sua própria cultura, desenvolvendo o senso de pertencimento
(COOPER, 2006).
À literatura também tem a função social, ou seja, de permitir o contato de
todos, independentemente de suas etnias, com as produções literárias que
valorizem a cultura negra, ao mesmo tempo, o contato com a cultura
75

afrodescendente através da Literatura Infantil enriquece a formação humana,


artística e histórica dos estudantes e desperta valores éticos, de justiça, respeito e
igualdade racial.
Percebe-se a necessidade de investigação deste tema, por uma relevância
social e profissional, pois mesmo após a lei 10. 639/2003 ainda existe a ausência da
imagem do negro (como personagem, figura representativa e protagonista do
enredo) na Literatura infantil e juvenil, nas mídias em geral e a permanente
existência de conflitos que permeiam as relações étnico-raciais no contexto escolar
e sociedade de modo geral. Na Literatura, percebe-se uma brecha para a
valorização das diferentes culturas e etnias, por meio da mediação leitora e práticas
educativas conscientes para educadores.
A trajetória histórica do povo negro foi acompanhada de muitos
enfrentamentos e luta, e não é somente a história de um grupo que veio da África,
pois a intenção é compreender que se trata de uma base histórica do Brasil e de boa
parte do povo brasileiro. Narrar a trajetória do negro no Brasil e produzir objetos
ligados à cultura negra é, antes de tudo, falar de um personagem social que esteve
presente desde o início e contribuiu imensamente para a constituição da história do
país. Além disso, a história da população negra no Brasil também traz um rico
legado de expressões artísticas que estão enraizadas no patrimônio sociocultural.
A identidade de um povo envolve a questão dos negros, brancos ou índios, é
uma questão de todo cidadão brasileiro, sendo um conjunto de histórias e relatos de
vários indivíduos que compõem o panorama histórico-cultural, e com isso, vê-se que
a cultura é produzida pelos seres humanos na interação com o outro(s) ao longo das
gerações, compreendendo a história que é um elemento da cultura que constitui o
ser humano (VIGOTSKI, 1995).
Pensando nesta história, da cultura africana, que deixou uma extensa
bagagem cultural ao povo brasileiro, a história ligada ao negro no Brasil também traz
um rico legado de expressões artísticas e que estão enraizadas no patrimônio
sociocultural, mas o retrato da população negra é apenas visto como escravos ou
descendentes de escravos, relatos que aparecem em todo período colonial e
republicano na história oficial do Brasil. Dessa forma, remete a impressão que a
população negra não tem história antes de chegar ao Brasil e o que se vê é uma
intenção clara de apagar da memória brasileira a luta dos negros para alcançarem a
cidadania e a igualdade (PEREIRA, 2015).
76

Sylvio Romero, assim como um expressivo grupo, defendia que a formação


étnica do Brasil era produto de três raças: branco europeu, negro africano e o índio.
Em seu livro “Literatura brasileira e a crítica moderna” (1880) esboça a sua tese do
branqueamento em que a vitória pela vida vem do homem branco e para isso
precisa aproveitar o que lhe é útil nas outras raças (negra e índio). Segundo
Romero, pela seleção natural “[...] o tipo branco irá tomando a preponderância até
mostrar-se puro e belo como no velho mundo”. (AZEVEDO, 1987, p.71).
Estas são algumas das ideias da política imigrantista, e com isso, a extinção
do tráfico negreiro e o desaparecimento constante do índio, inevitavelmente a
imigração europeia surgia como uma solução, e acreditavam que o processo de
miscigenação e a lei da seleção natural determinaria a vitória final da raça branca
(homem superior ariano) sobre a raça negra e a indígena para que a evolução
pudesse acontecer. Desse modo, a imagem dos negros na história brasileira, da
escravidão à abolição, mostra que os negros são retratados somente como os
escravos, os submissos, inferiores, pobres, ignorantes, não construindo uma
memória positiva nas novas gerações, e toda essa questão cria uma sensação de
que os negros são inerentes apenas aos conceitos negativos. Ao verificar na
literatura quem são os heróis nacionais, se perceberá que os personagens negros
não são relatados, e a história do Brasil apresenta apenas personagens brancos, e
os negros, quando retratados, aparecem somente como os escravos (PEREIRA,
2015).
A identidade de um povo não é uma questão dos negros, brancos ou índios, é
uma questão de qualquer cidadão, sendo o conjunto de histórias e relatos de vários
indivíduos que compõem o histórico-cultural. A identidade diz respeito ao país,
tornando-se é uma questão nacional. Buscou-se analisar as representações da
população negra em um processo formativo junto aos alunos do sétimo ano, Anos
Finais do Ensino Fundamental, investigando sob a categoria conteúdo e forma, os
significados deixados na literatura. A história da África faz parte da constituição
cultural, social e biológica da nação brasileira, e dessa maneira, torna-se importante
compreender as contribuições sociais, culturais, chegando até no contexto da Lei
10.639 em 2003, que tornou obrigatório o ensino da cultura africana e afro-brasileira
em todo sistema escolar nacional.
Trabalhar as questões étnico-raciais na escola privilegia os alunos e
professores a conhecer a pluralidade cultural do Brasil, e por meio dessa
77

compreensão do pluralismo cultural e étnico auxiliará também na construção de uma


sociedade mais consciente de suas raízes multicultural e pluriétnica. Reconhecer a
literatura afro-brasileira no rol literário significa compreender a nossa base cultural
africana, e avançar na construção de uma sociedade mais igualitária e democrática.

3.4 SOBRE A ESPECIFICIDADE DA LITERATURA AFRO-BRASILEIRA E O CONCEITO DE


PERSONAGEM NA LITERATURA

Quanto à especificidade da literatura afro-brasileira, cabe salientar que é um


conceito ainda em construção e está ligado, intimamente, à identidade nacional,
embora haja argumentos para que a literatura seja denominada somente como
brasileira, sem especificações, por critérios de ordem étnica, classe, gênero e
outras, a fim de evitar a fragmentação da tradição literária. A partir disso, surge a
necessidade de emergir personagens negros na situação de protagonismo no
enredo literário, juntamente com a especificidade de adjetivar o termo “Literatura”
como a visibilidade de uma conquista, devido ao contexto de lutas sociais discutidos
anteriormente nesta dissertação.
Porém, estudiosos da área apontam a questão da visibilidade sobre a
perspectiva negra e estabelecer a criação de um uma linha literária específica é
importante porque possibilita que as minorias possam criar o seu próprio discurso do
seu ponto de vista, assim podem abordar temáticas sobre a sua maneira de ver o
mundo, abordando a si mesmo e seu grupo social em uma perspectiva autêntica
(DIONISIO, 2013, p.16). Nesse contexto, essa se torna uma conquista importante
porque demonstra que os afrodescendentes redefiniram a sua história e passaram a
produzir as suas objetivações, as quais carregam traços peculiares de sua forma de
ver o mundo e entendê-lo.
Grandes escritores afrodescendentes consagrados pela literatura brasileira,
como Machado de Assis, Cruz e Souza e Lima Barreto viraram motivo de
controvérsia por enquadrar-se ou não na literatura afro-brasileira ou ainda por não
assumirem as tradições africanas nas obras. Estes autores, embora carregassem as
características biológicas que os ligassem ao grupo étnico negro, também são
homens do seu tempo e possivelmente enfrentaram a dificuldade em inserir
personagens negros na literatura, sendo assim buscaram tematizar, direta ou
78

indiretamente a condição dos negros em suas obras.


Segundo Dioniso (2013, p. 23) suplementar a literatura com o prefixo “afro”
no adjetivo brasileira “é condição necessária, para afirmar voz e visibilidade a algo
que está na obscuridade, em se tratando de divulgação, produção e conhecimento
dessa obra”. Segundo outra perspectiva mais radical de distinção, Lobo (2007,
p.317) afirma que "poderíamos definir a literatura afro-brasileira como a produção
literária de afrodescendentes que se assume ideologicamente como tal utilizando um
sujeito da enunciação próprio”. Portanto, para essa autora, a busca por um conceito
próprio está apegada à questão distintiva da identidade literária que marca a
oposição dos autores brancos.
Duarte (2007, apud DIONISIO, 2013, p. 24), sobretudo alarga ainda mais a
definição conceitual de literatura afro-brasileira dizendo que é um conceito ainda em
construção e que é possível identificar estas literaturas a partir de tópicos como a
sua temática negra, o ponto de vista do sujeito negro, a linguagem e o público leitor
afrodescendente. Contudo, quer sejam estes aspectos vistos juntos ou
isoladamente, ainda assim não basta para definir a literatura afro-brasileira
(DUARTE, 2007 apud DIONISIO, 2013, p. 24).
Diante das controvérsias os autores Souza e Lima (2016) postulam ainda que
usar, tanto o termo “afro-brasileira” quanto “literatura negra” pode delegar à literatura
um caráter exclusivista ou ainda excludente, e que encerrar uma ideia em torno de
particularidades a respeito da produção de um determinado grupo não é bom para
discussão, uma vez que a cultura brasileira não é somente negra e que a construção
do conceito deve estar em sentido generalizado.
Portanto, quando a criação literária é considerada em sua função social, o
suplemento “afro” do adjetivo de literatura brasileira é válido, porque busca incluir a
história africana no rol de cultura brasileira. Sendo assim, o termo “afro” carrega em
seu conceito o sentido de uma literatura que valide o ato criativo dos descendentes
de africanos, trazendo uma reaproximação com a África e considerando em seu
conceito distintivo as trocas que a diáspora negra produziu no Brasil.
Diante de um contexto tão adverso de tensões e críticas aos adjetivos para a
literatura brasileira, Duarte (2010) adverte que a tarefa de levar ao público a
literatura afro-brasileira torna-se necessária, proporcionando ao leitor um contato
não apenas com a diversidade dessa produção, mas também com os outros
modelos identitários.
79

Segundo Lukács (1970, apud Costa, 2014, p. 104), o que torna uma obra
clássica e valorosa ao longo da história é a sua articulação aos problemas de
desenvolvimento da humanidade, dessa forma, a concepção de obras-primas da
literatura universal está na capacidade de perceberem o mundo de forma realista e
verdadeira. Em tese, é possível concordar com a base do pensamento lucasiano,
que concebe uma obra literária como a realização de uma inseparável totalidade
entre o seu conteúdo e forma e o meio pelo qual possibilita aos homens perceberem
o mundo como ele é realmente, numa perspectiva de representação, não de
projeção da realidade.
A realidade em sua totalidade é caótica, dinâmica e às vezes dolorosa, então
é a obra de arte que realiza a mediação da reprodução artística de diversos
personagens que expressam a sua concepção de mundo e as contradições do seu
tempo. Segundo Lukács (2010, p. 189, apud COSTA, 2014, p.103) “a concepção de
mundo é a mais elevada forma de consciência” e expressa uma significativa
experiência do indivíduo singular que o autor reflete na criação de um personagem.
É indispensável, em toda grande arte, representar os personagens no
conjunto das relações que os liga, por toda parte, à realidade social e aos seus
grandes problemas. Quanto mais profundamente estas relações foram percebidas,
quanto mais múltiplas forem as ligações evidenciadas, tão mais importante se
tornará a obra de arte, já que então ela se aproximará mais da verdadeira riqueza da
vida (LUKÁCS 2010, p.188). Sendo assim, há de se considerar que as obras
literárias de todas as nacionalidades vão além de uma mera reprodução artística,
expressando uma complexa concepção de mundo em conexão com os particulares
de sujeitos históricos reais, compostos de uma relevância vital para a compreensão
da universalidade humana.
Na perspectiva de desenvolver mecanismos de inclusão a toda diversidade
de saberes e culturas que formam o histórico-social da população brasileira como
reivindicação do movimento negro e intelectuais engajados, em 2003, foi aprovada a
Lei 10.639, tornando obrigatória no Ensino Fundamental e Médio, o ensino da
história, Literatura e Arte que represente a cultura afro-brasileira e africana para
promover a visibilidade e valorização dos conhecimentos em espaço escolar.
A professora-pesquisadora percebeu essa condição necessária no dia a dia
das aulas porque ao buscar medidas que possam prover um caminho dialógico na
construção da verdadeira igualdade racial se estabelecem como um caminho viável
80

para a transformação de uma realidade excludente. A importância de trazer para a


sala de aula e nos espaços de leitura literária personagens negros ligados a cultura
africana, contribui significativamente para o resgate da subjetividade do negro como
um sujeito social e com uma relevante participação no processo histórico brasileiro.
A partir do exposto, nota-se que o personagem negro na produção literária
brasileira ainda encontra desafios em ser incorporado ao cânone da literatura, sendo
um conceito em construção, bem como o termo Literatura “Afro-brasileira”, e quando
se trabalha a relação entre literatura e realidade, evidencia-se que a literatura é
comprometida com a representação da população como um todo (BRANDINO,
2023). O negro na literatura brasileira, muitas vezes ausente, representado em
personagens coadjuvantes ou em estereótipos, ocupa até hoje lugar secundário na
produção literária brasileira e isso é um sintoma de um problema societário.
O desejo de romper com esse paradigma leva à elaboração de outra vertente
literária, denominada Literatura Negra, devido a um desconforto na forma de ser
representado. Os personagens negros na literatura brasileira canônica aparecem
muitas vezes sobre o estereótipo de: o escravo nobre, o negro vítima, o negro
infantilizado, o negro animalizado, hipersexualizado ou pervertido, não surgindo
como personagem com voz autoral.
Assim, a maioria das produções literárias brasileiras retrata personagens
negras a partir de pontos de vista que evidenciam estereótipos da estética
branca dominante, eurocêntrica. Trata-se de uma produção literária escrita
majoritariamente por autores brancos, em que o negro é objeto de uma
literatura reafirmadora de estigmas raciais. (BRANDINO, 2023, online).

Como já explicitado antes, este cenário começou a mudar a partir da década


de 60, com o fortalecimento dos movimentos sociais, autores e autoras negros e
negras passaram a publicar suas próprias obras como instrumento de subjetivação e
determinação cultural, em busca de romper com os preconceitos, estereótipos e
ausência na representação veiculados pela literatura canônica brasileira. Por meio
dessa ideia, o trabalho de conceituar personagens negras a partir da literatura afro-
brasileira, elaborando um processo formativo a partir destas ponderações,
argumenta-se pela potencialidade da formação humana, em se trabalhar com este
conteúdo da realidade social brasileira, ainda que não canonizada pela área da
Literatura brasileira.
Portanto, a categorização de personagem na literatura de modo geral é
caracterizada como aquele ser que pratica as ações nas narrativas ficcionais ao lado
81

do narrador, e segundo o Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, o personagem


tem as seguintes definições: pessoa fictícia posta em ação numa obra dramática,
imagem que representa uma pessoa, personagem que figura numa obra narrativa,
figura humana imaginada pelos autores de obras de ficção, sendo o homem definido
pelo seu papel social ou comportamento. Muita coisa faz parte da caracterização de
um personagem, inclusive a sua etnia, dessa maneira, pode-se classificar as
características das personagens em relação a sua posição no enredo: protagonistas,
antagonistas ou adjuvantes.
De acordo com Candido12, a personagem é um elemento constituinte da
estrutura narrativa a ser estudado, e englobam partes fundamentais para o
desenvolvimento de uma narrativa. Uma personagem pode representar uma ideia
apenas ou várias, visto que se trata de um ser fictício, humano ou antropomórfico,
podendo ser um ente único, individual ou o retrato de um grupo de indivíduos com
características semelhantes.
É importante escolher obras que tenham personagens negros no enredo,
planejar a estruturação de práticas pedagógicas que possibilitem a interpretação do
mundo a partir de outros olhares e levar os leitores a entender a realidade social
brasileira, mediada por uma práxis docente, pois contribui não somente com a
legislação educacional (até então vigente), mas, sobretudo, para fortalecer o
movimento coletivo de reflexão, auxiliando os professores na construção de uma
prática educativa dinâmica que tem como principal perspectiva, proporcionar aos
estudantes uma educação compatível com uma sociedade democrática, multicultural
e pluriétnica.
Portanto, as expressões literárias denominadas de “literatura negra” ou
“literatura afro-brasileira'' são, sobretudo os produtos da intelectualidade humana,
configurando uma construção discursiva a partir de um lugar de fala, quer seja essa
produção textual uma forma de assumir questões de identidade e afirmar vozes de
uma cultura particular, ou quer seja ela uma escrita literária para expressar outro
modo de conceber o mundo, ambas são, contudo um fazer literário, uma objetivação
humana.
A literatura é uma objetivação humana, um instrumento cultural, carregado de
símbolos e significados que por sua vez não são facilmente compreendidos e

12
ROSENFELD, Anatol. Literatura e personagem. In: CANDIDO, Antonio (Org.). A personagem de
ficção, cit. p. 27-28.
82

precisam de mediação, e no estudo em questão, o conceito trabalhado diz respeito


ao Gênero Literário Contos afro-brasileiros na prática de leitura e na produção
textual, apresenta o personagem negro no enredo da narrativa.
Os processos de ensinar e de aprender se constituem, como o centro do
trabalho escolar que se realiza pelas relações estabelecidas entre os atores
centrais da situação educativa – alunos e professores – na busca da
apropriação dos significados elaborados socialmente que se transformam
em conteúdos da consciência individual caracterizando os sentidos pessoais
construídos pelos sujeitos. (MILLER; ARENA, 2011, p. 342).

Neste cerne, o homem reproduz em suas relações sociais, de comunicação e


colaboração, os significados acumulados historicamente pela humanidade, ou seja,
aquilo que recebeu da sua visão de mundo, e no meio social em que está inserido
promove contato ao homem com os significados linguísticos, e neste processo
desenvolve também as funções que são específicas do gênero humano, que são as
funções psíquicas superiores, como a linguagem, o pensamento, o raciocínio lógico,
a memória voluntária. Este legado é transmitido aos homens pela via da linguagem e
conduz o processo de comunicação entre si que desenvolve o psiquismo e constitui
o homem (MILLER; ARENA, 2011).

3.5 A IMPORTÂNCIA DA PRÁXIS DOCENTE COM LEITURA LITERÁRIA DE OBRAS AFRO-


BRASILEIRA NO CAMPO EDUCACIONAL

Baseando-se na Teoria Histórico-Cultural, argumenta-se que o papel social da


literatura é o de formação cultural e histórica dos estudantes. O acesso aos objetos
culturais como livros, obras de arte e histórias de diversas etnias configura-se como
ferramentas culturais e meios para a humanização de juvenis e crianças, ou seja,
essenciais para o desenvolvimento da inteligência. De acordo com Vigotski (1995),
obras de arte e literárias, mesmo fictícias, possibilitam ao leitor ter uma
compreensão mais profunda da realidade. Contudo, uma compreensão mais
aprofundada das obras não acontece isoladamente na vida escolar dos indivíduos
leitores, ela se forma lenta e continuamente, por meio de mediações com outros
indivíduos (principalmente o professor e/ou outros leitores experientes) para que
posteriormente a prática da leitura literária aconteça de maneira autônoma.
Duarte (2001) afirma que a prática pedagógica escolar voltada para a
formação da individualidade para-si visa produzir no estudante necessidades que
83

não surgem normalmente. Podemos destacar aqui a prática de leitura e escrita, são
capacidades intelectuais que se formam com o aprendizado pela apropriação dos
conteúdos presentes nos produtos da cultura humanas, que são objetivações, as
quais em nossa cultura brasileira são contadas predominantemente por brancos.
Portanto, a necessidade da prática pedagógica está no desenvolvimento de
ações, muitas vezes mentais, em produzir no indivíduo necessidades que não são
cotidianas, como por exemplo
[...] no contexto escolar há uma dupla mediação, uma que se refere à
relação entre professor e estudantes, outra vinculada à relação entre os
estudantes e o conteúdo escolar. Do ponto de vista do desenvolvimento
psíquico, a primeira somente se realiza quando a ação docente envolve a
disponibilização dos conteúdos escolares como elementos mediadores da
ação dos estudantes, isto é, de modo que eles sejam capazes de realizar
conscientemente as ações mentais objetivadas nos conhecimentos
historicamente produzidos. (SFORNI, 2008, p. 7).

Buscar compreender uma obra pela via da mediação docente e pelas


objetivações humanas é construir entendimentos para apropriar-se da cultura. Os
instrumentos físicos potencializam a ação material, os instrumentos simbólicos
(signos) potencializam a ação mental dos estudantes envolvidos. (SFORNI, 2008).
Cabe salientar que este processo dialético de desenvolvimento de capacidades não
é instantâneo, ele se perfaz processualmente. Neste processo acontece também a
formação de individualidade para-si, o indivíduo se forma para viver e se relacionar
conscientemente com as objetivações, compreendendo sua função e implicações,
tanto de suas próprias objetivações quanto das de outrem.
Uma obra de arte “é sempre uma obra única, particular, e sempre representa
um mundo único, particular, mas ela não é um retrato imediato e mecânico da
particularidade individual do artista”. (DUARTE, 2001, p. 68). O artista consegue
superar sua particularidade por meio das representações, da escolha de formas para
um determinado conteúdo, assim no processo de construção de uma obra de arte
delega a mesma um caráter universal.
A literatura é uma ferramenta cultural, um elemento mediador, para pensar as
relações humanas, familiares, culturais, pluralidades e contradições entre diferentes
temas históricos em diferentes tempos e lugares. Além de enriquecer a formação
cultural e humana do leitor, a literatura introduzida desde a infância traz muitos
benefícios para a formação leitora do indivíduo, permitindo que ele estabeleça
relações com o mundo ao seu redor para que possa aprender, imaginar e criar.
84

Assim, como o livro é um agente mediador, a ação docente e as ações dos alunos
são também agentes mediadores para a apropriação do conhecimento (SFORNI,
2008). Nesse sentido, percebe-se que a prática docente, e as elaborações dos
alunos, durante as interações, são elementos mediadores e contribuem para o
desenvolvimento do aporte cultural e de capacidade de desenvolver a leitura
literária.
A escola nesta perspectiva é um lugar privilegiado para a transmissão de
conhecimento que realmente promove o desenvolvimento (MARTINS, 2016).
Durante as aulas online (período pandêmico), a professora-pesquisadora em
mediação com seus alunos percebeu a importância da organização do espaço físico
escolar e tempo suficiente destinado a prática leitora com seus estudantes, pois
muitos deles relataram a dificuldade de participar do momento de leitura, mesmo por
vídeo, devido às impossibilidades que cada ambiente doméstico tem, pouco
conseguiam participar sem interrupções. Portanto, valorizar a escola como espaço
de promoção da leitura é imperativo, visto que estas mediações corroboram para
algo muito importante: o desenvolvimento do psiquismo humano.
A importância do ensino da leitura literária mediado pela práxis docente
acontece pelas relações práticas entre as leituras sociais e culturais, com base nas
experiências e necessidades humanas. Esse processo educacional intencional
destaca-se porque as funções psíquicas superiores, segundo Vigotski (1995), se
formam primeiro em meio a um processo interpsíquico, isto é, no coletivo e social,
na relação com outras pessoas, para depois transformar-se em funções
intrapsíquicas, internas e subjetivas do indivíduo.
No entanto, para que o desenvolvimento do psiquismo ocorra é importante
que o indivíduo realize ativamente atividades mediadas por instrumentos complexos
da cultura, como livros de literatura e obras de arte. E isso só ocorre quando há
consciência da atividade ou ação leitora realizada, por isso defende-se que a
organização do processo educativo deve apresentar as formas mais elaboradas da
cultura para os leitores. Segundo Sforni (2008, p.5) “quando se afirmar que um
instrumento físico ou simbólico foi apreendido pelo sujeito, significa que nele já se
formaram as ações e operações motoras e mentais necessárias ao uso desse
instrumento”. Portanto, compreendemos que o uso didático das atividades
organizadas com leitura causa uma relação entre mediadores, porque promove a
interação entre os elementos externos e internos, motivando o meio para a
85

internalização de capacidades especificamente humanas, para além da ação do


professor que liga aos demais agentes de mediação. Este processo motiva a
reconstrução interna de uma operação externa. O signo, segundo Vigotski (1995),
atua no plano psicológico, internamente, por isso precisa haver uma movimentação
de relação entre os instrumentos mediadores torna-se possível o processo de
internalização do conhecimento (VIDIGAL, 2019).
Lembrando que é pelo trabalho que o homem se firma como sujeito de sua
existência, construindo um mundo humano e humanizando-se nessa construção,
como práxis. As características da práxis é criar uma nova necessidade: a de que o
sujeito da ação possa refleti-la psiquicamente, pois o sentido do ato não se encerra
em si mesmo, mas liga-se sempre a condições sociais mais amplas. A práxis é a
atividade vital humana por excelência pela qual os sujeitos se afirmam no mundo,
modificando a realidade objetiva e transformando a si mesmos (MARTINS, 2007).
A práxis docente requer que os mais relevantes conteúdos da cultura sejam
selecionados a fim de gerar o motivo, o interesse e a necessidade de aprender,
elementos essenciais para que o ensino-aprendizagem tenha sentido. Assim, faz-se
necessário que as atividades escolares possibilitem a participação ativa do
estudante para que ele se sinta parte integrante da escola, no sentido de que possa
se expressar, dar sua opinião, sugerir os conteúdos a ser estudado de seu interesse,
dialogar com os outros, pois como já vimos, é por meio da relação social e coletiva
que o indivíduo se desenvolve, forma seu psiquismo e sua consciência.
A importância da mediação dos signos linguísticos presentes em uma obra
literária, por exemplo, é que a essência dos seus sentidos é modificada conforme
acontecem as mudanças sociais.
A palavra artística escrita, inscrita em suportes diversos, é
manifestação concreta do ser humano que dela faz seu instrumento
de recriação da realidade, de criação da cultura e de troca social
entre homens e entre gerações. (ARENA, 2021, p. 10).

O valor para a formação humana, das grandes obras de arte e da literatura


reside justamente no fato de que elas preservam e sintetizam a experiência histórica
do gênero humano e por meio delas o indivíduo pode vivenciar essa experiência
como se fosse sua vida. Nesse sentido, a literatura representa as experiências da
vida humana, o que colabora para que o leitor conheça as mudanças históricas e se
aproprie de experiências diferentes da sua.
86

Na perspectiva desta ação docente, compreendemos a importância de uma


práxis, voltada para o desenvolvimento do leitor, mas que ao mesmo tempo promova
melhorias e atualizações na própria formação docente, pois a ação educativa é
válida tanto para professor quanto para o educando, ambos aprendem juntos,
mediatizados por amplas objetivações que podem ser os livros de Literatura, suas
ilustrações artísticas e conteúdo da cultura humana, tudo isso em um constante
processo formativo. Para isso, o trabalho docente com a leitura precisa vir de
encontro com uma prática que promova a formação de leitores críticos, capazes de
ler o mundo ao seu redor e conseguir perceber as múltiplas dimensões presentes
nas obras. Por isso, criar espaços literários para docentes e entre os docentes, para
compartilharem saberes e práticas com a mediação leitora seria também um
caminho para potencializar as ações com leitura.
A professora pesquisadora percebeu em sua observação com relação a
leitura docente na escola coparticipante que existe grande interesse da gestão
escolar e professores de diversas áreas em ampliar e potencializar estes espaços
literários, contudo a demanda de trabalho, estreiteza de tempo e sobrecarga de
funções impede que estes momentos para educadores aconteçam.
Por meio da leitura de uma obra literária, conto ou qualquer narrativa que
oportuniza o conhecimento das diversas culturas, a identificação com as
personagens, sentir suas emoções ou contradições humanas, isso durante a leitura,
a qual propicia reflexões de valores estéticos e éticos na consciência do leitor. É
necessário que as atividades escolares de leitura possibilitem a participação ativa do
aluno em atividades em que ele possa se expressar, dar sua opinião ou sugerir
temáticas de seu interesse a ser estudado, dialogar com os outros, pois como já
vimos, é por meio da relação social e coletiva que o indivíduo se desenvolve, forma
seu psiquismo e sua consciência.
Não somente o aspecto cognitivo e físico é importante durante a leitura, mas
o emocional também. De acordo com Mello (2009), para a Teoria Histórico Cultural e
para Vigotski (1995), durante a atividade pedagógica é importante que o indivíduo
esteja presente inteiramente, não apenas fisicamente, mas intelectualmente e
emocionalmente presente. Em outras palavras, não é a cultura, mas a cultura
mediada socialmente vista pelo prisma da experiência do indivíduo - que envolve, no
mesmo processo, o cognitivo e o emocional - pela maneira como o indivíduo
interpreta, se relaciona, se inteira de certa situação. Essa relação de mediação
87

determina o papel e o tipo de influência da cultura sobre a formação e o


desenvolvimento do psiquismo do indivíduo.
Para que a práxis educativa alcance sucesso, há a necessidade de que o
professor conheça como ocorre o desenvolvimento humano, se aproprie e estude
continuamente as teorias de desenvolvimento humano e aprendizagem para que
assim possa planejar intencionalmente sua ação. Portanto, conhecer a quantidade
de professores negros que em nosso caso eram apenas quatro de nove professores
identificados é importante para existir pessoas negras em situações variadas de
poder para que a escola represente em um espaço transformador destas relações
sociais em uma existência dinâmica entre alunos, professores e agentes
educacionais. Sobre o traço étnico-racial dos alunos dez alunos participantes da
pesquisa, três deles são negros, salienta-se que todos os alunos foram convidados a
participar da pesquisa, contudo adotou o critério de disponibilidade de presença nas
aulas presenciais.
Esse processo de ação docente, aliado a escolha de conteúdos históricos,
sociais e significativo contribui para a formação das capacidades psíquicas
humanas. Unindo a práxis educativa com o interesse do aluno pode-se alcançar a
sua emancipação, característica fundamental para participar plenamente das
relações sociais na sociedade contemporânea. (KLEM et al, 2022). Compreender o
desenvolvimento humano e social a partir do trabalho intencional e organizado com
a Leitura Literária possibilita refletir sobre uma prática docente que desperte a
criticidade, consciência dos alunos e qualidade na educação escolar.
Segundo Mello (2009), “Cultura”, “mediação” e “atividade” são conceitos
essenciais para a Teoria Histórico Cultural e para Vigotski (1994), pois explicam o
processo de constituição do humano em cada ser humano ou processo de
reprodução individual das qualidades humanas nas novas gerações e em cada
sujeito da sociedade humana. Por isso a representatividade de sujeitos negros na
escola é importante. Na escola, esse processo de apropriação da cultura e de
formação e desenvolvimento das qualidades humanas histórica e socialmente
criadas é mediatizado direta ou indiretamente pelo professor. Essa relação com a
cultura não acontece só na escola, mas a escola tem como função essencial essa
mediação intencionalmente voltada para o ensino, para a aprendizagem e para o
desenvolvimento humano.
88

Em outras palavras, não é a cultura, mas a cultura mediada socialmente que


envolve, no mesmo processo, o cognitivo e o emocional, pela maneira como o
indivíduo interpreta, se relaciona, se inteira de certa situação. Essa relação de
mediação determina o papel e o tipo de influência da cultura sobre a formação e o
desenvolvimento do psiquismo do indivíduo. (MELLO, 2009). Este é mais um
elemento que torna complexa a relação entre cultura, mediação e atividade, que não
é uma relação estática, mas profundamente dinâmica, em movimento complexo.
89

4 ELABORAÇÃO E ANÁLISE DO PROCESSO FORMATIVO DAS ATIVIDADES


COM LITERATURA AFRO-BRASILEIRA: PONTO DE PARTIDA OU PONTO DE
CHEGADA?

A leitura guarda espaço para o leitor imaginar sua


própria humanidade e apropriar-se de sua
fragilidade, com seus sonhos, seus devaneios e
sua experiência. A leitura acorda no sujeito
dizeres insuspeitados enquanto redimensiona
seus entendimentos. Há trabalho mais definitivo,
há ação mais absoluta do que essa de
aproximar o homem do livro?.(QUEIRÓS, 2019,
p.61-62).

O trabalho com leitura em sala de aula revela um privilégio da ação docente,


que é o de organizar um espaço e tempo para reflexão de diversos temas. A leitura
literária é uma objetivação humana que guarda em si a oportunidade de o leitor
imaginar sua própria humanidade e apropriar-se de sua fragilidade, levando-o a
reflexão e, neste processo mediado por ações, desenvolver a capacidade de
compreender o mundo ao seu redor. Assim, a leitura redimensiona seus
entendimentos e amplia a compreensão dos diversos saberes existentes. Aproximar
os sujeitos dos livros é uma atividade necessária para que haja o encontro do
homem com sua própria humanidade.
Neste capítulo, será discutido os primeiros dados obtidos por meio da
avaliação diagnóstica junto aos seus estudantes participantes da pesquisa e a
estruturação da atividade organizada com a literatura de temática africana e afro-
brasileira e sua compreensão para o processo de formação do sujeito leitor. Durante
a inserção quase-experimental, percebeu-se a dificuldade inicial dos estudantes em
ler com autonomia os livros de literatura oferecidos livremente na biblioteca da
escola, ainda mais com as obras de temática afro-brasileira. Sabendo da
importância da organização de atividades voltadas para a mediação entre o
conteúdo e forma dos signos linguísticos, para a apropriação do conhecimento e
enriquecimentos cultural dos alunos, foi elaborada a proposta de um processo
formativo, composta inicialmente por atividades organizadas em forma de Roda de
leitura, promovendo o primeiro contato qualitativo com as obras físicas. Depois
dessa preparação, viu-se a necessidade de organizar ações de leitura e escrita para
a apropriação do conceito de personagem negra em Contos da literatura afro-
brasileira com o protagonismo negro.
90

A prática pedagógica da leitura com as Atividades Organizadas visa superar


as concepções iniciais dos alunos como, por exemplo, ampliar o repertório de
vivência literária, possibilitar a fruição do ato de ler e a humanização dos sujeitos
leitores em formação (MARTINS, 2018). Segue o quadro que resume globalmente
as ações do processo formativo.

Quadro 4 - Resumo das ações de leitura com Literatura de temática africana e afro-
brasileira.
Cronograma Ações realizadas Objetivos da ação de leitura
Setembro 1ª) Aplicação do questionário Conhecer previamente as
diagnóstico sobre leitura e concepções dos alunos sobre o
literatura afro-brasileira. (Quadros ato de ler, motivação, capacidade
6 a 9) leitora e conhecimento sobre as
obras de literatura afro-brasileira.
Setembro 2ª) Roda de conversa sobre a Proporcionar o contato com a
especificidades da Literatura Afro- literatura Afro do acervo,
brasileira; sobretudo o objeto-livro do
bibliotecário escolar, para a
Escolha dos livros na biblioteca ampliação do repertório cultural
para a Roda de Apreciação dos alunos.
Literária.
Setembro 3ª) Atividade Organizada com o Promover uma nova experiência
livro “O casamento da princesa” literária e novo olhar sobre o ato
do autor Celso Sisto. de ler.

Outubro 4ª) Sessões de Roda de leitura Os alunos são convidados a


Literária e socialização das compartilhar suas leituras,
leituras. questionar, elucidar, discordar,
apreciar e avaliar as obras de
literatura Afro-brasileira
apresentadas individualmente.
Outubro 5ª) Atividade Organizada com o Obra escolhida pelos alunos na
Conto “Kalinda - A princesa que roda de apreciação e selecionada
perdeu os cabelos e outras para trabalhar com a apropriação
histórias africanas”, de Celso do conceito de personagem
Sisto. negra como protagonista no
Gênero Literário Conto.
Ler como ato de apropriar
significados e atribuir sentidos
aos elementos da narrativa.
Novembro 6ª) Atividade Organizada de Leitura como compreensão de
leitura com o livro “Valentina” do mundo em suas dimensões
autor Márcio Vassalo. geográficas, sociais e
Assistir aos trechos e imagens do econômicas.
filme de desenho animado “A
princesa e o sapo”. Desenvolver percepções e
sensações sobre o ato de ler o
conteúdo e forma da obra.
Vivenciar a leitura de textos
literários relacionado e uma outra
forma da obra artística e
compreender as dimensões do
conteúdo.
Novembro 7ª) Atividade Organizada de Possibilitar por meio da categoria
leitura com o livro “Azur&Asmar” dialética conteúdo e forma para
91

do autor MichaeOcelot. promover novas sensações e


percepções (auditiva, visual),
Assistir ao filme de desenho novas perspectivas para um
animado “As aventuras de mesmo conteúdo, maior
Azur&Asmar” do mesmo autor. aprofundamento na obra,
possibilidades de maior vivência
que oportuniza aos estudantes
um trabalho das criações
humanas (objetivações), e o
enriquecimento da sua
subjetividade.
Dezembro 8ª) Entrevistas finais Avaliar a percepção dos
(individualmente) com os alunos. estudantes a respeito do trabalho
desenvolvido, as possibilidades
de ampliação do seu repertório e
sobre as atividades organizadas
com a Literatura Afro-brasileira e
os avanços no desenvolvimento
do psiquismo humano.
Fonte: A autora (2023).

Partindo da intenção de sistematizar o processo pedagógico em um conjunto


de ações que levem o aluno a ampliação da capacidade leitora e desenvolvimento
do psiquismo humano (memória, consciência, percepção, atenção, fala,
pensamento, vontade, formação de conceitos e emoção), a primeira ação da
pesquisadora foi levar os alunos à biblioteca e conversar, juntamente com
bibliotecária, sobre a importância deste espaço, a função e contribuição dos livros
para a vida e intelectualidade do aluno.
Também foi abordado sobre o que os alunos gostavam de ler em particular,
quais obras haviam lido e se havia lembrança dela, a fim de compreender quais
ações de leitura seriam satisfatórias para os alunos naquele momento. Foram
mencionados mangás, contos, livros de romances e HQs. Visto que este era um
período de retorno às atividades presenciais, em decorrência da pandemia, a
maioria dos estudantes relatou não ter tido muitos momentos de leitura literária em
casa durante o isolamento.
Neste primeiro encontro, perguntou-se também sobre qual tipo de
personagem os alunos mais gostavam de ver nos enredos. De maneira geral, os
alunos disseram que personagens de lutas, heróis, rainhas e princesas eram os
seus prediletos. Perguntei ainda sobre se conheciam livros de Literatura Afro-
brasileira e sobre o que tratavam, sendo que poucos alunos arriscaram dizer, por
dedução, que eram histórias sobre a África e o Brasil.
92

Ainda durante a conversa, foi questionado sobre a presença de personagens


negros em obras literárias e se isso era comum ou não. Poucos alunos relataram
perceber a ausência, outros não perceberam a falta ou a diferença destes
personagens na literatura. Além disso, também foi explicado o que constituem as
obras literárias, a relevância da literatura na história da humanidade, as
representações humanas contidas nelas, os tipos de narradores, textos, contextos e
personagens diversos que o universo literário pode proporcionar, bem como as
características próprias da cultura africana em ligação com a população brasileira.
Durante a conversa na biblioteca, pensou-se então em elaborar situações
relacionadas às ações de leitura que fosse colaborativa, para compartilhar o
conteúdo e as vivências do texto lido, pensando em desenvolver um pensamento
crítico, reflexivo acerca da leitura e sua interpretação e submeter à compreensão
leitora as avaliações ao final, as quais levassem os alunos a compreender os
sentidos construídos durante a leitura.
Foi explicado aos alunos que o objetivo com essa ação era o de promover o
contato com as obras de literatura afro-brasileira que a escola tinha à disposição.
Nesse momento, expliquei que o ato de ler, em especial o texto literário, é
fundamental para a formação humana e intelectual, pois amplia nosso repertório
cultural quando focaliza personagens em diferentes contextos, ou até escritores de
diferentes nacionalidades, porque permite uma visão alargada de mundo, provoca
identificação ou não com o enredo, emociona e inquieta, já que é um objeto
produzido de um ser humano para outro.
A partir dessa elucidação, foi pensando junto aos alunos, no melhor formato
para a sistematização das ações nas aulas de leitura com livros de literatura afro-
brasileira, de modo com que se relacionasse mais profundamente com as obras, ao
mesmo tempo em que se diferenciaria das aulas de leitura comum, cujo texto
selecionado literário era simplesmente lido. Fazia-se necessário um método didático
que auxiliasse na ampliação da capacidade de leitura.
Ao longo da pesquisa, foi possível perceber que a leitura da obra literária
pode fazer mais sentido aos estudantes quando entendida não como mero exercício
de erudição e estilo, mas ao compreender os recursos expressivos da representação
simbólica das experiências humanas. De acordo com Candido (2011), as produções
literárias enriquecem a nossa percepção e visão de mundo, por isso, sua fruição é
um direito fundamental de qualquer pessoa da sociedade.
93

Ao longo da pesquisa, também foi adotada a concepção de que a escrita


literária espelha o mundo social em que vivemos e este mundo levanta
necessidades sociais, tanto de ler quanto de escrever, para poder agir no meio
social. Segundo Jolibert (1994a), ler é atribuir significado a algo escrito, é questionar
o escrito a partir de uma expectativa real, numa situação real de vida. A leitura e
escrita não podem ser apropriadas de forma mecânica e superficial, é preciso
aprender a decifrar a língua viva e avançar, compreendendo que são instrumentos
culturais complexos e, portanto, é necessária a interação com o outro.
Diante disto, foi iniciada a sondagem prévia das motivações ou finalidade com
que os alunos liam, quais ações de leitura já eram realizadas por ele, sua concepção
do ato de ler, o que esperavam encontrar nas obras de literatura afro-brasileira. Os
dados levantados pela avaliação diagnóstica foram importantes para orientar o
planejamento das ações de leitura literária e para avançar na superação de
concepções iniciais.

4.1 CONCEITOS PRELIMINARES SOBRE A LEITURA LITERÁRIA

Na perspectiva da aprendizagem, a organização do processo educativo é algo


primordial. O diagnóstico configura-se como um ponto de partida para planejar e
ajustar as ações do processo formativo junto ao sujeito da atividade. De acordo com
Oliveira (2021), um verdadeiro diagnóstico deve fornecer uma explicação que
auxiliem nas futuras prescrições práticas.
O diagnóstico é um indicador importante no processo escolar, é uma
oportunidade para os alunos evidenciarem o conhecimento que já
dominam, expressar sua curiosidade, suas apreensões e
especialmente, à disposição ou não para aprendizagem. (OLIVEIRA,
2021, p.94).

Para o diagnóstico da presente pesquisa, recorreu-se ao questionário,


contendo oito perguntas sobre a relação dos estudantes com as ações de leitura, a
fim de conhecer a fruição e visão sobre a cultura africana. O Quadro 6 a seguir é
referente aos 10 participantes da pesquisa, contudo, todos os demais estudantes
presentes durante as aulas presenciais responderam ao questionário, foram 18
alunos no total.
94

Quadro 5 - Respostas do questionário diagnóstico.


Pergunta 1 Respostas
Você gosta de ler? A1: “Sim, Contos”.
Se sim, gosta de ler A2: “Sim, gosto de ler Mangás, gibis, livros de ação e detetive”.
o que? Se não, você A3: “Sim, gosto de ler Mangás, pelo meu celular”.
A4: “Eu não costumo ler muito, mas quando eu estou interessada no livro
sabe dizer o porquê?
eu foco bem nele”.
A5: “Sim! todos os tipos, mas romances ou fantasia são os meus
favoritos”.
A6: “Gosto de ler sim, o livro que eu gosto de ler é mais de ação”.
A7: “Gosto, mas não tenho costume e eu gosto de ler suspense,
romance ou ficção”.
A8: “Mangás, animes legendados, jornais”.
A9: “Sim, eu gosto de ler mistério, romance, comédia e aventura”.
A10: “Sim gosto de ler histórias de romance e suspense”.
Pergunta 2 Respostas
Por qual motivo ou A1: “Porque isso me chama muita atenção”.
finalidade você lê? A2: “Pela emoção que eu sinto enquanto estou lendo. Que não consigo
sentir quando estou fora do livro”.
A3: “Por ser bom”.
A4: “Não tem muito um motivo, eu faço mais isso como um passatempo”.
A5: “Eu leio porque gosto de ver histórias impossíveis de viver. Em entrar
no meu mundo ‘Paralelo”.
A6: “Amigos e meus pais”.
A7: “Para melhorar a leitura, para conhecer coisas novas e palavras
novas”.
A8: “Motivo nenhum”.
A9: “Eu leio porque aumenta o vocabulário e transmite mais
conhecimento”.
A10: “Para melhorar meu vocabulário, e fugir da realidade”.
Fonte: A autora (2021).

Ao analisar as primeiras questões, podemos destacar o interesse pela leitura


que se expressa dominantemente por variados gêneros textuais, contudo, o que
chama atenção é a preferência por mangás e animes pelos meninos, e preferência
por romances entre as meninas. Na segunda pergunta, foi investigado os motivos e
finalidades acerca da leitura, em que foi destacado o vínculo emocional com a obra
literária, a preferência pelo caráter ficcional das obras e a aquisição cultural para
aumentar o conhecimento, demonstrando preocupações com a ampliação lexical.
Outros ainda responderam que os motivos são externos (amigos e pais), e ainda,
dois alunos não indicaram “motivo nenhum” para ler. Esses dados demonstram o
quanto o interesse pela leitura é subjetivo que, assim como outras atividades,
humanas podem abarcar diversos motivos para a realização de sua ação.
Abaixo foram analisadas um bloco de três perguntas relacionadas à
frequência, capacidade e apreço pela leitura, as respostas das perguntas 3,4 e 5
estão expressas nos três gráficos a seguir.
95

Gráfico 1- Respostas da pergunta 3.

Fonte: A autora (2021).

Gráfico 2 - Respostas da pergunta 4.


96

Fonte: A autora (2021).

Gráfico 3 - Respostas da pergunta 5.

Fonte: A autora (2021).


97

Interessante notar que embora nas questões anteriores a maioria dos alunos
relatou que gosta de ler, aqui relataram que não leem com muita frequência ou "às
vezes", e somente dois alunos responderam que leem diariamente. Em
contrapartida, 50% dos alunos participantes acreditam que já desenvolveram
capacidades de leitura e atribuem isso aos esforços de seus pais e amigos da
escola, revelando o quanto a práxis docente com literatura precisa sofrer
investimento para que isso reverbere em impactos na vida escolar dos estudantes.
O quadro 6 apresenta as respostas obtidas na pergunta 6.

Quadro 6 - Respostas da pergunta 6.


Pergunta 6 Respostas
Você se acha um bom A1: “Mais ou menos. (um bom leitor) é quem interpreta o que lê e lê
leitor? O que é um bastante”.
bom leitor na sua A2: “Sim, eu não sou o melhor leitor, mas acho que sou bom. Ser um
compreensão? bom leitor é quem entende perfeitamente a história e consegue entrar
de cabeça na história perfeitamente”.
A3: “Não me acho um bom leitor. Um bom leitor é quem gosta de ler e lê
sempre. Eu gosto, mas não leio sempre.
A4:” Não me acho uma boa leitura porque a minha voz é muito baixa”.
A5: “Sim, um bom leitor seria aquele que sabe interpretar e/ou cuida
muito bem do seu livro, não fica dando spoiler sem ser pedido”.
A6: “Não acho que um eu seja um leitor”.
A7: “Não, eu acho que é uma pessoa que lê muito, que tem uma dicção
boa e quer melhorar mais, mesmo sendo bem inteligente já”.
A8: “Não, uma pessoa que tem uma dicção ótima e sempre busca ler”.
A9: “Eu acho que eu sou …Um bom leitor na minha opinião ele deve ler
bem e entender a história”.
A10: “Sim, uma pessoa que presta atenção no que lê”.
Fonte: A autora (2021).

Analisando as respostas da pergunta 6, observa-se que somente 4 de 10


alunos se consideram um “bom leitor''; na concepção da minoria desses estudantes,
leitor é aquele que entende o que lê, mobiliza sua capacidade de atenção para
entrar na história e compreendê-la. Por outro lado, a maioria dos alunos que não se
consideravam um bom leitor possuíam uma concepção equivocada de leitura como:
gostar de ler, ler muito, ler em voz alta, cuidar dos livros e ter uma boa dicção.
Apesar de todos esses aspectos estarem relacionados às ações de leituras,
elas em si não representam a capacidade de leitura, nem a utilização de funções
psíquicas superiores, revelando o quanto uma adequação didática para o
desenvolvimento dessa capacidade torna-se importante para alunos do Ensino
Fundamental. O Quadro 7 traz as respostas dos alunos para a pergunta 7.
98

Quadro 7 - Respostas da pergunta 7.


Pergunta 7 Respostas
Você acha que as A1: “Sim, muito”.
(atividades A2: “Não sei ao exato, mas em visão geral eu acho que sim muitas
organizadas) com das vezes tive que estudar literatura para compreender exato a
história”.
livros de literatura
A3: “Sim”.
podem te auxiliar na A4: “Sim, muito”.
compreensão do A5: “Acho! mas principalmente atividades interativas, pois interagindo
texto? você desenvolve um hábito melhor”.
A6: “Me ajuda muito”.
A7: “Sim, com certeza, quanto mais a gente ler, mais sábio, mais bom
nas palavras a gente fica”.
A8: “Sim”.
A9: "Acho que praticar a leitura é bom e ajuda no conhecimento
literário”.
A10: “Sim”.
Fonte: A autora (2021).

Sobre as atividades direcionadas ao ensino da Leitura literária, todos os


alunos responderam acreditar que este é um instrumento para auxiliar na
compreensão das obras, algo muito bom para a proposta da pesquisa, já que
possibilita que os alunos tenham clareza de que o objetivo das ações com leitura
literária oportuniza ao indivíduo melhoria na compreensão das obras. O Quadro 8
apresenta as respostas sobre a oitava pergunta.

Quadro 8 - Resposta da pergunta 8.


Questão 8 Respostas
O que você acredita que A1: “Não sei”.
encontrará ao ler as A2: "As origens deles, a cultura e as raízes e ver como as obras afro-
obras afro-brasileiras ou brasileiras sofreram muito para chegar onde estão".
de temática africana? A3: "Boas histórias".
A4: "Sobre culturas africanas e muito mais".
A5: "Conhecimento em todos os assuntos, sobre a cultura em que
boa parte do Brasil tem descendência. Os costumes, comidas, tons de
pele, traços específicos dessas culturas".
A6: "Tema africano".
A7: "Bom, pelo o que me lembre eu não li nenhum tipo de livro assim,
mas acho que culturas, etc.".
A8: "Cultura local".
A9: "Acredito que a cultura de aventura estará presente no conto".
A10: "Não sei".
Fonte: A autora (2021).

É interessante notar a expectativa dos alunos para com as obras de literatura


afro-brasileira. Alguns relataram desconhecimento ou que ainda não estabeleceram
uma conexão entre a cultura brasileira com a africana. Isso abre uma grande
perspectiva de trabalhar as obras literárias, considerando sua complexidade
99

linguística em todas as suas formas, mas também, o conteúdo cultural que elas
carregam.
Antes de iniciar as atividades organizadas com a literatura afro-brasileira,
também foi preciso investigar sobre o conceito de gênero Conto, e já com o intento
de uma objetivação da escrita pelos alunos, buscou-se a princípio perceber o nível
de dificuldade inicial dos nossos alunos com uma verificação do conhecimento
prévio, a fim de perceber o que já sabem sobre o Conto e avançar para o
entenderem sobre aquilo que ainda precisam saber. Para tanto, foi utilizado a
ferramenta Jambord, com auxílio de um notebook, solicitando aos alunos colocarem
neste espaço, ou pedirem para colocar uma sentença ou desenho, sobre o que seria
um conto em suas opiniões. Os estudantes livremente colocaram as expressões a
seguir.

Figura 2 - Conhecimento prévio sobre o gênero Conto.

Fonte: Autora (2021).

De maneira geral, conhecer o esquema quinário referente ao Conto de Fadas


era importante, principalmente ao perceber elementos de uma literatura europeia,
100

devido à representação de um castelo e fazendo menção aos Contos Clássicos. As


atribuições de que Gênero Conto seria “alguém contar uma coisa”, “falar pra
alguém”, “história”, “é um texto” revelam o conhecimento superficial sobre o gênero
textual. Foi questionado ainda quais personagens de Contos eram conhecidos por
eles, as respostas que apareceram foram “Branca de Neve” e “Chapeuzinho
vermelho”, refletindo novamente a força da literatura “brancocentrica” e colonialista.
Portanto, o instrumento de avaliação diagnóstica destaca-se como um
importante instrumento para planejar e analisar futuras ações de estudo junto aos
alunos (OLIVEIRA, 2021). Na próxima seção, será apresentado as ações de leitura
em uma Roda de Apreciação literária e sua contribuição para a ampliação da
capacidade leitora e produções textuais, ressaltando a importância destas diversas
ações no processo formativo dos alunos.

4.2 PRÁTICA SOCIAL INICIAL: ESCOLHA DE LIVROS NO ESPAÇO BIBLIOTECÁRIO

Durante a pandemia, as bibliotecas fecharam, impossibilitando o acesso aos


livros pertencentes à escola e dificultando o trabalho escolar com leitura. Assim, a
maioria dos alunos relatou no questionário diagnóstico ter momentos de leitura em
casa, seja pela solicitação dos pais ou por indicação dos amigos. Para aqueles que
não realizaram leituras durante o período pandêmico, a retomada da prática de
leitura pode ser mais difícil, fazendo com que a organização de atividades literárias
se torne um desafio.
Neste processo de retorno da pandemia, é importante refletir sobre a
importância do ambiente pedagógico da biblioteca escolar como espaço de ações de
leitura, dada a necessidade de se realizar práticas mediadoras planejadas para a
promoção da leitura literária em tais espaços (SILVA, 2006). Para tanto, também é
relevante as iniciativas de formação para professoras voltadas a leitura a fim de
promover práticas significativas de formação leitora para os alunos.
A função da leitura e a importância da biblioteca para o processo de formação
de leitores na formação geral dos alunos é um processo dialético. Por exemplo, “o
professor, além de sua formação acadêmica, possui experiência docente única,
realidade pessoal e pensamentos diferentes que, num processo de formação, deve
convergir para a reflexão da ação pedagógica, para a construção do conhecimento
101

individual e coletivo”. (SILVA, 2006, p.27). Com base em todas essas considerações,
é possível dizer que a formação de leitores é um caminho é longo, as quais também
dependem de investimento em políticas públicas que contemplem manutenção de
bibliotecas escolares e a formação do mediador.
Após os alunos responderem ao questionário de avaliação diagnóstica, darem
suas opiniões sobre a importância da literatura em sua vida e escolherem livremente
um livro de literatura afro-brasileira, pensou-se sobre uma forma de compartilhar
estas leituras com os colegas de sala para que todos pudessem apreciar as
histórias. Assim, foi escolhido junto com os alunos, o formato roda de leitura ou uma
apreciação literária já que ele propicia uma boa interação e a exposição do
pensamento dos participantes da pesquisa.
O pensamento é uma forma dialógica e coletiva de análise dos conteúdos
da realidade; essa análise ocorre por meio de conhecimentos e conceitos
que desvelam os caminhos e os meios para participar das mais variadas
esferas da atividade humana. (CLARINDO, 2020, p.139).

Pode-se dizer, portanto, que evidenciar o pensamento durante as práticas de


leitura é um meio de revelar o desenvolvimento da consciência da personalidade dos
alunos participantes. A linguagem é um instrumento básico inventado pela
humanidade e, segundo Vigotski (2010), a linguagem tem um importante papel na
organização e desenvolvimento dos processos de pensamento.
Por meio da fala ou registro escrito em fichas distribuídas durante o diálogo
em roda, foi possível perceber como os alunos compreendem a obra literária lida e
compartilham suas percepções. Essa atividade também pode atuar no
desenvolvimento das funções psíquicas superiores, como sensação, pensamento,
emoção, memória, sendo estas fundamentais para a formação de leitores.
O processo dialógico desenvolvido durante as rodas de apreciação com os
alunos participantes foi pensado de forma que estes pudessem compreender um
objeto (o livro de literatura afro escolhido) por meio da leitura individual, fazer
anotações e, depois, no momento combinado, comunicar aos outros sobre o
conteúdo da obra e o seu ponto de vista para ser avaliado pelos outros participantes.
Desta forma, os alunos escolheram o seu livro na biblioteca dentre as 46 obras
encontradas, as quais ficaram à disposição dos alunos em uma caixa temática na
biblioteca. 18 alunos pegaram um livro para ler, sendo que somente uma aluna se
recusou a emprestar, afirmando que não gosta de ler. Houve também mais quatro
102

alunos com necessidades especiais, que disseram que levariam para casa para
pedir aos pais para ler com eles.
Após a escolha do livro, os alunos deveriam realizar a leitura e apresentar, no
próximo encontro, um breve resumo da obra, seus personagens, e outros elementos
básicos da narrativa para compartilhar aos colegas, relatando o que lhes agradou
durante a leitura e os sentidos encontrados. Essa atividade teve a finalidade de
ampliar o contato dos alunos com o máximo de obras da literatura afro-brasileira
possível e viabilizar futuros empréstimos das obras que foram compartilhadas na
roda de apreciação literária. Os alunos tiveram duas semanas para ler e se preparar
para as apresentações, conforme mostra o cronograma a seguir.

Quadro 9 - Cronograma: Roda de Apreciação.


29 de setembro Escolha dos livros na biblioteca
13 de outubro Primeira sessão roda literária
20 de outubro Segunda sessão roda literária
novembro a dezembro Sessões de leitura: (Livro escolhido pelos alunos e professora-
(semanalmente) pesquisadora)
Fonte: A autora (2021).

A proposta de apreciar um texto literário a princípio individualmente e depois


compartilhar essa leitura em grupo, tem como intuito permitir que o aluno se
familiarize com o objeto-livro e, depois de compartilhado com toda turma, fala-se
coletivamente sobre ele. Sendo assim, foi elaborado um planejamento para as
atividades de literatura, conforme demonstra o quadro a seguir.

Quadro 10 - Planejamento da roda de apreciação literária.


Conteúdo Antes da leitura Durante a leitura Depois da leitura
Gêneros da literatura Conhecimento prévio Durante a leitura Depois da leitura:
afro-brasileira prática independente. (mediação em voz
- Recepção, alta): prática
empréstimo e - Prática de leitura interativa/compartilhad
manuseio do livro; da obra. a.

- Escolher um livro de - Anotar trechos -Apresentação das


literatura afro- interessantes, que obras para turma em
brasileira para mais gostou. uma roda.
apresentar em uma
roda de apreciação a - Separar um trecho -Conhecer as
fim de compartilhar Interessante para diferentes visões
suas impressões mostrar acerca da obra.
sobre o livro. posteriormente as
colegas. -Mostrar trechos da
obra mais
-Retirar as significativos.
103

informações principais
da obra características -Relato da emoção
fixas título autor que sentiu durante a
gênero textual. leitura.

-Síntese das partes -Conclusão (gostou


identificar a ideia sim ou não).
Central.
-Apresentar
- Perceber os justificativa e opinião
contrastes da obra (é com base em algum
muito diferente ou argumento.
parecida das outras -Leitura da sinopse ou
que eu já li). resumo preparado
pelo aluno.
- Ajustes no roteiro de
apresentação. -Avaliar as obras
(exame qualitativo)
- Levantar pontos
positivos e negativos -Votação de uma obra
da obra. para ser lida completa
com a turma toda na
-Preparar uma fala próxima aula.
breve em defesa ou
crítica da obra
escolhida.

-Opcional: gravar um
vídeo para apresentar
a turma (edição
personalizada).
Fonte: A autora (2021).

Este planejamento intenta conectar os alunos com a leitura literária, por meio
da leitura em uma roda de apreciação das obras, aprofundando-se seus sentidos e
estética que, em essência, giram entorno de um personagem protagonista negro.
Contribui também para que haja um que um espaço da leitura na escola, organizado
pelo docente. O uso das novas tecnologias como o smartphone, internet e
aplicativos para a leitura proporcionaram acesso à informação e diversas leituras,
porém, eles não substituem o lugar do livro na escola.
Não há como negar que estes meios auxiliam na continuidade da prática da
leitura em ambiente não escolar, contudo, é essencial que continue existindo um
espaço, como o da biblioteca escolar, a ser preenchido com ações que promovam a
leitura literária, seja pela forma de livre compartilhamento das ideias captadas pela
leitura, ou ainda, pela avaliação qualitativamente junto ao professor que instigue
outros leitores a ampliar seu repertório de leitura e cultura, por meio da
compreensão de obras e autores diversos.
104

A sociedade moderna lê muito, mas retém pouco conhecimento e


compreensão na memória porque é uma leitura dispersiva. É uma leitura que não
organiza o pensamento, não estrutura a memória e discurso, não forma leitor nem
cria necessidade por outras leituras, por isso, a professora-pesquisadora entende a
importância de uma práxis do trabalho com a leitura literária de maneira sistemática
dentro de um sistema com ações motivadoras para leitura, a fim de promover
leitores capazes de ler o mundo ao seu redor, ler a si mesmo e ler-se no mundo.
Com isto posto, a primeira roda de apreciação aconteceu na biblioteca, realizada em
duas sessões durante este momento de leitura.

4.3 AÇÕES DE LEITURA EM UMA RODA DE APRECIAÇÃO LITERÁRIA

A história se passa num reino africano, e os valores


são outros, e as referências culturais são outras,
igualmente ricas, cheias de encanto e de magia [...]
O importante é que elas nos façam viver as
fantásticas aventuras que cada um propõe no plano
da fantasia e encham o nosso coração de
esperança, mesmo que na fantasia de algumas
histórias isso não seja possível.
É assim: as histórias africanas me mostram a
diversidade e me fazem ser um ser humano melhor!
Quer experimentar também? Então, mãos à obra,
ou melhor, olhos e tudo mais na história! Boa
viagem! Boa colheita! Boa safra! Bom apetite! Bom
e feliz retorno! Afinal, precisamos retornar das
histórias para a vida sempre, e com alegria para
espalhá-las pelo mundo!
Prefácio da obra Kalinda
Autor Celso Sisto.

Em diálogo com a epígrafe, é possível pensar nas obras literárias como


imensos tesouros de conhecimento e cultura, histórias fantásticas, sendo que,
mesmo possuindo constituição ficcional, elas nos encantam e emocionam. O plano
da fantasia amplia o contato das experiências humanas por meio do psiquismo, isto
é, a capacidade de emoção, memória, consciência, pensamento e reflexão. A
habilidade de experienciar cognitivamente as histórias de maneira simbólica mostra
o quanto os signos linguísticos são importantes para a vida humana, e, mesmo que
a realidade apresente adversidades, é preciso retornar das histórias para a vida
sempre.
A proposta de uma Roda de Apreciação, constituída juntamente com alunos
105

do ensino fundamental, teve como objetivo ampliar o seu repertório cultural e literário
e possibilitar que expressem suas opiniões sobre os livros lidos, promovendo um
diálogo reflexivo e contribuindo para a formação de leitores, ao desenvolver o prazer
pela leitura. A escolha dos livros, feita a partir do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD, 2020), foi embasada na seleção de obras que tivessem a
representação do negro na Literatura. Assim, foi proposto aos alunos que, após a
ação de leitura individual, preparassem uma fala para compartilhar com os colegas
as suas percepções sobre o conteúdo (ideias, valores, conceitos, além de suas
impressões sobre a forma (ilustrações, gênero textual, linguagem, elementos da
narrativa e enredo) e a sua compreensão dos significados obtidos. Para auxiliar os
alunos neste processo, foi montado um roteiro que o instrumentalizasse a conhecer
melhor a obra, conforme mostra o Quadro 11 a seguir.

Quadro 11 - Roteiro para avaliação da obra.


A RODA DE APRECIAÇÃO
Identificação da Obra
Título do livro:
Autor:
Gênero Textual:
Personagens: Lugar: Tempo: enredo:
1- Após a leitura completa da obra responda:
Você gostou da obra?
( ) SIM ( ) NÃO
Relate o que você sentiu (emoções) ao ler esta obra
……………………………………………………………………………………
2. Qual é a ideia central da obra?
3. A obra se parece ou é muito diferente das obras literárias que você já leu? Aponte os contrastes
e as similaridades.
4. Quais ajustes no roteiro (figuras, personagens, outros) você faria se fosse o autor ou ilustrador?
Explique.
5. Proposta de Ação: Prepare uma fala em defesa ou crítica a obra escolhida OU grave um vídeo
curto (com edição personalizada) para apresentar a turma.
6. Avaliação: Apreciação coletiva das obras apresentadas.
Fonte: A autora (2021).

Este roteiro de avaliação da obra foi pensado de forma a levar o aluno a um


processo de interação com o texto literário, auxiliando-o também a organizar suas
percepções para posterior exposição. A intenção é fazer com que ele busque
sentido para o que lê e sinta-se à vontade para expressar suas considerações,
aprendendo por meio de um processo dialógico, além de que o ato de ouvir histórias
gera interesse em buscar novas leituras.
Se a criança ouve uma história, será capaz de comentar, indagar, duvidar ou
106

discutir sobre ela, ou seja, na perspectiva dos estudos de Bakhtin (2003) ela realiza
uma interação verbal. Esse confronto de ideias e pensamentos, no ambiente
coletivo, é capaz de desenvolver a linguagem e o pensamento, sempre na interação
com o outro, por meio do diálogo, garantindo ricas experiências literárias.
Após o período determinado para a leitura e para a preparação do material,
foi realizada a atividade Roda de Apreciação na biblioteca da escola. Inicialmente,
muitos alunos mostraram-se acanhados em falar publicamente e quiseram somente
ler as suas fichas, elaboradas com base no roteiro, em que anotaram suas
impressões sobre o livro escolhido. No total, 18 alunos levaram os livros para ler em
casa, somente 10 alunos conseguiram ler sozinhos e falaram um pouco sobre suas
percepções da obra escolhida aos demais alunos, e destes eram os participantes da
pesquisa, exceto uma aluna faltou no dia e não realizou a leitura individual. O
Quadro 12 traz uma relação entre a obra escolhida e o aluno. Cabe salientar neste
momento, os dados sobre a racialidade dos participantes da pesquisa, já que a
percepção frente aos elementos étnico-raciais presentes na obra pode afetar, mais
ou menos, os leitores a depender de sua etnia.

Quadro 12 - Relação entre a obra escolhida e aluno.


Título da obra Estudante
1- Três anjos mulatos no Brasil Estudante não participante da pesquisa.
(branca)
2- O rapaz do metrô Estudante não participante da pesquisa.
(negro ou pardo)
3- A guardiã dos segredos da família (Bibble) participante da pesquisa.
(branca)
4- Cartas para a minha mãe. (Sakura) participante da pesquisa.
(negra ou parda)
5- Histórias no varal: 3 cordéis de romance Estudante não participante da pesquisa.
e aventura. (branco)
6- Lendas brasileiras para jovens. (Aleatória) participante da pesquisa.
(negra ou parda)
7- Rapunzefa (Bia) participante da pesquisa.
(branca)
8- Kalinda: a princesa que perdeu os (Catra) participante da pesquisa.
cabelos. (negra ou parda)
9- A cachoeira de Paulo Afonso (Lemon) participante da pesquisa.
(branca)
10- Mãe África Estudante não participante da pesquisa.
(negra ou parda)
Fonte: A autora (2021).

A primeira sessão de apresentação aconteceu em sala (devido a


indisponibilidade de uso da biblioteca naquele dia), seguindo a ordem do quadro
107

acima. Devido ao tempo, as últimas 4 obras ficaram para a segunda sessão, na


semana seguinte, realizada na biblioteca. As apresentações foram rápidas,
evidenciando uma certa timidez dos alunos em falar publicamente para os demais
colegas, além da dificuldade de ouvir por causa do uso das máscaras.
A fim de colaborar nas mediações, a professora-pesquisadora passou a
repetir em um tom mais alto as falas do aluno que apresentava, auxiliando lhe
também na apresentação do livro. Apesar destes e outros esforços, os alunos
demonstraram-se apáticos a essa atividade. A gravação de vídeo e voz não foi
possível nestas sessões, devido a uma conexão ruim com a internet e o uso de
máscaras atrapalharem a captação da voz, algo corrigido com o uso de um
microfone de lapela nas atividades posteriores.
Em ambas as sessões, os alunos que se sentiram à vontade, expuseram um
relato sobre a obra escolhida, informando sobre o que mais gostaram na leitura.
Todos os alunos tiveram a oportunidade de expressar suas impressões, contudo, a
sua transcrição (Quadro 13) focou somente nos alunos participantes da pesquisa e
autorizados pelos pais.

Figura 3 - Roda de Apreciação de Leitura.

Fonte: Acervo pessoal (2021).

Então, partindo da proposta de análise das obras literárias escolhidas e de


sua apresentação em roda aos demais alunos, o quadro 13 apresenta o relato da
108

experiência pelos alunos.

Quadro 13 - Relatos sobre a obra lida.


Nome da Estudante Relato
Obra
1- A guardiã Bibble * “Senti felicidade, um pouco de tristeza e surpresa ao ler esta
dos (branca) obra”.
segredos da * “Sobre a ideia central, eu acho que seria melhor mostrar que
família pessoas pequenas conseguem fazer grandes projetos”.
* “Sobre o ajuste no enredo nada, essa obra está ótima”.
* “Minha avaliação é nota 10 de 10 pra essa obra”.
2- Cartas Sakura * “A obra é bem diferente do que estou acostumada a ler, porém
para a (negra ou gostei bastante”.
minha mãe. parda) * “Não vejo erros. Acertos, porém, muitos, por exemplo, a
protagonista ser negra é muito forte e dar a volta por cima!”.
* “Assim eu arrumaria a avó da garotinha, ela é muito fria, mas não
sei bem, pois no fim ela se abre e melhora aos poucos!”
* “Este livro é um bom livro, simplesmente não tenho críticas!
Apesar de no início ter apertado meu coração, ele fala de assuntos
que facilmente passam despercebidos como: racismo, machismo,
feminismo. Essa história apresenta uma garota negra de 11 a 15
anos que perdeu sua mãe e teve de ir morar com sua avó, tia e
primas. A avó diz: Você deve estudar, ser dona de casa e casar
com um homem branco, sua tia demonstra ser dependente até
casar-se, porém a protagonista é forte, estuda para ser professora
e conta com amor e alegria os seus dias nas pequenas 44 cartas a
sua mãe”.
* “De 0 a 10, eu avalio a obra “Carta para minha mãe de 9”.
3-Lendas (Aleatória) A aluna faltou no dia da apresentação e não realizou a atividade de
brasileiras (negra ou leitura individual.
para jovens. parda)
4- Bia * (A estudante escreveu um resumo da obra em uma folha e leu
Rapunzefa (branca) para os colegas, durante a roda de apreciação, disse que “gostou
da obra porque é legal e porque tem imagens”.)
* Resumo: “No Nordeste, havia um casal que sonhava em ter
filhos, até que conseguiram engravidar de uma menina. Faltando
poucas semanas para nascer o bebê, sua mulher fica com desejo
de comer farofa de mandacaru, que só tinha no pomar do quintal
da feiticeira, sua mulher disse para ele parar de ser bobo e que
essas coisas não existiam, chegando lá a feiticeira, fala que ele só
poderia levar se ele prometesse que depois te daria algo em troca
e assim ele prometeu. Depois que sua filha nasceu, a feiticeira que
estava passando por lá lembrou da promessa e falou que queria a
filha em troca, eles se negaram a dar. Então transformam eles em
jumentos e pegou a linda menina chamada Rapunzefa. Mantendo
Rapunzefa na torre com jumentos por muito tempo. Num certo dia
apareceu um vaqueiro. Rapunzefa escuta o vaqueiro falando que a
suposta mãe dela era uma feiticeira, então ela olha a cesta de sua
mãe e encontra feitiços. Rapunzefa pegou eles e desceu da torre
cortando os seus dreads e fazendo uma corda no mesmo instante
a feiticeira chega, Rapunzefa acaba pegando a poção e tacou nos
jumentos que na verdade eram seus pais”.
5- Kalinda: a Catra * “Eu escolhi esse livro por causa das reviravoltas, que a Kalinda
princesa que (negra ou que é muito apegada ao cabelo dela, como eu também sou, eu
perdeu os parda) fiquei curiosa para saber o que aconteceu para ela perder os
cabelos. cabelos”.
* “Gostei muito, minha nota é 10”.
* “Escolheu esse conto por conta das ilustrações, encontramos
109

muitas delas aqui no Brasil, mas só que elas não são


valorizadas.".
6- A Lemon * Emoções? “Nojo em algumas partes, mas eu gostei do mistério
cachoeira de (branca) do começo”.
Paulo * Já leu? “Nunca li nada parecido”.
Afonso * Ajustes? “Não mudaria nada, gostei bastante”.
* Texto? “O livro, por mais que possa dar um ‘gatilho’ em algumas
pessoas, é divertido de ler por causa das rimas e as ilustrações são
bem diferentes e bonitas. Você pode ficar meio confuso enquanto
lê, mas tudo vai ficando claro conforme vai avançando”.
Fonte: A autora (2021).

De acordo com Foucambert (1994, p. 18), “Ler é mobilizar tudo quanto se


conhece, isso vale tanto para um leitor iniciante como para um leitor efetivo”, por
isso, neste momento de relato das ações de leitura, procurou-se realizar perguntas a
fim de perceber como os alunos atribuíam sentido ao texto, ativavam conhecimentos
ou articulavam com suas experiências.
A primeira exposição de leitura foi a da estudante Bibble, foi perguntado o que
gerou o sentimento de tristeza e felicidade na sua leitura. Ela respondeu que a
personagem principal, Maria Francisca “Nenenzinha”, fica órfã de pai e mãe e vai
morar com seus tios, fato que a deixou triste, pois a protagonista assim como ela
tinha a idade de 13 anos. Além disso, ela relatou que a tia da personagem principal
a tratava muito mal e a obrigava a fazer todo o serviço da casa e cuidar das outras
crianças, mas que apesar disso, ela não desanimou: “foi forte, e não pagou o mal
como mal, por isso fiquei feliz”. Ao questionar a sua opinião sobre o porquê do título
da obra “Guardiã dos segredos da família”, ela respondeu que era devido ao fato de
Nenenzinha não falar para ninguém os problemas que a família tinha e que todo
mundo contava seus problemas para ela.

Figura 4 - Capa do livro “A guardiã dos segredos de família” autora Stella Maris
Rezende.
110

Fonte: Google imagens (2023).

Após o compartilhamento, nenhum outro aluno quis perguntar, então


passamos pedimos a aluna Lemon prosseguir com o relato de suas impressões
sobre o livro de histórias em quadrinhos “A cachoeira de Paulo Afonso”. Antes de
iniciar, a professora-pesquisadora mostrou a capa do livro aos alunos, após captar
as impressões, solicitou que a aluna começasse o seu relato da obra. Lemon iniciou
dizendo que é a história sobre um casal de negros que para fugir da escravidão,
pulavam na cachoeira.

Figura 5 - Capa do livro “A cachoeira de Paulo Afonso” poemas de Castro Alves,


adaptada e ilustrada por André Diniz.

Fonte: Google imagens (2023).

A aluna expressou que teve dificuldade para entender as poesias, mas que as
ilustrações lhe ajudaram. Em relação a qual emoção sentiu durante a leitura, a aluna
111

afirmou sentir “nojo”, porque viu imagens que remetiam a violência e aos maus
tratos decorrentes da época da escravidão: “tratavam mal as pessoas”. Foi indagado
a turma se todos concordavam com esse sentimento, que responderam
afirmativamente. Também foi questionado se conheciam ou já ouviram falar do
poeta Castro Alves, contando-lhes que se trata de um poeta do século XIX,
romancista e que ficou conhecido como “poeta dos escravos”, já que seus escritos
defendiam a liberdade das pessoas negras escravizadas nesta época. Nenhum
aluno quis comentar ou perguntar algo sobre o assunto, um silêncio que poderia
derivar-se da temática dominante de dor e sofrimento ligada aos personagens
negros ou, ainda, uma falta de compreensão leitora decorrente do não
aprofundamento sobre os significados dos signos linguísticos.
Neste ponto, cabe salientar, conforme traz Vigotski (1998, p. 150), a
importância de buscar os significados do que se lê: “uma palavra sem significado é
um som vazio; significado, portanto, é um critério da palavra, seu componente
indispensável”. O fato de a aluna ter dificuldade para superar a barreira linguística de
termos antigos da poética de Castro Alves, recorrendo somente as imagens para
apoiá-la, demonstra que ela não buscou a ampliação lexical e apropriação dos
novos termos.
Seguimos com a apresentação do livro “Cartas para a minha mãe”, a aluna
Sakura também quis manter-se sentada e foi auxiliada pela professora para realizar
seu relato, já que demonstrava ansiedade pela timidez. Sakura relatou que o livro
conta a história de uma menina negra como se fosse um diário, onde é relatado
inicialmente que sua mãe morreu e acabou indo morar com sua tia e primas. Ela
escreve cartas para a sua mãe, mesmo sabendo que ela está morta, para continuar
lembrando dela e sentir que ela está presente. Ela enfrenta muitos desafios por ser
negra, sofre bullying e tenta resistir.
Segundo Vigotski (1998, p. 315), “A arte é o social em nós”. Quando o homem
elabora uma obra artística, seja um conto, poema, música ou pintura, ela representa
em sua forma o processo de elaboração da história de um indivíduo humano
realizado nas interações da sociedade, e, ao buscar compreender o significado
destes recursos artísticos, acessamos o seu conteúdo.
De acordo com Assumpção e Duarte (2016, p.257), mediados pelas obras
artísticas, conseguimos expandir nosso entendimento de fenômenos concretos da
realidade e vivenciá-las esteticamente. O livro “Cartas para a minha mãe” exigiu da
112

aluna o uso das funções psíquicas superiores para que pudesse ter a experiência da
dimensão da dor e sofrimento causado pelo luto e, por isso, sentiu-se afetada. A arte
permite que o homem reflita sobre a sua realidade, pois ela carrega as
características do homem social.

Figura 6 - Capa do livro “Cartas para a minha mãe” da autora Teresa Cardenas.

Fonte: Google imagens (2023).

Foi perguntado à aluna porque ela tinha achado o livro diferente e porque sua
nota era nove. Ela respondeu que achou diferente porque “tem coisas sobre a
espiritualidade africana” e não atribuiu a nota dez porque ela gosta mais de livros de
romance, mas reiterou que achou a história interessante.
A próxima aluna a apresentar foi a Bia, quis somente ler o seu resumo que
havia elaborado sobre o livro de Cordel “Rapunzefa”. Quando interrogada sobre o
que mais lhe chamou a atenção e porque escolheu este livro, ela disse que foi por
causa das suas ilustrações e por ser uma história romântica que se parece com a
história da Rapunzel.

Figura 7 - Capa do livro “Rapunzefa ”, do autor Luciano Dami e ilustrador Marcos


Garuti.
113

Fonte: Google imagens (2023).

Por fim, a aluna Catra fez o seu relato sobre o livro de contos “Kalinda: a
princesa que perdeu os cabelos”, dizendo que ele possui vários contos e o que o
nome ao livro foi o que mais lhe chamou a atenção, sendo algo que lhe instigou para
realizar a leitura e saber o que havia acontecido com esta princesa para ter perdido
o seu cabelo. A aluna relatou que durante a leitura se identificou com a personagem,
porque gosta muito do seu cabelo enrolado. Em seu relato, a aluna citou que a
princesa perdeu os cabelos por causa de um encantamento do pássaro e que o fato
dela se casar ao final foi o que mais lhe agradou.

Figura 8 - Capa do livro “Kalinda” do autor Celso Sisto.

Fonte: Google imagens (2023).


Após a exposição das impressões sobre a obra, um questionário distribuído
para que os alunos registrassem qual obra eles mais gostaram, mediante a
114

exposição dos outros leitores, e o porquê. Todos os livros apresentados foram


colocados sobre a mesa, relembrando-lhes, pela sinopse, o conteúdo de cada obra.
A partir das opiniões coletadas pelas fichas, selecionou-se a melhor obra avaliada
para ser lida coletivamente por todos os estudantes.
No total, 22 alunos responderam ao questionário, sem identificação de nome,
sobre a sua apreciação particular das obras apresentadas. A maioria dos alunos (7)
indicou a obra “Kalinda” como a que mais gostaram. As justificativas e avaliações do
livro foram “Me chamou atenção”, “nota 10”, “legal, 10”, “Porque é um livro bom e
interessante, nota 9”, “Interessante, nota 10”, “Adorei as ilustrações, nota 8” e “As
ilustrações, nota 9”. Assim, confirmou-se a obra “Kalinda” para a realização da
leitura coletiva. A aluna que escolheu a obra foi convidada para auxiliar na leitura e
análise do conteúdo e formas.
Diante da devolutiva da apreciação das obras, a professora-pesquisadora
percebeu, durante a exposição, que os alunos não pareciam terem se apropriado
substancialmente dos conteúdos e formas, além de demonstrarem um baixo impacto
com a leitura. Os relatos realizados pelos alunos não eram completos, com poucos
argumentos sobre a avaliação das obras e com percepções muito parecidas,
demonstrando pouca profundidade de análise, falta de compreensão global e baixa
reflexão sobre o conteúdo.
Uma das justificativas para esse fenômeno se dá pelo fato de que a
exposição rápida do conteúdo dos livros pelos próprios alunos pode não ter sido
suficiente para instigá-los à leitura e a investigar de maneira mais profunda a obra,
muito menos para ampliar sua compreensão da cultura africana. Neste contexto, as
atividades com leitura literária foram realizadas para superar essas dificuldades,
trabalhar a obra escolhida de maneira dialética, inserindo os alunos na ação de
leitura, gerindo sua atenção na observação de imagens, palavras e construindo um
pensamento coletivo sobre os seus significados culturais.
Desta maneira, foi elaborado mais uma ação de leitura com a obra escolhida
pelos alunos, partindo da ideia de que o desenvolvimento das capacidades
psíquicas essenciais para a ampliação da capacidade leitora depende da forma com
a leitura é organizada e realizada. Assim, além da roda de apreciação literária, foram
desenvolvidas outras práticas de leitura e escrita, com base nas obras “O casamento
da princesa”, “Kalinda”, “Valentina” e “Azur e Asmar”.
115

4.4 ATIVIDADES DE LEITURA LITERÁRIA: ESTRATÉGIAS DE COMPREENSÃO, CATEGORIA


CONTEÚDO E FORMA E HUMANIZAÇÃO

Nessa sessão, serão analisadas as contribuições das atividades de leitura


literária, observando como tais ações colaboram para a formação das funções
psíquicas superiores. Segundo Sforni (2008, p.7), no contexto escolar, o
desenvolvimento psíquico se realiza com a relação que envolve ação docente, a
ação dos estudantes e os elementos mediadores como obras literárias e dos
conteúdos escolares, de modo que sejam dispostos a “realizar conscientemente as
ações mentais objetivadas”. Por meio desses agentes mediadores durante os
encontros de aulas de leitura, percebeu-se a relevância de ir além de apenas
viabilizar o acesso dos alunos ao objeto-livro, mas sim os aproximando do ato de ler
e inseri-los no caminho da formação leitora.
Para Lukács (1966, p.496), o contato mediador da obra de arte é capaz de
ampliar nossa visão de mundo e promover a percepção de novas coisas por meio do
efeito da catarse13. A catarse, segundo Costa (2014), é vista como parte de um
processo de humanização do indivíduo. A literatura como forma de expressão
artística se articula aos grandes problemas do desenvolvimento da humanidade e
pode exercer um relevante papel na formação humana. Assim, o efeito da catarse
pode ser desencadeado no leitor por meio da mediação estética e contato qualitativo
com as obras literárias, contribuindo para o seu processo de humanização.
O poder orientador e evocador do meio homogêneo [da obra de arte]
penetra na vida anímica do receptor, subjuga seu modo habitual de
contemplar o mundo, lhe impõe antes de tudo um “mundo” novo, lhe
preenche com conteúdos novos ou vistos de um modo novo e lhe move
assim a receber esse “mundo” com sentidos e pensamentos rejuvenescidos,
renovados. A transformação do homem inteiro em homem inteiramente
produz aqui uma ampliação e um enriquecimento de conteúdo e formas,
efetivos e potenciais, de sua psique. Se lhes apresentam novos conteúdos
que aumentam seu tesouro vivencial. (LUKÁCS, 1966, p.496 apud COSTA,
2014, grifo nosso).

Deste modo, a categoria “conteúdo e forma” foi escolhida de modo a


proporcionar aos estudantes sessões de leitura que os colocassem em contato com
a estética da arte literária, com a finalidade de aprenderem sobre a arte da mediação

13
O termo catarse (do grego Kátharsis) foi usado pela primeira vez por Aristóteles (384 a.C. – 322
a.C.), em sua obra Poética (1993). O conceito de catarse, com base na estética de Lukács defende
que a arte pode exercer um papel na formação humana, pode acarretar no sujeito uma transformação
na relação entre a consciência e a realidade social. (COSTA, 2014, p.17).
116

entre realidade e enriquecerem o seu “tesouro vivencial”. (LUKÁCS, 1968). De


acordo com Assumpção e Duarte (2016, p.257), em uma obra artística, o conteúdo
não se revela nitidamente, sendo necessário um esforço do indivíduo para
compreendê-la para romper com a “realidade concreta” e possibilitando “vivenciá-la
esteticamente” por meio da compreensão dos “fenômenos concretos”.
Na intenção de realizar a formação do sujeito leitor, foram organizadas as
atividades com a leitura, a fim de que o aluno vivencie esteticamente as formas dos
enredos ficcionais das obras, expandindo sua compreensão dos fenômenos
concretos da realidade que, no caso desta dissertação, são as vivências em torno de
questões estéticas e valorização da racialidade negra.
O poder da palavra literária proporciona uma vivência ficcional e, ao voltar à
realidade, alcança a compreensão do seu conteúdo, a catarse. Isto é, o leitor não
volta o mesmo e pode reconfigurar o seu viver, por isso, o ensino e organização da
leitura literária são essenciais no processo de humanização. No presente estudo,
esse processo visa à educação das relações étnico-raciais, em valorização dos
traços da cultura africana no Brasil a partir da presença estética da personagem
negra no enredo literário.
Para tanto, as quatro obras foram trabalhadas na perspectiva da categoria
“conteúdo e forma”, guiando os alunos quanto à utilização das estratégias de
compreensão leitora, como conexões, inferências, sumarização, questionamentos e
sínteses, com a finalidade de contribuir para a ampliação dessa capacidade. O leitor
estratégico utiliza sua capacidade de pensamento para compreender a significação
dos signos e, assim, formar o seu sentido pessoal.
Compreender a presença de um significado em uma obra literária e acessar o
seu conteúdo não ocorre pura e simplesmente pelo seu mero contato. A apropriação
dos significados é um processo de mediação viabilizado pela linguagem na interação
social entre os sujeitos, acontece com o uso das capacidades psíquicas superiores
durante a atribuição de sentidos aos significados. (GIROTTO; SOUZA, 2011;
MILLER; ARENA, 2011; VIDIGAL, 2019).
117

4.4.1 O Casamento da Princesa: um Convite a Leitura como Construção de


Significados e Atribuição de Sentidos

A primeira obra escolhida foi o livro “O casamento da princesa” do autor Celso


Sisto. A leitura aconteceu na sala de aula, devido à necessidade do uso do
notebook, microfone e do datashow, para conseguir projetar as páginas das obras
para todos os alunos, já que só havia um exemplar da obra.
Os objetivos da aula foram o de promover uma nova experiência literária e um
novo olhar sobre o ato de ler e de incentivar os alunos a utilizar algumas estratégias
de compreensão de leitura. A obra escolhida pela professora destaca-se pela
potencialidade dos elementos mediadores, uma princesa negra e africana, para que
o aluno, em um processo dialético junto ao professor e dialogando com os outros
alunos, possa examinar a relação conteúdo e forma. Essa atividade oportuniza aos
estudantes o contato com determinado conteúdo relacionado à realidade africana de
maneira simbólica e artística.
Antes de iniciar a atividade, foi ressaltado aos alunos que poderiam participar
da maneira que quisessem da leitura, inclusive, interrompendo-a para realizar
perguntas. A ilustração da capa e o título do livro foram apresentados, indagando-os
sobre o que eles remetem. Uma aluna respondeu “cultura africana”, enquanto outros
disseram “Ah!! Estilo de pintura.”, “Ah!...também é um pouco pelas
personalidades...a pintura rupestre”.

Figura 9 - Capa e ilustração inicial do Conto “O casamento da princesa” do autor


Celso Cisto.

Fonte: Google imagens (2023).


118

Assim, a leitura foi iniciada investigando sobre a construção de significado da


personagem principal, Abena, e, sobretudo, expondo as características étnico-raciais
muito presentes nas ilustrações, para que os alunos construam sentidos pessoais.
Durante a leitura, foram levantadas questões sobre a personagem principal, de
modo a expor de que forma ela estava caracterizada no enredo. Uma das perguntas
foi sobre o que eles achavam da escolha estética e característica para a princesa
africana (forma), “O que vocês acham esteticamente está ok para vocês? Ou
faltou?”
Catra: Pra mim faltou um colorido das roupas que falava.
Mitsuya: Pra mim tá okay. Não vou dizer que tá perfeito, nem que tá muito
bom. Não achei tão top.
(INFORMAÇÃO VERBAL Transcrição direta da atividade organizada).

A relação entre o leitor e o conjunto de signos, em uma relação dialética leva-


o a associar os elementos percebidos em suas experiências passadas, produzindo
significação ao texto escrito e, ao mesmo tempo, guardando lembranças daquilo que
foi percebido e sentido pelo leitor. Por isso, a leitura trabalha as funções psíquicas
superiores como a memória, sensação, percepção e pensamento. O leitor ativo
processa o texto no exercício de questionamentos, levantamento de hipóteses e
verificação, ativando conhecimentos, experiências, esquemas prévios, tudo isso
para compreender o que se lê (SMITH, 2003; FOUCAMBERT, 2008; FERNANDES,
2021).
Dada a dificuldade evidenciada pelos alunos de se apropriarem destes
recursos, foram sendo levantadas questões para auxiliá-los interrogar o texto,
buscar sentido, pensar no trecho lido, perceber as formas, seu conteúdo e o que
significam, passos importantes para que o indivíduo, paulatinamente, se aproprie da
linguagem escrita para uma real objetivação humana.
Conforme a leitura foi avançando, foram sendo situados o personagem
principal, o lugar e o tempo em que se passava a história, sendo preciso agora,
conhecer os outros personagens e a construção do enredo.
Professora-pesquisadora: A notícia da suprema graça de Abena circulou
pelas tribos atravessou mares subiu aos céus correu por toda a África
tropical, mas só quando os habitantes dos mais distantes povoados
começaram a chegar para ver com seus próprios olhos a princesa mais
linda do mundo e que chegaram também os pedidos de casamento. Os
primeiros pretendentes à mão da princesa Abena foram o fogo e a chuva.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade organizada).

No trecho acima, apresentam-se mais elementos do enredo: os pretendentes,


119

o fogo e a chuva. De modo a continuar instigando os alunos a construir


significações, foi proposto aos alunos pensarem em quais formas ilustrativas estes
pretendentes teriam, mobilizando a estratégia cognitiva de hipótese e visualização,
“Como vocês acham que vai ser esse fogo e a chuva?”.
Catra: Professora eu acho que o traje ou vestimenta né...eu achei assim
não sei quais roupas vão ser de cores mais quentes né! A chuva eu acho
que vai ser mais esbranquiçada. E outro eu acho que vai ser vermelho
alaranjado mesmo. (INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da
atividade organizada).

Após construírem as hipóteses, foi apresentado as ilustrações destes


personagens, na etapa de visualização, em que os alunos perceberam que a
aparência dos personagens pretendentes ao casamento eram negros e tinham
traços bem parecidos, só eram diferenciados pela cor da roupa. Avançando a leitura
em busca de mais informações que auxiliasse ainda mais na caracterização desses
personagens: “A chuva surgiu de repente, meio às escondidas usando um Kente
único, feito da mais pura seda especialmente, para aquela ocasião. Pedir a mão
daquela princesa exigia roupa adequada e padronagem única nunca antes vista!”.
Neste ponto da leitura, foi explicado aos alunos que Kente é um traje típico do
povo Ashanti, aproveitando para discutir o fato de ser um traje único, especial, algo
especial singular. Os alunos fizeram a conexão com os vestidos de noivas, que na
nossa cultura, muitas vezes são feitos de forma personalizada para ser usados
unicamente em um dia especial. Assim, continuou-se a caracterização da
pretendente chuva.
Professora-pesquisadora: Nem é preciso dizer que Abena logo se
encantou com os modos do seu primeiro pretendente. O olhar molhado, o
corpo luzido. As palavras que rolavam feito água cantante ficavam ainda
mais bonitas nos versos que ele chuviscou em seus ouvidos. O olhar do
amor fez passar o passarinho, que, assim baixinho, trouxe a água do seu
bico até o seu ninho.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Neste trecho, foi indagado aos alunos o que essa caracterização sugere de
sentido. Algumas respostas foram:
Bibble: Ele deveria ser alguém bem calmo, né!?
Mitsuya: É né... professora é só chuva né? Não é tempestade.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Logo depois, foi apresentada uma ilustração do pretendente chuva, na janela,


conversando com a princesa Abena, em que surgiram os seguintes comentários:
Sakura: Eu acho que falta mais coisa.
120

Catra:Eu achei bem legal. A paisagem em volta achei legal. A roupa dele
achei bem detalhada, desenhada bem certinho, bem legal eu achei!!
Mitsuya: Mas a última imagem que ela aparece, ela tinha uns brincos na
orelha, só que no fundo ele tava meio que com tons de cor parecido, aí o
que acontecia...tampava.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Assim, percebe-se que as questões que foram levantadas auxiliam os alunos


a interagirem com o texto. Possibilitar comentários, indagações, dúvidas ou discutir
sobre o texto lido é necessário realizar uma interação. Esse confronto de ideias e
pensamentos, no ambiente coletivo, são capazes de desenvolver sua linguagem e
pensamento, sempre na interação com o outro, por meio do diálogo, garantindo ricas
experiências literárias.
Avançando ao clímax do enredo, foi importante mostrar também aos alunos a
riqueza de linguagens figuradas presentes na narrativa dessa obra
Professora-pesquisadora: A notícia espalhou-se como chuva miúda a
noite correu como um rastro de fogo. Em toda a África Ocidental não se
falava em outra coisa a não ser na tal disputa pela mão da princesa! Havia
os que apostaram no Fogo. Era grande o número dos que torciam pela
Chuva. Só a princesa Abena conhecia de antemão o resultado, pois dizia
para si mesma que, fosse quem fosse o ganhador da corrida, ela só se
casaria com a Chuva. Assim ela havia prometido desde o início, que assim
queria o seu enredado coração. Mas esse segredo, que não podia ser
compartilhado com ninguém, fazia-a sofrer, deixava-a triste, murchava sua
beleza. Afinal, como ir contra a decisão soberana de seu pai?”.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura. Grifo
nosso)

A fim de discutir o significado do texto lido e da imagem da princesa deitada


na beira do rio, foram levantadas as seguintes questões: “O quê que expressa?
Alegria, tristeza, dúvida, raiva, insegura? Essa forma expressa qual conteúdo?”.
Catra: Melancolia
Aleatória: É simples, ela tá falando não que esse eu quero, esse eu não
quero.
Mitsuya: Faz uma cara de “pidoncha” e pronto.
Bibble: Não ((risos)) com certeza eu estaria assim... ah não, eu não vou me
casar com um homem que eu não conheço, com um sujeito que eu conheci
na esquina.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Consoante a Vigotski (1995), cabe salientar o quanto, durante a atividade


pedagógica, é importante que o indivíduo esteja presente não só fisicamente, mas
intelectualmente e emocionalmente. Não é só a cultura que envolve o leitor, mas
também, o cognitivo e o emocional interferem na maneira como ele interpreta o
signo linguístico. Essa relação de mediação determina o papel e o tipo de influência
da cultura sobre a formação e o desenvolvimento do psiquismo do indivíduo.
121

Avançando para o desfecho da obra:


Professora-pesquisadora: Chegou finalmente o dia marcado. Era dia de
festa, e toda aldeia estava enfeitada para a corrida e para a cerimônia de
casamento. Todos esperavam o resultado final. O rei deu a partida e a
chuva e o fogo começaram a correr.O fogo estava ganhando.Havia no ar
um vento que ajudava a multiplicar as chamas e a alastrar-se rapidamente.
Por mais esforço que fizesse a chuva, suas gotas eram insuficientes para
colocá-la na frente. Ao contrário, quanto mais vertia a água, mais pesada
ficava, e mais terreno perdia! O fogo foi avançando, deixando para trás
apenas as cinzas do que tocava com todo seu calor e potência. Já era
quase o vencedor... “Mas no momento da chegada, ali onde já evoluíram os
rituais e o povo se aglomerou, eis que o céu lançou um imenso rugido. Um
trovão, que foi ouvido desde as águas do golfo até as paredes das
montanhas ecoou no ar. E foi suficiente para, em seguida, desabar o maior
aguaceiro de que já se teve notícia. E a chuva, enfim, foi declarada
vencedora!A princesa Abena, mais feliz do que nunca, atirou-se de braços
abertos sob a água celeste e bailou como nunca ninguém vira. Seu corpo
inteiro comemorava a vitória da chuva, inclusive seus olhos.Daquele dia
diante o Fogo e a Chuva tornaram-se inimigos mortais. Só uma coisa não
teve mais jeito: toda vez que chove forte, as pessoas param o que estão
fazendo e põe-se a bailar debaixo da água que cai do Céu, tudo, tudo ainda
para comemorar o casamento da princesa. (INFORMAÇÃO VERBAL:
Transcrição direta da atividade de leitura)

Ao terminar de ler a história, aproveitou-se o momento para ensinar mais uma


estratégia de leitura: a síntese. Para tanto, os alunos foram questionados quanto à
ideia central da história, a fim de incentivá-los a explorar os sentidos do texto, a
partir das diversas conexões que permite formular uma síntese das suas múltiplas
relações. As respostas foram:
Aleatória: O casamento da princesa.
Catra: A disputa entre ((incompreensível))
Aleatória: pra ver quem casa com a princesa
Bibble: ah é a chuva e o fogo
Mitsuya: O rei
Sakura: A decisão! Uma decisão importante.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Ao terminar a leitura, foi realizada uma discussão sobre as características do


gênero textual Conto africano e sobre as características da personagem central,
princesa Abena, especificamente sobre a sua diferença com o padrão socialmente
imposto de princesa “Essa princesa é diferente das outras princesas que você
conhece? Vamos tentar estabelecer agora o raciocínio de comparação. Sim?”
Aleatória: Quase todas
Professora-pesquisadora: Quais todas? Que princesas você conhece?
Aleatória: A Branca de Neve, a Frozen...
Catra: A Elza...
Sakura: A Elsa, a Anna.
Professora-pesquisadora: Ela é princesa também a Elza? né?
Bibble: Ahn..a Aurora, a Cinderela...
Lemon: A Pocahontas.
122

Professora-pesquisadora: A Pocahontas. Tem diferença? Algumas não


são princesas são personagens de contos. Isso, também, assim como
nesse conto. Algumas são bem populares por conta Disney. Isso mesmo
“ela é diferente”, hein pessoal?! A A1 disse que essa personagem é
diferente de tudo que já viu na vida”.
Mitsuya: sim
Professora-pesquisadora: Essa afirmação de que ela, a Abena é uma
princesa e uma princesa africana tem suas próprias características, na sua
perspectiva é muito diferente? Essa princesa das outras? Não? Sim?
((incompreensível))
Aleatória: Então professora, a diferença é por causa da cultura. Sim,
porque em cada cultura a princesa vai ser diferente.
Catra: A forma de se vestir, de cortar o cabelo é diferente.
Professora-pesquisadora: Em cada cultura uma princesa vai ser diferente.
Eu destacaria a questão da coroa. O que vocês acham? Se fosse na
Europa teria um tipo de coroa...
Sakura: A coroa, mas não tem aí... a roupa é colorida.
Professora-pesquisadora: Isso mesmo, ela serviria como um modelo de
princesa? Sim, é um modelo. É diferente é, sim todas são diferentes. Como
nós estamos falando das princesas da Disney vocês acham que cada uma
delas tem características diferenciadas? Cada uma de acordo com a sua
cultura. Elas são todas diferentes. Muito bem pessoal! De acordo com o
texto, quais as características físicas dessa princesa? Alguém se lembra lá
no comecinho?
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Desta maneira, foi possível ver que, a partir dessa experiência literária e
compreensão textual, os alunos começaram a formular referências estéticas
considerando o contexto cultural, como, por exemplo, o cabelo curto, o pescoço
alongado e rosto arredondado, características da personagem Abena que
representa um traço de beleza da cultura afro. Assim como o povo Ashanti,
representado na obra lida, as “mulheres girafas”14, foram citadas como exemplo
pelos próprios alunos, as quais indicam que de acordo com o seu contexto cultural a
colocação de muitas argolas no pescoço, apesar de ser perigoso, tem conotação de
beleza em sua cultura, ou seja, o significado de beleza também é cultural. No fim da
leitura, foram disponibilizados aos alunos desenhos de princesas negras para colorir,
compondo um mural da Beleza Negra a ser exposto na semana da consciência
negra, juntamente com outras turmas do colégio.

Figura 10 - Pintura de desenhos de princesas africanas.

14
A professora-pesquisadora apresentou aos alunos, em uma aula posterior, imagens reais da tribo
de etnia Ashanti e das “mulheres girafas”.
123

Fonte: Foto tirada pela pesquisadora (2023).


Ao final do primeiro dia práticas de leitura literária verificamos a necessidade
de estabelecer objetivos de leitura e fazer perguntas ao texto como estratégia para
ampliar a compreensão leitora, construir imagens mentais representando e
interpretando o texto, de modo a aprofundar-se na estética da obra e seus
significados.

4.4.2 Kalinda, a Princesa que Perdeu os Cabelos: Conceito de Personagem Negra


na Literatura

No segundo dia de práticas de leitura literária, foi trabalhado a obra escolhida


pela turma “Kalinda: a princesa que perdeu os cabelos”, com o intuito de continuar a
promoção de habilidades de leitura literária nos alunos, possibilitando que eles
sejam capazes de entender signos e significados, o que, por sua vez, atua na sua
própria formação social.
Antes de começar as atividades, solicitei ajuda na leitura para a aluna Catra,
a mesma que havia escolhido esta obra para a Roda de Apreciação. Os outros
alunos, por meio de votação, desejaram saber mais sobre os detalhes desta história
denominada que reflete a cultura africana. A aluna em questão possui a
característica de ser bastante comunicativa,isso contribuiu muito para o seu
envolvimento na nesta atividade de leitura.

Figura 11 - Capa do livro “Kalinda: a princesa que perdeu os cabelos” do autor


Celso Sisto.
124

Fonte: Google imagens (2023).

Antes de iniciar a leitura da obra, mostrou-se relevante apresentar aos alunos


as características do livro de Contos em sua totalidade, como: a biografia (e a sua
foto); prefácio, que explica o porquê o autor gosta de contar histórias sobre a cultura
africana; a imagem da capa (salienta-se que a análise imagética não foi elegida para
a análise nesta dissertação, contudo foi mostrada aos alunos durante prática com
leitura).
Em leitura do prefácio junto aos alunos, viu-se a relação das histórias com
elementos pertencentes à cultura africana e com os povos ancestrais. Para o autor
da obra, Celso Sisto, “os contos populares africanos me devolvem as raízes do
mundo” e por meio deles, “o leitor poderá explorar a riqueza da cultura dos
diferentes povos que lá vivem”. Avançando na leitura do prefácio, o autor anuncia a
intenção de desconstruir estereótipos colonialistas na obra, muitas vezes associado
às figuras de princesas nos contos ocidentais:
Kalinda, a princesa que perdeu os cabelos é uma oportunidade maravilhosa
para que os leitores brasileiros desconstroem a imagem clássica das
princesas europeias dos contos de fadas. A história se passa num reino
africano. E os valores são outros. E as referências culturais são outras,
igualmente ricas, cheias de encanto e de magia (que também vamos
encontrar nos contos maravilhosos que conhecemos há muito tempo).
(SISTO, 2018, p. 6).

Mais adiante na leitura, observa-se que o autor apresenta a possibilidade de


conexão dos elementos do enredo dos contos com fatos da realidade social:
A violência, a crueldade, a vingança, a desmedida e a esperteza são
práticas negativas de maus exemplos, mas fazem parte da vida, e
precisamos saber lidar com elas. As histórias africanas não ignoram isso,
afinal, contar também é uma maneira de chamar a atenção, de denunciar,
de colocar todo mundo para pensar (E, quem sabe debater?). Por isso gosto
125

muito dessas histórias, que não são como todas as outras. (SISTO, 2018, p.
5).

Ainda, por meio da leitura do prefácio, avaliou-se o elemento da ficção nos


contos de modo geral e qual seria a sua funcionalidade dentro da obra. “O
importante é que elas nos façam viver as fantásticas aventuras que cada um propõe
no plano da fantasia e encham o nosso coração de esperança, mesmo que na
fantasia de algumas histórias isso não seja possível”. (SISTO, 2018, p. 8). Assim, foi
perguntado aos alunos que histórias poderiam virar um conto, mesmo que fosse
impossível na realidade, mas possível no campo da fantasia. Somente uma aluna
respondeu: “Ah! Professora, várias histórias”. A transcrição de todo prefácio lido se
encontra no anexo “D”.
Ao final da leitura do prefácio o autor fala de identificação com as histórias,
em que é exposto aos alunos a ideia de que a literatura é “espelho” e “janela”.
Literatura pode ser “espelho” porque podemos nos identificar com o enredo e
personagens, a literatura pode espelhar o mundo social também, os tipos de
pessoas e suas características étnicas. A literatura também pode ser “janela”, já que
se tem contato com outros tipos de ideias e abrem outras perspectivas, por meio da
imaginação e do mundo ficcional.
Posteriormente, é mostrada a figura representativa da princesa negra Kalinda,
na abertura do primeiro Conto do livro, em que é perguntado a turma se é comum a
presença de personagens negros na literatura brasileira no enredo de livros e qual
sentido pode-se atribuir a esse fato. Neste momento, uma das estudantes
participantes responde que não é comum, é raro.

Figura 12 - Imagem representativa da personagem Kalinda.


126

Fonte: Google imagens (2023).

Em busca de ler e compreender o Conto em todas as suas características


composicionais avançou-se para a leitura do texto do conto, utilizando-se de projetor
para que todos os alunos visualizassem as palavras e as imagens do livro. Ainda
antes de iniciar a leitura, a aluna Catra explica aos colegas a razão pela escolha
deste Conto e o que lhe chamou atenção.
Catra: Escolhi esse livro por causa das reviravoltas, que a Kalinda é muito
apegada no cabelo dela, como eu também sou, aí eu fiquei curiosa pra
saber o quê aconteceu pra ela perder os cabelos.
Professora-pesquisadora: A Catra escolheu esse conto por conta das
ilustrações, porque ela achou diferente, diferente, certo? Porque ela não
encontra aqui no Brasil.
Catra: Na verdade, a gente encontra aqui no Brasil, só que ela não é
valorizada.
(A professora mostra a imagem referente a princesa Kalinda)
Professora-pesquisadora: Nós temos essa imagem aqui no Brasil? Os
personagens negros na literatura são muito raro ou tem?
Catra: Não tem. E se tem, não tem grande reconhecimento.
Professora-pesquisadora: Alguém discorda? Nós estamos falando da
Literatura Afro, mas o mesmo vale para a literatura que tenha índio, ou pode
ser que tenha outra diversidade, né? Tudo bem, vamos começar então a
leitura?
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

A aluna participante inicia a leitura do primeiro Conto, alternando sua voz com
a da professora. Durante esse processo, a professora realiza as mediações
investigativas acerca dos significados linguísticos que são produzidos por meio das
imagens, personagens e dos temas revelados pela compreensão do enredo. A
transcrição do Conto inteiro encontra-se no anexo “F”.
Catra: Aconteceu há muito, muito tempo. O rei tinha uma filha chamada
Kalinda. E ninguém duvidava que ela fosse a moça mais bonita do mundo.
Seu rosto reluzia como a superfície do lago banhado pela lua. Os olhos
faiscavam como o céu estrelado. Mas eram os seus cabelos que
encantavam as pessoas, pois além de terem uma cor especial, ainda eram
adornados com pérolas e diamantes. E tocavam o chão, iluminando o
caminho por onde ela passava e espalhando um suave perfume de madeira.
Além dos presentes que a princesa recebia do rei para enfeitar os cabelos,
como flores, cristais, jóias e turbantes, todos os dias as ajudantes da
princesa a penteavam com pomadas e óleos aromáticos, enquanto
cantavam alegremente: Para crescer forte como uma árvore, Para resistir
ao sopro do vento, Para correr como a água do rio. Temos nossas mãos
mágicas. (...) (SISTO, 2018).

Após a leitura, procurou-se no texto os elementos básicos na narrativa


(personagem, lugar, tempo, enredo), verificando que o processo de escolhas das
formas para determinado conteúdo passa pela subjetividade e também tem relação
com a visão de mundo e com o meio social em que estão inseridos. Neste sentido,
127

ler é questionar o texto a partir dos indícios, leitura é atribuição de sentidos, ler é
atribuir um sentido a um escrito (JOLIBERT, 1994a).
Seguindo na investigação sobre quem era a personagem principal, Kalinda,
viu-se que se trata de uma princesa de um reino africano conhecida por seu
inigualável cabelo. Convencida de sua beleza, ela afirma “sei que tenho o cabelo
mais belo que alguém poderia ter no mundo!”. Até que um dia um pássaro mágico
aparece e pede um punhado dos belos fios de cabelo, para que possa acabar de
construir o seu ninho, entretanto, a princesa indignou-se com o pedido e disse “Amo
os meus cabelos mais do que qualquer coisa nesta vida!” e furiosa, expulsou o
pássaro dali.
Nesse momento da leitura, a professora-pesquisadora faz perguntas aos
alunos, a fim de chamar atenção para a construção da narrativa, a composição da
situação inicial do enredo, a importância da caracterização da personagem (a beleza
dos seus cabelos) e o ambiente da história, situando o leitor até chegar no conflito,
que é o momento em que o pássaro pede um pouco de cabelo da princesa. Aqui se
chama a atenção para a análise do significado do cabelo para a compreensão da
história e pergunta aos alunos:
Professora-pesquisadora: Só um instante. Você daria seu cabelo? Não
daria?
Catra: Ah! daria professora, eu daria um cacho inteiro
Sakura: Não daria não.
Professora-pesquisadora: Não? O seu lindo cabelo?
Catra: Ele é inigualável, dá dó.
Professora-pesquisadora: Não é um simples cabelo, ele é lindo,
inigualável, ou seja, é meu e só o meu será assim. Será que tem um tema
por trás dessa figura?
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Dando continuidade a história, com a recusa de Kalinda, o pássaro roga-lhe


uma praga, “Não se esqueça, as folhas sempre caem na estação seca e reaparece
na estação chuvosa, mas os cabelos da menina, não. Se caírem agora, quando
voltarão?”. Assim, os cabelos de Kalinda começam a cair e a princesa isola-se,
lamentando o acontecido e dizendo: “Como sou feia! Sou a princesa mais horrorosa
do mundo!” (SISTO, 2018, p. 13).
A professora pausa a leitura novamente e pergunta aos alunos, como forma
de introduzir contradições e pensarem, como eles se sentiriam se perdessem o
cabelo e qual o significado que ele teria para aquela princesa, se era pessoal e/ou
social.
128

Professora-pesquisadora: Olha só uma tragédia, né? A princesa perdeu


todos os seus lindos cabelos e aí? Se você perdesse seus cabelos, ou uma
parte do corpo que fosse preciosa pra você? Como se sentiria?
Catra: Ia ser meu cabelo mesmo (risos)
Professora-pesquisadora: Como você ficaria?
Catra: Depressão
Professora-pesquisadora: Depressão? Alguém aqui não se sentiria
diferente?
Aleatória: Professora, cortar uma parte assim até que vai. Raspar a lateral
do meu cabelo tudo bem, mas inteiro não!
Professora-pesquisadora: Mas sabe o que chama a atenção? Para essa
princesa o cabelo é sinal de beleza. Lembra que ela falou, assim que caiu
os seus cabelos. Ela disse “Eu estou feia”. Então para ela cabelo é beleza.
Catra: Ela fala né, sou a princesa mais horrorosa. [...]
Lemon: Pode raspar.
Mitsuya: Já sou careca mesmo. O meu já é raspado ((risos))
Professora-pesquisadora: Cabelo é importante? Cabelo tem um
significado, além pessoal, um status social também?
Catra: Sim, porque o cabelo tem bastante relação com a cultura dos
africanos e herança indígenas. (incompreensível)) Boa parte do cabelo tem
uma grande parte preconceito, porque tem bastante cabelo diferente.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Os objetivos dessa primeira etapa são de construir com o aluno a relação


universal do objeto Conto, propiciar atividade mental de análise dos conteúdos e
formas presentes nas obras, compreender a complexidade dos recursos linguísticos
de representação (linguagem figurada, sentido conotativo, denotativo e diversos
outros recursos encontrados na língua portuguesa) e construir sentidos a partir da
leitura literária dialógica.
Durante a leitura de texto literário, das imagens e a exposição dialogada,
busca-se mobilizar o pensamento de análise dos alunos junto ao professor,
identificando e assimilando as características essenciais do conto, além de observar
o que se conhece sobre ele e o que ainda se precisa conhecer. O negro aparece
pouco na literatura e, quando aparece como protagonista, expressa muitas vezes
um repertório de dor, sofrimento, violência e silenciamento.
Diante desta constatação, surgiu entre os alunos o desejo de produzir um livro
de Contos15 com personagens negros que refletissem as elaborações em aula e o
percurso de aprendizado, mas para isso, seria necessário dominar a apropriação da
escrita do gênero Conto e caracterizar adequadamente as personagens negras,
ensejando um processo de aprendizado e planejamento didático.
Um conto, apesar de ser um texto literário, difere-se de outros gêneros
15
Chegamos a organizar um grupo em uma espécie de editorial para confeccionarmos um livro de
Contos para toda a classe, porém fomos surpreendidos com a suspensão das atividades escolares
destes alunos no início de dezembro. O livro de contos não foi realizado por falta de tempo hábil para
o desenvolvimento das atividades de escrita.
129

textuais como romance, poema e crônicas, contudo, tendo características únicas de


sua categoria. É interessante que o aluno perceba a composição do conto por meio
da leitura, da análise linguística a estrutura textual (a composição do conto, os
elementos da narração), junto ao professor, visando, neste primeiro plano.
Continuando a leitura, é discutida a estrutura textual que se inicia com o
conflito da história e, caminhando para o clímax do enredo, é exposto que o rei veio
ver a filha, prometendo encontrar uma solução. O rei fez de tudo, convoca todos os
sábios e magos do reino, prometendo-lhes muitas peças de ouro para quem
conseguisse recuperar os cabelos da princesa, entretanto, nada deu o resultado
esperado. Numa noite de imensa tristeza, Kalinda teve um sonho: viu um jovem
dançando e cantando ao redor de uma árvore que produzia cabelos. Acordou
animada e então foi contar o sonho ao pai, assim, o rei prometeu muito mais ouro do
que da primeira vez para quem encontrasse a árvore de cabelos, o que também não
teve efeito.
Neste instante, questionamentos são levantados para que os alunos pensem
e encontrem no texto a resposta: “O que esse pai fez acontece também na vida
real? Fazemos tudo o que nos indicam? Mas olha só, a princesa sonhou o que?”.
Ela viu uma árvore de um jovem dançando ao redor de uma árvore que dava cabelo:
“Hum... será que seria um sinal de que haveria solução para o seu problema com o
cabelo?” Diante dessas hipóteses, uma aluna deu sua opinião dizendo que por
causa desse sonho “Ela (Kalinda) ficou animada”.
A aluna Catra continua a leitura: “Porém naquele reino havia um jovem rapaz
pobre e solitário, chamado Muoma [...]”. Ele vivia no meio da floresta e conhecia as
coisas que brotavam da terra. Ficou sabendo da recompensa e prometeu ao rei que
encontraria a árvore dos cabelos. Muoma andou muito pelo mundo. Esteve nos
lugares mais distantes, viu árvores de todos os jeitos, sem sucesso.
Neste momento da leitura, a professora chama a atenção dos alunos para
analisar os novos elementos que aparecem no conto, como esse sonho “profético”
que a princesa teve e que isso lhe trouxe uma reação de esperança. Atentou-lhes
também para a inserção de um novo personagem, Muoma, sua importância para o
desenvolvimento do conto e o aparecimento de “um grande pássaro de grande
cauda”, no intuito de guiar o pensamento dos alunos para perceber a composição do
desfecho desse conto.
Catra: ((continua a leitura)) “Num instante um grande pássaro de grande
130

cauda, com a cabeça coroada de uma crista de cor esverdeada e com olhos
e bico vermelhos despencou no barco e olhou Muoma diretamente nos
olhos”.
Bibble: Professora, é o pássaro que está na capa do livro.
Vapo: Parece a gralha azul
Professora-pesquisadora: Será que esse pássaro do conto tem conexão
com aquele pássaro da capa? Será que é o mesmo?
Aleatória: Tem as mesmas características, pode ser que sim.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Continuando a leitura, Muoma achou que tal árvore poderia estar escondida
do outro lado do vasto mar, assim, foi até lá em uma embarcação. Houve uma
explosão e a árvore de ouro ardeu em chamas e, logo em seguida, se transformou
em feijões vermelhos. Muoma encontrou com o pássaro mágico, e este, com muita
fome, lhe pediu os feijões para alimentar-se. O jovem, uma pessoa generosa, lhe dá
os feijões. O pássaro deixa o último feijão vermelho e diz para Muoma levá-lo à
princesa, que deveria plantá-lo no seu jardim e ser regado com as lágrimas do
arrependimento da princesa. Muoma então retorna com a última semente de feijão
levando-a para a princesa.
Ao ler o desfecho, os alunos puderam perceber a descrição do ambiente que
o narrador faz na obra, dizendo que, ao voltar para casa, Muoma passa por diversos
lugares. Assim, os alunos fazem uma associação de Muoma aos índios, devido a
sua ligação com a natureza: “Ele parece com os índios”, e ainda é caracterizado
como “um homem generoso e falava a língua dos animais, acabou voltando para a
sua terra sob a proteção de búfalos, zebras, gnus e antílopes”.
Retornando à leitura, seguindo as instruções do pássaro, a princesa planta o
feijão e dele nasce uma árvore que produz cabelos. Muoma colhe os primeiros fios e
os coloca de volta na princesa Kalinda, que se fixa na cabeça da moça como no
sonho.
Catra: ((continua a leitura)) Tudo aconteceu mais ou menos como no sonho
da princesa. A semente foi colocada na terra. E, quando recebeu a primeira
lágrima do arrependimento, imediatamente se transformou numa árvore tão
alta que quase tocava o céu. A árvore, por sua vez, se encheu de flores
vermelhas que, depressa, se transformaram em frutos, que logo se abriram
derramando a música no ar e de onde saíam fios de cabelos que desciam
até o chão. Mas foi Muoma quem primeiro se aproximou da árvore, colheu
os primeiros fios e os colocou de volta na princesa Kalinda. E, como se
nunca tivesse sido diferente, os cabelos voltaram a se fixar na cabeça da
moça e logo estariam brilhando e perfumando aquela maravilhosa noite. Em
seguida houve música e dança. Risos e alegria. O rei e todo o reino
festejaram os cabelos da princesa por muitos dias. Muoma recebeu o ouro
prometido e o que ele mais queria secretamente, desde que vira Kalinda
pela primeira vez: o amor da princesa. Casaram e viveram felizes por muito
e muito tempo. Cercados de pássaros de todas as cores e tamanhos, que
131

alegraram ainda mais a vida deles.


Professora-pesquisadora: Pessoal, olha só esse final foi esperado por
vocês? (incompreensível)) Ele aceitou não tinha nada a perder, mas parece
que ele conseguiu o que queria o amor da princesa?
Catra: tá aqui, mas queria secretamente
Professora-pesquisadora: isso, secretamente. E esses feijões vermelhos?
Sakura: Foi uma explosão de uma árvore, uma árvore de ouro que surgiu
dos feijões mágicos.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Assim, a hipótese de que o sonho seria o prenúncio da solução é confirmada.


Com o problema resolvido, o rei e todo o reino festejaram os cabelos da princesa por
muitos dias. Muoma recebe o ouro prometido e se apaixona por Kalinda, com quem
se casa e vive feliz por muito e muito tempo.
Ao final, buscou-se criar uma síntese das figuras, temas e conexões entre os
elementos apresentados durante a obra e a compreensão da estrutura narrativa.
Sobre a questão, Girotto e Souza (2011, p. 203), salientam que sintetizar vai além
de simplesmente resumir. A sintetização se processa quando os leitores conseguem
relacionar as informações a partir do texto lido com a sua própria maneira de pensar
este novo conhecimento. A partir destas novas informações, reconfigura-se o texto,
e o leitor será capaz de construir significados relevantes
A professora pergunta sobre a parte do enredo que os alunos mais gostaram,
podendo comentar sobre isso com a turma ou registrar por escrito:
Naruto: O pássaro lá, o meu foi o pássaro
Bibble: A que eu mais gostei foi da parte que ele recuperou o cabelo, e do
romance.
Professora-pesquisadora: Por que será essa lágrima, né?
Aleatória: Porque ela se arrependeu disso e depois de tanto chorar a
árvore cresceu e fez crescer o seu cabelo.
Professora-pesquisadora: Percebe como nessa história tem uma conexão
universal com a obra que lemos anteriormente?
Catra: Tem princesa.
Professora-pesquisadora: Sim.
Bibble: Tem romance e festa no final.
Professora-pesquisadora: Sim. Muito bem. Agora vocês mudariam
alguma coisa na história?
Catra: Não mudaria nada.
Professora-pesquisadora: Quando ela perdeu os cabelos foi engraçado
ou trágico?
Sakura: Trágico e irônico, porque ela não quis ajudar o pássaro, era só dar
um cacho de cabelo, só isso.
Professora-pesquisadora: Como foi a sua experiência com esse livro,
inicialmente e no final. Lá no prefácio você desconfiou de algo que no final
se confirmou?
Catra: Eu fiquei curiosa para saber como ela perdeu os cabelos.
Professora-pesquisadora: Curiosa, okay! E daí no final você confirmou
essa expectativa?
Catra: Confirmei
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)
132

A partir destas indagações, os alunos apresentaram suas impressões e


apreciações oralmente durante a mediação e também por escrito sobre a obra. Em
relação às respostas, o personagem preferido dos estudantes participantes foi o
pássaro. Sobre a parte da história que mais gostaram (estrutura do enredo), a
preferida foi o desfecho, como pode ser visto nos seguintes comentários: “O fim em
que eles se casaram”; “Quando a princesa voltou a ficar feliz”; “Quando os cabelos
da princesa Kalinda começaram a brotar”. Em relação a mudanças na história, todos
responderam que não mudaria nada, exceto um aluno, que relatou que mudaria “a
perda dos cabelos dela”, mas não fez nenhuma outra sugestão.
Sobre o destaque de algum momento engraçado ou trágico na história, todos
consideraram trágica a perda dos cabelos, conforme demonstra o trecho a seguir:
“Achei trágico quando o cabelo da princesa caiu e a autoestima dela foi junto”.
Somente um estudante considerou este mesmo fato engraçado: “Achei engraçado
quando a princesa ficou careca”. Sobre o que eles não sabiam e passaram a
conhecer durante a interação com o texto, destaca-se as seguintes respostas: “O
pássaro gostaria do cabelo”; “O canto do pássaro realmente funcionaria em uma
maldição”; “Ia ser tão legal e interessante”; e, “A princesa era meio egoísta”.
Por fim, em relação ao levantamento de hipótese, em que foi indagado sobre
a impressão antes e após a leitura, segue a transcrição das respostas:
Lopes: Que seria triste
Lemon: Interessante, mas depois gostei muito.
Bia: Bem interessante.
Naruto: Engraçado.
Aleatória: Não sei.
Catra: Achei bem simples, porém depois achei interessante.
Mitsuya: Não sei o que dizer.
Bibble: A esperança em um sonho de que o cabelo voltasse e a ave ter
sido a razão disso.
Sakura: Que seria um livro normal, mas quando vi achei muito bom.
Vapo: (sem resposta)
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Assim, finalizou-se essa segunda etapa de leitura com a literatura afro-


brasileira, inserindo os alunos no contato gráfico, imagético e sonoro do objeto
literário, levando-os a participarem da análise do conteúdo e forma da obra em suas
diversas partes (personagens, lugar, estrutura de enredo, tipo de história,
linguagem) e as características específicas (como princesas negras), visando
estabelecer um raciocínio de contraste e similaridade.
133

Atividades que envolvam ações de leitura e escrita auxiliam os estudantes a


assimilar habilidades e apropriarem-se desses conhecimentos importantes para sua
vida. O desenvolvimento psicológico acontece na assimilação, de maneira idealizada
por meio da realidade social. Segundo Elkonin (2021, p.148), “Por sua vez, a
realidade social serve como fonte de desenvolvimento e tudo o que as crianças
adquiriram pode se tornar sua riqueza apenas por meio da assimilação”. Por isso,
organizar atividades é uma ferramenta pedagógica relevante para o
desenvolvimento intelectual dos estudantes do Ensino Fundamental.
Vigotski (2010) explica que existe distinção entre a assimilação dos conceitos
espontâneos, aqueles aprendidos por meios comuns sem a necessidade de
estrutura escolar, e conceitos científicos, que é um saber que se adquire por
métodos de ensino, possuindo uma via de aprendizagem distinta. Os conceitos
espontâneos caracterizam-se por ser um conhecimento não sistematizado ou
esporádico; já os conceitos científicos e desenvolvem-se por outra via. Sendo assim,
a idade escolar do Ensino Fundamental é um período importante para a formação
psicológica, sendo a etapa que o aluno precisa se desenvolver continuamente por
meio de conceitos científicos com ações mentais.

4.4.3 Valentina: Leitura em Busca da Compreensão de Dimensões Sociais, Culturais


e Históricas

Para o encontro seguinte, foi preparada mais uma atividade organizada de


leitura, com duas obras interligadas por elementos do enredo: primeiro com o filme
de desenho animado “A princesa e o sapo” 16 e depois o livro “Valentina” do autor
Márcio Vassalo. O objetivo para esta ação era a de vislumbrar a prática de leitura
literária como possibilidade de compreensão de mundo em suas dimensões
geográficas, sociais e econômicas, e, com o uso da categoria conteúdo e forma,
desenvolver a atenção, a memória, as emoções e as sensações dos alunos sobre o
ato de ler, levando-os a vivenciar a leitura de textos literários, relacionando-a a outra
forma da obra artística.
A leitura torna os sujeitos ativos e criativos e revela-se um elo condutor para a
16
A Princesa e o Sapo. Diretor: Ron Clements, John Musker. Elenco: Angela Bassett, Anika Noni
Rose, Bruno Campos, Jenifer Lewis, Jennifer Cody, Jim Cummings, John Goodman, Keith David,
Michael-Leon Wooley, Peter Bartlett, Ritchie Montgomery. País de origem: EUA. Ano de produção:
2009. Classificação: Livre. (https://www.guiadasemana.com.br/cinema/sinopse/a-princesa-e-o-sapo).
134

produção de novos sentidos. Para Silva e Arena (2012), na relação entre autor, leitor
e obra, é possível promover um encontro de experiências no qual se possibilita um
novo olhar e compreensão do sujeito para sobre aquilo que se lê.

4.4.3.1 Prática de leitura: personagem princesa Tiana, filme “A princesa e o sapo”

A atividade aconteceu da seguinte forma: a primeira mediação com o filme “A


princesa e o sapo”, produzido pela Disney, ocorreu em sala por causa do uso dos
equipamentos de gravação (microfone) e também pelo uso do projetor. Antes de
assistir ao filme, mostrou-se relevante fazer uma retomada dos enredos lidos
anteriormente, levantando a seguinte pergunta: “Quais foram as princesas dos
últimos dois livros que nós lemos?”. As respostas foram:
Catra: A princesa Abena e a princesa Kalinda.
Professora-pesquisadora: Isso. Alguém pode fazer um resumo dessas
duas obras que nós lemos. A princesa Abena, o que ela fazia?
Catra: Hum...ela...o pai dela.
Aleatória: O pai dela queria casar ela.
Lemon: Professora, a princesa Abena é a da chuva?
Professora-pesquisadora: Isso é a da chuva.
Lemon: O pai dela queria casar ela e propôs uma corrida. E ela gostava
muito da chuva, porque ele tinha a fala molhada, então acredito que ela
ficou feliz porque ele acabou ganhando no final. Por isso, toda vez que
chove lá na aldeia, eles dançam para comemorar o casamento.
Lemon: É a história de uma princesa que o pai dela queria casar. Ela tinha
dois pretendentes, o fogo e a chuva. E a Abena gostava da chuva, porque
ele tinha encantado ela. Tinha a fala molhada. Ahh, o pai dela fez uma
corrida e quem ganhasse se casaria com Abena. E ele acabou ganhando
no final e é por isso que toda vez que chove eles dançam para comemorar.
Professora-pesquisadora: Muito bem! Isso mesmo, nós vimos duas
histórias e duas princesas africanas. Uma foi a princesa Abena e a outra foi
a Kalinda, a princesa que perdeu os cabelos.
Catra: Eu gostei da Kalinda.
Professora-pesquisadora: Quem pode fazer um resumo? Assim rápido,
tipo assim.. eu lembro disso, disso e disso.
Lemon: Ah, professora, eu não vou saber contar a história da Kalinda.
Catra: A Kalinda, então professora, ela tinha o cabelo enorme e por isso ela
era a pessoa mais bonita daquela aldeia. E um dia um passarinho pediu pra
ela se ela poderia dar uns fios pra ele fazer seu ninho. Só que daí ela não
deu. Ela ficou indignada e do dia pra noite ela perdeu todos os fios de
cabelo dela. Aí o rei tentou aconselhar ela, chamou várias pessoas,
ofereceu recompensas e aí apareceu um menino, que eu não lembro o
nome dele, aí ele foi caçar a árvore e se envolveu em uma aventura. Teve
uma ilha muito doida...(risos)
Professora-pesquisadora: Aí teve o pássaro. Lembra do pássaro?
Catra: Um pássaro. Na ilha ele encontrou a árvore que deu as sementes,
mas para o pássaro não morrer de fome ele foi dando as sementes pra ele.
Aí pra salvar a princesa ele levou a última semente para ela plantar uma
árvore que dava cabelo.
Professora-pesquisadora: O pássaro comeu tudo, né? Todos os feijões
vermelhos. Aí no final, sobrou um feijão vermelho. Foi o feijão que voltou
135

para o reinado da princesa Abena, Abena não, Kalinda, e foi possível


plantar a árvore de cabelos. Ela conseguiu seus cabelos de volta e ainda de
“quebra”, como todo bom Conto de Fadas, se casou com o rapaz, que
salvou ela. Ok? Pessoal, o que essas duas histórias têm em comum?
Catra: Princesas!
Professora-pesquisadora: Princesas. Princesas africanas.
Lemon: Tem casamento também.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Foi relembrado também que se trata de obras que tematizam sobre a África e
que este contato estético literário promove uma nova experiência, como a de ver
princesas africanas. Neste ponto, foi anunciado aos alunos que a próxima princesa a
ser tratada em Conto, a princesa Valentina, era brasileira, mas que antes seria feito
o contato com o elemento mediador, um filme de animação, em uma tentativa de
produzir um percurso de valorização da personagem negra, partindo do contato com
uma princesa já era conhecida por parte dos alunos. Para tanto, foi investigado o
conhecimento da turma sobre a princesa do filme, a fim de avaliar determinantes
históricos e geográficos sobre a ancestralidade negra.
Em seguida, a professora-pesquisadora mostrou aos alunos a capa do filme
de desenho animado mostrando a ilustração da princesa Tiana: a personagem negra
como protagonista.

Figura 13 - Capa do filme de desenho animado “A princesa e o sapo”.

Fonte: Google imagens (2023).

Alguns alunos demonstraram já ter conhecimento do enredo e os elementos


da narrativa e responderam:
Aleatória: É a Princesa Tiana.
Catra: Tiana
Bibble: É a Princesa e o Sapo.
136

Aleatória: Ela beija o sapo para ele virar um príncipe, mas ela que vira
sapo.
Professora-pesquisadora: Isso! É um conto também? É uma princesa
negra?
Catra: Sim
Aleatória: Sim
Bia: Sim
Professora-pesquisadora: A etnia negra veio de qual país?
Aleatória: África
Lemon: África
Professora-pesquisadora: Tem algum outro país que tem a base étnica
negra? Original?
Catra: Americano?
Professora-pesquisadora: A África! Ela é descendente de africanos
também, mesmo sendo americana.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Para apresentar a obra aos demais alunos, foi questionado se alguém


conhecia o enredo do filme e, se pudesse, fazer um breve resumo. A aluna
Aleatória, demonstrou predileção desde o início pela obra, fez então uma breve
apresentação aos demais alunos.

Aleatória: Esse conto, retrata uma mulher, uma criança, que no início ela
estava na casa de sua amiga e a sua mãe começou a contar uma história
do livro “A Princesa e o Sapo”. Lendo o livro da princesa, tem uma parte
que retrata a princesa se sentindo nojo da princesa beijando o sapo e
transformando ele um príncipe. É... E com o tempo ela vai tentar realizar o
seu sonho de ter o seu próprio restaurante. Ela é muito trabalhadora e nisso
vai. Aí no caminho para ela realizar a sua carreira ela encontrou um sapo.
Humm.. Ela encontra uma estrela cadente e quando ela foi fazer um pedido
para ter o seu restaurante, daí aparece um sapo do lado dela e ela começa
a conversar. Nisso que ela começa a conversar com sapo tipo ela se
assusta, porque é um sapo falante. Como assim? Aí beleza, daí ela começa
a querer fazer o pedido, mas aí ela cai e o sapo a beija. Mais ou menos
isso. Ela beija o sapo, e daí... Em vez dele virar um príncipe, ela vira sapo.
E daí tem um mago feiticeiro que corre atrás dele por causa de um colar
que era dele. Aí começa o filme. Eles correm para a floresta e até
encontram um jacaré. Um jacaré que quer ser músico e por aí vai.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

A professora-pesquisadora também relembrou que, durante o período de


aulas online, foi realizada a leitura do conto “Príncipe sapo", dos Irmãos Grimm, e
que a história da Tiana é baseada naquele conto, só que adaptado e protagonizado
por uma mulher negra. Assim, iniciou-se a apresentação de trechos do filme aos
alunos, comentando as cenas para identificar juntos os elementos da narrativa
(personagens, tempo, lugar) e a estrutura básica do enredo (situação inicial, conflito,
clímax e desfecho) e realizando perguntas, para que os alunos produzissem sentido
137

a partir da leitura dos determinantes históricos, geográficos e sociais desta obra.


Assim, foi iniciada a projeção do filme “A princesa e o sapo”17 aos alunos.
Alguns detalhes dos personagens, como “a personagem central é a Tiana”,
“tem uma amiga chamada Charlotte", “A história se passa em New Orleans", “O
príncipe gosta de música”, “O pai dela é um cozinheiro, um chefe de cozinha” e a
presença de instrumentos e seres mágicos, foram destacados. Em um retrospecto
desde quando a protagonista era criança e via o seu pai cozinhar com carinho para
a família e vizinhos, aproveitou-se para contextualizar, mostrando a personagem
Tiana trabalhando como garçonete para conseguir dinheiro para comprar o seu
restaurante.
Neste contexto, a fim de chamar a atenção para o determinante econômico
da obra, foi realizada a seguinte pergunta: "Olha lá, o tempo se passou e ela realizou
o seu sonho de ter um restaurante?” e os alunos respondem que infelizmente não.
Chamou-me a atenção o relato da aluna Aleatória que, ao ver a foto do pai de Tiana
em um porta-retrato (imagem da direita) disse: “Nessa parte que eu quase chorei,
porque a gente descobre que o pai dela morreu”. Seu comentário demonstra o
quanto a compreensão daquilo que se lê gera emoções devido ao uso da função
psíquica.

Figura 14 - Imagem da princesa Tiana trabalhando e ao lado a foto do seu pai em


um porta-retrato.

Fonte: Youtube.com (2023).

Seguindo a discussão, separou-se um trecho de uma das músicas do filme


que diz: “ricos e pobres o seu sonho vai se realizar em Nova Orleans", interligando-o
com fato de que a personagem se esforça para realizar o sonho do seu pai, que é o
de ter um restaurante. Também foi mencionado o determinante histórico da obra,
que se passa na década de 1920, com o surgimento do Jazz na cidade de New
17
: A Princesa e o Sapo (# Mundo mágico). Duração 5 minutos cada trecho. Disponível em:
https://www.youtube.com/watch?
v=HBsg0U85tJQ&list=PLOSmAM0Gqpsxcs9GF0Wo8udBnSnK3pIBs&index=1
138

Orleans, EUA. Em sequência, foi abordado sobre o príncipe Naveen, que deseja ser
livre e ter uma vida diferente de um membro da realeza, mas o seu pai o proibiu.
Durante uma fala entre o príncipe e seu mordomo, ele revela a pressão feita pelo
pai: “ou você arruma uma esposa rica ou você vai trabalhar”. Neste ponto, perguntei
aos alunos: “O que ele vai escolher?” e a aluna Catra responde “O caminho mais
fácil”.
Também foi debatida a figura do personagem antagonista, o feiticeiro, o qual
aparece fazendo uma proposta tentadora ao príncipe: “As portas do mundo pra
você”. Chegou então, o dia do baile de aniversário da Charlotte, amiga da Tiana.
Todos esperam a visita do príncipe e acontece um incidente durante a festa. Neste
momento o filme foi interrompido para o intervalo. Uma participante da pesquisa
procurou a professora-pesquisadora demonstrando bastante entusiasmo pelo filme
apresentado:
Professora-pesquisadora: Então você me disse que assistiu a esse filme
várias vezes? Dez vezes?
Aleatória: Huhum!
Professora-pesquisadora: E por que você assistiu tantas vezes a esse
filme?
Aleatória: É porque assim, eu gostei e eu me identifiquei com ela. Porque
uma vez eu já quis ser masterchef, e já corri atrás muito. Só que como eu
gosto bastante de animal. É... até a minha madrasta falou, tipo assim, nossa
(Aleatória), você gosta tanto de animal e quando eu te chamo para cozinhar
você não vem. Então você deveria ser veterinária ou alguma coisa que
mexe com cachorros ou com os animais do quê masterchef. Eu falei a
verdade. A primeira coisa que eu quis ser era garçonete. Depois eu mudei
para massagista, depois dentista, depois masterchef. Eu fiquei um tempão e
agora eu quero ser veterinária agora. E tá nisso ainda.
Professora-pesquisadora: O que te atrai mais nessa história e o que te
faz assistir mais e mais vezes esse filme? É porque você se identificou com
a Princesa Tiana.
Aleatória: Eu me identifiquei com a Princesa Tiana.
Professora-pesquisadora: Quais são as características assim que você
destaca nela?
Aleatória: Tipo assim eu não sou negra né! Mas basicamente eu tenho a
cor dela. E por parte dela também ter esse sonho de querer ser
masterchef. Por ela ter nojo de sapo. E eu já peguei num sapo, já me
zoaram por eu tentar pegar em um sapo. Eu não beijei o sapo. Eu já peguei
no sapo e tipo assim peguei uma rã também. Aí quando eu peguei na rã eu
dei um pulo.
Professora-pesquisadora: Você não beijou né?
Aleatória: Não beijei, deu um nojo. O bicho é mole.
Professora-pesquisadora: Ele tem uma temperatura bem fria né?
Aleatória: Sim. Tem que pegar o numa partezinha que se não me engano
ele tem um veneno. Se você pegar na parte errada ele pode te matar na
hora.
Professora-pesquisadora: Verdade. Tá! E em relação a personagens
mulheres, o que você acha de mulheres enquanto protagonistas da
história? Em histórias, tanto em filme para crianças, quanto para histórias
de literatura? Porque no conto dos Irmãos Grimm era a história de um
príncipe como personagem principal. Você acha que representou bem as
139

mulheres nesse ponto?


Aleatória: Sim. Eu os achei muito espertos. Sim porque muitas mulheres
além de ser exatamente dessa cor, trabalhadoras negras, não estou
criticando as brancas. Porque elas são trabalhadoras e elas também foram
feitas de escravas. Então acho que elas são mais trabalhadoras ainda.
Então aí tá certinho porque a branca é toda animadinha, mas quem trabalha
mais é ela. A branca é ricona, entendeu? Então interpretou certinho. A vida
real e até os caras que ela comprou o terreno lá para fazer o restaurante.
Só porque oferecemos um pouquinho mais de dinheiro, eles esqueceram
dela e quis trocar.
Professora-pesquisadora: Eles não quiseram saber se era um sonho da
vida dela.
Aleatória: Ela juntou o dinheiro desde quando o pai dela morreu, quando
ela era criança para ganhar aquele dinheirinho. Eles não estavam nem aí
para isso. Eles só estão aí para dinheiro mesmo.
Professora-pesquisadora: E tipo assim é uma questão de promessa
também era um sonho do pai. Ela prometeu para o pai dela.
Aleatória: Sim, sim, então era mais uma coisa para ela ser tão trabalhadora
assim e focar no sonho do pai dela.
Professora-pesquisadora: E o seu pai ele cozinha?
Aleatória: O meu pai não. O meu pai trabalha na firma da (nome omitido). E
ele é trabalhador também. Eu já a vi em dia de folga querer trabalhar.
Nunca vi ele querer faltar no serviço. Nunca vi porque ele é bem
trabalhador.
Professora-pesquisadora: Ele se preocupa com a família né?
Aleatória: Sim e ele já podia sair de lá. O cara já deu chance para ele se
promover, mas ele não aceitou. E quando o cara assim deu brechas para
ele pedir demissão ele não aceitou também. Já faz 14 anos que ele está lá
trabalhando.
Professora-pesquisadora: Gosta do que faz?
Aleatória: Gosta do que faz.
Professora-pesquisadora: E você também se identificou com ela por
causa desse vínculo filha e pai?
Aleatória: Sim, até porque, o meu pai e a minha mãe são divorciados. E
como eu não tive essa família pai e mãe juntos. Ela ficou grudada no pai até
porque o pai morreu.
Professora-pesquisadora: Por isso que você se emocionou porque você
tem medo de perder esse pai que é tão importante na sua vida.
Aleatória: Sim tem também a história do meu pai e da minha mãe. A
minha mãe tenta ser presente.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Chama a atenção o fato de a aluna ter se identificado com a princesa Tiana,


notado sua característica de racialidade, mesmo com dificuldade de se autodeclarar
negra, e também pelo fato de ter ligado tantos elementos do enredo a sua vida:
querer ser cozinheira, ter tido contato com sapos, ter um pai trabalhador e sentir a
ausência de sua mãe, por causa do divórcio. É possível perceber, portanto, como
estes elementos mediadores (personagens e enredo da obra), quando
compreendidos e relacionados com dados da realidade, se tornam tão significativos,
mostrando o quanto a forma ficcional das obras pode guardar, em seu conteúdo,
componentes da realidade particular dos leitores, já que é uma objetivação que
sintetiza as ações humanas e do mundo social em que está inserido.
140

Sobre o assunto, Helbel (2022) argumenta que o exercício da escuta,


individual e coletiva, possibilita que a voz do aluno seja ouvida e lhe permita fazer
escolhas dentre as alternativas que o seu entorno cultural, social e histórico oferece.
Assim, é possível formar e desenvolver suas atitudes autoras em um processo que
considere a criação escrita em sua função de humanização.
Ao voltar do intervalo, retomou-se o filme e a leitura do enredo. Facilier, o
feiticeiro, lança uma magia que transforma Naveen em um sapo. Para desfazer o
feitiço, o príncipe precisará convencer uma princesa a lhe dar um beijo. Disposta a
ajudar, Tiana beija o sapo e acaba ela também se tornando um. Os dois
personagens sapos, príncipe e Tiana, viram sapos e se aventuram no pântano de
Nova Orleans em busca de ajuda para desfazer o encanto para torná-los novamente
em humanos. Para desfazerem o encanto, os personagens contam com a ajuda da
feiticeira Mama Odie.
O feitiço é desfeito quando Tiana e Naveen se beijam novamente porque,
segundo a feiticeira, depois de ter passado inúmeros desafios, ela conquista o direito
de ser uma princesa e somente o beijo de uma princesa desfaz o feitiço. Ao terminar
o encontro, a professora faz uma síntese com os alunos perguntando-lhes: “o que
essas três histórias têm em comum?”, “Tem relação com essas princesas negras
(encontradas na leitura literária anteriormente)?”
Aleatória: É linda, é negra, é trabalhadora.
Catra: Tem
Professora-pesquisadora: O que se assemelha agora com a princesa
Abena, com a princesa Kalinda e a Princesa Tiana agora?
Aleatória: São princesas negras
Lemon: Ela se casa.
Professora-pesquisadora: São princesas negras que no final se casam?
Dá certo esses casamentos?
Aleatória: Sim porque amor verdadeiro né. E tipo assim todas tem um
objetivo. No final, o caso da Tiana foi ter o restaurante. A Abena foi casar
com a chuva. E a princesa Kalinda foi recuperar os cabelos.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Tratando sobre o determinante econômico dos enredos até aqui trabalhados


e a fim de construir um conceito literário de princesa no contexto ficcional na
literatura, foi questionado aos alunos: “Uma coisa que eu quero fazer vocês
pensarem. Olha todas elas são (princesas) e estão envolvidas com bens materiais
assim dinheiro?” ou “A questão material define alguma coisa? O título de nobreza na
história?”, “Para ser princesa na literatura precisa ter dinheiro ou não?”.
Aleatória: A Princesa Tiana não
Bibble: Da Tiana?
141

Catra: Eu ia falar uma família real.


(Risos)
Professora-pesquisadora: Analisando essas três princesas vocês acham
que o título de nobreza está atrelado a condição material? Dentro da
literatura carrega o que consigo? Seria atuação a característica
Catra: Uma certa personalidade diferente.
Professora-pesquisadora: O que todas as princesas têm em comum. Elas
têm um título e ela tem o que mais?
Catra: Não sei, ela se destaca por isso, por conseguir fazer alguma coisa.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Com base nas respostas, foi debatida a questão do protagonismo e como se


constrói uma narrativa, muitas vezes de valorização da personagem em torno de um
elemento de destaque que pode ser a questão financeira, ou ações de honra como
atuação da personagem Tiana, ao realizar o sonho do pai. Também foi explicado
que a próxima obra a ser lida seria o livro “Valentina”, que embora já fora lida
anteriormente durante as aulas online, desta vez seria uma leitura de maneira
dialogada, para que todos pudessem compreender melhor o texto literário junto com
a professora. Após a leitura, a professora entrega o questionário sobre a apreciação
da obra para que os alunos registrem por escrito suas percepções sobre o filme.

Quadro 14 - Resposta da pergunta 1: questionário sobre personagens negras.


1) Qual a diferença entre a princesa Abena, Kalinda e a princesa Valentina?

Lopes: Todos têm um único objetivo Catra: a diferença é que uma vira sapo e a outra não
e mesmo com algumas dificuldades
conseguem realizar seus sonhos
Lemon: sem resposta Mitsuya: Elas têm histórias diferentes uma da outra

Bia: todos têm uma história Bibble: todas têm histórias diferentes.
diferente e com finais diferentes
Naruto: não sei Sakura: (Não entregou)
Vapo: sem resposta Aleatória: a diferença das princesas é que cada uma das
princesas tem algo diferente
Fonte: Acervo da professora-pesquisadora (2021).

Os dados desta coleta revelam algo importante: a questão número um e dois


procuraram investigar individualmente o uso da memória, percepção e atenção para
assimilar as informações características das personagens protagonistas anteriores,
o que não aparece de maneira muito detalhada. Contudo, com base no relato do
resumo feito no início da aula, viu-se um forte envolvimento dos alunos que tinham
um apreço pessoal pelas obras e, portanto, memorizaram com mais detalhes as
obras trabalhadas e durante a prática com leitura mantinham uma atenção maior do
que os outros alunos.
142

Quadro 15 - Resposta da pergunta 2: questionário sobre personagens negras.


2: Qual é a semelhança entre as princesas?
Lopes: São negras, bondosas com muita força Catra: uma não é verdadeira
de vontade
Lemon: sem resposta Mitsuya: elas são africanas

Bia: todas são princesas africanas Bibble: todas são princesas africanas

Naruto: Todas são africanas Sakura: (Não entregou)

Vapo: sem resposta Aleatória: é que cada princesa tem a pele


escura
Fonte: Acervo da professora-pesquisadora (2021).

Na questão número dois e três investiga-se a percepção do fenótipo racial


das princesas, entretanto, nem todos os alunos tinham a certeza de que as
princesas eram negras ou realmente princesas, talvez por entender que este tipo de
título de realeza é delegado somente pela linhagem, mas na literatura pela
ficcionalidade haveria outras possibilidades.

Quadro 16 - Resposta da pergunta 3: questionário sobre personagens negras.


3: Valentina é mesmo uma princesa?
Lopes: Sem resposta Catra: sim
Lemon: sem resposta Mitsuya: sem resposta
Bia: sim Bibble: sim
Naruto: sem resposta Sakura: (Não entregou)
Vapo: sem resposta Aleatória: sim
Fonte: Acervo da professora-pesquisadora (2021).

Na questão de número três houve muita dúvida em relação à afirmação de


que a princesa Valentina era ou não princesa, assim como a princesa Tiana.
Valentina era princesa na ficção por outros motivos, mas como tinha-se feito a leitura
desta obra de maneira online e sabendo que nesta modalidade as capacidades de
atenção, percepção e memória ficaram reduzidas para alguns alunos por conta do
espaço doméstico em que estava inserido, houve uma grande dificuldade dos alunos
em ater-se aos elementos básicos das narrativas, que seria de ler e acompanhar as
ações dos personagens articulados ao seu tempo e contexto. Por conta disso,
mostrou-se necessário fazer a leitura novamente em sala, para que os alunos
possam ter condições objetivas para a leitura dessa obra.
143

Quadro 17 - Resposta da pergunta 4: questionário sobre personagens negras.


4. Como é a princesa Tiana (Filme)? Você gostou da história? Por quê?
Lopes: Ela é esforçada batalhadora, forte, Catra: sim, porque é muito interessante
bondosa e gentil
Lemon: Negra. cabelos pretos. Gostei Mitsuya: Negra, sim, porque ela ensina nunca
porque ela não desistiu dos seus sonhos desistir dos seus sonhos
Bia: legal e ela retrata várias histórias sim Bibble: Ela é simpática com todos. Sim. Porque
porque eu entendo bastante da história do ela retrata muitas histórias verdadeiras das
filme mulheres africanas
Naruto: esforçada ponto sim, porque é legal Sakura: (Não entregou)
Vapo: sem resposta Aleatória: Focada no sonho dela e do pai todo final
gostei porque é bem feita a história.
Fonte: Acervo da professora-pesquisadora (2021).

Na questão quatro ficou nítida que, depois da leitura, os alunos obtiveram


atenção aos detalhes e deram destaque às características psicológicas da
personagem central mencionadas durante a projeção do filme, como, por exemplo:
“esforçada batalhadora, forte, bondosa e gentil”, “ela ensina nunca desistir dos seus
sonhos”, “Ela é simpática com todos”. “Focada no sonho dela e do pai” e
“esforçada”.

Quadro 18 - Resposta da pergunta 5 e 6: questionário sobre personagens negras.


5. Antes da leitura destes três livros com a professora você conhecia algum personagem
negro(a) nos livros. Em sua opinião, por que isso acontece?
Lopes: Não conhecia, acho que pela Catra: Não
desigualdade a cultura negra é silenciada.
Lemon: Parando para pensar, não. Acho Mitsuya: Não, porque nunca vi
que isso acontece tanto pelo racismo.
Bia: : sim Bibble: Não, porque a gente está sempre
acostumada com o mesmo padrão de princesa e
não damos a liberdade de ler esses tipos de livro.
Naruto: não Sakura: (Não entregou)
Vapo: sem resposta Aleatória: Sim. Isso acontece porque a etnia negra
é desvalorizada
6. Você tem gostado de ler obras com personagens negros? Conte-me a sua experiência?

Lopes: Sim estou amando já gosto de ler e Catra: sim. todos me interessam bastante
é muito bom aprender mais sobre os contos
africanos
Lemon: Sim, está sendo maravilhoso! Mitsuya: Sim, nunca desista dos seus sonhos por
mais que seja complicado.
Bia: Sim, a minha experiência é normal, só Bibble: Sim, sim eu estou gostando muito, não lia
muda que eu me interesso muito (final do isso com frequência.
trecho ilegível).
Naruto: Sim Sakura: (Não entregou)
Vapo: sem resposta Aleatória: Sim, bastante. É uma literatura que eu
conhecia, mas não lia muito
Fonte: Acervo da professora-pesquisadora (2021).

As últimas questões, 5 e 6, buscou-se entender o porquê de os alunos do


144

Ensino Fundamental não conhecerem ou não terem memória de mediações


literárias com personagens negros nos livros de literatura afro-brasileira. As
respostas foram que eles achavam que era por causa da “desigualdade, a cultura
negra é silenciada”, “Acho que isso acontece tanto pelo racismo”, “porque a gente
está sempre acostumada com o mesmo padrão de princesa e não damos a
liberdade de ler esses tipos de livro”, “Isso acontece porque a etnia negra é
desvalorizada”. Diante dos dados expostos, percebe-se que a partir deste contato
com os personagens negros na literatura, os alunos passaram a observá-la com
outros olhos, relacionando-a com a dinâmica do seu mundo social.
Na questão número 6, os alunos são convidados a relatarem sobre essa nova
experiência com a apreciação literária de personagens negros, cujas respostas
demonstram que dominantemente estava sendo uma experiência positiva: “está
sendo maravilhoso!”, “eu me interesso muito”, “estou gostando muito” e “Sim estou
amando”. Tais opiniões demonstram o quanto a práxis docente pode promover
mudanças positivas no enriquecimento do repertório cultural-literário dos alunos,
bem como auxilia no desenvolvimento do seu psiquismo, importante para a
formação leitora.

4.4.3.2 Prática de leitura: Personagem Princesa Valentina, livro “Valentina”

Ao iniciar o encontro de leitura da obra “Valentina”, foi apresentado aos


alunos a imagem da capa do livro, o título, o autor e a ilustradora, por meio de
projeção no Datashow. Neste momento, foi questionado: “O que nós temos aí na
composição da capa?”, na intenção de levantar hipóteses para depois confirmarmos.

Figura 15 - Capa do livro “Valentina” do autor Márcio Vassalo.


145

Fonte: Google imagens (2023).

Lemon: Ah é, páginas de livros aí rasgadas, uma coroa.


Professora-pesquisadora: É uma coroa. Você deduziu que é uma coroa
porque você viu uma cabeça ali né? E é uma coroa feita a partir do quê?
Jornal? O que vocês acham disso?
Catra: livro recortado.
Bibble: revista
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

De acordo com Foucambert (2008), com o levantamento de hipóteses e


verificação, o leitor ativo processa o texto, ativando conhecimentos, experiências,
esquemas prévios, para conseguir compreender o que se lê. Assim, dá-se início a
leitura.
Professora-pesquisadora: Valentina morava num castelo, na beira do
longe, lá depois do bem alto. E a princesa não entendia por que a rainha e o
rei passavam o dia todo fora de casa. Eles diziam para ela que precisavam
trabalhar. Mas Valentina não conseguia entender por que a rainha e o rei
tinham que trabalhar.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Neste momento, aproveitou-se para fazer um questionamento sobre o


determinante econômico da obra: “Pessoal, a rainha e o rei precisam trabalhar? Por
que eles precisam trabalhar?”. Muitos alunos preferiram não responder e somente
uma aluna respondeu que sim. A leitura foi continuada apresentando os detalhes da
situação inicial do Conto, a descrição do ambiente e a caracterização da
personagem central Valentina:
Professora-pesquisadora: A princesa não entendia: por que os pais dela
tinham que sair antes do sol engatinhar? Por que todo dia eles tinham que
146

descer lá do castelo? Por que eles tinham que descer e subir tantas das
vezes?”
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Por meio das imagens e do texto escrito, percebe-se a referência a um


castelo medieval e de seus pais. E a partir da discordância de uma aluna, que disse
que “Se não tivesse falado que eles são reis e rainhas, e pela coroa não saberia.
Porque tipo assim não parece, assim”. Investigando o porquê este casal
representativo, na opinião da aluna, não parecia com um rei e uma rainha, foi
perguntado: “A partir do que você acha que eles não parecem reis e rainhas?”, na
intenção de que os alunos levantassem mais indícios para a construção de sentidos
do texto.

Figura 16 - Imagem dos pais da princesa do livro “Valentina” do autor Márcio


Vassalo.

Fonte: Google imagens (2023).

Bibble:: Ah, não sei professora. Acho que é a roupa.


Professora-pesquisadora: Você acha que é a sua concepção de rei e
rainha? Qual é a sua concepção de rei e rainha? Você pode descrever?
Sakura: Acho que eles precisam estar mais arrumados
Lemon: É, é!
Catra: Professora
Professora-pesquisadora: Precisa estar bem caracterizada. Qual seria a
melhor caracterização?
Aleatória: Ah, colocar sei lá! Podiam estar mais arrumados, porque quando
se ouve o rei e rainha já pensa em ouro essas coisas né? Porque rei e
rainha usam aqueles vestidão, é por aí.
Professora-pesquisadora: Tá então, a ((nome do aluno omitido)) acha que
para ser o rei e rainha de verdade mesmo numa história infantil precisaria
ter ouro.
Catra: É uma roupa mais formal.
147

Professora-pesquisadora: Exemplo? Pode descrever sua roupa formal?


Lemon:: Professora, geralmente, as rainhas elas usam aqueles vestidão e
os reis usam aquelas peles envolta do pescoço.
Professora-pesquisadora: Hoje em dia existem reis e rainhas?
Aleatória: sim
Catra: sim
Professora-pesquisadora: Como que eles se vestem?
Lemon:: Normalmente
Professora-pesquisadora: De forma formal? Dessa forma como os livros
representam?
Catra: Pela forma normal
Professora-pesquisadora: Não
Aleatória: Professora, eu acho que essa roupa formal, que você fala, é
mais pra mais pra antigamente sim, tipo que vemos nos filmes, livros são
mais os de antigamente. Hoje, é diferente.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Após esse diálogo, foi dada continuidade a leitura: “E a menina entendia


menos ainda, quando o rei e a rainha dizem que só saiam do castelo para a princesa
ser alguém na vida. “Valentina sabia que não queria ser alguém na vida, ela dizia
que já era e pronto. Não precisava de mais ninguém, mas os pais de Valentina
explicavam que um dia ela ia entender por que eles realmente precisam descer do
castelo”. Novamente, os alunos foram questionados: “Tem uma coisa estranha o rei
e rainha tem que sair pra trabalhar?”.
Aleatória: Professora, eu não acho isso daí, porque é a mesma coisa do
presidente. Ele não tem o trabalho dele? O rei tem que governar, não é?
Professora-pesquisadora: Mas o rei trabalha? O presidente não trabalha?
Aleatória: É um trabalho.
Aleatória: A presidência é um trabalho. Só a princesa que não trabalha.
Catra: A presidência é um trabalho, pra tudo, pra tudo rodar precisa de um
trabalho sempre.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Ao serem questionados sobre o que é ser alguém, uma aluna respondeu: “Ah
os filhos criar um futuro melhor, trabalhar se manter sozinhos sem ajuda dos pais”.
Outra aluna disse: “Ser alguém é ser bem sucedido”. Trazendo suas respostas para
o no determinante econômico da obra, questionou-se sobre o fato de os pais saírem
todos os dias para trabalhar e como isso influenciava no futuro de Valentina:
Naruto: Pode ser pra trabalhar e ganhar dinheiro
Professora-pesquisadora: Pode ser o quê? Eles trabalham?
Naruto: Ora ter mais dinheiro e conseguir ajudar ela e pagar melhor escola
e dar uma ajuda na faculdade
Professora-pesquisadora: Okay, mas eles não são reis e rainhas?
Vapo: Então, né, professora.
Sakura: Eu acho que é porque a princesa, o rei e a rainha têm toda a fama
e todo o dinheiro né? Então eles saem para meio que fazê-la cuidar de si
mesma. Aprender a fazer as coisas sozinha, pra tipo quando ela ser uma
rainha não ficar sempre dependendo do rei.
Professora-pesquisadora: Compreender a realidade.
Catra: É, saber da realidade.
148

(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Segundo Adolfo (2007), a literatura possibilita ao sujeito entrar, de maneira


simbólica, em contato com diversas situações humanas e adquirir conhecimento de
mundo e de diversas realidades, oportunizando-o a ver outras realidades e como
elas se relacionam com a sua própria. Seguindo a leitura, tem-se o primeiro contato
com a imagem representativa da princesa Valentina, em uma perspectiva bem
moderna, mas com um castelo de estilo medieval, estabelecendo uma contradição
para o leitor.

Figura 17 - imagem da princesa Valentina e do castelo.

Fonte: Google imagens (2023).

Na sequência do texto, outra personagem do texto, a tia de Valentina, traz


uma caracterização mais aprofundada do castelo e da personagem: “a menina tinha
uma beleza que não cabia em páginas de livros”, “orelha de abano”, “perna
comprida” e “tinha uns óculos espichados”:
Professora-pesquisadora: “Mas aquele dia não chegava nunca. E
Valentina só tinha ouvido para o descabido, continuava sem entender: Por
que uma rainha e um rei precisavam trabalhar? Por que eles precisavam
descer do castelo para fazer muitas coisas lá embaixo, em vez de ficar
tempo com ela?” “E a tia de Valentina, com voz de buzina, gostava de dizer
para os vizinhos que a menina tinha uma beleza que não cabia em páginas
de livros”. “Porque só quem chegava perto de Valentina é que via que a
princesa tinha orelha de abano para escutar cochicho de nuvem e perna
comprida para pular pensamento. O riso da Valentina esparramava pelo
rosto que nem gato espreguiçando. E ela também tinha uns óculos
espichados, que ficavam ali, na frente dos olhos, feito guarda-sóis
transparentes”. “Então, quem conhecia a Valentina de perto não entendia
como uma princesa assim podia viver ali, tão longe de tudo, como se o bem
longe de tudo não pudesse existir boniteza. Além do mais, ninguém
149

explicava direito para a menina onde ficava esse tal de Tudo. Bem na
realidade, Valentina achava que tudo era ali onde ela vivia. E mesmo
quando os dragões do lugar apavoraram todo mundo e cuspiam fogo e
barulho para todos os lados a rainha e rei cercavam o castelo com
pensamentos bem esticados e acalmavam a filha, contando histórias para
ela dormir”. “E a princesa gostava de mostrar para as amigas que o castelo
onde ela morava tinha uma torre com escada enluarada e porta de asa
aberta. Valentina também mostrava que a cama em que ela dormia tinha
vontade guardada para a noite e cheiro de abraço amarrotado " .E o castelo
de Valentina tinha um brilho que a transformava nas sombras. O quintal da
Valentina tinha galo que esfregava o berro muito cedo. O quarto de
Valentina tinha janela para vista de dentro e cortina que se abria ideia”.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Após a leitura deste trecho, os alunos foram indagados a reconhecerem o que


poderia significar uma “janela para vista de dentro”. As respostas foram:
Vapo: De dentro da casa?
Bibble::Eu acho que ela tá meio que falando de uma forma poética, tipo de
um espelho. Não é isso? sei lá!
Catra: Porque tipo assim, janela vista pra dentro.
Professora-pesquisadora: Exato, mas ó, é uma é uma expressão que tem
um conteúdo. O que é que está querendo ser dito aqui? O que é que o
autor está querendo dizer? Por que ele utiliza essa linguagem poética para
falar sobre o quarto desta menina? Lembra que os pais têm medo desses
dragões lá fora. E ela mora em um castelo alto, o quarto dela tem vista pra
dentro, né? A janela do quarto tem vista pra dentro uma janela trancada
você acha?
Catra: Professora, se fosse uma janela espelhada? Por que janela
espelhada você consegue olhar pra fora e ver tudo. Mas de lá fora você não
consegue ver nada lá dentro.
Bibble: Foi por isso, porque os pais não queriam que ela visse lá fora.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Assim, retomou-se a leitura para investigar o texto e buscar mais elementos


para interpretá-lo:
Aleatória: (continua a leitura): E olhava para frente. Olha só as pistas
estão sendo deixadas pelo texto. E ela olhava para frente e olhava para
trás. Olhava para o lado, olhava para cima e para baixo. Aliás, foi num dia
assim, olhando para lá embaixo, na beira do outro longe que Valentina viu o
tal lugar que as pessoas chamam de Tudo. Que lugar é esse que as
pessoas chamam de tudo?
Naruto: É que ele falou que é o Rio de Janeiro, professora
Professora-pesquisadora: Você acha que é o Rio de Janeiro?
Aleatória É porque tem bastante bala perdida, aí pode simbolizar perigo.
Por isso os dragões são tipo assim.
Catra: Sabe a Rapunzel? Ela mora numa torre, tem uma bruxa lá que
sequestrou ela dos pais dela e deixou ela numa torre presa só com uma
janela. E pra ver fora, mas do lado de fora ela não consegue ver de dentro,
porque é uma torre tem que subir tudo. E aí ela tem que jogar o cabelo pra
mãe dela subir, então é uma história de protetores.
Professora-pesquisadora: Você acha que os pais estão protegendo a
Valentina do quê?
Lemon:: Lá do povo de fora.
Professora-pesquisadora: O dragão é uma figura, mas representa um
conteúdo. Que conteúdo é esse? É um perigo?
Catra: É
150

Professora-pesquisadora: É uma ameaça para crianças?


Bibble: Os dragões podiam não ser dragões, tipo animais, mas pessoas.
Lemon: Podia ser pessoas más.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Conforme os alunos buscavam mais indícios para confirmar suas hipóteses,


mais capazes eram de formular perguntas, expandindo sua capacidade de
compreensão. Percebe-se o estabelecimento de conexões de trechos lidos com
fatos da realidade social, como a violência com armas de fogo, representadas de
maneira figurada por “dragões”. O fato de entenderem que, por trás de uma forma
(ilustração ou palavra), tem sempre um significado para o seu conteúdo, algo
essencial para solucionar os enigmas deixados pelo autor da obra, os quais exigem
um movimento do pensamento reflexivo para serem solucionados.
Assim, pode-se dizer que o processo formativo de ensino e de aprendizagem
de leitura se constitui nas situações educativas entre alunos e professores e na
busca da apropriação dos significados elaborados socialmente, que se transformam
em conteúdo da consciência individual e caracterizam os sentidos pessoais
construídos pelos sujeitos (MILLER; ARENA, 2011).
O momento da aprendizagem promove ações mentais e reflexivas, com vistas
a autotransformação do sujeito que aprende. Dentro deste meio dialético, os
estudantes compreendem que situações como estas de leitura e assimilação do
conteúdo e forma da obra promovem a compreensão do sentido destas ações e,
posteriormente, o aluno executará sozinho essas ações mentais, caminhando para a
autonomia leitora (MILLER; ARENA, 2011).
Neste clima de mistérios e descobertas, os alunos se animaram em torno do
ato de ler, com uma aluna assumindo a leitura:
Aleatória: ((continua a leitura)) “E a princesa foi com os olhos e com os pés
conhecer Tudo de perto. A rainha e o rei diziam para a filha que era
perigoso descer do castelo sozinha, que lá embaixo tudo era bem diferente
de onde eles viviam e por isso foram juntos. Só que quando chegou lá pela
primeira vez, Valentina achou que em Tudo as meninas eram todas iguais.
Afinal, todas usavam as mesmas roupas, todas falavam do mesmo jeito,
todas gostavam das mesmas cores, dos mesmos passeios, das mesmas
pessoas, todos queriam as mesmas coisas o tempo todo”.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Aqui, foi indagado aos estudantes o que a repetição no texto poderia


significar: “Por que tanta repetição da palavra Tudo?". Uma aluna responde: “Porque
lá tudo é igual.”, “As meninas”. Aproveitou-se para exercitar o pensamento reflexivo,
demonstrando uma contradição e fazendo-os pensar se existem alguns lugares que
151

as pessoas se vestem todas iguais, falam e gostam das mesmas coisas. As


respostas foram:
Catra: Ó tem uma coisa que as pessoas vestem e falam, e tem as
trigêmeas duas gêmeas, que se vestem igual.
Lemon: Mas não tá falando de gêmeas
Aleatória: Não, aquelas amigas que se vestem igual. Aquelas influencers
que querem se vestir igual. As irmãs que se vestem igual. Pode ser tipo
isso.
Professora-pesquisadora: Pessoal, o que faz com que as pessoas se
vestem todas iguais. Pensarem as mesmas coisas?
Aleatória:: Ah imitar um ao outro, querer ser igual né?
Lemon: influência
Professora-pesquisadora: influência admiração
Catra: Ah, mas também tira a personalidade própria de cada um, né?
Porque todo mundo seguindo só um padrão.
Professora-pesquisadora: Vocês acham que existem padrões na
sociedade?
Aleatória:: sim
Bia: sim
Professora-pesquisadora: Padrão de quê?
Catra: Tem muitos de estética, tem personalidade, tem aparência tem
muito, muito, muito.
Professora-pesquisadora: Qual padrão vocês acham que é assim o mais
forte aqui no Brasil?
Catra:: De aparência
Professora-pesquisadora: Descreva a aparência que você acha. Assim ó
tem que ser desse jeito se não for desse jeito
Aleatória:: É o padrão é assim de corpo, por exemplo, é o de corpo todo
estruturado.
Professora-pesquisadora: malhado
Bibble: É então, um dos estereótipos dos gringos pra cá então, é que as
brasileiras têm corpão. Porque lá todo mundo tem o mesmo corpo, o
mesmo tipo de corpo se não tem é porque fez cirurgia.
Professora-pesquisadora: E você acha que assim se o estereótipo
imposto para as mulheres é um corpo bonito. E quem não tem um corpo
bonito se sente como?
Lopes: fora do padrão
Aleatória:: se sente chateada, envergonhada
Bibble: e com muita insegurança
Catra:: qualquer oportunidade de fazer algo pra mudar o corpo elas
aceitam.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Antes de continuar a leitura, foi mostrado uma ilustração da obra com várias
casinhas, uma em cima da outra, a qual diz respeito a outro determinante importante
da obra: o geográfico. Foi indagado aos alunos se aqui no Brasil tem muitas
edificações assim, de casas uma em cima das outras. Um aluno respondeu que em
sua cidade existe sim, fazendo referência a uma favela na saída: “Lá eles fazem no
morro, vou fazer uma casa em cima da outra”, “É como se fosse ao Rio de Janeiro.
O morro de lá tem um monte de casinhas. Assim no morro e aí tem umas lá
embaixo”. Após essa breve reflexão, continuou-se a leitura, chegando ao desfecho
152

deste Conto:
Aleatória: ((continua a leitura)) “Na curva do bem fundo, naquele lugar, as
meninas sonhavam em ser princesas. Mas Valentina não queria ser
princesa. Princesa ela já era onde quer que estivesse. E ela ficava toda
sorrida, sempre que descia junto com a rainha e o rei, e lá de baixo,
apontava onde os três moravam, no meio de um bocado de outros castelos,
num morro do Rio de Janeiro, logo depois do mais longo de tudo”.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Assim, ao final confirma-se a hipótese de que Valentina mora no Rio de


Janeiro, em uma favela, fazendo os alunos repensarem o conceito de princesa na
literatura.

Figura 18 - Última imagem do livro.

Fonte: Acervo da pesquisadora (2021).

Naruto: Num morro do Rio de Janeiro.


Professora-pesquisadora: Que lugar do Rio de Janeiro a princesa
morava?
Naruto: Num morro do Rio de Janeiro.
Professora-pesquisadora: Pessoal, isso muda a ideia que você tem em
relação à princesa? No fim revelou. Agora faz sentido?
Catra: Sim
Sakura: Agora sim
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Para a síntese final de ideias, convido os alunos a expressarem seus


estranhamentos e opiniões diante da constatação final de que a obra, Valentina,
apresenta uma personagem negra, moradora uma favela brasileira, e que durante
todo tempo no enredo da obra é denominada de princesa: “Pensando em tudo o que
nós lemos lá no passado, o fato dela ser chamada de princesa causa estranhamento
em vocês?”. Os alunos ficaram livres para se expressarem a respeito desse conceito
que pode ser muito novo, mesmo na literatura, para alguns alunos. Diante das
153

respostas que expressaram desconfiança, é possível perceber que a questão


material, para os alunos, é bem ligada à construção da ideia de princesa.
Questionando-os novamente sobre determinante econômico da obra:
Professora-pesquisadora: E tudo bem. Só que isso muda o fato de lá no
comecinho da aula vocês estranharam as roupas dos pais né? por quê? ah
eles não têm roupas formais, mas agora no final, descobrimos que
Valentina mora num castelo, na favela. Pressupõe o fato dos pais, saírem
para trabalhar pressupõem que eles são? Trabalhadores! Que conceito de
princesa vocês conseguem construir a partir disso?
Catra: Que eles trabalham pra ela ser uma princesa
Professora-pesquisadora: Tá, mas qual é o conceito de princesa? Que
princesa é essa?
Bibble: Uma princesa com pais trabalhadores, protetores e que querem o
melhor pra ela.
Aleatória Sim isso, que eu falo! A riqueza dela é ter os pais dela, que eles
prezam isso, que querem o bem dela. Trabalhar descer o morro todo santo
dia pra trabalhar, é isso.
Professora-pesquisadora: E tudo bem. Só que isso muda o fato de lá no
comecinho da aula vocês estranharam as roupas dos pais né? por quê? ah
eles não têm roupas formais, mas agora no final, descobrimos que
Valentina mora num castelo, na favela. Pressupõe o fato dos pais, saírem
para trabalhar pressupõem que eles são? Trabalhadores! Que conceito de
princesa vocês conseguem construir a partir disso?
Catra: Que eles trabalham pra ela ser uma princesa
Professora-pesquisadora: Tá, mas qual é o conceito de princesa? Que
princesa é essa?
Aleatória: Uma princesa com pais trabalhadores, protetores e que querem
o melhor pra ela.
Catra: Sim, isso que eu falo! A riqueza dela é ter os pais dela, que eles
prezam isso, que querem o bem dela. Trabalhar descer o morro todo santo
dia pra trabalhar, é isso.
Professora-pesquisadora: Podemos falar que ela é uma princesa no
sentido figurado? Por que qual seria o sentido literal de princesa?
Bibble: Ah aquelas que moram num castelo
Professora-pesquisadora: Ela mora num castelo? É castelo mesmo?
Lembra que ela mora no... ó nós sabemos o que é uma favela. Ela mora em
uma casa dentro da favela. É possível um castelo dentro da favela?
Catra: Um castelo detalhado, detalhado não, mas nesse sentido é meio
figurado.
Sakura Poderia ter em cima da favela, mas não dentro, dentro...ah, não sei
professora.
Catra: é pode ser
Professora-pesquisadora: Esse castelo é ficcional então? Exato e que
vocês acham disso? De uma princesa morar na favela? É polêmico?
Aleatória É mais ou menos, porque todo mundo tá acostumado. E elas
moram em castelos grandes, decorados.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Em interação com os alunos, foi possível entender quanto a questão


econômica está ligada a figuras de poder entre eles, tornando difícil admitir que uma
princesa, mesmo que ficcional, more em uma favela, uma vez que se espera
riquezas e a obra, desde o começo de construção de sentidos, já vinha anunciando
contradições, desde a estética física, falando que ela tem “orelhas de abano”, usa
óculos, tem a perna comprida, inserções que buscam promover reflexões no leitor.
154

Em relação se o desfecho dessa obra lhes surpreende e se é uma surpresa boa ou


ruim, os alunos responderam:
Aleatória Faz a gente se surpreender, professora ela não consegue falar.
Catra: Boa, ah mais ou menos.
Aleatória sei lá
Professora-pesquisadora: Você esperava que uma princesa brasileira
morasse na favela?
Aleatória não
Professora-pesquisadora: Você esperava que ela morasse onde?
Bibble: Em algum lugar meio que com terreno, não cheio de casinhas,
sabe?
Catra: Não, no morro?
Aleatória É não no morro, mas se fosse no morro fosse do outro lado.
Professora-pesquisadora: Onde então? Em que lugar uma princesa
brasileira deveria morar?
Aleatória: Ahhh princesa eu não sei, mas tipo o presidente lá, eu não gosto
dele, a primeira dama sei lá. Eles moram lá. Eu esqueci o nome agora é o
Palácio da Esplanada, alguma coisa assim, lá em Brasília. Como se chama
lá o Palácio mesmo? O (nome do aluno omitido)) você sabe?
Catra: Palácio da República?
Aleatória Professora, eu esperava que ela morasse num campo florido, ou
um morro só pra ela, pra nenhum outro só pra ela, entendeu?
Catra: Mas ela pode morar numa casa de certa forma humilde e tudo mais
até porque os pais dela trabalham, ou seja, não são ricos, então são
humildes. Então por ter isso, esperava provavelmente ela moraria no
campo, não num castelo, numa casinha simples.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Posteriormente, a professora-pesquisadora explicitou a turma suas


percepções como leitora, revelando quais sentimentos e reflexões que a obra
suscitou diante da realidade brasileira, o que só foi possível pelos elementos
mediadores que a obra possui:
Professora-pesquisadora: Mas ela é uma princesa? Como uma princesa
mora em uma favela? Onde estão as condições básicas de sobrevivência?
Onde está a dignidade de ter um lugar para morar? Lembra que foi descrito
sobre o quarto dela? Parece que é um quarto muito apertado, não dá para
ver nada, a vista de dentro, não é? Ó ((continua a leitura do trecho)) “tão
longe de tudo” a favela é sempre afastada né? Por que é sempre afastada?
Preconceito, para se afastar. Ou seja, isso mostra outro dado da nossa
realidade brasileira, nós segregamos né? A nossa sociedade é estratificada,
em ricos e pobres. Ricos moram em um bairro e pobres em outro.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

A partir do exposto, a aluna Aleatória fez a conexão com o conteúdo com uma
imagem real que retrata a desigualdade entre centros urbanos e periferia, mostrada
pela professora de Geografia. Relatou o seguinte: “Era uma paredona assim
moravam os ricos e pra cá moram os pobres”, “pra cá um monte de árvore, e do
outro lado um monte de mansão”, “quando eu vi aquilo eu falei meu Deus do céu”.
Finalizando a atividade, foi destacada a frase da obra “como se tão longe de
155

tudo não pudesse existir boniteza” que, de acordo com uma entrevista18 do próprio
autor da obra Valentina, Márcio Vassalo, é importante todos os dias exercitarmos a
lucidez, porque vivemos em uma sociedade há muitos anos, racista e
preconceituosa que talvez não achamos ser capaz de encontrar beleza em lugares
tão esquecidos. Essa foi a intencionalidade do autor ao construir a ideia de uma
princesa linda em um lugar esquecido como uma favela.
Na entrevista, o autor relata ainda que escreveu essa história movido por um
relato de um colega jornalista que morou um tempo em uma favela para observar a
comunidade e fazer um trabalho. Este amigo relatou a Vassalo que ficou
assombrado por ter encontrado uma menina tão bonita em um lugar tão
desamparado, assombrando-se, posteriormente, pelo próprio preconceito que tinha
tido em relação a essa menina e ao lugar em que morava. Valentina, portanto, não
quer ser alguém na vida: ela já é.
Sendo assim, salienta-se que a prática pedagógica com literatura é
importante, pois promove trocas qualitativas e enriquecimento reflexivo organizado
pelo professor, com vista ao desenvolvimento psíquico dos alunos. O trabalho do
professor é organizado de modo que proporcione ao aluno uma leitura da
compreensão dos significados linguísticos. Segundo Leontiev (1978, p. 111), “os
significados refratam o mundo na consciência do homem” [...], ou seja, por trás dos
significados linguísticos, se ocultam os modos de ação socialmente elaborados.
Nessa perspectiva, busca-se uma didática leitora para além da
instrumentalidade técnica, da mera análise do conteúdo de valores presentes nas
obras, que servem somente ao discurso utilitarista, pedagogizante ou didatizante,
fazendo oposição aos complexos valores da estética literária. É necessária uma
prática voltada para a leitura dos sentidos e compreensões dos significados, junto a
mediação docente.

4.4.4 Azur E Asmar: Desenvolvimento das Sensações, Percepções e


Subjetividade dos Estudantes

Sabendo da importância da organização de atividades voltadas para a


mediação entre o conteúdo e forma dos signos linguísticos, para a apropriação do
18
Entrevista concedida ao grupo editorial Globo. Título do vídeo “Marcio Vassallo e sua Valentina”. 3
de dez. de 2013 https://www.youtube.com/watch?v=nBed9_U36yg
156

conhecimento e enriquecimentos cultural dos alunos, elaborou-se mais uma


proposta de ação leitora para somar-se ao processo formativo de apropriação do
conceito de personagem negra na literatura, por meio da leitura de Contos da
literatura afro-brasileira e com o protagonismo negro.
A didática com leitura literária precisa pensar em seu espaço formativo
considerando toda sua complexidade, proporcionando um lugar de experiência
estética, fruitiva e de desenvolvimento intelectual. A literatura é uma forma de
objetivação humana artística e por isso emociona, diverte, amplia possibilidades,
transforma e enriquece a experiência humana. (COELHO, 2000; ZILBERMAN,
1985). Sendo assim, as obras literárias ocupam um espaço essencial no ensino da
leitura e na educação escolar humanizadora.
Precisamos relembrar da necessária educação literária humanizadora,
aquela em que aprender a ler por meio de textos literários é aprender a ler
por meio de uma arte, que se manifesta nos textos, encanta, faz rir e chorar,
pensar e repensar; que traz o caráter lúdico do jogo; que se instaura na e
através da linguagem, permitindo recriações do texto lido, da atividade
realizada, do itinerário percorrido, das operações mentais implementadas no
ato de ler e do constituir-se leitor em si ao para si. (SOUZA; GIROTTO;
SILVA, 2012, p. 176).

Portanto, no mundo da cultura escrita e a constante presença dos gêneros


discursivos na vida dos alunos, destaca-se a importância da literatura afro-brasileira
na práxis docente, dado seu potencial de ampliação cultural e social. As entrevistas
finais voltaram-se para perceber a importância da mediação com literatura afro-
brasileira para a formação leitora dos estudantes participantes da pesquisa, para a
educação étnico-racial e para o desenvolvimento psíquico dos alunos.

4.4.4.1 Prática de leitura: Filme de animação “As aventuras de Azur e Asmar”,


produzido por Michel Ocelot

Nesta atividade, a professora-pesquisadora propôs assistir ao filme de


animação intitulado “As Aventuras de Azur e Asmar” (Figura), do autor Michael
Ocelot, e, após isso, os alunos participantes da pesquisa fariam a leitura da obra
“Azur e Asmar”, do mesmo autor, que embasou a realização do filme. Diferente do
filme de desenho animado “A princesa e o sapo”, desta vez, não houve interrupções
durante a apreciação, deixando os alunos assistirem a todo o filme para depois
investigar o uso da capacidade psíquica e compreensão leitora, na etapa de
157

mediação da leitura do último livro.

Figura 19 - Alunos assistindo ao filme “As aventuras de Azur e Asmar”.

Fonte: Acervo pessoal (2021).

Assim, apresenta-se a seguir a descrição da mediação dessa atividade,


norteado pela categoria conteúdo e forma em Atividades com leitura literária.

4.4.4.2 Prática de leitura: Personagem Azur e Asmar, livro de Michel Ocelot

Antes de iniciar a leitura, com apoio do Datashow e notebook, a professora


pesquisadora convida uma aluna participante da pesquisa para realizar a leitura
junto com ela. Antes de iniciar a prática, é questionado aos alunos se haviam
gostado do filme, sendo que alguns disseram que sim, outros pareciam que não.

Figura 20 - Capa do livro "Azur & Asmar" de Michel Ocelot.

Fonte: Google Imagens (2023).


158

Azur e Asmar é uma obra de Michel Ocelot, com tradução de Annita Costa,
publicada em 2007 pela Editora Edições SM. A obra não retrata especificamente no
seu enredo, a representação da diversidade que compõe a sociedade brasileira,
voltado para a tensão cultural entre França e a África, entretanto, ela condiz com as
muitas realidades encontradas no Brasil. Além disso, elementos da cultura africana
são amplamente explicitados na obra e a tematização dos enfrentamentos e dos
conflitos étnicos é bem trabalhada durante o enredo.
Não é considerado um livro da literatura afro-brasileira, mas, devido a
representação de personagens negros do gênero masculino em situação de
protagonismo e valorização, optou-se por inseri-la no rol de atividades organizadas
com leitura para os alunos de 7 ano, dada a potencialidade para a análise de
conteúdo e forma que a relação entre e o filme e o livro promove ao leitor em
formação.
A narrativa conta a história de dois protagonistas que crescem
juntos, criados por Jenane. O enredo explora o tema da tolerância, diversidade
cultural e étnica, solidariedade e superação de dificuldades. Azur é um menino
branco, loiro, tem olhos azuis e é filho de um nobre. Asmar é um menino negro,
possui olhos e cabelos pretos e é filho biológico de Jenane, a ama de leite que cria
os dois. Azur e Asmar é uma narrativa de um conto maravilhoso que não reforça
estereótipos de padrões ocidentais nem mesmo a rivalidade entre o bem e o mal,
mas leva a criança leitora a refletir sobre o respeito ao outro ser humano e suas
particularidades, buscando compreender por meio da aventura, imaginação e
mágica, a riqueza das pluralidades culturais descritos em palavras e imagens.
Foram analisados durante a leitura com os alunos a presença dos mesmos
determinantes (histórico, geográfico e econômico) observados com as obras “A
princesa e o sapo” e "Valentina". O conto de aventura se passa em Magreb, na
África Ocidental e terra natal de Asmar, enquanto Azur é natural de uma província
da França. O conto demonstra a relação entre a cultura francesa e africana,
destacando como a discriminação étnica separa as pessoas e deixa mágoas.
Durante a narrativa, é demonstrado que as diferenças entre os povos
revelam a grandeza da pluralidade cultural e como o respeito e o amor promovem
união e compreensão, apesar das diferenças. O cenário, tanto do filme quanto no
livro, detalha a arte, arquitetura, gastronomia e costumes do mundo árabe. O que
159

une as duas culturas entre os dois meninos é o conto da fada e a realização deste
sonho de infância, que é encontrar a fada dos Djins. Isso ajuda a superarem as
fronteiras da discriminação étnica, social e cultural.
Ao serem perguntados o que mais gostaram no filme, duas alunas
responderam.
Bibble: Por causa da cultura, dos vestidos.
Professora-pesquisadora: Por causa da cultura, dos vestidos.
Aleatória é das vestimentas da fada
Catra: da lenda da fada, como é que é o nome? Djins
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Foi mostrado aos alunos que, originalmente, o autor fez primeiramente o filme
e depois o livro, seguindo a mesma sequência em sala de aula. Iniciou-se a leitura
pela contracapa, com auxílio Lemon.

Figura 21 - Contracapa do livro "Azur & Asmar" de Michel Ocelot.

Fonte: Google Imagens (2023).

Lemon:((reinicia a leitura da contracapa)) que emocionante ter um lindo


livro para recontar a história que me tomava o coração e poder imobilizar
imagens tão bem feitas a velocidade do filme a rápida aparição dos objetos
o destaque de um só elemento não permitiam imaginar com que cuidado
com que amor foram elaborados os humildes tesouros no quarto de Azur e
Asmar cada flor cada flor do campo e do jardim de Generalem os
bordados de ouro dos trajes suntuosos e as marchetarias de mármore e de
pedras preciosas no palácio da fada esses são alguns dos detalhes
invisíveis que as ilustrações deste livro revelam deixando ainda mais
evidente a nossa busca pela beleza.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Juntos aos alunos foi investigado o porquê de o autor fazer primeiro o filme e
depois o livro, chegando-se às seguintes respostas: "para dar mais detalhes no livro
que nos filmes que não se vê muitos detalhes” e “imobilizar imagens tão bem feitas”.
160

Neste momento, chamou-se a atenção dos alunos para o fato de que na análise de
conteúdo e forma, os “detalhes de detalhes”, ou seja, as variadas formas para o
mesmo conteúdo, observados em objetos culturais diferentes, são relevantes para
construir significações durante a leitura. Dando sequência a leitura:
Aleatória: ((continua a leitura)) à noite em seu pequeno quarto enquanto os
colocava para dormir ela lhes conta uma história, mas um belo príncipe virá
e com as três chaves mágicas ele libertará a fada dos Djinns e ele
encontrará o amor é: Asmar levanta-se o que são os Djinns? a babá
deitando-o e cobrindo de novo são pequenos homenzinhos que cuidam da
natureza ao nosso redor às vezes são gentis às vezes são malvados e por
isso que é melhor é melhor que a fada dos Djinns cuide deles Azur levanta-
se existe Djinns aqui também? a babá deitando e o cobrindo de novo sim
mas eles são chamadas eles são chamados de elfos podem pode ser que
alguns Djinns gentis venham embalar você vocês essa noite durmam bem
meus meninos /.../ a babá se vai com a vela dois pequenos seres
transparentes chegam voando um se coloca ao lado do berço de palha de
Asmar o outro se coloca ao lado do berço de palha de Azur cada um canta
baixinho em sua língua a canção de ninar que a babá ensinou aos
meninos /.../ ((continua a leitura)) pequeno Azur ficará grande percorrerá os
oceanos e salvará a fada Djinn todos assim serão felizes.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Neste trecho, os alunos tiveram contato com criaturas mágicas, os “Djinns”,


reforçando as características do Gênero Conto Maravilhoso. Percebeu-se que
ambos os meninos são criados juntos, como irmãos, mas aos poucos, a narrativa vai
evidenciando as diferenças étnicas e, portanto, geográficas e econômicas entre os
dois meninos. Enquanto Azur fazia aulas de latim e quitação, Asmar ficava só
olhando, não tinha acesso a mesma educação. O pai de Azur não gosta da
proximidade e da troca entre as duas culturas (Francesa e africana), por isso,
expulsa Asmar e sua mãe da casa, ficando clara a diferença de tratamento a partir
da diferenciação étnica. Diante disso, questionou-se aos alunos se eles tinham
etnias diferentes e sobre o que eles pensam a respeito:
Aleatória é porque tipo assim /.../ um é negro e o outro é branco um é
príncipe e o outro não então ele quer separar os dois pra dar a educação do
príncipe e a educação do negro pra deixá-lo com a babá mesmo tanto é que
a babá vai pro país dela vai pra África de novo junto com o negro.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)

Dando sequência a leitura, chega-se a um trecho que detalha uma briga entre
Azur e Asmar sobre qual país é melhor, fato que os alunos identificaram como de
xenofobia, que é quando há uma desqualificação ou até violência a alguém só pela
sua origem geográfica. Continuando a história, os meninos continuam brigando até
que o pai de Azur chega, acaba com a briga, e fala que o filho dele tem que ter aula
161

de dança, espada, equitação, latim. Foi indagado aos alunos o porquê, no contexto
da Europa, esse tipo de aula ou habilidade seria importante. Os alunos
responderam, observando o determinante econômico do personagem Azur:
Aleatória: porque o pai dele pediu não mandou
Professora-pesquisadora: E por que o pai dele mandou?
Lemon: porque ele tem que cumprir não é bem cumprir ele não chega a ser
da realeza /.../
Lopes:: pela etnia dele tipo de cada um deles
Naruto: pela classe mais alta
Lopes:: pela classe ser mais alta
Aleatória:: ((continua a leitura)) Azur deve estudar de agora em diante
Asmar não tem direito às aulas, mas ele as observa, escuta e aprende tanto
quanto Azur. Já Azur ele sofre seu cavalo é grande demais para ele o trote
o sacode como um boneco o galope o joga no chão.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Foi solicitado aos alunos pensarem nessas diferenciações econômicas: no


caso do Azur, o pai dele era um membro da nobreza e tinha recursos financeiros
para ter acesso a bens culturais acumulados e científicos. Em decorrência disso,
Azur teria um desenvolvimento de capacidades maiores do que Asmar. Foi
questionado se isso também ocorre na sociedade contemporânea, com uma aluna
respondendo o seguinte:
Naruto: é
Professora-pesquisadora por exemplo
Lopes:: alguma coisa tipo um curso que você quer fazer, mas não tem
dinheiro pra fazer
Aleatória: tem que estudar bastante pra conseguir uma bolsa é ou estudar
bastante pra conseguir uma bolsa
Naruto: estudar bastante pra conseguir.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Deu-se sequência a leitura, levantando hipóteses e depois verificando.


Durante a leitura, observou-se o desenvolvimento do enredo e a articulação dos
elementos da narrativa, junto com o movimento de estratégias de compreensão
textual. Exemplificando, as características dos personagens, nas ilustrações e no
texto, trazem traços fenótipos e expressões faciais, vestimentas típicas carregadas
de detalhes (principalmente as vestes reais), com imagens mostrando elementos da
cultura francesa e africana. Os traços fenótipos característicos da população negra
são preservados e aparecem bem definidos e nítidos.
Embora o enredo problematize tensões raciais e relações discriminatórias, é
importante perceber que o personagem branco, quando presente em outra cultura,
sofreu processo de discriminação racial (por ser branco). De maneira geral, a
representação da personagem negra e de outras etnias não aparecem descritas de
162

forma caricaturada e estereotipadas.


Ao final, discutiu-se a questão da representatividade de diferentes grupos
sociais, possuindo uma história, experiências e identidade a serem respeitadas.
Assim, destaca-se a literatura como uma ferramenta cultural de representação das
relações humanas, possibilitando aos seus leitores, por meio da fantasia e narrativas
de ficção, compreender o mundo e a si mesma, refletindo sobre o respeito às
diferentes identidades (SILVA; SILVA; SILVA, 2020).
Em síntese no fim do processo de mediação da leitura da obra, pode-se
observar que os personagens Azur e Asmar foram criados como irmãos, com um
relacionamento marcado por altos e baixos. Quando pequenos, Jenane sempre
contava aos meninos a história da fada dos Djins, presa em uma gruta de luz à
espera de um resgatador. Separados na infância, os dois se reencontram quando
adultos. Por causa das diferenças sociais e étnicas provocadas pela sociedade,
tornaram-se rivais e partem em busca da fada. Diante dos inúmeros conflitos e
diferenças, vão descobrindo como vencer o preconceito e o valor da amizade,
respeito e generosidade. Solicitou-se que os alunos pensassem no equivalente
dessas formas e conteúdos trabalhados durante a leitura, com uma aluna
respondendo o seguinte:
Aleatória: professora, por exemplo, é só você imaginar seu irmão de
consideração que vocês às vezes brigava que às vezes davam risada
juntos morrendo e passou por toda essa jornada de ser separados né? dos
desafios de chegar até a fada dos Djinns e morrer um deles morrer é só
imaginar isso.
Professora-pesquisadora: nossa e como é esse impacto na nossa vida?
Aleatória: é ruim igual a perder um parente.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Também foi refletido sobre a potencialidade da forma literária relacionada a


filmes, ou obras de arte, de maneira geral, sobretudo por nos fazer refletir sobre a
vida, gera emoções, auxiliando a desenvolver o nosso psiquismo. Enfim, no
desfecho do Conto, as diferenças entre os personagens são resolvidas, devido a
necessidade de ambos lutarem contra ataques violentos. Também há a composição
de dois pares românticos: o loiro Azur com a morena fada dos Djinns e o moreno
Asmar acompanha a loira fada dos elfos, seguindo a um final feliz para todos. Em
relação a essa composição, foi questionado sobre se ela fazia sentido aos alunos,
que responderam:
Bibble: faz
Professora-pesquisadora: quem gostaria de falar sobre isso?
163

Bibble: pra mim faz


Sakura: faz sentido porque a maioria das pessoas aqui no Brasil é bem
distinto você olha pro lado você tem uma loira você olha pro lado tem uma
morena tem o cabelo tingido tem várias etnias maneiras raças diferentes em
um só lugar
Professora-pesquisadora: exato
Catra: só o preconceito que é meio ...
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Continuando a refletir sobre os determinantes histórico, geográfico e


econômico presentes na obra que permitem pensar na realidade brasileira, foi
questionado aos alunos como viam a representatividade de pessoas negras em
espaços de poder:
Professora-pesquisadora: Sabemos que no Brasil a gente tem uma falta
de lideranças negras, né? nós temos essa falta por isso que é muito difícil
também a gente imaginar uma princesa negra um anjo negro um Papai
Noel negro né? porque é difícil assim né? nos livros nos livros infantis isso
nunca foi valorizado né? não tinha esse espaço e quando a gente olha pra
nossa sociedade Brasil nós também temos essa dificuldade né? de ver um
médico negro um dentista negro não precisa ir muito longe na televisão no
seu arredor né? okay? tá bom então em relação a estrutura do conto nós
acabamos de estudar um modelo de conto
Aleatória: professora sabe aqueles negros que vendem joias?
Professora-pesquisadora: sim
Aleatória: então negros trabalhando eu só vejo aqueles, agora trabalhando
de dentista de médico eu nunca vi, agora só na tevê eu vejo trabalhando.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).

Ao término da mediação da obra, foi informado aos alunos que no próximo


encontro seria realizada uma escrita.

4.4.5 Prática Social Final: Ações de Produção Escrita.

A linguagem surge na sociedade como resultado de uma necessidade


inerente às ações de interação humana, diretamente ligada ao trabalho (HELBEL,
2022). O enunciado, segundo Bakhtin (2003), é toda unidade da comunicação
discursiva, sendo que cada um constitui um novo acontecimento da comunicação e
são organizados em forma de gêneros. Para este autor, os gêneros do discurso
resultam em formas-padrão “relativamente estáveis” de um enunciado, determinados
social e historicamente.
Dentro da esfera humana, é criada uma teia de enunciados e, sempre que
falamos, lemos e escrevemos, é por meio de gêneros. Os gêneros são, portanto,
formas de enunciados produzidas historicamente que se encontram disponíveis na
164

cultura, como na notícia, na reportagem e no conto (literário, popular, maravilhoso,


de fadas, de aventura e muitos outros). Assim, comunicar exige um gênero textual e
cada ocasião pede uma forma enunciativa diferente. Um gênero literário é uma
categoria de composição literária, sendo que os gêneros literários modernos são:
romance, novela, conto, crônica, poema, canção, drama histórico e teatro de
vanguarda. (BAKHTIN, 1992; 1997; 2003, VOLOCHÍNOV, 2013; FIORIN, 2018).
Os estudos de Bakhtin (1992; 1997; 2003) sobre o processo de enunciação
concluem que a criação verbal funciona como formadora de consciência, devido a
potencialidade dos signos linguísticos e a linguagem artística enquanto elemento
mediador. A leitura de uma história, conto ou qualquer narrativa, oportuniza
identificação com personagens, sensações, reflexões, valores na consciência do
leitor e, também, o conhecimento estético, ético e desenvolvimento intelectual.
Ressalta-se ainda que a forma como o personagem negro é representado nas
obras de literatura é de grande importância para a reflexão de valores de igualdade
racial e de base para a formação humana. Por isso, os Contos da Cultura Afro-
brasileira permitem trabalhar o gênero literário, as relações étnico-raciais, conhecer
as narrativas africanas e indígenas, uma ferramenta potente para trabalhar o gênero
literário Conto.
A leitura literária, entendida como o contato com narrativas diversas,
já nos primeiros anos de vida, contribui para desenvolver o pensamento lógico,
imaginação e outras capacidades do psiquismo humano. Para Vigotski (1995), a
imaginação e o pensamento realista são inseparáveis. As histórias fictícias (contos
maravilhosos, fábulas, lendas), ao mesmo tempo em que promovem um
distanciamento da realidade, possibilita uma compreensão mais profunda daquele
tempo, espaço e relações humanas. Assim, “o afastamento do aspecto externo,
aparente à realidade dada, imediatamente na percepção primária possibilita
processos cada vez mais complexos, com ajuda dos quais a cognição da realidade
se complica e se enriquece” (VIGOTSKI,1995, p.128). Por isso, o contato com os
gêneros narrativos ficcionais possibilita a capacidade psíquica da imaginação.
Apropriar-se dos gêneros do enunciado, que são formas
relativamente estáveis e normativas, é um desafio para a esfera escolar. Portanto,
segundo Bakhtin (2011), é essencial dominar as especificidades composicionais
destes gêneros e os aspectos constitutivos (estrutural e particular) presente em cada
enunciado. São, por tanto, apropriações necessárias para atender as interlocuções
165

nas diversas esferas de atividade humana. Em concordância, Volochínov (2013) cita


que enunciados escritos como os e gêneros literários conto, romance, crônica e
outros, são potencialmente reflexivos e podem ainda refratar diversas questões
sociais.
Segundo Jolibert (1994b), escrever é uma atitude totalmente pessoal, um
processo complexo que articula os aspectos eminentemente pessoais, como a
representação, a memória, a afetividade, o imaginário, entre outros. Portanto, essa
atividade contribui para a observar o uso das capacidades psíquicas dos alunos no
processo de escrita deste conto (de Fadas). Para tanto, foi proposto para cada aluno
a escrita do desfecho de um conto (Quadro 16), podendo alterar alguns
componentes, como personagem, tempo e lugar, contudo, conservando as suas
propriedades. A atividade tem a intenção de captar a percepção interna do objeto
pelo aluno, levando-o a sua compreensão.

Figura 22 - Atividade de desfecho.

Fonte: A autora (2021).

É interessante notar que a elaboração do desfecho pelos os alunos, com uso


de elementos ficcionais e básicos da narrativa (personagens, lugar e enredo),
demonstrou forte ligação com as obras trabalhadas: “O casamento da princesa” e
166

“Valentina”, pertencente ao gênero Conto de Fadas. Cada aluno foi convidado para
ir à frente da turma e ler o seu conto em voz alta para a turma. Dentre todos os
desfechos criados, foram destacados três que conservaram as características do
personagem negro dentro do conto, embora outros alunos que não participaram da
pesquisa também fizeram composições textual protagonizando as características
étnicas de personagens negros.
Após a elaboração dos desfechos, foi realizada uma socialização para o
debate da atividade realizada. Neste momento, foi solicitado que cada um
executasse uma avaliação qualitativa de sua produção textual e das escolhas
específicas de cada elemento composicional do enredo (personagem, lugar e
desfecho). Essa ação de autoavaliação da estrutura do conto, junto com o professor
e socialização com a turma, mobiliza o pensamento de reflexão de modo a controlar
a correta execução e possibilidades.

Quadro 19 - Respostas da atividade de desfecho: aluna Sakura.


Estudante participante Sakura
da pesquisa
Título do Conto “A liberdade por um beijo”.

Personagem principal: Descreva as "Muito boa, inteligente, simpática, educada, com


características físicas e psicológicas do cabelos castanhos e olhos verdes, pele morena
príncipe ou princesa. escuro, ela tinha algumas inseguranças, mas era
boa”.

Personagem coadjuvante: Escolha um “o peixe alado (com asas)”


animal ou ser mágico.

Lugar: Descreva como era este palácio "Um belo palácio azul como o céu, janelas brancas
como as nuvens, era coberto por uma luz positiva
como raios de sol”.
Desfecho: Crie um interessante desfecho “Quero sair e conhecer o mundo…, porém não posso,
para esta história. Use a sua criatividade mas o peixe pode. Então irei beijar-lhe em troca ele
e faça um final trágico, emocionante, que já viu o mundo irá me levar para vê-lo!
engraçado ou realista. (No outro dia com o peixe).
--- Aceito sua proposta! porém irá me levar para ver o
mundo lá fora.
--- Peixe - Ok!
Então eles se beijaram, o peixe volta a ser o
camponês que era, e que logo de cara já encantou a
princesa e juntos foram conhecer o mundo e viveram
felizes para sempre. Fim”.

Fonte: Acervo professora-pesquisadora (2021).

Durante a análise desta atividade, observa-se o quanto a linguagem dialógica


pode atuar como um condutor na apropriação de conceitos e colaborar na criação e
domínio linguístico de gêneros textuais. Para Fiorin (2009, p.61 apud HELBEL, 2022,
167

p. 137), “o sujeito vai constituindo-se discursivamente, apreendendo as vozes


sociais que compõem a realidade em que está imerso e, ao mesmo tempo, suas
inter-relações dialógicas”. Assim, a linguagem, durante a interação discursiva, é
entendida como acontecimento social, porque opera na formação do sujeito, em seu
processo de humanização e na constituição das virtudes e valores humanos.

Quadro 20 - Respostas da atividade de desfecho: aluna Catra.


Estudante participante da pesquisa Catra
Título do Conto “A pequena menina e o lindo príncipe”

Personagem principal: Descreva as “Um lindo príncipe de cabelos castanhos claros com
características físicas e psicológicas do cor de mel, olhos escuros e profundos, pele morena
príncipe ou princesa. com um belo bronzeado”

Personagem coadjuvante: Escolha um "A criatura mágica era uma pequena menina só que
animal ou ser mágico. com uma aparência muito feia”.

Lugar: Descreva como era este palácio “Com um jardim particular, suas flores favoritas, um rio
de água cristalina”
Desfecho: Crie um interessante desfecho “Lembrou de sua avó, uma feiticeira que nunca
para esta história. Use a sua criatividade envelhecia, foi afastada do castelo pelo rei, o seu
e faça um final trágico, emocionante, próprio filho. Se esforçou ao máximo para procurar a
engraçado ou realista. senhora e quando encontrou descobriu os poderes
dessa menina.
Ela era uma boa moça, mas a bruxa a transformou em
uma criança, com ajuda de sua avó, achou a menina e
com o beijo tudo mudou”.
Fonte: Acervo professora-pesquisadora (2021).

Durante a socialização das respostas para a turma, os alunos foram


convidados a apresentarem o resultado final da sua composição textual,
investigando sobre o seu processo de criação. A aluna Catra, após fazer a leitura em
voz alta do texto para classe toda, foi questionada se ela havia gostado do seu
desfecho, se faltava algo ou se mudaria alguma coisa, respondendo:
Catra: Eu acho que mudar, eu não mudaria. Eu só escreveria de outra
maneira com mais detalhes porque o espaço era pequeno e ficou poucas
coisas. É então eu escreveria de outra maneira acrescentaria algumas
coisinhas, mas o enredo da história continuaria o mesmo.
Professora-pesquisadora: Você acha que os detalhes dentro de uma
história de conto de fadas fazem diferença?
Catra: Acho
Professora-pesquisadora: Qual a importância disso para o leitor?
Catra: Pra ele se imaginar na história quanto eu estou lendo um livro e tem
bastante detalhes eu me imagino lá. Não fecho meus olhos em si, mas fico
imaginando onde era como era. Se eles falam, estou aqui na cozinha, vou
da cozinha pra sala, consigo imaginar como é o local.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade organizada)
168

Por meio de questionamentos sobre a composição do seu desfecho, houve a


intenção de levar a aluna a perceber que ainda faltava algo, por exemplo, descrever
um pouco mais ao leitor sobre quais mudanças ocorreriam a partir do beijo em
consequência a transformação da menina em “boa moça”. Contudo, a aluna
avançou na compreensão da importância do domínio enunciativo e simbólico das
palavras, as quais têm o potencial de desencadear imagens na mente do leitor e
nortear sua compreensão. A sua resposta possibilitou refletir sobre a natureza
dialógica e social da linguagem, que, ao passo que as palavras nos transportam
para um mundo alegórico e imaginário, faz-nos pensar também em questões do
nosso tempo e espaço, nos trazendo experiência de vida.

Quadro 21 - Respostas da atividade de desfecho: aluna Aleatória.


Estudante Aleatória
participante da pesquisa
Título do Conto “A princesa e o ser mágico”

Personagem principal: Descreva as “Ela era gentil, legal e inteligente, morena de


características físicas e psicológicas do olhos escuros e adorava cantar, dançar ou até
príncipe ou princesa. mesmo conversar e amava a natureza”.

Personagem coadjuvante: Escolha um “Sapo enfeitiçado”


animal ou ser mágico.

Lugar: Descreva como era este palácio "O palácio era gigante, tinha várias pessoas nele
todas as noites, e era cheio de torres e guardas
nas janelas, tinha um jardim lindo”.
Desfecho: Crie um interessante desfecho Teve uma grande idade beijar o sapo enfeitiçado,
para esta história. Use a sua criatividade e mas não casar com ele e sim usá-lo para derrotar
faça um final trágico, emocionante, engraçado a bruxa má e cuidar da natureza. E assim ela fez,
ou realista. beijou o sapo e segurou o sapo quando ele virou
outro ser e disse:
Vou te soltar, mas antes você tem que me
prometer algo.
E então ela contou a ideia e ele concordou porque
ele também queria derrotar a bruxa e cuidar da
natureza”.
Fonte: Acervo professora-pesquisadora (2021).

Foi solicitado a aluna Aleatória para ler o seu Conto para a turma e depois
contasse sobre como foi pensar na produção do desfecho para o final desta história
uma vez que uma parte do enredo já estava posta com elementos da cultura colonial
“castelo, princesa, príncipe” e já havia um movimento de desconstrução de tais
características a partir da leitura do conto “Kalinda”. Acredita-se que, quando o aluno
é introduzido em uma problematização que o faz pensar, essa contradição o guia
para um enredo que tenta descolonizar conceitos clássicos de princesas, lugares e
169

até desfechos inusitados. Em resposta a aluna esboçou.


Aleatória: Ah, ela beijou o sapo e ele falou “agora a gente vai casar”, mas
ela falou “Não! Eu quero seguir minha vida e tudo mais”. Daí ela seguiu a
vida dela e na verdade eles derrotaram a bruxa juntos e aí um seguiu a vida
do outro. Em vez dela beijar o sapo, casar e deixar a bruxa enfeitiçar mais
pessoas.
Professora-pesquisadora: Eles venceram a maldição, né?
Aleatória: Sim. Eles venceram e derrotaram a bruxa pra não enfeitiçar mais
ninguém.
Professora-pesquisadora: isso é um final assim diferente do padrão
porque diferente de todo conto de fadas na maioria dos contos de fadas
eles obrigatoriamente ficam juntos e no seu conto não, você quebrou esse
padrão.
Aleatória: sim e tipo assim aquela outra folha ali eu tô misturando várias
histórias, dessa do sapo da cinderela tô misturando também de uma
camponesa
Professora-pesquisadora: isso e você percebe como é importante a
leitura? porque é por meio da leitura tanto dos filmes quanto dos livros que
nós temos o quê? Uma modelagem nós temos um modelo na nossa cabeça
a partir dessa compreensão de um modelo a gente cria a gente começa a
misturar várias histórias. Criar o nosso e produzir algo inovador
Aleatória: sim e quanto mais você vai pensando mais você vai escrevendo
parece que vai vindo mais ideias tipo você tá escrevendo uma história legal
aí vai lá e vem um dragão na sua cabeça e eu falo não, tem limite tudo tem
limite.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade organizada)

Cabe ressaltar que essa socialização também é um importante momento para


que o professor aprecie as produções dos alunos, incentivando-os na escrita e
fomentando a auto realização, mostrando que ela, mesmo em um contexto escolar,
pode conter traços de sua personalidade e expressar elementos do seu meio ou de
seus anseios de maneira ficcional, além de desconstruir estereótipos.
A pesquisa aponta também para a importância do professor na organização
do tempo e espaço para o trabalho com a leitura e escrita, observando o impacto
deste movimento na criatividade dos alunos e uso do psiquismo.
Aleatória: Eu acho que a gente vai falar, ah produção de texto vai ser chato
e no final a gente acaba se divertindo até porque a gente percebe o quanto
o nosso cérebro é capaz de fazer coisas, tipo foi o que eu falei a gente vai
escrevendo e vai vindo mais coisas e se você escrever essas coisas que
estão vindo, vai vir coisas melhores tipo uma atualização digamos que
assim e isso porque é uma das coisas que o cérebro consegue fazer tipo
leitura em códigos também tem que o cérebro consegue fazer mais aí tem
que aprender a ler né? Primeiro pra depois ler em códigos e aí isso é uma
coisa boa tem gente que pode achar ruim mas eu acho bom.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade organizada)

Este diálogo evidenciou muitas possibilidades, com cada uma partindo de


uma particularidade humana, enquanto indivíduo que compõe a sociedade. Em
relação aos traços de características africana nos personagens do enredo ou do
desfecho, foi observado somente alguns correspondentes à estética africana na
170

descrição da princesa ou princesa: “morena de olhos escuros”, “pele morena com


um belo bronzeado”, “cabelos castanhos e olhos verdes, pele morena escuro”.
Mesmo que tivesse sido trabalhado em todos os contos o protagonismo de
príncipes e princesas negras, de maneira valorativa, nas descrições (autorais),
aparecerem somente três personagens com as características étnico-racial negra,
sendo que nenhum aluno usou a palavra “negra” para designar a etnia da
personagem. Em relação aos gêneros escolhidos para a/o protagonista, foram sete
princesas e dois príncipes, além de um aluno que não realizou a atividade, sem
contar os outros alunos não participantes da pesquisa que também realizaram a
atividade.
Nesta análise, portanto, os alunos foram levados, em decorrência das
atividades organizadas com leitura, a descobrir propriedades da relação universal do
objeto literatura afro-brasileira com seus similares, a perceber as características
fixas que compõem este gênero textual e a transformar propriedades da relação
universal.
A partir das ações de escrita e leitura, foi possível verificar a compreensão
dos alunos por meio de suas elaborações mentais relativas à proposta do desfecho.
Essas ações didáticas, planejadas e conscientes visam promover a capacidade
humana de refletir e analisar, sendo neste caso, relacionado com um enredo literário
e toda sua complexidade, promovendo uma leitura crítica, compreensiva e um maior
domínio no uso dos signos linguísticos.
Após esta prática de escrita e com a chegada do mês de novembro, a
prioridade foi planejar e elaborar os cartazes para a exposição da Semana da
Consciência Negra (15 a 19 de novembro de 2021). Juntamente com essas ações
de leitura e escrita, em parceria com os professores de arte, história e português de
outras turmas, era necessário também concluir uma produção textual, realizada
pelos alunos, por meio da plataforma virtual Redação Paraná 2021 19, sendo que as
melhores produções concorrem em um concurso em nível Estadual (Concurso
Redação Nota 10).
A proposta lançada na plataforma, no dia 25 de outubro com prazo de um
mês para a sua finalização, era a de produzir um artigo de opinião sobre o tema
“Como combater o preconceito e a desigualdade étnico-racial na sociedade
19
Redação Paraná é um portal usado para ajudar no ensino e aprendizado de redação. O portal traz
informações e ferramentas para correção de textos. É uma plataforma adotada para as escolas
públicas da SEED.
171

brasileira?”. Dada a relevância do tema para a formação dos alunos e a sua conexão
com o plano de trabalho docente, a professora-pesquisadora buscou realizar as
ações de leitura de textos motivadores e de conhecimento sobre o gênero textual
Artigo de Opinião. Para tanto, foram organizadas ações de leitura, reflexão sobre o
tema e diálogo sobre soluções. Os alunos deveriam planejar a escrita e enviar a
redação de maneira virtual, ou em uma folha de papel, com posterior correção a fim
de adequar a escrita, a pertinência do gênero textual solicitado e as soluções
apresentadas para o tema.
Finalizado o prazo de digitação e envio das redações, a professora-
pesquisadora as imprimiu e entregou aos alunos para uma socialização sobre as
opiniões elaboradas no artigo. Foi aberta a possibilidade para aqueles que
quisessem, de realizar a leitura em voz alta de suas redações. Por fim, a professora-
pesquisadora propôs a colagem dos textos (Figura 23) em um mural, para que a
comunidade escolar pudesse ler as produções (a identificação do nome do aluno na
redação foi facultativa).

Figura 23 - Colagem dos textos.

Fonte: Acervo pessoal (2021).

O momento de socialização foi bastante significativo, em que os alunos


puderam ler e compartilhar suas experiências com a temática proposta. Destaca-se
alguns trechos da estrutura dos Artigos de Opinião, os quais foram compartilhados
com os demais alunos e coadunam com as ideias desta dissertação.
Catra: Acredito que a desigualdade racial está muito presente no país em
que vivemos. O preconceito é mais distribuído nas etnias africanas e
indígenas. Acho que tem muita ligação com a maneira que eles vieram ao
172

Brasil. (trecho da introdução)


Bibble: Racismo e desigualdade, é uma coisa que existe na nossa
realidade e é um pouco complicado de lidar, pior tem pessoas que acham
que são superiores aos morenos ou porque é pobre e outra pessoa tem
mais condições de vida, elas se sentem no direito de tratar o próximo como
lixo, isso é uma coisa muito errada e que não se deve fazer. (trecho do
desenvolvimento)
Sakura: Muitas das vezes me pego pensando na falta de igualdade desse
mundo, desde pequenos aprendemos que todos somos diferentes um dos
outros, porém então porque ainda há tanta falta de respeito com as
diferenças? (trecho da introdução)
Aleatória: Racismo é sempre ruim, tratar as pessoas com respeito é lindo e
mostra que somos educados e humanos. (trecho da conclusão).
Fonte: Acervo professora-pesquisadora (2021).

Por meio dessa atividade, percebeu-se que os estudantes compreenderam


que a escrita pode ter a função de denunciar injustiças, expressar um desconforto
sobre o assunto e, coletivamente, debatê-lo em busca de soluções. Destaca-se
neste ponto a exposição do texto da aluna Bibble, que, ao argumentar contra a
violência, cita o seguinte: “Violência, não é necessária e nunca foi com violência não
se educa, não melhora a situação”. Diante desta opinião, alguns alunos opuseram-
se a essa ideia, mas, com a mediação docente, foi possível esclarecer que aplicar
penalidades severas, como lixamento e agressões físicas, em casos de racismo não
melhora a situação, assim como a aluna argumentou em seu artigo. A partir disso,
buscou-se gerar uma reflexão sobre o diálogo e o respeito como instrumentos
efetivos de combate ao racismo.
Outro ponto foi a compreensão coletiva de que uma produção textual, mesmo
que de caráter escolar, possui um potencial de expressar sentimentos e emoções
acerca de um assunto. Além disso, viu-se que, apesar de quatro alunas participantes
terem lido seus textos e mobilizado um debate na sala de aula, houve um relativo
silêncio por parte dos outros alunos, sobretudo os pertencentes à etnia negra.
Todas essas questões denotam a importância do docente de ensinar seus
alunos a objetivar-se por meio da arte, domínio da linguagem e da estética literária,
sobretudo diante do contexto educacional e social em que se vive, com o professor
promovendo espaços de reflexão sobre a realidade. É preciso mostrar que, como
em seus textos escolares, o princípio da literariedade pode representar, além de
suas propriedades particulares, as propriedades universais humanas.
Sob a perspectiva da Teoria Histórico-Cultural, compreende-se que a
educação precisa levar seus educandos a apropriar-se de objetivações genéricas,
mas, ao mesmo tempo, manter a relação consciente sobre elas.
173

[...] o indivíduo se apropria da linguagem e através dela se objetiva,


relaciona-se com instrumentos, aprende a utilizá-los, produz novos
objetos sem ter consciência plena de que a linguagem, os
instrumentos, os objetos são produtos humanos e de que suas
objetivações (do indivíduo) também estarão a serviço da humanidade
e serão por ela apropriadas. (SOUZA; GIROTTO; SILVA, 2012, p.
168).

Apropriar-se da leitura e escrita como prática cultural por meio das atividades
literárias, com mediação de professores, não só desenvolve a capacidade leitora,
um atributo especificamente humano, mas também leva o aluno a se transformar em
um leitor crítico e reflexivo, com potencial de criar novas necessidades
humanizadoras. Ao conhecer o processo artístico do escritor, poeta, artista plástico,
por exemplo, o indivíduo buscará, por necessidade humana de expressão, objetivar-
se outras vezes. No caso do livro, é “na apropriação desse objeto que a atividade de
leitura gera a objetivação do próprio leitor”. (SOUZA; GIROTTO; SILVA, 2012, p.
172).
Após a tarefa produção textual, foram confeccionados, em grupos e durante
as aulas de Português e Artes, cartazes relacionados com a literatura afro-brasileira
e a valorização da estética africana, conforme apresenta as figuras a seguir.

Figura 24 - Cartazes elaborados com a temática “literatura afro-brasileira”.

Figura 25 - Trabalhos elaborados por todas as turmas acerca da temática africana e


afro-brasileira expostos para a semana da Consciência Negra no colégio.
174

Fonte: Acervo pessoal (2021).

Após a semana da consciência negra e a exposição de trabalhos no espaço


escolar, retomou-se o planejamento e a escrita dos contos de temática Afro-
brasileira (autoral) e a ilustração da capa do conto. Contudo, como restavam apenas
duas semanas para o término do ano letivo, poucos alunos conseguiram entregar
sua produção textual de conto e concluir a ilustração da capa.

Figura 26 - Modelo para produção do conto.

Fonte: A autora (2021).

Assim, apenas cinco contos foram entregues, sendo que somente dois (2)
eram dos alunos participantes da pesquisa, cujas produções são apresentadas no
Quadro 23 a seguir.
175

Figura 27 - Contos produzidos.


Aluno(a) Lemon Mitsuya
Título “Clara a princesa diferente” “O garoto de ouro”
Situação “Clara era uma princesa “Um garoto afrodescendente que
inicial diferente das outras. Seu nome havia nascido no dia 28 de agosto
era totalmente o contrário da de 1987 no seu país natal, mas
sua aparência, sua pele não como sua família não tinha
era clara, e sim escura como a dinheiro, seu pai juntou uma
noite e bela, seus olhos quantidade de dinheiro e viajou
também não eram claros, eram para os Estados Unidos (anos se
negros, tão negros que sua passaram e o garoto cresceu).
pupila era invisível”. O nome desse garoto era
Clara era uma princesa do MidelMandrukt, ele é um garoto
Brasil, que jogava futebol e fraco e negro.
brincava de boneca. Subia em Por ser negro ele apanhava muito
árvores e gostava de dançar, no colégio, pois muitos dos seus
mas não como as outras colegas o viam de uma forma
dançam, Clara gosta de dançar diferente por ser negro, mesmo se
na chuva”. sentindo ofendido ele era muito
feliz.

Conflito e “Os pais de Clara diziam: Certo dia ele achou um baú que
Clímax Um dia você vai crescer e virar continha um mapa do tesouro, no
uma grande mulher, se casará começo ele achou um mapa que
com os homens e será muito continha informações para achar
feliz! o tesouro, teria que descobrir o
Mas Clara já é uma grande local do tesouro.
mulher, e ela não gosta de
homens! Homens são chatos e
não gostam de brincar com ela.
Meninos só sabem falar de
futebol e brigar entre si,
meninas são muito legais e
gostam de brincar com Clara,
elas são bonitas e legais!
Clara sabia que nem todos
tinham sua linha de raciocínio
igual a sua, mas isso é normal,
até porque nem todo mundo
pensa igual, todos tem gostos
diferentes”.
Desfecho “E como todo mundo, Clara Por ser muito inteligente,
cresceu. E com o tempo descobriu o local e achou muitas
descobriu coisas novas sobre barras de ouro e se tornou muito
si, talvez não tão novas. rico comparável a um príncipe.
Homens não eram
interessantes, mulheres eram
mais.
E um dia, Clara se casou, com
o amor de sua vida, a pessoa
176

que iluminava suas manhãs. E


ela não é um homem”.
Fonte: A autora (2021).

Após a entrega dos contos e ilustrações das capas, não foi possível fazer um
momento para a leitura e socialização. Dado o tempo curto para o término no ano
letivo, foi elaborado um questionário e realizada uma entrevista com os alunos
participantes, a fim de observar o desenvolvimento de funções psíquicas e
ampliação da capacidade de leitura em um processo formativo, a partir da literatura
afro-brasileira e seu impacto para a formação humana.
É interessante verificar que os contos produzidos por Lemon e Mitsuya são
representativos do trabalho desenvolvido em sala. O aluno Mitsuya, apesar de ter
aceitado participar da pesquisa, era um aluno apático e um pouco indiferente as
atividades propostas, contudo, ao longo do processo, foi se envolvendo e
percebendo a escrita como uma maneira de expressar suas ideias e a valorização
étnica ligada à sua própria etnia. O aluno caracteriza o seu personagem, chamado
Midel Mandrukt, como um sujeito pobre, constantemente agredido e ofendido, que
busca melhores condições de vida em um país estrangeiro.
Observa-se, desta forma, que o aluno busca no espaço ficcional, criar um
caminho para a valorização do seu personagem, que é a possibilidade de encontrar
um baú com um “mapa do tesouro” para então ficar rico como um príncipe. Este
enredo é bastante parecido com a última obra lida “Azur e Asmar”, em que Asmar é
um menino negro, filho de Janane, a babá de Azur (o menino branco e rico). Asmar
e sua mãe estão em um país estrangeiro, onde são vítimas de violência, tendo de
voltar ao seu país de origem, onde ascendem socialmente como ricos mercadores
de especiarias.
Asmar, então, se torna um homem rico e prestigiado, comparado a um
príncipe. Com ajuda de um mapa, Azur e Asmar juntam-se para encontrar a caverna
da Fada dos Djins. Assim, observa-se similaridades entre as narrativas, contudo, é
preciso salientar que, na visão inicial do aluno, o personagem negro ainda está
ligado a pobreza e marginalidade, representando o primeiro paradigma na literatura
afro-brasileira e que tentou ser superada a partir da década de 80.
A aluna Lemon aplica um pouco mais de sutilezas no uso da linguagem,
instaurando um paradoxo logo no título: “Clara a princesa diferente”. Clara é o nome
de sua personagem negra, como pode ser identificado no seguinte trecho “sua pele
177

não era clara, e sim escura como a noite e bela”, mostrando também que adotou a
perspectiva de valorização desde o início. Em relação ao enredo de um par
romântico, buscou diferenciar-se da concepção clássica de princesa, ao dizer que:
“Clara se casou com o amor de sua vida, a pessoa que iluminava suas manhãs”,
revelando que não se tratava de um homem.
A aluna Lemon, desde o início das atividades organizadas, demonstrou
disposição em ler e ajudar nas mediações demonstrando entender que a literatura é
um espaço da diversidade humana. Durante as suas interações com as atividades,
foi construindo a significação de que a literatura é um reflexo da sociedade e o
mundo simbólico da palavra ilustra, sob diversas formas, um conteúdo que pode ser
particular ou social.
Com a finalização das ações de avaliação das produções de texto, percebe-
se que essas ações entre professor e aluno visam analisar e intervir no processo de
apropriação do conhecimento dos alunos. O instrumento de verificação da
aprendizagem foi a tarefa de elaborar um conto, a fim de observar se os alunos se
apropriaram de sua estrutura composicional e conseguem reproduzi-la em sua
integralidade. Desta maneira, ele demonstra domínio da escrita, estabelecendo uma
relação de similaridade a estrutura deste gênero literário, apresentado no início da
leitura literária.
Realizando uma análise de todo o processo, a falta de ampla adesão à
proposta de produção do conto não demonstra uma falha na compreensão do
objetivo-meta, mas sim, ligado com a intercorrência imediata para a finalização do
calendário letivo, sobretudo para aqueles alunos que já haviam sido aprovados, no
caso, todos os participantes da pesquisa. A dispensa repentina dos alunos
prejudicou em parte o desenvolvimento e avaliação desta tarefa.
Assim, o passo seguinte foi o de antecipar as entrevistas finais, realizadas
individualmente com cada aluno participante da pesquisa, em que procurou-se
perceber se os elementos concretos de estudos apresentados inicialmente foram
realmente compreendidos e transformados durante o processo dialético e tornaram-
se um outro concreto novo e abstrato, por meio da relação estabelecida durante a
interação entre os sujeitos e a linguagem.
Sendo assim, o objeto do conhecimento, transforma o pensamento, cria
novos significados que oferecem um salto qualitativo no desenvolvimento intelectual
dos alunos e oferece concretude ao pensamento (OLIVEIRA, 2021, p. 124). Por
178

meio de atividades para a área da literatura infanto-juvenil, é possível compreender


o movimento de avaliação como um caminho de reflexão e consciência em sua
trajetória de estudos.
Durante o processo de avaliação das produções textuais e da participação
dos alunos nas ações relacionadas à leitura literária, não se pode perder de vista
que a educação literária objetiva a formação de leitores por meio da apreciação
estética e o desenvolvimento da capacidade de leitura. Busca-se, neste processo,
perceber qual papel os “mediadores de leitura podem proporcionar no processo de
formação dos leitores em si, para os leitores para si”. (SOUZA; GIROTTO; SILVA,
2012, p. 168). A consciência para si é uma consciência ativa e reflexiva, no qual o
indivíduo leitor:
É capaz de reconhecer a diferença entre si e o gênero, de direcionar sua
ação em função dos valores genéricos que assume. Para que isso se
efetive, apoiadas nessas conceituações, podemos depreender que para que
um ato leitor em si, se torne uma prática leitora para si, em que o leitor
tenha consciência de seu comportamento leitor, de seus modos, princípios e
implicações sociais; da “leitura em si, para a leitura para si”, é necessário
um novo olhar para o ensino da leitura. (SOUZA; GIROTTO; SILVA, 2012,
p. 172).

Por isso, é necessário reconhecer que a prática leitora é uma prática


ensinada, mediada dialeticamente, e que, portanto, pensar em uma metodologia
capaz de desenvolver a leitura literária e autonomia nos alunos têm uma dimensão
significativa. Criar espaços para essas mediações na escola pública ainda é um
desafio, uma vez que pensar e planejar ações para a formação da leitura literária
passa por uma escolha teórico-metodológica, além da necessidade de um programa
de formação docente voltada para uma educação literária capaz de promover
desenvolvimento humano.
179

5 RESULTADOS DAS PERCEPÇÕES DOS ESTUDANTES DO ENSINO


FUNDAMENTAL SOBRE A PRÁTICA DE LEITURA COM LITERATURA AFRO-
BRASILEIRA

A avaliação visou entender como a proposta de apropriação de leitura literária


com obras de temática afro-brasileira, encontradas na biblioteca escolar, impacta a
ampliação de repertório cultural, leitura de mundo e compreensão da estrutura
linguística dos alunos participantes. Por meio da entrevista final, objetivou-se avaliar
a percepção dos alunos acerca do trabalho desenvolvido com as atividades
organizadas com contos da literatura afro-brasileira, por meio de 11 perguntas, em
entrevista individual, realizada no último dia de aula com a turma. A partir de
codinomes, as respostas foram coletadas. O quadro de respostas na íntegra
encontra-se no anexo, sendo aqui separadas algumas respostas obtidas para
discutir os resultados desta pesquisa. A primeira pergunta foi: “Você gosta de ler?
Se sim, gosta de ler o quê? Para quê (motivo ou finalidade) você lê? Com que
frequência você lê obras literárias?”.
O objetivo era perceber a apropriação da leitura literária enquanto uma
capacidade humana e também o uso do psiquismo (sensação, percepção, atenção,
memória, linguagem, pensamento, imaginação, emoção e sentimento) para sua
humanização, de acordo com a perspectiva da Teoria Histórico Cultural. Quando os
alunos ligam a prática da leitura literária com emoções, sensações e vivências, isso
mostra que estão fazendo uso das capacidades psíquicas superiores para ampliar
sua capacidade leitora.
Analisando as respostas dos estudantes, é interessante notar o significado
que o objeto cultural tem: para eles, o livro é um instrumento para distraí-los, tirá-los
do tédio, movimentar os seus pensamentos, uma fuga da realidade ou, ainda, para
diminuir a ansiedade. Apresenta-se a seguir algumas das conversas com a
professora-pesquisadora que demonstram esse aspecto:

Professora-pesquisadora: Você procura uma obra pra sair do tédio? para


entrar em outra história outra conexão?
LOPES: sim
Professora-pesquisadora: Seria isso?
LOPES: sim
Professora-pesquisadora: Tá você acha que essas histórias te fazem
esquecer ou colocam coisas na sua cabeça?
Lopes: Colocam coisas na cabeça
Professora-pesquisadora: E isso é bom?
180

Lopes: bom
(...)
Professora-pesquisadora: você sabe identificar o motivo pelo qual você
lê?
Bibble: Ah eu leio, porque tipo, eu gosto. Eu me sinto bem lendo e, tipo,
fugir da realidade é bom. Ler é maravilhosamente incrível!
(...)
Professora-pesquisadora: Você sabe definir o que é esse tédio? [...]
Aleatório: tédio tipo assim eu não [...] eu tô sem fazer nada no [...] tô no
tédio sem fazer nada aí eu quero ler.
Professora-pesquisadora: tédio é não fazer nada?
Aleatório: é
Professora-pesquisadora: e não fazer nada é ruim?
Aleatório: sim porque aí você fica [...] no tédio porque fica sem fazer nada
[...] aí fica desanimada, ou seja, tédio que a maioria das coisas, na maioria
das horas eu tenho, só que quando alguém fala ah bora ligação [...] eu ligo
pra pessoa e a gente começa a conversar ou jogar que é o que me tira do
tédio.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).

Por meio das respostas, percebe-se o quanto o aspecto emocional e afetivo


está relacionado com a literatura para os jovens dessa idade, tendo um significado
de companhia. Em relação às perguntas 2, 3 e 4, elas foram direcionadas as ações
com as atividades organizadas de leitura e visam compreender os sentimentos dos
alunos ao terem contato com as obras trabalhadas e qual a atitude, na percepção do
aluno, foi desencadeada pelo contato com as obras literárias com temática africana
ou afro-brasileiras.
Assim, destaca-se alguns trechos mais significativos durante as entrevistas
individuais. Todas as respostas na íntegra das Perguntas 2, 3 e 4 encontram-se em
um quadro no anexo ao final.
Pergunta 2 – Você acha que atividades direcionadas ao estudo de Leitura
Literária (atividades organizadas) podem te auxiliar na compreensão do
texto?
Pergunta 3 - Como você se sentiu após a aula de leitura com as atividades
organizadas com Literatura Afro-brasileira? Notou mudança na ampliação
da compreensão textual? Conseguiu compreender a história com mais
profundidade?
Pergunta 4 – Após a leitura dos títulos escolhidos pela professora e das
atividades organizadas, percebeu que esta atitude desencadeou em você
vontade de ler outros títulos sobre a temática afro-brasileira ou outros
clássicos literários?
LOPES: Sim. Como eu me senti? Gostei. Foi uma coisa nova né? Porque
eu nunca tinha lido nada assim. (P: Você quis ler outros livros?). Sim, eu
peguei um lá na biblioteca “A rainha vermelha”.
LEMON: Pra mim pelo menos ajuda bastante, porque aí eu presto mais
atenção pra poder ler como eu geralmente leio[...] Ah eu não estava tão
acostumada porque não leio muitas coisas realmente tipo direcionadas ou
só da cultura africana então foi algo bem legal, interessante [...] que eu
não tinha prestado muita atenção nisso eu não via muito isso.
VAPO:Pode (ajudar), na hora que leio tipo às vezes assim eu sempre
imagino o que está passando por volta.
NARUTO: [...] Acho que sim (foi bom) porque às vezes acontece que você
181

acaba aprendendo mais cultura. Você começa a ver às vezes uma pessoa
ou algo, no caso uma raça ou etnia de forma diferente.
ALEATÓRIO: [...] ajuda a entender a leitura.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual)

Diante das respostas dos alunos sobre o trabalho de mediação com a


literatura, observa-se que parte deles reconhecem que a leitura coletiva auxilia na
compreensão mais profunda, pois tem como característica a construção dos
significados linguísticos de maneira conjunta, sem desprezar o momento de leitura
silenciosa. Reconhecem ainda que trazer obras de literatura afro-brasileira, ou que
contenha personagens negros no enredo, é algo diferente, já que, mesmo após
quase duas décadas da implantação da Lei n.º 10.639, o trabalho com a valorização
da estética e cultura africana é secundarizada no espaço escolar.
As respostas demonstram também que os alunos apreciaram o contato com a
cultura africana por meio dos livros trabalhados e até elementos de sua
subjetividade étnica e ancestralidade:
SAKURA: Acho que ajuda. Ah, eu me senti bem porque como eu já gosto
de ler livros para compreensão do assunto eu gostei bastante e por ser o
assunto afro a cultura em si despertou mais curiosidade eu achei bem
mais interessante. [...] Sim, porque conforme você vai lendo e explica uma
palavra ou outra você lê assim pra gente eu gosto bastante. Desde pequena
sempre gostei muito que a professora lia, então eu acho melhor ajuda
bastante a compreender a história. [...] Ontem eu fui à biblioteca e fui
direto nos romances. Eu gosto de romance…eu gosto muito até porque eu
costumo olhar pra protagonista e ver um pouquinho de mim quase
sempre das vezes nas situações e eu gosto muito e ainda mais eu que sou
jovem e tenho essas paixonites. Eu gosto bastante e muitas dessas leituras
que eu faço de romance ajudam não só a eu me descobrir mais com o
tempo, me ajuda a tomar atitudes.
CATRA: Ajuda, ajuda [...] Sim senti. Ah eu gostei porque tinha muita
representatividade e isso é uma coisa muito, muito, muito boa. [...]
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).

Chama a atenção a resposta do aluno Mitsuya, que notou a diferença da


qualidade e ampliação da compreensão leitora, fazendo comparações entre as
mediações de leitura entre a modalidade remoto e presencial.
MITSUYA: Eu achei legal porque é uma coisa muito diferente do que nós
costumamos ler. [...] Não gerou um sentimento, mas gerou um jeito de
ver as princesas os príncipes de forma diferente. [...] Foi melhor até
quando eu fui ler o livro “Alice no País das Mentiras”, né? que eu entendi
mais o conteúdo de todas as coisas. [...] Eu vi que tinha diferença na
compreensão e visão da história, do jeito que eu vi, a visão como é que
fala, de um monte de gente junta e só a minha. Só a minha é diferente
demais é muito diferente. [...]Mudou, eu acho que eu senti vontade de ler
alguns livros africanos que eu não via antigamente porque achava as
histórias meio chatas, porque era diferente das histórias que eu via, mas
mudou sim eu até senti um pouco de vontade de ler.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).
182

Sobre a ampliação pelo interesse com a leitura literária, a maioria dos alunos
relataram que já gostam de ler normalmente, mas que as atividades geraram um
pequeno interesse por outras obras do tipo. A análise mostrou o quanto é difícil
trabalhar com obras que levam a análise e reflexão da estética e cultura africana,
além, da clara necessidade de ressignificação desses espaços literários e imaginário
de personagens negros.
A fala da aluna Bibble sobre o assunto mostra o quanto das atividades
organizadas com leitura são importantes para a mobilização de capacidades
psíquicas importantes como a atenção e a sensação.
BIBBLE: Ah! Para algumas pessoas pode ser que sim tipo, eu já
compreendo, tipo apenas lendo, mas chegar e passar algumas atividades
sobre livro é legal porque testa se a gente realmente prestou atenção [...]
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).

Seguindo para o próximo bloco de perguntas da entrevista com os alunos


pesquisados, as perguntas 5, 6 e 7 tem a intenção de compreender qual obra
impactou mais os alunos e se os alunos se utilizam do aparato psíquico do
pensamento teórico durante as mediações e realização das atividades organizadas
de leitura propostas. Também, procurou-se perceber se os alunos foram levados à
análise dos signos linguísticos e se conseguiram construir significações relevantes
para a sua formação humana, ao apropriar-se dos conteúdos e formas das obras
apresentadas.
Pergunta 5 – Qual obra literária lida coletivamente durante as aulas de
leitura você mais gostou e por quê? Descreva o que você mais gostou e
chamou sua atenção na obra?
Pergunta 6- Durante a leitura você frequentemente fazia associações com
algo da sua realidade? Tente explicar se os personagens, cenários e
enredos fazem você lembrar algo que você conhece particularmente.
Pergunta 7- Em relação aos livros com a temática africana ou afro
descendentes, você acredita que por intermédio da leitura possibilitou a
você compreender mais e melhor a base cultural no Brasil e nossas
relações sociais?
Pergunta 8- As propostas com leitura apresentadas pela professora-
pesquisadora fazem sentido para você enquanto aluno do ensino
fundamental e são significativas para a sua vida. As propostas de leitura
apresentadas pela professora fizeram você refletir e ter uma nova
percepção em relação ao texto lido.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).

A obra apontada como a favorita foi “Azur e Asmar”, trabalhada em um


processo formativo com a categoria de análise do conteúdo e forma, assistindo ao
filme de animação e, posteriormente, feita a leitura do livro embasado no mesmo. As
183

respostas demonstram que os alunos apreciaram muito e revelaram que trabalhar


literatura nessa perspectiva do conteúdo e forma auxilia bastante na compreensão
do enredo.
Professora-pesquisadora: bom, notou alguma mudança na ampliação da
compreensão textual? Você acha que nessa atividade que nós fazemos
nessas aulas de leitura assim, lendo as imagens e lendo os textos e
discutindo, isso amplia a sua compreensão dos textos?
Lopes: ah eu acho que sim
Professora-pesquisadora: melhora?
Lopes: aham.
Professora-pesquisadora: Você conseguiu compreender a história com
mais profundidade?
Lopes: sim porque às vezes você lendo você pode não ter aquele mesmo
pensamento que você já está olhando tipo, não sei explicar melhor assim.
Então por exemplo, eu lendo um texto pode ser diferente de eu estar
vendo. Um filme ou uma série sobre o texto, por exemplo Harry Potter,
sabe? O Asmar e o Azur (risos) só que no caso do livro, por
exemplo,tinha ilustração, mas aí, por exemplo, no, por exemplo,no filme
já dá pra entender melhor também.
Professora-pesquisadora: É que um completa o outro né? São várias
formas para o mesmo conteúdo e isso auxilia na compreensão né?
Lopes: sim.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).

Ao todo, seis alunos escolheram a obra “Azur e Asmar”, dois optaram pela
obra “Valentina” e outros dois pela obra “Kalinda”, como a que mais gostaram.
Outros pontos que podem ser visto nas respostas é que os participantes
conseguiram relacionar o conteúdo do enredo com os aspectos da realidade
brasileira, como o racismo, além da conexão do conteúdo e forma da arte literária
com o seu particular, a exemplo da aluna Catra, que apreciou a leitura da obra
Kalinda por identificar-se com a protagonista “a Kalinda com a questão do cabelo
mesmo porque eu sou muito apegada ao meu cabelo”, o que a instigou a ler a obra,
buscando mais significados para sua vida pessoal.
Outro relato foi o da aluna de codinome Aleatório, que expressou a sua
identificação com a personagem do filme “A princesa e o sapo”:
Professora: [...] você conseguiu se ver, se espelhar em algum desses
personagens?
Aleatório: não
Professora-pesquisadora: não pode ser do filme e pode ser do livro
Aleatório: da princesa Tiana?
Professora-pesquisadora: é
Aleatório: ah aquele lá com certeza ((risos))
Professora-pesquisadora: Você se espelha nela né?
Aleatório: uhum
Professora-pesquisadora: Pode falar um pouquinho dela?
Aleatório: Ah tipo assim porque ela, meu pai não faleceu né? mas quando
falecer eu provavelmente nunca vou superar porque eu tenho mais
momentos com meu pai do que com a minha mãe porque minha mãe
184

sempre né? Estava pra lá, só que agora ela tá tentando ser uma mãe mais
presente aí.
Professora-pesquisadora: deve ser difícil pra ela também
Aleatório: sim é difícil pra ela também e então meus pais são divorciados
desde quando eu era bebê e o pai dela morreu, desde quando ela era bebê.
Então meio que um divórcio também só que um tá no Céu e o outro tá na
Terra. Então e ela queria ser Masterchef e eu também já tive o sonho de ser
Masterchef (chefs de cozinha) eu também já peguei bem firme nesse
sonho, só que eu não gosto de cozinhar minha madrasta fala assim, vem
cozinhar ((nome do aluno omitido)) vou te ensinar um negócio eu falo não tô
de boa. (...)
Professora-pesquisadora: sim e o fato dela ser uma princesa negra da
Disney o que você acha disso?
Aleatório: normal porque se eu falasse que é estranho ia ser preconceito e
eu não tenho preconceito com essa cor, tanto é que eu sou parda.
Professora-pesquisadora: E o pardo vem da etnia negra né?
Aleatório: uhum
Professora-pesquisadora: Exato e é muito bonito ver uma princesa negra,
né?
Aleatório: sim.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).

Além de relacionarem os signos linguísticos e representações do conteúdo


das obras em busca de algum componente da sua particularidade, alguns alunos
conseguiram perceber a relação da cultura africana com elementos da realidade
brasileira, principalmente o tema do preconceito racial e diferenciação, a partir das
características étnicas demonstradas na obra “Azur e Asmar”, em que ambos os
personagens sofrem preconceito: Azur, sendo branco e com olhos azuis, ao ir para
uma região da África (Magreb), descobre que naquele lugar a cor de seus olhos
significa trazer uma maldição e, por isso, se finge de cego; o personagem Asmar
passou sua infância na França com sua mãe, na época babá de Azur, e devido ao
preconceito racial e social, foi impedido de frequentar os mesmos espaços que Azur.
Assim, por meio da leitura e da análise, a partir da categoria dialética
conteúdo e forma, os alunos perceberam, de maneira artística, como o preconceito
pode aparecer em diversas culturas, relacionando-os com a realidade brasileira, em
que socialmente as pessoas com a cor de pele mais escura sofrem preconceito.
Esse processo mostra-se relevante, uma vez que leva à uma ressignificação por
meio de uma perspectiva artística e valorativa, trazendo maior conforto para que os
jovens assumam sua identidade étnica, principalmente para aqueles, como a aluna
Aleatório, que faz parte de uma etnia historicamente minorizada, passando a
enxergar o que é que ela representa: a cor de um povo escravizado, mas também, a
cor de mulheres fortes que superam grandes dificuldades, como a princesa Tiana.
Em relação ao processo de reflexão durante a leitura das obras, a maioria dos
185

alunos disseram ter refletido sobre as obras e que a mediação docente lhes auxiliou
neste processo, até mesmo fazendo conexões com coisas da sua vida particular,
demonstrando a capacidade de leitura e constante uso de funções psíquicas como:
sensação, memória, atenção, consciência.
SAKURA: Acho que dá Kalinda…eu gostei de todas no geral, mas a
Kalinda Ela demonstrou um pouco mais de cuidado em si no que
aconteceu de perder os cabelos ela ficou muito, mal assim, até que eu
gostei desse draminha todo ((risos)) [...] ah eu não consegui imaginar
porque tipo o jeito que ela demonstrou ao perder os cabelos eu não consigo
porque eu mesmo cortava os meus, então eu sou uma menina que tipo não
sou preocupada com a aparência pra mim eu sou linda pelo meu lado de
dentro então essa é minha vida, minha vida eu vou seguindo, porque eu já
fui muito machucada com palavras e aparência e acabou que eu perdi
toda a minha vontade de me arrumar, o que eu faço hoje é um delineado
e só .[...]
Professora-pesquisadora: Você faz associações de algo da sua
realidade?)
SAKURA: Se eu não me engano é no livro da Valentina que ela ficava
presa dentro de casa não era? [...] pelo fato dela ficar presa dentro de
casa os pais querem protegê-la. Nessa hora eu me choquei um pouco
porque me lembrou muito a realidade hoje em dia porque os pais, eles
tentam ser protetores tentam ajudar só que esse sufoco todo que eles dão
na gente só piora porque a gente fica com medo [...] a gente se fecha e
realmente machuca tudo isso a gente não fala, mas machuca tanto é que
esses problemas de às vezes sair correndo da sala e começo a chorar, eu
me sinto sufocada, não tem como e eu não consigo falar com meus pais e
eu fico mais de papo com meus amigos que podem até entender e me
ajudar.
Professora-pesquisadora: Sobre a cultura brasileira?
SAKURA: Me faz entender por exemplo sobre o passado, a formação do
Brasil e tudo mais a sociedade? bem pouco, mas o que foi mas foi mais
hoje em dia por exemplo do Azur e Asmar a situação deles era meio
racista pelas características individualidade de cada um então isso é
bastante de hoje em dia hoje em dia um pessoa olha pra outra e diz não
gosto da cor dela, não gosto daquele cabelo [...] esse racismo defeitos
que colocamos um no outro é bastante da realidade.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual)

Refletir sobre os personagens da obra, seus conflitos, os vários desfechos e,


ao mesmo tempo, buscar relacionar essas representações com elementos da cultura
brasileira e com a própria individualidade do leitor, é um movimento didático que
cabe no espaço escolar da leitura literária. Por isso, é necessário que a escola
desenvolva ou se aproprie de uma didática para melhorar a capacidade da ação
mental reflexiva dos seus alunos, sendo que o trabalho com leitura possibilita isso.
Para Davidov (1986) crianças e jovens vão à escola para aprender cultura e
internalizar os meios cognitivos de compreender o mundo e transformá-lo.
(...). Cabe-lhe investigar como se pode ajudar os alunos a se constituírem
como sujeitos pensantes, capazes de pensar e lidar com conceitos,
argumentar, resolver problemas, para se defrontar com dilemas e problemas
da vida prática. A razão pedagógica está também, associada,
inerentemente, ao valor, a um valor intrínseco, que é a formação humana,
visando a ajudar os outros a se constituírem como sujeitos, a se educarem,
186

a serem pessoas dignas, justas, cultas. (SOUZA; GIROTTO; SILVA, 2012,


p. 176).

Neste sentido, destaca-se o papel mediador do professor para junto com os


seus alunos durante o ensino da leitura literária, oportunizando um espaço para
pensar, refletir, analisar e resolver os problemas que se apresentam na esfera
pessoal e social (apresentado pelas obras) pela via da investigação e,
coletivamente, buscar uma solução. As atividades com leitura literária propiciam, não
somente a apropriação humana da capacidade de ler, mas também “os leitores, a
partir da consciência em si, podem passar a construir a consciência para si”
(SOUZA; GIROTTO; SILVA, 2012, p. 172).
No processamento da leitura com literatura, os alunos conseguem adquirir
autoconsciência e avançar enquanto agentes da leitura, transformando-se em um
leitor crítico e reflexivo, assim, poderão ler e aprender sobre os diversos e
contraditórios aspectos de sua própria cultura, internalizar os meios cognitivos para
compreender a realidade, mesmo que de maneira alegórica expresso na literatura, e
transformar seu mundo enquanto se transforma.
Nessa perspectiva, o aluno apropria-se das objetivações genéricas e ainda
mantém uma relação consciente com elas, por isso, no último bloco de perguntas da
entrevista (9, 10 e 11), investigou-se o uso do psiquismo para as ações de leitura e
escrita, as dificuldades que os alunos encontraram para apropriar-se da leitura
literária, se a literatura afro-brasileira permitiu experiências de momentos
significativos e se este processo resultou em leitores mais autônomos, ou ainda se
estes leitores são capazes de compreender criticamente as diversas temáticas
relacionadas à realidade cultural brasileira.
Pergunta 9- Em sua opinião, qual o maior desafio que você pode encontrar
para continuar se apropriando da leitura literária para compreendê-la da
forma mais completa possível? (tempo, mediação da leitura, auxílio na
compreensão dos textos, lugar para leitura, acesso a livros, motivação)
LOPES: Ah alguns precisam de privacidade para ter um foco né? pra não
ser muito atrapalhado por causa de muito barulho [...] a de que eu lembro
o desconforto foi sobre o racismo, dos dois lá (Azur e Asmar). Acho que
não ficou faltando nada.
Professora-pesquisadora: As aulas de leitura elas te instigaram a ler
mais?
LOPES: sim.
Professora-pesquisadora: Procurou por outras obras para ler mais?
LOPES: procurei.
LEMON: eu acho que atenção porque você precisa prestar atenção você
precisa estar bem relaxado e coisa do tipo pra você conseguir prestar
atenção porque às vezes você [...] tá tentando prestar atenção no livro, mas
você tá pensando em alguma outra coisa então você acaba lendo quinze
vezes a mesma página ((risos)).
187

Professora-pesquisadora: Você descobriu algo sobre relações humanas


durante a leitura?
LEMON: Eu só meio que entendi que não importa aonde você for ou em
qualquer lugar sempre vai ter as pessoas sempre vão ter preconceito
com alguma coisa mesmo que não seja só a cor da pele ou algo do tipo por
exemplo lá no Azur e Asmar eles tinham o preconceito com os olhos azuis
que eles diziam que traziam má sorte e essas coisas. (...) acho que eu só
fiquei indignada porque as pessoas meio que julgam as outras por
características físicas.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).

Ao observar as respostas dos alunos, percebe-se que a maioria relata ter


vivenciado uma nova experiência com as propostas com literatura afro-brasileira,
contudo, essa descoberta veio acompanhada com o sentimento de desconforto pela
temática do preconceito (somente tratada na última obra, “Azur e Asmar”),
despertando sentimento de indignação. Isso mostra que, apesar da temática da
literatura afro-brasileira trazer enredos diversificado, (as obras do processo formativo
traziam enredos que valorizavam a beleza feminina negra e outras temáticas, como
casamento, vaidade, egoísmo e competição), a percepção de racismo, pautado em
aspectos dos traços étnico-raciais, são notados com maior atenção, talvez devido ao
contexto de racismo estrutural em que os leitores estão inseridos.
Pergunta 10- Você acredita que ler as obras com a temática afro-brasileira,
durante as aulas de leitura, permitiu você ter experiências de momentos
significativos? Relate suas descobertas, sentimentos ou desconforto diante
destas leituras.
BIA: Eu acho que ela precisa de mais incentivo.
Professora-pesquisadora: Relata suas descobertas.
BIA:O que eu não sabia? O tipo do olho dele eu não sabia que eles podiam
ter esse preconceito com olho azul que era, uma coisa ruim que atraia
uma coisa assim tipo isso eu não sabia.
Professora-pesquisadora: suas experiências com as aulas de leitura elas
te instigaram a ler mais?)
BIA: Sim
Professora-pesquisadora: consegue ler sozinha de forma silenciosa
individual compreendendo bem?
BIA: Assim eu não gosto de ler tipo sozinha, mas eu leio bastante
sozinha porque normalmente não tem ninguém pra ler comigo aí.
Professora-pesquisadora: E você compreende bem?
BIA: Não muito, eu prefiro ler com alguém ali junto comigo.
Professora-pesquisadora: você notou que essa experiência com leitura
desse jeito faz você aprender mais?) com você?
BIA: Sim, bastante.
Professora-pesquisadora: E daí isso te instiga a ler mais?
BIA: muito.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual)

Sobre os desafios que o leitor encontra para continuar se apropriando dos


conteúdos e formas que a arte literária apresenta, os alunos indicaram a
necessidade de motivação, tempo, privacidade ou lugar adequado para leitura.
188

Neste sentido, eles apontaram que a prática da leitura literária em ambiente escolar,
organizada e mediada pelo professor de maneira coletiva, é mais interessante, pois
todos leem ao mesmo tempo, conseguindo tirar dúvidas sobre o sentido de palavras
e construindo significações a partir da colaboração de diversos pontos de vista, o
que enriquece a interpretação. Sendo assim, a maioria dos alunos entende que a
leitura em grupo melhora a compreensão e possibilita debate e novas experiências.
Pergunta 11- Você notou que por causa das suas experiências com as
aulas de leitura, elas te instigaram a ler mais, a procurar outras obras que
possam ampliar sua compreensão de diversas temáticas e conseguir ler
(leitura silenciosa e individual) compreendendo bem e com autonomia?
Professora-pesquisadora: Sobre a leitura você acha que precisa
aprender junto com outras pessoas ou aprender mais sozinho?)
NARUTO: Eu acho que com os dois, porque sozinho eu conseguia
entender da minha maneira de ver, do meu ponto de vista né? e quando lia
compartilhando assim sabe? A gente entendia melhor porque tinha
pontos que deixava passar e às vezes falava e retomava sobre, então eu
acho que os dois ajudaram.
Professora-pesquisadora: Consegue ler uma leitura silenciosa
compreendendo bem e com autonomia?
MITSUYA: Sim ajudou, eu acho que eu preciso de mais ainda pelo que
eu acredito.
Professora-pesquisadora: foi uma experiência positiva?
MITSUYA: uhum.
Professora-pesquisadora: Você gostou dessa experiência com leitura?
BIBBLE: ah eu gostei do tipo ler é maravilhosamente. Sim, significa muito
pra mim ler porque livros assim podem expressar até a opinião do autor
sobre alguma coisa se a gente souber interpretar, então eu acho muito
interessante porque a gente pode saber um pouquinho mais sobre o
mundo e até um pouquinho sobre a opinião de pessoas que a gente nem
conhece, então (...) sim tipo jamais ia pensar uma coisa que
provavelmente nunca surgiria na sua mente.
Professora-pesquisadora: Você sente que aprendeu algo?
SAKURA: Eu aprendi palavras novas, né? Um pouco mais da cultura
indígena e da cultura afro e sem contar que a gente lendo assim aprende
a montar texto redações e é muito bom agora por exemplo uma vez por
semana eu tô fazendo redações é que eu não mando aqui, mas eu gosto de
escrever poemas, textos. Eu não tô bem e aí eu começo a digitar.
Professora-pesquisadora: se não fossem essas experiências você leria
de todo jeito?)
SAKURA: despertar a curiosidade da cultura afro não teria essa
experiência.
Professora-pesquisadora: não seria inserida no seu repertório de culturas
né?
SAKURA: Exatamente.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual)

Em relação se as atividades teriam instigado a ler mais e melhor, a maioria


dos alunos relataram já gostarem de ler, ou serem leitores frequentes, assim, a
prática de atividades literárias aumentou, de modo geral, a busca por outros livros.
Contudo, estes mesmos alunos que disseram ter uma relativa frequência na leitura
reconheceram que, sem o contato com esse processo formativo, não teriam
189

ampliado o seu contato cultural com a literatura afro-brasileira e não teriam


despertado a curiosidade sobre essas obras.
Sobre o desenvolvimento do processo de autonomia, nota-se na fala do aluno
Lopes, afirmando que as ações de leitura geraram necessidade pela busca de
outros livros. O aluno relatou que emprestou da biblioteca escolar a obra “A rainha
vermelha”, e, mesmo instigado a ler para conhecer todo o enredo, o aluno desistiu,
devolveu o livro na biblioteca e não terminou a leitura, como demonstra o diálogo a
seguir:
Professora-pesquisadora: conseguiu fazer uma leitura silenciosa
individual compreendendo bem o que estava no livro?
Lopes: aham
Professora-pesquisadora: Mas você disse que pegou um livro lá na
biblioteca e não conseguiu terminar? Por que será?
Lopes: não sei não
Professora-pesquisadora: Se a obra era boa, se você tinha tempo, se
você tinha motivação, você tinha tempo também para renovar, por que que
você não acabou essa leitura que estava tão boa?
Lopes: Eu não sei
Professora-pesquisadora: É interessante né?
Lopes: Interessante
Professora-pesquisadora: Isso pode servir de base para você
compreender porque faz isso e isso pode te travar ou não nas próximas
leituras okay? mas muito obrigada LOPES.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).

Este mesmo aluno relatou que o desafio para se apropriar da leitura seria
“privacidade” para ter foco. Então, foi pensado quais seriam as condições objetivas
em sua casa para que ele pudesse ter este silêncio ou lugar para ler. Lembrei-me
então que este aluno havia me relatado que sua mãe cuidava de outras crianças em
casa e ele a ajudava neste trabalho. Como professora-pesquisadora, pensei que
talvez ele não conseguisse ter um tempo e lugar apropriado para ler e, por isso, não
conseguiu finalizar o livro que tanto gostou.
Outros alunos relataram que conseguia ler em casa, indo para o seu quarto
ou lendo de madrugada, um horário mais silencioso. Percebi que poucos alunos
tinham um contexto favorável (lugar e tempo) para a leitura no lar, demonstrando o
quanto a organização de um espaço escolar para a leitura literária, (tanto leitura em
grupo ou silenciosa) é importante para a formação de leitores, apropriação da leitura
literária e consolidação da autonomia leitora.
Contudo, o ensino da leitura vai além da organização do tempo e espaço na
escola ou da decodificação dos signos (simples verbalização oral dos textos), sem
atribuição de sentidos e descoberta de significados. A apropriação da leitura como
190

prática cultural é algo complexo, por isso, o seu ensino precisa de uma didática
apropriada: “Ler, buscando significados; ler, conhecendo e sendo transformados por
eles no conteúdo e na forma, valorando a atividade do sujeito aprendiz de leitor”
(SOUZA; GIROTTO; SILVA, 2012, p. 170).
A leitura é sempre uma atividade ativa e, a partir desse processo, muda-se a
forma de ver o mundo e a nós mesmos. Os próprios alunos reconheceram que o
método didático de fazer leituras coletivas, aliado a um conjunto de ações de estudo,
auxilia na apropriação de conteúdos e formas presentes na obra e melhorar a
compreensão leitora. O aluno Mitsuya havia feito a leitura silenciosa e individual de
uma obra durante as aulas híbridas, mas ao participar das ações com literatura pôde
notar a diferença com as leituras coletivas e mediadas pela professora-
pesquisadora.
Mitsuya: Foi melhor até quando eu fui ler o livro “Alice no País das
Mentiras'' né? que eu entendi melhor o conteúdo de todas as coisas.
Professora-pesquisadora: E esse livro nós começamos no online, não é?
Mitsuya: aham nós começamos no online.
Professora-pesquisadora: mas você leu sozinho?
Mitsuya: Sim eu tinha lido tudo sozinho, aí eu fui vendo e eu comecei a ler
de novo.
Professora-pesquisadora: Você leu sozinho uma vez, depois você leu
junto com a gente aqui na sala? e sentiu a diferença?
Mitsuya: Sim.
Professora-pesquisadora: Qual foi a diferença que você sentiu?
Mitsuya: O que eu senti? eu vi que tive diferença na compreensão e visão
da história, do jeito que eu vi visão como é que fala? De um monte de gente
junta e só a minha só a minha é diferente demais, é muito diferente.
Professora-pesquisadora: Hum legal, então quando você ouve as várias
leituras, isso aumentou a sua compreensão, bom você pode explicar melhor
né? mas isso aumentou a sua compreensão?
Mitsuya: Sim.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).

Portanto, percebe-se, por meio do relato do aluno, o quanto uma didática da


leitura voltada para os processos de apropriação e objetivação para alunos do
ensino fundamental é notadamente relevante. Conhecer os diferentes modos de ler,
as diversas formas e conteúdos presentes nas obras, não só ler, mas compreender
as condições de produção das obras, seus elementos composicionais, contexto de
produção, tudo isso são ações de estudo que levam o aluno a internalizar os meios
cognitivos e compreender a obra em sua totalidade, mediado pelo seu professor.
Sendo assim, a partir da apropriação dos conteúdos e formas do enredo
literário, o aluno será capaz de realizar outras leituras com autonomia, pois
aprendeu a ler uma obra literária (essa capacidade não é inata), e ainda poderá
191

objetivar-se novamente, em forma de produção textos ou imagens, por causa do


domínio dos signos linguísticos e compreensão dos sentidos da linguagem, só que
não uma produção textual ou atividade de maneira isolada, mas um produto do seu
psiquismo humano, da sua compreensão de mundo e suas relações, de sua
subjetividade e generalidade humana.

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo central compreender a contribuição de


atividades de leitura acerca de personagens negras na Literatura com alunos do
Ensino Fundamental para ampliação da capacidade leitora e desenvolvimento do
psiquismo humano. Por meio das ações de leitura e escrita, percebemos que os
alunos puderam apropriar-se dos significados das obras literárias e desenvolver-se
intelectualmente.
O processo educativo com as atividades literárias visa contribuir para o
desenvolvimento intelectual, crítico e humanizador dos sujeitos leitores. Contudo,
admite-se que o assunto não está esgotado e ainda tem muito a avançar. Em
relação aos objetivos específicos, discutidos em cada capítulo, buscou-se responder
o problema de pesquisa sobre como as atividades organizadas de literatura com
temática africana ou afro-brasileira contribuem para a ampliação da capacidade
leitora e o desenvolvimento das funções psíquicas superiores em alunos do Ensino
Fundamental. Em busca desta resposta, a presente pesquisa: a) Descreveu a
metodologia do processo formativo com as atividades organizadas; b) Relacionou o
conceito da categoria dialética de trabalho, educação e Literatura afro-brasileira,
argumentando sobre a importância da práxis docente com a leitura literária de obras
Afro-brasileiras no campo educacional, com base nas contribuições da Teoria
Histórico-Cultural e Pedagogia Histórico-Crítica; c) Demonstrou o processo de
elaboração das atividades organizadas em um caminho para a formação de leitura
literária dos alunos de ensino fundamental, com dados de avaliação diagnóstica,
planejamento de ações de leitura em uma Roda de Apreciação literária e a prática
de leitura literária e produção de textos, e por fim; d) analisou a validação da
192

hipótese inicial, a partir relato de percepção dos alunos sobre sua experiência
literária e acerca do uso do psiquismo dos estudantes, por meio de suas ações de
leitura e escrita envolvendo a Literatura afro-brasileira. E ainda, por meio de
entrevistas individuais, compreendeu-se como ocorreu a apropriação da análise dos
conteúdos e formas relativos à Literatura Afro-brasileira, que contribuíram com o
processo de aprendizagem e humanização dos sujeitos envolvidos.
A produção de dados para essa pesquisa quase-experimental contou com um
contexto de ensino híbrido e de quatro atividades organizadas (referentes às quatro
obras) desenvolvidas com alunos no início no retorno às aulas presenciais.
Ressalta-se que a coleta de dados, sobretudo a audição da voz dos participantes,
apresenta algumas lacunas devido ao uso das máscaras e a necessidade de
distanciamento. Apesar dos percalços, a coleta de dados e a análise das falas e
tarefas foi realizada à luz da abordagem crítico-dialético.
Assim, em decorrência da escolha metodológica e da práxis docente, abrem-
se perspectivas para desenvolvimento do psiquismo humano e ampliação da
capacidade leitora com a leitura literária em alunos dos Anos Finais do Ensino
Fundamental. Os resultados apontam que o processo de humanização do indivíduo
acontece por meio das relações que se estabelecem com os instrumentos da cultura
historicamente construída, a partir da apropriação da função social da leitura literária
e produção textual. A comunicação e organização didática nesse processo
desempenham papel essencial no desenvolvimento da consciência e da
personalidade dos indivíduos envolvidos no processo formativo.
O ensino de literatura na escola tem como objetivo formar leitores capazes de
manipular os instrumentos culturais e, com eles, construir um sentido para si e para
o mundo em que vive. A leitura permite reconhecer os traços de humanidade por
meio da literatura, tornando-os leitores autônomos, pelo caminho da crítica e
reflexão. Os resultados apresentados pelo uso da literatura afro-brasileira nas
atividades organizadas com obras literárias apontam uma resistência na aceitação
da estética africana, fato que evidencia um antigo problema de identidade nacional.
Ressalta-se ainda a importância da representação de personagens negros na
Literatura infanto-juvenil, pois ela se torna um instrumento de potencial formativo na
representação democrática da sociedade brasileira, construção de reflexões,
entendimentos, desconstrução de preconceitos, aceitação da identidade étnico-racial
e na identificação de si.
193

Os resultados apontam que a reorganização das ações de leitura desde o


início do ano (ainda no ensino remoto) constitui-se em caminhos pertinentes ao
processo de apropriação da leitura literária e formação leitora, as possibilidades
foram explicitadas ao longo da atuação docente, em direção a superação de uma
prática superficial de leitura para um movimento dialético da ação leitora com vistas
a construir sentidos e significados das palavras, ampliar a capacidade de leitura e
visão de mundo, e ainda propiciar ao aluno um novo posicionamento crítico frente a
leitura com obras da literatura afro-brasileira.
Fundamentar-se na perspectiva histórico-crítica significa pensar na formação
humana por meio do trabalho educativo intencional que apesar dos inúmeros
desafios tenta produzir novas experiências literárias e elevação das capacidades
psíquicas. O trabalho docente apresentado nesta pesquisa buscou trazer aos alunos
uma educação literária que fosse provocativa e que promovesse necessidade por
outras leituras, em uma perspectiva decolonial, para a criação de novas formas de
expressão e representação de personagens no campo literário, a partir da
apropriação dos signos linguísticos e expressassem as singularidades humanas.
A principal inquietação da pesquisa centrou-se em atender o objetivo geral
que foi o de compreender a importância da literatura no desenvolvimento psíquico
humano e literário dos alunos, e durante este processo refletiu-se muito a respeito
de uma prática pedagógica amparada pela perspectiva sócio-histórica e que,
portanto articulada às questões de relevância social como a luta pela valorização da
população negra, ainda hoje marginalizada, inclusive na produção de bens culturais,
artísticos e científicos de grande prestígio. Vislumbramos como possibilidade uma
educação com olhar atento a questões étnico-raciais em busca de promover
melhorias nas capacidades humanas de leitura e escrita, sobretudo aos indivíduos
negros, que como mostram os dados atuais do IBGE são os que mais afetados com
a desigualdade social e racial de nosso país.
Analisando o momento histórico em que vivemos testemunharmos uma
tragédia humanitária devido a Pandemia da Covid-19, somado a isso enfrentamos,
um retrocessos nos últimos anos, com cortes de investimentos no setor da educação
e pesquisa, descontinuidade de políticas afirmativas, escassez nos programas de
formação docente e descompromisso do sistema educacional na promoção da
igualdade racial, tudo isso nos leva a refletir sobre a importância do acesso à
Educação de qualidade para todos, articulados a um programa de política pública de
194

leitura com abrangência nacional, capaz de viabilizar o acesso a obras literárias


considerando a diversidade racial, constantemente interligado a programas
formativos voltados a docentes e agentes educadores.
Avaliando a autopercepção dos alunos ao final da pesquisa, em contraste a
situação inicial da maioria de alunos, relataram um primeiro contato com obras da
literatura afro-brasileira e percepção na melhoria de sua capacidade leitora, por meio
de atividades organizadas, ensino de estratégias de compreensão, leitura do texto
literário observando os determinantes, observando a dinâmica do contraste entre
conteúdo e forma nas obras, contribuindo assim ao final para a melhoria da
capacidade leitora e uso do psiquismo durante as atividades de leitura e escrita.
Sobretudo, ponderamos ainda sobre a necessidade emergente e constante de
apresentar na literatura histórias com personagens negros inseridos na narrativa,
não somente marginalizado como reforça historicamente o discurso colonialista, mas
em situação de igualdade de condições e protagonismo, pois a leitura literária como
artefato social apresenta ao leitor princípios de representação da esfera social e
histórica compondo um sistema dialógico, possibilita assim vivências que mesmo
inicialmente no campo da ficcionalidade leve o leitor a reflexão e inúmeras
possibilidades de criação.
Voltando a refletir sobre a necessidade deste conhecimento, lá na prática
social inicial da professora-pesquisadora quando se deparou com uma situação em
sala de aula que diante de um ataque racista, de outro aluno, a uma aluna negra que
pretendia representar uma personagem protagonista do clássico literário da
Chapeuzinho Vermelho causou incômodo e a professora-pesquisadora a partir desta
experiência buscou por uma práxis docente que auxiliasse a sanar esta dificuldade
por meio do processo formativo. Hoje, percebe-se nitidamente a importância dessa
formação para o enriquecimento da prática docente e melhoria na qualidade das
relações étnico-raciais mediados pela leitura literária.
Percebe-se que a linguagem literária possui elementos essenciais para a
desconstrução de relações desiguais produzidas pela sociedade, mesmo pela
ficcionalidade é possível construir sentidos, possibilitar aprendizagens e vivências. A
depender da forma com que personagens negras são representadas (linguagem
verbal ou não-verbal) podem-se reforçar estereótipos ou podemos modificar
conceitos. Diante dessa questão, o elemento principal é o do personagem do enredo
que capta a atenção do leitor, principalmente, quando representado de maneira
195

positiva como em lugar de prestígio social como princesa, príncipes ou em contexto


de valorização econômica, são pequenos passos ao avanço da valorização da
diversidade racial em sala de aula, mas que fortalecem a promoção de experiências
antirracistas e ao desenvolvimento de pesquisas e estudos que tematizam na
educação o equilíbrio das relações étnico-raciais na literatura e reverbere em
desenvolvimento humano.
Concluímos, que o trabalho desenvolvido permitiu vislumbrarmos aspectos da
formação humana e literária dos alunos, inserindo-os na prática social final de
escrita e leitura na compreensão dos significados sociais e produção de sentidos
pessoais, para isso reforça-se a valorização da escola, professores, alunos, gestores
e agentes da educação no contato a obras literárias que os façam refletir sobre
aspectos de nossa realidade social, com estimas a potencializar a capacidade
humana para a criação de uma sociedade mais justa e igualitária, apesar dos
desafios.
Pensando no caminho de lutas e dores, evoco a voz da escritora negra,
Conceição Evaristo, de Literatura Afro-brasileira, a qual em seu poema “vozes-
mulheres” expressa nesse verso a permanência da exclusão do povo negro desde a
escravidão “A voz de minha bisavó/ ecoou criança/nos porões do navio./Ecoou
lamentos/ de uma infância perdida.” Evaristo (2017) evidencia a ancestralidade com
a representação simbólica de personagens e a sua cor. Ao final do poema, com o
transcorrer do tempo mostra-nos a expectativa de uma vida verdadeiramente livre
para o povo negro por meio das novas gerações “O ontem – o hoje – o agora./ Na
voz de minha filha/ se fará ouvir a ressonância/ O eco da vida-liberdade.”.
Encerro essa dissertação com um pequeno alento vindo de um trecho da
lembrança da poesia Mundo grande de Carlos Drummond de Andrade (2012) [...]
“Viste as diferentes cores dos homens,/as diferentes dores dos homens, / sabes
como é difícil sofrer tudo isso, amontoar tudo isso /num só peito de homem... sem
que ele estale.”. Como trabalhadores do campo da educação sabemos como são
diversas as cores e dores presentes em sala de aula, mas ao mesmo tempo
sabemos que o peso maior de desrespeito recai no peito negro, em descendentes
do povo escravizado e como é difícil sofrer tudo isso. A consciência dessa pesquisa
sobre a luta da população negra trouxe a professora-pesquisadora aqui, pois mesmo
com os inúmeros desafios sabemos que lidar com estas questões requer calma, e
como a água “tão calma! Vai inundando tudo...”, a procura por soluções levam o
196

nosso coração a crescer e procurar, nas palavras do poeta “o grande mundo está
crescendo todos os dias”, contudo nos adverte que este mundo cresce “entre o fogo
e o amor” nos mostrando que as questões difíceis da vida processam-se
dinamicamente entre altos e baixos, alegrias e tristezas. Sendo assim, apesar das
dificuldades que a vida social nos impõe historicamente podemos vislumbrar a
criação de novos métodos de ensino e mudanças nas relações sociais, pois o ser
humano, ao desenvolver o seu psiquismo, apodera-se de um potencial de criação.
Assim podemos encerrar este estudo com essa perspectiva “Ó vida futura! Nós te
criaremos”.

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(doutorado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Filosofia e Ciências,
2006.

SISTO, Celso. Kalinda - A princesa que perdeu os cabelos e outras histórias


africanas, 2018 (PNLD 2020).

SISTO, Celso. O casamento da princesa. São Paulo: Prumo, 2009.

SMITH, Frank. Compreendendo a leitura: uma análise psicolingüística da leitura e


do aprender a ler. Tradução Daise Batista. 4 ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2003.

SOUZA, Jessé. A Construção Social da Subcidadania: para uma Sociologia


Política da Modernidade Periférica. Belo Horizonte: Editora UFMG; Rio de Janeiro:
IUPERJ, 2003. (Coleção Origem) 207p.

SOUZA, Jessé. A ralé brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 2009.

SOUZA, Renata Junqueira de; GIROTTO, Cyntia Graziella Guizelim Simões, SILVA,
Joice Ribeiro Machado da. Educação Literária e formação de leitores: da leitura 'em
si' para leitura 'para si'. Ensino Em Re-Vista, v. 19, n. 1, jan./jun. 2012.

STERNICK, Ivan Prates. SOUZA, J. A Ralé Brasileira: quem é e como vive. Belo
Horizonte: Editora UFMG, 2009. Revista Multiface Online, [S. l.], v. 4, p. 44-46,
2016. Disponível em:
https://revistas.face.ufmg.br/index.php/multiface/article/view/3699. Acesso em: 28
dez. 2022.

VASSALLO, Márcio. Valentina. São Paulo: Global, 2007.

VIDIGAL, Letícia. A formação do sujeito leitor no 5º ano do ensino fundamental:


possibilidades de práticas pedagógicas à luz da perspectiva sócio-histórica. 2019.
188f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Estadual de Londrina.
205

Orientadora. Sandra Aparecida Pires Franco. Londrina, 2019.

VIGOTSKI, Levy Semenovich A pré-história do desenvolvimento da linguagem


escrita. In: Obras escogidas. 2 ed. Madrid: Visor, 2000, v. III, p. 183-212.

VIGOTSKI, Levy Semenovich Obras escogidas (Tomo II). Madrid, Visor. 1993.

VIGOTSKI, Levy Semenovich Pensamento e Linguagem – 2. ed. São Paulo:


Martins Fontes, 1998.

VIGOTSKI, Levy Semenovich The problem the environment. In: VAN DER VEER, R.;
VALSINER, J. (Org.). The Vygotsky reader. Oxford, UK: Brasil Blackwell, 1994. p.
338-354.

VIGOTSKI, Levy Semenovich. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na


idade escolar. In:VIGOTSKI, L. S; LURIA, A. R; LEONTIEV, A.N. Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem. Tradução de Maria da Penha Villalobos. 11. ed.
São Paulo: Ícone, 2010. p. 103-117.

VIGOTSKI, Levy Semenovich. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins


Fontes, 2005.

VIGOTSKI, Levy Semenovich. A pré-história da linguagem escrita. In: VYGOTSKY,


Levy Semenovich. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
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VOLOCHÍNOV, Valentin Nikolaevich. A construção da enunciação e outros


ensaios. Trad. GERALDI, J. W. São Carlos: Pedro e João Editores, 2013.

ZILBERMAN, Regina. A Literatura Infantil na Escola. Porto Alegre. 5ª ed. Global,


1985.
206

APÊNDICES
207

APÊNDICE A: TERMO DE CONFIDENCIALIDADE E SIGILO

Eu Suelen Cristina dos Santos Klem, brasileira, casada, aluna do 1º ano do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina, inscrito(a) no
CPF/ MF sob o nº 053.673.519-05, abaixo firmado, assumo o compromisso de manter
confidencialidade e sigilo sobre todas as informações técnicas e outras relacionadas ao
projeto de pesquisa intitulado “Atividades de estudo com Literatura afro-brasileira:
experimento didático para a formação humana e literária de alunos do ensino fundamental
(Anos Finais)”, a que tiver acesso nas dependências da Escola Estadual Professor José
Carlos Pinotti, Ensino Fundamental e Médio, gerido pela Secretaria de Educação do Estado
do Paraná – SEED.
Por este termo de confidencialidade e sigilo comprometo-me:

1. A não utilizar as informações confidenciais a que tiver acesso, para gerar benefício
próprio exclusivo e/ou unilateral, presente ou futuro, ou para o uso de terceiros;

2. A não efetuar nenhuma gravação ou cópia da documentação confidencial a que tiver


acesso;

3. A não apropriar-me de material confidencial e/ou sigiloso da tecnologia que venha a ser
disponível;

4. A não repassar o conhecimento das informações confidenciais, responsabilizando-me por


todas as pessoas que vierem a ter acesso às informações, por meu intermédio, e obrigando-
me, assim, a ressarcir a ocorrência de qualquer dano e / ou prejuízo oriundo de uma
eventual quebra de sigilo das informações fornecidas.

Neste Termo, as seguintes expressões serão assim definidas:

Informação Confidencial significará toda informação revelada através da apresentação da


tecnologia, a respeito de, ou, associada com a Avaliação, sob a forma escrita, verbal ou por
quaisquer outros meios.

Informação Confidencial inclui, mas não se limita, à informação relativa às operações,


processos, planos ou intenções, informações sobre produção, instalações, equipamentos,
segredos de negócio, segredo de fábrica, dados, habilidades especializadas, projetos,
métodos e metodologia, fluxogramas, especializações, componentes, fórmulas, produtos,
amostras, diagramas, desenhos de esquema industrial, patentes, oportunidades de mercado
e questões relativas a negócios revelados da tecnologia supra mencionada.

Avaliação significará todas e quaisquer discussões, conversações ou negociações entre, ou


com as partes, de alguma forma relacionada ou associada com a apresentação das
tecnologias, acima mencionada.
Pelo não cumprimento do presente Termo de Confidencialidade e Sigilo, fica o abaixo
assinado ciente de todas as sanções judiciais que poderão advir.

Londrina, 14 de Julho de 2021.

Ass.__ __
Nome do Pesquisador(a) Responsável
Suelen Cristina dos Santos Klem –
RG: 9.404.856-7-PR
208
209

APÊNDICE B: TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (RESPONSÁVEL)

“Atividades de estudo com Literatura Afro-brasileira: experimento didático


para a formação humana e literária de alunos do ensino fundamental (anos
finais)”
Prezado(a) Senhor(a):
Gostaríamos de convidar a criança ou adolescente sob sua responsabilidade
para participar da pesquisa intitulada “Atividades de estudo com Literatura Afro-
brasileira: experimento didático para a formação humana e literária de alunos
do ensino fundamental (anos finais)”, a ser realizada na “Escola Estadual
Professor José Carlos Pinotti, Ensino Fundamental e Médio”, constituindo-se na
dissertação de Mestrado em Educação da pesquisadora Suelen Cristina dos Santos
Klem, aluna regular do 1º ano do Programa de Pós-Graduação em Educação da
Universidade Estadual de Londrina, sob orientação da Professora Doutora Sandra
Aparecida Pires Franco. O objetivo da pesquisa é compreender o desenvolvimento
humano com a criação do pensamento teórico acerca da Literatura Afro-brasileira
em alunos do Ensino Fundamental dos Anos Finais. A participação da criança ou
adolescente é muito importante e ela se daria da seguinte forma: a partir de práticas
de leitura o aluno será convidado a participar das atividades de estudo com
Literatura Afro-brasileira e responder a um questionário sobre e a compreensão
leitora e os hábitos de leitura decorrente das participações nas aulas de Língua
Portuguesa, especialmente, nas aulas de leitura literária da pesquisadora em horário
de aula, aceitar filmagem, gravação de áudio e fotos durante a participação nas
aulas e realização das atividades de estudo, a serem utilizados para análise da
pesquisadora e disponibilizar atividades realizadas durante a pesquisa.
Por decorrência do isolamento social imposto pela pandemia da SARS-COV-2
(COVID-19), a pesquisa com os alunos selecionados durante as aulas acontecerão
em plena conformidade com as orientações e normativas da Secretaria de Estado
da Educação e do Esporte – SEED, a qual verifica e informa constantemente sobre
o retorno presencial das aulas em todas as instituições públicas do Estado; e ainda
com o retorno das aulas presenciais serão cumpridos todos os protocolos propostos
pelas comissões de biossegurança das instituições de ensino e dos Núcleos
210

Regionais de Educação - NRES, que estão de acordo com as Resoluções SESA n.º
632/2020, n.º 98/2021 e n.º 134/2021
Esclarecemos que a participação da criança ou do adolescente é totalmente
voluntária, podendo o(a) senhor(a) solicitar a recusa ou desistência de participação
da criança ou do adolescente a qualquer momento, sem que isto acarrete qualquer
ônus ou prejuízo à criança ou adolescente. Esclarecemos, também, que as
informações da criança ou do adolescente sob sua responsabilidade serão utilizadas
somente para os fins desta pesquisa e serão tratadas com o mais absoluto sigilo e
confidencialidade, de modo a preservar a identidade da criança ou do adolescente.
Os registros gravados em áudio, filmagens e fotos serão utilizados apenas para
análise do objeto de estudo sob sigilo e confidencialidade.
Esclarecemos ainda, que o(a) senhor(a) e a criança ou adolescente sob sua
responsabilidade não pagarão nada e nem serão remunerados (as) pela
participação. Garantimos, no entanto, que todas as despesas decorrentes da
pesquisa serão ressarcidas, quando devidas e decorrentes especificamente da
participação.
Os benefícios esperados são a melhoria do ato de ler a partir das
contribuições de uma proposta didática fundamentada na perspectiva sócio-histórica
para a formação do sujeito leitor nos Anos Finais do Ensino Fundamental e o
vislumbrar e repensar de práticas pedagógicas com a Literatura Afro-brasileira.
Quanto aos riscos, faz-se necessário ressaltar que, toda pesquisa envolve riscos,
ainda que mínimos, ao sujeito quando da participação da coleta de dados. Nesses
casos, o pesquisador responsabilizar-se-á em amparar o pesquisado e dar todo o
apoio necessário. Contudo, essa pesquisa trata-se apenas de atividades de estudos
desenvolvidas com orientações pedagógicas da professora pesquisadora durante
suas aulas da disciplina de Português, a interação acontece via meeting com o uso
da Plataforma Classroom, envolvendo os livros em formato PDF e ebook, devido ao
contexto pandêmico da Covid19, e com a possibilidade do ensino híbrido faremos as
interações pedagógicas presencialmente obedecendo rigorosamente às exigências
das autoridades sanitárias (uso de máscaras, distanciamento social e higienização
constante das mãos) e em conformidade com a Resolução nº 1.138 – GS/SEED, de
15 de março de 20211, e a Resolução Seed nº 2.408 – GS/SEED, de 31 de maio de
2021, que estabelecem as atividades escolares no modo presencial e/ou remota
para o ano letivo de 2021 e ao Ofício Circular n.º 048 – DEDUC/DPGE/SEED de 09
211

de julho de 2021 que prevê o retorno das aulas presenciais – 2º semestre/2021.


A pesquisadora irá garantir que possíveis danos sejam evitados e caso haja
qualquer situação a mesma estará disposta a auxiliar no que for necessário,
tomando as devidas providências como, por exemplo, assistência psicológica
pública.No caso de risco de ordem física, como por exemplo, sangramentos, dores,
mal-estar, e outros, o pesquisador se compromete a dar toda a assistência e se for o
caso, solicitar auxílio dos serviços da área da saúde ainda que de maneira remota,
assim como nos casos de sofrimentos psíquicos, tais como dores de cabeça,
esgotamento, irritabilidade e outros.
Informamos que esta pesquisa atende e respeita os direitos previstos no
Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, Lei Federal nº 8069 de 13 de julho de
1990, sendo eles: à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária. Garantimos também que será atendido o Artigo 18 do ECA:
“É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a
salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor.”
Para não haver riscos de perda dos dados, e em conformidade ao Ofício
Circular n° 02/2021/CONEP/SECNS/MS, serão armazenados em drive externo, além
de serem impressos e arquivados por meio físico junto ao pesquisador, sendo
excluído todo e qualquer registro de qualquer plataforma virtual, ambiente
compartilhado ou "nuvem". Sobre essa informação, conforme a Resolução nº 466,
de 12 de dezembro de 2012, é obrigação do pesquisador “f) manter os dados da
pesquisa em arquivo, físico ou digital, sob sua guarda e responsabilidade, por um
período de 5 anos após o término da pesquisa". Nesse sentido, todas os dados
coletados ficarão armazenados por um período de 5 anos, sob a responsabilidade
do pesquisador.
Caso o(a) senhor(a) tenha dúvidas ou necessite de maiores esclarecimentos
poderá nos contatar (Pesquisadora: Suelen Cristina dos Santos Klem. Endereço:
Rua Emerenciana Gonçalves César nº88-B Jardim Sabará III Londrina-PR. Telefone:
(43) 98442-0344. Endereço eletrônico: [email protected]) ou procurar o Comitê de
Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Universidade Estadual de
Londrina, situado junto ao LABESC – Laboratório Escola, no Campus Universitário,
telefone 3371-5455, e-mail: [email protected].
212

Este termo deverá ser preenchido em duas vias de igual teor, sendo uma delas
devidamente preenchida, assinada e entregue ao (à) senhor(a).
Londrina, ___ de ________de 2021.

Suelen Cristina dos Santos Klem


RG:9.404.856-7-PR

_____________________________________ (NOME POR EXTENSO DO


RESPONSÁVEL PELO PARTICIPANTE DA PESQUISA), tendo sido devidamente
esclarecido sobre os procedimentos da pesquisa, concordo com a participação
voluntária da criança ou do adolescente sob minha responsabilidade na pesquisa
descrita acima.
Assinatura (ou impressão dactiloscópica):____________________________
Data:___________________

Caso o adolescente seja maior de 12 anos, deverá constar o espaço abaixo para
assinatura do menor.

Assentimento Livre e Esclarecido do Adolescente


_____________________________________ (NOME POR EXTENSO DO
PARTICIPANTE DA PESQUISA), tendo sido totalmente esclarecido sobre os
procedimentos da pesquisa, concordo em participar voluntariamente da pesquisa
descrita acima.

Assinatura (ou impressão dactiloscópica):____________________________


Data:___________________
213

APÊNDICE C: TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (ALUNO)

TERMO DE ASSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO – TALE


(para crianças/adolescentes entre 7 e 17 anos)

Prezado(a) aluno(a):
Gostaríamos de convidá-lo (a) para participar da pesquisa intitulada
“Atividades de estudo com Literatura Afro-brasileira: experimento didático
para a formação humana e literária de alunos do ensino fundamental (anos
finais)”, a ser realizada na “Escola Estadual Professor José Carlos Pinotti, Ensino
Fundamental e Médio”, na cidade de Londrina-Pr,constituindo-se na dissertação de
Mestrado em Educação da pesquisadora Suelen Cristina dos Santos Klem, aluna
regular do 1º ano do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Londrina, sob orientação da Professora Doutora Sandra Aparecida Pires
Franco.
O objetivo da pesquisa é compreender o desenvolvimento humano com a
criação do pensamento teórico acerca da Literatura Afro-brasileira em alunos do
Ensino Fundamental dos Anos Finais. A sua participação é muito importante e ela se
daria da seguinte forma I) a assinatura deste Termo de Assentimento Livre e
Esclarecido – TALE e; II ) com a participação das atividades de estudo com
Literatura Afro-brasileira, respondendo a questionário (de maneira escrita ou
oralmente) sobre e a sua compreensão leitora e os hábitos de leitura decorrente das
participações nas aulas de Língua Portuguesa, especialmente, nas aulas de leitura
literária da pesquisadora em horário de aula, uma vez na semana, durante duas
aulas seguidas, com duração de 50 (cinquenta) até 90 (noventa) minutos, aceitar a
filmagem, gravação de áudio e fotos durante a participação nas aulas e realização
das atividades de estudo, a serem utilizados para análise da pesquisadora e
disponibilizar atividades realizadas durante a pesquisa. Resguarda-se ao
participante da pesquisa o direito de não responder qualquer questão, sem
necessidade de explicação ou justificativa para tal.
Por decorrência do isolamento social imposto pela pandemia da SARS-COV-2
(COVID-19), a pesquisa com os alunos selecionados durante as aulas acontecerão
em plena conformidade com as orientações e normativas da Secretaria de Estado
da Educação e do Esporte – SEED, a qual verifica e informa constantemente sobre
o retorno presencial das aulas em todas as instituições públicas do Estado; e ainda
214

com o retorno das aulas presenciais serão cumpridos todos os protocolos propostos
pelas comissões de biossegurança das instituições de ensino e dos Núcleos
Regionais de Educação - NRES, que estão de acordo com as Resoluções SESA n.º
632/2020, n.º 98/2021 e n.º 134/2021
Esclarecemos que a sua participação é totalmente voluntária, podendo
desistir, solicitar a recusa ou desistência de participar desta pesquisa a qualquer
momento, sem que isto acarrete qualquer ônus ou prejuízo. Esclarecemos, também,
que as informações levantadas durante a pesquisa serão utilizadas somente para os
fins desta pesquisa e serão tratadas com o mais absoluto sigilo e confidencialidade,
de modo a preservar a identidade da criança ou do adolescente. Os registros
gravados em áudio, filmagens e fotos serão utilizados apenas para análise do objeto
de estudo sob sigilo e confidencialidade.
Esclarecemos ainda, que os participantes escolhidos não pagarão nada e
nem serão remunerados (as) pela sua participação. Garantimos, no entanto, que
todas as despesas decorrentes da pesquisa serão ressarcidas, quando devidas e
decorrentes especificamente da participação.
Os benefícios esperados são a melhoria do ato de ler a partir das
contribuições de uma proposta didática fundamentada na perspectiva sócio-histórica
para a formação do sujeito leitor nos Anos Finais do Ensino Fundamental e o
vislumbrar e repensar de práticas pedagógicas com a Literatura Afro-brasileira.
Quanto aos riscos, faz-se necessário ressaltar que, toda pesquisa envolve
riscos, ainda que mínimos, ao sujeito quando da participação da coleta de dados.
Nesses casos, o pesquisador responsabilizar-se-á em amparar o pesquisado e dar
todo o apoio necessário. Contudo, essa pesquisa trata-se apenas de atividades de
estudos desenvolvidas com orientações pedagógicas da professora pesquisadora
durante suas aulas de leitura, uma vez na semana, com a duração de duas aulas
seguidas de 50 (cinquenta) minutos cada, seguindo o horário da disciplina de
Português, a interação acontece presencialmente e/ou via meeting com o uso da
Plataforma Classroom, envolvendo os livros físicos e/ou em formato PDF e ebook,
devido ao contexto pandêmico da Covid19, e com a possibilidade do ensino híbrido
faremos as interações pedagógicas, prioritariamente presencial e obedecendo
rigorosamente às exigências das autoridades sanitárias (uso de máscaras,
distanciamento social e higienização constante das mãos) e em conformidade com a
Resolução nº 1.138 – GS/SEED, de 15 de março de 20211, e a Resolução Seed nº
215

2.408 – GS/SEED, de 31 de maio de 2021, que estabelecem as atividades escolares


no modo presencial e/ou remota para o ano letivo de 2021 e ao Ofício Circular n.º
048 – DEDUC/DPGE/SEED de 09 de julho de 2021 que prevê o retorno das aulas
presenciais – 2º semestre/2021 e o recente Ofício Circular nº 051/2021 -
DEDUC/SEED, de 02 de agosto de 2021, que alerta para a necessidade do retorno
gradual às aulas presenciais para a melhoria da aprendizagem..
A pesquisadora irá garantir que possíveis danos sejam evitados e caso haja
qualquer situação a mesma estará disposta a auxiliar no que for necessário,
tomando as devidas providências. No caso de risco de ordem física ou alguma
intercorrência, a pesquisadora se compromete a dar toda a assistência e se for o
caso, solicitar auxílio dos serviços da área da saúde. Caso o participante sentir
qualquer indisposição (irritabilidade, cansaço, estresse, desconforto e outros),
poderá a qualquer momento interromper a sua participação na pesquisa.
Informamos que esta pesquisa atende e respeita os direitos previstos no
Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, Lei Federal nº 8069 de 13 de julho de
1990, sendo eles: à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer,
à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária. Garantimos também que será atendido o Artigo 18 do ECA:
“É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a
salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou
constrangedor.”
Devido ao atual ensino híbrido, destaca-se os riscos característicos
relacionados com a participação na pesquisa em ambiente virtual, meios eletrônicos,
ou atividades não presenciais, em função das limitações das tecnologias utilizadas,
existe um risco potencial da violação na privacidade do material gerado, como a
ação de hackers, e que portanto a pesquisadora tem uma limitação para assegurar
total confidencialidade. Em conformidade ao Ofício Circular n°
02/2021/CONEP/SECNS/MS, emitido em 24 de fevereiro de 2021, para não haver
riscos de perda dos dados serão armazenados em drive externo, além de serem
impressos e arquivados por meio físico junto à pesquisadora, sendo excluído todo e
qualquer registro de qualquer plataforma virtual, ambiente compartilhado ou
"nuvem". Sobre essa informação, conforme a Resolução nº 466, de 12 de dezembro
de 2012, é obrigação do pesquisador “f) manter os dados da pesquisa em arquivo,
físico ou digital, sob sua guarda e responsabilidade, por um período de 5 anos após
216

o término da pesquisa". Nesse sentido, todos os dados coletados ficarão


armazenados por um período de 5 anos, sob a responsabilidade da pesquisadora.
É garantido aos participantes o livre acesso ao resultado da pesquisa.
Caso o(a) senhor(a) tenha dúvidas ou necessite de maiores esclarecimentos
poderá nos contatar (Pesquisadora: Suelen Cristina dos Santos Klem. Endereço:
Rua Emerenciana Gonçalves César nº88-B Jardim Sabará III Londrina-PR. Telefone:
(43) 98442-0344. Endereço eletrônico: [email protected]) ou procurar o Comitê de
Ética em Pesquisa Envolvendo Seres Humanos - CEP/UEL, LABESC - Laboratório
Escola de Pós-Graduação - sala 14.Campus Universitário - Rodovia Celso Garcia
Cid, Km 380 (PR 445), Londrina- Pr - CEP: 86057-970, Telefone: 43-3371-5455, e-
mail: [email protected].
A assinatura do presente termo poderá se dar a partir de assinatura física
(impressa em papel) ou eletrônica, podendo ainda o participante imprimir o termo,
assinar e digitalizar novamente para ser encaminhado por correio eletrônico ou outra
forma digital e ser devidamente arquivado, assegurando ao participante da pesquisa
guardar em seus arquivos uma cópia do documento eletrônico.
Este termo deverá ser preenchido em duas vias de igual teor, sendo uma
delas devidamente preenchida, assinada e entregue ao (à) aluno(a) participante e o
outra que ficará com a pesquisadora.
Londrina, ___ de ________de 2021.
Suelen Cristina dos Santos Klem
RG:9.404.856-7-PR

Caso o adolescente seja maior de 12 anos, deverá constar o espaço abaixo para
assinatura do menor.

Assentimento Livre e Esclarecido do Adolescente


_____________________________________ (NOME POR EXTENSO DO
PARTICIPANTE DA PESQUISA), tendo sido totalmente esclarecido sobre os
procedimentos da pesquisa,concordo em participar voluntariamente da pesquisa
descrita acima.
Assinatura (ou impressão dactiloscópica):____________________________

Data:___________________
217

ANEXOS
218

ANEXO A: DECLARAÇÃO DE CONCORDÂNCIA DE INSTITUIÇÃO CO-PARTICIPANTE


219

ANEXO B: ROTEIRO DE PERGUNTAS

Questionário – Entrevistas Finais

1- Você gosta de ler? Se sim, gosta de ler o quê? Para que (motivo ou finalidade)
você lê? Com que frequência você lê obras literárias?

2 – Você acha que atividades direcionadas ao estudo de Leitura Literária (atividades


organizadas) podem te auxiliar na compreensão do texto?

3- Como você se sentiu após a aula de leitura com a atividade com Literatura Afro-
brasileira? Notou mudança na ampliação da compreensão textual? Conseguiu
compreender a história com mais profundidade?

4 – Após a leitura dos títulos escolhidos pela professora e das atividades


organizadas, percebeu que esta atitude desencadeou em você vontade de ler outros
títulos sobre a temática afro-brasileira ou outros clássicos literários?

5 – Qual obra literária lida coletivamente durante as aulas de leitura você mais
gostou e por quê? Descreva o que você mais gostou e chamou sua atenção na
obra?

6- Durante a leitura você frequentemente fazia associações com algo da sua


realidade?Tente explicar se os personagens, cenários ou enredos fazem você
lembrar algo que você conhece particularmente.

7- Em relação aos livros com a temática africana ou afro-descendente, você acredita


que por intermédio da leitura possibilitou a você compreender mais e melhor a base
cultural no Brasil e nossas relações sociais?

8- As propostas com leitura apresentadas pela professora-pesquisadora fazem


sentido para você enquanto aluno do ensino fundamental e são significativas para a
sua vida. As propostas de leitura apresentadas pela professora fizeram você refletir
e ter uma nova percepção em relação ao texto lido.

9- Em sua opinião, qual o maior desafio que você pode encontrar para continuar se
apropriando da leitura literária para compreendê-la da forma mais completa
possível? (tempo, mediação da leitura, auxílio na compreensão dos textos, lugar
para leitura, acesso a livros, motivação)

10- Você acredita que ler as obras com a temática afro-brasileira, durante as aulas
de leitura, permitiu você ter experiências de momentos significativos? Relate suas
descobertas, sentimentos ou desconforto diante destas leituras.

11- Você notou que por causa das suas experiências com as aulas de leitura, elas te
instigaram a ler mais, a procurar outras obras que possam ampliar sua compreensão
de diversas temáticas e conseguir ler (leitura silenciosa e individual) compreendendo
bem e com autonomia?
220

ANEXO C: PARECER DO COMITÊ DE ÉTICA


221
222
223
224
225
226
227

ANEXO D: TRANSCRIÇÃO DA LEITURA DO PREFÁCIO DA OBRA “O CASAMENTO DA


PRINCESA” DO AUTOR CELSO SISTO.

P: “Os contos populares africanos me devolvem as raízes do mundo. E


trazem (imaginariamente) as vozes ancestrais para sussurrar nos meus ouvidos”.
Catra: “Neste surpreendente livro, o renomado autor e ilustrador Celso Sisto
traz diversos contos do continente africano, por meio dos quais o leitor poderá
explorar a riqueza da cultura dos diferentes povos que lá vivem”.
P: “Diz um ditado africano, em língua Fon, que ‘cada um guarda para si seu
acaçá’ ”.
Catra: “Podemos entender isso de muitas outras formas: cada um guarda
para si seu próprio pão (alimento): ou cada um sabe do que precisa: ou cada um
tem o que merece; ou cada um quer as coisas só para si (o que nesse caso, remete
a uma visão muito egoísta). Seja como for, a verdade é que as histórias africanas
me fascinam! Para mim são as histórias populares mais bonitas que existem. Elas
são fortes, têm uma musicalidade, um ritmo, uma visualidade, uma teatralidade que
me fazem considerá-las completas, verdadeiros espetáculos (...) Por isso tenho me
dedicado a lê-las, estudá-las, contá-las e recontá-las e colecioná-las”.
P: “Parece bobagem, mas ao mesmo tempo em que somos modernos, somos
cheios de pudores e regras. As histórias, não! Nelas tudo é possível. Por isso nesse
livro, reúne histórias que fogem um pouco do padrão do final feliz e do ‘foram felizes
para sempre!’”.
Catra: “A violência, a crueldade, a vingança, a desmedida a esperteza são
práticas negativas de maus exemplos, mas fazem parte da vida, e precisamos saber
lidar com elas”
P: “As histórias africanas não ignoram isso (...) Kalinda, a princesa que
perdeu os cabelos é um caso de amor à primeira leitura! Desde que li esse conto
ainda em inglês, publicado em uma coletânea chamada African Folktales, não parei
mais de pensar na beleza dele”.
Catra: “Kalinda, a princesa que perdeu os cabelos é uma oportunidade
maravilhosa para que os leitores brasileiros desconstroem a imagem clássica das
princesas europeias dos contos de fadas”.
P: “A história se passa num reino africano. E os valores são outros. E as
228

referências culturais são outras, igualmente ricas, cheias de encanto e de magia


(que também vamos encontrar nos contos maravilhosos que conhecemos há muito
tempo)”
Catra: “Enfim, com esse papo inicial podemos perceber que há muitos
motivos para alguém se identificar com as histórias”.
P: “O importante é que elas nos façam viver as fantásticas aventuras que
cada um propõe no plano da fantasia e encham o nosso coração de esperança,
mesmo que na fantasia de algumas histórias isso não seja possível”.
Catra: “É assim: as histórias africanas me mostram a diversidade e me fazem
ser um ser humano melhor! Quer experimentar também? Então, mãos à obra, ou
melhor, olhos e tudo mais na história! Boa viagem! Boa colheita! Boa safra! Bom
apetite! Bom e feliz retorno! Afinal, precisamos retornar das histórias para a vida
sempre, e com alegria para espalhá-las pelo mundo!”
229

ANEXO E: TRANSCRIÇÃO DA LEITURA DO CONTO “O CASAMENTO DA PRINCESA” DO AUTOR


CELSO SISTO

A1: ((a aluna participante inicia a leitura)) “Aconteceu há muito, muito tempo. O rei
tinha uma filha chamada Kalinda. E ninguém duvidava que ela fosse a moça mais
bonita do mundo. Seu rosto reluzia como a superfície de um lago banhado pela lua.
Os olhos faiscavam como o céu estrelado. Mas eram os seus cabelos que
encantavam as pessoas, pois, além de terem uma cor especial, ainda eram
adornados com pérolas e diamantes. E tocavam o chão, iluminando o caminho por
onde ela passava e espalhando um suave perfume de madeira. Além dos presentes
que a moça recebia do rei para enfeitar os cabelos como flores, cristais, joias e
turbantes, todos os dias as ajudantes das princesas as penteavam com pomadas e
óleos aromáticos enquanto cantavam alegremente”.
A1: ((continua a leitura)) [...] “enquanto cantavam alegremente: Para crescer forte
como uma árvore, para resistir ao sopro do vento, para correr como a água do rio,
temos as nossas mãos mágicas. Tudo era feito na maior alegria. Depois, a princesa
saía a passear pelo reino, só para ser admirada pelos súditos, que por vezes diziam:
‘Kalinda jamais poderia viver sem seus lindos cabelos’. Numa manhã em que a
moça estava na frente do jardim, um pássaro surgiu de repente. Era um pássaro de
grande cauda, com a cabeça coroada por uma crista de cor esverdeada e com os
olhos vermelhos, que lhe davam o aspecto sinistro. Pousou na árvore mais próxima
e disse com toda a suavidade: - Linda menina, seus cabelos são os mais bonitos
que já vi. Falam deles em tantos os lugares que eu queria vê-los com os próprios
olhos. Kalinda abriu um sorriso tão lindo quanto as flores que trazia nas mãos. E
respondeu cheia de satisfação: - Fico contente em ter o mais adorável cabelo de
todo o reino de meu pai. Aliás, sei que tenho o cabelo mais belo que alguém poderia
ter no mundo! _ completou a moça, cheia de altivez e com ligeira petulância. _
Sendo assim _ Continuou o pássaro _ , com tanto cabelo, estou certo de que não
faria a menor falta se me desse um punhado desses fios para eu acabar de construir
meu ninho. Preciso de um local macio para colocar os ovos. A moça respondeu
indignada:”.
A1: ((continuando a leitura)) “ - Como se atreve a fazer um pedido como esse? Meu
cabelo maravilhoso para ser usado num ninho de pássaro? Amo os meus cabelos
mais do que qualquer coisa nesta vida! Vá embora ou chamarei os soldados de meu
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pai para prenderem você! - Eu posso pagar por seu cabelos, princesa! _ insistiu o
pássaro. A moça ficou ainda mais furiosa. - Não lhe darei um fio sequer do meu
inigualável cabelo. Fora daqui! O pássaro sorriu e declarou: - Você vai se
arrepender, adorável princesa _ e cantou majestosamente a enigmática canção, que
mais parecia um aviso: Não se esqueça, as folhas sempre caem na estação seca e
reaparece na estação chuvosa, mas os cabelos da menina, não. Se caírem agora,
quando voltarão?”.
A1: ((continua a leitura)) “Só então o pássaro bateu as asas e voou, desaparecendo
rapidamente no ar, deixando Kalinda confusa e com medo. Não demorou”...
A1: ((continua a leitura)) “Não demorou muito para terminar a estação das chuvas e
vir finalmente a estação da seca. O vento começou a soprar mais vezes de todos os
lados, dia e noite, trazendo sons estarrecedores e deixando rastros de desordem.
Do lado de fora dos aposentos da princesa, as árvores logo ficaram nuas e em
pouco tempo as folhas mortas cobriram o chão até se perderem de vista. Com a
princesa Kalinda não foi diferente. Seus cabelos começaram a cair e de um dia para
o outro não sobrou um fio sequer no alto da cabeça. Mais do que nunca ela ia
precisar dos seus turbantes coloridos. Primeiro veio a raiva. Depois a revolta. Por
fim, a tristeza tomou conta de Kalinda. E por mais que suas acompanhantes
afirmassem: ‘Não se preocupe, princesa. Eles vão crescer novamente’, ela já não
poderia acreditar nisso com tanta força. Durante dias, Kalinda não quis sair dos
aposentos, nem falar com ninguém. Tinha perdido a esperança. Não queria mais
comer. Passava horas chorando, mergulhada em grande arrependimento. Só
conseguia dizer de si para si: ‘Como sou feia! Sou a princesa mais horrorosa do
mundo!’. Quando soube do acontecido, o rei veio ver a filha. Ela lhe contou a
aventura com o pássaro em detalhes. E ele prometeu encontrar uma solução, o
mais rápido possível. Para consolá-la, disse:”.
A1: ((continua a leitura)) para consolá-la disse /.../ “ - Fique tranquila! Em breve você
terá seus cabelos e sua beleza de volta, minha filha.O rei convocou todos os sábios
e magos do reino e prometeu muitas peças de ouro para quem conseguisse
recuperar os cabelos da princesa. Poções foram encomendadas, feitiços foram
executados, banhos, rituais, oferendas tudo foi tentado. Mas nada deu o resultado
esperado. E a princesa continuava sem cabelos. E cada vez mais chorosa. E cada
vez mais desesperada. Numa noite de imensa tristeza, Kalinda teve um sonho. Viu
um jovem dançando e cantando ao redor de uma árvore que produzia cabelos.
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Acordou afoita, agitada, mas com uma pontada de esperança”.


A1: ((continua a leitura)) “O sonho se repetiu mais uma vez. Na noite seguinte, ela
viu novamente em sonho a árvore dos cabelos, o jovem rapaz e as sementes que
ele lançava no chão, e que cresciam imediatamente, virando uma árvore tão alta
que quase tocava o céu. A árvore, por sua vez, se enchia de flores vermelhas que,
depressa, se transformavam em frutos, que logo se abriam, derramando música no
ar, e de onde saíam fios de cabelos que desciam até o chão. Kalinda acordou mais
disposta naquela manhã e passou o resto do dia pensando no sonho misterioso. E
se fosse um aviso, um sinal? E se realmente existisse aquela árvore de cabelos?
Ela, então, foi contar tudo ao pai”.
A1: ((continua a leitura)) “Mais uma vez o rei convocou seus magos e sábios.
Ordenou que descobrissem onde ficava a árvore de cabelos. Prometeu muito mais
ouro do que da primeira vez. E naquele reino não se falava noutra coisa. Mas
ninguém de fato tinha visto nem ouvido falar da tal árvore. Os sábios foram os
primeiros a desistir da busca; os sábios tentaram toda sorte de magia durante
meses a fio; os soldados que costumavam cruzar outras terras em suas batalhas,
não trouxeram nenhuma informação segura. Nem os contadores de histórias, em
seus delírios criativos, puderam imaginar onde estaria enraizada tal árvore. Porém
naquele reino havia um jovem rapaz pobre e solitário, chamado Muoma [...]”.
A1: ((continua a leitura)) “Muoma que vivia no meio da floresta e conhecia bem a
língua dos pássaros, dos animais e das coisas que brotavam da terra. Quando ficou
sabendo que o rei tinha convocado todos do reino para procurar a árvore que
produzia cabelos, decidiu ele também tentar a sorte grande. Como não tinha nada,
nada poderia perder. Foi à presença do rei e lhe prometeu que encontraria a árvore
dos cabelos, mas, como era muito pobre, precisava de provisões para a viagem, que
ele não sabia quanto tempo poderia durar. O rei deu-lhe comida e água o bastante
para uma jornada longa. E ele partiu carregando ainda o seu arco e suas flechas.
Muoma andou muito pelo mundo. Esteve nos lugares mais distantes, viu árvores de
todos os jeitos. Árvores que tinham dedos, árvores que tinham olhos, árvores que
corriam atrás daqueles que se aproximavam, árvores que cantavam, árvores
grandes e fortes, que serviam de casas para elefantes, árvores com asas, até
árvores que engoliam todos os pássaros que pousavam em seus galhos. Durante
muitos meses, Muoma conversou com os animais, falou com pássaros, perguntou
às plantas sobre as árvores dos cabelos, tudo sem sucesso. Quando finalmente
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achou que tal árvore poderia estar escondida do outro lado do vasto mar, fez um
barco e partiu pelas águas. Depois de muitos dias, com o vento soprando pra leste,
ele chegou a uma pequena ilha deserta. Nela havia apenas três árvores, uma de
diamantes, uma de ouro e outra de prata. Ele prendeu o bote na margem da ilha,
desceu e foi caminhando até elas. Subitamente o céu estremeceu, houve uma
explosão e a árvore de ouro ardeu em chamas. Quando o fogo terminou, ao redor da
árvore surgiu uma infinidade de vagens com feijões vermelhos. Muoma nem pensou
no que estava fazendo, encheu sua bolsa com aqueles feijões e voltou correndo
para o barco. Alguma coisa lhe dizia que agora estava no caminho certo. E que a
árvore de cabelos poderia estar muito próxima. Soltou a embarcação e deixou que a
sorte /.../ ((interrupção))
((continua a leitura)) “Num instante um grande pássaro de grande cauda, com a
cabeça coroada de uma crista de cor esverdeada e com olhos e bico vermelhos
despencou no barco e olhou Muoma diretamente nos olhos”.
((continua a leitura)) “Não demorou muito e um raio excessivamente luminoso
cruzou o céu. Num instante, um pássaro de grande cauda, com a cabeça coroada
por uma crista de cor esverdeada e com olhos e bico vermelhos despencou no
barco e olhou Muoma diretamente nos olhos, antes de pedir quase susurrando:”.
A1: ((continua a leitura)) “ - Aqueles feijões vermelhos que você pegou na ilha...
abra uma vagem... e me dê, depressa!”

P: ((continua a leitura)) “O pássaro comeu e recobrou as forças. Então disse mais


alto:”;

A1: “O que você faz aqui, tão longe de tudo de todos? Nunca ninguém conseguiu
chegar aqui”.

P: ((continua a leitura)) “Muoma contou ao pássaro a história da filha do rei, a perda


dos cabelos, o sonho com a árvore mágica que produzia uma infinidade de cabelos
e seu desejo de ajudar a moça infeliz. O jovem levou tanto tempo contando a
história que nem percebeu que o pássaro estava perdendo as forças novamente.
Como agora já sabia, abriu mais uma vagem de feijões vermelhos e deu-os ao
pássaro que se aprumou imediatamente, em tempo de revelar:”.
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A: ((continua a leitura)) “ - A princesa teria sido mais sábia se tivesse sido generosa
e me dado um pouco dos seus cabelos para a construção do meu ninho... Fui eu
que...”.

P: ((continua a leitura)) “O pássaro interrompeu novamente o relato... Suas forças


iam e vinham, e cada vez Muoma tinha que lhe dar mais e mais feijões vermelhos.
Por fim, quando havia apenas um, o pássaro revelou:”

A: ((continua a leitura)) “ - Ainda bem que você trouxe consigo essas vagens. Do
contrário, eu o teria devorado. Agora volte para casa e diga para a princesa plantar
esse último feijão em seu jardim. Só ela pode fazer isso. Só ela pode regar a
semente com suas lágrimas em noite de lua cheia ....”.

P: ((continua a leitura)) “Depois dessas instruções, o pássaro voou e, como num


passe de mágica, desapareceu no céu. Mas não pense que foi fácil voltar para casa.
Muoma teve de andar por muito mais tempo para encontrar o caminho de volta.
Teve que enfrentar as maiores secas e as mais longas chuvas. Foi obrigado a
transpor montanhas e rios. Teve de fugir de animais ferozes e grandes pássaros
famintos e por várias vezes quase perdeu o último feijão vermelho que carregava
com todo cuidado. Por fim, como era um homem generoso e falava a língua dos
animais, acabou voltando para a sua terra sob a proteção de búfalos, zebras, gnus
e antílopes”.
((continua a leitura)) E assim chegou ao lugar de onde tinha partido, Muoma foi
imediatamente à presença do rei para anunciar que trazia a semente da árvore dos
cabelos, que deveria ser plantada e regada com as lágrimas da princesa em noite de
lua cheia.

A1: Ele parece com os índios.

A: ((continua a leitura)) “Tudo aconteceu mais ou menos como no sonho da


princesa. A semente foi colocada na terra. E, quando recebeu a primeira lágrima do
arrependimento, imediatamente se transformou numa árvore tão alta que quase
tocava o céu. A árvore, por sua vez, se encheu de flores vermelhas que, depressa,
se transformaram em frutos, que logo se abriram derramando a música no ar e de
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onde saíam fios de cabelos que desciam até o chão. Mas foi Muoma quem primeiro
se aproximou da árvore, colheu os primeiros fios e os colocou de volta na princesa
Kalinda. E, como se nunca tivesse sido diferente os cabelos voltaram a se fixar na
cabeça da moça e logo, logo, logo estariam brilhando e perfumando aquela
maravilhosa noite. Em seguida houve música e dança. Risos e alegria. O rei e todo o
reino festejaram os cabelos da princesa por muitos dias. Muoma recebeu o ouro
prometido e o que ele mais queria secretamente, desde que vira Kalinda pela
primeira vez: o amor da princesa. Casaram e viveram felizes por muito e muito
tempo. Cercados de pássaros de todas as cores e tamanhos, que alegraram ainda
mais a vida deles.

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