KLEN - Suelen
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A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA:
ATIVIDADES DE LEITURA LITERÁRIA COM ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL (ANOS FINAIS)
Londrina, PR
2023
Londrina, PR
2023
SUELEN CRISTINA DOS SANTOS KLEM
A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA:
ATIVIDADES DE LEITURA LITERÁRIA COM ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL (ANOS FINAIS)
Londrina, PR
2023
A LITERATURA AFRO-BRASILEIRA:
ATIVIDADES DE LEITURA LITERÁRIA COM ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL (ANOS FINAIS)
BANCA EXAMINADORA
Prof. Orientador:
Profª. Drª. Sandra Aparecida Pires Franco
Universidade Estadual de Londrina - UEL
Prof. Membro 2
Profª. Drª. Cyntia Graziella Guizelim Girotto
Universidade Estadual Paulista Júlio de
Mesquita Filho – Campus Marília
Prof. Membro 3
Profª. Drª. Katya Luciane de Oliveira
Universidade Estadual de Londrina - UEL
Prof. Membro 4
Profª. Drª. Amanda Valiengo
Universidade Federal de São João Del Rei
Prof. Membro 5
Profª. Drª. Diene Eire de Mello
Universidade Estadual de Londrina - UEL
RESUMO
Esta pesquisa teve como objetivo central compreender a contribuição das atividades
de leitura acerca de personagens negras na Literatura com alunos do Ensino
Fundamental para ampliação da capacidade leitora e desenvolvimento do psiquismo
humano, como: memória, consciência, percepção, atenção, fala, pensamento,
vontade, formação de conceitos e emoção. A pesquisa está vinculada ao Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina, na Linha
de pesquisa – Docência: Saberes e Práticas do Núcleo de Ação Docente. O trabalho
possui natureza dialógica e foi realizado sob a regência da professora-pesquisadora,
juntamente com dez alunos da turma de sétimo ano do Ensino Fundamental (Anos
Finais) em uma escola pública na cidade de Londrina, Paraná. Para o problema de
pesquisa investigou-se: Como as atividades de literatura com temática africana ou
afro-brasileira contribuem para o desenvolvimento das funções psíquicas superiores
em alunos do Ensino Fundamental? Como justificativa, ressalta-se a relevância
social do trabalho educativo de permitir o contato dos alunos com a leitura de obras
e produções textuais que valorizem a cultura negra, as quais contribuem para
romper com os estigmas raciais, independentemente de suas etnias. Destaca-se
ainda, a mediação do trabalho docente e a organização do ensino com base nos
pressupostos teóricos da Teoria Histórico-Cultural e da Pedagogia Histórico-Crítica,
pois estes referenciais teóricos possibilitam o desenvolvimento dos indivíduos
durante o processo formativo. Para a produção de dados (devido ao ensino híbrido)
utilizou-se: a gravação (no Google Classroom e pelo Meeting) das atividades
durante aulas presenciais, com o uso de gravador de voz, fotografias, questionários
e entrevistas individuais. Como se trata de uma pesquisa quase experimental optou-
se pelo tratamento qualitativo dos dados com a abordagem crítico-dialético. Os
resultados apontam que o processo de humanização do indivíduo acontece por meio
das relações que se estabelecem com os instrumentos mediadores da cultura
historicamente construída, a partir da apropriação da função social da leitura literária
e produção textual. Conclui-se que, em decorrência da escolha metodológica e da
práxis docente, abrem-se perspectivas para desenvolvimento do psiquismo humano
e ampliação da capacidade leitora com a leitura literária em alunos dos Anos Finais.
ABSTRACT
This research had as its main objective to understand the contribution of reading
activities about black characters in Literature with Elementary School students for the
expansion of reading capacity and development of the human psyche, such as:
memory, conscience, perception, attention, speech, thought, will, formation of
concepts and emotion. The research is linked to the Graduate Program in Education
at the State University of Londrina, in the line of research – Teaching: Knowledge
and Practices of the Teaching Action Nucleus. The work has a dialogical nature and
was carried out under the supervision of the teacher-researcher, together with ten
students from the seventh grade of Elementary School (Final Years) in a public
school in the city of Londrina, Paraná. For the research problem it was investigated:
How do literature activities with African or Afro-Brazilian themes contribute to the
development of higher psychic functions in Elementary School students? As a
justification, the social relevance of the educational work of allowing the contact of
students with the reading of works and textual productions that value black culture,
which contribute to break with racial stigmas, regardless of their ethnicities, is
highlighted. Also noteworthy is the mediation of teaching work and the organization
of teaching based on the theoretical assumptions of Historical-Cultural Theory and
Historical-Critical Pedagogy, as these theoretical references enable the development
of individuals during the formative process. For the production of data (due to hybrid
teaching) the following were used: recording (in Google Classroom and by Meeting)
of activities during face-to-face classes, using a voice recorder, photographs,
questionnaires and individual interviews. As this is a quasi-experimental research, we
opted for the qualitative treatment of data with a critical-dialectical approach. The
results point out that the process of humanization of the individual happens through
the relationships that are established with the mediating instruments of the
historically constructed culture, from the appropriation of the social function of literary
reading and textual production. It is concluded that, as a result of the methodological
choice and teaching praxis, perspectives are opened for the development of the
human psyche and expansion of the reading capacity with literary reading in Final
Years students.
Key words: Elementary School of the Final Years. Black Characters in Literature.
Literary reading activities. Historical-Cultural Theory.
LISTA DE FIGURAS
APRESENTAÇÃO.....................................................................................................14
1 INTRODUÇÃO........................................................................................................17
2 METODOLOGIA DO PROCESSO FORMATIVO COM AS ATIVIDADES
ORGANIZADAS........................................................................................................ 21
2.1 CENÁRIO E OS PARTICIPANTES DA PESQUISA...........................................................25
2.2 O MÉTODO, INSTRUMENTOS E TÉCNICAS DA INVESTIGAÇÃO...................................27
2.3 ATIVIDADES DE LEITURA LITERÁRIA: ELABORAÇÃO DO PROCESSO FORMATIVO COM
TRABALHO HUMANO.....................................................................................................63
3.3 O RECENTE RECONHECIMENTO DA LITERATURA AFRO NO ROL LITERÁRIO E DO
PERSONAGEM NA LITERATURA...................................................................................... 75
APRESENTAÇÃO
Caro leitor,
Inicialmente, peço licença para apresentar o formato escolhido à dissertação,
os motivos que me levaram a percorrer este caminho e explicitar um pouco sobre o
meu lugar de fala, trajetória de vida e formação. Dessa forma, começo pelas minhas
origens: eu nasci na cidade pequena de Bela Vista do Paraíso, há 40 quilômetros da
cidade de Londrina, no Paraná, e as poucas oportunidades para dar continuidade
aos estudos e melhores recursos provinham de lá.
Meu pai é motorista e minha mãe, professora dos Anos Iniciais. Na minha
infância, me lembro de, quando criança, algumas vezes, ir com ela assistir às aulas
na sua turma de Magistério, e após se formar, ela trabalhou em uma escola
particular de nossa pequena cidade e alguns anos mais tarde foi admitida no
concurso municipal.
Retenho em minhas antigas memórias, as lembranças da minha mãe como a
minha primeira professora, quando estudava em uma escola particular (Anos
Iniciais), e minha mãe trabalhava como professora, na mesma escola, para que eu
pudesse ganhar uma bolsa de estudos. Essa experiência marcou positivamente
minha trajetória, pois percebi o esforço dela para me oferecer algo que parecia muito
importante: a Educação Escolar.
As minhas inquietações em relação à questão racial na Literatura se iniciaram
em 2018, quando estava atuando como professora em uma prática de leitura na sala
de aula, com o Clássico Conto Chapeuzinho vermelho, turma de 7º ano do Ensino
Fundamental, que sucederia em uma proposta de dramatização deste mesmo
enredo. Nessa prática, tive a percepção do preconceito entre os alunos, em relação
a aceitar o protagonismo de personagens negros na Literatura durante uma
dramatização desta mesma obra, cuja representante da personagem Chapeuzinho
era uma aluna negra. Este fato marcou-me enquanto professora e levou-me a querer
investigar mais sobre a literatura e cultura afro-brasileira no contexto educacional. E
neste ínterim foi possível compreender melhor as minhas raízes ancestrais, pois até
então tinha dificuldade em me autodeclarar como uma mulher negra, e que somente
hoje, reconheço a importância de assumir este lugar de fala para que os alunos (as)
possam conviver no espaço escolar com mais equidade racial.
15
1 INTRODUÇÃO
quais por muitas vezes ignorados no âmbito educacional afetam a autoestima das
crianças e jovens negros brasileiros. Ao mesmo tempo, o contato com a cultura afro-
brasileira por meio da Literatura enriquece a formação humana, artística e histórica
de todos os alunos, possibilitando o desenvolvimento de valores éticos, de justiça,
respeito e igualdade racial. Segundo Souza (2009) enquanto não superarmos o
abismo racial e social existente no Brasil, fomentado pelo mito da igualdade racial
(brasilidade) e da meritocracia, em busca de construir uma cidadania universalizada,
em que indivíduos são tratados minimamente de igual forma, não teremos o ponto
de partida para a tomada de consciência e transformação social emancipatória que
reverbere na valorização de símbolos sociais como a estética negra representados
artisticamente em personagens literários em uma perspectiva igualitária.
O presente trabalho teve como base filosófica os pressupostos teóricos do
Materialismo Histórico-dialético, a Teoria Histórico-Cultural e a Pedagogia Histórico-
Crítica, pois concebem o leitor como um sujeito social e histórico, capaz de se
apropriar da cultura acumulada pela humanidade para objetivar as suas relações
(MARX, 1978; VIGOTSKI, 1993; CANDIDO, 2006; SAVIANI, 2011). No sentido deste
conjunto teórico, levanta-se a hipótese de que as obras podem representar ou
espelhar a sociedade em seus vários aspectos, por isso são instrumentos ricos da
cultura para efetivar uma leitura consciente, sendo possível promover novas
necessidades humanizadoras, a fim de que o leitor compreenda a realidade e se
emancipe por meio de objetivações artísticas, como em uma produção textual.
Para efetuar a leitura e análise das obras com os alunos, foram adotadas as
estratégias de compreensão e a categoria dialética de conteúdo e forma, para
contribuir na ampliação da capacidade leitora das obras literárias e garantir a melhor
assimilação das características composicionais do Gênero Conto, as quais
melhoram a prática da escrita. Durante as atividades de leitura optou-se por usar
essa categoria em duas obras específicas, a linguagem literária e a linguagem
cinematográfica, presente na obra intitulada As Aventuras e Azur e Asmar, por ser
uma animação da Obra literária com a temática africana Azur e Asmar, ambas do
mesmo autor Michael Ocelot, escolhidas devido a riqueza da linguagem imagética e
de significado, encontradas no interior das obras. E de igual forma analisou-se a
relação da obra (afro-brasileira) Valentina, do autor Márcio Vassalo, com trechos do
filme de animação A princesa e o sapo produzido pela Disney. É importante ressaltar
que recorrer às duas obras e seus respectivos filmes de animação foi um ponto
19
fundamental para a análise do conteúdo de forma contida nas obras escolhidas para
as atividades organizadas devido a sua composição de linguagem multissemiótica,
cuja potencialidade de leitura contribui para a ampliação da capacidade de leitura,
das produções textuais e do desenvolvimento da capacidade psíquica, como o
mecanismo de memória, consciência, percepção, atenção, fala, pensamento,
vontade, formação de conceitos e emoção.
Segundo Cury (1987, p. 21), as categorias são relevantes à prática educativa,
pois “pretendem refletir os aspectos gerais e essenciais do real, suas conexões e
relações”. Assim, aplicadas à leitura literária, elas ganham sentido como
instrumentos de compreensão de uma realidade social. A realidade não é estática,
está sempre em movimento e expansão, por isso considerar o contexto de produção
das obras, autores e leitores é importante, possibilitando que as categorias “captem”
todas as determinações possíveis da prática educativa com a obra literária.
Sendo assim, na pesquisa realizada, levou-se em consideração as categorias
dialéticas relevantes ao contexto da educação, sobretudo, na prática docente com a
mediação da leitura literária. Esse método de análise permite uma leitura da
realidade completa, ampliando a compreensão das múltiplas determinações de
significados e signos linguísticos que a obra apresenta. Assim, para atender ao
objetivo da pesquisa realizada, elegeu-se a categoria dialética de conteúdo e forma
para fazer a leitura das obras de literatura afro-brasileira com os alunos, como
possibilidade de ampliação da competência leitora dos alunos e para compreender
melhor a diversidade humana explicitadas nos elementos da narrativa, visto que tais
elementos presentes nas obras consideram o texto da obra literária e também a
linguagem cinematográfica na obra de animação e imagética das ilustrações dos
livros utilizadas durante o percurso das atividades organizadas.
Estes recursos de imagens, palavras, sons e gestos correlacionam-se com a
totalidade, e precisam ser analisados juntos porque apresentam uma unidade
inseparável, a unidade do diverso. A análise do diverso na literatura afro tende a
abordar todos os elementos composicionais do Gênero Literário no processo de
ensino e aprendizagem e precisam ser compreendidos em sua totalidade. Neste
trabalho, a proposta gira em torno de ensinar sobre a constituição do personagem
negro dentro de um enredo literário e assim, por meio de várias atividades de leitura
que compõem um processo formativo, auxiliando os alunos à perceberem a inserção
do personagem negro na literatura, demonstrando também um movimento histórico
20
e social por trás disso e ao final da prática pedagógica levar o aluno a compreensão
leitora e a produção de textos, buscando a possibilidade de, reunir elementos de
subjetividade e aprendizado dos estudantes, inclusive afirmar a presença de
personagens negros em situação de protagonismo como forma de valorização da
estética africana.
Na perspectiva histórica-crítica, a relação entre a realidade social e a arte é
estreita, por isso, considera-se que a obra artística mantém uma rica ligação com a
realidade, expressando, de certo modo, a subjetividade do autor e, em outra parte,
uma realidade em comum, mais ampla, que supera a mera particularidade, instaura-
se aqui o caráter universal e particular da obra. Parte-se da proposta dialética de
atividades organizadas com a leitura da forma e dos conteúdos nas obras de
literatura afro-brasileira, as quais são ferramentas pedagógicas para a compreensão
de uma determinada realidade e ampliação da capacidade leitora, por meio da
mediação docente, a práxis.
Sendo assim, a prática com a leitura literária tem função de auxiliar o docente
na organização didática das atividades com leitura e a produção de Contos
relacionados à Literatura Afro-brasileira, pela construção de ações didáticas a favor
de um processo formativo, dialético e consciente. Neste sentido, os princípios
orientadores das ações didáticas subsidiaram teoricamente a professora-
pesquisadora, a qual objetiva a apropriação dos conhecimentos – mediante a
análise dos conteúdos e formas na estética Literária – e da ampliação da
capacidade leitora e ao desenvolvimento do psiquismo em seus alunos.
A seguir apresento o método de investigação da pesquisa, os procedimentos
investigativos, com destaque sobre a importância dos propósitos da organização das
atividades de leitura para o processo de formação humana e literária dos alunos do
Ensino Fundamental.
21
esse avanço, ainda ocupa um lugar pequeno na área literária (DEBUS, 2013).
Em outro mapeamento realizado em oito casas editoriais, referentes aos anos
de 2008 e 2009, revelaram que dos 2.416 títulos publicados, somente 170 títulos
(7% do total) trouxeram a presença do negro, a sua cultura e a temática africana e
afro-brasileira no enredo (DEBUS, 2013). Dessa maneira, diante da pluralidade
étnica da sociedade brasileira, a linguagem literária, considerando a sua capacidade
humanizadora, pode contribuir por meio das experiências ficcionais e levar à
ressignificação das experiências relacionadas ao povo africano e aos seus
descendentes.
Enfim, diante do mapeamento e a constatação em lócus da biblioteca escolar
envolvida na pesquisa, é possível refletir sobre a representação dos personagens
negros na literatura infantil, a fim de contribuir para a noção de pertencimento das
crianças negras no Brasil. Conforme recorda Debus (2012, p.154), embora seja duro
lidar com literatura com temas da cultura africana e afro-brasileira, é uma
abordagem necessária, pois “muitas das relações racistas que reverberam na
sociedade contemporânea tem sua origem no tratamento dado aos povos que aqui
foram escravizados e, por consequência, na vida dos seus descendentes".
Após a organização do espaço da biblioteca e conhecimento do acervo de
livros, a professora-pesquisadora solicitou à bibliotecária que realizasse a separação
dos 46 títulos encontrados, para que os alunos pudessem realizar os empréstimos.
A bibliotecária concordou e foi marcado um dia para que os alunos fossem à
biblioteca e escolhessem os títulos colocados sobre a mesa.
As bibliotecas escolares são espaços importantes de formação em que os
alunos têm a oportunidade de refletir sobre os fatos históricos que marcaram a
sociedade em que vivem, desenvolvendo, assim, um pensamento histórico,
buscando compreender “porque determinadas narrativas foram construídas sobre o
passado e porque algumas permanecem mais e outras menos”. (OLIVEIRA;
CANDAU, 2010, p.17).
Os alunos participantes da pesquisa não eram todos negros, o convite para a
pesquisa foi lançado a todos indistintamente, tendo somente como critério o acesso
dos alunos ao ensino presencial. O recorte racial dos participantes não foi
considerado no início da pesquisa, contudo ao longo da pesquisa, a ancestralidade,
auto-pertencimento e identificação étnica foram explicitados pelos próprios
participantes enriquecendo a análise das atividades organizadas e durante a
33
Antes deste primeiro empréstimo do ano letivo com livros físicos, a professora
pesquisadora já tinha combinado com os alunos desta turma de separar um dia para
uma aula de leitura com obras literárias que estivessem à disposição dos acervos
gratuitos digitais na internet.
Desde abril, a turma já realizava aulas de leitura de obras de Literatura infantil
ou juvenil com a temática geral, por sugestão da professora pesquisadora ou um
título mais votado pelo interesse dos próprios alunos. Como neste momento o
ensino era remoto, a leitura e interação com a professora e com os livros aconteciam
por chamada de vídeo e voz (Meet) e, posteriormente, anexado o PDF dos livros no
mural do Classroom, para que o aluno que faltasse ou tivesse algum problema com
a internet pudesse ler depois. Durante esse processo, foi perceptível que alguns
títulos escolhidos não causavam entusiasmo entre os alunos, por possuírem um
enredo mais voltado ao público infantil. Eles leram mais por curiosidade pela capa
ou por causa da ilustração, entretanto outros livros como Romeu e Julieta,
Chapeuzinho amarelo, Menina bonita do laço de fita, rendiam maior entusiasmo
após a leitura e por causa do tema do enredo promoveram envolventes conversas
sobre os temas encontrados durante a leitura e sua vinculação com o particular de
cada leitor.
27 de mai. Livro Menina bonita do laço de fita1, autora Ana Maria Machado,
ilustração Claudius
10 de jun. O livro que lia livros, autora Sandra Aymone
17 de jun. Livro sopa de pedra, da autora Ana Maria Machado.
24 de jun. O grúfalo, de Julia Donaldson e Axel Scheffler.
30 de jun O diário de um banana: assim vais longe, autor Jeff Kinney.
1 de jul. O livro dos sorrisos, do autor Antonio Silvio de Araujo, ilustração de
Breno Macedo.
5 de jul. O príncipe sapo, dos irmãos Grimm. (Libras)
22 de jul. Menina bonita do laço de fita autora: Ana Maria Machado
28 de jul. Extraordinário, de R. J. Palácio.
(iniciado em sala e a continuidade se daria individualmente)
29 de jul. Livro O segredo do rei, Autora Caroline Rodrigues da Silva Souza
1
Na obra Menina bonita do laço de fita, de Ana Maria Machado, é possível perceber a ligação entre
cultura e o início da construção identitária dos personagens negros, por meio da escolha do léxico de
palavras e das gravuras, como também da descoberta da genealogia (ancestralidade), a protagonista
em Menina bonita do laço de fita, de forma sutil, afirma sua racialidade em busca da sua construção
étnica negra, por meio de diferentes discursos que compõem a percepção das diferenças raciais.
LIMA, E. V. G; ALMEIDA, M. S. P. MENINA BONITA DO LAÇO DE FITA E A COR DA TERNURA:
uma discussão acerca da identidade étnico-racial na sociedade globalizada e na literatura ifantil
brasileira. Revista Científica da FASETE 2017. Disponível em:
https://www.unirios.edu.br/revistarios/media/revistas/2017/14/menina_bonita_do_laco_de_fita_e_a_co
r_da_ternura.pdf. Acesso em: 10 jun. 2022.
36
2
Para o autor o termo mediador refere-se “à uma manifestação concreta, ancorada em conjuntos de
signos”, defende a ideia “dos homens como seres humanos em relação mediada por signos
organizados em gêneros que compõem o campo da literatura para crianças” o homem adulto não
medeia, mas faz parte de um dos pólos, pois quem medeia são os signos presentes nos objetos da
cultura humana. (ARENA, 2021, p. 8).
37
A experiência com uma obra de título comum a todos, lida ao mesmo tempo,
39
demonstrou-se positiva, pois foi possível avançar capítulo por capítulo, buscando
promover a ampliação das possibilidades de leitura, considerando a riqueza dessa
dinâmica em um ambiente coletivo. Contudo, foi necessário desenvolver posturas
durante a leitura coletiva para que o título em comum se tornasse interessante para
todos, e a atenção fosse conservada continuamente. Solicitamos que cada aluno
que assim quisesse, realizasse a leitura, em voz alta de um trecho da obra e ao final
de cada página era feita uma discussão em torno da compreensão leitora. De
maneira geral observou-se que poucos eram os alunos que participavam da leitura.
De acordo com a Teoria Histórico-Cultural, o contato com as narrativas
literárias e mediadas por uma prática docente com a intencionalidade pedagógica
pode proporcionar diversas ampliações culturais e desenvolvimentos de
competências como compreensão leitora, melhoria na escrita e oralidade, pois ao
mesmo tempo em que instiga o leitor, também o leva a conhecer mais sobre o
universo literário. Embora poucos alunos relataram ter conseguido fazer a leitura
individual em casa, com antecedência, a professora-pesquisadora se preocupou
com aqueles alunos que disseram não conseguir fazê-la, por causa do barulho ou
algum afazer que os familiares delegam nos lares. Diante dessa situação, o
replanejamento das ações com leitura foi necessário, organizando o tempo e espaço
da aula de leitura para que todos os alunos pudessem ter um contato com a
literatura de maneira significativa.
A dificuldade de leitura em voz alta ainda persistia com a maioria dos
estudantes, eram sempre os mesmos que gostavam de ler durante os Meet, também
são os que desejaram fazer a leitura em voz alta no ensino presencial, embora essa
etapa de oralidade era oportunizada a todos. A professora pesquisadora observou
que a participação na leitura das imagens da obra com o compartilhamento das
interpretações durante a leitura, ocasionou um relativo aumento na participação dos
alunos durante as aulas presenciais. Outro fator observado na mediação presencial
foi a atenção e o foco na temática do livro, que se potencializou devido a alteração
do meio.
A leitura mediada pelo professor em um espaço escolar insere o leitor no
processo de formação do apreço pela Literatura e contribui para o processo de
humanização. De acordo com Vigotski (2000), o acesso aos objetos culturais como
livros, obras de arte, histórias, filmes, músicas, configura-se como ferramentas
culturais e meios para a humanização do homem, e por isso, a leitura de diversas
40
OBJETIVOS: Ampliar o repertório Cultural e Literário com a análise do conteúdo e forma das obras
selecionadas. Observar o desenvolvimento e uso das funções psíquicas por meio das falas e
compreensão da leitura literária das obras. Estimular a formação leitora do aluno do Ensino
Fundamental.
Por hora, é importante informar ao leitor, ainda neste último tópico do primeiro
capítulo, os propósitos desta investigação. Após a elucidação dos caminhos iniciais
da pesquisa, apresento o cenário, participantes, instrumentos, técnicas e os
pressupostos teóricos e métodos que baseiam a prática docente do processo
formativo com literatura afro-brasileira. No próximo capítulo, apresento a ligação
entre os conceitos de trabalho, educação e literatura, os relacionando à importância
do contato com a Literatura Afro-brasileira.
A pouca representatividade étnico-racial na literatura brasileira promove
incompreensões sobre a natureza social de alguns signos ou conceitos importantes
(como os personagens negros e o enredo de base africana) e é preciso
compreender o porquê de um signo ou figura representativa da cultura africana, que
se encontra presente hoje em bibliotecas escolares, não ter tido espaço na
sociedade há três décadas. Sendo assim, é fundamental descobrir formas de
ampliar a visão de mundo e a partir disso objetivar-se em uma produção textual,
obra de arte, que represente os elementos de sua cultura e da própria subjetividade
do autor, mesmo sendo um jovem estudante dos Anos Iniciais, exigindo uma
capacidade de leitura reflexiva e este é o caminho para o uso e o desenvolvimento
das capacidades psíquicas superiores.
Na escola, o desenvolvimento das funções psicológicas superiores está ligado
a uma estrutura organizada de aprendizagem para a apropriação de conhecimento,
por isso a relevância da prática de atividades com leitura e escrita. Para tanto
tornou-se necessário que os alunos assimilassem as características composicionais
dos Contos, a fim de produzirem um Conto com personagens negros em situação de
47
3
O conceito de alienação tem base na obra de Marx, segundo Mészáros (2006) o conceito de
alienação teria quatro dimensões fundamentais: 1) a alienação do homem em relação à natureza, 2)
a si mesmo (a sua própria atividade),3) ao seu ser genérico (a seu ser como membro do gênero
humano) e 4) aos outros homens. A alienação tem origem na atividade material humana que é a fonte
da consciência. Mészáros, I. (2006). A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo.In:
Almeida, Melissa Rodrigues de, Abreu, Claudia Barcelos de Moura e Rossler, João Henrique.
Contribuições de Vigotski para a análise da consciência de classe. Psicologia em Estudo. 2011, v.
16, n. 4, pp. 551-560. Epub 21 Maio 2012. ISSN 1807-0329. Acesso em:22 dez.2022.
48
sinalizou muito sobre o quanto a dificuldade de acesso aos bens materiais como
livros e vídeos-aula pela internet interferiram no desenvolvimento de muitas
crianças, que apesar dos esforços da rede escolar, não conseguiram se apropriar
dos conhecimentos básicos.
A analogia de Leontiev (1978) também alerta sobre o quanto o ato de ler é
importante na compreensão de objetos culturais elaborados pela humanidade, e
apesar da existência física dos tesouros da cultura, os livros ou máquinas perderiam
o seu valor ou função, pois “não existiria ninguém capaz de revelar às novas
gerações o seu uso”. Aqui está a relevância da ciência pedagógica na ampliação da
capacidade de compreender os signos linguísticos em suas diversas formas
(palavras ou imagens) e que foram desenvolvidos pelos homens. Mas se não
houvesse um constante aperfeiçoamento metodológico, não aumentaria a
possibilidade de desenvolver constantemente o psiquismo humano, a fim de que as
novas gerações desenvolvam a compreensão de uma leitura literária e se apropriem
dos usos e funções dos diversos signos linguísticos presentes nas obras.
Em suma, percebe-se que os tesouros científicos e culturais acumulados por
toda a humanidade estariam perdidos, sem acesso devido às obras, pela
incapacidade de leitura e compreensão, “os livros ficariam sem leitores”, devido à
falta de capacidade de leitura das obras. Desta forma, nota-se que sem uma
mediação docente adequada, com caráter formativo, visando desenvolver
capacidade psíquicas superiores, as obras dos tesouros da cultura são
incompreensíveis, apesar da sua existência física, e mesmo que estas obras
estejam à disposição do contato físico, como em uma biblioteca, por exemplo, o seu
valor em uma prateleira é nulo.
O ato de ler sem compreensão não transmite nenhum legado cultural, muito
menos desenvolve a capacidade humana de leitura. Portanto, sem criar condições
adequadas que ensinem sobre a apropriação das riquezas culturais, mediante a
leitura das obras às gerações mais novas, as quais ainda precisam compreender
como funciona o sistema linguístico da sua língua materna, isso é de extrema
importância ao campo educacional. Em outras palavras pode-se dizer que elas
podem até estar à disposição, porém a não apropriação dos signos da linguagem
incapacita-o a ler e compreender a função estética das obras de arte, dos seus
diversos conteúdos e formas e na construção de sentidos, e não promove o
desenvolvimento da leitura e das capacidades cognitivas dos sujeitos envolvidos.
52
4
O “mito da brasilidade” fundamenta-se em trabalhos de Gilberto Freire (1930) Casa Grande e
Senzala, e também a obra de Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil, que fundamentou o
campo de estudos de antropologia social, contribuiu para produzir uma materialidade do racismo no
Brasil, tornando o racismo menos explícito ou mais progressivamente sutil e mascarado
(CARVALHES; SILVA; LIMA, 2020).
56
6
10.639/2003 e 11.645/2008 que tornam obrigatório o ensino da História e cultura africana e afro-
brasileira no currículo escolar com ênfase nas disciplinas de História, Arte e Literatura, objetivando a
educação para as relações étnico-raciais; Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008 - Inclui no currículo
oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena"
http://portal.mec.gov.br
58
fenótipos no corpo, como o tipo de cabelo, formato de lábios, nariz, entre outras
características que remetem a herança biológica africana. Desta forma, traços de
raça, cor de pele podem interferir em oportunidades educacionais, financeiras e
sociais de um indivíduo no Brasil (CARVALHES; SILVA; LIMA, 2020).
O fator histórico da abolição da escravidão seguido de nenhuma política de
inclusão social e universalização da cidadania geram um abandono real e simbólico
das pessoas negras e seus descendentes, isso ocorreu de modo silencioso e
perverso durante todo o processo histórico no Brasil e ainda continua acontecendo
(STERNIK, 2016, p.46).
No Brasil historicamente há a discriminação e marginalização da população
negra, e por isso, ativamente, aprende-se que é preciso negar a sua identidade
étnica para ser aceito socialmente (LOPES, 2012) e o embranquecimento também é
uma estratégia de combate à dor. Dessa forma, a valorização da identidade negra é
possível no ambiente escolar, tendo como caminho norteador a implementação da
Lei 10.639, de 2003, que viabiliza a pluralidade de visões de mundo pela educação,
o acesso aos livros, bens culturais e artísticos que valorizem a estética negra,
africana e contemplem a dimensão multicultural do Brasil.
Neste sentido acredita-se que as apropriações das objetivações históricas
formam os significados abstratos e os conceitos, que irão representar a atividade
mental interna do indivíduo, isto é, a consciência (MARTINS, 2015). Dessa maneira,
Leontiev (2004), argumenta que cada geração inicia a sua vida no mundo com uma
vantagem prévia, criada pelas gerações anteriores, apropriando-se e participando
das diversas riquezas de conhecimento acumuladas na forma de diversas
produções e atividades sociais proporcionadas pelas circunstâncias da vida
concreta.
[...] Com efeito, mesmo a aptidão para usar a linguagem articulada só se
forma, em cada geração, pela aprendizagem da linguagem que se
desenvolveu num processo histórico, em função das características
objetivas desta língua. O mesmo se passa com o desenvolvimento do
pensamento ou da aquisição do saber. Está fora de questão que a
experiência individual do homem, por mais rica que seja, baste para
produzir a formação de um pensamento lógico ou matemático abstrato e
sistemas conceituais correspondentes. Seria preciso não uma vida, mais
mil. De fato, o mesmo pensamento e o saber de uma geração formam-se a
partir da apropriação dos resultados da atividade cognitiva das gerações
precedentes. (LEONTIEV, 2004, p. 284).
os indivíduos, por isso que após o processo dialético de leitura literária com as obras
afro-brasileira, criou-se uma proposta didática aos estudantes: uma produção de
texto autoral de um Conto, para que os estudantes possam objetivar-se por meio da
linguagem. Para Bernardes (2012), o trabalho e a linguagem têm influência no
processo evolutivo da consciência humana, e isto se dá, pois os objetos criados pelo
homem e fenômenos sociais são representados por signos, que refletem no
psiquismo do indivíduo a imagem subjetiva do mundo objetivo.
O homem em seu processo histórico, cultural e social descobriu que a
linguagem oral pode ser representada por meio de signos escritos que representam
a oralidade e os objetos do mundo real, portanto a linguagem escrita é uma
objetivação cultural humana. Dessa maneira, compreende-se que o texto escrito
objetiva transmitir uma mensagem e carrega um sentido representado pelo signo
(escrita gráfica ou imagens), de modo que o leitor precisa encontrar meios para
compreendê-la. Contudo, a compreensão não é dada naturalmente, pois não é uma
capacidade inata, é preciso buscar apropriar-se dos signos da linguagem para
entender os significados das palavras e assim atribuir sentido (ARENA, 2021).
Portanto, argumenta-se aqui que a capacidade de leitura literária e a apropriação do
significado dos signos culturais e linguísticos precisam acontecer no ambiente
escolar, mediados pela Práxis docente.
Sobre a educação das relações étnico-raciais e a prática docente, é
importante ponderar o fato de que ainda existe um distanciamento do tema ou
negligência por parte dos agentes da educação. Segundo Gomes (2005, p.146)
“Ainda encontramos muitos educadores (as) que pensam que discutir sobre relações
raciais não é tarefa da educação”, porém isso demonstra uma falta de formação
completa sobre a história e a cultura brasileira, a pesquisadora demonstra que na
compreensão de parte dos docentes a função da escola está reduzida somente a
transmissão de conteúdos historicamente acumulados, e como se esses conteúdos
pudessem ser trabalhados de forma desarticulada da realidade social do Brasil. A
autora ainda indaga, de como é possível pensar a escola brasileira, sobretudo a
pública, descolada das questões étnico-raciais que fazem parte da construção
histórica, cultural e social do seu país? Em resposta a esse questionamento, destaca
que é preciso que os educadores compreendam as múltiplas dimensões que formam
o processo educacional e constituinte da nossa formação humana. Portanto, é
60
7
A lei 10.630, de janeiro de 2003, alterou a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394 de 20 de dezembro
de 1996 nos artigos 26 e 79, torna obrigatório o ensino da História e cultura africana e afro-brasileira
no currículo oficial das redes de ensino públicas e privadas brasileiras. Essa lei tem caráter
obrigatório e isso contribui para o avanço legal e para a compreensão da identidade do negro como
herança cultural e reconhece o negro em sua trajetória histórica.
61
8
Dados recentes do IBGE de 2021, pesquisa sobre a cor ou raça da população brasileira com base
na autodeclaração. De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD
Contínua) 2021, 43,0% dos brasileiros se declararam como brancos, 47,0% como pardos e 9,1%
como pretos.
62
acesso aos direitos básicos como renda e educação, portando diante dos dados
pode-se dizer que as oportunidades de acesso pleno a cidadania ainda é desigual
entre negros e brancos, isso é alarmante em uma democracia.
Ainda sobre a desigualdade humana, Leontiev (1978, p. 274) nos apresenta
outra metáfora
Se um ser inteligente vindo de outro planeta visitasse a Terra e descrevesse
as aptidões qualidades físicas, mentais e estéticas, as qualidades morais e
os traços do comportamento de homens pertencentes às classes e
camadas sociais diferentes ou habitando regiões e países diferentes,
dificilmente se admitiria tratar-se de representantes de uma mesma espécie.
9
Matéria da Revista Retratos sobre cor ou raça "As cores da desigualdade"
(https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101972_informativo.pdf) e
(https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/media/com_mediaibge/arquivos/
17eac9b7a875c68c1b2d1a98c80414c9.pdf).
65
indivíduos não só do que são, mas também das potencialidades do que podem vir a
ser.
Trabalhar com a formação humana e seu desenvolvimento, em contexto
escolar esbarra muitas vezes com uma concepção conservadora da escola neutra,
uma vez que os signos possuem uma natureza ideológica, ou seja, portam valores
sujeitos a apreciações e julgamentos,
As relações de troca cultural entre gerações, em que a literatura para
crianças ocupa o papel de mediadora, são constituídas por signos visuais,
enunciados verbais escritos, ilustrações, gestos, expressões corporais,
enunciados verbais orais, entonações, ênfases, timbres, todos eles prenhes
de valores e de ideologia, fundamentais para a formação da consciência e
da própria condição humana. (ARENA, 2021, p. 12).
10
Omnilateral - do latim, cuja tradução literal significa todos os lados ou dimensões. A concepção de
educação que pretende levar em conta todas as dimensões do ser humano. (FRIGOTTO, 2012).
69
11
Uma das obras de Literatura afro-brasileira lida com os alunos durante o processo formativo e será
explicitada sua prática logo adiante.
73
Um fato que se deve atentar é que dar visibilidade aos povos africanos e
trabalhar com os temas sobre a ancestralidade são experiências da diáspora dos
povos africanos, e essa atitude tem um papel fundamental na construção da
memória para as gerações mais jovens. Segundo Debus (2012, p. 148), "valorizar a
ancestralidade africana e a tornar desejante aos seus descendentes é algo que
precisa ser construído". Para isso, ilustrar ou narrar a representação de pessoas
negras sem estereótipos racistas, ou associadas a elementos pejorativos e
depreciativos, colabora para criar representações raciais mais democráticas.
Iniciado na década de 1970, com o rompimento de representações que
determinavam posições fixas, os personagens negros ganham força na
contemporaneidade. Atualmente as produções afro-literárias buscam “uma fusão
entre traços fenótipos e história, ambas apresentam nesta nova conjuntura, como
um ambiente cultural, político e social de afirmação identitária” (SILVA; SILVA;
SILVA, 2020, p.181). São essas novas configurações de representação da estética
negra disseminada por meio de obras literárias, que visam fortalecer as identidades
negras, e foi somente a partir da década de 80 que os personagens negros
começaram a ganhar esse protagonismo.
No entanto, apesar do esforço histórico, principalmente dos escritores,
educadores e pesquisadores interessados na ampliação e divulgação da cultura
afro-brasileira de inserir personagens negros no espaço artístico da literatura, ainda
persiste, na atualidade, uma ausência considerável dessas representações de
personagens negras na literatura, salvo sob força da lei, e este fato evidencia
problemas de identidade nacional, observado na manutenção da lógica colonialista e
reforço de estereótipos raciais.
Diante disso, ressalta-se a importância do trabalho docente com a literatura
afro-brasileira, a fim de ampliar o espaço de representação da etnia negra e cultura
africana no rol literário infantil e juvenil, uma vez que a literatura se torna um
instrumento fundamental para realizar a apreciação artística de diversas culturas. A
mediação da leitura literária possibilita um espaço aberto de reflexões, a ampliação
da imaginação, conhecimento de mundo, na desconstrução de preconceitos,
reconhecimento da identidade negra e compreensão da realidade social brasileira.
Por consequência, a Literatura se torna um importante fator para a formação
não somente cultural, mas intelectual dos alunos, por isso a incorporação de livros
que valorizem a diversidade racial permite ao professor trabalhar diversos processos
74
Segundo Lukács (1970, apud Costa, 2014, p. 104), o que torna uma obra
clássica e valorosa ao longo da história é a sua articulação aos problemas de
desenvolvimento da humanidade, dessa forma, a concepção de obras-primas da
literatura universal está na capacidade de perceberem o mundo de forma realista e
verdadeira. Em tese, é possível concordar com a base do pensamento lucasiano,
que concebe uma obra literária como a realização de uma inseparável totalidade
entre o seu conteúdo e forma e o meio pelo qual possibilita aos homens perceberem
o mundo como ele é realmente, numa perspectiva de representação, não de
projeção da realidade.
A realidade em sua totalidade é caótica, dinâmica e às vezes dolorosa, então
é a obra de arte que realiza a mediação da reprodução artística de diversos
personagens que expressam a sua concepção de mundo e as contradições do seu
tempo. Segundo Lukács (2010, p. 189, apud COSTA, 2014, p.103) “a concepção de
mundo é a mais elevada forma de consciência” e expressa uma significativa
experiência do indivíduo singular que o autor reflete na criação de um personagem.
É indispensável, em toda grande arte, representar os personagens no
conjunto das relações que os liga, por toda parte, à realidade social e aos seus
grandes problemas. Quanto mais profundamente estas relações foram percebidas,
quanto mais múltiplas forem as ligações evidenciadas, tão mais importante se
tornará a obra de arte, já que então ela se aproximará mais da verdadeira riqueza da
vida (LUKÁCS 2010, p.188). Sendo assim, há de se considerar que as obras
literárias de todas as nacionalidades vão além de uma mera reprodução artística,
expressando uma complexa concepção de mundo em conexão com os particulares
de sujeitos históricos reais, compostos de uma relevância vital para a compreensão
da universalidade humana.
Na perspectiva de desenvolver mecanismos de inclusão a toda diversidade
de saberes e culturas que formam o histórico-social da população brasileira como
reivindicação do movimento negro e intelectuais engajados, em 2003, foi aprovada a
Lei 10.639, tornando obrigatória no Ensino Fundamental e Médio, o ensino da
história, Literatura e Arte que represente a cultura afro-brasileira e africana para
promover a visibilidade e valorização dos conhecimentos em espaço escolar.
A professora-pesquisadora percebeu essa condição necessária no dia a dia
das aulas porque ao buscar medidas que possam prover um caminho dialógico na
construção da verdadeira igualdade racial se estabelecem como um caminho viável
80
12
ROSENFELD, Anatol. Literatura e personagem. In: CANDIDO, Antonio (Org.). A personagem de
ficção, cit. p. 27-28.
82
não surgem normalmente. Podemos destacar aqui a prática de leitura e escrita, são
capacidades intelectuais que se formam com o aprendizado pela apropriação dos
conteúdos presentes nos produtos da cultura humanas, que são objetivações, as
quais em nossa cultura brasileira são contadas predominantemente por brancos.
Portanto, a necessidade da prática pedagógica está no desenvolvimento de
ações, muitas vezes mentais, em produzir no indivíduo necessidades que não são
cotidianas, como por exemplo
[...] no contexto escolar há uma dupla mediação, uma que se refere à
relação entre professor e estudantes, outra vinculada à relação entre os
estudantes e o conteúdo escolar. Do ponto de vista do desenvolvimento
psíquico, a primeira somente se realiza quando a ação docente envolve a
disponibilização dos conteúdos escolares como elementos mediadores da
ação dos estudantes, isto é, de modo que eles sejam capazes de realizar
conscientemente as ações mentais objetivadas nos conhecimentos
historicamente produzidos. (SFORNI, 2008, p. 7).
Assim, como o livro é um agente mediador, a ação docente e as ações dos alunos
são também agentes mediadores para a apropriação do conhecimento (SFORNI,
2008). Nesse sentido, percebe-se que a prática docente, e as elaborações dos
alunos, durante as interações, são elementos mediadores e contribuem para o
desenvolvimento do aporte cultural e de capacidade de desenvolver a leitura
literária.
A escola nesta perspectiva é um lugar privilegiado para a transmissão de
conhecimento que realmente promove o desenvolvimento (MARTINS, 2016).
Durante as aulas online (período pandêmico), a professora-pesquisadora em
mediação com seus alunos percebeu a importância da organização do espaço físico
escolar e tempo suficiente destinado a prática leitora com seus estudantes, pois
muitos deles relataram a dificuldade de participar do momento de leitura, mesmo por
vídeo, devido às impossibilidades que cada ambiente doméstico tem, pouco
conseguiam participar sem interrupções. Portanto, valorizar a escola como espaço
de promoção da leitura é imperativo, visto que estas mediações corroboram para
algo muito importante: o desenvolvimento do psiquismo humano.
A importância do ensino da leitura literária mediado pela práxis docente
acontece pelas relações práticas entre as leituras sociais e culturais, com base nas
experiências e necessidades humanas. Esse processo educacional intencional
destaca-se porque as funções psíquicas superiores, segundo Vigotski (1995), se
formam primeiro em meio a um processo interpsíquico, isto é, no coletivo e social,
na relação com outras pessoas, para depois transformar-se em funções
intrapsíquicas, internas e subjetivas do indivíduo.
No entanto, para que o desenvolvimento do psiquismo ocorra é importante
que o indivíduo realize ativamente atividades mediadas por instrumentos complexos
da cultura, como livros de literatura e obras de arte. E isso só ocorre quando há
consciência da atividade ou ação leitora realizada, por isso defende-se que a
organização do processo educativo deve apresentar as formas mais elaboradas da
cultura para os leitores. Segundo Sforni (2008, p.5) “quando se afirmar que um
instrumento físico ou simbólico foi apreendido pelo sujeito, significa que nele já se
formaram as ações e operações motoras e mentais necessárias ao uso desse
instrumento”. Portanto, compreendemos que o uso didático das atividades
organizadas com leitura causa uma relação entre mediadores, porque promove a
interação entre os elementos externos e internos, motivando o meio para a
85
Quadro 4 - Resumo das ações de leitura com Literatura de temática africana e afro-
brasileira.
Cronograma Ações realizadas Objetivos da ação de leitura
Setembro 1ª) Aplicação do questionário Conhecer previamente as
diagnóstico sobre leitura e concepções dos alunos sobre o
literatura afro-brasileira. (Quadros ato de ler, motivação, capacidade
6 a 9) leitora e conhecimento sobre as
obras de literatura afro-brasileira.
Setembro 2ª) Roda de conversa sobre a Proporcionar o contato com a
especificidades da Literatura Afro- literatura Afro do acervo,
brasileira; sobretudo o objeto-livro do
bibliotecário escolar, para a
Escolha dos livros na biblioteca ampliação do repertório cultural
para a Roda de Apreciação dos alunos.
Literária.
Setembro 3ª) Atividade Organizada com o Promover uma nova experiência
livro “O casamento da princesa” literária e novo olhar sobre o ato
do autor Celso Sisto. de ler.
Interessante notar que embora nas questões anteriores a maioria dos alunos
relatou que gosta de ler, aqui relataram que não leem com muita frequência ou "às
vezes", e somente dois alunos responderam que leem diariamente. Em
contrapartida, 50% dos alunos participantes acreditam que já desenvolveram
capacidades de leitura e atribuem isso aos esforços de seus pais e amigos da
escola, revelando o quanto a práxis docente com literatura precisa sofrer
investimento para que isso reverbere em impactos na vida escolar dos estudantes.
O quadro 6 apresenta as respostas obtidas na pergunta 6.
linguística em todas as suas formas, mas também, o conteúdo cultural que elas
carregam.
Antes de iniciar as atividades organizadas com a literatura afro-brasileira,
também foi preciso investigar sobre o conceito de gênero Conto, e já com o intento
de uma objetivação da escrita pelos alunos, buscou-se a princípio perceber o nível
de dificuldade inicial dos nossos alunos com uma verificação do conhecimento
prévio, a fim de perceber o que já sabem sobre o Conto e avançar para o
entenderem sobre aquilo que ainda precisam saber. Para tanto, foi utilizado a
ferramenta Jambord, com auxílio de um notebook, solicitando aos alunos colocarem
neste espaço, ou pedirem para colocar uma sentença ou desenho, sobre o que seria
um conto em suas opiniões. Os estudantes livremente colocaram as expressões a
seguir.
individual e coletivo”. (SILVA, 2006, p.27). Com base em todas essas considerações,
é possível dizer que a formação de leitores é um caminho é longo, as quais também
dependem de investimento em políticas públicas que contemplem manutenção de
bibliotecas escolares e a formação do mediador.
Após os alunos responderem ao questionário de avaliação diagnóstica, darem
suas opiniões sobre a importância da literatura em sua vida e escolherem livremente
um livro de literatura afro-brasileira, pensou-se sobre uma forma de compartilhar
estas leituras com os colegas de sala para que todos pudessem apreciar as
histórias. Assim, foi escolhido junto com os alunos, o formato roda de leitura ou uma
apreciação literária já que ele propicia uma boa interação e a exposição do
pensamento dos participantes da pesquisa.
O pensamento é uma forma dialógica e coletiva de análise dos conteúdos
da realidade; essa análise ocorre por meio de conhecimentos e conceitos
que desvelam os caminhos e os meios para participar das mais variadas
esferas da atividade humana. (CLARINDO, 2020, p.139).
alunos com necessidades especiais, que disseram que levariam para casa para
pedir aos pais para ler com eles.
Após a escolha do livro, os alunos deveriam realizar a leitura e apresentar, no
próximo encontro, um breve resumo da obra, seus personagens, e outros elementos
básicos da narrativa para compartilhar aos colegas, relatando o que lhes agradou
durante a leitura e os sentidos encontrados. Essa atividade teve a finalidade de
ampliar o contato dos alunos com o máximo de obras da literatura afro-brasileira
possível e viabilizar futuros empréstimos das obras que foram compartilhadas na
roda de apreciação literária. Os alunos tiveram duas semanas para ler e se preparar
para as apresentações, conforme mostra o cronograma a seguir.
informações principais
da obra características -Relato da emoção
fixas título autor que sentiu durante a
gênero textual. leitura.
-Opcional: gravar um
vídeo para apresentar
a turma (edição
personalizada).
Fonte: A autora (2021).
Este planejamento intenta conectar os alunos com a leitura literária, por meio
da leitura em uma roda de apreciação das obras, aprofundando-se seus sentidos e
estética que, em essência, giram entorno de um personagem protagonista negro.
Contribui também para que haja um que um espaço da leitura na escola, organizado
pelo docente. O uso das novas tecnologias como o smartphone, internet e
aplicativos para a leitura proporcionaram acesso à informação e diversas leituras,
porém, eles não substituem o lugar do livro na escola.
Não há como negar que estes meios auxiliam na continuidade da prática da
leitura em ambiente não escolar, contudo, é essencial que continue existindo um
espaço, como o da biblioteca escolar, a ser preenchido com ações que promovam a
leitura literária, seja pela forma de livre compartilhamento das ideias captadas pela
leitura, ou ainda, pela avaliação qualitativamente junto ao professor que instigue
outros leitores a ampliar seu repertório de leitura e cultura, por meio da
compreensão de obras e autores diversos.
104
do ensino fundamental, teve como objetivo ampliar o seu repertório cultural e literário
e possibilitar que expressem suas opiniões sobre os livros lidos, promovendo um
diálogo reflexivo e contribuindo para a formação de leitores, ao desenvolver o prazer
pela leitura. A escolha dos livros, feita a partir do Programa Nacional do Livro
Didático (PNLD, 2020), foi embasada na seleção de obras que tivessem a
representação do negro na Literatura. Assim, foi proposto aos alunos que, após a
ação de leitura individual, preparassem uma fala para compartilhar com os colegas
as suas percepções sobre o conteúdo (ideias, valores, conceitos, além de suas
impressões sobre a forma (ilustrações, gênero textual, linguagem, elementos da
narrativa e enredo) e a sua compreensão dos significados obtidos. Para auxiliar os
alunos neste processo, foi montado um roteiro que o instrumentalizasse a conhecer
melhor a obra, conforme mostra o Quadro 11 a seguir.
discutir sobre ela, ou seja, na perspectiva dos estudos de Bakhtin (2003) ela realiza
uma interação verbal. Esse confronto de ideias e pensamentos, no ambiente
coletivo, é capaz de desenvolver a linguagem e o pensamento, sempre na interação
com o outro, por meio do diálogo, garantindo ricas experiências literárias.
Após o período determinado para a leitura e para a preparação do material,
foi realizada a atividade Roda de Apreciação na biblioteca da escola. Inicialmente,
muitos alunos mostraram-se acanhados em falar publicamente e quiseram somente
ler as suas fichas, elaboradas com base no roteiro, em que anotaram suas
impressões sobre o livro escolhido. No total, 18 alunos levaram os livros para ler em
casa, somente 10 alunos conseguiram ler sozinhos e falaram um pouco sobre suas
percepções da obra escolhida aos demais alunos, e destes eram os participantes da
pesquisa, exceto uma aluna faltou no dia e não realizou a leitura individual. O
Quadro 12 traz uma relação entre a obra escolhida e o aluno. Cabe salientar neste
momento, os dados sobre a racialidade dos participantes da pesquisa, já que a
percepção frente aos elementos étnico-raciais presentes na obra pode afetar, mais
ou menos, os leitores a depender de sua etnia.
Figura 4 - Capa do livro “A guardiã dos segredos de família” autora Stella Maris
Rezende.
110
A aluna expressou que teve dificuldade para entender as poesias, mas que as
ilustrações lhe ajudaram. Em relação a qual emoção sentiu durante a leitura, a aluna
111
afirmou sentir “nojo”, porque viu imagens que remetiam a violência e aos maus
tratos decorrentes da época da escravidão: “tratavam mal as pessoas”. Foi indagado
a turma se todos concordavam com esse sentimento, que responderam
afirmativamente. Também foi questionado se conheciam ou já ouviram falar do
poeta Castro Alves, contando-lhes que se trata de um poeta do século XIX,
romancista e que ficou conhecido como “poeta dos escravos”, já que seus escritos
defendiam a liberdade das pessoas negras escravizadas nesta época. Nenhum
aluno quis comentar ou perguntar algo sobre o assunto, um silêncio que poderia
derivar-se da temática dominante de dor e sofrimento ligada aos personagens
negros ou, ainda, uma falta de compreensão leitora decorrente do não
aprofundamento sobre os significados dos signos linguísticos.
Neste ponto, cabe salientar, conforme traz Vigotski (1998, p. 150), a
importância de buscar os significados do que se lê: “uma palavra sem significado é
um som vazio; significado, portanto, é um critério da palavra, seu componente
indispensável”. O fato de a aluna ter dificuldade para superar a barreira linguística de
termos antigos da poética de Castro Alves, recorrendo somente as imagens para
apoiá-la, demonstra que ela não buscou a ampliação lexical e apropriação dos
novos termos.
Seguimos com a apresentação do livro “Cartas para a minha mãe”, a aluna
Sakura também quis manter-se sentada e foi auxiliada pela professora para realizar
seu relato, já que demonstrava ansiedade pela timidez. Sakura relatou que o livro
conta a história de uma menina negra como se fosse um diário, onde é relatado
inicialmente que sua mãe morreu e acabou indo morar com sua tia e primas. Ela
escreve cartas para a sua mãe, mesmo sabendo que ela está morta, para continuar
lembrando dela e sentir que ela está presente. Ela enfrenta muitos desafios por ser
negra, sofre bullying e tenta resistir.
Segundo Vigotski (1998, p. 315), “A arte é o social em nós”. Quando o homem
elabora uma obra artística, seja um conto, poema, música ou pintura, ela representa
em sua forma o processo de elaboração da história de um indivíduo humano
realizado nas interações da sociedade, e, ao buscar compreender o significado
destes recursos artísticos, acessamos o seu conteúdo.
De acordo com Assumpção e Duarte (2016, p.257), mediados pelas obras
artísticas, conseguimos expandir nosso entendimento de fenômenos concretos da
realidade e vivenciá-las esteticamente. O livro “Cartas para a minha mãe” exigiu da
112
aluna o uso das funções psíquicas superiores para que pudesse ter a experiência da
dimensão da dor e sofrimento causado pelo luto e, por isso, sentiu-se afetada. A arte
permite que o homem reflita sobre a sua realidade, pois ela carrega as
características do homem social.
Figura 6 - Capa do livro “Cartas para a minha mãe” da autora Teresa Cardenas.
Foi perguntado à aluna porque ela tinha achado o livro diferente e porque sua
nota era nove. Ela respondeu que achou diferente porque “tem coisas sobre a
espiritualidade africana” e não atribuiu a nota dez porque ela gosta mais de livros de
romance, mas reiterou que achou a história interessante.
A próxima aluna a apresentar foi a Bia, quis somente ler o seu resumo que
havia elaborado sobre o livro de Cordel “Rapunzefa”. Quando interrogada sobre o
que mais lhe chamou a atenção e porque escolheu este livro, ela disse que foi por
causa das suas ilustrações e por ser uma história romântica que se parece com a
história da Rapunzel.
Por fim, a aluna Catra fez o seu relato sobre o livro de contos “Kalinda: a
princesa que perdeu os cabelos”, dizendo que ele possui vários contos e o que o
nome ao livro foi o que mais lhe chamou a atenção, sendo algo que lhe instigou para
realizar a leitura e saber o que havia acontecido com esta princesa para ter perdido
o seu cabelo. A aluna relatou que durante a leitura se identificou com a personagem,
porque gosta muito do seu cabelo enrolado. Em seu relato, a aluna citou que a
princesa perdeu os cabelos por causa de um encantamento do pássaro e que o fato
dela se casar ao final foi o que mais lhe agradou.
13
O termo catarse (do grego Kátharsis) foi usado pela primeira vez por Aristóteles (384 a.C. – 322
a.C.), em sua obra Poética (1993). O conceito de catarse, com base na estética de Lukács defende
que a arte pode exercer um papel na formação humana, pode acarretar no sujeito uma transformação
na relação entre a consciência e a realidade social. (COSTA, 2014, p.17).
116
Neste trecho, foi indagado aos alunos o que essa caracterização sugere de
sentido. Algumas respostas foram:
Bibble: Ele deveria ser alguém bem calmo, né!?
Mitsuya: É né... professora é só chuva né? Não é tempestade.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).
Catra:Eu achei bem legal. A paisagem em volta achei legal. A roupa dele
achei bem detalhada, desenhada bem certinho, bem legal eu achei!!
Mitsuya: Mas a última imagem que ela aparece, ela tinha uns brincos na
orelha, só que no fundo ele tava meio que com tons de cor parecido, aí o
que acontecia...tampava.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)
Desta maneira, foi possível ver que, a partir dessa experiência literária e
compreensão textual, os alunos começaram a formular referências estéticas
considerando o contexto cultural, como, por exemplo, o cabelo curto, o pescoço
alongado e rosto arredondado, características da personagem Abena que
representa um traço de beleza da cultura afro. Assim como o povo Ashanti,
representado na obra lida, as “mulheres girafas”14, foram citadas como exemplo
pelos próprios alunos, as quais indicam que de acordo com o seu contexto cultural a
colocação de muitas argolas no pescoço, apesar de ser perigoso, tem conotação de
beleza em sua cultura, ou seja, o significado de beleza também é cultural. No fim da
leitura, foram disponibilizados aos alunos desenhos de princesas negras para colorir,
compondo um mural da Beleza Negra a ser exposto na semana da consciência
negra, juntamente com outras turmas do colégio.
14
A professora-pesquisadora apresentou aos alunos, em uma aula posterior, imagens reais da tribo
de etnia Ashanti e das “mulheres girafas”.
123
muito dessas histórias, que não são como todas as outras. (SISTO, 2018, p.
5).
A aluna participante inicia a leitura do primeiro Conto, alternando sua voz com
a da professora. Durante esse processo, a professora realiza as mediações
investigativas acerca dos significados linguísticos que são produzidos por meio das
imagens, personagens e dos temas revelados pela compreensão do enredo. A
transcrição do Conto inteiro encontra-se no anexo “F”.
Catra: Aconteceu há muito, muito tempo. O rei tinha uma filha chamada
Kalinda. E ninguém duvidava que ela fosse a moça mais bonita do mundo.
Seu rosto reluzia como a superfície do lago banhado pela lua. Os olhos
faiscavam como o céu estrelado. Mas eram os seus cabelos que
encantavam as pessoas, pois além de terem uma cor especial, ainda eram
adornados com pérolas e diamantes. E tocavam o chão, iluminando o
caminho por onde ela passava e espalhando um suave perfume de madeira.
Além dos presentes que a princesa recebia do rei para enfeitar os cabelos,
como flores, cristais, jóias e turbantes, todos os dias as ajudantes da
princesa a penteavam com pomadas e óleos aromáticos, enquanto
cantavam alegremente: Para crescer forte como uma árvore, Para resistir
ao sopro do vento, Para correr como a água do rio. Temos nossas mãos
mágicas. (...) (SISTO, 2018).
ler é questionar o texto a partir dos indícios, leitura é atribuição de sentidos, ler é
atribuir um sentido a um escrito (JOLIBERT, 1994a).
Seguindo na investigação sobre quem era a personagem principal, Kalinda,
viu-se que se trata de uma princesa de um reino africano conhecida por seu
inigualável cabelo. Convencida de sua beleza, ela afirma “sei que tenho o cabelo
mais belo que alguém poderia ter no mundo!”. Até que um dia um pássaro mágico
aparece e pede um punhado dos belos fios de cabelo, para que possa acabar de
construir o seu ninho, entretanto, a princesa indignou-se com o pedido e disse “Amo
os meus cabelos mais do que qualquer coisa nesta vida!” e furiosa, expulsou o
pássaro dali.
Nesse momento da leitura, a professora-pesquisadora faz perguntas aos
alunos, a fim de chamar atenção para a construção da narrativa, a composição da
situação inicial do enredo, a importância da caracterização da personagem (a beleza
dos seus cabelos) e o ambiente da história, situando o leitor até chegar no conflito,
que é o momento em que o pássaro pede um pouco de cabelo da princesa. Aqui se
chama a atenção para a análise do significado do cabelo para a compreensão da
história e pergunta aos alunos:
Professora-pesquisadora: Só um instante. Você daria seu cabelo? Não
daria?
Catra: Ah! daria professora, eu daria um cacho inteiro
Sakura: Não daria não.
Professora-pesquisadora: Não? O seu lindo cabelo?
Catra: Ele é inigualável, dá dó.
Professora-pesquisadora: Não é um simples cabelo, ele é lindo,
inigualável, ou seja, é meu e só o meu será assim. Será que tem um tema
por trás dessa figura?
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).
cauda, com a cabeça coroada de uma crista de cor esverdeada e com olhos
e bico vermelhos despencou no barco e olhou Muoma diretamente nos
olhos”.
Bibble: Professora, é o pássaro que está na capa do livro.
Vapo: Parece a gralha azul
Professora-pesquisadora: Será que esse pássaro do conto tem conexão
com aquele pássaro da capa? Será que é o mesmo?
Aleatória: Tem as mesmas características, pode ser que sim.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).
Continuando a leitura, Muoma achou que tal árvore poderia estar escondida
do outro lado do vasto mar, assim, foi até lá em uma embarcação. Houve uma
explosão e a árvore de ouro ardeu em chamas e, logo em seguida, se transformou
em feijões vermelhos. Muoma encontrou com o pássaro mágico, e este, com muita
fome, lhe pediu os feijões para alimentar-se. O jovem, uma pessoa generosa, lhe dá
os feijões. O pássaro deixa o último feijão vermelho e diz para Muoma levá-lo à
princesa, que deveria plantá-lo no seu jardim e ser regado com as lágrimas do
arrependimento da princesa. Muoma então retorna com a última semente de feijão
levando-a para a princesa.
Ao ler o desfecho, os alunos puderam perceber a descrição do ambiente que
o narrador faz na obra, dizendo que, ao voltar para casa, Muoma passa por diversos
lugares. Assim, os alunos fazem uma associação de Muoma aos índios, devido a
sua ligação com a natureza: “Ele parece com os índios”, e ainda é caracterizado
como “um homem generoso e falava a língua dos animais, acabou voltando para a
sua terra sob a proteção de búfalos, zebras, gnus e antílopes”.
Retornando à leitura, seguindo as instruções do pássaro, a princesa planta o
feijão e dele nasce uma árvore que produz cabelos. Muoma colhe os primeiros fios e
os coloca de volta na princesa Kalinda, que se fixa na cabeça da moça como no
sonho.
Catra: ((continua a leitura)) Tudo aconteceu mais ou menos como no sonho
da princesa. A semente foi colocada na terra. E, quando recebeu a primeira
lágrima do arrependimento, imediatamente se transformou numa árvore tão
alta que quase tocava o céu. A árvore, por sua vez, se encheu de flores
vermelhas que, depressa, se transformaram em frutos, que logo se abriram
derramando a música no ar e de onde saíam fios de cabelos que desciam
até o chão. Mas foi Muoma quem primeiro se aproximou da árvore, colheu
os primeiros fios e os colocou de volta na princesa Kalinda. E, como se
nunca tivesse sido diferente, os cabelos voltaram a se fixar na cabeça da
moça e logo estariam brilhando e perfumando aquela maravilhosa noite. Em
seguida houve música e dança. Risos e alegria. O rei e todo o reino
festejaram os cabelos da princesa por muitos dias. Muoma recebeu o ouro
prometido e o que ele mais queria secretamente, desde que vira Kalinda
pela primeira vez: o amor da princesa. Casaram e viveram felizes por muito
e muito tempo. Cercados de pássaros de todas as cores e tamanhos, que
131
produção de novos sentidos. Para Silva e Arena (2012), na relação entre autor, leitor
e obra, é possível promover um encontro de experiências no qual se possibilita um
novo olhar e compreensão do sujeito para sobre aquilo que se lê.
Foi relembrado também que se trata de obras que tematizam sobre a África e
que este contato estético literário promove uma nova experiência, como a de ver
princesas africanas. Neste ponto, foi anunciado aos alunos que a próxima princesa a
ser tratada em Conto, a princesa Valentina, era brasileira, mas que antes seria feito
o contato com o elemento mediador, um filme de animação, em uma tentativa de
produzir um percurso de valorização da personagem negra, partindo do contato com
uma princesa já era conhecida por parte dos alunos. Para tanto, foi investigado o
conhecimento da turma sobre a princesa do filme, a fim de avaliar determinantes
históricos e geográficos sobre a ancestralidade negra.
Em seguida, a professora-pesquisadora mostrou aos alunos a capa do filme
de desenho animado mostrando a ilustração da princesa Tiana: a personagem negra
como protagonista.
Aleatória: Ela beija o sapo para ele virar um príncipe, mas ela que vira
sapo.
Professora-pesquisadora: Isso! É um conto também? É uma princesa
negra?
Catra: Sim
Aleatória: Sim
Bia: Sim
Professora-pesquisadora: A etnia negra veio de qual país?
Aleatória: África
Lemon: África
Professora-pesquisadora: Tem algum outro país que tem a base étnica
negra? Original?
Catra: Americano?
Professora-pesquisadora: A África! Ela é descendente de africanos
também, mesmo sendo americana.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).
Aleatória: Esse conto, retrata uma mulher, uma criança, que no início ela
estava na casa de sua amiga e a sua mãe começou a contar uma história
do livro “A Princesa e o Sapo”. Lendo o livro da princesa, tem uma parte
que retrata a princesa se sentindo nojo da princesa beijando o sapo e
transformando ele um príncipe. É... E com o tempo ela vai tentar realizar o
seu sonho de ter o seu próprio restaurante. Ela é muito trabalhadora e nisso
vai. Aí no caminho para ela realizar a sua carreira ela encontrou um sapo.
Humm.. Ela encontra uma estrela cadente e quando ela foi fazer um pedido
para ter o seu restaurante, daí aparece um sapo do lado dela e ela começa
a conversar. Nisso que ela começa a conversar com sapo tipo ela se
assusta, porque é um sapo falante. Como assim? Aí beleza, daí ela começa
a querer fazer o pedido, mas aí ela cai e o sapo a beija. Mais ou menos
isso. Ela beija o sapo, e daí... Em vez dele virar um príncipe, ela vira sapo.
E daí tem um mago feiticeiro que corre atrás dele por causa de um colar
que era dele. Aí começa o filme. Eles correm para a floresta e até
encontram um jacaré. Um jacaré que quer ser músico e por aí vai.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).
Orleans, EUA. Em sequência, foi abordado sobre o príncipe Naveen, que deseja ser
livre e ter uma vida diferente de um membro da realeza, mas o seu pai o proibiu.
Durante uma fala entre o príncipe e seu mordomo, ele revela a pressão feita pelo
pai: “ou você arruma uma esposa rica ou você vai trabalhar”. Neste ponto, perguntei
aos alunos: “O que ele vai escolher?” e a aluna Catra responde “O caminho mais
fácil”.
Também foi debatida a figura do personagem antagonista, o feiticeiro, o qual
aparece fazendo uma proposta tentadora ao príncipe: “As portas do mundo pra
você”. Chegou então, o dia do baile de aniversário da Charlotte, amiga da Tiana.
Todos esperam a visita do príncipe e acontece um incidente durante a festa. Neste
momento o filme foi interrompido para o intervalo. Uma participante da pesquisa
procurou a professora-pesquisadora demonstrando bastante entusiasmo pelo filme
apresentado:
Professora-pesquisadora: Então você me disse que assistiu a esse filme
várias vezes? Dez vezes?
Aleatória: Huhum!
Professora-pesquisadora: E por que você assistiu tantas vezes a esse
filme?
Aleatória: É porque assim, eu gostei e eu me identifiquei com ela. Porque
uma vez eu já quis ser masterchef, e já corri atrás muito. Só que como eu
gosto bastante de animal. É... até a minha madrasta falou, tipo assim, nossa
(Aleatória), você gosta tanto de animal e quando eu te chamo para cozinhar
você não vem. Então você deveria ser veterinária ou alguma coisa que
mexe com cachorros ou com os animais do quê masterchef. Eu falei a
verdade. A primeira coisa que eu quis ser era garçonete. Depois eu mudei
para massagista, depois dentista, depois masterchef. Eu fiquei um tempão e
agora eu quero ser veterinária agora. E tá nisso ainda.
Professora-pesquisadora: O que te atrai mais nessa história e o que te
faz assistir mais e mais vezes esse filme? É porque você se identificou com
a Princesa Tiana.
Aleatória: Eu me identifiquei com a Princesa Tiana.
Professora-pesquisadora: Quais são as características assim que você
destaca nela?
Aleatória: Tipo assim eu não sou negra né! Mas basicamente eu tenho a
cor dela. E por parte dela também ter esse sonho de querer ser
masterchef. Por ela ter nojo de sapo. E eu já peguei num sapo, já me
zoaram por eu tentar pegar em um sapo. Eu não beijei o sapo. Eu já peguei
no sapo e tipo assim peguei uma rã também. Aí quando eu peguei na rã eu
dei um pulo.
Professora-pesquisadora: Você não beijou né?
Aleatória: Não beijei, deu um nojo. O bicho é mole.
Professora-pesquisadora: Ele tem uma temperatura bem fria né?
Aleatória: Sim. Tem que pegar o numa partezinha que se não me engano
ele tem um veneno. Se você pegar na parte errada ele pode te matar na
hora.
Professora-pesquisadora: Verdade. Tá! E em relação a personagens
mulheres, o que você acha de mulheres enquanto protagonistas da
história? Em histórias, tanto em filme para crianças, quanto para histórias
de literatura? Porque no conto dos Irmãos Grimm era a história de um
príncipe como personagem principal. Você acha que representou bem as
139
Lopes: Todos têm um único objetivo Catra: a diferença é que uma vira sapo e a outra não
e mesmo com algumas dificuldades
conseguem realizar seus sonhos
Lemon: sem resposta Mitsuya: Elas têm histórias diferentes uma da outra
Bia: todos têm uma história Bibble: todas têm histórias diferentes.
diferente e com finais diferentes
Naruto: não sei Sakura: (Não entregou)
Vapo: sem resposta Aleatória: a diferença das princesas é que cada uma das
princesas tem algo diferente
Fonte: Acervo da professora-pesquisadora (2021).
Bia: todas são princesas africanas Bibble: todas são princesas africanas
Lopes: Sim estou amando já gosto de ler e Catra: sim. todos me interessam bastante
é muito bom aprender mais sobre os contos
africanos
Lemon: Sim, está sendo maravilhoso! Mitsuya: Sim, nunca desista dos seus sonhos por
mais que seja complicado.
Bia: Sim, a minha experiência é normal, só Bibble: Sim, sim eu estou gostando muito, não lia
muda que eu me interesso muito (final do isso com frequência.
trecho ilegível).
Naruto: Sim Sakura: (Não entregou)
Vapo: sem resposta Aleatória: Sim, bastante. É uma literatura que eu
conhecia, mas não lia muito
Fonte: Acervo da professora-pesquisadora (2021).
descer lá do castelo? Por que eles tinham que descer e subir tantas das
vezes?”
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)
Ao serem questionados sobre o que é ser alguém, uma aluna respondeu: “Ah
os filhos criar um futuro melhor, trabalhar se manter sozinhos sem ajuda dos pais”.
Outra aluna disse: “Ser alguém é ser bem sucedido”. Trazendo suas respostas para
o no determinante econômico da obra, questionou-se sobre o fato de os pais saírem
todos os dias para trabalhar e como isso influenciava no futuro de Valentina:
Naruto: Pode ser pra trabalhar e ganhar dinheiro
Professora-pesquisadora: Pode ser o quê? Eles trabalham?
Naruto: Ora ter mais dinheiro e conseguir ajudar ela e pagar melhor escola
e dar uma ajuda na faculdade
Professora-pesquisadora: Okay, mas eles não são reis e rainhas?
Vapo: Então, né, professora.
Sakura: Eu acho que é porque a princesa, o rei e a rainha têm toda a fama
e todo o dinheiro né? Então eles saem para meio que fazê-la cuidar de si
mesma. Aprender a fazer as coisas sozinha, pra tipo quando ela ser uma
rainha não ficar sempre dependendo do rei.
Professora-pesquisadora: Compreender a realidade.
Catra: É, saber da realidade.
148
explicava direito para a menina onde ficava esse tal de Tudo. Bem na
realidade, Valentina achava que tudo era ali onde ela vivia. E mesmo
quando os dragões do lugar apavoraram todo mundo e cuspiam fogo e
barulho para todos os lados a rainha e rei cercavam o castelo com
pensamentos bem esticados e acalmavam a filha, contando histórias para
ela dormir”. “E a princesa gostava de mostrar para as amigas que o castelo
onde ela morava tinha uma torre com escada enluarada e porta de asa
aberta. Valentina também mostrava que a cama em que ela dormia tinha
vontade guardada para a noite e cheiro de abraço amarrotado " .E o castelo
de Valentina tinha um brilho que a transformava nas sombras. O quintal da
Valentina tinha galo que esfregava o berro muito cedo. O quarto de
Valentina tinha janela para vista de dentro e cortina que se abria ideia”.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).
Antes de continuar a leitura, foi mostrado uma ilustração da obra com várias
casinhas, uma em cima da outra, a qual diz respeito a outro determinante importante
da obra: o geográfico. Foi indagado aos alunos se aqui no Brasil tem muitas
edificações assim, de casas uma em cima das outras. Um aluno respondeu que em
sua cidade existe sim, fazendo referência a uma favela na saída: “Lá eles fazem no
morro, vou fazer uma casa em cima da outra”, “É como se fosse ao Rio de Janeiro.
O morro de lá tem um monte de casinhas. Assim no morro e aí tem umas lá
embaixo”. Após essa breve reflexão, continuou-se a leitura, chegando ao desfecho
152
deste Conto:
Aleatória: ((continua a leitura)) “Na curva do bem fundo, naquele lugar, as
meninas sonhavam em ser princesas. Mas Valentina não queria ser
princesa. Princesa ela já era onde quer que estivesse. E ela ficava toda
sorrida, sempre que descia junto com a rainha e o rei, e lá de baixo,
apontava onde os três moravam, no meio de um bocado de outros castelos,
num morro do Rio de Janeiro, logo depois do mais longo de tudo”.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)
A partir do exposto, a aluna Aleatória fez a conexão com o conteúdo com uma
imagem real que retrata a desigualdade entre centros urbanos e periferia, mostrada
pela professora de Geografia. Relatou o seguinte: “Era uma paredona assim
moravam os ricos e pra cá moram os pobres”, “pra cá um monte de árvore, e do
outro lado um monte de mansão”, “quando eu vi aquilo eu falei meu Deus do céu”.
Finalizando a atividade, foi destacada a frase da obra “como se tão longe de
155
tudo não pudesse existir boniteza” que, de acordo com uma entrevista18 do próprio
autor da obra Valentina, Márcio Vassalo, é importante todos os dias exercitarmos a
lucidez, porque vivemos em uma sociedade há muitos anos, racista e
preconceituosa que talvez não achamos ser capaz de encontrar beleza em lugares
tão esquecidos. Essa foi a intencionalidade do autor ao construir a ideia de uma
princesa linda em um lugar esquecido como uma favela.
Na entrevista, o autor relata ainda que escreveu essa história movido por um
relato de um colega jornalista que morou um tempo em uma favela para observar a
comunidade e fazer um trabalho. Este amigo relatou a Vassalo que ficou
assombrado por ter encontrado uma menina tão bonita em um lugar tão
desamparado, assombrando-se, posteriormente, pelo próprio preconceito que tinha
tido em relação a essa menina e ao lugar em que morava. Valentina, portanto, não
quer ser alguém na vida: ela já é.
Sendo assim, salienta-se que a prática pedagógica com literatura é
importante, pois promove trocas qualitativas e enriquecimento reflexivo organizado
pelo professor, com vista ao desenvolvimento psíquico dos alunos. O trabalho do
professor é organizado de modo que proporcione ao aluno uma leitura da
compreensão dos significados linguísticos. Segundo Leontiev (1978, p. 111), “os
significados refratam o mundo na consciência do homem” [...], ou seja, por trás dos
significados linguísticos, se ocultam os modos de ação socialmente elaborados.
Nessa perspectiva, busca-se uma didática leitora para além da
instrumentalidade técnica, da mera análise do conteúdo de valores presentes nas
obras, que servem somente ao discurso utilitarista, pedagogizante ou didatizante,
fazendo oposição aos complexos valores da estética literária. É necessária uma
prática voltada para a leitura dos sentidos e compreensões dos significados, junto a
mediação docente.
Azur e Asmar é uma obra de Michel Ocelot, com tradução de Annita Costa,
publicada em 2007 pela Editora Edições SM. A obra não retrata especificamente no
seu enredo, a representação da diversidade que compõe a sociedade brasileira,
voltado para a tensão cultural entre França e a África, entretanto, ela condiz com as
muitas realidades encontradas no Brasil. Além disso, elementos da cultura africana
são amplamente explicitados na obra e a tematização dos enfrentamentos e dos
conflitos étnicos é bem trabalhada durante o enredo.
Não é considerado um livro da literatura afro-brasileira, mas, devido a
representação de personagens negros do gênero masculino em situação de
protagonismo e valorização, optou-se por inseri-la no rol de atividades organizadas
com leitura para os alunos de 7 ano, dada a potencialidade para a análise de
conteúdo e forma que a relação entre e o filme e o livro promove ao leitor em
formação.
A narrativa conta a história de dois protagonistas que crescem
juntos, criados por Jenane. O enredo explora o tema da tolerância, diversidade
cultural e étnica, solidariedade e superação de dificuldades. Azur é um menino
branco, loiro, tem olhos azuis e é filho de um nobre. Asmar é um menino negro,
possui olhos e cabelos pretos e é filho biológico de Jenane, a ama de leite que cria
os dois. Azur e Asmar é uma narrativa de um conto maravilhoso que não reforça
estereótipos de padrões ocidentais nem mesmo a rivalidade entre o bem e o mal,
mas leva a criança leitora a refletir sobre o respeito ao outro ser humano e suas
particularidades, buscando compreender por meio da aventura, imaginação e
mágica, a riqueza das pluralidades culturais descritos em palavras e imagens.
Foram analisados durante a leitura com os alunos a presença dos mesmos
determinantes (histórico, geográfico e econômico) observados com as obras “A
princesa e o sapo” e "Valentina". O conto de aventura se passa em Magreb, na
África Ocidental e terra natal de Asmar, enquanto Azur é natural de uma província
da França. O conto demonstra a relação entre a cultura francesa e africana,
destacando como a discriminação étnica separa as pessoas e deixa mágoas.
Durante a narrativa, é demonstrado que as diferenças entre os povos
revelam a grandeza da pluralidade cultural e como o respeito e o amor promovem
união e compreensão, apesar das diferenças. O cenário, tanto do filme quanto no
livro, detalha a arte, arquitetura, gastronomia e costumes do mundo árabe. O que
159
une as duas culturas entre os dois meninos é o conto da fada e a realização deste
sonho de infância, que é encontrar a fada dos Djins. Isso ajuda a superarem as
fronteiras da discriminação étnica, social e cultural.
Ao serem perguntados o que mais gostaram no filme, duas alunas
responderam.
Bibble: Por causa da cultura, dos vestidos.
Professora-pesquisadora: Por causa da cultura, dos vestidos.
Aleatória é das vestimentas da fada
Catra: da lenda da fada, como é que é o nome? Djins
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).
Foi mostrado aos alunos que, originalmente, o autor fez primeiramente o filme
e depois o livro, seguindo a mesma sequência em sala de aula. Iniciou-se a leitura
pela contracapa, com auxílio Lemon.
Juntos aos alunos foi investigado o porquê de o autor fazer primeiro o filme e
depois o livro, chegando-se às seguintes respostas: "para dar mais detalhes no livro
que nos filmes que não se vê muitos detalhes” e “imobilizar imagens tão bem feitas”.
160
Neste momento, chamou-se a atenção dos alunos para o fato de que na análise de
conteúdo e forma, os “detalhes de detalhes”, ou seja, as variadas formas para o
mesmo conteúdo, observados em objetos culturais diferentes, são relevantes para
construir significações durante a leitura. Dando sequência a leitura:
Aleatória: ((continua a leitura)) à noite em seu pequeno quarto enquanto os
colocava para dormir ela lhes conta uma história, mas um belo príncipe virá
e com as três chaves mágicas ele libertará a fada dos Djinns e ele
encontrará o amor é: Asmar levanta-se o que são os Djinns? a babá
deitando-o e cobrindo de novo são pequenos homenzinhos que cuidam da
natureza ao nosso redor às vezes são gentis às vezes são malvados e por
isso que é melhor é melhor que a fada dos Djinns cuide deles Azur levanta-
se existe Djinns aqui também? a babá deitando e o cobrindo de novo sim
mas eles são chamadas eles são chamados de elfos podem pode ser que
alguns Djinns gentis venham embalar você vocês essa noite durmam bem
meus meninos /.../ a babá se vai com a vela dois pequenos seres
transparentes chegam voando um se coloca ao lado do berço de palha de
Asmar o outro se coloca ao lado do berço de palha de Azur cada um canta
baixinho em sua língua a canção de ninar que a babá ensinou aos
meninos /.../ ((continua a leitura)) pequeno Azur ficará grande percorrerá os
oceanos e salvará a fada Djinn todos assim serão felizes.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura)
Dando sequência a leitura, chega-se a um trecho que detalha uma briga entre
Azur e Asmar sobre qual país é melhor, fato que os alunos identificaram como de
xenofobia, que é quando há uma desqualificação ou até violência a alguém só pela
sua origem geográfica. Continuando a história, os meninos continuam brigando até
que o pai de Azur chega, acaba com a briga, e fala que o filho dele tem que ter aula
161
de dança, espada, equitação, latim. Foi indagado aos alunos o porquê, no contexto
da Europa, esse tipo de aula ou habilidade seria importante. Os alunos
responderam, observando o determinante econômico do personagem Azur:
Aleatória: porque o pai dele pediu não mandou
Professora-pesquisadora: E por que o pai dele mandou?
Lemon: porque ele tem que cumprir não é bem cumprir ele não chega a ser
da realeza /.../
Lopes:: pela etnia dele tipo de cada um deles
Naruto: pela classe mais alta
Lopes:: pela classe ser mais alta
Aleatória:: ((continua a leitura)) Azur deve estudar de agora em diante
Asmar não tem direito às aulas, mas ele as observa, escuta e aprende tanto
quanto Azur. Já Azur ele sofre seu cavalo é grande demais para ele o trote
o sacode como um boneco o galope o joga no chão.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição direta da atividade de leitura).
“Valentina”, pertencente ao gênero Conto de Fadas. Cada aluno foi convidado para
ir à frente da turma e ler o seu conto em voz alta para a turma. Dentre todos os
desfechos criados, foram destacados três que conservaram as características do
personagem negro dentro do conto, embora outros alunos que não participaram da
pesquisa também fizeram composições textual protagonizando as características
étnicas de personagens negros.
Após a elaboração dos desfechos, foi realizada uma socialização para o
debate da atividade realizada. Neste momento, foi solicitado que cada um
executasse uma avaliação qualitativa de sua produção textual e das escolhas
específicas de cada elemento composicional do enredo (personagem, lugar e
desfecho). Essa ação de autoavaliação da estrutura do conto, junto com o professor
e socialização com a turma, mobiliza o pensamento de reflexão de modo a controlar
a correta execução e possibilidades.
Lugar: Descreva como era este palácio "Um belo palácio azul como o céu, janelas brancas
como as nuvens, era coberto por uma luz positiva
como raios de sol”.
Desfecho: Crie um interessante desfecho “Quero sair e conhecer o mundo…, porém não posso,
para esta história. Use a sua criatividade mas o peixe pode. Então irei beijar-lhe em troca ele
e faça um final trágico, emocionante, que já viu o mundo irá me levar para vê-lo!
engraçado ou realista. (No outro dia com o peixe).
--- Aceito sua proposta! porém irá me levar para ver o
mundo lá fora.
--- Peixe - Ok!
Então eles se beijaram, o peixe volta a ser o
camponês que era, e que logo de cara já encantou a
princesa e juntos foram conhecer o mundo e viveram
felizes para sempre. Fim”.
Personagem principal: Descreva as “Um lindo príncipe de cabelos castanhos claros com
características físicas e psicológicas do cor de mel, olhos escuros e profundos, pele morena
príncipe ou princesa. com um belo bronzeado”
Personagem coadjuvante: Escolha um "A criatura mágica era uma pequena menina só que
animal ou ser mágico. com uma aparência muito feia”.
Lugar: Descreva como era este palácio “Com um jardim particular, suas flores favoritas, um rio
de água cristalina”
Desfecho: Crie um interessante desfecho “Lembrou de sua avó, uma feiticeira que nunca
para esta história. Use a sua criatividade envelhecia, foi afastada do castelo pelo rei, o seu
e faça um final trágico, emocionante, próprio filho. Se esforçou ao máximo para procurar a
engraçado ou realista. senhora e quando encontrou descobriu os poderes
dessa menina.
Ela era uma boa moça, mas a bruxa a transformou em
uma criança, com ajuda de sua avó, achou a menina e
com o beijo tudo mudou”.
Fonte: Acervo professora-pesquisadora (2021).
Lugar: Descreva como era este palácio "O palácio era gigante, tinha várias pessoas nele
todas as noites, e era cheio de torres e guardas
nas janelas, tinha um jardim lindo”.
Desfecho: Crie um interessante desfecho Teve uma grande idade beijar o sapo enfeitiçado,
para esta história. Use a sua criatividade e mas não casar com ele e sim usá-lo para derrotar
faça um final trágico, emocionante, engraçado a bruxa má e cuidar da natureza. E assim ela fez,
ou realista. beijou o sapo e segurou o sapo quando ele virou
outro ser e disse:
Vou te soltar, mas antes você tem que me
prometer algo.
E então ela contou a ideia e ele concordou porque
ele também queria derrotar a bruxa e cuidar da
natureza”.
Fonte: Acervo professora-pesquisadora (2021).
Foi solicitado a aluna Aleatória para ler o seu Conto para a turma e depois
contasse sobre como foi pensar na produção do desfecho para o final desta história
uma vez que uma parte do enredo já estava posta com elementos da cultura colonial
“castelo, princesa, príncipe” e já havia um movimento de desconstrução de tais
características a partir da leitura do conto “Kalinda”. Acredita-se que, quando o aluno
é introduzido em uma problematização que o faz pensar, essa contradição o guia
para um enredo que tenta descolonizar conceitos clássicos de princesas, lugares e
169
brasileira?”. Dada a relevância do tema para a formação dos alunos e a sua conexão
com o plano de trabalho docente, a professora-pesquisadora buscou realizar as
ações de leitura de textos motivadores e de conhecimento sobre o gênero textual
Artigo de Opinião. Para tanto, foram organizadas ações de leitura, reflexão sobre o
tema e diálogo sobre soluções. Os alunos deveriam planejar a escrita e enviar a
redação de maneira virtual, ou em uma folha de papel, com posterior correção a fim
de adequar a escrita, a pertinência do gênero textual solicitado e as soluções
apresentadas para o tema.
Finalizado o prazo de digitação e envio das redações, a professora-
pesquisadora as imprimiu e entregou aos alunos para uma socialização sobre as
opiniões elaboradas no artigo. Foi aberta a possibilidade para aqueles que
quisessem, de realizar a leitura em voz alta de suas redações. Por fim, a professora-
pesquisadora propôs a colagem dos textos (Figura 23) em um mural, para que a
comunidade escolar pudesse ler as produções (a identificação do nome do aluno na
redação foi facultativa).
Apropriar-se da leitura e escrita como prática cultural por meio das atividades
literárias, com mediação de professores, não só desenvolve a capacidade leitora,
um atributo especificamente humano, mas também leva o aluno a se transformar em
um leitor crítico e reflexivo, com potencial de criar novas necessidades
humanizadoras. Ao conhecer o processo artístico do escritor, poeta, artista plástico,
por exemplo, o indivíduo buscará, por necessidade humana de expressão, objetivar-
se outras vezes. No caso do livro, é “na apropriação desse objeto que a atividade de
leitura gera a objetivação do próprio leitor”. (SOUZA; GIROTTO; SILVA, 2012, p.
172).
Após a tarefa produção textual, foram confeccionados, em grupos e durante
as aulas de Português e Artes, cartazes relacionados com a literatura afro-brasileira
e a valorização da estética africana, conforme apresenta as figuras a seguir.
Assim, apenas cinco contos foram entregues, sendo que somente dois (2)
eram dos alunos participantes da pesquisa, cujas produções são apresentadas no
Quadro 23 a seguir.
175
Conflito e “Os pais de Clara diziam: Certo dia ele achou um baú que
Clímax Um dia você vai crescer e virar continha um mapa do tesouro, no
uma grande mulher, se casará começo ele achou um mapa que
com os homens e será muito continha informações para achar
feliz! o tesouro, teria que descobrir o
Mas Clara já é uma grande local do tesouro.
mulher, e ela não gosta de
homens! Homens são chatos e
não gostam de brincar com ela.
Meninos só sabem falar de
futebol e brigar entre si,
meninas são muito legais e
gostam de brincar com Clara,
elas são bonitas e legais!
Clara sabia que nem todos
tinham sua linha de raciocínio
igual a sua, mas isso é normal,
até porque nem todo mundo
pensa igual, todos tem gostos
diferentes”.
Desfecho “E como todo mundo, Clara Por ser muito inteligente,
cresceu. E com o tempo descobriu o local e achou muitas
descobriu coisas novas sobre barras de ouro e se tornou muito
si, talvez não tão novas. rico comparável a um príncipe.
Homens não eram
interessantes, mulheres eram
mais.
E um dia, Clara se casou, com
o amor de sua vida, a pessoa
176
Após a entrega dos contos e ilustrações das capas, não foi possível fazer um
momento para a leitura e socialização. Dado o tempo curto para o término no ano
letivo, foi elaborado um questionário e realizada uma entrevista com os alunos
participantes, a fim de observar o desenvolvimento de funções psíquicas e
ampliação da capacidade de leitura em um processo formativo, a partir da literatura
afro-brasileira e seu impacto para a formação humana.
É interessante verificar que os contos produzidos por Lemon e Mitsuya são
representativos do trabalho desenvolvido em sala. O aluno Mitsuya, apesar de ter
aceitado participar da pesquisa, era um aluno apático e um pouco indiferente as
atividades propostas, contudo, ao longo do processo, foi se envolvendo e
percebendo a escrita como uma maneira de expressar suas ideias e a valorização
étnica ligada à sua própria etnia. O aluno caracteriza o seu personagem, chamado
Midel Mandrukt, como um sujeito pobre, constantemente agredido e ofendido, que
busca melhores condições de vida em um país estrangeiro.
Observa-se, desta forma, que o aluno busca no espaço ficcional, criar um
caminho para a valorização do seu personagem, que é a possibilidade de encontrar
um baú com um “mapa do tesouro” para então ficar rico como um príncipe. Este
enredo é bastante parecido com a última obra lida “Azur e Asmar”, em que Asmar é
um menino negro, filho de Janane, a babá de Azur (o menino branco e rico). Asmar
e sua mãe estão em um país estrangeiro, onde são vítimas de violência, tendo de
voltar ao seu país de origem, onde ascendem socialmente como ricos mercadores
de especiarias.
Asmar, então, se torna um homem rico e prestigiado, comparado a um
príncipe. Com ajuda de um mapa, Azur e Asmar juntam-se para encontrar a caverna
da Fada dos Djins. Assim, observa-se similaridades entre as narrativas, contudo, é
preciso salientar que, na visão inicial do aluno, o personagem negro ainda está
ligado a pobreza e marginalidade, representando o primeiro paradigma na literatura
afro-brasileira e que tentou ser superada a partir da década de 80.
A aluna Lemon aplica um pouco mais de sutilezas no uso da linguagem,
instaurando um paradoxo logo no título: “Clara a princesa diferente”. Clara é o nome
de sua personagem negra, como pode ser identificado no seguinte trecho “sua pele
177
não era clara, e sim escura como a noite e bela”, mostrando também que adotou a
perspectiva de valorização desde o início. Em relação ao enredo de um par
romântico, buscou diferenciar-se da concepção clássica de princesa, ao dizer que:
“Clara se casou com o amor de sua vida, a pessoa que iluminava suas manhãs”,
revelando que não se tratava de um homem.
A aluna Lemon, desde o início das atividades organizadas, demonstrou
disposição em ler e ajudar nas mediações demonstrando entender que a literatura é
um espaço da diversidade humana. Durante as suas interações com as atividades,
foi construindo a significação de que a literatura é um reflexo da sociedade e o
mundo simbólico da palavra ilustra, sob diversas formas, um conteúdo que pode ser
particular ou social.
Com a finalização das ações de avaliação das produções de texto, percebe-
se que essas ações entre professor e aluno visam analisar e intervir no processo de
apropriação do conhecimento dos alunos. O instrumento de verificação da
aprendizagem foi a tarefa de elaborar um conto, a fim de observar se os alunos se
apropriaram de sua estrutura composicional e conseguem reproduzi-la em sua
integralidade. Desta maneira, ele demonstra domínio da escrita, estabelecendo uma
relação de similaridade a estrutura deste gênero literário, apresentado no início da
leitura literária.
Realizando uma análise de todo o processo, a falta de ampla adesão à
proposta de produção do conto não demonstra uma falha na compreensão do
objetivo-meta, mas sim, ligado com a intercorrência imediata para a finalização do
calendário letivo, sobretudo para aqueles alunos que já haviam sido aprovados, no
caso, todos os participantes da pesquisa. A dispensa repentina dos alunos
prejudicou em parte o desenvolvimento e avaliação desta tarefa.
Assim, o passo seguinte foi o de antecipar as entrevistas finais, realizadas
individualmente com cada aluno participante da pesquisa, em que procurou-se
perceber se os elementos concretos de estudos apresentados inicialmente foram
realmente compreendidos e transformados durante o processo dialético e tornaram-
se um outro concreto novo e abstrato, por meio da relação estabelecida durante a
interação entre os sujeitos e a linguagem.
Sendo assim, o objeto do conhecimento, transforma o pensamento, cria
novos significados que oferecem um salto qualitativo no desenvolvimento intelectual
dos alunos e oferece concretude ao pensamento (OLIVEIRA, 2021, p. 124). Por
178
Lopes: bom
(...)
Professora-pesquisadora: você sabe identificar o motivo pelo qual você
lê?
Bibble: Ah eu leio, porque tipo, eu gosto. Eu me sinto bem lendo e, tipo,
fugir da realidade é bom. Ler é maravilhosamente incrível!
(...)
Professora-pesquisadora: Você sabe definir o que é esse tédio? [...]
Aleatório: tédio tipo assim eu não [...] eu tô sem fazer nada no [...] tô no
tédio sem fazer nada aí eu quero ler.
Professora-pesquisadora: tédio é não fazer nada?
Aleatório: é
Professora-pesquisadora: e não fazer nada é ruim?
Aleatório: sim porque aí você fica [...] no tédio porque fica sem fazer nada
[...] aí fica desanimada, ou seja, tédio que a maioria das coisas, na maioria
das horas eu tenho, só que quando alguém fala ah bora ligação [...] eu ligo
pra pessoa e a gente começa a conversar ou jogar que é o que me tira do
tédio.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).
acaba aprendendo mais cultura. Você começa a ver às vezes uma pessoa
ou algo, no caso uma raça ou etnia de forma diferente.
ALEATÓRIO: [...] ajuda a entender a leitura.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual)
Sobre a ampliação pelo interesse com a leitura literária, a maioria dos alunos
relataram que já gostam de ler normalmente, mas que as atividades geraram um
pequeno interesse por outras obras do tipo. A análise mostrou o quanto é difícil
trabalhar com obras que levam a análise e reflexão da estética e cultura africana,
além, da clara necessidade de ressignificação desses espaços literários e imaginário
de personagens negros.
A fala da aluna Bibble sobre o assunto mostra o quanto das atividades
organizadas com leitura são importantes para a mobilização de capacidades
psíquicas importantes como a atenção e a sensação.
BIBBLE: Ah! Para algumas pessoas pode ser que sim tipo, eu já
compreendo, tipo apenas lendo, mas chegar e passar algumas atividades
sobre livro é legal porque testa se a gente realmente prestou atenção [...]
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).
Ao todo, seis alunos escolheram a obra “Azur e Asmar”, dois optaram pela
obra “Valentina” e outros dois pela obra “Kalinda”, como a que mais gostaram.
Outros pontos que podem ser visto nas respostas é que os participantes
conseguiram relacionar o conteúdo do enredo com os aspectos da realidade
brasileira, como o racismo, além da conexão do conteúdo e forma da arte literária
com o seu particular, a exemplo da aluna Catra, que apreciou a leitura da obra
Kalinda por identificar-se com a protagonista “a Kalinda com a questão do cabelo
mesmo porque eu sou muito apegada ao meu cabelo”, o que a instigou a ler a obra,
buscando mais significados para sua vida pessoal.
Outro relato foi o da aluna de codinome Aleatório, que expressou a sua
identificação com a personagem do filme “A princesa e o sapo”:
Professora: [...] você conseguiu se ver, se espelhar em algum desses
personagens?
Aleatório: não
Professora-pesquisadora: não pode ser do filme e pode ser do livro
Aleatório: da princesa Tiana?
Professora-pesquisadora: é
Aleatório: ah aquele lá com certeza ((risos))
Professora-pesquisadora: Você se espelha nela né?
Aleatório: uhum
Professora-pesquisadora: Pode falar um pouquinho dela?
Aleatório: Ah tipo assim porque ela, meu pai não faleceu né? mas quando
falecer eu provavelmente nunca vou superar porque eu tenho mais
momentos com meu pai do que com a minha mãe porque minha mãe
184
sempre né? Estava pra lá, só que agora ela tá tentando ser uma mãe mais
presente aí.
Professora-pesquisadora: deve ser difícil pra ela também
Aleatório: sim é difícil pra ela também e então meus pais são divorciados
desde quando eu era bebê e o pai dela morreu, desde quando ela era bebê.
Então meio que um divórcio também só que um tá no Céu e o outro tá na
Terra. Então e ela queria ser Masterchef e eu também já tive o sonho de ser
Masterchef (chefs de cozinha) eu também já peguei bem firme nesse
sonho, só que eu não gosto de cozinhar minha madrasta fala assim, vem
cozinhar ((nome do aluno omitido)) vou te ensinar um negócio eu falo não tô
de boa. (...)
Professora-pesquisadora: sim e o fato dela ser uma princesa negra da
Disney o que você acha disso?
Aleatório: normal porque se eu falasse que é estranho ia ser preconceito e
eu não tenho preconceito com essa cor, tanto é que eu sou parda.
Professora-pesquisadora: E o pardo vem da etnia negra né?
Aleatório: uhum
Professora-pesquisadora: Exato e é muito bonito ver uma princesa negra,
né?
Aleatório: sim.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).
alunos disseram ter refletido sobre as obras e que a mediação docente lhes auxiliou
neste processo, até mesmo fazendo conexões com coisas da sua vida particular,
demonstrando a capacidade de leitura e constante uso de funções psíquicas como:
sensação, memória, atenção, consciência.
SAKURA: Acho que dá Kalinda…eu gostei de todas no geral, mas a
Kalinda Ela demonstrou um pouco mais de cuidado em si no que
aconteceu de perder os cabelos ela ficou muito, mal assim, até que eu
gostei desse draminha todo ((risos)) [...] ah eu não consegui imaginar
porque tipo o jeito que ela demonstrou ao perder os cabelos eu não consigo
porque eu mesmo cortava os meus, então eu sou uma menina que tipo não
sou preocupada com a aparência pra mim eu sou linda pelo meu lado de
dentro então essa é minha vida, minha vida eu vou seguindo, porque eu já
fui muito machucada com palavras e aparência e acabou que eu perdi
toda a minha vontade de me arrumar, o que eu faço hoje é um delineado
e só .[...]
Professora-pesquisadora: Você faz associações de algo da sua
realidade?)
SAKURA: Se eu não me engano é no livro da Valentina que ela ficava
presa dentro de casa não era? [...] pelo fato dela ficar presa dentro de
casa os pais querem protegê-la. Nessa hora eu me choquei um pouco
porque me lembrou muito a realidade hoje em dia porque os pais, eles
tentam ser protetores tentam ajudar só que esse sufoco todo que eles dão
na gente só piora porque a gente fica com medo [...] a gente se fecha e
realmente machuca tudo isso a gente não fala, mas machuca tanto é que
esses problemas de às vezes sair correndo da sala e começo a chorar, eu
me sinto sufocada, não tem como e eu não consigo falar com meus pais e
eu fico mais de papo com meus amigos que podem até entender e me
ajudar.
Professora-pesquisadora: Sobre a cultura brasileira?
SAKURA: Me faz entender por exemplo sobre o passado, a formação do
Brasil e tudo mais a sociedade? bem pouco, mas o que foi mas foi mais
hoje em dia por exemplo do Azur e Asmar a situação deles era meio
racista pelas características individualidade de cada um então isso é
bastante de hoje em dia hoje em dia um pessoa olha pra outra e diz não
gosto da cor dela, não gosto daquele cabelo [...] esse racismo defeitos
que colocamos um no outro é bastante da realidade.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual)
Neste sentido, eles apontaram que a prática da leitura literária em ambiente escolar,
organizada e mediada pelo professor de maneira coletiva, é mais interessante, pois
todos leem ao mesmo tempo, conseguindo tirar dúvidas sobre o sentido de palavras
e construindo significações a partir da colaboração de diversos pontos de vista, o
que enriquece a interpretação. Sendo assim, a maioria dos alunos entende que a
leitura em grupo melhora a compreensão e possibilita debate e novas experiências.
Pergunta 11- Você notou que por causa das suas experiências com as
aulas de leitura, elas te instigaram a ler mais, a procurar outras obras que
possam ampliar sua compreensão de diversas temáticas e conseguir ler
(leitura silenciosa e individual) compreendendo bem e com autonomia?
Professora-pesquisadora: Sobre a leitura você acha que precisa
aprender junto com outras pessoas ou aprender mais sozinho?)
NARUTO: Eu acho que com os dois, porque sozinho eu conseguia
entender da minha maneira de ver, do meu ponto de vista né? e quando lia
compartilhando assim sabe? A gente entendia melhor porque tinha
pontos que deixava passar e às vezes falava e retomava sobre, então eu
acho que os dois ajudaram.
Professora-pesquisadora: Consegue ler uma leitura silenciosa
compreendendo bem e com autonomia?
MITSUYA: Sim ajudou, eu acho que eu preciso de mais ainda pelo que
eu acredito.
Professora-pesquisadora: foi uma experiência positiva?
MITSUYA: uhum.
Professora-pesquisadora: Você gostou dessa experiência com leitura?
BIBBLE: ah eu gostei do tipo ler é maravilhosamente. Sim, significa muito
pra mim ler porque livros assim podem expressar até a opinião do autor
sobre alguma coisa se a gente souber interpretar, então eu acho muito
interessante porque a gente pode saber um pouquinho mais sobre o
mundo e até um pouquinho sobre a opinião de pessoas que a gente nem
conhece, então (...) sim tipo jamais ia pensar uma coisa que
provavelmente nunca surgiria na sua mente.
Professora-pesquisadora: Você sente que aprendeu algo?
SAKURA: Eu aprendi palavras novas, né? Um pouco mais da cultura
indígena e da cultura afro e sem contar que a gente lendo assim aprende
a montar texto redações e é muito bom agora por exemplo uma vez por
semana eu tô fazendo redações é que eu não mando aqui, mas eu gosto de
escrever poemas, textos. Eu não tô bem e aí eu começo a digitar.
Professora-pesquisadora: se não fossem essas experiências você leria
de todo jeito?)
SAKURA: despertar a curiosidade da cultura afro não teria essa
experiência.
Professora-pesquisadora: não seria inserida no seu repertório de culturas
né?
SAKURA: Exatamente.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual)
Este mesmo aluno relatou que o desafio para se apropriar da leitura seria
“privacidade” para ter foco. Então, foi pensado quais seriam as condições objetivas
em sua casa para que ele pudesse ter este silêncio ou lugar para ler. Lembrei-me
então que este aluno havia me relatado que sua mãe cuidava de outras crianças em
casa e ele a ajudava neste trabalho. Como professora-pesquisadora, pensei que
talvez ele não conseguisse ter um tempo e lugar apropriado para ler e, por isso, não
conseguiu finalizar o livro que tanto gostou.
Outros alunos relataram que conseguia ler em casa, indo para o seu quarto
ou lendo de madrugada, um horário mais silencioso. Percebi que poucos alunos
tinham um contexto favorável (lugar e tempo) para a leitura no lar, demonstrando o
quanto a organização de um espaço escolar para a leitura literária, (tanto leitura em
grupo ou silenciosa) é importante para a formação de leitores, apropriação da leitura
literária e consolidação da autonomia leitora.
Contudo, o ensino da leitura vai além da organização do tempo e espaço na
escola ou da decodificação dos signos (simples verbalização oral dos textos), sem
atribuição de sentidos e descoberta de significados. A apropriação da leitura como
190
prática cultural é algo complexo, por isso, o seu ensino precisa de uma didática
apropriada: “Ler, buscando significados; ler, conhecendo e sendo transformados por
eles no conteúdo e na forma, valorando a atividade do sujeito aprendiz de leitor”
(SOUZA; GIROTTO; SILVA, 2012, p. 170).
A leitura é sempre uma atividade ativa e, a partir desse processo, muda-se a
forma de ver o mundo e a nós mesmos. Os próprios alunos reconheceram que o
método didático de fazer leituras coletivas, aliado a um conjunto de ações de estudo,
auxilia na apropriação de conteúdos e formas presentes na obra e melhorar a
compreensão leitora. O aluno Mitsuya havia feito a leitura silenciosa e individual de
uma obra durante as aulas híbridas, mas ao participar das ações com literatura pôde
notar a diferença com as leituras coletivas e mediadas pela professora-
pesquisadora.
Mitsuya: Foi melhor até quando eu fui ler o livro “Alice no País das
Mentiras'' né? que eu entendi melhor o conteúdo de todas as coisas.
Professora-pesquisadora: E esse livro nós começamos no online, não é?
Mitsuya: aham nós começamos no online.
Professora-pesquisadora: mas você leu sozinho?
Mitsuya: Sim eu tinha lido tudo sozinho, aí eu fui vendo e eu comecei a ler
de novo.
Professora-pesquisadora: Você leu sozinho uma vez, depois você leu
junto com a gente aqui na sala? e sentiu a diferença?
Mitsuya: Sim.
Professora-pesquisadora: Qual foi a diferença que você sentiu?
Mitsuya: O que eu senti? eu vi que tive diferença na compreensão e visão
da história, do jeito que eu vi visão como é que fala? De um monte de gente
junta e só a minha só a minha é diferente demais, é muito diferente.
Professora-pesquisadora: Hum legal, então quando você ouve as várias
leituras, isso aumentou a sua compreensão, bom você pode explicar melhor
né? mas isso aumentou a sua compreensão?
Mitsuya: Sim.
(INFORMAÇÃO VERBAL: Transcrição da entrevista individual).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
hipótese inicial, a partir relato de percepção dos alunos sobre sua experiência
literária e acerca do uso do psiquismo dos estudantes, por meio de suas ações de
leitura e escrita envolvendo a Literatura afro-brasileira. E ainda, por meio de
entrevistas individuais, compreendeu-se como ocorreu a apropriação da análise dos
conteúdos e formas relativos à Literatura Afro-brasileira, que contribuíram com o
processo de aprendizagem e humanização dos sujeitos envolvidos.
A produção de dados para essa pesquisa quase-experimental contou com um
contexto de ensino híbrido e de quatro atividades organizadas (referentes às quatro
obras) desenvolvidas com alunos no início no retorno às aulas presenciais.
Ressalta-se que a coleta de dados, sobretudo a audição da voz dos participantes,
apresenta algumas lacunas devido ao uso das máscaras e a necessidade de
distanciamento. Apesar dos percalços, a coleta de dados e a análise das falas e
tarefas foi realizada à luz da abordagem crítico-dialético.
Assim, em decorrência da escolha metodológica e da práxis docente, abrem-
se perspectivas para desenvolvimento do psiquismo humano e ampliação da
capacidade leitora com a leitura literária em alunos dos Anos Finais do Ensino
Fundamental. Os resultados apontam que o processo de humanização do indivíduo
acontece por meio das relações que se estabelecem com os instrumentos da cultura
historicamente construída, a partir da apropriação da função social da leitura literária
e produção textual. A comunicação e organização didática nesse processo
desempenham papel essencial no desenvolvimento da consciência e da
personalidade dos indivíduos envolvidos no processo formativo.
O ensino de literatura na escola tem como objetivo formar leitores capazes de
manipular os instrumentos culturais e, com eles, construir um sentido para si e para
o mundo em que vive. A leitura permite reconhecer os traços de humanidade por
meio da literatura, tornando-os leitores autônomos, pelo caminho da crítica e
reflexão. Os resultados apresentados pelo uso da literatura afro-brasileira nas
atividades organizadas com obras literárias apontam uma resistência na aceitação
da estética africana, fato que evidencia um antigo problema de identidade nacional.
Ressalta-se ainda a importância da representação de personagens negros na
Literatura infanto-juvenil, pois ela se torna um instrumento de potencial formativo na
representação democrática da sociedade brasileira, construção de reflexões,
entendimentos, desconstrução de preconceitos, aceitação da identidade étnico-racial
e na identificação de si.
193
nosso coração a crescer e procurar, nas palavras do poeta “o grande mundo está
crescendo todos os dias”, contudo nos adverte que este mundo cresce “entre o fogo
e o amor” nos mostrando que as questões difíceis da vida processam-se
dinamicamente entre altos e baixos, alegrias e tristezas. Sendo assim, apesar das
dificuldades que a vida social nos impõe historicamente podemos vislumbrar a
criação de novos métodos de ensino e mudanças nas relações sociais, pois o ser
humano, ao desenvolver o seu psiquismo, apodera-se de um potencial de criação.
Assim podemos encerrar este estudo com essa perspectiva “Ó vida futura! Nós te
criaremos”.
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338-354.
APÊNDICES
207
Eu Suelen Cristina dos Santos Klem, brasileira, casada, aluna do 1º ano do Programa
de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Londrina, inscrito(a) no
CPF/ MF sob o nº 053.673.519-05, abaixo firmado, assumo o compromisso de manter
confidencialidade e sigilo sobre todas as informações técnicas e outras relacionadas ao
projeto de pesquisa intitulado “Atividades de estudo com Literatura afro-brasileira:
experimento didático para a formação humana e literária de alunos do ensino fundamental
(Anos Finais)”, a que tiver acesso nas dependências da Escola Estadual Professor José
Carlos Pinotti, Ensino Fundamental e Médio, gerido pela Secretaria de Educação do Estado
do Paraná – SEED.
Por este termo de confidencialidade e sigilo comprometo-me:
1. A não utilizar as informações confidenciais a que tiver acesso, para gerar benefício
próprio exclusivo e/ou unilateral, presente ou futuro, ou para o uso de terceiros;
3. A não apropriar-me de material confidencial e/ou sigiloso da tecnologia que venha a ser
disponível;
Ass.__ __
Nome do Pesquisador(a) Responsável
Suelen Cristina dos Santos Klem –
RG: 9.404.856-7-PR
208
209
Regionais de Educação - NRES, que estão de acordo com as Resoluções SESA n.º
632/2020, n.º 98/2021 e n.º 134/2021
Esclarecemos que a participação da criança ou do adolescente é totalmente
voluntária, podendo o(a) senhor(a) solicitar a recusa ou desistência de participação
da criança ou do adolescente a qualquer momento, sem que isto acarrete qualquer
ônus ou prejuízo à criança ou adolescente. Esclarecemos, também, que as
informações da criança ou do adolescente sob sua responsabilidade serão utilizadas
somente para os fins desta pesquisa e serão tratadas com o mais absoluto sigilo e
confidencialidade, de modo a preservar a identidade da criança ou do adolescente.
Os registros gravados em áudio, filmagens e fotos serão utilizados apenas para
análise do objeto de estudo sob sigilo e confidencialidade.
Esclarecemos ainda, que o(a) senhor(a) e a criança ou adolescente sob sua
responsabilidade não pagarão nada e nem serão remunerados (as) pela
participação. Garantimos, no entanto, que todas as despesas decorrentes da
pesquisa serão ressarcidas, quando devidas e decorrentes especificamente da
participação.
Os benefícios esperados são a melhoria do ato de ler a partir das
contribuições de uma proposta didática fundamentada na perspectiva sócio-histórica
para a formação do sujeito leitor nos Anos Finais do Ensino Fundamental e o
vislumbrar e repensar de práticas pedagógicas com a Literatura Afro-brasileira.
Quanto aos riscos, faz-se necessário ressaltar que, toda pesquisa envolve riscos,
ainda que mínimos, ao sujeito quando da participação da coleta de dados. Nesses
casos, o pesquisador responsabilizar-se-á em amparar o pesquisado e dar todo o
apoio necessário. Contudo, essa pesquisa trata-se apenas de atividades de estudos
desenvolvidas com orientações pedagógicas da professora pesquisadora durante
suas aulas da disciplina de Português, a interação acontece via meeting com o uso
da Plataforma Classroom, envolvendo os livros em formato PDF e ebook, devido ao
contexto pandêmico da Covid19, e com a possibilidade do ensino híbrido faremos as
interações pedagógicas presencialmente obedecendo rigorosamente às exigências
das autoridades sanitárias (uso de máscaras, distanciamento social e higienização
constante das mãos) e em conformidade com a Resolução nº 1.138 – GS/SEED, de
15 de março de 20211, e a Resolução Seed nº 2.408 – GS/SEED, de 31 de maio de
2021, que estabelecem as atividades escolares no modo presencial e/ou remota
para o ano letivo de 2021 e ao Ofício Circular n.º 048 – DEDUC/DPGE/SEED de 09
211
Este termo deverá ser preenchido em duas vias de igual teor, sendo uma delas
devidamente preenchida, assinada e entregue ao (à) senhor(a).
Londrina, ___ de ________de 2021.
Caso o adolescente seja maior de 12 anos, deverá constar o espaço abaixo para
assinatura do menor.
Prezado(a) aluno(a):
Gostaríamos de convidá-lo (a) para participar da pesquisa intitulada
“Atividades de estudo com Literatura Afro-brasileira: experimento didático
para a formação humana e literária de alunos do ensino fundamental (anos
finais)”, a ser realizada na “Escola Estadual Professor José Carlos Pinotti, Ensino
Fundamental e Médio”, na cidade de Londrina-Pr,constituindo-se na dissertação de
Mestrado em Educação da pesquisadora Suelen Cristina dos Santos Klem, aluna
regular do 1º ano do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Estadual de Londrina, sob orientação da Professora Doutora Sandra Aparecida Pires
Franco.
O objetivo da pesquisa é compreender o desenvolvimento humano com a
criação do pensamento teórico acerca da Literatura Afro-brasileira em alunos do
Ensino Fundamental dos Anos Finais. A sua participação é muito importante e ela se
daria da seguinte forma I) a assinatura deste Termo de Assentimento Livre e
Esclarecido – TALE e; II ) com a participação das atividades de estudo com
Literatura Afro-brasileira, respondendo a questionário (de maneira escrita ou
oralmente) sobre e a sua compreensão leitora e os hábitos de leitura decorrente das
participações nas aulas de Língua Portuguesa, especialmente, nas aulas de leitura
literária da pesquisadora em horário de aula, uma vez na semana, durante duas
aulas seguidas, com duração de 50 (cinquenta) até 90 (noventa) minutos, aceitar a
filmagem, gravação de áudio e fotos durante a participação nas aulas e realização
das atividades de estudo, a serem utilizados para análise da pesquisadora e
disponibilizar atividades realizadas durante a pesquisa. Resguarda-se ao
participante da pesquisa o direito de não responder qualquer questão, sem
necessidade de explicação ou justificativa para tal.
Por decorrência do isolamento social imposto pela pandemia da SARS-COV-2
(COVID-19), a pesquisa com os alunos selecionados durante as aulas acontecerão
em plena conformidade com as orientações e normativas da Secretaria de Estado
da Educação e do Esporte – SEED, a qual verifica e informa constantemente sobre
o retorno presencial das aulas em todas as instituições públicas do Estado; e ainda
214
com o retorno das aulas presenciais serão cumpridos todos os protocolos propostos
pelas comissões de biossegurança das instituições de ensino e dos Núcleos
Regionais de Educação - NRES, que estão de acordo com as Resoluções SESA n.º
632/2020, n.º 98/2021 e n.º 134/2021
Esclarecemos que a sua participação é totalmente voluntária, podendo
desistir, solicitar a recusa ou desistência de participar desta pesquisa a qualquer
momento, sem que isto acarrete qualquer ônus ou prejuízo. Esclarecemos, também,
que as informações levantadas durante a pesquisa serão utilizadas somente para os
fins desta pesquisa e serão tratadas com o mais absoluto sigilo e confidencialidade,
de modo a preservar a identidade da criança ou do adolescente. Os registros
gravados em áudio, filmagens e fotos serão utilizados apenas para análise do objeto
de estudo sob sigilo e confidencialidade.
Esclarecemos ainda, que os participantes escolhidos não pagarão nada e
nem serão remunerados (as) pela sua participação. Garantimos, no entanto, que
todas as despesas decorrentes da pesquisa serão ressarcidas, quando devidas e
decorrentes especificamente da participação.
Os benefícios esperados são a melhoria do ato de ler a partir das
contribuições de uma proposta didática fundamentada na perspectiva sócio-histórica
para a formação do sujeito leitor nos Anos Finais do Ensino Fundamental e o
vislumbrar e repensar de práticas pedagógicas com a Literatura Afro-brasileira.
Quanto aos riscos, faz-se necessário ressaltar que, toda pesquisa envolve
riscos, ainda que mínimos, ao sujeito quando da participação da coleta de dados.
Nesses casos, o pesquisador responsabilizar-se-á em amparar o pesquisado e dar
todo o apoio necessário. Contudo, essa pesquisa trata-se apenas de atividades de
estudos desenvolvidas com orientações pedagógicas da professora pesquisadora
durante suas aulas de leitura, uma vez na semana, com a duração de duas aulas
seguidas de 50 (cinquenta) minutos cada, seguindo o horário da disciplina de
Português, a interação acontece presencialmente e/ou via meeting com o uso da
Plataforma Classroom, envolvendo os livros físicos e/ou em formato PDF e ebook,
devido ao contexto pandêmico da Covid19, e com a possibilidade do ensino híbrido
faremos as interações pedagógicas, prioritariamente presencial e obedecendo
rigorosamente às exigências das autoridades sanitárias (uso de máscaras,
distanciamento social e higienização constante das mãos) e em conformidade com a
Resolução nº 1.138 – GS/SEED, de 15 de março de 20211, e a Resolução Seed nº
215
Caso o adolescente seja maior de 12 anos, deverá constar o espaço abaixo para
assinatura do menor.
Data:___________________
217
ANEXOS
218
1- Você gosta de ler? Se sim, gosta de ler o quê? Para que (motivo ou finalidade)
você lê? Com que frequência você lê obras literárias?
3- Como você se sentiu após a aula de leitura com a atividade com Literatura Afro-
brasileira? Notou mudança na ampliação da compreensão textual? Conseguiu
compreender a história com mais profundidade?
5 – Qual obra literária lida coletivamente durante as aulas de leitura você mais
gostou e por quê? Descreva o que você mais gostou e chamou sua atenção na
obra?
9- Em sua opinião, qual o maior desafio que você pode encontrar para continuar se
apropriando da leitura literária para compreendê-la da forma mais completa
possível? (tempo, mediação da leitura, auxílio na compreensão dos textos, lugar
para leitura, acesso a livros, motivação)
10- Você acredita que ler as obras com a temática afro-brasileira, durante as aulas
de leitura, permitiu você ter experiências de momentos significativos? Relate suas
descobertas, sentimentos ou desconforto diante destas leituras.
11- Você notou que por causa das suas experiências com as aulas de leitura, elas te
instigaram a ler mais, a procurar outras obras que possam ampliar sua compreensão
de diversas temáticas e conseguir ler (leitura silenciosa e individual) compreendendo
bem e com autonomia?
220
A1: ((a aluna participante inicia a leitura)) “Aconteceu há muito, muito tempo. O rei
tinha uma filha chamada Kalinda. E ninguém duvidava que ela fosse a moça mais
bonita do mundo. Seu rosto reluzia como a superfície de um lago banhado pela lua.
Os olhos faiscavam como o céu estrelado. Mas eram os seus cabelos que
encantavam as pessoas, pois, além de terem uma cor especial, ainda eram
adornados com pérolas e diamantes. E tocavam o chão, iluminando o caminho por
onde ela passava e espalhando um suave perfume de madeira. Além dos presentes
que a moça recebia do rei para enfeitar os cabelos como flores, cristais, joias e
turbantes, todos os dias as ajudantes das princesas as penteavam com pomadas e
óleos aromáticos enquanto cantavam alegremente”.
A1: ((continua a leitura)) [...] “enquanto cantavam alegremente: Para crescer forte
como uma árvore, para resistir ao sopro do vento, para correr como a água do rio,
temos as nossas mãos mágicas. Tudo era feito na maior alegria. Depois, a princesa
saía a passear pelo reino, só para ser admirada pelos súditos, que por vezes diziam:
‘Kalinda jamais poderia viver sem seus lindos cabelos’. Numa manhã em que a
moça estava na frente do jardim, um pássaro surgiu de repente. Era um pássaro de
grande cauda, com a cabeça coroada por uma crista de cor esverdeada e com os
olhos vermelhos, que lhe davam o aspecto sinistro. Pousou na árvore mais próxima
e disse com toda a suavidade: - Linda menina, seus cabelos são os mais bonitos
que já vi. Falam deles em tantos os lugares que eu queria vê-los com os próprios
olhos. Kalinda abriu um sorriso tão lindo quanto as flores que trazia nas mãos. E
respondeu cheia de satisfação: - Fico contente em ter o mais adorável cabelo de
todo o reino de meu pai. Aliás, sei que tenho o cabelo mais belo que alguém poderia
ter no mundo! _ completou a moça, cheia de altivez e com ligeira petulância. _
Sendo assim _ Continuou o pássaro _ , com tanto cabelo, estou certo de que não
faria a menor falta se me desse um punhado desses fios para eu acabar de construir
meu ninho. Preciso de um local macio para colocar os ovos. A moça respondeu
indignada:”.
A1: ((continuando a leitura)) “ - Como se atreve a fazer um pedido como esse? Meu
cabelo maravilhoso para ser usado num ninho de pássaro? Amo os meus cabelos
mais do que qualquer coisa nesta vida! Vá embora ou chamarei os soldados de meu
230
pai para prenderem você! - Eu posso pagar por seu cabelos, princesa! _ insistiu o
pássaro. A moça ficou ainda mais furiosa. - Não lhe darei um fio sequer do meu
inigualável cabelo. Fora daqui! O pássaro sorriu e declarou: - Você vai se
arrepender, adorável princesa _ e cantou majestosamente a enigmática canção, que
mais parecia um aviso: Não se esqueça, as folhas sempre caem na estação seca e
reaparece na estação chuvosa, mas os cabelos da menina, não. Se caírem agora,
quando voltarão?”.
A1: ((continua a leitura)) “Só então o pássaro bateu as asas e voou, desaparecendo
rapidamente no ar, deixando Kalinda confusa e com medo. Não demorou”...
A1: ((continua a leitura)) “Não demorou muito para terminar a estação das chuvas e
vir finalmente a estação da seca. O vento começou a soprar mais vezes de todos os
lados, dia e noite, trazendo sons estarrecedores e deixando rastros de desordem.
Do lado de fora dos aposentos da princesa, as árvores logo ficaram nuas e em
pouco tempo as folhas mortas cobriram o chão até se perderem de vista. Com a
princesa Kalinda não foi diferente. Seus cabelos começaram a cair e de um dia para
o outro não sobrou um fio sequer no alto da cabeça. Mais do que nunca ela ia
precisar dos seus turbantes coloridos. Primeiro veio a raiva. Depois a revolta. Por
fim, a tristeza tomou conta de Kalinda. E por mais que suas acompanhantes
afirmassem: ‘Não se preocupe, princesa. Eles vão crescer novamente’, ela já não
poderia acreditar nisso com tanta força. Durante dias, Kalinda não quis sair dos
aposentos, nem falar com ninguém. Tinha perdido a esperança. Não queria mais
comer. Passava horas chorando, mergulhada em grande arrependimento. Só
conseguia dizer de si para si: ‘Como sou feia! Sou a princesa mais horrorosa do
mundo!’. Quando soube do acontecido, o rei veio ver a filha. Ela lhe contou a
aventura com o pássaro em detalhes. E ele prometeu encontrar uma solução, o
mais rápido possível. Para consolá-la, disse:”.
A1: ((continua a leitura)) para consolá-la disse /.../ “ - Fique tranquila! Em breve você
terá seus cabelos e sua beleza de volta, minha filha.O rei convocou todos os sábios
e magos do reino e prometeu muitas peças de ouro para quem conseguisse
recuperar os cabelos da princesa. Poções foram encomendadas, feitiços foram
executados, banhos, rituais, oferendas tudo foi tentado. Mas nada deu o resultado
esperado. E a princesa continuava sem cabelos. E cada vez mais chorosa. E cada
vez mais desesperada. Numa noite de imensa tristeza, Kalinda teve um sonho. Viu
um jovem dançando e cantando ao redor de uma árvore que produzia cabelos.
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achou que tal árvore poderia estar escondida do outro lado do vasto mar, fez um
barco e partiu pelas águas. Depois de muitos dias, com o vento soprando pra leste,
ele chegou a uma pequena ilha deserta. Nela havia apenas três árvores, uma de
diamantes, uma de ouro e outra de prata. Ele prendeu o bote na margem da ilha,
desceu e foi caminhando até elas. Subitamente o céu estremeceu, houve uma
explosão e a árvore de ouro ardeu em chamas. Quando o fogo terminou, ao redor da
árvore surgiu uma infinidade de vagens com feijões vermelhos. Muoma nem pensou
no que estava fazendo, encheu sua bolsa com aqueles feijões e voltou correndo
para o barco. Alguma coisa lhe dizia que agora estava no caminho certo. E que a
árvore de cabelos poderia estar muito próxima. Soltou a embarcação e deixou que a
sorte /.../ ((interrupção))
((continua a leitura)) “Num instante um grande pássaro de grande cauda, com a
cabeça coroada de uma crista de cor esverdeada e com olhos e bico vermelhos
despencou no barco e olhou Muoma diretamente nos olhos”.
((continua a leitura)) “Não demorou muito e um raio excessivamente luminoso
cruzou o céu. Num instante, um pássaro de grande cauda, com a cabeça coroada
por uma crista de cor esverdeada e com olhos e bico vermelhos despencou no
barco e olhou Muoma diretamente nos olhos, antes de pedir quase susurrando:”.
A1: ((continua a leitura)) “ - Aqueles feijões vermelhos que você pegou na ilha...
abra uma vagem... e me dê, depressa!”
A1: “O que você faz aqui, tão longe de tudo de todos? Nunca ninguém conseguiu
chegar aqui”.
A: ((continua a leitura)) “ - A princesa teria sido mais sábia se tivesse sido generosa
e me dado um pouco dos seus cabelos para a construção do meu ninho... Fui eu
que...”.
A: ((continua a leitura)) “ - Ainda bem que você trouxe consigo essas vagens. Do
contrário, eu o teria devorado. Agora volte para casa e diga para a princesa plantar
esse último feijão em seu jardim. Só ela pode fazer isso. Só ela pode regar a
semente com suas lágrimas em noite de lua cheia ....”.
onde saíam fios de cabelos que desciam até o chão. Mas foi Muoma quem primeiro
se aproximou da árvore, colheu os primeiros fios e os colocou de volta na princesa
Kalinda. E, como se nunca tivesse sido diferente os cabelos voltaram a se fixar na
cabeça da moça e logo, logo, logo estariam brilhando e perfumando aquela
maravilhosa noite. Em seguida houve música e dança. Risos e alegria. O rei e todo o
reino festejaram os cabelos da princesa por muitos dias. Muoma recebeu o ouro
prometido e o que ele mais queria secretamente, desde que vira Kalinda pela
primeira vez: o amor da princesa. Casaram e viveram felizes por muito e muito
tempo. Cercados de pássaros de todas as cores e tamanhos, que alegraram ainda
mais a vida deles.