Um Vício Chamado Rafael

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Um Vício Chamado Rafael ...

“Eu nunca pensei como reagiria quando me apaixonasse de verdade e nunca acreditei em amor à primeira vista,
até que o vi pela primeira vez”...

Sua pele dourada combinava perfeitamente com seus olhos verde-claros, seu cabelo castanho-avermelhado
estava arrepiado e ele trajava apenas uma bermuda preta. Lindo. Perfeito. E que corpo ele tinha! Meus olhos
moveram-se por instinto e eu analisei a obra por completo. Definitivamente, Rafael era lindo. Lindo, lindo, lindo!
Lindo e hetero... “Eu jamais teria a menor chance com o irmão de Gabrielle...”

Quando eu a vi, senti ainda mais ciúme de meu irmão mais velho.

- Gaby – falou Henrique –, este é meu pai Alexandre, esta é minha mãe Marina, e estes são meus irmãos Eder,
Giselle e Marcus.

- Oi – disse Gabrielle, timidamente.

- Oi – respondemos eu, meus irmãos e meu pai.

- Seja bem-vinda, querida – falou minha mãe, beijando o rosto da norinha dela. – Sinta-se em casa e fique à
vontade.

- Obrigada dona Marina. É um prazer conhecê-la.

- O prazer é todo meu.

Eu fuzilava minha cunhada com os olhos. Branquela azeda! Estava roubando meu irmãozinho de mim!

- Disfarça essa raiva – sussurrou Giselle. – Está evidente que você não está contente com ela aqui.

- Não enche o meu saco Giselle!

- Você mora aonde? – perguntou meu pai, tentando puxar assunto.

- Na zona leste, Sr. Alexandre.

- Sem cerimônias, pode me chamar de você. Sou muito novo para ser chamado de senhor.

Dessa eu tive que rir. Minha cunhada olhou para mim pela primeira vez, mas eu desviei os olhos e fiquei
mirando os sapatos de meu irmão.

- Vem comigo, amor – falou Henrique. – Vou te mostrar o meu quarto.

- Com licença – disse a namorada de meu irmão, levantando-se e pegando na mão direita dele.

- Mas já está chamando ela de amor? – esbravejei mais para mim mesmo.
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- Ciumento – falou Marcus, me espremendo contra o braço do sofá. – Você ainda tem a mim!

- Cala a boca fedelho! Você e a Gi me torram a paciência!

- Eder – repreendeu meu pai. – Agora não é a hora para isso, filho!

- Nós já conversamos sobre isso Eder – falou minha mãe, enrugando a testa. – Dá uma trégua pelo menos por
agora, está bem?

- Não posso falar mais nada nessa casa! – reclamei, colocando-me de pé. – Vou para o meu quarto!

- Eder – disseram meus pais, mas eu não dei ouvido.

Estava com muito ciúme de meu irmão. Eu não queria que ele namorasse àquela menina, ele era meu irmão! E eu
o queria só para mim!

Tranquei a porta de meu quarto e deitei na minha cama, cobrindo minha cabeça com o travesseiro. Quando me
dei conta, estava chorando. Não sei se de raiva ou ciúme, mas eu estava chorando por causa do meu irmão. Como
ele podia fazer aquilo comigo? Trocar-me por uma garota qualquer?

Acabei adormecendo e acordei com batidas na porta de meu quarto.

- Quem é? – perguntei, com a voz sonolenta.

- Podemos conversar? – perguntou Henrique.

- Não! – falei. – Me deixa em paz!

- Eder! Deixa-me entrar.. Eu quero falar com você.

- Que saco Henrique! Deixa-me em paz – gritei –, vai ficar com sua namorada que você ganha mais!

- Tudo bem, se é assim que você prefere... Eu estou no meu quarto, qualquer coisa, já sabe.

Peguei uma almofada e joguei contra a porta de meus aposentos. Que raiva que eu estava sentindo do Henrique.
E mais ainda da tal da Gabrielle. Até o nome era nojento! Aff... Sem comentários!

Quando o dia amanheceu, fui tomar café. Estava faminto, afinal não tinha jantado no dia anterior.

- Bom dia – falei, sentando-me ao lado de Marcus.

- Apareceu a Margarida! – brincou Giselle.

Olhei dentro de seus olhos amêndoas e fechei a cara.

- Não começa filha – pediu minha mãe.

- Eder – falou meu pai. – Quero conversar com você.

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- Nem vem pai! Nem vem!

- Eu quero e vou conversar com você quer você queira quer não!

- Deixa pai – falou Henrique, que acabara de chegar à cozinha. – Eu faço isso depois. O problema sou eu.

Abaixei a cabeça e comi em silêncio. Eu sabia que não estava agindo da forma correta, mas tudo o que eu estava
sentindo era muito, muito mais forte que eu. Mas, que sentimento era àquele afinal? Por qual motivo eu estava
sentindo tanto ciúme de meu irmão?

Minha cabeça estava confusa. Várias respostas passavam pelos meus pensamentos ao mesmo tempo. O que
estava acontecendo comigo? Por que eu estava reagindo tão mau a um simples namoro de adolescentes?

Eu estava tão absorto em meus pensamentos, sentado na minha cama olhando pela janela e mirando o horizonte,
que nem notei quando Henrique entrou em meu quarto.

Ele me puxou por trás e me deu um abraço de urso, jogando-me inteiramente na cama, onde fiquei deitado e
imóvel. Meu coração acelerou a tal ponto que pensei que iria enfartar.

- Tá maluco Ricky? – falei assustado. – Quer me matar do coração?

- Não – respondeu ele –, quero te matar de cócegas!

Ele me prendeu em seus braços e começou a fazer cócegas na minha barriga, onde era meu ponto fraco. Tive um
acesso de risos e ele só parou quando eu implorei que o fizesse:

- Para Ricky – falei às gargalhadas. – Para, meu estômago já tá doendo.

- Eu só vou parar se você prometer que vai conversar comigo.

- Eu prometo, eu prometo.

Meu irmão parou de me mexer comigo e sentou-se de frente para mim, olhando dentro dos meus olhos e
sorrindo. Ah! Como eu gostava de o ver sorrindo...

Ficamos nos olhando por algum tempo. Muita coisa passava em minha cabeça. O que ele iria falar, afinal de
contas?

- É difícil começar – disse ele.

- Não precisa se não quiser.

- Eu quero e eu vou conversar com você.

- Não tem que ir trabalhar?

- Tenho sim, mas você é mais importante do que qualquer outra coisa neste momento.

Eu não pude deixar de ficar contente ao ouvir aquilo. Que lindinho!


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- Eu sei que você não gostou dela – ele falou –, mas você ainda nem deu oportunidade a ela para que ela te
conquiste, assim como me conquistou.

Fechei a cara. E quem disse que eu queria que ela me conquistasse?

- Maninho – continuou –, o que está acontecendo?

- Quer que eu seja sincero?

- Claro que sim.

- Nem eu mesmo sei – falei com toda sinceridade do mundo. – Às vezes eu acho que é medo de te perder para
ela, às vezes é apenas ciúme... Mas... Sei lá! É tão difícil aceitar que você está namorando...

- Primeiro e mais importante, você jamais vai me perder – ele deu ênfase na palavra jamais –, eu sou seu irmão e
isso nunca vai mudar, aconteça o que acontecer.

- Eu sei...

- Segundo. Eu acho legal você ter ciúme de mim, afinal eu também tenho de você, mas isso não significa que eu
vá impedir que você namore e tudo o mais, não que você esteja me impedindo, é claro.

Seus olhos estavam de um caramelo brilhante. E eu sabia que ele estava falando a verdade só de encarar aquele
par de olhos que eu conhecia como a palma de minha mão.

- Eu gostaria muito, muito mesmo, que você me entendesse. A gente não manda no coração Eder. E a Gaby
amarrou o meu ao dela de uma maneira que até agora eu não sei qual é, mas que definitivamente, me prendeu.

- Acho que é isso que me incomoda mais. Eu tenho receio de você gostar mais dela do que de mim, e acabar me
deixando de lado em sua vida.

- É claro que não! Eu gosto de você de um jeito e dela de outro, mano. São maneiras de amar completamente
distintas, e eu não sei dizer como isso acontece, mas eu não sei, eu não consigo viver sem vocês!

Ai que fofo!

- Talvez eu esteja assim porque nunca me apaixonei, e não sei o que está se passando dentro de você para te
entender. Mas eu posso tentar aceitar isso tudo. Mesmo sendo difícil para mim.

- Eu não quero que você a aceite. Você tem todo o direito de não gostar dela, embora eu ache que isso não vá
acontecer. Eu só quero que você nos dê uma oportunidade. O ciúme sempre vai existir e isso é fato, mas eu
nunca vou deixar você de lado, você vai continuar sendo meu maninho e eu vou continuar cuidando de você
como eu sempre fiz.

Era aquilo que eu precisava ouvir. Não me contive e o abracei com muita força. Minha garganta deu um nó, senti
vontade de chorar, mas não o fiz. Não naquele momento.

- Eu te amo – falei com a voz trêmula.

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- Mas eu te amo mais – disse Henrique, com um tom de diversão na voz. – Meu maninho ciumento!

Ele fazia carinho em minha nuca enquanto eu raciocinava tudo o que ele tinha me dito. É eu não teria escolha a
não ser dar o braço a torcer e aceitar àquela situação. Eu não podia proibir meu irmão de ter as namoradas que ele
quisesse. E não iria atrapalhar.

- Obrigado por tudo – falei, deitando minha cabeça no ombro dele. – Você é demais.

- Não tem que agradecer, eu estou aqui sempre que você precisar. Eu te amo muito.

Ficamos abraçados por mais alguns minutos, depois ele viu a hora no relógio de pulso e deu um pulo da cama.

- Eu preciso ir, senão vou levar mais uma advertência. Estamos combinados, então?

- Claro mano! Depois eu quero conversar com ela...

- Vou falar isso para ela, embora ela não saiba o que está acontecendo.

- Você não contou nada?

- Não. Não tive motivos para contar.

- Ela não percebeu que eu estava irritado ontem?

- Não. Na verdade ela é muito ingênua. Tão linda!

Sorri para meu irmão. Isso era bom.

- Vai lá – falei, pondo-me de pé. – Eu acho que vou na casa da Denise.

- Por que você não sai com nossos irmãos? Eles estão querendo ir ao shopping.

- Pode ser também. Mas ninguém merece aqueles dois juntos...

- É isso é verdade. Bom vou indo. A gente se vê à noite quando você voltar da escola ou amanhã de manhã.

Abracei meu irmão de novo, eu estava ficando mais tranquilo, embora ainda estivesse com muito ciúme.

- Te amo – sussurrei em seu ouvido.

- Eu também.

- Vamos ao cinema? – propôs Giselle, já toda animada com a ideia.

- Não tem nenhum filme legal em cartaz – reclamou Marcus.

- Mas você ainda nem viu as opções – falou Giselle.

- Não comecem a brigar aqui pelo amor de Deus – falei tentando não me irritar –, vamos ver se tem algo bom
passando.
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- Lero, lero – falou Giselle –, bem feito!

- Cala a boca! – mandou Marcus.

- Se vocês continuarem nós vamos para casa!

Adorava falar isso a eles porque eles paravam com as brigas na hora. Fomos para as listagens de filmes que
estavam em cartaz e acabamos por escolher “Sob Investigação”, parecia muito bom.

Comprei os três ingressos e eles foram comprar pipoca e refrigerante. Nós nos encontramos na fila, a sessão ia
começar em quinze minutos.

- Você está mais calmo, né? – perguntou Giselle, já comendo a pipoca.

- Para de comer menina, quando começar o filme não vai ter mais nada.

- Não enche o meu saco Marcus. A conversa está reta.

- Meninos – ameacei.

Eles me olharam e ficaram quietos. Adorava colocar ordem na zona deles.

- Mas te respondendo, eu estou tranquilo sim – falei a Giselle. – Eu e o Ricky conversamos hoje pela manhã.

- Hum, que bom – falaram meus irmãos ao mesmo tempo.

Ficamos jogando conversa fora até que a sala do cinema foi aberta e nós entramos. A gente sentou na fileira mais
alta, eu no meio dos dois para evitar brigas.

Quando finalmente terminei meu dever de inglês, fui tomar banho. Já estava ligeiramente atrasado para ir ao
colégio. Comi uma maçã enquanto ia para a escola, que não ficava muito longe de minha casa.

- Oi Eder – falou Denise. – Pensei que você ia a minha casa hoje.

- Oi Denise! Desculpe, tive que ir ao shopping com os meus irmãos.

- Tudo bem. Fez a lição de inglês?

- Fiz sim, terminei agora há pouco.

- E será que você me empresta?

Cerrei os olhos e sorri.

- E você ainda pergunta? Claro que eu te empresto.

- Oba! Obrigada, amigo!

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O sinal informando que a primeira aula ia começar tocou e nós entramos na sala, ainda vazia. Sentei-me na
minha carteira habitual e peguei meu caderno. Olhei pela janela e suspirei, não conseguia tirar meu irmão de
minha cabeça. Nem a namoradinha dele.

- Buenas noches – disse Arthur –, como están?

- Você e sua mania de falar em espanhol – suspirou Denise.

- Deixe-o Denise! E aí Arthur – falei.

- Beleza, gente? – perguntou o moreno, sentando na minha frente.

- É – falei.

- Amigo me empresta a lição?

- Ah é.

Entreguei meu caderno para Denise e voltei a olhar pela janela, mirando a lua que andava lentamente pelo céu
completamente enegrecido.

- O que foi, Eder? – perguntou Arthur.

- Nada não – menti. – Só admirando a lua mesmo.

Mas era mentira. Não conseguia parar de pensar no Henrique com a Gabrielle. O que eles estariam fazendo
naquele momento?

Quando eu saí pelo portão do colégio àquela noite, tive uma surpresa: Henrique estava me esperando de carro,
para me levar para casa.

- Aquele ali não é seu irmão? – perguntou Arthur.

- É sim – respondi com um sorriso de orelha à orelha. – Até amanhã gente!

Corri até o carro e abri a porta, sentando-me no banco do carona.

- O que você está fazendo aqui? – perguntei, olhando fixamente em seus olhos caramelos.

- Ué, eu não posso vir buscar meu irmão na escola?

- Claro que pode...

Coloquei o cinto de segurança e ele deu a partida.

- Como foi hoje? – perguntou ele.

- Bem. Nada de anormal. E você? Assinou advertência?

- Que nada. Falei que o ônibus tinha quebrado.

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Eu dei risada e arrumei meu cabelo loiro pelo retrovisor. Meus olhos estavam mais caramelos que o normal
àquele dia.

- Estive pensando – falou Ricky. – O aniversário da Gi está chegando e eu ainda não comprei nada para ela...
Quer ir ao shopping comigo comprar?

- Agora?

- Agora não porque já fechou, mas pode ser domingo. Eu vou estar de folga mesmo.

- Mas e a Gaby? Ela não vai com você?

- Eu quero que você vá comigo.

- Então tá! Já que é assim, vamos sim. Ainda não marquei nada pro domingo.

- Já comprou o presente dela? Ou você não vai dar nada?

- Já. Comprei um perfume.

- Ah é? Eu estava pensando em dar um... Vou ter que comprar outra coisa então.

- Compra uma bota. Ela está louca por uma bota que vimos hoje.

- Ah, então vocês foram mesmo pro shopping?

- E ao cinema.

- Vocês viram o que?

- “Sob Investigação”.

- Já vi. Não gostei muito.

- Também não.

Agora eu estava feliz. Meu irmão estava completamente normal comigo, ao contrário do que eu imaginei que
estaria.

- Pode abrir o portão para mim?

- Folgado!

Abri a porta e desci, batendo a mesma com o quadril. Puxei o portão de ferro da minha casa e Henrique passou
com o carro para a garagem. Meus pais já haviam chegado do trabalho.

Entrei e não vi ninguém. Provavelmente estavam todos nos quartos. Subi pro segundo andar de dois em dois
degraus e quando cheguei ao meu quarto, atirei minha mochila em cima da cama e fui tomar outro banho, o calor
estava insuportável.

- Oi filho – disse minha mãe. – Nem vi que você chegou.


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- Acabei de chegar, o Ricky me deu uma carona.

- Ah, é mesmo? Então está tudo bem entre vocês?

- Claro. A gente conversou hoje de manhã.

- Que bom filho! Espero que você o entenda.

- Não quero falar sobre isso mãe. Isso é coisa minha, deixa de lado, está bem?

- Tudo bem meu amor. Ah! Aproveitando que estamos a sós, ainda não tive oportunidade de te contar...

- O que?

- Seu pai e eu vamos dar uma festa surpresa pra sua irmã!

- Sério? Nossa, ela vai ficar louca. Mas mãe, e se ela ouvir a senhora falando comigo?

- Ela foi dormir na Marcinha. Chama os seus amigos... Vai ser uma semana depois do dia do aniversário dela,
aqui mesmo.

- Ela vai adorar! Pode deixar que eu vou chamá-los sim. Vou tomar banho, a gente se vê no café. Boa noite, mãe.

- Boa noite, meu lindo.

Minha mãezinha desceu pra cozinha e eu entrei no banheiro, tirando minha roupa antes de fechar a porta.

Regulei o chuveiro para a temperatura gelada, abri a torneira e me joguei no jato de água. Depois de fazer toda a
higienização, desliguei a ducha, me vesti e desci para jantar. Minha barriga ansiava por comida.

Quando cheguei ao colégio na sexta, Denise já foi me puxando pelo braço e me encostando à parede, sussurrando
no meu ouvido:

- Tenho uma coisa muito importante pra te contar!

- Que foi criatura? Precisa me puxar desse jeito?

- Você está vendo aquela menina de cabelo castanho, junto com a Nicole?

- Aham. O que é que tem ela?

- Ela acabou de falar comigo, e está louquinha pra ficar com você.

Senti meu rosto queimar na hora. Disfarcei e olhei para a garota com mais calma. Até que ela não era feia. Mas
eu não queria ficar com ela.

- Ah, nem estou a fim...

- Hã? Não? Como não? Não gostou?

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- Nossa quanta pergunta Denise! Não é que eu não gostei. Ela é gatinha e tudo mais, mas é que eu não estou a
fim de ficar com ninguém. Estou fechado para balanço, sabe como é que é, né?

- Fechado para balanço? Mas... Não sei não, hein?

- Não sabe o que Denise?

- Sei lá. Já é a segunda que você rejeita...

- E qual é o problema?

- Nenhum, mas...

- Olha, fala para ela que eu estou tranquilo. Tenta arrumar outro garoto para ela ficar e ponto. Vou lá conversar
com os meninos.

Deixei minha amiga encostada no muro da escola e senti que ela me olhava enquanto eu andava, mas não virei
para confirmar. Quando passei pela garota que queria ficar comigo, ouvi as risadinhas das amigas dela, mas não
dei a mínima e segui meu caminho.

Só me faltava essa! Além de ter que aguentar a Gabrielle ao lado de meu irmão, me apareciam meninas querendo
ficar comigo.

Quando a aula de biologia começou, eu estava tão perdido nos meus pensamentos que nem notei quando o
professor chamou meu nome.

- Eder? – repetiu ele.

- Hum? Ah, presente.

- Está dormindo Eder? – perguntou o professor Carlos. – Da próxima vez vai ficar com falta.

- Desculpe professor.

Meus colegas de classe riram de mim, mas nem isso me trouxe de volta ao mundo real. Por que eu rejeitei a
garota? Eu nem ao menos havia conversado com ela... Mas... Ela não me atraiu em nada... Nenhuma garota me
atraia em nada... O que estava acontecendo comigo? Por que aos quinze anos de idade eu ainda não havia me
relacionado com nenhuma garota, sendo que a maioria de meus amigos já nem era mais virgem?

Até a hora do intervalo eu fiquei matutando o que estava se passando comigo. Aquilo definitivamente não era
normal... Eu queria uma resposta, mas na minha cabeça só apareciam perguntas e mais perguntas.

Estava tão concentrado com minhas perguntas que nem percebi meu pai falando comigo quando cheguei.

- Eder? Eder? O que você tem?

- Hã? Ah, oi pai. Nem vi vocês aí.

- Você está parado fechando a porta já tem uns cinco minutos, tranqueira – falou Giselle. – Tá no mundo da lua
é?
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- Hã? Não, só estou pensando.

- E você pensa? – brincou Marcus.

- Eu vou pro meu quarto. Até amanhã.

- Ih, ele não está bem – falou Giselle.

Pelo canto do olho, vi que Henrique me acompanhava com os olhos e eu sabia que mais cedo ou mais tarde ele
iria falar comigo.

E não deu cinco minutos que eu tinha entrado no quarto, ele bateu à minha porta.

- Eder? Deixe-me entrar.

Abri a porta e ele entrou.

- O que aconteceu? – perguntou ele.

- Nada – falei, sentando-me na cama e o olhando. – Só estou pensando em um assunto que me falaram hoje na
escola.

- Você não sabe mentir Eder – falou Ricky, ajoelhando-se a minha frente e puxando o meu queixo para olhar nos
meus olhos. – Anda conta pra mim o que aconteceu?

- Já disse que não é nada Ricky.

- Mano você pode contar comigo. Pode confiar em mim...

-Eu confio em você. Mas não é nada. Só estou pensativo mesmo.

- Tudo bem. Já que você não quer contar eu não vou te obrigar. Se precisar de mim eu estou no quarto ao lado.

- Eu sei disso. Pode ficar tranquilo.

- Mesmo?

- Mesmo.

Eu gostava desse instinto protetor do meu irmão. E era isso que eu sentia falta ás vezes. Dele cuidando de mim.
Fitei seus olhos por um longo minuto e várias coisas passaram em minha mente.

Suspirei e ele me abraçou de um jeito muito carinhoso. Senti-me ainda mais protegido com aquele abraço. Não
queria mais sair dali.

- Meu baixinho – sussurrou Henrique para si mesmo. Eu não respondi nada.

- Importa-se se me deixar um pouco sozinho? – perguntei.

- Não, claro que não. Se precisar...

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- Eu te chamo.

Ricky me olhou e saiu do meu quarto, encostando a porta ao passar.

E as perguntas se multiplicaram de tal forma que minha cabeça já começava a doer.

Lembrei-me de quando tinha treze anos, das férias que passei na casa de meus avós, no Rio de Janeiro. Lembrei
de meu primo Renato. Um carinha muito bonito e simpático, dois anos mais velho que eu, da idade do meu
irmão. Lembrei que ele e eu dormimos no mesmo quarto e lembrei de quando o peguei pelado, trocando de
roupa.

Que vergonha eu passei! Ele, muito naturalmente, pediu para eu não ficar tímido... Que nós éramos primos e que
não tinha problema de eu o ver daquele jeito. Lembrei do tesão que senti por aquele garoto. Lembrei de como eu
fiquei quando aquilo tudo aconteceu. E do desejo que senti por ele durante alguns meses após o acontecido.

Lembrei-me também da aula de natação que fiz quando estava com quatorze anos. Tive que parar dando uma
desculpa aos meus pais, dizendo que me sentia mal nadando. Mas eu havia parado na verdade, pelo meu
professor. Porque ele mexia muito comigo. Como era gostoso! Lindo! Corpo malhado... Ele me deixava louco...

Então era aquilo que estava acontecendo. Eu sentia desejo por homens. Não por mulheres. Mas por quê? Por que
comigo? Aquilo podia acontecer com qualquer um, tinha de ser justo comigo? Senti-me sujo, eu não queria ser
gay. Negava-me a aceitar. E por que eu não tinha percebido isso antes? Foi preciso alguém me encostar a parede
para que eu percebesse que não gostava de mulheres? E o que a minha família ia falar e pensar de mim? Minha
mãe? Minha mãe com certeza choraria de desgosto... Meu pai enfartaria... E o Henrique? Sentiria vergonha de
mim, com toda razão! Talvez os únicos que me aceitassem fossem a Gi e o Marcus... Mas mesmo eles ficariam
contra mim? Será?

Não. Não era verdade. Eu não podia ser gay. Eu era hetero. Sempre fui. E ia continuar sendo.

Mas, se eu era hetero, porque não sentia desejo pelas meninas? Só pelos meninos?

E porque eu não me relacionava com elas?

Porque eu estava com tanto ciúme do meu irmão?

Porque eu gostava tanto quando ele me abraçava daquele jeito carinhoso e porque meu estomago revirava
quando ele dizia que me amava

Fui vencido pelo cansaço e acabei apagando depois de alguns minutos. Acordei na manhã seguinte com o sol no
meu rosto. Ainda bem que não tinha aula.

Fiquei olhando para o teto por um tempo, matutando sobre minhas descobertas do dia anterior. Ainda estava
inquieto com a situação, porém mais calmo. Não adiantava colocar a carroça na frente dos bois.

Coloquei-me de pé e fui logo para o banho. Quando acabei, desci e tomei café com minha família. Já estavam
todos à mesa, com exceção do meu irmão mais novo.

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- Onde está o Marcus? – perguntei.

- Ainda não acordou – falou minha irmã.

- Ah, é sábado – disse Ricky. – Deixem-no descansar um pouquinho.

- Seus olhos estão vermelhos, Eder – comentou Giselle. – Dormiu mal?

- Não – falei coçando os olhos –, dormi muito e muito bem. Deve ser o excesso de sono.

Henrique olhou para mim e levantou uma das sobrancelhas do jeito que ele sempre fazia quando desconfiava de
alguma coisa. Meu irmão me conhecia muito bem.

- E como está a Gabrielle, Ricky? – perguntou meu pai, com certo interesse.

- Está bem, pai.

- Quando vai trazê-la aqui novamente? – indagou minha mãe.

- Quando ela quiser – respondeu Henrique.

De repente toda a minha fome se foi. Gabrielle, Gabrielle, Gabrielle! O único assunto naquela casa agora era a
nova namorada de meu irmão... Suspirei profundamente e remexi os pés sob a mesa, tentando não me irritar logo
cedo.

- Gostei muito da menina – falou meu pai. – Parece-me ser uma ótima pessoa.

- Que bom que gostou pai – disse Henrique, com um sorriso de satisfação nos lábios. – Ela gostou de todos
também.

- Você já conhece a família dela? – perguntou Giselle.

- Conheço os pais e irmãos. E só.

- Ela tem quantos irmãos? – perguntei, tentando interagir com eles.

- Dois – respondeu Henrique, com ambas as sobrancelhas levantadas.

- Dois homens? – perguntou minha mãe.

- Um casal.

- Quais as idades?

- Não sei bem. Parece que a Natália tem dezesseis e o Rafael dezenove. Alguma coisa assim.

- E ela, ela tem quantos? – perguntou meu pai.

- Quase dezoito.

Revirei os olhos. Era a cara de meu irmão ficar com mulheres mais novas.

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- Bem Family – disse Gi –, eu já vou indo. Vou sair com a Marcinha.

- Mas tão cedo? – perguntou minha mãe.

- Aonde vocês vão? – perguntou meu pai.

- Na casa do primo dela, tomar banho de piscina. Está muito quente hoje.

- E só vão vocês duas?

Era típico dos meus pais nos encherem de perguntas desse tipo. Isso irritava de vez em quando.

- Não. Vai toda a galera do colégio. Com licença, bye, bye.

- Eu também já vou – falou Ricky, passando o guardanapo nos lábios. – Já estou quase atrasado pro trabalho.

- Vai lá filho – falou minha mãe. – Bom trabalho.

- Obrigado mãe. Tchau povo.

- Querida vou à casa de um cliente, mas eu volto para o almoço – falou meu pai. – Depois nós vamos sair para
jantar fora. Só nós dois.

- Tudo bem amor. Eu te aguardo.

Meus pais se beijaram demoradamente e depois ele saiu. Era tão fofo o amor deles.

- Você está bem Eder?

- Claro que sim mãe. Só meio preguiçoso, eu dormi muito.

- Quais os seus planos para hoje?

- Vou sair com o Arthur – menti.

- E vocês vão aonde?

- No shopping.

- Sozinhos?

- É mãe. Quanta pergunta!

Bebi o meu suco de uma vez e levantei-me da mesa.

- Desculpe – disse minha mãe.

- Tudo bem.

Dei-lhe um beijo na testa e um abraço. Ela era carente às vezes.

- Eu te amo – falei.
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- Eu também filho.

Subi para o meu quarto e liguei para o Arthur.

- Fala linguiça – atendeu ele.

- E aí, o que está fazendo de bom?

- Nada, e você?

- Por enquanto nada também. Tem planos?

- Não, e você?

- Vamos ao shopping? Sei lá, podemos ir comer besteira ou então ir ao cinema...

- É uma boa. Que horas?

- As duas?

- Combinado.

- Eu passo aí e nós vamos juntos.

- Ok. Até mais então.

- Até.

Deitei-me de papo pro ar enquanto todas as perguntas voltavam à minha mente. O que estava acontecendo
comigo?

Cansado de ficar na cama a manhã toda, desci para a sala e procurei algo para fazer.

- Mãe, cadê o Marcus?

- Jogando vídeo-game.

Subi as escadas de dois em dois degraus e bati na porta do quarto de meu irmão.

- Entra – mandou.

- Oi – disse, sorrindo. – Deixe-me jogar com você?

- Ah, sério? Lembrou que eu existo?

- Nossa que coisa feia Marcus! Eu nunca esqueço de você...

- Ah é mesmo? Pois não é o que parece – disse Marcus, fechando a cara.

- Que injustiça...

- Aham. Você gosta muito mais do Ricky do que de mim...


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- Mentira sua – falei, sentando-me ao lado dele e pagando um dos controles do vídeo-game. – Eu gosto dos dois
do mesmo jeito.

- Não é o que parece. Você nem liga para mim.

- Se eu não ligasse não estaria aqui e não ia com você no shopping nem nada.

- Sei, sei.

- Seu ciumento! – exclamei, bagunçando o cabelo loiro dele. – Eu amo você também anta.

- Ah tá. Vou fingir que acredito – disse ele sorrindo. – É brincadeira mano, eu sei que você me ama. É impossível
não me amar.

- É impossível uma pessoa ser tão modesta como você Marcus! Não me conformo...

Demos risada e ele iniciou a partida de luta. Eu levei a melhor em três de cinco partidas.

- Sabia que eu ia ganhar de você – falei, rindo da cara dele.

- Sorte de principiante.

- Vai nessa. Jogo esse jogo a muito mais tempo que você pivete.

- Olha o respeito ancião!

- Ancião? Ancião? Mas eu só tenho quinze anos!

- Pois é e eu doze. Você é muito mais velho que eu!

- Ah se eu te pego moleque!

Começamos a correr pelo quarto e em poucos segundos eu já tinha alcançado Marcus pelo colarinho da camiseta.

Joguei-o na cama e prendi-o no meu corpo, iniciando uma série de cócegas em seu corpo magrelo.

Ele gargalhava alto e eu só parei porque meus braços estavam cansados.

- Que horas são? – perguntei.

- Uma e vinte.

- Eita. Tô atrasado... – falei, pulando da cama do meu irmão.

- Vai sair?

- Shopping com o Arthur.

- Posso ir?

- Ah, hoje não maninho, vamos só nós dois. Temos que conversar.

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- Hum... E amanhã você me leva?

- Amanhã posso pensar. O Ricky já me chamou para ir comprar o presente da mana.

- Ah, eu quero ir.

- A gente vê isso hoje à noite, tá bom? Vou tomar uma ducha, senão me atraso muito.

- Caduco.

- Fedelho.

- Matusalém.

- Criança.

- Criança não!

Sai correndo e ouvi o barulho do travesseiro batendo na porta. Ri do acontecido e segui para o banheiro.

Toquei a campainha e arrumei meu boné que estava torto. Em um minuto a porta se abriu.

- Boa tarde dona Ester!

- Oi Eder, tudo bem com você?

- Tudo sim e com a senhora?

- Tudo bem, graças a Deus. Mas entre, o Arthur está no quarto. Pode ir lá.

- Obrigado dona Ester, com licença.

Entrei na casa de meu amigo e virei no corredor, para poder chegar em seu quarto. Bati à porta duas vezes e ele
mandou-me entrar.

- Já está pronto?

- Quase – respondeu Arthur. – Já estou terminando de me arrumar.

Engoli em seco. Arthur estava só de cueca branca. O corpo magro dele estava começando a ficar definido, seu
peito começava a ficar saliente e a barriga começava a criar músculos. Foi a primeira vez que vi meu amigo com
outros olhos.

Por sorte ele não percebeu meu olhar. Senti meu rosto esquentar e comecei a suar frio. Uma fisgada dentro de
minhas calças informou o que eu necessitava saber. Sim, eu estava sentindo desejo pelo meu amigo. Meu amigo
de tantos anos. Praticamente um irmão...

Meu pênis ficou completamente ereto e eu tive que me sentar para disfarçar o tesão. Que droga! Aquilo não
podia estar acontecendo. Não comigo. Não com o Arthur.

- Já estou terminando de me arrumar e nós vamos, está bem? – disse ele, passando os dedos no cabelo molhado.
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Não tive reação. Abri a boca para responder, mas não saiu som algum. Como ele era tão gostoso daquele jeito e
eu nunca tinha percebido?

- Eder? Você está bem?

- Eu... Estou bem sim. Só cansado porque eu subi a ladeira correndo – menti.

- Senta aí irmãozinho, já estou quase pronto.

Sentei-me na beira de sua cama e peguei o celular no meu bolso. Fingi que mandava uma mensagem qualquer,
enquanto ele colocava a roupa. Meu membro aos poucos ficou novamente relaxado e eu suspirei de alívio. Arthur
não podia perceber o meu interesse. Mas, eu estava interessado pelo meu melhor amigo?

- Prontinho – disse Arthur, sorrindo.

Levantei a cabeça e percebi a mudança: agora ele estava vestido com uma camisa pólo verde e uma bermuda
jeans branca, nos pés, um tênis que eu nunca havia visto.

- Aprovado? – perguntou ele, mantendo o sorriso nos lábios.

- Normal – disfarcei. – Vamos, então?

- Sim, sim. Só espera eu passar perfume.

Ele abriu a porta do armário que estava na parede da janela e pegou o frasco do “Egeo” do “OBoticário” e
respingou algumas gotas na camisa, no pescoço, nos pulsos e nas articulações de ambos os cotovelos. Além de
bonito, gostoso e bem arrumado, ele estava agora muito, muito cheiroso... Assim já era golpe baixo...

- Agora sim. Vamos?

- Uhum – murmurei, extasiado com tantas qualidades.

- O que foi? Você não parece bem.

- Estou ótimo Arthur. Impressão sua. A gente vai a qual shopping?

- Ah, por mim tanto faz. Aonde você quer ir?

- Vamos no “Aricanduva” então.

- Maravilha.

Nós descemos a rua devagar. O sol estava quente, mas agradável. Nem parecia que era inverno.

- E então, o que nós vamos fazer? – indaguei.

- Quero comer no “Mc’Donalds”, e quem sabe a gente fica com algumas gatinhas?

Engoli em seco.

- No shopping à tarde? Acho meio improvável, mas... Quem sabe?


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- Às vezes...

Pedi parada para o ônibus e peguei minha carteira. Separei o dinheiro da passagem e senti o perfume de Arthur
invadir minhas narinas. Que aroma delicioso!

- Ainda bem que o bus chegou rápido, né?

- Normalmente não demora muito de sábado. Pior é de domingo e feriado.

Nós entramos e já passamos pela catraca. O coletivo estava ligeiramente vazio. Arthur sentou-se em um banco
quase no fim do veículo e eu sentei à sua frente, ficando literalmente um na frente do outro.

- Você está tão pensativo Eder. O que está acontecendo? Anda conta.

Será que eu era tão transparente assim? Todo mundo sabia que eu estava passando por alguma coisa. Eu
precisava disfarçar melhor.

- Não é nada não seu besta. Só estou pensando na morte da bezerra.

- Uhum, quem não te conhece que te compre!

Dei risada e chutei a canela dele de leve.

- Cachorro – disse ele.

Jogamos conversa fora até que chegamos ao shopping. Estava cheio como sempre.

- Vamos comer? – perguntei.

- Já? Não é melhor mais tarde?

- Por mim tanto faz.

- Melhor depois, então. Quero comprar um CD.

- Eu também. Vamos lá ver alguns.

Andamos por todas as lojas que queríamos, comemos e por volta das sete horas nós decidimos ir embora.

- Pena que não tinha nenhuma gatinha legal – lamentou-se Arthur.

- Nem esquenta a cabeça. Eu disse que ia ser difícil.

- Precisamos ir para a balada.

- E até parece que os nossos pais deixarão.

- Eles não precisam saber que nós estamos na balada, Eder.

- E você acha bonito mentir para seus pais?

- A beleza do assunto não vem ao caso.


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Eu ri. Ri muito. Como aquele moleque era palhaço.

- Mas então, vamos aí mano! Pensa aí, no tanto de gatas que vai ter para a gente beijar...

- A gente pode pensar. Mas se for o caso, vamos ter que ir com mais alguém. Só nós dois pode dar B.O.

- A gente chama os meninos pô. Ou seu irmão que é mais velho.

- O Ricky?

- É né Eder! O Marcus que não pode ser.

- Nem rola.

- Por quê? Vocês brigaram é?

- Não, não. É que agora ele está namorando e tudo mais. Daí ele vai querer ir com a Gabrielle...

- E o que é que tem de errado nisso? Ele vai com a namorada e a gente vai para curtir.

- Acho que ele não vai querer ir. Mas a gente pode tentar, não custa nada.

- Vamos ver então. Por enquanto deixa isso só entre nós dois.

- Lógico. Mas me diz, está na seca né? – joguei uma verde.

- Como assim? – ele se fez de desentendido.

- Pelo que eu percebi você está sem beijar a muito tempo. Não pensa em outro assunto.

- Ah! Não faz tanto tempo assim. Mas é que eu sinto falta.

- Sei.

- E você?

- Eu o quê?

- Quanto tempo que está sem beijar?

Engoli em seco.

- Eu estou tranquilo, Arthur. Acho que faz dois meses...

- Posso te fazer uma pergunta?

- Faça.

- Você é...

Olhei de rabo de olho para ele e ele estava vermelho.

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- Sou o quê?

- Você é...

Ele parou de falar. Provavelmente estava procurando a palavra certa.

- Você ainda é... Virgem?

Sorri. Para que ele queria saber aquilo?

- Curioso – respondi.

Ele ficou quieto por um segundo. Depois respirou fundo e prosseguiu:

- Se não quiser contar tudo bem...

- Sou – falei.

- Ah! Tá. Entendi.

- Você também é, né?

- Mas ninguém precisa saber disso...

Ri demais dele. Será que ele tinha falado para alguém que não era mais virgem?

- Olha a minha cara de quem vai sair espalhando isso por aí Arthur.

Ele sorriu e olhou pela janela do ônibus.

- Caramba. A gente desce no próximo.

- A gente não, você. Eu vou para minha casa.

- Ah... Vamos jogar um pouco de vídeo-game...?

- Não cara. Hoje não. Fica para a próxima. Preciso conversar com o Ricky e ainda tem lição de geografia, tenho
que fazer hoje porque amanhã eu vou sair com meus irmãos.

- Está bem. Então até segunda – falou Arthur.

- Até.

Apertei a mão direita do meu amigo e um calor percorreu minha espinha. Nós sorrimos um para o outro e em
seguida ele desceu.

Submergi novamente nos meus pensamentos e quase perdi o ponto de minha casa. Por sorte levantei-me antes do
ônibus começar a andar.

Engoli o segundo copo de água e esfreguei meus olhos. Não estava sentindo sono, mas sentia meu corpo pesado.
Será que eu ia ficar doente?

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Subi para o quarto do Henrique e liguei o computador. Só tínhamos um micro em casa e este ficava no quarto do
primogênito. Coisa chata!

Abri o Messenger e não vi ninguém de interessante, saindo do mesmo em seguida. Li e mandei alguns recados no
Orkut e por fim saí da rede mundial de computadores, sentindo-me entediado.

- Não vai mais mexer? – perguntou Giselle.

- Não. Fica a vontade.

- Tem certeza?

- Tenho sim.

- Depois eu não vou sair hein?

- Tá. Não tem problema não.

- Você está alienado ultimamente. Que está passando neste coraçãozinho negro?

- Nada ué – falei. – Só estou muito entediado. Acho que vou ler um livro.

- Então tá.

Minha irmã fechou a porta do quarto do Ricky na minha cara. O que será que ela ia aprontar que queria ficar com
a porta fechada? Não dei bola para ela e entrei nos meus aposentos. Deitei em minha cama e fiquei mirando um
pernilongo voar pelo teto.

Eu senti meu coração apertar, senti minha cabeça zunir com tantos questionamentos rondando o meu cérebro ao
mesmo tempo e senti uma vontade muito grande de chorar. E chorei.

Chorei em silêncio, não queria que ninguém me ouvisse. As lágrimas caiam incessantemente e de tanto desabafo,
comecei a soluçar baixinho.

Levantei-me e passei a chave na porta, assim pelo menos ninguém entraria ali e me veria daquele jeito. Deitei-me
de bruços e aos poucos comecei a acalmar-me.

- Meu Deus... O que está acontecendo comigo? – indaguei para mim mesmo. – Eu não era assim... Eu não sou
assim... Eu não quero ser assim...

Henrique... Arthur... Meu irmão... Meu amigo de infância... Ambos mexendo comigo... As meninas querendo
ficar comigo... Eu rejeitando-as... Tantas dúvidas... Eles não iam me aceitar... Mas eu não era gay... Não! Não!
Não! Definitivamente não! Ou era? E se eu fosse? Que mal teria nisso? Tantos homens são gays neste mundo...
Eu seria apenas mais um...

- Mas eu não sou – disse –, eu não sou... Não sou! Eu vou arranjar uma namorada, vou casar com ela e ter uma
família linda... Eu não sou gay! Não sou!

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Mas no fundo eu sabia que algo estava muito errado. Se eu não era gay, tinha que sentir atração por mulheres,
coisa que eu nunca havia sentido antes. E se eu fosse hetero, não poderia sentir o menor desejo por uma pessoa
do mesmo sexo que eu. E isso eu sentia. E muito.

Lembrei-me do meu amigo seminu, e de imediato senti meu membro ficar rijo como uma pedra.

- Eder! Para com isso!

Sacudi a cabeça algumas vezes, tentando dispersar meus pensamentos, mas foi em vão.

Fechei meus olhos e me entreguei para o desejo daquele momento. Abaixei minha bermuda e minha cueca,
peguei meu pinto com a mão direita, não abri os olhos para vê-lo, mas eu sentia que ele estava mais duro, maior e
mais espesso do que nunca.

Passei a mão esquerda sobre meus pêlos pubianos. Apesar da pouca idade, já era bem desenvolvido. Enrosquei
meus dedos nos pêlos do meu saco e comecei o vai-e-vem com a mão direita.

Tinha me masturbado pouquíssimas vezes antes, e nunca tinha sentido tanta vontade que nem naquele momento.
Só o que eu via na minha mente era o corpo do Arthur... Branquinho, lisinho, corpo definido... Cheiroso... Como
seria o pau dele? A bunda dele?

Imaginei-o me beijando. Passando a sua mão sobre meu corpo. Senti um calor diferente no meio de minhas
nádegas, mas não tive coragem de tocar meu buraquinho. A vontade de tê-lo era tamanha, que senti um arrepio
percorrer todo meu corpo. Meu cacete ficou mais duro, porém mais sensível. Eu sabia que ia gozar logo, logo.

Passei meus dedos pelo meio de minhas pernas e intensifiquei o movimento com meu membro. Senti o prazer se
aproximar e mordi meus lábios. Que delícia!

O primeiro jato de esperma veio parar no meu queixo. Nunca tinha gozado tanto em toda a minha vida. Soltei um
gemido baixo e abri os olhos. Estava todo lambuzado. Minha camiseta era um reservatório de sêmen.

Foi então que a minha consciência ficou ainda mais pesada. Eu tinha me masturbado pensando no meu melhor
amigo... Que coisa mais... Ridícula!

Tirei minha camiseta suja e joguei-a em um canto do meu quarto, ficando completamente pelado. As lágrimas
caíram novamente, dessa vez, ainda mais rápidas e abundantes.

- Merda! O que eu estou fazendo de minha vida?

Limpei meu pau que estava babado com a cueca e troquei de roupa. Precisava dar um jeito naquela sujeira antes
que minha mãe percebesse. Peguei a trouxa de roupa suja e encostei o ouvido direito na porta para tentar captar
algum ruído no corredor. Não ouvi absolutamente nada, então deduzi que a área estava livre.

Abri a porta devagar e coloquei a cabeça para fora. Estava tranquilo. Ninguém à vista. Desci as escadas correndo,
precisava lavar a prova do crime antes que eu fosse pego por alguém.

- Aonde vai com tanta pressa? – perguntou minha mãe.

Gelei. Senti um iceberg descer pela minha garganta e se alojar dentro do meu estômago. Só me faltava essa!
23
- Oi mãe... Não a vi chegar...

- Não tente desconversar, mocinho. Aonde vai com essas roupas na mão?

Droga! Minha mãe não deixava nada passar em branco.

- Eu derrubei suco, vou colocar na máquina.

- Deixa que eu coloco-as para você...

- NÃO – falei, com a voz sobressaltada. – Eu não estou fazendo nada mesmo...

- Uhum, sei – disse ela, desconfiada.

Sorri sem graça e continuei andando. Passei pela cozinha e senti cheiro de bolo de chocolate. Pelo menos algo de
bom para petiscar.

Joguei as roupas na máquina de lavar e programei-a para lavagem automática. Ao menos assim eu tinha certeza
que ninguém sentiria o cheiro ou veria o meu esperma. Voltei cantarolando para a cozinha e peguei um pedaço
generoso do bolo que estava sobre a pia. Era de prestigio.

- Já roubou bolo né? – disse minha mãe.

- É. Não resisto a chocolate...

- E eu não sei?

Dei risada e comecei a subir a escada. Meu estômago revirou duas vezes. Estava faminto!

- Por que não come aqui na sala?

- Não. Estou na metade de um capítulo muito bom de um livro de suspense – menti –, não vou conseguir parar de
ler.

- Ah. Qual o livro?

Putz! Quando ela desconfiava de alguma coisa, ia até o fim...

- “O Cemitério” – falei o primeiro nome que me veio à mente. – Na verdade ele é meio de terror...

- Você pode me emprestar quando terminar de ler?

- Claro. Quando eu acabar eu aviso.

- Ok.

Ela me olhava do mesmo jeito desconfiado de alguns minutos antes. Eu comi um pedaço de bolo e dei boa noite
à minha mãe, dando graças a Deus por ela não ter feito nenhuma outra pergunta.

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Estava mais tranquilo, embora ainda me sentisse mal pelo que eu tinha feito com o Arthur.

- Mano? – ouvi a voz de Henrique atrás da porta.

- Está aberta – falei.

Ele entrou em fração de segundos.

- Não está dormindo?

- Se eu estou sentado na minha cama com os olhos abertos é porque não estou dormindo né Ricky?

Ele riu e sentou-se à minha frente.

- A Gi está no meu quarto... Não consigo dormir com ela no computador.

- Ainda? Faz séculos que ela entrou lá.

- Você sabe que quando ela começa não para mais né?

- É eu conheço bem essa peste.

- Amanhã está de pé o nosso compromisso né?

- Está sim.

- Ah, que bom. O Marcus disse que quer ir também...

- É ele me disse isso mais cedo. O que você acha?

- Vamos levá-lo. Coitadinho, a gente nunca sai com ele.

- É. E ele reclamou comigo que eu gosto mais de você do que dele e tudo o mais.

- Sério? E o que você disse?

- Que era mentira né. Disse que gosto dos dois do mesmo jeito.

- É que nós dois somos mais ligados... Ele tem que entender isso.

- Ele é criança Ricky. A gente tem que dar atenção a ele. Afinal ele também é nosso irmão. E não temos que ter
preferências.

- É verdade. Mas mudando de assunto, o que fez hoje?

- Sai com o Arthur. E você?

- Acabei de chegar da casa da Gaby.

- Hum.

Fechei a cara na hora. A chata já tinha chegado no nosso papo...


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- Não faz esse biquinho – disse Henrique, apertando meu queixo. – Nós já conversamos sobre isso.

- Eu estou tentando...

- Eu sei. E vai conseguir.

- Será?

- Eu sei que vai. Posso dormir com você hoje? Assim a gente pode conversar a madrugada toda, que nem
fazíamos quando éramos mais novos.

- Pode sim – disse. – Só que você dorme no chão.

- A sua cama é grande o suficiente para nós dois...

- O quê?

- Qual é o problema? Quantas vezes a gente dormiu na mesma cama...

- Mas a gente era criança...

- E daí? Qual a diferença de agora?

- Mas...

- O que foi Eder? Parece até que está com medo que eu durma com você! Não vou fazer nada contigo mano!

Fiquei sem ar. Ele dormindo na mesma cama que eu? E se eu perdesse a linha e o agarrasse? Ai meu Deus... Meu
coração acelerou e minha visão ficou turva. Senti o cheiro do perfume do Henrique invadir minhas narinas e
fiquei bêbado. Que droga!

- Tá. Tudo bem...

- Oba! Já volto, então!

Ele saiu do meu quarto e deixou a porta aberta. Cai deitado em minha cama e senti meu pênis latejar. Ia começar
tudo de novo..

- Vai, chega mais pra lá...

Ele estava só de bermuda. Meu irmão era magro, mas seu corpo era delicioso. Reparei nos seus mamilos, eles
estavam eriçados assim como os poucos pêlos que se espalhavam pela sua barriga. A pele dele mantinha o
mesmo bronzeado de quando nós tínhamos chegado da praia, dois meses antes.

Encostei meu corpo na parede e ele foi se aconchegando no espaço livre da minha cama. Ficamos um pouco
apertados, mas ele coube direitinho ali. Mau sinal.

- Então – falou ele, olhando nos meus olhos. – Conta como foi com o Arthur.

- Normal – falei. – Compramos alguns CD’s e almoçamos no Mc. Nada demais.

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- Ah.

- E o seu trabalho, como está?

- Está tudo bem por lá. Nada de anormal.

- E a Gaby, está bem?

- Está sim. Fico feliz que você tenha perguntado.

- Já que ela é minha cunhada, tenho que me preocupar, não é?

- Bobo. Você nunca muda.

Nós dois sorrimos e ficamos nos olhando por alguns segundos. O que será que estava se passando na cabeça do
meu irmão?

Henrique e eu sempre fomos muito parecidos. Tanto físico quanto sentimentalmente. Nós compartilhávamos as
mesmas ideias, as mesmas vontades, os mesmos defeitos e as mesmas qualidades. Minha mãe costumava falar
que nós éramos gêmeos de idades diferentes.

- No que está pensando? – perguntei.

- Em como nós somos parecidos.

- Se eu disser que estou pensando no mesmo, você acredita?

- Sério?

- Aham.

A gente riu e se fitou.

- Não sei o que está acontecendo com você – começou ele –, mas eu sei que você está passando por mudanças.

- E como você sabe?

- Eu te conheço Eder. Te conheço desde que você nasceu. Você é muito transparente.

- Igual a você.

- Quer conversar?

E agora?

- Você não vai desistir enquanto eu não falar né?

- Sinceridade? – perguntou.

- Sim.

- Não. Eu não vou desistir e sabe por quê?


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- Por quê?

- Porque eu sou seu irmão, porque eu não gosto de te ver desse jeito... Eu sei que você está angustiado, só não sei
com o quê... Ou quem... Mas eu vou descobrir.

- E se eu não quiser falar nada?

- Daí eu vou ter que descobrir por conta própria.

- Duvido que você consiga.

- O que você está me escondendo?

- Não estou escondendo nada.

- Então por que você está tão quieto ultimamente? Não é a Gaby... Eu sinto que não é ela...

- Não, não é ela...

- Então o que é?

- Não é nada mano – menti. – Não é nada.

- Fala pra mim Eder. Confia em mim...

- Você e a única pessoa que eu confio Henrique.

- Então por que não me fala o que está acontecendo?

- Na verdade, nem eu sei o que está acontecendo comigo.

- Como assim?

- Não me faça perguntas difíceis, por favor...

Senti meus olhos se encherem de lágrimas. Eu estava perdido. Ricky não me deixaria em paz enquanto eu não
contasse o que estava acontecendo. E agora? Será que poderia abrir meus sentimentos para o meu irmão? Será
que aquele era o momento de falar tudo?

Ficamos nos fitando por um breve momento, até que fomos interrompidos por alguém que batia à porta.

- Ricky? – chamou meu pai. – Você está aí?

- Que foi pai? – perguntou Henrique, alterando o tom de voz.

- Telefone para você. É o pai da Gabrielle.

- O pai da Gaby? – perguntou ele, já ficando de pé. – O que aconteceu?

Ele saiu andando rapidamente até a porta do meu quarto e a escancarou sem dificuldade.

- Não sei. Ele não me falou nada.


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Henrique voou pela escada e nem olhou para minha direção. Pelo menos eu tinha me livrado dele, nem que fosse
por alguns minutos.

Desci para a sala e ouvi menos da metade do que ele dizia ao sogro dele:

- E como foi isso, Jorge?

- O que aconteceu? – perguntou Giselle, colocando a cabeça na escada.

- Parece que aconteceu algo com a Gaby ou com alguém da família dela.

- E onde vocês estão? – pausa. – Tá. Eu estou indo para aí então.

Henrique colocou o telefone no gancho e saiu correndo escada acima.

- O que aconteceu filho? – perguntou meu pai.

- A Gaby pai... A Gaby...

Só pelo jeito que ele falava eu percebi que ele estava angustiado.

- Que ela tem? – perguntou a Gi.

- Caiu... Quebrou o pé... Tá no hospital...

Quando ele disse isso já estava dentro do quarto.

- Nossa – falou minha irmã. – Que coisa chata.

- Pai eu vou para lá...

- Claro filho – disse o Sr. Alexandre. – Vai lá...

- Não sei se vou dormir aqui, qualquer coisa eu ligo.

- Não se preocupa. Vai lá.

Ele abriu a porta da sala e em questão de segundos eu ouvi o motor do carro ser ligado.

Fiquei meio que sem reação, depois do som do carro do Ricky desaparecer eu recobrei os sentidos e voltei para o
meu quarto devagar. Quando passei pela porta a fechei e tranquei com a chave. Não queria ser incomodado.

Joguei-me sobre minha cama que agora estava vazia e solitária. Eu gostava de ficar observando o teto quando
estava pensativo daquele jeito e foi isso que eu fiz a princípio.

Fiquei meio triste, meio decepcionado por ele ter saído tão depressa e nem ter falado nada comigo. Mas é claro
que a namorada dele era mais importante que eu. Ainda mais depois de ter se acidentado como tinha acontecido.

Eu me decepcionei a tal ponto que já não conseguia pensar em mais nada, a não ser no que o Ricky acabara de
fazer. Nem da nossa conversa eu me recordava. Estava me sentindo um pano de chão, uma segunda opção, coisa
que eu nunca tinha sido na vida do meu irmão Henrique.
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Não consegui comer direito no café da manhã do dia seguinte. Não sentia fome, mas não podia demonstrar isso
para meus pais, senão já viu o interrogatório e as suposições dos dois. Engoli um pedaço de bolo de côco e tomei
um copo de achocolatado e depois saí da mesa, sem abrir a minha boca para dizer nada. Na verdade, ninguém
havia dito nada, além do habitual “bom dia”.

Não queria ficar em casa, senão continuaria pensando no Ricky ou então no Arthur. Decidi então ir para a casa
de outro amigo meu, o Hugo.

- Que milagre você aparecer aqui – falou ele, quando cheguei à sua casa.

- Você nunca ouviu falar que milagres acontecem?

- Já. Mas eu não costumava acreditar.

- E agora você acredita?

- Talvez. Ainda preciso de mais provas.

Nós dois rimos e fomos para o quarto dele.

- Qual o motivo da visita? – perguntou Hugo, jogando-se na cama, ainda desarrumada.

- Não posso vir te visitar? Se não puder eu vou embora, não tem problema... – falei isso fingindo que voltaria
para a sala.

- Cala a boca e senta aí, porra.

Acostei-me em um puff branco que tinha no canto do quarto dele. Sentia-me muito confortável quando ficava
ali... Era macio e aconchegante.

- E aí, o que mandas? – perguntou.

- Sem novas. E você?

- Idem. Tudo na mesma santa rotina.

- Foda né?

- E muito.

Espreguicei-me. Não sabia por que tinha ido ali, mas já que estava tinha que aproveitar. Ficamos a manhã toda
falando dos nossos últimos acontecimentos e depois do almoço eu decidi ir embora. Hugo não era do meu
colégio, por isso nós não nos víamos com tanta frequência.

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A tarde passou rapidamente e eu não tive nenhuma notícia do Henrique, tampouco da Gabrielle. O Arthur me
ligou por volta das quatro dizendo que o CD que ele havia comprado era muito bom, mas nós não conversamos
por muito tempo.

O domingo estava muito chato. Eu queria alguma coisa para fazer, já que a minha saída para o shopping com
meu irmão estava totalmente fora de cogitação.

Olhei para o relógio de cinco em cinco minutos. A televisão estava insuportavelmente monótona, o computador
estava ocupado pelo Marcus, a Giselle tinha saído com as amigas, meus pais estavam na casa dos meus tios e eu
estava sozinho e sem nada para fazer! Que maravilha!

Estava quase pegando no sono quando ouvi meu celular tocar. Levantei e o peguei na escrivaninha e olhei o
número que me ligava.

- Ricky?

Ai meu Deus! E agora? Será que eu atendia? O que ele queria comigo? Ele tinha esquecido completamente de
mim no dia anterior, o que queria agora?

- Oi – atendi.

- Oi – disse ele. Não ouvi nada no fundo da ligação. Onde ele estava?

- O que você quer?

- Você está bem?

- Estou ótimo – respondi curto e grosso.

- Hum... É... Eu não esqueci de você não viu. Nós ainda vamos terminar de conversar.

Opa! Aquilo não era bom... Eu já tinha até me esquecido do assunto...

- Ah, aquilo... Já tinha até me esquecido...

- Mas eu não – falou ele, com a voz determinada. – O que está fazendo?

- Nada. Onde você está?

- Na casa da Gaby.

- Ah tá. E como ela está?

- Agora está bem. Chegamos do hospital as quatro da manhã.

- Ah – disse. Eu não tinha perguntado nada, por que ele tinha me dito aquilo?

- Você está bravo comigo, né?

- Não – menti. – Ela é prioridade.

31
- Quem te disse isso?

- Ninguém precisa me dizer nada irmão.

- Você está muito enganado Eder.

- Ricky... Vai cuidar dela. Outra hora nós conversamos.

- Mas...

- Tchau Henrique.

E dizendo isso eu desliguei o celular na cara dele. Eu me arrependi muito de ter feito isso. Fiquei morrendo de
vontade de ligar de volta, mas não podia dar o braço a torcer. Não naquele momento.

Só percebi que tinha adormecido enquanto lia quando acordei, às três e vinte da madrugada da segunda-feira.

- Eita – suspirei. – Já?

Arrumei minha cama, desci e bebi um copo de água e quando voltei para o quarto, capotei em um sono profundo
e sem sonhos. Despertei quase dez horas da manhã.

Fui ao quarto do meu irmão e vi que ele não estava em casa. Aonde teria ido. Procurei minha irmã e também não
a encontrei.

- Esse povo não para mais em casa não?

Novamente estava sozinho e sem nada para fazer. Desci para a sala, liguei a televisão e fiquei assistindo desenho,
até que a Zélia, a nossa diarista, chegar para limpar a casa.

Ela ia fazer faxina na minha casa três vezes por semana. Segundas quartas e sextas-feiras.

- Bom dia menino – disse ela, assim que eu abri à porta.

- Oi Zélia. Tudo bem?

- Tudo em ordem. A casa está vazia?

- Completamente. Com exceção da minha pessoa – falei rindo.

- Ah tudo bem. Você não dá trabalho não.

-Sou um santo né?

- Também não exagera. Vou começar pelos quartos hoje.

- Tá. Vai lá.

32
Ela foi para a lavanderia, colocou o avental de sempre, pegou os utensílios necessários para a faxina e subiu para
os quartos.

A Zélia sempre cantarolava enquanto limpava a casa. Era engraçado a ouvir cantando “É o Amor” do Zezé de
Camargo e Luciano... Muito desafinada e ainda por cima não sabia da letra. Eu ria demais.

- Oi maninho – disse Giselle, entrando na sala, por volta das duas da tarde.

- Apareceu? Aonde você estava?

- Na Marcinha.

- Ah! Cadê o Marcus?

- Na casa de um amigo dele que eu esqueci o nome.

- Todo mundo me abandonou hoje. Se não fosse a Zélia para me fazer companhia eu estaria perdido – disse isso
fazendo voz de dengo e um bico.

- Oh meu Deus – disse Giselle, vindo até onde eu estava. – Que coisinha mais linda.

Ela me deu um beijo na bochecha e bagunçou meu cabelo. Por que todo mundo gosta de bagunçar o cabelo dos
outros.

- Já estou aqui seu dengoso.

- Agora eu não quero mais também.

Deitei de novo no sofá e fiquei mudando a televisão de canal. Não passava nada. Que chatice.

- Então vai a... – disse ela, dando as costas.

- Vai você periguete.

- Idiota.

- Chata.

- Vagabundo.

- Pivete.

- Cala a boca.

- Cala você.

- Posso participar? – perguntou Marcus, entrando na sala.

- Não – respondemos eu e Giselle ao mesmo tempo.

33
- Quanto amor – falou ele.

- Cala a boca você também – disse Giselle.

- Vem me fazer calar.

- Ui – falei. – Essa foi no fígado.

- Fica na tua aí mané.

- Papagaia de circo.

- Dois idiotas vocês – suspirou Giselle, derrotada.

- Ganhamos – falou Marcus, sentando eo meu lado no sofá. Coloquei os pés em cima do seu colo.

- Como sempre.

- Faltou só o Ricky.

- É. Mas aí já é covardia com ela.

- Falando nele...

Olhei para a porta e vi meu irmão mais velho entrando. O que era aquilo? Convenção anual dos irmãos Ribeiro?

- E aí mano – disse Marcus.

- Fala Marquinhos. Oi Eder.

- Você está bem? – perguntou Marcus.

- Estou sim maninho. Só meio cansado.

- Como está a Gaby?

- Melhor. O pé está quebrado mesmo. Ela vai ter que ficar uns quarenta dias em repouso, sem poder fazer muitos
movimentos com a perna engessada.

- Ih... Complicado.

- É né, fazer o quê?

- Como que ela quebrou? – sondou Marcus.

- Escorregou na escada, caiu e quebrou. Mas agora ela já está melhor, graças a Deus.

- E você ficou lá com ela até agora?

- Fiquei sim. Estava cuidado dela.

- Sempre tão prestativo – soltei, meio sem pensar.


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Henrique me analisou com aqueles olhos dourados que era a nossa característica mais forte. Ele levantou uma
das sobrancelhas e eu sabia que vinha coisa por aí.

- E você? Como está? – perguntou.

Não respondi, fiquei fitando a tela da televisão e ele também não insistiu.

Deixei meus irmãos a sós e fui para o quarto. A Zélia tentava cantar uma música sertaneja que eu nunca tinha
ouvido na minha vida, mas não conseguia muito progresso. Não pude deixar de dar risada.

- Do que está rindo? – perguntou Giselle, ao me encontrar no corredor.

- Da Zélia – falei.

Ela sorriu e entendeu o recado.

- Figura ela né?

- Com certeza.

Entrei no quarto e senti o cheiro de limpeza. Ah! Como era bom ficar em um ambiente recentemente limpo. O
cheiro de desinfetante subia pelo ar. Muito gostoso.

Continuei lendo o livro que começara na noite anterior e depois de uns quinze minutos ouvi a voz de meu irmão:

- Oi – disse Henrique.

Eu decidi que não ia responder, então continuei minha leitura.

- Ih... Já vi que vai ser um diálogo mudo.

Continuei sem responder e continuei passando os olhos pela linha que tinha parado. Não conseguia distinguir
nenhuma palavra sequer.

- Eu sei que você está bravo... Não é para menos... Eu só queria saber se você pode me desculpar?

Acho que eu já estava lendo a mesma frase pela décima quinta ou décima sexta vez.

- Desculpa Eder. Quando eu recebi a notícia que ela tinha quebrado o pé... Fiquei meio... Preocupado...

Virei a página para tentar disfarçar melhor.

- Imagina se fosse com você... O que você faria?

Não dei a mínima.

- Aposto que sairia correndo que nem eu fiz.

Apostou errado.

- Perdoe-me, por favor...

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Eu senti um tom de tristeza na voz dele, mas não seria tão fácil assim.

- Então tá... Já que você não vai me perdoar... Acho que eu não vou ficar insistindo.

Pelo canto do olho vi ele se levantar e começar a andar de cabeça baixa. Abaixei o livro e fitei as costas dele.
Senti muita vontade de abraçá-lo, mas ele tinha simplesmente me deixado de lado dois dias antes. Não ia facilitar
em nada.

Tive um dia normal na escola, com exceção de uma prova relâmpago de História. A professora era meio louca,
mas por sorte, eu sabia as respostas das questões na ponta da língua. Sempre fui bom aluno e isso tinha as suas
vantagens.

- Pensei que ia ter que colar – confessou Denise –, mas ainda bem que era fácil.

- Ah, nem deu nada – falei.

- Também achei bem fácil – falou o Arthur.

- Era só para a sala calar a boca mesmo – supôs Yuri.

- Tava na cara – falou Paty. – Aquela velha não bate bem.

Nós ficamos rindo e falando mais algumas bobagens durante o resto do intervalo, até que o sinal para a
penúltima aula bateu e nós tivemos que entrar.

- Ninguém merece matemática... – resmungou o Yuri.

- Não mesmo – falei, sentando-me no meu lugar de sempre e abrindo o meu caderno.

Não sei o motivo, mas não estava pensando no Ricky e também não estava mais com a consciência pesada por
ter me masturbado pensando no Arthur. Será que eu estava me aceitando? Nem que fosse aos poucos?

Ao sair pelo portão, notei que Henrique estava me esperando de carro, do outro lado da rua.

- Aff – falei.

- Que foi? – perguntaram Denise e Paty, em uníssono.

- Nada. Não é nada.

E agora? Eu ia com ele ou ia a pé com meus amigos?

Se eu fosse com ele, teria que ficar aguentando ele tagarelar nos meus ouvidos até chegar à nossa casa. Por outro
lado, se eu fosse com os meus amigos teria que ficar respondendo perguntas inconvenientes e eu me estressaria
mais.

- Como eu queria ter um irmão gostoso que nem esse – suspirou Paty.
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- Como é aí?

- Hã? Nada, não é nada...

Ela ficou sem graça e eu tive que rir da cara dela. Quando se tratava de discrição, aquelas duas perdiam feio.

- Vou nessa pessoal – falei meio de cara feia. Não queria ir com ele, mas não queria ir com meus amigos
também. – Nós nos vemos amanhã! Beijos e abraços e tchau.

- Tchau Eder – falaram todos. Eu não me virei para vê-los, mas pude ouvir dois suspiros extremamente longos.

- Oi – disse ele, já sentado ao volante.

- Olá – respondi, sem dar muita bola. – Não precisava vir. Eu posso ir sozinho.

- Não me custa nada.

Coloquei o cinto e ele deu a partida. Fiquei fitando a rua pela janela aberta, não queria encará-lo, ainda estava
com raiva do acontecido.

- Como foram as aulas hoje? – sondou Henrique.

- Normais.

Eu não queria conversar, portanto peguei o fone de ouvidos do meu celular, pluguei-o no orifício certo e liguei o
rádio no volume máximo. Assim eu não o ouviria. Pelo menos era isso que eu achava.

- Ainda está com raiva de mim, né mano?

Mas eu estava enganado. Mesmo com o volume máximo a voz de Henrique ainda era bem perceptível. Droga!

- Desculpa Eder – ele suplicou. – Me perdoa...

- Na boa? Você pode deixar-me ouvir a música?

Ele baixou os olhos e ficou prestou atenção no trânsito. Senti que fui muito grosso, mas a raiva ainda estava
forte.

Nós dois éramos muito emotivos. Qualquer coisa já nos fazia chorar e eu só percebi que ele estava com os olhos
cheios de lágrimas quando nós chegamos. Eu saí primeiro e ele ficou lá dentro. Pensativo.

- Não vai descer não?

- Vai à frente – falou ele; já com a voz carregada de emoção.

Entrei novamente no automóvel e o fitei. Ele me olhou com os olhos marejados. Que lindo! Mas ele merecia.

- Aí é golpe baixo – falei –, você sabe que eu não posso ver ninguém chorar...

Ele não disse nada e continuou com a cabeça baixa. Ele era tão fofo quando estava carente ou triste.

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- Vem aqui, vem?

Abri os braços e ele se aconchegou em meu peito.

- Desculpa?

E depois daquilo eu tinha outra escolha?

- Claro que sim. Seu idiota.

- É que...

- Sem explicações, está bem? Já passou...

- Desculpa...

- Já está desculpado. Agora desce desse carro e entra em casa, já está ficando tarde.

Ele enxugou os olhos com as costas da mão, tirou a chave da ignição e desceu. Entramos e para variar, a casa
estava às moscas, todos nos seus respectivos quartos.

- Quero terminar de conversar com você...

Engoli em seco. Aquilo não era nada bom.

- Outra hora, está bem?

- Por quê?

- Não estou a fim de falar naquele assunto.

- Ah! Mas você está bem, não está?

- Estou sim. Fica tranquilo.

Apesar de ter perdoado a mancada que ele tinha dado, ainda estava meio que decepcionado. Só o tempo iria curar
aquilo tudo.

- Vou pro quarto – falei –, até amanhã.

- Não vai jantar, não?

- Estou sem fome.

Subi as escadas e entrei no meu quarto. Joguei-me em cima da cama e em questão de cinco minutos já tinha
apagado.

Estava chovendo forte pela manhã da terça-feira. Olhei para o céu acinzentado pela janela de meu quarto e
bocejei.

- Só me faltava essa.

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Mirei o relógio e ele marcava dez para o meio dia.

- Caramba! Que sono foi esse?

Meu estômago reclamou de fome e eu fiquei de pé em um salto. Após terminar de tomar banho, desci e coloquei
meu almoço. Será que meus pais iriam comer em casa? Bom, de todo o jeito eu não iria aguentar esperar.

- Nossa – falou Marcus –, está com a fome de todos os mendigos da cidade Eder?

- É que eu não jantei ontem.

- Por quê?

- Porque eu estava cansado e fui dormir direto.

- Ah...

- Boa tarde meus amores – disse minha mãe. – Nem me esperaram né?

- Desculpa mãe – falei –, eu estava morrendo de fome.

- O pai de vocês vem. Vou esperar. Cadê a Gi?

- Aqui – falou ela, entrando na cozinha.

- Que é isso no seu rosto? – perguntou minha mãe.

- Ia te ligar agorinha.

- O que aconteceu?

- Amanheci com muita dor de dente. Daí agora começou a inchar.

- Nossa! – exclamou Dona Marina. – Deixa-me ver isso...

- Aqui não mãe – reclamou Marcus –, a gente está comendo...

- Vamos para a sala filha...

Minha mãe era dentista. Não podia ver um da gente com uma cárie sequer e já endoidava.

Terminamos de almoçar e eu lavei a louça suja. Quando meu pai chegou, ele e minha mãe almoçaram. A Giselle
não conseguiu comer.

- Qual o diagnóstico? – perguntou meu pai.

- Caiu a obturação. Os dentes dela são muito sensíveis, por isso está inchado.

- Está doendo?

- Muito – respondeu Giselle. – Tem que fazer o que mãe?

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- Obturar de novo. Eu passo você na frente dos outros meu anjinho. Logo essa dor vai passar, viu?

- Se essa chuva não parar eu vou ter de faltar no colégio – falei para o Marcus. – Não vou ir nadando.

- Pior que é. Ainda bem que nosso pai deu uma carona para mim e para a Gi quando nós fomos hoje de manhã,
senão chegaríamos ensopados. Mas na volta eu quase cheguei num bote.

Sorri para ele e fiquei lá, olhando a chuva cair pela janela da sala. Que dia mais chato!

- Oi manos – disse Henrique, ao entrar na sala.

- Oi – respondemos eu e Marcus.

- Alguma novidade? – perguntou ele.

- Sim – falou Marcus. – Uma ótima.

- Conta aí.

- Está chovendo!

Ah! Eu e o Henrique demos dois tapas na cabeça do nosso maninho mais novo. Um de cada lado.

- Ai seus trouxas...

- Eder quer uma carona para a escola?

- Jura? Claro que eu quero. Salvou uma vida! Mas não vai te atrapalhar não?

- De jeito nenhum. Aproveito e vou à Gaby.

- Ah, sim! Então eu vou me arrumar...

Troquei de roupa em cinco minutos. Peguei meu material e desci. Ele já estava me esperando.

- A gente precisa ir no shopping comprar o presente da Gi – falou Henrique, sem perceber que ela tinha acabado
de entrar na sala.

- Ai tem mesmo Ricky. O que vocês vão me dar?

- Eu já comprei seu presente – falei.

- Sério? O que é? Conta...

- Uma bomba atômica.

- Ai... Idiota...

- Tchau Gi – falou Henrique, puxando-me pelo antebraço. – A gente se vê outra hora.

- Você me conta não conta Marcus?

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- Não.

Entrei no carro e liguei o rádio.

- Vamos amanhã comprar o presente dela. O aniversário já é sábado e eu ainda não comprei nada.

- Vamos sim – falei. – Mas... Você não vai trabalhar amanhã não?

- Não. Não estou a fim. Vou pegar um atestado.

- E laia!

Em menos de dez minutos eu cheguei ao colégio. Despedi-me do Henrique e ficou combinado dele vir buscar-me
a noite. Estava adorando aqueles mimos dele.

- Boa noite gente – falei.

- Ué. Por que você não está molhado como nós? – perguntou Arthur.

- Meu irmão me trouxe – falei.

- Aff, garoto folgado viu? – riu Paty.

- Sou esperto, gata! – falei.

O sinal para acabar o intervalo estava quase tocando, quando eu senti uma mão puxando meu cotovelo direito.
Eu olhei e reconheci a garota que tinha falado que queria ficar comigo para a Denise, alguns dias antes.

- A gente pode conversar? – perguntou ela.

- O que você quer? – perguntei.

Percebi que meus amigos ficaram todos calados. Belos amigos aqueles!

- Conversar – respondeu a garota.

- Tá... Tudo bem.

Saímos do grupo onde eu estava e encostamos em um muro próximo. Ela fitou meus olhos, sorriu e disse:

- Seu nome é Eder né?

- Uhum. E o seu?

- Eu sou a Angélica. Muito prazer – disse ela, beijando a minha bochecha.

Eita garotinha atirada! Nem tinha me conhecido direito e já estava me beijando...

- E o que você quer tanto comigo? – perguntei, demonstrando aspereza.

- Conversar.

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- Conversar?

- É.

- Hã. E você quer conversar sobre o quê?

- Sobre você.

- Sobre mim?

- É. Você tem quantos anos?

- Quinze... Olha só os meus amigos estão me esperando... O sinal já vai bater e...

- Não. Fica aqui comigo...

- Mas é que...

- Sabe o que eu quero realmente com você gato?

- Não...

- Eu quero isso...

Ela disse isso e já se aproximou. Quando menos percebi os lábios dela já estavam grudados aos meus, sua língua
já estava dentro de minha boca e suas mãos já estavam na minha nuca. Senti sua respiração em minha face, senti
o cheiro de seu perfume em meu nariz e senti meu coração voar dentro do meu peito. Estava feito. Eu tinha
acabado de dar o meu primeiro beijo com uma garota que eu nem conhecia direito.

Por ser inexperiente, eu não sabia direito o que fazer. Não sabia aonde segurar, o que pensar e o que fazer. O fato
é que tudo era novo para mim. E eu não estava gostando daquilo. Não era o que eu imaginava que fosse.

Ouvi o sinal bater e tentando não ser grosso com a garota, empurrei-a com delicadeza de perto de mim e paramos
de nos beijar.

- Não... – disse ela. – Tá tão bom...

- É que o sinal já bateu e eu vou ter prova – menti. – A gente se vê em outra hora, pode ser?

Por que eu estava falando aquilo? Por que não lhe dei um fora? Até com raiva eu tinha de ser educado?

Angélica puxou-me e começou a beijar a minha boca pela segunda vez. Meu Deus, o que ela tinha visto em mim
que era tão insistente? Novamente me desvencilhei de seus beijos e desta vez me afastei.

- Não – falei. – Você nem sabe se eu quero ficar com você e já vai me beijando do nada... Eu não sou assim não,
viu?

- Mas é que...

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- Eu vou para a minha sala. E para ser bem sincero com você, é melhor a gente não fazer mais isso, Ok?

- Por quê? Você não gostou?

- Tchau – disse, ao começar a andar.

Conforme eu conduzia as minhas pernas, uma após a outra, eu sentia o sangue fumegar no meu rosto. Caramba,
que garota mais sem noção! Tinha acabado de me conhecer e já ia me agarrando a força... Até parece que ela era
o homem e eu a mulher. Aff...

- Huuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuum.

- Pronto, só me faltava essa.

A sala inteira fez coro quando eu entrei. Droga. Agora iam ficar zoando-me.

- Olha o Eder... Pegando a menina do terceiro, meu! – disse o Breno, um carinha que sentava na extremidade da
sala.

- Para quem não queria né, amigo? – riu-se Denise.

- Ela é muito gata, mano – falou Yuri.

- Mandou bem, irmãozinho – disse o Arthur.

- Na boa – soltei. – Parem de encher o meu saco!

Eles estranharam a minha reação e ficaram quietos de imediato. Algumas pessoas sorriam para mim no começo
da sala, outras me olhavam com uma cara de interesse e os outros, por fim, se aquietaram.

- O que você tem? – perguntou a Paty.

- Nada, nada. Deixe-me quieto!

Se já não me bastasse uma louca do terceiro colegial dando em cima de mim e me agarrando, agora todos iriam
ficar zoando da minha cara? Isso não, aquilo já era demais!

Quando saí da sala àquela noite, percebi que Angélica estava no portão, provavelmente a minha espera. Tentei
passar rápido por ela, mas foi em vão, ela me puxou pela mão e me encostou no muro.

- Oi – disse ela –, podemos conversar?

- Não, não podemos. Tenho que ir embora.

Avistei o carro do Henrique do outro lado da lua e meu coração pulou de alívio. Pelo menos ele poderia me
ajudar.

- Se me dá licença, eu já vou indo.

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- Não Eder, espera – pediu Angélica. – Vamos conversar?

- Na moral, gata? – falei. – Não to afim, firmeza?

Ela fez um biquinho e ficou me olhando.

- É melhor não insistir mais. Boa noite.

Fui caminhando até o carro do meu irmão e quando entrei, o mandei arrancar.

- O que foi que você está com essa cara de poucos amigos? Quem era aquela gatinha que estava falando com
você ali no muro?

- Uma vaca – resmunguei.

- Eder! Isso é jeito de falar com a menina?

- É sim! Fica insistindo para eu ficar com ela, me beijou a força hoje... E eu já disse que não quero... Aff...

- Ela te beijou a força? E você ainda achou ruim? Você está bêbado?

- Ah! Cala a boca Henrique! Já não me basta os moleques enchendo a minha paciência agora você também?

- Eita... Está estressado. Nesse caso, melhor eu ficar na minha.

- É, é melhor mesmo!

Durante o percurso de volta até a minha casa, nós não falamos mais nada. Quando eu cheguei, subi direto para o
quarto, mas antes passei na cozinha e fiz o meu prato de janta. Quando eu sentia raiva, a fome aumentava e
muito.

- Boa noite – falou Ricky, já na porta de seus aposentos. – Vê se fica tranquilo, viu?

- Boa noite. Eu vou tentar. Até amanhã e obrigado pela carona.

- Se precisar...

- Eu chamo.

Troquei de roupa e jantei assistindo televisão. Ainda estava com raiva da Angélica, eu não gostava de pessoas
insistentes e sem noção como ela.

- Acordou mais calmo? – perguntou Henrique, no café da manhã.

- Acordei sim – falei, servindo-me de cereais. – Mas morre entre nós dois.

- Claro. Você está livre hoje à tarde?

- Uhum, por quê?

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- Vamos comprar o presente da Gi comigo?

- Vamos sim.

- O Marcus vai junto?

- Tem que ver com ele, mas é bem provável que sim.

- Às três?

- Pode ser. Vai trabalhar não?

- Não. Não estou afim. Vou para a casa da Gaby.

- Ah, sim.

- Sabe o que eu descobri?

- Não. O quê?

- O irmão mais velho dela, o Fael, ele faz aniversário um dia depois de você.

- Jura? Então ele é gente boa. Se ele é de escorpião é gente boa.

- Engraçadinho.

- Quando que é o aniversário da Gabrielle?

- Dia trinta e um agora.

- Pertinho do da Gi.

- Pois é.

- O que vai comprar para ela?

- Ainda não sei. Na verdade, não faço a mínima ideia.

- Vocês estão namorando a quanto tempo, mesmo?

- Dois meses.

- Só? Pensei que era mais.

- Não. Dois meses apenas.

- Entendi.

- Eu posso fazer uma pergunta?

Lá vem bomba!

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- Faça.

- Por que você não quer ficar com aquela menina? Ela é muito gatinha...

- Estou fechado para balanço – anunciei, em alto e bom som.

- Por quê?

- Porque eu simplesmente estou tranquilo e não quero me relacionar com ninguém.

Mal sabia ele que eu estava inseguro com relação aos meus sentimentos e minha opção sexual.

- Ah. Ás vezes isso acontece.

- Pois é. E você sabe que eu não gosto de pessoas insistentes.

- Sei.

- Então pronto.

- Ela te agarrou mesmo?

- Agarrou.

- E ele beija bem?

- Não.

- Não?

- Não.

- Por quê?

- Não sabe beijar.

- Como assim?

- Ué. Não sabe – falei.

- Tem que ter um motivo.

- Não gostei do beijo dela, ué.

- Não sabia que você era expert em beijos.

- A gente vai empurrando com a barriga, não é mesmo?

Coitado de mim. Mal tinha dado o primeiro beijo e já estava falando aquilo tudo para o Henrique.

- Vou lá cuidar da minha princesa.

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Aff. Senti meu peito apertar, meu estômago revirar, meu coração acelerar e minhas mãos tremerem de ciúmes.

- Não me faça vomitar logo cedo – falei.

- Ai... Seu idiota!

- Idiota é você, fica com esse romantismo todo... Sem noção mesmo!

- Cala a boca Eder – mandou Henrique, com a cara séria.

Revirei os olhos e continuei comendo. O ciúme dele tinha voltado com força total.

- Vou indo – falou.

- Vai com Deus.

- Fica com Ele.

- Amém.

Quando ele desapareceu, dei um soco com força na mesa e alguns cereais caíram no chão. Como eu sentia raiva,
ódio, dor e muitos outros sentimentos quando ele falava daquela garota!

Á tarde, eu e meus dois irmãos fomos ao shopping para comprar os presentes de aniversário de nossa irmã. O
Henrique comprou a bota que ela queria e o Marcus comprou uma blusa de frio. E eu nada, afinal já tinha
comprado o perfume, semanas antes.

No sábado da mesma semana, eu, meus irmãos e meus pais fomos acordá-la, as seis da manhã, para dar os
parabéns e entregar os presentes.

- PARABÉNS – nós gritamos, fazendo-a dar um salto na cama de susto.

- Ai que susto! – resmungou a aniversariante. – Querem que eu morra no meu aniversário de quatorze anos?

- Olha que não seria má ideia – brincou o Marcus, pulando em cima da cama dela.

- Fedelho!

- Parabéns meu neném – disse minha mãe, sendo a primeira a abraçá-la. – Minha bonequinha já é uma mocinha!

- Ai mãe, por favor! Mocinha não, né?

Meu pai demorou abraçando a única filha e beijando todo o rosto da menina. Ela ficou toda sem graça.

- Obrigada pai. Eu te amo também.

Depois fomos eu, e os meninos, fizemos um montim em cima dela e por último entregamos os presentes.

- Obrigada família. Obrigada mesmo.

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Ela gostou de tudo, mas principalmente da bota, que era o que ela mais queria naquele momento. Já saiu
desfilando pelo quarto com o calçado que o Ricky deu.

- Mano – falou Ricky.

- O que foi? – perguntei.

- Tenho algo para te contar.

Eu estava entretido, navegando pela internet quando meu celular tocou, fazendo meu coração dar um pulo de
susto.

- Alô? – atendi, sem nem ver o número que me ligava.

- Oi maninho – disse Arthur.

- Fala brother! Estava pensando em você agorinha.

- Pensando no quê?

- Nada, depois te conto.

- Oh, quer vir dormir aqui hoje?

- Serião? Tô com a maior preguiça...

- Ah, vem aí. O Yuri tá aqui também. Meus pais não estão... E eu tenho uma coisa para te contar...

Senti um tom de êxtase na voz do Arthur. O que será que tinha acontecido?

- O que você aprontou?

- Vem aqui que eu te conto – disse ele, rindo alegremente.

Ih... Para ele rir daquele jeito a coisa deveria ter sido boa...

- Então está bem. Daqui há uma hora eu estou aí, beleza?

- Firme malandro. A gente tá te esperando!

Fechei o celular e suspirei, apoiando o queixo na minha mão. Só de pensar no trajeto até a casa do Arthur fiquei
ainda mais desanimado.

- Mãe? Pai? Posso ir dormir no Arthur? – perguntei, ao entrar no quarto dos meus pais.

- Só vai você? – perguntou minha mãe.

- Pode ir filho, mas tenha cuidado – apressou-se meu pai.

- Obrigado pai – falei.

48
Acho que eu atrapalhei alguma coisa. A voz do meu pai estava apressada e minha mãe parecia envergonhada.
Mas eu não liguei. Ninguém mandou deixar a porta aberta.

Quando estava quase terminando de arrumar as minhas coisas, tomei um novo susto, mas desta vez não foi o
celular e sim meu irmão Henrique, que entrou pela porta do meu quarto como um furacão.

- Mano...

- O que foi Henrique? Quer me matar de susto?

Ele sentou-se em minha cama e fitou os meus olhos. Seu olhar estava brilhante. Alguma coisa boa tinha
acontecido. Eu sabia só em olhar nos seus olhos caramelos.

- Tenho uma novidade para te contar.

Pronto! Só me faltava essa! De um lado o Arthur, pedindo para eu dormir em sua casa pois tinha algo importante
a me dizer... Agora o Ricky entrando no meu quarto como uma ventania e dizendo a mesma coisa... Fiquei entre
a cruz e a espada. Para quem eu deveria dar prioridade?

Fiquei completamente perdido. Não queria deixar o Arthur e o Yuri a minha espera, mas também queria ouvir o
relato do Ricky. O que fazer? Para onde ir? Com quem ficar?

- Ai Ricky... Agora eu estou entre a cruz e a espada...

- Cruz e espada? Que foi?

- É que o Arthur me convidou para ir dormir na casa dele hoje. Disse que tem algo importante a me dizer. E
agora você me vem dizendo que tem uma coisa para me contar também... Assim eu fico dividido, sem saber para
aonde ir.

- Ih! Complicou!

- Um pouquinho...

- Se você quiser ir lá com ele, pode ir Eder. A gente pode conversar amanhã, não tem problema.

- Adianta o assunto.

- Não, porque se eu adiantar você vai ficar curioso. Se bem que você já deve estar, né?

- Um pouco. Então a gente pode se falar amanhã à noite?

- Claro que sim. Amanhã é domingo mesmo, quando eu chegar da Gaby a gente conversa então.

- Você não vai ficar chateado comigo?

- Claro que não Eder! Fica sossegado. Nem é tão importante assim. Eu só quero dividir um bom momento que
vivi com você.

49
- Hum...

- Quer uma carona para a casa do seu amigo?

- Não quero te dar trabalho. Deixa quieto, eu vou de ônibus mesmo.

- Você nunca me dá trabalho, maninho – disse Ricky, dando um soco de leve no meu ombro. – Eu estou sem
nada para fazer, eu te levo!

- Então aproveita e me conta o que você quer falar no caminho...

- De jeito nenhum. Só amanhã meu caro!

- Só para me deixar morto de curiosidade, né?

- Com certeza.

Peguei minha mochila com todos os meus pertences e nós descemos as escadas. Eu gostava de andar de carro
com o Ricky, além dele dirigir muito bem, era ágil e eu conseguia chegar nos lugares com antecedência.

- Você está dirigindo bem, nem parece que pegou a carta recentemente.

- Obrigado. Eu gosto de dirigir, ainda mais à noite. Sinto-me livre.

- Um dia eu vou saber como é isso.

- Daqui há praticamente dois anos.

- É... Até que não falta muito.

- Você vai chamar seus amigos para o aniversário da Gi?

- Vou sim. Só os mais chegados.

- Eu também vou chamar os meus. E a família da Gaby.

- A família dela?

- É. Este vai ser um bom momento para nossos pais conhecerem os pais dela e vocês conhecerem os meus
cunhados. Você vai adorar eles. São todos muito legais.

- Será? Sei não hein... Eles não são esnobes não, né?

- Nem um pouco. São muito simples. Também pensei que fossem, mas não são.

- Ah, menos mal então!

- É ali, né?

- Uhum. Obrigado por ter me trazido. Você é nota dez!

- Não há de quê. Quem vai estar aí com você?


50
- Só eu, o Arthur e o Yuri.

- Hum! Juízo vocês três viu?!

- Claro né! Até parece que você não me conhece!

- Sei. Três marmanjos sozinhos, aposto que vai ser a maior zona!

- Que nada. A gente vai se comportar.

- Quero só ver.

- Até amanhã, mano!

- Até, maninho.

Dei um abraço rápido no Ricky e saí do carro, batendo a porta devagar.

- Eder? – chamou Henrique, quando eu já estava quase tocando a campainha.

- O quê?

- Cuidado com movimentos repetitivos – alertou ele, dando risada da minha cara.

- Cala a boca, idiota! – reclamei, mas eu também dei risada.

- Já não era sem tempo! – falou Arthur, ao abrir a porta. Ele me puxou pelo braço e eu entrei com um solavanco.

- Nem demorei, vai? Ainda dei sorte de o Ricky ter me trazido.

- É para isso que servem os irmãos mais velhos. Mas chega aí, o Yuri está no meu quarto.

- Conta o que você quer me falar?

- Você já vai saber.

Segui o anfitrião e enquanto ele andava fiquei olhando para sua bunda, que remexia lentamente a cada passada
que Arthur dava. Delícia!

- Até que enfim, hein Eder? – falou Yuri.

- Nem demorei muito!

- Só metade da eternidade.

- Exagero!

- A casa é nossa brother – disse Arthur. – Fica a vontade, beleza?

- Tranquilo, obrigado – disse.

51
Joguei a mochila em um canto, tirei os tênis e as meias e joguei-me em um colchão de casal que estava no chão.
Será que era ali que eu ia dormir? Provavelmente sim.

- Eder – falou Yuri. – Eu trouxe uns filmes do meu pai para a gente assistir.

- Que filmes?

- Eles estão nessa sacola, pega aí e vê você mesmo.

Puxei uma sacolinha preta que estava em cima da mesa do computador e tirei alguns DVD’s de seu interior.
Arregalei os olhos e fiquei vermelho ao perceber que eram filmes pornôs.

- Como você conseguiu isso? – perguntei, cheio de vergonha.

- Meus pais não estão, foram viajar também. Daí eu peguei escondido.

- Você é maluco mesmo!

- Vai dizer que você não gostou? – perguntou Arthur, que já estava deitado de bruços na cama dele.

- Gostei, é claro – falei, com um sorriso maroto nos lábios.

- É isso aí, moleque. Manos, vocês não sabem da maior!

- Que foi? – perguntamos eu e Yuri, ao mesmo tempo.

- Não sei se vocês lembram da minha prima... A Letícia...

- Uma loirinha? – perguntou o Yuri.

- Baixinha que mora no interior e é mais nova que você? – perguntei.

- Ela mesma.

- O que tem ela? – perguntamos em uníssono.

- Quando eu cheguei do colégio ontem à noite, ela e os pais estavam aqui.

- E daí? – perguntou Yuri.

- Cala a boca, cara, deixe-o falar!

- Valeu Eder. Então, cheguei e eles estavam aqui, vieram fazer uma visita para minha avó e passaram aqui para
ver meus pais.

- Hã... Prossegue.

Eu até me indireitei no colchão. Queria ouvir tudo o que ele tinha para me falar.

- Quando eu a vi... Quase desmaiei de susto.

- Por quê? Ela está zoada? – perguntou o Yuri.


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- Zoada? De jeito nenhum! Ela está simplesmente maravilhosa... Linda! A pele lisinha... O cabelo lisinho...
Cheirosa... Corpo violão! Resumindo, ela está muito gostosa!

- Sério? – fizemos eu e o Yuri. Percebi que o clima ia esquentar.

- Juro, velho! Quase delirei.

- Mas e aí... Conta o resto! – mandei.

- Quando a gente terminou de jantar, ficamos lá na sala papeando, até que os meus tios decidiram ir dormir, mas
ela disse que não estava com sono e queria ficar vendo mais um pouco de televisão. É lógico que eu me propus a
fazer companhia, né?

- Bem a sua cara – falei.

- A gente ficou lá até todo mundo ir se deitar, e depois eu disse que ia para o meu quarto e perguntei se ela queria
vir comigo.

- E o que ela disse? – perguntou Yuri.

- Que sim – continuou Arthur. – Daí a gente entrou aqui, eu encostei a porta e fui me deitar. Nem precisei falar
nada, ela deitou comigo e a gente começou a ficar.

- Caralho! Conta outra – falei.

- Juro por Deus – disse o Arthur. – Daí a gente ficou se beijando e tudo o mais, e depois de uma meia hora, mais
ou menos, ela disse que iria para o quarto disfarçar e que depois voltaria, para a gente continuar de onde parou.
Beleza, eu concordei e fiquei aqui esperando.

“Quando ela saiu, coloquei esse colchão aí no chão e me deitei, para esperá-la. Em menos de vinte minutos ela
entrou pela porta, só de baby doll... Quase fui à loucura.”

Conforme o Arthur ia relatando, eu ia imaginando a cena e em menos de cinco minutos já estava com o pinto
latejando de tão duro dentro da cueca. Tive que deitar de bruços para os meninos não perceberem. O Yuri fez a
mesma coisa.

- E aí? – perguntamos de novo em uníssono.

- Daí que foi perfeito. Ela chegou e a gente já começou a se beijar. Daí a gente transou...

Eu olhei para o Yuri, depois para o Arthur, depois para o Yuri de novo e assim foi indo, até que a minha ficha
começou a cair.

Eu não estava acreditando que o meu melhor amigo tinha perdido a virgindade. Como aquilo era possível? Como
ele poderia ter feito sexo antes de mim? Até o Arthur? Que era um garoto tão tímido, tão ingênuo?

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Ele mantinha um sorriso iluminado no rosto. Com certeza estava orgulhoso do fato. Mas eu não, eu não estava
orgulhoso por ele. Estava mesmo com raiva. Ou ciúmes? Mas, ciúmes do Arthur? Já não bastava do Henrique,
agora eu estava enciumado pelo meu amigo?!

- Ca-ra-lho! – exclamou Yuri. – Você está falando sério?

- Uhum, eu estou sim – disse Arthur. – Não tenho motivos para mentir.

- Então você não é mais virgem?

- Não – riu-se Arthur.

- Mas então conta logo, como foi? – perguntou Yuri. – Conte-nos os detalhes sórdidos.

Arthur sorriu e balançou a cabeça negativamente.

- Isso não – disse ele. – O mais importante eu já contei, o resto não vêm ao caso.

- Ahhhhhhhhhhhhhh – lamentou-se Yuri. – Vai mano, conta aí para a gente...

- De jeito nenhum – decidiu Arthur. – Eu já contei demais.

Eu só olhei para ele. Ainda estava digerindo essa última notícia que eu tinha acabado de receber.

- Fala Arthur!

- Não.

- Deixe-o Yuri – falei. – Se ele não quer contar respeite a decisão do cara.

- Valeu Eder – disse Arthur.

- Dois sem graças vocês – suspirou Yuri. – Parou na melhor parte.

- E esses filmezinhos? Tem jeito? – perguntou o anfitrião.

- Já? Não tá muito cedo, não?

- Por mim a gente já assiste. Estou louco para ver...

- É Arthur. Está cedo mesmo – concordei, tentando prorrogar este momento ao máximo.

- Vocês mandam então. Estão com fome?

- Um pouco – confessei.

- Muita – falou Yuri. – O que tem de rango?

- Ah! Um monte de coisa. Vamos a cozinha escolher.

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A gente assaltou a geladeira dele. Pegamos bolo de chocolate, bolacha, refrigerante e sanduíches. Só besteiras...
Comemos lá no quarto e ficamos assistindo televisão. Eu ainda estava meio perplexo com a novidade do Arthur,
mas estava começando a aceitar o fato.

- Só me responde uma coisa? – perguntou Yuri.

- O quê? – sondou Arthur.

- Qual a sensação?

- Depende. Em qual sentido?

- Do ato mesmo.

- Muito bom – riu-se Arthur. – Muito bom mesmo.

- Você sentiu algo diferente?

Novamente, eu só prestava atenção no papo dos dois.

- Como assim?

- Ah, sei lá.

- Só você fazendo para saber, cara. Mas é algo indescritível.

- Ela te chupou?

Comecei a ficar excitado.

- Não é da sua conta, seu curioso!

- Ah, de boa. Fala aí. Estamos entre irmãos.

- Chupou.

- E aí... Como é?

- Bom... É quente...

- Ui! E você a chupou também?

- Não.

- Por que não?

- Não tive coragem... Fiquei meio que com vergonha...

Menos mal. Só de me imaginar chupando uma garota senti nojo.

- Que pena – suspirou Yuri. – Deve ser muito bom.

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- É... Mas não vai faltar oportunidade.

- Com certeza. Mas e aí, ela era virgem também?

- Não.

- Sério? Não era?

- Não. E ela sabe fazer muito bem, cara.

- Caraca... Apresente-me ela aí... Pede para ela ensinar-me como fazer!

Arthur riu e ficou de pé, para levar as coisas para a cozinha.

- É melhor parar com esse papo, já estou todo animado.

E estava mesmo. O volume dele estava muito, muito perceptível. Será que era grande?

- Eu também estou assim – disse Yuri, colocando a mão sobre o colo e apertando o volume de sua bermuda. – Só
de imaginar...

- Palhaço.

Ele saiu com os pratos e copos e nós ficamos lá, deitados no mesmo colchão. Minha cabeça trabalhava
incansavelmente, tentando imaginar cada cena de amor do meu melhor amigo.

O relógio marcou meia noite e vinte e cinco e eu já estava capenga de sono. Os meninos também não estavam
muito acordados. Eu fechei os meus olhos e fui mergulhando em uma escuridão que me envolveu pouco a pouco,
centímetro a centímetro do meu corpo...

Eu tinha certeza que era meu irmão que estava deitado naquela cama de casal. Não conseguia ver seu rosto, mas
eu tinha certeza que era ele.

- Ricky? – chamei, mas ele não me ouviu.

Tentei me aproximar, mas as coisas estavam distantes. Parecia que eu era invisível...

Foi então que eu a vi. Gabrielle. E ele a viu também. Ela engatilhou pela cama de casal de forma lenta, seduzindo
o meu irmão com seu corpo de ninfeta.

- Amor – falou ele. – Vem... Eu estou te esperando!

Ela deitou seu corpo por cima do dele e eles começaram a se beijar. Ainda assim não conseguia ver o rosto dele,
mas mais do que nunca eu sabia que aquele era meu irmão.

Senti meu coração acelerar a cada barulho de beijo que eu ouvia. Eu queria correr para poder separá-los, colocá-
la para bem longe do meu irmão, mas as minhas pernas não obedeciam aos meus comandos... Eu queria gritar de
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ciúmes, poder fazer alguma coisa, mas eu estava impotente e completamente a mercê daquela situação, de pés e
mãos atados, eu só poderia ver, e não interferir no amor do jovem casal.

Eles começaram a tirar as roupas. Ele arrancou a blusa dela enquanto beijava a sua boca e ela por sua vez,
começou a abrir o zíper da calça dele. Era impressionante a sintonia que eles tinham. Pareciam dois animais no
cio, um satisfazendo a vontade do outro, um sentindo prazer no prazer do outro...

Ele estava apenas de cueca e ela de calcinha. Percebi que eu estava muito excitado por estar presenciando àquele
momento da vida do meu irmão. Escutei um gemido baixo. Ele estava gostando do que ela estava fazendo. Foi
então que ela tirou a única peça de roupa que ele usava. Não consegui ver seu membro, mas com certeza ele
estava em êxtase total. Qualquer homem ficaria desse jeito naquela situação.

Ela começou a descer com a boca pelo pescoço, pelo tórax, pelo abdômen, passou pelas coxas, voltou para o
abdômen e enfim desceu para o sexo do meu irmão. Ele soltou um gemido mais alto e ela começou a chupá-lo,
mas eu ainda não conseguia ver seu pênis, tampouco sua face...

- Eder, Eder – chamou uma voz distante. – Acorda cara!

- Hããããã?

Estava com meu coração a mil por hora. Sentei-me de imediato no colchão e respirei fundo, puxando o ar pelo
nariz e soltando pela boca. Senti meu pênis latejar de tão duro e olhei para todos os lados.

- Que foi? – falei, com a voz abafada.

- Você estava dormindo já, cabeçudo – falou Arthur.

- Nós vamos ver o filme agora!

- Ah! Ah, tá! Desculpem, peguei no sono sem querer.

- É a gente percebeu.

- Estava sonhando com o quê? – perguntou Yuri. – Você estava inquieto.

- Nada – menti. – Não era nada demais. Anda, coloca esse filme...

- Acho que nem precisa né? – disse Arthur. – Você já armou a barraca mesmo.

- Como se a sua também não estivesse, né?

- Normal.

- Então pronto.

- Eu acho que vou ter que bater uma – confessou Yuri –, não sei se vou aguentar.

- Aff, sem sujar o banheiro, hein?

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Nós três demos risada e meu pau ficou ainda mais duro, ao pensar no Yuri batendo uma punheta. Ele era um
garoto bonito. Negro, cabelo raspadinho, olhos pretos, corpo magro e uma bunda que pelo amor de Deus... Que
delícia de retaguarda!

- Eu também vou socar uma – falou o Arthur. – Pensando naquela cachorra...

- A propósito – falei –, onde ela está?

- Voltou para casa. Meus pais foram junto.

- Ah tá, entendi.

Yuri engatinhou até o DVD, abriu o compartimento para inclusão do CD e colocou um dos filmes. Arthur
colocou no canal de vídeo e logo a imagem apareceu. Ainda não estava em cena de sexo, mas eu percebi que o
ator era divinamente gostoso! Ia me divertir bastante àquela noite.

Mas no fundo eu não conseguia tirar a imagem do sonho da minha cabeça. Será que meu irmão e a namorada já
haviam feito sexo? Será que eles já estavam tão íntimos a este ponto? Eu já sabia que o Henrique não era mais
virgem, eu tinha ciência disso há muito tempo. Mas sempre batia o maldito do ciúme quando o assunto se tratava
de sexo. E afinal, o que ele tanto queria me contar? Será que era algo relacionado ao meu sonho? Será que eu
estava tendo uma premonição?

Quando nós três finalmente começamos a ficar a vontade e quando o filme ia realmente ficando bom, ouvimos
um barulho distante e de imediato, todas as luzes se apagaram.

- O que é isso? – espantou-se Yuri.

- Se não estou enganado, acho que a eletricidade acabou – zombou Arthur.

- Mas justo agora? Justo quando o filme ia ficar bom...

- Ainda não comprei bola de cristal para prever estes imprevistos – disse Arthur.

Eu percebi que um dos dois havia ficado de pé, mas qual seria?

- Ai Yuri! – gritei. – Você está pisando na minha perna!

- Desculpe-me Eder, é que eu não estou enxergando nada...

- Fica quieto então – mandei. – Senão você vai pisar em mim de novo.

Ele se agachou para sentar-se no colchão, mas acabou sentando em cima da minha barriga.

- Yuri! – reclamei.

- Desculpa.

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A gente acabou rindo da situação. Três adolescentes completamente afoitos, sozinhos, vendo filme erótico, e
agora em um breu total. Aquilo só poderia acontecer com a gente mesmo.

- E agora, o que vamos fazer? – perguntou Arthur.

- Nada – respondi. – A não ser esperar a luz voltar. Se ela voltar.

- Será que é geral? – perguntou Yuri.

- Bem provável. Vocês ouviram um barulho longe? – perguntei.

- Sim – responderam os meninos.

- Abre a janela aí, Arthur – pediu Yuri.

- Calma muita calma nessa hora – arfei –, não vai pisar em cima de mim também, Arthur.

- Não vou pisar em ninguém. Eu conheço meu quarto como a palma da minha mão até no escuro.

E muito rapidamente eu ouvi um zunido passar pelos meus ouvidos, em questão de meio minuto a janela já
estava escancarada, revelando um mundo negro fora daquela casa.

- É, é geral – suspirou Yuri.

- O pior é que o CD ficou preso dentro do DVD... – falou Arthur.

- Nossa! É mesmo! E agora? E se a eletricidade não voltar? – afobou-se Yuri. – Preciso colocar esses DVD’s no
mesmo lugar, meu pai não pode saber que eu os peguei escondido...

- Calma gente, para tudo dá-se um jeito – falei. – Temos que esperar a luz voltar, e uma hora ela voltará. Quando
ela chegar a gente tira o CD de dentro do DVD.

Ouvi um bocejo e isso me fez lembrar do meu sonho. Por que será que eu tinha sonhado aquilo? Logo com meu
irmão... O que o Henrique estava aprontando?

- O jeito é deitar e dormir – falou Arthur.

- Tem uma lanterna aí? – perguntou Yuri.

- Não sei. Para quê?

- A gente pode contar histórias de terror enquanto a luz não volta.

- Ah, não. Estou com sono, quero dormir – disse o dono da casa.

- É, na moral, eu também estou quebrado – falei.

- Vocês dois são duas bichonas molengas! Nunca vi igual...

- Você que é um retardado – falei.

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- Queria conhecer a Letícia – suspirou Yuri.

- Tira os olhos da minha prima, rapaz! Ela já tem dono – brincou Arthur.

- Tem nada – falou Yuri. – Quero conhecê-la...

- Vou pensar no seu caso. Eder, diz aí, por que você falou que estava pensando em mim quando eu te liguei hoje
mais cedo?

- Ah! É que eu estava pensando naquele papo da balada – falei. – Vou conversar com o Ricky amanhã para ele
nos levar.

- Aí sim, mano – disse Yuri. – Balada deve ser cheio de gatinhas...

- Pronto! – exclamei. – Agora ele não vai pensar em outra coisa.

- Não mesmo – falou Yuri. – Nós estamos atrasados Eder, até o Arthur já perdeu a virgindade e nós não.

- Não tenho pressa não – falei, rindo. – Tudo tem seu tempo.

- Isso é verdade mesmo – concordou Arthur. – Mas os donzelos vão ficar falando mesmo ou nós vamos dormir?

- Então me dá um travesseiro – pediu Yuri.

- Dois – corrigi.

- E um cobertor.

- Dois – corrigi de novo.

- Ah, é mesmo... Já ia esquecendo. Não se mexam, não quero pisar em vocês...

Até segurei a respiração. O pé do Arthur passou a centímetros de minha cabeça, mas não me acertou. Ele pegou
os travesseiros e cobertores e em seguida, caiu em sua cama.

- Caramba, que sono – reclamou. – E eu queria tanto ver esse filme...

- Nem me fala – disse Yuri. – Porcaria de luz!

- Amanhã a gente vê – falei, entre bocejos.

Peguei meu travesseiro e minha coberta e me enrosquei, tentando ficar o mais longe possível do Yuri, já que nós
dividiríamos o mesmo colchão.

- Essa janela vai dormir aberta? – perguntou Yuri.

- Fecha lá – mandou Arthur.

- Por que eu?

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- Porque você está mais perto – falei. – Anda, fecha logo.

- Tudo sobra para cima de mim, aff...

Meu amigo se levantou lentamente, tendo cuidado aonde pisava e fechou a janela do quarto. Quando ele se
deitou, ficou perto de mim, mas depois se afastou.

- Buenas noches – disse Arthur, já com a voz bem sonolenta.

- Boa – falei.

- Boa noite – disse Yuri, com a voz monótona. Ele não queria dormir.

Fechei os olhos, respirei fundo e comecei a viajar em pensamentos. Pensei primeiramente no meu irmão. O que
ele queria me falar? Depois outras coisas começaram a invadir meus pensamentos e por fim eu apaguei,
adentrando em um mundo de sonhos em preto e branco.

Acordei com o barulho dos pássaros cantando em uma árvore próxima. Revirei-me para o lado e vi o Yuri
dormindo. Uma gracinha! Estava todo embolado com o cobertor, todo encolhido e com a boca entreaberta, mas
não estava babando.

Levantei o pescoço e vi que o Arthur ainda estava na cama. Eu estava com vontade de fazer xixi, e já que o dia
havia amanhecido, a claridade tinha voltado e eu estava conseguindo enxergar perfeitamente, então coloquei-me
de pé e fui até o banheiro.

Notei que a eletricidade ainda não tinha voltado. O que será que tinha acontecido? Blecaute? Não, não, blecaute
não. Urinei e voltei para o meu posto no colchão de casal, enrosquei-me novamente na coberta, mas dessa vez
não consegui dormir.

Angélica me veio à mente. Ela finalmente havia me deixado em paz, e não falava mais comigo. Ficou um clima
chato entre nós, mas eu preferia a situação daquele jeito a ter que ficar aguentando a menina nos meus
calcanhares.

Mirei a hora em meu celular. Quase sete. Tentei voltar à dormir, mas as tentativas foram nulas. Eu já não sentia
mais sono. Os meninos estavam adormecidos e nem sequer se mexiam de posição.

- Ricky... – suspirei.

Meu irmão mais velho... Queria muito conversar com ele. Descobrir o assunto que ele queria me contar. Seria
algo bom? Provavelmente sim, visto o entusiasmo dele no dia anterior...

Fiquei com esse assunto na cabeça por bastante tempo, até que notei dois olhos me fitando incansavelmente.

- Já acordou? – perguntou Yuri.

- Pois é – falei. – Perdi o sono.

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- Que horas são?

- Mais de sete.

- Nossa... Madrugada. Vou dormir mais.

Ele se virou e se endireitou no colchão, arrumando a coberta em cima do corpo magrelo e desigual.

Como de costume, fiquei observando o teto e colocando os pensamentos em ordem. Já tinha certeza de minha
opção sexual. Bastou um beijo com uma garota para eu ter certeza absoluta que não era aquilo que eu queria para
a minha vida. Não que eu tivesse opção para escolher algo. Eu simplesmente era daquele jeito e nada iria me
mudar. Eu tinha plena consciência disso.

Agora eu tinha uma missão um tanto complicada. Aprender a lidar com a minha homossexualidade, aprender a
organizar os meus sentimentos e os meus desejos e principalmente, aprender a lidar com o preconceito. Não
estava sendo fácil a tarefa de aceitar-me daquele jeito, mas eu não tinha escolha. Ou era aquilo, ou era me fingir
de hetero pelo resto de minha vida, e eu sabia que eu não queria aquilo. Não, não. Aquilo não era para mim.

A maior preocupação que me afligia naquele instante era como a minha família reagiria, caso eles descobrissem
quem eu era na verdade. Meu medo era a rejeição de todos. Mesmo tendo uma família de mente aberta, não ia ser
fácil contar a todos o que estava acontecendo e o que eu era na verdade...

O jeito era omitir. Pelo menos naquele primeiro momento. E afinal de contas, eu ainda estava me descobrindo
desse novo jeito. Nem eu sabia o que estava acontecendo de fato, e talvez as circunstâncias pudessem mudar,
pudessem me levar para outros meios... Ou não?

De tanto matutar, o sono voltou e eu novamente adormeci, acordando definitivamente às nove horas, quando a
energia finalmente regressou.

- Ah! Até que enfim! – exclamou Yuri. – Me deixa tirar esse CD logo, antes que essa luz acabe de novo...

- É, tira aí e guarde-o, outro dia a gente combina de assistir – falou Arthur.

Espreguicei-me lentamente e fiquei sentado para poder despertar de vez.

- Dormiu bem Eder? – perguntou Arthur.

- Aham. E você?

- Bem também. Estão com fome?

- Muita – respondemos eu e Yuri, que já tinha guardado o filme a sete chaves, dentro da sua mochila.

- Então vamos tomar café, pô!

Colocamo-nos de pé e fomos até a cozinha. Lá comemos bolo, pães com manteiga; bebemos café-com-leite e
comemos algumas bolachas que haviam sobrado da noite anterior. Fiquei ligeiramente satisfeito, iria conseguir
aguentar até a hora do almoço.

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Nós três voltamos para o quarto, arrumamos a bagunça e em seguida, o Yuri foi tomar banho. Arthur entrou na
internet e nós ficamos no Messenger por alguns minutos, mas devido o horário, não havia ninguém interessante
conectado.

- Muito cedo para internet – falei.

- É. Mas não tem nada para fazer. E daqui a pouco os meus pais chegam...

- Só vou tomar uma ducha e ir para casa – falei. – Quero ter uma conversinha com meu irmão.

- Você e o Henrique são como cú e cueca, né?

- Pior que sim – falei. – Não sei o que seria de mim sem ele e vice-versa.

- É eu tô ligado. Acho bonito essa união de vocês dois.

- Obrigado – falei, sorrindo.

- O que as dondocas estão cochichando aí? – perguntou Yuri, ao entrar no quarto.

- Falando mal de você, bicha mau comida – brincou Arthur.

- Vai cagar moleque!

- Eu vou deixá-los discutindo a relação e vou tomar uma ducha – avisei, pegando a minha mochila. – Não se
matem.

Tomei banho rapidamente e voltei para o quarto, já vestido. Não podia correr o risco de me trocar na frente de
meus amigos, com certeza eu ficaria excitado e eles desconfiariam de alguma coisa.

- Yuri, você vai ir agora também?

- Vou sim Eder. Já, já meus pais voltam também e eu quero estar em casa quando eles chegarem.

- Aonde eles foram? – perguntou Arthur.

- Casamento de não sei quem com não sei quem lá não sei aonde.

- Bela resposta – falei, enquanto secava o cabelo. – Entendi tudo.

- Vindo do Yuri... – falou Arthur.

- Ah, vocês entenderam o que eu quis dizer.

- Aham, tudindinho! – falei.

- Mas então, vamos? – perguntou ele.

- Só me deixa terminar de me arrumar – pedi.

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Arrepiei minhas madeixas, passei perfume e ajeitei a roupa, enquanto os dois pamonhas assistiam o meu
desempenho.

- Está pronto, gazela? – perguntou Yuri.

- Estou putinha de esquina. Vamos?

- Quanto amor entre vocês – lamentou-se Arthur.

- Está com inveja neném? – brinquei.

- A gente te ama também gostoso!

- Sai para lá bicha! Sou homem, pô!

- Rascunho de homem, você quis dizer – riu-se Yuri.

- Muito engraçado – falou Arthur.

-- Chega de graça – pontuei. – Vamos logo Yuri, senão seus pais vão chegar antes de você.

- É mesmo, vamos logo.

Yuri e eu demos um abraço no Arthur e agradecemos pela hospitalidade, ele abriu a porta e nós fomos para o
ponto de ônibus. Yuri e eu não morávamos perto, consecutivamente, iríamos por trajetos diferentes, pegando
conduções distintas.

- Pena que não conseguimos ver os filmes – falei.

- É mesmo. Mas a gente marca em outra data.

- É isso aí.

- Meu o que você achou do que aconteceu com o Arthur? Até agora eu estou meio que incrédulo.

- Ah, no começo eu achei suspeito. Mas agora a ficha já caiu. Que bom para ele, né?

- Uhum. Queria eu ter uma prima dessas...

- Né não? Mas logo é a nossa vez, fique calmo.

- É né! Aquele é seu busão não é?

Franzi a testa e cerrei os olhos devido a claridade, mas Yuri tinha razão. Era o meu ônibus que se aproximava.

- É ele mesmo. Deixa-me ir nessa cara.

Apertamo-nos as mãos e eu pedi parada.

- A gente se vê amanhã no colégio.

- Tranquilo. Até mais.


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- Até.

Entrei e já passei pela roleta, ajeitando-me no último banco do lado do cobrador. Fiquei analisando os prédios
distraidamente, pensando na morte da bezerra, até que chegou o meu ponto e eu tive de descer.

Quando entrei em casa não vi o Henrique, provavelmente já estava na casa da namoradinha dele.

- Cadê o Ricky? – perguntei a minha mãe.

- Namorando.

- Tão cedo?

- É. Está paparicando a namorada – falou meu pai. – Esqueceu que ela está com o pé quebrado?

- Não – falei. – Mas... Ah, sei lá. E a Gi e o Marquinhos?

- Sua irmã foi na Marcinha e seu irmão saiu com os amiguinhos dele – falou minha mãe.

- E como foi na casa do seu amigo? – perguntou meu pai.

- Normal pai.

- O que fizeram?

- Comemos, jogamos na internet e dormimos porque a luz acabou...

- Ah, é? Aqui não acabou não...

- Uhum. Só voltou hoje pela manhã.

- Estranho...

- Vou mexer um pouco na internet. Até o almoço...

Subi para o quarto do Ricky, mas não liguei o computador, ao invés disso, deitei em sua cama e fiquei sentindo o
seu perfume no lençol.

- Será que você vai me aceitar, mano?

E lá vieram as mesmas perguntas de sempre. Acho que de tanto pensar nisso, me começava a dar sono, porque
em menos de cinco minutos eu apaguei, novamente abduzido para um mundo de sonhos em preto e branco...

Acordei com um cheirinho maravilhoso de carne assada e arroz de forno, e também com o barulho de dedos
velozes digitando nas teclas do computador.

- Desculpa, eu te acordei? – perguntou Marcus.

- Não. Quem me acordou foi esse cheiro de fome.

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- Cheiro de fome? E por acaso fome tem cheiro?

- E esse cheirinho aí do almoço, não te dá fome, não?

- Dá sim. Cheiro muito gostoso. É carne assada e arroz de forno, não é?

- Parece que sim. Então, se te dá fome é cheiro de fome!

- Só você mesmo Eder! E aí, como foi na casa do Arthur?

- Foi bem. Pena que acabou a luz...

- Acabou? Aqui não.

- É o pai falou mesmo. Vamos almoçar?

- Só se for agora!

Marquinhos desligou a internet e o computador e nós descemos para a cozinha. O cheiro de comida estava ainda
mais gostoso lá embaixo. Que delícia!

- Já ia chamar vocês – falou minha mãe. – Onde você estava Eder?

- Dormindo na cama do Ricky – respondeu Marcus. Não tem nem vergonha na cara.

- É que eu ia ficar na internet, mas acabei cochilando – informei, sentando-me ao meu lugar habitual.

- Que cheirinho delicioso, amor – disse meu pai, adentrando e já se sentando.

- Obrigada meu lindo.

Minha mãe colocou as bandejas em cima da mesa e nós atacamos.

- A Gi e o Ricky não vão comer em casa? – perguntou o Dr. Alexandre.

- Não. Ele vai ficar na Gaby e ela na Marcinha – respondeu a Dra. Marina.

- Ah! O namoro deles está firme mesmo, né?

- Está sim. Isso é bom, já está na hora do Ricky começar a pensar no futuro. Na idade dele eu já era mãe.

- O que a senhora quer dizer com isso? – perguntou Marcus. – Que o Ricky tem que ser pai?

- Não. Jamais. Nunca. De jeito nenhum – falei. – Quero dizer, ele é muito novo para ser pai, não é?

Senti uma vontade muito grande de sair da mesa correndo e procurar o meu irmão para abraçá-lo do jeito que eu
sempre gostava de fazer quando sentia ciúmes dele.

- É sim filho – falou meu pai, sorrindo. – Ele é muito novo para isso.

- Como estão os preparativos para o aniversário da Gi? – desconversei.

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- De vento em polpa – falou minha mãe. – Não vai ser algo muito grandioso, é só para os mais íntimos mesmo.

- E esses íntimos se resumem em quantas pessoas? – perguntou Marcus.

- Umas duas mil e quinhentas como sempre – falou meu pai.

- Não são tantas assim – disse minha mãe. – Acho que menos de cem.

- Ainda bem que a casa é grande – falei.

- O Ricky me disse que vai chamar a família da Gaby – comentou Marcus.

- É ele nos disse isso também – falou meu pai. – Uma ótima ideia. Quero conhecê-los.

- O que os pais dela fazem da vida? – perguntou minha mãe. – Vocês sabem?

- Não – respondemos nós três.

Mas será possível que nem na hora do almoço eu tinha paz? A todo o momento, o único assunto que se falava
naquela casa era na bendita da Gabrielle. Que coisa mais chata!

- Oi family – disse Giselle, entrando pela porta da cozinha.

- Ué, você não disse que ia ficar na Marcinha? – perguntou minha mãe, encafifada.

- - Essa era a intenção, mas os pais dela e ela tiveram de sair para não sei aonde com não sei quem.

Eu me lembrei do Yuri falando do casamento que os pais dele tinham ido.

- Ah... Ainda bem que não comemos tudo – brincou meu pai.

- Então é melhor eu me servir antes que vocês comam.

- Lave as suas mãos, primeiro – mandou minha mãe.

- É arroz de forno?

- Uhum e está muito bom – falou o Marcus.

- Oba!

A periguete sentou do meu lado e começou a atacar no rango, que realmente estava divino.

- A gente podia sair para comer no shopping hoje à noite, né pai? – propôs meu irmão.

- Não é má ideia – disse minha mãe.

- Ah, eu estou louca para comer pizza.

- Então nós vamos, se não tem jeito...

- Que bom! – exclamou Giselle. – Assim posso fazer algumas comprinhas.


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- Mais? Já não bastam os presentes que você ganhou? – perguntou meu pai.

- Nunca é demais fazer umas comprinhas, né mãe?

- É isso mesmo filhinha, é isso mesmo!

- Ao invés de você dar jeito na menina você a piora... Francamente! – reclamou meu pai.

- Ai amor, são apenas alguns apetrechos...

Não sei quem era pior, minha irmã ou minha mãe. As duas não podiam ir ao shopping que voltavam cheias de
sacolas.

Terminamos de comer tranquilamente e eu fiquei deitado no sofá da sala, assistindo um pouco de televisão. De
vez em quando eu mandava mensagens no celular ou então ficava jogando nele, até que por fim, Henrique
chegou em casa.

- Boa noite – cumprimentou ele.

- Boa – dissemos todos nós.

Era de praxe a gente responder apenas boa quando alguém dava boa noite ou boa tarde, e o mesmo se aplicava ao
famoso bom dia.

- Como está a Gaby, filho? – perguntou meu pai.

- Melhorando. Daqui a alguns dias ela já vai tirar o gesso.

- Que bom – falou minha mãe.

- Maninho – falou Gi, já toda elétrica. – Nós vamos jantar no shopping, quer ir com a gente?

- Lógico, estou faminto!

- Não comeu na namorada? – perguntou meu irmão, sorrindo ironicamente.

- Só almocei – respondeu Henrique, inocentemente. – Então eu vou tomar banho...

- Toma no banheiro daqui de baixo, o de cima é meu – falou Giselle.

- Quero só ver.

Meu mano saiu em disparada escada acima e a Gi correu atrás dele, mas com certeza ela perdeu a corrida, porque
desceu minutos depois com as roupas na mão.

- Não sei por que você tenta ganhar do Ricky – falou o Marcus. – Ele sempre te vence.

- Cala a boca fedelho. Eu não vou demorar.

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Ele estava maravilhosamente lindo. Os cabelos molhados estavam caídos sobre o rosto másculo, os olhos
dourados combinavam com a pele branca e os músculos estavam apertados em uma camiseta regata preta. Meu
irmão estava perfeito!

- Vamos? – perguntou meu pai.

Nós concordamos e eu não tirei os olhos do Henrique. Que delícia de homem, pena que era meu irmão e nunca
iria rolar nada entre nós dois.

- Não esqueça que a gente tem um papinho pendente – falou ele, quando entramos no carro.

- Nem consegui dormir direito, tentando descobrir o que é – menti, para ver a reação dele.

- Mentiroso! Fiquei sabendo que faltou luz naquela região...

- Uhum. Quem te contou?

- Um primo da Gaby, ele mora por aqueles lados de lá.

- Ah sim.

- Onde vão querer comer? – perguntou minha mãe.

- Mc – respondemos eu e Marcus.

- Não. Quero pizza – falou Gi.

- E eu comida mesmo – falou Henrique.

- Cada um pega o que quiser – resolveu meu pai. – Vai de churrasco, amor?

- Vou no que você quiser meu bem.

Que lindo. Mesmo depois de quase vinte anos juntos, os dois pareciam um casal de namorados no começo do
relacionamento...

Foi difícil encontrar uma vaga no estacionamento, mas nós encontramos. Quando entramos no shopping, minha
irmã e minha mãe já foram torrar o dinheiro do meu pai, enquanto eu, ele e meus irmãos fomos jogar uma
partidinha de boliche.

- Ainda bem que estamos em quatro – falei. – Deu certinho.

- É verdade – falou meu pai. – Vem Ricky, faz dupla comigo.

- Vamos então pai – falou ele, assumindo a liderança.

- Mas nós vamos ganhar – falei, abraçando o Marcus pelo pescoço.

- É. Vamos mesmo.

- Duvido – falou meu pai, já com a bola na mão. – Avisa a sua irmã que nós estamos aqui Eder.
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Mandei uma mensagem rápida para a Gi dizendo onde nós estávamos e me concentrei na minha primeira jogada.
Consegui derrubar cinco pinos.

- Até que não foi ruim – falei.

- Veja como se joga de verdade – falou Henrique, pegando a maior bola que encontrou e se posicionando.

Ele agachou e eu fiquei de olho nas costas dele. Que costas perfeitas! A bola caminhou rapidamente pelo centro
da pista e acertou os pinos em cheio, fazendo com que todos caíssem um após o outro.

- Viu só?

- Sorte de principiante – resmunguei.

Ficamos jogando por uma hora e meia, até que as doidas voltaram entupidas de sacolas.

- Vamos comer? – perguntou minha mãe.

- Vamos sim – falou meu pai. – Você viu só, eu disse que vocês não iam ganhar.

- Um dia vamos ter a revanche, né Marquinhos?

- Com certeza.

Ganhando ou perdendo, o importante era que eu estava ao lado da minha família e isso me deixou feliz. Fazia
tempo que nós seis não saíamos para nos divertir.

Comi muito e tomei um milk shake de chocolate, enquanto analisava o movimento do pessoal pela praça de
alimentação.

Notei muitas garotas de olho nos meus irmãos e até mesmo em mim. Fiquei vermelho ao perceber que uma que
estava a duas mesas de distância estava me encarando. O pior foi o comentário do Henrique:

- Ela é muito gata – sussurrou ele, na minha orelha. – Quer que eu vá falar com ela para você?

- Do que está falando? – me fiz de desentendido.

- Ah, não se faça de santo. Eu vi vocês se olhando! Não há nada de errado nisso...

- Só analisando o ambiente. Estou tranquilo.

Senti meu rosto pegando fogo e engoli mais da metade da bebida para tentar em acalmar.

- Eita, que sede! – falou Giselle.

- Bom demais – disse.

- Deixa o copo inteiro, viu?

- Engraçadinha.

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- Ela não para de te olhar – continuou Henrique.

- E nem aquelas ali param de olhar para você e pro Marcus – falei, apontando discretamente um grupo de
garotas, sentadas a nossa frente.

- Eu já notei isso – falou Henrique. – Mas sabe como é né, já tenho dona.

- Uhum, eu sei.

- Mas então?

- Então o quê?

- Quer que eu fale com ela?

- Não! Não precisa. Estou sossegado, como já te disse várias vezes.

- Sei...

Disfarcei e continuei tomando meu milk shake, até que os outros terminaram de comer e nós saímos das mesas.

- Delícia de comida – falou meu pai, passando a mão pela barriga.

- Muito boa – concordou minha mãe.

- Vamos embora? – perguntou Giselle.

- Só vou ao banheiro – falou meu pai.

- Eu também – disse.

- É eu também – falou Henrique.

Acabou que todos nós fomos ao mesmo tempo. Abri o zíper da minha calça e comecei a urinar, Henrique estava
no mictório ao lado... Fiquei morrendo de vontade de olhar para seu membro, mas fiquei com vergonha, portanto
me concentrei no meu próprio xixi.

- Seu cabelo tem uma folha de grama Eder – disse meu pai.

- Ué – falei, passando a mão pelo cabelo. – Como isso veio parar aqui?

- Deve ter sido das plantas lá perto do boliche.

Terminei de urinar e fui lavar as mãos. Aproveitei e arrumei meu cabelo e a roupa. Sorri e verifiquei se não tinha
nada nos meus dentes, mas estava tudo certo.

- Vaidoso como sempre filho – riu meu pai.

- Tem que ser né?

- Claro – concordou ele.

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Henrique me abraçou e nós saímos andando para fora do banheiro. Eu gostava muito quando ele fazia isso.

- Estou com a barriga muito cheia – disse ele.

- Também, você comeu que nem um esfomeado.

- Mas é que eu estava mesmo com fome – defendeu-se.

- Uhum. Mas me fala, qual é o assunto?

- Logo mais você vai saber.

- Ai, para que tanto suspense?

- Aqui não é o local para conversamos!

- Você e esses rodeios...

- Ricky quer ir dirigindo? Estou com uma preguiça... – disse meu pai.

- Oba! Claro que sim.

Ele pegou a chave no ar, ao mesmo tempo em que minha mãe e minha irmã voltaram do banheiro.

- Vamos?

- Sim – respondemos todos em uníssono.

As compras das consumistas já estavam dentro do porta malas, então quando chegamos já saímos direto.

- Adoro ver meu filho dirigindo – disse minha mãe, que estava ao meu lado. – Ele fica lindo!

“Ele é lindo”, pensei comigo mesmo. Mas era verdade, quando ele dirigia, ficava atento a tudo. Tão fofo quando
concentrado!

Ele desligou o motor e nós descemos. A casa estava escura, sombria, parecia até cena de filme de terror.

- Ah! Queimou a luz do poste! – exclamou minha mãe. – Bem que eu estou vendo a casa mais escura...

- É mesmo – concordou meu pai. – Nem tinha notado.

- Assim tá bom – falou Giselle. – Essa luz fica bem na frente da janela do meu quarto mesmo.

Nós seis entramos, cada um com uma mão cheia de sacolas das meninas.

- Compraram algo para nós? – perguntou meu pai.

- Claro – falou minha mãe. – Você acha que eu ia fazer compras e não ia trazer nada para você?

- Oh! Obrigado amor. O que é?


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- Duas gravatas e uma camisa.

- E para nós? – perguntou Henrique.

- Vocês não merecem nada – disse Giselle. – Mas nós compramos camisetas.

- Obrigado pela parte que nos toca – falou Marcus.

- Vamos subir Henrique? – perguntei, já impaciente.

- Ah, tá. Vamos.

- O que vocês vão fazer? – perguntou Marcus.

- É que o Ricky vai me ensinar a configurar o meu celular, porque ele está desligando direto e ele disse que sabe
o que é...

- Não sabia que você sabe mexer com isso, filho – disse meu pai, curioso.

- Ah! É que o celular dele é o mesmo que o meu pai, daí eu fucei e descobri como arrumar.

Ele me olhou com uma das sobrancelhas erguidas, do jeito que ele costumava fazer ao analisar uma pessoa ou
um fato.

- Bom, vou nessa – falei. – Boa noite gente.

- Boa – responderam os quatro.

Eu subi e o Ricky me seguiu, andando na minha cola.

- No meu ou no seu? – perguntei.

- No meu. Dorme lá hoje?

- Claro!

Não precisava nem pedir duas vezes, só de imaginar... Já me arrepiei.

Nós entramos e ele encostou a porta.

- Por que mentiu para o Marquinhos?

- É que se você falasse que nós vamos conversar eles iam ficar todos curiosos, e o Marcus ia querer vir junto.

- Bom isso é verdade...

- Então pronto!

Tirei os tênis, as meias, a camiseta e vesti uma bermuda do meu irmão. Ele ficou apenas de cueca boxer branca.
Uma delícia.

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A gente se deitou na cama dele, que é de casal. Eu do lado direito e ele do esquerdo. Não precisamos nos cobrir,
afinal a noite estava quente e abafada.

- Conte-me tudo, não me esconda nada.

- Tá. É sobre a Gaby.

- Jura? Se você não fala, eu nunca ia descobrir...

- Como você sabe que eu vou falar dela?

- Porque o seu mundo é ela agora.

- Não é verdade!

- É verdade sim e você sabe disso, mas eu já estou me acostumando... Anda, fala. O que aconteceu?

- Sabe a casa daqui do lado?

- Qual das duas? A do Sr. João ou a que está à venda?

- A que está à venda.

- Que é que tem ela?

- Foi comprada.

- Ah, é? Por quem?

- Nossa como você é lentinho, hein?

Fiquei matutando...

- Não me diga que...

- O pai da Gaby comprou!

- Então ela será a nossa vizinha?

- Uhum. Não é ótimo?

Não. Não era ótimo. Ter a vagabunda da minha cunhada perto do meu irmão não era nada bom. Já não bastavam
todos os finais de semana que eles ficavam juntos?

- Eu estou muito feliz – falou Henrique. Eu não podia vê-lo pois todas as luzes estavam apagadas, mas eu tinha
certeza que ele estava sorrindo.

- É dá para a gente perceber.

- Você ainda tem ciúmes dela né?

- Compulsivamente – confessei. – Ainda mais agora. Vai morar aqui do lado...


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- Isso vai ser muito bom, você vai ver. Assim vocês podem ficar mais próximos. E ela ainda quer te conhecer
melhor.

- Não vou me responsabilizar pelos meus atos – falei. – Se ela te agarrar na minha frente, é capaz que ela fique
sem os cabelos.

Henrique quase não parou de rir, e eu gargalhei da gargalhada dele. Parecia uma gralha rouca, ele até se
engasgou.

- Você não existe mesmo. Essa sua proteção me deixa todo alegre – falou ele.

- Aprendi com você. Você se lembra de quando você ficava com ciúmes dos meus amigos?

- Aham, igualzinho a você agora.

- Pois é.

- Mas não é só isso que eu quero te falar...

- Eu sei.

- Sabe?

- Uhum. Se fosse só isso você já teria aberto a matraca antes.

- Você me conhece muito bem mesmo.

- Como a palma da minha mão. E eu acho que sei o que é que você vai falar.

- O que é, então?

- Vocês dois transaram, não transaram?

Silêncio.

- Por que você acha isso?

- Não sei. Intuição. Sexto sentido. Sei lá.

- Mas a resposta é não.

- Não? – perguntei.

- Não.

- Então o que é?

Meu coração bateu aliviado.

- Mas é relacionado.

O alívio se foi do mesmo jeito que chegou.


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- Nós dois conversamos sobre isso esses dias...

- Hum....

- E eu descobri que ela é virgem.

- E daí?

- Daí que ela disse que já está segura...

- Nem prossegue. Senão eu morro de ciúmes – falei, já com o coração todo apertado.

- ... e que ela quer fazer – finalizou ele.

- Eu falei para você não falar.

- Você tem que aprender a lidar com esse ciúme bobo que tem, viu?

- Como se você também não tivesse de mim. Quero só ver quando eu chegar falando que vou transar com alguém
para você...

- Ai não. Você não pode!

- Eu não posso e você pode, né? Até parece que eu vou morrer virgem!

- Se depender de mim vai sim. Não quero nenhuma menina encostando em você sem antes passar pelo meu
consentimento.

Eu senti o tom de raiva ou de ciúmes na voz dele, mas não quis comentar.

- E você já está todo animadinho com a hipótese dela transar com você, não tá?

- E não é para ficar?

- Não!

- Seu bobo... Eu só quero dividir isso com você... Eu não sei se é o momento disso rolar entre eu e ela.

- Não? Por que não? Você não quer?

- Quero. Mas não agora. É cedo demais.

- Verdade. Cedo demais.

- O que eu faço?

- Não faça. Só isso – falei.

- Bobão! É sério...

- Ah, sei lá. Espera para ver.

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- É... Acho que é o único jeito né?

- Quando você menos esperar, vai acontecer. Infelizmente.

- Vem aqui vem, me dá um abraço, meu irmãozinho ciumento!

Ele me puxou de um jeito forte e decisivo e em menos de um segundo eu estava debruçado nos ombros fortes do
meu irmão.

- Eu te amo – falou ele. – De verdade.

- Eu também – sussurrei.

Naquele momento eu não queria saber de mais nada, a não ser, ficar abraçado com o meu irmão.

Eu não sei por quanto tempo nós ficamos abraçados, só sei que eu estava adorando ficar daquele jeito com o meu
irmão.

- Vou estar ao seu lado para sempre, aconteça o que acontecer – falei.

- Eu também.

- Promete que nunca vai me abandonar? Independente do que aconteça?

- Por que você está falando isso?

- Promete?

Eu podia jurar que ele estava com uma das sobrancelhas erguidas, daquele jeitinho que só ele sabia fazer...

- Eu te prometo, mas o que está acontecendo?

- Nada, só quero você comigo em todos os momentos da minha vida, sejam eles bons, ou ruins.

- Eder, nós somos irmãos e eu te amo. Eu nunca vou deixar você. Nunca mesmo. e não quero que você me
abandone também. Eu preciso de você do mesmo jeito que você precisa de mim.

Nossa! Como era bom ouvir aquilo. Meu coração até bateu mais forte.

- Acho tão raro dois irmãos se darem tão bem como nós dois – comentei.

- É muito raro mesmo. Nós temos uma ligação muito forte... Isso é bom.

- Muito bom.

Henrique bocejou e nós desfizemos o abraço, infelizmente!

- Que sono...

- Eu também – disse. – É melhor a gente dormir.


77
- Uhum. Amanhã é dia de batente.

- Pois é.

- Boa noite Eder.

- Boa noite Ricky.

Fiquei ali, deitado de barriga para baixo por longos minutos. Pensando. Pensando em como seria a reação do meu
mano quando ele soubesse a verdade ao meu respeito. Como ele reagiria?

Quando abri os meus olhos na manhã seguinte, não vi o Henrique na cama e nem no computador. Levantei-me,
fui ao banheiro e me vesti para poder descer e tomar o café.

- Ah, acordou – falou minha mãe. – Bom dia, filhinho.

- Bom dia mãezinha! Cadê o resto do povo?

- Seus irmãos foram para a escola, o Ricky e seu pai foram trabalhar e eu já estou indo para o consultório.

- Vou ficar sozinho de novo?

- Vai nada, daqui a pouco a Zélia está aí.

- Mas ela vai ficar fazendo as coisas dela, nem vai conversar comigo. Mas pelo menos eu vou dar risada.

- Por que vai dar risada?

- Ela canta muito mal... – brinquei.

- Coitadinha dela Eder! Deixe-a em paz!

- É brincadeira mãe.

- Sei, sei... Bom, eu já vou indo que estou atrasada, já deve ter paciente à minha espera.

- Tudo bem mãe. Vai lá.

Ela me deu um beijo na bochecha e saiu de casa. Eu tomei o meu café tranquilamente e por volta das nove horas
a Zélia chegou. Mal abri a porta e ela já começou a cantoria do Zezé di Camargo e Luciano... Ninguém merece!

Quando cheguei ao colégio, percebi um clima diferente dentro da sala de aula, certa tensão, o ar estava pesado.

- O que será que aconteceu aqui? – perguntou Denise. – Que clima tenso.

- Está mesmo – comentou Arthur. – Eu hein!

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Sentei-me ao meu lugar e esperei o professor Carlos entrar. A aula foi tranquila e logo o horário do intervalo
chegou.

Estava na fila da cantina, quando senti alguém tocando o meu ombro. Eu me virei e percebi que era a Angélica.

- Oi gato – disse ela, com um sorriso tranquilo nos lábios.

- Ah, oi Angélica, tudo bem?

- Tudo sim...

- Que bom...

- Olha eu queria me desculpar pelo acontecido entre nós dois. Acho que você ficou com uma má impressão
minha...

- Tudo bem, não esquenta não!

- Não está bravo?

- Não, não. Já passou.

- Que bom. Podemos ser amigos então?

- Claro que sim.

Nós dois sorrimos e eu comprei o que queria, saindo da fila em seguida.

- Até mais Angélica.

- Até Eder. Bom restinho de aulas.

- Idem.

Que mudança de comportamento! A tarada parecia até outra pessoa.

- O que a Angélica queria? – perguntou Yuri, com um ar de curiosidade.

- Se redimir pelo que aconteceu entre nós dois.

- Ah, pensei que vocês iam se pegar...

- Você só pensa nisso menino! Que horror.

Nós dois ficamos lá proseando até o intervalo acabar. As duas últimas aulas não tiveram nenhum acontecimento
diferente do normal.

- Ah gente! Lembrei – falei, já quase na hora de ir embora.

- Lembrou do quê? – perguntou Paty.

- Sábado agora é o aniversário da minha irmã. Vocês todos estão convidados, vai ser lá na minha casa mesmo.
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- Ah que maneiro – falou Arthur.

- Vai ter muitos gatinhos? – perguntou Denise.

- Não sei. Depende dos convidados dos meus irmãos. Mas olha a picaretagem, hein!

- Pode contar comigo – falou Yuri.

- Eu também vou – falou Paty.

- Vai ser à noite?

- Provavelmente sim Arthur. Eu vou ver com meus pais e aviso vocês. Mas quero todos lá, hein?

O sábado estava frio. Parecia que finalmente o inverno tinha dado as caras. Meu pai levou minha irmã para a
casa dos meus tios e eu e meus irmãos ficamos responsáveis pela organização de tudo. Fizemos uma faxina na
casa, com a ajuda da Zélia e da amiga dela, Ângela.

- Está tudo perfeito mãe – falou o Marcus.

- Ela vai adorar – falou o Henrique.

- Assim espero.

Minha irmã estava com quatorze anos agora. É nós estávamos crescendo... Eu e o Marcus caímos sentados no
sofá, exaustos de tanto ter trabalhado.

- Os doces estão terminados – falou Gaby, que estava ajudando como podia, enrolando brigadeiro e tudo o mais.

- Obrigada querida – falou minha mãe. – Sente-se, descanse um pouco. Você já nos ajudou demais.

- Que nada Dona Marina, é um prazer.

Embora Gabrielle estivesse nos ajudando durante a tarde toda, eu quase não falei com ela, disse apenas o básico.
Ela ainda estava com a perna engessada, mas já estava bem e conseguia colocar o pé no chão.

- Amor, eu vou tomar um banho rapidinho. Você quer ficar aqui embaixo ou prefere ficar no quarto?

- Eu fico aqui mesmo Ricky – disse ela, timidamente. Percebi que só ele a chamava de amor. Será que ela estava
com vergonha ou será que ela não amava o meu irmão?

- Então está bem. Eu não demoro.

Eles deram um selinho e ele subiu as escadas voando. Fiquei enciumado, mas tentei não demonstrar nada.

Ela e eu ficamos sentados um ao lado do outro e imóveis. Nem ela, nem eu abrimos a boca para falar nada.

- E então Gabrielle – falou Marcus. – Como está a recuperação?

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- Pode chamar de Gaby, Marcus. Ah, indo. Já consigo pisar e tudo o resto. Melhorando aos poucos.

- Que bom – falou ele, sorrindo. – Pode me chamar de Marquinhos se quiser.

- Tá bem então cunhadinho!

- Seus pais vêm para a festa? – perguntei, tentando fazer amizade com a rival.

- Sim. Eles e a minha irmã.

- Seu irmão não vai vir? – perguntou Marcus.

- Não. Ele está fazendo vestibular hoje.

- Entendi.

Gabrielle até que combinava com o Henrique. Os dois formavam um casal bonito, mas isso só me deixava ainda
mais irritado e ainda mais perturbado... Não queria ela na minha família...

Em menos de dez minutos ele desceu do banho, com o cabelo todo molhado e todo perfumado. Percebi que os
olhos da Gaby se iluminaram quando ele chegou e isso me deixou com dúvida com relação aos seus sentimentos.

- Vamos para a sua casa para você trocar de roupa?

- Vamos sim – falou ela, tentando ficar de pé.

- Deixa que eu te levo para o carro.

- Não precisa Ricky...

Mas era tarde demais. Ele já estava com ela em seus braços e não demonstrava nenhum pouco de dificuldade em
carregá-la.

- Mãe, a gente vai lá na casa dela e já volta, tá?

- Tudo bem filho.

A namorada do meu irmão estava mais vermelha que um tomate maduro. Mas ele não ligou. Marcus abriu a
porta da sala para o casal e depois a porta do carro. Henrique a colocou delicadamente no banco do carona e
depois entrou pela porta do motorista.

- Que coisinha mais linda! – suspirou minha mãe.

- Que coisinha mais nojenta! – sussurrei comigo mesmo.

Subi, tomei banho, troquei de roupa e desci. Quando cheguei à sala, alguns convidados já haviam chegado.

Foi por volta das nove horas da noite que eles chegaram. Os pais da Gaby aparentavam ser um casal simples,
modestos e sem frescuras. E isso me deixou um pouquinho aliviado.
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Meu pai apertou a mão do pai dela e a minha mãe beijou o rosto da mãe dela. A Gi estava tão animada, tão
contente, tão feliz com a festa surpresa que nem se deu conta de que eles estavam ali.

- Parabéns – ouvi uma garota dizer. Com certeza aquela era a irmã da Gabrielle.

- Obrigada – disse Giselle, dando um beijo no rosto da garota. – Você deve ser a Natália, não é?

- Isso mesmo. Mas pode me chamar de Natty.

- Muito prazer Natty – falou a minha irmã. – Fica a vontade.

- Obrigada, o prazer é todo meu.

Os sogros do meu irmão cumprimentaram a aniversariante e por fim, sentaram-se no sofá e começaram a
conversar entre si.

- Marcus? Eder? Venham aqui – chamou meu pai.

Eu e o Marquinhos andamos até onde ele estava e nós fomos apresentados para a família da Gaby.

- Esses são meus filhos Eder e Marcus – disse meu pai.

- São muito lindos – disse a mãe da Gaby. – Parabéns pela família de vocês.

Nós apertamos as mãos deles e saímos de fininho. Eu me senti estranho no meio daquela família.

- Oi – disse uma voz feminina, atrás de mim.

- Ah, oi – falei, olhando quem era. Reconheci a cunhada do meu irmão na hora.

- Você é o irmão do Ricky, não é?

- Sou sim. E você é a irmã da Gaby, né?

- Uhum. Muito prazer...

- O prazer é todo meu – falei meio que constrangido.

Ela se aproximou e beijou o meu rosto, de uma maneira longa e definitivamente, estranha.

- Espero que possamos ser bons amigos – falou Natty.

- Com certeza – contornei, muito sem graça pelo beijo. – Fica a vontade, eu vou ali recepcionar os meus amigos.

Graças a Deus Arthur, Denise, Yuri e Patrícia chegaram na hora certa. Recepcionei-os e nós ficamos papeando,
mas a Natália não tirava os olhos de mim um segundo sequer.

Antes das onze da noite nós cantamos parabéns para minha irmã e ela cortou o bolo, dando sinal verde para os
convidados irem embora. Mas o último só saiu de casa depois da uma da manhã.

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- Dia longo – suspirei, caindo no sofá.

- Mas perfeito – disse Giselle, cheia de si.

- Gostou filha? – perguntou meu pai.

- Muito pai! Obrigada!

- O que acharam dos pais da Gaby? – perguntou minha mãe.

- Adorei! – falou meu pai. – São muito educados, muito simples. Isso é bom.

- É verdade.

- Com licença gente, eu vou ir dormir, estou para lá de cansado – salientei.

- Eu também vou – falou Marcus, colocando-se de pé.

A gente se despediu de todos e subimos. Quando cheguei na minha cama, não consegui pensar em mais nada, a
não ser em dormir. E assim fiz. Adormeci em menos de cinco minutos, estava muito cansado.

- Eder, Eder – chamou Henrique. – Acorda!

- Hã? Que foi Ricky?

- Anda menino! Vem me ajudar.

- Ajudar? – perguntei sonolento. – Ajudar no quê?

- A Gaby está de mudança para a casa nova. Vem me ajudar...

- Ah não... Eu estou com sono.

- Para de ser mole homem! Anda, vamos lá. Não custa nada!

- Ai seu chato!

Tive de acordar a força. Lavei o rosto, escovei os dentes, tomei café e saí com o Henrique. O Marquinhos e meu
pai já estavam lá fora, perto de um caminhão enorme que estava parado à frente da casa que acabara de ser
vendida para a família da Gabrielle.

- O que eu preciso fazer? – perguntei, de maneira rabugenta.

- Só ajudar a descarregar o caminhão – falou Henrique, todo prestativo.

Percebi que a Gaby estava sentada na beira da calçada da casa nova. Ela não podia ajudar por causa da perna
engessada, mas estava visivelmente decepcionada em não fazer nada.

- Bom dia – cumprimentei aos presentes.

83
- Bom dia – responderam todos.

- Vem mano, vamos lá dentro conhecer a casa – falou Henrique.

Eu o segui, mas tive que esperar ele ajudar a Gabrielle a se levantar. Ela se apoiou nos ombros dele e nós
começamos a entrar pelo portão da casa.

Era tão bonitinho a forma que os dois se abraçavam e se tratavam. Comecei a perceber que eu não tinha para
onde correr, aqueles dois realmente se gostavam, e eu não poderia fazer nada para destruir aquele amor. Eles
estavam apaixonados. E isto era fato.

- Oi Fael – disse Ricky.

- Oi!

- Rafa, esse é o Eder, irmão do Ricky. Eder, este é o meu irmão, Rafael.

Eu nunca pensei como reagiria quando me apaixonasse de verdade e nunca acreditei em amor à primeira vista,
até que o vi pela primeira vez...

Sua pele dourada combinava perfeitamente com seus olhos verde-claros, seu cabelo castanho-avermelhado
estava arrepiado e ele trajava apenas uma bermuda preta. Lindo. Perfeito. E que corpo ele tinha! Meus olhos
moveram-se por instinto e eu analisei a obra por completo. Definitivamente, Rafael era lindo. Lindo, lindo, lindo!
Lindo e hetero... Eu jamais teria a menor chance com o irmão de Gabrielle...

Eu não sabia onde estava, com quem estava e o que estava fazendo. Eu parecia perdido, fiquei desnorteado e sem
saber o que fazer e como agir.

Nosso olhar se encontrou pela primeira vez e ele sorriu. Que sorriso era aquele? Os dentes perfeitamente
alinhados eram de uma brancura inigualável, eles contrastavam com os lábios vermelhos e estes combinavam
perfeitamente com o tom de pele de seu rosto vil... Ele era perfeito...

- Oi – falou, com sua voz grave, estendendo a mão para um aperto. – Tudo bem?

E agora? O que responder? Meu coração não parava de bater acelerado, meu estômago deu três voltas em torno
de si e um frio percorreu minhas costas de um jeito avassalador. Que homem era aquele? Como aquele ser
poderia ser tão lindo? Com certeza não existiria outro igual em toda face da Terra...

- Olá – eu disse, com a voz fina e fraca, apertando a sua mão. Que pele lisa! Ele apertou meus dedos com
delicadeza e eu senti o meu rosto queimar. Eu queria cavar um buraco ali mesmo e me esconder. Aquela situação
era demasiadamente constrangedora para mim. Como eu podia estar frente a frente com um deus grego que nem
o irmão da minha cunhada?

- Muito prazer em conhecê-lo – continuou ele, com o mesmo sorriso lindo nos lábios perfeitos. – Espero que
possamos ser bons amigos.

84
Amigos? Como eu poderia ser amigo daquela criatura magnífica? Eu? Justo eu? Um moleque insignificante?
Será?

- O-obrigado! – respondi, com a voz trêmula de emoção.

Ai meu Deus! Que vergonha! Rapidamente fiquei olhando para os meus pés.

- Está sentindo dor Gaby? – perguntou Rafael, com sua voz musical.

- Não – respondeu a namorada do meu irmão. – Já estou me acostumando.

- Quer ajuda, Ricky? – perguntou ele.

Eu poderia passar o resto dos meus dias ouvindo aquela voz. A cada som que saía de sua boca, meu coração
respondia com um bater mais forte. Eu nunca tinha sentido nada semelhante em toda a minha existência.

- Não precisa Fael, eu a levo para dentro, pode deixar. Vamos Eder?

Levantei os olhos e fiz que sim com a cabeça, incapaz de abrir a minha boca para responder alguma coisa.

- Fica à vontade – falou o cunhado do meu irmão. – E obrigado por vir nos ajudar...

- Não há de quê – respondi, fitando aquele oceano verde de seus olhos.

Ele abriu um sorriso largo e eu esqueci o resto do mundo. Eu só queria ficar ali, admirando a sua beleza,
contemplando a sua existência...

- Vem Eder – repetiu Henrique, com um quê de impaciência na voz. – Preciso da sua ajuda.

Eu comecei a segui-lo e deixei Rafael à sós. Nós entramos na casa e ela era ainda mais espaçosa que a minha.
Pelo menos no primeiro cômodo. Respirei fundo pelo nariz e soltei o ar pela boca. Estava afoito, curioso, eu
diria.

- Linda a casa, né? – perguntou Ricky.

- É sim – respondi, tentando colocar os meus pensamentos em ordem.

- Pode deixar amor – falou Gaby –, eu me viro sozinha.

- De jeito nenhum bebê. Eu quero te ajudar.

Ele pegou-a no colo e começou a subir as escadas.

- Ai! Você sabe que eu não gosto...

- Não fala nada – pediu Henrique, com a voz divertida. – Apenas aproveita enquanto você pode.

Que casal mais perfeitinho eles faziam. Fiquei espiando o jeito que os dois se tratavam e eu não consegui pensar
em outra coisa, a não ser no amor dos dois. Isso aliviou o meu coração de um lado e apertou de outro, porque eu
tinha acabado de ter a certeza que o Henrique era dela.

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Em poucos minutos ele voltou e voltou sozinho. Onde a Gabrielle estaria?

- Vamos lá ajudar maninho?

Eu ainda estava alucinado pelo irmão da Gabrielle, por isso não sabia muito bem o que estava fazendo, eu só
sabia que estava ali em prol de alguma coisa.

- Ajudar?

- É! A descarregar o caminhão. Você está no mundo da lua hoje!

- Culpa sua! Ninguém mandou você me acordar tão cedo.

- Para de ser reclamão, anda, vem comigo, vamos ajudar o Fael.

Ajudar o Fael? Ajudar àquele homem? Àquela delícia? Ai Jesus... E agora? O que fazer?

Respondi com um sim indeciso e nós saímos da sala, ainda nua de móveis e afins. Desci pelo quintal e fiquei
para fora do veículo de mudança, a espera de alguma ordem.

Procurei Rafael com os olhos, mas não o encontrei, para a minha total tristeza. Henrique entrou na boleia do
caminhão e voltou em seguida com duas caixas, me entregando para que eu pudesse levá-las para o interior da
casa.

- Coloca lá em cima, em um dos quartos para mim. Mas toma cuidado, é coisa da Gaby...

- Pode deixar – respondi, automaticamente.

Regressei com passo lento para dentro da nova casa da família da Gabrielle enquanto o meu cérebro trabalhava a
mil por hora. A única coisa que eu tinha em mente era um nome, era uma pessoa... Rafael...

- Precisa de ajuda, amiguinho? – perguntou uma voz, de dentro da sala.

Era Natália. Ela estava com os cabelos amarrados em um rabo de cavalo, completamente diferente da última vez
que a vira, mas consegui reconhecê-la facilmente.

- Ah, oi Natália. Ah, não, não precisa. Obrigado.

- Que bom poder ver você de novo – falou ela, com um sorriso nos lábios. Mas o seu sorriso não se equivalia ao
do seu irmão. Não mesmo. Nem o menor vestígio...

- Digo o mesmo. Que bom que vocês mudaram para cá.

- Eu também gostei. Espero que possamos nos encontrar mais vezes.

- Agora vai ser mais fácil – tentei parecer o mais agradável possível.

- É verdade. Eu estou muito feliz de estar perto de vocês.

- Que bom.

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Eu também estava feliz. Muito feliz. Mas não por ter a família da Gabrielle morando ao lado da minha casa, e
sim pelo fato de ter o irmão dela morando pertinho de mim... Mas, por que eu estava pensando àquilo? Eu tinha
acabado de conhecê-lo...

Subi as escadas e entrei na primeira porta à direita. A Gaby estava sentada em uma cadeira de balanço, tirando
algumas coisas do interior de uma caixa de tamanho médio.

- Oi cunhadinho – falou ela, sorrindo. – Se quiser deixar aqui... Eu vou desembalando, é a única coisa que eu
posso fazer...

- Ah tá – falei, meio sem jeito. Apesar de tudo eu ainda tinha ciúmes dela. – Aqui está bom?

- Perfeito. Obrigada.

- Precisando...

- Ah, Eder? – chamou ela, quando eu já estava saindo do quarto.

- O que foi Gaby? – perguntei, olhando-a. Notei pela primeira vez que o Rafael era o único dos três a ter olhos
verdes. Olhos maravilhosamente verdes.

- Obrigada pela ajuda – falou ela.

- Ah! Não há de quê. É um prazer ajudar.

- Eder? – chamou ela de novo.

- Oi?

- Se precisar de mim... Estou às ordens...

- Tudo bem. Obrigado.

Antes mesmo de eu conseguir colocar os pés para fora do quarto, o Rafael entrou no aposento trazendo três
caixas medianas, empilhadas uma em cima da outra. Ele colocou-as ao lado das outras e falou:

- Vai ter serviço maninha...

- É só o que eu consigo fazer.

- E já é o bastante. Daqui a pouco eu trago mais.

Aquela era a voz mais linda que eu já tinha ouvido em toda a minha vida. Ele virou-se lentamente e me viu,
parado à porta. Nossos olhos se encontraram novamente, mas dessa vez ele não sorriu. Percebi que ele ficou
parado, observando-me a distancia, com os lábios entreabertos. O que estaria pensando naquele momento?

- Ah... Eu vou descendo – falei, sem graça.

- Espera – falou ele. – Eu também vou...

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Em menos de um segundo ele estava ao meu lado. Não sei o motivo, só sei que quando ele ficava perto de mim,
meu coração disparava do lugar, minha respiração acelerava e eu não conseguia pensar em mais nada.

- Você... – disse ele, suspirando. – Você quer me ajudar?

- Te ajudar? – falei, com a voz lenta.

Os olhos dele brilharam de um jeito diferente, deixando a claridade ainda mais acentuada. Nós ficamos nos
fitando por um momento, até que ele respondeu.

- Com os móveis... – disse, por fim.

- Ah... Claro!

Ele abriu o mesmo sorriso de outrora, e eu não consegui resistir. Sorri junto, mas o meu não era igual ao dele.
Nada era igual a ele. Ele era único, não poderia haver nada nem ninguém similar ao Rafael neste mundo. A
perfeição chegou e parou, parou de vez no irmão da namorada do meu irmão.

A gente começou a descer as escadas, eu na frente e ele atrás. Meu coração ainda batia em rumo acelerado, mas
eu já estava começando a me acostumar com a presença dele ao meu lado.

- Você é a cara do seu irmão – comentou Rafael. – São muito parecidos.

- Você acha? Ah, que bom! – disse, sorrindo. Era bom ouvir aquilo. – Você não parece com as suas irmãs, mas
elas são idênticas.

- É eu sei – respondeu ele. – Acho que é porque eu sou o único menino, né?

Menino? De menino ele não tinha é nada... Um baita homão delicioso daquele não era um menino nem aqui, nem
na China!

- É pode ser – falei meio constrangido.

- Bom dia moço – falou a mãe dele que eu ainda não sabia o nome. – Tudo bem?

- Bom dia senhora... Tudo bem e a senhora?

- Por favor, me chame somente de Cláudia! Eu vou bem, graças a Deus.

- Que bom, eu fico feliz...

- Vem Eder, vamos lá ajudar seu irmão – chamou Rafael, com a voz exuberante.

Eu segui o rapaz para fora de casa e quando nós chegamos no quintal, boa parte da mobília do sobrado já estava
no chão.

- Agora é que o bicho vai pegar – falou Rafael, coçando a nuca.

Fiquei admirando aquelas costas, aquelas pernas, aqueles braços e principalmente... Aquela bunda! Meu Deus
misericordioso, que visão maravilhosa eu estava tendo!

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- O que você quer que eu faça?

- Vamos carregar os mais leves, é claro. O resto os ajudantes carregam.

- Que maldade!

- Maldade nada, cara – riu ele. – Esperteza!

Eu ri junto com ele e nós nos olhamos mais uma vez. Todas as vezes que os nossos olhos se encontravam eu
meio que submergia em um mundo de fantasias, em um mundo de ilusões, onde a única coisa real que eu
conseguia ver era ele.

- Seus olhos são lindos – falou ele timidamente. Eu percebi que as bochechas dele ficaram mais vermelhas que o
natural.

- Obrigado – sussurrei, ficando completamente sem graça. – Os seus também são.

Ficamos ali, um contemplando o outro sem falar nada. Não sei por quantos minutos ficamos parados, mas estava
muito bom. Eu não queria mais nada, acabara de encontrar a minha felicidade.

- Valeu – sussurrou ele, meio que para si.

Parecia que tudo tinha parado. As pessoas, os carros, os animais, as plantas, o vento, o tempo, a vida. Exceto eu.
E ele.

- De nada – respondi.

- Eder? Deixa de papo furado com o Fael e vem me ajudar – mandou Henrique, aparecendo de um lugar que eu
não sabia qual era.

Virei-me mecanicamente para o meu irmão e obedeci a sua ordem, mas antes, mirei mais uma vez o Rafael. Ele
me seguiu com o olhar, fiquei vermelho, mas desnorteado por ele estar me dando atenção.

- O que você e ele estavam conversando? – perguntou Henrique. – Se é que eu posso saber né?

- Hã? Como é?

- Não se faça de desentendido moleque!

Ele parecia irritado.

- Aff, que estressado!

- Um monte de coisa para fazer e você ainda fica de papo, aí não dá né?

- Na boa? – falei, começando a me irritar. – Não tenho obrigação de estar aqui te ajudando não! Se eu estou é
porque eu quero e você deveria reconhecer isso.

E eu queria mesmo. Tudo o que eu mais queria naquele momento era ficar ali naquela casa, perto daquele rapaz.
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- Se não quiser ficar vai embora então – disse Henrique, rispidamente. – Não preciso da sua ajuda!

- Ah não? Quem é que foi me acordar para eu vir? E eu já não disse que eu quero ficar?

- Vê se ajuda então, ao invés de ficar conversando!

- Vai me proibir de falar agora Henrique?

- Bem que eu queria mesmo.

- Ah! Pelo amor de Deus viu!

Eu nem tinha percebido que nós estávamos carregando cadeiras para dentro da casa do Rafael, quando me dei
conta, já tínhamos levado todas.

- Fael – falou o pai dele –, ajuda os meninos com a mesa, por favor?

- Claro pai – falou ele, com aquela voz grossa.

- Precisa não Jorge – disse Henrique. – Eu e o meu irmão levamos.

- Que nada Ricky – falou Fael, às minhas costas. – Eu ajudo vocês.

- Não precisa... – falou Henrique, com a voz monótona.

Mas já era tarde. Ele já estava ajudando. Ele se abaixou e pegou um lado da mesa junto comigo, o Ricky ficou
com a outra parte. Nós dois estávamos andando de costas, por isso a atenção era redobrada.

- Cuidado com o degrau – falou ele, olhando nos meus olhos.

Assenti com a cabeça e desviei os olhos para Henrique, que não estava com uma boa fisionomia. Constatei os
ciúmes dele pelo olhar! Ah, como era bom estar do outro lado da margem do rio... Poder causar ciúmes no
Henrique, ao invés de ter esse sentimento por ele...

Só conseguimos descarregar o caminhão na hora do almoço. Eu já estava exausto, mas nem dei bola para os
músculos que estavam doendo. Toda aquela situação era em prol de uma boa causa. Uma excelente causa, na
verdade.

- Meninos, obrigado pela ajuda – falou Jorge, cansado. – Se não fossem vocês, não iríamos terminar nunca.

- Que isso Jorge – falou meu irmão –, não foi nada. É um prazer ajudar.

- Puxa saco – sussurrei para mim mesmo, mas o Rafael ouviu e caiu na gargalhada. Acabei rindo com ele.

- Do que está rindo filho? – perguntou Jorge.

- Do Eder – respondeu Fael, mirando-me. – Uma figura.

Fiquei mais vermelho do que uma pimenta. Senti todo o meu corpo queimar, parecia que estava em chamas.

Não tive coragem e olhar para ninguém, mas senti todos os olhos sobre meu corpo. Ai, que menino linguarudo!
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- Ricky? – gritou a Gaby, da janela do quarto dela. – Vem aqui ver uma coisa...

- Já vou meu anjo – gritou Henrique em resposta.

Ele voou porta adentro e desapareceu de vista em segundos, nem deu bola para o restante da família da
namorada, nem para mim.

- Cansado? – perguntou Natália.

- Um pouquinho – respondi com sinceridade. – Mas isso é bom, pelo menos eu tenho algo para fazer.

- Entendo. Normalmente os domingos são muito chatos, né?

- Aham – falei, sem jeito.

- Posso fazer uma pergunta?

Pensei em responder não, mas seria muita grosseria.

- Pode sim.

- Quantos anos você tem?

- Quinze – respondi.

- Logo vi, tem uma carinha de menino ainda...

“E você? Tem quantos anos? Seis?”, pensei em perguntar, mas resolvi ficar calado. Só percebi que o Rafael
estava ouvindo quando olhei para o seu rosto e vi seu sorriso estampado em seus lábios.

- Faz tempo que você mora aqui? – perguntou Fael, com um quê de curiosidade na voz.

- A minha vida toda pelo que me lembro – respondi. – Eu gosto bastante desse lugar.

- Ele é bem tranquilo, né?

- Às vezes sim, às vezes não. Mas normalmente é bem sossegado.

- Sei como é.

- Natty? – chamou a mãe dela. – Vem me ajudar aqui na cozinha, estou perdida com tanta coisa para fazer.

- Ah, mãe... Aqui está tão gostoso, tão quentinho no sol...

- Anda logo filha – chamou Cláudia. – Senão eu não termino o almoço nunca.

- Vai Natty, vai ajudar a mãe! – mandou Fael, com voz autoritária. Que lindo! – Não custa nada.

- Você fala isso porque não é você que tem que ficar no fogão...

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- Para de reclamar e vai logo.

Natália saiu andando com os ombros baixos, deixando-me as sós com o irmão mais velho dela.

- Não está com calor? – perguntou ele.

- Não muito. O sol está fraco. Parece que o inverno finalmente chegou.

- É já está na hora de esfriar um pouquinho. Ah, lembrei de uma coisa!

- Do quê? – perguntei.

- Você faz aniversário dia quatorze de novembro, não faz?

- Faço...

- Eu faço dia quinze – falou ele, com um sorriso enorme na face.

- Ah, é mesmo! O Henrique comentou comigo esse fato... Que coisa...

- Escorpião na veia.

- Com certeza. Você é da idade dele, não é?

- Sou. Vou fazer vinte... Estou ficando velho.

- Que nada. Tem toda uma vida pela frente ainda.

- Isso é verdade. Mas os anos estão passando muito rápido, parece que foi ontem que eu estava com a sua idade,
e hoje já estou à beira da casa dos vinte.

- É passa rápido mesmo. Daqui a pouco sou eu.

- É! Daqui a pouco você vai estar na faculdade.

- Ah! Não tenho muita vontade de fazer faculdade não...

- Não? Por quê?

- Ah, sei lá. Ainda não encontrei a minha vocação.

- Ainda é meio cedo para pensar nisso.

- Um pouco. E você? Vai fazer?

- Vou sim. Fiz o vestibular ontem.

- Ah, é mesmo. Alguém da sua família comentou lá em casa na festa da minha irmã... Como foi a prova?

- Difícil. Eu não passei.

- Como sabe?
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- Não sei, simplesmente sei que sei.

Que confuso!

- Acho que entendi.

Nós dois sorrimos e ficamos nos olhando por um tempo.

- Mas logo você passa você vai ver. Ainda não é o seu momento.

- É isso que eu penso também. Para tudo na vida existe um momento.

- Concordo. Prestou para quê?

- Direito.

- Sério? Meu pai é advogado...

- Eu sei. E admiro muito a profissão do seu pai.

- Eu não teria paciência para tanto.

- Por que não?

- Ah sei lá. Tem que fazer tanta coisa... Não sou muito paciente.

- Isso é questão de prática. Ele é criminalista, né?

- Uhum. Isso nos priva de muita coisa – falei, monotonamente. – Sempre corre um risco de nós sermos
reconhecidos e tudo mais.

- Infelizmente tudo nesta vida tem um lado ruim – suspirou ele. – É um preço que nós temos que pagar.

- É verdade.

Eu só percebi que meu pai estava ali quando ele passou ao meu lado, ajudando o pai do Fael com alguma coisa.

- Oi filho – falou ele.

- Oi pai.

- Alexandre, esse é meu filho mais velho, Rafael. Fael, o pai do Ricky.

- Bom dia senhor, como vai?

- Só Alexandre rapaz!

Ele sorriu e assentiu.

- Prazer conhecê-lo – falou ele.

- Prazer todo meu. Seu filho é a sua cara – falou meu pai para o pai do Fael. – É o único né?
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- É. As outras duas são mulheres. Só para me dar dor de cabeça.

Eles riram e continuaram a andar com o móvel que eu não sabia qual era porque estava embalado, mas era
grande e pesado. Fael e eu continuamos parados, um olhando para o outro, conversando, sem dar a mínima para
o resto do mundo.

- Está com fome? – perguntou ele.

- Um pouco – respondi.

- Já, já o almoço fica pronto e a gente vai comer – falou ele.

- É. Queria saber o que minha mãe está aprontando na cozinha...

- Sua mãe? Mas, você não vai almoçar aqui com a gente?

- Ah, não sei não...

- Deixa disso rapaz, almoça aqui! A comida da minha mãe é muito boa...

Eu fiquei sem graça, mas não tinha escapatória. Como negar um pedido feito por um deus daquele?

- Tudo bem...

- Oba! É isso aí.

- Já experimentou a comida do meu irmão?

- Seu irmão cozinha?

- Muito bem por sinal – falei, divertindo-me pela expressão de incredulidade dele.

- Sério? Ainda não... Na verdade ele ainda não demonstrou nada para a nossa família...

- Como assim?

- Ele só fica namorando a minha irmã! Sem comentários! Morro de ciúmes... Mas nem deixo transparecer.

- Ah, nem me fala que eu também sou assim. Acho que é mal de escorpiano né?

- Pode crer.

Nós dois rimos e novamente ficamos nos olhando. Como estava sendo bom conversar com ele... Tínhamos tanta
coisa em comum!

- Vamos entrar? – perguntou ele. – Não tem mais nada para a gente fazer aqui fora, já está tudo lá dentro.

- Nossa! Nem percebi!

- Pois é. Quando a gente está conversando o tempo passa rápido. Quer me ajudar com o meu quarto?

- Claro!
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- Então vamos...

Nós entramos na casa e eu senti um cheirinho delicioso de comida. Minhas tripas reclamaram de fome, mas eu
disfarcei.

- Que cheiro de fome – falou ele, batendo na barriga musculosa.

- Ah! Eu adoro falar essa frase, meus irmãos ficam loucos!

- As minhas irmãs também.

Nós entramos na segunda porta à direita no corredor do segundo andar. O quarto era similar ao meu, era do
mesmo tamanho, mas as paredes eram azuis, e as minhas verdes. A janela ficava de frente para uma das janelas
da minha casa. E eu percebi imediatamente que os nossos quartos eram de frente um para o outro...

- Você está vendo aquela janela ali? – perguntei, apontando com o dedo.

- Uhum – respondeu ele.

- É o meu quarto – falei.

- Sério? É de frente do meu então...

- Onde a Gaby vai dormir?

- No quarto ao lado.

- Então é de frente pro do Ricky.

- Caramba! Que coincidência!

- Verdade...

Nós sentamos no chão porque ainda não tinha mobília no quarto. Ele puxou uma das caixas para perto de nós e
abriu o seu interior. Haviam várias coisas misturadas, mas eu identifiquei um quadro logo de cara.

- Ah! Meu quadro... Adoro esse quadro.

Ele tirou o retrato de dentro da caixa e colocou-o cuidadosamente no chão. Era uma foto de um bebê dando
risada.

- Eu tinha um ano nessa foto. Eu adoro!

- Muito lindo – confessei. – Muito bonito mesmo...

- Obrigado – respondeu ele, com a voz melosa.

Nossos olhos se encontraram e nossos sorrisos se desfizeram. Não sei o motivo, mas toda vez que o olhar da
gente se cruzava tudo o resto desaparecia. Senti uma corrente elétrica passar pelo meu corpo e eu estremeci
completamente entontecido com tanta beleza e tanta perfeição...

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O dia realmente não estava quente, mas de repente eu senti um calor percorrer o meu corpo, comecei a suar e
senti vontade de tirar a roupa, mas me controlei.

- Fael? – chamou Natália. – Eder?

- Oi – respondeu Rafael, mas ele ainda estava olhando para mim.

- O almoço está pronto – respondeu ela. – Vamos comer...

- Nós já estamos indo, Natty – respondeu ele.

Ela encostou a porta e desceu as escadas. Ou pelo menos nós achamos que ela tinha feito isso.

- Vamos descer? – perguntou ele.

- Sim – eu respondi baixinho.

A gente se levantou e ele saiu à frente. Todos estavam a nossa espera, inclusive a Gaby e o namorado.

- Não tem lugar para todos ainda – falou Cláudia. – Alguém vai ter que comer em outro lugar.

- Se preocupa não mãe – falou Rafael, adiantando seu prato. – Eu e o Eder comemos lá em cima.

- Nós também – falou Gabrielle, englobando o Henrique na decisão.

Todos se serviram e eu não fiquei de fora. O cheiro do almoço estava delicioso e a aparência também estava boa.

- Espero que gostem, é simples, mas foi feito com muito amor.

- Está uma delícia – falou Jorge.

A comida era realmente simples: arroz, feijão, bife, batata frita e salada de alface com tomate. Comida caseira de
ótima qualidade.

- Vamos subir? – perguntou Rafael, olhando nos meus olhos.

- Aham – respondi, concentrando-me na montanha de comida que eu havia colocado no prato.

Apesar de ter conhecido a família do Rafael há pouco tempo e ele há algumas horas, eu já me sentia
completamente à vontade entre eles, e isso era algo muito raro de acontecer.

Nós entramos no quarto pela segunda vez e colocamos os pratos no chão mesmo. Era a única coisa que nos
restava. Ele encostou a porta para não sermos incomodados e sentou-se à minha frente, para podermos conversar.

- Estou morto de fome – falou ele, já dando a primeira garfada.

- É estou vendo – falei sorrindo. – Come devagar rapaz, vai te dar congestão desse jeito.

- Estou acostumado.

- Mas não pode!

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- Eu sei.

- Então porque faz?

- É que sou teimoso mesmo.

- É estou vendo – repeti.

- E você? Não vai comer não? Vai esfriar desse jeito!

- Claro que eu vou.

Coloquei a comida na boca e me surpreendi com o sabor. Estava divino! Saboreei cada grão de arroz como se
aquela fosse a minha última refeição, estava mesmo uma delícia.

- Sua mãe cozinha muito bem – elogiei. – Está uma delícia.

- Viu só? Eu falei! Você não acreditou em mim!

- Quem disse que não acreditei?

- Eu!

- Então você está enganado!

Nós dois demos risada e continuamos comendo tranquilamente. Era bom estar em paz daquele jeito.

- Agora eu estou satisfeito! – falou ele, depositando o garfo dentro do prato vazio.

- Eu também – falei, colocando o garfo no prato assim como ele.

- E os planos para amanhã?

- Acordar, ficar de bobeira e a noite ir para o colégio. Como sempre.

- Você estuda a noite?

- Uhum.

- Aonde?

- No colégio aqui do bairro mesmo.

- Minha irmã vai estudar lá também.

- Qual das duas?

- A Natty.

- A Gaby já acabou?

- Final do ano passado. A gente sempre foi adiantado em tudo.


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- Em que série a Natty está?

- Segundo. E você?

- Também. Ainda!

- Não reclama não! Essa é a melhor época de sua vida. Saiba aproveitá-la.

- Eu a aproveito muito bem – falei rindo. – Aos sábados e domingos, quando não tenho aula.

- Bobo – falou ele, com aquele sorriso estonteante.

- Nossa bateu uma preguiça agora.

- É de praxe. Depois do almoço não tem como, a preguiça bate mesmo.

- Uhum. Vamos levar os pratos?

- Vamos. Você conhece bem o bairro não conhece?

- Conheço. Por quê?

- Você poderia me mostrar onde fica cada coisa né? Ainda estou meio perdido!

- Ah, vai ser um prazer.

Adorei a ideia de ser um guia turístico para aquele menino lindo. Ia aproveitar cada segundo disso, enquanto eu
podia.

- Oba! Amanhã, pode ser?

- Claro, não tenho nada mesmo.

- Então está combinado.

A gente desceu e todos ainda estavam comendo, à exceção do meu pai e da Natália.

- A comida estava uma delícia – falou o Rafael.

- E você Eder? O que achou?

- Divino dona Cláudia! Divino mesmo.

- Obrigada meu anjo!

- Vou lá terminar de organizar meu quarto – falou Rafael. – Pretendo colocar minha cama logo, já estou
mortinho.

- Exagerado – falou Natália, mas ela estava olhando para mim.

- Você vem? – perguntou Fael.

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- Vou sim – respondi.

Voltamos para o quarto e sentamos no mesmo lugar. Olhei em todas as direções e imaginei mentalmente onde
seria cada coisa. Será que eu ia acertar?

- Onde será que estão minhas roupas? – perguntou Fael, vasculhando as caixas. – Quero colocar uma camiseta.

Ahhhhhh! Que pena! Bem que ele poderia continuar do jeito que estava...

- Achei! – falou, com alívio. – Está me dando frio...

E realmente o tempo estava esfriando. Uma brisa leve entrava pela janela do quarto de vez em quando, deixando
a temperatura ambiente um pouquinho mais baixa.

Mas a visão ainda estava muito boa. Ele colocou uma camiseta branca, que ficou completamente agarradinha ao
corpo dele. Até consegui perceber os mamilos eriçados. Delícia!

- Assim está melhor – decretou, sentando-se novamente ao meu lado.

“Não está não”, pensei comigo. Mas tudo bem...

- E agora, o que a gente vai fazer? – perguntou ele, olhando para mim.

- Você que tem que saber – respondi, dando de ombros. Ele que era o dono do quarto, não eu.

- Precisam montar meu armário e minha cama. Só vou conseguir arrumar as coisas depois que isso estiver
pronto.

- E quem vai montar?

- Aqueles caras que estão lá na cozinha.

- Então vai chamar eles!

- Acho que eles vão começar lá por baixo primeiro...

- E vai dar tempo?

- Sei não... Mas espero que sim...

- Se não der você vai ter o resto da semana para organizar tudo – falei, tranqüilizando-o.

- Ah, não. Não gosto de ver as minhas coisas jogadas, quero tudo no lugar o quanto antes.

- Eu sei como é, também sou assim...

- Nós temos muita coisa em comum não é mesmo?

Engoli em seco e fiquei vermelho, morrendo de vergonha...

- Um pouco – respondi sem graça.

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- Eu diria bastante – insistiu ele, começando a bocejar. – Que sono!

- Eu também estou... – comentei.

- Se quiser ir para sua casa dormir, pode ir, viu?

- Se preocupa não Fael – respondi –, eu estou bem.

Ele abriu o maior sorriso que eu já havia visto desde que o conhecera. Seus olhos se iluminaram de um jeito
diferente e eu fiquei pensando no que ele estaria pensando...

- Que bom então – sussurrou ele.

Ficamos quietos por um tempo, pensativos. Não trocamos olhares, mas eu queria me perder de novo naquele
oceano verde que tanto tinha me balançado.

- Eder? – chamou ele.

- Hum?

- Posso te fazer uma pergunta?

- Claro que pode – respondi.

Se fosse outra pessoa eu não gostaria, mas já que era ele...

- Você tem... Namorada?

Ai meu Deus! Por que ele estava me perguntando aquilo? Qual era o motivo, a razão... O intuito daquele
questionamento?

- Não – respondi baixinho.

- Hum...

Eu queria fazer a mesma pergunta, mas tive medo da resposta. Eu sabia que podia estar me precipitando e
realmente eu estava, mas algo diferente estava acontecendo ali, conosco. Mais uma vez nosso olhar se encontrou,
mas desta vez não ficamos parados, rapidamente desviamos os olhos, constrangidos um com o outro.

Eu nunca tinha sentido nada similar ao que estava acontecendo comigo desde que o encontrara pela primeira vez,
horas atrás. Tudo aconteceu muito rápido, mas de uma maneira avassaladora, de uma maneira definitiva... Eu não
sabia o que era, e tinha medo de descobrir, mas sem a menor sombra de dúvidas, Rafael significava algo para
mim. Mas como? E por quê? Por que em tão pouco tempo ele tinha me cativado tanto? Por que em questão de
algumas horas, nós estávamos tão próximos? Fazendo perguntas um ao outro, dividindo opiniões... Aquilo era
normal com duas pessoas que acabaram de se conhecer?

E por que eu ficava tão afoito quando eu via os seus olhos? Por que meu coração acelerava quando a gente se
mirava? E por qual motivo a gente estava tão próximo? As respostas eu não sabia, a única coisa que eu tinha

100
certeza, era que Rafael já era especial para mim... Mas ele não podia saber disso, ninguém podia saber... Aquele
segredo morreria comigo... Infelizmente!

Fui acordado dos meus devaneios pelo toque de um celular. Balancei a cabeça lentamente e pisquei meus olhos,
para que a minha visão voltasse a ter foco.

- Alô? – disse Rafael, com a voz enlouquecidamente sedutora. – Ah, oi meu amor!

Amor? Amor? Amor? Amor? Então ele tinha namorada sim!

- Tudo bem sim, e você?

Senti meu coração bater ainda mais forte do que já estava batendo, mas dessa vez de um jeito diferente. Um gelo
desceu pela minha barriga, fazendo com que ela ficasse gelada e minhas mãos começaram a suar... Ele tinha
namorada...

- Sério? Mas o que aconteceu?

Ele fitava os próprios pés, enquanto assentia com a cabeça... Que decepção! Namorada... Mas é claro que ele
tinha que ter namorada... Tão lindo daquele jeito... Seria muito desperdício se estivesse sozinho...

Aos poucos os meus pensamentos foram ficando em ordem e eu comecei a entender... Ele tinha namorada. O que
estava acontecendo entre nós dois não passava de ilusão da minha cabeça. Ele não era gay. Claro que não.
Impossível um cara lindo daqueles sentir atração por outros homens...

Senti minha garganta dar um nó, mas serrei os dentes para as lágrimas não descerem. Olhei para o teto e tentei
me acalmar. Tudo iria se resolver. E eu não poderia demonstrar nenhum sentimento a ele. Eu havia acabado de
conhecê-lo...

- Tudo bem então meu anjo – disse ele, ainda sério. – A gente se fala depois. Um beijo.

Senti uma espada perfurar a minha barriga. Estava dilacerado... Ele tinha namorada... E eu estava sentindo algo
diferente por ele, mas não sabia o que era... E agora? Como eu ia sair dessa situação sem me ferir ainda mais?

Ele apertou o botão e ficou olhando para o celular. Será que tinha acontecido algo?

- Algum problema? – perguntei com a voz trêmula.

- Não – respondeu ele, olhando para mim. – Nenhum.

- Hum – falei tristonho.

- Você ficou quietinho de repente. No que está pensando?

- Em nada especial. Só em uma prova que eu vou ter daqui alguns dias.

- Prova de quê?

- Matemática.

101
- Odeio matemática – bufou ele.

- Eu também – respondi.

- Quem não odeia?

- Os CDF’s...

Ele deu risada e levantou a cabeça para olhar pro teto, assim como eu fazia quando gostava de pensar nas coisas.

- Agora é você que está calado.

- Pensando.

- Em quê? Se é que eu posso saber né?

- Na minha amiga...

- Sua amiga?

- Uhum.

- O que tem ela?

- Ela está passando por um problema na casa dela, queria poder ajudar.

- Hum... Foi ela quem te ligou? – joguei uma verde.

- Foi sim – respondeu ele, ainda olhando o teto branco. – Queria me ver...

Meu coração deu um pulo de felicidade. Não era a namorada, era a amiga... Mas isso não queria dizer que ele
estivesse solteiro. Eu precisava descobrir esta informação...

- Se quiser ir vê-la eu vou embora...

- Não. Fica. Eu só vou à noite...

Não pude deixar de gostar desse pedido. Isso me deixou tranquilo, embora eu ainda não soubesse do que ele
gostava de verdade.

- Não vou te atrapalhar não?

- De jeito nenhum moço – disse ele sorrindo –, você não me atrapalha em nada.

Ai que lindo! Eu estava aliviado em saber que era a amiga dele que havia ligado momentos antes, mas ainda
estava angustiado em saber se ele namorava ou não...

- Posso te perguntar uma coisa? – sondei.

- Claro que sim! O que você quiser...

Fiquei calado por um minuto, pensando em como perguntar, até que soltei de uma vez:
102
- Você namora?

Ele sorriu. Aquele mesmo sorriso iluminado que tinha dado minutos antes.

- Não – respondeu, em tom definitivo.

Dessa vez, quem sorriu fui eu. Mais de alívio do que de felicidade. Mas eu estava mesmo feliz. Não adiantava
esconder isso de mim mesmo.

- Seu irmão fala muito de você – disse Fael, mirando-me.

- É mesmo? – me surpreendi. – O que ele fala?

- Sempre que a gente fala de alguma coisa que aconteceu e ele lembra que aconteceu com ele, ele fala de vocês.
E você sempre está no meio...

- Como assim?

- Por exemplo: a minha mãe mostrou para ele uma foto da Gaby pequena, daí ele disse que você tinha uma
igualzinha.

- Que foto é essa?

- Em cima de um pônei.

- Jura que a Gaby tem uma foto assim? – perguntei rindo. – Eu tirei quando fui para um sítio no final de ano, só
não lembro quando.

- Ele disse que você tinha três anos de idade.

- Nossa, até isso ele falou?

- Viu só como ele fala de você?

- Caramba. E eu pensando que ele nem lembrava de mim quando estava com a namorada.

- Engano seu.

- Amo demais o meu irmão...

- E ele a você.

- É meio raro, a gente não vê isso hoje em dia.

- Um pouquinho – concordou ele. – Mas eu sou igual a você e ele com relação a Gaby.

- Só a Gaby? E a Natália?

- Eu amo as duas. Mas sou muito ligado a Gabrielle. Talvez porque nós tenhamos quase a mesma idade. E talvez
porque eu cuidei dela quando ela era menor. Ainda cuido na verdade.

103
- É o Ricky também cuida de mim de vez em quando. Eu gosto muito disso.

- É mau de ser irmão mais velho.

- Verdade. Mas eu sou mais velho que a Giselle e o Marcus e não cuido muito deles não. Só quando nós três
estamos sozinhos mesmo.

- Eu ainda não os conheço... Como eles são?

- Duas pestes – falei sorrindo. – Mas muito legais.

- Eles parecem com você?

- Não muito. Minha irmã parece mais minha mãe e o Marquinhos o meu pai. Eu já sou mais parecido com o
Ricky.

- Você e o Ricky parecem gêmeos. São iguaizinhos...

- Também não exagera, vai!

- É sério Eder! Principalmente nos olhos...

- Isso é característica de nós quatro. Todos nós temos as mesmas cores nos olhos...

- Muito lindos por sinal, eu já te disse.

- Obrigado – falei, ficando desconcertado. – Os seus também são.

- Obrigado – ele piscou um dos olhos e sorriu. – Mas me diz, foi difícil você aceitar a Gaby?

- Posso ser sincero?

- Claro que sim.

- Não vai contar a ela?

- Não. Juro que não.

- É que assim... Por ele cuidar de mim, eu sou muito apegado sabe? Então quando ele veio com essa história que
estava namorando... Eu confesso que fiquei morrendo de ciúmes... Quando ela foi lá à minha casa então, quis
morrer... Ainda está sendo um pouquinho difícil vê-los juntos, mas hoje eu tive uma certeza muito grande de que
eles realmente se gostam, e já está se tornando mais fácil aceitar esse relacionamento.

- E como você pode ter certeza que eles se gostam?

- Você já os viu juntos não viu?

- Muitas vezes.

- Percebeu o jeito que eles se olham? O jeito que se tratam? Eles estão mesmo apaixonados. Isso está na cara.
Não tem como negar.
104
- Já percebi que quando ele olha para ela, ele fica cego. Não consegue ver mais nada, e nada mais têm valor. É
como se fossem apenas ele e ela. E acho que deve ser vice-versa, né?

- Creio que sim. Hoje eu vi como ela fala com ele. É carinhosa... Pode ser que seja porque o namoro deles é
recente, mas eu acho que eles se gostam de verdade. E se ela gosta do meu irmão e se está o fazendo feliz, eu vou
apoiar sim o namoro deles.

- Que lindo! – disse ele sorrindo. – Você gosta dele mesmo. Dá para perceber até pelo jeito que você fala dele.

- Meu irmão é meu alicerce.

- Posso dizer o mesmo da minha irmãzinha! Para mim também não foi fácil quando conheci o Henrique... Pensei
logo que ele ia roubá-la de mim... Mas aos poucos eu fui vendo que não era verdade. Aconteça o que acontecer a
Gaby sempre vai ser a minha irmã. E isso não vai mudar.

- É verdade.

- Mas e você? Nunca se apaixonou que nem eles?

Fiquei vermelho na hora. Como responder aquela pergunta?

- Não. Eu nunca namorei para ser sincero. Não encontrei ninguém que valha a pena ainda.

- Nunca namorou? Verdade?

- Nunca – confirmei. – Ainda é cedo para isso. Quero mesmo é curtir a minha juventude. E você? Já namorou?

- Uma vez só. Mas já faz um tempo.

- Entendo.

- Agora eu estou sossegado. Não quero me relacionar com ninguém, até encontrar a pessoa certa.

- E enquanto ela não aparecer, o que você vai fazer?

- O problema é que eu acho que ela já apareceu...

Mordi o meu lábio e pensei em especular, mas decidi não o fazer.

- Só preciso conquistá-la...

E com certeza conquistaria. Lindo do jeito que era...

- Você vai conseguir conquistá-la – incentivei, ficando triste ao mesmo tempo. – Vai em frente, não tem nada a
perder. O máximo que pode acontecer é você levar um não.

- Eu vou tentar – falou ele sorrindo e me olhando no fundo dos olhos, parecia que ele queria ler a minha alma –,
preciso ganhar terreno ainda. Eu a conheci há pouco tempo. Mas eu só desisto de uma coisa que quero quando
consigo. Ou quando vejo que não tem como conseguir, mas ainda assim eu continuo tentando.

105
“Eu a conheci ela há pouco tempo”... Eu tinha acabado de confirmar o que eu já tinha certeza. Rafael era hetero.
Eu jamais teria a menor chance com o irmão da Gabrielle...

Quando eu olhei no meu relógio, já passava das seis horas da tarde. Rafael e eu ficamos a tarde toda sentados,
conversando sobre vários assuntos aleatórios, e eu nem tinha me dado conta de como o tempo tinha passado
rápido.

- Preciso ir para casa – falei, pondo-me de pé. – Ainda tenho dever de casa para fazer.

- E eu te atrapalhando... – suspirou ele.

- Claro que não – retruquei, balançando a cabeça negativamente. – Você não me atrapalhou em nada. Ao
contrário, gostei muito de te conhecer – desabafei.

Eu nunca tinha sido tão descarado em toda a minha vida!

- Eu também gostei de conhecer você – ele disse, sorrindo e vermelho. – Você é muito legal.

- Você também é.

- Amigos? – perguntou ele, dando a mão para eu apertar.

- Com certeza – respondi, retribuindo o aperto de mão e abrindo um sorriso.

Ele sorriu em resposta e nós ficamos ali, com as mãos dadas e um olhando para o outro...

- Amanhã você me mostra o bairro? – perguntou ele.

- Claro que sim – falei entusiasmado. – Vai ser muito bom...

Idiota, não deveria ter falado aquilo!

- É, vai sim, eu vou adorar – sussurrou ele. – Posso pedir uma coisa?

Ai! O que ele iria pedir?

- Pode – falei em resposta.

- Passa o número do seu celular para mim? Assim eu posso te ligar qualquer coisa...

Meus olhos se iluminaram! Ele queria o número do meu celular! Ele iria me ligar! Ah, que emoção...

Eu passei o número e ele anotou no celular dele, dando um toque no meu em seguida, para que eu pudesse
registrar o seu número.

- Eu te ligo quando acordar para a gente marcar o horário – falou ele. – Se eu puder é claro.

- Pode sim – falei todo feliz –, e qualquer coisa eu estou na casa ao lado, você pode ir lá quando quiser...

- Você também pode vir aqui quando quiser...

106
- Obrigado...

- Eu que agradeço...

Ficamos nos fitando por mais um tempo e só me dei conta que ainda estávamos com as mãos dadas, quando meu
braço começou a formigar. Ele também pareceu perceber, porque nós recolhemos as mãos ao mesmo tempo.

- Então até amanhã – falei baixinho.

- Até – respondeu ele com os lábios entreabertos. – Obrigado pela sua ajuda...

- Não há de quê! Precisando eu estou às ordens.

- Digo o mesmo!

- Valeu.

Percebi que ele estava olhando para os meus lábios. Engoli a saliva que estava dentro de minha boca e passei a
língua pelos mesmos, que estavam ressecados. Ele ficou inquieto e foi abrir a porta para mim.

- Eu o levo até a porta – falou, sem graça.

- Não precisa... Eu sei o caminho!

- Faço questão.

Então tá. Já que ele queria assim...

Passei pelo portal e ele veio as minhas costas. Desci as escadas e percebi que metade da sala já estava arrumada.
Os sofás de couro preto já estavam no meio do cômodo, a estante com a televisão já estava na parede e muitos
quadros enfeitavam o ambiente, deixando com aspecto de casa antiga.

- Então tchau – falei, já no degrau do quintal. – Foi um prazer conhecê-lo...

- O prazer foi todo meu com toda a certeza – disse ele, sorrindo. – A gente se vê amanhã então!

- É...

- Boa noite – falou ele, de novo sério e de novo com os lábios entreabertos.

- Boa – respondi, mirando aqueles lábios vermelhos.

Aos poucos eu comecei a andar. Desci todo o quintal, abri o portão e saí para a rua. Fechei o portão e nós nos
olhamos pela milésima vez naquele dia. Tive dificuldade com o trinco, só consegui fechá-lo depois de muitas
tentativas. Percebi que ele estava com um meio sorriso nos lábios e eu não pude deixar de rir de mim mesmo.
Que situação!

Acenei com a mão e ele retribuiu. Andei até a minha casa, empurrei o portão de ferro e entrei, fechando-o ao
passar. Encostei a parede e suspirei alto e forte. Que dia longo, mas definitivamente, perfeito!

107
Deixei a água quente cair sobre minhas costas enquanto eu relaxava de cabeça baixa. Eu só me dei conta que
estava cansado quando cheguei ao meu quarto e deitei na minha cama.

Ensaboei meu cabelo com o xampu da minha irmã e passei sabonete pelo meu corpo devagar, curtindo o banho
ao máximo. Quando cheguei no meio das minhas pernas, meu membro criou vida e eu lembrei do Rafael sem
camisa... Que visão maravilhosa era aquela...

Terminei meu banho e voltei para o quarto. Fechei a janela, mas antes fiquei parado, olhando para a janela de
frente a minha, que já estava fechada. Será que ele já tinha saído de casa? O vento percorreu meu corpo e eu me
arrepiei. Fechei a janela e tirei a toalha da cintura, ficando completamente pelado.

Sentei na cama e comecei a me arrumar. Passei o meu creme anti-acne e por fim, coloquei minha roupa. Joguei-
me de costas na cama e fiquei a observar o teto. Pensei em tudo o que tinha acontecido, mas pensei
principalmente naquele par de olhos verdes... Aqueles olhos lindos... Aquele homem lindo...

- Mano? – chamou Ricky.

- Oi – respondi –, pode entrar.

Ele abriu a porta e entrou.

- Quero conversar um pouco com você.

- Então vem maninho! – falei, pedindo para ele deitar ao meu lado.

Ele também tinha acabado de tomar banho. Percebi porque ele estava cheiroso e com roupas limpas. Henrique
deitou ao meu lado e nós ficamos espremidos, um encostado no outro.

- Eu posso saber o que você ficou falando com o Fael a tarde toda?

- Tanta coisa – respondi.

- Conte-me.

- Qual o motivo desse interesse todo? Posso saber?

- Só me responda, por favor.

- Ah! Falamos muitas coisas – confessei. – Mas eu quero saber o motivo do seu interesse.

- Não gostei não viu?

- Não gostou do quê?

- De você ficar de lero com ele...

- E qual é o problema? Não posso?

- Não!

- Me dê um motivo, apenas um!


108
- Eu! Converse comigo!

- Está com ciúmes é? Ah! Viu só como é ruim...

Ele fez um biquinho lindo e eu sorri, apertando as bochechas dele.

- Ele é muito legal – eu falei rindo. – A gente só estava lá, desembalando as coisas dele e falando de coisas
bobas. Não era nada demais.

- Hum! Você que não fique esperto. Mas eu estou com ciúme sim. Não vou negar. Não gosto de ver você com
lero com ninguém.

- Ah me poupe Ricky.

- O que achou da família dela?

- São muito legais. Muito mesmo. Ao contrário do que eu imaginava.

- Eu te falei...

- O aniversário dela é quarta já né?

- É. E eu nem comprei os presentes. Ia hoje, mas não deu tempo. Vamos comigo amanhã?

- Vamos sim – falei, bocejando.

Putz! Tinha me esquecido que já tinha combinado com o Fael de levá-lo para conhecer o bairro...

- Ah mano, posso não – falei.

- Por que não?

- Lembrei agora que combinei com o Fael de mostrar o bairro para ele.

- Como é?

- Eu e ele vamos dar uma volta pelo bairro para ele conhecer onde fica tudo.

- Não vai não senhor!

- Vou sim.

- Não vai não.

- Quero ver alguém me impedir.

- Ele pode ir muito bem sozinho.

- Não custa nada eu ir com ele. E eu vou.

- Aff mano! Para com isso! Você vai deixar de sair comigo para sair com ele?

109
- Vou sim. Você eu posso sair quando eu quiser. Ele pediu a minha ajuda e eu não vou negar.

- Deixa estar. Você vai pedir alguma coisa para mim.

Ele se levantou da minha cama e saiu do meu quarto sem nem me dar boa noite. Adorei tudo aquilo. Estava
adorando causar ciúmes nele, ao invés dele causar em mim.

Fiquei sorrindo e olhando para o teto e mais uma vez os olhos do Fael invadiram a minha mente. Eu remoí tudo o
que tinha acontecido durante aquele dia por um tempo, até que o cansaço me venceu e eu adormeci. Àquela noite
foi a primeira vez que eu tive a invasão do Rafael nos meus sonhos...

Eu acordei antes da meia noite. Estava sentindo frio. Levantei e desci para a cozinha, bebi um copo de água, usei
o banheiro e voltei para a cama. Antes mesmo de fechar os olhos, já estava pensando nele...

Suspirei baixinho e me aninhei no meio do meu cobertor. Meus olhos ardiam de tanto sono, mas eu queria ficar
acordado para poder raciocinar um pouquinho.

- Ele disse que não tem namorada e acha que encontrou a garota certa. Isso é meio confuso...

Mais uma vez as perguntas sem respostas invadiam a minha mente e me deixavam louco. Eu já estava até
ficando acostumado com elas atormentando-me todos os dias antes de eu dormir, já estavam virando amigas
íntimas.

Espreguicei-me demoradamente, soltei um bocejo alto e fechei os meus olhos, adormecendo em questão de
minutos.

Acordei definitivamente às oito horas da manhã. Tomei meu banho matinal, escovei meus dentes e fui tomar meu
café. Encontrei Henrique à mesa.

- Bom dia mano – falei, sentando-me no meu lugar de sempre. – Como passou a noite?

Ele não me respondeu e continuou tomando o leite, fitando-me com um olhar sério.

- Você não vai mesmo comigo ao shopping? – perguntou, fazendo um biquinho.

- Não – respondi. – Quando eu dou minha palavra a alguém, eu costumo cumpri-la.

- Mas Eder...

- Não insista.

- Poxa maninho, eu queria tanto que você me ajudasse!

- Então vamos amanhã, daí eu posso te ajudar.

- Não. Tem que ser hoje!

- Então esquece. Vai com o Marcus ou com a Gi. Eu vou sair com o Fael!

- Fael – disse ele, com a voz enraivada. – Ainda o chama de Fael.

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- É o apelido dele não é?

- Mas eu não gosto que você fique todo íntimo dele.

Íntimos? Rafael e eu? Acho que não!

- É só um apelido Ricky!

- Tudo bem Eder, se você não quer ir, paciência. Deixa que eu vou com os meus irmãos, eles vão me fazer
companhia.

- Eu também sou seu irmão besta, e você não vai ter como mudar isso.

- Não estou falando nada.

Ele se levantou e saiu, deixando-me sozinho com meus pensamentos e minha felicidade.

A Zélia chegou minutos depois, e já foi arrumando os quartos. Eu subi, fiquei deitado na minha cama com o
celular do lado, esperando ele ligar. Já estava perdendo as esperanças, mas por volta das dez e quinze o aparelho
começou a tocar.

- Alô? – atendi exasperado.

- Bom dia Eder – disse ele. A voz era ainda mais bonita por telefone.

- Bom dia Fael – falei sorrindo. – Tudo bem?

- Tudo bem, e você?

- Estou bem também.

- Como passou a noite?

- Bem e você?

- Muito bem, graças a Deus.

- Que bom!

- Vamos que horas?

- A hora que você quiser.

- Pode ser agora?

- Claro que sim!

- Então desce e me espera na frente da sua casa, pode ser?

- Uhum. Só vou trocar de roupas, não demoro.

- Eu também vou me trocar. Daqui há uns cinco, dez minutinhos eu estou lá embaixo.
111
- Tá bom. Eu te espero.

- Até já!

- Até!

Esperei ele desligar e ele demorou um pouco. Só quando ouvi o barulho de linha ocupada que eu apertei o botão
para finalizar a chamada. Eu estava nas nuvens. Eu ia sair com o garoto mais lindo que eu já vira em toda a
minha vida... Era incrível!

Desci as escadas voando, avisei a empregada que ia sair, peguei a minha chave em cima da estante, dei uma
olhada no visual no espelho do banheiro e voei até a calçada da minha casa.

Nós dois saímos ao mesmo tempo. Eu empurrei o portão de ferro, enquanto ele passava o trinco no portão da
casa dele. Ele estava ainda mais bonito que no dia anterior. Trajava uma camiseta vermelha, uma bermuda de
tactel branca, tênis e boné pretos. Demasiadamente estiloso para o meu gosto!

- Oi – dissemos ao mesmo tempo, ambos sorrindo.

Nossos olhos se encontraram pela primeira vez naquele dia e um raio passou por toda a extensão do meu corpo.
De imediato meu coração disparou, minha garganta ficou seca, meu estômago revirou, minhas narinas inflaram e
eu já não via mais nada. Só ele...

Apertamos as mãos como fizemos em nosso primeiro encontro. Os lábios dele estavam novamente entreabertos,
que visão maravilhosa era aquela?!

- Obrigado por me acompanhar – falou ele, com a voz rouca.

- Não tem que agradecer – eu disse sorrindo. – É um prazer.

- Aonde você vai me levar?

- Aonde você quiser – respondi. A minha intenção era realmente essa. Com ele eu iria aonde ele quisesse...

- Só os comércios mesmo – falou ele, começando a andar à minha frente.

- Tem um monte de coisa aqui...

A gente começou a passear pela calçada. O sol estava meio fraco, meio forte. Vez ou outra uma nuvem cobria a
claridade, fazendo com que a gente ficasse mais a vontade.

- E aí, já comprou o presente da sua irmã?

- Ainda não. Preciso mesmo comprar. Quem sabe eu encontre algo legal agora?

- É quem sabe.

- E aí, dormiu rápido ontem?

112
- Para dizer a verdade sim. Acho que eu estava muito cansado mesmo, nem percebi quando peguei no sono. E
você?

- Eu cheguei em casa quase meia noite. Daí tomei banho, comi alguma coisa e fui me deitar no colchão, porque
eu ainda não tenho cama. Mas demorei para dormir.

- Ah, é? Por quê? Estava com insônia?

- Não. É que eu fiquei pensando em uma pessoa mesmo – falou ele, olhando para o céu e andando. Não sei como
não tropeçava.

- Ah! – exclamei, sem graça de perguntar quem era. – Você foi na sua amiga?

- Fui.

- E como ela está?

- Bem, na medida do possível. Tudo vai ficar bem. Questão de tempo.

- Entendo. E a mudança, já foi tudo arrumado?

- Você acredita que ainda não? Não aguento mais ver tanta bagunça. Mas acho que hoje eles terminam.

- Espero que sim. Ninguém merece ficar dormindo no chão.

- Eu gosto até – falou ele, coçando a nuca. – Mas não todos os dias.

- É. Está vendo aquele muro vermelho? – perguntei.

- Aham.

- Ali é a padaria. Digo, ali atrás.

- Ah! É fácil de reconhecer.

- Eles fazem um bolo muito gostoso aí.

- Jura? De quê?

- Ah, muitos sabores. Todos são muito bons.

- Acho que vou querer experimentar qualquer dia.

- Não vai se arrepender.

- Mas então você nem fez a lição de casa ontem?

- Não consegui – respondi com sinceridade. – Mas eu faço hoje. Não é nada muito difícil, só uma interpretação
de texto de Português.

- Se quiser eu posso te ajudar, se não for atrapalhar... – falou ele, olhando para cima de novo.

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- Você não atrapalha, mas eu não quero causar incômodo.

- Você não incomoda.

- Ali é um supermercado e do lado é o sacolão.

- Tem alguma locadora por aqui?

- Tem – respondi –, ela fica na próxima rua. Já ia para lá mesmo.

- Sério? E ela é grande?

- Enorme. Gosta de filmes?

- Adoro – respondeu ele. – Não vivo sem um filminho. Ninguém vive né.

- Há quem não goste, mas eu também adoro. Minha família toda, na verdade.

- A minha também. Só quem não curte muito é a Natália.

Tinha de ser.

- Falando nisso, preciso ver o que está em cartaz.

- Nada de interessante – respondeu ele. – Ultimamente não tem nenhum filme legal no cinema.

- Faz algumas semanas que eu não vou.

- Se você quiser, nós podemos ir – falou ele, fitando os meus olhos dourados.

Prendi a respiração. Era impressão minha ou ele estava me convidando para ir ao cinema?

- Claro! – falei meio encabulado. – Eu vou adorar.

- É ali? – perguntou ele.

- Uhum. Ela não é muito conhecida ainda, mas há uma variedade muito grande.

- Vamos entrar?

- Vamos sim.

Nós entramos na locadora e ela estava vazia. Ele passou os olhos pelas inúmeras prateleiras de filmes enquanto
eu o observava, discretamente.

- Bom dia Eder – disse Diogo, o atendente da locadora. – Posso ajudar?

- Oi Diogo, tudo bem? Não, não precisa cara, obrigado!

- Se precisar, eu estou no balcão.

- Tá certo, valeu.
114
- É meio grande mesmo – comentou Fael. – Tem mais no segundo andar?

- Tem sim – falei. Lá se divide em dois departamentos, os filmes mais antigos e os de adultos – falei, ficando
vermelho.

Ele percebeu que fiquei sem graça e sorriu.

- Vamos lá?

- Lá aonde?

- Lá em cima.

- Vamos sim – falei, com o coração acelerado.

Nós subimos os lances de escada e quando chegou a parte das salas, eu entrei na de filmes convencionais, ele me
seguiu.

- Gostei dessa locadora – falou ele. – É muito variada. Isso é bom.

- É sim – comentei, indo para a janela. Eu gosto bastante daqui.

Ele ficou olhando alguns DVD’s, enquanto eu fiquei sentando o observando. Ele tinha a coluna ereta, as coxas
estavam agarradinhas na bermuda e eram musculosas, como todo o resto do seu delicioso corpo.

- Fael? – chamei.

Ele se virou lentamente, parando de ler a contracapa do filme para me dar atenção.

- Você faz academia, não faz?

- Aham – respondeu ele.

- Logo percebi.

- Por quê?

- Por causa do seu corpo.

- Ah! Faço desde que tinha dezessete.

- Preciso começar.

- E por que não começa?

- Falta de coragem.

- Como assim?

- Não tenho pique de fazer academia sozinho.

115
- Não seja por isso – falou ele, com um sorriso enorme nos lábios e com os olhos iluminados. – Eu faço com
você!

Perdi o ar. Ainda bem que eu estava sentado, porque se estivesse em pé eu tinha desmaiado. Ele? Fazendo
academia comigo? Oh my God! Eu ia morrer na certa!

- Sério mesmo? – indaguei.

- Claro que sim. Eu faço sozinho, se você quiser fazer comigo, vou adorar.

- A gente pode ver isso Fael. Não é má ideia.

Claro que não era ma ideia, a ideia era magnífica. Perfeita. Sublime. Surreal!

Ele sorriu e voltou a ler o que estava lendo. Tentei ver o título do filme, mas não consegui.

- Vou levar este – falou ele. – Vamos descer?

- Aham. Você vai ter que abrir um cadastro.

- Tudo bem.

Nós dois descemos e eu pensei que ele iria entrar na outra sala, mas por sorte ele não entrou. Quando cheguei no
balcão, percebi que o Diogo encarou o Fael por um tempo... Não gostei daquilo.

Rafael fez o cadastro de iniciante na locadora de filmes e pagou pelo DVD, por fim nós saímos daquele local e
começamos a descer a rua, para voltar para casa. Não havia mais nada para eu mostrar a ele.

- Você tem que fazer a lição né?

- Uhum.

- Pena. Ia pedir para você ir ao shopping comigo.

- Agora?

- É.

- Ora, vamos... – aceitei animadamente.

- Não vai dar problema para você?

- Claro que não.

- Em qual?

- Pode ser no Morumbi...

- Adoro o Morumbi! Vamos nele então.

- Demorou – falei.

116
Nós fomos a uma determinada rua e sentamos no ponto de ônibus. Eu estava adorando ficar mais uma vez ao
lado do Fael. Além de ser lindo, ele era uma ótima companhia.

- Vai comprar o presente da Gaby?

- Isso. Só não sei o quê.

- Lá você vê.

- Você sabe o que o Ricky vai comprar?

- Não faço a menor ideia. Ele vai comprar mais tarde.

- Espero que eu não compre igual.

- Compra uma roupa.

- Pode ser.

- Algo me diz que o Ricky vai dar chocolates, ou bichinho de pelúcia.

- Típico de namorado!

- Né!

O bus chegou e a gente entrou. Eu sentei no último banco e para o meu total agrado, ele sentou ao meu lado.

- Seria melhor a gente ter ido de carro – falou ele.

- Que nada, assim tá muito bom – soltei.

Que anta! Não deveria ter dito aquilo.

- É isso é verdade mesmo. Estou muito confortável aqui.

O que será que ele quis dizer com aquilo?

Fingi não ouvir, fingi não dar bola, mas eu queria questionar... Fiquei olhando os prédios passarem pelo veículo e
fiquei pensando. Ele estava ao meu lado, a menos de dois centímetros de distância... E ele era lindo... Ai meu
Deus! Que situação!

- Eder? – perguntou.

- O quê? – respondi, olhando ele nos olhos.

- Nada, só para te encher mesmo!

117
Ele sorriu. Aquele sorriso lindo que me deixava tonto. Fiquei sem ar, sem saber o que fazer. Senti o cheiro de seu
perfume invadir o meu nariz e isso me deixou completamente a mercê de qualquer coisa... Eu estava entregue...
Loucamente cego... Só o que via era ele, ele e nada mais... Nem sabia onde estava...

Ele passou o braço por cima de mim e colocou no meu ombro. Meu coração disparou ainda mais, se é que isso
era possível... Fiquei ali, parado, olhando nos seus olhos. Cada batida do meu coração respondia na minha
cabeça. Era como se eu tivesse uma super audição...

Os lábios dele ficaram entreabertos e eu senti o hálito fresco bater no meu rosto. Nada poderia ser mais perfeito
nesse mundo, nada nem ninguém... Percebi que os olhos dele se detiveram nos meus lábios, o que me fez ficar
ainda mais enlouquecido. Como eu queria experimentar aquela boca!

Engoli em seco e ele fez o mesmo, ambos molhando os lábios com a língua ao mesmo tempo. Nossos olhos se
encontraram mais uma vez e dessa vez eu percebi que não era só eu que me perdia naquele oceano verde. Ele
também se perdia no mar dourado de minhas retinas.

Senti um solavanco e meu corpo foi jogado para a frente. Bati com as costelas na lateral do ônibus e elas doeram,
mas não dei importância. Eu e Rafael viramos para frente e percebemos que o motorista havia freado, será que
acontecera algum acidente e nós não nos damos conta?

- Você está bem? – perguntou ele.

- Estou. E você?

- Ótimo. O que será que aconteceu?

Todos estavam olhando para a mesma direção. Mas não havia acontecido nada, em seguida o coletivo começou a
andar novamente e tudo voltou ao normal. Olhei rapidamente nos olhos dele, mas o encanto do momento já tinha
acabado.

- Nós já vamos chegar – falou ele.

- É mesmo! Nem percebi que estamos tão próximos.

- Nem eu – admitiu colocando-se de pé.

Quando ele se levantou e segurou no ferro do teto do bus, a camiseta dele subiu e eu pude ver a cueca saindo
pelo cós da bermuda. Era vermelha, assim como a camisa. Mordi meu lábio e não consegui desgrudar os olhos
daquele tecido.

- Você não vem?

- Hã? Ah, é!

Contrariado, levantei-me e fiquei ao seu lado, esperando à hora de descer do transporte. O motorista estacionou
bem próximo ao meio-fio e nós saímos. Ele ficou à frente e eu o segui.

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- A gente pode aproveitar e almoçar aqui, né? – perguntou ele.

- Opa, pode ser! Já estou ficando com fome.

Atravessamos a rua quando o semáforo de pedestres ficou verde. Estávamos andando lado a lado, mas eu queria
mesmo é vê-lo caminhar à minha frente, assim eu poderia admirar a sua beleza por completo, sem ser notado.

Não estávamos falando nada e não sei o motivo disso. Entramos no shopping center e este estava vazio, talvez
pelo horário.

- Vazio... – soltei.

- É cedo, acabou de abrir praticamente.

- É verdade.

- Vai querer almoçar já?

- Você que sabe Fael.

- É cedo ainda – decidiu ele –, não estou com muita fome, mas se você quiser, a gente pode comer já.

- Não. É melhor mais tarde – concluí.

- Então tá. Vamos naquela loja ali – disse ele, apontando com o dedo.

- Adoro essa loja – falei.

- Eu também. Vamos ver se eu encontro alguma coisa para minha irmã.

Andamos por mais de uma hora em várias lojas e ele acabou comprando uma calça jeans para a Gaby. Como eu
ainda não a conhecia muito bem, decidi não comprar nada. Ela iria entender.

- Será que ela vai gostar?

- Vai sim – encorajei-o. – E qualquer coisa ela pode trocar.

- Isso é. E agora vamos comer?

- Vamos – falei sorrindo. Minha barriga já estava roncando.

Escolhemos uma mesa para dois afastada das demais e nos sentamos.

- Onde você vai comer? – perguntei.

- Onde você quiser – falou ele, sorrindo.

Senti as minhas bochechas arderem.

- Eu vou comer comida mesmo.

- Então eu também vou.


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- Vamos ao mesmo tempo ou você prefere que eu vá primeiro para você guardar a mesa?

- Vai primeiro – falou ele, sorrindo. – Eu te espero.

- Tá bom.

Levantei e dei a volta pela praça de alimentação. Escolhi o local aonde iria almoçar e enfrentei a fila para ir ao
caixa.

- Boa tarde – falou a atendente. – O que vai querer?

- Hum... Arroz, feijão preto, calabresa assada e batata frita.

- E para beber?

- Pode ser um suco de laranja mesmo.

Ela disse o valor e eu paguei. Retirei a minha senha e fiquei aguardando. Da onde eu estava, conseguia vê-lo
perfeitamente. Ele estava com os dois cotovelos em cima da mesa e o queixo estava apoiado nas duas mãos. A
não ser que eu estivesse muito enganado, ele estava me observando.

O guichê anunciou o número da minha senha e eu fui pegar minha comida. Retirei a bandeja e comecei a andar
cuidadosamente, para não derrubar nada. Ele sempre me acompanhando com os olhos.

- Demorei?

- Não. Hum... Que delícia!

- Muito boa a comida de lá.

- Vou pegar o meu, me espera?

- Lógico que sim.

Anta! De novo dei uma brecha!

Ele foi e eu fiquei a observá-lo. Ele andava elegantemente. Os ombros balançavam lentamente, acompanhando o
ritmo dos pés. Ele fez o mesmo processo que eu e eu percebi que ele tinha pegado a mesma coisa. Invejoso!

Quando ele voltou, sentou-se à minha frente e ficou me olhando.

- Vamos?

- Sim...

Começamos a comer em silêncio, mas nossos olhos não paravam de trabalhar. Entre uma garfada e outra, nós nos
olhávamos e aquela corrente elétrica voltava a me atiçar.

- Muito boa a comida – falou ele, ao terminar.

- Eu não disse?
120
- Disse.

- E agora, o que vamos fazer?

- Vamos embora?

- Já?

- Você precisa fazer a lição.

- Nem tinha me lembrado...

- Se não fosse eu!

Eu sorri e a gente começou a andar, novamente em silêncio. Eu outra vez estava ouvindo os batimentos cardíacos
dentro da minha cabeça, a super audição tinha voltado.

Nós dois estávamos saindo pela porta automática do shopping e assim que ela se abriu, vi um ser irreconhecível
entrando pela mesma. Meus olhos se arregalaram e eu parei de imediato, assim como Fael, assim como
Henrique.

Ele olhou para mim e olhou para Rafael, depois para mim de novo. Notei que ele estava sozinho e agora sim, a
fisionomia dele não estava nada, nada agradável.

A boca do Henrique fechou e abriu por três vezes. Ele olhou para o Fael novamente e depois de novo para mim.

- Eu não acredito...

- Ricky... – comecei.

- Oi Ricky – cumprimentou Fael, sem entender nada. – Tudo bem?

- O que vocês estão fazendo aqui? – perguntou ele incrédulo.

- Eu pedi para o Eder vir comigo para eu comprar o presente da Gaby.

- Ah, entendi – disse Henrique, olhando bem no fundo dos meus olhos. – Entendi mesmo.

- Ricky – gemi.

O Rafa me olhou meio encafifado, sem entender nada. Meu irmão estava com a cara fechada e eu sabia que ele
estava morrendo de raiva de mim. E com razão. Eu simplesmente falei que ia sair com o Fael pelo bairro e ele
me encontra no shopping. Mas também, quem manda o idiota ir ao mesmo shopping que eu? Com tantos em São
Paulo ele tinha que escolher logo o Morumbi?

- Bom, eu vou comprar o presente dela. A gente se fala mais tarde.

- Ah, Ricky – falou Fael. – Eu comprei uma calça. Só para você não dar nada repetido.

- Beleza. Tchau.

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Ele entrou e não me olhou. A casa tinha caído legal agora!

- O que foi Eder? – perguntou Fael, me olhando.

- Nada não Fael, por quê?

- Porque você e o Ricky agiram de uma maneira tão estranha. Como se um estivesse surpreso pelo outro estar
aqui.

- E é isso mesmo que nós estamos.

- Ué, por quê?

- Acontece que, quando ele chegou ontem à noite, me convidou para vir aqui hoje com ele e eu recusei, afinal já
tinha combinado com você.

- E agora ele te encontrou aqui! Mas Eder... Por que não me avisou? A gente poderia ter desmarcado numa boa.

- De jeito nenhum. Quando eu marco algo, não desmarco a não ser que eu esteja doente ou realmente não possa
ir. Gosto de cumprir com a minha palavra e honrar meus compromissos.

Ele abriu um sorriso lindo e nós continuamos a andar.

- Fico feliz que você seja assim, porque eu sou igualzinho. Depois eu converso com o Ricky e explico tudo se
você quiser.

- Esquenta não cara. Eu me viro com ele depois.

- Você é que sabe.

Ele passou o braço pelo meu ombro e olhou para mim enquanto caminhava. Eu gelei, fiquei vermelho, me deu
calor, me deu frio, me deu calafrios... Suei que nem um boi quando vai para o abatedouro e meu coração já ia
explodir, quando ele disse:

- Quanto mais eu te conheço, mais eu te admiro!

Pronto! Estava feito! Se tivesse um buraco ali na calçada eu tinha me escondido. Que vergonha, meu Senhor
amado!

- Obrigado – agradeci timidamente.

Ele continuou com o braço no meu ombro por mais alguns segundos e depois o desceu, deixando ao lado do
corpo. Nós estávamos andando tão juntos que nossos braços se tocavam constantemente, mas eu não estava
incomodado, tampouco ele, ao contrário, parecia que ele queria manter o contato...

Estava tão perdido em tudo aquilo que entrei no ônibus e nem percebi.

- No que pensa rapaz? – perguntou ele. Desta vez ele sentou-se à janela.

- Hã? Ah! Em nada de mais não... – mal sabia ele que eu estava pensando nele.

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- Sei. Pensa que me engana com essa cara de santinho, viu?

Meu Deeeeeeeeeeus! Acho que na hora eu fiquei roxo de vergonha!

- Como é?

- Nada não seu bobo, eu só estou brincando contigo – disse ele rindo.

A risada dele era muito gostosa. Aquela risada que quando a gente ouve dá vontade de rir junto.

Eu sorri e fiquei ainda mais sem graça. Ele estava virando expert em me deixar vermelho. Ou roxo, sei lá.

Fael passou mais uma vez os braços pelo meu ombro e eu mais uma vez fiquei sem ar. Eu fiquei olhando a
paisagem pela janela e ele também. Até pensativo o cara era tudodebom.com.br!

Quando chegou o ponto de descer, eu fui o primeiro a me levantar e dar o sinal.

- Já?

- Já – respondi.

- Ah, tava tão bom ficar aqui!

- Ainda não sabe o ponto de descer, é?

- Sei não – confessou ele.

- Então ainda bem que você não está sozinho.

- Ainda bem mesmo. Ai de mim se não fosse você.

Eu sorri e ele ficou de pé. O bus parou e a gente desceu rapidinho. Nossas casas estavam bem próximas, e eu
odiei este fato. Queria ficar o resto da tarde com ele...

- O que vai fazer agora? – perguntei.

- Não sei. Você vai fazer a lição?

- E tenho escolha?

- Quer ajuda?

- Adoraria – respondi –, mas é simples, não é nada difícil não. Mas se você quiser ficar lá em casa...

- Quero.

Ele nem me deixou concluir a frase. Mas eu adorei a resposta dele. Ia adorar ter aquela presença ao meu lado
durante toda a tarde...

- Prometo que eu fico quietinho, vendo você estudar.

- Bobo.
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- E se você quiser, a gente pode ver esse filme...

- Ah! Ótima ideia!

- Mas só depois que você terminar.

- Tá bom seu chato!

A gente entrou na minha casa. Ela estava ás moscas, a exceção da Zélia. Não sei onde meus irmãos mais novos
estavam.

- Não tem ninguém?

- Só tá a empregada.

- Vocês têm uma empregada?

- Não é bem empregada. Ela é nossa diarista. Vem aqui algumas vezes por semana.

- Ah, entendi! Nossa, que casa linda!

- Obrigado.

- Seu pai tem bom gosto.

- Ele tem mesmo. Mas a decoração é coisa da minha mãe.

Ele estava analisando a sala, que era composta por cortinas de seda vinho com renda branca, um tapete preto
enorme em volta dos sofás com uma leoa desenhada, os sofás brancos de tecido bem fofo, a estante com a
televisão e o som e muitos quadros e vasos com plantas em todos os cantos da sala. A escada de madeira estava
lustrada e nós conseguíamos nos ver no chão. A Zélia era demais!

A gente subiu direto para o meu quarto e ele continuou a analisar. A diarista havia arrumado o cômodo, o que me
deixou feliz. Ele viu a cama no centro do quarto, a minha escrivaninha com meus materiais de escola, meu rack
com a TV e o DVD, o som e minha coleção de CD’s.

- Caramba Eder, quanto CD!

- Minha coleção.

- Posso dar uma olhada?

- Claro, fica a vontade Fael.

Ele colocou a sacola na poltrona e foi mexer nas minhas coisas. Eu me joguei na cama e fiquei olhando para ele.
Tão lindo!

- Ótimo gosto – falou ele. – Adoro esse tipo de música.

- Eu também.

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Quando ele terminou de ver tudo, veio se juntar a mim e sentou-se à minha frente. Nós ficamos nos comendo
com os olhos novamente e em poucos segundos, a explosão de sentimentos tomou conta do meu corpo.

Ele se aproximou mais um pouco e eu fiquei mais eufórico. Não precisávamos falar nada, o clima estava perfeito.
E eu não tinha mais nada para esconder dentro de mim...

Em apenas dois dias, eu já tinha a certeza absoluta que eu estava completamente, enlouquecidamente,
absurdamente e definitivamente apaixonado pelo Rafael...

Era bobagem esconder aquele sentimento. Eu já tinha aceitado a minha orientação sexual, por qual motivo não
poderia aceitar um sentimento tão bonito?

- Eu posso fazer uma coisa? – perguntou ele, engolindo a saliva da boca e olhando para os meus lábios.

- Pode – sussurrei.

Ele aproximou o rosto do meu e parou quando nós estávamos bem próximos. Ele olhou dentro dos meus olhos e
eu comecei a tremer, tremer demais... O que ele iria fazer?

Aos poucos ele foi fechando os olhos, e aproximando os lábios de mim... Ai meu Deus! Meu coração batia a mil
por hora, fechei meus olhos e esperei, até que eu senti o vento batendo nas minhas pestanas...

- Tinha uma coisinha branca nos seus cílios – falou ele, com a voz baixa.

Abri os olhos e engoli em seco. Ele estava na posição normal. Tudo não passou de um alarme falso.

Eu fiquei sem reação. Minha boca ansiava pela boca dele e ele tinha feito aquilo comigo? Ele era idiota ou o
quê?

Depois que recobrei a visão da realidade, coloquei-me de pé e fui para a minha escrivaninha. Abri meu caderno,
peguei o meu livro e abri na página certa, para começar a estudar.

- Não vou te atrapalhar – prometeu ele.

- Uhum – respondi. Apesar de tudo, eu não estava bravo.

Eu olhei pelo canto do olho e vi que ele deitou em minha cama e ficou me olhando trabalhar. A coisa mais linda
desse mundo! Suspirei e respondi a primeira pergunta, que estava no primeiro parágrafo do texto base.

Estava sendo difícil me concentrar na tarefa com ele parado ali, todo esparramado em minha cama... Mas eu
tinha que acabar logo, para nós podermos ficar mais à vontade.

Não demorou e o cansaço bateu. Eu não queria mais fazer aquilo. Enraivado, fechei meus materiais e os guardei.
A noite eu pegaria o restante com a Denise ou com alguém da minha sala.

-- Acabou? – perguntou ele.


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- Acabei – menti.

- Que bom – falou ele. – Vamos ver o filme agora?

- Claro. Qual você alugou mesmo?

- “O Sexto Sentido”.

- Já assisti.

- Eu também. Eu gosto.

- Também gosto.

- Posso colocar?

- Claro!

Esparramei-me em minha cama enquanto ele colocava o filme para a gente assistir.

- Quer pipoca? – perguntei.

- Não, eu não gosto de pipoca.

- Ah, é? Eu também não sou muito fã não

- Não se preocupe, assim está bom.

- Se quiser alguma coisa é só falar.

- Obrigado.

Ele foi sentando no chão e eu fiquei observando calado, até que ele me olhou e enrugou a testa.

- Que foi? – perguntou.

- O que você está fazendo aí?

- Ué, eu vou assistir...

- E por que não fica aqui na cama?

- Porque você está aí.

- E qual o problema?

- Já disse que não quero te atrapalhar.

- Você não me atrapalha em nada, já te disse. Não fica aí não. Vem para cá. A não ser que você não queira, né?

- É claro que eu quero – disse ele sorrindo.

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Eu me espremi um pouquinho e ele veio se deitar ao meu lado. Ficamos com nossos corpos colados, uma delicia!
Minha pele se arrepiou por completo e percebi que a respiração dele ficou mais acelerada.

Durante metade do filme nós ficamos calados. Nas partes mais tenebrosas, meu coração disparava, mas eu não
estava com medo. Fael estava ao meu lado, me protegendo.

- Sinistro – falei baixinho.

- Muito bom...

Quando o longa-metragem estava por acabar, Fael me abraçou novamente e eu fiquei como uma estátua,
novamente sem graça por estarmos tão próximos.

- Ficou com medo? – perguntou ele.

- Não – respondi. – Mas na primeira vez que eu assisti fiquei sim.

- É a primeira vez é inesquecível mesmo.

Hã? Como assim? Não entendi...

Dei um sorriso amarelo e levantei para retirar o CD.

- Nossa já está ficando tarde – falou ele, se espreguiçando.

- É. E eu vou ter que ir para a escola.

- É vai sim.

- Você vai fazer o quê?

- Ficar em casa, sem fazer nada. Se bem que eles montaram meu quarto. Eu vou ter que arrumar aquela bagunça.

- Boa sorte.

- Valeu. Então eu já vou indo...

- Já? – perguntei, fazendo um biquinho de leve.

- Já – respondeu ele, imitando o meu bico. Ai que vergonha!

- Tudo bem então né.

- Eu posso te ligar hoje à noite?

- Pode – respondi.

- Então quando você chegar, eu te ligo.

- Tá bom – concordei.

- Vou indo então.


127
- Ok. Eu vou te levar até a porta...

Ele balançou a cabeça positivamente e eu saí à frente. Desci as escadas lentamente e quando cheguei até a porta
da sala, a abri, para que ele pudesse passar.

- Obrigado por tudo – ele disse, fitando-me.

- Não precisa agradecer. Estou a sua disposição, sempre.

- E eu a sua.

Eu sorri e ele me imitou. Ficamos nos olhando por mais alguns segundos, depois apertamos as mãos e ele
começou a andar até o portão.

- É só empurrar?

- Isso – falei, admirando-o.

Ele concordou de novo e empurrou o portão, sem dificuldade. Este começou a andar e uma fresta grande o
suficiente para ele passar apareceu. Rafael acenou, eu retribuí e em seguida, ele desapareceu. Eu vi o portão se
fechar, e só entrei quando tive a certeza de que ele não estava mais lá fora.

Tive um dia normal na escola. Peguei o restante do dever de casa com o Yuri, ainda bem que ele havia feito. Na
última aula, a professora faltou e nós ficamos com um horário livre. Eu não pensei duas vezes, pulei o muro da
escola e fui embora para casa, não queria ficar mais nenhum segundo ali dentro.

- Só você mesmo – reclamou Denise, quando eu já estava do outro lado do portão.

- A gente se vê amanhã. Beijos.

Comecei a andar e decidi ir a pé até a minha casa. A temperatura estava agradável, nem frio, nem calor. Olhei
para o céu e vi a lua pairando naquela imensidão negra. Era uma lua opaca, sem brilho... Mas mesmo assim, ela
estava linda.

Enquanto caminhava fiquei pensando no cunhado do meu irmão. Fiquei pesando na balança os prós e os contras.
Em apenas dois dias, eu estava completamente apaixonado por um garoto que eu praticamente nem conhecia,
mas que eu tinha certeza que era perfeito...

- Fael – suspirei baixinho.

Não tinha mais jeito, estava feito. Ele era o dono dos meus pensamentos, o dono do meu coração... Dono dos
meus sentimentos... Eu só não conseguia acreditar em como as coisas tinham acontecido tão rápido...

Quando cheguei em casa, toda minha família estava reunida na sala.

- Boa noite! – cumprimentei.

- Boa – responderam todos, à exceção do Henrique.

Eu sabia que iria ficar um clima estranho entre nós dois, por isso, nem dei tanta atenção ao fato.
128
- Tudo bem meu lindo? – perguntou minha mãe.

- Aham. Só cansado. O que tem para o jantar?

- Frango xadrez e arroz branco.

Minhas tripas deram um nó em resposta.

- Vou me servir, já volto.

Fui para a cozinha, coloquei minhas coisas em cima de uma cadeira, fiz meu prato de pedreiro e coloquei dentro
do microondas. Programei um minuto e meio, fui à geladeira, me servi de suco de maracujá e esperei o processo
de esquentamento acabar.

Quando o microondas deu o sinal que estava pronto, abri a porta e retirei meu prato. Não esperei nem chegar à
sala e já dei a primeira garfada.

- Nossa! Tem comida para quantos aí? – perguntou a Gi.

- Só para mim mesmo.

- Jesus! Está com tanta fome assim? – perguntou o Marcus.

- Muita – respondi.

- Deixem-no comer meninos – falou meu pai rindo.

Eu me sentei no chão, coloquei o prato na mesa de centro e comi assistindo televisão. Todos estavam
concentrados no noticiário, não estávamos conversando.

O repórter falava de um assalto a banco que aconteceu no Rio de Janeiro. Minha mãe suspirou e disse:

- Como aquela cidade é perigosa.

- É mesmo amor – concordou meu pai. – Mas convenhamos que ela é muito bonita.

- Ela é realmente linda – concordou Giselle. – Acho que é a cidade mais bonita do mundo.

- Não exagera né? – falou Marcus.

- É sério – comentou minha irmã.

- Mas existem cidades muito mais bonitas filha – interveio meu pai. – Paris, por exemplo. O Porto em Portugal
também... São tantas.

- É que eu ainda não conheço nenhuma dessas papis – suspirou Giselle. – Quem sabe eu ganho uma viagem de
presente, né?

- Um dia – falou ele –, um dia bem distante.

- Aff...
129
Eu já estava terminando de comer quando o meu celular tocou. Eu atendi sem ver o identificador, e tomei um
susto quando ouvi aquela voz grossa no meu ouvido.

- Oi – disse Fael.

- Oi – respondi.

- Tudo bem?

- Tudo e você?

- Bem. Como foi na escola?

- Bem – respondi.

- Não está podendo falar?

- Que nada, tranquilo. É que eu estou terminando de jantar agora.

- Quer que eu te ligue mais tarde?

- Não, eu já acabei para falar a verdade.

Coloquei-me de pé, equilibrei o prato com apenas uma das mãos, segurei o celular com o ombro, peguei o copo
com a outra mão e fui para a cozinha.

- E aí, o que você fez depois que saiu daqui?

- Fiquei pensando aqui no meu quarto. E arrumei a bagunça.

- Pensando em quê? Ou em quem... Se eu puder saber é claro.

Joguei o restinho de comida no lixo e comecei a lavar a louça suja. Tudo isso sem desligar o celular.

- Em uma pessoa importante – respondeu ele, com a voz baixinha.

- E quem é essa pessoa?

- Logo, logo você irá saber.

- Hum... Quanto mistério!

- Você acha?

- Aham.

- Você não viu nada.

- Segredinhos?

- Mais ou menos. Está fazendo o que agora?

130
- Lavando o meu prato.

- E como está conseguindo falar comigo?

- Estou segurando o celular com o ombro.

- Você é ninja?

- Não pô. Vai me dizer que nunca fez isso?

- Não!

- Eu faço direto.

- Por isso. É acostumado, já tem prática.

- Uhum.

- Mas olha, eu liguei mesmo só para dar boa noite.

- Já vai dormir?

- Vou sim. Amanhã tenho que acordar cedo, vou resolver uns problemas para o meu pai.

- Entendo...

Que peninha. Eu provavelmente não iria vê-lo no dia seguinte...

- Mais uma vez obrigado – falou ele –, por tudo.

- Já disse que não foi nada. Precisando...

- Certo. Amanhã tenho que devolver o vídeo. Espero que acerte a locadora.

- Quer que eu vá para você?

- Não precisa. Eu preciso aprender o caminho sozinho. Não vou incomodá-lo...

- Não é incômodo algum...

- Não se preocupa maninho, eu levo. Obrigado.

Ai que lindo! Chamou-me de maninho!

Eu dei risada e ele também. Ficamos em silêncio por alguns segundos, até que ele disse:

- Então tá...

- Então tá...

- Tchau!

131
- Tchau!

- Dorme bem.

- Você também.

- Fica com Deus.

- Amém. Fica com Ele também.

- Amém.

Eu sorri e terminei de lavar o meu prato e o copo. Demorei bastante, porque estava com minha coordenação
motora abalada pelo fato de estar segurando o celular com o ombro.

- Tchau – repetiu.

- Tchau.

- Boa noite.

- Boa!

- Não vai desligar?

- Estou esperando você desligar primeiro.

- Não, desliga você.

- Não. Você.

- Por que eu?

- Porque foi você quem me ligou.

- E daí?

Eu comecei a andar e voltei para a sala, todos estavam lá parados, assistindo o mesmo noticiário.

- Tchau família – falei.

- Boa – responderam todos, menos o Henrique.

Mas que antas, eu nem tinha dado boa noite e eles responderam “boa”. Bando de desligado mesmo!

- Sua família?

- É.

- Eles estão aí?

- Assistindo televisão na sala.


132
- E você na cozinha ainda?

- Chegando no quarto.

- Ah.

- E você?

- Na minha cama já.

- Ah, é. Você já vai dormir.

- Você nem dá valor para o que eu falo né?

- Claro que eu dou.

- Não dá não. Até esqueceu onde eu estou.

- Seu bobo. É que eu só não lembrei...

Nós dois demos risada e o silêncio voltou.

- Mas agora é sério – falou ele –, eu preciso desligar.

Eu suspirei.

- Tudo bem.

- Boa noite Eder.

- Boa noite Rafael.

- Ah! Rafael?

- Esse é o seu nome não é?

- É... Mas por que não me chamou de Fael? Eu gosto tanto quando você me chama assim...

Ainda bem que eu estava sozinho, porque eu devo ter ficado mais vermelho que um pimentão.

- Ah, é?

- Uhum – respondeu ele.

- Então, boa noite, Fael.

- Isso! Agora está melhor. Você não tem nenhum apelido?

- Não – respondi. – Meu nome não deixa ter nenhuma variação.

- É verdade. Mas eu vou descolar um apelido para você. Um que somente eu possa usar.

133
Eu sorri todo bobo.

- Quero só ver então.

- Me aguarde. Mas então tá. Boa noite.

- Boa noite.

- Dorme bem.

- Obrigado, você também.

- Tchau...

- Tchau Fael...

- Eder?

- Oi?

- Nada.

- Hã?

- Nada não...

- Fala.

- Nada, não é nada. Eu preciso desligar. Um abraço.

- Tudo bem. Outro.

- Tchau...

- Tchau...

Ele não desligou, mas também não falou mais nada. Eu pensei em apertar o botão para finalizar, mas queria que
ele desligasse primeiro. Demorou mais de um minuto, mas ele finalmente desligou e eu ouvi o barulho de linha
ocupada.

Caí de costas na minha cama e peguei o meu travesseiro. Que dia maravilhoso tinha sido aquele. Eu coloquei o
travesseiro no meu rosto e senti um perfume desconhecido. Respirei fundo e a imagem dele veio a minha mente.
Aquilo era demais para a minha cabeça... Meu travesseiro estava com o cheiro do meu amor. Ai Deus... Só me
faltou aquilo para eu ter uma noite perfeita, onde em todos os meus sonhos, o único protagonista, era o Rafael.

Dois dias depois...

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Acordei cedo com um barulho anormal na rua. Era o carro de produtos de limpeza que estava passando.

- Ninguém merece! – reclamei comigo mesmo.

Joguei o travesseiro em cima da minha cabeça e o cheiro dele entrou pelo meu nariz, fazendo meu estômago
gelar e meu coração disparar. O aroma ficava mais fraco a medida que o tempo passava, mas a minha maior
vontade era de nunca mais lavar a fronha daquele travesseiro, só para guardar o cheirinho dele para mim.

Vencido pela barulheira, levantei e desci para o café. Meus pais estavam à mesa, junto dos meus três irmãos.

- Já? – perguntou Marcus.

- Carro de limpeza – anunciei.

Todos, até o Henrique deram risada de mim. Troquei um breve olhar com ele, desde o ocorrido na segunda-feira,
nós dois ainda não tínhamos nos falado.

- Hoje é aniversário da Gaby, né meu amor? – perguntou minha mamãe.

- Uhum – respondeu ele, enquanto comia uma torrada.

- O que comprou? – perguntou meu pai.

- Uma cesta de café da manhã e outra de chocolates.

- Se eu fosse ela iria te matar – lamentou-se Giselle. – Quer engordar a menina?

- Não.

- Mas é o que parece.

- Cala a boca Gi – falou o Marcus.

- Cala você fedelho.

- Meninos – alertou meu pai. – Bonitos presentes filho.

- Valeu coroa.

Nós terminamos de comer em paz, o carro de produtos de limpeza foi embora. Depois que eu já tinha acordado...

Ajudei minha mãe a lavar a louça. Meu pai e meus irmãos mais novos foram para a escola e o Henrique foi na
casa da namorada, dar o beijo de feliz aniversário.

- Posso saber por que o senhor está tão feliz ultimamente? – indagou a Dra. Marina.

- Eu? Feliz?

- Você mesmo mocinho.

135
- Ah! É que eu estou de bem com a vida...

- De bem com a vida? Aham sei... Não tem nenhuma gatinha na parada não?

Eita, sexto sentido de mãe é foda! Mas no caso, era gatinho. Ou melhor, gatão.

- Que nada – falei rindo –, estou tranquilo.

- Pensa que me engana.

- Estou falando mãe!

- Aham.

- Mas quando aparecer uma gatinha na parada – falei –, eu te aviso.

- Quero ser a primeira, a saber, disso.

- Pode deixar.

- Confie em mim.

- Confio em você sim.

- Então me conta!

- Ai mãe! Não tem nada não!

Eu dei risada e ela sorriu.

- Até parece que não tem. Mas tudo bem, eu respeito o seu limite. Quando quiser me contar, eu estou aqui.

- Tá bom. Mas não tem nada não.

- Tá certo filho. Agora a mãe vai pro consultório, tá?

- Vai lá Dra. Marina.

- Um beijo.

Ela beijou a minha bochecha e eu fiquei lá, na solidão da minha felicidade, lavando a louça.

- Eita mãe!

- Eder? – ouvi a voz de Henrique chamar.

- Hã? – respondi, sem olhar para trás.

- Podemos falar?

- Claro Ricky. Finalmente!

136
- O Fael conversou comigo. E eu entendi tudo.

- Entendeu o quê?

- Você está sendo super legal com ele em ajudar ele agora que chegou aqui e tudo mais. Eu fui um idiota em ter
ficado daquele jeito. Desculpa?

- Claro que sim né. E eu lá consigo ficar com raiva de você?

Nós dois sorrimos e ele beijou a minha bochecha.

- Que bom que nós estamos bem – falou ele.

- É. Vai ir trabalhar não?

- Entro mais tarde. Já, já eu vou.

- Ah tá. E aí, o que a Gaby achou?

- Ela adorou né.

- Que bom.

Ele começou a secar a louça que estava no escorredor e meus olhos bateram como reflexo no dedo anelar da mão
direita do meu irmão mais velho. A aliança brilhava perante a luz do sol, que batia na prata, deixando-a ainda
mais reluzente.

Meu coração disparou e minhas entranhas se contraíram. O ciúme tomou conta de mim e eu tive que me
concentrar para não derrubar o prato que estava em minhas mãos dentro da pia.

Detive meu olhar no anel por um longo período, até que Henrique percebeu e ficou todo sem graça.

- Ah... – disse ele, tentando esconder.

- Não adianta esconder mano, eu já vi.

- Desculpa, eu esqueci de te avisar.

- Não tem problema. É muito bonita.

- Ai, desculpa mesmo...

- Não esquenta.

- Está chateado, né?

- Não. Não estou não. Vocês namoram e você tem todo o direito de fazer o que bem entender da sua vida, eu não
posso me intrometer nas suas decisões.

137
- Eu queria tanto a sua ajuda para comprar, mas você não quis ir comigo...

- Você poderia ter me avisado antes, assim eu teria combinado com você ao invés de ter combinado com o Fael.

Mas eu gostei mesmo de ter combinado com o Fael, mas o Henrique não precisava saber daquilo.

- A gente acabou de trocar.

- Eu imaginei. Bela data para presenteá-la.

- Eu queria que fosse mais para frente, mas não consegui aguentar.

- Eu sei como você é. Você é muito ansioso.

- Verdade...

Terminei meu afazer e comecei a guardar os pratos no armário. Ricky continuou secando a louça e nós não
tocamos mais no assunto. Porém, eu não conseguia tirar os olhos da aliança no dedo dele.

- Oi Yuri – atendi ao celular.

- Olá Eder, firmeza?

- Aham, e você?

- De boa. Mano, vamos andar de bicicleta?

- Nossa moleque, faz a maior cara que eu não ando de bike!

- Então é uma ótima oportunidade para você recuperar o tempo perdido. Vamos aí, o Arthur vai também.

- Mas, onde?

- Sei lá. Que tal no Ibirapuera?

- Caraca, muito longe Yuri. E ainda tem aula à noite.

- E daí? Vai me dizer que você não aguenta?

- Não é isso pô. É que a gente vai demorar muito para chegar lá e voltar.

- Para de ser molenga homem, você vai e está feito.

- Mas eu nem sei se os pneus da minha bicicleta estão cheios!

- A gente passa aí e enche. Estaremos aí em quinze minutos. Vai se arrumando.

Ele não me deu nem tempo de responder e já desligou o telefone na minha cara.

- Eita, tô sem moral mesmo!


138
Mas ia adiantar abrir a minha boca contra os argumentos deles? Não. Eu abri o meu guarda roupa, separei uma
bermuda de tactel preta, uma regata branca, um boné branco e os meus chinelos da mesma cor dos shorts. Tudo
combinando.

Peguei um squeeze e coloquei água gelada, peguei minha carteira para uma eventual necessidade e desci para a
garagem. Quando coloquei os meus pés na calçada, os dois apareceram na esquina.

- Assim que tem que ser mano! – falou Arthur.

- Só vocês dois mesmo.

- E os pneus?

- Murchos – resmunguei.

- Espera aí, eu trouxe a bomba para encher – falou Yuri, descendo da bike dele.

Eles entraram para arrumar minha bicicleta e eu fiquei encostado ao portão da minha casa, observando o
movimento da rua. Meus olhos voaram como uma águia para o portão da casa vizinha, ele estava lá, saindo todo
arrumado e perfumado. Consegui sentir seu perfume á distância.

Ele percebeu a minha presença e sorriu, ainda fechando o portão. Meu coração já deu sinal de vida, não que ele
estivesse morto é claro, mas ele acelerou a tal ponto que senti minha pressão arterial aumentar.

- Oi Eder – disse ele, ao se aproximar.

- Oi Fael – eu respondi, todo bobo em vê-lo depois de dois dias. – Como você está?

- Eu estou ótimo, e você?

- Eu também...

- Vai andar de bicicleta?

- Uhum. Quer vir?

- Adoraria, mas infelizmente eu não posso. Vou à empresa do meu pai, fazer uma entrevista.

- Sério? Ai que legal. Ele trabalha aonde?

- Na Ford.

- Uau! Que maneiro... Boa sorte.

- Muito obrigado.

Eu me perdi na imensidão verde daquele olhar, mas infelizmente eu não pude afundar, pois nós não estávamos
sozinhos.

- Pronto Eder – falou Yuri.

139
- Vamos? – indagou Arthur.

Eu suspirei e olhei para o Fael, me desculpando com o olhar.

- Não se preocupa – falou ele, sorrindo. – Vá lá, eu tenho que ir senão me atraso.

- Beleza, a gente se fala depois.

- Me liga – pediu ele.

- Pode deixar.

- Quem é esse Eder?

- Ah, desculpem meninos. Esse é o irmão da namorada do meu irmão, o Fael, eu quero dizer, o Rafael. Fael,
esses são meus amigos da escola, Yuri e Arthur.

- E aí, beleza? – perguntou Rafael, com a cara meio fechada.

- Beleza – responderam os dois ao mesmo tempo.

- Eu tenho que ir mesmo Eder – falou ele, mas dessa vez com a fisionomia tranquila. – Me liga hoje à noite.

- Tá certo. Boa sorte lá.

- Obrigado. Agora eu sei que tudo vai dar certo.

Ele sorriu e eu retribuí nem ligando para os meninos ao meu redor.

- Vamos Eder? – perguntou Yuri.

- Aham.

Subi na bike e eles saíram primeiro. Fael começou a andar lentamente pela calçada e quando eu passei por ele,
ele acenou e piscou lindo como sempre!

- Vamos apostar corrida? – perguntou Yuri.

- Só se for agora – respondeu Arthur.

- Aff, eu quero não – falei.

- Para de ser chato rapaz – lamentou-se Yuri.

- Seu molenga – reclamou Arthur.

- EU quero ficar para trás não – falei pedalando o mais rápido que conseguia.

Passei deles com uma vantagem boa, mas logo os dois encostaram e nós ficamos páreo a páreo.

- Seu trapaceiro – arfou Yuri.

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- Vamos quem é o molenga agora?

Continuei pedalando e aumentei a minha vantagem. O suor começou a pingar e nós três paramos na sombra de
um carvalho enorme em uma rua sem movimento para descansar. Bebi metade de minha água e tirei a minha
camisa. Eles fizeram o mesmo e eu bati o olho nos poucos músculos do Arthur, mas eu gostava muito mais do
Fael... Era muito mais gostoso, muito mais bonito, muito mais cheiroso, muito mais atencioso... Muito perfeito!

- Caramba, a gente andou para burro, hein? – argumentou Yuri.

- Um bocado, né? – falei.

- Daqui a mais ou menos uma hora a gente está lá.

- Vamos voltar? – perguntou Arthur.

- Vamos – respondemos eu e Yuri.

Minhas pernas já estavam começando a doer, mas mesmo assim eu pedalei com toda a minha energia. O sol batia
nas minhas costas e o suor descia pelo meu rosto, mas eu estava adorando sentir o vento batendo em minha face.
Andar de bicicleta sempre foi um hobby muito gostoso, mas eu perdi a prática de executá-lo com o passar dos
anos.

O parque estava ligeiramente cheio para aquele horário e dia da semana. Nós demos duas voltas de bicicleta por
toda a sua extensão, fomos ao banheiro para lavar o rosto e voltamos para casa. Na volta, pedalamos mais
calmamente, pois já estávamos muito cansados do esforço físico anterior.

- Estou morto – falou Arthur. – Nem sei se eu vou para a escola.

- Nem me fala – comentou Yuri. – Cansadão também.

- E depois eu que sou mole.

- Cala a boca Eder – mandaram os dois ao mesmo tempo.

E eu calei mesmo. Calei, mas não por eu ser obediente. Calei porque pensei no Fael. Será que ele tinha
conseguido passar no processo seletivo?

Cheguei em casa às quatro e meia. Estava literalmente acabado. Quando sentei no sofá, não consegui mexer nem
o dedo mindinho.

- Água – supliquei. – Algum filho de Deus me traga água...

- Que isso menino? – assustou-se Giselle. – Está morto?

- Não, mas estou quase. Me dá um copo de água, por favor.

- Aonde você foi? Por que está tão suado assim? O que aconteceu?

141
- Dá para me trazer água por obséquio? Estou morrendo de sede...

Minha voz estava até rouca de tanta sede, mas eu não conseguia levantar o corpo do sofá para ir à cozinha, eu
dependia da boa vontade da minha irmã.

- Ai... Já vou!

Ela entrou na copa e voltou com uma garrafa de água gelada e um copo. Ai, como eu amava a minha irmã
quando ela era prestativa daquele jeito.

Bebi cinco copos em seguida e quando chegou o sexto, minha barriga parecia que ia explodir.

- Caramba Eder, está com a sede dos camelos do deserto do Saara?

- Quase – respondi aliviado –, é que eu fui até o Ibirapuera de bike com os meninos.

- Até o Ibirapuera? Caraca é meio longinho, hein?

- A gente foi no maior pique, para voltar foi um sacrifício. Quase desisti.

- Eu imagino. Não tenho disposição para tanto. Amanhã você vai estar todo dolorido. Pelo menos as pernas
estarão.

- Irmã da onça você viu?

- É a realidade, meu gostoso!

Ela me deu um beijo estalado na bochecha e subiu para o segundo andar. Com certeza iria fofocar com as amigas
pela internet.

Depois de muito custo, subi e tomei banho. Deixei a temperatura do chuveiro nem quente, nem fria, mas também
não estava morna. Me demorei mais que o normal na ducha, meu corpo precisava de um relaxamento.

Meu irmão foi me buscar no colégio aquela noite e eu agradeci a Deus por isso. Não estava me sentindo muito
disposto para andar de ônibus, tampouco para andar a pé.

- Seu maluco – reclamou ele –, amanhã vai estar todo morto.

- Obrigado – respondi, com a cara fechada.

- Como foi à aula?

- Normal – respondi. – E a Gaby?

- Bem. Vai tirar o gesso sexta.

- Ainda bem, né?

- Graças a Deus. Ninguém merece ficar impossibilitado de andar.


142
- É mesmo.

- Eu percebi que você criou uma amizade legal com o irmão dela. Isso é muito bom.

- Ah! – exclamei sorrindo. – O Fael é muito legal. Gente finíssima.

- Ele é sim. Eu pensei que ele nem ia apoiar o meu namoro com a irmã dele, mas foi o primeiro a me aceitar.

- É ele disse que gosta de você – menti, ele não podia saber que o Fael tinha ciúmes dele. – Ele é realmente muito
maneiro.

- Aham. E as gatas, mano?

- Que gatas?

- Aff, você sempre se faz de desentendido.

- Eu já não te disse umas mil vezes que estou solteiro?

- Mas vai continuar assim para sempre?

- Não, é claro que não. Mas eu também não tenho pressa.

- Aham, sei.

- A mãe viu a aliança?

- Viu.

- O que ela falou?

- Encheu os olhos de lágrimas. Ficou toda boba.

- Mãe é mãe.

- Sempre.

Ele deixou o carro em ponto morto e abriu o portão da nossa casa, voltando para a direção assim que o mesmo
estava todo escancarado. Eu desci quando o carro dele estava totalmente estacionado.

- Obrigado pela carona viu?

- Dez reais.

- Põe na conta do Abreu.

- Se ele não me pagar?

- Nem eu.

Nós dois rimos e entramos em casa.

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- Noite Eder – disseram meus pais.

- Boa – respondi, mais com um gemido.

- Amanhã vai estar todo dolorido – disse meu pai.

- Vocês me animam muito desse jeito.

- Filho, e a escola? Quando vai ter reunião? – perguntou minha mãe.

- Só meados de outubro, ou no final do ano mãe. Não sei ao certo.

- Quando tiver me avisa viu?

- Claro que sim. O que tem de comida hoje?

- Nada.

- Como nada?

- Estou brincando. Fiz vaca atolada.

- Eita mãe. Você acerta em cheio.

Capenguei até a cozinha, fiz meu prato e comi por lá mesmo. Eu não estava com coragem de andar até a sala.
Comi em silêncio e sozinho e quando terminei minha refeição, lavei o prato e enfim, pude subir para o meu
quarto.

- Boa noite – dei a eles, sem parar para descansar, senão não conseguiria mais andar.

- Boa – responderam todos.

Eu entrei, arrumei minha cama, coloquei a regata e deitei exausto. Meus músculos das pernas estavam quentes e
começavam a latejar. Eles tinham razão, no dia seguinte eu não conseguiria andar.

Pensei no gato do Rafael e peguei meu celular. Olhei a agenda, pesquisei o número dele e disquei, criando
coragem para falar com ele.

- Oi – atendeu ele, antes do segundo toque. – Pensei que não ia me ligar.

- Olá, tudo bem com você? E você acha que eu ia esquecer? De jeito nenhum, só estava esperando eu chegar no
quarto.

- Ah bom, pensei que tinha esquecido de mim.

- Claro que não.

- Como está?

- Bem, bem cansado e você?

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- Bem também. Andou muito?

- Andei sim.

- Vocês foram aonde?

- Ao Ibirapuera.

- Jura? Longe para burro!

- Não é muito não. Estava no pique. Pior foi para voltar.

- Quase uma maratona isso. Amanhã você vai ver.

- Ah não! Você também não! Todo mundo está falando que amanhã eu não vou conseguir nem andar direito. Aff.

- Mas é a verdade cara. Ninguém manda você ser maluco.

- Ah, tá! Quer dizer que eu sou maluco? Bom saber!

- Claro que não, né seu bobo, eu estou brincando.

- Mas e você? Está tudo bem?

- Sim. Melhor agora.

Fiquei calado por um segundo, processando o que ele tinha dito.

- E como foi lá na entrevista?

- Bem. Até que eu fui bem.

- Então você passou?

- É, acho que passei sim.

- Nossa que maravilha. Eu disse que você ia passar, não disse?

- Aham. Foi você quem me deu sorte.

Fiquei vermelho na hora. Ele era cheio de me tirar.

- Besta.

- O que está fazendo?

- Estou deitado já. E você?

- Eu também. Estava pensando.

- De novo?

145
- Eu penso muito.

- Eu também.

- Em quê?

- Tudo.

- Tudo?

- É.

- E tudo engloba tudo mesmo?

- Tudo o que envolve a minha vida.

- E isso me inclui?

Ai meu Deus! Me tirou de novo!

- Inclui – respondi por fim.

- Que bom. Por que eu também penso em você.

- É? Em qual sentido?

- Em qual você quer?

- Não sei.

- Não sabe?

- Não.

- Então eu também não sei.

- Fala sério. Me diz?

- O quê?

- Por que você pensa em mim?

- Só digo se você disser primeiro.

- Eu perguntei primeiro.

- Mas eu quero saber também. Então me responda.

- Só se você me responder.

- Não. Nem vem com essa moço!

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- Nem vem você seu sem graça. Fala logo.

- Ah, e se eu não quiser?

- Aí você também vai ficar sem saber, oras.

- Seja bonzinho, fala para mim?

- Não. Fala você.

- Não!

- Então tá, eu também não falo mais então.

- Chato.

- Eu não sou chato!

- É sim.

- Chato é você seu chato.

Nós dois caímos na gargalhada e o silêncio reinou por alguns instantes.

- Mas fala, vai?

- Só se você falar.

- Tá, então eu falo.

- Eu estou ouvindo.

- Eu penso em você porque você é legal.

- Só isso?

- Não.

- Então termina.

- Porque você me faz rir...

- Que mais?

- Porque você me distrai...

- Hum?

Eu estava adorando tudo aquilo.

- E porque eu gosto de você – finalizou ele, sem graça.

147
Eu fiquei bom tempo em silêncio.

- Você está aí?

- Sim – respondi.

- Agora é a sua vez.

- Ah! Não é não!

- Ah, Eder! Eu contei. Agora me conta você.

- Tá, tudo bem. Eu penso em você porque você é muito gente fina.

- Estou todo ouvidos.

- Porque você é simpático, porque você me deixa esquecer dos meus problemas, porque você me distrai e
também porque eu gosto de você – confessei.

- Gosta de mim?

- Gosto ué.

- Sério mesmo?

- Sério.

- Do mesmo jeito que eu gosto de você?

- Não sei o jeito que você gosta de mim?

- E se eu te mostrar?

Engoli em seco. Aquilo estava realmente acontecendo?

- Daí eu acho que vou ficar sabendo, né?

Ele deu risada e prosseguiu.

- Eu gosto de você sim.

- É mesmo?

- Uhum. Mas posso confessar uma coisa?

- Pode.

- Não sei como isso aconteceu em tão pouco tempo.

- Eu também não.

- Você é especial.
148
- Você também.

Meu celular apitou. Meus créditos estavam acabando.

- Fael?

- Que foi Eder?

- Meus créditos estão acabando, tenho que desligar.

- Ah! – disse ele, com a voz tristinha.

- Amanhã a gente conversa mais.

- Tudo bem meu brother – suspirou ele. – Eu também não tenho créditos. Mas eu coloco para poder te ligar
amanhã.

- Quero só ver.

- Dorme bem viu?

- Obrigado. Você também.

- Obrigado. Fica com Deus.

- Amém, dorme com Ele.

- Amém.

- Tchau.

- Tchau Eder. Eu te adoro!

Ai, que lindo!

- Eu também adoro você Fael...

- Abraço...

- Outro...

Não precisei desligar, a ligação caiu por conta... O que tinha acabado de acontecer meu Deus? Será que eu estava
dormindo e sonhando e não tinha percebido? Não, eu não estava sonhando. Eu estava acordado e muito bem
acordado. Ele realmente tinha falado que gostava de mim... E eu tinha confessado que gostava dele. Mas será que
eram os mesmos sentimentos?

Desci da cama, coloquei meu aparelho para carregar e liguei o rádio bem baixinho em uma estação que eu
gostava muito. Deitei novamente, coloquei o cobertor por cima do meu corpo e me aconcheguei para poder
descansar melhor.

- Fael... – suspirei.
149
Inspirei contra o meu travesseiro e senti um leve vestígio do perfume dele no pano da fronha... Aquilo me deixou
excitado.

Aqueles malditos olhos verdes invadiram a minha mente e meu coração se aqueceu com a imagem de seu belo
rosto. Eu fiquei admirando a brancura do teto do meu quarto pela pouca luz que entrava pelas frestas da janela
entreaberta... Apaixonado. Era assim que eu estava me sentindo.

- Ah Rafael... Se você soubesse como eu gosto de você – suspirei.

Foi então que eu ouvi a música pela primeira vez. Aquietei-me para ouvir a letra com clareza e senti meu corpo
enrijecer, minha barriga gelar conforme a melodia avançava:

“Y no me has dado tiempo de disimularte”

Era em espanhol... Ainda bem que eu tinha uma leve noção da linguagem espanhola...

“Que te quiero hablar”

Sim, eu queria falar...

“Que por un beso puedo conquistar el cielo”

Beijo? Só o que eu queria era um beijo... Apenas um beijo...

“Y dejarme ir atras”

Suspirei mais uma vez e continuei a ouvir...

“Quiero pertenecerte, ser algo en tu vida”

Sim, eu queria ser algo na vida dele...

“Que me puedas amar”

Será que ele podia me amar?

“Con un abrazo fuerte, hacerte una poesia”

Um abraço? Só um abraço?

“Renunciar a los demás”

Sim, renunciar a tudo por ele...

“Y en cada frase oculta de lo que tu digas”

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Sim... Diga-me tudo!

“En un beso hablará”

Beijo...

“Ya no me queda duda solo ven y escucha”

Vem... Vem Fael!

“Decidamos comenzar”

Rafael...

“Por besarte

Mi vida cambiaria en un segundo

Tu, serias mi equilibrio, mi destino,

Bésame y solo así podre tenerte eternamente en mi mente...”

Meu coração disparou e meu estômago revirou inúmeras vezes...

“Un solo intento basta en este momento”

Aqueles olhos verdes...

“Para poder saber”

Aquela boca...

“Si aún nos queda tiempo para ester en medio”

Aquele corpo...

“De lo que va a suceder”

Aquele homem...

“Conmigo no hay peligro ven te necesito”

Eu necessitava dele por completo...

“La distancia no es”

Fael...

“Motivo del olvido, aquí estoy yo contigo”

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Sempre contigo...

“Y para siempre yo estaré”

Sim, para sempre!

“Por besarte

Mi vida cambiaria en un segundo

Tu, serias mi equilibrio, mi destino

Bésame y solo así podre tenerte eternamente en mi mente”

Eternamente em minha mente, eternamente em meu coração.

“Por besarte

Mi vida cambiaria en un segundo

Tu, serias mi equilibrio, mi destino

Bésame y solo así podre tenerte eternamente en mi mente”

Aquela boca... Que boca... Eu queria aquela boca...

“Por besarte

Mi vida cambiaria en un segundo

Tu, serias mi equilibrio, mi destino

Bésame y solo así podré tenerte eternamente en mi mente”

Rafael... Rafael... Rafael... Rafael...

“Por besarte

Mi vida cambiaria en un segundo

Tu, serias mi equilibrio, mi destino

Bésame y solo así podre tenerte eternamente en mi mente”

152
Como eu queria beijar aquela boca...

“Nara, nana, nara, nara”

...

“Por besarte”

...

“Nara, nana”

...

“Besarte”

...

“Nara, nana”

...

“Besarte, besarte, he, he, he...”

Beijar-te, era só isso que eu necessitava.

Eu fui vencido pelo cansaço e adormeci, pensando nele e naquela melodia tão bonita, cujo nome eu ainda não
descobrira.

Ao acordar no amanhecer da quinta-feira, os meus membros inferiores estavam realmente muito doloridos,
devido o esforço físico do dia anterior, mas não era nada que eu não pudesse resolver ao tomar um analgésico.

- Bom dia filho – falou meu pai –, como passou à noite?

- Bom dia pai – eu respondi, coçando os olhos. – Dormi bem, e o senhor?

- Bem também. Vou ao fórum, avisa a sua mãe?

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- Aviso.

- Obrigado.

Ele beijou os meus cabelos e saiu pela porta da cozinha. Ouvi o carro saindo pelo portão da garagem minutos
depois.

- Seu pai já saiu Eder? – perguntou minha mãe.

- Aham, ele disse que ia ao fórum.

- Mas tão cedo?

- Pois é.

- Dormiu bem bebê? E as pernas, como estão?

- Dormi sim. Nada muito grave, já tomei um analgésico.

- Ah, muito bem. Assim que tem de ser.

Tomamos nosso café e quando estávamos quase terminando, meus irmãos chegaram.

- Nós já estamos em setembro, dá para acreditar? – falou Giselle, indignada.

- Que bom, daqui há alguns dias é o meu aniversário – comentei.

- Ainda falta mais de dois meses Eder – lembrou-me Marcus.

- Passa rápido.

- Isso é verdade mesmo.

- Quero muitos presentes – pedi, rindo.

- Interesseiro.

- Estou atrasada – falou minha mãe –, tenho um paciente em dez minutos.

- Então corre mãe – falou Ricky.

- Já estou indo. Beijos, beijos.

Ela saiu às pressas e nós ficamos sozinhos. Não era dia de a Zélia ir a minha casa, então mesmo com dores nas
articulações, eu tive que arrumar à casa sozinho.

Quando eu já tinha terminado as minhas tarefas, fiz a lição de casa que a professora de Geografia tinha passado e
quando terminei o dever, deitei em minha cama e pus-me a pensar no Rafael. Eu queria ter créditos no celular
para poder ligar para ele... Ou então ele poderia me ligar, não poderia?

154
Foi então que coincidentemente o meu celular tocou. Eu peguei o aparelho e olhei o número pelo identificador de
chamadas, mas eu não o conhecia.

- Alô? – atendi.

- Boa tarde, moço – disse ele, com a voz animada.

- Oi! – exclamei. – É você! Tudo bem?

- Tudo sim e você?

- Eu estou muito bem, da onde você está ligando?

- Celular da minha irmã. Eu ainda não tive oportunidade de recarregar o meu.

- Ah, sim! Ela não vai achar ruim, não?

- Que nada. A Gaby é gente boa.

- Ah! Ela é sim.

- Deixa-me falar eu passei lá na Ford.

- Sério?

- É sim. Vou começar na segunda-feira.

- Caraca! Meus parabéns!

- Obrigado. Estou meio surpreso ainda, acabei de receber a notícia. Você é o primeiro a ficar sabendo.

- Que honra! Mas eu não disse que ia dar tudo certo?

- Disse.

- Que bom! Estou feliz por você.

- Obrigado, obrigado mesmo. E aí, como estão as suas pernas?

- Normais – falei. – Eu tomei um analgésico, não está doendo muito.

- Ah, menos mal, né? E os planos para este final de semana, quais são?

- Não sei ainda. Não sei o que meus pais pretendem fazer. E os seus?

- Ainda não sei também. Mas eu acho que os meus pais vão ir à praia.

- Delícia.

- Se a gente ir, eu gostaria muito que você fosse comigo.

- Ah, eu ia adorar, mas não sei se vou poder.


155
- Por quê?

- Meus pais. Eu não sei se eles iam deixar. E com certeza o Ricky vai querer ir com vocês.

- E qual o problema dele ir com a gente?

- Não vou aguentar ver aquele mela, mela dos dois.

- Ciumentinho!

Ele deu risada.

- Sempre, né? É mal de escorpiano.

- Isso é verdade.

- Você viu a aliança dos dois?

- Não! Que aliança?

- Eles trocaram anel de compromisso ontem pela manhã, você não ficou sabendo?

- Não – disse ele com a voz mais pesada que o normal. – Eu não me responsabilizo se eu matar o seu irmão.

- E eu não me responsabilizo se eu matar a sua.

Nós dois caímos na gargalhada. Era impressionante como nós nos parecíamos.

- Mas que bom – contrapôs ele por fim. – Isso significa que ele não quer enrolar a Gaby.

- Ah, disso você pode ter plena certeza. Ele a ama demais.

- Menos mal. Meu brother, eu vou ter que desligar agora, senão os bônus de minha irmã acabam.

- Tudo bem.

- Quando eu colocar recarga no meu, eu te ligo. Ou vice-versa.

- Pode deixar. Até mais então.

Ele suspirou.

- Até. Mas vê a praia, tá? Mas me deixa confirmar com meus pais antes.

- Aham, pode deixar. Avise qualquer coisa.

- Com certeza. Abraço...

- Outro.

- Tchau.

156
- Tchau.

Desta vez fui eu que desliguei. Coloquei o celular ao meu lado na cama e fiquei olhando para o teto, como de
costume. A imagem dele não saía dos meus pensamentos e eu já não conseguia mais pensar em outra coisa. Ele
estava em tudo o que eu fazia e em tudo o que eu queria.

Na manhã do sábado, eu pude finalmente dormir até mais tarde. Fiquei na cama até ás dez horas da manhã e
quando me coloquei de pé, fui abrir a janela para poder respirar ar fresco.

Eu espreguicei-me lentamente com os olhos fechados, e quando eu os abri, percebi um par de olhos verde-claros
lindos a me observar, na janela em frente.

- Oi – disse ele, sorrindo.

Ele estava ainda mais bonito. O cabelo estava desgrenhado devido a noite de sono, os olhos estavam meio
inchados, ele estava sem camisa, apenas com um short de jogador de futebol. Percebi pela primeira vez as
entradinhas pelas laterais de seu abdômen.

- Oi! – falei surpreso. – Que surpresa.

- Né. Coincidência. Como você está?

- Bem e você?

- Muito bem.

Ele sorriu e eu retribuí.

Nossas janelas ficavam próximas o suficiente para que a gente pudesse conversar tranqüilamente. E eu percebi
isso pela primeira vez.

- Eu não tinha percebido que as janelas são tão próximas assim – falei.

- Pois é. Pertinho.

- E aí, vão mesmo para a praia?

- Não. Meus pais vão para a casa dos meus tios, no interior. Mas eu não quero ir.

- Por que não?

- Ah, chato demais. Um monte de primos enchendo o meu saco. Prefiro ficar aqui.

- Ah, entendo. E as suas irmãs, elas vão?

- Só a Natty. A Gaby vai ficar como era de se esperar.

- Ah, é claro. Ela não vai largar o namorado por nada.

157
- Verdade. E aí, o que vai fazer hoje à tarde?

- Nada. E você?

- Vou jogar bola com meus amigos e com o seu irmão. Quer ir?

- Opa, demorou! Estou dentro.

Fazia certo tempo que eu não jogava futebol e eu gostava muito de praticar este esporte.

- Então fechou. Às duas horas, beleza?

- Fechado.

- Vou tomar banho e depois tomar café. A gente se vê mais tarde, então.

- Eu também. Está bem. Até mais tarde.

Nós dois saímos e eu desci para a cozinha. Encontrei o Ricky sentado à mesa, sozinho.

- Oi maninho – disse ele.

- Bom dia.

- Dormiu bem?

- Aham, nada como dormir até tarde.

- É verdade. Hoje eu estou de folga e vou jogar bola com o Fael e os amigos dele, você quer vir?

- Eu sei. Eu vou ir sim.

- Como você sabe?

- Ele acabou de me dizer.

- Onde? Não vi você saindo e não o vi aqui.

- Esqueceu que as janelas dos quartos são em frente uma da outra?

- Ah, é mesmo. Eu havia me esquecido. Adoro essas janelas!

Ele sorriu maliciosamente e eu fechei a cara. Só era o que me faltava ele me contar as putarias que estava
fazendo com a namorada.

- Você está sabendo que os pais deles vão para o interior hoje, não está? – perguntou Henrique.

- Estou sim.

- Só vai ficar ela e ele...

- E?
158
- E eu queria te confessar uma coisa.

- Não precisa – falei com o coração apertado. – Eu já entendi.

Ele baixou os olhos e ficou pensativo.

- Não sei se vai rolar, mas é uma hipótese.

- Eu acho que é muito cedo – falei, com a cara fechada.

- Eu a amo. E ela a mim. Não temos porque esperar mais tempo.

- O namoro de vocês é muito recente Henrique. E não é porque você trocou um anel de compromisso com ela,
que esse seja o momento ideal.

- É isso é verdade. Mas se rolar, eu te conto em primeira mão.

- Não sei se eu agradeço ou se eu choro de raiva. Você sabe como eu sou com relação a isso.

- Eu sei maninho. E eu sou igualzinho a você.

- Aham.

Ficamos quietos durante o resto do café. Quando terminamos, juntamos a louça suja na pia, nem eu, nem ele
queríamos lavá-las.

- Vou para o computador – falou ele.

- E eu vou dar uma passada na Denise. Faz muito tempo que eu não vou lá.

- Às duas horas tem o jogo, viu?

- Eu sei.

Subi, troquei de roupa e saí para a casa da minha amiga. Ela tinha algo importante a me contar.

- Entra Eder – mandou ela, abrindo a porta.

- Oi Eder, quanto tempo – disse Maria, a mãe da Denise.

- Olá dona Maria, tudo bem com a senhora?

- Tudo bem meu filho, e com você?

- Bem também.

- Vamos para o meu quarto.

Eu entrei no quarto dela e me sentei no chão, próximo à cama da garota. Ela se deitou de bruços, ficou com as
pernas para o ar e suspirou.
159
- Ai Eder, eu acho que estou apaixonada.

- Apaixonada? Por quem?

- Pelo Yuri.

- Pelo Yuri? – gritei. – Você está louca?

- Cala a boca menino! Ninguém pode ficar sabendo!

- Desculpe.

Eu coloquei as duas mãos em cima da boca, mas continuei surpreso.

- É que ele tem me deixado tão balançada ultimamente.

- Jura? Eu nem percebi!

- É que ele faz as coisas escondido. Mas eu acho que eu estou caidinha por ele...

- Meu Deus do céu. Nunca pensei que isso fosse acontecer com vocês.

- Eu quero ficar com ele, você me ajuda?

- Claro né? E eu tenho escolha?

- Ai Eder... Como eu te amo!

- Eu vou trocar uma ideia com ele, mas me conta o que ele faz?

- Ah, fica mandando mensagem no meu celular, fica me elogiando quando estamos a sós, fica me encarando o
tempo todo, com um olhar bem sexy... Ai que lindo!

- Nunca percebi nada, juro mesmo!

- Você é tapado por natureza. Mas você vai me ajudar, né?

- Vou sim. Com certeza. Ah, que bonitinho... Meus amigos juntos!

Já estava os vendo juntinhos e isso me deixou feliz. Eu gostava bastante da Denise e ainda mais do Yuri. Eu ia
fazer o possível para ajudá-los.

- Vamos? – perguntou meu irmão.

Ele estava insuportavelmente gostoso. Estava usando uma bermuda bem fininha de cor branca, eu conseguia ver
perfeitamente a marca da cueca por baixo do tecido. A camiseta estava agarrada no tórax e no abdômen, os
cabelos estavam arrepiados e ele estava usando óculos de sol. Lindo demais. Pena que era meu irmão...

- Vamos!

160
Quando cheguei no campo de futebol do bairro vizinho, percebi que os meninos já estavam lá. Eram quatro além
de nós dois.

- Finalmente vocês chegaram – disse Fael, sorrindo e olhando para mim.

Ele estava ainda mais bonito que o Henrique. Usava uma bermuda semelhante, porém azul e uma regata branca.
Também estava de óculos escuros e eu lamentei muito em não ter levado o meu.

- Já chegamos – falou Henrique.

Ele mandou um beijo para a Gaby, ela estava sentada em uma pedra, com mais três meninas. Ela retribuiu o beijo
e suspirou. Sortuda tinha um namorado lindo e perfeito!

Fael apresentou os amigos e nós começamos a jogar. Fiquei primeiramente no time do Ricky, mas depois
trocamos e eu fiquei ao lado do amor da minha vida. Passei a bola para ele por diversas vezes e ele marcou um
gol em uma dessas passadas. Ele veio até mim e bagunçou todo o meu cabelo, eu tentei desvencilhar dele, mas
não consegui.

- É isso aí Eder – disse o amigo dele, mas eu não me lembrava do nome.

Ficamos jogando até às seis horas, e só paramos porque estava começando a escurecer. Eu estava morto de
cansaço. Nós voltamos para casa a pé, e ficamos conversando pelo caminho. Ricky e Gaby ficaram para trás,
namorando e andando de mãos dadas.

As outras meninas eram namoradas dos amigos do Fael, então ficamos sozinhos, e assim pudemos conversar
melhor.

- Você joga muito bem – elogiei.

- Que nada, você joga ainda melhor.

- Que nada. Fazia tempão que eu não jogava.

- Eu jogo sempre que eu posso.

- Preciso fazer isso mais vezes.

Nós dois estávamos sem camisa. Mesmo sendo inverno, a temperatura costumava ficar maior que normal e o sol
predominava durante a tarde.

- E aí, quando você vai começar a academia comigo?

- Ah, é mesmo né? Tenho que ver com o meu pai. É ele que vai pagar né?

- Não é caro não – falou ele. – E é bem perto da nossa casa.

- Aonde você faz?

- Não sei se você conhece se chama Dinamic.

161
- Já ouvi falar. É grande a academia?

- Mais ou menos. Mas dá para o gasto.

- Isso é o que importa.

- Então, conversa com o seu pai, daí você me avisa.

- Você faz que horário?

- Então, como eu vou começar a trabalhar, agora eu vou ter que fazer pela manhã. Mas antes eu fazia à tarde.

- Entendo. Então se é de manhã eu consigo fazer.

- Consegue sim.

- Vamos ver, eu te aviso.

- Tá bom.

Os amigos dele viraram a esquina e nós tivemos que continuar seguindo reto. Despedimos-nos dos casais e
prosseguimos com a nossa caminhada.

- Vai fazer o que agora? – perguntei.

- Ia te perguntar isso agora. Acho que eu vou ao cinema. Vamos?

- Boa ideia. Mas e o casal ali atrás?

- Quer convidá-los?

- Não sei.

- Deixe-os namorar em paz.

Fiquei pensativo. Não queria deixar Henrique à sós com a namorada, mas eu não podia proibir.

- Eu sei o que você está pensando – falou ele –, e eu também não quero que isso aconteça.

- Então...

- Mas eles são maiores de idade e vacinados, sabem o que fazem.

- Verdade.

- Então, vamos ao cinema?

- Sim – suspirei.

Ia ser bom ficar sozinho com o Fael, mas minha consciência estava pesada por deixar meu irmão com a
namorada. Será que os dois iam realmente transar?

162
- Uau, como você está cheiroso – disse Fael, quando nós nos encontramos.

- Obrigado, você também está.

- Valeu. Vamos de carro?

- Por mim tanto faz.

- É melhor de carro. Vai que a gente pega a última sessão e não tenha mais ônibus?

- É verdade.

- Vem, vamos pegar meu carro.

- Você tem um carro só para você também?

- Como assim também? Você já tem carro?

- Meu irmão.

- Ah, tá. É eu ganhei do meu pai ano passado, quando fiz dezoito.

- É o Ricky também.

- Você vai ganhar um também, é só ter paciência.

- Sua irmã ganhou um?

- Não. Ela é um desastre no volante. Meu pai quis poupar muitos acidentes de trânsito.

Eu dei risada e entrei no Gol do Fael. Não era um automóvel novo, assim como o do Ricky, mas era confortável
e espaçoso.

Ele deu a partida e passou pelo portão.

- Aonde vocês vão? – perguntou meu irmão, que acabara de entrar na casa da namorada.

- Ao shopping – informei.

- E nem convidam?

- Não, você vai ficar com a namorada – eu disse, piscando.

Ele abriu um sorriso enorme e entrou correndo pela porta da casa.

- Nem se despediu – lamentei-me.

- Não ligue para ele, eu estou com você.

Eu sorri para ele e baixei os meus olhos, tímido.


163
Nós entramos na sala do cinema faltando dez minutos para o filme começar. Sentamo-nos na última fileira e
ficamos calados, até o início do longa-metragem.

Era um romance e eu percebi a presença de vários casais espalhados pelas poltronas. Alguns se beijavam, outros
estavam encostados uns nos outros e outros até se enroscavam... Aquilo me deixou um pouquinho constrangido e
um pouquinho animado.

- Posso encostar-se a você? – perguntou Fael.

Eu não conseguia ver muito bem o rosto dele devido a escuridão do local, mas pelo tom de voz que ele tinha
usado, eu podia jurar que ele estava com vergonha.

- Pode sim Fael – eu disse, sorrindo de emoção.

Ele levantou o braço da poltrona e encostou a cabeça no meu ombro. Eu passei o braço pelo seu corpo e encostei
minha mão em seu abdômen.

Ai meu Deus! Eu não acreditava que aquilo estava acontecendo... Fiquei mais da metade do filme extasiado, nem
consegui prestar muita atenção. O perfume dele invadia minha respiração com freqüência e quando isso
acontecia, meu coração disparava. Eu já estava me acostumando com aquilo.

Quando teve o beijo dos atores, os casais de namorados começaram a se beijar também. Eu me endireitei na
poltrona, engoli a saliva de minha boca e bebi um gole do meu refrigerante, minha goela estava seca.

- Me dá um gole? – perguntou ele. – O meu já acabou.

- É claro.

Ele sentou-se em sua cadeira e eu passei a bebida. Percebi pela minha visão periférica que ele tomou apenas um
gole como tinha pedido. Fiquei tentando prestar atenção no filme, mas era impossível.

- Eder?

Eu me virei rapidamente e quando o fiz, nossos rostos ficaram próximos o suficiente para que eu pudesse sentir a
respiração dele em minha face.

- Oi?

Ele estava novamente com os lábios entreabertos, e eu não consegui desgrudar meus olhos daquela boca...
Aquela boca que eu tanto ansiava.

- O seu refrigerante...

Ele mordeu os lábios e engoliu a saliva. Eu pude sentir a vontade dele, eu sabia que era a mesma que a minha, só
podia ser...

- Obrigado.

164
Eu peguei o copo de plástico e coloquei cuidadosamente no braço da poltrona, mas não olhei para me certificar
de que estava lá.

- Eder?

- Oi – sussurrei.

- Eu quero muito fazer uma coisa...

Fitamo-nos por um período imenso. Os olhos dele estavam brilhando e mesmo na escuridão da sala de cinema,
eu conseguia distinguir perfeitamente aquele verde que eu tanto gostava.

- O quê? – perguntei baixinho.

Ele se aproximou ainda mais de mim. Eu já não pensava mais em nada, já não sabia onde estava e se estava
cercado de pessoas desconhecidas ou não, só o que me importava naquele momento era ele.

Ele olhou para a minha boca e então se aproximou ainda mais de mim, inclinando um pouco o corpo para ficar
mais próximo.

Nossos lábios estavam a menos de um centímetro e eu estava prestes a tocá-los. Meu coração acelerou ainda
mais, meu estômago gelou e eu fechei os meus olhos para o momento mais esperado de toda a minha vida.

Eu não sei por quanto tempo nós ficamos parados e não faço a mínima ideia se alguém estava a nos observar e
isso também não me interessava, eu só sei que eu estava prestes a fazer uma loucura... Dar um beijo em um
homem dentro de uma sala de cinema completamente lotada.

Abri os meus olhos e percebi que ele estava parado, olhando para mim, sem saber o que fazer. Fiquei a observá-
lo por um curto período de tempo e por fim ele sussurrou:

- Eu...

Eu coloquei o dedo indicador na frente da boca dele para silenciá-lo e murmurei:

- Não precisa falar nada, eu já entendi e concordo com você.

Ele me observou mais cautelosamente, mas eu sabia o que ele estava pensando. Eu tinha absoluta certeza
daquilo.

- Não vamos mais pensar nisso, está bem?

Ele balançou a cabeça positivamente e muito lentamente nós dois nos endireitamos na cadeira. Eu tentei prestar a
máxima atenção ao filme, mas qualquer movimento mínimo que ele fazia, eu me distraía.

Quando as luzes laterais se acenderam e as pessoas começaram a se levantar, eu ainda fiquei parado, sentado,
pensativo e com receio do que iria acontecer dali em diante. Eu estava apaixonado por ele, mas não tinha certeza
dos sentimentos dele para comigo.

165
- Vamos? – perguntou ele, sem me olhar diretamente nos olhos.

- Sim – eu respondi levantando-me e me espreguiçando.

Quando nós dois descemos o último degrau, o recinto estava praticamente vazio, exceto por uma funcionária e
alguns casais que ainda se beijavam pelos cantos do cinema.

- Vamos para casa? – perguntou ele.

- É melhor – eu falei.

Nós não falamos mais nada até chegarmos ao carro. Ele deu a partida e eu fiquei olhando para fora da janela,
incapaz de olhar naqueles olhos verdes insuportavelmente lindos.

Ele também não estava muito à vontade depois do acontecido e eu pude notar isso quando ele parou em frente a
minha casa. Ele deixou o carro em ponto morto e ficou olhando para frente e eu comecei a ficar com receio do
que iria acontecer depois.

- É... Obrigado pela carona – eu disse, mas sem olhá-lo.

- De nada – respondeu ele, virando o rosto rapidamente.

- Fael...

- Eder... Não vamos comentar sobre isso, está bem?

Eu fiquei calado por um tempo, processando tudo o que tinha acontecido.

- Tudo bem – eu disse por fim –, a gente se fala depois então.

Ele acenou com a cabeça e eu abri a porta, mas eu não queria sair do carro, queria continuar tudo o que nós
tínhamos começado...

Fiquei parado por alguns segundos, pensando no que eu poderia fazer, mas eu decidi que não era o momento para
insistir. Desci, bati a porta e coloquei a cabeça na janela, para poder me despedir.

- Obrigado mais uma vez.

- De nada – repetiu ele, novamente sem me olhar. A fisionomia estava séria, mas eu podia sentir a confusão nos
seus olhos, mesmo sem estes estarem me fitando.

- A gente se vê depois?

Ele suspirou e finalmente os nossos olhos se encontraram.

- Sim – respondeu ele, mas depois de pensar um pouco. Será que ele ia dizer não?

- Então até mais.

166
- Até.

Fiquei o observando por uns poucos segundos e enfim comecei a andar para a minha casa. Abri o portão e entrei,
pois o carro dele já não estava ali e eu não poderia me perder novamente naquele maldito olhar.

Deitei de bruços e fiquei imaginando como teria sido se os nossos lábios tivessem se tocado àquela noite. Qual
seria a sensação? Qual seria o gosto daquele beijo? Como seria depois? Como ficaria a nossa amizade?

E eu cheguei à conclusão que aquele não era o momento de acontecer nada. Nós dois ainda estávamos nos
conhecendo, e eu não sabia se ele era gay ou não. A única coisa que eu tinha plena certeza, era que ele
mergulhava dentro de mim através dos meus olhos, assim como eu fazia quando ele me fitava.

Não. Definitivamente não. Ele não era gay. Impossível de ser. Bi? Também não! Um rapaz tão lindo, tão
educado e tão atraente não poderia ser gay. Era azar demais. Ou sorte demais se ele fosse.

Eu tinha que me contentar com a amizade do Rafael e era com isso que eu tinha que acostumar. Seria difícil lidar
com o sentimento que estava dentro do meu peito, mas eu ia conseguir. Seria sim a minha primeira desilusão
amorosa, mas com certeza não seria a última.

- Eder? – ouvi a voz da Gaby chamando.

- Gaby? – assustei-me.

Eu abri a porta e ela estava parada, sozinha e com o rosto preocupado.

- Posso conversar com você? – perguntou ela.

- É claro que sim, aconteceu alguma coisa?

Ela entrou e eu fechei a porta para nós não sermos incomodados. Ela sentou na minha cama e eu fiquei ao seu
lado. Ela me olhou com curiosidade, aquilo estava me deixando preocupado.

- O que aconteceu com o Fael? – perguntou ela.

- Com o seu irmão? Não sei, por quê?

- Ele entrou em casa chorando. O que aconteceu? Pode confiar em mim...

- Ué, que eu saiba nada – menti. – Nós assistimos a um filme e voltamos para cá.

- Só isso mesmo Eder? Ele não falou com ninguém? Ninguém ligou para ele nem nada?

- Não que eu tenha percebido Gaby.

- Eu estou preocupada com ele – suspirou ela –, há alguns dias ele está um pouco estranho. Não conversa mais
com a gente, fica suspirando pelos cantos... Nem consegue comer direito...

Engoli em seco e senti meu coração encolhendo de preocupação. O que estaria acontecendo com ele?

167
- Estou começando a pensar que ele está depressivo.

- Depressivo? – assustei-me. – Ai não, acho que não! Pelo menos comigo ele está normal.

- É que vocês se conhecem há muito pouco tempo. Uma semana não é tempo suficiente para você conhecer uma
pessoa. Meu irmão era tão alegre, tão animado. Nem o emprego está animando ele. Isso não é normal.

Nossa, receber uma noticia daquela depois de um dia tão agradável me desmoronou um pouquinho. Mas por que
ele era tão festeiro quando estava ao meu lado? Eu realmente não teria como saber como ele ficava longe de
mim, mas quando nós estávamos juntos, ele era completamente normal.

- Seu irmão está conversando com ele, mas ele não consegue parar de chorar.

- Quer que eu vá falar com ele Gaby?

- Não sei se ele vai querer te ver não – falou ela, novamente com o olhar curioso. – Você não está escondendo
nada de mim não, está?

- O que eu poderia esconder? Como você mesma disse, eu o conheço a pouco tempo, não sei o que pode estar
passando na cabeça dele.

- É você tem razão. Desculpe ter vindo enchê-lo com isso

- Você não me encheu não. O Fael é... É meu amigo e eu me preocupo com ele assim como você.

Ou mais, pensei comigo mesmo.

- Eu fico feliz em ouvir isso – falou Gabrielle. – Aproveitando que estou aqui, queria te agradecer...

- Agradecer? Pelo quê?

- Pelo apoio que você está dando para o meu namoro com o seu irmão.

- Ah! É isso...

- Eder, eu posso parecer meio ingênua às vezes, mas eu não sou. Eu sei como é a sua relação com o Henrique e
eu prezo muito esse sentimento que vocês dois sentem um pelo outro e respeito muito isso. Eu percebi o jeito que
você me olhou quando eu vim aqui pela primeira vez, e percebo que agora é tudo diferente. Fico feliz que você já
esteja aceitando melhor esta situação. E eu quero que você saiba que eu amo muito o seu irmão, e que isso nunca
irá mudar. De verdade.

- Eu sei disso. Eu percebi isso domingo passado. E realmente, no começo foi mais difícil do que agora. Eu sou
muito ciumento Gaby. Mas não leve isso para o lado pessoal, você tem demonstrado ser uma pessoa maravilhosa
e eu sei que o Ricky te ama demais. Não tenho como não aceitar o relacionamento de vocês. Eu sei que não sou
ninguém para falar isso, a decisão é dele e eu não posso me intrometer, mas você é bem vinda. E já faz parte da
minha família.

Ela sorriu e eu sorri em resposta.

168
- É tão bom saber disso Eder. Eu gosto de todos vocês. Pode ter certeza.

- Que bom, porque nós também gostamos de você.

Ela sorriu de novo e baixou os olhos. Percebi que as maças do rosto dela estavam mais vermelhinhas que o
natural e fiquei rindo disso tudo.

- Só quero te pedir uma coisa – eu disse.

- O que você quiser.

- Cuida do meu irmão?

- Pode ter certeza que eu farei isso Eder, pode ter certeza. O Henrique é a minha vida.

- Que bom Gaby, que bom que é assim.

Ela me fitou e foi involuntário. Nós dois nos abraçamos ao mesmo tempo.

- Obrigada – sussurrou ela ao meu ouvido. – Obrigada de verdade.

- Você não tem nada que agradecer. É só fazer o que eu te pedi.

Ela riu e nós nos separamos.

- E cuida do Rafael – falei com o coração apertado. – Tenta descobrir o que está acontecendo.

- Eu vou tentar. Espero que o Henrique tenha descoberto algo, mas eu acho muito improvável.

- Se precisar de mim, eu estou aqui.

- Eu digo o mesmo. Agora eu vou para casa, ver o que está acontecendo com meu irmãozinho.

- Qualquer coisa me avisa, está bem?

- Pode deixar.

Ela se levantou, beijou a minha bochecha e saiu do meu quarto. Eu caí no travesseiro e os meus pensamentos
entraram em cena imediatamente.

O que estava acontecendo com o Rafa? Por que ele estava chorando? Por que na minha frente ele era uma pessoa
e nas minhas costas outra? Será que ele estava mesmo depressivo? E se estivesse, como eu poderia ajudá-lo? E
como ficaria a nossa amizade depois daquela cena no cinema? Nós quase havíamos nos beijado, será que ele
pensou algo de mim? Será que ele queria me beijar tanto quanto eu queria a boca dele?

- Henrique? – chamei.

- Entra – mandou ele.

169
Eu abri a porta e entrei. Ele estava se trocando, estava só de cueca, mas eu não dei a mínima para este fato, tudo
o que eu queria saber, tudo o que mais me preocupava no momento era o Fael.

- Podemos conversar? – perguntei.

- Aham, é claro que sim.

Eu deitei na cama dele e já soltei tudo.

- Conseguiu conversar com ele?

- Com ele quem?

Ele estava com uma das sobrancelhas erguidas, daquele jeitinho lindo que ele fazia.

- Com o Rafa. A Gaby me contou.

- Ah, tá. Conversei.

- Como é que ele está?

- Assim, ele está chorando, mas nós não sabemos o motivo. A Gaby desconfia que seja a ex-namorada. Parece
que ele ainda gosta dela e tudo mais.

Ex-namorada? Daquilo eu não sabia... Epa!

- Mas o que ele te disse?

- Nada em especial. Só falou que estava sentindo vontade de chorar e desabafar. Daí eu fiquei lá com ele, dando
apoio.

- Mas ele não disse mais nada? Não esconda de mim Ricky, ele é um amigo especial e eu não quero vê-lo triste
nem nada.

- Não estou te escondendo nada – falou Henrique –, foi só o que ele me disse. A Gaby está lá com ele, fazendo
cafuné.

Como eu queria estar no lugar dela.

- É só um mau momento. Em breve tudo isso irá passar, é só deixá-lo em paz por alguns dias.

Deixá-lo em paz? Será que eu iria conseguir ficar sem vê-lo? Ficar sem falar com ele?

- Então tá. Já que é assim, fico feliz que não seja nada mais grave.

Mas eu sabia que não era nada de ex-namorada que estava afligindo o Rafael...

- Eu vou tentar conversar com ele depois – falei por fim.

- Isso, tenta. Pelo que percebi ele confia em você. Talvez te conte algo que não tenha me contado.

170
- E aí, namorou?

Ele sorriu e deitou-se ao meu lado, abraçando-me por trás.

- Se você está querendo saber se nós transamos, a resposta é não.

- Não? Sério?

- É sério sim. Ela está menstruada.

Eu sorri incapaz de me conter de alívio.

- Ufa – soltei.

- Seu bobo.

Ele beijou a minha nuca, era o lugar mais próximo que ele conseguiu alcançar.

- Eu amo esse ciúme seu – disse ele, provavelmente sorrindo pelo tom de voz que estava usando..

- Aham, sei. Eu gosto do seu também.

Nós ficamos agarradinhos por mais um tempo, até que eu senti o meu pênis se levantando de desejo e resolvi ir
para o meu quarto.

- Já vai?

- Cansado, quero ir dormir.

- Fica mais um pouquinho comigo – pediu ele, fazendo bico.

- Ah, assim é golpe baixo.

E quem disse que eu consegui ir embora? Mesmo louco de tesão, eu me deitei de novo na cama dele e nós
ficamos ali, quietinhos, só curtindo a presença um do outro.

- Te amo muito tá? – falou ele.

- Eu também te amo – respondi.

Uma semana se passou e nós dois não nos falamos mais. Ele não atendia meus telefonemas, não respondia as
minhas mensagens no celular e nós não nos encontrávamos mais casualmente.

Eu estava muito preocupado com o Fael, eu queria vê-lo, queria encontrá-lo, poder ouvir sua voz novamente,
poder mergulhar mais uma vez em seus olhos, poder sentir o seu perfume, o seu calor, sentir o toque de suas
mãos nas minhas, sentir a respiração dele na minha face... Eu o queria de volta, o queria só para mim, queria por
completo... Só ele e nada mais que isso...
171
- Bom dia Eder – disse meu pai, na quarta-feira no horário do café.

- Oi pai.

- Onde estão todos?

- Não vi ninguém ainda.

- Você está bem, filho? Tenho percebido você tão alienado ultimamente. Está preocupado com algo?

- Não é nada demais, correria no colégio.

- Prova?

- Também.

E na verdade eu teria prova naquele dia. E nem tinha estudado. Só o que eu conseguia fazer, só o que consumia
os meus pensamentos, era pensar nos olhos verdes e em nada mais.

- Estude.

- Claro.

Eu ia tentar, mas eu já tinha certeza que não ia conseguir. Nós dois comemos em paz e só quando ambos
terminamos que o resto da família desceu.

Eu não falei nada com ninguém, apenas olhei nos olhos do meu irmão mais velho e subi para o meu quarto.
Sentei-me na cadeira giratória de minha escrivaninha, abri meu caderno na matéria certa e passei os olhos pelos
textos para tentar decorar alguma coisa.

Mas foi inútil. Encostei meu rosto na minha mão esquerda e peguei uma folha em branco para rabiscar. Fiquei
desenhando, escrevendo e quando dei por mim, o nome dele encheu as linhas em branco.

- Onde você está? Por que não me liga? Volta...

Cansado de não entender a matéria de História, fechei o material escolar, liguei o rádio em um volume
ligeiramente alto e fui para a minha cama. O dia estava friorento, por isso mantive os vidros de minha janela
fechados. Enrosquei-me em minha coberta e fiquei ouvindo as músicas tocarem, mas sem prestar atenção em
nenhuma delas.

Peguei meu aparelho celular em cima do criado mudo e liguei para o Fael. Quem sabe ele me atenderia naquele
momento?

Desviei meus pensamentos para o aparelho de som e aquela música bonita novamente começou a tocar. Disquei
novamente o celular do Rafael, ao mesmo tempo em que ouvia a melodia andar.

Tuuuum...

172
“Quiero pertenecerte...”

Tuuuum...

“Por besarte

Mi vida cambiaria en un segundo...”

Tuuum...

“Bésame y solo así podre tenerte eternamente en mi mente...”

Tuuuum...

“Conmigo no hay peligro ven te necesito...”

Tuuuum...

“Por besarte

Mi vida cambiaria en un segundo tu...”

Tuuuum...

“Bésame y solo así podre tenerte eternamente en mi mente..."

Tuuuum...

“Nara nana, nara, nara...”

Tuuuum...

“Por besarte...”

Sua chamada está sendo encaminhada...

173
Desliguei e suspirei. Ele não queria me atender. Mas em algum momento nós iríamos nos encontrar e ele teria de
falar o que estava acontecendo.

A minha nota naquela prova de História não poderia ter sido melhor. Não sei o que aconteceu, não sei como
aconteceu, mas eu consegui acertar boa parte das quinze perguntas dissertativas que a professora tinha passado
na avaliação.

Fiquei aliviado em não ter que fazer outra prova ou então em tomar bomba logo no final do ano... Se isso
acontecesse eu seria um adolescente morto.

- Que bom que você conseguiu responder – falou Yuri –, porque eu não consegui responder quase nada.

- E olha que eu nem consegui estudar.

- Eder, está acontecendo alguma coisa? – perguntou Denise.

- Não, por quê?

- Ultimamente você está tão absorto em pensamentos.

- Ah, meu. Vocês se ligam em tudo também, pelo amor de Deus. É que estou preocupado com um amigo, só isso.

- Você é muito transparente Ederzinho – falou Arthur. – É por isso que a gente se liga.

- Preciso ser mais obscuro quando quiser esconder um segredo de vocês.

Eles riram e eu também. Deixei o Arthur e a Denise irem à frente e quando o Yuri ia acompanhá-los, eu o puxei
pelo pulso.

- Preciso conversar com você.

- Hã? O que eu fiz?

- Calma guri não é nada comigo. É só um recado.

- Um recado?

- Eu percebi o lance seu com a Dê.

- Lance? Que lance? Está maluco, meu filho?

- Não se faça de idiota. Eu sei que vocês estão querendo se catar, mas não têm coragem de falar.

Ele engoliu em seco e mordeu o lábio, fitando-me.

- Eu quero mesmo. Aquela vagabunda vive me atiçando, mas nunca faz nada.

174
- Quer que eu bole um esquema para vocês ficarem?

- Você faria isso?

- Faria não, eu faço.

- Você não existe.

Ele passou o braço pelo meu ombro e eu pela cintura dele. Nós andamos mais rápido e acompanhamos os dois
que estavam à frente. A Denise me olhou e eu pisquei discretamente para ela, que sorriu, cheia de si em resposta.

No sábado pela manhã, eu decidi criar coragem e resolvi ir à casa do Rafael, para saber como ele estava e o que
estava acontecendo. Levantei, tomei banho, tomei café e fui direto para lá, com o meu irmão.

- Eder! – exclamou Gaby, vindo me abraçar. – Mas que surpresa!

- Hey, hey! Você, larga a minha namorada rapaz – mandou Henrique. – E você larga o meu irmão!

Eu e a Gaby caímos na gargalhada e nos abraçamos de novo. Era impressionante como as coisas tinham mudado
em tão pouco tempo. No começo, eu não queria nem ouvir falar no nome dela, e, no entanto naquele momento
não conseguia desgrudar da menina.

- Que bom ver você – falou ela de novo –, está tudo bem?

- É né, tudo caminhando. E o seu irmão, ele está aí? Queria falar com ele.

- Não. Ele saiu. E não disse aonde ia. Ele ainda está do mesmo jeito. Senão pior.

- Jura? Ele não deu mais sinal de vida desde a última vez que nós nos vimos. E isso está me deixando
preocupado.

- A todos nós. Ele não é assim, mas eu tenho fé que logo tudo se resolverá.

- É isso aí.

- Eu ainda estou aqui, viu? – falou Henrique, com a cara feia.

- Ah, é mesmo. Oi lindo.

Ela deu um selinho nele, que continuou de cara feia.

- Está me trocando pelo magrelo do meu irmão?

- Quem disse isso?

- Que absurdo! Eu não sou magrelo. Sou?

Nós três rimos e nos sentamos no sofá. Eu queria esperar o Rafael, mas não sabia que horas ele iria chegar... E se
ele demorasse muito?
175
- Ricky – falou Natty, ao descer as escadas. – Eder? Nossa que surpresa você aqui! Quanto tempo!

- Oi Natália, tudo bem?

- Natty – corrigiu ela.

- Natty – falei.

- Tudo bem e você?

- Estou bem.

- Que bom revê-lo.

Dei um sorriso amarelo e levantei disposto a ir embora.

- Então já que ele não está eu vou indo. Outra hora eu volto.

- Não Eder – falou Gaby –, espere-o aí. Acho que ele não vai demorar muito tempo. Se quiser, fica lá no quarto
dele para você ficar mais à vontade.

- Ah, não sei não. É melhor eu ir andando.

- Que bobagem – falou Natália. – Anda, vamos subir para o quarto do Fael.

Ela me puxou pela mão direita e nós subimos mesmo eu não querendo fazer aquilo.

- Aqui a gente vai poder conversar mais à vontade.

Eu entrei no quarto do rapaz e ela fechou a porta.

- E se ele entrar e nos vir aqui?

- Relaxa. Não esquenta a cabeça.

Sentei-me no chão e ela sentou-se ao meu lado. Não entendi muito bem o que ela queria comigo, mas resolvi dar
um voto de confiança, afinal nós ainda não nos conhecíamos muito bem.

- Sabe – começou ela –, nós ainda não tivemos chance de nos conhecermos melhor.

- É verdade.

- Você anda muito amigo do meu irmão, né?

- É pode-se dizer que sim.

- Ele fala bastante de você.

- É mesmo?

- Aham. Sempre que vocês se veem ele comenta algo. Só não por esses dias, ele anda um pouco estranho
ultimamente.
176
- É sua irmã me falou. Mas logo tudo irá melhorar.

- É verdade. E as coisas na sua casa, como estão? Seus pais estão bem?

- Uhum, obrigado por perguntar.

Eu encostei a cabeça no colchão da cama dele e fiquei observando uma mosca voar pelo ar. O cheiro do perfume
dele estava naquele quarto e isso me deixou com saudade. Era a primeira vez que eu estava com saudade dele.

- No que você está pensando Eder?

- Em nada especial Natty.

- Pensa que me engana. É na namorada?

- Não tenho namorada – falei olhando para ela, mas ainda com a cabeça encostada.

- Não?

- Não. E você tem namorado?

- Ainda não, mas bem que eu queria.

- Logo consegue.

- Será? Será que alguém me quer?

- Isso eu não posso responder.

Ela sorriu e ficou me observando.

- Eu acho os seus olhos tão lindos.

- Obrigado – agradeci.

- Queria ter os olhos assim.

Quem sabe na próxima encarnação?

Eu só sorri sem mostrar os dentes.

Ela se aproximou um pouco mais de mim e colocou a mão na minha coxa. Eu olhei aquele gesto estranho, mas
não fiz nada para não ser deselegante.

- Eu queria tanto fazer uma coisa...

- O quê? – perguntei receoso.

- Quer mesmo saber?

Não.

177
- Aham – respondi.

- Isso daqui...

Ela puxou meu queixo para endireitar o meu rosto e quando eu dei por mim, nós já estávamos nos beijando.

Ela colocou uma mão na minha nuca e a outra no meu peito, eu continuei parado, sem saber o que fazer. A língua
da Natália invadiu a minha boca e eu senti o hálito refrescante de pasta de dente invadindo minha garganta.
Fiquei sem reação, ali, estático com meus olhos abertos...

A porta do quarto se escancarou e ele se assustou a nos ver ali daquele jeito. Natália se afastou de mim
rapidamente e meu coração pareceu despencar de um precipício quando meus olhos se encontraram com aquele
par de retinas verdes. Senti meu peito apertar, meu estômago revirar e minha cabeça doer. E agora? O que iria
acontecer entre nós dois?

Ele me encarou por um momento e por fim disse:

- Desculpem, acho que eu estou atrapalhando algo...

E já ia dando meia volta, mas eu o chamei e ele parou imediatamente.

- Fael, espera! – eu disse assustado.

Ele se virou e fitou-me com raiva.

- Não Eder, pode continuar o que você estava fazendo.

- Fael – falou Natália –, deixe-me explicar.

- Você não tem nada a me explicar irmãzinha. Eu vi muito bem o que estava acontecendo e vocês podem
continuar. Eu não quero atrapalhá-los.

E dizendo isso ele saiu do quarto. Eu coloquei-me de pé em um salto, desesperado para poder conversar com ele
e explicar o que tinha acontecido.

- Eder – chamou Natty. – Deixa que eu vou falar com ele...

- Cala a boca Natália. Você já fez burrada demais por hoje.

Eu saí correndo corredor afora, e quando cheguei na sala, encontrei meu irmão e a namorada com os rostos
espantados.

- Cadê o Fael? – perguntei.

- Na cozinha – respondeu Gaby, com os olhos arregalados.

Eu não dei atenção para o casal e pus-me a andar até a copa. Quando entrei, ele estava bebendo um copo de água.

- Rafa...

- Eder...
178
- Eu posso explicar...

- Explicar? O que você quer me explicar? Que você estava beijando a minha irmã no meu quarto? Se for isso
Eder, você não precisa explicar nada, porque eu vi tudo muito bem!

- Calma Rafa, calma – eu pedi desesperado. – Nossos irmãos estão na sala...

- Estou pouco me importando com eles Eder! E com você também!

- Rafa...

Ele largou o copo em cima da mesa e este cambaleou algumas vezes e por fim caiu deitado, mas não se quebrou.
Eu saí às pressas atrás dele e o segui até o quarto, quando passei pela sala meu irmão e a Gaby me
acompanharam com os olhos curiosos e assustados.

- Rafa me ouve, por favor...

Eu queria muito poder conversar com ele, eu necessitava contar a ele o que tinha acontecido. Meu peito estava
restringido a nada e minha garganta estava seca e apertada. Minhas glândulas lacrimais queriam trabalhar, mas
eu cerrei os dentes para não chorar, impedindo as lágrimas de serem derramadas.

- Não tenho nada para falar com você.

Eu fechei a porta e falei, exasperado.

- Eu só vou sair daqui quando você me ouvir, quer você queira, quer não.

Eu tremi de nervoso. Ele olhou dentro dos meus olhos com a feição carregada de desprezo e ódio e aquilo me
deixou ainda mais nervoso...

- Então fala logo Eder, eu não tenho todo o tempo do mundo para falar com você.

Abaixei a minha cabeça. Era a primeira vez que ele me tratava com tanta indiferença...

- Eu... Eu... Eu... Desculpa!

- Desculpa? Desculpa? Você está me pedindo desculpa? É isso mesmo que eu entendi?

O tom de voz dele estava cada vez mais elevado, e se eu não estivesse enganado, vi uma lágrima sendo formada
no canto do olho esquerdo. Mas ela não caiu.

- Ela que me beijou...

Ele gargalhou e deitou na cama de barriga para cima.

- Quer mesmo que eu acredite nisso?

- Quero porque é a verdade. Eu não quis, eu não fiz nada, quando eu percebi, ela já estava me beijando Fael.
Desculpa, de verdade...

179
Ele parou de rir e ficou sério, olhando no meu rosto. Eu queria muito poder abraçá-lo, senti o calor de seu corpo,
o perfume de sua pele, o aroma de seu hálito refrescante...

- Eder...

Eu já não estava mais aguentando e uma lágrima escorreu pelo lado direito do meu rosto. eu baixei a cabeça
novamente e outras vieram em seguida. Era a primeira vez que eu estava chorando por causa dele...

- Eder...

Ele se aproximou de mim e levantou o meu queixo. Percebi que os olhos dele estavam angustiados, eles queriam
me dizer algo, mas a face era relutante e escondia o que eu precisava saber.

- Eder...

Eu continuei a chorar baixinho, olhando no fundo daqueles olhos verdes que eu tanto amava.

- Acredita em mim Fael, por favor. Eu não quis... Eu juro...

- Fica quieto menino – pediu ele sério. – Não fala nada, não fala mais nada...

Ele secou as minhas lágrimas e eu aos poucos comecei a me acalmar.

- Acredita em mim ou não?

-Acredito... Acredito em você...

Meu coração se aqueceu com aquelas palavras... Como era bom ouvir aquilo!

- Eu queria tanto te ver – sussurrei, mais para mim mesmo.

Ele suspirou e se afastou de mim.

- Por que você sumiu? Por que não me atendeu? Por que não respondeu as minhas mensagens? Eu te fiz alguma
coisa?

- Fez.

- O quê?

- Não quero falar sobre isso Eder. Mas eu quero te pedir uma coisa muito importante.

- O quê?

- Deixe-me em paz...

Aquelas palavras foram piores que uma facada no meu peito, elas foram piores que uma brasa entrando pela
minha garganta. Aquilo doeu no fundo do meu peito, no fundo de minha alma...

- O quê? – falei baixinho com a voz falha.

180
- Eu preciso de um tempo para colocar as minhas ideias em ordem. Preciso de espaço, de fôlego. Por favor, não
me procure mais...

Meu coração estava dilacerado, eu estava acabado, arrasado... Já não tinha mais chão, não tinha mais motivos
para continuar ali... Eu queria sumir... Desaparecer, ficar sozinho em um lugar onde ninguém me encontrasse...

- Hoje eu tive mais uma certeza – suspirou ele. – Embora você diga que não tenha nada a ver com o beijo, eu tive
uma certeza importante. E é melhor a gente não se veja mais.

- Mas...

- Eu quero ficar sozinho, você pode sair, por favor?

- Mas Rafa...

- Eder, não insista. Eu não quero mais ver você!

Eu não sentia mais meus membros, não sentia mais o meu corpo, só podia sentir o meu coração batendo
lentamente, sangrando depois de tantas facadas consecutivas.

- Vai – mandou ele de costas. – Por favor...

Eu fiquei olhando para ele em silêncio. Queria falar muitas coisas, queria perguntar muitas coisas. Mas de que
adiantaria? Ele não me queria ali, ele não queria mais me ver... Tinha me mandado embora de seu quarto, me
mandado embora de sua vida...

Eu abri a porta lentamente e comecei a andar pelo corredor. Não quis olhar para trás para vê-lo. Seria melhor
assim. Desci os degraus da escada lentamente e quando cheguei à sala, tentei disfarçar.

- O que foi Eder? – perguntou meu irmão.

- Nada Ricky. Eu vou para casa, preciso ligar para o Yuri...

- Já, já eu estou indo – falou ele.

- Uhum.

Eu não me despedi da Gabrielle e nem me lembrei que ela estava ali. Saí devagar para a rua, mas eu não
conseguia sentir o chão, não conseguia enxergar mais nada, as únicas coisas que eu conseguia entender, eram as
últimas palavras do Fael...

“Vai... Por favor...” “Deixe-me em paz...” “Eu preciso de fôlego...”

Passei a chave na porta do meu quarto, fechei a janela e caí na minha cama. As lágrimas tomaram conta de meus
olhos, meu peito desabrochou em dor e eu comecei a chorar. Chorar e chorar. Era só o que eu poderia fazer
naquele momento.

Segunda Fase
181
“Eu não precisava de mais provas. Eu sabia que ele me amava e sabia que aquele sentimento era verdadeiro. Ele
me levou até a cama e nós começamos a nos beijar. Aos poucos eu fui ficando mais à vontade e foi ali que eu
descobri que aquele era o momento certo. Ele tirou a regata e deitou-se por cima de mim. Eu senti meu coração
voar dentro do meu peito, incapaz de controlar o meu desejo, incapaz de controlar a minha volúpia... Eu o queria
por completo, e queria naquele momento.”

- Obrigado mais uma vez por você ter me acompanhado – agradeceu Marcus.

- Não há de quê – eu respondi.

Nós entramos e fomos direto para o quarto. Eu estava mais próximo do meu irmão caçula que o normal e isso o
deixou feliz.

- Já fez a sua lição? – indaguei ao jogar-me em cima da cama dele.

- Não.

- E o que você está esperando para fazer?

- Ah, vamos jogar vídeo-game primeiro...

- Nem pensar maninho, já para a lição senão você não vai passar de ano, e nós já estamos chegando perto das
férias.

- Aff, moleque chato da porra.

- Olha menino! Respeite-me que eu sou o seu irmão mais velho!

- Grande coisa.

- Rum!

Ele ficou na mesinha estudando e eu fiquei jogando vídeo-game, mas sem som para não atrapalhá-lo. Quando eu
estava quase terminando a batalha, meu irmão mais velho entrou no quarto do Marcus e me arrancou de lá.

- Anda, vem comigo ver se você gosta do local do seu aniversário.

- Ah, Ricky... Tem de ser agora?

- Tem. E não reclama. Vem logo.

Ele me empurrou escada abaixo e nossos irmãos nos seguiram.

- Marquinhos e a lição?

- Ai Eder! Eu termino daqui a pouco! Caramba, você está parecendo meu pai!

- Sou seu irmão mais velho, tenho que fazer o meu papel bem!

182
Henrique gargalhou e nós quatro entramos no carro dele. Andamos cerca de vinte e cinco minutos, até que ele
estacionou e nós descemos em uma rua movimentada de um bairro até então desconhecido para mim.

- É aqui? – perguntou Giselle.

- Uhum – respondeu Henrique. – Nosso pai acabou de alugar. E ele pediu para você ver.

Suspirei e ele abriu uma portinha estreita de vidro. Ele subiu primeiro, eu em segundo, a Giselle em terceiro e o
caçula por último. Coincidentemente do mais velho ao mais novo.

- Uau! – exclamei surpreso. – Mas é enorme!

- Uhum. E aí?

- Caraca – soltou minha irmã.

- Putz, enorme mesmo – disse Marquinhos.

- Adorei Ricky – falei andando pelo ambiente, já imaginando onde seria cada coisa.

- Que bom que gostou – disse ele sorrindo. – Resta saber se o Fael vai gostar.

Senti o iceberg descer pela minha garganta e se alojar no meu estômago... Aquele nome... Aquela pessoa... Vê-lo
depois de tanto tempo... Não seria nada legal...

- O aniversário vai ser junto mesmo, então? – questionou Marcus.

- Aham, vai sim.

- Engraçado que ninguém me pergunta se eu quero que seja junto, né?

- Você não tem escolha. Se quiser festa, vai ser assim e acabou – falou Henrique.

Eu andei até a varanda daquele enorme salão e respirei fundo. Dois meses sem vê-lo, dois meses sem nos
falarmos e de repente, nos encontraríamos em uma festa para nós dois... Que maravilha!

Eu voltei para a companhia de meus irmãos e nós subimos para o segundo andar. Lá era ainda maior e tinha uma
churrasqueira gigantesca de tijolos vermelhos.

- Gente, quantos convidados vai ter esse aniversário? Um milhão? – perguntou Giselle, surpresa com o tamanho
do local.

- Não chega a tanto – disse Henrique.

Era ele e a Gaby que estavam organizando o evento. E os dois estavam se saindo muito bem em tudo.

- Então era só isso mesmo meninos. Que bom que vocês gostaram.

- Eu adorei Ricky – falei.

- Que bom! Vamos embora? O Marcus tem que terminar o dever.


183
- Caralho Henrique! Até você?

- Eu também sou seu irmão mais velho e não quero ver ninguém perdendo as férias por conta de ter ficado em
recuperação.

- Como se isso fosse acontecer comigo, né?

- Você não é melhor nem pior do que ninguém – disse minha irmã.

- Ai! Que saco, odeio ser o caçula!

Ele começou a descer as escadas correndo e em questão de minutos, nós ouvimos a porta do carro bater.

- Coitadinho – eu disse. – Vamos dar um fôlego para ele.

- Ele sabe que é brincadeira – contrapôs Ricky.

Nós descemos as escadas lentamente. Eu gravei o local na minha mente e tentei pensar os detalhes da decoração.
Será que eu ia acertar alguma coisa?

Quando estava quase chegando ao último degrau, a porta de vidro se escancarou e a Gabrielle entrou seguida do
irmão.

Nossos olhos se reencontraram e foi como se nós estivéssemos nos vendo pela primeira vez. Meu coração
disparou dentro do peito, minha respiração ficou ofegante e tudo o resto desapareceu. Eu só tinha olhos para ele e
nada mais.

- Amor! – exclamou Henrique, indo beijar a namorada. – Eu não sabia que você viria agora, se tivesse dito, eu
teria trago vocês.

- É que o Fael chegou agora e foi o único tempo que eu consegui arrancar dele.

Minha cunhada cumprimentou meus irmãos e quando chegou a minha vez, ela teve que sacudir os meus ombros,
para que eu pudesse recobrar os sentidos.

- Acorda – sussurrou ela no meu ouvido. – Você está bem?

Ela me abraçou e eu passei os braços pelo pescoço dela.

- Uhum – murmurei.

- Eu sei que é difícil revê-lo...

- Do que está falando?

- Eder...

Ela deu um beijo na minha bochecha e voltou para o lado do namorado. Rafael beijou a minha irmã, apertou a
mão do Marcus e aos poucos, se aproximou de mim.
184
Eu não conseguia desviar os olhos dele e tampouco ele de mim... Percebi aquele homem se aproximando e senti
como se estivesse voltando a viver. Meu coração estava batendo novamente, eu respirava novamente, eu tinha
vontade de sorrir, vontade de gritar. Queria cair nos braços dele e finalmente voltar a ser feliz...

- Oi – disse ele sério.

Eu não tive resposta para o que ele disse. Estava com medo. Medo de ser novamente rejeitado...

- Tudo bem com você? – perguntou Rafael, sem tirar os olhos dos meus.

Eu balancei a cabeça devagar, ainda não me lembrava como pronunciar as palavras. Medo, saudade, dor,
remorso, felicidade... Um misto de sentimentos invadiu meu peito e eu desci um degrau para ficar mais próximo
dele.

Eu notei que todos se foram e ficamos nós. Eu e ele. Ele e eu.

- Não vai falar comigo?

Eu bem que queria, mas não sabia o que falar. E como falar.

Durante todo o tempo que nós ficamos separados, eu forcei a minha mente e o meu coração a pensar que o
sentimento tinha morrido, mas ele não tinha morrido... Foi só rever aqueles olhos verdes que tudo voltou à tona
com uma força inenarrável... O meu amor pelo Rafael jamais tinha morrido, ele só tinha adormecido. E acordado
no momento em que nos vimos novamente.

- Vou – respondi depois de muito tempo. – Como está?

- Indo. E você? Parece bem.

- As aparências enganam.

- É verdade. Você viu como é lá em cima?

- Vi sim. É legal.

- Quer me acompanhar?

- Não – falei, mas me arrependi na hora. – Quero dizer, não sei se é uma boa ideia.

- Entendo. Bom, tudo bem então...

Abaixei os olhos e fiquei olhando para os meus tênis. Eu queria falar muitas coisas para ele, perguntar então nem
se fala... Mas não queria falar ali, não era o momento.

- Eu preciso ir – falei meio atordoado.

- Tudo bem... A gente se vê depois.

Aquilo era tudo o que eu precisava ouvir no momento.

Passei por ele e quando eu já estava quase abrindo a porta para sair, ele me chamou:
185
- Eder?

- Oi? – eu disse ao me virar.

- Saudades...

Saudades? Cínico! Quem ficou dois meses sem falar comigo, foi ele. Quem pediu para eu sumir da vida dele, foi
ele. Quem pediu um tempo para respirar, foi ele...

Eu não respondi e saí do corredor do salão de festas. A Gaby e o Ricky estavam se beijando, encostados ao carro
e meus irmãos estavam lá dentro, segurando vela, ambos com a cara feia.

Eu entrei no automóvel e bati a porta e só assim o casal parou de se atracar. Henrique entrou no lugar do
motorista, colocou o cinto e deu a partida.

- Tchau amor!

- Tchau amor – disse Gaby. – Tchau meninos.

- Tchau – responderam Giselle e Marcus, mas eu mantive o silêncio.

- Vai ser perfeito sábado, né Eder? – supôs Marcus.

- Uhum – murmurei, mirando os prédios passarem pelo carro em movimento.

- Ai que legal, adoro festas – colocou a Giselle. – É sempre bom para rever pessoas que nós não vemos há
tempos.

- É verdade – disse Henrique. – E a nossa família vem quase por completo. Só não nossos avós mesmo.

- É né, nem tem como eles virem.

Só consegui dormir depois das quatro da manhã daquela madrugada. Tudo o que eu tinha em mente era ele e
nada mais. Revê-lo mexeu demais com meus sentimentos e com o meu inconsciente. E depois de tanto choro,
depois de tanta dor, não foi surpresa para eu perceber que o meu sentimento não tinha mudado em nada,
absolutamente nada.

Acordei pouco antes do horário de almoço. Comi meio que sem vontade, lavei o meu prato e capotei no sofá da
sala, com as pernas para cima e o controle da televisão em cima de minha barriga. Despertei novamente quando
meu pai chegou do escritório.

- Dormiu filho?

- Ah, pai, capotei e nem percebi.

Eu sentei e me espreguicei demoradamente, ele sentou-se ao meu lado, afrouxou o nó da gravata, colocou a pasta
na mesa de centro e mudou a televisão de canal.

186
- Não vai a escola Eder?

- Não pai. Hoje é prova de recuperação para quem tirou nota vermelha, eu estou quase entrando de férias.

- Que bom filho, estou orgulhoso de você!

- Obrigado.

Eu deitei no colo do meu coroa e ele ficou fazendo cafuné nos meus cabelos. Fiquei com sono novamente, mas
eu não podia dormir, senão passaria a noite em claro mais uma vez.

- Eder, o que você vai querer de aniversário?

- Não quero nada não pai.

- Não se faça de rogado menino, eu estou dando a oportunidade de você escolher e ainda fica fazendo charme.
Não puxou aos seus irmãos.

- Eu já tenho tudo o que preciso, não preciso de nada.

- Só não me peça um carro. Ainda é muito cedo para isso.

- Não, é sério pai. Obrigado mesmo, mas eu não quero nada.

- Não vou deixar o seu aniversário em branco, filho.

- O senhor já está dando a festa e isso basta para mim.

- A festa não é só sua. E por isso eu quero dar algo só seu.

- Não quero nada.

- Então tudo bem, já que você não quer pedir, eu vou comprar por conta. Se tiver repetido não quero reclamações
nem lamentações.

Eu sorri e fiquei lá, deitadinho no colo do papai por bom tempo. Fiquei com a sensação de estar sendo protegido,
sensação do calor do meu pai e isso me reconfortou.

- Vou tomar banho filho – disse ele. – Levanta daí folgadinho.

Eu fiz bico e deitei no sofá. Ele se levantou, deu um beijo no meu cabelo e subiu para o quarto dele. Meu pai
sempre foi muito presente em minha vida, assim como minha mãe e todo o resto de minha família. A única coisa
que me preocupava, era como eles iam aceitar a notícia da minha homossexualidade.

Eu até me assustei quando vi aquele número no visor do meu celular. Abri o aparelho e o coloquei no ouvido
direito, mas não falei nada quando a ligação foi atendida.

- Alô? – disse ele.

187
- Alô? – respondi, depois de alguns segundos.

- Oi.

- Oi.

- Tudo bem?

- Tudo.

- Nós podemos conversar?

Conversar? Depois de tanto tempo sem se ver? O que ele queria? Pisar em mim novamente?

- O que você deseja?

- Falar com você, me explicar... Pedir desculpas...

Pedir desculpas? Ai, ai, ai, ai, ai...

- Você pode vir aqui?

- Ah, Rafael... Não sei não...

- Eder, por favor... É sério.

- Você está em casa?

- Estou. E eu prometo que ninguém irá nos atrapalhar e que a Natália não irá atacá-lo novamente. A não ser que
você permita.

- Nem em sonhos.

Eu sorri e o senti sorrindo do outro lado da linha.

- Então você vem?

Fiquei um segundo em silêncio pesando as duas opções na balança. Se eu fosse, correria o risco de me
decepcionar. Se eu não fosse, ficaria pensando nele o resto da noite. Então, por que não arriscar?

- Eu vou...

- É assim que eu gosto! Estou te esperando.

- É para ir agora?

- Não, na semana que vem.

- Idiota. Já, já eu estou aí.

Desliguei o celular sem nem me despedir. Não consegui fazer mais nada, apenas troquei a minha roupa, escovei
os meus dentes e desci para o quintal. Ao abrir o portão, meu irmão mais novo entrou em casa.
188
- Aonde você vai? – perguntou ele.

- Na Gaby.

- Fazer o quê?

- Não é da sua conta mano. Onde você estava?

- Não é da sua conta mano.

Ele entrou e eu fiquei olhando para a nuca dele. Tudo bem, quem fala o que quer, ouve o que não quer.

Toquei a campainha e em menos de um minuto ele veio abrir o portão de ferro para que eu pudesse entrar.

- Boa noite – cumprimentou, sem me olhar nos olhos.

- Boa – eu falei sério.

Passei para dentro do quintal e esperei ele fechar o portão para nós entramos na casa. O segui lentamente até o
segundo andar, entrei nos aposentos do Fael e percebi que tudo estava exatamente igual desde a última vez que
tinha entrado naquele recinto.

- Sente-se, fique à vontade.

- Seja breve, eu preciso voltar para casa logo.

- O que eu tenho para te falar, não é um assunto fácil.

Ele passou a chave na fechadura e sentou-se ao meu lado. A única iluminação do ambiente, era as luzes os
abajures em cima do criado mudo.

- Eder eu chamei você aqui porque eu preciso te contar algo muito importante – começou ele.

Eu me encostei à cabeceira da cama, cruzei as pernas e os braços e disse:

- Estou a todo ouvido.

Ele suspirou e olhou em meus olhos.

- Primeiramente, eu quero me desculpar pela última vez que nos vimos. Na verdade, penúltima. Enfim, você
sabe. Eu fui um idiota em tratá-lo daquele jeito, mas é que eu estava possuído pelo ciúme e tudo mais. Enfim, eu
sei que nada vai justificar o que eu fiz, mas eu gostaria muito que você me perdoasse.

Dessa vez quem suspirou fui eu.

- Sabe Eder, quando eu te conheci, senti algo diferente. Algo que eu nunca tinha sentido antes em toda a minha
vida. Era algo novo para mim, algo estranho, algo completamente oposto ao que eu já tinha feito, ao que eu já
tinha vivido... E isso me deixou confuso, me deixou grilado...

189
“Não foi fácil descobrir o que era isso, mas aos poucos eu fui entendendo, aos poucos eu fui percebendo o que
estava se passando dentro de mim”. Só o que eu não queria, era aceitar. Aceitar que eu estivesse do jeito que eu
estava.

Esses dois meses em que nós não nos falamos, em que nós não nos vimos, eu pude pensar bastante, colocar os
meus pensamentos em ordem... Pesar tudo na balança, sabe?”

Eu estava olhando para aquele par de olhos lindos e eu senti a sinceridade dentro deles... Eu sabia que ele estava
falando a verdade para mim...

- Não pense que está sendo fácil falar tudo isso para você.

- Não estou entendendo aonde você quer chegar.

- Eder, eu não sei como te dizer isso, mas eu preciso dizer.

- Então diga.

Ele baixou os olhos e ficou pensativo. Eu fiquei olhando, observando, esperando a reação dele.

- Naquele dia no cinema – continuou Fael –, eu percebi que o que eu sentia por você era recíproco. Ou pelo
menos era o que parecia.

- Você pode ser mais específico?

- Eder, nós quase nos beijamos no cinema... Não se faça de desentendido.

Eu engoli em seco e dessa vez foi a minha vez de baixar os olhos, mas não porque eu queria pensar e sim porque
eu estava com vergonha.

- Sabe... Nem esse tempo que eu pedi para você fez isso que eu sinto diminuir. Ao contrário, acho que cresceu,
porque só foi eu te ver ontem que meu coração parecia que ia explodir de tanta emoção... Ai... Eu não sei o que é
isso, mas eu sei que eu sinto algo diferente por você desde o primeiro dia em que eu te vi na mudança para esta
casa.

- Eu sei – falei.

- Você sabe?

- Eu sei. Acontece o mesmo comigo.

Nós ficamos calados por um tempo. Eu queria poder falar mais, mas queria ouvi-lo primeiramente.

- É uma situação difícil – falou ele.

- Muito difícil.

- Desde quando você sabe?

- Desde quando nossos olhos se encontraram pela primeira vez.

190
Eu levantei meus olhos e nós nos fitamos incondicionalmente.

- A partir deste momento eu não tive mais dúvidas. Eu já desconfiava que eu era.

- Eu não. E até agora não está sendo nada fácil para mim.

- Eu já estou me acostumando. Não tenho como lutar contra isso, é mais forte do que eu.

- É mais forte do que eu também. Mas se coloque no meu lugar, da noite pro dia, você se sente atraído por um
cara que você nem conhece direito... E você não sabe como falar isso para ele... Com medo de ser rejeitado...

- Eu já disse que eu te entendo perfeitamente.

- É tudo novo para mim.

- E para mim não? Eu só descobri a mais tempo que você, mas nós estamos no mesmo barco.

- Sim...

Nós suspiramos ao mesmo tempo. Eu olhei no relógio e percebi que estava perto da meia noite.

Nossos olhos se encontraram mais uma vez e dessa vez o silêncio falou mais alto. Meu coração disparou num
jato de emoção, minha respiração falhou, minha boca ficou seca e eu estava novamente entregue ao desejo de
possuí-lo, ao desejo de tê-lo, ao desejo de beijá-lo...

- Eder... Você não sabe como eu me arrependo de ter dito tudo aquilo para você.

- Doeu.

- Em mim doeu muito mais.

- Quem dá esquece, mas quem leva, não esquece jamais.

- Tenta me entender, por favor...

- Eu posso até te entender, mas isso nunca irá sair de minha mente.

- Nem da minha. Nem da minha, você pode ter certeza. Eder, eu não consigo mais lutar contra isso tudo, eu não
tenho mais forças, não tenho mais argumentos...

- Nem eu.

- Eu tentei ficar com algumas garotas, tentei me mascarar, mascarar o meu coração, mas foi tudo em vão... A
única coisa que eu quero, que eu mais desejo em toda a minha vida é você...

Nós dois baixamos as cabeças com vergonha. Meu coração continuou batendo acelerado e eu ergui o rosto. Meus
olhos voaram como uma águia para a boca dele e eu engoli em seco, louco para experimentá-la.

- Você não está chateado comigo, está?

- Não – eu sussurrei.
191
Ele sorriu em resposta e logo ficou sério novamente. Nossos lábios se entreabriram e um ficou a admirar o
outro... Mas nenhum criou coragem o suficiente para arriscar.

- Eu não acredito que eu estou falando para você o que eu estou sentindo – disse ele.

- E nem eu estou acreditando que eu estou ouvindo isso de você. Isso era o que eu mais queria ouvir desde que te
conheci.

Foi mais forte do que nós dois. Abraçamo-nos. Senti o calor do corpo dele percorrer a minha pele, senti o cheiro
do desejo tomar conta do ar, tomar conta de nós dois. Eu fiquei ali, curtindo o Fael enquanto eu podia. Mesmo
que nós não tivéssemos dito tudo, não era necessário falar mais nada. Tudo já tinha sido esclarecido...

Nós nos afastamos e nos perdemos de novo em nossos olhos. Ele segurou a minha mão, colocou no peito dele e
disse:

- Está sentindo como o meu coração bate forte?

- Uhum.

- É por você...

Senti as minhas bochechas queimarem e não me contive. Aproximei-me dele cautelosamente, deixando nossos
rostos a centímetros de distância. Ele fitou minha boca e eu olhei para aquele mar verde mais uma vez... Louco,
possuído de vontade de beijá-lo.

- Eder...

- Fael...

- Eu te quero... – disse ele bem baixinho, olhando para os meus lábios.

Não me contive mais. Puxei o corpo dele para mais perto do meu e girei o meu rosto lentamente. Percebi que ele
fechou os olhos e nada poderia nos atrapalhar naquele momento. Aos poucos eu fui me encostando mais, até que
nossos lábios se encontraram pela primeira vez.

Nossos lábios ficaram encostados por alguns segundos. Eu coloquei uma das mãos na nuca dele e a outra no lado
direito de sua face, aos poucos nós perdemos a timidez e os movimentos começaram a se formar.

Ouvi o barulho do bip do meu relógio de pulso, informando que era meia noite do dia 12 de Novembro. Faltavam
apenas dois dias para o meu aniversário. E três para o dele.

O barulho de beijo começou a ficar mais evidente e aos poucos eu fui relaxando. Enfim introduzi a minha língua
pelo vácuo entre os nossos lábios e senti uma corrente elétrica passando por mim quando ele fez o mesmo
comigo.

Tentei respirar lentamente, para não causar nenhum impacto no nosso primeiro contato, mas estava sendo difícil
me controlar. Ele encostou a mão direita nas minhas costas, enquanto a esquerda ficou no meu rosto.
192
Eu acariciei a sua nuca, passando meus dedos lentamente pelos pêlos do pescoço do Rafael, fazendo com que
estes se ouriçassem de leve.

Nossas línguas se entrelaçaram e meu coração disparou ainda mais. Senti o meu perfume se misturar ao dele e a
partir de então, eu tive a certeza que nós não éramos mais Eder e Rafael, nós éramos um só...

Endireitei a minha coluna e nós nos abraçamos árduos de desejo, envolvidos pelo momento, envolvidos pela
paixão. Comecei a brincar com a língua dele, tentando esconder a minha para que ele pudesse procurar.

Notei que a respiração do garoto ficou mais elevada e eu desci ambas as mãos para a sua cintura. Deitei-me na
cama e ele veio por cima, segurando o meu rosto com ambas as mãos.

Senti o peso do corpo dele sobre o meu, senti o cheiro dele no meu nariz, senti a vontade tomando conta do meu
corpo e senti a minha timidez ir embora por completo. Ousei e passei meus dedos nas costas dele, por debaixo da
camiseta. Ele sorriu, mas sem parar de me beijar. Meu pênis se elevou imediatamente. Era só o que eu precisava
saber... Se ele estava aprovando ou não...

Ficamos assim por tempo suficiente para que eu começasse a sentir as minhas pernas adormecer, devido o peso
dele em cima delas e foi assim que nós invertemos os papeis. Eu estava em cima, eu dava as cartas.

Prendi o meu quadril entre as pernas dele e eu intensifiquei o beijo. Engoli o excesso de saliva para não deixar o
ato molhado demais e ele fez o mesmo. Era impressionante a nossa sintonia.

Mordisquei o lábio superior dele, enquanto ele fazia o mesmo com o meu, passei a língua suavemente pelo céu
da boca e ele me puxou para mais perto de seu corpo. As suas mãos passaram pelas minhas costas e se detiveram
no meu quadril. Tive a impressão que elas iriam descer mais, mas era cedo para isso, embora eu quisesse e ele
também.

Deitei por completo em cima de Rafael e ele me abraçou forte, fazendo com que nosso momento ficasse ainda
melhor. Chupei o lábio inferior com força e ele pareceu gostar. Comecei a suar devido ao tesão, Rafael enroscou
os dedos nos meus cabelos e nós continuamos a nos beijar intensamente.

Foi então que eu notei que o rádio estava ligado em um som quase inaudível. Era impossível reconhecer o toque
daquela canção... Eu diminuí os movimentos de minha boca e ele pareceu perceber o que estava acontecendo,
pois também se ligou na melodia...

Y no me has dado tiempo de disimularte

Que te quiero hablar

Que por un beso puedo conquistar el cielo

Y dejar mi vida atrás.

Quiero pertenecerte ser algo en tu vida


193
Que me puedas amar

Con un abrazo fuerte hacerte una poesía

Renunciar a lo demás.

Y en cada frase oculta de lo que tu digas

En un beso hablará

Ya no me queda duda solo ven y escucha

Decidamos comenzar.

Por besarte

Mi vida cambiaria en un segundo

Tu, serías mi equilibrio, mi destino

Bésame y solo así podre tenerte

Eternamente en mi mente.

Un solo intento basta en este momento

Para poder saber

Si aún nos queda tiempo para estar en medio

De lo que va a suceder.

9 jul

Edєr

Conmigo no hay peligro ven te necesito

La distancia no es

Motivo del olvido, aquí estoy yo contigo

Y para siempre yo estaré.

194
Por besarte

Mi vida cambiaría en un segundo

Tu, serías mi equilibrio, mi destino

Bésame y solo así podré tenerte

Eternamente en mi mente.

Por besarte

Mi vida cambiaría en un segundo

Tu, serías mi equilibrio, mi destino

Bésame y solo así podré tenerte

Eternamente en mi mente.

Por besarte

Mi vida cambiaría en un segundo

Tu, serías mi equilibrio, mi destino

Bésame y solo así podré tenerte

Eternamente en mi mente.

Nara, nana

Por besarte

Nara, nana

Por besarte

Nara, nana

Por besarte

195
Nara, nana

Bésarte, bésarte, he, he

Nara, nana...

Quando a música terminou, nós giramos na cama e ele ficou novamente por cima de mim. Desta vez, o desejo
ficou tão grande que ele levantou a minha camiseta e passou os dedos pela minha barriga e pelo meu peito,
apertando os meus mamilos com leveza. Meu pau ergueu-se ainda mais em resposta e eu senti que o dele
também estava duro, porque ele pressionou o quadril no meu colo, fazendo com que nossos membros se
tocassem à distância.

Continuamos a nos beijar por muito tempo, cada vez mais íntimos, cada vez mais cúmplices, cada vez mais
amantes... Eu estava quase explodindo de excitação, parecia que meu pinto ia explodir a qualquer momento, mas
isso não aconteceu. Quando dei por mim, já estava com a mão dentro da minha cueca, apertando o cacete com
força. Percebi que minha cueca estava melada e eu não ia conseguir aguentar por muito tempo... Eu precisava
gozar...

Ele percebeu onde a minha mão estava e tentou puxá-la, mas eu não deixei. Queria ver até onde ele iria... Nós
continuamos brincando com as nossas línguas, enquanto ele tentava libertar minha mão de dentro de minhas
calças.

Eu estava ficando cada vez mais ofegante e ele, em resposta, diminuiu os movimentos da boca, fazendo assim
com que eu me acalmasse. Respirei fundo, diminui as carícias no meu sexo, tirei a mão de dentro da cueca e o
abracei. Ele imitou o meu gesto e nós ficamos parados, com os lábios unidos e as pernas entrelaçadas. Eu já não
precisava saber de mais nada... Eu poderia morrer naquele momento que morreria feliz, morreria nos braços do
homem mais perfeito da face da Terra, morreria nos braços do meu amor, nos braços do Rafael... Nos braços dele
eu morreria protegido... Mas eu nao queria morrer... Queria continuar tudo o que nós havíamos começado, queria
viver, ter um destino impecável, uma vida longa e feliz... Ao lado dele...

Não percebi que o tempo tinha passado. Os músculos de meu rosto já estavam começando a doer depois de tanto
tempo fazendo movimentos repetitivos. A gente se afastou lentamente, ele segurou em meu queixo, eu segurei
nos ombros dele e nós demos um selinho. Dois selinhos. Três selinhos...

Quando finalmente nossos lábios se separaram de vez, eu abri os meus olhos, mas vi que os dele permaneciam
fechados. Minha boca estava doce, o sabor do beijo dele estava recente e eu tinha certeza que naquela noite eu
iria dormir tranquilamente, pensando no meu Rafael.

196
Eu olhei em meu relógio e este marcava duas horas e dezessete minutos. Eu nunca imaginei que meu primeiro
beijo seria tão demorado daquele jeito... Embora aquele não fosse o meu primeiro beijo de verdade. Mas era com
ele, e isso era o que me importava.

Arrumei-me na cama que estava completamente bagunçada e aos poucos o mar verde entrou em meu campo de
visão. Ficamos nos observando em silêncio, sem saber o que falar ou o que fazer.

- Eu... – sussurrou ele.

Coloquei mais uma vez o dedo indicador na frente dos lábios de Rafael e me aproximei.

- Eu te adoro – sussurrei na orelha direita dele.

O rapaz ficou parado a princípio, mas depois de alguns segundos, me agarrou com força e nossas bocas se
encontraram novamente.

Da segunda vez demorou menos, mas eu gostei tanto quanto o primeiro. Eu me debrucei no tórax daquele deus
grego e ele ficou acariciando os meus cabelos lentamente. Fechei os meus olhos e suspirei, feliz demais por tudo
aquilo ter acontecido.

- Eu te adoro também – disse ele, depois de muito tempo.

Eu sorri calado e continuei onde estava. O calor do corpo dele me envolvia e eu senti a proteção dele em torno de
mim.

- Eu preciso ir – disse depois de alguns minutos. – Meus pais não sabem que eu estou aqui.

- Não?

- Não.

- Você não os avisou?

- Não. Eles iriam perguntar demais.

- Mas eu não quero que você vá.

Os braços dele passaram por mim e me apertaram.

- Nem eu quero ir, mas eu preciso.

- Ah! Dorme aqui comigo...

- Quem dera pudesse Fael.

- Então me deixe ir dormir com você na sua cama?

Se ele pedisse novamente eu não teria como negar.

- Eu quero muito isso, mas se alguém lá em casa te vir, nós estamos mortos.

197
Ele suspirou e fez um biquinho lindo e de dar dó.

Demos um beijo lento e ao mesmo tempo rápido e eu coloquei-me de pé.

- Nós vamos nos ver amanhã, não vamos? – ele indagou.

- E você acha que eu vou querer me livrar disso tudo?

Ele sorriu e nós nos abraçamos e ficamos quietinhos, um no colo do outro. Dei mais um beijo no meu neném e
enfim, nós saímos do quarto.

- Não vou conseguir dormir hoje – falou ele.

- Por quê?

- Vou ficar pensando em você, como sempre.

Meu rosto queimou a tal ponto, que eu queria uma bacia de água para mergulhar a cabeça.

- Eu também vou pensar em você – falei timidamente.

- Promete?

- Não preciso prometer, porque desde que eu te conheci, não consigo fazer outra coisa.

- Ai lindo! – exclamou ele, me puxando para perto do corpo dele.

- Aqui não!

Eu me afastei rapidamente e abri a porta para o quintal. O sereno da madrugada caiu sobre nós dois e ele abriu o
portão para que eu pudesse passar.

- Estou louco para te beijar de novo – falou ele, olhando dentro dos meus olhos.

- Aqui não – eu repeti. – Quem sabe amanhã?

- Quem sabe?

- É.

- Quem sabe uma ova, eu não consigo mais ficar um segundo longe de você. Já me basta esse tempo em que
ficamos separados.

Fiquei vermelho de novo.

- Não vamos mais falar sobre isso, está bem?

- Uhum.

- Tenho que ir...

- Fica, vai?
198
- Não posso.

Ele pegou a minha mão e colocou novamente no peito dele. Eu fixei os meus olhos no dele e fiquei esperando o
que viria desta vez.

- Ele é todo seu.

Desmoronei. Queria muito poder abraçá-lo, poder beijá-lo... Mas não podia. Não naquele lugar, não naquela
circunstância.

Eu coloquei a mão dele no meu peito, ele abriu os dedos e esperou eu falar.

- Se o meu coração está batendo, é porque nós nos acertamos. Eu não ia aguentar mais ficar longe de você.

Ele sorriu e encheu os olhos de lágrimas. Senti que ele iria me agarrar a qualquer momento, então decidi agir.

Dei um abraço nele rapidamente e sussurrei em seu ouvido:

- Não esqueça que eu te... Adoro!

- Eu também te... Adoro!

Nós nos separamos e eu comecei a andar. Antes de abrir o portão, ficamos nos olhando e ambos mandamos um
beijo no mesmo tempo. Peguei o meu no ar e coloquei na minha boca, enquanto ele pegou o dele e colocou em
cima do peito. Eu sorri e ele sorriu em resposta.

Empurrei o portão de ferro e foi um sacrifício entrar em casa, mas o fiz porque já estava ficando com frio. Subi
para o meu quarto sorrateiramente. Arrumei minha cama, tirei minha roupa ficando somente de cueca e me
agasalhei em meu edredom. Naquela noite eu não teria escolha. Tudo o que eu conseguiria pensar e todos os
meus sonhos seriam destinados a ele.

Antes de adormecer na madrugada daquele sábado meu celular vibrou. Eu peguei o aparelho e havia uma nova
mensagem de texto. Eu a abri e li:

“Hoje foi o melhor dia de toda a minha vida. Eu não tenho palavras para descrever o tamanho da minha
felicidade. Dorme bem rapazinho.”

Eu li e reli aquela mensagem milhares de vezes. Antes de desmoronar de vez em meus sonhos, eu selecionei a
opção para responder o torpedo e escrevi:

“Hoje é o primeiro dia da minha nova vida. O meu medo, a insegurança e a dúvida se foram de dentro de mim.
Agora eu tenho certeza do que eu quero. E eu quero você. Durma bem garoto perfeito.”

199
Eu não consegui esperar a resposta dessa mensagem. Minhas pálpebras estavam pesadas e aos poucos os meus
olhos foram se fechando, até que por fim, eles não se abriram mais e eu entrei em uma gana de sonhos com o
Rafael... Sempre com o Rafael...

Eu despertei pouco antes da hora do almoço naquele dia. Quando desci as escadas, encontrei toda minha família
reunida à sala. As caixas da Árvore de Natal estavam espalhadas pelo chão à frente dos sofás.

- Bom dia dorminhoco – disse minha mãe. – Pensei que não ia levantar hoje.

- Estava hibernando? – brincou Marcus, com uma bola de vidro vermelha na mão.

- Quase – respondi sorrindo –, já vamos montar?

- Está na época, né? – comentou Giselle.

- Vá tomar seu café Eder, nós o esperamos – informou meu pai, que estava puxando a estante para o lado.

Eu entrei na cozinha, abri a geladeira, peguei presunto e mussarela, suco e requeijão. Os pães estavam na cesta
sobre a mesa e pelo jeito ainda estavam frescos. Pelo menos eu não teria de comer pão dormido... Cortei uma
fatia de mamão, coloquei em uma tigela, derramei duas colheres de mel dentro do recipiente e sentei-me para
comer.

- Bom dia Eder – disse Ricky, abrindo a geladeira e tirando a bacia de canjica.

- Bom dia mano – eu respondi, sem me virar.

- Tudo bem com você?

- Tudo e contigo?

- Melhor impossível.

Ele sentou-se à minha frente e pelo jeito que ele estava me olhando eu já sabia que viriam perguntas da parte
dele.

- Seu humor está melhor, ou é impressão?

Como eu havia imaginado.

- Não, não é impressão.

- Conversou com o Fael, né?

- Uhum.

- Desfizeram a confusão?

- Uhum.

200
- Estão amigos novamente?

Amigos? Acho que mais do que isso... Ou não?

- Uhum.

- Ah, você está monossílabo hoje pelo jeito.

- Não é que eu estou comendo mesmo.

Ele deu uma colherada na sobremesa e ficou me analisando com uma das sobrancelhas erguidas. Eu não
conseguia fazer aquilo...

- Sei, sei. Preparado para o aniversário?

- Uhum.

- Já comprei o presente.

- O que é?

- Não é da sua conta seu curioso. Só vai saber no sábado.

- Ainda falta uma semana.

- Nem ligo.

- Vai ter troco.

- Nem ligo.

- Ah, não? Bom saber... Me aguarde...

- Você não faz mal a uma mosca, não vai fazer nada comigo.

- Tô sem moral mesmo...

- Você nunca teve, na verdade.

- Que absurdo!

Eu terminei o meu café e deixei a louça suja dentro da pia. Guardei o suco e o requeijão novamente no
refrigerador e fui para a sala, a fim de ajudar meus irmãos e meus pais na montagem da Árvore e do Presépio.

Eu abri as caixas e fui tirando os galhos do pinheiro para que minha mãe e minha irmã pudessem ir colocando no
cabo. Quando estava tudo no seu devido lugar, nós levamos o símbolo natalino para o canto da sala e começamos
a colocar as luzes.

Foram três piscas-piscas para que todos os galhos pudessem ficar iluminados. O Marcus ligou a tomada e as
luzinhas se acederam, iluminando toda a sala.

201
- Perfeito – disseram minha irmã e minha mãe.

- Show – concordou Henrique.

- Vamos colocar os enfeites? – perguntou meu pai.

Cada um pegou uma coisa e colocou no pinheiro. Reza a tradição que todos os integrantes da família devem
colocar ao menos um enfeite na Árvore de Natal, então todos os anos, a minha família seguia essa lenda à risca.

- Filho, pode me passar a estrela da ponta? – perguntou meu pai.

- Uhum – eu respondi, entregando a estrela cadente a ele.

9 jul

Edєr

- Uhum – eu respondi, entregando a estrela cadente a ele.

Ele colocou o objeto no topo da árvore e por fim, nós terminamos.

- Falta o presépio – disse Giselle.

- Isso é fácil de montar – eu falei, deitando-me no chão para ficar mais fácil de manusear os bibelôs.

Eles me entregaram cada peça e eu fui colocando sob a Árvore de Natal. Em menos de dez minutos estava tudo
pronto.

- Vou precisar fazer o almoço agora – informou minha mãe. – Você me ajuda filha?

- Claro que sim mãe.

Elas foram para a cozinha e nós quatro ficamos na sala.

- Eu preciso de ajuda para colocar as luzes lá fora. Quem vai comigo?

- Nós três – respondeu Henrique.

- E ainda tem o corrimão da escada – lembrou Marcus.

- E as meias nas portas – falou meu pai.

- Calma, temos a tarde toda – eu disse.

- Vamos lá então. Eder vá pegar a escada com o seu irmão lá no porão.

- Uhum.

Eu e o Marcus fomos para o sótão, ao lado da lavanderia. Ele abriu a porta e eu entrei. Acendi a luz, peguei a
escada que o meu pai precisava e ele me ajudou a carregá-la.

- Cuidado com os móveis – eu o lembrei.


202
- É melhor a gente sair pela porta da cozinha.

- Ou então passar a escada pela janela da lavanderia.

- Vai dar muito trabalho. Vamos pela cozinha mesmo.

- Então segura em uma ponta que eu seguro na outra.

E assim nós fizemos. Eu fiquei com a parte dianteira e o Marquinhos com o final da enorme escada de madeira.

- Cuidado meninos – pediu a minha mãe.

- Está tudo sob controle – eu disse.

- Não se preocupe – finalizou o meu irmão caçula.

- Obrigado meus filhos – disse o meu pai, já posicionando a escada e começando a subir para instalar a
iluminação do telhado.

- Marcus me ajuda com essa fiação aqui? – pediu Henrique.

- Eder, segura essa escada moleque – mandou meu pai, com urgência na voz.

- Ah, desculpe pai.

Ele chegou ao último degrau e começou a esticar a cascata de pisca-pisca pela calha do telhado.

- Não vai ter problema quando chover, pai?

- Não, não filho. Os fios estão protegidos contra isso.

- Hum.

- Olá, boa tarde, rapaz!

- Quem é pai?

- O irmão da Gaby. Não lembro o nome dele.

- Rafael – eu disse entre suspiros.

- Isso aí.

- Ele está aí?

- Não né Eder! Está na janela do quarto dele eu acho.

Meu coração deu um salto. Ele estava ali... Pertinho de mim... E ao mesmo tempo tão longe...

O senhor Alexandre colocou a fiação até onde conseguiu e depois desceu. Nós dois empurramos a escada para o
lado leste de onde estávamos e ele subiu novamente, terminando o serviço depois de quinze minutos. Tudo ficou
perfeito.
203
- Pai sobrou essas luzes aqui – disse Henrique. – Quer colocar em algum lugar?

- Que tal na janela pai? – arriscou Marcus.

- Boa ideia filho. Mas tem de ser em uma janela que tenha visão para a rua.

- A da cozinha – eu disse.

- Bem lembrado. Enrosca lá para mim Eder? Eu vou ao banheiro rapidamente.

- Pode deixar pai.

Eu e meus irmãos fomos até a janela da cozinha e ficamos pensando em como fazer para as luzes ficarem em
uma posição adequada.

- Mãe, pode fechar a janela, por favor? – pediu Henrique.

Ela fechou e eu passei o fio pelas grades da vidraça com cuidado.

- E a tomada?

- Tem que ficar lá dentro – orientou Marquinhos.

- Será que alcança?

- Só colocando para ver.

- Mãe, abre para mim?

Ela abriu e ficou me olhando com ar de curiosidade.

- Isso vai prestar?

- Vamos testar agora. A senhora pode colocar a tomada para mim?

Eu entreguei o fio e ela pegou, mas antes secou as mãos no avental de pano que estava trajando.

- Nossa! Vocês acertaram em cheio – aprovou minha irmã. – Ficou muito maneiro.

- Acabaram aí fora? – indagou minha mãe.

- Acho que sim – falou Henrique.

- Pronto? – perguntou meu pai, vindo supervisionar o nosso trabalho. – Ótimo!

- Só o corrimão agora? – perguntou Marquinhos.

- E as portas.

- Não esqueçam das guirlandas das portas do quintal – falou minha mãe.

- Ah, é mesmo amor. Onde elas estão?


204
- No sofá – disse minha mãe.

Eu senti cheiro de arroz sendo preparado e comecei a ficar com fome.

- Eu pego – disse Henrique.

- Vocês dois, vão arrumando o corrimão, então.

Eu e o caçula entramos pela porta da cozinha e fomos direto para a sala. Peguei a ponta do primeiro fio de luzes e
comecei a envolver o corrimão de cima a baixo.

- Cadê aquela tira verde que é que nem o galhinho da árvore? – perguntou meu irmão.

- É mesmo Marcus. Vê se está na caixa aí.

- Eita, está sim.

Ele puxou o enfeite e eu já comecei a envolvê-lo junto ao pisca-pisca. Foi demorado, mas finalmente nós
terminamos a decoração de final de ano de nossa casa.

- Ficou lindo – disse minha mãe.

- Adorei – disse Giselle.

- Eu gostei também – falou meu pai –, ficou diferente da do ano passado.

- Temos que inovar né?

- Não tem mais nada a ser feito? – perguntou Henrique.

- Não. Vamos comer amor?

- Vamos sim meu bem, já está tudo pronto.

Entrei no quarto com a toalha enrolada na cintura e o cabelo molhado respingando água no meu rosto. Eu abri a
porta do meu armário, peguei uma camiseta preta e uma bermuda azul. Não parei para escolher peças, apenas
peguei as primeiras que vi. Abri a gaveta de cuecas e puxei uma de cor amarela que eu usava raramente.

- Vai você mesmo.

Fechei as portas e a gaveta de meu guarda roupa e sentei-me em minha cama para poder me secar mais
facilmente. Eu estava quase tirando a toalha da cintura, quando percebi os olhos do caçador a me observar, da
janela do quarto dele.

- Oi – ele disse com a voz um pouco elevada para que eu pudesse ouvi-lo.

Eu fui até a minha janela para podermos conversar melhor, sem ter que alterar a voz.

- Há quanto tempo você está aí?


205
- Alguns minutinhos.

- Você não viu nada indevido não, né?

Ele suspirou e sorriu, sem tirar os olhos de mim.

- Infelizmente não – respondeu por fim.

Eu corei de vergonha e baixei os olhos.

- Seu bobo – eu disse timidamente.

- Não fique com vergonha moço...

Foi aí que eu fiquei com mais vergonha ainda.

- Você é tão lindo quando está tímido – disse ele lentamente. – Você é lindo em qualquer momento é claro, mas
vermelhinho assim... Tão fofo!

Pronto, ele já estava me deixando roxo ao invés de vermelho.

- Olha para mim rapaz – pediu ele.

Eu lutei para conseguir erguer os meus olhos, mas quando consegui, mergulhei no meu oceano particular que eu
tanto admirava.

- Lindo! – exclamou Fael.

- Ai...

- Não fica assim – riu-se ele. – Ai que coisa mais fofa. Vem aqui em casa para eu poder te abraçar?

- Bem que eu queria ir mesmo, mas vou jantar fora com meus pais.

- Ah! – ele fez um bico lindo e eu morri de vontade de beijá-lo.

Ficamos nos observando por uma fração de segundos e eu senti a minha toalha afrouxar da cintura. Olhei para
baixo e o volume na frente do tecido estava visivelmente avantajado.

- O que foi? – perguntou ele.

- Nada, não é nada.

Eu apertei a toalha para ela não cair e nós continuamos ali, um observando o outro, um analisando o outro.

- Eu sonhei com você esta noite – disse ele.

- Sério? Eu também sonhei com você. Só com você.

- Jura? Conta como foi?


206
- Eder? – chamou Marcus, entrando no meu quarto.

Eu virei o rosto rapidamente e fiquei vermelho novamente. Não gostava de ficar daquele jeito na frente dos meus
irmãos.

- Vai demorar muito aí? O pai já está chamando, já.

- Eu já vou descer maninho – respondi.

- Tá bom então. Não demora.

- Pode deixar.

Ele saiu e encostou a porta.

- Você tem de ir, já?

- É – respondi fazendo um bico. – Mas eu não queria.

- Então não vai, fica aqui comigo...

Mordi o lábio. A tentação era enorme. Mas eu não podia desmarcar tão em cima da hora com meus pais. Eu não
ia fazer isso com eles.

- A noite a gente se vê. Pode ser?

- Já é de noite.

- Você me entendeu Rafael!

Ele sorriu.

- É que a noite eu vou sair com alguns amigos.

- Vai para a balada?

- Mais ou menos.

- Hum. Entendi.

Eu fiz um biquinho e dessa vez foi a vez dele morder o beiço.

- Só se... Só se você vier comigo.

- O quê? Ficar a noite toda fora de casa? Só se você quiser ir ao meu velório amanhã

- Exagerado.

- É sério.

- Eder – gritou meu irmão mais velho. – Anda logo.

207
- Já estou terminando – gritei em resposta. – Eu tenho de ir mesmo garoto perfeito.

- Adorei a sua mensagem. Desculpe, eu peguei no sono, por isso não respondi.

- Tudo bem, eu também dormi.

- Me liga quando você chegar. A gente dá um jeito de ficar junto. Eu não aguento mais de saudade.

- Nem eu.

Nós ficamos calados por um segundo e então eu me lembrei do compromisso com a family e decidi começar a
me vestir. Coloquei a camisa na frente dele.

- Eu te ligo então.

- Vou esperar.

- Pode esperar.

Ele sorriu e eu também.

- Então tchau – eu disse.

- Não vai se arrumar?

- Uhum.

- Então. Enquanto isso a gente vai conversando.

- Não senhor. Eu sei muito bem o que o senhor quer. Nem pensar!

- Ah! – ele exclamou rindo.

- Beijo. Te adoro.

Eu fechei a janela de alumínio e coloquei minha roupa rapidamente. Tive que lutar com meu membro por alguns
segundos, porque ele não queria abaixar devido o desejo acumulado...

Desci as escadas correndo e todos estavam a minha espera. Eu teria de dar um jeito de encontrar o meu gatinho
àquela noite, senão eu ia morrer de tanta saudade e meu coração ia explodir de tanta paixão.

Eu não abri a boca durante o trajeto até o restaurante onde nós iríamos jantar. Quando meu pai desligou o carro
no estacionamento, a gente desceu e eu me espreguicei. Só o que eu tinha em minha mente era ele e nada mais.

- Está novamente no mundo da lua – sussurrou Henrique no meu ouvido. – No que você está pensando?

- Em nada – menti, sentando na cadeira ao lado da Giselle.

- Eu não nasci ontem Eder – continuou meu irmão, mas eu não dei bola para ele.

- Eu estou faminta – comentou Giselle, pegando o cardápio e analisando as opções.

208
Marquinhos sentou-se à minha frente e também abriu o folheto. O local era bem simples, mas as instalações eram
agradáveis e a comida parecia boa e isso era o que importava para mim.

Nós fizemos as nossas escolhas. Eu não estava com muita fome, por isso, escolhi apenas salada de alface com
tomates e um suco de caju.

- Só isso? – espantou-se minha irmã.

- Não estou com fome – falei. – Eu comi muito no almoço.

O celular do Henrique tocou e ele pegou o aparelho para ver quem era. Com certeza seria a namorada.

- Com licença – disse ele para poder atender e se retirou do local, entrando no banheiro minutos depois.

Meus pais estavam conversando entre si e eu ainda pensava no meu gatinho, não conseguia pensar em outra coisa
a não ser em ficar com ele. Eu teria que dar um jeito de ficar com ele àquela noite...

Alguns minutos depois meu irmão voltou e sentou-se novamente ao lado do Marquinhos. Ele pediu desculpas
pelo ocorrido e em seguida nossos pratos chegaram.

A gente comeu tranquilamente e quando eu pensei que iríamos embora, meu pai pediu a atenção de todos para
um comunicado importante.

- Eu e a mãe de vocês estivemos pensando e nós chegamos a conclusão que iremos viajar neste final de ano.
Todos nós.

- Jura pai? – entusiasmou-se Giselle.

- Para onde? – indagou Marcus também animado.

Eu olhei para o Henrique e ele estava com o olhar perdido. E a Gabrielle?

- Nós temos algumas opções – falou minha mãe. – Podemos ir para o Rio de Janeiro para visitar nossos parentes
de lá.

- Para Angra dos Reis – interveio o Sr. Alexandre.

- Porto de Galinhas – sugeriu Dra. Marina.

- Ai só lugar lindo – disse Giselle. – Assim fica difícil da gente escolher.

- E eu estive pensando – finalizou meu pai –, em ir para Portugal, na casa dos avós de vocês.

Nós quatro ficamos em silêncio por um momento. Eu olhei para o Marcus, ele para a Giselle, a Giselle para o
Henrique e este para mim. Portugal? Viagem internacional? No final do ano? Mas... E o meu gatinho? Como
faríamos?

- Pai... – gemeu Henrique.

209
- Se você quiser, ela pode ir – disse minha mãe.

Ele arregalou os olhos instantaneamente e não conseguiu argumentar mais nada.

E o Rafael? Será que ele poderia ir também?

- O que acham? – perguntou o chefe da nossa família.

- Na verdade – falou Marcus –, eu não sei.

- Nem eu – disse Giselle.

- E vocês meninos?

- A gente pode pensar e responder depois? – perguntou Henrique.

- Temos um mês – falou meu pai. – Pensem rápido. Eu preciso me programar.

- Não fala nada filho? – perguntou minha mãe.

- Concordo com eles mãe – eu respondi. Eu não queria ficar longe dele, passar o final de ano em casa para mim
seria perfeito.

- Então decidam – concordou o meu pai. – E quando tomarem a decisão, vocês avisam.

Nós quatro concordamos e eu, meus irmãos e os nossos pais nos levantamos. Eles foram pagar a conta e nós
saímos para o estacionamento.

- Nossa eles me deixaram em dúvida – disse Giselle.

- Porto de Galinhas deve ser lindo – comentou Marquinhos.

- E Angra então?

- Mas eu estou com saudades da vó e do vô – intrometeu-se Henrique.

- É eu também estou – suspirou Giselle. – Bem que eles poderiam vir ao invés de nós irmos.

- Mas já pensou, a gente conhecer Portugal? – lembrou Marcus.

- Deve ser maravilhoso – eu disse.

- Depois a gente discute isso – Henrique abriu a porta e entrou.

Eu entrei em seguida e os outros dois ficaram brigando para ver quem iria ficar na janela. Olhei para Henrique e
ele estava com o olhar perdido, pensando na namorada.

- Eu sei como você se sente – disse baixinho.

- Sabe? Como você pode saber?

Quem me mandou abrir a boca?


210
- Eu imagino, né?

O Marcus entrou com um bico no rosto e sentou-se ao meu lado, com os braços cruzados.

- Hum – suspirou Henrique.

- Acalme-se irmãozão – eu falei, dando um soco na coxa dele. – Vai dar tudo certo.

Marcus encostou a cabeça no meu ombro e eu o abracei. Fiquei fazendo cafuné na cabeça dele, enquanto os
outros ficaram olhando pela janela, perdidos em pensamentos.

- Você é folgado mesmo – eu disse.

- Para de ser chato moleque – riu-se Marquinhos.

- Já comprou meu presente, né?

- Interesseiro. Mas já comprei sim.

- O que é?

- Um frango assado.

- Nossa – fiz um biquinho –, obrigado.

Fingi que fiquei triste e nós dois demos risada. Meus pais entraram e nós saímos dali. O meu celular tocou, eu
tirei o braço de cima do ombro do meu irmão e levantei o quadril para poder pegar o aparelho.

- Está difícil aí filho? – riu o Sr. Alexandre.

- Mais ou menos – eu disse, conseguindo tirar o celular do bolso depois de alguns segundos de tentativa. Eu olhei
o número no identificador e meu coração se aqueceu. – Oi.

- Oi meu garoto – disse Fael. – Já chegou?

- Oi, não ainda não. Por quê?

- Tem gente aí?

Eu abaixei o volume do áudio sem tirar o aparelho do ouvido para que ninguém pudesse escutar a nossa
conversa.

- Uhum – respondi. – O que está fazendo?

- Pensando em você.

Eu queria sorrir, mas não podia demonstrar nada para a minha família.

- Então, será que a gente vai conseguir se ver?

- Não sei – respondi com sinceridade –, mas eu espero que sim.

211
- Quem é? – indagou meu irmão.

- Para de ser curioso – falei baixinho. – Quando eu chegar em casa eu te ligo, pode ser?

- Será que você vai demorar?

- Pai, nós vamos direto para casa? – perguntei.

- Vamos sim Eder. A não ser que vocês queiram ir a outro lugar antes.

- Acho que em meia hora eu te ligo – falei para o Rafael. Eu o escutei suspirando do outro lado da linha.

- Já estou com saudades.

Eu tossi sem vontade para ele entender.

- Não esquece de me ligar.

- Pode deixar.

- Beijo.

- Outro.

- Tchau.

- Tchau.

Eu fechei o aparelho e reabri para puxar o saldo de créditos.

- Quem era? – repetiu Henrique.

- Caramba Henrique que curiosidade! É meu amigo.

- Que amigo?

- Deixa o seu irmão filho – mandou minha mãe.

- Obrigado mãe.

- Mas eu também quero saber – falou Giselle.

- Ah, cala a boca periguete.

- Meninos! – alertou meu pai com a voz grave e o rosto fechado.

Ela mostrou a língua para mim e virou o rosto para a janela, abrindo o vidro para o vento entrar.

Marquinhos deitou a cabeça novamente no meu ombro e eu o abracei pela segunda vez.

- Está carente? – perguntei baixinho.

212
- Uhum – respondeu ele.

Apertei o abraço e fiquei fazendo carinho nos cabelos dele, mas o que eu queria mesmo era fazer isso com o
Rafael... Será que eu ia conseguir?

- Que lindo meus filhos – disse meu pai sorrindo.

Nós dois olhamos para ele e sorrimos juntos. Minha mãe também nos olhou.

- Adoro ver vocês assim.

- Eu estou com sono – bocejou Marcus. – É bom ter um travesseiro por perto.

- Ah, é para isso que eu sirvo?

Empurrei-o de brincadeira e ele foi parar no ombro da Giselle, mas não se mexeu. Fechou os olhos para tentar
dormir, mas ela também o empurrou e ele veio cair novamente no meu braço.

- Estou me sentindo uma bola de pingue-pongue.

Minha mãe soltou uma gargalhada alta que só ela sabia dar e meu pai parou no sinal vermelho.

Todas as casas de nossa rua estavam com as luzes apagadas, exceto a casa ao lado da nossa. A casa da família do
Rafael.

- A Gaby está em casa Ricky? – perguntou minha mãe.

- Sim.

- Você poderia ter a convidado para jantar conosco.

- Ela não quis.

- Ué, por que não? – intrigou-se meu pai.

- Acho que estava com vergonha, sei lá.

- Bobagem – disse meu pai. – Ela já é da família.

Os olhos do Henrique se iluminaram e ele abriu um sorriso de orelha a orelha. Será que eles iriam dizer o mesmo
do Rafael quando soubessem o que estava acontecendo?

A Giselle desceu e abriu o portão para o meu pai passar, o fechando assim que o automóvel entrou na garagem
por completo.

- Obrigado minha linda – agradeceu o poderoso chefão.

- É só aumentar a minha mesada – gritou Giselle em resposta.

213
- Mercenária – suspirei.

- Vou pensar no seu caso mocinha – brincou o meu pai, tirando a chave da ignição. – Henrique você precisa
cuidar do seu carro. Ele está todo sujo.

- Vou lavá-lo amanhã pai.

- Acho bom. Cuide do seu patrimônio.

- Pode deixar.

Nós cinco descemos e entramos pela porta da sala como de costume. Olhei para o relógio e vi que já era mais de
dez horas da noite. Ainda estava em tempo de sair com o Rafael.

- Mãe, pai, eu acho que vou sair com a Gaby – disse Henrique.

- Aonde vocês vão? – perguntou minha mãe.

- Não faça perguntas indiscretas amor – disse meu pai, querendo rir.

Henrique ficou vermelho de vergonha e eu comecei a suspeitar de alguma coisa. A Dra. Marina não conseguiu
ficar na sala para ouvir o resto da conversa, subiu para o quarto ás pressas com meus dois irmãos mais novos.

- Quer dinheiro filho? – sondou meu pai, cheio de si.

- Não pai, obrigado... Nós vamos para...

- Não precisa dar explicações Ricky. Você é maior de idade, eu confio plenamente nas suas decisões.

- Obrigado...

Ele estava tímido, não conseguia olhar para o meu pai e nem para mim. Acho que eles nem perceberam a minha
presença ali.

- Você está se prevenindo, não está Henrique?

- Pai! – exclamou ele, completamente vermelho.

- Não precisa ter vergonha de mim meu filho. Eu sou seu pai e é natural a gente falar sobre esses assuntos.

- Não é o que o senhor está pensando! – exclamou Henrique. – Eu vou para uma danceteria com ela e os amigos
dela...

- Ah! Ah! Desculpe... Acho que eu me precipitei um pouco...

Agora quem estava com vergonha era o meu velho.

- Não quer mesmo dinheiro?

- Não, não. Não se preocupe. Posso ir?

214
- Claro que pode filho. Já disse que confio em você.

Será que ele confiaria em mim também? Vi uma luz no fim do túnel naquele momento. Se ele estava deixando o
Henrique sair de casa, também teria que me deixar ir com o Rafael.

- Obrigado pai. Eu vou com meu carro... Não irei demorar.

- Tudo bem. Qualquer coisa me ligue.

- Pode deixar.

Ele subiu correndo pela escada e eu ouvi a porta do quarto sendo batida, segundos depois.

- Ah, você está aí – surpreendeu-se meu pai. – Não tinha te visto.

- É...

Eu sentei. Não sabia por onde começar.

- Pai...

- Ih! O que é que o senhor quer?

Ele sentou-se ao meu lado e passou o braço pelo meu pescoço.

- Sabe o que é...

- O quê?

- É que assim...

- Desembucha logo. O que você aprontou?

- Nossa... Eu não aprontei nada...

- Então por que não fala de uma vez?

- Eu estou tentando...

- Estou ouvindo.

Fitei os olhos dourados do meu progenitor, criei coragem e soltei de uma vez.

- Sabe o Rafael? O irmão da Gabrielle?

- Sei. O que tem ele?

- É que ele me convidou para ir a uma festa...

A fisionomia dele mudou da água para o vinho. De repente as sobrancelhas estavam unidas e a face carrancuda.
Eu já estava começando a me preparar para o pior.

215
- Uma festa?

- É... É da amiga dele e eu queria muito ir...

- Eder, Eder, Eder... Você não está me pedindo para sair de casa agora, está?

- O senhor deixou o Henrique ir...

- Mas o seu irmão é maior de idade, você não.

- Mas eu não vou ir sozinho, eu vou ir com o Rafael e ele é da idade do Henrique. Ah, pai deixe-me ir vai? Por
favor?

Ele suspirou e ficou olhando nos meus olhos. Eu tentei não tremer, não mudar os olhos de posição para ele
ganhar a minha confiança.

- Só irão vocês dois?

Ufa!

- E alguns amigos dele.

- E você os conhece?

- Não, mas irei conhecê-los.

- Me dê um motivo para eu deixar você ir.

- Porque eu mereço! Lembra que o senhor me pediu para escolher um presente de aniversário? Um que fosse só
meu? Pois é este que eu quero.

Ele sorriu e bagunçou os meus cabelos.

- Quero conversar com este rapaz. Preciso ter certeza que ele é de confiança e que ele vai cuidar direitinho do
senhor.

- Eu peço para ele vir aqui.

- Então faça isso. Era ele ao celular?

- Era sim.

- Tudo bem. Mas não conte aos seus irmãos, senão eles vão querer e eles são muito novos para isso. Não que
você possa. É uma exceção porque é o seu aniversário.

- Pode deixar pai! Eu te amo!

Agarrei o pescoço do meu velho e tasquei-lhe um beijo na bochecha.

Ele deu risada e eu subi para poder ligar para o meu gatinho. Deitei na cama radiante e disquei o número do
celular do Rafael. Ele atendeu no primeiro toque.
216
- Oi meu garoto. Já chegou né?

- Oi. Já sim. Adivinha?

- O que foi?

- O Henrique estava conversando com o meu pai e disse que iria sair com a Gaby. Eu aproveitei a oportunidade e
conversei com ele. Eu disse que você havia me convidado para uma festa e disse que nós iríamos com seus
amigos. Daí ele ficou em dúvida, mas por fim cedeu. Só que ele quer conversar com você primeiro.

- Você é demais mesmo! Eu posso ir aí agora se você quiser.

- Vem então. Eu te espero no portão.

- Tá certo. Já estou chegando.

A gente desligou o telefone e eu desci feito um jato pela escada.

- Ele já vem pai.

- Que rapidez, hein?

- Pois é.

Abri o portão e fiquei esperando, batendo o pé direito no chão de tanta ansiedade. Quando eu vi aquele marmanjo
lindo chegando perto de mim, me deu vontade de sair correndo e pular nos braços dele, mas eu não podia. Não
naquele momento.

- Oi!

- Oi meu garoto! Que saudade.

- Eu também.

Ele quis me abraçar, mas eu tirei o corpo de perto dele.

- Aqui não. Agora não. Vamos ter tempo para isso depois.

Ele sorriu cheio de si e entrou.

- Onde o Alexandre está?

- Na sala. Anda, entra logo.

- Com licença.

Ele passou e eu fechei o portão com cuidado, para não fazer barulho. Rafael entrou pela porta da sala e já foi
logo cumprimentando o meu pai.

- Boa noite Alexandre.

217
- Boa noite Rafael, tudo bem?

Eles apertaram as mãos e eu percebi que o Fael não tirou os olhos dos olhos do meu pai.

- Tudo e você?

- Estou bem. Quer dizer que você quer seqüestrar o meu filho?

- Isso. Só por algumas horinhas.

- Aonde vocês vão?

- É uma festa na casa da minha amiga. Eu gostaria muito que o Eder fosse, queria apresentar uma amiga para ele.

Meu pai não piscou. Ele estava processando a ideia. E eu sabia que ele iria deixar só pelo fato do Rafa ter
colocado uma garota no meio.

- Vocês voltam que horas?

- Garanto que não iremos demorar muito. Eu vou de carro. E eu vou fazer ele se comportar direitinho.

- Acho bom. Acho bom. Qualquer eventualidade, pode me ligar. Você tem o telefone, não?

- Eu pego com ele.

- Ótimo. Então está bem. Só não acostume viu Eder? Não pense que isso irá acontecer continuamente.

- Tudo bem pai. Valeu!

- Obrigado Alexandre. Eu o trago para casa.

- Está bem Rafael. Você é confiável. Fique tranquilo.

- Obrigado. Eder em meia hora a gente vai, está bem?

- Uhum. Vou tomar banho e me arrumar ainda.

- Eu também. Acompanha-me até o portão?

- Uhum.

- Até mais então Alexandre.

- Até Rafa. Cuide-se e cuida desse menino.

- Pode deixar.

Nós saímos e quando estávamos a sós, sorrimos um para o outro.

- Você é demais! – exclamei.

- Moleza. Eu já sei aonde nós vamos.


218
- Aonde?

- Surpresa. Meia hora. Não se atrase.

Ele apertou minha bochecha e eu corei. Aonde será que ia me levar?

Eu passei perfume suficiente para que este durasse durante toda a noite. Olhei o visual mais uma vez pelo
espelho, arrumei um fio de cabelo que estava fora do lugar, peguei meu celular, minha carteira, o pacote de
Trident de menta e desci para a sala.

- Aonde você vai Eder? – espantou-se meu irmão. Ele estava usando o mesmo perfume que eu.

- Vou a uma festa.

- Sozinho? – ele estava com os olhos arregalados de novo. – Os pais sabem?

- Eu deixei Henrique. Ele não vai sozinho, o irmão da sua namorada vai com ele.

- O Rafa vai? É aonde?

- Não sei – eu disse. – É de uma amiga dele.

- Caramba, eu estou surpreso.

- É uma exceção – lembrou meu pai que ainda estava assistindo televisão no sofá. – Só porque é aniversário.

- Ah! Entendi!

- Não precisa me lembrar de cinco em cinco minutos pai – eu falei.

- É só para você não se esquecer.

- A sua gola está torta – falei para Henrique.

Ele tentou arrumar mas não conseguiu. Eu puxei ele para perto de mim e arrumei a camisa dele sem dificuldade.

- Obrigado.

- Você vai para a danceteria mesmo, não é? – sussurrei para meu pai não ouvir.

- Vou – disse ele. – E você não está mentindo não, está?

- Por que eu o faria?

- Não sei...

- Não estou mentindo não. Você sabe que eu não consigo fazer isso muito bem.

- É eu sei. Eu confio em você.

219
- Eu também confio em você.

A campainha tocou e nós dois viramos o rosto ao mesmo tempo. Quem seria? A Gabrielle ou o Rafael?

Minha mãe desceu as escadas lentamente. Ela já estava vestindo a camisola para dormir.

- Você vai sair Eder? Aonde você pensa que vai?

- Calma amor. Eu deixei ele ir.

- E você não me consulta Alexandre?

- Calma, calma. É pelo aniversário dele.

- Aonde você vai?

- A uma festa – eu respondi firmemente. – Com o irmão da Gaby.

- Só irão vocês dois?

- Não. Os amigos dele também vão. Eu não vou demorar, prometo.

Ela ficou analisando a situação e a campainha tocou de novo.

- Vai abrir o portão Henrique – mandou meu pai.

- Ah, é mesmo!

- Eu quero o senhor aqui antes da meia noite.

- Mas mãe, já é mais de onze!

Ela olhou para o relógio de parede ao lado da estante e ficou constrangida.

- Amor não se preocupe. Eu estou à frente da situação. Vamos para o quarto descansar, vamos?

Ele desligou a televisão e se levantou.

- Vou beber um copo de água Alexandre – disse a minha mãe. – Não demore está me ouvindo?

- Pode deixar.

Ela deu um beijo na minha testa e andou até a cozinha. Meu pai se aproximou de mim e me entregou duas
cédulas de dinheiro.

- Não precisa...

Ele levantou a mão para eu me calar.

- Não estou perguntando se você quer ou não. Leve.

Eu assenti com a cabeça e ele também beijou a minha testa.


220
- Se comporte.

- Sempre.

- Juízo.

- Pode deixar.

- Não faça nenhuma bobagem.

- Uhum.

- Não beba.

- Nunca.

- E você já sabe o resto.

- Sei sim.

- Amanhã eu quero ter uma conversa com você. Em particular.

Ai, ai, ai, ai, ai! O que seria daquela vez?

- Não me olhe desse jeito. Não vou brigar com você. É só uma conversa de pai para filho.

Eu assenti novamente e a vi a Gabrielle entrando pela porta.

- Boa noite – disse ela.

- Oi Gaby! Como você está?

Meu pai foi cumprimentá-la e eles trocaram um beijo no rosto.

- Estou bem. E o senhor?

- Eu já disse para me chamar de você. Eu vou bem. Eu posso saber por que a senhorita não quis ir jantar conosco
hoje?

Ela ficou sem graça e não soube o que responder.

- Ah, jantar em família, não quis atrapalhar.

- Você já é da nossa família – disse meu pai sorrindo. – E não atrapalha em nada.

Minha mãe saiu da cozinha e voltou para lá às pressas para a Gabrielle não vê-la de camisola. Eu e meu irmão
caímos na gargalhada e meu pai e a Gaby ficaram sem entender.

- Qual é a graça? – indagou meu pai.

- Nada – respondemos em uníssono.

221
- Oi Eder – disse Gabrielle.

- Oi moça, tudo certo?

- Uhum. Vai sair?

- É. Vou a uma festa com o seu irmão.

Ela sorriu e me analisou.

- Aproveite.

- Pode deixar. Boa balada para vocês.

- Obrigada.

Ela e meu irmão saíram de mãos dadas, ao mesmo tempo em que a campainha tocou novamente.

- Vai lá menino. Comporte-se.

- Pode deixar pai.

Eu saí pela cozinha para ver a minha mãe e me despedir.

- Ela já saiu?

- Já.

- Ai, isso são horas? O Henrique ao menos poderia ter me avisado...

- Calma ela já foi. Pode ir.

- O senhor trate de se comportar.

- Sempre mãe.

Eu abri a porta e saí.

- Tchau.

- Até amanhã.

Meu irmão buzinou para eu abrir o portão e eu o empurrei rapidamente. Percebi que o Rafael estava impaciente,
segurando no muro com a mão direita.

- Até que enfim.

- Meu irmão vai passar com o carro – eu alertei.

Ele deu um passo para o lado e o Henrique passou com a namorada.

- Boa noite Fael – disse Ricky –, como está?


222
- E aí Ricky, beleza? Tá tudo joia.

- Precisamos marcar uma pelada qualquer dia.

- Pode crer. Eu vejo com os moleques e te aviso.

- Falou. Juízo Eder.

- Pode deixar. Vocês dois também.

Ele acelerou e em questão de segundos o carro desapareceu na esquina.

- Vamos meu garoto?

- Vamos sim – suspirei.

Eu fechei o portão e passei a chave. As luzes da cozinha e da sala foram apagadas, restando apenas a do quarto
dos meus pais acesa.

- Posso saber aonde nós vamos?

- Pode não. Já, já o senhor irá descobrir.

Rafael abriu o portão duplo da casa dele e nós dois entramos. Ele abriu a porta do carona para mim e eu me
sentei, colocando o cinto de segurança em seguida.

- Já vai, filho? – perguntou Jorge.

- Já pai.

- Ah, olá rapaz!

- Boa noite senhor Jorge – eu disse, acenando.

- Senhor nada. Aproveitem!

- Obrigado – respondemos eu e o Rafa, juntos. Ele deu a ré no carro e quando estávamos na rua, ele desceu para
fechar os portões.

Fiquei olhando ele pelo pára-brisa do carro. Como estava bonito. Camisa social preta, porém de zíper, calça jeans
azul e tênis branco. Os cabelos arruivados estavam espetados e desgrenhados, a roupa ficou agarrada no corpo
devido os músculos salientes e o perfume estava simplesmente delicioso... Perfeito, sem a menor sombra de
dúvidas.

Ele entrou, colocou o cinto, ligou o rádio bem baixinho e bateu a porta, ligando o carro em seguida.

- Pronto. Agora somos eu e você – falou, olhando para mim.

Eu não disse nada, apenas curti aqueles olhos verdes que eu tanto amava. Ele saiu em uma velocidade acima do
permitido e nós não falamos mais nada.

223
- Chegamos – disse ele.

Eu olhei para todos os lados, tentando reconhecer o local, mas foi em vão.

- Que lugar é esse?

- Ali é a casa do meu primo – falou ele, apontando uma casinha pequena, porém linda, com o queixo.

- A casa do seu primo?

- É. Ele não está aí e eu tenho a chave. Assim nós poderemos ficar a sós.

- Pensei que iríamos para um lugar movimentado.

- Não quer ficar sozinho comigo?

- Claro que eu quero!

Ele sorriu e estacionou o automóvel no meio fio. A casa não tinha garagem pelo que eu tinha percebido.

- Não é perigoso deixar o carro aqui?

- Não. O bairro é tranquilo.

- Que bairro é este?

- Não estamos em São Paulo meu lindo. Aqui já é Guarulhos.

- Por isso que nós andamos tudo isso. Logo vi que não iríamos ficar na cidade.

- Você é muito inteligente.

- Obrigado. Posso saber por que o senhor tem a chave da casa do seu primo?

- É que ele deixou uma cópia comigo para alguma eventualidade.

- E essa eventualidade seria qual?

- Esta por exemplo. Quando eu quero ficar a sós com uma pessoa eu venho para cá.

- E ele não vai chegar?

- Ele está trabalhando nos Estados Unidos. Vem aqui só uma vez por mês. Acho que ele vai acabar vendendo
isso aqui.

Eu entrei pela porta de madeira e ele acendeu a luz. Estávamos na cozinha. Era tudo muito simples, mas
completamente aconchegante.

- Não repare, é tudo humilde.

- Não me importa onde estou. Importa com quem eu estou.

224
Ele me puxou pela cintura e nós começamos a nos beijar ali mesmo. Foi um beijo rápido. A língua dele penetrou
minha boca e a minha a dele. Eu passei a mão pelas costas dele e ele deixou as duas na minha face. Mordisquei
os lábios dele devagar e isso me deixou louco de desejo.

Aos poucos nós fomos andando sem parar o beijo e quando eu dei por mim, já estava deitado em uma cama de
casal. Ele ligou o abajur sem interromper nosso momento e eu prendi as minhas pernas em volta da cintura do
Rafael, louco para continuar o que nós tínhamos começado.

Ele parou de me beijar e encostou a testa na minha. Nós ficamos nos observando com os lábios entreabertos. Eu
queria mais, muito mais...

- Eu precisava disso – ele falou baixinho.

- Eu também – respondi.

Ele se deitou ao meu lado e eu fiquei de frente para ele para nós podermos conversar.

- Senti a sua falta.

Ele acariciou o meu rosto e eu deixei minha mão sobre seu peito.

- E eu a sua.

- Sabe meu garoto, eu estive pensando.

- Em quê?

- Em muitas coisas.

- Diga-me.

- Como eu disse antes, tudo está sendo novo para mim.

- Para mim também Fael.

- Pois é. Eu nunca me imaginei nesta situação, sabe?

- Uhum. Eu também senti isso no começo.

- Eu ainda estou confuso.

- Com relação ao quê?

- A tudo o que está acontecendo.

- Como assim?

- Não sei Eder. Não sei. Eu tenho muitas perguntas em minha mente e não tenho resposta para elas.

- Comigo acontece o mesmo Fael. No começo principalmente. Agora não tanto, mas mesmo assim ainda restam
questionamentos.
225
- É como se eu estivesse redescobrindo como andar.

- Quais as suas dúvidas?

- Ah, por exemplo. Eu sei que eu te quero, isso é fato, mas eu não sei por quê.

- Você sentia atração por homem antes?

- Nunca senti. Ah, vai, só algumas vezes.

- Mas você nunca se relacionou com nenhum, não é?

- Você é o primeiro. E espero que seja o único.

- Você não pode se recriminar Rafa.

- Não, não por isso seu bobo. Espero que você seja o único porque eu quero ficar ao seu lado pelo resto da minha
vida.

Nossa! Senti os meus olhos se encherem de lágrimas. Como ele podia ser tão perfeito?

- Eu sinto o mesmo que você.

Ele sorriu e me beijou lentamente. Quando percebemos que o clima começou a esquentar, nos separamos e
continuamos a conversar:

- Você acha que você é bi? – perguntou ele.

Eu fiquei calado por um momento, mas logo respondi:

- Não Fael. Eu não sinto atração por mulher. Eu sou gay.

Dessa vez foi ele que ficou quieto.

- Você é bi, né?

- Desde que eu te vi pela primeira vez, eu não sinto absolutamente nenhum desejo por mulheres. Então acho que
isso significa que eu não sou bissexual não é?

- Não sei, mas acho que sim.

- E isso também não me importa. Isso não irá rotular nada. O que eu quero saber é se você sente o mesmo por
mim, porque se nós estivermos no mesmo barco, nada mais me importa.

- Você ainda tem dúvidas do que eu sinto por você?

- Eu sei que a atração é igual, mas e o resto?

- Como assim o resto?

- E os sentimentos? E o amor?

226
- Eu gosto de você não porque sinto atração. Desde o primeiro momento que meus olhos se encontraram com os
seus, eu sei que é você que eu quero, é de você que eu preciso.

Ele sorriu e nós nos aproximamos alguns centímetros.

- Isso é muito bom de se ouvir.

- O que mais você quer saber?

- Não sei. Como disse, o resto é o resto.

- E nossas famílias?

- Isso a gente vai ter que se preparar não?

- E muito.

- Mas vamos agir com calma. Um passo de cada vez. Nós ainda estamos nos descobrindo neste novo mundo. E
as coisas não podem acontecer da noite para o dia.

- É verdade.

- Eu quero primeiro te conhecer por completo. Conhecer seus medos, seus anseios, seus desejos mais íntimos.
Depois a gente pensa no que vier pela frente.

Eu não tive o que responder. Olhei para os lábios dele e enchi a boca de água. Não me contive. Grudei nossas
bocas e comecei a beijá-lo com a gana que uma pessoa com sede tem por um copo de água.

Nossos lábios não se desgrudavam por nada. Eu não queria mais nada, não precisava de mais nada a não ser da
boca dele, dos beijos dele. Ficamos assim não sei por quanto tempo. Rolamos na cama. Ora eu ficava por cima,
ora ele, ora ficamos de um lado, ora de outro. E assim a madrugada foi passando, o tic tac do relógio em cima do
criado mudo não parava de trabalhar.

- Eu... – sussurrou ele entre o beijo. – Gosto... Muito... De... Você...

- Eu... Também... Gosto... De... Você...

Viramos novamente e ele ficou por cima. Arranhei as costas dele com as unhas e percebi que ele se arrepiou. Eu
tinha que me controlar para não avançar o sinal. Aquele não era o momento para aquilo, aquele era o momento
de aproveitá-lo por completo, mas não naquele sentido.

Ele caiu exausto ao meu lado e deitou a cabeça no meu peito.

- Nunca fiquei tanto tempo beijando como faço com você – disse ele.

- Eu não tenho muitas experiências nessa área, então não me pergunte qual é meu recorde.

- Sério?

- Uhum.

227
- Você é novinho, mas tem jeito de aprontar todas.

- Que nada, sou super tranquilo.

- Meu garoto...

- Gosto tanto quando você me chama assim.

- Eu não disse que ia achar um jeito de achar algo que só eu pudesse dizer?

- Isso só você mesmo pode falar e mais ninguém. Mas não na frente dos outros.

- Eu vou achar algo que combine com você e que eu possa falar na frente de todo mundo.

- Uhum.

- Eder, eu posso fazer uma pergunta?

- Pode, quantas você quiser.

Eu continuei acariciando os cabelos dele e esperei pela pergunta.

- Você é virgem?

- Sou sim.

- Sério mesmo?

- É sério sim.

- Nossa!

- Por que o espanto?

- Eu já disse, você tem cara de aprontar todas.

- As aparências enganam.

- Então eu vou ser o primeiro...

Eu fiquei roxo, azul, rosa, amarelo, o arco-íris todo de tanta vergonha.

Ele levantou a cabeça e acho que percebeu a minha timidez.

- Opa! Desculpa.

- Na...não se preocupe.

Ele virou e apoiou-se nos cotovelos.

- Não fica assim. Mais cedo ou mais tarde isso irá acontecer. A não ser que você não queira.

228
- É claro que eu quero Fael. Mas não vamos falar sobre isso, está bem?

- Uhum. É melhor mesmo. Eu ainda não parei para pensar neste assunto. E eu sei que irão aparecer mais
perguntas, então deixa isso de lado.

Ele subiu em cima de mim e nós voltamos a nos beijar e desta vez o beijo foi mais selvagem. Senti o pau dele
crescendo dentro da calça e o meu subiu em resposta. Os dois estavam grudados e dava para um sentir o outro
perfeitamente. Estavam ambos rígidos como pedra.

- Não sei se esse assunto vai ficar longe por muito tempo – disse ele, colando a testa na minha.

- Nem eu.

As nossas bocas se uniram novamente, mas desta vez, suaves e lentas. Aos poucos eu me contive. Não ia adiantar
insistir naquele assunto naquele momento. Ouvi novamente o tic tac do relógio, mas não fiquei prestando atenção
no tempo. Curti o beijo do Rafael como se aquele fosse o último de nossas vidas. Giramos algumas vezes,
brincamos com os nossos corpos, mas nada além disso.

O beijo foi mais longo que o natural. Aos poucos as horas passaram e a noite começou a virar dia. Ouvi os
passarinhos piando em um lugar distante e senti que aquele era o momento de irmos embora. Já tínhamos
namorado o bastante por uma noite.

- Nós temos que ir – eu sussurrei entre um beijo e outro.

Ele apertou o meu corpo contra o dele e nós intensificamos os movimentos com a boca.

- Não quero ir, não quero ficar longe de você.

- Eu também não, mas você prometeu aos meus pais que nós voltaríamos logo e nós já demoramos demais... O
dia já está amanhecendo.

Ele beijou a minha boca novamente e eu senti um quê de despedida no ar.

- Essa é a pior parte – disse ele.

- É sim. Mas é sério Rafa, vamos?

- Tudo bem.

Mais um beijo e desta vez maior e mais lento que os outros.

- Eu te adoro – sussurrou ele no meu ouvido.

- Eu também – respondi no mesmo tom.

Foi sacrifício eu sair daquela cama. Rafael e eu não nos preocupamos em deixar a cama forrada ou se havia algo
fora do lugar, simplesmente abandonamos a casa e fomos embora.

229
- O que eu tenho que dizer aos meus pais Fael?

- Como assim?

- Se eles me perguntarem da festa, o que eu digo?

- Ah! Não pensei nisso.

- Pois trate de pensar.

- Ah, é só você dizer as mesmas coisas que eu.

- E o que você vai dizer?

- Que tudo ocorreu na minha amiga Adriana que mora no Itaim. Vou dizer ao seu pai, caso ele me pergunte, que
eu te apresentei aos meus amigos e em especial a Michelle.

- Essas pessoas existem ou você está as inventando?

- Elas existem sim e logo, logo você irá conhecê-las de verdade.

- Ah, que bom. Quero conhecer todo mundo que convive com você.

- E eu digo o mesmo.

De repente o sono tomou conta dos meus olhos e o cansaço inundou os músculos do meu corpo. Eu encostei a
cabeça no banco do carona do carro do Rafael e em seguida, eu apaguei.

- Acorda meu menino – chamou ele, com a voz bem próxima de mim. – Nós já chegamos em casa.

Eu abri os meus olhos lentamente. A claridade da manhã me incomodou a principio, mas eu logo me acostumei.

- Está cansadinho, né?

- Um pouquinho – eu respondi. – Que horas são?

- Já passa das seis. Obrigado por você ter ficado comigo esta noite.

- Você não tem que agradecer nada. Eu que te agradeço.

- Então nenhum de nós dois agradece. Pode ser assim?

- Pode.

Eu fiquei ali, com a cabeça encostada no banco do carro, olhando diretamente naqueles olhos verdes e a minha
vontade foi continuar ali, ficar ali para sempre, ao lado dele, junto dele. Mas eu não podia fazer aquilo.

- Eu preciso entrar na sua casa com você para os seus pais verem que você sobreviveu?

- Não, não há necessidade. É provável que eles estejam dormindo agora.


230
- Tem certeza?

- Absoluta meu lindo. Vai para a sua casa descansar.

Eu bocejei deliciosamente e abri a porta do Gol. Embora eu quisesse continuar com o Fael naquele momento – e
eu realmente queria – eu não podia mentir para mim mesmo e falar que não estava exausto, porque eu estava.

- Queria poder me despedir de verdade – eu disse –, mas não tem como.

- É eu sei. Não fique pensando nisso. Logo mais a gente vai se ver.

- Está bem. Eu te adoro.

- Eu também te adoro menino. Dorme bem.

- Você também.

Ele apertou minha bochecha e eu apertei a dele e finalmente desci do carro. As minhas pernas estavam molengas
devido o sono, portanto demorei um pouco para chegar no meu quarto. quando eu vi a minha cama no centro do
quarto, não quis saber de mais nada. Apenas deitei-me em cima do lençol e mergulhei em uma série de sonhos
onde o meu único protagonista era o Rafael.

- Eder? Eder? Acorda mano!

Henrique me balançou algumas vezes e eu abri os olhos com muita relutância.

- Que é Henrique? – perguntei ainda meio grogue de tanto sono.

- Telefone para você.

- Hã? Telefone? Quem é?

Eu esfreguei os olhos com as costas da mão e tentei sentar na cama, mas o meu corpo não obedeceu a ordem do
meu cérebro e eu continuei deitado.

- É a Denise.

- Ah! Fala para ela que eu ligo depois, avisa que eu estou dormindo ainda.

- Ela já ligou antes. Você sabe que horas são?

- Não.

Eu coloquei o travesseiro em cima da cabeça e tentei dormir novamente, mas o sono aos poucos estava indo
embora.

- Quase quatro.

- Pouco me importa, eu estou com sono ainda.


231
- Anda moleque, levanta logo dessa cama. Não vai ficar dormindo a tarde toda.

Eu bufei de raiva. Quando o Henrique queria ser chato, ele conseguia.

- Quando você quer ser chato você consegue Ricky.

Eu levantei depois de muito custo. Fui ao banheiro e fiz tudo o que foi necessário e por último, atendi à Denise.

- Oi – eu disse.

- Até que enfim. Pensei que ia me largar aqui para sempre.

- O que é que você quer?

- Nossa que mau humor! Acordou com o pé esquerdo hoje?

- Bem por aí.

- Não é nada de especial. Só queria conversar um pouquinho.

- Eu não acredito que você me acordou para dizer isso Denise!

- Isso não são horas de dormir Eder.

Eu suspirei e contei até dez mentalmente.

- E como está o Yuri?

- Bem. Está aqui comigo, deitado como sempre.

- Já te pediu em namoro?

- Ainda não.

- É um sonso mesmo.

- Já foi muito ele ter aceitado ficar comigo.

- Ele que deveria ter tomado a atitude de pedir e não você. Mas pelo menos eu dei um empurrãozinho.

- Empurrãozão! Você vai á escola amanhã?

- Na véspera de feriado e no dia do meu aniversário Denise? Está louca ou o quê?

- Ah, é mesmo! Eu esqueci que amanhã é o seu aniversário.

- Amiga da onça você.

- É brincadeira, amigo. Não quer vir aqui em casa não?

-Ah, hoje não Dê. Estou morto de sono e acho que o meu pai vai querer conversar comigo.

232
- O que você aprontou?

- Nada. Assunto de pai e filho mesmo.

- Ih. Já até sei o que é.

Ela deu uma risadinha abafada e eu pensei pela primeira vez sobre o assunto que viria ser. Sexo.

- Idiota.

- A gente se vê na quarta, então – disse Denise.

- Não vai vir aqui amanhã?

- Não. Tenho que ir?

- Obrigado, é bom saber que você me considera assim.

- O seu aniversário é amanhã, mas a festa é só sábado que vem. Então o seu presente será sábado e não amanhã.

- E eu disse que quero presente?

- Não. Mas eu vou dar. A gente se fala meu anjo. Bom final de final de semana para você.

- Obrigado e para vocês dois também.

Ela desligou e nem se despediu. Além de ter me acordado, ainda tinha tirado uma com a minha cara. Vagabunda!

- Eu posso entrar filho? – perguntou meu pai.

- Pode pai.

Ele abriu a porta e a encostou suavemente.

- Descansou?

- Bastante. Mas ainda estou com um pouco de sono.

- E como foi a sua primeira noite fora de casa?

- Foi legal. Os amigos do Rafa são muito maneiros – menti.

- Tem um espaçozinho para mim na sua cama?

- Aqui é que nem coração de mãe, sempre cabe mais um.

Eu me espremi contra a parede e o coroa deitou-se ao meu lado.

233
- Acho que está na hora do senhor ganhar uma cama nova – analisou ele.

- Ah, não pai! Eu gosto da minha cama.

- Ela está ficando pequena demais para você, Eder. Precisa de uma de casal já.

Cama se casal? Comecei a pensar pelo lado bom da coisa...

- Ah, mas eu gosto da minha cama.

- Não pode se apegar a bens materiais meu filho. Mas então, me conta como foi tudo?

- Tudo bem pai. Eu conheci os amigos dele, conheci a Michelle e foi tudo normal. Dancei, comi, bebi
refrigerante... Nada de anormal.

- E foi aonde essa festa?

- Lá no Itaim.

- Hum. E o que você fez mais, além disso?

- Conversei e só.

- Nada mais que isso?

- Aonde o senhor quer chegar pai? – soltei.

- Você não ficou com nenhuma garota? Nem com a Michelle?

Eu sorri. Os meus pressentimentos estavam certos.

- Não pai – eu respondi rindo. – Não fiquei com ela.

- Por que não?

- Não rolou química.

- Ah, tá. É isso é importante. Sem química não tem como.

- Pois é.

- Filho amanhã você vai fazer dezesseis anos e tem umas coisas que você precisa saber.

Eu não ia interrompê-lo, ia deixá-lo falar até terminar. Só iria responder as perguntas, se houvessem.

- Eu nunca parei para conversar sobre isso com você por que eu estava esperando o momento certo e esse
momento chegou agora. Já falei com o Ricky sobre isso, agora é a sua vez e daqui há alguns anos é a vez do
Marquinhos.

Eu fiquei prestando atenção no que ele falava. Querendo ou não, de algum jeito, aquela conversa poderia ser
proveitosa para nós dois.

234
- Com o Ricky eu sempre tive mais dificuldade em conversar sobre isso e espero que com você seja diferente.

- Uhum.

- Não precisa ficar com vergonha nem nada, eu sou seu pai e entre nós dois não pode haver segredos.

- Uhum.

- Você ainda é virgem, filho?

Caramba. Ele tinha começado com a pior pergunta.

- Sou.

- Isso é bom. Em partes.

- Por que em partes?

- Hoje em dia os meninos estão perdendo a virgindade cada vez mais cedo e saber que você ainda não perdeu a
sua me deixa aliviado por saber que você não é tão precoce quanto eles, mas também me deixa receoso em
pensar que você pode estar atrasando um fato que vai mudar toda a sua vida.

- Atrasando?

- Isso.

- Como assim pai?

Eu não estava entendendo aonde ele queria chegar.

- Por que você ainda não fez? Não sente vontade?

- Ah, sei lá. Eu sou tranquilo com relação a relacionamentos.

- É com relação a isso que eu tenho receio. Você não pode se resguardar demais Eder. Você está na adolescência
e essa é uma das melhores épocas de sua vida, você tem que aproveitar mais estes momentos porque eles não irão
durar para sempre.

Aquele era realmente o meu pai ou alguém tinha feito uma lavagem cerebral nele?

- Pai você está falando isso mesmo?

- Eu posso ser turrão de vez em quando filho, posso ser protetor demais... É que você ainda é novo, não tem
idade para fazer certas coisas. Mas eu não posso te privar de curtir essa idade que você está.

- Continuo sem entender aonde o senhor quer chegar.

- Eu quero dizer que você tem que namorar, beijar na boca, aproveitar que você é novo. Por exemplo, o
Henrique. Ele na sua idade já não era mais virgem. Ele ficava com uma garota diferente a cada dia. Ele
aproveitou. Você não faz isso. E isso é ruim.

235
- Mas cada um é cada um, pai.

- Sim eu sei disso. Não posso comparar vocês dois. Eu sei que vai ter coisas que ele não fez, que você vai fazer e
coisas que você vai fazer, que ele não fez. E o mesmo irá acontecer com o Marcus. Isso foi só um exemplo. O
que eu quero dizer é que você tem que curtir mais essa juventude.

- Mas eu aproveito a minha juventude. O senhor é que não percebe.

- A não ser que você não me conte.

- Não posso te contar tudo também né pai, senão não tem graça ser adolescente.

Ele sorriu e bagunçou o meu cabelo.

- É assim que tem que ser. Mas independente do que acontecer, de como acontecer, com quem acontecer, quando
você tiver a sua primeira relação, eu gostaria muito que você me contasse. Assim como o seu irmão me contou.
Assim como o Marcus ira me contar.

- Como sabe que o Marquinhos vai te contar isso?

- Ele não é louco de me esconder. Eu sou pai Eder, eu sei decifrar os momentos de vocês. De todos vocês. Pelo
menos de você e dos seus irmãos, a sua irmã é mais complicada.

- Ela é mulher.

- Exatamente. No momento eu sei que o Henrique está apaixonado pela Gaby, sei que o Marcus está carente por
algum motivo e sei que você está feliz.

- Com você pode saber de tudo isso?

- Do Henrique eu não preciso falar nada. É só olhar para ele e a namorada que a gente percebe na hora. O
Marquinhos, eu percebi que ele está tristonho ontem, quando nós voltamos do jantar.

- Por que ele deitou no meu ombro?

- Isso mesmo. Ele, assim como você, é muito transparente. A gente consegue pescar fácil, fácil. E você Eder,
você está diferente. Está mais brincalhão, sorri mais... E algo me diz que está se apaixonando também. Só não
quer nos contar quem é a menina.

Caralho! Como ele descobriu tudo aquilo?

- O senhor é foda pai!

- Eu acertei, não acertei?

- Em partes. Como o senhor mesmo disse, eu sou transparente demais. Eu tenho que aprender a me fechar mais
em alguns sentidos.

- Você não tem que fazer isso só porque nós percebemos o que está acontecendo. Alguém além de mim veio falar
com você sobre esse assunto?
236
- Não.

- Então não há com o que se preocupar. Nós sabemos respeitar o limite de vocês. E não iremos falar de um
assunto, caso vocês não queiram. Mas se você quiser, eu estou aqui. E a sua mãe também.

- Eu sei disso pai.

- Você entendeu o que eu quis dizer agora?

- Entendi sim. E agradeço pela sua preocupação.

- Não tenha medo de revelar os seus sentimentos, não tenha medo de se entregar filho. Isso vai acontecer mais
cedo ou mais tarde. E só faça as coisas quando você tiver certeza de que está pronto.

- Pode deixar.

- Qualquer dúvida que você tiver, não esqueça de me procurar. Eu estou aqui para tirá-las.

- Talvez eu faça isso com o Henrique.

- Ou ele. Ele também irá ajudá-lo.

- Mas eu te conto.

- Isso. E ah, antes que eu me esqueça. Use camisinha.

- Pode deixar pai.

- E só para que você saiba. Eu confio em você.

- Isso é bom. Pensei que confiasse só no Henrique.

- Não. É claro que não.

- Amor? Você está aí? – perguntou minha mãe, batendo à porta.

- Estou amor – respondeu meu pai.

Ela girou a maçaneta e colocou a cabeça dentro do quarto.

- Eu atrapalho?

- Claro que não – eu respondi. – Pode entrar.

Ela se aproximou de nós dois e sentou-se na beiradinha da cama.

- Que cama estreita.

- Não é? Acho que vou comprar uma de casal para ele, o que você acha?

- De casal? Não é muito novo para isso?

237
Meu pai olhou para mim e eu para ele e nós dois sorrimos.

- Não – respondemos juntos.

- O que vocês estavam conversando?

- Ele estava me contando sobre ontem à noite.

- E aí, como foi?

Eu repeti todas as mentiras que tinha dito ao meu pai. Não gostei nada de ter feito aquilo, mas era necessário. Ao
menos naquele momento.

Meu celular tocou exatamente a meia noite. Eu estava quase dormindo e tomei um susto quando ouvi o barulho
da campainha no meu ouvido.

- Alô?

Eu ouvi uma música ao fundo da ligação e a identifiquei na hora. Era o nosso tema. Era “Por Besarte”.

- Feliz aniversário meu garoto!

- Ai... Não acredito! Obrigado...

- Que você tenha muitos e muitos anos de vida, muita saúde, paz, sucesso sempre! Felicidades.

- Ai, obrigado meu perfeitinho! Obrigado mesmo... Não acredito que você me ligou à meia noite...

- Eu estava contando os minutos para te ligar.

- Ai que lindo que você é. Obrigado mesmo! De coração.

- Não há o que agradecer. Agora eu quero te ver para poder te beijar o dia inteiro.

- Não me faça ir correndo até você.

- Pode vir que eu estou te esperando de braços abertos...

- Você não existe mesmo! Obrigado...

- Está ouvindo a música?

- Estou.

- Ela é linda. Eu não me canso de ouvi-la.

- Eu preciso baixá-la na internet.

- Já fiz isso e já coloquei no meu celular. O nosso tema.

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- Ai Rafa... Você não existe mesmo!

- Eu existo sim. Existo só para você.

- Quer me fazer chorar?

- De jeito nenhum, quero te fazer rir, hoje é o seu aniversário... Não é dia de chorar...

- Você é demais mesmo.

Eu ouvi passos apressados pelo corredor e apurei os ouvidos.

- Acho que meus irmãos estão vindo aqui.

- Então é melhor a gente se falar depois.

- Está bem. Eu te adoro demais meu lindo. Obrigado por ter me ligado.

- Eu te adoro muito mais meu garoto. Você merece. Feliz aniversário novamente.

- Obrigado.

- Aquele beijo.

- O beijo anjo.

- Tchau.

- Tchau.

Eu ouvi o barulho da ligação caindo e fechei o celular, deixando o mesmo em cima da minha barriga enquanto eu
suspirava de felicidade. Como o Fael era lindo!

- FELIZ ANIVERSÁRIO – berraram meus irmãos e meus pais.

Eu me assustei a tal ponto, que dei um pulo tão alto da cama que o meu celular voou e foi parar em cima da
escrivaninha.

- Querem me matar de susto?

Meu coração estava batendo mais rápido que batidas da bateria de uma escola de samba em dia da apuração dos
resultados. Sentei e arfei, assustado.

O Henrique caiu na gargalhada junto com a Gi e minha mãe veio me abraçar. Ela me apertou junto ao seu corpo
e beijou minha bochecha dezesseis vezes.

- Parabéns meu amor, parabéns – disse ela.

Em seguida foi a vez do meu pai. Ele puxou as minhas orelhas, bagunçou o meu cabelo e beijou a minha testa.

- É agora é dezesseis Eder – disse ele rindo. – Está ficando velho!

239
- Que nada pai. Velho é o Henrique.

Ele parou de rir de mim na hora e veio correndo para me dar um cascudo, mas na verdade me agarrou e me girou
no ar.

- Feliz aniversário tranqueira!

- Me coloca no chão meu filho! Quase me mata de susto, agora quase me mata de tontura. Assim não dá.

O Marquinhos me puxou e me abraçou com tanta força que parecia que ia torar as minhas costelas.

- Parabéns, mano! Que você tenha muitos anos de vida.

- O-o-obrigado – eu disse sem ar. – Você pode deixar eu respirar agora?

- Ah! Desculpe.

Faltou a Giselle. Onde ela estava? Ela estava ao meu lado um minuto antes.

- Eder? – ela chamou da porta.

Eu me virei para vê-la, mas o que eu vi na realidade foi um prato de bolo vindo em minha direção. Ela acertou o
meu rosto em cheio.

Caiu bolo no meu cabelo, na minha roupa, no chão, na parede, em tudo quanto foi canto, menos nela.

Todos, sem exceção, riram de mim. Eu tirei o creme chantilly de cima dos meus olhos e pisquei para recuperar a
visão. O Ricky estava deitado na minha cama com as duas mãos em cima da barriga, se contorcendo de tanto dar
risada.

- Parabéns! – disse Giselle, quando se recompôs da crise de riso.

- V-O-C-Ê- M-E P-A-G-A.

Eu fiz questão de sublinhar cada palavra daquela frase. Saí correndo atrás da minha irmã escada abaixo e
consegui pegá-la pelo ombro quando ela ia entrar na cozinha.

Eu peguei o resto do bolo que estava em minha face e espalhei pelo cabelo dela, sabendo que ali seria o seu
ponto fraco.

Ela tentou se soltar, mas não conseguiu. Eu tirei todo o excesso do chocolate dos meus cabelos e passei pela
testa, pelas bochechas e pelo queixo dela, fazendo com que nós dois ficássemos ligeiramente parecidos.

- Assim está melhor.

- Quem faz o que quer recebe o que não quer filha – disse meu pai rindo.

- Você está linda – gargalhou Marcus.

- Coitada de você filha. Seu cabelo está imundo.

240
- Culpa dele mãe!

- Culpa minha? A culpa é toda sua! Ninguém manda desperdiçar um bolo assim. E eu quero o meu quarto
limpinho assim que eu terminar de tomar o meu banho.

- Isso mesmo Eder, coloca ordem no barraco – disse Henrique.

- E você não vai me abraçar não? – riu Giselle, dando-se por vencida.

- Depois de tudo isso você não merece nada. E quem tem que me abraçar é você.

Ela me agarrou e nós grudamos um no outro.

- Felicidades meu anjinho! – sussurrou ela no meu ouvido. – Desculpa a brincadeira, é só para descontrair.

- Obrigado meu amor. Não se preocupe eu não estou bravo com você.

- Muitos anos de vida, saúde e sucesso sempre.

- Obrigado maninha linda.

Ela me deu um beijo na bochecha e a marca dos lábios ficou colada na minha pele. Minha família fez montim em
cima de mim e eles cantaram “Parabéns a Você”. Depois de meia hora de farra, depois de tudo limpo e
organizado, depois que eu e minha irmã saímos do chuveiro, todos nós fomos dormir. O meu aniversário estava
só começando e eu sabia que viriam coisas muito piores e muito melhores pela frente.

Eu adoraria continuar dormindo por mais tempo, mas não tive escolha a não ser levantar por volta das oito horas
da manhã.

- Bom dia aniversariante – disse minha mãe, dando um beijo na minha bochecha.

- Bom dia – respondi meio de mau humor. – Como está?

- Dormiu bem?

- É. Tirando esse telefone que não para de tocar um segundo.

- A maioria é para você.

- Quem me ligou?

- Seu primo Renato, sua prima Bruna, seu tio Sandro e o Victor.

Só pessoas que eu não tinha contato. Ninguém merece.

- Depois eu ligo para eles. Cadê o resto do pessoal?

- Dormindo.

- Está chovendo ou é impressão minha?

241
- Só está nublado.

Eu fiquei olhando pela janela enquanto tomava o meu primeiro café da manhã com dezesseis anos. O dia estava
feio e eu esperava que não chovesse.

- Você está ansioso para a sua festa?

- Uhum – falei a verdade –, eu quero meu bolo.

Minha mãe riu e em seguida, meu pai entrou no local.

- Bom dia campeão! Como está o mais novo velho da casa?

- Com sono – respondi.

Ele me deu um abraço enquanto eu estava sentado e beijou minha bochecha.

- Ah, vamos, hoje é o seu dia. Tem que aproveitar ao máximo.

- Eu estava aproveitando ele na cama – respondi.

O senhor Alexandre riu e deu um beijo na esposa.

- Bom dia querida.

- Bom dia meu amor.

- Por que não me acordou?

- É dia de folga, você merece descansar um pouco.

- E por isso que eu te amo.

Pigarreei para que eles percebessem a minha presença e continuei comendo. Depois de mais alguns minutos os
meus irmãos desceram e ocuparam os seus postos na mesa.

Eu ainda não tinha planos para aquele dia. Queria falar primeiro com o Fael para depois decidir alguma coisa.
Quando terminei de comer, deitei no sofá da sala e retornei os telefonemas que havia recebido.

- Obrigado – eu disse pela milésima vez. – Muito obrigado Victor...

Victor havia estudado comigo dois anos antes, na oitava série. Devido ele ter mudado de cidade, nós perdemos
um pouco do contato, mas sempre que dava nos falávamos por telefone.

- Aproveita bastante o seu dia.

- Pode deixar cara. Não quer mesmo vir a minha festa?

- Vou conversar com os meus pais. Qualquer coisa eu te ligo.

242
- Está bem.

- Preciso desligar Eder. Felicidades novamente.

- Obrigado.

- Abraço.

- Outro.

- Tchau.

- Até mais.

Só fiz colocar o telefone no gancho e ele tocou novamente.

- Alô? – eu disse já aborrecido.

- Eder?

- É. Quem é?

- Meu amor! Feliz aniversário.

- Vó?

- isso mesmo meu lindo! Como você está?

- Oi vó! – graças a Deus era alguém que eu gostava e que estava sentindo saudade. – Nossa que saudade da
senhora!

- Nem me fala meu filho, nem me fala. E aí, como você está?

- Eu estou bem! E a senhora?

- Bem também meu amor, só com muitas dores nas pernas como sempre.

- A senhora já foi ao médico?

- É a osteoporose meu filho. Mas a vovó vai melhorar.

- E o vô?

- Está aqui, pedindo para falar com você.

- Ai que saudade dele!

- E o seu pai?

- Está aqui.

- Sua mãe?
243
- Aqui também.

- Seus irmãos?

- Também.

- Que bom. Eles estão bem?

- Sim, todos bem, graças a Deus.

- Eu posso falar com o seu pai um minutinho?

- Claro vó! Mas não desliga que eu quero conversar com o vô, tá?

- Não se preocupe.

- Pai – eu gritei. – Mas então vó, não vai vir para cá mais não?

- No momento não há a possibilidade Eder, mas talvez eu vá no começo do ano que vem.

- Não está longe. Pai?

- O que é menino?

- A vó quer falar com o senhor.

- Ah! Dê o telefone logo!

Ele correu para o meu lado e pegou o telefone da minha mão antes que eu pudesse falar mais alguma coisa.

- Mãe? Oi mãe! Mãe, que saudade! Como a senhora está? E o pai? E Portugal? E as coisas por aí? Vocês nunca
mais ligaram, nem nada... Está tudo bem?

- Respira pai – eu disse.

Eles conversaram por alguns minutos, depois eu percebi que meu avô havia assumido a ligação e eu fiquei
ansioso para poder conversar com ele.

- Eu vou passar para ele pai! Te amo viu? Fica com Deus. Abraço. Aqui filho, fala com o seu avô.

- Obrigado. Oi vô!

- Meu neto travesso! Que prazer falar com você!

- Eu é que digo isso! Quanto tempo! Como o senhor está?

- Muito bem garoto. E você?

- Bem também.

244
- Feliz aniversário... Dezesseis já, hein?

- Obrigado vô! É, pois é... Dezesseis.

- Daqui a pouco está na faculdade.

- Só daqui há alguns anos!

- Que nada, tem que começar logo.

- Nem terminei o colegial vô.

Nós dois demos risada.

- Queria poder ir neste final de semana, mas não tem como. Venham para cá no final do ano.

- O pai está pensando mesmo. Quem sabe.

- Se vocês não vierem nós iremos no ano que vem.

- Estou morrendo de saudade.

- Nós também! Olhe, eu vou passar para a sua avó antes que ela tenha um chilique.

- Está bem vô. Eu te amo!

- Eu também, feliz aniversário de novo.

- Obrigado.

- Meu amor, a vó comprou um presente lindo para você!

- Ah, não precisava se incomodar dona Carmem!

- Que incomodar que nada. Você merece. Vamos esperar a decisão do seu pai, se vocês vierem para cá eu
entrego, senão mando pelo correio.

- Não se preocupe.

- Meu amor eu vou ter que desligar agora, senão a conta do telefone vem os olhos da cara. Mais uma vez,
parabéns.

- Obrigado vó! Obrigado por ter ligado.

- Um beijo a todos aí.

- Eu darei.

- E um especial para você.

- Outro para a senhora.

245
- Que Deus te abençoe.

-Amém.

- Até mais filho.

- Tchau vovó!

Eu coloquei o telefone no gancho e dei um pulo do sofá. Ouvir a voz dos meus avós me revigorou e fez eu
esquecer o estresse que estava passando naquela manhã.

Por volta do horário do almoço a campainha tocou e meu irmão mais velho foi atender. Toda a minha família
estava reunida à sala, assistindo a um filme de suspense que meu pai tinha alugado.

- Com licença – disse Gabrielle, entrando pela porta.

- Gaby! – exclamou minha mãe. – Que surpresa agradável.

- Tudo bem Marina? – perguntou Gabrielle, dando um beijo na bochecha de minha mãe.

Henrique entrou na sala, mas ele não estava sozinho. Ao seu lado estava ele. O meu galã, o meu gato, o meu
Rafael. Nossos olhos se encontraram e eu abri um sorriso involuntário, já sentindo o meu coração disparar.

- Estou bem minha flor e você?

- Bem também. Oi Gi, oi Marcus, oi Alexandre!

- Oi Gaby – responderam os três ao mesmo tempo.

- Eder! – exclamou ela, sorrindo. – Feliz aniversário cunhadinho lindo!

- Obrigado Gabrielle – eu respondi, mudando os meus olhos de posição para poder encará-la.

Ela me abraçou e eu tive que levantar do sofá para poder fazer isso.

- Felicidades, muitos anos de vida, muita saúde e paz sempre, você merece!

- Obrigado moça.

- Presente só sábado.

- Não esquenta.

- Olá a todos – disse a voz de anjo do Rafael. – Como estão?

Meus pais e irmãos responderam a pergunta dele e nós nos olhamos mais uma vez. A minha vontade era de sair
correndo para abraçá-lo, mas eu não podia.

246
- Feliz aniversário – disse ele, estendendo a mão para me cumprimentar.

- Obrigado – eu respondi entregando a minha mão a ele.

Nós ficamos em silêncio, mas na verdade estávamos conversando com os olhos. Eu sabia o que ele queria e ele
sabia o que eu queria.

- Parabéns – disse ele baixinho.

- Obrigado por ter vindo aqui.

- Não tem que agradecer.

Ele sentou-se no chão, a minha frente e encostou a cabeça no sofá. Quis fazer cafuné naqueles cabelos lisos, mas
eu não podia.

- Vou fazer pipoca – disse a Giselle.

- Isso, com bastante manteiga – pediu o Marcus.

- E catchup – eu completei.

- Você gosta de pipoca com catchup? – perguntou Gabrielle.

- Adoro.

- O Rafael é viciado, não é Fael?

- Uhum – murmurou ele, sem tirar os olhos da tela da televisão.

Eu o encarei com curiosidade. Era um gosto peculiar e eu pensava que era o único que gostava daquilo.

- Finalmente – bocejou meu pai. – Filme longo esse!

- Pois é – disse minha mãe. – Gaby, Rafa, vocês ficam para o jantar?

- Não, não – respondeu Gabrielle. – Eu tenho que ir ao shopping. Aliás, nós temos não é Ricky?

- É sim.

- E você Rafa, você fica, não é?

- Não posso não Marina – respondeu ele. – Eu vou sair com meus amigos.

- Em plena segunda-feira? – espantou-se meu pai.

- É que eles querem comemorar o meu aniversário – disse ele timidamente. – Só vamos comer fora.

- Hoje é seu aniversário também Rafa? – perguntou minha irmã.

- Não, o meu é amanhã.

247
- Nossa, mas que coincidência!

- Pois é. Eder será que você pode me emprestar um CD?

- Um CD?

- É. Lembra que você me disse que tinha uma coleção? Será que eu poderia dar uma olhada?

- Ah, claro! É claro que você pode. Vamos para o meu quarto...

Ele assentiu sem tirar os olhos de mim.

- Então nós já vamos indo – disse Henrique.

- Não, Gaby me espera aí, eu tenho uma missão para você.

- Uma missão?

Todos ficaram sem entender.

- Vem Fael, vamos lá ver o CD que você quer. Gaby espera-me aqui, está bem?

- Então tá, né?

Eu e ele subimos rapidamente.

- O que você vai pedir para a minha irmã?

- Não seja curioso. Anda, vem.

Eu abri a porta do quarto e ele entrou. Só fiz entrar e ele já me agarrou a força.

- Estou louco para beijar você todinho.

- Calma. Agora não. Espera aí...

- Por que não? Temos que aproveitar enquanto estamos a sós.

- Eu preciso entregar uma coisa para a Gaby, já volto.

Eu peguei minha carteira que estava em cima da mesinha de estudos e desci as escadas feito um jato. Todos
tinham saído da sala, exceto a Gabrielle e o Henrique.

- Aqui estou. Gaby vem aqui, por favor?

Ela se aproximou e eu falei bem baixinho para o Henrique não ouvir.

- Será que você pode me fazer um favor?

- Claro que sim.

- Eu esqueci de comprar algo para o seu irmão.


248
Ela sorriu.

- Será que você faria este favor?

- Na verdade você não precisa se preocupar com isso.

- O que vocês estão cochichando aí? – indagou Henrique.

- Cala a boca – mandamos eu e a namorada dele.

- Eu não vou deixar passar em branco, né?

- O que ele quer ele já tem.

O que será que ela quis dizer com aquilo?

- Independente. Por favor, Gaby?

- Tudo bem, já que você insiste.

- Compre o que você achar melhor, desde que seja algo que ele goste.

- Pode deixar.

Eu entreguei uma quantia em dinheiro para ela disfarçadamente e ela piscou para mim.

- Eu te ligo quando chegar.

- Tem meu número?

- Eu pego no celular do Ricky.

- Combinado. Obrigado cunhadinha preferida.

- Eu sou a única.

- É por isso que você é a preferida.

- Cachorro.

Ela deu risada e saiu para perto do namorado.

- O que ele queria?

- Não é da sua conta – respondeu ela, dando-lhe um beijinho.

Meu rosto queimou de raiva ou de ciúmes e eu voltei para o meu quarto correndo.

- Pronto – eu disse, trancando a porta com a chave. – Aqui estou.

- Agora eu posso?

249
- Você deve.

Ele me agarrou com força e me girou no ar, abraçando-me com carinho.

- Feliz aniversário meu menino.

Nós começamos a nos beijar e em questão de minutos já estávamos na minha cama, ele deitado em cima de mim
e eu com as pernas encaixadas no seu quadril.

- Eu te adoro – disse ele baixinho. – Meus parabéns.

- Obrigado garoto perfeito. Obrigado de verdade.

Dei-lhe um beijo demorado e lento e ele ficou acariciando o meu rosto.

- Você vai sair mesmo com os seus amigos? – perguntei.

- Não, era só para enrolar a sua mãe.

- Por quê?

- Eu queria ficar a sós com você.

- Ai que lindo!

Nós demos um selinho demorado.

- Você não existe.

- Existo por e para você.

Dessa vez foi um beijo longo novamente. Quanto mais o tempo passava, mais nós dois nos envolvíamos.

- Meu lindo – eu disse baixinho.

- Meu garoto, meu menino!

Abracei o meu amor com carinho e nós ficamos calados por um tempo, depois eu decidi abrir a porta por
segurança.

- É melhor eu abrir a porta – falei fazendo um biquinho.

- Não...

- Meu pai pode aparecer meu lindo...

- Ai... Quero ficar assim com você até amanhã...

- Eu também quero, mas entenda...

- Eu entendo sim...

250
Ele se levantou e eu dei um pulo para girar a chave na maçaneta.

- Pega um CD qualquer aí – falei.

- Só para disfarçar.

- Isso.

Ele escolheu um título aleatório e nós novamente demos um beijo, mas desta vez pequeno.

- Acho que já vou – falou Rafael.

- Fica...

- Adoraria.

- Por favor...

- Não faz assim...

- É meu aniversário...

- Eu sei...

- Fica vai?

- Ai, você me mata desse jeito...

- Sim?

Eu roubei um selinho.

Ele segurou na minha cintura e me beijou.

- É sério meu menino, não posso mais ficar.

Eu suspirei, baixei os olhos e assenti.

- Tudo bem.

- A gente se vê amanhã...

- Com certeza... Amanhã tem o segundo round.

Eu apertei o nariz dele e ele sorriu.

- O seu presente você quer agora ou no sábado?

- Não quero presente nenhum. Eu só quero você.

- Eu já sou todo seu – disse ele olhando fixo nos meus olhos. Eu corei, mas adorei. – Então deixa para o sábado,
é melhor...
251
- Você não existe.

- Eu já disse que existo por e para você.

Não aguentei. Caí novamente em tentação e nós nos beijamos.

Ele só conseguiu sair do meu quarto depois de meia hora. Por sorte, ninguém entrou e nos pegou no flagra...

- Até amanhã então – eu disse.

- Até meu menino, felicidades mais uma vez.

- Obrigado...

Ele foi embora e eu voltei para o quarto para poder pensar nele sossegadamente.

- Eder? – reconheci a voz da minha cunhada.

- Oi – falei meio sonolento.

- Acabamos de chegar. Vem aqui ver se você gosta...

- E o meu irmão?

- Não está aqui...

- Abre lá para mim então.

- Corre.

Nós dois desligamos e eu desci as escadas feito bala para poder ver o presente do meu garoto perfeito. Quando
cheguei ao portão, Gabrielle já estava me esperando.

- Anda, entra logo.

Ela me agarrou pelo braço e nós entramos correndo na casa. Eu subi até o quarto dela e foi então que ela me
mostrou o que tinha comprado.

- Caramba Gaby, é a cara dele.

Eu peguei a calça e a estiquei para poder ver melhor. Era preta com detalhes cinza e os bolsos desbotados. Ele
iria ficar maravilhoso com aquela peça de roupa.

- Você gostou?

- Adorei – respondi.

- O troco e a nota estão dentro da sacola.

- Sem problemas. Obrigado por ter comprado. Eu não tive tempo...


252
- Relaxa. Eder, você viu que horas são?

Eu olhei no meu relógio e percebi que faltavam dois minutos para a meia noite.

- Nossa já? Preciso ir!

- Precisa ir? Só se for para o outro quarto, né?

- Hã?

- Vai lá falar com ele!

Ela me empurrou e eu entendi o que ela quis dizer.

- Gaby...

Eu fiquei com medo de ela ter percebido algo entre eu e o irmão dela... Será que o Rafa tinha dito algo a irmã?

- Vai logo, antes que alguém entre lá.

Eu respirei fundo e bati duas vezes na porta do quarto do Rafael. A minha cunhada entrou sorrateiramente nos
aposentos dela e quando o meu relógio apitou, ele abriu a porta.

Nossos olhos se encontraram e nós sorrimos ao mesmo tempo. Ele me puxou pela mão, eu entrei no quarto e nós
começamos a nos beijar imediatamente. Como já era de costume, nós nos deitamos e ficamos rolando pela cama.
Ouvi uma música longe, bem baixinho e comecei a relaxar, ouvindo aquela melodia inconfundível e
apaixonante...

“Every night in my dreams I see you, I feel you.

That is how I know you go on.

Far across the distance and spaces between us

You have come to show you go on.

Near, far, wherever you are.

I believe that the heart does go on

Once more, you open the door

And you're here in my heart.

And my heart will go on and on.

253
Love can touch us one time and last for a lifetime

And never let go till we're gone.

Love was when I loved you, one true time I hold to.

In my life we'll always go on.

Near, far, wherever you are.

I believe that the heart does go on

Once more, you open the door

And you're here in my heart.

And my heart will go on and on.

You're here, there's nothing I fear.

And I know that my heart will you go on.

We'll stay forever this way.

You are safe in my heart.

And my heart will go on and on”_

O nosso beijo não demorou muito. Ele colou a testa à minha e nós ficamos nos olhando, sérios e quietos.

- Feliz aniversário – eu disse bem baixinho. – Meu lindo.

- Meu menino – sussurrou ele –, meu garoto...

Nossos lábios se encontraram e desta vez mais urgentes. Passei a mão pelo corpo dele e senti o meu membro
crescendo lentamente.

- Eu te quero – falei entre um beijo e outro.

E por um impulso ele tirou a camiseta. Passei os dedos pelo peitoral definido e me detive nos mamilos. Eu fiquei
brincando com meus dedos enquanto ele mordia os meus lábios devagar. Invertemos a posição e desta vez, eu
tirei a minha camisa. Nossa pele encostou e eu pensei que faíscas sairíam do atrito. A temperatura do meu corpo
se elevou e o meu pênis chegou ao estado máximo de excitação.

Senti os dedos do Rafael percorrendo a minha espinha lentamente, enquanto sua mão direita estava fixa em
minha cintura. Ele desceu os dedos lentamente e parou perto de meu quadril. Mordisquei o lábio inferior dele,
dando o sinal para que ele continuasse.
254
Não demorou e eu senti a mão na minha bunda. Ele a apertou com delicadeza e eu intensifiquei o beijo, louco,
tomado pelo momento.

- É melhor... – ele sussurrou.

- Calado – eu mandei.

Nós nos viramos e ele se posicionou novamente em cima de mim. Continuamos a nos beijar lentamente e então
eu decidi ser audacioso. Com muita delicadeza, desci ambas as mãos até a barriga daquele deus grego e antes que
ele pudesse me deter, abri o velcro da bermuda que ele estava usando.

- Não senhor – disse ele baixinho, tirando as minhas mãos do cós da peça de roupa.

Sorri em resposta e ele se deitou ao meu lado, avançando com nosso beijo apaixonado.

- Eder – sussurrou ele baixinho.

Eu o abracei e beijei o seu pescoço. Passei os meus olhos pelas costas daquele homem e percebi que a cueca que
ele estava usando era de cor branca... Meu pênis cresceu ao ver aquele tecido.

- Que foi meu lindo?

- Obrigado.

- Pelo quê?

- Por você existir.

Eu fiquei calado e dei mais um beijo no pescoço de Rafael.

- Parabéns – foi só o que eu consegui dizer.

- Eu te... Adoro.

- Eu também. E eu preciso ir.

- Não vai, fica comigo...

- Você sabe que eu não posso!

Suspiramos.

- Não vejo a hora da gente poder ficar junto sem ninguém nos atrapalhar.

- Nem eu – eu respondi com sinceridade. – Mas agora é sério, eu tenho mesmo que ir andando. Passei só para te
dar um beijo e os parabéns.

- Você não existe mesmo.

255
- Essa frase é minha.

- Mas eu copiei.

Eu sorri para ele e coloquei-me de pé, vestindo a camiseta.

- O meninão está acordado, hein? – falou ele, sem tirar os olhos do meu colo.

Senti minhas bochechas esquentarem e coloquei as mãos em cima do volume do meu shorts.

- Você o deixou assim.

- Você fez o mesmo comigo.

- Não vamos falar sobre isso, está bem?

- É melhor!

- Então, tchau.

- Eu o levo até a porta.

- Não, não precisa se incomodar. A sua irmã me leva.

- Tudo bem, já que você não quer a minha presença – ele fez um biquinho.

- Oh, meu Deus! Como é dramático! É claro que eu quero seu bobo, mas não precisa sair daqui por minha causa.

- Eu sou capaz de fazer qualquer coisa por você, meu menino, isso é o mínimo por hoje.

Não tive resposta nem reação. Ele colocou-se de pé, fechou o velcro da bermuda, mas não colocou a camiseta.
Ele abriu a porta e verificou o movimento do corredor. Sinal verde. Eu desci as escadas à frente e ele me seguiu.

- Você me mata! – falou ele baixinho.

- Hã?

- Nada não!

- Eder? – chamou a voz da Natália.

Eu olhei para baixo e vi a irmã caçula da Gabrielle saindo da cozinha com uma garrafa de água nas mãos.

- Ah, oi Natty – falei. – Tudo bem?

- Que surpresa você por aqui. Não o vi chegar.

- Só passei para entregar um CD ao seu irmão – eu menti. Eu sempre menti mal, mas eu torci para que ela
acreditasse na farsa.

- Ah, entendi! A propósito, ontem foi o seu aniversário, não?

256
- É foi sim – respondi meio seco.

- Então meus parabéns!

- Obrigado Natália.

Eu desci o último degrau e o Rafael ficou ao meu lado.

- Posso te dar um abraço? – perguntou a garota, olhando em meus olhos.

Olhei para o Fael e ele estava com a fisionomia de paisagem.

- Claro – respondi por fim.

Ela se aproximou de mim e me abraçou com carinho. Senti seus lábios tocando o canto do meu ouvido direito e
não gostei do que ela fez.

- Felicidades – disse ela baixinho.

- Obrigado.

- E eu, não mereço parabéns Natty? – indagou Rafael.

- Hã?! Ah, é mesmo! Hoje é o seu aniversário! Parabéns meu amor – ela abraçou o irmão e eu saí de perto deles,
enconstando-me à porta.

- Já vai Eder?

- Preciso ir, já está tarde – eu respondi.

- A gente se vê no sábado então!

- Está certo.

- Parabéns novamente.

- Obrigado.

Ela sorriu e pegou a garrafa de água que tinha deixado em cima do sofá e começou a subir as escadas para o
quarto. Finalmente ela tinha ido embora.

- Vamos Fael, leve-me até o portão, por favor.

- Eu não gostei do jeito que você abraçou a minha irmã, ouviu? – disse ele com tom de ciúme na voz.

- Quem me abraçou foi ela – me defendi.

- Aham, mas bem que você gostou.

- Eu estou com cara de que gostou?

Ele me analisou por um segundo e depois sorriu.


257
- Seu bobo – eu disse rindo.

- Sabe como é, né...

- Se sei!

Nós dois nos abraçamos rapidamente e eu saí para a rua.

- Até amanhã – ele disse.

- Até meu lindo – eu respondi. – Feliz aniversário.

- Obrigado.

Acenamos um para o outro e eu finalmente consegui ir embora. Quando cheguei na minha cama, não consegui
pensar em outra coisa a não ser em nossos beijos e tive que me aliviar pela primeira vez pensando no meu
Rafael.

Mesmo sendo feriado e sendo o seu aniversário, o Fael não teve escapatória e teve que ir trabalhar naquele dia.
Fiquei decepcionado porque pensei que nós poderíamos passar o dia juntos, mas por outro lado eu o entendi,
afinal de contas ele não tinha escolha.

- Como se sente com dezesseis? – perguntou Marquinhos.

- Normal. É o mesmo do que ter quinze.

- Não vejo a hora de chegar nesta idade.

- Ué, por quê?

- Para poder curtir oras!

Eu baguncei os cabelos do meu irmãozinho e ele saiu de perto de mim bufando.

- Odeio quando você faz isso.

- E é justamente por isso que eu faço!

- Que dia mais chato – reclamou Giselle.

- Nem me fala – concordou Marcus.

- Parem de reclamar – mandou a minha mãe. – Deixem-me assistir à novela em paz.

- Por que vocês não saem de casa? – sugeriu meu pai. – Vão ao cinema, sei lá.

- Enjoada – disse minha irmã.

- Preguiça – resmungou Marcus.

258
- Entediado – eu finalizei.

- Então parem de reclamar e fiquem quietos – disse o meu pai em tom definitivo. Quando ele falava daquele jeito
era melhor nós obedecermos, senão...

- Eu vou mexer na internet – avisei, mas ninguém me deu bola.

Subi os lances de escada sem pressa e antes de entrar no quarto do Henrique, passei no meu para pegar o meu
celular. Havia uma nova mensagem de texto e eu a abri para poder ler:

“Já estou morrendo de saudades, meu menino.”

Eu respondi:

“Eu também estou meu lindo, queria muito passar esse dia todo ao seu lado, mas tudo bem.”

Deixei a porta aberta e caminhei em direção ao quarto do meu irmão, mas antes que eu pudesse abrir a porta,
outra mensagem chegou:

“Eu também queria. O que você está fazendo?”

Respondi:

“Vou ficar na net um pouquinho.”

Eu troquei o toque de aviso de SMS do meu celular e quando ia guardá-lo no bolso, chegou mais uma mensagem
do Fael:

“Ontem á noite eu não aguentei...”

Eu sorri e digitei:

“Eu também não...”

E ele respondeu:

“Ah, meu menino, vou ter que ir agora. Eu te ligo quando chegar. Um beijo.”

Mandei a última mensagem:

“Tudo bem meu gato. Até mais tarde então. Bom trabalho. Aquele Beijo.”

Quando finalmente consegui colocar o aparelho no bolso, girei a maçaneta da porta do quarto do meu irmão e
tomei um susto quando eu entrei. Ele e a namorada estavam deitados na cama, se beijando e o Henrique já estava
sem camisa.

- Ah! Desculpem!

259
Abaixei a cabeça e voltei para o corredor morrendo de vergonha. Meu rosto estava queimando e eu não sei se era
de raiva, ciúmes ou simplesmente timidez.

Fiquei deitado em minha cama e foi aí que eu me toquei do que estava acontecendo. O Henrique e a Gabrielle
estavam namorando há mais de quatro meses... Com toda a certeza já tinham avançado do beijo para algo mais
íntimo. Meu coração diminuiu de tamanho e meus olhos se encheram de lágrimas. Senti vontade de voltar ao
quarto e expulsar a Gabrielle de minha casa... Mas eu sabia que não podia fazer aquilo.

Durante todo o resto da semana, não consegui falar com o Rafael pessoalmente. Os nossos horários estavam
avessos e nossa única fonte de contato era o telefone. Os dias passaram rapidamente e o sábado finalmente
chegou. A princípio estava nublado e eu podia jurar que iria chover a qualquer momento, mas o clima me
surpreendeu e depois do meio dia, o sol apareceu com força total.

- Eder você vai cortar o cabelo hoje mesmo? – perguntou Giselle.

- Aham.

- Será que a Nice tem um tempinho para mim?

- Não sei não Gi, porque o Marquinhos também vai cortar.

- Ah! Será que eu não consigo um encaixe?

- Você pode tentar, mas eu não garanto nada.

- Que horas você vai?

- Na verdade, nós já estamos atrasados. Eu só estou esperando o meu irmão descer.

- Então me espera, eu vou junto.

- Anda logo...

Giselle subiu as escadas correndo e por incrível que pareça, voltou primeiro que o Marcus.

- Cadê o maninho?

- Ainda não desceu – eu falei irritado. – Vou subir para apressá-lo.

Não precisei chegar até o final dos degraus, encontrei o Marcus no meio do caminho.

- Que demora!

- Desculpe. Estava ao telefone.

- Anda, vem logo que a gente já está atrasado.

- Aonde vão meninos? – perguntou minha mãe.

- Cortar os cabelos mãe – respondeu o Marcus.

260
- Querem uma carona?

- Jura? Ah, queremos sim. Nós já estamos atrasados – eu disse.

- Então vamos! Eu ia mesmo para aqueles lados.

- Aonde você vai?

- Ao salão ver como anda tudo.

- Ah!

Minha irmã conseguiu passar com uma cabeleireira que eu não conhecia e enquanto o Marcus cortava a juba, eu
mandei uma mensagem para o Fael:

“Estou morrendo de vontade de te ver hoje à noite, estou contando os segundos para podermos nos encontrar. Eu
te adoro demais garoto perfeito.”

- Eder? Vamos? – chamou Nice. – Você já lavou?

- Não Nice, ainda não. Sabe o que eu estava pensando? Será que ficaria legal se eu fizesse algumas luzes?

A mulher que cortava o meu cabelo desde que eu tinha seis anos de idade passou as mãos pelas minhas madeixas
e as analisou com cuidado.

- Vai ficar perfeito – ela deu o veredicto.

- Então manda brasa.

Sentei-me na cadeira giratória e ela foi preparar o pó descolorante.

- O que você vai fazer? – espantou-se minha irmã.

- Você logo verá.

- Nossa mano! Eu adorei – aprovou Giselle. – Você ficou um gato com os cabelos loiros!

- Valeu irmãzinha.

- Ficou maneiro mesmo. Da próxima vez eu faço nos meus – comentou Marquinhos.

- Invejoso – falei brincando.

- Gostou? – perguntou Nice.

- Adorei – aprovei. – Obrigado Nice.

- Não há de quê.

Nós três pagamos a conta no caixa e saímos pela galeria onde o salão de cabeleireiros se encontrava.
261
- Você vai ser a sensação hoje à noite – murmurou Giselle.

- Eu já seria mesmo não tendo mudado o visual – falei rindo.

- Convencido – disseram os meus irmãos ao mesmo tempo.

- Henrique você vai ter que ir no seu carro – falou meu pai. – Ou com a família da Gabrielle.

- Eles já foram. Eu vou no meu mesmo.

- Eu vou junto então – disse Marcus.

- Então vamos maninho.

Eles saíram para o carro da frente e eu, minha irmã e meus pais entramos no outro automóvel.

- Eu realmente não acredito que você fez isso nos seus cabelos – reprovou meu pai, pela milésima vez.

- O senhor já disse isso centenas de vezes, pai.

- Ah, para de ser antiquado Alexandre. O menino ficou lindo assim.

- Obrigado mãe.

Ele não abriu mais a boca e quando nós já estávamos quase chegando, o meu celular tocou.

- Alô? – eu disse, sem ver o número no identificador.

- Oi Eder – disse Denise. – Você já chegou?

- Oi Dê. Não ainda não, por quê?

- Eu e o Yuri vamos nos atrasar um pouquinho, pode ser?

- Por quê?

- Depois eu te conto.

- Então tá, né?!

- Quando eu chegar eu te mando uma mensagem.

- Combinado. Beijo!

- Outro.

Meu pai estacionou o carro na primeira vaga que já estava destinada à minha família. Eu arrumei a minha roupa
ao me levantar e verifiquei mais uma vez os meus cabelos pelo espelho do retrovisor.

- Você está maravilhoso – aprovou minha irmã. – Anda, vamos entrar logo que eu quero ver os gatinhos.

262
Ela me puxou para a entrada da minha festa e nós começamos a subir a escadaria. Quando cheguei no primeiro
andar, percebi que algumas pessoas já haviam chegado inclusive o Rafael.

Olhei para ele e meus olhos se iluminaram, mas ele não percebeu a minha presença, porque estava conversando
com uma garota que eu não sabia quem era. Fiquei olhando de longe e quando eu menos esperei, ele a abraçou
pela cintura. Ela passou os dedos pela nuca do Rafael e cochichou alguma coisa em seu ouvido.

Senti meu peito diminuir de tamanho e minha visão ficou vermelha de ódio. O que aquela periguete estava
fazendo com o meu Rafael?

Eu ouvi os reflexos dos meus batimentos cardíacos dentro do meu cérebro. Dei o primeiro passo para perto dele e
comecei a estalar os dedos lentamente.

Tum.

Tum.

Tum.

Tum.

Tum.

- Oi Fael – eu disse com a voz um pouco elevada para que ele pudesse me ouvir em meio as pessoas e a música
que já tocava.

Ele se virou lentamente e quando os nossos olhos se encontraram, ele abriu um sorriso lindo. Eu não tive como
não ficar tranquilo após aquele gesto. Sorri em resposta e ele se aproximou de mim.

- Que bom que você chegou – disse ele. – Como você está?

- Eu estou bem e você?

- Melhor agora.

A gente se abraçou, mas não ficamos juntos por muito tempo, afinal nós não estávamos sozinhos. Eu ouvi
alguém pigarrear e a gente olhou para trás ao mesmo tempo.

- Não me apresenta? – perguntou a periguete que estava abraçada com ele minutos antes.

- Ah, desculpe Drica – disse Fael. – Eder, esta é a minha amiga Adriana, Drica este é o meu amigo Eder. Ele é o
aniversariante junto comigo.

- Oi – disse a moça. – Meus parabéns.

- Obrigado – eu respondi meio com a cara fechada. – Fael será que você pode me acompanhar até o segundo
piso? Quero apresentá-lo para as minhas amigas.

- Ah, é claro que sim! Com licença Drica, fica à vontade.

263
- Obrigada Fael!

Nós caminhamos lentamente pelo salão e quando estávamos afastados o bastante eu disse:

- Posso saber que abraço foi aquele que você deu nela?

Ele sorriu de um jeito diferente. Eu nunca tinha visto aquele sorriso antes.

- Você está com ciúmes de mim?

- Ciúmes? Eu? E eu lá vou ter ciúmes Rafael, me poupe!

Queria ter um saco de areia na minha frente para poder socá-lo e descontar toda a minha raiva.

- Que lindo! Você está com ciúmes...

- Ciúmes! Essa é boa!

- Meu menino! Ela é só uma amiga. E eu não a vejo já tem algum tempo... Só estava matando as saudades...

- Matando as saudades!

- Ai como você é perfeito!

Ele se aproximou um passo de mim e eu percebi que nós estávamos prestes a nos agarrar, mas eu me precavi e
me distanciei alguns centímetros.

- Nem vem!

Ele fez um biquinho e eu virei o rosto, bufando de tanto ciúmes.

- Eder – chamou Arthur. – Que bom que você chegou!

- Ah, oi Arthur – eu disse sorrindo e indo até onde o meu amigo estava. – Que bom que você veio.

Eu fiz questão de abraçá-lo na frente do outro aniversariante. Se ele podia abraçar as amiguinhas dele, eu
certamente também poderia abraçar os meus amigos...

- Feliz aniversário – disse Arthur. – Mais uma vez.

- Muito obrigado brother. Cadê os seus pais?

- Ainda não chegaram. O meu pai veio me trazer e voltou para buscar a minha mãe.

- Ah, tá.

- Já coloquei o seu presente na sua caixa.

- Não precisava se preocupar com isso.

Eu olhei com o canto do olho para o Fael e percebi que ele estava encostado à parede, com os braços cruzados e
com a cara fechada. Vitória!
264
- O que é isso – prosseguiu Arthur. – É só uma lembrancinha, espero que você goste.

- Muito obrigado mesmo. Cara, vou ter que recepcionar as pessoas lá embaixo. Essa é a pior parte. Quando a
Denise e o Yuri chegarem com o resto do pessoal, eu falo que você está aqui em cima.

- Está certo, fica tranquilo e aproveita a sua festa.

- Obrigado. Divirta-se.

- Pode deixar.

Eu voltei lentamente para perto do Rafael e quando eu cheguei foi a vez dele descascar o abacaxi:

- Agora você vai ficar fazendo isso?

- Isso o quê?

- Agarrando aquele moleque na minha frente...

- Aquele moleque tem nome e se chama Arthur. Ele é o meu amigo e eu fui recepcioná-lo oras...

- Amigo? Não gostei nada dele!

- É mesmo? Engraçado, eu também não gostei nada daquela Adriana!

- Uma coisa não tem nada haver com a outra.

- Ah, não? Então me explique a diferença que eu ainda não entendi.

- Ah, Eder! Sem comentários!

Ele saiu andando e me deixou ali, plantado, sozinho e sem saber o que fazer. Eu o segui pelo segundo piso que
ainda estava ligeiramente vazio e quando cheguei na escadaria, encontrei os meus irmãos carregando uma penca
de embrulhos de presentes.

- Você nem para nos ajudar – reclamou Henrique.

- Ah, desculpa Ricky! Eu me esqueci completamente...

- Cabeça de abóbora – bufou Marcus.

- Esperem aí, por favor – eu pedi.

Eles pararam e eu me aproximei. Passei os olhos lentamente pelos papeis de presente e quando identifiquei o que
eu havia comprado para o Fael, o retirei da pilha e o desamassei.

- Muito obrigado.

Não esperei a resposta deles e desci as escadas correndo. Varri o local com a minha visão periférica e percebi que
ele estava próximo a mesa da família, tomando uma latinha de cerveja.

265
Escondi o presente nas costas e andei lentamente até onde ele se encontrava. Passei os dedos pelo embrulho para
me certificar de que o meu cartão estava lá e finalmente cheguei.

- Boa noite Cláudia, boa noite Jorge, olá Natty – os cumprimentei.

- Oi Eder – disseram as meninas, o Jorge não respondeu nada.

- Rafa, você pode vir comigo?

Ele me olhou com a fisionomia séria e assentiu com a cabeça. Virei-me e deixei o pacote escondido, sentei-me
em uma mesa afastada das demais e ele ficou à minha frente.

- O que é?

- Senta.

- Não, eu estou bem de pé.

- Senta – mandei novamente.

- Não quero.

- Anda logo Fael!

Ele revirou os olhos, puxou a cadeira e se sentou.

- Fala.

- Para você. Espero que goste.

Eu entreguei o presente dele e coloquei as mãos em cima da mesa. Os convidados não paravam de chegar e o
local começava a ficar cheio.

Ele ficou calado olhando o embrulho e depois de alguns minutos disse:

- Você não precisava se preocupar com isso.

- Abra – eu pedi com a voz calma. – Quero saber se você vai gostar.

Ele puxou a fita que estava amarrando o pacotinho e o nó se desfez. Eu ouvi um suspiro e não tirei os olhos de
cima dele nenhum segundo.

- Eder... – ele ussurrou baixinho. – Mas... É linda!

Ele esticou a calça no colo e analisou o jeans por todos os ângulos.

- Nossa... Eu amei! Ela é perfeita! Obrigado!

- Leia o cartão – eu falei.

266
Rafael pegou o envelope de cor azul e passou os olhos pelo seu nome. Com rapidez, se livrou do adesivo que
colava a aba e a abriu.

Era um cartão de aniversário simples, mas eu tentei ser sincero nas minhas palavras:

“Fael, feliz aniversário.

Que nesta data você consiga renovar os seus valores e os seus ideais. Desejo que você seja muito feliz, sempre e
que em todos os momentos da sua vida você obtenha sucesso, afinal de contas, você merece isso e muito mais.

Eu sei que nós nos conhecemos há pouco tempo, mas você pode ter certeza que o que eu sinto por ti é
verdadeiro. Gosto muito de ti, saiba disso sempre.

Muitos aninhos de vida meu lindo, que Deus te abençõe em todos os dias de sua vida.

Um beijo especial do seu garoto.”

Quando ele me olhou eu vi os olhos verdes brilhando e uma mini poça de lágrimas estava se formando em ambas
as cavidades oculares.

- Você... – ele tentou dizer, mas não conseguiu.

- Desculpe se eu estou com ciúmes de você – falei baixinho.

- Eu é que te peço desculpas, eu fui um idiota.

- Eu também fui.

A minha vontade era cair naqueles lábios deliciosos, mas a circunstância em que nós estávamos, não me permitia
fazer aquilo.

- Obrigado – ele disse.

- Não há de quê.

Nós ficamos nos olhando por um momento e eu novamente senti o barulho do meu coração em meus
pensamentos.

Tum.

Tum.

Tum.

Tum.

Tum.
267
- Rafa? – chamou a Gabrielle. – Eder?

Nós dois olhamos ao mesmo tempo. A Gaby estava acompanhada de algumas garotas.

- Os convidados estão chegando – lembrou ela –, vocês precisam recepcioná-los...

Quando o relógio marcou dez horas da noite, os meus pés já estavam doendo e as minhas pernas começavam a
formigar.

- Não aguento mais andar – eu disse para minha mãe. – Vocês chamaram muita gente.

- Que culpa eu tenho se nós temos a família grande e temos vários amigos?

Suspirei e sentei-me na minha cadeira. Cruzei as pernas e fiquei massageando a minha panturrilha direita.

- Eder – chamou Paty. – O Arthur está te chamando.

- O que ele quer Paty?

- Eu não sei, ele não me disse.

- Força na peruca mano – riu-se Giselle.

Eu peguei um copo de caipirinha de morango e desci as escadas até o primeiro andar.

- Oi Arthur – eu falei.

- Mano, quem é aquela menina, ali? – ele apontou discretamente.

- Não sei. Não a conheço. Deve ser convidada do Rafael, por quê?

- Ela é uma delícia. Queria ficar com ela.

- Chega nela então!

- Ah, eu não. Vai que eu levo um fora...

- E você quer que eu fale para ela, não é?

- Se você fizer isso...

Eu tomei o resto da minha bebida e coloquei o copo em uma mesa que estava abarrotada de gente. Aproximei-me
lentamente da menina e bati com o dedo duas vezes na suas costas.

- Oi – eu disse, olhando fixamente nos olhos da desconhecida.

- Olá – ela disse sorrindo.

- Tudo bem?

268
- Opa! Melhor agora. Você é o Eder, não?

- Sou. E você, quem é?

- Muito prazer Eder, eu me chamo Karine. Sou prima do Fael.

- O prazer é todo meu Karine. Você está gostando da festa?

- Estou adorando e a propósito, meus parabéns pelo seu aniversário.

- Muito obrigado. Linda, tenho um recado para te dar.

- Um recado?

- Isso mesmo. Você está vendo aquele garoto ali? Que está de blusa preta e boné vermelho?

- Aquele que está conversando com uma garota?

- Isso.

- Aham, o que tem ele.

- Ele é o meu amigo Arthur. E ele me disse que adoraria te conhecer.

Ela sorriu e olhou dentro dos meus olhos. As garotas que estavam próximo a nós deram risadinhas abafadas.

- Então fala para ele vir falar comigo, oras.

- Vou dar o seu recado. Se quiser esperá-lo ali no fundo que é mais tranquilo...

- Claro!

Pisquei para ela e voltei até o molenga do meu amigo.

- Ela vai estar te esperando ali – apontei discretamente com o dedo. – Aproveite.

- Sério mano?

- Sério molenga, vai lá dar uns beijos!

Eu e a Paty demos risada e eu voltei para o segundo andar, já estava começando a ficar com fome novamente.
Direcionei-me até a churrasqueira e peguei um prato de carne assada que o pai do Fael havia preparado.

- Tudo em ordem? – perguntou meu pai.

- Uhum – eu respondi.

Procurei o Fael com os olhos, mas não o encontrei. Voltei para a minha mesa e finalmente consegui sentar para
descansar um pouco.

- Ufa – suspirei. Peguei o copo de cerveja da minha mãe e bebi um gole.

269
- Sem exageros Eder – ela me previniu.

- Sem problemas.

Eu dancei com os meus amigos por mais de meia hora e sempre que o garçom passava, eu pegava um copo de
bebida. Já havia perdido a conta de quantos drinques eu tinha tomado.

- Vai com calma – alertou Yuri, mas ele estava alegre devido a tanto álcool que tinha ingerido.

- Eu estou bem – falei dando risada.

- Ah, aí está você – disse Marcus, se aproximando. – Anda, vem, já vamos cortar o bolo...

- Já?

- Já.

- Está cedo.

- Quase meia noite Eder!

Ele me puxou pela mão e eu não tive escolha a não ser ir com o meu irmão mais novo. Nós subimos até o
segundo andar e eu me juntei ao Fael atrás da mesa onde o bolo se encontrava.

- Oi – eu disse.

- Oi – ele respondeu.

Senti o cheiro de bebida à distância. Ele estava tão ruim quanto eu, senão pior.

Tentei fixar a minha visão em alguma coisa, mas tudo começou a rodar lentamente. Eu senti vontade de vomitar,
mas me segurei.

O pai do Rafa anunciou no microfone que nós iríamos cortar o bolo e em menos de cinco minutos, as luzes se
apagaram. Vários flashes de máquina vieram em nossa direção e eu não sabia para onde olhar.

- Parabéns a você, nessa data querida...

Olhei para o meu gostoso e nós dois caímos na gargalhada. Ele passou o braço pelo meu ombro e eu pela sua
cintura e nós acompanhamos os convidados no refrão da música.

- É pica – ouvi ele falar no meu ouvido –, é pica, é pica, é pica, é pica...

- É rola – eu respondi rindo –, é rola, é rola, é rola, é rola...

Nós dois caímos na risada e apagamos a vela enorme que estava em cima do bolo de dez quilos que nossas mães
encomendaram. Houve uma salva de palmas e nós cortamos um pedaço.

- O meu primeiro pedaço – disse Fael, agora sério. – Vai para a minha mãe!
270
A Cláudia se aproximou com os dentes a mostra e eu me decepcionei. Pensei que o primeiro pedaço seria para
mim.

- Obrigada amor.

Eles tiraram fotos juntos e depois foi a minha vez.

- E o meu – eu disse, cortando uma grande fatia. – Vai para...

Silêncio.

Eu dei um soluço e algumas pessoas riram, inclusive eu.

- Vai para...

- Anda logo Eder – mandou meu irmão.

- Vai para você pai – eu falei por fim.

O advogado se aproximou e me abraçou. Nós tiramos algumas fotos e ele pegou o bolo e o devorou em menos de
dois minutos.

- Nossa Senhora, que delícia – ele disse.

Minha tia Paula se encarregou de cortar o resto da guloseima e eu pedi para ela reservar um pedaço para mim.

- Pode deixar – ela disse.

Eu voltei para onde estava tocando as músicas eletrônicas e voltei a dançar. Percebi que o Fael estava atrás de
mim.

- Vamos embora? – perguntou ele.

- Já?

- Queria ficar a sós com você.

- E aonde nós vamos?

Eu peguei uma garrafa de bebida. E ele também.

- Não sei – confessou. – Vamos fugir...

Eu engoli metade da Smirnoff e olhei para ele.

- Fugir?

- Só nós dois.

A gente gargalhou e eu respondi:

- Mas e a nossa família?


271
- Deixe-os para lá...

Eu ri de novo e novamente as coisas começaram a girar.

- Então vamos...

Ele bebeu a Smirnoff e disse:

- Me espera aqui, eu já volto.

- Aonde você vai?

Ele não me respondeu. Voltei a curtir a música e quando dei por mim, já estava rodeado de garotas que eu nunca
tinha visto em minha vida.

Não fiquei ali por muito tempo, dei uma volta pelo salão e algumas pessoas se despediram de mim, mas eu não
consegui identificar quem eram. Peguei uma lata de cerveja e eu já estava quase terminando de ingerí-la, quando
dois braços fortes me puxaram para o lado.

- Agora já chega – disse alguém no meu ouvido. – Vamos para casa que você está bêbado.

- Bêbado, eu? Estou não...

Dei um soluço e tudo girou.

- Não, você não está mesmo. Está mais do que bêbado.

- Leve-o Henrique – alguém pediu.

Eu tentei focar a minha visão, mas não consegui novamente.

Outro soluço.

- Pode deixar mãe. Quer que eu volte para buscar mais alguém?

- Quero – mandou a minha mãe. – O seu pai está pior que ele. Eu levo ele e os seus irmãos, venha pegar a Gaby,
porque a Cláudia foi levar a irmã em casa.

- E o Jorge?

- Quase caindo.

Henrique suspirou e eu encostei a cabeça no ombro dele.

- Acorda Eder, acorda.

Eu abri os meus olhos lentamente e percebi que estava deitado no sofá de minha casa.

- Hã?

272
- Você está bem?

- Estou ótimo – falei. – Cadê todo mundo?

- Eles já vão chegar. Você consegue ir para o quarto?

- O quarto?

- É o seu quarto, você consegue chegar lá?

- Consigo – falei dando risada. Minha cabeça ainda estava girando.

- Então vai para lá. Eu preciso voltar para a sua festa.

- A minha festa?

- Nossa moleque, você bebeu demais...

Ele me colocou de pé e me empurrou até a escada. Eu comecei a subir os degraus lentamente.

- Eu já volto – falou Henrique, mas eu não dei atenção.

Quando faltava apenas um degrau para eu chegar no segundo andar, a campainha tocou e eu desci vagarosamente
para poder abrir o portão. Foi um sacrifício girar a chave na fechadura, mas quando eu consegui, eu me
surpreendi.

- Você – eu disse sorrindo. – Você veio...

Ele sorriu e me empurrou, encostando-me no muro e me beijando. Eu passei os braços pelo seu pescoço e ele foi
me conduzindo lentamente para dentro de casa.

- Pensei que você não iria mais vir – eu disse, tentando olhar nos olhos do Rafael.

- Não fala nada e me beija – ele mandou.

E eu obedeci e nós subimos para o meu quarto. Grudei meus lábios nos dele e ele começou a tirar a minha roupa.
Em menos de dois minutos, estávamos completamente pelados.

- Ai... Ai... Minha cabeça...

Eu coloquei a mão na cabeça. Ela doía de um jeito que eu nunca tinha sentido em toda a minha vida...

Sentei-me na cama e percebi que eu não estava sozinho. Olhei para o lado e tomei um susto quando eu a vi.

- Você? O que você está fazendo aqui?

Natália estava me fitando com a face serena. O que ela estava fazendo em minha cama? E por que eu estava
pelado? Não... Aquilo não podia estar acontecendo...

273
Eu não entendi o motivo dela estar ali, em cima da minha cama, ao meu lado. Devido ao pouco espaço, os nossos
corpos estavam colados e eu sentia a pele dela roçando na minha.

- Bom dia – disse ela com a voz dengosa –, dormiu bem, gatinho?

- Natália, o que isto significa?

Ela se espreguiçou e soltou um bocejo lento e demorado. A dor da minha cabeça aumentou e meu coração
acelerou de um jeito esquisito.

- Você não se lembra? – ela perguntou, passando a mão no meu braço.

- Eu prefiro não me lembrar. Isso é um pesadelo e eu vou acordar a qualquer momento – tentei me enganar. –
Meu Deus, isso não pode estar acontecendo.

Ela fez cara de intriga e ergueu as duas sobrancelhas. Eu quis me levantar, mas estava com vergonha.

- Não estou te entendendo – disse ela. – A nossa noite foi simplesmente perfeita e você ainda diz isso?

- Perfeita? A minha noite teria sido perfeita se você não estivesse aqui na minha cama!

O meu tom de voz estava começando a se alterar e os meus nervos começando a tremer de raiva e principalmente
medo. Antes de me levantar, puxei o lençol da cama e enrolei-me com ele para que pudesse ficar de pé. Percebi
que o pano estava sujo de sangue e só me bastou aquilo para confirmar o que eu não queria saber. Eu tinha
transado com a irmã do garoto por quem eu estava apaixonado.

- Eder...

- Natty, pelo amor de Deus... Isso não poderia ter acontecido, Natty!

Alguém estava andando pelo corredor e quando a porta do meu quarto foi escancarada, meu coração parou de
bater e eu fiquei sem respirar.

O meu irmão arregalou os olhos de incredulidade. Os lábios de Henrique se separaram e eu percebi que ele não
sabia o que falar, não sabia o que fazer.

- Ricky – eu disse baixinho.

Ele olhou nos meus olhos, depois olhou para a Natália e de novo para mim.

- Eu não acredito – ele sussurrou mais para si mesmo do que para nós.

- Henrique... – eu repeti.

- Natália os seus pais e irmãos estão a sua procura – disse ele, ainda incrédulo. – Eles só deram por sua falta
agora, mas já estão preocupados... Se você puder ir para casa...

274
- Ricky – dessa vez foi ela quem falou –, você não vai falar nada, vai?

Ele olhou para mim e eu ainda estava nervoso. Eu queria uma explicação tanto quanto ele. Minha cabeça parecia
que ia explodir a qualquer momento e se eu não me sentasse, correria o risco de cair.

- Não é a hora para falarmos desse assunto – concluiu o meu irmão. – É melhor você ir. Eu vou sair para deixá-
los mais à vontade.

- Mano...

- A gente conversa depois Eder.

Eu não sabia o que ele estava pensando e estava com medo de descobrir. Aquilo só podia ser fruto da minha
imaginação... De uma hora para outra a minha vida tinha tomado rumos que eu jamais tinha pensado antes...

- Eu sei que você não se recorda de muita coisa devido à bebida – falou ela –, mas quero que saiba que foi tudo
perfeito. Eu te amo!

Eu virei o rosto para a irmã da razão da minha vida e eu não acreditei no que eu estava ouvindo.

- Como é que é?

Ela não me respondeu. A minha vontade era de matá-la naquele exato momento. Senti algo que nunca havia
sentido antes... Uma revolta, uma dor no coração... Uma vontade de estrangular a Natália até ela parar de
respirar...

- Eu vou contar até três para você sair do meu quarto – eu disse baixinho.

Acho que ela percebeu que eu não estava brincando, pois ficou de pé na mesma hora.

- Eu preciso me vestir...

Bufei de raiva e saí dos meus aposentos com o lençol na cintura. Antes, verifiquei se não havia ninguém por
perto para que não me encontrassem naquela situação.

Escondi-me no banheiro e lavei o rosto para tentar me acalmar. Encontrei uma bermuda do Marcus jogada no
chão e aproveitei a oportunidade para me recompor. Sentei no vaso sanitário e coloquei as duas mãos na minha
testa.

- O que eu fiz da minha vida?

Várias coisas passavam pela minha cabeça e a pior delas era se saber qual seria a reação do Rafael. Ele não
poderia saber daquilo. Não mesmo.

Andei de um lado para o outro e encostei-me a pia. Eu precisava de uma solução para aquele caso, só não sabia
qual. Dei o tempo necessário a ela para que pudesse se vestir e então voltei ao meu quarto. Natália já estava
completamente arrumada e penteava os cabelos no espelho interno do meu armário.

- Eu quero conversar com você – disse ela.

275
- Agora não. Você ouviu o meu irmão.

- Pode ser hoje à noite?

- Vamos ver. Eu preciso conversar com o meu irmão primeiro e preciso principalmente me acalmar e tentar
colocar a minha cabeça em ordem.

- Eu não te entendo.

- É claro que você não me entende.

Ela não poderia me entender. Ela não sabia do meu envolvimento com o Fael.

Percebi que ela se aproximou de mim pelas minhas costas e quando dei por mim, as mãos da garota envolveram
a minha cintura. Ela encostou a cabeça nas minhas costas e eu me afastei.

- Some daqui garota – eu disse pausadamente.

- Eder...

- Natália, isso é sério! Se você não for embora agora, eu vou tirá-la daqui a força.

- Calma...

Ela pareceu preocupada e recuou dois passos.

- Eu já vou.

Fiquei olhando ela andar de costas e eu ainda não acreditava no que eu estava vendo. Toda a perfeição do meu
aniversário tinha ido por água abaixo em questão de segundos.

- A gente se fala ainda hoje? – perguntou ela, já na porta. – Promete?

- Um... Dois... Três...

Eu não precisei chegar ao número quatro. Ela abriu a porta e sumiu sem falar mais nada.

Desabei na minha cama e foi então que a minha ficha caiu. Meus olhos se encheram de lágrimas e eu comecei a
chorar em silêncio, olhando o teto como de costume. A dor em minha cabeça piorou e eu senti vontade de beber
água, muita água.

A porta se abriu novamente e o Henrique entrou.

- O que você fez Eder? – disse ele lentamente.

Meu irmão sentou-se ao meu lado e eu o abracei inconformado.

- Ricky...

- O que foi? O que você tem? Por que você está chorando?

276
- Ricky... – eu repeti.

Ele fez carinho na minha cabeça e me afastou, para poder olhar nos meus olhos.

- O que aconteceu mano?

O choro não me deixou falar e ele suspirou.

- Você ainda está bêbado – pressupôs.

Eu balancei a cabeça negativamente e tentei falar alguma coisa.

- Vai tomar um banho – sugeriu o meu irmão. – Você irá se sentir melhor.

Eu não queria sair de perto dele. Eu me sentia protegido ali, eu ficava mais calmo com a presença do meu irmão.

- Ricky...

- Vamos Eder. Eu te ajudo.

Ele me puxou para fora da cama e me empurrou até o banheiro. Eu não conseguia pensar em mais nada a não ser
no Fael. Qual seria a reação dele?

Henrique abriu o chuveiro e me jogou embaixo da água fria. Eu não fiz nada e as lágrimas continuaram a descer
silenciosamente.

Sacudi a cabeça lentamente e tentei mais uma vez colocar os pensamentos em ordem, mas nada vinha em mente
a não ser o rosto do meu garoto perfeito.

- Eu estou começando a ficar preocupado – disse Henrique.

- Você pode me deixar a sós?

Ele ficou calado por um momento e me analisou com uma das sobrancelhas erguida.

- Você não me parece muito bem – disse ele por fim. – Não sei se...

- Ricky, por favor?

Ele saiu e encostou a porta com delicadeza. Eu me desfiz da bermuda do meu irmão e deixei a água cair pelas
minhas costas, para que pudesse me acalmar.

Não sei por quanto tempo eu fiquei ali, pensando e chorando, mas quando o meu corpo começou a esfriar devido
a temperatura da água, eu saí debaixo do chuveiro e coloquei o meu roupão.

Escovei os dentes e então consegui cessar as lágrimas. Baguncei o meu cabelo e voltei lentamente para o meu
quarto, tudo começou a ficar mais claro.

- Como se sente?

277
Olhei para Henrique, ele estava deitado com uma das mãos na nuca e a outra em cima da barriga. Nós nos
fitamos por um segundo e eu sentei na beirada do colchão, sem saber por onde começar.

- Não sei – respondi com sinceridade.

- E a sua cabeça?

- Explodindo.

- Eu imagino. Você não deveria ter feito o que fez ontem.

- Tudo o que eu menos preciso neste momento é de uma bronca Henrique.

Acho que ele ficou pensando no assunto, porque não falou nada durante algum tempo.

- Você precisa descansar – ele deduziu. – Ainda sente sono?

- Não. Não sinto nada.

E eu não sentia nada mesmo. Não sentia fome, não sentia mais sede, não sentia sono, não sentia vontade de rir,
nem de conversar, não sentia a necessidade de existir naquele momento.

- Vem aqui Eder – ele chamou com os braços abertos.

Só me bastou aquele gesto para que a minha emoção voltasse com força total. Eu me aninhei no peito dele e ele
começou a acariciar o meu rosto.

- Chora – falou baixinho. – Isso vai deixar você mais leve.

Minha mãe entrou no meu quarto e ficou parada por um instante, não sei o que ela estava pensando e não
consegui tirar nenhuma conclusão antes que ela falasse algo.

- Como se sente? – perguntou com a cara meio fechada.

- Mãe...

- Mãe deixe-nos a sós – pediu Henrique. – Por favor.

- Eu vou fazer isso porque você está pedindo filho...

Minha mãe lançou um olhar severo em minha direção e virou as costas. Só me faltava aquilo para me deixar
ainda pior.

Acordei com dor no pescoço e muita sede. Tentei me sentar, mas o braço do meu irmão não me deixou fazer
isso.

- Ai – gemi baixinho.

- O que foi? – ele se preocupou.


278
- Minha cabeça, o meu pescoço...

Ele afrouxou o nosso abraço e eu consegui endireitar-me. Alonguei os músculos da nuca para aliviar a dor e
apalpei a minha testa para aliviar a náusea na cabeça.

- Assim está melhor.

- Eu peguei um remédio para a sua cabeça – disse o meu irmão, entregando-me um copo e um comprimido
branco com cheiro enjoativo.

- Não precisava – eu engoli a pílula rapidamente para não sentir o sabor e bebi todo o copo de água. A sede
aliviou um pouco, mas não passou por completo.

Henrique colocou o copo novamente em cima do criado mudo e eu deitei mais uma vez no seu peito. Ouvi o
batimento do seu coração, era uma sintonia perfeita. Um movimento leve e elegante. Ao contrário do meu, que
batia irregularmente em quase todos os momentos de minha vida.

- Eder, o que aconteceu afinal?

Eu suspirei. Mais cedo ou mais tarde nós dois teríamos que tocar no assunto, então que fosse naquele momento.

- Ou você prefere conversar com a Natália, primeiro?

Fiquei em dúvida. Desabafar com o Henrique era algo necessário, mas conversar com a cunhada dele era mais
necessário ainda.

- Eu acho que é melhor conversar primeiro com ela – falei por fim.

- Então se arrume e vá encontrá-la.

Só foi neste momento que eu percebi que quase estava nu. Andei até o guarda-roupa, abri minha gaveta de
cuecas, peguei qualquer uma e me vesti, tomando cuidado para não mostrar nada indevido ao Henrique. Coloquei
uma camiseta regata de cor branca e uma bermuda verde-clara. Esta me fez lembrar da cor dos olhos do meu
presente de Deus.

- Você sabe escolher as roupas – disse Henrique.

- Pelo menos isso – eu suspirei.

A dor em minha cabeça não queria cessar e isso estava começando a me incomodar de verdade.

- Eu não consigo nem andar direito devido à dor de cabeça.

- Então da próxima vez, você pense direito antes de se embebedar.

- Você vai ficar me recriminando desse jeito mesmo ou é só a minha impressão?

- Você sabe que o que você fez ontem não é certo.

- Eu sei disso, mas ontem foi o meu aniversário e eu tenho todo o direito de me divertir do jeito que eu quiser.

279
- A mãe está muito irritada com você.

- Isso é problema meu e dela, você não tem que se intrometer com isso.

- Eu só quero o seu bem, só quero te ajudar. E é assim que você me retribui?

Senti uma dorzinha no peito de remorso, mas não adiantava ele me repugnar daquele jeito. Ele tinha que me
apoiar, ou não?

O portão da casa da Natália estava aberto e eu entrei sem me anunciar. Criei coragem e toquei a campainha com
cuidado. Não demorou muito para a porta se abrir.

Não acreditei quando eu vi aqueles olhos me fitando. Ele sorriu de um jeito carinhoso e eu não tive coragem para
olhar em seus olhos, era ousadia demais para mim.

- Oi – disse ele com a voz rouca. – Não acredito que é você.

- Oi – eu respondi, sem graça. – Tudo bem?

- Na verdade só a dor de cabeça me incomoda. E você como está?

- Bem – menti. – Eu...

- Não quer entrar?

- Claro.

Entrei para a sala da casa da família dele e percebi que todos, exceto a Natália, estavam reunidos, assistindo
televisão.

- Ah, oi Eder – disse Cláudia. – Tudo bem?

- Oi, tudo sim.

- Rapaz? – cumprimentou Jorge.

- Olá.

Eu não sabia o motivo, mas algo me dizia que eu e o pai do Fael ainda iríamos nos dar muito mal... E aquilo não
me agradou muito.

Gabrielle não disse nada, mas moveu os lábios perguntando se eu estava bem. Balancei muito de leve a minha
cabeça e ela pareceu me entender.

- Vamos subir para o meu quarto – chamou Rafael.

- Rafa, eu posso conversar com ele um pouquinho? – perguntou Gaby, já ao meu lado. – É sobre o Henrique...

- Sobre o Henrique? – surpreendeu-se Rafael.


280
- Uhum, eu queria fazer uma surpresa para ele, quero a ajuda do Eder.

- Ah! Claro...

Lancei um olhar triste para o meu lindo, mas ele não retribuiu. Senti que ele desconfiou de alguma coisa.
Gabrielle e eu subimos para o seu quarto e ela trancou a porta ao passarmos.

- O que houve? – indagou minha cunhada.

Suspirei e baixei a cabeça.

- É a Natália, não é?

Fiz que sim com a cabeça e caí sentado na cama da Gaby. Ela ajoelhou-se à minha frente e me fitou dentro dos
olhos.

- O que aconteceu Eder?

- Gaby... Eu não sei por onde começar.

Minha cunhada sentou-se ao meu lado e nós cruzamos as pernas em cima da cama. Ela segurou as minhas mãos e
ficou as apertando, dando-me coragem.

- Não se sinta pressionado.

- Ai Gaby! Ela foi até a minha casa ontem à noite... Você viu como eu estava não viu?

- Sim, todos nós vimos.

Engoli em seco e senti a garganta reclamar por água.

- Quer água? – perguntou ela.

- Por favor – eu pedi.

- Eu não demoro – ela prometeu.

O sexto sentido da Gaby estava começando a me impressionar. Já não era a primeira vez que ela percebia o que
eu queria, o que o meu corpo necessitava.

Ela voltou com uma garrafinha de água gelada e um copo. Eu bebi alguns goles e coloquei os recipientes no
chão.

- Obrigado – eu suspirei.

Ela segurou novamente as minhas mãos e voltou a fazer os mesmos movimentos. E aquilo em encorajou
novamente.

- Ela chegou e eu não percebi que era ela – comecei –, também eu estava para lá de Bagdá.

Gabrielle sorriu e isso me deixou um pouquinho mais calmo e aliviado.


281
- Eu só me lembro que nós dois começamos a nos beijar lá no portão mesmo e depois eu acho que a gente subiu
para o meu quarto, depois disso eu não lembro de mais nada...

E não lembrava mesmo.

- Vocês transaram, não é?

- Tudo me leva a crer que sim, mas eu não queria ter feito isso Gabrielle! Eu não podia ter feito isso!

- Eu sei Eder. Eu sei que você não queria.

Olhei dentro dos olhos dela e tentei decifrar alguma coisa que estava acontecendo, mas eu não consegui pensar
em nada.

- É o meu irmão, não é? – ela perguntou.

Arregalei os olhos de um jeito que eu nunca tinha feito em toda a minha vida. Como ela poderia saber disso?
Será que o Fael tinha dito alguma coisa?

- Primeiro quero que você se acalme – ela disse sorrindo –, não precisa me olhar desse jeito. Segundo, ninguém
me falou nada. Eu só observei.

Não sabia como falar novamente. Minha garganta deu um nó e a minha respiração ficou ofegante.

- Você gosta dele não gosta? Pode ser sincero comigo, eu não vou falar isso a ninguém. Eu te prometo.

Fiquei estático. Se eu falasse, correria o risco de expor os meus sentimentos pela primeira vez a alguém de que
eu ainda não era tão próximo. Mas por outro lado, se eu não falasse, não teria como desabafar com mais
ninguém, pelo menos naquele momento.

Minha única reação foi baixar os olhos e não dizer nada. Suspirei baixinho e a dor de cabeça fez os meus
tímpanos latejarem.

- Não precisa falar mais nada – ela disse com a voz divertida. – Eder...

Eu olhei para ela, mas mantive a minha boca fechada.

- Não fique assim... Eu sou a sua cunhada, sou sua amiga, pode se abrir comigo.

- É difícil.

- Eu sei que é difícil. Você não falou disso com ninguém ainda, não é?

Eu balancei a cabeça negativamente e as minhas mãos começaram a suar.

- Quer conversar sobre?

- Não sei...

282
- Eu vou respeitar se você disser que não, mas acho que não há motivos para isso.

Fiquei pensando por alguns segundos e então decidi arriscar. O que eu iria perder?

- É por causa dele sim Gaby.

Ela sorriu mas não mostrou os dentes.

- Eu gosto do seu irmão.

- Eu sabia...

- Eu imaginei que você desconfiasse de algo. Ele te contou?

- Não. Ele é meio fechado para assuntos sentimentais. Eu percebi por conta Eder. E já tem um tempo.

- Desde quando?

- Desde a primeira vez que vocês se viram eu desconfiei de alguma coisa com relação a você. E depois com
relação a ele. Meu irmão mudou muito depois que te conheceu. Você precisava ver como ele ficou triste naquele
período em que vocês ficaram longe.

- E eu pensando que você era ingênua.

- As aparências enganam cunhadinho.

Ela sorriu e eu em resposta. Ela estava me deixando tranquilo, afinal de contas.

- Vocês estão namorando? – ela perguntou.

- Não – eu respondi. – Não estamos não.

- Ele gosta de você também, né?

- Eu não posso responder por ele, mas acho que sim.

- Pois eu tenho certeza. Quando vocês dois se veem... É algo tão... Bonito, tão romântico.

- É o mesmo que acontece com você e o Henrique, Gaby. É que vocês dois não percebem.

Ela corou um pouco e prosseguiu.

- Eu amo o seu irmão de um jeito que eu nunca pensei que pudesse ser possível. Ele me completa em todos os
sentidos.

- O mesmo acontece comigo e o seu irmão – eu falei baixinho. – Eu não sei viver sem ele.

Ela me abraçou e eu senti vontade de desabar em lágrimas, mas segurei firme.

- Eu espero que isso que tenha acontecido entre você e a minha irmã não os atrapalhe.

- Esse é o meu maior medo – eu confessei.


283
- Você tem certeza que vocês transaram?

- A principio eu não quis acreditar, eu não tinha provas. Mas tudo ficou muito evidente. O lençol da minha cama
ficou manchado... Eu estava... E ela...

- Natália – suspirou ela. – Vou ter que ter uma conversinha com ela novamente.

- Como assim?

- Ela já me disse que gosta de você.

- Como é?

- Ela gosta de você Eder. Só não consegue entender que você não gosta dela.

- Ela não sabe de mim, sabe?

- Acho que não, espero que não. Se bem que se ela soubesse de alguma coisa, ela já teria me dito.

- Você pode sondá-la?

- Posso investigar, mas eu tenho quase certeza que ela não sabe de nada.

- Deus queira. Eu preciso conversar com ela, saber por que ela fez isso...

- Se você quiser, eu vou chamá-la aqui.

- Você faria isso?

- Você ainda pergunta?

Ela se levantou e saiu do quarto rapidamente. Eu bebi mais um copo de água e depois as duas irmãs entraram
juntas.

- Vou deixar vocês a sós – falou Gaby, já se retirando.

- Não – eu falei –, fica.

- Eder... – ela disse.

- Por favor Gaby, fica.

Eu não iria me responsabilizar pelos meus atos se eu estivesse a sós com a Natália.

- Se importa Natty?

- Não Gaby. Pode ficar.

As duas se sentaram frente a frente e eu fiquei no meio do trio. Lancei um olhar de raiva a Natália e ela não
baixou os olhos, mantendo a fisionomia séria.

- Natty... – disse Gabrielle.


284
Eu levantei a mão para ela se calar e falei:

- Por quê?

A irmã da minha cunhada ficou calada me analisando e depois disse:

- Não tenho motivos Eder. Eu gosto de você. Só isso.

- Como se fosse fácil assim, né?

- E por que não seria?

- Quer dizer que se você gostar de qualquer um você vai se aproveitar dele quando ele estiver bêbado?

- Eu não me aproveitei de você! – exclamou ela com a voz incrédula.

- Ah, não? Então me diga uma coisa... Se você estivesse bêbada e eu chegasse à sua casa, começasse a te beijar e
te levasse para a cama você ainda assim não iria achar que eu estivesse me aproveitando de você?

- Isso é diferente.

- Diferente? Eu não vejo diferença nenhuma nisso Natália. Pelo amor de Deus garota, você viu o que você fez?
Você sabe como eu estou me sentindo? Eu estou péssimo! Como é que tudo vai ficar agora? E quando os nossos
pais souberem? O que a sua família vai achar de mim? Seu pai, seu irmão?!

Isso era o que mais me preocupava.

- Eles não precisam saber de nada disso Eder.

- Eu não costumo mentir Natália. Odeio fazer isso se você não sabe. O meu irmão já sabe e a sua irmã também.
Isso já é grande coisa.

- Eu confio na Gaby – ela se defendeu.

- E eu confio no Ricky. Mas mesmo assim... Você não deveria ter feito aquilo.

- Só por que você não gosta de mim Eder? Só por isso?

- Não! Só pelo simples fato de que eu gosto de outra pessoa!

Ela ficou calada por um segundo, mas ainda assim não baixou a cabeça.

- Você pensou que eu posso ter namorada Natália? – eu olhei de relance para a Gaby e ela manteve os olhos na
irmã.

- Você não tem.

- Como você pode saber disso?

- Eu não vi você com nenhuma garota na festa ontem.

285
- E só por isso você tira conclusões precipitadas? Isso não é certo.

- Olha só Eder, independente da circunstância em que nós estamos, eu não me arrependo do que eu fiz. Agora, se
você não gostou, se você está arrependido, o problema não é meu.

- Como é que eu vou gostar de algo que eu nem me lembro?

- Ah, não se lembra, né? Na hora de fazer você se lembrou direitinho.

- Natália – disse Gabrielle –, menos.

- Menos Gaby? Menos? Você viu como ele está me tratando? Como se eu fosse um lixo, algo insignificante...

- Menos – pediu a irmã novamente.

- Natty – eu disse pausadamente. – Em nenhum momento eu te dei tal liberdade para que você fizesse o que fez.
Nem naquele dia em que você me beijou eu te dei brecha. Você que não percebe as coisas.

Ela deu risada e a fisionomia agora era de raiva, assim como a minha.

- Honra essa calça que você está vestindo garoto – falou ela com deboche. – Seja homem uma vez na vida.

Não tive como me segurar e a fuzilei com os olhos.

- Escuta aqui garota – eu disse com a voz cerrada para ela ouvir perfeitamente –, nunca mais repita o que você
disse, senão...

- Senão o quê? Você vai me bater?

- Vontade não me falta. E eu só não faço isso por dois motivos. Primeiro: você querendo ou não é uma mulher.
Segundo: eu respeito a sua família e isso é acima de tudo. Então você é sortuda, mas a próxima vez que algo
assim sair da sua boca, eu não me comprometo.

- Que medo... – disse ela rindo.

- Natália chega de deboche – falou Gabrielle com a voz séria. – Você não acha que já aprontou demais por um
dia? Já não basta o que você fez esta madrugada? Quer mais o quê? Ser mal vista por todos?

- Até você Gaby?

- Até eu o quê? Você acha que eu vou passar a mão na sua cabeça? Pois você está muito enganada minha
querida. Você errou e errou feio. Agora, arque com as consequências.

Ela não teve resposta e eu adorei o que a Gabrielle disse. Fiquei fitando os olhos da cobra por alguns segundos,
até que ela se levantou.

- E você reze irmãzinha – continuou a Gaby. – Você reze para que não hajam consequências maiores.

O que ela quis dizer com aquilo?

- Hã? – fizemos eu e a Natty ao mesmo tempo.


286
- Nada, é melhor eu nem falar.

Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não.
Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não. Não.
Não. Não. Não. Mil vezes não!

Natália saiu do quarto e eu continuei matutando o que a minha cunhada havia dito. Aquilo não poderia acontecer.
Já era desgraça demais na minha vida eu perder o meu amor, ter um filho estava fora de cogitação.

- Você entendeu o que eu quis dizer, não é?

Balancei a cabeça positivamente e a Gabrielle suspirou.

- Eu espero que o seu santo seja forte. Não vai ser fácil conversar com o Henrique. E muito menos com o Rafael.
E pior ainda com o meu pai.

- Eu sei, eu sei e eu sei.

- Quer falar com o Rafa?

- Não sei Gaby. Eu estou com medo.

- Eu sei meu lindo. Eu sei que você está. Mas você não pode mentir para ele.

- Eu sei que não... Mas eu não tenho coragem para falar com ele agora.

- Mas é o certo a ser feito Eder. É melhor, vá por mim.

- Será?

- Ao menos tente. Vá ao quarto dele, eu vou dizer que você o está esperando.

Tudo estava do mesmo jeito desde que eu tinha pisado naquele quarto pela última vez. Eu sentei na cama com a
coluna ereta e tentei me concentrar para a dor de cabeça diminuir.

Alguns poucos minutos depois, o homem da minha vida entrou pela porta e saiu correndo ao meu encontro,
abraçando-me com força e beijando a minha boca de imediato.

A gente deitou. Ele por cima e eu por baixo. Enrosquei meus dedos nos cabelos dele e aproveitei aquele beijo ao
máximo. Talvez fosse o último que eu teria. Ao pensar naquilo, minhas lágrimas começaram a derramar e eu não
consegui mais me controlar. Ele parou o beijo e disse com a voz assustada:

- O que aconteceu Eder? O que você tem?

- Me abraça? – eu pedi com a voz triste.

Ele não pensou duas vezes e passou os braços em volta do meu corpo. Eu comecei a soluçar de um jeito
desesperado, a dor em meu peito não queria diminuir em nenhum momento.

- O que foi meu menino? O que aconteceu? Quem te deixou assim? Fala comigo...

287
- Desculpa – eu disse baixinho. – Me perdoa...

- Te perdoar? Pelo quê? O que aconteceu?

Eu percebi que ele começou a se preocupar de verdade e eu tinha que falar logo, não poderia esconder mais dele.

- Rafa, a gente precisa conversar.

E uma lágrima desceu do olho esquerdo dele. Eu a sequei antes que ela parasse em sua boca e então o puxei para
mais um beijo. Este foi um ato ainda mais urgente do que o último. Eu senti a necessidade nos lábios dele, ele
estava transmitindo tudo o que estava sentindo através da boca: preocupação, insegurança e principalmente...
Medo.

Quando nós nos separamos, tanto eu quanto ele estávamos aos prantos. Eu não sabia por onde começar e ele não
estava pronto para ouvir. Eu tinha plena certeza daquilo.

- Fael...

- Meu menino – ele sussurrou –, não faz isso comigo...

Eu não agüentei mais. Não sei como era possível, mas o choro não cessava e eu já estava começando a ficar com
falta de ar.

- Você é muito importante para mim – falou Rafael. – Muito importante.

- Deixe-me falar. Por favor, me ouça.

Os olhos deles ficavam ainda mais belos quando estavam molhados. O verde se misturava com a água e ficava
ainda mais claro, se é que aquilo era possível.

- Ontem à noite, o meu irmão me trouxe para casa...

- Por isso que eu não te encontrei?

- Isso. Aliás, aonde você foi?

- Ao banheiro – ele disse com a voz embargada. – O que aconteceu Eder? Diz que não é o que eu estou
pensando...

- Me ouça – eu repeti. – E quando eu cheguei à minha casa, tentei subiu para o quarto, mas eu não estava
conseguindo. O meu irmão teve que voltar para o salão não me lembro para quê e eu fiquei lá, perdido na
bebedeira, sem saber o que fazer. Foi então que a campainha tocou e aos poucos, eu consegui descer para abrir o
portão.

Ele estava ouvindo e a expressão estava séria, não revelava nenhum sentimento. As lágrimas tinham cessado
naquele momento e eu sequei uma derradeira que estava escorrendo.

- Eu não sei por que, mas eu tinha certeza que era você que estava no portão. Só podia ser você. Você lembra que
me pediu para nós fugirmos?

288
- Lembro – ele disse com a voz ainda mais rouca.

- Então, eu pensei que era você e quando eu abri o portão, eu te vi.

- Você me viu? Mas como você me viu? Eu dormi encostado na porta do banheiro Eder! Seu irmão quem me
encontrou.

- Deixe-me continuar. Devido a bebida, eu fiquei alucinado e pensei que era você. Então eu fiquei feliz em te ver
e tudo mais, daí eu lembro que falei alguma coisa e você, ou melhor, a pessoa pediu para eu calar a minha boca e
te beijar, ou melhor, beijar ela.

Eu abaixei a cabeça e criei coragem para poder continuar.

- A gente se beijou e quando dei por mim já estávamos na minha cama. Meu coração estava explodindo de
felicidade, porque eu estava contigo e eu estava esperando por aquilo há muito tempo... Só que depois disso eu
não me lembro de mais nada...

- Peraí Eder – ele disse com a voa mais séria. – Você foi para a cama com alguém?

Eu assenti.

- Você beijou alguém pensando que era eu?

Eu assenti de novo.

- Você transou com essa pessoa pensando que era eu Eder?

Assenti novamente e meu coração doeu em pensar no que viria pela frente.

Ele ficou calado por muito tempo e eu não tive coragem para olhá-lo. Funguei algumas vezes e o desespero
tomou conta do meu ser novamente.

- Quem era afinal de contas?

- Quando eu acordei hoje de manhã, eu tomei um susto. A principio, eu não entendi nada, mas depois, a ficha
caiu.

- Quem era Eder? – repetiu ele com o tom de voz elevado.

Eu não tive coragem de falar. Mas ele me pressionou.

- Fala agora quem é essa pessoa que eu vou acabar com a vida dela.

Sem coragem de olhar para aquele mar verde, eu respondi:

- Foi a Natália.

Ouvi a resposta do meu coração na minha cabeça.

Tum.

289
Tum.

Tum.

Tum.

Tum.

Tum.

- A minha irmã?

Balancei a cabeça positivamente e o choro voltou com força total. Nós não nos olhamos, más eu tinha certeza de
que ele também estava emocionado.

- Fael...

- Não...

- Fael...

- Não... Não... Não... Não... Não... Não... Não... Não...

- Rafael!

- Eder, diz que isso é mentira, por favor? Diz que você está brincando comigo?

Nossos olhos se reencontraram e eu mantive a minha expressão de derrota.

- Eu não estou brincando com você meu garoto perfeito – falei com a voz embargada. – Infelizmente eu não
estou brincando com você.

Ele estava boquiaberto e com a face incrédula. Muitas coisas passaram em minha mente e eu sabia que em algum
momento, ele iria me rejeitar. Preparei meu coração para a resposta que viria à seguir e me concentrei para não
desabar nos braços dele sem o seu consentimento.

- Eu não posso acreditar no que você me disse – ele falou no fim das contas. – É demais para mim. É demais...

- Eu...

- Não, não fala nada. Não fala mais nada, você já falou demais por hoje.

Ele tinha razão.

- Você está bravo comigo?

- Bravo? E adiantaria eu ficar bravo com você Eder? Isso iria mudar alguma coisa do que aconteceu? A resposta
é não! Eu estou completamente decepcionado – ele fez questão de frisar a última palavra. – Decepcionado
demais... Eu nunca pensei que você fosse capaz de fazer isso comigo... Nunca! Poderia esperar isso de qualquer
um, menos de você.

290
- Rafa...

- Não tem Rafa, nem Fael, nem Rafael! Deixe-me sozinho, por favor... Eu não estou aguentando de dor de
cabeça, eu preciso ficar sozinho.

- Mas Fael...

- Eu já disse que não há mais Fael para você Eder. Deixe-me a sós. Por favor.

Não tive reação para levantar da cama e então ele me puxou e me empurrou para fora do quarto. Ouvi o barulho
da porta sendo fechada e da chave sendo girada e então eu escorreguei até o chão.

Foi como cair do maior precipício do mundo. Aos poucos eu fui afundando, afundando, afundando, afundando
até chegar ao fundo do poço. Tudo a minha volta estava negro como a noite mais sombria, como um quarto sem
luzes e sem janelas, como em um céu sem lua, como em um mar de petróleo... Eu tinha perdido o meu sol, tinha
perdido o meu ar, o meu coração... Tinha perdido pela segunda vez a razão do meu viver...

Até as lágrimas pareciam estar doendo e elas já não queriam mais descer. Minha cunhada veio ao meu encontro e
pela terceira vez naquele dia, segurou minhas mãos, massageando desde a ponta dos meus dedos, até o começo
dos meus pulsos.

- Como você está? Como ele reagiu?

- Eu...

Ela me analisou com a fisionomia séria e provavelmente tirou as suas próprias conclusões, porque eu não
consegui falar mais nada.

- Quer conversar?

- Não Gaby – eu disse em um suspiro lento. – Não há a necessidade.

- O seu irmão está no meu quarto. E ele está preocupado com você.

- Só me faltava essa.

- Conversa com ele Eder. Explica tudo o que está acontecendo antes que ele tire as próprias conclusões.

- Você está me dizendo para eu falar tudo para o Henrique? Gaby, você está louca?

- Não Eder, eu não estou louca e sim, eu estou dizendo para você contar tudo a ele. Toda a verdade. Antes que
ele descubra por conta própria. E eu te garanto que se ele descobrir, vai ser bem pior do que você mesmo falar.

Eu pensei no assunto por alguns segundos e deduzi que a minha cunhada tinha razão. De que iria me adiantar
esconder algo tão importante do meu irmão?

- Eu acho que você tem razão.

291
- Eu não podia esperar menos de você.

- Mas... E se ele me rejeitar?

- Ele não vai fazer isso Eder. Se você soubesse o quanto o Henrique gosta de você...

- E eu dele.

- Pois então! Não fique com medo e abra o seu coração. Eu sei que ele vai te entender.

Ergui a minha cabeça e respirei fundo. Cocei os meus olhos para tirar o resto das lágrimas que ali secaram e
andei até a porta do quarto da Gabrielle.

- Boa sorte – ela disse para mim.

- Obrigado.

- Até que enfim amor – disse Henrique, que estava deitado na cama da namorada, completamente à vontade.

- Henrique... – eu falei com a voz calma.

- Eder? O que você está fazendo aqui? – ele se surpreendeu.

- Eu vim conversar com a Natty, você esqueceu?

- Ah, é! Mas, o que você está fazendo no quarto da minha namorada?

- Você já irá entender meu irmão. Nós podemos conversar?

Ele me fitou meio desconfiado e se arrumou na cama da Gaby. Henrique bateu duas vezes na coxa esquerda e eu
entendi o recado perfeitamente. Deitei-me com a cabeça aonde ele mandou e nós nos olhamos por um momento
longo e inacabável.

- E então... – ele pronunciou, quebrando o silêncio.

- Ouça atentamente e não me interrompa em nenhum momento – eu disse.

- Sim senhor!

Eu não tinha como escapar, era ali, era naquele momento.

- Primeiramente gostaria de pedir desculpas pela minha rudez agora há pouco, mas tente me entender. E agora
vamos ao mais difícil.

Contei até dez mentalmente e comecei a desembuchar:

- Para você entender o que está acontecendo Henrique, eu preciso contar a você história desde o começo,
portanto você precisa me ouvir atentamente.

- Sim senhor – repetiu ele, com a mesma cara de desconfiança.

292
- Você sempre soube do meu ciúme com você e isso não é novidade para nós dois – eu comecei. – Sempre que
você chegava em casa com uma namorada nova, ou me falava que estava ficando com alguma menina, algo me
corroia aqui por dentro e isso foi se agravando com o passar do tempo. Quando você levou a Gabrielle em casa
não foi diferente. Eu diria que foi até pior.

Eu senti uma força inexplicável dentro do meu peito e continuei:

- Quando eu a vi, senti vontade de sair correndo, de sair gritando pelo mundo afora. Eu não queria ver vocês dois
juntos, eu não queria ver ela ao seu lado, eu queria você só para mim e para mais ninguém. Você pode achar que
eu sou egoísta, que eu sou mesquinho, mas não é isso que eu sinto e penso. O que eu sinto é algo diferente Ricky.
E admitir para mim mesmo que você é de outra pessoa não é fácil. Eu sei que nunca irei te perder e sei que nós
seremos irmãos para sempre aconteça o que acontecer, mas dividir você com ela, estava fora de cogitação. Mas
aos poucos, com o passar dos dias, eu percebi que o que você sentia por ela era verdadeiro e eu não tinha como
lutar contra esse sentimento, não que eu quisesse interferir em algo entre vocês dois.

Em nenhum momento ele tirou os olhos de dentro dos meus. Nós dois permanecemos ali, juntos, unidos pelo
sentimento de irmandade. Ele me olhando, eu olhando ele.

- Prossiga – ele pediu.

- Foi então que a Angélica apareceu e eu dei o meu primeiro beijo e isso deixou os meus sentimentos ainda mais
confusos.

Ele ergueu uma das sobrancelhas.

- Eu nunca fui muito de me abrir com relação aos meus sentimentos e isso está sendo difícil para mim, mas eu
tenho que continuar já que eu comecei. Henrique, eu não gostei do que ela fez... Não por ser ela, não pelo
momento. Mas sim pelo ato. Pelo beijo.

- Não o entendo.

- Você logo entenderá. Eu nunca senti vontade de ficar com uma garota – soltei de olhos fechados. – Eu nunca
quis isso, nunca senti necessidade para tal fato. E quando isso aconteceu, eu só tive a comprovação do que eu já
sabia no inconsciente. Eu não quis falar nada antes, talvez porque eu ainda não soubesse o que estava
acontecendo de verdade, talvez por medo, ou insegurança... Mas o fato é que depois que eu fiquei com a
Angélica, a minha vida mudou e mudou completamente.

Eu abri os olhos e a expressão dele mudou da desconfiança para a incredulidade.

- E então chegou o momento em que minha cabeça encheu de perguntas sem respostas e eu fiquei maluco com
tanta coisa em mente, mas eu não podia me abrir com você, não podia demonstrar, eu precisava das respostas
antes de mais nada.

Pigarreei e continuei:

- E então eu conheci o irmão da sua namorada e tudo ficou claro como a luz do dia. À partir daquele momento
Ricky, a minha vida tinha sentido... Quando eu o vi pela primeira vez, quando os nossos olhos se encontraram
naquela manhã de domingo, o meu coração vibrou com tanta intensidade, que eu pensei que iria morrer ali
293
mesmo. Tudo se transformou dentro de mim e o que era insegurança, virou desafio, o que era medo, virou
determinação, o que era escuro, ficou claro e as minhas perguntas, se calaram.

- O que você está querendo dizer com isso Eder?

- Eu já vou chegar aonde você quer.

- Desde então nada mais tinha sentido sem ele por perto.

- Sem ele quem?

- Sem o Rafael.

- Como é?

- Ricky...

- Eder, o que você quer dizer com isso? – ele perguntou pela segunda vez

- Eu quero dizer que desde o primeiro dia em que eu vi o seu cunhado, eu sinto algo diferente aqui dentro – eu
coloquei a mão no peito. – Eu gosto dele de verdade.

- Mano você está me dizendo que você...

- É isso mesmo que você está pensando Henrique. Eu sou gay.

Meu coração bateu lentamente e eu analisei cada movimento que ele fez. As pálpebras do meu irmão subiram e
desceram por inúmeras vezes, mas os nossos olhos não se afastaram em nenhum momento sequer.

- E eu gosto do Rafael. Gosto dele como você gosta da Gaby.

Ele não disse nada e então eu entendi que eu precisava continuar.

- Com o passar dos dias, tudo ficou realmente nítido para mim e eu deixei as coisas acontecerem por conta
própria. Eu não sabia o que ele sentia por mim, mas eu sabia que algo estava errado. Quando a gente se olhava,
tudo parecia sumir, desaparecer e só restávamos eu e ele. Nós dois fomos nos aproximando com o tempo, fomos
criando mais intimidade e descobrindo mais afinidades. E então aconteceu.

- Aconteceu o quê Eder?

- A gente se distanciou. Foi como eu perder o chão, perder o meu sol, o meu ar, a minha vida – os meus olhos se
encheram de lágrimas e uma delas escorreu para a perna de meu irmão. – Eu perdi as contas de quantas vezes
você pediu para eu desabafar contigo durante aqueles dois meses e eu estava quase o fazendo, quando eu e ele
nos reencontramos naquele dia no salão da nossa festa de aniversário. Eu sabia que o dia do nosso reencontro
estava perto, já que nós dois iríamos compartilhar do mesmo evento, mas eu não queria que isso acontecesse,
porque eu estava com medo de ser rejeitado mais uma vez. Mas isso não aconteceu.

294
“O Rafa e eu conversamos no dia seguinte em que a gente se viu. E ele expôs o que sente por mim e nosso
sentimento é recíproco. E foi então que a gente ficou pela primeira vez.”

Ele não demonstrou sentimentos. Não aparentemente.

- E nesse dia eu descobri a felicidade. Eu me senti feliz e completo pela primeira vez em toda a minha vida.
Posso dizer sem medo de errar, que ficar com ele foi a melhor coisa que já aconteceu comigo. E isso foi
perdurando. Até agora há pouco. Quando você me deixou em casa ontem à noite e depois voltou para a festa, a
campainha tocou e eu fui abrir o portão, pensando que seria ele e eu realmente pensei que era quando o abri.

“Eu fiquei feliz demais, pensando que a gente ia poder ficar a noite toda juntos. Quando dei por mim, já estava
beijando aquela pessoa que eu jurava ser o Rafael e aos poucos nós dois fomos subindo para o meu quarto.
Depois disso, eu não consigo me lembrar de mais nada, eu acho que apaguei antes de... Antes de... Antes de você
sabe o quê.”

Eu tossi duas ou três vezes e prossegui.

- E quando eu acordei hoje de manhã, foi que tudo veio à tona e eu encontrei a Natália na minha cama. Tomei um
susto ao vê-la e não quis acreditar que aquilo estava acontecendo, mas as provas comprovaram o que eu temia.
Você com certeza sabe que eu e ela transamos. E é isso Henrique. Agora você entende o motivo do meu
desespero? O motivo das minhas dúvidas? O motivo da minha presença aqui?

- Hoje não é o dia primeiro de abril. E eu não caí na sua ladainha – ele disse sorrindo.

- Não é ladainha mano – eu falei suspirando. – Tudo o que eu te disse é a mais pura verdade.

- Você quer mesmo que eu acredite que você é gay e que está namorando o irmão da minha namorada, mas
acabou transando com a irmã dele porque estava bêbado?

- Eu e ele não estamos namorando – eu falei com uma dor no coração. – E sim, eu quero que você acredite no
que eu te contei, porque é a mais pura verdade.

- Desculpe, mas isso não faz nenhum sentido para mim.

- Então me deixe lhe mostrar as coisas em outro ângulo para ver se você me entende. Você se lembra de como eu
tinha ciúmes da Gaby antes de eu conhecer o irmão dela?

- Sim.

- E você percebeu que eu não reclamei mais nada depois que eu o conheci?

- Sim – ele respondeu baixinho.

- Quando eu e ele aparentemente brigamos você foi o primeiro a dizer que eu estava estranho e não era mais o
mesmo. E quando eu e ele voltamos a nos falar, você percebeu a minha mudança de humor.

- Sim – ele disse com a voz ainda mais baixa.

- Você percebe como eu e ele nos olhamos?


295
- Sim.

- Você sabe como eu me sinto?

- Sei.

- Você entende o que eu sinto?

- Entendo.

- Você quer mais alguma prova?

- Não.

- Preciso falar mais alguma coisa?

- Não.

Suspirei e fechei os meus olhos.

- Eu vou entender se você não quiser mais falar comigo.

Ele não respondeu. Mantive meus olhos fechados e tentei não deixar a emoção tomar conta de mim. Não sei o
motivo, mas não foi tão difícil expor tudo ao meu irmão mais velho. Eu estava seguro, eu estava em paz.

- Não vou mentir para você falando que eu aprovo isso tudo Eder. E não vou falar que estou satisfeito com o que
você me falou. Eu jamais iria pensar isso de você meu irmão. Jamais mesmo. E confesso que estou
decepcionado.

Era a segunda pessoa que se decepcionava comigo naquele dia.

- Não vou te julgar, não vou te recriminar. Eu não sou ninguém para fazer isso. Mas eu também não estou de
acordo. Não é isso que eu quero para você. Nunca foi. Você nunca transpareceu nada para mim nem para
ninguém, talvez por que tudo isso estava escondido no fundo do seu peito, mas mesmo depois de você ter
desabafado, isso não vai significar que eu aceite.

Suspirei novamente.

- É difícil para um irmão ouvir isso, ainda mais para mim. Eu te compreendo, é claro. Mas não estou de acordo.

- Henrique – eu disse com a voz baixa. – Me perdoa. Eu não escolhi ser assim.

Acho que todas as minhas lágrimas haviam secado, por que eu sentia vontade de chorar, mas elas não escorriam
mais.

- Eu sei disso – ele falou com a voz séria. – E não posso te julgar como já disse. Mas é difícil para mim. Eu
preciso de um tempo para digerir tudo isso.

- Se é difícil para você, é ainda mais para mim.

- Eu posso imaginar. Posso te pedir uma coisa?


296
- O que você quiser.

A minha voz estava fraca e eu não sentia vontade de fazer nada.

- Posso ficar sozinho um momento?

- Você está chateado, não está?

- Decepcionado Eder.

Ele afastou as pernas de mim e a minha cabeça caiu na cama da Gabrielle.

- Pelo jeito você não está com condições de se levantar. Então eu prefiro sair. Preciso de um ar fresco, preciso
ficar a sós...

Ele se afastou aos poucos e quando chegou à porta, parou.

- Ricky... – eu disse baixinho. O meu coração parecia sangrar por todos os lados.

- Até mais... Eder.

Ele saiu do quarto e eu fiquei sozinho com a escuridão novamente. Rejeitado pelo meu garoto perfeito. Rejeitado
pelo meu irmão. Quem seria o próximo? Quem iria me aceitar do jeito que eu era? Com os meus defeitos? Com
as minhas fraquezas? Com o meu amor pelo Fael... Com a minha... Dor...

Alguns minutos depois do meu irmão ter ido embora, a namorada dele entrou pela porta e foi direto ao meu
encontro.

- Como foi tudo?

- Ruim – eu confessei. – Ele disse um monte de coisas que eu nem quero repetir.

- Qual foi a reação?

- Não acreditou a princípio. Depois me falou que estava decepcionado e tudo mais.

- Eu vou conversar com ele – ela disse.

- Não, não precisa fazer isso Gabrielle. Não perca o seu tempo.

- Por que não o faria? Ele não pode ficar te tratando desse jeito.

- Não tudo bem, na boa. O deixe na dele.

- Se você está pedindo – ela deu de ombros.

- Acho que agora eu vou indo nessa – suspirei. – Já fiquei aqui por tempo demais.

- Por que não passa a noite aqui hoje? Seria melhor...

- Não. Seria pior. Eu vou para casa cunhadinha. E obrigado por tudo.

297
- Não precisa me agradecer. Eu faço porque gosto de você.

- Eu também gosto de você.

Em pensar que meses antes, eu não queria vê-la nem pintada de ouro na minha frente. O mundo dá voltas e o
inimigo de ontem, é o nosso amigo de hoje e vice-versa. Eu agradeci à Deus em pensamentos por ter colocado a
Gaby no caminho do meu irmão. Ela era a única que estava me dando apoio e eu ia precisar de muito.

Subi e fui direto para o meu quarto sem colocar nada na boca. Ao chegar, percebi que todos os meus presentes
estavam amontoados em cima da cama e alguns, jogados pelo chão. Queria saber quem os colocara ali.

- Assim pelo menos eu me distraio – suspirei baixinho.

Não estava sentindo a menor fome, mas eu precisava ingerir alguma coisa. Antes de começar a organizar tudo.
Desci, fiz um sanduíche de salame e voltei para comer sem ser atrapalhado. Sentei-me ao chão, peguei o controle
da tevê e fiquei mudando os canais, sem paciência para perder o meu tempo com aquilo.

- Porcaria – resmunguei, jogando o controle para longe.

Mordisquei um pedaço do meu lanche e fiquei tentando engoli-lo, mas não estava obtendo sucesso. Depois de
muito sacrifício, coloquei para dentro o último pedaço de pão e fui para a pilha de embrulhos da minha cama.

- Quer ajuda? – perguntou minha mãe.

- Pode ser.

Eu precisava conversar com ela. Dar uma satisfação. Explicar o meu ponto de vista.

A dentista entrou e sentou-se ao meu lado no chão. Eu peguei uma caixinha embrulhada em papel de seda e
puxei o laço. Um cartão estava preso com fita adesiva e eu o retirei com cuidado.

Chocolates.

- Está melhor? – indagou minha mãe, abrindo um pacote lilás.

Camiseta.

- Estou – menti para mim mesmo. – Estou me recuperando.

Puxei mais um pacote, este de cor amarelo. Tive dificuldade com o lacre e minha mãe me ajudou.

- Você sabe que o que fez ontem à noite não é certo, não sabe?

- Sim eu sei. E estou arrependido.

Blusa de frio.

Eu estava realmente arrependido. Ter feito o que eu fiz não me levou a nada, pelo contrário. Atrapalhou a minha
vida de um jeito irreparável.
298
- Seu pai não sabe do ocorrido porque ele estava pior do que você. Mas eu vou ter que falar para ele. Eu não
consigo mentir.

- Tudo bem.

Já estava encrencado de qualquer jeito. Um dia a mais de castigo não iria me matar.

- Eu me decepcionei com você.

Pronto. Terceira pessoa em um dia. Quem seria o próximo? Ou a próxima, talvez.

- Todos estão. E isso só me deixa pior.

Joguei o papel para longe. CD.

- Você andou chorando?

- Sim.

Minha mãe me entregou mais um. Meias.

- Por quê?

- Porque eu sou um idiota, só por isso.

E mais uma camiseta.

- Tem haver com o seu irmão?

- Também.

Uma calça.

- Como assim, também?

- O Henrique não te contou mãe? Ele não te contou que a Natália entrou aqui depois que ele me deixou e nós dois
acabamos na cama?

Ela parou de abrir o meu presente e arregalou os olhos em minha direção.

- Como é que é?

Suspirei e expliquei tudo a ela. Pulando é claro, a parte em que eu pensava que era o Rafa que estava ao portão.

- Quer dizer que... Mas... Como isso foi... Eder! Meu... E agora?

- E agora? Eu é que te pergunto mãe, e agora?

- Mas pelo que eu percebi a culpa não foi sua.

- Não. Mas ninguém vai querer saber disso.

299
- Como não? Ninguém tem que querer nada, filho. A errada em tudo isso, é a Natália.

Eu senti alivio ao ouvir aquilo.

- Mas isso não diminui a sua culpa – ela prosseguiu. – Mesmo você estando bêbado... Você também tem parte
nisto.

- Infelizmente.

- Os pais dela já sabem?

- Não sei e também não quero saber.

- Eles têm que saber disso filho. Desculpe, mas eu vou ter que conversar com a Cláudia.

- Não cabe a mim, ao Henrique, ao papai e nem a senhora falar nada. Quem tem que contar, caso seja necessário,
é a Natália.

- Isso é verdade, isso eu tenho que concordar... Mas... Eder!

- Já aconteceu mãe. Não tenho como voltar atrás. Estou arrependido sim, mas não adianta chorar depois do leite
derramado.

- Também não é para tanto.

Não é para tanto? Não era ela que tinha perdido a razão da sua vida.

- É que é difícil.

- Eu sei filho. E eu ainda não consigo acreditar. Mas enfim, como você mesmo disse, não adianta chorar depois
do leite derramado. Fez, está feito.

É. Fez está feito.

- Espero que você tenha aprendido a lição e não volte a beber novamente. Não desse jeito.

- Nunca mais na minha vida.

- Acho bom.

Eu puxei uma caixa grande e ela estava pesada. Deduzi na hora que era um tênis. E era mesmo. Lindo. Branco
com preto e detalhes em azul marinho. Perfeito. Abri o cartão e me surpreendi:

“Eder

Ter te conhecido fez a minha vida criar sentido, fez o meu coração aprender o que é viver. Eu não sou muito bom
com palavras, por isso serei breve. Só quero que saiba o quão especial você é para mim. Eu te adoro demais meu
300
menino. Feliz aniversário, muitos anos de vida, muita saúde e sucesso acima de tudo. Que este seja o primeiro de
muitos aniversários que nós iremos passar juntos.

Um beijo do tamanho do mundo. Com carinho, Fael.

PS: Abra a caixinha.”

Eu encontrei uma caixinha de veludo preto no meio do tênis e a puxei. Não dei atenção a minha mãe, ela me
fitava curiosa, mas eu não dei bola para isso. Puxei a tampa do pequeno cubo e uma corrente dourada estava em
seu interior. No meio dela, uma pequena letra “R” reluzia.

Quando eu finalmente fiquei sozinho no quarto, mergulhei em um oceano negro e dolorido. E o desespero, a
tristeza, a insegurança, as incertezas e o arrependimento voltaram com força total.

Fiquei brincando com o meu “R”, balançando-o de um lado para o outro no ar... Imaginando se o “R” de verdade
estava usando uma correntinha daquela. Aquele tinha sido o meu melhor presente.

O meu primeiro beijo veio em mente e eu ouvi a nossa canção, esmo sem ela estar tocando em lugar algum.

“Por besarte

Mi vida cambiaria en un segundo tu

Serias mi equilibrio, mi destino

Bésame, y solo así podre tenerte eternamente en mi mente...”

A não ser que eu estivesse alucinado novamente, a música realmente estava tocando e eu apurei os ouvidos para
entender de onde ela vinha.

“Nara nana...”

Levantei-me e caminhei lentamente até a janela. E então eu compreendi de onde a canção vinha. Era do quarto
do Fael... Só podia ser. Mas, a que altura o som estava ligado para que eu pudesse ouvir a música?

Muito cautelosamente, abri uma pequena fresta na janela e um vento gelado percorreu o meu corpo, fazendo com
que eu me arrepiasse. Tentei enxergar alguma coisa na noite escura e depois de algum tempo, eu o vi.

301
Ele estava sentado no peitoril da janela, com a cabeça erguida olhando o céu. Meu coração disparou de
ansiedade, felicidade... Medo. Fiquei a observá-lo e minhas lágrimas vieram a tona.

A nossa música terminou e logo em seguida outra começou a tocar:

“Rasgue as minhas cartas

E não me procure mais

Assim será melhor meu bem

O retrato que eu te dei

Se ainda tens não sei

Mas se tiver devolva-me

Deixe-me sozinho

Porque assim eu viverei em paz

Quero que sejas bem feliz

Junto do seu novo rapaz

O retrato que te dei

Se ainda tens não sei

Mas se tiver devolva-me

Rasgue as minhas cartas

E não me procure mais

Assim será melhor meu bem

O retrato que eu te dei

Se ainda tens não sei


302
Mas se tiver devolva-me

Devolva-me

Devolva-me...”

Continuei estático, sem saber o que fazer, sem saber como agir. Meu choro silencioso persistiu e ele continuou
ali, parado, olhando para o céu enegrecido, com a fisionomia indecifrável e com o som ligado no último volume.

“If I should stay

I would only be in your way.

So I'll go but I know

I'll think of you

Every step of the way.

And I... Will always love you...

I will always love you...

My darling you

Bittersweet memories,

That is all I'm taking with me...

So goodbye, please don't cry.

We both know I'm not what you, you need.

And I... Will always love you.

I... Will always love you, ohhh

I hope life treats you kind

And I hope you'll have

All you've dreamed of.


303
And I wished you joy

And happiness.

But above all this, I wish you love.

And I... Will always love you...

I will always love you...

I will always love you...

I will always love you...

I will always love you...

I, I will always love you...you

Darling I love you

I'll always

I'll always

Love you...”

- Fael – eu disse baixinho.

Ele se inclinou um pouco para frente e o meu coração parou de angústia. Ele estava prestes a cair. Eu abri a
janela com brutalidade e gritei:

- Cuidado!

Ele me olhou assustado e só então eu percebi as lágrimas escorrendo.

- Eder – ele pareceu sussurrar. – Meu menino...

Meus olhos se perderam na imensidão verde daquelas retinas que eu tanto conhecia e aos poucos, a chama da
esperança reacendeu em meu peito.

- Fael – eu sussurrei em resposta.

Alguém desligou o som do quarto dele porque as canções pararam. Ele olhou para trás e eu tentei ver quem
estava lá, mas não consegui. Fiquei olhando para aquele homem perfeito e meu coração voltou a doer quando ele
desapareceu e fechou a janela.

304
Meus olhos se perderam na lataria da janela do quarto do meu garoto perfeito e eu só voltei a realidade quando
alguém tocou em meu ombro.

- Eder? – chamou Henrique+

Eu me surpreendi e me virei para olhá-lo.

- Olá.

- Podemos conversar?

- Não sei Henrique. Eu estou cansado, queria dormir um pouco.

- Eu prometo que serei breve.

- Sendo assim – eu dei de ombros e me afastei.

- Eu só queria pedir desculpas.

Afastei o lençol da cama, afofei o travesseiro, joguei o cobertor, tirei a camiseta e a bermuda e me deitei. Ele se
aproximou e se ajoelhou ao meu lado.

- Desculpa mano. Eu fui um tonto hoje.

Fiquei olhando para o teto. Não tinha coragem para encará-lo.

- Gostaria que você me entendesse Eder. Você falou de uma hora para outra e eu não estava preparado para ouvir
aquilo. Tudo é novo para mim... Você me entende, não entende?

- Entendo sim Henrique.

- Eu não quis dizer aquilo tudo que te falei. De verdade Eder. De verdade mesmo. Desculpa. Por favor...

- Não, tudo bem...

- De verdade?

- Uhum.

- Não está bravo comigo?

- Não – e eu não estava. Talvez só um pouquinho chateado.

- Posso te pedir uma coisa?

- Uhum

- Me dá um abraço?

Aquilo me surpreendeu novamente. Eu fiquei processando o pedido por um instante, mas não consegui negar
isso ao Henrique. Sentei-me e nós nos encontramos, um apertando o outro de um jeito carinhoso.

305
- Eder, Eder, Eder... Eu te amo menino!

- Eu também te amo Ricky.

- Desculpe-me, tá?

- Sem grilo.

- Independente da sua opção maninho, eu sempre vou estar aqui para te apoiar, está bem?

- Uhum.

- Eu só quero a sua felicidade, só quero o seu bem. E se você é feliz assim, é feliz com ele, pra que eu vou me
intrometer?

Alívio.

- Estou contigo, tá bom? Conta comigo pro que você precisar.

- Obrigado Ricky. Você tirou um peso enorme das minhas costas.

- E se ele te maltratar, se ele te machucar, se ele fizer qualquer coisa de errado com você, você me avisa que eu
quebro todos os dentes dele.

Eu sorri e aquilo me deixou leve como uma pluma. Ao menos um dos meus problemas tinha ido pelo ralo.

- Pode deixar.

Ele beijou minha bochecha com força e se levantou.

- Você contou a mais alguém?

- Não.

- Então é segredo nosso?

- Por enquanto sim.

- Certo. Se precisar, sabe aonde eu estou não sabe?

- Sei.

- Desculpe-me outra vez.

- Sem essa. Já passou.

- Boa noite.

- Boa.

306
Suspirei de alivio e pelo menos um terço da dor se foi com a reconciliação com o meu irmão. Eu não podia
esperar menos do Henrique. Nunca o tinha visto discriminar um homossexual e ele não faria aquilo comigo...
Não comigo... E nem com mais ninguém.

Àquela noite não sonhei e tive dificuldades para adormecer. Quando acordei pela manhã, notei que não estava
com meu travesseiro e que meu lençol estava caído ao chão. Além do mais, eu estava de ponta-cabeça na cama.
Com certeza havia me mexido durante toda a madrugada.

Tomei banho quente para acordar em definitivo e desci para o café da manhã. Os meus pais já não estavam à
mesa e meus irmãos estavam de saída para o colégio.

- Essas férias que não chegam – reclamou a Giselle.

- Só mais duas semanas – encorajou-a Henrique.

- Que não passam nunca.

- Já abriu os seus presentes mano? – indagou Marquinhos.

- Já sim.

- Gostou do meu?

- Adorei. Amei o de todos vocês. Muito obrigado meninos.

O Henrique havia me dado um boné e uma mochila, minha irmã um perfume e meu irmão mais novo uma blusa
de frio que ficou perfeita no meu corpo. Nunca fui de pedir presentes, mas não tive do que reclamar naquele
aniversário.

- Vamos Marcus? Já estamos nos atrasando.

- Vamos.

Eles terminaram de beber o leite e o suco que estavam tomando e se levantaram. Meu irmão ajeitou o boné na
cabeça e minha irmã arrumou a bolsa antes de saírem.

- Boa aula para vocês – falou Henrique.

- Obrigado pai – respondeu Marcus.

- De nada filho.

- Ricky você não nos daria uma caroninha não? – pediu Giselle.

- Por que não pediram antes? – ele reclamou para si mesmo, olhando no relógio da parede. – Se me esperarem
cinco minutinhos eu os levo.

307
- Vai trabalhar Henrique? – perguntei.

- É né, se não tem jeito...

Ele saiu da cozinha às pressas e minha irmã sentou-se ao meu lado.

- Por que os seus olhos estão inchados?

Eu dei de ombros e continuei comendo. Ela não precisava saber o que estava acontecendo. Não naquele
momento.

- Eles estão vermelhos. Parece ser conjuntivite isso daí.

- Eles estão ardendo mesmo – menti.

- Passa um pouco para mim Eder – pediu Marquinhos.

- Para de ser vagabundo menino – eu disse rindo. – Vai estudar vai!

- Vamos povo? – chamou Henrique. – Eder você lava a louça?

- A Zélia vem.

- Ah, é verdade. Beijo irmão, até hoje à noite.

- Beijos seus chatos – eu disse a todos e eles saíram. Deixando-me sozinho com minhas lamentações.

Ouvi o celular tocar e subi as escadas como um jato para poder atender. Número restrito.

- Alô? – eu atendi.

Ninguém respondeu nada, mas eu ouvi a respiração da pessoa do outro lado.

- Alô? – repeti.

Nada de resposta novamente. Meu coração disparou e só uma pessoa veio em minha mente: Rafael.

- Alô? – eu disse pela terceira vez, mas novamente não obtive resposta.

Fiquei aguardando. Eu não iria desligar. Ou a pessoa desligaria, ou me responderia.

- Fael? – arrisquei.

Nada...

Tum.

Tum.

Tum.
308
Tum.

Tum.

Tum.

- Alô?

E desligou.

Fui até a janela para ver se conseguiria ver alguma coisa, mas a janela dele continuava fechada. Deitei de costas
na cama e fiquei olhando para o teto. Minhas glândulas lacrimais começaram a trabalhar e em questão de
minutos, o lençol da cama estava ensopado...

Eu o queria de volta, queria por completo. Poder me entregar de corpo e alma, poder dizer o quanto ele era
especial para mim. Poder pedir desculpas, poder mergulhar de novo no oceano verde daqueles olhos tão
perfeitos. Eu o queria... O queria como nunca havia querido antes. Eu o queria para poder dizer o que meu
coração sentia, poder dizer o que eu não tinha coragem de admitir para mim mesmo. Eu o queria, para poder
dizer que eu... Que eu o amava...

Durante toda a semana não houve nem sinal de vida do meu garoto perfeito. Meus dedos coçavam para ligar,
minhas pernas ansiavam para andar até a sua casa, mas o meu cérebro bloqueava estas ações e eu tinha que me
contentar com a sua ausência.

Já estava na última semana de aulas e a galera do colégio estava organizando uma despedida, mas nem isso
estava me animando.
- Vamos Eder, ânimo rapaz – encorajou-me Arthur. – Vai ser divertido. Imagina só quantas gatinhas estarão lá,
dando sopa.
- Não estou com cabeça para isso Arthur – eu murmurei.
- Ih, sei não, hein? O que está acontecendo brother? Desabafa comigo, anda!
- Nada, não é nada. Só não estou a fim mesmo.
- Vem Eder, nós vamos à sala ao lado... Lá está a maior zona – chamou Yuri.
- Já, já eu vou Yuri.
- Deixem-no em paz – falou Paty. – Ele precisa ficar sozinho com os pensamentos dele.
A lua estava bonita àquela noite. Grande, branca e imponente. Vez ou outra alguma nuvem teimava em passar
sob sua majestade, mas nem assim ela deixava de brilhar.
Por que aquilo estava acontecendo comigo? Por que ele estava me rejeitando pela segunda vez? Eu não
entendia... Ou não queria entender... Eu não tinha errado tanto assim, tinha?
- Oi – disse uma voz que não me era estranha as minhas costas.
Eu me virei e fiquei surpreso ao vê-la me fitando.
- Oi Angélica, tudo bem?
- O que há de errado com você Eder? Por que está aqui dentro sem fazer nada quando todos estão lá fora, se
divertindo?
- Não estou a fim de ficar lá fora. Quero ficar um pouco sozinho.
- Algum problema?
- Não, não... Só pensando na morte da bezerra.
- Bom... Já que é assim. Eu vim falar com você para me despedir.
309
- Despedir?
- Sim. Hoje é meu último dia de aula – ela sorriu.
- Ah, é... Você é do terceiro! Que legal, você irá se livrar disso tudo.
- Que nada, começo a faculdade ano que vem já.
- Ah, é? E você vai fazer o quê?
- Nutrição.
- Legal. Parabéns então nutricionista.
Ela sorriu novamente e ficou me analisando.
- Sabe, você é tão lindo. Não devia ficar perdendo o seu tempo com essa pessoa que não te dá valor.
- Hã?
- Abra os olhos mocinho. Tem muita gente a sua volta querendo ficar com você. É só você prestar bastante
atenção.
Ela se levantou e deu um beijo demorado em minha bochecha.
- Então tchau menininho – Angélica disse. – Sentirei saudades.
- Até mais então jovem nutricionista. Parabéns mais uma vez e se cuida.
- Obrigada. Cuide-se você também. E escute o que eu te disse... Eu não estou mentindo.
E eu fiquei pensando. Pensando no que a Angélica tinha me falado. E ela tinha mesmo razão. Eu não podia ficar
preso, deixar de me divertir por causa do Rafael. Eu não podia deixar de ficar com os meus amigos naquele
momento tão importante em nossas vidas.
Decidi sair daquela sala de aula deserta e me juntar aos demais na bagunça que estava ocorrendo no pátio.
Encontrei meus amigos sentados em uma roda, próximos a minha sala e me sentei ao lado do Arthur. Um carinha
que estudava na sala ao lado da minha estava tocando um violão e eles cantarolavam uma música desconhecida
para mim.
- Até que enfim – falou Arthur quando eu cheguei. – Olha que gata aquela mina ali...
- Linda – eu falei baixinho.
Fez-se a silêncio e todos olharam para mim.
- Que foi? – eu falei, meio sem jeito.
Alguns desviaram os olhos, outros continuaram me observando e uma nova música começou a ser tocada no
instrumento do garoto que eu esquecera o nome. Reconheci o toque suave na hora.
- Denise? – disse o violeiro.
- Eu me lembro sempre, onde quer que eu vá – começou a cantar a minha amiga. – Só um pensamento em
qualquer lugar...
- Só penso em você – continuei olhando para a lua. – Em querer te encontrar... Ah... Ah... Só penso em você, em
querer te encontrar...
Denise não continuou a canção e a melodia continuou a ser tocada, então eu continuei:

- Lembro daquele beijo que você me deu – fechei os olhos. – E que até hoje está gravado em mim... Quando a
noite vem, fico louco pra dormir, só pra ter você nos meus olhos, me falando coisas de amor... Oh, oh, oh! Sinto
que me perco no tempo, debaixo do meu cobertor...
Agora foram todos.
- Eu faria tudo, pra não te perder... Assim! Mas o dia vem e deixo você ir... Eu faria tudo, pra não te perder...
Assim! Mas o dia vem e deixo você ir... E deixo você ir...
Baixei a cabeça e tentei não chorar, mas a dor estava tomando conta do meu peito e aquilo poderia acontecer a
qualquer momento.
- Eu não sabia que você cantava tão bem Eder – disse Paty.
- Nem eu – falou Yuri.
- O que é isso... – disse sem graça. – Obrigado!
O sinal tocou e alguns professores entraram nas salas. Continuei sentado e esperei alguém se levantar, mas
ninguém o fez, nós continuamos todos ali, parados, curtindo os últimos dias de vida do ano letivo de 2005.
310
- Você vai vir amanhã? – perguntou-me Denise.
- Depende – eu respondi –, se vocês virem, eu venho.
- Eu e o Yuri não vamos vir – ela disse –, mas o resto do pessoal, eu não sei.
- Por que vocês não virão?
- Ele me convidou para ir até a casa dele amanhã à noite.
- Então o namoro está realmente ficando sério?
- É né, acho que sim – ela disse sorrindo.
- Fico feliz por vocês. Mas eu já vou indo, acho que vou a pé para poder aproveitar essa noite linda.
- Sozinho Eder? Você está louco?
- Quantas vezes isso já aconteceu Dê...
- Bom, depois não diga que eu não avisei. Beijo amigo, até quarta...
- Até quarta, boa noite.
Eu saí da sala de aula e caminhei lentamente pelo pátio da escola, àquela hora completamente deserto. A tia
Verinha estava quase fechando o portão e eu corri para poder chegar à rua a tempo.
- Boa noite tia Verinha – eu disse.
- Boa noite menino. Vá com Deus.
- Amém.
Eu estava disposto e decidido a ir caminhando para casa, mas me surpreendi como nunca havia me surpreendido
antes quando eu vi o Gol parado em frente à banca de jornal.

Meu coração acelerou como era de costume, minha garganta ficou seca e minha respiração falhou. Era ele... E ele
estava a minha espera... Será?

Percorri o curto espaço que restava até o carro e prendi a respiração ao passar por ele, sem olhar para o seu
interior. Continuei caminhando, fingindo não dar atenção para quem estivesse ali, mas a buzina foi acionada e os
faróis foram acesos. Parei.

- Eder? – chamou a voz dele.

Era como o badalar de sinos de natal ouvir aquela voz. Saber que ele estava ali, saber que ele estava a minha
espera... Tudo aquilo era demais para mim.

Os nossos olhos se cruzaram como o desembocar de um rio doce no mar salgado. Senti o iceberg descer pela
minha garganta e se alojar no centro da minha barriga, senti uma gota de suor descer pela minha nuca e se perder
na pele das minhas costas e senti o meu coração acelerar ainda mais, se é que aquilo era possível.

Ele se aproximou de mim vagarosamente, sem desviar os olhos dos meus, sem parar de me ler, sem parar de
decifrar as minhas emoções.

- Boa noite – ele disse com a voz baixa ao chegar perto suficiente para nós podermos conversar.

- Boa noite – eu respondi com cordialidade. – Como você está?

- Não muito bem. E você?

- Estou indo...

311
Percebi que ele estava voltando da firma, pois suas unhas estavam pretas e ele ainda trajava o uniforme de cor
azul. Até sujo ele era lindo... Como aquilo era possível?

- Eu posso ter uma palavrinha com você?

- Tudo bem – eu respondi.

- Então vamos com meu carro? Você está indo para casa?

- Estou - respondi

- Por favor – ele disse, abrindo a porta para eu entrar. Sentei-me e coloquei o cinto automaticamente.

Ele deu a volta pela frente do automóvel e colocou-se no lugar do motorista. Rafael deu a partida e o motor rugiu
levemente.

Não quis olhá-lo. Fiquei observando a rua, alguns amigos meus ainda permaneciam nos arredores da escola. Uns
jogando conversa fora, outros beijando alguém e outros, apenas indo embora para casa.

- E então, como você está? – indagou Rafael.

Como ele teve coragem de fazer aquela pergunta? Como ele teve audácia para me perguntar aquilo? Como eu
estava? Será que ele queria mesmo saber qual era o meu estado de ânimo?

- Eu já te respondi. Disse que estou indo.

- E você acha que eu vou me dar por satisfeito com essa resposta? Nunca!

Pouco me importava se ele ia se dar por satisfeito ou não.

- A gente precisa conversar – ele falou, mas eu não analisei sua fisionomia, porque não queria encará-lo. – Isso
não pode continuar assim.

- Uhum.

Notei que eu já não sabia o caminho que ele estava percorrendo. Aquele não era meu trajeto habitual para casa.
Onde ele estaria me levando?

- Aonde você pensa que está indo Rafael?

- Eu disse que nós precisamos conversar, esqueceu?

- Não, não esqueci! Mas você pode, por favor, me levar para casa?

- Não, eu não posso.

Ele virou à direita e nós entramos em uma ruazinha sem saída e estreita, de paralelepípedos. O carro foi
estacionado ao meio fio e ele se virou para falar comigo.

- Olhe para mim Eder – ele pediu.

312
Eu me virei para fitá-lo. Queria saber o que ele tinha a me dizer de uma vez por todas.

- Eu sei que não é fácil para você estar aqui comigo, eu sei que você deve, aliás, você está chateado comigo e
tudo mais, mas eu quero me explicar... Quero que você me entenda...

Não respondi e sequer pisquei os olhos.

- Ouvir aquilo que você me disse na semana passada não foi nada fácil para mim. De uma hora para outra, você
estava chorando no meu quarto, me dizendo que tinha me traído, dizendo que tinha transado com a minha irmã...
Eu até compreendo, afinal você estava muito bêbado, mas é difícil da gente aceitar.

“Eu estive conversando com a Natália esses dias e ela me deu a versão dela. Disse que gosta muito de você, que
te adora, que está apaixonada por você, mas que você não dá a mínima para ela. Ela está arrependida do que fez,
está com medo dos meus pais descobrirem.”

- Pensasse nisso antes de fazer o que fez.

- Concordo com você e eu disse isso a ela. Mas ela é muito imatura Eder. Ela ainda vai apanhar bastante para
poder aprender. Ela sempre foi assim e sempre será. Já ouviu falar naquele ditado: “é errando que a gente
aprende”?

- Sim.

- Pois então. Eu queria te pedir desculpas pelo que eu disse. Naquele momento eu estava tomado de ciúmes de
você. E também da minha irmã. Querendo ou não, eu gosto dos dois. Você seria capaz de me perdoar?

- Perdoar é de Deus Rafa – eu disse. – Porque eu não faria isso?

Ele deu um sorriso envergonhado e baixou os olhos. Eu fiquei a observá-lo por um curto período de tempo, até
que o silêncio foi novamente quebrado:

- Eu senti a sua falta – ele continuou. – E é por isso que estou aqui.

- Eu também senti a sua. Em cada segundo que nós ficamos longe.

- Em cada milésimo de segundo – ele me corrigiu, segurando a minha mão. – O que você fez com o meu coração,
hein?

- Eu nada!

- Fez sim... Ele nunca bateu tão irregular que nem agora. Ele nunca sofreu tanto por alguém, ele nunca gostou
tanto de alguém que nem ele gosta de você.

- Faço suas as minhas palavras – eu disse sorrindo.

Era impressionante a forma que ele tinha de me fazer esquecer as coisas com rapidez.

- Então nós dois não estamos mais brigados, estamos?

- Da minha parte não – eu disse.


313
- Da minha muito menos.

Ele me puxou de um jeito mágico e os nossos lábios se tocaram como na primeira vez em que ficamos juntos. A
mesma corrente elétrica passou por minha pele e todas as minhas células pareciam festejar o nosso reencontro.

Passei a mãos por aqueles cabelos sedosos e enrosquei os meus dedos nos fios para poder puxá-lo para mais
próximo. Nossas línguas se roçaram e começaram a brincar de leve. Eu mordisquei o lábio inferior do meu
garoto perfeito e ele se arrepiou com o ato.

- É melhor a gente ir para o banco de trás – ele falou.

Nós pulamos para a traseira do carro e eu me sentei em seu colo para poder apreciar melhor o nosso momento. O
beijo voltou com força total e em questão de segundos, ele tirou a minha camiseta.

- Safadinho – eu disse com a voz abafada pelo tesão.

Nunca tinha sentido nada semelhante em toda a minha vida. Meu corpo era um oceano de sensações. Arrepio,
calor, frio, desejo, prazer, tudo misturado em um misto de amor e perigo.

- Eu... – ele sussurrou, beijando a minha barriga.

Grudei meu corpo ao dele e nossos lábios se encaixaram novamente, desta vez, mais lentos e apaixonados que
nunca. Ele beijou meu pescoço, chupou a pele com delicadeza, mordiscou os lóbulos da minha orelha esquerda e
passou a língua pelos meus mamilos, me fazendo delirar de tanto prazer.

- Ah – eu gemi baixinho, colocando a cabeça para trás.

Meu pênis parecia que ia explodir de tão duro que estava e eu senti o dele se movimentar por debaixo daquela
calça fina. Remexi o quadril no colo do Fael e senti o membro dele pulsar em minha bunda.

- Eu te quero – falei baixinho.

- Eu também te quero meu menino – ele respondeu em sintonia.

Rafael abriu o botão da minha calça jeans e a puxou para baixo, deixando o pano brando da minha cueca a
mostra. Eu fiquei um pouco envergonhado, mas a malícia que estava dentro de mim não me permitiu fazer nada.

Senti o pênis latejar debaixo daquele tecido e tive vontade de libertá-lo para ele poder respirar, mas não tive
coragem de fazer aquilo... O meu garoto perfeito passou o dedo por cima dele e sorriu perversamente.

- Não sei como fazer isso – ele admitiu.

- Nem eu – eu falei baixinho.

- Ele está... – ele tentou dizer, mas algo o bloqueou. – Ele está muito...

Eu coloquei o dedo nos lábios dele e o puxei para um beijo. Não precisava de mais nenhuma prova. Nem eu, nem
ele estávamos prontos para aquele momento.

314
O nosso beijo não demorou muito porque fomos interrompidos por batidos na lateral do carro. Arregalei os olhos
ao ver dois rapazes do lado de fora do Gol, nos observando.

- A brincadeira está boa? – riu um deles.

Rafael e eu nos olhamos e eu saí de cima do seu colo. Meu membro murchou de tristeza e eu coloquei a
camiseta. Rafa pulou para o banco da frente e abriu o vidro para poder responder.

- O que você disse?

- Eu perguntei se a brincadeira está boa – ele riu novamente.

- Dois veadinhos, Macarrão?

- Uhum – falou o mais próximo de nós. – Se beijando Nilo!

Eles caíram na gargalhada e o sangue subiu pela minha cabeça... Rafael permaneceu parado e eu percebi que ele
não tinha nenhuma resposta para dar.

- Abra o vidro Fael – eu mandei.

- Abra o vidro – mandei novamente.

Ele obedeceu e eu coloquei a cabeça para fora.

- Aí – eu chamei os moleques. – Algum problema com vocês?

- Hum... Está nervosinha biba?- disse o que estava mais longe.

O outro caiu na gargalhada.

- Por acaso você está vendo alguma garota por aqui? Você não tem mais o que fazer não, vagabundo? Vai cuidar
da sua vida e deixa que da minha cuido eu, firmeza?

- Ui, ui, ui, ela está nervosa – falou o que estava próximo do carro.

Eu abri a porta e saí, andando vagarosamente até o rapaz. Peguei em seu colarinho e falei pausadamente, com o
rosto bem próximo ao dele.

- Você sabe de quem eu sou filho moleque? Você sabe com quem está mexendo?

Os dois ficaram calados e o que eu estava segurando arregalou um pouco os olhos.

- Se soltar mais uma piadinha, vai sobrar pra você – eu disse com o tom ameaçador. – Já ouviu falar em respeito?
Acho que não, né? Também, não é pra menos... Eu não posso esperar muita coisa de dois marginais como vocês.

- Ninguém é marginal aqui não... – disse o moleque.

- Ah, não? Então procurem o que fazer, antes que eu volte aqui com uma viatura de polícia.

315
Empurrei o garoto para longe de mim e dei a volta até o banco do carona, sentando-me com as mãos tremendo de
ódio.

- Anda Fael, vamos embora daqui!

Rafa ligou o carro e pisou no acelerador, dando a ré para podermos ir embora. Os garotos estavam virando a
esquina quando nós passamos. Fael acelerou ainda mais e os pneus do carro cantaram no asfalto da avenida por
onde nós tínhamos vindo. Os meninos que brincaram com a gente pararam e seguiram pelo caminho oposto ao
nosso.

- Você está louco Eder? Por que fez aquilo? Você não os conhece, não sabe com quem está mexendo...

- Eu é que te pergunto... Você está louco Fael? Ia deixar eles curtirem com a nossa cara e não ia fazer nada?

- Eu fiquei sem reação anjo...

- Eu sei, eu também fiquei, mas você não pode deixar eles pisarem em você daquele jeito.

- Nunca pensei passar por isso em toda a minha vida.

- Pois então você se prepare, porque essa foi só a primeira de muitas vezes que isso irá acontecer. Nós vivemos
em um país preconceituoso Fael... E infelizmente, temos que nos preparar para este tipo de ocorrências.

Ele suspirou e parou no farol vermelho.

- Não pensei que isso fosse acontecer tão cedo.

- A gente se precipitou. Não dá para ficar se beijando em uma rua, mesmo ela estando sem movimento. E se
fosse algum policial?

- Nem fala isso...

- Mas enfim, já passou!

- É já passou...

Eu afaguei o rosto do meu bebê e ele continuou dirigindo.

- Não fica assim meu anjinho – eu disse baixinho. – Tudo vai ficar bem. Eu te prometo.

Ele sorriu e fechou os olhos de leve.

- Abre esses olhos seu louco! Quer matar nós dois?

- Desculpe.

Quando chegamos à nossa rua, senti a tristeza invadir o meu peito. Eu não queria me despedir do meu garoto
perfeitinho.

- Suas férias estão chegando, né?

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- Graças a Deus – eu disse.

- Eu vou pegar férias coletivas na Ford na segunda semana de dezembro. Você tem algum plano?

- Você diz para o mês que vem? Na verdade, eu não sei. O meu pai fez um cronograma de viagens, mas nós
ainda não decidimos.

- Então você vai viajar? – ele perguntou fazendo um biquinho.

- Essa é a ideia do meu pai. Ma seu não quero, eu quero ficar aqui, com você.

- Na verdade, o meu pai também está pensando em viajar. Mas eu não quero sair daqui não... Quero curtir as
nossas férias, juntinhos...

- Mas ele mencionou para onde quer ir?

- Talvez para a casa do meu avô lá no Rio.

- Seu avô mora no Rio?

- Lá em Angra.

- Jura? Sério mesmo?

- Uhum.

- Tenho parentes lá no Rio também. Mas no Rio de Janeiro mesmo, não em Angra. Mas Angra dos Reis foi uma
das opções que meu pai nos deu.

- Você está pensando o mesmo que eu Eder?

- Estou! – eu disse sorrindo.

Ele sorriu em resposta.

- Preciso conversar com a Gaby – falamos em coro.

- Ué... O que você quer com a minha irmã?

- Como o quê? Pedir para ela convencer o Henrique a querer ir com ela para Angra. Assim a minha família vai
poder viajar com a sua...

- E desde quando você fala com a minha irmã?

- Desde sempre – eu disse rindo. – Ela por acaso não conversou com você?

- Conversou, mas eu não sabia que ela tinha falado com você também.

- Falou sim. Então você contou a ela?

- Não tive escolha...

317
- Nem eu! E o Henrique já sabe também.

- O quê? O seu irmão sabe de nós dois?

- Sabe – eu falei. – Mas não se preocupe, ele está se acostumando já.

- Como ele reagiu? Espero que ele não me bata...

- Ele não irá bater em você. Eu não vou permitir. Ah, a princípio ele rejeitou. Disse que não iria aceitar e tudo
mais, mas depois ele foi falar comigo e pediu desculpas, disse que estava enganado ao me dizer tudo o que disse
e que ele queria a minha felicidade. Então ele aceitou. Graças a Deus.

- A Gaby disse mais ou menos o mesmo.

- Nossos irmãos são demais!

- Em pensar que eu já quis matar o Henrique.

- E eu a Gabrielle.

Nós dois rimos e depois o silêncio predominou por um longo período. Eu enfim suspirei e disse:

- Preciso entrar em casa. Já está ficando tarde.

- É eu sei. Nós nos vemos amanhã?

- Com certeza. amanhã eu não vou a aula.

- Por quê?

- Meus amigos não vão e eu não vou ficar lá sozinho.

- Entendi.

Meus olhos bateram no pescoço do Fael e eu puxei a corrente dourada de dentro do uniforme dele. Uma pequena
letra “E” balançou lentamente para lá e para cá diante dos meus olhos.

- Eu não acredito! – falei depois de alguns minutos. – Você não fez isso!

- Isso o quê?

Eu peguei o pequeno “R” e mostrei a ele.

- Esqueci de agradecer... Obrigado.

- Não há de quê. É apenas uma maneira de eu me sentir mais perto de você enquanto nós estamos longe.

Meus olhos se encheram de lágrimas e eu não tive como me segurar, o beijei ali mesmo, na frente de casa.

- Eder – ele disse, empurrando a minha cabeça. – Aqui não! Aqui não pode!

- Eu não tenho palavras para dizer o quanto eu gosto de você! – exclamei. – Você definitivamente não existe.
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- Quantas vezes eu tenho que falar que eu existo por e para você?

Sorri e apertei o nariz daquele ser magnífico que sempre me deixava feliz e sem saber o que falar.

- Eu te adoro! – ele disse.

- Eu também meu lindo! Eu também. Obrigado mesmo pela correntinha. Foi o melhor presente que eu já ganhei
em toda a minha vida.

- Que bom que gostou!

- Amei.

- Fico feliz.

- Até amanhã príncipe!

- Até meu presente de Deus.

Roubei um selinho rápido e desci do carro. Ele buzinou quando passou por mim e eu entrei em casa,
completamente nas nuvens por tudo o que tinha acontecido naquela noite

- Por que demorou tanto assim? – perguntou Marcus, que estava sentado no sofá comendo uvas.

- Oi para você também – eu disse sorrindo. – Encontrei um amigo e nós ficamos conversando.

Eu peguei o cacho de uvas e comecei a comê-las lentamente.

- Hey! Devolve, é meu.

- Não estou vendo o seu nome em nenhuma delas.

- É sério, me devolve – ele pediu, fazendo bico.

Eu comi mais duas ou três frutas e devolvi a penca ao Marcus.

- Pronto chorão!

- E aí vai ter aula ainda?

- Só vou quarta-feira e acho que depois não vou ir mais. Nem matéria os professores estão passando. E você?

- Amanhã tenho a última prova. De matemática.

- Sabe a matéria, não sabe?

- De trás para frente e também do avesso. Essa prova é mamão com açúcar.

- Quero só ver a nota depois.

319
- Ih, que ver nota que nada, você não é meu pai!

- Ah, fedelho! Deixa você. Um dia você vai precisar de mim.

- Me faz um favor Eder?

- Não – eu respondi.

- Vá à merda! – ele mandou.

- Só depois que você for.

Subi até o quarto e joguei a mochila em um canto. Tirei a camiseta, joguei para o outro lado, coloquei os tênis
embaixo da cama e a calça ficou espalhada pelo chão, junto com o resto da roupa.

Abri a porta do armário, peguei um sabonete novo, uma toalha limpa e meu desodorante. Ouvi um “psiu” e virei
o pescoço para ver quem era.

- O que você pensa que está fazendo? – murmurei.

- Você está uma delicia hoje, hein?

Senti meu rosto arder em brasa e quis me esconder embaixo da toalha de banho.

- Obrigado.

Enrolei o pano na cintura e andei até a janela.

- Ah, acabou com a minha alegria – ele disse rindo.

- Quer me matar de vergonha?

- Não, quero te matar de outra coisa.

- Do quê?

- Vem aqui e eu te mostro.

Ele estava sem camisa, mas eu não tinha certeza se já tinha tirado o resto do uniforme, pois suas pernas estavam
ocultas pela camada de tijolos.

- Só fica me provocando, na hora H dá para trás – eu brinquei.

- Ah! Agora você me paga! Ah, se eu pudesse ir até aí agora...

- Digo o mesmo.

- Adoraria que o seu banheiro fosse aonde é o seu quarto, assim eu ia poder ficar te olhando tomar banho.

Senti meu rosto queimar novamente.


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- Descarado! – disse sorrindo. – O que você quer tanto ver?

- Nem te conto – ele disse rindo.

Minha toalha caiu e eu percebi que a cabeça do meu pau já estava saindo para fora da cueca de tanta vontade que
eu estava sentindo naquele momento.

- Assim é golpe baixo – eu disse.

- O que foi? A toalha caiu?

Abaixei e a peguei.

- É caiu.

Ele deu risada e em seguida suspirou.

- Te adoro, sabia?

- Eu também – eu respondi, me enrolando novamente. – Muito, muito.

- Eu vou ir tomar uma ducha, antes que você me mate aqui.

- O que eu estou fazendo? – perguntei.

- Ainda pergunta?

- Olha quem fala né?

- Eu vou, mas eu volto.

- Eu também vou seu besta!

Ele me deu as costas e quando estava quase chegando a porta, abaixou a cueca que estava usando para poder ir
tomar banho. Eu senti meu rosto queimar pela terceira vez e não fiquei ali para esperar o que ele iria fazer, saí do
quarto e fui direto para a porta do banheiro, mas ela estava fechada.

- Já vai – falou meu pai.

- Tudo bem – eu respondi –, eu vou ao de baixo.

- Ah, está certo – ele respondeu com a voz distorcida.

Desci as escadas lentamente e percebi que meu irmão ainda estava deitado no sofá, mas desta vez, assistindo sem
comer nada.

- Ué, por que vai tomar banho aqui embaixo?

- O pai está no banheiro.

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Ele franziu o nariz em resposta e eu sorri. Abri a porta, acendi a luz e me desfiz da toalha. Minha cueca estava
molhada e meu pênis ainda estava em estado de rigidez. Fiquei pelado e entrei no box, ligando a torneira do
chuveiro em seguida.

A água estava morna e agradável e eu ensaboei os meus cabelos. Passei xampu duas vezes para tirar o excesso de
oleosidade e depois, deslizei o sabonete pelo meu corpo. Segurei o meu cacete com firmeza e passei o sabonete
em sua cabecinha. Senti uma sensação gostosa e continuei a carícia. Fechei os meus olhos e quando estava
chegando ao ápice, a porta foi escancarada.

- MARCUS – gritei. – O QUE VOCÊ PENSA QUE ESTÁ FAZENDO?

- Calma Eder! Eu só quero fazer xixi!

- Vai ao de cima caramba!

- Nossa, mas por que essa revolta toda? O que tem demais eu usar esse?

- Eu estou tomando banho se você não percebeu!

- E qual é o problema? Sou seu irmão Eder! Não precisa ter vergonha de mim.

Ele abriu a tampa do vaso e eu me virei de costas. Estava com raiva do Marcus, ele não podia ter feito aquilo.

- O que está acontecendo? Que gritaria é essa? – perguntou meu pai, já entrando no banheiro.

Pronto. Só me faltava essa.

- É o Eder pai.

- Pai ele entrou sem bater, tomei um susto! E o senhor também... Será que eu não posso tomar banho em paz?

- Não precisa dessa algazarra toda meninos. Marcus usa e sai logo para seu irmão ficar mais à vontade. E você
Eder, não fica grilado, não tem nada demais aí que nós já não saibamos.

Meu velho saiu e eu e Marquinhos ficamos a sós. Meu irmão urinou e aos poucos o meu pau foi começando a
crescer novamente. Marcus deu a descarga e lavou as mãos, mas ficou enrolando para sair do local.

- Pronto? Já usou? Pode ir agora.

- Já vou, só vou escovar os dentes...

- Marcus! – eu exclamei incrédulo.

- É rápido, eu juro que não vou te atrapalhar. Finja que eu nem estou aqui.

- Como se isso fosse possível...

Desisti de gozar e continuei a ducha com os olhos fechados. Ouvi o barulho da escova sendo passada nos dentes
do meu irmão e lembrei que eu precisava fazer o mesmo.

- Dá a minha escova aí – eu mandei, colocando a mão para fora do box.


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- Viu só – ele disse com a boca cheia. – No fim das contas eu servi para alguma coisa.

- Cala a boca!

Escovei os dentes com cuidado e quando terminei toda a minha higienização, desliguei a torneira. Marcus ainda
estava lá, passando fio dental.

- Você é muito inconveniente mesmo – eu disse, secando-me.

- Sou nada. A gente é irmão, isso não tem nada haver.

- Vou te pegar desprevenido para ver se você vai gostar.

- Eu vou pedir para você passar sabonete nas minhas costas – ele falou.

Eu preferi não responder e subi as escadas bufando de raiva. Além de ser estraga prazeres, meu irmão estava se
tornando muito folgado para a idade dele...

Quando passei pela porta, fiz questão de passar a chave para não ser incomodado. Joguei-me com vontade na
cama e comecei a me vestir. Passei creme hidratante nas minhas pernas e vesti a cueca para me compor. Quando
passei hidratante nos braços, meu celular tocou.

- Oi meu lindo – eu disse sorrindo.

- Oi meu menino, já está no quarto?

- Já sim e você?

- Eu também. Como você está?

- Rafael!

- Não fica tímido anjinho... Pensa que eu estou aí com você...

- Eu estou passando creme no corpo.

- Hum... Que mais?

- Só.

- Está sentado? Deitado? Em pé?

- Deitado.

- Eu também estou...

- É mesmo?

- É sim...

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- Hum...

Meu pênis começou a crescer de novo. E daquela vez ninguém poderia me atrapalhar.

- Você já se vestiu? – ele indagou com a voz sexy.

- Mais ou menos. E você?

- Eu ainda não. você quer ver?

- Rafaeel!

Ele deu risada e disse:

- Eu adoro quando você fica com vergonha, sabia?

- É? E por quê?

- Porque você fica ainda mais lindo vermelhinho... Queria estar contigo agora.

- Eu também – respondi, fechando a tampa do creme da minha irmã.

- Logo isso irá acontecer.

- No momento certo.

- Isso mesmo.

- Mas então, eu liguei para desejar uma boa noite pra você.

- Boa noite meu fofo – eu disse.

- Dorme bem, tá?

- Hoje eu vou dormir porque sei que nós estamos juntos novamente e com toda a certeza eu vou sonhar com
você.

- E eu com você.

- Te adoro, tá?

- Eu também.

- Beijo.

- Outro bem grande que só eu sei dar.

- Eu adoro esse beijo...

- Eu também.

- Então vem eu duvido que você venha!


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- Eu só não vou por causa da hora, senão eu iria!

- Sei... Pensa que me engana.

- Meu anjo meus créditos estão acabando, tenho que desligar.

- Tudo bem gato. Dorme com Deus, tá?

- Amém, você também.

- Amém.

- Tchau.

- Tchau.

- Um beijo.

- Outro.

Apertei o botão vermelho e suspirei. Como era bom tê-lo de volta em meus braços!

Dei um abraço em cada um dos meus amigos para poder me despedir, afinal nós só nos veríamos depois de dois
longos meses de férias.

- Boas férias – eu disse a todos eles e fui embora.

- Olá meu menino – cumprimentou-me meu garoto perfeito. – Como foi o seu último dia?

- Foi legal – eu disse, colocando o cinto. – E o seu trabalho?

- Bem, graças a Deus. Só mais dez dias...

- Passa rápido.

- Hum! Deixa eu te falar, lembrei de uma coisa importante.

- Do quê?

- Eu ganhei sete pares de ingressos para o Playcenter. Mas a gente teria que ir até o próximo domingo... E vale
um replay pro mês de abril.

- Nossa que perfeito, hein? Vamos sim! A gente dá um jeitinho.

- Mas vamos fazer as contas das pessoas. Eu e você já é um par.

- A Gaby e o Ricky, dois pares.

- Marcus e Gi, três.

325
- Será que a sua irmã vai? – perguntei com a cara fechada.

- Ah, Eder! Com certeza ela vai querer ir e eu não vou poder dizer não...

- É eu sei. Tudo bem. Mas então faz o seguinte. Conta um par para ela e o meu irmão. Daí a minha irmã com
certeza vai chamar a amiga dela. Daí serão quatro pares.

- Nossos pais?

- Sem chance! – dissemos juntos.

- Sobram três – disse ele. – O que eu faço?

- Dá para os seus amigos. Aquela Adriana que foi no nosso aniversário, sei lá.

- Boa ideia! O que seria de mim sem você?

- Você seria você, só não seria inteligente.

- Meninos, se comportem, juízo, não voltem tarde... – recomendou minha mãe, pela centésima vez.

- Mãe eles vão estar comigo – lembrou Henrique. – Sob a minha responsabilidade...

- Amor, esquece os meninos um pouco e dá valor para mim, por favor? Nós vamos ter um dia todo para nós...

- Ih, acho que sobramos, né? – disse minha irmã. – Beijo pai, beijo mãe e juízo vocês dois.

- Ih, gente... Capaz que nós ganhemos mais um irmãozinho daqui há alguns dias – disse Marquinhos, saindo de
casa.

- Marcus! – exclamou minha mãe, roxa de vergonha.

- Relaxa amor – disse meu pai rindo. – Você é operada, nós não corremos esse risco.

- Alexandre!

- É a gente sobrou mesmo – concordou Henrique. – Tchau pai, tchau mãe.

- Juízo crianças – disse meu pai. – Podem demorar um pouquinho!

- Não precisa pedir duas vezes – eu falei, ao sair pela porta.

- Bom, como ficamos? – perguntou Gaby.

- Você vem comigo – disse Henrique.

- Eu vou com o Fael – falei.

- Eu e a Marcinha vamos com o Ricky! – disse minha irmã.

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- Não, vocês venham comigo – falou Fael. – O Marcus e a minha irmã vão com o Ricky.

- Pode ser então – disse Marcinha, já indo pro lado do Fael.

Olhei com a cara fechada para ela, ela que se atirasse para cima do meu homem que ela veria o que era bom para
tosse.

A Natália entrou no carro do Henrique e não olhou para mim. Meus irmãos e a Gabrielle também entraram e em
seguida eles arrancaram.

- Calma Ricky – lembrou-o Fael. – Nós temos que ir juntos, esqueceu?

- Só vou me posicionar Fael.

Eu entrei no banco da frente, antes que a nojenta da amiga da minha irmã se apoderasse do banco. Elas entraram,
jogaram as mochilas para o lado e Rafael deu a partida.

- Prontos?

- Sim – respondemos nós três.

- Ai que delícia! Faz muito tempo que eu não vou ao Playcenter – disse minha irmã.

- È mesmo Gi! Faz um tempão já!

- Espero que esteja vazio – murmurou a chata.

- Até parece – riu-se Fael.

Ele buzinou para o meu irmão e saiu à frente. Nós andamos por uma longa avenida até que eu enfim me localizei.

- Posso ligar o rádio?

- Claro – ele disse, sorrindo.

Apertei o botão e passei as estações pausadamente.

- Deixa aí – pediu minha irmã. – Essa é boa.

- Que nada garota! Odeio funk!

Continuei sintonizando, até que encontrei uma melodia conhecida... Era a nossa música que estava tocando. Eu
aumentei o volume e ele olhou para mim sorrindo. Só nós dois sabíamos o que estava se passando naquele
momento.

- Essa música é linda – disse Márcia.

- Realmente – concordou minha irmã. – Alguém sabe quem canta?

- LU – respondemos eu e Fael ao mesmo tempo.

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- Nunca ouvi falar.

- É uma dupla mexicana – eu expliquei.

- Ah, sim.

Nós finalmente chegamos e Fael estacionou o carro. O sol estava quente àquele domingo, eu peguei uma garrafa
de água na minha mochila e bebi alguns goles.

- Hoje o dia promete – falou ele.

- Com certeza.

- Caramba, que fila imensa!

- Nós não precisamos pegá-la Marcinha – explicou Fael. – Essa fila é para quem ainda não tem o passaporte.
Vocês estão com o de vocês aí, né?

- Uhum – respondeu minha irmã.

- Prontinho, aqui estamos nós – disse Gaby, segurando na mão do meu irmão.

- A gente tem que pegar essa fila? – indagou Natália.

- Não. A nossa é aquela – disse Fael, apontando com o dedo.

- Então vamos, né? – disse Ricky, tomando a dianteira.

Não demorou pra gente poder entrar no parque. As meninas foram ao banheiro e eu, Fael e Henrique ficamos
encostados à uma árvore. Marcus estava ao celular.

- Esse menino vive no celular, não sei não.

- Você acha o mesmo que eu mano?

- Pode ser.

- Mas se fosse ele ia querer trazer, você não acha?

- Vergonha – concluiu meu irmão mais velho.

- Depois eu vou ter uma conversinha com ele.

- Isso. Eu também.

- Boiei – falou Fael.

Ricky e eu rimos.

- Vocês dois estão bem? – perguntou meu irmão.

Eu olhei pro meu lindo e ele para mim. Nós não sabemos o que responder.
328
- Sem essa meninos, já acostumei.

- A gente ainda não – falei.

- É.

- Vocês é que tem que se acostumar.

- Difícil – falei.

- É.

- Vira o lado cunhado! – mandou meu irmão. – Pô, acabei de pensar que você é o meu cunhado duas vezes... Ih,
caralho, não vou conseguir me livrar de você nunca!

- Não mesmo – concordou Fael rindo.

- Aqui estamos nós – disse a Gi.

- Que demora!

- Somos mulheres, meu bem. Temos que ficar lindas sempre!

- Vocês são lindas de qualquer jeito, principalmente você bebê...

Meu irmão beijou a namorada e nós reviramos os olhos.

- Eder, me empresta o protetor? – pediu Marquinhos.

- Bem lembrado Marcus! – exclamou Natália.

- Gente, a gente passa isso na fila, vamos para o primeiro – empolgou-se Fael.

- Mas qual? – indaguei.

- No caminho a gente resolve.

Acabamos indo em um brinquedo d’água. Fiquei ensopado da cabeça aos pés ao sair dele, mas ao menos eu me
refresquei.

- E agora? – perguntou Giselle.

- Montanha – eu disse.

- Montanha – concordaram os meninos.

- Montanha – disse Marcinha.

- Maioria, vamos!

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Esse nós demoramos mais na fila, porém o local era coberto e nós não estávamos no sol. Senti alguém me
cutucando nas costas e quando olhei, não era ninguém e sim o Fael me encochando.

- Para – eu falei com a fisionomia séria.

- Difícil.

Percebi meu irmão cochichando algo no ouvido do meu garoto perfeito, mas não dei bola. A nossa vez
finalmente chegou e o frio no estômago começou. O trem subiu lentamente e quando começou a descer eu gritei
de medo e adrenalina. Fechei os meus olhos e ouvi a gritaria do Fael ao meu lado.

- EU QUERO A MINHA MÃE – brincou meu irmão e eu caí na gargalhada.

- E EU O MEU PAI – gritei em resposta e ouvi a risada dele atrás de mim.

Quando o brinquedo finalmente parou, olhei para o Fael e não tive como não deixar de rir. O cabelo dele estava
completamente bagunçado e ele estava branco como giz de tanto medo.

- Oh, meu Deus, que coisa mais linda – eu disse baixinho. – Anda, deixa eu arrumar seu cabelo...

Ele se virou para mim e eu o penteei com os dedos.

- Pronto.

Nós saímos do brinquedo e todos pararam junto aos bancos.

- Gente, vamos comer? – propôs Marcinha.

- Ah, ótima ideia Marcinha – disse Henrique. – Estou com fome.

- Eu também – disse Giselle.

- Eu não muita, mas acompanho vocês – falei.

- Eu comeria um boi – disse Fael.

A gente riu e fomos passeando pelo parque até a praça de alimentação. Foi difícil encontrar uma mesa que
coubesse oito pessoas, mas quando encontramos, corremos para poder guardá-la.

- Acho que vou comprar um sanduíche – disse Marcus.

- Eu te acompanho – falou Henrique.

Natália se sentou ao meu lado e abaixou a cabeça na mesa.

- O que foi Natty? – perguntou Gaby, ficando ao lado da irmã.

- Eu... Eu...

Eu olhei para ela e ela estava branca e molhada de suor. Fael correu até a irmã e a fez levantar a cabeça.

330
- Respira fundo pelo nariz e solta pela boca.

- Eu acho que vou vomitar – ela disse.

- Gi... Ajuda? – perguntou Gaby.

- Claro!

- Tem um banheiro aqui perto – falou Marquinhos, apontando com o queixo.

Elas andaram o mais depressa que conseguiram, mas antes de chegarem ao local, Natália vomitou dentro de uma
lata de lixo. Ela estremeceu e minha irmã teve que segurá-la pelo braço.

Fael segurou em minha mão e apertou. Olhei para ele e ele para mim e nós dois estávamos com a mesma
fisionomia, com a mesma pergunta e as mesmas dúvidas. O que estava acontecendo com a Natália?

- Você está pensando o mesmo que eu? – perguntou Fael.

- Não... Eu prefiro não pensar em nada – respondi com as mãos trêmulas.

- Calma gente – falou Henrique. – Ela só enjoou devido à montanha russa.

- Eder é muito cedo para isso, se é que é o que nós estamos pensando – falou Fael.

- Eu perdi alguma coisa? – se perguntou Marcus.

- Vamos comprar os sandubas, eu te explico no caminho.

Eles se foram e eu e o Fael caímos sentados nas cadeiras. Aquilo não podia ser verdade, a Natália não poderia
estar grávida...

As garotas voltaram do banheiro e a aparência da irmã do Fael já estava bem melhor. Ao menos, ela já tinha
recuperado a cor e não estava mais suando.

- Cadê o Ricky? – sondou Gaby.

- Foi comprar hambúrguer – eu disse, olhando para a Natty. – Você está bem?

- Eu estou ótima – ela disse, sentando-se à minha frente. – E morta de fome!

- Ufa – ouvi Rafael suspirar. – Graças a Deus.

- A pressão dela deve ter baixado – apostou Giselle.

- Não foi nada gente, eu já estou ótima.

Depois que nós terminamos de almoçar, passamos novamente protetor solar e voltamos para o meio do parque.
Decidimos ir a um brinquedo giratório que virava de ponta cabeça, mas a fila estava quilométrica.

331
- Vamos esperar – falou Henrique. – Pelo menos a gente faz a digestão.

Nós entramos pelo labirinto de ferros e paramos atrás de um grupo de amigos. Fiquei no fim da fila e à frente de
mim, estava o meu garoto perfeito.

- Gente – eu chamei, mas ninguém me ouviu. – Gente...

Ninguém me respondeu. Peguei a máquina fotográfica na mochila e disparei uma foto deles desprevenidos.

- Será que alguém pode dar valor a mim? – perguntei.

- Oi Eder – disse Marcus, rindo.

- Quero tirar uma foto – falei.

- Gente o Eder quer tirar foto, será que vocês podem olhar para ele?

- Obrigado, só assim para eu ser valorizado neste lugar.

- Eu te valorizo – falou Fael.

- Agora valorize! Nem você me olhou seu cachorro.

Eles riram e fizeram pose para a máquina. Meu irmão e o Fael ficaram no fim do grupo, ambos mostrando a
língua e fazendo careta. O Marcus tampou o rosto com o boné, a Gaby fez um biquinho, a Gi sorriu e a Marcinha
cruzou os braços e a Natty ficou de lado, com posse de marrenta.

- Perfeito.

Eu apertei o botão e o flash foi acionado, segundos depois a imagem apareceu. Mostrei a todos e a fila andou.

- Mais uma – pediu Henrique. – Eder vem com eles, eu tiro.

Eu passei à frente das meninas e me juntei ao Fael. Ele passou os braços pelo meu ombro e nós dois sorrimos. As
meninas ficaram ao nosso redor e o meu irmão agachou para poder aparecer. Esta também ficou impecável.

- Você pode tirar uma foto nossa, por favor? – perguntou Henrique a uma garota que estava atrás dele.

- Ah, é claro gato. Mas o que eu ganho em troca?

- O meu muito obrigado.

Percebi que a Gaby fechou a cara e puxou o namorado para perto. Eles se beijaram e eu me separei do Fael para
não cair em tentação. Fiquei próximo a Natty e percebendo que ela estava se afastando da gente, a puxei para não
poder fugir.

- Não foge não – eu disse, sorrindo.

Ela sorriu e ficou me encarando e quando dei por mim, a foto já tinha sido batida.

- Ah! Nem me preparei...


332
A garota entregou a câmera ao meu irmão mais novo e nós andamos novamente.

- Eder – falou Natty. – Eu queria te pedir desculpas...

- Pelo quê?

- Você sabe não se faça de desentendido.

- Ah! Não esquenta. Já passou.

- Não está bravo?

- Eu fiquei sim, não nego, mas agora não mais. Tudo isso já passou.

- Amigos?

- Com certeza!

De que iria me adiantar ficar guardando rancor da irmã do meu garoto perfeito? Já diz a bíblia que perdoar é de
Deus e se eu não fizesse isso por ela, quem mais poderia fazer por mim?

Ficamos andando em ziguezague pelo labirinto da fila do “Evolution” por mais de uma hora, mas quando a gente
conseguiu sentar no brinquedo, meu coração disparou e a adrenalina tomou conta do meu corpo.

- Ai meu Deus – eu falei. – É agora.

- Minha Virgem Santinha... Ajudai-me – falou Giselle.

Eu e o Fael demos risada e as travas de segurança baixaram.

- Não batam no assoalho – pediu o funcionário estava falando ao microfone. – E... Começou...

Nós começamos a girar em círculos e a levantar do chão lentamente. Meu corpo foi jogado para cima do Fael e
depois ele ficou com o corpo preso ao meu. Soltei as mãos da trava e comecei a gritar de euforia. Como era bom
poder liberar toda a adrenalina presa dentro de mim.

- SOCORRO – ouvi o grito da Giselle.

- PUTA QUE PARIU – gritou Marquinhos. – ISSO É BOM DEMAIS.

Em meio aos berros e giros do brinquedo, senti os dedos do Fael segurando a minha mão e aquilo deteve a minha
atenção, eu até esqueci onde estava e com quem estava. Naquele momento, só restava eu e ele.

- Eu quero te dizer uma coisa – falou ele ao meu ouvido.

Esperei a gente voltar para o chão para poder responder.

- O quê?

- Agora é ao contrário – disse o funcionário. – Segura... Evolution!

333
- O que é Fael? – perguntei com o tom elevado para que ele me ouvisse.

- Nada – disse ele, mas eu senti a insegurança em sua voz. – Não é nada.

Continuamos de mãos dadas e eu curti os minutos que me restavam nos ares. Nós dois nos juntamos ao coro de
gritos e xingos do meu irmão e por fim, descemos e ficamos no solo.

- Muito bom – falou Marcus, já com a voz rouca. – Eu quero de novo.

- Você é louco? Nem em sonhos! – exclamou minha irmã.

Um rapaz destravou as nossas travas e a gente saiu. Eu desci as escadas e esperei os demais. Procurei Henrique
com os olhos e quando o encontrei, percebi que ele estava com a Natty no colo.

- O que aconteceu? O que aconteceu? – perguntou Fael, correndo até o meu irmão.

- Ela não está bem – disse Henrique. – Eu vou levá-la até o pronto socorro do parque.

- Eu vou com você – ele disse com a voz preocupada.

E no fim das contas todos nós tivemos que ir com eles. Ela foi atendida rapidamente e a minha preocupação
triplicou de tamanho. Terceiro brinquedo, segunda vez que ela passava mal. Aquilo definitivamente não era
normal.

- O que ela tem? – perguntei quando meu irmão saiu.

- A pressão está baixa. O enfermeiro deu um remédio de enjoo. Ela vai ficar bem.

- Que bom – disse Giselle. – É melhor ela não ir em nenhum brinquedo mais.

- Uhum, eu já falei isso a ela.

- Não é melhor nós irmos embora? – indaguei.

- Não – decidiu Natália. – Vocês não vão perder a diversão por minha causa. Eu fico segurando as mochilas
enquanto vocês vão nos brinquedos. Não se preocupem comigo.

- É melhor a gente ir – falou Fael.

- De jeito nenhum Fael! A gente vai ficar e ponto final.

- Tem certeza Natty? – perguntou Gaby.

- Absoluta Gaby!

- Se você diz – eu dei de ombros.

Até a hora de nós irmos embora, a Natty não passou mal novamente e isso me tranquilizou um pouquinho. O
parque já estava por fechar e nós ainda estávamos na fila do último brinquedo, o “Barco Vicking”.
334
- Eu estou preocupada – ouvi Gabrielle falar ao namorado. – Ela não estava assim ontem.

- Às vezes ela ficou mal devido o sacolejar dos brinquedos amor – falou Henrique.

- Mas e se não for? E se for outra coisa?

- Gaby! Tudo ocorreu há muito pouco tempo. Se ela estiver realmente grávida, é cedo demais para os sintomas
aparecerem. Tudo só aconteceu há duas semanas atrás.

- Você tem razão meu amor – disse Gaby, dando um selinho em Henrique. – Eu estou me preocupando a toa.

Grávida. Nem por sonho! Natália não estava grávida, seria azar demais para mim. Eu olhei para Fael e ele estava
pensativo. Será que também ouvira o que o casal dissera?

- No que está pensando?

- Em nada – ele disse, virando os olhos para mim. – E então, o que achou do dia?

- Ele teria sido perfeito se não tivesse ocorrido nenhum incidente.

- Concordo contigo, mas mesmo assim tudo ocorreu perfeitamente bem.

- Uhum.

A fila andou rapidamente e quando chegou a nossa vez, eu fiz questão de ir à ponta do Barco. Fael não ficou ao
meu lado e eu fiz um bico por causa disso.

- Desculpe – disse Gaby. – O pessoal estava empurrando...

- Tudo bem cunhadinha, eu te perdoo!

- É por isso que eu te amo!

Eu sorri e as travas foram abaixadas. O Barco entrou em movimento e eu senti o vento batendo em minha face.
Meus óculos de sol caíram sobre meus olhos e eu os deixei onde estavam.

Meu irmão e a namorada começaram a se beijar e eu fiquei gritando no ouvido deles, assim como minha irmã, ao
lado de Henrique, mas eles não deram a mínima para nós dois.

- Só mais uma voltinha – disse a moça da cabine e nós a vaiamos.

- Bota pra subir – começamos a gritar –, bota pra subir...

- Vocês querem mais?

- Sim!

- Então voltem ao parque novamente! Atenção galera cuidado com as travas... Saída sentido cabine... Tchau!

Dei um pulo para o chão e comecei a seguir o fluxo. Avistei Natália com as mochilas na ponte de madeira e corri
até ela para poder tirar uma dúvida.
335
- Nossa esse foi rápido – ela disse.

- Natty, eu posso te fazer uma pergunta?

- Claro que pode.

- É que assim... Esses enjoos...

- Eder, relaxa! Eu não estou grávida!

- Você tem certeza disso, não tem? Diz que sim pelo amor de Deus!

- Sim, eu tenho certeza – ela disse. – Foi só uma queda de pressão. Relaxa, está bem?

- Ok. Eu não vou mais te encher com isso...

- Você não me enche Eder. Só não fica ouvindo o que eles estão dizendo. Eu sei de mim e eu não vou ser mãe
agora!

- Menos mal.

- Isso está completamente fora de cogitação.

- Com certeza!

- Vamos? – perguntou Henrique.

- Banheiro – anunciei.

- Eu também – falou Fael.

- Também preciso – continuou Natty.

- E eu também vou – falou Gaby.

- Caramba! Então vamos todos de uma vez – riu Henrique. – Faz assim, vão indo que nós vamos para os carros.
Vocês sabem onde eles estão estacionados, não sabem?

- Claro – respondemos nós quatro.

- Então tá! Até daqui a pouco.

Gaby e Ricky deram um selinho e Fael e eu aceleramos o passo até o sanitário.

- Você está preocupado, não está? – ele indagou.

- Eu estava. Não estou mais.

- E eu posso saber por quê?

- Porque eu não estou mais, só isso.

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- Hum... Sei.

- Estou morrendo de vontade de te agarrar – eu falei.

- E eu de te beijar todinho.

Nós entramos no banheiro e eu não vi ninguém à vista. Entrei em uma cabine e puxei o Fael comigo.

- Você é louco?

- Sou louco por você.

Dei-lhe um beijo lento e demorado e senti meu membro criar vida dentro da cueca. Passei os dedos pela nuca do
garoto e mordisquei-lhe os lábios com carinho.

- Saudades disso.

- Muita. Mas aqui é arriscado.

- Tudo o que é proibido é mais gostoso, já ouviu falar nisso?

- Já! Maluco!

Nós nos beijamos novamente, porém desta vez não demoramos tanto.

- Eles vão dar por nossa falta – falou Fael.

- Só mais um?

Ele me deu um selinho e girou a fechadura da porta, colocando a cabeça para fora no intuito de saber se não
havia ninguém fora dali.

- Vem! – ele me puxou.

- Calma, eu ainda quero fazer xixi – eu disse.

- Pior que eu também.

- Então vai fazer!

Ele se dirigiu ao mictório e eu levantei a tampa do vaso. Quando saí da cabine, ele ainda estava ali, parado,
olhando para o teto.

- Ainda não terminou?

- Já.

- E o que está esperando para sair daí?

- Você – ele respondeu.

- Então vamos.
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Ele fechou o zíper da bermuda jeans que estava usando e nós fomos para as pias. Lavei as mãos e passei um
pouco de água nos cabelos com as pontas dos dedos. Fael me imitou e por fim, nós saímos dali.

- Será que as meninas já foram para os carros?

- Liga para elas e pergunta – eu falei.

- Meu celular está na mochila.

- Então eu ligo.

Peguei meu aparelho celular e disquei o número da minha cunhada.

- Oi – eu disse quando ela me atendeu. – Vocês já saíram?

- Já – ela respondeu. – Nós já estamos aqui no carro. Onde vocês estão?

- Saindo. A gente estava esperando vocês.

- Ah! Desculpa – ela disse rindo.

- Tem problema não. Bye.

- Elas estão lá?

- Já estão lá sim.

- Então vamos?

- Sim, sim.

A gente passou pelas roletas e começamos a andar até o carro do Fael.

- Escuta o que você queria me falar na hora que nós estávamos no Evolution?

- Nada não meu menino, eu só queria dizer que eu te adoro.

- Oh! Eu também te adoro meu lindão!

Ele me empurrou pelos ombros, mas aquilo só foi um pretexto para nós ficarmos mais próximos.

- Saudades de ficar agarradinho com você – ele disse baixinho.

- Eu também.

Avistei o carro e o Marcus e a Natália estavam encostados ao Gol, a nossa espera.

- Que demora do caramba, hein? – reclamou Marquinhos.

- A gente estava esperando as meninas, mas elas saíram e não nos avisaram – explicou Fael.

- A gente esperou vocês um tempão. Daí não chegavam, a gente acabou vindo para cá.
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- Tudo bem. Entre mortos e feridos, todos se salvaram.

- Posso ir? Estão todos vivos? Nenhum arranhão? Você está se sentindo bem Natty? – indagou Henrique.

- Estou ótima Ricky, obrigada.

- Pode ir à frente cunhado – falou Fael. – Eu juro que entrego os seus irmãos vivos.

- Acho bom – meu irmão riu. – Até mais tarde.

Ele cantou pneu e nós entramos no carro do Fael. Devido ao calor daquele dia, o interior do veículo estava
insuportavelmente quente. Eu abri o vidro, mas Fael pediu para eu fechar.

- Não, não abram. Eu vou ligar o ar.

- Ah, então tá! – disse Marcus, que já estava sem camisa.

- Às vezes eu sinto inveja dos homens – suspirou Natália.

- Ué, por quê? – questionou meu irmão.

- Queria eu poder ficar sem camisa!

- Ah, tá.

Eu imitei Marquinhos e arranquei minha camiseta. O suor estava pingando.

- Tem água aí Natty? – perguntei.

- Aham. Só um instante.

Senti meu celular vibrar e notei uma nova mensagem de texto:

“Se você não quiser que eu cause um acidente de trânsito, coloca a camiseta agora.”

Olhei para ele com as sobrancelhas erguidas e não dei a menor atenção ao torpedo. Peguei a garrafa de água e
bebi o suficiente para matar a minha sede.

- Obrigado.

- De nada.

- Fael liga o rádio aí – pediu Marquinhos.

- Ah, é mesmo cunhado, já ia esquecendo.

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- Cunhado? Eu não sou seu cunhado não! Eu não sou o Henrique...

- Mas é como se fosse – ele tentou tripudiar –, considero todos meus cunhados.

- Ah, entendi... Se você diz, né.

Não olhei para o Fael, a minha vontade era esganá-lo. Ele parou em um farol vermelho e eu avistei o carro do
Ricky à frente.

- O Ricky ainda está ali? Caramba, ou ele está muito lento ou está muito trânsito.

- Onde você está vendo ele?

- Ali, no farol da frente.

- Ah, é mesmo! Olha a Gi com a cabeça encostada no vidro.

- Ih, Fael, com certeza ela está no centésimo sono já – falou Marquinhos. – Ela só não dorme mais porque não é
uma ursa.

- Finalmente! – exclamou Natty. – Não aguento mais ficar dentro desse carro. Quero a minha cama.

- E eu a minha – falou Marquinhos. – Mas hoje foi bom demais.

- É foi sim – ela disse.

Eu virei para trás e disse:

- Marquinhos, vai andando que eu já vou indo.

- Ué, por que não vamos juntos?

- Porque eu preciso conversar com o Fael em particular.

- Ah, então tá. Beijo Natty. Abraço Fael. Até mais.

- Tchau lindinho.

- Natty? – falou Fael.

- Ah, desculpem.

- Beijo Eder!

- Até mais Natty.

Pronto. Ficamos a sós.

- Você trate de segurar a sua irmã longe do Marquinhos, viu?

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- Hã?

- Não viu o jeito que ele estava olhando para ela? E ela é bem capaz que ataque o menino que nem fez comigo!

- Eder!

- Desculpe-me, eu sei que ela é sua irmã, mas eu só estou falando a verdade.

- Ah, eu pensei que estivesse tudo bem entre vocês dois.

- E está. Mas eu não quero meu irmão de papo com ela, está me entendendo? Se vir ele falando com ela, mande-o
para casa imediatamente.

- Poxa Eder, minha irmã não é assim, sabe...

- Não é por ela, é por ele!

- Não vi maldade nenhuma nos dois o dia todo.

- Eu também não, até agora. E é sério.

- Nossa! Então tá né!

- Obrigado – eu disse, puxando o trinco para poder sair.

- Já vai?

- Já – respondi. – Por quê?

- Não vamos ficar nem um pouquinho juntos?

- Eu adoraria, mas eu estou morto de cansaço e amanhã o senhor tem que ir trabalhar.

- Você precisa me lembrar disso?

- Preciso sim senhor. E além de tudo, caso você não tenha percebido, meu pai está no portão a minha espera e
nossos irmãos ainda estão no carro se agarrando.

- Você se prende a detalhes. Eu nem me liguei nisso.

- Pois é, se não sou eu para salvar a sua vida...

- É por isso que eu te a... Adoro!

- Eu também te adoro meu lindão! A gente se vê amanhã?

- Depende da minha disponibilidade de horário. Eu te ligo avisando.

- Vou ficar esperando, hein?

- Pode deixar. Eder, você e seu irmão já conversaram com seus pais sobre Angra?

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- Ai, sabia que eu estava me esquecendo de alguma coisa! – bati na testa com os olhos fechados.

- Então faça o favor de lembrar o Henrique do assunto e se possível conversem ainda hoje.

- Pode deixar. Eu não vou me esquecer.

- Promete?

- Eu prometo!

Ele apertou minha bochecha e eu coloquei o pé para fora do carro.

- Boa noite lindão – eu disse.

- Boa noite meu menino, dorme com os anjinhos, tá?

- E você, fica com Deus.

- Amém.

- Até mais.

- Até.

Saí e bati a porta com o quadril. Esperei dois carros passarem a atravessei a rua.

- Boa noite filho – disse meu pai. – Como foi o dia?

- Cansativo – eu respondi. – E preocupante.

- Preocupante? Por quê?

- A Natty teve alguns enjoos. Nada, além disso.

- E o que tem demais nisso? Opa! – ele disse.

- Não é o que você está pensando – eu o tranquilizei. – Pelo menos é o que ela me fala.

- Não, não pode ser não. É cedo demais para que isso aconteça. Ela deve ter comido algo estragado.

- Uhum.

Desabei no sofá e liguei a televisão.

- Onde estão meus irmãos?

- No banho.

- Então não tem nem chance de eu ir pra ducha agora, né?

- Até tem, se você for junto com o seu irmão.

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- Sai fora pai!

O doutor Alê riu e bocejou em seguida.

- E aí, namorou bastante? – eu perguntei.

- Isso é pergunta que se faça, moleque?

- É claro que é!

Meu pai deu um tapa na minha cabeça e eu dei risada. Henrique entrou pela porta da sala com todas as mochilas
em um dos braços.

- Muito obrigado pela ajuda Eder – ele disse.

- De nada, precisando!

- Aff.

- E aí filho?

- Oi pai.

- Tudo bem?

- Tudo ótimo.

A aliança dele brilhou quando ele jogou a mochila em cima de mim.

- Ai, ai, oh! Está me achando com cara de tiro ao alvo?

- Bem que você merece mesmo.

- Henrique! Menos – falou meu pai.

- Depois você me paga fedelho!

- Boa noite pai, boa noite Eder, boa noite Ricky – disse Marquinhos, subindo as escadas com a toalha enrolada na
cintura.

- Já vai dormir filho? – surpreendeu-se meu pai.

- Estou exausto.

- Vocês precisam ir mais vezes a esse lugar – riu-se meu pai. – Ao menos assim voltam cansados e não dão
trabalho.

- Nós somos uns anjos – eu disse me levantando.

- Aonde pensa que vai? – perguntou Henrique.

- Tomar banho.
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- Ah! Não vai não.

Ele começou a correr, mas eu estava mais perto do banheiro e levei vantagem.

- Ah, Eder! Deixe-me tomar primeiro!

- Me dê apenas um motivo.

- Ah, porque eu mereço. Sou um excelente irmão.

- Ah! Até parece que eu vou deixar. Não demoro, viu?

- Chato!

Despi a minha roupa e me joguei embaixo do chuveiro morno. A água levou o excesso de cansaço e eu comecei
a ficar renovado. Passei o xampu pelo cabelo e o sabonete no corpo e quando estava quase acabando, lembrei que
havia esquecido de pegar uma toalha.

- Ricky? – chamei com a voz alta. – Pai?

- Eles subiram – falou minha mãe.

- Chama o Ricky para mim mãe?

- HENRIQUE – ela gritou. – SEU IRMÃO ESTÁ CHAMANDO!

Eu ouvi o barulho dele descendo as escadas correndo e um segundo depois, ouvi batidas na porta. Girei a chave e
deixei ele entrar.

- O que você quer? Já terminou?

- A Gi ainda não saiu?

- Ainda não. Parece que morreu lá dentro.

- Ai, vira essa boca para lá, criatura. Mas eu já acabei sim. Você pode pegar uma toalha e uma cueca para mim?

- Não – ele respondeu, cruzando os braços e se encostando na parede.

- Então eu não vou ter como sair daqui.

Henrique suspirou e baixou a cabeça de frustração.

- Você me paga!

- Com juros – eu prometi.

Do Henrique eu não tinha vergonha e eu não sabia o motivo. Poderia ficar pelado na frente dele facilmente, mas
já com meu outro irmão e meu pai... Era diferente.

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- Aqui – falou ele, entrando novamente no banheiro. Eu desliguei o chuveiro e peguei a toalha para poder me
enxugar.

- Eder você precisa começar a fazer a barba, viu?

- Aff Ricky, nem tem nada aqui ainda.

- Como não? E esses pelinhos aqui no queixo?

Eu passei os meus dedos pelo meu queixo e senti algo arranhar a minha pele. Fui até o espelho e vi alguns pêlos
saindo em alguns lugares do meu rosto. A sua maioria se encontrava no próprio queixo.

- Está virando hominho – zoou meu irmão. – PAI!

- Não Ricky!

Eu enrolei a toalha na cintura e senti minha pele corar.

- PAI? – chamou ele novamente, ainda rindo de mim.

- O que é? – perguntou o meu velho por fora da porta.

- Vem ver isso – falou Ricky, abrindo a porta.

O meu pai entrou e não entendeu.

- O quê?

- Seu filho está virando homem. Olha a barba dele.

Meu pai olhou para mim e sorriu.

- Já, filho? Já está com barba?

- Ele tem dezesseis né, pai? Já está na época.

- É verdade. Parece que foi ontem que eu troquei as suas fraldas.

- Tudo bem, vocês já viram, já riram, agora eu posso, por favor, me vestir?

- Ensina ele a usar o aparelho de barbear, Ricky. Eu vou apressar a sua irmã senão ela seca a caixa de água.

- Pode deixar. Vem aqui maninho.

- Agora não Henrique! Eu estou morrendo de sono.

Voltei a secar o meu corpo e sentei-me na tampa do vaso para poder secar os pés.

- Então tá, né. A gente deixa isso para amanhã. Ah, Eder, eu nem te contei.

Ele tirou a camisa e a calça e jogou no sexto de roupas, eu continuei secando meus pés.

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- O quê?

- Essa é a minha última semana no meu emprego.

- Sério? Que delícia! Finalmente você vai sair daquele hospício.

- Nem me fala.

Meu irmão tirou a cueca e entrou bo box. Ele abriu a torneira do chuveiro e água começou a descer pelo seu
corpo escultural.

- Agora é a sua vez de pegar as minhas coisas.

- Eu já vou.

Levantei-me e me vesti. Coloquei a toalha na cintura novamente e saí para deixar o meu irmão mais à vontade.

- Não demora – ele pediu.

- Pode deixar.

- E aí, filhinho, como foi seu dia? – perguntou minha mãe.

- Maravilhoso mãe e o da senhora?

- Perfeito. Já vai dormir?

- Sim, só vou trazer uma toalha para o Henrique.

- Se quiser eu levo, filho.

- Ele não vai querer que a senhora entre no banheiro mãe, eu tenho certeza disso.

- Bobagem de vocês três. Eu sou a mãe de vocês!

- E daí? Isso não muda nada.

Corri até o quarto do meu irmão mais velho e abri o seu armário. Encontrei uma toalha do Corinthians na
primeira pilha de roupas. Abri a primeira gaveta e peguei uma cueca qualquer. Encontrei um pacote de
camisinhas aberto e isso fez meu coração apertar um pouquinho.

Passei no meu quarto, coloquei uma bermuda e desci novamente. Os meus pés estavam doendo e minhas pernas
começavam a ficar pesadas novamente.

- Aqui – eu disse.

- Obrigado Eder.

- Ricky, eu posso te fazer uma pergunta?

- Claro que sim – ele disse, desligando a ducha.

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- Você e a Gaby... Já...

Ele ficou calado e se aproximou de mim. Entreguei a toalha e ele começou a secar os cabelos.

- Já – ele respondeu. – Uma vez.

- Quando?

- No dia do seu aniversário.

- No dia quatorze ou no dia da minha festa?

- No dia da festa – ele admitiu.

- Então...

- Uhum, nós fizemos juntos.

- Ah! Onde foi isso mano?

- No meu quarto.

- Sério? Sério mesmo?

- É sério sim. Por isso eu me surpreendi tanto com você.

- Caramba!

- Mas de lá para cá, eu estou sentindo uma mudança nela.

Ele começou a se vestir.

- Como assim?

- Ela está diferente. Está mais sensível, mais manhosa. Qualquer coisa é motivo para ela chorar.

- Deve ser TPM Ricky.

- Acho que não.

- Então o que mais pode ser?

- Arrependimento.

- Ai Henrique! Que bobagem. Por que ela estaria arrependida?

- Não sei. Mas é o que eu acho.

- Você está enganado... Você não forçou a barra nem nada, né?

- Claro que não! – ele se defendeu, saindo do banheiro. – De jeito nenhum.

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- Então... Fica tranquilo. É só TPM.

- Deus te ouça.

- Boa noite mãe – eu falei. – Boa noite pai.

- Boa noite filho – disseram eles, sem olhar para nós.

- Pai, o esquema está feito – falou Henrique.

- Ah, está certo, valeu filho.

- Que esquema?

- O pai quer levar o Marquinhos no médico. Sabe como é né, ele está começando a ficar adolescente.

- Aquele médico que eu tive que ir quando tinha a idade dele?

- Isso. É só uma consulta de praxe.

- Ah, e deixa eu adivinhar, o Marcus não quer ir, né?

- Não.

- Eu sabia! Mas a gente acaba convencendo ele.

- Eu já convenci. Eu conversei com ele. Disse que o doutor irá somente averiguar questões do crescimento e
essas coisas.

- Você é foda mesmo. Mas então, não encuca não. Ela te ama!

- Pô mano, valeu pela força. Eu não sei o que seria de mim sem você.

- Você não seria absolutamente nada.

Nós dois rimos e ele me abraçou com força.

- Mas e você?

- Eu o quê?

- Vem para cá – ele me puxou com a mão e eu entrei para o quarto dele. – Você e o Rafael, já...

- Não! Não! Não! E eu não acredito que você está me fazendo essa pergunta.

- Ué, qual é o problema?

- Eu já disse que ainda não estou acostumado.

- Tem que se acostumar mano. Isso não é bicho de sete cabeças, sabe.

- Eu sei. Mas você sabe como são nossos pais.


348
- Isso é verdade. Mas então, ainda não? por quê?

- Porque ainda não está na hora. E nós nem estamos namorando nem nada.

- Ele ainda não te pediu em namoro?

- Não!

- Eu vou matar aquele corno!

Eu sorri e me deitei na cama do meu irmão.

- Dorme aqui – ele pediu, deitando-se ao meu lado.

- Olha que com o sono que eu estou, nem vou conseguir me levantar mais.

- Calma aí, deixa-me pegar um cobertor.

- Nem precisa, com esse calor que está fazendo hoje...

Ele jogou uma manta para mim e eu a estiquei na cama de casal. Henrique se deitou ao meu lado e afofou o
travesseiro. Eu já estava com os olhos fechados, o sono estava grande.

- Mano, o Fael falou alguma coisa de Angra dos Reis com você?

- Ah, é. Ele até me lembrou disso agora há pouco. Ele disse sim Ricky. E pediu para a gente convencer nossos
pais e irmãos a irem para lá, daí a gente fica na casa do avô dele, algo assim.

- Uhum. Foi isso mesmo que a Gaby me falou. E aí, o que você acha?

- Perfeito. Assim pelo menos eu fico pertinho dele.

- Primeiro natal que vou passar com ela, não queria passar longe.

- Digo o mesmo. E a queima de fogos do ano novo deve ser perfeito, né?

- Com certeza. Amanhã eu vou conversar com o nosso pai sobre isso.

- E eu com os meninos.

- Fechou então. Se não se importa maninho, eu vou dormir, estou morto!

- Eu também Ricky. Cansado para caramba.

- Boa noite Eder.

- Boa noite Henrique.

- Bom dia meus amores – disse minha mãe, assim que eu e o Ricky entramos na cozinha.

- Bom dia – respondemos juntos, ambos sentando em seu respectivo lugar.

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- Pai preciso conversar contigo sobre um assunto importante – falou Henrique, já passando manteiga em uma
bisnaga. Eu peguei um pão francês e entupi de presunto e queijo.

- Então fala filho!

- A Gabrielle esteve conversando com os pais dela, na verdade ela e o irmão e eles chegaram a conclusão que
vão passar o final do ano em Angra e eles estão nos convidando, todos nós, para nós irmos junto. O que acha da
ideia?

- Todos nós? – perguntou minha mãe, tomando uma xícara de café.

- Uhum – eu respondi.

- Você já sabe disso Eder? – surpreendeu-se meu pai.

- O Fael comentou alguma coisa ontem – eu tripudiei.

- E os seus irmãos? O que acham disso?

- Nós ainda não falamos com eles, mas eu tenho certeza que eles vão concordar – eu falei.

- E como você pode ter tanta certeza assim?

- Porque a Gi está louca para conhecer Angra e porque o Marcus vai ter com quem soltar pipa e tudo o resto que
ele gosta de fazer, vai estar cheio de crianças da idade dele lá.

- É um sítio?

- Não – respondeu Henrique. – É um casarão enorme. Pelo menos foi isso que a Gaby disse.

- Então, o que acham? – perguntei.

- Se os irmãos de vocês estiverem de acordo – meu pai deu de ombros.

Yes! Sucesso!

- Quais os planos para hoje? – perguntou minha mãe. – Vão fazer o quê?

- Nada – respondi, deitando no sofá.

- Eu queria pegar uma corzinha – disse Giselle. – Não posso viajar toda branca desse jeito.

- Até que não é má ideia maninha – pensou Marcus. – Mas onde a gente pode fazer isso?

- Na casa do primo da Márcia. Eu vou ligar para ela.

- Vou indo trabalhar – falou minha mãe. – Quaisquer coisas liguem no consultório.

- Pode deixar – eu falei.

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- Marcinha? Oi amore, tudo bem? – perguntou Giselle. – Tudo ótimo. Flor, será que é muito abuso pedir para ir à
piscina do seu primo?

Ela deu risada.

- É que eu e os meus irmãos não temos o que fazer e queremos pegar um bronze antes de ir viajar.

Silêncio.

- Ah, sério? Que pena... Jura?! Podemos ir então? Oba! Em meia hora a gente está aí na sua casa, beijo amiga!

Ela deu três pulinhos na sala e disse:

- Se arrumem! A casa é toda nossa.

- Como assim, toda nossa? – espantou-se o meu irmão.

- É que os tios dela não estão lá, eles foram viajar e só voltam em fevereiro, mas a chave da casa ficou com a mãe
da Marcinha e ela vai levar a gente lá.

- E não vai ter nenhum problema? – eu perguntei.

- Claro que não, os tios dela são super legais. Andem, vão se arrumar, a gente tem que estar lá em meia horinha.

Nós quatro entramos e a mãe da Marcinha foi para o trabalho. Para voltar, nós teríamos que ir de ônibus. O sol de
dezembro estava escaldante e eu já fui tirando minha camiseta. Pedi para o meu irmão passar protetor nas minhas
costas e em seguida, eu passei nas dele.

- O sol está uma delícia – falou Marcinha, ficando de biquíni. – E a água deve estar uma delícia...

- Não vou cair agora não Marcinha – disse minha irmã. – Eu quero pegar um bronze.

- Azar o seu – ela disse, mergulhando na água que respingou em nós três.

- Delícia! – exclamou meu irmão.

Giselle tirou a saia e a blusinha e começou a passar hidratante e protetor solar na pele branca.

- Você vai ficar toda vermelhinha – riu-se Marcus.

- Olha quem fala!

- Ele não vai ficar vermelho não mana – eu disse. – Olha como ele é mais escuro que você.

- Cala a boca você! Não me irritem.

- Eder você vai ficar com o cabelo branco – me previniu Marcinha. – Devido às luzes.

- Será?

351
- Elas vão clarear bastante.

- Devia ter feito isso no meu cabelo – suspirou Marcus.

- Para quê? Você já é loiro de natureza...

- Só quero clarear um pouquinho.

- Invejoso.

Eu tirei a bermuda e passei creme nas coxas e pernas, deitando-me de costas em uma cadeira assim que terminei.

- Hoje eu me queimo – falei.

- Só você? – perguntou Giselle.

- Aproveitando que nós estamos aqui sozinhos, deixem eu falar uma coisa importante.

- O quê? – perguntou meu irmão.

- Os pais da Gaby nos convidaram para passar o final do ano na casa do avô dela lá em Angra... O que acham?

- Angra? Rio de Janeiro? Sol? Praia e muitos cariocas? – interessou-se minha irmã, ficando apoiada nos
cotovelos e tirando o óculos da face para me fitar.

- Isso mesmo.

- Estou dentraço!

- Ah, não sei não... – reclamou Marquinhos. – Eu queria ver meus avós...

- Eu também Marcus. Mas o vô disse que se a gente não for esse final de ano, ele vem no começo do ano que
vem... Então a gente vai poder vê-los. E perder uma chance dessas de conhecer Angra...

Ele deitou e tirou a bermuda.

- Eu já sei que não tenho escolha mesmo – ele reclamou novamente. – Com certeza o Henrique vai querer ir por
causa da namorada. E você também vai querer ir por causa da Natália. Então de que adianta a minha opinião?

- Adianta e muito. Se você não quiser ir, a gente não vai.

- Que é isso Eder. Eu não vou obrigar vocês a fazerem algo que eu quero.

- E a gente não vai te obrigar a fazer algo que a gente quer – falou a Giselle.

- Mas eu quero – ele disse rindo. – Sempre quis conhecer Angra.

- Então eu posso confirmar?

- E os nossos pais?

- Henrique e eu conversamos com eles hoje pela manhã. Eles toparam, desde que vocês topassem também.
352
- Pode fechar então – falou Marquinhos, fechando os olhos.

- Beleza.

Eu peguei meu celular no bolso da bermuda e selecionei a opção de escrever uma nova mensagem de texto. O sol
estava atrapalhando a minha visibilidade, então coloquei os óculos escuros e tudo ficou mais nítido:

“Fael, eles aceitaram. Nós vamos com vocês na semana que vem. Beijos, saudades”.

Pronto! Dali a uma semana nós estaríamos embarcando para o Estado do Rio de Janeiro.

- Obrigada novamente amiga! – agradeceu Giselle.

- Não há de quê Gi. Até mais meninos.

- Tchau – Marcus e eu dissemos.

Ela entrou em casa e nós continuamos descendo a rua. Eu estava sentindo a minha pele quente e algo me dizia
que eu iria começar a arder rapidamente.

- Passou bastante hidratante, Gi? – perguntou Marquinhos.

- Passei sim maninho, quando eu chegar em casa vou tomar banho e passar mais para não descascar.

- Isso mesmo.

- Eu também preciso fazer isso.

- As suas costas estão meio avermelhadas – falou Marquinhos.

- Só você que não é branquelo! Ai que ódio! – lamentou-se a minha irmã.

- Quem pode, pode quem não pode, se sacode.

Na manhã da quarta-feira, eu já estava completamente recuperado da ardência de minha pele. Minha irmã, por
sua vez, estava sofrendo com a vermelhidão.

- Não encosta – mandou ela à Henrique. – Arde.

- Você exagerou minha filha – disse meu pai. – É melhor nós levarmos você a um médico.

- Não, não há a necessidade papis. Eu já estou ficando boa.

Mas era mentira. Mesmo ela à distância, eu conseguia sentir o calor que a pele dela emanava.
353
- Já começaram a arrumar as malas? – perguntou Henrique. – Nós embarcamos na madrugada do sábado.

- Ainda não – falou Marquinhos. – Amanhã eu faço.

- Eu já fiz – entusiasmou-se Giselle. – Nós vamos de avião?

- Que avião que nada menina – riu meu pai. – O Rio é aqui do lado, nós vamos de carro mesmo.

- Vamos ter que ir com os dois, né pai? – perguntou Henrique.

- Uhum. Por causa do pedágio...

- Você pode ir no carro do Rafael – sugeriu minha mãe. – Assim não vai precisar gastar gasolina com o seu.

- Não, eu prefiro ir com o meu mesmo.

- Por quê? – perguntou Marquinhos.

- E se eu quiser sair lá em Angra? Eu não vou pegar o carro de ninguém...

- É, eu não tinha olhado por esse ângulo – falou minha mãe.

- Pois é, eu penso de vez em quando – Henrique riu.

- E o emprego?

- Amanhã é meu último dia, graças a Deus, amém – ele disse erguendo as mãos para o céu.

- Que bom – disse meu pai. – Você precisa de algo melhor mesmo.

- Quando nós voltarmos eu começo a procurar.

- Você precisa fazer faculdade filho – falou meu pai.

- Já me inscrevi em um vestibular senhor Alexandre. Pro final de janeiro.

- Ótimo! Em que curso?

- Engenharia civil.

- Uau! Que chique! – exclamou Giselle.

- Pois é meu anjo.

- Não encosta – ela pediu. – Não se mexa!

Todos nós rimos e ela se levantou, gemendo de dor.

354
- Eu vou adorar passar o final do ano ao seu lado – ele me disse. – Já estou até imaginando.

- Eu também – confessei. – E aí, já vai sair?

- Que nada, vou fazer hora extra.

- Nossa que funcionário exemplar!

- É pelo dinheiro mesmo.

Eu dei risada e ele espirrou.

- Saúde.

- Obrigado. Meu menino, tenho que desligar agora. A gente se vê amanhã na viagem...

- Está bem então meu lindão! Bom trabalho.

- Obrigado. Beijo.

- Outro.

Eu coloquei a mochila e a minha bolsa de viagens no porta-malas do carro do Henrique e entrei no banco
traseiro.

- Mais alguém vai vir comigo? – ele perguntou.

- Não – responderam meus irmãos.

- Ótimo, vou poder dormir – eu disse.

Meus olhos trombaram com os do Fael e ele sorriu.

- Bom dia! – ele nos cumprimentou.

- Bom dia – respondemos eu, minha mãe, meu pai e a Giselle.

- E aí cunhadão, está preparado para encarar a estrada? – perguntou meu irmão.

- Claro Ricky! Firme e forte que nem uma maria-mole.

Nós demos risada e ele colocou duas malas no interior do carro.

- Alguém vai com você garoto? – perguntou meu pai.

- Uhum, minha irmã e meu primo.

Primo? Que primo? Ele não tinha me dito nada com relação a algum primo.

- Ah, sim. Não pode ir sozinho, senão vai dormir ao volante.


355
- Que nada Alexandre. Eu descansei bastante.

- Ah, então beleza. Será que nós já podemos ir?

- Claro! – Rafael exclamou. – Qualquer coisa é só me ligar.

- Cadê o número do celular? – perguntou meu pai.

- É só anotar.

Ele ditou o número e o meu velho guardou na agenda do seu aparelho.

- Qualquer coisa me liga Henrique.

- Pode deixar pai.

Jorge e a esposa saíram de casa com mais malas e eu percebi que a Natty já estava dentro do carro. Ela não
estava dormindo, mas também não estava acordada. Pensei em cumprimentá-la, mas não quis ser inconveniente.

- A Gaby vai contigo? – perguntou Henrique.

- Vai sim – respondeu Fael.

- Cuida da minha namorada, hein, moleque?

- Nós estamos falando da minha irmã, meu querido. E está comigo, está com Deus. E você vê se leva o Eder
direitinho.

- Pode deixar.

Eu senti meu rosto corar e corri para dentro do Uno do meu irmão. Deitei de conchinha no banco traseiro e
coloquei o travesseiro em cima do rosto para a claridade não me incomodar.

- Até mais tarde Eder – falou Fael.

Eu simplesmente fiz um “joia” com o polegar direito e baixei a mão. O sono ainda estava grande.

Meu irmão bateu a porta do maleiro e depois a do motorista.

- Pode acordar rapazinho – ele disse. – Pensa que vai dormir, é? Vem para o banco da frente.

- Ah, mano, me deixa descansar um pouquinho?

- Oh meu Deus. Só porque você me pediu com jeitinho.

Ele ligou o ar e deu a partida no motor.

- Ricky, você sabe aonde nós vamos, não sabe?

- Não. É por isso que eu vou seguir o seu namorado.

- HENRIQUE!
356
- Ai, o que foi que eu fiz?

- Você é louco? Ele não é meu namorado!

- E! Grande coisa – ele riu. – Francamente!

Eu nunca senti tanta vergonha do meu irmão que nem naquele momento. Senti meu rosto queimar por mais de
cinco minutos, até que o carro finalmente começou a andar em uma velocidade acima do normal.

- Angra dos Reis, aí vamos nós – disse Henrique, mais para si mesmo do que para mim.

Eu fechei os meus olhos e tentei aquietar os batimentos do meu coração. Iria passar vinte dias na casa de
desconhecidos, mas seria muito bom porque eu estaria ao lado do homem da minha vida. Iria poder conviver
com ele vinte e quatro horas por dia, iria poder descobrir quais as suas qualidades que ele ainda não tinha me
demonstrado e iria conhecer os seus defeitos. Se é que ele tinha defeitos. Aos poucos tudo foi ficando distante e
eu fui me entregando à escuridão... Queria dormir, apagar e não acordar tão cedo, para poder passar a madrugada
toda sonhando com o dono dos olhos mais lindos desse mundo.

Abri os meus olhos e percebi que o sol já estava raiando. Estiquei as pernas e os braços e bocejei deliciosamente.
Mesmo com o pouco conforto, eu tinha conseguido deixar o sono em dia.

- Bom dia dorminhoco – falou Henrique.

- Bom dia! Onde nós estamos?

- Nós vamos chegar à Aparecida do Norte daqui há pouco. Está com fome?

- Muita – eu respondi, sentindo minha barriga reclamar por comida. – E você?

- Eu também.

- Está cansado, né?

- Não, até que não. Eu fiquei ouvindo música no fone, a hora passou rápido.

Fixei meus olhos no horizonte e vi a traseira do carro do Fael um pouco à frente do veículo onde eu estava
alojado.

- Nós iremos parar para comer Eder – disse Henrique. – Acho que em Aparecida mesmo.

- Ótimo. Ricky, não tem ninguém que possa revezar o volante com você?

- Acho que a mãe vai trocar comigo para eu dormir um pouquinho...

- Ah, menos mal então... Você não pode ir direto, tem que descansar.

Meu irmão pisou no acelerador e o motor do carro rugiu levemente.

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- Vai acabar a gasolina – ele reclamou –, nós precisamos parar... Faz um favor para mim meu irmãozinho lindo
do coração?

- Faço.

- Liga para alguém... Fala que eu estou ficando sem combustível.

Eu procurei meu celular, mas não o encontrei.

- Não estou encontrando meu celular – disse com o coração ficando agitado –, será que eu o esqueci em casa?

- Não. Você estava com ele.

- Ah! Está no assoalho! – exclamei, abaixando-me para pegar o aparelho.

Digitei o número do celular da minha mãe, mas estava fora de área. O do meu pai não foi diferente e o da minha
irmã provavelmente estava sem bateria, pois caiu direto na caixa postal. A minha última esperança era o Marcus.
Sucesso!

- Oi Eder – ele disse. – O que você quer?

- Oi pirralho. Avisa ao nosso pai que o Henrique está ficando sem combustível e que ele vai parar para abastecer.

- Pai o Eder está avisando que o carro do Henrique está sem gasosa e ele vai parar para encher o tanque.

- Nós acabamos de passar por um posto – eu ouvi o meu pai dizer. – Pede para ele prestar atenção no caminho.

- Presta atenção que tem um posto por aqui, nós acabamos de passar por ele.

- Eu ouvi. Vocês vão continuar?

- Nós vamos continuar?

- Vamos tomar café em Aparecida.

- Eu ouvi de novo Marcus. A gente se vê daqui há pouco.

- Beleza. Um abraço!

- Outro. Henrique tem um posto aqui perto. Eles acabaram de passar por ele.

- Maravilha! Eles vão continuar não vão?

- O pai disse que a gente vai parar para tomar café daqui há pouco.

- Então a gente os encontra lá.

- Você manda.

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Eu me encolhi nos bancos de novo e fiquei olhando a paisagem passar. O clima de interior tomou conta do
ambiente e eu já estava quase esquecendo da cidade grande. Passar o final do ano longe de São Paulo ia me
renovar em todos os sentidos.

- No que está pensando? – indagou Henrique.

- No clima deste lugar, clima de interior. Vai ser muito bom ficar longe de São Paulo por alguns dias.

- Ah, isso lá é verdade. Eu pensei que você estivesse pensando nele.

- Na verdade não. Mas agora que você me lembrou dele... Vou mandar uma mensagem.

- Você gosta dele de verdade Eder?

- Muito.

- Eu posso fazer uma pergunta?

- Pode.

Peguei o celular e comecei a digitar:

“Bom dia...”

- Se você é gay mesmo, como você conseguiu transar com a Natty? Você é bi Eder!

“... como você está se sentindo? Está cansado?”

- Olha Henrique... Essa é uma pergunta que eu me faço até hoje sabia?

“... Já estou com saudades, dirige direitinho. Eu te adoro, beijos e até daqui há pouco.”

- Por que... Pensa comigo! Se você fosse realmente gay, o que eu tenho praticamente certeza que você não é você
não iria sentir desejo por ela, se é que você me entende.

- Entendo perfeitamente e te compreendo. Mas vale ressaltar que eu estava para lá de bêbado naquele dia e eu
pensava que era ele... Então temos aí uma justificativa.

- Ah, sei lá, é complicado. O pior disso tudo é que você nem lembra como foi?

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- Não lembro de absolutamente nada. Só da dor de cabeça.

- Ninguém mandou você tomar um porre, moleque!

- Como se você já não tivesse feito isso antes.

Percebi que ele reduziu a velocidade gradativamente e foi jogando o carro para o acostamento. Quando dei por
mim, nós já estávamos dentro do posto de gasolina.

- Bom dia – ele disse ao frentista. – Completa, por favor?

- Claro.

- Mas então – ele falou, se virando. – Da melhor parte você não se lembra.

- Como assim?

- Como assim! Como assim! Você não se lembra do...

- Ah! Henrique! Você está virando expert em me deixar com vergonha ultimamente!

Ele sorriu e tentou bater em minha cabeça, mas só conseguiu alcançar o meu umbigo.

- Quer me deixar estéril? – eu falei brincando. – Quase que acerta o meu júnior.

Ele ficou um pouquinho vermelho e se virou.

- Eu vou ligar para a minha princesinha.

- Oh, que romântico!

- Cala a boca, infeliz! Ah! – ele fez bico. – Está fora de área...

- Eita, se lascou.

Minha barriga roncou três vezes e eu coloquei as mãos em cima dela para que as tripas pudessem se aquietar.

- Calma meninas, nós já vamos comer.

- Com quem você está falando seu louco?

- Com minhas lombrigas.

- Ah, Eder... Ultimamente eu tenho desconfiado que você está ficando biruta!

- Olha que eu não duvido não. Tem tanta coisa acontecendo ao mesmo tempo.

- Prontinho senhor – disse o homem. – Quarenta e dois reais e vinte centavos.

- Débito – ele disse entregando o cartão ao funcionário. – O que tanto está acontecendo?

- Ah... A Natty com esses enjoos, essa viagem repentina... O Fael, você e a Gaby... Etc, etc e etc.
360
- O que tem a minha namorada e eu?

- O que tem a minha namorada e eu? – eu imitei a voz dele. – Ainda me pergunta!

- A senha?

Ele digitou os seis números na máquina de cartões e um papel azul saiu de seu interior.

- Aqui está muito obrigado.

- Obrigado – Henrique disse, colocando o cartão no porta-luvas e ligando o motor. – Eu não sei o que tem demais
no meu namoro com a Gaby. Eu te conto tudo!

- É justamente por isso – eu suspirei.

- Ah, é? Se quiser não te conto mais nada também! Conto só para o Marquinhos.

- Não senhor. Pode me contar também. Você conversa com o maninho sobre isso?

- Quando ele me deixa, sim. Aliás, o senhor tem que conversar com ele.

- Eu? Por quê?

- Você é o irmão mais velho dele e tem que explicar certas coisas relacionadas ao universo masculino.

- Por que eu? Por que você não pode fazer isso? Ou o papai?

- O pai falou comigo, eu falei com você, você fala com ele. Esse é o seu papel de irmão mais velho.

- Ah! Mas eu posso com isso?

O carro foi acelerado a tal ponto que eu pensei que o Henrique estava apostando corrida com alguém. Senti uma
leve brisa percorrer meu rosto e aquilo me deixou novamente com sono.

- Não vai dormir não, a gente já chegou no nosso destino.

- Ué? Já estamos em Angra? – eu me espantei.

- Só pode estar bêbado de novo! – ele lamentou. – Sua anta do agreste! Nós vamos comer... Comer, tirar a
barriga da miséria, entendeu?

- Ah! E como você sabe que é aqui? – eu perguntei.

- Como eu sei? Será que é porque os carros estão parados aqui à nossa espera?

- Ah!

- Ah! – ele me imitou. – O que você tem hoje? Cheirou cola?

- Não... É o sono. Ai me deixa em paz! Vou ir com os outros agora...

361
Ele balbuciou alguma coisa inaudível e eu suspirei novamente. Meu irmão desligou o carro novamente e abriu a
porta para poder sair. Eu continuei deitado, estava quase dormindo novamente.

- Eder? – chamou a voz mais linda do mundo.

Eu levantei o pescoço para poder vê-lo e sorri quando nossos olhos se encontraram.

- Bom dia – ele disse. – Dormiu bem?

- Bom dia... Eu dormi bem sim... Como você está?

- Eu estou ótimo. Oh, você está com fome?

- Demais.

- Quer comer agora, ou você aguenta chegar lá em Resende?

- Aonde é isso?

- Já é no Rio. Mais umas três ou quatro horas de viagem.

- Vamos comer agora – eu disse, sentando-me.

- Foi o que eu imaginei – ele disse sorrindo. – Então desce daí seu preguiçosozinho.

Saí do Uno e me espreguicei. Andei até o tumulto dos meus familiares, eles ainda pareciam discutir a ideia do
café da manhã.

- Bom dia – eu disse.

- Oi – respondeu minha irmã.

- Como está filho? – perguntou minha mãe.

- Bem e a senhora?

- Com dor nas pernas.

- Eder, quer comer agora ou mais tarde? – perguntou meu pai.

- Agora, não aguento mais de fome.

- Mais um a nosso favor – disse Marcus.

- Eu também quero agora – falou Cláudia.

- Então vamos agora – Jorge colocou um ponto final no assunto. – Para que ficar adiando?

- É verdade – riu meu pai. – Vamos lá.

362
Eu peguei dois pães de queijo, salame, ovos mexidos, salsichas fritas, um pedaço de bolo de aipim e um copo de
suco de laranja.

- Caramba, onde vai parar tudo isso? – espantou-se Gaby.

- Eu tenho que alimentar as lombrigas cunhadinha – falei sorrindo e ela riu em resposta. – Só vai comer um
pãozinho?

- É. Tenho que manter a forma senão perco o namorado.

- Ah, meu Deus, como é boba.

- Estão falando de mim, né?

- Lá vem convencido!

- Eu estou sim amor. Falando o quanto eu te amo!

Ele ficou vermelho e nós ficamos os zoando. Fael sentou-se ao meu lado com uma bandeja maior que a minha.

- Aí Gabrielle, você fala de mim, mas ele ganha!

- Ah, o meu irmão é um buraco negro.

- Ai, credo gente – ele disse, meio sem graça.

Eu o achei lindo com vergonha! Ficou com as bochechas coradinhas.

- Come tranquilo – eu falei baixinho. – Você precisa continuar acordado.

Ele sorriu para mim e nós começamos a atacar. O pai do Fael sentou-se á minha frente e os meus pais juntamente
com o primo da Gaby ficaram na outra mesa.

- Então Ricky, está conseguindo ficar acordado? – indagou o sogro do meu irmão.

- Aham, tranquilo Jorge. Por enquanto.

- Ricky se você quiser, eu dirijo um pouco no seu lugar – se propôs Cláudia.

- Precisa não sogrona, mas obrigado por se preocupar. Qualquer coisa eu te aviso.

- Combinado.

- Cadê a Natty? – perguntou Fael.

- Eu estou aqui – ela disse, chegando com a bandeja de café da manhã.

- Misericórdia filha! Que fome é essa? – espantou-se o pai da minha amiga.

- Eu estou morta de fome!

363
Ela encheu o prato de frutas, cereais, pães, ovos, bolos e iogurte, além de um copo de suco de laranja. Achei
aquela atitude estranha, mas resolvi não questionar nada. Ela sentou-se ao lado do meu pai e o senhor Alexandre
riu do tamanho do prato da garota, mas ela nem deu a mínima.

Ficamos no restaurante por mais de meia hora e só saímos da mesa quando a Natty terminou de devorar tudo o
que havia pegado. Meu pai e o Jorge foram pagar a conta e as meninas foram ao banheiro.

- Nós vamos demorar pra parar novamente, não vamos? – eu perguntei.

- Só em Resende – disseram o meu irmão e o Fael juntos.

- Então eu vou ao banheiro.

- Eu vou com você – disse Fael.

- Então eu também vou – falou Henrique.

- Esperem por mim – implorou Marquinhos, correndo atrás de nós.

- Desse jeito não dá nem pra dar um beijinho – Fael sussurrou à minha orelha e eu dei risada.

- Verdade.

- O que vocês dois estão cochichando?

- Estão vendo aquela senhora ali? – eu apontei para uma senhora gorda com o queixo.

- O que tem ela?

- Se ela continuar comendo desse jeito, todo o estoque de comida do restuarante vai acabar em cinco minutos.

- Nossa que maldade Rafa – riu meu irmão mais novo.

Cada um ficou em um mictório. Eu fiquei entre o meu anjo e meu irmão mais novo.

Coloquei o braço esquerdo no divisor que separava os vasos para que o espertinho do Fael não espionasse nada
indevido e percebi que ele sorriu quando eu fiz aquilo.

Quando terminei de fazer as minhas necessidades, fui até o espelho, lavei as mãos, passei um pouco de água na
boca para tirar o excesso de comida e arrepiei os meus cabelos com as pontas dos dedos.

- Está torto – disse Marquinhos. Ele tomou as rédeas do serviço e quando eu me dei conta, o meu cabelo estava
espetado de um jeito diferente, mas eu gostei.

- Como você fez isso? – interrogou Rafael. – Faz no meu?

- Você é muito alto, abaixa um pouquinho.

O meu neném abaixou a cabeça e meu irmão imitou o gesto que fez em mim nos cabelos castanho-avermelhados
daquele deus grego.

364
- Eu também quero Marcus! – exclamou Henrique.

- Eita nós, vou começar a cobrar.

- Vai negar um favor ao seu irmão mais velho? Muquirana você!

- Eu disse que ia negar?

Ele puxou a cabeça do Henrique para baixo, molhou os dedos e bagunçou as madeixas do nosso irmão.

- Ah, aí estão vocês – falou meu pai. – Nós já vamos, vão para o carro.

- Já estamos indo.

- Pai – chamou Marcus. – Eu posso te pedir uma coisa?

- Ih, lá vem! – suspirou meu pai, indo para os mictórios, meu irmãozinho o seguiu.

- Ele vai pedir para o pai comprar uma coisa que ele viu no caixa, eu só não sei o que é.

- Acho que é um boné – falou Fael.

- Moleque consumista, viu? – eu dei risada.

- Filho, quer trocar um pouquinho? Você precisa descansar.

- Ah, não mãe... Não se preocupa não...

- Ah, obrigada, é por iss que eu te amo.

Minha mãe roubou a chave das mãos do Henrique e entrou no lugar do motorista. Percebi que ela estava
eufórica, a espera daquele momento.

- Ai que delicia. Eu nunca dirigi em estrada!

- Minha Nossa Senhora dos Motoristas Loucos, nos proteja – eu disse, olhando para o céu.

- Muito engraçado senhor Eder Alves!

Todos deram risada e quando meu pai e meu irmão chegaram, nós seguimos viagem. Fiquei à frente com a minha
mãe e o meu irmão deitou nos bancos traseiros para poder descansar.

- Será que eu posso colocar os pés para fora? – ele brincou.

- Ah, pode sim – riu minha mãe –, se um caminhão vier e levar os dois eu vou lamentar muito.

- Deus me livre!

Ele encolheu e eu ouvi os dois joelhos do Henrique estalar. Abri o vidro por completo, coloquei meu óculos de
sol, arrumei meu cabelo pelo retrovisor e peguei um Trident na bolsa da minha mãe.

- Eu quero um também – ela pediu.


365
Coloquei um chiclete na boca dela e ela continuou dirigindo atentamente. Liguei o som do carro em um volume
baixo para não atrapalhar o sono do meu irmão, mas não encontrei nenhuma sintonia que prendesse a minha
atenção. Coloquei o cotovelo para fora da janela e fiquei olhando a paisagem.

- Bonito o lugar, né Eder?

- Muitas vacas – eu reclamei.

- Justamente por isso que é bonito.

- As coitadas não deveriam estar tão próximo a rodovia.

- Elas não vêm para cá não.

- Não são loucas.

Minha mãe sorriu e avistou um pedágio.

- Cadê o cartão?

- Aqui – eu a entreguei, retirando o cartão do porta-luvas. – Mãe a senhora já sabe o dia em que nós vamos
voltar?

- Eu preciso estar em casa no dia sete.

- Já?

- Não posso abandonar os meus pacientes, coitadinhos. E o seu pai também. Ele tem uma audiência
importantíssima nesta data.

- Então a gente volta no dia seis?

- Provavelmente. Mas a gente vê quando estiver perto Eder. Não sofra por antecipação.

- É só uma pergunta.

- Seu pai e eu queremos ficar uma semana em Búzios. Não sei se vocês vão gostar da ideia.

- Lá deve ser legal.

- É lindo. Tive a oportunidade de conhecer quando solteira.

- Ainda lembra?

- Muito engraçado!

Meu irmão começou a roncar e eu e minha mãe olhamos para ele ao mesmo tempo.

- Coitadinho, está exausto – ela disse com a voz melancólica.

- Eu não sabia que ele roncava! Coitada da Gabrielle.

366
- Deve ser devido o cansaço.

- Cansa muito dirigir?

- Se você ficar dirigindo por muito tempo cansa sim, porque você fica sentado demais, daí começa a doer as
pernas, as costas, os braços, o pescoço...

- Ou seja, é melhor se internar.

- Não é para tanto. Quando você tirar a sua carta você vai ver como é.

- Ainda faltam dois anos.

- Passa rapidinho, meu lindo.

- Passa nada.

- Passa sim. Daqui a pouco você vai estar casado e com filhos, você vai ver.

- Deus me livre mãe! Vira essa boca para lá.

- É mesmo, eu sou muito nova para ser avó. Só tenho vinte e seis anos.

- Aham! E eu sou filho do Albert Einstein!

Ela deu risada e eu voltei a olhar pela janela. As montanhas começaram a aparecer e eu percebi que meu celular
estava completamente fora de área.

Henrique acordou por volta do horário de almoço. Minha mãe passou por um buraco sem reduzir a velocidade e
a minha cabeça bateu no teto do carro.

- Ai! – eu reclamei.

- Desculpa – ela disse, querendo dar risada.

- Quer ajuda aí Dona Marina?

- Oi amor. Acordou, foi?

- Depois dessa minha filha, até um morto acorda.

Dessa vez ela não aguentou e soltou uma gargalhada estridente que só ela sabia fazer.

- Mãe! – eu e Henrique exclamamos.

- Deixem-me ser feliz!

- Olha o Fael aí do lado – falou Henrique.

367
Eu virei o rosto automaticamente e sorri quando os meus olhos encontraram a face do meu garoto perfeito. Ele
não podia olhar para mim porque estava ao volante, mas minha mãe buzinou e ele retribuiu.

- Passamos à frente dele. A senhora sabe aonde está indo, né?

- Sei Henrique. O Jorge está bem à frente.

- Cadê o pai? – perguntei.

- Ah essa altura ele já deve estar chegando no Amazonas, nunca vi dirigir tão rápido.

- Vou com ele depois da próxima parada – eu falei.

- Você pode dirigir um pouco filho?

- Claro mãe! Já quer trocar?

- Não, depois que a gente parar. Eu preciso ver como está a irmã de vocês.

- O que a Gi tem? – me preocupei.

- Cólica. Coitadinha.

- Isso é ruim, é?

- Só nós mulheres entendemos o que é isso Henrique. Pergunte a sua namorada.

- Não sabia que a Gi já tinha essas coisas aí – ele pensou.

- Ah, Henrique, por favor! A sua irmã já tem quatorze anos!

- É Henrique a Gi tem catorze anos!

- E?

- Isso normalmente acontece aos doze.

- E eu vou lá saber?

- Tem que saber sim. Um dia você vai ser pai e vai ter que conversar com a sua filha sobre isso.

- Eu? Eu não! A mãe que converse. Isso não é papel meu. E eu não vou ser pai tão cedo.

- Hoje ela está inspirada irmãozão. Você precisava ver ela me falando que daqui a pouco eu vou estar casado e
com filhos. E ainda disse que só tem vinte e seis anos, é muito jovem para ser avó!

- Eu já vou fazer vinte e você tem vinte e seis? Ah, tá!

- Vocês são sem graça, sabiam?

368
- Não – respondemos em uníssono.

- Você está melhor amor? – perguntou minha mãe, colocando a mão na testa da minha irmã.

- Não – ela gemeu. – Está doendo bastante ainda.

- Cláudia, você tem algum remédio de cólica?

- Ai não tenho aqui não Marina! Mas acho que a Gaby deve ter, deixa eu ir perguntar.

- Vem com a mamãe aqui no carro do Ricky filha. O Eder vai com o seu pai.

Olhei para o Fael e percebi que ele estava a fisionomia cansada. Fui ao encontro da mãe dele e cochichei em seu
ouvido:

- O Rafael aparenta estar cansado.

Ela olhou para o filho e eu senti a compaixão em seu olhar.

- Vou trocar com ele. Obrigada pela preocupação Eder.

E como não me preocupar com o homem da minha vida? Impossível!

- E aí Eder, já cansou? – perguntou Natália.

- Ah, para ser sincero já, viu?

- Eu também. Você não quer almoçar também?

- Agora não. Eu comi demais no café, ainda estou sem fome.

- Acho que nós vamos comer lá no Rio de Janeiro mesmo.

- Você já foi ao Rio?

- Só em Angra mesmo.

- É lindo!

- Eu só vejo pela televisão.

- Não é tão violento quanto aparenta.

- Alguém de sua família mora lá?

- Meus primos.

- Ah!

- Aqui Gi – falou Gaby. – Desculpem pela demora, eu não estava encontrando.


369
- Não tem problema – falou Giselle, engolindo o comprimido. – Obrigada!

- Se não melhorar avisa que a gente para em um médico, sei lá.

- Obrigada pela preocupação meu anjo – disse minha mãe.

- Eu entendo, também sofro do mesmo mal.

- Todas nós – suspirou minha mãe.

- Ainda bem que eu nasci homem – falou Marquinhos.

- Né – eu concordei.

- Pronto? Podemos ir? – perguntou Jorge.

Eu entrei no carro do meu pai, mas não quis ir à frente. Meu irmão mais novo deitou-se no meu colo e eu fiquei
afagando o seu cabelo, em questão de minutos ele dormiu.

- Seu irmão é folgado – riu meu pai.

- Ele é. Mas eu amo esse pestinha.

- Quem não ama?

Quando abri os meus olhos, notei que nós já estávamos na cidade do Rio de Janeiro. Reconheci imediatamente o
bairro de Copacabana e me surpreendi novamente com a beleza das praias do litoral Fluminense.

- Caramba – eu suspirei.

- Aqui Eder, olha o Copacabana Palace!

Eu estiquei-me para ver o famoso hotel que tanto ouvira falar na televisão e me espantei com a sua dimensão e
sua beleza extraordinária.

- Uau! Bem que nós poderíamos nos hospedar aqui hoje, pai.

- Só se a gente ficar o resto do ano que vem limpando o chão para poder pagar as diárias.

Meu irmão se remexeu no meu colo e abriu os olhos lentamente. Eu o fitei com o pescoço torto e ele se
espreguiçou.

- Nós já chegamos?

- Estamos em Copacabana.

Ele se sentou e eu percebi um leve volume em seu colo, mas ele não notou o que estava acontecendo. Meu irmão
olhou para os dois lados e encostou à cabeça no vidro.

370
- Ainda está cansado? – espantou-se meu pai.

- Uhum.

Eu o puxei pelos ombros e falei baixinho no seu ouvido:

- Com o que você estava sonhando?

- Com nada, por quê?

Olhei para baixo e ele arregalou os olhos dourado-escuros de um jeito engraçado. Meu pai olhou pelo retrovisor
com cara de intriga, mas não perguntou nada.

- Opa!

- O que houve meninos?

- Nada pai – constrangeu-se Marcus.

Eu dei risada e meu pai continuou perguntando.

- Eu também quero rir.

- O seu filho acordou com a barraca armada – eu expliquei.

Marcus deu um soco no meu braço, mas eu não liguei. Meu pai sorriu compreensivamente e disse:

- Isso acontece nas melhores famílias Marquinhos. Não fique constrangido.

Ele ficou ainda mais vermelho.

- Isso vai acontecer com mais frequência daqui em diante Marcus – eu falei.

- Nós temos mesmo que falar sobre isso?

- Aqui e agora não é o melhor lugar, nem a melhor hora – disse o meu pai –, mas nós vamos ter que conversar
sim.

- Não quero.

- Sou eu que vou falar com você menino, relaxa.

- Ah, então se é assim, tudo bem.

- Quer dizer que com o seu irmão você pode falar e comigo não?

- Não é isso pai...

- Não, tudo bem. Deixa o senhor! Magoei!

Eu dei risada e o Marcus fez bico.

371
- É que eu sou irmão e você é pai, entendeu? De mim ele não tem vergonha, né?

- É.

- Ah! Quer dizer que você tem vergonha de mim Marcus?

- Não vergonha do senhor, vergonha com o senhor.

- Bobinho! Eu estou brincando.

- Enfim, vamos mudar de assunto, né? – Marcus insistiu.

- Bem que a gente poderia parar aqui, adoraria cair nesse mar – eu falei.

- Mais para frente Eder.

- Vamos almoçar? Vamos almoçar né? Eu estou com fome – reclamou Marcus.

- Vamos sim – falou Alexandre. – Eu também estou.

- A mãe disse que o senhor que ir para Búzios.

- Ah, é verdade. Quero passar uma semana lá, o que vocês acham?

- Onde tiver praia eu estou dentro – falou Marquinhos.

- Assino embaixo.

- Então está combinado. Vou falar com os irmãos de vocês. Será que a minha filhota melhorou?

- Ah, deve ter melhorado – eu supus –, já passou um tempão!

O celular do Marquinhos tocou e ele procurou o aparelho pelo banco, até que o encontrou jogado no vão do
banco.

- Oi mãe.

Por que só o celular do Marquinhos estava pegando?

- Ah, tá. Pai a mãe está falando que é para a gente parar aqui mesmo que a Natty não está bem.

- O que ela tem?

- O que ela tem? Está com a pressão baixa.

- Ah, já parei.

Meu pai entrou em uma rua sem movimento e encostou o carro no meio fio, deixando o motor em ponto morto.

- A gente está em frente a um Banco do Brasil. Aham. Aham. Está bem. Tchau.

- O que houve? – eu perguntei.


372
- Parece que a pressão da Natália caiu de novo.

- Essa menina vive passando mal – meu pai ergueu as sobrancelhas.

Eu olhei para trás e vi o carro do Jorge entrando pela rua. Meu irmão entrou em seguida e por fim o Fael. Natália
abriu a porta e desceu para a calcada, eu notei que ela estava mais pálida que o normal.

Minha irmã veio ao nosso encontro e abriu a porta da frente para poder entrar.

- Melhorou amor? – perguntou meu pai.

- Mais ou menos – ela respondeu. – Mas estou melhor.

- Quer ir a algum hospital?

- Não adianta não pai – ela suspirou. – A mamãe disse que só vai parar quando...

- Nós já entendemos – eu disse com nojo.

- Credo!

A Cláudia ficou abanando a filha por alguns instantes e aos poucos a cor da garota foi voltando ao normal.
Alguém levou um copo com água para ela com um comprimido e por fim, nós decidimos almoçar.

- Já que nós paramos, porque não comemos por aqui mesmo? – indagou Gaby.

- Por mim – Jorge deu de ombros.

Meu pai desceu e tomou as rédeas, como de costume. Nós o seguimos por alguns minutos e entramos em um
restaurante de comida caseira por quilo.

- E aí, descansou? – perguntei.

- Muitíssimo – respondeu Fael. – Você andou dormindo também, né?

- Uhum. Quando eu acordei, nós já estávamos em Copacabana.

- É eu também. Você viu o Palace?

- Vi. Lindo, né?

- É. Quero passar a minha lua-de-mel aí, viu?

Se um carro estivesse passando na rua naquele momento, eu teria me jogado na frente dele. Nunca senti tanta
vergonha em toda a minha vida...

A Natty não comeu nada no almoço, apenas tomou um suco e um efervescente para o estômago, devido um fraco
enjoo que ela estava começando a sentir. A minha irmã também não conseguiu comer, mas bebeu uma garrafa de
suco natural sozinha.
373
- Isso, ingira bastante liquido – aprovou a minha mãe. – Assim você se sentirá melhor. Pelo menos eu me sinto
quando estou assim.

A gente desceu para seguir viagem e eu fiquei a sós com o Fael no carro. O mesmo aconteceu com a Gaby e o
Henrique e quando meu irmão passou por nós, ele buzinou e eu entendi perfeitamente o que ele quis dizer.

- Eu ainda mato o Henrique!

- Por quê?

- Ele está me tirando direto Fael!

- Como assim?

- Na hora que a gente saiu de casa hoje de madrugada, eu perguntei se ele não iria se perder e ele pediu para eu
ficar tranquilo e disse que ia seguir o meu namorado.

- Ele disse isso? – perguntou Fael, sorrindo.

- Disse, você acredita?

- Eu adoro o Henrique!

- E você ainda aprova uma coisa dessas Fael?

- Se eu aprovo? Eu assino em baixo!

- Vocês dois não valem nada. E agora há pouco eu estava vendo a paisagem e ele disse no que eu estava
pensando, daí eu falei que o clima era de interior e etc, daí ele me disse que pensava que eu estava pensando em
você.

- E você não estava pensando em mim?

- Na verdade, eu estava pensando nas vacas.

- Nas vacas? Nossa, obrigado...

- É que eu estava me perguntando como elas ficam tão rentes a rodovia...

- Sei! Mas eu pensei em você o resto da viagem inteira.

- Jura?

- Juro.

- Eu também.

- Sério?

- Até sonhei com você.

374
- Sonhou comigo? – eu gostei. – Conte-me...

- Nós estávamos na casa de praia do meu tio e a gente estava...

- A gente estava...?

- Estávamos namorando.

- Ai que lindo Fael! Você sonhando comigo...

- Já que você não sonha comigo, alguém tem que fazer essa parte, não é?

- E quem disse que eu não sonho com você?

- Você nunca me disse nada.

- Você nunca me perguntou.

- Você já sonhou comigo?

- Todos os dias.

- Todos os dias?

- Isso mesmo.

- Então me conte...

- Todos os dias é o mesmo sonho. Nós dois estamos no seu quarto, namorando.

- Então a gente sonha a mesma coisa...

- Acho que sim.

- O que nós estamos fazendo no seu sonho? – ele perguntou.

- Ah... Se beijando!

- Só?

- Se acariciando.

- Só?

- Só... Por quê? No seu é diferente?

- Muito diferente.

- Então o que tem de diferente?

- Nós estamos namorando no sentido literário da palavra.

375
- Não entendi? Seja mais claro.

- Quer que eu desenhe Eder? Nós estamos transando caramba!

Abaixei a cabeça, cocei a nuca e virei o rosto para a janela. Percebi pelo retrovisor do Gol que eu estava
muitíssimo vermelho.

- Adoro quando você fica assim. Olha para mim?

- Não.

- Vai neném, olha para mim.

Ai que lindo! Ele tinha me chamado de neném...

- Não...

- Por favor? Só um pouquinho?

- Não – eu falei de novo.

- Como você é lindo meu menino! – ele riu. – Lindo demais.

Pronto... Fiquei roxo!

- Para – eu pedi.

- Por que pararia?

- Porque eu estou sem graça.

- É justamente por isso que eu quero continuar.

- Não...

Ele riu e parou. Eu continuei olhando pela janela e respirei fundo. O cheiro de maresia entrou pelas minhas
narinas e eu senti um bem estar maravilhoso com aquela sensação.

- As praias daqui são maravilhosas – ele deduziu.

- Uhum.

- Posso te pedir uma coisa anjinho?

- Claro que pode – eu falei, olhando nos olhos dele.

- Seus olhos estão mais claros hoje.

- É porque eu dormi demais. Sempre que isso ocorre eles clareiam, daqui a pouco voltam ao normal. Mas o que
você quer?

- Coça as minhas costas?


376
- Ah, folgado.

Ele se afastou alguns centímetros do encosto do banco e eu percebi que ele estava molhado de suor.

- Oh meu anjo, está suado!

- Morrendo de calor, louco para tomar uma ducha gelada.

- Eu também.

Eu levantei a camiseta dele e passei as unhas pela extensão da pele clara das costas dele.

- Mais para cima, mais para baixo, para a direita, mais para a direita, para a esquerda, direita de novo. Aí!

Me detive no ponto que ele pediu por alguns segundos e fiquei analisando aquela pele molhada de suor.

- Fael vai para frente.

Ele me obedeceu e eu puxei a camiseta dele pelo pescoço, fazendo com que ele se despisse.

- Eder você é louco?

- Qual é o problema?

- Vai fazer eu me despir enquanto estou ao volante?

- É só você tomar cuidado.

Ele tirou a mão esquerda do voltante e eu puxei a camiseta, depois tirou a direita e eu o livrei do tecido de vez.

- Delícia. Quer fazer isso com a minha calça também?

- Aí você já está querendo demais!

- O problema é esse, eu nunca quero o suficiente...

- Não entendi...

- É melhor não entender mesmo@

Ficamos quietos e eu detive a minha atenção nos pedestres que estavam na calçada da praia. O mar estava muito
convidativo e o sol estava no meio do céu, mesmo já tendo passado do meio dia. Olhei em um termômetro do
calçadão e notei que estava fazendo trinta e cinco graus, mas eu não estava com tanto calor que nem o Fael.

Já passava das oito da noite quando nós finalmente chegamos na casa do avô do Rafael. Todos nós descemos e
fomos recepcionados pelo anfitrião, o pai do Jorge, o senhor Augusto.

- Vô! – exclamou Gabrielle, dando um abraço no velhinho.

- Oi minha filha...
377
Todos nós cumprimentamos o dono da casa e ele nos deu as boas-vindas. Meus pais agradeceram a hospitalidade
e nós entramos para conhecer a vó do Fael.

Dona Maria estava na cozinha, preparando o jantar para a nossa chegada. O Fael deu um abraço tão apertado na
velhinha que eu pensei que ela iria quebrar no meio. Novamente nós agradecemos pela hospitalidade e então
subimos para conhecer os nossos quartos.

- Aqui vão ficar vocês – disse dona Maria aos pais do Fael. – Vocês ficarão neste – ela se referiu aos meus pais –,
não liguem porque é tudo muito simples.

- Não se preocupe dona Maria – disse minha mãe. – Não precisava se preocupar.

- As meninas vão ficar neste daqui – ela disse para as garotas. – E os meninos neste.

Eu entrei em um quarto grande com quatro pares de beliche. Sobrariam três camas e eu me perguntei se mais
alguém iria chegar naquele local para ficar conosco. Escolhi a cama superior que estava mais próxima à janela,
Fael ficou na mesma que eu, porém no lado inferior, Henrique na do lado, também em cima, o primo do Fael na
outra, também em cima e o Marquinhos na última, também na parte de cima.

- Só eu que vou ficar aqui embaixo... – reclamou Fael.

- Para de ser burro – falou Henrique. – Vai ser melhor.

- Henrique sorriu maliciosamente para o meu irmão e eu fingi que não vi nada acontecendo entre os dois. Parecia
um complô contra a minha pessoa. A gente foi até os carros e pegamos nossa bagagem. Eu coloquei minha mala
em frente à minha cama e tirei a camisa, disposto a ir tomar banho.

- Vai ter fila agora – falou Fael. – Se eu fosse você, eu esperava.

Marcus saiu do quarto e em seguida o primo do Fael fez o mesmo. Henrique sentou-se em uma das camas e tirou
o tênis.

- O seu primo não é de conversar muito, né Fael?

- Ah, ele é meio tímido, daqui a pouco vai conversar com vocês que nem um doido.

- Ah, que bom...

Meu neném abriu os braços para mim e eu olhei para o meu irmão, mas ele não estava nos olhando. Senti
vontade de correr até os braços daquele deus grego, mas com o Henrique junto a nós, aquilo era impossível.

Fael fez um biquinho lindo e eu o imitei. Meu irmão tirou a calça, ficando só de cueca e os meus olhos voaram
pelo seu corpo escultural por instinto. Fael também analisou e eu pigarreei para que ele se tocass da minha
presença.

- Fael será que por gentileza, você pode parar de olhar para o meu irmão?

378
- Hã? – fizeram os dois ao mesmo tempo, ambos ficando constrangidos.

- É. Eu tenho ciúmes se você não sabe.

- Ciúmes de mim? Ou do seu irmão?

E agora? Ciúmes de quem?

- Do Henrique.

- De mim?

- Do Fael...

- De mim também?

- Ah! Que saco! Vocês entenderam! – eu disse, cruzando os braços.

Eles caíram na gargalhada e os dois vieram ao meu encontro para encher a minha paciência.

- Que coisinha mais linda desse mundo – disse Henrique com a voz de criança.

- Com ciúme de mim – completou Fael, começando a fazer cócegas na minha barriga.

Eu comecei a gargalhar, cada um estava de um lado. Minha barriga começou a doer e eu tentei sair daquela
enrascada, mas foi em vão.

- Sai Henrique! Para Fael! Eu já estou com dor no estômago...

- Coisa mais linda! – disse Henrique de novo.

- Do titio – brincou Fael.

- Parem! Parem, por favor...

Meu irmão se afastou rindo e ele já ia tirando a cueca, mas eu o bloqueei.

- Henrique você é louco, é?

- Ah, é! Esqueci que não estamos em casa...

- Perdi alguma coisa?

- Nada demais, eu só ia tirar essa cueca.

- Por mim pode tirar cunhadão, eu não ligo, não!

Henrique riu e jogou a camiseta em cima do meu anjinho.

- Como é que é senhor Rafael Alcântara?

- Estou brincando, estou brincando!


379
- Sei.

- Fica assim não Eder – sorriu Henrique. – Aqui é tudo família.

- E seu irmão já sabe da gente.

- Justamente por isso, anta!

- Ah, ah, tá... Entendi!

- Acho que eu sobrei – deduziu Henrique. – Vou colocar a bermuda e ir para a fila do banho, daí vocês ficam a
sós...

- Te amo cunhadão.

- Não acostuma não, que eu sou mais ciumento que ele...

- Estou lascado!

- Está mesmo.

- Só que você esqueceu que eu também tenho ciúmes? Eu sei ser bem pior que o Eder, meu querido. Então você
que não abra o olho com a minha irmã, viu?

- Sua irmã é minha!

- Como é que é?

Henrique colocou a bermuda às pressas e saiu correndo pelo quarto.

- Eu a amo, lero, lero, lero, lero...

- Oh, meu Deus, duas crianças! – eu suspirei.

- Some da minha frente agora – ameaçou Rafael. – Antes que eu quebre o seu pescoço.

Henrique saiu do quarto rindo e nós finalmente ficamos a sós. Ele veio às pressas até a minha cama e eu me
joguei para o chão para nós podermos ficar mais à vontade. Os nossos lábios grudaram como a atração de dois
ímãs e nós nos deitamos em uma das beliches. O suor da nossa pele se misturou e meu pênis criou vida
imediatamente. Já estava ficando com a respiração ofegante e ele já estava ameaçando tirar a bermuda, mas eu
me lembrei que nós não estávamos a sós na casa e que a qualquer momento alguém poderia chegar.

- Não. Para!

- Não gostou?

- Como você tem coragem de me perguntar uma coisa dessas? É que o meu irmão pode entrar e o seu primo
também...

- Caraca, é verdade...

380
- Aqui não pode.

- Como a gente vai fazer, então?

- A gente dá um jeito, mas você vai ter que se segurar.

- Isso é o mais difícil...

- Sim, mas nós vamos conseguir.

Ele me deu um selinho demorado e em seguida, Marcus entrou no recinto.

- Cadê o Ricky?

- Foi tomar banho.

- Ah, já pode ir? Será que já desocupou?

- Tem três banheiros Marquinhos, pergunta para a minha avó se algum deles está vazio.

- Ah, firmeza.

Ele saiu novamente e a gente voltou a se beijar, mas dessa vez, não caímos na cama.

- Eu mal vejo a hora da gente poder ficar a sós – suspirou Fael.

- Nem eu.

- Acho que eu sei um jeito – ele disse sorrindo maliciosamente.

- Qual?

- A gente pode ir pro sótão.

- Pro sótão Rafael? Você está maluco?

- Tudo bem – ele deu de ombros –, se você não quer ficar comigo...

- Vamos!

Ele sorriu delicadamente e apertou a minha bochecha.

- Quando todos estiverem dormindo.

- E se alguém pegar a gente?

- Meio difícil alguém entrar no porão de madrugada. A não ser que seja uma alma penada.

- Ai que horror!

- Fael – falou o primo dele. – O vô está te chamando.

381
- Ah, Doug, eu já vou!

- Espera aí Eder, eu já volto.

- Sem problemas, eu disse.

Meu lindão saiu do quarto e eu caí de costas na cama de solteiro.

- Cansado cara? – perguntou Doug.

- Um pouco – eu falei.

- A gente nem teve chance de se falar ainda... Muito prazer, meu nome é Douglas, mas você pode me chamar de
Doug.

- O prazer é meu Doug, eu sou o Eder.

Ele apertou a minha mão e ficou olhando em meus olhos por alguns segundos.

- Você usa lente?

- Não, é natural.

- São muito bonitos.

- Obrigado.

Ele se afastou e foi desarrumando a bolsa de viagem. Decidi fazer o mesmo. Abri o zíper da mochila, separei
uma muda de roupas para dormir e fui desocupando a mala aos poucos. Esperei o Fael por mais de meia hora e
ele não voltou. Onde será que ele estava?

Desci até a sala e percebi a decoração de natal pela primeira vez. A Árvore que estava atrás dos sofás não era
artificial e eu achei aquele fato curioso. Como o pinheiro conseguia se manter vivo por tanto tempo após ter sido
cortado?

- Meu menino – sussurrou Fael.

Eu olhei para trás e percebi que ele estava no final de um corredor.

- Vem aqui.

Eu olhei para todos os lados e me conduzi até onde ele estava. Fael me puxou pelo braço e nós entramos em um
cômodo escuro e úmido, cheio de móveis velhos e caixas espalhadas pelo chão.

- Você é maluco mesmo – eu disse baixinho.

Ele me puxou pela cintura e os nossos corpos se colaram, Fael colocou a mão na minha nuca e puxou a minha
cabeça para mais perto da dele, eu senti a nossa respiração se encontrar, senti o nosso suor se misturar e ouvi os
nossos batimentos em uma sintonia perfeita.
382
- Sou maluco sim, sou maluco, sou louco, sou completamente enfeitiçado por você.

Eu não consegui me conter e grudei os nossos lábios de um jeito definitivo. Os movimentos começaram lentos,
mas aos poucos foram se acentuando e quando eu dei por mim, já estava novamente a mercê daquele sedutor à
moda antiga.

- Me solta – eu falei baixinho, quando finalmente consegui parar de beijá-lo. – Senão eu não me responsabilizo.

- É mesmo? O que você vai fazer?

- Eu não perguntaria novamente se fosse você...

Percebi que ele sorriu e eu já sabia o que ele ia fazer. Ou melhor, o que ele ia dizer.

- Aposto que você não vai fazer nada.

Afastei-me alguns centímetros e o empurrei com o dedo até a parede. Bloqueei a passagem para que ele não
pudesse sair e passei o dedo indicador pelo pescoço do Fael. Fui descendo lenta e gradativamente até que cheguei
às entradas do abdômen que tanto mexiam comigo. Olhei fixamente naqueles olhos pelos quais eu me apaixonei
e mordi o meu lábio.

- Quer mesmo que eu continue?

Os lábios do garoto se abriram e eu notei que a respiração dele estava um tanto acelerada. Não obtive resposta,
então decidi continuar. Coloquei as duas mãos no cós da calça e a puxei levemente para baixo. Rafael sorriu e me
puxou para um beijo.

- Não – ele falou nos meus lábios. – Agora não!

- Eu sabia que você não ia aguentar até o fim.

- Eu disse que agora não – ele frisou a frase. – Você vai acabar me matando deste jeito.

- Eu vou acabar te matando? Acho que eu vou morrer primeiro.

- Será?

Nós dois nos beijamos mais uma vez e ele passou a mão pelas minhas nádegas de um jeito delicado, porém
provocante.

- Safado – eu falei baixinho e ele sorriu entre o beijo.

- Eu te quero meu menino...

- Eu também te quero meu anjinho...

Nossos lábios ficaram mais urgentes e ele desceu os dedos mais uma vez para o final das minhas costas, mas
desta vez foi mais ousado, introduziu a mão por debaixo da bermuda que eu estava usando.

- Não faz assim – eu sussurrei. – Eu não consigo me controlar deste jeito.

383
Ele sorriu novamente e retirou a mão lentamente.

- Você é demais – ele disse. – Eu te adoro muito.

- Eu também te adoro muito.

Eu queria falar “eu te amo muito”, mas algo em meu coração dizia que ainda estava muito cedo para falar algo
tão forte ao Fael. Ele passou a língua pela minha orelha e um arrepio lento passou pelo meu corpo.

- Fael é melhor nós sairmos daqui...

- Eu não posso sair agora.

- Por quê?

- Por causa disso...

Ele pegou a minha mão direita e colocou em cima do seu colo. Eu senti algo duro, muito duro por baixo da
minha mão e senti o meu rosto corar de leve com o que ele tinha acabado de fazer, mas aos poucos eu já estava
começando a me acostumar.

- Eu só posso sair quando ele dormir.

- O meu está igual ao seu...

- É mesmo?

- Uhum.

- Eu posso conferir?

Ai... Que vergonha!

- Pode – eu falei no ouvido dele. Aproveitei a oportunidade e escondi o meu rosto devido à minha timidez.

Senti uma mão se fechando por cima do meu membro e aquilo o fez ficar ainda mais duro. Fael soltou um
gemido baixo em meu ouvido e eu o imitei.

- Isso – ele soltou. – Isso...

- Fael...

- Eder, por favor...

Tentei continuar. Procurei pelo zíper da calça e, depois de muito tentar, consegui abaixá-lo. Rafael estava parado
como uma estátua, e eu estava sentindo a respiração ofegante em minha face.

Mais um gemido, este ainda mais baixo que o último. Ele colocou a mão por dentro de minha bermuda e passou
os dedos por toda a extensão do meu pênis, por cima da cueca.

- Está como uma pedra – ele disse baixinho.


384
- Isso é por sua causa.

- O meu também está assim por você.

Passei o dedo pelo orifício que o zíper tinha deixado aberto e senti algo quente em meu dedo.

- Você está sem cueca? – me espantei.

- Estou – ele disse com a voz sexy.

O meu dedo ficou parado no meio do pênis dele e eu perguntei:

- Por quê?

- Ah, não quis colocar hoje...

Dei uma mordidinha no lóbulo da orelha do meu garoto perfeito e afastei a minha mão do colo dele. Eu não
podia continuar com aquilo. Não naquele momento, não naquele lugar.

- Eder...

- Não meu anjinho... Aqui não, agora não...

- Por quê?

- É perigoso. Eu não estou me sentindo à vontade.

- Ninguém vem aqui meu menino...

- Não – eu decidi. – É melhor a gente deixar isso para outra hora. Foi você mesmo que disse que não era para ser
aqui.

Ele se desvencilhou de mim e eu suspirei aliviado. Meu pinto estava prestes à explodir a qualquer momento e eu
tive que segurá-lo com força para que ele pudesse relaxar.

- Desculpa – eu falei baixinho.

Ele estava afastado de mim, fechando o zíper da calça e encostado na parede oposta.

- Tudo bem – ele disse baixinho. – Você tem razão.

- Desculpa – eu repeti. Eu queria aquilo tanto quanto ele, mas naquele lugar não tinha o menor clima de
acontecer. – De verdade.

- Não se preocupe meu menino – ele disse, voltando até onde eu estava. – Eu confio em você, eu vou esperar o
tempo que for necessário. Aqui realmente não é o lugar para isso acontecer.

Os nossos beiços se encontraram mais uma vez, mas este foi um beijo apaixonado, ao invés de selvagem.

- Eu saio primeiro – ele disse, vejo se a barra está limpa e você sai em seguida. Pode ser?

385
- Pode – eu respondi com confiança nas palavras dele.

Fael caminhou até a porta e a abriu levemente. Ele introduziu a cabeça para o corredor e disse:

- Anda, não tem ninguém aqui.

Nós saímos apressados pelo corredor e subimos juntos para o quarto aonde iríamos dormir. Os meus irmãos
estavam lá e eu notei que o primo do Rafa, o tal do Doug, não estava no local e aquilo era muito bom.

- Onde vocês estavam? – indagou Marcus.

- Eu fui mostrar a casa ao Eder – respondeu Fael, abrindo a mala que havia levado.

Henrique me olhou com uma das sobrancelhas erguidas e em seguida sorriu. Ele se aproximou de mim e disse:

- Será que você pode me ajudar com uma coisa?

- Que coisa/

- Vem comigo que eu te explico.

Ele foi me empurrando pelos ombros e quando nós dois estávamos chegando à porta, meu irmão menor falou:

- Adeus Eder, eu vou sentir a sua falta.

- Credo Marcus, eu não vou matar o meu irmão – defendeu-se Henrique.

- Do jeito que você está com a cara de psicopata, eu não duvido nada.

- Engraçadinho...

- Eder me conta depois o que é hein?

- Pode deixar irmãozinho.

Henrique encostou a porta com suavidade e me predeu à parede.

- Onde vocês dois estavam?

- Não ouviu o Fael falando, não?

- E você acha que eu vou acreditar nessa história da carochinha?

- E por que não acreditaria?

- Porque eu não sou burro, eu não sou idiota e porque a sua fisionomia o está traindo. Onde vocês estavam?

Eu suspirei e olhei para o teto.

- Vem comigo, eu te mostro. Vai ser bom para você usar esse lugar também.

386
Nós descemos as escadas lentamente, não estávamos na nossa casa, portanto, não poderíamos nos comportar mal.
Eu olhei em todas as direções e não vi ninguém por perto. Dirigi-me até o sótão e abri a porta de leve.

- O que é isso?

- Um sótão – eu falei baixinho. – E algo me diz que ele vai ser muito útil para nós dois.

Henrique passou os olhos dourados pelo local e sorriu maliciosamente.

- É perfeito – ele constatou. – Gaby que me aguarde. O que vocês dois estavam fazendo aí dentro?

- Não é da sua conta – eu disse com vergonha. – Ah, a propósito, eu posso te pedir uma coisa?

- Só se você me falar o que vocês fizeram aí dentro.

- Ai Henrique! Não fizemos nada demais, só ficamos.

- Ficaram?

- É. Só isso, está bem?

- Sei... O que você quer me pedir?

- Me mantém afastado dele?

- Como é que é? O que você está me pedindo?

- Isso mesmo que você ouviu – aquilo doeu no meu coração. – Me mantém longe do Rafael.

- Por quê? Não entendi...

- Eu não estou conseguindo me segurar mais Henrique – eu suspirei. – Se a gente ficar sozinho por muito tempo,
eu não vou me segurar... E aqui não é o local para isso!

Percebi que o meu irmão foi ficando vermelho gradativamente e ele respirou fundo para poder falar.

- Ele está avançando o sinal com você?

- Não... É claro que não... Sou eu que estou avançando demais...

- Eder!

- Ah, você é homem, você me entende.

Ele ficou calado por um segundo e depois disse:

- Se é assim que você quer, eu te deixo longe dele.

- Não em todos os momentos. Só não quero ficar sozinho por muito tempo.

- Sei...

387
- Isso dói... Não queria que fosse assim...

- Calma que logo tudo se resolverá.

- Eu preciso tomar um banho – falei. – Vamos voltar para o quarto.

- Mano? – chamou Giselle. – Você ainda está aí?

- Estou Gi! – eu respondi, terminando de colocar a regata.

- A avó dos meninos está chamando a gente para jantar.

- Já estou indo.

Deixei os meus cabelos jogados sobre os olhos e abri a porta com a roupa na mão.

- O que eu faço com essa roupa suja?

- A mãe disse que é para deixar em uma sacola que depois ela lava.

- Tem uma sacola para me emprestar?

- Ah, larga a mão de ser folgado moleque! Eu vou descer.

- Obrigado pela ajuda – falei.

- Não há de quê.

Joguei a minha roupa suja dentro da mochila, coloquei desodorante e desci para a cozinha. Todos, à exceção do
meu pai e do Jorge, já estavam à mesa.

- Até que enfim – sorriu Cláudia.

- Sabe como é né, banho gelado no calor... A gente se empolga.

- Desculpem pela demora – falou Jorge. – Mãe, o cheiro está delicioso, como sempre.

- Obrigada meu filho. Vamos, ataquem!

Eu peguei o meu prato e me servi. Coloquei arroz branco, frango cozido, purê de batatas, salada de alface e
pepinos, uma almôndega, um pedaço pequeno de bife e um copo de suco de maracujá.

Comecei a comer, a principio timidamente, mas devido ao sabor delicioso da comida da dona Maria, eu acabei
ficando à vontade e até repeti a salada.

- Muito boa a comida da senhora – elogiou a minha mãe.

- O que é isso... Comida simples!

- Quer dizer que é você o namorado da minha neta? – perguntou o avô do Fael.
388
- Isso mesmo – disse Henrique, olhando para o chefe da família.

Eu havia descoberto a origem dos olhos do Rafa naquele momento. Seu Augusto tinha o mesmo tom de pele que
o neto, a mesma cor de cabelos e a mesmíssima cor nos olhos. Os dois se pareciam por completo.

- O famoso Henrique – ele disse sorrindo.

- Famoso? Como assim, famoso?

- Minha nora fala muito de você.

- É mesmo? – Henrique perguntou, olhando para a sogra. – Não sabia desse detalhe.

- E muito bem por sinal – completou dona Maria. – Espero que vocês sejam muito felizes.

- Obrigada vó – disse Gabrielle.

- E eu espero viver para ver os filhos de vocês crescendo – suspirou seu Augusto.

- Ai pai! É claro que o senhor vai viver – falou Jorge. – Não fique pensando nisso que ainda é cedo para falar em
filhos.

Percebi o ciúme na voz do pai do Fael e ele baixou os olhos para o prato. Henrique ficou sem graça e Gabrielle
continuou comendo, sem falar nada.

- A família de vocês é abençoada – falou dona Maria, se referindo aos meus pais. – Os seus filhos são lindos,
educados, de boa índole... Isso é muito difícil hoje em dia. Os meus parabéns.

- Ah, muito obrigado dona Maria – meu pai agradeceu cheio de si. – Nós tentamos dar o melhor a eles, mas às
vezes é meio difícil cuidar dos quatro.

- Sempre é difícil meu filho. Eu criei sete, sei bem como é.

Seis tios por parte e pai. Aos poucos eu estava descobrindo maiores informações a respeito da família do meu
garoto perfeito.

- Hey mãe, o Marcelo e a Fernanda não vão vir?

- Semana que vem – respondeu a avó da Natália. – Eles ainda não conseguiram sair do trabalho.

- Sabe quem vai vir também Jorge? – perguntou Augusto.

- Não. Quem?

- O Tony.

- Sério? O Tony vai vir? Mas como? Ele não...

- Ele conseguiu pegar férias antes do esperado – continuou Augusto. – Virão todos eles.

- Nossa que maravilha! Faz muito tempo que eu não vejo o meu irmão!
389
Então estava explicado o número de camas extras no quarto onde eu estava hospedado.

- Caberão todos, dona Maria? – perguntou Cláudia.

- Ainda sobrará espaço – riu a velhinha.

- Meninos, vamos dar uma volta pela praia? – propôs o meu pai.

Eu olhei para os meus irmãos e eles para mim e nós quatro respondemos juntos:

- Demorou!

Meu pai sorriu e nós esperamos todos terminarem de jantar para poder sairmos da mesa.

- Você vem comigo, não vem? – eu perguntei ao Fael.

- Não sei... – ele disse.

- Por quê? – eu fiz um biquinho.

- Estou tão cansado...

- Eu também estou, mas tudo bem, se você não quer ir eu não vou ficar insistindo.

- Bobo, eu estou brincando com você. É claro que eu vou com você!

Eu sorri e meus olhos se iluminaram com a resposta. Senti vontade de abraçá-lo, mas como nós não estávamos
sozinhos, aquilo não era uma boa ideia.

- Eu só preciso pegar a minha carteira – ele disse. – Você pode pegar para mim?

- Onde você a deixou?

- No bolso lateral da minha mochila que está em cima da minha cama.

- Só a carteira?

- Só.

- Eu já trago para você.

- Eder, você vai ao quarto? – sondou Henrique.

- Vou sim, por quê?

- Pode me trazer o meu celular? Está no bolso da minha calça.

- Aham.

- Eder? – chamou Marquinhos. – O meu também.

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- Caramba! – eu exclamei de cara feia. Subi as escadas antes que mais alguém me pedisse um favor. O primo do
Fael estava deitado de bruços na cama e só trajava uma cueca azul clara.

- Vai dormir já? – ele perguntou, olhando em minha direção.

- Não, vou à praia. Quer ir? – eu perguntei, mais por educação.

- Não obrigado. Vou dormir que estou muito cansado.

- Ah, que pena.

Eu peguei minha carteira na calça, peguei o celular do Henrique e do Marcus e por fim, a carteira do Fael. Notei
que Doug estava com a fisionomia fechada depois que eu fiz aquilo, mas eu decidi não dar bola.

- Então dorme bem – eu falei, antes de sair do quarto.

- Valeu. Você pode apagar a luz?

Passei a mão pelo interruptor e a lâmpada se apagou. Desci as escadas lentamente, tentando não derrubar nada do
que estava em minhas mãos.

- Valeu moleque – disse Marcus, pegando o aparelho.

- Valeu mano – agradeceu Henrique.

- Muito obrigado senhor Eder – falou Fael.

- De nada senhor Rafael.

- Vamos? – perguntou meu pai. Ele já estava sem camisa e com os chinelos na mão.

- Pai nós ainda não estamos na areia – alertou-o Giselle e ele riu do que ela disse.

- É o calor filhota.

- Mãe, ainda tem aquele remédio que a senhora me deu hoje à tarde?

- A gente pode comprar filha, a cólica voltou?

- Está bem fraca, mas ela está voltando.

- Você está com cólica minha linda? – perguntou dona Maria.

- Infelizmente – suspirou minha irmã.

- Vou fazer um chazinho, assim quando você voltar ele já vai estar morno.

- Não... O que é isso... Não se preocupe não...

- Que nada, você vai ver como ele é tiro e queda!

- Obrigada! – ela exclamou.


391
- Você não prefere ficar Giselle? – perguntou o Dr. Alexandre.

- De jeito nenhum – ela respondeu. – Não posso ficar presa devido a uma dorzinha boba.

- É bom ela andar amor – disse minha mãe. – Para mim funciona.

- Então vamos.

Meus pais saíram de mãos dadas, assim como o Ricky e a namorada. Meu irmão pegou o ombro da Giselle e eles
saíram colados e eu olhei para Fael e ele para mim, os dois dando de ombros ao mesmo tempo.

- Sobramos – ele disse com a voz alta.

- É!

- Agora eu posso tirar os chinelos Gi? – riu o meu pai.

- Agora pode pai! – ela riu junto com ele.

Meus olhos se perderam no mar de Angra dos Reis. Mesmo à noite, a beleza da praia era perceptível. Alguns
casais estavam se beijando na orla, alguns amigos jogavam futvôlei, outros apenas conversavam, alguns rapazes
estavam correndo pela areia e mais alguns andavam de bicicleta pelo acostamento.

- Lindo demais – murmurou Marquinhos. – Esse lugar é um verdadeiro paraíso.

- Quando eu me casar – falou Gabrielle –, eu vou querer morar aqui.

Meus irmãos e o Fael pigarrearam e Henrique fingiu não ouvir nada, ele também estava com os olhos perdidos
no horizonte.

- Vou pedir dinheiro pro pai – falou Marquinhos –, eu quero uma água de côco.

- Não – eu falei, entregando a carteira ao meu irmão. – Deixa os nossos pais namorarem em paz.

- Você é dez – ele disse sorrindo. – Obrigado.

- Não gasta tudo – eu o alertei.

- Quem me dera eu ter um irmão assim – brincou Gabrielle.

- Como é aí, oh minha filha? – perguntou Rafael.

Ela deu risada e grudou no pescoço do irmão.

- Meu tesouro lindo que eu odeio! – ela deu um beijo na bochecha dele.

- Também te odeio.

- Quanto amor – disse Giselle.

- Gaby, vamos andar pela beira do mar? – convidou Henrique.

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- Com você eu vou até o fim do mundo.

Eles se beijaram lentamente e nós quatro saímos de perto. Senti vontade de fazer o mesmo com o meu gatinho,
mas os meus irmãos estavam nos atrapalhando.

- Qual é o nome dessa praia Fael? – perguntou Giselle.

- Aqui é a Praia Brava – ele respondeu. – Nós estamos mais ou menos perto de Mambucaba, que é a Vila
Histórica de Angra. Vocês já ouviram falar?

- Não – nós três respondemos.

- Lá é lindo também. Vou levá-los para conhecer essa semana.

- Mal posso esperar – a Gi falou.

- Aqui é point das gatinhas? – indagou Marquinhos, todo saidinho.

Eu sorri e baguncei os cabelos dele. Estava realmente precisando ter uma palavrinha com meu irmão mais novo.

- Com certeza – respondeu Fael. – Mas essa é a praia dos surfistas. Amanhã vocês verão como terão marias-
parafinas por todos os lados.

- Surfistas? – se interessou minha irmã. – Isso é bom... Muito bom...

- Giselle você quer apanhar agora ou depois que a gente chegar na casa da avó do Fael? – enciumou-se
Marquinhos.

- Cala a boca filhote de cruz-credo. Vê se cresce e aparece!

- Meninos – eu alertei. – Eu vou chamar o papai.

Eles me olharam e ficaram calados imediatamente.

- Eu vou comprar meu côco que eu ganho mais.

- Eu quero um sorvete – falou minha irmã, saindo correndo atrás do Marcus.

- Vamos passear? – perguntou o meu guia turístico preferido.

- Como você quiser meu rei.

- Você falou que nem um baianinho agora, que gracinha...

- Eita, e não é que foi?

Nós dois demos risada e eu tirei meus chinelos para poder pisar na areia. Ele imitou o meu gesto e nós
começamos a caminhar lentamente.

- Sabe Eder, eu estou muito feliz que você esteja aqui comigo – Fael disse.

393
- Eu também estou muito feliz em estar aqui com você.

- Eu sei que tem muita gente ao nosso redor, que nós não estamos a sós nem nada, mas eu quero que você saiba
que eu queria muito que a gente pudesse namorar em paz, sozinhos, sem que ninguém nos atrapalhe.

- Oh, meu anjo... Eu também quero isso... Quero muito.

- É sobre isso que eu quero conversar com você.

Ele ficou calado a princípio. Nós continuamos andando e eu fiquei observando as estrelas no céu do Estado do
Rio de Janeiro. Ouvi os batimentos cardíacos em minha mente e minhas tripas gelaram de ansiedade.

- Eu não sei se é o momento – ele falou. – Eu não sei se você está realmente preparado para isso.

Continuei olhando para o céu e processei o que ele estava me dizendo.

- Às vezes eu sinto que você está inseguro com relação a isso – ele prosseguiu. – E eu tenho medo de que
aconteça e você não goste ou que você se arrependa.

- Não é questão de insegurança – eu falei. – Isso é o que eu mais quero neste momento, mas a minha
preocupação é com relação ao resto do pessoal meu lindo e não conosco. Eu quero tanto ou mais que você. Eu
estive conversando com o meu irmão hoje mais cedo e eu até falei isso para ele.

- Com o Henrique?

- É né. O Marcus ainda não sabe e eu ainda não vou falar para ele. Falei com o Ricky sobre isso e ele até se
surpreendeu quando eu disse que eu estava avançando o sinal muito rápido com você. Eu tive que me segurar
mesmo na hora em que nós estávamos no porão, senão tinha acontecido ali mesmo.

- Sei lá Eder. Às vezes eu acho que você quer e às vezes eu acho que não...

- Eu quero demais – nós nos sentamos de frente ao mar e eu peguei a mão dele. – Tenha plena certeza disso.

- Nós estamos juntos há muito pouco tempo – ele falou. – Não é o momento para tratarmos de sexo.

- Nisso você tem razão. A propósito mocinho, você se lembra que dia é amanhã, não lembra?

- E você acha que eu ia esquecer o aniversário do nosso primeiro beijo?

Eu abri um sorriso imenso e a gente se aproximou um pouquinho mais. Iria completar um mês que a gente tinha
ficado pela primeira vez. O tempo estava passando rápido...

- Parece que foi ontem – eu disse.

- Mas ao mesmo tempo, parece que já se passaram meses!

- É verdade! Nesse mês aconteceram muitas coisas ao mesmo tempo.

- Uhum. A gente ficou...


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- Foi nosso aniversário...

- Você dormiu com a minha irmã...

- Nós ficamos longe por alguns dias...

- E nos reconciliamos...

- Eu entrei de férias...

- Estamos fazendo a nossa primeira viagem juntos...

- É... Eu tenho que agradecer a Deus por tudo o que ele está me dando.

- E eu também. Tem uma coisa que você nunca me disse.

- E o que é?

- Você tem religião? Aliás, vocês têm religião?

- Somos católicos. E vocês?

- Nós também. Embora eu tenha me afastado da igreja de uns anos para cá.

- Eu não sou um exemplo de cristão, mas toda vez que eu posso, vou até a igreja rezar um pouco. Agradecer por
tudo o que tenho alcançado e pedir perdão pelos meus pecados.

- Um anjo não costuma ter pecados – ele disse.

- Bobo.

- A minha avó costuma ir à Missa do Galo. Se você quiser ir comigo...

- Não precisa nem pedir novamente.

Eu fixei meus olhos no horizonte onde eu já não sabia o que era mar e o que era céu. Meu coração estava
trabalhando de um jeito acelerado e eu senti muita vontade de deitar no colo do meu príncipe para que ele
pudesse me acariciar até eu dormir.

- Queria deitar aqui com você e dormir até o dia amanhecer – ele leu meus pensamentos.

- Eu estava pensando nisso agora mesmo.

- Sério?

- É sim...

- Nós temos que dar um jeito para ficar sozinhos amanhã. Isso é, se você quiser, é claro.

395
- Como você tem coragem de falar uma coisa dessas? Você ainda me pergunta se eu quero ficar a sós com você?
Estou me segurando desde hoje de madrugada para não mandar todo mundo ir a qualquer lugar, só para ter você
pertinho de mim...

- Você não existe – ele disse rindo.

- Essa frase é minha – eu o lembrei.

- Eu já disse que eu a roubei e ela já faz parte do meu vocabulário.

- Bobo. Fael, você já se acostumou com o nosso relacionamento?

- Você está querendo saber se eu já me acostumei em ser gay?

- É – eu disse.

- Já. Eu não tenho escolha. Eu só estava mascarado atrás da heterossexualidade.

- Então você já consegue lidar com isso facilmente?

- Consigo. Por que, você ainda não?

- Aos poucos eu estou me acostumando cada vez mais.

- Você parece ser mais seguro do que eu... Lembra no dia que você ameaçou aquele carinha lá na rua perto da sua
escola?

- Lembro.

- Então. Eu fiquei sem reação e você não. Você lutou pela nossa integridade. Só não percebeu o quanto você é
forte ainda.

- Você acha mesmo?

- Eder você só tem cara e jeito de menino. Mas no fundo, você é um homem.

Ouvir aquela frase me deixou surpreso e contente. Era bom saber que ele pensava aquilo de mim.

- E isso é bom? – eu perguntei.

- Se isso é bom? Isso é maravilhoso! Mostra o quanto você é maduro, mesmo tendo só dezesseis anos.

- A vida já me ensinou muitas coisas Fael. Muito mais depois que eu conheci você.

- Eu posso dizer o mesmo com relação a isso.

Um casal de namorados passou a nossa frente de mãos dadas. Fael e eu ficamos calados por algum tempo. Tudo
o que ele tinha me falado, de certa forma, havia mexido com meus sentimentos.

- Ah, vocês dois estão aí – disse Henrique.

396
- Podemos sentar aqui com vocês? – perguntou Gabrielle.

- Lógico – eu e ele respondemos juntos.

Minha cunhada sentou-se ao meu lado e o meu irmão ao lado do meu gatinho. Estranhei o fato deles não terem
ficado juntos.

- É lindo, não é? – perguntou Gabrielle.

- Muito – eu respondi, fascinado com a beleza do lugar.

Nós ficamos ouvindo o barulho das ondas e aquilo foi me deixando calmo, tranquilo e leve. Ouvir o mar sempre
foi uma terapia muito relaxante para mim.

- Maninha eu estava pensando em ir à Vila Histórica amanhã.

- Já Fael? Não é melhor deixar para mais pra frente?

- Você acha?

- Aham, ainda tem um monte de praias por aqui...

- É você tem razão.

Henrique colocou-se de pé e foi até o encontro da areia com a água salgada. Ele se abaixou e escreveu alguma
coisa com o dedo da mão direita. Gaby o acompanhou com os olhos e ele a chamou quando terminou.

Era o nome dos dois dentro de um coração. A minha cunhada ficou radiante e eles se beijaram longa e
apaixonadamente.

- Eu não tenho como negar que eles se gostam – falou Fael.

- Eu já tenho certeza disso há algum tempo, por isso que eu aceitei a sua irmã.

- Você gosta mesmo do seu irmão.

- Muito. Muito mesmo.

- Eu fico me perguntando às vezes, como é possível dois irmãos serem tão grudados como você e o Henrique.

- Não sei. Eu também me pergunto isso de vez em quando. O fato é que eu não sei viver sem ele.

- E ele não sabe viver sem você. Isso é tão bonito de se ver. Vocês nunca brigam?

- Ah, é raro. Já aconteceu, nós ficamos mais de um mês sem se falar e tudo.

- E por que discutiram?

- Foi quando ele me escondeu um segredo. Eu descobri por conta própria e pensei que ele não confiava em mim.
Daí a gente brigou feio. Mas depois de um tempo, ele me pediu desculpas e nós voltamos a nos falar.

397
- E que segredo era esse? Eu posso saber?

- Pergunte a ele. Ele vai te explicar direitinho.

- Se você diz.

- Você é ligado as suas irmãs também, né?

- Não tanto quanto você e os seus. Mas eu sou mais intimo da Gaby. Tanto é que eu me abri com ela naquele dia
que nós brigamos e não com a Natty.

- Sim eu sei.

- Hey, meninos – chamou minha mãe. – Vamos embora?

- Vamos – nós respondemos.

- Gaby? Henrique? – eu chamei. – Vamos?

Eles deram alguns selinhos demorados e se separaram.

- Uhum – respondeu meu irmão, mordendo os lábios.

Eu fui até a água e molhei os meus pés, fiquei caminhando por ali, seguindo os meus pais e o Fael veio para perto
de mim.

- Você nunca namorou uma menina?

- Não.

- Não sente vontade?

- Não mais – eu respondi rindo. – Não enquanto você estiver em minha vida.

Ele sorriu e suspirou.

- A vida é engraçada, ela prega cada peça na gente. Eu nunca imaginei que você se tornaria o meu menino – ele
disse baixinho.

- E nem eu imaginei que você seria tão importante para mim.

- Gosto de você desde o primeiro momento em que eu te vi.

- Eu também. E olha que eu não acreditava em amor à primeira vista.

- Amor à primeira vista?

- É.

- O que você está querendo dizer com isso?

- Eder – gritou Giselle. – Rafa?


398
Nós dois olhamos para o calçadão e a minha irmã estava nos chamando. Fael e eu colocamos os chinelos para
não sujar tanto os pés e seguimos até a minha lindinha.

- O que você quer? – eu perguntei.

- O Marcus me deixou sozinha – ela disse, fazendo um biquinho.

- Cadê ele? – eu perguntei, olhando por todo lado.

- Ali – ela apontou.

Eu virei e vi o meu irmão conversando com uma garota que aparentava ter a mesma idade que ele. Senti meu
sangue ferver e o fuzilei com os olhos. Como ele se atrevia a fazer aquilo na frente dos nossos pais? Na minha
frente? Na frente dos nossos irmãos?

- Calma – Rafael me deteve. – Eu vou lá chamá-lo...

- Por que você está vermelho? – perguntou Giselle.

- Ah, não me pergunte isso – eu respondi com estresse na voz.

Ela ergueu as sobrancelhas e sentou-se na cadeira.

- Quer um pedaço de picolé?

- Quero.

Eu peguei o sorvete e comecei a chupá-lo. Fiquei fitando o Fael voltar com o Marcus e aquilo me deixou com
mais ciúmes ainda.

- Você estragou tudo – reclamou Marquinhos.

- Nós temos que ir embora – falou Fael, em tom definitivo.

- Aff... Você me paga Rafael!

Eu senti vontade de bater na cabeça do meu irmão, mas me contive, afinal de contas, ele só estava conversando
com a garota e ele já estava na idade de começar a se relacionar com as meninas... Mas aquilo me deixou morto
de ciúmes.

Fael olhou para mim e mordeu os lábios. Eu passei a língua pelo picolé da minha irmã e ela pigarreou, mas eu
não o devolvi.

- Compra outro para você – eu falei.

- Ah, muito obrigada seu idiota – ela disse com raiva. – Ninguém mandou eu oferecer.

- Vamos meninos? – perguntou meu pai.

- Aham – respondeu Fael. – Podemos ir, né Eder?

399
- Claro que sim, é melhor mesmo – eu disse lançando um olhar ao meu irmão mais novo.

- Que foi?

- Nada, depois nós dois conversamos.

- Ih, vai começar com esse papo de novo?

- Fazer o quê? Você não me deixa escolha.

O casal de namorados se juntou ao nosso grupo e nós atravessamos a rua para voltar ao condomínio.

Eu lavei os pés na torneira do quintal da casa da dona Maria antes de entrar no recinto. Fael sentou-se no sofá e a
avó dele apareceu na sala com uma xícara grande de porcelana branca.

- Aqui meu amor – disse ela à Giselle. – Tome tudinho, amanhã pela manhã você estará boa.

- Obrigada dona Maria.

Ela sentou-se ao lado do meu gato e ele passou o braço pelo ombro dela. Notei que as bochechas de Giselle
escureceram, mas eu não fiquei com ciúmes dela.

- Já sabe o que fazer, não sabe? – perguntou minha mãe.

- Sei – respondeu minha irmã.

- Quer que eu a ajude?

- Ai mãe! É claro que não!

- Eu vou me deitar – disse dona Maria. – Boa noite para vocês.

- Boa noite dona Maria – dissemos todos, menos o Fael.

- Vó? Tem bolo?

- Na geladeira menino – ela disse rindo. – Comilão.

- Buraco negro – falou meu pai. – Bem crianças e não crianças, boa noite e até amanhã. Acordem cedo para nós
irmos à praia novamente.

Eu me perguntei quem seriam as crianças e se eu estava incluso neste grupo. Minha mãe deu um beijo em cada
filho e também na nora e no genro. Se bem que ele ainda não era genro... Mas se tudo desse certo, logo seria e
por fim foi embora para o quarto. Marcus, Henrique e a Gaby também subiram e eu fui até a cozinha, beber um
copo de água.

- Quer bolo? – perguntou Fael.

- É de quê?
400
- Laranja e cobertura de chocolate.

- Só um pedacinho.

Ele pegou dois pratos, dois garfos, dois copos, a jarra de suco e o prato de bolo. Eu mesmo cortei o meu pedaço e
o comi em questão de minutos.

- Muito bom – falei com a boca cheia.

- Servida cunhadinha? – perguntou Fael.

O fuzilei com os olhos. Já era a segunda vez que ele fazia aquilo.

- Cunhada? Eu não sou sua cunhada!

- Mas é como se fosse. Nós somos uma família só agora.

- Se você diz! Não obrigada, eu já vou ir dormir. Boa noite.

- Boa – respondemos. – Dorme bem.

- Obrigada.

- Já é a segunda vez que você faz isso – eu falei, depois que nós dois estávamos sozinhos.

- Isso o quê?

- Chamando meus irmãos de cunhados...

- Ah, foi mais forte do que eu.

- A próxima vez a minha mão vai ser forte na sua cabeça!

- Desculpa anjo, eu vou me atentar – ele prometeu.

- Eu acho bom. Vamos dormir?

- Sim, sim. Estou morto. Acho que amanhã só acordo depois do almoço.

- Se você quiser perder a diversão – eu dei de ombros. – Por mim tanto faz.

- Ah, é assim, né?

Eu guardei o bolo e juntei a louça na pia. Iria lavar, mas estava tão cansado...

- Estou brincando.

- Sei.

- Vamos!

401
Nós entramos sorrateiramente pelo quarto e tivemos que nos deitar pelo escuro para não acordar o Douglas. Ouvi
meus irmãos se mexerem antes de eu deitar na cama. A única fonte de iluminação vinha da janela que ficava na
parede da beliche que eu estava utilizando.

- Tchau – sussurrou Fael.

- Tchau – eu respondi baixinho. – Dorme bem.

- Você também.

Puxei o cobertor até a cintura e me desfiz da regata e também da bermuda. Senti alguma coisa caindo em cima da
minha barriga e eu passei os dedos para saber o que era. Reconheci uma camiseta e deduzi que fosse do meu
garoto perfeito. Senti o perfume na peça de roupa e aquilo me deixou imensamente contente. Seria a primeira vez
que eu ia dormir no mesmo lugar que ele. Nós estávamos perto, mas ao mesmo tempo longe... Eu joguei minha
regata na cama inferior e ouvi o nariz dele fungar fundo. Sorri e abracei a camiseta que ele tinha usado. O
perfume ficou em meu nariz e em poucos minutos eu adormeci, embriagado com o cheiro do homem da minha
vida.

Eu estava tão cansado da viagem que dormi durante toda a madrugada e nem sequer me mexi. Meus olhos se
abriram com os raios solares em minha face. Eu bocejei demoradamente e olhei para o lado. O meu irmão estava
agarrado ao travesseiro e dormia com a boca aberta.

Revirei-me para a direita e fechei os meus olhos novamente, mas o calor estava me incomodando e eu não
consegui mais ficar deitado. Sentei-me, cocei os olhos, me espreguicei e decidi levantar.

Reparei que Doug já não estava na cama e me perguntei que horas seriam naquele momento. Coloquei os pés
para fora da cama e pulei. Meus pés tocaram os azulejos e eu senti uma leve dor no tornozelo esquerdo,
provavelmente devido ao pulo que tinha dado.

- Psiu – ele falou baixinho.

Eu o fitei com curiosidade e me perguntei por quantos minutos ele estava acordado. Ele me mandou um beijo e
eu sorri, sentando-me à sua cama para poder cumprimentá-lo.

- Bom dia – eu disse baixinho. – Você acordou faz tempo?

Ele me puxou e eu caí por cima de seu peito.

- Bom dia meu lindinho. Acabei de acordar. Você dormiu bem?

- Sim, maravilhosamente e você?

- Eu também. Dormi com a sua regata.

Percebi que a minha camiseta estava ao lado do rosto do Rafael e aquele simples gesto fez a minha manhã se
tornar mais lúcida.

- Eu também dormi com a sua – eu disse baixinho. – Eu vou tomar banho, estou morrendo de calor.

402
- Bem vindo à Angra Eder – ele falou sorrindo. – Aqui faz calor durante todo o dia.

- É eu percebi.

Ele puxou o meu rosto e me deu um beijo silencioso. Comecei a gostar daquele feito e já estava quase subindo na
beliche, quando me lembrei que nós não estávamos sozinhos.

- Não senhor – eu o repreendi. – Agora não.

Levantei-me e olhei para o Henrique. Ele continuava dormindo do mesmo jeito que tinha visto minutos antes.
Percorri os olhos pelo Marcus e ele também estava adormecido, de costas para mim.

- Eles estão dormindo? – Rafael perguntou.

- Estão.

- Então vem aqui!

- Não – eu falei decidido. – Eu quero tomar um banho!

Ouvi o suspiro de lamentação do meu anjo e aquilo fez o meu coração apertar, mas nós não podíamos namorar
em um quarto onde os meus irmãos estavam dormindo...

- Já que não me resta escolha – ele disse, ficando de pé. – Eu vou me levantar também...

- Que horas são? – eu questionei.

Ele pegou o celular que estava embaixo do travesseiro e me respondeu:

- Quase nove.

- Já? Caramba!

- Eu estava tão cansado que dormi e nem percebi.

- Eu também.

Meu irmão mais velho se mexeu preguiçosamente e murmurou algo incompreensível, mudando de posição na
cama estreita.

- Eu acho melhor o Henrique não dormir aí em cima – eu falei baixinho. – Estou vendo a hora dele cair da cama.

- Ele se mexe muito, é?

- Também. Mas é que ele acostumou a dormir em cama de casal desde pequeno, então essa caminha aí é meio
estreita para ele.

- Ah, entendi. A minha também é de casal... Nós podemos juntar às beliches...

- É melhor nós sairmos daqui, senão eles vão acabar acordando.

403
Peguei um par de roupas limpas e Fael e eu saímos do recinto. Eu bati de leve na porta do banheiro e ouvi a voz
da irmã dele:

- Quem incomoda?

- Bom dia Natty. Você vai demorar muito?

Em menos de um minuto ela abriu a porta. Natália estava enrolada em uma toalha de banho e tinha outra presa na
cabeça.

- Não moço, eu já terminei!

Ela deu um beijo no meu rosto e em seguida outro no irmão. Fael entrou no sanitário e começou a escovar os
dentes.

- Você é simplesmente folgado – eu falei.

- Não seja mau comigo – ele disse, jogando a espuma na pia. – Eu sou tão bonzinho com você!

Dei-lhe um abraço pelas costas e um beijo no pescoço.

- É brincadeira meu anjinho.

- Eu acho bom!

Ele enxaguou a boca e eu o empurrei pela porta.

- Com licença, agora é a minha vez.

- Tudo bem, tudo bem...

Fiquei pelado e liguei a torneira do chuveiro. A água estava gelada, mas como eu estava com muito calor, decidi
não trocar para a temperatura morna e me joguei sob o jato.

Dei um gritinho por causa da baixa temperatura, mas em pouco tempo me acostumei. Lavei os cabelos com um
xampu de camomila que estava em cima da pia e passei o sabonete pelo corpo. Escovei meus dentes, me
ensaboei novamente e depois fechei o chuveiro.

- Eder? – chamou Rafael.

- O quê?

- Já terminou?

- Já, por quê?

- Eu quero tomar um também.

- Já estou saindo.

404
Coloquei minha sunga branca, afinal a intenção do meu pai era ir à praia. Abri a porta para o Fael entrar e fui ao
espelho, para poder passar o meu creme anti-acne.

- Uau! – ele exclamou, passando os olhos pelo meu corpo.

- O quê? – eu perguntei.

- Que delícia, hein?

- Rafael!

Ele sorriu e tirou a bermuda, ficando apenas de cueca.

- Muito bom ter uma visão dessas logo pela manhã.

- Para, eu estou ficando sem graça.

- Você usa creme para acne?

- Aham. Senão o meu rosto fica cheio de espinhas.

- Ah! Eu não tenho mais esse problema.

- Você é mais velho que eu, né?

- Mas eu uso sabonete de glicerina. É melhor prevenir do que remediar.

- Isso é verdade. Pronto, já estou saindo.

Eu senti um par de olhos verdes me acompanhando até que eu saí e encostei a porta. Meu pai estava saindo do
quarto naquele exato momento.

- Bom dia filho – ele disse me dando um beijo na testa.

- Oi pai! Como está?

- Bem e você?

- Ótimo. Nós vamos à praia agora?

- Sim. Seus irmãos já acordaram?

- Até agora a pouco não.

- Então acorde eles. Eu vou chamar a sua irmã e a Gaby.

- A Natália já está de pé.

- Tem alguém no banheiro?

- O Rafa – eu respondi, entrando no quarto.

405
Os meus irmãos ainda não tinham despertado e antes de fazê-los se levantarem, eu coloquei uma bermuda e
passei protetor no corpo. A marca de sol do dia que eu tinha ido à casa do primo da Marcinha ainda estava
recente, mas o bronzeado não estava completo.

- Ricky – eu o chamei. – Acorda.

- Hã?

- Marcus? Acorda!

- Só mais cinco minutinhos mãe – ele respondeu.

- Que mãe que nada. Nós já vamos à praia, andem, levantem logo.

Henrique se sentou e se espreguiçou vagarosamente. Meu irmão mais novo o imitou e os dois pularam da cama
ao mesmo tempo.

- Bom dia – eles disseram um ao outro e depois riram.

- Vou tomar banho – falou Marcus.

- Tem pegar a fila – eu falei. – O último que estava esperando era o nosso pai.

- Ninguém merece – ele reclamou.

- Já tomou banho Eder? – espantou-se Henrique. – Que horas você acordou?

- Não faz muito tempo.

Fael entrou no quarto com a toalha enrolada na cintura e os cabelos pingando água.

- Dia! – ele exclamou.

- Bom – responderam Marcus e Henrique, ambos bocejando. Era impressionante como eles se pareciam de vez
em quando.

- Vamos tomar café Eder? – perguntou Rafael, secando os cabelos. Ele estava de bermuda e eu notei um pedaço
da sunga saindo pelo cós. Era de cor preta.

- Aham – eu respondi.

- Não querem nos esperar não? – Henrique perguntou, fazendo um biquinho.

- Você ainda vai demorar – eu falei. – E eu estou morrendo de fome.

- Chato!

406
Quando todos terminamos de comer, minha mãe, a mãe da Natty e as meninas ajudaram a dona Maria com a
louça suja e em seguida todos saímos, à exceção dos avós do Rafa, que já eram de idade.

- Vamos à qual? – perguntou Natty. Ela estava linda. O rabo-de-cavalo estava perfeito em sua cabeça e ela estava
usando um biquíni rosa, com uma bermuda branca e chinelos da mesma cor.

- Vamos a mais próxima mesmo. Amanhã nós começamos a passear – disse Cláudia.

Meus irmãos estavam parecendo um par de vasos: os dois de bermuda preta e sunga branca. Minha irmãzinha
não podia entrar na água então ela não estava preparada para mergulhar, trajava apenas um top e um short
amarelo. Meu pai estava um pouquinho acima do peso, então não quis ficar de sunga, colocou uma bermuda bege
e ficou sem camisa. Minha mãe e a Cláudia também estavam parecidas, ambas de short escuro e regata clara.
Jorge era o que estava mais vestido entre os homens, usando uma regata branca e uma bermuda vermelha. E o
meu Rafael, era o mais lindo de todos: os óculos de sol estavam combinando com a sunga preta e a bermuda azul
marinho; os cabelos estavam levemente arrepiados e os músculos estavam praticamente todos à mostra. Um
verdadeiro deus grego... E ele era todo meu!

Abrimos as cadeiras e as garotas estenderam as cangas na areia branca da Praia Brava. Olhei para o mar e percebi
uma leve semelhança com os olhos do meu Rafael e sorri pensando naquilo. Meu irmão mais velho sentou-se ao
meu lado e perguntou:

- Do que você está rindo? Viu alguma velha barriguda por aí?

- A cor do mar me lembra algo.

Ele coçou a nuca e se deitou na cadeira de plástico.

- Ah, entendi.

Eu dei risada e o imitei, mas ao invés de deitar de barriga para cima, fiquei de bruços.

- Ai, ai – ouvi o Fael dizer e imaginei o que ele estava olhando. Sorri maliciosamente e remexi a minha cintura,
para poder me aconchegar melhor.

- Quer que eu passe protetor nas suas costas? – Natália perguntou, ajoelhando-se ao meu lado.

- Por favor – eu pedi.

Ela balançou o frasco de Sundown fator 30 que estava ao lado da minha cadeira e passou uma quantidade
generosa em minha pele. Eu senti um arrepio quando ela chegou próximo ao meu quadril e virei o rosto para não
ficar vermelho na frente dela.

- Nas pernas também?

- Se não for muito incômodo...

- De jeito nenhum.

- Gaby? – ouvi Henrique chamando. – Gaby?


407
- Oi – ela respondeu. Notei que a sua voz estava um pouco distante e levantei o pescoço para ver onde ela estava.

- Passa protetor em mim?

- O que aconteceu com as suas mãos? – ela perguntou, com um tom de irritação. – Não consegue passar sozinho?

Ui! Cheiro de discussão no ar. Por que ela estava estressada?

- Consigo... Mas deixa... Tudo bem.

Minha cunhada se sentou ao lado do meu irmão e pegou o potinho de protetor nas mãos.

- Não. Eu tenho mãos para passar – Henrique disse, pegando o hidratante com rispidez. A minha cunhada revirou
os olhos e saiu de perto do namorado.

- Ela está de TPM – sussurrou Natty no meu ouvido. – E quando ela fica assim, é um porre!

- Ah!

Meu irmão se sentou e passou o creme nas pernas e no tórax. Tentou hidratar as costas, mas estava com
dificuldade.

- Quer ajuda? – perguntou Natália.

- Não, não precisa se incomodar. Eu tenho mãos...

- Ih! Só queria te ajudar – ela disse, saindo de fininho.

- Mano! – eu o repreendi.

- Grossa – ele falou com a voz abafada. – O que eu fiz a ela?

- Relaxa e curte o sol – eu falei.

Fiquei parado por um longo período de tempo e senti a minha pele esquentar e queimar aos poucos. Virei de lado
quando senti que iria ficar vermelho demais e passei mais creme para me proteger por completo.

Rafael estava a duas cadeiras de distância, entre meus irmãos mais novos. Ele estava sentado com as pernas
abertas e eu pude analisar o volume por debaixo de sua sunga pela primeira vez.

Mantive meus olhos fixos. Não era tão grande, mas também não era pequeno. Tive curiosidade em saber o
tamanho exato, mas fiquei com vergonha de perguntar e ali não era o local para aquela pergunta. Talvez eu
perguntasse quando nós estivéssemos a sós.

- Quer disfarçar melhor, por favor? – mandou Henrique. Ele estava com a cara fechada e a Gaby ainda estava
longe dele, eu temi uma briga mais séria quando eles estivessem sozinhos.

- Hã?

- Hã? – ele me imitou, bufando.

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- Vamos entrar na água? – perguntou Rafael, me puxando pelo pulso. – Vem cunhadão...

- Não quero – Henrique respondeu com a cara fechada.

- Brigaram?

- Mais ou menos – eu respondi.

- Vamos Gi? Marcus?

- Não posso – minha irmã respondeu com um suspiro.

- Por que não?

- Coisas de mulher.

- Ah! Você vem Marcus?

- É claro, só estava esperando alguém me convidar.

Nós três saímos pela areia da praia que àquela altura já estava pegando fogo. Quando os meus pés tocaram a água
cristalina da Praia Brava, senti um alívio imenso na minha pele e eu podia jurar que estava saindo fumaça da
água aonde nós estávamos. Mas era apenas impressão.

- Que calor – gemeu Marquinhos.

- Maninho, levanta um pouco a sunga – eu o alertei.

- Ah, valeu.

Ele começou a andar e deu um mergulho na onda que estava se formando. Quando Marcus se levantou eu notei
que a sunga estava completamente arrumada. Como ele conseguira fazer aquilo?

- Vamos? – me incentivou o meu garoto perfeito.

Eu continuei caminhando lentamente e conforme a água batia no meu corpo eu ficava mais leve e o calor ia
desaparecendo. Dei um mergulho de cabeça e meu anjo me imitou. Ele segurou a minha mão debaixo da água e
nós continuamos descendo, até que ficamos praticamente submersos.

Meu pai, Jorge, Natália, minha mãe, Douglas e Cláudia estavam vindo ao nosso encontro e em pouco tempo,
estávamos todos reunidos.

Eu, meu irmão, Natália e Douglas ficamos brincando com as ondas e vez ou outra, o Rafael me afundava na água
salgada. Eu notei que o volume de sua sunga estava maior. Ou era impressão?

- Palhaço – eu respondi, quando voltei a respirar. – Agora você me paga.

Ele riu e nadou para se afastar de mim, mas eu o puxei pela cintura, colando o seu corpo ao meu. Meu pênis
ralou na bunda dele e só bastou aquilo para que nossos hormônios entrassem em erupção.
409
Ele soltou um gemido baixo e nós nos afastamos ainda mais do grupo que estava ao nosso redor. Quando
ficamos completamente isolados, eu o afundei e ele segurou em minhas pernas por debaixo d’água.

- Não me provoca rapaz – eu pedi. – A gente não estamos a sós!

- É mesmo? Eu nem ligo... – ele disse sorrindo e passou a mão no meio de minhas pernas.

Eu arregalei os olhos e senti um leve movimento por debaixo da minha sunga.

- Rafael! – eu falei, com a fisionomia séria.

Ele submergiu e eu fiquei a espera de alguma reação. Senti suas mãos passando por minha cintura e quando dei
por mim, ele estava às minhas costas, jogando água na minha cabeça.

Senti uma pressão na região glútea e algo extremamente duro a me bulinar. Não contendo o meu desejo, fiz o
meu corpo colar ao dele e passei a mão pelo tórax. Fui descendo lentamente até que cheguei aonde queria.

- Depois você fala que eu fico te provocando, né?

- Já que você começou...

Eu olhei em todas as direções e uma onda forte fez nós dois nos afastarmos ainda mais.

- Tem alguém aí atrás? – eu perguntei baixinho.

Ele se virou por completo e nadou para mais longe, me puxando com os braços.

- Não – respondeu por fim.

- Não vai para muito longe senão a gente pode se afogar – eu me preocupei.

Mais uma onde nos afastou da praia, mas ainda estávamos com as cabeças para fora d’água, então eu relaxei um
pouquinho.

- Não se preocupa essa praia não é tão funda assim.

- Mesmo assim...

Ele me enconchou mais uma vez e um calor me aqueceu no meio das pernas. Segurei no pênis dele novamente e
escutei um gemido baixo. Mordi os meus lábios e mais uma vez, olhei para ver se não estávamos sendo
observados.

- Não tem ninguém – ele me encorajou. – Continua vai...

- O que você quer?

- Nada que você não queira...

Apertei o membro por cima da sunga, não estava com coragem para deixá-lo a mostra, eu estava com vergonha.

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Fael mergulhou e me puxou junto com ele. Prendi a minha respiração por alguns segundos e ele me abraçou por
baixo da água. Não sei como conseguimos fazer aquilo. Voltei para a superfície do mar e respirei fundo, meu
pênis estava em ponto de brasa.

As mãos deles trabalharam rapidamente, uma em cima do meu pênis, outra nas minhas nádegas.

- Posso tirar? – ele perguntou baixinho.

- Não! – eu exclamei, sentindo meu rosto queimar.

- Ninguém vai ver...

- Não! É melhor não!

Ele introduziu um dos dedos no meio das minhas pernas e ficou brincando com o meu saco. Senti a pele do
escroto se retrair e o meu pênis se elevou ainda mais, se é que aquilo era possível.

- Para Fael – eu pedi. – Senão eu vou gozar...

- É isso que eu quero!

- Não né! Aqui não!

- Não tem ninguém vendo a gente...

- Não é questão disso... Como você quer que eu saia daqui desse jeito?

- Por isso que eu quero colocar para fora...

- Espertinho.

Ele sorriu e mordiscou a minha orelha, puxando de leve a minha sunga para baixo. Meu pinto saiu quase que por
completo, mas antes que ele o pegasse, eu me vesti.

- Teimoso! – eu exclamei.

- Então me ajuda...

Eu senti algo duro no meio de minhas pernas e fiquei completamente sem ar.

- Você não fez isso, fez?

- Isso o quê? – ele perguntou, pegando a minha mão e colocando em cima do membro dele.

Ele estava quente e o sangue pulsava sem cessar. Minha mão se fechou em volta daquela pica, mas não se
mexeu. Eu mantive os olhos na praia e percebi que meus pais estavam voltando para a areia, acompanhados pelo
resto do grupo.

- É melhor nós voltarmos para a areia – eu falei, tímido.

Ele colocou a mão por cima da minha e começou a movimentá-la, em um vai-e-vem lento, porém forte.
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- Ainda não – ele mordeu minha orelha.

- Não Fael!

Eu me desvencilhei e nadei para longe dele.

- Quer me matar de vergonha? – eu perguntei, jogando água em seu rosto.

Ele sorriu e se aproximou.

- É melhor você se acostumar.

- Eder? – chamou Marcus. – Por que vocês estão aí?

- As ondas nos trouxeram – respondi. – Vem aqui, a vista é linda.

- Muito obrigado por cortar o meu barato – Fael falou baixinho.

- De nada. Só assim para você sossegar.

Meu irmão nadou até nós, mas não precisou de muito esforço. Uma onda o trouxe até onde nós estávamos.

- Não é lindo? – eu perguntei, chegando mais perto do Marquinhos.

- Demais – ele aprovou, olhando por todos os lados.

- Vamos voltar? – indaguei, torcendo para que Marcus aceitasse a proposta.

- Na verdade, eu não posso – ele disse, com o rosto vermelho.

- Por quê?

- Ah... Não dá...

- Aff... Marcus! Você também? Pelo amor de Deus...

Ele sorriu timidamente e ficou brincando com a água. Fael começou a bater os braços com força, eu percebi que
ele estava tentando se acalmar. Aos poucos o meu pênis foi diminuindo de tamanho e quando eu dei por mim, já
estava completamente relaxado.

- Pronto? – perguntei aos dois.

- Não – respondeu Marcus.

- Caralho Marcus! – eu exclamei. – Fica aí então... Eu vou voltar!

- Obrigado por me fazer companhia, viu? Que belo irmão eu tenho!

Eles nadaram atrás de mim e quando nós estávamos com a água pela cintura eu disse:

- Não saiam daqui, eu vou buscar as bermudas de vocês.

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- Não precisa – responderam os dois, começando a andar atrás de mim.

- Ah, até que enfim!

Eu me sequei com a toalha que a Gi me emprestou e relaxei na cadeira ao lado do meu irmão. percebi que ele
ainda estava com a cara feia e resolvi não aborrecê-lo ainda mais. Passei mais um pouco de protetor solar e me
virei na direção do Rafael. Ele estava com a fisionomia séria e não olhou em minha direção. Será que estava
bravo porque eu não quis fazê-lo gozar?

Decidi não pensar naquilo e fui ao encontro dos meus pais, que estavam sentados ao lado de Gabrielle.

- Mãe me dá dinheiro para comprar um sorvete? – eu pedi.

- Só se você trouxer um para mim.

- Quer de quê?

- Milho verde – ela respondeu, colocando a mão em cima das sobrancelhas para poder me enxergar.

- Eu trago – prometi.

Ela pegou a bolsa de mão que havia levado e tirou quatro moedas de seu interior.

- Acho que isso é suficiente.

- Aham, eu também acho. – deduzi, contando o valor mentalmente. – Eu não demoro.

- Uhum.

Saí a procura do vendedor de picolés e eu já estava quase desistindo, quando o avistei na orla.

- Oi – eu disse com a voz demorada. – O senhor tem de quê?

- Opa! Temos de chocolate, morango, kiwi, groselha, uva, abacaxi, milho verde, flocos, creme, nata, laranja,
limão, tangerina, manga, caju, côco, côco queimado e pêssego.

- É uma variedade grande, hein? – eu tentei ser simpático, afinal já tinha esquecido metade das opções que ele
tinha dito. – E quanto custa?

- Cinquenta centavos.

- Só? Em São Paulo é mais caro.

- Você é de lá?

- Uhum.

- Eu logo vi, sotaquezinho diferente.

413
Ergui as sobrancelhas e olhei dentro do carrinho do vendedor. Passei os olhos pelos sorvetes, mas não estava
enxergando os nomes.

- Me vê um de côco, dois de milho verde, um de chocolate, outro de morango, mais um de limão, um de côco
queimado e um de flocos, por gentileza.

Difícil seria levar todos os picolés nas mãos... Mas eu daria um jeito.

- Opa, é para já!

Percebi que o senhor ficou contente com o tamanho da venda e cantarolou enquanto separava os sorvetes. Ele
colocou tudo em uma sacola fina e pequena e eu entreguei as moedas em suas mãos.

- Muito obrigado rapaz – ele disse, forçando o sotaque carioca.

- Por nada – eu falei, o imitando, mas não consegui obter muito sucesso.

Eu tentei ser o mais breve possível no meu trajeto de volta aos meus familiares, mas quando eu cheguei os
picolés já estavam um pouco menos consistentes.

- Que demora menino – minha mãe reclamou. – Foi fabricar os sorvetes?

- O senhorzinho que está vendendo está lá longe.

- Caraca, conseguiu comprar tudo isso?

- Só cinquenta centavos. Eu quero o de côco queimado – pedi a ela.

- Cadê o meu de milho? Ah! Achei. Deixe-me ver... Irá faltar...

- É só foi isso que eu consegui.

Peguei o de flocos para o meu Fael e o de morango para meus irmãos mais novos. Caso o Henrique quisesse, ele
teria que tomar do meu.

Sentei-me na beira da cadeira do meu homenzinho e ele levantou a cabeça pra me encarar.

- Quer picolé? – ofereci, entregando o sorvete em suas mãos.

- Ah, muito obrigado! – ele disse sorrindo.

Então ele não estava com raiva...

- Meninos – eu disse, virando-me para os meus irmãos. – O de vocês é este.

- Temos que dividir? – reclamou Giselle.

- E não reclamem!

Eles bufaram, mas acabaram com o picolé em segundos. Eu fui ao encontro de Henrique, ofereci um pedaço do
meu sorvete, mas ele nem me respondeu, continuou olhando para o horizonte com a cara feia.
414
- Então vai cagar – eu falei, com raiva, mas ele não disse nada.

- Eder? Isso é côco queimado, não é? – perguntou Natália, com o sorvete de limão nas mãos.

- É você quer um pedaço?

- Nossa fiquei morrendo de vontade agora – ela disse, com os olhos no meu picolé. – Quer uma mordida do meu?

- Uhum.

Eu entreguei o meu e peguei o dela. Natália passou os lábios no topo do sorvete e fechou os olhos, apreciando o
sabor como se aquele fosse o último picolé de sua vida.

- Muito bom. Caramba, senti o cheio de longe e minha boca encheu de água. Obrigada Eder.

- Que nada, se quiser de novo pode vir.

Quando chegamos, colocamos as cadeiras na lavanderia e nos revezamos nos banheiros para tomar banho. Eu fui
um dos primeiros a poder me refrescar e tirar a areia do corpo. Percebi uma leve mudança na cor de minha pele,
ela estava começando a ficar mais escura e era exatamente aquilo que eu queria.

- Me espera no sótão – falou Fael, assim que eu desocupei o banheiro. Meu membro já criou vida e eu voltei ao
quarto para poder me arrumar direito.

- Uau, você já está começando a ficar bronzeado – notou o primo do Rafa. – Como você consegue?

- Protetor solar – eu recomendei. – É o melhor jeito.

- Sério? Eu nem passei hoje, pensei que não ajudasse a queimar.

- Ele é o melhor remédio. Eu passaria um bom hidratante se fosse você, senão vai ficar todo ardido!

- Já estou...

- Ih... Então é bom passar um pós-sol. Eu tenho aqui se você quiser.

- Pô... Valeu!

Enchi as mãos de hidratante de bebê e passei desde os tornozelos até o queixo. Coloquei uma quantia generosa
de gel pós-sol na minha face e enchi o pescoço de perfume.

- Cheiroso esse perfume – Doug elogiou.

- Obrigado.

Eu arrumei as minhas coisas, entreguei o gel ao garoto e saí do quarto. Não havia ninguém na sala nem no
corredor onde o sótão se encontrava, mas mesmo assim eu me certifiquei de que ninguém estava olhando antes
de entrar.

415
Sentei-me em cima de uma poltrona velha e rasgada. Eu estava sem camisa e com um short de jogador de futebol
de seda, não estava sentindo tanto calor como antes, mas mesmo com a pouca roupa, eu estava me sentindo
incomodado.

Já estava começando a escurecer quando ele entrou no cômodo antigo e passou a chave na fechadura. Eu sorri
quando ele me fitou e ele veio ao meu encontro, me abraçando assim que nossos braços se encaixaram.

Ele me levantou da poltrona e me ergueu do chão, girando-me no ar com velocidade.

- Um mês – ele disse baixinho.

- Uhum.

- Estava esperando esse momento...

- Eu também! – eu disse.

- Por que você não disse nada o dia todo?

- Porque eu só queria falar quando nós estivéssemos a sós...

- E o que você quer falar?

- Nada. Eu quero isso.

Nossos lábios se tocaram suavemente. Eu introduzi a minha língua na boca daquele homem e aos poucos, nós
começamos a nos empolgar...

Ele me deitou no chão e subiu em mim, de um jeito carinhoso e selvagem ao mesmo tempo. Rafael também
estava sem camisa e os nossos tórax estavam se tocando, assim como nossos abdomens e nossas pernas. Eu
cruzei meus tornozelos em volta dos deles e intensifiquei as minhas carícias em suas costas.

Fael mordeu meus lábios com carinho e aquilo fez o meu membro criar vida. Notei que algo duro estava me
cutucando e me provocando e aos poucos, as minhas mãos desceram até o quadril dele.

- Meu menino – ele sussurrou na minha orelha, começando a beijar o meu pescoço.

- Meu Fael!

Aos poucos ele desceu a língua pela minha clavícula, até encontrar os meus mamilos. Senti os dentes dele
rasparem a minha pele e em poucos minutos, algo quente e molhado entrou no meu umbigo. Os dedos do meu
presente de Deus entraram pelo cós do meu short e o abaixaram de leve, fazendo a minha cueca ficar á mostra.

Eu finalmente decidi deixar as coisas acontecerem naturalmente. Fael tirou a minha bermuda e passou os dedos
pelas minhas pernas. Eu fechei os meus olhos e mordi meus lábios, meu cacete estava duro feito uma rocha e eu
sabia que não iria aguentar por muito tempo...

416
Fael voltou a me beijar e os estalos de nossos lábios estavam começando a aumentar de tom. Eu tentei me conter,
tentei controlar a minha volúpia para que ninguém desconfiasse de onde nós estávamos escondidos, mas o tesão
era tanto que eu mal conseguia me segurar.

Arranhei as costas dele de leve e mais uma vez ele mordiscou meus lábios. Eu gostava quando ele fazia aquilo.
Puxei a cabeça dele para mais próximo da minha e enganchei as pernas em seu quadril, deixando os nossos
corpos ainda mais colados que antes.

- Para que você está me trazendo aqui? – eu ouvi Gabrielle perguntar.

Fael e eu ficamos parados, feito duas pedras. Ele parou de respirar e tudo o que eu conseguia ouvir era o bater do
meu coração e nada mais, além disso.

- Eu só quero ficar um pouquinho com você – ouvi meu irmão falar.

Alguém empurrou a maçaneta, mas a porta não se abriu. Novas tentativas, mas nada da madeira ser escancarada.

- Isso nem abre mais! – Gabrielle exclamou. – Ah, Ricky... Sem comentários!

- E agora? – Fael sussurrou ao meu ouvido.

- Espera – eu disse baixinho.

Apurei a minha audição e ouvi alguém subindo ou descendo as escadas. Provavelmente o meu irmão ainda
estava ali, parado atrás da porta daquele quarto de despejo, pasmo com o que a namorada havia dito.

- Vai abrir essa porta Fael – eu mandei, sentando-me no chão e empurrando ele para longe de mim.

- Mas...

- Anda logo!

Ele se levantou e eu aproveitei a oportunidade para colocar o meu short que ele havia tirado. Era impressionante
como nós dois não conseguíamos chegar aonde queríamos...

O meu gostoso abriu uma fresta mínima na porta e suspirou. Eu fui até onde ele estava e olhei pelo buraco entre a
porta e a parede e vi o meu irmão parado, olhando para o corredor com a visão perdida.

- É melhor a gente sair daqui – eu disse, com a voz triste.

- Eu vou conversar com a Gaby – decidiu Rafael, com a fisionomia frustrada.

- Faça isso.

Ele saiu e passou pelo meu irmão, mas ele nem se mexeu, nem sequer notou a presença do cunhado. Eu o puxei
pelos ombros, o fiz entrar no quarto e fechei a porta ao passar.

Ele me abraçou com força e eu comecei a fazer carinho em sua cabeça. Eu sabia que ele estava carente e só eu
podia consolá-lo, só eu saberia fazê-lo desabafar.

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- Calma – eu disse baixinho. – O Fael foi conversar com ela.

Ele não disse nada e nós continuamos ali, abraçados, parados, sem fazer nada, não sei por quanto tempo.

- Eu não fiz nada – ele disse baixinho.

- Eu sei mano, eu sei.

- Eu só queria ficar um pouco com ela... Só isso!

- Não fica assim Henrique, você vai ver, ela só está estressada...

Sentei-me ao chão e o fiz deitar em meu colo. Ele abraçou os joelhos, se encolhendo. Aquilo fez o meu coração
doer de tristeza e eu dei-lhe um beijo carinhoso na bochecha.

- Oh, meu amor – eu falei baixinho.

Ele não estava chorando, mas eu sabia que era o que ele queria fazer. A cada dia que passava, eu sentia que o
amor do Henrique pela Gabrielle era algo sincero, verdadeiro e inevitavelmente transparente.

- Eu atrapalhei vocês, né? – ele sussurrou.

- Não pensa nisso, tenta esquecer tudo.

- Eu sou um idiota mesmo...

- Para com isso Henrique! Você não é idiota e você não atrapalhou nada.

- Atrapalhei sim.

- Para de ser teimoso!

- Desculpa...

- Henrique!

Eu estava começando a ficar irritado. Quando o meu irmão mais velho começava com a teimosia, nem Cristo
agüentava ficar ao dele.

Ouvi a porta sendo aberta e percebi que o Fael estava puxando a irmã pelo braço. Ela entrou e se espantou ao ver
o namorado no meu colo, todo encolhido e com a fisionomia triste. Henrique não a fitou, mas eu o fiz sentar e
coloquei-me de pé.

- Vem comigo – falou Fael, erguendo a mão para que eu a segurasse.

Nós dois saímos e eu encostei a porta quando passei. Nós ouvimos vozes vindas da cozinha e subimos as escadas
rapidamente para não sermos pegos no flagra. Marcus estava sozinho no nosso quarto e eu pensei em aproveitar a
oportunidade para poder conversar com ele de uma vez por todas.

- Onde vocês estavam?

418
- Eu fui mostrar o condomínio para ele – explicou Fael.

- Ah, sim.

- Marquinhos, eu posso ter uma palavrinha com você?

Fael olhou para mim e eu assenti de leve. Ele pegou a camisa e a vestiu, colocou algumas gotas de perfume no
pescoço e disse:

- Com licença!

Sentei-me ao lado do meu irmão mais novo e olhei dentro dos olhos dele. Marcus não disse nada e esperou
pacientemente, até que eu comecei:

- Você sabe tão bem quanto eu o que eu quero falar então se puder facilitar...

- O que você quer saber? Quer me explicar alguma coisa? Se for isso nem precisa, eu já sei muito bem como
fazer as coisas...

- Digamos que sim e que não. Você está em uma idade que é meio complicada... Está deixando de ser criança
para virar adolescente.

- Ih, Eder... Nem me vem com esse papinho não... Mudanças no corpo? Já sei tudo o que está acontecendo
comigo. Puberdade? Isso é algo que nem precisa tocar no assunto, tenho aulas no colégio. Sexo? Ainda não fiz,
mas sei muito bem como é feito. Garotas? Fácil, está na veia. Algo mais?

Olhei para ele incrédulo. Não acreditei em tudo o que ele tinha me dito...

- Eu pedi para você facilitar e não dar todas as opções. Que bom que você já sabe disso tudo, pelo menos me
livra de ficar explicando.

- Eu não sou besta, né irmão?

- Eu não disse isso seu espantalho de horta de repolho!

- Eu disse que você disse alguma coisa?

- Não!

- Então pronto caralho!

Nós dois demos risada e ele deu um soco de leve no meu ombro.

- Não quer me perguntar nada mesmo? – eu dei a última chance.

- Não. Aliás, sim.

- O quê?

- Como foi a sua primeira vez?

419
Abaixei os olhos e sorri com um pouco de vergonha.

- Quer que eu seja sincero contigo?

- É lógico, né anta.

- Eu não me lembro.

- Como não, Eder?

- Eu estava bêbado jumento, você esqueceu?

- Foi no dia do seu aniversário mesmo?

- Foi.

- Com a Natty?

- Foi.

- Mandou bem mano! Ela é uma gata...

- Eu sei. Mas eu não lembro de nada.

- Que lástima... E de lá para cá não rolou mais nada entre vocês?

- Não e eu não quero. Entre nós dois é apenas amizade.

- Então por que você a comeu?

- Porque eu estava bêbado e ela me bolinou, só por isso.

- Ah! Hey, cadê o meu irmão?

- Você está cego, é? Não está me vendo aqui não?

- Eu disse o meu irmão, não o meu encosto.

- Poxa – aquilo me magoou um pouquinho. – Obrigado!

- Eu estou brincando – ele me bateu de leve. – Sabe que eu te amo, não sabe?

- Imagina se não me amasse!

- Cadê o Henrique?

- Está com a namorada, por quê?

- Queria perguntar como foi à primeira dele.

- Eita, mas você é curioso, hein?

420
- Já que estamos falando disso... Tenho que averiguar as informações, pô!

- Você sabe que vai ter que ir ao médico com o Ricky, não sabe?

- Aff... Sei! E não sei para quê.

- Quando você chegar lá, você vai entender tudo.

- Não quero nem pensar nisso. Eder, se eu pedir uma coisa será que você faz?

- Depende do que for.

- Eu queria catar umas meninas, será que você me ajuda?

Fechei a cara. Ele não tinha idade para ficar beijando qualquer uma.

- Você vem pedir isso logo para mim?

- O que tem demais?

- O que tem? Que eu tenho ciúmes, esqueceu?

- De mim?

- É meu filho, de você, do seu irmão e da sua irmã. Por que eu não posso não?

Ele sorriu e balançou a cabeça.

- Só você mesmo. Mas você me dá uma mãozinha?

- E tem alguma coisa que você peça que eu não faça?

- Você é dez, Eder!

- Ah, muito obrigado, muito obrigado.

- E tem mais uma coisinha, mas isso só quando nós voltarmos para casa...

- O que é?

Ele me puxou para mais perto e cochichou no meu ouvido.

- Eu tenho uma curiosidade.

- Qual é?

- Ver um filme daqueles que o pai tem no quarto, escondido.

Eu sorri e o empurrei de leve.

- Você não pode.

421
- Por que não?

- É menor de idade e só maiores de dezoito anos podem ver esses filmes.

- Mas eu aposto que você já viu.

- Não vi não.

- Sério?

- Não os do papai – eu disse sorrindo maliciosamente.

- Safado. Eu quero ver, mas não consigo pelo computador.

- Claro que não, você acha que o velho ia deixar os sites livres?

- Não.

- Então pronto.

- Mas você deixa?

- Quando nós dois chegarmos em casa, a gente conversa sobre isso, pode ser?

- Então tá. Mas não esquece?

- Não.

Ele pegou minha mão e nós fizemos um pacto.

- Promete?

- Prometo Marcus, prometo.

Que menino pestinha! Queria sair catando as garotas a torto e a direita, queria ver os filmes do nosso pai, já sabia
das coisas do universo masculino... Ele estava me saindo melhor do que encomenda!

Entrei no quarto das meninas para procurar a minha irmã e tomei um susto quando vi o Douglas e a Natty se
atracando em cima de uma cama.

- Eder? – espantou-se a irmã do meu Rafael. – O que você está fazendo aqui?

Douglas saiu de cima da menina. Ele estava apenas de sunga e eu notei que o volume debaixo do pano estava
incontestavelmente grande.

- Desculpem – eu disse constrangido. – Eu estou procurando a minha irmã.

- Ela não está aqui – respondeu Douglas, tentando disfarçar a excitação.

- Isso eu já percebi Doug. Desculpem, eu já estou saindo...


422
Encostei-me à porta e suspirei. Então ela estava ficando com o primo... Eu não poderia contar aquilo ao Fael,
senão ele mataria o Douglas antes do Ano Novo.

- O que está fazendo aí? – perguntou Rafael.

- Hã? Ah, oi! Você viu a minha irmã?

- Ela está lá embaixo com a sua mãe. Por que você está com essa cara?

- Não, por nada. O que vai fazer agora?

- Estava pensando em sair um pouco...

- Para onde?

- Para um lugar mais calmo, reservado.

- E onde seria isso?

- Sei lá... A gente acha um lugar calmo... Quer?

Eu sorri maliciosamente. E ele ainda perguntava?

- Lógico que eu quero!

- Então vamos...

- Calma eu só vou falar uma coisinha com a Giselle. Vem comigo?

Eu não podia fazê-lo entrar no quarto da irmã naquele momento... Senão ele iria morrer do coração.

Quando a gente chegou à sala, notei que a maioria do pessoal estava assistindo o noticiário. Ajoelhei ao lado da
minha irmã e cochichei em seu ouvido:

- Não entra no quarto até que a Natty saia de lá. Ela está no maior amasso com o primo.

- Mentira?

- Sério! E outra coisa, você está melhorzinha?

- Caraca meu! Estou sim amore...

- Estou besta, mana.

- E eu então?

- O que vocês estão cochichando? – perguntou minha mãe.

- Não é nada – eu disse, colocando-me de pé. – Só contando uma coisa do pessoal da escola para ela. É... Mãe...
Eu vou dar um rolê com o Rafa, tá?

- Aonde vocês vão? – perguntou Cláudia.


423
- Vou visitar uns amigos e quero apresentar o Eder a umas meninas.

- Ah! Voltem cedo – disse minha mãe, com a cara fechada.

- Pode deixar.

- Você sempre usa essa desculpa – eu disse, quando nós entramos no quarto.

- O que você queria que eu dissesse? Que nós...

- Marcus! – eu exclamei. – Não vai sair dessa cama nunca não?

- O que vocês estão aprontando?

- Aprontando? Quem está aprontando alguma coisa aqui?

- Vocês dois. Pensam que me enganam...

- Jamais! – Rafael exclamou.

- Vão sair, é? – perguntou Marquinhos.

- É – eu respondi. De que iria adiantar esconder?

- Posso ir junto com vocês?

- A gente só vai colocar crédito no meu celular Marquinhos – Rafael explicou.

- Aff, que chatice... Prefiro ficar aqui com a minha ardência.

- Está ardendo, é? – eu me preocupei.

- Só um pouco.

Peguei o gel pós-sol e joguei para o meu irmão.

- Isso vai ajudar.

- Valeu.

Eu coloquei uma camiseta agarrada ao corpo de cor vermelha, passei desodorante, creme no rosto porque estava
sentindo a pele seca, perfume e então nós saímos.

- Até daqui há pouco – eu falei.

- Até.

- Estou pensando em ir a um lugar que você nunca foi antes, mas você não ia poder entrar...

- Aonde?

- E também você não vai querer...


424
- Aonde?

- Mas ia ser perfeito?

- Aonde é Fael? – eu me irritei.

- Em um motel – ele disse baixinho.

Não tive o que responder. Por que ele queria me levar a um motel?

- Eu não vou conseguir entrar – falei, com o rosto virado.

- É não vai mesmo. Se soubesse, tinha pedido o RG do seu irmão.

- Quem sabe da próxima vez?

- Vamos ficar aqui mesmo, então.

Ele estacionou o carro em uma rua deserta e eu fui para o banco de trás. Deitei-me e ele veio por cima de mim,
nos beijamos lentamente e meu pênis já criou vida por baixo da cueca.

- Só espero que a gente não seja atrapalhado que nem da outra vez.

- É – eu concordei, puxando os cabelos dele com força para que pudéssemos nos beijar mais uma vez.

Meu relógio apitou pela segunda vez e nós paramos o beijo e nos sentamos. Eu estava com uma ligeira dor no
meu pescoço, mas nada que um bom alongamento não curasse.

- Foi bom para você? – ele perguntou sorrindo.

- Foi maravilhoso e para você?

- Do jeitinho que eu queria que fosse.

Demos dois selinhos longos e ele voltou para o banco do motorista.

- Vamos para casa meu menino lindo?

- Vamos meu presente de Deus.

Voltei para frente do automóvel e coloquei o meu cinto. Fael deu a partida e em poucos minutos, nós já
estávamos de volta no condomínio.

- Aqui é lindo à noite – eu falei, percebendo pela primeira vez as casas iluminadas.

- É sim. Meus avós moram aqui há mais de cinquenta anos.

- Tudo isso? Então você nasceu por aqui?

- Eu não, mas o meu pai sim.


425
- Ah!

- Minha família toda é descendente de europeus, você sabia disso?

- Não – eu estranhei. – Europeus? Que lugar?

- Portugal.

- Os meus avós moram lá! – eu exclamei.

- Aham, eu sei. A gente tem muita coisa em comum...

- Muita! – eu concordei um pouco surpreso. – O mundo é pequeno.

Ele estacionou e eu desci primeiro.

- Muito pequeno – ele disse.

Durante toda a semana, nós visitamos cada dia uma praia diferente. Na segunda-feira, fomos à Praia Vermelha,
onde eu me encantei com a beleza do local. Uma praia calma, silenciosa, lindíssima e completamente limpa. Na
terça-feira, fomos à Praia da Enseada. O mar não é limpo, então nós não pudemos mergulhar, mas ficamos
encantados com o Pico do Frade. Tudo é muito lindo.

Na quarta, conhecemos a Praia Grande. Ela estava lotada e o sol estava de rachar. Fiquei me bronzeando a maior
parte do tempo e a marca da sunga já estava ficando mais visível a cada dia. Quinta-feira foi a vez da Praia dos
Maciéis. O mar estava tão calmo que parecia mais um lago natural. Fiquei a maior parte do dia me refrescando e
brincando com os meus irmãos.

Sexta e sábado foram os dias mais agitados, ficamos na Praia Mambucaba e foi então que eu conheci a Vila
Histórica de Angra dos Reis. Nós nos divertimos bastante e pudemos aproveitar cada minuto do dia.

No domingo pela manhã, o tio do Rafael chegou com a esposa e os filhos gêmeos, Vinicius, o Vinny e o Hugo.

Os meninos ficaram hospedados no nosso quarto e aos poucos a casa estava começando a ficar atribulada de
tanta gente. O meu irmão e a namorada já haviam feito as pazes e eu descobri que eles transaram no quarto de
despejo no dia em que brigaram. Aquilo me deixou enciumado do dedo mindinho até o último fio de cabelo.

Estava faltando uma semana para o Natal e os preparativos para a Ceia estavam indo de vento em polpa. As
chances que eu tinha de ficar com o Fael eram mínimas e aquilo estava deixando tanto eu, quanto ele, um pouco
frustrados.

- Paciência – ele me pedia, mas era difícil de me segurar.

Na véspera do dia 24 de Dezembro, eu, meus pais e meus irmãos saímos à sós para jantar fora e poder curtir o
clima do Natal em família. Não pude levar o Rafa e nem o Ricky pode levar a Gabrielle e eu senti que eles
ficaram um pouco chateados, mas logo tudo isso foi esquecido.

426
Fizemos um brinde pela nossa união, nossa saúde e nossa prosperidade e nossos pais nos deram lembrançazinhas
de Angra dos Reis. O meu presente foi um par de chaveiros com a imagem da Praia de Mambucaba e outro de
uma concha.

No dia vinte e quatro, todos nós fomos à Missa do Galo em uma igreja cujo nome eu não me recordo. Quando
deu meia-noite, trocamos beijos e abraços e quando foi a vez de abraçar o Fael, nós nos demoramos um
pouquinho mais.

- Feliz Natal – eu disse no ouvido dele. – Meu anjo!

- Feliz Natal meu menino lindo – ele disse em resposta.

- Obrigado por tudo, viu?

- Você não tem que agradecer nada – ele disse. – Eu é que te agradeço por você existir.

Ficamos assim por mais de um minuto e depois nos separamos. Dei um beijo demorado na bochecha da minha
cunhada enquanto o meu irmão cumprimentava o meu Rafael.

- Obrigada por ter me aceito – ela disse, com a voz embargada.

- Eu é que te agradeço por tudo o que você tem feito por mim e pelo seu irmão... Obrigado demais!

- Não tem que me agradecer em nada.

- Tenho sim, se não fosse você, nós não estaríamos juntos...

A Ceia ficou simplesmente impecável. Eu tomei dois cálices de vinho e uma taça de champanhe. Minha mãe,
meu irmão e o Fael ficaram à minha volta para que eu não exagerasse e eu fiquei agradecido, não queria me
embebedar novamente.

- A rabanada está uma delícia – elogiou Tony, o irmão do Jorge. – Mãe, foi a senhora que fez?

- Eu, a Cláudia e a Marina.

- Parabéns, está divino!

Natália se aproximou da mesa para se servir pela terceira ou quarta vez. Eu notei que ela estava comendo muito
naqueles últimos dias, mas não quis ser deselegante para dar-lhe um toque.

- Não quer rabanada Natty? – perguntou Cláudia.

- Só uma mãe – ela pediu.

Cláudia colocou a comida no prato da filha e Gaby se aproximou para poder se servir.

- Que cheiro é esse? – ela perguntou, com o nariz franzido.

- É rabanada – meu pai falou.


427
- Ai...

Ela colocou a mão na boca e saiu correndo da cozinha. A irmã da minha cunhada colocou o prato em cima da
mesa e fez o mesmo gesto. Henrique e eu nos fitamos com as sobrancelhas erguidas e ele balançou a cabeça
negativamente.

- Ai o que essas meninas têm? – reclamou a mãe do Fael. – Primeiro uma, depois a outra...

- Hum... Sei não, sei não – falou a cunhada do Jorge, com a cara de intriga.

Jorge se levantou e foi atrás das filhas, eu temi a reação dele com o meu irmão, mas por sorte, nada aconteceu.

Fui me deitar por volta das quatro e meia da manhã e só consegui acordar na hora do almoço. Comemos todos
reunidos novamente e a festa continuou durante o resto da tarde, até o começo da noite.

Nem eu, nem meus irmãos, nem o Fael, as irmãs e primos dele conseguimos sair àquela noite. Além de ser Natal,
todos estávamos mortos de cansaço devido a algazarra que estava sendo feita desde o dia anterior.

Henrique estava sentado na cama com ambos os cotovelos em cima das coxas e as mãos segurando a lateral da
cabeça.

- O que foi? – eu perguntei, sentando-me ao lado dele.

- A Gaby – ele respondeu. – A Gaby...

- O que tem ela? Está passando mal de novo?

- Está... Está...

- Mano você não...

- Eu não sei Eder!

Ele se levantou e deu um chute na perna da cama. Nunca tinha visto meu irmão tão nervoso antes.

- Henrique – Rafael disse, entrando no quarto com a cara fechada e os punhos cerrados. – O que você fez com a
minha irmã.

Eu me levantei e fiquei à frente de meu irmão.

- Calma Fael – eu disse.

- Calma? Como calma Eder?

- Rafa eu...

- Diga que vocês não transaram...


428
Meu irmão não respondeu e começou a andar novamente.

- Henrique eu te mato!

Ele partiu pra cima do meu irmão, mas eu o segurei pela cintura e o puxei para trás.

- Calma Rafael! – eu disse.

- Se a minha irmã estiver grávida... Eu não sei do que serei capaz Henrique... Escreve o que eu estou te dizendo!

Ele bufou e saiu do quarto, batendo a porta ao passar.

- Henrique... Ela toma remédio?

- Não Eder! Não! E eu não usei camisinha naquele dia...

- Mano... Você é louco? Eu até entendo e tal, mas como você pode fazer isso?

- Eu não sei Eder! E eu não sei o que fazer...

- Seria muito cedo para isso – eu tentei pensar. – Faz duas semanas que vocês transaram?

- Mais ou menos isso, ou menos, sei lá...

- Não mano! É muito cedo para ela ter sintomas de gravidez. Não pode! Não... Não...

- Será Eder? Será? Deus te ouça...

- Fica calmo, está bem? Eu estou aqui com você.

Ele me abraçou e suspirou. Não, não. A Gaby não podia estar esperando um filho do Henrique. Seria azar
demais.

- Vamos deixar para ir a Búzios nas férias do ano que vem – decidiu meu pai.

- Ah – lamentamos meus irmãos e eu. Eu estava louco para conhecer a cidade, mas quando o Dr. Alexandre dizia
não, era não.

- Não façam essa cara – ele mandou. – É não e acabou.

- Droga – esbravejou Marquinhos.

- Tudo bem – confortou-me Rafael. – Ao menos nós ficaremos juntos no reveillon.

Eu sorri e fiquei um pouquinho mais aliviado depois que ele me disse aquilo. A última semana do ano de 2005
foi agitada. Conheci mais alguns pontos turísticos de Angra e visitei algumas ilhas maravilhosas. Fael e eu
estávamos cada vez mais próximos, cada vez mais íntimos, mas nunca tínhamos oportunidade para namorar em
paz. O quarto de despejo que outrora nós utilizávamos, estava sendo desocupado para ser usado como quarto de
hóspedes no futuro. A nossa diversão tinha acabado por completo.
429
O último dia do ano chegou rapidamente. Nós comemos por volta das oito horas e saímos em seguida para a Ilha
da Gipóia. Passar o Ano Novo com o Fael e a família dele estava sendo divertido, mas em alguns momentos eu
preferia estar na tranquilidade da minha casa. Lá pelo menos eu tinha mais privacidade e se quisesse, poderia
ficar com o meu gatinho sem ser atrapalhado.

Bebemos um pouco e quando dei por mim, a meia noite já estava se aproximando. Eu fiquei próximo ao mar,
queria pular as sete ondas assim que chegasse 2006.

Meus pais, irmãos e a família do Fael me acompanharam e a queima de fogos começou rapidamente. Abracei
minha mãe primeiramente.

- Feliz Ano Novo amor – ela disse. – Saúde, sucesso sempre!

- Obrigado mãe. Igualmente a senhora.

A Giselle, o Marquinhos e o Henrique vieram ao meu encontro ao mesmo tempo. Nós fizemos um circulo e
pulamos no meio da praia, feito uns loucos.

- FELIZ ANO NOVO! – nós gritamos e demos risada.

Recebi um abraço de cada um deles e depois foi a vez do meu pai.

- Vê se cria um pouco mais de juízo esse ano, viu?

- Pode deixar pai!

Ele me deu um beijo na bochecha e eu fiquei olhando o céu clareando devido os fogos de artifício. Senti alguém
me dar um abraço por trás e ouvi a voz grossa do meu anjo na minha orelha:

- Feliz Ano Novo meu menino.

Me virei e grudei em seus braços. Ficamos calados à principio, um curtindo a presença do outro. O resto do
pessoal estava entretido e o Henrique e a namorada se beijavam. A Natty e o Doug também estavam se atracando
e ninguém percebeu.

- Feliz Ano Novo meu garoto perfeito – eu sussurrei.

- Que esse seja o nosso ano.

- Que nós possamos continuar o que começamos – eu falei.

- E que tudo dê certo para nós dois.

- Amém.

Ele beijou o meu pescoço e a gente se separou.

- Eu te... – ele disse.

- Eu também te...

430
- Rafa! – exclamou Vinny. – Eder!

Os gêmeos vieram nos cumprimentar e Fael e eu nos separamos definitivamente. Assim que o alvoroço
terminou, eu entrei no mar e fiquei com a água até os joelhos. Pulei a primeira onda e fechei os meus olhos.
Rezei um Pai Nosso e uma Ave Maria, mentalizando coisas boas para o ano que estava iniciando.

Senti alguém segurar a minha mão direita e outra pessoa a mão esquerda. Abri meus olhos. Era o Rafa e minha
irmã. Eles imitaram o meu gesto e quando eu me dei conta, todos estavam pulando as ondas.

Pedi à Deus muita proteção. Rezei pela minha família, pelo trabalho do meu pai, pelos meus avós e em especial,
pelo Rafael. Agradeci por ele ter entrado em minha vida e por ter se tornado alguém tão especial em tão pouco
tempo. Pedi que a nossa relação se solidificasse cada vez mais e implorei para que nada de mal acontecesse entre
nós dois.

Ficamos na ilhota até o dia amanhecer. Não tive nenhuma oportunidade de ficar a sós com ele e aquilo me deixou
irritado, mas a ocasião era especial, então tudo estava valendo.

O meu primeiro beijo no ano de 2006 aconteceu na noite do dia primeiro de janeiro. Fael e eu aproveitamos que
o quarto estava vazio e trocamos um beijo rápido e selvagem, mas paramos assim que os primos dele chegaram.

- Boa noite aí – falou Hugo.

- Boa noite primo, falou Eder.

- Boa noite – nós respondemos.

Fael e eu dormimos excitados àquela noite e quando eu acordei na manhã de segunda-feira, levei um susto ao
perceber que a minha roupa estava suja e grudenta.

- Eu não acredito – falei baixinho, ficando sentado.

Aquilo nunca tinha acontecido comigo e não poderia ter acontecido em pior momento. Procurei a camiseta por
cima da beliche, mas não a encontrei. Olhei para todos os lados e por sorte, os meninos ainda estavam dormindo.
caí silenciosamente no chão e fui correndo para o banheiro para poder me limpar.

Acabei tendo que tomar banho. Lavei minha bermuda e a cueca embaixo do chuveiro e tentei me acalmar.
Também não tinha sido o fim do mundo.

Encontrei o Rafael minutos depois e ele estava com o rosto desconfiado.

- O que houve?

- Ah, nada não...

- Não mente para mim Eder – ele disse rindo.

- Ah! Você sabe né...

431
- Aconteceu o que eu estou pensando? – ele perguntou, com os olhos na minha roupa.

- É – eu disse meio sem jeito.

Ele gargalhou e me deu um abraço.

- Viu só, é nisso que dá a gente não poder namorar em paz...

Eu sorri e joguei a roupa no cesto que fora destinado à minha família. Dei um beijo rápido no meu Rafael e o
deixei sozinho para poder tomar banho.

Meus pais agradeceram mais uma vez pela hospitalidade dos avós do Rafa e eu entrei no carro do Henrique. Ele
deu a partida, buzinou para o seu Augusto e a dona Maria e saiu às pressas, parecia que ia tirar o pai da forca.

- Você está mais calmo?

- Estou tentando – ele me garantiu. – Mas está difícil. O Jorge está querendo me matar e o nosso pai nem olha pra
mim direito.

- Como se a culpa fosse só sua.

- Mas eles não querem saber disso.

- Não mesmo.

No meio da viagem de volta a São Paulo, o Jorge teve que parar três vezes. A primeira foi porque a Gaby queria
vomitar. A segunda vez foi a Natália que também estava com enjoo e a terceira foram as duas.

- Eu não aguento mais isso! – ele esbravejou. – A primeira coisa que vocês duas vão fazer quando chegar em
casa é ir ao médico!

Eu nunca imaginei que o pai do Fael fosse tão nervoso, mas ele estava na razão. Fiquei me perguntando se a
Gaby estava realmente grávida e nem sequer passou pela minha cabeça que a Natália também pudesse estar no
mesmo estado. E o pior, o pai da criança poderia ser eu.

Chegamos e já passava das seis horas da tarde. A casa estava com um cheiro forte de poeira por ter ficado tanto
tempo fechada. Meu irmão estava apreensivo e não conseguia ficar quieto um minuto sequer. Ficamos todos
sentados na sala, esperando o regresso da Gabrielle, mas ela estava demorando para chegar.

Eu deitei no sofá e minha mãe ficou fazendo cafuné nos meus cabelos. Estava quase pegando no sono quando a
campainha tocou. Marcus abriu o portão e meu coração disparou quando vi a Natália entrando pela porta da sala
com os olhos inchados e vermelhos. Ela jogou um envelope em meu colo e saiu sem dizer nada. Minhas mãos
começaram a tremer e todos olharam para mim.

Sentei-me e peguei o envelope nas mãos. Meu coração estava disparado e eu comecei a suar frio.

432
“Natália F. Alcântara” era o nome que aparecia.

Gabrielle entrou e encostou a porta. Ela não disse nada e também olhou para mim. Engoli em seco. Aquilo não
poderia estar acontecendo. Abri a aba do envelope e puxei uma folha de sulfite dobrada em três partes.

Respirei fundo e balancei a cabeça negativamente. Levantei do sofá e enfim consegui abrir o papel. Meus olhos
passaram pelas palavras em negrito e se detiveram em uma palavra de oito letras:

“Positivo”.

Eu não estava sentindo o chão, não estava vendo mais nada nem ninguém e tudo o que eu conseguia enxergar,
tudo o que eu conseguia entender era aquela palavra.

Positivo.

Li e reli o exame da Natália por várias vezes e sempre parava na mesma linha, sempre me deti no mesmo local,
na mesma informação...

Positivo.

Muitas coisas passaram pela minha cabeça. A primeira delas e a mais importante era o Fael. Pensei nos meus
pais, nos pais dela, nela e por fim em mim.

Positivo.

Minha visão começou a ficar turva, uma dor insuportável começou pela minha nuca e se expandiu até o meio de
minha testa. Tudo ficou escuro e eu ameacei cair, mas alguém me segurou.

- Eder, Eder, o que você tem meu filho?

Deixei o papel cair e me entreguei ao mundo negro de meus olhos. Aquilo não podia estar acontecendo comigo.
Eu não podia ser pai aos dezesseis anos.

Fui levado até o sofá e alguém bateu em minha face de leve. Abri meus olhos e aos poucos, as coisas foram
voltando ao normal, eu vi o Henrique com o exame nas mãos e notei que ele também estava com os olhos
parados em uma maldita palavra.

Positivo.

Minha mãe me trouxe um copo de água e eu tentei beber um gole, mas estava tremendo tanto que não consegui
levar o recipiente até meus lábios e derramei um pouco do líquido em meu peito.

- O que é Eder? Por que você está assim? – preocupou-se o meu pai. – O que é isso Henrique?

Meu irmão engoliu a saliva e respirou fundo antes de responder:

- É um exame de gravidez da Natty.

433
Minha mãe e minha irmã arfaram e prenderam a respiração. Meu irmão olhou para a namorada e em seguida para
o meu pai.

- E deu positivo – ele anunciou.

A minha mãe soltou o copo que havia recolhido de minhas mãos e ele se espatifou no chão. Meu pai me parou de
me abanar e arregalou os olhos. A Gaby continuou encostada na parede com ambas as mãos no ventre. Meu
irmão assobiou demoradamente e Giselle colocou as mãos na boca, surpresa.

Positivo...

Alexandre levantou-se do meu lado e pegou o papel das mãos do meu irmão. Meu pai passou os olhos
rapidamente pelas letras e também parou na mesma palavra que estava fazendo com que eu vivesse o pior
momento de minha vida.

Positivo.

Abaixei a cabeça e fechei os meus olhos. A dor em minhas fontes estava aumentando e eu estava começando a
ficar tonto com tudo aquilo. Tentei me levantar para ir deitar, mas não obtive sucesso na tentativa de mover as
minhas pernas, então continuei onde estava, derrotado com aquela ocasião.

- Eder, filho... – começou meu pai, mas eu percebi que ele estava tão nervoso quanto eu.

- Gaby? – suplicou Henrique. A voz dele estava falhando.

Ela suspirou demoradamente e disse:

- Lamento.

Todos viraram para a minha cunhada. Ela mantinha a mesma expressão e não tinha se movido um centímetro
sequer de onde estava.

- Nós podemos conversar a sós? – ela perguntou ao namorado. Ele prendeu a respiração e assentiu
vagarosamente e começou a andar até a cozinha. Quando minha cunhada passou pela porta, a encostou para não
serem incomodados.

- Eder? Eder, você está bem? – perguntou Marcus, sentando-se ao meu lado e sacudindo os meus ombros de leve.

Eu olhei no fundo dos olhos dourados do meu irmão mais novo e não consegui responder nada. De uma hora
para a outra a minha vida tinha dado um giro de trezentos e sessenta graus. Eu tinha acabado de chegar da
viagem mais perfeita que eu tinha feito em toda a minha vida e já tinha recebido um banho de água fria daqueles.

- Filho? – meu pai se ajoelhou à minha frente. – Olha para mim.

Nós nos encaramos por um segundo e ele disse com a fisionomia tranquila, porém séria.

- Fique calmo – ele pediu –, nós vamos dar um jeito nessa situação.

434
Engoli o pouco de saliva que ainda restava em minha boca e tentei falar alguma coisa, mas nada saiu de meus
lábios a não ser um som incompreensível. Notei que a minha irmã estava recolhendo os cacos de vidro do copo
que a minha mãe havia derrubado e percebi que minha mãe ainda não tinha conseguido de mexer, no que ela
estaria pensando?

- A gente vai resolver isso filho, eu te prometo!

Uma dúzia de lágrimas começaram a descer pelo meu rosto e meu pai me abraçou de um jeito carinhoso como
ele nunca havia feito antes. Comecei a soluçar em seu ombro e o desespero tomou conta de mim.

Como ia ser dali para frente? Como ficaria a minha vida? Os meus estudos? Os meus amigos? A minha família?
O meu amor...?

Eu ia ser pai. A Natália estava esperando um filho meu... Um fruto de um deslize, um fruto de uma bebedeira, de
uma noite que eu não queria que tivesse acontecido. A Natália e eu nem sequer estávamos juntos, tudo não
passou de uma aventura da parte dela e de uma irresponsabilidade de minha parte...

- Calma, Eder – pediu meu pai. – Eu vou resolver isso. – Marcus, ajude-o a tomar um banho para que se acalme.

Meu irmão veio me ajudar a andar e aos poucos eu consegui recuperar os movimentos dos meus membros
inferiores. Meu irmão me conduziu até o banheiro do piso inferior e trancou a porta com a chave quando nós
entramos.

Meu irmão deixou a água cair pelo meu corpo e saiu para fazer alguma coisa. Um filho... Um bebê... Meu filho!
Eu ia ser pai! Aos dezesseis anos... Como aquilo poderia estar acontecendo?

Aos poucos o desespero me deixou e chegou a culpa. Eu ia perder o Fael pela terceira vez, com toda a certeza.
Ele não ia querer saber de mim, eu ia ser o pai do sobrinho dele, como ele poderia querer ter algo com o pai do
filho da irmã dele? Aquilo não estava fazendo sentido para mim...

E o pai da Natty? Com certeza iria querer me matar, acabar com a minha vida, afinal eu tinha tirado a pureza da
filha caçula dele, eu estava acabando com a adolescência da menina... Mas a culpa não era minha! Não podia ser
minha! Se tudo aquilo estava acontecendo, eu não podia ser responsabilizado... Não por completo.

Quando tudo aconteceu, eu não era dono da minha razão, eu estava bêbado, muito bêbado. Ao contrário da
Natália, que estava sóbria e sabia muito bem o que estava fazendo. Quem havia me levado para cama tinha sido
ela e não fui eu quem a procurei.

O meu irmão caçula entrou novamente no banheiro e desligou a torneira do chuveiro. Ele passou a toalha pelos
meus cabelos e depois secou meu corpo, vestindo-me em um roupão logo em seguida.

- Vem mano – ele me puxou.

Eu andei por cima das nuvens até que finalmente cheguei ao meu quarto. A minha cama parecia gritar pelo meu
nome e eu desabei em cima dela assim que me foi possível.

Não tive como responder. Eu não sabia como estava me sentindo, eu não sabia o que estava acontecendo. Eu não
queria saber de nada naquele momento, tudo o que eu mais precisava, era dormir.
435
- Fala comigo maninho – pediu Marcus. – Eu sei que você consegue.

Mas eu não conseguia. A voz parecia não querer sair, eu queria dormir, ficar sozinho com a minha dor... Pensar.

Se ela estava realmente grávida e se o filho realmente fosse meu, a gestação ainda estava muito recente. Nós
tínhamos transado no dia dezenove de novembro e estávamos no dia quatro de janeiro... Menos de dois meses.
Quase sete semanas. Mas... Se eu tinha visto ela com o primo em Angra... Então havia uma possibilidade mínima
daquela criança não ser minha. E eu tinha que rezar, pedir à Deus, torcer, suplicar e implorar que ela não
estivesse grávida de mim... Mas e se estivesse?

Quando tudo finalmente estava se acalmando, quando a minha dor de cabeça estava passando e eu estava enfim
conseguindo colocar as coisas em ordem, ouvi gritos, xingos e ofensas vindos da sala.

- Cadê ele Alexandre? – era Jorge e eu sabia que ele estava a minha procura.

Não sei como nem porque, mas senti uma força dentro de mim e saí da cama. Ainda estava apenas de roupão,
então vesti a primeira coisa que encontrei em minha frente e desci as escadas.

- Você pensa que é fácil assim Alexandre? É da minha filha que nós estamos falando!

- Não é só da sua filha, o meu filho também está no mesmo barco. Ou você pensa que está sendo fácil para ele?

Jorge deu um soco na parede e bufou de raiva. Eu desci as escadas e todos se viraram para mim. Rafael também
estava ali, nossos olhos se encontraram e ele fez cara de tristeza. Aquilo mexeu comigo.

- Ora vejam só... – disse Jorge, vindo até onde eu estava. – Olha quem deu as caras...

Ele chegou até mim e me pegou pelo pescoço. Eu senti o ar de meus pulmões sumir e não consegui inspirar.

- O que você fez com a minha filha moleque?

Eu tossi e meu pai, meu irmão e o Fael puxaram o Jorge para longe de mim. Passei os dedos pelo meu pescoço e
respirei fundo. Continuei com os olhos no pai do Fael e finalmente consegui falar.

- Essa criança não é minha.

A maioria dos presentes arregalou os olhos, inclusive o pai de Natália.

- Como? – ele disse, incrédulo.

- Essa criança não é minha – eu falei novamente, seguro do que estava falando.

Jorge deu risada e ameaçou vir até onde eu estava novamente, mas mudou de ideia.

- Você está querendo me dizer que a Natália está mentindo pra mim Eder?

- Jorge, eu já disse que quem vai resolver tudo isso sou eu – falou meu pai.

436
- Como você vai resolver Alexandre? – ele gritou. – Como? Não é a sua pequena que está com uma criança
dentro da barriga! Não é a sua filha que foi desonrada! Não é você quem vai ter que...

- Jorge – eu disse.

Ele se virou para me olhar. O rosto do homem estava vermelho feito sangue e as veias de seu pescoço estavam
um tanto salientes.

- Ninguém aqui é surdo – eu falei. – E eu já disse que eu não sou o responsável por isso.

- Ah, você não é o responsável?

- Não.

- Vai me dizer que não foi você quem tirou a virgindade dela no maldito do seu aniversário.

- Sim, mas...

- Sim? Então você confirma.

- Sim, mas...

- E ainda você diz que não é o responsável? Faça-me o favor moleque! Você foi homem para fazer, agora vai ser
homem para se responsabilizar.

- Quer me escutar?

- Escutar, escutar o quê? O que você vai inventar dessa vez?

- Pai – falou Fael.

- Em primeiro lugar, eu não quero e não vou inventar nada, não preciso disso. Em segundo lugar, eu confesso
que dormi com ela no meu aniversário.

Ele deu risada. Senti cheiro de álcool no ar.

- Terceiro, quem me procurou foi ela e não eu. Quarto, eu estava bêbado e se você me perguntar qualquer coisa
que tenha acontecido entre nós dois eu não vou saber responder. Quinto, quem me garante que essa criança seja
minha? A não ser que todos vocês sejam cegos, a Natty estava ficando com o primo dela, aquele tal de Douglas
durante toda a viagem. Como eu vou saber se essa criança é minha?

- A Natália estava ficando com o Doug? – espantou-se Rafael.

- Estava sim. Minha irmã é prova disso.

Todos olharam para a Giselle e depois de um minuto ela confirmou com a cabeça.

- Teve uma vez que eu fui procurar a Gi no quarto e encontrei os dois na cama. Eu não sei se eles estavam ou
fizeram alguma coisa porque eu saí de lá rápido, mas eu vi e sei que isso aconteceu.

437
- Agora você quer me dizer que a minha filha estava transando com o Douglas? – riu Jorge. – Faça-me o favor
Eder. Eu não nasci ontem, eu sei que você está tentando se safar...

- Me safar de quê? – eu o provoquei. – Ou você acha que se esse bebê for realmente meu eu não vou arcar com a
minha responsabilidade?

- Eu tenho certeza disso – ele falou, também me provocando. Eu senti o sangue subir para a minha cabeça de
uma vez só. – Dá para ver pela sua cara de maloqueiro que você é irresponsável.

- Pai, pelo amor de Deus – envergonhou-se Fael.

- O que é Rafael? Eu estou falando alguma mentira?

- Jorge é melhor você sair – disse meu pai, calmamente. – Não admito ofensas com o meu filho.

- Ofensa? Ofensa é tudo isso que está acontecendo Alexandre! Um irresponsável, é isso o que esse moleque é.

- Saia da minha casa – meu pai mandou.

- Pai – eu falei. – Deixa.

- Está vendo só? Ele admite!

- Olha só Jorge, em nenhum momento eu disse que vou fugir do que é meu, caso a criança seja minha. Caso não
seja e eu tenho lá as minhas dúvidas, eu não sou obrigado a fazer nada.

- Você quer fugir da responsabilidade – ele gritou –, mas você não vai não...

- E o que você pensa que eu vou ter que fazer?

- E você ainda me pergunta? Você vai ter que casar com a minha filha, assim que a criança nascer!

Casar? Era piada? Eu quase dei risada.

- Casar? Eu? Com a Natália? Mas nem em sonhos – eu respondi. – Pode até ser que eu seja o pai desse menino,
mas chegar a casar com a sua filha? Nunca!

- Viu? Eu não disse que ele quer fugir?

- Jorge se esse bebê realmente for do Eder ele vai assumir a responsabilidade – falou meu pai, eu senti a raiva em
sua voz. – Agora se essa criança não for dele, você vai pagar caro por todo o constrangimento que fez a minha
família passar.

- Isso é uma ameaça?

- Não, eu não sou homem de ameaças, eu simplesmente faço. Agora, eu peço, por gentileza, que você se retire. Já
vi a sua cara demais por hoje.

438
Jorge me fitou com os olhos semi-cerrados e se fosse possível ele me matar com aquele olhar, eu tinha caído
morto no chão em menos de um segundo.

- Isso não vai ficar assim – ele ameaçou, com o dedo em minha direção. – Isso não vai ficar assim...

Ele deu as costas para mim e saiu, batendo a porta com força ao passar. O pisca-pisca do corrimão balançou com
a força do movimento.

- Eder – Rafael disse com a cabeça baixa. – Desculpe...

- Que nada Fael – eu disse, olhando-o fixamente. – Você não tem culpa. A culpa é toda minha...

- Eder filho, essa história de você ter visto a Natália e o...

- É verdade sim pai – a Giselle confirmou. – Eu os vi juntos algumas vezes.

- Eu não sabia disso – Fael confessou. – Ela não nos disse nada.

- É claro que ela não ia dizer nada – eu falei. – Ela não é boba.

- Eu vou deixar vocês a sós – falou Fael, se dirigindo até a porta. – E me desculpem pela atitude do meu pai, ele
está fora de si.

- Não esquenta Rafa – meu pai disse. – Tudo vai se resolver.

Até o sábado eu não consegui falar com o meu Rafael. Todas as vezes em que ele tentava me ligar eu não estava
com o celular ou o mesmo estava sem bateria e quando eu retornava, ele não me atendia.

Eu já estava ficando tranquilo, mas não conseguia acostumar com àquela situação. Minha mãe estava nervosa e
irritada com tudo o que estava acontecendo. No mesmo dia pela manhã, a Gabrielle descobriu o que tinha e
ficamos aliviados em saber que ela não estava esperando um filho do Henrique. Tudo o que ela tinha desde o
começo, era gastrite.

- Graças a Deus – Henrique suspirou, aliviado. – Hoje eu vou conseguir dormir em paz.

- Mas eu não – respondi frustrado. Desde que soubera da gravidez de Natália, não estava conseguindo dormir
direito.

- Como a sua irmã está? – indagou Giselle.

- Ah, daquele jeito Gi – Gaby respondeu. – Nervosa acima de tudo.

- E seu pai? – eu perguntei.

- Ele está começando a entender. Os dois conversaram ontem à noite e ela realmente confirmou que esteve com o
Douglas. Meu pai não está acreditando muito nisso, mas aos poucos ele está colocando as ideias em ordem.

- Menos mal.

439
- E se esse filho for seu Eder? – perguntou Giselle. – Já pensou no que vai fazer?

- Se ele for meu eu vou assumir conforme a minha responsabilidade. Vou fazer de tudo para que não falte nada a
ele, mas não me peçam nada além disso.

- A Natty morre falando que é seu – me informou minha cunhada.

- Isso nós só saberemos quando nascer – meu irmão pôs um ponto final na história.

Eu tinha fé que acontecesse um aborto natural. Ou quem sabe se a Natty abortasse por conta própria? Nem eu,
nem ela e eu tinha certeza que nem o Douglas queríamos aquela criança... Então se ela perdesse o neném tudo
ficaria resolvido e todos nós ficaríamos felizes. Quem sabe assim eu poderia ficar com o meu Rafael novamente?

A porta foi escancarada e Cláudia me olhou no fundo dos olhos. Ela fechou a cara com a minha presença e disse
rispidamente.

- O que você quer?

- Será que eu posso trocar uma palavrinha com a sua filha?

- O que você quer com ela? Quer acabar com o restinho de vida que sobrou?

- Mãe – ouvi Natália dizer –, deixe-o entrar.

Cláudia abriu caminho para eu passar e bufou quando o fiz. Natty estava muito linda. Os cabelos estavam mais
escuros que o natural, ela estava com um tomara-que-caia branco e uma saia azul. Eu não tinha como negar a
beleza da cunhada do meu irmão.

- Podemos falar um pouco? – eu perguntei.

- Claro – ela disse, com o rosto sério.

Subi as escadas e entrei no quarto da irmã do meu anjo. Notei que a mobília era semelhante aos aposentos da Gi
e me sentei na beira da cama.

- Natty...

- Eder...

- Que tal você fazer um aborto? – eu sugeri.

Ela parou onde estava e arregalou os olhos. As mãos foram para o ventre como um raio.

- O quê?

- É isso mesmo que você ouviu. Vai resolver tudo.

- Como é que você me sugere isso Eder?

440
- Natty...

- Meu Deus eu não estou ouvindo uma barbaridade dessas... Você quer mesmo que eu acabe com a vida de um
inocente que não pediu para vir ao mundo?

- Será que...

- Nossa eu jamais pensei que você fosse assim! Isso não é coisa que se peça...

- Eu...

- Se você não quiser assumir essa criança, pouco me importa... Eu a crio sozinha, não preciso da sua ajuda...
Agora, tirá-la? Jamais?

- O que prova que esse filho é meu? Eu só vou acreditar quando tiver o resultado do DNA em minhas mãos!

- Não tenho medo do DNA não Eder e se você quer fazer, faça. Eu tenho certeza que ele é seu. Eu não fiquei com
mais ninguém...

- Ah, não ficou? Sei...

- O que você quer afinal? Tentar me convencer a tirar meu filho? Então lamento dizer que você não conseguiu o
que deseja. Algo mais? Eu acho que não, né? Então se puder me deixar sozinha, eu te agradeço.

Ela abriu a porta e me puxou pelo pulso, eu fui obrigado a sair do cômodo, mas antes, tentei falar:

- Não pense que eu...

Mas ela bateu a porta no meu rosto. Suspirei e saí andando. Parei à frente da porta do quarto do Fael e decidi
bater, mas tive receio de encontrá-lo...

- Quem é?

Eu não consegui responder.

- Quem é? – ele perguntou de novo.

A porta foi aberta e a expressão de surpresa no rosto do meu anjo me deixou um pouco abalado.

- Oi – eu disse baixinho.

- Ah, é você. O que veio fazer aqui?

- Eu vim falar com a Natália...

- O que você quer com a minha irmã?

- Será que nós podemos falar um pouco?

- É que eu já estou de saída para a firma...

441
- Serei breve.

- Entra – ele pediu.

- Eu só queria saber uma coisa.

- O quê?

- Como nós ficamos?

Ele suspirou e sentou-se ao meu lado.

- Isso é o que eu mais tenho me perguntando nos últimos dias.

- Por que você não me atende mais?

- Eu é que te pergunto!

- Quando você me liga eu nunca estou com o celular.

- Ah, sei...

- Não é mentira, falar com você é tudo o que eu mais preciso nesse momento.

- Então fala.

- Está bravo comigo?

- Bravo? Por que eu estaria?

- Como por que estaria? Porque eu acabei com tudo de novo?

- Você não acabou com nada, nada do que está acontecendo é culpa sua.

Pelo menos ele estava ao meu lado. Era o que parecia.

- Que bom que você pensa assim.

- Mas mesmo não sendo a sua culpa, você tem parte na situação.

- Eu sei.

- E vai ter que consertar de um jeito ou de outro.

- Como? Eu não sei o que fazer...

- Primeiro de tudo a gente tem que esperar.

- Uhum.

- E depois ver o que vai acontecer.

442
- Uhum.

- Eu sinto sua falta.

- Eu também.

- Mas sempre acontece alguma coisa que impede da gente ficar junto.

- É.

- E isso é ruim.

- É.

- Por isso eu não sei o que te dizer.

- Quer terminar não quer?

- Terminar? Nós nem começamos nada...

- Você entendeu!

- Se tudo fosse fácil assim Eder... Se tudo fosse apenas terminar...

- E o que você quer fazer então?

- Eu quero sumir.

- Sumir?

- É. Desaparecer, sair por esse mundo e nunca mais voltar.

- Isso não vai resolver nada.

- Não mesmo, mas pelo menos eu vou estar contigo.

- Quê?

- Eu queria fugir com você. Não é a primeira vez que sinto vontade de fazer isso...

- Quem dera se eu pudesse!

- E eu também. Não consigo ficar longe de você mais meu menino...

- Eu também não.

Ele me puxou para um abraço e disse:

- Desculpa.

- Eu é que te peço.

443
- Você não tem que pedir nada.

- Nem você.

- Fica comigo?

- Para sempre.

- Por toda a eternidade...

- Até que eu morra.

- Eder?

- Oi?

- Eu te amo..

Eu não sei se estava ouvindo demais ou se estava ouvindo de menos. A principio fiquei sem reação e apenas
continuei abraçado a ele, com os olhos um pouquinho arregalados.

Eu sabia que ele estava esperando uma resposta e decidi que deveria ser à altura do que ele tinha dito a mim.
Criei coragem para falar o que eu sentia desde o primeiro dia em que nós havíamos nos encontrado, respirei
fundo e me derreti:

- Eu amo você muito – falei baixinho.

Ele me apertou com doçura e a partir dali não precisei de nada mais. Só com aquele abraço eu estava me sentindo
feliz, eu estava me sentindo protegido, aquecido e nada nem ninguém poderia me fazer mal.

Fael se afastou de mim e beijou os meus lábios com carinho. Passei os dedos pelo seu queixo, enquanto a outra
mão estava presa em sua nuca. Ele me empurrou para que pudesse me deitar e logo em seguida nós estávamos
completamente envolvidos.

- Eu te amo – dissemos ao mesmo tempo quando enfim o beijo cessou.

Abracei o meu amor com força e nós ficamos ali, parados, calados, um curtindo a presença do outro, um
aproveitando o outro ao máximo.

- Eu posso te chamar de Ed?

- Ed? – eu me surpreendi. Por qual motivo ele estava me perguntando aquilo, depois de tanto tempo em que a
gente se conhecia?

- Lembra que uma vez eu disse que queria um apelido que só eu pudesse utilizar?

- Lembro – e como eu ia esquecer?

- EU pensei em vários. Mas o único que eu posso falar quando nós não estivermos sozinhos, é esse.
444
- É claro que você pode me chamar assim. Você pode me chamar do jeito que você quiser.

- Eu queria poder gritar bem alto a todo mundo o quanto você é especial para mim, o quanto você é lindo, é
maravilhoso... E o quanto eu te amo!

Eu não soube o que responder e quando me dei conta, já estávamos nos atracando novamente. Ele sugou o meu
lábio superior com força e o prendeu por alguns segundos. As nossas línguas se perderam uma na outra e eu senti
a minha boca começar a adormecer.

Aquela sensação era nova e me instigou a continuar. Assim como ele, puxei o lábio inferior e o prendi
delicadamente. Ficamos assim por um período considerável de tempo e quando ele soltou, a minha boca estava
morta. Ficamos nos beijando por mais alguns minutos, até que ele parou.

- Eu tenho que ir trabalhar – lamentou-se.

- É eu sei. Estou te prendendo...

- É por uma boa causa. O ônibus já deve estar chegando para me pegar...

- Vamos descer, então?

- Vamos sim.

Foi um tanto sacrificante levantar daquela cama, mas a obrigação em primeiro lugar. Fael terminou de arrumar
algumas coisas, pegou uma mochila consideravelmente grande e colocou-a às costas.

- Pronto? – eu perguntei com os olhos fixos nos dele.

- Sim – ele me respondeu, pegando ambas as minhas mãos.

- Então vamos?

- Só mais um beijo? – ele me pediu e eu não tive como negar.

Este foi curto, mas delicioso como todos os outros.

- Agora eu posso trabalhar feliz – ele sorriu.

Dei-lhe um abraço carinhoso e nós descemos até o quintal. Fiquei com ele até que o fretado da empresa onde ele
trabalhava chegou para pegá-lo.

- Bom trabalho – eu disse.

- Obrigado, até mais tarde.

- Até.

Até mais tarde? Aquilo significava que nós iríamos nos ver à noite, ou era impressão minha?

Consegui vê-lo sentar-se no fundo do veículo e acenei quando o mesmo criou movimento. Empurrei o portão e
entrei, flutuando de tanta felicidade.
445
Meu celular vibrou em cima da cama e eu peguei-o em minhas mãos para ver o que era. Uma nova mensagem de
texto tinha acabado de chegar e eu apertei o botão para poder abri-la.

“Você foi a melhor coisa que aconteceu em toda a minha vida”

Quanto mais o tempo passava, o meu sentimento pelo Fael só ia aumentando. Ele já era sem a menor sombra de
dúvidas uma das, senão a pessoa mais importante da minha vida.

“Agradeço a Deus todos os dias por tê-lo colocado em meu caminho. Eu te amo muito meu amor, muito
mesmo.”

Suspirei e liguei o rádio do meu telefone. Fui passando as estações, até que uma música desconhecida, porém
com um toque lindo me chamou a atenção:

“Melhor a gente se entender

E o que tiver que acontecer

Que dessa vez, seja pra sempre

Pra que brincar de se esconder

Se o amor tocou eu e você

De um jeito assim, tão diferente

Por que você não fica comigo?

E deixa o meu amor te levar?

Solidão a dois é um castigo

Sem essa de querer conquistar...

Nosso amor é tão lindo

E eu só penso em você...

Nossa paixão...

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Mas o que eu to sentindo

Você finge que não vê...

A solidão...

Nosso amor é tão lindo

E você longe de mim...

Eu nunca amei assim...

Eu nunca amei assim...

Vem cá me deixa te tocar

Dormir na luz do teu olhar

E te falar, meus sentimentos

Deixa o ciúme pra depois

O amor tem planos pra nós dois

Você mudou meus pensamentos...

Por que você não fica comigo?

E deixa o meu amor te levar?

Solidão a dois é um castigo...

Sem essa de querer complicar...

Nosso amor é tão lindo

E eu só penso em você...

Nossa paixão...

Mas o que eu to sentindo

447
Você finge que não vê...

A solidão...

Nosso amor é tão lindo

E você longe de mim...

Eu nunca amei assim

Eu nunca amei assim...”

Fiquei com a letra da canção na minha cabeça e digitei uma nova mensagem:

“Viver tudo o que está acontecendo comigo está sendo maravilhoso. Eu nunca amei assim e sei que enquanto
vida eu tiver, nunca amarei com a mesma intensidade. Obrigado por você existir...”

Deixei os fones nos ouvidos e fiquei fitando o teto. Mesmo com toda a reviravolta que a minha vida tinha dado,
eu não podia negar que eu era abençoado por Deus e não podia deixar de agradecê-lo a cada segundo pela minha
família estar ao meu lado e por eu ter alguém tão especial como o Fael.

Meus dedos voaram por conta pelas teclas do celular de quando menos esperei, já estava ouvindo outra canção,
sem parar de pensar no meu amor um segundo sequer:

“Io conosco la tua strada ogni passo che farai

Ie tue ansie chiuse e ivuoti sassi che allontanerai

Senza mai pensare che come roccia lo rittorno in te...

Io conosco I tuoi respiri tutto quello che non vuoi

Io sai bene che non vivi

Riconoscerlo non puoi e sarebbe como se

Questo cielo in flamme ricadesse in me

448
Come scena su un attore...

Per amore hai mai fatto niente solo

Per amore hai sfidato il vento e urlato mai ?

Diviso il cuore stesso pagato e riscommesso

Dietro questa mania che resta solo mia

Per amore hai mai corso senza fiato

Per amore perso e ricominciato

E devi dirlo adesso quanto de ti ci hai messo

Quanto hai creduto tu in questa bugia

E sarebbe como se questo fiume in piena risalisse a me

Como china al suo pittore

Per amore hai mai speso tutto quanto la regione

I tou orgoglio fino alpianto

Io sai stasera a resto non ho nessun pretesto

Soltando una mania che è ancora forte e mia

Dentro quest'anima che strappi via

E te lo dico adesso sincero con me stesso

Quanto mi costa non saperti mia...

E sarebbe como se tutto questo mare

annegase in me”

449
A porta do meu quarto se escancarou e minha irmã entrou sem pedir permissão.

- O que está fazendo aí mané?

- Ouvindo música – eu respondi, tirando os fones dos ouvidos. – Por quê?

Ela estava com uma blusa decotada, o que deixou a marca do biquíni à mostra. Aquilo não me deixou muito
satisfeito.

- Não, por nada. Eu pensei da gente ir dar uma volta por aí...

- E aonde iríamos?

- Ah, sei lá, vamos alugar um filme?

- É pode ser. Não estou fazendo nada mesmo, assim pelo menos eu me distraio.

- Não pode ficar assim Eder, vai acabar entrando em depressão.

- Longe de mim.

Meu aparelho vibrou novamente. Eram duas novas mensagens. Eu abri a primeira:

“Você sabe como me deixar sem palavras.”

E a segunda:

“Mas eu sou teimoso: Quando eu penso que já te perdi, você aparece do nada e faz o meu coração criar vida
novamente. Inesquecível é pouco para te dizer, você é muito mais do que isso, você é único.”

Abri um sorriso e meus olhos se encheram de luz. Li a mensagem mais uma vez, mas fui acordado do meu
devaneio:

-Do que você está rindo?

- Nada – eu respondi, guardando o celular no bolso da calça. – Não é nada. Cadê o Marcus?

- Foi à casa de um amigo dele que eu não me lembro o nome.

- E os nossos pais?

- Saíram de novo e não sei para onde.


450
- Você nunca sabe nada...

- Eu não me apego a detalhes. Vamos ou não?

- Aham.

- Que surpresa ver você aqui Eder – disse Diogo. – Está sumido...

- Oi Diogo, tudo bem? Ah, moleque... Eu estava viajando, cheguei esses dias...

- Ah, está explicado. Tudo bem gatinha?

- Tudo sim e você?

- Opa, melhor agora!

Eu empurrei a minha irmã com a mão direita e ela tropeçou em um degrau.

- Quer me matar com um tombo, idiota?

- Sobe logo e não reclama.

Acabamos por alugar dois romances quaisquer. Senti vontade de entrar na saleta de filmes eróticos, mas não
podia, já que estava acompanhado pela Giselle.

- Dez reais, vai pagar agora ou na devolução? – perguntou o atendente.

- Na devolução – minha irmã respondeu.

- Tragam na segunda-feira – Diogo pediu. – E bom filme!

- Obrigado – eu e Giselle respondemos.

- Voltem mais vezes...

- Pode deixar.

Quando chegamos em casa, meus pais e irmãos já haviam retornado.

- Onde os senhores estavam? – perguntou minha mãe.

- Nós fomos alugar uns filmes – respondeu Giselle.

- Ah, deixem-me ver? – pediu Marcus.

Joguei a sacola e subi para o quarto, queria trocar de roupa. Coloquei o short de jogador de futebol, uma regata
de malha fina e desci novamente. Senti cheiro de pipoca e mesmo não gostando muito da guloseima, senti
vontade de comer.
451
Minha mãe chorou ao final do primeiro filme e meu pai deu-lhe um beijo longo na boca. Eu e meus irmãos
abandonamos a sala e fomos cada um para um canto. Giselle possuiu o computador, Marcus ficou jogando vídeo-
game e Henrique e eu ficamos conversando no meu quarto.

- Sabe Eder, eu estou aliviado – ele me confessou. – Graças a Deus ela não está grávida.

- Eu infelizmente não posso dizer o mesmo.

- Tenha paciência mano, você vai ver que o bebê não é seu.

- Eu estou depositando todas as minhas fichas nessa hipótese.

- Agora é esperar para ver.

- Sete meses ainda – eu suspirei.

- Você vai ver que nem irá demorar tanto.

- Pior que é verdade, daqui a pouco já é agosto de novo.

- Ele ou ela vai nascer bem na época do aniversário da Gaby e da Gi.

- Nós podemos mudar de assunto? Isso não é um papo muito legal...

- É você tem razão! Eu vou tomar banho, já, já vou sair com minha namorada.

- Aonde vocês vão?

- Vou levá-la para jantar, depois nós vamos namorar.

- Por que você não diz logo que vai ao motel?

- Porque eu não costumo ser tão direto como você.

Eu sorri e baixei meus olhos. O meu irmão passou as mãos pelo meu cabelo e disse:

- Ainda tem ciúmes, né?

- Tenho.

- Você não muda mesmo.

- Não.

- E é por isso que eu amo você.

- Eu também amo você encrenca.

- Acho bom.

- Vê se vocês criam juízo agora, viu?

452
- Pode deixar. Ela já está tomando remédio.

- Ah, sim.

O celular do meu irmão tocou e logo em seguida foi a vez do meu.

- Alô – dissemos ao mesmo tempo.

- Oi meu menino – falou Fael.

Henrique se levantou e foi até a janela, para poder conversar sem ser atrapalhado.

- Boa noite meu anjo, como você está?

- Eu bem, e você?

- Melhor agora – eu respondi sorrindo. – O que está fazendo?

- Estou no banheiro, daí aproveitei para te ligar um pouquinho. Já estava com saudades de ouvir a sua voz.

- Ai seu besta, só me deixa sem graça...

- Mas é a verdade meu menino!

- Bobo! Vai sair daí que horas?

- As onze. Vou fazer hora extra.

- Que funcionário exemplar – eu disse.

- Só de vez em quando.

- O seu pai está aí?

- Está. Mas ele é de outro departamento.

- Ah, é mesmo, você já me disse isso antes.

- Uhum. Vou ter que desligar, liguei mesmo para te dizer que te amo muito.

- Eu também lindão!

- Até mais tarde.

- Fael, nós vamos nos ver ainda hoje?

- Pretendo.

- Ótimo!

453
- Quer ir à casa do meu primo?

- A gente vê isso. Mas eu já vou pedindo para os meus pais.

- Acho que a Gaby vai sair com o Henrique. Vê com o seu irmão se ele pode te ajudar.

- Tá.

- Até daqui a pouco, eu te adoro muito.

- Eu também meu garoto perfeito. Um beijo.

- Um milhão deles.

- Bobo.

- É você.

- No três, nós dois desligamos.

- Está bem.

- Um...

- Dois...

- Três – falamos ao mesmo tempo, mas nem ele, nem eu desligamos.

- Por que não desligou? – ele me perguntou.

- Esperando você desligar.

- E eu você.

- Então vamos...

- Agora...

- Um...

- Dois...

- Três.

- Tchau.

- Tchau.

- Eu te adoro, tá?

- Eu também.

454
- Beijo.

- Outro.

- Tchau.

- Tchau – eu disse rindo.

Meu irmão estava me observando e eu notei que ele queria rir.

- Agora é sério meu menino, tenho que ir. Se você conseguir me manda uma mensagem.

- Está bem. Bom trabalho.

- Obrigado. Beijão.

- Outro.

Quando ouvi o celular sendo desligado caí de costas na cama e sorri. Como ele era perfeito!

- Era o Fael?

- Era – eu suspirei, com os olhos brilhando de felicidade.

- Vocês dois estão bem, então?

- Melhor do que nunca – eu disse, mais para mim do que para o meu irmão.

- Isso é bom. Eu fico feliz por vocês.

- Obrigado. Henrique, eu posso te pedir uma coisa?

- Até duas – meu irmão disse.

- Será que você pode falar para os nossos pais que vai sair comigo ao invés de falar que vai sair com a Gaby?

- Como assim?

- É que eu quero sair com o Fael e se disser isso aos nossos pais, eles não vão deixar. Mas se você falar que vai
sair comigo, eles deixam.

- E aonde vocês vão?

- Ah, não sei.

- Não vão...

- Não! – eu exclamei. – Não vamos não.

- Então...

- Ai Ricky... Não me deixa em uma situação difícil – eu pedi, constrangido.


455
- Eder eu não acredito que vocês vão...

- Nós não vamos onde você está pensando – eu garanti. – E se fôssemos você não teria nada com isso.

- Não quero que você faça isso com ele.

- Eu também não quero que você faça com a Gaby, estamos empatados.

- É diferente.

- Por quê? Por que você é hetero e eu sou gay?

- Fala baixo Eder! – ele sibilou. – Quer que todos o ouçam?

Coloquei as duas mãos em cima da boca. Às vezes eu falava alto por natureza.

- Eu acho que ele vai me levar até a casa do primo dele que mora lá nos Estados Unidos. A gente já foi lá uma
vez.

- Então quando vocês disseram que foram a uma festa...

- Exatamente.

- Então já rolou! – ele se lamentou.

- Não Henrique! Quer parar de ser inconveniente?

- Eu sou seu irmão, poxa...

- Eu sei. Mas não rolou nada entre nós dois ainda e quando rolar eu te conto. Você me ajuda ou não?

- Não sei... Aliás, isso me lembra que foi você mesmo quem me pediu para que eu o deixasse longe dele, você se
recorda?

- Sim, mas isso são águas passadas, a circunstância é diferente.

- Por quê?

- Porque agora nós não estamos na casa de ninguém e podemos ter privacidade.

- Então você confessa que vai transar com ele?

- Não! – eu estava começando a ficar irritado. – Deixa quieto Henrique. Eu me viro...

- Eu te ajudo caralho! – ele exclamou, derrotado. – Mas eu vou querer saber...

- Pela milésima vez, eu não vou transar com ele agora, você me entendeu?

- Você me promete?

- Ah, Henrique! Pelo amor de Deus...

456
- Tudo bem, tudo bem, você venceu. Eu não vou falar mais nada...

Peguei o meu celular e digitei uma mensagem rápida:

“Consegui. Ele vai me levar.”

Meu irmão deitou-se ao meu lado e ficou olhando para o teto, assim como eu. A resposta da mensagem chegou
em poucos minutos:

“Pede para ele te deixar na estação de trem da Vila Olímpia.”

- Você pode me deixar na estação Vila Olímpia?

- Posso.

- Obrigado.

- Eu vou avisar o pai então.

- Ok.

Coloquei uma calça jeans preta, uma camiseta agarrada ao corpo, o tênis que havia ganhado de aniversário do
Rafael, o relógio que minha tia me dera, passei uma quantia generosa de perfume pelo corpo, fiz um moicano
perfeito nos meus cabelos loiros, escovei meus dentes e por fim, coloquei a corrente que ele tinha me entregue,
no dia de nossa festa.

- Uau – exauriu minha irmã. – Gente, você é o meu irmão mesmo?

- Sou – eu disse rindo. – O que achou?

Dei uma volta de trezentos e sessenta graus e a Giselle assobiou demoradamente.

- Você está um gato!

- Obrigado.

- Quem está tão cheiroso assim? – perguntou meu pai.

Ele parou atrás de mim e me analisou dos pés a cabeça.

- Caramba! Caprichou no visual, hein?

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- Como estou?

- Perfeito – ele disse.

- Pai, deixa eu ir junto, vai? Por favor – minha irmã pediu.

- Nem em sonhos Giselle. Nem em sonhos.

- Por que o Eder pode ir com o meu irmão e eu não?

- Porque o Eder é homem.

- Que absurdo! Vou falar com a mamãe!

- Pode ir. Ela não vai deixar você sair de casa com os meninos – meu pai colocou um ponto final. – Você vai
fazer as meninas babarem por você hoje à noite Eder!

- Obrigado pai.

- Eu quero ir com vocês – Marcus fez bico.

- Pede pro pai – eu falei, fazendo figas para o Alexandre não deixar.

- Quando você ficar um pouquinho mais velho o pai deixa, está bem?

- Não é justo pai! Por que o Eder pode e eu não?

- É por que ele pode e nós não? – Giselle perguntou mais uma vez.

- Escutem meninos, o Eder não está em um bom momento, ok? Ele precisa se distrair e nada melhor do que
conhecer pessoas novas. Vocês dois ainda são muito novos para sair de madrugada.

- Marcus, Gi – eu falei. – Eu prometo que da próxima vez, eu dou um jeito de levar vocês, está bem?

- E quando vai ser a próxima vez?

- Eu não sei. Amanhã nós três conversamos com o Henrique, pode ser?

- Promete? – perguntou minha irmã, fazendo bico.

- Prometo maninha...

- Mas eu quero ir – reivindicou meu irmão.

- Nem pensar – falou meu pai. – Já para a cama, os dois!

- Mas pai...

- Já para a cama Marcus!

- Droga viu?! Eu nunca posso fazer nada...

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- Não seja duro com eles pai...

- Da próxima eu dou um jeito de vocês levarem-nos.

- Tudo bem. Mas não briga com eles.

- Não vou brigar.

Meu irmão mais velho desceu as escadas vagarosamente. Ele estava bem parecido comigo. O cabelo não estava
com o mesmo penteado, o dele estava arrepiado em todas as direções, mas ele também estava de jeans preto e
camiseta, o tênis também era semelhante, mas o meu era mais bonito...

- Brigou com a namorada, filho?

- Não pai, por quê?

- Do jeito que você está, garanto que não vai passar a noite sozinho.

Henrique sorriu e coçou a nuca.

-Hoje a noite é do meu irmão.

- É isso aí! Assim que tem que ser, ajuda o seu irmão!

- Sempre.

- Chegam pela manhã?

- Isso – respondemos em uníssono, um olhando para o outro.

- Então bom divertimento. Juízo Eder.

- É quase o meu sobrenome.

- Ah, é? Imagina se não fosse!

Eu sorri e saí atrás do meu irmão. Sentei-me no banco traseiro e esperei Henrique dirigir até a rua para que
pudesse mandar outra mensagem ao Fael:

“Já estou à caminho meu lindão.”

Gabrielle entrou depois de alguns minutos. Ela deu-me um beijo no rosto e meu irmão arrancou com o possante.

- Você está bem Eder?

- Eu estou e você, Gaby?

- Bem também, graças a Deus. Vai sair com o Fael?

- É.
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- Vão aonde? Se você puder falar, é claro.

- Vão aonde... Vão aonde... – Henrique murmurou.

- Não sei Gaby. Acho que na casa do primo de vocês que mora lá no exterior.

- Ah, sério? Ele tem a chave, é?

Opa! Falei demais!

- Não esquenta a cabeça não, eu não vou falar para ele que você me contou...

- Obrigado!

Nós três ficamos em silêncio e quando eu desci do carro, Henrique me chamou no vidro e pediu para eu abrir a
mão.

- O que é?

Ele colocou algo em meus dedos e disse:

- Já sabe?

Apalpei o pacote de camisinhas e senti minhas bochechas queimarem de leve.

- Não precisa...

- Use. Tchau.

Eu notei que o meu irmão ainda estava enciumado e não estava confiando em minha palavra. Guardei as
camisinhas dentro do bolso da calça e peguei meu celular. Olhei em todas as direções antes de ligar para o Fael.

- Onde você está? – ele perguntou.

- Na estação – eu respondi.

- Pede pro Henrique esperar eu chegar, em quinze minutos eu estou aí.

- O Henrique já foi...

- Ele já foi? – espantou-se Rafael. – Como ele te deixou sozinho aí, Eder?

- O que tem demais nisso?

- Como o que tem demais? você já viu a hora?

- Já...

- Já passa das onze da noite... Ele é louco! Eu vou voando para aí... Cuidado, amor...

Ouvi o barulho do celular sendo desligado e suspirei. Encostei-me à parede e fiquei vendo o fluxo de pessoas
passando por dentro da estação de trem. Mesmo com o horário tardio, muitas pessoas ainda estavam por ali.
460
- Está esperando alguém moço? – perguntou o guarda.

- Ah, estou sim...

- E ela vai demorar muito?

- Não sei...

- Eu vou ficar por aqui, por via das dúvidas...

- Ah, muito obrigado... Assim eu fico mais tranquilo.

- Não há de quê. Esse é o meu serviço...

Coloquei minha visão para trabalhar e fiquei procurando algum carro que parecesse o do Rafael, mas era em
vão... Ele nunca chegava quando eu pensava que era ele. Estava prestes a mandar uma mensagem quando ouvi a
buzina me chamando.

- Chegou? – o guarda sondou.

- Uhum. Muito obrigado seu guarda, muito obrigado mesmo.

- O que é isso, rapaz. Vá com Deus.

- Amém, fique com ele.

- Graças a Deus que você está bem – Rafael suspirou, dando-me um selinho. – Eu juro que eu mato o seu irmão...

- O guarda ficou comigo.

- Sério? Que bom... Mas isso não diminui o que o seu irmão fez...

- Cala a boca e me beija Fael!

O meu pedido foi uma ordem. Nossos lábios se encontraram urgentes e ele me puxou para mais perto. Não
ficamos assim por muito tempo, afinal estávamos em um local movimentado. Ele deu a partida e eu coloquei a
mão na sua coxa direita.

- Hum... Gostei disso! – ele exclamou.

- É?

- É sim...

Fiquei assim até que Rafael estacionou na frente do casebre do primo dele.

- Agora somos eu e você – ele disse.

- E ninguém mais – eu completei.

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Assim que entramos, ele me jogou em cima da cama e veio por cima de mim. Antes mesmo dos beijos
começarem, meu pênis já estava a ponto de bala.

- Eu te amo – ele disse, beijando meu pescoço. – Eu te amo...

- Eu te amo mais – eu disse, acariciando a sua nuca.

- Duvido.

- Quer ver?

- Quero.

Virei e fiquei por cima. Arranquei minha camiseta com destreza e comecei a beijar seus lábios com ternura. Ele
arranhou as minhas costas e foi descendo as unhas até chegar no meu quadril. Eu apertei meu pênis contra o dele
e senti uma sensação gostosa debaixo da cueca.

Ele se levantou e eu sentei em seu colo. Nós nos olhamos dentro dos olhos e voltamos a nos beijar, sem
necessitar falar mais nada. Rolamos na cama por algumas vezes e Fael começou a beijar a minha clavícula.

- Eu vou tomar banho – ele disse baixinho.

- Hum – eu soltei um gemido, apertando o tórax dele com força. – Não vai não...

- Eu não vou demorar – ele prometeu. – A propósito, você está muito lindo.

- Obrigado...

- O tênis ficou perfeito em você.

- Eu amei!

- Deixe-me levantar meu bebê...

- Não – eu disse com voz de choro. – Fica aqui comigo...

- Eu estou suado, quero me refrescar um pouquinho...

- Então não demora...

- Eu juro – ele prometeu.

Beijamos novamente um ao outro e ele saiu rumo ao banheiro. Eu desforrei a cama e tirei o resto de minha roupa,
ficando apenas de cueca. Cobri as minhas pernas com o lençol branco e em menos de dez minutos ele voltou,
trajando apenas uma toalha na cintura.

Os meus olhos se perderam naquele monumento de homem e ele olhou dentro dos meus olhos. Mordi os meus
lábios e engoli o resto da saliva de minha boca... Ia ser naquele momento... Eu estava preparado... Eu o queria...
E ele a mim...
462
Fael desligou a luz da cozinha, desligou a luz do quarto e subiu na cama, por cima de mim. Senti o peso do corpo
sobre o meu, senti a pele roçando na minha e aquilo foi me deixando louco de tesão. Nossos lábios se
encontraram mais uma vez e eu passei a mão pelo seu corpo, até chegar aonde queria. Senti apenas a cueca e ela
não seria um obstáculo difícil de ser vencido... Introduzi um dedo pelo tecido e brinquei com e pele das nádegas
do meu homem. Ele soltou um gemido de leve e pressionou o quadril junto ao meu. Senti meu pinto ser
esmagado pelo dele e naquele momento eu tive certeza que ele me queria tanto quanto eu o queria...

Ficamos naquele roça-roça por muito tempo. Os músculos da minha boca já estavam começando a doer devido a
séries de movimentos repetitivos.

Empurrei o peito do Fael com delicadeza e ele se afastou de mim. Invertemos as posições e ele me abraçou com
força. A nossa pele estava se roçando e aquilo fazia com que eu ficasse mais quente e mais excitado.

- Deita aqui? – ele pediu, puxando-me para o lado esquerdo da cama.

Eu me deitei de lado e ele passou as pernas por cima do meu quadril. Eu não conseguia enxergar absolutamente
nada, afinal todas as luzes estavam apagadas. Nossos corpos se colaram novamente e ele voltou a me beijar
lentamente. Eu já não agüentava de tanto tesão, precisava me aliviar de algum jeito.

- Meu menino – ele sussurrou, passando o dedo pelos meus lábios lentamente.

Eu mordi a ponta do indicador da mão direita do Rafael de um jeito carinhoso e senti que ele sorriu pelo barulho
que seus lábios fizeram. Eu acariciei os cabelos lisos com delicadeza e afaguei a sua nuca demoradamente.

- Meu tesouro – eu respondi.

Ficamos parados por algum tempo, um acariciando o rosto do outro. Eu estava de olhos abertos e me perguntei se
estava olhando na direção certa, mas essa resposta eu não consegui.

Ele encostou a cabeça no meu peito e ficou ali, parado, pensando, mas ainda assim estava com as pernas
enroscadas às minhas.

Senti a língua quente e molhada envolvendo meus mamilos e aquilo me deixou ainda mais alucinado. Soltei um
gemido alto e demorado de prazer e por pouco, não gozei sem nem ao menos encostar um dedo no meu pau.

- Quer que eu pare?

- Continua – eu ordenei, com a voz rouca.

Ele mordiscou o bico do meu peito esquerdo muito de leve e continuou descendo a língua pela minha barriga.
Quando chegou no meu umbigo, ele parou e ficou brincando com a língua dentro do orifício.

Eu senti um pouco de cócegas e aos poucos ele foi descendo mais, até que estava completamente deitado e nós
não estávamos mais enroscados.

As duas mãos dele seguraram a minha cintura e eu automaticamente abri as minhas pernas, pronto para o que ele
quisesse fazer comigo.
463
Rafa se levantou da cama e puxou a minha perna direita para cima. Eu segurei com força no lençol e joguei a
minha cabeça de leve para trás. Ele beijou a ponta de cada dedo de meu pé direito e ficou chupando o dedão por
um tempo demorado. Senti uma sensação diferente pelo meu corpo e apertei a cabeça do meu pênis com o a mão
esquerda.

O mesmo movimento foi repetido com o pé esquerdo e quando dei por mim, ele já estava beijando os meus
joelhos. Senti dedos velozes passando pelas minhas coxas e se detendo na minha cintura. Rafael se deitou
novamente de bruços e puxou de leve a minha cueca para baixo, mas logo a subiu novamente.

- Não estou indo rápido demais, estou? – ele perguntou.

- Não – eu relatei. – Não está!

Nós voltamos a nos beijar e dessa vez com mais urgência. Meu pênis se levantava de três em três segundos e eu
nunca tinha sentido nada semelhante em toda a minha vida.

- Fael – eu disse sem fôlego.

- Meu menino?

- Eu te quero.

Ele ficou calado por um segundo, raciocinando o que eu estava pedindo e depois disse:

- É isso mesmo que você quer?

- É.

O beijo voltou com força total e aos poucos, nós novamente fomos nos grudando. Decidi que era a minha vez de
agir, eu não poderia deixá-lo na mão. Empurrei o corpo do meu homem para a cama com força e comecei a beijá-
lo no pescoço.

Brinquei demoradamente com o lóbulo da orelha direita, passei para a esquerda, desci lentamente até a clavícula,
dei-lhe um chupão com força e ele gemeu.

- Ah...

Fui beijando o tórax, chupei os mamilos delicadamente, passei os meus dedos até o começo da barriga e parei no
elástico da cueca que ele estava usando.

Meu coração acelerou de leve e eu separei as pernas do Fael, de modo que eu pudesse me acomodar de uma
maneira confortável. Senti o cheiro dele sendo exalado por todas as partes e aquilo fez a minha boca encher de
água. Encostei o nariz na face interna da coxa e soltei o ar profundamente. Ele soltou mais um gemido e este
mais demorado, fazendo com que eu ficasse ainda mais excitado.

Introduzi ambos os dedos na parte interna da cueca e comecei a puxá-la lentamente. Prendi a respiração quando
esta já estava no meio das coxas. Livrei-o do empecilho e fiquei receoso em continuar. Meu pau começou a
querer sair pra fora da cueca de tão duro que estava.

464
Voltei para a minha posição inicial e pude sentir pela primeira vez o cheiro verdadeiro do meu anjo protetor. Eu
engoli a saliva, criei coragem e dei um beijo na virilha daquele deus grego. Senti os pêlos roçaram no meu rosto e
algo duro se movimentar logo acima à minha cabeça. Ele soltou mais um grunhido de prazer, fazendo com que
eu criasse coragem em continuar o que já havíamos começado

Senti os dedos do meu homem acariciando meus cabelos e continuei de onde havia parado. Passei minha língua
pela virilha lentamente e fui descendo, dando beijos na coxa direita até chegar na panturrilha.

- Você me mata – ouvi-o dizer.

- É? Quer mais?

- Vem aqui – ele mandou.

Eu subi até poder beijá-lo e me deitei por cima do seu corpo. Senti o pênis dele encostado na minha barriga e
aquilo me deixou alucinado.

Ouvi o barulho de um celular tocando e aquilo fez com que nós dois parássemos o que estávamos fazendo. Ele
segurou na minha cintura, meu pau e o dele subiram ao mesmo tempo, mas nenhum teve atitude para continuar.

- É o seu? – ele perguntou.

- Acho que não.

- Acho que é o meu – ele disse.

- Deixa tocando...

- E se for algo importante?

Suspirei e desci para o colchão. Cruzei os braços e esperei. Percebi que ele se levantou e puxou o lençol da cama
junto à cintura, para não me mostrar nada. Fiquei um pouco decepcionado, mas ao mesmo tempo eu compreendi.

A luz do quarto foi acesa e ele vasculhou o local com os olhos, até que encontrou o que estava procurando. O
volume embaixo do tecido estava imenso e eu mordi os lábios, sem tirar os olhos dele um segundo sequer.

O celular começou a tocar pela segunda vez, Fael abaixou-se e pegou o aparelho que estava caído ao chão,
olhando o identificador de chamadas em seguida.

- Pai?

As sobrancelhas do meu amor se ergueram e ele piscou por duas vezes, segurando no pau sem nem perceber.

- Onde vocês estão?

Silêncio. Ele repetiu o aperto e falou novamente:

- Eu vou para aí.

E dizendo isso, ele desligou.

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- Amor – ele disse baixinho, vindo até mim.

- O que aconteceu?

Ele suspirou e se ajoelhou na cama, ficando ao meu lado.

- A minha irmã... Ela está passando mal...

- A Natty?

- É...

- O que ela tem?

Eu me sentei e olhei dentro daqueles olhos verde-claros que eram a minha sina.

- Ela desmaiou e está perdendo sangue...

O bebê! Ela tinha perdido o bebê!

- Você entende?

Sorri, mas sem mostrar os dentes e acariciei o lado direito da face daquele ser perfeito. Uma mecha de cabelos
caiu sobre meus dedos e eu fiquei enrolando o maço lentamente.

- É claro que sim amor – eu respondi.

Ele sorriu e me agarrou com força. Nós nos beijamos e já íamos nos deitar novamente, mas eu o barrei antes que
acontecesse.

- Não – eu falei.

Suspiramos ao mesmo tempo e ele se levantou.

- Vou me vestir no banheiro.

- Pode se vestir aqui se você quiser.

Ele me olhou e notei a pele do rosto ficando vermelha.

- É...

Eu ri e me levantei, indo até onde ele estava. Dei-lhe um abraço apertado e tive que segurar o lençol para que
este não caísse.

- Eu te amo – sussurrei em seus ouvidos. Ele prendeu a respiração e o lençol ergueu-se um centímetro naquele
momento.

- Eu também – Fael respondeu depois de alguns segundos.

466
Peguei a minha roupa e comecei a me vestir. O meu membro não queria relaxar a nenhum custo, mas eu não
podia dar um jeito na situação, em primeiro lugar, a saúde da Natália.

Rafa voltou quando eu já estava colocando o tênis do pé esquerdo. Ele arrumou a mochila, fez a cama, arrumou
as coisas que estavam fora do lugar e então, nós saímos.

- Desculpa meu menino – ele pediu, quando nós já estávamos a caminho do hospital.

- Não se preocupa amor – eu respondi. – A gente vai ter tempo para isso.

- Isso é verdade.

Coloquei a mão em cima do colo dele e apertei de leve. Ainda estava duro, assim como o meu. Ele deu um
sorriso malicioso e eu continuei, já que estava de madrugada e a rua estava praticamente deserta.

- Você vai causar um acidente de carro – ele me preveniu. Retirei a mão rapidamente e cruzei os braços.

- Opa, melhor não, então.

- Continua – ele pediu, separando um pouco as coxas.

- Safado – eu falei baixinho.

- Só um pouquinho... Faz um favor?

- Quantos quiser.

- Liga para a minha irmã... É bom avisá-la...

- Meu irmão vai querer me matar...

- Eu assumo a responsabilidade.

Peguei o telefone no bolso direito da minha calça jeans e selecionei o nome de Gabrielle. Tive que discar quatro
vezes, até ela me atender.

- O que é Eder? – a voz dela estava irritada.

- Gaby! Desculpa te incomodar cunhadinha...

- O que você quer?

- A Natália está passando mal – eu falei de vez.

Ela ficou calada por um segundo e depois retornou:

- O que ela tem?

- Desmaiou e está perdendo sangue...

- Onde ela está? – a voz passou de irritada para preocupada.

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- Em qual hospital ela está Fael?

- São Luis.

- Ela está no São Luis – eu respondi à Gabrielle.

- Eu estou indo pra lá.

Nem tive tempo para me despedir, ela já havia desligado. Guardei novamente o celular no bolso e suspirei.

- Ela vai para lá também.

- O Henrique vai querer me matar.

- Vai sim.

- Desculpa – ele disse.

- Não se preocupe meu anjo – eu disse, tentando dar-lhe um beijo no rosto, mas estava difícil.

- Você é perfeito – ele soltou.

- Você é que é.

- Não, é você.

- Não, não. É você.

- Não! Você.

- Para de ser teimoso menino!

- É você quem é teimoso.

Ele parou em um farol e pegou a minha mão esquerda, entrelaçando os nossos dedos pela primeira vez desde que
havíamos nos conhecido.

Ficamos nos olhando com ambos os lábios entreabertos até o sinal abrir. Fael pisou no acelerador e teve que
desunir nossas mãos, para poder trocar a marcha.

- Ele está te esperando.

Não entendi o que ele tinha dito e quando olhei para baixo, notei o volume ainda maior. Abri um sorriso safado e
coloquei a mão em cima da calça. Ele mordeu os lábios e passou os dedos pelo meu braço, até chegar no meu
pênis.

- Assim fica difícil dirigir – ele disse.

- Não seja maluco Rafael – eu disse, tirando a mão dele de cima de mim –, preste atenção no volante.

- Nós já estamos quase chegando.

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- Até parece! Ainda estamos longe pra caramba.

- Melhor ainda – ele sorriu.

Só tirei a mão de cima do pau do Rafael quando ele finalmente desligou o motor do carro.

- Quase – ele disse.

- Quase o quê?

- Se você continuasse por mais dois minutos eu ia às nuvens.

- Ainda bem que nós paramos, então.

- Ah, é assim?

Ele me puxou pelos ombros e me deu um beijo de língua muito gostoso. Senti meu rosto explodir em
vermelhidão, afinal nós estávamos em um local público e movimentado.

- Para amor – eu pedi, tentando me soltar, mas ele não deixou.

O meu celular começou a tocar e eu o empurrei com delicadeza, podendo finalmente parar de beijá-lo.

- Oi Gaby.

- Vocês já chegaram ao São Luis?

- Já.

- Ah, nós estamos entrando no estacionamento. Onde ela está? Em qual quarto?

- Não sei, a gente acabou de chegar, nem saímos do carro ainda.

- Achamos vocês – ela disse. Eu olhei para trás e vi o carro do meu irmão se aproximar.

Desliguei e tirei o cinto para poder sair. Fael suspirou e arrumou a calça para diminuir o volume que estava
visível de longe.

- Calma aí, amiguinho – ele sussurrou. – Relaxa, poderia ser pior.

- Eu não acredito que você está falando com o seu...

- Eder? – chamou Henrique, abrindo a porta do carro para que eu saísse.

- Oi Ricky – eu disse. A fisionomia dele estava péssima.

- Vamos entrar? – perguntou Gaby.

- Vamos sim – falou Fael, com o rosto preocupado. Os irmãos saíram à frente e eu e Henrique os seguimos.

469
- Muito obrigado por ter ligado – meu irmão bufou.

- Desculpa... Eu também estou chateado.

- Ah, está? Bom saber...

- O que é? A culpa é minha que ela está passando mal?

- Eu disse alguma coisa?

- Não.

- Então só fala alguma coisa quando você estiver na razão.

Ele saiu andando e eu fiquei para trás. Corri para poder acompanhar o Fael e a Gabrielle. Eles estavam discutindo
entre si.

- Não acho que não – Rafael dizia –, se fosse isso o pai tinha falado.

- Espero que não. Mas se for, tudo bem. A vida continua.

- Boa noite – Fael disse à recepcionista. – A paciente Natália F. Alcântara?

A mulher digitou rapidamente o nome da irmã do meu amor e logo disse:

- Quarto dois. É só virar à direita.

- Obrigado – dissemos nós quatro ao mesmo tempo.

- Onde você estava? – perguntou Gaby ao Henrique.

- Fui comprar uma água.

- Rafa, Gaby – Cláudia chamou. Ela e Jorge estavam sentados na sala de espera.

- O que houve? – perguntaram os irmãos ao mesmo tempo.

Jorge lançou-me um olhar fulminante e eu me aproximei de Henrique. Ele passou a mão pela minha cintura e me
grudou junto ao seu corpo.

- Ela começou a vomitar assim que vocês saíram e depois quando eu fui vê-la, ela estava desmaiada no chão do
quarto. Começou a perder sangue quando chegou aqui...

- E a criança? – perguntou Gabrielle.

- Estão fazendo exames – respondeu Jorge, com a cara de poucos amigos –, tomara que tenha perdido.

- Jorge! – exclamou Cláudia.

- O que é Cláudia? Vai me dizer que você está feliz com essa gravidez? Essa criança é um encosto!

- Pai – Rafael reclamou.


470
- Eu nem falo nada – Gaby suspirou. – Podemos vê-la?

- Só quando o médico sair.

Nós nos sentamos nas cadeiras do hospital e aguardamos os médicos saírem do quarto. Demorou
aproximadamente quinze minutos até a porta se abrir.

Todos, exceto eu e meu irmão, foram até o médico e o encheram de perguntas:

- Como ela está?

- Ela perdeu o neném, não perdeu?

- Ela pode ir para casa?

- O que ela tem?

- Calma, uma pergunta de cada vez. Vocês já podem entrar. Ela está bem.

Os quatro entraram e Henrique me olhou, com uma das sobrancelhas erguidas.

- Quer ir?

- Não.

- Vai lá Eder... Esse filho pode ser seu...

- Não é meu – eu fiz questão de separar cada silaba.

- Tudo bem.

- Vamos – eu disse por fim, colocando-me de pé.

- Eu juro que eu não te entendo.

- Nem eu.

Cada um estava em um lugar. Cláudia e Gabrielle estavam uma em cada lado da cama, Fael estava conversando
com o médico e o Jorge estava olhando pela janela.

Eu me aproximei lentamente do leito hospitalar e quando me viu, Natália se surpreendeu.

- Você?

- Oi. Como vai?

- O que está fazendo aqui?

- Queria saber como você está...

- Bem, obrigada.

471
Meu irmão passou o braço pelo ombro da namorada e perguntou:

- O que você teve?

- Nada demais. Apenas um forte enjoo. E por mais que queira, não perdi esse moleque...

- Filha!

- Mãe seria melhor para todos – ela suspirou.

Então ela havia mudado de ideia... Talvez naquele momento eu conseguisse convencê-la de que abortar seria o
melhor para nós dois. Quer eu fosse o pai, quer não.

- Eu já volto Natália – o doutor disse. – Vamos ter que fazer um ultra-som.

- Aff, só era o que me faltava.

Fiquei olhando para a barriga nua da Natty e por mais cedo que estivesse eu poderia jurar que ela estava
ligeiramente maior. Tentei imaginá-la com nove meses de gestação, mas a cena não cabia em minha mente.

- Que bom que você está bem – Fael disse, acariciando o rosto da irmã.

- Desculpe tê-lo feito perder a noite.

- Não se preocupe.

- Ele estava com vocês?

- Uhum – meu irmão respondeu.

- Hum.

Depois de alguns minutos o médico voltou com um aparelho até então desconhecido por mim.

- Está preparada? – ele perguntou.

- Se não tenho escolha – ela deu de ombros.

- Com licença – um enfermeiro pediu.

- Vocês não precisam sair, podem ficar e acompanhar.

Notei que Jorge saiu bufando e bateu a porta ligeiramente quando saiu do quarto.

- Ele é seu pai?

- É sim – Natália respondeu meio envergonhada.

- Ah, eu estaria igual se a minha filha estivesse grávida. Ele é pai... Não quer ver a filha caçula dando a luz tão
cedo...

- Agora ele vai ter que se acostumar – falou Cláudia, segurando na mão da filha.
472
O médico passou o gel pela barriga da cunhada do meu irmão e todos grudaram os olhos na telinha que estava
próximo à cama.

- Aí está – o médico falou, depois de poucos minutos. – Consegue ver?

- Na verdade não – respondeu Natália. – É indiferente.

- Não fale assim – o médico sorriu. – Você está gerando uma vida. Aqui, ele está bem aqui – ele mostrou.

Procurei o que poderia ser meu filho e depois de muito lutar, identifiquei algo minúsculo no centro do aparelho.

- Você vai completar oito semanas – o médico disse. – O sangramento pode ter sido fruto de uma menstruação.

- Mas como? – Cláudia se espantou.

- Por mais estranho que pareça isso pode acontecer. Tudo está muito recente ainda.

Natália não estava mais olhando para o filho e sim para o teto. Não consegui desgrudar meus olhos daquela
pessoa que estava dentro do ventre da irmã do Fael... Será que seria realmente meu filho?

- Já dá para ouvir o coraçãozinho doutor? – Gabrielle questionou.

- Creio que sim.

Ele mexeu em alguma coisa que eu não consegui identificar. O barulho de batimentos cardíacos tomou conta do
quarto. Meu próprio coração se acelerou e acompanhou o da criança em uma perfeita sintonia. Algo estava
errado... Por que eu não conseguia desviar meus olhos daquele feto minúsculo?

- Eder? – chamou Fael.

- Hum?

Eu virei o rosto com relutância, mas consegui encarar aqueles olhos verdes. Ele me analisou por um momento
indeterminado e então suspirou, dizendo em seguida:

- Vamos embora?

- Está tudo bem com a criança e também com você Natália – o doutor disse. – Pode voltar para casa agora.

- Ótimo!

Fiquei tão retido em meus pensamentos que nem percebi que o ultra-som já havia terminado. Eu ainda podia
ouvir os batimentos da criança em minha mente e jurava que o meu coração batia em sintonia com o dele.

- Vamos – eu respondi, sem nem perceber o que estava falando.

Fael puxou o meu braço e nós começamos a andar. Gaby empurrou os meus ombros e as minhas pernas foram
forçadas a andar mais rápido, inclinei a coluna e acabei dando risada daquela cena.

- Só você para me fazer rir a essa altura do campeonato – eu disse a ela.

473
- Está me achando com cara de palhaça?

- Falta só o nariz vermelho.

Ela sorriu e apertou a minha bochecha. Natália e a mãe saíram do quarto com alguns papeis em mãos e se
juntaram a nós.

- Melhor? – perguntou Fael.

- Graças a Deus.

- Vai ter que tomar algum remédio? – Gabrielle perguntou, pegando a receita para analisá-la.

- Nada muito sério – Cláudia disse. – Podemos ir crianças?

- Não há nenhuma criança aqui mãe! – Natália exclamou.

- Ah, é força de expressão.

Meu irmão e a namorada voltaram à frente. Fael e eu ficamos por último, ele me segurou para que os outros
andassem primeiro.

- Quer voltar para lá? – ele me perguntou baixinho.

Olhei em meu relógio de pulso. Mais de três horas da manhã. Voltar a Guarulhos? Seria ótimo... Mas inviável
devido ao horário.

- Já é tarde – eu constatei.

- Podemos ficar no carro, então.

- Onde?

- Em qualquer lugar.

- E se nos virem?

- A gente já fez isso antes...

Eu relembrei o dia em que completou um mês do nosso primeiro beijo. Era certo que nós estávamos em outro
Estado, em outro município onde as coisas eram completamente diferentes, mas a vontade de poder beijar aquela
boca deliciosa falou mais alto e eu não precisei sequer responder.

- Vem comigo – ele disse com um sorriso enorme nos lábios.

A gente entrou no carro e ele buzinou quando passou pelo meu irmão. Notei que Henrique me acompanhou com
os olhos e eu sorri quando nós já estávamos longe o suficiente para que ele não me visse.

- Você é demais – eu falei rindo.

- Bem que você gostou né?


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- E você ainda tem coragem de perguntar uma coisa dessas?

Eu dei-lhe um sorriso safado e ele pisou no acelerador. As avenidas estavam silenciosas, nem parecia que nós
estávamos em São Paulo. Eu fiquei observando o caminho e tentei prever aonde ele me levaria, mas foi
impossível.

Rafa estacionou em frente a um terreno baldio. Ele pegou a minha mão e a apertou. Nossos olhos se encontraram
e não demorou nada para que o beijo acontecesse.

- Meu menino – ele sussurrou em meus lábios.

Eu não me contive e já pulei para a traseira do Gol que já era aliado ao nosso romance. Ele seguiu meus passos e
sentou-se em meu colo assim que teve a oportunidade.

- O que você quer fazer? – ele me perguntou.

- Hã?

Eu não entendi o motivo daquela pergunta. Ele passou as pernas por entre o meu corpo e eu segurei no meio de
suas costas. Ficamos nos olhando por meio minuto, então eu disse:

- Eu quero o que você quiser.

- O que eu quero a gente não pode fazer aqui.

- E por que não? Qual é o problema?

- É muito pequeno – ele respondeu baixinho.

- Nada é impossível quando a gente realmente quer alguma coisa.

- E eu... Eu esqueci as camisinhas lá na casa do meu primo.

Eu sorri para ele e me ajeitei para poder colocar a mão no bolso da calça. Puxei um dos preservativos e joguei no
peito de Rafael. Ele ergueu as sobrancelhas e me analisou.

- Eu não sabia que você tinha...

- Pois é, a gente tem que estar preparado para tudo...

Ele me deu um beijo e parecia que ia sugar a minha alma com a boca. Coloquei as duas mãos nas costas do Fael,
puxei-o para mais perto e ficamos ali, nos beijando, sem querer saber de mais nada.

Só desgrudamos nossos lábios quando ambos estavam completamente sem ar. Respirei ofegantemente, tirei
minha camisa e ele se ajeitou em cima do meu colo. Minhas pernas estavam começando a ficar mortas devido ao
peso daquele homem, mas eu não estava nem um pouco preocupado com aquilo.

- Amor? – ele me chamou.

475
Eu ainda não estava completamente acostumado em ouvi-lo me chamando daquele jeito e toda às vezes em que o
fazia, meu coração disparava como uma bala.

- Oi?

Ele saiu de cima de mim e bateu duas vezes nas pernas para que eu subisse. O imitei perfeitamente e me arrumei,
de modo que as minhas nádegas ficaram completamente alojadas em cima do volume da calça dele. Senti um
arrepio percorrer meu corpo e meu membro criou vida imediatamente.

- Você não vai ficar chateado?

- Com o quê?

- É que – ele tentou dizer –, é que não foi assim que eu imaginei a nossa primeira vez...

Eu me calei e engoli toda a saliva de minha boca. Cruzei meus dedos por entre a nuca dele e fiquei brincando
com alguns fios de cabelo que estavam arrepiados.

- Eu também não sonhei com isso – eu confessei.

- Eu quero que seja perfeita – ele disse, baixando os olhos e mordendo os lábios.

- Eu também – concordei.

- Então...

- Então...

- É melhor não...

- Uhum...

- Não fica bravo?

- Não.

- Promete?

- Oh meu anjo – eu disse –, eu te amo! Eu não vou ficar chateado por tão pouca coisa. Na hora certa, tudo vai
acontecer.

- É assim que eu penso.

- Então relaxe. E aproveite.

Dei-lhe um beijo apaixonado e senti algo me cutucando sem parar. Rebolei de leve em cima do colo do Rafa e
ele mordeu meu lábio, sorrindo prazerosamente.

- Difícil se segurar – ele despejou.

- Uhum.
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Ele brincou com meus mamilos por mais de meia hora e aquilo estava me deixando louco de tesão. Abri o zíper
da minha calça, deixei a cueca à mostra só para provocá-lo. Um dedo ágil passou pela extensão de meu pênis e
eu soltei um gemido abafado na orelha dele.

- Você me mata Eder Alves – ele disse baixinho.

- Você me enlouquece Rafael Alcântara!

- Eu te amo.

- Eu te amo mais.

- Não. Eu te amo muito mais.

- Não senhor. Eu amo você mais e ponto final.

- Nunca! Eu te amo muito...

- Eu também.

- Muito, muito, muito...

- Muito mesmo.

- Infinitamente.

- Além das fronteiras do Universo.

Ele me beijou de um jeito diferente. Ao mesmo tempo em que continha paixão, senti o desejo por meio de seus
lábios. Senti a necessidade tomar conta de nossos corpos e aos poucos eu fui me entregando.

Ficamos assim por um período extenso de tempo, um aproveitando ao máximo a presença do outro. Senti a baba
de meu pênis cair pela minha pele e aquilo me deixou completamente fora de si.

Parei o beijo e dei-lhe um abraço apertado. Não contive e soltei um gemido alto de prazer. Ele arranhou as
minhas costas com as unhas e aquilo só fez prolongar a minha sensação de bem estar.

- Gozou? – ele perguntou com a voz tímida.

- Não – eu respondi. – Mas estou quase.

- Eu também – ele me disse.

Encostei a minha testa à dele e ficamos ambos de olhos fechados. Senti o pau do Fael erguer-se embaixo da
roupa e tive vontade de ajudá-lo a sentir prazer, mas estava com vergonha... Muita vergonha.

- Meu menino?

- O que é meu amor?

Ele ficou calado por um segundo e depois disse:


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- Eu posso?

Ele passou mais uma vez o dedo pela extensão do meu cacete e mais uma vez senti o líquido cair em minha coxa.

- Pode o quê? – eu fingi não entender.

- Posso é...

Não tive coragem de abrir os olhos e também não quis falar nada, apenas esperei a continuação:

- Eu posso ver?

Nem eu tinha visto o dele, nem ele o meu. Apesar de já ter segurado, de já ter sentido a pele daquele cacete, eu
não tinha coragem de olhá-lo, embora a minha curiosidade estivesse aumentando a cada segundo. Mordi meu
lábio com delicadeza e respondi:

- Safadinho – foi só o que eu consegui falar.

Ouvi o barulho dos lábios se abrindo em um sorriso e mais uma vez, ele percorreu o meu pinto com o dedo.
Juntei meu corpo mais próximo ao dele e quando dei por mim, ele já tinha deixado meu membro totalmente
exposto.

Nós nos abraçamos e minhas bochechas explodiram em vermelhidão. Fael soltou um gemido baixo e deu um
beijo no meu pescoço.

- Não fica com vergonha – ele me pediu, empurrando-me para trás, mas eu me segurei firmemente no banco do
carro.

- Já estou – respondi.

- Eder?

- Oi?

- Cala a boca e me beija!

Adorei aquela ordem. Juntei meus lábios aos dele e uma mão grande e veloz segurou meu pau com força. Prendi-
me a ele com força, ambos estávamos afoitos e com a respiração ofegante. Ele moveu os dedos lentamente e
parou, assim que chegou na base do meu órgão sexual.

- É grande – ele sussurrou em meio ao nosso beijo.

Abri os meus olhos imediatamente. Se eu já estava vermelho, fiquei roxo. Não consegui mexer meus lábios e
percebi que ele estava me olhando fixamente.

- Ué, é a verdade – ele disse, sorrindo.

Tirei a mão de cima de mim e juntei novamente as nossas testas. Fiquei parado, mas meu pênis não parou de se
mexer um segundo sequer.

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- Para – eu falei depois de quase cinco minutos.

- Não estou fazendo nada – ele se defendeu.

- Você entendeu – eu disse por fim.

- Não estou mentindo, oras.

- Para.

- Para Eder. Você não pode ficar sem graça todas as vezes...

- Para – eu falei novamente.

Ele me jogou com força no banco do carro e subiu em cima de mim. Meu coração foi parar na boca e ele puxou a
minha calça até o meio de minhas pernas.

- Rafa!

Segurei minha cueca com as duas mãos, ele fechou os dedos em meus punhos e olhou em meus olhos, com um
sorriso malicioso nos lábios.

- Deixa?

- Não – eu falei com a voz abafada.

- Só um pouquinho...

- Não!

- Por favor?

- Não!

- Por quê?

- Por que não!

- Mais é bobo – ele riu.

- Bobo é você!

- Você precisa ver seu rosto, está mais vermelho do que nunca.

- Para Rafa!

Parecia que todas as partículas de sangue do meu corpo haviam se alojado na minha cabeça. Eu passei os olhos
pelo rosto do Fael e me perdi na imensidão daquele verde...

- A marca da sunga – ele disse para si mesmo. – Eita, delícia!

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Abaixei de leve a minha cueca e deixei a minha marca à mostra. Percebi os olhos do meu homem passando pelo
meu corpo lentamente e se deterem no meu volume. Ele colocou dois dedos entre as minhas coxas e tentou
abaixar a minha cueca, mas eu não permiti.

- Não.

- Só uma olhadinha?

- Não, não e não!

- Você tem certeza? Se quiser, eu mostro o meu também...

Como ele era safado!

- Eu não quero – menti.

- Ah, não? Será que não quer mesmo?

Rafael se ajoelhou no banco do carro e abriu a calça lentamente. Parecia que estava fazendo um streap só para
me provocar.

- Não senhor – eu disse, puxando-o para mim.

Grudei os nossos lábios com urgência e puxei os cabelos dele com força. Era impressionante como nós dois
tínhamos sintonia. Ele me abraçou com carinho, beijou meus lábios, minha bochecha, meu pescoço, mordeu
minha orelha, passou a língua pelo meu queixo, beijou meu nariz, a minha testa e finalmente, voltou para os
meus lábios.

- Eu te amo para sempre – ele disse.

Não tive como deixar de sorrir naquele momento. Amar aquele homem não era nada difícil. Ele me conquistava
cada vez mais em cada minuto que passava.

Meu celular tocou no bolso da calça e eu tive dificuldade para pegar o aparelho. Fael segurou os lábios nos meus
e quando eu consegui atender meu telefone, quase não tive chance de falar com quem estava me ligando.

- Alô? – eu disse, depois de alguns segundos.

- Mano? Mano, onde você está?

- Oi Ricky! Onde eu estou? Não sei! Onde nós estamos?

- Pinheiros.

- Em Pinheiros...

- Eu não vou nem perguntar em que lugar de novo... Vou voltar para casa agora. Se quiser, vem comigo.

- Aham. Só um segundo.

Dei um beijo no pescoço do meu amorzinho e sussurrei no ouvido esquerdo:


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- Meu irmão está morrendo de ciúmes de você.

- Sério? – ele perguntou, com a voz divertida. – Deixa eu falar com ele?

Entreguei o celular e fiquei chupando a pele do pescoço do meu garoto perfeito.

- Oi cunhadão! Tudo bem?

Arranhei o pescoço dele com os dentes. Rafa deu risada de leve e falou:

- Calma, eu estou cuidando bem do seu irmão. Já quer roubar ele de mim, né?

Nova risada. O que será que o Ricky estava falando ao Fael?

- Não se preocupe. Nós já vamos voltar.

- O que ele está te falando?

- Brigando comigo – Fael disse, se divertindo. – Relaxa, eu é que tenho que cuidar da minha irmã. Em vinte
minutos eu estou aí.

- Ah, eu não quero ir embora...

- Olha só é ele que não quer ir! – ele riu de novo. – Pô cunhadão, não se preocupa. Eu já vou levá-lo, está bem?
Pode deixar. Abraço!

- Ah! – eu me lamentei.

- Eu sei, eu sei – ele disse, beijando-me novamente.

Ficamos juntinhos por mais alguns minutos e depois ele se sentou. Arrumei minha roupa com um bico nos lábios
e Fael voltou para o seu posto de motorista. Ele deu a partida e acelerou com ferocidade.

- Desse jeito vamos ganhar em primeiro lugar na Fórmula 1.

- Aham, essa é a minha intenção.

Vesti a minha camisa e voltei cuidadosamente para o banco da frente. O meu relógio apitou e marcou cinco horas
da manhã. Arrumei meu cabelo pelo retrovisor, ajeitei a minha camisa, tentei disfarçar o volume embaixo da
cueca e me espreguicei.

- Está com sono? – ele perguntou.

- Não muito. E você?

- Pronto para outra.

- Eu também.

- Que pena que você não me deixou ver.

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- Rafael! Rafael! Rafael!

Ele deu risada e eu sorri, achando graça dele. Fiquei olhando os prédios passarem pela gente e as minhas
pálpebras começaram a ficar pesadas.

- Ali. Achei.

Ele buzinou apressadamente e eu olhei para o outro lado da avenida. O carro do meu irmão estava estacionado ao
meio fio, com os dois farois acesos.

Henrique acelerou com o automóvel e fez o retorno para chegar até onde nós estávamos e em questão de
segundos já havia nos acompanhado. Ele me lançou um olhar furtivo e bufou.

- Direto para casa – ele mandou.

- O que ele disse? – perguntou Fael, rindo.

- Direto para casa – eu respondi.

- Sim senhor comandante! – Rafael gritou.

- Meu irmão é um bobo mesmo.

- Ele está com ciúmes, é normal.

- Aham, eu sei. Eu também morro de ciúmes dele.

- Pois é.

- Agora o sono bateu – eu disse, bocejando.

- É né bonitinho? Hey, você pode deixar as camisinhas comigo?

- Para que você as quer?

- Como para quê? Para guardar.

- Eu mesmo posso guardá-las.

- Ah, você quem sabe! – ele deu de ombros.

- Amor, o que acha da gente sair amanhã?

- Eu acho uma ótima ideia. Já estava pensando nisso. Vamos ao shopping, sei lá?

- Jantar fora – eu propus. – Que tal?

- Ótima ideia!

- Então tá.

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Depois de mais alguns minutos ele entrou na nossa rua. Antes de descer do carro, eu abracei meu anjinho com
carinho e ele me deu um selinho rápido para que ninguém nos visse. Meu irmão e minha cunhada estavam aos
beijos e amassos no carro, por sorte não perceberam o nosso ato de intimidade.

Gabrielle pulou do carro ao mesmo tempo em que eu. Ela piscou para mim e correu para abrir o portão para Fael
passar. Assim eu fiz com Henrique. Ele passou me olhando e quando finalmente desceu, veio falar comigo:

- Muito bom! Onde vocês estavam afinal de contas?

- Em nenhum lugar especial – eu respondi, dando a última volta na chave do portão. – E vocês?

- Nós ficamos... Ah, não é da sua conta!

Henrique abriu a porta da cozinha e eu decidi não arrumar confusão. Empurrei a porta da sala, tudo estava
apagado e silencioso. Fui até a copa, bebi um copo de leite puro, deixei o copo dentro da pia e subi. Demorei-me
no banheiro por alguns minutos, escovei os dentes, lavei meu rosto, troquei de roupa e enfim, caí na cama.

Acordei com o barulho do som da casa vizinha me incomodando. Esfreguei os olhos lentamente, bocejei e
procurei meu celular embaixo do travesseiro.

- Dez da manhã? Isso são horas de ligar o rádio nessa altura?

Não tive alternativa, a não ser me levantar. Desci as escadas com preguiça, procurei alguém de minha família,
mas não encontrei ninguém na sala. A cozinha também estava deserta. Ué, onde estavam todos?

Debrucei minha cabeça em cima da mesa e comecei a cochilar, mas logo fui desperto com uma nova música,
essa mais animada.

- Ninguém merece.

Ouvi o barulho do portão sendo empurrado e som de vozes animadas conversando. Mantive-me onde estava e
não levantei nenhum músculo sequer.

- Eu quero o de frango – meu irmão mais novo disse.

- O meu é o de palmito – minha irmã falou.

- Calma crianças, tem pastel para todo mundo – minha mãe disse.

- Mais olha só! – meu pai exclamou. – Não sabia que o quarto do Eder era aqui agora.

- Meu filho! Está tudo bem?

Levantei a mão e fiz um sinal de joia. Eu só queria dormir.

- Por que você está dormindo aqui, cabeção?

- Esse rádio maldito – eu esbravejei.

- O quê? – perguntaram os quatro.

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- Esse rádio – eu respondi.

- Fala direito menino.

- Esse rádio maldito – eu disse pela terceira vez, erguendo a cabeça.

- Ah! – exclamaram todos ao mesmo tempo.

- Mas viu, tem pastel, você quer? – Marcus perguntou.

- Quero – respondi. Senti minha barriga roncar pela primeira vez naquela manhã. – Tem de quê?

- Carne, palmito, frango, carne seca, queijo, pizza, bacalhau e catupiry.

- Pode ser qualquer um, menos o de bacalhau.

- Esse é do Henrique.

- Vocês chegaram que horas? – perguntou minha mãe. – Nem os vi chegando.

- Cinco – eu respondi, com os olhos fechados.

- Até que chegaram cedo – meu pai disse, sentando-se no seu lugar de sempre.

Eu peguei um dos pasteis de carne e comecei a comer. Conforme minha mandíbula se mexia, minha barriga
roncava.

- Gostou da noitada? – perguntou minha mãe.

- Uhum – eu respondi.

- Beijou quantas? – perguntou meu irmão.

Lancei-lhe um olhar de censura e ele entendeu o que eu quis dizer.

- Ah, já entendi.

- Boiei – disse minha irmã.

- Problema é seu – eu falei, dando uma mordida grande no meu lanche.

- Grosso!

- Onde foram comprar isso?

- Na feira – minha mãe respondeu. – Nós fomos à missa e voltamos por lá.

- Ah, sim. Será que alguém pode dar uma vassourada nesse som da vizinha aí?

- Eu vou lá falar com ela – disse meu pai, colocando-se de pé.

- Obrigado pai, eu te amo!


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Poder voltar a dormir era tudo o que eu mais precisava naquele momento. Bebi um copo grande de refrigerante,
pisquei meus olhos duas vezes e o volume da música baixou quase que por completo.

- Adoro meu pai – eu disse, sorrindo para mim mesmo.

- Hey mano – Marcus falou –, eu vi o carro do Jorge saindo de madrugada, você sabe se aconteceu alguma coisa?

- Você viu? Como você viu?

- Eu tinha levantado para beber um copo de água e fui tomar um ar fresco na janela do meu quarto, daí eu o vi
saindo com a Cláudia e a Natália.

- Ah! – eu exclamei, lembrando-me do acontecido. – É que a Natty passou mal.

- Mas ela está bem? – perguntou minha irmã.

Meu pai entrou pela cozinha e retornou ao seu lugar.

- Já, ela está melhor. Eu e o Henrique fomos ao hospital vê-la, ela está bem.

- Vocês foram? – interessou-se minha mãe.

- Fomos.

- Então vocês não foram para a balada?

- Claro que fomos – eu menti. – Mas aí a Gaby ligou para o Ricky e a gente foi pro hospital, depois quando
saímos de lá, nós voltamos para o barzinho. Até a Gabrielle e o irmão foram conosco.

- Hum – fez meu pai, analisando tudo. – O que aconteceu com a guria?

- Ela estava vomitando e quando a mãe dela chegou no quarto, estava desmaiada e perdendo sangue.

- Ela perdeu? – minha irmã se espantou.

- O bebê? Não – eu respondi, com dor no coração. Se ela tivesse perdido seria um alivio. – O médico até colocou
o batimento cardíaco para nós ouvirmos.

- Então ela fez ultra-som? – indagou minha mãe.

- É.

- E você viu a criança?

- É.

- E o que você sentiu? – perguntou meu irmão.

- Nada – eu menti.

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Eu senti algo sim por aquela criança. Quando ouvi os batimentos cardíacos, meu coração se acelerou e ambos
ficaram no mesmo ritmo. Eu estava em uma mão dupla. Tinha duas opções. Era pai ou não era pai. O melhor
para mim seria a primeira opção, não ter um filho. Mas a segunda... A segunda opção me deixava curioso...
Como seria cuidar de uma criança? Como seria ter um filho? Ser pai?

Mas e se não fosse meu filho? E se fosse filho do Douglas? Eu nunca saberia como seria ter um filho nos braços?
Fiquei em dúvida e não conseguia parar de pensar naquela criança que ainda demoraria sete meses para nascer e
tirar de uma vez por todas, todos os vestígios de confusão de minha cabeça.

- Eder, aproveitando que estamos conversando sobre esse assunto – meu pai começou –, eu quero lhe dizer
algumas coisinhas...
Epa! Quando ele falava daquele jeito algo estava por vir e normalmente não era coisa muito boa.
- Eu estive pensando nesses últimos dias. E cheguei a uma conclusão. Eu quero que você comece a trabalhar.
- Hã? Como?
O meu sono até havia passado naquele momento. Trabalhar? Eu? Aos dezesseis? Onde? Como? Para quê? Por
quê?
- Não faça essa cara. É isso mesmo qeu você ouviu.
- Pai...
- Se essa criança for seu filho Eder, nem eu, nem sua mãe, nem seu irmão iremos arcar com as consequências. O
erro foi seu e da Natália e os dois terão de assumir com responsabilidade. É claro que nenhum de nós irá virar as
costas para você, mas é você quem vai cuidar dele ou dela. Se for seu, é claro.
- Mas pai...
- Não tem mas, nem meio mas. Está na hora do senhor ser mais responsável pelos seus atos.
- Mas pai...
- Eu já disse Eder. Pode começar a procurar algo para fazer durante o dia. E a noite você estuda. E esse é o
último ano, tem que passar no vestibular final do ano.
- Quer que eu faça mais o quê? Mágica?
- Não isso você não precisa fazer. Seja apenas responsável.
Todos ficaram me olhando e não souberam o que responder. E nem eu. Quando o meu pai colocava algo na
cabeça, ninguém conseguia tirar. Eu perdi o apetite e o sono, levantei-me da cadeira com o rosto fechado e não
disse mais nada ao sair da cozinha.

- Eder? Eder? – Marcus me chamou. – Acorda irmãozinho, já está na hora da janta!


- Hã? Hã?
Eu abri os olhos lentamente e bocejei por um longo período de tempo.
- O que é?
- Já está na hora de você acordar, já passa das seis da tarde.
- Já? Minha nossa!
Sentei-me e peguei o meu celular. Nenhuma chamada perdida. Nenhuma mensagem de texto não lida. Ele ainda
não tinha me procurado. Será que ainda dormia?
- Você pode me dar licença? Preciso fazer uma ligação.
- Aff... Já está avisado. A gente não vai te esperar pra comer.
- Nem precisa me esperar, eu vou jantar fora.

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- Jantar fora? Com quem Eder?
- Não é da sua conta. Agora se me dá licença...
- Vagabundo!
Ele saiu dando risada e encostou a porta ao passar. Eu disquei os números do celular do Rafael e ele atendeu no
segundo toque.
- Oi meu amor, eu ia te ligar agorinha.
- Oi neném, tudo bem?
- Melhor agora que estou falando com você. E você, como está?
- Bem, graças a Deus. Dormiu bem?
- Uhum, e você?
- Maravilhosamente.
- Sonhei contigo.
- Eu também.
- O que você sonhou?
- Que nós estávamos namorando em uma campina cheia de flores. E você?
- Sonhei que a gente estava em uma cachoeira, só nós dois. Foi muito bom.
- Quem sabe a gente vá um dia?
- Quem sabe não, a gente vai ir sim.
- Uh! Desculpa aí, tá?
Ele deu risada e perguntou:
- Você acordou agora?
- Neste minuto e você?
- Faz uns quinze. Mas então, vamos sair, não vamos?
- Com certeza. Vamos ao shopping mesmo?
- Ah, sei não. A gente anda sem rumo por aí e acaba encontrando um local, pode ser?
- Claro que pode!
- Então vai se arrumar, em meia hora a gente se vê.
- Tudo bem então.
- Beijo amor.
- Beijo meu gostoso.
- Eu te amo – nós dois falamos juntos. – Eu também – insistimos.
Eu sorri e apertei o botão vermelho do meu celular. Dei um pulo da cama, abri o armário, separei uma pólo
verde, uma calça jeans branca, meu tênis favorito, cueca e meias limpas, peguei uma toalha e segui para o
banheiro.
Eu não demorei embaixo do chuveiro. Arrepiei os fios em frente ao espelho e escovei os dentes antes de ir para o
quarto. Ouvi alguém batendo e não tive pressa em acabar o que estava fazendo.
- Quem é?
- Sou eu – respondeu Giselle. – Vai demorar?
- Não. Só um minuto.
Passei o fio-dental em todos os dentes, sorri, arrepiei mais uma vez o meu cabelo e abri a porta.
- Pronto.
- Hum... Vai sair, é?
- Não é da sua conta.
- Ai menino grosso!

Minha irmã entrou e bateu a porta na minha cara. Eu entrei no meu quarto, joguei a toalha em cima da cama e
comecei a me arrumar. Deixei a camisa por último e tomei cuidado em não desmanchar meus cabelos quando a

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coloquei. Passei uma quantia significante de perfume, me analisei por inteiro no espelho do armário, peguei meu
celular, minha carteira e saí.

- Aonde você vai? – meu pai perguntou, assim que eu cheguei à sala.

- Vou sair com meu amigo.

- Que amigo?

- O Rafa pai, posso?

- Aonde vão?

- Jantar, pegar algumas meninas.

Ele sorriu e voltou a assistir o futebol.

- Pode.

- Obrigado.

- Pai, mãe, eu já estou indo – Giselle anunciou.

- Todos vão sair – minha mãe suspirou. – Não demora filha.

- Aonde você vai? – eu perguntei.

- Não é da sua conta.

- Pirralha.

- Brutamontes.

- Estúpida

- Ameba.

- Periguete.

- Micróbio.

- Vaca.

- Chega de briga! – meu pai disse, começando a se irritar. – Saiam os dois agora, antes que eu mude de ideia.

Meus irmãos desceram juntos as escadas. Os dois estavam impecavelmente lindos. Henrique usava camiseta
regata que deixava os músculos à mostra, juntamente com uma bermuda largada e um tênis de skatista. Marcus
por sua vez, estava de camiseta laranja, calça preta e tênis branco. Ambos de boné preto. Lidinhos, como de
costume.

- Vocês vão sair? – Henrique perguntou.

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- Não é da sua conta – Giselle e eu respondemos sem paciência.

- Nossa – ele se defendeu –, só fiz uma pergunta...

- Cinco – meu pai começou –, quatro, três...

Antes que ele chegasse no número um, eu já estava na garagem e abrindo o portão. Henrique passou a pé e eu
estranhei ele deixar o carro em casa, não era de seu feitio andar de ônibus.

- Não vai sair de carro?

- Se eu o deixei aí é porque não vou, você não acha?

- Aff Henrique, eu te fiz alguma coisa? Você está sendo muito chato desde ontem...

- Fez, você fez sim... Você nasceu!

Ele saiu andando às pressas e Marcus teve que correr para acompanhá-lo. Eu fiquei olhando eles viraram a
esquina, era a primeira vez que meu irmão me tratava daquele jeito.

- Bem feito – minha irmã me provocou –, toma trouxa!

- Cala a boca sua pirralha dos infernos – eu falei, completamente sem paciência.

Ela mostrou a língua e começou a subir a rua lentamente. Eu me encostei ao muro e esperei o Fael chegar. Estava
quase desistindo, quando o carro saiu pelo portão.

- Entra aí meu menino.

Toda a raiva que eu estava sentindo dos meus irmãos se foi. Eu dei-lhe um abraço apertado e notei alguém
fechando o portão.

- Eder? – Gaby chamou.

- Oi? – eu falei, com a voz alta para ela poder me ouvir.

- O Ricky está bem?

- Sei lá, não quero saber daquele idiota.

- O que houve? – Rafael perguntou.

- Ah, está me maltratando desde ontem. Mas deixa, a vingança vem a cavalo.

- Ele saiu? – Gabrielle perguntou.

- Saiu com o Marquinhos. Você não sabia?

- Ele disse que ia, mas eu não acreditei. Tudo bem, já que é um programa entre irmãos, vou sair com a Natty.

- Cuida dela – Rafael mandou. – E já sabe, nada de enjoativo, senão ela vomita no shopping.

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- Esquenta com isso não, está comigo, está com Deus – minha cunhada disse. Ela mandou-nos um beijo e virou-
se para entrar em casa.

- Ela está enjoando ainda?

- Sempre que sente algum cheiro enjoativo ela põe as tripas para fora. Mas é normal.

Fiquei pensando na criança. Eu queria ouvir os batimentos cardíacos dele novamente.

- Quer ir ao Frei Caneca?

- Quero – respondi. Eu gostava daquele shopping. – Estava com saudades.

- Eu também amor – ele disse, acariciando-me o rosto.

Coloquei a mão na coxa direita do Rafael e ele ficou dirigindo com cautela. Pensei no Henrique durante a metade
do caminho, mas aos poucos ele foi sumindo de minha mente e o filho da Natália foi entrando.

Sete meses... Será que iria demorar muito?

Escolhemos uma mesa afastada do movimento de pedestres e nos sentamos. Eu passei meus olhos pelos
restaurantes, enquanto Fael me analisava sem nem piscar os olhos.

- O que foi? – eu perguntei, fitando-o.

- Você está tão lindo de verde.

- Ai, obrigado – eu fiquei sem graça. – Você está maravilhoso de vermelho.

- Obrigado meu menino. Que bom que você gostou. Já escolheu onde vai querer comer?

- Ainda não. Quer me ajudar?

- Claro que sim.

Ele virou o corpo para trás e movimentou o pescoço de um lado ao outro, parando em um determinado local que
eu ainda não sabia qual era.

- Que tal no “Bon Grillê”?

- Por mim, tudo bem – eu respondi.

- Vamos pedir, então? – ele perguntou, colocando-se de pé e estendendo a mão para mim.

Eu a segurei e me levantei com rapidez. Fomos caminhando lentamente entre as mesas e só nos demos conta de
que ainda estávamos de mãos dadas, quando um grupo de rapazes começaram a rir do nosso gesto.

- Dois veadinhos – um deles disse, às gargalhadas.

Fael e eu nos olhamos e as mãos se separaram por instinto. Nem ele, nem eu decidimos responder, afinal
estávamos em um local público e movimentado.
490
- Não vale a pena – eu disse a mim mesmo, tentando não deixar o sangue subir à cabeça. – Não vale a pena...

A fila do restaurante estava pequena. Eu peguei um dos cardápios que estavam sobre o balcão e rapidamente fiz a
minha escolha. Estrogonofe de carne.

- O que você vai querer? – ele me perguntou.

- Estrogonofe de carne. E você?

- O que você escolher, eu escolho igual. E para beber?

- Pode ser um suco de caju.

- Dois estrogonofes de carnes e dois sucos de caju, por gentileza.

A moça que estava no caixa digitou os códigos correspondentes e falou o valor. Eu peguei a minha carteira para
pagar, mas ele foi mais rápido.

- Débito – ele disse.

- Fael! Não senhor! Eu quero pagar.

- Nunca!

- Não moça, eu quem vou pagar.

- Não, não moça. Pode passar.

- Não passa não!

- Qual dos dois? – ela se irritou.

- Eu – dissemos ao mesmo tempo.

Ele segurou meu braço com força e disse:

- Pode passar.

- Rafa! Então vamos rachar pelo menos...

- A senha?

Ele apertou os seis botões sem nem olhar para as teclas.

- Não seja teimoso!

- Teimoso é você.

- Não sou não.

- Aqui, a senha é esta. Só aguardar.

491
- Pronto, custou?

- Não quero papo com você.

Fiz um biquinho de raiva e cruzei os braços. Fiquei olhando o painel de senhas e sondei:

- Qual é a nossa?

- Isso é porque você não queria papo comigo, né? – ele riu. – A nossa e trezentos e vinte e oito.

Virei meu rosto e fiquei de olho no guichê. Após aproximadamente cinco minutos, a nossa numeração foi
anunciada.

- É a nossa – ele disse, indo até o balcão para retirar a bandeja. Eu o segui. A comida estava separada e cada um
pegou o seu prato.

- Obrigada, voltem sempre e bom apetite – a garçonete disse.

- Obrigado – nós falamos juntos.

Começamos a voltar para a nossa mesa, mas notamos que ela já havia sido roubada. Fael parou no meio do
shopping e vasculhou o lugar com os olhos de águia.

- Ali tem uma - ele disse. – Vem logo, antes que peguem.

Nós aceleramos o passo, mas não houve a necessidade. O shopping estava começando a ficar sem movimento.
Sentei à frente dele e arrumei minha comida. O cheiro do jantar estava delicioso e eu enchi a boca de água.

- Bom apetite – ele me disse, já começando a atacar.

- Obrigado, igualmente.

- Você não está chateado comigo não, está?

- Só um pouquinho.

- Para amor! Que bobagem!

- Eu não gosto disso Fael!

- Pois pode começar a aprender a gostar.

- Até parece que eu vou deixar você pagar as coisas para mim.

- Eder!

- É sério Fael. Não gosto disso.

- Tudo bem, tudo bem. Na próxima vez você arca com as despesas, pode ser?

- Acho bom.

492
Comemos em silêncio até terminar. Bebi o suco com ferocidade. Suco de caju era viciante.

- Estou satisfeito – disse, debruçando-me em cima do meu cotovelo.

- Eu também. Muito boa a comida de lá.

- Uhum.

- O que vamos fazer agora?

- O que você quiser.

- Quer ir ao cinema?

- Vamos ver as opções primeiro.

Deixamos as bandejas no local apropriado e nos dirigimos às salas de cinema. Avistei os títulos à distância e
nenhum me chamou a atenção.

- Não gostei de nenhum – eu falei.

Ele leu as opções e suspirou.

- Eu também não.

- O que acha da gente jogar bilhar?

- Nossa, que ótima ideia Eder! Faz muito tempo que eu não jogo.

- Mas você vai precisar me ensinar, eu não sei.

- Não se preocupe com isso.

Rafael deu a primeira tacada e as bolas deslizaram pelo veludo verde da mesa de bilhar. Eu acompanhei uma
esfera vermelha andar até a caçapa e fiquei pensando em como poder imitá-lo.

- Deixa eu te ajudar?

- É claro que sim.

Ele andou até onde eu estava e me ajudou a segurar no taco. Nós dois nos abaixamos ao mesmo tempo, ele
colocou a mão em cima da minha, puxou o cabo para trás, mirou em uma bola e jogou.

- Entendeu?

- Não – eu disse.

- Presta atenção em mim.

493
Rafa se inclinou em cima da mesa e jogou na bola branca. Ela bateu em três companheiras de partidas e uma
delas, de cor cinza, voou direto para o buraco do lado esquerdo.

- Yeah!

- Você é muito sem graça.

- Vem meu menino, deixa eu te ensinar de novo.

Eu fui até onde ele estava e novamente Rafael ficou atrás de mim. Deixei que ele me enconchasse para poder me
auxiliar e senti algo duro me cutucando. Nem eu, nem ele, conseguimos nos concentrar e ele errou a bola branca.

- Droga.

- Posso tentar?

- Claro.

O imitei com perfeição e até consegui acertar a bola principal, mas nenhuma foi encaçapada.

- Eita martírio – ouvi ele dizer. – Está indo bem menino!

- Que bom.

Ele abaixou e eu fiz questão de ficar atrás para poder analisá-lo melhor. A bunda era perfeita. Redonda, grande e
dura. Linda. E minha. Não no sentido literal, mas eu sabia que um dia seria. Um pedaço da cueca do Rafa estava
exposta e era vermelha. Só para me provocar mais.

Eu perdi e perdi feio, mas não estava ligando para o resultado. O melhor de tudo, foi ele ter me enconchado
algumas vezes. Quando nós já estávamos quase chegando em casa, ele parou no acostamento de uma rua parada
de pedestres e nós dois nos beijamos enlouquecidamente.

- Eu te amo – ele disse

- Mentira.

- Mentira?

- Eu te amo mais.

- Ah, duvido.

- Quer apostar?

- Quero.

- O quê?

- O que você quiser.

- Seu carro?
494
- Não me importo. Eu sei que você vai perder.

- Não vou não.

- Vai sim.

- Não...

- Sim...

- Não.

Um beijo.

Dois beijos.

Três beijos.

Quatro beijos.

Senti a mão no meu pênis e decidi não retirá-la. Continuei passando os dedos nas costas do Fael e fui ficando
mais excitado à medida que a língua dele brincava no interior de minha boca.

- Eu te quero – ele disse baixinho.

- Eu também te quero.

- Muito.

- Para sempre.

- Meu menino.

- Meu anjinho...

Beijos e mais beijos foram rolando até que ouvi o barulho de gotas pesadas caindo em cima do capô do Gol.

- Não acredito – ele disse.

- Só era o que faltava.

- Não parecia que iria chover.

- Não mesmo.

Intensificamos nossa pegação e foi a minha vez de segurar no pênis dele. Senti vontade de colocá-lo para fora da
calça, mas ainda estava tímido para fazer com que aquilo acontecesse.

Continuei beijando a boca do meu garoto perfeito até sentir câimbra no meu pescoço. Ele beijou meu queixo e
continuou apertando meu bichinho com carinho, eu estava quase indo ao ápice.

- Vamos amor? – eu pedi.


495
- Já?

- É. Já está ficando meio tarde.

- Uhum.

Nós nos beijamos pela última vez e ele deu a partida para irmos embora. A chuva estava começando a ficar mais
pesada e os vidros já estavam embaçando. Fael diminuiu a velocidade e parou em um farol vermelho.

- Eita, trabalhar amanhã não vai ser fácil não!

- É né.

- Mas é a vida.

- Né.

- Sabe amor, eu estou pensando aqui com os meus botões.

- Em quê?

- Que tal a gente ir acampar no próximo final de semana?

- Acampar?

- É.

- Aonde?

- Na chácara dos meus tios.

- Aonde?

- No interior.

- Sim, mas aonde exatamente?

- São José do Rio Preto.

- Eu iria adorar, mas só se meus pais deixarem. E se eu falar isso com eles, meus irmãos mais novos também irão
querer ir conosco.

- Deixe-os ir, oras.

- Não é só nós dois?

- Seria ótimo, porém, impossível.

- Verdade.

- Vou jogar essa ideia para a minha irmã. Ela vai gamar.

496
- O Ricky também vai adorar.

- Então vamos ver essa ideia. Quem sabe dá certo?

- É. Você é doido.

- Sou nada. É o convívio.

- Isso foi para mim?

- Claro que não.

- Ah, bom.

Tive que ligar para o meu pai ir abrir o portão e me levar um guarda-chuva. Dei tchau ao meu amor muito
rapidamente e torci para meu coroa não ter visto o nosso abraço e o beijo que ele me deu no pescoço.

Saí correndo no meio da chuva e mesmo protegido pelo objeto, me molhei quase que por completo.

- Os meninos já chegaram?

- Sua irmã vai dormir na Márcia, seus irmãos já chegaram faz tempo. Onde vocês foram?

- Ficamos jogando bilhar – eu me expliquei. – Fomos ao Frei Caneca.

- Meio longe. Da próxima vez, avise quando for demorar.

- Me desculpe.

- Vai trocar essa roupa, senão vai ficar doente.

Decidi ficar apenas de cueca. Apesar da forte chuva, a temperatura estava elevada e eu sentia calor. Deitei-me de
bruços e demorei a pegar no sono, afinal, tinha dormido a tarde toda.

A porta do quarto foi escancarada e meu irmão mais novo entrou, apenas de bermuda. Ele acendeu a luz e
perguntou:

- Posso dormir aqui com você?

- Por quê? A sua cama quebrou?

- Não... Eu só estou me sentindo sozinho e o Ricky não me deixou ficar com ele.

- Então eu sou a sua última opção? Não. Volta para o seu quarto fedelho.

Ele se virou e já ia saindo, quando eu me arrependi e disse:

- Anda, vem logo para cá.

Ele sorriu e jogou o travesseiro em cima de mim.


497
- Vai mais para lá.

- Não quer trazer o seu colchão para cá não?

- Não.

- Cachorro.

Nós dois ficamos espremidos em cima da minha cama. Eu deitei de costas para Marcus e ele encostou a cabeça
nas minhas costas.

- O que foi?

- Nada. Só estou meio triste.

- Por quê?

- Sei lá.

- Oh, meu Deus. Que coisa mais linda.

Eu me virei e o deixei deitar no meu peito. Fiquei acariciando a cabeleira desgrenhada do meu irmão mais novo
até ele pegar no sono. Aos poucos, minhas pálpebras começaram a ficar pesadas e eu fui fechando os olhos
gradativamente, mergulhando cada vez mais em uma escuridão sem fim e profunda.

Eu não sei como eu e meu irmão pudemos ficar em uma cama de solteiro durante a noite toda e nenhum de nós
dois caiu. Eu fui o primeiro a abrir os olhos. Marcus ainda estava na mesma posição e dormia tranquilamente,
mas eu precisava ir ao banheiro, ele teria que acordar.

- Marcus? – eu chamei.

Tentei me sentar, mas ele estava pesado por cima de mim. Puxei o corpo do meu irmão mais novo para cima e
ele soltou um gemido de sono.

- Hã?

- Eu preciso ir ao banheiro – falei.

- Então vai e me deixa dormir pô.

Ele se virou e abraçou o meu travesseiro. Eu fiquei de pé em cima da minha cama e dei um salto para o chão.
Senti os peitos dos meus pés doerem devido ao impacto, mas logo o desconforto se foi e eu pude caminhar
normalmente.

Aproveitei que estava acordado e desci para pegar algo para beber. Nem me dei conta que estava apenas de
cueca, e só percebi, quando a minha irmã me olhou com os olhos arregalados.

- O quê?

498
Eu olhei para baixo e entendi o motivo da surpresa da Giselle. Coloquei as duas mãos em cima do meu volume,
que estava ligeiramente alto, e me escondi atrás do sofá da sala.

- Isso são horas de você estar aqui?

- Eu tenho culpa que fiquei com sede? – ela se defendeu.

- Anda, sobe logo...

- Já vou, já vou.

Só voltei a caminhar quando ouvi o barulho do quarto sendo fechado. Peguei um copo em cima do escorredor da
pia e enchi com suco de laranja da geladeira. Refresquei minha temperatura e voltei para o quarto. Um
relâmpago iluminou o interior de toda a casa e o barulho do trovão fez o cachorro da vizinha latir de medo.

- Calma, São Pedro – eu disse baixinho.

Dirigi-me até a janela e limpei os vidros com as costas da mão. Estava tudo muito escuro e era praticamente
impossível de se identificar alguma coisa na rua.

A luz do quarto em frente se acendeu e aquilo chamou a minha atenção. Encostei a minha testa no vidro e
percebi que ele estava fazendo o mesmo. Acenei e sorri, mas não tive certeza se ele estava me vendo ou não. Fael
abriu uma fresta da vidraça e eu pude vê-lo com mais nitidez. Ao que me parecia, ele estava pelado, mas eu não
tinha certeza daquilo.

- Eder? – ouvi a voz dele me chamar de longe. Não era um som alto, mas também não era baixo.

Imitei o seu gesto, mas as gotas de chuva caíram sobre o meu corpo e eu tive que fechar a janela rapidamente,
antes que o meu irmão acordasse.

- O que você está fazendo aí?

Tarde demais. Ele já tinha acordado.

- Nada, não é nada – eu falei. – Só estou vendo se a chuva está muito forte.

- E precisa abrir a janela para isso?

- Eu já fechei.

Olhei mais uma vez para o Rafael, mas ele já não estava no mesmo lugar. A luz foi apagada e eu voltei para a
minha cama.

- Vai mais para lá.

- Não encosta em mim não – ele pediu.

- Por quê?

499
- Porque você está quase nu. Que nojo!

Eu dei risada do que ele disse e me aconcheguei no pouco espaço que restava da minha cama. Marquinhos
encostou-se novamente em mim e eu passei o braço por cima dele, puxando-o para mais perto.

- O que você tem, meu filho?

- Estou triste – ele disse. – Papai.

- Ah, e eu lá tenho idade para ser seu pai, fedelho.

- E eu para ser seu filho?

- Mas, por que você está triste?

- Sei lá. Acordei assim hoje.

- É normal de vez em quando.

- É sim. Meu aniversário está chegando...

- Ainda falta um mês.

- Pois é, está chegando.

- Cala a boca Marcus, tem trinta dias ainda.

- Mas já está chegando!

- Será que as aulas começam dia seis ou dia treze?

- Dia treze né.

- Que mês que é o carnaval esse ano?

- Fevereiro. Final de fevereiro.

- Ah, se é no final de fevereiro, então as aulas vão começar dia treze mesmo.

- Vão sim. Eu vou pedir uma coisa aos nossos pais.

- O quê?

- Queria estudar à noite...

- Ah, tá. Até parece que eles vão deixar.

- E por que não? Você estuda a noite desde o primeiro ano.

- É diferente Marquinhos. Você ainda vai para a sétima série. Eu já estou terminando.

- Não vejo diferença alguma. Mas mesmo assim, eu vou conversar com eles. Não custa arriscar.
500
- Você é quem sabe. Perdeu o sono?

- É, perdi.

- Eu também.

- E outra coisa, a Giselle também quer mudar o horário.

- Pronto! Montim no pai agora.

- Você vai ver se a gente não vai conseguir.

- Duvido!

- Quer apostar?

- Quero.

- O quê?

- Cinco contos?

- Dez?

- Cinco.

- Larga mão de ser mão de vaca.

- Não é mão de vaca... Estou sem dinheiro mesmo. Só no final do mês que a minha verba volta a ser abastecida.

- Isso, gasta todo o dinheiro que os nossos pais te dão mesmo.

- Cinco?

- Dez ou nada feito.

- Nada feito então.

- Sete?

- Seis?

- Fechou!

Apertamos as mãos e eu estava rezando para que meus pais não deixassem eles mudarem para o meu turno, eu
não queria gastar dinheiro com meu irmão.

- Mano será que é sério o que o papai disse?

- O que ele disse?

- Que você vai ter que trabalhar.


501
- Ah, Marcus. Eu não sei e também não quero ficar pensando nisso.

- E se for? O que você vai fazer?

- Procurar alguma coisa por aqui por perto para fazer. Mas eu não sei não.

- Fiquei com dó de você.

- Ai mano! Não podemos sentir dó das pessoas, temos que ajudá-las.

- Desculpe.

- Não tem que se desculpar sua anta... É força de expressão.

- Anta é o seu irmão – ele disse sem pensar.

- Você – eu dei risada.

- Por acaso eu sou o seu único irmão, jumento?

- Não, mas o Henrique não é anta.

- E eu sou, né?

- Aham.

- Nossa Eder, eu odeio quando você demonstra gostar mais dele do que de mim, sabe?

Fiquei sem saber o que fazer e falar. Aquilo não era verdade.

- Marcus... Eu não gosto mais dele do que de você.

- Você sempre fala isso, mas sempre fica com ele mais tempo do que comigo, sempre conta as coisas primeiro a
ele do que a mim, sempre isso, sempre aquilo... E eu, eu fico de escanteio. Nem a Giselle dá bola para mim.

Senti vontade de chorar quando ouvi aquilo.

- Oh meu maninho...

Intensifiquei o abraço que estava dando nele. Meu coração estava partido.

- Desculpa...

- Se as suas desculpas deixassem as coisas consertadas!

- Olha Marcus... O que você disse não é completamente verdade. Eu não deixo de contar as coisas para você.
Pode até ser que eu fale primeiro ao Henrique, mas por ele ser mais velho que eu.

- O que isso influencia?

- Ele me dá conselhos. Muitas das coisas que acontecem comigo hoje em dia, já aconteceram com ele e um dia
irão acontecer com você, daí você vai vir a mim, ou até mesmo a ele, para pedir conselhos e desabafar.
502
- Sei... Vou fingir que acredito e você finge que não está mentindo, certo?

- Mas não é mentira Marcus! Poxa, eu gosto de vocês dois do mesmo jeito. Aliás, de vocês três. E você é o único
que não brigou comigo esses dias.

- Não tenho motivos para brigar com você.

- Então, está vendo? Não é verdade o que você disse. Seu besta.

- Ok.

- Fala para mim, o que está passando nesse coraçãozinho? Por que você está tão carente assim?

Outro trovão.

- É por isso.

- Por mim?

- Não. Por que meus irmãos não me dão atenção. Ontem quando eu saí com o Henrique, ele nem me deu bola
quase.

- Por quê?

- Se eu soubesse, te juro que falaria. Ele ficou com a cara feia a tarde toda. E a gente voltou para casa mais cedo
por conta disso.

- Eu vou conversar com ele.

- Não, não precisa. Ele não vai querer falar com você mesmo.

- Como você sabe?

- Ele está com raiva de você por algum motivo, eu queria saber qual é.

- Raiva? Ele te disse isso?

- Não precisou me dizer para eu descobrir. Eu vi o jeito que ele te olhou.

- Eu não fiz nada a ele.

- Será? Pare para pensar um pouco.

A única coisa que havia acontecido, foi a minha saída com o Fael... Será que ele estava pensando...

- Ah!

- Viu só! O que você fez?

- Nada, não é nada demais. Eu apenas saí com o Rafael, o irmão da nossa cunhada, e não quis chamá-lo.

- Será que foi isso mesmo?


503
Marcus estava me saindo um belo sondador.

- Aham. Eu tenho certeza.

- Ok.

- Não está bravo comigo não, está?

- Não, não estou não. Mas eu vou ficar se você não começar a confiar mais em mim.

- Eu confio em você, criança!

- Criança é...

Ele bufou. Nem Giselle, nem Marcus gostavam de ser chamados de crianças.

- Antes das férias acabarem, você me leva para sair?

- Aonde você quer ir?

- Sei lá. Já cansei de ir ao shopping. É sempre shopping, shopping, shopping. Eu quero algo novo...

- O que, por exemplo?

- Ah, não sei. Pensa em alguma coisa.

- Vamos andar de bicicleta, quando o tempo melhorar?

- Ah, pode ser. Boa ideia. Mas eu não vou até o Ibirapuera não.

- Ah, seu molenga.

Dei-lhe um cascudo.

- Molenga? Menino, tenho coragem mesmo não...

- Viu!

Nós dois demos risada e outro trovão soou no céu.

- Que toró!

- Normal – eu disse –, é época. Cadê meu celular?

Coloquei a mão por baixo do travesseiro e encontrei dois aparelhos. Segurei o da direita e o puxei, mas era o do
Marcus.

- Não é o meu. Toma aqui.

Ele segurou o telefone e abriu para ver a hora. Quase seis.

- Já?
504
- Aham.

- Nem sei se vou dormir mais.

- Nem eu.

Não havia nenhuma chamada perdida e nem mensagem recebida. Escrevi rapidamente ao meu anjinho:

“O meu irmão está dormindo aqui comigo, estou agarradinho nele. Eu vi o senhor na janela, mas como ele está
comigo, não pude conversar com você. O que está fazendo acordado tão tarde? Vá já dormir. Eu te amo, beijo.”

- Para quem é a mensagem?

- Meu amigo – eu respondi.

- Ah. Qual deles?

- O Rafa.

- Ah. O que você escreveu?

- Nossa, mas quanta pergunta! Nada demais, só respondendo o que ele me perguntou.

- E o que ele te perguntou?

- Se o meu irmão mais novo é recordista em fazer perguntas que não são da conta dele.

- E o que você respondeu?

- Que o meu irmão mais novo ganhou três troféus de o menino mais curioso do mundo.

- Ah!

- Mas eu respondi também, que o meu irmão mais novo é uma coisinha linda e que eu o amo muito.

Eu comecei a fazer cócegas nas costelas do Marcus e ele soltou uma risada gostosa.

- Assim que eu quero te ver – eu disse, fazendo carinho.

- Obrigado.

- Não tem que me agradecer.

- Já estou me sentindo bem melhor.

- Que bom. E vai ficar ainda mais.

- Aham. Mano, você já ficou com mais alguém depois da Natty?


505
- Já maninho. Por quê?

- Eu digo ficar não de beijar, mas de... Você sabe.

- Ah! Não Marcus.

- Não sente vontade, não?

- Sinto sim, mas não quero que isso aconteça com qualquer menina.

Eu tinha que escolher as palavras certas naquele momento, todo cuidado era pouco.

- Ah... Você não gosta da Natália?

- Gosto dela como amiga.

- Então por que você transou com ela?

- Ela me estrupou maninho.

Marcus gargalhou tão alto e tão demorado que eu não tive como não rir da cara dele.

- Essa foi ótima. Vou até colocar no meu MSN: O meu irmão foi estuprado pela irmã da minha cunhada e ela
ficou grávida.

- Não se atreva – eu disse rindo.

- Mano do céu, eu nem te conto!

- Conte-me tudo, não me esconda nada.

- Um cara que eu nunca vi na minha vida, me adicionou no Orkut esses dias e ficou me fazendo um monte de
perguntas.

- Como assim?

- Perguntou onde eu morava, como eu era, se eu tinha irmãos, e se tinha, quantos eram...

- Você não respondeu nada não, né?

- Claro que não, né. Mas eu adicionei ele no Messenger.

- Você é louco?

- Daí ele repetiu as perguntas e tal. Mas eu sempre revidei. E não respondi nada não. Mas nossa muito estranho.

- Você falou isso ao nosso pai?

- Não. Por quê?

- Como por que Marcus? Você esqueceu qual é a profissão do nosso pai?

506
- Não...

- Você já pensou que pode ser alguém querendo descobrir informações da nossa família?

- Opa.. Não pensei nisso...

- Pois o senhor pode ir falando a ele hoje mesmo!

- Vou falar... Nossa Eder, agora fiquei preocupado...

- Eu também. Mas relaxa, às vezes é só um cara curioso.

- Queira Deus!

- Maninho você ainda não beijou?

- Não. Você não me ajuda!

- Se você for para a noite comigo, eu vou fazer você ficar com uma garota a cada dia.

Não mesmo. Nem em sonhos eu ia fazer aquilo.

- Sério?

- É. Pelo menos eu vou tentar.

- Promete?

- Prometo Marcus Vinicius, prometo!

- Quero só ver.

- Pois espere.

Eu e as minhas promessas. Mas ele não iria pro período da noite. Meu pai não ia deixar.

- É bom?

- O que é bom? – eu perguntei.

- Beijar.

- É ótimo – eu disse sorrindo, lembrando dos beijos do Fael.

- Eu quase ia lá em Angra, mas não rolou...

- Tudo tem o seu tempo.

- É.

- Você vai gostar.

507
- Para de me fazer ficar pensando nisso – ele deu risada.

- Desculpa.

- Ah, lembrei. Você não se esqueceu do que você me prometeu não, né?

- Do quê?

- Dos filmes...

- Filmes?

- Sabia que você ia esquecer.

- Filmes?

Eu tentei me lembrar de algo, mas tudo o que me vinha a mente, eram os momentos em que eu estava com o meu
amor.

- Os filmes do papai...

- Ah! Ah, tá. Eu vou deixar você assistir.

- Quando?

- Quando eu conseguir um.

- Só nós dois vamos assistir?

- Quer mais quem? O pai junto?

- Claro que não. Eu posso chamar um amigo?

- Que amigo?

- O Matheus.

- Quem é esse?

- Você não o conhece.

- Não pode não.

- Por quê?

- Porque eu posso me responsabilizar por você que é meu irmão, mas pelos outros não.

- Ah, Eder!

- Sem choro. Senão eu não deixo você assistir.

- Vou pedir para o Henrique.


508
- Pois peça. Ele vai falar a mesma coisa.

- Aff, eu odeio ser o irmão mais novo.

- Ser o mais novo é tão bom – eu disse. – Você tem um monte de mimos.

- De quem? Só se for da nossa mãe.

- Para de reclamar menino!

- Não paro não!

- Mas é bobo mesmo.

- Sou nada.

Marcus e eu continuamos a conversar sobre outros assuntos até o dia clarear por completo. A tempestade não
cessou durante toda a manhã, Marquinhos e eu acabamos dormindo novamente e só acordamos de vez, por volta
das onze horas.

- Caramba, já são onze horas! – exclamei.

- A gente acabou dormindo.

- Vou tomar banho – anunciei.

- Eu vou primeiro.

- Não senhor. Eu disse primeiro.

- Toma lá embaixo – ele pediu.

- Toma você, folgado.

- Não!

- E por que eu tenho que tomar?

- Porque você é o melhor mano do mundo e vai me deixar ficar aqui em cima, não vai?

- Não, eu não vou.

Saí correndo para poder entrar no banheiro e Marcus veio atrás de mim, mas alguém estava ocupando o recinto.

- Ah! – eu e ele exclamamos.

- Quem é? – indagou minha irmã.

- Somos nós – eu respondi.

509
- Nós quem? Só ouvi a voz de um.

- Eu também estou aqui – Marquinhos respondeu.

- Ah, vão no de baixo!

- Que saco! – eu exclamei.

Usar o banheiro do térreo não era lá muito interessante. Nenhum dos integrantes da minha família se sentia bem
ali dentro.

- Pode ficar à vontade – Marquinhos me estimulou.

- Não, não, eu espero, pode ir.

- Não. Vá você. Você falou primeiro.

- Vamos os dois!

- Quê?

- Um de cada vez, é claro.

- Ah, tá. Se fosse junto não daria nenhum B.O.

- Tem sim, nem vem com essa.

- Se liga, eu sou seu irmão!

- E?

- E o que você tem aí, eu também tenho.

- E?

- E eu já vi você pelado antes.

- E?

- Ah, desisto.

Dei risada e desci as escadas para tomar banho. A porta rangeu quando eu a abri e quando a encostei.

- Marcus?

- O quê? – ele gritou.

- Pega uma toalha para mim?

- O que eu ganho em troca?

- Cinco centavos.
510
- Pão duro! Mão de vaca! Tio Patinhas!

Eu dei risada e liguei a torneira, jogando-me embaixo da água quente. Deixei a ducha cair nas minhas costas para
relaxar e tomei um susto quando a porta se abriu.

- Ui!

Marcus deu risada e começou a escovar os dentes.

- Privacidade é bom de vez em quando – eu suspirei.

- Já vou sair para você bater uma em paz.

Eu quis cavar um buraco e me esconder. Que moleque audacioso!

- Você é louco, é?

- O que tem demais nisso, Eder?

- Aff...

- Vai me dizer que você não faz isso?

- Não!

- Duvido!

- Não, eu não faço mesmo. Só quando tenho muita vontade.

- Aham.

- Já terminou? Já posso terminar meu banho?

- Já, já acabei menino chato! Fica em paz com sua timidez... Nunca vi igual!

Suspirei quando a porta foi finalmente fechada e passei o sabonete por entre as minhas pernas. Meu pênis criou
vida imediatamente e decidi dar ouvidos ao que o meu irmão havia dito...

Antes de aliviar o meu desejo, saí do box e fechei a porta com a chave para não ser incomodado. Um relâmpago
deixou o interior do banheiro azul por um segundo. Segurei meu pinto com a mão direita e expus a glande para
poder limpá-la.

Senti uma pitada de prazer naquele ato e decidi continuar. Comecei o vai-e-vem e fechei os olhos. Fael veio a
minha mente como um jato. Lembrei da última vez em que nós havíamos ido na casa do primo dele... Lembrei
do cheiro dele... Lembrei da textura da pele do pau dele... Lembrei do beijo dele...

Abri meus olhos e pensei ter visto um par de olhos verde me observando e tomei um susto com aquele delírio.
Continuei me masturbando lentamente e em menos de cinco minutos, gozei.

511
Deixei o esperma sair e encostei-me à parede com a respiração ofegante. Toda a minha perna esquerda ficou
gosmenta e eu tive que me lavar novamente para poder retirar o excesso de sêmen. Certifiquei-me se não havia
nada comprometedor no piso de cerâmica antes de sair da ducha e desliguei o chuveiro.

Senti o meu corpo mais leve, e fiquei até mais feliz depois do que eu fiz. Passei a toalha pela minha pele, vesti a
cueca limpa, joguei a suja dentro do cesto de roupas e saí para o corredor.

Antes de subir, coloquei algumas frutas dentro do liquidificador e bati uma vitamina, que acabou servindo de
café da manhã. A casa estava sombria e gelada e eu senti um arrepio quando passei pela porta do banheiro.
Aquilo estava ficando realmente estranho.

- Bom dia Eder – disse Henrique, que estava assistindo televisão na sala.

- Bom dia – eu respondi, com a voz fria.

Deixei Henrique de lado e subi para me arrumar. Marcus ainda estava no meu quarto, deitado com a mão direita
sobre a barriga e a esquerda atrás da cabeça, olhando para um determinado ponto no teto branco.

- No que está pensando?

- Na vida – ele respondeu, sentando-se. – Você acredita que a Giselle ainda está no banheiro?

- Está com caganeira? Não é possível, né?

- Diz ela que está se depilando.

- Quero ver ela não saber fazer isso direito e ficar com a periquita toda deformada.

Meu irmão quase urinou de tanto dar risada e desceu para tomar banho. Coloquei uma bermuda de sarja e uma
camiseta colada ao corpo, baguncei meus cabelos, passei desodorante e desci para arrumar a cozinha.

- Eder? – chamou Henrique.

- Que é?

- Posso falar com você?

- Ah, quer falar agora? Lembrou que eu existo?

- Eder...

- Não quero papo contigo não.

Caminhei direto para a cozinha e comecei a lavar a louça com raiva. Passei a esponja dentro do liquidificador e
senti a ponta da hélice raspar meu dedo mindinho.

- Caralho! – senti a dor na hora.

Deixei a água cair sobre o ferimento e senti o corte arder. Não estava profundo, mas o sangue não parava de
jorrar.

512
- Marcus? Marcus?

- O que é? – ele berrou de dentro do banheiro.

- Sai daí e me trás um curativo, eu cortei meu dedo.

- Mas você é uma ameba mesmo!

- Vai logo Marcus!

Quando menos esperei, Henrique estava do meu lado, com um kit de primeiros socorros.

- O que aconteceu?

- Ih! Tem que ser você?

- Olha maninho, não seja infantil, está bem?

- Quem foi infantil nesses últimos dias?

- Desculpa Eder. Eu fiquei fora de si.

- Ah, ficou?

Ele pegou meu dedo e passou um remédio que fez o corte arder ainda mais.

- Ficou fora de si? Ah, que meigo!

- Eu confesso, eu estou morrendo de ciúmes de ver vocês dois juntos.

- Ciúmes? – Marcus perguntou. – Ciúmes de quem Ricky? De quem você está falando? Eder, você está
namorando?

- Claro que não.

- Eu estou com ciúmes de vocês dois juntos e me deixando de lado.

- Sério? – Marquinhos sorriu.

- É.

Henrique baixou os olhos e ficou limpando o sangue de meu dedo. Ele passou um curativo em torno do rasgo e o
sangue estancou.

- Pronto – ele disse.

- Valeu.

- Eu termino com essa louça.

- Beleza.

513
O telefone fixo tocou na sala e no quarto dos meus pais. Meu irmão mais novo saiu correndo para atender e eu
fiquei olhando para o Henrique.

- Me perdoa?

- Não sei. Eu vou pensar no seu caso.

- Por favor?

- Já disse que eu não sei.

- Eder...

- Não insiste caralho!

Dei as costas e saí, deixando-o sozinho com os afazeres domésticos. Meu irmão estava dando risada e eu parei
perto dele para saber quem era.

- Quem é?

-A vó.

- Sério?

- Não besta, é mentira.

- É sério ou é zoeira sua?

- É sério anta.

- Ah! Eu quero!

- Calma, eu primeiro.

- Vou para a extensão!

Subi correndo as escadas e me joguei na cama dos meus pais. Tirei o telefone do gancho e disse:

- Oi vovó linda do meu coração!

- Aff, mas é uma peste mesmo – meu irmão suspirou.

- Eder! – minha avozinha se surpreendeu. – Tudo bem meu amor?

- Tudo e a senhora? E o vô?

- Nós estamos bem, graças a Deus. Você está cuidado bem do meu Marquinhos?

- Não está não vó!

- Não? O que ele te fez, meu amor?

514
- É mentira vó. Eu cuido dele muito bem.

- Mentira dele vó.

- Não briguem. Onde está o Henrique e a Giselle?

- Henrique – Marcus gritou.

-Minha nossa – minha avó riu. – Que pulmão bom.

- Para a senhora ver o que nós temos que aguentar. Cadê o vô?

- Saiu, foi ao supermercado.

- Ah!

- Vó? – ouvi a voz do meu irmão.

- Oi meu amor! Nossa que saudade.

- Tudo bem? – a voz dele estava triste.

- Tudo meu anjo, o que aconteceu?

- Nada, eu estava cortando cebolas.

- Ah, que lindo, meu neto está cozinhando.

- Pois é.

- Eder?

- Oi vó.

- Ficou calado.

- Ah, não quero atrapalhar.

- Você não atrapalha. Chama a sua irmã para mim, se ela estiver em casa, é claro.

- Ah, aqui está chovendo desde ontem, não tem nem como sair – meu irmão disse.

- Aqui está frio, como sempre.

- Por que ligou sem o vô? – eu perguntei. – Gi?

- Oi?

- A vó no telefone.

- É porque eu queria ter exclusividade com meus netinhos – ela riu.

515
- Ah! – eu dei risada. – Vou passar, benção vó.

- Deus te abençoe, filho.

- Obrigada – minha irmã disse. Ela estava com uma toalha presa no cabelo e com o rosto todo verde.

- Credo, você está igualzinha ao Huck.

- Vai ver se eu estou na esquina, mané.

Fui direto para o meu quarto e me joguei na cama, que ainda estava bagunçada. O visor do meu celular se
acendeu e eu notei uma mensagem do Fael:

“Bom dia anjo, desculpe não ter respondido antes, acabei de levantar. Ah, eu vi você também, mas você nem me
deu bola... Tudo bem, eu entendo e te perdoo. Não vejo a hora da gente ficar junto de novo. Eu te amo para
sempre. Beijos, bom começo de semana”.

Sorri e respondi:

“Eu também quero te encontrar logo. Pensei em você durante o banho.”

Não demorou e ele respondeu:

“Sério meu menino? Isso é bom.”

“Por que é bom?”

“Sinal que eu mexo com você.”

“Em todos os sentidos inimagináveis.”

“Digo o mesmo.”

“Amor, eu cortei o dedo.”

“Meu Deus, você está bem? Como foi isso? Quer que eu o leve ao médico?”

“Nossa, que exagero Rafael. Foi na hélice do liquidificador, mas eu já fiz curativo.”

Não tive como não rir.

“Mas você está bem?”

“Eu estou ótimo Fael.”

“De verdade?”

“Claro que sim meu amor. Oh, você é lindo demais.”

“Você que é.”


516
“Já vai ir trabalhar?”

“Estou esperando o ônibus.”

“Cuidado com essa chuvarada.”

“Pode deixar.”

“Eu vou jogar vídeo-game amor. A gente se fala mais tarde?”

“Eu te ligo na hora da minha janta. Pode ser?”

“Claro que pode, vou ficar esperando. Bom trabalho meu garoto perfeito.”

“Obrigado meu menino, eu te amo muito.”

“Eu também. Beijo bem gostoso na sua boquinha linda.”

“O Beijo para você.”

Sorri e suspirei. Reli todas as mensagens, principalmente a que ele perguntou se eu queria ir ao médico. Fiquei
pensando no meu garoto perfeito por metade da tarde e só me dei conta disso, quando minha barriga roncou por
comida.

- Eu acho que estou mesmo apaixonado por ele – constatei por fim.

Eu só voltei a falar com o Henrique depois de duas semanas. Durante todo esse período de tempo, Fael e eu não
nos vimos porque ele estava completamente abarrotado de serviço na empresa e não tinha tempo para sair de
casa um segundo sequer.

As férias estavam acabando e eu ainda não tinha comprado meus materiais escolares. Tampouco meus irmãos
mais novos. Na quinta-feira, dia vinte e seis de janeiro, Marcus, Giselle e eu fomos a uma papelaria no centro da
cidade para poder comprar nossas coisas.

Eu fiquei em dúvida entre um caderno do Homem Aranha e um fichário preto de couro... O caderno era três
vezes mais barato, mas com certeza, o fichário era três vezes mais resistente.

- Aproveita e paga os meus seis reais – meu irmão falou, rindo.

- Do quê? – eu tentei me desvencilhar.

- Como do quê? Esqueceu que nós apostamos que eu ia conseguir mudar o meu horário? Você perdeu!

- Lembro disso não – brinquei, fugindo dele. – Gi, me ajuda?

- O que você quer?

- Qual eu escolho?

517
Mostrei as duas opções a ela e ela escolheu o fichário. Dei-me por vencido e coloquei o caderno de volta à
prateleira. Meu irmão pegou uma pasta catálogo, estojo, várias opções de caneta, quatro ou cinco blocos de
folhas para fichário e uma régua de quarenta centímetros.

- Que exagero de régua – minha irmã disse.- É melhor as grandes.

- Não vai levar caderno? – eu perguntei.

- Vou colocar essas folhas aqui dentro – ele disse, mostrando a pasta. – É mais prático.

- Ah.

- Sininho ou Moranguinho? – Giselle perguntou.

- Moranguinho – respondi. – Combina mais com você.

- Muito obrigada maninho.

Nós três pegamos tudo o que nos era necessário e fomos até a fila. As compras de materiais escolares sempre
eram caras, mas naquele ano, se superaram.

- O pai vai ter um troço.

- É meu último ano – eu disse ao Marcus –, em 2007 tudo ficará mais barato.

- Estudar a noite é legal? – perguntou minha irmã.

- Eu gosto.

- Que bom, porque você vai ter que nos aguentar – Marquinhos riu.

- Nem me lembre!

- Cadê meu dinheiro?

- Cacete! Eu já vou te dar – falei, bufando.

Quando nós entramos no ônibus, eu coloquei a sacola sobre o banco antes da roleta e entreguei uma nota de dez
ao cobrador. Ele me olhou com curiosidade e eu respondi.

- Três.

- Ah!

Girei na roleta e fui para o fundão do transporte coletivo, que estava às moscas. Minha irmã me seguiu e Marcus
veio por último.

- Aqui – eu disse, dando três notas de dois a ele. – Não me enche mais, hein?

- Muito bem, honrou com a palavra!

518
Fiquei submerso em um oceano de pensamentos até chegar no ponto de casa. Meus irmãos me ajudaram com as
sacolas e nós descemos. Quando eu fui atravessar a rua, me surpreendi com um casal que estava se beijando na
frente da casa do Rafael.

- Hey, Eder – Giselle disse. – Aquela é a Natty?

Eu franzi o cenho e apurei minha visão. Sim era ela. Ela estava beijando um garoto que eu não conhecia. Meus
irmãos e eu passamos pela faixa de pedestres e eu tive dificuldade em introduzir a chave na fechadura do portão
de ferro, toda a minha atenção estava no casal.

Notei que a silhueta da irmã de Rafael já estava ligeiramente maior e ela estava com um caroço no meio da
barriga.

- Mas já?

Natália estava mesmo grávida, eu não tinha como negar. Ela estava mais gorda desde a última vez que eu a tinha
visto. O rosto estava redondo, as coxas maiores, os seios robustos e a barriga... A barriga estava... Crescendo...

Giselle me empurrou pelos ombros e eu entrei pela fresta do portão. Coloquei as sacolas no chão e o pescoço
para a rua e mais uma vez fiquei olhando o casal se beijar. Quem era aquele garoto?

- Menino, você tem que aprender a disfarçar melhor – falou Giselle, me puxando novamente.

- Quem é ele?

- Não faço a mínima ideia, mas depois você descobre. Anda, entra logo.

Fui obrigado a entrar em casa. Marcus e eu colocamos as coisas nos quartos e descemos para ajudar a minha irmã
na cozinha, já que Zélia havia sido dispensada pela minha mãe no final do ano anterior.

- A Zélia faz falta – eu reclamei.

- Faz mesmo – minha irmã concordou.

- Vamos andar de bike? – Marquinhos propôs.

- Não é má ideia – Giselle ponderou.

- Mas antes, nós temos que terminar de arrumar tudo – eu disse.

Demos uma tapeada por toda a casa e por volta das cinco, nós três saímos. Demos uma volta pelo bairro e
acabamos chegando na Vila Olímpia.

- Vamos até o Via Funchal? – Gi perguntou.

- Fazer o quê?

- Quero ver as opções de shows desse mês...

- Já que estamos aqui, por que não?

519
Só chegamos em casa depois das nove horas. Minha mãe e meu pai já estavam à nossa espera, na calçada.

- Onde vocês estavam? – Marina perguntou, com o ar de preocupação.

- A gente foi andar de bicicleta mãe – Marcus disse.

- Eu deixei um bilhete na porta da geladeira – me defendi.

- Deixou? Eu não vi...

- Tá vendo? Já ia brigar com a gente sem ter motivos.

- Venham, entrem que já está ficando tarde.

Minha mãe havia feito carne de panela com batatas, purê de cenoura, arroz parborizado e omelete com queijo e
presunto para o jantar. Eu comi dois pratos e senti vontade de repetir pela terceira vez, mas não cabia mais nada
na minha barriga.

- Tem alguma coisa de sobremesa?

- Mousse de maracujá – minha mãe disse.

- Quer me matar de tanto comer, é?

- Não, claro que não.

- A comida está maravilhosa – minha cunhada disse.

- Obrigada meu anjo. Você melhorou da gastrite?

- Quase que por completo, mas ainda sinto azia e essas coisas.

- Está fazendo tratamento? – meu pai perguntou.

- O médico passou um remédio, já estou quase curada.

- Que bom!

Depois que terminei de jantar, senti meu corpo pesado e sonolento. Todos nós ficamos sentados na sala,
assistindo televisão até onze horas. Gabrielle voltou para casa, mas antes dela sair, eu entreguei-lhe um bilhete
destinado ao Fael:

“Saudades.”

Ela sorriu e acenou positivamente. Eu corri para o meu quarto e me atirei em cima da cama, ela parecia berrar
pelo meu nome.

520
Meu celular tocou desesperadamente e eu só ouvi o barulho da campainha quando ela já estava quase desistindo
de me acordar. Apalpei o colchão e encontrei o telefone vibrando.

- Alô? – disse, com a voz sonolenta.

- Amor... Acordei você?

- Oi meu lindo! Nossa que saudade... Acordou sim, mas eu nem ligo. Você pode!

- Desculpa, eu vou deixar você dormir, então...

- Não, não! Ai, Fael... Eu estou louco para ver você...

- Eu também meu menino, não aguento mais de tanta saudade... Você pode vir aqui?

- Agora?

- É.

- Que horas são?

- Duas e treze...

- E se me virem aí?

- Não vão. Meus pais saíram... E se a Gaby vir ela não vai falar nada...

- Mas e a Natty?

- Ela está no décimo sono! Ai, eu quero tanto te beijar...

Fiquei de pé em um salto.

- Vai abrir o portão – eu disse.

- É para já!

Nem eu, nem ele nos despedimos ao desligar a ligação. Fui ao banheiro, escovei meus dentes rapidamente, joguei
uma água no rosto, vesti uma bermuda descente e desci as escadas silenciosamente.

Certifiquei-me se não estava sendo visto e saí para a rua com cuidado. Fael já estava à minha espera e vê-lo
parado, apenas de short me deixou completamente arriado.

- Amor – eu disse baixinho, quando cheguei onde ele estava.

Nossos olhos se fundiram e foi impossível deixar de abraçá-lo. Eu senti o perfume do meu garoto entrar pelo
meu nariz e tive que me controlar para não beijá-lo ali mesmo.

- Que saudade – ele sussurrou.

- Muita.

521
- Vem, meu menino...

Ele segurou em minha mão e me conduziu para o interior da casa, que estava impossivelmente silenciosa.

Não tivemos tempo nem de chegar ao pé da escada e já estávamos aos beijos. Ele me segurou com força e puxou
meu corpo para mais próximo ao dele, eu deixei uma mão em sua nuca e a outra no ombro e sorri, quando ele
mordiscou meu lábio superior.

- Aqui não – eu falei.

- Não aguento mais...

Ele me puxou pela cintura e me ergueu do chão, levando-me escada acima sem que eu precisasse andar.

- Meu Deus, você é louco?

Ele deu risada e só me largou, quando chegamos no interior do quarto.

- Não, eu só sou completamente maluco por você.

Se nós ficamos uma, duas horas no mesmo beijo eu não sei, só sei que só paramos, porque ouvimos vozes no
piso de baixo.

- São meus pais – ele disse.

- E agora?

- Eles não vão entrar aqui e mesmo que tentem, a porta está com a chave.

- Eu tenho que ir...

- Fica – ele pediu.

- Já vai amanhecer Fael. Minha família vai dar pela minha falta mais cedo ou mais tarde.

- Odeio quando chega a hora da gente se despedir.

- Eu também.

- Senti tanto a sua falta...

- Eu também.

- Mas agora eu vou parar de fazer hora extra, o serviço está reduzindo.

- Amém... Pensei que você fosse morar lá de vez...

- Exagerado – ele apertou meu nariz.

Agarrei meu gato e a gente ficou sem falar nada, até a voz de Jorge sumir dentro do quarto oposto. Fael ficou
acariciando meu cabelo e eu já estava quase dormindo, quando ele começou a beijar a minha boca.

522
- Eu tenho que ir...

- Eu sei – ele suspirou.

Dei-lhe mais um beijo, o mais apaixonado que eu consegui e me levantei.

- Me leva?

- Lógico que sim – ele sorriu, agarrando a minha cintura. – Eu ainda estou tentando marcar o nosso
acampamento, viu?

- Sem problemas. Ainda não comentei nada com o Henrique.

- Nem eu com a Gaby, mas meu pai e minha mãe já estão cientes.

- Se você conseguir, é só me avisar. As férias já estão quase no fim...

- Antes de elas acabarem, eu vou conseguir ou não me chamo Rafael.

- Do jeito que você é teimoso..

- Eu não sou teimoso...

- Imagina se fosse, né lindo?

- Você para, hein?

- Não estou fazendo nada – disse provocando-lhe com um beijo.

- Aham...

- Tchau neném.

- Vai não...

- Ah, se eu pudesse...

- E eu também...

Nós nos beijamos mais uma vez, a última daquele dia e ele me levou até o portão. Por sorte, não fui pego por
ninguém, nem na casa dele, nem na minha. Adormeci com a consciência tranquila naquela manhã, ficar com o
Fael sempre me deixava feliz e renovado.

Fevereiro chegou num piscar de olhos. O aniversário do meu irmão mais novo estava por vir e a volta às aulas se
aproximava cada vez mais. Meu pai insistiu em me fazer trabalhar e aquilo já estava me deixando irritado.

- Pai isso já está me irritando.

- É? Só lamento... Eu quero que você arrume alguma coisa antes das aulas voltarem.

- Daqui a uma semana? Impossível!

523
- Nada é impossível quando a gente tem interesse.

- Eu vou dar uma volta, não aguento mais ficar em casa – disse com raiva, saindo da cozinha com os nervos à
flor da pele.

Tentei ligar para o Fael, mas ele não atendeu o celular, talvez ainda estivesse dormindo. Andei pelo meu bairro
sem rumo e quando menos percebi, já estava dentro da locadora de vídeos.

- Bom dia Eder. Caramba, que surpresa.

- Oi Diogo, tudo bem?

- Tudo, mas você não me parece muito legal. Algum problema?

- Ah, meu pai fica me enchendo saco, dizendo que eu tenho que trabalhar...

- Trabalhar?

- É. É que eu fiquei com a irmã da minha cunhada e ela apareceu grávida, daí ele está em cima de mim, dizendo
que eu tenho que assumir a minha responsabilidade.

- Sério Eder? Caramba, que coisa chata...

- Ah, mas fazer o quê...

- Mas eu acho que eu posso te ajudar...

- Pode? Como?

- Vem trabalhar aqui...

- Aqui? – eu me espantei.

- A Rita vai sair, sexta-feira é o último dia dela.

- Sério? Por quê?

- Ela vai se mudar para o Nordeste.

- Ah, que chato, mas que bom para ela.

- Uhum. Daí o lugar dela está temporariamente vago. O André ia mesmo colocar uma placa com a informação da
vaga... Mas eu posso conversar com ele e te colocar aqui. Basta você querer!

- Poxa Diogo, muito obrigado cara... Você tirou um peso das minhas costas.

- Que nada, amigos são para essas coisas.

Um cliente entrou e Diogo teve que atendê-lo, dando dicas e recomendando alguns filmes. Eu subi para o
segundo andar e fiquei analisando os títulos, sem dar muita importância a nenhum deles. Trabalhar na locadora?
Será?
524
- Ah, você está aí – Diogo disse, sorrindo. – Vai levar algum?

- Não, só estou dando uma olhadinha mesmo.

- Então, conversa com o Alexandre, vê o que ele acha da ideia e se você quiser mesmo, vem falar com o André.
Se bem que nem vai precisar.

- Beleza cara, valeu mesmo pela ajuda...

- Que nada! Vou ter que descer agora, senão alguém pode entrar e roubar...

- Já aconteceu?

- Já, às vezes acontece.

- Credo... Acho que não vou vir não, então!

- Ah, não é nada demais, nada que eles levarem o dinheiro não ajude.

Ele saiu e eu fiquei preso em meus pensamentos. Trabalhar... Eu nunca tinha feito nada em toda a minha vida. E
continuaria sem fazer, se não fosse a gravidez da chata da Natália!

Fui a uma loja de roupas com o Henrique e comprei uma calça e uma camiseta pro Marcus. Ele não encontrou
nada que lhe chamasse a atenção e ficou trombudo por causa daquilo.

- Compra um tênis – eu sugeri. – Ou um jogo de vídeo-game.

- É até que não é má ideia.

- Quer ir ao shopping?

- Não, aqui tem uma loja mega legal de games.

Nós descemos em um beco estreito de uma rua sem movimentos e entramos em uma galeria completamente
vazia.

- Que lugar sinistro – eu disse.

- Não viu nada.

Fomos até o piso do subsolo desse lugar e viramos à direita. Várias lojinhas estavam com as portas abertas e meu
irmão entrou em uma maior que as demais.

- Oi Marcelo – ele cumprimentou o rapaz. – Beleza?

- E aí Ricky, firmão?

- Belezinha. Meu irmão Eder.

525
- Beleza brother?

Assenti e dei um toque na mão do garoto. Ele era bonito.

- O que te traz aqui?

- Quero comprar alguns jogos pro Marcus.

- Ah! Tem um monte, novos aqui...

A gente deu olhada em algumas pastas repletas de jogos e o Henrique acabou escolhendo seis. Eu o ajudei em
dois dos quais ele estava em dúvida, mas eu queria mesmo era levar mais.

- Pô, valeu aí Marcelo!

- Eu que te agradeço cara, volta mais vezes, firmeza?

- Pode deixar. Abraço!

- Falou irmão do Henrique.

- Até mais – eu disse, sorrindo.

Ele sorriu e ficou olhando em meus olhos. Meu irmão me empurrou para a saída e foi andando, até uma loja de
tênis.

- Quem é esse menino?

- Ele estudou comigo. É gente fina.

- Estou vendo... Essa loja é dele?

- É sim.

- Bacana.

- Qual é o número do Marcus mesmo?

- Trinta e cinco.

- Ah, é mesmo. Obrigado.

Existiam inúmeros pares de tênis naquela lojinha e eu mesmo fiquei em dúvida entre vários. Perdi as contas de
quantos tênis a vendedora já tinha nos mostrado.

- E agora Eder? Preto ou branco?

- Se levarem os dois, eu dou um descontinho.

- De quanto? – eu perguntei.

- Cinco por cento.


526
- Cinco? Só cinco moça? E se nós levarmos três?

- Dez.

- Ah, vamos negociar então – eu disse, colocando as duas mãos em cima do balcão e olhando diretamente nos
olhos dela.

- Quanto fica os dois?

- Setenta reais.

- Cinco por cento dá para a gente quanto de desconto?

- Fica por sessenta e seis e cinquenta – ela respondeu, manuseando uma calculadora.

- Só? Ah, não moça. Qual é o seu nome mesmo?

- Duda.

- Então Duda... Vamos negociar mais um pouquinho.

Meu irmão não tirou os olhos de cima de mim nenhum minuto sequer.

- A gente dá cinquenta e cinco. Que tal?

- Muito pouco moço.

- Cinquenta e seis?

- Não.

- Se levarmos esses três – eu separei mais um tênis para o meu irmão. – Você faz por setenta?

- Oitenta e cinco.

- Ah, moça... Tá caro... A gente não tem tanto dinheiro assim...

- Então leve os dois.

- Mas é que é aniversário do meu irmão coitadinho... Quebra essa vai...

Dei um sorriso de orelha a orelha e passei a língua pelos meus lábios. Notei que a Duda ficou sem graça e
engoliu a saliva.

- Oitenta?

- Setenta e cinco?

- Oitenta!

527
- Setenta e sete?

- Oitenta.

- Não moça... Olha só, setenta e sete... Você ainda está saindo no lucro, porque nós vamos vir aqui mais vezes
comprar...

Ela deu um sorriso e jogou o cabelo para trás. Eu sorri em resposta e mantive meus olhos dentro dos dela.

- Setenta e sete então?

Henrique pegou o dinheiro no bolso e contou por baixo do balcão.

- Ok, ok... Mas vocês vão comprar mais vezes?

- Com certeza – eu respondi.

- Quero só ver, hein? São esses três?

- Isso.

Ela pegou os modelos que nós escolhemos e os colocou dentro de caixas de papelão vazias.

- Trinta dias para troca, com a etiqueta e a nota.

- Uhum.

Ela digitou algumas coisas no computador sobre o balcão e uma nota saiu. Meu irmão entregou o dinheiro e me
olhou de canto de olho, com uma das sobrancelhas erguidas.

- Aqui está – ela nos entregou as sacolas.

- Muito obrigado Duda – eu agradeci, sorrindo para me mostrar cortês.

- Eu é que te agradeço moço bonito.

Ela deu uma piscadela e eu fiquei meio sem graça, mas retribuí.

- Boas vendas e uma boa tarde – eu disse.

- Obrigada. Boa tarde também.

- Obrigado.

- Vamos? – Henrique me chamou, já a minha espera.

- Vamos sim.

Eu saí da lojinha e meu irmão já foi me enchendo de perguntas.

- Como você fez isso?

528
- Simplesmente fiz.

- Nossa, me ensina essa técnica de persuasão! Caramba!

- Utilize esses olhos claros que Deus te deu e esse sorriso que é perfeito. Quem sabe você dá sorte, assim como
eu?

- Eu to chocado!

Eu dei risada e nós voltamos à claridade daquele dia de verão. Coloquei meus óculos de sol, passei os dedos
pelos meus cabelos e fiz uma bola com o Trident que estava mascando.

- Às vezes você me surpreende – Henrique disse. – Eu quero um chiclete.

- Esse era o último. Quer?

- Ah, não, não. Muito obrigado, a vontade já passou.

- Então tá, né?!

Foi difícil esconder os presentes do meu irmão, todos decidiram deixar as coisas no meu quarto, mas lá era o
segundo local mais visitado pelo Marquinhos, exceto pelo próprio quarto dele.

Arrumei os embrulhos por ordem de tamanho e deixei todos dentro do meu armário, quase não tive espaço para
pegar as minhas próprias roupas. A quinta chegou rapidamente. Eu dei um abraço de urso no caçula na cozinha e
deixei ele meio que sem ar, porque quando o soltei, ele respirou fundo e ofegantemente.

- Quer me matar no meu próprio aniversário?

- Ah, não. Senão eu ia gastar dinheiro à toa.

- Idiota.

- Filho, papai tem que ir pro escritório.

- Tudo bem velho, vai lá.

- Velho é a sua mãe!

- Como é Alexandre?

Minha mãe pegou o prato que estava em suas mãos e ameaçou tacar na cabeça do meu pai, eu quase morri de
tanto rir da cara dela.

- Quero dizer velho é o seu... Avô. Pronto. Amor, eu te amo, parabéns meu filho, beijo meninos.

Ele saiu correndo da cozinha e escorregou quando passou para a sala.

- Eita bexiga – ele esbravejou, segurando na parede.

Quando queria, meu pai era hilário.


529
- Ah, Eder – ele disse, só com a cabeça dentro da cozinha. – Quero uma resposta da locadora ainda hoje.

Suspirei, virei os olhos e respondi:

- Tudo bem pai. Eu vou lá verificar.

- Acho bom.

Marcus ficou muito feliz com os presentes, principalmente com os jogos. Ele nem terminou de abrir o que os
meus pais lhe deram e subiu correndo com os CD’s do Playstaton que meu irmão lhe dera.

- Vou junto – Henrique disse. – Quero jogar com ele.

- Depois é a minha vez – eu falei.

- Eder, eu posso ir com você à locadora? – Giselle perguntou.

- Pode amor.

- Obrigada.

- Anjinhos da mamãe, eu vou para o consultório. Tenho uma cirurgia em meia hora.

- Eca – dissemos eu e Giselle.

- Boa sorte – eu falei.

- Ah, obrigada meu gostoso.

Ela deu um beijo em mim e na minha irmã e depois saiu, pela porta da cozinha.

- Vai agora? – Giselle perguntou.

- Me dá cinco minutinhos?

- Claro.

Compareci ao meu quarto, troquei de roupa, passei perfume e desci novamente para a cozinha.

- Pronto.

- Hum... Gatinho você! Se não fosse o meu irmão, eu pegava.

- Ah, obrigado. Que delicadeza a sua. Vamos?

- Vamos sim.

- Então é minha a vaga?

- Com certeza – Diogo disse. – Estava esperando só você vir cobrar.

- Que bom! Quando eu começo?


530
- Pode ser agora se você quiser.

- Agora?

- Brincadeira. Segunda-feira.

- Já?

- Hoje ainda é quinta, amiguinho, você tem três dias para curtir as férias.

- Se não tem jeito, né?

- Mas nem começou e já está reclamando? – minha irmã zombou.

- Não torra.

- Você tem carteira profissional?

- Não – eu respondi.

- Então trate de tirar.

- Aff... Mais alguma coisa?

- Só. CPF você já tem, não tem?

- Isso eu tenho.

- Que bom. Pede para o seu irmão ou seus pais te levarem ao Poupatempo para você tirar a sua carteira, vai ser
necessário porque você vai ser registrado e tudo.

- Nossa que chique! – Giselle exclamou.

- Quer um emprego também gatinha? – Diogo perguntou, rindo.

- O que você tem a me oferecer?

- Olha, a vaga de faxineira está em aberto...

- Faxineira? – Gi se indignou. – Nossa, Diogo... Nossa, mas que... Nossa! Estou em choque.

Eu quase caí no degrau de tanto rir da cara da minha irmã. Diogo também gargalhou a beça e nós só paramos
quando um cliente entrou e nos olhou com ar de curiosidade.

- É brincadeira Gi!

- Magoei!

- Linda!

- Eu tenho que trazer isso quando?

531
- Sábado.

- Beleza.

- Vamos Eder, preciso fazer as unhas dos pés.

- Ah, meu Deus. Que dondoca! – o funcionário disse, sorrindo.

- Ah, vai ver se eu tô na esquina menino.

- Não, você está bem aqui.

- Idiota.

- Então beleza, Di. Obrigado cara, fico te devendo essa.

- Que nada, relaxa.

- Valeu! Bom trampo aí.

- Valeu cara, até segunda!

Minha irmãzinha e eu voltamos para nossa casa lentamente. Eu andei de cabeça baixa a maior parte do percurso.
Pronto. Estava feito. A vontade do meu pai seria atendida e a minha liberdade seria perdida. Trabalhar. Na
locadora. E o meu amor? Como eu iria vê-lo? Como nós iríamos fazer para ficar juntos? Será que ele iria me
entender? Me apoiar?

- Vai trabalhar, vai trabalhar – Giselle zombou de mim, quando nós chegamos em casa.

- Bem que você poderia aceitar ser a faxineira, pelo menos poderia me fazer companhia!

- Deus me livre e guarde três mil vezes – ela bateu na mesa de centro três vezes.

- Credo que exagero! – eu ri.

- Menino, vá lá ver se eu estou lavando roupa no rio São Francisco, vá?

- Dá o dinheiro da viagem que eu vou!

- Eder... Eder... Some daqui, some?!

Eu subi as escadas dando risada e fui arrumar meu fichário, coisa que eu ainda não tinha feito. Coloquei as folhas
dentro das divisórias e separei cada uma para uma matéria. A primeira ficou para Português, a segunda, de
Matemática e a última para anotações de provas, atividades, possíveis colas e afins.

Peguei o controle do som e o liguei. Deixei na minha rádio favorita e fiquei ouvindo as músicas que passavam.
Entrei em transe quando ouvi “Por Besarte” mais uma vez.

Enquanto ouvia as canções, peguei uma folha do meu fichário e a destaquei.


532
“Rafael Alcântara”

Eu coloquei no alto do cabeçário.

“09/02/2006

Amor... Estou ouvindo a nossa música neste momento.

Na verdade, eu não sei por que estou lhe escrevendo, só sei que me deu vontade de fazer isso... E aqui estou!

Daqui a dois dias, fará três meses que nós demos o nosso primeiro beijo. Caramba, o tempo passa rápido mesmo.
Parece que foi ontem... Se a gente tivesse seguido nosso instinto, isso já teria ocorrido a mais tempo, mas...
Seguimos a nossa cabeça, ao invés do nosso coração.

Aproveitando a oportunidade, gostaria de te agradecer.

Agradecer em primeiro lugar, por você existir.

Segundo, por me compreender sempre.

Terceiro, por você ter desculpado todas as minhas mancadas.

Quarto, por você me apoiar em minhas decisões.

Quinto, por estar ao meu lado desde a primeira vez em que nós nos vimos.

Sexto, mas não menos importante, pela sua paciência com as minhas criancices.

Eu sei que em muitas das vezes, é difícil até para nós mesmos, admitirmos que nós sejamos homossexuais, que
temos um relacionamento com uma pessoa do mesmo sexo. Mas eu penso que, se isso aconteceu, é porque algo
está por trás de tudo isso... Nada na vida acontece por acaso e com certeza, o nosso encontro não foge dessa
regra.

Eu posso estar sendo ridículo ao escrever isso a você, mas algo me diz que isso se faz necessário neste
momento... Você já faz parte de mim e eu preciso deixar ainda mais claro o quanto o meu amor por ti é imenso.

Você é o meu anjo, meu protetor, é a joia rara que Deus me deu. É meu tudo, minha vida, meu porto seguro, meu
alicerce. Sem você eu não sou nada, sem você eu não vivo... Sem você eu não sei respirar. Sem a sua presença, o
meu coração não bate, o meu cérebro não funciona, meus olhos não enxergam, minha boca não fala. Sem seu
calor minha pele não reage, meus pensamentos não trabalham, a minha vida não anda!

533
Rafael, sem você o meu mundo não tem mais cor... Eu não sou absolutamente nada sem a sua presença. E eu não
sei como eu vivia sem você. Por que demorou tanto para a gente se encontrar? Já pensou em quanto tempo nós
perdemos?

Eu te amo infinitamente meu garoto perfeito. Por favor, nunca esqueça isso. Está bem?

Aconteça o que acontecer, eu sempre estarei ao seu lado. Nos piores e nos melhores momentos. Conta comigo.
Nunca vou deixar você de lado. Nunca.

Eu te amo do jeitinho que você é. Com suas manias, seus defeitos, isso é, se você tem algum defeito, e suas
qualidades.

Quero ficar contigo para sempre. Por toda a minha vida.

Essa letra resume tudo o que eu estou sentindo agora:

‘Quero beber o mel de sua boca

Como se fosse uma abelha rainha

Quero escrever na areia sua história

Junto com a minha

E no acorde doce da guitarra

Tocar as notas do meu pensamento

E em cada verso traduzir as fibras

Do meu sentimento

Que estou apaixonado

Que este amor é tão grande

Que estou apaixonado

E só penso em você a todo instante

Eu quero ser o ar que tu respiras

Eu quero ser o pão que te alimenta

Eu quero ser a água que refresca

O vinho que te esquenta

E se eu cair, que caia em seu abraço

534
Se eu morrer, que morra de desejo

Adormecer dizendo que te amo

E te acordar com um beijo

Que estou apaixonado

Que este amor é tão grande

Que estou apaixonado

E só penso em você a todo instante

Quero sair contigo em noite enluarada

Dois adolescentes pela madrugada

Pra viver a vida sem pensar em nada

Que estou apaixonado estou apaixonado

Que este amor é tão grande

Que estou apaixonado

E só penso em você a todo instante

Que estou apaixonado estou apaixonado

Que este amor é tão grande

Que estou apa

E só penso em você a todo instante’

Espero que o que eu sinto por você esteja claro.

Eu te amo Rafael.

Um beijo. Eder Alves.”

Eu dobrei o papel em três lados iguais e fui até o meu armário. Escolhi o perfume que o Rafa mais gostava e
apertei a válvula algumas vezes. A folha ficou molhada, mas logo secou.

Fui até a janela e por sorte, as vidraças do quarto do meu garoto perfeito estavam abertas. Não pensei duas vezes.
Debrucei-me no peitoril do meu quarto, enrolei a carta na minha camiseta e joguei para dentro do quarto do Fael,
saindo do campo de visão em seguida.
535
Deitei em minha cama com as duas mãos atras da nuca e fiquei pensando no meu deus grego. Tomei um susto
quando ouvi a música que tinha escrito ao Rafa tocar no rádio, mas acabei fechando os olhos e mergulhando no
meu oceano particular. O oceano que eu mais gostava em toda a minha vida.

Não haviam se passado nem cinco minutos e meu celular tocou. Olhei o número no identificador e sorri, ao
perceber que as minhas suspeitas haviam se confirmado.

- Oi – eu disse.

- Ai – ele falou, percebi que estava chorando. – Quer me matar?

- Essa não é a intenção.

- Pois não é o que parece. Obrigado! Obrigado!

- Não tem nada que agradecer.

- Eu não sei nem o que dizer... Tudo, absolutamente tudo é recíproco, em todos os sentidos...

Sorri e deixei meus olhos transbordarem as lágrimas que estavam sendo acumuladas.

- Meu menino – ele suspirou baixinho.

- Que foi, meu amor?

- Ah, se eu pudesse! Ah, se eu não precisasse ir trabalhar agora...

- Ah, isso me lembra uma coisa, amor.

- O quê?

- Eu vou começar a trabalhar na locadora, segunda-feira.

- Sério amor? Que legal! Então você conseguiu mesmo?

- Consegui. Estou meio chateado e tal, mas enfim... Já que é necessário, né?

- Uhum. Eu tenho que desligar agora – ele disse, fungando. – Obrigado pela cartinha... Eu amei. Vou colocá-la
em minha carteira, quero sentir seu perfume e ver sua letra sempre que me der saudades.

- Lindo!

- E a camiseta eu não vou mais devolver.

- Ah... Pode me devolver seu ladrãozinho.

- Nunca! Ela é minha. Eu vou dormir abraçado com ela todas as noites...

- Ah, você não existe Rafael!

536
- É você que não existe!

- Lindo!

- Você que é!

- É você.

- Que nada...

- Um bom trabalho, viu meu anjo?

- Obrigado meu amor. Ah! Eu queria falar com o Marquinhos...

- Quer o celular dele?

- Aham.

Eu ditei pausadamente o número do telefone do aniversariante e depois nós nos despedimos.

- Vou ligar para ele daqui a pouco.

- Liga sim, ele vai gostar.

- Uhum. Preciso ir amor. Obrigado novamente.

- Que nada, fiz de coração.

- Eu sei. Eu te amo.

- E eu te amo mais.

- Eu te amo mais.

- Não. Eu!

Ficamos nesse impasse por um curto período e então desligamos. Eu continuei deitado e acabei adormecendo, só
acordei na hora que minha mãe me chamou:

- Vem, vamos cortar o bolo do Marcus.

- Bolo? Nem sabia que iria ter!

- É só para nós mesmos.

- Ah.

Ele ficou todo contente com o pequeno gesto de meus pais. O bolo era de nozes com amêndoas e eu comi mais
de quatro pedaços. Estava simplesmente divino.

- Mãe do céu, que bolo gostoso.

537
- Comprei feito já.

- Um delicia.

- Alguém me dá um copo de coca? – Henrique pediu.

Eu entreguei um copo a ele e coloquei refrigerante. Minha cunhada e a irmã também estavam presentes em nossa
casa e Natty, já estava empanturrada de tanto comer.

- Mais um pedaço minha linda? – minha mãe ofereceu.

- Não, não, dona Marina. Obrigada. Já estou cheia demais.

- Tem certeza?

- Absoluta.

Ela estava engordando à beça. O rosto ficava cada vez mais redondo, o quadril, cada vez mais largo e os seios,
cada vez maiores. A Natty já não era a mesma adolescente franzina com quem eu tinha transado, meses antes.

- Mãe, guarda um pedaço de bolo pro Rafael – eu pedi.

- Ah, já separei, meu amor, um para ele e para os pais dele.

- Obrigado.

- Não precisa se preocupar dona Marina – Gabrielle disse.

- Não é incômodo algum Gaby.

Ficamos juntos, papeando, rindo e comendo até boa parte da noite. Meu irmão ganhou presente da nossa cunhada
e da irmã dela, e ficou feliz quando meu anjo telefonou.

- Obrigado Rafa!

- Ué, ele só ligou agora? – estranhei.

- Valeu mesmo, cara.

Ele deu risada e disse:

- Aham, pode deixar. Abraço! Obrigado, tchau.

- Era o meu irmão, ou é impressão minha? – Natália perguntou, com a mão sobre a barriga que não parava de
estufar.

- Era. Gostaria de saber como ele conseguiu meu número...

- Eu quem dei – respondi.

- Ah! Tá.

538
- Ele pediu – dei de ombros.

- Uhum.

Minha irmã colocou o prato em cima da mesa e bocejou.

- Comi demais.

- Também, o seu olho grande não deixa você comer pouco – Marquinhos riu.

- Mãe! Olha ele!

- Deixa ele, hoje ele pode.

- Bem feito, lambisgóia!

- Cala a boca seu periquito de jaula de macaco!

- Olha o respeito!

- Respeito por você? Nunca na minha vida!

- Já chega – meu pai mandou. – Sem brigas, por favor.

Eles mostraram a língua um ao outro e pararam quietos. Minha cunhada e a irmã começaram a lavar a louça, mas
minha mãe e meu irmão não deixaram elas continuarem.

- Vai sentar Natty, você não pode fazer esforço – minha mãe ponderou.

- Eu estou grávida dona Marina, não estou doente.

- Mesmo assim. Evite esforços. O Eder lava a louça.

- Eu? Por que eu?

- Porque você é um bom menino e vai me obedecer.

- Ih, se lascou – meu irmão mais novo riu.

- Vai ter troco Marcus!

- Lero, lero!

Fiz bico, mas terminei com os pratos, copos e talheres em quinze minutos. Henrique secou tudo e minha mãe
guardou. Quando tudo estava arrumado, nós nos juntamos aos demais, na sala, e ficamos assistindo televisão até
meia noite.

- Bom, vamos Natty?

- Vamos, Gaby.
539
- Obrigada por tudo novamente, sogra.

- Não foi nada, nora.

Elas riram e trocaram um beijo na bochecha.

- Parabéns cunhadão!

- Obrigado.

- Parabéns Marcus! – Natty esclamou.

- Valeu irmã da cunhada!

Ela sorriu e deu um beijo e abraço nele.

- Sou mais do que a irmã da sua cunhada, sou a mãe do seu sobrinho. Ou sobrinha.

Olhei para ela imediatamente. Como tinha coragem em ser tão ousada? Quem havia dado permissão para ela
dizer tal asneira? A minha paternidade ainda não estava confirmada, então, o mínimo que a Natália poderia fazer,
era ter respeito pela minha pessoa. Ou será que era pedir demais?

Eu abri a boca para responder, mas não tive coragem de falar o que eu estava pensando. Que garota dissimulada.

- Bom, se você é a mãe do meu sobrinho, eu não sei. O que me faz acreditar que eu tenho sobrinho? – Marcus
perguntou.

Boa! O Marcus às vezes me surpreendia.

- Aguarde e verás!

- Eu já estou indo Natália. Beijo.

Minha cunhada e o namorado saíram e a irmã de Gabrielle teve que correr para poder acompanhá-la.

- Ela é meio chata, né? – a Gi ponderou.

- Meio? – eu disse.

- Completa – Marcus completou.

- Meninos! Não falem assim da Natália! – minha mãe a defendeu.

- A senhora vai defendê-la agora, mãe? – eu resmunguei.

- Eu não vou defender ninguém Eder, nem ela, nem você. Não vou passar a mão na sua cabeça, só porque você é
meu filho.

- Eu não disse para a senhora passar a mão na minha cabeça, disse?

- Eder, não começa com as suas lamentações – meu pai mandou. – Já para o quarto, todos vocês!

540
Eu e meus irmãos nos olhamos com os rostos derrotados e fomos todos para nossos respectivos quartos.

Tive que acordar mais cedo que o normal naquela sexta-feira. Meu irmão me acordou com alguns cutucões
doloridos no meio de minhas costelas e eu tive que me levantar, para ir tirar a minha carteira profissional.

- Você já tem foto 3x4? – ele perguntou, quando nós já estávamos a caminho do Poupatempo.

- Não – respondi. – Precisa, é?

- Uhum. A gente tira lá perto, então.

- Se você diz – eu dei de ombros.

Fiquei mexendo no meu celular e mandei uma mensagem para o Arthur, pela primeira vez naquele ano:

“E ai irmão, tudo certo? Preparado para a volta à senzala? Eu vou ter que trampar, acredita? Altas novidades para
contar. A gente se vê segunda. Abraço!”

Nem pensei que ele me responderia, mas em menos de cinco minutos, meu celular tocou:

“Fala Eder. Sério que vai trabalhar? Aonde? Que maneiro! O que aconteceu, hein? Sinto cheiro de coisa ruim no
ar... Saudades irmão! abraço e até segunda.”

- Eita Arthur atrapalhado!

- Era o Arthur?

- Era.

- O que ele queria?

- Nada demais.

- Ah. Eu pensei que era o Rafael.

- Não.

- Hum. Vocês estão bem?

- Ótimos! Obrigado.

- Já rolou?

- Não.

- Não precisa mentir Eder.

- Não estou mentindo!

- Aham!

- Se você não quer acreditar o problema seu!


541
- Eu nem falei nada.

- Mas pensou.

Não havia ninguém no local para tirar as fotos. Meu irmão ajeitou meu cabelo com a ponta dos dedos, eu cocei
os olhos para eles ficarem evidência.

- Está pronto? – o fotógrafo perguntou.

- Manda brasa.

Eu vi o flash cegar meus olhos e fiquei um minuto sentado, até minha visão voltar ao normal.

- Veja se você gosta.

Eu olhei a foto na máquina fotográfica e pensei em tirar outra, mas meu irmão aprovou.

- Lindo.

- Se ele diz, então vai essa mesmo.

O homem fez algo que eu não entendi muito bem e em menos de cinco minutos, voltou com seis fotos 3x4 em
mãos.

- Seis reais.

- O dinheiro é com ele – eu disse, deixando Henrique sozinho na saleta. Dei mais uma olhada nas fotos. Até que
havia ficado legal.

- Você me deve seis reais – Henrique disse, ao chegar atrás de mim.

- Nossa eu acho que vai chover – falei, olhando para o céu completamente azulado e ensolarado.

- Você não vale nada Eder Alves.

- Vamos que eu não quero me molhar.

Eu não sabia para onde tinha que ir, mas no fim das contas acertei. Entrei pela porta principal do Poupatempo de
Itaquera e meu irmão me guiou até onde nós tínhamos que ir.

- Vou aproveitar e renovar a minha carta.

- Já venceu?

- Semana passada.

- Caramba!

- O tempo voa.

- Voa mesmo.

542
- Senha dezessete – a atendente chamou.

- É a sua vez.

- Deixa-me ver?

Entreguei a minha carteira profissional ao meu irmão e ele olhou as informações da primeira página.

- Hum... Que chique! Já tem carteira profissional...

- É já que eu não tenho escolha, né?

- Está com pressa não, né?

- Não.

- Então vem ao Detran comigo.

Antes de chegar ao departamento que o Henrique queria, o celular dele tocou.

- Alô?

Pausa.

- Oi amor!

- Ah, tinha que ser.

- Tudo bem e você?

Fiquei ouvindo ele se derreter pela namorada até chegar onde queria.

- Vou ter que desligar meu dengo, eu já cheguei ao Detran. A gente se fala hoje à noite? Então tá. Beijo bem
gostoso. Eu te amo muito.

- Que nojo – fingi vomitar.

- Cala a sua boca! – ele brincou.

- Ah, tá.

- Aqui está Diogo – eu disse, entregando todos os documentos que estavam na listagem.

- Obrigado Eder. Segunda.

- Uhum. Que horário, mesmo?

- Dez horas, cabeça de bagre.

- Ah, é. Até mais, então!


543
Voltei para casa novamente pensativo. Só mais dois dias de folga e depois, meu martírio ia começar.

Tentei aproveitar meu dia de sábado ao máximo. Pela manhã, após o café, dei um rolê de bike com meu irmão, à
tarde, fiquei no vídeo-game e à noite, fui ao shopping com a Giselle para ela comprar um sapato novo.

- Qual você acha mais bonito? Esse de salto? Ou esse tênis?

- O de salto.

- Mas o de salto não vai me valorizar muito.

- Então leve o tênis.

- Mas ele é muito baixo. Que tal aquela bota?

Eu comecei a me irritar.

- Qual?

- Aquela, de camurça.

- Linda. Você vai ficar perfeita – eu nem tinha encontrado o par que ela estava me mostrando.

- Será? Acho que vou experimentar.

Depois de mais meia hora procurando alguma coisa, ela finalmente decidiu por uma sandália de salto alto que
mais parecia sapato de casamento.

- Isso daí parece sapato de casamento.

- Não torra você não entende nada de moda.

- Quem vê pensa que você é a Gisele Bündchen em pessoa.

- Ah, meu bem... Somos até xarás!

- Só em nome mesmo... Por que de resto...

- Não amola e leva a minha sacola que está pesada.

Eu estava ficando sem moral. Todo mundo estava pisando em cima de mim...

Ao chegar em meu quarto, vi um envelope vermelho sobre meu travesseiro. Assim que o peguei em minhas
mãos, já pude sentir o cheiro do perfume do meu amor... Era dele... Para mim.

Abri a aba com cuidado e fiquei me perguntando quem havia deixado aquilo em minha cama. Será que tinha sido
meu irmão? Ou a namorada? A letra de Fael estava torta e linda, eu li lentamente para aproveitar cada palavra
escrita:

544
“São Paulo, 11 de fevereiro de 2006

Eder,

Três meses hoje. Lamento imensamente não poder vê-lo pessoalmente, embora essa seja a minha vontade.

Não sei escrever tão bem como você, mas eu prometo que vou tentar...

É difícil falar, mas eu tenho que fazer. Eu te amo. Isso você já está cansado de saber. Tenho agradecido à Deus
todos os dias, por Ele ter te colocado em meu caminho e pela gente estar juntos e felizes.

Não quero me prolongar, então, gostaria que soubesse que eu estou muito feliz por ter você comigo. Obrigado,
mesmo, de verdade, por tudo o que tem feito. E não precisamos falar mais nada. Eu sei o que você sente. Você
sabe o que eu sinto. Nós nos completamos e é isso o que importa.

Fico por aqui. Eu te amo, eu te desejo imensamente meu menino. Nunca esqueça disso.

Mais uma vez, obrigado por existir e por tornar os meus dias mais felizes, a minha vida mais colorida.

Para sempre vou te amar.

O Nosso Beijo. Fica com Deus.

Eu te amo.

Com carinho,

Fael”

Li, reli, treli e li mais uma vez. Não tive pressa em dormir naquela noite. Tudo o que eu queria e necessitava, era
ler e sentir o cheiro do perfume do Rafael.

Acordei, cocei minha barriga, me espreguicei, bocejei e tive que levantar. Passei os olhos pelo céu daquela
manhã de fevereiro e me aborreci ao ver que estava chovendo.

- Que ótimo! – exclamei frustrado.

- Bom dia trabalhador – meu irmão disse, entrando no quarto sem permissão.

- Bater à porta é bom de vez em quando.

- Ih, está de mau humor? – zombou Henrique.

- Ah! Vai cheirar a bunda de um velho!

545
Eu saí e deixei meu irmão rindo de mim. Entrei no banheiro, joguei toda a roupa no cesto e me enfiei embaixo do
chuveiro. A água estava morna e agradável e eu me dei ao luxo de ficar por mais tempo que o normal no banho.

- Quer acabar com a água do mundo todo? – meu pai perguntou, batendo com força na porta.

- Já acabei – resmunguei.

Desliguei a torneira e peguei a toalha. Enxuguei meus cabelos e meu corpo e coloquei o roupão do meu irmão, já
que não havia localizado o meu.

- Pronto – falei, saindo.

- Já não era sem tempo, né, senhor Eder?

- Ah, não me enche o saco, pai!

- Olha o respeito, moleque!

Entrei no quarto e tranquei a porta. Joguei o roupão num canto e fiquei andando pelo quarto. Abri a gaveta de
cuecas e coloquei uma de cor verde. Eu não a usava com freqüência. Passei uma quantia generosa de
desodorante, coloquei uma calça jeans azul clara que marcava minhas coxas e uma camiseta preta. Arrumei meu
cabelo pelo espelho do armário, coloquei uma corrente de prata e jorrei uma quantia generosa de Portinari do “O
Boticário”.

- Perfeito – me auto-elogiei, olhando o visual completo pelo espelho.

Desci voando pela escada e me sentei junto da minha família. Minha irmã assobiou ao ver-me e eu fiquei ainda
mais irritado.

- Lindo você!

- Obrigado.

- Vai arrasar – minha mãe aprovou.

- Gente, menos, ok?

- Ele acordou de mau humor – Henrique riu.

- Acordei mesmo!

- Deixem-no comer em paz – meu pai decretou.

Peguei um pão e comecei a passar manteiga. Ele estava crocante e aquilo atiçou minha fome. Repeti a dose e
ainda comi mais dois pedaços de bolo de aipim com côco que meu pai havia comprado na padaria.

- Está levando o quê? – Marina perguntou.

- Nada, ué.

- Como nada?
546
- Eu moro há duas ou três quadras da locadora... Qualquer coisa eu volto!

- Se você diz – ela deu de ombros. – Quer carona?

- Quero. Não estou a fim de andar de guarda-chuva.

- Só um segundo, só vou escovar os dentes. O senhor também vai.

- Seja bem-vindo Eder – Diogo me recepcionou.

Minha mãe buzinou e acelerou o carro, eu acenei, mas a minha vontade era de sair correndo atras do Corsa.

- Obrigado – eu disse.

- O André vai chegar mais tarde para lhe dar as boas vindas.

- Uhum. O que eu tenho que fazer?

- Nada – ele disse rindo. – Só fique aqui atrás comigo. Eu vou ensinar você a mexer com os cadastros.

Fiquei prestando atenção no computador. Os cadastros nada mais eram do que o programa Access, onde a gente
digitava o nome do cliente ou o código da carteirinha e a tela aparecia.

- É bem simples, não tem segredo.

- Uhum.

- Se o telefone tocar, o que quase nunca acontece, você atende com o nome da locadora, em seguida o seu nome.

- Uhum.

- Que horas você vai querer almoçar? Meio-dia? Uma? Duas?

- Uma.

- Perfeito. Eu sempre gosto de sair às duas. E esse era o horário que a Rita fazia.

- Hum.

- Está chateado?

- Não – menti. – Só um pouco entediado.

- Ah, normal. A tendência é piorar.

- Você me anima muito desse jeito.

- Estou brincando – Diogo riu. – Tenta relaxar, logo isso tudo passa.

- Está bem.
547
Nós dois ficamos ali, sentados, assistindo um filme qualquer até o meio-dia. Era impressionante como ninguém
entrava naquele lugar. Eu não entendia como o comércio ainda estava aberto.

Ouvi um barulho conhecido e virei meus olhos para a tela do computador. Diogo estava no MSN.

- E pode ficar usando a internet?

- Ah, claro que pode. Mas o André não pode saber.

- Ah!

- Se não usar a gente não sobrevive. Mas é de boa ficar aqui sem fazer nada, pelo menos a gente ganha sem
trabalhar muito.

- Isso é verdade.

- Os seus documentos voltam na segunda que vem.

- Sem problemas.

- Eu só não sei como o André vai te pagar.

- Como assim?

- Normalmente ele paga em conta corrente, com depósito bancário, mas ele não pediu para você abrir conta.

- É não pediu.

- Provavelmente ele vai querer te dar o dinheiro pessoalmente.

- Por mim é indiferente. Contanto que ele me pague.

- Pode ficar sossegado, ele paga tudo direitinho. Você pensa que não dá dinheiro isso daqui, mas tem dias que o
fluxo de gente não para. Principalmente quando tem algum lançamento legal.

- Com o tempo eu pego a manha.

Até que eu sobrevivi àquele primeiro dia. Logo após eu ter voltado do almoço, um casal de namorados alugou
um romance antigo e eu que fiz a liberação do DVD.

- Entrega amanhã, até às sete.

- Tudo bem – o homem disse. – Obrigado.

- Volte sempre.

- Muito bem Eder! – Diogo disse, sorrindo. – Você fez tudo direitinho. Até que não é burro.

- Obrigado pela parte que me toca.

548
Quando cheguei ao colégio, tive que apresentar meus irmãos mais novos aos meus amigos de classe. Nós fomos
ver as listagens de começo de ano letivo. Eu estava no 3º A, como havia imaginado.

- 7ª F – Marquinhos disse. – Sala dezoito.

- 8ª G – Gi disse. – Sala vinte e seis.

- Eu estou na sala sete – disse aos dois. – Qualquer coisa...

- A gente se vê no intervalo – Giselle se despediu.

- Não esqueça que você me deve uma promessa – Marcus me lembrou.

- O ano ainda nem começou! Aguenta calado!

- Chato!

- Vou para a sala, vai para a sua que o professor já deve ter entrado.

Ele se dirigiu para o segundo andar e eu corri até a minha sala. Avistei minha carteira vaga e caminhei
lentamente até o local.

- Oi Eder – disse Carol.

- OI Carol, como foi de férias?

- Bem. E você?

- Bem também.

- Eder! Nossa, como você está cheiroso – Bianca disse.

- Valeu Bia!

- Mano! – Arthur exclamou.

- Arthur!

Ele me deu um abraço e eu senti um perfume delicioso invadir minhas narinas. Que homem cheiroso, meu Deus!

- Saudade de você – falei.

- Eu também.

Repeti o processo com o Yuri, a Denise e a Paty. Nós cinco ficamos conversando durante toda a aula, já que a
professora de inglês, Solange, deu-nos a aula livre.

- É, eu estou trabalhando – confirmei a pergunta do Arthur. – Lá na locadora perto da minha casa. Maior porre!

- Não acredito – Denise riu. – Você? trabalhando? Conta outra!

- Pior que é verdade, Dê!


549
- O que você andou aprontando, senhor Eder? – Paty questionou, com os olhos semi cerrados.

Dei um suspiro longo e comecei a contar-lhes:

- Vocês lembram do meu aniversário?

- Claro – Arthur disse. – Muito boa a festa...

- Então, sabem a irmã da namorada do meu irmão?

- Quem é essa?

- Uma garota do meu tamanho, de pele branca, cabelos lisos até a cintura...

- Ah, tô ligado... Maior gata – Yuri disse.

Denise deu-lhe um tapa na cabeça.

- Cala a boca, hein?

- Você é mil vezes mais linda, amor.

- Hum... Amor? – eu me surpreendi. – Quem te viu, quem te vê mano!

- Pois é, né Eder. O que elas não fazem com a gente?

- Então, a Natália foi até a minha casa depois que eu voltei, eu estava super bêbado...

- Nem me lembra – Patrícia riu. – Você estava hilário.

- Eu posso falar? Obrigado... Ela foi à minha casa e a gente ficou...

- Mandou bem – Arthur aprovou. – Ela é uma delícia.

- Só que ela está grávida – eu suspirei.

- Grávida? – os quatro perguntaram com a voz alta o suficiente para que duas ou três pessoas nos olhassem com
surpresa.

- Falem baixo – eu sibilei. – É isso mesmo, ela está grávida.

- Que porre! – Yuri bateu na mesa. – E o filho é teu?

- Não. Não sei. Eu espero que não.

- Eder! – Denise exclamou. – Como você é burro!

- Gente, sem essa agora. Já está feito...

- Meu Deus Eder, você vai ser pai! – Arthur revoltou-se.

- Eder vai ser pai? – Victor se espantou.


550
Não demorou muito para que toda a sala de aula já estivesse aos burburinhos sobre esse assunto. Eu senti
vontade de matar o Arthur naquele exato momento.

- Gente – eu falei, pedindo atenção da sala. – Não é o que estão pensando!

- E é o que então?

- Eu vou ganhar uma cachorrinha da minha tia – menti. – É sobre isso que ele se refere.

- Ah! – alguns se aborreceram.

- Da próxima vez, eu quebro as suas fuças!

- Desculpa.

- Mas isso é sério? – Paty questionou.

- E você acha que eu ia brincar com uma coisa séria dessas?

Rafa e eu nos comunicamos por telefone durante todos os dias daquele mês, mas só nos vimos na segunda
semana de março, assim que o carnaval acabou.

- Meu amor – ele disse, me puxando para um abraço e me girando no ar.

- Ai que saudade!

Nosso beijo durou mais de uma hora e a gente já ia começar a tirar a roupa, mas alguém bateu na porta do quarto
dele.

- Quem é?

- Sou eu.

Era Natália.

- O que você quer, Natty? Eu estou ocupado.

- Telefone para você – ela resmungou. – É um tal de Kléber.

- Fala que eu não estou.

- Ele disse que é importante.

- Amor...

- Quem é Kléber? – eu perguntei, com a cara fechada.

- É o meu supervisor. Você se importa se eu for atender? É rápido...

- Ah, tudo bem. Sem problemas.


551
- Eu te amo! – ele deu-me um selinho e se levantou.

Fiquei esperando pacientemente e em pouco mais de dez minutos, ele retornou com um sorriso enorme na face.

- Ele me deu três dias de folga, eu estava com muitas horas positivas.

- Sério amor? Nossa, que delícia, hein?

- É... Nós vamos poder namorar bastante, tirar todo o atraso...

- Isso é muito bom – falei, puxando-lhe pelo colarinho e mergulhando em um beijo.

Ficamos mais meia hora com os lábios unidos, mas fomos novamente interrompidos.

- Quem é? – Rafa se irritou.

- Eu.

Era a Gabrielle dessa vez.

- Eu posso entrar?

- Não. Não estou aqui.

- É rápido... Eu só quero usar o computador.

- Pede para ela usar o da minha casa.

- Usa o do Henrique, Gaby?

- Não posso, o Marcus está lá.

- Eder? – meu irmão chamou.

- Era só o que me faltava! – me zanguei. – Ai Fael, abre essa joça logo!

Tanto ele, quanto eu, ficamos com ódio dos nossos irmãos.

- Desculpem atrapalhar – Henrique disse. – Mas é que nós precisamos cadastrar o replay do Playcenter ainda
hoje.

- Putz! Eu já tinha até esquecido! – Rafa exclamou. – Bem lembrado...

- Eu nem lembrava mais disso...

- Podemos ir todos juntos novamente... – Gabrielle constatou.

- Lógico, né, Gaby? – Rafael concordou.

- Podemos marcar para o dia nove? – Henrique perguntou.

- É domingo, né? – eu perguntei.


552
- Uhum.

- Então pode ser – Fael disse. – Eu dou um jeito no trampo.

- Até lá eu ainda estou em casa – Henrique suspirou. – E vai ser depois do meu aniversário, a gente já comemora
lá mesmo.

- Ótimo – eu falei. – Está com o meu e o dos meninos, aí?

- Claro que sim.

- Por que você não fez isso em casa, hein?

- O Marcus não saiu nem por um decreto e hoje é o prazo limite de cadastramento, eu serei rápido.

- Aqui está o meu – Fael entregou ao cunhado. – E o da Natty.

- A Natty não vai – Gabrielle lembrou-nos.

- Por que não? – ela perguntou.

Eu olhei para a irmã do Fael e me assustei. Ela estava enorme.

- Como por quê? Você ainda pergunta? – Henrique riu.

- Você não pode mana, está grávida, lembra?

- Ai que ódio! – ela se revoltou. – Odeio esse moleque!

Ela iria completar quatro meses de gravidez e a barriga já estava se formando. Todo o corpo de Natália estava
ficando maior, principalmente o quadril. Ela deu as costas para os irmãos e saiu andando, batendo a porta ao
passar.

- Pensasse nisso antes de me estuprar – eu dei de ombros.

Eles riram, mas eu não consegui. Fiquei sentado, olhando para os meus pés, imaginando que em quase seis meses
eu poderia ter a resposta se seria pai ou não.

- Pronto – Henrique disse, desligando o computador. – Está agendado.

- Oba! – Gaby animou-se.

- Beleza então – Fael suspirou.

- Certinho – eu disse.

- Vamos Gaby, vamos deixá-los em paz...

Ele se levantou da cadeira giratória e pegou na cintura da namorada.

553
- Vamos sim, fazia tempo que eles não se viam, devem estar morrendo de saudades.

- E estamos – eu falei.

- Desculpem atrapalhá-los – Ricky se redimiu.

- Não esquenta.

Rafael passou a chave na porta e me jogou na cama com força. Meu corpo quicou duas vezes que nem uma bola,
depois ele subiu em mim lentamente.

- Agora você não escapa!

Tirei a camisa antes de ele chegar a minha cintura. Ele sorriu maliciosamente e eu o chamei com o dedo
indicador com um olhar malicioso e o desejo tomando conta de mim.

- Vem cá, vem?

Fael engatinhou lentamente pela cama e quando estava bem rente ao meu rosto, me beijou. Rolamos no colchão
por uns longos e maravilhosos minutos e eu parei, em cima dele.

- Você não me escapa – corrigi com satisfação.

Fui rápido ao deixá-lo apenas de cueca. Percebi que o tecido estava ligeiramente transparente na parte lateral e
aquilo me deixou enlouquecido de tanto tesão.

- Você não vai fazer o que eu estou pensando que vai, vai? – ele perguntou.

- Como é? – eu me atrapalhei.

- Você não vai fazer o que eu estou pensando que vai, vai? – ele repetiu.

Ah! Eu havia entendido...

- E o que você está pensando que eu estou pensando em fazer?

- Justo isso daí.

- E o que é?

- Você sabe.

- Sei?

- Sabe.

- Isso?

Eu disse, puxando a cueca alguns centímetros para baixo. Alguns pêlos negros ficaram à mostra e meus olhos
voaram para a região.

554
- Era isso mesmo que eu estava pensando – ele disse, puxando a cueca.

Eita! Por que ele estava puxando para cima?

- Direitos iguais – ele disse. – Eu não vi, você não vê.

- Por que não?

- Se você me deixar fazer com você, você pode fazer comigo.

- Fazer o quê?

- O que você quiser...

- Eu quero isso – puxei de leve.

- Só me espera um segundo? – ele pediu?

- Até dois – eu disse sorrindo.

Ele me deitou e levantou-se da cama. Fael puxou a cortina sobre a janela, desligou a luz e veio por cima de mim,
já me deixando somente de cueca, assim como ele.

- Por que deixou tudo escuro?

- Porque assim é mais legal – ele disse.

- Não entendi.

- Assim você não fica com vergonha.

- E quem disse que eu estou com vergonha?

- Ah, não está?

- Não...

- Se você diz...

Ele deitou-se ao meu lado e nós começamos um beijo apaixonado. Deixei a coisa fluir naturalmente e já
estávamos enroscados em apenas alguns minutos.

Senti uma mão descendo pelas minhas costas e se alojando na minha nádega direita. Ele apertou-a de leve e ficou
brincando com minha língua, enquanto eu passava os dedos pelo interior de suas coxas.

- Você ainda me mata – ele disse.

-- Não é essa a intenção...

Ele foi baixando minha cueca e eu, ao mesmo tempo, a dele. Parei quando ele parou e continuei quando ele
continuou.

555
- Sem pressa – ele sussurrou na minha orelha.

- Sem pressa eu concordei.

Fael tomou um susto tão grande quando a campainha tocou, que eu pensei que ele iria cair da cama, tamanho foi
o pulo que ele deu.

- Não, não é possível – ele reclamou.

- Calma, é lá embaixo, alguém vai atender.

- Espero.

Voltamos de onde havíamos parado. Ele passou o dedo pela minha coxa e eu pelo seu bumbum. Era duro como
pedra... Delicioso, como cada centímetro de seu corpo.

- Posso segurar? – ele perguntou.

Eu mordi seu lábio superior e sussurrei dentro de sua boca.

- Ainda não...

- Por quê?

- Deixe-o ficar com mais vontade.

Fael sorriu maliciosamente em meus lábios e me puxou. Nossos paus se tocaram pela primeira vez e eu senti uma
gota cair do meu cacete, molhando a minha coxa esquerda.

- Está molhadinho?

- Estou – eu respondi sacanamente.

- Hum... – ele gemeu em meu ouvido, fazendo com que meu pinto se levantasse.

Senti o cheiro de nossos corpos se misturarem e novamente a campainha tocou.

- Puta que la merda!

- Calma amor!

- Calma? Será possível que não se pode namorar em paz nesta casa?!

- Rafael, fala baixo, menino!

Eu coloquei o dedo na boca dele e ele suspirou de raiva. Encostei nossos lábios ternamente e ficamos ali, colados
em todos os sentidos, esperando alguém se manifestar.

Ouvi passos velozes pelo corredor e quando menos esperei, alguém girou a maçaneta da porta.

- Rafa? – era uma voz masculina.

556
- Quem é? – eu perguntei.

- Não sei – Rafael respondeu. – Quem é?

- É o Danilo.

- Quem é esse?

- É um garoto que trabalha comigo.

- O que ele quer aqui?

- Não faço a mínima ideia.

- Abre aqui, brother.

- Aff... – eu bufei já me afastando e colocando minha cueca.

- Espera lá embaixo Dani, eu estou trocando de roupas e já desço...

- Que nada, abre aí cara, entre nós não tem erro.

- Como é? – eu me espantei.

- Calma...

- Abre Fael!

- Dani desce, eu estou ocupado, já vou falar com você.

- Ih... O que você está fazendo?

- Cara chato – Rafael sussurrou.

Ele bateu na porta com força.

- Danilo eu já vou descer, ok?

- Ok – ele disse. – Desculpa aí.

Eu levantei da cama com a cara fechada e me arrumei. Rafael fez a mesma coisa, abriu a cortina e a janela e
virou a chave na maçaneta.

- Desculpa meu amor – ele pediu.

Não respondi e desci as escadas de dois em dois degraus. Um rapaz aparentemente mais velho que o Rafa estava
sentado no sofá. Ele era negro, malhado, cabelo raspado, olhos grandes e era muito, muito lindo.

Quando os olhos dele bateram em mim, ambas as sobrancelhas se ergueram de maneira curiosa, com certeza
estava se perguntando quem eu era e onde estava.

- Oi Danilo – Rafael suspirou indo cumprimentar o rapaz.


557
O homem se levantou e deu um abraço no meu Rafael. Senti vontade de separá-los naquele momento, mas eu
sabia que seria errado, então tentei me conter. E consegui.

- O que trás você aqui?

- Nada demais, estava sem fazer nada em casa, queria saber se você está afim de sair comigo para a gente pegar
uma mulherada.

- Ah, não. Nem dá.

- Por que não?

- Não estou com vontade de ir. Estou sem grana também. Cansado.

- Ah, para Fael! Sem grana? Depois de tanta extra que nós fizemos?

- Uhum. Contas para pagar amigo.

Eu fui até a porta e a abri.

- Aonde vai Eder?

- Embora.

- Não senhor – Rafael disse. – A gente ainda nem terminou de conversar.

- Dou por encerrada nesse momento – falei.

- Eder!

- A gente se fala depois Rafa.

Desci o degrau e encostei a porta ao passar. Caminhei pelo caminho até o portão da rua e puxei o ferrolho com
força.

Que saco! Sempre que as coisas estavam começando a dar certo para nós dois, algo acontecia e nós éramos
interrompidos. Eu estava começando a pensar que alguma coisa estava impedindo que nós dois ficássemos juntos
de verdade. Será que aquele relacionamento realmente iria para a frente? Ou será tudo não passava de tesão de
adolescentes?

Meu domingo tinha ido por água abaixo. Fiquei deitado em meu quarto, imaginando se eu realmente estava
preparado para transar com Rafael. Sempre que nós tentávamos, alguma coisa acontecia e nos impedia...

Lembrei-me do dever de casa de matemática que a professora Regina havia passado e resolvi tentar me entreter,
para o tempo passar.

“Juros Compostos e Juros Simples” – eu li o título do texto. Passei meus olhos pelas poucas linhas e me detive
em uma conta aparentemente não tão difícil, mas não estava conseguindo me concentrar...

558
- Desisto – falei, fechando o fichário com raiva.

Ouvi duas batidinhas na porta do meu quarto e fui abri-la. Meus irmãos mais novos estavam parecidos aquele
dia, ambos de branco. Eles pareciam gêmeos de vez em quando.

- O que querem?

- Pode nos levar a alguma loja?

- Para quê?

- Comprar presente pro Henrique. Aproveitar que o pai liberou nossa graninha.

- Loja aberta hoje? Só em shopping.

- Pode ser – Giselle me incentivou.

- Por favor? – Marquinhos pediu.

- Tá, tá. Eu levo.

Pelo menos eu ia me distrair um pouco e parar de pensar no Rafael.

- Obrigada – minha irmã deu um beijo em meu rosto.

- Valeu Eder. Você é legal – Marcus sorriu.

- Ah, que bom... Eu só preciso trocar de roupa...

- Tá, a gente te espera lá embaixo – a Gi falou.

- Vai você na frente, eu vou ficar com ele – meu irmão decretou.

- Se você diz...

- Eder, que negócio roxo é esse no seu pescoço? – Marcus perguntou, indo ver mais de perto.

- Roxo? – eu amedrontei-me.

- É. Eder... Quem fez isso em você? – ele se exaltou um pouquinho.

Abri a porta do armário com urgência e virei de lado para tentar ver o que deixara Marquinhos irritado, mas nada
encontrei.

- Não tem nada aqui – eu falei.

- Você não vai conseguir ver pelo espelho, está quase na nuca. Eu vou tirar uma foto...

Ele tomou posse do aparelho celular em mãos e fixou-se em um determinado ponto. Eu pisquei meus olhos duas
vezes e ouvi o barulho da câmera sendo acionada.

- Aqui – ele disse, vindo até mim.


559
Eu olhei a imagem meio escura, mas consegui distinguir perfeitamente um leve arroxeado em minha pele já não
tão bronzeada.

- Não acredito – falei baixinho, colocando a mão automaticamente em cima do chupão.

- Quem lhe fez esse chupão?

- É...

- Anda, fala logo...

Eu saí de perto do Marcus e peguei uma camiseta no meu guarda roupa. Tirei a que estava usando e troquei-a
rapidamente.

- Você não conhece – eu tentei persuadi-lo.

- Quem é?

- Ah, Marcus... Não quero falar ainda, ok?

- Segredo comigo agora?

- Não... Não é isso... É que... Ah, sei lá.

Ele olhou dentro dos meus olhos e nós ficamos sem falar nada por um minuto.

- Quem é? – ele insistiu.

- Eu não estou mais com ela – quase havia dito ele. – E não quero mais falar do assunto. Certo?

- Mas quem é?

- Aff, Marcus, quando você quer ser inconveniente você consegue.

- Só quero saber quem é a menina Eder... Não tem nada demais nisso.

Eu tirei a bermuda e procurei uma calça que combinasse com minha camiseta lilás, mas não estava encontrando.

- É uma amiga do Diogo que trabalha comigo na locadora. Feliz? Satisfeito?

- Qual é o nome dela?

Ele cruzou os braços e imitou direitinho a fisionomia de incredulidade de nosso irmão mais velho.

- Cássia.

- Ela é bonita?

- Uhum.

Não gostava de mentir, mas era necessário. Eu ainda não podia falar do meu relacionamento conturbado com o
Rafa para meu irmão.
560
- Não quero mais falar disso, pode ser?

- Pode. Já estou satisfeito.

- Que bom. O Henrique está aí?

- Acho que está sim, por quê?

- Vai lá no quarto dele ver se ele pode me emprestar alguma calça.

- Ah, as minhas não servem em você, servem?

- Qual o seu tamanho?

- P de adulto.

- Capaz que elas sirvam... A gente é quase do mesmo tamanho.

Eu não era lá muito maior que Marcus, embora a nossa diferença de idade permitisse que eu tivesse uma boa
diferença de tamanho.

- Vamos ver.

Eu fui até o quarto dele e a gente vasculhou as peças com paciência, mas nenhuma caiu bem no meu corpo.

- É, vai ter que ser do Ricky mesmo – ele deduziu.

Nós fomos ao quarto do nosso irmão e ele estava dormindo. Eu ajoelhei ao lado da cama e dei-lhe um cutucão na
costela. Ele roncou e se virou, mas eu insisti.

- Henrique?

- Henrique? – Marcus me imitou.

- Acorda...

- Hã? O quê? – Ricky manifestou-se.

- Mano, eu posso pegar uma calça emprestado?

- Pega – ele disse, virando-se de bruços.

- Coitado, a Gaby deve ter deixado ele cansado – Marcus pensou alto.

- Cala a boca pivetinho!

Depois de alguns minutos procurando, peguei uma peça preta com alguns detalhes metálicos e zíperes por todos
os lados.

- Ficou legal? – eu indaguei ao Marcus.

- Uhum. Ficou. A gente pode ir agora?


561
- Só vou arrepiar o cabelo e colocar meu tênis. Aguenta aí.

Fiz o que disse ao caçula da família, passei algumas borrifadas de “Galber” do “O Boticário” e enfim, nós saímos
de casa.

- Meu Deus, parecia uma noiva se arrumando – Giselle se irritou. – Nunca vi um homem demorar tanto assim.

- Mas valeu a pena – eu disse, sorrindo.

- É você está apresentável.

- Apresentável? Eu demorei séculos para procurar uma calça que combinasse com a roupa para você falar que eu
estou apresentável?

Eles encostaram-se no banco do ponto de ônibus e eu fiquei de frente aos dois.

- É só isso que você pode ser neste momento, apresentável.

- Vai ver se eu estou na esquina Giselle.

Ficamos calados por alguns minutos, tudo o que se ouvia eram os pneus cantando no asfalto do Morumbi. A rua
estava levemente movimentada e finalmente avistei a condução chegando no horizonte.

Dois rapazes de aproximadamente dezoito anos se aproximaram de nós e um deles ficou ao lado da minha irmã.
Marcus e eu nos olhamos e olhamos para ele, mas ele nem deu bola para nós.

- Com licença gatinha, mas você poderia me informar às horas?

16 ago (5 dias atrás)

Edєr

Ela pegou o celular no bolso traseiro do jeans e disse:

- Quase sete.

- Obrigado – o garoto disse sorrindo.

- Vem Gi, o ônibus está chegando.

Eu solicitei a parada do transporte e o motorista reduziu a velocidade gradativamente, até que parou à nossa
frente, com a porta aberta. Marcus foi o primeiro a entrar, em seguida Giselle e por fim, eu.

- Gostosa – o cara gritou e eu virei imediatamente para trás, quase caindo do degrau do coletivo.

- Vau cantar a irmã... – eu comecei a falar, mas a porta já estava fechada e o busão já tinha começado a andar.

- Vem Eder – Giselle me puxou para que eu pudesse pagar as passagens.

- Três – eu disse com a cara fechada.

562
O cobrador deu uma risadinha abafada e então meu irmão passou. Giselle seguiu-o até o final do veículo e eu
sentei ao lado dos dois, no último banco.

- Vagabundo! – exclamamos eu e Marcus.

Giselle não teve o que falar, então apenas olhou pela janela e fingiu que nós dois não estávamos ao seu lado. Não
demorou para que eu ficasse completamente enciumado.

Acabamos por ir ao Aricanduva. Lá teríamos maiores opções pro presente do meu irmão. Marquinhos e eu
ficamos um de cada lado da nossa irmã, se algum engraçadinho se atravesse a mexer com ela, teria que acertar as
contas conosco.

- Vocês dois estão me sufocando – ela disse.

- Seguro morreu de velho – eu disse.

- É melhor prevenir do que remediar – Marcus falou.

- Vocês me pagam.

Nós três andamos por algumas lojas e eu já comprei uma chuteira que estava em promoção. Era da cor do São
Paulo, o time que ele era fanático.

- Eu não vou comprar mais nada – decretei.

- Me empresta dinheiro, mano? – Marcus pediu.

- Não tenho.

- Tem sim que eu vi na sua carteira.

- O pai não te deu não?

- Deu...

- Então para que você quer mais?

- Para comprar mais coisas... Tem um jogo muito da hora naquela loja ali...

- Você já ganhou um monte de jogos no seu aniversário.

- Já joguei e enjoei de todos.

- Eu te levo lá na loja do Marcelo e você compra lá, é mais barato, beleza?

- Cansei de suas promessas Eder. Você nunca as cumpre.

- Que audácia a sua! Eu em algum momento deixei de cumprir algo que lhe prometi?

563
- Estou esperando o filme até hoje.

- Que filme? – Giselle perguntou.

- Nada – nós dois respondemos em uníssono.

- Ih... Tem caroço nesse angu.

- Que tal a gente ir naquela loja – eu disse, apontando com o queixo. – Lá vai ter variedades de roupas para ele.

- Não quero dar roupas – Marcus falou. – Todo mundo dá isso.

- Perfume?

- Muito démodé – Giselle falou.

- Aff... Quem vê pensa que é chique.

- Eu sou uma lady – ela falou.

Notei que meu irmão não tirava os olhos de uma roda de garotas. Eu analisei a situação rapidamente e lembrei-
me da promessa que havia feito a ele ainda na viagem a Angra dos Reis no ano anterior.

- Gi amor da minha vida, vai à frente, eu e o Marcus vamos ao banheiro...

Aproveitei que nós estávamos perto de um sanitário e puxei meu irmão para dentro dele.

- Nós não vamos demorar.

- Eu não quero...

- Cala a boca e me obedece – eu sibilei.

- Eu também vou ao banheiro.

- Ótimo, fique a vontade, não precisa se apressar por nossa conta – eu disse, sorrindo.

- Você está bem Eder?

- Estou ótimo. Já voltamos.

Empurrei meu irmão pelos ombros, mas ele estava travando as pernas.

- Eu não estou com vontade.

- Cala a boca e entra logo.

Ele se deu por vencido e nós entramos no banheiro masculino. Era enorme e estava às moscas, para a minha
sorte.

- Por que você me trouxe aqui?

564
- Qual delas você quer pegar?

- Hã?

- Eu vi você olhando para as meninas, qual delas você quer pegar?

- Ah! Ah! É sério que você está me perguntando isso?

- Não Marcus, eu trouxe você aqui para perguntar quem descobriu a América!

- Foi Dom Pedro I!

- Ai idiota, fala logo quem você quer.

- Ah... Sei lá... Não tive tempo de ver direito, mas todas são gatas.

- Vem comigo, eu vou tentar fazer você ficar com uma delas.

Eu puxei meu irmão pelo pulso e para ser sincero, não estava sentindo ciúmes dele. Ainda.

- Eder você está bem?

- Eu estou ótimo. Está mais do que na hora de você dar o seu primeiro beijo.

Avistei a tropa de meninas. Todas pareciam ter a idade do meu irmão ou um pouco mais. Eram três ao todo.
Duas de cabelos castanhos e uma de cabelos ruivos. Todas elas estavam usando minissaias e blusinha que
deixava os ombros à mostra. Até que eram bonitinhas, mas nenhuma fazia o meu tipo. Por que será?

- Vai querer catar uma também?

- Não – eu respondi. – Se interessou por alguma?

- A do meio é lindinha, né?

- Uhum. Vamos lá falar com elas?

- Ah, não sei não...

- Relaxa mano, você tem que perder essa timidez.

A garota que estava ao meio olhou para mim, mas rapidamente desviou os olhos, rindo. Meio caminho andado.

- Ela olhou para nós – eu disse.

- Eu vi. Não quero ir lá não Eder...

- Quer sim.

Coloquei o braço no ombro do Marcus e nós fomos andando até elas lentamente.

565
- Não Eder!

- Sim Marcus!

- Não Eder!

- Sim Marcus!

- Eu já disse que não Eder!

- Eu já disse que sim Marcus!

Foi tudo rápido, chegamos nelas e nem percebemos. As meninas ficaram nos olhando e pararam de conversar
com a nossa aproximação.

- Oi – eu disse.

- Oi – elas responderam.

- Tudo bem com vocês, gatinhas?

- Tudo e com você gatão? – a primeira perguntou, sorrindo.

- Tudo ótimo. Qual o nome das princesas?

- Mayara – a terceira respondeu.

- Juliana – a primeira respondeu.

- Érica – respondeu a loirinha do meio, a qual Marcus tinha se encantado.

- Prazer meus anjos, eu sou o Eder. E esse é o meu irmão Marcus.

- Oi – ele disse, timidamente.

- Oi – elas responderam.

- O prazer é todo nosso – Érica respondeu com um sorriso tímido no rosto.

- Estão sozinhas? – eu perguntei.

- Uhum – elas responderam.

- Nossa que desperdício... – falei sorrindo para a primeira que eu já nem lembrava o nome. – Mas isso é fácil de
resolver.

- É mesmo?

- Sim – eu pisquei.

- E vocês, estão sozinhos? – Mayara perguntou.

566
- Em partes – Marquinhos respondeu. – Nossa irmã está por aí...

- Ah, que peninha – Érica respondeu.

Eu belisquei as costelas do meu irmão discretamente para ele continuar puxando papo e parece que ele havia
entendido.

- Mas ela nem vai sentir a minha falta – ele sorriu.

- É? Será que não? – Érica perguntou com o olhar fixo no dele.

- Te garanto que não – ele continuou sorrindo.

- Aposto que sua irmã vai sentir sua falta.

- Quer dar uma volta para você comprovar?

- Quero.

- Então vem – ele começou a andar e ergueu a mão para ela segurar. E ela segurou. Fiquei acompanhando os dois
saírem de mãos dadas e comecei a ficar bravo, já estava começando a ver tudo vermelho...

- E você? Não quer dar um passeio? – Juliana perguntou.

- É...

Naquele momento meu celular tocou. Eu agradeci à Deus em pensamento por aquilo ter acontecido.

- Meu celular, com licença – eu pedi a elas. – Alô?

- Mano?

- Oi Ricky.

- Onde você e os meninos estão?

- No Aricanduva. Vem para cá...

- Vou eu e a Gaby, beleza?

- Sem problemas. Eu nem te conto!

- O quê?

- O Marcus tá dando ideia em uma menininha aqui...

- Sério? – Ricky se espantou.

- Uhum. Eu ajudei. Coitadinho, estava louco para beijar.

- Não acredito Eder! Ele vai ficar todo feliz...

567
- Vai mesmo.

Eu olhei para a mão esquerda e vi a sacola que estava segurando, foi então que me lembrei que ele não podia ir
até nós, afinal, a gente estava comprando os presentes dele...

- Ricky não vem aqui não.

- Por quê?

- Porque não...

- Ah, tá. Até parece que eu não vou! Só por que você quer...

Tive que falar a verdade.

- A gente veio comprar seus presentes, se você vir aqui eu vou fazer questão de devolver todos eles.

Silêncio.

- Ah. Ah, tá... Ah...

- Ah... Ah... Parece um disco quebrado!

- Ah... Obrigado!

- É só dia quatro do mês que vem, cala a boca. Eu vou desligar, a Gi está me procurando.

- Então tá, né?

- Abraço. Amo você.

- Eu também. Obrigado irmãozinho!

- De nada, tchau.

- Tchau.

Eu desliguei, coloquei o celular no meu bolso e voltei para as duas amigas.

- Desculpem.

- Não tem problema – a ruiva disse.

- Meninas, eu adoraria continuar falando com vocês, mas a minha irmã está ali me procurando...

- Ah! Que pena...

- Mas eu acho que nós ainda vamos nos ver!

- Será?

- Uhum. Tenho certeza.


568
Dei um beijo na bochecha de cada uma e voltei para o lado da minha irmãzinha.

- Até que enfim te encontrei! Onde está o Marcus?

- Por aí...

- Por aí?

- Uhum.

- Como assim.

- Ai, ele foi se divertir, deixe-o em paz um pouco!

- Se divertir?

- É Giselle, ele foi dar uns beijos, deixa o garoto ser feliz.

- Dar uns beijos? Meu irmão? E quem disse que ele pode fazer isso?

Ela foi ficando vermelha e alterando o tom da voz. Eu coloquei minha mão pela cintura dela e nós começamos a
passear lentamente.

- Acalme-se, está bem?

- Não Eder, ele é muito criança para isso.

- Ele tem treze anos, é gato para caralho, está na flor da adolescência, tem mais que curtir.

- Nunca! Cadê aquele espiga de milho?

- Bem ali – eu falei, sorrindo.

Avistei Marquinhos rapidamente entre a multidão. Ele estava sentado em um banco, aos beijos com a garota.
Notei que a mão dele estava na nuca da guria. Marcus era realmente inexperiente?

- Ai que vagabunda nojenta! Ela é ridícula!

- Uma ova – eu falei rindo. – Deixa ele em paz! Vamos comprar o presente do Henrique?

- Que mané Henrique que nada, eu quero o Marcus aqui, agora!

Foi só naquele momento que eu constatei que o ciúme entre nós era completamente normal e recíproco. Era raro
ver a Gi com ciúmes, mas quando ela ficava, nem Cristo agüentava.

- Menos – eu pedi. – Bem menos, quase nada.

- Muito me admira você aí, sem falar nada. Você que é todo ciumento com a gente.

- O Marcus merece – eu sorri.

569
Puxei Giselle pelo braço e entrei em uma loja de esportes. Tentei distraí-la ao máximo, mas ela não estava
conseguindo se concentrar o suficiente para pensar no presente do irmão mais velho.

- É melhor a gente ir embora – ela disse de braços cruzados.

- Já? Não, não, a gente ainda nem jantou.

- Jantamos em casa. Vamos embora!

- Não vamos não.

- Eder!

- Giselle amor da minha vida, eu sei que você está morrendo de ciúmes do seu irmão, mas você tem que se
acostumar com isso.

- Não. Ele ainda é um bebê!

- De bebê ele não tem nada. Nada, nada, nada.

- Queria ver se fosse comigo.

- Não!

- Viu? Está vendo? Só porque um garoto me cantou hoje mais cedo, os dois ficaram ao meu redor, quase
sufoquei, mas com ele... Você deixa!

- Ele é homem, ele pode. Você não pode. Como mesmo disse, você é uma lady.

- Os dois me aguardem!

Ela saiu andando loja afora e saiu sentido praça de alimentação. Eu a segui até uma mesa vazia e nós sentamos.
Giselle ficou com a cara fechada enquanto a gente decidia se comeria, ou não.

- Eu prefiro esperá-lo.

- Mas se aquela nojenta vier junto eu a mato.

- Vai nada.

- Você vai ver.

Eu esperei um sinal de vida do meu irmão mais novo e isso só ocorreu quase uma hora depois de nós termos nos
separado.

- Cadê vocês? – ele perguntou.

- Na praça de alimentação – eu respondi –, em frente ao Habib’s.

- Eu tô indo até aí.

570
- Sozinho?

- Uhum.

- Firmeza, vem então.

- Abraço.

- Outro.

Rapidamente avistei meu irmão se aproximando. Giselle cruzou novamente os braços e fechou a cara para
Marcus.

- Oi – ele disse, sentando-se. – Obrigado por terem me esperado.

- De nada – eu disse, querendo rir.

- Vamos jantar? – ele perguntou.

- Da próxima vez – Giselle falou, fazendo questão de frisar cada silaba –, que você se atracar com uma
vagabunda daquelas, eu vou fazer questão de quebrar a tua cara!

- Então, você por acaso é minha mãe?

- Não.

- Ah, bom. Então eu acho que eu tenho o direito de ficar com quem quiser né?

- Não tem não seu idiota, fedelho, nem saiu das fraldas e já está beijando qualquer uma...

- Vá catar coquinho Giselle. Vamos comer onde Eder.

- Onde vocês quiserem. Cada um pega o que quiser.

- Eu quero comida – ele disse.

- Eu quero ir para casa – minha irmã falou novamente.

- Não – eu disse. – Eu vou comer esfihas.

- Aff... Odeio ser a única mulher. Quero qualquer porcaria mesmo.

- Não chame comida de porcaria! – eu exclamei.

- Sem sermão, por favor?

Decidi não contrariá-la. Eu sabia muito bem como ela estava se sentindo. Quantas vezes eu já tinha tido o mesmo
sentimento pelo meu irmão mais velho? Era difícil, complicado, ruim de engolir a situação, mas assim como eu,
ela também tinha que se acostumar a dividir o irmão com as garotas.

571
Cada um foi para um lado e por sorte, conseguimos pegar a mesma mesa. Eu pedi seis esfihas de carne e duas de
calabresa, mais um suco de laranja e um pedaço de bolo de côco de sobremesa.

Comemos tranquilamente. Meu irmão pediu calabresa na chapa, arroz branco, feijão carioca, salada, batata frita,
purê de batatas, um copo de trezentos ML de Coca Cola e um potinho de gelatina de sobremesa. Gi foi a que
comeu menos: apenas uma porção de macarronada ao molho branco, suco de uva e nada de sobremesa.

Quando chegamos em casa, minha irmã deu uma bolsada na cabeça do meu irmão.

- Eu não quero ver você com ela de novo.

- Ai Gi, você está louca? Doeu!

Eu puxei meu irmão pra junto de mim e dei-lhe um abraço. Olhei para Giselle de cara feia e falei:

- Para com isso Giselle. Sobe já para o seu quarto!

- Não me enche o saco Eder! Vai você, você não é nem meu pai, muito menos a minha mãe pra mandar em mim!

- Eu sou o seu irmão mais velho e você tem que me obedecer.

Ela riu ironicamente e sentou-se no sofá.

- Que gritaria é essa? – meu pai apareceu na escada, apenas de cueca.

- A Giselle pai, ela me bateu! – Marcus choramingou.

- Por quê?

- Ele estava se agarrando com uma vagabunda pai!

- Ele o quê? – meu pai riu.

- É mentira pai – eu disse. – Ele só estava ficando com uma menina e a Giselle está morrendo de ciúmes dele,
deu-lhe uma bolsada no meio da orelha, tadinho.

Meu pai teve que sentar ao lado da minha irmã para poder conversar com ela. Acho que ele nem se tocou que
estava apenas de cueca.

- Por que você deu uma bolsada nele?

- Porque ele é idiota!

- O que ele te fez?

- Eu já disse, ficou agarrando uma piranha! Ai que ódio daquela menina!

- Piranha?

572
- É uma vagabunda, nojenta, rata de esgoto! Ah, se eu a pego eu esgano!

Giselle colocou as duas mãos no rosto e bufou de raiva. Eu nunca havia visto minha irmã daquele jeito.

- Sobe com ele Eder.

- Vamos Marcus!

Ele me agarrou com força e a gente foi até os aposentos dele, para poder conversar com tranquilidade.

- Está doendo muito? – eu perguntei, fazendo-lhe carinho.

- Já está passando.

- E aí, o que você achou? – eu sorri.

- É bom, é muito bom! Muito mesmo.

- É gostoso, né?

- Muito.

- Vão sair agora?

- Eu peguei o celular, fiquei de ligar...

- Ótimo! Esse é meu irmão!

- Obrigado viu maninho?

- Não tem que me agradecer.

- Poxa vida, fui em todos os quartos e não encontrei vocês – meu pai falou.

- Ué, meu quarto é esse, pai.

- Pensei que você estivesse em um dos seus irmãos.

- Não.

- Ficou com uma menina, é? – ele perguntou, sentando-se na cama.

- Uhum – Marcus respondeu, baixando os olhos.

- Que legal filho! O que você achou?

- Ele adorou – eu disse, rindo.

- Para seu besta.

- Deixa a gente a sós, filho? – meu pai perguntou a mim.

573
- Deixo. Amanhã a gente conversa Marcus. Boa noite.

- Boa – eles responderam juntos.

Eu me direcionei até meu quarto, joguei a camiseta em um canto, a calça em outro e me deitei. Antes de fechar
os olhos, meu celular tocou.

- Oi – eu disse meio seco.

- Oi amor, tudo bem?

- Tudo. Seu amiguinho já se foi?

- Ah, a muito tempo. Queria te pedir desculpas...

- Desculpas? Não é sua culpa!

- Nem sua meu menino.

- Eu sei. Mas hoje eu me irritei.

- Eu também. Quase quebrei a cara do Danilo.

- Quem é esse? Por que ele veio com gracinha para cima de você?

- Ele é gay.

- O quê? – eu gritei.

- Calma... Calma!

- Como é que é Rafael? Ele é o quê?

- Gay...

- Ah! Nossa muito bom! Espero que ele não tenha dado em cima de você...

- Eder eu tô ouvindo sua voz daqui, fala baixo, por favor.

- Perdão!

- Ele não deu em cima de mim. Ele não sabe que eu também sou.

- Ah, não? Ainda bem! Porque se ele souber, vai cair em cima de você!

- Eu não vou deixar isso acontecer, relaxa. Eu já tenho o que quero. Já tenho por completo!

- Bobo – eu estava me acalmando aos poucos. – E então por que ele chamou você para sair para pegar algumas
gatas?

- Porque você estava na sala.

574
- Ah! Não rolou nada entre vocês não, né?

- Lógico que não né, Eder? Você está duvidando de mim?

- Não – eu respondi imediatamente. – Não mesmo.

- Ah! Acho bom. Eu liguei para saber se está tudo bem com você mesmo. Já tenho que ir dormir.

- Eu também. Amanhã tenho que ir pra locadora mais cedo. Eu vou abri-la.

- Que chique amor! – ele riu.

- Não vejo nada de chique, né? – eu ri junto.

- Palhaço! Bom, boa noite então amor meu!

- Boa noite menino lindo do meu coração!

- Eu te amo, tá?

- Eu também.

- Quero te ver amanhã. Eu posso ir à locadora?

- Claro que pode né? O que está esperando?

- Você abrir!

- Só amanhã, às nove.

- Estarei lá às nove e um.

- Quero só ver.

- Promessa de escoteiro!

- Vamos ver se esse escoteiro cumpre com as ordens, então!

- Sim comandante!

Nós dois rimos e nos despedimos novamente, mas nem eu, nem ele queríamos desligar.

- Um beijo bem gostoso! – eu disse.

- Onde?

- Onde você quiser...

- É mesmo?

- Uhum.

575
- Não me provoca Eder...

- Eu estou te provocando?

- Está.

- Por quê?

- Onde eu quiser? E e se eu quiser em um lugar, digamos, escondido?

- E que lugar seria esse?

- Um lugar onde quase ninguém colocou a mão...

- E eu já coloquei?

- Já sim...

- Muitas vezes?

- Poucas, mas todas intensas.

- Quer que eu pegue mais?

- Com certeza.

- É?

- Uhum.

- Por quê?

- Porque eu gosto e porque você gosta.

- É mesmo?

- Uhum.

- Mas você ainda não me disse onde vai colocar meu beijo.

- Um pouquinho abaixo do umbigo – ele disse com a voz sexy.

- O joelho?

- Mais para cima.

- A barriga?

- Mais para baixo.

- A coxa?

576
- Quase, um pouco para cima.

- Hum... O quadril?

- Não...

- O que é então?

- É um lugar quente...

- Quente?

- Muito quente. Agora por exemplo, eu estou com a mão esquerda neste local...

- É mesmo?

- Uhum.

- E está mesmo quente?

- Bastante.

- Que mais que está?

- Meio molhadinho...

- Hum, que delicia!

- Você gosta?

- Gosto sim...

- É?

- É sim...

- O que você tem vontade de fazer com essa parte, então?

Senti minha pele esquentar e eu fiz o mesmo que Fael, coloquei minha mão esquerda dentro da cueca.

- Depende.

- Depende? Do quê?

- De você...

- De mim?

- Uhum.

- Por quê?

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- Porque sim...

- Não entendo!

- Não me faça perguntas difíceis!

Ele riu e eu coloquei o pau para fora.

- O que você quer fazer comigo? – eu indaguei meio curioso.

- Tudo o que a sua imaginação lhe permitir pensar.

- Eu posso pensar muitas coisas...

- Pois pense e me fale, que eu as realizarei.

- É?

- Uhum.

- Sua mão ainda está no lugar quente?

- Está, mas ela está em movimento agora...

- Em movimento?

- É... Lentos, mas fortes e certeiros.

- A minha também está assim.

- Que delícia, hein, safadinho...

- Safado!

- Eu?

- Sim.

- Por quê?

- Porque você é safado!

- Sou nada...

- É sim...

- Se você diz... Mas você não viu nada...

- E o que eu vou ver, então?

- Muitas coisas. Eu queria estar aí com você, para te ajudar.

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- E eu com você...

- Vem para cá...

- Para a gente ser interrompido?

- Não tem ninguém...

- Melhor não!

- Amor...

- Fael...

- Fala mais, me faz gozar...

- Quer me matar de vergonha agora ou mais para frente?

- Para de ser tímido amor! Eu sou seu...

- Meu?

- Seu rolo! Não tenha vergonha de mim... A gente já se conhece a um tempo, temos um relacionamento legal...
Isso vai acontecer mais cedo ou mais tarde.

- O que quer que eu fale?

- O que sentir vontade.

- Só o que eu queria era estar com você...

- E eu com você. Queria ter você em meus braços, beijar seu pescoço, lamber sua nuca, seus mamilos, descer
lentamente até seu umbigo... Beijar sua barriga todinha...

Eu dei um gemido meio alto e lembrei que a porta estava entreaberta. Corri para fechá-la e tive sorte, porque
meio segundo depois, alguém passou no corredor.

Tirei a cueca e me joguei na cama, completamente pelado. Abri as penas, encostei o celular no meu ombro e
fiquei brincando com minhas partes intimas.

- Adivinha o que eu estou usando agora – eu o provoquei.

- O quê?

- Nada.

- Sério?

- Uhum.

- Eu também estou sem nada, absolutamente nada...

579
- Delícia...

- Quer ver?

- Quero.

- Vai para a janela, então.

- Não seu louco, pela janela não!

- Ninguém vai ver a gente.

- Nem pensar. Só quero ver quando eu estiver junto a você.

- Então se você prefere assim... Na próxima vez que a gente ficar a sós, você verá.

- Vamos ver...

- Ele está todo babado, já.

- O meu também.

- Delícia amor!

- Estou quase explodindo...

- Eu também...

- Isso é bom demais...

- Uhum – ele gemeu mais alto. – Me chupa Eder!

- É isso que você quer?

- Eu quero – ele pediu com a voz baixa e cheia de tesão.

Eu fechei meus olhos e me imaginei defronte ao Fael. Imaginei ele puxando os meus cabelos e me fazendo
chupá-lo.

- Isso – ele disse baixinho, com um gemido ao fundo. – Isso amor!

- Eu quero você Fael – gemi alto.

- E eu você Eder.

Intensifiquei os movimentos em meu pênis e foi como uma explosão de tanto prazer. Eu gemia enquanto ele
gemia do outro lado do telefone. Eu tinha gozado. Meu cacete despejou litros de esperma por todo o meu corpo.

- Caralho – ele disse, sem perceber que eu estava ouvindo.

580
Continuei gemendo até o orgasmo cessar. Abri meus olhos e vi um rio de esperma sobre minha barriga e meu
peito. Minha respiração estava ofegante e eu não sabia o que fazer naquele momento.

- Ah – ele disse, por fim. – Que delícia...

- Pronto? – eu perguntei sem ar.

- Sim – ele respondeu.

- Estou todo sujo aqui, nem sei como vou limpar isso.

- Eu também. Eu também, molhou tudo.

- Uhum.

- Safado.

- É você.

- É você.

- Não, é você.

- Sou mesmo e nem ligo.

- Eu sei disso.

- Amor, tem gente aqui, preciso desligar, tá?

- Uhum. Amo você!

- Eu também, meu gostoso.

- Beijo aonde você quiser.

- Outro.

Desligamos. Eu fechei meus olhos e continuei deitado. O esperma começou a escorrer pela lateral do meu corpo,
mas eu nem liguei. Deixei uma das mãos em cima do meu pau e em menos de dois minutos ele estava novamente
a mil por hora.

Estava feito. Fael e eu, mesmo à distância, tínhamos tido nosso primeiro orgasmo juntos... Era o começo do
nosso relacionamento. Não seria possível que algo de errado fosse acontecer na próxima vez que a gente ficasse
junto, seria?

Foi extremamente difícil ficar mais tempo sem ver o Rafa pessoalmente, mas eu tinha que resistir a esse
empecilho. Nós dois sempre nos falávamos por celular, mas isso não era a mesma coisa de tê-lo em minha frente,
não era o mesmo de poder ver aqueles olhos verdes que eu tanto amava a centímetros de distância, mas era o que
eu podia fazer, então tinha que me acostumar.

581
O aniversário de Henrique estava cada vez mais próximo e eu tinha que ficar o ouvindo fazer a contagem
regressiva todos os dias pela manhã.

- Sete dias...

- A gente já sabe disso, filho – meu pai falou.

- Eu sei que sabem, mas nunca é ruim lembrar.

- Você é um chato de galochas! – Giselle riu.

Se havia Henrique me torrando de um lado, tinha Marcus do outro. Já estava quase mandando meu irmão mais
novo ir pro beleléu com a história da garota com quem ele ainda estava ficando.

- Se você falar mais uma vez dessa tal de Érica – eu disse completamente irritado –, eu quebro os seus dentes.

- Mas é que...

- Mas é que nada! Aff, se arrependimento matasse...

O trabalho na locadora estava consumindo metade do meu tempo, mas eu já estava começando a me acostumar
com aquela situação. Era difícil, mas era muito bom ter o meu dinheirinho no final do mês.

- Obrigado – eu disse ao André, quando ele deu o meu pagamento no primeiro dia útil do mês de abril.

- Não há de quê – ele falou.

Quando o dia quatro chegou, eu, meus irmãos, meu pai e a namorada de Henrique fomos pular sobre ele, ainda à
meia noite. É claro que a Gaby foi a primeira do grupo.

- Feliz aniversário – ela disse, dando-lhe milhares de selinhos demorados.

- Brigado – ele tentou responder, mas estava entretido com o beijo da namorada.

Meu pai pigarreou e eles se separaram, mas com custo. Todos nós o abraçamos e entregamos as lembrancinhas.
O que ele mais gostou mesmo foi da chuteira que lhe entreguei.

- Valeu Eder! Muito foda.

- De nada. Usa com responsabilidade – eu brinquei, voltando ao meu quarto.

O dia do nosso passeio enfim chegou e eu finalmente ia poder rever o meu gatinho. Marcus e eu fomos os
primeiros a sair de casa.

- Vamos logo Henrique!

- Calma, mas que pressa.

- Lógico – ele resmungou.

582
Olhei para o portão da casa ao lado e o vi saindo com uma mochila preta nas costas. Eu não tive como conter um
sorriso de satisfação. O meu amor estava lindo. Maravilhoso, como sempre!

- Oi – a voz grave dele soou ao vento e entrou nos meus ouvidos, fazendo com que as minhas células
trabalhassem com o dobro da velocidade.

- Oi – eu respondi, com satisfação. – Ainda lembra de mim?

- Acho que sim – ele sorriu. – Eder, não é?

- Isso mesmo. Você é o irmão da minha cunhada? Um tal de Rafael, né?

- Isso mesmo. Prazer em conhecê-lo.

- O prazer é todo, todo meu.

A gente se abraçou e riu.

- Que saudade de você meu menino – eu ouvi um sussurro.

- Eu também – falei baixinho.

Nos separamos, mas a vontade era de continuar agarrado nele com toda a minha força.

- Já vamos? – Rafa perguntou.

- Já.

Um minuto depois meu irmão mais velho saiu com o carro da garagem e o Rafa teve que ir buscar o dele, afinal,
não caberíamos todos em um único veículo.

Sentei-me à frente e minha irmã e a Marcinha atrás. Antes que Rafa desse a saída, meus olhos caíram sobre
Natália e se detiveram em sua fisionomia. Mesmo à distância, eu era capaz de sentir a vontade que ela estava de
ir conosco.

- Ela está enorme – Giselle disse.

- Parece até que são gêmeos – Marcinha se espantou.

- Quantos meses ela está? – Gi perguntou-me.

- Vai completar cinco – Rafa respondeu, com a cara fechada.

- Nossa! Não são gêmeos não? – Márcia insistiu.

- Não – nós três respondemos.

- Ah!

- Caraca! – Marcus exclamou. – Isso aqui está às moscas...

583
- Milagre – eu ponderei.

- Ainda é cedo. Nem são onze ainda – Gaby disse.

Nós entramos e já voamos para a praça, na intenção de comer.

- Esse lugar não me trás boas recordações – eu disse baixinho, lembrando-me dos enjoos da Natty, na derradeira
vez que estivera ali.

- Esqueça desse fato – Henrique pediu.

- Como se fosse possível – Rafa disse por mim.

- Obrigado Fael.

O dia finalmente começou a escurecer. Meus pés e pernas estavam doendo acima do normal. Encostei minha
testa em minhas mãos que estavam sobre o ferro do labirinto da montanha russa.

- Cansou? – Rafa perguntou, imitando o meu gesto.

- Demais – eu respondi.

- Já está acabando.

- Uhum.

Continuamos andando e vez ou outra, eu senti algo me cutucando. Ele estava se saindo melhor do que
encomenda de vez em quando.

- Até que enfim! – Marcus esbravejou.

A gente ficou mais de uma hora e meia na fila do brinquedo e quando finalmente estávamos por entrar, a fila
parou novamente.

- Só mais uma leva e depois é a gente – Henrique explicou-nos.

Fiquei olhando os carrinhos voando trilho acima e o barulho dos gritos das pessoas entrou pelos meus ouvidos.

- Bom demais – Giselle disse.

- Ainda dá tempo de desistir? – Marcinha perguntou-nos.

- Não – eu respondi rindo.

- Ai meu Deus! – ela exclamou.

- Calma, não tenha medo – Rafa a tranquilizou.

A funcionaria pediu para meu irmão passar pela roleta e o frio em meu estômago se acentuou. Eu fiquei atrás de
minha irmã, mas um par de braços fortes me puxou, e eu tive que ficar no primeiro carrinho do brinquedo.

584
- Fica aqui! – ele mandou.

Olhei para trás e vi um par de olhos me fitando de maneira curiosa e intensa. O trem parou e as pessoas que
estavam dentro saíram pelo lado esquerdo. Alguém pediu para nós entramos e eu fui para o meu lugar. Rafael
sentou-se ao meu lado e segurou a minha mão, entrelaçando os nossos dedos.

A trava desceu e depois de alguns segundos, o brinquedo começou a subir de costas. Eu fechei meus olhos e só
os abri quando estávamos no topo. A adrenalina estava dentro de mim e eu comecei a gritar quando nós
começamos a descer.

Rafael apertou a minha mão e eu fechei novamente os meus olhos. Preferi não ver o trajeto em que nós
estávamos percorrendo.

- Eder – Rafael gritou ao meu lado, enquanto eu tentava me acalmar. – Quer namorar comigo?

O quê? Como? O que ele estava me perguntando? Ele era louco ou o quê?

O carrinho parou em definitivo e eu olhei para o lado com os olhos arregalados. Mesmo com dificuldade,
consegui fitar aqueles olhos verdes que eu tanto amava, mas eu não estava conseguindo acreditar no que eu
estava ouvindo.

- Eu te amo – ele berrou, quando nós decemos no sentido contrário.

Eu só me dei conta que nós já tínhamos parado depois que as pessoas começaram a sair do brinquedo.

- Morreu foi Eder? – Henrique perguntou.

- Quase – eu respondi.

Levantei-me e dei um pulo para fora do carrinho, juntando-me à meus irmãos assim que pude. Rafael veio
andando atrás de mim e eu tive que sair correndo à frente para não dar-lhe uma resposta no meio de todo mundo.

- O que foi? Por que você está assim? – Giselle sondou-me.

- Nada não – eu menti.

Deixei meus pensamentos voltarem ao normal para poder criar coragem de falar com o meu garoto perfeito.
Deixei os outros passarem à nossa frente e quando tive certeza que eles já não nos ouviam, falei:

- Você é louco, ou o quê?

- Talvez eu seja sim.

- Talvez não, você é!

- Só por que eu pedi você em namoro e você ainda não se deu ao trabalho de me responder?

- Não, não é pelo pedido. É como você pediu...

585
- Quer que eu me ajoelhe?

Eu comecei a me irritar.

- Se for isso eu faço – ele fez menção de ajoelhar-se à minha frente, mas eu o segurei.

- Claro que não é isso, é só onde você pediu! Só isso.

- Quer lugar mais apropriado que esse?

- Não e sim, eu aceito.

Finalmente ele sorriu. Do jeito que eu mais gostava, do jeito que eu esperava que ele sorrisse depois do meu
“sim”.

- Sério?

- Você ainda tem coragem de questionar essa resposta? Depois de tudo o que nós já passamos... Depois de tudo o
que eu já lhe disse?

- É só para ver se você não vai mudar de ideia.

- Eu? Mudar de ideia? Mas nem que for para eu ficar milionário eu largo você!

Dei-lhe um soco de leve no ombro e sorri. Rafa retribuiu e eu mergulhei naqueles olhos verdes que eu tanto
amava.

- Vamos embora? – Marcus choramingou, ele já estava andando que nem um patinho.

- É vamos? – eu fiz coro.

- Vamos seus chorões – Henrique riu.

Nós nos ajeitamos e saímos do parque por volta das oito da noite. Estava ansioso e completamente alucinado,
esperando o momento em que nós dois íamos ficar juntos. E sozinhos.

- Obrigado pela carona moço bonito – Marcinha disse.

Moço bonito? Como ela tinha a audácia de falar aquilo com o meu namorado?

- De nada menininha. Boa noite.

Márcia fechou a cara e não disse mais nada. Minha irmã caiu na gargalhada e beijou o rosto do cunhado, embora
ela não soubesse que eu e Fael estávamos namorando.

- Boa noite Rafa!

- Boa, gatinha. Fica com Deus.

Eu olhei para o lado e coloquei a mão esquerda na coxa direita do meu garoto. Ele olhou para mim e suspirou.

586
- Finalmente podemos ficar sozinhos.

- É...

- Está chateado por que eu pedi você em namoro?

- Chateado? Eu nunca estive tão feliz em toda a minha vida.

- Sério mesmo?

- Serião!

- Que bom. Mas como eu fiz uma solicitação um tanto quanto diferente, agora eu quero ser original. Eder
Leandro Alves, você aceita ser o meu namorado?

- Aceito – e eu tinha como negar?

Olhei para todos os lados antes de cair na tentação daqueles lábios vermelhos. Ele entrelaçou os dedos pelo meu
pescoço e a gente foi se enroscando cada vez mais.

- Meu menino – ele disse –, meu namorado!

- O meu namorado perfeito – eu falei bem baixinho na orelha direita dele.

- Eu te amo, bebê!

- Eu também te amo, meu anjinho...

Ficamos abraçados por alguns minutos, um curtindo o outro e só nos separamos porque o meu celular começou a
tocar.

- É o meu irmão. Eu não vou atender.

Desliguei meu celular e deixei-o de lado.

- Seus pais devem estar perguntando por você.

- Eles que continuem perguntando.

- Está rebelde?

- Eu sou rebelde! – sorri maliciosamente, subindo meus dedos pelo peito dele e parando no queixo.

- Safadinho...

- Não viu nada...

- Amor, eu tenho uma proposta para te fazer.

- Faça.

587
- O meu amigo Daniel comprou uma casa na praia, la em Ilha Bela. Você gostaria de passar o próximo final de
semana comigo, lá na casa dele?

- Só nós dois? – eu mordisquei meus lábios.

- Isso mesmo.

Olhei para a frente da minha casa e vi que meu pai estava parado, de braços cruzados, com certeza me esperando.

- É claro que eu quero!

- Posso fechar com ele então?

- Deve.

- Ótimo. Vai lá, meu menino. O meu sogro já está à sua espera.

Meu sogro... Meu namorado... Era estranho ouvi-lo falar daquele jeito. Mas eu estava gostando.

- A gente só vai se ver no sábado, né?

- Infelizmente sim.

- Não tem problema, a gente recupera o tempo perdido.

Dei uma piscadela rápida e ele sorriu maliciosamente. Apertei-lhe a mão direita e abri a porta do carro para poder
sair.

- Dorme bem meu garoto perfeito – disse antes de sair.

- Você também meu menino. Eu te amo muito.

- Também te amo.

- Que demora é essa para entrar? – meu pai perguntou.

- Não posso conversar com o meu na... Amigo?

Ele ergueu as duas sobrancelhas e eu rezei para que ele não tivesse entendido o que eu ia dizer.

- Pode, eu só estou brincando. Como foi o dia?

- Maravilhoso – falei.

- Brincou muito?

- Com certeza.

- Está só o pó, né?

- É. Mas isso faz parte.

588
Eu dei um beijo no meu pai, outro em minha mãe e subi direto para o quarto. esperei todos deitarem para poder
tomar banho sossegadamente, no intuito de não ser incomodado no banheiro.

Meu namorado veio a mente como um raio e eu logo me animei. Não contive o desejo e me masturbei pensando
nele. Como era bom saber que dali por diante, ele não era mais meu rolo, ele era meu, só meu, meu namorado.

Segunda-feira, 10 de Abril de 2006.

Terça-feira, 11 de Abril de 2006.

Quarta-feira, 12 de Abril de 2006.

Quinta-feira, 13 de Abril de 2006.

Sexta-feira, 14 de Abril de 2006.

Sábado, 15 de Abril de 2010.

Acordei com o celular de meu despertador gritando enlouquecidamente, para chamar a minha atenção. Não
pensei duas vezes em me levantar para tomar banho e caprichei no visual.

Coloquei um tênis novo que havia comprado, uma bermuda jeans agarradinha e uma camiseta colada ao corpo de
cor cinza. Coloquei minha mochila nas costas, despedi-me da minha família e saí correndo para o portão, estava
louco para ver o meu gatinho.

- Bom dia meu príncipe – Fael disse, jogando a minha mochila no banco traseiro.

- Bom dia Rafa, tudo bem?

- Tudo ótimo, e você?

- Melhor agora.

Demos um abraço bem rápido e ele já deu a partida.

- Está pronto para viajar comigo?

589
- Mais do que nunca.

E mais do que nunca eu sabia o que queria. Fiquei todo o caminho pensativo. Teria que ser naquele momento. Ou
eu não me chamaria Eder Leandro Alves. Estava tão decidido a ter a minha primeira vez com o meu namorado,
que nem me dei conta quando ele estacionou em uma vaga de um prédio de três andares.

- Amor? Você está bem?

- Hum? – eu resmunguei.

- Nós já chegamos!

- Já? – eu me espantei.

- Já sim. Eu tentei puxar assunto com você durante o caminho, mas você nem me deu valor – ele fez um bico
lindo.

- Desculpa amor, eu estava perdido em pensamentos.

- E no que você tanto pensava?

- Quer mesmo saber?

- Uhum.

- Eu só te mostro, quando a gente subir...

Eu fiz cara de sem vergonha e passei minha língua pelos meus lábios de um jeito provocante. Fael acompanhou o
gesto com os olhos e engoliu em seco, arrancando o cinto de segurança e abrindo a porta do carro com
brutalidade.

- Vem comigo – ele ordenou.

Ele bateu a porta com ferocidade e eu corri para poder acompanhá-lo. A gente não subiu de elevador até o
terceiro andar e ambos, estávamos pulando um degrau de cada vez para ganhar velocidade.

Rafael se atrapalhou com a chave e ela caiu duas vezes antes dele conseguir colocá-la na fechadura.

- Chave dos infernos – senti em seu tom de voz a frustração e a ansiedade.

- Calma... – eu ri.

Quando a porta finalmente se escancarou, Fael puxou-me pelos punhos e já começou a me beijar. Detive-me nos
lábios por um bom tempo e aos poucos, ele foi me conduzindo até a cama de casal do quarto que era bem
próximo à sala.

Puxei a camisa do Fael com urgência e ele me ajudou a me livrar daquele empecilho.

Os mamilos estavam eriçados e eu engoli toda a saliva da minha boca, com vontade de lambê-los, mas me
contive.

590
- Vem – ele ordenou.

E eu fui. A voz dele soou mais grave e aquilo fez os pêlos de minha nuca arrepiar, deixando-me completamente
submisso às suas ordens. Eu deitei por cima do meu namorado e comecei e beijar-lhe o pescoço. Fui descendo
lentamente pela clavícula, passei pelos ombros, pelo tórax, mordisquei ambos os mamilos e continuei descendo,
até chegar no umbigo.

Olhei para ele de onde eu estava e vi que o meu garoto perfeito estava com uma cara de safado que eu nunca
havia visto em toda a minha vida. Decidi continuar, não tinha mais porque fazer doce e nem sentir vergonha.

- Quer? – eu mordisquei o pau dele por cima da bermuda e senti que estava rijo como pedra.

- Agora! – ele mandou.

Sorri maliciosamente e obedeci. Abri o velcro da bermuda florida do meu amor e fui descendo, até ele ficar
apenas de cueca branca. Meus olhos analisaram aquela obra-prima da natureza com cautela e eu não consegui
piscar ao ver aquele volume. E que volume delicioso...

Rafael passou os dedos por cima do pau de maneira provocativa e eu não consegui me conter mais, eu me abaixei
e comecei a beijar a coxa esquerda, depois a direita.

Senti o cheiro de homem dele saindo por todos os lados e à partir dali, não queria saber de mais nada. Eu já
estava possuído pelo desejo, tomado pelo tesão, invadido pela malicia e cheio de perversidade.

- Eu te quero agora meu amor – ele me disse com aquela voz grave.

E então aconteceu. Muito lentamente, eu coloquei meus dentes no cós do tecido da cueca e fui baixando.
Baixando. Baixando. Baixando...

O pênis estava duro e pulou antes que eu terminasse de descer o que estava lhe prendendo. O membro parecia
querer ar, parecia querer respirar, querer ter liberdade, a liberdade que ele tanto esperava...

Meus olhos se encheram com aquela imagem. Era a primeira vez que eu estava vendo o meu namorado pelado.
Meu próprio cacete demonstrou querer sair, mas ele ainda precisava esperar um pouquinho.

Joguei a cueca longe e nem liguei para onde ela poderia cair. O que eu mais queria e precisava, era experimentar
o sabor do meu macho. Comecei passando os dedos. Não era algo de se espantar, mas o tamanho não era dos
menores. Eu passei meus dedos por toda a extensão, brinquei com os pêlos do escroto e então fui descendo o
meu tronco, com a boca cheia de água.

Primeiramente, dei um beijo na base, bem próximo ao saco. Em seguida, fui subindo lentamente, passando a
minha língua pelo corpo do pau do meu amor. Estava quente como fogo e o cheiro era delicioso. O meu coração
parecia que ia explodir e então, eu cheguei na glande.

Ela era grande, vermelha e estava lubrificada. Dei um beijo demorado na sua extremidade inferior e Fael deu um
soco de prazer no colchão da cama. Olhei-o com cara de puto e mordisquei-lhe a cabecinha, fazendo com ele
segurasse em meus cabelos com força.

591
Muito lentamente, fui aconchegando o pau do Rafael dentro da minha boca, até que finalmente, consegui engoli-
lo por completo. Era uma experiência nova, mas prazerosa e um tanto, peculiar.

Fiquei parado por alguns segundos, passando a minha língua em volta da cabecinha e depois abocanhei tudo
novamente. Comecei um vai-e-vem lento, mas constante e isso fez com que ele gemesse de tanto prazer.

- Continua – ele implorou e eu já não estava mais o reconhecendo.

Acelerei o ritmo, mas parei. Afinal eu também merecia um pouco de prazer. Ou será que não? engatinhei pela
cama e dei-lhe um beijo rápido, porém apaixonado e em seguida, os papeis se inverteram.

Em menos de trinta segundos, ele já tinha me deixado nu e já estava com a boca no meu cacete. O meu não era
tão grande quanto o dele, mas eu podia considerá-lo avantajado para a idade que eu estava.

Senti um calor diferente envolver meu pinto e aquilo fez com que todo o meu corpo se aquecesse. Fael começou
um movimento frenético em meu pau e se isso perdurasse por muito tempo, eu ia acabar gozando...

Não demorou para o nariz de Rafa percorrer todo o meu sexo. Senti um arrepio ao sentir algo invadindo o meio
de minhas nádegas e não demorou para que as minhas bochechas esquentassem.

- Gostoso – ouvi-o sussurrar. – Eu te quero meu menino...

- Eu também te quero meu amor...

Rafa voltou até mim e beijou-me pela centésima vez. Meu pau latejou de tão duro e ele procurou alguma coisa na
mochila, que estava jogada ao chão. Era uma camisinha e um lubrificante. Então ele havia ido preparado... Eu
não podia esperar menos do meu garoto perfeito.

Peguei as coisas e olhei dentro de seus olhos. Ele assentiu com um sorriso safado e deitou-se de bruços na cama,
abrindo ligeiramente as pernas. Eu estremeci de nervosismo. E se eu o machucasse? E se ele não gostasse?

Dei-lhe um beijinho na nuca e fui arranhando as costas, até chegar aonde queria. Era quente. Diferente do que eu
imaginava. Rafa deu uma reboladinha de leve e eu não me contive, tive que dar um tapa naquela bunda gostosa...

- Vem cachorro – ele ordenou e abriu mais as pernas.

Não precisei pensar duas vezes. Enfiei minha língua no meio de suas nádegas e ele urrou de prazer. Como aquilo
era diferente... Era gostoso, prazeroso... Diferente do que eu imaginava. Foi difícil me conter, mas eu parei de
chupá-lo e coloquei a camisinha, colocando uma quantia generosa do lubrificante no meu pau e na entradinha do
meu namorado.

Aninhei-me em cima dele e segurei meu pinto com força. Eu não podia machucá-lo... Não podia ferir o meu
amor. O meu garoto perfeito, o homem da minha vida...

- Se doer você me avisa que eu paro...

- Não vai doer – ele me garantiu, deitando a cabeça de lado.

592
Fiquei beijando a nuca do meu príncipe, enquanto, devagar, a cabeça do meu pau entrou dentro dele. Parei. Não
queria que doesse. Se doesse nele, doeria em mim. Nada podia machucar meu gatinho. Depois que o senti mais
relaxado, coloquei mais um pouco e novamente parei.

- Está doendo?

- Um pouco – ele confessou. – Mas continua que está muito bom.

Fiquei receoso, mas continuei, até que enfim, eu estava dentro dele. E ele dentro de mim. Naquele momento,
Rafa e eu éramos um só. Uma só carne, um só espírito. Dois homens, dois seres, mas apenas um desejo:
consumar o nosso namoro.

Meu pau estava latejando e quente como larva de vulcão e, eu só comecei a bombar, quando ouvi um gemido do
Fael de prazer. A principio, fui devagar, para não doer, mas quando senti que tudo estava bem, fiz questão de
fazer mais rápido.

O rosto dele era um misto de desejo, loucura, prazer e dor. Eu tentei não me afligir com o desconforto e
prossegui com muito carinho, até sentir que ia gozar.

Tirei meu pinto de dentro do Rafael e fiz com que ele se virasse de frango assado. Coloquei as duas pernas dele
em cima de meus ombros e introduzi novamente meu pênis dentro de seu orifício.

- Vem amor, vem... – ele pediu. – Me dá mais.

E o pedido foi uma ordem. Foi bom ver a cara de tesão que ele estava. Não desgrudei meus olhos do dele
nenhum segundo sequer e continuei a penetrá-lo, com força, mas com muito cuidado.

- Eu te amo – eu sussurrei, aproximando-me dele e dando-lhe um beijo, mas sem parar de foder um segundo
sequer.

As nossas línguas se enroscaram e eu forcei meu pau para dentro com mais força, e não tive como escapar do
jato de esperma que ele lançou, sem nem ao menos necessitar de tocar em seu membro.

Vendo aquilo, intensifiquei meus movimentos e não demorou para que chegasse ao orgasmo, gozando dentro
dele, mas dentro da camisinha.

Grudamos as nossas testas e iniciaram uma série de gemidos altos e longos. Eu estava suado, caí por cima da
poça de sêmen que estava sobre seu peito e barriga, mas não me liguei de me sujar. Era dele, então eu não me
importava.

Nós nos beijamos de maneira apaixonada e longa, e eu senti novamente vontade de introduzi-lo, mas estava
cansado e sem forças. Fiquei deitado, com as pernas bambas, o coração acelerado e completamente sem ar.

Rafa deitou a cabeça sobre meu peito e tirou minha camisinha. Aos poucos eu fui me recuperando e em menos de
dez minutos, já estava preparado para o segundo round.

593
A gente ficou parado, sem fazer nada, apenas se recuperando por alguns minutos, embora eu necessitasse de mais
o quanto antes.

Dei um suspiro imenso e olhei para o corpo do meu namorado, ele estava de olhos fechados, parecia estar
dormindo, mas algo em seu corpo estava completamente acordado.

Segurei-o com força e Fael abriu um sorriso malicioso. Eu não podia acreditar que aquilo estava acontecendo...
Será que tudo não passava de um sonho?

- É melhor você parar – ele falou, com a voz rouca. – Ou vai ter que arcar com as consequências...

- E quais são as consequências?

- Se eu fosse você, não faria essa pergunta novamente.

Mas eu era teimoso. Eu tinha que contrariá-lo.

- Quais são as consequências?

- Essas.

Em um piscar de olhos ele já estava em cima de mim, com a boca grudada na minha. Eu passei as unhas pelas
suas costas, dei-lhe mordidinhas nos lábios e deixei minha mão em uma de suas nádegas.

- Agora é a minha vez – ele me provocou, abrindo as minhas pernas com facilidade.

Eu relaxei e me deitei mais, para que ele pudesse encaixar em mim sem nenhuma dificuldade.

- Confia em mim? – ele perguntou, com a testa colada à minha.

- Confio – eu respondi, com toda a segurança do mundo.

E tinha como não confiar naquele homem? Ele me passava confiança em tudo o que fazia, e naquele momento,
não poderia ser diferente.

Rafa tomou posse do meu corpo e me virou de bruços, sentando em cima de minhas nádegas e fazendo uma
massagem deliciosa em meus ombros. Eu relaxei ainda mais e fechei os meus olhos para não fazer nenhuma
bobagem. Eu queria ser dele, só dele. Era ele que ia mandar em mim. E eu ia obedecer.

Eu senti algo endurecer mais em minhas costas, se é que aquilo era possível. Aos poucos, o meu corpo foi
respondendo ao toque das mãos do meu amor e eu fui ficando cada vez mais relaxado. Deixei as minhas pernas
mais leves e senti as mãos dele descerem um pouco, ficando no meio de minhas costas.

Se eu não estivesse ansioso para àquele momento, seria capaz de adormecer com aquela massagem. As mãos do
Rafa estavam firmes, fortes, mas ao mesmo tempo, delicadas, suaves como uma leve brisa de outono. Meu pênis
ficou em estado máximo de excitação e eu o senti latejar com o momento, mas eu estava com vontade de outra
coisa naquele instante...

594
Algo molhado e quente começou a acariciar a minha pele e eu me arrepiei com a carícia. Os pêlos de minha nuca
se ergueram e algo no meio de minhas nádegas deu sinal de vida, pela primeira vez naquele dia. Senti um calor
arrebatador tomar conta de mim e remexi meu quadril para poder aninhar-me de maneira completa com o meu
namorado e se ele não tomasse uma providência logo, eu teria que fazê-lo...

E então a língua dele chegou aonde eu queria. Não demorou para uma onda delirante de prazer invadir meu sexo,
mas eu não gozei. Era uma sensação diferente, era quente e ao mesmo tempo gelado, era nova, difusa, algo
completamente indescritível, mas sem sombra de dúvidas, era tudo o que eu precisava sentir naquele momento,
era tudo o que ele precisava fazer para que, em definitivo, nós fôssemos um só.

Eu rebolei na boca do meu homem e ele deu dois tapas extremamente fortes em minha bunda, mas eu não senti
dor. Senti prazer.

Rafael separou as minhas nádegas com vontade e continuou a sugar tudo o que encontrou pela frente. Eu soltei
um gemido alto e mordi a fronha do travesseiro, já não me contendo de tanto tesão.

Não o deixei prosseguir por muito tempo, senão eu ia gozar sem nem ao menos ele fazer nada, além de me
chupar. Sentei na cama, abri minhas pernas e então ele caiu de boca no meu pau. Era bom demais vê-lo me
chupar. Eu segurei com força em seus cabelos e empurrei a cabeça contra o meu membro. Rafa sugou o resto de
gozo que havia em mim e passou a língua pela minha glande. Eu quase delirei de tanto desejo.

Ele pegou meu pau e ficou brincando com a língua. Fiquei olhando para aquela cara de cachorro e não me
contive, eu tinha que chupá-lo naquele momento. Usei de toda a minha força para puxá-lo até mim, até que
consegui fazê-lo deitar de papo pro ar. O pinto do meu gato ficou para cima e eu não hesitei em colocá-lo em
minha boca naquele instante.

Estava salgado e com cheiro de macho. Eu engoli toda a minha saliva e fiquei provocando meu namorado,
passando a língua em toda a extensão daquela delicia, parando vez ou outra, para beijá-lo.

- Vem amor, vem... Ele te quer, coloca a boquinha nele, vai?

Eu não obedeci. Beijei-lhe a virilha, a perna, o púbis, brinquei com seus pêlos, chupei-lhe o saco e quando eu ia
finalmente me deliciar com meu picolé de Rafael, meu celular começou a tocar.

Encontrei os olhos verdes do meu príncipe e ele estava com as duas sobrancelhas erguidas. Eu olhei pela janela
pela primeira vez e notei que o céu estava começando a ficar mais escuro. Que horas seriam?

- Você não vai atender essa porra não né Eder?

Eu olhei para meu telefone e olhei para o pênis que estava próximo ao meu rosto e não pensei duas vezes. Fiquei
com meus olhos dentro do oceano que eu tanto mergulhava e sorri maliciosamente, colocando-o na boca aos
poucos, até que o senti encostar em minha garganta.

Fael soltou uma série de gemidos de alta intensidade e assim como eu, segurou com força em meus cabelos e
friccionou minha boca em seu pênis, fazendo com que eu mesmo sentisse prazer naquele gesto.

595
Fiquei chupando por algum tempo, mas meu celular não se cansava de tocar um segundo sequer. Eu estava
começando a me aborrecer, mas o Rafa estava de olhos fechados, com um rosto lindo de desejo, eu não podia
decepcioná-lo...

Meu corpo deu sinal que queria mais e eu fui, aos poucos, de maneira provocante, subindo sobre meu anjo
perfeito. Ele segurou em meu rosto com uma delicadeza imensurável e nós começamos a nos beijar.

- Eu te amo Eder – ele disse bem baixinho em meus lábios.

- Eu também te amo, meu amor – respondi em sintonia.

Nosso beijo foi selvagem, mas em momento algum, deixou de ser romântico. Eu senti em cada movimento de
nossas línguas, que dali em diante, nós seríamos completos em todos os sentidos. Completos em ações, em
sentimentos, completos no nosso amor e enfim... Completos na cama...

Eu abri meu olho direito e corri minha visão periférica pelo criado-mudo, até que encontrei o que estava
procurando. Afastei-me um pouco do meu garoto e peguei uma camisinha e o lubrificante que estava caído.

- Eder... – ele disse.

- Não fala nada. Você é meu – eu falei em tom decisivo.

Desci até a rola dele e a acariciei, fazendo com que esta ficasse ainda maior e mais inchada do que já estava.

- Tem certeza amor? – ele perguntou.

- Já disse que sim, não me contraria!

Ele sorriu e fechou os olhos, dando sinal verde para que eu prosseguisse. Abri o lacre do preservativo e o
coloquei em minha boca. Foi difícil acomodá-lo naquela delicia, mas depois de muito tentar, eu consegui.

Peguei uma quantia generosa de KY e coloquei suavemente em toda a extensão cilíndrica do meu novo
brinquedinho. Passei a língua pelos meus lábios, ouvi algo tocar ao fundo, mas não dei trela e continuei a minha
tarefa, sem me prender ao mundo exterior. Tudo o que eu mais queria, era dar prazer ao meu amor.

Olhei para cima e o vi de olhos fechados, com ambas as mãos atrás da nuca e com uma cara muito gostosa e
safada. Algo deu sinal de vida dentro de mim e eu subi onde queria, tomando cuidado para não fazer nada de
errado.

Ajoelhei-me entre seu tronco e passei creme em mim, para facilitar a entrada. Respirei fundo e me encaixei na
posição que eu sempre imaginara...

Ele abriu os olhos no mesmo momento em que eu encostei meu anelzinho na extremidade de sua piroca. Notei
um misto de curiosidade e surpresa em sua face, mas é claro que ele não achou nada ruim a minha ideia. senti
suas mãos voarem para as minhas nádegas e as segurarem com delicadeza.

- Se doer você me avisa, tá bom meu menino?

596
Eu me certifiquei que tudo estava encaixado e aos poucos, comecei a descer. Deixei meus olhos fechados. Era
tudo o que eu mais precisava naquele momento, era o que o meu corpo pedia, era o que ele queria e eu tinha que
me entregar de corpo e alma, afinal, ele já tinha feito isso comigo.

Doeu e doeu muito quando a cabeça do pau do Rafa entrou em mim, mas eu me segurei em seus braços e parei,
afim que a dor cessasse. Mas ela não cessou.

- Quer parar? – ele perguntou com o rosto em chamas.

- Não – eu respondi com um gemido, mas não de prazer e sim, de dor.

Fiquei mais alguns segundos parados e ele ficou acariciando a minha bunda de leve, para que eu relaxasse.
Quando senti a ardência diminuir, abaixei mais meu corpo e mais um pedaço do pênis me invadiu, mas a dor
voltou com força total e eu tive que me levantar, não estava aguentando...

- Desculpa – eu supliquei, deitando-me ao seu lado e escondendo o meu rosto em seu ombro.

- Oh, meu menino – ele acariciou meu rosto. – Fica calmo e relaxa, está bem?

- Desculpa – eu repeti.

- Calma meu amor, tudo é novo e a gente está só começando. Se você não quiser, a gente para. Você tem que
estar pronto...

- Eu estou pronto – soltei. – Eu quero você Rafa!

- Não fica com medo, tenta relaxar. Vem, vira de costas para mim, eu vou te ajudar.

Eu me virei de costas para ele e deitei minha cabeça no colchão, ficando o mais relaxado que eu podia.

Ele encostou o corpo ao meu e eu senti a camisinha roçar nas minhas costas, mas nada me penetrou.

Rafa mordiscou minha orelha direita e acariciou meu corpo com tanto carinho, que eu fui relaxando cada vez
mais.

- Confia em mim – ele pediu. – Eu não vou te machucar, eu prometo!

Eu assenti com a cabeça e mordi o lençol da cama. Ele colocou um dedo em minha entradinha e o forçou. Entrou
com facilidade e ele ficou alisando meu interior. Aquilo me deixou com muita vergonha, mas muito excitado.

- Agora eu vou colocar mais um – ele me falou.

E esse me incomodou um pouquinho, mas logo eu me acostumei. Um ficou indo para um lado e outro para o
outro, até me fazer delirar.

- Relaxa – a voz grave ordenou. E eu obedeci.

Ele tirou a mão de trás de mim e colocou no meu pau, me masturbando lentamente, em um ritmo muito gostoso.
Senti a pica do meu deus grego encostar novamente em mim e ele puxou a minha perna para cima.

597
- Se doer eu paro, está bem?

- Uhum.

Antes de me penetrar, ele pegou o potinho de creme e passou mais um pouco em mim e em seu pau, o forçando
em seguida para dentro de mim. Doeu, mas não tanto quanto eu imaginava que iria doer. Ele parou, ficou
beijando a minha nuca e eu fechei os meus olhos com força.

Respirei fundo e ele tirou rapidamente, mas logo o colocou novamente. Eu relaxei meu quadril e mais uma parte
entrou em mim, me fazendo gemer bem baixinho. Como aquilo podia ser tão bom?

Conforme a pica ia entrando, eu ia forçando a minha bunda para trás, no intuito de ajudá-lo. Senti os pêlos dele
encostarem em mim e finalmente pude abrir meus olhos.

- Só mais um pouquinho – ele disse bem baixinho.

Eu rebolei um pouquinho e ele enfiou o que restava dentro do meu ser. Paramos. Eu contei até dez mentalmente
e relaxei novamente meu quadril. Senti vontade de gemer de dor, mas não o fiz, eu não o queria magoar.

Rafael ficou beijando minhas costas e a minha nuca por um bom tempo, enquanto passava a mão pelo meu pau e
minhas bolas. A dor diminuiu mais um pouco e o meu namorado começou a me penetrar bem de leve.

- Eu não vou te machucar – ele disse pela enésima vez. – Eu te amo Eder!

- Eu também te amo Rafael!

E foi como um sonho. Eu virei minha cabeça para trás e ele começou a me beijar docemente, enquanto tudo
acontecia, como em um conto de fadas.

Aos poucos, senti o ritmo das estocadas aumentar e fui ficando com mais desejo, com mais prazer e esqueci
completamente do restinho de agonia que estava sentindo.

Soltei um gemido de prazer e ele mordiscou meus lábios de forma carinhosa, não parando de me acariciar um
segundo sequer. Novamente éramos um só ser... Não éramos mais Eder e Rafael, éramos um só. Dois amantes
em seu momento mais esperado, em uma sintonia perfeita... Éramos carne e unha, almas gêmeas, eu não vivia
sem ele e ele não vivia sem mim, um dependia do outro, do mesmo jeito que o peixe necessita da água e o ser
humano necessita do oxigênio.

Não demorou para nós já estarmos aos gemidos de prazer. Ele me virou de bruços e subiu em mim, penetrando
de um jeito perfeito. Eu ergui meu quadril para facilitar e ele mordeu novamente a minha orelha, arranhando
minhas costas com uma das mãos.

- Você não sabe o quanto eu esperei por isso – ele me disse.

- Eu também – respondi sem ar. – Faz mais rápido amor.

Rafael me puxou para mais perto de seu corpo e começou a bombar com força. Ouvi o barulho de nossas peles se
tocar, senti seu saco bater em mim, senti a urgência que ele tinha em gozar, senti nosso momento se tornar cada
vez melhor, cada vez mais especial... Cada vez mais... Único...
598
Delirei quando ouvi um gemido de prazer invadir meu ouvido e me virei rapidamente, quando ele saiu de dentro
de mim.

- Vem meu puto – eu ordenei.

Ele mordeu os lábios lindamente e me puxou para a beira da cama, assim como eu havia feito com ele. O pinto
entrou rapidamente e ele colocou as minhas duas pernas para cima, mas não parou de me olhar nos olhos em
nenhum segundo.

- Eu te amo.

- Eu também.

A gente não demorou nessa posição e ele me colocou de pé, no chão. Fiquei de costas, com as pernas abertas e
aos beijos. Ele continuou bombando, mas eu já estava prestes a gozar.

- Eu vou gozar – avisei.

- Goza amor, goza gostoso!

- Mete safado – não sei como consegui falar aquilo. – Mete em mim, vai?

- Quer meu pau, quer? Hum?

- Quero. Quero ele todinho dentro de mim.

- Assim?

Ele enfiou com força, me abraçando e me masturbando.

- É... Assim mesmo. Vagabundo!

Senti as estocadas com mais força e nem precisava da mão dele em cima do meu pau. O gozo ia sair sem nem ele
me tocar.

- Rafael – eu urrei de prazer. – Eu te amo amor! Eu te amo! Ah!

- Isso meu menino, isso – ele disse estocando com mais força. – Goza para mim, vai... Isso meu príncipe! Ah!

- Eu te amo meu garoto perfeito – eu gemi, o esperma não parava de sair.

- Meu menino – ele gemeu em meu ouvido, tirando o pau de mim e jogando a camisinha longe. – Me chupa!

Não pensei duas vezes em me ajoelhar e caí de boca naquela piroca deliciosa. Já estava toda melada, mas ele
ainda não tinha gozado. Segurei em suas coxas e chupei com vontade.

- Eu vou gozar – ele gritou.

Tirei minha boca e coloquei a cabeça para trás, não queria que ele fizesse aquilo. Ainda. O jato caiu com força
sobre mim e sujou todo o meu cabelo, meu tórax e foi descendo até o chão.

599
- Eder... Eder... Eder... Meu menino – ele dizia com os olhos fechados. – O meu amor, meu tesouro... Eu te
amo...

Eu cai deitado no chão. Estava sem forças. Sem ar. Sem saber o que fazer. Rafa deitou-se sobre mim e limpou-
me de sua própria porra, jogando-a no chão, sem nem se importar com a sujeira.

- Eu te amo – eu falei.

- Eu também te amo.

Dei-lhe um beijo e isso foi o bastante para que ficasse novamente em ponto de bala. Nós dois nos levantamos e
ele foi me guiando de costas até o banheiro. Eu tateei a torneira do chuveiro e quando a encontrei, girei-a até o
fim. A água caiu sobre nós dois, mas nós não paramos de nos beijar até o corpo ficar limpo novamente.

Peguei um sabonete qualquer e passei pelo corpo do meu namorado. Como ele era lindo! Senti receio em arder se
eu passasse no meio de suas pernas, então, decidi não o fazer naquele momento e ele também não fez comigo.

Desligamos a ducha, nos secamos e voltamos para o quarto. Eu arranquei o lençol da cama, passei pelo chão,
peguei as camisinhas, as roupas sujas e me desfiz de tudo.

Quando voltei para o quarto, a cama já estava forrada e ele já estava deitado, completamente nu, e com o pau rijo
como rocha.

Sorri maliciosamente e corri até a cama, dando-lhe um beijo avassalador e já me preparando física e
psicologicamente para mais uma brincadeirinha gostosa...

Deitei-me ao seu lado sem interromper nosso beijo e já fiz questão de pegar o pau para brincar um pouquinho.
Fiquei passando meus dedos por ele, enquanto o Rafa fazia o mesmo comigo. Dei-lhe uma mordida um tanto
quanto violenta nos lábios e ele bateu em minha bunda com uma força incontrolável.

- Meu safadinho – falei, abraçando-o com carinho.

- Eu te amo tanto...

- Eu também.

- Você gostou?

- Foi mágico – eu disse sem encontrar outra palavra para descrever nossos momentos. – E você?

- Foi mil vezes melhor do que eu imaginava... Você foi perfeito!

- Você também foi perfeito...

- Eu te machuquei?

600
- Não – respondi com certeza –, você me deu muito prazer...

- Ufa – ele suspirou. – Menos mal.

- E eu? Machuquei você?

- Nunca! Nunca tinha sentido nada tão bom em toda a minha vida... Eu... Eu quero de novo...

Senão a primeira, foi uma das poucas vezes em que eu senti o Rafa com vergonha. Mas eu achei lindo!

- Quer mais, quer? – provoquei, passando-lhe a minha mão no meio de suas pernas.

- Eu quero mais, quero muito, muito mais...

- Você vai aguentar?

- Você tem dúvidas?

- Não!

- Então por que não recomeça?

- Não me provoca Rafael Alcântara...

- Não tem mais forças não Eder Leandro Alves?

Empurrei-lhe de lado, assim como ele tinha feito comigo e não quis saber se estava com ou sem camisinha...
Comecei a penetrá-lo bem de leve, muito carinhosamente.

- Isso amor – ele disse com a voz de prazer que lhe caía muito bem –, vem...

Como já tinha feito anteriormente, já sabia como e onde parar. Ele ainda estava apertadinho e eu senti ainda mais
tesão em introduzir sem preservativo, assim eu podia sentir o seu interior sem nenhuma proteção, sentir seu
calor... Seu corpo...

- Mais! – ele ordenou.

E o vai-e-vem começou. Aos poucos fui aumentando meus movimentos e rapidamente começamos a suar
novamente. Foi tudo rápido, meu pau já estava começando a ficar dolorido, mas o prazer foi inevitável.

- Eu vou gozar – falei bem baixinho em seu ouvido.

- Em mim – ele pediu.

- Onde você quer?

- Onde você quiser...

Tirei meu pinto de dentro dele e o virei de papo para o ar, com as pernas abertas. Sentei no colo do meu
namorado, introduzi lentamente o cacete dele em mim e comecei a me masturbar.

601
- Safado – ele sorriu.

- Você gosta?

- Adoro.

Sentei em toda a extensão. Já não doía com tanta intensidade. Mas incomodava um pouco. Não cavalguei, apenas
fiquei sentado, me punhetando bem devagarzinho.

- Quer me provocar mesmo, né?

- Você não sabe o quanto.

Ele tirou as minhas mãos do meu sexo e continuou meus movimentos.

- Assim está bom?

- Uhum – eu gemi, colocando meu corpo para trás e abrindo meus membros inferiores o máximo que eu
consegui.

- Isso – ele falou com a voz rouca. – Fica assim...

Senti o pau de Rafa endurecer mais dentro de mim e o meu orgasmo estava prestes a chegar, mas eu não queria
anunciar. Dei uma reboladinha proposital e o meu amor endureceu o corpo de uma forma estranha, eu não estava
entendendo.

- O que foi?

- Se você fizer isso de novo...

- Isso o quê? Isso? – eu repeti o movimento.

Novamente senti a rola endurecer e ele deu duas enfiadas bem gostosas em mim e senti o liquido voar em meu
interior, sujando nós dois. Os gemidos dele foram inevitavelmente delirantes e eu não consegui mais me segurar.
Gozei novamente. Não tanto quanto as vezes anteriores, mas o suficiente para deixar-nos molhadinhos.

- Puta que pariu! Quando eu penso que você foi perfeito, você se supera – ele disse.

- Digo o mesmo à você.

Só desci do meu presente de Deus depois que estava completamente recuperado da nossa brincadeirinha.
Ficamos novamente aos beijos por um curto período de tempo, até que senti meu corpo amolecer e o sono
invadir-me, deixando-me molenga e exausto depois de tudo o que havia acontecido.

Acordei sentindo frio e percebi que nós dois tínhamos adormecido do jeito que viemos ao mundo. Ele estava
agarradinho a mim e eu tentei me separar com muito cuidado para não acordá-lo e por sorte, eu consegui.

602
Abri as portas do armário e procurei um cobertor, mas não encontrei. Revirei todas as gavetas e na última, achei
uma manta xadrez e a joguei sobre meu neném. Senti minha barriga roncar alto e demoradamente e me liguei que
não tinha almoçado nem jantado. Como estava conseguindo ficar de pé?

Fui até a cozinha e abri a geladeira. Encontrei uma caixa de leite e cheirei o interior para saber se não estava
azedo. Aparentemente tudo certo.

Procurei algum mantimento no armário, vi alguns pacotes de bolacha e um achocolatado. Perfeito. Ao menos
conseguiria forrar o estômago.

Peguei uma panela embaixo da pia, coloquei um pouco do leite e deixei ferver, afinal eu não sabia quanto tempo
aquilo estava naquela geladeira... Fechei os meus olhos e tudo o que havia ocorrido entre Fael e eu veio como um
flash em minha mente. Não demorou para ficar excitado novamente.

Fiquei olhando o laticínio na panela e tentei me controlar para não fazer uma bobagem. Demorou para o liquido
levantar fervura, mas quando o fez, eu rapidamente tirei do fogão e coloquei um copo para mim.

Senti algo agarrar a minha cintura e me dar um cheiro forte no cangote e quase, por muito pouco, não derrubei a
caneca de leite na pia.

- Ai que susto Rafa!

Meu coração voou com as asas de um beija-flor e eu me virei. Começamos a nos beijar e eu esqueci da fome, da
sede, do sono, do frio...

Ele me deitou no chão, perto da mesa e subiu em mim. Eu já estava a mil por hora e não demorou para nós dois
chegarmos ao ápice novamente.

- Eita menino insaciável – eu disse, beijando-o.

- Eu precisava disso desde agosto.

- Hã? Desde agosto? Safado!

- Desde o primeiro dia em que eu te vi.

- Ah, tá! Seu pervertido!

- Você ainda não viu nada.

- É? É mesmo?

- Uhum.

- Então me mostra?

- Depois eu que sou o safado, né?

- Mas você é!

603
- Você também é.

Ele apertou meu nariz e nós dois nos levantamos.

- Está com fome? – eu perguntei.

- Muita, muita, muita.

- Eu também. Que horas são agora?

- Três.

- Já? Caralho!

- Voando né?

- Uhum, nem me dei conta de como está passando rápido.

- Quando a gente está com alguém que gostamos, o tempo sempre voa...

- É verdade.

Rafa e eu comemos algumas bolachas e bebemos leite com chocolate duas vezes, antes de voltar ao quarto para
dormir novamente.

- Tem certeza que você quer dormir? – eu perguntei, beijando o pescoço dele.

- Não – ele respondeu rindo e já me puxando para mais próximo.

Não sei de onde consegui energia, mas transamos mais uma vez e só adormecemos novamente, depois que tudo
tinha acabado.

Pedimos uma pizza de calabresa para o almoço do domingo. Não tínhamos muita opção de comida naquele
apartamento.

- Será que vai demorar? – eu perguntei. – Estou morrendo de fome!

- Eu também estou. Daqui a pouco chega.

Continuei deitado no sofá, de pernas cruzadas, enquanto o Fael lavava os lençois da cama e faxinava a cozinha.

- Quer me ajudar não? – ele perguntou.

- Quero não!

- Mais é folgadinho mesmo!

- Só um pouquinho – eu falei.

Em mais ou menos dez minutos o interfone tocou e eu dei um salto para poder atendê-lo.

- A pizza de calabresa é neste apartamento?


604
- Aham – eu respondi. – Meu namorado já vai descer para pegar.

- Seu o quê? – o entregador riu.

- Meu namorado – eu fiz questão de frisar cada silaba desta palavra. – Por que, algum problema?

- Não – ele escondeu uma risada –, nenhum!

- Ah, tá, acho bom.

Não dei valor ao office-boy e já fui me sentando à mesa. Fael desceu as escadas voando e em questão de
segundos, já estava de volta com uma caixa redonda no braço esquerdo.

- Me dá – eu falei.

- Calma seu esfomeado!

Eu sorri, mas concordei com o meu garoto perfeito, eu estava mesmo esfomeado. Ele sentou, abriu a Coca Cola,
colocou dois copos para nós e abriu a caixa. Eu peguei a faca, cortei o meu pedaço e não me fiz de rogado, comi
sem guardanapo, sem talheres, sem prato, sem nada... Comi e comi muito!

- Nossa meu amor – ele riu. – Que fominha gostosa que você está!

- Muita fome bebê.

Quatro pedaços foram para mim e quatro para ele, mas eu confesso que se pudesse, teria comido mais. A fome
tinha saciado, mas a vontade de comer, não.

- Está comido? – ele perguntou, com um sorrisinho lindo nos lábios.

- Hum... Não sei ainda. Quer tirar a prova?

Nós nos beijamos deliciosamente e fomos andando para o quarto lentamente. Ele deitou por cima de mim, me
deu um banho de língua e me fez delirar, como de costume.

- Nós temos que ir embora – ele disse, enquanto acariciava meu rosto.

- Eu sei, mas não quero.

- Nem eu. Será que os seus pais deixam você vir para cá no próximo final de semana?

- Eles até podem deixar. Mas eu não vou mais conseguir tripudiar o André. Já foi um sacrifício imenso conseguir
a folga de ontem.

- Ah – ele fez um bico tão lindo...

- Mas eu posso tentar.

- Promete?
605
- Você ainda tem dúvidas?

- Eu sei bebê. Foi o melhor final de semana da minha vida.

- O meu também amor. O meu também.

- Vai contar ao seu irmão?

- Se ele me perguntar, eu vou sim. Não gosto de mentir para o Henrique.

- Eu sei como é. Foi ele quem ligou ontem, não foi?

- Sabe que eu não sei amor! Ainda nem peguei meu celular.

- Nem eu o meu. Eles vão querer me matar...

- A nós dois! Mas eu vou dar o meu jeitinho nisso, você vai ver...

- A gente sai dessa, juntos!

- Com certeza. Eu te amo!

- Eu também. Muito, muito, muito!

Dei um beijo no peito do meu namorado e levantei para poder me vestir. Coloquei um par de roupas limpas
enquanto ele arrumava a bagunça. Quando tudo estava pronto, saímos, fechamos o apartamento, desligamos a
chave de eletricidade, o registro de água e entramos no carro.

Ainda estava sentindo certo incômodo ao sentar-me, mas nada que pudesse me incomodar de verdade, era
comparado com a felicidade que eu estava sentindo naquele momento.

- De volta a nossa vida – ele suspirou.

- E o paraíso fica para trás.

- Qualquer lugar que eu esteja com você é um paraíso!

- Obrigado amor!

- A gente se fala por telefone, está bem? – eu falei, já abrindo a porta do carro.

- Beleza rapaz lindo! Fica com Deus.

- Amém, você também!

Dei-lhe um soco de leve no ombro e ele retribuiu. Era o único jeito de ficarmos próximos e aquele era nosso
toque, nosso jeito de se despedir.

- Ah! – falamos juntos. – Obrigado por tudo...

606
- De nada – respondemos também em uníssono.

Sorri novamente e desci. Preparei-me espiritualmente para a bronca e girei a chave no portão da minha casa. Ao
colocar os pés dentro da sala, respirei fundo e disse:

- Mãe? Pai? Maninho? Gi? Ricky? Alguém?

Ninguém em casa? Ou era impressão minha? Aquilo seria bom? Ou ruim?

- Oi? Alguém? – eu berrei.

Subi para meu quarto, deixei a mochila em um lugar qualquer e revirei a casa de ponta cabeça para ver se alguém
estaria dormindo ou qualquer coisa do gênero, mas não, a barra estava limpa. Ainda bem.

Entrei na ducha e me revigorei fisicamente. Coloquei uma calça de moletom, uma camiseta velha e fui me deitar,
mas antes que tivesse feito, meu celular vibrou.

“Não tem ninguém aí, né? O Henrique está aqui com a Gaby e ele me disse que seus pais e irmãos foram para a
casa de alguém que não me recordo o nome. Vem para cá, ele está de boa. Beijo. Amo.”

Eu tinha como resistir a um convite daqueles? Não. É claro que não. Coloquei outra camiseta, essa decente, uma
bermuda jeans branca e um boné. Não me detalhei a colocar tênis, fui de chinelos mesmo, afinal, eu já era da
família do Rafa desde a semana anterior.

Toquei a campainha e quem abriu foi meu irmão. Olhei bem no fundo de seus olhos e sorri. Ele não retribuiu.

- Obrigado por ter me atendido – ele falou.

- Desculpa – eu me redimi. – Eu não vi o celular tocar.

- Eu vou fingir que acredito. O pai está uma fera com você.

- Eu imagino. Mas eu não tive como ligar.

- Conta outra Eder! A gente não nasceu ontem...

- Quer saber Henrique? Eu não devo satisfação da minha vida a você não... Aos nossos pais, vá lá, mas a você...
Não mesmo! Cadê o Fael?

- Na sala, não está vendo?

Olhei para a sala e vi os três irmãos reunidos. Prendi meus olhos na Natty e novamente me surpreendi. Ela me
lembrava muito um mamífero do mar...

- Ah! Achei – sorri.


607
- Quero ter uma conversinha com você.

- Sejamos rápidos? Você quer saber se eu transei? É isso?

- É! É isso mesmo! – ele fechou a cara.

- Então a resposta é sim.

Eu dei as costas ao meu irmão, que ficou parado segurando a porta por um longo período e fui sentar ao lado do
meu namorado. Dei um beijo no rosto das minhas cunhadas e vi que eles estavam assistindo um filme qualquer
na televisão.

- Como foi a viagem? – Gaby perguntou.

Ela estava toda perua. Esmalte vermelho puta, sombra rosa, cabelo todo arrumado... Com certeza ia sair com o
namorado.

- Foi boa, muito boa.

Dei-lhe uma piscadela discreta e ela sorriu. Notei que a Natty estava comendo morangos com chocolate e a
minha boca encheu de água naquele momento.

- Hum – disse –, que delícia! Você não ofereceu, mas eu quero.

- O que é Henrique? – Gabrielle perguntou, ele ainda estava parado, fitando o horizonte.

- Nada – ele respondeu se tocando de onde estava. – Nada não, estava vendo uma pomba voar.

Cínico.

- Tem mais lá na cozinha Eder – a Natty disse. – Pega lá.

Ah! Então era esse o motivo dela estar tão gorda. Não queria dividir as coisas e estava comendo por gulodice...

- Eu pego para você – o Rafa disse, levantando-se.

- Obrigado.

Meu irmão sentou bem longe de mim, cruzou os braços e ficou de olho na tevê, sem parar de fitar o filme nem
para falar com a namorada.

- Está tudo bem Ricky? – ela perguntou. – Você está com uma cara.

- Tudo ótimo – ele mentiu.

Era evidente que ele não estava aguentando ficar no mesmo ambiente que eu. Eu conhecia meu irmão muito
bem, sabia quando ele não estava à vontade com uma situação.

- Aqui o seu morango – Rafa me entregou um prato cheio da fruta coberta com chocolate derretido e um garfo.

- Obrigado amigo.
608
Comi o primeiro e senti vontade de beijar o Fael, mas eu não podia. Não pelo meu irmão e a namorada, afinal
eles sabiam e mais cedo ou mais tarde, iam acabar vendo aquilo acontecer. Era mais pela cobra da Natália...

- Me dá um? – ele perguntou.

- Uhum.

Peguei o menor, não ia dar o maior a ele, e coloquei na sua boca. Ele ficou olhando em meus olhos e passou a
língua pelos lábios, me provocando.

- Ai, ai.

Comi lentamente e tive a minha oportunidade de provação. Chupei todos os meus dedos porque tive que pegar
um morango que estava teimando em cair do garfo e notei que algo no colo do meu amor cresceu rapidamente.

- Isso, muito bem – ele disse.

Todos olharam para ele e eu fingi que não sabia de nada.

- O que é Rafael? – Gaby questionou.

- Nada, não é nada.

- Gaby? Vamos sair amor? – Henrique perguntou.

- Vamos meu amor.

Eles se levantaram e subiram para fazer alguma coisa.

- Eu vou para o quarto – Natty falou, levantando.

Quando ela ficou ereta, a barriga pulou e ficou à mostra. Eu não sei se era porque a Natália era magra ou porque
a barriga estava grande mesmo, mas eu estava realmente surpreso com o tamanho daquela pança... Estava
imensa.

- Natty?

- Oi Eder?

- Nada...

Eu não queria fazer aquilo. Não na frente do Fael.

- Pode falar – ela me deu coragem.

- Eu? Eu posso?

Ela sorriu e se aproximou de mim. Eu não estava me contendo, eu tinha que sentir aquela barriga. Estava mais
forte do que eu. Muito, mas muito mais forte mesmo.

Ela ficou de frente para mim e eu olhei para a saliência da Natália.


609
- Pode por a mão Eder. Sente seu filho...

Meu filho. Eu estava começando a me acostumar com aquela hipótese. Ter um bebê... Talvez aquela fosse a
única oportunidade que eu tivesse de ser pai.

Aos poucos eu fui criando coragem e quando eu dei por mim, já estava acariciando o que poderia ser meu bebê.
Fiquei passando a mão para um lado, para o outro e parei. Parei próximo ao umbigo da Natália. A não ser que eu
estivesse louco, a criança tinha acabado de mexer. Muito pouco... Mas não era impressão minha... O bebê tinha
estremecido sim.

Deixei a minha mão parada e fiquei olhando para os meus dedos. Senti novamente o leve movimento do filho da
Natty. Aquilo fez meu coração acelerar um pouquinho.

- Nossa! Ele mexeu! – ela exclamou.

- Ele mexeu? – Fael arregalou os olhos verdes.

- Mexeu! – ela respondeu.

Eu continuei a acariciar a barriga da minha cunhada e senti pela terceira vez a criança estremecer.

- Eu posso sentir? – meu namorado pediu.

- É claro que pode, né sua anta?

Eu tirei minhas mãos para Rafa colocar as dele. Meus olhos acompanharam os dedos longos caminharem pela
pele da irmã, até que parou, exatamente no mesmo ponto que eu.

- Eu não senti nada.

- Agora não está mexendo mesmo.

- Será que dormiu? – ele brincou com um sorriso nos lábios.

- Beijo meus amores – Gaby disse, descendo as escadas. – Não esperem por mim.

- Onde a senhora pensa que vai? – Rafa ficou trombudo.

- Namorar. Com licença. Boa noite. Obrigada. Tchau.

Henrique lançou-me um olhar de desprezo e não falou conosco. Dei de ombros e coloquei a mão na barriga da
Natty de novo. Não demorou para a criança mexer.

- Ah! Eu senti! Eu senti! – Fael vibrou de felicidade. – Nossa! Como é diferente...

- Ele nunca tinha feito isso antes...

- Não?

- Não.

610
- A mãe vai ficar emocionada.

- Vai mesmo.

- Eu acho que vou para casa – disse.

- Já? – ele estranhou.

- Já sim. Estou com sono.

- Ah, fica mais um pouquinho...

- Só mais cinco minutos então!

- Eu preciso ir ao banheiro – Natty disse. – Se me dão licença...

- Claro – respondemos ao mesmo tempo.

Depois que ela desapareceu escada acima, meu anjinho colocou os braços pelos meus ombros e eu deitei em seu
peito. Senti o cheiro do perfume dele invadir meus poros e aquilo me fez ficar ainda mais sonolento.

- Dorme meu amor, dorme...

Fechei os meus olhos e me entreguei à escuridão.

Tudo estava claro, muito claro.

Eu, meus irmãos, o Rafa, a Gaby, meus pais e os pais da Natália estávamos sentados e inquietos.

Tudo o que eu conseguia escutar, era o maldito tic tac do relógio de parede daquela imensa sala de espera. Eu
ouvi o barulho de alguém se aproximando e aquilo fez meu coração acelerar a tal ponto, que parecia que ia
morrer.

O médico apareceu na sala com um sorriso imenso na face. Todos se levantaram, exceto eu.

- Como ela está? – Cláudia perguntou.

- Já nasceu? – Rafael sondou.

- É menino não é? – meu pai se atrapalhou.

- É claro que é um menino! – Jorge exclamou.

- Quantos centímetros? – Gaby perguntou.

- A gente pode vê-lo? – Marquinhos arriscou.

- Onde está o meu sobrinho? – minha irmã questionou.

611
- Calma! Calma. Muita calma – o obstetra riu. – Acabou de nascer. É uma menina. Ela é linda e perfeita. Vocês
podem vê-la agora.

E de repente estávamos no berçário. Muitos recém nascidos estavam aos prantos, exceto um. Uma na verdade.
Era ela. A minha menininha, a minha pequena filha...

A enfermeira segurou a criança no colo. E ela era linda. Perfeita. Tão pequenininha... Eu senti vontade de abraçá-
la, de protegê-la... Mas... Tudo estava tão difuso... Tão longe...

- Eder – Rafael chamou. – Acorda! Eder?

- Hã? O quê?

Eu abri meus olhos lentamente e encontrei dois pares de olhos mel me encarando. Meu pai, minha mãe? O que
eles estavam fazendo ali?

- Pai? Mãe? Oi!

- Já para casa! – foi só o que o meu pai disse.

Olhei para o Fael e ele estava com o rostinho derrotado. Aposto que meu pai havia brigado com o coitadinho.

- Sem drama – eu falei baixinho. E ele me entendeu perfeitamente.

Levantei do sofá, calcei meus chinelos, me espreguicei e me despedi do meu amor, com um leve aperto de mãos.

- Até mais Eder – ele disse com a voz bem tristinha. Aquilo fez meu coração doer.

- Até Fael!

- O que você está pensando que é? – o senhor Alexandre começou. – Está pensando o quê? Você não é maior de
idade não moleque! E enquanto não for e morar comigo, vai ter que me dar satisfação. Não atende celular, não
retorna para dar noticias... Você acha que eu sou idiota? Quase fui te buscar na porcaria daquele apartamento...
Pena que eu não tinha o endereço, porque se tivesse, ia te arrastar à força.

- Hey, dá para respirar um pouco? – eu retruquei.

- Por que você não atendeu a desgraça do celular? O Henrique te ligou mais de vinte vezes!

- Não o vi tocando. Estava na praia.

- Ah, é? Estava na praia? E custava o senhor retornar? Quase morremos de preocupação!

- Ah, quase morreram mesmo. Tanto que eu cheguei e não tinha ninguém em casa!

Ele ficou quieto por um instante, apenas me fitando.

612
- A sua sorte é que eu não gosto de bater nos meus filhos, porque caso contrário, eu faria questão de deixá-lo
roxo!

- Experimenta – eu provoquei.

- Não me provoca Eder Leandro! Não me provoca!

- Provocar? Eu não estou fazendo nada pai, nada!

- Não responda ao seu pai Eder – minha mãe disse.

- Respondo sim. Não vejo nada demais em não ter ligado. Eu disse que ia viajar com o Rafa e os amigos e assim
o fiz. Ninguém ficou ligando para eles não, só vocês que são assim. Até parece que eu não posso ter liberdade,
até entendo que eu sou menor ainda, mas vocês dois tem que erguer as mãos ao céu e agradecer aos filhos que
têm, porque nenhum de nós quatro, é irresponsável.

Meu pai riu prazerosamente.

- Ainda tem a audácia de me confrontar?

- Tenho! Sabe por que pai? Porque eu não estou errado! Eu não fiz nada de errado! Agora se você não confia no
seu filho, o problema não é meu! Em alguma vez eu te dei motivos de desconfiança? Em algum dia eu pisei na
bola? Não! Nunca! Então um pouquinho de respeito é bom, e confiança também, se não for pedir muito.

- Eu confio em você! – ele retrucou, já com a voz mais baixa.

- Ah, confia! Confia tanto que pediu para o Henrique ficar me ligando. Não sei por que ele que teve que ligar,
você mesmo poderia ter feito isso. Já que é o papai preocupado!

- Eder! – ele berrou.

- Não tem Eder nem meio Eder pai. Quando você está certo eu sou o primeiro a falar, mas quando você está
errado, eu não vou abaixar a cabeça. Não quando eu sei que eu estou certo. Foram apenas dois dias. Eu merecia
essa folga. Precisava esquecer dos meus problemas. Lamento se eu te decepcionei, mas eu não vou abaixar a
cabeça para a sua revolta. Não mesmo.

E dizendo isso, eu subi para o quarto e me tranquei. Meu coração estava a mil por hora. Eu nunca tinha brigado
com o meu pai daquele jeito. Será que ele ia me bater?

Na segunda-feira de manhã, não encontrei meus pais na mesa do café. Henrique estava de cara fechada para mim
e os únicos que estavam me tratando bem eram Marcus e Giselle.

- Como foi a viagem? – ela me perguntou.

- Maravilhosa, em todos os sentidos.

- Com licença. Eu embrulhei o estômago – Henrique disse, saindo da mesa.

613
- O Ricky está estranho – Marquinhos analisou.

- É frescura – eu falei com a voz alta o suficiente para ele ouvir, mas ele não voltou para a cozinha.

Enrolei meus irmãos ao máximo e acabei não contando os detalhes da ida a Ilhabela.

- Hum! Eu já estou atrasado – falei bebendo o último gole do meu suco de melancia. – Não posso chegar tarde na
locadora. Beijo, beijo. Até hoje à noite...

Ao chegar no colégio, encontrei Arthur e Yuri à minha espera.

- E aí rapaz, como você está? – Arthur cumprimentou-me.

- Muito bem e você?

- Ótimo.

- E aí Yuri?

- Fala aí Eder!

- Cadê a namorada?

- Não vem hoje. Foi ao médico.

- O que ela tem?

- Enjoos.

- Cuidado rapaz – eu ri. – A última que me apareceu enjoada já está com quase cinco meses de gravidez.

- Está amarrado no sangue de Jesus que tem poder!

- Aham! Cuidaram-se ou aprontaram?

- A...Aprontamos...

- Ih! Vai ser pai! Parabéns!

- Cala a boca frango de macumba! Não sou que nem você não...

- Não é o que parece, né? Mas relaxa. Se for para ser agora, vai ser.

- Deus me livre e guarde!

- Amém.

Durante todo o dia de aula eu não consegui parar de pensar um segundo sequer no meu anjinho. Eu precisava vê-
lo novamente... Mas quando? E onde?

614
Foi no começo de maio que nós tivemos uma nova oportunidade de ficarmos juntos e a sós. Aproveitamos que
Cláudia e Jorge haviam viajado com a grávida e que meu irmão já estava falando comigo normalmente, e
namoramos.

- Meu menino – ele suspirou após o gozo. – Senti tanta falta disso.

- Eu também bebê. A gente ficou agarradinho o resto da noite, dormimos e ao amanhecer, nos amamos
novamente. Só consegui acordar por volta das nove horas da manhã daquele domingo. O dia estava nublado e
algo me dizia que iria chover.

- Acordou! – ele exclamou com um sorriso lindo nos lábios.

- Aham. Faz tempo que você despertou?

- Uma meia hora.

- Por que não me chamou?

- Adoro ver você dormindo. É tão lindo!

- Obrigado – eu fiquei sem graça.

- Quer tomar café?

- Acho que vou para casa, meu pai ainda está meio chateado comigo.

- Mas já faz quase um mês...

- Isso ainda vai perdurar um pouquinho.

-- Aff, chatice isso!

- Quando eles enfezam com alguma coisa, só por Deus!

- Graças a Deus o meu pai está focado só na Natália. Esqueceu que eu existo.

- Não fala assim!

- Mas é a verdade...

- Não é não, nenhum pai esquece de um filho!

- Hum... Acordou poeteiro hoje? – ele brincou.

- Poeteiro? Não mais!

Dei-lhe um beijinho e nós já estávamos quase começando um segundo ou terceiro round, mas acabamos por nos
controlar e não fizemos mais nada.

615
- Eu vou mesmo embora – anunciei.

- Tudo bem, eu te entendo.

- Que bom que você compreende.

- Sempre. A gente sai hoje à noite, quer ir pegar um cineminha?

- Por mim tudo bem.

- Então está combinado.

A cada dia que passava e eu via a Natália, me espantava e surpreendia mais. Ela estava ficando mais linda, mais
mulher. A gestação estava a deixando uma gata!

- Você está tão linda – eu disse.

- Obrigada – ela sorriu.

Notei que um garoto estava se aproximando de nós e fiquei a observá-lo. Quem seria afinal de contas?

- Oi amor – ele disse, beijando os lábios da Natty.

- Que bom que você chegou!

Fiquei admirado. Eu não sabia que ela estava se relacionando com um guri.

- Amor... Esse é o Eder. Eder, esse é Anderson, meu namorado.

Namorado? Como assim, namorado?

- Ah! Esse é o fulaninho que te engravidou?

- Ele mesmo.

- Só não quebro os seus dentes – Anderson disse –, porque eu respeito a minha gatinha, senão... Você ia estar
fodido comigo!

- Ah, sei não se estaria... Não costumo ter medo de tipinhos como você. Com licença, tenho algo a resolver.

- Veado!

Olhei para trás e tive realmente que me segurar para não dar na cara daquele idiotinha nojento! Quem ele
pensava que era para me ofender?

- Repete, por favor?

- V-e-a-d-o!

- Ih, Natty! Você já soube escolher melhor com quem se relaciona! – eu dei risada. – Ele não combina em nada
com você!

616
- Anderson! Para com isso!

- Quem vai me impedir?

- Eu!

- Nem dou valor a um lixo como esse – continuei andando sem dar trela. Só queria provocá-lo.

Entrei na casa e fui direto ao quarto do meu anjo. Ele estava mexendo no computador e eu fiquei fazendo
companhia. Estava se aproximando nosso segundo aniversário de namoro e eu tinha que pensar em alguma
surpresa, só não sabia qual.

- Hum? O que a gente vai fazer na sexta? – ele perguntou, olhando para mim.

- Na sexta mesmo nada. Não tem como, eu tenho aula, esqueceu?

- Não, esqueci não, mas bem que você poderia matar para a gente ficar juntos um pouquinho, né? Vai ter prova
ou algo do gênero?

- Nem vou ter nada de anormal. É sexta!

- E o que você está esperando para a gente sair?

- E aonde iríamos?

- Ah! É surpresa! – ele sorriu.

- Você e as suas surpresas!

- Não gosta?

- Não. Eu as amo!

Dei-lhe um selinho e não pensei mais no assunto. No começo da noite, saímos.

Encontramos meu irmão e a namorada no shopping e decidimos ir a um barzinho que ficava próximo à nossa
casa. Embora eu ainda fosse menor, não teria o menor problema em entrar, eu já tinha visto muitos adolescentes
naquele lugar.

- Vocês querem beber alguma coisa? – Henrique nos perguntou.

- Uma caipirinha – Fael pediu.

- Um refrigerante.

- Ah, bom Eder! Eu pensei que você ia beber!

- Nunca mais.

- É né, neguinho? Depois do acontecido... – Gaby reprovou.

617
- Não me lembra, por favor?

- Não posso fazer você esquecer não, lindinho da minha vida. Só faltam dois meses!

- Ah, cunhada da onça você, né?

- Duplamente cunhada, vale lembrar!

Gabrielle abriu tanto os olhos, mas tanto que eu pensei que as sobrancelhas iriam grudar na ponta dos cabelos.

- Duplamente? Isso significa o que eu estou pensando?

- Língua de trapo! – eu falei ao Fael.

- Ela tem que saber. Não aguento mais esconder. É isso mesmo Gaby. A gente está namorando!

Ela começou a se abanar com o cardápio e a assoprar. Eu achei graça naquele gesto, me lembrava uma
senhorinha com menopausa.

- Ai que lindo! – ela exclamou depois de muito tempo. – Eu ganhei um cunhadinho!

- Aff Gabrielle! Eu já sou seu cunhado há mil anos!

- Há mil, não Eder! Apenas um ano! Apenas um!

- Já faz um ano? – meu amor se espantou.

- É, faz sim! O tempo voa!

- Se voa. Já vai fazer um ano que eu conheço você, amor!

- Que lindo! – Gaby exclamou. – Tão fofos vocês dois juntinhos!

- Cala a boca sua piranha! – meu namorado berrou. – Quer que tudo mundo escute?

- Olha aqui seu piolho de bunda de macaco! Você me respeite que eu sou sua irmã!

- Então fica quieta, oh, loira de farmácia!

- Menos vocês dois – eu pedi e eles se calaram, ficaram apenas se olhando de cara feia, mas em segundos, já
estavam rindo um do outro.

Quando saí da locadora na sexta-feira, fui direto para casa, tomei um banho longo e refrescante, coloquei a minha
roupa favorita, lotei-me de perfume e fui até a escola.

- Oi Eder! – Denise disse. – Nossa, está gato hoje, hein?

- Obrigado linda!

- Nossa! Que perfume enjoado! – ela reclamou, saindo de perto de mim.

- É, saia de perto mesmo, senão você vomita os bofes.


618
- Ai, nem me fala – Yuri suspirou.

- Sorte, aí amigo! Pelo menos eu não tenho que morar com a Natália!

- Isso foi praga sua! – Yuri esbravejou.

- Praga? Minha? Nunca! Ninguém mandou você não usar camisinha!

- Cala a boca Eder!

- Não vai entrar não, gatinho? – Paty perguntou-me.

- Não, não. eu não vou entrar hoje não. Eu vou sair com o meu amigo.

- Sair? Com o amigo? Que amigo?

- O meu cunhado.

- Que cunhado Eder?

- Irmão da namorada do meu irmão. Considero ele o meu cunhado!

- Ah! Ele é bonito?

Aff... Que periguete assanhada!

- Não sou de achar homens bonitos, gata! – menti com a cara lavada.

- É solteiro?

- Não. Ele namora.

A mim, tive vontade de tacar-lhe na cara.

- Ah, que pena... Estou louca para laçar um homem solteiro!

- Tem um monte por aí na escola!

- Sai fora meu filho! Quero homem, não pivete cheirando a leite que nem você.

Ela entrou dando risada e eu retruquei com a voz bem alta para que ela ouvisse:

- Então vem sentir o meu leite! Aposto que você vai gostar do cheiro.

Algumas pessoas caíram na risada e ficaram me olhando. Odiava pessoas atiradas e que ficavam tirando onda
com a minha idade, falando que eu era um pivete. De pivete, eu não tinha absolutamente nada.

Em poucos minutos o carro foi estacionado no meio fio e eu entrei. Ele estava lindo por demais da conta. Camisa
social de manda longa branca, calça preta, sapato social e uma gravata vermelha que deixou ele muito, mas muito
sexy! Nunca tinha visto ele com cara de homem que nem naquele momento.

- Meu Deus do céu! Eu entrei no carro certo?


619
- Entrou sim, quer conferir?

- Eu quero!

Ele me abaixou e me deu um beijo rápido, mas intenso.

- Tu és louco, é?

- Sou sim. Pelo Eder.

- Quem é esse?

- Um guri muito lindo que eu conheço.

- Ele é sortudo por ter você.

- Que nada, eu é que sou por tê-lo.

- Sei, sei. E aonde você vai levá-lo?

- É segredo. Aguarde e verás.

Tentei persuadi-lo a contar, mas ele não abriu a boca durante o resto do caminho. Eu notei que nós estávamos
saindo da cidade, era um caminho que eu nunca havia percorrido antes, será que ele ia me seqüestrar?

Fiquei apenas observando e quando eu dei por mim, nós estávamos chegando em um motel. Eu não acreditei no
que ele estava fazendo. Como ele era capaz daquela façanha?

- Rafael Martins Alcântara! Onde você está me levando?

- Cala a boca, hoje você só vai me obedecer!

Arregalei os meus olhos e virei de lado.

- Como é rapaz?

- Cala a boca e abaixa um pouco.

Achei a atitude dele estranha, ele nunca tinha sido tão autoritário comigo daquele jeito.

- Anda Eder, abaixa logo!

Eu abaixei meu tronco no banco e fiquei olhando para baixo. Ao mesmo tempo em que ele reduziu a velocidade
para entrar na rampa que dava acesso ao motel, eu vi um carro muito familiar fazer o mesmo movimento. Olhei
para o lado e vi meu pai e minha mãe conversando e rindo alegremente.

- Minha Nossa Senhora! – eu praticamente me joguei no assoalho do carro.

- O que foi?

Rafa girou o volante e pareceu entender o que eu havia dito.

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- Meu Deus do céu!

- Rafael? – ouvi a voz do meu pai gritar. – O que você está fazendo aqui?

O carro havia parado e o meu coração doeu de tão rápido que bateu. E agora? O que nós íamos fazer?

Eu era capaz de ouvir cada batimento cardíaco do Rafael, o barulho de sua respiração e caso fosse possível, até
mesmo seus pensamentos.

Inspirei profundamente e não expirei. O motor do carro rugiu lentamente enquanto nós esperávamos alguma
coisa.

- Oi! – ele gritou em resposta e deu um aceno, vermelho de tanta vergonha.

Tentei manter a calma e ficar o mais encolhido possível. meus pais não poderiam me ver. Não mesmo.

Ele buzinou duas vezes e respirou aliviado. Será que tudo havia dado certo? Nós continuamos parados alguns
minutos e o carro só começou a andar novamente, depois que o perigo havia passado.

- Pode levantar – ele me disse.

- Tem certeza?

- Absoluta, seus pais já entraram.

Sentei-me e fechei os vidros, mas isso não significava que eles não me veriam caso nos encontrássemos. O vidro
não era escuro.

- Isso é lugar deles virem? – Rafa esbravejou.

Ouvi alguém falando alguma coisa e o vi entregar algo para uma pessoa não identificada. Não quis olhar para ele.
Ainda estava sentindo um pouquinho de raiva com relação à onde ele estava me levando.

Ele avançou ainda mais, virou à esquerda, depois à direita e eu fechei os meus olhos, só os abrindo, quando ele
abriu a porta para que eu saísse.

- Vem meu anjinho – ele ergueu a mão para que eu a pegasse.

Era difícil resistir àquele homem. Eu sorri, já tranquilo, e segurei a mão do meu príncipe. Ele já foi me dando um
beijo bem delicado e pegou-me ao colo, conduzindo-me sem interromper nosso momento.

Eu fui colocado em uma cama gigantesca de lençois sedosos e Rafa já começou a se despir. Nosso beijo foi
ficando mais selvagem, mais quente e eu comecei a suar e a ficar excitado.

Ele tirou minha camiseta, começou a beijar meu corpo, foi descendo com a boca, abriu o botão da minha calça,
tirou meus tênis lentamente, as meias com os dentes, puxou a calça gradativamente e iniciou uma série de beijos
no meu pau, por cima da cueca.

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- Hoje você é meu – ele mordiscou a minha glande com muito carinho e só me bastou aquilo para que meu pau
explodisse em desejo...

- É?

- Uhum.

- Quero só ver...

A única peça de roupa que eu estava usando foi arrancada com brutalidade e Rafa já não estava se fazendo de
rogado. Chupou-me com muita vontade e força, deixando-me nas nuvens em poucos segundos.

Como se já não me bastasse, ele virou-me de bruços e chupou o meu interior com tanta rapidez que me deixou
molhadinho e lubrificado com a própria saliva.

Meu anjo tirou toda a roupa e deitou-se ao meu lado. Ele forçou a minha cabeça para baixo e eu não demorei
para começar a chupá-lo deliciosamente. Fiquei brincando com a minha língua em volta da cabecinha e
abocanhei tudo, fazendo um vai-e-vem lento mas delicioso.

Foi a primeira vez que ele me penetrou de quatro. Vez ou outra, ele batia nas minhas nádegas e aquilo me
deixava louco de tesão.

- Meu putinho! – ele gemeu.

Gemi safadamente para que ele ficasse com mais tesão. Mordi o lençol para evitar um gemido mais alto e se ele
não parasse logo, eu ia gozar.

Trocamos de posição. Ele deitou com a pica na mão e eu fui sentando lentamente. Não me doía mais, ao
contrário, estava me dando prazer, muito prazer.

Cavalguei lentamente e de vez em quando, dei-lhe um beijo rápido e provocante.

- Senta! – ele ordenou.

- Assim?

- Ah! Ah!

Ele sentou na cama, abriu as pernas e fez com que eu sentasse novamente, enquanto levantava e baixava meu
corpo com as mãos.

- Me faz gozar seu vadio! – ele mandou.

Não demorou para eu jorrar esperma contra o corpo do Rafael. Ele aumentou as estocadas e quando dei por mim,
já havia gozado.

Quando saí da hidromassagem, sequei o meu corpo e coloquei a minha roupa. Estava completamente exausto.
Mal conseguia ficar com os meus olhos abertos.

- Eu disse que hoje ia ser eu quem iria mandar – ele beijou-me rindo.
622
- Da próxima vez então, serei eu.

Tomamos muito cuidado para não sermos vistos e eu só criei coragem para me sentar no banco novamente,
quando estávamos chegando em casa.

- Obrigado pelo dia – ele disse.

- Obrigado pela surpresa – dei-lhe um soco no braço.

- A gente merece!

Nos despedimo-nos e eu empurrei o portão. Por sorte, o carro do meu pai já estava na garagem.

- Graças a Deus!

Conversei rapidamente com meus irmãos. Giselle estava perdida em pensamentos e nem ouviu quando falei com
ela. Não dei valor a este fato e fui direto para a cama. Nem tive coragem de tirar a roupa, estava morto de sono.
Quebrado, quase que literalmente.

O dia das mães e o aniversário do meu pai no ano de 2006 eram na mesma data. Tive que gastar em dobro, como
já era de costume. Eu e meus irmãos nos juntamos e fizemos um álbum com nossas fotos para a nossa mãe e ela
ficou completamente emocionada com o nosso gesto.

Para o meu pai, comprei um sapato social. Ele não demonstrou que gostou, mas eu não liguei. O que valia era a
intenção.

Com a aproximação do dia dos namorados, o primeiro que eu ia passar com o Rafa, eu estava ficando ansioso.
Comprei uma cesta de café da manhã e coloquei um cartão lindo, feito por mim. Só não tive como pedir para
entregarem, senão todos iriam desconfiar.

Mais uma vez, recorri ao auxilio da minha cunhada e ela, é claro, me ajudou. Dei-lhe a cesta na madrugada do
dia doze e ela colocou sorrateiramente ao lado do meu amor. Quando ele acordasse com certeza a veria.

E a viu. Recebi um telefonema de agradecimento antes de sair para o trabalho.

- Obrigado meu amor.

- Não tem que me agradecer – eu disse. – É de coração.

- O seu presente só hoje à noite.

- Não esquenta.

Nos vimo-nos e ele me entregou uma pulseira. Aquilo seria o símbolo do nosso namoro, já que nós não podíamos
usar alianças ainda. Ele foi carinhoso, um verdadeiro cavalheiro na noite dos namorados. A gente jantou em um
restaurante chique da cidade e depois saímos, para namorar em paz.

Além da pulseira, ganhei uma calça jeans e uma camiseta que me caíram como uma luva. Ele realmente sabia os
meus gostos e como me agradar.

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Julho chegou em um piscar de olhos e eu finalmente estava entrando de férias. Dali em diante, só tinha que ficar
na locadora e nada mais.

Diogo e eu estávamos jogando baralho quando o meu celular tocou.

- Alô?

- Eder?

- Cláudia?

- Meu anjo, a Natty está em trabalho de parto!

- O quê? – eu deixei as cartas caírem no chão.

- Não sei se é isso ou não, ela está sentindo muita dor. Não tem ninguém na sua casa e eu estou sozinha, será que
você pode ir comigo ao hospital?

- O que aconteceu? – Diogo perguntou.

- A minha cunhada está em trabalho de parto.

- Aquela que você engravidou?

- O filho não é meu! – eu esbravejei.

- Desculpe.

- Eder será possível? Você pode ou não pode me acompanhar?

- Posso ir ao hospital Diogo?

- Claro Eder! Claro que sim... Afinal, é seu filho, não é?

Olhei de cara feia para o meu colega de trabalho e ele sorriu timidamente, abaixando os olhos.

- Eu estou indo para aí...

- Eu passo aí no seu trabalho. Onde fica mesmo?

Dei o endereço a minha sogra e ela anotou mentalmente. Me coloquei em frente à locadora e já estava andando
de um lado para o outro, quando o carro do Jorge apontou na esquina.

- Entra Eder, a porta está aberta.

Natália estava deitada no banco traseiro, parecia que estava desmaiada.

- Natty? – eu a chamei. – Natty? Você está bem?

Ela soltou um grito de dor e ergueu um pouco o corpo. Senti o meu coração disparar, eu não sabia o que fazer.

- Mãe! – ela urrou.


624
- Calma minha filha, nós já vamos chegar.

- Eu quero o Anderson mãe, eu quero o Anderson...

- Minha filha! Ele está viajando, não pode voltar...

- Ai! – ela gemeu de dor.

- Mas... Mas não está fora do tempo da criança nascer, meu Deus do céu?

- Ela está com quase oito meses...

Seguei na mão da irmã do meu namorado e ela a apertou com tanta força que eu pensei que meus ossos
quebrariam...

- Tá doendo mãe!

Cláudia estava tão nervosa que eu estava conseguindo ver as gotas de suor descer pela nuca e pela lateral do
rosto dela.

Não demorou para a gente chegar ao hospital. Uma maca levou a Natty para um lugar reservado e nem eu, nem a
mãe dela pudemos acompanhá-la para ver o que iria acontecer.

Fiquei meio desnorteado e sem saber o que fazer. De repente, meu sonho veio à mente. Seria naquele momento?
Seria ali? Naquele dia? Que a criança ia nascer???

Não demorou para que todos chegassem à maternidade. Todos, exceto os meus pais. Mas eles haviam me ligado
pedindo paciência e força. Fael era o mais ansioso e Jorge era o mais estressado. Gaby parecia estar perdida em
pensamentos e Cláudia não parava de roer as unhas um segundo sequer.

Depois de quinze minutos da chegada dos meus familiares, uma médica, jovem e muito bonita, se aproximou de
nós com uma prancheta na mão.

- Natália Alcântara? Alguém?

Todos nos aproximamos e assim como no meu sonho, encheram a coitada da profissional de perguntas, mas ela
se irritou e pediu silêncio.

- A criança não nasceu ainda e não vai nascer agora!

Ufa. Menos mal.

- Porém eu tenho que deixá-la internada ao menos hoje para que fique em observação.

- Mas o que aconteceu? – Fael questionou.

- Ela realmente estava perdendo liquido e o bebê estava mesmo querendo sair antes do tempo, mas a situação já
foi controlada, ela já foi medicada e está tudo sob controle.

- Não corre risco de isso acontecer novamente? – Gabrielle sondou.

625
- Corre. Não vou mentir. Por isso ela vai tomar um remédio para segurar a criança até os nove meses ou próximo
disso, daqui um mês mais ou menos.

Então só faltava um mês. Trinta dias. Quatro semanas. Setecentos e vinte horas. Quarenta e três mil e duzentos
minutos. Dois milhões quinhentos e noventa e dois mil segundos... Dois milhões quinhentos e noventa e um mil
novecentos e noventa e nove, dois milhões quinhentos e noventa e um mil novecentos e noventa e oito...

Eu fui contanto o tempo mentalmente até o pessoal começar a andar a passos largos para visitar a paciente. Eu
tive que correr para acompanhar meus irmãos, não estava conseguindo pensar em mais nada. Eu queria saber de
uma vez por todas se aquele filho era meu ou não.

Quando a vi deitada, com a barriga prestes a explodir, desejei do fundo do coração que aquela situação
terminasse de uma vez por todas. Esperar mais um mês seria algo angustiante.

A família se reuniu em volta da cama e alguns passaram a mão na pança da grávida. Ela estava de olhos
fechados, mas não estava dormindo.

- Se sente melhor? – Fael perguntou.

- Estou bem agora. A dor já passou.

- Conseguiram ver o sexo Natty? – Gaby perguntou.

- Ainda não. Ele ou ela ainda está de costas.

- Só na hora do nascimento então – Cláudia ponderou.

- É melhor surpresa – Henrique sorriu.

- Isso tudo é culpa sua moleque! – Jorge sibilou em minha orelha. Eu dei um pulinho de susto.

- Isso é o que nós veremos – retruquei baixinho.

A porta do quarto se escancarou e Douglas entrou apressadamente. Ele foi até a prima e deu-lhe um beijo na
testa.

- Você está bem?

- Uhum. Já estou melhor.

- Fiquei tão preocupado!

- Obrigada Doug.

Então as minhas suspeitas não eram tão em vão assim. Se ele estava ali, era porque a criança também podia ser
dele.

- Pessoas? – eu chamei em voz alta.

Todos olharam para mim e eu respirei fundo.

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- Eu posso, por favor, ficar a sós com a Natty?

Eles se entreolharam. Meus irmãos foram os primeiros a sair. O único que queria ficar era Douglas.

- Por favor? – eu pedi.

Ele fincou o pé, dizendo que iria ficar, mas eu estava irredutível, eu precisava ficar sozinho com a minha
cunhada. Queria tirar essa dúvida de uma vez por todas.

- Se você não sair por bem, sairá por mal.

- Ah, é? É você quem vai me tirar?

- Talvez.

- Douglas saia, por favor – Natty pediu.

- Eu saio – ele falou. – Mas porque ela pediu.

- Não importa. O que eu quero é que você saia.

Ele se dirigiu até a porta e desapareceu de vista em seguida. Eu fui até a saída do quarto, puxei a maçaneta com
força e disse:

- Sem ficar ouvindo!

Ele bufou de raiva e foi até o corredor, eu só entrei novamente quando tive certeza que ele não iria voltar.

- Fala logo o que você quer – ela resmungou.

Sentei-me ao seu lado, cruzei os braços e disse, olhando dentro daqueles olhos que não se pareciam em nada com
o do irmão mais velho.

- Esse filho pode ser do Douglas, não é?

- Claro que não. Ele é seu.

- Não minta Natty. Por favor. Se não existisse essa possibilidade, ele não estaria aqui. Eu não sou trouxa, não
nasci ontem. Pode falar a verdade para mim. Eu prometo que não vou falar a ninguém!

- Não Eder. Esse bebê é seu.

- Natália para que você tem que mentir para mim? Diga-me? Você sabe que eu vou submeter o seu filho a um
DNA. Não tem para que você omitir um fato desses de mim. Se falar a verdade, só vai nos ajudar. Ajudar a mim
e a você.

Ela ficou calada, fechou os olhos e passou a mão no ventre. Imitei seu gesto e senti a criança mexer. Fazia tempo
que eu não a sentia. Daquela vez foi diferente. Era mais perceptível que nunca.

- Tá, tudo bem. Você venceu. Eu não sei quem é o pai mesmo não.

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- Eu sabia – dei um sorriso de vitória. – Minha intuição raramente falha.

- Agora não fique se sentindo não. Que é bem provável que seja seu mesmo. Você foi o meu primeiro.

- Isso não quer dizer nada meu anjo.

- Se for seu bem, se não for seu, amém!

- A gente só vai saber quando ele nascer. Você ficou com ele por muito tempo?

- Algumas semanas antes da viagem para Angra a gente já estava ficando.

- Só com ele Natty?

- Só. Não sou tão vagabunda assim – ela sorriu maliciosamente.

- Eu espero que a gente se entenda daqui para a frente.

- A gente nunca se desentendeu Eder.

- Você entendeu o que eu quis dizer.

- Uhum. Desculpa ter causado esse transtorno para você.

- É um pouco tarde para isso – eu sorri.

- Nunca é tarde para se perdoar uma pessoa meu querido.

- Eu não tenho que te perdoar em nada. E não quero falar sobre isso.

- Nem eu.

- Então deixemos isso de lado.

- Já que você insiste.

Era gostoso sentir o neném ficar se revirando no ventre da mãe.

- Você já pensou em algum nome? – eu perguntei. Eu ainda não tinha pensado no assunto.

- Já. Se for menino, eu quero que se chame João Victor.

- João? – que nome antiquado.

- Uhum. Eu acho lindo João Victor.

- E se for uma menina?

- Isabelly!

- Esse é melhorzinho.

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- E você? Pensou em algum?

- Não. Eu só parei para pensar nisso agora.

- Quais nomes você gosta?

- Menino... Lucas. Menina... Mariana.

- É não são feios.

- Melhores que os seus – eu sorri.

- Até parece. Minha mãe quer que seja Lohanne ou Peterson.

- Nunca! Se for meu filho não terá uns nomes complicados assim não!

- Eu também não gostei.

Ficamos conversando por mais alguns minutos e depois eu me levantei.

- Eu vou ter que ir agora.

- Uhum.

- A gente se vê depois. Fica bem, viu?

- Pode deixar. Eu vou segurar esse pimpolho por mais um mês.

- Segura. Segura firme. Não deixe-o vir ao mundo agora. Deixe-o curtir o seu útero mais um pouquinho, pelo
menos aí dentro ele está seguro.

- É verdade.

Dei um beijo na bochecha da minha cunhadinha chata e saí do quarto. Os únicos que restavam na sala de espera,
eram Cláudia, Henrique, Rafael, Gabrielle e Douglas.

- Que demora – Cláudia disse.

- Estava tendo uma conversinha com ela.

- Que conversa? – Gaby sondou.

- Ih, só entre nós dois cunhadinha.

Douglas e Cláudia voltaram para o quarto e eu e Fael fomos conversar a sós, próximo das janelas.

- O filho pode não ser meu – eu o revelei.

- Aham, eu sei. Ela me disse.

- E por que você não me contou? – fiquei nervoso.

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- Ela pediu segredo Eder. Desculpe.

Aff! Fiquei olhando aqueles olhos verdes com raiva, mas não deu nem um minuto eu já estava querendo beijá-lo.

Nós saímos do hospital e eu voltei para o trabalho. Diogo me encheu de perguntas e eu fui um pouco mal
educado com o coitado, mas não foi por querer, eu estava cansado daquela situação. Queria resolver tudo de uma
vez por todas, queria saber se eu era pai ou se tudo não passava de um alarme falso.

Era surpreendente como o tempo estava passando rápido naqueles dias. O aniversário de minha mãe chegou em
um piscar de olhos. Nós fizemos uma surpresa a ela. E ela realmente não desconfiou de nada.

- Eu nem me liguei – ela disse.

- Lesada você viu? – meu pai brincou.

- Ah, é? Lesada é? Vou te mostrar a lesada daqui a pouco.

- Tudo bem gente – Henrique falou, ficando de costas. – Sobramos. Um beijo!

A dentista riu e deu um tabefe na cabeça do meu pai. E outro no meu irmão.

- Ai! O que é que eu fiz?

- Nada. Só para o seu pai não apanhar sozinho.

Ela puxou o Henrique e afogou ele em um abraço tão apertado que eu estava conseguindo vislumbrar o cérebro
dele saindo pelas orelhas.

- Meu bebezinho!

O coitado ficou sem fôlego e teve que ficar se abanando com uma revista que a minha irmã estava folheando.

Nós cantamos parabéns para a velha, entregamos seus presentes e depois, cada um seguiu o seu rumo.

A locadora estava sem movimento. Estranho, afinal estávamos em julho e as férias estavam rolando soltas, mas
talvez fosse esse o motivo... Era provável que todos estivessem viajando.

Todos acreditavam que Natália estava esperando um menino. Exceto eu, mas ninguém sabia a minha opinião.
Até o começo de agosto ela não passou mal novamente e eu e Rafael, não tivemos oportunidade de ficarmos
juntos.

- Eu desisto de tentar marcar esse acampamento – o coitadinho fez um bico.

- Calma amor, quando você menos esperar, conseguirá reunir todo mundo.

- Agora menos ainda Ed, esqueceu que o meu sobrinho está prestes a nascer?

- Não, não esqueci. Mas se não forem todos, reúna pelo menos a metade.

- Vamos ver, vamos ver.

630
À volta às aulas me deixou desanimado. Não estava mais aguentando ver grávidas pela minha frente. Natália,
Denise, Denise, Natália. Quem seria a próxima? Minha mãe?

Eu já estava conformado em ter que gastar em todos os meses do ano. Quando não era um, era outro fazendo
aniversário. Ou então, aparecia o dia dos namorados, dia dos pais, natal... Meu salário não tinha a oportunidade
de ficar acolhido em meu bolso e aquilo me deixava louco.

- Feliz dia dos pais! – eu abracei o meu velho. Ele aos poucos, estava voltando ao normal comigo.

- Obrigado filhão!

- Eu é que te agradeço por ser um pai tão bom...

- Não sei se eu devo, mas algo me diz que sim... Embora ainda não tenha nascido... Parabéns pelo seu dia
também Eder.

Arregalei meus olhos e coloquei o corpo para trás. Ele estava mesmo desejando feliz dia dos pais a mim?

- É mesmo Eder. Parabéns, aí! – Marcus exclamou.

- Não! Não... Gente, pelo amor de Deus... Não é meu dia...

- E se for?

- Se for será só ano que vem! – eu me defendi. – Ainda não temos certeza... Não me deixem ficar com isso na
cabeça pelo amor de Deus!

Eles se calaram e não tocaram mais no assunto. Dali a dois dias seria o aniversário da minha irmã e eu estava
achando ela um tanto quanto diferente. Longínqua, fria, calada... E ela não era daquele jeito.

- O que você tem? – perguntei-lhe.

- Nada – ela mentiu. – Não é nada, só estou pensando.

- Na morte da bezerra?

- É. É bem por aí.

Não questionei mais nada e fui tomar conta dos meus afazeres. A terça-feira estava seca, gelada, como em todo
mês de agosto. Eu havia comprado uma blusa de frio rosa para a minha irmã e ela ficou gata dentro da peça.

- Obrigada meu amor! – ela pulou de felicidade. – É muito linda.

- Obrigada o caramba. Pode me pagando o valor, viu?

- Então não é um presente seu mão de vaca!

- Ninguém precisa ficar sabendo disso – brinquei, saindo do quarto.

A cada dia que passava, o nascimento se aproximava mais e mais. Dia sim, dia não, a Natália ia ao hospital para
fazer exames, mas o médico nunca pedia para ela se internar.
631
No sábado, Fael e eu tivemos a oportunidade de namorar em paz e com tranquilidade. Ele me levou à casa de seu
primo novamente. Fazia tempo que eu não ia até aquele local. A gente transou calmamente e quando tínhamos
nos dado por saciados, voltamos para a vida de meros mortais.

Fiquei enrolado em uma questão da prova de matemática. Eu nunca tinha sido bom em matemática... Odiava
números com todas as minhas forças. Olhei para um lado, olhei para o outro e não vi a professora. Será que ela
havia saído da sala?

Ergui meu pescoço e focalizei meus olhos na prova do Yuri, que era crânio naquela matéria. Se eu não estivesse
enganado, ele tinha marcado a alternativa “B”. O copiei, não quis fazer cálculos. Chutei na letra que havia visto e
rezei para que estivesse certa.

Peguei chuva ao sair da escola naquela segunda-feira. Finalmente São Pedro tinha resolvido ser bonzinho e nos
gratificou com as águas do céu. São Paulo estava precisando daquilo.

Não liguei em ficar molhado, era bom tomar chuva de vez em quando. Rafael veio encontrar-me no meio do
caminho, afinal, ele sabia que eu não estava indo de ônibus naqueles dias.

- Obrigado por vir – eu agradeci, dando-lhe um socozinho no ombro direito.

- De nada – ele retribuiu no ombro esquerdo. – Você está bem?

- Maravilhosamente bem, e você?

- Eu também. Só um pouquinho cansado.

- Uhum.

- Anjo, você se lembra que dia é dia vinte e oito agora?

- E você acha que eu ia me esquecer do dia em que nós nos vimos pela primeira vez?

Ele sorriu e parou em um farol vermelho. Trocamos olhares e senti a minha boca encher de água de tanta vontade
que eu estava de beijá-lo.

- Sua memória é muito boa!

- Graças a Deus. Mas por que a pergunta?

- Quero ir comemorar!

- Não vai dizer que você vai querer me levar no motel de novo?

- Vai me dizer que você não quer?

- Claro que eu quero! – fiz beicinho. – Mas dessa vez, quem vai mandar, sou eu.

Ele engatou a primeira enquanto ria e eu fiquei olhando as gotas de chuva deslizar pelo vidro do carro. Como o
tempo estava passando rápido!

632
Eu estava de vela ao quíntuplo naquela escola. Todos os meus amigos estavam ficando com alguém e se não me
bastasse, Marcus estava catando a vaca da ficante enquanto Giselle se atracava com o Rogério.

Avistei o carro do meu irmão na esquina e já comecei a andar até ele. A porta se abriu e eu entrei ao mesmo
tempo em que ele saiu. Fiquei olhando Ricky se aproximar do cafajeste que estava bolinando a minha irmãzinha
e notei quando ele deu dois cutucões de leve no ombro do garoto.

Eu não estava conseguindo ouvir, afinal estava a milhões de léguas de distância, mas eu queria ser uma mosca
naquele momento, daria tudo para ouvir o que o Henrique ia falar.

Notei que Rogério sorriu e apertou a mão do meu irmão. Henrique também estava sorrindo. Por quê? Por que o
meu irmão estava rindo? Por que ele não deu um soco na boca do filho da mãe?

Giselle voltou para o carro enquanto os dois continuavam conversando. Não desgrudei os meus olhos um
segundo sequer e quando menos esperei, o soco veio.

- Henrique! – ouvi a minha irmã gritar, voltando correndo até o garoto.

Rogério tentou revidar ao meu irmão, mas ele o segurou por trás e o imobilizou. Ah! Como eu amava o
Henrique! Ele era perfeito, em todos os sentidos...

Marcus correu até os dois e soltou o meu irmão do verme que queria se apossar da Giselle. Eu nunca tinha visto a
minha irmã tão nervosa em toda a minha vida.

- Eu nunca mais quero falar com vocês, nunca! – ela gritou ao entrar em casa chorando.

É claro que meus pais tinham que ir até nós para ver o que estava acontecendo.

- Que parafernália é essa? – meu pai questionou.

- Por que a irmã de vocês está chorando?

- O Henrique bateu no Rogério.

Meus pais pararam no meio da escada, os dois com o mesmo feitio de incredulidade.

- Você fez isso, filho? – ouvi o tom de decepção na voz do meu pai.

- Com muito gosto.

Sorri em apoio ao Henrique e passei meu braço pelo ombro dele.

- Isso tem dedo seu, não tem Eder? – meu pai se aproximou de nós dois.

- Bom saber que você não confia mesmo em mim.

- FALA!

- Não sou surdo – falei em tom baixo. – Não fiz nada, desta vez. Apenas disse ao Henrique o que eu havia visto.
633
- E o que você viu? – minha mãe perguntou em tom de desaprovação.

- Ela aos beijos com esse infeliz.

- Marcus, já para o quarto – falaram meus pais em uníssono.

- Sabia que ia sobrar para mim.

Ele subiu as escadas sussurrando algo incompreensível. Nossos pais nos cercaram e a gente foi obrigado a sentar
no sofá.

- Com que direito você bateu no menino? – minha mãe perguntou.

- Com o mesmo direito dele se aproveitar dela.

- Muito me surpreende pai – eu disse –, você estar a par dessa situação.

- Estou sim, estou desde o começo... Não estou de acordo, não apoio, só Deus sabe como eu estou por dentro,
mas eu não proíbo... A irmã de vocês está na idade de conhecer os garotos... O que eu posso fazer? Vou prendê-
la em casa? Nunca!

- Nada se resolve com violência. Nada – minha mãe choramingou. – Eu estou envergonhada de você Henrique.

- Lamento mãe – meu irmão falou. – Mas eu não me arrependo.

Ficamos conversando por mais de meia hora sem parar e só demos o assunto por encerrado, quando o relógio
bipou à meia noite.

- Os dois, já para a cama. E você mocinho – meu pai disse ao Henrique. – Aliás, os dois... Da próxima vez que eu
souber de algo do gênero... Os dois vão arcar com as consequências.

Olhei para o Henrique e ele para mim. Não tínhamos o que falar, nada iria adiantar naquele momento. Esperamos
nossos progenitores subirem e ainda ficamos mais alguns minutos na sala.

- Filho da puta – ele esbravejou. – Deveria ter quebrado o nariz dele.

- Uhum.

- E você nem para me ajudar!

- Se eu estivesse com você, não seria responsável pelos meus atos. Eu não sou tão controlado como você
irmãozão!

- Sei... Sei... Quer jantar?

- Agora fiquei com fome mesmo...

- Me faz companhia, então?

Fomos até a cozinha e cada um se serviu com a janta. Minha mãe havia feito lingüiça frita, bife acebolado, arroz
branco e feijão preto. Eu comi vagarosamente, saboreando cada garfada que levava à boca.
634
No dia seguinte, Giselle não dirigiu a palavra a mim e ao Henrique. Ela estava realmente chateada conosco. Na
escola, Rogério não foi falar comigo e eu também não o procurei. Só o tempo iria curar aquele desentendimento.

Meu professor de psicologia escreveu no quadro negro as instruções para um trabalho que seria entregue no final
do ano. Eu li e reli e não entendi bulhufas do que ele tinha anotado.

- Pelo menos é em grupo – Wellington falou.

- Menos mal – Fabíola agradeceu.

- Quantas pessoas mesmo? – Denise perguntou-nos.

- Até oito.

- Nosso grupo tá fechado então – eu disse.

Seriamos Yuri, Denise, Patrícia, Arthur, Wellington, Fabíola e eu. Com certeza nosso trabalho ficaria perfeito. O
professor explicou-nos como teríamos que distribuir as tarefas e cada grupo ficou com um tema. O nosso,
entitulado de número seis, ficamos com a origem da comunicação. Não seria tão difícil.

Dei graças à Deus que estava fechando a locadora naquele sábado. Não estava mais aguentando ficar naquele
recinto. Não pararam de entrar clientes o dia todo.

- Hoje foi movimentado, hein? – Diogo puxou papo.

- Nem me fala.

- Hum... Ganhou folga na segunda... Que chique!

- Graças a Deus. Eu estou precisando.

- Posso saber por que você pediu logo na segunda-feira?

- Pode não. É coisa minha. Abraço Diogo! Até terça...

Quando cheguei, joguei o tênis para um lado, a camisa para o outro, a calça em cima da cama e abri a porta do
guarda roupa para pegar alguma coisa para vestir. Estava morrendo de saudades do Rafa.

Ouvi um “psiu” e virei de costas. Era claro que ele não ia perder a oportunidade de ficar me olhando daquele
jeito.

- Oi! – ele disse com a voz um pouco alta.

Acenei e sorri em resposta e ele me chamou com o dedo indicador.

- Pois não? O senhor está me atrapalhando – falei, quando encostei-me ao peitoril da janela.

635
- É mesmo? E o que o senhor está fazendo?

- Procurando uma roupa para sair com alguém especial.

- E quem é este alguém?

- É um chatinho aí...

- Chatinho? – ele ficou de cara feia e eu ri.

- Nunca! Ele é muito legal... É bonito... Gostoso... Cheiroso... É tudo de bom!

- Hum... Eu conheço essa pessoa?

- Acho que sim. Sei não...

Ele riu e suspirou.

- Você fica tão lindo assim.

- Assim como? – eu me espantei.

- Só de cueca...

- Para seu ninfomaníaco! Minha nossa, só pensa nisso...

- É mais forte do que eu. Rafaelzinho já está acordado...

- O Júnior também!

- É mesmo?

- É sim.

- Eu quero na minha boca agora!

Rafael fez uma cara de vagabundo que eu amei. Só bastou aquilo para que eu realmente ficasse excitado ao
máximo.

- Vem para cá, vem? – ele chamou com a voz bem sexy.

- Só se for agora!

Dei às costas ao meu namorado, fiz questão de tirar a minha cueca, no meio do quarto e saí para tomar banho.
Por sorte, o corredor estava vazio, ninguém poderia me ver pelado.

- Você demorou – ele fez bico.

- Desculpa neném – eu apertei a bochecha. – A barra está limpa?

636
- Completamente.

Não deu outra. Ficamos namorando a noite toda. Ele me pegou de quatro, de frango assado, em pé, de ladinho,
de ponta cabeça... De tudo quanto foi jeito e eu não fiquei atrás.

Gozamos duas vezes antes de eu ter que ir embora. Coloquei minha roupa lentamente e fiquei o provocando,
passando a cueca dele nos meus lábios.

- Isso, me provoca mesmo seu pestinha!

- Adoro provocar.

- Adora, é? Vou lhe dar um pouco do seu próprio veneno, então...

- Duvido!

- Quer apostar?

- Quero não nego, eu vou perder mesmo.

- Ainda bem que você sabe.

Dei-lhe um beijo bem gostoso enquanto colocava-lhe as roupas. Ele era folgado, espaçoso, bonito e gostoso...
Mas eu não ligava em fazer-lhe suas vontades.

Quando a gente colocou o pé no último degrau, Jorge e a filha entraram pela porta da sala. Como sempre, Natália
estava enorme, parecendo uma elefanta de tão grande e redonda.

- E aí? – Rafa perguntou.

- E aí que nada – Cláudia suspirou.

Jorge conduziu a caçula até o sofá e ela deitou-se com as pernas para cima. Estavam muito inchadas,
principalmente o tornozelo.

- O médico disse que ela não está com dilatação suficiente ainda e que o bebê não está na posição certa, temos
que esperar mais alguns dias.

- Mas mãe! – Rafael espantou-se. – Essa menina vai explodir.

- Cala a boca – ela resmungou bem baixinho. Parecia que não tinha forças nem para falar.

- Não diga isso filho! Ela está assim porque vai ser mamãe.

- Mãe...

- O que foi meu anjo?

- Sede...

- Vou pegar um copo de água.


637
Jorge parecia estar chateado com alguma coisa. Ou simplesmente desgostoso com aquela situação. Eu tentei me
colocar no seu lugar. Ter uma filha de dezessete anos com nove meses de gravidez não deveria ser tão fácil como
eu pensava...

Aproximei-me lentamente e coloquei a minha mão bem devagar sobre a barriga da minha cunhada. A criança
pareceu senti meus dedos e se mexeu lentamente. Era divertido fazer aquilo.

- Obrigada – ela suspirou. – No único momento que ele ficou quieto você o acorda.

- Ela – corrigi. – Desculpe.

- Ele – ela teimou.

- Como quiser – eu me irritei.

Às vezes ficava com raiva de ficar próximo a ela. Eu só queria dar a minha opinião e ela já vinha com
brutalidade. Então que ficasse sozinha dali em diante.

- Eu vou embora – falei ao Fael.

- Te acompanho até o portão.

Quando saí da sala, Cláudia chegou com o copo de água da filha. Eu me despedi de minha sogra, embora ela mal
sonhasse que eu era seu genro e desci todos os degraus de uma vez só.

- Cuidado amor, cuidado para não cair – ele me disse.

- Que nada, já me acostumei com esses dois degrauzinhos.

- Uhum. A gente se vê amanhã?

- Supostamente que sim, né?

- Então está bem. Eu te ligo.

- Vou ficar esperando.

Trocamos nossos socos de brincadeira e fui até o meu portão. Mandei-lhe um beijo e ele outro e entramos, cada
um em sua casa.

Durante todo o domingo, Rafa e eu não fizemos absolutamente nada, a não ser ficarmos deitados na cama de
casal do Henrique, assistindo televisão.

- Esse parece ser legalzinho – ele disse, parando em um canal qualquer que eu não tinha visto qual era.

- É pode deixar nesse.

Nós não estávamos com pique para sexo naquele dia, então, ficamos só deitados de conchinha, agarradinhos e
vez ou outra, trocávamos um beijo, sempre tomando cuidado para ninguém nos pegar no flagra.
638
Ele saiu de casa quase meia noite. Eu tomei banho, fiz um pouco do dever de História que estava pendente e fui
dormir, cansado e com sono.

Rafa e eu nos encontramos por volta das nove horas da manhã daquela segunda-feira, vinte e oito de agosto.
Assim que ficamos longe de casa, subi no colo do meu anjo e tasquei-lhe um beijo bem apaixonado. Um ano que
a gente tinha se conhecido... Um ano em que o fogo havia encontrado com o mar... Em que a ovelha se entregou
ao caçador, em que dois mundos haviam se cruzado, tornando-se um só... Dois corações, dois rapazes, eu e ele...
Juntos. Felizes e cada vez mais apaixonados.

- Eu te amo, eu te amo, eu te amo! – ele me disse.

- Eu também te amo muito, meu amor...

Tomamos café da manhã juntos em um restaurante de aparência familiar no centro da cidade. Não haviam mais
tantos casais reunidos, e como ele havia escolhido uma mesa reservada, pudemos nos curtir com mais
privacidade.

Ele colocou um sonho em minha boca, ao mesmo tempo que eu coloquei um pedaço de pão na dele.

A gente ficou namorando durante todo o dia. Almoçamos, fomos ao cinema, tomamos sorvete e fomos brincar no
Ibirapuera. Eu fiquei fugindo dele enquanto a minha vida tentava me pegar, mas ele raramente conseguiu.

- Meu anjo já vai dar sete horas... – ele disse no meu ouvido e eu me animei com aquilo

Saímos às pressas do parque e ele dirigiu com vontade até chegarmos no nosso destino final. Eu dei um banho de
língua no meu gato e quando chegou na melhor parte, abocanhei sem fazer cerimônia.

Ele gemeu alto e gostosamente. Eu continuei, não me fazendo de rogado, chupando com vontade. Ficamos nesse
chove não molha por uma meia horinha, depois eu comecei a penetrá-lo de quatro.

Era muito bom ver meu pau entrar e sair do meu namorado, aquilo me deixava louco de tesão, sempre com
vontade de continuar sem parar um segundo sequer. Coloquei-o sentado no meu colo com os dois pés na beirada
da cama e iniciei o movimento, segurando em sua cintura. Daquele jeito também era muito gostoso.

Antes de gozar, deixei ele me penetrar. Ele me pegou com força e aquilo me levou até as nuvens um milhão de
vezes. Quando senti que ele ia gozar, fiz com que se deitasse na cama, joguei a camisinha longe e comecei a
chupá-lo. Ele também me chupou, iniciando nosso primeiro 69. Senti um calor diferente invadir a minha boca e
quando percebi, estava com o gozo escorrendo pelo canto dos lábios. Gozei. Gozei demais, sem parar um minuto
sequer. Engoli o esperma do meu anjo e esperei ele liberar meu pau para eu soltar o dele também.

Trocamos um beijo melado. Aquilo era diferente, mas eu confesso que gostei. A gente ficou abraçadinho, com os
corpos bem juntinhos e acabamos adormecendo.

639
A maca foi levada para a sala de cirurgia. Eu estava todo de azul. Tinha luvas, touca e máscara cirúrgica. Era
naquele momento. Não havia mais como esperar.

- Cuida da minha filha – Cláudia pediu aos prantos.

O obstetra assentiu com a cabeça e nós entramos. Eu a vi, com a barriga descoberta e com uma proteção
impedindo que ela visse o procedimento. Então seria uma cesária...

Fiquei ao lado da Natália e segurei em sua mão. Ela estava trêmula, mas de olhos fechados. Tentei passar-lhe
segurança. Vi os médicos aplicarem a anestesia e ela apertou ligeiramente os meus dedos quando a agulha furou
a pele.

Não demorou para o bisturi cortar a barriga da minha cunhada. Vi o sangue jorrar e um flash de máquina
fotográfica deixar-me ligeiramente com a visão obtusa.

Tentei me concentrar. Eu não podia ficar nervoso naquele momento. O barulho do relógio era a única coisa que
eu conseguia escutar naquele momento, além dos meus batimentos cardíacos.

Tum.

Tic.

Tum.

Tac.

Tum.

Tic.

Tum.

Tac.

Tum.

Tic.

Tum.

Tac...

E então aconteceu. O choro da criança irrompeu pelo local e os meus olhos se encheram de lágrimas. O médico
continuou com o procedimento, mas eu não conseguia parar de olhar para a criança, que ainda estava de costas.

Ninguém falava nada, ninguém trazia o recém-nascido para perto da mãe, para perto do pai... Eu queria vê-lo,
queria sentir o calor do meu bebê... Eu precisava segurá-lo no colo... Senti-lo, beijá-lo... Chamá-lo de filho e...
Protegê-lo...

640
- Eder? Amor? Acorda!

- Hã? O que é? Onde a gente está?

- Eder, a Natália teve o bebê!

Senti-me na cama do motel e balancei a cabeça três vezes para ver se eu não estava sonhando novamente. Como
aquilo era possível? Como eu...?

- A Gaby acabou de me ligar... Ela disse que... Ah, amor! É uma menininha...

Uma menina? Uma menininha? Eu não estava conseguindo acreditar naquilo tudo... Não... Definitivamente não...
Era um sonho... Só podia ser um sonho..

Rafael estava mais nervoso do que eu. Fiquei olhando a paisagem passar, ainda perdido em minhas emoções, em
meus pensamentos.

Uma menina... Isabelly. Como ela seria? Se fosse igual à mãe estaria bom. Por onde passava, Natália arrancava
suspiros da ala masculina. Eu não tinha como contestar a sua beleza.

Meu coração estava batendo em ritmo irregular e eu estava com muita vontade de ficar sozinho com os meus
pensamentos. Eu não queria ver ninguém, não queria falar com meus pais, nem com os meus irmãos. Ver a Natty
estava fora de cogitação naquele momento. E até mesmo o meu Rafael estava me deixando irritado.

- Por onde você está indo? – eu perguntei.

- Esse é o caminho do hospital!

- Leve-me para casa – pedi.

- Mas você não vai ver a menina?

- Não eu não quero vê-la.

- Ah, Eder! Não faz assim, anjinho...

- Rafael eu não estou com cabeça, ok? Você pode, por favor, me deixar em casa?

- Você tem certeza?

- Se você não quiser me levar Rafael, fala logo que eu desço e pego um ônibus!

- Nossa – ele se assustou –, calma! Eu te levo, eu te levo...

Até chegar na minha rua nós não falamos mais nada. Ele tentou acariciar o meu rosto, ma eu me desvencilhei a
tempo.

- Vá ver a sua sobrinha.

E dizendo isso, eu abandonei o veículo. Empurrei meu portão com severidade e ele andou rapidamente pelos
trilhos. Entrei, fechei as portas, subi de dois em dois degraus até o meu quarto e me joguei de bruços na cama.
641
Uma menininha...

Deixei a minha mente viajar. Se fosse minha filha, seria mimada pela tia e protegida pelos tios. Meus avós
ficariam loucos pela criança e meu pai, depois de dar-se por vencido, também ia babar.

Minha mãe era um caso à parte. Sendo ou não sendo sua neta, Isabelly seria mimada pela dentista.

E se fosse minha? Se eu fosse o pai? Como seria cuidar de um bebê? Trocar fraldas? Dar mamadeira? Dar
banho? Trocar a roupinha? E se ela chorasse? O que eu ia fazer? Ai Deus... Tantas coisas passaram em minha
mente... Tantas dúvidas, tanto medo!

Não sei por quanto tempo eu dormi, só sei que na terça, fui acordado pelo meu pai. Ele estava pacientemente
sentado, esperando que eu abrisse os meus olhos.

- Bom dia – ele disse calmamente.

- Bom dia – eu respondi.

- Como você dormiu?

- Acho que bem. Que horas são agora?

- Quase dez.

- Estou atrasado! – exclamei, já ficando de pé.

- Calma! Calma... Sente-se, eu já liguei pro Diogo, e disse que você vai se atrasar um pouquinho...

Não compreendi o motivo dele ter feito aquilo. E como ele tinha o telefone do Diogo?

- Eder... A gente precisa conversar meu filho.

Cruzei as minhas pernas, encostei na cabeceira da cama e fiquei ouvindo tudo o que ele queria dizer.

- Por que você não quis ver a menina?

- Por que não – eu respondi secamente.

Ele ficou olhando dentro dos meus olhos, apenas pensando no que ia me dizer.

- Tem algum motivo especifico?

- Apenas não senti vontade em vê-la pai.

- Eu sei que não é isso – ele falou baixinho. – Eu te conheço, sei quando você está mentindo.

Suspirei e baixei meus olhos. Eu queria vê-la sim. Queria segurá-la... Mas eu não sabia...

642
- Oh, Eder. É tão difícil assim?

- Muito.

- É apenas uma criança Eder. Um bebê...

- Eu sei pai... Eu sei...

- Do que você tem medo?

- Eu não tenho medo.

- Eu sinto o que você está passando. Sabe por quê?

- Não.

- Por que eu sou pai. Eu já passei por isso que você está passando antes. Eu tive o meu primeiro filho com vinte
anos Eder...

- Pelo menos não foi com dezesseis.

- Não existe nenhuma diferença meu rapaz. Nenhuma.

- Eu não sei o que fazer.

- Eu sei que não sabe. Eu sei o quão difícil está sendo. Principalmente para você. Mas, você tem que dar a cara à
tapa Eder. Passar por cima desse medo. Se entregue!

Balancei a cabeça negativamente. Eu não queria me entregar...

- Você tem medo de não ser o pai?

- Eu não sou o pai dessa menina!

- E se você for, meu filho? Vai virar as costas para a sua filha? Um ser tão indefeso, tão ingênuo...

- Você a viu?

- Vi sim – ele sorriu com os olhos brilhando. – E ela é a coisinha mais linda desse mundo.

Já estava todo derretido. Só o meu pai mesmo.

- E eu já pedi o exame.

- Já?

- Uhum.

- Como se eu nem colhi sangue nem nada?

- Não precisa de sangue. Eu peguei alguns fios do seu cabelo emprestado hoje de manhã – ele sorriu
sinistramente.
643
- E você vai me devolvê-los?

- Devolvo sim, assim que me derem de volta – ele riu.

- Quanto tempo demora?

- Mínimo quinze dias. Eu pedi urgência.

- Obrigado pai. De verdade.

- Você vai registrar?

- Se for minha filha sem sombra de dúvidas. Mas até sair o resultado eu não quero fazer nada...

- Nem ver a neném?

- Não.

- Você é quem sabe. É um direito seu. E eu te apoio em todas as suas decisões.

- Obrigado, obrigado pai.

Ele me deu um abraço de pai e eu fiquei sentindo o calor do meu velho. Como tudo estava sendo difícil para
mim...

- Força meu filho!

- Obrigado.

- Ela é tão linda!

- Pai!

- Desculpe, só estou falando a verdade.

- A Natty está bem?

- Se recuperando. Foi tudo muito rápido.

- Cesária não é?

- Como você sabe?

Contei do meu sonho e ele me fez uma pergunta que eu não queria responder.

- Onde você e o Rafael estavam? Posso saber por que o senhor não foi à aula?

- Ontem não tinha nada de importante na escola, por isso eu decidi sair com o Fael e duas amigas dele.

- Ah! – ele sorriu. – Entendi.

644
E ele ainda pensava que sabia quando eu estava mentindo. Os pais realmente não conhecem os filhos cem por
cento.

- A criança quase não resistiu – meu pai disse baixinho.

Senti o meu coração voar nesse momento e algo o deixou pequenininho como um caroço de azeitona.

- Por quê? O que aconteceu?

Ela passou do tempo de nascer. Está passando por uma série de exames e tudo mais. Era para ter nascido na
semana passada.

- Gente! Que absurdo!

- Eu estou conversando com a Natty, vendo se ela quer processar o médico e tal. Mas ela não está com cabeça
para isso.

- Como ela está tratando a menina?

- Sinceridade? Com indiferença. Nem parece que é mãe.

- É típico dela isso. E eu pensando que ela tinha mudado...

- As aparências realmente enganam de vez em quando.

- Com certeza.

Deixei o tempo passar sem pressa e tentei não me apavorar mais do que já estava apavorado. Na sexta-feira, a
Natty e a criança voltaram do hospital, e pelo que eu fiquei sabendo através da minha mãe, tudo já estava
resolvido e a menina já estava fora de risco. Graças a Deus.

Não foi algo fácil esperar o tempo passar. Eu andava angustiado e quando estava com o Rafael, já não era a
mesma coisa. Eu não conseguia me concentrar, não conseguia fazer nada direito.

- Ai amor! Você está tão longe – ele reclamou no domingo à noite. – Quer que eu vá embora?

- Não! É claro que não! Desculpe-me Fael, eu não estou com cabeça ultimamente.

- Eu sei. Eu posso imaginar a sua situação. Tudo vai ficar bem. Só mais duas semanas...

Dei-lhe um beijinho enquanto estávamos sozinhos, mas nem os beijos estavam me animando. Eu não sabia o que
estava acontecendo comigo. Não mesmo.

Na escola, durante toda a semana, não prestei atenção nas aulas e tudo o que os meus amigos diziam não fazia
sentido para mim. Eles souberam do nascimento e creio eu que me entenderam, porque não ficaram puxando
assunto durante o intervalo e nem mesmo dentro da sala de aula.

645
O final de semana chegou novamente. O tempo começou a mudar e a chuva não parava de cair um segundo
sequer. Fiquei encostado na parede do meu quarto, olhando o céu enegrecido ser clareado com alguns
relâmpagos que cortavam a noite. Até que era bonito.

Meu irmão Henrique me deu um abraço carinhoso e eu me surpreendi. Não estava esperando aquele gesto. Senti
vontade de chorar e não me contive. Qual era o motivo da minha emotividade?

- Desabafa – ele disse.

Fiquei parado, deixando as lágrimas caírem e quando percebi, toda a minha família estava comigo, me dando
apoio. Eu não podia esperar menos deles.

O coitado do Rafael já nem queria me ver mais. Mas ele me entendia. E eu a ele. Toda a ajuda que a Natália
precisava, era com ele que ela contava. E sempre que nós nos víamos, eu notava que ele estava cada vez mais
feliz. Seria pela menina?

Na manhã da quarta-feira, eu encontrei minha cunhada no entrando em casa sozinha, sem a criança, sem o
namorado, sem ninguém. Os nossos olhos se cruzaram durante alguns segundos, mas nem ela se pronunciou,
nem eu.

Natália continuava grande e gorda, mas tudo era reflexo da gestação. Notei que a sua barriga estava flácida, o
quadril largo, os seios enormes... Mas nem assim ela deixava de ser bonita. Como era possível? Mal de família,
muito provavelmente.

Caminhei lentamente até o meu trabalho e como em todos os dias anteriores, não consegui fazer muita coisa. O
Diogo me ajudou muito durante o período em que eu estava deprimido. Tudo o que eu não fazia, ele fazia por
mim e eu sabia que, em algum momento, eu teria que recompensá-lo.

Fiquei olhando a lua cheia daquela noite pela vidraça do colégio. Estava tão linda, tão redonda, tão grande...
Meus pensamentos voaram para a criança. Seria minha filha ou não seria? Por que o resultado não chegava logo
para acabar com o meu martírio?

Algo me tirou da cama mais cedo na quinta. Eu não sei o motivo, mas estava inquieto e sentindo muito calor, e
foi quando eu me levantei para ir tomar banho, que o meu pai entrou no meu quarto com um envelope em mãos.

Olhei dentro de seus olhos e ele assentiu lentamente, fechando ambos os olhos e suspirando. Notei que ainda
estava lacrado.

Eu larguei todas as minhas roupas no chão e sai correndo até o meu pai. Ele entregou-me o envelope, eu olhei o
papel e senti as minhas mãos trêmulas.

- Por que o senhor não abriu? – eu indaguei.

- Porque não é meu filho. É seu. Você é que tem que abrir.

Olhei novamente para meu pai e engoli em seco. Meus irmãos e minha mãe se aproximaram do meu pai e todos
ficaram me olhando, esperando que eu abrisse o envelope.

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Não foi difícil puxar a aba do papel. Eu tirei o sulfite que estava dobrado em três partes iguais e o abri. Meus
olhos passaram pelo cabeçalho e aos poucos foram lendo o restante do exame, até que eu cheguei na parte que
me interessava...

Larguei o resultado em cima da minha cama. A minha vontade era sair correndo naquele momento, mas eu nem
tinha tomado banho ainda...

- E então? – minha mãe perguntou bem baixinho.

Olhei para eles e não tive como conter um sorriso enorme nos lábios. No fundo era o que eu queria, todos sabiam
disso.

- Eu sabia – meu pai veio me abraçar. – Eu sabia!

Debrucei nos ombros do meu pai. E então eu compreendi tudo... A sensação que tive ao ouvir o coração da
minha filha... A sensação que tive quando ela se mexeu pela primeira vez... Os sonhos... Tudo fazia sentido para
mim.

- Deu positivo? – minha mãe pegou o papel e caiu nas lágrimas quando leu a fraseologia.

- Eu sou tio? – Marcus riu. – Não acredito!

- Ela é minha sobrinha! – Giselle saltitou de felicidade.

Henrique apenas suspirou e veio me abraçar.

- Parabéns, papai.

- Obrigado – eu comecei a chorar.

Eu era pai! Pai... Aos dezesseis anos... Minha filha... Minha menininha, minha princesa... A quem eu ia cuidar
com toda a minha paciência... Ia velar seu sono, fazê-la aprender a andar... A usar os talheres... A ler e escrever...

Pensei no seu primeiro sorriso. No primeiro dentinho. Na primeira queda. Como seria quando começasse a falar?
Qual seria sua primeira palavra? Papai? Mamãe? E a primeira risada? O primeiro passo? E quando começasse a
andar? O primeiro dia de aula? A primeira vez que ela me chamasse de... Papai...

Será que ela tinha algo meu? Será que teria as minhas manias? Será que ela própria teria manias? Eu não queria
pensar em mais nada... Não queria pensar nela crescendo... Algo doía dentro de mim...

E como ficaria com o Fael? Ele era tio da minha filha... E ao mesmo tempo... Padrasto?

Meu Deus... Como aquilo era possível? Como eu poderia ser pai sendo que eu nem me lembrava do dia em que
eu havia transado com a Natália? Eu não me lembrava de nada, absolutamente nada... Era impressionante como o
destino estava brincando comigo! Minha filhinha havia sido resultado de uma mera irresponsabilidade de dois
adolescentes. Uma louca. E um bêbado.

647
Mas estava feito. E eu tinha que arcar com o meu erro. Não que tivesse sido um erro. Eu nem havia visto o
rostinho da minha bebê e já a estava amando... Amando como nunca havia amado nada em minha vida...
Amando mais do que a mim mesmo, mais do que a minha própria vida...

E então eu recobrei os meus sentidos. Eu precisava vê-la. Senti-la... Assim como no sonho. Queria ela naquele
momento. Queria beijá-la. Protegê-la. Chamá-la de minha filha!

- Com licença – eu disse, soltando dos braços da minha mãe, que ainda chorava, assim como eu.

Eu peguei minha roupa, saí e entrei no banheiro. Enquanto tirava a roupa, liguei o chuveiro para que este se
esquentasse e já fui preparando tudo para não demorar.

Nunca havia tomado um banho tão rápido em toda a minha vida. Escovei os dentes às pressas, coloquei a roupa e
desci as escadas correndo.

- Hey – Henrique me chamou. – Aonde você vai?

- Na Natália...

- Ela não está lá... Foi levar a criança a uma consulta. Não tem ninguém lá...

Putz! Que azar... Logo quando eu havia recebido a notícia que já havia mudado a minha vida, a minha menininha
não estava em casa... Era muita falta de sorte.

- Será que ela demora? – eu questionei impaciente.

- Acho que não. Já faz uma meia hora que eles foram.

- Eder, filho... Você tem que tomar café – minha mãe disse.

- Não. Eu não quero. Não estou com fome. Eu preciso ver a minha filha!

- Ai meu Deus! – minha mãe exclamou, parando no meio da escada. – Isso significa que eu sou avó?

- Irmã é que a senhora não é, né mãe? – Giselle falou.

- Eder! Eder... Olha o que você fez comigo meu filho! Eu não tenho idade para ser avó! Ai meu Deus. O que eu
faço?

Ela colocou as duas mãos no rosto e dessa vez, ao invés de chorar, gargalhou.

- Eu não sou avó. Ninguém precisa saber disso.

- Que bobagem amor! – meu pai riu. – Você é a avó mais linda do mundo.

- O que os seus avós vão falar disso? – ela continuou rindo. – E a sua mãe amor? Bisavó!

- Ela vai adorar – Marquinhos ponderou.

648
Eu já não estava ouvindo mais nada. Tudo o que eu mais necessitava, era da minha menina.

- Eu vou esperar na calçada – anunciei, já abrindo a porta.

- Não senhor – Henrique disse. – Vamos tomar café todos juntos para comemorar a minha sobrinha.

E eu não tive escolha. Eles me obrigaram a sentar na mesa e eu tive que obedecer, mas acabei não comendo
nada. Meu estômago estava gelado. Eu só a queria.

- Um brinde – meu pai propôs. – Pela minha neta.

Eu nunca havia visto um brinde de suco. Mas tudo bem. Na falta do champanhe, o suco era bem-vindo.

Tomei o copo todo em um gole. Mas nada me fazia ficar calmo. Eu precisava, necessitava mais do que tudo
naquele mundo, ver a minha filha.

- Ricky a Gaby está com ela?

- Está sim.

- Alguém empresta o celular?

Como ninguém respondeu, peguei o da minha mãe que estava ao meu lado e disquei o número da minha
cunhada, que já sabia de cor.

- Marina?

- Eu. Eder. Onde vocês estão?

- Oi cunhado! Algum problema.

- Todos. Cadê vocês?

- Voltando para casa, por quê?

- Vão demorar muito?

- Você está me preocupando.

- Eu só quero ver a minha filha.

Ela ficou calada. Não sei por quanto tempo.

- Gaby?

- Chegou o resultado?

- Sim. Vocês vão demorar?

- Uns dez minutos.

- Acelera, por favor... Eu quero minha bebê!


649
Ela riu.

- Tudo bem... A gente vai acelerar. Um beijo.

- Outro. Valeu mãe.

- Folgado! Ai meu Deus... Sou vovó!

- Cadê eles?

- Chegando – eu suspirei.

Quase derrubei a cadeira quando fiquei de pé. Eu realmente não agüentava mais de ansiedade. Fiquei de olho na
janela, mas o portão atrapalhava a minha visão... Eu precisava ir até a calçada.

Meus irmãos acabaram por me entreter e quando dei por mim, já havia passado mais de meia hora desde que
tinha falado com a Gaby. Saí correndo pelo quintal, abri o portão com severidade, deixando-o escancarado ao
passar. Por sorte, a casa do Fael estava aberta. Eu corri até a entrada, toquei a campainha impacientemente até
que a porta foi aberta.

E eu a vi. Gabrielle estava sentada no sofá de dois lugares, com um montinho rosa nos braços. Tão
pequenininho... Eu dei o primeiro passo e senti o meu coração disparar freneticamente. Era uma sensação
diferente... Era... Tão gostosa...

Meus irmãos, meus pais, Fael, Cláudia, Jorge e Natália estavam na sala. Todos olhando para mim. Todos
esperando a minha reação. Eu senti vontade de chorar, ainda não tinha visto o rostinho da minha filha... Tudo o
que eu mais queria era aquilo.

E então aconteceu.

Eu abaixei, passei os meus braços protetoramente pela manta, senti o peso dela no meu corpo e ergui a coluna.

Tão linda! Tão pequena... Os olhinhos estavam fechados, ela estava dormindo. O narizinho dela era minúsculo.
Notei que a fita rosa era da mesma cor do macacão que ela estava usando. Linda, linda demais. E minha. Minha
filha.

Não cansei de olhar para a menina. O queixo era meu. O cabelo da mãe. Os olhos eu ainda não sabia, mas estava
com esperança que fossem da cor dos meus. A boca lembrou a do meu anjo. Mas a dela era ainda mais perfeita.

Eu senti, dentro do meu coração, que a partir daquele momento, eu aprenderia ainda mais. Aprenderia com a
minha filha, aprenderia com seus erros e seus acertos. Eu tinha certeza que, quando eu morresse, algo meu ficaria
neste mundo. Eu queria tanto começar a ensinar a minha pequena pessoinha.

Antes de conhecê-la, eu tinha motivos para viver apenas pelo Rafael. E de repente não mais. Eu viveria primeiro
pela minha filha, segundo pelo meu namorado e terceiro por mim. Tudo o que eu pudesse, tudo o que estivesse
ao meu alcance, ela teria. Não mediria esforços para deixar minha filha bem, deixá-la feliz.

- O nome dela é... – Natália disse.

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- Vitória – eu cortei a frase da minha cunhada.

- Como?

- O nome dela é Vitória – eu respondi, olhando dentro dos olhos da mãe da minha filha. – Vitória Isabelly de
Alcântara Alves.

Baixei meus olhos para a neném e me surpreendi. Os olhinhos estavam abertos. Não sei como foi possível, mas
ela estava olhando dentro dos meus olhos. Eu senti meu coração voar. Disparar ainda mais... Minha filhinha...

A partir dali tudo mudou. Eu não era mais Eder. Não era mais sozinho. Mesmo que todos se fossem... Eu a teria.
Dali em diante, era eu e ela. Eder e Vitória. Pai e filha...

Fiquei admirando aqueles olhinhos cor de jabuticaba não sei por quanto tempo. Como era linda a minha pequena
bonequinha! Eu não sei o que estava se passando ao meu redor. Não sei se meus irmãos, cunhadas, pais, sogros e
namorado ainda estavam ali, mas isso não importava. Tudo o que eu conseguia ver, tudo o que eu conseguia
sentir, olhar, perceber e dar toda a minha atenção era à Vitória.

- Filha – eu sussurrei. – Minha filha. Minha Vitória.

Abaixei um pouco a minha cabeça, tomando todo o cuidado do mundo para não machucá-la e dei-lhe o meu
primeiro beijo. A pele era impecavelmente sedosa, o cheiro, delicioso... Eu não tinha outra palavra naquele
momento para descrever aquele pequeno ser, a não ser, perfeita.

Eu senti uma mão no meu ombro e me virei. Era meu pai. Ele olhou dentro dos meus olhos, sorriu e abriu os
braços para segurar Vitória. Eu não queria deixar. Ela era minha e eu queria a curtir o máximo que pudesse
naquele primeiro instante. Mas eu a entreguei. Meu coração diminuiu de tamanho quando ela já não estava nos
meus braços. Parecia que eu já não era mais eu sem a minha pequenina...

- Que história é essa que o nome da minha filha é Vitória? – Natália indagou.

- Nossa filha. E é Vitória sim. Por que ela é vitoriosa.

Meus olhos se encontraram com os de Rafael e ele assentiu devagar. Eu não podia esperar menos dele.

- Eder... Primeiro você fica mais de quinze dias sem ver a menina... E quando resolve dar as caras ainda quer
decidir o nome?

- Eu fiquei sim sem ver a minha filha e só Deus sabe o quanto eu estou arrependido. E com relação ao nome
Natty, ficará tanto o que você quer quanto o que eu quero. Seja coerente. Você não pode negar que ela venceu
muitas barreiras.

- Ele tem razão – Rafael disse.

- Pai? – eu o chamei.

Ele entregou a bebê a minha mãe e veio até onde eu estava.

- O que foi filho?


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- Você vem comigo para eu registrar a minha filha?

Ele abriu um sorriso enorme no rosto. Eu não costumava ver o senhor Alexandre tão feliz daquele jeito.

- Claro que sim.

Antes de sair, peguei novamente a minha Vitória nos braços e dei-lhe mais um beijinho. Senti novamente meu
coração doer quando eu a entreguei para o tio.

- Eu não demoro meu anjo – disse a frase em duplo sentido.

Rafael sorriu, e ficou aninhando a sobrinha de um lado para o outro.

Pareceu uma eternidade até que eu chegar novamente na casa dos meus sogros. Fael, Jorge e Gaby já não
estavam mais lá, todos tinham ido trabalhar. Eu liguei para o André, expliquei o acontecido e ele me deu duas
semanas para curtir a minha criança. Natália estava amamentando nossa filha e quando eu me aproximei, Vitória
largou o peito e começou a chorar.

Era a primeira vez que eu estava ouvindo o choro dela. Era tão desesperador ficar com aquele som nos ouvidos...
Por outro lado, era o som que ela conseguia emitir naquele momento. E era como música aos meus ouvidos... O
que ela estaria sentindo? Dor? Fome? Sede? Sono? Ou simplesmente... Não queria ficar com a mãe?

Tentei raciocinar com clareza, mas nada me fazia pensar naquele momento. Tudo o que eu queria, era que ela se
acalmasse. Mas, como?

- O que ela tem? – indaguei à mãe.

- Não sei.

E eu ainda tinha esperanças de conseguir outra resposta.

- Onde está a sua mãe?

- Na cozinha. Você pode segurá-la um pouquinho, por favor?

- É claro que eu posso! Vem com o papai, meu amor...

Eu passei meus braços pelo corpo dela, segurei com cuidado a cabecinha e ergui meu tronco para poder balançá-
la. Vitória calou-se imediatamente.

- Como você fez isso? – Natália perguntou.

- Apenas fiz.

Os olhinhos da minha princesa encontraram novamente os meus. E naquele momento nada iria nos separar. Eu
sentei no sofá, tomei cuidado para não derrubá-la dos meus braços e fiquei a observando. Como era perfeita a
minha filhinha.

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- Oh, meu amor. Desculpa por eu não ter vindo antes... Se eu soubesse, ah, se eu soubesse!

Aos poucos, os olhinhos de Vitória foram se fechando e ela adormeceu. Não me movi um milímetro sequer
quando isso aconteceu, eu não queria acordar a minha pequenininha.

- Ela dormiu? – Cláudia perguntou.

- Dormiu.

- Quer que eu a coloque no berço para você?

- Não! – eu exclamei. – Não. Deixe-a aqui comigo!

- Mas Eder, ela tem que ficar no berço!

- Não Cláudia. Eu já perdi tempo demais. Eu quero a minha filha comigo!

- Tudo bem, se você diz!

- Se importa se que eu me recolha? – Natália perguntou-me com um olhar suplicante.

- É claro que não.

- Ela está consumindo meu sono, vou me deitar um pouco. Com licença.

- Natty?

- Hã?

- Vou levá-la para a minha casa, está bem?

- Ah! Faça o que você quiser. A filha também é sua.

Cobra! Se não fosse a criança em meu colo, eu teria coragem de correr até a minha cunhada e enforcá-la. Como
uma mãe podia ser tão... Fria?

- Você abre a porta e o portão? – eu perguntei a minha sogra.

- Claro que sim. Posso dar um beijinho na minha netinha?

Eu sorri e entreguei a criança para Cláudia. Ela deu não um, mas vários beijos na bochecha da neta e depois a me
entregou novamente..

Naquele momento eu não podia pular os degraus como gostava de fazer. Eu tinha uma vida em meus braços e era
responsável por ela. Tomei cuidado com os pedregulhos do quintal do Rafa e ainda mais quando passei pela
calçada escorregadia. Por que o cimento estava molhado? Não estava chovendo!

- Obrigado – eu disse a avó da minha filha. – Depois eu a trago.

- Tudo bem. Cuide direitinho dela.

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- Pode deixar.

Foi difícil tocar a campainha com o queixo, mas eu consegui. Repeti o ato três vezes, até alguém vir me atender.

- Quem é? – era minha irmã.

- Eu.

Ela abriu o portão lentamente e se surpreendeu quando viu a sobrinha em meus braços.

- Eu não acredito que você a trouxe!

- É claro que eu a trouxe. Ela é minha e é aqui que ela tem que ficar.

Entrei em minha casa lentamente. Marcus estava deitado no sofá com uma das pernas no encosto e o controle
remoto nas mãos. Era praticamente um milagre ele não estar na frente do vídeo-game.

- Vitória! – ele falou, em um tom mais alto do que o habitual.

- Silêncio! – eu falei em tom baixo. – Ela está dormindo!

- Ah! Desculpe. Eder? Deixa eu segurá-la um pouquinho?

- Claro!

- Nem o pai, nem a mãe e nem o Henrique me deixam segurar a minha sobrinha – ele fez um bico.

- Mas tome cuidado.

Eu me aproximei e conduzi a criança aos braços dele. Marcus ficou a olhando assim como eu gostava de fazer.
Todos estavam apaixonados pela aquela pequena pessoazinha que já era dona do meu coração.

- Ela é tão pequeninha – Giselle sussurrou, ao lado do irmão.

- É sim – eu concordei com um suspiro.

- Você está todo bobo, né? – Gi riu.

- Estou sim – confessei. – Eu já a amo mais do que qualquer outra coisa nesse mundo.

- Mais do que a mim? – ela fez cara de choro.

- Mais do que a mim mesmo – eu falei sem dar atenção. – Mais do que a minha vida!

- Deve ser algo emocionante – Marquinhos argumentou.

- Até agora eu não sei qual é a palavra que define tudo isso.

- As coisas aconteceram tão rápido né? – Giselle comentou. – Parece que foi ontem que ela apareceu grávida e
agora a menina já está com a gente...
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- Nove meses passa rápido – eu falei.

- O papai está todo bobo também – Marquinhos disse. – E a mãe então?

- Ela é a princesinha da casa agora – Giselle falou.

- Com certeza – eu concordei em gênero, número e grau.

- Me dá ela um pouquinho? – a tia pediu.

- Com cuidado – eu sibilei.

Enquanto a minha filha passava de braço em braço, eu fui até a cozinha, bebi um copo de água e coloquei um
prato de comida. Estava faminto. Enquanto o forno microondas trabalhava, eu fui até meu quarto, peguei meu
celular e disquei o número do Arthur. Ele demorou a atender.

- Oi gazela!

- Fala lixo urbano. Firme?

- Como uma mousse de maracujá.

- Hum... Mas é uma bicha mesmo!

- Olha o respeito seu prego!

- Brother, eu tenho que ser rápido. Vou almoçar ainda. É o seguinte: eu não vou à escola nos próximos quinze
dias.

- Ué... Por quê? Quebrou o focinho, foi?

- Não, não... É que a minha filha nasceu, eu estou cuidando dela.

- Sua filha?

- Uhum – eu sorri.

- O DNA chegou?

- Hoje pela manhã. Estou curtindo a Vivi um pouquinho.

- Vivi? O nome dela é Viviane?

- Vitória.

- Nossa! Que nome lindo! Eu posso vê-la?

- É claro que pode! Liga para o pessoal, venham aqui antes da aula. A minha princesa é linda!

- Se puxou ao pai ela é horrorosa.

- Vá a Boston! Para não falar outra coisa. Viu, era só isso. Eu vou almoçar.
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- Beleza, tranqueira. Vai lá. E parabéns, papai!

- Obrigado. Abraço mano!

- Outro.

Deixei o aparelho carregando e desci lentamente as escadas para não fazer a neném despertar. Tirei o prato do
forno, coloquei um copo de suco e fui até a sala.

- Vai comer aí no chão? – Giselle espantou-se.

- Vou. Não quero ficar longe da minha menina.

Dei um beijinho na testa da minha Vitória e comecei a comer. Estava tudo uma delicia. Às vezes a minha mãe se
superava nos pratos.

- Ela dorme que nem uma pedra! – Marcus exclamou.

- Deixe-a quietinha – eu dei-lhe bronca.

- Calma aí, leão! Não vou machucar a sua cria não!

- Seu besta – eu quase me engasguei quando ele disse aquilo.

Quando terminei a minha refeição, levei o prato até a pia, joguei o resto de comida na lixeira e lavei o prato,
deixando o mesmo no escorredor para que secasse.

Eu não conseguia parar de pensar na Vitória um segundo sequer. Nem o Rafa estava mais com espaço na minha
mente, mas eu sabia que não podia deixá-lo de lado.

- Gi me dê ela aqui um pouquinho? – eu pedi.

- Claro, papai!

Papai. Como era estranho ouvir alguém me chamar daquele jeito. Mas era o que eu era. E nada, nem ninguém,
poderia falar o contrário. Estava escrito, eu tinha como provar que a Vitória era minha. E de mais ninguém.

Ela ainda estava dormindo quando a coloquei no colo, mas não demorou para que, muito lentamente, abrisse os
olhinhos.

- Oi bebê – eu falei com a voz um pouco rouca. – Acordou, foi meu anjo?

Vitória começou a chorar e só bastou o primeiro barulho de sua voz para que o meu coração se angustiasse.
Balancei ela para um lado, para o outro, mas nada a fazia se calar. O que ela tinha?

- Será que é fome? – Giselle sondou.

- Não ela estava mamando quando eu cheguei.

- Ela pode estar sentindo alguma dor – Marcus chutou.

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Pronto! Foi o suficiente para uma faca perfurar o meu estômago. Todas as dores inimagináveis podiam cair sobre
o meu corpo, mas não no da minha filha. Eu senti uma vontade tão grande de sair correndo com ela nos meus
braços... De procurar ajuda... Mas eu não sabia o que fazer...

- Ou quem sabe ela se sujou? – Giselle disse, depois de muitas possibilidades terem passado na cabeça dela.

- É mesmo Ed. A fralda dela deve estar suja – Marquinhos concordou.

Será? Será que ela só estava com a fralda molhada? Meus irmãos me ajudaram a tirar o macacão da minha filhota
e todas as nossas suspeitas foram concretizadas. Ela estava suja. E muito suja.

- Com licença, viu? – Giselle recuou alguns passos. – O pai é você.

- Ah! É assim? Vai me abandonar agora?

- É que o meu celular está tocando – ela disse correndo escada acima.

- Bela irmã que nós temos – eu suspirei, olhando para Marcus. – Você me ajuda?

- Claro! O que eu faço?

- Aqui ainda não temos nada para ela. Precisamos comprar, falando nisso. Faz o seguinte, vai na Cláudia, pede
algumas fraldas, algumas roupinhas, o lenço umedecido, a pomada de assadura e a banheira. Além do xampu,
essas coisas.

- Você não está pensando em dar um banho nela não, está?

- Claro! Você acha que eu vou deixá-la assim? Toda suja? E para de olhar para a minha filha!

Cobri a Vitória com parte do meu corpo e aproveitei para dar-lhe um beijinho na cabeça. A coitadinha deveria
estar sentindo frio, uma vez que estava sem roupa.

- Nossa Eder. Que idiota você! – ele riu e riu muito. – Ela é a minha sobrinha!

- Você não pode. Anda, vai logo moleque! Ela está com frio.

Marcus saiu rindo e enquanto ele não voltava, eu tentei distrair a pequena com algumas palhaçadas, mas ela
ainda era muito novinha para entender o que eu estava fazendo.

- Calma amor, calma... O titio já vem com as suas coisinhas, o papai vai dar banho em você e você vai ficar
limpinha... Calma anjinho meu...

Era tão ruim vê-la naquela situação. Não gostava de ver a minha filha chorando. Era angustiante.

Marquinhos abriu a porta e entrou com uma banheira rosa enorme nos braços. Em uma coisa eu tinha que
concordar, a família da Natty tinha se preparado muito bem para a chegada da nossa criança. Ao contrário de
nós, que não tínhamos absolutamente nada.

Nós três subimos para o segundo piso e enquanto Marcus enchia a banheira, eu tentava acalmar a minha
princesinha, mas era algo praticamente impossível naquele momento.
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- Essa eu não perco – Giselle entrou no banheiro com uma máquina fotográfica nas mãos.

- Boa ideia – eu disse, sorrindo.

Ela bateu a primeira foto minha com a minha bebê. Eu sorri de orelha a orelha, afinal estava nas nuvens com
aquele pequeno presente de Deus em minhas mãos.

Quando a banheira conteve água suficiente, coloquei minha filha em seu interior, me certificando antes se o
liquido não estava nem muito quente, nem muito frio.

Vitória continuou o berreiro,mas não por muito tempo. Marcus não estava mais perto de mim e vez ou outra, eu
via um flash sendo disparado em minha direção, mas eu não ia nem queria olhar para os meus irmãos. Aquele era
o meu momento. Meu e da minha pequena. Era o primeiro banho que eu a estava dando.

Eu me certifiquei que ela estava segura em meus braços e não a larguei um segundo sequer. Com a mão
esquerda, joguei água no seu corpinho e passei uma leve camada de sabonete liquido em sua pele. Ela ainda era
muito novinha para demorar muito no banho, portanto, assim que ela estava limpa, a tirei de dentro d’água e
comecei a secá-la lentamente.

Minha irmã não se cansou de tirar fotos nossas. Eu já estava me cansando. Passei pelos adolescentes lentamente
e com muito cuidado, coloquei a minha princesinha em minha cama.

- Pronto anjinho, pronto – eu disse com a voz bem baixinha para que ela se mantesse calma. – O papai vai
colocar sua roupinha para você dormir, minha florzinha...

- Mas é besta, né? – Marcus perguntou à irmã.

- Besta não. É pai – ela disse.

Não sei como, mas consegui colocar a fralda na Vitória. Mesmo sendo a primeira vez que estava fazendo aquilo,
consegui transmitir uma segurança a mim mesmo e tudo deu certo. Coloquei um macacão branco nela e uma fita
da mesma cor. Era tão linda!

Giselle se aproximou e bateu mais algumas fotos da sobrinha, agora sozinha. Ela estava com os olhinhos abertos,
mas não olhava para nenhum de nós três.

Não demorou para que ela adormecesse em minha cama. Eu deitei ao seu lado, coloquei o meu braço por cima
do seu corpinho minúsculo e fiquei a observando. Era impossível ficar longe daquele pedacinho de mim. Eu não
queria me separar dela nunca mais.

Coloquei um cobertor por cima de nós dois. Meus irmãos já não estavam mais em meu quarto, o que me deixou
mais à vontade. Eu queria ficar a sós com meu bebê. Meus olhos foram ficando pesados e eu não conseguia mais
lutar contra o peso de minhas pálpebras. Bocejei deliciosamente antes de me entregar a uma escuridão profunda,
mas definitivamente, aconchegante.

Eu acordei com sussurros ao meu redor e quando abri os olhos, encontrei várias pessoas dentro do meu quarto.

- Desculpe tê-lo acordado – Patrícia sussurrou.

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- Oi! – eu disse me espreguiçando. – Não se preocupe. E aí, como vocês estão?

Eu olhei para a criança e ela estava do mesmo jeito que havia adormecido.

- Bem, e você?

- Muito bem também.

- Meu Deus Eder! Ela é a coisinha mais linda desse mundo – Denise falou.

- Obrigado!

Eles se aproximaram sorrateiramente e um bando de cabeças apareceram por cima do meu corpo.

- Ela é tão pequenininha – Yuri falou.

- Eu posso segurar? – Arthur perguntou.

- É claro que pode. Deixem-me sentar...

Com cautela, ergui meu corpo na cama e sentei com as pernas cruzadas. Puxei Vitória da cama, mas por sorte ela
não acordou. Estava dormindo que nem um anjinho. Aninhei-a em meus braços e levantei-me.

- Cuidado com a cabecinha – eu disse.

Meu amigo segurou a minha primogênita e ficou todo abobalhado com a criança em seus braços.

- Ela é tão linda!

- Eu também quero segurar – a grávida disse.

- Vai se preparando amigo! – eu dei um tapa nas costas do Yuri, afinal, dali alguns meses seria ele que estaria
com um bebê nos braços.

- Não me lembra...

A barriga da Denise estava começando a ficar saliente. Eu estava realmente surpreso que ela ainda não tivesse
feito um aborto.

Vitória passou de colo em colo até voltar ao meu. Depois de alguns minutos, ela despertou e armou o maior
berreiro, com certeza sentindo fome.

- Ela deve estar com fome – eu disse, balançando-a freneticamente.

- Você leva jeito para a coisa, hein? – Wellington percebeu.

- Acho que é instinto – dei de ombros. – Gi? Giselle?

- O que é? – ela berrou do quarto.

- Escandalosa. Vamos gente, vou levá-la para a mãe, ela precisa mamar.

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Assim que eu cheguei no portão da casa da Natty, me despedi dos meus amigos e pedi a gentileza do Yuri apertar
a campainha. Minha vizinha da casa da frente ficou me olhando com ar de curiosidade, mas como ela fazia
questão de ser a mais fofoqueira da rua, não lhe dei trela e fiquei esperando alguém vir abrir o portão.

Aos poucos a tarde foi virando noite e quando a Vivi colocou a boquinha no peito da mãe, imediatamente se
calou. Eu fiquei a olhando matar a fome, como era bom ver aquela cena.

- Gulosa – a Natty disse, beijando a testinha da nossa filha.

- Quanto mais ela mamar, melhor – a Cláudia tricotou.

- Será que eu posso passar a noite com ela? – questionei.

As duas me olharam com a mesma expressão. Senão a primeira, foi uma das poucas vezes que eu notei a
semelhança de mãe e filha. Será que a minha filha se pareceria com as duas?

- Passar a noite? Com a Isa? – a mãe questionou.

- É.

- Não sei não! – Natália fechou a cara.

- Por quê?

- Ela ainda é muito pequena, precisa dos meus cuidados.

Eu juro que eu não a entendia. Foi a primeira a não gostar da gravidez, porém defendeu a cria quando eu
mencionei aborto, depois mudou novamente de ideia e quando a Vivi nasceu não demonstrou interesse... E
naquele momento estava defendendo de novo? Será que a Natália tinha transtorno bipolar?

- Eu dou conta – garanti com toda a certeza do mundo.

- E quando ela for mamar?

- Eu amamento.

Minha cunhada arregalou os olhos de uma maneira engraçada e Cláudia caiu na gargalhada.

- Ai Eder, me desculpe. Eu imaginei você com os peitos da Natty!

Fiquei mais vermelho que um tomate maduro. Que piadinha mais sem graça!

- Não se preocupe – tentei parecer cortês dando o meu sorriso amarelo. – Posso ou não?

- Ah... Pode vai... Eu preciso mesmo de uma boa noite de sono.

Vitória mamou tanto que dormiu com a boquinha ao redor do seio da mãe. Tão linda! Cláudia segurou a neta
enquanto a filha limpava o bico do peito com um algodão. Achei inusitado ela não sentir vergonha de mim.

- Cláudia que horas o Fael está chegando ultimamente?

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- Varia bastante. Ontem chegou quase meia noite. Anteontem quase dez... Depende das extras que ele faz.

- Hum!

Eu queria, necessitava ver o meu garoto perfeito.

- Quando ele chegar, pode pedir que me ligue?

- Claro!

- Obrigado.

Nós três ficamos ao redor da minha criança até por volta das oito da noite, depois, eu a tomei em meus braços e a
levei para casa, onde ela tinha que ficar.

Minha mãe surpreendeu-se ao abrir a porta para mim. Acho que ela não imaginava aquela cena tão cedo.

- Minha Nossa Senhora da Aparecida, o que você está fazendo com essa menina nos braços?

- Ué, trazendo ela para a casa dela, onde ela tem que ficar!

- Como é?

- Ué – repeti. – A senhora acha mesmo que eu vou deixar a minha filha com aquela mãe desnaturada? Que uma
hora quer bem e outra quer ver a menina a léguas de distância? Não mesmo! À partir de hoje, a Vitória mora
aqui.

Minha mãezinha ficou chocada com o que eu disse, mas não contei nem dez segundos mentalmente e ela já
segurou a neta no colo.

- E onde ela vai dormir?

- Enquanto não tem berço ela dorme na minha cama, comigo, como hoje à tarde.

Contei a ela sobre o banho e a troca de fraldas e a dona Marina não teve como não se surpreender ainda mais.
Antes de terminar a história, meu pai abriu a porta da sala, ele estava com uma carinha de cansaço que me deu
até dó.

- Boa noite – cumprimentou meu velho.

- Boa – respondemos eu e minha mãe.

- Mas ora vejam só! Quem está aqui.

Ele deu um beijo rápido na minha mãe e ficou ajoelhado no chão, vendo a neta. Ele nem sequer prestou atenção
em mim. Eu merecia!

Pigarreei para tentar despertar a atenção dos dois, mas nem isso fez com que eles parassem de bajular Vitória.
Era praga, só podia.

- Com licença, eu posso segurar meu anjinho?


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- Ah! Eder, você está aí – o advogado brincou. – Fique na sua, deixe ela dormir com a sua mãe.

- Eu mereço! Eu mereço!

Henrique abriu a porta, mas quem entrou primeiro foi Gabrielle. Ela veio correndo até a sobrinha e já foi a
enchendo de beijos carinhosos.

- O que ela está fazendo aqui? – Henrique espantou-se.

- Eder trouxe-a para dormir aqui hoje.

- Nossa! Deixa-me segurá-la um pouco?

- Não senhor, primeiro as damas!

Gabrielle foi mais ágil e seqüestrou Vitória dos braços de minha mãe. Henrique ficou atrás da namorada, para um
lado e para o outro, tentando pegar a menina, mas ele não conseguiu.

- Coitada da minha filha – eu suspirei. – Deve estar se sentindo uma bolinha de pingue-pongue.

- Eu comprei o berço dela – meu pai desembuchou.

- Comprou é? – eu questionei. – E como você pode escolher sem a minha presença?

- Ah, pode parando senhor! Ele é lindo. É rosinha, a coisa mais fofa. E comprei uma cama de casal para você
também. Além de um armário para a Vivi.

- Agora eu hei de concordar com o Eder, Alê! Deveria ter me esperado...

- Me poupem. Como se todos os móveis daqui não tivessem sido escolhidos por mim.

- Está se sentindo o decorador – meu irmão zoou.

- Quietinho você aí. Amor, o que acha da gente reformar o segundo andar?

- Reformar? – os olhinhos da minha mãe brilharam de felicidade. – Seja mais especifico.

- Ah, fazer um quartinho pra ela... Coitadinha, ninguém merece dividir o quarto com o Eder!

- Hey!

Que audacioso!

- Não é má ideia não meu lindo – minha mãe já estava pensando alto. – A gente pode aproveitar e trocar a
cozinha, fazer uns reparozinhos na sala... A garagem está precisando de uma pintura nova.

- Calma! Calminha aí... Eu disse o segundo andar. No quarto do Eder.

- E por que no meu?

- A filha é sua. A gente divide o seu quarto no meio e faz um pra ela.

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- Ah, tá! Muito engraçado!

- Mas falando sério, a gente pode pensar em alguma coisa que seja bom para todos nós – meu pai disse. – O que
acha minha vida?

- Adorei a ideia.

Conhecendo a minha mãe como eu conhecia, era capaz que ela mandasse demolir o sobrado e construir um
novinho em folha. Depois que Vitória começou a chorar, todos foram para algum canto da casa e aí sim, eles me
deram a menina. Bando de vagabundos!

Quando eu finalmente terminei de colocar uma roupinha limpa na criança, Rafael entrou no meu quarto. Eu olhei
dentro de seus olhos enquanto terminava de arrumar minha filha. Ele se aproximou de mim, sentou-se na beirada
da cama e ficou observando a sobrinha, que naquele momento, já estava completamente calada.

- Ela é a sua cara.

- Você acha? – eu me surpreendi.

- Acho.

- Obrigado então.

- De nada.

Ergui Vitória da cama, a deitei em meu braço direito enquanto o esquerdo pegava a mamadeira feita por minha
mãe que estava sobre o criado mudo, sentei ao lado do meu namorado e coloquei o bico de plástico do recipiente
na pequena boquinha do meu anjinho. Ela começou a mamar e aos poucos foi pegando no sono.

- Você está feliz?

- Muito – eu respondi, sem encará-lo.

- Isso é bom. Que bom que ela é sua.

- Uhum.

Quando todo o leite tinha acabado, eu ergui novamente a minha filha no intuito de fazê-la arrotar, mas Fael me
bloqueou. Ele queria fazer aquilo.

Passei a menina para os seus braços e senti os nossos corpos se trombaram de leve com aquele movimento.
Nossos olhos se cruzaram brevemente, mas nem ele, nem eu falamos nada.

Rafael levava jeito com a criança. Ele segurou com firmeza, mas carinhosamente no corpinho frágil da sobrinha
e a ficou mimando, até a menina adormecer de vez.

- Será que ela não vai ficar com cólica nem nada?

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- Acho que não – eu sorri, pegando-a novamente e já a colocando próximo ao travesseiro de minha cama. Eu
tinha que ficar de olho, afinal ela não estava em um berço e poderia cair a qualquer momento, embora eu achasse
aquilo um pouco improvável.

- Eder?

Eu estava tão perdido olhando pro rostinho da Vitória que até havia me esquecido da presença do meu outro anjo
no quarto.

- Oi?

- A gente precisa conversar.

A fisionomia dele estava impecavelmente séria e eu nunca o havia visto daquele jeito. O Rafa era tão brincalhão,
tão lindo que eu não conseguia vê-lo com outros olhos... O que ele queria dizer com aquela frase?

Quando eu ouvi aquela noticia, meu coração ficou pequenino como um grão de areia. Eu não estava me
agradando daquele assunto... Algo viria pela frente.

- Sobre?

- Nós dois.

- Estou a todo ouvidos.

Ele olhou para a Vitória e depois para mim.

- Aqui não. A menina não merece ouvir isso.

Eu só pude dar risada. Era piada ou o quê? A Vivi não havia nem completado o primeiro mês! Como ela poderia
entender alguma coisa?

- Rafa... É piada? Ela é pequena demais, não entende as coisas ainda.

- Aqui não – ele insistiu com a cara feia.

Eu desfiz o meu sorriso e ergui as sobrancelhas... O que ele queria afinal de contas?

- Tá, tudo bem... Vamos ao quarto do meu irmão, então...

A gente se levantou e eu andei à frente. Não sei por que, mas senti um olhar penetrar o meu corpo...

Bati de leve na porta do quarto do Henrique, mas ela estava apenas encostada e sem querer, eu acabei a
empurrando.

- Que susto! – Henrique murmurou. – Entra aí paizão!

- Ricky, eu e o Fael podemos conversar um pouco no seu quarto?

- No meu? Por que não conversam no seu?

664
- É que a Vivi está dormindo...

- Ah! Já entendi – ele sorriu. – Ok, ok... Fiquem à vontade e finjam que a casa está vazia. Só tomem cuidado com
os barulhos. Podem incomodar os presentes.

Henrique deu uma piscadela e eu quase consegui dar-lhe um soco quando ele passou correndo por mim. Estava
sentindo a minha pele queimar como fogo.

- Pronto – eu falei de costas a ele. – Estamos a sós. O que você deseja?

Eu não ouvi nada, absolutamente nada e quando me virei para verificar se Fael ainda estava a minha espera, duas
mãos urgentes seguraram em minha cintura e os nossos lábios grudaram como dois ímãs.

Rafa introduziu a língua na minha boca, ao mesmo tempo em que eu desci ambas as mãos para as suas nádegas.
Algo começou a me cutucar imediatamente e o Ederzinho ficou mais acordado do que nunca havia ficado em
circunstâncias similares.

Não demorou para minha respiração falhar e o meu coração triplicar os batimentos. Eu estava ficando louco e se
a gente não parasse com aquilo logo, eu já não seria mais responsável pelos meus atos.

- Você... Está... Louco? – eu arfei.

- Uhum. Por você! – ele exclamou, com a mão na área genital.

Engoli toda a saliva da minha boca e disparei os meus olhos para o volume do colo do meu namorado. Ah! Que
se danasse todo mundo... Eu também o queria, eu também precisava... Então, por que não arriscar? Com o
perigo, tudo ficava mais gostoso...

Lancei-lhe um sorrisinho sacana e fui até a porta. Girei a chave duas vezes, voltei lentamente e já tirando a minha
camiseta. Não queria perder tempo.

O meu maior anjo me pegou nos braços e me jogou com força na cama. Eu senti as minhas costelas baterem
contra o colchão e este fez um barulho esquisito, mas eu decidi não dar bola ao acontecimento. Fael veio por
cima de mim, tirou a camiseta e jogou longe, começou a beijar o meu pescoço e eu a arranhar as suas costas.

- Você me mata – sussurrei.

- E você me enlouquece!

Ouvi barulho de passos no corredor e aquilo fez com que eu perdesse um pouco da concentração, mas logo as
caricias do Rafa voltaram a me alucinar e eu voltei por completo ao nosso planeta.

- Hoje eu só quero brincar um pouquinho – ele me provocou com uma mordidinha nos meus lábios.

- Ah, é? E você quer brincar de quê, hein?

- Fecha os olhos que você vai ver...

665
Deitei mais um pouco e cerrei as minhas pestanas. Duas mãos ágeis tiraram o resto da minha roupa e
rapidamente tomaram posse do meu pênis. Eu também queria. Não era justo só ele se divertir.

Mordi meus lábios e fechei meus dedos com força no lençol da cama. Que moleque safado! Ele passou os dedos
pelo meu saco, pelo meio das minhas pernas, pelas coxas e voltou novamente ao pau, segurando com bastante
força.

- Vira de lado! – ele mandou.

Não precisou ele falar novamente. Eu deitei de lado enquanto ele fazia alguma coisa. Fiquei com vontade de
abrir os meus olhos para poder ver novamente a luz em minha face, mas algo estava me bloqueando, eu só
conseguia obedecê-lo e mais nada.

- Pode abrir os olhos agora – ouvi a voz grave dele no meu ouvido.

Eu voltei a enxergar imediatamente. Ele estava pelado ao lado da cama, o pau, estava para cima, com as veias
salientes e a glande totalmente exposta. Passei a língua lentamente pelos meus lábios, a minha boca ansiava por
aquele homem... Mas pelo o que eu estava percebendo, ele iria só me fazer passar vontade.

Rafa deitou-se de ponta cabeça e eu achei aquilo um tanto quanto estranho, mas depois percebi as suas intenções.
Seu membro ficou na altura dos meus olhos e de longe eu estava conseguindo sentir o cheiro do meu macho... O
cheiro do meu Rafael...

Me aproximei com cuidado e aos poucos, fui me entregando mais ao jogo que ele estava fazendo... Tudo estava
valendo naquele momento.

- Chupa! – a voz dele ordenou.

E eu coloquei tudo na boca. Estava um pouquinho salgado, mas logo a baba foi engolida e a glande ficou
novamente limpa. Vez ou outra, uma gotinha minúscula de esperma ficava por cima da minha língua, mas eu não
estava ligando, tudo o que eu queria, era saciar a vontade do meu príncipe.

Algo quente e molhado envolveu o meu cacete que já estava latejando. Remexi de leve as minhas pernas para
facilitar o movimento e não demorou para que eu já estivesse molhado e começando a sentir prazer.

Continuamos assim por uns cinco minutos, depois eu me deitei de barriga para cima e ele jogou o corpo por cima
do meu. Enquanto eu chupava a pica do Rafa, acariciava o meio de suas nádegas com os meus dedos, fazendo
movimento circulares para facilitar o orgasmo do meu anjo.

Ouvi um gemido baixo e senti o pau dele endurecer. O mesmo aconteceu com o meu e quando menos esperei,
jorrei todo o meu liquido na boca do meu namorado. O mesmo aconteceu com ele. Ele gozou na minha boca...

Tive dificuldade para ingerir todo o esperma, ele estava saindo em abundância. Eu também estava gozando além
do normal, mas aquilo estava me fazendo tão bem! Era um orgasmo maior, mais intenso... E aos poucos eu senti
o meu pau amolecer e uma sensação de cansaço invadir o meu corpo.

666
Fiz questão de limpar a última gota do sêmen do Fael antes de tirar o pau da minha boca. Ele continuou gemendo
até eu parar e a gente só voltou para a posição normal, depois que recuperamos as nossas forças.

- Eu estava precisando disso – confessei meio timidamente.

- Eu também. A gente tem que aproveitar essas brechas da Vivi para poder ficar juntos, senão a gente não vai
conseguir namorar direito – ele fez um biquinho.

Apertei-lhe o nariz e nós nos abraçamos. Era bom estar com o Fael. Eu me sentia completo. Naquele momento
ainda mais, depois do reconhecimento da paternidade da Vitória.

- Eu entendo que você está atarefado com a neném – ele disse. – E eu vou esperar o tempo que for necessário, até
que as coisas se ajeitem, está bem?

- É por isso que eu te amo amor, eu não podia esperar menos de você! Que bom que você me compreende.

- Se eu não te compreender, quem compreenderá?

A gente se beijou. Uma, duas, três... Inúmeras vezes até nos vestirmos e sair do quarto. A barra estava limpa, por
sorte não havia ninguém no corredor. Às vezes eu não entendia como as coisas estavam ao nosso favor durante
tanto tempo.

Fael e eu fomos direto ao meu quarto, para ver como estava a minha filhinha. Fiquei admirado ao ver meu irmão
mais velho dormindo com ela na barriga. Achei aquilo lindo. Fael, assim como eu, ficou parado, olhando os dois
descansarem. Tio e sobrinha em uma sintonia perfeita. Fiquei feliz.

- Pede a máquina para a minha irmã – eu sibilei, bem baixinho.

- Aham.

Meu lindo saiu andando lentamente para não despertar o cunhado, enquanto eu fiquei imaginando aquele
pequeno ser correndo atrás do Henrique para pedir dinheiro para comprar doce e todas aquelas parafernálias que
crianças adoram...

Eu vi uma Vitória grande. Moça. Linda... Com os meus olhos, com as minhas manias... Meu Deus, como seria
quando a minha princesinha fosse maior? Como seriam as coisas?

Balancei a cabeça freneticamente. Não. Ela não ia crescer. Não a minha Vitória... Ela tinha que continuar
pequenina e frágil como uma pétala de rosas... Ela tinha que ser eternamente a minha princesinha...

Um turbilhão de vozes entrou pelo quarto e eu fui acordado de meus devaneios. Minha mãe ficou parada ao meu
lado, provavelmente com a mesma fisionomia que a minha. Admirando aquela cena linda... Meu irmão...
Dormindo com a minha filhinha...

- Essa foto ficará linda – Giselle anunciou.

Ela bateu uma, duas e três fotos, uma de cada ângulo. Henrique era meio estranho às vezes... Ora acordava com
um tilintar de copos na cozinha, ora não acordava nem com a Terceira Guerra Mundial... Garoto esquisito!

667
- Deixem-no dormir – minha mãe falou, quando meu pai e meu outro irmão foram acordar Henrique. – É um
momento dele. Não atrapalhem!

E então nós recuamos, mas eu deixei uma pequena fresta da porta aberta. Eu precisava conferir se a Vivi estava
bem...

Fael decidiu ir embora e se despediu de mim com apenas um tapa na cintura. Desejei-lhe boa noite e fui abrir o
portão. Não nos demoramos na rua, ele estava com pressa e eu fiquei me perguntando se ele queria ir ao
banheiro... Dei de ombros e voltei para casa.

Foi difícil não acordar o Henrique, mas a minha mãe tinha razão. Ele parecia estar tão tranquilo naquela posição.
E a minha bebê deveria estar gostando do calor da pele do tio mais velho, então eu não fiz nada. Apenas fiquei
sentado ao lado da cama, observando o soninho da minha princesinha.

Como era linda a minha bebê. O narizinho tão minúsculo combinava perfeitamente com o resto do rostinho
branco e liso. A boca era a mais perfeita de sua obra. Fininha, pequenininha e vermelhinha... Quase igual ao do
tio Rafael. O queixo eu não tinha mais dúvidas. Era meu e ninguém ia tomar. Fino na ponta e com um leve furo
no meio.

Olhei para a orelha direita de Vitória e senti falta de um brinquinho para enfeitá-la. Será que ia doer muito se eu
furasse o lóbulo da menina? Eu não queria que ela sentisse dor... Ia doer mais em mim do que nela... Não, não...
Vivi não podia se submeter a uma tortura daquelas com tão pouco tempo de vida...

- Baba mais um pouquinho – ouvi a voz do meu irmão.

Eu cruzei meus olhos com os dele e ambos sorrimos.

- Não tem como não babar...

- É eu sei. Eu sei.

- Em pensar que a gente pensou que você também teria um, hein?

- Acho que se as nossas suspeitas tivessem sido concretizadas, hoje já não seria mais só a sua filha...

- Uhum.

- Ela é tão quietinha, tão calminha...

- Graças a Deus.

- Você a ama?

Fechei os meus olhos e suspirei sorrindo.

- Amo – respondi olhando nos olhos dele. – Eu a amo mais do que tudo nesse mundo.

- Os seus olhos brilham quando você fala dela.


668
- Ah, Ricky! É uma felicidade tão grande, sabe?

- Eu não sei, afinal ainda não sou pai, mas eu posso imaginar.

- Quando você for você vai me entender.

- Mas toma a sua pequena, eu quero tomar um banho e cair na minha cama.

Fiquei de pé e segurei a minha neném com muito cuidado para que ela não acordasse.

- Boa noite Eder – Henrique cumprimentou.

- Boa noite Ricky.

- Agora falando um pouquinho sério, deixando as brincadeiras um pouco de lado... Parabéns, viu?

- Obrigado – eu acabei sorrindo. A minha felicidade não tinha tamanho.

Meu irmão deu-me um beijo no rosto e um muito carinhoso na testa de Vitória e por fim, saiu do quarto. Eu me
deitei ao lado da minha filhinha e como antes, passei o meu braço por cima de seu corpinho. Mesmo com a pouca
claridade, eu conseguia distinguir perfeitamente os traços de seu rostinho lindo, e acabei, novamente, pegando no
sono com a visão daquele anjinho de Deus em seu sono.

As duas e quarenta e cinco da manhã, acordei com o choro angustiado da minha menininha. Eu saí da cama
rapidamente, liguei a luz, a segurei no colo e coloquei a mão na fralda para ver se era esse o motivo de tanto
choro.

E era.

- Oh, meu anjinho...

Coloquei a Vitória na cama e notei que ela estava um pouco agitada. Será que aquilo era normal? Peguei uma
fralda limpa, os lencinhos umedecidos, abri os botões de seu macacãozinho e me preparei psicologicamente para
o que meu nariz teria que suportar.

- O que é Eder? O que ela tem?

- A fralda suja mãe – eu respondi.

- Ah! Quer ajuda?

- Por favor?

- Claro amor.

Minha mãe trabalhou comigo. Enquanto eu levava a sujeira para o lixo do banheiro, ela limpou a neta e quando
eu voltei, já estava tudo pronto. Confesso que me demorei mais que o suficiente no banheiro, aquele era o pior
trabalho de ter que cuidar da menina. Mas eu tinha que me acostumar.

669
Embora já estivesse limpa, Vivi não parou o choro. Eu e minha mãe ficamos procurando algum motivo para o
fato. Ela não queria mamar, embora estivesse na hora, não queria água... O que estava acontecendo com a
pequena?

- Posso? – eu pedi com os braços abertos.

- Será que ela não quer a mãe?

- Não sei.

Aninhei minha filha nos braços e fiquei a chacoalhando por um lado e para o outro. Fiquei olhando dentro dos
seus olhinhos enegrecidos e tentei passar o máximo de segurança possível. Não demorou para ela se acalmar,
mas ainda estava gemendo.

- Quer dizer que a senhorita com essa idade já está fazendo manha para ir no colo do papai? – minha mãe
brincou. – Ela se sente segura com você.

- A senhora acha?

- Tenho certeza.

- Ah, que bom – eu me senti um pouquinho.

- Tente dar a mamadeira agora.

Sentei na minha cama e coloquei a menina em meu braço direito. Naquele momento ela mamou, mas não
adormeceu. A minha mãe ficou ao meu lado até a gente acabar de fazer as coisinhas para a Vivi e depois, nós
fomos dormir.

- Obrigado – eu disse, antes dela sair.

- Eu estou aqui para isso!

Por volta das seis horas da manhã, repeti os mesmos feitos com a minha filha, mas quem me ajudou daquela vez,
foi o Marquinhos.

Ele foi cuidadoso ao manusear o corpinho da criança e eu senti que podia confiar nele, ele não ia me desapontar.

Fiquei dormindo até pouco antes das onze horas. Quando acordei, eu e Marcus demos banho na Vivi e depois
ficamos o resto da tarde a mimando.

Quando a minha filha completou um mês de vida, os pedreiros iniciaram a reforma do segundo andar da minha
casa. Eu tive que deixar a Vitória com a mãe por um longo período, mas não me preocupei, era bom ela ter o
leite materno por perto. Eu só esperava que o leite da Natália não contesse o menor vestígio de seu veneno...

Nem eu, nem meus irmãos conseguimos conviver com a reforma do sobrado. Era difícil todos nós dormimos no
meio do pó e da sujeira, então, uma semana depois do inicio da obra, eu, Henrique, Gabrielle e Marcus fomos
morar, momentaneamente, na casa do Fael.

670
- Obrigado por recepcioná-los Jorge – o meu pai agradeceu.

- Que é isso Alexandre! É um prazer poder ajudar.

Meu sogro me lançou um olhar um tanto quanto severo, mas eu não dei atenção, concentrei todas as minhas
energias positivas na minha menina, e as negativas, deixei correr pelo ar.

- Vamos ver como ficam os quartos? – Cláudia perguntou com um sorriso nos lábios.

- Claro – a minha mãe disse.

- Tem o quartinho dos hóspedes, mas é pequeno, não caberão os quatro...

- Nele podem dormir o Marcus e o Henrique. Ou o Henrique e o Eder. Ou o Eder e o Marcus.

- A Gi pode dormir comigo – a Natty falou, puxando a minha irmã pelo braço.

- Eu vou adorar – minha irmã disse.

- Eu fico com o Marcus – o Henrique falou, colocando o ombro no nosso irmão, mas olhando para mim.

- E eu? – me fiz de vitima.

- Tem um colchão de ar na lavanderia – Jorge falou. – Você pode dormir lá...

Meu pai caiu na gargalhada, mas a minha mãe e a Cláudia não gostaram da brincadeira.

- Ele dorme no meu quarto – Fael propôs, com toda a inocência do mundo.

- Mas eu não vou te atrapalhar?

- É claro que não Eder.

- Sério mesmo?

- Claro que sim!

- Então tá.

Gaby e o namorado ficaram disfarçando para não rir.

- Eu só não quero que o senhor – Jorge falou, apontando no nariz de Henrique – e nem o senhor – dessa vez ele
apontou para mim –, fiquem indo às escondidas no quarto das minhas filhas!

- É claro que não! – meu irmão e eu dissemos ao mesmo tempo.

O assunto deu-se por encerrado depois de uns dez minutos. Coloquei a Vitória no berço e fui direto para o meu
novo quarto, com o meu companheiro de aposentos.

- Se eu for te atrapalhar você fala, viu?

- Claro, pode deixar – ele sorriu.


671
Ficamos nos beijando por um longo período. Era bom ficar pertinho do meu namorado.

Eu o levei até a nossa cama e me deitei por cima. Uma mão boba começou a descer pelas minhas costas e entrou
pelo cós da minha calça, apalpando de leve as minhas nádegas.

- Safado – eu falei baixinho.

- Só um pouquinho.

Tirei a minha camisa e a minha bermuda, mas deixei Fael completamente vestido. Giramos na cama algumas
vezes, até que ele acabou definitivamente em cima de mim.

- Hoje você vai ser meu!

Fiquei pelado como num piscar de olhos. Ele ajoelhou-se no meio das minhas pernas, passou a língua pelo meu
corpo e quando chegou no meu pau, não se fez de rogado. Chupou e chupou gostoso.

Eu estava praticamente delirando, quando alguém tocou de leve na porta e fez com que o meu clima acabasse por
completo.

- Não, eu não estou acreditando...

- Calma – ele falou. – Quem é?

- Rafa... Visita – era Cláudia.

- Quem é a uma hora dessas, mãe?

- Seu amigo Otavio. Ele não me parece muito bem!

- Ah, mãe! Pede para ele vir depois!

- Rafa... Ele está chorando!

Fael olhou para mim com os olhos arregalados. Chorando? Por que o amigo dele estava chorando?

- Ai amor, desculpa...

- Relaxa. Vai consolar o seu amigo!

Ele saiu e eu fiquei a ver navios. Vesti-me por completo, enquanto eu pensava no que fazer. Se eu fosse espionar
poderia descobrir alguma informação que não me agradaria... Será que era uma boa ideia?

Coloquei os meus valores em primeiro lugar e resolvi deixar o meu namorado conversar a sós com o amigo dele.
Bati três ou quatro vezes na porta da Natália, mas quem a abriu foi a minha outra cunhada.

- Ué, você?

- Não, a chapeuzinho vermelho – brinquei, entrando sem ser convidado.

672
A minha filha estava com os olhos abertos no colo da mãe. Eu me sentei em uma cadeira de balanço que estava
próximo ao armário e coloquei as duas mãos na nuca. O que o tal do Otavio queria com o Rafael?

- Ela já mamou?

Vitória começou a choramingar e eu achei aquilo estranho.

- Já sim – Natty respondeu, trocando a criança de posição para que a mesma se acalmasse, mas isso não
aconteceu.

- Posso? – eu pedi, já indo pegá-la no colo.

- Pode.

- Oi filha! – eu disse com a voz doce, já puxando Vitória das garras venenosas de Natália. – Você quer o colo do
papai, quer meu amor?

Só foi debruçá-la em meu ombro que a menina se calou. Eu já estava começando a entender aquele chorinho
esquisito dela.

- Pronto pronto... Passou!

Gaby ficou olhando para mim, mas eu não quis retribuir o olhar. Deitei mais na cadeira e coloquei a Vivi de
bruços no meu peito. Ela ficou com os olhinhos abertos e vez ou outra emitia um gemido baixo, mas eu sabia que
ela estava gostando.

- Ela queria o pai – Gabrielle disse.

- Aham – eu me gabei. – Ela já fez isso algumas vezes.

Vi que a Natty fez cara de nojo para mim, mas eu não dei bola. Meus dois irmãos entraram no quarto sem
permissão e já foram se sentando na cama da minha cunhadinha menos preferida.

- Calor né gente? – Henrique tentou ser sociável, mas ninguém respondeu.

Imediatamente lembrei do namoradinho de Natália. O Anderson. Onde será que ele estava? Eu não o tinha visto
já havia algum tempo...

- Natty?

- O que é?

- Posso perguntar uma coisa?

- Manda.

- Cadê o seu namorado?

- Namorado? Que namorado, menino?

673
- Como que namorado? Acho que era Anderson o nome dele, não era? Aquele idiotinha ciumento que eu vi no
portão...

- Ah! A gente não está mais junto Eder. A fila anda.

- Ah!

- Por quê? Está interessado em mim agora? – ela sorriu.

- Não. Ao contrário. Perguntei mesmo só por perguntar.

- Quem vê pensa – ela murmurou.

- Me dá ela um pouquinho Eder? – Ricky pediu.

- Ah, Ricky... Ela está tão quietinha...

- Anda, para de ser chorão, eu não vou engolir a menina não – ele disse isso e já pegou Vitória no colo. – E
aproveita para pegar um copo de água para mim.

- Ah, vá ver se eu estou lá na esquina, rapaz?! Que folga do caramba!

Coloquei novamente as duas mãos atrás da nuca e fiquei balançando lentamente.

- Vai Ed! Por favor?

- Não!

- Cadê o Fael? – Natty perguntou.

Lembrei na hora do amigo do Rafa.

- Ah, eu vou! – eu dei um pulo da cadeira. – Aproveito para beber um copo também.

- Ah! Muito bem mocinho!

- Alguém me responde onde está o meu irmão?

- Conversando com um amigo dele – eu respondi, já saindo do quarto.

É claro que eu estava com a intenção de ver o que estava acontecendo com o meu namorado. Algo não estava me
cheirando nada bem... Caminhei lentamente até a sala e quando estava descendo as escadas, pude ouvir parte da
conversa dos dois.

- Calma – Fael disse. – Vai ficar tudo bem! Eu estou com você, está bem?

Eu estou com você? Como assim, eu estou com você? Que diabos era aquilo?

Quando eu finalmente desci o último degrau, meus olhos voaram para o Fael como uma águia. Minha boca se
abriu com o que eu estava vendo. Não, eu não podia acreditar... O meu namorado, o meu Rafael? Abraçado com
um carinha que eu nunca havia visto na minha vida?
674
Quando recuperei o movimento das minhas pernas, caminhei até a cozinha e tentei não pensar no que eu tinha
visto. Ele estava abraçado com o moleque. Abraçado! E tinha falado que estava com ele... Com ele!

Ah, se o Rafael estivesse me traindo... Eu não seria responsável pelos meus atos... Eu peguei um copo no
escorredor e enchi de água do filtro. Bebi tudo quase em um gole. Repeti a dose e tentei me acalmar. Eu poderia
estar me precipitando...

Coloquei a água do meu irmão, respirei fundo e voltei para a sala. Eles ainda estavam juntos e por incrível que
pareça, Fael conseguiu dar atenção a mim.

Nossos olhos se cruzaram e eu fechei a cara totalmente. Ele me lançou um olhar assustado, os olhos estavam
arregalados e as sobrancelhas unidas. Sim... Ele só podia ter culpa no cartório!

Subi as escadas correndo e quase derrubei o copo quando passei pelo último degrau. Não sei se ele largou o
Otavio ou não, mas eu também não estava mais me importando com aquilo. Tudo o que eu queria era a minha
filhinha.

Abri a porta com força e quase acertei as costas da minha cunhada. Dei só dois passos até o Henrique para
entregar-lhe a água, mas não olhei para ninguém. Nem mesmo para a Vivi.

- Por favor, Marcus, a segura aqui... – Ricky pediu.

Minha filha foi para os braços do tio mais novo e Henrique roubou o copo das minhas mãos.

- O que é Eder?

- Nada – eu respondi secamente.

- Cadê a princesinha do tio? – Marquinhos brincou com a Vivi.

- Posso?

Ele me olhou com os olhos tristes. Ela tinha acabado de ir para o seu colo e eu já estava a roubando.

- Por favor? – eu pedi com os olhos nos dele. Acho que ele me entendeu.

- Eder? Algum problema? – Gaby sondou.

- Nenhum – eu menti. – Eu só quero deitar com a Vivi um pouquinho.

Puxei o corpinho da minha menina e a debrucei em meu ombro. Eu voltei lentamente para o quarto do Fael,
coloquei a minha princesa na cama de casal e me deitei ao seu lado. Ela adormeceu em questão de segundos e eu
fiquei processando tudo o que eu havia visto.

Abraçado com um cara. Como ele era capaz?! Como?

Meus olhos se encheram de lágrimas e eu não sabia se era de tristeza, decepção ou ódio. Todos os meus
batimentos estavam sendo respondidos nas minhas fontes. Eu apertei meus dedos contra o meio das sobrancelhas
para tentar me acalmar, mas nada me tranquilizava.

675
Filho da mãe! Meu namorado... Como ele era capaz de fazer aquilo comigo? Como?

Não sei por quanto tempo eu fiquei com aquela imagem na cabeça, não sei se passaram segundos, minutos ou
horas, tudo o que eu queria era uma explicação. Se é que havia uma.

A porta do quarto foi aberta e eu encontrei de imediato o meu mar particular. O verde estava tão intenso que eu
me arrepiei.

- Eder...

- Só um momento, eu não quero que a minha filha presencie isso...

Aconcheguei a Vitória no meu colo e voltei para o quarto da Natty. Todos ainda estavam lá e não houve um que
não me olhou quando eu entrei.

- Alguém a quer?

Gaby foi mais rápida e passou os braços em volta da sobrinha antes de qualquer outra pessoa. Eu não falei nada,
apenas saí e encostei a porta ao passar. Estava sentindo vontade de gritar, mas eu ao estava na minha casa, não
podia me sujeitar a tal ato.

Quando entrei, ele estava sentado na beira da cama com as duas mãos na cabeça. Notei uma certa tensão no ar.
Algo realmente estava acontecendo.

- Eder...

- Explique-se – eu disse indo até a janela de braços cruzados.

- Não é o que você está pensando.

- Não é o que você está pensando – eu repeti a frase. – Por que será que todo mundo fala isso quando é pego no
flagra?

- Calma... Eu não fiz nada... Não é isso!

Ele se aproximou de mim, mas eu me afastei, andando até a porta.

- Calma – ele pediu novamente.

- Eu estou calmo – menti com as mãos trêmulas.

- Ele é meu amigo.

- Ah, belo amigo... Eu estou com você – imitei o tom de voz do Fael. – O abraço dele é aconchegante? Ele beija
bem? Você acha que eu sou idiota Rafael?

Eu já estava alterando o meu tom de voz. Estava sentindo vontade de bater na cara dele. Cínico!

- Eder o irmão dele faleceu!

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Eu nem me lembrava mais o que ia falar. Deixei a minha boca entreaberta e fiquei olhando para os olhos do meu
Rafael. Ele não estava mentindo.

- Sério? – falei com a voz mais baixa.

- Você acha que eu ia brincar com uma coisa dessas?

Novamente não tive o que responder. Confesso que fui um tanto quanto precipitado, mas qualquer um pensaria o
mesmo que eu. Ou não?

- Mas... Como foi isso?

- Câncer.

- Câncer?

- Uhum.

Fael me puxou para um abraço. Como nós já estávamos quase da mesma altura, eu deitei a minha cabeça em seu
ombro. Coitadinho do amigo do meu anjinho!

- Coitadinho...

- É. Ele está arrasado...

- Não é para menos! Você vai ao velório?

- Vou, eu vou sim... Ele pediu a minha ajuda...

- Se você precisar eu estou ao dispor.

- Não, não fique preocupado com isso. Fique aqui com a Vivi...

- Você tem certeza?

- Absoluta.

A gente ficou agarradinho por mais alguns segundos e depois nos beijamos. Como eu havia sido idiota ao
desconfiar do meu namorado...

O pai do Fael acabou indo com ele para o IML para poder liberar o corpo. Eu não tinha ideia que o Otavio
trabalhava com eles, e o Fael também não tinha me dito nada, mas também, depois do baque eu não tinha como
cobrar muita coisa.

A família ficou um tanto quanto abalada, mas ninguém, além do pai e filho, foi ajudar o garoto. Não sei de por
medo ou simplesmente dó.

- Difícil isso né? – Cláudia suspirou.

- A vida é assim – Giselle disse. – Uns nascem e outros morrem.

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Rafa só conseguiu se acalmar uma semana depois do enterro do Gregório. Coitado. Eu o entendia e era solidário.
Ele sentiu muito o que estava acontecendo com o amigo.

A reforma na minha casa estava barulhenta e definitivamente lenta. Eu conversei com o meu pai a respeito do
assunto e ele pareceu perceber o mesmo que eu: os pedreiros estavam enrolando para ganharem mais dinheiro.

Foi necessário uma conversinha extra com os peões para que estes começassem a trabalhar de verdade. E foi
então que as coisas começaram a mudar.

A janela, por sorte, ainda estava no mesmo lugar que antes, mas entre a minha e a do quarto ao lado, apareceu
mais uma... A janela do quartinho da minha filhinha...

- Não entendi – Giselle analisou. – As duas janelas estão no mesmo lugar, como que apareceu uma no meio? Eles
não diminuíram os quartos então?

- Talvez eles tenham diminuído, mas tenham deixado as janelas no mesmo lugar...

- Ah, negócio complicado!

A cada dia que passava, Vitória ficava mais linda e sapeca. Ao completar dois meses, eu notei que os olhinhos
estavam mais claros, já não eram da cor de jabuticaba... Estavam em uma tonalidade de chocolate... Será que
iriam ficar iguais aos da mãe?

- Ela puxou a mim – Natty se gabou. – É a minha cara!

- Não ofende a menina – Rafael brincou. – A coitadinha é muito pequena para comparações, né meu amor?

Adorei o que ele disse a ela... De vez em quando nem os irmãos aguentavam a insuportável da minha
cunhadinha.

Após todo o transtorno com o falecimento do irmão do amigo do meu gatinho ter passado, as coisas voltaram aos
eixos no nosso relacionamento e era raro não haver uma noite em que a gente não transasse.

- Como é bom ter você ao meu lado todas as noites – ele disse em um desses dias.

- Eu também acho amor.

- Vocês bem que poderiam morar aqui...

- Com a sua irmã? Com o seu pai? Não, obrigado. Mas você poderia morar lá na minha casa...

- Como se a minha mãe fosse deixar!

A gente ficou conversando por mais um período e acabamos pegando no sono. Quando novembro chegou, o
clima do final do ano estava ficando cada vez mais forte. Parecia que havia sido no dia anterior que eu estava em
Angra, e naquele momento, já estava pensando no meu próximo destino.

- A gente tem que ir para Porto de Galinhas – meu irmão disse. – Esse ano não tem escapatória.

- Tem que ser em um lugar onde a bebê possa se adaptar bem – Gabrielle disse.
678
- Ela vai? – Marcus se espantou.

- E você acha que eu vou ficar longe da minha filha? – eu o questionei.

- Não.

- Então pronto!

No dia onze do mesmo mês, Fael e eu comemoramos um ano do nosso primeiro beijo indo jantar à luz de velas
em um restaurante da zona leste da cidade. É claro que o ambiente era reservado para casais homossexuais, então
eu não me preocupei muito com o que estávamos fazendo.

- O que você vai querer ganhar de aniversário? – ele me perguntou.

- Você.

- A mim você já tem. Quero saber outra coisa que você queira.

- Hum – eu pensei enquanto coçava o queixo. – Pode ser você ao quadrado?

Ele sorriu e apertou o meu nariz. Adorava ficar daquele jeitinho com o meu menino.

- Pode. Mas além disso, o que você quer?

- Não quero nada Fael. Só saúde e paz! O resto é o de menos...

- Isso eu não posso te dar. Talvez só a paz.. Mas a saúde cabe a você...

- Palhaço!

- Mas já que você não me diz, eu vou comprar o que estou pensando mesmo.

- E o que você está pensando?

- Não é nada seu curioso. Na terça-feira você descobrirá.

- E o que o senhor quer ganhar?

- Nada. Já tenho tudo o que preciso!

- Sério mesmo? Eu não teria tanta certeza.

- Hã? Como assim?

- Nada. E como está o trabalho? Você já sabe o dia que vai sair de férias?

- Sei ainda não. Está bem tranquilo. Eu e o Henrique não te contamos uma coisa...

- O quê? Vocês estão escondendo algo de mim?

- É claro que não. A gente só esqueceu de comentar com vocês que nos inscrevemos no vestibular.

679
- Sério amor? Ai que máximo! Espero que desta vez ele passe, porque no começo do ano ele não passou!

- Ele vai passar.

- Em quais cursos?

- Adivinha?

- Deixa-me ver... Você foi em direito?

- Isso!

- E o Henrique com certeza foi em gastronomia novamente.

- Você é esperto!

- Ele não desiste de se tornar um chefe de cozinha...

- Mas ele tem jeito! Cozinha bem.

- Ele quase nunca faz isso lá em casa. É preguiçoso para caramba!

- Não com a namorada por perto.

- Ah, isso é bem uma verdade.

Começou a tocar uma música internacional lenta e romântica. Nossos olhos se cruzaram e eu ouvi o que não
estava esperando naquele momento:

- Me concede o prazer desta dança?

Fiquei um tanto quanto tímido, mas já que era um ambiente para o nosso lado, eu não tinha porque rejeitar o
pedido. Coloquei-me de pé rapidamente, ele segurou em minha mão direita e a gente foi até o centro das mesas,
onde outros casais já estavam se movimentando.

Eu colei o meu corpo ao dele e nós andamos de um lado para o outro, com os lábios quase se tocando. Eu
entreabri a minha boca, estava me sentindo um pouco extasiado com o que estava acontecendo.

- Obrigado – ele sussurrou.

- Pelo quê?

- Por você me fazer o homem mais feliz do mundo há um ano...

Eu não soube o que falar. Meu coração disparou um pouquinho e quando menos pensei, nossas bocas se tocaram
e meus olhos se fecharam. Era como o sabor do primeiro beijo. Era doce. Terno. Ao mesmo tempo, caliente. Fael
colocou uma mão na minha cintura e a outra na minha nuca, enquanto as minhas voaram para o seu rosto. Nós
não interrompemos a dança, mas estava sendo difícil me concentrar nos pés... Tudo estava tão bom! Era como
reviver o nosso primeiro encontro, o nosso primeiro contato... Um ano! E o amor ainda permanecia o mesmo...

680
Nosso beijo foi demorado e lento. Não sei se as músicas pararam ou continuaram tocando, não sei se estavam ou
não olhando para nós e nem se nós estávamos chamando a atenção. Nada me importava. Só o meu namorado.

- Eu te amo muito meu menino...

- Eu também te amo Rafa.

A gente voltou de mãos dadas para a nossa mesa. Eu bebi mais uma taça de vinho, enquanto ele pedia a conta.
Ficamos brigando para ver quem ia pagar, mas eu acabei perdendo a disputa. O resto da noite, eu e ele ficamos
em um motel lindo, espaçoso e pouco frequentado. A noite foi maravilhosa.

No dia seguinte a nossa comemoração, eu, meus irmãos e minha filha pudemos finalmente voltar para nossa
casa. O segundo piso ficou renovado. Eu não estava mais reconhecendo o meu quarto. Toda a casa estava com a
pintura renovada, toda a parte inferior estava de cor azul bebê, o corredor, o quarto dos meus pais, o meu e os dos
meus irmãos também continham esta cor mais calma, só o que transcorria à normalidade, eram os aposentos da
minha irmã e da minha filha, ambos, na cor rosa.

Talvez o que me deixou mais impressionado foi o local onde Vitória passaria os próximos anos de sua vida.
Estava tudo lindo. Lindo, lindo, lindo! Meus pais tomaram o cuidado de mesclar as tonalidades de cor-de-rosa
com branco, uma parede continha alguns desenhinhos bem pequenos e onde, naquele momento, se encontrava o
berço, eu li o nome dela escrito em letra de mão na cor vermelha. lindo e perfeito!

Os móveis foram uns detalhes à parte. Já havia uma caminha repleta de bichinhos de pelúcia e bonecas que nós já
havíamos comprado, um armário minúsculo na mesma cor do restante da mobília, o berço que estava na parede,
próximo à janela, um lustre com alguns sininhos e fadinhas e um puff branco enorme no canto da parede...
Perfeito!

- Gostou filho?

- Pai... É maravilhoso!

Eu estava com os olhos cheios de lágrimas. Eu nunca havia imaginado que iria ficar tão perfeito daquele jeito.

- Puxa pai! Obrigado!

- Não tem que agradecer Eder. Eu fiz com o maior prazer do mundo. Nossa menina merece um cantinho só
dela...

- A cama... Os bichinhos! Ah, pai!

- Ideia da sua mãe.

- Ela vai gostar tanto quando crescer...

- Isso ainda vai demorar – eu senti um pouco de ciúmes nessas palavras, e eu o entendi. – O que importa é o
conforto da minha netinha.

- Obrigado pai! Obrigado mesmo!

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Dei um abraço e um monte de beijos na bochecha do meu velho. Ele foi realmente impecável em tudo que fez.

- Não tem nada que agradecer. Já viu o seu quarto?

- Bem rapidinho. Queria mesmo ver esse.

- Vamos lá?

Eu o acompanhei até a porta ao lado da de Vitória e também me surpreendi, embora eu já tivesse visto o interior
antes.

Meu guarda-roupa não era novo, mas todo o resto era. Ele colocou uma cama de casal no meio do quarto e o
melhor de tudo: de frente à janela... Eu ia ter uma visão ampla do quarto do Fael enquanto estivesse dormindo. A
minha escrivaninha não era apenas uma escrivaninha, dali em diante, era a mesa do computador que outrora
estava no quarto do Henrique.

- Meu Deus do céu...

Eu caminhei tão lentamente até o quadro gigantesco que estava por cima da cabeceira da minha cama que até eu
estava me irritando. Era um quadro da minha menina dormindo, mas quase do tamanho da parede. Até hoje eu
não encontro uma palavra que se encaixe nesse objeto. Magnífico ainda é pouco.

- Eu não acredito!

- Não podia faltar, né?

- O quarto está perfeito só por essa foto.

Meus irmãos e minha mãe entraram e todos ficaram boquiabertos com o que encontraram.

- Isso eu não sabia né senhor Alexandre?

- Não. Ninguém sabia.

Meu pai e as surpresas dele!

- É o seu presente de aniversário.

- É o melhor presente que eu já ganhei em toda a minha vida!

As lágrimas desceram silenciosamente. Eu não ia cansar de olhar a foto da Vivi na parede. Não mesmo.

- Amor já foi ao nosso quarto hoje?

- Ainda não. Eu não tive tempo – minha mãe respondeu.

- Eu iria, se fosse você.

Meus irmãos mais novos tiveram que me puxar pelos braços para que eu os acompanhasse, mas o que eu queria
naquele momento era simplesmente capotar na minha cama. Será que era boa?

682
Os aposentos dos meus pais eram similares ao meu, mas continha uma televisão novinha em folha. Eu me
perguntei quanto o meu pai havia torrado com aquela “pequena reforma” como ele mesmo gostava de chamar.

- Meus bebês! – a minha mãe exclamou.

Eu, Giselle, Henrique e Marcus estávamos em um quadro do mesmo tamanho do da Vivi. Mas o dela era muito
mais bonito. Eu me lembrava do dia em que a gente havia tirado aquela foto. Tinha sido no natal, dois anos antes
daquela data. Eu estava abraçado com o Marquinhos, o Henrique fazendo pose com um óculos de sol e a Gi
estava agachada com as duas mãos no rosto e com um sorriso lindo.

- Eu lembro do dia que a gente tirou essa foto – Henrique falou.

- Eu também me lembro – minha mãe sussurrou. – Está tão... Linda!

- Eu quero uma também! – o Marcus reivindicou.

- A de vocês ainda não está pronta.

Ficamos proseando e conhecendo o restante da casa até o anoitecer. Como tinha ficado boa a reforma.
Compensou, definitivamente havia compensado todo aquele tempo de espera.

Quando faltou cinco minutos para a meia noite, eu coloquei a Vitória no berço, mas ela ainda não estava
dormindo. Ouvi um choramingo baixinho, mas ela se calou quando eu passei as costas da minha mão no seu
rostinho.

- O papai já volta meu amor...

Fui até o meu quarto, fechei a porta e a janela, me ajoelhei ao lado da minha cama e desabei em agradecimentos.
Não sei por quanto tempo fiquei rezando, eu só me levantei quando ouvi o choro da minha filhinha.

- Obrigado Deus – eu falei mais uma vez. Não podia ter aniversário melhor.

Girei a chave duas vezes e não precisei dar nem dois passos, todos já estavam a minha espera.

- FELIZ ANIVERSÁRIO – eles gritaram.

Eu não tive como sorrir. Eles eram tão lindinhos, tão atenciosos... A primeira que eu abracei com dezessete anos
com certeza foi a Vitória. Dei-lhe muitos beijinhos no meu maior presente e depois a entreguei para a minha
mãe.

Senti a falta de Fael entre os presentes, mas eu sabia que não ia demorar a ele me ligar ou simplesmente aparecer.
Recebi as lembrancinhas dos meus irmãos e os agradeci. A neném não demorou a dormir e aquilo me deixou
livre para atender o celular e fazer o que me fosse necessário.

Quando o relógio marcou uma hora da manhã, o sono bateu e a desesperança também. Por que ele não tinha
ligado ainda? Deitei na minha cama e fiquei olhando o interior do quarto em frente. Tudo estava apagado e o
meu campo de visão não estava muito bom, eu não estava conseguindo ver o interior do quarto...

683
Será que ele tinha esquecido? Ou dormido? Quem sabe estava esperando para fazer uma surpresa? E se não
estivesse? E se o meu namorado tivesse esquecido do meu aniversário?

Estava quase adormecendo, quando ouvi o telefone fixo tocar no corredor. Meu coração acelerou e eu dei um
pulo enorme da cama. Era ele. Só podia ser ele...

- Eu atendo – gritei ainda no quarto. Era para mim. Eu sabia que era.

Eu peguei o telefone com ansiedade, ele quase caiu no chão, mas antes que o fizesse, eu o puxei pelo fio e
coloquei o aparelho no ouvido.

- Alô? – atendi com o coração a mil.

- É... Boa noite...

- Boa noite – eu respondi não identificando a voz.

Não era o meu Fael. A voz era de um adolescente, não de um homem...

- Desculpe o incômodo, meu nome é Richard, eu gostaria de falar com o Marcus, por favor?

- Ah! Tudo... Tudo bem. Eu vou ver se ele pode atendê-lo. Só um momento.

Caminhei com a cabeça baixa até o quarto do meu irmão mais novo e bati de leve na porta para ver se ele ainda
estava acordado.

- Entra.

- Marcus telefone para você – eu disse, colocando a cabeça dentro do quarto. Senti um cheiro familiar, mas não
reconheci o que era.

- Telefone? – ele se surpreendeu. – E quem é?

- Um guri. O nome dele é Richard se eu não me engano.

- Aff – meu irmão suspirou. – Fala que eu estou dormindo, por favor?

- Tudo bem – eu dei de ombros.

Que cheiro era aquele?

- Oi? – eu chamei o menino.

- Alô? Marcus?

- Não, não, eu sou o irmão mais velho dele. Olha só, ele está dormindo... Você pode ligar amanhã?

- Ah! Ah, que pena... Será que... Ah!

- Eu posso ajudar você em alguma coisa?

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- Não, não. Nem é nada demais... – ele disse com a voz mais triste. – Amanhã eu ligo, então! Obrigado.

- De nada.

Não esperei o menino se despedir. Que estranho um amigo do Marquinhos ligar a uma da madrugada... Será que
estava acontecendo alguma coisa?

Peguei o meu celular. Nenhuma mensagem recebida. Nenhuma ligação perdida. Meu Deus do céu, o que estava
acontecendo com o Rafael?

Acordei às sete e quinze com o celular se esguelando.

- Alô?

- Eder?

- Aham. Quem é?

Eu coloquei a travesseira em cima da cabeça. Quem ousava me incomodar tão cedo?

- Não reconhece mais a minha voz não, rapaz?

- Não. Quem é?

- É o seu primo Renato, pô!

Renato? E eu lá tinha um primo chamado Renato?

- Ah – menti. – E aí?

- Tudo certo com você, brother?

- Tudo sim e você?

- Estou bem, graças a Deus. Mas aí, feliz aniversário cara!

- Obrigado – eu suspirei.

- Que Deus te abençoe sempre, muitos anos de vida, saúde, paz...

- Obrigado.

- Saudades de você malandrinho...

E então eu me lembrei! Renato, o meu primo por quem eu tinha tido uma queda anos atrás... Como eu poderia
me esquecer.

- Obrigado por ter lembrado primo – eu falei.

- Eu estava contando os dias para te ligar.


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Apenas dei risada.

- Valeu mesmo – agradeci.

- E aí, como anda a vida? Fiquei sabendo que virou pai! Parabéns!

- É, virei sim... Minha filha já está com quase três meses.

- Eu jamais pensei que você ia aprontar assim...

- É? Por quê?

- Ah, na boa... Eu pensava que você curtia os moleques...

Eu não soube o que responder. Tirei o travesseiro de cima do meu rosto e me sentei imediatamente.

- Sério? Por quê?

- Ah... Umas olhadas que você dava para mim de vez em quando.

Graças a Deus ainda não era possível a pessoa ver a nossa fisionomia através do aparelho celular. Eu estava roxo
de vergonha.

- Que nada haver Renato!

- Foi mal aí mano! Mas eu liguei mesmo só para dar um feliz aniversário, já tenho que desligar.

- Uhum. Obrigado novamente.

- Que é isso. A minha mãe está te mandando um beijo.

- Mande outro a ela.

O quê? Ele tinha falado aquilo na frente da mãe dele? Ele era maluco?

- Um abraço – meu primo mandou.

- Outro.

Tum. Tum. Tum. Tum...

Será que a minha tia tinha ouvido algo? E se tivesse, será que ela ligaria para a minha mãe para contar?

Decidi não pensar em mais nada e como o meu sono já tinha ido para as cucuias, me levantei, fui até a Vitória
para vê-la e percebi que ela não estava no berço.

- Vitória? – eu chamei. Meu coração estava angustiado. Onde será que estava a minha filha?

Eu fui ao quarto dos meus pais, mas ela não estava lá. Também não estava no Henrique, nem na Giselle, no
Marquinhos muito menos. Meu coração já estava saindo pela boca e eu já estava ficando com vontade de chorar.
Onde estava a minha filha?

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A porta do banheiro estava aberta e ninguém estava lá com a minha Vitória. Minhas pernas começaram a tremer,
tudo estava silencioso... Por que eu não estava ouvindo o choro da minha criança? Quem tinha tirado a Vivi do
berço?

- Vitória? – eu chamei com a voz mais alta, afim de alguém me responder.

Desci as escadas correndo, fui até a cozinha, até a lavanderia, na dispensa, no quintal e não encontrei a minha
pequena em lugar nenhum.

Eu já estava começando a ficar desesperado. Alguém tinha pegado a minha filha. Mas quem?

Eu subi as escadas quase que voando, entrei novamente no quarto da Vivi e tentei encontrar alguma coisa que
pudesse me ajudar, mas tudo o que eu vi, foi o cobertorzinho que ela se cobria.

Eu fui até o quarto dos meus pais e notei que a minha mãe não estava na cama. Onde ela estava? Será que havia
saído com a minha filha?

- Pai? Pai? Acorda pai!

- Hã?

- Pai cadê a mãe?

- Não sei Eder, me deixa dormir em paz!

- Pai a minha filha... Cadê a minha filha?

- Que filha Eder? Está delirando? Vai se deitar menino.

- Pai, a Vivi, a Vivi não está no berço!

- Quem é Vivi?

Ele estava todo grogue de sono.

- Seis, oito, vinte e três...

- Não estou falando da mega sena pai! Acorda, por favor?

- Cinquenta e nove, quarenta e oito...

- Ai meu Deus! PAI!

- BINGO! – o meu velho gritou.

- Minha Nossa Senhora, dai-me paciência!

Eu sai do quarto e desci novamente as escadas. Bebi um copo de águas as pressas, eu precisava ver a minha filha,
a minha bebê!

- Calma meu amor – ouvi a voz da minha mãe no banheiro do térreo. – A vovó já vai colocar a sua roupinha...
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Vitória!

Abri a porta do banheiro com agressividade e quase levei uma pancada quando passei por a mesma, que
ricocheteou na parede e voltou com força para o portal.

- Filha! Filha... Minha filha – eu disse, agachando ao lado da minha mãe e segurando a Vivi nos braços. – Meu
amor, você está aqui. Ai que susto!

- Misericórdia! O que é isso, menino? Quer quebrar o azulejo você fala!

Eu senti um arrepio frio passar pelas minhas costas e me molhei ao encostar o corpinho minúsculo da minha
criança na minha roupa.

- Mãe! A senhora quer me matar de susto? Eu estava louco atrás dessa menina!

- Ué, eu estava dando banho nela!

- E por que não está dando lá em cima? Você sabe que esse banheiro é estranho...

- É que lá o chuveiro queimou... Calma filho, a Vivi está bem!

- Graças ao meu bom Deus.

Eu beijei a cabecinha da minha pequena e senti o gosto de xampu em meus lábios. Entreguei-a a minha mãe, que
terminou de banhá-la e aos poucos, meu corpo foi voltando ao normal. Tudo estava bem, afinal de contas.

Eu tinha ficado tão preocupado com o sumiço da minha herdeira que até tinha esquecido do sumiço do Fael.
Quando não era um, era outro, senão os dois!

Peguei novamente o meu celular quando cheguei ao quarto, mas nada dele estava perdido... Ele tinha mesmo
esquecido!

Fiz todas as minhas coisas, dei a mamadeira de Vitória e a levei para a casa da outra avó para que a mesma
cuidasse dela enquanto eu estava fora. A Natty cada vez mais demonstrava não saber cuidar da nossa filha, então
eu decidi que ela moraria comigo de vez, e não houve objeções.

Diogo me recebeu com um abraço de feliz aniversário naquela terça-feira. Senti algo diferente quando o abracei.
Um calor, um frenesi gostoso... Mas nada além daquilo.

- Dezessete anos, hein? Está quase um homem feito.

- Ah, cala a boca! – eu ri.

Passei a minha mão pelo meu rosto e senti, pela primeira vez, a espessura dos pelos do meu rosto em minha pele.
Estavam mais grossos... Era a hora de começar a tirá-los...

- Olha só! Está até criando barba!

- Ah, Diogo! Vai ver se eu estou lá na esquina!

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Ele deu risada e a gente ficou lá, atrás daquele balcão inútil, jogando paciência e vendo o orkut dele vez ou outra.

- Por que você não faz um orkut?

- Porque o meu pai não deixa.

- Hum... Que menininho obediente.

- Ah, para de ser chato! É que por causa da profissão dele, a gente não pode. Já entraram no do Marquinhos e o
da minha irmã e tal, daí é meio zoado e a gente prefere evitar.

- Ah, entendi. O seu pai é advogado, né?

- Isso aí.

- Ah, é meio punk mesmo.

- Um pouco.

Um rapaz um tanto quanto bonito entrou pela roleta da entrada e foi direto ao balcão.

- Com licença, é aqui que trabalha o Eder?

- É – eu respondi.

- E ele já está?

- Sou eu – eu falei, já entediado.

- Ah! É você – o garoto sorriu. Era bonito mesmo. – Só um segundo.

Ele passou pela roleta de saída e eu fiquei encucado. O que ele queria? Por que tinha saído?

- Ih, que estranho – Diogo comentou.

- Né.

E sem mais nem menos eu vejo uma cesta entrando pela roleta. Se eu não soubesse que mágica não existia, seria
capaz de jurar que ela estava flutuando no ar, mas depois eu consegui enxergar as pernas finas do entregador
andando pela locadora.

- Licença – ele disse, colocando a cesta em cima da bancada. – É para você.

- Para mim?

- É. Você que é o aniversariante, não é?

- É acho que sou.

- Então é para você mesmo! – ele sorriu.

- Obrigado – eu suspirei. – É de quem?


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- Abra que você vai descobrir. Tchau!

- Obrigado – eu falei com a voz mais alta e o meu amigo caiu na gargalhada.

- Ele te tirou bonito!

- Aff... Sem comentários.

Dei a volta no balcão e peguei a cesta nos braços. Era enorme e um tanto pesada.

- É de café da manhã? – Diogo sondou.

- Não. É de chocolates.

Haviam muitos chocolates dentro da embalagem. Muitos mesmo. Quem quer que fosse queria me engordar. Ou
deixar o meu rosto cheio de espinhas.

- Oba! Hoje é dia de comer chocolate!

- Vai tirando os olhos do meu presente, faz favor? – eu ri.

Não queria, mas tive que abrir o laço do embrulho com cuidado para ver de quem era o cartão. O envelope azul
estava com um adesivo de “Feliz Aniversário”. Eu enrolei novamente o laço em volta do papel transparente e
tomei cuidado para não danificar nada, embora não parecesse, eu zelava pelas minhas coisas.

Fiquei de olho no Diogo ao mesmo tempo em que lia o cartão. Era a letra do meu amor. Que bom que ele havia
lembrado.

“Príncipe

A minha vontade era te dar o céu, as estrelas e a lua, mas como isso não é possível, quero através destes
chocolates, fazer com o que o seu dia seja mais doce que o normal.

Por favor, não esqueça que eu te amo, está bem?

Nesse momento existem outras prioridades e eu sei que não sou a sua primeira opção, mas não se esqueça de
mim. Eu te amo incondicionalmente e sou capaz de tudo por você.

Um feliz aniversário cheio de bênçãos e coisas boas. Que Deus continue iluminando o seu caminho com muita
saúde, paz e prosperidade.

Desejar-te feliz aniversário é pouco. Você sabe o quanto você merece ser feliz! E eu espero que esteja sendo.

Um beijo meu amor. Tenha um bom dia.

690
Rafael”

Meus olhos se encheram de lágrimas. É claro que ele era a minha prioridade. Só ele. E também a Vitória. E mais
ninguém.

Como o Rafa era bobo de vez em quando... Tudo o que aconteceu entre nós não havia sido à toa... Ele não
precisava pedir para eu dar-lhe atenção... Eu o amava... Incondicionalmente como ele mesmo havia dito...

A cada toque que o telefone dava, eu ficava mais ansioso. Ele não estava me atendendo.

- Quem te deu a cesta? – Diogo perguntou.

- O meu na... O meu amigo – eu falei meio sem graça.

- Ah! Que amigo bonzinho.

- É.

- Está ligando para ele?

- É.

- Posso ler o cartão?

- Não! – eu me indignei. Que curiosidade era aquela?

- Ah! Chato!

- Chato? O cartão é meu e você ainda quer ler?

- Estou curioso.

- É eu estou vendo!

Fechei a cara para o meu amigo e continuei tentando o contato com o meu namorado, mas não havia cristão que
o fizesse atender a porcaria do telefone. Parecia até que estava me testando!

Por falta de tentativas não foi. Como ele não estava me atendendo, o jeito era mandar uma mensagem.

“Bom dia.

Por que você não me atende?

Está vivo? Morreu? Quero falar com você, vê se aparece.

Muito obrigado pela cesta meu anjo, eu adorei. É linda, é perfeita... É enorme! E eu vou comer tudo sozinho!!!

Amei, amei e amei! Obrigado e vê se me liga.


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Eu te amo para sempre. Um beijinho na ponta da orelha.

Seu Eder.”

- Mandou uma mensagem?

- Diogo, o que está acontecendo? Dormiu com a Maria perguntadora essa noite? Sangue de Jesus tem poder,
minha gente!

Ele deu risada e uma cliente pequena entrou na locadora.

- Deixa que eu vejo o que ela quer, já que hoje é o seu dia, você merece um descanso.

- Valeu.

Sentei na minha cadeira, escondi o meu presente embaixo do balcão para a menina não ver e continuei mexendo
no meu celular. Recebi uma mensagem do Arthur me desejando feliz aniversário e quando a fui responder, veio
uma notificação informando que o meu saldo havia acabado.

- Maravilha!

- É três reais e cinquenta centavos – o Diogo falou à menina. – Você paga agora ou na retirada?

- Na retirada.

- Quinta feira, dia dezesseis até às vinte horas.

- Está bem moço! Obrigada.

- Essa criançada.

- Di, você faz um favor para mim?

- Depende, se este favor for bom eu faço – ele sorriu.

Eu não entendi, mas dei de ombros.

- Compra um cartão de recarga para o meu celular ali na padaria?

- E o que eu vou ganhar em troca?

- Nada afinal de contas o aniversariante sou eu. Você pode ou não comprar?

- Posso. Dá-me o dinheiro.

Peguei a minha carteira na primeira gaveta, ao meu lado esquerdo e abri o zíper. Eu contei as cédulas
rapidamente e entreguei ao meu amigo dezoito reais. Era o suficiente.

- Qual a operadora?

692
- Vivo.

- Eu já vou e já volto seu chorão.

- Obrigado.

Mas ele não voltou tão rapidamente como havia prometido. Eu fiquei esperando por mais de quinze minutos e
nada dele chegar. Quando eu ia passando a roleta para ir à calçada, ele apareceu na minha frente.

- Foi fabricar o crédito?

- Ah, não tinha na padoca, eu tive que ir à farmácia.

- Ah, que lindo! Não tem na padaria, mas tem em uma farmácia?

Fui até o caixa da empresa, abri a gaveta com a chave e peguei uma moeda qualquer. Raspei a tarja preta do
papelão até toda a numeração ser descoberta e digitei o código no meu celular.

- Em instantes... – a moça disse.

Apareceram três mensagens no visor do meu celular. Eu li as três. Tinha ganhado alguns torpedos, um pouco de
bônus e os dezoito reais que havia inserido. Até que não estava tão mal.

Mandei o agradecimento para o meu amigo e depois fiquei ali, olhando o movimento da rua, sem ter nada o que
fazer.

- Quer almoçar? – Diogo perguntou.

- Que horas são?

- Dez para o meio dia.

- Não, está cedo. Se quiser, vá você.

- Você segura as pontas?

- Claro que sim.

Durante a próxima hora, ninguém entrou na locadora e eu fiquei viajando no meu oceano particular. Que
saudades que eu estava sentindo do meu Rafael.

Meu garoto perfeito estava ficando mais velho, mais maduro. Iria completar vinte e um anos de idade. Será que
iria se transformar mais ainda? Será que iria mudar o comportamento? Os gostos? As vontades? A filosofia de
vida? As metas?

Quando o telefone tocou, eu tomei um susto tão grande que quase cai da minha cadeira. Meu coração disparou
sem frear em nenhum momento e eu peguei o aparelho com as mãos tremendo.

- Alpha Locadora, Eder, bom dia? Desculpe-me, boa tarde?

- Boa tarde cara. Qual é o seu nome mesmo? – era um homem.


693
- Eder.

- Oi Eder. Eu gostaria de saber se vocês têm um filme.

- Qual o nome dele?

Ele me disse e eu digitei na tela do computador. Apareceu imediatamente.

- Temos sim.

- Eu posso passar aí para alugar então?

- Pode sim.

- Amanhã vai abrir normalmente?

- Não, amanhã é fechado.

- Devolução na quinta?

- Isso.

Eu estava começando a me irritar profundamente.

- E quanto é?

- Por ser lançamento é três e cinquenta.

- Ah! Então acho que mais tarde eu passo aí.

- Sem problemas. Mais alguma informação?

- Não. Obrigado.

Ah! Nem respondi. Bati o telefone no gancho e voltei a viajar nas minhas ideias.

Que homem inconveniente. Se queria tantas respostas que comparecesse pessoalmente no local e não por
telefone!

Diogo entrou pela roleta e eu dei um suspiro. Eita dia que não acabava nunca. Não estava sendo um bom
aniversário.

- Voltei.

Infelizmente.

- Uhum.

- O que é? Por que está com essa carinha de marrento?

- Cansado. Gostaria de estar na minha casa com a minha filha...

694
- Ela deve estar uma mulher!

- Ah! Com certeza Diogo. Ela está mesmo. Inclusive, ela teve a primeira menstruação na semana passada. Está
de casamento marcado com o príncipe da Inglaterra!

Nossa como ele estava sendo idiota naquele dia. Só podia ser para me provocar. E o pior de tudo, era que quanto
mais grosso eu era, mais ele dava risada da minha cara. Aff, que carinha irritante!

- Não faz assim senão eu gamo! – ele riu ainda mais.

- Gama é o caralho!

Eu peguei a minha cesta com todo o cuidado do mundo e sai de trás do balcão.

- Vai almoçar senhor estressadinho?

- Não! Eu vou fazer um streap na ponte do Limão.

Ouvi a gargalhada dele da rua, mas não quis retornar para brigar ainda mais. Eu nem havia olhado a hora que
tinha saído nem nada, mas pouco me importava. O que eu precisava era ver a minha princesinha para que enfim,
pudesse me acalmar.

Empurrei o portão com tanta severidade, que tive que o segurar para que não estrondasse ao chegar ao seu limite.

- Fica aqui, inferno!

Inferno era uma palavra que eu evitava manter no meu dicionário. E ainda evito. Não gosto de falar essa infâmia,
é algo muito forte, muito carregado e perigoso. Embora eu sempre tivesse tido uma vida religiosa normal, certas
coisas como esta eram proibidas por mim, talvez devido a minha sensibilidade espiritual um tanto acentuada.

Ao colocar o pé direito na sala, senti um cheiro maravilhoso de bolo na cozinha. Então ia ter bolo?!

- Mãe? Você está aí?

- Não – ela respondeu. – Não estou não.

Pelo menos em casa eu ia me divertir e esquecer um pouco do estresse.

- Que cheirinho bom é esse dona Marina?

- É bolo de nozes. Você quer?

- Claro!

- Pois vai ficar querendo!

- Nossa – eu fiz um bico.

- Já viu quem está ali?

- Ali onde?
695
- Ali, perto da geladeira...

Eu dei a volta na mesa e sorri ao ver o carrinho da Vivi.

- Filha!

Foi inevitável arrancá-la do conforto para colocá-la nos meus braços.

- Hum, você está cheirosa! A vovó deu banho foi?

- Foi papai – a minha mãe fez voz de criança e veio beijar a bochecha da neta.

- Quer andar um pouco com o pai, quer?

Ela olhou dentro dos meus olhos com um biquinho tão pequenininho e lindo e deu um gemidinho baixo. Aquilos
seria um sim? Ela estaria me entendendo?

- Vamos no tio Marcus então... Eita Vivi, você está ficando pesada!

- Ah, filho!

- Oi mãe?

- Seus avós te ligaram. Eles vão ligar de novo hoje à noite. Eles vêm no final do ano.

- Sério, mãe? Nossa que maravilha! Também já não era sem tempo, eles falaram isso no ano passado!

- Uhum. E outra coisa amor. Na quinta agora a Vivi tem consulta com a Dra. Sandra. Você pode levá-la? É que
eu vou ter uma cirurgia importantíssima nesta data, senão a levaria.

- Claro que posso. Eu peço para os meninos irem comigo, qualquer coisa.

- Está bem. Obrigada meu amor.

- Vamos no titio? Vamos? Vamos?

Eu ergui a minha princesinha no alto e fui andando bem devagarzinho. Ela estava ficando cada vez mais
espertinha. Os olhinhos se moviam de um lado para o outro sem parar e vez ou outra ela dava um gemidinho. Já
estava tentando se comunicar.

Enquanto eu subia as escadas, senti meu estômago roncar. Era a primeira vez que acontecia no dia.

- O pai vai te derrubar – eu brinquei, jogando o corpo da Vivi para bem próximo do chão. – O pai vai te
derrubar...

Ela choramingou alto e eu dei risada. Coitadinha, ela ainda não conseguia rir.

- Cadê o titio? Cadê?

- Cadê a princesa do tio Marcus?

696
Marquinhos largou o controle do vídeo-game no chão e se levantou para pegar a Vitória no colo.

- Minha Nossa Senhora Vivi... Seu pai está te alimentando demais, está na hora de fazer um regime... O tio vai
ficar com dor nas costas, você está pesada!

- Para de sandice menino! – eu disse.

Últimas semanas..

Vitória começou a querer chorar e antes que acontecesse eu a peguei.

- Pronto, pronto... Você não é gorda não...

Coloquei Vivi deitada no meu colo e ela ficou com as mãozinhas pra cima. Já estava mesmo ficando esperta.

- Cadê a nenê?

Fiquei brincando com ela um pouquinho, até a minha mãe entrar no quarto.

- Vamos almoçar?

- A gente já vai mãe – Marcus falou.

- Cadê a Vivi? Cadê? – eu brinquei e ela, pela primeira vez, sorriu.

Os meus lábios se entreabriram e meus olhos fixaram-se no rostinho da minha menina. Aquele sorriso simples,
singelo e único iluminou a minha face e tornou o meu dia doce. Minha filha... Estava sorrindo. Meus olhos
ficaram marejados olhando aquela cena. O primeiro sorriso da minha pequena.

Passaram-se tantas coisas pela minha cabeça naquele pequeno momento em que ela estava sorrindo... A minha
menina estava crescendo e ficando esperta. Será que ela estava feliz? Ou só estava sorrindo porque sentiu
cócegas ou qualquer outra coisa parecida?

Eu só parei de olhar para ela quando o nosso momento se desfez. Ela tinha me dado o maior presente que eu
podia esperar naquele dia, um sorriso... O primeiro sorriso...

- Eder? – mãe me chamou.

- Hum?

- Já acordou do sonho?

- Já – eu sorri.

- Vamos almoçar agora? Daqui a pouco você tem que voltar para a locadora.

- Uhum.

- Oi gente – Giselle nos cumprimentou ao entrar no quarto.


697
- Ah, já chegou filha!

- Já sim mãe.

- Gi! Você está loira! – eu espantei-me.

- Que loira que nada menino! Isso é castanho!

- Castanho uma pinóia, você está loira!

Minha mãe e minha irmã se entreolharam e suspiraram ao mesmo tempo.

- Homens – elas disseram em uníssono.

- Isso é castanho claro Eder Leandro – Giselle explicou.

- Loiro é mais claro do que isso – minha mãe complementou.

- Para mim não há nenhuma diferença.

- Ah, tem diferença sim! Uma diferença monstruosamente grande – minha mãe explicou.

Mas para mim não havia. E ainda não há. Loiro, castanho é tudo a mesma coisa. Mas não adiantava discutir. E
não adianta.

- Eu vou tomar banho antes do almoço – Marquinhos falou.

- Está mesmo precisando Cascão! – minha irmã exclamou.

- Fica quieta sua parasita.

- Você me respeite que eu sou mais velha que você!

- Grande coisa.

- Olha ele mãe!

- Você quem começou – minha mãe deu de ombros.

Minha irmã se apoderou da sobrinha e eu senti os meus braços leves como um floco de algodão quando Vitória
saiu de perto de mim. Ela estava mesmo ficando pesada.

- Ô mãe, quantas vezes eu te disse que a toalha do São Paulo é do Henrique?

- Hã?

Marcos bufou e jogou a toalha em cima da cama. Ele odiava quando trocavam alguma coisa dele.

- É mesmo mãe – eu concordei com ele. – Eu já peguei a minha toalha do Corinthians no armário do Henrique e
a do Santos no meu...

698
- Ah! Tenham santa paciência! Eu me confundo com essas coisas... Vocês ao invés de facilitarem a minha vida...
Cada um fica com um time! Pelo amor de Deus, viu?

Meu irmão caçula ficou resmungando algo incompreensível enquanto a gente desceu para a cozinha. Eu me servi
de arroz branco com ervilhas, feijão preto com linguiça, mandioca frita, salada de alface e tomate e um pequeno
pedaço de carne assada, além de um copo de refrigerante, é claro.

- E esse cheirinho de bolo? – Giselle perguntou, jogando os cabelos recém cortados e pintados para trás. Estava
na hora de eu retocar as minhas luzes...

- É para a gente comer mais tarde.

- Eu quero – pedi.

- Eu já disse que não!

- Mas eu posso né?

- Claro minha filhinha linda!

- Nossa! Eu que sou o aniversariante e ela que ganha um pedaço de bolo! Valeu mãe!

- De nada, precisando estou às suas ordens.

A gente comeu com tranquilidade e no mesmo momento em que eu dei a última garfada, meu pai e Marcus
entraram na cozinha, um em cada porta.

- Filha, o que você fez no cabelo? Está loira!

- Mais um – Giselle suspirou. – É castanho pai.

- É loiro – ele teimou.

- É castanho minha vida – minha mãe disse, colocando a cabeça para cima para poder vê-lo.

- Ficou uma gata!

- Obrigada.

- Cadê a Vivi?

- Logo ali – minha mãe apontou com a cabeça.

- Oi bebê! Cadê a netinha favorita do vovô? Cadê?

Eu ouvi um gritinho de excitação e quando olhei para o rostinho da minha filhota, ela estava novamente sorrindo.
O sorriso mais lindo do mundo.

- Ela está ficando grandinha já – o meu pai suspirou. – E está ficando a cara do cachorro do pai dela.

- Eu estou presente viu?


699
- Ah, oi Eder! Filho! Você está aí! Nem te vi!

- Nossa... Estou sem moral nessa casa mesmo!

- Você nunca teve moral – Marcus estrondou. – Mãe, me passa o arroz?

- Ih – Alexandre soltou. – O papai vai te limpar, viu?

Senti um cheirinho desagradável no ar e como sem mais nem menos, vitória foi entregue a mim. Aquele povo...

- Mas eu mereço! – falei bufando.

Segurei a Vivi com cuidado e fui lentamente até o meu quarto. Eu não estava com tempo para dar-lhe um banho,
então apenas troquei a fralda, a limpei e passei pomada anti-assadura e coloquei-lhe uma roupinha limpa.

- Pronto meu amor – eu disse beijando a barriguinha da minha filhona. – Você já está pronta, já está linda, né
vidinha do papai? Quer descer pro seu carrinho ou quer dormir? Quer dormir um pouco né? Vem aqui, vem?

Peguei a danada no colo e fiquei cantarolando uma musiquinha de ninar para que ela pegasse no sono, mas quem
começou a adormecer, fui eu.

- Eder? Já está se atrasando para a locadora – minha mãe veio me avisar.

- Ah! Nem ligo!

- Dá ela aqui, eu faço ela dormir.

- Não, pode deixar.

- Eder, você já decidiu quem serão os padrinhos dessa menina?

- Já sim mãe. Era sobre isso que eu queria falar com a senhora.

- E quem será? – senti que ela ficou toda entusiasmada.

Eu suspirei, olhei para os meus olhos e criei coragem para falar:

- O Henrique e a Gabrielle.

- Sério? – senti mais entusiasmo ainda. – Jura mesmo?

- Uhum. Não gostou?

- Fala sério! – ela riu. – Eu amei! Era eles mesmo que eu queria...

- Sério mãe?

- Uhum!

- Ah, então está ótimo!

- Agora a gente só tem que marcar a data.


700
- Eu já sei qual será perfeita.

- Qual?

- Dia dez do mês que vem.

- Acho que está um pouco perto...

- A gente já deixou passar muito tempo sem batizar. Ela já vai fazer três meses, está mais do que na hora...

- Isso é verdade. Será que a gente ainda vai estar aqui?

- Eu gostaria muitíssimo que fosse na Capela de Aparecida do Norte.

- Mas tão longe?

- Não importa a distância, eu quero que seja lá.

- Algo especial?

- Não, eu só sinto a necessidade que seja neste lugar.

- Eu vou falar com o seu pai. O seu irmão já sabe?

- Não. Quero fazer uma surpresa.

- Mas Eder, como que vai ser surpresa se ele tem que fazer o curso?

- Putz! É mesmo! Eu havia me esquecido!

- Percebi! Acho que nem vai dar tempo de fazer o curso até o dia dez...

- Ah, mãe... A gente fala com o padre da igreja que a gente freqüenta, ele é seu amigo, vai abrir uma exceção...

- É pode ser que sim. A Natália está de acordo?

- Ela não tem que estar de acordo, é isso e ponto. A Gi é irmã dela e o Ricky meu irmão, está balanceado as
coisas...

- É verdade. Ficou balanceado!

- Ela dormiu – eu falei, dando um beijo na bochecha dela. – A senhora a leva ao berço?

- Uhum. Você vai para a Alpha?

- Não tenho escolhas. A gente se fala.

Dei um beijo na bochecha da minha mãe e mais um em minha filha e por fim, desci as escadas. Henrique entrou
quando eu estava saindo, mas eu o barrei antes que pudesse escapar de mim.

- Ai Eder, deixa-me passar menino! Eu preciso fazer o número dois...

701
Eu abri a minha boca para contestá-lo, mas senti a sua emergência, então deixei passá-lo. Aquilo era hora de ir ao
banheiro?! Aff...

Quando eu rolei a catraca da locadora, já comecei a sentir a irritação tomar conta de mim novamente. Diogo
estava no mesmo lugar de sempre, com a mesma fisionomia de sempre, com a mesma chatice de sempre... Eu
queria ir embora!

- Boa tarde senhor aniversariante!

- Boa – eu suspirei. – Alguma novidade.

- Não, tudo na mesma. Está comido?

- Eu vou lhe dizer o que está comido! Francamente!

- Eita para ele! Está estressado demais hoje Eder. Não pode. É o seu aniversário, tem que se acalmar!

- Vou tentar. Só um momento, vou dar um telefonema.

- Dê. Dê o que você quiser...

- Diogo se você continuar com essas gracinhas, eu vou quebrar a sua cara!

- Adoro que quebrem!

Ele era um paspalho, mas no fundo eu gostava dele. Eu disquei o número do celular do Henrique duas vezes para
poder acertar a sequência.

- Pronto mano, agora dá para a gente conversar, o que você quer?

- Saciou a sua necessidade?

- Acabei de acabar – ele respirou fundo.

- Credo, coitado de quem entrar aí... Escuta, eu quero falar um assunto sério com você.

- O que aconteceu? – o tom de voz dele mudou da água para o vinho.

- Nada, ainda. Você quer ser o padrinho da minha filha?

Se fosse possível eu escutar um grilo, eu escutaria naquele momento. O silêncio foi mortal.

- Henrique?

- E-eu?

- Não idiota, o Thiago Lacerda! É claro que é você!

- Sério Ed?

- Sério Ricky! Sério sim. Você aceita?

702
- Claro que eu aceito né, mano?

- Ah, que bom. Obrigado por ter aceitado. Vai ser no dia dez.

- Dez de dezembro?

- Isso. Quero que seja lá em Aparecida.

- Mas, por que lá em Aparecida?

- Sei lá. Algo me diz que tem que ser lá.

- Hum. Eder, ah, Eder! Obrigado, viu?

- Que é isso! Você merece e eu sei que a Vitória vai adorar!

- Eu vou ser o melhor padrinho que ela vai ter.

- Ah, que bom! Porque você será o único!

A gente deu risada, falamos mais algumas coisas e depois eu desliguei e liguei para a Gabrielle.

- Oi aniversariante mais lindo de todo o mundo!

- Oi cunhadinha mais perfeita de todo o universo! Sabia que você é a minha cunhada preferida?

- Sabia sim, afinal de contas, eu sou a única!

- Claro que não! Você esqueceu que a sua irmã também é a minha cunhada?

- Ah, é mesmo! Às vezes eu me esqueço que você namora o meu irmão!

- Gabrielle! Está louca? Tem alguém perto de você?

- Tem. O Fael.

- Ah! Ele está aí, é?

- Está. Quer falar com ele?

- Não! Não! Não quero não!

- Nossa, quantos não! Vocês brigaram?

- Ainda não!

- Ih! O que está acontecendo?

- Nada, não é nada não. Gaby, quer ser a madrinha da minha filha?

- O QUÊ? – ela berrou.

703
- Calma, não precisa me deixar surdo! Eu ainda preciso da minha audição...

- Eder, você está falando sério?

- Mais sério que isso, impossível!

- Como assim Eder? Repete?!

- Ok. Gabrielle, você me dá a honra de ser a dinda da minha filha?

- CLARO QUE SIM! – Gaby exclamou, dando gritinhos de euforia.

- Minha nossa – ouvi o Fael falando.

Aff! Aff... Cachorro, sarnento, vira-lata de lixão de subúrbio, piolho de cobra... Não tinha me ligado ainda...
Aff... Estava para morrer com aquela situação!

- Ai cunhado, obrigada, obrigada, obrigada, obrigada!

- Calma minha filha, não precisa morrer não, é só um batizado!

- Obrigada...

- De nada, de nada. Aceita então, né?

- Lógico que sim!

- Perfeito. Obrigado por ter aceitado. Será no dia dez lá em Aparecida.

Era incrível que eu nem tinha falado com o meu pai sobre o assunto e já estava dando a certeza que seria na
Capela de Nossa Senhora de Aparecida...

- Ótimo, ótimo! Vou ser a melhor madrinha do mundo! Vou ser a segunda mãe!

- Ah, sem querer ofender a sua irmã, mas eu acho que você vai ser a primeira, viu?

Ela deu risada e depois de muitos “obrigada”, eu desliguei o celular.

Estava feito. Eu tinha conseguido convencer o meu irmão e a namorada a serem os padrinhos da Vivi. Seria
perfeito, pelo menos daquele jeito, permaneceria tudo em família, e eu tinha certeza que eu nunca perderia o
contado com os segundos pais da minha filhinha.

Durante todo o resto da tarde, nada de anormal aconteceu. O chato que havia me ligado antes do almoço,
realmente compareceu à locadora e acabou levando três filmes, um deles, impróprio para menores de dezoito
anos. Ele me deu um sorriso sem graça quando eu anotei o código do filme, mas eu nem lhe dei atenção.

Eu já estava quase saindo do trabalho, quando uma surpresa me foi feita. Não prestei atenção na entrada da
pessoa e quando me virei para sair, meu coração disparou e quase saiu pela boca.

- Oi papai – Fael falou, com a minha filha nos braços.

704
- Meu amor – eu disse me referindo a menina. – Você veio buscar o papai, veio?

Ela deu um gritinho um tanto quanto alto e duas meninas que estavam na seção de lançamento, vieram correndo
para ver a Vitória.

- Ela é sua?

- É sim – eu respondi para uma delas.

- Ela é linda! – a outra se divertiu.

- Obrigado.

Vivi deu mais um gritinho e as meninas riram. Eu virei ela de bruços no meu ombro e caminhei sentido porta,
sem nem ao menos dirigir uma palavra ao meu namorado.

- É a Vitória Eder? – Diogo perguntou.

- É – eu respondi virando a menina para ele olhar.

- Posso segurar?

- Pode sim, mas rapidinho que eu quero vazar...

Eu dei a volta no balcão, coloquei a bebê cuidadosamente nos braços do meu colega de trabalho e ele ficou lá,
olhando para a minha filha com uma cara de pamonha.

- Ela é a sua cara. Mas os cabelos não.

- Puxou à mãe.

- A mãe dela deve ser muito bonita.

- É sim – eu confirmei. – Posso?

A minha filha voltou para os meus braços e depois de muito tentar, eu consegui sair do trabalho.

- Oi? – a voz dele soou atrás de mim.

- O pai estava morrendo de saudade de você...

- Eder? Não vai falar comigo?

Eu não sabia se me virava e respondia ou se simplesmente o deixava falando. As duas opções eram tentadoras.

- Amor?

- Aqui não é o local nem o momento para conversar.

- O que foi? Por que você está bravo comigo? O que eu te fiz?

Era deboche. Só podia ser.


705
- Ah, o que você fez? – eu parei, virei de costas e nem liguei se tinha gente ouvindo e vendo ou não. – Já olhou a
porcaria do seu celular? Já viu quantos milhões de chamadas você não atendeu? Já percebeu que dia é hoje? Ou
será que você esqueceu que hoje é a véspera de seu aniversário, que, diga-se de passagem, é o dia do meu
aniversário! Ah, acho que você esqueceu isso, né?

Ele sorriu de um jeito malicioso, muito provavelmente para me provocar ainda mais.

- Por que você acha que eu esqueci?

- Rafael, é para me provocar?

- Não.

- Ah, tá, só para saber.

Eu continuei andando e não falei mais com ele até chegar em casa, embora ele não calasse a matraca um segundo
sequer. Coloquei Vitória no berço e fui tomar banho, mas ainda tive que aguentar ele falando na porta o tempo
todo.

- Você vai me ouvir? Abre a porta...

Ele só poderia ter enlouquecido. A casa estava cheia de gente e ele ainda ficava me pedindo aquilo? Só podia ter
enlouquecido mesmo...

Eu comecei a cantar uma música agitada em voz alta, mas nada o fazia desistir. Eu não ia ter escolha a não ser
ouvi-lo.

- O que é que você quer? – eu falei com rispidez, quando sai do chuveiro.

Ele fez um bico tão safado a me ver apenas de bermuda que eu confesso ter esquecido de tudo o que tinha
acontecido naquele dia.

- Vai falar? – eu freei a minha raiva, que já estava se transformando em paixão novamente.

- Aqui não. Coloca uma roupa. Uma roupa transada. Eu vou te levar em um lugar.

- Me levar para onde? Está louco, é?

- Me obedeça – ele me empurrou até meu quarto. – Você vai entender porque eu sumi.

Eu não estava entendendo mais nada. O que ele queria afinal de contas? Por que apareceu só no final do dia?

- O que é?

- Se veste – ele ordenou, abrindo as portas do meu guarda roupa e jogando um par de vestes para mim.

- Não! Só se você me dizer para quê.

- Você já vai ver.


706
Rafael me jogou um olhar penetrante e eu não tive como reagir àquilo. Ele sabia conduzir as pessoas para o seu
joguinho manipulador...

Coloquei a roupa que ele me jogou e para falar a verdade, nem me liguei em qual era. Ao arriar a bermuda que
estava usando, ele colou o corpo ao meu e sugou a pele do meu cangote, fazendo com que eu me arrepiasse por
completo.

- Não – eu o reprimi. – Não estou com vontade.

- Não é o que parece.

Ele segurou o meu pau por cima da cueca, fazendo carinho no volume que estava teimando em crescer.

- Eu não quero – insisti, saindo de perto do meu anjo.

- Tudo bem então.

Quando eu finalmente já estava pronto, Fael colocou as duas mãos nos meus ombros e foi me guiando pela
escada. Eu notei que a casa estava vazia e comecei a desconfiar da situação. O que ele estava armando?

Como eu havia suspeitado, Rafa levou-me até a sua casa e eu já sabia o que me esperava. Quando ele abriu a
porta, todos começaram a cantar parabéns e a assoviar pela minha chegada.

Cachorro! Pilantra... Então era devido àquela festa que ele tinha sumido? Coitadinho, e eu o julgando... Dizendo
que ele havia esquecido... Quando na verdade, estava organizando uma festa para mim... Eu senti um remorso tão
grande...

A minha filha estava nos braços da mãe, mas ela estava aparentemente dormindo, então eu não quis incomodá-la.
Quando o parabéns acabou, eu cumprimentei meus amigos e depois que todos haviam se calado, eles entraram.

Eu não estava acreditando que os meus avós estavam ali... No meu aniversário! Eles estavam com a aparência tão
frágil... Estavam tão pequeninos, tão diferentes desde a última vez que os vira... Mas, ao mesmo tempo, estavam
com um ar saudável, com um sorriso nos lábios... Estavam felizes.

Eu a abrecei já com os olhos repletos de lágrimas. A minha avozinha... Minha única vó viva... Como era bom
sentir o seu calor, o seu perfume... Saber que ela estava presente... Saber que ela estava ao meu lado e no meu
aniversário. A gente não falou nada, apenas nos abraçamos. E o mesmo aconteceu com meu avô.

Eu me lembrei da minha infância, de quando eu jogava peão com ele, de quando o meu pai brigava comigo e eu
ia chorando para a casa dele para ele me consolar. E ele me consolava. Meu avô... Ali, comigo... O meu segundo
pai, meu porto seguro, meu alicerce... O meu herói, na minha festa, no meu dia...

Os meus irmãos e meus pais provavelmente já os tinham visto antes. Era um complô contra a minha pessoa... E
eu não havia desconfiado de nada. Ou eu era tapado, ou muito ingênuo. Talvez as duas coisas ao mesmo tempo.

- Eu... Eu não acredito que vocês estão aqui...

- Nós não podíamos deixar de vir ver você neste dia tão especial – a mãe do meu pai disse.

707
- Você está um homem feito – meu avô falou.

- Que nada vô, ainda sou aquele menino que ia chorar no seu colo quando o meu pai brigava comigo...

- Pode até ser que seja, mas você está crescido, já está um homem sim. Já é até papai!

- Vocês conheceram?

- Ainda não tivemos a oportunidade. Só por fotos – vovó falou.

Eu fiz questão de pegar a minha princesa para apresentá-la aos bisavós. Vitória abriu os olhinhos quando sentiu o
calor do meu corpo e deu um bocejo preguiçoso. Estava simplesmente maravilhosa com aquela roupinha rosa.

- Vô, vó, essa é Vitória Isabelly de Alcântara Alves, a primeira bisneta de vocês.

Depois de muita conversa, de muita emoção dos velhinhos, a gente pode finalmente começar a curtir a festa. A
minha felicidade era perceptível por qualquer pessoa. Aquele era o quarto melhor dia do ano de 2006. O primeiro
tinha sido no dia em que eu tinha pegado a Vitória pela primeira vez em meus braços. O segundo, quando o Rafa
me pediu em namoro e o terceiro, quando ocorreu a nossa primeira vez.

A Vivi foi a sensação da festa, embora eu fosse o aniversariante. Eu não liguei, é claro que ela merecia todo o
destaque, eu era um mero coadjuvante naquele dia quatorze de novembro. Quando a meia noite chegou, a gente
cantou parabéns para o meu namorado, mas ele ficou sem graça, porque a festa era minha e foi patrocinada por
ele.

- Parabéns – eu disse, dando-lhe um abraço apertado. – Muitas felicidades, muitos anos de vida, serenidade,
sucesso sempre! Você merece.

- A minha felicidade é estar ao seu lado, eu quero ter muitos anos de vida para poder aproveitar da sua
companhia por muito tempo, com você eu fico sereno em todos os momentos e o meu sucesso, é graças à você.

Eu fiquei sem palavras para o que ele tinha dito e a gente só conseguiu se largar, quando o meu irmão bateu no
meu ombro.

- Eu posso cumprimentar meu duplo cunhadão?

- Pode, mas é só um empréstimo.

Fui dar uma volta pela sala da casa dos meus sogros e acabei por ficar conversando com a Denise e o namorado.

- Não vi você bebendo nada hoje, Eder – Yuri brincou.

- Nunca mais!

- Faz um ano, hein?

- É, faz sim... Mas eu não me arrependo.

- Dá para ver que não.

708
- E este pimpolho? Quando nasce?

- Ainda falta um tempinho.

- Já sabem o sexo?

- É um menino – o Yuri orgulhou-se. – O meu campeão!

- Que máximo! Já escolheram o nome?

- Vinicius – eles falaram em uníssono e depois se beijaram.

- É um nome lindo!

- Eder? – minha mãe chamou.

- Oi mãe?

- A Vitória está chorando lá em cima e ninguém consegue acalmá-la. Vai lá, por favor?

- Claro que sim. Com licença, gente.

Eu peguei minha filha no colo e comecei a cantarolar bem baixinho no ouvidinho dela, e logo ela se tranquilizou.

- Eu quero essa receita – Natália suspirou.

- Não tem receita, ela só queria a mim.

- Como você tem certeza?

- Ah, eu sou o pai dela Natty. Eu sinto do que a minha filha precisa.

- E daí que você é o pai? Eu sou a mãe!

- Disse certo, você é a mãe. Só não sabe representar o seu papel muito bem.

Eu saí do quarto e desci as escadas com muito cuidado. Meus avós estavam sentados ao lado do meu pai e eu fui
caminhado até os três, já pensando com quem deixaria a minha princesa.

- Quem a quer?

- Eu – os três falaram e eu sorri.

- Pode pegar pai – o meu pai disse –, você ainda não a curtiu tanto quanto eu.

- Quer a bisa ou o bisa, filha?

Ela deu um gritinho baixo e sorriu para mim, mas eu não consegui entender.

- É o bisa?

Ela ficou caladinha, só me olhando.


709
- Então é a bisavó?

Dessa vez ela gemeu baixinho. Então era a minha avó que ela queria.

- Desculpe vô, foi ela quem escolheu.

- Não tem problema, depois eu a conquistarei...

- Você já a conquistou, pode ter certeza.

Passei a minha menina para os braços da minha segunda mãe e voltei para o meio do povo. Minha barriga
solicitou um brigadeiro naquele momento e eu não tive forças para lutar contra aquele desejo, tive que ser
submisso e obedecer ao meu capricho.

- Ficou bom Eder? – Cláudia me perguntou.

- Ficou maravilhoso Cláudia, quem fez?

- Eu e a Gaby.

- Nossa, está divino!

- O bolo da sua mãe também!

- É ficou sim...

Fael jogou-me em sua cama e a gente começou a se beijar. Não tivemos como transar pois muitas pessoas ainda
estavam na sala e àquilo não era correto, mas a gente pode se curtir um pouquinho.

- Parabéns meu anjinho – eu disse novamente.

- Obrigado amor. Gostou da surpresa?

- Amei. Amei mesmo. obrigado e desculpa, tá?

- Desculpa? Pelo quê?

- Por ter brigado com você. É que eu me irritei porque você não me atendia, não me ligava nem nada...

- É que eu não tive tempo.

- Como conseguiu folga na empresa?

- Ah, meu encarregado é gente boa. Ele me deixou que eu ficasse em casa desde sábado. Só volto amanhã.

- Que bom! Ah, amanhã eu tenho que levar a Vitória ao médico... Ia pedir para você ir comigo, mas não tem
problema.

- Se quiser eu ligo lá e falo que vou levar a minha sobrinha ao médico, ele vai entender.

710
- Não, não precisa amor. Eu vou com um dos meus irmãos.

- Se você diz.

Nós namoramos por mais um curto período de tempo, depois voltamos ao burburinho. Os meus avós já tinham
ido para a minha casa junto com meus pais, minha princesa e os meus irmãos mais novos. Só quem ficou para me
acompanhar, foi Henrique.

- Estava te esperando para ir embora.

- Aham, vamos senão a gente perde o último trem.

Gabrielle riu da piadinha sem graça e levou-nos até o portão.

- Felicidades Eder – Cláudia gritou da cozinha.

- Obrigado Cláudia! Obrigado pela festa.

- De nada!

Não encontrei e não falei com o meu sogro durante todo o dia. Eu sabia que ele não gostava de mim, mas não
sabia que ele ia chegar ao ponto de não me desejar um simples feliz aniversário... Não que eu estivesse
esperando.

Henrique beijou a namorada e eu o Rafael, muito rapidamente para que ninguém nos visse.

- Tchau – eu disse. – E muito obrigado...

- Não tem que agradecer. Quando acordar, me liga, tá?

- Pode deixar.

- Que meigo – meu irmão zombou. – Começo de namoro é tão gostoso!

- Nós não estamos no começo do namoro Henrique – eu suspirei.

- Já estamos namorando a sete meses!

- Daqui a dois meses nasce – Gaby brincou.

- Na verdade já nasceu – eu ri.

- Hum, é mesmo. Dá um beijo na pimpolha, tá?

- Dou sim.

Abracei minha cunhada e meu irmão e eu fomos embora. Quando entrei em casa, caí no sofá, estava literalmente
exausto.

- Gostou?

711
- Muito.

- Que bom.

- É. Você podia ter me falado algo, né?

- Claro que não.

- Chato!

- Eder?

- Oi?

- Obrigado.

- Pelo quê?

- Por ter me escolhido.

- Ter te escolhido?

- Padrinho da Vivi.

- Ah! Ainda! De nada mano!

Ele veio até onde eu estava, me puxou pelos braços e me deu um abraço.

- Eu estou tão feliz – ele suspirou. – Minha sobrinha vai ser a minha afilhada...

- Seu bobo! Que bom que você gostou!

- Amei.

- Nossa que lindo os meus filhinhos – meu pai disse.

- Pai, você já está sabendo?

- O que Ricky? Vai me dizer que você aprontou...

- Não, não... Eu vou ser o padrinho da Vitória!

- Ah, é isso! Eu já sabia! A mãe de vocês me disse hoje mais cedo.

quando ficamos com sono.

Tentei proporcionar um aniversário inesquecível ao meu namorado, mas não estava conseguindo. Sempre que
tentava fazer-lhe um agrado mais intimo, alguém chegava.

712
O amigo dele que tinha perdido o irmão, o Otavio, ficou a maior parte do dia conosco, na casa do Rafa. Ele
estava um pouco abatido, mas pelo que me parecia, mais conformado com a perda do mano.

- Rafa eu vou nessa, cara – ele disse, por volta das nove e meia da noite. – Já fiquei demais, quero dormir um
pouco, amanhã é dia!

- Beleza Tavinho! Obrigado por ter vindo.

Eles se abraçaram e depois Fael abriu a porta para o amigo.

- Vai com Deus. Até amanhã.

- Até. Feliz aniversário novamente.

- Obrigado.

Meu lindo suspirou ao sentar ao meu lado novamente.

- Coitado, está abatido.

- Não é para menos Fael. Deve ser uma barra perder um irmão – Marcus desembuchou. – Eu não quero nem
pensar nisso...

- Pois então não pense – eu o reprimi. – Não pense que vai perder a gente então.

- Deus me livre!

- Rum...

Eu tirei a camisa lentamente, jogando em cima dele para provocá-lo.

- Agora sim eu vou dar o seu presente...

Rafael na disse, apenas sorriu maliciosamente. Eu subi na cama de quatro, tirei-lhe a camisa, o tênis, as meias, a
calça e por fim, a cueca. Gostei dele ainda não estar excitado, era daquele jeito que eu o queria...

- Rafaelzinho está dormindo – ele sorriu. – Acorda-o para mim, vai?

- É para já!

Dei um beijinho na barriga do Fael e fui subindo lentamente, até chegar no queixo. Fiquei provocando, passando
os meus lábios em volta da boca, mas não quis beijá-lo naquele momento, eu tinha que provocar bastante, até ele
me pedir que o fizesse.

Tirei o resto da minha roupa e quando estava subindo novamente no corpo dele, notei que o pau já estava no ar,
louco para ser chupado. A minha boca encheu de água, mas ainda não era o momento.

- Me chupa! – ele ordenou.

713
- Não senhor, só quando eu quiser.

Peguei um apetrecho que eu tinha escondido debaixo do lençol da cama dele, horas antes, e peguei ambas as
mãos do meu amor.

- Hoje você é meu senhor Rafael...

- O que você está fazendo?

- Você já vai ver...

Encontrei o local perfeito para algemá-lo. Coloquei o fecho de aço no pulso direito e em uma das barras da cama
e em seguida fiz o mesmo com o outro braço. Ele não tinha como escapar...

- Agora sim, a festa vai começar...

Ele me olhou com os olhos arregalados, mas não tinha o que fazer. Era só eu. Eu mandava. E ele ia ter que me
obedecer.

Última semana

É claro que eu já tinha toda a situação formada em minha mente. Antes começar a trabalhar, abri a gaveta das
cuecas do meu namorado, peguei um gel que esquenta e um que gela para poder brincar um pouco com o corpo
do Fael.

- Você vai me matar desse jeito – ele sibilou.

- Desde que eu te mate de tesão...

Eu puxei a perna esquerda dele e comecei a chupar os dedos, um por um, me detendo no mindinho. Fui passando
a minha língua em sua extensão até chegar ao calcanhar e senti que ele estava com um pouco de cócegas, mas eu
não me importava.

Mordisquei a panturrilha e fui passando a minha língua até chegar no interior da coxa, mas voltei sentido
contrário pela outra perna, até recomeçar o processo com os dedos do outro pé.

- Eder...

- Cala a boca!

Eu adorava estar no comando... Naquele momento eu tinha a impressão que eu havia nascido para mandar no
sexo e aquilo me deixou com uma sensação muito boa.

Meu pau latejava de tão excitado, eu precisava fazer alguma coisa logo para que aquilo parasse, mas antes eu
tinha que deixá-lo louco...

- Eder...

714
- Cala a boca Rafael – eu ordenei enquanto ele mordia os lábios.

Por sorte as minhas unhas estavam maiores que o natural e eu ia poder usufruir daquele fato. Arranhei lentamente
as coxas dele, enquanto batia meus olhos no pau, que não parava de levantar um segundo sequer.

Ouvi um gemido e notei que os olhos verdes não estavam à mostra. Aquilo significava que ele estava gostando.
Fui até seus lábios e comecei a beijá-los lentamente, sem introduzir a minha língua para poder provocar ainda
mais.

Senti a urgência do Fael ao me beijar. Ele estava possuído, mais excitado que o normal e era exatamente daquele
jeito que eu o queria. Peguei o potinho do gel esquentador e pinguei apenas uma gotinha em seu mamilo direito,
enquanto passava meus dedos no esquerdo.

- Você é um cachorro – ele disse baixinho.

- Adoro ser cachorro na cama...

Passei meus dentes pelo tórax, fui baixando pela barriga até sentir o tamanho daquele pau perto do meu rosto,
mas não o chupei naquele momento.

- Me chupa! – ele suplicou, com a voz tomada pelo desejo.

- Não senhor – eu respondi com um sorriso safado nos lábios. – Só quando eu quiser.

Não sei por quanto tempo fiquei passando a língua pelo corpo dele, sempre saindo de perto do órgão, mas
quando eu não consegui mais aguentar, segurei com força, e passei a língua em volta da glande.

Ele já estava babado e se eu não estivesse pensando errado, logo iria gozar. Fui envolvendo aquela delicia pouco
a pouco enquanto ele rebolava, gemia e urrava de prazer. Estava torcendo para que não nos escutassem.

- Silêncio!

Peguei o gel que gelava e passei uma quantia generosa no saco do Fael. A pele se enrugou imediatamente e ele
soltou um gemido tão grande que eu tive que colocar as mãos em sua boca, para que ele não berrasse.

- Eu já mandei você calar a boca...

Ele me olhou com os olhos suplicantes, pedindo para que eu continuasse, mas não era do jeito que ele queria,
naquele momento eu era quem mandava, mas parecia que ele não estava entendendo muito bem.

Passei a língua pela orelha, mordisquei-lhe o lóbulo direito, depois o esquerdo e fui descendo pela clavícula, até
chegar nas axilas. Eu nunca tinha feito aquilo, mas até que era gostoso. Fiquei chupando a pele com intensidade,
ao mesmo tempo em que a minha mão prendia o pau dele com força.

- Por favor... Por favor...

Ajoelhei-me ao lado dele, coloquei uma das mãos em sua nuca e puxei a cabeça para o lado, na intenção de calar-
lhe a boca com o meu pênis. E funcionou.

715
Ele ficou me chupando com tanta vontade, que eu já não o reconhecia, parecia um novo Rafael, parecia estar
possuído, enlouquecido com alguma coisa... Ele parecia estar no cio... Tudo estava saindo melhor do que eu
esperava.

Segurei o rosto dele com as duas mãos para que ele parasse de me chupar. A gente trocou um olhar safado e ele
passou a língua na minha cabecinha, com uma cara de pervertido que eu adorei.

- Abre a boca – mandei.

Movimentei meu quadril para frente e para trás, e nenhum de nós dois parou de se olhar um segundo sequer.

- Vagabundo, adora uma rola, né?

Rafa sorriu maliciosamente e fechou os lábios em volta da minha base, fungando o nariz no meu púbis. Eu parei
os meus movimentos e fiquei a espera dele, mas nada estava acontecendo.

Tirei o meu pau da boca dele e fiquei batendo em seu rosto, em ambas as bochechas, no nariz, no queixo, na
testa... Ele soltava um gemido vez ou outra e eu ia gozar se não parasse com aquilo.

- Eder...

- O quê?

- Me solta?

- Não...

Peguei ambos os géis e fui passando alternadamente no corpo do meu amor. Quando cheguei ao pau, dei-lhe a
opção de escolha:

- Qual você quer?

- O que esfria...

Sorri safadamente, coloquei uma gotinha na cabeça e fui passandoo dedo lentamente. Desci o liquido pelo corpo
do pinto, até chegar na base e depois, quando eu senti que tudo estava como uma pedra de gelo, comecei a
chupar freneticamente.

Abri as pernas dele com as mãos, me deitei no meio delas e fiquei brincando com aquele membro por um longo
período. Não sei como ele estava segurando o gozo, se fosse eu, já teria ejaculado a muito tempo.

Ele estava gemendo muito e nós não podíamos esquecer que a casa infelizmente não estava vazia. Fiz ele se calar
com um beijo e este foi demorado, selvagem, deliciosamente prazeroso... Ambos estávamos completamente
estarrecidos...

Peguei o KY, coloquei em mim, no pau dele e quando senti que tudo estava suficientemente lubrificado, fui
sentando, enquanto beijava os mamilos do meu namorado.

- Filho da puta! – ele gemeu alto.

716
- Fica quieto – eu sibilei.

Cavalguei lento à principio, mas conforme eu me acostumei com aquele monstro dentro de mim, fui me
animando e aumentando os meus movimentos. Eu senti que ele estava ficando louco, e resolvi enfim, liberá-lo
das algemas.

- Isso, me solta... Agora é a minha vez...

- Quero só ver...

Fiquei de quatro enquanto ele enfiava o pau em mim com força. Tentei não berrar, mordi o travesseiro com tanta
força que senti a minha mandíbula doer.

- Ai que delicia – ele sussurrou, com as duas mãos na minha cintura. – Meu Eder...

Rebolei o quadril para ele sentir prazer e não deu outra. O esperma saiu com tanta força que eu senti tudo dentro
de mim se encharcar.

- Eder...

Quando ele parou, ficou sem forças e caiu exausto na cama. Mas eu ainda não tinha gozado. Era a minha vez de
penetrá-lo...

Acariciei-lhe a argolinha com um dos meus dedos enquanto passava o lubrificante e o gel que esfriava no meu
pau. Senti tudo gelar e aquilo me deixou ainda mais louco, ainda mais excitado.

- Mete Eder, vem meu menino – ele abriu as pernas, de bruços.

Deitei o meu corpo no dele, fiquei beijando a nuca lentamente enquanto introduzia o meu membro em seu ânus.

- Isso – ouvi-o falando.

- Quer pau, quer?

- Quero, eu quero agora!

Não precisou pedir duas vezes. Coloquei o pau dentro dele com força, fiquei movimentando de um lado para o
outro antes de começar o vai-e-vem.

Foi difícil controlar as minhas estocadas, mas quando eu tomei controle dos meus movimentos, penetrei com
carinho, com cuidado, até sentir o orgasmo chegar.

- Goza Eder, goza...

Só bastou ouvir aquilo para a porra sair de dentro de mim. Um, dois, três, quatro jatos... Perdi a conta de quantos
espasmos o meu pau deu dentro do Fael... Eu nunca tinha sentido tanto prazer que nem naquele momento...

Caí ao lado do meu namorado. Estava tão cansado que não tinha forças para nada, mas ainda encontrei um
restinho de ânimo para beijá-lo.

717
Última semana

Bastou eu colocar os pés na sala que o telefone começou a tocar. Ninguém parecia querer atender então eu fui o
eleito

- Alô?

- Oi... – eu lembrava daquele menino. – Eu poderia falar com o Marcus?

- Quem gostaria?

- É o Richard.

- Eu vou ver se ele pode atender. Um minuto.

Eu comecei a desconfiar daquele tal de Richard. Já não era a primeira vez que ele ligava para o Marcus depois da
meia noite...

- Marquinhos?

- Oi Eder?

Forcei a minha vista na escuridão do quarto do meu irmão e percebi que ele estava deitado de bruços, com o fone
de ouvido nas orelhas.

- Telefone.

- Telefone?

- Uhum. É o seu amigo Richard.

- De novo? Ele já me ligou umas dez vezes hoje! Pergunta para ele o que ele quer, por favor?

Eu fui até a mesa do corredor e peguei o aparelho.

- Moço?

- Oi...

- O Marcus está perguntando o que você quer?

- Ah... Seria só com ele...

- Se você não me adiantar o assunto ele não vai atender.

- Então tá, amanhã eu ligo então. Obrigado.

Ele não disse mais nada, não esperou eu responder e desligou o telefone. Que carinha mal educado!

- Ele desligou e disse que liga amanhã para você – eu disse ao voltar ao quarto do meu irmão mais novo.
718
- Isso é o que a gente vai ver.

- Quem é esse menino?

- Um chatinho irmão da garota que eu estou ficando.

- E quem é essa garota?

- É aquela da escola. Você já a viu umas mil vezes.

- Ah, é! Eu vou dormir, até amanhã.

- Boa noite.

- Boa.

Antes de me deitar, passei no quarto da Vivi e dei-lhe um beijo de boa noite. Ela já estava dormindo
profundamente e aquilo me deixou feliz, pelo menos eu não ia ter que dar mamadeira nem nada do gênero.

Os meus avós estavam no quarto dos meus pais, e eu me perguntei onde os meus velhos estariam naquele
momento. Será que iam dormir fora?

Não foi difícil mergulhar num sono profundo àquela noite. Eu agradeci a Deus mentalmente por toda a felicidade
daqueles últimos dias, tudo estava tão perfeito que era praticamente impossível do estado de ânimo desabar.

Na quinta-feira pela manhã, eu acordei mais cedo que o natural, afinal eu tinha que levar a minha filha à pediatra.

- Mãe? Pai? – eu os procurei, mas não estavam mais em casa.

- Seus pais já foram trabalhar Eder – minha avó disse.

- Bom dia vó! A senhora dormiu bem?

- Dormi sim meu filho, e você?

- Bem também.

Ela me deu um beijo na bochecha e eu o retribui.

- Cadê o vô?

- Foi ao supermercado com a sua irmã.

- Ah! Que horas são, hein?

Olhei o relógio do micro-ondas. Oito e vinte e sete.

- Já estou quase atrasado.

- Você vai sair?

- Vou. Eu vou ter que levar a Vivi ao médico.


719
- Quer ajuda?

- Não vó. A senhora não tem que se preocupar. Eu vou ver se um dos meninos vai comigo...

- Qualquer coisa eu estou aqui.

- Uhum. Obrigado. Eu vou tomar banho e dar um nela também e já desço pro café.

- Tudo bem filho. Eu não demoro para fazer as coisas.

- Uhum.

Tomei uma ducha quente e rápida antes de banhar a pequena. Tomei o máximo de cuidado para não molhar a
minha roupa, eu não poderia me dar ao luxo de me trocar, já estava simplesmente atrasadíssimo.

- Cadê a bisneta mais linda do mundo? – era meu vô.

A Vivi deu um grito tão forte que os meus tímpanos doeram, mas foi devido ao eco do banheiro.

- Eita que felicidade em ver o bisa, né filha?!

- Quer ajuda, meu neto?

- Precisa não vô. Eu já acabei. O senhor me passa a toalhinha dela, por favor?

Meu avô me deu a toalha de touca da Vitória e eu a enrolei protetoramente. Os olhinhos dela estavam ficando
mais claros conforme o tempo passava e eu já tinha plena convicção que eles ficariam iguais aos meus e de
minha família.

- Vai sair com ela?

- Ela tem pediatra.

- Ah! Se quiser eu vou junto.

- Não se preocupe. O senhor tem que descansar. Eu vejo se o Marquinhos ou a Giselle podem me acompanhar.

- Está certo.

Troquei a Vi rapidamente, coloquei a primeira roupinha que vi na minha frente. Prendi um laço vermelho nos
cabelinhos castanhos dela e borrifei algumas gotas de perfume infantil. Ela ficou uma gatinha!

- Pronto meu amor. Vamos para a médica, vamos?

- Você já deu mamadeira a ela?

- Ainda não vô...

- Deixa isso comigo. Vai tomar o seu café, saco vazio não para em pé.

- Uhum. Obrigado, viu?

720
Desci as escadas correndo, por sorte encontrei meus irmãos sentados à mesa.

- Gi, Marcus, um dos dois pode me acompanhar à pediatra da Vitória?

- Ih, Eder, desculpa, eu tenho que fazer um trabalho na casa da Larissa – Giselle lamentou-se.

- Ah, mano! Eu tenho que estudar para um prova que vou ter hoje à noite. Foi mal!

- Não tem problema não gente. Eu vou sozinho mesmo.

- Não senhor. Eu vou com você – minha avó decidiu.

- Não senhora. A senhora vai ficar aqui, quietinha, sem fazer nada.

- Mas meu filho...

- Não, não. Eu me recuso a fazer a senhora andar de ônibus nessa cidade. Nunca! Fique aqui, faça o almoço e se
deite.

Ela suspirou, mas não revidou. Não ia adiantar muita coisa, ela não ia conseguir me fazer mudar de ideia.

Engoli o pão praticamente inteiro. Giselle me ajudou, abrindo a porta e o portão para que eu passasse. Eu tomei o
máximo de cuidado ao andar com a minha menina pela rua, não podia tropeçar e cair com ela no chão.

Foi difícil chegar ao ponto de ônibus, era naquele momento que eu desejava ser maior de dezoito e ter um carro,
na certa, não estaria passando por aquele sufoco. Quando avistei o ônibus, tive que segurar a Vitória com uma
das mãos para pedir parada, mas o motorista passou reto, sem nem me dar atenção.

- Desgraçado!

- É assim mesmo – uma velhinha falou. – Eles não têm respeito pela gente não...

- Pois é! Eu já estou atrasado para o médico e ele ainda me faz essa!

- Ainda carregando sua irmãzinha, para ajudar, meu filho!

- Ah! Ela não é a minha irmã não! – eu sorri. – É minha filha.

- Sua filha? – a idosa se espantou. – Mas menino, quantos anos você tem?

- Dezessete – eu respondi com um sorriso.

- Minha Nossa Senhora! Dezessete anos e já tem uma filha! Quanto tempo ela tem?

- Quase três meses.

- Gente! Esse mundo está perdido mesmo!

Fiquei de lero com a senhorinha até o próximo busão passar. Tive que ler o itinerário para ela, pois a visão já
estava danificada.

721
- É sentido Santo Amaro – eu respondi.

- É esse mesmo que eu vou.

- Eu também posso pegar esse.

- Pode deixar que eu solicito a parada. Só não garanto que ele pare.

- Tem que parar!

Mas aquele era um motorista bonzinho. Ele parou. Eu subi com o máximo de cautela que eu consegui. A
velhinha subiu atrás de mim e eu percebi que todos os bancos estavam ocupados.

- Dá licença para ele sentar – o cobrador pediu para um jovem que estava sentado em uma cadeira unitária. O
rapaz fez cara feia, mas se levantou bufando para que eu pudesse sentar.

- Obrigado – eu agradeci.

Algumas pessoas ficaram olhando para mim com um ar de curiosidade, mas não falaram nada. A senhora sentou-
se em um banco próximo ao meu e não me disse mais nada, e eu também não puxei mais assunto. Como já havia
separado o dinheiro da passagem antes de sair de casa, só o tive o trabalho de colocar a mão no bolso e puxar as
moedas.

- Aqui cobrador – eu disse, colocando o braço para trás.

O funcionário da empresa de transporte coletivo olhou em meus olhos, fez uma concha com as duas mãos e eu
deixei o dinheiro cair.

- Roda para mim, por favor?

- Uhum.

Eu ouvi o barulho da catraca sendo girada, ao mesmo tempo em que prestava atenção no local por onde estava
passando, não ia demorar e eu já desceria do coletivo.

Aos poucos, o veiculo foi ficando lotado e quando dei por mim, já estava na hora de descer. Aproveitei que o
motorista estava parado em um farol vermelho e girei o meu corpo para o lado. Mais cedo ou mais tarde, eu teria
que fazer aquilo.

Arrumei a alça da bolsa da neném no meu ombro direito e apertei o corpo contra a Vitória, para que ela não fosse
machucada por ninguém. Respirei fundo, coloquei o pé no piso do ônibus e disse:

- Com licença, moça?

Uma garota de aparentemente vinte e três anos olhou nos meus olhos e assentiu, batendo o olho na minha filha
em seguida.

- Com cuidado – ela falou baixinho.

- Obrigado.
722
Foi difícil me locomover entre os passageiros, mas depois de muita luta eu cheguei perto da porta de entrada.

- Com licença? – eu pedi a um homem meio alto. Ele não pareceu me ouvir. – Senhor? Pode me dar licença, por
favor?

- Aí – um garoto da minha idade disse. – Não tá vendo que o cara tá com um bebê nos braços não?

- Hã? Ah! Foi mal – o homem falou, saindo da minha frente.

O busão criou movimento e eu tive que equilibrar a minha pequena no meu braço direito para poder segurar no
cano para não cair. Fiquei bem próximo da porta, duas mulheres muito parecidas ficaram me olhando com
intriga, até que finalmente, o carro entrou na rua onde eu ia descer.

- Pode parar no próximo, por gentileza?

- Claro – o motorista falou de olho no retrovisor.

- Quer ajuda filho? – uma das senhoras perguntou.

- Não, não. Obrigado. Eu já vou descer agora.

Aos poucos o motorista foi reduzindo a velocidade do transporte e foi chegando no acostamento. A porta se abriu
e um bando de adolescentes começou a fazer uma algazarra para subir no bus.

- Espera Fabio, o moço vai descer – uma menina bonita disse.

- Licença – eu falei meio que com raiva para o menino.

- Desculpa. Eu não te vi...

- Sem problema.

Tomei cuidado ao descer os três degraus do ônibus e só me senti completamente seguro, quando estava na
calçada.

- Finalmente! – suspirei com tranquilidade. – Pronto, filha, a gente já vai chegar.

Enquanto esperava o farol de pedestres abrir, senti o meu celular vibrando incansavelmente.

- Quem será?

Eu pisei na faixa com o pé direito e fui me locomovendo, enquanto o aparelho não parava de se mexer um
segundo sequer. Subi uma ladeira que parecia não ter fim, olhando sempre para os dois lados da rua, para não
perder a clinica de vista.

- Ali! – exclamei mais para mim mesmo do que para Vitória, afinal ela ainda não entendia.

Apressei o passo até finalmente entrar no estabelecimento. Eu me aproximei da recepção, respirei fundo, deixei
os meus batimentos acalmarem e disse:

- Bom dia, eu tenho uma consulta marcada...


723
- Qual o nome? – a atendente perguntou.

- Vitória Isabelly.

- A carteirinha do convênio, por favor?

- Sério, moça? Está difícil de pegar agora...

Ela deu um sorriso largo e balançou a cabeça positivamente.

- Sente, procure com calma e me traga. Não tem problema se você se atrasar.

- Eu já estou atrasado. Não vou demorar – prometi, localizando uma cadeira vazia e já me dirigindo para a
mesma.

Dois pivetes de aproximadamente cinco anos de idade não paravam quietos um segundo sequer. Eu coloquei a
minha filha cuidadosamente nas minhas pernas, abri o zíper lateral da bolsa da menina e peguei a minha carteira.
Não foi difícil encontrar o que procurava.

- Quer ajuda? – uma garota perguntou.

- Você pode olhar a bolsa, por favor?

- Claro que sim.

- Obrigado.

Levantei novamente e fui até a moça que tinha me atendido.

- Aqui.

- Qual é o nome da médica?

- Dra. Sandra.

- Só aguardar, vai ser chamado pelo nome para fazer a ficha.

- Uhum. Obrigado.

Voltei para o meu lugar e fiquei esperando a minha vez de ser chamado. As moças do atendimento chamaram
umas três ou quatro crianças, até...

- Vitória Isabelly?

- Vamos princesa?

- Eu olho para ti – a mesma moça falou.

- Ah! Muito obrigado.

- Bom dia – era outra funcionaria. Eu bati meus olhos no crachá, o nome dela era Iara. – É a primeira vez aqui?

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- Não, não. Ela já veio antes.

- Então será mais fácil.

Ela digitou algumas informações no computador, mas eu não consegui ler o que era. Minha menina se mexeu e
deu um gemido baixo, provavelmente de fome.

- O que foi? – eu disse olhando em seus olhinhos. – Está com fome?

Ela não me respondeu com nenhum barulho, apenas me observou. Vitória deu um bocejo lento com os olhinhos
fechados e foi ali, naquele momento que eu o vi pela primeira vez.

Era tão minúsculo e branco que era quase imperceptível. Estava apenas com uma pequena parte por fora da
gengiva, mas já era notável. Um dente. O primeiro dente da minha filhinha estava nascendo. Era um dos dentes
superiores, ao lado das presas. Lindo. Como não podia deixar de ser.

- Eder? – Iara me chamou.

- Oi? Desculpa...

- Que é isso. Já aconteceu antes. Primeiro corredor à direita. A doutora já irá chamar.

- Uhum. Obrigado linda.

Percebi que as bochechas dela se avermelharam quando eu peguei a carteirinha da Vivi de volta. Troquei um
olhar rápido com a moça, sorri sem jeito e voltei para o meu lugar.

- Obrigado por ter olhado a bolsa.

- Que é isso gato, não há de quê!

Segurei a alça na mão e fui andando corredor afora. Quando eu ia me sentar, o alto-falante anunciou:

- Vitória Isabelly, sala dois.

- Nossa, que rápido!

Eu localizei a porta certa com facilidade. Por sorte estava entreaberta e não tive dificuldade para empurrar com o
pé.

- Bom dia – a doutora Sandra disse, vindo ao meu encontro.

Era uma sala pequena, mas aconchegante. Em todas as paredes eu encontrei desenhos infantis, e aquilo era
natural, visto que a médica era uma pediatra.

- Oi doutora – eu arfei cansado.

Ela me recepcionou com um aperto de mãos e um sorriso nos lábios, até que a médica parecia ser simpática!

725
- Tudo bem? Você deve ser o pai da Vivi, não é?

- Isso. Eder. Prazer.

- O prazer é meu. Ela está ficando uma mocinha né? Pesada!

- É está crescendo. Acabei de encontrar o primeiro dentinho...

- Sério? Vamos ver isso já! Sente-se enquanto eu a examino.

Agradeci por aquela ordem. Era o que eu precisava ouvir naquele momento. Sentar, sem tê-la em meus braços,
que já estavam formigando.

- Você veio sozinho Eder?

- Uhum. Meus pais estão trabalhando, meus irmãos ocupados... Não tinha ninguém por isso eu a trouxe.

- Entendo. E a mãe, está bem?

- A minha ou a da Vitória?

- As duas – a doutora falou.

- Ambas bem, obrigado por perguntar.

- Vejamos, vejamos. Ela está manhosa?

- Não muito.

- Está chorona?

- Um pouco.

- Comendo bastante?

- Ah, isso está sim. Mais do que uma lagartinha.

A médica riu e pegou uma fita métrica.

- Ela cresceu alguns centímetros.

- Aham, eu noto isso dia-a-dia, já perdeu boa parte das roupas que ganhou no nascimento.

- É ela vai fazer três meses. Vou tirar a dimensão da cabecinha dela.

- Uhum.

Olhei meu celular. Duas chamadas da Gabrielle não atendidas. O que ela queria? A doutora verificou os ouvidos
e os olhinhos, antes de tentar abrir a boquinha dela.

- É os primeiros dentes já estão nascendo mesmo.

726
- Eu só vi um.

- Venha cá...

Eu me aproximei da maca e notei que a médica não teve dificuldade para separar a mandíbula da minha criança.

- Está vendo aqui, do lado do que está saindo?

- Uhum.

- Tem um pedacinho bem pequeno do dente à mostra. Embaixo a mesma coisa.

Era verdade mesmo. Três dentinhos já estavam saindo. Será que estava doendo?

- Mas doutora, ela não é muito novinha para isso? Ela tem um comportamento tão desenvolvido!

- Na verdade Eder, isso varia de metabolismo para metabolismo. Não dá para a gente definir uma idade certa
para as coisas acontecerem, varia muito. Ela já vai fazer três meses, e tudo ainda está bem no comecinho, ainda
vão acontecer muitas coisas. Não se apegue a estes detalhes, curta as fases da melhor forma possível.

E era aquilo mesmo que eu ia fazer. Curtir as fases da Vivi da melhor maneira possível.

- Pode ser que ela se sinta um pouco incomodada com isso. Dói um pouco e é normal, afinal a gengiva está sendo
cortada. Vai ser pior quando os molares e as presas apontarem. Se ela sentir febre você dá um remedinho. Eu vou
receitar um em gotas que é mais fácil dela ingerir.

- Uhum.

- Os olhos estão clareando como eu havia dito à Natália anteriormente. Provavelmente ficarão verdes.

- Verdes?

- Uhum. Vê aqui ao redor das pupilas? Está ficando bem clarinho.

- Eu pensei que ficariam iguais aos meus – me desapontei.

- Pode ser. Isso só Deus sabe. Mas é uma opinião. Tem alguém de olhos verdes na família?

- Tem – eu sorri imediatamente, lembrando do meu menino.

- Então ótimo. Aguarde e verás. O ouvido está perfeito. Agora eu só vou pesá-la. E como estão as vacinas?

- Em dia – eu garanti.

- Ótimo. Não esqueça de nenhuma, é muito importante.

- Pode deixar.

- Quatro quilos e novecentos.

- Minha nossa! – me espantei. – Ela está bem pesada...

727
- Está no peso correto. Ela é muito saudável, né Vivi?

- Graças a Deus.

- Amém.

Doutora Sandra ouviu os batimentos cardíacos da minha filha, verificou a temperatura e me trouxe a princesa de
volta.

- É como eu lhe disse. Ela está um pouco quentinha, mas é por causa dos dentinhos. Fique de olho, qualquer
coisa dê esse remedinho que ela ficará boa. Se tiver dificuldades em dormir, faça um chazinho de erva cidreira ou
camomila, ela se sentirá melhor.

- Pode deixar.

A médica fez a receita da Vivi, eu guardei no bolso e antes de sair, separei o dinheiro da volta. Estava sentindo
fome, queria comer algo e tive a ideia de ir ao shopping. Seria a primeira vez que ela iria.

- Precisa de atestado?

- Ah! Já ia me esquecendo. Preciso sim, de acompanhante.

- Uhum.

Eu nem tinha avisado na locadora que iria levar a menina ao médico, mas também não estava me importando
com aquilo. Queria mais era que tudo explodisse.

- É só né Dra. Sandra?

- É só – ela sorriu para mim. – Vão com Deus, pode marcar retorno daqui dois meses.

- Certo. Fique com Ele também.

- Amém.

A gente se despediu e eu saí e notei que o corredor estava mais cheio do que antes, mas por sorte eu já havia
passado.

Peguei um ônibus sentido Moema e quando desci, tomei o caminho do shopping. Quando cheguei, peguei um
carrinho de bebê no quiosque, coloquei a minha filha nele e comecei a empurrá-lo, finalmente ia poder ligar para
a minha cunhada.

- Oi Eder – ela disse.

- Oi nega! O que foi? Por que me ligou?

- Menino! Você saiu sozinho com a princesa, né?

- Uhum. Levei-a ao médico e agora a gente está no shopping.

- Sério? Qual vocês estão?


728
- No Ibirapuera.

Fiquei papeando com a Gaby por um tempo e passeando com a Vitória pelas lojas. Naquele dia, não tive pressa
para voltar para casa. Só regressei ao lar às três horas da tarde.

No último dia de aula do ano de 2.006, eu não consegui conter a emoção. Mais um ciclo em minha vida estava se
encerrando, mais uma meta havia sido alcançada e mais um obstáculo tinha passado. Eu estava livre da escola,
dali em diante, era apenas trabalho, afinal eu ainda não me sentia preparado para cursar o ensino superior.

- Boas férias a todos – a minha professora de matemática cumprimentou-nos. – E parabéns, parabéns a todos que
conseguiram passar e a gente se vê na formatura!

Eu me despedi dos meus amigos com um abraço, mas sabia que seria difícil de vê-los com a mesma freqüência.
Talvez os únicos que manteriam contato, seriamos Arthur e eu, porque o Yuri e a Denise seriam pais e iam se
casar em breve, a Paty ia morar em outro estado... Tudo se modificaria... Será as amizades iriam sobreviver no
final das contas?

Somente na primeira semana do mês de dezembro a decoração de natal foi implantada na minha casa e na do
Fael. Ele e eu estávamos nos vendo com uma freqüência maior, embora ele estivesse com o trabalho dobrado na
empresa, já que ia sair de férias na semana seguinte.

A Vivi, a cada dia que passava, se tornava mais sapeca e inteligente. Com três meses e meio ela já estava
querendo ficar sentada, já erguia o corpinho do colchão no berço e todas as vezes que eu, Fael ou minha mãe
íamos pegá-la, ela dava gritinhos de felicidade.

- Você está se tornando muito sapeca filha – eu disse em uma manhã tempestuosa do último mês do ano.

Meu pai decidiu que não era o momento para a gente sair de casa, já que os meus avós estavam conosco e a
Vitória ainda era muito pequena, então decidimos curtir as férias de fim de ano em casa, e o mesmo aconteceu
com o Rafa e a família deles.

Seu Augusto e a esposa vieram passar alguns dias na casa vizinha e a Vitória adorou os outros bisavós. Ela não
costumava se dar bem com as pessoas tão rapidamente.

- É a coisinha mais linda desse mundo – a avó do Fael disse.

- Não é, menina? – a minha avó babou.

Menina? De menina ela não tinha nada, eu pensei comigo mesmo e acabei rindo da minha idiotice. Tudo estava
no maior vai-e-vem, em ritmo de festa de Natal e Ano Novo. Era o primeiro reveillon da Vitória, será que ela ia
se assustar com a queima de fogos de artifício?

- O que você está fazendo aqui no meu quarto seu pilantra, eu posso saber?

- Eu estou vendo o resultado do vestibular Eder – Henrique estava tenso, mas era compreensível.
729
- Já saiu?

- Acabaram de divulgar.

Eu me calei e aos poucos todos foram chegando no meu quarto, na expectativa da resposta dele. Fael me ligou e
eu me surpreendi. O que ele queria naquele momento?

- Oi Rafa.

- Eu passei – ele estava com a voz emotiva.

- Passou? Passou no que homem?

- No vestibular.

- Vestibular? – do que ele estava falando?

- Nossa Eder, você nem lembra mais? Eu fiz vestibular de direito. E eu passei.

Ai, ai, ai, ai, ai! Como eu fui capaz de me esquecer?

- É claro que eu me lembro. Sério que você passou Rafa?

- Sério sim. Mas deixa, deixa para lá...

- Ai! Não acredito! Que máximo! Parabéns!

Eu não sei o motivo ao certo, mas não estava sentindo mais o mesmo entusiasmo da parte dele. Será que estava
acontecendo alguma coisa?

- Eu passei – meu irmão sussurrou.

- Eu fico muito feliz por você – falei ao meu namorado. – De verdade, meus parabéns!

- Obrigado. O Henrique deve ter passado também.

- Ele acaba de dizer que sim.

- Segundo as nossas contas, né? O resultado definitivo ainda não saiu.

Os meus pais agarraram o meu irmão. O mais feliz de todos com certeza era o doutor Alexandre. Aquilo sempre
fora o seu maior sonho. Ver todos os filhos na faculdade.

Henrique ficou contente, mas ao mesmo tempo apreensivo. Do jeito que eu conhecia o meu irmão, eu sabia que
algo o estava deixando para baixo, na verdade, um tanto preocupado.

- O que está te preocupando mano?

- Como vai ser Eder? Como é voltar a estudar?

- Isso só você saberá meu irmão. Mas eu sei que você vai se dar bem.

730
Dei-lhe o meu apoio com um abraço fraternal. Era do que ele precisava naquele momento. E eu também.

A contagem regressiva para a última semana do ano começou. Faltavam dez dias para o Natal e dezesseis para o
Ano Novo.

Meu primo Renato e a mãe chegaram para nos visitar no dia dezessete. Ele estava um gato, lindo e muito
gostoso. Eu não me lembrava direito dele, mas só foi meu olho bater no seu rosto que tudo me veio a mente.
Renato deu-me um sorriso caloroso e eu retribuí. Por que aquilo estava acontecendo?

- Oi – ele disse.

- Oi – eu respondi. – Tudo bem?

- Tudo e você?

- Bem também.

Apertamo-nos as mãos enquanto nossos olhos se cruzaram intensamente. Uma onda de calor me percorreu e eu
achei aquilo definitivamente esquisito.

- Seja bem-vindo.

- Obrigado – ele agradeceu.

Fui cumprimentar a minha tia. Como de praxe, ela disse que eu estava crescido, um homem feito e todas aquelas
ladainhas que as tias falam quando veem os sobrinhos depois de um longo período de afastamento. É claro que
eu só pude sorrir e agradecer.

- Ela é a sua filha? – meu primo perguntou.

- É sim.

- Nossa! Que grandona! Quanto tempo ela tem?

- Vai completar quatro meses.

- Minha nossa, como o tempo passa, né? – Renato disse.

- Passa não, ele voa!

Senti uma mão apertar meu ombro e ao me virar, dei de cara com o Fael me observando.

- Ah! Oi Fael! – eu sorri, sentindo o meu coração dar um pulo.

- Oi – ele falou com a voz seca. – Não me apresenta o seu amigo?

- Ah, é claro que sim! Fael este é o meu primo Renato. Renato, este é o Fael, cunhado do Henrique.

- E aí, beleza?
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- Como vai? – meu namorado falou ainda mais seco.

- Bem, obrigado.

A Vivi deu um gritinho ao ouvir a voz do tio e eu entendi na hora o que ela queria.

- Brother, ela quer ir com o Fael.

- Ah! É claro.

Eu peguei a minha filhinha no colo e passei para o meu namorado, ela deu mais um grito, este maior que o
último, e se calou, olhando nos olhos do meu anjo.

- A gente pode conversar um pouquinho? – Rafa perguntou.

- Claro que sim – eu respondi. – Vamos ao quarto da Vi. Com licença, primo.

- Toda.

Rafael colocou a menina no berço e fechou a porta com a chave. Eu sorri e fiquei esperando um beijo, mas ele
não aconteceu.

- O que foi? – eu perguntei, já mudando de humor.

- O que ele quer com você?

- Hã?

- O que esse tal de Renato quer? Ele é gay?

- Ué! E eu vou saber Fael?

- Pois trate de descobrir, viu? Eu não gosto do jeito que ele olha para você!

- Ele me olha de um jeito normal. Você está ficando paranoico!

- Paranóico nada, anjo! Eu sei o que ele quer...

- E o que ele quer? – eu o desafiei.

- Você.

- Ah! Até parece. Ele é meu primo!

- Uhum. Primos também se pegam.

- Oh, meu amor – eu me aproximei e dei-lhe um abraço confortável. – Não fica com ciúme, eu só tenho olhos
para você.

- Pode ser. Mas ele não.

- Calma, está tudo bem.


732
A gente começou a se beijar. Foi um beijo intenso e com força. Ele segurou na minha cintura com as mãos e eu
senti a minha carne doer, tamanha a pressão que ele estava fazendo em mim.

- Seu bobão! O bobão mais lindo do mundo – eu apertei-lhe a ponta do nariz.

- Eder?

- O que foi amor?

- Você ainda me ama?

Que pergunta era aquela?

- Claro que eu te amo!

- Ama mesmo?

- Mesmo, mesmo. Muitíssimo!

- De verdade?

- Verdade, verdadeira. Seu bobo.

- Promete que nunca vai me deixar? – ele fez bico.

- Não preciso prometer uma coisa dessas. Isso está totalmente fora de cogitação.

- É sério mesmo?

- É claro que é Rafa! Totalmente fora de cogitação abandonar o meu anjinho.

- Seu bobo!

- Você que é.

Nós nos beijamos mais uma vez, mas logo paramos porque a Vitória começou a rir. Até tinha me esquecido que
ela estava presente.

- Você não pode ver isso bebê – Fael falou.

- Não pode.

Ela riu e deu gritinhos de excitação. Será que a minha filha ia entender a minha orientação sexual quando
estivesse crescida? E se ela não entendesse? O que nos iríamos fazer?

- Anjo eu tenho que ir para casa, viu? – Fael falou.

- Ah! Por quê?

- Vou ajudar o meu pai a pintar o meu quarto. a tintura caiu toda esses dias.

- Ah, é mesmo, você havia me dito.


733
- Você anda com a cabecinha nas nuvens ultimamente.

- Ah, Fael. São tantas coisas na minha mente.

- Eu sei. E te compreendo.

- Mas vai ajudar o sogrão, vai!

Fael me deu um beijo rápido e desapareceu num piscar de olhos. Senti um cheirinho desagradável no ar, virei-me
de costas e Vivi me olhou com um sorriso nos beiços.

- Você andou aprontando, né?

Peguei-a em meus braços e a coloquei na caminha, ajoelhei-me no tapete, tirei-lhe a roupinha e a fralda, tive que
respirar fundo e prender o ar para não vomitar.

- Minha filha! O que te deram para comer?

- Creio em Deus pai! – minha irmã entrou e saiu do quarto como um relâmpago. – Eu a pego depois...

- É né! Deixa você...

Não agüentei, tive que dar um banho na menina. O cheiro estava realmente desagradável. Ela estava ficando
maiorzinha e as roupas que ela havia ganhado, já estavam ficando perdidas.

- Pena que a Dê está esperando um menino – pensei comigo mesmo.

- Quer ajuda primo?

Era Renato. Ele estava parado na frente do banheiro, com os braços cruzados e o quadril encostado na soleira da
porta.

- Não, valeu.

- Consegue dar banho nela sozinho?

- Desde que ela nasceu.

- Como você consegue?

- É tão fácil!

Ouvi o telefone tocar e algo me disse que era para mim.

- Você pode atender, por favor?

- Claro.

Fiquei ouvindo o barulho dos passos do Renato até o telefone enquanto terminava o banho da Vitória.

- Alô? – escutei.

734
Pausa.

- Quem é?

Pausa.

- Vou ver se ele pode atender.

Ele falava como eu.

- É para mim?

- Não, é para o Marquinhos.

- Quem é?

- É tal de Richard.

O Richard novamente. O que ele tanto queria com o meu irmãozinho? Dei de ombros, tirei Vivi da banheira,
enrolei-a na toalha e levei-a para o quarto. Quando ela estava quase pronta, o meu primo veio falar novamente
comigo.

- Quando você vai me mostrar a cidade?

- Ih Renato! Estou na correria... – tentei sair da enrascada.

- Poxa, não tem tempo para o seu primo?

- Eu não disse que não tenho tempo para você, eu disse que estou na correria. É diferente. Meus irmãos podem
passear contigo, eles não têm uma filha para cuidar.

- Ah, Eder, pelo amor de Deus. Um dia que você ficar longe dessa menina, você não vai morrer não.

Quem era ele para me falar uma coisa daquelas? Em algum momento eu dei vazão para que aquilo acontecesse?

- Olha só – eu imitei sotaque carioca. – Independente da minha filha, eu tenho outras coisas para fazer. Se em
algum momento eu quiser, tiver vontade ou necessidade, eu vou sair de casa, coisa que eu não quero no
momento.

- Desculpa aí senhor responsabilidade.

Eu me lembrei do Diogo naquele momento.

- Vire pai que você vai ganhar. É disso que você precisa.

- Estressado!

- Estressado não. Apenas intolerante com certas coisas.

- Sei...

735
Desci com a Vivi até a cozinha, a minha avó estava fazendo a mamadeira dela e ela realmente já estava com
fome.

- Está pronta, vó?

- Está sim Eder. Quer que eu dê?

- Eu dou – minha tia se ofereceu –, se eu puder, é claro.

- Claro que pode tia.

Eu coloquei a minha pequena nos braços da tia avó, enquanto a minha avó lavava a mamadeira por fora para que
o leite esfriasse um pouco.

- Já acostumou com o Brasil, vó? – Renato perguntou.

- Adoro o Brasil filho – ela respondeu de costas –, mas amo Portugal.

Não precisou falar mais nada.

- Pronto – ela disse. – Aqui está.

Aproveitei que estava livre da pimpolha um pouco e resolvi ir à casa do meu namorado.

- Aonde você vai? – Renato perguntou.

- Por aí...

- Posso ir com você?

- Não – eu respondi, saindo e fechando a porta ao passar.

Subi os degraus da casa dele em um pulo e já fui tocando a campainha. Coloquei a mão no peitoril da porta e
fiquei esperando alguém a abrir, mas estava demorando.

- Alguém aí?

Fael escancarou a porta com a escova de dente na boca.

- Oi amor – eu disse baixinho. – Posso entrar?

- Pode – ele disse com dificuldade.

- Tudo bem com você?

- Tudo e você?

A gente foi até o banheiro e ele terminou a higienização sem pressa.

- Estou bem, graças a Deus. Quais os planos para hoje?


736
- Não sei ainda não. Alguma sugestão?

- O que acha de irmos andar de bike?

- Hum! Gostei. Faz tempo que eu não faço isso.

- Uhum.

- Eder, desde que eu te conheci a gente falou sobre fazer academia, você lembra?

- Lembro sim.

- E por que a gente ainda não correu atrás disso, hein?

- Boa pergunta. Ah, acho que com tanta correria né? Primeiro vem uma coisa, quando essa coisa vai embora vem
outra e assim sucessivamente... Mas bem lembrado, eu quero e preciso fazer...

- Querer é uma coisa né Ed, precisar é outra – ele sorriu, tirando a bermuda.

- Vai tomar banho?

- Vou sim...

- Então eu vou sair.

- Por quê?

- Para você ficar mais à vontade.

- E precisa disso?

- E se alguém nos vir?

- Não tem ninguém em casa.

- Onde seus pais foram?

- Ao supermercado com as meninas.

- Ah! Sendo assim... – eu sorri maliciosamente.

Ele ligou o chuveiro e me chamou com o dedo indicador. Não me fiz de rogado, embora já tivesse tomado banho
antes, joguei toda a minha roupa no chão e o acompanhei. Antes de entrar no box, arranquei a cueca do meu
namorado com a boca e o pau pulou para fora, já em estado de êxtase.

Nós não nos demoramos embaixo do chuveiro. Não ouve penetração naquele instante, eu só queria dar-lhe
prazer, então chupei seu pau até que ele gozou dentro da minha boca. Senti uma leve alteração no sabor do
esperma do Fael, antes estava mais cítrico e naquele momento, mais adocicado.

- Meu safadinho – ele disse, com a mão na minha cabeça.

737
Continuei brincando com o pau, já mole, enquanto terminava a minha punheta. Não demorei a gozar e quando
me levantei, senti o chão do banheiro um tanto quanto mais liso.

- Vamos, vamos pro meu quarto – ele ordenou.

- Uhum. Amor, onde estão as algemas que eu comprei?

- Guardadas. Por quê?

- Por nada.

- Eder Leandro Alves, o que você está aprontando?

- Não é nada, eu prometo!

Dei-lhe um beijo e depois coloquei a minha roupa. Ajudei o Fael com a cueca limpa, passando os meus dedos
por volta de seu pênis, que já estava ficando novamente duro.

- Não senhor. Só mais tarde – eu falei.

- Ah! – ele fez um bico.

Marcus estava com o humor diferente. Quando eu, ele, Gaby, Henrique e Fael voltamos para casa, no começo da
noite, senti que o meu irmão longe, distante e um tanto preocupado.

- O que foi Marcus? – perguntei quando chegamos no nosso bairro.

- Nada Eder. Cansado. Corri muito.

Ele estava sem camisa e eu notei que o corpo estava ficando mais largo, mais forte.

- Sério mesmo?

- Uhum.

- Se estiver precisando de alguma coisa, você me fala, tá?

- Pode deixar mano, obrigado!

Eu não tinha como diferenciar os meus irmãos. Eles estavam ficando tão parecidos com o passar do tempo.
Marcus estava ficando mais alto e com o tom de pele mais clara que o normal, enquanto Henrique estava com um
corpo mais musculoso, a barriga já estava ficando tanquinho e os braços, maiores que as minhas coxas.

- Não exagera Eder – ele riu quando eu disse que um braço dele era equivalente a uma coxa minha. – Se for
assim você tem as coxas muito finas.

- Não tem mesmo! – Fael riu.

Meus irmãos olharam para o meu namorado instantaneamente e vendo o erro que ele cometera, tentou corrigir:
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- Gente, olha para as pernas desse moleque... Se a dele é fina eu não sei o que a do Marcus é! Invisível?

- Ah, seu carrapato de cú de hipopótamo!

Marcus saiu correndo atrás do meu namorado e ambos largaram as bicicletas no meio da rua. Minha irmã riu
tanto, mas tanto que eu pensei que ela teria uma sincope.

- Ai minha barriga – ela disse, respirando fundo. – Minha nossa...

A Gabrielle foi outra que caiu na gargalhada, assim como eu e o Henrique, mas nós estávamos rindo mais da
minha irmã, que parecia uma hiena com problemas respiratórios.

- Pronto? Passou? – eu perguntei.

- Passou – ela me garantiu.

- Então vamos entrar.

A gente tinha andado e eu nem tinha percebido a distância que tínhamos percorrido, quando dei por mim, já
estávamos na frente da nossa casa.

Rafa estava sentado na calçada, rindo feito um idiota, mas eu não estava vendo o meu irmão. Aonde será que ele
estava?

- Cadê o Marcus?

- Saiu correndo pela rua de cima, nem me viu voltar para cá.

Eu notei um garoto do outro lado da rua caminhando até nós. Era pequeno, franzino, usava óculos, tinha os
cabelos na testa e estava um pouco acima do peso, além de ter muitas espinhas espalhadas pelo rosto.

- Boa noite – ele disse, quando chegou até nós.

- Boa noite – alguns de nós respondemos.

- O Marcus Vinicius mora aqui?

- Mora – o Henrique respondeu. – Ele é o meu irmão, por quê?

- Ele está?

Naquele momento Marcus apareceu na esquina de casa.

- Ah! – o guri sorriu. – Oi Má!

Má? Que intimidade era aquela? Que boiolagem era aquela?

Marcus parou instantaneamente e recuou dois passos.

- Ah, oi Richard!

739
Então aquele era o tal do Richard.

- Por que você não me atendeu?

- Hã?

Todos nós estávamos olhando para os dois.

- O celular... Eu liguei umas dez vezes e você não me atendeu. Daí eu liguei na sua casa e uma moça disse que
você havia saído com os seus irmãos. Eles são os seus irmãos?

- São sim – Marquinhos respondeu com um olhar desesperado para mim.

- Vamos entrar? – eu falei em voz alta. – Eu estou morrendo de fome.

- Eu também – a Gi pareceu entender.

- Vamos Ricky. Gaby vem com a gente?

- Não Ederzinho. Eu vou tomar um banho, estou toda suada.

- Hum, delicia – meu irmão enconchou a namorada.

- Henrique! – Gabrielle envergonhou-se.

- Quer morrer agora ou na semana do natal? – Fael aproximou-se do meu irmão com o punho cerrado.

- Na semana do natal do ano de dois mil trezentos e trinta e três. Pode ser?

- Pode ser o caralho – eu percebi que eles estavam brincando.

Rafinha pegou meu irmão pelo pescoço e ficou bagunçando o cabelo dele.

- Toma jeito rapaz!

- Richard eu vou entrar com os meus irmãos, a gente se fala depois.

- O que é isso Marcus! Não vai deixar o seu amigo falando sozinho não... Entra aí cara – eu convidei.

- Posso mesmo?

- Claro que pode.

Depois que todo mundo entrou, inclusive este desconhecido, puxei Marquinhos de lado e encostei-o na parede.

- O que você tem? Por que está nervoso desse jeito?

Segurei nos dedos do meu irmão e fiquei fazendo uma massagem lenta, enquanto enviava fluidos positivos para
o corpo dele.

- Não é nada Eder! Você tinha que pedir para ele entrar?

740
- Seja o que for que esse guri quer com você, você vai resolver isso hoje, ou eu não me chamo Eder Leandro
Alves!

Marquinhos fitou o chão enquanto suspirava. Alguma coisa estava acontecendo, eu só não sabia o quê.

- Eu vou tomar banho e já volto – Marcus falou, levantando-se do sofá. – Não demoro, beleza?

- Tá bom – Richard animou-se.

Fiquei olhando para o suposto amigo do meu irmão, sem entender nada do que se passava. O que ele queria? Por
que eu estava sentindo que esse menino precisava de ajuda? Precisava de atenção?

Senti uma energia negativa se aproximar de mim, ao mesmo tempo em que as minhas mãos esfriaram. Um
arrepio percorreu as minhas costas e eu levantei de sopetão!

- Credo!

- O que é? – Richard espantou-se.

- Nada, não é nada – eu menti. – Vou subir, já volto. Fica a vontade.

Ou eu estava muito enganado, ou realmente havia algo por trás daquela situação. Eu nunca tinha sentido alguém
ter uma energia tão negativa quanto aquele piá. Era algo realmente tenebroso.

Andei o meu quarto todo, até sentir que “a coisa” tinha passado ou pelo menos se afastado. Quando eu ia descer
novamente à sala, me surpreendi, ao chegar no corredor.

- Tem um banheiro lá embaixo se você estiver com vontade de usar.

Richard estava ligeiramente agachado, olhando na fechadura da porta. Então era aquilo que ele queria. O meu
irmão!

- Hã? Ah, tem?! Eu estava verificando se estava trancado com a chave – ele tentou me tripudiar.

- Não, está trancada porque o meu irmão está tomando banho. Vem comigo, eu te mostro onde é o outro
banheiro.

Richard e eu descemos as escadas rapidamente. Eu senti que ele estava apreensivo e ligeiramente envergonhado
por eu ter pegado ele no flagra. Mas tentei não intimidá-lo ainda mais.

- Mas me diz, você e o meu irmão estudam juntos, é isso?

- Não. Eu sou irmão da namorada dele.

- Namorada? O Marcus não namora, cara.

- Ficante, que seja.

- E o que você quer com ele?

- Nada – ele engasgou-se. – Só conversar.


741
- O banheiro é ali, na única porta do corredor. Fica à vontade.

- Valeu aí.

Só era o que nos faltava naquele momento. Um gurizinho querendo dar uns catas no meu irmão mais novo... Se
eu conhecesse o Marcus bem o suficiente, ele estaria louco de raiva por dentro, mas não estava falando isso a
ninguém.

- Eder? – minha mãe chamou.

- Sim, mãe?

- A Vivi dormiu na casa da Natália.

- Por quê?

- Ah, ela estava tão bonitinha no berço, eu fiquei com dó de trazê-la.

- Ah, mãe!

- Eita filho, a Natty é a mãe! Ela tem direito de curtir a filha um pouco! Deixe de ser egoísta!

Suspirei. Ela estava certa.

- É uma mãe cobra, mas é mãe – eu completei a resposta. – Tudo bem. Algo me diz que ela traz a menina ainda
hoje.

Meu sexto sentido estava aflorado naquele dia. Eu ouvi o barulho da descarga no piso inferior e no piso superior.
Não demorou para o Richard voltar para a sala e também não demorou para o Marcus voltar do banho.

- Nossa, que cheiro bom – Richard disse.

- Valeu – Marcus agradeceu.

- Má? A gente pode conversar a sós?

- Eu já disse que eu não gosto que você me chame assim – meu irmão falou.

- Desculpa Má, é força do hábito!

- Pois perca esse hábito! Não, fala o que você quer aqui mesmo, eu não tenho segredos com o meu irmão.

- Não. Eu quero falar a sós.

- Eu vou deixá-los sozinhos – falei, me levantando do sofá de dois lugares.

- Nem se preocupa Eder, já que ele faz tanta questão de falar a sós, eu vou para o quarto, lá a gente vai ficar mais
a vontade.

- Eu vou tomar banho também Marcus.

742
- Uhum.

- Depois a gente se vê aí cara, falou?

- Até mais então. É Eder o seu nome, né?

- Isso mesmo.

- Muito prazer, viu, Eder?

- O prazer foi meu.

Dei um aperto de mãos no guri e subi as escadas de dois em dois degraus. Trombei com o Renato no meio do
caminho, ele estava sem camisa e com o corpo molhado de suor. O que estaria fazendo?

- Posso ficar um pouco no computador?

- Claro que pode. Sem problemas.

- Obrigado.

Enquanto eu procurei a minha roupa que ia usar, ele ligou a CPU e o monitor.

- Esse computador é lento?

- Nada. A gente formatou faz pouco tempo. Pode usar de boa.

- Beleza, valeu. Eder?

- Oi?

- Eu posso dormir no seu quarto hoje?

- Pode sim. Aliás, acabei de ter uma ótima ideia. Você e a sua mãe podem passar a dormir na minha cama de
hoje em diante. Eu vou passar uns dias na casa da Natália.

- Natália é a gostosa que mora aqui do lado, não é?

- Gostosa? Aquela gorda? Mas sim, é ela sim.

- A mãe da sua filhinha ela, né?

- Infelizmente é sim.

- Por que infelizmente?

- A minha filha merecia uma mãe melhor. A Natty ainda é muito imatura, muito irresponsável...

- Quando eu digo que você quer ser o certinho...

- Não, não é que eu queria ser o certinho, é que eu sei fazer as coisas da maneira correta, eu tenho uma filha e
tenho que me portar como pai. É só isso. Mas eu vou tomar banho, fica a vontade.
743
- Valeu.

Estava passando a toalha no cabelo quando eu ouvi o Marcus falar com um tom de voz mais alterado.

- Não – ele disse.

- Por que não?

- Eu já disse que não!

Era o Richard. Algo estava acontecendo e eu tinha que saber o que era.

- Marcus? Algum problema? – eu disse ao entrar no quarto.

- Não Eder. Nenhum. O Richard já está de saída.

- Eu o levo até a porta.

- Não, pode deixar que eu o levo – meu irmãozinho disse decidido.

- Tudo bem.

Voltei para o meu quarto e notei que o meu primo ainda estava no computador. O que ele tanto fazia na internet?

- Ainda aí?

- Ah, orkut, sabe como é, né?

- Não sei não. Eu não tenho!

- Não sei por que essa frescura...

- Experimente ter um pai criminalista, você vai entender na hora.

Passei um pouco de desodorante e de perfume e desci as escadas. Antes de sair de casa, passei na cozinha, comi
um pedaço de bolo de chocolate que a minha avó havia feito e tomei um copo de refrigerante.

- Não quer jantar? – minha mãe perguntou.

- Quero não – respondi. – Vou ao Fael. Qualquer coisa eu janto lá.

- Eder, Eder – minha avó me recriminou. – A sua casa é aqui!

- Não tem problema não vó, a minha segunda casa é lá.

- É verdade mãe – a minha mãe chamava a sogra de mãe. – A gente é uma grande família. Além de Henrique
namorar a filha mais velha deles, o Eder e a Natty têm a Vivi e tudo mais... Acabou que viramos uma família só.

- Ah! Entendi.

- Cadê o vô?

744
- Saiu com seu pai.

- Ah! Eu volto depois. Beijo, beijo family!

- Quem é aquele moleque Marcus? – meu pai estava com a voz alterada.

- É o irmão da minha ficante pai...

- Irmão da sua ficante? E eu posso saber por que o senhor estava abraçado com ele?

- Foi ele quem me abraçou – Marquinhos tentou defender.

- E você deixou? Isso não é normal Marcus! Eu não quero você com esse moleque, não quero meu filho
envolvido com um veadinho qualquer!

Epa! Como assim? Preconceito? Contra homossexuais? Não, não! Aquilo eu não ia permitir. Não na minha
frente.

- Pai – eu disse. – O que é isso? Que preconceito é esse?

- Preconceito coisa nenhuma Eder. Se você visse como esse moleque estava agarrado com o seu irmão...

- E qual é o problema?

- Como qual é o problema Eder? Não quero meu filho envolvido com esse tipo de gente...

- Pai foi o senhor mesmo que nos criou com a mente aberta, dizendo que a gente não pode discriminar as pessoas
sem antes entendê-las. Eu sei que o Marcus é o seu filho, mas isso não justifica essa ação que o senhor tomou
agora!

- Ele tem razão querido – minha mãe e minha avó já estavam na sala.

- Mas gente! Eu posso proteger o meu filho?

- Proteger o senhor pode, o que eu não admito, na minha presença, é qualquer tipo de preconceito. Seja ele
étnico, racial, sexual ou qualquer outra coisa do gênero. Desculpa pai, mas o senhor foi preconceituoso sim! E
isso não é nada, nada certo.

Ele ficou sem resposta, apenas com a boca aberta e as bochechas coradas.

- Este é o meu neto! – meu avô veio me abraçar. – Por isso que eu me orgulho de você Eder!

- Obrigado vô. Eu aprendi isso com o seu filho.

- Eu falei sem pensar filho, desculpe...

- Eu te entendo. Mas tente não fazer isso novamente, é muito chato...

- Desculpe Eder. E obrigado por ter me orientado.

- Que é isso coroa, a gente está aqui para isso!


745
- Está vendo só pai? Chamando-me de coroa!

- Mas você é um coroa, filho! Já passou dos quarenta...

- Nunca! Estou apenas com vinte e oito.

- Em cada perna – eu respondi, dando um beijo no meu avozinho. – Vou para o Fael, volto mais tarde. Amo
vocês

Abri a geladeira da casa do Fael para pegar o que ele havia me pedido, mas não estava encontrando a tigela de
mousse de maracujá.

- O que você está procurando? – a Natty perguntou.

- Mousse. Seu irmão pediu.

- Ah, está na gaveta das verduras – ela riu.

- Ué, mas por que está neste lugar?

- É que foi o único que eu encontrei. Ed, eu esqueci de te falar, consegui marcar a data do batizado da Vitória.

- Sério? E que dia que vai ser?

Nós não tínhamos conseguido agendar para a data que eu queria e a cerimônia só se realizaria no mês de janeiro.
Eu só não sabia a data.

- A única data que tinha disponível era o dia vinte e oito.

- Ah, bem no dia que ela completará cinco meses. Não tem problema não. Pelo menos a gente conseguiu marcar,
né?

- Aham, eu já estou angustiada. Não gosto de ficar adiando estas coisas...

- É eu também não. Nós devíamos ter nos preparado com antecedência e já era para isso ter acontecido. Mas
fazer o quê?

- Nada. Está na gaveta, pode se servir à vontade.

- Obrigado gatinha!

Era mania chamar as meninas de gatinha, gata ou até mesmo linda. Quando eu percebia já tinha falado e elas já
estavam vermelhas. Ao menos dessa forma eu não dava pinta da minha homossexualidade.

Coloquei um pouco da sobremesa em um potinho individual que encontrei na terceira porta do lado direito do
armário de cozinha da Cláudia, peguei uma colher de café e subi as escadas para ir ao quarto do meu namorado,
mas antes de chegar, trombei com Jorge na escada.

- Boa noite Eder – ele me cumprimentou.


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- Boa noite Jorge. Tudo bem?

- Tudo bem sim e você?

Era realmente o meu sogro ou será que era um extraterrestre que havia tomado o seu corpo? Ele não costumava
ser tão cortês comigo daquele jeito...

- Tudo, graças a Deus.

- Preparado para a virada?

- Tem que estar preparado sempre, né? Mais um ano chegando... Novos horizontes se aproximando...

- Uhum. É verdade. Onde está esse mousse? Eu procurei e não encontrei.

Eu ri.

- Na gaveta das verduras.

- Mas na gaveta? Quem foi a anta que deixou lá?

- Sua filhota linda do coração, quem mais poderia?

- Vou jogar tudo na cabeça da Gaby!

- Não, não, foi a Natália mesmo.

- Ah, que seja ela, que seja. Até mais Eder, fique em paz.

- Você também.

Meu Deus do céu! O que será que tinha acontecido com ele? Será que tinha bebido um barril de chope sozinho?
Pela dimensão da barriga que estava se formando, era bem provável.

- Até que enfim amor! Foi plantar os maracujás?

- A sua irmã escondeu a tigela, eu tive que achar!

- Eita Gabrielle, viu?

Por que todos achavam que era a Gaby a dona da arte?

- Foi a Natália.

- Que seja. Quer um pouco?

- Quero não, obrigado. Já comi doce em casa.

- E o que você comeu de bom?

- A minha avó fez bolo de chocolate.

747
- Hum... Que delicia!

- Você quer um pedaço? Eu vou buscar para você.

- Faria isso por mim?

- O que você não me pede rindo que eu não faço chorando?

- Seu bobo. Não precisa ser muito grande, viu?

- Magina, só a metade, né?

- Bem por aí!

Dei-lhe um selinho, mas ele me puxou para a cama com tanta força e vontade que eu não tive como resistir.
Fiquei por cima de seu corpo com sede de sexo, mas ambos sabíamos que aquilo não era possível, pelo menos
naquele momento.

- Me solta meu garoto perfeito – eu pedi. – Eu tenho que ir pegar o seu bolo, senão ele vai acabar, hein?

- Então vai meu menino, vai e me traz um pedação!

- Eita, mas já mudou de ideia, foi?

Nós dois rimos e não demorou para eu criar coragem para voltar à minha casa. Eu fiz força para empurrar o
portão, mas ele estava tão leve que não era necessário nem um terço do esforço físico que eu estava fazendo.
Provavelmente alguém tinha colocado óleo nas rodinhas.

- Já voltou Eder? – meu avô se surpreendeu.

- Ah! Eu tive que vir pegar um pedaço de bolo para o chorão do cunhado do meu irmão. Aquele lombriguento
não pode ver doce...

- Pois leve um pedacinho para o coitadinho do Rafael, ele é um anjo de menino! – minha vovó o defendeu.

E ele era um anjo mesmo. O meu anjo, meu anjinho protetor.

- Não precisa ser muito grande não, vó.

- Cheirinho de chocolate – o Henrique entrou na cozinha. Eu notei que a aliança estava mais brilhante que o
normal. – Quem fez?

- Fui eu.

- Esse pedaço é meu, né vó?

- É não! É do Rafael!

- Ah! Tinha que ser aquele lombriguento.

Eu sorri em compreensão, mas tadinho do meu príncipe. Ele não fazia por mal e merecia todas as nossas regalias.
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- Aqui, leve para ele, fale que eu fiz com muito carinho.

- Pode deixar moça.

- Ai! Obrigada pelo moça! Ganhei a semana...

Minha avó ficou se sentindo a mais juvenil da casa, embora fosse com toda a certeza a mais anciã, mas isso não
vinha ao caso, o importante era o espírito e não a matéria.

- Eder?

- Oi Marcus?

- Eu posso falar com você um minutinho?

- Pode sim maninho, você espera eu levar isso ao Rafa?

- Eu vou estar no meu quarto.

- Tudo bem.

Ao passar pela porta da sala da casa do meu namorado, senti um arrepio percorrer o meu corpo, mas era uma
sensação calorosa. Algo me transmitiu muita tranquilidade, serenidade e eu senti uma paz interior muito grande.
O que quer que fosse que estivesse ali, com certeza, era algo bom.

- Ué Gaby, eu pensei que você estivesse lá em casa!

- Não, não. O Henrique está um chato!

- Hã?! Como assim? O que ele te fez? Fala que eu quebro a cara dele agora!

- Nada, ele não me fez nada, é justamente isso.

- Ih, não estou te entendendo cunhadinha!

- Nada não amor, deixa isso para lá. E o que é isso?

- Bolo de chocolate. Para o seu irmão.

- E eu posso comer um pedacinho?

- Claro que pode, né sua boba? Vem comigo, já tem tudo aqui...

A gente se dirigiu ao Fael e quando eu entrei, notei que ele estava apenas de cueca e com um volume
ligeiramente grande embaixo daquele pano.

- Epa – eu nunca o tinha visto ter um movimento tão rápido que nem naquele instante. Em uma fração de
segundos, Fael colocou um travesseiro no colo ao ver a irmã entrar no quarto.

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- Não vou atrapalhar?

- Vai nada – eu disse, olhando para o par de olhos verdes. – Né amor?

- Nunca mana! Você nunca atrapalha.

- Aqui o seu bolo. Eu vou precisar conversar com o Marquinhos, ele não está bem. Eu volto depois, tá, anjo?

- É aquele menino, não é?

- É, é ele sim. Eu desconfio que esse tal Richard esteja tarando o meu irmãozinho...

Senti um aperto tão doloroso no meu coração naquele momento.

- Como assim? – os irmãos perguntaram ao mesmo tempo.

- É que ele fica ligando direto de madrugada, fica abraçando essas coisas... E como eu sei que o Marcus não sabe
dar um chega para lá nisso, acho que ele quer a minha ajuda.

- Então vá ajudá-lo e depois volte! – Rafael mandou.

- Vou. Bom apetite. E Gaby, desabafa com o Rafa. Ele vai te entender.

Eu girei a chave duas vezes ao entrar no quarto do meu irmão caçula. Ele estava deitado na cama, com os olhos
fixos no teto, como eu gostava de fazer enquanto deixava os meus pensamentos fluírem em minha mente.

- Oi Marcus, o que foi? O que você tem?

- Eder...

- Calma!

Eu me deitei ao lado dele e o abracei. Era do que ele precisava. De um ombro amigo para chorar.

- Eu não quero Eder.

- O que você não quer Marcus?

- Eu não quero aquele menino perto de mim!

- É o Richard, não é?

- É sim! Ele não me deixa em paz Eder, eu estou ficando com raiva, mas eu não sei fazer ele se afastar. Você me
ajuda? Por favor?

Acertei na lata!

- Primeiro você vai ter que me contar tudo o que está acontecendo, desde o começo.

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- Quando ele ficou sabendo que eu estou ficando com a irmã dele, já tentou se aproximar, fazer amizade. A
principio eu achei aquilo normal, afinal eu sou uma espécie de cunhado para ele e acho que ele nunca teve isso
antes...

- Uhum.

- Mas depois de umas duas semanas, eu fui notando que ele estava se aproximando demais. Não sei como ele
descobriu o telefone daqui de casa, do meu celular... E desde então não para de me atormentar!

- Mas o que ele quer.

- Ele...

- Pode falar, não precisa ter segredos comigo.

- Ele...

- Ele?

- Ele quer...

- Ficar com você?

Marcus se calou quando ouviu o que eu tinha dito. Eu já sabia que era aquilo.

- É... Ele quer que eu largue a minha vidinha para ficar com ele...

- E o que você acha disso?

- O que eu acho? Que ele está ficando louco, maluco! Eu não quero isso! Não mesmo...

- Você não quer ou você finge que não quer?

- Não, eu não quero mesmo! O que você está pensando? Que eu sou bicha?

Eu sorri. Tão inocente.

- Não, é claro que não. Mas se fosse o caso eu não ia te recriminar.

- Não Eder. Eu não sou isso não. Eu sinto tesão por meninas, por mulheres e não por homens...

- Isso é bom.

- Você me entende?

- Claro que eu te entendo.

- Eu não sei o que fazer mano! Ele fica me abraçando, eu já cheguei a empurrar ele umas duas ou três vezes, falei
que eu não gosto, que eu não curto essas coisas, mas ele fica insistindo sabe? Como se estivesse tentando me
provocar?

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- Eu percebi isso. Quando você estava tomando banho, ele ficou olhando pelo buraco da fechadura.

- Sério? – Marcus se revoltou. Eu senti as mãos dele tremendo.

- Calma. É sério sim. Mas eu o tirei daqui...

- Minha Nossa Senhora... O que eu faço?

- Primeiro de tudo você tem que se acalmar. Agora as aulas já acabaram você não o verá com tanta freqüência...

- Graças a Deus...

- Segundo, a gente tem que sentar e conversar com ele. Se ele é gay, beleza... Até aí não tem problema... O
problema chega quando a coisa envolve você também. Se ele é apaixonado por você e você não corresponde, ele
tem que respeitar. E é isso que ele tem que entender.

- Ai! Mas logo comigo? Por que ele foi se apaixonar por mim? Tem tanto moleque naquela porcaria de escola...

- Por quê? Eu vou te dar alguns motivos. Você é lindo. Fato. Gostoso. Fato de novo.

Notei que ele ficou tímido.

- Tem olhos sensacionais. É educado. Atencioso. E muito provavelmente, foi o único garoto que deu atenção a
ele. Acredito que ele sofra bulling.

- Ah, também acho que sim. Ele é muito zoadinho...

- Então... Tá vendo só? Qualquer um nas circunstâncias dele se apaixonaria Marquinhos. Você é um fofo, não
tem como a gente não se apaixonar por você.

- Para idiota! Eu já estou morrendo de vergonha e você ainda fica piorando as coisas.

Eu apertei um cravo que estava bem no meio da testa dele enquanto o deixava pensar.

- Relaxa Marcus. Eu vou dar um jeito nisso. Pode demorar, mas vou dar um jeito.

- E o papai ainda ficou pensando besteira de mim... Achando que eu sou gay...

- Eu já conversei com ele sobre isso. E se você fosse, coisa que você não é, ele teria que aceitar.

- Difícil viu? É fácil uma pessoa não ser preconceituosa com a sociedade, mas com um filho...

- Pois ele vai ter que começar a pensar nisso.

- Por quê?

Eu estava com a língua cocando, prestes a falar: “Porque eu sou gay Marcus”... Mas eu me segurei.

- Porque não é justo uma pessoa ser mente aberta fora de casa e dentro dela ser um preconceituoso.

- Isso é verdade.

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- Mano?

- Hum?

- E se você fosse gay?

- Hã?

- E se você fosse? Não estou dizendo que você é, mas digamos que você fosse gay, você nos falaria?

- Ai! Eu não sei! Acho que não! A não ser que eu não tivesse como esconder...

- Hum...

- Por que a pergunta Eder?

Ele estava desconfiando de alguma coisa, mas eu não ia falar nada. Não naquele momento.

- Por nada, me bateu essa curiosidade.

- E você? O que você faria?

- Falaria. No momento certo.

Era o que eu estava esperando para fazer. Falar a todos eles. Quando houvesse a necessidade.

Na antevéspera do natal, nós decidimos que a ceia e as comemorações seriam realizadas na minha casa. Juntamos
todos e nos unimos em prol da organização de tudo e eu nunca tinha visto o meu lar tão cheio de gente como
naqueles dias.

- Eder você pode me ajudar com as mesas? – meu pai perguntou.

- Posso sim pai, só me deixa terminar de colar essa corrediça aqui, por favor?

- Eu vou estar lá na casa do Jorge, vá lá que nós estaremos te esperando.

- Pode deixar.

Eu me deitei de barriga para cima no chão e fiquei encaixando a corrediça da gaveta da mesa do telefone que
estava solta.

- Uau – Rafael falou. – Que bela visão a essa hora da manhã.

Eu me levantei tão rápido que bati a testa na quina da mesinha. Eu vi algumas estrelas pairando ao redor da
minha cabeça e a dor foi tamanha que uma lágrima desceu do meu olho esquerdo.

- Eder! Você está bem? – meu namorado se preocupou, aproximando-se correndo.

Era só o que me faltava, ganhar um galo na testa na última semana do ano. E as fotos, como ficariam?

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- Fala comigo amor...

- Psiu! Está doido? A casa está mais cheia do que formigueiro no dia do aniversário da rainha... Alguém pode nos
ouvir...

Ele deu um sorriso e me abraçou.

- Você está bem!

Eu notei que aos poucos ele estava voltando ao normal comigo. Devia ser paranoia achar que ele estava se
afastando de mim.

- Estou. Mas está doendo... – fiz um bico.

- Deixa-me dar um beijinho que sara.

Ele beijou o local da pancada uma, duas, três vezes. Eu fiquei morrendo de vontade de agarrar o meu anjinho ali
mesmo, mas eu não podia.

- Melhorou?

- Melhorou – eu menti, dando um sorriso e me deitando novamente no chão.

- O que você está fazendo, afinal de contas?

- É que o trilho da gaveta está solto e ela não para quieta. A minha mãe pediu para eu colar.

- E você tem que deitar para colar?

- É que eu estou com preguiça, daí aproveito para descansar as costas um pouco.

- Eu vou fingir que eu não ouvi isso.

Dei uma risada alta e gostosa, enquanto fixava a peça no móvel com força.

- Cuidado para não bater as fontes de novo, viu?

- Eu posso ser idiota uma vez, mas não duas.

- Sei. Cadê a Vitória?

- Saiu com os nossos avós.

- Ah, é? E onde eles foram?

- À praça levá-la para tomar um pouco de sol.

- Que bom. O meu avô estava mesmo precisando esticar os ossos.

- É o meu também. Prontinho.

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Antes de erguer o meu corpo, me arrastei pelo chão até me afastar de qualquer coisa que pudesse me atrapalhar
na hora de me erguer e daquela vez deu certo, não bati em lugar nenhum.

- Muito bem – Fael elogiou. – Agora você foi inteligente.

- Viu só? Eu sou inteligente.

- Ah, dá para ver.

- Vou ter que ajudar meu pai com as mesas. Ele está lá na sua casa.

- Eu sei. É por isso que eu vim para cá.

- Por causa do meu pai? – eu me surpreendi. Será que eles tinham brigado e eu não estava sabendo?

- Não. Por causa das mesas. Eles vão querer a minha ajuda e eu não estou afim...

- Faça-me um favor! – eu reclamei. – Pode mexendo essas perninhas de sabiá para nos ajudar seu folgadinho!

- Ah! – ele fez bico e cara de choro. – Eu estou tão, tão, tão, tão, tão cansadinho...

- Cansado de quê? De não fazer nada?

Meus irmãos apareceram na sala, um em cada porta. Eles olharam para nós e depois entre si. O que será que
estavam pensando?

- Dia gente – Fael cumprimentou.

- Dia – responderam Marcus e Henrique ao mesmo tempo.

- Sem moleza rapaz – eu comecei a empurrar o Fael pelas costas. – Vamos ajudar sim!

- Aonde vocês vão? – Ricky sondou-nos.

- Ajudar o pai com as mesas. Esse molenga não quer fazer nada...

- Ah, é bem a cara dele – Marquinhos brincou.

- O senhor dirija-se ao toalete mais próximo e evacue o seu bolo fecal – Fael disse –, para não dizer outra coisa
similar.

Marquinhos caiu na risada e nós quatro fomos até à casa vizinha. O interior do sobrado estava silencioso e aquilo
não era nada normal.

- Pronto pai, eu já cheguei.

- Ah, que bom que você trouxe ajuda!

- Onde você estava Rafa? – Jorge perguntou.

- Na casa do Eder. Eu não sabia que vocês iam levar as mesas agora – ele tentou tripudiar o pai.

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- Aham. Sei, sei...

- Dois levam a base e quatro o tampo que é mais pesado – meu pai orientou.

Marcus e Jorge correram para pegar a sustentação da mesa, enquanto eu, Henrique, meu pai e Rafael, tivemos
que nos encarregar do tampo de madeira.

- Essa mesa é de que hein? Chumbo? – Henrique choramingou.

- Carvalho meu filho – Jorge riu. – Não se fazem mais mesas assim. É da época do meu casamento.

- Ih! Então é velha pacas – Fael brincou.

- É velha mesmo! Tem a sua idade...

Eu caí na gargalhada. Quem fala o que quer, ouve o que não quer.

A nossa maior dificuldade foi tirar da casa do Fael e colocar dentro da minha. Durante todo o caminho, tivemos
que aguentar o chato do meu sogro falando para nós tomarmos cuidado para não arranhar a pintura e tudo mais;
quando ele queria ser chato, ele conseguia.

- Vocês vão mudar para a casa ao lado é? – ouvi a vizinha perguntar.

- Não – Marcus respondeu.

- E o que é isso então?

- Nada que seja da sua conta, velha fofoqueira – ouvi o meu pai cochichar para si mesmo, mas a mulher não
ouviu e também ninguém a respondeu.

As coisas ficaram bem apertadas, mas nós conseguimos organizar a mobília muito bem. A estante teve que ficar
na garagem porque ela não cabia mais na sala e os sofás, nós deixamos contra a parede para as mesas caberem no
meio da sala.

- Acho que assim está bom – minha mãe analisou com seu olhar critico.

- Doze cadeiras? – minha tia perguntou.

- Quatorze – eu respondi.

A mesa do Fael era maior que a nossa, embora a minha casa contesse mais pessoas que a dele. Eu contei
mentalmente as pessoas para ver quantos lugares faltariam, mas não eram muitos...

Meu pai.

Minha mãe.

Minha irmã.

Meu irmão mais velho.

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Meu irmão mais novo.

Meu avô.

Minha avó.

Minha tia.

Meu primo.

Meu sogro.

Minha sogra.

Minha cunhada mais velha.

Minha cunhada mais nova.

A avó do Rafa.

O avô do Rafa.

O Rafa.

Eu.

E é claro, embora ela ainda fosse bem pequena e não ocupasse um lugar à mesa, a minha filha, Vitória.

Dezoito pessoas. Em uma casa. Isso se não fosse chegar mais gente...

- Dezoito pessoas – meu irmão mais velho falou. – Caberão todos?

- Caberão sim – minha avó falou. – A gente dá um jeitinho.

Eu não tive forças para mais nada quando me deitei àquela noite. Só foi fechar os meus olhos e eu já estava
envolto em meus sonhos em preto e branco...

“Era uma estrada de terra sem fim. Eu me vi rodeado de árvores em todos os lados. Até senti certa paz, certa
tranquilidade, embora estivesse achando o local um tanto quanto estranho.

Eu caminhei lenta e gradativamente pelo caminho que estava à minha frente, até que avistei uma clareira repleta
de girassóis. Era linda... O sol batia nas pétalas amarelas das flores e a relva verde reluzia, transmitindo a vida
que ali continha.

Eu sentei em uma pedra alta e fiquei olhando para o céu. Tão azul. Era audível o piar dos pássaros e o barulho do
vento nas folhas das árvores. Que sossego!

- Para Rafael! – eu ouvi uma voz masculina falar em tom de felicidade.

Ao olhar para o lado, me deparei com um garoto de aproximadamente vinte anos correndo de alguém e sorrindo.
Ele era loiro, alto, forte e muito, muito bonito.
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E então meus olhos bateram nele. Tão forte quanto na vida real, tão lindo quanto era possível. Os olhos verdes
estavam brilhando de felicidade e ele mantinha um sorriso alegre estampado naquela face impecável. O meu
homem. O meu garoto perfeito. O meu Rafael.

Ele correu atrás do garoto que eu não conhecia, até que por fim, o alcançou e o puxou pela cintura.

- Não foge de mim Victor!

- Eu não estou fugindo de você...

- Ah, não? Então por que você estava correndo?

- Para ver se você era capaz de me alcançar.

- Eu consegui!

Victor sorriu, mas logo parou. Eu notei que Rafael estava com uma fisionomia mais séria, ambos estavam mais
sérios. Aos poucos, os rapazes foram fechando os olhos e virando os rostos e não demorou para os lábios se
encontrarem.

Eu senti uma dor invadir o meu interior. Mas não era uma dor comum. Doía em meu peito, mas também doía em
minha alma. Eu tentei me levantar, tentei me aproximar dos dois, mas algo me puxava para trás. Tudo foi ficando
escuro, mas a sensação que eu estava sentindo não diminuía... Era algo terrível... Insuportavelmente doloroso...
Será que era... A morte?”

- Eder, Eder... O que foi amor? O que você tem? – Fael estava com a voz preocupada.

Eu abri os meus olhos e me sentei de chofre na cama, arfando e com a boca seca. Senti o gosto de uma lágrima
invadir meus lábios e coloquei as mãos na minha face. Eu estava chorando.

- O que foi Eder? O que você tem? Você está bem?

- Um sonho... Um pesadelo...

- Pesadelo?

- Água – eu pedi.

Meu namorado se levantou do meu lado e pegou a garrafinha de água que estava no criado mudo.

- Aqui meu menino. Beba.

Já estava ficando vazia. Eu ingeri todo o liquido em praticamente um gole e aquilo fez eu me acalmar um pouco.

- Está mais calmo?

- Estou – voltei a me deitar. Fixei meus olhos no teto do quarto do Fael. O que aquilo significava?

- O que você sonhou? Quer me contar?

- Você estava me traindo – só em falar aquilo, meu coração doeu. E doeu muito.
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Eu senti um par de mãos me puxarem para o corpo dele. O seu calor me envolveu de uma forma protetora. Será
que tinha sido mesmo um pesadelo? Ou quem sabe fosse um aviso?

- Oh, meu menino... Isso nunca vai acontecer! – ele exclamou, mas eu não senti firmeza nas suas palavras.

- Não me larga Fael. Por favor...

- Eu não vou largar você. Eu não vou abandonar o meu garotinho, o meu anjinho...

- Promete Fael? Promete para mim que você não vai me trair?

- Não preciso prometer uma coisa dessas. Eu seria incapaz de trair você. Confie em mim!

Naquele momento senti a necessidade de um beijo e não me fiz de rogado. Pulei em cima dele e grudei os nossos
lábios com vontade. Ele segurou na minha cintura e suspirou. Eu ainda não estava confiando nele. Não sei por
quê...

Foi difícil resistir às rabanadas e as guloseimas que as mulheres prepararam naquele domingo. Durante vários
períodos do dia eu me lembrei da Natália. Fazia exatamente um ano que ela tinha sentido os primeros sintomas
da gravidez. O tempo passava rápido demais...

Mesmo não sendo a virada de ano, quando me troquei àquela noite, coloquei roupas brancas, assim como meu
pai e meu avô. Não sei o motivo, mas senti a necessidade daquele gesto, talvez fosse apenas superstição, ou
não...

A meia noite estava se aproximando cada vez mais. Por volta das dez e meia, a minha filha acordou chorando e
nem eu, nem mais ninguém conseguiu fazer ela se calar.

- São os dentinhos, coitadinha – minha mãe ficou morrendo de dó.

Enquanto ela chorava, coloquei o dedo dentro da sua boquinha e apalpei a gengiva. Eram os dentes mesmo.
Embora eles tivessem começado a sair um mês antes, só naquele momento que eles realmente começaram a
crescer.

- Ela está com febre – Gaby falou-me.

- Cadê o remédio que a médica passou? – meu irmão perguntou.

- Eu vou buscar.

Levantei-me do sofá, fui até o meu quarto, peguei a caixinha do remédio que a doutora Sandra havia passado
dentro do meu guarda-roupa, me olhei no espelho, arrumei o meu cabelo, tentando disfarçar o roxo da minha
testa e depois desci.

- Aqui – eu respondi.

- Quantas gotas? – minha mãe perguntou.

- Quinze – eu respondi. – No máximo vinte.

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- Está bem.

- Vem com o pai filha – eu falei, tirando Vitória do colo da madrinha. – Calma, a vó já vem com o seu
remedinho...

Mas ela não parava de chorar. Será que eram realmente os dentinhos?

- Pronto, pronto...

Tentei passar toda a minha energia positiva para a minha filha, no intuito dela se acalmar. Aos poucos eu fui me
afastando dos demais e quando estava quase chegando à cozinha, minha mãe apareceu com a mamadeira da Vivi.

- Não coloquei muita água.

- Está certinho mãe. Você sabe melhor do que eu afinal, você já cuidou de quatro.

Ela sorriu, colocou a mão no meu ombro e se afastou. Eu fiquei olhando para os olhinhos da minha princesa.
Estavam mais claros devido às lágrimas. Ela ficou olhando além do meu ombro, mas não chorava mais devido ao
bico da mamadeira.

- Fique calma, eu estou aqui...

Vitória suspirou, fechou os olhinhos e tomou toda a água com as gotas do remédio. Algo me dizia dentro do meu
coração que não eram apenas os dentes que estavam a incomodando. Eu só não conseguia entender o quê...

Quando ela finalmente dormiu, a coloquei dentro do berço, encostei a porta e desci para comer. Eu estava
faminto, porque não havia jantado na espera da nossa confraternização.

Faltando dois minutos para a meia noite, os fogos de artifício começaram. Eu esperei a chegada do dia vinte e
cinco para abraçar a minha família e o primeiro de todos, foi meu avô.

- Feliz natal vô – eu falei, com um frio estranho no estômago.

- Feliz natal meu neto – ele disse com a voz um pouco carregada.

- O senhor está bem?

- Estou ótimo – ele me garantiu.

- Eder? – Cláudia veio me abraçar.

- Oh, Cláudia!

Ela me apertou tanto, mas tanto que eu senti um pouco de falta de ar.

- Feliz natal meu lindinho.

- Feliz natal.

760
Minha audição não me deixou na mão no meio daquela barulhada toda. Ouvi o choro da Vitória no quarto e não
pensei duas vezes em largar a minha sogra para ir buscá-la.

- A Vivi – eu falei.

- Eu ouvi também – Cláudia me disse. – Vai buscá-la. Eu quero dar um beijo nela.

- Eder? – meu primo chamou.

- Minha filha Renato.

Ela estava muito inquieta dentro do berço. Eu a segurei com firmeza, a apertei contra meu peito, dei-lhe um beijo
e desci as escadas.

- O que você tem, meu amor?

Como eu queria que ela falasse comigo. Dissesse-me o que estava acontecendo. O que ela estava sentindo. Como
era ruim aquela angustia...

- O que ela tem meu Deus do céu? – Natália veio até mim.

- Segura ela um pouco Natty. Tenta dar o peito para ver se ela se acalma. Alguma coisa a está perturbando.

- Vem filha – Natty falou.

Após abraçar e desejar feliz natal a todos, eu comecei a comer. Minha mãe, minhas avós, minha sogra e minha
tia tinham cozinhado bastante naquele dia. Eu fiquei em dúvida no que comer.

- E agora?

- Pega um pouco de cada – meu namorado sugeriu. – É isso o que eu vou fazer.

- Boa ideia Rafa.

Eu fiquei entre o Rafael e a minha irmã. Na ponta à minha direita estava meu avô de sangue e na outra o meu avô
de consideração. Eu já estava chamando o seu Augusto e a mulher de avós...

Meu pai ficou ao lado do pai e minha mãe ao seu lado. Ficamos apertados, mas todos nós conseguimos sentar à
mesa para festejar o nascimento de Jesus.

- Um brinde – Jorge propôs –, à nossa saúde!

Nós nos levantamos, pegamos as taças e as batemos umas nas outras. Eu bebi um gole de champanhe e voltei a
comer. Tudo estava divino.

As sobremesas foram umas tentações à parte. Eu comi dois pedaços de bolo de côco, uma taça de sorvete
napolitano, uma cumbuca de morangos com chocolate e uma fatia de melancia.

Segurei a Vitória depois que ela se acalmou e consegui fazê-la dormir, mas ao invés de levá-la ao quarto para
colocar no berço, a deixei dentro do carrinho, porque se ela voltasse a acordar, já estaria perto de mim ou da mãe.

761
Até as duas da manhã nós ficamos conversando, dando risada e comendo. Vivi não acordou e todas as vezes em
que ela se movia, ou eu ou a Gabrielle ficávamos perto para alguma eventualidade.

Eu só consegui voltar para a casa do Rafa por volta das cinco horas da manhã. Antes de me deitar de vez, dei um
banho quente na Vitória, ajudei a Natália a trocar a roupinha dela, dei-lhe mamadeira e a coloquei para dormir.

- Pronto bebê. Fique calminha, tá?

- Eder? – Gabrielle entrou no quarto da sobrinha.

- Oi?

- Ela dormiu?

- Acabou de pegar no sono.

- O que será que ela tinha hoje?

- Acho que são os dentinhos Gaby – dei de ombros.

- Será mesmo?

- Acho que sim. A médica disse que iria doer... E a minha mãe também.

- É a sua mãe é dentista ela deve entender.

- Uhum.

- Eu só queria saber se ela está bem. Vou para o quarto, o Henrique está me esperando.

- Se o seu pai souber...

- Ele sabe!

- Como assim ele sabe?

- Eu tive uma conversinha com ele...

- Sério?

- Aham, já faz um tempinho até...

- E ele aceitou de boa?

- Desde que eu não apareça grávida...

Eu sorri e dei um abraço na minha cunhadinha. Eu estava feliz por ela. E é claro, pelo meu irmão.

- Boa noite – eu disse –, ou melhor, bom dia!

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- Bom dia – ela sorriu. – Aproveite bem com o meu maninho.

- Ah! Gabrielle...

Ela deu risada e a gente saiu do quarto, cada um se dirigindo para onde tinha que ir.

Fael estava deitado de bruços, só de cueca e sem lençol por cima do corpo devido o calor. Eu tirei a minha roupa,
deitei-me ao seu lado e passei meus dedos lentamente pelas suas costas. Ele virou o rosto para mim, sorriu e
disse:

- Ela dormiu?

- Dormiu sim...

- E agora, o que a gente vai fazer?

- Não sei, o que você quer fazer?

- O que você quiser fazer.

- Eu deixo você escolher – brinquei.

- E se o que eu quiser você não quiser?

- Digo a mesma coisa a você.

- Eu quero tudo o que você quiser.

- E eu digo o mesmo a você novamente.

A gente deu risada e começamos a nos beijar lentamente, um com a mão na nuca do outro. Mesmo sendo natal, a
gente não conseguiu se conter e só paramos com os amassos quando ambos gozaram. Foi a última vez que nós
transamos naquele ano.

A última semana foi tranquila. A locadora ficou movimentada nos dias que antecederam à virada e nós tivemos
que fechar mais tarde que o normal para atender a demanda dos clientes.

- Dinheiro agora ou na devolução?

- Agora.

- Doze e cinquenta – eu bocejei. – Desculpe-me.

- Sem problema – a mulher falou, contando o dinheiro na bolsinha de mão. – Aqui.

Ela me deu duas notas de dez e eu tive que separar sete e cinquenta de troco. Abri a gaveta do caixa, peguei duas
notas de dois reais e o resto de moedas de cinquenta centavos, ela que se virasse com o dinheiro.

- Entrega no dia três, até às vinte horas.

- Caraca! Só no dia três?


763
- É que a senhora alugou os da promoção.

- Ah! Nem tinha visto. Que beleza! Está bem então, obrigada.

- De nada, feliz ano novo e volte sempre.

- Obrigada.

- Boa noite – eu disse ao cliente que sucedeu a mulher.

- Boa noite – ele me disse com o rosto um pouco fechado.

- Sabe o seu código?

- Três, um, sete, cinco, cinco, dois.

Eu peguei os DVD’s, digitei os códigos, imprimi o cupom e pedi que o mesmo assinasse.

- Seis reais. Pagamento agora ou na devolução?

- Na devolução.

Esperei o homem assinar e fiquei de olho na porta. Meus irmãos passaram pela roleta e eu achei aquilo um pouco
estranho... O que eles iam alugar?

- Aqui – o homem disse.

- Entrega no dia dois até às vinte horas.

- Ok. Obrigado.

- Por nada, feliz ano novo e volte sempre.

- Feliz ano novo.

- Hey – falei para o Henrique. Ele me olhou. – O que vocês estão fazendo aqui? – sussurrei.

Ele sorriu e se dirigiu ao balcão.

- Viemos alugar filmes.

- Até vocês? Vai falir desse jeito... Próximo!

- Oi... – um guri disse.

- Boa noite. Sabe o seu código? – meu irmão ficou me olhando trabalhar.

- Quatro, nove, oito, zero, três, quatro.

Ele me entregou os filmes e eu digitei os códigos.

- Quatro reais. Pagamento agora ou na devolução?


764
- Agora.

- Assine aqui, por favor?

Ele me deu duas notas de dois e eu as guardei no vão destinado a este valor.

- Aqui.

- Entrega dia dois, até às vinte horas.

- Valeu. Feliz ano novo.

- Igualmente e volte sempre.

- Eder, segura as pontas que eu vou ao banheiro... – Diogo falou com urgência na voz.

- Quer me matar? Olha isso aqui como está...

- Quer ajuda mano?

- Quero, vem para cá...

Ensinei rapidamente o Henrique a localizar a tela dos clientes, a colocar os códigos no computador, a imprimir o
cupom, o local onde eles iam assinar e onde ele ia verificar a data da retirada e o valor a ser pago. Ele aprendeu
direitinho.

- Não aguento mais – sussurrei baixinho.

- Imagino.

- E a Vitória?

- Calminha, está toda brincalhona hoje.

- Menos mal.

Acabou que o Marcus e a Giselle não escolheram nenhum filme. Mas era de se esperar, as prateleiras estavam
praticamente vazias, eu só não conseguia compreender por que as pessoas estavam alugando DVD’s no
penúltimo dia do ano...

- Eder, fecha para mim? – Diogo pediu, por volta das nove.

- Graças a Deus!

Nunca andei tão rápido até a entrada. Peguei o ferro e comecei a fechar a locadora, mas quando estava quase
chegando na catraca, uma guria apareceu.

- Ah, moço... Já vai fechar?

- Ah, minha filha, a gente também é filho de Deus! Daqui a pouco vamos passar a virada aqui dentro! – e olha
que a virada de ano era só no dia seguinte.
765
Ela sorriu compreensivamente e ficou me olhando.

- Eu não posso entrar, não? Por favor?

Eu olhei para um lado, olhei para o outro e suspirei.

- Entre. Mas só você e ninguém mais.

Assim que a guria passou, eu baixei o resto do ferro e passei o cadeado. Se alguém quisesse entrar pela catraca da
saída, não ia conseguir, pois ela era travada.

- Amém! Obrigado meu Deus.

Voltei para a minha posição no balcão e coloquei o banner de “Fechado” à minha frente.

- Vai demorar ainda Eder? – Henrique perguntou.

- Não Ricky. Só vou fechar o caixa.

Abri a gaveta com a chave e comecei a pegar os bolos de dinheiro. Arrumei cédula por cédula, fazendo a conta
de quanto eu tinha recebido mentalmente.

- Pronto? – ele me perguntou.

- Acho que sim.

Mas então a guria apareceu com um monte de caixas na mão. Eu suspirei, e fui ajudar Diogo com o sistema.

- Você sabe o seu código?

- Não.

- CPF?

Ela me ditou o número e eu localizei o cadastro. Peguei uma, duas, três, quatro caixinhas de filmes, até conseguir
digitar a nona e finalmente finalizar.

- Vinte e um reais e cinquenta centavos – Diogo pediu. – Pagamento agora?

- Não, não.

- Assina para mim, por favor? – ele estava com a cara fechada.

- Aonde?

- Na linha pontilhada – eu respondi.

Coloquei os filmes em uma sacola grande e assim que ela terminou de assinar, arranquei o papel de suas mãos,
coloquei dentro da caixa de um dos DVD’s e disse:

- Devolução no sábado, dia seis, até às vinte horas.

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- Até as dezenove – Diogo corrigiu. – O horário do sábado vai alterar à partir de janeiro.

- Ah, tudo bem moços! Obrigada.

- Por nada – respondemos em uníssono. – Feliz ano novo!

- Igualmente.

- Obrigado – falamos juntos de novo.

- Agora nós vamos, não vamos Eder?

- Vamos Ricky. Pelo amor de Deus! Eu só quero ver isso daqui ano que vem!

- Não falta muito para isso não – Diogo comentou.

- Vai contar o caixa não?

- Nunca na minha vida, eu vou é embora que eu já estou mais do que atrasado, na terça eu conto!

Dei um abraço no chato do meu amigo, desejei-lhe boa virada e saí correndo da locadora. Eu realmente estava
puído de tanto cansaço.

Depois de finalizar a organização da casa do Fael para a celebração do ano novo, eu fui até a minha casa, tomei
uma ducha imensamente demorada e relaxante e coloquei a minha roupa nova.

A minha bermuda branca ficou perfeita no meu corpo, mas estava marcando a minha bunda e eu não achei aquilo
muito legal. Vesti uma camiseta vermelha, arrepiei os meus cabelos, coloquei a minha pulseira, a minha corrente
e me enchi de perfume.

- Pronta? Vamos para a casa da mamãe? Vamos?

- Vocês já vão? – meu irmão perguntou.

- Já – eu respondi, colocando a bebê de bruços no meu ombro. – Você não?

- Ainda não tomei banho. Eder essa bermuda deixou a sua bunda marcada.

- É eu percebi isso agora. Mas eu não ligo.

- Que bundão! – Marquinhos analisou.

- Marcos Vinicius! Respeito é bom – eu ri.

- Besta!

- Aquele moleque não te ligou mais não, né?

- Não. Ele está na dele. Graças a Deus. E eu nem te contei, eu e a irmã dele terminamos...

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- Por quê?

- Porque ela queria namorar. Estou fora!

- Meu Deus do céu! – eu ri. – Só você mesmo. Anda piá, vai tomar banho que a gente já está se atrasando!

- Ainda é dez horas!

- Para a meia noite falta pouco. Capriche no banho. Nada de punheta e lave bem a cabecinha!

- Eder!

- Brincadeirinha. Não demora.

Mas ele demorou. Só chegou na casa do Fael às onze. Era o único que faltava.

- Cheguei, cheguei!

- Finalmente menino! Pensei que tinha descido pelo ralo – a minha mãe disse.

- Quase, quase.

Quase todos estavam no terraço, à espera do churrasco. Alguns vizinhos estavam pela rua, cantando e
comemorando o nascimento de mais um ano. Cada vez o dia primeiro se aproximava mais...

Faltando dez minutos, eu e Henrique arrumamos os fogos na laje. Todos estavam ali, inclusive Vitória no colo da
madrinha.

- Cuidado com isso, pelo amor de Deus – a minha mãe implorou.

- Calma mãe! A gente sabe mexer...

E então começou.

Dez.

Olhei para o Fael e ele para mim.

Nove.

Dei um passo em sua direção, me afastando de tudo e de todos.

Oito.

Aproximei-me mais, cada vez mais.

Sete.

Ele veio até mim com andando mais rápido que eu. Eu o imitei.

Seis.

768
Olhei para a Vitória no colo da Gaby. Ela estava com os olhinhos abertos.

Cinco.

Meu coração acelerou e eu pensei: “Obrigado Deus!”.

Quatro.

Respirei fundo, estava chegando.

Três.

Tum...

Dois.

Fael e eu nos abraçamos.

Um.

“Eu te amo”, nós dissemos juntos.

1º de Janeiro de 2.007...

A queima de fogos estava a todo vapor e o nosso beijo também. Tivemos que ser bem rápidos, bem rápidos
mesmo.

- Feliz ano novo meu amor – eu disse ao Fael, sussurrando em sua orelha.

- Feliz ano novo bebê – ele me felicitou. – O segundo réveillon que a gente passa juntos...

- O segundo de muitos! Eu te amo muito.

- Eu também te amo!

Demos um selinho bem discreto e voltamos para a algazarra. Todos estavam se abraçando, olhando a queima de
fogos, eu tinha certeza que ninguém tinha dado pela minha falta, nem pela do Fael.

- Cadê a minha filha?

Eu procurei por todos os cantos e encontrei a Vivi no colo do padrinho. Ela estava deitada em seus braços, com
os olhos no céu. Será que estava achando as cores bonitas?

- Cadê a princesinha do papai?

Eu a segurei no colo, enquanto meu irmão dava um beijo no meu rosto.

- Feliz ano novo tranqueira.


769
- Para você também meu irmão!

Acabou que, mesmo com a menina nos braços, eu dei-lhe um abraço. Na verdade, fui abraçado.

- Sucesso Eder.

- Para ti também Ricky. Que Deus continue te abençoando como sempre e que este ano seja repleto de vitórias.

- Vitória? Sempre! Para mim, para você e para a nossa família!

- Amém!

Depois que cumprimentei meu irmão, beijei a bochecha, a testa, o queixo, as mãos e tudo o que consegui da
minha filha.

- É o seu primeiro ano novo, filha – eu falei em seu ouvidinho. – O papai vai sempre estar presente em todos
eles, eu prometo! Eu te amo muito! Muito mesmo...

Eu queria saber se ela estava entendo o que eu falava. Mas eu tenho convicção que sim. Dizem que os bebês
ouvem as vozes dos pais dentro da barriga da mãe... Então ela era capaz de me compreender.

Coloquei a Vivi no carrinho, mas não saí do seu lado um segundo sequer. Minha irmã, meu outro irmão, minhas
cunhadas e minha mãe vieram me abraçar. Dona Marina acabou se emocionando ao pegara neta. Era a nossa
primeira grande festa depois do nascimento da Vitória.

Aos poucos todos nós ficamos juntos. Quando entramos para comer, os fogos ainda estavam na metade, mas
todos os que eu e meu irmão tínhamos comprado já tinham esgotado. Meu pai e meu sogro se responsabilizaram
pela queima. Foi lindo.

Todos nós demos as mãos antes de começar a comer. Eu fechei os meus olhos, respirei fundo e comecei a rezar:

“Meu Deus, obrigado pela minha filha. Obrigado pelo Rafael. Pela minha saúde, pela saúde da minha família.
Mantenha as coisas sempre em ordem no meu lar e no lar do meu namorado. Não permita que nada de ruim
aconteça neste ano, continue em minha casa, continue me abençoando... Obrigado por todas as minhas
conquistas, principalmente pelo nascimento da minha Vitória. Permita que este ano que inicia hoje seja repleto
de bênçãos em todos os sentidos. Que seja feita a Vossa vontade! Amém!”

Não demorou nada, nada para a festa começar. Eu me servi de arroz branco, macarronada, uma quantia mínima
de feijoada, purê de batatas, carne assada, estrogonofe de frango, salada e farofa, além de uma rabanada.

- Obrigado por tudo Deus – eu suspirei baixinho, antes de dar a primeira garfada.

- Gente, gente – Fael falou. – Um brinde! Um brinde pelo ano novo! Pelo nosso sucesso!

- Boa Rafa! – Jorge empolgou-se.

- Ao nosso sucesso! – meu pai falou em voz alta.

Bati a minha taça dezesseis vezes e tomei um gole. Como era bom estar com a família toda reunida.

770
A Vitória passou toda a madrugada dormindo e não nos deu trabalho. Eu bebi três taças de champanhe e uma de
espanhola, mas não fiquei bêbado. Fael e eu ficamos o mais próximos que conseguimos, mas logo íamos dormir
juntos pela primeira vez em dois mil e sete.

Aos poucos, as pessoas foram se recolhendo. Os mais velhos foram os primeiros a abandonar a nossa festança,
mas era compreensível devido à idade. Natália levou Vitória para o berço e acabou ficando por lá mesmo. Minha
mãe e meu pai voltaram para casa antes das quatro horas da manhã e Cláudia com o esposo subiram logo em
seguida.

- Só ficamos nós – eu falei.

- É – Renato disse.

- Eu vou para a cama – a mãe dele disse, levantando-se do sofá. – A festa está boa, mas eu não vou ficar no meio
dessa juventude não...

- Que bobagem tia – Henrique tentou ser simpático –, fica com a gente...

- Não, não. Já estou muito cansada, com sono e dor nas pernas. Amanhã tem mais. Feliz ano novo para vocês.

- Feliz ano novo – todos nós falamos.

Quando a minha tia foi embora, não tinha mais nenhum adulto conosco e a festa ia começar mesmo naquele
momento. Nós estávamos em sete, e mesmo sendo um número impar, Renato sugeriu:

- Gente, vamos jogar verdade ou desafio?

Todos nos olhamos entre si e quando os meus olhos bateram no do Fael, um sorriso passou pelos nossos lábios.
Não ia sair coisa boa daquilo, mas... Não custava nada tentar...

- O que você acha? – Henrique perguntou para Fael, sendo eles os mais velhos, tinham que dar o veredicto final.

- Por mim... – meu namorado deu de ombros.

- Vamos, vamos sim – Henrique animou-se. – Faz é tempo que eu não jogo isso!

- Chamem a Natty – Renato pediu. – Acho que ela ia gostar...

- O que tem eu aí?

Bruxa! Sempre aparecia na hora mais inconveniente...

- A gente vai jogar verdade ou desafio. O que você acha? – Henrique perguntou.

- Adoro! Estou dentro. Só vou pegar um copo de água.

Nós decidimos subir para a laje novamente, pelo menos ninguém nos ouviria se nós estivéssemos fazendo
barulho. Antes de subir, Marquinhos desligou o som, nós pegamos uma garrafa de champanhe vazia e eu usei o
banheiro.

771
- Se vierem com beijinho ou qualquer outra coisa que não seja para cima de mim, você não faz, hein? – Fael
disse-me, quando eu cheguei.

- Eu ia falar a mesma coisa para você agora!

- Ah! Que bom que você concorda.

Sentei-me de frente ao meu namorado e entre meus irmãos. Eu notei que Renato estava gostando da brincadeira
sem ela nem ter começado...

- Quem começa? – Gaby perguntou.

- As damas – Marcus falou.

- Qual das três?

- Aí vocês resolvam entre si – ele tirou o corpo fora.

- Começa você maninha – Natty propôs. – Tudo bem para ti, Gi?

- Claro que sim.

Minha cunhadinha girou a garrafa com tanta vontade que eu pensei que ela não ia parar de girar nunca, mas
parou. Na direção do meu irmão mais novo.

- Verdade ou desafio? – Gabrielle perguntou.

- Desafio, é claro – Marquinhos disse.

- Adoro! Imita um frango com a pata quebrada.

- Você adora me ver pagar mico, né? – ele suspirou, já se levantando.

O bicho ficou tão torto, mas tão torto que nem de longe aquilo parecia um frango.

- Mas Marcus, é com a pata quebrada e não com as asas – Henrique ponderou, rindo baixinho.

Rafael caiu na gargalhada quando o cunhado falou aquilo. Eu ri mais do meu anjo do que do meu irmão.

- Satisfeita? – Marcus perguntou.

- Satisfeitíssima!

- Vai Marquinhos – eu falei.

A garrafa girou, girou e parou com o bico para a Giselle.

- Verdade ou desafio maninha?

- Verdade.

- É verdade que você ainda é virgem?


772
Se fosse possível o rosto dela esbanjar fumaça, ela o faria.

- Não tinha outra pergunta não? – ela estava muito tímida. – Sou...

Confesso que senti o meu coração aliviar naquele momento. Eu não sei o que seria de mim e do Henrique se ela
dissesse sim.

- Verdade ou desafio Rafael? – ela perguntou, quando a champanhe parou.

- Desafio...

Adorei. Fiquei esperando ansiosamente.

- Eu te desafio a... Dançar na boquinha da garrafa.

Putz! Aquilo eu pagava para ver.

- Boa Gi! – Henrique aplaudiu.

- Nem dou confiança – ele deu de ombros, colocando a garrafa de pé. – E o som? Cadê o som?

- Vai ralando na boquinha da garrafa – a gente começou a cantar –, é na boca da garrafa.

Fael colocou um dedo na boca, fez cara de cachorro e começou a rebolar, de costas para mim. Eu parei a
cantoria, entreabri os meus lábios e fiquei observando, com água na boca.

- Desce mais, desce mais um pouquinho – os sobreviventes continuaram –, desce mais, desce devagarzinho...

Ele rebolou tanto, mas tanto que o meu pau cresceu instintivamente. Quando ele chegou ao chão, subiu
rapidamente e voltou para o seu lugar. Todos, exceto eu, estavam rindo.

- Adorei – Renato secou uma lágrima. – Dança muito bem... Que remelexo!

- Não é para qualquer um!

Meu namorado girou e foi parar logo em mim. Eu mantive meus olhos fixos aos dele e antes que ele me
perguntasse, falei:

- Desafio – fiz questão de pronunciar todas as letras da palavra e ele sorriu.

- Eu quero ver você dançar... Sua vez!

Filho da puta! Mas eu fui. Ergui a garrafa, respirei fundo e esperei a música começar.

- Vai ralando...

Não quis ser safado que nem ele, mas dei um toque meu na coreografia. Ao invés de colocar o dedo na boca,
ergui metade da camisa enquando abaixava o meu corpo. Ouvi dois assovios e senti a minha bochecha queimar,
mas quando voltei ao meu lugar, tudo ficou normal novamente.

- Vai ter troco, tá?


773
- Eu não ligo!

- Verdade ou desafio Natty?

- Verdade.

- É verdade que você não tinha certeza sobre a paternidade da sua filha?

Quando eu jogava verdade ou desafio, era para valer. Ela me olhou com cara feia, todos se calaram para esperar a
resposta.

- É verdade sim. E daí?

- Nada. Foi só uma pergunta. Gira – eu mandei.

- Desafio – Henrique respondeu, antes da cunhada fazer a pergunta.

- Aff... Só tem macho aqui! Tinha que ter mais meninas. Mas beleza, passa a mão na bunda do Rafa!

- Só isso? Fácil! Vira aí cunhadão!

Eu senti um pouco de ciúmes, mas como era meu irmão mais velho, não levei em conta.

- Está flácida, tem que malhar o glúteo – Henrique disse.

- É melhor eu ficar calado – ele pensou antes de dizer.

- A gente agradece. Verdade ou desafio Renato?

- Desafio, é claro!

- Beija a boca da Natália!

A naja ficou mais vermelha que um pimentão, mas eu sabia que ela tinha gostado.

- Boa primo! Adorei.

Ele se ajoelhou ao lado da Natty, puxou o rosto dela com vontade e tascou-lhe um beijo de língua com vontade.
A gente fez coro,mas logo eles pararam.

- Verdade ou desafio, Marquinhos?

- Verdade.

- Revanche para ti, priminha. Você é virgem?

- Com gosto. Nem ligo de falar.

Boa! Adorei a resposta. Ele girou e caiu para o meu namorado de novo.

- Verdade ou desafio?

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- Desafio.

- Sabe plantar bananeira?

- Sei.

- Então planta bananeira...

Ele já ia se levantando, quando Marquinhos completou:

- Mas só de cueca.

A minha irmã se remexeu e ergueu a coluna, eu olhei para o Fael e assenti. Não ia ter nada demais naquilo.

- Querendo ver o meu corpo, né, safadinho?

- Ai bem, é lógico né – Marcus imitou voz de travesti e a gente caiu na risada.

Rafael tirou a camisa e a bermuda e plantou bananeira três vezes, antes de voltar para o circulo.

- Gente vamos animar isso daqui? – Renato propôs.

- Verdade ou desafio, Henrique?

- Desafio.

- Dá um beijo na coxa da sua namorada.

- Fael! – Giselle exclamou.

- Só um? – Henrique se animou. – Dou vários...

Ele engatinhou até o colo da Gaby que já estava mais vermelha que um tomate e deitou a cabeça em seu colo. Ele
deu um beijo na face interna da coxa, quase tocando o sexo dela com o nariz.

- Eu te mato Henrique! – Gaby constrangeu-se. – E mato você também Rafael!

- Muito bom – Renato disse. – Está melhorando.

O jogo foi continuando e conforme as rodadas iam passando, os micos iam aumentando e as intimidades
também. Quando o meu primo rodou a garrafa parou no meu sentido, eu me intimidei, mas respondi:

- Desafio.

- Eu desafio você a dar um beijo de língua no Rafael.

Olhei de lado para o Rafa, para o Henrique e para a Giselle. Eu não sabia o que fazer. Queria beijar, mas os meus
irmãos mais novos, a Natty e o próprio Renato não sabiam que eu e ele namorávamos.

- E então, vai beijar ou não vai? Se não for vai ter que ganhar sardinha...

Eu pensei e repensei antes de responder:


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- Não vou beijar não.

Fael olhou em meus olhos e assentiu compreensivamente. Eu coloquei o meu braço direito para frente e todos
bateram nele com dois dedos. O único que extrapolou na força foi o Renato.

- AI! – eu gritei.

- É o preço!

- Precisa ser com essa força?

- Uhum.

- Vai ter volta.

Eu fiquei com raiva e voltei para o meu canto. Henrique passou o braço pelo meu ombro e me apertou.

- Você fez bem – ele sussurrou.

- Uhum.

Eu girei e caiu no chato do meu primo.

- Verdade ou desafio?

- Desafio.

Era a minha revanche.

- Marcus? Eu posso usar você de vitima? – perguntei bem baixinho.

- Depende. O que você vai pedir?

- Para ele beijar seu mamilo.

- Eder...

- Ele não vai aceitar...

- E se aceitar?

- O que as madames fofocam? – Renato perguntou.

- Daí você deixa...

- Aff... Espero que ele não aceite...

- Beija os mamilos do Marcus.

Giselle e Gabrielle arregalaram os olhos e meu namorado deu uma risadinha de vingança. Eu sabia que ele tinha
adorado.

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- É a vingança?

- É – eu falei.

- Desculpa Marcus – Renato disse, se levantando. – Não é a minha culpa, briga com o Eder...

Ele levantou a camisa do meu irmão e deu um beijo em cada mamilo. Marcus fechou a cara para mim e eu
xinguei o idiota do Renato em pensamento.

- Verdade ou desafio Gi? – ele perguntou.

- Hum... Desafio!

- Eu te desafio a mostrar os seios!

- NÃO! – eu, Henrique e Marcus gritamos ao mesmo tempo.

- Como não? É um desafio! – Renato riu.

- Não – Henrique falou, se levantando. – Não mesmo.

- Nunca – eu protestei, ficando de pé e puxando Giselle pelo braço.

- De jeito nenhum – Marquinhos completou.

- Aff gente! Que besteira...

- Não, não e não – Henrique falou. – Eu não brinco mais, já está virando zona...

- Eu também não quero mais...

- Nem eu – Gabrielle falou, ficando de pé.

- Vou deitar gente – Rafael falou. – Bom dia para vocês...

Todos entraram e Renato teve que se render. Eu estava possesso com aquele garoto... Idiota de marca maior.
Quando já estava prestes a entrar no quarto do meu namorado para ir dormir, senti um dedo me cutucando no
ombro e me virei.

- Oi – Renato falou.

- Ainda por aqui? Pensei que já estivesse em casa...

- Ainda não fui. Eu vi.

- Viu o quê?

- Eu vi vocês se beijando na virada.

Eu entreabri os meus lábios e engoli toda a saliva da minha boca. Eu não podia acreditar no que estava ouvindo.
Era mentira, só podia ser mentira... Ele não tinha visto, não podia ter visto! Eu tremi as pernas... Tudo estava

777
perdido... Se aquilo fosse realmente verdade, eu e o Rafa estaríamos nas mãos do Renato... O que ia acontecer
dali para a frente?

- Eu não sei do que você está falando...

- Por que será que todos dizem a mesma coisa quando sabem que alguém descobriu alguma informação ao seu
respeito e fingem que não está acontecendo nada? – ele sabia fazer as pessoas se sentirem sem graça.

- Eu não estou entendendo...

- Ah, não está? Eu vou refrescar a sua memória...

A porta se abriu e Fael apareceu.

- Algum problema? – ele perguntou.

- Nenhum. Por enquanto – Renato sorriu.

- Ah, é? O que foi Eder.

- Nada Fael. Não é nada. Ele já está de saída.

- Já mesmo. Já me diverti o suficiente por hoje.

- Então some – Fael falou, me puxando para entrar à força.

Ele bateu a porta na cara do meu primo. Eu ouvi o mesmo rindo ao descer as escadas, mas não dei importância.

- O que houve? – Rafa perguntou-me.

- Ele nos viu na laje. Ele nos viu nos beijando...

- Caralho!

- O que a gente vai fazer agora?

- Depende do que ele mesmo fizer...

- E se ele contar aos nossos pais?

- A gente confirma!

- Está louco?

- Mais cedo ou mais tarde eles vão ter que saber a verdade Eder. Que seja o quanto antes, então...

- Não! Eu ainda não estou preparado para contar ao meu pai... Não falei nem aos meus irmãos...

- É eu sei. Se a gente confessar agora vai ser a maior algazarra...

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- O que a gente faz?

- Espera. Vamos ver qual é a jogada desse playboyzinho...

- Desgraçado – eu dei um soco no ar.

- Não adianta se revoltar Eder. O erro foi nosso. A gente não devia ter feito aquilo em público.

- Não mesmo.

Ambos suspiramos quando nos abraçamos. Eu deitei minha cabeça no peito dele quando fomos para a cama e
fiquei ouvindo o martelar de seu coração. Aquele som fez com que eu me acalmasse.

Acordei por volta do meio dia naquela segunda-feira. A primeira coisa que fiz, depois de tomar banho, foi ver a
minha filha. Ela já estava acordada e quando me viu deu um grito de excitação.

- O que é Vivi? Mas você já começa o dia gritando, é?

Dei um milhão de beijos na bochecha daquela coisinha linda, antes de dar-lhe a mamadeira.

- Ah! Você está aí – Gaby entrou no quarto. – Bom dia, Vivi... Cadê a sobrinha mais linda da tia?

- Ela é a sua única sobrinha!

- Por isso!

- Eita filha! Está vendo só como a sua tia é? Quando ela vier te pegar, bata nela!

Gabrielle riu e me deu um beijo.

- Dormiu bem?

- Mais ou menos. Estou cansado ainda. E você?

- É pode-se dizer que sim. Vamos sair?

- No primeiro dia do ano? Para onde? Não me diga que vocês estão querendo ir ao shopping.

- Não! Ah, sei lá... Alguma coisa diferente...

- O que, por exemplo?

- Algum parque, algo assim...

- Será que estão abertos hoje?

- Ah, é mesmo, né?

- Tinha que ser loira!

- Olha, cala a sua boca que você não fica atrás...

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Eu gargalhei e tirei a mamadeira da minha filha de sua boca. Ela já tinha tomado todo o leite.

- Quer passear com a dinda, quer?

Entreguei a menina para a minha cunhada e desci para comer. Não ia tomar café, fui direto almoçar.

- Bom dia Cláudia, bom dia mãe, bom dia vó, bom dia outra vó, bom dia Marcus...

- Bom dia Eder – todos eles me responderam.

- Dormiu bem? – minha mãe perguntou.

- É dormi – menti. – E você?

- Bem também. Tirando o fato que a cama do seu irmão está fazendo um barulhão...

- Ah! Também mãe, aquela cama é mais velha que a senhora...

- Eder!

- Desculpe, desculpe, foi sem querer.

Minha mãe fez bico e continuou preparando as coisas para a gente comer. Como ainda tinham sobrado muitas
coisas da ceia, elas não precisaram cozinhar nada, só reaproveitar os alimentos.

Eu me servi de carne, frango, arroz parborizado com ervilhas e cenoura, feijão com jabá, farofa e salada.

- Você sempre come esse monte Eder? – a avó do Fael perguntou.

- Normalmente sim vó, só não quando eu estou doente.

- E como você consegue ficar magro assim?

- Sei não. É de família...

- Isso daí não engorda de ruim – minha mãe falou. – Come mais do que uma porca parideira e não engorda. Eu
queria ser assim.

Eu senti as minhas bochechas corarem, mas não me intimidei, continuei comendo até o último caroço de arroz
acabar.

O aniversário da mãe da minha filha foi tranquilo. A mãe dela encomendou um bolo de dois quilos e a gente
cantou parabéns, mas ela não estava demonstrando muita felicidade ao completar dezoito anos.

- Parabéns – eu disse, pela enésima vez. – Felicidades...

- Obrigada!

- Ficando de maior, hein? – Marquinhos disse.

- É né... É a vida...

780
Ainda na primeira semana de janeiro, Henrique e Rafael tiveram a resposta definitiva do vestibular e ambos
haviam passado.

- Eu não acredito! – Henrique exclamou. – Eu não acredito!

Eu nunca havia visto o meu pai tão feliz em toda a minha existência. Será que seria daquele jeito com todos os
filhos? E se algum de nós não passasse?

- Parabéns Fael! – eu cumprimentei em público.

- Obrigado Eder...

- Boa sorte e sucesso!

- Valeu mano!

Eu dei-lhe um abraço carinhoso e um beijo discreto no pescoço.

- Obrigado pela força.

- Você merece meu anjo.

Graças a Deus, na segunda quinzena de janeiro, Renato e a mãe voltaram ao Rio de Janeiro. Ele não fez nada
contra eu e o Rafael, e eu senti um alivio muito grande naquele fato, só não entendi por que ele ficou calado...

Foi bom poder voltar ao meu quarto e à minha casa. Vitória adorou ficar em seu quartinho, pelo menos ali ela
podia ficar sozinha e não ter a presença da cobra da mãe dela. Não que ela entendesse muita coisa.

O batizado estava se aproximando cada vez mais e eu percebi a ansiedade do meu irmão e da minha cunhada se
intensificar.

No dia em que a minha filha completou cinco meses, todos nós acordamos mais cedo que o normal para poder
preparar tudo para a cerimônia.

Henrique ficou lindo de calça jeans preta e camisa social branca. Ele estava um gato. A minha cunhada colocou
um vestido preto muito simples, mas ficou linda. Eu apenas me trajei com uma camisa pólo preta, um jeans
desbotado e um tênis branco. Eu não seria o astro da festa mesmo.

Minha mãe colocou um vestido de cetim branco na minha filha com uma fita da mesma cor na cabeça. Ela estava
tão lindinha...

Quando a água do batismo caiu em sua cabeça, ela abriu o maior berreiro, mas logo se calou.

Meus pais deram um almoço em comemoração e eu estava com a sensação de missão cumprida, finalmente tinha
conseguido batizar a Vitória.

781
- Agora eu posso dizer que você é a minha afilhada – Henrique falou para Vitória, que estava em pé no colo do
tio.

- Segura ela direitinho para ela não cair – Natália se preocupou.

- Cadê a minha afilhabrinha? – Gaby brincou.

- Cadê quem? – a minha mãe perguntou.

- Afilhabrinha? – Jorge estranhou. – O que é isso?

- Mistura de afilhada com sobrinha!

- Não seria melhor sobrilhada? – Marquinhos riu.

- É mais sexy, né? – Gaby sorriu. – Sobrilhada... Pronto!

A gente riu e continuamos a comer em paz. Como eram bons aqueles momentos que nós passávamos juntos.

Foi meio estranho chegar fevereiro e não ir comprar nenhum material escolar, mas eu não estava achando nada
ruim. Ajudei o meu irmão e o meu namorado com as escolhas dos fichários e acabei por comprar uma agenda
nova. Nunca era demais ter uma agenda por perto.

- O que você vai dar ao Marcus? – Henrique perguntou.

- Nada de jogos! – me esquivei.

- Eu também não vou dar jogos esse ano não.

- Milagre – Fael tirou as palavras da minha boca. – Por que vocês não compram alguma coisa juntos? Sei lá, um
celular novo ou qualquer outra coisa do gênero...

Eu olhei para Henrique e ele para mim. O celular do meu irmão estava velho e arranhado... Ele já tinha falado
com o meu pai sobre trocá-lo.

- É por isso que eu te amo! – falei sem nem pensar.

Fael sorriu e abaixou os olhos com as bochechas vermelhas.

- Você deixou o seu namorado tímido Eder – Henrique suspirou.

- Isso daí? Tímido? De tímido não tem nada, meu filho...

- Ok, ok... Eu não quero saber da vida sexual de vocês dois, por favor, me incluam fora dessa...

Fiquei aloprando Henrique e o Rafa até chegar em casa. Foi difícil me concentrar no trabalho àquele dia.

- O que você tem? – Diogo perguntou.

782
- Nada – respondi.

- Nada?

- Nada.

- Sério?

- Sério.

- Mesmo?

- Mesmo?

- De verdade?

- Ah, chega! Eu já disse que não é nada – me irritei.

Ele riu e bagunçou o meu cabelo. Diogo adorava tirar onda de mim.

Marcus não tirava o celular novo da mão e do ouvido. Foi o presente que ele mais gostou.

- Eu já disse obrigado?

- Já Marcus. Umas quinhentas mil vezes...

- Obrigado...

- Não tem que agradecer e se você falar obrigado mais uma vez – Henrique ameaçou –, a gente pega de volta.

- Não! É o meu filhinho! – ele fez bico.

- Então para!

Durante o mês de fevereiro não houveram muitos acontecimentos. Eu adorava ouvir o meu namorado se fascinar
pela faculdade. Era tão bom ouvi-lo contar sobre as aulas, sobre os professores...

- ...e a professora falou que...

Calei-lhe a boca com um beijo. Eu estava sentindo a necessidade daquilo. Fazia menos de uma semana que a
gente não transava, mas eu senti a necessidade de me entregar naquele instante. E o fiz.

- Nossa – ele arfou depois do gozo. – Que... Inusitado!

Eu não falei nada, apenas o apertei. Estava sentindo algo diferente em meu coração, como se... Como se aquela
tivesse sido a nossa... A nossa última vez...

Março e abril foram meses longos e corridos. No aniversário de vinte e um anos do meu irmão, eu dei-lhe um
rádio novo para o carro e ele simplesmente gamou no apetrecho.

783
Na noite em que Fael e eu estávamos completando um ano de namoro, ele não foi à faculdade para ficar comigo.
Eu achei aquele gesto lindo, mas fiquei meio receoso dele se prejudicar nas disciplinas.

- Não vai ter problema mesmo? – eu perguntei.

- Não amor. Não vai ter problema – ele me garantiu, estacionando o carro no motel.

- Sério?

- Uhum.

A gente começou com um beijo simples, mas ele foi se tornando urgente na medida em que os corpos se
tocavam.

Ele me jogou com brutalidade na cama, eu sorri, puxei o seu corpo para cima do meu e arranquei-lhe a camisa.
Nossos beijos estavam ora selvagens, ora apaixonados, mas todos longos e com sentimentos.

- Hoje vai ser a minha vingança – ele sorriu.

- Hã? Como assim? Vingança do quê?

- Lembra que você me amarrou Ederzinho? Agora é a minha vez...

Eu arregalei os olhos quando vi as algemas saindo de algum lugar que eu não sabia qual era. Ele ia me prender?
O que seria de mim?

Antes de tudo acontecer, Fael tirou a minha camisa e ficou brincando com os meus mamilos. Eu acariciei-lhe os
cabelos, estava sentindo uma sensação gostosa com aquela caricia.

- Eu sabia que eu ia conseguir me vingar de você.

- A vingança nunca é plena mata a alma e envenena!

- Você andou assistindo Chaves? – ele intrigou-se.

- Não, mas me lembrei dessa frase.

- Não digo que seja uma vingança, eu apenas estou pagando com a mesma moeda!

- Sei, sei.

Ele me prendeu à cama com as algemas e eu me senti completamente vulnerável.

- Melhor...

Instantaneamente ele me soltou e eu achei aquilo estranho.

- Vira de costas – ele mandou com a voz autoritária.

- Quem vê, pensa que manda – mas eu já tinha me virado.

784
- Se eu não mandasse você não teria virado. Coloca as mãos nas costas.

Eu coloquei e ele me algemou. Senti-me um presidiário.

- Deita.

E me deitei. A voz dele era doce, mas ao mesmo tempo carregada de poder e eu me sentia na obrigação de
atender a todos às ordens que ele me impusesse.

Fael tirou a minha calça com tanta rapidez que eu senti o tecido arder ao passar pela minha pele. Com a cueca ele
foi mais selvagem ainda. Ao puxar com tamanha rapidez, o tecido rasgou-se na lateral e eu já não ia ter como
usá-la novamente.

- Safado – eu rebolei.

- É? Você gosta, eu sei que você gosta.

Fael me deu um tapa nas nádegas com força. Elas arderam, mas eu gostei e gemi de prazer.

Senti uma língua me invadir e fiquei rebolando na face dele. Adorava quando ele estava cachorro daquele jeito.

- Vira o corpo! – ele ordenou com a voz rápida.

Eu não tive dificuldade para me virar. Fiquei de papo para o ar, com as mãos atrás do meu corpo e as pernas
abertas. Meu cacete estava nas nuvens.

Eu notei que ele estava mais preparado do que eu imaginava, só não conseguia entender onde aqueles apetrechos
estavam escondidos.

- Abre a boca.

Eu abri e de imediato ele me amordaçou com um lenço branco.Senti-me refém de seus desejos e meu coração
deu um salto naquele momento. Eu nunca imaginara que ele era tão safado daquele jeito...

- Não quero um pio!

A boca dele caiu no meu pau como uma luva. Fael passou a língua pela cabecinha e foi descendo até a base,
abocanhando tudo de uma vez e depois chupando as minhas bolas.

Senti um arrepio quente percorrer o meio das minhas pernas. Ele sabia seduzir um homem. Dei um gemido, mas
ele foi abafado pelo lenço que já estava molhado de saliva. Eu mordisquei o pano para conter o meu desejo, mas
de nada me ia adiantar, eu estava completamente à mercê daquele homem.

Fael tirou a calça e a cueca. O pinto estava deliciosamente ereto e eu senti a minha boca encher de água para tê-
lo, mas... Como eu ia conseguir chupar daquele jeito?

A boca dele voltou ao meu sexo mais urgente do que nunca. Enquanto me chupava, ele se masturbava
freneticamente, mas eu estava doido para que eu mesmo fizesse aquilo.

785
Ele me bolinou mais um pouco e depois me virou de lado, dando beijos e mais beijos nas minhas costas,
enquanto me arranhava na barriga com as unhas da mão direita.

- Rebola para mim, rebola?

Remexi o meu quadril lentamente. Ele colocou a cabecinha na minha entradinha e a forçou, sem camisinha e sem
lubrificante. Já fazia um ano que nós transávamos, mas todas as vezes em que ele me penetrava, eu sentia um
pouco de incômodo, mas nada que eu não conseguisse aguentar.

Quando o pau entrou por completo, ele começou a bombar sem dó nem piedade, mas eu não estava achando
ruim. Eu queria mais e mais.

Levantei as pernas, ele segurou em minha coxa e me punhetou. Dei um gemido alto, mas ele não ultrapassou o
pano que estava em minha boca. Rafa mordeu a minha orelha, passou a língua na minha nuca e me disse algumas
palavras imorais...

Gozei. Fael vendo aquilo, me xingou e enfiou o cacete até o fim dentro de mim, jorrando o esperma no mesmo
momento...

- Filho da puta – ele falou. – Vira lata, safado! Gosta do meu pau, gosta? Hum?

Fiz que sim com a cabeça e olhei para ele com os olhos suplicantes. Eu queria me livrar daquela mordaça, meu
queixo já estava doendo.

- Está pensando que acabou? Não acabou não!

Quando a minha boca foi liberta, eu suspirei de alivio e soltei todos os gemidos que estavam presos na minha
garganta.

- Ah...

- Safado...

- Você não viu nada... Me solta!

- Vou soltar, mas ainda não acabou.

Ele se ajoelhou na cama e passou a chave na fechadura da minha algema. Senti um alivio sem igual quando pude
movimentar os meus braços. Segurei com força no rosto do meu namorado e dei-lhe um beijo longo e
movimentado.

- Banho – ele falou. – Agora!

A gente encheu a banheira de hidromassagem e quando estava com água suficiente para mergulhar o nosso
corpo, nós entramos. Eu sentei e deixei a água morna envolver o meu corpo, estava adorando aquela situação.

Eu segurei no pau do Fael com força, ele já estava duro novamente. Passei água pela cabecinha para limpar
qualquer vestígio de esperma e quando notei que o cacete já estava limpo, fiz com que meu namorado sentasse
acima de mim e coloquei todo o cacete dentro da minha boca.
786
- Chupa, chupa vagabundo.

Rafa segurou nos meus cabelos com força e fincou a minha cabeça no membro dele. Senti a cabeça bater na
minha garganta, segurei nas coxas dele com vontade, passei as minhas unhas lentamente e ele gemeu.

- Isso! Isso! Chupa meu pau, chupa...

Não sei por quanto tempo eu fiquei com o pênis na minha boca, mas ei não me cansava de chupar. Senti que ele
ia gozar, então decidi parar e fazer ele se acalmar.

- Vadio!

Ele se virou de costas para mim e eu entendi o recado. Repeti os gestos do meu namorado, não o lubrifiquei e
não coloquei camisinha. Tentei forçar a entrada e até que não foi difícil.

- Mete – ele mandou. – Mete bem gostoso!

E cada pedido era uma ordem. Eu fui forçando a entrada lentamente e quando menos esperei, já estava com tudo
dentro.

- Vai amor, vai...

Era difícil me movimentar embaixo da água, mas quando eu tomei as rédeas dos meus movimentos, penetrei com
força para logo gozar.

- Me arromba, vai...

Eu não estava mais o reconhecendo. Se é que existia algum vestígio do Rafa compenetrado, do Rafa sério,
romântico e educado, naquele momento já não existia mais... Ele parecia possuído, envolto em tesão e desejo.

- Goza na minha boca! – Fael mandou.

-Ainda não – eu retruquei, puxando a cintura dele para mais perto de mim.

- Goza...

Dei-lhe uma tapa com força, mas não houve tanto resultado como eu esperava.

- Meu safado – falei com a voz carregada de sensualidade.

- Vem meu menino, vem...

Não demorou para eu sentir vontade de gozar. Tirei o pau de dentro do meu namorado, passei a mão com força e
me levantei na banheira. O rosto dele estava na direção certa. Fael me olhou nos olhos com a boca aberta e a
língua para fora.

- Me dá leitinho!

- Quer leitinho, quer?

- Quero...
787
Não precisou nem dois movimentos no meu pau para gozar. Caiu direto na boca dele. Soltei um urro de prazer,
fechei os meus olhos e deixei o meu pensamento voar.

- Ah, Rafa meu putinho...

Ele terminou de limpar as últimas gotas do meu sêmen com a língua e eu já estava delirando. Como ele sabia me
satisfazer!

- Eu te amo tanto – Fael falou. – Meu menino...

- Eu também te amo – falei ao sentar-me ao seu lado. – Eu te amo para sempre!

- Eu também...

A gente se beijou por um período gigantesco de tempo e só paramos quando as línguas se cansaram.

- Quer ser meu namorado para sempre? – eu perguntei.

- Quero ser muito mais do que o seu namorado, eu quero ser o seu amante, o seu tudo, seu nada...

- Você é tudo para mim...

- Você também é para mim...

Quando já estávamos prontos para ir embora, recomeçamos novamente. Ele me colocou de quatro na cama,
chupou os meus testículos com vontade enquanto batia nas minhas nádegas com força.

- Vai, bate...

- Gosta de apanhar, gosta? Hum?

- Bate mais, bate meu macho!

Ele me deu outro tapa. Mais outro. Outro e outro, até eu sentir a carne arder como uma brasa.

- Quer pau?

- Quero!

Foi mais fácil do que a primeira vez. Eu gostava de ficar naquela posição porque eu sabia que ele gostava, que
lhe dava tesão. Enquanto me penetrava, ele beijou a minha nuca e gemeu meu nome no meu ouvido, fazendo
com que eu enlouquecesse de tanto prazer.

- Meu menino – ele sussurrou. – Eu te amo...

- Eu também te amo.

Gozamos juntos um na barriga do outro, enquanto nos beijávamos insaciavelmente.

788
Depois deste feito, tomamos uma ducha rápida, vestimos as nossas roupas e saímos. Eu encostei a cabeça no
vidro do carro e adormeci, exausto e com todas as minhas forças consumidas.

Eu me juntei com os meus irmãos e comprei uma televisão para o quarto dos meus pais. Aquele presente servia
para o dia das mães e para o aniversário do meu coroa.

No último domingo de maio, meus avós voltaram para Portugal e eu fiquei triste. Não queria que eles se fossem,
mas eles já tinham ficado por muito tempo, não podiam deixar a casa sozinha por mais um mês...

Vitória sentiu a falta dos bisavós tanto quanto as outras pessoas da casa. Ela já estava praticamente com nove
meses de idade e estava cada vez mais esperta. Já se sentava no berço e se eu não estivesse enganado, já queria
começar a engatinhar.

- A senhorita ainda é muito nova para se arrastar pelo chão – eu dei-lhe uma bronca. – Sossegue o seu facho,
tudo tem o seu tempo.

No dia dos namorados, eu dei uma telemensagem ao meu namorado e ele uma camiseta. A gente estava cada vez
mais apaixonado, embora eu sentisse que ele estava se afastando de mim, mas deveria ser paranóia da minha
cabeça.

Com dez meses, Vivi já estava começando a formar as palavras. Eu achei estranho, mas como ela sempre fora
precoce, já estava começando a me acostumar.

- Você quer papá? – o padrinho perguntou, no almoço de domingo. – Quer papá, bebê?

- Pa... – ela disse.

Eu parei o garfo na metade do caminho da minha boca, arregalei os olhos e olhei para a minha filha.

- Fala mamãe Vivi – Natty pediu. – Ma-mãe...

- Não Vivi, fala ti-tio – meu irmão mais novo disse.

- Vovó, Vivi, vovó – minha mãe a encorajou.

Eu fixei meus olhos no rostinho da minha menina. Ela estava com os lábios entreabertos, só prestando atenção no
que os mais velhos falavam.

- Ma-mãe...

- Ti-tio...

- Vovó...

- Pa – ela repetiu. – Papa... Papai...

Tudo saiu de foco. Não existia mais mesa, cadeira, comida, bebida, família, nem nada mais. Só ela. E eu.

789
Meus olhos se encheram de lágrimas na hora. Eu notei que algumas pessoas me olhavam, mas eu não dei
atenção. Levantei-me lentamente do meu lugar e fui até a cadeira da Vitória. Eu queria ouvir novamente.

- O que você disse, filha? – Natália perguntou.

- Pa... Papa... Papai! Papai!

Minhas lágrimas desceram pelo rosto. Eu tirei a Vitória da cadeira e a abracei com tanta vontade que fiquei com
medo de machucar o seu corpinho. Papai. Ela tinha dito papai.

- A primeira palavra do Eder foi papai também – meu pai suspirou. – Foi o único. O Henrique disse comida, a
Giselle mamãe e o Marcus Eder.

- O Fael disse papai também – Jorge se recordou. – Mas as outras duas falaram mamãe.

Eu não queria ouvir nada, saí da sala e fui para o quarto do Fael. Aquele era um momento meu e da minha filha e
eu não queria ninguém por perto.

- Papai – ela repetiu enquanto a gente subia a escada. – Papai...

Deitei-me na cama e coloquei a minha filha sentada no meu peito. Eu ainda não conseguia acreditar que ela
estava me chamando de pai.

- Ah, minha filha...

- Papai – Vitória disse com a voz fininha.

Eu não me cansava de ouvir aquela palavra. Como era gostoso ver que aquela pessoazinha pequenininha que
tinha nascido há quase um ano antes estava se tornando uma menina linda e inteligente.

Não sei quanto tempo passou, não sei se alguém veio ao nosso encontro, não sei se eu estava com fome, com
sede, com dor ou com qualquer outra coisa similar. A única coisa que me importava era ouvir aquela palavra.

- Papai – ela não cansava de repetir.

- Fala Vitória.

- Pa!

- Não, Vitória!

- Pa – ela fixou a mãozinha nos meus dedos. – Pa!

- Fala Vi.

- Pa!

- Vi.

- Pa!

790
- Não! Vi.

- Pa?

Eu dei risada e beijei a bochecha dela muitas vezes. Era tão bom estar com ela ali sem ninguém por perto.

- Papá?

- Vi!

- Vi – ela repetiu.

- Isso! – eu a incentivei. A minha filha estava progredindo.

- Pa?

- Vivi – eu falei.

- Papai.

- Oi?

- Papai.

- Vitória.

- Vi!

- Isso, Vi! Agora fala Vitória.

- Vitó...

- Vitória!

- Papai.

- Papai – eu repeti. – Agora fala Vi.

- Vi.

- Vitória!

- Vitola?

Eu dei uma gargalhada tão alta que meus pais vieram ver o que estava acontecendo. Beijei tanto a bochecha da
Vivi que ela se irritou e deu um grito.

- Desculpa!

- Vitola!

- O que ela falou? – meu pai se espantou.


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- Fala Vi – eu a incentivei.

- Vi – a minha filha repetiu.

- Vitória!

- Vitola?

Durante o resto do dia foi um festival de gargalhadas. Todo mundo tentou fazer a minha pequena a falar alguma
palavra, mas ela se limitou a papai e a Vitola.

Na primeira semana de julho o meu primo Renato apareceu novamente em casa para passar as férias de meio de
ano. A mãe dele não pode nos visitar, pois não estava em férias, então acabou que ele foi sozinho.

- Papai – a Vitória falou, quando ele chegou na sala.

- Não. O papai está aqui. Esse não é o papai!

- Ela já está falando? – Renato se surpreendeu.

- Já!

- Meu Deus! Ela está uma mocinha!

- Uhum – eu concordei.

- E aí primão, beleza?

- Beleza, e você?

- Bem!

- Fez boa viagem?

- Graças a Deus.

- Que bom.

- Tia, onde eu vou dormir?

- No quarto do Marcus – minha mãe respondeu.

Antes de ele chegar, eu deixei as coisas claras falando que não queria ele no meu quarto nem em sonhos.

- Ah, beleza. E cadê ele?

- Saiu – minha mãe respondeu. – Foi à casa da namorada.

- Ele está namorando?

792
- Está – eu respondi com o meu coração em chamas. – Está sim.

Marcus era tão novo para namorar! Eu não conseguia entender como os meus pais haviam permitido uma coisa
com aquela...

- Está certo, ele tem mais é que curtir mesmo. E o Henrique?

- Estudando.

- Ah! Ele ainda está na faculdade?

- É claro que estou! E aí Renatinho, beleza?

- Fala aí Ricky! – eles apertaram as mãos. – Caraca, está mudado!

- É eu clareei o meu cabelo.

- Ah, é por isso! O tio já chegou do escritório?

- Já. Está no banho.

- Você não trabalha mais na locadora, Eder?

- Hoje eu saí mais cedo.

- Ah!

Meu irmão levou nosso primo para o quarto do Marcus, onde ele se hospedaria provisoriamente. Eu continuei
com a Vivi na minha barriga, tentando fazê-la falar mais alguma palavra.

- Fala vovó.

- Vitola.

- Vovó.

Minha mãe se aproximou. Eu segurei as mãozinhas da minha filha, ela fechou os dedos minúsculos em volta dos
meus e disse:

- Papai.

- Ela é tão linda! – minha mãe disse.

- Vovó – eu falei.

- Papai.

- Vovó.

- Vitola.

- Não. Vo...
793
- Bo?

- Isso... Vovó!

- Bo?

- A Cláudia precisa ver isso.

Minha mãe foi até a garagem e deu um berro tão alto que os cachorros dos vizinhos começaram a latir.

- CLÁUDIA! VEM AQUI AGORA!

- A sua avó é escandalosa, né Vi?

- A bo?

- É amor, a bo!

- Minha Nossa Senhora mulher, que berro foi esse? – Cláudia disse. – Meu coração chega voou!

- A Vitória está quase falando vovó! Vem ver!

- Eita, essa eu não perco por nada.

- Vovó – eu falei.

- Bo?

- Vovó!

- Bobó!

Eu não sei qual das duas avós ficou mais alucinada com aquela palavra nova. Cláudia veio por um lado, minha
mãe pelo outro e as duas tentaram pegar a neta ao mesmo tempo.

- Bobó?

As duas deram um gritinho de emoção. Minha mãe foi a vitoriosa, agarrou a neta e a encheu de beijos,
entregando-a a Cláudia logo em seguida.

- Bobó!

- Ai que linda!

- O que foi? – Henrique perguntou.

- Bobó! – Vitória gritou.

- Não, não... Eu sou seu tio! – ele sorriu.

- Ti?

794
- Pronto, disparou a falar agora – eu ri. – Filha?

- Pa?

- Fala titio.

- Ti?

- Titio – Henrique falou.

- Estou perdendo alguma coisa? – meu pai perguntou, ao descer as escadas.

- Bobó?

- Titio – eu repeti.

- Ti?

- Vovó, fala vovó de novo? – Cláudia pediu.

- Bobó! Papá, bobó, papá!

- Ela está com fome Cláudia – eu falei.

- Que figurinha – meu pai riu.

- Titi – Vitória falou.

- Isso bebê! Titio!

- Papai, papá!

- Vem amor, vem – eu levantei do sofá, peguei a menina no colo e fui para a cozinha.

Dei mamadeira para a Vitória e depois que ela terminou de comer, pegou no sono. Tudo estava só no começo.
Era a partir dali que ela ia começar a falar todas as palavras inimagináveis que eu pudesse esperar.

Estava sendo um porre aguentar aquele moleque na minha casa. Renato sempre arranjava algum pretexto para me
tirar a paciência. Tive que aguentar ele falar as minhas infantilidades, na época em que nós tínhamos contato
praticamente diário.

- Você se lembra de quando eu te chamava de Dedê? – ele riu.

- Lembrar eu lembro, mas eu queria mesmo é esquecer...

Ele ficou sem graça e nós continuamos a jantar normalmente. Àquele dia, antes de dormir, Vitória falou mais
uma palavra:

- Bobô – ela disse.

795
Meu pai só não fez ter um infarto naquele exato momento.

- Papai, Vitola, bobó, titi, bobô – ela disse tudo o que sabia.

Ficamos paparicando a guria até ela pegar no sono e quando aquilo aconteceu, eu resolvi ir à casa do meu
namorado.

- Vai sair Eder?

- Vou sim Renato.

- Deixa-me adivinhar, você está indo à casa do seu machinho?

Eu senti vontade de voar no pescoço daquele desgraçado, mas não o fiz. Respirei fundo, contei até dez
mentalmente e disse:

- Eu estou indo onde Renato?

- À casa do seu macho!

- Escuta aqui playboyzinho marrento, você não tem senso de ridículo não?

Ele deu um sorriso debochado e se aproximou de mim.

- Não – ele sussurrou na minha orelha.

- Estou vendo mesmo! Enxerga-se e coloque-se no seu lugar, não é querendo tacar na sua cara não, odeio isso,
mas não esqueça que você está na minha casa, aqui você é visita e existem regras a serem cumpridas. Uma dela é
respeitar toda e qualquer pessoa que viva aqui, coisa que você não está fazendo comigo. Então, se eu fosse você,
pensaria duas vezes antes de me dirigir a palavra, ou agüentaria as consequências depois!

- Já parou com o seu showzinho?

- Showzinho? Você não me conhece!

- Eder, Eder... Se eu fosse você falaria aos seus pais que você está de caso com o Rafael... Senão eu mesmo
conto!

- Estava demorando né Renato? Eu bem que desconfiei que você não tinha vindo aqui a toa, simplesmente para
passar as férias...

- Eu só não contei nada ainda, porque você ainda não me deu motivos.

- Isso é uma ameaça?

- Não. É só um aviso.

Aquilo estava parecendo cena de novela das oito.

796
- Ah, é? Então eu vou dar um aviso a você também: se manca! Primeiro que eu não estou de caso com ninguém,
segundo que, nem eu, nem mais ninguém dessa família lhe deve alguma satisfação. Se eu estou ou não estou de
caso com quem quer que seja, isso não é um problema seu!

- Não venha querer bancar o falso moralista agora.

Eu senti os meus braços tremerem de raiva e já estava com o punho girando para dar-lhe um soco no rosto.

- Que barulhada é essa? – Henrique entrou no meu quarto.

- Ah, Henrique! Que bom que você chegou – Renato falou. – Nada, não é barulheira nenhuma... Pergunte ao
Eder!

- O que foi mano? Algum problema?

- Por enquanto nenhum Ricky – eu não tirei os olhos do meu primo. – Mas é possível que nós tenhamos se eu
não conter a minha raiva...

Renato riu e deitou na minha cama, com as duas mãos na nuca.

- Raiva? Do que você está falando?

- Você sabia que o seu irmãozinho está ficando com o seu cunhado, primo? – Renato zombou.

Henrique olhou de olhos arregalados para mim e eu cerrei as minhas pestanas para o idiota, com muita vontade
de esganá-lo.

- Com o Fael? É claro que eu sei! – meu irmão me abraçou.

- Ah, sabia é? Interessante. E o que você acha disso?

Henrique pareceu entender o jogo do nosso primo e rapidamente ficou ao no meu time.

- Para que você quer saber?

- Só curiosidade...

- Pois então eu lamento em dizer que você vai continuar com ela Renato, eu não preciso dar explicações a você.

Adorei aquela resposta.

- Acho que a má educação é de família.

- Pode ser – eu falei. – Visto que você é o campeão nesse assunto, né?

- Você ia sair? – Henrique me perguntou.

- Ia não, eu vou. E já estou atrasado.

- Vai Eder, vai dar o...

797
Henrique não deixou o nosso primo terminar a frase. Ele pegou Renato pelo colarinho da camiseta e o tirou de
cima da minha cama.

- Escuta aqui, imbecil... A vida do meu irmão não lhe diz respeito! Se eu ficar sabendo que você está fazendo
qualquer coisa que seja com ele, você vai se ver na minha mão! Entendeu?

- Eu não tenho medo das suas ameaças Ricky.

- E nem eu das suas, Renato – falei.

- Que bom.

- Agora some da minha frente, antes que eu quebre esses seus dentes de cavalo!

Naquele momento meu primo fechou a cara de vez. Se alguém quisesse pisar no seu calo, era só falar em seus
dentes exageradamente grandes.

- A guerra ainda não acabou Eder – ele disse, ao sair.

- Isso só pode ser brincadeira!

- O que ele te fez?

- Ameaçou! Falou que se eu não falasse aos nossos pais que eu estou com o Fael ele mesmo o faria...

- Como ele sabe de vocês dois?

- No reveillon, ele me viu beijando o Fael na laje...

- Vocês se beijaram na laje?

- Aham.

- Você também é burro, né?

- E eu ia saber que ele estava olhando?

- E se tivesse sido o nosso pai? Ou o Jorge? Vocês são idiotas, ou o quê?!

- Vai me recriminar?

- Desculpa! Desculpa! É que ele me deixou nervoso!

- Mas deixa, eu não tenho medo. Ele não vai fazer nada, só quer atenção.

- É isso é verdade. Eu vou sair um pouco. Depois a gente conversa sobre esse assunto.

Contei tudo ao meu namorado, mas ele pareceu não dar a mínima atenção para mim.

- Você me ouviu? – eu perguntei.

Ele estava olhando para a janela, com os olhos perdidos.


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- Hum?

- Poxa Rafa! Eu estou todo preocupado com a gente e você fica aí, perdido?

- Desculpa an... Eder, o que você disse?

- Eu falei que o trouxa do meu primo está ameaçando contar sobre nós dois aos meus pais!

- E você acha que ele é capaz?

- E por que não seria?

- Cão que ladra não morde. Se ele quisesse contar, já teria feito.

Eu parei para pensar e cheguei a conclusão que o Rafa estava certo.

- É pode ser – me dei por vencido. – Posso saber no que você tanto pensa?

- Em nada. Não estou pensando em nada.

Mas ele mentia muito mal. Eu sabia que ele estava com alguma coisa na cabeça, mas não conseguia descobrir o
quê.

Quando cheguei da locadora, naquela sexta-feira, nem peguei a Vivi e já fui direto para o banho. Deixei o
chuveiro ligado por mais de dez minutos e só saií debaixo da água quente, quando senti o meu corpo leve e
tranquilo.

Coloquei uma bermuda e fiquei sem camisa. Mesmo estando no inverno, o tempo não estava nada frio. Quando
passei em frente ao telefone, ele tocou. Eu achei aquilo inusitadamente estranho.

- Alô?

- O Marcus está? – aquela voz não me era estranha.

- Não. Quem é?

- É o Richard. Ele vai demorar muito?

- Ah, oi Richard! – só podia ser ele mesmo. – Como vai?

- Ele vai demorar?

- Não sei – mal educado –, quando ele chegar eu peço para te ligar, beleza?

- Está bem então. Valeu!

- Por nada.

Bati o telefone no gancho sem nem saber se ele ia falar mais alguma coisa. Aquele garoto estava enchendo o meu
irmão de novo?

799
- Papai – Vitória falou quando eu entrei em seu quarto.

- Cadê a Vitória?

- Vitola!

Ela estava ficando mais esperta a cada dia. Prestes a completar onze meses, ela já estava quase começando a
engatinhar e cada vez que alguém a colocava no chão, era motivo para uma foto diferente.

- Quer ir para o chão, quer? – a minha irmã perguntou.

- Qué!

Giselle colocou a sobrinha sobre o tapete e ela logo começou a tentar se arrastar.

- Uma perninha, depois a outra – eu a ensinei. – Vem até o pai, vem?

Ela fez força com as perninhas e conseguiu se mexer um pouquinho. Inteligente daquele jeito, ela não ia demorar
a aprender todas as palavras e muito a começar a andar.

- Obrigado pela hospedagem tia Marina!

- O que é isso Renatinho, você sempre é bem vindo aqui...

- Tchau meninos!

- Tchau – Marcus e Giselle responderam. Foram os únicos.

- Ah! Antes de sair – ele deu meia volta. – Eder, não esqueça de contar a sua mãe aquele segredo! Ela não
merece ficar sem saber!

Filho da puta!

A minha mãe fez cara de interrogação e só quando ele saiu foi que ela me perguntou:

- Do que ele está falando?

- E eu vou saber? – dei de ombros. – È louco de pedra!

- Eder Leandro Alves – minha mãe cruzou os braços. – O que você está escondendo de mim?

Quando ela me chamava pelo nome completo e fazia aquela cara de desconfiança, eu sabia que o jogo não estava
nada ao meu favor!

- Não é nada mãe. Eu não sei do que ele está falando.

- Não minta para mim Eder Leandro Alves!

- Eu não minto para você dona Marina, será que você não conhece o seu sobrinho e não sabe diferenciar as
brincadeiras das verdades?

800
- Isso é verdade mãe – a Gi ficou ao meu favor. – É zoeira dele. Se o Eder estivesse escondendo alguma coisa ele
ia acabar falando, do jeito que isso daí é burro, não sabe guardar segredo!

- Ah, maninha, obrigado pela parte que me toca!

- De nada.

- Ai de você se você estiver me escondendo alguma coisa moleque!

- É bom saber que a senhora acredita mais no seu sobrinho do que em mim...

- Pronto, vai começar a choramingar!

- Não é questão de choramingo, é a verdade. Se eu estou falando que não estou mentindo, é porque eu não estou.

E eu não estava mentindo mesmo. Em nenhum momento eu tinha dito a eles que era hetero, então eu
simplesmente estava omitindo uma informação. Informação esta que eles iriam saber na melhor hora.

- Sei.

- É verdade. Agora se a senhora não quer crer, paciência.

Irritei-me e fui para o quarto. Só saí de lá no dia seguinte.

Foi um dia antes de ele voltar à faculdade que tudo aconteceu. Ele interrompeu o meu beijo, olhou dentro dos
meus olhos e disse:

- Eder?

- Oi?

- Eu queria falar com você.

Eu senti um tom de incerteza na voz do meu namorado. Ele estava sério, não sorria e eu nunca tinha sentido nada
semelhante com ele antes.

- O que foi?

Eu me ajeitei no banco do carro, tirei o cinto e deitei a cabeça no banco, sem tirar os olhos dele. O que Fael iria
me contar?

- Eu não sei por onde começar – ele baixou os olhos.

- Que tal pelo começo? – eu brinquei, apertando-lhe o nariz.

- É que... Eu te amo!

- Eu também te amo. Te amo muito.

801
- Mas...

- Mas? – eu senti um gelo descer pela minha goela ao ouvir aquela palavra.

- Mas eu...

- O que foi Rafael? O que está acontecendo?

Eu me lembrei do meu sonho que acontecera meses antes.

- Eder... Eu, eu não sei mais...

- Não sabe? O que você não sabe?

- Eu não sei mais o que eu sinto por você.

Eu tentei engolir a minha saliva, mas um caroço estava dentro da minha garganta e impediu que aquilo
acontecesse.

- Já faz algum tempo que eu estou pensando ao nosso respeito. E eu cheguei a conclusão que... Que eu e você já
não somos os mesmos...

Ainda bem que eu estava sentado, porque não estava mais sentindo as minhas pernas.

- As coisas mudaram, a gente mudou, crescemos, estamos vivendo coisas novas...

Eu não conseguia falar. Só ouvir. E eu não sabia o que era pior. Só ouvir ou não falar nada.

- Você agora é pai. Está vivenciando a melhor fase da sua filha... Eu estou na faculdade, estudando,
trabalhando... A gente não tem mais o mesmo tempo de antes... Não é mais a mesma coisa, entende?

Não. Eu não conseguia entender.

- É difícil para mim falar sobre isso com você.

Meus olhos começaram a querer chorar, mas eu apertei os meus dentes. Não ia fazer aquilo.

- Eu gosto muito de você, muito mesmo... Você foi o primeiro e o único homem com quem eu me relacionei, foi
com quem eu descobri as melhores coisas da minha vida, foi com você que eu passei os melhores momentos... É
complicado, mas eu sinto que eu preciso fazer isso...

- Fazer o quê? – eu perguntei com a voz embargada.

Ele olhou para mim novamente, desta vez com o rosto triste.

- Eu quero terminar.

“Eu quero terminar...”.


Aquela frase ecoou em minha cabeça.
802
“Eu quero terminar...”.
Eu abaixei os meus olhos. Eu não queria que ele me visse chorando. Tentei segurar as lágrimas o máximo que eu
consegui, mas elas foram mais fortes do que eu e acabaram por descer em minhas bochechas.
- Eu não quero te magoar – ele tentou se desculpar. – Está doendo mais em mim do que em você... Mas é que...
Eder? Fala comigo?
“Eu quero terminar...”.
- Falar o quê? – eu sussurrei. – Acho que não tem mais nada para falar...
Como a minha voz estava conseguindo sair sendo que eu tinha a impressão que nada passava pela minha
garganta?
- Ed? Meu... Eder? Não chora, por favor? – mas ele também estava chorando. – Eu não queria, mas...
Eu precisava raciocinar. Colocar as idéias em ordem, mas... Tudo o que eu conseguia pensar era: “eu quero
terminar...”...
- Ah, Eder... Se você soubesse...
Eu fiquei olhando a fivela do cinto de segurança e tentei me acalmar. As lágrimas saiam sem esforço e eu ainda
não estava conseguindo sentir as minhas pernas.
- Desculpa – ele se desesperou. – Desculpa, desculpa, por favor, fala comigo...
Eu olhei para a rua. Ela estava tranqüila, não tinha muito movimento de carros. O único problema era descobrir
onde eu estava. Eu continuei ouvindo a voz dele ao longe e já não conseguia distinguir o que o meu ex-namorado
falava.
Senti uma mão tocar o meu braço de leve e me virei. O rosto dele estava molhado e os olhos inexplicavelmente
mais verdes do que já eram. Aqueles olhos, aqueles malditos olhos por quem eu havia me apaixonado desde o
primeiro momento! O que seria de mim dali em diante?

- Fala alguma coisa... Pelo amor de Deus!


Eu não sei o que o meu rosto demonstrava e não entendi o motivo daquele desespero. Será que ele pensava que
eu ia morrer pelo término do nosso relacionamento?
- Eu vou levar você para casa...
Ele tentou ligar o motor, mas eu fui mais rápido. Abri a porta, me livrei de tudo o que me impedia, girei o meu
corpo e saí. Saí e quase fui atropelado. Talvez tivesse sido melhor. Pelo menos eu não ia sentir tanta dor.
- Eder? Eder? Eder aonde você vai Eder?
Ele tentou me segurar na calçada e nosso olhar se cruzou novamente.
- Me solta! – eu pedi com a voz embargada.
- Não, você vem comigo!
- Me solta – eu não ia falar a terceira vez.
- Não Eder, não complica as coisas!
Eu tirei os braços dele de cima de mim e saí andando, mas é claro que o Rafael não ia me deixar andar por aquele
lugar. Ele tinha que me convencer a ir com ele, mas eu estava decidido... Nada do que ele me falasse ia adiantar.
- Eder me ouve, por favor?
- Me deixa em paz! – eu gritei com as lágrimas rolando.
- Eder pelo amor de Deus – ele suplicou. – Vamos pro carro!
As pessoas ao nosso redor começaram a nos olhar. Eu avistei um ônibus parado a poucos metros de onde estava e
não pensei duas vezes. Corri, corri até alcançar o último passageiro. Eu não sabia qual era o destino, mas aquilo
era o menos importante naquele momento, tudo o que eu queria e precisava, era ficar longe dele.
- EDER NÃO! – ele gritou quando eu entrei.
O ônibus saiu do ponto e eu o vi correr até a porta, mas não conseguiu entrar. Estava feito. Eu estava livre do
homem por quem eu era completa e perdidamente apaixonado. Livre. Para sempre.

803
Eu peguei algumas moedas em meu bolso e entreguei ao cobrador, passando a roleta em seguida. Avistei um
banco no final do veiculo e já estava começando andar, quando uma voz me barrou:
- Moço, o seu troco!
Olhei no rosto do homem e ele fixou os olhos em minhas lágrimas. Eu peguei as duas moedas que era de meu
direito e voltei a caminhar.
Quando me sentei, fechei os olhos e solucei. Eu precisava liberar aquela angustia que estava me consumindo.
“Eu quero terminar...”.
Ouvi o meu celular começar a tocar, mas eu não ia atender. Ele vibrou e tocou incansavelmente, mas nada nem
ninguém fariam com que eu atendesse.
Um filme passou em minha cabeça. O nosso primeiro olhar, o primeiro sorriso, a primeira vez que a nossa pele
se tocou, o nosso primeiro beijo, nossas descobertas, nossas brincadeiras, as mensagens, as caricias, a vez em que
ele me pediu em namoro, a nossa primeira vez... Tudo passou como um fleche-beque em minha mente.
Eu já não sabia onde estava. O ônibus fez uma curva fechada e parou em um farol vermelho. Eu tentei me situar,
mas não conseguia identificar que local era aquele.
Meu aparelho telefônico não se cansava de tocar em nenhum momento. Algumas pessoas estavam me olhando
com a fisionomia irritadiça, então eu decidi pegar o aparelho.
Era ele. É claro que tinha que ser o Rafael. Já estava com cinco chamadas não atendidas. Eu desliguei a ligação
sem nem mesmo atender e abri o menu do aparelho. Selecionei rapidamente os perfis e coloquei no silencioso, ao
menos ninguém iria ficar ouvindo a musiquinha chata do telefone.
Funguei uma ou duas vezes e sequei as lágrimas. O colarinho da minha camiseta já estava encharcado, mas
aquilo pouco me importava.
Olhei para a pulseirinha em meu pulso e toquei a corrente em meu pescoço, mas tudo fez o meu estado de ânimo
piorar. Qualquer coisa me fazia lembrá-lo. Como eu estava mal.
Uma mensagem chegou com o remetente do Fael. Eu não consegui conter a minha curiosidade e a abri:

“Não faz isso comigo. Volta.”

Volta? Ele queria que eu voltasse? Por quê? Será que ainda queria acrescentar mais alguma coisa? Ou ele achava
que eu era burro? Eu já tinha entendido o recado, ele queria terminar. E ele tinha conseguido. Nós já não éramos
mais namorados.

Não respondi ao SMS e continuei a olhar a paisagem passar. Eu notei que estava entrando em uma periferia e
comecei a me preocupar com o meu destino final.
Quando consegui controlar o choro, respirei fundo, levantei-me e me dirigi ao cobrador, no intuito de questionar
o itinerário do busão.
- Licença? – eu toquei em seu braço. Ele me olhou. – Qual o destino desse ônibus?
- Centro de São Caetano do Sul.
São Caetano do Sul. Eu já tinha ouvido falar naquela cidade.
- Obrigado.
Em que bairro eu estava para ter pegado um ônibus com destino a São Caetano? Eu não costumava marcar o
caminho quando estava com o Fael e naquele momento eu percebi que era um erro dos grandes não prestar
atenção no trajeto.
O que eu ia perder se fosse até o ponto final? Já estava tudo acabado mesmo. A minha vida não tinha mais
sentido, então eu não tinha por que me preocupar para onde estava indo. Nada mais me fazia sentido. Nem
mesmo o bater do meu coração.

O motor foi desligado a as portas se abriram. Eu tinha chegado. Desci e olhei por todos os lados. Estava dentro
de uma estação de ônibus. Desci dois lances de escada e me vi dentro de uma galeria. Segui o meu coração e
comecei a caminhar para a esquerda.
804
Avistei uma rampa e a subi. Dei de cara com uma rua sem nenhum movimento. Existia comercio em todas as
partes. Eu continuei a caminhar, subi uma ruazinha calma e quando dei por mim, estava em uma praça com uma
igreja enorme no centro.
Sentei-me próximo a uma banca de jornal e tudo recomeçou. As lágrimas pareciam não ter fim. Por que ele tinha
feito aquilo comigo? Por quê?

O celular não se calava. Olhei em seu visor. Vinte e seis chamadas não atendidas. O relógio marcava nove e
quarenta e três. Já estava ficando tarde.

Dez horas.

Onze horas.

Onze e meia.

Meia noite.

Eu não via nada nem ninguém ao meu redor. As únicas coisas audíveis era o meu choro e o vibrar de meu
telefone. Eu olhei pela enésima vez no aparelho. Mais de sessenta chamadas do Fael. Mas quem estava me
ligando não era ele. Era meu irmão.
O que fazer? Atender ou não atender?
Eu estava sentindo muito frio e, ao olhar por todos os lados, senti medo, então resolvi atendê-lo.
- Alô? – a minha voz quase não saiu.
- Eder? Mano? Eder onde você está? Fala comigo Eder... Maninho, fala comigo...
- Ricky – era um gemido. – Vem me buscar?
- Claro que eu vou Eder! Pelo amor de Deus, o que aconteceu? Onde você está?
- Ele está bem? – ouvi aquela voz de sino ressonar próximo ao telefone.
- Eu estou em São Caetano...
- Onde?
- Vem me buscar Henrique, por favor...
- Em que lugar você está Eder? – a voz do meu irmão era ao mesmo tempo urgente e desesperada.
- Em São Caetano. Em frente a uma igreja. Vem sozinho...
- Ele está bem Henrique? Eu quero falar com ele!
- NÃO! – eu gritei e desliguei o telefone.
Como era doloroso ouvir aquela voz. Aquela linda voz. A voz do meu anjo, do meu garoto perfeito que já não
era tão perfeito assim...
“Eu quero terminar...”...

Não sei onde eu estava com a cabeça ao entrar naquele ônibus sem nem saber para onde ele ia me levar. Mas
pelo menos eu estava longe do Rafael e aquilo era o que me importava.

O Henrique estava demorando, mas o celular não parava de tocar. Quando eu decidi olhar o número que me
ligava, senti-me aliviado ao perceber que se tratava da minha cunhada.
- Gaby? – a minha voz estava mais grossa que o normal.
- Eder? Onde você está?
- Cadê o Henrique?
- Eu estou com ele. Só nós dois. Onde você está meu anjinho?
- Em frente a uma igreja.
- Que igreja? Você sabe o nome dela?
805
- Não. Ela é grande. É branca – ou seria amarelo? Meus olhos estavam muito embaçados, eu não consegui
distinguir a cor direito. – Ah, eu não sei...
- Calma. A gente vai te encontrar. Não saia daí.
Ela desligou e eu voltei ao meu mundinho de dor. Encostei a cabeça no joelho e passei meus braços em volta das
minhas pernas. Era uma dor insuportável, uma dor sem limite, sem tamanho. Eu estava sangrando por dentro...
Doía muito...
Eu ouvia o barulho dos pneus dos carros no asfalto e sempre que um reduzia a velocidade, torcia para que fossem
o meu irmão e a namorada. Mas parecia que eles nunca me encontrariam.
Eu vi dois rapazes surgirem no meu campo de visão e meu coração disparou. Tentei me recuperar fisicamente e
me levantei. Comecei a andar para próximo da igreja, mas percebi que eles estavam me seguindo.
Era só o que me faltava.
Desci por uma rua e senti o meu celular tocar de novo. Mas não era Henrique. Nem Gabrielle. Era ele de novo.
- Hey – um dos guris falou, mas eu não olhei para trás.
- Espera aí garoto – o outro disse.
Acelerei o meu passo e eles foram ficando para trás. As lágrimas e os soluços tomaram conta de mim novamente
e eu tropecei em um saco de lixo, quase indo ao chão.

- Hey, você está bem?


Os marmanjos não me pareciam ter boa intenção, embora ficasse difícil enxergar com tanta água em meus olhos.
Eu continuei a caminhar e quando eles aceleraram o passo para me acompanhar, eu ouvi a voz do meu irmão:
- Eder?
Virei para o lado e vi os namorados na calçada oposta à que eu estava. Eles estavam a pé e com a fisionomia
preocupada.
- Eder? O que houve? – o abraço de Henrique me fez desmoronar ainda mais.
- Ai Eder – Gaby se lamentou. – Não fica assim!
- Psiu? – um dos maloqueiros nos chamou a atenção.
- Vamos embora daqui – Henrique disse.

Será que as lágrimas acabariam? Será que eu voltaria ao normal? Será que o meu coração ia parar de sangrar?
Será que aquela angustia, aquela dor ia cessar? Eu estava com a mente cheia de contestações, cheia de dúvidas e
incertezas...
- Você está melhor? – Gaby continuou a acariciar o meu rosto.
Fiz que sim com a cabeça e continuei a olhar para o teto do carro do meu irmão. Ele não tinha dito nada desde
que nos havíamos entrado no carro.
- Você quer conversar? – minha cunhada perguntou.
- Dói – só foi o que eu consegui falar. – Dói muito.
Gabrielle suspirou compreensivamente e continuou a me dar cafuné. Eu senti os meus olhos pesarem pela
primeira vez àquela noite e aos poucos, fui me entregando a dor e a escuridão.

- Eder? Eder? – Gaby me chamou. – Acorda Eder, nós chegamos!


Eu abri as minhas pálpebras lentamente. O motor do carro já não soava mais e eu estava reconhecendo aquela
rua. Eu estava em casa.
- É melhor levá-lo para a sua casa – Henrique disse.
- Não – eu choraminguei.
- Vocês brigaram? – ela me perguntou com a voz baixa.
Fiz que não.
- Ele terminou comigo – a minha voz falhou no meio da frase.

806
Henrique bateu a porta do carro com tanta ferocidade que um dos cachorros de minha vizinha começou a latir.
Eu percebi que ele estava indo na casa da namorada, mas...
- Não deixa Gaby, não deixa!
- Calma! Fica calmo...
Ela saiu e me deixou sozinho. Com um pouco de dificuldade eu consegui sair do carro e fui até o meu portão.
- Não Ricky! Olha a hora... – ela falava. – Agora não é o momento...
- Eu vou quebrar a cara dele Gabrielle! – ele bufou.
- Amanhã amor, hoje não... Vem, ajuda o seu irmão... Ele está precisando de você...
Meu irmão me abraçou e me ajudou a entrar em casa. Era do que eu mais precisava naquele momento. Um
abraço do Henrique.

Depois que eu terminei de tomar banho e me vestir, Henrique tentou me fazer comer alguma coisa, mas eu não
estava sentindo fome.
- Não Ricky! Eu não quero, não estou com fome...
- Você jantou?
- Jantei – eu menti. – Não quero nada...
- Está bem. Então vamos nos deitar.
Ele ficou toda a noite ao meu lado e eu só parei de chorar quando peguei no sono. Meu irmão sabia ser discreto.
Embora eu soubesse que ele queria saber o que tinha acontecido, ele respeitou o meu limite e não me fez
nenhuma pergunta, apenas me deu apoio com o seu ombro e seu calor.

- Eder? – eu ouvi a voz de minha mãe. – Acorda filho!


Eu me revirei na cama e abri os olhos lentamente. A luz daquela manhã de inverno me cegou e eu tive
dificuldades para deixar a visão em foco. Será que estava com algum problema oftalmológico?
- Cadê o Henrique?
- Ele está na casa da Gabrielle. Parece que tinha um assunto a tratar com o Rafael...
Eu me sentei imediatamente.
- O que foi? Por que você está assim? E por que os seus olhos estão vermelhos? Você andou chorando? Eder, o
que está acontecendo?

Coração de mãe não mente, não se engana e não esconde as coisas.


- Eles estão ardendo mesmo – dei uma de louco. – Será que eu peguei conjuntivite?
Ela se aproximou de mim, eu a olhei nos olhos e semi-cerrei as pálpebras.
- Não me parece conjuntivite. Parece vermelhidão de choro.
- Eu não chorei não mãezinha – odiava mentir para a minha mãe, mas era o jeito.
A minha cabeça doía e eu pensei em como iria trabalhar naquele dia.
- Vai menino! Levanta e vai ver a sua filha.
A Vitória! Eu tinha me esquecido completamente da Vitória! Que pai desnaturado que eu era...
- Onde ela está?
- No quarto dela.
Eu me levantei lentamente. Arrastei os meus pés com força até o quarto ao lado e quando eu cheguei, Vivi estava
engatinhando perfeitamente pelo chão do quarto.
Aquilo fez o meu coração doer ainda mais, se é que era possível, eu senti todo o meu sistema nervoso trabalhar a
milhão e o choro foi inevitável.
- Ah, filha!
- Papai! Vitola...
Eu a segurei em meus braços e tentei me acalmar. Notei que a minha mãe estava encostada à parede.
- O que seria de mim sem você nesse momento? – eu falei bem baixinho e ela me fitou nos olhos.
A minha filha colocou o dedo em uma das minhas lágrimas e ficou olhando para o liquido.
807
- Papai...
- Vai ficar tudo bem, vai ficar tudo bem – eu a prometi. – O papai promete que vai ficar bem!
- Papá.
- Está com fome?
- Tá!
- Cadê a mamadeira dela mãe? – eu perguntei com a voz emotiva.
- Já vou pegar. Eu sabia que você estava chorando!
- Eu chorei quando a vi engatinhar, só isso.
- E eu nasci ontem!
Eu coloquei a minha filha dentro do berço e fui até a janela. Fiquei olhando para à casa da frente. Como será que
ele estava?
- Filha o pai vai tomar banho e já volta, está bem?
Ela ficou me observando e não respondeu nada. Ainda não sabia falar muita coisa.
Suspirei ao voltar para o quarto. A minha cama estava tão convidativa... Mas eu não ia me entregar à depressão.
Não mesmo.
- Força Eder – eu disse a mim mesmo enquanto procurava uma toalha. – Você vai passar por cima disso.
Enquanto eu deixei a água cair pelo meu corpo, relembrei de tudo o que ele havia dito dentro do carro e deixei o
desespero tomar conta de mim.
Eu me sentei no chão e puxei os joelhos para apoiar a minha cabeça.
- Ah Fael! Por que você fez isso comigo?
- Eder? Vai secar a caixa? – minha irmã perguntou.
- Não enche garota!
Mas ela estava certa. Eu me levantei, desliguei a torneira e comecei a me secar. Fui até o espelho e olhei os meus
olhos. Eles estavam muito vermelhos e inchados.
- Meu Deus, o que eu faço? Mostra-me um sinal...
Eu saí e fui direto para a Vitória. O meu irmão mais novo já estava terminando de dar a mamadeira e ela já
estava conseguindo colocar as duas mãozinhas no cilindro.
- O que houve com os seus olhos?
- Acho que peguei conjuntivite.
- Ah! Eu vi na internet que está tendo um tipo de epidemia.
Bingo! Era daquilo mesmo que eu precisava.
- Sério? Então acho que eu vou ao médico.
- Vai sim. Não é bom você ficar perto da Vivi então. Já pensou se ela pega?
- Ela não vai pegar – eu tinha certeza.
- Como você pode ter tanta certeza?
- Intuição de pai.
- Desculpa aí!
- Quando você tiver filhos você vai entender.
- Vamos tomar café?
- Não. Eu estou sem fome. Vou ao pronto-socorro ver isso.
- Vai ficar sem comer?
- Não estou com fome Marcus.
- Se você diz – ele deu de ombros.
Eu voltei ao quarto, forrei a cama e peguei o meu celular. Havia nada mais, nada menos do que cento e dezoito
chamadas do Rafael no total, além de várias mensagens.
Eu respirei fundo, criei coragem e abri a primeira:

“Anjo desculpa...”.

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“Por favor, atende o celular...”.

“Eu preciso ouvir a sua voz, saber se você está bem...”.

“Fala comigo Eder...”.

“Não torne as coisas piores...”.

“Me perdoa!”.

“Eu preciso te ouvir...”.

“Assim que você ler essa mensagem, me liga...”.

“Por favor...”.

Existiam mais alguns torpedos, mais o meu peito já não agüentava de tanta dor e eu nem pensei duas vezes em
apagar todas, sem ler mais nenhuma.
- Vai passar – eu prometi. – Ou eu não me chamo Eder.
- Eder? – a voz do Henrique entrou pelo quarto. – Posso?
- Pode sim – eu respondi, secando as lágrimas.
- Você está melhor?
- Tentando!
- Conseguiu descansar bem?
- Ah, Henrique... Dentro da medida do possível, né?
- Você quer conversar sobre o assunto?
- Vai adiantar alguma coisa? – eu me virei. – Só vai me doer mais.
Ele suspirou e veio ao meu encontro. Eu o abracei com tanta força e desabei mais uma vez em lágrimas. Aqueles
estavam sendo os piores dias da minha vida...
- Você o ama, não ama?
- Mais do que você possa imaginar.
- Eu o coloquei no lugar.
- O que você fez? – eu me preocupei.
- Eu não bati – ele disse. – Não se preocupe.
- Ele... Como ele está?
- Mau. Está chorando muito. Não vai trabalhar e nem a faculdade.
- Por falar nisso você já está atrasado.
- Eu não vou também.
- Bebeu?
- Não vou deixar o meu irmão sozinho, eu sou o único que pode te apoiar hoje.
- Ricky...
- Sem choro. Eu vou ao médico pegar um atestado e fica tudo bem.
- Ah! Vou com você.
- Seus olhos ficam feios quando você chora. Não fica assim. Ânimo! Força! A vida continua. Vamos, quero ver
um sorriso nesses lábios!
Ele fez cócegas na minha barriga e eu comecei a rir.
- Para seu besta.
- É assim que você tem que ficar.
809
- Eu vou conseguir.
- É assim que se fala. Anda, vai lavar o rosto para a gente ir ao pronto-socorro.

Eu fui o terceiro a passar com o doutor Luiz. Ele era um senhor de meia idade, possuía os cabelos grisalhos e um
cavanhaque ainda em tom escuro. Os olhos eram inacreditavelmente verdes e aquilo me deu um nó na garganta.
- Olá Eder! Tudo bem?
Eu apertei a mão do oftalmo e me sentei.
- É pode-se dizer que sim.
- Rapaz! O que é isso nos seus olhos?
- Ah, é por isso que eu estou aqui – fui meio seco e me arrependi. – Amanheceram grudados hoje e nesse estado.
- Posso dar uma olhada?

- Claro.
Ele pediu para eu encostar o queixo em um aparelho e uma luz vermelha invadiu a minha pupila direita, depois a
pupila esquerda.
- Bem moço! Parece que alguém contraiu conjuntivite.
Eu suspirei. Que médico idiota!
- Vou receitar um colírio. Você vai ter que pingar de duas em duas horas por hoje e a partir de amanhã de quatro
em quatro.
- Ok.
- Precisa de atestado, né?
- Por favor.
- Sete dias bastam?
Nossa. Que médico bonzinho!
- Não, não. Melhor dez.
Eu achei estranho, mas...
- Aqui. Dez dias de repouso.
- Está bem.
- Se não melhorar retorne.
- Pode deixar. Obrigado.
Me levantei, apertei a mão do médico, abri a porta e saí. Henrique não estava mais na sala de espera e eu deduzi
que ele já tinha entrado na sala da médica.
Caí em uma das cadeiras do fundo da sala e olhei o meu atestado. Dez dias. Ia dar tempo para eu me recuperar
fisicamente.
Avistei meu irmão no final do corredor e fui até onde ele estava. Ele sorriu e começou a rir em seguida.
- Ganhei dois dias e você?
- Dez.
Ele parou de rir na hora.
- Cachorro sarnento! Aff, vamos embora! Me estressei!
Naquele momento fui eu quem ri.

- Eder – minha irmã veio me agarrar. – Você está bem?


- Estou, por quê?
- Por causa dos seus olhinhos! Nossa, você está horrível!
E como era capaz de ficar bem naquela situação?
- Obrigado.
- Desculpe! – ela riu baixinho. – Pegou atestado?
- Dez dias.
- Dez?
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- Médico legal.
- Eu só peguei dois – Henrique lamentou-se.
- Está dodói também? O que você tem?
- Caganeira. Por falar nisso, com licencinha...
A Giselle riu, mas eu não tive coragem para achar graça do meu irmão. Fui subindo as escadas lentamente,
lembrando de cada detalhe do rosto do meu ex-namorado.
- Papai – eu ouvi a voz da minha filha vir da sala e me virei. – Papai!
- Ah, Vitória!
Só Deus sabe o quanto eu senti vontade de chorar naquele momento, mas tive que segurar as lágrimas, já que a
Gi estava na sala e ainda não sabia de nada.

- A gente precisa terminar de comprar as coisas para a festinha dela – a minha irmã anunciou. – O papai deixou o
dinheiro para eu e o Marquinhos irmos ao mercado, mas já que estamos todos em casa, podemos ir os quatro!
- É podemos sim – eu suspirei. – Quer vir com o papai?
- Papai!
Ela ergueu os bracinhos e eu a peguei do chão. Vitória estava ficando cada vez mais pesada.
- Quer passear com o pai e os tios?
- Pa?

Eu tentei ocupar a minha cabeça ao máximo naquela segunda-feira. Antes de ir ao supermercado, liguei para o
André e expliquei a situação. Ele pareceu não gostar muito da ideia, mas não tinha nada a ser feito. Ele que
tivesse paciência!
Quando terminei de trocar a minha filha, meus irmãos já estavam prontos e eu tive que me apressar.
- Vamos Eder! – Marcus se irritou.
- Só vou pegar o meu óculos.
Dei a Vitória para o tio e subi as escadas num galope. Quando abri a porta do meu armário e me virei de costas,
eu o vi sentado na beira da sua cama, com a cabeça baixa.
Meu coração disparou e doeu. Foi uma dor maior que a anterior, eu senti as minhas entranhas se torcerem e o
meu estômago gelar. Fui caminhando lentamente até a janela e quase caí quando bati com as pernas na parede.
Como eu queria abraçá-lo novamente. O meu corpo ansiava pelo calor do Rafael, pelo cheiro de sua pele, pelo
toque de suas mãos, pelo sabor de seu beijo...
Mas eu não o tinha mais. Ele tinha nos separado, tinha colocado um ponto final em nossa relação. Ou será que
era apenas um ponto?
- Eder? – Henrique veio me chamar.
Eu não tirei os olhos do meu anjo. Eu sentia, mesmo à distância, o calor do corpo dele...
- Ah, Eder!
Henrique me deu um abraço por trás e beijou a minha bochecha.
- Não faz isso, você vai piorar.
- Dói Ricky! Dói muito...
- Eu sei meu anjo! Mas vai passar, eu te prometo! Agora vamos, nossos irmãos estão nos esperando no carro...
Vamos nos distrair um pouquinho...

Coloquei o meu óculos, sequei as lágrimas e sai do meu quarto com o meu irmão. Ele só me largou quando teve
que entrar no lugar do motorista.
- Logo você tira a sua carta, né Eder? – Marquinhos perguntou.
- É sim. Começo do ano que vem.
- Que legal! Será que o pai vai te dar um carro?
- Duvido!
- Por que não? Ele deu ao Henrique!
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- Henrique, Henrique, Eder, Eder!
- Que nada haver!
- Ah, em novembro a gente vê!

A Vitória adorou passear no carrinho do supermercado. Deixei meus irmãos mais novos guiarem a sobrinha por
entre as prateleiras, enquanto eu e meu irmão conversávamos um pouco.
- O que ele disse a você? – eu perguntei.
- Não teve coragem.
- Ele não disse nada?
- Não.
- E o que você falou a ele?
- Tanta coisa...
Eu suspirei e tentei não pensar no assunto, mas por mais que eu me esforçasse, qualquer coisa que eu visse me
fazia lembrar do Rafael.
E acabou que nós compramos tudo o que faltava para a festa da minha filha. Já estava com mais de duzentas
bexigas, mais de cem pratinhos e mais de cem pacotes de talheres de plástico.
Minha mãe encomendou o bolo com a nossa vizinha e os salgados com a sogra do Marquinhos. Tudo estava a
mil por hora, nós estávamos correndo contra o tempo.
Decidimos fazer a festinha um domingo após o aniversário dela. Pelo menos nem eu, nem ninguém da família
ficaria com a consciência pesada, já que a superstição diz que não pode comemorar aniversário antes da data real.

A dúvida maior era onde seria a festa. Na minha casa ou na casa da Natália.
- Aqui é maior – eu finquei o pé.
- Mas lá é mais arejado.
- Aqui também é arejado Marcus.
- Ah, gente... Depois a gente vê isso! – Giselle se estressou.
- Por que não deixam a aniversariante escolher? – Henrique deu-nos a ideia.
- Boa ideia – eu concordei.
Coloquei as sacolas na dispensa e levei a Vitória para o berço quando ela apagou. Fiquei velando o seu sono. Eu
tinha que concentrar todas as minhas forças, toda a minha emoção e principalmente todo o meu amor na minha
filha, pois dali para a frente, eu tinha a certeza que ela era a única pessoa que eu iria amar até o fim dos meus
dias.

No dia vinte e oito, foi a maior algazarra em minha casa. É claro que a Vi ainda não entendia muito bem o que
estava se passando, mas ela sabia que era o centro das atenções.
Comprei-lhe a primeira boneca. Quase de seu tamanho. Arrependi-me do feito, quando ela tentou brincar e não
conseguiu.
As palavras estavam limitadas às que ela já havia conseguido falar. Eu achei estranho o fato dela ter parado, mas
ao mesmo tempo, achei perfeitamente normal.
Naquele dia faziam dois anos que eu o tinha conhecido. Passei toda a tarde com aquilo em minha cabeça e fiquei
me perguntando se ele tinha lembrado da nossa data, mas acredito que não.
Na véspera do domingo, eu e meus irmãos tivemos trabalho em organizar a minha casa para a comemoração do
dia seguinte. Cada um ficou com uma tarefa.
Por volta das quatro da tarde, Gabrielle e a irmã chegaram. A Natty deu um beijo na filha e depois, começou a
nos ajudar.
Gaby, minha mãe e a minha ex-sogra, se responsabilizaram pelos quitutes, enquanto eu, Marcus e Henrique,

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enchíamos as bexigas.
- Cuidado para não estourar nenhuma – eu os alertei.
- Será que se a gente encher com a bombinha de ar não será mais fácil? – Henrique sugeriu.
- Pode ser que sim – Marquinhus concordou. – Assim elas irão voar e as crianças irão gostar.
Eu não me manifestei. Concordei com a cabeça e sentei-me no sofá. Nada me fazia melhorar.

Já estava praticamente tudo pronto. Eu coloquei um vestidinho rosa em minha filha, um lacinho da mesma cor
em seus cabelinhos e um sapato branco.

Quanto a mim, me produzi com a primeira muda que encontrei no armário: calça jeans azul, camiseta branca e
tênis preto. Nada muito exagerado.
Não sei quantas pessoas meus pais haviam convidado, não sei quem seria chamado pela família da mãe da
Vitória, eu não estava em clima de festa.
Embora já tivesse passado duas semanas do acontecimento, eu ainda não tinha conseguido me acostumar.
Sempre que o meu telefone tocava, eu pensava que era ele, mas Rafael não me ligou mais. Ele tinha desistido.
Àquela seria a primeira vez que nós nos encontraríamos depois do término de nosso namoro. Eu senti o meu
coração dilacerar só em imaginá-lo entrando pela porta de minha casa, mas eu não tinha como fugir daquela
festa. Era o primeiro aniversário de minha filha, eu tinha que estar presente.
Conforme as pessoas iam chegando, eu ia me distraindo. Lembrei-me de algumas pessoas da família da mãe da
minha filha que estiveram na comemoração do meu aniversário, dois anos antes. O difícil foi lembrar o nome de
todos.
Arthur chegou antes das sete da noite. Quase todos já estavam presentes, exceto uma pessoa. Rafael.
- Eder? – Natália chamou-me.
- Oi?
- Eu posso ter uma palavrinha com você?
- Claro que sim.
Nós dois fomos até o quarto da Vivi e ela foi logo me questionando:
- Eu posso saber por que você não está indo mais em casa?
- Porque eu não estou afim – respondi, virando-me de costas.
- Tem alguma coisa a ver com o meu irmão?
Eu engoli toda a saliva de minha boca e senti a necessidade de beber água.
- Eu tenho certeza que há algo relacionado ao Rafael. Ele não é mais o mesmo. Vocês discutiram?
- Pode-se dizer que sim.
- Eu posso ajudar em alguma coisa?
- Infelizmente não.
- Sabe Eder, eu entendo que vocês tenham brigado e tudo mais, só não consigo compreender por que você não
freqüenta mais a minha casa e por que ele não freqüenta a sua. Não existem só vocês dois na família...
- Uhum.
- Eu gostaria muito de poder ajudar. Se precisar de algo, não hesite em me procurar.
- Obrigado!
Natália desceu e eu fiquei mais um pouco no quarto, olhando para a janela do quarto dele. Nunca mais o vira...
Será que ele estava bem? Será que ele estava... Feliz?
- Ah! Você está aí – Gaby falou.
Eu não me virei e tampouco dei importância quando ela se aproximou.
- Está tudo bem?
Eu não respondi e senti ela me abraçar. Gabrielle seguiu o sentido dos meus olhos e suspirou.
- Ele virá.
- Eu não sei o que é pior...
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- Eder, Eder... A gente vai te ajudar!
- Eu sei meu amor.
- Vamos descer? Você é o pai da menina, não pode perder a primeira festa dela. Ânimo rapaz!
Ela secou uma lágrima que ia começar a escorrer e me empurrou pelo ombro. Eu caminhei lentamente até a
escada e comecei a descer os degraus, mantendo o olho nos pirralhos da vizinhança que estavam correndo por
entre os móveis.
Quando eu cheguei na metade dos degraus, meus olhos voaram para a porta e eu parei instantaneamente.
Gabrielle também parou ao meu lado e acompanhou o meu olhar. Era ele.
Tão lindo! De camisa preta e zíper prateado, calça azul marinho e tênis branco. O cabelo castanho estava feito
moicano e os olhos um tanto quanto inexpressivos, mas ainda assim lindos.
Os meus lábios se entreabriram e eu já não sabia como respirar. Senti, como sempre sentia quando nossos olhos
se encontravam, o meu coração disparando feito um jato, mas não era o mesmo aceleramento. Aquele era de dor.
Os anteriores, de emoção.
- Eder? Vamos descer!
Eu fechei os meus olhos, suspirei e tentei me acalmar. Continuei a descer os degraus da escada, mas não tirei os
olhos dele um segundo sequer.
Rafael não notou a minha presença ou então fingiu que não me viu, mas eu não estava me importando com
aquilo. Ou será que estava? Ele começou a andar, cumprimentou algumas pessoas, beijou a bochecha de algumas
garotas e sorriu para um rapaz. Tão cordial!
- Você quer falar com ele?
- Não – eu respondi de imediato. – Não mesmo!

Ia adiantar alguma coisa falar com ele? A minha dor só duplicaria, triplicaria, quadruplicaria ou só Deus sabe o
quanto iria aumentar...
- Você é quem sabe.
Eu dei às costas ao Rafael e caminhei até a cozinha. Cumprimentei um casal de tios meus, dois primos e um
advogado que era amigo de meu pai:
- Parabéns pela sua menina. Ela é linda! – ele sorriu.
- Obrigado! Está crescendo...
- Ah, eles crescem bem rápido mesmo. Daqui a pouco ela vai começar a andar, a ir à escola, a namorar, vai se
casar, ter filhos... E você ficará velho...
Como ele era animador!
Só o que eu pude fazer foi sorrir, mas eu queria mesmo era responder.
- Meus parabéns pela Vitória Eder – a irmã de minha mãe falou.
- Obrigado tia Nanda!
- Ela está a coisa mais linda! – o esposo dela falou.
- Obrigado tio Mauricio!
Deixei os convidados conversando com minha mãe e fui até o quintal. Peguei um espetinho na churrasqueira e
comecei a comer. Encontrei Marcus e a namorada encostados ao muro e fui falar com a minha nova cunhadinha.
- Oi! – falei.
- Eita, já está comendo? – Marcus riu.
- Claro meu filho, tenho que comer. – Oi Ana Paula!
- Tudo bem Eder?
- Bem e você?
- Bem, graças a Deus.
Eu ainda não tinha tido muita oportunidade de conversar com a namorada do meu irmão mais novo. Ela já tinha
ido à minha casa duas ou três vezes, mas em todas as ocasiões, eu não podia ficar com eles por muito tempo.
- Parabéns pela Vitória – ela disse-me.
- Obrigado. Já comeu?
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- Ainda não, estou sem fome, mas daqui a pouco eu belisco alguma coisa!
- Fique a vontade.
- Obrigada.
- Marcus, depois eu venho te chamar quando for tirar as fotos, tá?
- Uhum.
Eu fui caminhando até a porta da sala de cabeça baixa, não estava prestando muita atenção no caminho, apenas
comendo o meu churrasco. Eu pensei que ia cair com a força do impacto, mas eu me apoiei na grade da janela e
me segurei.
- Desculpe – nós dois dissemos sem olhar um para a cara do outro.
Eu reconhecia aquela voz.

Fui levantando a minha cabeça aos poucos. Eu vi um tênis branco, uma calça jeans azul marinho e uma camisa
preta. Não!!! Não podia ser verdade!!! Ele não... Não, não e não!
Sim!!! Sim, sim e sim!!! Era ele! Rafael estava à minha frente. Os nossos olhos se cruzaram pela primeira vez
desde que cada um tinha começado o seu caminho. E foi como no nosso primeiro encontro.
Uma corrente elétrica percorreu o meu corpo e parou no lado esquerdo do meu peito. Minha boca ficou
completamente seca, eu deixei o espeto de carne cair no chão e meus dutos lacrimais trabalharam sem o meu
consentimento...
Eu não conseguia falar nada, apenas o fitava com uma lágrima começando a escorrer pelo lado do rosto. Rafael
estava sério, eu não conseguia decifrar a sua fisionomia. Os olhos continuaram inexpressivos, mas estavam
secos, ao contrário dos meus.
Fael fitou os meus lábios e depois desviou os olhos de mim. Eu não estava entendendo.
- Desculpe! – a voz dele soou em meus ouvidos.
- Sem problema! – tentei manter a voz seca.
Eu olhei para o chão e sequei a lágrima discretamente. Não tive coragem de olhá-lo nos olhos.
- Com licença – falei, passando ao seu lado, o mais distante que eu consegui.
Já estava quase entrando na minha casa, quando ele me barrou.
- Eder!
Eu parei de chofre. Pensei duas vezes antes de fitá-lo, mas meu coração tomou conta de mim e eu me virei.
- Sim?
Ele me analisou com aqueles olhos mortos.
- Você... Está... Bem...?
Não. A resposta era aquela. Como eu poderia estar bem? Por acaso eu estava parecendo bem? Ele era cego? Ou
se fazia de idiota?
- É... Estou indo – eu respondi. – E você?
Ele fechou os olhos e suspirou.
- Mais ou menos.
O que eu poderia falar além disso? Talvez ficar mudo? Mas falar ia adiantar alguma coisa? O que dizer? Como
encontrar as palavras? Eu estava ficando angustiado. Queria correr e agarrar aquele monumento, mas meu
cérebro não deixou.

E então a batalha da razão contra a emoção começou. De um lado, o meu coração urrava, pedindo para que eu
corresse e o abraçasse, por outro, o meu cérebro me barrava e pedia para que eu não facilitasse e não desse o
braço a torcer. Eu estava entre a cruz e a espada, entre o céu e a terra, entre a chuva e o sol, entre... O fogo do
meu coração e o oceano verde de seus olhos...
Vendo que eu não era capaz de responder nada, ele prosseguiu:
- Onde está a Vitória?
- Com a sua irmã.
- Eu posso pegá-la um pouco?
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- Você não tem que pedir permissão Fael... Quero dizer, Rafael! Você é o tio. Tem todo direito.
Ele deu um sorriso amarelo e olhou para o chão.
- Uhum.
- Eu vou entrar, preciso fazer uma coisa.
- Beleza. A gente se vê!
- É. A gente se vê!
Nosso olhar continuou grudado por mais um segundo e depois cada um seguiu o seu rumo. Eu entrei, passei pela
criançada que brincava alegre na sala, virei para o corredor e entrei no banheiro.
Passei a chave no trinco e me sentei no vaso sanitário. Coloquei as duas mãos na cabeça e comecei a pensar. Ele
estava abatido. Isso era fato. Mas, se ele estava daquele jeito pelo término do nosso namoro, por que tinha
terminado, então?
Muitas perguntas rodearam os meus pensamentos e nenhuma delas parecia ter resposta. Suspirei e achei estranho
não estar chorando. Parecia que eu estava conseguindo conter a minha sensibilidade. Pelo menos isso!!!

Não parei durante o resto da festa. Vitória parecia estar alienada com tanta gente a pegando no colo e pedindo
para que ela falasse ou qualquer outra coisa do gênero.
Ocupei tanto a minha mente que nem pensei no Rafael. Até que a festa estava me servindo para alguma coisa.
Às nove horas, meus pais reuniram todos e nós começamos a cantar parabéns. Natty e eu seguramos a Vitória no
colo, enquanto ela admirava os flashes das maquinas fotográficas.
Na hora de assoprar a velinha, a minha ex-cunhada e eu abaixamos a Vitória e tentamos fazer com que ela
assoprasse, mas ao invés de soprar, ela riu.

Algumas pessoas deram risada dela e àquilo só fez a minha filha achar mais graça.
- Assopra a velinha filha! – a Natty pediu.
- Mamãe – ela falou.
Era a primeira vez que ela estava falando mamãe. A Natty parou de rir, ficou com a fisionomia séria e não disse
mais nada. Eu que tive que assoprar a vela.

Natália demorou para voltar à comemoração. Eu notei que a maquiagem dela estava um tanto borrada. Era a
primeira vez que eu a via chorando pela filha.
- Mais calma?
- É tão... Diferente...
- Eu sei! Eu sei bem como você está se sentindo...
- Ai... Eu pensei que ela não ia falar nunca!
- Claro que ela ia falar, era só uma questão de tempo!
- Quero ouvir de novo!!! – ela disse, procurando a nossa filha com o pescoço estirado.
- Ela está tirando foto com os padrinhos. Vamos lá?
- Vamos.
Eu dei a volta na mesa para ficar ao lado da Gabrielle e a Natália para ficar ao lado de Henrique.
- Mamãe! – a Vitória disse novamente.
Eu sorri. Todos nós sorrimos e Natália mais ainda. Fizemos pose para a foto, vi o flash da máquina do Marcus
me cegar e saí de trás da mesa.
- Não vai pegá-la? – Henrique perguntou.
- É um momento só da Natty. A deixe curtir a nossa filha um pouco. É um momento único.

O momento mais doloroso foi quando tive que tirar foto com cada um dos tios da minha filha. Quando chegou a
vez do Fael, nós nos olhamos rapidamente e nos viramos para a câmera.
Quando o flash disparou, eu saí de perto dele o mais rápido que pude, mas ele me seguiu.
- Ed?
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Como era bom ouvir a voz dele chamar pelo meu nome. Eu não queria me virar, mas não podia ser mal educado.
- Oi?
- Eu queria...
Queria o quê? Me fazer sofrer ainda mais com aqueles malditos olhos verdes?
- Queria...?

- Conversar!
- Ah, Fael, desculpa... Rafael, agora não é o melhor momento!
- Não precisa se desculpar por ter me chamado de Fael, hã... Eder! Você sabe que eu gosto!
- Não vejo motivos para chamar você assim!
A minha dor estava se transformando em mágoa e estresse.
- A gente pode ou não pode conversar?
- Agora não! – eu respondi. – Estou cheio de coisas para fazer...
- Quando? – ele tinha a voz decidida.
- Para que você quer conversar comigo? – eu o desafiei. – Acho que já foi dito tudo, não foi? Ou será que você
quer acrescentar alguma coisa?
- Quero! – ele se estressou. – Quero acrescentar sim!
Por aquela eu não esperava.
- Beleza Rafael! Quando eu me desocupar a gente conversa.
Dei-lhe as costas e saí andando.

O bolo que a minha mãe havia encomendado estava mais do que divino. Dei uma colherada bem pequena à
minha filha e ela pareceu gostar, porque tentou roubar o meu garfo umas duas vezes.
- Não senhora! Já comeu muito!
- Dá mais um pedacinho pra ela seu muquirana! – minha irmã exclamou.
- Não Gi, ela é muito pequena...
- Que pequena que nada Eder, a menina já tem um ano!
- Só mais um garfinho!
Eu fiz aviãozinho para a Vitória e quando coloquei o bolo em sua boca, ela se deliciou.
- Gostou?
- Mamãe!
- Não, é o papai.
- Mamãe! – ela teimou.
- Não Vivi, eu sou o seu pai!
- Mamãe!
- Será que ela não quer a mãe não?
- Pode ser. Cadê a Natália?
- Eu vou chamá-la!
Fiquei brincando com a minha filha, enquanto terminava de comer o meu bolo. Peguei um dos brigadeiros, cortei
um pequeno pedaço e coloquei em sua boquinha. Pelo jeito ela ia ser chocólatra como o pai.
- Cadê a Vivi? – a Natty imitou voz de criança.
- Mamãe!
Vitória foi com a mãe e quando elas estavam saindo, ela disse:
- Papai.
- O que é? – eu perguntei.
- Mamãe.
- Oi?
- Papai. Mamãe. Papai. Mamãe.
Eu e Natália caímos na risada. Ela só queria brincar.
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Ele estava à minha espera. Eu já tinha colocado a minha filha para dormir e quando me despedi do amigo de meu
pai, caí exausto no sofá. A casa estava uma zona.
- O que é Rafael? – eu perguntei, sem olhar no rosto dele.
- A sós.
Não sei de onde encontrei forças para ficar a sós com o meu ex-namorado. Assim que ele fechou a porta de meu
quarto, eu caminhei até a janela e fiquei mirando o horizonte, para não cair em tentação.
- Estou ouvindo.
Pausa.
- Eder eu... Eu não sei como começar!
- Eu já ouvi isso antes.
- Por que você não me atendeu?
Pausa.
- Por que você não me ligou? Por que você entrou naquela porcaria de ônibus? Por que me deixou sozinho? Você
sabe como eu me senti?
- Como você se sentiu eu não sei, mas como eu me senti eu posso te responder.
As lágrimas já iam começar a cair. Eu me virei e o fitei nos olhos.
- Por que eu subi naquele ônibus? Talvez para me livrar da dor. Porque se eu continuasse perto de você Rafael, se
eu ouvisse mais uma palavra, eu ia desmoronar. Mais do que eu desmoronei.

Ele baixou os olhos.


- O que você pensa que é? Adianta ficar me ligando? Adianta querer falar comigo? O que você queria, você já
conseguiu Rafael! Será que você não entende que é pior assim?
Eu solucei e ele olhou para mim desesperado. Como doía. Doía muito.
Notei que ele também estava chorando. Mas não consegui identificar se estava com tanta dor como eu.
- Não pense que só você está sofrendo!!! – ele disse. – Eu também estou.
Se ele estava sofrendo mesmo eu não sei. Eu não conseguia mais acreditar naquele homem.
- Está doendo mais em mim do que em você Eder.
- Jura? Não acho!
Depois de tudo eu ainda conseguia ser sarcástico.
- Deixe o cinismo de lado, por favor! – ele fungou. – Eu estou aqui para tentar resolver essa situação.
- Tentar resolver Rafael? Tentar resolver? O que você acha? Que eu sou um fantoche que você manipula quando
você quer? Que é só você vir conversar comigo e está tudo bem? Pois então você está enganado!!!
- Cala a boca Eder! Presta atenção! Abre esses olhos, pelo amor de Deus! Tenta entender!
- Entender o quê? Diz!
- Entender que eu estou fazendo isso porque... – a voz dele parou. – Porque eu te amo...

- Me ama? – eu quase ri. – Se me ama, o que te fez fazer isso?


Eu sinceramente não estava entendendo mais nada.
- Eder, senta aqui meu anjo!
“Anjo”! Nossa!!! Como senti falta de ouvir isso!
- Não, eu estou bem assim.
Virei novamente de costas e suspirei. Eu estava novamente entre a cruz e a espada. Ao mesmo tempo em que eu
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queria beijá-lo, eu queria bater naquele rosto divino, meu corpo não obedecia aos meus comandos, me deixando
parado e duro como uma rocha.
- Eu... Eu não sei onde estava com a cabeça quando eu te disse aquilo... Eu agi por impulso, não sei... Eu não
pensei... Eu devia ter conversado com você antes...
- Não ia adiantar muita coisa.
- Eu... Sei lá Eder... Eu senti tanta coisa nesses últimos meses...
- Eu sei.
- Você sabe?
- Sei. Na verdade, eu senti.
- Sentiu?
- Eu não sou idiota Fael. Eu sei quando as pessoas não estão bem em um lugar, em uma relação! Você lembra do
meu pesadelo?
- Lembro...
- Pois é! E você lembra do que você me disse logo em seguida? Logo depois que eu te contei?
Eu me virei e ele estava de cabeça baixa. Fungamos ao mesmo tempo.
- Você me disse que nunca ia me abandonar! Que nunca ia me largar, que não precisava prometer que não ia me
trair, porque aquilo era impossível! Você prometeu! Mas você não cumpriu...
Tudo o que estava preso em minha garganta eu tinha soltado naquele momento. Estava me sentindo mais leve.
- Desculpa!
- Se desculpa me fizesse sentir melhor...
- Me perdoa! Me perdoa, por favor!!!
Ele olhou no fundo dos meus olhos. Duas lágrimas escorreram em seu lindo rostinho e aquilo partiu o meu
coração.
- Não sei se posso... Está doendo muito!!!

- Você lembra que dia foi segunda?


- Vinte e oito de agosto de dois mil e sete.
- E que data é essa.
- Eu sei Fael. Eu sei que completou dois anos.
- Eu pensei tanto em vir te ver nesse dia...
- Eu também pensei nisso. Quase não controlei a vontade de te ligar...
- Eu também. O tempo passa.
- Passa sim. As pessoas mudam. As circunstâncias também.
- Eu me arrependi muito do que eu fiz.
Não tive o que responder.
- Me perdoa?
Não.
- Era só isso que você queria me dizer?
- Preciso dizer mais alguma coisa?
- Pense que você saberá a resposta.
Por que ele tinha terminado comigo? Alguma reposta ele ia ter que me dar.
- Posso te perguntar uma coisa? – sondei.
- Deve.
- O que o Henrique te disse?
- Tanta coisa...
- Conte tudo.
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- Acho que isso não vem ao caso.
- Conte – eu disse em tom decisivo.
- Ele não quer que você saiba Eder. Eu não me sinto no direito de contar.
Era brincadeira. Só podia.
- Fala logo de uma vez! – me estressei.
- Ele brigou comigo. Só isso.
- O que ele te disse?
- Que nunca mais olhasse na sua cara. E nem na dele.
- Que mais?
- Que eu sou um idiota, que ele está louco para dar um soco no meio da minha cara, que eu fui um irresponsável,
que eu nunca mais me atrevesse a dirigir a palavra a você...
- Só isso?
- E disse que se eu tentasse fazer alguma coisa com você, nem que fosse em pensamento, ele não ia pensar duas
vezes em me surrar.
Só o Henrique para me ajudar naquele momento.
- A Gaby falou com você?
- Nada ao seu respeito. Fique tranqüilo.
- O que você fez nesses dias?
- Nada.
- E o trabalho?
- A mesma porcaria de sempre. Está indo à facul?
- Agora sim. No começo eu não consegui.
- Me falaram.
- Quem?
- Meu irmão.
- Ah.
- Era só?
- Você não vai me perdoar?
- É só isso? – eu perguntei com os braços cruzados e ainda de costas.
- Eder, seja flexível, pelo amor de Deus!
Flexível? Para quê?
- Eu repito: não sou seu fantoche!!!Algo mais?

- Eu não saio daqui enquanto você não me perdoar.


- Não seja ridículo Fael! Você não tem como mandar nos meus sentimentos e nem nas minhas vontades.
Ele suspirou.
- Você está nervoso. É melhor a gente conversar em outro momento.
- Não sei se precisamos conversar novamente! – eu esbravejei – Acho que agora sim o assunto acabou de vez.
- Eder? Você está aí? – ouvi a voz de Henrique.
- Estou Henrique! – respondi.
Meu irmão abriu a porta e quando viu o cunhado em meu quarto, foi logo falando:
- O que você está fazendo aqui? Eu não lhe disse...
- Calma Ricky – eu falei. – Nós estávamos conversando, mas ele já vai embora. Não é Rafael?
- É. Eu já estou de saída.
Eu e ele não nos despedimos e não nos olhamos quando ele saiu. A maior parte da conversa eu fiquei de costas.
- Está tudo bem? – meu irmão perguntou.
- Está sim – eu suspirei. – Vai ficar.
- O que vocês conversaram?
- Não muita coisa. A gente acabou se desentendendo.
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- Quer conversar?
- Não Ricky. Eu quero dormir! Tem mais alguém lá embaixo?
- Era isso que eu queria te falar. Tem um Richard lá embaixo.
Eu não pensei duas vezes em descer as escadas. Eu não ia permitir aquele menino perturbando o meu irmão
novamente.
- Richard?
Ele estava mudado. Estava maior. E mais gordo também.
- Oi. O Marcus está aí?
- Ele saiu.
- Onde ele foi?
- Acho que eu não preciso responder a essa pergunta. Eu posso ajudar em alguma coisa?
- Não. É só com ele mesmo.
- Acho que ele não vai demorar. Se você quiser aguardar...
- Posso?
- Claro! Fica a vontade. Servido de um pedaço de bolo?
- Ah... Estou sim. Mas bem pequeno, que eu estou de regime.
Só se fosse em regime para engordar.
- Só um minuto.
Fui até a cozinha. Minha mãe e a mãe da Gaby ainda estavam trabalhando.
- Quem chegou?
- Um amigo do Marcus. Corta um pedaço pequeno de bolo para ele.
A minha mãe cortou um pedaço normal e eu coloquei um copo de refrigerante. Voltei para a sala tomando
cuidado para não derrubar o doce.

- Aqui.
- Ah, obrigado. Onde ele foi Eder?
Como ele lembrava o meu nome?
- Olha Richard, essa é uma resposta que eu não vou lhe dar.
- Por quê?
- Porque só diz respeito ao meu irmão.
- Ele vai me contar.
- Como você tem tanta certeza?
- Porque eu vou obrigar...
- Epa, peraí! Uma coisa é você querer falar com ele, outra completamente diferente é você querer obrigar ele a
fazer alguma coisa...
- Calma, calma – a voz dele estava afeminada. – Eu não vou fazer nada que ele não queira...
- O que você quer com o meu irmão?
- Onde ele está?
- Não é da sua conta!
- Nem da sua, o que eu quero com ele!
Eu perdi todo o resto da minha paciência. Peguei o meu celular, disquei o número do Marcus e esperei ele
atender.
- Oi.
- Onde você está?
- Voltando. Por?
- Você tem visita.
- Quem?
- Seu amiguinho Richard – fitei meus olhos nos dele. – E ele está com pressa!
- Posso falar com ele?
821
- Não. Então Marcus, vem logo!
- Já estou chegando – ele desligou com raiva.
- Ele já está a caminho – respondi.
- Perfeito.

A porta da sala se escancarou e meu irmão, meu pai e o pai do Rafa entraram.
- Má! – Richard exclamou, dando um pulo do sofá.
Meu irmão bufou e saiu de perto de Richard quando ele foi abraçá-lo.
- Tudo bem Richard?
Meu pai ficou analisando, mas não falou nada.
- Tudo bem sim e você?
- Estava bem. O que você quer?
- Onde você estava?
- Acho que não preciso responder isso. Vai dizer o que você quer?
- Ai... Custa você me falar?
- Custa.
- A gente pode conversar a sós?
- Não, não podemos não. O que você quer...
- Conversar! Eu estava com tantas saudades, Má!
- Algum problema filho? – meu pai sondou.
- Acho que sim pai...
- Quem é você?

Richard recuou dois passos ao ver meu pai.


- Hã?
- Quem é você moleque? O que você quer com o Marcus?
- Er... Meu nome é Richard!
Meu pai esperou.
- Eu só quero conversar...
- Sei... De onde você é?
- Daqui mesmo...
- Quantos anos você tem?
- Quinze.
- Ah! Eu vou estar bem ali... Qualquer coisa me chama filho!
- Pode deixar pai.
- Então Má, você está namorando, né?
- Estou.
- Quem é a menina?
- E é da sua conta?
- É sim!
- Para Richard! Se toca!
- Prefiro tocar em você!
Marcus ficou tão vermelho que eu cheguei a pensar que ele ia passar mal.
- Richard, veja bem... Quantas vezes eu te disse que eu NÃO gosto da mesma coisa que você?
- Algumas.
- Então por que diabos você insiste tanto?
- Porque eu te amo!

Eu me engasguei quando ouvi aquela frase.


822
- Eu vou dar três segundos para você sumir da minha frente!!! – Marcus ficou roxo de tanto ódio. – Um, dois,
três...
Mas ele não saiu. Ao contrário, cruzou os braços e ficou rindo.
- Quero ver alguém me tirar daqui...
- Pai?
- Covarde! Não consegue me tirar por conta. Tem medo de se aproximar de mim. Tem medo de cair em tentação.
Eu sei que você não é esse macho que parece ser. No fundo você me ama!
- O que foi Marcus?
Meu irmão não conseguiu responder. Ele correu até Richard e já ia dar um soco na cara dele, mas eu consegui
impedi-lo.
- Pai leva ele daqui!!! – eu disse.
- VEADO FILHO DA PUTA – meu irmão gritou. – SOME DA MINHA VIDA DESGRAÇADO!
Meu pai puxou Richard pelo braço e eu fiz Marcus se sentar no sofá.
- O que está acontecendo? – minha mãe se assustou.
- UM IDIOTA – Marcus gritou.
- Um moleque ficou dando em cima dele mãe.
Quando o meu pai entrou, foi logo descarregando a raiva no meu irmão.
- SE EU VER VOCÊ COM ESSE MOLEQUE DE NOVO MARCUS VINÍCIUS, VOCÊ VAI SE VER
COMIGO!
- E EU TENHO CULPA PAI?
- MANERE O TOM DE VOZ QUANDO FALAR COMIGO!!! – Alexandre berrou.
Eu abracei o meu irmão. Ele não tinha culpa de nada.
- Pai, menos, por favor. A Vitória está dormindo.
- NÃO SE META QUE ESSE ASSUNTO NÃO É SEU!
- O assunto é meu sim, é do meu irmão que nós estamos falando.
- Alexandre não grite – a minha mãe pediu.
- Marina! Marina será que você não vê com quem o seu filho está se metendo?
- Menos – ela pediu. – Vamos conversar os três em particular. Como sempre fazemos quando temos algum
problema com um de nossos filhos.
Meu velho bufou e Marcus ficou tremendo. Não sei se de medo ou de raiva. Se já não me bastassem todos os
meus problemas, tinha aparecido mais aquele!!! Só para complicar mais um pouquinho...

Depois que a casa ficou completamente vazia, meus pais subiram ao quarto do Marcus para conversar.
- Deixe-nos a sós, Eder – meu pai pediu.
- Não – eu falei.
- Esse é um assunto entre seu irmão, sua mãe e eu.
- Eu quero ficar!
- Ele pode ficar – Marquinhos disse.
Eu senti pena do meu irmão. Dava para notar que ele era inocente em tudo.
- Comece a falar!
- Eu não tenho nada a falar! – Marcus irritou-se.
- Filho, como você conheceu esse menino? – minha mãe indagou.
- Ele é irmão da garota com quem eu ficava na escola. Ele estuda lá à noite.
- Então vocês se veem com freqüência?
- Não. Eu tento escapulir ao máximo dele.
- Por quê?
- Porque ele é um idiota, mãe. Fica tentando me convencer a fazer uma coisa que eu não quero.
- O quê?
823
- Ele disse que gosta de mim.
- Ele quer ficar com você?
- É.
- E o que você disse a ele?
- Que eu não gosto de meninos e sim de meninas. Por isso pedi inúmeras vezes que ele me deixasse em paz.
- E o que ele disse?
- Que continuaria tentando me convencer.
- Isso é um problema – minha mãe suspirou.
- É sim – eu concordei. – Ele é obcecado pelo Marcus!
- Eu notei isso também – meu pai falou.

- Eu não sei o que faço!


- A gente vai te ajudar – minha mãe disse. – Você sabe onde ele mora?
- Sei.
- É longe daqui?
- Não muito.
- Converse com ele amanhã.
- Não sei se é uma boa ideia.
- É uma boa ideia sim. Converse com ele e fale que se ele não parar de fazer essas coisas, seu pai e eu iremos
conversar com os pais dele.
- Ele não tem pai. Só a mãe e a irmã.
- O pai dele faleceu?
- Não. Está preso.
- Preso? – o meu pai se espantou.
- É. E o irmão dele também!
- Como assim? Explica isso direito.
- Eles não quiseram entrar em detalhes. Só me disseram que os dois foram presos há um ano e meio. Cada um
pegou seis anos de reclusão em regime fechado.
- Mais um motivo para você não se envolver com esse moleque – ele bufou. – Se o pai e o irmão estão presos, é
porque a família não é das melhores!
- Eu fiquei sabendo disso depois que terminei com a irmã dele.
- Não fique mais com ela – minha mãe pediu.
- Eu estou namorando a Ana, lembra?
- Você já ficou com esse moleque? – meu pai perguntou do nada.
- Está me estranhando pai?
- Pode falar se ficou. Não vai te acontecer nada – a minha mãe disse.
Aquilo me deixou de orelha em pé.
- Não eu não fiquei com ele, não quero ficar e não ficarei.
- Marcus se isso acontecer, eu quero que você nos conte.
- CARACA MÃE! EU SOU HOMEM! NÃO SOU VEADO!
- Você diz isso como se um gay fosse assim porque escolheu, ou como se ele tivesse uma doença... – eu
reclamei.

- Não disse isso, apenas quero tirar todas as dúvidas, eu não sou gay, eu gosto de mulheres!
- Está bem Marcus – minha mãe suspirou. – Que bom que é assim.
- Quero que você me mantenha informado de tudo.
- Pode deixar pai.
Meus pais saíram do quarto do meu irmão e me deixaram a sós com ele. Eu respirei fundo.
- Caramba parece que eu estou falando grego!
824
- Calma – eu disse.
- Calma nada. Ficam duvidando da gente, não gosto disso!
- Eu sei, eu sei...
- Como se eu fosse veado!
- Marcus!
- O que é Eder? O que foi? Por que você está assim?
- Para de falar assim! Soa como se você tivesse preconceito!
- Não tenho. Cada um segue a vida que quer. Mas bem longe de mim. Não gosto dessas coisas...
Aquilo foi me deixando com raiva.
- Marcus! Você é preconceituoso sim!
- Não sou não!
- É sim! A partir do momento que você não quer um homossexual perto de você, você é preconceituoso!
- E se for? O que tem de errado nisso? Tanta gente é! Tanta gente recrimina, tanta gente abomina essas coisas...
- E você acha isso certo?
- Não.
- Então por que está sendo como essas pessoas?
- Ah! Eu não sei! Isso me estressa...
- Estou vendo mesmo!
O Fael não estava mais em minha mente naquele momento.
- Pô um cara curtir o outro, beleza, mas que não venha me curtir, que eu não gosto...
- Marcus!
- Caralho Eder, o que é? Eu não posso falar nada? Não posso dar a minha opinião?
- Me responde uma coisa? Você não gosta mesmo de ter um gay por perto?
- Não.
- Por quê?
- Porque não.
- Ah! Que bom saber disso...
- Por que essa pergunta?
- Eu sou gay Marcus!

Ele ficou me olhando por um tempo. Acho que estava digerindo o que eu tinha acabado de dizer.
- Para de brincadeira Eder!
- Não Marcus, não é brincadeira.
- É claro que é!
- Não, não é! Eu estou falando sério!!!
Ele riu.
- Hoje não é primeiro de abril, maninho!
- Marcus eu estou com cara de quem está brincando?
Mantive a minha expressão o mais séria que pude.
- Você está falando sério Eder?
- Estou.
- Eder você é gay?
- Sou sim.
- Você é gay mesmo Eder?
- Uhum.
- Você gosta de homens?
- Gosto.
825
- Isso é verdade, ou você está querendo me zoar?
- Marcus Vinicius, eu não estou de brincadeira e nem com paciência para tal. É sério sim, eu sou gay, acredite
você ou não!
- Fala baixo seu idiota!!! – ele sibilou, vindo me tampar a boca com as mãos. – Quer que todos escutem?
- Seria ótimo se eu criasse coragem para contar a todos de uma vez!
Ele se afastou de mim com o rosto assustado. Estava sendo difícil para ele ouvir aquilo.
- Eu... Eu não consigo... Acreditar!
- Pois acredite.
- Como? Quando? Por quê?
- Como? Não tive escolha. É mais forte do que eu. Quando? Descobri há dois anos. Por quê? Porque eu nasci
assim Marcus.
- Eu não acredito! – ele exclamou.
- E por que não? Por acaso você já me viu com alguma garota? Já apresentei alguma namorada?
- A Natália!
- A Natália nunca foi a minha namorada e eu sequer fiquei com ela.
- Ah, não, não ficou mesmo, a Vitória foi feita pela imaginação de vocês – ele debochou.

- A Vitória foi um acidente! – não tinha jeito, aquela era a melhor palavra, embora eu não me arrependesse de
nada. – Mas eu não me arrependo.
- Como assim um acidente?
- Eu estava bêbado, não sabia que era a Natty que estava comigo. Não me lembro de nada do que aconteceu, só
do dia seguinte.
- Você quer me dizer que você transou com a Natália pensando que ela era um... Homem?
- Eu não quero dizer nada. Quero que você saiba, que você entenda, que você tem um irmão homossexual. Eu
espero que você me aceite.
- Você não está me explicando direito! – ele fugiu do assunto. – Eu quero saber tudo sobre essa história.
- É longa.
- Não me importa. Eu não estou com sono.
- Tudo começou com a mudança da Gabrielle para a casa daqui do lado.
- O que a Gaby tem a ver com essa história?
- Escute que você vai entender.
Eu suspirei e criei forças para começar a relatar a história da minha vida ao meu irmão mais novo.
- Quando ela chegou aqui em casa eu não a aceitei. Morria de ciúmes do Henrique, não queria ele com ela nem
em sonhos, mas eu não tinha escolha a não ser aceitar. Eu não podia mandar na vida do meu irmão e nem
impedir que ele namorasse.
Conforme o tempo foi passando, eu aprendi que a Gaby é uma pessoa boa e que é merecedora do amor do
Henrique. Até que eles mudaram para cá e eu tive que ajudar o Henrique com a mudança da nova família dele.
*Lembrar de tudo estava fazendo o meu coração doer um pouquinho.
- Quando eu desci e fui ajudar com os móveis, eu encontrei o Rafael. E fiquei enlouquecidamente apaixonado
por ele.
- O que o Rafael tem com isso Eder Leandro?
- Você já vai entender. Quando a gente se viu pela primeira vez, um tipo de corrente elétrica percorreu o meu
corpo. E eu não sabia do que se tratava. Eu nunca tinha sentido nada similar em toda a minha vida. Era tão...
Gostoso!
- Não... – Marcus não queria acreditar.

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- Com o passar do tempo aquilo foi aumentando, aumentando e tomando outras proporções. Eu não conseguia
parar de pensar nele, mas não queria aceitar aquilo... Eu não queria aceitar a minha homossexualidade. Era algo
novo e completamente diferente de tudo o que eu já havia passado na minha vida. A minha maior dúvida era
como fazer aquilo. E meu maior medo era que vocês descobrissem.
Eu senti o iceberg descer e parar nas minhas tripas.
- Até que aconteceu. Eu parei de lutar contra esse sentimento e me entreguei. Foi quando a gente ficou...
- Vocês ficaram? – ele alterou a voz.
- Ficamos uns dias antes do meu aniversário de dezesseis anos. Foi tudo diferente, mas eu confesso que eu gostei.
O que senti, foi muito melhor do que tudo que eu havia experimentado antes!!! Foi doce, naturalmente simples e
ao mesmo tempo, foi tão avassalador!
- Não acredito que você e o Rafael...
- E a partir daquele momento, finalmente eu aceitei quem eu sou de verdade e ele também!!! Mas com relação a
ele eu não posso falar muita coisa. Ele é quem tem que te contar.
- Não é verdade! Onde está a câmera escondida? Fala que você está brincando comigo!
- Não estou. A gente foi ficando, ficando e se conhecendo melhor no decorrer do tempo. Até que ele me pediu
em namoro.
- Namoro? – ele se chocou.
- E eu aceitei! – não dei trela para a incredulidade do Marquinhos. – E isso já tem mais de um ano!
- Você quer dizer que... Você e... O Rafael... São... Namorados? É isso?
- Não. Ele terminou comigo tem duas semanas.
Aquilo fez a dor voltar com força total.
- Peraí, peraí, peraí! Eu não estou entendendo nada!
- Você não está querendo entender Marcus. É diferente.
- Não! Não coloca palavras na minha boca Eder!
- É isso sim.
- Mano eu não consigo acreditar nessa história, na boa!!!
- Pergunta ao Rafa então.

- Quer dizer que vocês terminaram?


- Ele terminou comigo! – eu o lembrei.
- Você gosta dele Eder?
- Mais do que da minha própria vida.
- Minha Nossa Senhora!
- E é isso Marcus. Espero que você me aceite do jeito que eu sou.
- Eder... Eder... Ah, não! Fala sério!
- Está vendo por que eu fiquei daquele jeito? Eu não consigo aceitar que o meu irmão tenha preconceito contra
homossexuais, eu sou um deles.
- Você há de convir que é difícil para eu ouvir isso.
- E você há de convir que é mais difícil ainda para eu contar.
- Mais alguém sabe?
- Só o Henrique e a namorada.
- Há quanto tempo eles sabem?
- Desde o começo.
- E eles aceitam?
- Graças a Deus sim.
- Como o Henrique reagiu?
- Ele se chocou assim como você, mas depois que pensou, viu que não há nada que possa ser feito e acabou
aceitando.
- Você... Você pode me deixar um pouco sozinho, por favor? Eu preciso tentar entender tudo o que você me
827
disse.
- Tudo bem – eu falei, indo até a porta. – Eu posso te pedir uma coisa?
- Peça.
- Não fale isso a ninguém.
- Não vou falar nada! – ele estava muito sério –, quem tem que falar é você.
Assenti e baixei os meus olhos. Não sei de onde tirei tanta coragem para falar aquelas coisas ao meu irmão mais
novo.
- Boa noite! – disse, antes de sair de vez.
- Boa noite! – ele respondeu.
Quando encostei a porta do quarto e comecei a andar pelo corredor, o arrependimento bateu nas minhas costas.
Como eu tinha sido capaz de contar àquilo ao Marquinhus? Logo naquele momento em que ele estava passando
por dificuldades.

Ao mesmo tempo em que eu estava me sentindo mais leve, estava me sentindo culpado. Marcus não falou
comigo no dia seguinte e esse fato fez com que o meu estado de ânimo piorasse.
- Como passou a noite? – Henrique perguntou.
- Mais ou menos! – eu respondi.
- Você está com a aparência abatida Eder. Está passando por algum problema? – meu pai perguntou.
Todos...
- Não pai, eu apenas estava com insônia.
- Ah!
A Vitória não estava querendo comer e eu já estava começando a me irritar. Toda vez que eu colocava a comida
na boca dela, ela gritava para não engolir.
- Para com isso Vitória!
- Ela está manhosa hoje. - minha mãe analisou.
- Está mesmo! – eu concordei. Nunca tinha visto a minha filha daquele jeito.
Ela começou a chorar. Chorou, chorou e não se calou por nada. Eu coloquei a mão na barriga dela e notei que
estava ficando mais quente.
- Onde está o termômetro? – perguntei à minha mãe.
- Na gaveta da estante.
- Eu pego para você Eder. – Giselle se ofereceu.
- Obrigado. Pronto, pronto... Não chora, vai passar.
Mas ela não se calou. Mesmo não sendo a sua especialidade, a minha mãe sabia lidar melhor do que eu com
aquele caso. Ela pegou o termômetro, balançou no ar algumas vezes e colocou embaixo do braço da Vivi.
- Você leva jeito! – meu irmão mais velho disse.
- Ossos do oficio.
- Mãe você é dentista e não pediatra.
- Antes de ser médica eu sou mãe!!! – ela lembrou. – Já criei quatro, esqueceu?
- Não.
Eu já estava ficando além de irritado, preocupado. Ela nunca tinha chorado daquele jeito, com certeza estava
sentindo alguma coisa.
- Ela está com trinta e sete. Não é muito alta, mas já é considerado febre.

- O que será que ela tem? – eu indaguei.


- É melhor levá-la ao médico! – meu pai ponderou. – Esse choro não é normal.
- Era só o que eu precisava nesse momento! – eu peguei a Vitória no colo e comecei a sair da cozinha.
- Eu levo vocês! – Henrique disse.
- Não precisa Ricky. Pode deixar.
- Mas...
828
- Não, não precisa!
- Marcus, por que você está tão quieto? – Giselle perguntou.
- Nada! – ele respondeu com a voz seca.
Eu lancei-lhe um olhar de arrependimento e saí da cozinha. Já estava terminando de me arrumar, quando
Henrique entrou em meu quarto.
- Me deixa ajudar?
- Você está atrasado para trabalhar.
- Não me importo Eder. Por que você está assim?
- Ai, Henrique... Eu estou estressado! Posso?
- Pode, mas não precisa descontar em mim.
- Desculpa!!! Eu não tive a intenção...
- Sabe o que aconteceu com o mano?
- Sei. Eu contei a ele.
- Contou? Contou o quê?
- Contei tudo, tudo, tudo!!!
- Tudo o quê?
- Às vezes você é meio lesado. Contei que sou gay. Contei que namorava o Fael, contei que ele... Que ele
terminou comigo... Contei tudo!
- Eder! Como você foi capaz?
- Ele começou com preconceito contra gays e eu me ofendi. Daí criei coragem e contei tudo. É por isso que ele
está tão perdido.
- Eu vou conversar com ele.
- Não vai não!!! Isso é um problema entre nós dois. E só eu posso resolver.
- Você está muito estranho Eder. O que fizeram com você?
- Nada!
Eu terminei de me arrumar, peguei a Vitória no colo, coloquei a bolsa dela no ombro e saí do quarto. Já estava
quase na rua, quando o meu celular começou a tocar.
- Alô?
- Eder?
Era ele.
- Quem é? – eu me fiz de desentendido.
- Não reconhece mais a minha voz?
- Eu te conheço?
- Nossa! É o Rafa!
- Ah! Oi... Tudo bem?
- Tudo indo e você?
- Não muito bem. O que você quer?
- Que bom que você me atendeu. Eu até achei estranho...
- Atendi porque não vi quem era. O que você quer?
- Está estressado?
- Ainda não percebeu?
- A gente pode conversar um pouco?
- Rafa, eu estou de saída para o médico, a Vitória não está boa, eu estou sem tempo!
- O que ela tem?
- Eu não sei. Está manhosa e chorona. Parou agora que saiu de casa.
Eu subi a ladeira e virei à esquerda.
- Quem está com você?
- Eu estou sozinho.
- Eu levo vocês...
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- Não!!! Não precisa não!
- Eder...
- Não Rafael! Eu não quis que o Henrique me levasse, quem dirá você!
- Como as coisas mudam, né Eder?
- Mudam sim!!! A gente conversa em outra hora, eu vou pegar o ônibus.
- Eu posso te ligar mais tarde?
- Poder, pode, se eu vou atender, só Deus sabe!!! Eu vou desligar, beleza? Tchau!
Não esperei ele responder e apertei o botão vermelho do meu celular. A minha filha agarrou no meu pescoço,
deitou a cabeça no meu ombro e ficou choramingando.
- A gente já vai chegar.

- Infecção na garganta – a doutora Sandra disse.


- Ah! Por isso ela não queria comer.
- Não conseguiu comer?
- Não.
- É por isso mesmo.

A médica pegou o bloco de receitas e começou a escrever.


- Você tem que dar esse remédio a ela de oito em oito horas. Tem como você ficar em casa hoje para ficar de
olho nessa febre?
- Se a senhora me atestar, tem sim.
- Ah, claro!
A pediatra me deu dois dias para ficar cuidado da minha filha. Eu aproveitei que estava na rua, fui à um bazar,
tirei xérox do atestado e já passei na locadora.
- Oi Eder! – Diogo sorriu. – Nossa! Que menina linda!
- Ela está doentinha. Eu não vou trabalhar nem hoje e nem amanhã. Você entrega o atestado?
- O que ela tem?
- Infecção na garganta. Está com febre e enjoada. Entrega para mim?
- Claro que sim. Melhoras, Vivi!
- Fala obrigada.
- Não! – ela choramingou.
- Coitadinha! – Diogo disse com dó.
- Vamos filha, vamos para casa.
- Até depois de amanhã então, Eder.
- Até! Bom trabalho! Qualquer coisa me liga.
- Ok! Bom descanso.
Eu tive dificuldade para abrir o portão da minha casa e quando estava prestes a entrar, Natália apareceu na minha
frente.
- Filha!
- Que susto Natália! Quer me matar do coração?!
- Desculpa! Foi sem querer. Me dá ela aqui?
- Ela está doente.
- Doente? Como assim doente? O que ela tem?
- Infecção na garganta. Acabei de chegar da médica.
- Vem com a mamãe, filha, vem...
A Vitória começou a chorar e Natália e eu tivemos trabalho redobrado para fazer ela se acalmar.
- Você tem que comer alguma coisa Vitória! – Natália irritou-se.
- Vou fazer a mamadeira dela. Talvez isso ela consiga tomar.
- Verdade.
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E conseguiu mesmo. Eu deixei o leite mais fino do que o normal e senti um alivio grande quando ela terminou a
mamadeira.
- Preciso comprar o remédio! – me lembrei.
- Dá a receita que eu compro.
- Ah é!!! Está na hora de você participar.

- Uhum. Com o susto eu nem te contei, acabei de conseguir um emprego!


- Sério? Onde?
- Em um escritório. Vou ser secretária.
- Nossa! Que legal! Parabéns!
- Obrigada! – ela sorriu e demonstrou animação. – Ah, eu me lembrei de uma coisa. Você ainda quer fazer
academia?
- Quero.
- A gente podia fazer juntos, o que você acha?
- Nós dois? Fazendo academia juntos? – eu ri. – Isso não vai dar certo.
- É eu também acho que não, mas você é a única companhia que eu encontrei.
- Ah, é por isso que você me chamou? Porque não tem opção? Então eu não vou não!
- Não seu bobo. Eu te chamei pela sua companhia.
- Sei, sei!
- Quer ou não quer?
- Quero.
- Mas tem que ser à noite, porque agora eu vou ficar ocupada o dia todinho.
- Eu também. Esqueceu que eu já trabalho?
- Não.
- Então!
- Só fugiu da minha mente. Mas então a gente precisa fazer a matricula.
- Já?
- Já sim.
- Tem que fazer exame médico também.
- Se você pagar quinze reais você faz na hora na própria academia.
- Ótimo. Quando a minha mãe chegar a gente vai.
- Fechado.

A minha filha dormiu durante toda a tarde e só acordou por volta das seis horas, chorando como nunca.
- Calma! – Natália pediu. – A mãe já vai dar o seu remedinho!
- Eu espero que ela fique boa logo! – suspirei.

- Eu também. Não gosto de vê-la nesse estado.


- É de cortar o coração.
- Se é!
Quando a minha mãe chegou, eu pedi que ela ficasse um pouco com a neta para que eu e a minha ex-cunhada
pudéssemos ir à academia.
Quando cheguei, perdi os meus olhos em um monte de corpos suados e musculosos. Eu ia me divertir como
nunca naquele lugar.
Fizemos os exames e as matriculas, e ficou acertado de começarmos na semana seguinte. Entreguei a minha ficha
para o personal trainer e ele ia preparar o meu treino.
Tudo perfeito. O estabelecimento era enorme e amplo, tinham vários aparelhos espalhados pelo salão e contava
com uma sala de ioga espaçosa e arejada. O meu dinheiro seria bem empregado naquele lugar.
831
Fiquei tão cansado que não consegui pensar em nada na hora de dormir. Era bom eu ocupar bem o meu dia,
assim dormiria com facilidade e não ficaria pensando no Fael. Quando estava quase adormecendo, senti o meu
celular vibrar e tateei a colcha atrás do mesmo.
- Alô?
Eu não vi o identificador.
- Oi.
Ele de novo.
- Oi. Fala?
- Eu te acordei?
- Acordou.
- Desculpe. Não sabia que você estava dormindo tão cedo.
- Estou exausto.
- A Vitória está bem?
- Graças a Deus está melhorando. Se você ligou para saber noticias dela, você já sabe.
- E o pai da Vitória, como está?
- Cansado e com sono, morrendo de vontade de dormir.
Eu não estava mais com tanta raiva dele e o meu peito parava de doer quando eu ouvia aquela voz grossa.
- E se o tio da Vitória for visitar o pai da Vitória agora?
- Não, o pai da Vitória vai dormir, se o tio dela deixar.
- Que pena. Mas você está bem? Tirando o cansaço?
- Estou Rafael! Estou! E você?
- Melhor agora, ouvindo essa voz linda de sono...
- Eu vou desligar, tá? Eu quero dormir!
- Está bem, eu não vou lhe atrapalhar. Só queria mesmo desejar boa noite.
- Boa noite.
- Dorme bem, tá?
- Você também.
- Obrigado.
Já ia apertar o botão.

- Eder?
- Hã?
- Eu te amo!
Desliguei. Ouvir aquele “eu te amo”, fez o meu sono desaparecer instantaneamente.
“Eu te amo...”...
Que tipo de amor era aquele? Que amor que havia nos separado? Ele não me amava. Ele estava brincando
comigo.
Eu relembrei de vários momentos felizes que tive ao lado dele e não tive como conter o choro. Chorei em
silêncio para não acordar ninguém, mas o que eu queria mesmo, era gritar. Gritar para todos ouvirem. Gritar o
quão eu era apaixonado por aquele garoto. E o quão ele estava me fazendo mal.

Deixei o tempo passar conforme a sua necessidade. Tentei não me preocupar com o Rafael e nem com o Marcus
e decidi transformar toda a dor, toda mágoa e toda tristeza em amor e dedicação à Vitória.
Depois de três dias ela ficou completamente sarada e eu e a Natália conseguimos nos acalmar um pouco.
Eu tive que comprar algumas coisas para a academia e aproveitei o ensejo para adicionar mais algumas roupinhas
para a Vitória. Embora as que ela tinha ganhado no aniversário ainda fossem durar bastante, eu não resisti.
- É lindo! – a minha mãe gostou. – Quanto foi?
- Nove e noventa.
832
- Só? Menino, está quase de graça!
- Não é?!
Marcus ainda não tinha falado comigo desde que eu tinha contado sobre a minha orientação sexual e eu já não
sabia como ele estava com o caso do Richard. Fiquei com vontade de perguntar, mas tive medo de ser rejeitado,
então fiquei na minha.
Quando a segunda-feira chegou, eu fiquei ansioso para começar a malhar, mas ao mesmo tempo eu estava
receoso. Alguma coisa me dizia que eu não me daria tão bem naquele lugar.
- Você vai começar mesmo a ir para a academia? – Diogo perguntou.
- Vou sim. Vou hoje à noite.
- Coragem, hein?
- Ah, ocupar um pouco a mente. O corpo agradece.
- Você nem precisa fazer musculação.
- Mas eu quero.
- Boa sorte então. Amanhã tem nego que não vai conseguir nem digitar direito.
- Isso é o que veremos!!!

Eu e Natália chegamos e fomos procurar o Silvio, que era o treinador do período noturno.

- Oi Silvio! – Natty cumprimentou. – Lembra da gente?


- Oi! Lembro sim! Como ia esquecer?
Ele era lindo. Gostoso, malhado, barba rala, olhos castanhos, cabelo bem curto... Mas o que mais chamava a
atenção, eram os músculos...
- E aí, estão preparados?
- É, estamos! – eu suspirei. – Tem que estar, né?
- Ah, é. Eu já fiz a ficha de vocês. – ele disse, procurando em um arquivo. – Vão alongar. Sigam os exercícios
que estão colados naquela parede, próximo aos vestiários e quando acabarem todos, venham me procurar.
- Está certo! – Natália concordou. – Vamos Eder!
Nós tivemos que ficar trinta segundos em cada posição. Eu gostei de alongar o pescoço e as pernas. Era uma
sensação tão gostosa e relaxante.
- Espero não ficar muito dolorida! – ela falou.
- Nos primeiros dias é mais complicado, depois o corpo acostuma.
- Principalmente para mim que sou uma sedentária!
- E eu então? No máximo ando de bike e olhe lá!
A gente riu e quando terminamos os alongamentos, voltamos a falar com o professor.
- Você – ele disse, se referindo a Natália –, pernas e glúteo.
- Não vai doer não, né?
- Vai nada! Vem comigo. Você espera aqui Eder.
Assenti e vasculhei o lugar com os meus olhos. Estava meio vazio, mas não deixava de ter algumas pessoas
espalhadas pelo recinto. Meus olhos pararam no corpo de um garoto alto e bronzeado. Ele me lembrou o Fael.
Não sei por quê.
- E você rapaz! – Silvio disse. – Essa é a sua ficha de treino. Você deve marcar a presença aqui! E aqui atrás têm
todos os seus exercícios. Esse mês vamos priorizar exercícios leves, depois a gente começa a pesar mais um
pouco.

- Beleza.
- Hoje você vai fazer todos da ficha.
- Todos?
- É sim! Pernas, braços, abdômen e costas.
- Se quer me matar, fala logo!!!
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Ele riu.
- Que nada, para de ser mole. O primeiro é para os braços, vem comigo.
Eu o segui e nós passamos pelo garoto alto e bronzeado. Ele era lindo.
- É esse aqui. Sente-se.
Eu me sentei e olhei pros dois lados. O exercício era pro braço.
- Eu vou começar com três quilos. Segure aqui e aqui – ele me mostrou.
Eu coloquei as minhas mãos aonde ele tinha mandado e fechei os dedos em torno do cilindro.
- Três séries de quinze! – ele pediu. – Bem devagar, não force e vá até o seu limite.
- Assim? – eu forcei o aparelho. Até que não era tão pesado.
- Isso. Isso mesmo. Faça quinze, descanse, faça mais quinze, descanse e alongue e depois finalize. Fique com a
ficha e quando acabar, me procure que eu vou te mostrar o segundo.
- Beleza.
Meu treinador desapareceu da minha frente e eu comecei a empurrar.
Uma vez.
Duas vezes.
Três vezes.
Quatro vezes.
Cinco vezes.
Seis vezes.
Estava começando a cansar o músculo.
Sete vezes.
Oito vezes.
Nove vezes.
Dez vezes.
Meus braços já estavam moles.
Onze vezes.
Doze vezes.
Treze vezes.
Quatorze vezes.
E finalmente, quinze vezes.

- Caraca!!! – eu suspirei. – Isso pesa!


Relaxei os meus braços por um longo período. Fael veio à minha mente em um rápido pensamento, então eu
decidi continuar para esquecê-lo.
Uma vez.
Pesado.
Duas vezes.
Três.
Quatro.
Cinco.
Seis.
Sete.
Oito.
Nove.
Eu já não agüentava muita coisa.
Dez.
Onze.
Doze.
Treze.
834
Quatorze.
Quinze.
- Minha Nossa Senhora!!! Tem só três quilos aqui ou tem uma tonelada?!
Eu apertei os meus cotovelos com força, girei os braços em todos os sentidos, alonguei todos os músculos, criei
coragem física e mental e fiz a última série.
Uma vez.
Duas vezes.
Três.
Quatro.
Cinco.
Eu fiz tanta força que pensei que aconteceria um acidente biológico.
Seis.

Uma gota de suor desceu pelo meu pescoço.


Sete.
Eu queria parar.
Oito.
Insuportável.
Nove.
Como doía!
Dez.
Só mais cinco.
Onze.
Só mais quatro.
Doze.
Três, três!
Treze.
Ai meu Deus, só mais duas...
Quatorze.
Que dor!
Quinze.
- Graças a Deus!
Eu soltei meus braços com força e eles caíram, exaustos e sem vida.
- Jesus!
Aquilo era tortura à prestação. Mas eu ia aguentar. Peguei a minha ficha de treino, localizei Silvio com os olhos e
comecei a andar até ele.
- Acabou? – perguntou-me.
- Acabei.
- Pernas! – ele me orientou. – Vem comigo.
Nós andamos por entre aparelhos e ele pediu que eu sentasse em uma cadeira íngrime.
- Coloque os pés aqui! – ele pediu e eu obedeci. – Vou colocar cinco quilos. É só levantar as pernas e baixar
lentamente. Três vezes de quinze. Depois você me procura.

- Assim?
- Exato. Fácil esse.
Ele saiu de perto de mim e eu fiquei sozinho novamente. Encontrei a Natty e ela estava fazendo alguma coisa
para o glúteo. Não parecia sofrer tanto.
Eu comecei a levantar o peso com as pernas, mas naquele eu não senti nenhuma dificuldade, fiz as três séries
rapidamente.
835
- Acabou? – eu estava esperançoso.
- Acabou! – Silvio sorriu.
Eu suspirei aliviado. Minha roupa estava grudada em meu corpo. E eu estava exausto.
- Alongue novamente. A mesma coisa que você fez quando chegou. Depois pode ir embora. Ou tomar banho,
você que sabe.
- Eu não sei se venho amanhã não...
- Como não? Vem sim senhor! Sem moleza! Vocês dois! Quero vê-los aqui amanhã!
- Sei não Silvio, eu estou mortinha.
- Está nada. Vai, alonga para os músculos acostumarem.
- Menina que foi isso?! Quase morri! Nem estou sentindo os meus braços...
- E eu as pernas. Nem sei como estou de pé ainda.
- Acho que eu não venho amanhã não.
- Nem eu.
Antes de ir embora, passei rapidamente no vestiário para lavar o rosto e trocar a camiseta. Pensei que estava
sozinho, mas não era o caso...
Eu abri o meu armário, peguei a minha mochila, bebi um gole de água de minha garrafa e tirei a minha camisa.
- Aí – escutei uma voz.
Eu me virei.
- É comigo?
- Tem mais alguém aqui?
- O que foi?
- Você sabe que horas são?
- Só um segundo.
Procurei meu celular nos bolsos da minha mochila e quando o encontrei, tentei ver a hora, mas não consegui.
Quatro chamadas do Fael. Eu apertei o botão vermelho e disse:
- Dez e vinte.
- Ah, valeu.
Estava tarde. Eu continuei vasculhando a minha mochila e encontrei a toalhinha de rosto. Sequei o meu suor e
desdobrei a minha camisa limpa. O garoto passou por trás de mim e abriu um armário próximo. Eu notei que ele
estava apenas de cueca.
Tentei não deixar os meus pensamentos me dominar e troquei a camisa. Quando o armário estava vazio, tranquei
o meu cadeado, coloquei a mochila nas costas e comecei a andar.
- Falou aí – ele disse.
- Falou – eu respondi, sem olhar para trás.

Na manhã seguinte eu não consegui me levantar na primeira tentativa. As únicas coisas que não doíam eram o
meu cabelo e as minhas unhas.
- Ai... Ai... Ai...
Qualquer movimento que eu dava era um incômodo em alguma parte de meu corpo. Eu fui até o quarto da minha
filha. Ela estava sentada no chão com um chocalho na mão.
- Papai...
- Vivi!
Eu escutei alguém andando no corredor e me abaixei para pegar a minha filha. Passei minhas mãos por baixo das
suas axilas e já ia erguer o meu corpo, mas eu não consegui.
- Ai – gritei de dor.
Fiquei parado. Não conseguia me mexer. As minhas costas estavam latejando, mas o que doía de verdade, eram
os meus braços.
Ouvi alguém rindo atrás de mim e me perguntei quem seria.
836
- Mãe, Gi, venham ver isso – Marquinhos falou.
Eu tentei puxar a Vitória do chão novamente, mas não consegui pela segunda vez consecutiva.
- Ih...
Eu desisti. Coloquei as mãos na minha cintura e comecei a erguer o meu corpo. As minhas juntas pareciam
inflamadas. Estava doendo muito.
- Quer ajuda aí?
- Não, valeu.
- O que foi? – Giselle perguntou.

- O Eder não consegue segurar a Vitória – ele riu.


- Por que não? – minha mãe se espantou.
- Ela está muito pesada.
- Pesada?
- É porque ele foi pra academia – Marquinhos riu.
- Ria! Ria muito! Um dia vai ter troco!
- Papai...
- Ai filha eu não consigo. Vou tentar de novo.
Mas a terceira tentativa também foi nula. Eu não sei porque não conseguia erguer a minha coluna.
- Alguém segura ela e coloca nos meus braços, por favor?
Eu não sei quem dos três riu mais de mim. Até minha mãe estava gargalhando. Vitória também riu. Eu fiquei
com raiva.
- Pai fracote você tem Vivi! – Marcus riu.
Ele colocou a minha filha em meus braços e daquela vez eu consegui segurá-la, embora os meus braços
estivessem mais mortos do que vivos.
- Obrigado.
- Vitola...
- O que foi?
- Vitola...
- O que tem a Vitória?
- Vitola...
Eu a balancei um pouquinho e depois a entreguei para a avó. Eu realmente estava sem nenhuma força.

- Eder? – Marcus entrou quando eu ainda estava terminando de me arrumar.


- Veio rir mais um pouco?
- Não. Eu queria... Falar com você.
A gente já não se falava a mais de sete dias.
- Estou ouvindo.
Ele fechou a porta e me fitou.
- Queria te pedir desculpas pelo que eu te disse àquela noite. E queria dizer que... Que eu te amo e te aceito do
jeito que você é.
Eu não tive como deixar de fitá-lo. Era aquilo mesmo que eu estava ouvindo?
- Me perdoa pelo que eu disse. Estava com a minha cabeça quente. Não estava pensando direito.
- Tudo bem. Eu entendo.
- E obrigado por você ter confiado em mim e ter me contado.
- Eu estava esperando um momento como aquele.
- Uhum. Como você está?
- Bem e você?
- Você não me parece muito bem. Eu estou bem. Agora eu estou bem.
- Que bom mano.
837
A gente se olhou profundamente. Fogo com fogo. E eu não me contive. Saí correndo abracei o Marcus com
muita força.
- Ah, Eder!
Chorei. Chorei sem parar. Ele estava ao meu lado. Estava comigo. Do jeitinho que eu era. Não ia me recriminar.
Não ia me julgar. Ele ia me aceitar!
- Obrigado – eu agradeci.

- Nem eu – concordei com a mesma. – Até os meus cabelos doem!


- Ah, parem de exagero – ele riu. – Tomaram analgésico?
- Não – nós dois respondemos ao mesmo tempo.
- E como vocês querem que a dor passe? Com mágica? Venham comigo, eu vou dar um comprimido aos dois.
Eu engoli a pílula branca sem nenhuma dificuldade, mas a Natty pareceu não conseguir ingeri-la.
- Força – eu disse.
- Ergh! Odeio remédios!
Nós nos alongamos, mas não fizemos musculação. Ficamos os dois na bicicleta e depois na esteira.
- Meia hora de cada – Silvio pediu. – Depois tem aula de jump, se vocês quiserem podem participar.
- Jump é com aquelas camas elásticas, não é? – Natty perguntou.
- Isso! Isso mesmo. É bem legal e é com a professora Cibele. Você vai gostar dela Eder – ele deu uma piscadela e
eu sorri.
Pedalei com vontade, as minhas pernas não doíam tanto como os braços. Natália estava mais cansada do que eu.
- Vamos guria!
- Cansada – ela me respondeu.
- Força, força! Um, dois, três...
- Você fala isso porque quase não fez nada nas pernas, né?
- É que quando a gente está em movimento, não doi tanto.
- Isso é verdade, mas depois que para também...
- Aham.
- Eder, aproveitando que a gente está a sós, eu queria conversar a respeito da nossa filha.
- Da Vitória? O que tem ela?
- Ela já está ficando grande, já completou um ano e tudo, eu queria saber o que você acha da gente colocá-la em
uma creche.
- Creche? Não é muito cedo para isso não?
- Assim, é que ela sempre fica com os seus irmãos ou com a minha mãe... Eles têm os compromissos deles e tal,
e se a gente a colocasse em uma creche, eles ficariam livres. Logo mais a Giselle vai começar a trabalhar, o
Marcus também e a minha mãe sempre tem uma coisa ou outra para resolver.
- Eu concordo com você, mas acho que é muito cedo para isso. Ela acabou de fazer um aninho, vamos esperar ela
ficar mais velha, mais crescida, a aprender a andar e depois a gente pensa sobre isso.
- Não seria para agora não. Talvez no começo do ano que vem...

- Pode ser. A gente amadurece essa ideia sim!

Encontrei o mesmo garoto no vestiário da academia e ele novamente estava apenas de cueca, mas nós não
éramos os únicos àquele dia. Mais dois homens estavam nos chuveiros.
- E aí – ele falou.
- Tranquilo?
- Aham.
Estranho ele sempre querer falar comigo. Eu dei uma olhada em seu corpo pelo canto do olho e meu pau
começou a criar vida.
Eu decidi tomar banho na academia mesmo, estava muito suado e não queria voltar para casa naquele estado.
838
Tirei a minha camiseta, os meus tênis e as meias e os coloquei embaixo do banco. Abri meu armário, peguei
minha mochila, tirei as minhas coisas e por fim, tirei a bermuda.
Encontrei um box vazio e entrei, fechando a porta ao passar. O chuveiro tinha duas torneiras, eu liguei a primeira
e notei que a água estava fria, gelada até demais. Esquivei o meu corpo do jato da ducha e liguei a outra torneira.
A água ficou morna no ato.
- Ah!
Tirei a minha cueca e me joguei embaixo da água. Fechei os meus olhos, deixei o meu pensamento voar e na
hora, pensei no Fael.
Dei alguns suspiros e abri as pestanas. Notei que os outros chuveiros foram desligados, mas não dei muita
atenção a este fato. Peguei meu sabonete, comecei a ensaboar o meu corpo e conforme ia erguendo os braços, os
sentia adormecerem.
Fiquei uns bons dez minutos naquela água refrescante e quando decidi sair, alguém ligou o chuveiro ao lado.
Quem seria?
Já estava vestido quando ele apareceu com os cabelos molhados e enrolado em uma toalha. Era muito gostoso.
Mas não tanto quanto o meu ex-namorado. Meus olhos trombaram com os dele e eu notei que estes, eram azuis.
Eu estava reconhecendo aquele garoto de algum lugar.

Na maior parte das noites seguintes, eu passei chorando pelo Fael. Me lembrei da nossa primeira vez e tive que
me masturbar, para matar um pouco da saudade.
Quando gozei sussurrei o nome dele e era como se eu o tivesse perto de mim, como se ele estivesse deitado ao
meu lado, eu até conseguia sentir a presença dele. Mas ele não estava. E nunca mais estaria...
- Eder? – ouvi a voz do Marcus.
Logo naquele momento? Eu estava sujo. E o quarto com o meu cheiro.
Eu não respondi. Talvez ele pensasse que eu estaria dormindo e fosse embora.
- Eder? – ele insistiu.
Senti o vibrar do celular embaixo do meu travesseiro e notei que era o meu irmão. O que ele queria afinal de
contas?
- Oi Marcus – eu imitei voz de sono.
- Abre a porta – ele pediu.
- Que porta?
- A do seu quarto.
- Para que?
- Para eu entrar.
- Ai Marcus, deixa-me dormir!
- Eder, é sério, abre a porta!
Eu senti um tom de urgência em sua voz. Algo tinha acontecido.
- Espera, eu já vou abrir.
Peguei uma camiseta que estava no chão e limpei o meu peito, a minha barriga e o meu pau. Joguei a roupa suja
embaixo da minha cama, fui ao armário, passei desodorante, creme onde tinha gozado e jorrei perfume no ar. Eu
não queria que ele soubesse o que eu estava fazendo.
- O que foi? – eu abri a porta coçando o olho.
- Que cheiro bom! – ele entrou. – Eu queria falar com você. É um assunto sério.
Ele estava com a fisionomia carregada e eu comecei a me preocupar.
- O que aconteceu? Onde está a Vitória?
- Dormindo. Fique calmo, não é nada com ela.

839
- Cadê o papai? A mamãe?
- Calma, não é nada com eles também...
- O que houve? Fala logo!
- O Henrique...
- O que tem ele? – meu coração disparou.
- Ele está...
- Ele está o que? O que aconteceu com o meu irmão?
O desespero tomou conta de mim. O que o Henrique tinha?
- Ele está muito mau...
- O que ele tem? O que aconteceu Marcus! Fala logo pelo amor de Deus!
- A Gabrielle... Terminou com ele!

Eu arregalei os olhos e abri a boca. Como? Eu tinha entendido certo?


- Como?
- Ela terminou com ele.
- Como assim? Onde ele está? Cadê o meu irmão?
- Ele está tomando banho. Parece perdido...
Eu saí do meu quarto do jeito que estava e comecei a bater na porta do banheiro.
- Henrique – eu chamei. – Abre a porta.
Não precisei pedir a segunda vez, ele abriu e me fitou.
- Oi Eder!
- O que houve? O que aconteceu?
- Eu já converso com você, espera eu terminar o banho?
- Você está bem?
- Estou bem sim – ele disse com a fisionomia séria.
- Eu vou te esperar no seu quarto.
- Esperem os dois, eu já estou terminando.
Coitado do meu irmão. Eu não conseguia entender por que a Gaby tinha feito aquilo com ele. Não mesmo.
Eu comecei a raciocinar. Alguma coisa estava acontecendo. Primeiro, o Fael terminou comigo sem mais nem
menos. E depois, a Gabrielle com o Henrique... O que será que estava acontecendo entre as nossas famílias?
Marcus e eu ficamos no aguardo do Henrique e ele não demorou a aparecer. Estava com o cabelo molhado e com
uma toalha amarrada à cintura.
- O que aconteceu? – eu perguntei.
- Eu adoraria responder a essa pergunta.
- Como você está se sentindo? – Marcus perguntou.
Ele tirou a toalha e ficou nu.
- Perdido – ele suspirou, secando os cabelos.
Mesmo sendo o meu irmão, eu não tive como não olhar para o pau dele.
- Mas vocês brigaram? – eu sondei.
- Discutimos, mas não foi um motivo para ela querer terminar.
- E qual foi o motivo?
- A faculdade.
- A faculdade? – Marquinhos e eu perguntamos ao mesmo tempo.
- O que a faculdade tem a ver?
- Ela disse que eu mudei muito depois que comecei a estudar, que não tenho mais tempo para ela, que isso, que
aquilo...
Eu percebi que ele estava irritado, ao invés de chateado.
- Nossa isso não é do feitio da Gabrielle – eu pensei alto.
840
- A gente não conhece nem a si mesmo Eder, que dirá as outras pessoas – ele falou.
- Você está bem mesmo?
- Eu estou bem sim. É só uma discussão, amanhã a gente conversa e faz as pazes.

- Assim espero – Marcus falou.


- Obrigado pela preocupação de vocês.
- Os irmãos servem para isso – Marcus sorriu. – Dá para você se vestir?
- Ah, está tão boa essa liberdade – ele brincou, mas eu senti que ele não estava muito bem. E não era para menos.
- Sem vergonha – eu falei. – Coloca uma roupa!
Ele foi até o armário, pegou um short de jogador de futebol e vestiu. O bumbum do meu irmão era branco e
grande. Uma delicia.
- Assim está bem melhor – Marcus falou.
- E você Eder, como está?
- Levando a vida.
- Já está mais calmo pelo que posso perceber.
- Não adianta chorar depois do leite derramado. Eu estou tentando entender e aceitar.
- Logo essa dor passa.
- Passa sim – eu tinha certeza. – É questão de tempo.
- Vocês têm se falado? – Marcus perguntou.
- Muito raro. Ele me liga de vez em quando e tudo mais, mas eu não estou correndo atrás.
- É isso aí, não dê o braço a torcer. E não o atenda – Henrique pediu.
- Sempre que eu atendo eu nunca sei que é ele, nunca olho o identificador.
Eu e meus irmãos ficamos conversando por mais um tempo e depois cada um ficou em seu quarto. Antes de
desmaiar em minha cama, dei mamadeira para a Vitória, troquei-lhe a fralda e a fiz dormir. Não sei como
consegui segurá-la no colo.

A primeira coisa que eu fiz pela manhã foi ligar para a Gabrielle. Eu queria entender direitinho por que ela tinha
terminado com o meu irmão.
- Gaby?
- Oi Eder – a voz dela não era das melhores.
- Tudo bem?
- Não.
- Como assim? Conte-me essa história direito!
- Vem para cá? Por favor?!
- Ai não! Não vou não! Vem aqui você...
- Não. Eu não quero ver o seu irmão.
- E eu não quero ver o seu.
- Assim fica difícil...
- O que aconteceu?
- Ah, Eder, tanta coisa... Eu preferi terminar...
Eu senti a dor dela pela voz. Eu tinha que vê-la.
- Eu estou indo aí. Daqui a uns dez minutos eu chego, só vou tomar banho.
- Eu te espero lá embaixo.
- Beleza.

Desliguei, fiquei de pé em um salto, peguei uma roupa qualquer no guarda-roupa e fui ao banheiro tomar banho.
Não demorei na ducha, eu precisava entender tudo.
- Já vai trabalhar? – meu pai perguntou.
- Não, eu vou na Gabrielle. Ela não está bem.
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- O que ela tem?
- Eu não sei se posso te contar, pergunte ao Henrique!
Ele fez cara de intriga e eu saí de casa às pressas. Ela realmente estava me esperando praticamente no quintal.
Quando a vi, meu coração diminuiu, ela estava chorando muito.
- Ai – ela falou ao me abraçar. – Está doendo!
- Eu sei. Eu sei melhor do que ninguém o que você está passando!
- Vamos ao meu quarto.
Eu rezei em pensamento para não encontrar o Rafael no percurso, mas Deus não atendeu a minha prece. Nós nos
trombamos enquanto eu ainda estava no primeiro lance da escada.
- Você?
- E aí...
- Como vai?
- Eu vou muito bem – menti descaradamente. – E você?
- Não tão bem quanto você, mas estou bem!
- Com licença – eu disse e continuei a subir as escadas.
- Eder?
- Agora não. Eu preciso conversar com a sua irmã.
O deixei sozinho e entrei no quarto da minha cunhada, ou ex-cunhada, eu ainda não sabia.
- O que aconteceu?
Aquela estava sendo uma pergunta bem freqüente na minha vida.
- Eu acho que o Henrique está me traindo – ela soluçou.
- Te traindo?!
Aquela parte eu não sabia.
- É. Ele vive confundindo o meu nome com o de outra garota.
- Mentira!
Cachorro salafrário! Ele tinha mentido para mim!!!
- Por que você acha que eu estou assim? Eu não ia terminar, mas não agüentei mais!
- Eu não estou sabendo disso!
- E você acha que ele ia te contar?
- Acho...
- Então você não conhece o seu irmão, meu bem!
- Caraca! Eu não estou acreditando!
- Nem eu. Ai está doendo tanto sabe?
- Se sei! Eu sei mais do que ninguém...
- Eder me ajuda? Me ajuda, por favor... Eu não sei o que fazer...
- Ajudo sim Gaby, mas fica calma, por favor!

- Eu não agüento mais essa dor, eu preciso do meu Henrique! Eu preciso dele agora...
Vendo ela naquele estado a minha própria dor tomou conta de mim e eu deixei as lágrimas saírem.
- Não fica assim – eu tentei consolá-la, mas sabia que era impossível. – Isso vai melhorar, isso vai passar, vocês
vão voltar, vão ficar bem!
Ela soluçou e eu a abracei. O que estava acontecendo naquela família? Parecia que era uma leva de momentos
difíceis que estava se aproximando, era uma tempestade em cima dos dois lares. Mas eu ia conseguir resolver
tudo!

- Henrique Alves eu quero falar com você agora – o intimei pelo celular. – Onde você está?
- No quarto – a voz dele estava chorosa assim como a da namorada.
Eu abri a porta com ferocidade e o vi deitado na cama, abraçado aos joelhos. Toda a minha raiva se transformou
em compaixão, e eu fui ver o que estava acontecendo.
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- O que foi mano? – eu perguntei baixinho. – Você está bem?!
- A Gaby terminou comigo – ele se debulhou em lágrimas.
- Eu sabia que você não estava bem – eu sentia isso. – Oh, Ricky! O que aconteceu?
- Ai Eder... O que eu faço?
- Primeiro me explique o que está acontecendo.
Eu estava atrasado para a locadora, mas não me importava. Eu queria ajudar o meu irmão.
- Eu vou te contar – ele secou as lágrimas. – É que é difícil!
- Eu sei o quanto é doloroso. Eu estou passando pela mesma situação mano. Confia em mim. Desabafa, você vai
se sentir melhor!
Ele ficou calado por um segundo, respirou fundo e disse:
- Eu acho que estou gostando de outra garota.
Então a Gabrielle estava certa.
- Quem é ela?
- Ela é do meu trabalho, se chama Vivian. É linda. Ela me provoca muito. Muito mesmo. Eu acho que eu estou
ficando apaixonado...
- Você e essa menina já ficaram?
Ele se calou e chorou mais ainda.
- Henrique! Eu não acredito que você fez isso com a Gabrielle! – era como se eu estivesse sentindo a dor da
Gaby. – Mano! Isso não se faz!
- Eu não queria... Ela foi me seduzindo, eu sou homem poxa! Quando dei por mim já tinha acontecido!

- Vocês ficaram? Ou rolou sexo?


- Rolou sexo – ele baixou a cabeça.
- Eu não acredito!
- Não me recrimina – ele pediu. – Por favor!
Quem era eu para recriminá-lo?
- Quando Ricky?
- Há duas semanas.
- Pelo amor de Deus, diz que você usou camisinha?!
- Usei, usei sim...
- Graças a Deus – eu olhei para o teto.
- Eu me arrependo tanto...
- Se arrepende? Depois de ter feito? Pensasse nisso antes! Você sabe como ela está? Eu acabei de chegar da casa
dela. A sua namorada está arrasada! Ela está arrasada, completamente inerte em tudo!
Aquilo fez meu irmão chorar mais ainda.
- Eu não queria... Eu juro!
- O que você sente pela Vivian?
- Pela Vivian? – ele pensou um pouco. – Acho que a palavra certa é tesão...
- E pela Gabrielle?
- Amor.
- Se você ama a Gaby, Henrique, por que você a traiu? Dê apenas um motivo!
- Porque eu sou idiota.
- Isso é uma verdade.
- Eu fui burro, fui cego, fui um estúpido! Eu não quero perder a Gaby, Eder... Me ajuda, me ajuda mano, por
favor...
Os dois me pedindo ajuda. Como se já não bastassem os meus próprios problemas.
- Ajudo. Mas fica calmo – era a segunda vez que eu pedia aquilo em menos de uma hora e para duas pessoas
diferentes.
- Eu queria vê-la...
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- Ela não vai querer te ver. Vocês precisam de um tempo a sós para digerir tudo isso.
- Não... Eu quero ela agora!
- Não. Ela não vai te receber, vai por mim. Fica tranqüilo, antes de tudo.
- Não é tão fácil assim.
- Eu sei Henrique, eu sei! Você esqueceu que eu terminei um namoro há semanas?!
- E eu aqui te enchendo com os meus problemas...
- Os seus problemas, também são meus, afinal nós somos irmãos, estamos aqui um pelo outro.
- Eu não sei o que seria da minha vida sem você mano!
- E nem eu sei o que seria da minha sem você!
A gente se abraçou e eu suspirei ao relembrar meu ex-namorado. Eu queria tanto poder abraçá-lo daquele jeito
que eu estava abraçando o meu irmão...
- Eu quero ficar em casa hoje – ele disse. – Eu preciso disso.

- Eu fico com você. Não estou com cabeça para trabalhar.


Naquele momento meu celular tocou. Era Diogo.
- Só um segundo, Henrique! – eu me levantei da cama e fui até a janela. – Oi Diogo!
- Oi Eder, tudo bem?
- Mais ou menos, e você?
- Idem. Eder, eu acabei de chegar aqui na Alpha e o André me ligou...
- Hã?
- Ele pediu para fechar por dois dias.
- Por quê?! – eu me surpreendi.
- Porque a mãe dele faleceu!
Eu engoli em seco. Coitado do André.
- Nossa! Que lástima! Isso foi quando?
- Hoje pela manhã. Ainda não se sabe ao certo qual a causa do falecimento. Ele está arrasado. Não precisa vir
nem hoje, nem amanhã.
- Ah, beleza Diogo! Obrigado por ter avisado! Já sabe algo sobre velório, essas coisas?
- Não. Ainda não sei de nada. Acho que nem a família pensou nisso ainda. Eu vou correr atrás dessas
informações e depois te aviso, tá?!
- Beleza cara! Obrigado novamente. Fica com Deus, um abraço!
- Outro.
- Velório? Quem morreu? – Henrique se preocupou.
- A mãe do meu chefe.
- Puxa vida. Que pena!
- É. Eu não vou trabalhar nem hoje e nem amanhã.
- Que sorte a sua. Eder, pega o telefone da sala para mim? Eu quero ligar para o meu encarregado.
- Pego sim. Eu já volto.

Por sorte, Ricky conseguiu três dias em casa, visto que ele tinha horas acumuladas na empresa. Eu fiquei boa
parte do dia deitado ao lado dele e a gente tentou se distrair com a minha filha, tentando fazê-la falar mais
alguma palavra, mas ela não conseguiu.
- Pa – ela falava a toda hora.
A noite foi mais complicada do que o dia. Não fui à academia e expliquei a Natália o motivo. Ela decidiu ficar
com a irmã assim como eu. Ele e eu choramos bastante, relembrando vários momentos em que nós quatro
tínhamos passado juntos.
Sempre que eu podia, visitava a Gabrielle e ela era a pior dos quatro. Estava completamente arrasada e eu já não
sabia o que fazer para ajudá-la.
- Vocês dois são dois cabeças duras! Nenhum quer dar o braço a torcer. Eu não sei dos dois qual é mais teimoso!
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- É ele que está errado e não eu – ela disse-me.
- Os dois estão.
- Por quê? O que eu fiz?
- Você pode não ter feito nada, mas está fazendo agora não querendo falar com ele!
- O que diabos eu vou conversar com ele Eder?
- Fazer as pazes! Isso está demorando demais para acontecer.
- Com o Fael eu digo a mesma coisa.
- É diferente.
- É diferente nada, você fala que nós somos teimosos, mas você é mais do que nós três juntos!

Em primeiro de outubro, mais de um mês depois do término do meu namoro, eu não agüentei mais de saudades
do Rafael.
Eu precisava vê-lo, precisava falar com ele... Sentir o toque de suas mãos, o cheiro de sua pele, ver os meus
oceanos verdes e principalmente... Sentir de novo a textura daqueles lábios deliciosos.
- Eder? – Henrique choramingou.
- Oi.
- Eu não aguento mais!
- Eu também não Ricky...
Ele olhou para mim e eu para ele.
- Você está pensando o mesmo que eu – ele perguntou.
- Estou. Tem coragem?
- Eu não posso mais ficar longe da Gaby!
- E nem eu do Fael...
Não demorei e a discar o número dele em meu celular. Eu estava torcendo para que ele me atendesse logo, mas
aquilo não aconteceu.
- Gaby? – Henrique disse. – Oi, tudo bem?
Eu saí do quarto do meu irmão, ele precisava falar com a ex a sós. Continuei tentando falar com o Fael. Mais
cedo ou mais tarde ele ia me atender.
Mas nada. Só chamava. Será que ele não queria falar comigo? Será que tinha cansado de tentar uma
reconciliação?
Eu caí de costas na minha cama e ouvi a Vitória falar sozinha no quarto ao lado. Não fui vê-la. Queria ficar
sozinho. Completamente sozinho.
Eu estava cansado, precisava de férias. Estava a mais de um ano na Alpha e ainda não tinha recebido férias. Ia
falar com o André sobre o assunto no dia seguinte. Sem falta.
Continuei olhando para o teto e sem mais nem menos uma lágrima escorreu.
- Fael volta para mim!
Meu celular tocou. Eu olhei no visor o número que estava me ligando. Era ele! Era o meu anjo!

- Oi – eu atendi com a voz calorosa.


- Oi! Tudo bem? – ele estava cansado. Ou abatido.
- Tudo bem e você?
- Mais ou menos.
- Está em casa?
- Acabei de descer do carro.
- Ah! E você... Vai fazer alguma coisa?
Pausa.
- Não. Por quê?
- Eu... Gostaria de saber se eu... Posso te ver?
845
Outra pausa. Esta bem maior que a anterior.
- Me ver?
- Se você quiser, é claro.
Eu não sei por que ele demorava a me responder.
- Agora?
- Sim.
- Você ainda pergunta se eu quero? Isso é tudo o que eu estou esperando desde...
- Posso ir aí então?
- Deve! – eu senti firmeza.
- Vou dar tempo para você jantar, tomar banho e vou. Está bem?
- Perfeito. Vou aguardar a sua visita ansiosamente.
- Até já então.
- Até.
- Beijo.
Pausa.
- Outro – a voz dele foi quase um sussurro.
- Tchau.
- Tchau.
Eu desliguei e sorri. Eu não estava acreditando que tinha dado o braço a torcer, não podia acreditar que ia revê-lo
depois de mais de um mês... Rever aqueles olhos verdes... Ah, como eu estava com saudades!
Abri o guarda-roupa e joguei as peças no chão. Eu tinha que ficar perfeito para o meu Rafael. Provei quase todas
as camisetas e acabei escolhendo a primeira que tinha experimentado.
As calças foram um transtorno a parte. Coloquei a preta, mas ela não combinou com a camiseta de cor lilás,
então vesti a branca, mas ficou desigual na tonalidade. A azul não combinou com o tênis e as outras, eu não
gostei. O que vestir?
Separei uma bermuda jeans um tanto quanto apertada, mas ela ficou perfeita com a camisa que eu estava usando.
Meus músculos estavam começando a ficar mais rijos e eu queria que ele percebesse a diferença.
Boné ou sem boné? Se eu fosse sem boné, teria que arrepiar os cabelos ou então fazer um moicano. Se eu fosse
com, não precisaria fazer mais nada. Mas ainda faltava muito tempo. Eu precisava me ocupar, senão ia pirar.

Fui até o banheiro, abri o potinho de gel, peguei uma quantia generosa e espalhei em cima da minha cabeça. Eu
modelei os fios do jeito que eu havia imaginado e eles ficaram paradinhos no ar. Como aquele gel era bom!
Escovei meus dentes duas vezes e passei Listerine para me certificar que não ficaria com mau hálito. Eu tinha
que ficar perfeito!
Para finalizar, borrifei o perfume que havia ganhado dele no dia dos pais e olhei no celular. Ainda estava cedo.
Fiquei olhando para o quarto dele. Estava vazio. Ele estava jantando. Ou tomando banho. Me olhei no espelho
três vezes enquanto caminhava em círculos pelo quarto. A ansiedade estava me matando por dentro...
Ouvia cada martelar de meu coração. Era como se ele estivesse dentro da minha cabeça. E Henrique? Será que
tinha saído com a Gaby?
- Ricky? – eu abri a porta do quarto, mas ele estava vazio. – Ele conseguiu!
Eu estava na expectativa das coisas darem certas para nós dois. Nós não merecíamos aquele sofrimento. Eu
precisava do Fael e ele da Gabrielle.
Já não estava mais aguentando de tanta vontade de rever o meu ex-namorado, então acabei indo mais cedo do
que queria. Esperava que ele não estivesse tão ocupado.
Toquei a campainha e esperei. Olhei no relógio do celular. Quase onze da noite. Não arredei os olhos da porta e
quando ela se abriu, meu coração parou.
Ele estava lindo demais. Sem camisa, com uma bermuda jeans como a minha e de chinelos. Reparei que a pele
estava mais bronzeada. Será que ele tinha ido à praia? Os cabelos estavam jogados no rosto e mais cumpridos
que o normal. Lindo de morrer, como de costume.
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Ele não sorriu e eu também não. Esperei Fael abrir o portão e quando eu tive que entrar, esqueci como se andava.
- Por favor – ele disse com o braço estendido para a porta.
- Com licença.
Era estranha aquela formalidade entre nós dois.
- Vamos ao meu quarto – ele disse, quando estávamos na sala.
- Ok.
Eu subi as escadas à frente dele. Entrei em seus aposentos e aquilo me fez lembrar muitas coisas. Principalmente
o nosso primeiro beijo.

Eu me sentei, cruzei as pernas e fiquei olhando para ele. Como era lindo!
- Estou feliz em te ver – ele me disse.
- Eu também estou.
- Que bom que você me procurou.
- Eu não estava mais... Aguentando de... Tanta... Saudades!
Tive que confessar.
- É eu também estou com saudades...
Ele sentou-se ao meu lado e a gente se olhou mais um pouco. E o fogo estava entrando dentro do oceano verde.
- Você está... Maravilhoso! – ele me elogiou.
- Obrigado. Você está lindo também.
- Que nada, nem me arrumei que nem você.
- Você está igualzinho ao dia em que nós nos conhecemos. Você ainda se lembra?
- Você acha que eu sou capaz de esquecer?
Eu dei um sorriso tímido e baixei os meus olhos.
- Ah, Eder... Já faz mais de um mês que eu não sinto o sabor do seu beijo.
Eu continuei com a cabeça baixa. Estava com medo de me magoar.
- É eu sei. Fael eu posso te fazer uma pergunta?
- Claro que pode.
- Por quê?
- Por quê? Eu já lhe disse... Eu comecei a pensar em tanta coisa... Acabei deixando o meu sentimento de lado. O
namoro caiu na rotina! Isso desgasta.
- Tem certeza que é só isso? – as esperanças estavam vivas dentro de meu peito.
Ele ficou calado. Eu estava desconfiado de que ele escondia algo de mim.
- É só isso sim... – não senti firmeza na voz.
- Tem certeza? Se tiver mais alguma coisa, fale agora que é o momento!
A gente não estava brigando. Aquilo era um clima de reconciliação.
- Eu senti você esfriar comigo – ele disse.
- Em que sentido?
- Ah, em todos para ser sincero.
- Eu digo o mesmo para você amor.
Eu não queria ter dito aquela palavra. Eu bati meus olhos no rosto dele. Ele estava espantado. Não esperava por
aquilo. Ele sorriu.
- Isso foi música para os meus ouvidos!
- Eu posso ter mudado um pouco com você por causa da Vitória. Talvez seja isso.
- Não, não é por ela. Eu acho que estou viajando meu menino...
Meu menino! Ai como eu queria ouvir aquilo!
- Isso também é música para os meus ouvidos...

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- Eder, meu garoto, vamos passar uma borracha nisso tudo? Vamos colocar uma pedra nesse assunto... Me dá
mais uma chance, por favor...
Ai. Que lindo! Meu coração dilacerado pareceu se reconstituir...
- Não sei se é o certo. Você me magoou muito.
- Eu sei – ele baixou a cabeça. – E me arrependo!
- Só que arrependimento não cura feridas Rafa!
- Eu sei Eder. Eu sei. Eu estou sentindo a mesma dor que você. A minha é pior.
- Por que ela é pior?
Pausa.
- Porque eu sou idiota em terminar com o garoto mais perfeito de todo o universo.
Se ele queria tentar me reconquistar com aquelas palavras, ele estava quase conseguindo.
Nossas mãos se tocaram e nossos dedos se entrelaçaram. Eu o fitei. O oceano estava em movimento.
- Me perdoa?
Eu suspirei. Perdoar ou não perdoar? Eis a questão!
- Por favor?
Ele estava tão lindo! Tão fofo! E eu senti o arrependimento em suas palavras.
- Me perdoa Eder?!
Ele se aproximou e tocou o meu rosto com uma das mãos. Eu fechei os meus olhos ao sentir aquele toque. Como
eu precisava daquele toque...
- Eu te peço perdão de joelhos se for preciso...
Ele caiu de joelhos na minha frente e eu não tirei os olhos dos olhos dele. O que ele estava fazendo afinal?
- Para com isso Rafael – eu disse, puxando ele para cima. Os meus braços doeram.
- O que você quer que eu faça para que você me perdoe?
Eu não respondi. Apenas o fitei. Ele estava me deixando maluco. O meu cérebro já não raciocinava e o meu
coração tomou conta do meu corpo.
Perdoar ou não perdoar?
Dizem que perdoar é divino e que todas as pessoas merecem uma segunda chance. Por que não dar uma chance a
ele? Por que continuar sofrendo se eu tinha a felicidade em minha frente?
Eu não pensei em mais nada. Colei meus lábios aos dele com tanta força, que ele caiu de costas na cama.
O sabor do nosso beijo invadiu a minha boca. Era daquilo que eu precisava. Do meu homem, do meu Rafael.

Talvez aquele tivesse sido o nosso beijo mais longo. Ficamos rolando na cama por muito tempo. Eu já não tinha
mais nada em mente. Nem Henrique, nem Gabrielle, nem meu pai, nem minha mãe e nem Vitória... Nem com a
minha filha eu estava preocupado... Só comigo. Com ele. Com nós dois.
Quando finalmente o beijo foi interrompido, eu estava completamente sem fôlego, mas ele não parecia estar nada
cansado. Ao contrário, já estava pronto para outra.
- Volta para mim? – ele perguntou, passando o dedo nos meus cabelos lentamente, mas sem parar de me fitar um
segundo sequer.
- Precisa dessa pergunta? – eu me surpreendi. A gente já não tinha voltado?
- Eu quero ouvir da sua boca...
- Voltar com você é tudo o que eu mais quero nesse momento Rafael!
Ele sorriu. Um sorriso lindo e sincero... O sorriso mais lindo que ele era capaz de transmitir...
- Vem aqui, vem! – ele me puxou com força e a gente começou a se beijar.
Este foi mais urgente que o primeiro e nos causou um impacto maior. Ele tirou a minha camiseta, mas não parou
de fitar o fogo dos meus olhos. Eu fiquei com os lábios entreabertos e quando ele se aproximou, senti o hálito
fresco em minha face. Aquilo fez com que a minha boca enchesse de água.
- Eu te quero – ele sussurrou, passando a mão no meu rosto.
- Eu também te quero – confirmei com os olhos. Eu o queria muito.
Fael beijou o meu queixo, o meu nariz, passou a língua pela minha clavícula, voltou pela bochecha e se deteve,
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no canto direito da minha boca.
- Para de me provocar... – eu o ameacei.
- O que vai acontecer?
- Quer mesmo ver?
- Quero...
Eu o prendi com as mãos e sentei em seu colo. Percebi a sua excitação no ato. Rafaelzinho estava a todo vapor.
Passei os meus dedos em seu tórax e fui descendo pela barriga. Quando cheguei no cós da bermuda, parei e
grudei as nossas testas.
- Depois eu é que provoco – ele sussurrou.
- Você provoca mais do que eu.
- É?
- Uhum.

Ele beijou o meu peito lentamente, mas ficou me observando. Eu fiz cara de safado para ele ficar mais excitado
do que já estava, mas ele estava conseguindo se controlar.
- Eu te quero – Fael falou baixo.
- Eu também te quero – eu o imitei.
- Não fique passando vontade... – ele me jogou na cama e eu caí deitado.
Fael subiu em mim, eu coloquei as mãos em suas costas e fui descendo, até chegar nas nádegas. Ele mordeu
minha boca, chupou o meu lábio superior enquanto segurava o meu rosto com as duas mãos e disse:
- Eu te amo Eder.
- Eu também te amo Rafa!
As nossas línguas brincaram entre si, enquanto os meus dedos empurravam o cós da bermuda dele para baixo.
Senti meu pênis endurecer mais do que já estava e aproveitei a oportunidade para forçá-lo contra Fael.
Ele deu um sorriso no meio do beijo e me girou na cama, me deixando por cima dele. Eu sentei no volume do
pau dele, rebolei e dei um sorriso safado, enquanto abria o botão da minha bermuda.
- Tira – eu ordenei, ficando em pé no colchão.
Ele sentou-se à minha frente e ficou com os lábios na altura dos meus joelhos. Fael olhou dentro dos meus olhos
com um rosto mais sexy do que já era e começou a puxar o jeans para baixo. Pouco a pouco a minha cueca foi
aparecendo e quando eu já estava livre da peça de roupa, ele me puxou para mais perto.
Meu namorado se ajoelhou, beijou a minha barriga e colocou as duas mãos nas minhas nádegas. Um dedo
invadiu o tecido da minha cueca e ficou brincando com os pêlos do meio das minhas pernas. Eu senti um calor
subir donde ele tocava.
A cabeça do meu pau saiu pela cueca e aquilo fez Rafael enlouquecer. Ele não se conteve em ficar apenas
olhando, passou os dedos pela extensão de meu pênis e quando chegou à parte que estava exposta, passou a ponta
da língua.
Fiquei olhando. Os nossos olhos não se desgrudavam. Estávamos mais íntimos, mais cúmplices do que nunca.
Ele baixou a minha peça íntima até o pau ficar de fora e quando isso aconteceu, colocou-o na boca de uma vez.
Eu estava gostando de sentir o calor da boca dele me envolver por completo. Meu pinto começou a babar de
tanto desejo e Fael iniciou a chupeta. Ele chupou com vontade e aquilo só fez a minha gana aumentar.
Coloquei as duas mãos nos seus cabelos e forcei a cabeça dele contra o meu cacete. Como aquilo foi gostoso!
Como aquilo me proporcionou prazer... Ele passou a língua nas minhas bolas e eu fui à loucura!!! Rafa estava
sedento por mim e eu por ele... Como nós tínhamos sido idiotas em termos nos separado...
Ajoelhei junto ao meu namorado e comecei a beijá-lo, se ele ficasse mais um segundo com o meu pau na boca,
eu ia gozar e ainda era cedo para aquilo. Desabotoei e abri o zíper da bermuda que ele estava usando e com
facilidade ela caiu até o colchão. Ele estava com uma cueca branca meio transparente. Eu nunca a tinha visto
antes.
Passei a minha mão pelo pau, ainda por cima da cueca. Eu não me lembrava dele ser tão grande daquele jeito.
Será que eu tinha ficado tanto tempo sem o meu amor que eu já tinha me esquecido daquele pequeno detalhe? Ou
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será que era grande detalhe?
Deitei-me na cama e fiquei com a cabeça no meio das pernas dele. Aquela visão me deixou alucinado, meu pênis
ergueu-se no ar três ou quatro vezes seguidas.
Eu fiquei apoiado nos cotovelos e coloquei o saco do meu Fael na boca. Eu ouvi alguns gemidos de prazer e só
parei de chupar quando não agüentei mais ficar apoiado.
Fael não aguentou por muito tempo. Ele segurou na base do pênis e ficou batendo com ele no meu rosto. Quando
ficava perto da minha boca, eu beijava, lambia, mordiscava a pele, mas nada que durasse muito tempo.
Quando me cansei, coloquei tudo na minha boca e comecei a chupar freneticamente, sem tirar os olhos dele um
segundo sequer. Chupei até sentir que ele ia gozar, então parei e fiquei passando os dedos no meio das suas
pernas.
Como ele estava com o pênis mais sensível que o meu, decidimos que, como em nossa primeira vez, eu
começaria a penetrá-lo, depois inverteríamos as posições.

Dei-lhe um beijo enquanto colocava a camisinha. Antes de começar a penetração, me certifiquei que tudo sairia
perfeitamente bem e preparei o meu pau na posição certa.
Forcei a cabeça e ela entrou com facilidade. Achei aquilo estranho, mas não quis pensar no assunto. Grudei de
novo a minha testa à dele e não desviei o nosso olhar um segundo sequer.
- Eu te amo – ele falou baixinho.
- Eu te amo mais – sussurrei, enquanto colocava mais um pouco para dentro.
Aos poucos entrou tudo. Quando eu comecei a bombar, Fael e eu fechamos os olhos e começamos a nos beijar.
Eu não fiz muita força, não queria machucar o meu namorado, queria que fosse tudo perfeito, que ele sentisse
prazer e não dor.
Quando já estava mais fácil a penetração, eu comecei um vai-e-vem instável, mas aos poucos eu fui aumentando
o ritmo. Paramos o beijo e ficamos nos observando. Eu dei um gemido mais alto do que podia e ele mordeu os
lábios.
- Eu vou gozar – falei, tirando o meu pau de dentro dele na hora.
Caí ao seu lado, me sentindo exausto e sem forças. Segurei na cabeça do meu pau, eu não podia gozar naquele
momento, queria que ambos sentíssemos prazer no mesmo momento.
Eu me virei e fui me encostando nele. Uma de suas mãos puxou a minha coxa para cima e sem camisinha, ele
colocou o pau na minha entradinha. Senti um calor inigualável grande me invadir. Eu o queria.
- Se doer você fala – ele pediu.
- Vem Fael!
Ele começou a me penetrar bem devagarzinho. Não foi difícil a pica entrar até o talo, mas quando aquilo
aconteceu, eu me senti um pouco incomodado. Virei o meu pescoço e comecei e beijá-lo lentamente. Eu o tinha
de volta e por completo!
Rafael começou a penetração no mesmo ritmo que eu e conforme ia aumentando, aumentava também a minha
volúpia... Eu não tinha esquecido como era o gosto do meu Fael, só não lembrava de nós termos tanta facilidade
como naquele dia...
Quando ele disse que ia gozar, eu me virei. Encostei meu pau no dele e juntos, fizemos caricias, até o ápice
chegar. Eu gozei primeiro, mas ele não demorou a me imitar. Meus jatos jorraram em sua barriga, visto que eu
estava a muito tempo sem fazer aquilo, mas os dele, se limitaram aos nossos membros.
Gemi bem baixinho para não chamar a atenção de ninguém. Ele ficou me olhando com cara de cachorro e depois
nós nos beijamos. Foi um beijo rápido.
- Eu te amo – eu disse.
- Eu também te amo Eder.
Ficamos ali, parados, um olhando para o outro e vez ou outra, se beijando. Quando eu percebi que estava ficando
muito tarde, coloquei as minhas roupas, beijei o Fael mais um pouco e resolvi ir embora para casa, se alguém
desse por minha falta ficaria preocupado.
- Não vai não – ele pediu com voz de criança.
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- Preciso – eu falei.
- Fica comigo meu menino...
- Adoraria, mas eu não posso!
- Por que não?
- Por causa da Vitória, pelos meus pais... Se alguém der por minha falta, ficará preocupado...
Ele baixou a cabeça e ficou com um olhar meio triste. Eu o abracei, beijei-lhe o pescoço e suspirei. Eu também
queria ficar com ele.
- Amanhã a gente se fala!
- Se é o único jeito...
- Infelizmente – eu suspirei de novo.
Ele me beijou mais uma vez e depois desceu as escadas comigo. Eu estava feliz. Eu o tinha de volta. Era daquilo
que eu precisava.
- Então tchau, né? – ele fez bico.
- Tchau Fael...
- Obrigado – ele disse baixinho.
Eu sorri.
- Não precisa agradecer. Eu segui o meu coração. Espero que ele não me desaponte.
- Não vai. Confie.
- Vou tentar – eu demorava para confiar em alguém que tinha pisado na bola comigo.
Nossos olhos só se separaram quando eu fechei o meu portão. Meu coração parecia um poço de tanta felicidade.
Ele batia desregular e eu não estava me importando com nada, nem ninguém. Eu estava namorando de novo,
namorando o garoto da minha vida... O meu Rafael.

Quando encontrei com Henrique no café da manhã, a primeira coisa que fiz foi perguntar-lhe como tinha sido a
tentativa de reconciliação.
- A gente conversou e tal – ele disse, enquanto comia um iogurte –, ficamos e tudo mais, mas eu a senti distante.
E você?
- A gente fez as pazes!!! – eu exclamei. – Ou pelo menos eu acho que fizemos.
- Sério? – Marcus falou ao entrar. – Sério mesmo mano?
- É...
- Nossa! Que maravilha!
- Eu não acredito que você deu uma segunda chance a esse canalha – Henrique repugnou-se. – Ele não te merece!
Eu arregalei os meus olhos. Por que o meu irmão estava falando aquilo do Fael? Por acaso ele sabia de algo e
estava me escondendo?
- Por que você está falando isso? Você sabe de alguma coisa que eu não sei?
Ele ficou calado, apenas me olhando.
- Fala!
- Não, eu não estou sabendo de nada não Eder, é que eu apenas acho que você não deveria ter dado uma segunda
chance a ele!
- E por que não? Todos merecem uma segunda chance, com o Fael não poderia ser diferente!
- É você que sabe. Eu vou ficar de olho bem abertos com ele. Se eu ver ele te magoar, ele vai pagar bem caro!
- Isso eu concordo com o Henrique.
O assunto morreu naquele momento. Giselle entrou, sentou e disse-nos bom dia.
- Bom dia Gi! – a gente respondeu.
- Dormiu bem? – eu perguntei.
- Bem e você?
- Maravilhosamente.
- Cadê a Vivi?
- Dormindo – eu respondi.
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- Não está na hora dela comer?
- Eu não tive coragem de acordá-la.
- Ah!
- Mas daqui a pouco eu a acordo e dou o café.
- Ontem ela conseguiu ficar em pé!
- Sério? – eu me espantei. – Que horas isso?
- Você não estava em casa.
- Mas sozinha?
- Não. Ela segurou na grade do berço.
- Ah, tá...
- Eu tirei foto. Depois te mostro.
- Uhum.
- Eu vou nessa gente – Henrique falou – já estou atrasado.
- Não, não vai não Henrique... Eu queria ter uma palavrinha com os três – minha irmã pediu.
Ele ficou olhando para a Giselle com o pescoço torto. O que ela queria?
- Então fala logo que eu estou atrasado.
- Meninos, é meio difícil falar isso...

Eu tomei um gole do meu suco, sem tirar o olho da minha irmã.


- É que assim, vocês já são grandinhos o suficiente para entender que... Que uma adolescente assim como eu... –
ela deu uma pausa – tem certos direitos, certas vontades.
Marcus me olhou.
- Eu sei que vai ser difícil no começo e tudo mais... – ela prosseguiu – provavelmente o Eder vai querer... Me
matar... Mas é que...
- O que é? – eu perguntei. – Fala logo de uma vez...
- É que eu estou namorando, pronto falei.
Eu e Marcus engasgamos com o que tínhamos na boca. Henrique ficou olhando para a nossa irmã sem nem
piscar os olhos, e ela, ela ficou com a fisionomia preocupada, mas não olhou diretamente para nenhum de nós
três.
- Você... – eu não consegui terminar.
- O... – Marquinhos tentou, mas também não conseguiu.
- Quê...? – Henrique finalizou a nossa pergunta.
- Ai meninos! Eu estou namorando! Falei, ai estou leve! Falei, é isso! Pronto!
Eu não tinha o que falar. E a minha voz tinha desaparecido sem deixar rastros. Marcus jogou o prato de lado, ele
estava praticamente intocado. Henrique sentou. Nenhum conseguiu falar.
- Falem alguma coisa!
- Quem é esse filho da puta? – Henrique esbravejou.
- Onde você o conheceu? – Marquinhos soltou os cachorros.
- Quantos anos ele tem? – eu me estressei.
- Quem disse que você pode namorar? – Henrique ficou horrorizado.
- Você é muito nova para isso! – Marcus exclamou.
- Não vou deixar você sair de casa – eu senti meu coração ferver de ódio do garoto.
- Ele é da escola? É aquele idiota? – Marcus perguntou.
- Giselle eu vou te matar. – Henrique ameaçou. – Como você faz isso conosco?
Ela ficou séria a princípio, mas depois caiu na gargalhada. Do que ela estava achando graça? Aquilo não era nada
engraçado!!
- Minha irmãzinha – nós três falamos e ela riu mais ainda.
Eu e meus irmãos estávamos morrendo de ciúmes. Eu sabia que mais cedo ou mais tarde ela iria chegar com

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aquela noticia, só não esperava que fosse tão cedo!
- Gente eu tenho quinze anos – ela nos lembrou. – Já está na hora!
- Você é muito nova – eu disse.
- Só pode namorar depois dos vinte e cinco! – Henrique exclamou.
- E a gente tem que escolher o guri – Marquinhos transmitiu a mensagem.
- Até parece! Mas é o Gustavo sim! Ele vem aqui em casa domingo!
- Domingo?! – nós três nos surpreendemos.
- É!
- Ele que me aguarde – Marcus bufou.
- A mim também – eu falei.
- E a mim também – Henrique ameaçou.
- Parem os três – ela só ria. – Vocês não vão fazer nada, vão adorá-lo!
- Quantos anos ele tem? – eu perguntei.
- Dezesseis.
- Em que série ele está? – foi a vez de Henrique perguntar.
- Terceiro ano.
- Já?
- É que na verdade ele vai fazer dezessete na mesma semana do Eder.
- Dois anos mais velho! – Marcus chocou-se.
- Um ano e alguns meses.
- O seu pai já sabe disso? – eu questionei.
- A mamãe está preparando o terreno. Eu vou contar hoje à noite.
- Não perco isso por nada – eu e meus irmãos sorrimos juntos.
- Henriquinho, você não está atrasado honey?
- Virgem Maria, eu perdi o busão! Tchau gente, tchau! E você não pense que vai se safar tão fácil, eu quero falar
com a senhorita ainda hoje!
- Estarei te esperando.
Eu também estava atrasado, mas pouco me importava. Fiquei com aquela frase na cabeça enquanto lavava a
louca. Marcus não se mexeu da cadeira por um bom tempo.

- Eder – André recepcionou-me. – Que bom que você chegou!


- Oi André, tudo bem?
- É estou indo. E você?
- Bem graças a Deus...
- Eder, vem aqui comigo um minutinho, eu quero falar com você!
- Claro.
Acompanhei o meu chefe até o piso superior e ele pediu que eu me sentasse no puff.
- Estou ouvindo – falei de braços cruzados.
- Eu vou direto ao ponto – ele falou, tirando uma folha do bolso da calça. – Esse aqui é o seu aviso prévio!
Aviso prévio? Aquilo significava que... Que eu estava sendo demitido?
- Como é?
- É isso mesmo que você ouviu – ele falou. – O seu aviso prévio. Você será desligado em trinta dias!
Eu sorri. Um sorriso tão largo quanto eu pude dar.
- Sério mesmo?!
- Sério sim! Você ficou feliz, pelo que noto?

- Fiquei sim – não menti. – Já estou cansado! Estou aqui há mais de um ano, já pedi as minhas férias inúmeras
vezes e você nunca às dão! Cansei!
- Pois somos dois! Eu nunca tive um funcionário que falta tanto!
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- Se você não sabe, eu tenho uma filha... Sempre que ela está doente, logo eu tenho que cuidar dela!
- Coloque outra pessoa que faça isso moleque!
- Você é pai André?
- Não.
- Percebe-se!!!
Ele ficou com raiva.
- Onde que eu assino? – perguntei, já que a folha não indicava o local.
- Aqui e aqui – ele me mostrou.
Peguei a caneta que estava em sua mão e fiz a minha rubrica nas duas folhas. Finalmente eu tinha assinado a
minha carta de alforria.
- Perfeito. Seu último dia será três de novembro, já que dia dois é feriado.
Eu fiz as contas mentalmente. Dia três de novembro seria sábado. Nunca na minha vida que eu ia trabalhar em
pleno sábado!
- Perfeito – sorri.
- Era só. Pode ir para os seus afazeres. E não se preocupe que eu irei pagar todos os seus direitos.
- Não estou preocupado.
- Ah que bom. Eu vou ter que ir à outra filial agora. Cuide-se.
- Você também.
Livre! Finalmente livre!
- O que aconteceu? – Diogo perguntou-me.
- Eu estou livre! – dei um sorriso amplo de felicidade. – Livre!
- O que é isso? – ele se espantou.
- Meu aviso! Eu vou ser demitido!
- Mentira sua seu cachorro, são as suas férias!!
- Leia então.
Eu entreguei o papel ao meu amigo e ele o pegou. Quando terminou de ler, ele disse:
- Ah! Que chato Eder...
- Chato? Você não sabe o tamanho da minha felicidade!
- Por quê? Você não gosta de trabalhar aqui?
- Gosto e não gosto. Eu cansei!
- Cansou de quê?
- Cansei de tudo Diogo! Cansei de pedir as minhas férias, cansei de ver os mesmos filmes, cansei de fazer as
mesmas coisas...
- Cansou de mim...
- Cansei de você... Ops, eu quero dizer, cansei do André...
Sorri de novo e baguncei o cabelo dele. Estava em uma felicidade sem tamanho! Nada iria estragar o meu dia.
- Eu fico triste – ele suspirou. – De quem eu vou encher o saco agora?!

- Logo outro coitado aparecerá solicitando a vaga. Aliás, eu vou colocar um anúncio agora!
Abri o Word, procurei um WordArt bacana e escrevi: “PRECISA-SE DE BALCONISTA”.
- Assim está bom?
- Diminui um pouco a fonte e coloca no rodapé que deve ser maior de dezesseis anos.
Fiz o que ele me pediu e quando tive a certeza de que tudo estava perfeito, imprimi uma folha e coloquei na
vitrine da locadora. No mesmo dia uma guria apareceu para saber da vaga.

Recebi várias mensagens do Fael durante todo o dia e quando cheguei a casa à noite, pensei que nos veríamos,
mas me enganei.
- Eu vou ter que ir para a Ford de madrugada hoje – ele me explicou.
- De madrugada?
854
- É que eu vou falar com o encarregado desse turno para tentar mudar de horário.
- E não vai ficar pesado por causa da faculdade?
- Vai não. Eu prefiro. Porque aí eu vou depois da faculdade, durmo a manhã toda e depois fico estudando a tarde.
É mais light.
- Entendi.
- Desculpa Eder, a gente se vê amanhã?!
- Claro, sem problema!
- Você está bem?
- Muito bem. Eu vou ser mandado embora.
- Hã? Como assim?
- Assinei meu aviso prévio hoje.
- Que chato anjo!
- Chato uma ova, eu estou é ansioso! Mal vejo a hora de sair daquele lugar.
- Titi – a Vitória falou.
- Ah, então se é assim maravilha!
- Uhum.
- Anjo eu vou ter que desligar, o meu amigo está me ligando e eu preciso falar com ele, está bem?
Amigo? Que amigo?
- Hã... Tá! A gente se fala depois então...
- Aham. Eu te amo.
- Eu mais que você.
- Beijo.
- Outro.
Ele não esperou eu dizer tchau e desligou. Eu coloquei o celular no bolso e fiquei pensando em nosso diálogo.
Ele estava mudado. Definitivamente não era o mesmo Rafael. Eu estava sentindo cheiro de coisa ruim no ar.
Alguma coisa estava acontecendo, mas eu ia descobrir o que era, ou meu nome não seria Eder Leandro Alves.

- VOCÊ O QUÊ?????? – eu ouvi o meu pai gritar e aquilo me trouxe de volta ao Planeta Terra. O que estava
acontecendo?
Eu desci e ouvi a voz da minha irmã e da minha mãe e na hora lembrei que a Giselle estava namorando. O meu
pai ia enfartar...
- Não! Eu não acredito! – ele disse, andando de um lado para o outro. – A minha menininha...
- Alexandre, controle-se! Ela está na idade e você mesmo aceitou que ela o fizesse, desde que comunicasse!
- Mas eu não pensei que seria tão cedo!
- Não é cedo pai! Você me deu o maior apoio quando eu estava ficando na escola...
- Isso era antes!
- Agora você tem que se acalmar! – minha mãe pediu. – Ela não está fazendo nada demais!
- Ela é uma criança Marina!
- Criança não!!! – ela reclamou. – Eu tenho quinze anos!
- Você é muito nova filha! – ele estava incrédulo demais.
Eu me sentei na escada. Queria assistir de camarote. Henrique e Marcus chegaram assim que eu apoiei o traseiro
no chão.
- Pai, por favor, né?
- Quem é o infeliz? Qual o nome dele? Qual é a idade? Onde ele mora? Quem são os pais? Onde você o
conheceu? Quando ele virá aqui em casa?
- Calma pai, respira! O nome dele é Gustavo, tem dezesseis anos, ele mora na Vila Olímpia e ele virá domingo!
- Tenha calma amor! – a minha mãe passou a mão na face dele.
- A minha menininha...
855
- A nossa menininha cresceu, ela é uma mulher!
Minha irmã deve ter se realizado quando ouviu aquilo.
- O Marcus pode, por que eu não posso? – ela reivindicou.
- Estava demorando! – Marquinhos sorriu.
- Porque o seu irmão é homem, ele pode. Você é menina, você não pode.
- Machista! – Giselle exclamou.
- Machista?! – ele se surpreendeu. – Menina, me respeita que eu sou o seu pai!

- Ela só disse a verdade Alê! Agora se controla, isso não é papel de pai!
- A minha menininha...
Ele andava de um lado para o outro feito uma barata tonta. Estava adorando ver aquela situação.
- Mais cedo ou mais tarde você ia passar por isso! – minha mãe falou. – Os filhos crescem, criam asas e voam.
Isso acontece com todos.
- A minha Giselle...
- Aconteceu com o Henrique, com o Marcus e agora com a Gi! – ela continuou. – Com certeza o próximo será o
Eder.
Mal sabia ela que eu já tinha criado asas há dois anos...
- Eu ainda me lembro quando você tinha a idade da Vitória! – ele falava.
- A Vitória também vai namorar um dia! – a minha mãe soltou no ar.
EPAAA!!! A Vitória? Namorar? Ia nada! Não se eu pudesse impedir!!!
Meus irmãos riram ao ver a minha cara e com isso nossos pais perceberam nossa presença!
- O que vocês estão fazendo aí? – Alexandre perguntou.
- Assistindo! – Henrique disse.
- De camarote! – Marcus completou.
- Que cara é essa Eder? Parece que viu um fantasma! – minha mãe perguntou.
- A Vivi não vai namorar! – eu cruzei os meus braços e fiz cara feia.
Só meu pai e eu não rimos do que eu havia dito. Nós nos entendíamos.
- Assunto encerrado! – minha mãe finalizou. – Traga o meu genro aqui, eu quero conhecê-lo. Ele será meu único
genro!
Ahhhhh, não seria não...
- Pode deixar mamãe! – Gi suspirou.
- Genro, genro... – meu pai bufou. – A minha menininha...

Eu achei estranho o Rafael ter me contado que iria à empresa em plena madrugada... Mas como eu não queria
encucar com nada, relevei aquela informação e me concentrei em dormir, afinal eu estava cansado, embora
estivesse muito feliz.
Quando acordei na manhã seguinte, não precisei fazer nenhum esforço para sair da cama. Eu me espreguicei
deliciosamente e fui direto no quarto da minha menina.

Ela dormia um sono tranquilo e eu tive dó de acordá-la, como havia acontecido na manhã anterior. Ela já não nos
dava tanto trabalho de madrugada como de costume.
- Bom dia Eder! – meu pai falou.
- Oi pai. Está mais calmo?
- Não consegui pregar o olho.
Giselle encolheu os ombros. Coitadinha.
- Que pena! – eu lamentei. Estava faminto. – Eu serei mandado embora da Alpha.
- Como? – meus pais se intrigaram.
- Assinei aviso prévio ontem!
- O que você fez para ser mandado embora? – o advogado da família perguntou.
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- Não fiz nada pai! O André apenas cansou do meu focinho.
- Vou ligar para ele depois.
- Ligue, ligue sim! Quem não deve, não teme!
Já que eu estava cumprindo aviso, não ia me importar de faltar ou chegar atrasado.
Quando a Vitória acordou, dei-lhe banho, dei-lhe papinha de aveia e a levei até a casa da avó materna, visto que
meus irmãos sairiam à tarde.
- Você fica com ela? – eu perguntei à Cláudia.
- Claro que fico! Quer ficar com a vovó?
- Bobó!
- O Rafael está aí?
- Dormindo. Sobe lá!
Eu sorri em agradecimento e pulei dois degraus quando estava no topo da escada. A porta do quarto do meu
namorado estava fechada, mas quando eu coloquei a mão no trinco, ela abriu lentamente.
Apesar da penumbra do quarto do meu anjo, eu consegui ver seu lindo corpo deitado de bruços,
convenientemente descoberto.
Eu me aproximei lentamente e sem fazer barulho. Quando fiquei ao seu lado, ajoelhei-me e comecei a fazer
carinho em seu rosto. Ele sorriu.
- Que surpresa gostosa você por aqui a essa hora! – ele disse, com voz de sono.
- Não queria te acordar!!! Me bastaria apenas te observar meu anjo!
- Mas não bastaria pra mim meu menino!!! Além do mais, eu sempre sinto qdo vc está perto de mim, ainda que
esteja dormindo!!!
- Desculpe, não era a minha intenção te acordar...
- Nunca se preocupe com isso!!! Eu adorei!!!
Ele fez carinho em meu rosto lentamente. Rafa estava tão lindo!
- Você sabia que eu te amo? – ele me disse.
- Eu é que te amo!
- Eu amo mais!!
- Não senhor!!! Eu te amo mais!!! – eu insisti.
- Teimoso!
- Até o fim!
- Me dá um beijo?
- Precisa pedir?
Eu aproximei os meus lábios dos dele e quando eles se tocaram, senti um calor diferente invadir o meu coração.
Era tão... Estranho tudo aquilo!!!
- Eu vim mesmo pra te ver dormindo e matar a saudade, mas já que vc acordou, aproveito pra te dizer bom dia! –
falei rindo, quando parei de beijá-lo.
- Hum... Não pode ficar mais um pouquinho? – ele fez bico.
- Posso não! Tenho que trabalhar!
- Ah! Tem alguém que está querendo falar com você...
- Alguém? Que alguém? – eu achei estranho.
Ele segurou a minha mão e colocou no colo. O pinto estava muito duro. Imediatamente minha boca encheu
d’água.
- Safado! – falei baixinho.
Fael deu um sorriso maliciosamente safado e fez com que eu apertasse o seu caralho. O meu próprio pênis
começou a criar vida e se ele não parasse com aquela situação, eu ia acabar caindo em tentação...
- Dá uma chupadinha, vai?
- E o que eu ganho em troca?
- O que você quiser...
Levantei do chão e tranquei a porta do quarto. Fael resolveu acender a luz do abajur, para que ele pudesse
857
visualizar esse momento...
Voltei à minha posição original, porém mais para o lado direito da cama e segurei novamente o pênis dele.
Estava quente, duro e com as veias salientes.
- Cai de boca! – ele sussurrou com urgência!
Eu abaixei mais o meu corpo e coloquei o pinto dentro da minha boca. Passei a minha língua lentamente pela
cabecinha e fui descendo conforme a minha necessidade exigia.
- Meu menino...
Brinquei até sentir que ele ia gozar e quando aconteceu, engoli todo o esperma, sem deixar cair nenhuma gota no
colchão. Ele gemeu baixinho.
- Eu também quero! – ele sussurrou e eu não me fiz de rogado.
Fiquei de pé, arriei a calça e a cueca e ele começou a me chupar, apoiado nos cotovelos. Sentir aquela boca em
mim àquela hora da manhã foi um presente inigualável. Era realmente daquilo que eu precisava pra começar bem
o dia!!!
Quando gozei e ele também engoliu o meu sêmen, enquanto eu gemia bem baixinho.
Antes de ir embora, nos beijamos demoradamente, sentindo a delicia do gosto um do outro, e a mesma sensação
voltou a me invadir... O que estava acontecendo afinal de contas?

Quando cheguei no emprego, percebi que Diogo estava com o humor alterado. Ele não me cumprimentou
quando entrei e mal olhou no meu rosto quando eu ocupei o meu lugar no balcão.
- Aconteceu alguma coisa? – eu perguntei.
- Não, não é nada não Eder...
- Fala Di! Pode falar, eu quero saber...
- Só o meu pagamento que ainda não caiu. Nada demais.
- O meu caiu no final da semana passada! – estranhei.
- Isso que eu não entendo! Já falei com o André duas vezes e ele ficou de depositar, mas até agora nada...
- Está vendo? Quando eu falo que quero sair, você fica perguntando por quê!!
- Acho que você tem razão, viu?
- É eu tenho sim. Ainda bem que eu estou saindo!
- Eu vou fazer a mesma coisa...
- Faça sim! Comece a procurar outro. Você é maior de idade, as empresas pegam com mais facilidade. Agora
eu... Ainda tenho dezessete...
- Vai fazer dezoito no mês que vem.
- Mas até eu conseguir outro emprego, vai ser no começo do ano que vem.
- Isso é, mas pelo menos você vai curtir o final de ano em casa e tudo mais.
- É sim. Quero viajar esse ano, já que no ano passado eu fiquei aqui em casa mesmo!
- E você quer viajar para onde?
- Qualquer lugar, o importante é viajar.
- Hum...
- Esse ano a Vitória já está mais velha, ela já pode ir conosco e tudo mais... O meu pai não vai ter desculpa!
- Sei como é.
Mesmo ele tendo me contado o que tinha acontecido, eu ainda estava achando Diogo um tanto distante de mim.
Existia algo por trás daquela situação e eu ia descobrir...

No final de semana, Fael e eu ficamos mais próximos. Ele me levou para jantar no sábado e depois que saímos
do restaurante, fomos ao cinema. Fazia muito tempo que não fazíamos aquilo.
Nós não estávamos conseguindo nos concentrar no filme. Embora ele fosse ótimo, Fael ficou me provocando e
eu já estava quase entrando em um colapso nervoso de tanta excitação.
- Para – eu pedi, quando ele colocou a mão dentro da minha calça.
- Vamos sair daqui vai...
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- E vamos aonde?
- Pro motel é claro!
Eu sorri. Fiquei com os olhos fixos na telona e quando a mesma ficou com a tonalidade escura, beijei a boca do
meu namorado.
- Vamos? – ele insistiu.
- Agora? No meio do filme?
- Já!
Ele pegou na minha mão e começou a andar pelas poltronas. Um guri pigarreou quando eu passei a sua frente,
mas eu não dei importância.
- Vem – eu falei. – Eu quero ir ao banheiro!
Puxei Rafael pelo pulso e empurrei a porta do sanitário masculino. Estava completamente vazio.
- Ai que filme chato... – ele reclamou.
- Você nem assistiu para ver se ele era bom ou não...
- Tenho algo em mente para fazer que é bem mais legal...
- É? O quê?
- Tipo – ele me empurrou até a parede –, isso aqui!
Senti uma pressão tão forte contra o meu corpo que eu amoleci as pernas. Ele sabia me pegar de jeito de vez em
quando. Minhas mãos voaram para as suas nádegas e conforme ele ia forçando o quadril contra o meu, eu sentia
os nossos paus se tocarem por cima das calças.
- Safado – eu disse sem ar.
- Você não viu nada!
Eu me dirigi a um mictório que estava próximo a nós e coloquei o pinto para fora, na intenção de fazer xixi, mas
ele me enconchou e ficou segurando meu caralho com a mão direita.
- Delícia de pau – meu anjo sussurrou em meu ouvido. – Dá ele para mim, dá?
Eu virei a minha cabeça e comecei a beijá-lo. Já tinha esquecido completamente da vontade de urinar.
- Vem aqui – ele mandou, a voz estava rouca.
- Onde?
Nem tive tempo de guardar o meu membro e ele já foi me empurrando. Quando dei por mim, nós dois estávamos
em uma cabine.
- Você é louco? E se...
- E se nada! O perigo me excita.
Fael sentou-se na tampa do vaso sanitário e colocou os dois pés nas laterais da porta do banheiro. Eu passei o
ferrolho na mesma e me aproximei. Estava com medo, mas muito excitado com àquela situação.
Ele me chupou lentamente. Eu estava indo ao delírio e quando comecei a gemer, dois ou mais rapazes entraram
no sanitário. Nós nos olhamos, mas não paramos o que estávamos fazendo.

Ele brincou com o meu pinto, passando a língua em volta da glande, enquanto eu segurava com força em seus
cabelos. Nós éramos loucos. Só podia!
- Eu quero comer uma bocetinha – ouvi um guri falar. Fael fez cara de nojo e eu sorri.
- Eu também velho – o amigo do rapaz concordou. Eles ligaram as torneiras.
- Tem uma gostosa na minha rua que está dificultando...
Eu não prestei mais atenção no papo dos garotos e concentrei todos os meus pensamentos no meu namorado.
- Eu vou gozar – falei em seu ouvido.
Rafa enterrou minha piroca em sua boca e eu comecei a jorrar o meu esperma em sua garganta. Pensei que ele
não ia conseguir ingerir tudo, mas me enganei redondamente.
- Vagabundo – eu falei bem baixinho e ele riu.
- Delicia – Fael falou.
- Shiiiiiiiiu!!! – eu coloquei a mão na boca dele. – Quer que alguém nos ouça?
- O perigo me excita – ele disse aquela frase novamente.
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- Doido!
Ele ficou de pé e meteu um beijo na minha boca. Eu senti o gosto da minha porra, mas não dei importância
àquele fato. Eu me sentei e imitei o que Fael tinha feito. Ele colocou o pênis para fora da calça e eu comecei a
chupar deliciosamente.
Minha boca envolveu tudo, enquanto eu brincava com os pentelhos do meio das pernas dele. Fiquei com os olhos
para cima e fiz cara de safado. Ele me deu uma tapa de leve no rosto e eu aumentei as minhas provocações.
Ele gozou sem avisar e eu fiquei com raiva. Engoli o leite do meu namorado com esforço, mas não derramei
nada. Quando o pau brochou, eu levantei, beijei-lhe de leve e dei-lhe uma tapinha na bunda. Rafael estava
ficando pior a cada dia!
- Vamos? – eu perguntei.
- Agora sim!
Quando ele abriu o ferrolho da porta, alguém entrou no banheiro. Eu tive que me sentar rapidamente e voltei a
erguer as pernas. Não era apenas uma pessoa. Eram várias. Provavelmente algum filme tinha acabado e os
homens foram todos de uma vez tirar a água dos joelhos.

Ficamos mais de cinco minutos sem poder sair. Quando as vozes cessaram e o barulho das descargas e das
torneiras diminuíram, ele abriu a porta lentamente e colocou a cabeça para fora. A barra estava finalmente limpa.
- A culpa é sua – eu disse.
- Vai me dizer que você não gostou?
- Adorei – respondi com cara de safado.
- Hum... Safadinho!
Nós dois lavamos as mãos e passamos água na boca. Antes de sair, eu arrumei o meu cabelo e verifiquei se os
meus dentes estavam limpos. Ninguém podia perceber o que tinha acontecido.
- Quer trident? – ele perguntou.
- É de quê?
- Menta.
O meu favorito.
- Quero!
- Só tem esse da minha boca.
- Não tem problema, eu pego...
Dei um beijo no meu namorado, mas não lhe roubei o chiclete. Eu sabia que era só uma provocação.
- Cadê?
- Cadê o quê? – ele se fez de desentendido.
- O trident!
- Você não pegou!
Eu coloquei a mão no bolso da calça dele e peguei o pacotinho de chicletes.
- Sabia que você tinha seu peste!
Ele riu e nós saímos. O shopping estava fervilhando de gente.

Estavam todos na sala. Inclusive a família do Fael. Quando a campainha tocou, minha irmã foi abrir o portão. Eu
senti o meu coração disparar. Meu mais novo cunhado estava chegando.
Quando ele apareceu, eu vi tudo ficar vermelho. Eles estavam de mãos dadas e a fisionomia de Gustavo não era
das melhores. Deveria estar assustado.
- Mãe, pai, esse é o Gustavo, meu namorado – minha irmã falou com a voz meio trêmula.
- Boa noite – Gustavo disse. A voz dele era bem máscula, embora ele ainda fosse novo.
- Boa noite querido – minha mãe o cumprimentou. – Tudo bem?
- Tudo ótimo Dona Rosana, e a senhora?
- Estou muito bem. Prazer em conhecê-lo!
- O prazer é todo meu.
860
Meu pai e ele trocaram o primeiro olhar. Pronto. Estava feito. Gustavo estava de cara com a fera.
- Boa noite Dr. Alexandre – o menino disse, erguendo a mão para um aperto.
Meu pai olhou para ele, para a mão dele e se levantou do sofá.
- Sem essa de doutor – ele não gostava. – Apenas Alexandre. Tudo bem com você, rapaz?
Ele estava rígido.
- Tudo ótimo. E o senhor?
- Bem também. Fique a vontade!
- Obrigado.
- Gú, esse é meu irmão Marcus – minha irmã falou.
- E aí velho, beleza? – meu cunhado falou, dando um toque na mão do meu irmão.
- Firme?
- Uhum.
- A namorada dele, Ana Paula – ela disse.
- Oi – ele foi dar um beijo na minha cunhada.
- Tudo bem? – ela retribuiu o beijo.
- Tudo.
- Meu outro irmão, Eder.
Agora era comigo. Eu fitei os olhos castanhos dele. Ele estava sério. Analisei cada detalhe daquele rosto. Era
bonito. Eu não tinha como negar. Mas não chegava aos pés da minha irmãzinha...
- Oi – ele disse.
Eu não respondi. Que ódio daquele guri.
- E aí? – consegui falar a muito custo.
- Certinho?
Eu apertei a mão dele.
- É está. E você?
- Bem!
Passou. Mas eu ainda ia querer ter uma conversinha com ele.
- Essa é a Natália e a minha sobrinha. A Vitória, ela é a filha do Eder!
- Que linda que ela é! Posso segurar? – ele perguntou à mãe da minha filha.
- Claro!
Minha filha foi para o colo do “tio” dela e ficou olhando pro rosto dele. Ela riu depois de alguns segundos.
- Oi princesinha!
- Papai!
- Não Vivi, o papai está aqui – eu reclamei.
Todos riram. Até o meu pai.
- Ela é muito linda – ele entregou-me.
- Obrigado.
- Oi Natália! Nem te cumprimentei!
- Oi – ela riu, dando um beijo no guri.
- Essa é a minha cunhadinha linda, a Gabrielle.
- Oi – ela disse, beijando o namorado da minha irmã. – Já ouvi falar muito de você.
- É mesmo? Espero que bem!
- Muito bem!
Eles riram.
- Eu também ouvi falar de você.
- É? Bem ou mal?
- Meio termo.
Minha irmã deu um tabefe no ombro do namorado. Eu estava gostando do guri...
- Esse é meu irmão mais velho, Henrique.
861
- Oi Ricky!
Ricky? Que intimidade era aquela?
- E aí rapaz!
Eles apertaram as mãos.
- Belezinha? – meu mano perguntou.
- Uhum. E você?
- Bem, graças a Deus!
Meus irmãos eram pipocas. Não vi nenhum dos dois chamando o Gustavo na chincha!
- Esse é o Fael, irmão da Gaby e da Natália.
- Prazer Fael – Gustavo falou.
- Prazer – meu namorado respondeu brevemente. Ele que não fosse louco de puxar papo com aquele menino!
- A mãe da Gaby, Cláudia.
- Oi moço!
- Boa noite dona Cláudia, tudo bem com a senhora?
- Dona nada, apenas Cláudia. Seja bem-vindo.
- Obrigado.
- E o Jorge, esposo da Cláudia e pai dos meninos.
- Prazer senhor Jorge.
- Prazer.
- Caramba! Quanta gente – ele riu.
- É – minha mãe acompanhou a risada. – Somos uma grande família.
Não tinha mais lugar no sofá para ele sentar, então eu dei o meu lugar. Queria mesmo trocar a Vitória.
- Fica a vontade rapaz – eu disse. – Vou trocar a fralda da minha filha e já volto.
- Obrigado Eder.
Eu só desci na hora que o jantar foi servido. Meus pais tiveram que improvisar, a mesa da cozinha não caberiam
todas aquelas pessoas.
Meu irmão mais novo e a namorada não ficaram em casa. Duas pessoas a menos. Jorge e a esposa, juntamente
com a Natty, também decidiram se retirar. No total cinco.
- Ricky eu vou sair com uma amiga, tá? – Gabrielle perguntou.
- Com uma amiga? Que amiga é essa?
- Ai, Ricky! – ela se estressou. Ainda bem que nem todos estavam ouvindo. – Não devo explicações e não estou
pedindo permissão, estou comunicando!
Meu irmão fez cara de assustado. Coitado, eu fiquei com dó!
- Está bem Gaby! Eu só queria saber quem era...
- Depois a gente conversa.
Ela se despediu do meu cunhado e saiu. Não disse tchau a mais ninguém. Ela estava estranha!
- Eu vou sair também Eder – Fael disse, assim que a irmã foi embora.
- Hã?
- Eu vou para casa, tá?
- Fica Fael, janta com a gente – eu pedi.
- Não. Obrigado. Eu vou para casa.
Ele também se despediu do meu cunhado e foi embora. Antes de sair, mandou-me uma piscadela discreta.
Suspirei sem entender. O que estava havendo com o Fael e a irmã?
- E então Gustavo, o que os seus pais fazem da vida? – meu pai sondou.
- Minha mãe é professora de inglês e meu pai é Engenheiro Químico.
- Que legal – a minha mãe aprovou. – Duas profissões muito boas!
- Uhum.
- O que você pretende fazer quando começar a faculdade?
- Administração – ele respondeu na lata.
862
Nosso jantar foi tranquilo e descontraído. Henrique e eu não tivemos coragem de atazanar a vida do nosso
cunhado. Tudo o que nós pensávamos, não estava relacionado ao Gustavo.

No meio de outubro, eu já não agüentava mais de tanta ansiedade. Eu queria que o dia trinta e um chegasse logo
para que eu não tivesse mais que ir trabalhar. Mas os dias estavam se rastejando.
André fez algumas entrevistas para a vaga, mas quem eu queria que ocupasse o meu lugar, ainda não tinha
levado o currículo...
- Traga hoje – eu disse à Arthur. – Sem falta!
- Eu vou levar Eder, tenha paciência!
- Paciência, é? Ele já vai retirar o aviso!
- Que pressa que você tem!
- Ok Arthur! Se quiser traga, se não quiser, não traga.
Eu estava começando a me irritar. Fora ele mesmo que tinha pedido para eu indicá-lo e estava embaçando para
levar o currículo. Eu não ia ajudar mais.
As coisas tinham acontecido conforme eu tinha imaginado. Paty tinha mudado para Mato Grosso do Sul e nós
não tínhamos mais contato... O mesmo aconteceu com Yuri e Denise... Após o casamento, em fevereiro daquele
ano, eles mudaram para o interior de São Paulo e ninguém mais tinha noticias. Provavelmente o menino já tinha
nascido e já estava com três ou quatro meses... Mas eu não ia correr atrás de ninguém... Não mais!
Eu estava no piso superior quando Arthur apareceu à minha frente. Eu tomei um susto com a sua aparição e
quase derrubei uma pilha de caixas de filmes que estavam em meus braços.
- Eu disse que viria – ele sorriu.
- Milagres acontecem!
- Milagre nada, você que não leva confiança em mim.
- Ah, meu filho, você disse que viria umas quinze vezes! Como quer que eu acredite numa coisa dessas?
- Idiota mesmo.
- E aí, como você está?
Continuei a arrumar os filmes nas prateleiras. Deixei todos em ordem alfabética.
- Bem e você?
- Bem também, graças a Deus.
- E a Vitória?
- Linda! Crescendo... Falando... Quase andando...
- Imagino. Você está todo bobo, né?
- Você acha que não?
Ele riu.
- Cadê, esse é o currículo?
- O próprio. É com você que eu deixo?
- Não. com o Diogo.
- O guri ali de baixo?
- Ele mesmo.
- Cara de nojento.
- É só a cara. Ele é gente boa.
- E o salário, Eder?
- Isso você vai ver com o André – não quis revelar a mixaria.
- Quem é André?
- O dono. Gerente. Sei lá o que ele é.
- Você trampa aqui tem um ano e não sabe o que o cara é.
- Normal.
- Vindo de você.
- Que é isso rapaz!
863
Eu terminei a minha tarefa e fui até a porta. Ele me acompanhou.
- Aonde vai? Vai descer?
- Não. Tenho que arrumar uns filmes aqui...
Era a sessão pornô. Quando Arthur percebeu onde nós estávamos, ficou encabulado, mas eu notei que ele estava
gostando.
- Acho bom você ir se acostumando – eu falei rindo.
- Meu Deus. Quanto filme! É tudo...?
- É. São os mais alugados.
- Normal. Os machos só pensam nisso.
- Vai pensando que é só homem que aluga!
- Sério?
- Mas menino! Um monte de mulher vem atrás desses filmes. No começo eu fiquei chocado, mas depois
acostumei.
Ele passou os olhos pelos filmes e ficou mais vergonhoso do que já estava. O volume na bermuda dele começou
a ficar maior.
- Não vai ficar excitado, hein? – eu brinquei, indo para o fundo da saleta.
- Ai Eder! – ele ficou vermelho.
- Relaxa! Quem vê pensa que a gente não tentou várias vezes assistir a esses filmes!
- Mas nós nunca conseguimos.
- Isso é um detalhe a parte – eu completei a frase dele. – Mas que nós tentamos, tentamos!
Eu sempre tinha dado sorte. Nunca tinha conseguido assistir filmes eróticos com os meus amigos e, de tanto que
enrolei meu irmão mais novo, ele acabou desistindo.
- E aí, e as namoradas? – eu perguntei.
- Parado. E você?
- Também.
- Uhum. E a faculdade? Começa quando?
- Só Deus sabe. Não tenho intenção de começar agora não. E você?
- Eu até tenho, mas não sei qual curso.
- Estou ligado.
Um rapaz jovem e bonito entrou na sala. Ele ficou meio sem graça ao ver eu e meu amigo ali.
- Eder eu tenho que ir – Arthur anunciou.
- Beleza mano! Deixa o currículo lá embaixo com o Diogo.
- Pó deixar! Abraço!
- Outro.
Meu amigo desceu as escadas e quando eu estava distraído, senti alguém tocar no meu ombro. Um arrepio
percorreu todo o meu corpo e eu fiquei assustado.
- Desculpe – o homem disse, com vergonha. – Eu te assustei?
- Não, não foi nada.
- Você trabalha aqui?
- Uhum. Posso ajudar?
- É que...
Dava para perceber de longe que ele estava com muita vergonha. Mas vergonha do quê?
- Pode falar, não fica com vergonha não! – como eu era descarado.
- Aqui tem filmes pornôs gay? – ele desembuchou.
Então era aquele motivo? Safado!
Eu sorri compreensivamente e indiquei a prateleira. Ele se virou e disse:
- Ah, obrigado...
- De nada!
- Não é o que você está pensando não, é que eu...
864
- Relaxa velho! – eu sorri. – Você não tem que dar explicação da sua vida para mim não!
- Mas sabe como é...
- Relax cara!
- Ah... Valeu – ele riu.
- Fica a vontade – eu disse e continuei arrumando os heterossexuais nos seus devidos lugares.
Passei meu olho por um filme de um ator muito conhecido e senti o meu estômago embrulhar. Aquele marrento
moldado a macho não tinha nada de gostoso. Só podia acabar a carreira fazendo filme pornô para certo tipo de
pessoas se divertirem aos finais de semana... Era só o que me faltava!!!
- Garoto?
- Hum?
- Esses daqui são quanto?
Eu me virei e passei o olho pela capa do DVD. Aquele sim era um cara gostoso!
- Dois reais.
- Baratinho.
- Promoção – eu expliquei.
- Ah!
Eu não dei atenção ao garoto. Tinha muito serviço a ser feito naquele lugar, mas eu não estava nem um pouco
apressado.
Deixei a minha ansiedade de lado e me concentrei completamente no meu Rafael e na minha Vitória. Ela, a cada
dia que passava, aprendia algo diferente. Antes de completar um ano e dois meses, eu comprei um andador rosa
para a minha filha. Já estava na hora dela dar os primeiros passinhos.
Foi a festa do domingo à noite. Todos sentaram-se em um lugar da sala e ficaram olhando ela se movimentar.
- Aqui Vitória – meu irmão mais novo disse.
- Não Vivi, vem aqui – a Natty pediu.
- Vem com a vovó meu amor – a minha mãe chamou.
- Vem com o papai, vem? – eu abri os braços e ela me olhou.
Ela sabia patinar direitinho no chão, mas sair do lugar que é bom, nada.
- Vem filha...
- Vai Vivi – meu pai encorajou-a.
Ela deu um grito alto para o avô e riu.
- Vem Vitória!
Eu me levantei do chão e fui até a minha pequena pessoinha que não parava de crescer.
- Deixa o papai te ajudar.
Eu segurei nas duas mãozinhas dela e fui caminhando bem devagarzinho até o meu irmão mais velho.
- Vem mais o padrinho!
Ela deu risada e quando chegamos perto do meu irmão, fez o maior escarcéu.
- Quer chocolate? – ele perguntou, colocando a afilhada no colo.
- Você estraga a minha filha – Natália reclamou.
- Os tios são para essas coisas.
Fael estava alienado. Parecia que ele estava em outra galáxia, em outra sintonia. Eu me aproximei lentamente e
disse no seu ouvido:
- Planeta Terra chamando!
- Ai meu! Quer me matar de susto!
Ele ficou irritado. Eu percebi pela fisionomia do rosto angelical. Desfiz o meu sorriso e fitei os seus olhos. Algo
estava acontecendo.
- O que está acontecendo?
- Nada Eder – ele suspirou. – Não é nada. Absolutamente nada.
- E eu sou tonto, por acaso?
Resolvi não me estressar e voltei a brincar com a minha filhota. Quando passei com o andador perto da Gabrielle,
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captei que ela estava idêntica ao irmão. O que se passava naquela família?
A campainha tocou e eu olhei em meu relógio. Quem seria àquela hora da noite?
- Eu abro – minha irmã disse.
Gustavo se encolheu no sofá. Ele ainda estava tímido. Em meio minuto a minha irmã voltou.
- Marcus é aquele menino. O Richard!
Aquele veadinho de novo? Por que aquele garoto não deixava o meu irmão em paz?!

Todos nós olhamos para o meu irmão mais novo e ele ficou sem saber o que fazer. Minha irmã voltou para o lado
do namorado e eles se abraçaram. Eu senti o meu coração latejar um pouquinho, ainda estava me acostumando
com aquela situação.
- Não vai atender? – Ana perguntou.
- Não – ele respondeu de cara fechada.
Meu pai ergueu as duas sobrancelhas e Henrique apenas uma.
- Eu pensei que esse assunto já tivesse sido solucionado – Alexandre disse.
- Eu também pensei – Marcus suspirou.
- Quer que eu vá falar com ele? – eu perguntei.
- Não, deixa, eu vou – ele levantou-se.
Ana ficou observando com ar de curiosidade. Será que Marquinhos tinha contado a namorada o que estava
acontecendo?
- Eu vou ficar de olho – coloquei a Vitória no sofá e me levantei. – Eles podem brigar.
Andei sorrateiramente até a garagem e me escondi atrás do carro do meu pai. Não precisei fazer nenhum esforço
para ouvir o que eles estavam conversando.
- Eu já disse para você me deixar em paz – Marcus falou.
- Mas eu te amo Má!
Até eu estava com ódio daquele garoto!
- Richard, entenda uma coisa – Marcus estava tentando de tudo para não se estressar –, eu não gosto de garotos,
tá legal? Entende isso de uma vez por todas, eu não recrimino nem nada, mas não eu não curto! Sacou?
- Você curte sim Má!
- Não, eu tenho namorada, eu gosto de mulher e não de homem! Procura outra pessoa e vê se me deixa em paz!
Eu me aproximei um pouquinho.
- Me dá um beijo, amor...
- Nunca!
Eu fui mais próximo...
- Para de besteira Marcus...
- Se você não parar com isso Richard, eu vou ter que apelar para força física!
Aquele moleque não era apenas teimoso, ele só podia ter problema mental. Qualquer um era capaz de entender o
meu irmão.
- Sai daqui – Marcus falou com a voz mais alta.

Eu cheguei bem próximo aos dois e notei que Richard estava tentando beijar Marquinhos, até que... Os lábios
deles se tocaram.
Eu parei na hora. Meu irmão empurrou Richard com tanta força que o garoto capengou pela calçada.
- Marcus – eu falei.
Ele se virou para mim com os olhos arregalados. Ele estava com cara de nojo!
- O deixe comigo – eu pedi.
O garoto sem noção apareceu no meu campo de visão. Ele estava diferente. Muito diferente. Ele já não usava
óculos, o corpo estava definido, já não existiam espinhas e ele não era tão nanico. No lugar daquele garoto que
não tinha uma boa aparência, estava um rapaz bonito. Mas não lindo.
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- Não Eder, eu é que tenho que resolver isso.
- Entre – eu mandei.
- Mas Eder...
- Entre – eu não ia repetir de novo.
- Oi Eder – o chato disse.
- Ora, ora, quem eu vejo? Mudou, hein rapaz!
- Mudei para o meu amor!
- Eu não vou pedir para você entrar de novo Marcus!
Saí na calçada e fiquei observando o garoto por completo. Ele realmente havia mudado em tudo.
- Você pode vir comigo, Richard? – eu sabia muito bem onde levá-lo.
- Com você?
Eu não pedi novamente e comecei a puxar o moleque pelo braço. Usei de toda a força que eu tinha, ele era um
pouco pesado. Não sei se alguém estava olhando para mim e também não importava o que as pessoas pensariam,
eu só queria me livrar daquele moleque de uma vez por todas.
- Ai você está machucando o meu braço!
- Pouco me importa – a raiva estava com força total.
Eu virei à direita e entrei em uma rua grande. Meu destino final estava perto.
- Onde você está me levando? O que nós vamos fazer?
- Cala a boca! – eu ordenei.
Em determinado momento eu não precisei mais fazer força para puxar Richard, ele estava andando por conta
própria, então, diminui a brutalidade, mas não o larguei por completo.
Eu senti um calafrio percorrer a minha espinha, no mesmo momento em que minhas mãos e meus pés ficaram
completamente gelados.
- Solta – ele pediu.

- Já, já.
Virei novamente à direita e cheguei na rua que eu queria. Avistei o beco na diagonal e me dirigi até lá. O frio não
me abandonou um segundo sequer.
Eu empurrei o menino para o beco e ele ficou encostado contra a parede.
- Escuta aqui moleque – eu tive que criar coragem, estava sentindo uma má vibração –, eu não sei quem você é,
eu não sei o que você é, eu não sei o que você quer, mas você não vai conseguir destruir a minha família!
Outro arrepio percorreu a minha espinha. Ele tinha alguma coisa negativa.
- Eu não sei do que você está falando – ele se defendeu.
- Sabe! Você sabe muito bem do que eu estou falando. Eu sinto algo muito negativo vindo de você. Não sei e não
quero saber do que se trata, mas de uma coisa eu quero que você fique sabendo: meu irmão não é para você! Ele
já te disse um trilhão de vezes que não curte esse tipo de coisa e você fica insistindo, então eu só vou te avisar
uma vez... Se eu ficar sabendo que a sua sombra chegou perto do meu irmão de novo, você vai se arrepender do
de ter nascido!
- Isso é uma ameaça?
- Entenda como você quiser! E agradeça por eu não ter chamado o meu pai para falar com você. Se você
continuar insistindo, ele vai ter que ir na sua casa conversar com a sua mãe.
- O Marcus não sabe onde eu moro.
- Ah, não? Isso não é nada difícil de descobrir.
- Eu me mudei.
- Não importa! A gente descobre. Some da vida do meu irmão, some da minha família! Entendeu?
- E se eu não quiser?
Estava falando grego? Eu senti alguém atrás de mim, virei o rosto, mas não vi nada.
- Deus está ao meu lado – eu sussurrei de olhos fechados. Alguma coisa estava ali. Eu sentia.
- O quê? – ele não entendeu.
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- Nada – eu falei com a voz mais grossa que antes. – Eu não vou repetir.
Ia saindo do beco escuro onde tinha levado Richard, mas ainda estava sentindo algo atrás de mim.
- Posso fazer uma pergunta?
Ele estava calado e de olhos fechados.
- Richard?

- Silêncio – ele pediu.


Era ele. Eu tinha certeza que aquela má vibração vinha dele. Sempre que eu me aproximava dele ficava
vulnerável... O que ele estava fazendo?
- Eu não vou desistir – ele disse baixinho –, enquanto eu não conseguir o que quero.
- E o que é que você quer? – eu o desafiei.
- O Marcus. Eu quero o Marcus.
- Quem é você?
- Eu sou o Richard – ele ainda estava com os olhos fechados.
- Tem certeza?
Ele riu.
- Tenho sim. Você não vai conseguir me afastar do seu irmão Eder.
- Vou. Eu só não vou conseguir como já consegui!
- Não, você não conseguiu. Ele vai vir até mim...
- Não ele não vai.
Mais um arrepio.
- Veremos se não!
- Eu não tenho medo de você – falei –, nem meu irmão, nem ninguém da minha família...
- Deveriam.
- Por quê?
- Você não me conhece Eder.
- Nem quero conhecer.
- Viu como você tem medo de mim!
- Não eu não tenho medo de você. Eu não preciso ter medo de você. Por que você não vai me fazer nada.
- Será que não?
- Não, não vai.
- Eu já fiz.
Ele era louco? Só podia.
- Não fez não. Eu tenho fé em Deus que você vai desaparecer.
- Não coloque esse ser no meio disso tudo Eder.
Eu sabia!
Coloco sim. Acima Dele, ninguém!
- Você é que pensa.
- O meu recado já foi dado – eu avisei novamente. – Se aparecer na minha casa novamente, a coisa vai ficar feia
para o seu lado.
- Eu estou na sua casa – ele riu.
Senti mais um arrepio.
- Deus está na minha casa!
Deixei Richard sozinho e comecei a regressar ao meu lar. Minhas mãos e meus pés estavam muito frios e
pareciam que não iam esquentar tão cedo.
Então era aquilo. Era por isso que ele era tão insistente. Ele tinha algo negativo, muito negativo junto dele... Mas
o que quer que fosse não conseguiria destruir o meu irmão. Nem a minha família. Eu precisava de um banho.
Precisava esquentar as mãos. E pensar. Pensar em um jeito de tirar aquela coisa de perto do Marcus de uma vez
por todas.
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Quando eu entrei na garagem, Gustavo e a namorada já estavam saindo.
- Já vai mesmo Gustavo? – minha mãe perguntou.
- Já sim dona Rosana.
- Marina – minha irmã suspirou.
- Desculpe! Desculpe dona Marina! Eu estou acostumado a chamar de Rosana... Perdoe-me!
- Não se preocupe meu querido – minha ame sorriu. – Eu entendo!
- Desculpe – ele estava muito vermelho.
- Eu lembro na primeira vez que você veio aqui – ela gargalhou –, pensei que a Giselle tinha falado meu nome
errado a você.
Ele acabou rindo.
- Minha ex-sogra...
- Logo imaginei – minha mãe gargalhou de novo. – Volte cedo filha!
- Pode deixar mãe.
- Tchau Eder.
- Falou aí, cunhado!
Eles saíram e eu fechei o portão.
- Está tudo bem Eder? Cadê o Richard?
- Eu o levei até lá em cima para ter uma conversinha. Olha as minhas mãos como estão.
Segurei nos braços da minha mãe e ela arregalou os olhos.
- Que mãos geladas!
Expliquei tudo o que aconteceu e ela só assentiu. Ela compartilhou da mesma opinião que eu.
- A gente tem que trabalhar em conjunto – ela deduziu.
- É sim. Foi algo muito forte. Preciso tomar um banho...
Marcus não estava na sala e eu não perguntei pela sua ausência. Dei um beijo na minha filhota e subi direto para
o banheiro, precisava de uma ducha, eu corpo pedia por água.

Quando desliguei, senti meu corpo renovado. Parecia que eu estava limpo de qualquer coisa que fosse. Era uma
sensação muito boa, mas os meus pés ainda continuavam frios.
Eu coloquei a minha cueca favorita. Queria ficar bonito para o meu namorado. Separei uma bermuda de tactel
preta e uma regata branca. Aquele par ficaria perfeito. Entupi os meus braços de desodorante, passei meu creme
anti-acne, fiz moicano nos meus cabelos, escovei meus dentes, passei fio dental, enxagüei com Listerine e sorri.
Pronto. Tudo feito.
Antes de descer, voltei ao quarto e passei perfume. Me olhei no espelho novamente, arrumei a minha correntinha
que estava torta e por fim saí.
- Vai sair Eder? – minha mãe perguntou.

- Que gatinho – meu irmão mais velho brincou.


- Idiota – eu ri. – Vou levar a Vitória para a mãe.
- E esses braços? – meu pai perguntou.
- O que tem eles?
- Estão maiores...
- Ainda bem! – eu sorri satisfeito da academia estar dando resultado.
- Você está ficando gostosão! – Henrique analisou.
- Vai se lascar Henrique! – eu ri e peguei a minha filha. – Vamos para a mamãe, vamos?
- Mamãe?
- É!
Ela me abraçou e deitou a cabeça no meu ombro esquerdo. Tão linda!
- Ela está grandona – minha mãe suspirou.
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- Está enorme – eu concordei.
E pesada. A cada dia ela ficava mais pesada. Eu abri a porta e desci pela garagem. O portão estava emperrado,
mas depois de algumas tentativas eu consegui empurrá-lo.
- Papai?
- O que foi?
- Mamãe!
- A gente já vai na mamãe, meu amor!
- Mamãe... Fio papai... Fio...
Frio? Mas estava tão quente! Como ela estava sentindo frio?
- Calma – eu falei. – O papai está aqui com você.
Eu coloquei a mão no pezinho dela e senti o mesmo como uma pedra de gelo. Coitadinha da Vitória, ela estava
sentindo a mesma coisa que eu. Mas ia passar.
Eu adorava quando o portão da casa da Gaby estava aberto. Era mais prático. Eu bati na porta duas vezes e fiquei
esperando alguém abri-la. Levei um susto quando meu sogro a abriu!!!. O figura estava sem camisa. Ridículo! A
barriga não parava de crescer. Parecia que ele estava grávido de nove meses. Acho que ele pensava que era
bonito ser feio. Só podia. Eu não conseguia entender como aquele homem podia ter filhos tão lindos... Com
certeza só podia ser mérito da Cláudia!!!

- Oi Jorge!
- Cadê a Vitória?
- Bobô!
- A Natty está no quarto?
- Está. Pode subir.
- Obrigado.
Eu subi as escadas lentamente. Quando cheguei no corredor, percebi que o quarto do Rafael estava com a porta
entreaberta, mas eu não podia entrar com a Vitória nos braços, tinha que entregá-la à mãe primeiro.
- Natália?
- Oi Eder. Filha!
- Mamãe! – Vivi esticou os bracinhos e a mãe a segurou no colo.
- Meu amor – ela beijou a nossa filha na testa. – Nossa Eder, ela está gelada!
- Com esse calor todo – eu suspirei. – Mas vai passar. Agora vai passar.
- Como assim?
- Nada. Não é nada. Ela vai se esquentar. A coloque no berço – eu pedi.
Natália estava cada vez mais magra. Ela já conseguia usar uma blusinha de alça e era perceptível a sua mudança
física. Já não possuía uma barriga tão grande como outrora e as pernas estavam cada vez mais grossas. Estava
ficando linda de novo.
- O seu irmão está no quarto?
- Sei lá. Acho que está!
- Vou lá falar com ele.
- Uhum. Ela vai dormir aqui.
- Eu sei. E prefiro.
- Perfeito.
Eu dei menos de dez passos no corredor e parei antes de entrar. Ele não estava sozinho. Colei a minha orelha na
porta. Quem estaria ali com o meu namorado?
- ... Não sei...
- Relaxa – um garoto pediu.
Relaxa? Como assim relaxa?

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Eu abri uma fresta da porta, mas não tive uma visão ampla do quarto. Senti o meu estômago gelar aos poucos. O
que estava acontecendo?
- Fael? – eu entrei no quarto de supetão.
Mas era melhor não ter feito aquilo. Meu chão desapareceu. Ele estava na cama com um garoto. E eles estavam
abraçados. Meu coração parou naquele exato momento. Traindo. Rafael estava me traindo.
Como ele foi capaz daquilo? Como ele conseguiu fazer aquilo comigo? Por que ele estava fazendo aquilo com a
minha pessoa?
- Eder não é...
Eu não conseguia andar. Senti o meu corpo pouco a pouco voltar para o fim do poço e os meus olhos foram
encobertas pela escuridão. Ele tinha outro. Então era aquilo... Eu não queria saber de mais nada. Apenas do breu
que estava ao meu redor. Doía. Doía mais do que nunca. Era uma dor um milhão de vezes maior que a anterior.
Era diferente. Eu estava sangrando. Não pelo fim de meu namoro. Mas por ele ter me traído...

- Eder – meu namorado levantou-se e começou a andar até onde eu estava –, Eder não é isso...
- Quem é ele? – eu perguntei.
Rafa estava sem camisa. Os mamilos estavam eriçados. Eu olhei para o volume da bermuda e se já não bastasse,
ele estava excitado!
- Calma...
- Quem é ele? – eu não estava com paciência para brincadeiras.
Eu não sabia mais o que fazer. Meu coração estava partido em milhares de pedacinhos e a minha barriga parecia
ter todo o gelo da Antártida no meio do meu aparelho digestivo... Que cafajeste!
- Ele é o Rodrigo, Eder... – Fael disse. – Ele trabalha comigo...
- Eu acho que vou embora – o rapaz disse. Ele se levantou. Estava apenas de cueca.
De cueca!! Eu ri. Foi o que eu consegui fazer. Ri e balancei a cabeça negativamente. Eu não estava acreditando.
As minhas mãos começaram a tremer. Eu senti vontade de chorar. Vontade de gritar. Como ele fora capaz?!
- Não é o que você está pensando – Rafael tentou disfarçar. – Nós só estávamos conversando!
- Por que você não fala a verdade de uma vez por todas? Por que você não fala o que vocês estavam fazendo? Ou
iam fazer...
- Nós... – Rodrigo tentou intervir.
- Cala a sua boca que a conversa não chegou aí ainda – eu não conseguia tirar os olhos do Rafael.
- Eu vou embora – ele disse.
- Você fica – eu ordenei.
Fael não sabia o que fazer. Eu conseguia sentir o nervosismo que ele estava sentindo. Eu não precisava ouvi-lo
falar para poder compreender os seus sentimentos. Era visível. Até mesmo um cego era capaz de enxergar àquilo
tudo.
- Fala Rafael – a minha voz estava trêmula. Mais de raiva do que de tristeza. – Confessa de uma vez por todas!!!
Ele olhou para mim e abaixou a cabeça em seguida. Eu sabia. Não tinha o que ele negar. Não tinha por que ele
negar. Estava na cara o que ele tinha feito.
- Eu... Eu não queria... Foi... Foi mais forte... Mais forte do que... Do que eu...
- Mais forte do que você? – eu estava muito cínico. – Ah, que lindo!
Eu comecei a aplaudir.

- Nossa que belo espetáculo! O palhaço acabou de chegar – eu continuei.


- Não fala assim Eder...
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- Não fala assim? – eu tinha que controlar o meu tom de voz. A casa não estava vazia. – E você quer que eu fale
como? Por que eu sou o palhaço! Sou o idiota... O trouxa traído! Mas tudo bem... Eu já estava desconfiado! Deus
é tão justo comigo que me fez pegar no flagra!
- Eder, por favor, vamos conversar a sós...
- Eu vou sair Fael...
- Você fica seu filho da... Rodrigo! O que eu quero falar vai ser aos dois.
- Eder... Desculpa Eder... Perdão...
Eu só fiz rir. Mas queria chorar.
- Não adianta pedir desculpas depois de ter feito Rafael. Não adianta! Eu não sei nem o que eu estou fazendo
aqui ainda...
- An... Eder... Anjo... Vamos conversar...
- Nós não temos nada para conversar Rafael – eu já não tinha mais chão. Todo o meu cinismo tinha ido embora.
E a dor tinha me consumido. Uma lágrima caiu.
Ele me olhou. Estava com a face desesperada.
- Desde quando?
- Eder...
- Desde quando? – eu precisava saber.
- Fazem duas semanas – Rodrigo respondeu a minha pergunta.
Eu fitei o rosto do meu anjo. Como ele fora capaz? Como?
- Por quê? Por que você pediu para voltar comigo então? Queria me fazer de idiota, não é?
- Não amor...
- Amor uma ova! Meça bem as suas palavras antes de falar comigo...
- Por favor, Eder... Eu não queria...
- Se não quisesse não teria feito!!!
Como doía.
Ele se aproximou de mim e tentou me tocar. Eu me afastei.
- Faça bom proveito – eu falei ao amante do Rafael. – Faço votos que vocês sejam muito felizes!
- Não Eder, pelo amor de Deus...
- Está tudo acabado Rafael. E dessa vez é para sempre. Eu não volto com você nunca mais!
“Nunca mais...”...

Aquela frase ecoou em minha mente com tanta força que a minha cabeça começou a doer.
- Meu an... Anjo... Por favor!
Ele me abraçou. Eu deixei os meus braços caírem. Estavam pesados. Outra lágrima desceu.
Rafael afastou o rosto do meu. Estava chorando também.
- Eu te amo!
Foi como um reflexo. A palma da minha mão ardeu. Vê-lo com o pescoço torto e o rosto virado fez a minha dor
aumentar. Era a primeira vez que eu fazia aquilo com uma pessoa. E não queria que fosse com ele...
- Não quero ver você nunca mais! – eu joguei as palavras ao vento com todas as forças que consegui juntar. –
Sejam muito felizes!
Abri a porta do quarto e desci as escadas correndo. Quando passei pela sala, Jorge ficou me olhando, mas eu não
dei bola. Girei a chave na fechadura e escancarei a porta da entrada. Já estava anoitecendo. Meu coração estava
menor do que um grão de areia. Será que eu ia conseguir passar por àquela situação e sair ileso?
Aquela era uma resposta que eu não conseguiria responder. Talvez só o tempo dissesse a resposta. E olhe lá.

Deixar o meu corpo cair sobre o edredom da minha cama foi tudo o que eu consegui fazer. Estava rezando para
ninguém ouvir o meu soluço. Por que, Rafael, por quê?!
Bem que o tempo podia parar. Bem que os meus pensamentos podiam congelar, o meu coração estagnar, a minha
respiração falhar... Bem que eu podia... Morrer...
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Chorar era tudo o que eu podia fazer. Traído. Eu nunca imaginei que o Fael faria aquilo comigo.
Senti uma mão tocar o meu ombro, mas não me virei. Não queria que ninguém me visse chorando. Eu engoli o
soluço que ia sair e funguei o nariz duas vezes. Estava completamente arrasado.
- O que aconteceu? – meu irmão perguntou bem baixinho.
Marcus estava com a voz muito triste. Ele também estava passando por algo ruim? Será que tinha brigado com a
namorada?
- Ai Marcus – eu choraminguei.
Um ombro amigo e irmão era o que eu mais precisava. Sentei na cama e caí no abraço de Marquinhos. Estava tão
quente!
- O que foi Eder? – ele se assustou.
- Ai como dói Marcus!
- O que dói Eder?
- Meu... Meu coração!
- O que aconteceu?
Ele afastou-se de mim e ergueu o meu rosto. Os olhinhos de Marcus estavam tristes.
Não consegui responder. Só em pensar em falar o que eu tinha visto doía mais e mais. A dor parecia tão surreal!
- Não consigo...
- Shiiiiiiiiu – ele pediu silêncio. – Então não fala. Chora! Vai te fazer bem.
E foi o que eu fiz. Uma, duas horas... Não sei ao certo quanto tempo passou. Sentir o carinho do meu irmão mais
novo foi reconfortante, mas não estava fazendo com que o sentimento passasse.

- O que está acontecendo? – era meu outro irmão. Eu abri meus olhos lentamente. A claridade me incomodou um
pouco.
- Eu não sei – Marcus respondeu. – Ele dormiu faz uns quinze minutos.
- Ricky – a minha voz estava mais grossa que o natural.
- Eder! O que você tem, mano?
- Ai Henrique!
- Fala maninho, o que está acontecendo com você?
Eu já não chorava, mas sentia o meu peito em chamas e os meus olhos em brasa. Tudo estava muito embaçado.
Meu nariz estava entupido, a minha boca salgada e o meu rosto molhado.
- O que você tem Eder? – Marcus pressionou-me. – Se abre com a gente.
Demorou, mas quando eu tive forças, falei tudo de uma vez.
- CANALHA! – Henrique gritou.
- Eu vou MATAR o Rafael – Marquinhos revoltou-se por outro lado.
- Não! Não, não façam nada, por favor... – as lágrimas tinham recomeçado.
- Eder! Ah, Eder! – Henrique correu e me agarrou. – Ai, meu irmãozinho... Não fica assim!
- Nós estamos com você – Marquinhos ficou próximo a mim. – Unidos a gente vai passar por isso...
- O que você tem? – eu perguntei.
- Nada – ele tentou disfarçar. – Não é nada demais. Não é importante.
- Fala – Henrique mandou.
Ele balançou a cabeça negativamente.
- Não está acontecendo nada. Só estou chateado por causa do idiota do Richard!
Mas não era aquilo. Eu sabia que não era. Tinha algo por trás daquele rostinho angelical, mas ele não ia dar o
braço a torcer.
- Eder, quer sair um pouco?
- Sair? – eu achei estranho.
- É! Só nós dois. Eu e você!
- E para onde?
Sair seria uma boa ideia ou não?
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- Meu amigo inaugurou uma boate GLS semana passada. Eu posso ligar para ele...
Boate? GLS? Eu? Henrique? Nós dois? Em uma balada gay? Era piada?
- Eu posso ir também? – meu irmão mais novo sempre era deixado de lado.
- Não sei. Você é muito criança...
- Criança? – eu suspirei. – De criança não tem nada! Ele é apenas muito novo!
- Obrigado Eder.
- Eu posso ver com o Luciano. Mas não sei se ele vai deixar.
- Você quer ir Eder? – Marcus perguntou-me.
- Quero – eu decidi.
Se não me fizesse bem, mal não me faria!
- É assim que se fala! Esquecer um pouco dos problemas. Eu vou ligar para o Luciano! Já volto.
Meu irmão mais novo me agarrou de novo. Ele deu um beijo na minha testa e secou as minhas lágrimas.
- Eu sei o quanto isso dói.
- Como você pode saber? Você não tem ideia do quanto eu estou sofrendo.
- Sei. A Ana terminou comigo Eder.
Só podia ser aquilo mesmo.
- Ai Marcus! Sério? Por quê?
- Eu expliquei a ela o que estava acontecendo com o encosto do Richard. Ela não entendeu.
- Ai maninho! Eu sinto tanto...
- Eu estou bem – ele deu um sorriso amarelo. – Não gostava dela como você gosta dele. Eu estou bem. Só me
sentindo um pouco incompreendido.
Naquele momento foi a minha vez de consolá-lo. As coisas em minha casa estavam piores do que eu imaginava.
- Vai dar tudo certo – eu prometi por nós dois. – Deus há de nos ajudar nesse momento.
- Pronto – meu mano mais velho entrou em meu quarto. Já estava sem camisa. – Ele permitiu que você vá,
Marcus.
- Que bom – ele deu um sorriso amarelo.
- A Ana terminou com ele – eu disse.
- Putz! O que está acontecendo nessa casa? Alguém fez mandinga para a gente? Não é possível!
- Fizeram – eu respondi, uma lágrima desceu. – Mas não vai durar por muito tempo.

- Vocês vão sair? – a minha mãe achou estranho.


- Vamos – Henrique respondeu. – Só nós três.
- E eu posso saber onde vocês vão? – meu pai perguntou.
- Shopping – Marcus respondeu.
- Cinema – eu reforcei e tentei deixar a voz firme.
- E por que os três estão com essas carinhas tristes?
- É que eu briguei com a Ana.
- E eu com a Gaby.
- E eu com a Natty.
- Nossa Senhora da Aparecida! Quanta briga! – meu pai achou aquilo muito estranho.
- Pois é – Henrique suspirou.
- A gente volta mais tarde – Marcus prometeu.
- Não demorem – minha mãe pediu.
- Marina! Deixe os meninos se divertirem! Eles precisam espairecer um pouco! Podem ir filhos!
- Obrigado pai – nós três falamos ao mesmo tempo.
- Não demorem – a minha mãe insistiu.
- Marina... – Alexandre ameaçou.
- O que é Alexandre? Eu posso cuidar dos meus filhos ou nem isso eu posso fazer?
- Eu apenas quero que você pare de ser super protetora. O Henrique tem 21 anos, ele vai saber cuidar do Eder e
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do Marcus. E outra coisa, o Eder vai ficar maior de idade daqui a alguns dias, já está na hora de começar a sair de
casa um pouco. Desde que a Vitória nasceu, eu não vejo esse menino fazer outra coisa a não ser cuidar da filha.
Ele tem todo o direito de se divertir. Vá Eder, vá com os seus irmãos! Pode demorar o quanto vocês quiserem!!!
Ele estava bem? Será que estava bêbado? Só podia. Eu até tinha esquecido do Rafa naquele momento.
- Valeu pai!
- Vamos? – Henrique chamou-nos.
- Uhum – Marcus falou.
- Tchau pai – eu disse. – Tchau mãe.
- Não demorem! – ela insistiu.
Ouvi meu pai bufar. Mas nem eu, nem meus irmãos esperamos para ver o que ia acontecer. Até os meus pais
estavam se desentendendo. ..
Nós três batemos as portas ao mesmo tempo. Eu deitei no colo do meu irmão mais novo e fiquei fitando o teto do
carro do Ricky. Ele acelerou quando o automóvel fez a curva na esquina.
- Eu não entendo – falei.
- O que você não entende?
A dor estava tão forte!
- Como ele foi capaz...?
Mas as lágrimas não caiam mais. Não naquele momento.
- Ele é um covarde de quinta categoria! – Henrique exclamou.
- Do que você está falando? – eu sondei.
- Como ele teve coragem de trair um homem tão perfeito como você?
- Do mesmo jeito que você teve para trair a Gaby?
- É diferente!
- Não sei em quê!
- Sem brigas – Marcus pediu. – Gente, esqueçam disso hoje? Por favor?
- O Marcus tem razão – Henrique bufou.
- Tem sim – eu concordei. – Abre o vidro Marcus!
Nós três estávamos bem parecidos. Todos de pólo e jeans. A única coisa que mudavam, eram as cores e os
modelos dos tênis.
Não sabia para onde nos íamos e também não estava me importando com aquele detalhe. Tudo o que eu queria
era beber. E esquecer do que eu estava sentindo. Esquecer do que eu era incapaz de esquecer. Esquecer do meu
maior vicio. O meu Rafael.

Eu já estava com as lágrimas escorrendo quando nós chegamos. Marcus também estava chorando e nós tivemos
que nos recompor para poder descer.
- Força – eu disse a ele. – Nós vamos passar por cima disso.
- Vamos! Nós vamos sim! Juntos...
- Até o fim!
Dei um abraço nele. Era a primeira desilusão amorosa do meu irmão.
- Vamos? – Henrique perguntou.
- Vamos – nós respondemos.
Respirei fundo e abri a porta. O som era audível da rua. Eu vi muitos homens parados à frente do
estabelecimento. A noite prometia!
- RG – o guarda pediu.
Eu e meus dois irmãos tiramos os documentos das carteiras.
- Sinto muito – o segurança disse –, não é permitido a entrada de menores de idade.
Eu e Marcus olhamos para Henrique.
- Somos convidados do Luciano!
- Lamento. Eu não posso permitir a entrada de vocês.
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Henrique tirou o celular do bolso. Ele digitou um número e colocou no ouvido.
- Luciano? Henrique. Tudo. Não querem deixar os meus irmãos entrarem, cara! Ah, beleza... Valeu velho...
Ele desligou e olhou para Marcus.
- Você estará sob a minha responsabilidade. Se comporte!
- Eu vou me comportar – ele fez bico.
- Acho bom.
- Vamos entrar agora? – eu perguntei.
- Meu amigo vem nos buscar.
- Hum...
Ele estava em todas as partes. Qualquer guri que eu via, lembrava do Fael. Eu olhei por todos os lados e vi
muitos homens se beijando. Senti vontade de choras, mas travei os meus dentes com tanta força que consegui
impedir as lágrimas de caírem teimosamente...
- Ricky – um rapaz chamou.
Eu olhei para trás. Será que aquele gato era o Luciano?
- E aí Luciano!
Eles apertaram as mãos.
- Tudo joia?
- Firmeza – Henrique disfarçou. – Parabéns pelo lugar, hein? Dá para notar que é nota dez!!
- Ah, valeu! Seus irmãos?
- É! Eder e Marcus.
A gente se fitou pela primeira vez. Ele era muito bonito. Barba por fazer, másculo e malhado. Não era nada
ruim...
- Tudo bem?
- Indo – eu respondi.
- Mais ou menos – Marcus suspirou.
- Eita! Ânimo gurizada! Vamos entrar! Tudo por conta da casa hoje!
- Valeu Luciano! Valeu mesmo – Henrique agradeceu.
- Que nada. Os amigos sempre são bem-vindos!
Eu encostei a mão no ombro do Henrique e nós entramos. Estava tudo muito escuro e a música estava alta
demais. Senti os meus tímpanos doerem a principio, mas eles logo se acostumaram.
A música era animada e eu senti vontade de dançar. O interior da danceteria era grande e amplo. As luzes
giravam por todos os lados e as pessoas dançavam alegremente. Eu ia me divertir. Tinha que me divertir!
- Quer um drink? – Henrique perguntou.
- Quero – respondi.
- O que você quer?
- Caipirinha de saquê!
- E você?
- Idem.
- Vou pegar então.
Eu e Marcus ficamos parados, encostados em uma parede preta. Vários casais gays estavam se beijando. Eu me
perguntei se meus irmãos ficariam à vontade.
- Você vai ficar com algum? – Marcus perguntou.
- Talvez – eu respondi. Não descartei a possibilidade. – Quem sabe alguns?!
Ele sorriu. E eu gostei da ideia.
- Então corre! – ele me encorajou.
Mordi o meu lábio. Beijar? Na frente dos meus irmãos? E por que não?!
Saí de perto de Marquinhos e andei até próximo ao banheiro masculino. Dois homens de aproximadamente vinte
e cinco anos estavam dançando. Eu me interessei por um deles. E me aproximei.
Comecei a dançar. Eu não sabia fazer aquilo muito bem, mas não estava dançando tão mau. Eu rocei meu corpo
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no dele e nossos olhos se trombaram. Disfarcei e continuei dançando. Eu não podia ser tão fácil.
- Oi – ele disse.
- E aí?
- Tudo bem, gato?
- Opa! Bem e você?
- Joia! E aí, curtindo a música?
- Sempre!
- E aí, tem quantos anos? – o cara me perguntou.
- Dezessete. E você?
- Vinte e seis. Novinho! Qual o seu nome?
- Eder. E o seu?
- Rafael.
Rafael?! Eu arregalei meus olhos. Não... Não podia ser!
- Que olhos lindos!
- Obrigado.
- E a boca também...
- Valeu...
- Pena que ela está longe da minha...
- Não por isso...
Mesmo tendo o mesmo nome do idiota do meu ex-namorado, eu não podia perder a chance de me vingar do
Rafael. Juntei minha boca com a do rapaz e comecei e beijá-lo. Eu ia me vingar do Fael ou não me chamaria
Eder!

O homem me puxou para a parede e me imprensou contra a mesma com força. Ele esfregou o corpo no meu,
passou a mão direita na minha nuca e desceu a esquerda até a minha traseira. Eu não senti absolutamente nada.
Eu o empurrei de leve, afinal não queria ser grosso, mas também não ia permitir que ele fizesse o que quisesse de
mim. Eu não era qualquer um.
- Putz, você beija muito bem – ele disse.
- Não viu nada.
Ele tinha um beijo gostoso. Não era rápido, nem babado, mas também não era lento e nem seco demais. Era
normal.
Fiquei parado por um tempo. Ele que conduziu tudo. Senti uma de suas mãos apertou o meu volume, mas a
retirei rapidamente. Ali não era o lugar para as mãos dele.
- Deixa... – ele pediu.
- Não.
- Por que não?
- Não estou afim disso.
- Mas eu deixo você afim rapidinho!
- Não quero. Estou de boa! Vou dar um rolê, falou?
- Espera garoto!
- Não, não... Vou nessa...
Eu saí de perto do Rafael e voltei para a pista. Conforme andava, alguns garotos me olharam, mas eu não dei
atenção a nenhum. Eu precisava beber.
- Já foi à caça? – Henrique perguntou.
Eu peguei minha bebida.
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- Lógico!
- Você é rápido – Marcus se surpreendeu.
- Quem foi a vítima? Mostra! – Henrique pediu.
Eu olhei discretamente para a muvuca de pessoas no interior do estabelecimento e passei os meus olhos pela
rapaziada. Não consegui avistar Rafael.
- Não o estou vendo em lugar nenhum...
O local estava começando a fervilhar.
- Está ficando cheio – Marcus notou.
- E eu estou ficando com calor. Ai Eder, acredita que eu recebi uma cantada? Que ódio!
Eu sorri. Não era para menos. Lindo do jeito que o Henrique estava!
- Sério? De quem? Como foi?

- Ele disse que eu estava um deus grego! – ele terminou o drinque em um gole só.
- E está mesmo – eu confirmei. – Se não fosse o meu irmão, eu pegava fácil!
- Eder!
- É verdade. Pegava os dois!
- Epa, me inclui fora dessa aí!
- Você está ficando uma delicia Marquinhos... Crescendo...
- Epa! A bebida está te fazendo mal...
Eu bebi o resto do liquido e suspirei. Antes estivesse me fazendo bem.
- Vão dançar não?
- Não – Marcus respondeu. – Não quero correr riscos!
- Eu estou de boa. Eu quero que você se divirta!
- É. Você é o foco de hoje.
Eu baixei meus olhos. Não queria que eles se preocupassem comigo.
- Vai mano – Henrique me cutucou do lado direito.
- É vai – e Marcus do esquerdo.
- Vai beijar na boca.
- E esquecer daquele cafajeste de uma figa!
Esquecer o inesquecível era impossível. Eu estava apenas mascarando um problema, tentando resolver algo com
coisas que eu nunca havia feito...
- È melhor... É melhor nós irmos... Irmos embora...!!
- Não senhor – Henrique me virou e começou a me empurrar. – Vai se divertir.
Eu não tinha mais vontade própria quando estava com os meus irmãos. Eram sempre eles que escolhiam o que eu
tinha que fazer. E o pior é que eu sempre acatava.
Voltei para a pista de dança. Estava ficando vazia em alguns pontos e lotada em outros. Aquilo era... Estranho!
- Hey – alguém tocou no meu braço. – Oi gatinho.
Eu fitei os olhos do desconhecido. Era da minha altura, os cabelos castanhos caiam sobre os olhos da mesma cor,
a boca era fina e desenhada, a pele branca como giz e o corpo magro. Não era de se jogar fora.
- Oi – eu respondi.
- Tudo bem?
- E aí?
- Como é seu nome?
- Eder. E o seu?
- Franklin.
- O que manda?
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- Está sozinho?
- Não. Com os meus irmãos.
- E onde eles estão?
- Por aí – eu despistei.
- Pode apresentar algum deles para o meu amigo?
- Ah, lamento! Eles são héteros...
- São héteros? Então o que estão fazendo aqui?
- Eles vieram me trazer.
- Hum... Se você diz.
Eu dei um sorriso tímido e me virei.
- Hey, foge não lindo! A gente nem conversou direito ainda...
Eu senti cheiro de cigarro. Só era o que me faltava naquele momento!
- Vem cá, vem?
Franklin me agarrou no meio da pista de dança e me beijou à força. Eu não relutei e passei a língua pela boca
dele. Senti o mau hálito na hora.
- Não, não – eu me afastei. Que nojo! – Na boa, não rola não...
- Por quê?
- Vai escovar os dentes primeiro!
Eu o deixei sozinho e me afastei o máximo que pude. Apalpei o bolso da minha calça e encontrei a minha
comanda. Depois daquele incidente, eu precisava beber alguma coisa.
- Uma jurupinga – eu pedi.
O garçom era muito gostoso. A roupa social estava agarrada ao seu corpo. Possivelmente era proposital. Será que
aquela boate tinha shows?
- Aqui garoto!
- Obrigado.
Eu dei o primeiro gole e fui voltando até os meus irmãos. Os coitadinhos estavam abraçados. Eu achei
engraçado.
- Por que vocês estão tão agarradinhos?
- É que assim ninguém dá em cima da gente – Marcus explicou.
- O que é isso aí? – Ricky perguntou.
- Jurupinga – eu entreguei o copo e ele deu um gole.
Duas garotas se aproximaram de nós e ficaram nos olhando. Eu estava começando a me enfezar.
- Oi – eu disse. – Tudo bem com vocês?
- Oi – uma delas respondeu. – Tudo bem e você?
- Bem... Estão sozinhas?
- É!
- Querem ficar aqui conosco? – Marcus perguntou.
- Nós podemos? – a mais baixa perguntou.
- Claro que sim – Henrique respondeu.
Isabel e Carla eram legais. Elas ficaram conversando conosco um tempo, até eu voltar para o meio do povão para
dançar mais um pouco.
Dancei alguns segundos, mas logo comecei a passar o rodo. Beijei um... Beijei dois... Três... Quatro... Cinco...
Seis... A minha boca já estava ficando até cansada de tanto movimento. Eu não estava nem perguntando o nome
dos guris, já chegava intimando e beijando pra valer.
Em determinado momento eu me cansei. Não queria mais beijar ninguém. Só queria curtir a música, mas foi
inevitável ficar sem olhar para os homens gostosos que estavam ao meu redor.
- Desculpe – uma voz grossa soou no meu ouvido.
- Não foi nada.
Eu não precisei falar nada e nem ele perguntar. As nossas bocas se completaram naquele momento. Ele era lindo
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demais! Gostoso demais! Perfeito demais!
Nós dois fomos nos afastando da aglomeração e quando menos esperei, já estava encostado em uma parede. O
beijo daquele rapaz era perfeito. Era calmo, com carinho, com ternura... Eu podia sentir cada dedo da mão
encostado no meu rosto e ele não tinha mão boba.
Mesmo estando com o carinha mais perfeito da balada, Fael não saía da minha cabeça um segundo sequer. Em
cada beijo dado, eu lembrava de suas caricias, em cada amasso, eu me lembrava de seu toque... Eu sabia que era
impossível esquecê-lo, mas eu pelo menos estava aproveitando a adolescência que eu não tinha tido.
- Qual o seu nome? – ele perguntou, entre um beijo e outro.
- Eder.
Outro beijo.
- E o seu?
- César Henrique.
Eu parei de beijá-lo imediatamente. Henrique? Primeiro Rafael, depois Henrique?
- O que foi?
- Henrique?
- César Henrique – ele me corrigiu.
Mas tinha Henrique no meio...
- É que o meu irmão se chama Henrique!
- Ah, mas é meu segundo nome. Você pode me chamar de César mesmo...
- Quantos anos você tem?
- Vinte e três. Você deve ter uns dezoito, no máximo!
- Dezessete – eu o corrigi.
- Nossa! Como conseguiu entrar?
- O dono é amigo do meu irmão...
- Ah! Logo vi que tinha um cambalacho!
Eu sorri. Além de muito fofo, ele era legal.
- E por que você está com esse rostinho lindo tão tristonho?
Abaixei os meus olhos. Ele me abraçou. César era cheiroso...
- É que eu terminei um relacionamento há algumas horas...
- Então é por isso que você veio? Para tentar esquecê-lo.
- Eu não vou conseguir esquecê-lo. Só quero me divertir hoje. Conhecer novas pessoas...
- É eu também quero!
- Já conheceu – eu sorri. – Olha eu aqui.
Ele riu.
- Modesto!
- Você ainda não viu nada.
- Estou louco para ver tudo! – ele deu uma piscadela.
Safado. Mas eu estava gostando.
- Ainda é cedo, né?
- Eu não tenho pressa...
A gente voltou a se beijar e eu esqueci do resto do mundo. Menos de uma pessoa. O meu Rafael. Ele estava
impregnado no meu ser... Ia ser difícil parar com o meu vício, mas eu tinha que conseguir.

- Eu tenho que falar com os meus irmãos – avisei à César.


- Ah, claro, claro... Quer que eu te espere aqui?
- Por favor. Vai ser um choque muito grande pros dois...
- Sei bem como é isso. Eu não vou me mexer.
Dei um beijo rápido no guri. Não sei o motivo, mas ele tinha me cativado. Seria apenas tesão?
- Ah! Até que enfim você apareceu – Henrique exagerou.
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- Desculpe – eu falei baixinho. – Nós já temos que ir?
Ele olhou no celular.
- Duas e meia. Quer ficar mais um pouco?
Eu estava cansado. Os meus pés doíam.
- Não. Eu quero ir embora – decidi.
- Então vamos!
- Vamos ao banheiro primeiro – Marcus pediu.
- Vamos – Henrique concordou.
- Eu vou me despedir do César...
- César? – meus dois irmãos falaram em sintonia.
- Depois eu os apresento!
Ele estava dançando com os beiços apertados um contra o outro. Gatíssimo!
- Eu disse que não ia sair daqui...
- Na verdade, você disse que não ia se mexer.
- Eu não resisti à essa música...
Nós dois rimos.
- Eu tenho que ir embora – avisei.
- Mas já?!
- Já. Os meus irmãos estão entediados, cansados... Eles não curtem essas coisas... Só me trouxeram para eu
espairecer!
- Eu entendo. Eu posso pedir o número do seu celular?
- Deve.
Eu ditei meu número pausadamente e quando ele terminou de salvar no celular, foi a sua vez de ditar o número.
César... Algo me dizia que nós dois nos daríamos muito bem...
- Eu te ligo – ele disse.
- E eu vou esperar!
Nós nos beijamos novamente. O que eu mais tinha gostado no cara, foi o respeito que ele teve por mim desde o
primeiro momento. Aquilo era raro demais.
- Tchau gato – ele disse.
- Vou esperar você ligar!
- Eu vou ligar – ele sorriu.
- Até mais então!
- Até.
Dei-lhe as costas e segui até o banheiro. Encontrei Marcus e Henrique no meio do caminho.
- A gente te espera lá na saída.
- Beleza.
O sanitário estava cheio. Eu tive que esperar os mictórios esvaziarem para poder urinar. Percebi que um homem
de meia idade estava observando o meu corpo. Fiquei com raiva.
- Perdeu algo tio?! – eu me virei o rosto para olhá-lo.
Ele tentou me beijar, mas eu me desvencilhei. Com coroas não rolava...
- Não rola – eu disse.
- Deixa eu te chupar?!
- Ah! Pelo amor de Deus...
Até perdi a vontade de mijar. Balancei meu pinto três vezes e o guardei dentro da cueca. Aquilo era demais para
mim.
- Que cara é essa?! – Ricky sondou.
- Um velho idiota no banheiro – eu bufei.
- O que tem? – meu mano mais novo quis saber.
- Queria me chupar!
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Os dois riram tanto que tiveram que sentar no chão.
- Por que você não deixou Eder? – Marcus perguntou.
- Era só um boquete! – Ricky chorou de rir.
- Vão lá vocês... Ele deve estar lá ainda...
Eu fui até o guichê e esperei a garota falar o valor que eu ia pagar.
- Espera – o Ricky disse. – Eu tenho que avisar o Lú que nós estamos vazando...
- É tudo na faixa mesmo?
- Aham. Lú? Cadê você? A gente vai vazar... Ah! Firmeza!
Ele desligou e guardou o celular.
- Nós temos que esperá-lo aqui.
- Espero que ele não demore.
- Débito – eu ouvi uma voz conhecida.
Olhei para o lado esquerdo. Ele estava no caixa.
- Oi – César falou baixinho.
- Oi – eu respondi.
- Vocês já vão, Henrique?
- Já Luciano! Os meninos estão cansados...
- É cedo ainda gente! Vocês se divertiram?
- Aham – Marcus respondeu.
- É perfeito – eu falei com sinceridade. – Parabéns!
- Obrigado! Vocês sempre serão bem-vindos.
Ele deu a volta no balcão e digitou algo no computador.
- As comandas, por favor? – ele pediu.
Meus irmãos entregaram as deles e nós ficamos esperando.
- Pronto! Feito! Voltem sempre que quiserem.
Com certeza eu voltaria.
- Obrigado – eu agradeci.
- Valeu aí – Marcus fez joia.
- Valeu Lú!
- Que é isso! Foi um prazer!
- Adorei ter te conhecido – alguém disse no meu cangote. Eu me arrepiei.
Eu me virei lentamente e me surpreendi quando dei de cara com o César. Ele estava sorrindo.
- Eu também adorei. Me liga, hein?!
- Com certeza.
Eu dei uma piscadela e ele retribuiu. Lindo demais...
- Vamos Eder?
- Vamos sim Henrique!
Nós três fomos até o estacionamento, que era ao lado da danceteria, e entramos no carro. Foi a vez de Marcus
deitar no meu colo. Eu fiquei fazendo carinho na bochecha do meu irmão, mas estava mesmo olhando para a
paisagem.
Eu suspirei. Rafael tinha me magoado muito àquela noite, mas por outro lado, se não fosse por eu ter descoberto
que ele estava me traindo, viveria uma relação mentirosa e aquilo eu não queria.
Eu sabia que não seria fácil esquecê-lo, ia ser impossível, já que as nossas famílias estavam ligadas pela Vitória,
mas eu era capaz de matar o que eu sentia por ele... Eu tinha que ser capaz... Dali em diante, não ia adiantar de
nada eu ficar sofrendo por um homem que não me merecia...
Tudo o que nós tínhamos vivido, ficaria para sempre em minha vida, como recordações boas... Mas eu não tinha
que limitar a minha vida ao Rafael. Ao contrário. Eu tinha que começar a viver tudo o que eu não tinha
conseguido por causa do meu namoro. Não ia ser fácil, nada fácil, mas aquilo ia ser a minha nova meta:
aproveitar a vida.
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Quatro dias depois...

Eu despertei com o choro da minha filha. Meu coração disparou de medo e ansiedade. O que tinha acontecido
com a minha pequena?!
- Filha? – eu a chamei quando entrei em seu quartinho.
Ela estava sentada no berço e quando me viu estendeu as mãozinhas. Eu senti o meu coração diminuir de
tamanho, eu não gostava de ver a Vitória chorando...
- O que foi meu amor? – eu perguntei bem baixinho, segurando-a no colo com carinho.
Ela não me respondeu. Talvez ainda não soubesse usar as palavras a seu favor. Eu coloquei a mão em sua testa,
mas constatei que ela não estava com febre, apenas suada.
- Quer tomar um banhinho? O papai vai dar banho em você...
Ela agarrou o meu pescoço e fechou os dedinhos contra a minha pele, sem parar de chorar um segundo sequer.
- Eder? O que foi? O que ela tem? – a minha mãe se assustou.
- Eu não sei – falei com sinceridade. – Não sei o que ela tem. Que horas são agora?
- Quase seis. Será fome?
- Não. Ainda não é a hora da mamadeira. Talvez ela esteja com dor! Eu vou dar um banho, ela está grudando...
- Está muito calor. Talvez seja isso...

Assim que a água da banheira ficou na temperatura ideal, eu coloquei a minha filha dentro do recipiente. Aos
poucos ela conseguiu se acalmar.
- Brinca com o patinho – eu falei, entregando-lhe um patinho de borracha. – Pronto, já passou!
- Papai...
- O que foi filha? Você está sentindo dor? Doi em algum lugar?
- Não – a voz dela ainda era muito fininha. Uma graça!
- Quer leite?
- Qué!
- Eu vou fazer a sua mamadeira!
Coloquei um pouco de sabonete liquido em minhas mãos e passei pelas pernas, barriga e costas da criança. Ela
riu quando eu toquei em suas axilas.
- Está com cócegas, é? – eu ri.
- Pala papai...
Era daquele jeito que eu gostava de vê-la. Rindo e não chorando!
- Pronto! Vamos colocar sua roupa...
Eu peguei a toalha e puxei a Vitória da água. Antes de sair do banheiro, a sequei do jeito que pude.
- Ai que susto! – Giselle exclamou. Ela não bateu na porta antes de entrar.

- É nisso que dá não bater na porta!


A Vivi riu.
- Você está rindo da tia? Está rindo da tia, sua pimpolha linda que eu tanto amo?
Minha irmã segurou a sobrinha no colo e foi andando até o seu quartinho. Quando elas entraram, Vitória
começou a chorar.
- O que foi? – Giselle perguntou. – O que você tem bebê?

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Eu me aproximei. Achei estranha a atitude da minha filha, aquilo não era nada comum...
- A leve para o meu quarto. Eu vou pegar a roupa e já vou até lá.
- Beleza. Vamos, vamos... Pronto, já passou...
Ela só parou de chorar quando entrou no meu quarto. Como eu desconfiava.
Andei lentamente pelo quarto e parei na cômoda branca. Alguma coisa ela estava vendo ou sentindo. Ela estava
com medo.
Eu não senti nada. As minhas mãos não ficaram geladas e eu não tive arrepios. Não deveria ser nada demais.
Abri a primeira gaveta, tirei uma fralda limpa e um short. Não ia colocar camiseta porque estava muito quente e
ela ia se agoniar. Fechei tudo o que tinha aberto, peguei o creme e a pomada e fui até o meu quarto.
- Aqui estou – falei com a voz carregada de sono.
- Já não era sem tempo!
- Não chora Giselle!
- Deixa que eu a troco. Vai fazer o leitinho da minha princesa, deixe-a comigo!
- Ah, obrigado pela força!
- Eu não estou fazendo isso por você, faço por ela!
- Obrigado mesmo assim...

Eu tive que deitá-la em minha barriga para que ela pegasse no sono. Fiquei fazendo cafuné em seus cabelinhos
finos até Vitória adormecer. Ela estava ficando maior e mais pesada a cada dia que passava.
Meus pensamentos foram desviados. Ele entrou em minha mente tão facilmente... Eu queria poder bloquear
aqueles pensamentos, mas, como?
Já fazia quase uma semana e nós já não nos falávamos mais. Eu sentia falta, muita falta do Rafael, mas eu não
conseguia compreender, entender e muito menos perdoar o que ele tinha feito...
- Traição – eu falei baixinho.
Aquela palavra doía em minha alma. Era algo que eu nunca imaginaria que aconteceria comigo. Muito menos
vindo do meu anjinho lindo chamado Rafael.
Mas desde pequeno eu sabia que a vida é uma caixinha de surpresas e que nós temos que estar preparados para
tudo e qualquer coisa. Com certeza o tempo ia cicatrizar aquela ferida e quem sabe um dia, a imagem dele
voltaria ao normal e nós poderíamos ser bons amigos?
Bons amigos... Era só aquilo que poderia nos unir dali em diante. Uma amizade. Se é que ela existiria. Meu
coração ainda estava aos pedaços e ia demorar um tempo para se reconstituir...
- Ah, Rafa! Por que você fez isso comigo, meu amor?!
Os passarinhos começaram a piar e eu fui percebendo que o dia foi clareando aos poucos. Eu continuei com o
meu olhar fixo no teto e não parei de acariciar os cabelos da minha Vitória um segundo sequer.

- Eder? Eder, acorda! – a voz do meu pai estava urgente.


- Hã?
Eu abri meus olhos lentamente. O sol estava todo em minha cama e a Vitória ainda dormia na mesma posição.
- Você está atrasado para trabalhar!
- Ah, pai! Eu não vou hoje não!
- Não vai, como não vai? Não vai por quê?
- Não estou com vontade.
- Ah! Lindo isso! Levanta dessa cama agora!
- Não, eu não vou e você não pode me obrigar. Já sou praticamente maior de dezoito anos!
- Você disse certo, praticamente, e isso significa que você ainda não é!
- Não vou trabalhar hoje. Não quero!
Ele se irritou. Eu remexi as minhas pernas, mas tomei cuidado para não acordar a Vitória.
- Eu vou contar até três – ele insistiu.
- Um, dois, três! – eu contei. – Não adianta. Eu não vou!
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- Quando você é teimoso ninguém aguenta Eder! Faça como você bem entender! O problema é todo seu!
- O problema é meu – eu frisei a última palavra. – Você disse certinho!
- Eu só não te bato agora porque você está com a menina aí, senão...
- Senão nada, você não é capaz de bater em mim e nem nos meus irmãos. Nós dois sabemos muito bem que a
violência não leva a nada...
Ele bateu a porta com tanta força que as paredes estremeceram. Eu olhei para a minha filha e fiquei com medo
dela acordar, mas ela não despertou. Ainda bem!
Tateei o edredom na busca de meu celular e quando o encontrei, quase o derrubei no chão. O relógio estava
marcando oito e quarenta e quatro. Ainda era muito cedo.
Eu abri o menu de mensagens e selecionei a opção para escrever um novo texto. Pensei nas palavras certas e
digitei:

“Bom dia Diogo, tudo bem? Hoje eu não vou ao trabalho. Quero cuidar da Vi hoje. Bom trabalho. Abraços!”

Pronto. Nada que uma boa desculpa não resolvesse o problema. Eu coloquei a mão na fralda da Vitória e percebi
que ela estava molhada. Era a hora de acordá-la.
Segurei nas axilas da minha princesinha e a levantei de minha barriga. Aos poucos ela foi abrindo os olhinhos.
- Bom dia meu amor!
Ela deu um bocejo tão gostoso que eu fiquei morrendo de dó...
- Ai que judiação meu Deus!
Ela ficou me olhando com os olhinhos meio fechados, ainda não estava acordada por completo.
- Vamos tomar um banho?
Vitória fechou as mãozinhas em torno dos meus dedos e ficou piscando lentamente. Ela deu mais um bocejo.
- Eita! Que sono!
Eu fiz cosquinha na barriga da criança, mas ao invés dela rir, gritou e se irritou.
- Calma filha! – eu gargalhei e ela ficou fazendo birra. Estava ficando mal humorada igual a mãe.
- Vamos chatinha, você precisa de um banho!

Quando eu estava quase pronto para ir ao shopping, o meu celular tocou.


- Alô?
- Oi – era uma voz masculina.
- Quem é?
- Não está reconhecendo a minha voz?
Eu olhei no identificador do celular. César.
- Não acredito que é você!
Ele riu.
- Lembrou de mim?
- Claro que lembrei! Tudo bem com você?
- Tudo ótimo e com você, gato?
Gato? Hum... Interessante!
- Eu estou indo, caminhando na medida do possível...
- É o garoto ainda?
- É – eu suspirei –, é sim! Ainda está tudo recente...
- Não fica pensando nesse idiota! Ele não merece o seu sofrimento...
- É ele não merece mesmo, nenhuma das lágrimas que eu derramei...
- Não quero ver você assim.
- Isso vai passar – eu tentei despistar, mas não estava enganando nem a mim mesmo –, um dia vai passar!
- O que você está fazendo?
- Estou de saída. Vou ao Morumbi.
885
- Shopping?
- É.
- Sozinho?
- Com a minha filha.
- Filha?! Que filha? Que história é essa? Você é pai, Eder?!
Eu ri. Não tinha contado a ele sobre a Vitória.
- Sou – eu falei –, sou pai sim!
- Meu Deus do céu! Eu não acredito!
- Pode acreditar.
- Quantos anos ela tem?
- Um ano e dois meses.
- Nossa, Eder! Essa é uma novidade chocante!
- Que nada!
- E será que eu posso ir ao shopping com você?
Hum... Para quê?!
- Pode – eu respondi.
- Oba... Eu já posso ir para lá?
- Se você quiser... Eu vou sair daqui a cinco minutos!
- Então nós nos encontramos na praça de alimentação?
- Combinado.
- Beleza. Até daqui a pouco então!
- Até!
- Tchau.
- Tchau!
Eu não estava acreditando que finalmente ele tinha me ligado... Já tinha até perdido as minhas esperanças...

Eu procurei uma mesa vazia na praça de alimentação e quando a encontrei, me dirigi até a mesma lentamente.
Eu peguei a Vitória e coloquei no meu colo. Ela ficou com as duas mãozinhas fechadas. Achei aquilo curioso.
- O que foi? Está achando bonito o shopping?
Ela deu um gemido baixo e eu não consegui compreender. Ela poderia aprender a falar de uma vez por todas,
pelo menos eu não tinha que tentar decifrar o q ela falava. Quando aprendeu as primeiras palavras, Vitória fez
com que todos pensássemos que teria facilidade em falar frases cedo, mas tudo não passou de uma doce e remota
ilusão, mas tudo era questão de tempo.
- Oi – uma voz máscula soou no meu ouvido. Eu me arrepiei.
Ele estava atrás de mim. Eu virei o meu pescoço e me surpreendi: César estava ainda mais lindo do que a última
vez em que nós tínhamos nos visto.
- Que susto garoto!
Eu coloquei a Vitória no carrinho e me levantei. Nós nos olhamos fixamente. Ele estava muito lindo!
- Oi – ele repetiu. – Desculpe se eu lhe assustei. Não foi a minha intenção.
- Não, que é isso, relaxa! Você está bem?!
- Eu estou ótimo! Essa é a sua princesa?
- É ela sim. A Vitória!
- Posso?
- Claro!
César deu a volta na mesa e se abaixou para pegar a minha menina. Quando ele ergueu o corpo, percebi um
pedaço de uma tatuagem saindo pelo colarinho da camiseta. O que seria aquilo?
- Ela é linda demais!
- Obrigado!
- É a sua cara.
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- Parece mais com a mãe.
- Quem é a mãe dela?
- A minha ex-cunhada, irmã do meu ex.
- Sério?
- É.
- Conta essa história aí!
- Senta que ela é bem extensa.
Ele puxou a cadeira e sentou-se à minha frente. Vitória ficou quietinha no colo do rapaz, mas ficou olhando de
vez em quando para mim, acho que ela não compreendia muito bem o que estava acontecendo.
Eu relatei boa parte da minha vida ao garoto e ele não me interrompeu em momento algum. Sempre que eu
pensava que ele ia falar algo, me surpreendia e ele só ficava prestando atenção. Quando terminei a história, ele
deu um assobio longo e ergueu ambas as sobrancelhas.
- Caraca! Chocante essa história!
- Pois é!
- Ela é tão linda! Acho que vou roubá-la para mim!
- Nunca na galáxia! – eu exclamei. – É meu baby, né Vi?!
Ele sorriu.
- Eu pensei que você não ia me ligar.
- Coloquei créditos hoje e a primeira coisa que fiz foi ligar para você!
- Hum... Sei!
- É verdade Eder!
- Estou brincando César!
- O que você veio fazer aqui? Tem algum compromisso?
- Na verdade não. Eu quis mesmo trazê-la para passear.
- Ah! Quer ir ao cinema?
Eu olhei em meu relógio de pulso. Tarde.
- Hoje não César. Já está ficando meio tarde. Eu nem trouxe nada da Vitória, vai que ela faz xixi essas coisas...
- Ah, entendi... Que pena!
- Quem sabe outro dia?
- Com certeza. Se depender de mim...
Eu sorri e senti as minhas bochechas corarem.
- Vamos dar uma volta? – eu sondei.
- Claro!
Eu peguei a minha filha no colo e a coloquei novamente dentro do carrinho do shopping. Ela ficou a maior parte
do tempo calada e só resmungou quando eu parei de empurrá-la.
- Eu fiquei pensando em você a semana toda sabia? – ele me provocou.
- É?
- É sim!
- E por quê?!
- Porque o seu beijo é simplesmente inesquecível...
- O seu não fica atrás!
- Você ainda não viu nada!
- E essa tatuagem?
- Ah! É um dragão!
- Faz tempo que você a tem?
- Cinco anos.
- É um tempo razoável.
- Eu estou fazendo outra.
- Onde?
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- Na coxa.
- Na coxa?
- É.
- E o que é?
- O nome da minha mãe.
- Mas tinha que ser na coxa?
- É ponto estratégico.
- Sem comentários – eu sorri.
- Se você quiser, eu te mostro...
- Não, não quero não!
- Tem certeza?
Não.
- Tenho!
- Que peninha...
- Quem sabe depois?!
- Vou cobrar.
- Não gosto de dever nada a ninguém.
A gente parou em frente a uma lojinha pequena, mas conhecida. Eu já tinha comprado presentes para o Fael ali e
àquilo me remeteu a pensamentos saudosos.
- No que pensa?
- Essa loja...
- O que ela tem?
- Me faz lembrar de certas coisas...
- Quer ir embora?
- Não... Eu quero... Entrar...
Eu empurrei o carrinho de bebê pela porta e entrei. Tudo estava como de costume. As coisas estavam nos
mesmos lugares, os funcionários eram os mesmos, os presentes eram os mesmos... Tudo estava como sempre
esteve, menos o meu coração, que naquele momento era incapaz de se formar novamente.
- É legal esse lugar – César ponderou.
- É sim. Sempre tem algo legal para presentear.
Eu olhei uma agenda do ano de 2.008 e parei para pensar que o ano estava quase acabando... Como o tempo
passava rápido.
- Boa tarde – a vendedora disse-nos –, posso ajudá-los?
- Oi! Não, obrigado, estou apenas dando uma olhada...
- Fique a vontade.
- Obrigado.
Eu peguei a agenda e a folheei. Era maneira até. Eu ia comprar mais para a frente...
- Vamos Eder? – César perguntou. Eu não entendi o motivo da impaciência.
- Vamos sim!
Eu fui à frente e ele me seguiu até a porta. Quando as rodinhas do carrinho passaram para o lado de fora da loja,
meus olhos trombaram com os dele e o resto mortal do meu coração bateu mais forte e dolorosamente.
Era ele.
Lindo de morrer. Perfeito. Estava de regata azul marinho, bermuda de tactel preta e tênis da mesma cor. Fael me
fitou com os olhos curiosos, ao mesmo tempo em que César parou ao meu lado. Eu olhei para ele com a
fisionomia seria. Eu não consegui falar nada. E nem ele.
E então o rapaz apareceu ao lado do meu ex-namorado. Eu não sabia se era o Rodrigo, eu não conseguia me
lembrar da sua fisionomia... Será que era ele?
O garoto era alto e forte, possuía traços marcantes e um rosto bonito, mas não tanto quanto o Rafael. Ele colocou

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a mão no ombro do meu ex-namorado e me olhou com ar de superioridade. Toda a minha dor passou e se
transformou em raiva. Quem ele pensava que era para me olhar daquele jeito?!

Ficou um clima chato no ar. Nós quatro ficamos nos olhando e eu só lembrei de continuar andando quando ouvi
o grito da minha filha.
- Oi Eder – Fael falou.
Eu o fitei com curiosidade, como ele tinha coragem de falar comigo?!
- Você ainda tem coragem de falar comigo? – foi a única coisa que eu consegui falar.
Ele abriu a boca, mas não respondeu nada. A capacidade dele era remota ou eu o tinha intimidado?
- Vamos Fael – Rodrigo o chamou –, não perca o seu tempo...
- Tempo? – eu o interrompi. – Acho que ele está mesmo perdendo uma boa parte do tempo... Ele está com você!
Vamos César, o lugar se infectou demais com germes e bactérias...
- Isso que você disse foi para mim, Eder? – meu ex-namorado perguntou.
Eu virei.
- Por quê? A carapuça serviu?
Novamente ele ficou sem resposta.
- Titi – Vitória chamou.
- Vamos embora filha, outra hora você vai com o seu tio...
- Vem Rafa – Rodrigo chamou de novo.
Eu senti raiva. Estava enxergando tudo vermelho em minha frente. Só o que eu conseguia ouvir eram os
batimentos do meu coração em minha mente. Ele ia me pagar e ia pagar com juros!
- Eder? – César tocou no meu ombro. – Eder, eu estou falando com você!
- O quê?! Ah, desculpa gato! Foi mal...
- O que você tem? Está sentindo alguma coisa?
- Não, não... Apenas raiva mesmo! Vai ficar tudo bem!
- Esse daí que é o seu ex?
- O próprio!
- Muito bonito, mas muito idiota!
- Concordo em gênero, número e grau!!!
- Fica de boa, beleza?
- Eu já estou!
Dei um sorriso meio tímido e tirei a Vitória de dentro do carrinho.
- Papai!
- O quê?
- Qué titi!
- Não senhora! A gente vai embora agora...
- Já vai Eder?
- Preciso César. Já me demorei por demais hoje e eu ainda quero ir à academia. Preciso desestressar um pouco!
- Você malha?
- Há pouquíssimo tempo para lhe ser sincero.
- É por isso que você está ficando gostoso desse jeito!
As minhas bochechas coraram. Eu não estava acostumado em ouvir outro homem, além do Fael, me chamar de
gostoso...
- Obrigado...
- Que nada, nem tem que agradecer.
- Você vai ficar por aqui?!
- Vou. Acho que vou pegar um cineminha...
- Sozinho?
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- Adoro ir ao cinema sozinho!
- Sério? Por quê?
- Assim pelo menos eu presto atenção ao filme!
Eu dei risada e coloquei o carrinho de bebê no lugar. Vitória me abraçou e deitou a cabeça no meu ombro
esquerdo.
- Ela é tão linda!
- Ah, isso eu tenho que concordar. Ela é uma princesa. Né filha?
- É!
- E é modesta, como o pai – eu brinquei. – Vamos?
- É!
- Que linda! Eu acho que essa é a melhor fase, né?
- Com certeza. É a fase mais gostosa. César, eu vou nessa. A gente se fala depois?
- Se você me ligar, sim.
- E por que você não liga?
- Porque eu já liguei hoje. Agora é a sua vez!
Eu sorri.
- Chorão! Eu ligo sim!
- Eu levo vocês até a porta...
- Obrigado, cavalheiro!
A gente riu e começamos a caminhar lentamente. Vitória estava tão pesada... Meus braços estavam doendo.
- Bem que você poderia começar a andar logo, Vivi... Daqui um tempo eu não te carrego mais no colo, mulher!
- É!
- É né? É né espertinha?
- Ela vai ser bem inteligente...
- Que nem o pai, é claro!
- Coitada dela se puxar a você...
- Ah, obrigado! Você é muito gentil.
- Não há de quê!
Eu olhei para a direita e os vi novamente. Rodrigo encontrou o meu olhar e novamente fez cara de superioridade.
Àquilo me deixou revoltado.
- César, com licença!
Eu segurei Vitória com um dos braços e puxei a nuca do rapaz com a outra. Eu não me importava se as pessoas
estivesse olhando, tudo o que eu queria era acabar com o Fael, do mesmo jeito que ele havia feito comigo.
Os nossos lábios se encontraram rapidamente. Eu movimentei a minha boca lentamente e girei a minha cabeça
para a direita. Coloquei a língua dentro da boca de César Henrique e senti o sabor de seu hálito invadir a minha
goela. Eu ia fazer o Fael se arrepender... Ah, ia!

Eu não sei o que deu em minha cabeça. Quando percebi o que estava fazendo, tratei de me afastar de César e
olhei imediatamente para o chão.
- Desculpa – eu pedi –, desculpa, eu...
- Eder... Não tem que pedir desculpas! Eu adorei!
Minhas bochechas queimaram. Eu olhei discretamente para o lado. Eles ainda estavam lá, parados feito estátuas.
- Eu tenho que ir...
- Depois dessa despedida... Até eu quero ir embora!
Eu ri baixinho. Ele era encantador!
- Eu te ligo depois...
- Quero só ver.
Dei um abraço no rapaz e me aproximei um passo da porta. A mesma se abriu.
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- A gente se vê. Bom filme!
- Obrigado. Eu adorei ter encontrado vocês.
- Eu também gostei. Dá tchau pro moço, Vi!
- Não...
- Mal educada – eu bufei e César riu. Ele acariciou a perna da minha boneca.
- Tchau Vivi!
- É!
Tudo o que a gente falava, ela respondia com um “é” ou um “não”.
- Até mais César.
- Até Eder. Vão com Deus.
- Amém. Fica com Ele!
Eu dei as costas ao garoto e comecei a andar. Quando coloquei o pé fora do shopping, o mormaço da tarde de
primavera me envolveu. Eu olhei para o céu e notei que este estava acinzentado, não ia demorar a chover.
- Vamos embora que vai chover, filha!
- Não!
- Sim.
Não!
- Sim!
- Não papai!
- Sim senhora! Quer sorvete?
- Vete?
- É.
- Qué!
- Isso você quer né, espertinha!
É!
- Quando chegar em casa o papai compra, tá?!
- É!
Eu fiquei tagarelando com a Vitória até chegar no ponto de ônibus. Tudo o que eu falava ela concordava, mas
quando ela percebia que eu me referia a ela, dizia “Vitola” ou simplesmente “não”.
- Olha o ônibus. Você quer andar de ônibus?
- Qué.
Ela ainda estava deitada no meu ombro. Eu segurei o corpinho dela com o braço esquerdo e estiquei o direito,
aos poucos o veiculo reduziu a velocidade e encostou no acostamento.
- Pronto! Vamos entrar?
- É.
Eu segurei no ferro e coloquei a perna esquerda no degrau. O motorista me fitou com curiosidade e paciência.
Ele só andou com o ônibus, quando eu consegui me segurar.
- Senta aqui garoto – uma mulher de meia idade falou.
- Ah, senhora, muito obrigado!
- Que é isso! Você não pode ficar em pé com a sua irmãzinha no colo, é perigoso ela cair e se machucar.
- Uhum, mas ela não é minha irmã, ela é minha filha!
- Sua filha?! – a mulher falou tão alto que algumas pessoas pararam de conversar para prestar atenção. Minha
face corou.
- É sim.
- Pelo amor de Deus! Este mundo está perdido! Onde é que já se viu... Você não tem idade para ser pai... Que
irresponsabilidade...
- Epa, epa – eu me irritei. – Irresponsabilidade não! Eu a fiz, eu a assumi e não preciso de ninguém para me
ajudar a bancá-la... Graças a Deus eu sou responsável o bastante para assumir a minha filha, ao contrário de
outros que só sabem fazer e deixar as crianças ao léu. A senhora não pode generalizar.
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A mulher ficou com o rosto vermelho e não me respondeu nada. Eu sentei a Vitória no meu colo, arrumei as
sandálias dela e fiquei fitando a paisagem passar. Ouvi algumas risadas baixas, mas não olhei para ninguém.

- Bobó – ela falou quando nós chegamos em casa.


- A sua avó ainda não chegou do consultório!
- \Titi?
- Não sei se a tia ou o tio estão em casa.
- Mamãe?
- A sua mãe está no trabalho. Vai ter que se contentar comigo, filhota!
Eu dei um sorriso maquiavélico e comecei a beijar a Vitória em tudo que era canto. Eu a coloquei deitada no sofá
e tirei-lhe a camisetinha, afinal o dia ainda estava quente.
- Vamos tomar banhinho?
- Não!
- Quer não?
- Não!
Eu achava graça quando ela me respondia com aquela voz fina. Era tão linda!
- Eu vou fazer cosquinha... – ameacei, ajoelhando no chão.
Vitória ficou me olhando nos olhos e foi naquele momento que eu notei a diferença. Eu entreabri meus lábios e
não pisquei durante um minuto. Não era possível... Os olhinhos dela estavam... Verdes!
- Ah, filha!
Eu deixei uma lágrima escapar. Com tantas tonalidades no mundo, ela tinha logo que ficar com os olhos verdes?
Àquilo me remeteu a muitas coisas. Eu me lembrei do primeiro dia em que eu e Fael nos encontramos, lembrei-
me da maneira avassaladora em que o meu coração acelerou com o encontro de nossos olhos...
Verdes. Aqueles malditos olhos verdes... Os olhos mais lindos de todo o mundo... Os olhos aos quais eu tinha me
entregado de corpo e alma já não iam ficar apenas em minha memória... Eu teria que conviver diariamente com
aqueles olhos... Diariamente... Até o fim dos meus dias...
Eu não consegui aguentar. Encostei as costas no sofá, peguei a Vitória no colo e a sentei nos meus joelhos.
- Seus olhos estão verdes – eu falei bem baixinho.
Como eu fui capaz de não perceber antes? Eles estavam quase dourados... Como mudaram tão rápido? Como
aquilo era possível? Por quê? Por que verdes e não dourados? Por que eu tinha que carregar aquela cruz até o fim
dos meus dias? O que eu tinha feito de errado para merecer tamanha punição?!
- Ai Vitória... Por quê?!
Ela virou o rostinho de lado e ficou olhando as minhas lágrimas rolarem. Por que meu Deus, por que aquela dor
tão grande? Por que eu merecia aquele sofrimento? O que eu tinha feito de errado para merecer tanta dor? Será
que eu tinha tantos pecados assim? Será que eu era realmente merecedor de tanto sofrimento?
Eu estava novamente em desespero... A dor que eu já pensava que tinha ido embora, voltou com força e total
brutalidade e fez o resto do meu pobre coração se dilacerar ainda mais.
Eu sabia que não tinha volta... Ele e eu jamais iríamos nos reconciliar e aquilo era o que mais me doía. A traição
era um caso à parte. Ele foi fraco e tolo, mas todos erram na vida... Com o Fael não seria diferente.
Veio em minha mente, o momento em que nós estávamos em Angra dos Reis, com o mar e o céu como nossos
cúmplices. Foi tudo tão perfeito! `Por que tinha que acabar? Por quê?!

O meu colarinho já estava ficando molhado. Eu não conseguia tirar os olhos dos olhos da minha Vitória. A
minha Vitória que não tinha os meus olhos... Tinha os olhos do maior amor da minha vida... Os olhos do meu
Rafael... Que na verdade, já não era meu...
Eu não agüentei mais. Coloquei a minha filha deitada no tapete da sala e fui ao banheiro. Eu precisava lavar o
rosto, precisava me acalmar, a Vivi não precisava me ver daquele jeito... Ela não tinha culpa de nada!
Eu liguei a torneira da pia, encostei as duas mãos no mármore e baixei a cabeça. Tentei respirar fundo e quando
me olhei no espelho, vi meus olhos um pouco vermelhos e mais claros do que já eram.
892
Peguei uma quantidade generosa de água e coloquei em minha face. Estava gelada, mas agradável devido a alta
temperatura do clima. Repeti o feito três vezes e já estava melhorando.
Quando coloquei o pé no corredor, o som ligou e meu coração parou. Um iceberg se alojou em meu estômago.
Como o rádio tinha sido ligado sozinho?
Eu fui lentamente até a sala e quando percebi que Vitória estava com o controle-remoto em mãos, me acalmei.
Tinha sido ela... Não era nada demais.
- Ê pimpolha do pai!
Eu me abaixei e a segurei no colo. Dei um beijo em sua bochecha e já ia começar a subir a escada, quando uma
música começou a tocar:

“Faz tanto tempo, que eu te perdi


Tantos erros e loucuras em vão
Você foi embora, e eu fiquei aqui
Frente a frente com a solidão

Eu olho em minha volta


Quase tudo faz lembrar você
A música no rádio
As cenas da tevê

Me de mais uma chance


Nunca e tarde pra recomeçar
Minha trilha sonora, tá pedindo pra você voltar

Diz que vem agora


Diz que da uma chance pra nós dois
Traz você de volta
Deixa o passado pra depois
Vem me dar prazer
Nosso filme vai ser um romance eu e você

Nessa nossa história eu não imaginava te perder


Na minha memória só rolavam cenas de prazer
E agora estou tão triste, implorando pra você voltar
Eu prometo nunca mais te machucar
Prometo nunca mais te machucar...

Diz que vem agora


Diz que da uma chance pra nós dois
Traz você de volta
Deixa o passado pra depois
E vem me dar prazer
Nosso filme vai ser um romance eu e você

Diz que vem agora


Diz que da uma chance pra nós dois (pra nós dois)
Traz você de volta
Deixa o passado pra depois
E vem me dar prazer
893
Nosso filme vai ser um romance
Um lance
Um romance eu e você...”

Não precisou de mais nada. Não adiantou me acalmar, não adiantou lavar o rosto. O choro voltou e eu sabia que,
daquela vez, ia ser muito difícil de controlá-lo... Doía, doía muito, muito mesmo... Eu era incapaz de... Viver
naquele momento..

Vendo o meu sofrimento, Vitória me envolveu com os seus bracinhos pequeninos, aproximou o rostinho do meu
e encostou os lábios em minhas bochechas molhadas, deitando a cabeça em meu ombro em seguida. Eu não
precisei de mais nada para desabar de vez. A minha vida estava nos meus braços, eu tinha que continuar, não por
mim, nem por ninguém, mas pela minha filha, pela minha Vitória, a minha maior vitória!
Só Deus sabe de onde eu tirei forças para continuar subindo as escadas. Muito lentamente, eu consegui chegar no
quarto da minha pequena. Eu sabia o que tinha que fazer, mas não estava conseguindo raciocinar direito...
Quando recobrei os movimentos, coloquei a Vitória no berço. Ela segurou nas barras de ferro do móvel, ficou de
pé e me fitou. Eu não sabia se chorava de tristeza ou de felicidade. Por um lado, o meu coração estava em
pedaços, mas por outro, ele se reconstituía, porque eu sabia que mesmo estando pela metade, ele nunca ficaria
vazio, eu sempre teria a Vitória...
- Papai – ela falou baixinho, mirando os meus olhos.
Eu me aproximei e segurei em suas mãozinhas. Elas estavam quentes e me passaram uma serenidade tão
grande... Era gratificante ter recebido àquele presente de Deus. A minha filhinha, minha Vitória!
- Eu te amo tanto – eu falei.
A menina me olhou sem falar nada. Os lábios estavam entreabertos como os meus e ela não batia as pestanas. No
que estaria pensando?
- Vem filha, vem comigo...
Eu a tirei do berço e a coloquei em meus braços. Novamente Vivi deitou a cabecinha no meu ombro. Caminhei
até o meu quarto e quando cheguei, deitei na cama lentamente. Ela ficou sentada no meu peito e não parava de
me olhar um segundo sequer.
- Eu te amo – repeti.
Eu não podia mais chorar. Não ia adiantar, não ia me trazer o Rafa de volta. Eu já tinha desistido de compreendê-
lo e não queria mais saber por que ele tinha me traído, afinal aquele fato não iria me levar a nenhum lugar, ia
apenas fazer o meu coração doer ainda mais.
- Eu prometo – falei de olhos fechados –, que não vou mais chorar por você!
Mas eu sabia que eu não ia conseguir cumprir aquela promessa. Era impossível esquecê-lo. O tempo não estava
ao meu favor e os dias se rastejavam, ao invés de voar, como acontecia quando nós dois estávamos juntos.
- Papai...
Abri os meus olhos e prestei atenção naquele pequeno oceano verde da Vitória. Eles pareciam estar em
movimento constante.
Não consegui responder. A gente se olhou por um longo período, mas as palavras não eram necessárias. Eu
entendia o que ela queria falar e a sensação que me dava, por mais ridículo que pudesse parecer, era que apesar
de ser apenas um bebê, ela parecia entender o meu sentimento. Vitória e eu estávamos em total sintonia.
Eu ainda era capaz de ouvir as músicas tocando no piso inferior, tinha esquecido de desligar o som... Apurei os
ouvidos e fechei novamente os olhos. Vivi deitou no meu peito e ficou ouvindo o barulho do meu coração. Uma
música começou a tocar:

“Nosso sonho
Se perdeu no fio da vida
E eu vou embora
Sem mais feridas
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Sem despedidas

Eu quero ver o mar


Eu quero ver o mar
Eu quero ver o mar
Eu quero ver o mar

Se voltar desejos
Ou se eles foram mesmo
Lembre-se da nossa música
Música

Se lembrar que dos tempos


Dos nossos momentos
Lembre da nossa música
Música

Nossas juras de amor


Já desbotadas
Nossos beijos de outrora
Foram guardados

Nosso mais belo plano


Desperdiçado
Nossa graça e vontade
Derretem na chuva

Se voltar desejos
Ou se eles foram mesmo
Lembre da nossa música
Música

Se lembrar dos tempos


Dos nossos momentos
Lembre da nossa música
Música

Um costume de nós
Fica agarrado
As lembranças, os cheiros
Dilacerados

Nossa bela história


Tá no passado
O amor que me tinhas
Era pouco e se acabou

Se voltar desejos
Ou se eles foram mesmo
895
Lembre da nossa música
Música”

Conforme a letra foi cantada, várias lembranças me vieram em mente, principalmente o cheiro do meu ex-garoto
perfeito! Era uma das coisas que eu mais sentia falta, o perfume, o seu perfume natural, sua pele...
Eu dei um soluço e um suspiro ao mesmo tempo. Que saudade que eu estava sentindo do meu namorado, ou
melhor, ex-namorado...
- Meu Deus, daí-me força para eu continuar em frente!
O rádio não parava de tocar as mais belas melodias... Tudo muito propicio ao momento que eu estava vivendo:

“Tudo acabado, não te vejo nunca mais


Simplesmente, sem palavras, apenas um adeus
O que era tão lindo de repente se perdeu
Um pro outro, toda vida, nós dois perante Deus
Um jeito de amar que o tempo esqueceu

Mesmo que eu esconda tudo aquilo que senti


Não pergunte, não responde, eu posso até mentir
Sei que foi um grande amor, mas devo desistir
Te amando, para sempre, sem nunca compreender
Como o infinito amar foi se perder

Está escrito lá no céu qual de nós dois seria o réu


Merecemos tanta dor, um castigo tão cruel
Vem de Deus a punição
Ele um dia colocou o paraíso em nossas mãos
E logo nos tirou

Nada vai poder mudar, não há nada a decidir


Sem saída, sem mais chances, não há pra onde ir

Sei que foi um grande amor, mas devo desistir


Escondendo o que sinto, não quero mais criar
Um castelo de ilusões
Pro vento desmanchar

Está escrito lá no céu qual de nós seria o réu


Merecemos tanta dor, um castigo tão cruel
Vem de Deus a punição
Ele um dia colocou o paraíso em nossas mãos
E logo tirou

Está escrito lá no céu qual de nós seria o réu


Merecemos tanta dor, um castigo tão cruel
Vem de Deus a punição
Ele um dia colocou o paraíso em nossas mãos
E logo tirou

Vem de Deus a punição


896
Ele um dia colocou
Um paraíso em nossas mãos

E logo tirou...”

Aos poucos a minha vida foi desmoronando mais um pouco. Eu já não enxergava mais nada, não sentia mais
nada, só escutava a música e o martelar do meu coração.

“Y no me has dado tiempo de disimularte


Que te quiero hablar
Que por un beso puedo conquistar el cielo
Y dejar mi vida atrás.

Quiero pertenecerte ser algo en tu vida


Que me puedas amar
Con un abrazo fuerte hacerte una poesía
Renunciar a lo demás.

Y en cada frase oculta de lo que tu digas


En un beso hablará
Ya no me queda duda solo ven y escucha
Decidamos comenzar.

Por besarte
Mi vida cambiaria en un segundo
Tu, serías me equilibrio, mi destino
Besame y solo así podre tenerte
Eternamente en mi mente.

Nara, nara

Un solo intento basta en este momento


Para poder saber
Si aún nos queda tiempo para estar en medio
De lo que va a suceder.

Conmigo no hay peligro ven te necesito


La distancia no es
Motivo del olvido, aquí estoy yo contigo
Y para siempre yo estaré.

Por besarte
Mi vida cambiaría en un segundo
Tu, serías me equilibrio, mi destino
Bésame y solo así podré tenerte
Eternamente en mi mente.

Por besarte
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Mi vida cambiaría en un segundo
Tu, serías me equilibrio, mi destino
Bésame y solo así podré tenerte
Eternamente en mi mente.

Por besarte
Mi vida cambiaría en un segundo
Tu, serías me equilibrio, mi destino
Bésame y solo así podré tenerte
Eternamente en mi mente.

Nara, nana, nara, nara...

Por besarte...

Nara, nana...

Por besarte...

Nara, nana...

Besarte...

Nara, nana

Besarte, besarte, he, he, he...

Nara, nana...”

A minha música. A nossa música... Nosso tema...


O que me doía mais? A falta do Rafael? Relembrar os nossos momentos? Pensar no rosto dele? Encontrar nos
olhos da minha filha, o meu oceano predileto? Talvez o que eu estivesse sentindo fosse um misto de sentimentos
e sensações. Ao mesmo tempo em que doía, me trazia boas recordações... Ia passar, tinha que passar...

Eu deixei a escuridão invadir o meu corpo e a minha mente e só percebi que tinha adormecido, quando senti
alguém mexer na minha filha, que também dormia sobre o meu peito.
- Desculpe, eu não queria te acordar – era a minha irmã.
Eu me espreguicei delicadamente e sentei na cama.
- Que horas são agora?
- Já passa das seis.
- Você não vai a aula?
- Hoje não tem aula. Foi passeio pro playcenter.
- Ah, eu nem sabia.
- Eder, eu posso conversar com você?
- Sobre?
- Você.
Epa! O que ela queria falar?
- Pode, ué...
- Eu vou colocar a Vitória no quarto dela, espera aí...
898
O que a Giselle queria falar comigo? Será que ela tinha descoberto alguma coisa?
Minha irmã não demorou a voltar. Quando ela passou pela porta, eu notei que estava ficando uma mulher linda a
cada dia que passava.
- Eu serei breve – ela sentou-se à minha frente com as pernas cruzadas –, Eder, o que está acontecendo com
você?
- Hã? Como assim? Não está acontecendo nada Gi!
- Eu não nasci ontem Eder Leandro! Pode confiar em mim...
- Não – eu falei – está acontecendo nada!
- Está sim que eu não sou tonta! Eu sempre escuto ou vejo você chorando em algum lugar da casa... Sempre vejo
você cabisbaixo, triste... O que houve? Com quem você brigou?
Eu suspirei e baixei a minha cabeça. Eu ia ter que contar a verdade, era a minha única opção naquele momento...

Respirei fundo e criei coragem. Eu olhei nos olhos da minha irmã e abri a boca, mas não consegui falar nada.
- Eu estou esperando – ela cruzou os braços. – E não saio daqui enquanto você não desembuchar tudo!
Eu sorri. Aquela garota era triste.
- Quer mesmo saber, maninha?!
- Eu exijo! Eu sou a sua irmã, tenho direito de saber o que está acontecendo!
Ela era a minha irmã ou a minha mãe?!
- É uma história muito longa...
- Eu não ligo – ela remexeu as pernas e se indireitou –, tenho toda a noite livre, o Gustavo não quer sair hoje!
- Ah, não?! Por quê?
- Porque ele vai ficar em casa com o irmão mais novo dele, mas não desconversa Eder, o que se passa nesse
coraçãozinho negro?
Mais um suspiro e uma pausa.
- Eu estou apaixonado.
- Eu sabia! Quem é a garota?
Como falar?
- Gi, vamos voltar no tempo um pouco... O que você acha ao meu respeito? Seja sincera.
- Como assim?
- Qual a sua opinião ao meu respeito?
- Ah, Eder... Você é meu mano mais velho! Você é incrível!
- Em quais sentidos?
- Em todos! Você é um anjo de pessoa... Tem um coração muito puro, é educado... Você é um perfeito
cavalheiro! Ah, você é tudo que eu mais amo nessa vida!
Meus olhos se encheram de lágrimas. Eu estava mesmo uma manteiga derretida...
- Que mais?
- Você é honesto... É direito, é compenetrado... Ai Eder, você tem muitas qualidades!
- E os meus defeitos?
- Defeitos? Você é impaciente, se estressa com muita facilidade, é teimoso, é desafiador, é chato de vez em
quando, é ciumento demais, é perturbador...
- Ciumento eu confesso que sou mesmo!
Não tinha por que esconder os meus ciúmes de ninguém.
- Ah, nem precisa falar! Isso é mal de escorpiano...
- Fica quieta que os leoninos não ficam atrás!
- Mas é diferente!
- Não é nada!
- É sim e não muda de assunto! Por que tanta pergunta?

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- Você já vai entender. Diga algo que você não gostaria em mim de jeito nenhum.
- Como assim?
- Algo que se eu fizesse você recriminaria até a sua própria morte.
- Se você matasse. Coisa que você não fará nunca!
- Isso não mesmo. E tem mais alguma coisa?
Ela ficou calada e me observou por um período.
- Por que você não me fala logo de uma vez por todas?
- Você tem preconceito com alguma coisa Gi?
Eu estava chegando aos poucos no meu objetivo... Eu queria que ela percebesse...
- Preconceito? Tenho...
- Qual?
- Preconceito contra o preconceito!
Eu sorri.
- Por quê?!
- Eu vou ser direto. Quero que você me ouça com muita precisão e que não me interrompa. Promete?
- Prometo.
- Giselle tudo começou tem mais de dois anos. Quase três eu acho... Eu não sei o tempo exato porque só me dei
conta do que estava acontecendo em agosto de 2005.
E lá ia eu relembrar de tudo novamente...
- Eu sempre gostei muito das meninas, mas de sempre senti algo diferente pelos garotos.
Ela arregalou os olhos e eu tive que sorrir.
- É isso mesmo. Eu sei que nunca demonstrei nada, que nunca dei bandeira de nada e eu tenho que agradecer
muito a Deus por isso... Mas respondendo a pergunta que você está fazendo mentalmente, sim, eu sou gay e eu já
vou te explicar o porquê...
- Você o quê?! – ela alterou o tom de voz.
- Eu pedi para você não me interromper...
- Como você não quer que eu interrompa uma coisa dessas Eder? Eder você é gay?

Eu engoli todas as palavras que eu estava prestes a falar. Ela estava um pouco descontrolada.
- Calma... – foi o que eu pedi.
- Eu não acredito! – ela riu. – Isso é impossível!
- Tudo aconteceu quando o Rafael veio morar na casa ao lado.
- Não é verdade...
- Quando o Henrique me chamou para ajudar na mudança, eu não quis ir...
- Impossível!
- Mas ele praticamente me obrigou...
- Eu... Ah... Como...?
- Giselle ou você fala ou falo eu. Você escolhe!
Ela ficou calada imediatamente. A boca estava escancarada.
- Obrigado. Como eu ia dizendo, ele praticamente me obrigou a ajudá-lo com a tal da mudança e eu confesso que
fui de muito mau humor, mas como eu sempre gosto de ajudar as pessoas, resolvi não transparecer nada. Foi
naquela época que a Gany quebrou a perna, ela não podia fazer muita coisa, por isso eu tive que ajudar o pessoal.
Até aí beleza. Eu estava entretido, mas morrendo de ciúmes da Gabrielle com o Henrique, estava prestes a jogar
tudo pro ar e voltar para a minha cama, mas então aconteceu.
- Aconteceu o quê?
- Eu o vi.
- Viu quem?
- O Rafael.
- Ai meu Deus! – ela colocou as duas mãos na boca.
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- O que eu já desconfiava anteriormente, se confirmou quando a gente se encontrou pela primeira vez. Quando os
nossos olhos se encontraram, quando eu vi aquele rapaz sem camisa... Eu não tive mais dúvidas... Eu descobri
neste momento que eu sou homossexual!
- Oh my God!
- E daí pra frente foi a batalha diária contra o sentimento que eu estava começando a sentir por ele e a guerra
contra as minhas constatações. Eu não aceitava que sou assim... Eu não conseguia entender por que tinha que ser
comigo... E por que eu sou desse jeito...

- Eu...
- Mas aí com o passar dos dias eu fui assimilando as coisas... Fui compreendendo e me entregando à paixão que
estava sentindo pelo Fael...
- Você é apaixonado pelo Rafael Alcântara? O seu cunhado?
- Sou!
- Eder você é louco?!
Eu não dei bola.
- Então em novembro, depois de algumas discussões entre nós dois, a gente conversou e se entendeu e foi quando
tudo aconteceu pela primeira vez. A gente ficou três dias antes do meu aniversário, eu nunca vou esquecer essa
data.
- VOCÊS FICARAM?
- Foi tudo tão avassalador – eu estava com os meus olhos fechados e era capaz de rever cada cena –, foi tudo tão
mágico, tão lindo... Ele foi tão carinhoso comigo, tão compreensível... Eu o achava tão perfeito, tão acima dos
outros... Ele era tão lindo, tão diferente do que é hoje...
Uma lágrima escorreu.
- Deus...
- Aí no dia da minha festa eu fiquei bêbado... A Natty veio até aqui em casa, me seduziu, me estrupou e a Vitória
foi concebida...
- Eder do céu!
- Pior foi contar a ele tudo o que aconteceu, mas depois de um tempo ele entendeu, foi capaz de me perdoar e nós
retomamos o nosso relacionamento. Eu estava nas nuvens Gi, embora estivesse com medo de alguém perceber
alguma coisa ou algo do gênero. O auge foi quando nós fomos para Angra no final do ano. Foi maravilhoso!
Como eu me senti bem naqueles dias... Mas aí veio a gravidez e aí eu fiquei arrasado, com medo, com tantas
dúvidas, sem saber se a criança era minha, sem entender o motivo daquela situação...
- Eu não acredito!
- O tempo foi passando e na segunda vez que a gente foi ao Playcenter, lembra? No aniversário do Henrique? Foi
nesse dia que ele me pediu em namoro. E eu aceitei.
Ela se levantou da cama e foi até a janela. Eu abaixei a minha cabeça. Ela não ia me aceitar. Eu tinha certeza.
- Eu aceitei. Aceitei por que era o que eu mais queria naquele momento. Eu o amava tanto, mas tanto que eu era
cego... Não conseguia perceber os seus defeitos... Só via as qualidades. E o tempo passou novamente, a Vitória
nasceu e a gente começou a se afastar.
Foi naquele momento que eu percebi aonde tinha errado.
- E aí foi acontecendo. Nesse ano a gente brigou duas vezes. Nos separamos a primeira, ficamos mais de um mês
separados e agora a gente terminou de vez porque eu o peguei na cama com outro guri. E é essa a minha história
mana. Eu vou entender se...
- Eu não acredito no que eu ouvi!
- Acredite. O Marcus e o Henrique estão de prova...
- O Marcus e o Henrique sabem disso?
- Sabem sim!
- Desde quando?
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- O Henrique sabe desde o começo e o Marcus sabe há pouco tempo.
- Por que você não me contou isso antes? Não confia em mim?
- Não contei porque não era o momento. Todos saberão na hora certa.
- Hora certa, hora certa – ela estava bufando. Eu sentia o nervoso no ar. – Nossa Eder, eu estou decepcionada! Eu
não acredito que você não confiou em mim!
- Eu confio em você! Eu só não estava me sentindo preparado para isso!
Eu me levantei da cama. Estava com vontade de chorar. Ela não ia me aceitar. Eu me aproximei bem
devagarzinho e ela me fitou.
- Eu só não bato em você...
- O que está acontecendo aqui? – Henrique e Marcus entraram no quarto.
- Eu contei a ela – a minha voz estava de choro –, mas ela não vai me aceitar!
Eu abaixei a minha cabeça e deixei o choro sair. Giselle ergueu o meu queixo e olhou dentro dos meus olhos, ela
estava triste.
- Você... Você acha que eu... Que eu não vou te aceitar?
Fiz que sim de leve.
Meus irmãos se aproximaram e cada um ficou de um lado do meu corpo.
- Hey – Henrique falou baixinho.
- Não chora – Marcus completou.
- Nós estamos aqui – Giselle falou.
- E te aceitamos do jeitinho que você é – meu irmão mais velho me abraçou.
Marcus também me abraçou. Mas a Giselle não. Eu sabia que ela não ia querer ter um irmão homossexual... Eu
sabia...
- Deixem um pouquinho para mim – ela pediu. A voz estava moderada.
Henrique e Marcus me largaram. Eu continuei com a cabeça baixa e chorando.
- Eder, olha pra mim.
Eu consegui erguer a minha cabeça. A minha irmã secou as minhas lágrimas.
- Chega de choro! Eu não quero ver o meu irmãozinho assim...
Ela se aproximou mais de mim e sorriu.
- E você é um tonto, idiota sem tamanho se acha que eu vou rejeitar o meu exemplo de vida só porque é gay...
Ela me deu um abraço de urso tão forte que eu tive que desabar no choro novamente.
- Eu te amo Eder! Eu te amo muito! Muito, muito, muito! Apesar de todas as discussões, se bem que nós quatro
quase nunca brigamos... Mas independente de tudo, de tudo o que aconteça, eu sempre estarei com você!
Sempre!
- Nós estamos juntos nessa – Henrique completou a resposta da nossa irmã. – Você é o nosso irmão.
- E sempre vai ser – Marcus ponderou. – Não importa como e o que você seja. A gente te ama.
- Nós te amamos muito Eder – Henrique suspirou. – Você não tem noção do quanto!
Os dois que faltavam se aproximaram e fizeram uma roda em minha volta. Eu desabei ainda mais. Receber o
apoio da minha família era primordial naquele momento.
- Eu amo vocês – falei com a voz trêmula –, muito, muito obrigado!
Eles me apertaram mais. Como era bom ter os meus irmãos ao meu lado... Eu... Não merecia!
Giselle deu um grito tão alto que meu coração foi parar dentro do cérebro de tanto susto. Eu ouvi uma risada
divertida e olhei para baixo. Vitória estava agarrada na perna da tia, olhando para cima com os poucos dentes de
fora.
A minha filha riu de novo e eu não tive como não gargalhar daquele momento. Ela estava linda de tão feia! Só
tinha quatro dentinhos à mostra, estava apenas de fralda,com as pernas mais tortas do que eu era capaz de
imaginar e os cabelos completamente desarrumados. O que ela tinha feito para ficar naquele estado?
A tristeza desapareceu naquele momento. Nós quatro fomos abaixar para pegar a Vitória e conforme chegamos
próximo da garota, batemos as cabeças umas nas outras.
A bebê gargalhou e caiu sentada no chão. Meus irmãos e eu nos levantamos com as mãos na testa, mas acabamos
902
caindo na risada junto com a Vitória. Tudo ia mudar, eu tinha certeza que aos poucos eu ia recuperar a vontade
de viver, que não estava dentro de mim minutos antes daquele acontecimento.

Aproveitei que o meu coração estava aquecido para criar coragem e ir à academia. Meus irmãos foram dar banho
na Vitória e eu já estava até imaginando a algazarra que os três iam aprontar com a pequenininha...
- Não aprontem muito com ela e não a mimem demais, senão depois eu e a Natália é que vamos pagar o pato.
- Os tios servem para essas coisas – Marcus falou –, o problema é seu se você vai ter que concertar depois!
- Henrique você que é o padrinho, defenda a sua afilhada!
- Defender eu até defendo, mas que eu vou mimá-la, ah, eu vou!
- Estou fodido e mal pago...
Eles riram e me deixaram a sós para que eu trocasse de roupa. Antes de sair, Giselle me deu mais um abraço e
disse:
- Obrigada por confiar em mim e eu te prometo que ninguém vai ficar sabendo de nada.
- Obrigado.
- E com relação ao Rafa, não fique assim Eder. Deus sabe o que faz. Eu tenho certeza que você vai encontrar
outro rapaz, um que valha muito a pena!
- Obrigado Gi. Obrigado de coração.
- Não me agradeça. Eu estou ao seu lado, viu?
A gente se agarrou mais uma vez. Mais uma tonelada a menos nas minhas costas.
- Vai, vai para a academia... Vai ficar bem gostoso!
- Pode deixar.
Eu coloquei uma muda de roupa limpa dentro da minha mochila, peguei a minha toalha do Corinthians, um
sabonete novo e coloquei a roupa do treino. Quase estava esquecendo de ligar para a Natália...
- Natty? – eu não esperei a pessoa responder.
- Não. É o Fael.
Eu soltei a alça da mochila no chão. O que ele estava fazendo com o celular da irmã?
- Ah... – eu não sabia o que falar.
- Eder...
- Ela está aí?
- Não...
- Beleza. Obrigado!
- Eder... Espera...
Mas eu desliguei. Não queria ouvi-lo, não queria ficar pensando naquela voz de sino que tanto me arrepiava...
Então eu ia sozinho. Era o único jeito de espairecer. Coloquei desodorante rollon e um pouco de perfume, mas
em nenhum momento consegui parar de pensar no Fael. O que ele estava fazendo com o celular da Natália?

Eu ouvi a risada da minha filha e fui ver o que estavam aprontando com ela. Encostei na pia e fiquei olhando.
- Papai...
- Estão judiando de você, é meu amor?
- Ninguém está judiando de ninguém – Marcus ofendeu-se.
- A gente não tem culpa se ela tem cócegas!
- Eu estou brincando cambada de idiota – eles eram muito tontos, sempre levavam as minhas brincadeiras a sério.
- Uhum – Giselle murmurou.
- Ricky quer ir à academia comigo?
- Não posso, tenho prova na faculdade.
- E o que você está fazendo em casa a essa hora então?
- A minha vai ser no último horário, ainda tenho tempo.
- Ah!
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- Eu iria com você – Marcus pensou –, mas eu não sou aluno... E também não terminei a escola ainda... A gente
ia fazer em horário diferente...
- É o jeito é ir sozinho mesmo!
- A Natty não vai contigo? – Giselle questionou.
- Mamãe!
- Eu não sei onde ela está. Liguei no celular, mas quem atendeu foi o idiota do Rafael!
- Aff – os três falaram em sintonia.
- Não tem problema, eu vou sozinho mesmo. Cuidem bem da minha filha!
- Pode deixar – Gi garantiu-me.
- Malhe bem o glúteo viu? – Henrique riu.
- Vou malhar outra coisa que você nem queria saber o que é!!!

A academia estava ligeiramente vazia e eu achei àquilo um pouco estranho, não era normal ficar tão livre naquele
horário. Silvio me chamou com a mão e eu passei a roleta, caminhando em sua direção gradativamente.
- Fala Eder! Beleza?
A gente apertou as mãos.
- É indo. Cadê a Natália? Você a viu?
- Não. Deve faltar, para variar. Olha só, eu troquei o seu treino.
- Mas de novo?
- É. Precisa trabalhar mais partes do corpo.
- Quais?
- As laterais do abdômen – ele tocou próximo à minha cintura –, a parte interna das coxas, as panturrilhas, os
ombros e o glúteo.
- O glúteo? – eu me espantei. Será que ele ia me fazer ficar de quatro e empurrar o peso com o pé? Eu não ia
fazer aquilo...

- É, mas relaxa que não é do jeito que as garotas fazem.


- Ah! Que susto! Eu não ia fazer se fosse assim...
- Para os homens é diferente. Vai lá, guarda as suas coisas, alonga e me procura.
- Beleza. Hoje vai funcionar normalmente?
- Ah, houve alterações. Neste mês, a academia vai funcionar vinte e quatro horas.
- Sério?
- É. É um teste, se funcionar ficará assim definitivamente.
- Que maneiro, mas quem é louco de malhar de madrugada?
- Ah, pior que tem viu?! Eu mesmo sou um deles. Vai, vai alongar!
Eu corei. Tinha que pensar as palavras antes de falar. Dirigi-me até o vestiário e peguei o meu cadeado. Senti a
minha barriga roncar uma ou duas vezes, mas não dei importância.
Para variar, o local estava às moscas. Eu vi algumas mochilas espalhadas pelos bancos e me perguntei por que os
rapazes não tinham guardado nos armários... E se alguém roubasse alguma coisa? Eu não tinha coragem para tal
fato...
Olhei o visual no espelho, lavei o rosto, lavei a minha garrafa de água, coloquei as minhas luvas e saí. Quando
estava no corredor, o garoto que sempre me observava estava entrando.
- Boa noite – ele disse.
- Boa – eu respondi, mas não parei para conversar.
Antes de alongar, enchi a garrafa de água do filtro, tomei dois goles e parei em frente ao cartaz com as instruções
de alongamento. Puxei o meu cotovelo direito, contei mentalmente até trinta e depois repeti com o esquerdo.
Quando já tinha feito tudo, fui até o meu personal, ele estava conversando com uma garota.
- Pronto – eu toquei nas suas costas com o dedo indicador.
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- Ah! Vem comigo. Peraí Angélica, eu já volto.
Angélica? Eu me lembrava de alguém com aquele nome. Virei-me para a garota, mas não era a menina que eu
estava pensando...
- Essa é a sua nova ficha de treino – ele me salientou –, você deve marcar a presença nestes campos aqui e depois
seguir essa sequência aqui. O primeiro exercício é este aqui, para os tríceps.
Silvio colocou o peso certo e me mostrou como eu tinha que fazer. Não parecia ser muito complicado.

- Três de quinze, se não aguentar o peso pode diminuir.


- Assim? – eu imitei os seus gestos.
- Isso, só um pouco mais devagar. Sinta o músculo trabalhar.
- E agora? – eu diminuí a minha força e consecutivamente o movimento ficou mais lento.
- Perfeito. Três de quinze, descanse entre uma série e outra e depois me procure.
- Certo!
Eu olhei para o chão e concentrei toda a raiva que eu estava sentindo do Fael naquele exercício.
- Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, quatorze, quinze.
Realmente não era nada difícil. Alonguei os braços lentamente e prossegui para a segunda série.
- Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze, treze, catorze, quinze...
A segunda foi mais puxada do que a primeira e eu sabia que a terceira iria me incomodar. Alonguei a região
trabalhada novamente e continuei o treino.
Doeu quando eu deixei os pesos caírem em seu estado inicial. Como já estava acostumado com a academia, já
não me doía nada, mas isso não significava que incomodasse algumas repetições.
- Acabou? – meu professor perguntou.
- Aham. Fácil.
- É super tranquilo. Vem aqui.
Ele estava gostoso com uma bermuda de jogador de futebol. Eu conseguia ver uma parte das coxas e elas eram
impecavelmente trabalhadas...
- Este é para a parte lateral do abdômen. Você tem que deitar aqui assim – ele me ensinou – e simplesmente
erguer o corpo. Três de vinte.
- Moleza.
- Assim que tem que ser. Faz aí para eu ver se está certo.
Eu deitei no equipamento, como ele tinha feito, prendi as minhas pernas nas barras e deixei o meu tronco cair.
Coloquei os braços em X no tórax e ergui o meu corpo.
- Não – ele ficou atrás de mim –, você tem que apoiar a sua cintura aqui.
Silvio puxou a minha cintura para trás e relou a mão de leve na minha bunda.
- Agora está certinho.
Eu comecei os movimentos e ele ficou me olhando. Detive meus olhos no pacote ligeiramente volumoso do short
do personal trainer e engoli a saliva de minha boca... Ele era uma delicia...
- Quando terminar me chama!
Por que ele tinha feito aquilo? Por que tinha tocado no meu bumbum? Será que ele curtia?!

Quando acabei todas as séries que ele me passou, coloquei a minha ficha dentro do arquivo e me dirigi à aula de
jump. A professora Cibele estava animada.
- E aí Eder! – ela disse quando eu entrei. – Beleza?
- Aham e você?
- Muito bem. Hoje vai ser puxado, hein? Está no pique?
- Certeza!
- Quero ver. Pega peso de cinco quilos, por favor.
A sala estava ocupada só por duas garotas e um rapaz. Eu peguei os pesos que ela pediu e me dirigi até a cama
elástica.
905
- Vamos alongar primeiro – Cibele pediu.
A gente imitou tudo o que ela fez e depois tivemos que encaixar os pesos nos braços. Pular com dez quilos a
mais ia ser um pouco difícil, será que eu ia conseguir?
- Cibele você é doida, é? – Juliana perguntou. – Eu não vou conseguir pular com isso daqui não, gata!
- Vai sim e é só uma música. Depois vocês tiram.
- Deus me ajude – a guria suspirou.
- Seguinte galera, subam na cama, pés virados para frente e joelhos flexionados.
Eu fiz o que ela pediu, enquanto a música entrava de fundo.

- Ok! Podem descer e guardar os aparelhos!


Eu estava mais suado do que nunca. A minha camiseta estava completamente grudada no corpo e o meu cabelo
estava ensopado, todos nós estávamos acabados.
- Eu vou continuar aqui com aula de exercícios localizados, alguém quer ficar?
- Eu fico – uma das meninas disse.
- Eu também fico – eu respondi. Não ia ter nada a fazer em casa mesmo.
- Eu vou embora – a molenga da Juliana reclamou. – Estou mortinha!
- E você Victor?
- Estou nessa Cibele!
- Beleza. Água, time para descansar o corpo, dez minutos de intervalo!
Eu saí da sala e fui direto ao vestiário. Olhei no relógio de parede, já passava das dez da noite, mas eu não me
importava.
- Caraca – alguém falou atrás de mim –, hoje foi pauleira.
Eu me virei e vi aquele garoto me seguindo. Era ele que estava no jump?
- Ah, você estava no jump?
- Aham. Não me viu?
- Não prestei atenção.
Ele deu risada e passou à minha frente. Eu empurrei a porta do vestiário e entrei. Ouvi o barulho das duchas
ligadas, fui até uma das pias e aproximei as minhas mãos do sensor da torneira, a água começou a cair de
imediato.
- Vai ficar pra localizada? – o guri perguntou.
Eu não respondi de imediato.
- Vou e você?
- Eu também. Não tenho nada a fazer mesmo.
- Tô ligado.
- Aí, qual o seu nome?
Ele lavou o rosto. Eu continuei com os pulsos sob a água fria.
- Eder e você quem é?
- Victor.
Eu molhei a minha nuca e depois o rosto.
- Você não é de conversar muito, né?
Ele tirou a camisa e secou o rosto.
- Sou mais na minha mesmo.
- Tô ligado.
Victor foi até um dos armários e o abriu. Eu peguei duas folhas de papel e sequei meu rosto. O calor já tinha
maneirado.
- Vou lá, até depois.
- Eu já chego, já!
Quando Victor entrou na sala, eu percebi que estava com outra camiseta, esta regata. Eu deitei em um dos
colchonetes que a personal havia espalhado pelo chão e encaixei os pesos nos meus pés.
906
A aula transcorreu normalmente e quando eu saí da sala, senti o meu corpo pesado e cansado, afinal eu tinha
trabalhão excessivamente naquele dia. Bebi dois goles de água e fui direto tomar banho, não estava com pique de
fazer mais nada.
- Já vai Eder? – Victor perguntou-me.
- Já sim Victor, eu estou cansado e já está tarde.
- Eu também vou. A academia já vai fechar.
- Agora ela é aberta vinte e quatro horas.
Nós dois entramos no corredor e passamos pela porta ao mesmo tempo.
- Sério? Não sabia! Isso é maneiro...
- É né, pelo menos quem gosta de malhar de madrugada tem opção de vir.
- Verdade. Puta, que calor da porra!
Ele tirou a regata e jogou no banco. Eu me sentei, desamarrei os cadarços de meus tênis e os tirei. Os meus pés
agradeceram pelo ar fresco.
- Você tem quantos anos? – ele perguntou.
- Dezessete e você?
- Vinte.
- Nem parece.
- Parece que eu tenho mais?
Ele também sentou e imitou o meu gesto. Alguém saiu de uma cabine.
- Menos.
Eu tirei as meias e a camiseta. Estava muito suado. Um homem de aproximadamente trinta anos passou por nós
dois, ele estava nu. Victor e eu abaixamos os olhos ao mesmo tempo.
- Você faz academia faz tempo? – eu sondei.
- Quase um ano!
- Ah, tá.
Quando peguei tudo o que precisava, fui até a ducha e me refresquei. Passei xampu duas vezes e quando me
enxagüei, senti um alivio imenso em meu corpo. Eu era uma outra pessoa.
Ao me dirigir aos armários, percebi que Victor já estava de volta. Eu não olhei em sua direção, mas mesmo sem
fitá-lo eu era capaz de ver o corpo musculoso que ele exibia. Um gato, sem a menor sombra de dúvidas.
- Vai para casa? – ele perguntou-me.
- Com certeza.
- Dormir um pouco, né?
- Pouco? Demais...
Quando eu terminei de me arrumar, Victor ainda não tinha nem colocado a calça. Ou ele era muito lento, ou
estava enrolando. Eu coloquei a mochila nas minhas costas, arrumei meu cabelo que estava molhado e caminhei
até a porta.
- Falou Victor!
- Falou aí Eder!
Eu saí pelo corredor e quando passei pela roleta, dei um aceno ao personal. Eu me perguntei até que horas ele iria
trabalhar. A rua estava vazia e sombria, mas eu sabia que não havia perigo algum. Caminhei lentamente pela
calçada e quando eu ia virar a esquina, fui surpreendido:
- Você? – eu arregalei os olhos.
- Cala a boca e vem comigo!
Ele deu a volta no meu corpo, prendeu meus braços com uma força surpreendente e começou a me empurrar.
- Hey! Quem você pensa que é...
- Cala a sua boca e me obedece!
O meu coração disparou não sei se de medo ou de raiva. O que eu faria? As minhas pernas não me obedeciam,
ele era mais forte do que eu!
- Me solta! – eu sibilei com a voz alterada.
907
- Eu já mandei você calar a boca porra!
- Se você não me soltar eu vou gritar...
- Experimenta! Vai ser bem pior para você...
Ele estava alterado, muito alterado. Eu senti cheiro de álcool no ar.
Tentei correr, me soltar do poder daqueles braços fortes, mas tudo o que eu consegui foi machucar a minha pele.
O rapaz usou de mais força física e continuou me empurrando.
Parecia que eu ia enfartar de tão rápido que o meu coração estava batendo. Um nó invadiu a minha garganta e eu
já não sabia mais o que fazer. O que iria acontecer comigo?! O que ele queria comigo?!

O rapaz abriu a porta do carro com severidade e me jogou no banco do carona. Eu tentei abri-la quando este saiu
de perto, mas não consegui, nada estava ao meu favor.
O motor do carro foi acelerado e os pneus zuniram no asfalto quente. Eu senti o meu corpo ser jogado para trás.
- Rafael onde você está me levando? Eu quero sair daqui!
- Você vai fazer o que eu quero e só vai sair quando você ouvir tudo o que eu tenho para dizer!
Eu choraminguei, implorei para que ele me deixasse ir embora, mas nada do que eu fazia era capaz de fazê-lo
mudar de ideia. Fael parecia transtornado e um tanto obsessivo.
- Rafael o que você está fazendo?
- Tentando resolver a minha vida.
Ele virou em uma rua estreita e parou no farol vermelho. Eu senti vontade de chorar, não estava entendendo o
motivo daquela situação.
- Rafael...
- CALA A BOCA EDER!
- Cala a boca não! Quem você pensa que é para gritar comigo? Eu te dei essa liberdade? Que eu me lembre não!
Agora me deixa sair da porcaria desse carro senão eu chamo a polícia!
- ENTÃO CHAMA! CHAMA EDER, CHAMA... QUERO VER VOCÊ TER CORAGEM!
O meu celular começou a tocar. Eu o peguei com as mãos trêmulas e vi o identificador.
- Pai! – a minha voz estava urgente.
- Eder, cadê você, filho?
- Pai eu...
Fael pegou o aparelho de minha mão e colocou no ouvido.
- Boa noite Alexandre!
Ele acelerou novamente. Minhas entranhas se contorceram.
- Eu seqüestrei o seu filho um pouco. Vou levá-lo para uma festa. Logo mais o levo de volta. Está bem?
Cínico! Mentiroso de uma figa! Eu senti vontade de gritar, mas a minha voz não saía!
- Pode deixar. Um abraço!
Ele desligou com agilidade e jogou o telefone no meu colo. Eu não sabia mais o que fazer. Uma lágrima caiu.

Eu não conhecia o apartamento onde ele me obrigou a entrar. Era pequeno, mas organizado e limpo. Até que era
charmoso.
Eu fui obrigado a sentar em uma poltrona e ele fechou a porta com a chave, a guardando no bolso traseiro em
seguida.
- Agora você vai me ouvir Eder!
Ele andou lentamente até onde eu estava e me fitou com os olhos meio fechados. Eu não conseguia falar nada.
- Nós não temos nada para conversar – eu falei.
- Não? Não temos? Você tem certeza Eder? Tem certeza absoluta?
- Tenho!
- Teimoso como sempre!
- Fala logo o que você quer, eu não tenho a madrugada toda para ficar ao seu dispor!!!
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Rafael riu e jogou as duas mãos para o alto. Ele estava mesmo transtornado...
- Você é um idiota!
- Como é que é Rafael? Você simplesmente me traz a um lugar que eu não conheço para me ofender? Quem
você...
- CALA A SUA BOCA MOLEQUE! VOCÊ É UM FILHO DA PUTA MESMO!
Eu me levantei e fui até onde ele estava. Meu punho já estava fechado, ele não tinha o direito de me ofender!
- O que você disse? – eu perguntei pausadamente.
Ele virou para me olhar. Os olhos estavam irreconhecíveis.
- Por quê? Por que você faz isso comigo? – ele questionou.
- Por quê? Você ainda pergunta isso Rafael? Eu é que te pergunto! Eu é que tenho que fazer essa pergunta... Por
que Rafael? Por quê?!
- Por que o quê?
- Como por que o quê? Não se faça de idiota!
- O único idiota aqui é você!
- OLHA LÁ COMO VOCÊ FALA COMIGO! – eu gritei.
- EU FALO DO JEITO QUE VOCÊ MERECE!
Não pensei duas vezes, ergui meu braço e tentei bater novamente no rosto de anjo daquele homem, mas daquela
vez ele foi mais rápido, pegou meu braço antes que meu punho chegasse em sua face.
- Não. Você não vai fazer isso de novo...
Não sei como fui capaz de sentir ódio do Fael, mas era o que eu estava sentindo naquele momento. Ódio por ele
estar me fazendo de idiota!
- Você está bêbado! – o cheiro de álcool era notado à distância.
- Pode ser. Pode ser que eu esteja. Esteja realmente bêbado. Mas o que importa? Eu não importo para você, não
é? Eu nunca importei!
- Não coloque palavras em meus lábios!!!
- Se eu importasse para você Eder, você teria me ouvido naquele dia!
- Ter te ouvido? Ouvido o quê? Ouvir você falar que me traiu? Que me fez de palhaço? Que pisou nos nossos
sentimentos?

Ele ficou calado e suspirou.


- Está vendo? – eu ri. – Está vendo como você é cínico!
- Eu só quero que as coisas fiquem bem entre nós...
- Que as coisas fiquem bem Rafael? Como as coisas podem ficar bem? Você sabe o que é carregar o peso de uma
traição nas costas? Você sabe o que é o seu namorado, a pessoa com quem você criou uma história,
simplesmente cair do pedestal? Não você não sabe! Você não sabe porque eu nunca fiz isso com você e seria
incapaz de fazer!
Outro suspiro.
- Eder nós somos seres humanos e erramos...
- Sim eu concordo plenamente com você. Nós erramos. Temos todo o direito de errar. Mas eu não posso ser
condizente com esse erro que você cometeu. Não me peça o impossível!!!
- Eu não quero que você esteja de acordo com meu erro... Eu só quero o seu perdão! Só isso!
- Falar é fácil Rafael! Falar é muito fácil. Para você pode ser simples pedir perdão, mas para mim é difícil
perdoar. Você me magoou muito. Ainda estou sangrando por dentro. Eu não quero mais ver você, não quero
mais saber se você está vivo ou morto... Você morreu para mim!!!
Ele ficou em silêncio e eu não virei para olhar o qual era a sua expressão. Senti o meu coração ficar do tamanho
de um grão de areia, senti vontade de sair correndo, de sumir da frente dele e deixá-lo para sempre, mas as
minhas pernas não obedeciam ao meu cérebro e eu não tinha como sair daquele apartamento.
Eu ouvi ele soluçar e me virei. As lágrimas caiam em abundância. Toda a dor que estava dentro do meu peito se
exauriu e o ódio voltou com força total. Para que ele estava chorando? Adiantava chorar depois do leite
909
derramado? Adiantava chorar depois de ter me traído?
Eu fiquei olhando para o rosto dele com a fisionomia séria. Não estava sentindo dó de vê-lo naquele estado, no
fundo era o que eu queria ver... Vê-lo pedindo perdão, suplicando o meu amor... Mas ele não ia ter nada que
fosse meu de volta. Não mais!
- Eder...
- O que é? Está doendo? O que eu te disse te magoou? Não posso fazer nada Rafael! Pode ter certeza que tudo o
que você fez para mim não é um terço do que eu te disse agora!
Ele deu um passo em minha direção, não conseguia conter a emoção um segundo sequer. Eu recuei duas vezes e
senti as minhas costas encostarem na porta.
- Eder, por favor... Meu menino...
- Eu não sou o seu menino! Não torne as coisas piores para você... Aceite de uma vez por todas que nós não
temos mais nada em comum! Todo o amor que eu tinha por você se foi no momento em que eu te vi na cama
com outro...
- Meu menino... Me perdoa... Pelo amor de Deus Eder, ameniza essa dor que eu estou sentindo...
- Essa dor é resultado das suas ações Rafael. Lamento muito.
Queria muito sair daquele local. Eu precisava respirar ar puro, precisava ficar longe do Fael, longe de tudo e de
todos, precisava pensar, colocar a minha cabeça em ordem e de uma vez por todas, tentar esquecer daquele
garoto.
- Por favor... – a voz dele foi um sussurro.
- Não adianta você pedir, não adianta você implorar, não adianta você suplicar e nem você tentar reconquistar o
meu carinho... Já ouviu aquele ditado que diz que confiança é como cristal? Que quando quebra não tem como
reconstituir?
As lágrimas daquele oceano verde estavam molhando o assoalho do apartamento, mas nada fazia com que eu
mudasse a minha opinião, muito menos os meus sentimentos.
- A minha confiança em você acabou Rafael. Seja coerente uma vez na vida e me esqueça! Me esqueça de uma
vez por todas...
- Não...
- Eu não queria que as coisas fossem assim, juro que não, mas se chegamos a esse ponto foi por você...
- EDER PELO AMOR DE DEUS NÃO FAZ ISSO COMIGO!
- Eu? Fazer o quê? Quem procurou isso foi você Fael!
- ME PERDOA...
- Desculpa, mas eu não sou capaz de perdoar uma pessoa que traiu a minha confiança!!!
- O que você quer que eu faça? Diz... Eu faço qualquer coisa... Mas me perdoa... Me desculpa Eder... Por favor,
não faz isso comigo... Eu não sei viver sem você... Eu te amo...
- Quem ama cuida. E não foi isso que você fez.
Ele caiu de joelhos e chorou com tanta força que qualquer um poderia pensar que ele tinha perdido algum ente
querido. Eu estava sentindo a dor que ele tinha dentro do peito, mas eu não podia mudar de posição. Ele ia pagar
caro pelo que tinha feito comigo.
- Levanta Rafael. Não faça assim. Você só vai se magoar mais. Anda, ergue a cabeça! A vida continua!
- A vida não tem sentido... Se você... Não estiver... Ao meu lado...
- Tem! Tem todo o sentido e você sabe muito bem disso! O mundo não acabou Rafael... Você está começando a
viver agora, vai encontrar outra pessoa que te mereça! Se é que você já não encontrou, não é?
- QUANDO VOCÊ VAI ENTENDER QUE EU TE AMO PORRA?
- Você tem um jeito engraçado de amar, né? Já chega disso tudo! Vamos embora...
- Não...
- Eu quero ir embora...
- Não, você não vai!
A campainha tocou. Quem seria? E de quem era aquele apartamento afinal de contas?
- Levanta Rafael! Abre a porta... Vamos embora daqui, já está tarde e eu quero dormir!
910
- Por favor...
- Será possível que eu vou ter que levantar você?!
A campainha foi tocada pela segunda vez. Ele não se mexeu.
- Senhores? – era uma voz masculina. – Está acontecendo algum problema?
Só poderia ser o síndico.
- Eu vou contar até três para você abrir essa porta!!! Um... Dois...
Não foi preciso chegar ao derradeiro número. Meu ex-namorado andou com as pernas trêmulas até a porta e teve
dificuldade para colocar a chave na fechadura.
Um homem calvo e com a barriga um tanto avantajada estava parado atrás da porta, quando esta foi aberta. Eu
estava certo.
- Algum problema?
- Não – ele falou com a voz rouca. – Nenhum.
- Eu recebi reclamação de gritos. O que está acontecendo aqui?
- Nada – eu respondi –, foi apenas um leve desentendimento, mas nós já estamos de saída. Desculpe pelo
transtorno.
Além dele ter me feito passar um transtorno que eu queria evitar, ainda tinha feito com que eu passasse
vergonha...
- Manerem o tom de voz, por gentileza. Isso aqui não é a casa da mãe Joana!
Cara grosso.
Fael fechou a porta e deteve os olhos na minha face. Eu desviei o olhar.
- Eder...
- Acho que nós já falamos tudo, não é? Não temos mais nada a conversar! Onde nós estamos?
- Moema.
Eu peguei meu celular e disquei o número do meu irmão. Ele não demorou a atender.
- Fala mano!
- Onde você está?
- Acabei de sair de um barzinho, por quê?
- Você pode vir me buscar em Moema?
- Moema? O que você está fazendo aí?
- O Fael me trouxe em um apartamento, ele queria conversar comigo e agora não quer me deixar ir embora!
Silêncio.
- Eu mato esse moleque!
- Não precisa. Vem me pegar, não vem?
- Claro. É só você dar as coordenadas de onde você está.
- Vou descer até a portaria e pergunto ao porteiro. Você acha que demora para chegar aqui?
- Uns vinte minutos no máximo.
- Perfeito. Já te ligo.
- Estou indo aí!
- Obrigado Ricky.
- Os irmãos e compadres são para essas coisas.
Eu sorri e desliguei. Fui até a poltrona, peguei minha mochila e a coloquei no ombro direito.
Ele me analisou ainda com lágrimas nos olhos, mas eu não dei importância. Fui até a porta, girei a maçaneta, mas
antes de sair, me virei e disse:
- Todos os nossos atos definem o nosso futuro. Pense bem antes de fazer qualquer coisa. E, por favor, não me
procure mais. Nós dois não temos mais solução. Está acabado. Definitivamente.
E dizendo isso, eu saí.

Quando entrei no carro do meu irmão, senti um alívio muito grande tomar conta do meu corpo. Ele me fitou com
ar de curiosidade, mas não me fez nenhuma pergunta. Eu agradeci em pensamento.
911
- Como foi a sua prova?
- Bem. Eu acho. Quer dizer, não tão bem. Eu não sei!
- Eita! Decida-se.
- Sei lá... Quando eu souber a nota oficial eu te aviso.
- Aham.
Eu suspirei e fiquei olhando a paisagem passar. Como será que o Fael estava se sentindo? Será que eu tinha sido
muito duro com ele?
Meu irmão mais velho ligou o som e uma música lenta começou a tocar. Eu deixei os meus pensamentos voarem
e fechei os meus olhos. No fundo, eu estava sofrendo com a dor do meu primeiro amor.
Uma canção internacional começou a tocar e eu identifiquei a melodia. Era da Rihanna.

“Oooh! How about a round of applause?


Yeah! A standing ovation?
Yeah, yeah, yeah, yeah

You look so dumb right now


Standing outside my house
Trying to apologize
You're so ugly when you cry
Please! Just cut it out

Don't tell me you're sorry


'Cause you're not
Baby, when I know you're only sorry
You got caught

But you put on quite a show


Really had me going
But now it's time to go
Curtain's finally closing
That was quite a show
Very entertaining
But it's over now (but is over now)
Go on and take a bow

Grab your clothes and get gone


You better hurry up, before the sprinklers come on
Talking bout "Girl, I love you, you're the one"
This just looks like a re-run
Please! What else is on?

And don't tell me you're sorry


Cause you're not
Baby when I know you're only sorry
You got caught

But you put on quite a show


Really had me going
But now it's time to go
912
Curtain's finally closing
That was quite a show
Very entertaining
But it's over now (but is over now)
Go on and take a bow

And the award for the best liar goes to you


For making me believe
That you could be faithful to me
Let's hear your speech out

How about a round of applause?


A standing ovation?

But you put on quite a show


Really had me going
But now its time to go
Curtain's finally closing
That was quite a show
Very entertaining
But it's over now (but is over now)
Go on and take a bow

But it's over now”

Um mês depois...

Eu estava aproveitando cada minuto da minha nova fase. Solteiro e sem trabalhar. Era tudo o que eu precisava
naquele momento.
Como já tinha completado dezoito anos, meus pais já não estavam tão incisivos comigo e já deixavam eu sair
sem me atolarem de perguntas e constatações.
Na primeira semana de dezembro, nós organizamos os enfeites de final de ano, montamos a Árvore de Natal e
fizemos os planos da viagem de Ano Novo. Vitória se deslumbrou com as bolas Natalinas e com as luzes do
pisca-pisca. Ela não cansava de olhar para as cores da casa.
- É bonito Vivi?
- Munito!
A coloquei no chão para que ficasse em pé. Ela já tinha dado os primeiros passos, mas ainda sentia insegurança
para andar. Eu me afastei alguns passos e abri as mãos para que ela viesse até onde eu estava. Todos pararam o
que estavam fazendo para olhá-la.
- Vem filha!
Ela me olhou, olhou a Árvore, as luzes no corrimão da escada e colocou o pé direito na frente do esquerdo.
- Muito bem!!! – eu exclamei. – Agora o outro...
Foi lento, mas ela conseguiu chegar até mim. Eu agarrei a minha pequena e a joguei para cima, fazendo a maior
algazarra por ela estar aprendendo a andar.
Todos aplaudiram o progresso da minha pimpolha. Naquele dia foi a maior festa, todos queríamos vê-la andando.
A viagem já tinha destino certo: Vitória, no Espírito Santo. Escolhemos essa cidade por causa da minha filha. Ela
ia adorar.
Meu pai não queria e não podia gastar muito naquela época, então decidimos apenas ficar uma semana fora, a
913
última semana do ano.
Conforme os dias se aproximavam, a ansiedade tomava conta de toda a família. Marcus já estava conformado
com o fim de seu relacionamento e estava agradecido que Richard não o tivesse mais procurado.
Henrique e Gabrielle ainda estavam em um volta não volta que já estava irritando a todos, menos aos dois. Eu
cheguei a um ponto em que não agüentei mais e tive que falar com a minha ex-cunhada ou sabe-se lá o que nós
éramos:
- Gabrielle você não acha que está na hora de amadurecer um pouco não?
- Hã?
- É isso mesmo garota! Chega desse chove não molha com o meu irmão! Ou vocês voltam logo de uma vez por
todas ou terminam e dão um ponto final nessa ladainha.
- Nossa... Eder...
- Nossa nada! Caramba que enrolação da parte de vocês... Eu não aguento mais ver o Henrique pelos cantos da
casa... Que coisa garota! Decida o que você quer logo e ponto final... Se quiser terminar, beleza, cada um vai
seguir seu rumo como aconteceu comigo e o seu irmão... Que coisa mais chata!
Ela não conseguiu responder nada, apenas me fitou com as duas sobrancelhas unidas.
- Não adianta fazer essa cara de coitadinha! Nós dois sabemos muito bem que o que aconteceu antes faz parte do
passado. Não deixe o amor que você sente pelo Henrique morrer por causa do seu orgulho idiota. Chega, né?
Está na hora de decidir...
- Ah! Eu faço das suas as minhas palavras Eder! Ou são dois pesos e duas medidas?
- O meu relacionamento com o Rafael já está resolvido e eu não quero mais saber dele. Simples assim. Agora eu
não tenho culpa que você não tem coragem de falar com o meu irmão como eu falei com o seu!
- Eu tenho medo...
- Tem medo? Tem medo do quê? De se entregar novamente ao homem da sua vida? De tentar reatar ao amor de
vocês dois? Você não é covarde Gaby! Estou decepcionado com você!
- Medo dele repetir as mesmas coisas...
- Ele não é idiota Gabrielle. O Henrique errou feio com você, mas eu tenho certeza absoluta que ele não vai fazer
isso de novo. Eu conheço o meu irmão, ele é como eu... Age por impulso!

- Mas...
- Não vem com essa agora! Quer terminar de vez? Eu chamo ele aqui agora!!!
- NÃO!
- Foi o que eu pensei. Assim que tem que ser. Anda, vai lá falar com ele!

Mesmo depois de ter chamado a atenção da Gabrielle, as coisas entre ela a meu irmão mais velho não
melhoraram. Eu decidi lavar as minhas mãos e deixar os dois se entenderem por conta própria, afinal de contas
não ia adiantar eu interferir.
Minha irmã e Gustavo demonstravam a paixão que sentiam um pelo outro a cada dia que passava. Estava
combinado que nós iríamos conhecer a família dele na ceia de natal. Minha mãe estava entusiasmada.
- Ele é tão fofo! – ela disse.
- Não é? – Gi se derreteu.
Eu e Marquinhos bufamos.
Vitória jogou a boneca de pano na cabeça da tia e a minha irmã reclamou e colocou a mão na cabeça. Minha mãe
quase caiu no chão de tanto que ria.
Eu não sabia se a Vitória estava rindo da avó ou da brincadeira que fez. Giselle ficou com um bico maior que o
meu e brigou com a minha filha:
- Não pode fazer isso com a tia!
- Tia!
- Quem te ensinou isso?
914
- Titia!
- Não é para fazer isso de novo, entendeu?
A minha pequena deu uma risada gostosa e eu, juntamente com meu irmão mais novo e minha mãe caímos na
risada.
- Não tem graça!
- Bebê – Vitória falou. Ela estava aprendendo muitas palavras novas.
- Vitória, Vitória... Você está ficando muito traquina!
- Deixa a menina Giselle! – eu enxuguei uma lágrima. – Né, amor?
- É! Papai! É!
Ela riu de novo e se levantou do chão com um pouco de dificuldade. Minha menina caminhou bem devagarzinho
até as pernas da minha mãe e olhou para cima quando chegou perto da avó.
- O que foi? – minha mãe perguntou.
- Bobó!
- Quer colo?
- Qué!
Ficamos brincando com a Vitória até o almoço ficar pronto. Meu pai e meu irmão chegaram da rua pouco antes
da comida ser servida.

A academia entrou em recesso das festas de final de ano dois dias antes do dia 25. Eu e Natália nos despedimos
de Silvio e ele nos elogiou pelo desempenho dos últimos meses.

- Obrigado pela ajuda – eu falei.


- Que nada, esse é o meu papel! Ano que vem vocês voltam, não voltam?
- Com toda certeza – Natty ponderou.
- Então eu espero vocês! Boas festas, feliz Ano Novo!!!
- Para você também! E até 2.008!

Não gostei da ideia de rever o Fael no Natal, mas eu não tinha muita escolha. Já estava virando tradição juntar as
duas famílias nas comemorações. As mulheres prepararam a comida, enquanto os homens arrumaram a
decoração e colocaram a mesa.
Por volta das dez horas da noite, a família do Gustavo chegou e nós nos apresentamos. Os pais eram jovens como
os meus e pareciam ter uma condição de vida agradável.
- Boa noite – eu disse ao pai do meu cunhado –, tudo bem com o senhor?
- Boa noite rapaz! Quem é você?
- Eder, irmão da Giselle. Essa é a minha filha, Vitória. Dá oi para o moço, filha.
- Oi – ela falou.
- Que coisinha mais linda! Parabéns, ela é linda!
- Obrigado. Fique à vontade.
- Muito gentil!
A mãe dele era bonita, mas não tanto quanto a minha mãe. Ela pegou Vitória no colo e ficou brincando com a
minha princesa. Todos riram quando Vitória fez palhaçada.
Quando o relógio começou a badalar, todos nos abraçamos e quando chegou a hora de falar com o Rafael, eu tive
que respirar fundo para não falar nada de errado.
- Rafael?
- Eder?
- Feliz Natal!
- Feliz Natal!
Eu ergui a minha mão e não tirei meus olhos dos dele. Quando senti as peles se roçarem, meu coração disparou e
eu não me contive, tive que abraçá-lo com força!
915
- Ah, Eder...
- Não fala nada. Está bem?
- Uhum.
O perfume do meu ex-namorado entrou pelas minhas narinas e meu coração disparou. Doeu um pouquinho. Senti
vontade de chorar.
- Eu... – ele falou.
- Uhum.
- Ah...
- Shiiiiiiiiu... Não fala nada, por favor...
Eu dei um beijo discreto no pescoço dele e me afastei, sem olhá-lo novamente. Eu precisava conversar com o
Fael novamente. E a sós.
Quando todos nós estávamos sentados, meu irmão mais velho pediu a nossa atenção:
- Gente, por favor... Eu quero falar uma coisa...
O que ele queria falar? Meu irmão não era daquilo...
- Bom o que eu tenho para falar, na verdade, é para uma pessoa. Gabrielle, você pode vir até aqui?
Gaby olhou para o meu irmão com ar de curiosidade, mas afastou a cadeira e se dirigiu até onde ele estava.
- Na verdade eu não sei por onde começar... – ele sorriu e pegou na mão direita da garota. – A gente sempre teve
os nossos desentendimentos, mas nunca nos separamos de verdade e quando isso aconteceu, eu senti uma dor
indescritível dentro do meu peito...
Ele engoliu a saliva, respirou fundo e continuou:
- Gaby talvez eu não seja tudo o que você espera de um homem, eu não sou perfeito, tenho meus defeitos, tenho
muito que aprender ainda, mas eu te amo e acima de tudo eu quero ficar ao seu lado para sempre. Quero ter uma
família com você, quero construir o meu futuro ao seu lado. Você é a mulher da minha vida e eu quero...
Eu prendi a respiração. Ele não ia fazer o que eu estava pensando que ia fazer, ia?
- Gabrielle, você quer casar comigo?!

Fez-se silêncio. A única coisa que eu conseguia ouvir era o arfar dos meus pulmões e o martelar do meu coração.
Todos ficaram imóveis.
Gaby baixou a cabeça, sorriu, respirou fundo, olhou para Henrique e respondeu:
- Quero! Claro que eu quero!
Bastou a resposta da Gabrielle para a festa ficar completa. Minha mãe chorou quando abraçou meu irmão e o pai
da Gaby ficou com a cara fechada. Eu estava afoito, não esperava por um pedido de casamento naquela altura do
campeonato.
Os noivos trocaram as alianças ainda antes da ceia. Minha mãe não parava de soluçar um segundo sequer.
- Os filhos crescem e criam asas – a mãe do Gustavo falou sabiamente.
- Meu bebê!
O casal trocou um beijo e depois desse feito, nós começamos a comer. Vitória dormiu cedo.

Nós pegamos o avião às sete horas da manhã. A família da Natália não nos acompanhou, eles iam para a chácara
do seu Augusto. A Natty ficou péssima em passar o Ano Novo longe da nossa filha.
Minha pequena adorou andar de avião pela primeira vez. Ela não parava de olhar o céu enquanto estávamos no
ar.
- É bonito?
- Munito!
Ficamos brincando com ela a maior parte da viagem, que não demorou para acabar. Meu pai tinha a chave do
apartamento de um velho amigo dele que não morava mais em Vitória, então nós podemos ficar no local sem ter
que se preocupar com despesas. Foi tranquilo, não tão legal como eu esperava, mas nós nos divertimos bastante.
Vivi adorou conhecer o mar. Naquela fase, tudo que ela via ficava admirando, fosse o que fosse.
916
Eu me aproximei da água e a coloquei na areia, mas fiquei segurando em sua cintura. Ela perdeu os olhinhos na
imensidão azul daquele oceano.
- É o mar, filha!
- Áua?
- Isso, é água! Vem o papai te ajuda...
Eu fiz ela dar alguns passos e quando a água tocou os nossos pés, ela deu risada, provavelmente estava com
cócegas.
- Munito...
- É amor, é lindo!
- Vitola...
- O que a Vitória quer?
- Áua...
- Quer água? Vem, vamos com a sua avó...

O dia 31 de dezembro não tardou a chegar. A cidade já estava em clima de reveillon e eu não parava de correr
atrás da Vitória, ela não parava quieta um segundo sequer.
- Tira a mão da tomada menina! – eu exclamei, a puxando para longe de uma tomada próxima aos sofás. – Não
pode! Vai machucar bebê!
- Macuchar bebê?
- É! Não pode! Entendeu?
- Deu!
- Hoje você está impossível! Vou ter que fazer você dormir um pouco...
Tentei dar banho na minha filha, mas quem tomou fui eu. Ela não parava de sacodir os braços na água morna. Eu
estava me irritando.
- VITÓRIA! PARA QUIETA UM POUCO PELO AMOR DE DEUS!
Os bracinhos da minha filha caíram de vez dentro da água e ela abriu o maior berreiro. Meu coração ficou cheio
de remorso na mesma hora.
- Pronto bebê, pronto, passou, passou...
- O que foi isso Eder? – Giselle perguntou.
- Tia...
- Oh, meu anjinho, o seu pai brigou com você?
Minha filha esticou os bracinhos para a tia e quando Giselle a pegou, ela escondeu o rosto nas madeixas da
minha irmã.
- Eder! Precisava brigar com a menina?
- Ela está impossível hoje! Não consigo nem dar banho direito!
- Vamos Vitória, deixa o tonto do seu pai sozinho... Ele não vai mais brigar com você, a tia promete.
Quando elas saíram do banheiro, Vitória lançou-me um olhar triste e raivoso. Eu fiquei ainda mais chateado.

Passei a maior parte da noite pensando no último reveillon que eu tinha passado. Meu coração doeu de saudade
do Fael. Como ele estaria?
Encontrei uma estrela minúscula, porém luminosa próximo a uma nuvem e fiquei a observá-la. Se Henrique não
tivesse tocado no meu ombro, eu não teria parado de pensar nele.
- O que você tem?
- Hum? Nada – eu menti. – Não é nada.
- Está com saudades, né?
Dei um suspiro longo e voltei a mirar a pequenina estrela.
- Muita saudade.
- Eu imagino Eder. Vocês não têm mais jeito mesmo, né?
- Não Ricky. Eu não quero mais ser idiota.
917
- Ah, mano! Eu queria tanto te ajudar.
- Você já fez demais por mim. Só de me distrair...
- Eu não faço nada!
- Ah, faz sim. Querendo ou não. Às vezes você nem percebe!!
Ele passou o braço pelo meu ombro e nós dois ficamos admirando o céu Espírito Santista. Estava uma noite
muito agradável.
Quando a meia noite se aproximou, nós fomos para à praia e, como de rotina, ficamos à beira mar, esperando a
virada do ano ansiosamente. Minha filha não queria ficar nos meus braços.
A contagem regressiva começou. Todos nós demos as mãos. Eu fechei os meus olhos.
Dez.
Nove.
Oito.
Sete.
Seis.
Cinco.
Quatro.
Três.
Dois.
Um.

Janeiro de 2.008...
Eu pedi em silêncio para Deus continuar abençoando a minha família, principalmente, a minha filha. Agradeci
por todas as conquistas que tive no ano anterior e reforcei os pedidos para o ano vigente, nunca deixando a
humildade de lado.
Eu e minha família pulamos as sete ondas e quando todas elas passaram, nos abraçamos e rezamos em sintonia.
Consegui segurar a minha pimpolha, ela estava amedrontada por conta dos fogos de artifício e só conseguiu se
acalmar, quando eu a segurei.
- Calma, eu não vou deixar que nada te aconteça – falei no ouvidinho dela, quando ela fez menção em chorar.
- Papai, medo...
- Não fica com medo. Eu estou aqui...
Abracei Vitória com força e tentei passar toda a minha energia positiva para o corpo minúsculo e sensível da
menina. Aos poucos ela se tranquilizou.

Natália agarrou nossa filha com tanta vontade que eu pensei que a Vitória ia quebrar no meio. E eu ainda pensava
que a garota não gostava da menina.
- Conta para a mamãe como foi a sua viagem?
Vitória tentou formular várias frases, mas nada tinha coerência e Natália só dava risada atrás de risada. Vivi
apontou o dedo para mim e ficou com a cara feia, eu me perguntei o que ela estava lembrando.
- Alguma novidade por aqui? – eu sondei.
- Nada. E você?
- Nada também.
- Vamos voltar para a academia amanhã?
- Lógico! O meu corpo já está sentindo falta dos exercícios...
- Eu comi feito uma porca esse ano, preciso perder os quilos que adquiri.
- Adquiri... Olha o vocabulário dessa menina...
- É gato, a gente tem que falar adquiri, porque se falar ganhei eles não vão embora!
Eu dei risada e me joguei no sofá da casa da minha ex-cunhada.
- Amanhã eu começo a tirar a minha carta – suspirei.
- E a moto?
918
- Ainda não ganhei, meu pai está esperando eu tirar a carta.
- Nossa que chique!
- Chique? Não vejo nada de chique em uma moto usada, é normal.
- Pelo menos você vai ganhar.
- Por mim nem ganharia, sabe? Não quero que o meu pai gaste dinheiro comigo, mas ele faz questão e blá, blá,
blá...
- Quanto é uma moto?
- Depende. A que ele vai me dar não é nada cara.
- Então do que você está reclamando?
- Não estou reclamando! – eu ri. – Só acho desnecessário. Não é só o coroa, a família toda vai dar, menos a
minha mãe que já me deu a carta.
- Aí, está vendo? Agradeça a Deus a família que você tem!
- Como foi o seu aniversário de dezenove anos?
- Maravilhoso. Eu ganhei a carta dos meus pais, mas ainda não quero tirá-la.
- Por que não?
- Não estou preparada psicologicamente.
Vitória começou a correr pela sala e caiu sentada próximo da mesa de centro. Meu coração gelou.
- Natty essa menina está ficando impossível, todo cuidado é pouco com ela!
- Eu percebi... A gente precisa ficar de olho.
- Vou pedir para colocarem um portão na escada para ela não cair.
- Boa ideia. Vou falar com o meu pai sobre isso.
- Fale sim. Eu vou dar um rolê com o Marcus, depois a gente se fala!!!
- Beleza. Pode deixar que a Vivi é minha. Né?
- É!
- Você se comporte viu, mocinha?
- Poto!
- Acho que já está na hora de pensar na creche – Natália soltou.
- Eu também acho. E está na hora de tirar a fralda.
- Verdade. E a chupeta.
- Pepeta!
- Não, a chupeta não. Ainda é cedo. Mais para frente a gente vê isso. Eu vou nessa, senão meu irmão briga
comigo!
Dei um beijo em cada uma e saí. Quando estava abrindo o portão, Rafael chegou.
- Eder!
- Oi.
- Tudo bem?
- Tudo e você?
Eu sai e ele entrou. A gente se fitou e apertamos as mãos.
- Feliz Ano Novo – Fael desejou-me.
- Igualmente.
- Eu estou bem – ele suspirou –, dentro do possível.
- Uhum. Eu vou nessa, Marcus está me esperando...
- Ah, entra um pouco...
- Não, eu só trouxe a Vivi...
- Ah, Eder...
- Não insista – eu sorri e recuei um passo –, já estou atrasado.
- Já que é assim!!
- Bom ter te visto.
- Idem.
919
- Abraço.
- Beijo!!!
Beijo... Beijo... Audacioso!
Eu olhei no fundo dos olhos do meu ex-namorado e suspirei. Ainda sentia a falta dele. Eu dei-lhe as costas e
caminhei de cabeça baixa até a minha casa. O portão parecia não querer abrir.
- Está emperrado? – a voz grossa do Fael perguntou.
Eu me arrepiei.
- Não – menti –, é só questão de jeito...
Eu tentei empurrá-lo com toda a força que tinha, mas ele não se mexeu. Fiquei exausto.
- Quer ajuda?
Ele já estava ao meu lado.
- Nem precisa...
Eu voltei a empurrar, mas nada do portão andar.
- Não é o que parece!
Fael ficou atrás de mim, colou o corpo ao meu e me ajudou a empurrar o portão de ferro. Depois de muito
esforço, este se abriu.
- Viu só? Nada que uma mãozinha não resolva...
- Obrigado.
Ele não se afastou de mim, então eu tive que ser cauteloso ao me distanciar. Senti algo crescer no meio das
minhas pernas. Fazia tempo que eu não...
- Preciso ir – falei, entrando e já começando a fechar o portão.
- Está bem – ele suspirou. – Até mais.
- Até.
Deixei o meu corpo escorregar pela parede e caí sentado no chão. Que calor que eu estava sentindo. Meu pênis
parecia que ia explodir de tão rijo que estava. Eu não estava mais aguentando, precisava fazer sexo o quanto
antes... Ou eu ia... Enlouquecer!

- O que você está fazendo aí? – Marcus sondou-me.


- Hã? – me fiz de desentendido. – Nada... Só estou com calor...
- Aham, e eu sou o Bozo! Você vai ou não vai ao cinema comigo?
- Vou, é claro que eu vou, você pode esperar eu trocar de roupa?
- E eu tenho escolha?
Levantei-me, coloquei a mão no meu baixo ventre e comecei a andar. Meu irmão não parou de me seguir até eu
entrar no meu quarto.
- Não demora – ele pediu.
- Serei rápido – eu prometi.
Abri o guarda-roupa e separei uma muda de vestes limpas. Quando já estava vestido, coloquei perfume, arrepiei
os meus cabelos, escovei os dentes, peguei meu celular e desci.
- Vamos?
- Até que enfim!
- Ah, nem vem que eu nem demorei!
- Só um século e meio – ele bufou.

- Perdi o meu dinheiro – Marcus reclamou.


- Quer parar de reclamar?
- Ah, que filme idiota!
920
- Eu disse, mas você não quis me escutar!!!
- Agora vai ficar tacando na minha cara?
- Não, senhor estressadinho, eu apenas estou falando...
- Ah, Eder, vai ver se eu estou rodando bolsinha na esquina!
- Hey! Menos aí moleque! Eu não tenho culpa do seu estresse...
- Alguém aqui está estressado?
- Imagina se não estivesse!
Ele bufou de novo e a gente saiu pela entrada principal. O céu ainda estava claro, devido ao horário de verão. Eu
senti um calor imensurável quando coloquei os pés no asfalto quente daquela avenida.
- Eder, olha quem está ali...
Eu olhei para todos os lados e não vi ninguém conhecido.
- Onde?
- Ali seu tonto – ele puxou o meu corpo e mostrou a direção por onde eu tinha que olhar.
- Quem é?
- É aquele filho da mãe do Richard! Espero que ele não me veja aqui...
- Ele está maior! Vamos fazer o seguinte, vamos pela outra rua...
Mas foi tarde demais. Os meus olhos trombaram com os do garoto e ele sorriu.
- Ótimo! Era só o que me faltava! – meu irmão revoltou-se.
- Calma. Eu cuido disso.
Continuamos andando normalmente, até que nós nos trombamos:
- Oi Má! Quanto tempo! Você estava sumido! Como foi de viagem?
- Como você sabe que eu estava viajando?

- Um passarinho verde me contou. Tudo bem com você Eder?


Eu senti as minhas mãos começarem a suar.
- Tudo e você?
- Estou ótimo!
- Vamos nessa Eder? Já estamos atrasados...
- Já vão? Mas nós nem conversamos!
- E nem temos nada para conversar – eu provoquei.
- Ah, eu não teria tanta certeza assim...
- Pois eu tenho absoluta – Marcus detonou. – Vamos Eder!!
- Você não vai se livrar de mim Marcus.
- Tem razão, eu não vou me livrar, eu já me livrei!
Demos às costas ao garoto e continuamos a caminhar. Eu senti que meu irmão estava tremendo de raiva.
- Calma – eu pedi –, vai ficar tudo bem!
- O que ele quer comigo Eder? Que obsessão é essa?
- Eu não sei – falei com sinceridade –, mas acho que ele não é coisa boa. Acho não, eu tenho certeza!
- Como assim?
- Olha só como as minhas mãos estão frias – eu toquei no braço direito dele –, isso só acontece quando eu o
encontro.
- Que estranho...
- Muito. Eu sinto uma energia negativa muito forte quando me aproximo desse garoto.
Meu irmão e eu continuamos conversando e no decorrer do caminho, eu descobri algumas informações a respeito
da família daquele guri.
- Sendo assim eu começaria a ir a igreja – eu pressupus.
921
- Acho que é isso mesmo que eu vou fazer. Fazem anos que não vou a missa.
- Também não exagera Marquinhos, nós fomos à missa ano passado, antes do meu aniversário.
- Já faz tempo!
- Não muito, mas faz.
- Vamos juntos?
- Vamos sim. Vai ser bom para nós.

Aos poucos eu estava pegando o jeito no volante. Meu instrutor já não tinha que falar duas vezes a mesma coisa
e eu já não tremia com tanta freqüência.
- O sinal vai fechar, reduza a velocidade.
Eu fiz o que Thiago pediu e tirei as mãos do volante quando o carro parou.
- Você está indo muito bem garoto! Quero ver na hora da baliza!
- Nem me fala Thiago... Já começa a me dar calafrios...
- Não fique com medo, você vai passar. E se não passar pode fazer de novo.
- Prefiro não sofrer por antecedência.
- O que você está gostando mais? O carro ou a moto?
- A moto!
- Todo garoto prefere moto, não sei por quê!
- Dá mais adrenalina, mas o carro não é ruim não.
- É bom você ter as duas cartas mesmo. Vai que em alguma eventualidade você precise dirigir um automóvel e
não possa?
- Aham.
- Oh lá, abriu. Daquele jeitinho que eu te ensinei!
- Está bem!

Meu celular tocou e eu já não olhei o identificador ao atender:


- Alô?
- Eder?
- Quem é?
- Não lembra da minha voz?
- César?
- Oi! Tudo bem?
- Nossa garoto! Quanto tempo!
- Pois é! Você simplesmente esqueceu que eu existo!
- Claro que não – como ele era dramático –, eu não esqueci de você, apenas estou sem crédito e não tenho como
te ligar...
- Aham, eu sei, só estou brincando com você. Como você está?
- Bem, melhor agora que estou falando com você! E você, como está?
- Muito bem, graças a Deus. O que você está fazendo?
- Eu acabei de chegar, fui receber, e você?
- Cheguei agora também, estou no apartamento, sem fazer nada, bem que você podia vir até aqui, o que acha?
- Ir ao seu apartamento? – eu arregalei os olhos.
- É! Tem algum problema?
- Não, não, mas é que...
- Mas é que você não quer vir, não é?
- Não César, não é isso...
- Então por que não vem?
Eu mordi o lábio inferior. Como sair daquela situação?
- Hã...
922
- Sem desculpas esfarrapadas, posso passar na sua casa para te buscar?
- César...
- Eu chego aí em meia hora. É no Morumbi né? Perto da locadora? Eu acho que sei onde é...
- Mas...
- Meia hora – eu senti um tom de divertimento na voz do rapaz. – E não se atrase!
Ele não esperou eu responder e desligou o telefone na minha cara. A princípio, fiquei sem saber o que fazer e
como agir, mas depois de uns segundos, eu fui tomar banho.
- Vai tomar banho de novo? – minha mãe perguntou.
- É. Um amigo meu me chamou para sair e eu vou.
- E aonde vocês vão?
Eu precisei pensar rápido.
- Nós vamos em um rodízio de pizza.
- Hum! Que delicia@ Faz tempo que seu pai não me leva para esses lugares.
- Cobre dele!
- Vou cobrar mesmo. Viu, eu estou indo a casa de uma amiga, volto mais tarde.
- Aham. Até mais então amore!
Ela deu um beijo no meu rosto e desceu as escadas. Eu entrei no banheiro, tirei a minha roupa e liguei o
chuveiro. A água estava muito quente.
- Quem está aí? – Marcus perguntou.
- Eu. Por quê?
- Abre aí mano, estou quase mijando nas calças!
- Usa o do térreo!
- A Giselle está se depilando, vai Eder, abre aí mano...
- Ê laia!
Eu saí do box, sequei os pés e girei a chave na fechadura. Meu irmão entrou, levantou a tampa do vaso e tirou a
água do joelho. Ele deu um gemido de alívio quando terminou de urinar.
- Obrigado Ed! Eu não estava mais aguentando.
Ele lançou um olhar de agradecimento para mim e eu sorri.
- De nada. Agora eu posso, por favor, terminar o meu bganho?
- Pode. Desculpe te atrapalhar.
Meu irmão mais novo virou-se para sair, mas antes disso, deu uma olhada rápida no meu membro. Eu sorri.
- Gostou?
- Gostou do que?
- Do que você viu?
- Hã?
- Não se faça de idiota!
- Palhaço!
Ele ficou com as bochechas vermelhas e desapareceu da minha vista em questão de segundos.

Quando eu terminei de me arrumar, o meu celular tocou.


- Oi?!
- Já está pronto?
- Já sim!
- Muito bem, assim que tem que ser. Eu estou no seu bairro já.
- Em que local?
- Em frente a Alpha.
- Ah, tá. Pode ficar aí mesmo, eu chego em dez minutos.
- Não aceito atrasos – ele brincou.
- Tudo bem moço – eu ri junto com ele –, já, já eu estou aí.
923
- Estou te esperando. Beijo.
- Outro.
Passei mais perfume, analisei o visual no espelho, peguei tudo o que eu precisava e desci. A minha filha não
estava em casa, Natália estava precisando passar uns dias com a menina, então eu não me preocupei em avisar
aonde ia e nem com quem estava.
Não encontrei ninguém no meu caminho, tudo estava ao meu favor. Quando eu virei a esquina da rua da locadora
onde eu trabalhava, avistei um carro vermelho parado em frente ao estabelecimento. Meu coração disparou e
meu estômago gelou.
Eu dei duas batidas de leve no vidro do carro e ele me fitou. Um sorriso iluminou a sua face, eu senti as minhas
bochechas corarem. A porta foi aberta, eu entrei e coloquei o cinto de segurança.
- Oi – ele falou com a voz habitual.
- Oi César!
- Que bom ver você Eder!
Nós apertamos as mãos. Ele estava lindo!
- Digo o mesmo!
- Podemos ir?
- Podemos – eu suspirei. Estava um tanto ansioso e um tanto precavido.
Ele ligou o carro e deu a partida. Eu olhei para o outro lado da rua, mas não tinha ninguém na calçada.
- O que você tem? Parece preocupado...
- Não é nada – eu ri –, estou bem!
- Como vão as coisas? Ainda está desempregado?
- Estou sim, na verdade eu ainda estou no Seguro Desemprego, então por enquanto eu consigo levar a vida
normalmente, mas já preciso começar a procurar emprego.
- Se você quiser, eu te ajudo.
- Como assim?
- Eu posso te indicar na empresa onde eu trabalho.
- Sério?
- Aham.
- O que você faz no seu emprego?
- Sou consultor de marketing.
- Uau! Mas para isso não precisa de facul?
- Não necessariamente. Sempre é bom ter, mas existem as exceções!
- Hum... Interessante...
- E o salário não é nada ruim.
Ele me disse a quantia e eu arregalei os olhos.
- Quando eu posso começar?
Ele riu.
- Vou falar com o meu gerente na segunda.
- E eu espero?
- É!
- Essa é a pior parte.
- É nada, passa rápido. E a Vitória?
- Impossível. Crescendo, virando sapeca. Ninguém está conseguindo segurá-la mais. Vive correndo de um lado
para o outro, falando, brincando e fazendo arte.
- Ela está na fase. Trate de aproveitar que essa é a melhor época da criança.
- Eu sei.
- Você ainda pensa no seu ex?
Eu suspirei.
- Eu não vou conseguir esquecer o Rafael nunca. Ele mora dentro do meu coração, está definitivamente na minha
924
vida, ele é o tio da minha filha, o cunhado do meu irmão, então eu nunca serei capaz de esquecê-lo em definitivo.
A não ser que eu mude de país!
- Não seria má ideia.
- Quem sabe um dia?
Ele parou em um posto de gasolina, abasteceu e nós continuamos a conversa:
- Mas e a vida de solteiro? – ele sondou.
- Maravilhosa. É boa por causa da liberdade, mas ao mesmo tempo é ruim, porque eu me acostumei em ter uma
pessoa ao meu lado.
- Você pode ter outra pessoa ao seu lado, não precisa ser necessariamente o Rafael.
- Sim eu sei, mas é difícil, né? Tudo é recente ainda.
- Desculpe-me Eder, mas não é recente não!
- Eu acho.
- Eu não acho não.
- Isso vai de pensamentos, ideias e conceitos.
- É verdade – ele concordou. – Nós já estamos no meu bairro.
- Sério? Nem vi o tempo passar!
- Quando a gente está com alguma pessoa agradável, o tempo passa e a gente nem nota.
- Verdade.
- Eu moro naquele prédio – ele apontou com o dedo.
- Nossa! Que chique, hein?
- Chique nada, quem me dera fosse!
- É um condomínio?
- É digamos que sim.
Ele reduziu a velocidade e virou à direita. Eu vi uma menina de vestido rosa correndo pela rua.
- Essa menina correndo a essa hora?
- Que menina?
- Aquela ali de vestido rosa.
Ele olhou para os dois lados da rua.
- Eu não vejo nada!
Eu olhei para o rapaz com as duas sobrancelhas erguidas. Como ele não tinha visto?
- Como não? Ela está bem ali...
Eu olhei para o acostamento, mas não vi mais ninguém. Meu coração disparou. Será que eu estava vendo coisas?
- Acho que eu estou vendo coisas – dei risada e sacudi a cabeça.
- É o calor que afetou os seus neurônios!
- Vá catar coquinho no mato, rapaz!
Ele deu risada e esperou o portão do prédio abrir. Quando conseguiu descer para a garagem, César teve que
estacionar com cuidado para não bater em nenhum carro.
- Vamos para o elevador? – ele perguntou.
- Você mora em qual andar?
- Sétimo.
- A vista deve ser bonita.
- Só cimento para todos os lados.
- São Paulo, né?
Ele sorriu. A porta do elevador abriu, nós entramos e ambos apertamos o sétimo ao mesmo tempo. Nossas mãos
se encostaram.
Troquei um rápido olhar com o garoto, depois fitei os meus tênis. Eu estava acanhado.
- Não repare na bagunça – ele pediu, quando abriu a porta.
- Que é isso!
Mas não tinha nada bagunçado. Ao contrário, o apartamento estava impecavelmente arrumado. Eu me perguntei
925
se era ele mesmo que fazia a faxina.
- Eu preciso arrumar algumas coisas ainda.
- Que nada, está lindo.
- Eu prefiro morar sozinho. Não gosto de dividir as coisas com mais ninguém.
- Egoísta!
- Não é egoísmo, é praticidade. Pelo menos assim eu deixo as coisas do jeito que gosto e não tenho que me
preocupar com ninguém enchendo o meu saco, além de poder trazer quem eu quiser aqui e na hora que eu quiser.
- Isso é verdade. Eu queria morar sozinho, mas ainda estou muito novo para isso.
- Verdade. Na verdade não é questão de você estar novo, você apenas ainda não está estabilizado
financeiramente.
- Isso aí.
Eu sentei em um dos sofás e ele ficou ao meu lado.
- Quer beber algo? Um suco, uma água?
- Não, obrigado, eu estou bem assim.
- Uma bebida mais doce, um vinho, uma vodca?
- Não eu não bebo!
- Ah, é, esqueci desse pequeno detalhe.
- Da última vez que eu me embebedei, ganhei uma filha, então tenho trauma de álcool.
- Eu garanto que isso não vai acontecer hoje!
Eu sorri e ele retribuiu.
- Ainda bem, né?
- Você está lindo, sabia?
Eu senti minhas bochechas esquentarem.
- Obrigado, você também está muito bonito.
- São seus olhos amarelos!
Eu ri.
- Bobo!
- E essa boca? Que boca é essa...
- O que tem a minha boca?
Eu passei a língua nos lábios.
- E ainda me provoca...
- Provocar? Eu? O que eu fiz?
- O que você fez? Quer mesmo saber?
- Quero!
E de repente, nós estávamos nos beijando. Ele colocou uma das mãos na minha nuca e a outra na minha coxa, eu
acabei imitando o seu gesto.
A boca dele estava mais urgente que a minha. A mão do rapaz percorreu as minhas costas e desceu até o cós da
minha calça, a minha barriga gelou mais ainda e meu pênis começou a criar vida.
O nosso beijo foi interrompido apenas quando ele ficou sem fôlego. Nossos olhos se trombaram de leve, ele
estava ofegante, mas eu ainda estava tranquilo.
- O seu beijo é uma delicia – César comentou.
- O seu também é muito bom.
- Olha o que você fez comigo – ele pegou a minha mão e colocou sobre o membro, duro como pedra.
Eu desviei meus olhos e abaixei a cabeça, tirando a minha mão em seguida.
- O que foi? – César perguntou.
- É que...
- Quer ir para o meu quarto? Lá nós podemos ficar mais à vontade...
Ele levantou e me puxou pela mão. Nós começamos a nos beijar ainda no meio do caminho e quando eu dei por
mim, já estávamos em uma cama de casal.
926
César tirou a camiseta e em seguida deitou por cima do meu corpo. Eu passei as unhas nas suas costas, senti o
calor de sua pele invadir o meu corpo e comecei a me soltar.
O homem tirou a minha camiseta e minha calça, deixando-me apenas de meias e cueca. Eu senti vergonha em
ficar naquele estado, mas tinha que confessar que estava gostando da situação.
- Você é uma delicia Eder – ele mordiscou a minha orelha.
- Você também é – eu sussurrei e ele me apertou.
A boca do rapaz desceu pelo meu pescoço e só parou quando chegou nos meus mamilos. Senti a língua molhada
roçar na minha pele e o meu pau ergueu novamente.
César voltou a me beijar e nós prolongamos o momento ao máximo. Lembrei do meu ex-namorado em diversas
vezes, mas sempre tentando esquecê-lo, porém era impossível.
Ele tirou a calça e deitou-se ao meu lado. Eu enrosquei as minhas pernas na dele e deslizei a minha mão pelo
meio de suas pernas. Senti algo levantar na minha barriga.
- Eu te quero – ele falou baixinho.
Eu estava em dúvida. Ao mesmo tempo em que o meu corpo queria, que o meu organismo necessitava, a minha
mente bloqueava as ações, bloqueava o libido...
Só foi quando ele tirou a minha cueca, que o meu cérebro falou mais alto e eu tive que parar tudo o que nós
estávamos fazendo.
- Desculpa – eu pedi –, mas eu não consigo!
Ele me jogou na cama e deitou por cima de mim. Eu me contorci, tentei controlar a minha ansiedade e deixei as
coisas acontecerem conforme ele queria, mas quando a boca dele chegou perto do meu pênis, eu me sentei.
- César não dá! Não vai rolar!
Ele me olhou com os olhos expressivos, porém indecifráveis. Eu não queria magoá-lo.
- Eder, relaxa!
- Não César, não dá. Eu não estou pronto para isso ainda!
Coloquei a minha cueca e me levantei da cama. Ele não parava de me olhar.
- É ele, não é?
- É, é ele sim. Ele não sai da minha cabeça e eu estou com medo de te magoar. Desculpe. Perdão. Eu... Eu quero
ir embora!
- Não precisa ir embora Eder! A gente não precisa fazer isso, eu não quero te forçar a nada...
Eu deitei ao lado do garoto e comecei a acariciar o seu rosto. Ele estava sendo gentil, eu não tinha por que
magoá-lo e nem queria fazer aquilo.
- Só vamos beijar, está bem?
Ele assentiu e começou a me beijar delicadamente. A cada movimento que os lábios dele fazia, o meu pinto
levantava.

- Eu preciso mesmo ir embora – arfei, depois de mais de uma hora sem parar de beijá-lo.
A minha cueca estava molhada e o pau dele para fora da cueca. Eu não me contive e segurei.
- Acho que não – ele deu um sorriso safado.
- É?
- Uhum.
Comecei a bater uma para o deus grego e ele não parou de gemer baixinho. Eu abaixei os meus olhos, fiquei
observando o movimento das minhas mãos e quando senti que ele ia gozar, parei.
- Você para agora?
- Você não quer gozar aqui, quer?
- E por que não?
O pau dele levantou sozinho. Não era tão grande quanto eu imaginava. O meu era maior.
Ele mesmo terminou a punheta e quando começou a gozar, deitou de barriga para cima, fazendo com que o
esperma voasse pela sua barriga e tórax.
- Safado – eu falei baixinho, colocando-me de pé novamente.
927
- Infelizmente você ainda não viu nada – ele falou quando terminou de gemer.
- Quem sabe mais para frente?
- Quem sabe?

Eu tirei o cinto de segurança e destravei a porta do carro. A gente se fitou, eu sorri e disse:
- Obrigado por tudo.
- Eu é que te agradeço!
- Eu não fiz nada...
- Imagina se tivesse feito!
- Nem queria imaginar.
Eu ri, estendi a mão, ele apertou e eu abri a porta.
- A gente se vê!
- Me liga!
- Ligo – prometi –, assim que eu tiver créditos!
- Pobre é foda!
- Pois é, nem todos ganham o seu salário.
- Você vai ganhar!
- Amém. Tchau gato!
- Tchau gostoso!
Eu bati a porta com o quadril e olhei para os dois lados da rua antes de atravessar. Quando estava virando a
esquina da padaria, César buzinou e eu acenei, ele desapareceu no horizonte rapidamente.
- Quem era? – uma voz perguntou.
O meu coração foi parar na minha boca, que susto!
- Quer me matar do coração? – eu reclamei.
- Quem era? – Rafael perguntou novamente.
- E por acaso é da sua conta?
Ele estava com uma sacola com pães e frios.
- Quem era?
- Não sou obrigado a te responder, agora com licença que você está tapando a minha passagem!
A calçada estava larga, eu tinha muito bem como dar a volta e sair andando, mas eu não queria dar o braço a
torcer.
- Eder...
- Rafa, com licença?!
Ele deu um passo para o lado e eu continuei a andar.
- A gente precisa conversar...
- A gente não tem nada que conversar Rafael!
- Eder, por favor...
- Por favor o quê? Você já vai começar de novo?
A rua estava vazia, eu não estava preocupado se alguém estava nos olhando.
- Eu quero...
- Você não quer e não tem que querer nada, entenda de uma vez por todas que acabou! É tão mais fácil você
aceitar!
- Quem era no carro? Eu vi você descer dele!
- N-Ã-O É D-A S-U-A C-O-N-T-A!!! – eu fiz questão de soletrar cada sílaba da frase.
Ele passou a passos largos por mim e não falou mais nada. Eu senti remorso, tinha sido muito duro com ele por
puro orgulho. Eu não podia ser daquele jeito...
- RAFA! – eu tentei fazê-lo parar, mas ele não me deu ouvidos.
Eu corri, tentei alcançá-lo e só consegui quando ele parou para abrir o portão.
- Fael – eu arfei –, desculpa...
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- Desculpa? Você vem falar desculpa agora? Você está me tratando como um ninguém Eder! Eu pensei que eu
valesse alguma coisa na sua vida... Mas já vi que eu estava enganado mesmo...
- Desculpa Fael, eu não queria ser grosso com você...
- Mas foi. Isso dói sabe Eder? Eu só quero tentar resolver as coisas entre nós dois e você só complica!
Ele abriu o portão, entrou e fechou para que eu não entrasse.
- Vamos conversar...
- Agora você quer conversar? Pois agora quem não quer conversar sou eu!!! Tenha uma boa noite!
Eu fiquei sem resposta, mas foi merecido. Depois dele bater a porta da sala, eu fui até o meu portão e entrei em
casa, desnorteado e com a cabeça a mil. Eu não sabia o que fazer.

Eu tive que comprar a carta, não passei na baliza e não estava com paciência para uma nova tentativa. Meu
instrutor ficou feliz com o meu progresso, eu ia sentir falta dele.
- Obrigado pela ajuda Thiago!
- Que nada, você foi muito bem!
- Valeu mesmo.
Eu estava pensando em quem seria a minha primeira vítima no volante. Henrique seria legal, mas ele ia ficar me
ensinado a fazer as coisas, bem como meu pai e minha mãe. O Marcus ia me encher de perguntas... Então a única
pessoa que me sobrou, foi a Giselle.
- Gi? Mãe?
- Eu estou aqui – minha mãe falou.
- Cadê a Giselle?
- O que tem eu?
- Olha – eu mostrei minha habilitação e ela sorriu.
- Parabéns jovem motorista.
- Você vai ser a minha cobaia.
Eu puxei a minha irmã pelo braço e ela tentou me arrastar de volta.
- Eu vou pegar o carro, viu mãe?
- Cuidado, hein?
- Só uma volta pelo bairro.
- Mãe socorro mãe, me ajuda...
- Fica quieta menina! Está louca, é? Eu, hein!
Eu abri a porta e a coloquei no carona, minha irmã estava rindo.
- Eu não vou bater. Mãe abre o portão?
- Sim senhor.
Eu girei a chave na ignição e rapidamente coloquei o automóvel na rua.
- Ai meu Deus! – Giselle exclamou.
- Relaxa e curte o movimento!
- Eder você sabe o que está fazendo, não sabe?
- Não, eu não sei! Fiz o curso a toa! Anta!
Eu acelerei o carro e comecei a andar.
- Ai minha Nossa Senhora, me ajuda! – minha irmã colocou o cinto às pressas.
Eu ri.
- Como você é idiota.
Virei à esquina e continuei a guiar o carro, sempre prestando atenção nas sinalizações.
929
- Gustavo, foi bom ter te conhecido!
- Para de ser trouxa menina!
- Minha Nossa Senhora dos Desesperados, me socorre!
- Giselle! – eu gargalhei.
- Eder olha o sinal Eder!
- Menina, fica calma! Eu sei o que estou fazendo...

Freei e parei. Minha irmã deu um grito.


- EDER!
- Gi fica calma peste, eu estou dirigindo bem!
- Bem mau!

- Nunca mais me faça de cobaia, está me entendendo? – ela saiu correndo do carro e eu continuei rindo da cara
dela. – Sangue de Jesus, eu preciso ir ao banheiro...
- O que é isso?
- A louca da sua filha que fica brincando!
- Nenhum arranhão?
- Intacto – eu joguei a chave na mão da minha mãe.
- Parabéns Eder.
- Obrigado!

Eu não consegui pregar os olhos àquela noite. Rafael Alcântara não saía da minha cabeça um segundo sequer. Eu
tinha que tomar uma atitude e conversar com ele novamente e resolver todos os nossos problemas de uma vez
por todas.
Mas duas perguntas ficavam rondando a minha mente: como conversar sem me magoar e sem magoar o Rafael?
E como ficaria o nosso futuro depois daquela conversa?

“Parecia que eu estava fora do meu corpo. Tudo estava difuso, uma neblina densa impedia os meus olhos de
enxergar o que estava acontecendo, mas eu sabia onde estava e o que estava fazendo.
Toquei a campainha da casa dele e esperei alguém vir abrir a porta. Contei mentalmente até dez, até que Fael
apareceu.
Ele estava lindo, como de costume. Sua pele bronzeada estava em contraste com os cabelos castanhos. Será que
ele os tinha pintado?
Os nossos olhos se encontraram e meu frio estomacal entrou em cena com força total. Eu sorri, sem graça,
esperando um convite para entrar, mas ele nada disse.
O meu anjo desceu o degrau que nos separava e segurou na minha mão direita. Eu entrelacei os meus dedos aos
dele e fitei novamente o meu oceano particular.
- Oi – sussurrei.
A minha voz estava grossa, rouca, parecia até de outra pessoa. Fael entreabriu os lábios e fitou a minha boca,
incapaz de falar alguma coisa.
Não me contive e caí nos braços daquele homem. E que braços eram aqueles!!! O meu coração se aqueceu com
o calor do corpo do Rafael. Toda a mágoa, a tristeza e a dor que havia dentro de mim se exauriu.
Não havia mais nada ao nosso redor. Toda a névoa que me incomodava se dissipou e tudo o que restava naquela
imensidão negra, estava ao meu alcance. Ele estava nos meus braços. E eu nos dele.
Ele e eu estávamos na mesma altura. Será que fazia tanto tempo que a gente não ficava tão próximo que eu já
nem sabia distinguir o tamanho de cada um?
930
Rafael aproximou os lábios dos meus. Eu fechei os meus olhos, engoli toda a saliva que estava acumulada e
fiquei a espera do nosso momento mágico.
Foi impossível não virar o rosto para aquele barulho. Os pneus do carro derraparam bruscamente no asfalto
quente e em seguida, o ruído de algo se chocando entrou pelos meus ouvidos.
Fael e eu saímos correndo. Alguém estava caído no chão. Alguém tinha sido atropelado. Alguém estava...
Por mais que eu corresse, não conseguia chegar perto do ferido. Eu usei todas as minhas forças, corri o máximo
que pude, até que me aproximei e vi o que tinha acontecido.
O carro não estava mais no local, tudo o que restava era um corpo inerte no chão. Eu ajoelhei ao lado da
pessoa, tentando ajudá-la como podia, mas era inútil, nada mais podia ser feito.
Eu olhei no rosto do garoto. Os seus olhos estavam abertos e uma fina linha de sangue saía se seu nariz. Meus
olhos fixaram-se naquele rapaz e meu coração queimou de pânico. Eu conhecia aquele rosto... Eu sabia quem
ele era... Mas... Como era o nome dele? Eu não me lembrava o nome... Mas eu sabia quem era...
Procurei Rafael por todos os lados, mas não o encontrei. Eu estava sozinho, perdido naquele breu com aquele
garoto deitado no chão...
Então a névoa tomou novamente posse de minhas vistas e tudo ficou borrado. Meu coração não conseguiu se
aquietar e as minhas mãos não pararam de tremer. O que eu ia fazer...?”

A minha respiração estava ofegante e o meu coração não parava de bater de maneira acelerada. Eu sentei no
colchão e coloquei a mão direita na testa, sentindo-a molhada de suor no mesmo instante.
- Richard...
Era ele. Só podia ser ele. Era ele o protagonista do meu pesadelo. Meu irmão mais novo veio em minha mente
em um piscar de olhos. Eu não pensei duas vezes em sair da cama e procurá-lo, eu sabia que Marquinhos
precisava da minha presença ao seu lado.
Tive dificuldade ao colocar os chinelos, então desisti e resolvi andar descalço pela casa. Não consegui fazer os
meus batimentos diminuírem, tampouco acalmar a minha respiração irregular.
Abri a porta do quarto e coloquei o meu corpo no corredor. Senti um arrepio percorrer a minha espinha, mas
continuei andando, sem prestar atenção nos fatos.
- Eder! – Marcus exclamou.
- Marcus!
Ele estava parado no entre o quarto da Vitória e o da nossa irmã. Eu corri até o meu irmão e o abracei com força.
- Mano você está bem? – eu perguntei.
Senti a angústia que ele estava sentindo e a minha preocupação aumentou.
- Eder, Eder, está tudo bem com você?
A voz dele estava trêmula.
- O que aconteceu?
- Você está bem Eder?
- Estou, mas o que aconteceu? O que você tem? Está sentindo alguma coisa?
Eu coloquei as duas mãos nos ombros dele e tentei analisar a sua expressão facial, mas não obtive êxito.
- Eu tive um pesadelo... – ele arfou.
Pesadelo?
- Que pesadelo?
- Eu quero deitar...
Ajudei Marquinhos a andar até a minha cama e quando ele se acomodou, deitei ao seu lado, tentando acalmá-lo,
mas sem obter sucesso.
- Ah... Foi... Horrível....
- Conte-me – eu pedi.
- Eu sonhei com o Richard...
- Com o Richard? – eu me espantei. Que coincidência!
- É... Eu sonhei que ele... Ele me procurava... Vinha até aqui em casa falar comigo...
931
Eu tentei prestar a máxima atenção no que o meu irmão falava.
- O que mais?
- E que quando a gente se via, ele falava umas coisas sem nexo...
- Que coisas ele falava?
- Que não ia desistir de mim nem depois de morto e que ele ia...
- Ele ia...?
- Ele ia se vingar...
- Se vingar?
- Se vingar de você!
Eu arregalei meus olhos. Senti as minhas mãos gelarem. O meu estômago gelou.
- Ah, Eder... Foi horrível!
- Acalme-se. Tudo não passa de um sonho, de um pesadelo.
- Mas foi tudo tão real!
- Eu também sonhei com ele.
- Hã?
- O meu sonho também foi real, muito real. Era como se eu tivesse fora do meu corpo, presenciando tudo.
- Como assim? Você sonhou com o Richard também?
- Sonhei. Sonhei que ele tinha sido atropelado aqui em frente e que ele tinha morrido!
Marcus entreabriu os lábios e ficou me fitando. O que estava acontecendo entre nós dois?
- Eder, que horror!
- Eu acabei de acordar... Pensei em você na hora, senti que você estava precisando de mim...
- Eu senti a mesma coisa!!
- Eu, hein! Que coisa estranha!
- Muito estranha...
- Mas não vamos ficar pensando nisso. Tudo não passa de um sonho. Um triste sonho.
- Pesadelo você quer dizer. Só de sonhar com esse menino já é um pesadelo... Ainda mais com essas
circunstâncias!
- Tente se acalmar Marquinhos. Vai ficar tudo bem!
Mas nem eu conseguia controlar o meu emocional. O pesadelo tinha sido realmente muito real e eu estava
apreensivo com alguma coisa. Só não sabia o quê.
- Caraca, fazia tempo que eu não sonhava com coisas assim – meu irmão falou.
Ouvi um barulho de sirene se aproximar.
- Eu também.
E não era apenas uma, era mais de uma sirene ao mesmo tempo. O que será que tinha acontecido?
Eu coloquei os olhos para fora da janela pela primeira vez naquele dia e percebi que o céu já estava claro. Não
tinha me dado conta que o tempo tinha passado tão rápido. Movi os meus olhos até o relógio de meu criado
mudo. Mais de sete e meia da manhã.
O barulho das viaturas ou seja lá o que fosse chegou a minha rua. Eu pulei da cama, abri o vidro da janela e
coloquei a cabeça para fora. Eram ambulâncias. Mais de uma ambulância.
- O que é? É a polícia?
- Não. É o SAMU.
- Ambulância? A essa hora da manhã?
- E por acaso tem horário para elas circularem nas ruas?
- Não, mas é que é estranho!
- Aconteceu algum acidente por aqui. São três...
- Jesus do céu! Eu, hein! Vou tomar um banho, preciso me acalmar...
- Faça isso! Eu vou ver a minha filha...

- Eder? – o meu pai entrou no quarto da Vitória. Ela estava terminando de tomar a mamadeira.
932
- Bom dia pai!
- Você já viu o noticiário?
- Não, por quê?
- Teve um acidente de carro aqui perto. Um ônibus bateu contra uma moto. Duas pessoas morreram.
Meu coração sumiu do meu peito. Eu não conseguia respirar.
- Meu Deus!
- Foi trágico. Onde está o seu irmão?
- Qual dos?
- Marcus.
- A última vez que o vi, ele estava indo tomar banho.
- Estou angustiado.
- Somos dois.
- Parece que tem alguma coisa acontecendo...
- Uhum.
O telefone tocou.
- Eu vou atender.
Tirei a mamadeira da Vitória e a sentei no meu colo. Ela fitou-me com aqueles olhinhos verdes que eu tanto
amava.
- Quer tomar banho?
- Não.
- Por que não?
- Não!
- Olha só menina...
- Dinda...
- Quer a dinda?
- Qué!
- Está cedo, ela não está acordada ainda.
- Dinda!
- Não senhorita, só mais tarde!
Ela cruzou os braços e fez cara feia para mim.
- Não adianta fazer bico.
- Tato!
- Como é que é, Vitória?
Ela não tinha me chamado de chato, tinha?
- Seu tato!
Eu não sabia se dava risada, se brigava ou beijava a menina. Que figurinha era aquela?
- Quem te ensinou isso Vitória Isabelly?
- Ocê!
- Eu? – que espertinha, querendo colocar a culpa em mim!
- É!
- Menina você está impossível!
- Dinda... Qué a dinda...
- A sua madrinha não está aqui. Console-se comigo, anda, vamos descer para você assistir desenho.
- Tevê?
- É Vitória, tevê!
Eu a coloquei nos meus braços e fui descendo as escadas lentamente.
- Eu não acredito... – Marquinhos falou.
Apurei os meus ouvidos e detive meus olhos no meu irmão caçula.
- Como isso é possível Laura? Meu Deus, que horror!
933
Cheguei no piso e coloquei a Vivi no chão.
- Gente, eu não acredito!
- Quem é? – eu sondei ao meu pai.
- É uma amiga dele da escola.
- E como ela está?
- O que aconteceu?
- Eu não sei – meu pai respondeu.
- Laura... O que a gente faz?
- Aconteceu alguma coisa!
- Bobô!
Meu pai abaixou e pegou a neta no colo.
- Eu vou ver aqui com meu pai. Qualquer coisa eu te ligo...
- Bom dia Vivi.
- Dia?!
- Beleza, Laura! Obrigado por ter avisado. Outro. Tchau!
Ele colocou o telefone no gancho e sentou no sofá, com as duas mãos no rosto.
- O que foi mano?
- Eder, você não vai acreditar!
- O que houve?
- O acidente que teve aqui perto...
- Hã? – eu e meu pai fizemos ao mesmo tempo.
- Foi com o tio do Richard...
Eu engoli em seco.
- Sério?
- E ele estava junto...
Eu suei frio.
- Como assim?
- Eder, pai... O Richard está morto!
...
Se alguma coisa estivesse nos meus braços, tinha caído. Meu corpo desmoronou ao lado de Marquinhos. Eu não
podia acreditar no que ele estava me falando!
- Marcus... Fala sério... Isso é mentira, não é?
- Você acha que eu ia brincar com uma coisa dessas?
Ele estava tenso e nervoso.
- Meu Deus do céu...
- Nossa – meu pai se surpreendeu.
- Eu estou em choque!
Eu não sabia o que falar, nem o que pensar. Tudo estava muito estranho!
- Eles estavam indo para algum lugar...
- E agora? – eu perguntei.
- Eu não sei! Sinceramente eu não sei!
- Você tem o telefone da mãe dele? – meu pai perguntou.
- Devo ter anotado no celular.
- Vá pegar, eu tomo as rédeas desse assunto!
A Vitória não estava mais no colo do meu pai. Eu percorri meus olhos pela sala e não a encontrei.
- Vi?
- Ela saiu andando por aí – meu pai falou.
Eu disparei até a cozinha e a vi encostada à fruteira. Suspirei de alívio, pelo menos ela não estava fazendo
nenhuma arte.
934
- Vamos subir, amor. Eu vou levá-la para a sua mãe.
- Mamãe?
- É, mamãe!
Eu a peguei e comecei a andar até meu quarto. Quando passei pela porta, meus braços se arrepiaram.
- Pai nosso que estás no céu...
- Eder eu vou ter que resolver isso pessoalmente – meu pai avisou –, você me faz um favor?
- Claro!
- Liga para a Simone e fala para ela transferir os meus clientes de hoje para amanhã. Avisa que aconteceu um
imprevisto e que eu não irei ao escritório.
- Pode deixar pai.
Eu coloquei outra roupinha na minha filha, troquei de camiseta, coloquei uma bermuda apresentável e desci as
escadas novamente. Eu não conseguia parar de pensar no Richard.
- Que Deus o tenha – falei baixinho –, vá em paz... E siga para a luz... Não para as trevas...
Abri o portão, olhei para a rua e outro arrepio percorreu o meu corpo. Eu estava com a sensação de todos os fios
de meu cabelo estarem em pé. Vitória começou a chorar.
- Calma, você já vai ficar com a sua mãe...
Eu precisei tocar a campainha quatro vezes para alguém vir me atender. Cláudia me olhou com ar espantado.
- Eita menino, que pressa!
- Cláudia, fica com a Vivi, por favor?
- Claro! Aconteceu alguma coisa?
- Um conhecido do Marcus faleceu no acidente que teve aqui perto, a Vivi está com medo...
- Você está pálido Eder!
- Ah, estou sentindo uma sensação estranha...
- Quer entrar? Senta um pouco...
- Não, não Cláudia... Eu quero ficar com o Marcus... Fica com ela, por favor...
Eu entreguei minha filha para a avó materna e quando dei as costas as duas, a menina parou de chorar.
- Eder?
- Hã?
- Reze!
- Aham, eu já estou fazendo isso. Obrigado.

Marcus e eu decidimos não ir ao velório do garoto e de seu tio. Se eu já estava sentindo a presença de Richard ao
meu lado, não queria nem pensar se eu pisasse em um cemitério.
- Coitada da mãe dele – Marcus pensou.
- O pai disse que ela está bem.
- Aparentemente. Só Deus sabe o que ela está passando.
- Quando vai ser o enterro? – Giselle perguntou.
- Amanhã pela manhã – Marcus respondeu.
- Você não vai mesmo?
- Não.
- Ele está certo em não ir – eu profetizei. – Esse garoto já nos causou um mal muito grande antes. Acho que
agora as coisas vão começar a melhorar.
- Como assim Eder? – Giselle perguntou.
- Eu acredito que ele mandava energias negativas para a gente.
- Como você pode saber disso?
- Todas as vezes que eu me aproximava dele, sentia as minhas mãos esfriarem e algo negativo tomar conta de
mim. Eu não sei, não posso julgá-lo afinal não sei como ele era, mas algo me diz que ele não era do bem.
- Eu, hein...
- Eu acredito no Eder – Marcus suspirou.
935
- O mal está em todas as partes – conclui.
- É verdade. Agora nós temos que rezar para que a alma dele fique em paz.
- Isso mesmo mana!
Tive que mentalizar coisas boas durante toda a tarde e boa parte da noite. Só me senti aliviado, quando tomei
banho antes de dormir.
Não consegui sonhar com nada quando fechei os meus olhos e quando acordei, por volta das nove horas, parecia
que eu nem tinha dormido.
- Eder? – minha mãe chamou-me.
- Oi mãe?
- Já acordou?
Não, eu ainda estava dormindo!
- Claro, senão eu não estaria te respondendo!
- Você vai comigo e seu pai?
- Vou não mãe. Não quero entrar em cemitério. Dê os meus sentimentos à mãe e a irmã dele.
- Tudo bem. Fique bem.
- A senhora também. Ah, mãe?
- Sim?
- Por favor, não esqueça de deixar a roupa na garagem antes de entrar em casa.
Ela sorriu.
- Pode deixar, filho!
Eu levantei, fui direto para o chuveiro e em seguida, fui dar a mamadeira da Vitória.
- Papá!
- Quer mingau?
- Qué!
- Vou pedir para a tia fazer...
Eu ainda estava sentindo o ambiente pesado e o meu corpo carregado e não sabia como fazer para as coisas
melhorarem. Encontrei Henrique e Marcus na sala, mas não avistei a Giselle em lugar algum.
- Bom dia – eu cumprimentei.
- Dia – eles responderam.
- Cadê a mana?
- Saiu. Saiu com o namorado.
- Tão cedo?
- É, parece que iam fazer um trabalho.
- Ricky você pode fazer mingau para a Vitória?
- Claro! Eu já levo!
- Obrigado. Marcus você está bem?
- Uhum. E você?
- Cansado.
- Eu também. Não consegui dormir direito.
- Eu dormi, mas parece que nem preguei os olhos.
- É. É isso aí.
- Domingo nós temos que ir à igreja.
- Vamos sim. Eu preciso mesmo.
- Acho que todos nós precisamos.

Os meus pais chegaram antes do almoço. Eu tive que levar os roupões dos dois para a garagem, não permiti que
eles entrassem com a roupa e os sapatos dentro de casa. Aquilo não seria nada bom.
- Como foi? – Marcus perguntou.
- Triste – minha mãe respondeu.
936
- Como estão os familiares?
- Chocados – meu pai respondeu. – A mãe parece que não está nem aí! Achei muito estranho.
- E a irmã? – Marcus perguntou.
- Alienada. Não chora, não fala, só olha para a gente.
- Tinha muita gente? – foi a vez de Henrique perguntar.
- Bastante. Imprensa e tudo.
- Normal.
- Enfim... É complicado – Dra. Marina suspirou. – Eu não queria estar na pela daquela mulher. Perder um filho
tão jovem!
- É a vida – eu falei.
- Se é!
- Bola para frente, a vida não pode parar!
- Com certeza. Nós já fizemos a nossa parte – meu pai ponderou.
- Alguma novidade por aqui? – minha mãe sondou.
- Nada.
- Cadê a Vivi? – meu pai questionou.
- Com a avó. Ela não está se sentindo bem perto de mim. Vive chorando. E quando ela fica com a Cláudia, se
acalma.
- Vou tomar banho – meu pai falou.
- Eu vou também – minha mãe completou.
Meus irmãos e eu nos olhamos.
- Separados – eles falaram juntos.
A gente riu.

Dois meses depois...

- O que você está fazendo no computador? – Marcus perguntou.


- Procurando emprego.
- E encontrou alguma coisa?
- Estou cadastrando meu currículo em um site de uma loja.
- Que loja?
Eu disse o nome.
- Ah, que legal!
- Uhum. Quem sabe, né?
- Ah, você consegue!
- Aham,
- Cadê a Vitória?
- Saiu com a avó.
- Ah...
- Você está bem? Ainda tem sentido arrepios?
- Não mais. Graças a Deus. E você?
- Eu também não. Eu não sinto mais ele perto de mim.
- As missas resolveram!
- Com certeza. Agora eu sei que o Richard está bem.
- Eu não acredito mais nessas coisas...
- Pois deveria!
Eu não ia brigar com o Marcus novamente.
- Pronto! Terminei.
- Você se cadastrou para vendedor?
937
- Não. Ah, na verdade, a disposição da empresa.
- Tomara que surja uma vaga de faxineiro!
- Daí eu falo que você é o candidato perfeito!
Joguei-me em minha cama e peguei o meu celular. Uma nova mensagem recebida:

“Boa tarde gato, como você está? Saudades de você. Beijos, me liga.”.

Era o César. Já fazia tempo que eu não falava com o coitado. Decidi dar sinal de vida:

“Oi moço! Como você está? Saudades também. A minha vida está na correria... Em busca de emprego e tudo
mais... Vê se aparece com mais freqüência. Beijos, até mais!”.

- Só nas mensagens? – Marcus perguntou-me.


- Uhum.
- Quem é a vítima da vez?
- Não tem nenhuma vitima seu idiota. O que você está fazendo na internet? Vendo site pornô?
- Não, eu não preciso ver essas coisas. Estou fazendo um trabalho.
- Mas já? O ano nem começou direito!
- Ah, Eder... A gente já está em março meu querido!
- E?
- Já é quase final de bimestre!
- Já faz um ano que eu não estudo!
- Verdade. Está na hora de começar a pensar em faculdade.
Eu acessei a opção “Escrever nova mensagem”.
- Acho que é cedo. Ainda não sei o que eu vou fazer.
- Você nunca sabe nada.

“Oi Arthur! Tudo bem? Quanto tempo mano! Como você está? Por que sumiu assim? Quais as novas? Mande
noticias. Abraços, Eder.”.

- Como anda o coração? – eu perguntei.


- Batendo.
Ele digitava rapidamente.
- Além disso?
- Sozinho e muito bem assim. E o seu?
- Se recompondo aos pouquinhos.
- Ainda?
- Uhum. Isso demora.
- Sempre que eu vejo o Rafael, sinto raiva dele.
- Não pode Marcus. Não seja assim.

“Oi Paty! Tudo bem gatinha? Que saudades! Mande noticias. Beijos!!”.

- Pode sim.

- Só faz mal a você mesmo!

“Oi Yuri! Sumido, como você está? Saudades. Dê um beijo na Dê e no neném! Até mais.”.

938
- Ah, eu não engulo o que ele fez com você.
- Isso é passado, quem vive de passado é museu. Relaxe!
- Uhum.
Meu celular vibrou:

“E aí frango! Beleza? Saudade de tu moleque... Eu estou na maior correria. Depois te ligo para a gente conversar.
Abração!”.

- Eita Arthur atrapalhado!


- Eu nunca mais o vi...
- Nem eu!
- Bela amizade a de vocês...
- Pois é, é a correria!
O aparelho começou a tocar, mas não era mensagem. Era uma ligação.
- Disputado hoje, hein?
- Alô?
- Boa tarde, por gentileza Eder?
- Sou eu!
- Olá Eder, meu nome é Luciana, tudo bem?
- Tudo sim. Da onde fala?
- É referente ao currículo que você cadastrou em nosso site...
- Nossa, já tem resposta?!
Eu arregalei os olhos e fitei o teto. A garota riu.
- Já sim. Eu analisei os dados informados e encontrei uma vaga em aberto com o seu perfil. Você tem interesse
em saber os dados?
- Claro!!!
- A vaga que eu tenho é para trabalhar de segunda a sábado, das oito da manhã às quatro e vinte da tarde, uma
hora de almoço, salário de setecentos e dezoito reais, mais vale transporte, cesta básica e a empresa paga metade
da faculdade. Você tem interesse?
- Lógico que sim. Mas é para fazer o que?
-Você vai ser auxiliar administrativo, o local é em Santo Amaro. Você utiliza quantas conduções até o Socorro?
- Uma.
- Podemos agendar uma entrevista?
- Claro!
- Pode ser ainda hoje?
- Hoje?
- É ruim para você?
- Depende do horário...
- Pode ser às quatro horas...
- Perfeito! Pode ser sim!
- Você anota o endereço para mim, por gentileza?
- Só um momento, por favor.
Eu levantei, fui até o computador, roubei o mouse do meu irmão, cliquei no botão “Iniciar”, abri um bloco de
notas, coloquei o teclado para o lado e falei:
- Pode falar.
Ela ditou a rua e o número do local, eu confirmei alguns pontos de referência, questionei se seria necessário levar
alguma coisa e em seguida desliguei.
- Você é todo folgadinho, né? Tirando a minha concentração...
- Eu precisava anotar esse endereço.
939
- Quem era?
- O RH da empresa onde eu cadastrei o meu currículo. Eles querem fazer uma entrevista ainda hoje.
- Já?
- Rápido, né?
- E você vai?
- Lógico que eu vou!
- Que horas vai ser? As quatro?
- É.
- Então eu sugiro que você se apresse, senão vai se atrasar!
Eu olhei no relógio do computador e ergui as sobrancelhas. Quase três horas da tarde.
- Minha Nossa Senhora dos Atrasados, me socorre...
Eu estava pegando as manias da minha irmã... Abri as portas do armário correndo, separei uma camisa pólo.
Uma calça jeans preta e um tênis branco para ficar apresentável. Corri para o banheiro, joguei a roupa no cesto e
liguei a ducha. Não demorei nem cinco minutos.

Quando encontrei o número informado, eu entrei no estabelecimento e bati na porta três vezes. Uma garota de
aproximadamente vinte anos atendeu.
- Pois não?
- É... Eu queria falar com o Edmilson...
- Quem é?
- Eder. Eu tenho uma entrevista marcada...
- Ah, sim... Entre...
- Com licença.
O local era claro e organizado, mas definitivamente não era uma loja.
- Por aqui, por favor.
Eu segui a moça e entrei em outra saleta. Esta era igual a primeira. Um homem branco, de óculos e cabelo curto
estava sentado na derradeira mesa do lado direito.
- Edmilson esse garoto tem entrevista marcada.
- Eder?
- Eu mesmo!
- Opa!
Ele se levantou e veio até onde eu estava.
- Tudo bem Eder?
- Tudo sim!
- Pode sentar, fica a vontade!
Eu fui até a mesa onde ele estava e me sentei na cadeira giratória.
- Bom, eu recebi o seu currículo a pouco.
- As coisas aqui são rápidas, né?
Ele sorriu.
- Nem sempre. Na sua grande maioria não. Mas enfim, já te passaram a vaga?
- Por cima.
Ele me explicou detalhadamente como seria o meu trabalho e depois das averiguações de salário, carga horária e
todas as partes burocráticas, eu decidi aceitar. Tive que agendar o exame médico para o dia seguinte, no período
da manhã.
- Preciso de todas essas documentações – ele me entregou uma folha de sulfite com uma listagem extensa de
documentos.
- Duas xérox de cada e quatro fotos 3x4.
- Está bem!
- Você consegue me trazer isso amanhã?
940
- Claro que sim!
- Perfeito. No mesmo horário?
- Pela manhã?
- Antes do almoço?
- Fechado!
- Então até amanhã! E seja bem-vindo à empresa.
- Obrigado.
Ele apertou a minha mão novamente e me direcionou até a porta. Quando eu pisei na calçada, senti gotas de
chuva caírem sobre o meu corpo.

A festa de aniversário da minha filha seria no dia do aniversário da minha cunhada. A Gaby estava muito
animada com os preparativos.
- A Vivi vai fazer aniversário junto com a dinda, vai?
- É!
Quando eu acordei no dia 28, fui direto ao quarto da minha princesa. Ela ainda estava dormindo, mas eu não me
importei em acordá-la.
- Parabéns pra você, nesta data querida, muitas felicidades, muitos anos de vida...
Ela abriu os olhinhos lentamente e depois bocejou. A minha filha estava linda com o cabelo nos ombros.
- Bom dia meu amor!
- Dia papai!
- Parabéns...
Eu a peguei no colo e enchi de beijos. Minha família chegou aos poucos.
- Cadê a aniversariante mais linda do mundo? – meu irmão mais velho perguntou.
- Eu tô ati!
Nós demos risada e ficamos paparicando a menina por boa parte da manhã.
- Papai, eu qué papá!
- A vovó está fazendo o seu mingau – minha mãe falou.
- Quantos anos a Vitória está fazendo? – meu pai perguntou.
Ela mostrou quatro dedos na mão direita e três na esquerda.
- Sete? – eu ri. – Não amor, é assim...
Eu segurei nos dedinhos dela e deixei dois à mostra.
- Assim...
- É dois – Marcus falou.
- Doisi?
- Isso!
A campainha tocou e Giselle desceu correndo para abrir a porta. O quarto não tardou a ficar lotado.
Natty agarrou a nossa filha com tanta força que eu até me assustei.
- Natália você vai esmagar a menina!
Mas a Vitória só ria. Ria sem parar.
- Cadê a minha princesa? – Gaby perguntou.
- Eu tô ati!
Fael estava entre os presentes. Ele me lançou um olhar caloroso. Eu retribui.
- Tudo bem? – ele moveu os lábios.
- Tudo e você?
- Bem também.
- Que bom.
A pequena ficou com a atenção de todos àquele dia. Eu desci, peguei o café da manhã da minha filha e antes de
retornar, fui surpreendido pelo Rafa:
- A gente pode conversar um pouco?
941
- Claro! O que foi?
- A sós.
- Ah... Então espera no meu quarto, eu só vou levar o café da Vitória e já vou falar com você, pode ser?
- Pode. Você vai trabalhar?
- Vou, mas já avisei que chegarei mais tarde.
- Se importa se eu voltar hoje à noite?
- Hoje à noite?
- É. Eu acabei de chegar do trabalho, estou muito cansado e só passei para dar um beijo na Vitória. Hoje eu não
vou a faculdade, se eu puder vir a noite, eu prefiro.
- Ah, por mim tudo bem, então!
- Combinados assim?
- Combinados.
- As nove?
- Pode ser!
- Beleza. Eu vou lá dormir.
- Vai sim. Bom descanso.
- Obrigado.

- Montagem Eder?
- Boa tarde Eder, é o Eder do Call Center, tudo bem?
- E aí xará, tudo bem? Quanto tempo!
- Pois é, o serviço diminuiu bastante aqui.
- Ah, que bom, aqui não.
- Vê alguns PIM’s, por favor?
- É para agendar?
- Aham.
- Para que dia?
- Sábado.
- Ih, Eder, sem chance! Sábado já está cheio.
- E agora?
- Posso para segunda, mas para sábado é fora de cogitação!
- O Edmilson está aí?
- Uhum. Quer falar com ele?
- Por favor!
Eu coloquei no mudo.
- Edmilson, posso passar uma ligação?
- Quem é?
- O Eder do SAC.
- O cara chato?
- Coitado do meu xará!
Ele riu.
- Passa, passa aí!
Eu transferi a ligação pro ramal do meu encarregado e continuei a fazer o meu trabalho. Ainda bem que o dia
estava acabando.

- Cadê a princesa do pai?


- Eu tô ati!
Eu agarrei a Vitória e dei-lhe muitos beijos na bochecha. Ela ficou rindo.
- Como foi o seu dia?
942
- A bobó...
Ela tentou me explicar que a minha mãe a havia levado ao shopping e que ela tinha comido Mc Donald’s, mas
ela não conseguiu falar nem metade da frase e se atrapalhou todinha.
- É mesmo? E você gostou de sair com a vovó?
- Gosto!
- Vai brincar com o tio Marcus, o papai vai tomar banho...

Antes das nove ele já estava em casa. Eu terminei de jantar, coloquei meu prato na pia, escovei os dentes e
depois de tudo isso, nós dois subimos.
Tive que passar a chave no quarto para não ser incomodado. Minha mãe me fitou com ar de curiosidade quando
Fael e eu subimos.
- Finalmente vou poder conversar com você a sós – ele suspirou.
- Né?!
- Como foi o seu dia?
- Bem e o seu?
- Bem também. Dormi bastante. Já, já tenho que ir trabalhar...
- Você está entrando que horário?
- Depende. Tem vez que eu entro meia noite, tem vez que às onze... O horário sou eu que faço.
- Desculpa aí.
Eu me joguei na cama e bati no colchão duas vezes para ele sentar-se ao meu lado.
- Fica a vontade.
- Obrigado.
Eu fitei o meu oceano particular e aos poucos fui mergulhando, me entregando a sedução daquele olhar...
- Eu não sei por onde começar...
- Que tal pelo começo?
- Engraçadinho!
Sorri.
- Vamos ao que interessa? – perguntei. – O que você está sentindo?
- Sua falta.
- E eu a sua.
- Chegamos em um consenso?
- Da saudade sim. Que mais?
- Eu queria colocar uma pedra em todas as coisas ruins que nós vivemos...
- Impossível.
- Posso terminar?
- Pode.
- E tentar começar tudo de novo...
- Não.
- - Por que não Eder?
- Porque eu não sinto o mesmo por você.
Que grande mentira. Eu mentia muito mal!
- Só por isso?
- Porque você pisou na bola comigo e porque eu acho que você também não gosta mais de mim.
- É aí que você se engana, porque se eu não gostasse, não estaria aqui agora!
- Sei...
- Mas você tem razão. É bobagem insistir em uma coisa que não tem futuro.

943
- Concordo com você nesse ponto.
Doeu.
- A gente não tem mesmo mais nada a ver um com o outro.
- Não temos mesmo.
- Eu não gosto de você! – ele mentiu.
- É recíproco! – eu o desafiei.
- Eu preciso de um homem de verdade ao meu lado – ele levantou da cama – e não de uma criança.
Aí ele tinha ido longe demais.
- Epa... Menos. Criança não!
- Criança sim! Acho que nem a Vitória pensa como você!
- Não coloque a minha filha no meio disso tudo...
Meu coração estava em chamas. Eu estava sentindo vontade de beijá-lo, de agarrá-lo ali mesmo...
- Você é infantil demais!
- Olha quem fala Fael! Nem parece que tem 22 anos!
- Cala a boca Eder... Você me irrita!
- Foi você quem me procurou!
- Eu ainda sou idiota em tentar arrumar as coisas entre nós dois.
- Eu não tentaria mais se fosse você.
- E é isso mesmo que eu vou fazer a partir de hoje, tenha plena certeza disso.
- Ah, que ótimo! Eu agradeço!
- Idiota!
- Vagabundo!
- Criança.
- Traidor...
Ele me olhou com as duas sobrancelhas unidas.
- Não adianta fazer essa carinha de ofendido. É a mais pura verdade.
- Eu... Não... Vou... Me... Estressar... Com... Você...
- Então... Não... Perca... O... Seu... Tempo... Comigo!!!
- Beleza Eder. Não tem mais volta? Você tem certeza disso?
Não. É claro que eu não tinha certeza.
- Absoluta!
- Eu também tenho certeza absoluta. Não quero mais ser seu amigo, não quero mais papo com você.
- Eu também não. Nunca mais!
- Ótimo!
- Ótimo!
- Perfeito!
- Isso mesmo.
- Que tal você ir embora agora?
- Boa ideia.
Ele me deu as costas. Eu senti um tom de tristeza naquela voz de anjo.
- Boa noite – ele disse.
-Boa noite.
Rafael andou vagarosamente até a porta e já ia virando a chave, quando eu não me contive e o chamei:
- Rafael?
Ele parou, virou lentamente e me olhou. Seus olhos estavam marejados, assim como os meus.
- O que é?
Eu tinha que falar. Não adiantava mais lutar contra os meus sentimentos.
- Você quer... Namorar comigo?

944
O meu coração parou enquanto ele não respondia.
Eu não estava acreditando que eu tinha feito aquilo. Eu era idiota ou o quê?
- Eu... – ele murmurou.
Não eu não era idiota. Era simplesmente um homem apaixonado.
- Não precisa... – eu queria disfarçar a minha ansiedade.
Fael não parava de me olhar. Eu abaixei os meus olhos. Estava envergonhado.
- O que você perguntou Eder?
Eu levantei-me da cama e fui até onde ele estava. Para que esconder o que eu sentia? Para que mentir para mim
mesmo? Adiantava de alguma coisa?
- Ah, Rafa... Adianta eu mentir para mim mesmo? Adianta eu tentar me iludir tentando esconder o que sinto por
você? Eu te amo Rafa... Eu quero ficar com você...
- Eu...
- Eu sei que já aconteceram muitas coisas com a gente, eu sei que a gente já se desentendeu algumas vezes, mas
eu quero tentar novamente, eu não aguento mais ficar longe de você... Já vai fazer um ano que a gente não está
junto e eu não aguento mais isso. Eu preciso de você!!!
- Me perdoa Eder...
Eu fechei os meus olhos e balancei a cabeça negativamente, com um sorriso amarelo nos lábios.
- Eu não tenho o que perdoar Rafael. Já lhe disse que eu não vivo do passado. Eu é que te peço desculpas por
todo o mal que te causei, pela dor que fiz você sentir...
- Eu mereci!
- Não, você não mereceu. Eu fui egoísta Rafa. Eu estava sim magoado com você. Doeu muito que você fez, mas
independente da minha dor, eu não tinha que ter descontado em você, não tinha que fazer você sofrer.
- Eu estava sofrendo mais do que você Eder. A minha dor era muito maior que a sua, eu não agüentava mais...
Queria morrer para essa angústia passar... Doeu e ainda dói muito... Só Deus sabe o quanto eu me arrependi do
que fiz com você...
- Nós dois erramos!
- É sim. É sim nós dois erramos. Mas eu errei mais do que você Eder. Muito mais.
- Todos nós erramos meu garoto perfeito!
Ele era perfeito novamente... Os nossos olhos se encontraram.
- Eu não posso te julgar por isso... Eu já errei também...
- Ah, Eder...

- Eu vou entender se você não quiser mais saber de mim mesmo depois do que eu acabei de revelar, eu só
precisava falar, desabafar, tirar esse peso das minhas costas...
Abaixei a minha cabeça novamente. Eu estava com vontade de chorar.
- O que você me disse é verdade? – ele perguntou. – Você quer mesmo namorar comigo?
- Eu nunca falei tão sério em toda a minha vida Fael!
Continuei com a cabeça abaixada, eu estava com medo da resposta que ele ia me dar.
- Você é um mistério...
Não respondi nada. Meu coração batia dolorosamente.
Ficou um silêncio mortal entre nós dois. Tudo o que eu conseguia ouvir era o meu coração.
- Eu preciso ouvir, preciso saber se você me perdoa...
- Eu te perdoo!
- Eu nunca mais... – a voz dele falhou. Eu me aproximei um passo. – Nunca mais... Vou te magoar...
Deixei as lágrimas escaparem.
- Eu te amo... – sussurrei.
- Eu também te amo!!!
Qualquer milímetro que eu me mexia, era uma reação no corpo dele. As nossas mãos se encontraram e eu cruzei
os meus dedos nos dele. Lembrei-me de meu pesadelo.
945
- Volta para mim? – pedi, supliquei com a voz baixa.
- Cala a boca e me beija! – ele estava chorando.
Não foi necessário falar mais nada. Minha boca grudou a dele com uma urgência inigualável. Eu amarrei o meu
corpo ao dele e deixei o choro continuar, não contendo a minha felicidade, não contendo a minha emoção.
Era ele que eu queria, o meu anjo, o meu garoto perfeito, meu Fael, meu príncipe!
Aproveitei ao máximo o nosso beijo como se este fosse o primeiro da minha vida... Coloquei as mãos no rosto do
meu Rafael, suspirei e envolvi a minha língua na dele, arrepiando o meu corpo em seguida.
Uma das mãos dele rolou até a minha nuca e a outra desceu para a minha cintura. O seu perfume exalou-se até as
minhas narinas, eu inflei meus pulmões, tentando aproveitar ao máximo aquele momento.

Senti meu pau começar a crescer e não me pensei duas vezes em puxá-lo para mais perto do meu corpo. Ele foi
me conduzindo até a minha cama, eu me deitei, enquanto ele subia em cima de mim. Eu já não agüentava mais,
precisava dele por completo.
Mordisquei o lábio inferior do meu gato, puxando a camiseta dele para cima, afim de me livrar daquele
empecilho. Ele afastou nossos rostos, puxou a peça de roupa e a jogou para longe. Arranhei suas costas
lentamente, parando quando cheguei no cós da calça.
- Eu te quero – falei entre o beijo.
- Eu também te quero!
Arranquei a minha camiseta, imitando o movimento que ele tinha feito segundos antes. Fael beijou o meu
pescoço, deslizou os dedos pelo meu tórax, pelo meu abdômen e parou no meu umbigo.
- Você está uma delicia!
- Você não fica atrás...
Mordi o lóbulo direito da orelha do meu garoto perfeito e não contente, desci a língua pela lateral do pescoço,
parando sob o queixo.
- Meu menino...
- Meu garoto perfeito...
Fael beijou meu peito, desceu com a boca pela barriga, até chegar em minha bermuda. Eu entreabri as minhas
pernas, deixando que ele tomasse conta da situação. Nada iria nos impedir. Nada nem ninguém.

Ele segurou no meu pênis com a mão direita, sem tirar os olhos dos meus um segundo sequer. Imitei o seu gesto,
eu não ia ter limites naquele momento. Era o que eu queria, era o que eu precisava.
- Eu te amo – ele sussurrou em meu ouvido.
- Eu te amo mais, muito mais...
Comecei a masturbá-lo lentamente, sentindo o calor do membro em minha mão. Soltei um gemido baixo quando
ele fez o mesmo comigo... Fazia tempo que eu não sentia nada parecido...
Quando aquela boca deliciosa tomou posse de meu membro, uma onda elétrica percorreu cada centímetro do
meu corpo, fazendo com que eu ficasse ainda mais excitado.
Ele me chupou com destreza, soube acariciar cada milímetro do meu sexo, me levando às alturas em poucos
segundos. Se ele continuasse, eu ia gozar rapidamente.

Agarrei nos cabelos castanhos do meu homem com força. Entrelacei os meus dedos nos fios lisos e empurrei a
cabeça para baixo, sufocando-o com o meu prazer.
Foi a minha vez de proporcionar a sensação ao meu príncipe. Eu abri as pernas dele. Me deitei de bruços na cama
e comecei passando a língua na coxa esquerda, subindo gradativamente.
O pinto não parava de subir e descer e eu já não consegui segurar o meu instinto: coloquei-o dentro de minha
boca, começando um vai-e-vem frenético, mas ritmado.
Rafa soltou alguns gemidos lentos e abafados, fazendo com que meu pau crescesse ainda mais. Senti o membro
endurecer dentro da minha boca e brinquei com a minha língua em sua glande. O cheiro do Fael tomou conta do
meu quarto. O meu garoto perfeito estava de volta. De volta em um local de onde ele nunca deveria ter saído...
946
- Eu vou... – ele arfou, tirando o pau de dentro de mim.
Eu me virei, sedento por aquele momento. Fael ajoelhou-se ao meu lado e não foi preciso nem eu, nem ele
tocarmos no pau para ele jorrar todo o liquido que estava acumulado.
Eu tomei um banho de esperma e vendo aquilo acontecer, gozei junto do meu namorado, sem ser necessário
tocar o meu sexo.
Fechei os meus olhos enquanto estava gozando, murmurei o nome do Fael de maneira baixa e só consegui me
recompor, depois que o orgasmo tinha passado.
Ele deitou-se ao meu lado, nós nos beijamos e grudamos um corpo no outro. O cheiro do sexo estava forte.
- Eu te amo... – ele arquejou.
- Eu é que te amo!
O beijo demorou, mas não tanto quanto eu esperava que demorasse. Ele segurou com as duas mãos no meu rosto
e encostou a testa na minha.
- Eu tenho que ir...
Meu coração doeu de tristeza.
- Já?!
- Mais de onze horas amor! Eu já estou atrasado...
- Não vai... – eu fiz bico. – Fica comigo...
Ele sorriu. Eu beijei a boca dele duas vezes, antes dele falar:
- Você me enlouquece!
Olhei no fundo do meu oceano e respondi:
- Você me mata...
Outro beijo.
- Meu menino.
- Meu anjo!
- Eu te amo...
- Eu te amo mais...
- Você é perfeito...
- Você que é!
- Quero viver ao seu lado para sempre...
- Eu também quero...
- Só eu e você...
- Só nós dois...
- E nossa filha...
Nossa filha?
Vitória!
Eu entreabri os lábios e arregalei os meus olhos. Nossa filha? Por que ele tinha dito nossa filha?
- Nossa?
- Sei que ela é sua e eu jamais vou tomar o seu lugar de pai, mas você já percebeu que eu sou um tipo de
padrasto? Além de tio?
Já. Eu já tinha percebido aquilo antes, muito antes dele ter falado, mas eu já tinha esquecido... Esquecido
completamente...
- Já sim – respondi depois de alguns segundos.
- Agora mais do que nunca Eder, eu a considero minha filha...
Dei um sorriso.
- Eu não sei se já te contei isso antes, mas o meu sonho era ser pai e ele se foi quando você chegou em minha
vida. Quando eu descobri a minha homossexualidade, eu adormeci esse desejo e ele se aflorou quando a Vitória
nasceu. Eu não quero tomar o seu lugar, me contento em fazer o papel de tio, mas não me negue tê-la como
minha...
947
E eu negava alguma coisa a ele?
- Ah, Fael!
Como aquele homem me tinha feito falta... Só Deus sabia a agonia que eu estava, pensando nele todos os dias
antes de dormir e quando acordava. Qualquer coisa me fazia lembrá-lo, tudo era Fael e para Fael. Eu não vivia,
sobrevivia com a ausência do meu delírio...
- Eu te amo tanto...
- Eu também te amo Eder, te amo mais do que a mim mesmo...
Beijamo-nos.
- Eu, você – falei – e a nossa filha!
Ele sorriu. Um sorriso enorme e lindo, do jeito que eu gostava. O sorriso que eu nunca tinha esquecido.
- Nossa Vitória – ele falou.
- A maior vitória foi ter te conhecido!
- Você não existe...
Outro beijo. Este mais longo que os outros.
- Eu precisava de você ao meu lado...
- Eu também – confessei.
- Só de imaginar que você fez isso com outros...
- Isso o quê?
- Isso tudo o que nós fizemos hoje...
- Não eu não fiz nada. Nada além de alguns beijos.
- Verdade?
- É sim. Eu não consegui!
- Eder...
- Você fez, não fez?
- Não. Não fiz também. Só fiquei com um.
- Com um?
- Só com um...
Eu acreditei. Ele me parecia sincero afinal de contas.
- Não vamos mais falar nisso – eu pedi.
- Não vamos. Nunca mais. Isso é passado...
- A gente tem que pensar no nosso futuro!
- O nosso futuro... O futuro de nós três!
Sorri.
- Obrigado – ele falou.
- Obrigado?
- Por tudo.
Fechei os meus olhos.
- Não tem que agradecer...
- Tem sim! Você é um ser humano muito bom Eder. Você é capaz de perdoar o maior erro de todos: a traição.
- Ah, não tem porque ficar com essas coisas na cabeça, para que guardar rancor? Para que ficar pensando nessas
coisas? Aconteceu, não aconteceu? Passou, não passou? Então não há porque a gente ficar remoendo o passado...
Você errou, já pagou pelo seu erro, é só não cometê-lo novamente.
- Eu amadureci muito nesse período em que estivemos separados.
- Eu também.
- Não sou mais o mesmo, eu aprendi com o meu erro.
- É isso o que importa. Ninguém é perfeito, todos somos passivos a errar, né?
- Você não parece ter dezoito anos!
- Por quê?
- Porque parece que você tem a experiência de um homem de sessenta...
948
- A vida já me ensinou muitas coisas Fael.
- Acho que a todos nós...
- Uhum.
Ele se afastou de mim e sentou na beirada da cama. Eu fitei o corpo definido do meu príncipe.
- Você ainda não me respondeu!
- O quê? – ele se virou.
- Quer ser o meu namorado?
- Seu namorado? Quero ser muito mais do que o seu namorado... Quero ser o seu amante, seu homem, seu tudo,
sua vida...
- Você já é tudo isso...
Eu engatinhei até onde ele estava e comecei a beijá-lo. Quando me dei conta, já estávamos entrelaçados
novamente.
- Não vai... – eu pedi.
- Ah, você me mata desse jeito...
- Por favor...
- Eu não vou...
- Não?
- Não... Quero aproveitar cada segundo ao seu lado...
Dei um sorriso amplo e voltei e beijá-lo. Como era bom saber que ele estava de volta e por completo.

Na manhã seguinte...

- Bom dia meu príncipe – ele falou no meu ouvido.


- Bom dia meu amor.
Dei-lhe um beijo rápido.
- Dormiu bem?
- Maravilhosamente bem e você?
- Eu também...
- Estou faminto!
- Eu também estou!
- Vamos tomar café juntos?
- Não precisa pedir duas vezes.
Quando estávamos vestidos e apresentáveis, nós dois descemos juntos. Toda a minha família estava à mesa.
- Bom dia – eu falei, com a voz animada.
- Bom dia – Fael os cumprimentou.
- Bom dia – responderam todos.
- Você dormiu aqui Fael? – Ricky sondou.
Os meus olhos encontraram com os dos meu irmão.
- Peguei no sono vendo filme...
- Eu também – menti –. Só consegui acordar agora a pouco!
- Dois marias-moles! – meu pai riu.
Eu franzi o cenho.
- Ih, olha para o meu pai!
- Estou mentindo? – ele riu de novo.
- Deixa você, viu?! Pode esquecer os presentes dos próximos vinte anos!
- Não, não... Eu retiro o que disse, retiro o que disse...
- É, né espertinho?
Minha irmã, Marcus, Henrique e minha mãe não paravam de me fitar. O que eles estariam pensando?

949
Depois que a minha mãe saiu para trabalhar, eu peguei o meu edredom, o lençol da cama, as fronhas e as minhas
roupas e desci para a lavanderia. Encontrei Marcus no meio do caminho.
- Não me diga que você fez o que eu estou pensando!
- Eu não digo o que você está pensando porque eu não sei o que você está pensando!
- Vocês não voltaram, voltaram?
Giselle entrou na lavanderia.
- Eu mato você!
Não tinha o que responder. Coloquei as roupas na maquina, enchi o compartimento de sabão em pó, amaciante,
fechei a tampa e liguei a torneira.
- Nós voltamos – eu suspirei. Estava feliz.
- Eu não sei se eu te bato ou se eu te esfolo – Marcus bufou.
- Faz assim, bate você que eu esfolo – Giselle se aproximou.
- Deixem um pouco para mim – Henrique pediu.
Pronto. O time estava completo: meus três irmãos me torrando a paciência.
- Eder você é louco?
- É idiota?
- Tonto?
- Burro? – os três falaram ao mesmo tempo.
- Sou louco, idiota, tonto e quaisquer outros adjetivos que vocês quiserem. Eu sou completamente louco por ele e
não vou mais ficar sofrendo em vão. Eu o amo, ele me ama, não tem motivos para nós ficarmos separados.
- Burro! – Giselle suspirou.
- Muito burro!
- Não posso lutar contra esse sentimento que vive aqui – eu coloquei a mão no peito. – Ele é muito forte. É maior
do que eu. Maior do que qualquer coisa.
Henrique se aproximou mais.
- É isso o que você quer? Ficar com ele?
- Isso é o que eu mais quero em toda a minha vida!!!
- Então eu te apoio.
Gi e Marquinhos se entreolharam.
- A gente tem escolha? – ele perguntou.
Eu balancei a cabeça negativamente.
- Não!
- Então eu também estou do seu lado – ela disse –, mesmo te achando muito burro!
- Eu também estou contigo seu tonto!
Os três vieram até mim e me abraçaram coletivamente. Eu sorri. Não podia ter felicidade maior naquele
momento.
- Obrigado por me apoiarem...
- Mas qualquer deslize que ele der...
- Qualquer coisa que ele fizer...
- Se ele te magoar...
- Pisar em você...
- Te fizer chorar...
- Você nos avise...
- Que eu o matarei com gosto...
- E eu ajudo!
- Eu também!
- Vocês são os três mosqueteiros?
- Sim. Em prol da sua felicidade!
Eu achei aquilo lindo.
950
- Vocês não existem!
- Existimos sim! Senão não estaríamos aqui.
- Obrigado gente! De verdade...
- Você vai ter que contar a nossa mãe.
- E vou fazer isso, mais cedo ou mais tarde.
- Se precisar da nossa ajuda...
- É só falar...
- Que estaremos ao seu lado...
- Como sempre – eles falaram em uníssono.
- Ah! Eu amo vocês demais!

No domingo, 31 de Agosto de 2.008

Minha mãe jogava olhares curiosos todas as vezes que eu me aproximava do Rafael. Será que ela estava
desconfiada de alguma coisa?
Os convidados começaram a chegar aos poucos. Meu amigo Arthur estava com a namorada, Aline e os dois
faziam um casal muito bonito.
- Prazer em conhecê-la...
- O prazer é todo meu! Parabéns pela Vitória, ela é linda!!!
- Obrigado. Que bom revê-lo, brother!
Eu dei um abraço apertado no meu amigo. Ele e eu demos risada.
- Saudade dos velhos tempos!
- Com certeza... Você já conhece o Rafa, né?
- Já! E aí cara, tudo bem?
- Beleza?
Eles se cumprimentaram e depois meu namorado beijou a bochecha da namorada de Arthur.
- Fica a vontade ai mano, eu vou precisar recepcionar o pessoal... Sabe como é a família, né?
- Se sei! vai lá...
A criançada corria de um lado para o outro do buffet. Eu localizei Vitória no meio de dois meninos, eles estavam
em um circulo. O que estavam fazendo?
- Vitória?
- Oi pai...
- Está na hora de cortar o bolo!
Ela veio correndo até onde eu estava e grudou nas minhas pernas. O aniversário era duplo, então eu tive que
encontrar a Gabrielle no meio da muvuca.
- Onde está a sua madrinha?
- Dinda?
- É.
- Ati ó!
Ela apontou com o dedinho minúsculo para uma leva de adolescentes. Consegui ver a minha cunhada por causa
dos cabelos inconfundíveis.
- Muito bem Vitória!
Eu a peguei no colo. Minha pimpolha estava muito pesada, dali a alguns meses eu já não conseguiria segurá-la
mais.
- Gaby?
- Oi Eder?
- O bolo, já está na hora!
- Ah, eu já estou indo para lá. Cadê o meu noivo?
Ela rodou o pescoço para todos os lados. Eu achei o Henrique primeiro que ela:
951
- Na mesa com a minha mãe e meu pai.
- Vamos lá?
Quando finalmente nós juntamos todos, começamos a cantar parabéns para as duas. A Vivi arregalou os olhinhos
verdes para os flashes das câmeras digitais e quando teve que assoprar as velinhas, se assustou e começou a
chorar.
- Pronto, pronto... – Gaby tentou tranqüilizá-la. – Já passou...

Setembro e outubro foram meses sem nenhum movimento. Eu estava mais atarefado a cada dia no meu trabalho
e Fael quase enlouqueceu na semana de provas da faculdade:
- Que prova foi essa, Senhor?! Estou até com medo do resultado...
- Você vai passar, amor. Você é muito inteligente!
- Vou pedir uma ajudinha do seu pai...
- Isso! Ele vai adorar te ajudar.
- Ele já foi viajar?
- Não, vai amanhã. Vai lá no quarto dele, ele está assistindo jornal.
- Boa ideia.
Quando ele saiu o meu celular tocou. Eu olhei no visor e li o nome da agenda que estava me ligando: César.
- Oi!
- Oi Eder! Tudo bem?
- Tudo sim e você?
- Eu vou bem, graças a Deus!
- Que bom!
- Sumiu de novo, hein?
- Pois é garoto!
- Como andam as coisas?
- Bem e com você?
- Bem também!
- Que bom.
- E o coração?
Eu suspirei. Não queria magoá-lo, mas tinha que falar a verdade.
- Eu voltei com o Fael!
Silêncio.
- Sério?
- Uhum.
- Desde quando?
- Agosto.
- Parabéns, então!
- Obrigado. Desculpe, eu não queria te magoar...
- Não, não esquenta. Você não me magoou!
- Desculpe... É melhor a gente ser só bons amigos.
- Com certeza...
Eu não sabia o que falar.
- Então tá...
- Uhum...
- A gente se vê?
- Só marcar.
- Se quiser vir ao meu apartamento, vocês dois, é claro!
- Passaremos aí qualquer dia desses.
- Ficarei no aguardo!
952
- Tudo bem então!
- Bom ter falado com você.
- Digo o mesmo.
- Abraço.
- Outro.
- Tchau.
- Tchau...
Desliguei, joguei o aparelho na minha cama e desci para a sala. Gustavo estava beijando a minha irmã. Eu
pigarreei.
- Oi Gustavo!
- Oi Eder, tudo bem?
- Tudo e você?
Ele apertou a minha mão. Eu estava enxergando tudo vermelho.
- Bem também.
- Aniversário chegando, hein?
- Só daqui a duas semanas.
- Está ansioso?
- Não, vou ficar mais velho!
Ele sorriu.
- Mas vai ganhar a sua moto!
- É isso é verdade... É a parte boa.
- Espero que você cuide bem dela, está me saindo muito cara – Giselle reclamou.
- Ah, para garota! Você nem está ajudando a pagar.
- Você é que pensa meu filho. O meu pai recolheu metade da minha mesada para ajudar com esse presente.
- Coitada – eu dei risada –, está ganhando cinco reais por mês? Que judiação!
- Cinco reais? – Gustavo riu.
- Ria boneco! A vingança vem a jatinho! – ela tripudiou.
- Não seria a cavalo?
- No meu caso é a jatinho! E eu não quero mais falar nesse assunto, já estou ficando depressiva... Coitada das
minhas unhas não veem um esmalte novo a séculos!
- Ela é sempre exagerada assim?
- Vá se acostumando que a sua namorada é desse jeito mesmo.
- Calado Eder. Vá para a casinha!
- Ah, vai ver se eu estou plantando bananeira no pico do Jaraguá!
Meu cunhado deu risada e eu os deixei a sós para namorarem em paz. Eu adorava tirar a minha irmã do sério.
- Filho? – a minha mãe chamou-me.
- Oi amor?
- Eu queria ter uma palavrinha com você.
- Claro!
Fui até o quarto da matriarca e sentei-me ao seu lado, na cama de casal. Ela olhou no fundo dos meus olhos e
perguntou:
- O que está acontecendo?
- Acontecendo? Nada, oras!
- Tem algo que você queria me contar, Eder?
- Não mãe.
- Não mesmo?
- Não, por quê?
- Vamos ser sinceros um com o outro? Eu não gosto que você me esconda nada, sabe disso. Sabe que você pode
confiar em mim, não sabe?
953
- Sei mãe, é claro que eu sei! E eu confio em você.
- Então não me decepcione, fale a verdade, abra o seu coração para mim...
Do que ela estava falando?
- Como assim?
- Conte o que você está sentindo.
- Sentindo? Seja mais clara, mãe.
- Quer que eu seja clara? Então eu serei bem clara.
Acho que ela estava chateada. Ou irritada.
- O que existe entre você e o Rafael?
Eu arregalei os meus olhos. Não... Ela não podia ter descoberto...
- O... O quê?
- É isso mesmo Eder. Fala, confessa... O que você sente por ele...
- Ele é meu amigo mãe...
- Seu amigo? Eu não sei se ele é seu amigo Eder!
- É...
- Fala a verdade! Para de mentir para mim! – ela estava com lágrima nos olhos. O meu coração se partiu ao meio.
- Mãe...
- Fala Eder!
- Você quer que eu seja sincero?
- Quero!
- Está bem mãe! Está bem! Eu vou te contar tudo então. Ele é meu namorado. Pronto. Falei. Está feliz?
Eu me levantei da cama e quis sair do quarto. Eu estava desesperado, como ela tinha descoberto?
- Não saia mocinho!
Parei automaticamente. Quando ela dava ordem, era instinto obedecer.
- Conte essa história direito, pelo amor de Deus...
Eu me virei.
- O que mais você quer saber? Que o seu filho é veado? Ok, então mãe... Eu sou gay! Pronto, te contei...
Eu não estava acreditando que estava confessando o meu segredo a minha mãe...
- Senta aqui – ela ordenou. – Agora!
Eu voltei e me sentei. As minhas lágrimas já estavam caindo automaticamente.
- Quero que você me conte tudo, desde o começo.
Eu suspirei e baixei os meus olhos.
- Faz três anos...
- TRÊS ANOS?
Assenti vagarosamente.
- Tudo começou no dia em que ele se mudou para a casa ao lado, quando nós nos conhecemos. Eu gostei dele
desde o primeiro momento, desde a primeira troca de olhares. A principio não sabia o que estava acontecendo,
não entendia os meus sentimentos, mas depois que coloquei a cabeça em ordem, depois que aceitei a minha
orientação, tudo ficou mais fácil de lidar e eu fui me entregando...
Ela não falou nada. Apenas me ouviu:
- A gente começou a ficar em novembro, três dias antes do meu aniversário. Nós descobrimos juntos o que
estávamos sentindo um pelo outro e com o tempo as coisas foram evoluindo. Mesmo com a Vitória para chegar
ele não me abandonou, ao contrário, me deu forças para seguir em frente. Em abril de 2.006 ele me pediu em
namoro, eu aceitei e desde então a gente vem tendo uma relação estável. Um sempre ajudando o outro nos
momentos de dificuldade, ele me apóia, me compreende e eu a ele.
Suspirei e sequei as lágrimas.

954
- Não consigo viver sem o Rafael. Ele é a minha metade. A gente brigou no final do ano passado, faz exatamente
um ano que terminamos. Ele me traiu e eu o peguei no flagra. Sofri muito. Muito mesmo. Graças a Deus tenho a
minha filha. Coloquei todas as minhas forças nela. Foi ela quem me ajudou a sobreviver. Mas há dois meses, nós
voltamos a conversar e nos entendemos novamente. Voltamos e eu sei que dessa vez é para sempre.
- Por que você não me contou nada?
- Por medo. Tenho medo de ser rejeitado pela minha família. Graças a Deus os meus irmãos entenderam...
- Os seus irmãos sabem disso?
Assenti.
- Quais?
- Todos eles.
Silêncio.
- Eu preciso arrumar as minhas coisas... – coloquei-me de pé.
Eu tinha certeza que ia ser expulso da minha própria casa.
- Arrumar as suas coisas?
- Você não vai querer um filho gay...
- Nós mães não escolhemos os filhos que temos.
Assenti.
Não consegui olhar nos olhos dela, mas sabia que minha mãe estava chorando.
- Eu vou ser hipócrita se falar que quero que você seja assim. Acho que nenhuma mãe quer isso para um filho...
- Uhum.
- Eu já sabia. E se não sabia, desconfiava. Não é surpresa para mim, mas eu estou decepcionada. Não pensei que
você fosse fazer isso comigo!
- Mãe...
- Não adianta você pedir desculpas Eder. Não adianta. Poupe o seu tempo. Eu estou muito triste com você. Muito
mesmo...
- Mas mãe...
- Eu quero ficar sozinha Eder. Me deixe a sós.
- Mãe, me entenda...
- Saia Eder...
- Por favor...
Eu queria tanto um abraço da minha mãezinha naquele momento...
- SAIA!
Eu solucei e desapareci da frente da minha mãe. Bati a porta do meu quarto e caí na cama, desesperado e sem
saber o que fazer.
- Eder? – Marcus entrou. – Eder? O que aconteceu?
- Ai... Ai...
Eu agarrei no pescoço do meu irmão e debrucei no ombro dele.
- Está doendo Marcus...
- O que ele fez a você dessa vez? Fala Eder, fala que eu vou matar o Rafael...
- A mamãe... A mãe descobriu Marcus... Ela me odeia...
Ele não falou nada. Giselle entrou no meu quarto.
- Que barulheira é essa?
- Ai...
- O que foi maninho?
- Shiiiiiiiiu – Marcus sonorizou. – Chora mano, chora. Vai te fazer bem.
- Alguém pode me falar o que está acontecendo?
- A mãe... Descobriu tudo... Ela me... Odeia....
- Ela não te odeia Eder – Marcus sussurrou –, ela apenas está digerindo o que você contou. Por que não me
chamou?
955
- Ou a mim...
- Não... Tive tempo... Foi tudo muito rápido...
Doía demais. Demais, demais, demais. Ter o apoio dos meus irmãos era muito importante para mim, mas o dos
meus pais era simplesmente crucial. E aquilo eu sabia que não teria. Jamais teria a aceitação deles...
- Eu tenho que ir embora...
- Ir embora? – eles falaram juntos.
- A mãe não quer um filho gay...
Meu coração sangrava.
- Para de bobeira Eder – Marcus suspirou e me apertou –, ela só precisa de um tempo.
- Eu vou falar com ela – Giselle ponderou e saiu.
- Dói...
- Eu sei meu irmão, eu sei... Mas fica calmo, eu estou aqui...
- Vitória... Eu quero a Vitória...
- Quer que eu vá pegá-la na mãe?
- Quero! Quero Marcus... Traga a minha filha...

- Eu posso entrar? – Fael perguntou.


Ele estava com a Vivi nos braços. Ela estava com o rostinho lindo.
- Claro que pode!
Ele veio até a cama, me beijou e me entregou a minha filha.
- Vem com o papai, amor...
- O ti foi papai?
- Ah, meu bebê! Se você soubesse... Se você entendesse...
- O seu irmão me contou o que aconteceu. Você está bem?
- Eu estou bem sim... Eu acho...
Fael deitou-se ao meu lado e acariciou o meu rosto lentamente.
- Eu estou com você.
- Eu sei disso!
- Fica calmo, tudo ficará bem!
- Eu espero que sim...
Deitei Vitória no meu peito e fiquei acariciando os cabelos dela. Fiz um cacho com os dedos e fiquei brincando
com ele, até que ela pegou no sono.
- A nossa menina está crescendo – ele ponderou.
- Está sim. Ficando linda.
- Igual ao pai.
- Igual ao tio.
- Ao pai.
- Ao tio! Ela tem até os olhos dele.
- Curioso isso, né?
- A primeira vez que eu vi, fiquei acabado, mas depois que me acostumei, comecei a curtir.
- Imagino.
- Mas agora o meu oceano está de volta. Meus dois oceanos particulares. O verde Rafael e o verde Vitória.
- Você não vai me perder nunca mais!
- E nem você a mim.
Dei-lhe um beijo, mas não fizemos nada, já que a minha criança estava nos meus braços.

As duas semanas seguintes se rastejaram, mas finalmente o dia do meu aniversário tinha chegado. Eu já estava
acostumado em não ter a atenção da minha mãe, embora tudo doesse bastante.
Ao abrir os olhos na manhã de sexta, eu me surpreendi ao vê-la sentada na beira da minha cama. Ela estava com
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uma cesta enorme no colo.
- Mãe?
- Bom dia filho!
Era a primeira vez que ela dirigia a palavra a mim desde o ocorrido.
Eu sentei vagarosamente na cama. Era ela mesmo?
- Feliz aniversário...
Ela levantou-se e colocou a cesta de café da manhã no meu colo.
- Obrigado...
- A gente pode conversar um pouquinho?
Era o que eu mais queria.
- Claro...
Ela sentou novamente na cama e me fitou profundamente. Eu puxei o laço da cesta e o plástico cedeu.
- Esse é meu presente. Espero que goste.
- Adorei. Obrigado!
Peguei uma embalagem de torradas e puxei o laço. Não direcionei os olhos à minha mãe.
- Sabe Eder, eu estive pensando bastante nos últimos dias e eu cheguei a uma conclusão.
- E qual foi? Se você quiser, eu saio hoje mesmo...
- Não, para com essa frescura menino!
- Então???
- Então eu te entendi. Entendi tudo o que você me disse, entendi tudo o que você passou. Os seus três irmãos
conversaram comigo e me abriram os olhos. Eu fui tola. Não devia ter agido assim contigo. Desculpe.
Assenti.
- Mas quero que você se coloque no meu lugar. Você escondeu uma coisa importante de mim por três anos
Eder.., Eu não nego que me decepcionei bastante, mas não pela sua opção e sim por você ter escondido algo tão
sério de mim. Eu tinha que ter sido a primeira pessoa a saber da verdade. Eu sou a sua mãe. Eu te entendo.
Compreendo. Não peça que eu aceite, ainda é cedo para isso, mas eu entendo você filho. Não teve escolha. Foi
mais forte que qualquer outra coisa na sua vida... A gente não escolhe por quem se apaixona!!!
- Uhum.
- Você me perdoa?
- Eu não tenho nada a perdoar mãe. Só quero que você me aceite.
- Eu aceito você do jeito que você é. Só respeite a minha presença e faça as coisas com sabedoria.
- Você acabou de falar que não aceita...
- Aceito você. Por enquanto ainda não consigo aceitar a sua opção. Mas com o tempo eu vou me acostumar. Se
ele te faz feliz, se você o ama e são felizes juntos, eu não vou impedir... Só exijo respeito!
- Eu nunca desrespeitei a sua presença e nunca o farei, pode ter certeza disso.
Menos uma tonelada nas minhas costas.
- Obrigada.
Larguei tudo o que estava no meu colo e dei um abraço em minha mãe. Como era bom poder tê-la ao meu lado,
ao invés de ser rejeitado!
- Eu te amo mãe!
- Eu também te amo meu filho!

Quando eu coloquei o pé dentro da minha sala, começou a ovação... Todos me abraçaram, cantaram parabéns e
não pararam de me parabenizar um segundo sequer.
- Parabéns!
Eu devia ter feito uma placa com a palavra obrigado. Quando sentei na cadeira, o telefone da minha mesa
começou a tocar.
- Montagem Eder?
- Oi Eder, é o José, tudo bem?
957
- Bom dia, Sr. José, tudo bem e o senhor?
- Bem também. Fiquei sabendo que hoje é o seu aniversário...
Quem tinha sido a boca de caçapa que tinha falado ao coordenador que era o meu aniversário? Eu estava com as
bochechas queimando.
- É, é sim... – confirmei.
- Então os meus mais sinceros parabéns! Muitos anos de vida, muita saúde e sucesso sempre!
- Obrigado Sr. José... Obrigado mesmo!
- Continue sendo esse funcionário exemplar que é, que você terá futuro dentro da empresa.
- Com certeza. Agradeço por ter ligado!
- Que é isso, é a nossa obrigação.
Ah! Então era por obrigação que ele estava me ligando? Salafrário de uma figa!!!
- O seu encarregado está por aí?
- Em uma ligação.
- Você pode me ajudar?
- Claro! O que foi?
- É um caso da diretoria...
Era melhor ter dito NÃO!
- Qual é o número do PIM?
Ele ditou o número do Pedido de Montagem e eu o coloquei na tela. Realmente estava bem atrasado.
- Vou encontrar alguém que possa ir na casa do cliente ainda hoje. Pode falar para quem está com o caso, que
garanta ao cliente o atendimento.
- Perfeito Eder. É assim que eu gosto!
Dei risada.
- Peça para o Edmilson me ligar quando ele terminar de falar com quem está falando. Diga que é urgente.
- Pode deixar, Sr. José.
- Feliz aniversário!
- Obrigado.
Ele desligou e não se despediu. Eu tive que redobrar para encontrar um funcionário decente para comparecer à
casa daquele homem, senão seria mandado embora.
- Edmilson, liga para o coordenador!
- Ah, meu pai... Não tenho um minuto de sossego!
- Foi você quem falou do meu aniversário para ele?
- Aham!
- Você é doido, é?
- Eu não... Tem que espalhar a fofoca!!
Meu encarregado deu risada e discou o número do telefone do José. Eu liguei para o Maycon.

As luzes da garagem estavam apagadas. Eu desconfiei do que estivesse acontecendo.


- Alguém aí? Pai? Mãe? Vivi? Giselle? Marcus? Henrique? Alguma alma viva nessa casa? Socorro, que
escuridão meu pai...
- SURPRESA! – eles berraram. Eu não me assustei.
- Sabia que tinha coelho nessa toca!!!
A moto estava encostada ao carro do meu irmão mais velho. Eu não contive o meu sorriso. Era linda. E minha.
Só minha.
- Uau...
Eu larguei a mochila no canto do portão e caminhei até a motocicleta. Perfeita. Coloquei os meus dedos na lateral
e virei para poder ter uma visão panorâmica. Soltei um assovio de surpresa. Eu não imaginava que fosse tão
bonita!
- Gostou? – meu pai perguntou.
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- Adorei! Amei! É linda!
- A cor é por causa dos olhos da Vitória, eu quis que a moto lembrasse algo que você ama...
Eu ainda não tinha prestado atenção na cor da minha moto, somente no design. O verde era praticamente idêntico
à cor dos olhos da minha filha e, consecutivamente, dos olhos do Fael.
- Amei pai! Obrigado!
- Desculpe não tê-la dado antes...
- Não se preocupe com isso...
Eu dei-lhe um abraço apertado. O que seria de mim sem meu pai?
- Feliz aniversário!
- Obrigado!
Todos me agarraram na garagem, mas eu estava sentindo falta da minha pequena. Onde ela estaria?
- Cadê a...?
- Dormindo. Acabou de pegar no sono – minha mãe respondeu.
- Ah! Eu quero dar uma volta...
- O que está esperando? – meu pai riu. – Vamos, faça o teste drive!
Dei um sorriso largo e subi na minha máquina. Minha mãe suspirou.
- Tome cuidado!
- Pode deixar...
- Não está esquecendo de nada? – Giselle perguntou.
- Claro que estou! O que você está esperando para subir?
- Hã?
- Você vai ser a minha cobaia!!
- Está amarrado no sangue de Jesus que tem poder! – minha irmã se benzeu três vezes. Eu quase caí de tanto rir.
- O capacete... – Marcus lembrou-me.
- Ah, é! Tem capacete?
- E por acaso eu dou alguma coisa pela metade? – meu pai me entregou um capacete preto. Eu o coloquei.
- Isso merece uma foto... – Henrique preparou a câmera.
Eu sorri e fiz “V” com os dedos de ambas as mãos. O flash quase me cegou.
- E é um, e é dois, e é três...
Liguei o motor e guiei a moto até a calçada da rua, andando de costas.
- Cuidado! – minha mãe alertou.
- Não quer vir mesmo Gi?
- Nunca na galáxia!
- Vamos Marcus?
- Não, prefiro que você vá sozinho na sua primeira volta.
- Ricky?
- No! – ele disse em inglês.
- Mãe?
- Credo em Cruz, Ave Maria, não subo nisso nem mortinha!
Povo mole!
- E você pai?
- Concordo com o Marcus.
Dei de ombros e desci até o asfalto...
- E lá vamos nós!!!
O vento bateu no meu rosto e a sensação de liberdade tomou conta do meu corpo e do meu espírito. Eu acelerei e
não parei de dirigir, até um farol fechar. Eu reduzi, passei entre um carro e outro e parei bem próximo à faixa de
pedestres.
- Nossa, que gato! – uma menina falou.
- Ele é muito para o seu caminhãozinho amiga... – a outra riu.
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- Eu não me importo em fazer duas viagens!!!
Dei risada e quando o sinal ficou verde, eu voltei a acelerar. Subi em uma ladeira, virei à direita, depois a
esquerda, novamente à direita e quando percebi, já estava fora do meu bairro.
Era muito bom ter aquela sensação de ser livre, não ter a obrigação de responder a ninguém, nem dar satisfação
da minha vida, avisar para onde eu ia, mas eu sabia que não era como eu estava pensando, mais cedo ou mais
tarde eu ia ter que voltar para casa, e teria que ser logo, antes que eu me afastasse demais.
Fiz o retorno em uma avenida movimentada e nada me impediu de correr, nem mesmo os farois. Soltei um grito
de euforia quando cheguei perto de casa e percebi que os meus irmãos ainda estavam à minha espera!
- Muito foda! – exclamei.
Marcus sorriu.
- Agora eu quero! – ele pediu.
- Sobe aí, maninho!
Ele segurou na minha cintura com tanta força que eu cheguei a imaginar que a minha pele ia ficar marcada.
Marcus riu boa parte do percurso e quando nós chegamos, ele sentou no chão com as pernas bambas de medo.
- Eu não acredito que você ficou com medo – Henrique gargalhou.
- Cala a boca frango!
- Eu quero andar agora, posso?
- Claro mano! Quer carona ou sozinho?
- Se importa se eu for sozinho?
- De jeito nenhum!
Natália apareceu na rua e me abraçou por trás. Henrique sumiu rapidamente.
- Parabéns Eder!
- Oi gata! Obrigado!
- Seu presente.
Ela passou os braços por cima da minha cabeça e me entregou dois pacotes.
- Um é da minha irmã, ela pediu para te entregar, está indisposta.
- O que ela tem?
- Cólica.
- Ah!
- Espero que goste.
Era uma blusa e uma calça.
- Perfeitas! Obrigado!
Dei um beijo em minha cunhada e ela sorriu.
- Fael já chegou?
- Não. Ele vai direto para o trabalho, você esqueceu?
- Ah, é! Ah, nem vou vê-lo hoje...
- Faz parte!

Quando eu entrei em meu quarto, quase caí duro no chão: a minha cama estava completamente lotada com vários
tipos de chocolate, um mais gostoso do que o outro...
- Rafael!
Mais uma vez ele tinha me dado uma cesta de chocolates, além de vários bombons e trufas que estavam
espalhados pela cama. Ele sabia mesmo me comprar. Eu não resistia a um bom pedaço de chocolate.
- Eu quero um... – meu irmão mais novo pediu.
- Não senhor, eles são todos meus!
Eu entrei, vasculhei a cama com meus olhos e encontrei uma trufa de prestigio. Peguei o doce, tirei a embalagem
e dei uma dentada. Fechei os olhos para poder degustar cada segundo de prazer que estava tendo com o côco
misturado com o leite condensado e o leve sabor de chocolate ao leite. A mistura perfeita.
- Alô? – a voz dele falou.
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- Obrigado!
- Que susto!!!
- Você não existe!
- Gostou?
- Se eu gostei? Eu amei!
- Que bom... Já leu o cartão?
- Ainda não abri a cesta. Tenho que ler hoje?
- Não necessariamente.
- Então quando eu abrir eu leio, pode ser?
- Claro que pode. Como foi o seu dia?
- Cansativo e o seu?
- Também. Acabei de terminar uma prova.
- Que tristeza, hein amor? Em plena sexta-feira, véspera de feriado você fazendo prova.
- É a vida meu gatinho!
- A minha moto chegou...
- Sério? Você já andou?
- Já. É perfeita. Adivinha que cor?
- Verde?
- É! Você já a viu?
- Não, mas eu deduzi que seria essa cor. O seu pai é muito previsível.
- É verdade. Eu estou tão feliz!
- Que bom meu menino, você merece toda a felicidade do mundo!
- Obrigado!
- Coma os seus chocolates, mas não esqueça de dividi-los.
- Ah... Eu tenho mesmo que dividir? – brinquei.
- Claro! Principalmente comigo!
- Com você eu divido tudo, amor...
- Seu bobo! – ele riu. – Eu preciso desligar agora paixão, o meu professor chegou!
- Está bem. Mais uma vez, obrigado!

Eu não consegui desgrudar do Fael um segundo sequer durante todo o sábado. Pedi para ampliarem uma foto que
nós tínhamos tirado juntos para que ele pudesse guardar de recordação, mas eu só não sabia como ele ia fazer
para pendurar no quarto, mas aquilo não era problema meu.
- Ficou linda...
- Gostou?
- Você está um gato!
- Você está mais bonito do que eu, como sempre.
- Não começa, hein? Eu não quero brigar com você no dia do meu aniversário!
Sorri e apertei o nariz do meu gato. Ele me puxou e começou a me beijar. Nós só nos separamos, depois que
ambos gozamos.

Faltavam cinco minutos para o ano de 2.008 morrer. Eu juntei minha família com a do Rafa e tirei uma foto para
guardar no álbum de recordações. A Vitória saiu rindo da cara do avô materno.
- Os fogos de artifício já estão preparados? – seu Augusto perguntou.
- Já vô – Rafa respondeu.
- Então é bom já começar a soltar...
A vítima foi Jorge. Ele se agachou próximo aos rojões e acendeu um dos pavis. Vitória se encantou com a
claridade no céu.
- Ti munito!
961
- Gostou, Vi?
- Doto!
Os casais se juntaram. Marcus e Natália se abraçaram, enquanto Rafa e eu ficamos de escanteio. Dei de ombros,
como boa parte da família já sabia de nosso envolvimento, eu me aproximei e fiquei ao seu lado, com a Vitória
no colo.
Meus pais começaram a se beijar. Meu irmão e Gaby imitaram seu gesto, bem como Giselle e Gustavo. Eu
engoli a saliva e me controlei. Vitória agarrou no pescoço do tio e pulou para o colo dele. Eu olhei no relógio.
Faltava um minuto.
- Mais um ano – eu suspirei.
- É...
- O vigésimo da minha vida!
- O meu vigésimo quarto!
- Mas ainda está longe para o nosso aniversário!
- É.
Dez.
Nove.
Oito.
Sete.
Seis.
Cinco.
Quatro.
Três.
Dois.
Um.
E chegou o ano de 2.009
Rafael me agarrou pela cintura, eu passei meus braços pelo pescoço do meu amor e suspirei. Minha filha me
agarrou.
- Eeeeeeeeeee!
- Feliz Ano Novo – dissemos ao mesmo tempo.
- É!
Eu dei um beijo na testa da minha pequena e a coloquei no chão, voltando a abraçar meu namorado em seguida.
- Que Deus continue iluminando os seus passos amor – falei.
- Os nossos passos, as nossas vidas, as nossas famílias, a nossa filha...
- Todos nós!
- Sempre!
- Amém!
Os primeiros meses de 2.009 não tiveram nenhuma mudança radical. A minha mãe se acostumou com o fato de
ter um filho homossexual e já aceitava a presença do Fael em minha casa normalmente.
Meu namorado e eu contamos à Natália que estávamos juntos e para a minha grande surpresa, ela aceitou numa
boa.
- Eu não vou recriminar vocês dois por causa disso – ela falou. – Aceito sim!
Só faltavam três pessoas: Cláudia, Jorge e... O meu pai...
Vitória fez vários amiguinhos na creche. Todas as vezes em que eu ia buscá-la, ela estava conversando com uma
menina ou um menino diferente.
- Quem era essa menina, filha?
- É a Tati – ela disse a frase certa.
- Ela é sua amiga?
- É!
- E você gosta dela?
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- Gosto!
As palavras já estavam saindo certas. Ela estava crescendo...
- E você tem mais amigos?
- Tem! Tem a Buna, a Calol, tem a Cíntia...

- E amigos, você tem amiguinhos?


- Tem o Lucas, o João, o Victor...
Eu lembrei do Victor da academia. Ele estava sumido!
- O que você fez hoje?
- Eu binquei de muneca, comi bolo de chocolate e dormi!
- Você comeu bolo de chocolate?
- Comi!
- E não trouxe nenhum pedaço para o papai?
- Vá compá!
Eu dei risada e virei na minha rua. Quando eu desliguei o motor, Vitória me chamou:
- Papai?
- O que foi filha?
- Ocê pomete que não biga comigo?
Ai, ai, ai, ai, ai! O que ela tinha feito?
- O que você aprontou?
- Nada papai... Eu só quelia contar que eu tenho um namolado!
Ainda bem que o carro estava parado.
- Como é Vitória Isabelly?
- Ele me dá doce... Mas eu não faço nada papai, só dou a mão pra ele...
Filha de uma mãe! Com dois aninhos e já tava daquele jeito! Imagina quando grande... Meu coração doeu, mas
eu ri.
- Não pode filha, você é muito nova!
- Não pode?
- Não!
- Tá papai!
- Vamos entrar, pimpolha!!
- Papai?
- O que foi?
- Eu qué passear!
- Agora não, já está ficando tarde e o papai tem que descansar.
- Ah, pai, só um pouquinho!
- Não senhora. Amanhã o papai sai com você, está bem?
- Manhã?
- Isso. Amanhã nós vamos tomar um sorvete.
- Sovete?
- É.
- De chocolate?
- Do que você quiser, meu anjo!

- Amor? – Fael bateu na porta do meu quarto.


- Entra anjo, já estou terminando de me arrumar.
- Um amigo me ligou, ele quer que a gente faça uma visita. Disse que tem algo a nos contar.
- Que amigo?
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- O Jhonattan. Você ainda não o conhece.
- Ele trabalha com você?
- Estuda comigo.
- Ah, tá. E onde ele mora?
- Higienópolis.
- O que ele quer com a gente?
- Disse que tem algo para mostrar-nos.
- Ah, então tá. Vamos, sem problemas!

- Eder, Jhonattan, Jhonattan, Eder, o meu namorado.


Eu arregalei os olhos para o Fael. Ele era louco?
- Calma Eder – Jhonattan riu. – Eu sou do babado também!
Ufa! Que alivio!
- Ah, tá!
- Tudo bem com você?
- Sim e você?
- Bem também. Já ouvi falar muito do senhor.
Nós sentamos em um sofá de courino preto.
- Bem, eu espero? – olhei para Fael.
- Muito bem. Eu é que dei apoio ao Fael quando vocês estavam separados.
- É mesmo?
- É sim – ele sorriu –, não foi Fael?
- Se foi! Sou muito grato a você por isso!
- Que nada, me paga uma pinga que está tudo certo.
Nós três rimos.
- O Fael disse que você tem algo para mostrar a nós dois?
- Ah, tenho sim. Venham comigo!
A gente seguiu o rapaz até o quarto dele.
- Eu acho que vocês vão se interessar.
Ele ligou o computador e sentou na cadeira giratória. A internet foi rapidamente conectada.
- Onde você vai entrar?
- No Orkut – ele respondeu.
Fazia tempo que eu não mexia no orkut.
- E o que tem nele?
- Uma comunidade destinada ao público GLS.
- Isso é o que mais tem Jhonattan! – Fael exclamou.
- Sim, mas esta é diferente.
- Por quê? – eu sondei.
Ele digitou a senha.
- Porque é destinada a escritores...
- Escritores?
Eu achei estranho.
- É. Ela se chama “Contos Eróticos Gay”.
Rafa e eu nos olhamos.
- Como assim?
Ele entrou na comunidade.
- E essa daqui. Funciona assim... Quem quiser contar uma história, um conto erótico, cria um tópico e posta a
estória.
- E o que nós dois temos a ver com isso? – meu namorado perguntou.
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- A história de vocês é tão linda... Faria o maior sucesso!
- Você não está propondo que um de nós dois escreva a nossa história, está? – eu perguntei.
- Sim eu estou. Eder você já pensou quantas pessoas você vai poder ajudar?
- Como assim Jhonattan?
- Por exemplo: pelo que sei você teve dificuldades com a sua mãe, não foi?
- Mais ou menos...
- E você conseguiu superar, não conseguiu?
- Consegui!
- Pense quantas pessoas querem se revelar e não podem.., Você os incentivaria...
- Será?
Eu comecei a me interessar. Sempre gostei de escrever...
- Com certeza. Além do mais, o romance de vocês dois parece de protagonistas de novela das oito, eu nunca vi
um casal se gostar tanto como vocês...
Eu entrelacei os meus dedos aos do Fael.
- A vida de vocês é um conto de fadas, só que real! Vai por mim... Daria certo se vocês tentassem!
- O que você acha? – eu perguntei ao Fael.
Ele pensou.
- Acho que agora é meio difícil...
- Não precisa ser agora – o amigo do Fael falou –, pensem juntos, amadureçam a ideia e se quiserem mesmo,
façam! Vai ser ótimo para vocês dois e para todos.
- Mas nem orkut nós temos!
- Isso não é problema, é só criar uma conta. Não precisa mostrar fotos de vocês. É só para escrever e postar!
- Não é ma ideia – eu sorri.
- Sabia que iam gostar. Faz tempo que eu estou pensando nisso!
Era uma ideia a ser amadurecida. Mas ia levar tempo para que o projeto se tornasse realidade.

12 de Junho de 2.009

Quando Fael e eu entramos na sala da minha casa, meu irmão mais velho esbravejou:
- Até que enfim!
- Ué... Reunião de família?
- Quase... – Natália suspirou.
- Agora sim, já que estão todos presentes... Eu tenho um comunicado para dar... – Henrique soltou.
- Você? – Gaby perguntou.
- Nós – ele sorriu e chamou a namorada.
Eu me sentei ao lado de Gustavo.
- Bom gente, a Gaby e eu queríamos dizer que oficialmente, marcamos a data do nosso casamento!
Foi um surpresa geral. Meus pais ficaram eufóricos.
- Sério Henrique? – Giselle espantou-se.
- Sério mana!
- E quando vai ser? – eu me entusiasmei.
- Dia 03 de Julho do ano que vem – minha cunhada respondeu.
Não estava tão longe. Faltava um ano.
- Onde? Em que igreja? – Rafael se interessou.
- Não vai ser em igreja, vai ser ao ar livre – Gaby sorriu.
- Ao ar livre? – quase todos nós perguntamos ao mesmo tempo.
- É. Mas é surpresa!
- Ai meu Deus... – minha mãe chocou-se.
- E eu já quero pedir para duas pessoas – minha cunhada prosseguiu –, para serem um dos casais que serão meus
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padrinhos...
Suspense. Quem seria?
- Mano, mana... Vocês aceitam?
Natty arregalou os olhos e se engasgou com o suco que bebia.
- Eu?
- É!
- E eu? – Fael perguntou.
- Claro! Por acaso eu tenho mais algum irmão ou irmã?
Eles se olharam e disseram ao mesmo tempo:
- É claro que eu aceito!
- Ótimo. Agora é a minha vez. Eder e Giselle, vocês estão devidamente convocados para serem os meus
padrinhos.
Minha boca se escancarou e meu coração foi às nuvens e voltou. Que emoção!
- Como assim convocada? Você acha que eu sou obrigada a aceitar?
- Você não tem escolha, minha filha. A não ser que queira ser a dama de honra!
Meu pai gargalhou.
- Sem graça. Mas eu aceito sim.
- E você cabeça de bagre? Aceita?
- Mas meu filho, você ainda pergunta se eu aceito? Já posso comprar a roupa?
- Sabia que não iam me decepcionar!!!
- Adorei...
- Marcus, você está contratado para ser o fotógrafo!
- Depende, a remuneração será de quanto?
- Mil cruzeiros por foto batida.
- Credo seu canguinha, cruzeiros nem existe mais...
- Por isso mesmo!
Eles riram.
- Que noticia maravilhosa! – Cláudia exclamou.
- Muito boa noticia! – minha mãe se atrapalhou ao levantar.
Todos nós cumprimentamos os noivos e fizemos a maior algazarra durante o resto da noite. Dali em diante,
começaria a contagem regressiva para o casamento do meu irmão mais velho.

- Não dá mais Eder, eu preciso contar aos meus pais – Fael suspirou.
- Eu também já não aguento de tanta vontade de falar para o meu pai.
- Vamos contar juntos?
- Agora?
- Por que não? Já está mais do que na hora deles saberem!
Meu estômago gelou. Era tudo ou nada.
- Vamos!
Eu criei coragem. Estava na hora do meu pai saber da verdade.
- Eu vou para casa falar. Quando nós terminarmos nos encontramos!
- Combinado...
Eu desci até a sala, levei o Fael até o portão e quando voltei, chamei o meu pai:
- Pai?
- Oi?
- Eu posso conversar com o senhor um pouco?
Ele me fitou. Eu estremeci. Minha mãe me fitou. Eu assenti.
- Claro filho!
- Podemos ir ao meu quarto?
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- Vá na frente, eu já chego lá.
- Está bem. Mãe, quero a sua presença.
- Claro!
Eu tinha perdido o costume de roer as unhas, mas naquele momento, tinha me esquecido que não podia voltar
com esse hábito...
Quando eles entraram, eu estremeci novamente. Estava com medo da reação do meu pai.
- É melhor eu deixar vocês a sós... – a minha mãe pensou alto.
- Não – eu supliquei. – Fica!
- O que está havendo aqui? – Dr. Alexandre perguntou.
- Senta pai. Eu quero conversar com você.
Ele foi até a minha cama e ao invés de sentar, deitou. Minha mãe ficou em pé, ao lado da porta.
- Estou ouvindo.
- Antes de qualquer coisa, eu quero que o senhor prometa que vai me ouvir até o final.
- Claro!
- Eu sei que vai ser difícil de dizer, mas vai ser mais difícil vocês ouvirem isso... Mas eu preciso contar, já não
aguento mais... Estou angustiado com essa situação!
- Se você não falar logo, vai continuar assim – minha mãe me encorajou.
Assenti.
- Pai, muitas vezes, nós tentamos escolher o caminho mais fácil porque temos medo dos obstáculos, mas muitas
vezes, a gente não tem escolha... A vida nos impõe certas situações e simplesmente nós temos que entendê-las e
aceitá-las. Isso vem acontecendo comigo tem quase quatro anos...
- Quatro anos?
Fiz que sim e mordi meu lábio.
- Sei que vai ser difícil, mas tente me entender, por favor...
Eu respirei fundo.
- Desde os meus treze, quatorze anos eu sinto algo estranho. Eu não tinha percebido nada antes, só em 2.005 que
tive certeza do que sou hoje. Às vezes me parece estranho, mas é a mais pura realidade...
- Chega de rodeios Eder – minha mãe suspirou.
- Pai, quando eu conheci o Rafael, o irmão da Gabrielle, eu comecei a sentir um sentimento muito estranho,
muito difuso... À principio, eu não entendi, mas com o passar dos dias, eu fui entendendo o que estava
acontecendo e quando menos esperei, soube de toda a verdade.
Eu olhei o horizonte na janela e prossegui:
- Eu não queria ser assim, tentei ser normal, tentei me envolver com garotas, mas de nada adiantou. Ao contrário,
só aumentou a minha certeza...
- Do que você está falando?
Eu me virei para encará-lo.
- Pai eu sou gay!
Silêncio. Somente meu coração batia.
Ele começou a rir. Riu sem conseguir parar.
- Hoje é primeiro de abriu?
- Não pai, eu não estou mentindo e nem brincando... Me ouça, por favor...
Ele olhou para a minha mãe. Ela assentiu vagarosamente, de olhos fechados.
- Eu comecei a me envolver com o Fael, até que fiquei completamente e irrevogavelmente apaixonado por ele.
Não tive como lutar contra esse sentimento, não tive como barrar o que eu estava sentindo, tudo era mais forte,
muito mais forte do que eu...
“A gente se envolveu e em abril de 2.006 ele me pediu em namoro. Eu aceitei. Não tinha mais porque mentir
para mim mesmo. Eu sabia o que eu era, sabia o que estava sentindo e não tinha motivos para não aceitar.”
A fisionomia do meu pai foi se alterando aos poucos.
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- Eu sei que vocês devem estar se perguntando sobre a Vitória, mas não esqueçam que neste dia eu estava bêbado
e só transei com a Natália, porque pensei que ela era o irmão... Só por isso...
Abaixei a minha cabeça. Que vergonha!
- O tempo foi passando, a gente brigou, terminamos, voltamos, terminamos de novo e hoje estamos juntos. E
felizes. Ele também descobriu a homossexualidade comigo. A gente se descobriu juntos, ao mesmo tempo e isso
só intensificou o que sentimos um pelo outro.
- Não...
- O que eu estou contando, o resto da família já sabe. O meu irmão Henrique foi o primeiro a saber, ele aceitou
numa boa. Com os outros não foi diferente. Eu contei à mamãe no ano passado porque ela desconfiou e me
encostou na parede. Só não te disse antes porque fiquei com medo. Estou com medo. Medo de ser rejeitado...
- Isso é mentira! – ele exclamou. – É mentira sua Eder! Você não é... Não é...
- Alexandre, não se altere, por favor...
- Não se altere Marina? Não se altere? Você... Como você foi capaz de... Ah, eu não...
Ele se levantou.
- Pelo amor de Deus diz que isso é mentira!
- Não é mentira pai, eu sou assim...
Não estava com vontade de chorar, por incrível que pareça. Só estava com medo, muito medo do meu pai. Será
que ele ia me bater?
- Não...
- Alexandre, não temos escolha! Seja coerente meu amor!
- Meu filho... O meu filho não...
Eu tinha certeza que ele seria o pior de todos.
- Pai.., Perdoe-me...
- Perdão? Você pede perdão? Ah, Eder Leandro...!
Ele estava fora de si, mas não gritava. Pelo menos sabia manter a classe.
- Marina, saia da minha frente... Deixe-me sair...
- Aonde você vai?
- Saia Marina, deixe-me passar!
- Não torne as coisas piores Alê!
- Marina...
Ela deu passagem e ele abriu a porta com brutalidade. Eu olhei para a minha mãe e suspirei. Estava aliviado, mas
apreensivo.
- Eu vou resolver – ela me prometeu. – Não saia daqui!
Eu deitei na cama e fiquei fitando o teto do meu quarto. O que iria acontecer? Será que eu ia ser expulso de casa?
Eu ouvi a voz sobressaltada do patriarca da minha família e meu coração disparou. Não tinha sido certo ter
contado... Eu deveria ter deixado como estava... Manter tudo escondido...
- VOCÊ O QUÊ? – era Jorge. – MEU FILHO É O QUÊ?
Pronto. Estava feito. Fael já tinha contado. Eu já tinha contado.
- RAFAEL VOCÊ É LOUCO? VOCÊ VAI ME FAZER PASSAR ESSA VERGONHA???
Eu não ouvia a voz do meu anjo. Fui até a janela e espiei o quarto dele. Estava vazio.
- O que é isso? – Henrique entrou no meu quarto. – Que barulheira é essa?
- Fael e eu contamos para os nossos pais.
Meu irmão ficou feito estátua. Ele não piscou.
- Você teve coragem? – ele falou por fim.
- Tive que ter, já não agüentava mais...
- Ai mano...
- SOME DA MINHA CASA RAFAEL! VOCÊ NÃO É MAIS MEU FILHO! EU NÃO TENHO FILHO!
NUNCA TIVE... EU TENHO VERGONHA DE VOCÊ... SOME DA MINHA FRENTE, SAI DA MINHA

968
CASA... VÁ JÁ PARA O OLHO DA RUA!
- A coisa está feia na casa do Fael... – eu me lamentei.
- Calma, vai dar tudo certo!
- Alexandre, por favor... – minha mãe suplicou.
- Me deixa mulher! Eu preciso esfriar a cabeça!
Meu pai passou pela porta do meu quarto correndo. Eu ouvi os passos dele descendo as escadas e me amedrontei
ainda mais. O que será que ele ia fazer?

- Ele me expulsou – Fael falou, quando a gente se encontrou no portão da minha casa.
- Eu ouvi tudo.
- Que vergonha Eder...
Eu abracei meu namorado. Ele começou a chorar.
- Calma amor, vai dar tudo certo!
- Eu estou me sentindo um verme...
- Não fala assim meu garoto perfeito! A gente sabia que não ia ser nada fácil...
- Cadê o seu pai?
- Ele saiu... Nós não sabemos para onde ele foi...
- Eder? – Gaby me chamou.
- O que foi?
- Eu entreguei a Vitória para o seu pai...
- Hã?
- Eu o vi saindo a pé, ele pediu para dar uma volta com a menina e eu deixei...
- Ah, tudo bem Gaby... Obrigado por ter avisado!!!
- Você está bem?
- Vou ficar...
- Você também contou?
- Contei!
- Por isso que ele estava tão... Transtornado...
As horas foram se passando e nós não tivemos noticias do meu pai. Faltando cinco minutos para a meia noite, a
minha mãe resolveu ligar para tentar descobrir alguma notícia.
- Alô? Alexandre? Onde você está? Cadê a Vitória?
Silêncio. Eu queria falar com meu pai, queria saber como estava a minha filha...
- Como você vai viajar Alexandre? Você está doido?
- Viajar? – eu achei estranho.
- Portugal? Alexandre? Homem, volta para casa... Traz a Vitória...
- Eu quero falar com ele!!!
- O Eder quer falar com você...
Peguei o telefone da mão da minha mãe, as minhas mãos estavam tremendo.
- Pai? Pai, aonde você está?

Tum.
Tum.
Tum.
Tum.

Meus braços esmoreceram e eu senti vontade de cair. Tudo ficou preto e começou a girar. Eu queria a minha
filha. Por que o meu pai estava fazendo aquilo comigo?

Um mês e meio depois...


969
Eu estava tremendo e com muito frio. Olhei para a janela e vi o sol trincar no céu azul, mas o frio me consumiu
por inteiro e eu não conseguia ficar em pé. Senti os meus lábios tremerem e as minhas mãos suarem, já não
agüentava mais nada. Eu queria a minha filha de volta...
- Eder? – Fael me chamou.
Ele estava no meu quarto.
Eu não consegui responder, então ele se aproximou.
- Não vai levantar?
Não tinha forças para falar. Eu não conseguia me mexer, apenas tremia. Senti uma mão invadir o cobertor e
apalpar a minha pele, mas ela rapidamente foi retirada.
- Eder? Eder? Fala comigo Eder? Amor, você está bem?
Eu sentia o desespero na voz do meu namorado, mas a resposta era não. Eu não estava bem. Como eu poderia
estar bem estando longe da minha filha?
- Marina? Marina?
Ele saiu do meu quarto correndo. Eu senti um vento gelado percorrer o meu corpo e puxei o lençol para perto do
meu corpo.
- Ele está ardendo em febre... – a voz de anjo falava, mas ela estava tão longe...
Senti outra mão me apalpar, mas esta se demorou e percorreu outras partes do meu corpo. O quarto estava cheio
de gente...
- Tragam um termômetro, rápido!
Era a minha mãe. A mulher que me deu a vida. A razão da minha vida... Meu porto seguro... Ela estava perto de
mim... Eu ia vê-la pela última vez...
Senti algo gelado invadir a minha axila e me arrepiei. Entreabri meus lábios e tentei respirar pela última vez, mas
o ar não quis entrar em meus pulmões...
- Acho melhor levá-lo para o hospital – a mulher disse.
A voz já não era a mesma. Quem estaria ali?
Deixei meu corpo cair sobre a cama e não me mexi. Não tinha mais forças para tentar sobreviver. Só o que eu
queria, era morrer...
- Eder, Eder... Filho, fala comigo...
Mãe. A minha mãezinha... Ela me entendia... Ela me aceitava... Ela não tinha tirado a minha filha de mim...
- Chamem uma ambulância...
- Não – consegui sussurrar.
Eu não queria ir ao hospital. Não queria que mais ninguém me visse naquele estado...
- A febre está muito alta.
- Quanto? – um homem perguntou.
- 39,5.
Mais uma crise de tremedeira.
- Vi...
- O que ele disse? – alguém estava chorando?
- Vitória...
- Ele quer a filha – outra pessoa falou. – É disso que ele precisa para melhorar!
- O que eu faço Cláudia? Eu já tentei tudo!!!
- Eu não sei Marina...
Alguém me abraçou. Eu senti um cheiro familiar. Rafael?
Tentei abrir os meus olhos, mas não consegui. Tudo estava escuro demais. Eu não conseguia ouvir mais nada.
Nem os meus pensamentos, nem o meu coração...
“Era um lugar com muita luminosidade e flores por todos os lados. Eu caminhei lentamente entre tulipas e rosas
brancas. Pareceia que eu conhecia aquele lugar como a palma da minha mão.
Ouvi uma risada infantil e me virei para ver quem se aproximava. Eu não conhecia a criança. Era uma menina.
Linda. Os cabelos eram castanhos e os olhos eram verdes. Ela aparentava ter sete ou oito anos de idade.
970
- Para mamãe!
Uma mulher tentava alcançar a menina, que não parava de correr. A mãe da criança também tinha olhos verdes
e uma era a cópia da outra.
- Vem com a mãe Nicole!
Nicole! Bonito nome para uma menina. A mulher me parecia familiar. Será que eu a conhecia? Será que a gente
já tinha se trombado antes?
- Nicole? Vitória? – um homem chamou.
Ele era alto. Bonito, mas não tanto quanto a mulher e a menina. Ele sorriu e abriu os braços para as duas, que
voltaram correndo ao encontro do homem.
- Papai! – a menina exclamou. – Papai, você voltou!
Papai. Então ele era pai da menina e provavelmente esposo da mulher de nome Vitória.
Vitória. Aquele nome também me era familiar. Vitória...
- Papai! – a menina exclamou novamente.
Eles se abraçaram e a mulher ficou olhando a cena, com um sorriso nos lábios.
Eu senti o meu estômago girar e tudo ficou fora de foco...”
- Papai... Papai...
Algo me fez recobrar os sentidos. Eu estava sentindo as dores no meu corpo, sentindo a minha pele arder e a
minha respiração gelar os meus pulmões.
- Papai, acorda papai...
Papai. Fazia tempo que eu não ouvia a minha filha me chamar. Eu estava delirando. A Vitória não estava ali. Ela
estava em Portugal com o avô e os bisavós... Eu não ia mais ver a minha filha...
- Vitória...
- Papai...
Mas a voz estava tão nítida... Tão próxima de mim... Eu senti duas mãozinhas minúsculas tocarem o meu rosto e
acariciarem a minha pele.
- Bobô, por que o papai não acorda?
- Ele está dodói...
Eu reconheci aquela voz. Meu pai. Aquele que tinha roubado a minha vida... Era ele mesmo? Seriam eles? Meu
pai? Minha filha? Não podia ser...
Tentei abrir os meus olhos. A claridade me incomodou. Eu não gostava da luz. Estava acostumado com a
negritude...
Então eu a vi. Já não reconhecia o rosto da minha filha. Ela estava mudada. Estava crescida. Grande. Será que eu
tinha passado tanto tempo sem vê-la? Quanto tempo tinha se passado afinal de contas? E onde eu estava? Eu não
conhecia aquele lugar...
- Filha...
- Papai! Papai! Ocê acordou!!!
Ela estava linda. Linda de verdade. Os olhinhos brilharam e ela sorriu, dando-me um abraço. O meu coração
acelerou, meus olhos se encheram de lágrimas. Minha filha estava de volta... Minha Vitória, a minha maior
vitória... A razão do meu viver...
- Vitória... – eu sussurrei.
Alguém se aproximou. Eu senti uma mão em minha testa.
- Graças a Deus! – uma mulher suspirou.
Tudo voltou a ter sentido na minha vida. Eu não queria mais saber da escuridão. Não queria mais dormir. Eu
queria a minha menina, a minha criança... Ela estava ali, comigo... Eu tinha que sobreviver para poder cuidar
dela, poder amá-la e entendê-la, independente de qualquer escolha que ela fizesse...
- Eder? Você está me ouvindo? – era um homem que falava, mas eu não conhecia a voz.
Fiz que sim com a cabeça.
- Consegue falar?

971
- Sim...
Eu era capaz de tudo. Eu tinha que voltar a viver. Pela Vitória e pelo Rafael...
- O remédio que ele precisava chegou – o homem falou –, agora ele ficará bem!!
Eu queria abraçar a minha filha. Poder sentir o corpo dela junto ao meu, mas não conseguia mexer os meus
braços. Onde eu estava?
- Onde... Eu... Estou...??
- Você está no hospital filho – era a minha mãe. Minha mãezinha. – Agora vai ficar tudo bem...
- Vitória... Cadê a Vitória...
- Eu to ati, papai!
Abri os meus olhos. Ela estava no colo da minha mãe. Linda. Tão linda...
- Minha... Vitória...

Eu abri os meus olhos lentamente. Eu não estava sozinho no quarto. Ele estava comigo. Parado, me olhando com
a fisionomia séria.
- Eder? – meu pai me chamou.
Eu não respondi, apenas o fitei. Meu coração quebrou no meio.
Eu já estava me acostumando com aquela dor.
- Vitória?
- Ela está lá fora com a sua mãe e seus irmãos...
- Eu quero a minha filha...
Sentei na cama. Nada me atrapalhava mais. Eu me lembrava de tudo...
- Acalme-se, eu já vou trazê-la...
- Eu a quero agora!
- Eu vou buscá-la, mas fique calmo... Não se agite...
Meu progenitor saiu do quarto de hospital e deixou a porta aberta. Eu ouvi vozes vindas do corredor.
Ele não tardou a regressar com ela no colo. Os meus olhos se encheram de lágrimas. A minha menina estava de
volta!
- FILHA!
- Papai!
Coloquei as pernas para fora da cama e saí correndo ao encontro da minha Vitória. Ela esticou os braços para que
eu a pegasse e quando minhas mãos tocaram a pele do corpinho dela, eu cai no choro.
- Filha...
- Papai...
- Eu te amo, filha... Eu te amo tanto...
- O ti foi papai? Vitola está ati!
Senti vontade de cair, então me sentei na beira da cama. Eu estava com as vestes hospitalares.
- Que saudade que eu estava de você minha menina!
- Vitola está ati papai!
- Ah, filha!
Dei muitos beijos na minha pequena e ela deitou a cabecinha no meu ombro. A minha felicidade estava de volta.
- Você está bem? – meu pai perguntou.
Sim. Eu estava bem. Mas eu não queria falar com o meu pai.
- Que dia é hoje?
- 27 de agosto.
Quase aniversário da Vivi.
- Papai manhã é meu vesálio!
- É meu amor, o papai sabe!
- O que eu vou ganhar?
Eu sorri.
972
- Ainda não pensei nisso, mas você pode escolher o que quiser!
- Pode?
- Pode meu amor, pode!
- Eder, a gente pode conversar filho?
Não. Eu não tinha nada a falar com ele.
- O que você quer?
- Desculpa ter causado esse transtorno!
- Desculpa? – eu estava revoltado. – Desculpa pai? Ah!
- Não se agite...
- Não me fale o que eu tenho que fazer! Você já me causou danos demais!
- Eder... Por favor... Acalme-se...
- Acalme-se? Como eu posso ter calma? Você roubou a minha filha de mim! A razão da minha vida!!!
- Ela está com você agora, não está?
- Está! Ainda bem que está! Eu não sei se ia aguentar mais por muito tempo!!!
- Não fale isso Eder...
- É a verdade!
- Filho... Eu estava fora de mim... Eu fiz sem pensar... Sua mãe me ligou desesperada, falando que você estava
internado... Eu não pensei duas vezes em voltar...
- Quer dizer que precisou eu ficar internado para você voltar? Se eu não tivesse ficado doente você não voltaria?
Ah, pai! Eu estou com muita raiva de você...
- Eu sei. Eu sei. Espero que você me perdoe...
Perdoar! Todos me pediam perdão!
- Eu pensei nesses dois meses em que estive em Portugal Eder. Pensei muito. E eu te entendi.
Entendeu? Que maravilha! Mas para me entender teve que tirar a minha filha de mim!
- Eu aceito a sua opção!
- É mesmo? Você não tem escolha pai!
- Não é por isso. Eu quero você do jeito que você é filho! Juro por Deus...
- Sei...
Apertei a Vitória nos meus braços.
- Me perdoa Eder... Por favor...
Ele se aproximou.
Eu abaixei a cabeça.
- Estou chateado...
- Isso vai passar...
- Não sei se vai...
- Me dá um abraço filho?!
Abraço? Para que ele queria meu abraço? Ele não tinha vergonha de mim?
- Para quê? Para que você vai querer me abraçar? Abraçar um filho gay?
- Se a Vitória chegar em você um dia e falar que é lésbica você a rejeitará?
- Nunca!
- Se ela te pedir um abraço você vai negar?
- Não!
- Então não negue um pedido do seu velho pai...
Ele tinha razão. Para que negar?
Eu me aproximei a passei meus braços pelo pescoço dele. Que alivio!
- Ah, pai!!!
- Eu sei... Eu sei... Desculpe...
- Doeu muito!
- Doeu em mim também!!! Mas vai passar, eu te prometo!
973
Ia passar sim. Ia passar porque eu estava com a minha filha nos meus braços e tinha a razão do meu viver ao meu
lado. Fael e Vitória. Vitória e Fael. As duas razões da minha existência!

- Você tem certeza que é isso que você quer? – meu pai perguntou.
- Ainda dá tempo de voltar atrás... – minha mãe suplicou.
- É isso mesmo que eu quero! – Marcus insistiu.
- Então faça boa viagem! – meu pai exclamou.
- Ah, Marquinhos... – minha mãe começou a chorar.
- Calma mãe! No meio do ano eu estou de volta...
- Vai ser bom para ele mãe – eu falei.
- Para o futuro dele – Henrique completou.
- É uma nova experiência! – minha irmã apoiou.
- Eu volto! – Marcus prometeu.
- Dê lembranças aos nossos avós – eu pedi.
- Pode deixar.
- Juízo – meu irmão mais velho pediu.
- Sempre!
Ele abraçou os nossos pais, depois nossos irmãos e depois a mim.
- Boa viagem Marquinhos!
- Obrigado Eder. Se cuida, tá?
- Pode deixar.
- Cuida bem da minha sobrinha...
- Cuidarei sim. Liga para a gente, viu?
- Vou ligar sim.
- E se for transar, usa camisinha!
Ele riu.
- Pode deixar mano! Eu te amo!
Minha garganta trancou.
- Eu também te amo Marcus!
A chamada do voo para Portugal foi feita. Meu irmão pegou as malas, olhou para cada um de nós e suspirou.
- Então até junho!
- Até – nós falamos.
- Vai com Deus filho – minha mãe soluçou.
- Amém mãe. Eu te amo. Eu amo todos vocês! Se cuidem! Eu ligo!
Ele foi andando de costas, até desaparecer. Uma lágrima escapuliu. Meu irmãozinho estava virando gente
grande!

04 de Junho de 2.010
- Você vai mesmo fazer isso, amor?
- Vou sim Fael! Chegou o momento!
Eu abri o Word e comecei a pensar no que escrever. Abri as opções de WordArt, escolhi um que me agradou e
digitei: “Um Vício Chamado Rafael...”...
- Esse vai ser o título?
- É!
- Por que “Um Vício Chamado Rafael...”?
- Porque você é viciante, amor!
Dei-lhe um beijo apaixonado e nós caímos no chão. Ele tirou a minha camiseta e eu a dele, mas não fizemos nada
naquele momento.
- Calma, me deixa pensar no que eu vou escrever...
974
Coloquei o cotovelo direito na mesa do computador e apoiei o meu queixo na mão. A inspiração não tardou a
chegar.
- Nossa meu amor, você escreve bem...
Ele estava lendo tudo o que eu digitava.
- Obrigado. Quer que eu arrume alguma coisa?
- Não, assim está perfeito! Você achou mesmo que não teria chances comigo?
- Claro! Um gato desses ia ser gay? De jeito nenhum!
Ele riu.
- Bobo!
- Sou nada. Pronto, acabei.
- Só isso?!
- Aham. Quero ver se eles vão aceitar o meu conto.
- O nosso conto!
- É. A nossa história...
- Eu quero escrever também.
- Você pode fazer a sua versão!
- Boa ideia... Será que vão gostar?
- Não sei... Isso o tempo dirá!
Eu abri um tópico e escrevi o título do conto.
- Por que você colocou “real’ entre colchetes?
- É para eles saberem que a nossa história é verídica, amor!
- Ah...
Copiei o que tinha digitado e colei no fórum. Deixei as letras em negrito, passei os meus olhos para ver se não
havia nenhum erro e enviei.
- Agora é esperar para ver!
Fael me beijou de maneira apaixonada e nós fomos para a minha cama. Não tínhamos mais o que esconder de
ninguém, todos sabiam que nós éramos namorados, então eu não ia ter pudor àquela noite.
Não me cansei de penetrá-lo um segundo sequer. Gozei mais de três vezes naquela noite. Ele não ficou atrás.
Antes de começar a escrever, uma janela do Messenger subiu.
- Fábio? – eu falei em voz alta.
A janelinha começou a piscar e eu li:
- Oi – Fábio disse –, adorando o seu conto.
Eu sorri e comecei a digitar a resposta:
- Oi! Ah, muito obrigado!!!
- Está escrevendo o conto?
- Agora, agora não!
- Uhum. Você tecla de onde?
- São Paulo. E você?
- Curitiba. Frio terrível...
Eu tive que concordar. Estava muito frio mesmo.
- Muito!!!
- Está 6º aqui, nossa...
Eu arregalei os meus olhos.
- Aqui está 12º. O frio é bom, mas é ruim... O que está fazendo?
- Neste momento, indo tomar banho. Curtir a noite!!! E você?
Eu dei risada sozinho.
- Tirar a roupa para tomar banho é a pior parte.
Ele riu e disse:
- Sair do banho é pior.
975
- É verdade. Eu vou começar a escrever para postar e pretendo sair ainda hoje.
- Eu vou tomar banho, daqui a pouco venho me despedir!
- Está bem.
Abri o Word e comecei a digitar, sem ter muito trabalho para escolher as palavras certas. Quando eu estava na
metade, o Fábio voltou:
- Estou indo meu amigo! Depois leio o conto e comento... Boa noite para você! Tchau!!!
- Beleza! Boa noite e feliz dia dos namorados...
Eu ri.
- Para você também! Tchau!
Ele saiu e eu fechei a janela. Gostei do garoto. Parecia ser uma pessoa muito legal. Será que nós íamos teclar
novamente?

Na noite seguinte:

Estava distraído com algumas coisas na internet, quando a janela do Fábio subiu:
- Oi! Tudo bem?
Eu sorri.
- Oi! Tudo e você?
- Bem também. Só muito frio... Como foi a noite “enamorada”?
Já que era espanhol...
- Muy buena y a sua?
- Ótima!
Fábio começou a fazer algumas perguntas relacionadas aos contos da comunidade onde eu postava e eu comecei
a responder. Senti que uma amizade estava começando a nascer. Eu já gostava do garoto. Ele era legal e me
parecia ser gente fina. Eu estava na torcida para que a nossa amizade desse certo!

Alguns dias depois...

Eu estava escrevendo o meu conto e falando com o meu amigo Fábio, quando outra janela começou a piscar. Eu
li o nome da pessoa. B. Achei estranho...
- Oi moço – ele escreveu.
- Oi moço, tudo bem?
- Tudo ótimo e você?
- Bem também, graças a Deus.
- Amo o seu jeito com o seu irmão!
Eu sorri. Não era a primeira pessoa que falava aquilo para mim.
- Obrigado!!! Me sinto animado lendo isso.
- Amo a união da sua família.
- Ah, estão todos falando isso!
- Sabe o que eu amaria mais ainda?
Eu balancei a cabeça, esquecendo-me que o garoto não estava me vendo.
- Não – respondi.
- Que você fosse meu vizinho e que a gente fosse melhores amigos!
Eu achei aquilo muito bonitinho. Ele não me conhecia e queria ser meu melhor amigo! Eu já gostava do B...
- Onde você mora? – eu sondei.
- Santo Amaro – ele respondeu.
Eu arregalei os olhos e respondi:
- Eu trabalho aí...
- Sério? Só um minuto que vou desmaiar...
976
Eu rachei do jeito dele escrever. Pronto! Estava feito! Eu tinha encontrado dois amigos no meu conto. Fábio e B.
Eu senti que dali para frente eles iam me ajudar nos momentos de dificuldade... Agradeci à Deus por tê-los
colocado em meu caminho... Dois amigos lindos... Dois anjos...

03 de Julho de 2.010

Eu arrumei o nó da minha gravata, enquanto minha irmã arrepiava os meus cabelos de uma maneira impecável.
- Onde está o noivo? – meu pai perguntou.
- Terminando de tomar banho – eu respondi.
- Onde está o vestido da Vitória Eder? – Natália perguntou.
- Na primeira porta do meu armário, pode pegar.
- Estou pronta – minha avó respondeu, entrando no meu quarto.
- Uau!
Meu irmão mais novo assoviou.
- A senhora está linda! – eu disse.
- Obrigada Eder. Você está um galã!
Sorri.
- Papai? Onde está a minha roupa?
- Aqui filha, a mãe está pegando.
Quase quatro anos. Ela já falava as frases perfeitamente.
- Eder, dá o nó na minha gravata? – meu pai pediu.
- Claro, ajoelha aqui...
Ele ajoelhou-se à minha frente e eu, agilmente, arrumei a gravata vermelha do meu pai. Ele estava lindo.
- Todos prontos? – meu avô perguntou. – Cadê o noivo?
- No banho – respondi. – Pronto pai!
- Obrigado.
- Acabou Giselle?
- Acabei! Olha no espelho.
Eu andei até o espelho do meu armário e analisei minhas madeixas. Estava perfeito.
- Perfeito. Obrigado.
- Marcus, você não vai se arrumar?
- Eu já estou pronto Gi!
- Ah, é, você é o fotografo...
Ele riu.
- Idiota...
- Vou colocar o meu vestido.
- A mãe já chegou do salão?
- Ainda não!
- Quem falta se arrumar? – minha avó perguntou.
- A Gi, a Vitória, e minha mãe e o noivo...
- O que tem eu aí?
Ele entrou no meu quarto apenas de toalha.
O dia de noivo tinha feito bem ao meu irmão. Ele estava com a pele ótima.
- Você falta se arrumar!
- Cadê a minha roupa?
- Vou pegar – minha avó falou.
Ele ia usar um smolking preto. Eu, meu pai e os outros padrinhos, íamos de terno preto e gravata da cor do
vestido da acompanhante. Ainda bem que a minha irmã ia de azul e não rosa!
- Obrigado vó! Se as moças me dão licença, eu preciso me arrumar...
977
Ele expulsou a cunhada e a sobrinha do quarto. Meu avô também saiu.
- Aqui filho! Fique lindo!
- Pode deixar vó!
Eu, meu pai e Marcus ajudamos Henrique a vestir o smolking. Ele ficou simplesmente lindo! Nem parecia a
mesma pessoa.
- Vou arrepiar os seus cabelos – falei.
- O que você acha de moicano?
- Vamos experimentar...
Usei quase um vidro de laquê, mas consegui fixar os cabelos do meu irmão. Pronto. Ele estava perfeito.

A cerimônia estava marcada para as dezenove horas. A chácara estava linda, toda decorada do jeito que a Gaby
escolheu. Eu ainda não a tinha visto e estava ansioso para encontrá-la logo. Até parecia que eu era o noivo.
Todos os convidados já estavam em seus locais. Os padrinhos saíram da casa primeiro. Eu e Giselle fomos o
segundo casal a descer as escadas. A filmagem já estava sendo feita e meu irmão já estava tirando fotos, além do
fotografo profissional que Henrique tinha contratado.
Deixei Rafael e a irmã entrarem no local da cerimônia e quando eles estavam bem à frente, minha irmã e eu
começamos a andar pelo tapete vermelho. Os convidados nos olharam, eu sorri, a minha irmã também e nós
ficamos no nosso posto. Nada poderia dar errado.
Eu não estava encontrando o meu irmão em lugar algum. O procurei com os olhos por todos os lados, mas ele
não estava em parte alguma. Será que tinha desistido?
Não. Ele não tinha desistido. Ele estava vindo de braços dados com a nossa mãe. Eles estavam lindos. A música
foi trocada assim que eles pisaram no tapete. Minha mãe parecia tremer, o meu irmão sorriu. Era o dia mais feliz
da vida dele.
Henrique beijou a testa de nossa mãe e ela ficou em seu lugar. Os meus avós estavam logo atrás dela. Só faltava
a noiva. Meu pai agarrou no braço de minha mãe e tentou fazer com que ela parasse de tremer. Eu senti vontade
de rir.
E então, todas as luzes se apagaram. Era a vez da Gabrielle entrar. Eu prendi a respiração e suspirei quando não
consegui ficar sem respirar.
- É agora... – Gi sussurrou.
- É!
A marcha nupcial começou a tocar alta e majestosamente. O meu coração foi a mil por hora. Que emoção!
As luzes foram se acendendo conforme eles iam chegando. Vitória jogou as pétalas de rosas pelo chão, antes da
madrinha e do avó chegarem. A minha filhinha estava uma princesa com aquele vestidinho branco e com a tiara
na cabeça... Linda demais...
Então, os meus olhos caíram no vestido branco da noiva e pouco a pouco, chegaram ao rosto de Gabrielle. Todas
as palavras mais bonitas do mundo são poucas para descrever a beleza que ela estava...
Jorge estava mais magro. Será que, assim como Gabrielle, minha mãe e Cláudia, ele tinha feito regime?
Ela sorriu ao ver Henrique. Ele estava feito pedra no altar. O padre sorriu em sintonia à noiva e enfim ela chegou.
Linda, perfeita e impecável.
O vestido era um tomara que caia de cetim bordado. O cabelo estava em cachos enormes e espessos por todas as
partes. Ela usava uma coroa de pérolas da mesma cor do vestido e a maquiagem era muito simples. O buquê era
branco, perfeito e minúsculo. As mãos estavam cobertas por luvas e somente o dedo do meio era revestido no
tecido.
- Meus queridos irmãos, minhas queridas irmãs... – o padre começou a falar.
- Henrique repita a seguinte frase: Eu. Henrique...
- Eu Henrique...
- Recebo você Gabrielle...
- Recebo você Gabrielle...
- Por minha esposa. E lhe prometo ser fiel...
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- Por minha esposa. E lhe prometo ser fiel...
- Na alegria e na tristeza...
- Na alegria e na tristeza...
- Na saúde e na doença...
- Na saúde e na doença...
- Até que a morte nos separe!!!
- Até que a morte nos separe!!!
- Agora você Gabrielle: Eu Gabrielle...
- Eu Gabrielle...
- Recebo você Henrique...
- Recebo você Henrique...
- Por meu esposo. E lhe prometo ser fiel...
- Por meu esposo. E lhe prometo ser fiel...
- Na alegria e na tristeza...
- Na alegria e na tristeza...
- Na saúde e na doença...
- Na saúde e na doença...
- Até que a morte nos separe!!!
- Até que a morte nos separe!!!
- Eu vos declaro marido e mulher e o que o que Deus uniu, o homem não separe. Pode beijar a noiva!
Meu irmão segurou nas duas mãos da esposa e aproximou o rosto do dela. Eles deram um beijo tímido, mas
apaixonado. Os convidados deram uma salva de palmas e a minha mãe, minha avó e Cláudia caíram no choro.
Eu estava me sentindo estranho apesar de estar feliz. A casa ia ficar muito vazia sem os meus irmãos. Dali para
frente seríamos somente eu e Giselle... Pelo menos enquanto ela não inventasse de se casar.
Meu coração estava minúsculo. Eu estava muito feliz, mas triste por ter que me conformar em não morar mais
com o meu irmão. Depois das fotos, eu me afastei um pouco dos convidados e decidi dar uma caminhada.
Sentei-me no alto de uma pedra, mas ainda era capaz de ouvir o som da festa. Fiquei olhando a lua. Ela estava
linda e majestosa no céu daquele sábado. Tudo estava perfeito. O meu irmão estava casado com a mulher da vida
dele. Os meus pais tinham aceitado a minha orientação... Meus irmãos estavam felizes... Eu tinha uma filha...
Tudo perfeito... Perfeito até demais...
- Ah! Você está aí!
Eu me virei e vi a Natty se aproximar com uma garota.
- Vendo a lua...
- Eder, eu quero te apresentar uma pessoa...
Eu me virei novamente. A moça era linda.
- Amanda, este é o Eder, o pai da minha filha. Eder, esta é a Amanda, a minha namorada.
O quê? Namorada?
- Namorada?
- Uhum. Agora você entende porque eu aceitei tão facilmente?
Minha cunhada sorriu. Eu compreendi tudo.
- Prazer Amanda! Seja bem-vinda à família!
- Obrigada. Parabéns pela sua filha, ela é linda!
- Obrigado.
Fael se aproximava. Natty seguiu o meu olhar e sorriu.
- Vamos Amandinha, vamos deixá-los a sós.
Eu sorri e voltei a mirar a lua.
- Está pensando? – ele sentou-se ao meu lado.
- Estou.
- Vai sentir saudades dele, não vai?
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A minha garganta fechou.
- Muita!
- Não fique assim... Você não o perdeu...
- Eu sei!
Ele ficou ao meu lado e me abraçou.
- Sabe, eu estive pensando...
- Em quê?
- Em muitas coisas...
- E?
- E eu cheguei a uma conclusão.
- E que conclusão é essa?
- Olha para mim. Nos meus olhos!
Ele se levantou e eu fiquei olhando no meu oceano particular.
- Eder, eu te quero para sempre...
- Eu também te quero para sempre...
- Eu quero te pedir uma coisa, mas não sei se você vai aceitar...
- Você só saberá se tentar...
Ele olhou para a lua, respirou fundo, abaixou a cabeça, fechou os olhos e despejou:
- Eder, quer se casar comigo?
Ainda bem que eu estava sentado, porque se estivesse em pé teria caído. Casar? Casar de verdade?
- Casar?
- Casar! Morar comigo! Eu você e a nossa filha...
- Você diz casar de verdade?
- Sim... Casar...
Eu sorri. Ele era doido.
- É claro que eu quero!
Os nossos lábios se tocaram com a máxima urgência. Eu passei os meus dedos por trás da nuca do meu noivo e
senti vontade de me entregar ali mesmo, mas eu não podia...
- Me dê a sua mão...
- Hã?
Ele pegou a minha mão direita e abriu uma caixinha que estava ao meu lado. Eu não estava acreditando.
- Casa comigo?
- Caso!
A aliança entrou com facilidade. Minhas mãos estavam tremendo. Eu não estava acreditando que ele tinha
comprado uma aliança de noivado!!!
Coloquei o anel no dedo anelar da mão direita e em seguida, ele me beijou. Uma música começou a tocar
enquanto ele me beijava. O meu corpo caiu por cima da pedra e eu o puxei, enquanto ouvia a melodia tocar...

” Não há disfarce nesse seu olhar


Que incendeia o meu coração
Esse desejo te revelará
Em um simples gesto qual será sua intenção.

Eu só quero que você entenda


O meu sentimento é verdadeiro
Não há segredos quando o amor chega.

Seu olhar foi de encontro ao meu


O meu destino esta junto ao teu
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Meu vício, mania, eu desvendei os mistérios do seu coração.

Seu olhar foi de encontro ao meu


O meu destino esta junto ao teu

Meu vício, mania, eu desvendei o mistério do seu coração

Não há disfarce nesse seu olhar


Que incendeia o meu coração
Esse desejo te revelará
Em um simples gesto qual será sua intenção

Eu só quero que você entenda


O meu sentimento e verdadeiro
Não há segredos quando o amor chega

Seu olhar foi de encontro ao meu


O meu destino esta junto ao teu
Meu vício, mania, eu desvendei os mistérios do seu coração.

Seu olhar foi de encontro ao meu


O meu destino esta junto ao teu
Meu vício, mania, eu desvendei o mistério do seu coração.”

Aquele estava sendo o nosso primeiro beijo. O primeiro beijo da nossa nova fase...
Eu não tinha como negar a minha felicidade... Não tinha porque esconder de todo o mundo que eu tinha um
vício... O maior Vício de toda a minha vida... Um Vício incomum, anormal... Um Vício único, um vício chamado
Rafael...

FIM

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