STF - Liberdade de Expressão

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LIBERDADE

DE EXPRESSÃO
LIBERDADE
DE EXPRESSÃO
Brasília, junho de 2023.
Secretaria-Geral da Presidência Secretaria de Comunicação Social
Estêvão André Cardoso Waterloo Mariana Araujo de Oliveira
Gabinete da Presidência Celiane Pereira de Oliveira Lima
Daniela Fernandes Daros Fábio José Caraciolo Teles
Helionai Martins dos Santos
Secretaria do Tribunal Ilana Vieira de Paiva
Miguel Ricardo de Oliveira Piazzi Osiel Luiz de Sousa
Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas Rogério Côrrea de Castro
e Gestão da Informação Revisão de provas editoriais
Fabyano Alberto Stalschmidt Prestes Márcia Gutierrez A. Bemerguy
Coordenadoria de Difusão da Juliana Silva Pereira de Souza
Informação Rosa Cecilia Freire da Rocha
Flávia Trigueiro Mendes Patriota Produção editorial
Coordenação da obra Lilian Januzzi Vilas Boas
Soraia de Almeida Miranda David Duarte Amaral
Produção de conteúdo Projeto gráfico
Alessandra Marreta de Veras Camila Penha Soares
Dirceu Moreira do Vale Filho Soraia de Almeida Miranda
Eliane Nestor da Silva Santos Capa
Heloísa Toledo de Assis Duarte Flávia Carvalho Coelho
Ivson Brandão Faria Valderato
Maria Beatriz Moura de Sá Diagramação
Mariana Bontempo Bastos Raposo Ana Carolina Caetano
Paula Roberta G. de Carvalho Farcic Camila Penha Soares
Priscila Heringer Cerqueira Pooter
Ricardo Henriques Pontes
Thiago Gontijo Vieira

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Supremo Tribunal Federal — Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal)

Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF).


Liberdade de expressão / Supremo Tribunal Federal. – Brasília : STF, Secretaria de Altos
Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2023.
eBook (375 p.) – (Supremo contemporâneo)
Reúne os julgados considerados mais relevantes para os estudiosos do Direito e para a
sociedade brasileira, proferidos nos anos de 2007 a 2022.
Modo de acesso: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/publicacaoPublicacaoTematica/
anexo/liberdadeexpressao.pdf>.
ISBN : 978-65-87125-89-3
1. Liberdade de expressão, jurisprudência, Brasil. 2. Liberdade de palavra, Brasil. 3. Supremo
Tribunal Federal, jurisprudência, Brasil. I. Título.
CDDir – 341.2732
SU­PRE­MO TRIBUNAL FEDERAL

Ministra
ROSA Maria Pires WEBER, Presidente
(19­‑12­‑2011)

Ministro
Luís ROBERTO BARROSO, Vice­‑Presidente
(26-6-2013)

Mi­nis­tro
GILMAR Ferreira MENDES, Decano
(20‑6‑2002)

Mi­nis­tra
CÁRMEN LÚCIA Antunes Rocha
(21‑6‑2006)

Ministro
José Antonio DIAS TOFFOLI
(23‑10‑2009)

Ministro
LUIZ FUX
(3‑3‑2011)

Ministro
Luiz EDSON FACHIN
(16-6-2015)

Ministro
ALEXANDRE DE MORAES
(22-3-2017)

Ministro
Kassio NUNES MARQUES
(5-11-2020)

Ministro
ANDRÉ Luiz de Almeida MENDONÇA
(16-12-2021)
APRESENTAÇÃO

Em 12 de setembro de 2022, quando assumi a Presidência do


Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, minhas
primeiras palavras foram de reverência incondicional à autoridade
suprema da Constituição e das leis da República; de crença inabalável
na superioridade ética e política do Estado Democrático de Direito; de
prevalência do princípio republicano e suas naturais derivações, com
destaque à essencial igualdade entre as pessoas; de estrita observância
da laicidade do Estado brasileiro, com a neutralidade confessional das
instituições e a garantia de pleno exercício da liberdade religiosa; de
respeito ao dogma fundamental da separação de Poderes; de rejeição
aos discursos de ódio e repúdio a práticas de intolerância enquanto
expressões constitucionalmente incompatíveis com a liberdade de
manifestação do pensamento; e de certeza de que, sem um Poder Judi-
ciário independente e forte, sem juízes independentes e sem imprensa
livre, não há democracia.
E liberdade, a imaginação humana já pintou de azul, talvez à mágica
inspiração do céu e do mar. Liberdade é palavra força impregnada de
esperança. No verso inexcedível de Cecília Meireles, é “a palavra que
o sonho humano alimenta, e o sonho alimentado, sabemos todos,
é justamente o que nos impulsiona a caminhar, mantendo vivo o
caminho, caminho cujo trilhar passo a passo importa mais do que o
próprio porto de destino”.
Essa também a mensagem de Kaváfis, em memorável poema em
que o poeta grego aconselha “seja longa e sem pressa a viagem rumo
a Ítaca, repleta de aventuras e de saber, e assegura ao viajante que
ele não correrá o risco de encontrar o feroz Poseidon, os ciclopes ou
outros monstros, desde que mantenha o pensamento elevado e não
os carregue, os monstros, em sua alma”.
A evolução da humanidade ocorre de forma permanente, em pro-
cesso dialético, em atualização necessária frente ao que a história
apresenta. A independência real pressupõe desenvolvimento econô-
mico, trabalho digno, fortalecimento das instituições, inclusão social,
valorização da ciência, educação e, também, cultura. E não há como
esquecer a arte que, sempre necessária, é luz que dissipa as trevas, é
paixão, emoção, beleza e, sobretudo, é liberdade.
O Estado Democrático de Direito, cerne da República, com suas
ideias nucleares de liberdade e responsabilidade, nunca é uma obra
completa. É ponto de partida, na observação arguta de Canotilho,
“assim, com a democracia, conquista diária e permanente, que se aper-
feiçoa por meio da evolução do Estado Democrático de Direito, a cada
dia desafiado, e a exigir reflexão diante das constantes transformações
sofridas pela sociedade, fruto, em especial, da evolução tecnológica,
em velocidade sem precedentes, a repercutir até em nossas percepções
de tempo e espaço.”
A democracia pressupõe um diálogo constante, tolerância, com-
preensão das diferenças e cotejo pacífico de ideias distintas e até
mesmo antagônicas. Em uma democracia, maiorias e minorias, como
protagonistas relevantes do processo decisório, hão de conviver sob a
égide dos mecanismos constitucionais destinados, nas arenas políti-
cas e sociais, à promoção de amplo debate, com vista à formação de
consensos, mantido sempre, no mínimo, o respeito às diferenças e às
regras do jogo, além de assegurado a todos os cidadãos, sem qualquer
exclusão, um núcleo essencial de direitos e garantias que não podem
ser transgredidos nem ignorados.
Imbuída desse espírito, a presente obra tem por objetivo promover
profunda reflexão acerca do tema “liberdade de expressão”, na perspec-
tiva do guardião máximo da Constituição – o Supremo Tribunal Federal.
Este livro reúne os julgados considerados mais relevantes para os
estudiosos do Direito e para a sociedade brasileira, proferidos nos
anos de 2007 a 2022, entre eles, destacam-se: (1) a Arguição de Des-
cumprimento de Preceito Fundamental 130, quando o Supremo
Tribunal Federal foi chamado a se manifestar sobre a recepção da
Lei de Imprensa e assentou que a plena liberdade de imprensa é um
patrimônio imaterial que corresponde ao mais eloquente atestado de
evolução político-cultural de todo um povo; (2) o Recurso Extraordi-
nário 511.961, em que se decidiu pela inconstitucionalidade da exigên-
cia do diploma de jornalismo e registro profissional no Ministério do
Trabalho como condição para o exercício da profissão de jornalista;
(3) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 187,
em que se liberou a realização dos eventos chamados “marcha da
maconha”, que reuniram manifestantes favoráveis à descriminaliza-
ção da droga; (4) a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.815, na
qual se declarou inexigível a autorização prévia para a publicação de
biografias; (5) a Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.122, na qual
se julgou constitucional o parágrafo 2º do artigo 25 da Resolução
23.404/2014, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que proíbe a reali-
zação de propaganda eleitoral via telemarketing, em qualquer horário;
(6) a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 572, na
qual se declararam a legalidade e a constitucionalidade do Inquérito
4.781, instaurado com o objetivo de investigar notícias fraudulen-
tas (fake news), denunciações caluniosas e ameaças contra a Corte,
seus ministros e familiares; (7) o Recurso Extraordinário 1.010.606, no
qual se concluiu ser incompatível com a Constituição Federal a ideia
de um direito ao esquecimento que possibilite impedir, em razão da
passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos em
meios de comunicação; (8) a Arguição de Descumprimento de Pre-
ceito Fundamental 811, na qual se reconheceu ser compatível com a
Constituição Federal a imposição de restrições à realização de cultos,
missas e demais atividades religiosas presenciais de caráter coletivo
como medida de contenção do avanço da pandemia da Covid-19; e
(9) a Ação Penal 1.044, na qual o Supremo Tribunal Federal condenou
parlamentar por crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito
e coação no curso do processo.
Com esta publicação, o Supremo Tribunal Federal celebra a demo-
cracia e reafirma a permanente vigilância na guarda da Constituição
Federal.
Ministra Rosa Weber
Presidente do Supremo Tribunal Federal
NOTA INTRODUTÓRIA

A linha editorial Supremo Contemporâneo tem o objetivo de difun-


dir temas específicos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
de maneira inovadora. Dessa forma, busca-se romper com padrões
antigos de apresentação do conteúdo, trazendo informações selecio-
nadas e sistematizadas, inclusive visualmente, a partir da análise de
precedentes qualificados proferidos pelo Tribunal.
A seleção dos julgados pautou-se pela curadoria dos principais casos
a respeito do tema “liberdade de expressão”, proferidos no período de
2007 a 2022, entre ações de controle de constitucionalidade, processos
subjetivos submetidos à sistemática da repercussão geral e outros
considerados relevantes em vista da repercussão jurídica, econômica,
política e social.
Os casos foram ordenados cronologicamente, do mais recente ao
mais antigo. Cada julgado apresenta os dados que o identificam: classe
e número, ministro relator, data de julgamento, órgão julgador e data
de divulgação no DJE. Além disso, trazem o resumo do entendimento
do caso (ou a tese de julgamento, quando estabelecida); um info-
gráfico com os principais fundamentos; o placar de votação; trechos
dos votos com os fundamentos centrais, organizados por títulos; a
doutrina citada no julgado; além de informações adicionais, com os
links que remetem o leitor para o inteiro teor da decisão, os vídeos de
julgamento, a relação de amicus curiae, entre outros.
Por fim, incluíram-se os ícones dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODS) com os quais os processos se relacionam, como
medida para reforçar a integração da Agenda 2030 da ONU ao
Supremo Tribunal Federal, vetor estratégico para aprimorar o modo
de se pensar e de se fazer justiça no Brasil.
SUMÁRIO

Lista de siglas............................................................................................................................................ 13
Liberdade de expressão e limites......................................................................................... 15
Liberdade de culto............................................................................................................................35
Direito ao esquecimento............................................................................................................49
Recusa dos pais à vacinação compulsória de filho menor por moti-
vo de convicção filosófica..........................................................................................................59
Crítica realizada por meio de sátira a elementos religiosos inerentes
ao cristianismo....................................................................................................................................... 71
Tipificação do crime de desacato.......................................................................................81
Fake news....................................................................................................................................................95
Liberdade de expressão dos agentes políticos....................................................109
Liberdade de expressão no ambiente universitário........................................119
Identidade de gênero....................................................................................................................129
Direito de acesso à informação..........................................................................................137
Tolerância e respeito à diversidade.................................................................................145
Livre organização de entidades estudantis.............................................................157
Contribuição sindical...................................................................................................................167
Propaganda eleitoral via telemarketing.......................................................................183
Limite à manifestação do pensamento religioso..............................................193
Novo marco regulatório da televisão por assinatura..................................203
Ensino religioso confessional.................................................................................................219
Imunidade tributária cultural.............................................................................................229
Classificação indicativa...............................................................................................................241
Uso de tatuagem por postulantes a cargos públicos...................................255
Financiamento de campanhas eleitorais..................................................................265
Biografias não autorizadas.....................................................................................................275
Lei Geral da Copa........................................................................................................................... 289
Marcha da maconha....................................................................................................................297
Diploma para o exercício do jornalismo...................................................................313
Liberdade de imprensa..............................................................................................................329
Lei de Biossegurança e pesquisas com células-tronco
embrionárias.......................................................................................................................................345
Liberdade de reunião e de manifestação pública........................................... 365
LISTA DE SIGLAS

2ª T Segunda Turma
AC Ação Cautelar
ADI Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADO Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão
ADPF Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental
AgR Agravo Regimental
AI Agravo de Instrumento
Ancine Agência Nacional de Cinema
AP Ação Penal
ARE Recurso Extraordinário com Agravo
c/c combinado com
CF Constituição Federal
CF/88 Constituição Federal de 1988
CP Código Penal
CPC Código de Processo Civil
CPP Código de Processo Penal
CRFB Constituição da República Federativa do Brasil
DJ Diário da Justiça
DJE Diário da Justiça Eletrônico
ECA Estatuto da Criança e do Adolescente
HC Habeas Corpus
Inq Inquérito
j. Julgamento em
LDBEN Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
LGBT+ Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Trans-
gêneros e outras definidas por sua orientação sexual ou
identidade de gênero
MC Medida Cautelar
MI Mandado de Injunção
min. Ministro
MS Mandado de Segurança

13 Sumário
OC Opinião Consultiva
OEA Organização dos Estados Americanos
OMS Organização Mundial da Saúde
ONU Organização das Nações Unidas
P Plenário
Pet Petição
PGR Procuradoria-Geral da República
Rcl Reclamação
RE Recurso Extraordinário
red. do ac. Redator do acórdão
REF Referendum
rel. Relator
RG Repercussão Geral
RHC Recurso Ordinário em Habeas Corpus
RISTF Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal
RJTJSP Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo
SeAC Serviço de Acesso Condicionado
STF Supremo Tribunal Federal
TSE Tribunal Superior Eleitoral
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

14 Sumário
LIBERDADE DE EXPRESSÃO E LIMITES

A liberdade de expressão não


pode ser usada para a prática de
atividades ilícitas ou discursos
de ódio, contra a democracia ou
contra as instituições.

[AP 1.044, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 20-4-2022, P,


DJE de 23-6-2022.]

Sumário
RESUMO

A liberdade de expressão existe para a manifestação de opiniões


contrárias, jocosas, satíricas e até mesmo errôneas, mas não para
opiniões criminosas, discurso de ódio ou atentados contra o Estado
Democrático de Direito e a democracia.

16 Sumário
Direito preferencial

Não alcança a prática de ilícitos


• discurso que incite a violência
• discurso doloso
•  manifestamente difamatório,
juízo depreciativo, de injúria ou
crítica aviltante
• manifestações capazes de causar um
perigo claro e iminente
•  ao sistema jurídico
•  ao regime democrático ou
•  ao bem público

LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A imunidade parlamentar deve ser compreendida


de forma extensiva para a garantia do adequado
desempenho de mandatos
• não alcança os atos que sejam praticados
•  sem claro nexo de vinculação ou
implicação recíproca com o desempenho
das funções parlamentares
•  para incitar o cometimento de delitos
ou para atacar a própria democracia
ou o sistema representativo, quando
a imunidade for utilizada para a prática de
abusos, usos criminosos, fraudulentos
ou ardilosos

17 Sumário
10 X 1

Vencedores no mérito: Vencido no mérito:

Min. Alexandre
de Moraes – Relator
Min. Nunes Marques
Min. André
Mendonça – parcialmente
Min. Edson Fachin
Min. Roberto Barroso
Min. Rosa Weber
Min. Dias Toffoli
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Gilmar Mendes
Min. Luiz Fux – Presidente

18 Sumário
ENTENDA O CASO 1

Em fevereiro de 2021, o réu (parlamentar) foi preso em flagrante por


divulgar vídeo com ofensas e ameaças a ministros do Supremo Tribunal
Federal (STF) e em defesa de medidas antidemocráticas. A prisão foi
decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, em decisão monocrá-
tica, no âmbito do Inquérito (Inq) 4.781, que investigava notícias frau-
dulentas, denunciações caluniosas e ameaças ao Supremo. A decisão
foi posteriormente confirmada, por unanimidade, pelo Plenário.
Em abril do referido ano, a Corte recebeu integralmente a denúncia.
No dia 20 de abril de 2022, o STF julgou parcialmente procedente
a ação penal, condenando o parlamentar a 8 anos e 9 nove meses
de reclusão, em regime inicial fechado, pelos crimes de ameaça ao
Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo. Para
a maioria do Plenário, as declarações que motivaram a denúncia da
Procuradoria-Geral da República (PGR) não foram apenas opiniões
relacionadas ao mandato e, portanto, não estão protegidas pela imu-
nidade parlamentar nem pela liberdade de expressão.
O relator da Ação Penal (AP) 1.044, ministro Alexandre de Moraes,
afirmou que a PGR comprovou, por meio de vídeos e registros de
sessões da Câmara dos Deputados e da audiência de instrução, a
materialidade delitiva e a autoria criminosa das condutas relatadas
pela acusação. “Em seu interrogatório, o réu confirma o teor das falas
criminosas apontadas na denúncia, reafirmando as ameaças efetiva-
mente proferidas”, salientou.

1 Adaptação da notícia publicada no Portal do Supremo Tribunal


Federal. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.
asp?idConteudo=485660&ori=1.

19 Sumário
O ministro Nunes Marques, revisor da ação penal, divergiu do rela-
tor e votou pela improcedência da ação penal, por entender que o
réu apenas fez duras críticas aos Poderes constitucionais, que, a seu
ver, não constituem crime, nos termos do art. 359-T do Código Penal.
Ainda para o ministro revisor, as declarações estão protegidas pela
imunidade parlamentar (art. 53, caput, da Constituição Federal). Na
sua avaliação, o parlamentar, utilizando sua rede social para informar
seus eleitores (e, portanto, em razão de seu mandato), expôs fatos que
entendeu injustos. “É uma opinião com palavras chulas e desonrosas,
mas não crime contra a segurança nacional”, disse.
O ministro Nunes Marques afirmou que, de acordo com a jurispru-
dência do Supremo, só há crime político quando houver lesão real
ou potencial à soberania nacional e ao regime democrático, o que,
segundo ele, não ocorreu no caso. Ele também não verificou, nos atos
do parlamentar, ameaça ao curso do processo capaz de se concretizar.
O ministro André Mendonça divergiu apenas parcialmente do rela-
tor e votou pela condenação do réu apenas em relação ao crime de
coação no curso do processo, propondo a pena de 2 anos e 4 meses
de reclusão, em regime inicial aberto, e 130 dias-multa. No entanto,
absolveu o parlamentar das acusações de incitar a animosidade entre
as Forças Armadas e o STF e pela suposta tentativa de impedir o livre
exercício dos Poderes da União. Para ele, apesar do alto grau de repro-
vabilidade, a conduta não se enquadra no tipo penal atual.

20 Sumário
FUNDAMENTOS

DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA FILOSOFIA POLÍTICA E


NO DEBATE CONSTITUCIONAL ANGLO-AMERICANO

No que se refere à liberdade de expressão, um dos trabalhos


clássicos sobre o tema é o livro On Liberty, de John Stuart Mill,
publicado no ano de 1859. Nessa obra, Mill se apresenta como
um árduo defensor da liberdade, que é apresentada como ins-
trumento indispensável ao desenvolvimento do indivíduo e da
sociedade, em especial ao possibilitar a avaliação e contestação
pública de todas as convenções sociais vigentes, dos dogmas
religiosos e da concepção ética estabelecida em determinada
época [...].
Em conhecida passagem de sua obra, o autor assevera, de forma
enfática, que “se toda a humanidade menos uma pessoa com-
partilhasse uma mesma opinião, a humanidade não teria melhor
justificativa para silenciar essa pessoa do que ela possuiria, caso
pudesse, silenciar a humanidade inteira” [...].
Portanto, o autor defende, como questão de convicção ética,
o direito de cada indivíduo à maior liberdade possível para a
discussão de qualquer tipo de doutrina, por mais imoral ou
perigosa que possa parecer ao bem-estar de determinada socie-
dade [...].
Para além da questão relativa à autonomia do indivíduo, Mill
também elenca argumentos instrumentais ou utilitários que
exercem forte influência na defesa da mais ampla liberdade
de expressão.
De acordo com o filósofo inglês, a livre veiculação de ideais
seria essencial para que os indivíduos e a sociedade pudessem

21 Sumário
se aproximar da verdade, enquanto que o silenciamento cons-
tituiria uma prática perniciosa para a humanidade [...].
Isso porque a supressão do discurso faria com que opiniões ver-
dadeiras fossem negligenciadas, causando prejuízos ao desen-
volvimento civilizatório [...].
Por outro lado, mesmo nos casos de opiniões e pensamentos
equivocados, a proibição da veiculação de ideias impediria a
obtenção do benefício de reafirmação das ideais corretas que
decorre da colisão entre elas [...].
No âmbito da teoria proposta pelo autor inglês, somente seria
possível a realização de restrições à livre manifestação de ideias e
pensamentos quando houver a incitação à prática de uma ação
capaz de promover dano injustificado a terceiros [...].
A partir do exemplo apresentado pelo próprio Mill do mani-
festante que incita uma multidão faminta reunida em frente
à casa de um produtor de grãos à prática de atos violentos,
Owen Fiss destaca a necessidade, presente no pensamento do
filósofo britânico, que o discurso a ser reprimido seja claramente
calunioso e ilegal, devendo ainda possuir uma relação direta e
imediata com o dano causado a terceiros [...].
É importante registrar que a teoria liberal e utilitarista da liber-
dade de expressão foi incorporada à jurisprudência constitucio-
nal dos Estados Unidos através da metáfora do livre mercado de
ideais (free market place of ideas), que foi mencionada pela pri-
meira vez no voto dissidente do Justice Oliver Wendell Holmes,
da Suprema Corte dos Estados Unidos (Scotus) no caso Abrams
v. United States, julgado em 1919 [...].
A versão americana prevê que “o melhor teste para a verdade é
o poder de aceitação através da competição no mercado” [...]. A
ideia central é que, em uma sociedade democrática, a verdade e

22 Sumário
a razão só podem ser obtidas se a todos for atribuído o direito
de demonstrar e debater, racionalmente, o seu ponto de vista
sem qualquer interferência estatal [...].
Registre-se que a noção de livre mercado de ideias tem sido
utilizada para proteger principalmente discursos e opiniões que
possuem conteúdo político, tal como se observa do precedente
firmado no caso New York Times v. Sullivan, julgado em 1964 [...].
[...]
A lógica por trás desse e de outros precedentes é que o núcleo
essencial da primeira emenda à Constituição norte-americana,
que garante a liberdade de expressão, busca proteger discursos,
matérias e opiniões críticas ao governo, de modo a possibilitar
o livre convencimento individual e coletivo sobre os assuntos
relativos ao Estado [...].
[...]
Embora não se ignore a importância e a relevância da teoria
do livre mercado de ideias para tratar de inúmeras questões
relativas à liberdade de expressão, em especial no que se refere à
livre veiculação de ideias políticas, é possível apresentar algumas
críticas ou lacunas dessa corrente de pensamento.
Nessa toada, a interpretação predominante na jurisprudên-
cia da Suprema Corte dos Estados Unidos, que exerce forte
influência no Brasil, por vezes não oferece ferramentas ade-
quadas para regular discursos de ódio ou antidemocráticos,
tal como se observa dos precedentes estabelecidos no caso
Brandenburg vs. Ohio [...], nos quais se declarou a constitucio-
nalidade de manifestações de ódio contra negros e judeus e a
inconstitucionalidade de lei que restringia o uso de símbolos
que remetessem a práticas de discriminação racial.

23 Sumário
Não é por outro motivo que Alvin Goldman e Daniel Baker afir-
mam que “a liberdade de expressão envolve trocas e balancea-
mentos entre o valor deste direito e os prejuízos que o discurso
pode causar, de modo que nenhum país pode resolver essas
trocas apenas a partir da proteção integral da liberdade” [...].
De modo semelhante, ao problematizar a teoria do livre mer-
cado de ideias, Cass Sunstein assevera que “qualquer mercado
exige critérios e regras claras. Nenhum mercado pode operar
inteiramente livre.” [...].
Portanto, mesmo diante dessa ampla liberdade de manifestação
do pensamento e da opinião, é possível estabelecer algumas
hipóteses de regulação e limitação à liberdade de expressão.
Com efeito, a jurisprudência constitucional norte-americana
tem entendido que esse direito fundamental não abrange, por
exemplo, os atos de pedofilia, a pornografia ou discursos que
incitem a violência (fighting words). Também não se encontra
abrangida por esse direito fundamental textos, opiniões ou pala-
vras de difamações dolosas (denominada de actual malice pela
jurisprudência norte-americana [...].
A jurisprudência da Suprema Corte dos Estados Unidos também
tem entendido pela possibilidade de restrições à liberdade de
expressão nos casos em que o discurso apresentar o potencial
de caracterizar um perigo claro e iminente (clear and present
danger) ao bem público.
De acordo com Martin Shapiro, o perigo claro e iminente da
jurisprudência norte-americana demanda a existência de uma
ameaça que interfira de forma imediata e significativa sobre o
sistema jurídico e o regime democrático [...].
[...]

24 Sumário
Nessa perspectiva, discursos de incitação à sabotagem ou à vio-
lência que preencham os requisitos de perigo claro e iminente
são proibidos e podem ser legalmente restringidos, inclusive
através da aplicação da lei penal, sendo importante destacar
que as circunstâncias e o objetivo do discurso são relevantes
para a análise de adequação da resposta estatal [...].
[...]
Em suma, embora se defenda, no âmbito da filosofia política
e da teoria constitucional anglo-americana, um amplo espaço
de proteção à liberdade de expressão, que é considerada por
muitos como um direito preferencial, é possível vislumbrar
restrições à livre manifestações de ideias, inclusive mediante
aplicação da lei penal, nos seguintes casos: a) em atos, discursos
ou ações que envolvam a pedofilia; b) nos casos de discursos
que incitem a violência (fighting words); c) quando se tratar de
discurso com intuito manifestamente difamatório, de forma
dolosa (actual malice); d) em manifestações capazes de causar
um perigo claro e iminente ao sistema jurídico, ao regime demo-
crático ou ao bem público (clear and presente danger).

AUTODEFESA DA DEMOCRACIA SE SOBREPÕE AO


DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Quando o agente ataca, como no caso, a própria existência


desta Suprema Corte, enquanto instituição, não há dúvidas de
que ele se expõe, como efeito imediato dos mecanismos de
autodefesa da democracia, à censura penal do Estado.
Não está em jogo, aqui, a simples proteção dos Juízes do
Supremo Tribunal Federal, enquanto integrantes transitórios
da Corte, mas, sim, a defesa do próprio Estado Democrático
de Direito, cuja existência é posta em risco quando se busca,

25 Sumário
mediante o uso da palavra, minar a independência do Poder
Judiciário e, mais do que isso, a própria existência de instituição
constitucionalmente concebida como o último refúgio de tutela
das liberdades públicas.
[...]
Afigura-se legítima e necessária, portanto, a tutela do Estado
de Direito mediante o emprego do Direito Penal contra atos
comunicativos, enquanto legítima expressão daquilo que se
convencionou chamar, no direito alienígena, de “democracia
combativa”, ou seja, uma democracia dotada de instrumentos
de autodefesa contra aqueles “que se valem dos mecanismos
constitucionais e democráticos para destruir, de dentro, a Cons-
tituição e a democracia” [...].
[...]
[...] o material documentado nos autos revela comportamento
destoante daquele que se espera de uma autoridade pública
que, por um lado, ascende ao cargo eletivo pelas vias democrá-
ticas e, noutro vértice, passa a utilizar a representação popular
como instrumento de fragilização e pretensa aniquilação das
instituições constituídas.
Ao publicar, na condição de representante eleito, conteúdo
propagando regozijo com situação hipotética de ataque até
mesmo físico contra integrantes de um Poder constituído da
República e de destituição de seus membros por vias que não
as legitimamente instituídas, o parlamentar incorre em prática,
consciente e voluntária, de ato atentatório ao próprio regime
democrático no qual está inserido.
Como assentei por ocasião do julgamento da ADPF 572, no qual
analisada a constitucionalidade do ato inaugural do Inquérito
4.781, “o resguardo da existência dos Poderes constituídos é

26 Sumário
vetor nuclear da República Federativa do Brasil, que, na falta
de qualquer deles, terá tolhida sua condição jurídica elemen-
tar, encartada já no artigo inaugural de nossa Carta fundante,
a saber, a de se constituir em Estado Democrático de Direito.”.
Ali, referindo-me à desinformação digital e à potencialidade de
sua utilização como instrumento de desestabilização demo-
crática do país, pontuei, com muito desalento, que “agora nos
vemos às voltas com ataques sistemáticos, que em absoluto
se circunscrevem a críticas e divergências abarcadas no direito
de livre expressão e manifestação assegurados constitucional-
mente, traduzindo, antes, ameaças destrutivas às instituições
e seus membros, com a intenção de desmoralizá-las, assim
influenciando na própria conformação dos valores mais caros
a uma sociedade democrática.”.
O fenômeno social identificado revela aspiração, tão pretensiosa
quanto nefasta, de fragilizar a missão de intérprete e guardião
da Constituição conferida a este Supremo Tribunal Federal pelo
texto constitucional e – qual praga de hábitos subterrâneos a
atacar raízes e estruturas fundantes da vegetação de nosso relevo
institucional – de corroer os alicerces da própria democracia.

LIMITES AO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A liberdade de expressão, porém, não é absoluta. Aliás, a con-


cepção de liberdade discursiva irrestrita – tal como defendida
pela Defesa – nunca mereceu qualquer consideração mesmo
entre expoentes do pensamento liberal, a exemplo de LOCKE
e RAWLS, e reconhecê-la implicaria a própria negação de qual-
quer possibilidade de convivência em sociedade, degenerando-
-se o atual estágio civilizatório em um campo de total arbítrio.

27 Sumário
Assim, convém deixar claro, desde logo, o seguinte ponto: não
há liberdade de expressão quando o seu exercício puder resul-
tar no próprio extermínio da liberdade de expressão. Resgato,
no particular, a advertência de Munhoz Netto: “O Estado não
pode tolerar, sem negar-se a si próprio, a atividade dos que,
valendo-se das liberdades que ele assegura, queiram terminar
com a própria liberdade” [...].
[...]
Na realidade, a questão que se mostra contenciosa, no plano
doutrinário, consiste na indagação sobre qual o limite à crimi-
nalização de discursos. Sendo inquestionável a existência de
limites à liberdade de expressão, o problema reside, portanto,
na pesquisa do limite dos limites.
Sem embargo, no caso concreto, esse problema (do limite dos
limites) – identificado na literatura jurídica alemã e normal-
mente equacionado com recurso ao princípio da proporcio-
nalidade – não se põe, uma vez que as investidas criminosas e
antidemocráticas do acusado sequer se ajustam ao âmbito de
proteção da garantia fundamental em apreço. É que a partici-
pação no debate público, in casu, foi utilizado pelo réu apenas
como subterfúgio para a promoção de virulentos ataques não
apenas aos juízes desta Corte, mas, sobretudo, aos pilares da
democracia, expresso em sua tentativa de corroer os alicerces
do Estado de Direito, a partir da apologia de ações voltadas a
inviabilizar a própria existência deste Tribunal.
[...]
É certo que em tais casos, não basta, à higidez da repressão penal
a atos comunicativos, que (i) esteja ela devidamente prevista em
leis formalmente válidas e (ii) atenda a fins constitucionalmente
legítimos. É essencial, ainda, que (iii) a pretendida interferência
do Estado no livre tráfego de ideias traduza, ao ser aplicada ao

28 Sumário
caso concreto, uma resposta necessária à preservação de uma
sociedade democrática e plural. Se é assim, forçoso assinalar
que, quando o agente ataca, como no caso, a própria existência
desta Suprema Corte, enquanto instituição, não há dúvidas de
que ele se expõe, como efeito imediato dos mecanismos de
autodefesa da democracia, à censura penal do Estado.
[...]
Em suma: no livre mercado de ideias – para usarmos a concep-
ção de JOHN STUART MILL consagrada na jurisprudência da
Suprema Corte dos Estados Unidos – alguns conteúdos sim-
plesmente não podem ser negociados.

SÍNTESE DAS QUESTÕES ATINENTES À LIBERDADE DE


EXPRESSÃO E À IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL

De todo o que foi amplamente exposto nos tópicos anteriores,


é possível concluir que:
I – a proteção à liberdade de expressão, que é considerada
por muitos como um direito preferencial, deve ser protegida
de forma ampla no direito constitucional brasileiro, mas não
alcança a prática de ilícitos nas seguintes hipóteses:
I.1 – nos casos de discursos que incitem a violência (Fighting
words);
I.2 – quando se tratar de discurso doloso (actual malice) com
intuito manifestamente difamatório, de juízos depreciativos de
mero valor, de injúria em razão da forma ou de crítica aviltante;
I.3 – em manifestações capazes de causar um perigo claro e
iminente (clear and presente danger) ao sistema jurídico, ao
regime democrático ou ao bem público, ou seja, de manifesta-

29 Sumário
ções claramente antidemocráticas e contrárias à ordem cons-
titucional estabelecida.
II – a imunidade parlamentar, que deve ser compreendida de
forma extensiva para a garantia do adequado desempenho de
mandatos atribuídos aos representantes eleitos do povo, não
alcança os atos que sejam praticados:
II.1 – sem claro nexo de vinculação ou implicação recíproca com
o desempenho das funções parlamentares (teoria funcional);
II.2 – nos casos em que for utilizada para a prática de abusos,
usos criminosos, fraudulentos ou ardilosos, para incitar a prática
de delitos ou para atacar a própria democracia ou o sistema
representativo para o qual foi idealizada.

INEXISTÊNCIA DO EXERCÍCIO DO DIREITO À LIBERDADE


DE EXPRESSÃO E NÃO INCIDÊNCIA DA IMUNIDADE
PARLAMENTAR PREVISTA NO ART. 53, CAPUT, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL

[...] não prospera a alegação da Defesa no sentido de que as


declarações do réu estariam, independente da incidência ou
não da imunidade parlamentar material, abarcadas pela liber-
dade de expressão, prevista no art. 5º, IV e IX, da CF/88. Isso
porque essa CORTE SUPREMA em diversas ocasiões reafirmou
que o discurso antidemocrático e de ódio não está abarcado
pela liberdade de expressão.
A previsão constitucional do Estado Democrático de Direito
consagra a obrigatoriedade do País ser regido por normas
democráticas, com observância da Separação de Poderes, bem
como vincula a todos, especialmente as autoridades públicas,
ao absoluto respeito aos direitos e garantias fundamentais, com

30 Sumário
a finalidade de afastamento de qualquer tendência ao autori-
tarismo e concentração de poder.
A Constituição Federal não permite a propagação de ideias con-
trárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF,
arts. 5º, XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de mani-
festações nas redes sociais visando o rompimento do Estado de
Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais
Separação de Poderes (CF, art. 60, § 4º), com a consequente,
instalação do arbítrio.
A liberdade de expressão e o pluralismo de ideias são valo-
res estruturantes do sistema democrático. A livre discussão, a
ampla participação política e o princípio democrático estão
interligados com a liberdade de expressão tendo por objeto
não somente a proteção de pensamentos e ideias, mas também
opiniões, crenças, realização de juízo de valor e críticas a agentes
públicos, no sentido de garantir a real participação dos cidadãos
na vida coletiva.
Dessa maneira, tanto são inconstitucionais as condutas e mani-
festações que tenham a nítida finalidade de controlar ou mesmo
aniquilar a força do pensamento crítico, indispensável ao regime
democrático; quanto aquelas que pretendam destruí-lo, junta-
mente com suas instituições republicanas; pregando a violência,
o arbítrio, o desrespeito à Separação de Poderes e aos direitos
fundamentais, em suma, pleiteando a tirania, o arbítrio, a vio-
lência e a quebra dos princípios republicanos [...].
[...]
Na presente hipótese, é fato incontroverso que as palavras, as
opiniões, as expressões trazidas na denúncia pela Procurado-
ria-Geral da República foram proferidas fora do recinto parla-
mentar e sem a presença dos requisitos imprescindíveis para
caracterização da inviolabilidade constitucional: (a) “nexo de

31 Sumário
implicação recíproca” e (b) “parâmetros ligados à própria fina-
lidade da liberdade de expressão qualificada do parlamentar”.
[...]
A jurisprudência desta CORTE, portanto, é pacífica no sentido
de que a garantia constitucional da imunidade parlamentar
material somente incide no caso de as manifestações guardarem
conexão com o desempenho da função legislativa ou que sejam
proferidas em razão desta, não sendo possível utilizá-la como
verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas [...].

DOUTRINA CITADA

AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello do. Inviolabilidade parlamentar.


São Paulo: FDUSP, 2018. p. 23-43.
BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal brasileira. São
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BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Introduzione al diritto costituzionale
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32 Sumário
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SHAPIRO, Martin. Freedom of speach: the Supreme Court and judicial
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33 Sumário
SUNSTEIN, Cass R. Falsehoods and the First Amendment. Harvard
Journal of Law & Technology, v. 33, n. 2, p. 388-426, Spring 2020.
Disponível em: https://papers.ssrn.com/sol3/Delivery.cfm/SSRN_
ID3426765_code647786.pdf?abstractid=3426765&mirid=1.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da AP 1.044


2. Podcast “Supremo na Semana” #EP29
3. Vídeos do julgamento
Vídeo 1
Vídeo 2

34 Sumário
LIBERDADE DE CULTO

Estados e Municípios podem


restringir, temporariamente,
atividades religiosas coletivas
presenciais a fim de evitar a
proliferação da pandemia da
Covid-19.

[ADPF 811, rel. min. Gilmar Mendes, j. 8-4-2021,


P, DJE de 25-6-2021.]

Sumário
RESUMO

É compatível com a Constituição Federal a imposição de restrições


à realização de cultos, missas e demais atividades religiosas presen-
ciais de caráter coletivo como medida de contenção do avanço da
pandemia da Covid-19.

36 Sumário
Liberdade
religiosa: garantia
individual prevista
por declarações de
direitos do século 18
Dimensões da liberdade religiosa:
interna (forum internum) e
externa (forum externum)

A LIBERDADE RELIGIOSA
NÃO É ABSOLUTA

Constitucionalidade formal do decreto


• Todos os entes federados
têm competência para legislar e
adotar medidas sanitárias voltadas ao
enfrentamento da pandemia da Covid-19

Constitucionalidade material do decreto


• as medidas resultaram de análises técnicas
relativas ao risco ambiental de contágio
pela Covid-19
• necessidade de preservar a capacidade
de atendimento da rede de serviço de
saúde pública
• norma revelou-se adequada, necessária
e proporcional para o combate do grave
quadro de contaminação

37 Sumário
9X2

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito:

Min. Gilmar
Mendes – Relator
Min. Nunes Marques
Min. Alexandre de Moraes
Min. Edson Fachin
Min. Roberto Barroso
Min. Rosa Weber
Min. Dias Toffoli
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Marco Aurélio
Min. Luiz Fux – Presidente

38 Sumário
FUNDAMENTOS

LIBERDADE RELIGIOSA: GARANTIA INDIVIDUAL PREVISTA


POR DECLARAÇÕES DE DIREITOS DO SÉCULO 18

A liberdade de crença e de culto, usualmente caracterizada apenas


pela fórmula genérica “liberdade religiosa”, constitui uma das pri-
meiras garantias individuais albergadas pelas declarações de direi-
tos do século XVIII que alcançaram a condição de direito humano
e fundamental (SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de Direito Consti-
tucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 337).
No direito internacional, no período pós Segunda Guerra Mun-
dial, e seguindo tradição iniciada com o Tratado de Paz de Vest-
fália, de 1648, a liberdade religiosa acabou prevista em diversos
instrumentos firmados entre os países. Trata-se de consagração
que representa importante conquista no âmbito dos direitos
humanos (MACHADO, Jónatas E.M. “A jurisprudência consti-
tucional portuguesa diante das ameaças à liberdade religiosa”.
In: Boletim da Faculdade de Direito. Coimbra: Universidade de
Coimbra, vol. LXXXII, 2006, p. 67).
Nesse aspecto, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de
1948, preceitua, em seu art. 18, que “toda a pessoa tem direito
à liberdade de pensamento, de consciência e de religião”, sendo
que “este direito implica a liberdade de mudar de religião ou
de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião
ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como
em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”.
[...] o art. 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos, de
1969, que já explicita, inclusive, o direito de pais e tutores a que
seus filhos ou pupilos recebam educação religiosa, de acordo
com suas próprias convicções.

39 Sumário
DIMENSÕES DA LIBERDADE RELIGIOSA: INTERNA (FORUM
INTERNUM) E EXTERNA (FORUM EXTERNUM)

Sob a dimensão interna, a liberdade de consciência não se


esgota no aspecto religioso, mas nele encontra expressão con-
creta de marcado relevo. Por outro lado, na dimensão externa,
o texto constitucional brasileiro alberga a liberdade de crença,
de aderir a alguma religião e a liberdade do exercício do culto
respectivo. A CF, no entanto, autoriza a restrição relativa dessa
liberdade ao prever cláusula de reserva legal para o exercício
dos cultos religiosos (art. 5º, VI, da CF).
[...]
Aqui é importante que se diga: a Constituição Federal de 1988
não alberga tão somente a proteção da fé cristã.
[...]
[...] a doutrina estrangeira recorrentemente parte de uma inter-
pretação do supracitado art. 9º da Convenção Europeia de Direi-
tos Humanos para assentar uma subclassificação das dimensões
do direito fundamental à liberdade religiosa.
Reconhece-se a existência de uma dimensão interna (forum
internum) e de uma dimensão externa (forum externum) desse
direito. O forum internum consiste na liberdade espiritual íntima
de formar a sua crença, a sua ideologia ou a sua consciência,
enquanto o forum externum diz respeito mais propriamente à
liberdade de confissão e à liberdade de culto. Como destacado
por LOTHAR MICHAEL & MARTIN MORLOK, nessa dimensão
externa da liberdade religiosa, “a proteção jurídico-constitucio-
nal da liberdade de culto não se limita à fé religiosa como pura
‘questão privada’, mas comprova-se precisamente quando a fé
é vivida publicamente, encontrando por isso resistências sociais

40 Sumário
ou legais” (MICHAEL, Lothar e MORLOK, Martin. Direitos Fun-
damentais. São Paulo: IDP/Saraiva, 2016, p. 194-195.).
[...]
Como destacado pelo Professor MARK HILL QC, um dos mais
renomados acadêmicos de Direito Constitucional da Religião no
continente europeu, “o aspecto interno do direito à liberdade de
pensamento, consciência e religião – é um direito absoluto tal
que não pode ser restringido, enquanto que o aspecto externo
o direito a manifestar uma religião ou crença no culto, ensino,
prática e observância, está sujeito às limitações expressas na
parte 2 do próprio art. 9º da Convenção Europeia de Direitos
Humanos (CEDH), que prescreve que a liberdade de manifestar
a sua religião ou crenças está sujeita às limitações prescritas em
lei” (HILL QC, Mark. Coronavirus and the Curtailment of Reli-
gious Liberty. Laws, v. 9, 4, 2020, p. 3-4, disponível em: https://
doi.org/10.3390/laws9040027.).
Essa interpretação, por assim dizer, disjuntiva do direito fun-
damental à liberdade religiosa tem guiado os debates consti-
tucionais recentes em torno das restrições impostas durante a
pandemia do novo Coronavírus.
Em importante artigo sobre o tema, o professor PIOTR
MAZURKIEWICZ avalia que “no contexto de uma pandemia,
a questão da possibilidade de impor restrições ao exercício
do direito à liberdade religiosa por parte do Estado torna-se
particularmente importante”. De acordo com o acadêmico, no
sentido técnico, “não é o direito à liberdade religiosa que está
sujeito a restrições, mas a forma como o direito é exercido. Por
conseguinte, pode-se dizer que o direito à liberdade religiosa é
absoluto na dimensão interna (forum internum) e limitado na
forma de expressão externa (forum externum)” (MAZURKIE-
WICZ, Piotr. Religious Freedom in the Time of the Pandemic.
Religions, v. 12, 2, 2021, p 16.).

41 Sumário
Embora advinda da interpretação das fontes supranacionais dos
Direitos Humanos, esse reconhecimento da dúplice dimensão
do direito à liberdade religiosa é albergado no texto da Cons-
tituição Federal de 1988. Tanto as liberdades de consciência
quanto as de religião e de exercício de culto foram reconhecidas
pelo constituinte. Conquanto uma e outra se aproximem em
vários aspectos, não se confundem entre si.
Sob a dimensão interna, a liberdade de consciência está prevista
no art. 5º, VI, da Constituição e não se esgota no aspecto reli-
gioso, mas nele encontra expressão concreta de marcado relevo.
Nesse sentido é referida também no inciso VIII do art. 5º da CF.
Por outro lado, na dimensão externa, o texto constitucional bra-
sileiro alberga a liberdade de crença, de aderir a alguma religião,
e a liberdade do exercício do culto respectivo. As liturgias e os
locais de culto são protegidos nos termos da lei, a qual deve
proteger os templos e não deve interferir nas liturgias, a não ser
que assim o imponha algum valor constitucional concorrente
de maior peso na hipótese considerada. Os logradouros públi-
cos não são, por natureza, locais de culto, mas a manifestação
religiosa pode ocorrer ali, protegida pelo direito de reunião, com
as limitações respectivas.

A LIBERDADE RELIGIOSA NÃO É ABSOLUTA

A dimensão do direito à liberdade religiosa (art. 5º, VI, da


CF/1988) que reclama proteção jurídica na ADPF afasta-se do
núcleo de liberdade de consciência (forum internum) e aproxi-
ma-se da proteção constitucionalmente conferida à liberdade
do exercício de cultos em coletividade (forum externum). Sob
a dimensão interna, a liberdade de consciência não se esgota
no aspecto religioso, mas nele encontra expressão concreta de

42 Sumário
marcado relevo. Por outro lado, na dimensão externa, o texto
constitucional brasileiro alberga a liberdade de crença, de aderir
a alguma religião e a liberdade do exercício do culto respectivo.
A CF, no entanto, autoriza a restrição relativa dessa liberdade
ao prever cláusula de reserva legal para o exercício dos cultos
religiosos (art. 5º, VI, da CF).
Após a declaração da pandemia mundial do novo Coronavírus
pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 11 de março de
2020, diversos países passaram a adotar proibições ou restrições
ao exercício de atividades religiosas coletivas. Com variações de
intensidade e de horizonte temporal, essas medidas ora consis-
tiam na proibição total da realização de cultos, ora na fixação
de diretrizes intermediárias ao funcionamento das casas religio-
sas. As restrições ao funcionamento das casas de cultos foram
impulsionadas por eventos de supercontaminação identificados
em diversas regiões do mundo. Colhe-se do Direito Comparado
decisões de Cortes Constitucionais que reconhecem a consti-
tucionalidade das restrições às atividades religiosas coletivas
presenciais durante a pandemia do novo Coronavírus.
[...]
Corroborando a tese de que há uma possibilidade de restrição
relativa do direito à liberdade religiosa em sua dimensão externa
(forum externum), é digno de destaque que o constituinte de
1988, ao prescrever o direito de liberdade religiosa, estabeleceu
inequívoca reserva de lei ao exercício dos cultos religiosos.
Nesse sentido, o inciso VI do art. 5º assegura “o livre exercício
dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei”. Essa reserva
legal, por si só, afasta qualquer compreensão no sentido de
afirmar-se que a liberdade de realização de cultos coletivos seria
absoluta. Como já tive a oportunidade de esclarecer em âmbito
doutrinário, a lei deve proteger os templos e não deve interfe-
rir nas liturgias, “a não ser que assim o imponha algum valor

43 Sumário
constitucional concorrente de maior peso na hipótese consi-
derada” (MENDES, Gilmar Ferreira. BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso de Direito Constitucional. 15ª Edição. São Paulo:
IDP/Saraiva, 2020, p. 323.).

CONSTITUCIONALIDADE FORMAL DO DECRETO

[...] todos os entes federados têm competência para legislar e


adotar medidas sanitárias voltadas ao enfrentamento da pan-
demia de Covid-19.
Sob o prisma da constitucionalidade formal, cumpre mais uma
vez enfrentar a alegação de que o exercício da competência
material comum da União, dos Estados e dos Municípios para
adotar medidas de saúde (arts. 23, inciso II, e art. 30, inciso VII)
não autorizaria a edição da norma impugnada.
Já nos primeiros meses do surto endêmico, o Supremo Tribunal
Federal proferiu importantes decisões sobre o tema. Em abril de
2020, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade
6.341, de relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio, redator
do acórdão Ministro Edson Fachin, assentou-se de forma clara
e direta que todos os entes federados têm competência para
legislar e adotar medidas sanitárias voltadas ao enfrentamento
da pandemia de Covid-19.2
Assim o fez o STF levando em consideração pretensões do
governo federal de obstar a que os Estados e Municípios ado-
tassem uma das poucas medidas que, por comprovação cien-
tífica revela-se capaz de promover o achatamento da curva de

2 ADI 6.341 MC REF, rel. min. Marco Aurélio, red. do ac. min. Edson Fachin,
j. 15-4-2020, P, DJE de 12-11-2020.

44 Sumário
contágio do Coronavírus, qual seja o lockdown – talvez a única
disponível num contexto de falta de vacinas.
A pretendida obstrução em desfavor dos entes subnacionais
seria realizada mediante uma concentração, na figura do Presi-
dente da República, da definição de atividade essencial. Contra
ela, o Supremo Tribunal Federal reafirmou o dever de todos os
entes políticos na promoção da saúde pública. De forma coe-
rente ao federalismo cooperativo, adotado na Constituição de
1988, assentou a competência dos Estados e dos Municípios, ao
lado da União, para adotarem medidas sanitárias direcionadas
a enfrentar a pandemia [...].

CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO DECRETO

Sob o prisma da constitucionalidade material, as medidas


impostas pelo Decreto estadual resultaram de análises técni-
cas relativas ao risco ambiental de contágio pela Covid-19 con-
forme o setor econômico e social, bem como de acordo com a
necessidade de preservar a capacidade de atendimento da rede
de serviço de saúde pública. A norma revelou-se adequada,
necessária e proporcional em sentido estrito para o combate
do grave quadro de contaminação que antecedeu a sua edição.
[...]
No contexto de uma pandemia das dimensões como a que
ora vivenciamos, as controvérsias sobre os limites da juridi-
cidade de restrições ao exercício de direitos fundamentais
tornam-se tônicas dos debates constitucionais. As medidas
de distanciamento social, a restrição à locomoção e a proibi-
ção de reuniões públicas recorrentemente suscitam o ques-
tionamento sobre a necessidade de ponderação dos direitos
fundamentais em jogo.

45 Sumário
A principal pergunta que se coloca é, afinal, em que medida o
valor normativo atribuído ao direito fundamental à vida e à saúde,
cuja proteção historicamente é invocada para justificar restrições
desse nível, pode acomodar limitações, por vezes, tão drásticas às
liberdades individuais e coletivas. Aqui, temos o claro agravamento
de uma problemática ínsita à solução dos conflitos entre direitos
fundamentais: a incomensurabilidade das posições em questão.
Se, por um lado, essa ordem de ideias obsta que se confira peso
máximo ao direito à liberdade religiosa, de modo a justificar a
criação de espaços imunes às regras de restrição de circulação
de pessoas voltadas ao combate da pandemia; por outro lado,
ainda não explica se e até que ponto o poder público pode
lançar mão de medidas restritivas à guisa de cumprir o dever
inscrito no art. 196 da CF/88, a tutela da saúde.
[...]
[...] é possível afirmar que há razoável consenso na comunidade
científica no sentido de que os riscos de contaminação decor-
rentes de atividades religiosas coletivas são superiores ao de
outras atividades econômicas, mesmo aquelas realizadas em
ambientes fechados.
Essa noção geral sobre o elevado risco de contaminação das
atividades religiosas coletivas presenciais foi complementada
por um exame de fatos e prognoses subjacente à edição do
Decreto Estadual de São Paulo.
Sobre esse ponto, observa-se que a norma impugnada, em seus
considerandos, busca justificar que as medidas impostas foram
resultantes de análises técnicas relativas ao risco ambiental de
contágio pela Covid-19 conforme o setor econômico e social,
bem como de acordo com a necessidade de preservar a capa-
cidade de atendimento da rede de serviço de saúde pública.

46 Sumário
DOUTRINA CITADA

ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional demo-


crático: para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais,
democracia e jurisdição constitucional. Revista de Direito Adminis-
trativo, Rio de Janeiro, v. 217, p. 55-66, jul./set. 1999.
BERNAL PULIDO, Carlos. El principio de proporcionalidad y los
derechos fundamentales: el principio de proporcionalidad como
criterio para determinar el contenido de los derechos fundamentales
vinculante para el legislador. Madrid: Centro de Estudios Políticos y
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CANARIS, Claus-Wilhelm. Direitos fundamentais e direito privado.
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mäßigkeitsprinzip in der richterlichen Anwendung und Fortbildung
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diante das ameaças à liberdade religiosa. Boletim da Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra, n. 82, p. 67, 2006.

47 Sumário
MAZURKIEWICZ, Piotr. Religious freedom in the time of the pan-
demic. Religions, v. 12, n. 2, p 16, 2021. Disponível em: https://www.
mdpi.com/2077-1444/12/2/103/pdf?version=1612358786. Acesso
em: 24 fev. 2023.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de direito constitucional. 15. ed., rev. e atual. São Paulo: SaraivaJur,
2020. p. 323.
MICHAEL, Lothar; MORLOK, Martin. Direitos fundamentais. São
Paulo: Saraiva, 2016. p. 194-195.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO,
Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tri-
bunais, 2012. p. 337.
SCHNEIDER, Peter et al. Prinzipien der Verfassungsinterpretation
Gefährdungshaftung im öffentlichen Recht. Berlin: de Gruyter,
1963. p. 77. (Veröffentlichungen der Vereinigung der Deutschen
Staatsrechtslehrer).
WHITTINGTON, Keith E. Extrajudicial constitutional interpretation:
three objections and responses. North Carolina Law Review, v. 80, n.
3, p. 773-852, 2002. Disponível em: https://scholarship.law.unc.edu/
cgi/viewcontent.cgi?referer=&httpsredir=1&article=3980&context=
nclr. Acesso em: 24 fev. 2023.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADPF 811


2. Amicus curiae

48 Sumário
DIREITO AO ESQUECIMENTO

É incompatível com a Constituição


a ideia de um direito ao
esquecimento.

[RE 1.010.606, rel. min. Dias Toffoli, j. 11-2-2021, P, DJE de


20-5-2021, Tema 786.]

Sumário
TESE FIXADA Tema 786

É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esqueci-


mento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passa-
gem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente
obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos
ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade
de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a
partir dos parâmetros constitucionais – especialmente os relativos
à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade
em geral – e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos
penal e cível.

50 Sumário
Incompatível com a Constituição

Viola a liberdade de expressão

Restringe a manifestação
de pensamento

DIREITO AO ESQUECIMENTO

Limita o direito de
informação da coletividade
• a respeito de fatos
relevantes da história social

Afeta a harmonia do exercício


da liberdade de expressão
com outros direitos

51 Sumário
7X3

Vencedores no mérito: Vencidos parcialmente


no mérito:

Min. Dias
Toffoli – Relator
Min. Nunes Marques
Min. Alexandre de Moraes
Min. Edson Fachin
Min. Rosa Weber
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Gilmar Mendes
Min. Marco Aurélio
Min. Luiz Fux – Presidente

Afirmou suspeição:
Min. Roberto Barroso

52 Sumário
FUNDAMENTOS

CONCEITO DE DIREITO AO ESQUECIMENTO

[...] é pretensão apta a impedir a divulgação, seja em plataformas


tradicionais ou virtual, de fatos ou dados verídicos e licitamente
obtidos, mas que, em razão da passagem do tempo, teriam
se tornado descontextualizados ou destituídos de interesse
público relevante.

AUSÊNCIA DE UM DIREITO FUNDAMENTAL AO


ESQUECIMENTO

O ordenamento jurídico brasileiro possui expressas e pon-


tuais previsões em que se admite, sob condições específicas,
o decurso do tempo como razão para supressão de dados ou
informações, em circunstâncias que não configuram, todavia, a
pretensão ao direito ao esquecimento. Elas se relacionam com o
efeito temporal, mas não consagram um direito a que os sujeitos
não sejam confrontados quanto às informações do passado, de
modo que eventuais notícias sobre esses sujeitos – publicadas
ao tempo em que os dados e as informações estiveram aces-
síveis – não são alcançadas pelo efeito de ocultamento. Elas
permanecem passíveis de circulação se os dados nelas contidos
tiverem sido, a seu tempo, licitamente obtidos e tratados. Isso
porque a passagem do tempo, por si só, não tem o condão de
transmutar uma publicação ou um dado nela contido de lícito
para ilícito.

53 Sumário
O DIREITO AO ESQUECIMENTO VIOLA O DIREITO
CONSTITUCIONAL DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO

[...] a previsão ou aplicação do direito ao esquecimento afronta


a liberdade de expressão. A existência de um comando jurídico
que eleja a passagem do tempo como restrição à divulgação de
informação verdadeira, licitamente obtida e com adequado
tratamento dos dados nela inseridos, precisa estar prevista em
lei, de modo pontual, clarividente e sem anulação da liberdade
de expressão. Não pode, ademais, ser fruto apenas de ponde-
ração judicial.
[...] admitir um direito ao esquecimento seria uma restrição
excessiva e peremptória às liberdades de expressão e de mani-
festação de pensamento e ao direito que todo cidadão tem
de se manter informado a respeito de fatos relevantes da his-
tória social. Ademais, tal possibilidade equivaleria a atribuir,
de forma absoluta e em abstrato, maior peso aos direitos
à imagem e à vida privada, em detrimento da liberdade de
expressão, compreensão que não se compatibiliza com a ideia
de unidade da Constituição.

A LIBERDADE DE EXPRESSÃO DEVE SER EXERCIDA


EM HARMONIA COM OS DEMAIS DIREITOS E VALORES
CONSTITUCIONAIS

[...] a manifestação do pensamento, por mais relevante que seja,


não deve respaldar a alimentação do ódio, da intolerância e da
desinformação. Essas situações representam o exercício abusivo
desse direito, por atentarem sobretudo contra o princípio demo-
crático, que compreende o equilíbrio dinâmico entre as opiniões
contrárias, o pluralismo, o respeito às diferenças e a tolerância.
[...]

54 Sumário
A liberdade de expressão protege não apenas aquele que comu-
nica, mas também a todos os que podem dele receber informa-
ções ou com ele partilhar os pensamentos.
A ponderação, assim, na pretensão ao direito ao esquecimento
não se faz apenas entre o interesse do comunicante, de um lado,
e o do indivíduo que pretende ver tornados privados dados
ou fatos de sua vida, de outro. Envolve toda a coletividade,
que poderá ser privada de conhecer os fatos em toda a sua
amplitude.
[...]
[...] o ordenamento jurídico brasileiro está repleto de previsões
constitucionais e legais voltadas à proteção da personalidade,
aí inserida a proteção aos dados pessoais, com repertório jurí-
dico suficiente a que essa norma fundamental se efetive em
consagração à dignidade humana.
Em todas essas situações legalmente definidas, é cabível a restri-
ção, em alguma medida, à liberdade de expressão, sempre que
afetados outros direitos fundamentais, mas não como decor-
rência de um pretenso e prévio direito de ver dissociados fatos
ou dados por alegada descontextualização das informações em
que inseridos, por força da passagem do tempo.

55 Sumário
DOUTRINA CITADA

ALMEIDA, José Luiz Gavião de et al. A identidade pessoal como


direito fundamental da pessoa humana e algumas de suas
manifestações na ordem jurídica brasileira. Revista de Direito Civil
Contemporâneo, v. 14, p. 33-70, jan./mar. 2018. Disponível em:
http://ojs.direitocivilcontemporaneo.com/index.php/rdcc/article/
view/371/348. Acesso em: 24 fev. 2023.
BERTONI, Eduardo. The right to be forgotten: an insult to Latin
America history. The Huffington Post, Nova York, 24 nov. 2014.
Disponível em: https://www.huffpost.com/entry/the-right-to-
beforgotten_b_5870664. Acesso em: 24 fev. 2023.
BUCAR, Daniel. Controle temporal de dados: o direito ao esqueci-
mento. civilistica.com, v. 2, n. 3, p. 1-17, 14 out. 2013. Disponível em:
https://civilistica.emnuvens.com.br/redc/article/view/113/83. Acesso
em: 24 fev. 2023.
CLÈVE, Clèmerson Merlin; FREIRE, Alexandre Reis Siqueira. Algumas
notas sobre colisão de direitos fundamentais. In: CUNHA, Sérgio Sér-
vulo da; GRAU, Eros Roberto (org.). Estudos de direito constitucional
em homenagem a José Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2003.
FREIRE, Alexandre Reis Siqueira. Restrições de direitos fundamentais:
conceitos, espécies e método de resolução. In: CLÈVE, Clèmerson
Merlin (coord.). Direito constitucional brasileiro. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014. v. 1.
MALDONADO, Viviane Nóbrega. O direito ao esquecimento.
São Paulo: Novo Século, 2017. 192 p. Disponível em http://www.
tjsp.jus.br/download/EPM/Publicacoes/ObrasJuridicas/ii%207.
pdf?d=636680444556135606. Acesso em: 24 fev. 2023.

56 Sumário
MAYERSCHÖNBERGER, Viktor. Delete: the virtue of forgetting in the
digital age. Princeton University Press, 2011. 272 p.
MAURMO, Julia Gomes Pereira. O direito ao esquecimento sob a
perspectiva da saúde individual. Revista Internacional Consinter
de Direito, v. 4, n. 6, p. 81-97, jan./jun. 2018. Disponível em: https://
revistaconsinter.com/wp-content/uploads/2018/07/ano-iv-numero-
vi-o-direito-ao-esquecimento-sob-a-perspectiva-da-saude-individual.
pdf. Acesso em: 24 fev. 2023.
MONCAU, Luiz Fernando Marrey. Direito ao esquecimento: entre a
liberdade de expressão, a privacidade e a proteção de dados pessoais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020. 397 p.
KOOPS, Bert-Jaap. Forgetting footprints, shunning shadows: a
critical analysis of the ‘right to be forgotten’ in a Big Data practice.
SCRIPTed, v. 8, n. 3, p. 229-256, Dec. 2011. Disponível em: https://
papers.ssrn.com/sol3/Delivery.cfm/SSRN_ID1986719_code797387.
pdf?abstractid=1986719&mirid=1. Acesso em: 24 fev. 2023.
PINHEIRO, Denise. A liberdade de expressão e o passado:
desconstrução da ideia de um direito ao esquecimento. Orientador:
João dos Passos Martins Neto. 2016. 287 p. Tese (doutorado em
Direito) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
2016. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/bitstream/
handle/123456789/169667/342648.pdf?sequence=1&isAllowed=y.
Acesso em: 24 fev. 2023.
SARLET, Ingo Wolfgang; FERREIRA NETO, Arthur M. O direito ao
“esquecimento” na sociedade da informação. Porto Alegre: Livraria
do Advogado, 2019. 236 p.

57 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão do RE 1.010.606


2. Audiência pública nº 22
Aplicabilidade do direito ao esquecimento na esfera
civil, em especial quando esse for invocado pela própria
vítima ou seus familiares
2.1 Despacho convocatório
2.2 Obra Bibliografia, Legislação e Jurisprudência
Temática – Direito ao Esquecimento
2.3 Transcrição da audiência
3. Amicus curiae

58 Sumário
RECUSA DOS PAIS À VACINAÇÃO
COMPULSÓRIA DE FILHO MENOR POR
MOTIVO DE CONVICÇÃO FILOSÓFICA

É constitucional a obrigatoriedade
de imunização por meio de vacina.

[ARE 1.267.879, rel. min. Roberto Barroso, j. 17-12-2020, P,


DJE de 8-4-2021, Tema 1.103.]

Sumário
TESE FIXADA Tema 1.103

É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina


que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída
no Programa Nacional de Imunizações ou (ii) tenha sua aplicação
obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da
União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso
médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liber-
dade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis,
nem tampouco ao poder familiar.

60 Sumário
Liberdade de consciência
é ponderada com a
defesa da vida e da saúde

Ilegítima recusa vacinal


dos pais por motivo de
convicção filosófica

Legítimo caráter compulsório de vacina


• com registro em órgão de
vigilância sanitária
• com consenso médico-científico

VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA DE
CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Estado pode proteger as


pessoas contra a sua vontade

Proteção de toda a sociedade –


imunização coletiva

Poder familiar não autoriza


que a saúde dos filhos seja
posta em risco

61 Sumário
11 X 0

Vencedores no mérito:

Min. Roberto
Barroso – Relator
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Nunes Marques
Min. Alexandre de Moraes
Min. Edson Fachin
Min. Rosa Weber
Min. Dias Toffoli
Min. Cármen Lúcia
Min. Gilmar Mendes
Min. Marco Aurélio
Min. Luiz Fux – Presidente

62 Sumário
FUNDAMENTOS

MOVIMENTO CONTRÁRIO À APLICAÇÃO DE VACINAS3

A tentativa de compatibilizar a imposição de medidas de prote-


ção a doenças infectocontagiosas com o exercício dos direitos
fundamentais à liberdade de crença e de convicção religiosa tem
sido objeto de debate na doutrina constitucional comparada.
Em período recente, a discussão tem sido ressignificada pelo
recrudescimento mundial dos movimentos antivacina. Em 2019,
a Organização Mundial da Saúde (OMS) considerou o “medo
de vacina” como uma entre as 10 maiores ameaças à saúde,
tendo sido apontado como um dos problemas que mais poderia
causar vítimas no ano de 2020. Destacam-se as considerações
da OMS a respeito:
“A hesitação em vacinar – a relutância ou recusa em
vacinar apesar da disponibilidade de vacinas – ameaça
reverter o progresso feito no combate a doenças preve-
níveis por vacinação. A vacinação é uma das formas mais
econômicas de evitar doenças – atualmente previne 2-3
milhões de mortes por ano, e outros 1,5 milhões poderiam
ser evitados se a cobertura global das vacinas melhorasse.
[...]
As razões pelas quais as pessoas optam por não vacinar são
complexas; um grupo consultivo de vacinas da OMS identi-
ficou complacência, inconveniência no acesso às vacinas e
falta de confiança são razões-chave subjacentes à hesitação.”

3 Fundamento selecionado da ADI 6.586, rel. min. Ricardo Lewandowski,


j. 17-12-2020, P, DJE de 7-4-2021, julgada em conjunto com o ARE 1.267.879.

63 Sumário
LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA: ILEGÍTIMA
A RECUSA DOS PAIS À VACINAÇÃO COMPULSÓRIA
DE FILHO MENOR POR MOTIVO DE CONVICÇÃO
FILOSÓFICA

A liberdade de consciência é protegida constitucionalmente


(art. 5º, VI e VIII) e se expressa no direito que toda pessoa tem
de fazer suas escolhas existenciais e de viver o seu próprio ideal
de vida boa. É senso comum, porém, que nenhum direito é
absoluto, encontrando seus limites em outros direitos e valores
constitucionais. No caso em exame, a liberdade de consciência
precisa ser ponderada com a defesa da vida e da saúde de todos
(arts. 5º e 196), bem como com a proteção prioritária da criança
e do adolescente (art. 227).
Impõe-se [...] a distinção entre a objeção de consciência levan-
tada por um adulto em relação aos tratamentos a que ele pró-
prio tenha que se submeter, de um lado, e, de outro lado, a
oposição desse mesmo adulto a uma providência médica essen-
cial à saúde ou à vida de um menor sob sua responsabilidade e
que ainda não é capaz de manifestar a sua própria vontade. E
é muito fácil perceber a distinção entre as escolhas existenciais
que alguém faça para si e as escolhas existenciais que alguém
faça como responsável por outrem, como é o caso dos pais
em relação aos filhos menores. Na primeira hipótese, quando
pessoas adultas fazem escolhas para si, sob determinadas cir-
cunstâncias, é possível dar prevalência à autonomia individual
como expressão da sua dignidade, desde que isso não repercuta
ilegitimamente sobre a esfera jurídica de terceiros.4
[...]

4 Fundamento selecionado da ADI 6.586, rel. min. Ricardo Lewandowski, j.


17-12-2020, P, DJE de 7-4-2021, julgada em conjunto com o ARE 1.267.879.

64 Sumário
[...] há direitos fundamentais contrapostos em jogo, a saber: liber-
dade de convicção filosófica, de um lado; direito à vida e à saúde
da coletividade e melhor interesse da criança, do outro. Ao fazer
a ponderação entre esses direitos, que não são hierarquizados
abstratamente, mas que, em concreto, para decidir a questão,
é preciso definir qual vai ter precedência, estou decidindo pela
precedência do direito à vida e à saúde coletivas e à proteção
prioritária da criança, por essas três razões que enunciei: porque
é possível, em certos casos – e este é um deles –, proteger a
pessoa contra si mesma; porque, aqui, o interesse da coletividade
deve prevalecer, posto que, no fundo, estamos falando do direito
à vida e à saúde de cada pessoa individualmente; e, por fim, a
Constituição manda cuidar prioritariamente do interesse da
criança, e toda a ciência médica entende que a vacinação é vital
ou altamente relevante para a proteção da saúde das crianças.

FUNDAMENTOS DA VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA

De longa data, o Direito brasileiro prevê a obrigatoriedade da


vacinação. Atualmente, ela está prevista em diversas leis vigen-
tes, como, por exemplo, a Lei nº 6.259/1975 (Programa Nacional
de Imunizações) e a Lei nº 8.069/1990 (Estatuto da Criança e do
Adolescente). Tal previsão jamais foi reputada inconstitucional.
Mais recentemente, a Lei nº 13.979/2020 (referente às medidas
de enfrentamento da pandemia da Covid-19), de iniciativa do
Poder Executivo, instituiu comando na mesma linha.
É legítimo impor o caráter compulsório de vacinas que tenha
registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual
exista consenso médico-científico. Diversos fundamentos jus-
tificam a medida, entre os quais: a) o Estado pode, em situa-
ções excepcionais, proteger as pessoas mesmo contra a sua
vontade (dignidade como valor comunitário); b) a vacinação

65 Sumário
é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo
legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos
de terceiros (necessidade de imunização coletiva); e c) o poder
familiar não autoriza que os pais, invocando convicção filosó-
fica, coloquem em risco a saúde dos filhos (CF/1988, arts. 196,
227 e 229) (melhor interesse da criança).
[...] é legítimo impor o caráter compulsório das vacinas, quando
exista consenso científico e registro em órgão de vigilância sani-
tária. E são três [...] os fundamentos que legitimam essa obriga-
toriedade e, portanto, são esses os três fundamentos que dão
mais peso à proteção da saúde coletiva e à proteção da criança
em contraste com a liberdade de consciência.5
[...] o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pes-
soas, mesmo contra a sua vontade.
[...]
[...] a vacinação é importante para a proteção de toda a socie-
dade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gra-
vemente direitos de terceiros. E aqui [...] organizações interna-
cionais, institutos de pesquisa em todo o mundo defendem e
incentivam o uso da vacina como um instrumento vital capaz
de proteger os indivíduos contra uma série de doenças e de
deficiências graves.
[...]
[...] não é legítimo, em nome de um direito individual, que seria
a liberdade de consciência, frustrar o direito da coletividade. Isso
não é um direito abstrato, é o direito de cada um, individual-

5 Fundamento selecionado da ADI 6.586, rel. min. Ricardo Lewandowski, j.


17-12-2020, P, DJE de 7-4-2021, julgada em conjunto com o ARE 1.267.879.

66 Sumário
mente, de não estar exposto à contaminação por uma doença
que poderia ser evitada mediante vacinação.

EXCEÇÃO

A vacinação compulsória, como disse, não vem de hoje; ela


existe de longa data no Direito brasileiro, desde meados do
período imperial. Atualmente, é prevista em diversas leis em
vigor, a começar pela Lei nº 6.259, de 30 de outubro de 1975,
que instituiu o Programa Nacional de Imunizações e estabelece
a competência do Ministério da Saúde para definir as vacina-
ções de caráter obrigatório. A própria legislação brasileira atri-
bui ao Ministério da Saúde o poder-dever de definir quais são
as vacinas obrigatórias. É, portanto, uma previsão ex vi legis. E
esse diploma foi regulamentado pelo Decreto nº 78.231, de 12
de agosto de 1976, que prevê a obrigatoriedade da vacinação,
inclusive para as crianças que estejam sob a guarda do respon-
sável. A única exceção que o Programa Nacional de Imunizações
prevê é para a hipótese de haver uma contraindicação médica
àquela vacinação.
Além dessa lei que institui o Programa Nacional de Imunizações,
a Lei nº 6.437, de 1977, tipifica infrações em caso de descum-
primento do Programa Nacional de Imunizações, cominando
inclusive pena de multa.

DOUTRINA CITADA

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo:


Malheiros, 2011. p. 93-94, p. 96.

67 Sumário
BARBIERI, Carolina Luisa Alves; COUTO, Marcia Thereza; AITH,
Fernando Mussa Abujamra. A (não) vacinação infantil entre a cultura
e a lei: os significados atribuídos por casais de camadas medias
de São Paulo, Brasil. Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro,
v. 33, n. 2, p. 2, 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/
NDSjRVcpw95WS4xCpxB5NPw/?format=pdf&lang=pt. Acesso em: 27
fev. 2023.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da
Constituição. 7. ed. 3. reimpr. Coimbra: Almedina, 2006. p. 225.
CARVALHO, Kildare Goncalves. Direito constitucional: teoria do
Estado e da Constituição: direito constitucional positivo. 13. ed., rev.,
atual. e ampl. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 1167.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição Brasileira de 1988.
2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. p. 4331-4332.
DALLARI, Sueli Gandolfi. O direito à saúde. Revista de Saúde Pública,
São Paulo, v. 22, n. 1, p. 58-59, 1988. Disponível em: https://www.scielo.
br/j/rsp/a/jSj9cfJhsNcjyBfG3xDbyfN/?format=pdf&lang=pt. Acesso
em: 27 fev. 2023.
DALLARI, Sueli Gandolfi; NUNES JUNIOR, Vidal Serrano. Direito sani-
tário. São Paulo: Verbatim, 2010. p. 9.
FÜRST, Henderson. Recusa terapêutica e recusa vacinal: notas sobre
a regulação jurídica da vacina de Covid-19 e direitos dos pacientes.
Jusbrasil, Gen Jurídico, São Paulo, 14 dez. 2020. Disponível em: https://
genjuridico.jusbrasil.com.br/artigos/1143668774/recusa-terapeutica-e-
recusa-vacinal-notas-sobre-a-regulacao-juridica-da-vacina-de-covid-19-
e-direitos-de-pacientes. Acesso em: 27 fev. 2023.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo.
17. ed., rev. e atual. até as emendas 41 (da Previdência) e 42, de 2003.
São Paulo: Malheiros, 2004. p. 87.

68 Sumário
MENDES, Gilmar Ferreira, BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de direito constitucional. 15. ed., rev. e atual. São Paulo: SaraivaJur,
2020. p. 768.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO,
Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 2. ed., rev. e
atual. São Paulo: Saraiva: Instituto Brasileiro de Direito Público, 2008.
p. 151.
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais: teoria
geral: comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República
Federativa do Brasil: doutrina e jurisprudência. 10. ed. São Paulo: Atlas,
2013. p. 48.
SARLET, Ingo Wolfgang. Comentário ao art. 196. In: CANOTILHO,
José Joaquim Gomes et al. (coord.). Comentários à Constituição do
Brasil. São Paulo: Saraiva: 2013. p. 193.
SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO,
Daniel. Curso de direito constitucional. 9. ed., rev. e atual. São Paulo:
SaraivaJur, 2020. p. 443-444.
SILVA, Jose Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 6.
ed., atual. até a Emenda Constitucional 57, de 18.12.2008. São Paulo:
Malheiros, 2009. p. 768.
SILVA, José Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor
supremo da democracia. Revista de Direito Administrativo, n. 212,
p. 92, abr./jun. 1998. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/
index.php/rda/article/view/47169/45637. Acesso em: 27 fev. 2023.

69 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão do ARE 1.267.879


2. Amicus curiae
3. Julgado relacionado
ADI 6.586, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 17-12-2020,
P, DJE de 7-4-20216.

6 Fixada a seguinte tese: (I) A vacinação compulsória não significa vacinação


forçada, facultada a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por
meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao
exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde
que previstas em lei, ou dela decorrentes, e tenham como base evidências
científicas e análises estratégicas pertinentes, venham acompanhadas de ampla
informação sobre a eficácia, segurança e contraindicações dos imunizantes,
respeitem a dignidade humana e os direitos fundamentais das pessoas; atendam
aos critérios de razoabilidade e proporcionalidade; e sejam as vacinas distribuídas
universal e gratuitamente. (II) Tais medidas, com as limitações expostas, podem
ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, pelo Distrito Federal
e pelos Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência.

70 Sumário
CRÍTICA REALIZADA POR MEIO DE
SÁTIRA A ELEMENTOS RELIGIOSOS
INERENTES AO CRISTIANISMO

Viola a liberdade de expressão


artística a retirada de circulação
de produto audiovisual
disponibilizado em plataforma
de streaming.

[Rcl 38.782, rel. min. Gilmar Mendes, j. 3-11-2020,


2ª T, DJE de 24-2-2021.]

Sumário
RESUMO

Retirar de circulação produto audiovisual disponibilizado em plata-


forma de streaming, apenas porque seu conteúdo desagrada parcela
da população, ainda que majoritária, não encontra fundamento em
uma sociedade democrática e pluralista como a brasileira.

72 Sumário
Autoridade da decisão na ADPF 130
• contra atos do poder público tendentes a
suprimir a liberdade de expressão

Liberdade plena de informação e de imprensa


• proibitivas de qualquer tipo de censura prévia

Ponderação acerca dos limites entre


liberdade de expressão artística
e liberdade religiosa

LIBERDADE ARTÍSTICA: CRÍTICA


REALIZADA POR MEIO DE SÁTIRA
A ELEMENTOS RELIGIOSOS
INERENTES AO CRISTIANISMO

Colisão entre liberdade de expressão artística


e outras garantias constitucionais
• conceito de arte
•  tem sentido amplo
•  inclui obras provocativas

Liberdade de circulação de ideias


• livre debate sobre todas as
temáticas

Plataforma de transmissão particular


• acesso voluntário e controlado
Censura só é possível em
situação excepcional

73 Sumário
4X0

Vencedores no mérito:

Min. Gilmar
Mendes – Relator
(Presidente da Turma)
Min. Edson Fachin
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski

74 Sumário
FUNDAMENTOS

AUTORIDADE DA DECISÃO PROFERIDA NA ADPF 130

[...] a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmada a


partir do julgamento da ADPF 130 consagrou que as garan-
tias de liberdade plena de informação e de imprensa somente
podem ser integralmente preservadas se entendidas como proi-
bitivas de qualquer tipo de censura prévia.
[...] o Supremo Tribunal Federal tem admitido o cabimento da
reclamação constitucional para garantir a autoridade da decisão
tomada na ADPF 130, uma vez que tal paradigma estabelece
as balizas para o adensamento do debate sobre liberdade de
expressão quando se está diante de atos do poder público ten-
dentes à obliteração dessas garantias.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO ARTÍSTICA: POSIÇÃO


PREFERENCIAL EM RELAÇÃO ÀS DEMAIS LIBERDADES

Apesar de expressamente prevista no texto constitucional, o


âmbito de proteção da liberdade artística pode gerar contro-
vérsias. Isso porque é praticamente impossível chegar-se a uma
definição de arte universalmente aceita, o que dificulta a análise
dos limites da liberdade artística e a consequente verificação de
eventuais agressões a outros direitos igualmente assegurados
pela Constituição Federal.
As formas de expressão artística são inúmeras e de impossí-
vel previsão, inclusive pelo fato de que a arte possui, em sua
essência, muitas vezes um caráter inovador. Pode também ser
polêmica, subversiva, agressiva a padrões usualmente aceitos

75 Sumário
pela sociedade, características que não raramente fazem com
que obras artísticas sejam submetidas ao escrutínio do Poder
Judiciário para verificação de possíveis abusos.
[...] a Constituição de 1988 estabelece amplo espectro de pro-
teção a toda forma de credo e de celebração religiosa ou, ainda,
à objeção de consciência, cabendo, de fato, ao Poder Judiciário
intervir, ao identificar eventuais abusos, quando provocado.
[...] neutralidade do Estado não significa que este precise deixar
de garantir as condições adequadas à facilitação do exercício de
liberdade religiosa. O que não se admite é que o Estado assuma
determinada concepção religiosa como a oficial ou a correta,
beneficiando um grupo religioso em detrimento dos demais ou
concedendo privilégios.
Nesse contexto, ao Poder Judiciário cabe contrabalancear direi-
tos e possíveis tensões existentes – no caso ora apreciado, pon-
derar acerca dos limites entre liberdade de expressão artística
e liberdade religiosa.
[...] eventual colisão entre liberdade de expressão artística e
outros direitos constitucionalmente garantidos deve levar em
conta o fato de que o conceito de arte possui sentido amplo,
incluindo-se aí obras provocativas, que pretendam atingir fins
políticos ou religiosos, também por meio de sátiras.

PLATAFORMA DE TRANSMISSÃO PARTICULAR: ACESSO


VOLUNTÁRIO E CONTROLADO PELO USUÁRIO

Reitero [...] a importância da liberdade de circulação de ideias


e o fato de que deve ser assegurada à sociedade brasileira, na
medida do possível, o livre debate sobre todas as temáticas,

76 Sumário
permitindo-se que cada indivíduo forme suas próprias convic-
ções, a partir de informações que escolha obter.
No caso, por se tratar de conteúdo veiculado em plataforma
de transmissão particular, à qual o acesso é voluntário e con-
trolado pelo próprio usuário, não apenas é possível optar-se
por não assistir ao conteúdo disponibilizado, como também é
viável decidir-se pelo cancelamento da assinatura contratada.
Há diversas formas de indicar descontentamento com deter-
minada opinião e de manifestar-se contra ideais com os quais
não se concorda – o que, em verdade, nada mais é do que a
dinâmica do chamado mercado livre de ideias.

CENSURA: SITUAÇÃO EXCEPCIONAL

A censura, com a definição de qual conteúdo pode ou não


ser divulgado, deve-se dar em situações excepcionais, para que
seja evitada, inclusive, a ocorrência de verdadeira imposição de
determinada visão de mundo. Retirar de circulação material
apenas porque seu conteúdo desagrada parcela da população,
ainda que majoritária, não encontra fundamento em uma socie-
dade democrática e pluralista como a brasileira.
Atos estatais, de quaisquer de suas esferas de Poder, praticados
sob o manto da moral e dos bons costumes ou do politicamente
correto apenas servem para inflamar o sentimento de dissenso,
de ódio ou de preconceito, afastando-se da aproximação e da
convivência harmônica.

77 Sumário
DOUTRINA CITADA

APÓS protesto, mostra com temática LGBT em Porto Alegre é cance-


lada. Folha de São Paulo, São Paulo, Ilustrada, 10 set. 2018. Disponível
em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/09/1917269-apos-
protesto-mostra-com-tematica-lgbt-em-porto-alegre-e-cancelada.
shtml. Acesso em: 27 fev. 2023.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. MACHADO, Jônatas. Bens cultu-
rais, propriedade privada e liberdade religiosa. Revista do Ministério
Público, Lisboa, v. 16, n. 64, out./dez. 1995. p. 29-30.
HÄBERLE, Peter. Constituição ‘da cultura’ e Constituição ‘como cul-
tura’: um projeto científico para o Brasil. Direito público, v. 13, n. 72, p.
9-32, nov./dez. 2016. Disponível em: https://www.portaldeperiodicos.
idp.edu.br/direitopublico/article/view/2846/pdf. Acesso em: 27 fev.
2023.
HÄBERLE, Peter. Constituição e cultura: o direito ao feriado como
elemento de identidade cultural do Estado constitucional. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2008.
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1976.
p. 154.
MARTINS, Felipe. Peça com travesti no papel de Cristo é proibida pelo
prefeito Marcelo Crivella. Fórum, 5 jun. 2018. Disponível em: https://
revistaforum.com.br/lgbt/2018/6/5/pea-com-atriz-travesti-no-papel-
de-cristo-proibida-pelo-prefeito-marcelo-crivella-31618.html. Acesso
em: 27 fev. 2023.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gonet. Curso de direito
constitucional. 15. ed., rev. e atual. São Paulo: SaraivaJur, 2020. p. 268.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed., reimpr.
Coimbra: Coimbra Editora, 1998. v. 4, p. 427.

78 Sumário
PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. São
Paulo: Saraiva, 2012. p. 244, p. 291, p. 293.
VALE, André Rufino do. A importância dos 500 anos da Reforma Lute-
rana para o constitucionalismo. Consultor Jurídico, Observatório
Constitucional, 5 ago. 2017. Disponível em: https://www.conjur.com.
br/2017-ago-05/observatorio-constitucional-importancia-500-anos-
reforma-luterana-constitucionalismo. Acesso em: 27 fev. 2023.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da Rcl 38.782


2. Vídeo do julgamento
3. Julgados relacionados
ADPF 467, rel. min. Gilmar Mendes, j. 29-5-2020, P, DJE
de 7-7-2020.
ADPF 130, rel. min. Ayres Britto, j. 4-9-2008, P, DJE de
7-11-2008.

79 Sumário
TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE
DESACATO

A tipificação do crime de desacato


não viola a garantia da liberdade
de expressão.

[ADPF 496, rel. min. Roberto Barroso, j. 22-6-2020,


P, DJE de 24-9-2020.]

Sumário
RESUMO

Foi recepcionada pela Constituição de 1988 a norma do art. 331 do


Código Penal, que tipifica o crime de desacato.

82 Sumário
Convenção Americana de Direitos Humanos
• norma supralegal
• proteção ampla à liberdade de expressão e de
manifestação do pensamento
• responsabilização ulterior por manifestação que viole o
respeito aos direitos ou à reputação
• liberdade de expressão não é um direito absoluto
•  legítima a utilização do direito penal, em casos de
grave abuso
• para a proteção de outros interesses e direitos
relevantes

TIPIFICAÇÃO DO CRIME DE DESACATO

No exercício de sua função, o agente


público
• representa a Administração Pública
• está submetido a um regime
jurídico diferenciado
•  de deveres e
•  prerrogativas
• responde por seus atos objetivamente,
sem prejuízo do direito de regresso

Previsão de tipo penal protetivo da


atuação dos agentes públicos
• para preservação da função
pública exercida pelo funcionário

Interpretação restritiva do tipo penal


(art. 331 do Código Penal)
• em casos graves e evidentes
de menosprezo à função pública

83 Sumário
9 X 27

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito:

Min. Roberto Min. Edson Fachin – voto escrito


Barroso – Relator
Min. Rosa Weber – voto escrito
Min. Alexandre
de Moraes – voto escrito
Min. Luiz Fux
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Gilmar Mendes – voto escrito
Min. Marco Aurélio
Min. Celso de Mello – voto escrito
Min. Dias Toffoli – Presidente

7 Julgamento realizado pelo Plenário Virtual com ordem de julgamento livre.

84 Sumário
FUNDAMENTOS

CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS

Conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, fir-


mada a partir do RE 466.343 (Rel. Min. Cezar Peluso, Tribunal
Pleno, j. 03.12.2008), os tratados internacionais sobre direitos
humanos: a) serão equivalentes às emendas constitucionais, se
forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros (CF,
art. 5º, § 3º); ou b) terão caráter supralegal se não submetidos
ao processo legislativo típico das emendas constitucionais (CF,
art. 5º, § 2º).
O Brasil aderiu à Convenção Americana de Direitos Humanos
(“Pacto de São José da Costa Rica”) em 9 de julho de 1992. Após
o depósito da carta de adesão, em 25 de setembro de 1992, sua
promulgação no ordenamento jurídico interno se deu com a
edição do Decreto nº 678, de 6 de novembro de 1992.
Não tendo havido, portanto, submissão das disposições do tra-
tado internacional ao processo legislativo de adoção de emen-
das constitucionais, seu status é de norma supralegal.

COMPATIBILIDADE DO ART. 331 DO CÓDIGO PENAL


BRASILEIRO COM O ART. 13 DA CONVENÇÃO AMERICANA
DE DIREITOS HUMANOS

O art. 13 da Convenção Americana de Direitos Humanos [...]


confere uma proteção ampla à liberdade de expressão e de
manifestação do pensamento, por qualquer meio. Veda-se a
censura prévia, salvo se realizada com o objetivo exclusivo de

85 Sumário
regular o acesso a espetáculos públicos, para proteção moral
da infância e da adolescência; proíbe-se, ademais, a restrição do
direito de expressão por vias ou meios indiretos.
Não obstante, o dispositivo ressalva expressamente a possibili-
dade de responsabilização ulterior daqueles que, a pretexto de
exercerem a liberdade de manifestação do pensamento, violem
não apenas “o respeito aos direitos ou à reputação das demais
pessoas” (art. 13.2, “a”), mas também “a proteção da segurança
nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral pública”
(art. 13.2, “b”).
Vê-se, portanto, que o próprio texto da convenção excepciona a
liberdade de expressão para a proteção da honra subjetiva (repu-
tação) de todas as pessoas, bem como para o respeito à ordem e à
moral públicas. Portanto, a lei de cada Estado-Parte pode garantir
ao servidor público a proteção necessária para o adequado exer-
cício da função de que foi incumbido, não como um privilégio em
seu benefício – o que seria evidentemente indevido –, mas como
um instrumento de proteção do serviço público por ele prestado
e, em última instância, do público destinatário do serviço.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem destacado
que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e que,
em casos de grave abuso, faz-se legítima a utilização do direito
penal para a proteção da honra, devendo a aplicação dessas
medidas ser avaliada com especial cautela [...].
[...]
Portanto, a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos
Humanos não indica uma proibição terminante da utilização do
direito penal para a coibição de abusos cometidos sob pretexto
de exercício da liberdade de expressão, embora exija que a via
criminal seja reservada a casos graves.

86 Sumário
Em conclusão, nem o texto expresso da Convenção, nem a juris-
prudência da Corte vedam que os Estados-Partes se valham
de normas penais para a proteção da honra e do adequado
funcionamento da Administração Pública, desde que de modo
proporcional e justificado.

AMPLITUDE E LIMITES DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO NA


JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O Supremo Tribunal Federal possui jurisprudência ampla e con-


solidada de defesa da liberdade de expressão. Não obstante,
como qualquer direito fundamental, a liberdade de expressão
comporta restrições, desde que previstas em lei, proporcionais
e respeitadoras do seu núcleo essencial8.
[...]
A liberdade de expressão, contudo, encontra seus limites
quando é utilizada como pretexto para violações graves a outros
interesses e direitos fundamentais9.

8 Julgados ilustrativos da deferência conferida pelo Supremo Tribunal Federal


à liberdade de expressão e à liberdade de imprensa, citados no voto: ADI 4.815,
rel. min. Cármen Lúcia, j. 10-6-2015, P, DJE de 1º-2-2016; ADPF 187, rel. min.
Celso de Mello, j. 15-6-2011, P, DJE de 29-5-2014; ADPF 130, rel. min. Ayres Britto,
j. 30-4-2009, P, DJE de 6-11-2009; e ADI 4.451, rel. min. Alexandre de Moraes,
j. 21-6-2018, P, DJE de 6-3-2019.
9 HC 82.424, rel. min. Moreira Alves, red. do ac. min. Maurício Corrêa, j.
17-9-2003, P, DJ de 19-3-2004; e Pet 7.174, rel. min. Alexandre de Moraes, red.
do ac. min. Marco Aurélio, j. 10-3-2020, 1ª T, DJE de 28-9-2020.

87 Sumário
FUNDAMENTOS DA TIPIFICAÇÃO PENAL DO DESACATO

Ao atuar no exercício de sua função, o agente público (re)pre-


senta a Administração Pública, situação que lhe sujeita a um
regime jurídico diferenciado de deveres e prerrogativas Seus atos
são diretamente atribuídos ao Poder Público, que por eles res-
ponde objetivamente, sem prejuízo do direito de regresso contra
o responsável, nos casos de dolo ou culpa (CF, art. 37, § 6º).
Em razão da responsabilidade que sobre ele recai, o agente
público está submetido a uma ampla gama de deveres, cujo
descumprimento lhe acarreta a imposição de sanções próprias,
como as decorrentes de atos de improbidade (CF, art. 37, § 4º;
Lei nº 8.429/1992), de faltas funcionais (v.g., Lei nº 8.112/1990, no
âmbito federal) e dos delitos especiais de funcionários públicos
(CP, arts. 312 a 327).
Ao praticar determinadas condutas idênticas às perpetradas
pelos particulares, os funcionários públicos são punidos de
modo mais rigoroso. [...]
[...]
Reforçando o rigor com que se controlam as atividades dos
funcionários públicos, a Lei nº 13.869/2019 previu uma série
de crimes de abuso de autoridade, que somente podem ser
cometidos por agentes públicos, servidores ou não, que, no
exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abusem
do poder que lhes tenha sido atribuído (art. 1º).
Em contrapartida, os agentes públicos possuem prerrogativas
próprias, que são instrumentais em relação aos seus deveres, ou
seja, são meios conferidos à Administração e aos seus agentes
exclusivamente para que possam atender adequadamente ao
interesse público. [...]

88 Sumário
Também no campo penal é razoável que se prevejam tipos penais
protetivos da atuação dos agentes públicos. É nesse contexto que
se justifica a criminalização do desacato. Não se trata de conferir
um tratamento privilegiado ao funcionário público. Trata-se, isso
sim, de proteger a função pública exercida pelo funcionário, por
meio da garantia, reforçada pela ameaça de pena, de que ele não
será menosprezado ou humilhado enquanto se desincumbe dos
deveres inerentes ao seu cargo ou função públicos.
Vê-se, portanto, que a diversidade de regime jurídico – inclusive
penal – existente entre agentes públicos e particulares é uma
via de mão dupla: se existente justificativa razoável para tanto,
as consequências previstas para as condutas típicas são diver-
sas não somente quando os agentes públicos são autores dos
delitos, mas, de igual modo, quando deles são vítimas.

INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA DO TIPO PENAL

O tipo penal do art. 331 do Código Penal está previsto no capí-


tulo dos crimes praticados por particular contra a Administra-
ção Pública. O bem jurídico diretamente tutelado não é a honra
do funcionário público, mas a própria Administração Pública,
cuja respeitabilidade e regular funcionamento se veem afetados
pela agressão perpetrada contra o servidor.
[...]
O autor do desacato atua com o objetivo principal de aviltar
a autoridade do agente que exerce a função pública, execu-
tando diretamente a lei, a ordem judicial ou a determinação
administrativa.
Para que efetivamente tenha potencial de interferir no exercício
da função pública, o crime deve ser praticado na presença do

89 Sumário
funcionário público. O tipo penal não abrange, portanto, even-
tuais ofensas perpetradas por meio da imprensa ou de redes
sociais, resguardando-se a liberdade de expressão. [...]
Não basta, ademais, que o funcionário se veja ofendido em sua
honra. Não há crime se a ofensa não tiver relação com o exercício
da função. É preciso um menosprezo da própria função pública
exercida pelo agente. E, mais, é necessário que o ato perturbe ou
obstrua a execução das funções do funcionário público.
Além disso, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reco-
nhece a atipicidade de reclamações, censuras ou críticas, ainda
que veementes, à atuação funcional do funcionário [...]10.
[...]
[...] os agentes públicos em geral estão mais expostos ao escru-
tínio e à crítica dos cidadãos, devendo demonstrar maior tole-
rância à reprovação e à insatisfação, sobretudo em situações em
que se verifica uma tensão entre o agente público e o particular.
Devem ser relevados, portanto, eventuais excessos na expres-
são da discordância, indignação ou revolta com a qualidade
do serviço prestado ou com a atuação do funcionário público.
Assim, o tipo penal do art. 331 do Código Penal deve ser inter-
pretado restritivamente, a fim de evitar a aplicação de punições
injustas e desarrazoadas.
O sistema de persecução penal brasileiro possui uma série de
filtros para tanto, que vão desde a autocontenção do próprio
funcionário, passando por seus deveres funcionais de atender
com presteza e tratar com urbanidade as pessoas (ex. art. 116,
V e XI, da Lei nº 8.112/1990) e pela ameaça de cometimento

10 Inq 3.215, rel. min. Dias Toffoli, j. 4-4-2013, P, DJE de 25-9-2013; HC 83.233,
rel. min. Nelson Jobim, j. 4-11-2003, 2ª T, DJ de 19-3-2004.

90 Sumário
de crime de abuso de autoridade, chegando à necessidade de
formação de opinio delicti positiva pelo Ministério Público e,
finalmente, à apreciação do Poder Judiciário.
Em suma, o tipo penal deve ser limitado a casos graves e evi-
dentes de menosprezo à função pública [...].

DOUTRINA CITADA

BENTIVEGNA, Carlos Frederico Barbosa. Liberdade de expressão,


honra, imagem e privacidade: os limites entre o lícito e o ilícito.
Barueri, SP: Manole, 2020. 341 p.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Código penal comentado. 9. ed. São
Paulo: Saraiva, 2015. p. 1447, item 2.
CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código penal comentado. 6. ed.,
atual. de acordo com a Lei n. 13.104, de 9 de março de 2015. São Paulo:
Saraiva, 2015. p. 672, item 1.
COOLEY, Thomas Mc Intyre. Princípios gerais de direito consti-
tucional nos Estados Unidos da América: em conformidade com
a 3ª edição de The General Principles of Constitutional Law in the
United States of America, Boston: Little Brown, and Company 1898
.... Campinas: Russell, 2002. 383 p.
DELMANTO, Celso et al. Código penal comentado. 9. ed., rev., atual.
e ampl., 3. tiragem. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 985.
GOLDMAN, Alvin I., BAKER, Daniel, Free speech, fake news, and demo-
cracy. First Amendment Law Review, v. 66, n. 18, p. 66-141, 2019.

91 Sumário
GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à
Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José
da Costa Rica. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 136. (Direito
penal, v. 4).
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código penal: Decreto-lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1959.
v. 9. p. 424.
JESUS, Damásio Evangelista de. Código penal anotado. 23. ed. São
Paulo: Saraiva, 2016. p. 1230.
LEWIS, Anthony. Liberdade para as ideias que odiamos: uma biografia
da primeira emenda à Constituição americana. São Paulo: Aracati,
2011. 248 p.
MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Freedom of expression: what les-
sons should we learn from US experience? Revista Direito GV, v. 13,
n. 1, p. 274-302, jan./abr. 2017. Disponível em: https://www.scielo.br/j/
rdgv/a/tRnqx97GRkqny4L77JFGBTx/?format=pdf&lang=en. Acesso
em: 27 fev. 2020.
MASSON, Cleber. Código penal comentado: análise completa: legis-
lação, doutrina e jurisprudência 4. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo:
Método, 2016. p. 1396-1397.
MATA, Jéssica Gomes da. A política do enquadro. 2019. Dissertação
(Mestrado em Direito Penal) – Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2019. p. 178.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 12. ed.,
rev. e atual. São Paulo: SaraivaJur, 2017. p. 94-95.
MIRABETE, Júlio Fabbrini; FABBRINI, Renato N. Código Penal Inter-
pretado. 9. ed. Atlas, 2015. p. 2116, item 331.2.
NAÇÕES UNIDAS. Economic and Social Council. Commission on
Human Rights. Civil and political rights, including the question of

92 Sumário
freedom of expression: report submitted by Mr. Abid Hussain, Spe-
cial Rapporteur, in accordance with Commission on Human Rights
Resolution 1999/36: addendum: visit to the Sudan: E/CN.4/2000/63/
Add. 13 March 2000. 33 p. Disponível em: https://digitallibrary.un.org/
record/411063/files/E_CN-4_2000_63_Add-1-EN.pdf. Acesso em: 27
fev. 2023.
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 18. ed. São Paulo:
Saraiva, 1988. v. 4, p. 303.
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito penal. 23. ed. São Paulo:
Saraiva, 2003. v. 4. p. 317, item 1391.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado. 18. ed. Rio
de Janeiro: Forense, 2018. p. 1517-1518, item 48.
ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Comissão Intera-
mericana de Direitos Humanos. Informe anual del relator especial
para la libertad de expresión: 1999. Disponível em: http://www.oas.
org/es/cidh/expresion/docs/informes/anuales/Informe%20Anual%20
1999.pdf. Acesso em: 27 fev. 2023.
OSORIO, Aline. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Hori-
zonte: Fórum, 2017. 456 p.
SMET, Stijn; BREMS, Eva (ed.). When human rights clash at the Euro-
pean Court of Human Rights: conflict or harmony?. Oxford: Oxford
University Press, 2017. 280 p.

93 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS 11

1. Inteiro teor do acórdão da ADPF 496


2. Amicus curiae
3. Julgados relacionados
ARE 1.049.152 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 7-5-2018, 2ª T,
DJE de 28-5-2018.
HC 106.808, rel. min. Gilmar Mendes, j. 9-4-2013, 2ª T,
DJE de 24-4-2013.

11 A ausência de áudio e/ou vídeo justifica-se em razão de o julgamento ter


sido realizado em ambiente virtual.

94 Sumário
FAKE NEWS

É constitucional o inquérito
instaurado com o objetivo de
investigar a existência de notícias
fraudulentas, denunciações
caluniosas e ameaças contra a
Corte, seus ministros e familiares.

[ADPF 572, rel. min. Edson Fachin, j. 18-6-2020,


P, DJE de 13-11-2020.]

Sumário
RESUMO

É constitucional a instauração de inquérito pelo STF com o objetivo


de apurar a existência de notícias fraudulentas, denunciações calu-
niosas, ameaças e atos que podem configurar crimes contra a honra
e atingir a honorabilidade e a segurança do STF, dos seus membros
e familiares.

96 Sumário
O inquérito previsto no art. 43 do Regimento
Interno do STF é compatível com a ordem
constitucional vigente

Princípio do juiz natural:


designação do relator
por ato do presidente

É CONSTITUCIONAL INQUÉRITO
INSTAURADO PELO STF PARA
APURAR NOTÍCIAS FRAUDULENTAS,
DENUNCIAÇÕES CALUNIOSAS, AMEAÇAS
E ATOS PRATICADOS CONTRA A CORTE,
SEUS MEMBROS E FAMILIARES

Não há liberdade de expressão


que ampare a defesa de atos
que atentem contra direitos
assegurados na Constituição

Instrumento de defesa do
equilíbrio e da estabilidade
entre os Poderes

Infração à lei penal ocorrida


na sede ou dependência
do Tribunal

97 Sumário
10 X 1

Vencedores no mérito: Vencido no mérito:

Min. Edson
Fachin – Relator
Min. Alexandre de Moraes
Min. Roberto Barroso
Min. Rosa Weber
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Luiz Fux
Min. Cármen Lúcia
Min. Gilmar Mendes
Min. Marco Aurélio
Min. Celso de Mello
Min. Dias Toffoli – Presidente

98 Sumário
FUNDAMENTOS

COMPATIBILIDADE DO ART. 43 DO REGIMENTO INTERNO


DO STF COM A ORDEM CONSTITUCIONAL

O Regimento Interno da CORTE, no que diz respeito à maté-


ria processual, foi editado no exercício de competência legife-
rante, como então previsto pela ordem constitucional em vigor
(art. 119, § 3º, c, da CF/1969), e formalmente recepcionado pela
Constituição de 1988 como ato normativo com força de lei.
[...]
O inquérito previsto no art. 43 do RISTF situa-se em nível nor-
mativo apropriado, semelhante às previsões do próprio Código
de Processo Penal alusivas ao inquérito policial, as quais se apli-
cam subsidiariamente, por evidentes razões de instrumentali-
dade, não conflitando com os arts. 129, inciso I (privatividade
da ação penal pública), e 144, §§ 1º e 3º (previsão das funções
de polícia judiciária), do CPP.
O sistema acusatório de 1988 concedeu ao Ministério Público
a privatividade da ação penal pública, porém não a estendeu
às investigações penais, mantendo, em regra, a presidência dos
inquéritos policiais junto aos delegados de Polícia Judiciária.
Excepcionalmente, a legislação autoriza outras hipóteses de
investigações pré-processuais, tais como a prevista no Regi-
mento Interno do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, por ins-
tauração e determinação de sua Presidência, nos termos do
[art.] 43 do RISTF.
[...]
A atribuição de prerrogativas para instauração de procedi-
mento investigatório ao SUPREMO TRIBUNAL, como órgão

99 Sumário
de cúpula do Poder Judiciário e principal titular da Jurisdição
Constitucional, é coerente com o sistema de garantias confe-
ridos pela Constituição, não havendo que se falar em afronta
ao devido processo legal, ao dever de imparcialidade ou ao
princípio acusatório.
Ao Presidente do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, enquanto
Chefe do Poder Judiciário, compete a defesa institucional da
CORTE e da independência de seus magistrados, que somente
será plenamente assegurada quando efetivamente garantidas a
integridade física e psíquica e a própria vida de seus membros
contra graves ofensas, ameaças e atentados realizados em vir-
tude do exercício da função jurisdicional.

DESIGNAÇÃO DE MINISTRO PARA SER O RELATOR X


PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL

Toca assentar, quanto ao princípio do juiz natural, que a compe-


tência regimental é do Ministro Presidente, que pode proceder
diretamente ou por delegação a um dos ministros da Corte,
além de ter atuação restrita à fase preambular.
[...]
A questão que nesse passo se coloca é pertinente à forma da
delegação na hipótese.
No ato (portaria presidencial) impugnado, o Presidente desig-
nou ministro da Corte para condução do feito; o Presidente
poderia ter assumido diretamente essa condução, e não o fez;
valeu-se, nada obstante, de possibilidade regimental que prevê,
expressamente, ao final do art. 43 do RISTF, a hipótese de dele-
gação a outro Ministro.

100 Sumário
É o texto que se reproduziu neste voto do art. 43, segundo o
qual “o Presidente instaurará inquérito” ou “delegará esta atri-
buição a outro Ministro.”
A designação por delegação é mesmo direta por ato presiden-
cial, como ocorreu, ou deve se submeter ao crivo da distribui-
ção, eis a questão a ser respondida. Em tal contexto estão os
significantes designação e delegação. O Regimento se refere à
delegação, enquanto a Portaria designa o condutor do inquérito.
[...]
Não é extravagante apreender que a designação é um modo
de realizar a delegação. O delegante transfere de si poderes
que são seus ao exercício de outrem. Ao fazê-lo por designação
aponta, indica, escolhe desde logo a quem delegará. Aqui se
tem a delegação por designação.
A matéria não isenta de controvérsia. Também seria compreen-
sível que a delegação ali encartada poderia ser exercitada por
um dentre os Ministros integrantes do STF, sem prévia desig-
nação, e, portanto, um ato cuja materialização se submete à
normal distribuição. O que se passa é que a regra assenta a
atribuição no Presidente e este pode delegar. Age, pois, o dele-
gatário em nome do delegante.
[...] a delegação, nestes termos, pode afastar a distribuição por
sorteio, por conseguinte, a distribuição de modo aleatório entre
todos os Ministros do Tribunal. Em casos tais, embora legíti-
mas as duas vias (delegação por designação e distribuição via
sorteio), a regra do art. 43 não prevê a distribuição ou a redis-
tribuição entre todos os Ministros.

101 Sumário
ATOS ANTIDEMOCRÁTICOS X LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Nenhuma disposição do texto Constitucional pode ser inter-


pretada ou praticada no sentido de permitir a grupos ou pes-
soas suprimirem o gozo e o exercício dos direitos e garantias
fundamentais. Nenhuma disposição pode ser interpretada ou
praticada no sentido de excluir outros direitos e garantias que
são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma demo-
crática representativa de governo.
[...]
Não há ordem democrática sem o respeito às decisões judiciais.
Não há direito que possa justificar o descumprimento de uma
decisão judicial da última instância do Poder Judiciário. Afinal,
é o Poder Judiciário o órgão responsável por afastar, mesmo
contra maiorias constitucionais, quaisquer medidas que supri-
mam os direitos assegurados na Constituição. São inadmissíveis
no Estado de Direito democrático, portanto, a defesa da dita-
dura, do fechamento do Congresso Nacional ou do Supremo
Tribunal Federal. Não há liberdade de expressão que ampare a
defesa desses atos. Quem quer que os pratique precisa saber que
enfrentará a justiça constitucional. Quem quer que os pratique
precisa saber que o Supremo Tribunal Federal não os tolerará.
Não há direito e não há princípio que possam ser invocados para
autorizar transigir com a prevalência dos direitos fundamentais
e com a estabilidade da ordem democrática. Nada há no texto
Constitucional que autorize outro Poder ou outra instituição a
ter a última palavra sobre a Constituição.
[...]
Atentar contra um dos Poderes, incitando o seu fechamento, a
morte, a prisão de seus membros, a desobediência a seus atos,

102 Sumário
o vazamento de informações sigilosas não são, enfim, manifes-
tações protegidas pela liberdade de expressão.
Não há direito no abuso de direito. O antídoto à intolerância é
a legalidade democrática.

INSTRUMENTO DE DEFESA DO EQUILÍBRIO E


ESTABILIDADE ENTRE OS PODERES

Indiciária de ameaça concreta a ensejar esse regime constitu-


cional de responsabilidade é a vulneração do núcleo essencial
de identidade constitucional de cada Poder, que, no caso do
Judiciário, está na sua na independência funcional [...].12
[...]
Pois bem, é esse o predicado essencial: o equilíbrio e estabilidade
entre os Poderes, reclamando a necessária atuação da compe-
tência institucional para preservar a supremacia da Constituição.
Constata-se, in casu, inequívoca ausência de atuação sponte
propria dos órgãos de controle com o fim de apurar o intuito de
lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judi-
ciário e ao Estado de Direito. Emerge daí a incidência do artigo
43 do RISTF: na omissão dos órgãos de controle, averiguar, no
limite da natureza de peça informativa, lesão ou perigo de lesão
à independência do Poder Judiciário e ao Estado de Direito.

12 A independência suporta, na sua feição constitucional, teores diversos de


autonomia administrativa, financeira e disciplinar. Na verdade, ela só consi-
dera invulnerável, como predicado essencial do sistema da separação, quando
concreta redução de seu âmbito primitivo importe, em dano do equilíbrio e
estabilidade entre os Poderes, transferência de prerrogativas a outro deles, ainda
que não chegue a caracterizar submissão política. (ADI 3.367, rel. min. Cezar
Peluso, Pleno, DJ de 17.3.2006, p. 209).

103 Sumário
Sem embargo, inexiste sentido ou prática que possa desbordar
desse múnus.
[...]
Na perspectiva do devido processo penal constitucional, inves-
tigar, acusar, defender e julgar são mesmo afazeres de funções
distintas. Nas democracias, reitero, há mesmo um sistema de
justiça a ser preservado, incluindo-se a advocacia (pública e
privada), as defensorias, o Ministério Público e o Judiciário.
O art. 43 do Regimento Interno é, assim, regra excepcional que
confere ao Judiciário função atípica na seara da investigação, de
modo que, a fim de preservar preceitos fundamentais, dentre
os quais, o princípio da separação dos poderes (CFRB, art. 60,
§ 4º, III), impende ter um rígido escrutínio do seu emprego.
[...]
Esse dispositivo é repetido no art. 2º da Resolução STF nº
564/2015, ocasião recente em que o Tribunal reconheceu a
constitucionalidade das disposições sobre a polícia do STF, regu-
lamentando “o exercício do poder de polícia previsto no art. 42,
43, 44 e 45 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal.”.

INFRAÇÃO À LEI PENAL OCORRIDA NA SEDE OU


DEPENDÊNCIA DO TRIBUNAL

[...] no mundo da terceira revolução industrial, que é marcado


pela tecnologia da informação, pela universalização dos com-
putadores pessoais e pela rede mundial de computadores, que
interconecta a todos em tempo real, e já às vésperas da quarta
revolução industrial, que combina a tecnologia da informação
com a biotecnologia e muitas outras técnicas que o avanço tec-
nológico tem trazido, a ideia de sede ou dependência já não pode

104 Sumário
mais ter uma conotação puramente física, porque boa parte da
vida contemporânea, para bem e para mal, é vivida virtualmente,
como de resto bem comprova esta sessão a que todos estamos
comparecendo, em que estamos todos em locais geografica-
mente distintos, inclusive em Estados distintos da Federação, e
estamos, no entanto, reunidos virtualmente no mesmo lugar, que
é esta plataforma pela qual estamos nos comunicando.
A ideia de sede ou dependência no mundo contemporâneo já
não significa mais dentro de um espaço físico determinado. E,
portanto, ataques virtuais ao Supremo Tribunal Federal, via inter-
net, via rede mundial de computadores, e os múltiplos instru-
mentos que a rede mundial oferece – vão do WhatsApp, passam
pelo YouTube, Instagram, Facebook –, todos eles permitem que se
amplie a ideia de sede e dependência para significar tudo aquilo
que, de alguma forma, chegue ao Tribunal, agredindo-o, sem que
necessariamente se exija que alguém tenha fisicamente inva-
dido as dependências do prédio. Portanto, ao analisar o art. 43,
assento que “sede, ou dependência” não exclui, no mundo con-
temporâneo, a possibilidade de que esses ataques ao Supremo
sejam por via virtual e que se considere que isso tenha ocorrido
efetivamente dentro do Supremo Tribunal Federal.

DOUTRINA CITADA

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no


direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica
da jurisprudência. 4. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 289.
BON, Pierre. La légitimité du Conseil Constitucionnel français. In:
COLÓQUIO NO 10. ANIVERSÁRIO DO TRIBUNAL CONSTITUCIO-

105 Sumário
NAL, 1993, Lisboa. Legitimidade e legitimação da justiça constitu-
cional. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 139-153.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria
da Constituição. 2. ed. Coimbra: Almedina, 1998. p. 782.
CAPPELLETTI, Mauro. Necesidad y legitimidade de la justicia constitu-
cional. In: FAVOREU, Louis et al. Tribunales constitucionales europeus
y derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucio-
nales, 1984. p. 599-662.
COOLEY, Thomas Mc Intyre. Princípios gerais de direito constitu-
cional dos Estados Unidos da América do Norte. 2. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 1982. p. 142.
DAVID, René. Os grandes sistemas do direito contemporâneo. São
Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 54.
MIRANDA, JORGE. Nos dez anos de funcionamento do tribunal
constitucional. In: COLÓQUIO NO 10. ANIVERSÁRIO DO TRIBUNAL
CONSTITUCIONAL, 1993, Lisboa. Legitimidade e legitimação da
justiça constitucional. Coimbra: Coimbra Editora, 1995. p. 95.
LIMA, Renato Brasileiro de. Código de processo penal comentado.
2. ed. Salvador: Juspodium, 2017. p. 39-40.
LUCHAIRE, François. El Consejo Constitucional francés. In: FAVO-
REU, Louis et al. Tribunales constitucionales europeus y derechos
fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984.
p. 55-132.
PEREZ ROYO, Javier. Tribunal constitucional y división de poderes.
Madri: Tecnos, 1988. p. 24-25.
SHWARTZ, BERNARD. Direito constitucional americano. Rio de
Janeiro: Forense, 1966, p. 26-27.

106 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADPF 572


2. Amicus curiae
3. Vídeos do julgamento
Vídeo 1
Vídeo 2

107 Sumário
LIBERDADE DE EXPRESSÃO DOS
AGENTES POLÍTICOS

Ocupante de cargo público no


Poder Executivo tem imunidade
relativa, quando se pronuncie
sobre fatos relacionados ao
exercício da função pública.

[RE 685.493, rel. min. Marco Aurélio, j. 22-5-2020,


P, DJE de 17-8-2020, Tema 562.]

Sumário
TESE FIXADA Tema 562

Ante conflito entre a liberdade de expressão de agente político,


na defesa da coisa pública, e honra de terceiro, há de prevalecer o
interesse coletivo.

110 Sumário
Relativização quanto à tutela de seus direitos
à privacidade, à honra e à imagem
• esfera de privacidade reduzida

Liberdade de manifestar opiniões


com maior elasticidade que
os agentes privados

Prevalência do interesse coletivo na


condução dos negócios públicos

LIBERDADE DE EXPRESSÃO DE
AGENTES POLÍTICOS

Imunidade relativa dos agentes


do Poder Executivo
• quanto à manifestação sobre temas
conexos ao exercício de seu cargo

Dever de informação
• transparência e
• accountability

111 Sumário
9 X 113

Vencedores no mérito: Vencido:


(art. 485, VI, do CPC)

Min. Marco Min. Edson Fachin – voto escrito


Aurélio – Relator
Min. Alexandre
de Moraes – voto escrito
Min. Rosa Weber – voto escrito
Min. Luiz Fux – voto escrito
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Gilmar Mendes
Min. Celso de Mello
Min. Dias Toffoli – Presidente

Afirmou suspeição:
Min. Roberto Barroso

13 Julgamento realizado pelo Plenário Virtual com ordem de julgamento livre.

112 Sumário
FUNDAMENTOS

LIBERDADE DE EXPRESSÃO DOS AGENTES POLÍTICOS

[...] premissas quanto à liberdade de expressão assumem con-


tornos especiais quando se está a tratar de seu alcance para
agentes públicos, relativamente a matérias que dizem respeito
ao exercício da função. Sobre o ponto, Celso Antônio Ban-
deira de Mello define os agentes públicos como “os titulares
dos cargos estruturais à organização política do país” (Curso
de direito administrativo, 33ª ed. São Paulo: Malheiros, 2018).
Para esses agentes, em razão do regime jurídico especial a que se
submetem, há certa relativização quanto à tutela de seus direi-
tos à privacidade, honra e imagem. Entretanto, a eles também se
outorga maior liberdade para se manifestar, podendo expressar
suas opiniões com menor embaraço, especialmente quando se
tratar de tema conexo ao exercício de seu cargo.
Manifestações ácidas, inconvenientes e controversas são intrín-
secas ao cotidiano dos agentes políticos, em relação às quais
se exige tolerância mais ampla, cuja admissão só se supera em
casos de ofensas manifestamente abusivas, desleais ou com-
provadamente falsas. Isso porque a liberdade dos governados
se manifestarem quanto ao papel desempenhado por seus
governantes é inerente à atividade democrática, permitindo
maior controle da atividade política por meio da crítica pública
(MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. A liberdade de expressão
e o direito de crítica pública. Revista da Faculdade de Direito da
UFRGS, Porto Alegre, nº 22, 2002).
É por essa razão que, como bem expõe o eminente Ministro Luís
Roberto Barroso, “as pessoas que ocupam cargos públicos têm o
seu direito de privacidade tutelado em intensidade mais branda”,

113 Sumário
já que “o controle do poder governamental e a prevenção
contra a censura ampliam o grau legítimo de ingerência na
esfera pessoal da conduta dos agentes públicos” (BARROSO,
Luís Roberto. Colisão entre Liberdade de Expressão e Direitos
da Personalidade. Critérios de Ponderação. Interpretação
constitucionalmente adequada do código civil e da lei de
imprensa. In: Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro,
v. 235, p.1-36, Jan./Mar. 2004).
Isto é, na vigência de princípios e regras democráticas, a liber-
dade de expressão e de manifestação do pensamento deve ser
a mais ampla possível e, consectariamente, aqueles que buscam
a vida pública devem tolerar as implicações de tal escolha.
De outro modo, porém, o dever de informação dos agentes
públicos para com os cidadãos e a exigência de transparên-
cia e de accountability por parte do Poder Público promovem
mitigação dessa flexibilização, mercê de o discurso dos agentes
políticos possuir proteção mais abrangente, não obstante o
direito de personalidade de terceiros envolvidos e/ou afetados.
Disputas políticas, não raramente, são marcadas justamente por
uma linguagem áspera e pungente, o que faz com que decla-
rações mordazes sejam deveras mais aceitas em tal contexto,
a despeito de inadmissíveis em âmbito distinto, por exemplo.
Nesse contexto, para se averiguar eventual excesso no exercí-
cio da liberdade de expressão de alguém e, por conseguinte,
autorizar necessária indenização relativa aos danos causados,
é preciso, antes, avaliar elementos como: (i) quem foi o emissor
da manifestação; (ii) em que ambiente esta foi exteriorizada; e
(iii) em qual contexto a proferiu.

114 Sumário
IMUNIDADE RELATIVA DOS AGENTES POLÍTICOS
INSERIDOS NO PODER EXECUTIVO

Os agentes políticos inseridos no Poder Executivo, embora não


possuam imunidade absoluta quando no exercício da função,
devem também ser titulares de algum grau de proteção confe-
rida pela ordem jurídica constitucional. Defendo essa posição
com apoio em dois argumentos. Explico.
Primeiro, existe evidente interesse público em que os agentes
políticos mantenham os administrados plenamente informados a
respeito da condução dos negócios públicos. Trata-se de exigência
clara dos princípios democrático e republicano. Em outras pala-
vras, quando se cuida de agente político, há um dever de expres-
são relacionado aos assuntos públicos, alcançando não apenas
os fatos a respeito do funcionamento das instituições públicas,
mas até mesmo os prognósticos que eventualmente efetuem.
[...]
Reconhecer a imunidade relativa no tocante aos agentes do
Poder Executivo, tal como ocorre com os membros do Poder
Legislativo, no que tange às opiniões, palavras e juízos que mani-
festam publicamente, é importante no sentido de fomentar o
livre intercâmbio de informações entre eles e a sociedade civil.
É o que se diz, quanto à liberdade de imprensa, do denominado
efeito silenciador. O direito também pode ser entendido como
uma política pública e, como tal, tem o papel de fomentar o
aperfeiçoamento do sistema político. Interpretar o ordena-
mento jurídico de modo a restringir demasiadamente o grau
de liberdade de manifestação pública conferida aos agentes
políticos serve ao propósito de criar uma mordaça, ainda que
sob a roupagem de proteção de outros direitos fundamentais.
Além disso, mostra-se necessária a existência de um ambiente
de segurança jurídica para que pessoas verdadeiramente com-

115 Sumário
prometidas com o interesse público venham a ocupar os cargos
políticos. O risco de ser processado a todo tempo por grupos
politicamente descontentes tem como consequência uma ati-
tude defensiva, a dificultar a prestação de contas à população,
além de desestimular que os indivíduos concorram a cargos
públicos de cúpula.
O segundo argumento concerne à necessidade de reconhe-
cer algum grau de simetria entre a compressão que sofrem no
direito à privacidade e o regime da liberdade de expressão.
[...]
O argumento é singelo: aqueles que ocupam cargos públicos
tem a esfera de privacidade reduzida. Isso porque o regime
democrático impõe que estejam mais abertos à crítica popular.
Em contrapartida, devem ter também a liberdade de discutir,
comentar e manifestar opiniões sobre os mais diversos assuntos
com maior elasticidade que os agentes privados, desde que,
naturalmente, assim o façam no exercício e com relação ao
cargo público ocupado.

IMUNIDADE: NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A OPINIÃO


DIVULGADA E O EXERCÍCIO DO MANDATO

[...] É plausível, no contexto da Carta de 1988, reconhecer aos


servidores públicos um campo de imunidade relativa, vincu-
lada ao direito à liberdade de expressão, quando se pronun-
ciam sobre fatos relacionados ao exercício da função pública.
Essa liberdade é tanto maior quanto mais elastecidas forem as
atribuições políticas do cargo que exercem. A proteção desse
espaço, que não pode ser qualificado como imunidade abso-
luta, relaciona-se à importância, para a coletividade, de esses

116 Sumário
servidores exprimirem a própria visão e conhecimento sobre a
condução dos negócios públicos.
A imunidade relativa dos agentes políticos está circunscrita
aos casos em que puder ser reconduzida, ainda que de modo
tênue, ao exercício da função pública. Naturalmente, hão de
ser excluídos os casos de dolo manifesto, ou seja, o deliberado
intento de prejudicar outrem. No mais, as afirmações equivo-
cadas, quando assim provadas, são inevitáveis em um debate
livre e também devem ser protegidas para que a liberdade de
expressão tenha vez na ordem constitucional brasileira.

DOUTRINA CITADA

BARROSO, Luís Roberto. Colisão entre liberdade de expressão e direi-


tos da personalidade: critérios de ponderação: interpretação consti-
tucionalmente adequada do código civil e da lei de imprensa. Revista
de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 235, p. 1-36, jan./mar.
2004. Disponível em: https://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/
rda/article/view/45123/45026. Acesso em: 28 fev. 2023.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito adminis-
trativo. 33. ed., rev. e atual. até a Emenda constitucional 92, de
12.07.2016. São Paulo: Malheiros, 2016. 1151 p.
MIRAGEM, Bruno Nubens Barbosa. A liberdade de expressão e o direito
de crítica pública. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, Porto
Alegre, n. 22, p. 8-30, abr. 2002. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/
index.php/revfacdir/article/view/72634/41106. Acesso em: 28 fev. 2023.

117 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS 14

1. Inteiro teor do acórdão do RE 685.493


2. Julgados relacionados
RE 600.063, rel. min. Marco Aurélio, red. do ac. min.
Roberto Barroso, j. 25-2-2015, P, DJE de 15-5-2015, Tema
469.
Pet 7.174, rel. min. Alexandre de Moraes, red. do ac.
min. Marco Aurélio, j. 10-3-2020, 1ª T, DJE de 28-9-2020.
Inq 4.694, rel. min. Marco Aurélio, j. 11-9-2018, 1ª T, DJE
de 1º-8-2019.
Inq 4.177, rel. min. Edson Fachin, j. 12-4-2016, P, DJE de
16-6-2016.
AC 3.883 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 10-11-2015,
2ª T, DJE de 1º-2-2016.
HC 82.424, rel. min. Moreira Alves, red. do ac. min.
Maurício Corrêa, j. 26-6-2003, P, DJE de 13-3-2004.

14 A ausência de áudio e/ou vídeo justifica-se em razão de o julgamento ter


sido realizado em ambiente virtual.

118 Sumário
LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO
AMBIENTE UNIVERSITÁRIO

Atos de busca e apreensão de


materiais de conteúdo eleitoral
e a suspensão de atividades
de divulgação de ideias em
universidades públicas e
privadas violam a Constituição
Federal de 1988.

[ADPF 548, rel. min. Cármen Lúcia, j. 15-5-2020,


P, DJE de 9-6-2020.]

Sumário
RESUMO

É inconstitucional a interpretação dos artigos 24 e 37 da Lei


n. 9.504/1997 que conduza a atos judiciais ou administrativos que
possibilitem, determinem ou promovam ingresso de agentes públicos
em universidades públicas e privadas, recolhimento de documen-
tos, interrupção de aulas, debates ou manifestações de docentes e
discentes universitários, a atividade disciplinar docente e discente e
coleta irregular de depoimentos pela prática de manifestação livre de
ideias e divulgação de pensamento nos ambientes universitários ou
equipamentos sob administração de universidades púbicas e privadas
e serventes a seus fins e desempenhos.

120 Sumário
Descumprimento de preceitos constitucionais fundamentais
• liberdade de expressão e livre manifestação do pensamento
• liberdade de reunião
• liberdade de informação, ensino e aprendizagem
• pluralismo político
• autonomia universitária

Nulidade dos atos do poder público que, ao interpretar


normas jurídicas impeditivas de práticas durante o
processo eleitoral (art. 37 da Lei 9.504/1997):
• executou ou autorizou buscas e apreensões
• determinou proibições de ingresso e interrupção de
aulas, palestras, debates ou atos congêneres
• promoveu a inquirição de docentes, discentes e de
outros cidadãos em universidades públicas e privadas

LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO
AMBIENTE UNIVERSITÁRIO

Art. 37 da Lei 9.504/1997


• Interpretação restritiva
•  se impedir ou restringir as formas de liberdades e
de sua manifestação, há nulidade
•  se houver restrição no ambiente de informação,
ensino e aprendizagem, como é o universitário, a
nulidade é mais patente
• Finalidade
•  impedir o abuso do poder econômico e político
•  preservar a igualdade entre os candidatos no
processo

Processo eleitoral democrático


• fundamenta-se nos princípios das liberdades públicas

Autonomia universitária
• autonomia didático-científica
• pluralismo de ideias
• A liberdade de expressão e de manifestação de pensamento
deve ser assegurada do modo mais amplo possível

121 Sumário
11 X 015

Vencedores no mérito:

Min. Cármen
Lúcia – Relatora
Min. Alexandre de
Moraes – voto escrito
Min. Edson Fachin
Min. Roberto Barroso
Min. Rosa Weber
Min. Luiz Fux
Min. Ricardo
Lewandowski – voto escrito
Min. Gilmar Mendes
Min. Marco Aurélio
Min. Celso de
Mello – voto escrito
Min. Dias Toffoli – Presidente

15 Julgamento realizado pelo Plenário Virtual com ordem de julgamento livre.

122 Sumário
FUNDAMENTOS

LIBERDADES PÚBLICAS E PROCESSO ELEITORAL


DEMOCRÁTICO

O processo eleitoral, no Estado democrático, fundamenta-se


nos princípios da liberdade de manifestação do pensamento, da
liberdade de informação e de ensino e aprendizagem, da liber-
dade de criação e artística, da liberdade de escolhas políticas, em
perfeita compatibilidade com elas se tendo o princípio, também
constitucionalmente adotado, da autonomia universitária.
Por eles se garante a liberdade de escolha política sem o que não
se tem processo eleitoral plural, como inerente à democracia a
ser construída e garantida e no qual comparece a eleição como
instrumento imprescindível à sua dinâmica.
Sem liberdade de manifestação, a escolha é inexistente. O que
é para ser opção, transforma-se em simulacro de alternativa. O
processo eleitoral transforma-se em enquadramento eleitoral,
próprio das ditaduras.
Por isso, toda interpretação de norma jurídica que colida com
qualquer daqueles princípios, ou, o que é pior e mais grave, que
restrinja ou impeça a manifestação da liberdade é inconstitu-
cional, inválida, írrita.
Todo ato particular ou estatal que limite, fora dos princípios
fundamentais constitucionalmente estabelecidos, a liberdade
de ser e de manifestar a forma de pensar e viver o que se é, não
vale juridicamente, devendo ser impedido, desfeito ou retirado
do universo das práticas aceitas ou aceitáveis.
Em qualquer espaço no qual se imponham algemas à liberdade de
manifestação há nulidade a ser desfeita. Quando esta imposição

123 Sumário
emana de ato do Estado (no caso do Estado-juiz ou de atividade
administrativa policial), mais afrontoso é por ser ele o responsá-
vel por assegurar o pleno exercício das liberdades, responsável
juridicamente por impedir sejam elas indevidamente tolhidas.
Fazendo incidir restrição no ambiente de informação, ensino e
aprendizagem como é o universitário, que tem o reforço cons-
titucional da garantia de autonomia, assegurado de maneira
específica e expressa constitucionalmente, para se blindar esse
espaço de investidas indevidas restritivas de direitos, a demons-
tração da nulidade faz-se mais patente e também mais séria.
A liberdade é o pressuposto necessário para o exercício de todos
os direitos fundamentais. Os atos questionados na presente
arguição de descumprimento de preceito fundamental desaten-
dem os princípios constitucionais assecuratórios da liberdade
de manifestação do pensamento e desobedecem as garantias
inerentes à autonomia universitária.

INTERPRETAÇÃO DE NORMAS JURÍDICAS IMPEDITIVAS


DE PRÁTICAS DURANTE O PROCESSO ELEITORAL

Há que se interpretarem as normas jurídicas impeditivas de prá-


ticas durante o processo eleitoral segundo a sua finalidade e nos
limites por elas contemplados e que não transgridem princípios
constitucionais. Fora ou além do limite necessário ao resguardo de
todas as formas de manifestação livre de pensar e do espaço livre
de cada um atuar segundo o seu pensamento político o que há é
abuso não de quem se expressa, mas de quem limita a expressão.
[...]
O mandamento normativo cerceador durante o período eleitoral
está previsto no artigo 37 da Lei 9.504/97, vedando “a veiculação

124 Sumário
de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscri-
ção a tinta e exposição de placas, estandartes, faixas, cavaletes,
bonecos e assemelhados nos espaços indicados na norma”.
A interpretação do referido dispositivo deve sempre ser rea-
lizada de maneira absolutamente restritiva, pois é cerceadora
do debate político [...].
[...]
Não se trata, aqui, de fazer letra morta do art. 37 da Lei das
Eleições, que tem a função relevante de coibir o abuso do poder
político e econômico, os quais não devem influenciar nem as
eleições nem mesmo, ressalto, as atividades acadêmicas da
universidade. A tal dispositivo, porém, deve ser dada a leitura
correta diante de valores da máxima envergadura que com ele
podem colidir. Notadamente, destaco, a liberdade de expressão
de pensamento, a liberdade acadêmica e a autonomia univer-
sitária em sua dimensão didático-científica.

FINALIDADE DO ART. 37 DA LEI Nº 9.504/1997

A finalidade da norma na qual se regulamenta a propaganda elei-


toral e impõe proibição de alguns comportamentos em períodos
especificados é impedir o abuso do poder econômico e político
e preservar a igualdade entre os candidatos no processo.
A norma visa ao resguardo da liberdade do cidadão, ao amplo
acesso das informações para que ele decida conforme sua con-
clusão livremente obtida, sem cerceamento direto ou indireto
a seu direito de escolha.
A vedação legalmente imposta tem finalidade específica. Logo,
o que não se contiver nos limites da finalidade de lisura do
processo eleitoral e, diversamente, atingir a livre manifestação

125 Sumário
do cidadão não se afina com a teleologia da norma eleitoral,
menos ainda com os princípios constitucionais garantidores da
liberdade de pensamento, de manifestação, de informação, de
aprender e ensinar.

AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA

[...] dentre todas as corporações, públicas ou privadas, é precisa-


mente no seio das universidades que a liberdade de expressão e
de manifestação de pensamento deve ser assegurada do modo
mais amplo possível, vedada a imposição de quaisquer barrei-
ras, quer formais quer informais, visto que, seja qual for a sua
natureza, laicas ou mesmo confessionais, elas todas ostentam
uma posição sui generis no cenário cultural, pois lhes é assegu-
rada constitucionalmente a autonomia didático-científica, bem
assim a irrestrita liberdade de expressão por parte de alunos e
professores, resguardadas, por óbvio, as regras básicas de con-
vivência civilizada.
Como bem pontuam Jean-Paul Veiga da Rocha e Diogo R.
Coutinho, a universidade somente pode cumprir sua função
numa sociedade livre, democrática, plural e decente se houver
liberdade acadêmica e, talvez, esta sociedade somente possa
existir onde houver universidade que produza “conhecimento
de forma autônoma, protegida contra pressões externas”.
Sublinho que a verdade contida nessas assertivas decorre de
serem as universidades os templos onde se cultua de forma
desinteressada a ciência em todas as suas formas. Por isso
mesmo, ainda que se admita que as vedações estabelecidas pela
legislação eleitoral podem, em tese, incidir com maior rigor em
determinadas repartições públicas, tal não se aplica às institui-
ções de ensino superior, nas quais a autonomia acadêmica e a

126 Sumário
livre manifestação do pensamento, por definição constitucional,
hão de ser as mais amplas possíveis.
[...]
A autonomia é o espaço de discricionariedade deixado consti-
tucionalmente à atuação normativa infralegal de cada univer-
sidade para o excelente desempenho de suas funções constitu-
cionais. Reitere-se: universidades são espaços de liberdade e de
libertação pessoal e política. Seu título indica a pluralidade e o
respeito às diferenças, às divergências para se formarem con-
sensos, legítimos apenas quando decorrentes de manifestações
livres. Discordâncias são próprias das liberdades individuais. As
pessoas divergem, não se tornam por isso inimigas. As pessoas
criticam. Não se tornam por isso ingratas. Democracia não é
unanimidade. Consenso não é imposição, é conformação livre
a partir de diferenças respeitadas.
Daí ali ser expressamente assegurado pela Constituição da
República a liberdade de aprender e de ensinar e de divulgar
livremente o pensamento, porque sem a manifestação garantida
o pensamento é ideia engaiolada.
Também o pluralismo de ideias está na base da autonomia uni-
versitária como extensão do princípio fundante da democracia
brasileira, que é exposta no inc. V do art. 1º da Constituição
do Brasil.
[...]
Cabe a esta Corte, no exercício da tutela constitucional da
defesa das liberdades públicas, proteger de forma incondicional
as universidades, que sempre foram bastiões da independência,
da autonomia e da emancipação do pensamento nacional, e que
como tal foram erigidas pelo Poder Constitucional, no art. 207
da Carta Magna.

127 Sumário
DOUTRINA CITADA

ROCHA, Jean-Paul Veiga da; COUTINHO, Diogo R. Liberdade


acadêmica, hierarquia e autonomia: STF pode reconhecer e
proteger de forma contundente a liberdade acadêmica ao julgar
a ADPF 548. JOTA, 31 out. 2018. Disponível em: https://www.jota.
info/opiniao-e-analise/artigos/liberdade-academica-hierarquia-e-
autonomia-31102018. Acesso em: 31 out. 2018.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27.
ed., rev. e atual. até a Emenda constitucional n. 52, de 8.3.2006.
São Paulo: Malheiros, 2006. p. 562-563.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADPF 548


2. Amicus curiae
3. Vídeo do programa da TV Justiça “Plenárias”
4. Vídeos do julgamento
Vídeo 1
Vídeo 2

128 Sumário
IDENTIDADE DE GÊNERO

É inconstitucional lei municipal


que proíba a divulgação de
material sobre questões de gênero
nas escolas.

[ADPF 457, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 27-4-2020,


P, DJE de 3-6-2020.]

Sumário
RESUMO

A eventual necessidade de suplementação da legislação federal, com


vistas à regulamentação de interesse local (art. 30, I e II, CRFB/88), não
justifica a proibição de conteúdo pedagógico, não correspondente às
diretrizes fixadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei
9.394/1996). A lei municipal, ao proibir divulgação de material com
referência a ideologia de gênero nas escolas municipais, não cumpre
com o dever estatal de promover políticas de inclusão e de igualdade,
contribuindo para a manutenção da discriminação com base na orien-
tação sexual e identidade de gênero.

130 Sumário
Oposição do silêncio
• contraria objetivos e
princípios fundamentais da
República Federativa do Brasil

Contrariedade ao objetivo fundamental


relacionado à promoção do bem de todos
• todos são iguais perante a lei, sem
distinção de qualquer natureza

PROIBIÇÃO DE DIVULGAÇÃO DE
MATERIAL DIDÁTICO COM CONTEÚDO
RELACIONADO À TEMÁTICA DE
GÊNERO NAS ESCOLAS

Princípio de Yogyakarta
• aplicação da legislação internacional
sobre direitos humanos em relação à
orientação sexual e identidade de gênero

O reconhecimento da
identidade de gênero é,
portanto, constitutivo da
dignidade humana

131 Sumário
11 X 016

Vencedores no mérito:

Min. Alexandre
de Moraes – Relator
Min. Edson Fachin – voto escrito
Min. Roberto Barroso
Min. Rosa Weber
Min. Luiz Fux
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Gilmar Mendes – voto
escrito

Min. Marco Aurélio


Min. Celso de Mello
Min. Dias Toffoli – Presidente

16 Julgamento realizado pelo Plenário Virtual com ordem de julgamento livre.

132 Sumário
FUNDAMENTOS

A IMPOSIÇÃO DO SILÊNCIO CONTRARIA OBJETIVOS E


PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA REPÚBLICA FEDERATIVA
DO BRASIL

Ao aderir à imposição do silêncio, da censura e, de modo mais


abrangente, do obscurantismo como estratégias discursivas
dominantes, de modo a enfraquecer ainda mais a fronteira entre
heteronormatividade e homofobia, a Lei municipal impugnada
contrariou um dos objetivos fundamentais da República Federa-
tiva do Brasil, relacionado à promoção do bem de todos (art. 3º,
IV, CF), e, por consequência, o princípio segundo o qual todos
são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza
(art. 5º, caput, CF).
Regentes da ministração do ensino no País, os princípios atinen-
tes à liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensa-
mento, a arte e o saber (art. 206, II, CF) e ao pluralismo de ideias e
de concepções pedagógicas (art. 206, III, CF), amplamente recon-
duzíveis à proibição da censura em atividades culturais em geral
e, consequentemente, à liberdade de expressão (art. 5º, IX, CF),
não se direcionam apenas a proteger as opiniões supostamente
verdadeiras, admiráveis ou convencionais, mas também aquelas
eventualmente não compartilhadas pelas maiorias.
[...]
[...] as normas impugnadas, ao proibirem qualquer referência à
diversidade de gênero no material didático utilizado em escolas
da rede pública de ensino, acabam cristalizando uma cosmovi-
são tradicional de gênero e sexualidade que ignoram o plura-
lismo da sociedade moderna.

133 Sumário
IDENTIDADE DE GÊNERO

[...] é extremamente elucidativa a Introdução aos Princípios de


Yogyakarta, documento apresentado no Conselho de Direitos
Humanos da ONU que versa justamente sobre a aplicação da
legislação internacional sobre direitos humanos em relação à
orientação sexual e identidade de gênero.
Nele se consigna logo de partida em seu preâmbulo que iden-
tidade de gênero:
[...] como estando referida à experiência interna, indi-
vidual e profundamente sentida que cada pessoa tem
em relação ao gênero, que pode, ou não, corresponder
ao sexo atribuído no nascimento, incluindo-se aí o sen-
timento pessoal do corpo (que pode envolver, por livre
escolha, modificação da aparência ou função corporal
por meios médicos, cirúrgicos ou outros) e outras expres-
sões de gênero, inclusive o modo de vestir-se, o modo de
falar e maneirismo.
[...]
O reconhecimento da identidade de gênero é, portanto, cons-
titutivo da dignidade humana. O Estado, para garantir o gozo
pleno dos direitos humanos, não pode vedar aos estudantes o
acesso a conhecimento a respeito de seus direitos de persona-
lidade e de identidade.
[...]
[...] cumpre registrar que a ausência de debate sobre questões
envolvendo sexo e gênero não equivale à suposta “neutralidade”
sobre o assunto. Na verdade, reflete uma posição política e ideo-
lógica bem delimitada, que optar por reforçar os preconceitos
e a discriminação existentes na sociedade.

134 Sumário
DOUTRINA CITADA

PRINCÍPIOS de Yogyakarta: princípios sobre a aplicação da legislação


internacional de direitos humanos em relação à orientação sexual e
identidade de gênero. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Huma-
nos, 2007. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sos/gays/
principios_de_yogyakarta.pdf. Acesso em: 28 fev. 2023.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS 17

1. Inteiro teor do acórdão da ADPF 457


2. Amicus curiae

17 A ausência de áudio e/ou vídeo justifica-se em razão de o julgamento ter


sido realizado em ambiente virtual.

135 Sumário
DIREITO DE ACESSO À INFORMAÇÃO

É incompatível com a Constituição


Federal dispositivo de decreto-
-lei que trata de despesas
confidenciais.

[ADPF 129, rel. min. Edson Fachin, j. 5-11-2019,


P, DJE de 9-12-2019.]

Sumário
RESUMO

O Estado Democrático de Direito instaurado pela Constituição de


1988 estabeleceu, como regra, a publicidade das informações referen-
tes às despesas públicas, prescrevendo o sigilo como exceção, admi-
tido apenas quando imprescindível à segurança da sociedade e do
Estado. Reconhecida a incompatibilidade com o texto constitucional
do art. 86 do Decreto-Lei 200/1967.

138 Sumário
Responsividade dos agentes públicos

Viabilidade de acesso à informação pública

Transparência
• liberdade de expressão
• Estado Constitucional
de Direito = democrático

Publicidade é a regra
• sigilo é a excepcional
exceção

PUBLICIDADE DOS ATOS DA


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Liberdade de acesso às informações públicas


• Restrição
•  prevista em lei e com devido
processo legal
•  proteção da intimidade e da
segurança nacional
•  necessária e proporcional

Art. 86 do Decreto-Lei 200/1967 = previsão genérica


• insuficiente para amparar a restrição ao direito de
acesso à informação

139 Sumário
6 X 518

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito:

Min. Edson Min. Alexandre de


Fachin – Relator Moraes – voto escrito
Min. Luiz Fux Min. Roberto Barroso
Min. Cármen Lúcia Min. Rosa Weber
Min. Ricardo Lewandowski Min. Gilmar Mendes – voto
escrito
Min. Marco Aurélio
Min. Dias Toffoli – Presidente
Min. Celso de Mello

18 Julgamento realizado pelo Plenário Virtual com ordem de julgamento livre.

140 Sumário
FUNDAMENTOS

PUBLICIDADE DOS ATOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

[...] o princípio da publicidade dos atos da administração pública


encontra-se ligado à responsividade dos agentes públicos
perante a cidadania, esta última um dos fundamentos de nossa
República (art. 1º, II, CRFB). Mais fundamentalmente, o direito
à publicidade viabiliza o acesso à informação pública, direito
que é corolário da liberdade de expressão.
[...] a partir da noção de publicidade e, com ela, de transparên-
cia, há direta e própria referibilidade à instituição de um Estado
Constitucional de Direito que se pretende democrático, no qual,
recorde-se aqui o texto expresso da Constituição, todo o poder
dimana do povo (Art. 1º, parágrafo único, CRFB).
[...]
A ordem constitucional vigente estabeleceu a publicidade
administrativa como regra geral em um esforço para buscar a
transparência na utilização das verbas públicas. Ao assim pro-
ceder, deu ampla e integral proteção ao direito à liberdade de
expressão, que é definido não apenas como o direito de divulgar,
mas também o de receber e buscar informações.
Mais do que isso, tal modo de se lidar com a coisa pública possi-
bilita a ampla fiscalização dos agentes estatais pela cidadania em
razão de eventuais irregularidades que eventualmente venham
a ser cometidas, possibilitando, portanto, a responsabilização
dos agentes públicos.
Noutras palavras, a Constituição da República nutriu um pres-
tigioso compromisso com a liberdade de informação, a publici-
zação e a transparência das atividades estatais, de modo que o

141 Sumário
sigilo, quando referido no texto constitucional ou na legislação
infraconstitucional, deve ser interpretado de forma restritiva,
levando-se em conta a dimensão pluralística e democrática do
estado brasileiro.
[...]
A publicidade é a regra, o sigilo, a excepcional exceção.

LIBERDADE DE ACESSO ÀS INFORMAÇÕES PÚBLICAS

O art. 37, § 3º, II, da CRFB tratou de incumbir à lei as formas


de participação do usuário na Administração Pública direta e
indireta, especialmente quanto ao acesso dos usuários a regis-
tros administrativos e as informações sobre atos de governo,
fazendo ressalva, nesse ponto, quanto aos incisos X e XXXIII, do
art. 5º, da CRFB, que tratam, respectivamente, da inviolabilidade
à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas e
do sigilo das informações imprescindíveis à segurança nacional.
A leitura sistemática da Constituição permite reconhecer, assim,
que o direito de acesso à informação pública é amplo e a limi-
tação a esse direito é estrita, devendo, portanto, ser legalmente
prevista e amparada na finalidade de proteção à intimidade e
ao sigilo de dados imprescindíveis à segurança nacional. Além
disso, como é um direito, a sua restrição deve ter por base o
devido processo legal e, portanto, deve ser proporcionalmente
justificada. Por isso, quanto maior for o sigilo, mais completas
devem ser as justificativas para que, em nome da proteção da
sociedade e do Estado, tais movimentações se realizem.
[...] em sociedades democráticas, algumas informações podem
ser legitimamente objeto de restrições a seu amplo acesso; é evi-

142 Sumário
dente, no entanto, que apenas em excepcionais circunstâncias
ele se encontra justificado.
[...]
Os tratados internacionais e a própria Constituição Federal
convergem no sentido de se reconhecer não apenas a ampla
liberdade de acesso às informações públicas, corolário do direito
à liberdade de expressão, mas também a possibilidade de res-
tringir o acesso, desde de que (i) haja previsão legal; (ii) desti-
na-se a proteger a intimidade e a segurança nacional; e (iii) seja
necessária e proporcional.
[...]
[...] disposto em termos demasiadamente genéricos, a previsão
constante do art. 86 do Decreto-Lei 200/67, embora veiculada
em norma jurídica, é insuficiente para amparar a restrição ao
direito de acesso à informação. Não prevê a lei a única hipótese
em que a restrição é admitida, isto é, proteção da segurança
nacional, nem regula o direito dos cidadãos de entenderem
eventual restrição.

DOUTRINA CITADA

FACHIN, Luiz Edson. A promoção da transparência pela jurisprudência


do Supremo Tribunal Federal. In: GOMES, Marcus Lívio; ABRAHAM,
Marcus; TORRES, Heleno Taveira (coord.). Direito financeiro na juris-
prudência do Supremo Tribunal Federal. Curitiba: Juruá, 2016. p. 53.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 15. ed.
atual. pela Constituição de 1988. São Paulo: Revista dos Tribunais,
1990. p. 562.

143 Sumário
SCAFF, Fernando Facury. Direitos fundamentais e orçamento: despe-
sas sigilosas e o direito à verdade. In: CONTI, José Maurício; SCAFF,
Fernando Facury (org.). Orçamentos públicos e direito financeiro.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 231.
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 9.
ed., atual. até a Emenda Constitucional 83, de 5.8.2014. São Paulo:
Malheiros, 2014. p. 132.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS 19

1. Inteiro teor do acórdão da ADPF 129


2. Julgado relacionado
RE 865.401, rel. min. Dias Toffoli, j. 25-4-2018, P, DJE de
19-10-2018, Tema 832.

19 A ausência de áudio e/ou vídeo justifica-se em razão de o julgamento ter


sido realizado em ambiente virtual.

144 Sumário
TOLERÂNCIA E RESPEITO À
DIVERSIDADE

Práticas homofóbicas e
transfóbicas configuram atos
delituosos.

[ADO 26, rel. min. Celso de Mello, j. 13-6-2019,


P, DJE de 6-10-2020.]

Sumário
TESE FIXADA

1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional desti-


nada a implementar os mandados de criminalização definidos nos
incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas
homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão
odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por
traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimen-
são social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação
típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº
7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio
doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe
(Código Penal, art. 121, § 2º, I, in fine);
2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem
restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que
seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros
(sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes
ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado
o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem
ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas
convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos
sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária
e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os
atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço,
público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que
tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas
aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou
a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de
sua identidade de gênero;
3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social,
projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípi-

146 Sumário
cos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção
de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desi-
gualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à
subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da huma-
nidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por
não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia
em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferen-
tes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico,
expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa
estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema
geral de proteção do direito.

147 Sumário
Reunião de pessoas e grupos sociais distintos
• unidos pela vulnerabilidade
•  agravada por práticas discriminatórias e
atentatórias aos seus direitos e liberdades
fundamentais

Direito à autodeterminação
• poder fundamental de qualquer pessoa

Condutas homofóbicas e
transfóbicas = racismo
• delitos enquadrados
na Lei 7.716/1989

GARANTIA DE DIREITOS
FUNDAMENTAIS – LGBT+

Igualdade em dignidade e direitos

Liberdade de expressão
• garantia de opinião
divergente

Construção de espaço de liberdade


• apto ao crescimento de
ideias em ambiente de tolerância

Discurso de ódio não é amparado


pela liberdade de expressão

148 Sumário
8X3

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito:

Min. Celso de
Mello – Relator
Min. Edson Fachin
Min. Alexandre de Moraes
Min. Roberto Barroso
Min. Rosa Weber
Min. Luiz Fux
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
(parcialmente procedente)
Min. Gilmar Mendes
Min. Marco Aurélio
(improcedente)
Min. Dias Toffoli (parcialmente
procedente) – Presidente

149 Sumário
FUNDAMENTOS

TERMINOLOGIA

[...] a sigla LGBT, no contexto dos debates nacionais e interna-


cionais sobre a questão da diversidade sexual e de gênero, tem
sido utilizada para designar a comunidade global das pessoas
lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transgêneros, intersexuais,
além de outras definidas por sua orientação sexual ou identi-
dade de gênero.
[...]
[...] a comunidade LGBT, longe de constituir uma coletividade
homogênea, caracteriza-se, na verdade, pela diversidade de seus
integrantes, sendo formada pela reunião de pessoas e grupos
sociais distintos, apresentando elevado grau de diferenciação
entre si, embora unidos por um ponto comum: a sua absoluta
vulnerabilidade agravada por práticas discriminatórias e aten-
tatórias aos seus direitos e liberdades fundamentais.

IDEOLOGIA DE GÊNERO

O Supremo Tribunal Federal, em diversas ocasiões, veio a assi-


nalar que o direito à autodeterminação do próprio gênero ou
à definição de sua orientação sexual, enquanto expressões do
princípio do livre desenvolvimento da personalidade – longe
de caracterizar mera “ideologia de gênero” ou teoria sobre a
sexualidade humana – qualifica-se como poder fundamental de
qualquer pessoa, inclusive daquela que compõe o grupo LGBT,
poder jurídico esse impregnado de natureza constitucional, e
que traduz, iniludivelmente, em sua expressão concreta, um

150 Sumário
essencial direito humano cuja realidade deve ser reconhecida
pelos Poderes Públicos [...].20

PRÁTICAS HOMOFÓBICAS E TRANSFÓBICAS


CONFIGURAM ATOS DELITUOSOS

Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional desti-


nada a implementar os mandados de criminalização definidos
nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República,
as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que
envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade
de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo,
compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por
identidade de razão e mediante adequação típica, aos pre-
ceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de
08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio
doloso, circunstância que o qualifica , por configurar motivo
torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, in fine).

20 [...] tal como esta Corte já o fez quando do julgamento da união civil homoafe-
tiva (ADI 4.277/DF e ADPF 132/RJ, das quais foi relator o ministro Ayres Britto) e,
também, no exame da controvérsia referente à alteração do prenome da pessoa
transgênero, com redesignação do gênero por ela própria autopercebido, inde-
pendentemente de cirurgia de transgenitalização (ADI 4.275, rel. min. Marco
Aurélio, red. do ac. min. Edson Fachin, j. 1º-3-2018, P, DJE de 7-3-2019).

151 Sumário
NINGUÉM PODE SER PRIVADO DE DIREITOS NEM SOFRER
RESTRIÇÕES DE ORDEM JURÍDICA POR MOTIVO DE
ORIENTAÇÃO SEXUAL OU EM RAZÃO DE SUA IDENTIDADE
DE GÊNERO

Os integrantes do grupo LGBTI+, como qualquer outra pessoa,


nascem iguais em dignidade e direitos e possuem igual capa-
cidade de autodeterminação quanto às suas escolhas pessoais
em matéria afetiva e amorosa, especialmente no que concerne
à sua vivência homoerótica.
Ninguém, sob a égide de uma ordem democrática justa, pode
ser privado de seus direitos (entre os quais o direito à busca da
felicidade e o direito à igualdade de tratamento que a Consti-
tuição e as leis da República dispensam às pessoas em geral) ou
sofrer qualquer restrição em sua esfera jurídica em razão de sua
orientação sexual ou de sua identidade de gênero!
Garantir aos integrantes do grupo LGBTI+ a posse da cidada-
nia plena e o integral respeito tanto à sua condição quanto às
suas escolhas pessoais pode significar, nestes tempos em que as
liberdades fundamentais das pessoas sofrem ataques por parte
de mentes sombrias e retrógradas, a diferença essencial entre
civilização e barbárie.

TOLERÂNCIA COMO EXPRESSÃO DA “HARMONIA


NA DIFERENÇA” E RESPEITO PELA DIVERSIDADE DAS
PESSOAS E PELA MULTICULTURALIDADE DOS POVOS

A proteção constitucional da liberdade de manifestação do


pensamento, por revestir-se de caráter abrangente, estende-
-se, também, às ideias que causem profunda discordância ou
que suscitem intenso clamor público ou que provoquem grave

152 Sumário
rejeição por parte de correntes majoritárias ou hegemônicas
em uma dada coletividade.
As ideias, nestas compreendidas as mensagens, inclusive as pre-
gações de cunho religioso, podem ser fecundas, libertadoras,
transformadoras ou, até mesmo, revolucionárias e subversivas,
provocando mudanças, superando imobilismos e rompendo
paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais.
O verdadeiro sentido da proteção constitucional à liberdade de
expressão consiste não apenas em garantir o direito daqueles
que pensam como nós, mas, igualmente, em proteger o direito
dos que sustentam ideias (mesmo que se cuide de ideias ou de
manifestações religiosas) que causem discordância ou que pro-
voquem, até mesmo, o repúdio por parte da maioria existente
em uma dada coletividade. O caso United States v. Schwimmer
(279 U.S. 644, 1929): o célebre voto vencido (dissenting opinion)
do Justice OLIVER WENDELL HOLMES JR.
É por isso que se impõe construir espaços de liberdade, em
tudo compatíveis com o sentido democrático que anima
nossas instituições políticas, jurídicas e sociais, para que o
pensamento – e, particularmente , o pensamento religioso –
não seja reprimido e, o que se mostra fundamental, para que
as ideias, especialmente as de natureza confessional, possam
florescer, sem indevidas restrições, em um ambiente de
plena tolerância, que, longe de sufocar opiniões divergentes,
legitime a instauração do dissenso e viabilize, pelo conteúdo
argumentativo do discurso fundado em convicções antagônicas,
a concretização de valores essenciais à configuração do Estado
Democrático de Direito: o respeito ao pluralismo e à tolerância.
O discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações
e manifestações que incitem a discriminação, que estimulem
a hostilidade ou que provoquem a violência (física ou moral)
contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua

153 Sumário
identidade de gênero, não encontra amparo na liberdade consti-
tucional de expressão nem na Convenção Americana de Direitos
Humanos (Artigo 13, § 5º), que expressamente o repele.

DOUTRINA CITADA

DIAS, Maria Berenice. Homoafetividade e direito LGBTI. 7. ed., rev.,


atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016. p. 123-125.
DIAS, Rodrigo Bernardes. Estado, sexo e direito: reflexões acerca do
processo histórico de reconhecimento dos direitos sexuais como direi-
tos humanos fundamentais. São Paulo: SRS, 2015. p. 59-69, p. 331-332.
GIRARDI, Viviane. Direito fundamental à própria sexualidade. In: DIAS,
Maria Berenice. Diversidade sexual e direito homoafetivo. 3. ed. rev.,
atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. p. 367-370, item 3.
MEYER-PFLUG, Samantha Ribeiro. Liberdade de expressão e discurso
do ódio: racismo, discriminação, preconceito, pornografia, financia-
mento público das atividades artísticas das campanhas eleitorais. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 203-205.
NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comen-
tadas. 9. ed., rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. v. 2, p. 305.
RIOS, Roger Raupp. Direito da antidiscriminação, sexo, sexualidade e
gênero: a compreensão da proibição constitucional de discriminação
por motivo de sexo. In: SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVE-
SAN, Flávia (coord.). Igualdade, diferença e direitos humanos. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 705-717.
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opinião. São Paulo: Atlas, 2012. p. 117-118.

154 Sumário
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SILVEIRA, Fabiano Augusto Martins. Da criminalização do racismo:
aspectos jurídicos e sociocriminológicos. Belo Horizonte: Del Rey,
2007. p. 77-85.
TREVIZANI, Giovanna Bianca. Meu corpo, minhas regras: a transe-
xualidade sob a luz do direito constitucional e as lacunas no Estado
democrático de direito. In: DESLANDES, Keila (coord.). Homotrans-
fobia e direito sexuais: debates e embates contemporâneos. Belo
Horizonte: Autêntica, 2018. p. 98-100.

155 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADO 26


2. Amicus curiae
3. Vídeos do julgamento
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
Vídeo 4
Vídeo 5
Vídeo 6
Vídeo 7
Vídeo 8
Vídeo 9
4. Julgado relacionado
MI 4.733, rel. min. Edson Fachin, j. 13-6-2019, P, DJE de
29-9-2020.

156 Sumário
LIVRE ORGANIZAÇÃO DE ENTIDADES
ESTUDANTIS

É constitucional lei estadual que


estabelece direito de instalação,
atuação e participação de centros,
diretórios acadêmicos e diretórios
centrais de estudantes no âmbito
das instituições de ensino
superior.

[ADI 3.757, rel. min. Dias Toffoli, j. 17-10-2018,


P, DJE de 27-4-2020.]

Sumário
RESUMO

É constitucional a norma estadual que assegura, no âmbito da edu-


cação superior: a livre criação e a auto-organização de centros e dire-
tórios acadêmicos, seu funcionamento no espaço físico da faculdade,
a livre circulação das ideias por eles produzidas, o acesso dos seus
membros às salas de aula e a participação em órgãos colegiados, em
observância aos mandamentos constitucionais da liberdade de asso-
ciação, da promoção de uma educação plena e capacitadora para o
exercício da cidadania e da gestão democrática da educação.

158 Sumário
Constitucionalidade da norma estadual que assegura, no
âmbito da educação superior, a livre criação e a auto-
-organização de centros e diretórios acadêmicos
• funcionamento no espaço físico da faculdade
• livre divulgação de jornais e outras publicações
• livre circulação das ideias por eles produzidas
• acesso dos seus membros às salas de aula
• participação em órgãos colegiados
•  liberdade de associação
•  promoção de uma educação plena e
capacitadora para o exercício da cidadania
•  gestão democrática da educação

LIVRE ORGANIZAÇÃO DE
ENTIDADES ESTUDANTIS

Inaplicabilidade às instituições federais e


particulares de ensino superior
• por integrarem o sistema federal

159 Sumário
6X2

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito:

Min. Dias Toffoli –


Relator (Presidente)
Min. Roberto Barroso
Min. Alexandre de Moraes
Min. Edson Fachin
Min. Rosa Weber
Min. Luiz Fux
Min. Cármen Lúcia
Min. Marco Aurélio

Ausentes:
Min. Celso de Mello
Min. Gilmar Mendes
Min. Ricardo Lewandowski

160 Sumário
FUNDAMENTOS

LIVRE ORGANIZAÇÃO DE CENTROS ACADÊMICOS

Os diretórios e centros acadêmicos asseguram canais partici-


pativos e de representação aos estudantes e constituem parte
importante do seu processo de formação, da capacitação para
o exercício da cidadania e para a experiência democrática. São,
por isso, instrumentais para a promoção do pleno desenvolvi-
mento da pessoa e do seu preparo para o exercício da cidadania,
como determinado pela Constituição (CF/1988, art. 205).
Os arts. 1º e 2º da Lei estadual nº 14.808/2005 não tratam de
direito civil. Apenas asseguram a livre criação dos diretórios e
dos centros acadêmicos, bem como a sua auto-organização,
em respeito à liberdade de associação (CF/1988, art. 5º, XVII).

INSTALAÇÃO EM ÁREAS DA UNIVERSIDADE

Quanto aos arts. 3º e 4º da norma, que determinam a dispo-


nibilização de espaço físico nas instituições de ensino superior
para a divulgação e instalação de diretórios e centrais estudantis,
preferencialmente no prédio correspondente ao curso que o
órgão estudantil representa, não há propriamente interferên-
cia sobre o patrimônio da universidade, tampouco violação à
autonomia universitária, como alegado pelo relator.
A norma não traz especificações como espaço mínimo ou estru-
tura de que devem ser dotadas as áreas destinadas aos centros
acadêmicos. Apenas prevê a alocação de algum espaço, onde tais
centros e diretórios possam interagir com os alunos e se organizar.
Trata-se tão-somente de garantir a sua presença na instituição de
ensino superior, de modo a não frustrar a sua efetiva existência.

161 Sumário
A LIVRE DIVULGAÇÃO DE PUBLICAÇÕES CONSAGRA
A LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE CIRCULAÇÃO DA
INFORMAÇÃO

[...] a previsão constante do art. 3º, I, da Lei 14.808/2005, que


garante “a livre divulgação dos jornais e outras publicações dos
Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Cen-
trais dos Estudantes”, apenas consagra a liberdade de expressão
e de circulação da informação, tão cara à educação e ao pro-
cesso democrático. A universidade é, por excelência, o ambiente
adequado para tal divulgação. A reflexão e a formação da opi-
nião pressupõem o acesso à informação e o livre confronto de
ideias, condições essenciais para o processo democrático.
Não há que se falar, portanto, em violação à autonomia univer-
sitária no caso. A norma não tem o propósito de interferir dire-
tamente sobre a proposta pedagógica das universidades, sobre
os conteúdos dos cursos que oferecem ou sobre a sua gestão.
A lei impugnada prevê apenas a proteção à criação e à efetiva
atuação da representação dos alunos, bem como a livre circula-
ção de ideias e de informações no âmbito de tais instituições,
providências que inequivocamente amparadas pela Constituição.

PARTICIPAÇÃO EM CONSELHOS

O art. 3º, II, da norma, que estabelece “a participação dos Centros


Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos e Diretórios Centrais dos
Estudantes nos Conselhos Fiscais e Consultivos das instituições
de ensino”, ajusta-se à norma constitucional que determina a
“gestão democrática do ensino público, na forma da lei” (art. 206,
VI, CF). Encontra-se, ainda, em harmonia com o art. 56 da Lei
9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDBEN), que indica que tal gestão democrática pressupõe a exis-

162 Sumário
tência de “órgãos colegiados deliberativos”, de que participem
“os segmentos da comunidade institucional, local e regional”.
[...] a regra geral em relação à gestão de recursos públicos é a
da publicidade. Essa é uma decorrência de um conjunto de
normas constitucionais, tais como o direito de acesso à informa-
ção dos órgãos públicos (art. 5º, XXXIII), especialmente quanto à
documentação governamental (art. 216, § 2º), o princípio da
publicidade (art. 37, caput, CF) e o princípio republicano (art.
1º), do qual se originam os deveres de transparência e de presta-
ção de contas, bem como a possibilidade de responsabilização
ampla por eventuais irregularidades.
No mesmo sentido, a Lei de Acesso à Informação (Lei nº
12.527/2011) prevê a “observância da publicidade como pre-
ceito geral e do sigilo como exceção” (art. 3º, I), e assegura o
acesso à informação sobre “atividades exercidas pelos órgãos
e entidades, inclusive as relativas à sua política, organização e
serviços; administração do patrimônio público, utilização de
recursos públicos , licitação, contratos administrativos; e resul-
tado de inspeções, auditorias, prestações e tomadas de contas
realizadas pelos órgãos de controle interno e externo, incluindo
prestações de contas relativas a exercícios anteriores (art. 7º, V,
VI e VII, b )”, entre outros temas.

ACESSO ÀS SALAS DE AULA E DEMAIS ESPAÇOS DE


CIRCULAÇÃO

O acesso dos centros e diretórios acadêmicos às salas de aula


e demais espaços de circulação dos estudantes, frise-se, com
a ressalva constante da própria norma, no sentido de que o
exercício deste direito deve respeitar “o bom senso”, tampouco
enseja violação à autonomia universitária. A própria norma

163 Sumário
condiciona o exercício de tal direito ao “bom senso”, à razoabi-
lidade, compatibilizando o livre acesso com a necessidade de
funcionamento adequado da universidade.
[...] a livre circulação dos integrantes dos centros e diretórios
acadêmicos nas universidades públicas é necessária para viabi-
lizar a sua existência. Isso porque, como órgão de representação
dos acadêmicos de uma Instituição de Ensino Superior, as ati-
vidades relacionadas à representação dos estudantes somente
poderão ser viabilizadas caso os membros dos centros acadêmi-
cos possam entrar em contato com os estudantes, para difundir
ideias e mobilizar seus representados.

LIMITES DA COMPETÊNCIA NORMATIVA DO ESTADO E


INVALIDADE DA MULTA APLICÁVEL EXCLUSIVAMENTE ÀS
UNIVERSIDADES PARTICULARES

[...] as instituições federais e as instituições particulares de ensino


superior integram o sistema federal (arts. 209 e 211, CF c/c arts.
16 e 17 da Lei 9.394/1996) e, por essa razão, não podem ser
validamente alcançadas pela norma estadual. Interpretação
conforme a Constituição dos arts. 1º a 4º, para excluir do âmbito
de incidência da lei impugnada as mencionadas instituições.
Além disso, art. 5º da Lei nº 14.808/2005, ao estabelecer multa
exclusivamente em desfavor das universidades privadas, des-
respeita não apenas a competência legislativa da União para
dispor sobre o sistema federal de ensino, mas igualmente o tra-
tamento isonômico a que devem ser submetidas as diferentes
instituições de nível superior. Trata-se, por isso, de dispositivo
inconstitucional.

164 Sumário
DOUTRINA CITADA

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. O princípio de subsidiariedade:


conceito e evolução. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, Belo
Horizonte, n. 35, 1995. p. 28-29. Disponível em: https://www.direito.
ufmg.br/revista/index.php/revista/article/view/1470/1399. Acesso
em: 28 fev. 2023.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 9. ed., rev.,
atual. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 1291.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 10. ed.,
rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 97.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito cons-
titucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte:
Fórum, 2012. p. 335.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADI 3.757

165 Sumário
CONTRIBUIÇÃO SINDICAL

É constitucional a Lei
nº 13.467/2017, que extinguiu a
contribuição sindical obrigatória.

[ADI 5.794, rel. min. Edson Fachin, red. do ac. min. Luiz Fux,
j. 29-6-2018, P, DJE de 23-4-2019.]

Sumário
RESUMO

O engajamento notório de entidades sindicais em atividades políti-


cas faz com que a exigência de financiamento por indivíduos a ativida-
des políticas com as quais não concordam, por meio de contribuições
compulsórias a sindicatos, configure violação à garantia fundamental
da liberdade de expressão, protegida pelo art. 5º, IV, da Constituição.

168 Sumário
A supressão no caráter compulsório das
contribuições sindicais não viola o princípio
da autonomia das organizações sindicais

Inexistência de comando constitucional


impondo a compulsoriedade da contribuição sindical

É CONSTITUCIONAL A LEI 13.467/2017,


QUE EXTINGUIU A CONTRIBUIÇÃO
SINDICAL OBRIGATÓRIA

A contribuição obrigatória viola o


princípio da liberdade sindical
• liberdade de criação e extinção de
sindicatos, sem necessidade de prévia
autorização do poder público
• liberdade de organização, administração
e exercício das funções dos sindicatos
• livre filiação e desfiliação

Liberdades de expressão, de
associação e de sindicalização

169 Sumário
6X3

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito:

Min. Edson Fachin – Relator


Min. Luiz Fux – Redator
do acórdão
Min. Alexandre de Moraes
Min. Roberto Barroso
Min. Rosa Weber
Min. Dias Toffoli
Min. Gilmar Mendes
Min. Marco Aurélio
Min. Cármen Lúcia – Presidente

Ausentes:
Min. Celso de Mello
Min. Ricardo Lewandowski

170 Sumário
FUNDAMENTOS

A SUPRESSÃO NO CARÁTER COMPULSÓRIO DAS


CONTRIBUIÇÕES SINDICAIS NÃO VIOLA O PRINCÍPIO DA
AUTONOMIA DAS ORGANIZAÇÕES SINDICAIS

A supressão do caráter compulsório das contribuições sindi-


cais não vulnera o princípio constitucional da autonomia da
organização sindical, previsto no art. 8º, I, da Carta Magna, nem
configura retrocesso social e violação aos direitos básicos de
proteção ao trabalhador insculpidos nos artigos 1º, III e IV, 5º,
XXXV, LV e LXXIV, 6º e 7º da Constituição.
[...]
O legislador democrático constatou que a contribuição com-
pulsória gerava uma oferta excessiva e artificial de organizações
sindicais, configurando uma perda social em detrimento dos
trabalhadores, porquanto não apenas uma parcela dos venci-
mentos dos empregados era transferida para entidades sobre
as quais eles possuíam pouca ou nenhuma ingerência, como
também o número estratosférico de sindicatos não se traduzia
em um correspondente aumento do bem-estar da categoria.
A garantia de uma fonte de custeio, independentemente de
resultados, cria incentivos perversos para uma atuação dos sin-
dicatos fraca e descompromissada com os anseios dos empre-
gados, de modo que a Lei nº 13.467/2017 tem por escopo o
fortalecimento e a eficiência das entidades sindicais, que passam
a ser orientadas pela necessidade de perseguir os reais interesses
dos trabalhadores, a fim de atraírem cada vez mais filiados.

171 Sumário
INEXISTÊNCIA DE COMANDO CONSTITUCIONAL
IMPONDO A COMPULSORIEDADE DA CONTRIBUIÇÃO
SINDICAL

A Carta Magna não contém qualquer comando impondo a


compulsoriedade da contribuição sindical, na medida em que
o art. 8º, IV, da Constituição remete à lei a tarefa de dispor
sobre a referida contribuição e o art. 149 da Lei Maior, por sua
vez, limita-se a conferir à União o poder de criar contribuições
sociais, o que, evidentemente, inclui a prerrogativa de extinguir
ou modificar a natureza de contribuições existentes.

A CONTRIBUIÇÃO OBRIGATÓRIA VIOLA O PRINCÍPIO DA


LIBERDADE SINDICAL

Além de não ser imposto pela Constituição, o modelo de finan-


ciamento compulsório conflita com o princípio da liberdade
sindical. Esse princípio abrange diversas dimensões, das quais
podemos destacar a liberdade de criação e extinção de sindi-
catos, sem necessidade de prévia autorização do Poder Público,
a liberdade de organização, administração e exercício das fun-
ções dos sindicatos e a livre filiação e desfiliação. É essa última
dimensão que se coloca no caso em análise.
As liberdades de filiação e de desfiliação têm por objetivo impe-
dir a associação obrigatória. Portanto, seus destinatários não são
apenas os sindicatos, mas também o Estado, que fica impedido
de interferir nessa escolha. Nesse cenário, não apenas o regime
da sindicalização compulsória ofende a liberdade sindical. A
instituição de contribuições sindicais obrigatórias para toda a
categoria, independentemente de sua filiação, não se compa-
tibiliza com o princípio.

172 Sumário
LIBERDADES DE EXPRESSÃO, DE ASSOCIAÇÃO E DE
SINDICALIZAÇÃO

No que diz respeito à liberdade de expressão, é consabido que


entidades sindicais frequentemente se engajam em atividades
políticas, lançando e apoiando candidatos, conclamando pro-
testos e mantendo estreitos laços com partidos políticos. Ocorre
que o discurso político é o núcleo por excelência da liberdade
de expressão. Ao exigir que indivíduos financiem atividades
políticas com as quais não concordam, por meio de contribui-
ções compulsórias a sindicatos, o regime anterior certamente
vulnerava a garantia fundamental da liberdade de expressão,
protegida pelo art. 5º, IV, da Constituição.
A esse respeito, é conveniente uma referência de Direito Com-
parado. No caso Janus v. American Federation of State, County,
and Municipal Employees, Council 31, julgado no dia 28 de junho
de 2018, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que um
trabalhador não filiado a sindicato não pode ser obrigado por lei
a pagar contribuição sindical, denominada agency fee, ainda que
sob o argumento de custear as atividades sindicais de negocia-
ção coletiva. Superando a orientação anteriormente fixada em
Abood v. Detroit Board of Education (1977), entendeu a Corte
que a extração forçada e não consentida de contribuições sin-
dicais viola a Primeira Emenda à Constituição norteamericana,
a qual garante as liberdades de expressão e associação.
A Suprema Corte americana rebateu dois argumentos muito
semelhantes aos lançados pelos Requerentes da presente Ação
Direta. Primeiro, quanto à alegação de que sem as contribuições
obrigatórias haveria enfraquecimento da atuação dos sindica-
tos, anotou-se que, nos 28 Estados em que há leis proibindo as
exações compulsórias, milhões de trabalhadores continuam a
ser representados por sindicatos, não tendo ocorrido prejuízo
à “paz laboral” (labor peace).

173 Sumário
Em segundo lugar, quanto ao risco de free-riders se beneficia-
rem da atuação dos sindicatos sem contribuírem para a sua
manutenção, a Corte concluiu que na verdade são os sindicatos
que se beneficiam da prerrogativa de representarem trabalha-
dores não filiados, aumentando seu poder político e influên-
cia. Mais ainda, o risco de free-riders não justifica a violação a
liberdades fundamentais. Do contrário, alegou a Corte, seria
preciso concluir que, para financiar grupos de lobby em favor
de idosos, por exemplo, o governo poderia obrigar todos os
idosos a pagar-lhes uma contribuição. Consignou-se que a “Pri-
meira Emenda não permite que o governo obrigue uma pessoa
a financiar a atuação de outra só porque o governo pensa que
o seu discurso promove os interesses da pessoa que não quer
pagar” (“the First Amendment does not permit the government
to compel a person to pay for another party’s speech just because
the government thinks that the speech furthers the interests of
the person who does not want to pay”).
Além disso, ressaltou-se que a atuação dos sindicatos atinge o
núcleo da liberdade de expressão dos trabalhadores, pois abran-
gem matérias centrais do debate público, como restrições orça-
mentárias, tributos, educação, suporte a dependentes menores,
assistência à saúde e direitos das minorias. Por isso, entendeu-se
que as contribuições sindicais obrigatórias violariam a liberdade
de expressão dos não filiados sem gerar benefícios que justifi-
quem a restrição, quanto mais quando demonstrado que os
sindicatos podem continuar sendo efetivos sem as agency fees.
Com base nesses fundamentos, afirmou a Suprema Corte que:
“empregados devem escolher financiar o sindicato antes que
qualquer coisa lhes seja tomada” (“employees must choose to
support the union before anything is taken from them”).
Perceba-se que, no caso americano, a lei obrigava o pagamento
das contribuições sindicais e a mais alta Corte do país declarou
a prática incompatível com os direitos fundamentais inscul-

174 Sumário
pidos na Constituição. No caso ora em exame, a lei brasileira
impede a cobrança de contribuições sindicais sem prévia e
expressa autorização do empregado, mas as Requerentes das
ADIs pretendem a declaração de que o pagamento forçado é
decorrência da Constituição, malgrado os artigos 5º, incisos
IV e XVII, e 8º, caput, garantam as liberdades de expressão, de
associação e de sindicalização.
Não havendo razões teóricas ou elementos empíricos que
tornem inadmissível a opção do legislador, é de se respeitar
a sua escolha democrática, plasmada na reforma trabalhista
sancionada pelo Presidente da República, em homenagem à
presunção de constitucionalidade das leis.

DOUTRINA CITADA

ALMEIDA, Renato Rua de. As implicações da Lei da reforma trabalhista


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tiva dos direitos sociais trabalhistas. São Paulo : LTr, 2014, p. 262. 2014.

180 Sumário
VIANA, Oliveira. Problemas de direito sindical. Rio de Janeiro: Max
Limonad, 1943. 288 p. (Coleção de direito do trabalho, 5).

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADI 5.794


2. Amicus curiae
3. Vídeos do julgamento
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
4. Julgados relacionados
ADI 4.697, rel. min. Edson Fachin, j. 6-10-2016, P, DJE de
30-3-2017.
ADI 2.522, rel. min. Eros Grau, j. 8-6-2006, P, DJ de
18-8-2006.

181 Sumário
PROPAGANDA ELEITORAL VIA
TELEMARKETING

Constitucionalidade do § 2º do
art. 25 da Resolução 23.404/2014
do TSE, que proíbe a realização
de propaganda eleitoral via
telemarketing em qualquer
horário.

[ADI 5.122, rel. min. Edson Fachin, j. 3-5-2018,


P, DJE de 20-2-2020.]

Sumário
RESUMO

A vedação à veiculação de propaganda política por meio de tele-


marketing não configura controle prévio, por autoridade pública, do
conteúdo ou da matéria a ser publicada.

184 Sumário
Meios de propaganda permitidos
pela Lei Eleitoral:
• rol taxativo (arts. 37, § 2º, e
38 da Lei 9.504/1997)

VEDAÇÃO À REALIZAÇÃO DE
PROPAGANDA ELEITORAL
VIA TELEMARKETING

Proibição de propagandas eleitorais via telemarketing:


• não configura censura
• não viola a liberdade de expressão e o direito à
informação
• visa assegurar a manutenção do sossego público,
da intimidade e da vida privada

185 Sumário
8X1

Vencedores no mérito: Vencido no mérito:

Min. Edson
Fachin – Relator
Min. Luiz Fux
Min. Alexandre de Moraes
Min. Rosa Weber
Min. Dias Toffoli
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Marco Aurélio
Min. Celso de Mello
Min. Cármen Lúcia – Presidente

Ausentes:
Min. Roberto Barroso
Min. Gilmar Mendes

186 Sumário
FUNDAMENTOS

MEIOS DE PROPAGANDA PERMITIDOS PELA LEI


ELEITORAL (ARTS. 37, § 2º, E 38 DA LEI Nº 9.504/1997)

[...] os arts. 37, § 2º e 38, da Lei 9.504/97 (Lei das Eleições) esta-
belecem um rol taxativo das situações em que a propaganda
eleitoral pode ser realizada independentemente de autorização.
Logo, concluiu-se que as demais formas de divulgação utilizadas
pelos partidos políticos e por seus candidatos somente pode-
riam ocorrer com a chancela da Justiça Especializada.
Portanto, nada impede o Tribunal Superior Eleitoral se antecipar
a eventuais pedidos de autorização, e vedar, desde logo, o uso
de determinada técnica propagandística, qual seja, o uso de
telemarketing, sem que isso caracterize usurpação de competên-
cia do Congresso Nacional para legislar sobre Direito Eleitoral.

CONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA
RESOLUÇÃO 23.404/ 2014

O art. 25, § 2º, da citada Resolução (n. 23.404/2014) extraiu seu


fundamento do art. 243, VI, do Código Eleitoral, que não tolera
a propaganda que “perturbe o sossego público, com algazarras
e abusos de instrumentos sonoros ou sinais acústicos”, bem
como dos incisos X e XI do art. 5º, da Constituição da Repú-
blica, que preservam a intimidade, a vida e a inviolabilidade
domiciliar do eleitor.
Assim, o dispositivo da Resolução ora impugnada, além de con-
cretizar o conteúdo material do Código Eleitoral, que determina
a preservação do sossego público, limita o alcance da propa-

187 Sumário
ganda política à esfera de intimidade do eleitor. Isso porque o
uso de aparelhos telefônicos destinam-se, em regra, aos ambien-
tes profissionais ou residenciais do cidadão, espaços protegidos
contra intervenções arbitrárias que não tenham conotação de
proteção a direitos de feição coletiva.
No caso dos autos, o parágrafo 2º do artigo 25 da Resolução
nº 23.404/2014 proibiu, de forma indistinta, o uso de telemar-
keting para a realização de propaganda eleitoral. Criou regra
nova, condizente com a exigência de atuação eficiente da Justiça
Eleitoral. Longe de configurar ato inconstitucional, o disposi-
tivo constitui meio idôneo para a preservação da higidez do
processo eleitoral.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E O DIREITO À INFORMAÇÃO


X DIREITO À INTIMIDADE E AO SOSSEGO

[...] no Direito Eleitoral, o caráter dialético imanente às disputas


político-eleitorais exige maior deferência à liberdade de expres-
são e de pensamento. Nesse cenário, recomenda-se a interven-
ção mínima do Judiciário nas manifestações próprias do embate
eleitoral, sob pena de se tolher substancialmente o conteúdo
da liberdade de expressão.
Deveras, a Justiça Eleitoral deve abster-se de tentar impedir
“que os indivíduos decidam quais informações entendem rele-
vantes para a formação de suas convicções políticas”, notada-
mente porque toda visão paternalista, nesse campo, revela-se
“intrinsecamente incompatível com a democracia, uma vez que
nega aos indivíduos a autonomia fundamental à própria ideia
de autogoverno e de soberania popular, tratando-lhes como
‘eternas crianças imaturas’” (OSORIO, Aline. Direito Eleitoral e
liberdade de expressão. Belo Horizonte: Fórum 2017, p. 221, com

188 Sumário
referência ao parecer de Sepúlveda Pertence, na qualidade de
Procurador-Geral Eleitoral, nos Mandados de Segurança 984,
997 e 1.008, de 26/10/1988).
No âmbito político-eleitoral, a meu sentir, essa proeminência da
liberdade de expressão deve ser trasladada por óbvias razões:
os cidadãos devem ser informados da variedade e riqueza de
assuntos respeitantes a eventuais candidatos, bem como das
ações parlamentares praticadas pelos detentores de mandato
eletivo, sem que isso implique, em linha de princípio, violação às
normas que regulam a comunicação social (FUX, Luiz; FRAZÃO,
Carlos Eduardo. Novos Paradigmas do Direito Eleitoral. Belo Hori-
zonte: Fórum, 2016, p. 116-119).
No campo da comunicação política, pois, a livre circulação de
ideias e opiniões deve prosperar, em definitivo, máxime porque
a democracia se desenvolve sob a crença no valor do diálogo e
sob a premissa de que os sujeitos participantes gozam de uma
certa capacidade intelectual para tomar parte, em condições de
igualdade, das circunstâncias relativas aos assuntos que concla-
mam uma atenção comum (PERROUX, citado por BURGUERA
AMEAVE. Democracia electoral: comunicación y poder. Madrid:
Congreso de los Diputados, 2013, p. 33).
[...]
Sucede que, a despeito de sua preferred position nas democra-
cias constitucionais contemporâneas, a liberdade de expressão,
tal como os demais direitos e garantias fundamentais, pode
sofrer limitações. Como sugere Gregorio Badeni (BADENI, Gre-
gorio. Tratado de libertad de prensa. Buenos Aires: Lexis Nevis,
2002, p. 21), se alguma liberdade jurídica fosse absoluta, seria
impossível concretizar uma vida social em liberdade. Daí que as
liberdades constitucionais encontram-se condicionadas à ade-
quação do indivíduo à ordem jurídica da comunidade global.
Mais: é essa mesma ratio essendi que admite a imposição de

189 Sumário
restrições razoáveis, aquelas vocacionadas à harmonização dos
interesses individuais rumo à satisfação do interesse comum.
No valioso escólio de Robert Alexy, é impossível a existência
de um “estado global de liberdade” não apenas em função dos
choques entre direitos subjetivos e competências que condi-
cionam a sua existência, mas ainda em função de inúmeras
características presentes na organização estatal e na sociedade
(ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. São Paulo:
Malheiros, 2008, p. 379).
Sob esse prisma, não há negar que mesmo uma liberdade pre-
ferencial, como a de expressão, pode ser limitada em uma ativi-
dade de ponderação, máxime quando o seu modo de exteriori-
zação redunde em um menoscabo de outro princípio prioritário
segundo o quadro da Constituição. [...]
[...]
Na espécie, é evidente que a alegada inconstitucionalidade do
art. 25, § 2º, da Resolução 23.404/2014 do Tribunal Superior
Eleitoral, patentemente respaldado pelo art. 243, VI, do Código
Eleitoral, suscita um aparente choque entre princípios: de um
lado, as garantias relativas à liberdade de expressão, à liberdade
da propaganda e ao direito do eleitor à informação; e, de outro,
o direito à intimidade e ao sossego. O deslinde da questão,
então, não pode deixar de passar pela análise do status daquelas
garantias da personalidade específicas no plano constitucional.
[...]
Destarte, a medida plasmada no art. 25, § 2º, da Resolução
23.404 é apta a promover o fim a que se destina (i.e., salvaguar-
dar a intimidade dos cidadãos). Ela visa a impedir transtornos no
local de descanso dos indivíduos, que certamente seriam invadi-
dos por um sem-número de chamadas telefônicas indesejáveis,
provenientes de dezenas, por vezes centenas de candidatos, no

190 Sumário
curto espaço de mais ou menos quarenta e cinco dias em que
se desenvolvem as campanhas eleitorais.
[...]
[...] a solução alvitrada pelo Tribunal Superior Eleitoral, ao pros-
crever propagandas via telemarketing, atende à proporciona-
lidade em sentido estrito. Isso porque a incidência limitativa
sobre a liberdade de expressão é insignificante, considerando-
-se que segue à disposição dos candidatos um farto catálogo
de opções publicitárias, sendo-lhes, ainda, totalmente possível
fazer com que suas mensagens cheguem ao corpo de cidadãos.

DOUTRINA CITADA

ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução: Virgílio


Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 116.
ALMEIDA NETO, Manoel Carlos de. Funções da Justiça Eleitoral. In:
SANTANA, Alexandre Ávalo et al. (coord.). O novo direito eleitoral
brasileiro. Belo Horizonte: Fórum, 2012. p. 415-428.
ALVIM, Frederico. Curso de direito eleitoral. 2. ed., rev. e atual. Curi-
tiba: Juruá, 2016. p. 70-71.
BADENI, Gregorio. Tratado de libertad de prensa. Buenos Aires: Lexis
Nevis, 2002. p. 21.
BURGUERA AMEAVE, Leyre. Democracia electoral: comunicación y
poder. Madrid: Congreso de los Diputados, 2013. p. 33.
FUX, Luiz; FRAZÃO, Carlos Eduardo. Novos paradigmas do direito
eleitoral. Belo Horizonte: Fórum, 2016. p. 116-119.

191 Sumário
OSORIO, Aline. Direito eleitoral e liberdade de expressão. Belo Hori-
zonte: Fórum, 2017. p. 221.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADI 5.122


2. Vídeo do programa da TV Justiça
3. Julgados relacionados
ADI 4.451, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 21-6-2018,
P, DJE de 6-3-2019.
ADI 5.488, rel. min. Dias Toffoli, j. 31-8-2016, P, DJE de
19-12-2017.
ADI 3.741, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 6-8-2006, P,
DJE de 23-2-2007.

192 Sumário
LIMITE À MANIFESTAÇÃO DO
PENSAMENTO RELIGIOSO

A intolerância religiosa não


está protegida pela cláusula
constitucional que assegura a
liberdade de expressão.

[RHC 146.303, rel. min. Edson Fachin, red. do ac. min. Dias
Toffoli, j. 6-3-2018, 2ª T, DJE de 7-8-2018.]

Sumário
RESUMO

Os postulados da igualdade e da dignidade pessoal constituem limi-


tações externas à liberdade de expressão, que não pode ser exercida
com o propósito de veicular práticas criminosas tendentes a fomentar
e a estimular situações de intolerância e expressões de ódio público
por motivo de crença religiosa ou de convicção política ou filosófica.

194 Sumário
A liberdade de expressão e a livre
manifestação do pensamento
integram a própria concepção do direito
à liberdade religiosa

A liberdade religiosa não


ostenta caráter absoluto

DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA

Deve haver respeito a


ideologias religiosas, direitos e
liberdades das demais pessoas
• tolerância religiosa
• livre circulação de
ideias

A incitação ao ódio público não


está amparada pela cláusula
constitucional que assegura a
liberdade de expressão

195 Sumário
4X1

Vencedores no mérito: Vencido no mérito:

Min. Edson Fachin –


Relator (Presidente da Turma)
Min. Dias Toffoli –
Redator do acórdão
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Gilmar Mendes
Min. Celso de Mello

196 Sumário
FUNDAMENTOS

LIBERDADE RELIGIOSA E A LIVRE MANIFESTAÇÃO DO


PENSAMENTO

O direito à liberdade de crença, portanto, guarda íntima relação


com o direito à livre manifestação do pensamento, seja do pen-
samento religioso, seja das ideias agnósticas, sendo um contras-
senso que a exteriorização do pensamento de uns seja tolhido
em nome da proteção da liberdade de crença de outrem.
A liberdade de crença, desse modo, pressupõe a existência de
autonomia para professar e exprimir uma religião, um credo
ou a ausência dele. Retrata, portanto, a liberdade “de acredi-
tar ou não em algo” (Uadi Lammêgo Bulos, Curso de Direito
Constitucional, 6 ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 558), e, mais
que isso, se consubstancia na unidade entre crença e conduta,
de forma que haja uma “autodeterminação existencial a partir
dela (crença)” (Fábio Carvalho Leite. Direitos Fundamentais
no Supremo Tribunal Federal: Balanço e Crítica. Rio de Janeiro:
Lumen Iuris, 2011. p. 458).
Dito de outro modo: a liberdade de crença assegurada no art. 5º,
VI, da CF/88 não se limita ao direito de construção de um pen-
samento religioso, envolvendo, também a possibilidade de que
o destinatário dessa liberdade se autodetermine de acordo com
seu credo.
Sob essa compreensão é que se permite aos que professam
alguma fé a realização de cultos e a manifestação de suas litur-
gias. Também sob esse entendimento é que protege a Consti-
tuição diversas formas de exteriorização da crença, inclusive em
âmbito coletivo. Ainda sob essa percepção é que se resguarda

197 Sumário
os que professam uma religião de qualquer restrição de direito
motivada em sua crença religiosa.
[...]
[...] a exteriorização do pensamento e da crença encontra pro-
teção constitucional, integrando a própria concepção do direito
de liberdade religiosa.

LIBERDADE RELIGIOSA: HARMONIZAÇÃO COM AS


DEMAIS LIBERDADES

A liberdade religiosa, com sói acontecer com os demais direitos


fundamentais, não ostenta caráter absoluto.
[...]
[...] a linha tênue a favor da liberdade religiosa deve ceder espaço
à liberdade e inviolabilidade de crença alheia (direitos e liber-
dades das demais pessoas), respeitando-se as diferenças sem
escarnecer ou vilipendiar objeto de culto religioso de outrem.
Relembre-se que, no seio da liberdade religiosa, está o direito
de “confeccionar, adquirir e utilizar, em quantidade adequada,
os artigos e materiais necessários relacionados com os ritos ou
costumes de determinada religião ou convicção”, além de “escre-
ver, publicar e divulgar publicações relevantes nestas áreas”.
E mais: está assegurada “a liberdade de manifestar sua religião ou
suas convicções individuais ou coletivamente, tanto em público
como em privado, mediante o culto, a observância, a prática e
o ensino”, contanto que se respeitem os direitos e as liberdades
das demais pessoas.
Em outras palavras: não obstante seja assegurada essa liberdade
de professar sua fé, em público, através de culto, observâncias

198 Sumário
das regras próprias e o ensino dessa linha teológica, deve haver
o respeito às ideologias dos demais concidadãos sem que se
atinjam de maneira vil as convicções alheias.
[...]
No que respeita à liberdade religiosa, há, como dito acima,
variadas nuances em sua concepção, inclusive a que assegura
o direito à liberdade de não crer, ou de crer de modo distinto
dos demais, sem seguimento a um discurso único de crença. O
direito à liberdade religiosa é, portanto, em grande medida, o
direito à multiplicidade de crenças/descrenças religiosas, que
se vinculam e se harmonizam – para a sobrevivência de toda
essa multiplicidade de fés protegida constitucionalmente – na
chamada tolerância religiosa.

ALCANCE DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO EM RELAÇÃO


AO “DISCURSO DE ÓDIO”

As ideias, ninguém o desconhece, podem ser fecundas, libertado-


ras, transformadoras ou, até mesmo, revolucionárias e subversi-
vas, provocando mudanças, superando imobilismos e rompendo
paradigmas até então estabelecidos nas formações sociais.
É por isso que se impõe construir espaços de liberdade, em
tudo compatíveis com o sentido democrático que anima nossas
instituições políticas, jurídicas e sociais, para que o pensamento,
inclusive o pensamento religioso, não seja reprimido e, o que se
mostra fundamental, para que as ideias possam florescer, sem
indevidas restrições, em um ambiente de plena tolerância, que,
longe de sufocar opiniões divergentes, legitime a instauração do
dissenso e viabilize, pelo conteúdo argumentativo do discurso
fundado em convicções antagônicas, a concretização de valores

199 Sumário
essenciais à configuração do Estado Democrático de Direito: o
respeito ao pluralismo e à tolerância.
[...]
Daí a essencialidade de propiciar-se a livre circulação de ideias,
particularmente no plano das formulações de índole confes-
sional, eis que tal prerrogativa individual representa um signo
inerente às formações democráticas que convivem com a
diversidade, vale dizer, com pensamentos antagônicos que se
contrapõem, em permanente movimento dialético, a padrões,
convicções e opiniões que exprimem, em dado momento his-
tórico-cultural, o mainstream, ou seja, a corrente dominante
em determinada sociedade.
Irrecusável, contudo, que o direito de dissentir, que constitui
irradiação das liberdades do pensamento, não obstante a sua
extração eminentemente constitucional, deslegitima-se quando
a sua exteriorização atingir, lesionando-os, valores e bens jurí-
dicos postos sob a imediata tutela da ordem constitucional,
como sucede com o direito de terceiros à incolumidade de seu
patrimônio moral.
É por tal razão que a incitação ao ódio público contra qualquer
pessoa, povo ou grupo social não está protegida pela cláusula
constitucional que assegura a liberdade de expressão.
[...]
É que pronunciamentos, como os de que trata este processo,
que extravasam os limites da prática confessional, degradan-
do-se ao nível primário do insulto, da ofensa e, sobretudo, do
estímulo à intolerância e ao ódio público contra fiéis de outras
denominações religiosas, não merecem a dignidade da prote-
ção constitucional que assegura a liberdade de expressão do

200 Sumário
pensamento, que não pode compreender, em seu âmbito de
tutela, manifestações revestidas de ilicitude penal.
Isso significa, portanto, que a prerrogativa concernente à liber-
dade de manifestação do pensamento, por mais abrangente
que deva ser o seu campo de incidência, não constitui meio
que possa legitimar a exteriorização de propósitos criminosos,
especialmente quando as expressões de ódio público a outras
denominações confessionais – veiculadas com evidente supe-
ração dos limites da pregação religiosa – transgridem, de modo
inaceitável, valores tutelados pela própria ordem constitucional.
[...]
[...] os postulados da igualdade e da dignidade pessoal dos seres
humanos constituem limitações externas à liberdade de expres-
são, que não pode, e não deve, ser exercida com o propósito
subalterno de veicular práticas criminosas tendentes a fomentar
e a estimular situações de intolerância e de ódio público.

DOUTRINA CITADA

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 6. ed., rev.


e atual. de acordo com a Emenda constitucional n. 66/2011. São
Paulo: Saraiva, 2011. p. 558.
SARMENTO, Daniel; SARLET, Ingo Wolfgang (coord.). Direitos fun-
damentais no Supremo Tribunal Federal: balanço e crítica. Rio de
Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 458.

201 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão do RHC 146.303


2. Vídeo do julgamento
3. Julgado relacionado
ADI 4.439, rel. min. Roberto Barroso, red. do ac. min.
Alexandre de Moraes, j. 27-9-2017, P, DJE de 21-6-2018.

202 Sumário
NOVO MARCO REGULATÓRIO DA
TELEVISÃO POR ASSINATURA

É inconstitucional a reserva de
mercado em favor de agências
de publicidade nacionais para
veiculação de propaganda
comercial nas TVs por assinatura.

[ADI 4.923, rel. min. Luiz Fux, j. 8-11-2017,


P, DJE de 5-4-2018.]

Sumário
RESUMO

É inconstitucional o art. 25 da Lei 12.485/2011, que dispõe sobre a


comunicação audiovisual de acesso condicionado (TVs por assina-
tura). O dispositivo veda a oferta de canais que veiculem publicidade
comercial direcionada ao público brasileiro, contratada no exterior,
por agência de publicidade estrangeira.

204 Sumário
Constitucionalidade das restrições impostas à propriedade
cruzada e à verticalização da cadeia de valor do audiovisual
• coíbem o abuso do poder econômico
• evitam a concentração excessiva do mercado

Restrição à participação de estrangeiros nas


atividades de programação e empacotamento de
conteúdo audiovisual de acesso condicionado
• atividade de comunicação em massa
•  preservação da soberania e identidade
nacionais
•  pluralismo informativo
•  igualdade entre os prestadores de serviço

INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 25
DA LEI 12.485/2011, QUE DISPÕE SOBRE
A COMUNICAÇÃO AUDIOVISUAL DE
ACESSO CONDICIONADO (TVS POR
ASSINATURA)

Exigência de credenciamento prévio na Ancine


• não tolhe a liberdade de manifestação
• serve para determinar se os agentes econômicos
estão prestando serviço em conformidade

Política de cotas de conteúdo nacional


• promove a cultura brasileira
• estimula a produção independente

Validade da imposição às concessionárias de radiodifusão de sons e


imagens do dever de disponibilização gratuita dos canais de
sinal aberto às distribuidoras do Serviço de Acesso Condicionado
(SeAC)
• não ofende a liberdade de iniciativa nem os direitos de
propriedade intelectual

205 Sumário
8X0

Vencedores no mérito:

Min. Luiz
Fux – Relator
Min. Edson Fachin
Min. Roberto Barroso
Min. Teori Zavascki
Min. Rosa Weber
Min. Dias Toffoli
Min. Marco Aurélio
Min. Cármen Lúcia – Presidente

Ausentes:
Min. Celso de Mello
Min. Gilmar Mendes
Min. Ricardo Lewandowski

206 Sumário
FUNDAMENTOS

RESTRIÇÕES IMPOSTAS À PROPRIEDADE CRUZADA


E À VERTICALIZAÇÃO DA CADEIA DE VALOR DO
AUDIOVISUAL

[...] as regras proibitivas da propriedade cruzada entre os seto-


res de radiodifusão e de telecomunicações, bem como aquelas
impeditivas da verticalização da cadeia de valor do audiovisual
nada mais fazem do que, direta e imediatamente, concretizar os
comandos constitucionais inscritos no art. 170, § 4º, e 220, §5º,
da Lei Maior, no sentido de coibir o abuso do poder econômico
e evitar a concentração excessiva do mercado. Cuida-se, por-
tanto, de regras antitruste que buscam prevenir a configuração
de falhas de mercado (monopólios e oligopólios) e a distorção
alocativa que lhes é correlata.
De forma mediata, as aludidas regras contribuem ainda para
promover a diversificação do conteúdo produzido, justamente
porque tendem a evitar que o mercado de TV por assinatura se
feche, ampliando as fontes de informação disponíveis e o espaço
para a manifestação de novos entrantes. [...] trata-se de reco-
nhecer que as proibições veiculadas pelo art. 5º, caput e § 1º, e
pelo art. 6º, I e II, ambos da Lei nº 12.485/11, realizam a dimen-
são objetiva do direito fundamental à liberdade de expressão e
de informação, no que tem destaque o papel promocional do
Estado no combate à concentração do poder comunicativo.
[...]
[...] não se está aqui a “publicizar”, via hermenêutica constitu-
cional, o regime jurídico da TV por assinatura, confundindo-o
com o tratamento dispensado pela Lei Maior aos serviços de
radiodifusão de sons e imagens (TV aberta). Não se trata disso.

207 Sumário
Cuida-se, isto sim, de reconhecer que foi a própria Constituição
de 1988 que previu diretrizes comuns e gerais aplicáveis indistin-
tamente a todos os veículos de comunicação social, tais como a
proteção da livre manifestação do pensamento e da informação
e a vedação à censura (CRFB, art. 220, caput, §§ 1º, 2º e 3º), a
proibição da configuração de monopólio ou oligopólio no setor
comunicativo (CRFB, art. 220, § 5º) e as regras de preferência de
conteúdo a serem estimulados na produção e na programação
das emissoras de rádio e televisão (CRFB, art. 221 c/c art. 222,
§ 3º). Esses dispositivos respaldam, a toda evidência, uma pos-
tura não meramente passiva do Estado na regulação da TV
por assinatura, viabilizando (e porque não dizer reclamando)
verdadeira atuação positiva do Poder Público na promoção dos
valores constitucionais pertinentes ao setor.

RESTRIÇÃO À PARTICIPAÇÃO DE ESTRANGEIROS NAS


ATIVIDADES DE PROGRAMAÇÃO E EMPACOTAMENTO DE
CONTEÚDO AUDIOVISUAL DE ACESSO CONDICIONADO

[...] nota-se que o debate tem como foco a viabilidade consti-


tucional da extensão parcial do regime jurídico da radiodifusão
a novas plataformas tecnológicas de comunicação de massa,
em especial a TV por assinatura, cuja disciplina normativa foi
recentemente unificada pela Lei nº 12.485/11. Diz-se que essa
extensão foi apenas parcial porque o art. 10, caput e §1º, da Lei
do SeAC se refere tão somente às regras que restringem a gestão,
a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção
inerentes à programação e ao empacotamento, na linha do que
prescreve o art. 222, § 2º, da CRFB quanto à radiodifusão. A Lei
federal não cogitou de estender à TV paga outros aspectos do
regime jurídico da TV aberta, como a necessidade de concessão
especial, aprovada pelo Congresso Nacional (CRFB, art. 223)

208 Sumário
ou a restrição à participação societária do capital estrangeiro
(CRFB, art. 222, caput e § 1º).
Não me parece que tal previsão legislativa viole o princípio cons-
titucional da igualdade (CRFB, art. 5º, caput) entre brasileiros
e estrangeiros nem mesmo represente injustificada restrição
à liberdade profissional de não nacionais no Brasil. Ao revés,
entendo que a restrição operada pelo art. 10, caput e §1º, da
Lei nº 12.485/11 representa típica interpretação legislativa evo-
lutiva do comando constitucional encartado no art. 222, § 2º,
da Lei Maior, de todo condizente com os vetores axiológicos
que informam, no plano constitucional, a atividade de comu-
nicação de massa, dentre os quais a preservação da soberania
e identidade nacionais, o pluralismo informativo e a igualdade
entre os prestadores de serviço a despeito da tecnologia utili-
zada na atividade.
[...] convém observar que a Constituição de 1988 firmou com-
promisso com a proteção da soberania nacional e valorização
da cultura brasileira, alçando a primeira como princípio fun-
damental da República (art. 1º, I) e a segunda como diretriz da
produção e da programação das emissoras de rádio e televisão
(art. 221, II). Tal compromisso geral foi densificado (embora não
exaurido), ao longo da Carta Constitucional, por regras especí-
ficas, dentre as quais as previstas no art. 222 da Lei Maior, que
definiram os traços fundamentais da radiodifusão. A relevância
constitucional da mídia de massa se explica pela capacidade
(significativa) de influência desses veículos de comunicação
sobre o imaginário dos cidadãos, o livre fluxo de ideias e os
valores fundamentais cultivados pela sociedade.

209 Sumário
CREDENCIAMENTO PRÉVIO NA ANCINE PARA
EXPLORAÇÃO DAS ATIVIDADES DE PROGRAMAÇÃO
E EMPACOTAMENTO, E PROIBIÇÃO À DISTRIBUIÇÃO
DE CONTEÚDO EMPACOTADO POR EMPRESA NÃO
CREDENCIADA PELA AGÊNCIA

[...] é necessário refutar a tese de que caracterizaria censura


prévia a exigência de credenciamento junto à Ancine para o
exercício das atividades de programação e empacotamento. É
que, em nenhum momento, a Lei admite, pelo menos em rela-
ção a esses dispositivos, a influência do Estado sobre a liberdade
de expressão ou criação intelectual, em quaisquer de suas três
dimensões (i.e., produção de conteúdo audiovisual, estrutura-
ção da programação e formatação de pacotes). Credenciar-se
perante um órgão público ou prestar a ele informações não são
obrigações que tolham a liberdade de manifestação de nenhum
agente econômico, na medida em que nada têm a ver com o
objeto final das atividades de produção, programação e empa-
cotamento, como faz querer crer o partido requerente.
[...]
Agregue-se a isso o fato de que tanto o art. 12 quanto o art. 13
da Lei simplesmente fixam deveres instrumentais de colabora-
ção das empresas para fins de permitir a atividade fiscalizató-
ria da Ancine quanto ao cumprimento das novas obrigações
materiais a que estão sujeitos todos os players do mercado.
Nesse sentido, pode-se dizer que o credenciamento prévio e
a prestação de informações à agência simplesmente servem
para que a Ancine possa determinar se os agentes econômicos
estão a prestar o respectivo serviço em conformidade com a
disciplina normativa aplicável. Ora, se existem requisitos legais
necessários para que alguém possa realizar alguma atividade, é
consequência lógica imediata que exista algum órgão respon-

210 Sumário
sável por aferir o seu preenchimento, sob pena de, na prática,
não existir requisito nenhum.
Não vejo, a propósito, qualquer empecilho a que essa fiscaliza-
ção seja realizada previamente sempre que a obrigação insti-
tuída por lei seja exigível dos seus destinatários antes mesmo
do início das suas atividades. É o que ocorre, na hipótese, com
o credenciamento de programadoras e empacotadoras, que
se presta a aferir, por exemplo, se a gestão, a responsabilidade
editorial ou as atividades de seleção e direção inerentes à pro-
gramação e ao empacotamento estão designadas a brasileiros
natos ou naturalizados, como exige o art. 6º da Lei do SeAC.
Assentada a constitucionalidade desta exigência material
(consoante os fundamentos aduzidos no item anterior), não
é possível a uma sociedade empresária atuar no mercado sem
cumpri-la rigorosamente. Daí ser evidentemente natural que o
órgão competente controle seu cumprimento desde o primeiro
momento possível.

POLÍTICA DE COTAS DE CONTEÚDO NACIONAL

[...] os arts. 16, 17, 18, 19, 20, 23 da Lei nº 12.485/11, ao fixarem
“cotas de conteúdo nacional” para canais e pacotes de TV por
assinatura, promovem a cultura brasileira e estimulam a pro-
dução independente, dando concretude ao art. 221 da Consti-
tuição e ao art. 6º da Convenção Internacional sobre a Proteção
e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (Decreto
nº 6.177/2007). A intervenção estatal revela-se, ademais, (i) ade-
quada, quando relacionada ao fim a que se destina, (ii) neces-
sária, quando cotejada com possíveis meios alternativos e (iii)
proporcional em sentido estrito, quando sopesados os ônus e
bônus inerentes à medida restritiva.

211 Sumário
VALIDADE DA IMPOSIÇÃO ÀS CONCESSIONÁRIAS DE
RADIODIFUSÃO DE SONS E IMAGENS DO DEVER DE
DISPONIBILIZAÇÃO GRATUITA DOS CANAIS DE SINAL
ABERTO ÀS DISTRIBUIDORAS DO SeAC

O art. 32, §§ 2º, 13 e 14, da Lei nº 12.485/11, ao impor a disponi-


bilidade gratuita dos canais de TV aberta às distribuidoras e às
geradoras de programação da TV por assinatura, não ofende a
liberdade de iniciativa nem os direitos de propriedade intelec-
tual, porquanto o serviço de radiodifusão é hoje inteiramente
disponibilizado aos usuários de forma gratuita. A Lei do SeAC
apenas replicou, no âmbito do serviço de acesso condicionado,
a lógica vigente na televisão aberta.

DOUTRINA CITADA

AGUILLAR, Fernando Herren. Direito econômico: do direito nacional


ao direito supranacional. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Atlas,
2016. p. 275.
AGRA, Walber de Moura. Curso de Direito Constitucional. 7. ed. rev.
e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2012. p. 857.
ALEXY, Robert. On balancing and subsumption: a structural compa-
rison. Ratio Juris, Oxford, v. 16, n. 14, dez. 2003. p. 436.
ALEXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução: Virgílio
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ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução
do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2004. p. 408.

212 Sumário
ARAGÃO, Alexandre Santos de. A concepção pós-positivista do prin-
cípio da legalidade. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro,
v. 236, p. 12, abr./jun. 2004.
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do direito administrativo econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
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J. Gomes et al (coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São
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ÁVILA, Humberto. Teoria da igualdade tributária. 3. ed. São Paulo:
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BALDWIN, Robert. The case against infant industry protection. Jour-
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BARBOSA, Joaquim. Agências Reguladoras: a “metamorfose” do
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comparado). In: BINENBOJM, Gustavo (org.). Agências reguladoras
e democracia. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 21.
BARROSO, Luís Roberto. Constituição, comunicação social e as novas
plataformas tecnológicas. In: Barroso, Luís Roberto. Temas de Direito
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213 Sumário
BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. 2. ed. ver.
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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da consti-
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CARDOSO, Henrique Ribeiro. Controle da legitimidade da atividade
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DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Limites da função reguladora das
agências diante do princípio da legalidade. In: DI PIETRO, Maria Sylvia
Zanella (org.). Direito Regulatório: temas polêmicos. 2. ed. Belo Hori-
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EAGLETON, Terry. A ideia de cultura. Tradução: Sofia Rodrigues.
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FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. 8. ed. São
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FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: Revista
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GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Cartel. Teoria unificada da colusão. São
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GUERRA, Sérgio. Introdução ao direito das agências reguladoras.
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214 Sumário
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KAHN, Alfred. The economics of regulation: principles and institu-
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JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de licitações e contratos
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MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. A nova regulação estatal e as
agências independentes. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito
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MELITZ, Marc. When and how should infant industries be protected?
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Apontamentos sobre o poder
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio
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MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
30. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 747.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
28. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 170, 838-839.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
27. ed. rev. e atual. Malheiros: São Paulo, 2010. p. 793.

215 Sumário
MENDES, Conrado Hubner. A nova regulação estatal e as agências
independentes. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito adminis-
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MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. A administração indireta e sua
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Samantha Ribeiro (coords.). A intervenção do Estado no domínio
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MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito Regulatório. Rio de
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NICHOLSON, Walter; SNYDER, Christopher. Microeconomic theory:
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OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. A ANEEL e serviços de energia elé-
trica. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo eco-
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PAZ FILHO, José de Sousa; NAZARENO, Cláudio. Cotas de progra-
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Documentação e Informação, 2008. Disponível em: http://bd.camara.
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pazetali.pdf?sequence=1. Acesso em: 23 fev. 2020.
RAGAZZO, Carlos. Regulação jurídica, racionalidade econômica e
saneamento básico. Renovar: Rio de Janeiro, 2011. p. 255-256, 267-268.
RIBEIRO, Mauricio Portugal; PRADO, Lucas Navarro. Comentários à
Lei de PPP – parceria público-privada: fundamentos econômico-ju-
rídico. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 120-125.
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito concorrencial: as estruturas. São
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SAMUELSON, Paul; NORDHAUS, William D. Economia. 19. ed. São
Paulo: Mcgraw-Hill, 2012. p. 142.

216 Sumário
SANKIEVICZ, Alexandre. Liberdade de expressão e pluralismo: pers-
pectivas de regulação. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 89-90.
SARMENTO, Daniel. Comentário ao art. 220. In: CANOTILHO, J. J.
Gomes et al (coord.). Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Saraiva, 2013. p. 2041-2042.
SARMENTO, Daniel. Liberdade de expressão, pluralismo e papel pro-
mocional do Estado. In: SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos
de direito constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p. 286.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17.
ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 250, 762 e 769.
SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório.
Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.
SOUZA, Mateus Maia de; ALEM, Nichollas de Miranda. Direito à cul-
tura e políticas públicas no Brasil: uma análise dos gastos diretos e
indiretos com o setor audiovisual durante a Nova República. Revista de
Estudos Empíricos em Direito, São Paulo, v. 3, n. 2, p. 93-112, jul. 2016.
SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUN-
DFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São
Paulo: Malheiros, 2006. p. 27.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito administrativo ordenador. São Paulo:
Malheiros, 2003.
STEWART, Richard. The reformation of american administrative law.
Harvard Law Review, Cambridge, v. 88, n. 8, p. 1695-1697, june 1975.
VARIAN, Hal. Microeconomic analysis. New York: W. Norton & Com-
pany Inc, 1992. p. 218.

217 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADI 4.92321


2. Audiência pública nº 8
Audiência Pública convocada para subsidiar o julga-
mento dos processos que impugnam dispositivos da
Lei n. 12.485/2011, que estabeleceu o novo marco regu-
latório da televisão por assinatura no Brasil.
2.1 Despacho convocatório
2.2 Obra Bibliografia, Legislação e Jurisprudência
Temática – TV por Assinatura
2.3 Vídeos da audiência
3. Amicus curiae

21 Julgamento em conjunto com as ADIs 4.679, 4.756, 4.747, rel. min. Luiz Fux,
j. 8-11-2017, P, DJE de 5-4-2018.

218 Sumário
ENSINO RELIGIOSO CONFESSIONAL

O ensino religioso nas escolas


públicas brasileiras pode ser
vinculado a religiões específicas.

[ADI 4.439, rel. min. Roberto Barroso, red. do ac. min.


Alexandre de Moraes, j. 27-9-2017, P, DJE de 21-6-2018.]

Sumário
RESUMO

Constitucionalidade do ensino religioso confessional como disci-


plina facultativa dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental.

220 Sumário
Conjugação do binômio laicidade do Estado (CF,
art. 19, I) e liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI)

Respeito ao princípio da igualdade


entre todas as crenças religiosas

O dirigismo estatal não pode ser


admitido

O conteúdo das aulas deve


ser definido pela religião que
está promovendo a disciplina

ENSINO RELIGIOSO CONFESSIONAL

O poder público deverá atuar na regulamentação do


cumprimento do preceito constitucional previsto no art.
210, § 1º, de modo a garantir:
• pleno exercício do direito subjetivo ao ensino religioso
• matrícula facultativa
•  resguardada a individualidade da pessoa e sua
liberdade de crença
• disciplina dos horários normais das escolas públicas
de ensino fundamental, ministrada de acordo com os
princípios de confissão religiosa do aluno
•  conteúdo programático estabelecido em parceria
com a sociedade civil
•  respeitada a diversidade cultural do Brasil
•  vedadas quaisquer formas de proselitismo

221 Sumário
6X5

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito:

Min. Roberto Barroso – Relator


Min. Alexandre de
Moraes – Redator do acórdão
Min. Edson Fachin
Min. Rosa Weber
Min. Luiz Fux
Min. Gilmar Mendes
Min. Dias Toffoli
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Marco Aurélio
Min. Celso de Mello
Min. Cármen Lúcia – Presidente

222 Sumário
FUNDAMENTOS

LAICIDADE DO ESTADO X LIBERDADE RELIGIOSA

A relação entre o Estado e as religiões, histórica, jurídica e cultural-


mente, é um dos mais importantes temas estruturais do Estado. A
interpretação da Carta Magna brasileira, que, mantendo a nossa
tradição republicana de ampla liberdade religiosa, consagrou a
inviolabilidade de crença e cultos religiosos, deve ser realizada em
sua dupla acepção: (a) proteger o indivíduo e as diversas confis-
sões religiosas de quaisquer intervenções ou mandamentos esta-
tais; (b) assegurar a laicidade do Estado, prevendo total liberdade
de atuação estatal em relação aos dogmas e princípios religiosos.

IGUALDADE DE ACESSO E TRATAMENTO A TODAS AS


CONFISSÕES RELIGIOSAS

A plena liberdade religiosa deve assegurar o respeito à diversidade


dos dogmas e crenças, sem a hierarquização de interpretações
bíblicas e religiosas de um ou mais grupos em detrimento dos
demais, que vem acarretando tantos sofrimentos desde as cruza-
das e guerras santas até os atos de terrorismo em nome da fé. O
respeito à fé alheia ou a ausência de qualquer crença religiosa é
primordial para a garantia de segurança de nossa própria fé, pois
a verdadeira liberdade religiosa consagra a pluralidade, como bem
lembrado por THOMAS MORE em sua grande obra, ao narrar
que “as religiões, na Utopia, variam não unicamente de uma pro-
víncia para outra, mas ainda dentro dos muros de cada cidade,
estes adoram o Sol, aqueles divinizam a Lua ou outro qualquer
planeta. Alguns veneram como Deus supremo um homem cuja
glória e virtudes brilharam outrora de um vivo fulgor”.

223 Sumário
[...]
Assim, a Constituição Federal, ao consagrar a inviolabilidade
de crença religiosa, está também assegurando plena proteção
à liberdade de culto e às suas liturgias (FRANCESCO FINOC-
CHIARO, Il fenômeno religioso. I rapporti trà Stato e Chiesa cat-
tolica. I culti non cattolici. Manuale di diritto pubblico. Bolonha:
Il Molino, 1994. p. 943-964).
Insisto, um Estado não consagra verdadeiramente a liberdade
religiosa sem absoluto respeito aos seus dogmas, suas crenças,
liturgias e cultos. O direito fundamental à liberdade religiosa
não exige do Estado concordância ou parceria com uma ou
várias religiões; exige, tão somente, respeito; impossibilitando-o
de mutilar dogmas religiosos de várias crenças, bem como de
unificar dogmas contraditórios sob o pretexto de criar uma
pseudo neutralidade no “ensino religioso estatal”.
O Estado deve respeitar todas as confissões religiosas, bem
como a ausência delas, e seus seguidores, mas jamais sua legis-
lação, suas condutas e políticas públicas devem ser pautadas
por quaisquer dogmas ou crenças religiosas ou por concessões
benéficas e privilegiadas a determinada religião.
O Poder Público tem a obrigação constitucional de garantir a
plena liberdade religiosa, mas, em face de sua laicidade, não pode
ser subserviente, ou mesmo conivente com qualquer dogma ou
princípio religioso que possa colocar em risco sua própria laici-
dade ou a efetividade dos demais direitos fundamentais, entre
eles, o princípio isonômico no tratamento de todas as crenças
e de seus adeptos, bem como dos agnósticos e ateus.
É essa a ótica que deve garantir a efetividade da determinação
constitucional do ensino religioso, de matrícula facultativa, como
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental (CF, art. 210, § 1º), pautada pela análise da excepcio-

224 Sumário
nal e singular previsão constitucional do tema; pelo binômio Lai-
cidade do Estado/Consagração da Liberdade Religiosa e pelo res-
peito ao princípio da igualdade entre todas as crenças religiosas.

AULAS DE ENSINO RELIGIOSO: CONTEÚDO DEFINIDO


PELA RELIGIÃO QUE AS PROMOVE

O ensino religioso previsto constitucionalmente é um direito


subjetivo individual e não um dever imposto pelo Poder Público.
A definição do núcleo imprescindível do ensino religioso como
sendo os dogmas de fé, protegidos integralmente pela liber-
dade de crença, de cada uma das diversas confissões religio-
sas, demonstra que não há possibilidade de neutralidade ao
se ministrar essa disciplina, que possui seus próprios dogmas
estruturantes, postulados, métodos e conclusões que o diferen-
ciam de todos os demais ramos do saber jurídico e deverá ser
oferecida segundo a confissão religiosa manifestada voluntaria-
mente pelos alunos, sem qualquer interferência estatal, seja ao
impor determinada crença religiosa, seja ao estabelecer fictício
conteúdo misturando diversas crenças religiosas, em desrespeito
à singularidade de cada qual, ou confundindo o ensino religioso
com o estudo de história, filosofia ou ciência das religiões.
[...]
O respeito ao binômio Laicidade do Estado/Consagração da
Liberdade Religiosa, na implantação do ensino religioso de matrí-
cula facultativa, somente será atingido com o afastamento do
dirigismo estatal na imposição prévia de conteúdo, que significa-
ria verdadeira censura à liberdade religiosa, e com a observância
do Poder Público, tanto da livre e voluntária opção do aluno
ou de seus pais e responsáveis na indicação de determinada
crença religiosa, quanto da autonomia e autossuficiência das

225 Sumário
organizações religiosas em oferecerem as disciplinas de acordo
com a confissão religiosa do aluno, em igualdade de condições.
[...]
Não faria sentido garantir a frequência facultativa às aulas de
ensino religioso se esse se limitasse a enunciar, de maneira abso-
lutamente descritiva e neutra, princípios e regras gerais das
várias crenças. A descrição do fenômeno religioso pelos enfo-
ques histórico, sociológico ou filosófico não ensejaria nenhum
motivo para a dispensa de comparecimento, cabendo lembrar
que há disciplinas de diversos cursos de ciências humanas, inclu-
sive do Direito e Ciências Jurídicas, em que tais abordagens são
corriqueiras e até imprescindíveis, sem que jamais se cogitasse
da possibilidade de algum aluno eximir-se de frequentá-las.

VOLUNTARIEDADE DA MATRÍCULA PARA O ENSINO


RELIGIOSO

[...] como compatibilizar o ensino religioso confessional com a


laicidade do Estado brasileiro e a liberdade de crença?
A própria Constituição Federal trouxe a solução para a composi-
ção desse aparente conflito: a facultatividade do ensino religioso,
expressamente prevista no § 1º do art. 210 do texto constitucional.
O ensino pode, portanto, ser religioso na modalidade confes-
sional e a facultatividade existe exatamente para resguardar a
individualidade da pessoa e sua liberdade de crença.
Ou seja, o art. 210, § 1º, da Constituição Federal, ao prever a
oferta do ensino religioso na forma facultativa, resguarda, de
um lado, o desejo dos que queiram se aprofundar numa deter-
minada fé e, de outro, o desejo dos que não querem se sujeitar
a determinados dogmas e preceitos.

226 Sumário
[...]
O reconhecimento da laicidade e da liberdade de crença não
podem tornar letra morta a previsão constitucional de que deve
haver nas escolas públicas ensino religioso. De outra banda, o
cumprimento da referida previsão não pode acarretar o afas-
tamento do caráter laico do Estado brasileiro e da proteção da
liberdade de crença.
Exatamente para harmonizar essas disposições constitucionais
é que foi facultada a matrícula na mencionada disciplina.
Além disso, para dar concretude ao art. 210, § 1º, da Constitui-
ção e para que não restassem dúvidas a respeito da harmonia
entre ensino religioso, laicidade do Estado e o direito fundamen-
tal de liberdade de crença, os dispositivos legais questionados
preveem, (i) além da matrícula facultativa, (ii) que o ensino
religioso deve ser plural e diverso, (iii) devendo o conteúdo
programático ser estabelecido em parceria com a sociedade
civil, inclusive com a participação das diferentes denominações
religiosas, (iv) respeitada, ainda, a diversidade cultural do Brasil
e (iv) vedadas quaisquer formas de proselitismo.

DOUTRINA CITADA

FINOCCHIARO, Francesco. Il fenomeno religioso: i rapporti trà Stato


e chiesa cattolica: i culti non cattolici. In: FINOCCHIARO, Francesco.
Manuale di diritto pubblico. Bolonha: Il Mulino, 1994. p. 943-964.
MOORE, Thomas. A religion of one’s own: a guide to creating a per-
sonal spirituality in a secular world. New York: Avery, 2015.

227 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADI 4.439


2. Audiência pública nº 17
Audiência Pública convocada para subsidiar o julga-
mento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.439,
que discute os modelos de ensino religioso em escolas
públicas.
2.1 Despacho convocatório
2.2 Vídeos da audiência
3. Amicus curiae
4. Vídeo do programa da TV Justiça “Plenárias”
5. Vídeos do julgamento
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
Vídeo 4
Vídeo 5
Vídeo 6
Vídeo 7

228 Sumário
IMUNIDADE TRIBUTÁRIA CULTURAL

A imunidade tributária que


alcança livros, jornais, periódicos
e o papel destinado à sua
impressão abrange as peças e os
componentes a serem utilizados
como material didático da
publicação.

[RE 595.676, rel. min. Marco Aurélio, j. 8-3-2017, P, DJE de


18-12-2017, Tema 259.]

Sumário
TESE FIXADA Tema 259 REPERCUSSÃO
GERAL

A imunidade da alínea d do inciso VI do art. 150 da Constituição


Federal alcança componentes eletrônicos destinados, exclusivamente,
a integrar unidade didática com fascículos.

230 Sumário
Funções políticas e sociais da imunidade tributária

A imunidade dos livros, jornais e periódicos visa


• promover a educação e o acesso à cultura
• garantir o princípio da liberdade de
expressão e manifestação do pensamento
• proteger o direito à informação
• estimular a circulação de ideias
• viabilizar a liberdade de imprensa

O avanço da tecnologia e a imunidade


prevista no art. 150, IV, d, da CF
• interpretação teológica e
sistemática da imunidade
•  para adequar o texto
constitucional à luz dos
avanços tecnológicos

IMUNIDADE TRIBUTÁRIA CULTURAL

Ampliação dos conceitos de livros, jornais e


periódicos
• para alcançar componentes
eletrônicos
•  destinados, exclusivamente, a
integrar a unidade didática
com fascículos

Imunidade não protege a venda


dissimulada de mercadorias

231 Sumário
10 X 0

Vencedores no mérito:

Min. Marco
Aurélio – Relator
Min. Roberto Barroso
Min. Teori Zavascki
Min. Rosa Weber
Min. Dias Toffoli
Min. Edson Fachin
Min. Luiz Fux
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Gilmar Mendes
Min. Cármen Lúcia – Presidente

Ausente:
Min. Celso de Mello

232 Sumário
FUNDAMENTOS

HISTÓRICO DA EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA

No século XX, a humanidade presenciou o grande avanço da


informatização, principalmente depois do surgimento a rede
mundial de computadores, nos anos noventa, marco da evo-
lução digital. Com a chegada da internet às residências, novos
cenários sociais, educacionais e comerciais surgiram – as pes-
soas nunca mais se comunicaram, buscaram o conhecimento
e informações, realizaram transações comerciais como antes.
Tanto sob a óptica quantitativa como qualitativa, no século XXI,
tem havido maior expansão dessas inovações. Na realidade, e
sem exageros, pode-se dizer que, desde a criação do primeiro
computador, nos meados da década de quarenta do século
passado, a vida humana já estava fadada a ser influenciada e
transformada por toda essa ascensão tecnológica [...].
Até mesmo a política sofre hoje forte impacto desses recentes
paradigmas comunicacionais. As redes sociais são um importante
canal de diálogo entre os eleitores e entre esses e os candidatos,
modificando em boa medida o perfil das eleições, já bastante
impactadas pelo uso das urnas eletrônicas. As oportunidades
de crítica aos governantes, elemento fundamental de qualquer
democracia real, foram ampliadas de modo extraordinário com
os blogues e as redes sociais digitais. Fala-se hoje em “democra-
cia digital”. Sem dúvida, os “movimentos populares de junho de
2013” não teriam sido os mesmos sem a prévia articulação virtual.
A capacidade institucional dos órgãos judiciais tem sido cons-
tantemente colocada à prova ante toda essa evolução tecno-
lógica que resultou, conforme já consignado, em profundas
mudanças sociais e comportamentais, portanto, jurídicas [...].

233 Sumário
Novas modalidades de litígios surgem a todo tempo. Discussões
envolvendo o direito à informação e a liberdade de pensamento,
de um lado, e o direito à privacidade e à honra, de outro, foram
verdadeiramente reinauguradas na “Era Digital”. Controvérsias
relacionadas ao intrincado mundo das empresas virtuais, dos
serviços e comércio eletrônicos, repercutindo a necessidade
de proteção à figura do “consumidor online”, à propriedade
intelectual e aos direitos autorais presentes as novas mídias
eletrônicas, aos limites comportamentais dos trabalhadores
no ambiente de trabalho quanto ao acesso à internet, entre
muitas outras, fazem parte do cenário judicial contemporâ-
neo. O próprio aperfeiçoamento do processo eletrônico vem
sendo um desafio. O que dizer do denominado Plenário Virtual
do Supremo, considerada a alteração introduzida à tradicional
forma colegiada de deliberação do Tribunal?

A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA NO SISTEMA


CONSTITUCIONAL

As normas de imunidade tributária constantes da Carta visam


proteger valores políticos, morais, culturais e sociais essenciais,
não permitindo que os entes tributem certas pessoas, bens,
serviços ou situações ligadas a esses valores. Onde há regra
constitucional de imunidade, não poderá haver exercício da
competência tributária e isso em razão de uma seleção de
motivos fundamentais.
[...] as imunidades servem a “assegurar certos princípios funda-
mentais ao regime, a incolumidade de valores éticos e culturais
consagrados pelo ordenamento constitucional positivo e que
se pretende manter livres das interferências ou perturbações da
tributação”. [...] “a causa justificativa da imunidade é facilitar,
por meio da exclusão de encargos tributários, a consecução de
finalidades que devem ser atingidas pelo próprio Estado”.

234 Sumário
As regras de imunidade devem ser vistas como elementos de um
sistema harmônico e integrado de normas e propósitos cons-
titucionais e interpretadas em função do papel que cumprem
em favor dos valores prestigiados por esse sistema. Isso vale,
especialmente, para as imunidades previstas no mencionado
artigo 150, inciso VI, considerados os impostos.
Os precedentes do Supremo, no tocante às imunidades das
alíneas “a”, “b” e “c” do aludido inciso VI, têm deixado clara a
atenção do Tribunal com as funções políticas e sociais dessas
normas, revelando-se prática de interpretação teleológica para
a solução das controvérsias surgidas e buscando-se sempre
a melhor realização dos valores protegidos. Como afirmado
pelo ministro Sepúlveda Pertence, no Recurso Extraordinário
nº 237.718, da relatoria de Sua Excelência, julgado em 29 de
março de 2001, a linha jurisprudencial do Tribunal, nos últimos
tempos, vem sendo “decisivamente inclinada à interpretação
teleológica das normas de imunidade tributária, de modo a
maximizar-lhes o potencial de efetividade, como garantia ou
estímulo à concretização dos valores constitucionais que ins-
piram limitações ao poder de tributar.”
[...] Esse propósito nuclear orienta a interpretação de modo que
a imunidade seja assegurada até o ponto que a tributação não
represente restrição à autonomia política dos entes. O intér-
prete deve levar em conta o fim maior da norma – a salvaguarda
da Federação, princípio estruturante de nossa ordem política e
constitucional – e, a partir dessa premissa, definir a abrangência
da imunidade.

IMUNIDADE DE LIVROS, JORNAIS E PERIÓDICOS

A postura hermenêutica do Supremo alusiva às normas de imu-


nidade das alíneas “a”, “b” e “c” do inciso VI do artigo 150 vem

235 Sumário
sendo a mesma adotada para a norma da alínea “d” do preceito
constitucional, ou seja, em relação à imunidade dos livros, jornais
e periódicos. O dispositivo visa promover a educação, garan-
tir o princípio da liberdade de manifestação do pensamento e
da expressão da atividade intelectual, artística, científica e de
comunicação, facilitando e estimulando a circulação de ideias,
o direito de informar e de ser informado e a própria liberdade de
imprensa. Considerados esses propósitos, a imunidade se apre-
senta como essencial ao próprio desenvolvimento da cultura,
da democracia e da cidadania participativa e reivindicatória.
A definição interpretativa do alcance da norma constitucional
deve guardar relação mais do que íntima com a compreensão
da função política e social que a imunidade cumpre em favor
da difusão das ideias, da educação, da cultura, da democra-
cia e da cidadania. Deve-se ter presente que a norma obje-
tiva proteger não simplesmente o livro, jornal ou periódico
como “suportes físicos de ideias e comunicação”, mas o valor
intrínseco do conteúdo veiculado, de natureza educacional,
informativa, expressiva do pensamento individual ou coletivo.
O meio é secundário, importando, precipuamente, promo-
ver e assegurar o direito fundamental à educação, à cultura, à
informação, à participação política dos cidadãos. O Supremo
tem compreendido bem a distinção e aplicado a norma de
imunidade valendo-se dessa diretriz.

IMUNIDADE DOS COMPONENTES ELETRÔNICOS QUE


COMPÕEM O MATERIAL DIDÁTICO DE PUBLICAÇÃO

[...] Considerada a realidade fático-tecnológica, pode-se dizer


que negar a imunidade aos novos formatos de transmissão de
educação, cultura e informação resulta, hoje, em amesquinhar
a norma constitucional e, amanhã, esvaziá-la por completo.

236 Sumário
Ainda mais grave, essa perda gradativa de efetividade não
concerne apenas à norma de imunidade em si, mas aos valo-
res sociais, éticos e políticos cuja proteção e promoção são,
verdadeiramente, o propósito constitucional. Há o perigo de
enfraquecimento dos direitos fundamentais que serviram de
razão última para a instituição da imunidade pelo constituinte
desde 1946.
[...] Fixada a premissa da unidade didática, integrados fascículos
impressos e componentes eletrônicos, a abordagem sistêmi-
co-teleológica da imunidade, marcante na jurisprudência do
Supremo, não permite outra definição senão a do alcance da
imunidade nos termos definidos pelo Tribunal de origem.
Ainda que se parta de premissa fática diversa, qual seja, a carac-
terização dos elementos eletrônicos como insumos, a conclusão
pela imunidade se mantém.

IMUNIDADE À VENDA DISSIMULADA DE MERCADORIA

[...] evidentemente essa imunidade não protege a venda dissi-


mulada de mercadorias. Portanto, tem de haver uma unidade
entre o fascículo e o complemento que o acompanhe. Assim,
não é possível lançar uma coleção de fascículos sobre pedras
preciosas brasileiras e, aí, vender o fascículo junto com uma
esmeralda a cinco mil reais, ou, quem sabe a história do auto-
móvel, junto com o fascículo, o sujeito pode comprar uma Mer-
cedes C. É indispensável a unidade didática e a razoabilidade
dessa complementaridade [...].

237 Sumário
DOUTRINA CITADA

ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário. 5. ed. São Paulo:


Saraiva, 2012. p. 273.
BARRETO, Aires Fernandino. Imunidades tributárias: limitações cons-
titucionais ao poder de tributar. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2001. p. 34.
BORGES, José Souto Maior. Teoria geral da isenção tributária. 3. ed.
São Paulo: Malheiros, 2011. p. 221.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tribu-
tário. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 761-762.
CARVALHO, André Castro. Tributação de bens digitais: interpreta-
ção do art. 150, VI, d, da Constituição federal. São Paulo: MP Editora,
2009, p. 25 e ss.
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 5. ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 2003. v. 2, p. 288.
MOSQUERA, Roberto Quiroga; NOVELLO, Guilherme Lautenschlae-
ger. Imunidade dos livros eletrônicos e a extensão do art. 150, VI, d,
da Constituição Federal. In: PISCITELLI, Tathiane (coord.); PEIXOTO,
Monteiro Daniel et al. Direito tributário: o direito tributário na prá-
tica dos tribunais superiores: Sistema Tributário Nacional e o Código
tributário em debate. Saraiva, 2013.
PINHEIRO, Patrícia. Direito digital. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 48.
PISCITELLI, Tathiane (org.); PEIXOTO, Daniel Monteiro et al. Direito
tributário na prática dos tribunais superiores: Sistema Tributário
Nacional e Código Tributário Nacional em debate. São Paulo: Saraiva,
2013. p. 37.

238 Sumário
RIBEIRO, Ricardo Lodi. A imunidade do livro eletrônico e o pluralismo
metodológico na interpretação do art. 150, VI, d, CF. Revista Trimes-
tral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 46, p. 249, abril/junho de 2011.
RIBEIRO, Ricardo Lodi. A imunidade do livro eletrônico e o pluralismo
metodológico na interpretação do art. 150, VI, d, CF. Revista Trimes-
tral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 46, p. 260, abril/junho de 2011.
SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito cons-
titucional: teoria, história e métodos de trabalho. Belo Horizonte:
Fórum, 2012. p. 415-416.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão do RE 595.676


2. Amicus curiae
3. Vídeos do julgamento
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
4. Julgado relacionado
RE 330.817, rel. min. Dias Toffoli, j. 8-3-2017, P, DJE de
31-8-2017, Tema 593.

239 Sumário
CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA

As emissoras de rádio e TV gozam


de “liberdade de programação”.

[ADI 2.404, rel. min. Dias Toffoli, j. 31-8-2016, P, DJE de


1º-8-2017.]

Sumário
RESUMO

É inconstitucional a expressão “em horário diverso do autorizado”


contida no art. 254 da Lei nº 8.069/1990. Não há horário autorizado,
mas horário recomendado.

242 Sumário
Forma de liberdade de
expressão

Classificação indicativa
• busca esclarecer, informar e
indicar aos pais a existência de
conteúdo inadequado para crianças
e adolescentes
• não se confunde com autorização
• tem efeito pedagógico

Não há horário autorizado, mas


horário recomendado

LIBERDADE DE PROGRAMAÇÃO

Dever das emissoras de rádio e de


televisão de exibir ao público o aviso de
classificação etária
• descumprimento tipificado
como infração administrativa –
art. 254 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA)

Dever do Estado
• conferir publicidade aos avisos de
classificação
• desenvolver programas educativos
acerca do sistema de classificação indicativa

Responsabilização judicial
em caso de abusos

243 Sumário
7X3

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito:

Min. Dias
Toffoli – Relator
Min. Luiz Fux
Min. Cármen Lúcia
Min. Ayres Britto
Min. Edson Fachin
Min. Teori Zavascki
Min. Rosa Weber
Min. Marco Aurélio
Min. Celso de Mello
Min. Ricardo
Lewandowski – Presidente

Impedido:
Min. Gilmar Mendes

244 Sumário
FUNDAMENTOS

LIBERDADE DE PROGRAMAÇÃO É UMA FORMA


DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A própria Constituição da República delineou as regras de sope-


samento entre os valores da liberdade de expressão dos meios
de comunicação e da proteção da criança e do adolescente.
Apesar da garantia constitucional da liberdade de expressão,
livre de censura ou licença, a própria Carta de 1988 conferiu
à União, com exclusividade, no art. 21, inciso XVI, o desem-
penho da atividade material de “exercer a classificação, para
efeito indicativo, de diversões públicas e de programas de rádio
e televisão”. A Constituição Federal estabeleceu mecanismo
apto a oferecer aos telespectadores das diversões públicas e de
programas de rádio e televisão as indicações, as informações e
as recomendações necessárias acerca do conteúdo veiculado.
É o sistema de classificação indicativa esse ponto de equilíbrio
tênue, e ao mesmo tempo tenso, adotado pela Carta da Repú-
blica para compatibilizar esses dois axiomas, velando pela inte-
gridade das crianças e dos adolescentes sem deixar de lado a
preocupação com a garantia da liberdade de expressão.
A classificação dos produtos audiovisuais busca esclarecer, infor-
mar, indicar aos pais a existência de conteúdo inadequado para
as crianças e os adolescentes. O exercício da liberdade de pro-
gramação pelas emissoras impede que a exibição de determi-
nado espetáculo dependa de ação estatal prévia. A submissão
ao Ministério da Justiça ocorre, exclusivamente, para que a União
exerça sua competência administrativa prevista no inciso XVI do
art. 21 da Constituição, qual seja, classificar, para efeito indicativo,
as diversões públicas e os programas de rádio e televisão, o que
não se confunde com autorização. Entretanto, essa atividade não

245 Sumário
pode ser confundida com um ato de licença, nem confere poder
à União para determinar que a exibição da programação somente
se dê nos horários determinados pelo Ministério da Justiça, de
forma a caracterizar uma imposição, e não uma recomendação.
Não há horário autorizado, mas horário recomendado.

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA E AUTORIZAÇÃO PARA


EXIBIÇÃO DE PROGRAMAS

Permanece o dever das emissoras de rádio e de televisão de


exibir ao público o aviso de classificação etária, antes e no decor-
rer da veiculação do conteúdo, regra essa prevista no parágrafo
único do art. 76 do ECA, sendo seu descumprimento tipificado
como infração administrativa pelo art. 254, ora questionado
[...]. Essa, sim, é uma importante área de atuação do Estado. É
importante que se faça, portanto, um apelo aos órgãos com-
petentes para que reforcem a necessidade de exibição desta-
cada da informação sobre a faixa etária especificada, no início e
durante a exibição da programação, e em intervalos de tempo
não muito distantes (a cada quinze minutos, por exemplo),
inclusive, quanto às chamadas da programação, de forma que
as crianças e os adolescentes não sejam estimulados a assistir
programas inadequados para sua faixa etária. Deve o Estado,
ainda, conferir maior publicidade aos avisos de classificação,
bem como desenvolver programas educativos acerca do sistema
de classificação indicativa, divulgando, para toda a sociedade,
a importância de se fazer uma escolha refletida acerca da pro-
gramação ofertada ao público infantojuvenil.
[...]
É inequívoca, portanto, a percepção de que o modelo de classi-
ficação indicativa é o instrumento de defesa que a Constituição
ofereceu aos pais e aos responsáveis contra programações de

246 Sumário
conteúdo inadequado, garantindo-lhes o acesso às informações
necessárias à proteção das crianças e dos adolescentes, mas sem
deixar de lado a preocupação com a garantia da liberdade de
expressão, pois não surge com o caráter de imposição.

CENSURA PRÉVIA X CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA


(HORÁRIO RECOMENDADO)

[...] Há, sim, censura prévia, já revelada na necessidade de sub-


missão da programação de rádio e de televisão à autoridade
administrativa, a qual, por sua vez, não apenas exercerá a clas-
sificação indicativa, no sentido de informar a faixa etária e os
horários aos quais “não se recomend[a]” (conforme prevê a
Constituição), mas de impor e condicionar, prima facie, a vei-
culação da programação no horário autorizado, sob pena de
incorrer em ilícito administrativo.
O que se faz, nesse caso, não é classificação indicativa, mas
restrição prévia à liberdade de conformação das emissoras
de rádio e de televisão, inclusive acompanhada de elemento
repressor, de punição. O que se diz é: “a programação ‘X’ não
pode ser transmitida em horário diverso do autorizado pela
autoridade administrativa, sob pena de pagamento de multa e
até de suspensão temporária da programação da emissora no
caso de reincidência”. O que seria isso senão ato de proibição,
acompanhado, ainda, da reprimenda?
Esse caráter autorizativo, vinculativo e compulsório conferido
pela norma questionada ao sistema de classificação, data venia,
não se harmoniza com os arts. 5º, IX; 21, inciso XVI; e 220, § 3º,
I, da Constituição da República.
Pode-se questionar, naturalmente, que, na ausência de sanção,
de que adiantaria o exercício da classificação indicativa? Não

247 Sumário
haveria, nesse caso, contumaz desrespeito da classificação pelas
emissoras, com a transmissão de programas fora do horário
recomendado?
Ora, não se discorda aqui do direito à programação sadia, reco-
nhecido expressamente pelo art. 221 da Constituição Federal.
Mas, também, não se pode partir do pressuposto de que as
emissoras de televisão, na escolha de sua programação, são, a
priori, nocivas à população infantojuvenil, merecendo, por isso,
ser tuteladas pelo Estado, o qual deve determinar o que é ou não
adequado para determinada grade horária de sua programação.
Segue-se, assim, lógica inversa: com o receio de abusos, restrin-
ge-se a garantia da liberdade de conformação da programação
das emissoras, as quais devem seguir os parâmetros e os padrões
que o Estado, como oráculo da moralidade, impõe.

EFEITO PEDAGÓGICO DA CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA

[...] a exibição do aviso de classificação indicativa tem um efeito


pedagógico. Ao se esclarecer as faixas etárias para as quais as
atrações não são apropriadas, exige-se reflexão por parte do
telespectador e dos responsáveis, os quais são chamados a deci-
dir se assistem ou não a determinada programação ou se permi-
tem, ou não, que seus filhos o façam. É dever do Estado, nesse
ponto, conferir maior publicidade aos avisos de classificação,
bem como desenvolver programas educativos acerca do sistema
de classificação indicativa, divulgando, para toda a sociedade, a
importância de se fazer uma escolha refletida acerca da progra-
mação ofertada ao público infantojuvenil. É fundamental que
a sociedade atraia para si essa atribuição, cabendo ao Estado
incentivá-la nessa tomada de decisão, e não tutelá-la.
Esse controle parental pode ser feito, inclusive, com o auxílio de
meios eletrônicos de seleção e de restrição de acesso a deter-

248 Sumário
minados programas radiodifundidos, como já é feito em vários
países. Trata-se de tecnologia de uso obrigatório no Brasil, mas
que, infelizmente, ainda não tem sido adotada entre nós.
Em 2001, o Congresso Nacional editou a Lei nº 10.359, estabe-
lecendo que os aparelhos televisores produzidos no território
nacional devem dispor, obrigatoriamente, de dispositivo eletrô-
nico que permita ao usuário (pais ou responsáveis) bloquear a
recepção de programas com cenas impróprias para menores.

O PODER PÚBLICO TEM O DEVER DE INFORMAR


OS HORÁRIOS PARA EXIBIÇÃO E A CLASSIFICAÇÃO
INDICATIVA

A Lei Maior conferiu à União e ao legislador federal margem


limitada de atuação no campo da classificação dos espetáculos
e diversões públicas. A autorização constitucional é para que a
União classifique, informe, indique as faixas etárias e/ou horá-
rios não recomendados, e não que proíba, vede, ou censure
dada transmissão.
Ou seja: tem a União a competência administrativa para desem-
penhar a atividade de classificação das diversões públicas e de
programas de rádio e de televisão? Sim, mas essa classificação
é indicativa, não se trata de permissão ou autorização adminis-
trativa. Pode o Poder Público informar sobre a natureza dessas
diversões e programações e sobre as faixas etárias e horários a
que não se recomendem? Sim, mas só pode indicar, informar,
recomendar, e não proibir, vincular ou censurar.
Vê-se que, embora outorgadas ao Poder Público ditas atribui-
ções de informar aos usuários a que públicos os programas
midiáticos se destinam e de recomendar sua veiculação em
horários mais adequados, a Constituição da República não o fez

249 Sumário
de modo cogente. A classificação indicativa deve, portanto, ser
entendida, nesses termos, como um aviso aos usuários acerca do
conteúdo da programação, jamais como uma obrigação cogente
às emissoras de exibição em horários específicos, menos ainda
sob pena de sanção administrativa.
Sendo assim, se a conformação legislativa da liberdade de
expressão é condicionada aos limites autorizados pela Cons-
tituição Federal e o texto dela, na questão específica, já traz
regramento indicativo, informativo, sem sombra de dúvida,
padece de nulidade a legislação infraconstitucional que pre-
tenda amarrar o exercício da referida liberdade, convertendo
esse regramento em proibitivo, impositivo e vinculante.

RESPONSABILIZAÇÃO JUDICIAL EM CASOS DE ABUSOS

Sempre será possível a responsabilização judicial das emissoras


de radiodifusão por abusos ou eventuais danos à integridade
das crianças e dos adolescentes, levando-se em conta, inclusive,
a recomendação do Ministério da Justiça quanto aos horários
em que a referida programação se mostre inadequada. Afinal,
a Constituição Federal também atribuiu à lei federal a compe-
tência para “estabelecer meios legais que garantam à pessoa e
à família a possibilidade de se defenderem de programas ou
programações de rádio e televisão que contrariem o disposto
no art. 221” (art. 220, § 3º, II, CF/88)22.

22 Como salientado pelo Ministro Ayres Britto em seu voto na ADPF 130, “é da
lógica perpassante dos mesmíssimos preceitos constitucionais (art. 220 e seus
§§ 1º, 2º e 6º) o comando de que os eventuais abusos sejam detectados caso a
caso, jurisdicionalmente […], pois esse modo casuístico de aplicar a Lei Maior
é a maneira mais eficaz de proteção dos superiores bens jurídicos da liberdade
de manifestação do pensamento e da liberdade de expressão lato sensu”.

250 Sumário
[...]
Enfim, a liberdade de expressão também exige responsabili-
dade em seu exercício, devendo as emissoras resguardar, em
sua programação, as cautelas necessárias às peculiaridades do
público infantojuvenil. Não obstante, são as próprias emissoras
que devem proceder ao enquadramento horário de sua pro-
gramação, e não o Estado.
O que não pode persistir, porém, é legislação que, a pretexto
de defender valor constitucionalmente consagrado (proteção
da criança e do adolescente), acabe por amesquinhar outro tão
relevante quanto, como a liberdade de expressão. Não se pode
admitir que o instrumento constitucionalmente legítimo da
classificação indicativa seja, na prática, concretizado por meio
de autorização estatal, mediante a qual se determina de forma
cogente a conduta das emissoras no que diz respeito ao horário
de sua programação, caracterizando-se como mecanismo de
censura e de restrição à liberdade de expressão.

DOUTRINA CITADA

BARROSO, Luís Roberto. Liberdade de expressão, censura e controle da


programação de televisão na Constituição de 1988. São Paulo: Revista
dos Tribunais, v. 90, n. 790, p. 129-152, ago. 2001.
BOTAS, Paulo; e BLANCO, Pedro Sol. O tau da travessia: a teopoética
de Milton Nascimento. Caderno Ciência e Fé, Curitiba, v. 1., n. 2, 2013.
BRASIL. Presidência da República. Secretaria de Comunicação Social.
Pesquisa brasileira de mídia 2015: hábitos de consumo de mídia pela
população brasileira. Brasília: Secom, 2014. p. 7.

251 Sumário
CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MACHADO, Jónatas. “Reality
shows” e liberdade de programação. Coimbra: Coimbra Editora, 2003.
p. 16 e 28-32.
CHEQUER, Cláudio. A liberdade de expressão como direito funda-
mental preferencial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 18.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de
1988. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997. v. 3. p. 1410 e 1420.
FERREIRA, Pinto. Comentários à Constituição brasileira. São Paulo:
Saraiva, 1995. v. 7. p. 253.
GARGARELLA, Roberto. La concepción constitucional de la libertad
de expresión. Revista Argentina de Teoría Jurídica, Buenos Aires, v.
14, n. 1, p. 82-101, jul. 2013.
GIBBONS, Thomas. Regulating the media. 2nd. Ed. London: Sweet &
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GREENE, Robert Lane. What danes consider healthy children’s
television. The Economist, London, 12 ago. 2016. Disponível em:
https://www.economist.com/prospero/2016/08/12/what-danes-
consider-healthy-childrens-television. Acesso em: 28 ago. 2016.
GUEDES, Jefferson Carús. Igualdade e desigualdade: introdução con-
ceitual, normativa e histórica dos princípios. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 128 e 178.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5. ed. rev. e
atual. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 357.
LEVY, David. FCC v. Pacifica Foundation. Hofstra Law Review, Hemp-
stead, v. 7, n. 3, p. 781- 803, 1979.
MARX, Karl. A liberdade de imprensa. Tradução de Claudia Schilling
e José Fonseca. Porto Alegre: L&PM Editores, 1980. p. 25.

252 Sumário
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 304.
MORAES, Alexandre de. Constituição brasileira interpretada e legis-
lação constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 224.
PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Direitos fundamentais. Tradu-
ção: Antônio Francisco de Sousa e Antonio Franco. São Paulo: Saraiva,
2012. p. 66, 205 e 207.
ROMÃO, José Eduardo Elias. A nova classificação indicativa: cons-
trução democrática de um modelo. In: CHAGAS, Cláudia Maria de
Freitas; ROMÃO, José Eduardo Elias; LEAL, Sayonara (org.). Classifi-
cação Indicativa no Brasil: desafios e perspectivas. Brasília: Secretaria
Nacional de Justiça, 2006. p. 37-38.
SANKIEVICZ, Alexandre. Liberdade de expressão e pluralismo: pers-
pectivas de regulação. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 43.
SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 3. ed.
São Paulo: Malheiros, 2007. p. 98, 99 e 826.

253 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADI 2.404


2. Amicus curiae
3. Vídeos do julgamento
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
4. Julgado relacionado
ADI 5.631, rel. min. Edson Fachin, j. 25-3-2021, P, DJE de
27-5-2021.

254 Sumário
USO DE TATUAGEM POR
POSTULANTES A CARGOS PÚBLICOS

Editais de concurso público não


podem estabelecer restrição a
pessoas com tatuagem.

[RE 898.450, rel. min. Luiz Fux, j. 17-8-2016, P,


DJE de 31-5-2017, Tema 838.]

Sumário
TESE FIXADA Tema 838 REPERCUSSÃO
GERAL

Editais de concurso público não podem estabelecer restrição a pes-


soas com tatuagem, salvo situações excepcionais em razão de con-
teúdo que viole valores constitucionais.

256 Sumário
Tatuagem é instrumento de exteriorização da liberdade
de expressão e manifestação do pensamento

Proibição de acesso do candidato a um


cargo público pelo fato de ter tatuagem
é forma de discriminação arbitrária

O candidato ter tatuagens não pode


influir na sua capacidade para o
desempenho das atividades de um
cargo público

USO DE TATUAGEM POR


POSTULANTES A CARGOS PÚBLICOS

Edital de concurso não pode prever restrições para


candidatos que têm tatuagens
• restrições constantes em editais dependem
de menção em lei e somente podem estar
relacionadas com o exercício das funções

A Administração Pública pode impedir o acesso do


candidato se a tatuagem
• faz apologia a ideias discriminatórias ou
ofensivas aos valores constitucionais
• expressa ideologia terrorista ou
extremista
• incita a violência e a criminalidade
• incentiva a discriminação de raça e sexo
ou qualquer outra força de preconceito

257 Sumário
7X1

Vencedores no mérito: Vencido no mérito:

Min. Luiz
Fux – Relator
Min. Edson Fachin
Min. Roberto Barroso
Min. Rosa Weber
Min. Dias Toffoli
Min. Marco Aurélio
Min. Celso de Mello
Min. Ricardo
Lewandowski – Presidente

Ausentes:
Min. Cármen Lúcia
Min. Teori Zavascki
Min. Gilmar Mendes

258 Sumário
FUNDAMENTOS

TATUAGEM É FORMA DE LIBERDADE DE PENSAMENTO E


EXPRESSÃO

[...] as tatuagens, ou outras formas de marcas permanentes rea-


lizadas intencionalmente no corpo do indivíduo por sua livre
escolha, passaram por intensa transformação quanto ao seu
aceitamento social, de forma que, características que estigma-
tizavam determinados setores da sociedade, tornaram-se sinais
que retratam valores, ideias e sentimentos. Hodiernamente,
consistem em autêntica forma de liberdade de expressão de um
indivíduo que se expressa por meio de uma marca em seu corpo.
[...]
O atual viés, portanto, corrobora a completa ausência de qual-
quer ligação objetiva e direta entre o fato de um cidadão possuir
tatuagens em seu corpo e uma suposta conduta atentatória à
moral, aos bons costumes ou ao ordenamento jurídico. Como
anteriormente dito, a opção pela tatuagem relaciona-se, dire-
tamente, com as liberdades de manifestação do pensamento
e de expressão (CRFB/88, artigo 5º, IV e IX).
[...]
O Estado não pode querer desempenhar o papel de adversário
da liberdade de expressão, incumbindo-lhe, ao revés, assegurar
que minorias possam se manifestar livremente, ainda que por
imagens estampadas definitivamente em seus corpos. O direito
de livremente se manifestar é condição mínima a ser obser-
vada em um Estado Democrático de Direito e exsurge como
condição indispensável para que o cidadão possa desenvolver
sua personalidade em seu meio social. A liberdade implica,

259 Sumário
no dizer de José Adércio Leite Sampaio, a não intromissão e o
direito de escolha. Em relação à não intromissão, há um espaço
individual sobre o qual o Estado não pode interferir, na medida
em que representa um sentido afirmativo da personalidade.
Nesse contexto, cada indivíduo tem o direito de preservar sua
imagem como reflexo de sua identidade, ressoando indevido
o desestímulo estatal à inclusão de tatuagens no corpo, o que
ocorreria, caso fosse admitida como fator impeditivo à assunção
de funções públicas.

DISCRIMINAÇÃO ARBITRÁRIA

In casu, evidencia-se a ausência de razoabilidade da restrição


dirigida ao candidato de uma função pública pelo simples fato
de possuir tatuagem, posto medida flagrantemente discrimina-
tória e carente de qualquer justificativa racional que a ampare.
Assim, o fato de uma pessoa possuir tatuagens, visíveis ou não,
não pode ser tratado pelo Estado como parâmetro discrimina-
tório quando do deferimento de participação em concursos de
provas e títulos para ingresso em uma carreira pública.
É dizer, inexiste a correlação na diferenciação ora sub examine
e os ditames constitucionais. Consoante delimitado, a citada
restrição, no caso, não se revela amparada por razão lógica e
necessária, decorrendo de arbitrariedade administrativa sem
qualquer imbricação com as funções desempenhadas, posto
não concretizar conduta contrária à imagem e aos valores de
instituições públicas, qualquer que seja o conceito que a eles
se queira atribuir. Dito de outro modo, inexiste qualquer rela-
ção de pertinência entre a proibição de possuir tatuagem e as
características e peculiaridades inerentes à função pública a ser
desempenhada pelo candidato.
[...]

260 Sumário
Nessa linha, resta claro, de plano, que, no contexto da sociedade
democrática brasileira pós-88, descentrada, plural e multicul-
tural, a mera circunstância de um candidato possuir tatuagens
não pode ser fato que acabe por influir na sua capacidade para
o desempenho das atividades de um cargo público, e, a fortiori,
que constitua óbice para o acesso ao serviço público23.

RESTRIÇÃO PARA O ACESSO A CARGO PÚBLICO


CONSTANTE EM EDITAIS DE CONCURSO DEPENDE DA
SUA ESPECÍFICA MENÇÃO EM LEI FORMAL

[...] em respeito ao artigo 37, I, da Constituição da República,


que, expressamente, impõe que “os cargos, empregos e funções
públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requi-
sitos estabelecidos em lei” [...], revela-se inconstitucional toda e
qualquer restrição ou requisito estabelecidos em editais, regula-
mentos, portarias, se não houver lei dispondo sobre a matéria.
[...]
Os requisitos do edital para o ingresso em cargo, emprego ou
função pública devem ter por fundamento lei em sentido formal
e material.

23 A hipótese encaixa-se, perfeitamente, nos dizeres de Pimenta Bueno (Direito


Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, Rio de Janeiro, 1857,
p. 424), verbis: “qualquer especialidade ou prerrogativa que não for fundada só
e unicamente em uma razão muito valiosa do bem público, será uma injustiça
e poderá ser uma tirania”.

261 Sumário
RESTRIÇÃO AO ACESSO A CARGO PÚBLICO DEVE ESTAR
RELACIONADA COM A NATUREZA E AS ATRIBUIÇÕES DAS
FUNÇÕES A SEREM DESEMPENHADAS

[...] toda lei deve respeitar os ditames constitucionais, mormente


quando referir-se à tutela ou restrição a direitos fundamentais,
o que nos leva à conclusão de que os obstáculos para o acesso
a cargos públicos devem estar estritamente relacionados com a
natureza e as atribuições das funções a serem desempenhadas.

EXCEÇÕES

Conclui-se, portanto, que o critério de exclusão de um certame


sob o fundamento da visibilidade de uma tatuagem não possui,
por si, qualquer amparo constitucional, na medida em que não
cumpre a imperiosa missão de auxiliar na aferição da capaci-
dade de atuação do candidato no cumprimento de seu futuro
mister. Apenas justifica-se a restrição, sem prejuízo do inafas-
tável judicial review, em relação àquelas pigmentações defini-
tivas que façam apologia a ideias discriminatórias ou ofensivas
aos valores constitucionais, que expresse ideologias terroristas,
extremistas, incitem a violência e a criminalidade, ou incenti-
vem a discriminação de raça e sexo ou qualquer outra força de
preconceito, mormente porque evocam ideais e representações
diretamente contrárias à Constituição, às leis e às atividades e
valores das Instituições.

262 Sumário
DOUTRINA CITADA

BUENO, Pimenta. Direito público brasileiro e análise da Constitui-


ção do Império. Rio de Janeiro: Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e
C., 1857. p. 424.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução: Ch. Einsenmann. 2.
ed. Paris: Dalloz, 1962. p. 190.
LEITÃO, Débora Krischke. Mudança de significado da tatuagem con-
temporânea. Cadernos IHU Ideias, São Leopoldo, v. 2, n. 16, p. 4, mar.
2004.
ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípio constitucional da igual-
dade. Belo Horizonte: Lê, 1990. p. 118.
SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito à intimidade e à vida privada:
uma visão jurídica da sexualidade, da família, da comunicação e infor-
mações pessoais, da vida e da morte. Belo Horizonte: Del Rey, 1998.
p. 264.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão do RE 898.450


2. Amicus curiae
3. Vídeo do programa da TV Justiça “Plenárias”
4. Vídeo do julgamento

263 Sumário
FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS
ELEITORAIS

É inconstitucional a doação
de pessoas jurídicas a partidos
políticos e campanhas eleitorais.

[ADI 4.650, rel. min. Luiz Fux, j. 17-9-2015, P, DJE de


24-2-2016.]

Sumário
RESUMO

As contribuições de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais e


partidos políticos são inconstitucionais. As contribuições de pessoas
físicas são válidas e regem-se de acordo com a lei vigente.

266 Sumário
Doação por pessoas jurídicas
• contraria o regime democrático
• ofende o princípio da liberdade de
expressão no aspecto político
• denota, antes de refletir eventuais
preferências políticas, um agir estratégico
• promove o desequilíbrio da corrida
eleitoral e viola o princípio da igualdade

FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS
ELEITORAIS POR PESSOAS JURÍDICAS

Doação por pessoas naturais e uso de


recursos próprios por candidatos
• não vulnera os princípios
fundamentais democrático,
republicano e da igualdade política

267 Sumário
7X4

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito:

Min. Luiz
Fux – Relator
Min. Joaquim Barbosa
Min. Dias Toffoli
Min. Roberto Barroso
Min. Teori Zavascki
Min. Marco Aurélio
Min. Ricardo
Lewandowski – Presidente
Min. Gilmar Mendes
Min. Rosa Weber
Min. Cármen Lúcia
Min. Celso de Mello

268 Sumário
FUNDAMENTOS

DOAÇÕES POR PESSOAS JURÍDICAS

Proteção do regime democrático


[...] não me parece que seja inerente ao regime democrático, em
geral, e à cidadania, em particular, a participação política por
pessoas jurídicas. É que o exercício da cidadania, em seu sentido
mais estrito, pressupõe três modalidades de atuação cívica: o ius
suffragii (i.e., direito de votar), o jus honorum (i.e., direito de ser
votado) e o direito de influir na formação da vontade política
através de instrumentos de democracia direta, como o plebis-
cito, o referendo e a iniciativa popular de leis [...]. Por suas pró-
prias características, tais modalidades são inerentes às pessoas
naturais, afigurando-se um disparate cogitar a sua extensão às
pessoas jurídicas. Nesse particular, esta Suprema Corte sumulou
entendimento segundo o qual as “pessoas jurídicas não têm
legitimidade para propor ação popular” (Enunciado da Súmula
nº 365 do STF), por essas não ostentarem o status de cidadãs.
[...]
Deveras, o exercício de direitos políticos é incompatível com
a essência das pessoas jurídicas. Por certo, uma empresa pode
defender bandeiras políticas, como a de direitos humanos,
causas ambientais etc., mas daí a bradar pela sua indispen-
sabilidade no campo político, investindo vultosas quantias
em campanhas eleitorais, dista uma considerável distância.
[...] Assim é que autorizar que pessoas jurídicas participem da
vida política seria, em primeiro lugar, contrário à essência do
próprio regime democrático.

269 Sumário
Princípio da liberdade de expressão no aspecto político
Embora não se negue o seu caráter substantivo, o princípio da
liberdade de expressão, no aspecto político, assume uma dimen-
são instrumental ou acessória. E isso porque a sua finalidade é
estimular a ampliação do debate público, de sorte a permitir
que os indivíduos tomem contato com diferentes plataformas
e projetos políticos. Como decorrência, em um cenário ideal,
isso os levaria a optar pelos candidatos mais alinhados com suas
inclinações políticas.
Ocorre que a excessiva penetração do poder econômico no
processo político compromete esse estado ideal de coisas na
medida em que privilegia alguns poucos candidatos – que pos-
suem ligações com os grandes doadores – em detrimento dos
demais. Trata-se de um arranjo que desequilibra, no momento
da competição eleitoral, a igualdade política entre os candida-
tos, repercutindo, consequentemente, na formação dos quadros
representativos
[...]
Examinando as informações acerca dos principais doadores de
campanhas no país, eliminam-se quaisquer dúvidas quanto à
ausência de perfil ideológico das doações por empresas priva-
das. [...]
[...] uma mesma empresa contribui para a campanha dos princi-
pais candidatos em disputa e para mais de um partido político,
razão pela qual a doação por pessoas jurídicas não pode ser
concebida, ao menos em termos gerais, como um corolário da
liberdade de expressão. A práxis, antes refletir as preferências
políticas, denota um agir estratégico destes grandes doadores
que visam a estreitar suas relações com o poder público, de
forma republicana ou não republicana.

270 Sumário
[...] defender com fortes tintas que a questão da doação por
pessoas jurídicas se restringe aos mecanismos de controle e
de transparência dos gastos, data maxima venia, me parece
insuficiente para amainar o cenário de cooptação do poder
político pelo econômico e resgatar a confiança da população
no processo eleitoral. [...] Na realidade, tanto a proibição de
doações por empresas privadas quanto o aperfeiçoamento das
ferramentas de controle podem caminhar juntas. E, a este res-
peito, proscrever a doação por pessoas jurídicas pode, inclusive,
facilitar a tarefa dos órgãos de controle, uma vez que se tornam
autoevidentes as campanhas mais dispendiosas.

Desequilíbrio da corrida eleitoral e violação ao princípio


da igualdade
[...] também vislumbro a inconstitucionalidade dos critérios de
doação a campanhas por pessoas jurídicas sob o enfoque da
isonomia entre pessoas jurídicas. E isso porque a Lei das Eleições,
em seu art. 24, não estende tal faculdade a toda e qualquer
espécie de pessoa jurídica. Em verdade, o indigitado preceito
estabeleceu um rol de entidades que não podem realizar doa-
ções em dinheiro ou estimáveis em dinheiro a candidatos e a
partidos políticos, proscrevendo, por exemplo, contribuições
por associações de classe e sindicais, bem como de entidades
integrantes do denominado terceiro setor. E como resultado
dessa vedação, as empresas privadas, cuja esmagadora maioria
se destina à atividade lucrativa, são as protagonistas entre as
pessoas jurídicas em detrimento das entidades sem fins lucra-
tivos e dos sindicatos.
Com efeito, ao vedar que associações civis sem fins lucrativos e
entidades sindicais realizem doações, a legislação eleitoral cria,
sem qualquer fundamento constitucional, uma desequiparação
entre pessoas jurídicas, razão por que a violação à isonomia é

271 Sumário
manifesta. Com efeito, o princípio geral de igualdade, encartado
no art. 5º, caput, da Lei Maior, se afigura como limite material,
e não apenas formal, ao legislador. Ele impõe que exista uma
razão constitucional suficiente que justifique a diferenciação,
bem como reclama a necessidade de que esse tratamento dife-
renciado guarde pertinência com a causa jurídica distintiva. [...]
Na realidade, não existem princípios contrapostos que justi-
fiquem a autorização de doações a campanhas por parte de
empresas, mas que não franqueiem similar possibilidade às
entidades sindicais. A mesma racionalidade pode ser esten-
dida à proibição de doações por entidades não governamentais
que recebam recursos públicos, prevista no art. 24, X, da Lei
nº 9.504/97. Ora, se as empresas privadas que contratam com o
governo não apenas podem doar como também figuram entre
os maiores doadores, é inelutável que entidades não governa-
mentais também devem poder realizar doações a campanhas
políticas. Daí por que, se a mens legislatoris do art. 24, X, da Lei nº
9.504/97 quis impedir a formação de pactos antirrepublicanos
entre associações que recebem recursos governamentais com o
poder público, a permissão de doações por empresas privadas
colide frontalmente com a sua finalidade subjacente. Trata-se,
destarte, de critérios injustificáveis que, além de não promover
quaisquer valores constitucionais, deturpam a própria noção de
cidadania e de igualdade entre as pessoas jurídicas.

Doações por pessoas naturais e uso de recursos próprios


por candidatos
Os critérios normativos vigentes relativos à doação a campanhas
eleitorais feitas por pessoas naturais, bem como o uso próprio de
recursos pelos próprios candidatos, não vulneram os princípios
fundamentais democrático, republicano e da igualdade política.

272 Sumário
DOUTRINA CITADA

ABRAMO, Claudio Weber. Corrupção no Brasil: a perspectiva do setor


privado 2003. São Paulo: Transparência Brasil, 2004. 12 p.
ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Vir-
gílio Afonso da Silva. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 404, 583-84.
DWORKIN. Ronald. The devastating decision. The New York Review of
Books, New York, 25 fev. 2010. Disponível em: https://www.nybooks.
com/articles/2010/02/25/the-devastating-decision/. Acesso em: 27
fev. 2023.
EWING, Keith D. Money, politics and law: a study of electoral cam-
paign finance reform in Canada. Oxford: Clarendom Press, 1992.
INSTITUTO ETHOS DE EMPRESAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL;
TRANSPARENCY INTERNATIONAL. A responsabilidade das empre-
sas no processo eleitoral, Instituto Ethos: São Paulo, 2012. p. 34.
SAMUELS, David J. Pork barrelling is not credit claiming or advertising:
campaign finance and the sources of the personal vote in Brazil. The
Journal of Politics, Chicago, v. 64, n. 3, p. 845-863, aug. 2002.
SARMENTO, Daniel; OSÓRIO, Aline. Eleições, dinheiro e democracia:
a ADI 4.650 e o modelo de financiamento de campanhas eleitorais.
Belo Horizonte, Direitos Fundamentais e Justiça, v. 8, n. 26, p. 15-38,
jan./mar. 2014.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 34.
ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 347.
TEPEDINO, Gustavo. A crise de fontes normativas e técnica legislativa
na parte geral do Código civil de 2002. In: TEPEDINO, Gustavo (coord.).
A parte geral no Novo Código Civil: estudos na perspectiva civil-
-constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. XXVII-XXVIII.

273 Sumário
WALECKI, Marcin. Political money and corruption. In: TRANSPA-
RENCY INTERNATIONAL. Global Corruption Report. Berlin: Trans-
parency International, 2004, p. 19-32.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADI 4.650


2. Audiência pública nº 12
Audiência Pública convocada para debater pontos rele-
vantes acerca dos pontos de vista econômico, político,
social e cultural concernentes ao sistema de financia-
mento de campanhas eleitorais vigente.
2.1 Despacho convocatório
2.2 O
 bra Bibliografia, Legislação e Jurisprudên-
cia Temática – Financiamento de Campanha
Eleitoral
2.3 Vídeos da audiência
3. Amicus curiae
4. Vídeo do programa da TV Justiça “Plenárias”
5. Vídeos do julgamento
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
Vídeo 4
Vídeo 5

274 Sumário
BIOGRAFIAS NÃO AUTORIZADAS

É inexigível o consentimento de
pessoa biografada relativamente
a obras biográficas literárias ou
audiovisuais, sendo desnecessária
autorização de pessoas retratadas
como coadjuvantes.

[ADI 4.815, rel. min. Cármen Lúcia, j. 10-6-2015,


P, DJE de 1º-2-2016.]

Sumário
RESUMO

Inexigibilidade de autorização prévia para publicação de biografias,


vedada a censura, e resguardado o direito de resposta e de indenização
em caso de eventual dano.

276 Sumário
Biografias constituem manifestação típica
da liberdade de expressão
• elaboração = liberdade da atividade
de criação intelectual e artística
• produção e divulgação = direito
de informação

Exposição da imagem, privacidade,


intimidade e honra do biografado é da
essência do gênero literário
Desnecessidade de autorização
prévia do biografado, de pessoas
retratadas ou familiares

PUBLICAÇÃO DE BIOGRAFIAS

Autorização prévia é
• incompatível com a
liberdade de expressão
• forma de censura

Arts. 20 e 21 do Código Civil


• interpretação conforme à Constituição
•  inexigibilidade de autorização
para publicação de biografias

Abuso no exercício da liberdade de expressão e violação


aos direitos da personalidade
• direitos do biografado
•  reparação dos danos morais e materiais
•  retificação das informações veiculadas
•  direito de resposta
•  responsabilização penal do autor da obra

277 Sumário
9 X 024

Vencedores no mérito:

Min. Cármen
Lúcia – Relatora
Min. Roberto Barroso
Min. Rosa Weber
Min. Luiz Fux
Min. Dias Toffoli
Min. Gilmar Mendes
Min. Marco Aurélio
Min. Celso de Mello
Min. Ricardo
Lewandowski – Presidente

Ausente:
Min. Teori Zavascki

24 Na sessão de julgamento de 10 de junho de 2015, a Corte era composta de


10 ministros.

278 Sumário
FUNDAMENTOS

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO E OS


DIREITOS DA PERSONALIDADE

A Constituição da República declara fundamental a liberdade de


pensamento e de sua expressão, a liberdade intelectual, artística,
científica e cultural.
Também garante a inviolabilidade da intimidade (a essência
resguardada de cada um), da privacidade (o que não se pretende
viver senão no espaço mais recolhido daqueles com quem recai
a escolha), da honra (que se projeta a partir da formação moral
e dos valores que determinam as ações de cada um e fazem a
pessoa reconhecida, para o que se precisa da liberdade) e da
imagem (construída a partir da livre escolha do que se quer ser).
[...]
Claramente, está em jogo no caso a disputa entre as liberdades
de expressão e de informação e os denominados direitos da per-
sonalidade. De um lado, as biografias constituem manifestação
típica da liberdade de expressão em seu sentido amplo. A sua
elaboração está inserida no âmbito da liberdade da atividade
de criação intelectual e artística dos biógrafos, plenamente
garantida pela Constituição, independentemente de censura ou
licença (CF/88, art. 5º, IX). Já a produção e a divulgação de bio-
grafias se relacionam estreitamente com o direito de informa-
ção (CF/88, art. 5º, XIV), titularizado por toda a sociedade, que
deve ter amplo acesso ao conhecimento e a informações tanto
para que cada pessoa possa formar suas convicções, opiniões e
personalidade, quanto para a participação na vida pública e a
preservação da memória e da historiografia coletivas.

279 Sumário
De outro lado, a exposição da imagem, privacidade, intimidade e
honra do biografado, ainda que em graus variados, é da própria
essência do gênero literário. Em uma biografia, a personalidade
do biografado, seus relacionamentos interpessoais, sua trajetória
e os episódios que compuseram sua vida são tomados como
objeto de estudo e transformam-se em uma narrativa, a ser
contada ao grande público a partir da perspectiva (sempre sub-
jetiva) do biógrafo. É natural e mesmo inevitável que o autor da
obra, além de interferir por meio da seleção dos fatos a narrar,
não se limite à mera descrição dos acontecimentos, formulando
também juízos de valor sobre as pessoas e casos. A história tam-
pouco se restringe a elogios ou a descrições dos momentos de
glória dos sujeitos retratados, incluindo correntemente críticas
e fatos desabonadores ou controvertidos. Assim, é certo que a
divulgação de tais pontos de vista pode causar sofrimento, ser
desagradável ou prejudicial aos biografados (e a seus familia-
res) e, por consequência, ensejar pretensões indenizatórias e de
interdição de veiculação das obras, ao argumento de que explo-
rariam ou violariam seus direitos da personalidade, amparados
pela ordem constitucional brasileira (CF, art. 5º, X).

LIBERDADE DE EXPRESSÃO, POSIÇÃO PREFERENCIAL E


CONSEQUÊNCIAS

A Carta de 88 incorporou um sistema de proteção reforçado às


liberdades de expressão, informação e imprensa, reconhecendo
uma prioridade prima facie destas liberdades públicas na colisão
com outros interesses juridicamente tutelados, inclusive com
os direitos da personalidade.
[...]

280 Sumário
Este lugar privilegiado que a expressão ocupa nas ordens interna
e internacional tem a sua razão de ser. Ele decorre dos próprios
fundamentos filosóficos ou teóricos da sua proteção, entre os
quais se destacam cinco principais. O primeiro diz respeito à
função essencial que a liberdade de expressão desempenha para
a democracia. De fato, o amplo fluxo de informações e a for-
mação de um debate público robusto e irrestrito constituem
pré-requisitos indispensáveis para a tomada de decisões pela
coletividade e para o autogoverno democrático. A segunda
justificação é a própria dignidade humana. A possibilidade de
os indivíduos exprimirem de forma desinibida suas ideias, pre-
ferências e visões de mundo, assim como de terem acesso às
ideias, preferências e visões de mundo dos demais é essencial
ao livre desenvolvimento da personalidade, à autonomia e à
realização existencial dos indivíduos, consistindo, assim, em
uma emanação da sua dignidade.
Uma terceira função atribuída à livre discussão e contraposição
de ideias é o processo coletivo de busca da verdade. De acordo
com essa concepção, toda intervenção no sentido de silenciar
uma opinião, ainda que ruim ou incorreta, seria perniciosa, pois
é na colisão com opiniões erradas que é possível reconhecer a
“verdade” ou as melhores posições. O quarto fundamento da
proteção privilegiada da liberdade de expressão está atrelada
à sua função instrumental para o exercício e o pleno gozo dos
demais direitos fundamentais. A quinta e última justificação
teórica se refere à preservação da cultura e história da socie-
dade. As liberdades comunicativas constituem claramente uma
condição para a criação e o avanço do conhecimento e para a
formação e preservação do patrimônio cultural de uma nação.
Por fim, além dos fundamentos filosóficos, há uma importante
razão de ordem histórica para a atribuição de uma posição prefe-
rencial às liberdades expressivas: o temor da censura. Existe uma
suspeição, historicamente fundada, em relação a intervenções

281 Sumário
estatais para regular a expressão. No Brasil, o trauma é parti-
cularmente intenso e invoca memórias recentes. A história da
liberdade de expressão no país é uma história acidentada. Desde
o Império, a repressão à manifestação do pensamento elegeu
alvos diversos, da religião às artes. Durante diferentes períodos
ditatoriais, houve temas proibidos, ideologias banidas, pessoas
malditas. No jornalismo impresso, o vazio das matérias censura-
das era preenchido com receitas de bolo e poesias de Camões.
Censuravam-se músicas, peças, livros e programas de televisão.
Diante desses fundamentos, as múltiplas e até redundantes
disposições sobre a liberdade de expressão na Constituição de
1988 refletem a preocupação do constituinte em garantir o
florescimento de um espaço de livre fluxo de ideias no cenário
de redemocratização do Brasil, após o fim da ditadura militar,
e de criar salvaguardas para impedir o retorno dos fantasmas
do passado. O reconhecimento de uma posição preferencial
às liberdades comunicativas é justamente um dos principais
mecanismos dessa proteção.
[...]
[...] Isso não significa, por evidente, que a liberdade de expressão
ostente caráter absoluto. Excepcionalmente, essa prioridade
poderá ceder lugar à luz das circunstâncias do caso concreto.
Sua posição preferencial deverá, porém, servir de guia para o
intérprete, exigindo, em todo caso, a preservação, na maior
medida possível, das liberdades comunicativas.

AUTORIZAÇÃO PRÉVIA PARA BIOGRAFIA E PROIBIÇÃO


DA CENSURA

A sujeição da publicação de obra de caráter biográfico à prévia


autorização ou licença da pessoa biografada e de outras pessoas

282 Sumário
retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares no caso
de pessoas falecidas) aniquila a proteção às liberdades de mani-
festação do pensamento, de expressão da atividade intelectual,
artística e científica e de informação, golpeadas em seu núcleo
essencial. Tais liberdades, de um lado, e a autorização ou licença,
de outro, são conceitos excludentes.
A Constituição veda não somente ao Poder Público, mas
também ao particular, a interferência nas liberdades de mani-
festação e de expressão mediante o emprego de artifícios ins-
titucionais, como a licença e a censura prévias, que atuem no
sentido de delinear o seu conteúdo.
[...]
Assim como incompatível com o Estado Democrático de Direito
instituído pela Carta de 1988 o arrogar-se, pelo Poder Judiciário,
ou qualquer dos outros Poderes da República, do comando da
linha editorial de qualquer veículo de imprensa, a publicação
de obras de teor biográfico em absoluto pode ficar na depen-
dência da chancela do biografado. A necessidade de autorização
para biografias traduz censura prévia, em dissonância com as
garantias albergadas nos arts. 5º, IV, IX e XIV, e 220, §§ 2º e 6º,
da Lei Maior, em indevida reintrodução do espírito autoritário
expurgado pela Constituição vigente.
[...]
Sendo assim, parece-me que a censura prévia, seja ela executada
por órgãos públicos ou por particulares, aniquila completamente
o núcleo essencial dos direitos fundamentais de liberdade de
expressão e de informação, bem como, por via de consequência,
fragiliza todos os demais direitos e garantias que a Constituição
protege. Nas palavras de THOMAS JEFFERSON, “a liberdade de
falar e escrever guarda nossas outras liberdades” (Jefferson on
freedom. New York: Skyhorse Publishing, 2011, p. 104).

283 Sumário
DAR INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO AOS
ARTS. 20 E 21 DO CÓDIGO CIVIL

Os arts. 20 e 21 do Código Civil do Brasil contemplam, em lei-


tura direta, a exigência de autorização prévia para divulgação
de escritos ou transmissão da palavra ou publicação, exposição
ou utilização da imagem de determinada pessoa, sem o que
poderão ser proibidas, a requerimento do interessado ou, em se
tratando de morto ou de ausente, do cônjuge, dos ascendentes
ou descendentes, sem prejuízo da indenização cabível, se lhe
atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se
destinarem a fins comerciais. Essa interpretação, pretensamente
protetiva do direito à intangibilidade da intimidade, da privaci-
dade, da honra e da imagem da pessoa, não pode ser adotada
relativamente à produção de obra biográfica, pela circunstância
de não se conter exceção expressa a esse gênero no dispositivo
legal. Isso porque a liberdade de pensamento, de sua expressão,
de produção artística, cultural, científica estaria comprometida
e a censura particular seria forma de impor o silêncio à história
da comunidade e, em algumas ocasiões, à história de fatos que
ultrapassam fronteiras e gerações.
[...]
Nesse quadro, é incompatível com a Constituição Federal a
interpretação dos arts. 20 e 21 do Código Civil no sentido de
condicionar a edição ou a publicação de toda e qualquer obra
biográfica à autorização do biografado, das pessoas descritas
como coadjuvantes da história ou dos respectivos familiares.
Parece-me uma restrição excessiva e peremptória às liberdades
de expressão e de manifestação de pensamento dos autores
e ao direito que todo cidadão tem de se manter informado a
respeito de fatos relevantes da história social.

284 Sumário
Ademais, tal interpretação equivale a atribuir, de forma absoluta
e em abstrato, maior peso aos direitos à imagem e à vida privada,
em detrimento da liberdade de expressão, compreensão que
não se compatibiliza com a ideia de unidade da Constituição.
[...]
Ação direta julgada procedente para dar interpretação con-
forme à Constituição aos arts. 20 e 21 do Código Civil, sem
redução de texto, para, em consonância com os direitos funda-
mentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de cria-
ção artística, produção científica, declarar inexigível autorização
de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias
ou audiovisuais, sendo também desnecessária autorização de
pessoas retratadas como coadjuvantes (ou de seus familiares,
em caso de pessoas falecidas ou ausentes).

RESPONSABILIDADE CONSTITUCIONAL PELA


INFORMAÇÃO

Democracia é modelo de convivência social na qual se respei-


tam direitos e liberdades, cada um respondendo – sendo res-
ponsável – pelo que exorbitar do que posto no sistema jurídico.
Não há democracia sem responsabilidade pública e cidadã.
Ausência de responsabilidade não prospera sequer na acra-
cia. Nem a ausência de governo pode ser confundida com
desgoverno.
[...]
O dever de respeito ao direito do outro conduz ao de responder
nos casos em que, mesmo no exercício de direito legitimamente
posto no sistema jurídico, se exorbite causando dano a terceiro.

285 Sumário
Quem informa e divulga informação responde por eventual
excesso, apurado por critério que demonstre dano decorrente
da circunstância de ter sido ultrapassada esfera garantida de
direito do outro.
A informação, a exposição e a divulgação de dado podem gerar
dano como qualquer outro agir humano. Inúmeras vezes este
Supremo Tribunal debruçou-se sobre esse tema e concluiu, com
fundamento em normas constitucionais e legais, que a responsa-
bilização compõe o sistema de liberdades (ADPF n. 130, Relator
o Ministro Ayres Britto, Plenário, DJ 13.11.2009; AI n. 595.395/
SP, Relator o Ministro Celso de Mello, decisão monocrática, DJ
3.8.2007; Rcl n. 9.428/DF, Relator o Ministro Cezar Peluso, Ple-
nário, DJ 25.6.2010; ADI n. 4.451-MC-REF/DF, Relator o Ministro
Ayres Britto, Plenário, DJ 24.8.2012; e RE n. 511.961/SP, Relator
o Ministro Gilmar Mendes, DJ 13.11.2009).
No inc. V do art. 5º da Constituição da República, dispõe-se:
“Art. 5º [...]
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo,
além da indenização por dano material, moral ou à imagem”.
A responsabilidade civil, administrativa, contratual ou extra-
contratual evoluiu na ordenação do direito. No Brasil, a Cons-
tituição elevou a matéria à categoria de elemento fundamental
de equilíbrio sistêmico, garantindo a mais ampla liberdade e
fazendo a ela corresponder igual responsabilidade.
[...]
[...] O regime constitucional adotado em matéria de liberdade
de expressão é, portanto, o de responsabilização posterior, e

286 Sumário
não o de interdição prévia25. Isso, é claro, não significa que os
demais princípios e valores constitucionais em conflito serão
sacrificados. Em regra, nas hipóteses de exercício abusivo desta
liberdade, o caminho para a acomodação dos interesses coliden-
tes é o recurso aos diversos mecanismos de sanção e reparação
a posteriori oferecidos pela ordem jurídica, que incluem a retra-
tação, a retificação, o direito de resposta, a responsabilização
civil e (muito excepcionalmente) penal.

DOUTRINA CITADA

JEFFERSON, Thomas. Jefferson on freedom: wisdom, advice, and hints


on freedom, democracy, and the American way. New York: Skyhorse
Publishing, 2011. p. 104.
MEIKLEJOHN, Alexander. Free speech and its relation to self-govern-
ment. New York: Harper & Brothers, 1948. p. 10-11.
MILL, John Stuart. Sobre a liberdade. Tradução de Alberto da Rocha
Barros. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1942. 201 p.

25 A radical proibição da censura também se encontra prevista Convenção


Americana sobre Direitos Humanos, promulgada no Brasil pelo Decreto no
678/92, que dispõe que o exercício da liberdade de expressão “não pode estar
sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores”, com uma única
exceção, a regulação de acesso a espetáculos públicos para proteção moral
da infância e da adolescência Muito embora tal Convenção não desfrute de
hierarquia constitucional, mas supralegal, é certo que toda a legislação infra-
constitucional – inclusive o Código Civil – deve ser interpretada à sua luz e,
na linha da chamada hermenêutica “cosmopolita”, ela deve ser considerada na
interpretação da Constituição.

287 Sumário
SARMENTO, Daniel. A liberdade de expressão e o problema do “hate
speech”. In: SARMENTO, Daniel. Livres e iguais: estudos de direito
constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2006. p. 242.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADI 4.815


2. Audiência pública nº 13
Audiência Pública convocada para subsidiar o julga-
mento da Ação Direta de Inconstitucionalidade que
requer a declaração de inconstitucionalidade parcial,
sem redução de texto, dos artigos 20 e 21 da Lei n.
10.406/2002 (Código Civil), nos quais se conteria dis-
posição que proíbe biografias não autorizadas pelos
biografados.
2.1 Despacho convocatório
2.2 Obra Bibliografia, Legislação e Jurisprudência
Temática – Biografias Não Autorizadas
2.3 Vídeos da audiência
3. Amicus curiae
4. Vídeo do julgamento

288 Sumário
LEI GERAL DA COPA

O parágrafo 1º do art. 28 da Lei


nº 12.663/2012 (Lei Geral da
Copa) não restringiu a liberdade
de expressão ao estabelecer
regras específicas para prevenir
confrontos em potencial nos
locais oficiais de competição.

[ADI 5.136 MC, rel. min. Gilmar Mendes, j. 1º-7-2014,


P, DJE de 30-10-2014.]

Sumário
RESUMO

As restrições impostas pelo § 1º do art. 28 da Lei nº 12.663/2012 não


violaram a liberdade de expressão. As limitações contidas na chamada
Lei Geral da Copa foram adequadas, necessárias e proporcionais, uma
vez que destinadas aos torcedores que comparecessem aos estádios
em evento de grande porte internacional, que reuniu pessoas de
diversas nacionalidades e que, portanto, precisou contar com regras
específicas que ajudassem a prevenir potenciais confrontos.

290 Sumário
A liberdade de expressão não é um direito
absoluto, sendo suscetível de restrição

Em caso de colisão com outros direitos fundamentais,


cabe fazer a ponderação entre eles
• aplicação do princípio da proporcionalidade

LEI GERAL DA COPA E


LIBERDADE DE EXPRESSÃO

Art. 28 da Lei Geral da Copa


• as restrições visam limitar manifestações que
tenderiam a gerar maiores conflitos, afetando a
segurança dos torcedores
• as restrições não impedem o livre exercício do
direito de manifestação e a plena liberdade de expressão
• consagração da dignidade da pessoa humana

291 Sumário
8X2

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito:

Min. Gilmar
Mendes – Relator
Min. Roberto Barroso
Min. Teori Zavascki
Min. Rosa Weber
Min. Luiz Fux
Min. Dias Toffoli
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Marco Aurélio
Min. Joaquim
Barbosa – Presidente

Ausente:
Min. Celso de Mello

292 Sumário
FUNDAMENTOS

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E PRINCÍPIO DA


PROPORCIONALIDADE

[...]
É notória, por certo, a importância que a liberdade de expres-
são representa para o regime democrático, inclusive como
instrumento para fomentar debates e “assegurar o combate
intelectual de opiniões” (den geistigen Kampf der Meinung zu
gewährleisten) (PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Grun-
drechte Staatsrecht II. Heidelberg: C.F. Müller, 2007, p. 137).
Não é verdade, contudo, que o constituinte concebeu a liber-
dade de expressão como direito absoluto, insuscetível de res-
trição, seja pelo Judiciário, seja pelo Legislativo. Há hipóteses
em que essa acaba por colidir com outros direitos e valores
também constitucionalmente protegidos. Tais tensões dialéticas
precisam ser ponderadas a partir da aplicação do princípio da
proporcionalidade.
Em síntese, a aplicação do princípio da proporcionalidade se dá
quando verificada restrição a determinado direito fundamen-
tal ou um conflito entre distintos princípios constitucionais de
modo a exigir que se estabeleça o peso relativo de cada um
dos direitos por meio da aplicação das máximas que integram
o mencionado princípio da proporcionalidade.
[...] há de perquirir-se, se em face do conflito entre dois bens
constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se ade-
quado, isto é, apto para produzir o resultado desejado; neces-
sário, isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e
igualmente eficaz; e proporcional em sentido estrito, ou seja,

293 Sumário
se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição
de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto
(“A Proporcionalidade na Jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal”, in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucio-
nalidade: Estudos de Direito Constitucional, 2ª ed., Celso Bastos
Editor: IBDC, São Paulo, 1999, p. 72).

RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELO ART. 28 DA LEI GERAL DA


COPA

[...] Trata-se de limitação específica aos torcedores que compa-


recerão aos estádios em evento de grande porte internacional
que reúne pessoas de diversas nacionalidades e que, portanto,
precisa contar com regras específicas que ajudem a prevenir
confrontos em potencial.
O legislador, no caso, a partir de juízo de ponderação, parece ter
objetivado limitar manifestações que tenderiam a gerar maiores
conflitos e a atentar não apenas contra o evento em si, mas,
principalmente, contra a segurança dos demais participantes.
Várias dessas restrições já haviam, inclusive, sido inseridas ao
Estatuto do Torcedor (Lei n. 10.671/2003) pela Lei n. 12.299, de
27 de julho de 2010, que dispõe sobre “medidas de prevenção
e repressão aos fenômenos de violência por ocasião das com-
petições esportivas”.
Ao contrário do defendido na inicial, o dispositivo impug-
nado não parece constituir limitação à liberdade de expres-
são, mas sim ressalva a indicar que as demais manifestações
são permitidas.

294 Sumário
DOUTRINA CITADA

MENDES, Gilmar Ferreira. A proporcionalidade na jurisprudência


do Supremo Tribunal Federal. In: MENDES. Gilmar Ferreira. Direitos
fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de direito
constitucional. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos Editor – IBDC, 1999. p. 72.
PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Grundrechte staatsrecht II.
Heidelberg: C.F. Müller, 2007. p. 137.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADI 5.136 MC


2. Vídeo do julgamento

295 Sumário
MARCHA DA MACONHA

Os eventos chamados “marcha


da maconha”, que reúnem
manifestantes favoráveis à
descriminalização da droga, não
são considerados crimes.

[ADPF 187, rel. min. Celso de Mello, j. 15-6-2011,


P, DJE de 29-5-2014.]

Sumário
RESUMO

A “marcha da maconha” é manifestação legítima, exercida por cida-


dãos da República, de suas liberdades individuais revestidas de caráter
fundamental: o direito de reunião (liberdade-meio) e o direito à livre
expressão do pensamento (liberdade-fim). A abolição penal (abolitio
criminis) de determinadas condutas puníveis, debate que não se con-
funde com incitação à prática de delito nem se identifica com apologia
de fato criminoso, deve ser discutida de forma racional, com respeito
entre interlocutores e sem possibilidade legítima de repressão estatal,
ainda que as ideias propostas possam ser consideradas, pela maioria,
estranhas, insuportáveis, extravagantes, audaciosas ou inaceitáveis,
sendo inadmissível a proibição estatal do dissenso. Prevalência do
conceito de “livre mercado de ideias”.

298 Sumário
Pleno exercício de direitos e liberdades fundamentais:
• liberdade de expressão e livre manifestação do
pensamento
• direito de reunião (art. 5º, XVI, da CF)
• a reunião deve ser pacífica
• sem armas
• não deve frustrar outra reunião
Manifestação pública anteriormente convocada
legítima • deve ser previamente comunicada
à autoridade competente

MARCHA DA MACONHA

Reconhecimento e proteção dos


direitos das minorias
• caráter
contramajoritário dos
direitos fundamentais

Interpretação conforme à Constituição do


art. 287 do Código Penal para afastar a
criminalização de manifestações e eventos
públicos realizados em defesa da legalização
das drogas, ou substância entorpecente
específica

A mera proposta de descriminalização de


determinado ilícito penal não se confunde
com o ato de incitação à prática do delito nem
com o de apologia de fato criminoso

299 Sumário
8X0

Vencedores no mérito:

Min. Celso de
Mello – Relator
Min. Luiz Fux
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Ayres Britto
Min. Ellen Gracie
Min. Marco Aurélio
Min. Cezar Peluso – Presidente

Impedido:
Min. Dias Toffoli
Ausentes:
Min. Gilmar Mendes
Min. Joaquim Barbosa

300 Sumário
FUNDAMENTOS

O DIREITO DE REUNIÃO E O DIREITO À LIVRE EXPRESSÃO


DO PENSAMENTO

É importante enfatizar, Senhor Presidente, tal como tive o ensejo


de assinalar em estudo sobre “O Direito Constitucional de Reu-
nião” (RJTJSP, vol. 54/19-23, 1978, Lex Editora), que a liberdade
de reunião traduz meio vocacionado ao exercício do direito à
livre expressão das ideias, configurando, por isso mesmo, um
precioso instrumento de concretização da liberdade de mani-
festação do pensamento, nela incluído o insuprimível direito
de protestar.
Impõe-se, desse modo, ao Estado, em uma sociedade estrutu-
rada sob a égide de um regime democrático, o dever de respei-
tar a liberdade de reunião (de que são manifestações expressivas
o comício, o desfile, a procissão e a passeata), que constitui
prerrogativa essencial dos cidadãos, normalmente temida pelos
regimes despóticos ou ditatoriais, que não hesitam em golpeá-
-la, para asfixiar, desde logo, o direito de protesto, de crítica e
de discordância daqueles que se opõem à prática autoritária
do poder.
[...]
[...] o direito de reunião, enquanto direito-meio, atua em sua
condição de instrumento viabilizador do exercício da liberdade
de expressão, qualificando-se, por isso mesmo, sob tal perspec-
tiva, como elemento apto a propiciar a ativa participação da
sociedade civil, mediante exposição de ideias, opiniões, propos-
tas, críticas e reivindicações, no processo de tomada de decisões
em curso nas instâncias de Governo.

301 Sumário
É por isso que esta Suprema Corte sempre teve a nítida per-
cepção de que há, entre as liberdades clássicas de reunião e
de manifestação do pensamento, de um lado, e o direito de
participação dos cidadãos na vida política do Estado, de outro,
um claro vínculo relacional, de tal modo que passam eles a
compor um núcleo complexo e indissociável de liberdades e de
prerrogativas político-jurídicas, o que significa que o desrespeito
ao direito de reunião, por parte do Estado e de seus agentes,
traduz, na concreção desse gesto de arbítrio, inquestionável
transgressão às demais liberdades cujo exercício possa supor,
para realizar-se, a incolumidade do direito de reunião, tal como
sucede quando autoridades públicas impedem que os cidadãos
manifestem, pacificamente, sem armas, em passeatas, marchas
ou encontros realizados em espaços públicos, as suas ideias e
a sua pessoal visão de mundo, para, desse modo, propor solu-
ções, expressar o seu pensamento, exercer o direito de petição
e, mediante atos de proselitismo, conquistar novos adeptos e
seguidores para a causa que defendem.

DIREITO DE REUNIÃO E O ART. 5º, XVI, DA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Qualquer que seja a finalidade que motive o encontro ou agru-


pamento de pessoas, não importando se poucas ou muitas,
mostra-se essencial que a reunião, para merecer a proteção
constitucional, seja pacífica, vale dizer, que se realize “sem
armas”, sem violência ou incitação ao ódio ou à discriminação,
cumprindo ter presente, quanto a tal requisito, a advertência de
PONTES DE MIRANDA (“Comentários à Constituição de 1967
com a Emenda nº 1 de 1969”, tomo V/604, item n. 10, 2ª ed./2ª
tir., 1974, RT), para quem “(...) a polícia não pode proibir a reu-
nião, ou fazê-la cessar, pelo fato de um ou alguns dos presentes

302 Sumário
estarem armados. As medidas policiais são contra os que, por
ato seu, perderem o direito a reunirem-se a outros, e não contra
os que se acham sem armas. Contra esses, as medidas policiais
são contrárias à Constituição e puníveis segundo as leis” [...].
A essencialidade dessa liberdade fundamental, que se exterioriza
no direito de qualquer pessoa reunir-se com terceiros, pacifica-
mente, sem armas, em locais públicos, independentemente de
prévia autorização de órgãos ou agentes do Estado (que não se
confunde com a determinação constitucional de “prévio aviso
à autoridade competente”), revela-se tão significativa que os
modelos político-jurídicos de democracia constitucional sequer
admitem que o Poder Público interfira no exercício do direito
de reunião.
[...]
É de ressaltar que, em nosso sistema normativo, o direito de
reunião pode sofrer, excepcionalmente, restrições de ordem
jurídica em períodos de crise institucional, desde que utilizados,
em caráter extraordinário, os mecanismos constitucionais de
defesa do Estado, como o estado de defesa (CF, art. 136, § 1º, I,
“a”) e o estado de sítio (CF, art. 139, IV), que legitimam a utiliza-
ção, pelo Presidente da República, dos denominados poderes de
crise, dentre os quais se situa a faculdade de suspender a própria
liberdade de reunião, ainda que exercida em espaços privados.
Em período de normalidade institucional, contudo, essa liber-
dade fundamental, além de plenamente oponível ao Estado
(que nela não pode interferir, sob pena de incriminação de
seus agentes e autoridades, consoante prescreve, em norma
de tipificação penal, a Lei nº 1.207, de 25/10/1950), também
lhe impõe a obrigação de viabilizar a reunião, assim como o
dever de respeitar o direito – que assiste aos organizadores e
participantes do encontro – à autônoma deliberação sobre o
tipo e o conteúdo da manifestação pública.

303 Sumário
[...]
O Estado, por seus agentes e autoridades, não pode cercear
nem limitar o exercício do direito de reunião, apoiando-se, para
tanto, em fundamentos que revelem oposição governamental
ao conteúdo político, doutrinário ou ideológico do movimento
ou, ainda, invocando, para restringir a manifestação pública,
razões fundadas em mero juízo de oportunidade, de conve-
niência ou de utilidade.
Disso resulta que a polícia não tem o direito de intervir nas
reuniões pacíficas, lícitas, em que não haja lesão ou perturbação
da ordem pública. Não pode proibi-las ou limitá-las. Assiste-lhe,
apenas, a faculdade de vigiá-las, para, até mesmo, garantir-lhes
a sua própria realização. O que exceder a tais atribuições, mais
do que ilegal, será inconstitucional.

PLENITUDE DO EXERCÍCIO DE DIREITOS DAS MINORIAS

[...] as minorias também titularizam, sem qualquer exclusão ou


limitação, o direito de reunião, cujo exercício mostra-se essencial
à propagação de suas ideias, de seus pleitos e de suas reivindi-
cações, sendo completamente irrelevantes, para efeito de sua
plena fruição, quaisquer resistências, por maiores que sejam, que
a coletividade oponha às opiniões manifestadas pelos grupos
minoritários, ainda que desagradáveis, atrevidas, insuportáveis,
chocantes, audaciosas ou impopulares.
[...]
Cabe enfatizar, presentes tais razões, que o Supremo Tribunal
Federal, no desempenho da jurisdição constitucional, tem pro-
ferido, muitas vezes, decisões de caráter nitidamente contrama-
joritário, em clara demonstração de que os julgamentos desta

304 Sumário
Corte Suprema, quando assim proferidos, objetivam preservar,
em gesto de fiel execução dos mandamentos constitucionais, a
intangibilidade de direitos, interesses e valores que identificam
os grupos minoritários expostos a situações de vulnerabilidade
jurídica, social, econômica ou política e que, por efeito de tal
condição, tornam-se objeto de intolerância, de perseguição,
de discriminação, de injusta exclusão, de repressão e de abuso
contra os seus direitos.
Na realidade, o tema da preservação e do reconhecimento dos
direitos das minorias deve compor, por tratar-se de questão
impregnada do mais alto relevo, a agenda desta Corte Suprema,
incumbida, por efeito de sua destinação institucional, de velar
pela supremacia da Constituição e de zelar pelo respeito aos
direitos, inclusive de grupos minoritários, que encontram fun-
damento legitimador no próprio estatuto constitucional.
Com efeito, a necessidade de assegurar-se, em nosso sistema
jurídico, proteção às minorias e aos grupos vulneráveis qualifica-
-se, na verdade, como fundamento imprescindível à plena legi-
timação material do Estado Democrático de Direito, havendo
merecido tutela efetiva, por parte desta Suprema Corte, quando
grupos majoritários, por exemplo, atuando no âmbito do Con-
gresso Nacional, ensaiaram medidas arbitrárias destinadas a
frustrar o exercício, por organizações minoritárias, de direitos
assegurados pela ordem constitucional (MS 24.831/DF, Rel. Min.
CELSO DE MELLO – MS 24.849/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO
– MS 26.441/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.).
[...]
Desse modo, e para que o regime democrático não se reduza a
uma categoria político-jurídica meramente conceitual ou sim-
plesmente formal, torna-se necessário assegurar, às minorias,
notadamente em sede jurisdicional, quando tal se impuser,
a plenitude de meios que lhes permitam exercer, de modo

305 Sumário
efetivo, os direitos fundamentais, que a todos, sem distinção,
são assegurados.
Isso significa, portanto, numa perspectiva pluralística, em tudo
compatível com os fundamentos estruturantes da própria
ordem democrática (CF, art. 1º, V), que se impõe a organização
de um sistema de efetiva proteção, especialmente no plano da
jurisdição, aos direitos, liberdades e garantias fundamentais em
favor das minorias, quaisquer que sejam, para que tais prerro-
gativas essenciais não se convertam em fórmula destituída de
significação, o que subtrairia – consoante adverte a doutrina
(SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA, “Fundamentos de Direito
Constitucional”, p. 161/162, item n. 602.73, 2004, Saraiva) – o
necessário coeficiente de legitimidade jurídico-democrática ao
regime político vigente em nosso País.

ART. 287 DO CÓDIGO PENAL: INTERPRETAÇÃO


HARMÔNICA COM AS LIBERDADES FUNDAMENTAIS DE
REUNIÃO, DE EXPRESSÃO E DE PETIÇÃO

[...] o litígio constitucional instaurado na presente causa é moti-


vado por abordagens hermenêuticas diversas em torno do art.
287 do Código Penal, precisamente em face do conteúdo polis-
sêmico desse preceito legal, situação atestada pela existência de
provimentos judiciais conflitantes a propósito da questão, eis
que há decisões reconhecedoras de que o art. 287 do Código
Penal impede a realização de qualquer marcha ou passeata ten-
dente a propor a discussão pública sobre a legalização do uso
de drogas ou de substâncias correlatas, frustrando-se, assim,
o exercício de liberdades públicas fundamentais, cuja prática
tem sido duramente atingida e gravemente obstada por notó-
rias medidas repressivas adotadas pelo Estado e seus agentes
em função de pronunciamentos do Poder Judiciário que con-

306 Sumário
sideram apologia de fato criminoso as condutas daqueles que
organizam, promovem e/ou participam de movimentos como
o da “Marcha da Maconha”.
De outro lado, registram-se decisões que, proferidas em sentido
diametralmente oposto, buscam compatibilizar o art. 287 do
Código Penal com o texto da Constituição, interpretando-o
de forma a não inviabilizar o exercício da liberdade de reunião
e a prática dos direitos de petição e de livre manifestação do
pensamento.
[...]
Pois bem. A realização de manifestações ou eventos públicos
nos quais seja emitida opinião favorável à descriminalização
do uso de entorpecentes – ou mesmo de qualquer outra con-
duta – não pode ser considerada, de per se, como apologia ao
crime, por duas razões. A primeira delas é lógica e de rara sim-
plicidade: se ocorre uma manifestação em que se defende o fim
da proibição legal de uma determinada prática, quer-se que a
mesma passe a ser considerada legalmente admissível, deixando
de ser crime. Em outras palavras, não se exalta a prática de um
crime – louva-se o entendimento de que a prática não deveria
ser considerada um crime.
A segunda razão é de cunho substancial: a proteção consti-
tucional da liberdade de expressão garante a livre emissão de
opinião, inclusive quanto à descriminalização de condutas. Há
que se compreender o alcance da liberdade de expressão cons-
titucionalmente assegurada.
[...]
A criminalização da apologia ao crime e a liberdade de expressão
convivem no sistema jurídico nacional, porquanto pretender
descriminalizar não significa exaltar prática antijurídica, bem

307 Sumário
como expressar livremente a opinião a esse respeito em reunião
pública ou privada encerra exercício regular de direito funda-
mental. É que, na percuciente visão da doutrina do tema, a “liber-
dade de expressão, enquanto direito fundamental, tem sobre-
tudo caráter de pretensão a que o Estado não exerça censura”
(In MENDES,Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
Curso de Direito Constitucional. 6. edição. São Paulo: Saraiva, 2011,
p. 297-298), repercutindo o magistério de ULRICH KARPEN)

MARCHA DA MACONHA: EXPRESSÃO DO EXERCÍCIO


LEGÍTIMO DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS

[...] a denominada “Marcha da Maconha”, longe de pretender


estimular o consumo de drogas ilícitas, busca, na realidade,
expor, de maneira organizada e pacífica, apoiada no princípio
constitucional do pluralismo político (fundamento estruturante
do Estado democrático de direito), as ideias, a visão, as concep-
ções, as críticas e as propostas daqueles que participam, como
organizadores ou como manifestantes, desse evento social,
amparados pelo exercício concreto dos direitos fundamentais
de reunião, de livre manifestação do pensamento e de petição.
Nesse contexto, a questionada (e tão reprimida) “Marcha da
Maconha” é bem a evidência de como se interconexionam
as liberdades constitucionais de reunião (direito-meio) e de
manifestação do pensamento (direito-fim ou, na expressão
de Pedro Lessa, “direito-escopo”), além do direito de petição,
todos eles igualmente merecedores do amparo do Estado, cujas
autoridades – longe de transgredirem tais prerrogativas funda-
mentais – deveriam protegê-las, revelando tolerância e respeito
por aqueles que, congregando-se em espaços públicos, pacifi-
camente, sem armas, apenas pretendem, Senhor Presidente,
valendo-se, legitimamente, do direito à livre expressão de suas

308 Sumário
ideias e opiniões, transmitir, mediante concreto exercício do
direito de petição, mensagem de abolicionismo penal quanto
à vigente incriminação do uso de drogas ilícitas.

A PROPOSTA DE LEGALIZAÇÃO DO USO DE DROGAS,


AINDA QUE DEFENDIDA FORA DE AMBIENTES
ACADÊMICOS, EM ESPAÇOS PÚBLICOS OU PRIVADOS, É
AMPARADA PELAS LIBERDADES CONSTITUCIONAIS

[...] a mera proposta de descriminalização de determinado ilí-


cito penal não se confunde com o ato de incitação à prática
do delito, nem com o de apologia de fato criminoso, eis que o
debate sobre a abolição penal de determinadas condutas puní-
veis pode (e deve) ser realizado de forma racional, com respeito
entre interlocutores, ainda que a ideia, para a maioria, possa ser
eventualmente considerada estranha, extravagante, inaceitável
ou, até mesmo, perigosa.
[...]
[...] a liberdade de expressão, considerada em seu mais abran-
gente significado, traduz, ela própria, o fundamento que nos
permite formular ideias e transmiti-las com o intuito de provo-
car a reflexão em torno de temas que podem revelar-se impreg-
nados de elevado interesse social.
As ideias, Senhor Presidente, podem ser fecundas, libertadoras,
subversivas ou transformadoras, provocando mudanças, supe-
rando imobilismos e rompendo paradigmas até então estabe-
lecidos nas formações sociais.
É por isso que se impõe construir espaços de liberdade, em
tudo compatíveis com o sentido democrático que anima nossas
instituições políticas, jurídicas e sociais, para que o pensamento

309 Sumário
não seja reprimido e, o que se mostra fundamental, para que
as ideias possam florescer, sem indevidas restrições, em um
ambiente de plena tolerância, que, longe de sufocar opiniões
divergentes, legitime a instauração do dissenso e viabilize, pelo
conteúdo argumentativo do discurso fundado em convicções
divergentes, a concretização de um dos valores essenciais à
configuração do Estado democrático de direito: o respeito ao
pluralismo político.
A livre circulação de ideias, portanto, representa um signo
inerente às formações democráticas que convivem com a
diversidade, vale dizer, com pensamentos antagônicos que se
contrapõem, em permanente movimento dialético, a padrões,
convicções e opiniões que exprimem, em dado momento his-
tórico-cultural, o “mainstream”, ou seja, a corrente dominante
em determinada sociedade.
É por isso que a defesa, em espaços públicos, da legalização das
drogas, longe de significar um ilícito penal, supostamente carac-
terizador do delito de apologia de fato criminoso, representa,
na realidade, a prática legítima do direito à livre manifestação
do pensamento, propiciada pelo exercício do direito de reunião,
sendo irrelevante, para efeito da proteção constitucional de tais
prerrogativas jurídicas, a maior ou a menor receptividade social
da proposta submetida, por seus autores e adeptos, ao exame
e consideração da própria coletividade.

310 Sumário
DOUTRINA CITADA

CUNHA, Sérgio Sérvulo da. Fundamentos de direito constitucional.


São Paulo: Saraiva, 2004. p. 161-162.
MELLO, Celso de. O direito constitucional de reunião. Revista de juris-
prudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, São Paulo,
v. 12, n. 54, p. 19-23, set./out. 1978.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso
de Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 239 e
297-298.
MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967 com a
Emenda nº 1 de 1969. 2. ed. 2ª tiragem. São Paulo: Revista dos Tribu-
nais, 1974. v. 5, p. 603-604.

311 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADPF 187


2. Amicus curiae
3. Vídeo do programa da TV Justiça “Plenárias”
4. Vídeo do julgamento
5. Julgados relacionados
ADI 5.852, rel. min. Dias Toffoli, red. do ac. min. Luiz Fux,
j. 24-8-2020, P, DJE de 26-11-2020.
ADI 4.274, rel. min. Ayres Britto, j. 23-11-2011, P, DJE de
2-5-2012.
RE 806.339, rel. min. Marco Aurélio, red. do ac. min. Edson
Fachin, j. 15-12-2020, P, DJE de 19-3-2021, Tema 855.

312 Sumário
DIPLOMA PARA O EXERCÍCIO DO
JORNALISMO

É inconstitucional a exigência
de diploma para o exercício do
jornalismo.

[RE 511.961, rel. min. Gilmar Mendes, j. 17-6-2009,


P, DJE de 13-11-2009.]

Sumário
TESE FIXADA

A exigência de diploma universitário registrado pelo Ministério da


Educação como condição obrigatória para o exercício da profissão
de jornalista viola o direito à liberdade de expressão, de informação
e de profissão.

314 Sumário
Liberdade de exercício profissional
• restrições legais à liberdade do exercício profissional
•  qualificações profissionais
• restrição legal desproporcional que viola o
conteúdo essencial da liberdade
•  declarada inconstitucional
Qualificações profissionais (art. 5º, XIII, da CF)
• exigidas, pela lei, daquelas profissões que
podem trazer perigo de dano à coletividade
ou prejuízos diretos a direitos de terceiros

Formação específica em curso de


graduação em jornalismo
• não é meio idôneo para evitar
eventuais riscos à coletividade ou
danos efetivos a terceiros

EXIGÊNCIA DE DIPLOMA DE CURSO


SUPERIOR PARA O EXERCÍCIO DA
PROFISSÃO DE JORNALISTA

Atividade de jornalismo
• manifestação e difusão do pensamento e da
informação
• umbilicalmente ligada às liberdades de
expressão e de informação
• não há espaço para a regulação estatal quanto às
qualificações profissionais
• responsabilização civil e penal, a posteriori em
caso de exercício abusivo

Corte Interamericana de Direitos Humanos


• A obrigatoriedade de diploma universitário
e inscrição em ordem profissional para o
exercício da profissão de jornalista viola o art.
13 da Convenção Americana de Direitos
Humanos

315 Sumário
8X1

Vencedores no mérito: Vencido no mérito:

Min. Gilmar Mendes


– Relator (Presidente)
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Eros Grau
Min. Ayres Britto
Min. Cezar Peluso
Min. Ellen Gracie
Min. Marco Aurélio
Min. Celso de Mello

Ausentes:
Min. Joaquim Barbosa
Min. Menezes Direito

316 Sumário
FUNDAMENTOS

PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL


(ART. 5º, INCISO XIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL)

O art. 5º, inciso XIII, da Constituição de 1988 dispõe que “é livre


o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas
as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.
Tem-se, no citado preceito constitucional, uma inequívoca
reserva legal qualificada. A Constituição remete à lei o estabe-
lecimento das qualificações profissionais como restrições ao
livre exercício profissional.
[...] a norma constitucional que submete determinados direitos
à reserva de lei restritiva contém, a um só tempo, (a) uma norma
de garantia, que reconhece e garante determinado âmbito de
proteção e (b) uma norma de autorização de restrições, que
permite ao legislador estabelecer limites ao âmbito de proteção
constitucionalmente assegurado.
A Constituição de 1988, ao assegurar a liberdade profissional
(art. 5º, XIII), segue um modelo de reserva legal qualificada
presente nas Constituições anteriores, as quais prescreviam
à lei a definição das “condições de capacidade” como condi-
cionantes para o exercício profissional: Constituição de 1934,
art. 113, 13; Constituição de 1937, art. 122, 8; Constituição de
1946, art. 141, § 14; Constituição de 1967/69, art. 153, § 23. O
texto constitucional de 1891, apesar de não prever a lei restritiva
que estabelecesse as condições de capacidade técnica ou as
qualificações profissionais, não impedia a regulamentação das
profissões com justificativa na proteção do bem e da segurança
geral e individual [...].

317 Sumário
Assim, parece certo que, no âmbito desse modelo de reserva
legal qualificada presente na formulação do art. 5º, XIII, paira
uma imanente questão constitucional quanto à razoabilidade
e proporcionalidade das leis restritivas, especificamente, das
leis que disciplinam as qualificações profissionais como condi-
cionantes do livre exercício das profissões. A reserva legal esta-
belecida pelo art. 5º, XIII, não confere ao legislador o poder
de restringir o exercício da liberdade a ponto de atingir o seu
próprio núcleo essencial.
[...] desde o importante julgamento da Representação nº
930 (Relator p/ o acórdão: Ministro Rodrigues Alckmin, DJ,
2-9-1977), o Supremo Tribunal Federal tem entendimento
fixado no sentido de que as restrições legais à liberdade de
exercício profissional somente podem ser levadas a efeito no
tocante às qualificações profissionais. A restrição legal despro-
porcional e que viola o conteúdo essencial da liberdade deve
ser declarada inconstitucional.

EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA:


QUALIFICAÇÕES PROFISSIONAIS ESPECÍFICAS

[...] a doutrina constitucional entende que as qualificações


profissionais de que trata o art. 5º, inciso XIII, da Constituição,
somente podem ser exigidas, pela lei, daquelas profissões que,
de alguma maneira, podem trazer perigo de dano à coletividade
ou prejuízos diretos a direitos de terceiros, sem culpa das víti-
mas, tais como a medicina e demais profissões ligadas à área de
saúde, a engenharia, a advocacia e a magistratura, entre outras
várias. Nesse sentido, a profissão de jornalista, por não implicar
riscos à saúde ou à vida dos cidadãos em geral, não poderia
ser objeto de exigências quanto às condições de capacidade
técnica para o seu exercício. Eventuais riscos ou danos efetivos

318 Sumário
a terceiros causados pelo profissional do jornalismo não seriam
inerentes à atividade e, dessa forma, não seriam evitáveis pela
exigência de um diploma de graduação. Dados técnicos neces-
sários à elaboração da notícia (informação) deveriam ser bus-
cados pelo jornalista em fontes qualificadas profissionalmente
sobre o assunto.
[...] esses entendimentos, que bem apreendem o sentido norma-
tivo do art. 5º, inciso XIII, da Constituição, já demonstram a des-
proporcionalidade das medidas estatais que visam a restringir
o livre exercício do jornalismo mediante a exigência de registro
em órgão público condicionado à comprovação de formação
em curso superior de jornalismo.
[...]
É fácil perceber que a formação específica em curso de gra-
duação em jornalismo não é meio idôneo para evitar even-
tuais riscos à coletividade ou danos efetivos a terceiros. De
forma extremamente distinta de profissões como a medicina
ou a engenharia, por exemplo, o jornalismo não exige técnicas
específicas que só podem ser aprendidas em uma faculdade. O
exercício do jornalismo por pessoa inapta para tanto não tem
o condão de, invariável e incondicionalmente, causar danos ou
pelo menos risco de danos a terceiros. A consequência lógica,
imediata e comum do jornalismo despreparado será a ausên-
cia de leitores e, dessa forma, a dificuldade de divulgação e de
contratação pelos meios de comunicação, mas não o prejuízo
direto a direitos, à vida, à saúde de terceiros.
As violações à honra, à intimidade, à imagem ou a outros direi-
tos da personalidade não constituem riscos inerentes ao exercí-
cio do jornalismo; são, antes, o resultado do exercício abusivo
e antiético dessa profissão.

319 Sumário
O jornalismo despreparado diferencia-se substancialmente do
jornalismo abusivo. Este último, como é sabido, não se restringe
aos profissionais despreparados ou que não frequentaram um
curso superior. As notícias falaciosas e inverídicas, a calúnia,
a injúria e a difamação constituem grave desvio de conduta
e devem ser objeto de responsabilidade civil e penal. Repre-
sentam, portanto, um problema ético, moral, penal e civil que
não encontra solução na formação técnica do jornalista. Dizem
respeito, antes, à formação cultural e ética do profissional, que
pode ser reforçada, mas nunca completamente formada, nos
bancos de uma faculdade.
É inegável que a frequência a um curso superior com disciplinas
sobre técnicas de redação e edição, ética profissional, teorias
da comunicação, relações públicas, sociologia etc. pode dar ao
profissional uma formação sólida para o exercício cotidiano do
jornalismo. E essa é uma razão importante para afastar qualquer
suposição no sentido de que os cursos de graduação em jorna-
lismo serão desnecessários após a declaração de não recepção
do art. 4º, inciso V, do Decreto-Lei nº 972/1969.

DIPLOMA DE CURSO SUPERIOR COMO EXIGÊNCIA


PARA O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE JORNALISTA:
RESTRIÇÃO INCONSTITUCIONAL ÀS LIBERDADES DE
EXPRESSÃO E DE INFORMAÇÃO

[...] o jornalismo é uma profissão diferenciada por sua estreita


vinculação ao pleno exercício das liberdades de expressão e
informação. O jornalismo é a própria manifestação e difusão
do pensamento e da informação de forma contínua, profissio-
nal e remunerada. Os jornalistas são aquelas pessoas que se
dedicam profissionalmente ao exercício pleno da liberdade de
expressão. O jornalismo e a liberdade de expressão, portanto,

320 Sumário
são atividades que estão imbricadas por sua própria natureza e
não podem ser pensadas e tratadas de forma separada.
[...]
No [...] julgamento da ADPF nº 130, Rel. Min. Carlos Britto, na
qual se declarou a não recepção da Lei de Imprensa (Lei nº
5.250/1967), o Tribunal enfaticamente deixou consignado o
entendimento segundo o qual as liberdades de expressão e
de informação e, especificamente, a liberdade de imprensa,
somente poderiam ser restringidas pela lei em hipóteses excep-
cionalíssimas, sempre em razão da proteção de outros valores e
interesses constitucionais igualmente relevantes, como os direi-
tos à honra, à imagem, à privacidade e à personalidade em geral
[...]
[...] em matéria de liberdade de expressão e de comunicação em
geral, as restrições legais estão reservadas a casos extremamente
excepcionais, sempre justificadas pela imperiosa necessidade
de resguardo de outros valores constitucionais.
Assim, no caso da profissão de jornalista, a interpretação do
art. 5º, inciso XIII, em conjunto com o art. 5º, incisos IV, IX, XIV,
e o art. 220 leva à conclusão de que a ordem constitucional
apenas admite a definição legal das qualificações profissionais
na hipótese em que sejam elas estabelecidas para proteger, efe-
tivar e reforçar o exercício profissional das liberdades de expres-
são e de informação por parte dos jornalistas. Fora desse quadro,
há patente inconstitucionalidade da lei
É fácil perceber, nessa linha de raciocínio, que a exigência de
diploma de curso superior para a prática do jornalismo – o qual,
em sua essência, é o desenvolvimento profissional das liberdades
de expressão e de informação – não está autorizada pela ordem
constitucional, pois constitui uma restrição, um impedimento,

321 Sumário
uma verdadeira supressão do pleno, incondicionado e efetivo
exercício da liberdade jornalística, expressamente proibido
pelo art. 220, § 1º, da Constituição. Portanto, em se tratando
de jornalismo, atividade umbilicalmente ligada às liberdades
de expressão e de informação, o Estado não está legitimado a
estabelecer condicionamentos e restrições quanto ao acesso à
profissão e respectivo exercício profissional.

PROFISSÃO DE JORNALISTA: ACESSO, EXERCÍCIO


E CONTROLE ESTATAL VEDADO PELA ORDEM
CONSTITUCIONAL

[...] no campo da profissão de jornalista, não há espaço para a


regulação estatal quanto às qualificações profissionais. O art. 5º,
incisos IV, IX, XIV, e o art. 220 não autorizam o controle, por
parte do Estado, quanto ao acesso e exercício da profissão de
jornalista. Qualquer controle desse tipo, que interfira na liber-
dade profissional no momento do próprio acesso à atividade
jornalística, configura, ao fim e ao cabo, controle prévio que, em
verdade, caracteriza censura prévia das liberdades de expressão
e de informação, expressamente vedada pelo art. 5º, inciso IX,
da Constituição.
A impossibilidade do estabelecimento de controles estatais
sobre a profissão jornalística também leva à conclusão de que
não pode o Estado criar uma ordem ou um conselho profis-
sional (autarquia) para a fiscalização desse tipo de profissão. O
exercício do poder de polícia do Estado é vedado nesse campo
em que imperam as liberdades de expressão e de informação.
Ressaltem-se, nesse sentido, as considerações do Ministro Rodri-
gues Alckmin, no julgamento da citada Representação nº 930,
as quais afirmavam que o serviço público de fiscalização do
exercício profissional, a cargo de entes autárquicos especiais,

322 Sumário
denominados ordens ou conselhos, somente pode ser exercido
pelo Estado se existe uma regulamentação legítima da profissão,
entendida esta como a regulamentação das profissões que efe-
tivamente reclamam condições de capacidade ou qualificações
profissionais especiais.

EXERCÍCIO ABUSIVO DO JORNALISMO

[...] a vedação constitucional a qualquer tipo de controle esta-


tal prévio não faz pouco caso do elevado potencial da ativi-
dade jornalística para gerar riscos de danos ou danos efetivos
à ordem, à segurança, ao bem estar da coletividade e a direitos
de terceiros. O entendimento até aqui delineado não deixa de
levar em consideração a potencialidade danosa da atividade de
comunicação em geral e o verdadeiro poder que representam a
imprensa e seus agentes na sociedade contemporânea.
[...]
É certo, assim, que o exercício abusivo do jornalismo implica
sérios danos individuais e coletivos. Porém, mais certo ainda é
que os danos causados pela atividade jornalística não podem
ser evitados ou controlados por qualquer tipo de medida estatal
de índole preventiva.
Como se sabe, o abuso da liberdade de expressão não pode
ser objeto de controle prévio, mas de responsabilização civil e
penal, a posteriori. E, como analisado acima, não há razão para
se acreditar que a exigência de diploma de curso superior de
jornalismo seja uma medida adequada e eficaz para evitar o
exercício abusivo da profissão.
[...]

323 Sumário
Parece que, nesse campo da proteção dos direitos e prerroga-
tivas profissionais dos jornalistas, a autorregulação é a solução
mais consentânea com a ordem constitucional e, especifica-
mente, com as liberdades de expressão e de informação.
[...]
Dessa forma, são os próprios meios de comunicação que devem
estabelecer os mecanismos de controle quanto à contratação,
avaliação, desempenho, conduta ética dos profissionais do
jornalismo. Poderão as empresas de comunicação estipular
critérios de contratação, como a especialidade em determi-
nado campo do conhecimento, o que, inclusive, parece ser mais
consentâneo com a crescente especialização do jornalismo no
mundo contemporâneo.

JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE


DIREITOS HUMANOS

A Corte Interamericana de Direitos Humanos proferiu decisão


no dia 13 de novembro de 1985, declarando que a obrigatorie-
dade do diploma universitário e da inscrição em ordem profis-
sional para o exercício da profissão de jornalista viola o art. 13
da Convenção Americana de Direitos Humanos, que protege a
liberdade de expressão em sentido amplo (caso “La colegiación
obligatoria de periodistas” – Opinião Consultiva OC-5/85, de 13
de novembro de 1985). Também a Organização dos Estados
Americanos – OEA, por meio da Comissão Interamericana de
Direitos Humanos, entende que a exigência de diploma universi-
tário em jornalismo, como condição obrigatória para o exercício
dessa profissão, viola o direito à liberdade de expressão (Informe
Anual da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, de 25
de fevereiro de 2009).

324 Sumário
DOUTRINA CITADA

ALEXY, Robert. Theorie der grundrechte. Frankfurt am Main: Suhr-


kamp Verlag ,1986, p. 267.
ANDRADE, Manuel da Costa. Liberdade de imprensa e inviolabili-
dade pessoal: uma perspectiva jurídico-criminal. Coimbra: Coimbra
Editora, 1996. p. 59, 62-63.
ATALIBA, Geraldo. Efeitos da nova Constituição. Boletim da Associa-
ção dos Advogados de São Paulo, São Paulo, n. 1562, suplemento,
p. 3, 23 nov. 1988.
BARBALHO, João. Constituição Federal Brasileira (1891): (comen-
tada). Edição Fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2002. p. 330.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra:
Almedina, 1991. p. 602-603.
KRÜGER, HERBERT. Der wesensgehalt der grundrechte. Europäische
Grundrechte Zeitschrift (EuGRZ), Berlim: [s.n.], 1985. p. 321-322.
HESSE, Konrad. Grundzüge des verfassüngsrechts, der Bundesrepublik
Deutschland. Heidelberg: Müller Verlag, 1995. p. 18, p. 46, p. 134.
KELSEN, Hans. Teoria generale del diritto e dello Stato. Traduzione di
Sergio Cotta e Giuseppino Treves. Milano: Ed. Comunità, 1952. p. 119.
KREBS, Walter. In: VON MÜNCH, Ingo; KUNIG, Philip. Grundgesetz-
Kommentar, München: C.H. Beck, v. 1, art. 19, II, n. 23, p. 999.
KOCH, Harald. Prozessführung im öffentlichen Interesse: rechtsverglei-
chende Entwicklungsbedingungen und Alternativen objektiver Rechts-
durchsetzung. Frankfurt am Main: Nomos-Verlag-Ges, 1983. p. 1.
KRÜGER, HERBERT. Der wesensgehalt der grundrechte. Europäische
Grundrechte Zeitschrift (EuGRZ), Berlim: [s.n.], 1985. p. 321-322.

325 Sumário
LERCHE, Peter. Grundrechtlicher Schutzbereich, Grundrechtsprägung
und Grundrechtseingriff. In: ISENSEE, Josef; KIRCHHOFF, Paul (org.).
Handbuch des Staatsrechts, Heidelberg: C.F Müller, v. 5, p. 739, 746-
747. [1998].
MACHADO, Jónatas E. M. Liberdade de expressão: dimensões cons-
titucionais da esfera pública no sistema social. Coimbra: Coimbra
Editora, 2002. p. 542-544.
MANGOLDT, Hermann von. Das Bonner Grundgesetz. Berlin: F.
Vahlen, 1953. p. 37.
MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição brasileira. 4. ed.
Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1948. v. 3, p. 83, 90.
MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição brasileira de
1891. Edição fac-similar. Brasília: Senado Federal, 2005. p. 742.
MOREIRA, Vital. O direito de resposta na comunicação social. Coim-
bra: Coimbra Editora, 1994. p. 9.
PIEROTH, Bodo; SCHLINK, Bernhard. Grundrechte Staatsrecht II. 14.
ed. Heidelberg: C. F. Müller, 1998. p. 50, 53, 57, 63, 65, 66-67.
SCHMITT, Carl. Freiheitsrechte und institutionelle garantien der Rei-
chsverfassung (1931). In: VERFASSUNGSRECHTLICHE Aufsätze aus
den Jahren 1924-1954: Materialien zu einer Verfassungslehre, Berlin:
Dunker & Humblot, 1958. p. 140-173.
SCHMITT, Carl. Verfassungslehre. Berlin: Duncker & Humblot, 1954.
p. 170.
SCHWABE, Jürgen. Probleme der Grundrechtsdogmatik. Darmstadt:
Schadel, 1977. p. 152.
WOLFF, Martin. Reichsverfassung und eigentum. In: FESTGABE der Ber-
liner Juristischen Fakultät für Wilhelm Kahl zum Doktorjubiläum am
19. April 1923. Tübingen: J. C. B. Mohr (Paul Siebeck), 1923. p. IV 1-30.

326 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão do RE 511.961


2. Vídeos do julgamento
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
3. Julgados relacionados
ADI 3.481, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 6-3-2021,
P, DJE de 6-4-2021.
ADPF 183, rel. min. Alexandre de Moraes, j. 27-9-2019,
P, DJE de 18-11-2019.
RE 414.426, rel. min. Ellen Gracie, j. 1º-8-2011, P, DJE de
10-10-2011.

327 Sumário
LIBERDADE DE IMPRENSA

Incompatibilidade da Lei de
Imprensa com a Constituição
Federal de 1988.

[ADPF 130, rel. min. Ayres Britto, j. 30-4-2009,


P, DJE de 6-11-2009.]

Sumário
RESUMO

Declaração de não recepção da Lei 5.250/1967 (Lei de Imprensa)


pela Constituição de 1988.

330 Sumário
Liberdade de imprensa como reforço
das liberdades de manifestação do
pensamento, de informação e de expressão

Liberdade de imprensa e
democracia

Art. 220 da Constituição Federal:


o regime de plena liberdade
de atuação da imprensa

NÃO RECEPÇÃO DA LEI DE


IMPRENSA PELA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL DE 1988

A crítica jornalística não é


suscetível à censura prévia

Proporcionalidade entre
liberdade de imprensa e
responsabilidade civil por dano

Efeitos jurídicos da decisão

331 Sumário
7X4

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito,


em parte:

Min. Ayres
Britto – Relator
Min. Eros Grau
Min. Menezes Direito
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Joaquim Barbosa
Min. Cezar Peluso
Min. Ellen Gracie
Min. Marco Aurélio (Vencido
no mérito, integralmente)
Min. Celso de Mello
Min. Gilmar Mendes – Presidente

332 Sumário
FUNDAMENTOS

LIBERDADE DE IMPRENSA COMO REFORÇO DAS


LIBERDADES DE MANIFESTAÇÃO DO PENSAMENTO, DE
INFORMAÇÃO E DE EXPRESSÃO

A Constituição reservou à imprensa todo um bloco norma-


tivo, com o apropriado nome “Da Comunicação Social” (capí-
tulo V do título VIII). A imprensa como plexo ou conjunto de
“atividades” ganha a dimensão de instituição-ideia, de modo a
poder influenciar cada pessoa de per se e até mesmo formar
o que se convencionou chamar de opinião pública. Pelo que
ela, Constituição, destinou à imprensa o direito de controlar
e revelar as coisas respeitantes à vida do Estado e da própria
sociedade. A imprensa como alternativa à explicação ou versão
estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e
como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em
qualquer situação ou contingência. Entendendo-se por pensa-
mento crítico o que, plenamente comprometido com a verdade
ou essência das coisas, se dota de potencial emancipatório de
mentes e espíritos. O corpo normativo da Constituição brasileira
sinonimiza liberdade de informação jornalística e liberdade de
imprensa, rechaçante de qualquer censura prévia a um direito
que é signo e penhor da mais encarecida dignidade da pessoa
humana, assim como do mais evoluído estado de civilização.

LIBERDADE DE IMPRENSA E DEMOCRACIA

A plena liberdade de imprensa é um patrimônio imaterial que


corresponde ao mais eloquente atestado de evolução políti-
co-cultural de todo um povo. Pelo seu reconhecido condão de

333 Sumário
vitalizar por muitos modos a Constituição, tirando-a mais vezes
do papel, a Imprensa passa a manter com a democracia a mais
entranhada relação de mútua dependência ou retroalimenta-
ção. Assim visualizada como verdadeira irmã siamesa da demo-
cracia, a imprensa passa a desfrutar de uma liberdade de atua-
ção ainda maior que a liberdade de pensamento, de informação
e de expressão dos indivíduos em si mesmos considerados.
O § 5º do art. 220 apresenta-se como norma constitucional
de concretização de um pluralismo finalmente compreendido
como fundamento das sociedades autenticamente demo-
cráticas; isto é, o pluralismo como a virtude democrática da
respeitosa convivência dos contrários. A imprensa livre é, ela
mesma, plural, devido a que são constitucionalmente proibidas
a oligopolização e a monopolização do setor (§ 5º do art. 220
da CF). A proibição do monopólio e do oligopólio como novo
e autônomo fator de contenção de abusos do chamado “poder
social da imprensa”.

ART. 220 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL: O REGIME DE


PLENA LIBERDADE DE ATUAÇÃO DA IMPRENSA

O art. 220 da Constituição radicaliza e alarga o regime de plena


liberdade de atuação da imprensa, porquanto fala: a) que os
mencionados direitos de personalidade (liberdade de pensa-
mento, criação, expressão e informação) estão a salvo de qual-
quer restrição em seu exercício, seja qual for o suporte físico
ou tecnológico de sua veiculação; b) que tal exercício não se
sujeita a outras disposições que não sejam as figurantes dela
própria, Constituição.
A liberdade de informação jornalística é versada pela Constitui-
ção Federal como expressão sinônima de liberdade de imprensa.

334 Sumário
Os direitos que dão conteúdo à liberdade de imprensa são bens
de personalidade que se qualificam como sobredireitos. Daí que,
no limite, as relações de imprensa e as relações de intimidade,
vida privada, imagem e honra são de mútua excludência, no
sentido de que as primeiras se antecipam, no tempo, às segun-
das; ou seja, antes de tudo prevalecem as relações de imprensa
como superiores bens jurídicos e natural forma de controle
social sobre o poder do Estado, sobrevindo as demais relações
como eventual responsabilização ou consequência do pleno
gozo das primeiras.
A expressão constitucional “observado o disposto nesta Cons-
tituição” (parte final do art. 220) traduz a incidência dos dis-
positivos tutelares de outros bens de personalidade, é certo,
mas como consequência ou responsabilização pelo desfrute
da “plena liberdade de informação jornalística” (§ 1º do mesmo
art. 220 da Constituição Federal).
Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes
da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário,
pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da prestidi-
gitação jurídica. Silenciando a Constituição quanto ao regime
da internet (rede mundial de computadores), não há como
se lhe recusar a qualificação de território virtual livremente
veiculador de ideias e opiniões, debates, notícias e tudo o mais
que signifique plenitude de comunicação.

A CRÍTICA JORNALÍSTICA NÃO É SUSCETÍVEL À


CENSURA PRÉVIA

O pensamento crítico é parte integrante da informação plena e


fidedigna. O possível conteúdo socialmente útil da obra com-
pensa eventuais excessos de estilo e da própria verve do autor.

335 Sumário
O exercício concreto da liberdade de imprensa assegura ao jor-
nalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda
que em tom áspero ou contundente, especialmente contra as
autoridades e os agentes do Estado.
A crítica jornalística, pela sua relação de inerência com o inte-
resse público, não é aprioristicamente suscetível de censura,
mesmo que legislativa ou judicialmente intentada. O próprio
das atividades de imprensa é operar como formadora de opinião
pública, espaço natural do pensamento crítico e “real alternativa
à versão oficial dos fatos”.
[...]
A uma atividade que já era “livre” (incisos IV e IX do art. 5º), a
Constituição Federal acrescentou o qualificativo de “plena” (§ 1º
do art. 220). Liberdade plena que, repelente de qualquer censura
prévia, diz respeito à essência mesma do jornalismo (o chamado
“núcleo duro” da atividade). Assim entendidas as coordenadas
de tempo e de conteúdo da manifestação do pensamento, da
informação e da criação lato sensu, sem o que não se tem o
desembaraçado trânsito das ideias e opiniões, tanto quanto da
informação e da criação.

PROPORCIONALIDADE ENTRE LIBERDADE DE IMPRENSA


E RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO

A excessividade indenizatória é, em si mesma, poderoso fator


de inibição da liberdade de imprensa, em violação ao princípio
constitucional da proporcionalidade. A relação de proporcio-
nalidade entre o dano moral ou material sofrido por alguém e a
indenização que lhe caiba receber (quanto maior o dano maior
a indenização) opera é no âmbito interno da potencialidade
da ofensa e da concreta situação do ofendido. Nada tendo a

336 Sumário
ver com essa equação a circunstância em si da veiculação do
agravo por órgão de imprensa, porque, senão, a liberdade de
informação jornalística deixaria de ser um elemento de expan-
são e de robustez da liberdade de pensamento e de expressão
lato sensu para se tornar um fator de contração e de esqualidez
dessa liberdade. Em se tratando de agente público, ainda que
injustamente ofendido em sua honra e imagem, subjaz à inde-
nização uma imperiosa cláusula de modicidade. Isto porque
todo agente público está sob permanente vigília da cidadania.
E quando o agente estatal não prima por todas as aparências
de legalidade e legitimidade no seu atuar oficial, atrai contra si
mais fortes suspeitas de um comportamento antijurídico fran-
camente sindicável pelos cidadãos.

NÃO RECEPÇÃO DA LEI DE IMPRENSA PELA


CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem


como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de infor-
mação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na
própria interdição da prévia interferência do Estado o seu modo
natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade normativa que,
em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no
próprio texto da Lei Suprema.
Incompatibilidade material insuperável entre a Lei nº 5.250/67
e a Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que,
sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina
toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de coman-
dos, a serviço da prestidigitadora lógica de que para cada regra
geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções
que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível
efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para

337 Sumário
alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar
no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País.
São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêu-
tica da Lei 5.250/67 com a Constituição, seja mediante expurgo
puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante
o emprego dessa refinada técnica de controle de constitucio-
nalidade que atende pelo nome de “interpretação conforme a
Constituição”.
[...]
Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica
de depuração, a coerência ou o equilíbrio interno de uma lei (a
Lei federal nº 5.250/67) que foi ideologicamente concebida e
normativamente apetrechada para operar em bloco ou como
um todo pro indiviso.

EFEITOS JURÍDICOS DA DECISÃO

Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o


Código Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil e o
Código de Processo Penal às causas decorrentes das relações de
imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de
replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte
daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então
subjetiva, conforme estampado no inciso V do art. 5º da Cons-
tituição Federal. Norma, essa, “de eficácia plena e de aplicabili-
dade imediata”, conforme classificação de José Afonso da Silva.
“Norma de pronta aplicação”, na linguagem de Celso Ribeiro
Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta.

338 Sumário
Total procedência da ADPF, para o efeito de declarar como não
recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de
dispositivos da Lei federal nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967.

DOUTRINA CITADA

BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. São


Paulo: Saraiva, 1989. v. 2, p. 81-82.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra:
Almedina, 1991. p. 548-549, 661.
CARVALHO, L. G. Grandinetti Castanho de. Liberdade de informa-
ção e o direito difuso à informação verdadeira. 2. ed. Rio de Janeiro:
Renovar, 2003. p. 118-119, 137.
CASTRO, Carlos Roberto Siqueira. Aplicação dos direitos fundamen-
tais às relações privadas. In: CADERNOS de soluções constitucionais.
São Paulo: Malheiros, 2003. p. 32-47.
CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. São Paulo:
Saraiva, 1989. p. 52.
CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de
1988. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. v. 1, p. 283.
DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Estudos de direito público e pri-
vado. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 259, 298-299.
DOTTI, Rene Ariel. Proteção da vida privada e liberdade de infor-
mação: possibilidades e limites. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1980.
p. 207-210.

339 Sumário
DWORKIN, Ronald. O direito da liberdade. Tradução: Marcelo Bran-
dão Cipolla. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 300, 311-312.
FARIAS, Edilsom Pereira de. Colisão de direitos: a honra, a intimidade,
a vida privada e a imagem versus a liberdade de expressão e informa-
ção. Porto Alegre: S.A. Fabris, 1996. p. 94-101.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição
brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1990. v. 1, p. 39.
GARCIA, Enéas Costa. Responsabilidade civil dos meios de comu-
nicação: de acordo com o Código Civil de 2002. São Paulo: Juarez de
Oliveira, 2002. p. 175.
GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. A liberdade de imprensa e os direi-
tos da personalidade. São Paulo: Atlas, 2001. p. 100-101.
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel Gomes; ZULIANE Ênio Santarelli
(coords.). Comentários à Lei de Imprensa. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2007. p. 353-357, 396-399.
HUME, David. Ensaios morais, políticos e literários. Rio de Janeiro:
Topbooks, 2004. p. 101-102, 105.
JABUR, Gilberto Haddad. Liberdade de pensamento e direito à vida
privada: conflitos entre direitos da personalidade. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000. 384 p.
LEBRETON, J. P. Les particularités de la juridiction constitutionnelle.
Revue du droit public et de la science politique en France et à
l’étranger, Paris, v. 99, n. 2, p. 419-485, mars./avr. 1983.
LEITE FILHO, Solidonio. Comentários à Lei de Imprensa. Rio de
Janeiro: J. Leite Editores, 1925. p. 188.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de cons-
titucionalidade: estudos de direito constitucional. 2. ed. São Paulo:
Celso Bastos, 1999. p. 89-96.

340 Sumário
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 2. ed. Coimbra:
Coimbra Editora, 1982. v. 2, p. 350.
MORO, Sérgio Fernando. Jurisdição constitucional como democra-
cia. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 48.
NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. A proteção constitucional da infor-
mação e o direito à crítica jornalística. São Paulo: FTD, 1997. p. 87-89.
PAZ, Octavio. O arco e a lira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1982.
p. 351.
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 1968.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32.
ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 246.
SOMBRA, Thiago Luís Santos. A eficácia dos direitos fundamentais nas
relações jurídico-privadas: a identificação do contrato como ponto
de encontro dos direitos fundamentais. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2004.
STEINMETZ, Wilson. A vinculação dos particulares a direitos fun-
damentais. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 295.
VALE, André Rufino do. Eficácia dos direitos fundamentais nas rela-
ções privadas. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2004.

341 Sumário
INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADPF 130


2. Amicus curiae
3. Vídeo do programa da TV Justiça “Grandes
Julgamentos”
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
Vídeo 4
4. Vídeos do julgamento
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
Vídeo 4
Vídeo 5

342 Sumário
5. Julgados relacionados
ADPF 601 MC, rel. min. Gilmar Mendes, dec.
monocrática, j. 7-8-2019, DJE de 12-8-2019.
RE 662.055 RG, rel. min. Roberto Barroso, j. 27-8-2015,
P, DJE de 3-9-2015, Tema 837 (aguardando julgamento
de mérito).
Rcl 15.243 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 23-4-2019,
2ª T, DJE de 11-10-2019.
Rcl 22.328, rel. min. Roberto Barroso, j. 6-3-2018, 1ª T,
DJE de 10-5-2020.
Rcl 9.428, rel. min. Cezar Peluso, j. 10-12-2009, P,
DJE de 25-6-2010.

343 Sumário
LEI DE BIOSSEGURANÇA E
PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO
EMBRIONÁRIAS

As pesquisas com células-tronco não


violam os preceitos constitucionais
do direito à vida e da dignidade da
pessoa humana.

[ADI 3.510, rel. min. Ayres Britto, j. 29-5-2008,


P, DJE de 28-5-2010.]

Sumário
RESUMO

É constitucional a Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005), que per-


mitiu a utilização de células-tronco embrionárias em pesquisas cien-
tíficas para fins terapêuticos. Direito constitucional à liberdade de
expressão científica.

346 Sumário
Proteção constitucional do
direito à vida e os direitos do
embrião pré-implanto
Direito fundamental à
autonomia da vontade, ao
planejamento familiar e à
maternidade
Enfrentamento e cura de
patologias e traumatismos
Pesquisas com células-tronco
não caracterizam aborto

PESQUISAS COM CÉLULAS-


-TRONCO EMBRIONÁRIAS
PARA FINS TERAPÊUTICOS

Liberdade de expressão científica x Lei


de Biossegurança
• melhoria das condições de vida
para todos os indivíduos
• assegurada a dignidade da pessoa
humana

Cautelas e restrições impostas


pela Lei de Biossegurança
na condução das pesquisas com
células-tronco embrionárias

347 Sumário
6X5

Vencedores no mérito: Vencidos no mérito:

Min. Ayres
Britto – Relator
Min. Ellen Gracie
Min. Menezes Direito
Min. Cármen Lúcia
Min. Ricardo Lewandowski
Min. Eros Grau
Min. Joaquim Barbosa
Min. Cezar Peluso
Min. Marco Aurélio
Min. Celso de Mello
Min. Gilmar Mendes – Presidente

348 Sumário
FUNDAMENTOS

CONCEITO JURÍDICO DE CÉLULAS-TRONCO


EMBRIONÁRIAS

As “células-tronco embrionárias” são células contidas num agru-


pamento de outras, encontradiças em cada embrião humano de
até 14 dias (outros cientistas reduzem esse tempo para a fase de
blastocisto, ocorrente em torno de 5 dias depois da fecundação
de um óvulo feminino por um espermatozoide masculino).
Embriões a que se chega por efeito de manipulação humana
em ambiente extracorpóreo, porquanto produzidos labora-
torialmente ou “in vitro”, e não espontaneamente ou “in vida”.
[...]
Do ponto de vista biológico, que é o que mais de perto interessa
e serve à construção do correlato conceito jurídico-constitu-
cional, não só “a formação e o desenvolvimento do embrião
humano” podem ser considerados “um processo gradual, con-
tínuo e coordenado desde o momento da fertilização”, mas a
própria vida, enquanto fenômeno inteligível, se reduz a essa
ideia e postula igual conceito.
[...]
Como se vê logo, todas as referências científicas e filosóficas à
noção genérica de processo, compreendido como sucessão con-
tínua de mudanças de acordo com diretriz unitária de desen-
volvimento autônomo, para caracterizar em teoria e identificar
em concreto a vida, radicam-se, em última instância, na ideia
de movimento cujo princípio causal está no próprio movente,
que por consequência se define como vivo. Noutras palavras,
não há vida no ser que não tenha ou ainda não tenha capaci-
dade de mover-se por si mesmo, isto é, sem necessidade de

349 Sumário
intervenção, a qualquer título, de força, condição ou estímulo
externo. É o que me permito denominar aqui capacidade de
movimento autógeno.
E isso não o têm os embriões congelados, cuja situação é só
equiparável à de etapa inicial de processo que se suspendeu ou
interrompeu, antes de adquirir certa condição objetiva neces-
sária, capaz de lhe ativar a potência de promover, com auto-
nomia, uma sequência de eventos, que, biológicos, significam,
no caso, a unidade permanente do ciclo vital que individualiza
cada subjetividade humana.
Mas não é esse algo simples mas esclarecedor critério discretivo
da qualidade do movimento autógeno, adotado pela biologia
e pela filosofia para caracterizar os seres vivos, ou para, na sua
falta, excluir de modo absoluto a existência de vida, que leva a
negá-la aos embriões congelados.
[...]
Se, por pressuposição, vida é processo, tem-se de concluir sem
erro [...] que, no caso das células-tronco embrionárias conge-
ladas, o ciclo subjetivo de mudanças iniciado no momento da
concepção foi suspenso ou interrompido, antes de lhes sobrevir
a condição objetiva de inserção no útero, sem a qual não adqui-
rem a capacidade de desenvolvimento singular autônomo que
tipifica a existência de vida em cada uma. Ninguém tem dúvida
de que, sem esse fato objetivo, futuro e incerto, da introdução
do embrião em útero de mulher, o processo não retoma o curso
geneticamente programado e, pois, não chega ao estágio em
que pode atualizar-se a potência vital naquele contida. Logo, a
fixação do óvulo fecundado na parede uterina é condição sine
qua non de seu desenvolvimento ulterior e, como tal, constitui
critério de definição do início da vida, concebida como processo
ou projeto. Nele, está longe de ser coadjuvante ou secundário o
papel causal representado pela participação do útero ou, antes,

350 Sumário
de todo o corpo feminino, que, como agente de complexas e
ainda mal conhecidas interações físicas, biológicas e psicológi-
cas com o feto, algumas das quais decisivas à conformação da
sua irrepetível estrutura unitária de pessoa dada à luz, aparece
como elemento intrinsecamente constitutivo da vida humana.
[...]
Todas essas razões, segundo as quais os embriões isolados não
são, já do ponto de vista biológico, portadores de vida atual,
nem podem equiparar-se ou equivaler a pessoas in fieri ou per-
feitas, sequer no plano moral, não vejo como nem por onde
a regra impugnada, que lhes dá análogo valor e qualificação
ao incorporá-los na experiência jurídica e autorizar-lhes a des-
truição em experiências científicas de finalidades terapêuticas,
mutile ou ofenda o chamado direito à vida, objeto da tutela
constitucional. Os embriões humanos ditos excedentários, não
são, enquanto tais, sujeitos de direito à vida, nem guardam
sequer expectativa desse direito.

PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO DIREITO À VIDA E OS


DIREITOS DO EMBRIÃO PRÉ-IMPLANTO

O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida


humana ou o preciso instante em que ela começa. Não faz de
todo e qualquer estádio da vida humana um autonomizado
bem jurídico, mas da vida que já é própria de uma concreta
pessoa, porque nativiva (teoria “natalista”, em contraposição
às teorias “concepcionista” ou da “personalidade condicional”).
E quando se reporta a “direitos da pessoa humana” e até dos
“direitos e garantias individuais” como cláusula pétrea está
falando de direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz
destinatário dos direitos fundamentais “à vida, à liberdade, à

351 Sumário
igualdade, à segurança e à propriedade”, entre outros direitos
e garantias igualmente distinguidos com o timbre da funda-
mentalidade (como direito à saúde e ao planejamento familiar).
Mutismo constitucional hermeneuticamente significante de
transpasse de poder normativo para a legislação ordinária. A
potencialidade de algo para se tornar pessoa humana já é meri-
tória o bastante para acobertá-la, infraconstitucionalmente,
contra tentativas levianas ou frívolas de obstar sua natural con-
tinuidade fisiológica. Mas as três realidades não se confundem:
o embrião é o embrião, o feto é o feto e a pessoa humana é a
pessoa humana. Donde não existir pessoa humana embrionária,
mas embrião de pessoa humana. O embrião referido na Lei de
Biossegurança (“in vitro” apenas) não é uma vida a caminho
de outra vida virginalmente nova, porquanto lhe faltam pos-
sibilidades de ganhar as primeiras terminações nervosas, sem
as quais o ser humano não tem factibilidade como projeto de
vida autônoma e irrepetível.
O Direito infraconstitucional protege por modo variado cada
etapa do desenvolvimento biológico do ser humano. Os
momentos da vida humana anteriores ao nascimento devem
ser objeto de proteção pelo direito comum. O embrião pré-
-implanto é um bem a ser protegido, mas não uma pessoa no
sentido biográfico a que se refere a Constituição.

DIREITO FUNDAMENTAL À AUTONOMIA DA VONTADE, AO


PLANEJAMENTO FAMILIAR E À MATERNIDADE

A decisão por uma descendência ou filiação exprime um tipo


de autonomia de vontade individual que a própria Constituição
rotula como “direito ao planejamento familiar”, fundamentado
este nos princípios igualmente constitucionais da “dignidade da
pessoa humana” e da “paternidade responsável”.

352 Sumário
A conjugação constitucional da laicidade do Estado e do pri-
mado da autonomia da vontade privada, nas palavras do Minis-
tro Joaquim Barbosa. A opção do casal por um processo “in
vitro” de fecundação artificial de óvulos é implícito direito de
idêntica matriz constitucional, sem acarretar para esse casal
o dever jurídico do aproveitamento reprodutivo de todos os
embriões eventualmente formados e que se revelem genetica-
mente viáveis. O princípio fundamental da dignidade da pessoa
humana opera por modo binário, o que propicia a base consti-
tucional para um casal de adultos recorrer a técnicas de repro-
dução assistida que incluam a fertilização artificial ou “in vitro”.
De uma parte, para aquinhoar o casal com o direito público sub-
jetivo à “liberdade” (preâmbulo da Constituição e seu art. 5º),
aqui entendida como autonomia de vontade.
De outra banda, para contemplar os porvindouros componen-
tes da unidade familiar, se por eles optar o casal, com planeja-
das condições de bem-estar e assistência físico-afetiva (art. 226
da CF). Mais exatamente, planejamento familiar que, “fruto da
livre decisão do casal”, é “fundado nos princípios da dignidade
da pessoa humana e da paternidade responsável” (§ 7º desse
emblemático artigo constitucional de nº 226).
0 recurso a processos de fertilização artificial não implica o
dever da tentativa de nidação no corpo da mulher de todos
os óvulos afinal fecundados. Não existe tal dever (inciso II do
art. 5º da CF), porque incompatível com o próprio instituto do
“planejamento familiar” na citada perspectiva da “paternidade
responsável”. Imposição, além do mais, que implicaria tratar o
gênero feminino por modo desumano ou degradante, em con-
trapasso ao direito fundamental que se lê no inciso II do art. 5º
da Constituição. Para que ao embrião “in vitro” fosse reconhe-
cido o pleno direito à vida, necessário seria reconhecer a ele o
direito a um útero. Proposição não autorizada pela Constituição.

353 Sumário
LEGITIMIDADE DAS PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO
EMBRIONÁRIAS PARA FINS TERAPÊUTICOS

A pesquisa científica com células-tronco embrionárias, autori-


zada pela Lei nº 11.105/2005, objetiva o enfrentamento e cura
de patologias e traumatismos que severamente limitam, ator-
mentam, infelicitam, desesperam e não raras vezes degradam a
vida de expressivo contingente populacional {ilustrativamente,
atrofias espinhais progressivas, distrofias musculares, a esclerose
múltipla e a lateral amiotrófica, as neuropatias e as doenças do
neurônio motor).
A escolha feita pela Lei de Biossegurança não significou um
desprezo ou desapreço pelo embrião “in vitro”, porém a mais
firme disposição para encurtar caminhos que possam levar à
superação do infortúnio alheio. Isto no âmbito de um orde-
namento constitucional que desde o seu preâmbulo qualifica
“a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a
igualdade e a justiça” como valores supremos de uma socie-
dade mais que tudo “fraterna”. O que já significa incorporar
o advento do constitucionalismo fraternal às relações huma-
nas, a traduzir verdadeira comunhão de vida ou vida social em
clima de transbordante solidariedade em benefício da saúde
e contra eventuais tramas do acaso e até dos golpes da pró-
pria natureza. Contexto de solidária, compassiva ou fraternal
legalidade que, longe de traduzir desprezo ou desrespeito aos
congelados embriões “in vitro”, significa apreço e reverência a
criaturas humanas que sofrem e se desesperam.
Inexistência de ofensas ao direito à vida e da dignidade da
pessoa humana, pois a pesquisa com células-tronco embrio-
nárias (inviáveis biologicamente ou para os fins a que se desti-
nam) significa a celebração solidária da vida e alento aos que se
acham à margem do exercício concreto e inalienável dos direitos
à felicidade e do viver com dignidade.
[...]

354 Sumário
A perspectiva do uso de células-tronco embrionárias a partir
dos embriões ditos inviáveis ou daqueles congelados nas clíni-
cas de reprodução assistida não pode, sob nenhum pretexto,
resvalar para o absoluto sem a preservação da vida. Impõe-
-se estabelecer padrão ético que nem deixe de considerar a
bem-aventurança da pesquisa, seja para fins puramente cien-
tíficos, seja para fins terapêuticos, nem deixe de privilegiar a
importância do destino desejado pelos genitores ao procurar
a continuidade biológica por meio da fertilização in vitro. O
que se há de buscar é a preservação da vida e da dignidade do
homem, assim, a integridade da vida que nascerá se não sofrer
interrupção natural ou provocada e a possibilidade de avançar
na descoberta do próprio mistério da vida.
[...]
As investigações com células-tronco embrionárias, repita-se,
devem se limitar à pesquisa básica voltada para o estudo dos pro-
cessos de diferenciação celular e à pesquisa com fins terapêuticos;
devem ser autorizadas por órgão federal, integrado por equipe
multidisciplinar, composta por membros com larga experiência,
inclusive em pesquisa, nos ramos da medicina, da biologia e da
química, além de outras áreas do saber, como o direito, a sociolo-
gia, a teologia, a ética e a matemática; devem ser supervisionadas
por especialistas com comprovada experiência nos métodos de
manipulação dessas células; e devem ser devidamente registradas
e autorizadas pelo mencionado órgão federal.

PESQUISAS COM CÉLULAS-TRONCO NÃO


CARACTERIZAM ABORTO

É constitucional a proposição de que toda gestação humana


principia com um embrião igualmente humano, claro, mas nem

355 Sumário
todo embrião humano desencadeia uma gestação igualmente
humana, em se tratando de experimento “in vitro”. Situação em
que deixam de coincidir concepção e nascituro, pelo menos
enquanto o ovócito (óvulo já fecundado) não for introduzido
no colo do útero feminino.
O modo de irromper em laboratório e permanecer confinado
“in vitro” é, para o embrião, insuscetível de progressão reprodu-
tiva. Isto sem prejuízo do reconhecimento de que o zigoto assim
extracorporalmente produzido e também extracorporalmente
cultivado e armazenado é entidade embrionária do ser humano.
Não, porém, ser humano em estado de embrião.
A Lei de Biossegurança não veicula autorização para extirpar do
corpo feminino esse ou aquele embrião. Eliminar ou desentra-
nhar esse ou aquele zigoto a caminho do endométrio, ou nele
já fixado. Não se cuida de interromper gravidez humana, pois
dela aqui não se pode cogitar. A “controvérsia constitucional
em exame não guarda qualquer vinculação com o problema
do aborto.”
[...]
A controvérsia constitucional também não guarda qualquer
vinculação com o problema do aborto, pois, como bem des-
tacou a ilustre Professora MAYANA ZATZ, “Pesquisar células
embrionárias obtidas de embriões congelados não é aborto. É
muito importante que isso fique bem claro. No aborto, temos
uma vida no útero que só será interrompida por intervenção
humana, enquanto que, no embrião congelado, não há vida se
não houver intervenção humana. É preciso haver intervenção
humana para a formação do embrião, porque aquele casal não
conseguiu ter um embrião por fertilização natural e também
para inserir no útero. E esses embriões nunca serão inseridos no
útero. É muito importante que se entenda a diferença”.

356 Sumário
LIBERDADE DE EXPRESSÃO CIENTÍFICA X LEI DE
BIOSSEGURANÇA

O termo “ciência”, enquanto atividade individual, faz parte do


catálogo dos direitos fundamentais da pessoa humana (inciso
IX do art. 5º da CF). Liberdade de expressão que se afigura como
clássico direito constitucional-civil ou genuíno direito de perso-
nalidade. Por isso que exigente do máximo de proteção jurídica,
até como signo de vida coletiva civilizada.
Tão qualificadora do indivíduo e da sociedade é essa vocação
para os misteres da Ciência que o Magno Texto Federal abre
todo um autonomizado capítulo para prestigiá-la por modo
superlativo (capítulo de nº IV do título VIII). A regra de que “O
Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico,
a pesquisa e a capacitação tecnológicas” (art. 218, caput) é de
logo complementada com o preceito (§ 1º do mesmo art. 218)
que autoriza a edição de normas como a constante do art. 5º
da Lei de Biossegurança. A compatibilização da liberdade de
expressão científica com os deveres estatais de propulsão das
ciências que sirvam à melhoria das condições de vida para todos
os indivíduos.
Assegurada, sempre, a dignidade da pessoa humana, a Cons-
tituição Federal dota o bloco normativo posto no art. 5º da
Lei 11.105/2005 do necessário fundamento para dele afastar
qualquer invalidade jurídica.

CAUTELAS E RESTRIÇÕES IMPOSTAS PELA LEI DE


BIOSSEGURANÇA NA CONDUÇÃO DAS PESQUISAS COM
CÉLULAS-TRONCO EMBRIONÁRIAS

A Lei de Biossegurança caracteriza-se como regração legal a


salvo da mácula do açodamento, da insuficiência protetiva ou

357 Sumário
do vício da arbitrariedade em matéria tão religiosa, filosófica e
eticamente sensível como a da biotecnologia na área da medi-
cina e da genética humana. Trata-se de um conjunto normativo
que parte do pressuposto da intrínseca dignidade de toda forma
de vida humana, ou que tenha potencialidade para tanto. A
Lei de Biossegurança não conceitua as categorias mentais ou
entidades biomédicas a que se refere, mas nem por isso impede
a facilitada exegese dos seus textos, pois é de se presumir que
recepcionou tais categorias e as que lhe são correlatas com o
significado que elas portam no âmbito das ciências médicas e
biológicas.
[...]
A primeira restrição imposta diz respeito à indicação do uso das
células embrionárias exclusivamente nas atividades de pesquisa
e de terapia.
Outra limitação relevante é a definição de qual universo de
embriões humanos poderão ser utilizados: somente aqueles
que, produzidos por fertilização in vitro – técnica de reprodu-
ção humana assistida – não são aproveitados no respectivo
tratamento. Fica clara, portanto, a opção legislativa em dar uma
destinação mais nobre aos embriões excedentes fadados ao
perecimento. Por outro lado, fica afastada do ordenamento bra-
sileiro qualquer possibilidade de fertilização de óvulos humanos
com o objetivo imediato de produção de material biológico
para o desenvolvimento de pesquisas, sejam elas quais forem.
Além de excedentes no procedimento de fertilização in vitro, os
embriões de uso permitido ainda deverão estar dentre aqueles
considerados inviáveis para o desenvolvimento seguro de uma
nova pessoa ou congelados há mais de três anos. Presente, assim,
a fixação de um lapso temporal razoável, que leva em conta
tanto a possibilidade dos genitores optarem por uma nova e
futura implantação do embrião congelado quanto a improba-

358 Sumário
bilidade de sua utilização, para esse mesmo fim, após decorrido
um triênio de congelamento.
As restrições não param por aí. É preciso, ainda, para que os
embriões possam ser regularmente destinados à pesquisa, o
expresso consentimento dos genitores e que os projetos das
instituições e serviços de saúde, candidatos ao recebimento das
células-tronco embrionárias, sejam anteriormente apreciados
e aprovados pelos respectivos comitês de ética em pesquisa.
Saliente-se que a Lei de Biossegurança, reconhecendo a digni-
dade do material nela tratado e o elevado grau de reprovação
social na sua incorreta manipulação, categorizou como crime
a comercialização do embrião humano, com base na lei de
doação de órgãos (art. 5º, § 3º), bem como a sua utilização
fora dos moldes previstos no referido artigo 5º. Tipificou, ainda,
como delito penal, a prática da engenharia genética em célula
geminal, zigoto ou embrião humano e a clonagem humana
(arts. 6º, 25 e 26).

359 Sumário
DOUTRINA CITADA

ALEXY, Robert. Direitos fundamentais no Estado constitucional demo-


crático. Para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais,
democracia e jurisdição constitucional. Tradução de Luís Afonso Heck.
Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 217, p. 55-66,
jul.-set, 1999.
AQUINO, Tomás de. Suma teológica: teologia, Deus, Trindade. 2. ed.
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AQUINO, Tomás de. Summa theologica: tratado de Deus uno. Tra-
dução do Padre Raimundo Suarez. Madrid: [s.n.]: 1964. p. 633-651.
BACZKOWSKI, Tomasz; KURZAWA, Rafal; GLABOWSKI, Wojciech.
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BLAINEY, Geoffrey. Uma breve história do mundo. 2. ed. São Paulo:
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CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 5. ed. Coimbra:
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CATALANO, Pierangelo. Os nascituros entre o direito romano e o
direito latino-americano(a proposta do art. 2. do projeto de Código
civil). Revista de direito civil, imobiliário, agrário e empresarial, São
Paulo, v. 12, n. 45, p. 7-15, jul./set. 1988.
CESARINO, Letícia. Nas fronteiras do “humano”: os debates britânico
e brasileiro sobre pesquisa com embriões. Rio de Janeiro: Mana, v. 13,
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COCHARD, Larry R. Atlas de embriologia humana de Netter. Porto
Alegre: ARTMED, 2003. p. 43-45.

360 Sumário
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32, 27 jan. 2008.
DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades
individuais. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2003.
DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes,
1999. p. 426.
FAGOT-LARGEAULT, Anne. Embriões, células-tronco e terapias celu-
lares: questões filosóficas e antropológicas. Estudos Avançados, São
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FONTELES, Cláudio. A vida humana é dinamismo essencial inesgotável.
Folha de São Paulo, São Paulo, Caderno Opinião, 1 mar. 2008. p. 1, 3, 4.
FUKUYAMA, Francis; FURGER, Franco. Beyond bioethics: a proposal
for modernizing the regulation of human biotechnologies. Innova-
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HABERMAS, Jürgen. L’avenir de la nature humaine: vers um eugénisme
liberal? Traduction Christian Bouchindhomme. Paris: Gallimard, 2015.
p. 102.
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana: a caminho da
eugenia liberal? Tradução: Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes,
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JONAS, Hans. O Princípio responsabilidade. Rio de Janeiro: Editora
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361 Sumário
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KOTTOW, Miguel. Bioética del Comienzo de la vida? Cuantas veces
comienza la vida humana? Bioética, Brasília, v. 9, n. 2, 2001.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Compostura jurídica do princípio
de igualdade. Jurídica: administração municipal, Salvador, v. 6, n. 3,
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MELLO, Luiz Eugênio. Entre células e pessoas: a vida humana. Folha
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MENDES, Sérgio da Silva. O constituinte, a constituição e a inviabi-
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MORIN, Edgar. O Método. Tradução de Juremir Machado da Silva. 3.
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ROCHA, Renata da. O direito à vida e a pesquisa com células-tron-
cos: limites éticos e jurídicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. p. 52.
RODRIGUES, Sílvio. Direito civil. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 36.
SARMENTO, Daniel. Legalização do aborto e Constituição. In: SAR-
MENTO, Daniel; PIOVESAN, Flávia (coord.). Nos limites da vida:
aborto, clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos direitos
humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 03-51, 26-27.
SCOTT, L.; ALVERO, R.; LEONDIRES, M; MILLER, B. Morphology of
human pronuclear embryos is positively related to blastocyst devel-
opment and implantation. Human Reproduction, Oxford, v. 15, n.
11, p. 2394-2403, nov. 2000.
SILVA, José Afonso da. A questão das células-tronco embrionárias.
Folha de São Paulo, São Paulo, Caderno Opinião, 21 mar. 2008.

362 Sumário
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20.
ed. São Paulo, Malheiros, 2001. p. 196.
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 27.
ed. São Paulo, Malheiros, 2006. p. 108.
THOMSOM, James et al. Embryonic stem cell lines derived from
human blastocysts. Science, v. 282, n. 5391, p. 1145-1147, 1998.
VEJA. São Paulo: Editora Abril, v. 41, n. 2050, p. 11.
VEJA. São Paulo: Editora Abril, 7 mar. 2007, p. 115.
WILSON, Edward Osborne. On human nature. 10. ed. Cambridge,
Massachusetts: Harvard University Press. 1998. p. 53.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADI 3.510


2. Audiência Pública nº 1
Audiência Pública convocada para subsidiar o julga-
mento da ADI nº 3.510, em que se impugnavam dis-
positivos da Lei de Biossegurança (Lei 11.105/2005),
no tocante à constitucionalidade do uso de célu-
las-tronco embrionárias em pesquisas científicas para
fins terapêuticos.

363 Sumário
2.1 Despacho convocatório 1
2.2 Despacho convocatório 2
2.3 Obra Bibliografia, Legislação e Jurisprudência
Temática – Biossegurança e Células-Tronco
2.4 Vídeos da audiência
3. Vídeo do programa da TV Justiça “Grandes
Julgamentos”
Vídeo 1
Vídeo 2
Vídeo 3
Vídeo 4

364 Sumário
LIBERDADE DE REUNIÃO E DE
MANIFESTAÇÃO PÚBLICA

É inconstitucional o Decreto
distrital nº 20.098/1999,
que proibiu a realização de
manifestação pública na Praça
dos Três Poderes, Esplanada dos
Ministérios, Praça do Buriti e vias
adjacentes.

[ADI 1.969, rel. min. Ricardo Lewandowski, j. 28-6-2007,


P, DJE de 31-8-2007.]

Sumário
RESUMO

Inconstitucionalidade do Decreto distrital nº 20.098/1999, que proi-


biu a realização de manifestações públicas com a utilização de carros,
aparelhos e objetos sonoros na Praça dos Três Poderes, Esplanada
dos Ministérios e Praça do Buriti, configurando ofensa à liberdade
de reunião.

366 Sumário
Direito de reunião
Direito de pensamento

LIBERDADE DE REUNIÃO E DE
MANIFESTAÇÃO PÚBLICA

Restrição ao direito de reunião estabelecida pelo


Decreto distrital 20.098/1999
• inviabiliza a livre expressão do pensamento
• é inadequada, desnecessária e
desproporcional
• confronta com a vontade da Constituição, que
é permitir a reunião pacífica para fins lícitos

367 Sumário
9X0

Vencedores no mérito:

Min. Ricardo
Lewandowski – Relator
Min. Eros Grau
Min. Celso de Mello
Min. Ayres Britto
Min. Cármen Lúcia
Min. Cezar Peluso
Min. Gilmar Mendes
Min. Sepúlveda Pertence
Min. Ellen Grace – Presidente

Ausentes:
Min. Joaquim Barbosa
Min. Marco Aurélio

368 Sumário
FUNDAMENTOS

LIBERDADE DE REUNIÃO E DE MANIFESTAÇÃO PÚBLICA

[...] a liberdade de reunião e de associação para fins lícitos


constitui uma das mais importantes conquistas da civilização,
enquanto fundamento das modernas democracias políticas,
encontrando expressão, no plano jurídico, a partir do século
XVIII, no bojo das lutas empreendidas pela humanidade contra
o absolutismo monárquico.
[...]
Konrad Hesse, a propósito, observa que o direito dos cidadãos
de se reunirem pacificamente e sem armas encontra-se inti-
mamente ligado à liberdade de expressão, registrando que a
“formação de opinião ou formação preliminar de vontade polí-
tica, pressupõe uma comunicação que se consuma, em parte
essencial, em reuniões”.
[...] o Direito de reunião previsto no inciso XVI está associado
umbilicalmente a outro da maior importância em socieda-
des que se digam democráticas: o ligado à manifestação de
pensamento26.
[...]
No Brasil, a liberdade de reunião sempre foi contemplada pelas
Constituições republicanas, entrevista como liberdade pública
de caráter fundamental, encontrando lugar no capítulo relativo
aos direitos e garantias individuais.
[...]

26 ADI 1.969 MC, rel. min. Marco Aurélio, j. 24-3-1999, P, DJ de 5-3-2004.

369 Sumário
A chamada Constituição cidadã, promulgada em 1988, na senda
aberta pelas cartas anteriores, ao mesmo tempo em que garan-
tiu a liberdade de reunião, no art. 5º, XVI, estabeleceu, no pró-
prio texto magno, de forma parcimoniosa, os limites e condi-
ções para o seu exercício, quais sejam, “reunir-se pacificamente”,
“sem armas”, “que não frustrem outra reunião anteriormente
convocada para o mesmo local” e o “prévio aviso à autoridade
competente”.

RESTRIÇÃO AO DIREITO DE REUNIÃO ESTABELECIDA


PELO DECRETO DISTRITAL Nº 20.098/1999

O Decreto distrital impugnado foi editado a pretexto de regu-


lamentar o inciso XVI do art. 5º da Constituição de 1988.
[...]
[...] o Decreto impugnado veda a “realização de manifestações
públicas com a utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros”
na Praça dos Três Poderes, Esplanada dos Ministérios, Praça do
Buriti, bem assim nas vias adjacentes.
[...]
Na verdade, o Decreto distrital 20.098/99 simplesmente invia-
biliza a liberdade de reunião e de manifestação, logo na Capital
Federal, em especial na emblemática Praça dos Três Poderes,
local aberto ao público, que, na concepção do genial arquiteto
que a esboçou, constitui verdadeiro símbolo de liberdade e
cidadania do povo brasileiro.
Proibir a utilização de carros, aparelhos e objetos sonoros, nesse
e em outros espaços públicos [...], inviabilizaria por completo
a livre expressão do pensamento nas reuniões levadas a efeito

370 Sumário
nesses locais, porque as tornaria emudecidas, sem qualquer
eficácia para os propósitos pretendidos.
[...]
A restrição ao direto de reunião estabelecida pelo Decreto distri-
tal 20.098/99, a toda a evidência, mostra-se inadequada, desne-
cessária e desproporcional quando confrontada com a vontade
da Constituição [...], que é [...] permitir que todos os cidadãos
possam reunir-se pacificamente para fins lícitos, expressando
as suas opiniões livremente.

DOUTRINA CITADA

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria


da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1276.
HESSE, Konrad. Elementos de direito constitucional da república
federal da Alemanha. Tradução da 20. edição alemã de Luís Afonso
Heck. Porto Alegre: Fabris, 1998. p. 313.
MELLO, Celso de. O direito constitucional de reunião. Revista de juris-
prudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, São Paulo,
v. 12, n. 54, p. 19-23, set./out. 1978.
MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de cons-
titucionalidade: estudos de direito constitucional. São Paulo: Celso
Bastos, 1998. p. 39.
MORAES FILHO, Evaristo de. Sindicato organização e funcionamento.
Revista LTr: legislação do trabalho, São Paulo, v. 44, n. 9, p. 1065-1073,
set. 1980.

371 Sumário
NASCIMENTO, Amaury Mascaro. Direito sindical. São Paulo: Saraiva,
1989. p. 136, 141-142.
RIVERO, Jean. Les libertés publiques. Paris: Presses Universitaires de
France, 1977. p. 356.
ROCHA, Carmen Lúcia A. Direitos de (para) todos. Belo Horizonte:
Fórum, 2004. 74 p.
SAAD, Eduardo Gabriel. Constituição e Direito do Trabalho. 2. ed.
São Paulo: LTr, 1989. p. 179-180.
SICHES, Luis Recaséns. Tratado general de filosofia del derecho.
6. ed. México: Editorial Porrua, 1978. p. 581.
SÜSSEKIND, Arnaldo; MARANHÃO, Délio; VIANNA, Segadas. Insti-
tuições de direito do trabalho. 8. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos,
1981. v. 2, p. 1024.

INFORMAÇÕES ADICIONAIS

1. Inteiro teor do acórdão da ADI 1.969


2. Áudio do julgamento

372 Sumário
Esta obra, projetada e composta na fonte
Cronos Pro, foi finalizada, em junho de 2023, pela
Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da
Informação do Supremo Tribunal Federal.

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