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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE FÍSICA

CURSO DE GRADUAÇÃO EM FíSICA - BACHARELADO

LUIZ PAULO DA SILVA ROCHA

Análise de carbono-14 como ferramenta de estudo de


paleoincêndios na Amazônia

Niterói, RJ
2021

1
LUIZ PAULO DA SILVA ROCHA

Análise de carbono-14 como ferramenta de estudo de


paleoincêndios na Amazônia

Trabalho realizado no Laboratório de


Radiocarbono (LAC-UFF) como re-
quisito parcial para obtenção do título
de bacharel em Física.

Orientação:
Prof Dr Kita Chaves Damasio Macario e BSc Ingrid Silva Chanca

Niterói, RJ
2021

2
3
4
Trabalho realizado no Laboratório de Radiocarbono, pertencente ao Instituto
de Física da Universidade Federal Fluminense. Sob a orientação da Dr. Kita
Macario e Ingrid Chanca. Com apoio financeiro de PROPPI, CNPq e FAPERJ.

5
"A parte mais importante do progresso é o desejo de progredir."
Sêneca

6
Agradecimentos

A Cristo, pelas glórias e provações.


À minha família, o que inclui os de quatro patas, por estarem ao meu lado.
Aos meus amigos da escola, em especial o Rafael, por todas as nossas viradas
de ano.
Aos meus amigos do LAC, David, Vinicius, Izabela e vários outros, pela
resistência nos tempos difíceis.
À minha amiga Ingrid, sem a qual este trabalho não seria possível.
À Kita, pela orientação e amizade.
Aos gregos e romanos, pelas suas palavras que me acalmam.
Às agências de fomento, em especial a PROPPI, CNPq e Faperj, pela bolsa e
financiamento.
A todos que permitiram o meu acesso ao conhecimento, em especial a Biblio-
teca da Física e o Corvo.
E aos muitos outros que não foram citados.

7
Resumo

Neste trabalho buscamos elucidar o processo de datação de carvões pela téc-


nica de carbono-14 no contexto de paleoincêndios ocorridos na região da Bacia
Amazônica. Estabelecer a cronologia das queimadas, sua frequência e extensão,
demanda a análise de uma grande quantidade de datas obtidas a partir de frag-
mentos de carvão. Desta forma, é fundamental que os parâmetros que interferem
na acurácia e precisão desses dados sejam compreendidos e otimizados. Com
este objetivo, nosso trabalho descreve as etapas envolvidas na datação de amostras
de carvão por espectrometria de massa com aceleradores, desde a preparação das
amostras até a interpretação dos resultados.
No que diz respeito ao tratamento químico das amostras, buscamos comparar
os protocolos utilizados no Laboratório de Radiocarbono da UFF e no laboratório
do Reino Unido NERC-SUERC onde estão sendo analisadas as amostras de carvão
do projeto. Os resultados mostram que em 9 das 11 amostras não houve quantidade
considerável de contaminação, o que não possibilita tirar conclusões em relação ao
tratamento químico para este grupo de amostras, porém nos indica a possibilidade
de que hajam carvões que possam não precisar de tratamento químico, já que não
possuem uma quantidade expressiva de contaminação. Se for o caso, será uma
grande vantagem pois a maioria das amostras coletadas não possuem diâmetro
maior que 1cm, o que faz com que tenha grande chance de que sejam dissolvidas
no tratamento, e se puder evitar este tratamento poderemos medir carvões que não
poderiam ser medidos de outra forma. No geral os resultados mostram concor-
dância entre os tratamentos químicos, o que mostra que há reprodutibilidade nos
métodos e cada laboratório pode seguir o protocolo que for mais conveniente.
Paralelamente, utilizamos um modelo matemático para representar a probabi-
lidade de um dado fragmento de carvão resultar em uma datação mais antiga do
que o evento de incêndio. com este modelo poderemos mitigar erros provenientes
especificamente do carvão, como o Efeito da Madeira Antiga, onde a assinatura
de radiocarbono do carvão pertencente a um anel não corresponde à assinatura do
contexto que queremos analisar, como por exemplo o incêndio que matou a árvore.
Com base neste estudo preliminar, seremos capazes de analisar quando pode-
remos combinar resultados dos dois laboratórios, ou seja, poder analisar os dados
dos diferentes laboratórios sabendo que os tratamentos realizados não produzem

8
diferenças nos dados resultados, e utilizar fragmentos de carvão com quantidade
antes considerada insuficiente para análise e interpretar os resultados com maior
acurácia, podendo, dessa maneira entender melhor os paleoincêndios.

Palavras chave: Carbono 14, Carvão, Espectrometria de massa com acelerador,


Incêndio florestal.

9
Abstract

In this work we seek to understand the process of carbon dating by the carbon
14 technique in the context of paleofires that occurred in the Amazon Basin region.
Establishing the chronology of the fires, their frequency and extent, requires the
analysis of a large number of dates obtained from coal fragments. Thus, it is
essential that the parameters that interfere with the accuracy and precision of these
results are understood and optimized. To this end, our work describes the steps
involved in dating coal samples by mass spectrometry with accelerators, from
sample preparation to interpretation of results.
With regard to the chemical treatment of the samples, we seek to compare the
protocols used in the Radiocarbon Laboratory at UFF and in the UK laboratory
NERC-SUERC where the coal samples of the project are being analyzed. The
results show that in 9 out of the 11 samples there was no considerable amount
of contamination, which does not make it possible to draw conclusions regarding
the chemical treatment for this group of samples, however it does indicate the
possibility that there are charcoals that may not need chemical treatment, since
they do not have a significant amount of contamination. If so, it will be a great
advantage since most of the samples collected do not have a diameter greater than
1 cm, which makes it very likely that they will be dissolved in the treatment, and if
we can avoid this treatment we can measure charcoals that could not be otherwise
measured. In general, the results show agreement between chemical treatments,
which shows that there is reproducibility in the methods and each laboratory can
follow the protocol that is most convenient.
In parallel, we use a mathematical model to represent the probability that a
charcoal fragment data will result in a dating older than the fire event. With this
model we will be able to mitigate errors specifically from coal, such as the Ancient
Wood Effect, where the radiocarbon signature of the coal belonging to a ring does
not correspond to the signature of the context we want to analyze, such as the fire
that killed the tree.
Based on this preliminary study, we will be able to analyze when we will be
able to combine results from the two laboratories, that is, to be able to analyze
the data from the different laboratories knowing that the treatments carried out do
not produce differences in the results data, and use fragments of charcoal with an

10
amount previously considered insufficient for analysis and to interpret the results
with greater accuracy, being able, in this way, to better understand the paleo-fires.

Keywords: Carbon 14, Charcoal, Forest fire, Accelerator mass spectrometry

11
Conteúdo

1 Introdução 15

2 O Radiocarbono 18
2.1 Carbono-14: nascimento, vida e morte . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.2 A concentração de 14 C no ambiente . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.3 Datação de Radiocarbono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.3.1 Espectrometria de massa com aceleradores - AMS . . . . 27
2.3.2 Correções para premissas teóricas . . . . . . . . . . . . . 30
2.3.3 Calibração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

3 Vestígios para cronologia 36


3.1 A formação do carvão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

4 Materiais e métodos 43
4.1 Carvões da Bacia Amazônica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43
4.2 Tratamento químico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
4.3 Combustão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.4 Purificação do CO2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 46
4.5 Conversão em grafite . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47

5 Resultados e discussão 49
5.1 Intercomparação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
5.2 Análise matemática dos anéis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53

6 Conclusão 56

12
Lista de Figuras

2.1 Cascata de partículas causada por raios cósmicos. . . . . . . . . . 19


2.2 Ilustração do campo magnético da Terra. . . . . . . . . . . . . . . 20
2.3 Ciclo do carbono. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
2.4 Ilustração do decaimento radioativo do carbono-14 em função do
tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.5 Ilustração do SSAMS utilizado no LAC-UFF. . . . . . . . . . . . 29
2.6 Ondulações na curva de calibração. . . . . . . . . . . . . . . . . . 33
2.7 Exemplo de uma idade da época da Revolução Industrial. . . . . . 34
2.8 As curvas do pico da bomba. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
2.9 A curva de calibração em dois períodos diferentes. . . . . . . . . 35

3.1 Ilustração do crescimento primário e secundário de uma árvore. . 37


3.2 Foto onde podemos ver o floema, o xilema e o câmbio. . . . . . . 38
3.3 Foto onde podemos ver os vasos e as fibras. . . . . . . . . . . . . 39
3.4 Visão frontal e lateral dos raios. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
3.5 Anéis de crescimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
3.6 Planos do carvão. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

4.1 Locais de amostragem. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44


4.2 Foto da linha de vácuo usada para a purificação. . . . . . . . . . . 47
4.3 Foto da roda de catodos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48

5.1 O efeito dos diferentes tratamentos de Pibiri 1. . . . . . . . . . . . 51


5.2 O efeito dos diferentes tratamentos de Pibiri 2. . . . . . . . . . . . 51
5.3 O efeito dos diferentes tratamentos nas amostras de Jenaro Herrera. 52
5.4 Ilustração dos anéis de árvore, em especial o anel hachurado que
estamos calculando. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54

13
Lista de Tabelas

4.1 O protocolo para carvões no LAC-UFF e no NRCL. . . . . . . . . 46

5.1 Idades medidas no NRCL com o seu protocolo e no LAC-UFF


sem tratamento químico. [ST=sem tratamento] . . . . . . . . . . 49
5.2 O pMC medido no NRCL com o seu protocolo e no LAC-UFF
sem tratamento químico. [ST=sem tratamento] . . . . . . . . . . 50
5.3 As idades de 14 C e pMCs dos diferentes protocolos feitos. . . . . . 50

14
Capítulo 1

Introdução

A relação entre humanos e incêndios é tão antiga quanto os seres humanos em


si (Scott, 2000), e durante esse tempo temos tentado entender essa dinâmica entre
o homem e o fogo (Caldararo, 2015).
Para conseguir entender melhor os incêndios e suas causas precisamos de uma
análise cronológica destes eventos (ou seja, colocá-los em uma linha do tempo).
Um excelente recurso é o uso da datação por carbono-14 (Libby et al., 1949), onde
analisamos as razões entre o isótopo 14 (radioativo), 13 e 12 (estáveis), seja a razão
14 C/12 C ou 14 C/13 C, obtendo assim um intervalo no tempo que mostra quando o

evento em questão aconteceu.


Mesmo sendo desenvolvida no final da década de 40, a datação de radiocarbono
se mostra tão ou mais confiável, precisa e eficiente quando comparada com técnicas
mais antigas (Leavitt and Bannister, 2009). Isso se dá devido aos desenvolvimentos
tecnológicos e o uso dos aceleradores de partículas como ferramenta de medição
tiveram um papel importante neste desenvolvimento e hoje é uma ferramenta
popular para a datação de amostras com conteúdo de carbono.
Dentro dessa grande área de radiocarbono temos mais de uma técnica possível,
como a cintilação líquida ou, no caso deste trabalho, a Espectrometria de Massa
com Aceleradores de Partículas (AMS), cada uma com as suas respectivas vanta-
gens e desvantagens. A técnica de AMS, aliada à análise microscópica do carvão
(antracologia) tem sido usada com sucesso para se entender diferentes mecanismos
no qual o carvão está inserido (Scheel et al., 1996; Ascough et al., 2016).
Dependendo da aplicação o carvão pode ser um dos vestígios mais importantes
para se interpretar resultados em datações por carbono-14, pois pode nos indicar
elementos culturais relevantes à nossa cultura (Scheel et al., 1996) ou nos possi-
bilitar entender melhor detalhes relacionados às mudanças climáticas. Seja em

15
sítios arqueológicos ou em incêndios ambientais(Caldararo, 2015).
Nos sítios arqueológicos o uso da madeira em atividades necessárias à sobre-
vivência e que gerem o carvão, como nas fogueiras para se manter aquecido ou
assar a comida, ou mesmo em rituais tribais, como no ato da cremação de um
corpo, nos ajuda a entender os costumes dos povos antigos que não poderiam ser
descobertos de outra maneira (Scheel-Ybert et al., 2008).
Nos incêndios ambientais as datas de radiocarbono em conjunto com a análise
do carvão em si nos dão dados que possibilitam saber as origens do fogo, seja ele
natural ou antrópico. Para os incêndios naturais, conhecer onde e em que época
aconteceram permite construir planos para prever e lidar com queimadas futuras,
para melhor manter o equilíbrio do ecossistema. Da mesma forma estes resultados
ajudam no combate às práticas antiéticas como queimadas humanas e ilegais (ao
analisar os carvões destes incêndios) e no comércio de carvão vegetal ilegal (que
destroem a mata nativa e muitas vezes vêm de carvoarias com trabalho infantil
e semi escravo (Gonçalves and Scheel-Ybert, 2012)), já que o Brasil é um dos
maiores produtores deste tipo de carvão no mundo.
Porém apenas entender os mecanismos teóricos acerca da produção e datação
de carvão não são o suficiente. É necessário também o domínio dos protocolos
laboratoriais para o manuseio e tratamento do carvão, desde seu manuseio até os
produtos químicos utilizados, de forma a se remover contaminantes que deturpem
a idade real dos eventos que se deseja datar e não que os introduza na manipulação
inadequada deste tipo de amostra.
O projeto "Do past fires explain current carbon dynamics of Amazonian fo-
rests?"(Incêndios antigos explicam a atual dinâmica do carbono nas florestas
amazônicas?) é uma colaboração entre universidades brasileiras (como a UFF
e UFAC, Universidade Federal do Acre) e universidades internacionais no Reino
Unido (Universidade de Exeter) e Austrália (Universidade James Cook e Uni-
versidade de Queensland) para tentar relacionar os incêndios antigos da Bacia
Amazônica com a dinâmica de CO2 das florestas. Usando datações de radiocar-
bono dos carvões encontrados no solos dessa grande região o projeto tem como
objetivo auxiliar análises para futuras legislações para reduzir a perda de flores-
tas e entender melhor as mudanças climáticas na região amazônica, assim como
beneficiar as futuras gerações, pois a maneira como lidamos com os incêndios
ambientais impactam o clima.
Trabalhos de intercomparação na área de radiocarbono são fundamentais (Ma-
cario et al., 2013), até mesmo para tratamentos químicos relacionados ao carvão
(Bird et al., 2014), porém foi necessário analisar essas diferenças voltadas às nos-

16
sas necessidades, como os reagentes químicos específicos que foram usados, por
exemplo. Dessa maneira também será abordado um trabalho de intercompara-
ção laboratorial em colaboração internacional, onde os protocolos químicos para
carvão do nosso laboratório, o LAC-UFF, são comparados com os de SUERC
na Escócia (escolhemos um número reduzido de amostras por questões logísticas
porém neste projeto temos centenas de amostras e resultados nos demais laborató-
rios), para melhor julgar os impactos que diferentes reagentes químicos podem ter
quando se tratam as mesmas amostras que deveriam indicar o mesmo resultado.
O objetivo é que o leitor tenha um entendimento geral sobre os processos que
o carvão sofre, desde a incorporação de 14 C à madeira da qual ele tem origem
até o momento em que temos os resultados finais em mãos. Além disso também
mostramos que o nosso laboratório atende a padrões de qualidade internacionais.
Além disso queremos otimizar a ferramenta de datação de 14 C nos carvões para
o estudo de paleoincêndios na bacia amazônica para avaliar a possibilidade de se
combinar resultados dos dois laboratórios, avaliar o melhor tratamento químico
para o contexto estudado, especialmente no caso de fragmentos de carvão com
quantidade reduzida e estudar os erros sistemáticos específicos das amostras de
carvão e propor uma abordagem que permita interpretar os resultados com maior
acurácia, onde foi desenvolvido, de maneira preliminar, um modelo matemático
para o mesmo.

17
Capítulo 2

O Radiocarbono

2.1 Carbono-14: nascimento, vida e morte


Continuamente a atmosfera terrestre é bombardeada por raios cósmicos (que
diferentemente do que o nome sugere, não são fótons e sim majoritariamente
núcleos de átomos leves, como prótons). Estes raios se originam em parte no Sol
(Raios Cósmicos Solares), porém a maior parte vêm de fora do nosso sistema solar
(Raios Cósmicos Galácticos), de outras estrelas, supernovas e quasares e chegam
em uma variedade de energias (Ackermann et al., 2013; Aab et al., 2017).
Estes raios cósmicos se originam como prótons e partículas alfa de alta energia
(nêutrons também são originados porém devido a sua meia-vida da ordem de 10
minutos, não alcançam a nossa atmosfera), atingem a atmosfera e ao colidir com
as partículas atmosféricas formam cascatas de outras partículas (Raios Cósmicos
Secundários), como ilustrado na figura 2.1. Entre elas se encontram nêutrons
altamente energéticos (que são de uma quantidade significativa e podem chegar
a centenas de MeVs ou mesmo GeVs (Korff, 1939; Goldhagen, 2003)), que são
termalizados, ou seja, têm sua energia dissipada ao interagir com a atmosfera,
em colisões elásticas e inelásticas até alcançar a energia propícia para interação
com o nitrogênio, que compõe 80% da atmosfera (Haynes, 2014) (termalizar
nesse contexto significa basicamente reduzir sua energia até próximo da energia
ambiente, que para nêutrons é de aproximadamente 25meV).
Ao interagir com as moléculas da atmosfera, novos elementos são formados,
porém como o nitrogênio tem a maior seção de choque das moléculas disponíveis
para a interação com os nêutrons (Haynes, 2014; Mughabghab, 2003), mais de
90% das interações ocorrem com este elemento.
Ao interagir com o nitrogênio 14 (através da reação n,p), forma-se o carbono-

18
14, através da seguinte reação:
14
𝑁 + 𝑛 →14 𝐶 + 𝑝 (2.1)

Figura 2.1: Cascata de partículas causada por raios cósmicos. Fonte: https://bit.ly/3ogzlOG

Os Raios Cósmicos Solares têm uma pequena participação na criação de


nêutrons na atmosfera, porém o principal papel do Sol é modular a entrada dos
Raios Cósmicos Galácticos na atmosfera através dos ventos solares. O Sol possui
períodos de alta atividade solar e baixa atividade solar de aproximadamente 11
anos cada (também conhecido como ciclo solar de Schwabe). Durante períodos
de alta atividade solar, os ventos magnéticos do Sol diminuem a entrada dos
Raios Cósmicos Galácticos, logo a produção de carbono-14 é um pouco menor.
Análogamente, durante períodos de menor atividade solar uma parcela maior de
Raios Cósmicos Galácticos entra na atmosfera e a produção de carbono-14 é
elevada (Stuiver and Quay, 1980).

19
De maneira semelhante, o campo magnético da Terra também é responsável
por blindar uma parte dos Raios Cósmicos Galácticos, pois como estes raios
são compostos em grande parte por prótons, estes são defletidos pelo campo
eletromagnético devido a força de Lorentz:

𝐹® = 𝑞®𝑣 × 𝐵® (2.2)
Onde 𝑞 é a carga do próton, 𝑣® é a sua velocidade e 𝐵® é o campo magnético
da Terra (ignorando qualquer campo elétrico que possa haver). Dessa maneira,
sabendo que o campo magnético aponta na direção norte, qualquer próton que
venha perpendicular à superfície terrestre sofrerá uma força que aponta na direção
oeste (pelo produto vetorial e a regra da mão direita), isto é, no equador, onde a
velocidade é perpendicular ao campo magnético. O mesmo não ocorre próximo
do polos, pois neles o campo é perpendicular à superfície (e por consequência
paralelo a velocidade de um próton incidente), e o produto vetorial se anula ou
gera uma força de Lorentz desprezível. Por esse motivo a intensidade do Raios
Cósmicos nos polos é maior e por consequência a produção de carbono-14 também
é. Uma ilustração é encontrada na figura 2.2

Figura 2.2: Ilustração do campo magnético da Terra. Fonte: https://bit.ly/3ogzXns

Apesar dessas reações acontecerem frequentemente, a concentração de ra-


diocarbono é ínfima se comparada com a do carbono-12. Para cada 1 átomo de

20
carbono-14, tem-se da ordem de 1012 átomos de carbono 12. Por um lado isso é um
ponto positivo, pois diminui a dosagem de radiação que os animais e plantas rece-
bem quando o radiocarbono decai (através do decaimento beta 14 14 −
6 𝐶 →7 𝑁 +𝑒 +𝜈 𝑒 ,
onde cada partícula beta possui uma energia máxima de 156keV (Bé and Chechev,
2019)), porém ao mesmo tempo impõe um problema logístico, pois se há tão pouco
em comparação com o carbono-12, sua contagem será bem mais difícil.
A interação com raios cósmicos não são a única maneira de se gerar carbono-
14 (da mesma maneira que a interação com o nitrogênio também não é a única
maneira, temos por exemplo a reação 13𝐶 (𝑛, 𝛾) 14𝐶, mas essas e outras reações
não são significativas se comparadas com as reações com nitrogênio). Qualquer
processo capaz de gerar nêutrons termais em um ambiente provido de nitrogênio-
14 pode resultar na criação de carbono-14. Mais proeminente nas últimas décadas,
esses processos incluem, mas não se resumem a, núcleos de reatores nucleares e
detonamento de dispostivos nucleares (uma discussão mais aprofundada é feita na
seção 2.2).
Minutos após ser formado, o carbono é oxidado e se torna o monóxido de
carbono e após alguns meses se torna dióxido de carbono (Riedel and Lassey,
2008; Schuur et al., 2016).
Ao tornar-se dióxido de carbono, o carbono-14 é então incorporado ao ciclo
do carbono, como ilustrado na figura 2.3.
Existes dois grandes reservatórios de carbono-14, a atmosfera e o oceano, e
vários compartimentos, como lagos, cavernas e seres individuais como animais e
plantas. O CO2 pode ser absorvido pelas plantas terrestres através da fotossíntese,
e pelos consumidores primários e secundários durante a alimentação. Dessa
maneira, enquanto persistirem as trocas de carbono com o ambiente, o ser em
questão vai estar em equilíbrio com o compartimento em que vive (exceções
ocorrem).
Temos também o fracionamento isotópico, que é o fenômeno através do qual,
por motivos químicos ou físicos, muda-se a razão entre os isótopos, enriquecendo
um em detrimento de outro (Fahrni et al., 2017). Acontece primariamente devido
à diferença de massa entre os isótopos. Esse fenômeno ocorre de maneira natural
na forma de fracionamento termodinâmico, isto é, em reações de equilíbrio, ou
cinético, devido a diferenças na velocidade reacional de diferentes isótopos.
Um exemplo de fracionamento isotópico cinético ocorre quando o carbono
passa de um compartimento para outro, como por exemplo durante a fotossíntese,
onde o carbono 12 é mais absorvido que o 13 e 14. Dessa maneira uma folha não
vai ter a mesma razão isotópica que o ar atmosférico onde ela cresceu. É importante

21
Figura 2.3: Ciclo do carbono. Fonte: https://bit.ly/3sW04n2

ressaltar que o fracionamento isotópico ocorre tanto com átomos estáveis como
os radioativos. Também pode ocorrer durante a digestão, pois animais digerem os
isótopos a taxas diferentes, gerando então os chamados efeitos de dieta (Browman,
1981).

2.2 A concentração de 14C no ambiente


Como foi dito anteriormente, uma das origens do carbono-14 se dá a partir
da interação dos Raios Cósmicos na atmosfera, que depois é incorporado pelos
seres vivos. A atmosfera, porém, não é o único lugar onde o radiocarbono é criado
ou mantido, precisamos levar em consideração também outras fontes de criação e
outros reservatórios.
Os oceanos são reservatórios muito importantes a serem considerados. Da
mesma maneira que o radiocarbono se distribui na atmosfera, ele também se
distribui na água, porém com alguns detalhes interessantes, como o fato de que,

22
devido ao tempo que leva para o carbono da atmosfera se dispersar na água, aliado
às conchas antigas se dissolvendo no fundo do mar, os oceanos em geral tem uma
quantidade de carbono-14 ainda menor do que a atmosfera. Este fenômeno é
chamado de efeito de reservatório marinho.
Além dos Raios Cósmicos, o radiocarbono também é criado no núcleo de
reatores nucleares, que possuem um grande fluxo de nêutrons, originados da fissão
de elementos como urânio e plutônio (o carbono-14 pode inclusive ser usado
como um proxy para se calcular tal fluxo, pois existe nitrogênio no interior do
reator, seja para moderação ou como armadilha de neutrons, ou na forma de
impurezas no equipamento que, mesmo sendo menos de 1%, ainda produz uma
grande quantidade de carbono-14 devido ao grande número de nêutrons). Dessa
maneira o radiocarbono pode ser muito útil em estudos de radioecologia, pois o
equipamento irradiado e com grande quantidade de radiocarbono representa um
perigo à saúde humana (Mibus et al., 2018), e um descarte seguro precisa ser feito.
Outra importante fonte de radiocarbono que também precisa ser citada surgiu
apenas algumas décadas atrás, com o advento de dispositivos nucleares, que são
uma grande fonte de nêutrons (Também principalmente pela fissão de urânio e
plutônio). Durante as décadas de 40, 50 e 60, o uso desenfreado de armamento
nuclear resultou na criação excessiva de carbono-14 na atmosfera (Aumentando a
sua quantidade em quase duas vezes em relação a abundância natural (Hua et al.,
2013)) e, a despeito dos impactos negativos do uso de armamento nuclear, gerou
novas oportunidades para a comunidade de radiocarbono. Com o advento de
tratados de não proliferação e uso de armamento nuclear a partir da década de
60 e, por consequência, a diminuição dos testes nucleares, houve a necessidade
de se ter curvas diferentes para os últimos 70 anos, conhecida como a curva do
pico da bomba (Hua et al., 2013). Com essa assinatura específica de carbono na
atmosfera, é possível datar amostras das últimas décadas, o que não seria possível
de outra forma, e que é particularmente útil no radiocarbono aplicado nas ciências
forenses. Além disso, o radiocarbono proveniente dos testes nucleares é um
importante traçador da dinâmica da atmosfera, contribuindo para a determinação
de tempos de residência do carbono na biosfera.
Porém nem toda ação humana contribui no aumento de carbono-14 na at-
mosfera. A queima de combustível resulta na criação de monóxido e dióxido de
carbono e se este combustível tiver origem fóssil (que tem milhões de anos de idade
e por consequência todo o seu radiocarbono decaiu), este carbono possuirá apenas
os isótopos estáveis 12 e 13, resultando na diluição do já escasso carbono-14 na
atmosfera.

23
E é justamente o que tem acontecido no planeta desde a revolução industrial,
onde o uso de máquinas movidas a carvão mineral (um combustível fóssil) gerou
esse efeito que é conhecido como o efeito Suess (Suess, 1955). Esse efeito gera
dificuldades na datação de eventos ocorridos no século 19 e posteriormente (uma
discussão mais aprofundada das consequências do efeito Suess se dá na seção
2.3.3).

2.3 Datação de Radiocarbono


Descobrir a idade de um objeto pode ser muito útil para contextualização his-
tórica de eventos nas mais diversas áreas do conhecimento, de história a geografia,
antropologia, paleontologia, pesquisas ambientais, entre outros. As possibilidades
são inúmeras, desde assentamentos Tupi-Guarani (Scheel-Ybert et al., 2008) até a
idade da Terra (Manhes et al., 1980). Assim temos a necessidade de desenvolver
técnicas capazes de criar uma cronologia que seja confiável e, como é necessário
para o desenvolvimento da ciência, seja reproduzível.
Dessa maneira temos as datações relativas isto é, a idade de um objeto/evento
em relação a outro, e datações absolutas, ou seja, idades que podem ser referen-
ciadas em um calendário. Das técnicas absolutas temos as radioativas como as
principais formas de datação.
A datação radioativa tem seu início em 1905 (Boltwood, 1905) e consiste no
uso de elementos radioativos para a determinação da idade do evento em questão.
Possui dois ramos principais: pode-se comparar a abundância de um isótopo
radioativo com a de seus núcleos-filho ou compara-se a abundância de um isótopo
radioativo com a de seus isótopos não radioativos.
Por ser um elemento radioativo, podemos esperar que a quantidade de decai-
mentos em um determinado instante de tempo (−𝑑𝑁 > 0) seja proporcional à
quantidade de átomos nesse instante (𝑁 (𝑡)), assim definimos a atividade de um
elemento como:

−𝑑𝑁 (𝑡)
𝐴= ∝ 𝑁 (𝑡) (2.3)
𝑑𝑡
Vamos chamar de 𝜆 essa constante de proporcionalidade. Podemos então
resolver essa equação diferencial:

24
−𝑑𝑁 (𝑡)
= 𝜆𝑁 (𝑡)
𝑑𝑡
𝑑𝑁 (𝑡)
= −𝜆𝑑𝑡
𝑁
∫ 𝑁 (𝑡) ∫ 𝑡
𝑑𝑁
=− 𝜆𝑑𝑡 0
0 𝑁 0
𝑁 (𝑡)
𝑙𝑛( ) = −𝜆𝑡
𝑁0
𝑁 (𝑡)
= 𝑒 −𝜆𝑡
𝑁0
𝑁 (𝑡) = 𝑁0 𝑒 −𝜆𝑡

A constante de proporcionalidade 𝜆 é conhecida em Física Nuclear como a


constante de decaimento do átomo, dessa maneira temos:

𝑁 (𝑡) = 𝑁0 𝑒 −𝜆𝑡 (2.4)


O gráfico da figura 2.4 ilustra este fenômeno, usando o carbono-14 como
exemplo.

Figura 2.4: Ilustração do decaimento radioativo do carbono-14 em função do tempo. Fonte:


https://bit.ly/2M5uT8d

25
Podemos definir também o tempo necessário para que a quantidade inicial de
átomos radioativos se reduza à metade, que é conhecido como o tempo de meia
vida 𝑡 1 :
2

−𝜆𝑡 1 𝑁0
𝑁 (𝑡 1 ) = 𝑁0 𝑒 2 =
2 2
1
−𝜆𝑡 1
𝑒 2 =
2
1
−𝜆𝑡 1 = 𝑙𝑛( )
2 2
1
𝜆𝑡 1 = −𝑙𝑛( ) = 𝑙𝑛(2)
2 2
Logo:
1
𝑡1 =
𝑙𝑛(2) (2.5)
2 𝜆
Se quisermos uma função de densidade de probabilidades para 𝑁 (𝑡) precisamos
normalizar a equação (2.4):
∫ ∞
𝐾 𝑁 (𝑡)𝑑𝑡 = 1 (2.6)
0
Onde 𝐾 é a constante de normalização. Precisamos encontrar seu valor:

∞ ∞ ∞
𝐾 𝑁0 𝑒 −𝜆𝑡
∫ ∫
𝐾 𝑁0
𝐾 𝑁 (𝑡)𝑑𝑡 = 𝐾 𝑁0 𝑒 −𝜆𝑡 𝑑𝑡 = =
0 0 −𝜆 0 𝜆
𝐾 𝑁0
=1
𝜆

𝜆
𝐾= (2.7)
𝑁0
Assim, definimos a função de densidade de probabilidade de 𝑁 (𝑡) como:

𝜆
𝐷 (𝑡) = 𝐾 𝑁0 𝑒 −𝜆𝑡 = 𝑁0 𝑒 −𝜆𝑡 = 𝜆𝑒 −𝜆𝑡
𝑁0

𝐷 (𝑡) = 𝜆𝑒 −𝜆𝑡 (2.8)


A vida média (𝜏) é o tempo médio que os átomos vão permanecer sem decair.
𝜏 é o valor esperado do tempo:

26
∫ ∞ ∫ ∞
𝜏 = h𝑡i = 𝑡𝐷 (𝑡)𝑑𝑡 = 𝜆 𝑡𝑒 −𝜆𝑡 𝑑𝑡
0 0

Essa integral pode ser resolvida usando integração por partes, assim, temos:
∫ ∞
1
𝑡𝑒 −𝜆𝑡 𝑑𝑡 = 2
0 𝜆
Logo:

𝜆
𝜏=
𝜆2
1
𝜏= (2.9)
𝜆
˜ que é o número de decaimentos por
Temos também a atividade específica ( 𝐴),
unidade de tempo por quantidade de amostra (massa, volume ou número de mols)
em um instante de tempo escolhido como o inicial:

−𝑑𝑁 𝑁0
𝐴˜ = =𝜆 (2.10)
𝑎 0 𝑑𝑡 𝑡=0 𝑎0
Onde 𝑁0 é o número de átomos inicial e 𝑎 0 a quantidade inicial da amostra.
Com estes dados podemos começar a entender numericamente como a datação
ocorre.

2.3.1 Espectrometria de massa com aceleradores - AMS


Na década de 40 o criador da técnica de datação por radiocarbono e ganhador
do Prêmio Nobel de química de 1960 Willard Libby utilizou estes conceitos
mencionados anteriormente (Libby et al., 1949) para elaborar o seu processo de
datação. Ele utilizou um detector Geiger-Müller para detectar a atividade de uma
amostra de metano e fazer a primeira datação de radiocarbono. Ele também usou
anéis de árvore para construir uma curva empírica de calibração de amostras (uma
melhor discussão sobre a calibração se dá na seção 2.3.3).
Para se contar os decaimentos de radiocarbono é necessário usar gramas de
material para ser datado, o que impossibilitava o seu uso na datação de diversos
tipos de materiais seja pelo tamanho muito pequeno ou pela inviabilidade de se
remover uma grande quantidade de material, como em obras de arte, já que o
processo é destrutivo.

27
Na década de 70 percebeu-se a possibilidade de se unir avanços de outras
áreas para se melhorar a obtenção de resultados na técnica de datação. Um
grande exemplo disso foi o emprego de técnicas de espectrometria de massa com
aceleradores (sigla em inglês AMS) para a datação de 14 C (Kutschera, 1999).
Cíclotrons que eram usados apenas como fonte de partículas energéticas podem
também ser usados como espectrômetros de massa. Dessa maneira, ao invés de se
contar o decaimento do carbono-14, podemos estimar a idade de uma amostra a
partir da contagem dos átomos, isto é, estimando a razão isotópica do carbono.
A técnica de AMS tem vantagens e desvantagens em relação à contagem dos
decaimentos: Como já foi dito, ela exige menos material do que a contagem de
decaimentos (da ordem de miligramas de material ao invés de gramas), tem uma
aquisição de dados muito mais rápida (pode se obter muito mais contagens em
menos tempo por amostra). Ela é, porém, uma técnica mais cara.
A Universidade Federal Fluminense (UFF) dispõe do único Laboratório de
Radiocarbono por AMS da América do Sul. No Laboratório de Radiocarbono
da UFF (LAC-UFF) é usado um acelerador de estágio único (Single Stage Ac-
celerator Mass Spectrometry - SSAMS) de 250kV que conta com uma fonte de
íons negativos, um tubo acelerador e ímãs de seleção de massa. Uma ilustração
esquemática do aparelho pode ser vista na figura 2.5:
Porém, antes da medição no SSAMS, a amostra precisa ser primeiro alterada de
uma maneira que possa ser usada no acelerador. Algumas técnicas usam a amostra
bruta, outras transformam em gás. No nosso caso o que fazemos é transformar a
amostra em grafite, do qual um feixe de carbono poderá ser extraído.
Para fazer tal transformação é usado uma série de processos físicos e químicos,
a fim de isolar os átomos pertencentes à amostra original e eliminar os proveni-
entes de contaminação (para uma discussão mais detalhada sobre contaminantes
e maneiras de removê-los ver seção 4.2).
O grafite gerado no laboratório a partir da amostra de interesse é extraído no
acelerador através de um processo chamado sputtering, feito com Césio. Estes
átomos de carbono extraídos pela fonte de íons são então acelerados pela diferença
de potencial, passando por um ímã que faz a seleção magnética de acordo com
a equação 2.2, pois as partículas se movem perpendicular ao campo magnético e
descrevem um círculo, com força centrípeta dada por:

𝑣2
𝐹=𝑚 (2.11)
𝑟
Onde 𝑚 é a sua massa, 𝑣 sua velocidade e 𝑟 o raio da trajetória. Podemos então

28
Figura 2.5: Ilustração do SSAMS utilizado no LAC-UFF. Os números indicam os diferentes
estágios da aceleração.

igualar essa força centrífuga com o módulo da força de Lorentz:

𝑣2
𝑚 = 𝑞𝑣𝐵 (2.12)
𝑟
Cancelando a velocidade e isolando 𝑟, temos que:
𝑚𝑣
𝑟= (2.13)
𝑞𝐵
Logo, como conhecemos a massa do átomo desejado (seja ele o carbono 12,
13 ou 14), seu estado de carga (Castro et al., 2015) e controlando sua velocidade
através da diferença de potencial e o campo magnético através do ímã, temos total
controle sobre o raio da trajetória e podemos escolher qual isótopo passa para o
próximo estágio do acelerador.
Poder controlar o raio baseado na massa do elemento que compõe o feixe não é
o bastante, visto que existem outros átomos e moléculas com a mesma massa que
seriam "confundidos"com átomos de carbono, como as moléculas 13 CH e 12 CH2 ,
que têm a mesma massa do carbono-14 e como os ímãs não possuem nenhum
outro meio de diferenciá-los, passariam como se fossem o carbono-14 (o átomo

29
de nitrogênio não costuma formar íons negativos, logo não é uma preocupação
(Fogel et al., 1959)).
Dessa maneira precisamos encontrar uma maneira de nos livrarmos desses
isóbaros, ou nossa contagem final de carbono será incorreta. Sabendo que colisões
podem gerar dissociações moleculares, podemos usar um gás no caminho do feixe,
de maneira que a interação das moléculas com esse gás gere essas dissociações
(Schulze-König et al., 2011; Jacob et al., 2000). O acelerador possui então um
stripper molecular que injeta um gás (em geral Hélio ou Argônio) no caminho do
feixe para eliminar tais isóbaros.
Após esse processo, temos mais um ímã que serve ao mesmo propósito do
anterior, onde após o mesmo podemos medir a quantidade de átomos de carbono
12 e 13. Essa medição é feita após o primeiro ímã e após o segundo podemos
comparar a diferença para descobrir a transmissão do feixe (a proporção de átomos
de carbono em relação ao total do feixe que inclui os isóbaros moleculares). A
medição da intensidade do feixe de carbono 12 e 13 é feita com copos de Faraday,
permitindo a estimativa da quantidade de átomos. Para fazê-lo usamos a relação:

𝑁𝑒 = 𝐼𝑡 (2.14)
Onde 𝑁 é a quantidade de íons observados no tempo 𝑡, 𝑒 é a carga elementar
(1,60 · 10−19 C) e 𝐼 é a intensidade do feixe. Como já conhecemos 𝑒 e o copo de
Faraday nos dá 𝐼 e 𝑡, podemos isolar 𝑁 e assim temos a relação:

𝐼𝑡
𝑁= (2.15)
𝑒
Os isótopos 12 e 13 do carbono podem ser medidos a partir da intensidade do
feixe, porém o mesmo não é verdade para o carbono-14. Devido a sua escassez a
sua intensidade é muito pequena para ser medida por um copo de Faraday, logo o
que precisamos fazer é contar individualmente os átomos, usando um detector de
barreira de superfície, que se localiza após um terceiro ímã.
Com essas informações podemos calcular a idade convencional de radiocar-
bono.

2.3.2 Correções para premissas teóricas


É necessário corrigir as idades das amostras para fracionamento isotópico,
para que amostras distintas possam ser comparadas (em geral amostras desconhe-
cidas são comparadas com anéis de árvore de atividades e fracionamentos bem

30
conhecidos). Isso é feito a partir da normalização.
Para fazer a normalização, é necessário introduzir uma medida quantitativa do
fracionamento isotópico, o 𝛿13𝐶, que é calculado a partir do desvio relativo da
razão 13𝐶/12𝐶 da amostra com a do padrão VPDB (Vienna Pee Dee Belemnite):

( 13𝐶/12𝐶) 𝐴𝑚𝑜𝑠𝑡𝑟𝑎 − ( 13𝐶/12𝐶)VPDB


 
13
𝛿 𝐶= .1000‰ (2.16)
( 13𝐶/12𝐶)VPDB
Um conceito muito importante é o de "Fração Moderna"(Donahue et al., 1990),
definido como:

( 14𝐶/13𝐶) 𝐴𝑚𝑜𝑠𝑡𝑟𝑎[−25]
𝐹= (2.17)
( 14𝐶/13𝐶)1950 [−25]
Que é usado para se definir a Idade Convencional de Radiocarbono:

Idade de Radiocarbono = −𝜏𝑙𝑛(𝐹) (2.18)


Como o próprio nome indica, foi acordado pela comunidade de radiocarbono
certas convenções para uma padronização na maneira de reportar os dados (Stuiver
and Polach, 1977). Estão entre elas (i) assumir que a produção de radiocarbono
na atmosfera é constante no decorrer do tempo, (ii) usar uma notação um pouco
diferente da habitual para estimar a data, em anos antes do presente (AP), onde
o presente se dá em 1950, de maneira que idades depois de 1950 são números
negativos e consideradas modernas, (iii) a meia-vida do carbono-14 é um pouco
diferente da mais aceita hoje (é usada a meia vida de Libby, igual a 5568 anos ao
invés de 5730 (Godwin, 1962)) e (iv) o padrão de referência moderno se dá pelo
ácido oxálico (Stuiver, 1983). Devido à isso, a idade convencional é um pouco
diferente da idade equivalente de calendário, dessa maneira é necessário corrigi-la
para poder estimar a idade de um evento.
Essa correção se dá através da calibração, onde além dessas correções também
se leva em consideração a concentração de radiocarbono nos últimos 50 mil anos,
nas chamadas curvas de calibração. O motivo de se usar uma idade convencional
é que, como a cada ano surgem novas técnicas e informações sobre a área de
radiocarbono, é possível atualizar os dados obtidos, pois o processo é iterativo
e usar uma idade convencional fixa e depois se obter um valor mais acurado é
uma boa maneira de operar. O processo é baseado na estatística bayesiana (uma
discussão mais aprofundada se dá na seção 2.3.3).
Outro ponto importante é que a meia vida é o que limita a técnica de AMS, pois
como o radiocarbono vai decaindo, quando a amostra chega à aproximadamente

31
10 meias vidas, em torno de 57 mil anos, a quantidade de radiocarbono presente
é equivalente à menos de 0.1% da inicial, o que impossibilita o uso desta técnica
para amostras ainda mais antigas. Dessa maneira amostras com mais de 60 mil
anos não costumam ser analisadas.

2.3.3 Calibração
Até agora quando nos referimos às datações, falamos da idade de radiocarbono.
Porém, não podemos usar essa idade para dizer quando um evento aconteceu, pois
ela não leva em consideração a concentração real de radiocarbono na atmosfera
ao longo do tempo. Para corrigir esta e outras premissas adotadas por convenção,
fazemos a calibração, que é o processo de se usar a distribuição de probabilidade
da idade convencional (uma gaussiana) e corrigí-la com uma curva de calibração,
para então termos uma idade de calendário, que nem sempre é uma distribuição
aprazível.
Existem várias maneiras de se fazer tal calibração. As mais populares são
através de softwares, em especial o OxCal (Ramsey, 1995, 2001), onde são usados
modelos estatísticos baseados na estatística Bayesiana (Buck et al., 1991), pois por
possuir uma natureza iterativa é possível atualizar os resultados ao se obter novos
dados.
As curvas de calibração são montadas (Reimer et al., 2013; Blackwell et al.,
2008) usando-se dados de laboratórios de todo o mundo (medidas de radiocarbono
com outros métodos como validação, como dendrocronologia ou datação por
Tório-Urânio), para se estimar a concentração de carbono-14 na atmosfera em
função do tempo. Esta concentração não é uniforme globalmente em um ano,
pois muitos fatores que a influenciam não estavam presentes globalmente (o que é
muito relevante no período pós 1950, onde usamos curvas diferentes dependendo
de onde a amostra foi coletada).
Como já foi citado, o campo magnético do Sol é um dos fatores que influenciam
a produção de carbono-14, assim como mudanças no campo magnético da Terra.
Dessa maneira devemos esperar que ele afete o padrão da curva de calibração.
Os ciclos solares (Stuiver and Quay, 1980) fazem com que haja ondulações na
curva de calibração, pois essas mudanças devido ao Sol e o campo da Terra podem
contrabalancear aquelas do ciclo do carbono, fazendo com que a concentração de
carbono-14 se mantenha relativamente constante em períodos de até centenas de
anos, que é um dos fatores que geram os plateaus (figuras 2.6 e 2.7). As idades
calibradas são muitas vezes assimétricas e descontínuas em função do padrão

32
oscilatório das curvas de calibração.

Figura 2.6: Ondulações na curva de calibração. A gaussiana vermelha é a idade convencional; a


distribuição cinza é a distribuição para a idade calibrada e a curva azul é a curva de calibração
IntCal20. Note o plateau que alonga a distribuição de idades.

Outro exemplo é o Efeito Suess (Suess, 1955), que mostra que com o advento
da Revolução Industrial a concentração de radiocarbono na atmosfera decresceu,
pois o carvão mineral passou a ser usado em larga escala e este carvão não contém
carbono-14, pois foi produzido há aproximadamente 300 milhões de anos atrás,
logo seu radiocarbono decaiu.
O resultado disso é que em amostras do século XIX a calibração gera datas
que se estendem muito além do alcance que a Idade Convencional gera. Este
efeito pode ser visto na figura 2.7, onde uma idade convencional tem mais de
95% (2 𝜎) de sua área cobrindo 40 anos, porém a idade calibrada cobre mais de
270 anos. Como pode ser visto o Efeito Suess torna difícil a precisão de idades
que se encontram neste período (note o plateau da curva de calibração).
Este não é o único fenômeno que interfere nas curvas de calibração. Como
foi mencionado anteriormente as bombas nucleares criaram mais carbono-14 na
atmosfera, logo as curvas foram impactadas por isto. Ao olharmos para as curvas
a partir de 1950 (Hua et al., 2013) podemos ver que quando se iniciaram os testes
nucleares de forma ostensiva (a partir de 1955) a concentração de carbono-14
disparou e, com os tratados de não proliferação de armamentos nucleares, muitos

33
Figura 2.7: Exemplo de uma idade da época da Revolução Industrial.

destes testes cessaram e este novo radiocarbono tem sido incorporado no ciclo do
carbono.
Na figura 2.8 podemos ver as curvas. O motivo de se ter mais de uma curva
é que, como os testes nucleares aconteceram primariamente no hemisfério norte,
logicamente lá haverá uma concentração maior de radiocarbono. Devido às cor-
rentes de ar e a dinâmica no oceano, este radiocarbono gerado foi gradualmente
sendo espalhado para o resto do mundo.
Outro fator que influencia essas curvas é a quantidade de dados disponíveis.
Períodos nos quais haja muitos dados disponíveis para serem usados na curva
fazem com que ela seja mais precisa (ou seja, mais fina) do que em regiões em que
haja poucos dados. Podemos comparar a curva em dois períodos diferentes para
ver como a largura da curva varia (figura 2.9).

34
Figura 2.8: As curvas do pico da bomba.

Figura 2.9: A curva de calibração em dois períodos diferentes. Note como a largura influencia
na distribuição de idades. A primeira tem 95% da área cobrindo quase 300 anos, enquanto que a
segunda cobre quase 35 anos com a mesma área.

35
Capítulo 3

Vestígios para cronologia

Uma das questões cruciais ao se datar amostras de carvão é levar em con-


sideração que o carvão proveniente da queima da madeira pode não representar
fidedignamente o ano em que o incêndio ocorreu. Isso pode ocorrer por alguns
motivos. Por exemplo, a árvore já poderia estar morta anos antes do fogo consumi-
la. Porém existe outro efeito tão significante quanto: quando uma árvore forma
seus anéis, estes possuem frações estáveis que não trocam carbono com outros
anéis, dessa maneira ao se datar um anel de árvore, estamos descobrindo o ano em
que este anel cresceu e, se este anel não pertencer à uma região externa do alburno
(parte mais escura do tronco), esse ano pode não representar o ano em que a árvore
morreu.
Da mesma forma, ao se datar um carvão, se o anel de árvore que deu origem
ao carvão pertencer a uma parte interna do cerne, e esta árvore tiver depositado
muitos anéis ao longo dos anos, então essa idade vai estar deslocada da morte da
árvore pelo número de anos entre este anel e o anel final.
Esta diferença de idade entre o ano do anel datado e a morte da árvore é
conhecido como efeito da madeira antiga (Schiffer, 1986). Um fenômeno de muita
importância na área de Radiocarbono.
Este fenômeno não é exclusivo para a madeira, embora seja usado o termo idade
embutida. Ele ocorre em todo tipo de amostra que cresce de maneira deposicional,
sejam eles conchas, espeleotemas, marfim, entre outros, porém é mais significante
em sistemas de vida longa, em função da discrepância entre as idades das camadas.
Sabemos então que o efeito da madeira antiga vai influenciar o resultado das
idades dos carvões, mas gostaríamos de saber de que maneira. Ao se coletar um
carvão em um sítio, o quanto podemos esperar que a idade não corresponda à
idade da morte da árvore? Para isso precisamos de uma análise estatística, cujos

36
cálculos preliminares podem ser vistos na seção 5.2.
Dentre os tipo de amostra que podem ser datados, o carvão pode ser um
dos mais significantes dependendo do contexto. Gerado a partir da combustão
parcial da madeira, o carvão é uma das amostras mais abundantes em vários sítios
arqueológicos e, claro, em incêndios.
Suas principais origens são a partir de incêndios (naturais ou antrópicos) e
da queima de artefatos manufaturados de madeira ou de fogueiras. Carvões de
diferentes origens podem nos dar informações importantes sobre o contexto que a
amostra está inserida.
Ao lidar com amostras deste tipo, há certas peculiaridades que não se aplicam
aos outros tipos de amostra, que vão desde a maneira como carvões são tratados
quimica e fisicamente até as interpretações dos dados posterior a medição. Para
entender as nuances do carvão primeiro precisamos entender sua formação, e como
isso impacta as possíveis interpretações que os resultados podem oferecer.

3.1 A formação do carvão


Para se entender a formação do carvão, devemos primeiro entender como se
dá a formação da madeira que vai gerar esse carvão através da combustão parcial.
Uma árvore tem dois tipos de crescimento, o primário que é verticalmente e se
afastando do caule, e um secundário que é responsável por engrossar o tronco e os
galhos, conforme a figura 3.1:

Figura 3.1: Ilustração do crescimento primário e secundário de uma árvore.

Ao contrário do que se pensa, nem todas as grandes plantas são árvores.


Algumas plantas já nascem com o diâmetro que terão por toda a vida (como

37
palmeiras e bananeiras), dessa maneira não possuem o crescimento secundário.
As árvores possuem um tecido radial chamado câmbio vascular. Este câmbio é
o responsável pela criação de dois tecidos diferentes, o xilema e o floema. O xilema
é o tecido da parte interna ao câmbio e transporta água e sais minerais (chamado de
seiva bruta) absorvidos pelas raízes até as folhas. Já o floema surge externamente
ao câmbio e conduz os fotossintatos (como glicose e sucrose, também chamado
de seiva elaborada) para outras partes da árvore. É a parte mais interna da casca.
O xilema que está na parte mais interna do tronco e que participa do cres-
cimento primário é o xilema primário, já o xilema produzido pelo câmbio é o
xilema secundário, que gera o crescimento secundário da árvore. A madeira é
composta exclusivamente pelo xilema secundário. A figura 3.2 mostra estes três
componentes.

Figura 3.2: Foto onde podemos ver o floema (A), o xilema (B) e o câmbio (C). Fonte:
https://bit.ly/3c9RoU4

A principal função da madeira é a condução de água e nutrientes e a sustentação


da árvore. Nas árvores menos evoluídas ambas as funções se dão pelos traqueídes
(Raven et al., 2005), porém evolutivamente surgiram mecanismos adaptados a
cada função. Para o transporte de água existem o elementos de vaso, células
grandes (em comparação com outras estruturas) que permitem um fluxo melhor

38
de líquidos. Para sustentação há as fibras, que são compostas de lignina. Na figura
3.3 podemos ver melhor estas estruturas.

Figura 3.3: Foto onde podemos ver os vasos (os furos largos) e as fibras (os pequenos furos).

Conforme ocorre a evolução, estes mecanismos se tornam mais eficiente,


porém também se tornam menos seguros. Em períodos de seca ou de poucos
nutrientes, uma árvore com estruturas menos evoluídas tem uma maior chance de
sobrevivência (por exemplo, bolhas de ar podem obstruir a passagem de líquidos
e inutilizar permanentemente o mecanismo. No caso dos vasos há uma maior
chance de vários se inutilizarem por isso, o que é menos comum nos traqueídes).
Nem sempre é vantajoso para uma árvore manter todos os vasos ativos. Quando
uma árvore se torna suficientemente larga ela pode propositalmente bloquear as
passagens de líquidos com uma membrana chamada tilose, assim a árvore não
vai sugar do solo mais nutrientes do que o necessário, evitando o desperdício. A
tilose também pode ocorrer em períodos de seca, em uma tentativa da árvore de
otimizar o uso de recursos. O xilema bloqueado pela tilose dá origem ao cerne,
que é a parte escura da madeira, mais resistente e considerada de melhor qualidade
na contrução (também chamada de "madeira de lei"). A região que ainda possui
transporte de nutritentes é o chamado alburno, a região mais clara (Burger and
Richter, 1991).

39
Estes são os mecanismos de transporte verticais, porém existem também os
transportes radiais, que se dão com os chamados raios parenquimáticos. Eles
podem ser vistos na figura 3.4.

Figura 3.4: Visão frontal e lateral dos raios.

O clima afeta a produção de madeira. Como qualquer outro ser vivo, árvores
crescem mais em ambientes com alta quantidade de nutrientes. O mesmo acontece
quando uma mesma região tem uma alteração dos nutrientes disponíveis com o
passar do tempo. Em regiões de clima temperado (ou seja, com estações do ano
bem definidas) a madeira vai crescer mais em períodos mais quentes, onde haja
maior quantidade de água no solo e, consequentemente, crescer menos em épocas
com menos água disponível (como no inverno, quando a água congela). Estas
diferenças de crescimento nas diferentes épocas é o que dá origem aos anéis de
crescimento que as árvores possuem (Burger and Richter, 1991). Nas épocas de
calor os vasos são maiores e mais abundantes, a madeira mais clara. Em épocas
de frio os vasos são menores e em menor quantidade, a madeira é mais escura. A
figura 3.5 ilustra este efeito.
Todos estes detalhes na formação da madeira são fundamentais para a antra-
cologia, o estudo do carvão. Ao ser carbonizada de maneira parcial a madeira
se torna o carvão (a combustão total gera cinzas), onde as estruturas citadas são
deformadas porém ainda podem ser reconhecidas.
Na antracologia o carvão é dividido em três planos: transversal, longitudinal
tangencial e longitudinal radial. Cada plano revela diferentes detalhes do carvão
que permitem identificá-lo no microscópio. A figura 3.6 ilustra cada plano.
Com uma base de dados (que se dá na forma de centenas ou até milhares de
outros carvões devidamente identificados para comparação), os carvões analisados

40
Figura 3.5: Anéis de crescimento. Note que a parte escura parece ser mais densa que a parte clara.
Ambas abrangem aproximadamente a mesma quantidade de tempo.

Figura 3.6: Planos do carvão. Respectivamente: plano transversal, longitudinal tangencial e


longitudinal radial.

41
no microscópio são identificados (seja em família, gênero ou espécie), nem sempre
com total acurácia, o que pode determinar de que árvore o carvão veio. Isto
é um poderoso aliado nas interpretações das datações de carvão. Pode, por
exemplo, ajudar a distinguir um carvão proveniente de uma queimada antrópica, do
proveniente de uma queimada natural ao observar se as árvores coincidem com um
padrão de queimada comum de alguma civilização antiga ou, se forem dispersas
os suficiente, podem indicar que o incêndio foi natural.

42
Capítulo 4

Materiais e métodos

4.1 Carvões da Bacia Amazônica


A Bacia Amazônica possui a maior floresta tropical com a maior quantidade
de água doce do mundo. Está contida em 8 países da América do Sul. São eles:
Brasil, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Bolívia, Colômbia, Venezuela e Suriname.
É lar de inúmeros rios, entre eles o Rio Xingu e o Rio Tapajós, além de abrigar
também a população Ribeirinha. Mesmo assim a Bacia Amazônica tem uma longa
história com incêndios (Goulart et al., 2017).
Carvões foram amostrados por colaboradores em florestas intactas sem registro
recente de incêndios em duas regiões: Jenaro Herrera no nordeste do Peru (-4,88
S -73,63 O) e Pibiri na Guiana Central (5,020 S -58,621 O), como indicado na
figura 4.1. Estas amostras foram coletadas para o projeto do Natural Environ-
ment Research Council (NERC) “Do past fires explain current carbon dynamics
of Amazonian forests?” (Incêndios antigos explicam a atual dinâmica do carbono
nas florestas amazônicas?). Para coletar as amostras, trincheiras foram cavadas
com profundidade de 50cm e largura e comprimento de 80cm. Fragmentos ma-
croscópicos de carvão amostrados das paredes da trincheira foram manualmente
coletados e a profundidade de cada amostra foi registrada.
A quantidade de trincheiras em cada sítio dependeu da abundância de carvão
encontrado (JEN-11 N=4, PiB-05 N=3). Neste trabalho, porém, a trincheira
em JEN-11 foi excluída, devido a sua baixa concentração de carvão. Além das
trincheiras, muitos carvões são excluídos também devido ao seu tamanho (às vezes
menor que 2mm de diâmetro), pois estes não resistem ao tratamento químico e
acabam completamente dissolvidas. Algumas medidas para evitar este problema
são mencionadas no capítulo 5.

43
Figura 4.1: Locais de amostragem. À esquerda a Floresta do Pibiri e à direita a Floresta Jenaro
Herrera.

4.2 Tratamento químico


Antes de podermos acessar o carbono pertencente à amostra original, é preciso
remover quaisquer contaminantes que tenham sido aderidos. Para isso, são usados
tratamentos físicos e químicos para que a amostra indique as informações mais
fiéis possíveis.
Neste trabalho comparamos a eficácia do protocolo de tratamento químico do
LAC-UFF com o protocolo da NERC Radiocarbon Facility (NRCL).
Como é comum na datação de amostras de carvão, o tratamento usado é
o ABA, onde fazemos uma série de lavagens das amostras em ácidos, bases
e ácidos novamente para remover contaminantes superficiais e provenientes da
decomposição do material. Aqui vamos analisar as diferenças vindas do uso de
diferentes bases, comparando diferenças no protocolo de ABA entre o LAC-UFF
e o NRCL, onde o LAC-UFF usa NaOH como base e o NRCL usa KOH.
No LAC-UFF as amostras foram raspadas usando um bisturi para remover
contaminantes visíveis provenientes de sedimentos e, posteriormente, pesadas.
Como a maior parte dos pedaços de carvão não são muito grandes (não mais do
que um centímetro em diâmetro) e neste trabalho é preciso dividi-las em até 4
partes para fazer os testes, sabia-se que nem todos os fragmentos poderiam ser
submetidos a todos os testes. Foi selecionada uma amostra de cada trincheira
em cada camada de 5 centímetros de profundidade ao longo do perfil do solo de
PIB-05 (9 amostras) que fossem grande o suficiente para serem divididas em pelo
menos dois pedaços para que se pudesse fazer mais de um tratamento químico.

44
Para avaliar o efeito dos tratamentos as amostras foram divididas em 4 grupos:
1) sem tratamento químico (ST), 2) amostras preparadas usando o protocolo do
LAC (NaOH@LAC), 3) amostras preparadas no LAC-UFF com o protocolo do
NRCL (KOH@LAC) e 4) amostras preparadas no NRCL com o protocolo de
NRCL (KOH@NRCL).
As amostras sem o tratamento químico foram feitas para se avaliar o quanto
o tratamento afetaria as idades das amostras (uma medida da contaminação) e
os tratamentos com KOH no LAC-UFF e no NRCL foram feitos para fins de
intercomparação, almejando garantir uma boa concordância entre os protocolos
dos dois laboratórios.
No LAC-UFF banhamos as amostras em ácido HCl 1M a 90 °C por duas horas,
removemos o ácido e repetimos até que não haja mais reação, o que em geral é
atingido na primeira vez. Então lavamos a amostra com água ultrapura deionizada
3 vezes e colocamos a amostra na base NaOH 1M a 90 °C por uma hora, repetindo
até que o líquido fique claro (perto da cor de palha), o que em geral é necessário
fazer 5 ou mais vezes. Repetimos a lavagem com água ultrapura e fazemos a etapa
final com ácido HCl 1M por duas horas a 90 °C. A amostra é então lavada 5 vezes
com água ultrapura e deixada para secar. Após estes procedimentos a amostra está
pronta para os passos de combustão, purificação do CO2 e conversão a grafite.
Se o pernoite for necessário devido ao tempo de cada etapa, as amostras são
deixadas em ácido HCl 0,1M a temperatura ambiente até o próximo dia, quando
são lavadas e podem prosseguir com o tratamento químico.
No NRCL as amostras são colocadas em ácido HCl 2M a 80 °C por 8 horas,
lavadas com água ultrapura e colocadas em base KOH 1M a 80 °C por duas horas.
Esta etapa é repetida até o líquido ficar claro. As amostras são então lavadas com
água ultrapura e colocadas em ácido HCl 2M a 80 °C por 5 horas. Após essa etapa,
as amostras são lavadas e deixadas para secar. Após isso estarão prontas paras as
próximas etapas. O pernoite se dá da mesma maneira que no LAC-UFF.
Estes protocolos são resumidos na figura 4.1

As principais diferenças são a base, onde o LAC-UFF usa NaOH e o NRCL


usa KOH, os tempos de reação, em especial para o HCl, e a pequena diferença de
temperatura (90 °C e 80 °C).

45
Tabela 4.1: O protocolo para carvões no LAC-UFF e no NRCL.

Protocolo no NRCL Protocolo no LAC-UFF


HCl 2M a 80 °C por 8 horas HCl 1M a 90 °C por 2 horas
Lavar Lavar
KOH 1M a 80 °C por 2 horas NaOH 1M a 90 °C por 1 hora
Repetir até o líquido ficar claro Repetir até o líquido ficar claro
Lavar Lavar
HCl 2M a 80 °C por 5 horas HCl 1M a 90 °C por 2 horas
Lavar e secar Lavar e secar

4.3 Combustão
Primeiramente colocamos a amostra em tubos de quartzo (chamados Tubos de
Combustão ou CT) previamente preparados com 60 miligramas de óxido cúprico
(CuO) e um fio de prata de aproximadamente 2mm, que é então degasado a
uma pressão inferior a 1 militorr para se eliminar gases atmosféricos que podem
contaminar a amostra. O CT vai então ao forno onde é assado a 900 °C por 5 horas
(2 horas de aquecimento até 900 °C e mais 3 horas nessa temperatura). Com isso
o carbono da amostra forma o dióxodo de carbono através das reações:

𝐶𝑢𝑂 + 𝐶 → 𝐶𝑢 + 𝐶𝑂 (4.1)

𝐶𝑢𝑂 + 𝐶𝑂 → 𝐶𝑢 + 𝐶𝑂 2 (4.2)
Este é o procedimento para amostras orgânicas (como carvão, madeira, solo,
etc), que são o foco deste trabalho. Para amostras inorgânicas (como conchas,
corais, dentes, etc) o processo é muito diferente (é usado o processo de hidrólise).

4.4 Purificação do CO2


Com o CO2 , o que precisamos fazer é reduzí-lo em grafite, primeiramente
fazendo o processo de purificação. Para isso, passamos o gás em uma linha de
vácuo, mostrada na figura 4.2
O tubo de quartzo fica dentro de um tubo corrugado, e é então quebrado fazendo
com que o gás contendo a amostra passe primeiro por uma armadilha térmica de
gelo seco e álcool (que está abaixo de -78 °C), onde toda a umidade da amostra

46
Figura 4.2: Foto da linha de vácuo usada para a purificação.

(que se dá na forma de água) fica retida, visto que a água se solidifica a 0 °C.
O gás passa então para uma segunda armadilha térmica, desta vez na forma de
nitrogênio líquido, que está a -196 °C, e desta vez o dióxido de carbono fica retido
na forma sólida e outras impurezas que permanecem na forma gasosa podem ser
eliminadas.

4.5 Conversão em grafite


Com isso teremos o gás de CO2 purificado em um tubo de pyrex (chamado de
Tubo de Grafitização, ou GT) contendo 10-15mg de Hidreto de Titânio (TiH2 ),
20-25mg de Zinco (Zn) e um tubo interno com 3-5mg de Ferro (Fe). O GT é então
levado ao forno a 550 °C por 7 horas. Com isso ocorrem as reações:

2𝑇𝑖𝐻2 + 𝐶𝑂 2 → 2𝑇𝑖 + 2𝐻2 𝑂 + 𝐶 (4.3)

2𝑍𝑛 + 𝐶𝑂 2 → 2𝑍𝑛𝑂 + 𝐶 (4.4)


Este carbono será aderido ao Ferro, que age como catalizador, ou seja, o tubo
interno conterá Ferro e carbono na forma de grafite.

47
A mistura de ferro e grafite é então removido do tubo interno e prensado
em uma roda de catodos, como ilustrado na figura 4.3, onde é então levado ao
acelerador, onde a fonte cria íons negativos a partir do grafite através do processo
de sputtering por Césio+ (Middleton, 1976).

Figura 4.3: Foto da roda de catodos.

48
Capítulo 5

Resultados e discussão

5.1 Intercomparação
O primeiro grupo de amostras consiste em 9 carvões da floresta do Pibiri,
na Guiana. Estes carvões já tinham sido testados no NRCL com apenas o seu
protocolo. Após datar estas amostras no LAC sem nenhum tratamento químico
foi notado que a maioria delas (9 de 11 amostras) não tinha um grau elevado de
contaminação, com exceção das amostras 83481, 83489 e 83491, em torno de
12% a 13%. Todas as outras amostras tinha menos de 10% de diferença na idade
convencional. Estes dados podem ser vistos nas tabelas 5.1 e 5.2. Dessa maneira
um novo grupo de amostras foi procurado.

Tabela 5.1: Idades medidas no NRCL com o seu protocolo e no LAC-UFF sem tratamento químico.
[ST=sem tratamento]

Sítio NRCL ID NRCL idade de 14 C (AP) LAC ID (ST) idade de 14 C (AP)


PIB-05/1/20 SUERC-83478 1052 ± 35 LAC190244 1118 ± 32
PIB-05/1/25 SUERC-83481 1267 ± 35 LAC190247 1465 ± 32
PIB-05/1/30 SUERC-83484 2531 ± 35 LAC190249 2614 ± 37
PIB-05/1/35 SUERC-83490 6152 ± 36 LAC190245 6114 ± 49
PIB-05/2/25 SUERC-83482 10045 ± 42 LAC190310 10123 ± 66
PIB-05/2/30 SUERC-83489 968 ± 35 LAC190248 1101 ± 34
PIB-05/2/35 SUERC-83491 983 ± 35 LAC190251 1101 ± 37
PIB-05/3/25 SUERC-83483 1189 ± 35 LAC190250 1289 ± 33
PIB-05/3/35 SUERC-83492 6106 ± 38 LAC190246 6013 ± 45

49
Tabela 5.2: O pMC medido no NRCL com o seu protocolo e no LAC-UFF sem tratamento químico.
[ST=sem tratamento]

Sítio NRCL ID NRCL pMC LAC ID (ST)pMC


PIB-05/1/20 SUERC-83478 87,73 ± 0,38 LAC190244 81 ± 0,35
PIB-05/1/25 SUERC-83481 85,41 ± 0,37 LAC190247 83,33 ± 0,33
PIB-05/1/30 SUERC-83484 72,98 ± 0,32 LAC190249 72,22 ± 0,33
PIB-05/1/35 SUERC-83490 46,49 ± 0,21 LAC190245 46,71 ± 0,28
PIB-05/2/25 SUERC-83482 28,64 ± 0,15 LAC190310 28,66 ± 0,18
PIB-05/2/30 SUERC-83489 88,65 ± 0,39 LAC190248 87,20 ± 0,36
PIB-05/2/35 SUERC-83491 88,49 ± 0,39 LAC190251 87,19 ± 0,40
PIB-05/3/25 SUERC-83483 86,24 ± 0,38 LAC190250 85,17 ± 0,35
PIB-05/3/35 SUERC-83492 46,76 ± 0,22 LAC190246 47,31 ± 0,27

O próximo conjunto de amostras consiste de dois carvões originados do Distrito


Jenaro Herrera, no Peru. As amostras precisavam ter uma quantidade considerável
de contaminação e serem grandes o suficiente para serem divididas em 3 partes
após serem testadas no NRCL para que possam ser datadas das três maneiras (Sem
tratamento, com o protocolo de SUERC e do LAC). Estas duas foram as únicas
que se encaixaram nestas demandas.
As amostras foram preparadas em 3 grupos: uma sem nenhum tratamento
químico (amostras LAC190513 e LAC190516), com o protocolo do LAC-UFF
(NaOH@LAC nas amostras LAC190514 e LAC190517) e as com o protocolo
do NRCL (KOH@LAC nas amostras LAC190515 e LAC190518). Na tabela 5.3
podemos ver todos esses resultados.

Tabela 5.3: As idades de 14 C e pMCs dos diferentes protocolos feitos.

Protocolos KOH@NRCL Sem Tratamento NaOH@LAC KOH@LAC


Sítio JEN-11/3/39K
ID NRCL-85998 LAC190513 LAC190514 LAC190515
pMC 82,56 ± 0,36 82,08 ± 0,48 81,71 ± 0,49 81,61 ± 0,43
Idade 14 C (AP) 1539 ± 35 1586 ± 47 1623 ± 49 1633 ± 43
Sítio JEN-11/1/46K
ID SUERC-85989 LAC190516 LAC190517 LAC190518
pMC 87,59 ± 0,40 89,38 ± 0,41 89,58 ± 0,45 87,66 ± 0,46
Idade 14 C (AP) 1064 ± 37 901 ± 37 884 ± 40 1058 ± 42

Estes resultados podem ser melhor vistos nas figuras 5.1, 5.2 e 5.3.

50
Figura 5.1: O efeito dos diferentes tratamentos nas amostras da floresta do Pibiri.

Figura 5.2: O efeito dos diferentes tratamentos nas amostras da floresta do Pibiri.

51
Figura 5.3: O efeito dos diferentes tratamentos nas amostras de Jenaro Herrera.

O primeiro ponto a ser levado em consideração é que os resultados do protocolo


do LAC-UFF concordam com o protocolo de NRCL, tanto o feito no laboratório
original quanto o replicado no LAC-UFF. Isto indica que os protocolos podem ser
equivalentes entre si (podendo o laboratório escolher o mais econômico, por exem-
plo) e também que eles podem ser facilmente reprodutíveis em outros laboratórios.
A única possível exceção é a amostra JEN-11/1/46K, onde o protocolo do NRCL
feito em ambos os laboratórios concordam porém o protocolo do LAC-UFF não
teve diferença considerável em relação ao procedimento sem tratamento químico.
Infelizmente algumas amostras não tinham quantidades consideráveis de con-
taminação, o que neste estudo é requerido. Isto pode se dar pela possível neutrali-
dade de ph do solo, o que faz com que o mesmo não adira às amostras, porém as
conserve e diminua os efeitos da decomposição, outra fonte de contaminação.
Nas amostras de Pibiri observou-se que o tratamento químico resultou na
diminuição da idade convencional das amostras, o que leva a crer que o tratamento
acessou a fração mais antiga das amostras.
Um dos objetivos deste trabalho é analisar o impacto do tratamento químico
nos carvões. O que podemos analisar dos resultados é que muitos estavam com
níveis inferiores ao que era esperado (até 60%), dessa maneira uma possibilidade é
que, após feita uma análise mais criteriosa das possíveis condições dessa amostra
(como o tipo de solo, ph, umidade, etc), possa se estabelecer condições para se
eliminar o tratamento químico de grupos de carvões similares no futuro (ao preço
de se aumentar a incerteza sobre os resultados), visto que um problema muito
comum é o da amostra ser completamente consumida pelos reagentes químicos

52
usados, já que muitos carvões chegam ao laboratório com menos de 2mm de
diâmetro. Assim se for estabelecido que certos carvões podem ser datados sem
o tratamento químico sem perda de acurácia teremos novas possibilidades para
carvões que antes não poderiam ser datados devido ao tamanho. Mais datações
são necessárias antes de se tomar tal decisão, já que uma variação de, por exemplo,
3% para uma amostra de 10 mil anos tem um impacto muito maior do que a mesma
variação percentual em uma amostra de 300 anos (logo este método provavelmente
será mais efetivo para carvões mais jovens).

5.2 Análise matemática dos anéis


Aqui encontramos cálculos preliminares para o desenvolvimento de um modelo
que possa reduzir os erros devidos ao Efeito da Madeira Antiga.
Nosso objetivo é, ao encontrar um pedaço de carvão, conhecer a probabilidade
dele pertencer à uma parte mais interna ou externa da árvore, assim vamos fazer
as suposições mais simples primeiro e incrementando o nível de complexidade a
cada novo modelo.

Suposição: As árvores crescem verticalmente como cilindros e depositam


anéis circulares anualmente de mesma espessura.

Considerando:
𝑅 → Raio total da árvore
𝑟 → Raio até o anel em questão
𝑁 → Quantidade total de anéis
𝑁𝑖 → Quantidade de anéis até o ano em questão (também pode ser chamado
de i)
𝑔 → Espessura do anel em questão
Dessa forma temos 𝑔 constante, e:

𝑅 = 𝑁𝑔

𝑟 = 𝑁𝑖 𝑔

A área hachurada (figura 5.4) ilustra a área do anel em questão.


Assim, estamos considerando que o fragmento de carvão encontrado é grande
o bastante para se fazer a datação porém não é possível identificar de que anel ele
veio. Dessa maneira a probabilidade do carvão pertencer a um anel é relacionado
às áreas que esses anéis ocupam:

53
Figura 5.4: Ilustração dos anéis de árvore, em especial o anel hachurado que estamos calculando.

Área hachurada
Probabilidade = Área total
Área hachurada= 𝜋𝑟 2 − 𝜋(𝑟 − 𝑔) 2 = 𝜋(𝑟 2 − 𝑟 2 + 2𝑟𝑔 − 𝑔2) =
= 𝜋𝑔(2𝑟 − 𝑔)

Área total= 𝜋𝑟 2
Logo:

𝜋𝑔(2𝑁𝑖 𝑔 − 𝑔) 𝜋𝑔 2 (2𝑁𝑖 − 1) 2𝑁𝑖 − 1


𝑃= = = (5.1)
𝜋(𝑁𝑔) 2 𝜋𝑁 2 𝑔 2 𝑁2
Como exemplo ilustrativo, vamos considerar algumas árvores:
Árvore com 1 anel:
2×1−1
𝑃= 12
= 1 = 100%

Árvore com 2 aneis:


1º anel:
2 𝑥 1 −1 1
𝑃= 22
= 4 = 25%

2º anel:
2 𝑥 2 −1 3
𝑃= 22
= 4 = 75%

54
Árvore com 10 aneis:
1º anel:
2𝑥 1−1 1
𝑃= 102
= 100 = 1%
10º anel:
2𝑥 10−1
𝑃= 102
= 19%
E, como deveria ser, os resultados somam 100%.
Sabemos, porém, que as árvores não depositam aneis de mesma espessura, mas
que cada anel é ligeiramente mais fino que o anterior. Dessa maneira é preciso
atualizar o modelo para levar em conta essa variação.
Vamos considerar então uma árvore que deposita aneis que diminuam conti-
nuamente por um fator constante. Dessa maneira definimos:
𝑔1 → Espessura do primeiro anel
𝑔𝑖 → Espessura do anel 𝑁𝑖
𝛼 → Fator de diminuição (constante neste modelo)
𝑟𝑖 → Raio da árvore até o anel 𝑁𝑖
Assim, contando os aneis do centro para fora, temos
𝑔𝑖 = 𝑔1 − 𝛼(𝑁𝑖 − 1)
De maneira que
𝑔1 = 𝑔1
𝑔2 = 𝑔1 − 𝛼
𝑔3 = 𝑔1 − 2𝛼
𝑔4 = 𝑔1 − 3𝛼
..
.
e

𝑁𝑖
Õ
𝑟𝑖 = 𝑔𝑗
𝑗=1

Mesmo ainda nos estágios iniciais, este modelo tem grande potencial para o
tratamento de incertezas relacionadas aos carvões pelo efeito da madeira antiga.
Sabendo-se de que árvore o carvão veio temos informações como o tempo de vida
e diâmetro médio da mesma, então podemos tentar predizer o impacto disso no
resultado final.

55
Capítulo 6

Conclusão

Em suma, devemos sempre atualizar os protocolos do laboratório quando for


possível, seja por motivos de custo ou para adotar novas técnicas. A antracologia
pode ser um aliado poderoso para projetos envolvendo incêndios, pois podem ser
decisivos em se entender de maneira mais profunda os contextos em que os carvões
estão inseridos.
Devido à pequena quantidade de amostras analisadas, os resultados ainda não
são conclusivos, porém isto é um incentivo para futuras colaborações nacionais e
internacionais, novas e recorrentes, o que é saudável e necessário para a manuten-
ção de qualquer laboratório.
O que podemos concluir, porém, é que os resultados nos mostram que o nível
de contaminações nos carvões de maneira geral (pelos menos nas áreas da Bacia
Amazônica, mas possivelmente em outras regiões) são muito menores do que o
esperado, logo temos a perspectiva de poder criar protocolos sem a presença de
um tratamento químico tão agressivo, o que abre uma miríade de possibilidades
para tratar carvões que não poderiam ser datados de outra maneira.
Além disso com uma elaboração mais desenvolvida do modelo matemático po-
demos tentar programar um método iterativo de forma a simular cenários diferentes
e ter resultados mais confiáveis, que possam ser integrados à outros programas de
modelo deposicional já usados, o que impactará positivamente as datações futuras
de carvão e nos dará precedente para a criação de modelos semelhantes para outras
amostras, adaptadas às suas particularidades, é claro.

56
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