Glaura Teixeira Nogueira Lima
Glaura Teixeira Nogueira Lima
Glaura Teixeira Nogueira Lima
PUC/SP
São Paulo
2007
2
BANCA EXAMINADORA
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3
AGRADECIMENTOS
RESUMO
A proposta desta tese é analisar a formação de Araxá, Minas Gerais, enquanto cidade-
balneário. O que se desenhou nesse percurso, entre 1920 e 1940, com algumas incursões nas
décadas anteriores, foi a busca das possibilidades de se construir um modelo ideal de estação
de águas. Embora distanciados geograficamente, os espaços da cidade e do seu balneário
estiveram unidos por intensas relações espaciais, sociais e culturais.
Nesse sentido, serão discutidas algumas das formas assumidas pelas intervenções efetivadas
em função do uso desses dois territórios, nascidas em torno das representações urbanas, das
práticas discursivas e de outras asseguradas por segmentos que viveram esse cotidiano, nele
trabalhando, sobrevivendo, descansando ou submetendo-se aos tratamentos por meio das
águas e da lama termal. Espaços públicos e privados, criados e recriados numa atmosfera
politizada, apontavam para a garantia de uma estância de cura, de repouso e de veraneio onde
se imperava intensa socialização.
A questão tida como imprescindível – a do funcionamento harmônico entre corpo e sociedade
– vem revelar outras, tributárias desta, como a dos sentidos dos banhos e da beleza estética,
contribuindo, por sua vez, para consolidar o viés mitificado das temporadas, em particular.
A versão idealizada da “maior e mais bela estância hidromineral do continente”, conquistada
com a implantação do Complexo Termal do Barreiro de Araxá, inseriu-se no projeto do
Estado Novo. O significado da materialização desse território emblemático configurou-se
como uma tentativa de recriação da própria cidade. Buscando unicidade dentro de um cenário
múltiplo, as relações sociais mantidas neste tempo de descobertas, euforias e mazelas, vividas
num espaço amplo de representações mágicas, construíram identidades e memórias.
Abordando questões sociais e culturais e tangenciando outras políticas, esta tese está centrada
em farta documentação textual, visual, oral e material. A diversificação das fontes ou
evidências históricas, possibilitando o trabalho com documentos impressos, manuscritos
oficiais e não-oficiais, panfletos, jornais, revistas, diários, guias termais e turísticos, mapas,
projetos urbanísticos, fotografias, filmes, vídeos, monumentos erguidos no espaço urbano e
depoimentos orais, permitiu ampliar a possibilidade de produzir novos questionamentos,
novas visões.
ABSTRACT
The proposal of this thesis is to analyze the formation of Araxá, Minas Gerais, as a bathing
city. What was drawn in this path, between 1920 and 1940, with some incursions in the
previous decades, was the search for the possibilities of building an ideal model of watering
resort. Although distanced geographically, the spaces of the city and of its bathing
establishment were united by intense spatial , social and cultural relationships.
To this effect, we will discuss some of the forms assumed by the interventions carried out
depending on the use of the spaces in those two territories, born around the urban
representations, discursive practices and others assumed by segments that lived this daily life,
in it working, surviving, reposing or undergoing the treatments through the waters and the
thermal mud. Public and private spaces, created and recreated in a politicized atmosphere,
pointed out for the guarantee of a cure, rest and summer vacation resort where intense
socialization reigned.
The subject supposed to be indispensable – the one of harmonic functioning amongst body
and society – has come to reveal others, ramifications of such subject, as the one regarding the
senses of the baths and the aesthetic beauty, seeking, in its turn, to consolidate the mythicized
trend of the seasons, in particular.
The idealized version of the “larger and most beautiful mineral watering resort in the
continent”, conquered with the implantation of the Thermal Compound of Barreiro de Araxá,
was inserted in the project of the New State. The meaning of the materialization of this
emblematic territory was configured as an attempt to recreate the city itself. Looking for
unicity within a multiple scenario, the social relationships maintained in this time of
discoveries, euphoria and displeasures, experienced in a wide space of magic representations,
built identities and memoirs.
Approaching social and cultural subjects, and touching other policies, this theory is centered
in abundant textual, visual, oral and material documentation. The diversification of the
historical sources or evidences - making possible the work with printed documents, official
and non-official manuscripts, pamphlets, newspapers, magazines, daily newspapers, thermal
and tourist guides, maps, urban projects, pictures, films, videos, monuments erected in the
urban space and oral testimonies - allowed to enlarge the possibility to produce new
questionings, new visions.
SUMÁRIO
LISTA DE IMAGENS............................................................................................................11
APRESENTAÇÃO..................................................................................................................12
I – ESSENCIALMENTE AS ÁGUAS...................................................................................24
1.1 – ÁGUAS DE BEBER, DE CURAR E DE PROSPERAR................................................26
1.2 – NASCE UMA ESTAÇÃO DE ÁGUAS...........................................................................41
1.3 – A CIDADE NO BALNEÁRIO E O BALNEÁRIO NA CIDADE..................................51
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................272
BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................280
FONTES.................................................................................................................................299
ANEXOS................................................................................................................................329
11
LISTA DE IMAGENS
APRESENTAÇÃO
13
Tal qual sugere o título deste trabalho – a existência de uma via de duplo sentido
entre Araxá e o seu Balneário –, o tema em investigação não se constitui numa escolha de
mão única, decorrendo de experiências pessoais somadas às profissionais. Essa proposta
inicial tem como fundamento analisar a forma como se deu a materialização de uma cidade-
balneário de Minas Gerais entre 1920 e 1940. A pertinência desse recorte, permitindo-se
algumas incursões no século XIX, atende a certas inquietações provenientes ainda do
mestrado, em que os objetivos de constatar uma “vocação natural” e de iluminar uma espécie
de apogeu da cidade-balneário pareceram, obrigatoriamente, adiados para o período Vargas.
De volta, portanto, aos motivos que indicaram o tema eleito, deve-se considerar que as
expectativas giravam em torno daquele período historicamente construído como “glorioso”,
percepção semelhante à do quadro de experiências e de aspirações de determinados
segmentos da população local.
A construção de um modelo ideal de estação de águas pressupôs a integração
definitiva entre dois territórios que, distanciados geograficamente, estiveram unidos por
intensas relações espaciais, sociais e culturais. O contínuo ir e vir dos cidadãos conferiu
identidade a ambos e revelou possibilidades nas representações e nas práticas de se garantir a
materialização da cidade-balneário. Como espaços físicos análogos, construíram-se as
concepções urbanas tal como as entendiam e as imaginavam. Como espaços físicos
recíprocos, formados pela combinação entre natureza e cultura, imperando nestas o elemento
água, ocuparam-se por pessoas que neles viviam, trabalhavam, descansavam ou se curavam
das mazelas da sociedade e do próprio corpo.
A proposta de discutir esta questão num sentido mais amplo parte da identificação
dos discursos técnico-científicos e das próprias identidades de um lugar destinado à cura e ao
veraneio e implica, naturalmente, em suscitar outras questões ou subtemas. São estas, ou
estes, as intervenções físicas efetivadas, gerando a criação e a recriação de espaços públicos e
privados destinados à cura, ao bem-estar e à hospedagem; a potencialização da cura por meio
das águas e da lama termal; a socialização como hábito inerente à vida urbana, em especial ao
convívio entre habitantes locais e visitantes; a incorporação, decorrente da supracitada
socialização, de maneiras diferentes de pensar, de agir e, enfim, de viver; e as formas de
organizar o trabalho, considerando-se, neste aspecto, o funcionamento harmônico entre a
sociedade e o corpo humano no campo da materialidade e das sensibilidades. Esta última
questão, vista como essencial para uma estação de águas, revela outras, como os sentidos dos
banhos e da beleza estética articulados à atmosfera mítica das temporadas. Alcançando,
14
1
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1979. p.27-49.
2
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
p.171-179.
3
CHARTIER, Roger. “O mundo como representação.” In: REVISTA ESTUDOS AVANÇADOS. São Paulo,
vol.5, n.11, jan./abr. 1991. p.173-190.
4
WILLIAMS, Raymond. Op. cit. p.27-49.
15
5
HOGGART, Richard. As utilizações da cultura. Lisboa: Presença, 1973. p.198. LE GOFF, Jacques.
“Documento/ Monumento.” In: LE GOFF, Jacques. História e memória. Vol.2. Campinas: Unicamp, 1992.
p.103-115.
6
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. 3ª.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
p.73-81.
16
7
A propósito das siglas apresentadas neste trabalho, ainda que em número reduzido, estas se referem aos códigos
usados, a saber: FCCB - Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá; ACMA - Arquivo da Câmara Municipal
de Araxá; APM - Arquivo da Prefeitura Municipal de Araxá; e DIP - Departamento de Imprensa e Propaganda.
17
analisados, são privilegiados alguns deles, entre os quais: A Faísca (1929), de José Carlos
Pedro Grande e Antonio Cabral; A Opinião (1932), de Carvalho Melo e Antonio Cabral;
Almenara (1934), de Genaro Porfírio de Azevedo; e Renovação (1934), dos Drs. Álvaro
Ribeiro e Tomás de Almeida.
Seus artigos e demais registros constroem aspectos do cotidiano ao oferecerem
subsídios para discussões acerca do viver urbano, das suas múltiplas relações e diferenciações
sociais, das diversas imagens superpostas que o identificam como cidade e como estância
hidromineral. Enquanto o jornal A Opinião começou a circular num período de grande
expectativa em relação ao futuro da cidade, trazendo em suas edições referências sobre o
passado a partir daquele momento presente, o jornal Renovação, dirigido por dois
profissionais da medicina e proprietários de hotel próximo às fontes minerais, deu visibilidade
ao estudo da estância e da sua relação com a natureza, essencial à estação de cura.
As colunas sociais, presentes em todos eles, não apenas imprimiram leveza aos seus
textos, como também informaram aspectos de como era produzido e reproduzido o cotidiano,
revelando, ainda, quem chegava, e de onde, e quem partia, e para onde. Em se tratando de
uma cidade construída, tangível e intangivelmente, sob o emblema das águas, pretendendo
ampliar sempre seus contatos com as grandes cidades por meio dos aquáticos e veranistas,
busca-se compreender pelo fio das elites o motivo pelo qual Araxá pareceu estar tão próxima
da Belle Époque, ainda a partir de 1930. Enfim, a pesquisa nos jornais foi concentrada nos
artigos que tratam da cidade e do balneário, tentando-se neles encontrar os personagens que
viveram ou freqüentaram ambos os lugares, experimentando, de forma recíproca, valores,
atitudes e comportamentos.
O arquivo fotográfico da FCCB mereceu um exame atento. Decifrar os códigos das
imagens da materialização do Barreiro em Araxá é, de certa maneira, interpretar a visão de
estação balneária presente à época do Estado Novo, ou seja, um modelo semelhante àquele
que se criou ou se imaginou como símbolo de estância hidromineral. As fotografias passam
de um registro de experiências vividas, depois fotografadas oficialmente, para, em seguida,
serem decodificadas, revistas e repensadas. Sob outro ângulo, a possibilidade de se produzir e
reproduzir imagens mediante a fotografia incluiu cidadãos e cidadãs como testemunhas de
algum momento vivido. Embora a imagem em suporte de papel, disponível numa cidade do
interior como Araxá, tivesse se configurado como objeto de desejo há poucas décadas, a partir
de 1930, aproximadamente, o foco das lentes dos fotógrafos esteve direcionado às
experiências e às imagens continuamente instituídas da construção da estância ideal. Esta
18
8
LE GOFF, Jacques. Op. cit. p.114-115.
20
XIX para, em seguida, mais precisamente no capítulo dois, alcançar os anos 1920 e 1930. Esta
opção decorreu do fato de as próprias fontes de pesquisa e o seu manuseio terem indicado tal
percurso como sendo essencial ao entendimento das relações cidade-balneário.
O nascimento da estação de águas integrou definitivamente a cidade ao Barreiro e
definiu as bases para que se materializassem, nos anos 1920-1940, as idéias em torno de uma
cidade e de sua estação ideal. De que maneira isso ocorreu? Para tentar responder a essa
questão são articuladas outras, relativas, por exemplo: aos usos das fontes de águas minerais e
à posse de terras no entorno daquelas; à natureza enquanto objeto dos olhares científico e
médico; às projeções quanto ao aproveitamento terapêutico e comercial das riquezas naturais;
às iniciativas públicas e particulares que tentaram promover o acesso e a viabilização da
estância; e às tensões decorrentes de tais iniciativas. Com a formação da estação de águas
deu-se uma espécie de retomada do Barreiro, de onde partira o núcleo urbano inicialmente.
Neste capítulo são utilizadas fontes como: Livros de Atas da Câmara Municipal de Araxá,
Decretos e Leis, Relatórios da administração municipal, Códigos de Posturas,
correspondências, requerimentos municipais, jornais, fotografias e trabalhos de memorialistas.
O segundo capítulo, “Cotidiano da estação (1920 e 1930)”, ampara-se em
documentos oficiais vinculados aos poderes executivo e legislativo municipais, documentos
avulsos, jornais, mapas, projetos urbanísticos, almanaques e propagandas neles contidos,
guias, publicações técnicas, diários, fotografias e depoimentos orais. Seu foco é o cotidiano
urbano de Araxá e sua especificidade enquanto estação de águas. Espaços físicos foram
criados e recriados em torno das concepções de cidade e de estância. De que maneira
entendiam-se e imaginavam-se estes espaços? Sob a perspectiva do higienismo e da adoção da
via médico-sanitarista tentou-se transformar a cidade e o seu Balneário no que se refere à
materialidade e ao modo de vida dos cidadãos.
Como se deram o processo de engajamento dos habitantes no cotidiano urbano e suas
formas de organizar o trabalho e o entretenimento? Pretende-se mostrar como a ancoragem no
poder curativo das águas conduziu ao investimento em serviços, produtos e propagandas
comerciais que atraíssem os visitantes em busca de saúde e/ou de lazer. Neste aspecto, busca-
se analisar a intensidade do convívio mantido entre a população local e aqueles que chegavam
para as temporadas. Se os hotéis apresentaram mudanças de signos, passando de lugares de
hospedagem para lugares de socialização, como isto ocorreu? A busca para interpretar e
verificar as representações urbanas nos anos 20 e nos primeiros momentos da década de 30
levou a um certo mapeamento dos seus principais símbolos, tais como os próprios hotéis (na
cidade e no Barreiro), as fontes, as edificações construídas para abrigá-las e a paisagem
21
natural. No desdobramento desse simbolismo revelaram-se formas de vida local inseridas nas
esferas sociais e culturais. Quais seriam estas e suas relações com a condição de estância
hidromineral? A proposta de traçar os modos com que assumiram essas alterações no âmbito
do espaço urbano, das representações que envolveram a cidade e sua estação de cura, de
veraneio e de lazer, das identidades, das práticas assumidas por diversos segmentos sociais,
das memórias de quem viveu ou ainda vive esse cotidiano exigiu essas e outras indagações.
Intitulado “Tempos de curar e de embelezar”, o terceiro capítulo dedica-se aos
aspectos formadores de uma identidade urbana com a interpretação das múltiplas vivências
presentes no cotidiano da cidade e do balneário. Mediante uma fuga das polaridades,
pretende-se buscar aquilo que é peculiar a Araxá, tornando-a apropriada para atrair visitantes.
Fundamenta-se em documentos oficiais vinculados aos poderes executivo e legislativo
municipais, documentos avulsos, acervos pessoais, trabalhos técnicos, guias, almanaques,
revistas com propagandas, jornais, depoimentos orais, fotografias, filmes e fontes eletrônicas.
É o enfoque do corpo sob uma perspectiva histórica que permite pontuar e analisar a
tendência que impulsionou a visitação às estâncias balneárias. Araxá uniu as idéias de higiene,
de saúde física e de embelezamento às noções de trabalho e de lazer. Buscou reunir condições
propícias para oferecer as águas revigorantes do organismo aos seus freqüentadores. Para isso
são perceptíveis as iniciativas de hoteleiros, administradores e médicos na promoção de
estudos científicos sobre as qualidades das águas que, aliadas às condições climáticas, à
higiene, ao embelezamento e ao conforto dos espaços públicos e privados, conquistavam
respaldo técnico e demanda de veranistas. A urbanização trouxe a sociabilidade e com esta
novos padrões de comportamento foram incorporados.
Nesse sentido, algumas questões tornaram-se instigantes: a cidade tinha seu próprio
cotidiano e aquele que se projetava para as temporadas de 21 dias. Assim, de que forma se
construiu o tempo da estância e qual era a sua historicidade durante as semanas de estação?
Como se deu visibilidade ao rompimento da rotina? A população local se beneficiou das
transformações? Como as vivenciou? Com orgulho, tensões ou ambos?
Durante as temporadas, o cotidiano local parecia absorver a diversidade de
referências que apontavam para as potencialidades individuais e coletivas. Os hábitos
mantidos neste cotidiano reproduziram aqueles vistos enquanto modelo de civilização de
estância? O isolamento imposto aos aquáticos impediu ou, em sentido oposto, estimulou a
convivência entre eles e os moradores locais? O que é a estância e qual é a sua relação com a
natureza onde se bebe água e toma-se banho? Os divulgadores da estância de Araxá,
especialmente médicos, publicitários, comerciantes e hoteleiros, depositavam confiança na
22
idéia auspiciosa de respirar um novo ar, o componente essencial destinado aos visitantes.
Aliada à hidroterapia e aos fatores climáticos, a variação do lugar, alterando hábitos ou
incorporando outros, tornava-se vital ao alívio do ritmo em crescente tensão nos centros
urbanos. As práticas e representações corporais permitiam, ainda, uma inserção no universo
da estética.
O quarto capítulo, com o título “Era Grande Hotel: anos 1940”, vem encerrar o
percurso proposto. Aborda o processo de construção da estação de águas, imagética e
materialmente, com a implantação do Complexo Termal do Barreiro de Araxá, composto pelo
Grande Hotel, pelas Termas, pelas Fontes, pela Praça de Esportes, pelos Jardins e pelas Áreas
Residenciais. Privilegia, para tal, fontes como códigos de posturas, relatórios, diários, mapas,
projetos urbanísticos, jornais, revistas, correspondências oficiais mantidas entre Araxá e Belo
Horizonte, correspondências particulares, filmes, fotografias, depoimentos orais e fontes
eletrônicas.
A partir de 1937 teve início esta construção como um projeto político que se viu
acompanhado de outro sócio-cultural, ambos impondo-se com pretensões hegemônicas. O
projeto executado venceu outras opções mais modestas. Reforçou uma propalada vocação
natural e provocou interferência no esquadrinhamento da cidade. A quem veio beneficiar?
Seria ele a materialização da idéia, em concreto, de uma estação de águas? Seria aquela a
construção coletiva de um sonho? Ou uma questão de interesse de muitos cujas reações de
quem as vê seguem as percepções individuais? Outras questões mostraram-se inquietantes,
como o objetivo e o significado de uma obra de tamanha dimensão. As expectativas dos seus
gestores foram compartilhadas com as centenas de trabalhadores no dia-a-dia da construção,
sob os olhares vigilantes dos mestres do saber técnico-científico?
A estância do Barreiro por si só tornou-se um atrativo, a partir de 1944, imperando
pelo seu esplendor e suntuosidade. Nesse universo, freqüentado por trabalhadores e hóspedes
privilegiados, reafirmou-se a concepção de que o que existe de requinte em construções fora
do país pode ser visto aqui acrescido de características próprias. Nos ambientes sofisticados
realizaram-se festas glamourosas, os shows provocaram deslumbramento e o cotidiano das
pessoas foi ali decidido. Nos amplos salões também se apostou o futuro, porém, até 1946,
quando o cassino teve cerradas as suas portas. Mas qual o significado do fechamento do
cassino para a estância hidromineral e para a própria cidade, após um investimento de imensas
proporções? Se a partir de 1944 o cenário pareceu permeado por tensões, também apresentou
expectativas positivas, ainda que não tivesse sido concluído na sua totalidade no momento da
inauguração oficial.
23
9
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho. Bauru: EDUSC, 2002. p.32-
36.
24
I – ESSENCIALMENTE AS ÁGUAS
25
(Michel de Certeau)
26
10
CHARTIER, Roger. “O mundo como representação.” In: REVISTA ESTUDOS AVANÇADOS. São Paulo,
vol.5, n.11, jan./abr. 1991. p.173-190; CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e
sair da modernidade. Tradução de Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997. p.283-
350; GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras,
1989. p.171-179.
27
fontes de águas minerais – e a cidade, espaço urbano propriamente dito, nascido daquele
primeiro.11
Do espaço natural ao espaço construído percorreu-se um caminho de mão dupla:
urbanizar para gerar riquezas, produzir para fazer o uso indicado dos recursos naturais,
valorizar o ambiente natural para conquistar o conforto material e com ele receber os doentes
em busca de tratamento e os veranistas à procura de lazer.12 Diante dessas percepções foi
preciso transformar a cidade em balneário e o balneário em cidade (preferencialmente uma
cidade-jardim).13
Por mais renovadores que pudessem parecer os planos de aproveitamento do
potencial hidroterápico das suas fontes minerais, articulando os meios de produção da cidade
como um todo, as possibilidades que se abriram encontraram limites nas esferas econômica e
política. A construção da imagem de uma cidade ideal exigiu, além da instalação dos serviços
de saneamento básico e de telefonia, as inaugurações do grupo escolar, do mercado, do
matadouro, do hospital, dos jardins públicos, do teatro e do cinematógrafo. O discurso
higienista, reivindicando a limpeza e o embelezamento dos logradouros públicos, foi
praticado como elemento indispensável à saúde física e moral e à criação de formas de lazer,
questões que se apresentaram como fundamentais a uma cidade que pretendia se destinar à
vilegiatura.14
Mirando-se em modelos estabelecidos como próprios de estações de águas afamadas,
ao poder público coube buscar recursos oriundos do poder privado. À concepção das
transformações no tecido urbano seguiu-se a viabilização de estradas, pontes, ferrovia, vias
públicas higienizadas e embelezadas, prédios edificados segundo critérios estéticos – entre
11
AMADO, Janaína. “História e Região: reconhecendo e construindo espaços.”; SILVEIRA, Rosa Maria
Godoy. “Região e História: questão de método e perspectivas metodológicas.” In: SILVA, Marcos da (Coord.).
República em migalha: história regional e local de São Paulo. São Paulo: ANPUH/ Marco Zero/ CNPq, 1990.
p.7-42.
12
O lazer é entendido aqui como um conjunto de atividades com as quais a pessoa ocupa o seu tempo livre e que
se constitui essencialmente das seguintes funções: descanso; divertimento, recreação e entretenimento; e
desenvolvimento da personalidade. DUMAZEDIER, Joffre. Sociologia empírica do lazer. 2ª.ed. Tradução de
Sílvia Mazza e J. Guinsburg. São Paulo: Perspectiva, 1999. p.146-149.
13
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. p.13-28.
14
Teoricamente esse discurso nascia do grupo de profissionais dedicados às pesquisas e à ação individualizada
no combate às doenças e epidemias que atingiam a população de maneira geral. SCHWARCZ, Lilia Moritz. O
espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870-1930. São Paulo: Companhia das
letras, 1993. p.206. A respeito dessas atuações enquanto expressão de poder, adotam-se as análises de:
CHALHOUB, Sidney. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras,
1990. p.29-59; FOUCAULT, Michel. Resumo dos cursos do Collège de France (1970-1982). Tradução de
Andréa Daher; Consultoria de Roberto Machado. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p.81-86.
28
esses os hotéis – e das chamadas “Casas de Banhos”, espaços destinados às mais variadas
experiências de bem-estar decorrentes do fetichismo promovido pela existência das águas.15
Os tempos então sentidos por Araxá configuraram-se como representativos da
modernidade em que moradores e visitantes compartilhavam possibilidades de transformações
pessoais e coletivas.16 Os novos hábitos e comportamentos adotados nos espaços públicos ou
naqueles restritos às elites17 – onde eram cultivadas idéias, opiniões e críticas – reproduziram
os ditos padrões europeus de civilização, que foram apropriados pelas cidades e pelos
cidadãos brasileiros. Nesse cenário transformador que entrevia o real aproveitamento do
Barreiro, as negociações dos direitos de posse e de uso das fontes envolveram uma rede de
interesses conflitantes que colocaram em confronto as relações de poder. Ali, da mesma forma
como ocorrera com as mudanças verificadas na cidade, o jogo das forças políticas acabou por
revelar diferentes visões da vida urbana. As obras e os serviços considerados essenciais ao
bem-estar coletivo valorizaram os homens públicos, ao mesmo tempo em que a falta deles os
condenaram.
Araxá antecipou a modernização à medida que o objetivo de atingir as suas riquezas
naturais disponibilizou “trolys”, projetou bondes elétricos e viabilizou estradas de automóveis
antes mesmo da chegada dos trilhos. Contudo, a ambicionada vocação turística esbarrou nas
imagens ambíguas que a fizeram demonstrar certa indefinição entre o passado e o futuro. As
inovações abriram perspectivas, mas, simultaneamente, fizeram emergir a sensação de que
havia mundos diferentes.18
A sociedade conviveu com o cosmopolitismo das elites visitantes que chegavam para
as temporadas, ocultando as suas próprias mazelas. O cunho contraditório e passageiro desse
movimento de transformações definiu um processo vacilante que alternou avanços e recuos.
No momento em que o trem de ferro chegou, depois de décadas de expectativas e ilusões,
15
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu Estático na Metrópole - São Paulo: sociedade e cultura nos prementes anos 20.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.227-228.
16
Utiliza-se aqui a linha teórica de Marshall Berman, que analisa a modernidade enquanto um conjunto de
diversas experiências vividas “de tempo e de espaço, de si mesmo e dos outros, das possibilidades e perigos da
vida [...]” e que denomina modernização aos “processos sociais” e vitais, portanto, aos tipos de experiências
asseguradas por quem se pretende “moderno”. BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a
aventura da modernidade. Tradução de Carlos Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioratti. São Paulo: Companhia das
Letras, 1986. p.15-16.
17
A conceituação de elite aqui em uso identifica-se com o que propõe Jeffrey Needell ao associá-la a uma
definição mais ampla de poder – poder derivado da riqueza, da ocupação e do status social reconhecido, bem
como da posição política; e, mais comumente, derivado de uma combinação de todos estes fatores. Conforme
esta definição está prevista a possibilidade de inserção de novos elementos ao grupo. NEEDELL, Jeffrey. Belle
Époque tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. Tradução de Celso Nogueira.
São Paulo: Companhia das Letras, 1993. p.275-280.
18
BERMAN, Marshall. Op. cit. p.15-35.
29
nasceram novos desejos e incertezas que não poderiam ser sanados exclusivamente na festiva
plataforma daquela sonhada estação férrea.
O impacto da viagem inaugural do trem de ferro, em 1926, ligando Araxá às
principais capitais do país, havia cristalizado uma antiga aspiração, renovando os modos de
viver da população. No entanto, o caráter efêmero do progresso que a locomotiva conduzia
rumo à cidade e à estação de águas idealizadas logo se tornou evidente.19 Novos anseios e
inquietações foram surgindo e o plano de se criar a “maior e mais bela estância hidromineral
do continente” foi adiado até a “Era Vargas”.20
Ao contrário dos sulistas, que se habituaram ao uso regular do termo estância para
denominar a propriedade rural, os araxaenses, em particular, utilizaram tanto esta expressão –
“estância” – quanto o termo “estação” para referirem-se à condição de lugar onde se passa
uma temporada para tratamento, descanso ou recreio. No entanto, entre o final dos anos 20 e o
início dos anos 30 já se notava uma ligeira tendência para a adoção da primeira, ou seja,
estância, fato que se consolidou com o citado projeto implantado durante o Estado Novo.
Araxá está entre os primeiros núcleos de ocupação do “antigo Sertão da Farinha
Podre”,21 nome que recebeu ainda no século XVIII, ao lado de Desemboque, atual distrito da
cidade de Sacramento, próximo à fronteira com o estado de São Paulo. Com a República esse
território recebeu a denominação de “Triângulo Mineiro”, que, posteriormente, foi re-
dividido, passando a ser parte integrante do chamado “Alto Paranaíba”.
Em princípio, às margens do rio das Velhas se formou o Desemboque, cujo
aproveitamento do ouro fez com que ali se fixassem homens, mulheres e famílias inteiras.
Com a escassez de aluvião aurífero passou-se a buscar outras fontes de sobrevivência. A
pecuária – nova forma encontrada para organizar a produção e o trabalho – adquiriu maior
proporção quando, em função da sua prática, foram alcançadas as fontes de águas minerais da
Mata do Bebedouro. Assim chamou-se, inicialmente, o local onde jorravam as águas que
durante mais de um século, entre o XVIII e o XIX, alimentaram o gado e definiram a lida
diária dos seus criadores.
Os espaços desse Bebedouro, nome que foi gradativamente alterado para Barreiro,
abrigaram práticas cotidianas rurais dedicadas ao sustento material da população que se
19
BALANDIER, Georges. O contorno: poder e modernidade. Tradução de Suzana Martins. Rio de Janeiro:
Editora Bertrand Brasil, 1997. p.137-226.
20
A partir do período em questão, Araxá teve seu nome associado a este lema com fins de divulgação.
21
Segundo Waldemar de Almeida Barbosa, este nome remete à tradição oral. Os colonizadores, ao passarem
pelo lugar, teriam guardado a farinha no tronco das árvores. Na volta, constataram que o alimento apodrecera.
Assim, passaram a se referir a este ponto do sertão como “aquele da farinha podre”. BARBOSA, Waldemar de
Almeida. Dicionário histórico-geográfico de Minas Gerais. Belo Horizonte: Promoção da Família, 1971. p.43-
49.
30
formava ao seu redor e no interior da nascente vida urbana. O sal naturalmente contido nas
águas favoreceu a criação do gado, antes dependente do produto que penosamente chegava do
Rio de Janeiro via São João del-Rei. No início do século XIX, os fazendeiros estabelecidos
nas proximidades do Barreiro reuniram-se sob as bases de um acordo judicial, definindo
regras a serem cumpridas por cada criador, a começar pelo dia de levar o seu rebanho até as
fontes salobras.22 (Ver Anexos, Mapas 2 e 3).
As águas atraíram criadores e tropeiros do Desemboque e de outros pontos de Minas
Gerais, como Itapecerica, Oliveira, Piumhi, Paracatu, Mariana, Sabará e São João del-Rei.
(Ver Anexos, Mapa 1). Aos mineiros (assim chamados aqueles nascidos nas vilas dedicadas,
em grande parte, à busca de ouro e diamante) e aos geralistas (naturais do lado oeste da antiga
capitania, que mais tarde seria província) juntaram-se outros, oriundos sobretudo das
províncias de São Paulo e de Goiás. A partir do século XVIII, as formas de ocupação da terra
e de uso das águas delinearam o desenho urbano a ser impresso nos espaços de Araxá.
Quase um século depois, as revelações das propriedades das águas e, por
conseguinte, do seu valor terapêutico indicaram novas possibilidades quanto à sua utilização.
Araxá havia alcançado oficialmente a condição de cidade em 1865, período a partir do qual o
Barreiro – reduto das fontes – deu início à possibilidade de atribuir novos sentidos aos
moradores urbanos. Uma via alternativa e de expressiva representatividade sinalizou a prática
do culto à saúde do corpo e da própria cidade.23
Se no século XIX os “viajantes” escreveram sobre diferentes aspectos da vida de
Araxá, analisando cientificamente os seus recursos naturais, fazendo referências às águas
minerais do Barreiro e apontando caminhos para as pesquisas que se realizariam ainda
naquele século e no posterior, o modelo transmitido por suas descrições contribuiu para
desenhar uma fisionomia urbana. Em 1816, o alemão W. L. von Eschewege desenvolveu
alguns estudos científicos acerca das águas minerais, comunicando a existência delas às
22
LIMA, Glaura Teixeira Nogueira. As águas que rolaram: no poder, na urbanização e na modernização de
Araxá (1890-1926). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Estadual Paulista - UNESP, Franca - SP,
2001. p.17-42.
23
Araxá alcançou o estágio de freguesia no final do século XVIII, seguindo alguns critérios determinados por
lei. Segundo Murilo Marx, ser freguesia implicava a condição, entre outras, de ser arraial com capela devotada a
um santo (neste caso, São Domingos) e erguida em terras doadas ao patrimônio da Igreja. Antes disso, tudo era
somente uma grande extensão de terras rurais. Depois de estabelecido o patrimônio religioso e de construída a
primeira igreja – a Matriz de São Domingos –, a paisagem urbana começou a ser delineada com a aglomeração
de moradias, de casas de negócios e de órgãos públicos. Para isso, uma parte da Sesmaria do Barreiro,
demarcada em 1785 e, posteriormente, vendida a outros proprietários, foi doada por Alexandre Gondim, hoje
identificado por denominar uma das ruas centrais da cidade. Já a escolha do padroeiro São Domingos, santo
espanhol, tem raízes que remetem à passagem dos colonizadores de mesma origem. Araxá formou-se, portanto,
como um exemplo clássico de assentamento humano, e nasceu a partir da doação de terras da Sesmaria do
Bebedouro, ou Barreiro. Ver: MARX, Murilo. Cidade no Brasil: terra de quem? São Paulo: Editora Nobel/
Editora da Universidade de São Paulo, 1991. p.17-65.
31
Eu não podia passar por Araxá sem ir ver as águas minerais a que a
região deve, em grande parte, o seu povoamento. Saí bem cedo, com o
frio da manhã fazendo-se sentir fortemente. Atravessei logo de início
um pasto coberto exclusivamente de gramíneas e outras ervas, e em
seguida outro onde cresciam aqui e ali algumas árvores mirradas. [...]
Ao chegar ao final desse pasto entrei numa mata bastante fechada.
Depois de ter caminhado uma légua e meia mais ou menos, por uma
trilha bem batida, cheguei finalmente ao local onde se encontram as
águas minerais e que, ali, é chamado Barreiro.
Num ponto sombrio da mata, onde as árvores são mais juntas e mais
folhudas, há um espaço com cerca de 600 passos de circunferência,
cercado por um muro de arrimo e inteiramente tomado por uma lama
negra e compacta. É do meio dessa lama, em cinco ou seis pontos
diferentes, que brotam as fontes de água mineral.24
24
SAINT-HILAIRE, A. Viagem às nascentes do rio São Francisco. Belo Horizonte: Itatiaia, 1975. p.101-112.
25
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. 6ª.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.93-138.
26
A condição de vila fora conquistada em 1831 e, por lei provincial de 1865, Araxá tornou-se cidade. Lei
n.1259, 19 dez. 1865. Livro da Lei Mineira, Tomo XXXI, parte 1a, folha 3. Arquivo da Fundação Cultural
Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
27
COSTA, Emilia Viotti. Coroas de Glória, Lágrimas de Sangue: a relação dos escravos de Demerara em 1823.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.13-19.
28
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo:
Companhia das Letras, 1990. p.9-73; 129-142.
32
29
Sobre a concepção de natureza enquanto dádiva divina e as possibilidades de aproveitá-la, ver, entre outros:
COMTE, Auguste. Discurso sobre o espírito positivo. Tradução de Maria Ermantina Galvão G. Pereira. Revisão
de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1990. p.112-120.
30
ARAÚJO, Hermetes Reis de. “Da mecânica ao motor: a idéia de natureza no Brasil no final do século XIX.”
In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.23, nov. 2001. p.151-157.
31
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho. Bauru: EDUSC, 2002. p.21-
41.
32
DELEUZE, Gilles. Conversações: (1972-1990). Tradução de Peter Pál Pelbart. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1992.
(Coleção TRANS).
33
Mais de meio século depois da passagem do biólogo francês, que atestara, com seu
olhar científico e europeizado, a possibilidade de uma história a ser construída, Araxá deu
início à tentativa de fazer sua estação hidromineral, cuja concretização esteve assinalada pela
alternância entre ações práticas e tantos outros adiamentos. Não foi ocasional a execução das
primeiras análises científicas das águas do Barreiro e, em seguida, a realização do primeiro
estudo geológico do entorno daquela região. A cultura higienista introduziu Araxá nas
pesquisas científicas que inseriam o país no movimento para torná-lo urbanizado, higiênico,
saudável e, por fim, próspero. A valorização do saber científico como fórmula para
sistematizar as riquezas naturais e, portanto, inserir o país em uma nova materialidade
progressista despertou os pesquisadores para o conhecimento do Barreiro de Araxá.
Desde então, um elenco de nomes, reunindo médicos, cientistas e professores, muitos
deles aliando as três funções, passou a integrar o panorama da cidade, com repercussão no
âmbito dos chamados formadores de opinião. Entre estes, alguns profissionais da saúde e
outros da imprensa viam-se na mesma área, ou seja, o médico ou farmacêutico era também o
editor do jornal, formulando postulados que pudessem elevar Araxá à posição de cidade-
balneário.
Em 1886, o Dr. May Castelnau instalou-se numa casa de capim junto às fontes para
analisar as suas águas. Escreveu, então, o trabalho intitulado “As aguas alcalinas sulphurosas
do Araxá”, inserindo-o nos “Annaes” da Imperial Academia de Medicina, no Rio de Janeiro,
sede da corte. No mesmo período, um médico de Juiz de Fora, Dr. Luiz de Mello Brandão,
visitou o Barreiro para conhecê-lo e, igualmente, analisou as suas fontes. Esse médico bebeu
daquelas águas, denominou-as de acordo com suas nascentes e anotou os resultados,
revelando o pioneirismo e a relevância de seu trabalho. Outros estudos se seguiram a estes,
entre os quais o realizado pelo Dr. Borges da Costa, por intermédio do “Laboratorio de
Hygiene do Rio de Janeiro”, o elaborado pelo “Laboratorio da Casa da Moeda”, também no
Rio de Janeiro, e o assinado pelo Dr. Souza Fernandes, por dedução da média dos dois
anteriores.34
33
SAINT-HILAIRE, A. Op. cit. p.131.
34
Estes estudos têm sido citados pontual e tradicionalmente em trabalhos de memorialistas, médicos, advogados
e pedagogos, a saber: SILVA, Sebastião de Affonseca e; MACHADO FILHO, Aires da Mata. História do
Araxá. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1946. 78p; COSTA, Waldir. Araxá, da maloca ao palácio. Goiânia: O
Popular, 1987. 126p; EDE, Martha Botelho. Thiers: controvérsia de três tempos. Belo Horizonte: Mazza
Edições, 2004. 120p; MAGALHÃES, Mário de Castro. A estância de Araxá. Araxá: s/n., 1945. 51p;
34
Por sua vez, o Dr. Orville Derby, geólogo norte-americano naturalizado brasileiro,
visitou Araxá durante sua gestão como diretor da Comissão Geográfica e Geológica de São
Paulo, entre 1886 e 1904, e incluiu o Barreiro na sua enorme produção científica.35 Em 1890,
uma platéia reunida na Academia Nacional de Medicina – da qual Dom Pedro II fazia parte –
assistira à palestra do médico e conselheiro Joaquim Monteiro Caminhoá. O trabalho
apresentado, de sua autoria, foi produzido a partir da análise de garrafões de água
provenientes de Araxá e transportados de Belo Horizonte, pela Estrada de Ferro Oeste de
Minas, até o Rio de Janeiro.36 A pesquisa, intitulada “Estudos das Aguas Minerais do
Araxá”,37 foi enriquecida, ainda, pelas observações dos médicos João Teixeira Álvares e
Oliveira Botelho.38
Em 1891, o Dr. João Teixeira Álvares retornava de sua primeira viagem de estudos à
Europa impressionado com a estrutura oferecida por Vichy, então renomada estação de águas
francesa. Deslumbramento e sentimento de angústia, simultâneos, levaram o médico à grande
questão: “De que valem as águas de Vichy comparadas às de Araxá? O que vale um cristal em
face de um diamante?” Ainda assim, comparações inevitáveis impulsionaram-no a novas
ações. O trabalho investigativo sobre o teor das águas prosseguiu, com os médicos-
pesquisadores submetendo-se às mais diversas formas de desafios:
MAGALHÃES, Mário de Castro. As aguas de Araxá: descrição geral da estancia. Rio de Janeiro: Heitor,
Ribeiro & Cia., 1945. 17p.
35
PIRES, Fernando Roberto Mendes; CABRAL, Alexandre Rafael. “Estudos de Orville Derby sobre os
depósitos manganesíferos do Brasil – edição comemorativa dos 150 anos de nascimento do cientista.” In:
REVISTA DA ESCOLA DE MINAS. Ouro Preto, vol.4, n.3, jul./set. 2001.
36
A OPINIÃO. Araxá, n.14, 17/04/1934, p.1. Arquivo FCCB.
37
Os estudos sobre as águas realizados por Caminhoá mostravam o uso medicinal do produto, constatando maior
índice de sais, se comparado às fontes européias. Apontavam, ainda, a possibilidade de sua industrialização, uma
vez que dele de obtinha a matéria-prima para o fabrico de sabão comum e sulfuroso. CAMINHOÁ, J. M. Estudo
das Aguas Mineraes do Araxá. Rio de Janeiro: Typographia de Laemmert & Cia., 1890. p.115.
38
O médico João Teixeira Álvares, natural de Uberaba, depois de formar-se em medicina, no Rio de Janeiro,
chegou para clinicar em Araxá, onde residia sua família, estabelecida como pioneira no ramo de hospedagem
junto às fontes de águas minerais do Barreiro. O Dr. Virgílio Oliveira Botelho, por sua vez, médico formado na
mesma turma do Dr. João Teixeira Álvares, de quem fora colega e amigo, era sobrinho do professor J. M.
Caminhoá. Por intermédio dos seus dois ex-alunos, o citado professor foi apresentado a Araxá para realizar o
estudo em questão.
35
As citações desses estudos justificam-se pela importância que o uso das águas
adquiriu dentro do processo de crescimento de Araxá. A pioneira e ascendente medicalização
elevou o prestígio das práticas médicas junto às outras, tradicionais, e reforçou os papéis dos
médicos, dos remédios e dos trabalhos de elucidação dos enigmas do corpo humano. Outras
especificidades, ainda obscuras, como as da composição do solo, passaram a ser objetos da
ação racional adotada por engenheiros e geólogos, revelando-se em todas as suas dimensões
técnicas e políticas. Neste momento o espaço da cidade começou a ser delineado na direção
sul, rumo ao objetivo de atingir as fontes do Barreiro, local de onde partira inicialmente.
Outros fatores contribuíram para a formação de uma mentalidade transformadora
expressa visualmente nestes espaços físicos e, por extensão, neles reproduzida. As práticas
instituídas neste cenário, aliadas às representações formuladas por moradores e
administradores e potencializadas por meio das presenças e expectativas dos visitantes,
promoveram continuamente a inserção de novas variáveis. Uma delas, a ferrovia, formou uma
corrente de idéias e mobilizou paisagens urbanas e rurais.40
A aproximação dos ramais da “Companhia Mogyana de Estradas de Ferro”, que
chegavam às cidades vizinhas, deu mostras, por exemplo, à alteração das práticas comerciais
então adotadas. O trem de ferro chegou primeiro em Sacramento (1888) e depois em Uberaba
(1889). A maior agilidade no transporte de mercadorias permitiu a aquisição do sal por parte
dos fazendeiros – que, a partir desse momento, não mais dependiam do produto disponível
nas fontes de águas minerais – e, mais do que isso, facilitou o acesso de passageiros a Araxá.
A conexão com os trilhos interligou Minas Gerais a São Paulo e, somada ao conjunto das
aludidas mudanças do final do século XIX, propiciou outras formas de urbanidade,41
especialmente aquela derivada dos usos do território do Barreiro. O destino das suas águas,
antes inteiramente rural, passava a ser a terapêutica. O seu uso, agora, destinava-se a aliviar
ou curar doenças do corpo humano.
A partir de então, a urbanização e a modernização de Araxá passaram a representar
um modelo próprio, embora tenha sido produto de um processo amplo de mudanças
39
A OPINIÃO. Araxá, n.14, 17/04/1934, p.1. Arquivo FCCB. Ainda segundo o Dr. João Teixeira Álvares,
conforme pronunciara neste discurso, em 1898 ele estivera no Rio de Janeiro com o objetivo de levar o Dr.
Nascimento Gurgel, professor de pediatria da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, para conhecer e analisar
as fontes de Araxá. Tal visita fora custeada pelo próprio Dr. João Teixeira Álvares.
40
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. “Morfologia das cidades brasileiras: introdução ao estudo histórico da
iconografia urbana”. In: REVISTA USP. São Paulo, n.30, jun./ago. 1996. p.144-155.
41
ARAÚJO, Hermetes Reis de. Op. cit. p.161-167.
36
42
ROLNIK, Raquel. “História urbana, história na cidade?” In: FERRANDEO, ANA; GOMES, Marco A. (Org.).
CIDADE & HISTÓRIA. Modernização das cidades brasileiras nos séculos XIX e XX. Salvador: UFBA/ANPU,
1992. p.27-29.
43
Em 1896, a Câmara aprovava o pedido de concessão, por vinte e cinco anos, dos Drs. João Teixeira Álvares e
Eduardo Augusto Montandon, para criação de um estabelecimento balneário nas águas minerais do Bebedouro,
ou Barreiro. ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1888-1896. 11 dez. 1896. p.138.
Arquivo FCCB.
44
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1979. p.27-49.
45
Entendendo assim o modelo de civilização no sentido dado por Norbert Elias, como processo de normatização
e de enquadramento do comportamento e que, em decorrência desse disciplinamento, evidencia-se a construção
37
construção de múltiplas imagens e gerando expectativas quanto ao futuro.46 Mas o fato é que
a cidade das águas minerais não dispunha de água potável e suas ruas não contavam com
iluminação elétrica. O acesso ao Barreiro e às demais vilas e cidades vizinhas via-se
dificultado devido à falta de estradas e pontes.
Na última década do século XIX, a Câmara Municipal administrava a cidade e,
mediante o seu agente executivo – responsável direto pela gestão pública –, solicitava crédito
para que se iniciassem os melhoramentos de ruas e praças.47 Higienização e embelezamento,
preceitos empunhados com determinações legais, pendiam, pelo menos aparentemente, para o
bem-estar do cidadão. Visando à prevenção do perigo ou do “embaraço aos transeuntes” e à
melhoria estética da cidade, a Câmara Municipal tratou de proibir, por meio de leis, todos os
inconvenientes que se encontrassem nas partes externas das casas, isto é, nas ruas e nas
praças. As mesmas proibições previam a intimação do proprietário de qualquer construção em
ruína, que deveria, então, remover do seu patrimônio aquilo que se apresentasse prejudicial à
vida dos moradores.48
Essas determinações aplicavam-se não só a Araxá enquanto sede do município, mas
também aos distritos que o compunham. Até 1923 fizeram parte desse território os distritos de
São Pedro de Alcântara (hoje Ibiá) e Santo Antônio do Pratinha (Pratinha); e até 1938 os
distritos de Dores de Santa Juliana (Santa Juliana), Nossa Senhora da Conceição (Perdizes),
São João do Araxá (Argenita) e Tapira. Os dois últimos foram criados em 1923.49 A tendência
à urbanização fazia com que as repressões crescessem, inclusive nestes distritos, a quem não a
aderisse. Multas eram impostas também aos carreiros que passassem pelas ruas com carro de
boi ou carretão, caso pudessem passar por fora da cidade.50 (Ver Anexos, Mapa 1).
O governo de Minas Gerais, em 1893, havia incentivado a introdução da mão-de-
obra estrangeira na agricultura, disponibilizando transporte gratuito aos imigrantes.51 Neste
período, principalmente italianos e árabes começavam a chegar informalmente a Araxá.
do exercício do poder. ELIAS, Norbert. O processo civilizador: uma história dos costumes. 2ª.ed., vol.1.
Tradução de Rui Jungman. Apresentação de Renato Janine Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1994.
p.27-29.
46
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade – visões literárias do urbano: Paris, Rio de Janeiro,
Porto Alegre. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999. p.7-25; 317-350.
47
Lei n.49, 15 jan. 1895. Arquivo 000.682/ Leis/ FCCB.
48
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 22ª.ed. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de
Janeiro: Graal, 2006. p.79-98.
49
PONTES, Hildebrando de Araújo. Noticia Estatistico-Chorographia e Historica do Municipio da Araxá. Belo
Horizonte: Secretaria da Agricultura, 1928. p.11-13.
50
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1888-1896. 18 set. 1895. p.124. Arquivo
FCCB.
51
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1888-1896. 19 jun. 1893. p.97. Arquivo
FCCB.
38
52
Esta análise foi feita com base nas licenças concedidas para a produção desses gêneros e nos impostos
cobrados pela legislação municipal de 1888. CÓDIGO DE POSTURAS DA CÂMARA MUNICIPAL DE
ARAXÁ. Ouro Preto: Typographia Paula Castro, 1888. Arquivo 087/ FCCB.
53
GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.09, 23/11/1890, p.3. Arquivo FCCB.
54
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1888-1896. 10 mar. 1891. p.68. Arquivo
FCCB. Embora se referissem ao aumento populacional somente foi possível identificar números em 1891 e,
ainda assim, extra-oficialmente. Segundo a “Gazeta de Araxá”, o município contava com uma população
superior a quinze mil “almas”. GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.28, 19/04/1891, p.1. Arquivo FCCB.
55
O ARAXÁ. Araxá, n.08, 23/02/1904, p.1. Arquivo FCCB.
39
61
Sobre os inúmeros serviços e profissões abstraídos dos jornais do início do século XX como mostra do
processo de urbanização, ver: COSTA, Ângela Marques; SCHWARCZ, Lilia Moritz. 1890-1914: no tempo das
certezas. Coordenação de Laura de Mello e Souza e Lilia M. Schwarcz. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
p.27-43.
62
DEAN, Warren. “A industrialização durante a República Velha.” In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral
da Civilização Brasileira. 3ª.ed., Tomo III (O Brasil Republicano), vol.1 (Estrutura de poder e economia –
1889/1930). São Paulo: DIFEL/USP, 1982. p.249-283. WIRTH, John. “Minas e a Nação: um estudo de poder e
dependência regional – 1889-1937.” In: FAUSTO, Boris (Org.). Op. cit. p.76-99.
63
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1888-1896. 13 jan. 1888. p.2. Arquivo
FCCB.
64
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1897-1904. 20 set. 1897. p.6v, 7 e 7v.
Arquivo FCCB.
65
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1897-1904. 10 maio 1901. p.48-49v.
Arquivo FCCB.
41
temas eram discutidos pelos vereadores, como os relativos às quantias despendidas com os
consertos das antigas estradas ou trilhas da “Matta do Bebedouro”,66 aos privilégios
inicialmente concedidos para que ali se criassem estabelecimentos balneários e à instalação
das linhas de bondes.
Parecia não haver dúvidas de que o “thesouro”, embora “abandonado”, residia junto
às fontes. Restava, então, encontrar o caminho até as águas de beber e de curar, além das
linhas físicas, anunciando uma identidade.67 O Barreiro absorvia o urbano pelo caráter exótico
que o caracterizava; todavia, era preciso transformar aquele cenário naturalmente sedutor e
promissor, que, por isso mesmo, deveria ser urbanizado e, portanto, submetido às novas
concepções da ciência e das técnicas para, assim, tornar-se produtivo, o que significava
apropriar-se e fazer uso de normas, práticas e valores.68
66
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1888-1896. 18 set. 1895. p.125. Arquivo
FCCB.
67
A OPINIÃO. Araxá, n.13, 10/04/1932, p.4. Arquivo FCCB. Sobre a idéia de região associada às lutas nas
relações de forças simbólicas, ver: BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. 9ª.ed. Tradução de Fernando Tomaz
(português de Portugal). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p.124-132.
68
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. cit. p.7-25.
69
Na perspectiva de Néstor Carcía Canclini, há vários hibridismos inseridos na vida urbana e nas suas diversas
temporalidades. A relação entre um e outro se dá, sobretudo, em nível ético, isto é, sem relação de dominação.
CANCLINI, Néstor García. Op. cit. p.283-350. Partindo da noção de cultura de Bruno Latour, os hibridismos
presentes na cidade não se referem apenas ao humano, pois se estendem aos objetos produzidos pela cultura
material e sua relação com as pessoas. LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia
simétrica. Tradução de Carlos Irineu da Costa. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994. (Coleção TRANS). p.7-17.
42
expressão, hoje grafada “aquáticos”. Embora atualmente esse termo seja comumente
substituído por “turista”, podendo ganhar aparência jocosa, sob a perspectiva dos seus
contemporâneos ser um(a) aquático(a) significava ser alguém privilegiado socialmente.
A questão da salubridade adquiriu, naquele momento, uma condição relevante,70 na
medida em que conquistá-la significava inserir Araxá no modelo de civilização, projetando-a
como uma estação de águas. A higiene pública foi, então, adotada como mecanismo para
disciplinar a vida urbana em transformação, remodelando hábitos e coibindo práticas antigas.
Administradores, legisladores e técnicos uniram-se no
70
Segundo Michel Foucault, salubridade é “o estado das coisas, do meio e seus elementos constitutivos que
permitem a melhor saúde possível”. É nesse sentido que o autor insere o conceito de higiene pública enquanto
técnica utilizada para controlar e modificar o meio em que vivem os indivíduos e do qual depende a saúde deles.
FOUCAULT, Michel. Op. cit., 2006. p.93.
71
CHALHOUB, Sidney. Op. cit. p.35.
72
CAMINHOÁ, J. M. Op. cit. p.6-113.
43
águas, como banhos, duchas e inalações do líquido pulverizado. Para o êxito dos tratamentos,
o professor J. M. Caminhoá sugeriu que em tal estabelecimento houvesse médicos
especializados e indicou como fundamental a persistência por parte do paciente. A citação de
exemplos de pessoas que obtiveram a cura, a valorização dos aspectos locais favoráveis a uma
vida saudável, o ambiente natural e a disponibilidade de uma alimentação baseada em carne e
leite constituíam a imagem de uma estância de futuro. Assim como ocorrera, na Antigüidade,
nas cidades hidrominerais perenizadas com a invenção da temporada de 21 dias pelos
romanos, o Barreiro de Araxá poderia eternizar-se como um lugar de cura e de higienização.73
A partir das últimas décadas do século XIX, os hotéis passaram a fazer parte dos
estabelecimentos comerciais da cidade, mas a criação do “Sanatorio do Araxá”, em especial,
inovou, naquele final de século, por oferecer hospedagem destinada à cura de várias doenças
do organismo. Essa experiência colocava em prática o privilégio do uso das fontes por meio
da concessão à iniciativa privada empreendida pelo poder público, sendo que coube ao
supracitado médico João Teixeira Álvares o papel inicial de concessionário das águas
minerais. Desde 1887, ano em que concluiu o curso de medicina, ele vinha dedicando-se às
análises do produto, juntamente com outros médicos, com os quais mantinha relações no Rio
de Janeiro. Em 1890 obteve privilégio para o uso das águas, concedido pelo Conselho
Municipal de Intendência,74 que comandava o município durante a transição republicana.
Inicialmente, associou-se ao Dr. Virgílio de Oliveira Botelho e, logo depois, ambos venderam
o direito a um sindicato carioca. Este não chegou a iniciar as obras, deixando caducar o
contrato.
Ainda que as relações entre os concessionários e a municipalidade fossem permeadas
por conflitos e acordos não cumpridos, o concessionário Dr. João Teixeira Álvares, desta vez
associado a Joaquim Pereira Goulart, instalou na cidade este “Sanatorio”, no largo da antiga
Matriz, em casa especialmente reformada para esse fim. O médico João Teixeira Álvares
incluía no seu currículo a condição de paciente curado por tratamento crenoterápico no
Barreiro. O seu objetivo precípuo era criar um estabelecimento “hidro-balneo-therapico” no
local das fontes, conforme sugeria nos seus estudos o professor J. M. Caminhoá. Com a idéia
inicial adiada, os dois sócios investiram na divulgação do novo empreendimento e, para isso,
fundaram um jornal semanal, a Gazeta de Araxá. De acordo com o ofício que enviaram à
73
Antonio Candido adota a referência de lugar de cura para dirigir-se às célebres estações européias que
serviram de cenário para a recuperação da saúde por meio das águas, ou para vilegiatura, de não menos célebres
personagens encontrados na literatura e na história. In: RIO, João do. A correspondência de uma estação de
cura. 3ª.ed. São Paulo: Editora Scipione, 1992. p.7-18.
74
Denominação de caráter oficial dirigida ao órgão responsável pela administração – vinculado à Câmara
Municipal – no período correspondente ao da transição do Império para a República.
44
75
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1888-1896. 08 out. 1890. p.53. Arquivo
FCCB.
76
GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.19, 15/02/1891, p.3. Arquivo FCCB.
77
GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.10. 30/11/1890, p.1. Arquivo FCCB.
78
Descrição com comentários do discurso pronunciado pelo médico Eduardo Augusto Montandon durante a
cerimônia de inauguração do “Sanatorio do Araxá”. GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.10, 30/11/1890, p.1-2.
Arquivo FCCB.
45
A anunciada era de crescimento esteve respaldada até mesmo nas instalações físicas
colocadas à disposição dos freqüentadores de Araxá. Afirmava-se que a “melhor casa da
cidade”, na praça da matriz, havia sido reformada, pintada e decorada com revestimento de
papel na sala nobre e no salão de jantar. Adjetivos como “sólida” e “elegante” qualificavam a
mobília vinda do Rio de Janeiro, realçada ainda por louças, colchões, travesseiros e “lençóis
de linho puro”. Os ares saudáveis ganhavam justa explicação: “[...] Offerece as melhores
condições hygienicas, pois é collocado com a frente para o nascente, de modo que recebe o
sol o dia inteiro, é regularmente ventilada e espaçosa”.79
As inovações foram consagradas nas propagandas do jornal Gazeta de Araxá.80 Seus
anúncios aliavam o triunfo das águas “milagrosas” – qualidade derivada da idéia de milagre –
à ciência por meio da qual possibilitava-se o serviço médico especializado. Mais ainda,
ofereciam a oportunidade de o paciente se consultar com um profissional do Rio de Janeiro,
professor da Faculdade de Medicina. Certamente, este professor era Caminhoá, mesmo
porque o jornal indicava, a quem quisesse conferir os resultados daquele tratamento, a leitura
de seu trabalho, à venda na “Laemmert & C”, na capital da República.
Nesse semanário podiam ser lidos relatos de pessoas acometidas por doenças do
pulmão e do estômago que haviam sido curadas pelo efeito terapêutico das águas.
79
Ibidem. p.1. Arquivo FCCB.
80
Sobre o uso dos jornais como fonte é necessário observar que a imprensa, ao construir aspectos do cotidiano e
oferecer subsídios para produção de discussões e de imagens superpostas acerca do viver urbano, caracterizava-
se, sobretudo, por posicionamentos que variavam da afeição à insatisfação pessoais, adquirindo papel de
instrumento para formação de opinião. ZICMAN, Renée Barata. “História através da imprensa: algumas
considerações metodológicas.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.4, 1989. p.89-92. A respeito dos
leitores de jornais e suas similaridades com os leitores de almanaques, ver: DUTRA, Eliana de Freitas. Rebeldes
literários da República: história e identidade nacional no Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1914). Belo
Horizonte: UFMG, 2005. p.21-28 e 94-119. Sobre o assunto, partindo da França do Antigo Regime, Roger
Chartier analisa o lugar concedido ao material impresso enquanto componente das práticas urbanas.
CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo:
UNESP, 2004. p.173-234.
81
GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.09, 23/11/1890, p.1. Arquivo FCCB.
82
GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.21, 01/03/1891, p.1. Arquivo FCCB.
46
83
GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.16, 11/01/1891, p.2. Arquivo FCCB.
84
GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.33, 07/06/1891, p.3. Arquivo FCCB.
85
Lei n.49, art. 1o, 15 jan. 1895. Arquivo 000.682/ Leis/ FCCB.
86
Os conceitos de público e privado são aplicados a partir da definição de Jürgen Habermas quando este indica a
ocorrência de uma “mudança estrutural da esfera pública” que conduz à adaptação da figura do Estado. O autor
admite que o Estado representa a esfera pública à medida que propõe uma historicidade do termo, representativa
do processo de construção da própria burguesia como uma esfera de poder, mas que “os elementos que a
compõem não são apenas ‘estatais’”. Portanto, tornam-se estreitas e convergentes as fronteiras entre as duas
esferas. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural na esfera pública: investigações quanto a uma categoria da
sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1984. p.60-74.
87
NEEDELL, Jeffrey. Op. cit. p.106-142.
47
88
Resolução no.65, de 29 out. 1895. Arquivo 000.989/ Resoluções/ FCCB. A mesma resolução autorizou ao
Agente Executivo, ainda, a garantir área suficiente para o estabelecimento.
89
Em 1896, a Câmara aprovava o pedido de concessão, por vinte e cinco anos, dos Drs. João Teixeira Álvares e
Eduardo Augusto Montandon, para criação de um estabelecimento balneário nas águas minerais do Bebedouro,
ou Barreiro. ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1888-1896. 11 dez. 1896. p.138.
Arquivo FCCB.
90
O ARAXÁ. Araxá, n.14, 24/04/1904, p.1. Arquivo FCCB.
91
Tais normas, isto é, as que aludem ao conforto, referem-se aqui ao que Michelle Perrot analisa no sentido
material referente à presença de estabilidade e à produção elaborada do mobiliário em oposição ao que se via nas
habitações dos operários das grandes cidades. PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários mulheres
prisioneiros. 4ª.ed. Tradução de Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. (Oficinas da História).
p.110-111.
92
GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.28, 19/04/1891, p.3. Arquivo FCCB.
48
93
GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.21, 01/03/1891, p.1. Arquivo FCCB.
94
BERMAN, Marshall. Op. cit. p.169-269.
95
Na “Matta do Bebedouro”, posteriormente Barreiro, podiam ser vistos junto à natureza o gado salinando, os
cavalos, os homens, as mulheres e as crianças (1890/1910). Esta imagem é datada conforme a indicação do
49
[...] Nas Thermas do Araxá tudo está por fazer-se, são um thesouro
abandonado, uma maravilha ignota. Cumpra cada um dever elementar
de compromisso e civismo para que não desdoire-se até á “lama
sulfurosa” das fontes a instituição que nos governa! Que proceda a
Camara Municipal á limpesa e guarda das Thermas; que o Governo
mineiro faça executar uma analyse rigorosa e scientifica das fontes, e
que o privilegio de exploração seja concedido sob bases ajustadas de
captação e utilisação sem vexame; os capitaes acudirão com empenho
para erguer-se a “Karlsbaden Brasiliense” em diminuto tempo.
Levanta-se-a uma installação moderna que comportará elegantes
“buvettes” para uso interno, comportando piscinas, pulverisações [...]
duchas, banhos de lama [...]. Além do grande hotel dever-se-ha
doador, sendo que o ambiente natural e o vestuário dos personagens que registra vêm confirmar tal datação.
Contudo, o tipo de recorte presente nas bordas da fotografia “original” coincide com o formato adotado pelo
fotógrafo Octavio Fonseca nos seus exemplares. O fato é que a chegada de O. Fonseca a Araxá ocorreu em
1921, contrastando com o período em questão, de onde se deduz que a imagem, considerada original, seria uma
reprodução. Arquivo Fotográfico/ 00225. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB). As questões
relacionadas ao uso e à interpretação da imagem enquanto fonte são trabalhadas por diversos autores, entre os
quais: MAUAD, Ana Maria. “Fragmentos de memória: oralidade e visualidade na construção das trajetórias
familiares.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUSC, n.22, jun. 2001. p.165-167; KOSSOY, Boris.
Fotografia & História. 2ª.ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2001. p.35-50; e KOSSOY, Boris. Realidades e ficções
na trama fotográfica. 3ª.ed. São Paulo: Ateliê Editorial, 2002. p.131-135.
96
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.145, 12/03/1916, p.1. Arquivo FCCB.
97
A respeito do contágio e da infecção como os principais paradigmas médicos vigentes no século XIX e sobre
as causas e os modos de propagação de doenças epidêmicas, ver: CHALHOUB, Sidney. Op. cit. p.168-180.
98
Em torno da palavra “melhoramentos” e de sua permanente aparição para designar benefícios urbanos, Stella
Bresciani analisa-a em três aspectos significativos: como “lugar-comum”, como metáfora e como figuração.
Aqui se estende a análise da autora a partir da cidade de São Paulo para o caso de Araxá e a adota-se como
referência teórica, considerando-se a paisagem urbana em questão e a freqüência com que se pôde constatar a
presença deste termo na documentação pesquisada. BRESCIANI, Stella. “Melhoramentos entre intervenções e
projetos estéticos: São Paulo (1850-1950).” In: BRESCIANI, Stella (Org.). Palavras da cidade. Porto Alegre:
Ed. Universidade/ UFRGS, 2001. p.343-366.
50
99
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.03, 27/01/1913, p.1. Arquivo FCCB.
100
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.22, 29/06/1913, p.1. Arquivo FCCB.
101
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.137, 05/12/1915, p.2. Arquivo FCCB.
51
Assim, recorria-se, mais uma vez, à concepção de natureza enquanto dádiva divina e,
nesse sentido, anterior à ação humana.103 Valendo-se dos pressupostos da higiene, as
exigências quanto à limpeza e ao embelezamento da estância, seguidas de outras formas de se
estabelecer um modo de vida saudável, buscavam construir uma imagem própria daqueles
lugares acostumados a, anualmente, receber e impressionar veranistas.104
O natural e o construído
102
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.153, 14/05/1916, p.1. Arquivo FCCB.
103
ARAÚJO, Hermetes Reis de. Op. cit. p.153-155.
104
CHALHOUB, Sidney. Op. cit. p.29-35.
52
105
SALGUEIRO, Heliana Angotti. “Revisando Haussmann: os limites da comparação. A Cidade, a Arquitetura e
os Espaços Verdes: o caso de Belo Horizonte.” In: REVISTA USP. São Paulo, vol.26, 1995. p.1-23.
106
Sobre a humanização em cidades do interior paulista, ver: DOIN, José Evaldo de Mello. “A régua e o
compasso nas terras do café: a haussmanização das cidades no interior paulista na República Velha.” In: ANAIS
do XI Encontro Regional de História, “História e Exclusão Social”. Uberlândia: UFU, ANPUH/MG, 1998. p.54-
57.
107
Da mesma maneira, a difusão dessa forma de representação entre as estâncias mineiras tem sido referência
por parte de vários autores. Estes, contudo, abordam somente as que integram o chamado “Circuito das Águas”,
especificação para fins geográficos e, mais recentemente, turísticos, no qual não se insere Araxá.
108
Antiga praça da Matriz, em 1915, hoje praça Coronel Adolpho, eixo a partir do qual a cidade se formou e
expandiu. Não foi possível identificar o autor dessa fotografia. Arquivo Fotográfico/ 044. Fundação Cultural
Calmon Barreito de Araxá (FCCB).
53
109
Com base na análise de Walter Benjamin, o progresso é concebido como algo inevitável que leva a um tempo
de transformação do presente, sem volta, mas, sobretudo, revestido de uma fantasmagoria. BENJAMIN, Walter.
Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7ª.ed. Tradução de Sérgio Paulo
Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.37-49.
110
TOLEDO, Octaviano. “Notícia Historico-Geographica do Municipio do Araxá.” In: REVISTA DO
ARCHIVO PUBLICO MINEIRO. Bello Horizonte: Imprensa Official de Minas Geraes, 1903. p.282.
111
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1886-1894. 18 jan. 1894. p.108v, 109 e
109v. Arquivo FCCB.
54
água potável (1909), iluminação à luz elétrica (1914) e telegrafia (1919); à criação do grupo
escolar (1911), do mercado (1916) e do matadouro (1917); ao incentivo à inauguração de
hotéis, teatro (1930) e cinemas (1913 e 1922); e ao beneficiamento das fontes de águas
minerais do Barreiro (a partir de 1915).
No intuito de promover uma transformação “a qualquer custo”,112 os representantes
legais dos cidadãos junto à Câmara e, depois, à Prefeitura empreenderam as intervenções nos
espaços públicos e no cotidiano da população, fazendo-se interpenetrarem as esferas pública e
privada.113 Progressivamente, a reurbanização, o traçado da estrada de ferro e o
aparelhamento da estância se ajustaram como elementos catalisadores dentro de um quadro
amplo que se tentava revelar, modernizando-o acima de tudo. O projeto da nova igreja, a
abertura de avenidas, ruas e becos, a construção de praças e jardins e tantas outras inovações
ganharam uma intensa cobertura da imprensa à medida que a transformação urbana envolveu
as relações de poder.
Uniformizando o espaço urbano ou disciplinando os seus moradores, ainda que não
seguissem exatamente um plano específico, as mudanças verificadas formaram um elo que,
por sua vez, imprimiu uma nova fisionomia à cidade. Nas construções em geral a preocupação
com a estética e com o embelezamento foi visivelmente exposta, quer na legislação
municipal, quer na imprensa ou nas atitudes dos habitantes que não se mostraram indiferentes
à tendência inovadora.
As determinações impostas pelas leis municipais, ao serem aplicadas, ampliaram-se
em número e extensão de casos. Limpar, numerar, ordenar e reformar foram disposições que
obrigatoriamente chamaram à concorrência os prestadores de serviços urbanos.114 Nesses
casos, observou-se um acréscimo nas funções e nos serviços disponíveis, verificando-se um
aumento das contratações de mão-de-obra estrangeira, como as de construtores e outros
112
NOVAIS, Fernando A. (Coordenador-geral da coleção); SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida
privada no Brasil: República da Belle Époque á Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. (História
da vida privada no Brasil; 3). p.27.
113
HABERMAS, Jürgen. Op. cit. p.60-68.
114
Lei Municipal no.221, 10 jan. 1911, e CORREIO DE ARAXA. Araxá, n.14, 13/07/1913, p.1-2 e n.22,
07/09/1913, p.1. Arquivo FCCB. Em 1916, o Conselho Deliberativo Municipal sancionou lei renovando normas
para a construção civil, tais como altura de pé-direito (este e paredes com argamassa de cal e areia) e fachada das
residências modificadas para platibanda. A mesma lei previa as diferenças quanto ao uso e à ocupação dos
espaços entre a zona urbana e a rural. Leis ns.110 e 111, set. 1916, e CORREIO DE ARAXA. Araxá, n.176,
22/10/1916, p.2. Arquivo FCCB.
55
115
Relatório do Dr. Franklin de Castro – presidente da Câmara e agente executivo – referente ao ano de 1908,
apresentado à Câmara Municipal em 06 de janeiro de 1909 e publicado na imprensa. CORREIO DE ARAXÁ.
Araxá, n.14, 13/07/1913, p.1-2 e n.22, 07/09/1913, p.1. Arquivo FCCB.
116
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.168, 27/08/1916, p.1. Arquivo FCCB.
117
TRIBUNA DE ARAXÁ. Araxá, n.22, 22/12/1915, p.3. Arquivo FCCB.
56
118
Praça Coronel Adolpho em 1914, quando foi instalada ali a subestação de energia elétrica. Em 1918 foi
inaugurado um novo cenário nesta praça. Não foi possível identificar o autor dessa fotografia. Arquivo
Fotográfico/ 239. Fundação Cultural Calmon Barreito de Araxá (FCCB).
57
à posse das terras no entorno das fontes, acionadas pelos antigos proprietários após a sua
desapropriação.
Nos últimos anos do século XIX, a Câmara Municipal passou a promover discussões
sobre a área do Barreiro a ser desapropriada. O primeiro passo em direção ao beneficiamento
do espaço em torno das fontes foi dado em 1902, quando o município requereu a expropriação
dos terrenos que circundavam o manancial, em um raio de mil metros, a partir do seu centro.
Logo depois, o poder público concedeu, novamente, a posse, o uso e o gozo das fontes de
águas minerais do Barreiro ao Dr. João Teixeira Álvares e ao Tenente Coronel Joaquim
Pereira Goulart. Após a falta de execução deste privilégio, a Câmara manifestou a sua
intenção de doar tais terrenos ao Estado e, assim, decidiu pôr fim à polêmica desapropriação,
decretando que estes deveriam ser de utilidade pública.119
O objetivo da medida já transparecia a intenção por parte da administração municipal
quanto aos destinos do Barreiro. Para realizar os melhoramentos essenciais, tais como o
beneficiamento das águas e a construção de edificações, o município tinha as opções de:
fazer, ele próprio, os investimentos; arrendar a propriedade para que a iniciativa privada os
fizesse; ou, ainda, entregar o patrimônio ao governo estadual. A última opção – a que foi
concretizada em caráter definitivo – visava diretamente à adoção do regime de Prefeitura pelo
governo de Minas Gerais, por meio do qual acreditava-se que seria realizada a esperada
transformação. A medida, portanto, procurava implantar ações mais eficazes pelo governo,
cujos recursos financeiros poderiam corresponder às exigências das estâncias mineiras.
O processo de permuta dos terrenos em que se localizavam as fontes de águas
minerais, praticado entre o poder público e os proprietários particulares, era análogo ao caso
do “simpático casal de velhos” que, por meio de “Fausto e Mefisto”, se tornou descartável por
não aceitar a inovação justificada como sendo decorrente das posturas progressistas adotadas.
Assim, os donos das terras do Barreiro, onde a municipalidade pretendeu realizar
investimentos, ao negociarem o patrimônio com o Estado, foram obrigados a enfrentar, a
contragosto, uma certa estratégia de administração: “[...] o estilo moderno de agir, impessoal,
mediado por complexas organizações e funções institucionais”.120
119
Em 07/01/1903, a Câmara Municipal de Araxá aprovou a expropriação, por utilidade pública, dos terrenos
que circundavam as fontes em um raio de mil metros. ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de
Araxá - 1896-1904. 07 jan. 1903. p.72 e 72v. Arquivo FCCB. Essa decisão foi o primeiro passo para o município
criar uma lei, em 1913, negociando todo aquele espaço com o governo mineiro. Tal lei permitiu a doação das
fontes e dos seus terrenos adjacentes, oficializada em 1915, quando o Estado criou em Araxá o regime de
Prefeitura. Lei n.48, 22 set. 1913. Arquivo 00527/ Leis e Resoluções/ FCCB.
120
BERMAN, Marshall. Op. cit. p.66-84.
58
A letargia nas decisões fez com que, pouco antes de efetivada a instituição da
Prefeitura como parte do acordo entre os poderes municipal e estadual, a Câmara arrendasse a
estância, em caráter provisório, a uma empresa criada especialmente para esse fim. Da mesma
forma como haviam sido introduzidos os serviços de água e luz e a instrução primária, a
participação da iniciativa particular nos melhoramentos do Barreiro tornou-se decisiva para
que o seu espaço natural fosse alterado. Como reforço à construção do mito das luzes,
promoveu-se ali uma luta para remodelar o ambiente, dotando-o de elementos indispensáveis
ao modelo de uma estância.
A dita empresa responsável pelos melhoramentos urbanos imprimiu um avanço
considerável nas transformações da estância. Entre seus objetivos enquanto representantes de
uma firma concessionária, os sócios priorizaram a construção de uma estrada de automóveis
entre Araxá e o Barreiro (simultaneamente se projetava uma estrada particular ligando Araxá
121
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.12, 29/06/1913, p.1. Arquivo FCCB.
59
122
Pareceres do ano de 1915. Arquivo 00138/ Estância Hidromineral/ Parecer/ FCCB e TRIBUNA DE ARAXÁ.
Araxá, n.15, 01/06/1915, p. 2. Arquivo FCCB.
123
A antiga estrada Araxá-Barreiro, construída em 1915, pode ser considerada um marco no processo de ligação
entre a cidade e as fontes de águas minerais. Fotografia: Octavio Fonseca. Arquivo Fotográfico/ 00690.
Fundação Cultural Calmon Barreito de Araxá (FCCB).
124
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.19, 17/08/1913, p.2. Arquivo FCCB.
60
elétrica conseguiram alcançar o ritmo possante introduzido pelas rodas. Os faróis dos
automóveis ocuparam inicialmente o lugar das luzes, que apenas um ano depois passaram a
iluminar a escuridão dos espaços públicos de Araxá.125
Em 1915, o poder público municipal tratou de dirigir sua atenção às questões
pertinentes ao espaço da cidade. Indiretamente, administrava o Barreiro, mas confiava
legalmente a responsabilidade do aparelhamento daquela área ao governo mineiro, por
intermédio do aludido acordo entre as partes. De acordo com os pressupostos determinados
pelo chamado “plano geral de melhoramentos”, abrangendo a cidade e o Barreiro – o Plano
Bertacin, denominação decorrente da sua autoria, do engenheiro Ettore Bertacin –, que
superava a quantia de “cem contos”,126 previu-se a instalação de novos serviços de telefone e
de luz, direcionados no sentido Araxá-Barreiro. No final de 1915, o incremento junto aos
mananciais do Barreiro pela iniciativa privada trouxe como resultados, além da estrada
automobilística, a construção de um Balneário provisório, que depois seria ampliado, e um
espaço para o bebedouro em ambiente destinado ao descanso dos veranistas.
A empresa então concessionária do Barreiro descreveu a condição da estância
utilizando-se da fala de um de seus sócios, o médico Mário Magalhães:
[...] O asseio das fontes está iniciado. A linha para as mesmas dentro
em pouco concluida. Os senhores aquacticos poderão ir, pelas
primeiras horas da manhã, receber as emanações que ali se
desprendem, usar as aguas e os banhos e regressar ainda a tempo para
o almoço. A empreza fornecerá agua, como todo escrupulo e hygiene,
nesta cidade, para uso diario. É de grande conveniencia
estabelecerem-se as prescrições medicas para melhor resultado das
aguas, devido a sua riqueza em saes e multiplicidade de indicações.
Será melhor garantido o seu exito. A empreza só fiscalisará este
criterio. Toda prescrição medica deve ser acceita, cabendo a
responsabilidade aos seus signatarios. Nossos aplausos aos patricios
enthusiastas e emprehendedores.127
125
ARAÚJO, Hermetes Reis de. Op. cit. p.161-164.
126
O engenheiro, de origem italiana e domiciliado em São Paulo, fora contratado pela Prefeitura de Araxá.
Embora a imprensa divulgasse frequentemente comentários sobre o referido plano e, por fim, a sua não-execução
total, não foi possível localizar documentos que o definissem na íntegra, e sim referências fragmentadas.
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.120, 01/08/1915, p.1. Arquivo FCCB.
127
O médico Mário de Magalhães, autor do texto, pertencia à empresa que arrendara as fontes por intermédio da
concessão provisória cedida pela Câmara. A empresa reivindicava uma indenização diante da possibilidade de
rescisão do contrato, com base no fato de ter recebido as fontes em “estado de immundicie” e de tê-las entregue
com o asseio iniciado e em condições de empreender outras melhorias. TRIBUNA DE ARAXÁ. Araxá, n.15,
01/07/1915, p.2. Arquivo FCCB.
61
traçado pelo engenheiro Bertacin, o qual garantia que a sua execução atendia às exigências de
higiene e conforto.128
Depois que a sociedade empreendedora de tais melhoramentos dissolveu-se, a
exploração das fontes foi, novamente, concedida pelo Estado a particulares. Os novos
concessionários Thiers Botelho e Antônio de Castro Magalhães, proprietários da empresa
“Botelho & Magalhães”, comprometeram-se a beneficiar as fontes, realizando as obras
essenciais, entre as quais a do serviço de captação.129 Rezava o termo de contrato, ainda, que
todas as instalações deveriam ser concluídas até julho de 1917. A firma pagou ao Estado um
valor correspondente às águas exportadas, sendo que os preços para o uso do produto, em
todas as suas aplicações, deveriam ser previamente aprovados pelo governo. Estavam
previstas a indenização no caso de arrendamento a outros e a fiscalização das obras e do
direito de uso das fontes. Para um possível arrendamento definitivo os donos da concessão
teriam vantagens sobre os prováveis concorrentes.130
Em virtude do acordo firmado, as obras contratadas foram inauguradas em fevereiro
de 1918. Além das previstas em contrato,
propiciou a aplicação das intervenções pretendidas, mas não sem antes provocarem conflitos e
imprimirem ritmo contínuo às transformações. Nesse sentido, o percurso adotado pela cidade-
balneário seguiu o mesmo visto em outras experiências urbanas: o de constantes idas e
vindas.134
Como se tornou visível nas correspondências enviadas pelos arrendatários ao
executivo municipal, as iniciativas reformuladoras mostravam interesse em reforçar os
objetivos de “cercar os aquacticos de toda comodidade e conforto possiveis”. Também se
verificou que, nos três últimos meses de 1917, o número de aquáticos que fez uso das águas
minerais de Araxá elevou-se a trezentos e quatorze.135 Assim, a experiência do arrendamento
do Barreiro à empresa “Botelho & Magalhães” recebeu elogios da imprensa, uma vez que,
gradativamente, as condições da estância foram melhoradas, provocando o aumento do
número de veranistas e aquáticos que a freqüentavam.136
A expressão “Sanatorio” foi comumente utilizada para se fazer referência ao
Barreiro, pois este era o lugar onde se poderiam prevenir os males ou recuperar a cura do
corpo e a da alma. A afluência de aquáticos e veranistas em busca das fontes sulfurosas e
radioativas parecia não se alterar, nem mesmo com a impropriedade da estação de chuvas
dificultando o acesso e o próprio uso das águas.
134
Sérgio Lage analisa as formas de receptividade dos homens e mulheres diante das constantes modificações
empreendidas na concepção urbanística. LAGE, Sérgio. “A saturação do olhar e as vertigens dos sentidos.” In:
REVISTA USP. São Paulo, vol.32, 1996-1997, p.128. Maria Izilda Santos de Matos amplia a análise de Sérgio
Lage estendendo outras discussões conceituais ao processo de transformação do espaço urbano. Para a autora
este consiste, ao mesmo tempo, em “registro” e “agente histórico”. Assim, afirma que é necessário “[...] destacar
a noção de territorialidade identificando o espaço enquanto experiência individual e coletiva, onde a rua, a praça,
a praia, o bairro, os percursos estão plenos de lembranças, experiências e memórias. Espaços que, além de sua
existência material, são também codificados num sistema de representação que deve ser focalizado pelo
pesquisador, num trabalho de investigação e desterritorialização e reterritorialização”. MATOS, Maria Izilda
Santos de. Dolores Duran: experiências boêmias em Copacabana nos anos 50. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil,
1997. p.38.
135
TRIBUNA DE ARAXÁ. Araxá, n.16, 15/06/1915, p.1. Arquivo FCCB.
136
GAZETA DO ARAXÁ. Araxá, n.01, 27/05/1917, p.3. Arquivo FCCB.
137
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.140, 26/12/1915, p.1. Arquivo FCCB.
63
138
GAZETA DO ARAXÁ. Araxá, n.01, 27/05/1917, p.3; n.03, 16/06/1917, p.3. Arquivo FCCB. A VOZ
PAROCHIAL. Araxá, n.08, 15/08/1917, p.1; n.11, 01/10/1917, p.1. Arquivo FCCB.
139
A maioria dos visitantes procedia de São Paulo (capital), Campinas, Ribeirão Preto e Franca. Uma parte
chegava também de Uberaba e de outros lugares de Minas Gerais. Os visitantes, geralmente, eram fazendeiros,
profissionais liberais e comerciantes. CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.172, 24/09/1916, p.1. Arquivo FCCB e
A VOZ PAROCHIAL. Araxá, n.22, 01/04/1918, p.2. Arquivo FCCB.
140
RIO, João do. Op. cit. p.19 e 33.
141
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.02, 23/02/1919, p.4. Arquivo FCCB.
142
Este é o caso do uso das águas indicado pelo Dr. Mário de Magalhães. Médico crenologista, ele dedicou sua
vida ao tratamento por meio das águas. Nesse tempo em questão, foi médico oficial da empresa arrendatária da
estância. No seu consultório particular divulgava outro serviço: o do “parto sem dôr, methodo do prof. Fernando
64
eram estes os parâmetros seguidos pela empresa arrendatária dos serviços oferecidos pela
estância. A propaganda procurava alcançar a elite, que poderia desfrutar o privilégio de fazer
“uma estação” e, ainda, retornar nos anos seguintes.
Os melhoramentos estenderam-se a outros ramos. Ensaios para o engarrafamento das
águas minerais apresentavam os primeiros resultados:
de Magalhães, com longa pratica da maternidade do Rio de Janeiro”. GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.10,
29/07/1917, p.1. Arquivo FCCB.
143
TRIBUNA DE ARAXÁ. Araxá, n.16, 15/06/1915, p.1. Arquivo FCCB.
144
Ibidem.
145
Pareceres/ Ofícios da Prefeitura Municipal de Araxá de 31/01/1918. Arquivo 00320/ Indústria e Comércio/
Parecer/ FCCB.
146
No período entre 1890 e 1918 – sendo que foi neste último ano que se criou a primeira “Fabrica de Sabonetes
Finos Medicinais” –, conforme foi apontado no primeiro item deste capítulo, foram identificadas algumas
iniciativas de produção artesanal de sabonetes medicinais.
65
Nessa época, Araxá contava com uma cadeia, reconstruída em 1909, com serviços de
água e luz, telefone, fórum, cinema, grupo escolar, hotéis e estrada de automóvel ligando a
cidade ao Barreiro. Contudo, outros melhoramentos, como rede de esgotos, um novo teatro
municipal (o antigo, hoje demolido, foi construído em 1890) e uma agência bancária, eram
insistentemente reivindicados. Os araxaenses consideravam incompreensível que uma
estância balneária não pudesse contar com tais elementos progressistas. A esses se somavam,
necessariamente, o telégrafo147 e a estrada de ferro até Uberaba, por um lado, e até São Pedro
de Alcântara (hoje, Ibiá), ligando Araxá a Belo Horizonte, por outro.
Habituada a receber aquáticos e veranistas, a cidade mesclou o convívio da
população local com os seus visitantes. Espelhando-se freqüentemente nas estâncias
européias, os melhores dias da estação eram semelhantes àqueles de Bath, a similar inglesa de
Araxá:
147
O telégrafo, inaugurado em 1919, colocou Araxá em contato com a capital do Estado, da República e com
outros centros comerciais. JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.01, 16/02/1919, p.1. Arquivo FCCB.
148
MUMFORD, Lewis. A cidade na História. Belo Horizonte: Itatiaia, 1965. p.507.
149
GAZETA DO ARAXÁ. Araxá, n.04, 17/06/1917, p.1. Arquivo FCCB. Sobre as representações feitas da
cidade pelo imaginário dos seus habitantes ou dos visitantes, ver, entre outras, presentes na obra, as páginas 103
e 104 de CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Tradução de Diogo Mainard. São Paulo: Companhia das Letras,
1990.
150
A VOZ PAROCHIAL. Araxá, n.17, 1/01/1918, p.1. Arquivo FCCB.
66
151
Depois de várias tentativas, em 1924, a Câmara chegou a autorizar o privilégio para construção dos bondes
ligando a cidade ao Barreiro. No entanto, tal projeto nunca chegou a ser executado. ARAXÁ. Livro Ata das
Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1915-1930. p.120. Arquivo FCCB.
152
GAZETA DO ARAXÁ. Araxá, n.10, 29/07/1917, p.1. Arquivo FCCB.
153
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.23, 03/08/1919, p.1. Arquivo FCCB.
154
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.13, 18/05/1919, p.1. Arquivo FCCB.
67
Afora o alto custo, os automóveis que transitavam entre Araxá e cidades próximas,
com suas vias de acesso e linhas com chauffeurs, integraram-se ao imaginário da população
de tal forma que o comércio ligado às revendas e oficinas viu-se estimulado. Tais
arrendamentos se sucederam, mostrando o interesse que esse tipo de negócio despertava.155
Em 1924, o italiano Domingos Zema associou-se ao português Fortunato Lopes, criando, pela
primeira vez, uma linha de “auto-ômnibus” para ligar, duas vezes ao dia, a cidade ao
Barreiro.156
Como medidas indispensáveis a serem tomadas pelo Governo de Minas Gerais, ainda
restavam, em 1920, a conclusão das desapropriações de terrenos em torno das fontes e a
conservação da mata da área desapropriada, ou de parte dela, para a prática de exercícios a pé
ou a cavalo.157 Quanto à subordinação legal ao Estado, não houve, a curto ou médio prazo,
resultados efetivos. Por várias vezes, as estâncias hidrominerais recorreram ao governo para
discutir a situação dos seus municípios e reivindicar a remodelação sistemática das estações
aquáticas. Supunha-se que tal proposta fosse a única capaz de corresponder às metas dessas
cidades como centros de repouso e de cura. Julgava-se que, caso as estâncias fossem
aparelhadas adequadamente, o Estado poderia contar com lucrativa fonte de renda, pois o
momento era de intensa valorização desses lugares.
Enquanto o município entrava em acordo com o governo estadual para obter o
empréstimo que seria destinado às obras necessárias à cidade em relação ao saneamento e às
melhorias de serviços já instalados, referentes ao abastecimento de água, de luz e rede de
esgotos,158 a imprensa noticiou, em 1925, os planos do presidente do Estado, Fernando Mello
Vianna, em registrar o seu governo criando a “estancia hydromineral e balneo-therapica do
Barreiro, em Araxá”. Parecia que, finalmente, chegara a hora de dotá-la de condições
essenciais dentro do que se considerava uma “verdadeira estação de cura”.
155
MINAS BRASIL. Araxá, n.186, 09/11/1924, p.5. Arquivo FCCB.
156
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.25, jan./abr. 1998, p.4-5. Arquivo FCCB. O italiano Zema transitou por
várias atividades ligadas ao automóvel até conquistar, em 1923, a condição de agente especializado na concessão
Ford. Nesse período, promoveu uma passeata pelas ruas da cidade, fazendo demonstração de seu produto de
forma pioneira: levava à frente dos carros estandartes alusivos à marca, confeccionados artesanalmente por sua
mulher, costureira habilitada por especialistas francesas, no tempo em que ainda residiam em Ribeirão Preto.
CASTRO, Maria Beatriz Afonso de. Zema: a história de um nome. Araxá: Gráfica Santa Adélia, 1994. p.44-46.
157
GUIA Thermal das Aguas do Araxá. Estado de Minas Geraes, s/n., 1920. p.14-16.
158
Segundo estimativa da Repartição de Estatística do Estado, a população de Araxá era de 16.881 habitantes,
sem contar os moradores dos distritos de Conceição, Dores de Santa Juliana, “Tapyra” e Argenita. ARAXÁ.
Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1914-1930. 1o out. 1924. p.121. Arquivo FCCB.
68
A retomada do Barreiro
159
MINAS BRASIL. Araxá, n.211, 01/05/1925, p.2. Arquivo FCCB.
160
RENOVAÇÃO. Araxá, n.26, 08/07/1934, p.4. Arquivo FCCB.
69
As cerimônias oficiais que lançaram a construção daquele que poderia ser o sonhado
e definitivo Balneário do Barreiro estiveram inseridas numa atmosfera progressista, porém
com nuances de incertezas. As formas da cidade, bem como os seus usos e as suas funções,
modelavam-se de acordo com um misto de interesses materiais e políticos, desejos e utopias.
Com a via férrea prestes a ser inaugurada, a impressão que se tinha era então descrita, ainda
que revelando teores de ironia e ufanismo, pela sensibilidade de um verdadeiro agente da vida
citadina:
Apezar de viver quasi ignorado no meu canto, sem ser lettrado, sem
ser grosso, nem coronel tenho o direito de dizer o que penso e fazer os
meus primeiros ensaios jornalisticos, pois assigno e leio as folhas das
capitaes; sou eleitor; visto o meu palm-beach; tenho casa com
alpendre; pretendo ter tambem um Chevrolet e não deixo de
frequentar o Casino. Assim digo, hoje que é necessaria a mudança do
nome Barreiro da nossa futura estancia. Já lá vão installar o telegrapho
nacional. O momento é opportuno. Barreiro era o logar onde o Jeca
161
Fotografia do arrojado projeto do balneário, com suas fachadas frontal e posterior, cuja imagem há décadas se
construía no cotidiano da cidade. O belo prédio, porém, não chegaria a ser edificado. A produção do álbum em
que consta esta imagem não especifica a sua autoria, procedimento comum nesses tipos de publicação do
período. Há apenas uma observação na apresentação do editor, referindo-se: “Aos artifices das nossas
inummeras gravuras, a todos esses modestos e prestimosos auxiliares, deixamos também, aqui o signal do nosso
reconhecimento.” SILVEIRA, Victor (Org.). Minas Geraes - 1925. Belo Horizonte: Imprensa Official, 1926.
p.790.
70
Ainda em 1925, anunciou-se que brevemente seria feita a ligação de Araxá por
estrada de ferro – entre Ibiá163 e Uberaba – com as capitais Rio de Janeiro, São Paulo e Belo
Horizonte. Por linhas de automóveis a cidade ligava-se aos municípios mineiros de
Sacramento, Patrocínio, Uberaba, Uberabinha (Uberlândia), Monte Carmelo, Estrela do Sul,
Patos de Minas, Paracatu, São Gotardo e Ibiá. A iniciativa privada abriu o tráfego de
caminhões para transportar cargas entre Araxá e Ibiá e, garantindo eficiência, agilidade,
economia e seriedade, a “Empresa Auto-Viação Araxá-Ibiá” fazia corridas diariamente.164
(Ver Anexos, Mapa 1).
Como município composto de quatro distritos (Nossa Senhora da Conceição, Dores
de Santa Juliana, Tapira e Argenita), Araxá reunia aproximadamente cinqüenta e oito mil
habitantes, sendo que na sede viviam vinte mil, dos quais cinco a seis mil residiam na zona
urbana.165 Nesta perspectiva a Câmara Municipal recebeu a proposta orçamentária da receita e
despesa para o ano de 1926. Nesta salientou-se a atenção dispensada aos principais
problemas, aos quais camaristas referiam-se como aqueles relacionados ao “progresso e ao
desenvolvimento” do município, tais como a instrução pública rural, o prosseguimento de
desapropriação necessária ao “embellezamento da cidade” e os serviços da estância, de
competência do Estado, porém dirigidos pelo prefeito.
Um elenco de solicitações para demolir, reconstruir e edificar residências ou
estabelecimentos comerciais chegou novamente à Prefeitura. As inovações das fachadas e dos
muros, tais como as construções de garagens para abrigar automóveis, demonstraram as
tentativas de renovações. Também houve, nesse período, consideráveis pedidos de licenças
para construir hotéis, pensões e outros prédios destinados às diversões,166 cujas propagandas
162
MINAS BRASIL. Araxá, n.253, 28/02/1926, p.3. Arquivo FCCB.
163
Desde 1923, o antigo distrito de São Pedro de Alcântara se desmembrara de Araxá, anexando-se ao distrito de
Pratinha para juntos formarem o município de Ibiá. SILVEIRA, Victor (Org.). Op. cit. p.788.
164
MINAS BRASIL. Araxá, n.193, 28/12/1924, p.1. Arquivo FCCB.
165
SILVEIRA, Victor (Org.). Op. cit. p.788.
166
Requerimentos enviados à Prefeitura Municipal de Araxá em 1926. Arquivo 0603/ Construção Civil/
Requerimento/ FCCB e 0151/ Construção Civil/ Manifestação Cultural/ FCCB.
71
167
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1914-1930. 28 mar. 1918. p.69-70. Arquivo
FCCB.
168
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.191, 18/02/1917, p.1. Arquivo FCCB.
72
169
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1914-1930. 16 fev. 1926. p.133-135.
Arquivo FCCB.
170
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1914-1930. p.120v. Arquivo FCCB.
171
No mesmo período foram executadas obras públicas para aperfeiçoar os serviços de luz, de água e para
conservar e “embelezar” vias públicas.
73
172
MINAS BRASIL. Araxá, n.26, 01/11/1925, p.3. Arquivo FCCB.
173
MINAS BRASIL. Araxá, n.275, 10/08/1926, p.3. Arquivo FCCB. FOUCAULT, Michel. Op. cit., 2006. p.79-
98.
174
A partir do conceito de lazer de Joffre Dumazedier enquanto conjunto de atividades com funções
diferenciadas e desenvolvidas num tempo livre, Maria das Graças Menezes Paiva trabalha o turismo como
fenômeno que figura entre as “necessidades criadas e recriadas” como lazer dentro do mundo capitalista.
PAIVA, Maria das Graças Menezes V. Sociologia do Turismo. 6ª.ed. Campinas: Papirus, 2001. p.35-40.
175
MINAS BRASIL. Araxá, n.142, 06/01/1924, p.1. Arquivo FCCB.
176
O prefeito João Augusto Massena foi nomeado pelo presidente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, de quem
fora colega desde os tempos de estudante no Instituto Granbery, de Juiz de Fora (MG). OÁSIS. Araxá, n.01,
28/11/1926, p.1. Arquivo FCCB.
74
Ao chegar a Araxá para ocupar o mais alto cargo público, o prefeito João Augusto
Massena não conhecia a cidade, tampouco as necessidades que a afligiam. Assim determinava
a prática política desde 1915, o que não impedia que o escolhido fosse recepcionado
triunfalmente, mesmo que apenas por restritos segmentos da comunidade. Mais uma vez, foi
manifestada a esperança que se depositava na nova administração do município e no apoio
que Araxá teria junto ao governo estadual. Logo nos primeiros dias do novo mandato, o
Jornal de Araxá noticiou intensamente os caminhos que o prefeito percorreu pela cidade e
redondeza.177
Ao mesmo tempo em que a Estação Ferroviária – localizada na nova praça de mesmo
nome, integrada aos traçados da igreja Matriz, que se encontrava em construção, e da avenida
Imbiara, projetada em direção ao Barreiro – começava a cumprir seu papel, os planos do
governo estadual para o Balneário não passavam do estágio de projeto em via de ser
executado. Contudo, o sonho da estação de cura, de repouso e de veraneio não terminara.
Simultaneamente à euforia das celebrações oficiais da estrada de ferro, novas notícias sobre a
construção de um “Grande Hotel”, situado na nova avenida Imbiara, foram propagadas.
A configuração do espaço público, onde se incluíam os hotéis, restringiu a
participação popular, na medida em que às elites estavam reservados os direitos de decidir e
de empreender. Assim como as medidas inovadoras implantavam-se por iniciativa dessas
elites, a nova ordem que se queria fundar sob a inspiração de outros moldes, distintos dos
estabelecidos tradicionalmente, deixava transparecer a superficialidade das mudanças que se
efetivavam.178 Talvez por isso o “Grande Hotel” por si só não tenha correspondido ao ideal
que se construía como próprio de uma estância, assim como ocorrera com tantos outros
melhoramentos.179 No entanto, a luta pela adoção de melhorias – entre essas a construção de
outros hotéis – não deixaria de ser levada a efeito como pré-requisito à estação sonhada. A
dimensão simbólica projetada aos espaços da cidade e da estância foi traduzida conforme o
panorama social. Ainda assim, no caso dos hotéis seus ambientes privados continuariam
abrigando as práticas de algumas das importantes formas de socialização e de expressão de
poder.180
177
Ibidem.
178
BERMAN, Marshall. Op. cit. p.15-35.
179
Após sua inauguração, em 1927, o hotel funcionou como opção de hospedagem tal como fora concebido. No
entanto, por pouco tempo. Logo depois, foi vendido à congregação salesiana, que ali instalou o Colégio Dom
Bosco. O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.32, out. 2001, p.7-14. Arquivo FCCB.
180
ARENDT, Hannah. A condição humana. 6ª.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1987. p.47-82.
75
181
SEVCENKO, Nicolau. Op. cit. p.89-127.
182
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.29, 28/09/1919, p.1. Arquivo FCCB.
183
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.31, dez. 2000, p.9-13; CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.24, 21/09/1913,
p.2. Arquivo FCCB.
184
O ESTUDANTE. Araxá, n.25, 21/06/1917, p.1. Arquivo FCCB.
185
A propósito da polaridade entre os urbanismos “progressista” e “culturalista”, ver: CHOAY, Françoise. “A
história e o método em urbanismo.” In: BRESCIANI, Stella (Org.). Imagens da cidade: séculos XIX e XX. São
Paulo: ANPUH/ Marco Zero/ FAPESP, 1994. p.13-27.
186
A TRIBUNA DE ARAXÁ. Araxá, n.10, 15/03/1915, p.1. Arquivo FCCB.
76
Desde 1919, quando a imprensa anunciara que durante o mês de fevereiro o Barreiro
havia fornecido trezentos e sessenta e oito banhos187 e que a estação prometia ser animada,
crescia a procura por aposentos nos hotéis. A afluência de veranistas fora intensificada nos
últimos meses daquele ano, assim como acontecera nos anos anteriores.188 Assim, na cidade,
cujas alterações miravam-se na chamada vocação turística, o teatro, os cinemas, as
associações religiosas ou de lazer, os estabelecimentos hoteleiros e o Balneário do Barreiro
adquiriram uma significação especial como espaços de lazer e de formação de opinião.189
Neles rompeu-se a rotina diária com eventos considerados “diversões agradaveis”.190
Em outro sentido, podia-se observar que os elogios aos elementos progressistas,
como a transformação do espaço urbano e a equiparação da cidade enquanto estação
balneária, contrapunham-se às constantes críticas. As censuras, por sua vez, seguiram um
movimento também contínuo, igualmente tensionado, em que imperaram interesses
conflitantes.191 O traçado e a aparência do espaço público, as definições diante do que demolir
ou o que construir novamente, como e em que lugar, permearam o processo de urbanização
dos anos 20 e as discussões à sua volta. Assim como o aproveitamento do potencial do
Barreiro, que foi referência para as transformações implantadas ou construídas no imaginário
dos habitantes, a via férrea caracterizou-se como elemento fundamental do qual dependia o
futuro da cidade e da estância e, por isso, esteve inevitavelmente no centro do debate. A
maneira com que se deu a materialização adaptou-se à modernidade, entendida como aquilo
que se move, desconstrói e reconstrói em meio à turbulência. Para conquistá-la e com ela
concretizar o sonho de se inaugurar um tempo inédito, foram enfrentadas diversas situações
em que os impulsos rumo à tomada de decisões cederam lugar, muitas vezes, ao recuo da sua
marcha.
As águas minerais de Araxá haviam sido agraciadas com um grande prêmio na
Exposição Internacional do Centenário do Brasil, publicado em 1923, aflorando a esperança
de que a estância do Barreiro se tornaria mais divulgada, já que, conforme se afirmava, “é
ainda um tanto desconhecida”. A representação que se fazia da cidade ideal estendia-se, de
187
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.04, 09/03/1919, p.1. Arquivo FCCB.
188
A VOZ PAROCHIAL. Araxá, n.11, 01/10/1917, p.1 Arquivo FCCB.
189
HABERMAS, Jürgen. Op. cit. p.46-59.
190
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.42, 01/01/1920, p.2. Arquivo FCCB. Mas era também nos hotéis que a elite
dirigente decidia sobre o cotidiano da população, assegurando, com os instrumentos de poder, a dominação
urbana. As idéias e os discursos transitam no interior das reuniões sócio-políticas de forma tal que parecem ser
exclusivos apenas das elites e que somente a estas pertencem o direito à cidade e à estação de águas. A respeito
da fragmentação das informações transmitidas nesses ambientes com a decorrente noção restrita da vida externa,
ver: SENNET, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988. p.112.
191
BALANDIER, Georges. Op. cit. p.137-226.
77
fato, à da estância também ideal. No entanto, o discurso progressista flutuava entre posições
distintas, ora ressaltando uma identidade que se construía positivamente, ora pontuando seus
componentes negativos ou, ainda, numa posição intermediária, ora sugerindo alternativas para
solucionar as demandas da cidade e do Balneário.192
Em meio às representações contraditórias do urbano, o poder público municipal
despendeu verba e cuidado especiais com o embelezamento da cidade e com os festejos da
inauguração oficial do novo ramal da “Estrada de Ferro Oeste de Minas”.193 A atenção,
contudo, concentrou-se nos espaços centrais, os mesmos onde tiveram lugares os eventos
esporádicos previstos naquele cerimonial. Como se vêem, os trilhos chegaram a Araxá
somente na segunda metade dos anos 20. A demora foi vinculada, muitas vezes, à ausência de
forças políticas representativas. A via férrea já havia sido materializada e o poder municipal
mantinha a postura de embelezar os logradouros públicos como forma de atrair os turistas. No
entanto, alguns pontos do espaço público e das transformações nele promovidas recebiam
críticas dos cidadãos, que, por meio das mais diversas manifestações praticadas na área
urbana, reivindicavam o direito de poder usufruir o panorama progressista e o projeto
espacial, indissociável, da cidade e do Barreiro.
Nessa perspectiva, a discussão sobre uma ampla avenida a ser implantada, dando
seqüência à praça da Matriz e conduzindo os transeuntes em direção ao Barreiro, foi
defendida com base em alguns argumentos. Por exemplo, dizia-se que esta avenida
promoveria a expansão da cidade e, por conseguinte, dividiria quarteirões, lotes, avenidas e
praças. Nos embates pela imprensa foram utilizadas como modelos as larguras da avenida Rio
Branco, no Rio de Janeiro, e da avenida 25 de Maio, em Buenos Aires. Torna-se conveniente,
nesse caso, retomar a leitura sobre o uso de outros modelos de urbanização.194 Ao projeto da
grande avenida em questão sugeriam-se denominações como “Avenida das Fontes” ou
“Boulevard das Fontes”, em oposição ao nome de origem indígena, tradicional e identitário
finalmente adotado: avenida Imbiara.195 (Ver Anexos, Mapas 3 e 4).
192
As imagens construídas por intermédio do discurso dos jornais, positivas ou negativas, estiveram associadas
aos interesses daqueles que as produziram. Neste caso, o jornal Minas Brasil assumia atitudes aparentemente
neutras; daí o fato de suas opiniões acomodarem-se entre uma e outra posições. MINAS BRASIL. Araxá, n.114,
24/06/1923, p.2. Arquivo FCCB.
193
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1914-1930. 02 ago. 1926. p.138v-140.
Arquivo FCCB.
194
SALGUEIRO, Heliana Angotti. Op. cit. p.3.
195
Tradicionalmente, define-se o significado da palavra “Imbiara” como sendo o “caminho das águas”.
78
De certa forma, múltiplas expectativas foram projetadas para que esta via cumprisse
sua função como espaço tipicamente destinado à socialização. Permitindo o fluxo dos
cidadãos locais e dos turistas nos seus percursos entre a cidade e o Barreiro, a avenida não só
pôde oferecer-lhes um acesso mais confortável às fontes, mas também lhes proporcionar visão
ampla dos espaços e, porque não, maiores possibilidades de irem e virem de um lugar ao
outro.197
A avenida Imbiara, unindo a nova igreja Matriz ao Barreiro, em via de ângulo
oblíquo à da Estação Ferroviária, reservou para si um lugar no imaginário da população como
ponto elegante e chique da urbe. Pretendeu mostrar-se uma avenida como símbolo e como
espaço geometrizado destinado ao tráfego, à localização de novas residências e à
manifestação dos sentidos de viver numa cidade-balneário.198 Essas representações
rivalizaram-se com outras, até então vinculadas à rua Boa Vista ou às remodeladas praças da
Conceição e Coronel Adolpho. Isso porque, além dos serviços de iluminação elétrica e do
196
Seguindo-se à praça da Matriz, as questões envolvendo a reformulação da nova avenida Imbiara e com ela os
espaços em direção ao Barreiro geraram inquietações. Fotografia: Salviano Barreto. Arquivo Fotográfico/ 1855.
Fundação Cultural Calmon Barreito de Araxá (FCCB).
197
MUMFORD, Lewis. Op. cit. p.719-728; JULIÃO, Letícia. “Belo Horizonte: itinerários da cidade moderna
(1890-1920).” In: DUTRA, Eliana de Freitas (Org.). BH: horizontes históricos. Belo Horizonte: C/Arte, 1996.
p.191.
198
MUMFORD, Lewis. Op. cit. p.472-476.
79
[...] côr e gosto não devemos discutir. Sendo a nossa cidade visitada
por touristes de toda a parte, devemos proporcionar-lhe logradouros
publicos. O ajardinamento das praças e a abertura da grande avenida
são necessarios. E até agora, o unico ponto da cidade que attrae os
nossos visitantes, é a praça da Conceição. Amanhã será tambem a
avenida Imbiára. Mais tarde, tambem a estrada daqui ás thermas
quando comprehenderem essa imprescindivel necessidade, que é a
garantia da cidade.
Ainda ha dias, um cavalheiro distincto, propagandista de nossas fontes
e que nos dá o prazer de sua amavel visita todos os annos, nos dizia:
Os jardins de Araxá, antes tão floridos, com suas rosas invejaveis,
com os seus canteiros tão cuidados, não são mais aquelles. Á Estrada
do Barreiro então está ameaçadora. Que houve? Respondemo-lhe
immediatamente: – Muita chuva e chuvas nunca vistas.199
199
MINAS BRASIL. Araxá, n.258, 11/04/1926, p.1-2. Arquivo FCCB.
80
200
O ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo, Recortes de jornais datados de 12/08/1929; 13/08/1929;
14/08/1929; 15/08/1929; 16/08/1929; e 20/08/1929. DIÁRIO OFICIAL DE MINAS GERAIS. Belo Horizonte,
n.09, 23/08/1929. Arquivo FCCB.
201
O sentido dos tempos históricos e a alternância dos mecanismos que os fazem conservar, reproduzir e
destruir-se são analisados por Alfredo Bosi. BOSI, Alfredo. “O tempo e os tempos.” In: NOVAES, Adauto
(Org.). Tempo e história. São Paulo: Companhia das Letras, Secretaria Municipal de Cultura, 1992. p.19-31.
202
CANCLINI, Néstor García. Op. cit. p.283-350.
81
(Richard Hoggart)
83
Uma cidade não pode ser vista apenas como um espaço de atração que se abre para
nele se desenrolarem histórias. Ao contrário disso, a cidade é a história em si e, como tal, o
desenho dela deve ser decifrado em todos os seus traços ou lido em todos os seus sinais.203
Isso significa que se deve descobri-la pelo enfoque das instâncias do urbanismo enquanto
203
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. p.172-182.
84
204
BRESCIANI, Maria Stella (Org.). Imagens da cidade: séculos XIX e XX. São Paulo: ANPUH/ Marco Zero/
FAPESP, 1994. p.7-11. Buscando superar as proposições contraditórias dos “urbanismos progressista e
culturalista”, Maria Stella Bresciani aponta “portas conceituais” para ingressar na análise da e sobre a cidade,
envolvendo questões como a social, a sanitária, a filantrópica, a da cultura popular, a da memorização e a da
experiência específica do viver urbano. BRESCIANI, Maria Stella. “Cidade e história.” In: OLIVEIRA, Lúcia
Lippi (Org.). Cidade: história e desafios. Rio de Janeiro: CNPq/ FGV Editora, 2002. p.16-35.
205
Ao referir-se à urbanização no século XIX, Richard Sennet a define como algo para além da “difusão de
hábitos urbanos”; a conceitua, ainda, como uma “difusão de forças antitradicionais”, envolvendo a
administração, as finanças e as leis. SENNET, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade.
São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p.163.
206
Nesse sentido, considero a definição de Sennet, reforçando as premissas de Bresciani de que os problemas da
cidade não se resumem na união dos saberes do médico e do engenheiro na configuração da cidade. Vale dizer
que a sua inserção no campo simbólico a revela como “espaço politizado”. BRESCIANI, Maria Stella. Op. cit.,
2002. p.30.
207
WEBER, Eugen. França fin-de-siècle. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras,
1988. p.228.
85
XIX.208 O impulso da freqüência aos balneários favoreceu a estação de águas que buscou unir
as noções de higiene, de saúde física e de embelezamento às possibilidades inovadoras de
trabalho e de lazer. Devia-se, então, viabilizar condições propícias para oferecer as águas e os
atrativos decorrentes do seu uso aos visitantes que chegavam. Os espaços urbanos e o seu
cotidiano foram definidos a partir das formas como os habitantes ocuparam os seus territórios,
os imaginaram e neles se organizaram para desenvolver a produção. Em se tratando de uma
cidade construída natural e materialmente sob o emblema das águas, a visibilidade
conquistada e os contatos mantidos entre moradores e veranistas aproximaram Araxá da Belle
Époque não apenas nos anos 20, mas também a partir de 1930.209
208
MUMFORD, Lewis. A cidade na história. Belo Horizonte: Itatiaia, 1965. p.463-472.
209
CHARTIER, Roger. “O mundo como representação.” In: REVISTA ESTUDOS AVANÇADOS. São Paulo,
vol.5, n.11, jan./abr. 1991. p.79; 182-184; NEEDELL, Jeffrey. Belle Époque tropical: sociedade e cultura de elite
no Rio de Janeiro na virada do século. Tradução de Celso Nogueira. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
p.209-267. Tradicionalmente, a historiografia tem se referido à Belle Époque como a um período compreendido,
sobretudo, entre 1870 e a primeira Guerra Mundial. No Brasil, a duração desse tempo de euforia e de descoberta
presente na vida urbana teria ocorrido entre 1900 e 1920, conforme analisa Sevcenko. Há que se observar,
contudo, que Araxá viveu essa experiência nos anos 20, estendeu-a pela década de 30 até alcançar a de 40,
introduzindo um tempo, ou uma bela época, próprio de praticar e de sentir a cidade e sua estação de águas.
SEVCENKO, Nicolau. “O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso.” In: NOVAIS,
Fernando A. (Coordenador-geral da coleção); SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil:
República da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. (História da vida privada no
Brasil; 3). p.35-37.
210
À direita vê-se o prédio da subestação de luz; à esquerda, o quiosque; e ao centro o balneário depois de
ampliado. Década de 20. Não foi possível identificar o autor dessa fotografia. Arquivo Fotográfico/ 00122.
Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB). Neste capítulo, os procedimentos adotados para o uso das
86
imagens como fonte, descritas nas legendas, foram selecionadas para darem maior visualidade ao texto
favorecido pelo seu cruzamento com as demais fontes. Para isso, utilizo como referências as propostas de Ana
Maria Mauad e Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses. Ver: MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. “Fontes
visuais, cultura visual, história visual. Balanço provisório, propostas cautelares”. In: REVISTA BRASILEIRA
DE HISTÓRIA - Órgão Oficial da Associação Nacional de História. São Paulo, vol.23, n.45, 2003. p.11-35;
MAUAD, Ana Maria. “Através da imagem: fotografia e história – interfaces”. In: TEMPO. Rio de Janeiro, vol.1,
n.2, 1996. p.95 e 96.
211
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano - Paris, Rio de Janeiro,
Porto Alegre. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999. p.7-25.
212
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Op. cit. p.11-36.
87
213
MATOS, Maria Izilda Santos de. Âncoras de emoções: corpos, subjetividades e sensibilidades. Bauru:
EDUSC, 2005. p.91-157.
214
LEPETIT, Bernard; SALGUEIRO, Heliana Angotti (Org.). Por uma nova história urbana. Tradução de Cely
Arena. São Paulo: EDUSP, 2002. p.137-189.
215
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Tradução de Carlos
Felipe Moisés e Ana Maria L. Ioratti. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p.50.
88
216
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.18, 22/06/1919, p.1. Arquivo FCCB.
217
CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Tradução de Maria de Lourdes Menezes. Revisão técnica de
Arno Vogel. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. p.93.
218
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.01, 16/02/1919, p.1. Arquivo FCCB.
219
Sobre a necessidade de os administradores públicos evidenciarem atuação e poder em obras públicas, ver:
SENNET, Richard. Carne e pedra. 3ª.ed. Tradução de Marcos Aarão Reis. Rio de Janeiro: Record, 2003. p.81.
89
220
A VOZ PAROCHIAL. Araxá, n.27, 01/01/1920, p.1. Arquivo FCCB. Um projeto de construção da estação
férrea na avenida Lavapés entrara em debate. Esta opção foi desconsiderada, levando-se em conta que a aludida
localização não acompanhava a direção do crescimento urbano, naquele momento, rumo às fontes do Barreiro.
MINAS BRASIL. Araxá, n.117, 15/07/1923, p.3. Arquivo FCCB.
221
FOUCAULT, Michel. A verdade e as formas jurídicas. Tradução de Roberto Cabral de Melo Machado e
Eduardo Jardim Morais. Rio de Janeiro: Nau Ed., 1996. p.22; FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no
Collège de France (1974-1975). Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.108-109.
222
A VOZ PAROCHIAL. Araxá, n.27, 01/01/1920, p.2. Arquivo FCCB.
90
[...] Não se admire pois, o povo do Araxá pela apparente lentidão com
que são conduzidas as obras da nova Matriz, e não se deixe levar pela
impaciencia que caracteriza a nossa geração de querer vêr á tarde o
fructo da semente que lançara á terra pela manhã.
Apesar do desanimo que reina em alguns corações, a nova Matriz não
tardará muito em converter-se em uma esplendida realidade.226
223
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1914-1930. 07 jan. 1915. p.9-12. Arquivo
FCCB.
224
O chamado “plano de reurbanização” referia-se a mais de um projeto e, portanto, não havia uma unidade
nesse sentido. Ainda assim, só seria possível se o município detivesse a posse dos terrenos que desde o início da
formação urbana de Araxá pertenciam à Igreja. A esta interessavam a desapropriação e a venda de parte de seu
patrimônio, até mesmo para edificar a obra da nova Matriz. O desenvolvimento das negociações, por longo
tempo, foi permeado por complicada rede de interesses e especificidades que extrapolam o recorte temporal
adotado neste estudo. A VOZ PAROCHIAL. Araxá, n.27, 01/01/1920, p.2. Arquivo FCCB. LIVRO Tombo da
Igreja Matriz de São Domingos. Araxá, 1911-1948, n.1, p.5-46.
225
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.42, 25/10/1914, p.1. Arquivo FCCB.
226
A VOZ PAROCHIAL. Araxá, n.03, 27/05/1917, p.1. Arquivo FCCB.
227
TRIBUNA DE ARAXÁ. Araxá, n.03, 01/12/1914, p.1. Arquivo FCCB.
91
O toque elitista dado à nota amparou-se na reivindicação junto ao poder público para
que se realizassem concertos musicais na praça, atendendo à expectativa da população local e
visitante. “[...] A musica influe decididamente nas maneiras de um povo, e attrahirá á elegante
praça concurrencia infalivel e selecta, permittindo alguns instantes de diversão aos que nos
procuram, e dando ao Araxá um aspecto novo e brilhante”.232
228
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1914-1930. 03 nov. 1920. p.87. Arquivo
FCCB.
229
Entende-se aqui por estância turística um lugar destinado ao lazer, que, por sua vez, segundo a definição de
John Urry, requer “um trabalho regulamentado e organizado” capaz de atender às expectativas do visitante.
URRY, John. O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. 2ª.ed. São Paulo: Studio
Nobel, 1999. p.17-19.
230
A praça assim já se chamava, embora a antiga igreja Matriz nela situada, cuja existência justificara sua
denominação anterior – praça da Matriz –, mantivesse suas funções religiosas, fato que ocorreria até 1930,
quando foi demolida.
231
GAZETA DO ARAXÁ. Araxá, n.08, 15/07/1917, p.1. Arquivo FCCB.
232
Ibidem.
92
233
O jardim público da praça Coronel Adolpho foi inaugurado com direito a um coreto para a apresentação de
retretas aos domingos, canteiros floridos e bancos para proporcionarem conforto e comodidade. Não foi possível
identificar o autor dessa fotografia. Arquivo Fotográfico/ 0057C. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá
(FCCB).
234
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.03, 02/03/1919, p.1. Arquivo FCCB.
235
SEVCENKO, Nicolau. Orfeu estático na metrópole - São Paulo: sociedade e cultura nos prementes anos 20.
São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.89-90. O autor analisa, especificamente neste caso, o uso do termo
“diversões” para designar essas novas práticas que se tornavam regulares.
236
A VOZ PAROCHIAL. Araxá, n.22, 01/04/1918, p.1. Arquivo FCCB.
237
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.03, 02/03/1919, p.1. Arquivo FCCB.
93
Embora esse espaço público despertasse o interesse especialmente das elites, o hábito
das retretas dominicais na praça pública foi estimulado sob a justificativa de se disponibilizar
uma forma de entretenimento a todos os segmentos sociais. Da mesma forma, a estréia e o uso
do coreto como espaço disponível para concertos populares ao ar livre foram celebrados.
Ainda que esse atrativo musical tenha sido justificado por ser acessível à população como um
todo, era ameaçado de receber punições aquele que depredasse o jardim e prejudicasse a
“bellesa do grammado arrancando sempre flores dos canteiros”.238
Enquanto a cidade vivia a euforia da inauguração do jardim da praça central, o poder
público recebia aplausos da imprensa como o responsável por proporcionar um lugar de
diversão. Outro jardim, o do antigo largo da Conceição, também foi projetado para contar
com coreto, bar, campo para jogo de tênis e pista de patinação, afora a exibição das
especificidades do paisagismo. O coreto, em particular, configurou-se, por muito tempo,
como espaço de atuação dos profissionais da música, que foram estimulados por contratos de
apresentações com a Prefeitura.239 (Ver Anexos, Mapa 4).
A grande expectativa, sem dúvida, ficou por conta da criação da gruta de Nossa
Senhora de Lourdes nesta praça, que reuniu alguns dos importantes componentes então
exigidos para territórios como esses: caminhos sinuosos, canteiros, coreto, bancos
confortáveis, pista de patinação e, no entorno, as residências das elites.240 Do processo de
embelezamento adotado por Haussmann em Paris constou o modelo londrino de parques,
tradicionalmente projetados com a técnica inglesa de jardinagem, segundo a qual não podiam
faltar grutas, riachos e pequenas rotas, entre outros estereótipos.241 O que se viu na praça da
Conceição, em Araxá, com a gruta – curiosamente chamada de Lourdes – e os caminhos
recortando jardins floridos, foi mais um exemplo de como as condições de apropriação de
modelos urbanísticos disseminaram-se por inúmeras cidades.242
238
A VOZ PAROCHIAL. Araxá, n.22, 01/04/1918, p.1. Arquivo FCCB.
239
MINAS BRASIL. Araxá, n.144, 30/12/1923, p.3. Arquivo FCCB. Possivelmente, fora o paisagista paulista
Reinaldo Dierberger, da Casa Dierberger, o responsável por este projeto inspirado em modelos ingleses. Além
do paisagismo executado por ele no Barreiro naqueles anos 20, Dierberger realizou outros trabalhos em algumas
estâncias mineiras e na capital, Belo Horizonte. Nota-se, então, a tradição da estância enquanto foco de atração
para a prática de técnicos renomados cuja experiência profissional estendia-se geralmente aos espaços da cidade.
A manutenção de tal prática foi observada outras vezes, nos períodos subseqüentes. Recorte do jornal ESTADO
DE SÃO PAULO. São Paulo, 21/08/1929. Arquivo FCCB. NEEDELL, Jeffrey. Op. cit. p.51.
240
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.12, 11/05/1919, p.1. Arquivo FCCB.
241
NEEDELL, Jeffrey. Op. cit. p.19-73.
242
LEPETIT, Bernard; SALGUEIRO, Heliana Angotti (Org.). Op. cit. p.137-189.
94
243
Um dos modelos da modernização empreendida na cidade, a praça da Conceição reuniu alguns dos
importantes elementos exigidos para um espaço público como este: caminhos sinuosos, canteiros, coreto, bancos
confortáveis, rinque de patinação, gruta de Lourdes e as residências das elites no entorno. Há uma inscrição da
data, feita à máquina, no canto superior esquerdo da imagem, gravada pelo seu doador. Não foi possível
identificar o autor dessa fotografia. Arquivo Fotográfico/ 00769. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá
(FCCB).
244
Peça de madeira comumente vista nas paisagens rurais e urbanas, compondo uma espécie de cerca que une
resistência à rusticidade. CASCUDO, Luís da Câmara. Mouros, franceses e judeus: três presenças no Brasil.
3ª.ed. São Paulo: Global, 2001. p.16-39.
245
SENNET, Richard. Op. cit., 2003. p.79-109.
246
Esta empresa substituiu aquela primeira, chamada “Sociedade Auto-Viação Araxaense” (ou “Botelho &
Cia.”), criada em 1915. (Ver Capítulo 1, item 1.3).
95
247
GAZETA DO ARAXÁ. Araxá, n.01, 27/05/1917, p.3. Arquivo FCCB; SILVA, Sebastião de Affonseca.
Ligeiros commentarios sobre a localização do novo estabelecimento balneario de Araxá. Abril de 1936. p.4.
Arquivo 00046/ ABPH-01/ FCCB.
248
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.190, 12/02/1917, p.2. Arquivo FCCB.
249
Depois de várias tentativas, em 1924, a Câmara chegou a autorizar o privilégio para construção dos bondes
ligando a cidade ao Barreiro. No entanto, tal projeto nunca chegou a ser executado. ARAXÁ. Livro Ata das
Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1915-1930. p.120. Arquivo FCCB.
250
GAZETA DO ARAXÁ. Araxá, n.10, 29/07/1917, p.1. Arquivo FCCB.
251
MINAS BRASIL. Araxá, n.211, 01/05/1925, p.2. Arquivo FCCB.
252
SENNET, Richard. Op. cit., 1988. p.117-128.
96
Ainda que os bondes elétricos não tenham ultrapassado a condição de projeto não
executado, a idealização e os objetivos desta via estiveram eventualmente associados a outros
meios de favorecer a estância, tais como o transporte, a rede hoteleira, o lazer e, obviamente,
o jogo. Sua criação chegou a ser pensada como forma de dar sustentação à cidade-balneário a
partir de três pilares. Os bons hotéis e cassinos poderiam ser construídos na cidade mesmo; os
veranistas se deslocariam de bonde ao Balneário e às fontes, que, dessa forma, se manteriam
mais próximos do ambiente originalmente natural; e, finalmente, a locomoção de um território
ao outro se daria pelo carro elétrico, meio destinado a transportar, mas também a selecionar
passageiros conforme a categoria social a que pertencessem.
Via higiênico-sanitarista
hábitos, esses procedimentos implicaram em algo mais, já que atos praticados repetidamente e
por longo período não são de todo modo inflexíveis ou imutáveis. Uma sintonia bastante
própria entre as variáveis do lugar e os seus personagens em ação permitiram que fossem
plasmados outros meios de convívio cotidiano.
As estratégias executadas definiram práticas sociais nascidas dessas experiências e,
assim, do grau de conhecimento e da subjetividade dos sanitaristas e construtores-
planejadores. Tais práticas, associadas ao domínio dos saberes técnicos de médicos,
engenheiros e advogados, amparados por administradores públicos, que, em geral, no
exercício de seus cargos, traziam formação acadêmica numa dessas áreas citadas, mostravam
mais do que tentativas de fazer com que se assimilassem normas. Sobrepondo-se a uma
relação de assimilação apresentavam-se outras: de mando e de subserviência. Atender às
exigências desses profissionais requereu habilidade de quem procurou implantar as mudanças
nos espaços públicos e no comportamento dos habitantes sem que se pudesse, contudo, deixar
velada a necessidade de neutralização imposta e tantas outras formas de dominação.255
A proposta higienista exigiu a limpeza e a reestruturação de vias e logradouros. Foi,
portanto, utilizada como suporte ideológico para conduzir os problemas da cidade e legitimar
as ações que pretenderam solucioná-los. Estas concepções acabaram por levar à reivindicação
de maneiras devidas de se obter a saúde física e espiritual. Viabilizaram, ainda, o tráfego por
ferrovias e rodovias, por vias urbanas limpas, calçadas e ornamentadas, além de estimular a
existência de belas construções residenciais, hoteleiras e de um espaço para a estação
balneária que buscou constantemente equipar-se para se adequar às exigências que se faziam
para tal categoria.
No início dos anos 20, um “Guia Thermal das Aguas do Araxá”, editado em São
Paulo, inseriu a cidade neste tempo de culto à saúde corporal:
255
Sobre o conhecimento enquanto invenção produzida por diversos mecanismos de dominação, ver:
FOUCAULT, Michel. Op. cit., 1996. p.7-27. Ainda sobre os meios de modelar os costumes das pessoas,
seguindo as ordens sanitárias do médico e do engenheiro, entrecruzadas no espaço da cidade com outras questões
de caráter político e ainda econômico, ler: BRESCIANI, Maria Stella. Op. cit., 2002. p.16-35, especialmente
p.27.
98
256
GUIA Thermal das Aguas do Araxá. Estado de Minas Gerais, s/n., 1920. p.3.
257
CARVALHO, Horacio (Org.). Album do Araxá. São Paulo: Typographia Gutemberg, 1928. p.18.
258
Em Araxá, a partir desse momento, seriam implementadas outras atividades institucionais similares.
Iniciativas como essas integravam grandes projetos públicos em que atuavam os médicos sanitaristas.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O espetáculo das raças: cientistas, instituições e questão racial no Brasil – 1870-
1930. São Paulo: Companhia das letras, 1993. p.191. MATOS, Maria Izilda Santos de. Op. cit., 2005. p.87-89.
259
Há uma série de requerimentos datados de 30/12/1932 a 09/09/1947 solicitando a ligação da rede de esgoto
das residências situadas em várias ruas centrais da cidade. Arquivo 07/ ACMA/ FCCB. Da mesma forma, foram
localizados recibos datados de 25/07/1930, 06/08/1930, 28/08/1930 e 22/12/1930 referentes ao assentamento de
passeios e de meios-fios, calçamentos, esgotos e bueiros nas ruas centrais da cidade. Arquivo 45/ ACMA/
FCCB.
260
RENOVAÇÃO. Araxá, ns. 12, 13, 14 e 15; 01/04/1934, 08/04/1934, 15/04/1934, 22/04/1934, p.1. Arquivo
FCCB.
99
261
Estas organizações integravam os mesmos projetos políticos financiados pelo Estado, concentrando no
médico a função de cientista.
262
Discurso pronunciado pelo prefeito Fausto Alvim durante posse da diretoria da Sociedade de Medicina,
Cirurgia e Crenologia de Araxá. A OPINIÃO. Araxá, n.32, 21/08/1932, p.2. Arquivo FCCB.
263
Carta Aberta enviada pelo médico João Teixeira Álvares ao presidente do Estado, Olegário Maciel, publicada
no jornal A OPINIÃO. Araxá, n.13, 10/04/1932, p.4. Arquivo FCCB.
100
municipal, estes profissionais desenvolveram uma planta cadastral da cidade para garantir-lhe
um ordenamento racional a partir dos projetos urbanos adotados.264
264
A OPINIÃO. Araxá, n.1, 17/01/1932, ano 1, p.3. Arquivo FCCB.
265
Avenida Antônio Carlos com seu novo traçado, onde se vêem jardins, coreto, residências e a igreja ainda em
construção, ao fundo. 1933, aproximadamente. Fotografia: Octavio Fonseca. Arquivo Fotográfico/ 410.
Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
266
PONTES, Hildebrando de Araújo. Noticia Estatistico-Chorographia e Historica do Municipio da Araxá.
Belo Horizonte: Secretaria da Agricultura, 1928. p.73.
101
267
Discurso pronunciado por Victório Marçola. A OPINIÃO. Araxá, n.10, 20/03/1933, p.3. Arquivo FCCB.
268
A OPINIÃO. Araxá, n.13, 10/04/1932, ano 1, p.4. Arquivo FCCB.
269
A OPINIÃO. Araxá, n.1, 17/01/1932, ano 1, p.3. Arquivo FCCB.
270
SENNET, Richard. Op. cit., 1988. p.164-165.
102
O Barreiro foi naturalmente criado com seus espaços onde brotaram água, lama e
demais riquezas minerais. Tantos outros pontos daquela área viram-se culturalmente
transformados. Entre o natural e o construído formaram-se o Balneário e a cidade como algo
complexo, historicamente produzido. Impasses de ambos os lados, em permanente tensão,
impuseram formas de viabilizar os meios de beber a água e definiram a maneira ideal para
ingeri-la e usufruir seus poderes. Os banhos de imersão exigiram igualmente condições
propícias ao seu melhor aproveitamento.
Mas, afinal, o que é esta estância e qual é a sua relação com a paisagem onde se bebe
água, toma-se banho e respiram-se ares aprazíveis? Os hábitos mantidos reproduzem aqueles
vistos enquanto modelo de estação balneária? Ser uma cidade-balneário pressupôs produzir
uma materialidade a partir da benevolência da natureza. Para intervir com suas práticas
sociais, administradores, técnicos, higienistas, empresários e trabalhadores em geral
imprimiram conhecimentos e expectativas com o objetivo de configurar os espaços recíprocos
da cidade e do Balneário tal como os entendiam e os imaginavam.271
Nos primeiros anos da década de 30, construções pontuais já abrigavam as fontes
Dona Beja (de água radiativa) e Andrade Júnior (de água sulfurosa), acolhiam visitantes em
torno de um quiosque e forneciam energia elétrica por intermédio de uma subestação. Ao
centro das edificações, a Casa de Banhos reunia atrativos tanto quanto experiências
compartilhadas entre visitantes e funcionários, moradores e trabalhadores de Araxá. Jardins
sinuosos, cuidadosamente planejados, uniam cada um dos pontos construídos com suas
formas, suas funções e seus sentidos. Avizinhando-se desse conjunto, os hotéis, as pensões, os
pequenos comércios e as moradias compunham o território do Barreiro, ligado à cidade, desde
1915, pela estrada ainda de terra e por tantas outras propriedades rurais. Atravessar essas
fazendas, seguindo suas trilhas, fora também um dos meios de transitar entre os dois lugares
durante décadas.
Se no Barreiro o primeiro Balneário foi construído pela empresa fundada por
iniciativa de Thiers Botelho, a “Sociedade Auto-Viação Araxaense” ou “Botelho & Cia.”,
constando de cinco repartimentos, sendo três quartinhos, uma sala e um cômodo para
271
Partindo do pressuposto de que a cidade é um “artefato”, Ulpiano Meneses define tal caracterização como um
“segmento da natureza socialmente apropriado” que se coloca invariavelmente como resultado e direção sujeito
a determinadas forças nas práticas orientadas por representações. MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de.
“Morfologia das cidades brasileiras: introdução ao estudo histórico da iconografia urbana.” In: REVISTA USP.
São Paulo, n.30, jun./ago. 1996. p.149.
103
fornalha, o segundo ganhou novo formato. A firma “Botelho & Magalhães” contratou o
engenheiro Ettore Bertacin – o mesmo que chegou a realizar projetos urbanísticos para a
Prefeitura nos primeiros anos da década de 20 –, incumbindo-lhe o projeto arquitetônico
daquela Casa de Banhos. Agora, sim, uma casa de dezesseis cabines para banho sulfuroso,
cabine para banho de lama, sala de espera, sala para administração, consultórios médicos e
“casa de força” garantindo os banhos quentes.272
Em 1927, médicos da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Uberaba e de Araxá
haviam acompanhado o então presidente de Minas Gerais, Antônio Carlos, em sua visita às
fontes do Barreiro. De passagem pelo território do antigo Triângulo Mineiro, o estadista
comprometeu-se a beneficiar as águas de Araxá. O profissional da medicina Dr. João Teixeira
Álvares compôs a comitiva e, como estudioso daquelas águas havia 40 anos, as considerava
um “tesouro abandonado”. Mas o governo dispensava seu olhar ao Barreiro e o médico em
questão definiu, momentaneamente, o prazer pessoal diante das primeiras ações do presidente
mineiro: “[...] ver tombar e desapparecer o antigo muro de pedras que cercava as fontes,
baluarte intransponivel da ignorancia, grosseira Bastilha que impedia a entrada do progresso e
da vida”.273
A necessidade de melhorias contínuas levava à conquista e à execução de reformas
no Balneário, nas fontes e no entorno destes. A fonte de água sulfurosa já se chamava
Andrade Júnior há alguns anos quando o hidrólogo, geólogo e professor José Ferreira de
Andrade Júnior, contratado pelo governo de Minas Gerais, realizara ali o trabalho de captação
racional das águas referente à “sua vasão, a sua thermalidade, a sua salinidade”. Até 1932, o
dispositivo para fazer seu uso diretamente na fonte era descrito como “profundamente ante-
hygienico, até mesmo condemnavel, descommodo e inesthetico”.274 Tratava-se de um cano,
nada mais do que isso. No entanto, considerando-se que o uso da água captada e encanada
modificara hábitos anteriormente praticados, verifica-se que este ato em si – o de beber a água
que chegava por meio de um mecanismo modificado pela condição humana – representava
um certo avanço. Todavia, o fato era que se queria avançar ainda mais.275 E a imprensa,
enquanto prática discursiva, cumpria o seu papel de lamentar a cena que estava acostumada a
272
EDE, Martha Botelho. Thiers: controvérsia de três tempos. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2004. p.41-80.
273
Carta Aberta enviada pelo médico João Teixeira Álvares ao presidente do Estado, Olegário Maciel, publicada
no jornal A OPINIÃO. Araxá, n.13, 10/04/1932, p.4. Arquivo FCCB.
274
A OPINIÃO. Araxá, n.09, 13/03/1932, p.4. Arquivo FCCB.
275
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. “Entre a pele e a paisagem.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo:
Educ, n.23, nov. 2001. p.193-207.
104
assistir: idosos e reumáticos curvando-se até quase os pés para “colher o copo da bendicta
agua”.276
276
A OPINIÃO. Araxá, n.10, 20/03/1932, p.3. Arquivo FCCB.
277
A fonte de água radioativa, já conhecida como Fonte Dona Beja, foi fotografada após reforma em 1932. Não
foi possível identificar o autor dessa fotografia. Arquivo Fotográfico/ 163C. Fundação Cultural Calmon Barreto
de Araxá (FCCB).
278
A OPINIÃO. Araxá, n.10, 20/03/1932, p.3. Arquivo FCCB.
105
mundo”.279 Tais asserções mostravam-se latentes. Nasciam como produtos das análises
científicas das águas, que faziam com que estas fossem comparadas às existentes nos estados
do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Bahia, Goiás, Paraná e Santa Catarina. Destacava-se,
ainda, o fato de as descobertas de Araxá terem sido posteriores às demais de Minas Gerais, o
que constituía mais um ponto favorável. O deslocamento do foco do sul de Minas para o
sudoeste deste estado atraía as atenções dos veranistas e do mundo científico brasileiro,
estimulando os estudos comparativos.
279
Ibidem.
280
As dependências físicas da Fonte Andrade Júnior, de água sulfurosa, inauguradas em 1932, acompanharam as
descobertas do valor desta água pelos progressivos estudos científicos. Não foi possível identificar o autor dessa
fotografia. Arquivo Fotográfico/ 00353. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
106
281
LIMA, Glaura Teixeira Nogueira. Das águas passadas à terra do sol: ensaio sobre a história de Araxá. Belo
Horizonte: BDMG Cultural, 1999. p.68-71.
282
GUIA Thermal das Aguas do Araxá. Estado de Minas Gerais, s/n., 1920. p.27-29. Sobre a necessidade de
uma cidade distinguir-se da outra, ver: BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo
séculos XV-XVIII: as estruturas do cotidiano. Vol.1. Tradução de Telma Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
p.439-464.
283
CERTEAU, Michel. Op. cit., 1982. p.93.
284
Discurso pronunciado pelo Dr. José de Carvalho Lopes durante a inauguração da Fonte Andrade Júnior. A
OPINIÃO. Araxá, n.11, 27/03/1932, p.4. Arquivo FCCB.
107
285
A OPINIÃO. Araxá, n.11, 27/03/1932, p.1-4. Arquivo FCCB.
286
A OPINIÃO. Araxá, n.13, 10/04/1932, p.4. Arquivo FCCB.
287
PECHMAN, Roberto Moses. “Os excluídos da rua: ordem urbana e cultura popular.” In: BRESCIANI, Stella
(Org.). Op. cit., 1994. p.29-34.
288
A OPINIÃO. Araxá, n.36, 18/09/1932, p.4. Arquivo FCCB.
108
portanto, do que o semanário ceder-lhe páginas e páginas para que pudesse expressar sua
posição quanto aos destinos da cidade-balneário sob sua responsabilidade:289
289
A OPINIÃO. Araxá, s/n., 07/01/1933, p.11-15. Arquivo FCCB.
290
Ibidem.
291
Dirigir um “olhar político” e, mais, um “olhar político do intelectual” para a análise de uma relação entre
presente e passado, sob o foco “da iluminação benjaminiana”, é o que sugere SARLO, Beatriz. Paisagens
imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação. São Paulo: Universidade de São Paulo, 1997. (Ensaios
latino-americanos 2). p.53-63.
109
292
Ao analisar os espaços como pontos de “difusão de hábitos urbanos”, Richard Sennet observa-os como sendo
propícios ao encontro rotineiro entre pessoas estranhas. SENNET, Richard. Op. cit., 1988. p.163-164.
293
ARRUDA, Maria A. do Nascimento. Mitologia da mineiridade. São Paulo: Brasiliense, 1990. p.82-88. Ainda
sobre as diferentes formas de expressão de sociabilidade configurando outras, extensivas inclusive à cozinha
mineira, ver também: ABDALA, Mônica Chaves. Receita de mineiridade: a cozinha e a construção da imagem
do mineiro. Uberlândia: Edufu, 1997. p.46-109, especialmente.
294
Convém observar que estes são os casos de muitas fotografias ilustrativas de publicações, como os chamados
álbuns, tais quais as que se encontram em: CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.16; 31; 32; 37; e 47.
295
SCHAPOCHNIK, Nelson. “Cartões-postais, álbuns de família e ícones da intimidade.” In: NOVAIS,
Fernando A (Coordenador-geral da coleção); SEVCENKO, Nicolau (Org.). Op. cit. p.457-488.
110
Dos personagens visitantes, com seus ritos e objetos inovadores, aos residentes
locais, o campo da hotelaria desenhava um percurso no mínimo diferenciado. Um conjunto de
pessoas e de estabelecimentos ganhava os espaços, garantidos não apenas por um único
cidadão ou cidadã que pudesse reservar a si, individual e heroicamente, o direito de ocupar a
cena pública.
Os nomes dados aos hotéis seguiam tendências incorporadas seletivamente conforme
o gosto dos seus proprietários. Critérios de sonoridade, de grafia e de localização contavam na
escolha, direcionada ainda para as tradições identitárias, de significados familiar, local e até
mesmo de naturalidade.296 Entre as décadas de 20 e 30, a cidade dispunha de exemplares
como Araxá Hotel, Minas Hotel, Brasil Hotel, Hotel Glória, Grande Hotel, Hotel Bella Vista,
Hotel Paiva, Hotel Colombo e Hotel Central. No Barreiro, próximo às fontes, havia o Hotel
dos Estrangeiros (antecessor do Hotel Rádio), o Hotel Paulista, o Hotel das Fontes, as Pensões
das Águas, a Pensão Santa Terezinha, o Hotel Colombo e o Hotel Cavallini.297
296
ANTONACCI, Maria Antonieta. “Tradições de oralidade, escritura e iconografia na literatura de folhetos:
Nordeste do Brasil, 1890/1940.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.22, jun. 2001. p.105-138.
297
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.79; 80; 83; e 93-95. SILVEIRA, Victor (Org.). Minas Geraes -
1925. Belo Horizonte: Imprensa Official, 1926. p.788-794.
298
A antiga rua Boa Vista, hoje rua Presidente Olegário Maciel, abrigou belas residências e importantes hotéis,
motivos que fizeram o fotógrafo transformar esta imagem em cartão-postal. Década de 20. Fotografia: Octavio
Fonseca. Arquivo Fotográfico/ 01665. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
111
299
Na documentação pesquisada consta um alvará que concede licença a Thereza Teixeira & Cia. para continuar
com o negócio de Indústria e Profissão. Requerimento enviado à Prefeitura Municipal de Araxá em 1928.
Arquivo FCCB/ 000164.
300
SANTOS, Maria Célia T. Moura. “A preservação da memória enquanto instrumento de cidadania.” In.
Repensando a ação cultural e educativa dos museus. Salvador: Centro Editorial e Didático da UFBA, 1993.
p.51-63. LIMA, Glaura Teixeira Nogueira. Op. cit. p.68-71.
301
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.79.
302
MACHADO, Maria Clara Tomaz. “(Re)significações culturais no mundo rural mineiro: o carro de boi – do
trabalho ao festar (1950-2000). In: REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA. Órgão Oficial da Associação
Nacional de História. São Paulo, ANPUH, vol.26, n.51, jan./jun. 2006. p.37-38. Ainda que a autora enfoque aqui
a questão da tradição dos carros de boi como forma de expressão de uma “identidade cultural” que tenta resistir
à imposição de uma nova ordem, penso ser apropriado associar a análise a outra questão, a da tradição culinária,
porém em sentido oposto, ou seja, neste caso é o antigo, a “identidade cultural” da alimentação, que agrega o
novo como atrativo.
112
Araxá um “paraíso para repouso e descanso”. Dedicou-se mais de meio século ao estudo das
águas minerais, publicando trabalhos científicos, clinicando e participando dos debates e das
buscas de alternativas para o aparelhamento da estância e para o crescimento do ramo
hoteleiro.303
“Vae a Araxá? Então precisa de um bom hotel e bom, só o Grande Hotel de Trivelli
& Massini”.304 Assim anunciou a propaganda de um estabelecimento de grande dimensão,
inaugurado em 1927, por iniciativa do médico Pedro Pezzuti e do homem de negócios José
Porfírio Ferreira, conhecido como Juquinha Ferreira. O empreendimento, construído
originalmente conforme o projeto do engenheiro José Carlos Pedro Grande305, foi transferido
para a dupla de italianos, seus segundos donos, que divulgaram o conforto e a modernidade
das instalações. Os hóspedes deste hotel também podiam ir ao Barreiro utilizando seus dois
automóveis. As refeições, servidas das 10h30min às 12 horas e das 17 horas às 19 horas,
destinavam-se não só aos hóspedes, mas também aos que desejassem usufruir apenas o
serviço de restaurante, constituindo-se numa nova opção inovadora de lazer e convivência
dirigida aos clientes eventuais.
Mais uma vez, a iniciativa privada recebeu da imprensa referências elogiosas,
enquanto que ao poder público dirigiram-se críticas pela inexistência de empreendimentos:
303
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.27, out./dez. 1998, p.3. Arquivo FCCB.
304
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.83. Para Eugen Weber, as estações de águas revelaram-se
oportunidades consideráveis para a indústria da propaganda na França do século XIX. Araxá reproduziu essa
tendência por meio da imprensa local e dos centros maiores, estendendo-se à publicação de guias, almanaques e
folhetos, nos quais se obtinham informações variadas a respeito da cidade e da sua condição de estância
balneária. WEBER, Eugen. Op. cit. p.226. Conforme Eliana de Freitas Dutra, em estudo sobre o “Almanaque
Brasileiro Garnier”, a preocupação com temas especializados não impedia a atenção com informações úteis,
ligeiras, que caracterizavam os almanaques a partir do perfil do seu público leitor. DUTRA, Eliana de Freitas.
Rebeldes literários da República: história e identidade nacional no Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1914).
Belo Horizonte: UFMG, 2005. p.36 e 37. No caso de Araxá incluo nessa caracterização a presença marcante das
propagandas no citado “Album do Araxá”, organizado por Horacio Carvalho.
305
Requerimento enviado à Prefeitura Municipal de Araxá em 1927. Arquivo 000883/ FCCB.
113
A projeção no futuro ainda assim parecia caminhar no sentido oposto ao das ações de
particulares. Nesta linha transpareciam as fragilidades das transformações. Talvez por isso a
dimensão do Grande Hotel estivesse acima de outros sentidos por ele agregados, como o de
obra arquitetônica representativa ou o de lugar de hospedagem à altura de uma estância que se
queria. Semelhante situação já havia ocorrido anteriormente com outras experiências
consideradas relevantes, porém não exitosas no seu tempo de duração. O Grande Hotel da
nova avenida Imbiara atuou como tal até 1931, quando o prédio teve sua função alterada,
sendo vendido à congregação salesiana para nele instalar o Colégio Dom Bosco.307
Em outro ponto da cidade, o Brasil Hotel da antiga rua São Miguel, hoje rua Capitão
Izidro, lançou mão de benefícios similares aos de congêneres, especialmente quanto ao asseio,
à comodidade dos aposentos e ao esmero da mesa. Mas, o proprietário Areovaldo Affonso,
sucessor dos seus sogros – Izidro Ferreira dos Santos e Antônia Leopoldina de Almeida
Santos – no negócio do hotel, contava com um elemento essencial ao seu favor: a
proximidade do seu empreendimento em relação à plataforma dos trens da Estrada de Ferro
Oeste de Minas, o que facilitava as baldeações. Em 1933, o proprietário alugou o
estabelecimento, incluindo na transação o espaço da lavanderia cedido a Maria José Palhares
Rosa, gerando, assim, outras oportunidades, negócios e, sobretudo, empregos.308 (Ver
Anexos, Mapa 4).
306
MINAS BRASIL. Araxá, n.254, 07/03/1926, p.5. Arquivo FCCB.
307
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.32, out. 2001, p.6-14. Arquivo FCCB.
308
Requerimento enviado à Prefeitura Municipal de Araxá em 1933. Arquivo 000572/ Impostos/ EC/ FCCB.
Sobre a oferta de trabalho em estações de águas, Weber chama a atenção para os “operários de lavanderia”.
WEBER, Eugen. Op. cit. p.223.
114
O Hotel Paiva, igualmente localizado na rua São Miguel e ainda mais próximo da
Estação Ferroviária, pertenceu a José Veloso de Paiva e foi dirigido pelo austríaco João
Rückert. Modesto, porém definido como “exclusivamente familiar”, o hotel – décadas depois
transformado em Hotel Cruzeiro – destacava em divulgações a sua disponibilidade de quartos
arejados e encerados, bem como a sua cozinha, que se equiparava às dos mais eminentes
hotéis da cidade: “[...] maxima moralidade tratamento e cosinha a par dos melhores hoteis
locaes”.310
O Hotel Glória do Rio de Janeiro foi inaugurado em 1922 em comemoração ao
centenário da independência do país. Antes disso e logo após a atuação do arrojado Cine-
Teatro Glória da rua Boa Vista – um misto de cinema, teatro, casa de jogos e de realização de
cerimônias oficiais –, Araxá ganhou o seu Hotel Glória. A iniciativa partiu do casal Josina e
João Pereira Marques, que, em 1919, adquiriu o imóvel, ainda em construção, situado entre a
rua São Miguel e a avenida do Rosário, hoje avenida Senador Montandon. Depois de
309
O Brasil Hotel situava-se entre as atuais ruas Capitão Izidro e Mariano de Ávila e, portanto, próximo à
estação férrea da Oeste de Minas. Nessa imagem vê-se, à direita, uma bomba de gasolina e, em frente, o hotel
com a placa indicativa. Década de 20. Não foi possível identificar o autor dessa fotografia. Arquivo Fotográfico/
771. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
310
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.96. Sobre a experiência do convívio entre estranhos, quer fossem
visitantes da estação ou imigrantes nela estabelecidos, Sennet considera especialmente a imigração. Incluo aqui a
especificidade do hoteleiro austríaco residente em Araxá, entre outros. SENNET, Richard. Op. cit., 1988. p.163-
164.
115
concluída a obra, o proprietário contratou o pintor Pedro Leopoldo para produzir em afrescos
as paisagens da sala de visitas. As imagens retratadas remetiam a outras, mais distantes,
todavia constitutivas de um modelo a ser seguido: os cenários da cidade do Rio de Janeiro.311
311
Por volta de 1923 o pintor Pedro Leopoldo e sua família residiram em Araxá para fins específicos de
tratamento com as águas sulfurosas, fazendo com que o artista realizasse alguns trabalhos dessa natureza.
Depoimento de Olívia Pereira Marques Schewetter concedido à autora em fevereiro de 2003, Araxá. A palavra
emitida pela oralidade como meio de rememoração a partir do presente é usada a partir daqui tendo como
referências as propostas de: PORTELLI, Alessandro. “Forma e significado na História Oral: a pesquisa como um
experimento em igualdade.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.14, fev. 1997. p.7-24; PORTELLI,
Alessandro. “O que faz a história oral diferente.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.14, fev. 1997.
p.25-39; AVELINO, Yvone Dias. “Experiências e trajetórias de vida: as tramas da memória universitária a partir
de depoimentos orais.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.22, jun. 2001. p.223-238. Cabe ressaltar
a importância de se relacionar o relato oral com as imagens visuais, cuja associação é também utilizada, daqui
por diante, buscando resultados efetivos. Nesse aspecto utilizo como referências: MENESES, Ulpiano Toledo
Bezerra de. Op. cit., 2003. p.11-36; MAUAD, Ana Maria. “Fragmentos de memória: oralidade e visualidade na
construção das trajetórias familiares”. In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUSC, n.22, jun. 2001. p.157-
169; LEITE, Miriam L. Moreira. “Texto visual e texto verbal”. In: FELDMAN-BIANCO, Bela; LEITE, Miriam
L. Moreira (Orgs.). Desafios da imagem: fotografia, iconografia e vídeo nas ciências sociais. Campinas: Papirus,
1998. p.37-49.
312
Assim como ocorrera com outros centros urbanos, Araxá também contou com o seu Hotel Glória. Década de
20. Não foi possível identificar o autor dessa fotografia. Acervo particular de Olívia Pereira Marques Schewetter.
116
das reuniões, com o qual Aurora e Guiomar, filhas dos donos, executavam peças musicais.
Aos domingos, geralmente, hóspedes e familiares faziam as refeições em conjunto, regadas a
vinho do Porto, numa calorosa confraternização. A excepcionalidade ocasional fazia alterar
também a bebida, introduzindo outra considerada de requinte. Assim como os demais, o hotel
aprimorou seus serviços oferecendo garçons vestidos de forma impecável e chofer para
conduzir os hóspedes entre a cidade e o Barreiro. A caminhonete da família, dirigida por
Clarimundo, também filho dos proprietários, fez parte dos atrativos exigidos a um hotel como
o Glória.
A única estrada de terra, com aproximadamente nove quilômetros, que separava a
cidade do Barreiro, podia, nessa época, ser percorrida em dez minutos. (Ver Anexos, Mapa 3).
Bem próximo ao manancial, o Hotel das Fontes, antes pensão, contava com condições
favoráveis que sempre justificaram a sua grande procura por parte dos visitantes que
chegavam a Araxá. A localização privilegiada dentro da Bacia do Barreiro foi um dos itens
definidores do seu êxito. Instalado no início da década de 1920 por João Jacques Montandon,
o Hotel das Fontes teve seu objetivo inicial fortalecido a cada novo proprietário. Sob os
comandos de José Borges (Zequinha), Ernani Barbosa e Mário Marques, cada um estando à
frente do hotel em períodos diferentes, esse empreendimento correspondeu às expectativas
dos seus hóspedes, oferecendo a eles os símbolos representativos da boa hospedagem numa
estação de águas.
As acomodações passaram gradativamente por reformas que dotaram a construção de
novos ambientes, como as varandas, de onde se podia ver o bosque com caminhos sobre o
riacho, bem ao estilo dos jardins ingleses, construídos anteriormente pela empresa
concessionária de Thiers Botelho. A cozinha, considerada de “primeira ordem”,313 buscou,
neste caso, valorizar a tradição da culinária mineira produzida a partir de elementos essenciais
oriundos das atividades agrícola e, principalmente, pastoril, privilegiando, assim, as colheitas
de grãos, frutos e frutas, as criações bovina, suína e avícola e o feitio artesanal de laticínios e
bebidas.314 Os aposentos do hotel mantinham-se disponíveis de acordo com as regras de
313
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.96.
314
Os ingredientes usados na culinária reforçavam o caráter do cardápio básico da população local, apresentado
com pequenas variações se comparado ao de Minas Gerais como um todo. ABDALA, Mônica. Op. cit. p.141-
180. Esse cardápio nascia de produtos como arroz, milho, mandioca, feijão, carnes, leite, queijo, manteiga, café,
açúcar, rapadura, aguardente, batata, legumes e hortaliças, banana, laranja, limão, mamão, goiaba, abacaxi,
jabuticaba, pêssego, cidra, caju, manga, marmelo, entre outros que, reelaborados, resultaram em diversos
quitutes, bebidas, quitandas e doces. PONTES, Hildebrando de Araújo. Op. cit. p.73-77. Elementos desse
cardápio são especialmente rememorados por Jacintha Duarte Garcia Alencar em entrevista concedida à autora,
em 05/08/2005, Santa Rosa de Viterbo, São Paulo. Conjunto de cadernetas manuscritas por Urias Machado de
Castro, numeradas de 01 a 09 e datadas de dez./1929 a abr./1930; jul./1930 a set./1930; abr./1931 a maio/1931;
set./1932 a nov./1932; jan./1933; jan./1936 a fev./1936; out./1936 a jan./1937; out./1938 a dez./1938 e set./1939.
117
higiene e conforto, contando com luz elétrica, água corrente e endereço telegráfico. Não
faltavam automóveis a serviço dos hóspedes, mas era a inovação da garagem como abrigo
para os veículos dos próprios aquáticos que enchia de orgulho a direção do hotel.
Complementando a série de atrativos, o cassino aquecia as noites na estação, especialmente
aquelas mais chuvosas.
Arquivo FCCB. Nessa documentação é possível observar fragmentos relativos a idéias, sentimentos, ironias,
entre outras expressões, mas, também, dados sobre o clima e, fundamentalmente, sobre elementos da produção
de um sitiante, como o autor dessas referidas cadernetas. No caso, o mesmo produzia queijos para consumo
próprio e para comercialização.
315
Depois de ampliada, a Pensão das Fontes, no Barreiro, transformou-se em Hotel Cassino das Fontes. Não foi
possível identificar o autor dessa fotografia. Arquivo Fotográfico/ 00026. Fundação Cultural Calmon Barreto de
Araxá (FCCB).
118
316
A respeito da alimentação típica e, sobretudo, farta, personificando a mesa dos mineiros como “esmerada”, de
“primeira ordem” ou colhida diretamente nas hortas, tal qual se vêem nas propagandas dos hotéis de Araxá,
Mônica Abdala analisa a sua origem a partir dos períodos entendidos por ela como próprios de “determinantes
históricas e simbólicas” verificados em Minas Gerais desde o período da ocupação territorial até as décadas
iniciais do século XX. ABDALA, Mônica. Op. cit. p.83-142. Ver também, sobre a prática presente na cozinha do
“fiz com as mãos”: CASCUDO, Luís da Câmara. História da alimentação no Brasil. 3ª.ed. São Paulo: Global,
2004. p.597-621.
317
Depoimento de Dâmaso Drummond concedido ao Projeto Viva Voz/ FCCB, 1995.
318
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, s/n., 18/08/1929, p. 1-2. Arquivo FCCB.
319
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.05, abr./jun. 1992, p.2. Arquivo FCCB; PESAVENTO, Sandra Jatahy.
Uma outra cidade: o mundo dos excluídos no final do século XIX. São Paulo: Companhia da Editora Nacional,
2001. (Brasiliana novos estudos; 5). p.71-94.
320
SENNET, Richard. Op. cit., 1988. p.159-221.
119
as manteigas frescos. Nos primeiros dias de janeiro de 1934, o hotel registrou cerca de
cinqüenta por cento de ocupação dos 23 quartos que possuía.321
A Belle Époque vivida em Araxá nos anos 20 e 30 consagrou os hotéis como
ambientes restritos, destinados ao convívio entre pares, onde se teciam relações de
sociabilidade e de poder. Localizado “a dois minutos das novas fontes radio-activas”322
(considerando-se os estudos e a captação de tais fontes – denominadas na sua totalidade de
“Fonte Dona Beja” – efetuados em 1926), o Hotel Radio representou um tempo de intensa
euforia diante das sensações inéditas experimentadas por homens e mulheres, durante o dia e
a noite. Sua concepção como espaço destinado a esse segmento, entretanto, tivera início
anteriormente, no início dos anos 1920.
Muitos se acostumaram a chamá-lo de antigo Hotel dos Estrangeiros, referindo-se ao
nome original dado pelos primeiros proprietários, os estrangeiros Carlos Hirschle, engenheiro
alemão, e Lydia Bruno, italiana de origem francesa cujos gestos, idéias e hábitos
comportamentais a tornaram conhecida como “madame francesa”.323 A escolha do nome do
empreendimento pelos seus primeiros donos sofreu a influência de outros exemplares de
mesma denominação existentes em grandes cidades imperiais brasileiras.324 Em 1919, o
Barreiro recebeu o hotel, o seu primeiro de grande porte, nascido da visão do casal que aqui
chegara da Argentina. Carlos e Lydia embarcaram de trem do Rio de Janeiro para o interior de
Minas Gerais, seguindo a linha férrea até Ibiá, o antigo distrito de São Pedro de Alcântara.
Dali mudaram-se para o Barreiro, adquirindo a fazenda “Sesmaria do Barreiro” para nela
construírem o hotel conforme projeto e administração do proprietário.
O funcionamento do hotel com a diversidade de signos adotados, como
profissionalismo, conforto, avanço tecnológico e nova opção de transporte, requereu o uso da
propaganda como forma de atração.325 Nela, o simbolismo das informações anunciando
tempos renovados recorria à tradição do antigo nome, revelando, simultaneamente, a
necessidade de se romper com o passado, mas também a de se conservá-lo.
321
RENOVAÇÃO. Araxá, n.1, 14/01/1934, ano 1, p.1. Arquivo FCCB.
322
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.95.
323
PROJETO HOTEL RADIO. Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto, 1987. 52p.
324
CALDEIRA, Jorge. “Deleites Imperiais.” In: Mauá: empresário do Império. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. p.262-271.
325
WEBER, Eugen. Op. cit. p.226.
120
Como Hotel dos Estrangeiros o estabelecimento atuou até 1928, quando foi vendido
aos italianos Arthur Trippa e Clélia Chiavez Trippa. Nesse período, tornou-se Hotel Radio,
devido, provavelmente, à proximidade das fontes cujas águas haviam acabado de receber a
classificação de radioativas, em decorrência dos estudos do hidrólogo Andrade Júnior. Suas
instalações passaram por um plano de ampliação, concebido por Emmanuel Gianni,
engenheiro que foi o autor também de diversos outros projetos, comerciais e residenciais,
entre os quais o da torre da igreja Matriz de São Domingos, dotando a cidade e o Barreiro de
uma aparência renovada.
O Hotel Radio cumpriu o fim a que se destinou. De 1930 até a morte de Trippa, em
1932, esteve arrendado, primeiro, a Alcides Mello e, depois, a Max Neumann. Em 1932, foi
arrematado em leilão pelo Banco Comércio de Indústria de Minas Gerais. A instituição, então,
repassou-o aos médicos Álvaro Ribeiro, Hugo de Resende Levy e Thomás de Almeida, que
ampliaram as funções do hotel instalando o “Radium Sanatorium”. O Dr. Álvaro, como
médico oficial da estância, e o Dr. Hugo, com experiência profissional adquirida em
326
Investindo na divulgação do seu produto, os hotéis orgulhavam-se de tudo quanto pudesse ser oferecido ao
visitante. CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.95.
121
327
RENOVAÇÃO. Araxá, n.12, 01/04/1934, ano 1, p.1. Arquivo FCCB.
328
Depoimento de Yolanda Colombo concedido à autora em 04/05/2004, Araxá. O TREM DA HISTÓRIA.
Araxá, n. 28, 1999. p.6-9. Arquivo FCCB. Sobre a possibilidade de associar relato oral e fotografia como
estratégia para obter uma relação entre ambos na construção da memória, ver: MAUAD, Ana Maria. Op. cit.,
2001. p.157-169.
329
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.29, 28/09/1919, p.1. Arquivo FCCB.
330
SCHAPOCHNIK, Nelson. Op. cit. p.446. MAUAD, Ana Maria. “Imagem e auto-imagem do segundo
reinado.” In: NOVAIS, Fernando A. (Coordenador-geral da coleção); SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da
122
vida privada no Brasil: Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
(História da vida privada no Brasil; 2). p.182-231.
331
JORNAL DE ARAXA. Araxá, n.30, 05/10/1919, p.1. Arquivo FCCB.
332
O Grande Hotel Colombo, depois transformado em Hotel Cassino Colombo, foi pioneiro na categoria de hotel
de lazer. Década de 20. Fotografia: Octavio Fonseca: Arquivo Fotográfico/ 24. Fundação Cultural Calmon
Barreto de Araxá (FCCB).
123
333
SEVCENKO, Nicolau. Op. cit., 1992. p.85.
334
Richard Sennet analisa a relação entre lazer e vício quando o segundo faz com que as pessoas priorizem suas
“paixões naturais” em detrimento das responsabilidades a serem cumpridas. SENNET, Richard. Op. cit., 1988.
p.107-115.
335
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.159, 25/06/1916, p.1. Arquivo FCCB.
336
Requerimento enviado à Prefeitura Municipal de Araxá em 1930. Arquivo 0151/ Construção Civil/ FCCB.
124
337
SENNET, Richard. Op. cit., 1988. p.107-115. HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural na esfera pública:
investigações quanto a uma categoria da sociedade burguesa. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1984.
p.46-59.
338
CASCUDO, Luís da Câmara. Op. cit., 2004. p.401 e 609.
339
ABDALA, Mônica. Op. cit. p.54-68.
125
340
CARVALHO, Maria Alice Rezende de. Quatro vezes cidade. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994. p.96.
341
HABERMAS, Jürgen. Op. cit. p.46-59.
342
ARENDT, Hannah. A condição humana. 6ª.ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária, 1987. p.78-82.
343
BRESCIANI, Maria Stella. Op. cit., 2002. p.16-35.
344
Para a orientação referente às condições dos trabalhadores urbanos em Araxá, foram consultadas também, em
igual período, as seguintes obras: PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários mulheres prisioneiros.
4ª.ed. Tradução de Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988. (Oficinas da História). DECCA, Maria
126
Auxiliadora Guzzo. A vida fora das fábricas: cotidiano operário em São Paulo (1920/1934). Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1987. HAHNER, June E. Pobreza e política: os pobres urbanos no Brasil (1870-1970). Brasília:
Universidade de Brasília, 1993. PECHMAN, Robert Moses (Org.). Olhares sobre a cidade. Rio de Janeiro:
UFRJ, 1994. Além de focalizar a cidade como paisagem repleta de signos e sentidos, este autor a analisa como
conceito que permite conhecê-la por meio de seus saberes e suas formas de expressão de poder.
345
Muitos trabalhadores investiam nos seus ofícios apenas como forma de assegurarem a sobrevivência sem se
preocuparem com a divulgação que eventualmente pudesse levar a uma ampliação de seus negócios.
Aprendendo e praticando seus ofícios, informalmente, havia ainda os serralheiros, marceneiros, ferreiros,
funileiros, caldeireiros, pedreiros, engraxates, tipógrafos, jornaleiros, fogueteiros, carregadores de malas e de
mercadorias (os chamados “chapas”), lavadeiras, passadeiras, carroceiros, carreiros, jardineiros ou aqueles
popularmente contratados como capinadores de horta e demais trabalhadores urbanos e rurais. PONTES,
Hildebrando de Araújo. Op. cit. p.78.
346
CERTEAU, Michel. Op. cit., 1994. p.91-149.
347
AMADO, Janaína. “História e Região: reconhecendo e construindo espaços.” In: SILVA, Marcos da
(Coord.). República em migalha: história regional e local de São Paulo. São Paulo: ANPUH/ Marco Zero/ CNPq,
1990. p.8-11.
127
uma diversidade de opções que, por sua vez, pudessem gerar bens materiais e suprir outras
necessidades.348 Mais do que nunca, era preciso perceber e visualizar as possibilidades que se
abriam.349
No final de 1924 já se podiam ver pela imprensa os sinais da presença do operariado
como segmento social de representatividade. Serviços como os de barbeiro e cabeleireiro
faziam-se no Salão Operário, localizado na rua do Comércio. A Associação Operária
Araxaense, fundada no ano seguinte – em março de 1925 –, reuniu sob suas bases
trabalhadores de diversos ofícios, como costureiras, alfaiates, mecânicos, seleiros, sapateiros,
ferreiros, tipógrafos, motoristas e funcionários do comércio e de pequenas fábricas.
Imigrantes portugueses e italianos que não possuíam o próprio negócio também integravam o
grupo de associados.
Seus fundadores, inspirados pelos ideais trabalhistas que, entre outras metas,
pretendiam unir política e culturalmente a classe, definiam a Associação Operária como
“fructo bemdicto da harmonia, alta visão e civismo do nosso povo, distribuido por diversos
ramos de actividade promissora”.350 Malgrado a posição oficial e publicamente assumida pelo
operariado, aliada ao grau de envolvimento do próprio jornal que divulgava as iniciativas
nesse sentido, estava presente uma série de circunstâncias na organização da classe. Partia de
visões arredias, observadas inclusive imediatamente após o ato de organizarem-se, alcançando
outros tipos de relações permeadas por representações e linguagens específicas. Araxá
contava, então, com uma renda municipal de 245.000$000 e a cidade, excetuando-se os
distritos, possuía “684 casas construidas e varias em construcções”.351 Uma das fontes dos
impostos arrecadados pela administração pública advinha justamente dos “ofícios e
profissões”, e na cidade viviam cerca de 16.000 habitantes, segundo a estatística divulgada em
dezembro de 1925.352
Os imigrantes, em sua maioria, chegaram a Araxá estimulados pela existência das
águas minerais e pela viabilidade do seu uso como forma de expansão de negócios. Aqueles
348
WEBER, Eugen. Op. cit. p.224.
349
GLEZER, Raquel. “Visões de São Paulo.” In: BRESCIANI, Stella (Org.). Op. cit., 1994. p.163-176.
350
A primeira diretoria da Associação Operária Araxaense foi composta por: Sebastião Gomes, João Bazolli,
Jason de Oliveira, José Afonso Ribeiro, José Guimarães, Edmar Tito, Arlindo Amaral, Tito Silva, José Horácio
Montandon, Alfredo Melasippo, José Fullini, Elias Bittar, Dr. Leonel Braga, Dr. José Ribeiro, Alfredo Neves,
José Gomes, Clarimundo Baptista, José Leandro, Júlio Guidini, João da Cruz Filho e Antônio Alves Dimas.
Foram eles os fundadores da Associação Operária, acrescidos ainda de Oacisto Teixeira da Cunha, embora este
tenha assumido funções administrativas somente nas gestões seguintes. MINAS BRASIL. Araxá, n.211,
01/05/1925, p.1. Arquivo FCCB. Michelle Perrot analisa os olhares “dos patrões franceses vistos pelos
operários”, em momento relativo a este e permite associação extremamente pertinente com o panorama local
aqui em foco. PERROT, Michelle. Op. cit. p.81-100.
351
SILVEIRA, Victor (Org.). Op. cit. p.788.
352
Ibidem.
128
de origem européia trouxeram consigo a experiência e a visão obtidas das estações de águas
do velho continente. Alguns tornaram-se hoteleiros, como os proprietários dos hotéis dos
Estrangeiros, Radio, Colombo, Cavallini e Pinto. Outros introduziram serviços urbanos nas
áreas de mecânica, padaria, tornearia, carpintaria, medicina, confeitaria e construção civil. Foi
este o caso de Domingos Zema, Fortunato Lopes, Fernando Parolini, Hermenegildo Contato,
Luiz Samartano, José Dobrauz, Ferdinando Miller, Maria Ratzinger, Dr. Pedro Pezzuti e
Domingos Di Mambro, entre outros.353
Não apenas os europeus, mas também os árabes uniram-se aos trabalhadores de
Araxá, fortalecendo as relações de trabalho e a vida associativa. Com negócio próprio ou não,
trabalhadores como Alfredo Melassipo, Elias Bittar, José Guimarães, João Bazolli, José
Horácio Montandon, José Fullini e Júlio Guidini reuniam-se em torno da classe que se
organizava. A possibilidade de integrar profissionais de diversas atividades e, às vezes,
naturalidades para um fim único revelava virtudes como harmonia, civismo e consciência
cidadã. Aos olhos dos trabalhadores, tal oportunidade era, sim, decorrência do grau de
sociabilidade que se atribuía à população da época e, sobretudo, uma forma de se lançar mão
de uma estratégia de sobrevivência.354
Amparada em argumentos reinvindicativos dos direitos de circular, de residir e de
trabalhar, a imprensa fez um apelo velado ao comércio local exatamente no dia 1º de maio de
1925.355 Jornalistas recorreram à tradição desta data para agregarem os comerciários no
movimento internacional e inseri-los nas homenagens ao trabalhador, encerrando
antecipadamente o expediente do dia, que, por sinal, era um domingo. O dono do jornal da
localidade, Sebastião Gomes, formou o grupo fundador da Associação Operária.
Possivelmente, na redação do seu semanário, cuja sede localizava-se na atual rua Capitão
Izidro, desenrolaram-se muitas das discussões em torno da organização do trabalho no espaço
urbano. A redução da jornada semanal com a folga aos domingos foi uma conquista posterior,
coroada com uma lei municipal sancionada pelo prefeito Inácio Dias Paes Leme em 1926.356
O Cine Trianon foi, muitas vezes, o palco das reuniões e assembléias dos membros
associados. Nele foram discutidos temas como as condições sociais dos trabalhadores e as
funções a serem praticadas pela associação. Não raramente, pedia-se aos médicos e
353
PROJETO LEVANTAMENTO DA IMIGRAÇÃO EM ARAXÁ. Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto,
1985.
354
MINAS BRASIL. Araxá, n.236, 01/11/1925, p.8. Arquivo FCCB. THOMPSON, E. P. Costumes em comum.
São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.13-24.
355
Sobre as reivindicações trabalhistas no espaço da cidade seguidas da análise dos vários sentidos do 1º de
maio, ver: PERROT, Michelle. Op. cit. p.115-125; 127-164.
356
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.31, dez. 2000, p.6-8. Arquivo FCCB.
129
farmacêuticos que ingressassem na organização. Em 1928, três anos depois da sua criação, a
organização contava com 137 associados, integrantes de uma população de 16.463
habitantes.357
357
Ibidem.
358
O antigo Cine Trianon foi inaugurado em 1922. Ofereceu espaços para o lazer e para reuniões de toda ordem,
inclusive trabalhistas. Década de 20. Fotografia: Octavio Fonseca. Arquivo Fotográfico/ 01666. Fundação
Cultural Calmon Barreiro de Araxá (FCCB).
359
A OPINIÃO. Araxá, n.45, 19/11/1932, p.1. Arquivo FCCB.
360
PARANHOS, Adalberto. O roubo da fala. São Paulo: Bomtempo, 2000. p.16.
130
tiveram permissão para funcionar nos dias 24 e 31 de dezembro até às 16 horas, garantindo-
se, assim, o descanso semanal “desses estabelecimentos nos dias de Natal e Ano-Bom”.361
Tendo em vista a legislação federal que limitou em oito horas o período diário de
trabalho dos comerciários, um decreto municipal publicado em 1934 veio determinar regras
que, em grande medida, revelaram ângulos da vida cotidiana da cidade. As casas comerciais
funcionavam das 8 horas às 18 horas, mantendo-se fechadas aos domingos e feriados,
excetuando-se as farmácias, que ficavam abertas até às 19 horas e excepcionalmente até mais
tarde, com avisos do plantão programado. Aos bares, confeitarias, sorveterias, cafés e
botequins concedeu-se a abertura em todos os dias da semana até a meia-noite. Nos casos dos
cassinos, cabarés e “estabelecimentos analogos” o limite estendeu-se até às 2 horas do dia
seguinte. Os primeiros ocupavam as ruas centrais, situando-se às vezes nos próprios hotéis; os
demais, tratando-se das zonas boêmias, encontravam-se divididos em determinados pontos da
cidade não necessariamente periféricos.362 Os salões de engraxates e as casas de loterias
abriam legalmente, evidentemente, nos dias úteis e também aos domingos e feriados, nestes
casos das 8 às 12 horas.363
Em 1933, o município adotou para aquele ano uma tributação específica sobre
indústrias, profissões e bebidas. Conforme aviso fiscal, a legislação referiu-se também às
atividades denominadas de artes e ofícios e a algumas práticas cotidianas cujo alcance
requereu o uso de determinadas formas de regulá-las.364 Estabelecia-se que as declarações
deveriam conter as especificações dos artigos do comércio explorado, o objeto da indústria e
as operações de venda, no atacado ou varejo. De fato, estes impostos, advindos dos “ofícios e
profissões”, referiam-se às “oficinas de trabalho”, estabelecimentos responsáveis pela
produção e pelo comércio. A legislação estabelecia, ainda, que deveria ser feita uma avaliação
aproximada em litros da venda diária de cada tipo de bebida, inclusive naqueles “dias de
festas”, quando o consumo se ampliava. Nesse item incluiam-se os fabricantes e os
proprietários de engenho com produção de aguardente. Os impostos estendiam-se aos
comerciantes de gasolina estabelecidos ou ambulantes.365
Outros segmentos do comércio investiram no vestuário, na beleza, na alimentação e
no entretenimento. As questões voltadas aos contatos mantidos nos espaços públicos
361
Requerimento enviado à Prefeitura Municipal de Araxá em 15/12/1933. Arquivo 000512/ EC/ FCCB.
362
Entre os anos 20 e 30, os pontos mais ou menos isolados referentes à zona boêmia concentravam-se nas ruas
Dom José Gaspar, Tiradentes, Calimério Guimarães e Capitão José Porfírio.
363
RENOVAÇÃO. Araxá, n.3, 28/01/1934, p.2. Arquivo FCCB.
364
CERTEAU, Michel de. Op. cit., 1994. p.140-144. BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 2ª.ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 1992. p.351-353.
365
A OPINIÃO. Araxá, n.4, 16/10/1932, p.4. Arquivo FCCB.
131
envolviam também o cuidado com a aparência. Dela dependia ou não o futuro desse convívio.
De todo modo, o domínio dos códigos que a regiam estavam sujeitos à capacidade de cada
pessoa em captar os sinais diante do que meros detalhes pudessem simbolizar.366 Na Oficina
de Costura e Chapéus, de propriedade de Maria Melasippo, ou Dona Pequetita, localizada na
antiga rua São Miguel e conhecida por “distinctas familias”, moradores e visitantes podiam
obter vestidos e manteaux, entre outros produtos, conforme os critérios de elegância e de
rapidez que os tempos exigiam.367 Próximo dali, na atual rua Presidente Olegário Maciel, a
Casa Vasco oferecia à clientela as seções de calçados, meias, sombrinhas e perfumaria. Aos
homens e às crianças disponibilizava tantos outros artigos afins, além do Salão Brasil, em
anexo, com seus “habeis officios” de barbeiro.368 (Ver Anexos, Mapa 3).
Na mesma rua, o público masculino encontrava o “cortador” Sebastião O. Camargo,
proprietário da Alfaiataria São José, que confeccionava vestimentas conforme as regras
ditadas pela moda e com preços acessíveis. Nos ramos de barbeiro e cabeleireiro, o Salão
Araxá, de Francisco Penello, oferecia serviços com “presteza e perfeição”, unidos a um
“gabinete para senhoras” destinado a massagens. Nas propagandas comerciais, o salão se
auto-definia como “chic por excellencia, onde a illustre freguesia é servida com a maior
attenção”. Entendia-se por ilustre não somente as elites locais, mas também os aquáticos que
manifestavam preferência pelo Salão Araxá.369
Na Casa Mineira, de João Geraldo da Silva e Dona Carlota, artigos finos, como
fazendas, armarinhos, calçados, chapéus, bijouterias e sedas, somavam-se a “artigos grossos”,
como ferragens, no intuito de reunir maior clientela. Na Sapataria Central, de J. Velloso &
Comp. e direção do sócio Carlos Moura, calçados de “todos os gostos” saíam sob medida da
oficina, grande consumidora do couro vindo de cortumes. Situada à avenida Antônio Carlos,
como as citadas acima, a Casa Santos, a mais antiga em funcionamento naqueles anos 20 e 30,
fundada em 1908 pelos irmãos Izidro, Theóphilo Ferreira dos Santos e Armando Santos,
assemelhava-se às demais dos gêneros de secos, molhados, vestuário e perfumaria, porém
expandiu-se ao ponto de possuir uma fábrica de ladrilhos, de agenciar a Standard Oil Co. of
Brazil e de atuar como financeira, na condição de correspondente do Banco do Brasil.370
366
SENNET, Richard. Op. cit., 1988. p.211.
367
THOMPSON, E. P. Op. cit. p.267-304.
368
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.95.
369
Ibidem. p.85.
370
Ibidem. p.89. Sidney Chalhoub apresenta especificidades a respeito da vida urbana em expansão progressista
enquanto outros espaços e/ou grupos sociais experimentam formas diferentes de trabalhar e de divertir, em meio
ao controle a eles imposto. CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no
Rio de Janeiro da belle époque. Campinas: UNICAMP, 2001. p.23-57 e 247-301.
132
371
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.84. PROJETO LEVANTAMENTO DA IMIGRAÇÃO EM
ARAXÁ. Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto, 1985.
372
Sobre o significado dos termos “quitutes” (iguarias e petiscos) e “quitandas” (pães, bolos, roscas, broas,
biscoitos, bolachas) e os seus usos, ver: ABDALA, Mônica Chaves. Op. cit. p.25-47 e 157-165. Especialmente
sobre a incorporação de outros hábitos, consultar: HOGGART, Richard. As utilizações da cultura. Lisboa:
Presença, 1973. p.198.
373
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.85.
133
374
Propaganda comercial. A FAÍSCA. Araxá, n.1, 19/01/1930, p.4. Arquivo FCCB. CARVALHO, Horacio
(Org.). Op. cit. p.85-93.
375
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.79 e 82.
134
O fotógrafo Octavio Fonseca, mineiro de Prados que já havia morado nas capitais
mineira e federal, estabelecera-se em Araxá em 1921, conduzido pelo espírito observador que
o caracterizava e atraído pela condição de estância hidromineral desfrutada pela cidade.377
Focalizando as perspectivas profissionais a ele reservadas, procurou um espaço para abrir seu
primeiro ateliê na antiga rua do Comércio. O principal fotógrafo da cidade era o octogenário
Totõe Simões, nascido em Uberaba. Outros dois, Goretti e Mazzotti, trabalhavam em Araxá
como fotógrafos ambulantes. Mas o fato é que, dois anos após sua chegada, Octavio Fonseca
fez da sua residência própria, na rua Boa Vista, um ambiente para a Casa Fonseca, ateliê de
fotografias, local para fabricação própria de molduras e vidraçaria. A referida rua, ainda de
terra, não possuía rede de esgotos, tampouco calçamento, mas ambos seriam ali implantados,
à frente de outras ruas, na década de 30. Este cenário justificou a iniciativa do fotógrafo de
unir o ateliê à oferta de outros serviços decorrentes da imagem como arte tecnicamente
reproduzida. A fotografia não representava ainda uma atividade profissional regular, já que se
situava mais próxima do entretenimento do que de uma ocupação que assegurasse a
sobrevivência.378
376
Trecho da antiga rua Boa Vista, já denominada rua Presidente Olegário Maciel, onde se vê, em primeiro
plano, à direita, o Clube Brasil. Anos 30-40. Fotografia: Octavio Fonseca. Arquivo Fotográfico/ 00402.
Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
377
LUGAR DE MEMÓRIA. Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto, 2001. p.135.
378
MAUAD, Ana Maria. Op. cit., 1997. p.182-231.
135
379
KARP VASQUEZ, Pedro. Postaes do Brasil: 1893-1930. São Paulo: Metalivros, 2002. p.54-76.
380
O entendimento dessa “economia de consumo” presente nas estações de águas ocorrido em tempo anterior ao
de outras cidades é analisado por Weber. WEBER, Eugen. Op. cit. p.219.
136
381
LUGAR DE MEMÓRIA. Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto, 2001. p.1. O nome do comércio de
Zeca do Alfredo – Merendeira – origina-se do termo “merenda”, usado para denominar o lanche ou a refeição
rápida no período da tarde, assim como o termo “puxa” refere-se ao doce de rapadura cuja consistência é
elástica.
382
Conjunto de cadernetas manuscritas por Urias Machado de Castro numeradas de 01 a 09, datadas de
dez./1929 a abr./1930; jul./1930 a set./1930; abr./1931 a maio/1931; set./1932 a nov./1932; jan./1933; jan./1936 a
fev./1936; out./1936 a jan./1937; out./1938 a dez./1938 e set./1939. Arquivo FCCB. Nesta documentação o
mesmo autor das notas, sitiante, revela itens produzidos por ele e revendidos no comércio local. Em depoimento
oral concedido ao Projeto Viva Voz/ FCCB, 1995, Dâmaso Drummond revela sua surpresa em relação à não-
existência de um mercado municipal ativo e duradouro na cidade, nos moldes vistos por ele em outros lugares.
Sobre a possibilidade das fontes trazerem os personagens até o nosso meio, ler: GINZBURG, Carlo. O queijo e
os vermes. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.12.
137
383
Passando pelo largo da igreja São Sebastião, a então avenida Marechal Floriano abrigava armazéns, entre
várias outras casas comerciais. Anos 30-40. Não foi possível identificar o autor dessa fotografia. Arquivo
Fotográfico/ 098C. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
384
LUGAR DE MEMÓRIA. Vol.2. Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto, 2002. p.113.
138
385
Entre os citados produtos turísticos disponíveis na filial do Bazar Fonseca, localizada no Barreiro, vendia-se
material fotográfico, uma vez que o proprietário exercia também a profissão de fotógrafo. Comparado a esse tipo
de comércio existente em centros maiores no final do século XIX, analisado por Ana Maria Mauad, o caso de
Araxá com sua estância mostrava que ainda, a essa época, havia não apenas a união do serviço do fotógrafo com
o da venda de material como, também, de outros similares. MAUAD, Ana Maria. Op. cit., 1997. p.195.
386
Depoimento de Arnaldo de Almeida Castro concedido à autora em outubro de 2006, Araxá. Em Araxá os
empregos gerados no balneário e nas fontes abriam espaços para auxiliares nos serviços de banho e de ingestão
de água, entre outros, assim como nas estações francesas. Weber analisa a requisição de grande número de
“auxiliares de banho, carregadores de cadeiras, massagistas, varredores e operários de lavanderia”. WEBER,
Eugen. Op. cit. p.223.
387
Depoimento de Benedito Oliveira concedido à autora em agosto de 2006, Araxá.
388
Depoimento de Raul França concedido ao Projeto Viva Voz/ FCCB, 1995.
389
Requerimento enviado à Prefeitura Municipal de Araxá em 1930. Arquivo 000177/ EC/ FCCB.
139
situada na rua Boa Vista e a segunda na avenida Antônio Carlos –, dividiam uma clientela à
procura de preços módicos e de produtos nacionais e estrangeiros.390
O cientista Caminhoá, após ter sugerido, em 1890, o uso industrial das águas
minerais e da lama termal na fabricação de sabonetes, estimulou um movimento que gerou
inúmeras atividades no mundo do trabalho. Por volta de 1918, a cidade passou a abrigar a
Fábrica de Sabonetes Finos Medicinais, de F. C. Epiphânio. As bulas dos sabonetes traziam
atestados de médicos respeitados da cidade, entre os quais o Dr. Mário de Magalhães, o Dr.
Pedro Pezzuti, o Dr. Almeida Machado, o Dr. Franklin de Castro e o Dr. Lauro Magalhães.
Possivelmente, essa foi a primeira indústria do ramo e os sabonetes podiam, ainda, ser
adquiridos por intermédio dos Correios391. (Ver Capítulo 1, item 1.3).
Em 1928, a Grande Fábrica dos Legítimos Sabonetes de Araxá, de propriedade do
farmacêutico Luiz Correa, já contava com três marcas de produtos, nomeadas Araxá,
Araxaense e Araxalino. A propósito, a fábrica trazia no seu registro oficial a denominação
“Sabonete Araxaense”. Isso veio corroborar a associação constante do produto à sua
legitimidade, ou seja, como algo essencialmente natural da cidade. A escolha dos nomes dos
três exemplares que produzia foi inspirada no termo Araxá e nas derivações dele. Em 1932, a
“Fabrica de Sabonete Araxaense”, por sua vez, ganhou nova denominação, depois de ser
vendida à firma Marçolla & Cia., atuante no segmento de perfumaria em Belo Horizonte.392
Daí por diante, as perspectivas na área da produção de cosméticos impulsionaram
novos empreendimentos. Na década de 40, empresários locais, entre os quais Geraldo Porfírio
Botelho e Dâmaso Drummond, criaram a Fábrica de Sabonetes Araxá, que depois foi vendida
ao jurista Dr. Christiano Barsante a ao farmacêutico Clóvis Cardoso Júnior. Mais tarde, nos
anos 40, a fábrica desenvolveu uma linha de perfumaria e chegou a produzir de três a quatro
mil sabonetes por dia, comercializando-os na galeria do Grande Hotel, no Complexo Termal
do Barreiro, após sua inauguração. A partir de então, a Fábrica de Sabão Araxá, criada em
1951 pelo imigrante árabe Abdanur Elias, seria a responsável pela produção de cremes
derivados da lama e do sal sulfuroso.
390
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.84 e 88.
391
Ibidem. p.97.
392
Ibidem. p.92 e Requerimento enviado à Prefeitura Municipal de Araxá em 1932. Arquivo 001236/ EC/
FCCB.
140
393
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho. Bauru: EDUSC, 2002. p.22.
394
Ibidem. p.43-68.
395
CERTEAU, Michel de. Op. cit., 1994. p.171.
396
SILVA, Sebastião de Affonseca. Op. cit. Arquivo 00046/ ABPH-01/ FCCB.
397
GOMES, Angela de Castro. História e historiadores. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1996. p.25.
PARANHOS, Adalberto. Op. cit. p.27.
141
398
GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
p.171-179.
399
MATOS, Maria Izilda Santos de. Dolores Duran: experiências boêmias em Copacabana nos anos 50. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1997. p.26.
142
(Manuel Bandeira)
144
Este terceiro capítulo dedica-se aos aspectos formadores de uma identidade com a
interpretação das múltiplas vivências presentes no cotidiano da cidade e do Balneário. O
enfoque do corpo sob uma perspectiva histórica fundamenta a identificação e a análise da
tendência que impulsionou a visitação às estâncias balneárias. Araxá uniu as idéias de higiene,
de saúde física e de embelezamento às noções de trabalho e de lazer, buscando agregar
condições propícias para oferecer as águas revigorantes do organismo aos seus
freqüentadores. As iniciativas de médicos, engenheiros, geólogos, hoteleiros, administradores
e publicitários tornaram-se perceptíveis na promoção de estudos científicos sobre as
qualidades das águas, que, aliadas às condições naturais e ao conforto dos espaços públicos e
privados, conquistaram respaldo técnico e demanda de visitantes. A urbanização trouxe a
sociabilidade e esta, por sua vez, a incorporação de novos padrões de comportamento.
A cidade tinha seu próprio cotidiano e aquele que se projetava para as temporadas de
21 dias. Nesse período, o cenário local parecia absorver a diversidade de referências que
apontavam as potencialidades individuais e coletivas. Os divulgadores da estância de Araxá
depositavam confiança na idéia auspiciosa de se respirar um novo ar, o componente essencial
das águas. A variação do lugar aliada à hidroterapia e aos benefícios climáticos, alterando
hábitos e incorporando outros, tornava-se vital ao alívio do ritmo em crescente tensão nos
centros urbanos. As práticas e representações corporais permitiam, ainda, uma inserção no
universo da estética.
400
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1979. p.32-36.
145
401
Edward P. Thompson chamou de “feixe” o conjunto de vários elementos culturais que são incorporados ao
longo dos contatos mantidos em determinada comunidade ou transmitidos por tradição. THOMPSON, E. P.
Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. p.19-22.
402
CERTEAU, Michel. A invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. p.183-191.
146
formas estéticas harmônicas, pela purificação e pela higiene por eles consideradas as ideais.
Criados os estabelecimentos públicos para banhos – as termas romanas –, eles viam no ato de
banhar-se uma experiência naturalmente exigida ao cidadão e à cidadã.403
As temporadas não eram apenas acontecimentos efêmeros, sem rastros. A fugacidade
da programação, seguida a princípio durante três semanas (às vezes mais, às vezes menos)
como privilégio e poder do veranista, não passava incólume ao habitante local, ainda que
pudesse parecer-lhe cronologicamente reduzida. Longe disso, o período de convívio com
aquele que chegava para depois partir – não raro, com a esperança do retorno – dotava a
cidade de um ritmo passível de absorver todos os movimentos próprios de um lugar onde se
podia estar por algum tempo com todos os seus sentidos, inclusive os metafóricos. Esse
período de permanência na estância representava para os aquáticos um intervalo em suas
vidas, objetivando o reequilíbrio do organismo. A consciência do tempo vivido no dia-a-dia,
muitas vezes desgastante, enfadonho e, sobretudo, uniforme, parecia quebrar-se ou retardar o
seu fluxo quando o indivíduo usufruía a estação de águas tranqüila e longínqua de Araxá.
Já na chegada à cidade se obtinha a sensação da amplitude e do vigor que
caracterizaria aquelas semanas tão especiais. Os hábitos diferentes então introduzidos
levavam ao esquecimento do mundo deixado para trás. Após a primeira semana, o visitante,
uma vez aclimatado, sentia o tempo passar rapidamente.404 Já se vivia a nova monotonia
conquistada e, ao contrário do que se pensa, os dias pareciam breves no seu conjunto. Afora
os benefícios absorvidos durante três semanas de tratamento e tranqüilidade, a viagem em si
significava o rompimento da rotina, experiência decorrente não apenas do interregno, mas
também da distância geográfica que temporariamente separava o visitante dos seus afazeres
da vida cotidiana.405
“A estação thermal cria uma medicina physica e suggestiva do mais feliz êxito”,
garantiu uma espécie de guia do usuário, em 1920 – “sobretudo quando como no Araxá, onde,
a paisagem é nova e encantadora e cujas aguas e clima são de peregrinas virtudes”.406 Os
aquáticos, sobretudo os doentes, eram aconselhados a não fazerem viagens longas de maneira
ininterrupta, já que paragens esparsas podiam aliviar a distância e o provável desconforto do
percurso. Das estações férreas de Sacramento e de Uberaba partiam automóveis para conduzir
403
SENNET, Richard. Carne e pedra. 3ª.ed. Tradução de Marcos Aarão Reis. Rio de Janeiro: Record, 2003. p.6-
123. Ver também Antonio Candido prefaciando João do Rio in: RIO, João do. A correspondência de uma
estação de cura. 3ª.ed. São Paulo: Scipione, 1992. p.IX-XVIII.
404
MANN, Thomas. A montanha mágica. 2ª.ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. p.143-145.
405
Ibidem. p.11-14.
406
GUIA Thermal das Aguas do Araxá. Estado de Minas Geraes, s/n., 1920. p.9-14.
147
todos à estância de Araxá em poucas horas. Como garantia aos passageiros, anunciava-se a
existência de telefones ao longo do trajeto.407
Naqueles anos 20, nada mais nada menos do que trinta horas de viagem separavam
Araxá daqueles que viviam no Rio de Janeiro. Já os moradores de São Paulo levavam cerca de
vinte horas para chegarem à estação de águas.408 Do Rio de Janeiro, pela Estrada de Ferro
Central do Brasil, mais especificamente da estação central da capital da República, partiam
três trens diários para a capital paulista: um diurno e dois noturnos. Às 7 horas da manhã de
cada dia o passageiro tinha à sua disposição a primeira e a segunda classes, com bilhetes de
ida e volta intervalados em trinta dias. À noite partia um trem com carro-dormitório cujos
leitos eram oferecidos a preços mais acessíveis, seguido de outro, três horas depois, porém de
luxo. Este dispunha de cabines com dois leitos e um carro-restaurante. A viagem do Rio de
Janeiro a São Paulo era realizada em cerca de onze horas.
Da estação da Luz, em São Paulo, saíam dois trens rumo a Sacramento e a Uberaba:
um ao amanhecer e outro ao anoitecer. Esses correspondiam aos horários dos trens da
“Companhia Mogyana”, vindos de Campinas, em direção às supracitadas cidades mineiras.
As passagens davam direito também à viagem de volta, com a baldeação acrescida da estação
de Ribeirão Preto. O porte e o estilo das cidades pelas quais passavam os trilhos contavam a
favor dos trens. Havia restaurantes também nas estações, embora tanto a Central do Brasil
como a “Mogyana” dispusessem desse serviço nos seus próprios vagões ou carros, os
chamados “carros-salões”. No caso da estação de Sacramento, a viagem exigia, nesse ponto,
que se tomasse um bonde elétrico até a cidade, distante quatorze quilômetros da estrada de
ferro, percorridos em trinta minutos.409
Nestas terras mineiras, onde se viam chapadões, serras e campos, os passageiros
cumpriam por estradas de automóveis os trajetos entre Sacramento e Araxá ou Uberaba e
Araxá. No primeiro deles, procedente da cidade sacramentana, um Fiat chegava à estância
hidromineral nos dias pares do mês para retornar nos dias ímpares. A empresa Auto-Viação
Sacramento-Araxá, responsável por este serviço de condução dos passageiros, pertencia a um
negociante conhecido regionalmente como Coronel José Afonso de Almeida e tinha como
representante em Araxá a firma “José da Cunha & Cia”. Com o italiano Domingos Zema,
motorista da referida empresa no início dos anos 20, onze pessoas – de acordo com a
capacidade dos carros – chegavam em quatro horas a Araxá, contabilizando paradas nos
407
Ibidem. p.15.
408
Ibidem. p.51-52.
409
CERCHI, Carlos Alberto. Os bondes de Sacramento. Uberaba: Pinti – Editora Artes Gráficas, 1991. p.93-
104.
148
410
CASTRO, Maria Beatriz Afonso de. Zema: a história de um nome. Araxá: Gráfica Santa Adélia, 1994. p.22-
52.
411
Ibidem. p.58. De 1926 em diante, a linha férrea já alcançava Araxá, mas esta estrada manteve o trânsito até
1936, quando o governo mineiro construiu, de maneira rústica e penosa, a Araxá-Belo Horizonte. Em 1932,
Thiers Botelho cedeu os poderes do direito que possuía à Prefeitura de Uberaba e recebeu indenização do
149
governo federal. EDE, Martha Botelho. Thiers: controvérsia de três tempos. Belo Horizonte: Mazza Edições,
2004. p.64.
412
Ibidem. p.59.
413
Nessa época, final dos anos 30 e início dos anos 40, os noturnos saíam de São Paulo às 19h30min, chegando a
Sacramento (via Campinas e Ribeirão Preto) às 15 horas do dia seguinte. Meia hora depois partiam os
automóveis rumo a Araxá. THERMAS de Araxá. Informações úteis sobre a estância. Araxá: Officinas Cabral,
1941. 16p.
150
dos anos 20, nove estações, entre as quais se destacam as de Presidente Bernardes,
Tamanduapava, Capivara, Ibitimirim, Itaipu, Alpercatas, Almeida Campos e Zelândia.
Pouco depois de inaugurada a estação férrea de Araxá na praça que, posteriormente,
se chamaria Arthur Bernardes – referência ao mineiro na presidência da República (1922-
1926) –, teve início a construção de um ramal (“ferro-carril”) para o Barreiro, que, no entanto,
não foi concluída. Coube à Prefeitura, em 1928, organizar outro meio de transporte ligando a
cidade à sua estância. Era um serviço regular de “auto-omnibus” feito em um Chevrolet de
dez lugares. Entre as 6 horas da manhã e as 17 horas realizavam-se oito viagens de ida e volta,
ao preço de 1$000 cada uma.
Ainda assim, as questões em torno dos caminhos que ligavam Araxá à capital
mineira ou ao estado de São Paulo criavam sérios desafios. No início dos anos 30, a estrada
Araxá-Sacramento, que contava com grande fluxo de mercadorias e de passageiros, já
pertencia ao governo de Minas Gerais, mas encontrava-se à espera de conservação e reparos.
A Prefeitura local mantinha os serviços de conserto da estrada e dos seus telefones. Para
executá-los, os funcionários municipais, com freqüência, aproveitavam a corrida dos
motoristas da Viação Araxá-Sacramento; mas a condução, a princípio gratuita, acabava por
custar aos cofres públicos. Requerimentos chegavam à mesa do prefeito Fausto Alvim
solicitando descontos e, outras vezes, abatimentos nos impostos a serem pagos sobre a
propriedade dos automóveis. A Prefeitura, por seu turno, abria outra estrada rumo à fronteira
com os paulistas, cujas referências indicam que se tratava da “Estrada da Liberdade”,
construída em parceria com o hoteleiro italiano Francisco Cavallini.414
Os caminhos até Araxá e os meios de transitar por eles aguçaram intensos debates na
Câmara Municipal. Em 1936, a maioria dos vereadores locais votou a favor do aumento
tributário sobre automóveis e caminhões particulares ou de aluguel. Esse tema fez parte da
primeira reunião pós-eleitoral daquele ano e ganhou repercussão ainda maior ao chegar à
população em forma de comunicado distribuído pelas ruas da cidade.415 O poder público local
defendia o acesso a Belo Horizonte por meio de uma estrada a ser aberta entre Araxá-Ibiá-São
Gotardo até encontrar-se com outras já existentes no oeste mineiro.
No início da década de 1940, além das linhas férreas e rodoviárias, o passageiro que
pretendia chegar a Araxá passou a contar também com a linha aérea da Panair. Sempre às
terças e sextas-feiras chegava-se à cidade de avião, ainda pela manhã, duas horas e cinqüenta
414
Requerimento enviado à Prefeitura Municipal de Araxá em 1930. Arquivo Requerimentos/ FCCB.
415
Panfleto intitulado “Comunicado ao Povo – sobre a reunião da Câmara, discussão e voto de vários projetos”.
26/11/1936. PO/ 0092-141/ AMDB-03/ Arquivo FCCB.
151
minutos após o embarque no Rio de Janeiro e passando por Belo Horizonte. Pelo mesmo
avião, à tarde, era possível cumprir o trajeto de volta. As passagens ficavam à venda na
respeitável casa comercial da cidade, a “Baroni & Cia.”, onde trabalhavam agentes locais da
Panair.416 Ao final dos anos 40, a comunicação aérea já se fazia não apenas pela “Cia.
Nacional de Transportes Aereos”, com vôos para Belo Horizonte e Rio de Janeiro, mas
também pela “Viação Aerea São Paulo” - VASP, com viagens para São Paulo. Sem
considerar as ligações rodoviárias, os trens diários para Belo Horizonte e Uberaba
asseguravam o transporte de passageiros entre Araxá e essas cidades, agora não mais pela
Oeste de Minas, transformada em Rede Mineira de Viação a partir de 1931.417
Pelos trilhos, pelos ares ou sobre rodas dava-se o deslocamento até Araxá. Paisagens
novas levavam passageiros de diferentes cidades aos ambientes naturais ou construídos do
local das fontes, onde se revelavam não apenas a cor da água e o cheiro do Balneário, mas
também a ausência de ruídos eminentemente urbanos. Os aposentos eram tidos como muito
ou como pouco confortáveis, dependendo da referência e dos hábitos, distantes até centenas
de quilômetros, daqueles que neles se hospedavam. As condições dos hotéis podiam
representar o retorno a um tempo já conquistado ou ainda por se conquistar. Quem sabe,
talvez, Araxá se configurasse como um objetivo a ser alcançado pelos paulistanos que, neste
caso, poderiam ter como modelos as antigas residências da avenida Paulista reproduzindo em
si os estilos de estação de águas e de cassinos.418
A princípio, médicos recomendavam que as temporadas de 21 dias ocorressem
preferencialmente em março, abril ou setembro.419 Acreditavam os especialistas que eram
estes os períodos mais apropriados, embora não se descartassem os demais. Aos usuários das
águas e dos outros elementos convenientes da estância reservavam-se vastos benefícios
disponíveis, numa espécie de férias em que se podiam contemplar o seu e os outros tipos de
vida e, ainda, refletir sobre todos eles.
416
THERMAS de Araxá. Informações úteis sobre a estância. Araxá: Officinas Cabral, 1941. p.14.
417
LIMA, Glaura Teixeira Nogueira. As águas que rolaram: no poder, na urbanização e na modernização de
Araxá (1890-1926). Dissertação (Mestrado em História), Universidade Estadual Paulista - UNESP, Franca - SP,
2001. p.178.
418
Sobre as impressões causadas por mudanças de espaços, de tempos e de hierarquias sociais, ver: LÉVI-
STRAUSS, Claude. Tristes trópicos. Tradução de Rosa Freire d’Aguiar. São Paulo: Companhia das Letras,
1996. p.69-134.
419
Com o passar do tempo e com a incorporação de novos hábitos, as temporadas em Araxá seriam sugeridas
para 14 ou 7 dias. THERMAS de Araxá. Informações úteis sobre a estância. Araxá: Officinas Cabral, 1941. 16p.
À medida que as investigações científicas se avolumaram, as temporadas passaram a ser recomendadas para
todos os meses do ano. Recorte do jornal O PAIZ. Rio de Janeiro, 08/03/1929. Arquivo FCCB.
152
420
GUIA Thermal das Águas do Araxá. Estado de Minas Geraes, s/n., 1920. p.16.
421
CARVALHO, Horacio (Org.). Album do Araxá. São Paulo: Typographia Gutemberg, 1928. p.60.
153
422
MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura: história, cidade e trabalho. Bauru: EDUSC, 2002. p.43-
55.
423
GUIA Thermal das Águas do Araxá. Estado de Minas Geraes, s/n., 1920. p.43.
424
Às situações ocasionais obtidas nessas temporadas, ou seja, vividas neste passar do tempo, e que nos une ou
nos distancia de algo Certeau chamou de “tempo acidentado”. CERTEAU, Michel. Op. cit. p.311.
154
Bocaina. [...] Em summa, quer a doentes, quer a sãos, é altamente proveitosa uma estação no
Araxá”.425
O fato é que a aquae originada da fonte – herança dos hábitos da antigüidade – fazia
com que os aquáticos permanecessem por uma longa temporada na estação. As formas de
sociabilidade mantidas entre aquáticos e moradores locais e entre estes e os hoteleiros,
comerciantes e profissionais liberais contribuíam para desenhar a cidade e o Barreiro com
identidade própria. O cotidiano de Araxá vivia sua fixidez mesmo quando se percebiam as
manifestações espontâneas. A quebra do seu ritmo com as temporadas de banhos significou a
existência mútua da regularidade e da espontaneidade de uma estação de águas.426 O retorno à
vida rotineira após semanas de permanência em Araxá acompanhava-se da sensação
revigorante do organismo. Cada um levava consigo as impressões obtidas na temporada, que,
invariavelmente, associavam a natureza – clima, água, vegetação – ao estilo receptivo dos
moradores. O caráter afável da acolhida incluía a especificidade da culinária com base nos
produtos naturais da terra reelaborados por maneiras próprias de fazê-los chegar à mesa.427
Certa vez, um clérigo do nordeste brasileiro, bispo em Pernambuco, fez menção ao
sentimento católico dos habitantes locais como complemento dos atrativos aos quais usufruiu
durante a estação de águas.428 Os religiosos, especialmente os da congregação salesiana,
instalada na cidade em 1931, freqüentavam a estância – e também as colunas sociais dos
jornais locais, que registravam suas presenças – e, comumente, a divulgavam.429 Anos mais
tarde, durante a inauguração do Complexo Termal, no governo Getúlio Vargas, o teor de
religiosidade presente na estação e a confluência dos espaços desta com a cidade católica
levaram o bispo Dom Alexandre do Amaral, da Diocese de Uberaba, a pronunciar-se a favor
da construção de uma igreja, que, ao seu ver, era o único elemento ausente naquela imponente
obra arquitetônica destinada à cura do organismo dos seus freqüentadores.
425
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.57.
426
HELLER, Agnes. O cotidiano e a história. 6ª.ed., vol.2. Tradução de Carlos Nelson Coutinho e Leandro
Konder. São Paulo: Paz e Terra, 2000. p.29-30.
427
ARRUDA, Maria A. do Nascimento. Mitologia da mineiridade. São Paulo: Brasiliense, 1990. p.82-88.
428
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.30.
429
Noticiado como o Pe. Dr. José Noronha, que “sempre se revelou entre seus companheiros de congregação
pela sua cultura, dotes oratórios e amor ao magistério”, a imprensa registrou em 1934 a presença do salesiano na
cidade em uso das águas minerais. A RENOVAÇÃO. Araxá, n.36, 23/03/1934, p.4. Arquivo FCCB.
155
430
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.35.
431
Ibidem. p.4. Depoimento de Yolanda Colombo concedido à autora em 04/05/2004, Araxá.
432
Alguns modelos de fotografias reveladoras dessas citadas características podem ser observadas em:
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.16; 31; 32 e 37.
156
433
O jornalista enviou os recortes das matérias ao memorialista da cidade, Sebastião de Affonseca e Silva, que o
auxiliaria nas reportagens. Este material consta de dedicatórias do autor demonstrando o afeto por quem o
introduziu na história da cidade e compõe o acervo do memorialista, hoje integrante do Arquivo FCCB.
434
Recorte do jornal O PAIZ. Rio de Janeiro, 06/02/1929. Arquivo FCCB.
435
RENOVAÇÃO. Araxá, n.19, 20/05/1934, p.4. Arquivo FCCB. ALMENARA. Araxá, n.14, 15/01/1935, p.3.
Arquivo FCCB.
436
Depoimento de Arnaldo de Almeida Castro concedido à autora em outubro de 2006, Araxá. Nesta entrevista o
Sr. Nado faz questão de afirmar: “eu vi o Santos Dumont”, descrevendo-o fisicamente conforme o registro de
sua memória aos seis anos de idade. SEIXAS, Jacy Alves de. “Os tempos da memória: (des)continuidade e
projeção. Uma reflexão (in)atual para a história?”. In: ARTES DA HISTÓRIA & OUTRAS LINGUAGENS.
Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História. In: PROJETO
HISTÓRIA. São Paulo, EDUC, n.24, 2002. p.43-63. BOSI, Ecléa. Memória e Sociedade: lembranças de velhos.
3ª.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p.73-90; 415-433.
157
437
Correspondência enviada por Alberto Santos Dumont à sua prima Corina Dumont, residente em Araxá,
durante temporada no Hotel Radio em 1931. PROJETO HOTEL RADIO. Araxá: Fundação Cultural Calmon
Barreto, 1987. p.24.
438
Esta placa compõe o acervo da Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá. PROJETO HOTEL RADIO.
Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto, 1987. 52p.
158
Um fazendeiro da região sul de Minas Gerais havia deixado o Brasil para fazer uma
estação de cura na Alemanha. Um médico alemão, então, sugeriu-lhe que procurasse um lugar
chamado Araxá, cujas águas revelavam-se curativas, especialmente da diabete, enquanto as de
São Lourenço deveriam ser indicadas para os rins, as de Caxambu, Lambari e Cambuquira
para o estômago e as de Poços de Caldas obtinham melhores resultados nos tratamentos da
pele e de sífilis. Houve casos em que jovens portadores de dores ciáticas ganharam alívio após
os banhos com as águas de Araxá. Da mesma forma, diversos senhores diabéticos tiveram
significativa redução de açúcar em seus organismos ao final das temporadas de 21 dias.440
439
Fotografia do apartamento ocupado por Santos Dumont em temporada exibindo a placa que identificava o
hóspede, datada de 1976. Doação: CAMIG (Companhia Agrícola de Minas Geais, já extinta). Arquivo
Fotográfico/ 495. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
440
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.53.
159
Os contatos iniciais de Domingos Zema com Araxá foram marcados por dois
momentos. O primeiro foi decorrente de uma indicação médica que recebera em Ribeirão
Preto, onde morava, a partir dos sintomas de malária por ele apresentados. À temporada de
cura por meio das águas, durante a qual recuperou a saúde, seguiu-se o segundo momento, em
que o italiano aproximou-se definitivamente das terras mineiras. Residindo na cidade de
Sacramento, ele trabalhava como motorista que conduzia visitantes ao Barreiro. Em 1923 já
morava em Araxá e possuía negócio próprio – a “Casa Sport”, na atual avenida Antônio
Carlos –, um comércio de autopeças que, pouco depois, conquistaria a revenda Ford e,
posteriormente, a dos pneus Michelin, Dunlop e Goodyear, além dos produtos da “Atlantic
Company”. Nos anos 40, a empresa de Zema venceu outros desafios, agora agregados aos
êxitos anteriores: o primeiro posto de gasolina, “Atlantic”, e de frente a este uma ampla sede
própria, reunindo oficina, loja e residência, naquela quase inabitada avenida 3 de Outubro
(hoje, avenida Getúlio Vargas).441
441
CASTRO, Maria Beatriz Afonso de. Op. cit. p.41-76.
442
Avenida Getúlio Vargas, antiga avenida 3 de Outubro, onde se localizavam a Estação Ferroviária e o primeiro
posto de gasolina “Atlantic”. Anos 30. Não foi possível identificar o autor dessa fotografia. Arquivo Fotográfico/
3713. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
160
Cidadãos como Domingos Zema chegaram a Araxá para não mais partirem. Outros
visitantes, no entanto, permaneceram na cidade o tempo suficiente para a conhecerem,
recuperarem a saúde ou deixarem inscritas suas idéias a respeito de Araxá. As estações
prosseguiam formulando representações enquanto estância hidromineral ideal para o repouso.
Em 1927, Luiz Adrião corroborou a opinião de tantos outros, sinalizando para a topografia da
cidade, para as suas águas, o seu clima e o seu estilo afetuoso de acolher o visitante. Henrique
Costa recorreu ao lirismo de Olavo Bilac com suas “Velhas Árvores” para definir a mata do
Barreiro de Araxá. Já Carlos Olyntho Belfort, procedente de São João da Boa Vista, São
Paulo, declarou que curou sua diabete após a estação de cura em Araxá, que lhe havia sido
sugerida por médicos de sua terra natal.443
Freqüentadores assíduos costumavam estabelecer laços com a cidade a ponto de
serem agregados de alguma forma à população local. O coronel Francisco Schmidt, conhecido
como o “rei do café”, deixava Ribeirão Preto com freqüência para passar temporadas,
preferencialmente de jogos, em Araxá. Esta familiaridade foi tanta que uma das fontes de
águas minerais do Barreiro, antes identificada por número, passou a se chamar Fonte
Schmidt.444
Alguns pacientes retornavam diversas vezes a Araxá sob orientação médica. Entre
1933 e 1935, um militar de 48 anos, astênico e em esgotamento nervoso, apresentando nítido
processo de emagrecimento, cumpriu as fases do tratamento e, mesmo depois de obter a cura,
passou mais de dez dias na cidade dedicando-se apenas a beber a água e a desfrutar o clima
agradável. Ainda em 1933, chegou a Araxá um acreano de 18 anos procedente do Rio de
Janeiro que buscava curar a diabete que já o havia levado ao coma. Seu caso contribuiu para o
incremento do número de doentes beneficiados pelas propriedades terapêuticas das águas do
Barreiro.
A lama medicinal em uso com a água sulfurosa transpunha as estações alemãs de
Karlsbad e Franzesbad para a estação de Araxá. Uma jovem de 25 anos definhava há três
meses em decorrência de um reumatismo que a impedia de movimentar os braços e as mãos.
Conduzida por um automóvel no trajeto entre o hotel e o Balneário, ao final da temporada na
estação, a paciente havia recuperado as articulações e a possibilidade de caminhar pelo parque
em torno das fontes e da Casa de Banhos. A ingestão de água sulfurosa e os banhos com esta
443
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.57-60.
444
Recorte do jornal O PAIZ. Rio de Janeiro, 06/02/1929. Arquivo FCCB.
161
e com a lama curaram, em 1935, um doente acometido de eczema córneo. As três semanas de
tratamento permitiram-lhe retomar a posição num time de football do Rio de Janeiro.445
Profissionais da medicina – como o Dr. Luiz do Rego, de São Paulo, e o Dr. Victor
Mascarenhas, de Uberaba – ganhavam as colunas sociais, carregando consigo os títulos de
clínicos, cirurgiões e, entre esses, as suas especificidades médicas. Muitos deles chegavam a
Araxá com suas famílias para aproveitarem uma viagem de recreio, e não profissional, mas
isso não os impediam de serem chamados a analisar, enquanto veranistas detentores dos
saberes médicos, o mérito da estância visitada.446
Esta prática de atestar as águas minerais, entre outros deveres atribuídos à estância,
repetiu-se habitualmente. Desde os anos 20, um livro de visitantes “illustres” indicava a
presença de aquáticos, muitos deles médicos que, embora estivessem em temporadas de lazer
com suas famílias, eram chamados a opinar.447 Julgamentos abalizados de cientistas e de
professores em férias vinculados às Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e de São Paulo
avultavam a relação de pareceres e assinaturas em livros mantidos geralmente por hotéis e
escritórios de empresas concessionárias das águas, em uma evidente disposição para reuni-
los.448
Em 1932, hospedou-se no Hotel Cavallini o Dr. Affonso Fraga, advogado em São
Paulo, jurista e autor de vários trabalhos publicados na área do direito. No mesmo hotel e
igualmente com o objetivo de fazer estação de águas encontrava-se o Sr. J. Fonseca Saraiva,
identificado na imprensa local como “o conceituado editor e proprietário da Livraria
Acadêmica”, em São Paulo.449 O Hotel Colombo registrou nos primeiros anos da década de
1930 a presença, entre seus hóspedes, do Sr. Adolpho Frichaim, cônsul de origem alemã com
jurisdição no estado do Maranhão. Nesse mesmo período, hospedaram-se neste hotel diversos
aquáticos paulistas, fiéis clientes da família Colombo, que procuravam se afastar das tensões
provocadas pelo movimento constitucionalista de 1932.450
Repouso e recreio, simultaneamente, compunham as opções de muitos que chegavam
ao Barreiro para distanciarem-se da rotina diária. Nesse sentido, Araxá atraiu a população de
445
LUZ, Carlos. O Barreiro de Araxá. Palestra feita no Rotary Club do Rio de Janeiro, no dia 10 de abril de
1942. Rio de Janeiro: Jornal do Commercio – Rodrigues & C., 1942. 13p.
446
RENOVAÇÃO. Araxá, n.12, 01/04/1934, p.1 e 4. Arquivo FCCB.
447
Sobre a produção dos chamados livros de visitantes e o intuito de divulgá-los por meio da imprensa, ver:
CORBIN, Alain. O território do vazio: a praia e o imaginário ocidental. Tradução de Paulo Neves. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p.266-286, especialmente 271.
448
GUIA Thermal das Aguas do Araxá. Estado de Minas Gerais, s/n., 1920. p.47-48.
449
A OPINIÃO. Araxá, n.12, 03/04/1932, p.4. Arquivo FCCB.
450
A OPINIÃO. Araxá, n.39, 09/10/1932, p.4. Arquivo FCCB. Depoimento de Yolanda Colombo concedido à
autora em 04/05/2004, Araxá.
162
451
A OPINIÃO. Araxá, n.41, 23/101932, p.4; e n.42, 30/10/1932, p.4. Arquivo FCCB.
452
Homens e mulheres, em grupo, posam para fotografia, em 1926. Não foi possível identificar o autor dessa
fotografia. Doação: Família Manoel Lopes da Silva. Arquivo Fotográfico/ 0345. Fundação Cultural Calmon
Barreto de Araxá (FCCB).
453
A OPINIÃO. Araxá, n.47, 03/12/1932, p.4. RENOVAÇÃO. Araxá, n.12, 01/04/1934, p.1 e 4; e n.21,
03/06/1934, p.4. Arquivo FCCB.
163
454
RENOVAÇÃO. Araxá, n.21, 03/06/1934, p 4. Arquivo FCCB.
455
RENOVAÇÃO. Araxá, n.25, 01/07/1934, p.1 e 4. Arquivo FCCB.
456
BRAGA, Rubem. Terras, Águas e Ventos do Araxá. Texto publicado originalmente na “Folha de Minas” de
16 de julho de 1936 e reeditado em O PLANALTO. Araxá, n.1187/96, ano XX, 03/11/2005, p.10.
164
Hotel das Fontes, ao casamento do casal em Santa Rosa, que em seguida estabeleceu
domicílio no Rio de Janeiro, decorreu apenas um ano.457
Após regressar da sua segunda “estação de repouso”, conforme definira a temporada
em Araxá, o então presidente do Conselho Administrativo da Caixa Econômica do Rio de
Janeiro, Dr. Carlos Luz, cumpriu um compromisso assumido com ele mesmo: ministrou
palestra aos companheiros do Rotary Club da capital federal, levando-lhes informações sobre
a “estância hidroterápica” de Araxá. A fala do Dr. Carlos Luz mostrou a dupla função de
estatuto de prova e de guia do usuário, sem deixar de pontuar alguns aspectos do passado da
cidade e do uso de suas águas, mas lançando dados e imagens da nova estância hidromineral
em construção naqueles primeiros anos da década de 40.458
Ainda que estivesse habituada a receber os Mello Franco de Paracatu, os Pignataro
de Belo Horizonte e os Matarazzo de São Paulo, além de condes, condessas, barões e
baronesas e de tantos outros homens e mulheres portadores de credenciais específicas dos
nobres, doutores, intelectuais, coronéis ou clérigos, a cidade-balneário confrontou-se com as
faces de grupos carentes de saúde e de prosperidade material.459 A imprensa promovia a
estância e, concomitantemente, denunciava as suas ambigüidades. O confronto entre a
exclusão e a pujança tornar-se-ia mais intenso na cidade-balneário principalmente a partir da
segunda metade dos anos 40, com a inauguração do Complexo do Barreiro. Da literatura
referente àquela obra arquitetônica obtém-se uma justificativa da supracitada ambivalência:
457
Depoimento de Jacintha Duarte Garcia Alencar concedido à autora em 05/08/2005, Santa Rosa de Viterbo,
São Paulo.
458
LUZ, Carlos. Op. cit.
459
A OPINIÃO. Araxá, n.16, 01/05/1932; e n.48, 10/12/1932, p.4. Arquivo FCCB.
460
COSTA, Waldir. Araxá, da maloca ao palácio. Goiânia: O Popular, 1987. p.91-92.
165
Ser uma estação balneária significava estar integrada à urbanização tal como esta
deveria ser. Além da qualidade da água, elementos como luminosidade, pureza do ar,
saneamento público, higiene, belas paisagens, ruas e avenidas planejadas eram essenciais.
Transportes rodoviário, ferroviário e aéreo também se impunham como atrativos
indispensáveis. Em Araxá, os(as) aquáticos(as) ou aqüistas chegavam principalmente de
Uberaba, São Paulo (capital e interior) e Belo Horizonte, cidades com as quais se mantinham
intensos contatos e relações comerciais. Em 1930 a imprensa divulgava que
461
Em relação à aparência – sua valorização ou depreciação – deve-se analisá-la como algo construído de acordo
com a cultura e o tempo específicos. Partindo do princípio que a subjetividade revela-se na aparência, a mesma
passa a ser, então, objeto contemplativo. SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. “Corpo e História”. In:
CADERNOS DE SUBJETIVIDADE. São Paulo: Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da
PUC-SP, vol.3, n.2, set./fev. 1995. p.251 e 252.
462
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. p.23. Sobre a
inserção de grupos sociais diversos na história, aqui foram consultados: HALL, Stuart. A identidade cultural na
pós-modernidade. Tradução de Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 1997.
p.25-51, especialmente 48-50; RUTHEFORD, Jonathan. “O terceiro espaço: uma entrevista com Homi Bhabha.”
In: REVISTA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL. Rio de Janeiro, n.24, 1996. p.35-
41. Em relação ao privilégio de freqüentar uma estação balneária, restrito às elites e, portanto, sinal de distinção
social, ver: URRY, John. O olhar do turista: lazer e viagens nas sociedades contemporâneas. 2ª.ed. São Paulo:
Studio Nobel, 1999. p.33-48.
166
O Barreiro ligava-se à cidade ainda por aquela mesma estrada de terra reservada, em
princípio, aos automóveis. O Balneário, localizado junto ao ambiente natural das fontes,
encontrava-se cercado por hotéis e pensões. A cidade oferecia também estabelecimentos
hoteleiros que, associados à vivência de uma estação de águas, davam visibilidade às
experiências de homens e mulheres464, ambos com jeitos próprios de viver, trabalhar e se
divertir.
As temporadas de 21 dias de Araxá, afastada da produção industrial e próxima de
uma sociedade conservadora de tradição agrária, tornaram-se um estímulo à oferta de novos
produtos e serviços. O comércio e a indústria ocupavam gradativamente seus espaços na
dinâmica urbana, que, justificados pelas necessidades e possibilidades criadoras e
administrativas, eram compostos, principalmente, de lojas de tecidos e de gêneros do país,
farmácias, tipografias, salões de cabeleireiro, cafés, confeitarias, casas de frutas, sorveterias
ambulantes e fábricas de calçados, de manteiga e queijo e, ainda, de sabonetes, estes
produzidos das águas.465
Dessa forma, as estações de águas como Araxá impulsionavam também a nova
indústria: da propaganda.466 Assim, ao lado de anúncios de hotéis, muitos outros circulavam,
estimulando a freqüência à estância e o consumo derivado do movimento urbano. Uma série
de propagandas passou a percorrer a cidade oferecendo tratamentos médicos destinados à cura
e ao bem-estar do organismo. Serviços de costureiras, alfaiates e chapeleiras, entre outros
associados aos bens de consumo dirigidos à higiene e à aparência corporais, podiam ser
localizados nas páginas de jornais, de guias termais, de almanaques e de outras pequenas
publicações. Placas dispostas em espaços públicos chamavam a atenção para serviços e
mercadorias disponíveis, cujos conteúdos informativos podiam ser observados também em
notas fiscais diversas e nos papéis impressos de estabelecimentos hoteleiros. Os receituários
463
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.58.
464
SCOTT, Joan W. “A invisibilidade da experiência.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo, n.16, fev. 1998.
p.297-325.
465
TOLEDO, Octaviano. “Notícia Historico-Geographica do Municipio do Araxá.” In: REVISTA DO
ARCHIVO PUBLICO MINEIRO. Bello Horizonte: Imprensa Official de Minas Geraes, 1903. p.282.
466
WEBER, Eugen. França fin-de-siècle. Tradução de Rosaura Eichenberg. São Paulo: Companhia das Letras,
1988. p.226. Dentre os livros e as leituras possibilitadas pela produção literária como forma de divulgar, neste
caso, uma estância hidromineral, ver: CHARTIER, Roger. Leituras e leitores na França do Antigo Regime.
Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 2004. p.173-180.
167
467
MAGALHÃES, Mário de Castro. A estância de Araxá. Araxá: s/n., 1945. 51p; PEZZUTI, Pedro. Pontos nos
ii: por um médico do interior. São Paulo: Jornal dos Livros, 1955. 344p.
468
LE GOFF, Jacques. História e memória. Vol.2. Campinas: Unicamp, 1992. p.98-115.
168
ainda o repouso – um misto de descanso com dieta alimentar – como recurso eficaz ao
tratamento.469
É esse o enfoque do corpo sob uma perspectiva histórica. Desde o início do século
XX, principalmente, já se encontravam notas, anúncios, artigos científicos e poemas literários,
todos publicizados com vistas à divulgação da importância da saúde e do vigor dos corpos.470
Esta tendência impulsionou a visitação às estações balneárias, favorecendo, especialmente,
Araxá, ao unir as idéias de asseio, de embelezamento e de saúde física às noções de trabalho e
de lazer. Assim, Araxá tentava reunir condições propícias para oferecer ao visitante as águas
revigorantes do organismo.
“Da virtude de suas aguas, digam os medicos; falem os doentes”.471 As impressões
de F. de Sales Braga, usuário da estância no verão de 1928, acerca de Araxá pareciam por
demais subjetivas. Quando solicitado a exteriorizá-las, transpôs inicialmente a idéia da
impossibilidade de fazê-lo. O veranista decidiu então atuar como cronista, atendendo ao
pedido. Revelou o domínio que lhe submetia o panorama natural presente naquele lugar
chamado Barreiro. Abstraí-lo era para ele o mesmo que reconquistar o ânimo e revigorar os
tecidos do organismo. A condição primeva dos ambientes, avessa aos ruídos senão os
próprios da natureza, fazia deles abrigos propícios à meditação, afagos ao espírito.
O discurso médico-higienista atestou o percurso da estação das águas e absorveu os
efeitos sentidos no acompanhamento de doentes em simples repouso. Todavia, as iniciativas
de difusão da viabilidade da estância deviam-se à ação conjunta de segmentos diversos.
Médicos, higienistas e administradores públicos ganhavam adesão de engenheiros,
construtores, hoteleiros, paisagistas, jornalistas e publicitários, todos investidos do propósito
de abastecer os espaços do Balneário e da cidade do seu principal elemento: o curista ou
aqüista. Expedidos por iniciativas públicas ou particulares, os guias, as palestras e os
relatórios médicos ou administrativos deram visibilidade à estância e elevaram a procura por
cidades balneárias, ao mesmo tempo em que reivindicações eram dirigidas às autoridades,
públicas ou não, pedindo medidas adequadas ao bom aparelhamento da estação.472
469
MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel (Orgs.). O corpo feminino em debate. São Paulo: UNESP,
2003. p.107-127.
470
BERNUZZI, Denise. Op. cit. p.243-266.
471
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.46.
472
Sobre o papel dos almanaques enquanto gênero da literatura e fonte histórica, ver: DUTRA, Eliana de Freitas.
Rebeldes literários da República: história e identidade nacional no Almanaque Brasileiro Garnier (1903-1914).
Belo Horizonte: UFMG, 2005. p.13-62, especialmente.
169
Aos filhos da terra diplomados nas capitais reservavam-se honraria e divulgação dos
feitos conquistados. Ações geralmente respaldadas pela imprensa cuidavam da projeção dos
graduados e de suas especializações. O mesmo se dava no momento do retorno deles à cidade
com o conseqüente ingresso no exercício da profissão. No caso específico dos profissionais da
medicina, o envolvimento mais direto com o uso terapêutico das águas fazia com que lhes
fossem dedicadas páginas inteiras dos jornais locais. Regularmente, a imprensa das cidades
grandes e médias realizava a cobertura do tempo hidroterápico, cumprindo o papel de
divulgar Araxá e de inseri-la no circuito das estâncias balneárias.473 Aqueles cujas iniciativas
formadoras de opinião investiam nas fontes mineralizadas das águas sulfurosas, desde o final
dos anos 20, alertavam para a importância de divulgar as águas radioativas descobertas:
473
ZICMAN, Renée Barata. “História através da imprensa: algumas considerações metodológicas”. In:
PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.4, 1989. p.90-103.
474
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.59-60.
475
PROJETO LEVANTAMENTO DA IMIGRAÇÃO EM ARAXÁ. Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto,
1985. Arquivo FCCB. LUGAR DE MEMÓRIA. Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto, 2001. p.137.
170
forte teor alcalino, foi por ele analisada como “agua medicamentosa por excellencia,
modificadora, por sua alcalinidade, dos humores excessivamente acidos do organismo, e
topica dos catharros das mucosas”. 476
Segundo Pezzuti, tais águas deveriam ser ingeridas, considerando-se que a balneação
não se constituía no seu efeito maior. O médico recomendava, ainda, que tanto a água
radioativa quanto a sulfurosa fossem tomadas em jejum e, raramente, à tarde, após a digestão
do almoço. Assim como a existente na estação francesa de Vichy, a água alcalina sulfurosa
deveria ser ingerida em pequenas doses, espaçadas por curto período. Com estas tratavam-se
diabetes, “diathese, arthritica e urica, doenças do estomago, do figado, dos intestinos, das vias
urinarias”. Já aos pacientes portadores de insuficiência renal indicava-se a ingestão da água
radioativa. Igualmente como faziam os usuários da italiana Fiuggi, Dr. Pezzuti recomendava
grande quantidade ingerida ao longo de espaços intervalados. Na concepção dele, não havia
um mês ou meses mais indicados à temporada de cura. Durante todo o ano o tratamento
poderia ser feito com êxito. A temperatura constante, o ar puro, o sol luminoso e a ausência de
umidade, fatores potencialmente favoráveis, completavam a ação curativa das águas.
Em 1915, o acordo firmado entre o estado de Minas Gerais e a municipalidade já se
constituíra num marco de memória da cidade. Polêmico na sua estrutura, o ato instituiu um
conjunto de disputas e de interesses materiais, além de valores comportamentais gerados por
anseios e utopias. Sua aplicação desencadeou-se na primeira desapropriação de terras privadas
formadoras de fazendas, nas quais nasciam as fontes de águas minerais. Em decorrência
dessas ações, uma nova série de estudos científicos acerca da aludida região foi procedida.
Especialistas como Dr. Alfred Schaeffer, Dr. Joaquim Cândido da Costa Senna, Dr. Pádua
Rezende e Dr. Octavio Magalhães foram contratados pelo governo mineiro e passaram a
transitar pela imprensa local e pelos gabinetes oficiais. Estudos químicos, biológicos,
bacteriológicos, geológicos e trabalhos científicos em geral passaram a compor a literatura
sobre o tema, presente em toda espécie de publicação sobre a cidade.
Em 1925, o geólogo, também contratado pelo governo mineiro, Dr. José Ferreira de
Andrade Júnior realizara o “Reconhecimento geologico dos arredores de Araxá e outros
pontos de ocorrencia de aguas mineraes”. Para tanto, contou com a colaboração do
476
Entre outras reflexões, Dr. Pedro Pezzuti publicou, em outubro de 1927, o “Guia theorico-pratico para uso das
aguas mineraes do Araxá”. Considerado na época um trabalho “magistral”, consistia em substanciosa fórmula
para um tratamento clínico por meio das águas, indicadas por ele nos casos de doenças da nutrição: “diabetes,
arthritismo, diatheses urica, obesidade e rheumatismo gottoso; molestias do figado, congestão do figado,
ictericia, lithiase billiar [...]”. A contra-indicação das águas dava-se para as doenças do coração, arteriosclerose,
tuberculose, câncer e nefrite. CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.28.
171
minerologista Dr. Djalma Guimarães.477 O contrato particular de arrendamento das fontes não
mais vigorava, desde 1922. Nesse sentido, o governo estadual realizou uma ampliação no
Balneário, dotando-lhe de trinta e duas cabines de banhos sulfurosos e duas de banhos de
lama.
A imprensa de Belo Horizonte noticiara, em 1926, a descoberta do grau de
radioatividade da Fonte Dona Beja com a cobertura que os resultados enquanto pesquisa
científica exigiam. “A cerca de 350 metros ao sul das fontes de aguas minerais do Barreiro do
Araxá, do lado de cima da lagoa que lá existe, jorram de uma rocha amarello terra, aguas
purissimas que o dr. Ignácio Pinheiro Paes Leme, captou inteiramente [...]”.478 Os estudos de
dois pesquisadores – Dr. Glycon Djalma de Paiva, engenheiro que procedia um estudo
geológico no Barreiro, e do supracitado Dr. José Ferreira de Andrade Júnior, então chefe do
“Serviço de Aguas Radioactivas do Brasil”, do Ministério da Agricultura – constataram que
as emanações de rádio naquela fonte superavam em quatro vezes a riqueza dos mananciais
mineralizados já conhecidos em Araxá. Ultrapassavam, ainda, o teor de radioatividade das
águas de Lindóia, em São Paulo, até então referência neste aspecto:
Mais tarde, as águas que jorravam de uma rocha “radifera”, conforme atestou o
geólogo Dr. Glycon em pesquisas no Laboratório do Serviço Geológico do Brasil, no Rio de
Janeiro, colocaram Araxá em posição privilegiada. Um orgulhoso sexto lugar, amplamente
divulgado no circuito que partia de órgãos oficiais e chegava até as esquinas das ruas da
cidade, cravou Araxá no pódio mundial. À sua frente estavam, da primeira à quinta posição,
respectivamente, Brembach (Alemanha), St. Joachimsthal (Boêmia), Ischia (Itália), Gastein
(Áustria) e Aguas-Lerez (Espanha).480
477
COSTA, Waldir. Op. cit. p.65-67; 105-124.
478
DIÁRIO DE MINAS. Belo Horizonte, 1926, com trechos publicados em CARVALHO, Horacio (Org.). Op.
cit. p.18-19.
479
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.19.
480
Segundo os autores dessa pesquisa, a citada rocha era identificada como “tinguaito, contendo phosphato de
uranio”. A especificidade daquela encontrada em Araxá fez com que os cientistas a denominassem “araxaito”.
Em 1927, o professor Dr. José Ferreira de Andrade Júnior publicou, no Boletim n.22 do Serviço Geológico do
Brasil, o trabalho de sua autoria intitulado “Radioactividade das Aguas Mineraes do Barreiro de Araxá e de
outras fontes do Estado de Minas Geraes”. CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.19.
172
481
Ibidem. p.56.
482
A OPINIÃO. Araxá, n.14, 01/05/1932, p.1. Arquivo FCCB.
483
Ibidem.
173
Rugovine, que realizou pesquisas junto às fontes do Barreiro como profissional contratada
pelo governo do Estado.484
A mobilização das forças no sentido de aparelhar a estância da forma que se
considerava definitiva parecia adquirir um contínuo movimento de idas e vindas. Durante a
visita do então presidente de Minas Gerais, Olegário Maciel, da saudação oficial ao
governante constou a proposta de formar-se uma comissão local para trabalhar pelo
beneficiamento das águas de Araxá. Esta proposição partia das idéias de que este grupo
deveria ser, acima de tudo, apartidário e de que nele ingressassem os intelectuais da cidade
reconhecidos como tal e apontados nominalmente: prefeito (Fausto Alvim), autoridades
judiciárias, padres, médicos, advogados, engenheiros, farmacêuticos. Dessa comissão ainda
provisória nasceria a permanente, estendendo-se aos chefes da polícia local, fazendeiros e
comerciantes.485
Ser o médico oficial da estância conferia legitimidade ao ocupante do cargo.
Credenciava-lhe poder para exercer as funções decorrentes do saber técnico e do direito de
participar diretamente das decisões quanto aos rumos que a cidade deveria seguir. Dr. Mário
de Castro Magalhães, médico crenologista oficialmente reconhecido como tal, carregou este
título desejando fazer de Araxá um templo para o repouso. Por isso dedicou-se durante mais
de meio século ao estudo das águas, trabalhando incansavelmente para divulgar estas e o
Barreiro. Como muitos médicos da cidade, mantinha um segundo consultório próximo às
fontes.
O Dr. Mário de Castro Magalhães foi, ainda, o editor responsável do Jornal de Araxá
durante 1919, ano em que circulou inicialmente o periódico, e em 1927 associou-se a outros
parceiros para editar a segunda versão do semanário.486 Tanto o jornal sob sua
responsabilidade quanto outros de grande circulação no país divulgaram artigos por ele
assinados. O crenologista conciliava, ainda, o trabalho em sua clínica médica com a
participação em congressos no Brasil e no exterior; dedicava-se também a ministrar palestras
e publicar obras dessa temática, disseminando, assim, o nome de Araxá. Em 1925,
especializou-se em gastroenterologia em Paris; a temporada européia permitiu-lhe estagiar em
clínicas de estâncias balneárias francesas e alemãs, absorvendo a aplicação de tratamentos que
pudessem ser adotados no Barreiro de Araxá. Uma das biografias produzidas sobre o médico
afirma:
484
COSTA, Waldir. Op. cit. p.66.
485
A OPINIÃO. Araxá, n.14, 01//05/1932, p.1. Arquivo FCCB.
486
Nesta segunda fase tivera como parceiro: Sebastião Gomes – nome ligado intensamente à imprensa local –,
Almeida de Melo e o também médico Dr. Hugo de Rezende Levy.
174
487
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.27, out./dez. 1998, p.3-5. Arquivo FCCB.
488
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.25.
175
mais que a dieta e faz mais milagres que a insulina”. A propósito, no hotel em que se
hospedou pôde acompanhar um diabético em tratamento. Em forma de conferência, depois
reescrita, ele se expressou:
A clínica do Dr. Hugo de Rezende Levy, médico igualmente formado por incursões
em hospitais e clínicas parisienses, disponibilizou tratamentos para doenças da nutrição, do
estômago, do fígado, dos intestinos e dos rins, todos eles associados aos usos interno e
externo das águas minerais, bem como aos regimes dietéticos segundo moldes do Sanatório
de Valmout, na Suíça. Os pacientes tinham acesso a um laboratório de análises clínicas e
microscopia, realizando exames de sangue e de urina. As consultas do médico iniciavam às 6
horas da manhã, no consultório do Barreiro. À tarde, entre 12 e 16 horas, Dr. Hugo atendia na
avenida Antônio Carlos, no centro da cidade.490
Identificado apenas por duas iniciais de seu nome, um residente de São Paulo
encontrou na crenoterapia a solução para um problema biliar. Os cálculos renais expulsos do
organismo do paciente transformaram-se em estímulo para a propagação da eficiência do
tratamento. O médico Hugo Levy comprovou a cura, reunindo os elementos expelidos sob o
bloco de papel utilizado para aviar receitas; o fotógrafo Octavio Fonseca, por sua vez,
489
Ibidem. p.29.
490
Ibidem. p.88.
176
491
Fotografia produzida como prova de cura efetivada com as águas medicinais de Araxá, 1926. Fotografia:
Octavio Fonseca. Arquivo Fotográfico/ 340. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
177
492
Enferma que chegou a Araxá para tratamento e uso das águas minerais, fotografada após 5 banhos; 1927. Não
foi possível identificar o autor da fotografia. Doação: Família Manoel Lopes da Silva. Arquivo Fotográfico/ 338.
Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB). A segunda imagem é seqüência da que mostra o estado da
paciente no início de seu tratamento, sendo que esta a retrata após 40 dias de tratamento; 1927. Doação: Família
Manoel Lopes da Silva. Não foi possível identificar o autor da fotografia. Arquivo Fotográfico/ 339. Fundação
Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
493
MAUAD, Ana Maria. Fragmentos de memória: oralidade e visualidade na construção das trajetória
familiares. In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUSC, n.22, jun. 2001. p.165-169. Sobre o caso específico
de fotografias em série, ver: MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. “Fontes visuais, cultura visual, história
visual. Balanço provisório, propostas cautelares”. In: REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA - Órgão Oficial
da Associação Nacional de História. São Paulo, vol.23, n.45, 2003. p.11-35.
178
494
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.88.
495
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.28, jan./abr. 1999. p.6-9. Arquivo FCCB.
496
PROJETO HOTEL RADIO. Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto, 1987. 52p.
497
Recorte do jornal O ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo, 06/03/1930. Arquivo FCCB.
179
Durante o período em que vigorou a dupla função de hotel-sanatório (até o início dos
anos 40), sua estrutura física manteve-se inalterada, bem como os atrativos naturais à sua
volta. O investimento girou em torno dos rigores da “cura thermal e dietetica” aplicados pelos
dirigentes-médicos do hotel em casos de moléstias do estômago, intestinos, fígado, rins,
diabetes, gota, obesidade, cálculos renais e hepáticos, reumatismos e eczemas. Os trabalhos de
divulgação e orientação dos tratamentos disponíveis alimentavam a linha editorial do jornal
Renovação, de propriedade dos donos do “Radium Sanatorio”, semanário que circulou na
cidade por cerca de um ano.499
Os serviços públicos de higiene e de medicina preventiva ficavam a cargo do
governo mineiro, mantendo em cada cidade um centro ou posto específico. O Posto de
Higiene de Araxá que havia sido inaugurado em 1929, na rua do Comércio, desde o início
estabelecera com os moradores uma relação de reciprocidade. O titular do órgão e responsável
pela saúde pública, o médico Henrique Furtado Portugal, conquistara expressiva e natural
498
Vista aérea do Hotel Radio quando propriedade de José Cavallini e Emiliana Jardim Cavallini. Durante este
período o prédio sofreu acréscimo em sua ala esquerda; 1943/1947. Fotografia: Octavio Fonseca. Doação:
Octavio Fonseca. Arquivo Fotográfico/ 191. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
499
Este semanário circulou em Araxá no período de 14/01/1934 a 23/09/1934. Arquivo FCCB.
180
inserção na sociedade local, que lhe devotava respeito acima de tudo. Cerca de uma década
depois, ainda funcionava sob a mesma autoridade médica e na mesma rual central, onde
grande parte dos estabelecimentos mantiveram quase integralmente o fluxo comercial urbano,
pelo menos até a metade do século XX.
Como poder constituído para regulamentar os aspectos sanitários da cidade, o
aludido posto municipal não apenas introduziu critérios normativos. Mais do que isso,
fiscalizou a aplicação das medidas que então vigoravam. Uma série delas regia os hábitos
quanto à prática da higiene e do conforto dos cerca de 17.000 moradores que recebiam
inspeções domiciliares, bem como, em hotéis, pensões, casas de gêneros alimentícios,
açougues, restaurantes e padarias, entre outros estabelecimentos públicos. O Posto de Higiene
divulgava regularmente os serviços de saneamento, de dispensário, de medicações
distribuídas, de vacinas, de imunizações e de exames de laboratórios. Na esfera educativa,
seus profissionais realizavam palestras e distribuíam impressos informativos.500 Ainda assim,
o posto local passou por algumas fases de menor atuação, em decorrência de sucessivas
reduções de verba, de profissionais e de medicamentos disponíveis que não escapavam à
vigilância da imprensa.501
Em 1929, autoridades políticas e científicas haviam participado do II Congresso das
Estâncias Hidrominerais de Minas Gerais, realizado em Araxá. O ex-prefeito do município,
Bernardo Aroeira, chegou para o evento, acompanhado da família, já como prefeito da
estância mineira de Águas Virtuosas. A comissão organizadora do encontro preparou uma
recepção prévia com discurso de saudação àqueles visitantes já tão conhecidos. As
manifestações ocorreram dois dias antes da abertura oficial do Congresso e os gestos de boas-
vindas pretenderam demonstrar declaradamente reconhecimento e gratidão. Enquanto as
mulheres aguardavam reunidas na residência do sucessor do convidado – o prefeito Mário
Campos –, os homens encontraram-se no Bar do Ponto, situado na rua Boa Vista. De lá
seguiram, acompanhados pela Banda de Música Santa Cecília, para integrarem-se ao grupo
feminino que os esperava na casa do chefe do executivo.
O papel de Araxá nas discussões em pauta no congresso era de anfitrião e de
protagonista que se lançara a uma série de desafios para transformar o panorama natural do
Barreiro na estação de cura desejada. O retorno ao passado foi muitas vezes o meio utilizado
para firmar as conquistas: “[...] A area das fontes, situada numa depressão circundada por
500
Boletim do ano de 1936, do Posto de Higiene de Araxá. Arquivo SP0003/ FCCB.
501
RENOVAÇÃO. Araxá, n.12, 01/04/1934, p.1. Arquivo FCCB.
181
elegantes collinas, era quase inteiramente um charco, que se prolongava pelas vizinhanças,
estando atualmente drenado em grande parte”.502
502
Trecho da palestra do Dr. José Carvalho Lopes, engenheiro da Escola de Minas de Ouro Preto, em artigo do
jornal O ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo, 21/08/1929, veiculado durante o II Congresso das Estâncias
Hidrominerais de Minas Gerais. Arquivo FCCB.
503
Vista da bacia do Barreiro com a estação balneária de Araxá onde se vêem, entre outros, a Casa de Banhos ao
centro, com o reservatório de lama termal à sua frente, o edifício da sub-estação de luz à direita e o ambiente
natural em volta; 1926. Fotografia: Octavio Fonseca. Doação: Lourdes Zema. Arquivo Fotográfico/ 314.
Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
504
Recorte do jornal O ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo, 21/08/1929.
182
A questão médica seguia o caminho, por seu turno, para promover a cura. Mas cabia
aos seus legítimos representantes abrir outros inegavelmente intrincados ao da medicalização.
Desde a sua inauguração, em 1932, a Sociedade de Medicina e Crenologia de Araxá
trabalhava para trazer ao debate as questões consideradas vitais do Barreiro e, claro, suas
relações com a cidade como um todo. A organização compunha-se, afora os médicos, de
engenheiros e outros técnicos cujas presenças contribuíam para conferir-lhe legitimidade.
Respaldava-lhe o pressuposto de que a sociedade prestava um serviço essencial à
comunidade, bem como à “estancia e aos enfermos que aqui aportam, em busca de lenitivo
para os males que a afligem”.505
A Sociedade de Medicina tinha no Barreiro a alternativa para suprir a ausência de
indústrias na cidade. Aos olhos dos clínicos, esta forma de industrialização dependia da
urbanização, que, por sua vez, dependia da resolução dos problemas de abastecimento de
água, de esgoto, de calçamento e, ainda, dos serviços de “embellezamento” urbano. Por esses
motivos, reivindicavam uma planta definitiva do espaço do Barreiro, uma legislação especial
que limitasse construções desordenadas nas imediações das fontes e uma nova estrada que as
ligasse à cidade, em substituição à antiga, de 1915: “[...] uma estrada que será o cordão
umbellical, a arteria que perpetuará a symbiose da cidade com a zona de emergencia das
fontes hydro-mineraes do Barreiro [...]”.506
A via de duplo sentido idealizada naquele início dos anos 30 enquadrou-se no
conjunto de mudanças que ainda estavam por vir, sendo retomada, posteriormente, no período
de transição para os anos 40. O objetivo de promover a cura foi preservado, bem como o
estímulo à reinvenção da estância hidromineral. Estudos recém-elaborados à essa época
constataram a existência de emanações de tório na Fonte Dona Beja, seguidos de outros
atrelados às propostas que seriam viabilizadas durante o Estado Novo, justificadas pela
legitimidade que a ciência conferia à qualidade das águas.
Posteriormente, o presidente Getúlio Vargas desembarcaria em Araxá para visitar as
novas obras já em execução pelo governo de Minas Gerais, associando, simultaneamente, a
viagem do seu aniversário, comemorado em 19 de abril, aos tempos do trabalho e da
possibilidade de fazer uma estação de águas. Ele chegara acompanhado da mulher, Darci
Vargas, e de integrantes da comitiva, vindos em dois aviões da Panair, procedentes do Rio de
505
A OPINIÃO. Araxá, n.22, 26/06/1932, p.1. Arquivo FCCB.
506
Ibidem.
183
Janeiro com passagem por Belo Horizonte.507 Na véspera do aniversário do então presidente
chegaram a sua filha, Alzira, e o seu genro, o governador carioca Ernani do Amaral Peixoto.
Em ocasiões como estas, a estação de águas convertia-se num território propício aos
encontros sociais, às decisões políticas e, sobretudo, ao trabalho. O avião que transportava os
familiares do presidente trouxera também um acentuado volume de papéis oficiais que
deveriam ser despachados. À sobrecarga de tarefa, reunindo estudo, leituras de
correspondências, jornais e expediente, intercalavam-se o atendimento às visitas ministeriais
vindas do Rio e a outras de diferentes lugares de Minas Gerais. Vargas costumava, ainda,
visitar cidades vizinhas. Ainda assim, as atividades de estudo e observações fizeram-se
presentes até mesmo nas visitas às fazendas do futuro prefeito Dr. Álvaro Cardoso e dos
agropecuaristas Pedro Lemos e José Adolpho de Aguiar.508
A rotina do presidente incluiu, impreterivelmente, o uso das águas do Barreiro, lugar
sobre o qual Getúlio comentou: “[...] o local é mesmo para repouso: poucas casas, população
diminuta, pequeno número de aquáticos [...]”.509 Vargas registrou, ainda, como se aliasse
informação e justificativa, que
O regime a que se submeteu – prescrito pelo seu médico pessoal e por uma junta
médica formada por profissionais locais – determinava a freqüência à Fonte Andrade Júnior
para a ingestão diária da água sulfurosa. Bebia-se também a água radioativa da nova Fonte
Dona Beja, em construção. Na Casa de Banhos governantes e governados puderam tirar
proveito dos serviços destinados aos usuários da estação balneária: banhos, massagens e
duchas. Os tempos de tratamento e de repouso vividos em Araxá pelo presidente certamente o
fizeram desfrutar a mesma sensação que provara antes, durante suas estadas nas demais
estâncias minerais: “nas estações de águas, todos os dias parecem feriados”.511
507
VARGAS, Getúlio. Getúlio Vargas: Diário. Apresentação de Celina Vargas do Amaral Peixoto. Edição de
Leda Soares. Vol. 2. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995. p.308.
508
Ibidem. p.311; Conjunto de documentos da família Alonso José de Aguiar.
509
Depoimento de Yolanda Colombo concedido à autora em maio de 2004, Araxá.
510
VARGAS, Getúlio. Op. cit. p.308.
511
Ibidem. p.217.
184
O modo de vida urbano impõe determinados recuos, mas também sugere avanços. As
relações sociais nele presentes advêm naturalmente da condição humana, e não somente do
fato de os moradores pertencerem a uma ou a outra categoria social. Cada experiência vivida,
praticada, ou o conjunto delas, modulou o discurso das ações que imprimiram contornos às
imagens da estação.514 Ainda que pudesse parecer infindável, nada mais compreensivo do que
expressar de maneira veemente a contínua necessidade de se executarem melhoramentos no
Barreiro e na própria cidade.
Resguardados os direitos e os poderes de trabalhar os espaços pela racionalidade da
engenharia, da arquitetura e da medicina, ou de neutralizá-los, como se fossem preparados em
termos de planejamento urbano, saneamento público e higienização para a chegada das
temporadas, pretendia-se articular questões mais ampliadas. A interlocução entre as três áreas
de trabalho técnico-científico há muito tempo vinha promovendo a paisagem urbana como
receptora da sociabilidade enquanto algo imprescindível ao funcionamento harmônico entre a
512
Water Benjamin utiliza esta expressão referindo-se a um tempo vivido de forma diferente, embora num
contexto próprio relativo à Europa fascista. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre
literatura e história da cultura. 7ª.ed. Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.226.
Antonio Candido utiliza a mesma expressão na análise do tempo diferente experimentado pelas cidades
hidrominerais ao prefaciar: MARRAS, Stelio. A propósito de águas virtuosas: formação e ocorrências de uma
estação balneária no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2004. p.13-17. Seguindo essa última análise, ver também:
SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo: Companhia das
Letras, 1987. p.157-159.
513
WEBER, Eugen. Op. cit. p.216-237.
514
ARENDT, Hannah. A condição humana. 6ª.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1987. p.211-219; 255-
259.
185
vida social e o organismo daquele que a forma e a habita.515 Nem que para isso se recorresse à
reformulação de costumes já enraizados por parte desses habitantes.
A freqüência dos animais na área próxima às fontes levou a Prefeitura a proibir, em
1933, entre outras medidas citadas anteriormente, o trânsito de “boiadas ou de reses atoladas”
naquele local. A mesma lei estendeu-se a outros pontos da cidade sob pena de multa aos
infratores,516 legitimando, em um e outro territórios – Barreiro e cidade –, a atitude do prefeito
ao exercer o controle de regular e de vigiar.517
Enquanto faziam-se ouvir as vozes dos técnicos em favor das condições de estações
balneárias européias a serem reproduzidas em Araxá, a descrição referente às termas francesas
podia revelar o quadro por eles desejado e, em parte, assegurado:
515
George Vigarello associa o papel do engenheiro a uma nova representação, mostrando como o trabalho deste
com o do médico culminaram em “originalidade”. VIGARELLO, Georges. O limpo e o sujo: uma história de
higiene corporal. São Paulo: Martins Fontes, 1996(a). p.143. A cidade transformada pela via higiênico-
sanistarista e pela estética como forma de expressão do social são analisadas em: MATOS, Maria Izilda Santos
de; SOIHET, Rachel (Orgs.). Op. cit. p.107-127. Nessa linha, sobre a questão do corpo, ver também: PORTER,
Roy. “História do Corpo.” In: BURKE, Peter (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo:
UNESP, 1992. p.291-315.
516
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.29, dez. 1999, p.9. Arquivo FCCB.
517
FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. 22ª.ed. Organização e tradução de Roberto Machado. Rio de
Janeiro: Graal, 2006. p.157-161.
518
WEBER, Eugen. Op. cit. p.222.
519
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Op. cit. p.255-258.
186
Beber a água da fonte consistia na atividade principal dos veranistas, seguida dos
banhos religiosamente prescritos. Enquanto os visitantes dosavam a quantidade a ser ingerida,
os “donos da casa” bebiam água à vontade e nem sempre experimentavam os procedimentos
invariáveis das cabines de imersão, como se os rituais devessem ser obedecidos somente pelos
primeiros. Todavia, a atividade aquática deveria ser aproveitada tendo em vista alguns
520
Algumas das questões envolvendo as sensibilidades e os gestos numa “cidade das águas” como São Paulo
apresentam análises bastante pertinentes ao caso de Araxá. SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. “O corpo na
cidade das águas: São Paulo (1840-1910)”. In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.25, dez. 2002. p.99-
114.
521
Nessas relações, Raymond Williams analisa o que resistiu e não resistiu na antiga forma e que é incorporado
pela comunicação através da percepção. WILLIAMS, Raymond. Op. cit. p.125-129; 131-137.
522
WEBER, Eugen. Op. cit. p.229.
187
aspectos específicos, como os meses e os horários ideais. Quanto aos primeiros recomendava-
se a exclusão do mês de janeiro, durante o qual as fontes mostravam insuficiência derivada da
infiltração das águas da chuva. Quanto aos horários, indicava-se o aproveitamento das
emanações radioativas liberadas nas primeiras horas da manhã.
Ao escrever um artigo, o médico Pedro Pezzuti analisava e prescrevia as águas
sulfurosas e as águas radioativas de Araxá, ainda que o teor das informações fosse melhor
observado pelos usuários vindos de fora:
523
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.28.
524
Ibidem. p.54 e 56.
188
no mundo do trabalho.525 Tal premissa contribuiu para formular novos hábitos e, com eles,
uma disciplina própria para administrar atividades profissionais, domésticas e de
entretenimento.526 As idéias de limpeza partiam do espaço urbano para a casa e desta para o
corpo, para o vestuário e para os costumes. Por outro lado, a canalização da água em Araxá ou
a captação das suas fontes medicinais, conforme demonstrado anteriormente, confrontara-se
com a exigência de investimentos financeiros e de talentos pessoais para mediar interesses
conflitantes. Muitas vezes, os custos que os supracitados melhoramentos implicariam
direcionavam o foco para outros projetos construtivos, se não frívolos, porém de maior
visibilidade, como balneários e hotéis outrora idealizados.527
Visando aliviar as tensões diárias da cidade, a expansão dos cuidados físicos incluiu
o uso corporal das águas para o seu melhor aproveitamento nas esferas do trabalho e do lazer;
daí o objetivo de unir o vigor do organismo à produtividade e ao bem-estar. Todavia, os
procedimentos a serem seguidos variavam entre as diferenças de gêneros e de identidades.
Entre as necessidades tidas como tais, o Balneário idealizado para Araxá deveria contar, além
das seções diferenciadas para os sexos masculino e feminino que haviam sido asseguradas nos
processos constantes de reforma e ampliação da Casa de Banhos, com instalações apropriadas
ao tratamento das “doenças de mulher”.528
A esta probabilidade transferiam-se, em grande medida, o êxito e a diferenciação de
Araxá: “[...] Só esta parte de ser este o unico estabelecimento balneario no genero, garantiria
uma frequencia annual de elevadissimo numero de veranistas e teria a capacidade desta
secção sempre super-lotada”.529 Embora ao homem estivesse destinado o espaço produtivo da
cidade e à mulher as funções tradicionalmente derivadas da família e da maternidade, os dias
experimentados na estação de águas possibilitavam a aplicação daquelas idéias de higiene,
seguidas das referentes ao embelezamento, de modos bem particularizados.530
525
MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel (Orgs.). Op. cit. p.125 e 126. Por meio da categoria
“mulheres” é possível historicizá-las mediante a expressão de suas necessidades, interesses e perfis. BURKE,
Peter (Org.). Op. cit. p.63-95.
526
THOMPSON, E. P. Op. cit. p.297.
527
Sobre a limpeza enquanto significado moral, ver: VIGARELLO, Georges. “O trabalho dos corpos e do
espaço.” In: PROJETO HISTÓRIA. Tradução de Yara Aun Khoury. São Paulo: EDUC, n.3, jun. 1996(b). p.13-
20.
528
Entendia-se por “doenças de mulher” todas as enfermidades relacionadas aos órgãos de reprodução. MATOS,
Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel (Orgs.). Op. cit. p.19.
529
SILVA, Sebastião de Affonseca. Ligeiros commentarios sobre a localização do novo estabelecimento
balneario de Araxá. Abril de 1936. p.4. Arquivo 00046/ ABPH-01/ FCCB.
530
MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel (Orgs.). Op. cit. p.23, 125 e 126. VIGARELLO, Georges.
História da beleza. Tradução de Léo Schlafman. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006. p.145-155.
189
531
VIGARELLO, Georges. Op. cit., 1996(a). p.126-127.
532
SENNET, Richard. Op. cit. p.122-124.
533
Depoimento de Yolanda Colombo concedido à autora em 04/05/2004, Araxá.
534
Na linguagem cotidiana e quase sempre constatada na documentação pesquisada, os termos “Casa de Banhos”
e “Balneário” foram utilizados para designar o estabelecimento onde se tomavam os banhos. No momento
seguinte, a partir dos anos 40, a alternância de nomes ocorreria com as expressões “Balneário” e, principalmente,
“Termas”, conforme o hábito romano de indicar o lugar público destinado aos banhos para uso das águas
medicinais. A respeito da aplicação do nome “Therma” ou “Termas”, ver: SENNET, Richard. Op. cit. p.122-
123.
535
Expressão conforme sugere a análise de: CORBIN, Alain. Op. cit. p.273.
190
doses de água radioativa e sulfurosa intervaladas em uma hora. Ao final da tarde, a última
dose de água sulfurosa ingerida encerrava o ciclo. Estava, assim, concluído o ritual diário das
águas segundo as práticas definidas no Hotel Colombo do Barreiro. Havia, contudo, a
prescrição médica divulgada amplamente e, por vezes, associada às informações orais para
depois serem impressas nos mesmos guias e almanaques que as publicizavam:
[...] Os banhos de aguas das fontes custam dois mil e tanto; os de lama
custam dez mil réis. O banho medicinal, a partir de 36º precisa de
prescripção medica; o de asseio, abaixo dessa temperatura, não
precisa. Dura dez a quinze minutos. Diz o povo que para fazerem
effeito, devem ser seguidos. Perdendo-se um, cumpre recomeçar.
Nada menos real; o que é preciso é um determinado numero de
banhos, seguidos ou não. Passando-se a agua pela cabeça, desprende-
se uma espuma como a do sabão; diz o povo que isto é signal de saude
e que, quando não sae espuma, a pessoa está para morrer. O uso da
agua na cabeça torna castanhos claros os cabellos, mas depois a côr
natural volta. [...]536
536
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.51.
537
Ibidem. p.51.
538
Ibidem. p.57.
539
WEBER, Eugen. Op. cit. p.218.
540
THOMPSON, E. P. Op. cit. p.19.
191
revelar a manifestação das experiências obtidas por meio de outras linguagens: as relações de
pudor, de estranhamento e os sistemas de valores diante de novas descobertas.541
Os preços dos banhos de lama negra, mais elevados do que os aplicados aos das
águas da fonte, justificavam-se pela exigência de critérios médicos mais rígidos para
aproveitá-los. Eram definidos também de acordo com procedimentos práticos e com o tempo
neles consumido, pois, de fato, apresentavam-se mais duradouros.542 As belas e amplas
banheiras alemãs com as quais se equipavam as cabines da Casa de Banhos davam guarida,
por vezes, a outras experiências que não as previamente indicadas de cura, de relaxamento ou
de embelezamento. De todo modo, abriam possibilidades para o registro de sensações
diversas da materialidade exposta, além dos odores da água ou da temperatura e da acústica
do ambiente.543 Não raro, quando mãe e filha compartilhavam cabine e banheira únicas, a
menina geralmente vestia-se em outro cômodo, distante do adulto, que também se vestia
sozinho. O contato corporal contraía-se em importância diante da nitidez dos corpos. No que
se referia a esta, as noções de pudor presentes nas relações pessoais tornavam-se aqui mais
visíveis. A água turva e espumante permitia um tipo de ocultamento em meio ao isolamento
proporcionado pela banheira.544
Nesse sentido, revela-se oportuno pensar, mais uma vez, no isolamento como
contraponto da socialização. O primeiro aspecto podia ser sentido nas cabines de banhos em
particular, mas também na estância hidromineral como um todo se vista enquanto lugar
distante da cidade onde se vive o dia-a-dia. O segundo – o da socialização –, por sua vez,
refletia-se nas possibilidades de convivência nos jardins, nas fontes ou nos recintos comuns
do Balneário. Refletir sobre a hidroterapia como referencial estratégico da estação projetada, a
partir das mudanças verificadas na própria concepção de cidade, sob a ótica higiênico-
sanitarista, exige pensar nos doentes e nas doentes que, de alguma forma, se isolam em busca
de cura. Contudo, mesmo isolados, não se pode pensar nos aquáticos sem os habitantes
locais.545
541
PORTER, Roy. Op. cit. p.301.
542
A proposta de sondar as representações femininas e masculinas presentes nos discursos médico-sanitaristas e
na ação da medicina inseridos na urbanização e desta em São Paulo pode ser encontrada em: MATOS, Maria
Izilda Santos de; SOIHET, Rachel (Orgs.). Op. cit. p.107-127.
543
CORBIN, Alain. Sabores e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos XVIII e XIX. Tradução de
Ligia Watanabe. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.9-15.
544
VIGARELLO, Georges. Op. cit., 1996(a). p.137-139. SENNET, Richard. O declínio do homem público: as
tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das Letras, 1988. p.210. Depoimento de Yolanda Colombo
concedido à autora em 04/05/2004, Araxá.
545
Sobre o contágio como sinal de impotência diante das carências do corpo, das condições de vida e das suas
implicações e representações nas transformações da paisagem urbana e dos corpos, propriamente, ver:
VIGARELLO, Georges. Op. cit., 1996(b). p.7-20. Sobre contágio, consultar: VIGARELLO, Georges. “Inocular
192
Nos anos 20 permanecera em Araxá, por mais de um ano, Cristina, jovem carioca
que chegou para uma temporada na estação de águas depois de ter vivido na Europa.546 Seus
pais enviaram-na acompanhada por Josefine, uma dama francesa que deveria zelar por ela até
que se recuperasse da morte do namorado, “jovem oficial francês”. Cristina hospedou-se a
princípio no Hotel do Comércio, de Dona Bárbara de Pinho, localizado no centro da cidade,
mais especificamente na antiga rua do Comércio. Em Araxá, as duas aquáticas contavam com
a proteção dos Drs. João Jacques e Heitor Montandon, respectivamente farmacêutico e
médico, velhos conhecidos dos pais de Cristina. Posteriormente, ambas ficaram hospedadas
na residência de Alice e Theóphilo Ferreira dos Santos.
para proteger: a inoculação da varíola e a imagem do corpo”. In: PROJETO HISTÓRIA. Corpo e cultura. São
Paulo: EDUC, n.25, dez. 2002. p.13-22.
546
TEIXEIRA, Maria Santos. “Cristina”. In: O ROUXINOL. Araxá: Gráfica Santa Adélia, 1991. p.105-111.
547
Cristina, no Barreiro, ao lado de Iveta, filha do casal que a hospedou em Araxá. TEIXEIRA, Maria Santos.
Op. cit. p.108.
193
548
Especialmente durante as temporadas, a cidade-balneário colocava-se diante da possibilidade de “descobrir”
as pessoas a partir da aparência. Roupas, cores e acessórios apresentavam-se como indicadores do perfil daqueles
que os usavam; e a leitura ou não deles enquanto sinais estão em: SENNET, Richard. Op. cit., 1988. p.203-211.
A estética legitimada por meio da “atração e do gosto” e expressa na gestualidade e na oralidade define o que
vem a ser a história social da beleza. VIGARELLO, Georges. Op. cit., 2006. p.10.
549
A propósito do cotidiano vivido por Cristina tanto na cidade quanto no Balneário, dele fez parte o convívio
com o Dr. Plácido Barbosa, médico da Fundação Rockfeller em temporada de estudos no Barreiro, em especial
dedicados ao combate à febre amarela. Os dois visitantes mantiveram contatos entre si, bem como promoveram
elos com diversas pessoas da comunidade, com as quais um e outro também conviveram. TEIXEIRA, Maria
Santos. Op. cit. p.105-111.
550
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Op. cit., 1995. p.253.
551
SENNET, Richard. Op. cit., 1988. p.211.
194
552
Uma série de fatores são apontados na associação de uma estação balneária a um lugar de “excessiva
feminidade”, que vão desde a constituição orgânica à construção do imaginário femininos. CORBIN, Alain. Op.
cit. p.272 e 273.
553
MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel (Orgs.). Op. cit. p.23.
554
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. Op. cit., 1995. p.253.
555
Vigarello afirma que esta associação – estética e trabalho – não se mostrava ainda suficientemente clara às
mulheres. VIGARELLO, Georges. Op. cit., 2006. p.164 e 266.
195
[...] tem fama de tirar manchas da pelle, de modo que as moças untam
com ella o rosto e depois de uns quinze minutos, quando a lama fica
secca, tiram-na com agua. Parece que a lama de facto tira as manchas
por que queima a epiderme e provoca a formação de novas camadas.
Pelo cheiro parece que é de formação organica; dizem que são de
detrictos de uma alga que nasce á beira das fontes [...].556
Referindo-se à atenção das moças, em especial, para com o rosto, e ainda que
direcionado à divulgação do produto, o almanaque expressava os sentimentos e os desejos que
muitas delas compartilhavam, entre os quais as aspirações de conhecer, “trabalhar” e zelar
pela aparência, a partir do domínio dos segredos do corpo.557 Não apenas a lama poderia ser
usada para trazer efeitos positivos à pele. As águas também davam brilho e viscosidade aos
cabelos e traziam benefícios nos cuidados com os dentes.558
A evidência do corpo feminino, disseminada no campo do trabalho do médico, do
administrador público, do negociante, do industrial e do publicitário, associou a sua imagem
às mais diferentes formas de anunciá-lo. Em determinadas situações – afora as visíveis nos
discursos oriundos daquelas esferas profissionais –, o objeto a ser mostrado podia atingir
outros olhares, pensamentos e atitudes: de um lado, os dos poetas e, de outro, os das próprias
mulheres.559
“As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam.
[...] Eu só quero as três mulheres do sabonete Araxá: o meu reino pelas três mulheres do
sabonete Araxá!”560 O cartaz exposto num bar de Teresópolis, Rio de Janeiro, inspirou
Manuel Bandeira, naqueles anos 30.
556
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.51.
557
MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET, Rachel (Orgs.). Op. cit. p.23.
558
CARVALHO, Horacio (Org.). Op. cit. p.54.
559
PERROT, Michelle. “Os silêncios do corpo da mulher.” In: MATOS, Maria Izilda Santos de; SOIHET,
Rachel (Orgs.). Op. cit. p.13-27.
560
Poema “Balada das três mulheres do sabonete Araxá”, de Manuel Bandeira, publicado no livro Estrela da
Manhã, 1936. REVISTA EU SEI TUDO. Rio de Janeiro, dez. 1936, abr./maio 1937. Arquivo do IEB/ São
Paulo. Este livro foi publicado graças ao papel doado por Luís Camilo de Oliveira Neto e impressão financiada
por subscritores. Disponível em < http://www.releituras.com/mbandeira_bio.asp>. Acesso em 20 jan. de 2007.
196
Dos produtos em si, passando pela embalagem que os contém, até chegar às imagens
por meio das quais se expõem o objeto e o invólucro, o material apresentava-se para fins de
divulgação. A associação da higiene à estética enquanto forma de expressão do social chegara
561
“As três mulheres do Sabonete Araxá”, divulgando o produto e seus benefícios, representadas por modelos
femininos expostos no cartaz que inspirou o poeta. REVISTA EU SEI TUDO. Rio de Janeiro, dez. 1936,
abr./maio 1937. Arquivo do IEB/ São Paulo.
197
a Araxá também com a sinalização da possibilidade do uso industrial das águas, dos sais
minerais e da lama termal na fabricação de sabonetes.562
O caso particular da uma primeira experiência produtiva nesse ramo – Fábrica de
Sabonetes Finos Medicinais, de F. C. Epiphânio – não apenas inovou como também
estimulou uma série de outras experiências dele derivadas. A começar pelas bulas, que,
atestadas por médicos locais, indicavam a forma de uso. (Ver capítulo 2, item 2.4). A
divulgação de um produto cosmético e simultaneamente revelador de aparência renovada
chegou à capital mineira. Vendidos o direito e as condições de produção do Sabonete Araxá à
“Perfumaria Marçolla”, de Belo Horizonte, a inovação no mercado estimulou o uso do recurso
da publicidade.563 A execução de um cartaz anunciando o sabonete e, para isso, recorrendo à
imagem feminina em três versões distintas, expunha o sabonete fora e dentro da embalagem.
Nesta havia a indicação da eficiência do produto com a frase: “magnifico para conservar e
restituir o assetinado da pelle principalmente das crianças”, reforçava o poder de persuasão
nele inserido e diretamente vinculado à condição da maternidade.564
As mulheres do cartaz anunciavam um “produto da Sciência a serviço da Belleza”,
indicado inclusive às crianças. As “três mulheres” são, a rigor, um perfil desenhado com a
respectiva assinatura do autor, um rosto fotografado destacando a pele feminina e, por inteiro,
um corpo desnudo, de costas e recoberto por uma toalha, registrando o momento de
preparação ao banho e ao uso do produto. Duas delas, as primeiras, mostravam a embalagem
sob dois ângulos diferentes. Embora não seja possível visualizá-la com nitidez, trazia as
imagens dos projetos do Grande Hotel, das Termas e da lagoa, com a indicação de que o
produto era fabricado com a lama de Araxá e dosado pelo Dr. Antônio Aleixo, especialista em
doenças de pele. A terceira mulher, identificada por Manuel Bandeira como “a mais nua”,
tinha sua imagem associada à do sabonete desembalado e nele registrada a marca Araxá.565
O nome de Araxá, as águas, a lama e as derivações deles em forma de cosméticos
disponíveis na estância informavam, por intermédio da propaganda enquanto representação do
real, as vantagens advindas do uso de tais elementos. Para comprovar a eficácia dos produtos
nada melhor do que associá-los – como o fez o cartaz das “três mulheres” – a outros signos
representativos do universo estético, como a feminilidade, a sexualidade, a presença e a
562
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. “Entre a pele e a paisagem.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo:
EDUC, n.23, nov. 2001. p.193-207.
563
O uso do material impresso – especificamente, o cartaz – como forma de alcançar o leitor urbano, para nele
orientar práticas e estimulá-lo, é analisado por Chartier em: CHARTIER, Roger. Op. cit., 2004. p.222-232.
564
Sobre as relações que envolvem a mulher e a maternidade, ver: MORAES, Mirtes de. Tramas de um destino:
maternidade e aleitamento. Dissertação (Doutorado em História Social), PUC-SP, São Paulo, 2005.
565
REVISTA EU SEI TUDO. Rio de Janeiro, dez. 1936, abr./maio 1937. Arquivo do IEB/ São Paulo.
198
566
VIGARELLO, Georges. Op. cit., 2006. p.9-11.
567
SILVA, Sebastião de Affonseca. Ligeiros commentarios sobre a localização do novo estabelecimento
balneario de Araxá. Abril de 1936. p.4. Arquivo 00046/ ABPH-01/ FCCB.
568
SOUZA, Gilda de Mello e. Op. cit. p.157-159. LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu
destino nas sociedades modernas. Tradução de Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.
p.34-38; 159-183.
199
“Os lugares são histórias fragmentárias e isoladas em si, dos passados roubados à
legibilidade por outro, tempos empilhados que podem se desdobrar mas que estão ali antes
como histórias à espera e permanecem no estado de quebra-cabeças, enigmas, enfim
simbolizações enquistadas na dor ou no prazer do corpo.”
(Michel de Certeau)
201
569
MANGUEL, Alberto. Lendo imagens: uma história de amor e ódio. Tradução de Rubens Figueiredo, Rosana
Eichemberg e Cláudia Strauch. São Paulo: Companhia das Letras, 2001. p.27.
202
570
O sentido da comemoração enquanto meio de construir uma identidade para, então, poder protegê-la conduz
aos revisionismos, fazendo emergir a memória tanto quanto o esquecimento. Ver: HUYSSEN, Andreas.
Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000. p.9-41.
571
A OPINIÃO. Araxá, s/n., 07/01/1933, p.11-15. Arquivo FCCB.
203
de outra capital, a da República. De todo modo, a consonância das falas legitimadoras das
decisões que desejaram transformar Araxá seria materializada no sentido de expurgar a crise
vivida nas estâncias, entre as quais excetuava-se a de Poços de Caldas.
As viagens de trem partindo de Belo Horizonte deveriam ser substituídas por outras
em melhores condições. Os diversos pontos destinados ao jogo poderiam unificar-se em um
cassino. Subtende-se que neste aspecto devessem ser reunidos num só local, tal qual aquele
que havia sido criado naquela citada estância caldense. A defesa da existência de um “hotel de
conforto” revelava-se necessária tanto quanto urgente sem que se ocupasse dos símbolos e
códigos representativos das elites. Nesta mesma perspectiva, um novo Balneário poderia dotar
o conjunto termal de ambientes adequados aos rituais dos banhos, não impedindo, ainda que
veladamente, sua acessibilidade a uma extensa “clientela”. A alternativa para uma dupla
proposição – um Balneário novo desprovido de luxo excessivo e outro de aparência
simplificada –, igualmente defendida pelo prefeito, seria assegurada com a preservação do
Balneário já existente. Aquele mesmo construído e ampliado sucessivas vezes pela iniciativa
privada após 1912.
O projeto implantado a partir dos anos 30 superaria as previsões gerais,
especialmente as mais promissoras, mesmo que naqueles instantes a fala representativa de
muitos e oriunda da intelectualidade – a do prefeito – estivesse submetida às especificidades
do cargo e, portanto, reservasse para si uma espécie de entonação oficializada.572 Se 1933
representou para o país o início propriamente dito do governo pós-Revolução de 30, para
Araxá, que se acostumara a acompanhar o ritmo da alternância de poderes, sob a perspectiva
de uma estação de águas à margem das decisões políticas do Estado, o marco temporal
sinalizou igualmente para novas e possíveis mudanças.
572
SARLO, Beatriz. Paisagens imaginárias: intelectuais, arte e meios de comunicação. São Paulo: Universidade
de São Paulo, 1997. (Ensaios latino-americanos 2). p.53-63.
204
573
A primeira comissão foi composta pelos Drs. Milton Campos (como advogado-geral do estado), Antônio
Martins Villas Boas (ex-prefeito, agora procurador) e Fausto Alvim (advogado e prefeito de Araxá nomeado
pelo interventor federal em Minas Gerais, Dr. Benedicto Valladares). Da segunda, essencialmente técnica,
faziam parte os Drs. José Ferreira Andrade Júnior, Lincoln Continentino, Fábio Vieira Marques e José Carvalho
Lopes, a quem cabia projetar a reforma, na expressão de alguns ou como preferiam eles, os executores, a
construção da estância.
574
A OPINIÃO. Araxá, n.14, 17/04/1932, p.2. Arquivo FCCB.
575
LEPETIT, Bernard; SALGUEIRO, Heliana Angotti (Org.). Por uma nova história urbana. Tradução de Cely
Arena. São Paulo: EDUSP, 2002. p.137-150.
576
Segundo a documentação pesquisada, particularmente no que se refere à oralidade, a convivência com o
administrador público até então desconhecido, durante uma década de visíveis transformações, e que depois
partiu deixando amigos, correligionários e compadres, configurou forte vínculos ainda hoje manifestos nas falas
e nos sentimentos expressos de contemporâneos seus. Sobre a história oral, apóio-me, aqui, especialmente em:
PORTELLI, Alessandro. “Forma e significado na História Oral: a pesquisa como um experimento em
igualdade.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.14, fev. 1997. p.7-24; PORTELLI, Alessandro. “O
que faz a história oral diferente.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.14, fev. 1997. p.25-39.
577
REVISTA “MINAS ECONOMICA”. Belo Horizonte, 1933, p.4. Arquivo 0080/ ADPH-15/ FCCB.
578
O Estádio Municipal, construído na segunda metade da sua administração, quase duas décadas depois passou
a chamar-se Estádio Municipal Fausto Alvim.
205
579
Inauguração oficial do Estádio Municipal com as presenças, entre outros, do presidente da República e do
governador de Minas Gerais. 1940. Fonte Iconográfica; fundo: Agência Nacional; EH/ COC-P/ 437.18. Arquivo
Nacional.
580
Para José Murilo de Carvalho, o Brasil vivera semelhante agitação apenas nos primeiros anos da República e,
bem antes desses, na fase regencial do Império, entre 1822 e 1831. Ainda assim, o autor considera superior o
período varguista neste aspecto por ter envolvido diversos estados da federação e grupos sociais (estes, formados
por operários, classe média, militares, oligarquias e industriais) e por ter alcançado um grau de organização a
ponto de criar movimentos políticos nacionais e de viabilizar os sindicatos, as associações de classe e os partidos
políticos. CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: o longo caminho. São Paulo: Record, 2001. p.97.
581
D’ALESSIO, Márcia Mansor. “Estado-nação e construções identitárias: uma leitura do período Vargas.” In:
BREPOHL, Marion; BRESCIANI, Maria Stella; SEIXAS, Jacy A. (Orgs.) Razão e paixão na política. Brasília:
Universidade de Brasília, 2002. p.159-180.
206
582
Ibidem; PARANHOS, Adalberto. O roubo da fala. São Paulo: Bomtempo, 2000. p.15-39.
583
CARVALHO, José Murilo de. Op. cit. p.97-127.
584
LENHARO, Alcyr. A sacralização da política. Campinas: Papirus: 1986. p.21-34.
585
MARRAS, Stelio. A propósito de águas virtuosas: formação e ocorrências de uma estação balneária no
Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2004. p.63.
586
Visita do presidente Antônio Carlos a Araxá. Arquivo Fotográfico/ 00683/ FCCB; VALLADARES,
Benedicto. Tempos idos e vividos: memórias. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. p.265-267.
207
587
Rompendo o aludido pacto com São Paulo, após ter sido preterido o nome de Antônio Carlos para a
presidência em favor do paulista Júlio Prestes e de ter reduzida sua representatividade no legislativo em função
da proporcionalidade das cadeiras em relação ao número populacional, Minas Gerais formou com o Rio Grande
do Sul e a Paraíba a Aliança Liberal. Estava lançado o nome de Getúlio Vargas às eleições presidenciais de
1930. Inicialmente derrotados, dentro de um quadro marcado por denúncias de fraudes e pelo assassinato do
paraibano João Pessoa, mineiros e gaúchos uniram-se para assegurarem a posse de Vargas, empreendendo uma
luta armada: a Revolução de 1930. É rica e extensa a produção sobre esse tema dentro da historiografia
brasileira, tendo baseado-me especialmente em: WIRTH, John. “Minas e a Nação: um estudo de poder e
dependência regional 1889-1937.” In: FAUSTO, Boris (Org.). História Geral da Civilização Brasileira. 3ª.ed.,
Tomo III (O Brasil Republicano), vol.1 (Estrutura de poder e economia – 1889/1930). São Paulo: DIFEL/ USP,
1982. p.76-99.
588
Depoimento de Hélio Augusto Borges concedido à autora em setembro de 2006, Araxá.
589
GOMES, Angela de Castro. “A política brasileira em busca da modernidade: na fronteira entre o público e o
privado.” In: NOVAIS, Fernando A. (Coordenador-geral da coleção); SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.) História
da vida privada no Brasil: Contrastes da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
(História da vida privada no Brasil; 4). p.489-559; CAMPOS, Helena Guimarães. História de Minas Gerais.
Belo Horizonte: Lê, 2005. p.155-156.
208
590
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 7ª.ed.
Tradução de Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1994. p.224; CAMPOS, Helena Guimarães. Op. cit.
p.155.
591
BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. 2ª.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. p.347-375. Bosi
contribui para a análise em múltiplos tempos dessa expressão dos anos 30, ainda usada em determinadas
gerações. Para ele, há dois eixos e quatro pontos por meio dos quais se delineia a teoria da cultura brasileira:
erudita, popular, criadora e de massas. Esta última externa o âmbito da universidade, mas na interface com as
demais. A circularidade entre estes elementos, no caso, partindo da classe política para o gosto popular,
selecionou de forma criadora a expressão conduzindo-a de um para outro vetor, sedimentando assim o seu uso
pelos mineiros. Ver ainda: GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p.171-179.
592
Na imbricada trama de relações do presidente com seus pares mineiros e gaúchos a nomeação de Capanema
ou a de Mello Franco provocaria tensões de um ou de outro lado. Procedendo ao cruzamento do Diário de
Getúlio com as memórias do ex-governador Valladares pode-se observar que as versões registradas por ambos
sobre o episódio são coincidentes no seu escopo, sendo que, em certos aspectos, tornam-se complementares.
VARGAS, Getúlio. Getúlio Vargas: Diário. Vol.1. Apresentação de Celina Vargas do Amaral Peixoto. Edição
de Leda Soares. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995. p.243-252.;
VALLADARES, Benedicto. Op. cit. p.81-87.
593
As análises das fontes auto-referenciais ou da escrita de si como diários e autobiografias estão fundamentadas
nos pressupostos teórico-metodológicos enquanto registro e forma de expressão dos autores-personagens,
levando-se em conta fatores como o da “ilusão biográfica” (implicando em linearidade e coerência), o da
“intencionalidade” e o do “distanciamento” entre quem escreve ou edita e o próprio sujeito que é narrado. As
análises, portanto, sustentam-se no entendimento destes suportes como produtos de uma narrativa. Para isso,
apoiei-me especialmente em: GOMES, Angela de Castro (Org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004. p.7-24. Ver também: BÉDARIDA, François. “As responsabilidades do
historiador expert.” In: BOUTIER, Jean; JULIA, Dominique (Orgs.). Passados recompostos: campos e canteiros
da história. Tradução de Marcella Mortara e Annamaria Skinner. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, Editora FGV,
1998. p.145-153.
594
VALLADARES, Benedicto. Op. cit. p.121-129.
209
depois de empreender uma excursão pelo Estado, durante a qual percorreu diversos
municípios. Afinal, fora essa experiência pessoal, de político municipalista, um dos fatores
determinantes que o fizeram conquistar a preferência do presidente, tornar duradoura a
relação entre os dois e mediar com denotada proximidade os desejos manifestos e os conflitos
vividos entre os governos estadual e federal.595
Araxá recebeu em 1934 a comitiva de Benedicto Valladares, cujos fins de
observação e de estudo sobre uma possível vitória eleitoral vieram de encontro à expectativa
da população. Pela primeira vez Valladares visitou a cidade e se disse “maravilhado com as
águas termais de Araxá e encantado com a história de Dona Beja [...]”.596 No entanto, não era
apenas o prestígio político do então provável candidato que deveria ser verificado pelo grupo
que excursionava pelo Triângulo Mineiro (incluindo Uberaba, Uberlândia e Araguari), do
qual Araxá ainda fazia parte. É certo que o futuro governador pôde provar da receptividade
favorável organizada pelo prefeito Fausto Alvim e autoridades municipais, ainda mais se
comparada à freqüente manifestação de descrença local nos governos. Mas é certo também
que ele e sua equipe ouviram, observaram e certificaram-se da viabilidade de investir na
cidade que aguardava por isso há pelo menos quatro décadas.
O território natural do Barreiro mostrava-se, mais uma vez, à espera dos atos que
iriam alterá-lo culturalmente. Sob o ponto de vista dos visitantes, eventuais promotores de
uma transformação proporcional à natureza posta, seria aquela, inclusive, uma oportunidade
de corrigir o que de frágil ou negativo lhes tivesse apresentado o empreendimento estadual em
Poços de Caldas, inaugurado quatro anos antes. A tomada de decisão mereceu ser narrada e
fixada nos registros de memória de Benedicto Valladares. Na dimensão subjetiva do texto
reside a sua legitimidade; tal texto, como se poderia esperar, agrega nota de aprovação por
parte dos moradores de Araxá quando comunicados daquele propósito.597
595
VARGAS, Getúlio. Op. cit. p.243.
596
A visita fez-se acompanhar dos assessores do governo mineiro: Juscelino Kubitschek (chefe de gabinete),
Mário Matos (diretor da Imprensa Oficial), Noraldino de Lima (secretário de Educação e Saúde Pública) e Israel
Pinheiro (secretário de Agricultura, Comércio e Trabalho). VALLADARES, Benedicto. Op. cit. p.125-126;
MONTEIRO, Norma de Góis (coord.). Dicionário Biográfico de Minas Gerais – período republicano – 1889-
1991. Vols.1 e 2. Belo Horizonte: Assembléia Legislativa do Estado de Minas Gerais, 1994. p.349-350; 404;
476-485 e 641-645. Dona Beija ou Dona Beja, apelido de Ana Jacintha de São José (1800-1873), viveu em
Araxá, onde a vida da personagem relacionada ao social está incorporada à cultura e às memórias locais. LIMA,
Glaura Teixeira Nogueira. Das águas passadas à terra do sol: ensaio sobre a história de Araxá. Belo Horizonte:
BDMG Cultural, 1999. p.68-71.
597
GOMES, Angela de Castro (Org.). Op. cit., 2004. p.14-15.
210
598
VALLADARES, Benedicto. Op. cit. p.126.
599
A vitória do Getulismo em 1934 significou o ingresso de Benedicto Valladares no Palácio da Liberdade, sede
do governo mineiro, levando consigo um secretariado composto por “correntes políticas conciliadas”, como o
próprio governador definiu, justificando a formação da nova equipe, da qual participavam pessoas de alguma
forma ligadas a Araxá.
600
O secretário, futuramente deputado e ministro de Estado, casar-se-ia com Júlia Santos, filha de Armando
Santos, membro histórico do PRM e do PSD de Araxá. O CRUZEIRO. Rio de Janeiro, n.28, 26/04/1952, p.32-
35. Arquivo FCCB.
601
D’ALESSIO, Márcia Mansor. Op. cit. p.159-180.
211
602
BURKE, Peter. História e teoria social. Tradução de Klauss Brandini Gerhardt, Roneide Venâncio Majer.
São Paulo: UNESP, 2002. p.83-93; 108-113.
603
PARANHOS, Adalberto. Op. cit. p.81-108.
604
LE GOFF, Jacques. História e memória. Vol.2. Campinas: Unicamp, 1992. p.9-59.
212
605
ARRUDA, Maria A. do Nascimento. Mitologia da mineiridade. São Paulo: Brasiliense, 1990. p.197-255.
606
Radiograma entre o secretário de Viação e Obras Públicas, Dr. Lincoln Continentino, em Belo Horizonte, e o
Dr. Andrade Júnior, em Araxá, 29/12/1937, n.188. Arquivo Público Mineiro.
607
Radiogramas enviados por Signorelli à Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, em
13/02/1939, n.107 e 11/04/1939, n.67. Arquivo Público Mineiro.
213
O problema das vias de acesso era debatido com intensidade nos gabinetes oficiais.
O esforço para solucioná-lo ou amenizá-lo revelava o grau de prioridade do Barreiro de Araxá
para Minas Gerais como um todo. Afinal, como confirmou o próprio governador, investiam-
se “dezenas de milhões de cruzeiros”608 na grande obra que deveria assegurar o seu máximo
aproveitamento. A proposta de interiorizar e de buscar alternativas econômicas para o país
beneficiou não só Araxá, mas também o seu entorno. O acesso à cidade exigiu construção,
conservação e reparos de estradas e pontes ligando as fontes do Barreiro aos distritos
municipais e aos pequenos e grandes centros urbanos, próximos ou mais distantes. Os atos
governamentais nas esferas federal, estadual e municipal estiveram direcionados ao Complexo
Turístico que se implantava. Nem mesmo a natural limitação de recursos financeiros ou a
excessiva burocracia nas decisões pareceu denotar empecilho a ponto de causar uma eventual
paralisação. Por vários momentos houve demonstração disso, como é possível notar nas
correspondências do período mantidas diariamente entre Araxá e Belo Horizonte.609
Tudo parecia ter um único fim: o novo projeto da estância hidromineral do Barreiro.
Ali ou na cidade usavam-se os equipamentos e disponibilizava-se o trabalho de uma variedade
de profissionais, quer fossem do estado ou do município. Ainda no início da obra, as equipes
projetavam a construção do campo de aviação do Barreiro, localizado próximo ao futuro
Complexo, com três pistas. O ritmo lento desses trabalhos, se comparado às exigências que se
faziam, justificado por fragilidades no aparato financeiro, fez com que o antigo campo de
pouso da cidade continuasse em uso provisoriamente.610 A nova pista, medindo 840 metros
por 80 metros, foi considerada adequada à aterrissagem em abril de 1938, embora naquela
data aguardasse a presença de um técnico da aviação civil ou militar para examinar as suas
condições. Três meses depois, no campo de aviação do Barreiro pousou um “possante avião
608
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.27, out./dez. 1998, p.11-12. Arquivo FCCB; Recorte do jornal FOLHA
DE MINAS. Belo Horizonte, 09/03/1944, p.5. Arquivo FCCB.
609
Série de radiogramas mantidos entre os órgãos oficiais do governo de Minas Gerais, ligados à administração
do então Complexo Termal em construção, no período compreendido entre 1936 e 1944. Fundo da Secretaria da
Viação e Obras Públicas. Arquivo Público Mineiro.
610
No mesmo período, a Prefeitura de Araxá chegou a ser consultada pela VASP acerca da possibilidade de ser
construído um campo apropriado para pouso de aviões comerciais. Em resposta, o prefeito disponibilizou o
campo existente – onde desciam vários aviões do Exército – para ser adaptado a estas necessidades. 02/02/1938.
Correspondência do Diretor da Divisão de Turismo do DIP, Assis de Figueiredo, ao prefeito Fausto Alvim.
Arquivo 00015/ EC/ FCCB.
214
de São Paulo com toda segurança” e, ao final do mesmo ano, um avião da Panair encheu de
orgulho os profissionais envolvidos no projeto quando ali aterrissou em “ótimas condições”.
Depois disso, o aeroporto seria empreitado pelo engenheiro Arsênio Garson.611 Os serviços do
campo de aviação realizavam-se simultaneamente aos de terraplenagem da avenida do
Contorno.
Essa avenida, identificada por vezes como “Avenida do Barreiro”, margeou o novo
espaço delimitado para compor a estância na sua versão finalizada nos anos 40. Sua abertura
logo de início fora inteiramente manual. Utilizando pás e picaretas, os trabalhadores
removeram a terra, transportada, em seguida, em couro de boi e puxada por filas e mais filas
de burros. Fatores como estes indicam a rusticidade das condições de trabalho se comparadas
à monumentalidade da obra. Toda extensão frontal do Grande Hotel e das Termas exigiu
escavação, terraplenagem e pavimentação em concreto, igualmente executadas à mão.
Engenheiros e técnicos percorriam as obras a cavalo e tinham à sua disposição uma tropa de
animais, mantidos a postos no espaço em frente ao Balneário em construção.612
O campo de aviação e a Avenida do Barreiro estiveram sob a supervisão de
Agostinho Carlos Catella, italiano de nascimento, engenheiro mecânico vinculado ao Estado e
à Prefeitura de Araxá.613 Mas ele partia também para outras localidades, como Patos de
Minas, Patrocínio, Monte Carmelo, Carmo do Paranaíba e Bambuí, nas quais examinava
obras estatais em andamento. A estrada Araxá-Catiara fora um caminho aberto com a
intenção de aproximar a capital Belo Horizonte. Em 1938 o prefeito de Araxá recebeu recurso
para investir na estrada, advindo da venda do antigo prédio do Cine-Teatro Glória para o
Clube Brasil. Este espaço sócio-cultural, construído havia quase uma década, pertencia ao
Estado, que o adquirira da iniciativa privada poucos anos antes.614
611
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.26, maio/set. 1998. p.3. Arquivo FCCB.
612
Depoimento de Svent Kierulf concedido à autora em maio de 2003, Belo Horizonte.
613
Manuscrito, por Severino José Catella. Belo Horizonte, jan. 2007. 2p. (Coleção particular, transcrito por
Ahilton Guimarães).
614
Radiograma enviado ao prefeito Fausto Alvim pela Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de
Minas Gerais, em 21/11/1938, n.1903. Arquivo Público Mineiro; O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.27,
out./dez. 1998, p.11-12. Arquivo FCCB.
215
615
Pista de pouso e decolagem do campo de aviação do Barreiro entre os anos 30 e 40. Não foi possível
identificar o autor dessa fotografia, cedida por Severino José Catella. (Coleção particular).
616
Depoimento de Maria Abadia Machado concedido ao Projeto Viva Voz/ FCCB, 1995; Depoimentos de
Benedito Oliveira e Hélio Augusto Borges concedidos à autora em agosto e setembro de 2006, respectivamente,
Araxá.
216
617
Depoimentos de Hélio Augusto Borges e Yolanda Colombo concedidos à autora em setembro de 2006 e maio
de 2004, respectivamente, Araxá.
618
Depoimento de Maria Abadia Machado concedido ao Projeto Viva Voz/ FCCB, 1995; Depoimento de
Benedito Oliveira concedido à autora em agosto de 2006, Araxá; PROJETO HOTEL RADIO. Araxá: Fundação
Cultural Calmon Barreto, 1987. 52p.
619
O Hotel Cura e Repouso derivou, mais tarde, nos anos 1960, em outra iniciativa do governo com funções
hoteleiras: o Hotel da Previdência.
217
620
Depoimento de Arnaldo de Almeida Castro concedido à autora em outubro de 2006, Araxá.
621
CANCLINI, Néstor García. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. Tradução de
Ana Regina Lessa e Heloísa Pezza Cintrão. São Paulo: EDUSP, 1997. p.283-290; 345-350.
218
622
Ambos foram protagonistas de curas efetivadas em pacientes e autores de trabalhos científicos. (Ver Capítulo
2, item 2.1).
623
Anos depois seria inaugurada outra escola, o antigo Grupo Escolar Marquês do Paraná, na Vila Santa
Terezinha, e a rua onde funcionava a Escola da Cerâmica tornou-se, oficialmente, a rua Cerâmica.
Reminiscências de uma experiência anterior à Escola da Cerâmica pode ser vista em: ZEMA, Lourdes. Águas de
Araxá. Belo Horizonte: Tamoios Editora Gráfica Ltda., 1998. p.40.
219
ampliadas e, mais tarde, assim como outros comércios, instalar-se-ia dentro do Complexo,
mais precisamente na “Galeria do Grande Hotel”.624
No primeiro momento, o Bazar Fonseca avizinhou-se à residência do engenheiro
civil Catella e, no segundo, ao domicílio do engenheiro e hidrólogo Andrade Júnior. O caráter
de transitoriedade aplicado às suas moradias atingiu a ambos, mas não os impediu de firmar
laços de amizade com os moradores do Barreiro. Para esses, os engenheiros vizinhos deviam
receber tratamento respeitoso, sendo hierarquicamente reconhecidos como doutores. Ao Dr.
Andrade Júnior atribuía-se, ainda, mais um título, o de “professor das águas”.625 A ocupação
progressiva dos espaços próximos às fontes começara em 1890, aproximadamente, e
acelerara-se nos anos 20, mas àquela altura, após as indenizações efetivadas em 1934, a
questão envolvendo as terras privadas com ou sem títulos de posse e os investimentos
públicos permanecia como algo plasmado por forte atavismo.
Afora aquelas antes indenizadas, ao governo interessava ainda adquirir outras terras
mediante a comissão especialmente criada para esse fim em 1933. Em parte destas terras
estava assentada a fazenda dos alemães, assim chamada por tratar-se de uma área rural onde
imigrantes exploravam o minério baritina e, paralelamente, cultivavam frutas. A fazenda foi
adquirida e denominada, posteriormente, “Fazenda do Estado”, passando a integrar o
patrimônio da estância.626 Localizada entre o Complexo Termal e o campo de aviação,
dispunha da nascente de um córrego, que, unido ao córrego da Cascatinha, formaria um canal,
elemento de destaque a ser inserido no novo quadro arquitetônico e urbanístico do Barreiro.
O referido canal deveria ligar o lago superior, a partir das fachadas posteriores do
Grande Hotel do Barreiro, por via subterrânea, ao Salão de Inverno do próprio hotel, até
alcançar o lago inferior. A faixa esquerda deste canal estaria em posição paralela a um certo
trecho da avenida do Contorno, desembocando, ambas, na “futura estrada para Araxá”.627
Todavia, a construção do canal não se realizou, tampouco o lago inferior ganhou o desenho da
sua concepção original, já que sua extensão e a ampla edificação residencial nele planejada
foram alteradas.
624
No sub-solo do Grande Hotel concebeu-se, originalmente, uma galeria de lojas com fins de comercialização
de produtos turísticos, entre esses aqueles considerados característicos de Araxá.
625
Depoimento de Arnaldo de Almeida Castro concedido à autora em outubro de 2006, Araxá.
626
Ao Estado interessava adquirir essas terras não somente pelas águas, mas também pela madeira ali existente.
Radiograma enviado por Signorelli à Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, em
07/09/1939, n.35. Arquivo Público Mineiro.
627
CAPÍTULO ESPECIAL SOBRE AS ÁGUAS MINERAIS, por Sebastião de Affonseca e Silva (obra
datilografada). Araxá, 1943. p.284-317. Mais de duas décadas depois se construiu esta estrada, asfaltada, de
quatro quilômetros, com extensão inferior àquela antiga estrada Araxá-Barreiro, de 1915.
220
628
Para citar dois desses hóspedes assíduos: Alegria Elbas (Madame Alegria) e Victorio Marçolla.
629
ARAXÁ-BARREIRO. Planta do loteamento dos terrenos de propriedade do Exmo. Sr. Dr. João Jacques
Montandon. 1946. Arquivos do Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Sustentável de Araxá.
630
Disponível em <http://www.piratininga.org/estilo-missoes/estilo-missoes.htm>. Acesso em 15 dez. 2006.
631
A Escola de Arquitetura de Belo Horizonte foi, mais tarde, reunida a outras para formar a Universidade de
Minas Gerais, que, posteriormente, viria a se chamar Universidade Federal de Minas Gerais.
632
Atribui-se a Signorelli mais esta inovação: a do trabalho em equipe desenvolvido entre colegas, professores e
alunos. Entre os profissionais com os quais trabalhou está o italiano de origem Rafaello Berti. BERTI, Raffaello.
221
Projeto memória: Mário Berti (obra póstuma). Organização e texto de Maria Alice de Barros Marques Fonseca.
Belo Horizonte: Silma Mendes Berti/ AP Cultural, 2000. p.17-29.
633
Para citar algumas dessas residências indicadas pelos nomes de seus proprietários, que muitas vezes eram os
responsáveis pela iniciativa dessas construções, independentemente da condição de propriedade atual das
mesmas: Omar Dumont, Danilo Cunha, Mário Afonso, Pedro de Paula Lemos e João Alonso de Oliveira.
222
do Grande Hotel-Termas – nos quais deve-se incluir considerável parte dos pontos adjacentes
– o exemplar mais expressivo do estilo missões no país.634
“Grandiosas”, “majestosas”, “vultosas”. Adjetivos como estes caracterizavam as
obras e preconizavam o projeto em construção. O Estado registrava seu nome apenas em uma
placa indicativa de que aquele era um empreendimento da Secretaria de Viação e Obras
Públicas e de que o arquiteto Luiz Signorelli o projetara.635 Este assumira ainda a chefia da
Comissão de Obras, enquanto ao hidrólogo Dr. José Ferreira de Andrade Júnior cabia a
orientação científica dos trabalhos. A descrição da “nova estância” solenizava por si só a
dimensão física dos “dois edifícios principais ligados por ampla galeria, à margem do lindo
lago superior”.636 Os dois corpos – hotel e Balneário – unidos por um corredor ganhavam viés
majestático: o Grande Hotel, dizia-se, poderia chamar-se “Hotel Palácio” e o novo Balneário
era considerado nada menos do que um “templo” consagrado ao uso das águas curativas.
Entre lagos, jardins e belvederes, a subestação de energia recebeu a denominação de
Castelinho, em alusão ao “castelo” sugerido pelo conjunto principal reunindo Termas e Hotel.
Visões compreensíveis, uma vez que partiam das representações de modelos análogos de
castelos, quer fossem europeus ou norte-americanos.637
Mirando-se nos modelos citados durante exposições e feiras realizadas no Brasil e na
América do Sul, a maquete do Complexo Termal do Barreiro de Araxá freqüentaria pavilhões
expositores com fins de divulgação nacional. Com igual propósito, a Divisão de Turismo do
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) solicitaria dados informativos à Prefeitura
local para efeito de produção de material publicitário com vistas à expansão do turismo no
país.638 A visão de sublimidade circulava nos meios locais como formadora de opinião e
tributária do sentimento de nação em vigor:
634
Entre outros exemplares do estilo identificados em diferentes pontos do país estão construções em Belo
Horizonte e São Paulo. Nesta última, em especial no Jardim América. Disponível em
<http://www.pirapitinga.org>. Acesso em 13 dez. 2006.
635
ARAXÁ nas décadas de 30 e 40 (filme-vídeo). Acervo particular de Vitor Signorelli. Belo Horizonte, 1988.
90min, p&b, son., VHS, v.o.
636
CAPÍTULO ESPECIAL SOBRE AS ÁGUAS MINERAIS, por Sebastião de Affonseca e Silva (obra
datilografada). Araxá, 1943. p.284-317.
637
Os europeus faziam-se presentes com os traços arquitetônicos apurados, vindos da escola artística trazida pela
missão francesa ao Brasil, desde o início do século XIX, e na qual se formou o arquiteto projetista em questão.
Os norte-americanos, materializavam-se em algumas das construções provocadoras da celebração tanto quanto
do enobrecimento envergados originalmente pelo estilo: o pavilhão da Califórnia na Exposição Internacional de
Chicago, em 1893, o Castelo Hearst, da família homônima, e o Bevery Hills Hotel, três exemplares
eminentemente californianos. Disponível em <http://www.piratininga.org/estilo-missoes/estilo-missoes.htm>.
Acesso em 15 dez. 2006.
638
No mesmo ano da Exposição Internacional de Nova York, 1939, a Feira de Amostras do Rio de Janeiro,
organizada pelo DIP e posteriormente enviada a Montevidéu e Buenos Aires, abordou a posição da economia
brasileira, em escala internacional, divulgando os aspectos econômicos do país, nos quais figurou o Complexo
Termal de Araxá como um investimento em construção. Radiogramas enviados por Signorelli à Secretaria de
223
Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, em 17/11/1939, n.96. Arquivo Público Mineiro;
Correspondência do Diretor da Divisão de Turismo do DIP, Assis de Figueiredo, ao prefeito Fausto Alvim.
Arquivo 00015/ EC/ FCCB; Disponível em <http:// www.cpdpc.fgv.br/dhbb/verbetes>. Acesso em 21 fev. 2007.
639
CAPÍTULO ESPECIAL SOBRE AS ÁGUAS MINERAIS, por Sebastião de Affonseca e Silva (obra
datilografada). Araxá, 1943. p.284-317.
640
Ibidem.
224
641
Ibidem.
225
642
Depoimento de Svent Kierulf concedido à autora em maio de 2003, Belo Horizonte.
643
O pau de binga, nome popular do Jequitibá, árvore centenária da região do Barreiro, há muito tempo
conquistara importante significado cultural para a população de Araxá. Em torno de uma das espécies dessa
árvore, localizada em ponto estratégico, ligando a cidade ao Barreiro e ambos à saída para o estado de São Paulo,
obtêm-se histórias diretamente relacionadas ao passado histórico de Araxá. O encontro de caminhos fez do seu
espaço de abrangência o ponto de chegadas e de partidas. O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.30, jul. 2000, p.8.
Arquivo FCCB.
644
Radiograma enviado por Signorelli à Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, em
24/02/1940, n.170. Arquivo Público Mineiro; O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.27, out./dez 1998, p.11-12.
Arquivo FCCB.
645
Radiograma enviado por Signorelli à Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, em
02/10/1939, n.123. Arquivo Público Mineiro.
646
Radiograma enviado por Signorelli à Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, em
25/03/1940, n.228. Arquivo Público Mineiro.
226
647
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n. 27, out/dez 1998, p.11-12. Arquivo FCCB.
648
Espaço destinado à prática de esportes como parte integrante do Complexo Termal do Barreiro. Década de
40. Fotografia: Octavio Fonseca. Arquivo Fotográfico/ 166. Fundação Cultural Calmon Barreto (FCCB).
649
CINE-JORNAL BRASILEIRO. Vol.1, n.110. Departamento de Imprensa e Propaganda, 1940. Original no
Arquivo Cinemateca Brasileira e cópia no Arquivo FCCB.
650
A piscina para crianças acabou por ser construída, porém décadas depois. Radiograma enviado por Signorelli
à Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, em 25/01/1940, n.13. Arquivo Público
Mineiro.
227
chuvas de 1939. Havia urgência, pois se notava “grande movimento de aquacticos”.651 Tudo
indica, no entanto, que a Praça de Esportes não tenha sido finalizada conforme se previu.
Alguns meses depois, a piscina a ser alimentada por água radioativa corrente recebia
os azulejos; cogitava-se, ainda, a possibilidade de se providenciar um trampolim de madeira
até que se construísse em concreto o definitivo.652 O fato é que em 1940 o arquiteto ainda
solicitava o seu material de acabamento. O ingresso principal à praça fora pensado para
determinado trecho da avenida do Contorno, do mesmo modo como os demais componentes
do plano urbanístico, embora o acesso à área esportiva fosse essencialmente livre, dispondo
apenas de belos jardins por todos os lados.
651
Radiogramas enviado por Signorelli à Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, em
16/01/1939, n.119. Arquivo Público Mineiro.
652
Radiograma enviado por Signorelli ao engenheiro Agostinho Junqueira, em 03/07/1939, n.49. Arquivo
Público Mineiro.
653
Esculturas de atletas dispostas à entrada principal da Praça de Esportes. Década de 40. Não foi possível
identificar o autor dessas fotografias. Arquivo Fotográfico/ 1203; 1206. Fundação Cultural Calmon Barreto de
Araxá (FCCB).
228
654
SONTAG, Susan. Sob o signo de Saturno. Tradução de Ana Maria Capovilla e Albino Poli Jr. São Paulo:
L&PM Editores, 1986. p.73-75.
655
A novidade da cravação de estacas pela empresa brasileira Franki havia sido introduzida nas obras de
fundações, infra-estrutura e construção civil pela primeira vez em 1935, no Rio de Janeiro. Radiogramas
enviados por Signorelli à Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, em 20/09/1939, n.75
e 25/09/1939, n.102. Arquivo Público Mineiro.
656
ARAXÁ nas décadas de 30 e 40 (filme-vídeo). Acervo particular de Vitor Signorelli. Belo Horizonte, 1988.
90min, p&b, son., VHS, v.o.; Manuscrito, por José Abdanur. Araxá, 1997. 30p. (Coleção particular). A respeito
da produção dessa estaca por empresa brasileira, acessar: http//www.franki.com.br/empresa. Sobre a leitura de
imagens em vídeo em que se exigem classificar seus significados e ler seus sentidos, ver FELDMAN-BIANCO,
Bela; LEITE, Miriam Moreira (Orgs.). Desafios da imagem: fotografia, iconografia e vídeo nas ciências sociais.
Campinas: Papirus, 1998. p.37-49 e 213-224.
229
seria montado em Araxá pelo próprio fabricante.657 Para a construção de Araxá, ocorrida
durante a segunda guerra, os moveleiros italianos viram-se obrigados a pedir proteção oficial
para garantirem a segurança do mobiliário que se produzia para o Estado.658
Do Rio de Janeiro, onde atuava o fabricante alemão Carlos Laubisch, Hirth & Cia
desembarcou a produção de outra parte do conjunto de móveis do Complexo Termal.
Definidos como “móveis de luxo”, os componentes de quartos, escritórios e salas vinham com
o selo da empresa, situada à rua Riachuelo, no Rio de Janeiro, a mesma que anos antes
equipara o Hotel Palace de Poços de Caldas. Grande número de estrangeiros ou descendentes
deles sofreu impedimentos para trabalhar, tendo em vista a posição do Brasil no conflito
mundial e os efeitos diplomáticos dela decorrentes.659 Se os profissionais, neste caso,
envolvidos no projeto de Araxá recebiam tratamento um tanto quanto protecionista, as
importações de materiais vindos da Inglaterra e da Alemanha se configuravam como
empecilhos, demandando negociações diplomáticas para solucioná-los.660
Enquanto no comércio de Araxá faltavam gasolina, querosene, sal e açúcar, da
cidade partiam caminhões de arames para exportação. No contraponto da balança comercial,
chegava no litoral do país uma diversidade de acessórios próprios para os ambientes luxuosos
que se instalavam no Barreiro.661 É possível perceber a funcionalidade anteposta dos novos e
dos antigos espaços durante o processo construtivo. O antigo Balneário manteve-se em
estágio de normalidade, como já se afirmara anteriormente. O mesmo se deu com a Fonte
Andrade Júnior; afinal, as instalações disponíveis para a fonte sulfurosa haviam sido
inauguradas em 1932, ou seja, fazia pouco tempo, relativamente.
No movimento próprio de destruir para construir, a materialidade da estação de águas
viu-se ritmada por uma sociabilidade e uma convivência bastante próximas entre técnicos,
políticos, aquáticos visitantes e moradores do Barreiro, bem como da cidade. Negócios se
fizeram, namoros se firmaram e casamentos foram celebrados, formando famílias que,
passada a etapa transformadora da construção, permaneceriam ou não em Araxá,
independentemente das relações estabelecidas e dos hábitos socialmente cultivados.
657
Exemplares dos móveis dos Piancastelli são igualmente encontrados no Palácio da Liberdade, sede do
governo mineiro, e no Grande Hotel de Ouro Preto.
658
Depoimento de Hélcio Piancastelli concedido à autora em abril de 2003, Belo Horizonte.
659
VARGAS, Getúlio. Getúlio Vargas: Diário. Vol.2. Apresentação de Celina Vargas do Amaral Peixoto.
Edição de Leda Soares. São Paulo: Siciliano; Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1995. p.354-359; O
TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.25, jan./abr. 1988, p.3-6. Arquivo FCCB.
660
VALLADARES, Benedicto. Op. cit. p.27.
661
Manuscrito, por José Abdanur. Araxá, 1997. p.11. (Coleção particular); LUGAR DE MEMÓRIA. Vol.2.
Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto, 2002. p.81.
230
O fato de a lagoa inferior ter recebido numa das suas bordas quatro residências para
abrigarem as famílias dos engenheiros da comissão construtora662 – ainda que não fossem
todas –, como se viu, fortaleceu as possibilidades de convívio. Ambas as lagoas, partes
concebidas como essenciais para integrarem o parque, confirmaram a idéia criadora e
constituíram-se em espaços disponíveis à prática de costumes inovadores. Luiz Signorelli
introduziu alguns desses elementos de nítida inovação. O lago à frente de sua casa tornou-se
ideal para os passeios de caiaque e de barcos à vela, a motor e outros com esqui. Este último
ganhou a adesão do engenheiro Roberto Penna – um dos proprietários das residências do lago,
em estilo missões –, membro da equipe técnica e vizinho do referido arquiteto.
Signorelli registrou cenas do Complexo em construção, de familiares e de amigos,
não deixando de fixar por meio de câmera, ainda, tudo aquilo que atraía a sua atenção na
cidade: procissões religiosas, desfiles colegiais e cenas cotidianas de ruas, avenidas e praças.
A exibição dessas imagens por ele captadas deu-se pela primeira vez, em forma de sessão
cívica, no Cine Brasil em 1942. Tal atividade, exclusiva para alunos uniformizados dos
colégios, compôs as ações das mulheres integrantes da Legião Brasileira de Assistência,
associação assistencialista que se vinculava à campanha organizada com o nome de “Araxá
pela vitória do Brasil”.663 Com filmadora em mãos ou na direção de algum carro importado
circulando entre o Barreiro e a cidade, “o arquiteto do Grande Hotel” preencheu espaços
urbanos, mas fora particularmente tocado por experiências e costumes locais, como a prática
de lazeres, entre os quais a caça e a pesca. 664
662
CAPÍTULO ESPECIAL SOBRE AS ÁGUAS MINERAIS, por Sebastião de Affonseca e Silva (obra
datilografada). Araxá, 1943. p.315.
663
Panfleto intitulado “Araxá Pela Vitória do Brasil”. 22/09/1942. Arquivo AS/ 0001-141/ AMDB-03/ FCCB.
664
ARAXÁ nas décadas de 30 e 40 (filme-vídeo). Acervo particular de Vitor Signorelli. Belo Horizonte, 1988.
90min, p&b, son., VHS, v.o.
231
A nova versão da Fonte Dona Beja, inaugurada na década de 40, substituiu aquela
que abrigava a nascente de água radioativa. À disponibilidade infinitamente mais confortável
de fazer uso dessa água uniu-se a possibilidade de sentir outros efeitos advindos do conjunto
de simbolismos inerentes ao termalismo. Com projeto do arquiteto Rafael Hardy Filho, aluno
e colaborador de Signorelli, a nova edificação ostentou os elementos predominantes do estilo
missões. No seu interior passaram a ecoar novos sons, compostos por um misto do ruído da
água que cai e das vozes daqueles que a ingerem ou se expressam diante do que contemplam.
A azulejaria, concluída em 1942, é assinada por J. Bahia, o artista plástico José Antônio dos
Santos Bahia, vinculado ao Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Um painel preenche o
fundo do ambiente, reunindo uma gama de tons azuis sobre os azulejos brancos para revelar,
na tendência heroicizante dos personagens, aqueles mais representativos da tradição histórica
local.
665
Nova versão da Fonte Dona Beja integrada à arquitetura e ao paisagismo do Complexo Termal do Barreiro.
2007. Fotografia: Augusto César Resende Goulart. (Coleção particular).
232
Numa tríade que reúne o branco, o negro e o indígena, apenas o último ostenta-se em
forma de figura masculina. O homem branco, ou melhor, a mulher branca, é Dona Beja,
representada como protótipo, a despeito de permanecer oculta a revelação de ser ela loura ou
morena, quesito suplantado pelo predomínio do azul enquanto cor associada às águas.667 A
escrava, mucama de Dona Beja que a auxilia no banho, é a representação negra, entre as
demais presentes, da formação social igualmente identificada em Araxá. Por fim, observa-se,
em gesso, a imagem do rosto representativo do indígena emoldurando as pedras por onde
corre incessantemente a água da fonte. À saída da Fonte Dona Beja tem-se a opção de acessar,
por escada lateral, o terraço – ou belvedere – do prédio. Dele vê-se o desenho da lagoa
superior e as construções da ducha-cascata, das Termas e do Grande Hotel como adornos,
porém sustentados por um padrão de excepcional monumentalidade. O conjunto panorâmico
parece refletir unidade e rigidez, tal qual o estado varguista, que, assim como ele, se quer
imortalizado.
Quando Araxá recebera o presidente Getúlio Vargas pela primeira vez, em 1940, a
paisagem acima descrita delineava seus contornos e as etapas construtivas que estavam por
666
Interior da Fonte Dona Beja onde se vê a fonte propriamente dita emoldurada por imagens em azulejo e
gesso, representativas da identidade local. 2006. Fotografia: Augusto César Resende Goulart. Arquivo
Fotográfico/ 086. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
667
BURKE, Peter. Op. cit. p.141-143.
233
vir. A visita do chefe da nação constituiu-se num marco de memória668 para a cidade, que,
durante quase vinte dias, abrigou uma pluralidade de práticas sócio-culturais representadas
por formas materiais e imateriais. As presenças de diversos sujeitos históricos tendo o
presidente da nação ao centro modelaram experiências individuais e coletivas. A estação
hidrotermal em construção buscava suas identidades, expressando maneiras de produzir,
circular, olhar, apreciar e sentir as várias faces da vida urbana. O objetivo da visita oficial
consistiu no acompanhamento das obras da estância, onde se pretendia monumentalizar
espaços físicos, bem como seus tempos de descansar, curar, embelezar e divertir.
Personagens, espaços, temporalidades, práticas e sensibilidades levavam à materialidade que
se construía.
As experiências furtivas relacionadas ao dia do seu aniversário – em Araxá Vargas
passou o dia visitando a cachoeira de Pai Joaquim e a queda do rio Araguari (entre os
municípios de Sacramento e Santa Juliana), onde se concluía a usina de fornecimento de
energia para Uberaba e Araxá (o Barreiro inclusive)669 – opuseram-se à atuação do
Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), que transformara a data num dia nacional
marcado por cerimônias públicas e programas de rádio, objetivando envolver festivamente a
população.670
Os mineiros de Araxá receberam o presidente com churrascos e almoços, ambos
pausados por registros fotográficos e intercalados por explanações acerca da produtividade
das terras visitadas. As idas e vindas constantes ao campo de aviação provocavam movimento
tal qual a intensidade deixada pelo rastro da poeira avermelhada que se via pelos ares a cada
pouso e decolagem.671 Enquanto a primeira-dama do país partia ao lado de amigas para o Rio
de Janeiro, desembarcavam em Araxá jornalistas que acompanhariam o presidente Vargas e o
governador Valladares na viagem seguinte.672 Não apenas a atmosfera do Barreiro vivia
aqueles dias bastante particularizados, mas a cidade também via, mais uma vez, o seu
cotidiano alterado.
668
Sobre o gosto pelo monumental comum às artes nos regimes totalitários, ver: SONTAG, Susan. Op. cit. p.73-
75.
669
Ibidem. p.308. Nesta viagem pelos arredores de Araxá o DIP apontou o local como sendo destinado a tornar-
se um grande celeiro em razão das possibilidades agrícolas constatadas.
670
É possível perceber uma voz corrente entre muitos entrevistados segundo a qual Getúlio costumava passar o
seu aniversário em Araxá, regularmente. Entre outros depoimentos orais que reproduzem esta idéia destaco
alguns contidos na série do Projeto Viva Voz, CMA/ 1995. Arquivo FCCB.
671
ARAXÁ nas décadas de 30 e 40 (filme-vídeo). Acervo particular de Vitor Signorelli. Belo Horizonte, 1988.
90min, p&b, son., VHS, v.o.
672
VARGAS, Getúlio. Op. cit. Vol.2. p.311.
234
673
CINE-JORNAL BRASILEIRO. Vol.1, n.110. Departamento de Imprensa e Propaganda, 1940. Original no
Arquivo Cinemateca Brasileira e cópia no Arquivo FCCB; VARGAS, Getúlio. Op. cit. Vol.2. p.311.
674
LUGAR DE MEMÓRIA. Araxá: Fundação Cultural Calmon Barreto, 2001. p.61.
675
Depoimento de Milton Tomasovich concedido à autora em abril de 2003, Araxá.
676
VARGAS, Getúlio. Op. cit. Vol2. p.311.
235
677
Construção do Balneário de Araxá. À sua esquerda construía-se o Grande Hotel e ambos seriam unidos por
uma galeria suspensa. Década de 40. Não foi possível identificar o autor dessa fotografia. Arquivo Fotográfico/
1224. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
678
CINE-JORNAL BRASILEIRO. Vol.1, n.110; vol.1, n.102 e vol.1, n.106. Departamento de Imprensa e
Propaganda, 1940. Originais no Arquivo Cinemateca Brasileira e cópias no Arquivo FCCB.
236
679
Depoimento de Domingos de Gusmão Lemos concedido à autora em fevereiro de 2003, Araxá.
680
MANGUEL, Alberto. Op. cit. p.261-264.
681
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.31, dez. 2000, p.17-19. Arquivo FCCB.
237
normalmente era $0,800 réis passava para $2000 réis e essa majoração
era para todas as mercadorias.682
682
Manuscrito, por José Abdanur. Araxá, 1997. p.10. (Coleção particular).
683
Ibidem.
684
Ibidem.
685
O presidente referia-se às atividades por ele praticadas no dia-a-dia da estação. VARGAS, Getúlio. Op. cit.
Vol.2. p.311. A respeito das reflexões sobre “lugares próprios e apropriáveis” por “modos de proceder”, comuns
ou ordinários associando-os à cultura, ver: CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer.
Petrópolis: Vozes, 1994. p.57-74.
686
VARGAS, Getúlio. Op. cit. Vol.2. p.217.
687
Os novos padrões intervencionistas da paisagem de Belo Horizonte têm aplicação atribuída ao então prefeito
da cidade, Juscelino Kubitschek, tido como o “mecenas das artes”. ESTADO DE MINAS. Belo Horizonte,
22/04/06, p.1. O conjunto arquitetônico da Pampulha (cassino, Casa de Baile, igreja de São Francisco e Iate
Tênis Clube), formado por elementos pontuais tal qual o conjunto do Barreiro de Araxá, difere deste na ousadia
das formas curvilíneas e arrojadas de Niemeyer, embora ambos sejam oriundos dos anos 40.
238
De Burle Marx são também os trabalhos em azulejaria vistos nesta fonte de água
sulfurosa, igualmente nas cores azul e branco, numa representação do objeto principal de uma
688
Bologna trazia a experiência adquirida junto aos arquitetos modernos, anos antes, na criação, entre outras, do
edifício do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro. Disponível em <http://www.dau.uem.br/
professores/macedo/bolonha–4docomomo.html>. Acesso em 31 jan. 2007.
689
Nova Fonte Andrade Júnior concebida posteriormente para integrar-se aos demais elementos do Complexo
Termal do Barreiro. 2007. Fotografia: Augusto César Resende Goulart. (Coleção particular).
239
690
A Fonte Andrade Júnior foi construída na íntegra quanto à concepção do autor Francisco Bologna e teve sua
obra publicada na “Architectural Forum” e classificada pela Revista Architectura Journal, de Londres, como uma
das dez melhores obras do ano. FONTE Andrade Júnior. In: ARCHITECTURE DÁUJOUR' HUI. Londres,
n.13-14, set. 1947. p.76-77; REVISTA MUNICIPAL DE ENGENHARIA P.D.F. Rio de Janeiro, n.4, out./nov.
1948. p.133-138; ARQUITETURA Contemporânea no Brasil (coletânea). Organizada pela Revista Ante-Projeto.
Rio de Janeiro, 1947. p.38-39.
691
ARAXÁ nas décadas de 30 e 40 (filme-vídeo). Acervo particular de Vitor Signorelli. Belo Horizonte, 1988.
90min, p&b, son., VHS, v.o.
692
SENNET, Richard. Carne e pedra. 3ª.ed. Tradução de Marcos Aarão Reis. Rio de Janeiro: Record, 2003.
p.82.
240
Não apenas aspectos como estes tornam similares o Balneário de Araxá e a tradição
romana de construção de espaços, de modo especial, de estações de águas. Da suntuosidade
do hall de entrada, ao centro, em formato circular, abrem-se alas bilaterais destinadas aos
banhos sulfuroso e de lama, aos diversos tratamentos hidroterápicos (em duas seções,
masculina e feminina, com duchas e banhos de banheira diversificados, bem como
massagens) e às inalações (com fins de medicamentação ou embelezamento). Da rotunda
chega-se ainda à piscina coberta destinada à emanação de substâncias com água radioativa
aquecida a 28 graus. O ambiente da piscina emanatória é particularmente decorado com
pinturas murais e vitrais nos tons azuis, em alusão à água, igualmente assinados por J. Bahia.
A existência de um hospital destinado ao diagnóstico e tratamento de doentes fora
prevista para funcionar no sistema de ambulatório ou internação. Programaram-se dez quartos
e dois apartamentos com janelas, das quais se poderiam avistar ângulos do parque a partir do
lago superior. Do hospital fazia parte ainda um laboratório de análises clínicas com seções de
fisioterapia, radiografia, consultórios médicos, biblioteca anexa à sala de reuniões e oficinas
de trabalhos diversos, bem como uma sala de pequenas cirurgias, uma cozinha dietética e uma
enfermaria disposta por dois pavilhões (masculino e feminino). O teor assistencialista desta
última constou permanentemente das declarações dos idealizadores da obra.693
Em janeiro de 1944 estava concluída parte considerável desses trabalhos. Outras
obras, ainda em andamento, iriam compor o ambiente figurativo do Balneário. No mesmo
andar térreo, o piso marmorizado tal qual os de Carrara deixa de representar rigidamente o
padrão habitual da tradição romana do desenho do tabuleiro enquanto exibição da afinidade
para com as formas geométricas para ali imprimir o signo de uma mandala.694 O recurso às
sensibilidades permanecia como forma de reunir simbolismos capazes de garantir satisfações
espirituais e corporais. O que se anunciava para além do que os sentidos pudessem revelar era,
sobretudo, que as temporadas seguintes abririam um novo tempo de sedução.
1944 chegou para Araxá trazendo chuvas torrenciais durante todo o mês de janeiro,
em meio à mobilização de alguns segmentos em torno da visita oficial do governador mineiro.
693
Ibidem. p.89-90.
694
Ibidem. p.80-93. Entre o modelo adotado no Balneário de Araxá e o do Parthenon de Roma, situa-se aquele
que figura no piso da sala de negócios da Bolsa de Café de Santos, hoje Museu dos Cafés do Brasil, reunindo no
seu desenho tanto o tabuleiro quanto a mandala ao centro.
241
Comissão central e subcomissões formadas por políticos, empresários, padres, freiras, juristas,
engenheiros e médicos, entre outros, estiveram envolvidas naquela recepção. O motivo do
evento consistiu na inauguração das intervenções urbanas realizadas na cidade dois meses
antes daquela do parque do Barreiro.695
O sentido da mobilização popular sustentava-se por “motivos obvios, e devido a
razões que todo o povo de Araxá compreende”,696 referindo-se à necessidade de se prestar
homenagens a Benedicto Valladares e ao extenso séqüito que o acompanhava. Com conotação
de acontecimento único, o evento deveria tornar-se passível de registro histórico. Dele o povo
foi convidado a participar, em especial os alunos e alunas salesianos e dominicanos de
estabelecimentos particulares, que, mesmo em período de férias, fizeram parte das
solenidades devidamente uniformizados ao lado dos estudantes do Grupo Escolar, das escolas
municipais e do Orfanato Santa Terezinha. A convocação estendia-se às “senhoritas de
Araxá”, numeroso grupo formado por jovens oriundas das elites locais que, “em traje de
passeio”,697 completariam as alas de estudantes à frente do Banco Comércio e da Indústria de
Minas Gerais, reduto da concentração festiva.698
O convite “ao povo”, em forma de apelo, incluía a solicitação de que manifestações
de entusiasmo fossem realizadas de forma proporcional ao estilo que se deveria dar às
cerimônias: uma espécie de consagração ao governador do Estado. Para isso, decretou-se
feriado municipal o dia 15 de fevereiro daquele ano, data em que o comércio, a indústria, as
repartições públicas e os estabelecimentos de ensino não deveriam funcionar. Eventos dessa
natureza promoviam vibrações de civismo e de exaltação patriótica. O período vivido durante
a segunda guerra mundial fazia com que se solicitassem aos populares expressões de afeto e,
sobretudo, de gratidão a quem se atribuía a designação de estadista: Benedicto Valladares. Até
porque as transformações urbanas pelas quais passavam Araxá e o Barreiro ganhavam
evidência se justapostas ao enfrentamento dos desafios naturais ao conflito internacional.
A receptividade mostrada pela população de Araxá, ainda que seduzida pelo avanço
material e pela crença no Estado como organismo forte, mostrou-se capaz de unir
simbolismos próprios da mineiridade, particularmente quanto à maneira afável de
695
Panfleto intitulado “Visita do Dr. Benedito Valadares Ribeiro a Araxá”. 15/01/1944. Arquivo PO/ 0046-141/
AMDB-03/ FCCB.
696
Panfleto intitulado “Visita do Governador Benedito Valadares Ribeiro a Araxá no próximo dia 15”.
09/02/1944. Arquivo PO/ 0095-141/ AMDB-03/ FCCB.
697
Panfleto em forma de convite: “Convite - convida-se o povo araxaense para receber, amanhã, terça-feira, às 8
horas da manhã, a S. Excia. o Sr. Governador Benedito Valadares Ribeiro.” Arquivo PO/ 0096-141/ AMDB-03/
FCCB.
698
O espaço onde funcionou o aludido Banco, posteriormente seguido por outras instituições bancárias, hoje
abriga o Centro de Cultura, um dos anexos da Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá.
242
recepcionar.699 O programa oficial constou de passeios de automóvel por ruas centrais, desfile
de escolares, de operários da cidade e do Barreiro e de pilotos formados pelo aeroclube700 e
hasteamento da bandeira, assistidos da sacada do Clube Brasil, além de discursos e almoços.
Houve também visitas ao aeroclube e ao parque do Barreiro em construção e, por fim,
inaugurações municipais, como as estréias das obras de saneamento e calçamento da cidade e
do serviço complementar de abastecimento de água, realizados naquela administração do
prefeito Álvaro Cardoso. Foram inaugurados, ainda, os trechos centrais das praças
Governador Valadares e São Domingos, a avenida Antônio Carlos, as ruas Almeida Campos,
Nossa Senhora da Conceição e Dr. Franklin de Castro, a ponte do Córrego Lava-Pés (antiga
forma de acesso ao atual bairro São Geraldo) e o jardim da praça Governador Valadares. (Ver
Anexos, Mapas 3 e 4).
A praça da Conceição, que outrora fora criada no influxo das intervenções urbanas
dos anos 20, naquele momento receberia nome, traços e sentidos inteiramente novos. Nessa
perspectiva, ganhou ênfase a construção desse que seria o “Jardim Novo”. Tratava-se do
projeto da praça em ponto privilegiado, no mesmo lugar onde havia sido saudada, em 1918, a
novidade da “Praça da Conceição”. A ordem estabelecida impunha transformação, ainda que
eliminasse o modelo de espaço público antes existente. Entre a demolição do anterior e a
adoção do novo desenho, os moradores do entorno e, por que não dizer, de toda a área central
que dele usufruíam conviveram por quatro anos com o vazio coberto por terra, pedras e
entulhos.
Os motivos de tal alteração contaram com argumentos convincentes ao seu favor,
isto é, aqueles próprios de uma cidade em vias de se constituir em “uma das mais bem
aparelhadas estações termais do continente”.701 O novo território que se chamou praça
Governador Valadares obedeceu a um projeto que contara com a participação de profissionais
como o engenheiro do Estado Agostinho Carlos Catella (o mesmo que trabalhara na avenida
do Contorno e na praça de Esportes, ambos no Barreiro, e que percorrera cidades próximas
coordenando obras municipais e estaduais) e de arquitetos e artistas de renome. Inserido no
699
ABDALA, Mônica Chaves. Receita de mineiridade: a cozinha e a construção da imagem do mineiro.
Uberlândia: Edufu, 1997. p. 46-109; ARRUDA, Maria A. do Nascimento. Op. cit. p.82-88.
700
O aeroclube de Araxá, criado em 1941 como resultado da Campanha Nacional de Aviação lançada pela
revista “O Cruzeiro”, formou em 1943 sua primeira turma de pilotos para a aviação civil. Entendimentos entre os
governos municipal e estadual viabilizaram a construção em mesmo local do aeroclube – nos Caetitus, hoje
denominado Aeroclube Comte. Abel Neuppmann – e do campo de pouso com três amplas pistas, posteriormente
transformado no Aeroporto Romeu Zema da atualidade. O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.28, jan./abr. 1999.
p.5. Arquivo FCCB. O próprio prefeito foi posteriormente inscrito como aluno da sua segunda turma. Relatório
apresentado pelo prefeito Álvaro Cardoso. 1940-1945, p.10-11. Arquivo CM/ 000101/ FCCB.
701
CINE-JORNAL BRASILEIRO. Vol.1, n.110. Departamento de Imprensa e Propaganda, 1940. Original no
Arquivo Cinemateca Brasileira e cópia no Arquivo FCCB.
243
702
STUCKENBRUCK, Denise. O Rio de Janeiro em questão: o Plano Agache e o Ideário Reformista dos anos
20. Rio de Janeiro: IPPUR/ FASE, 1996. p.98-106.
703
SENNET, Richard. Op. cit. p.111-131.
704
Panfleto intitulado “Araxá ao seu grande amigo e bemfeitor - Governador Benedito Valadares Ribeiro”. Fev.
1944. Arquivo PO/ 0061-141/ AMDB-03/ FCCB.
705
ARAXÁ. Livro Ata das Sessões da Câmara Municipal de Araxá - 1915-1930. Arquivo FCCB.
244
706
O TREM DA HISTÓRIA. Araxá, n.28, jan./abr. 1999, p.10. Arquivo FCCB.
707
Radiograma enviado à Secretaria de Viação e Obras Públicas do Estado de Minas Gerais, em 18/03/1944, s/n.
Arquivo Público Mineiro; Depoimento de Raphael Hardy. In: REVISTA ROTEIRO ARAXÁ. Colaboração da
Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração - CBMM, Araxá, s/d. p.9-10.
708
FOLHA DE MINAS. Belo Horizonte, 09/03/1944, p.5. Arquivo FCCB.
245
Foi nesse período também que se deu a construção da rodovia que, então, ligava o
Triângulo Mineiro a Belo Horizonte, passando por Araxá. Considerada uma “estrada de
primeira classe, toda encascalhada, oferecendo ao veranista perspectivas maravilhosas e
paisagens as mais encantadoras”, não representava, porém, uma via de transporte segura,
regular e rápida, não se equiparando, portanto, à grandeza da obra projetada. As demais vias
de acesso a Araxá – aéreas e ferroviárias – permaneciam como objetos de grande atenção.
Medidas relacionadas às negociações com a Panair e com a Rede Mineira de Viação (antiga
Estrada de Ferro Oeste de Minas), somadas às iniciativas de construção de estradas próximas
a Araxá (especialmente a partir da fronteira com São Paulo), configuravam-se como
essenciais à conclusão do plano da estância de Araxá. Como se divulgou naquele discurso às
vésperas da inauguração, o governo do Estado havia investido “algumas dezenas de milhões
de cruzeiros” para viabilizar o transporte por tais trajetos.709
Naquele início de 1944, sinais indicavam que outros empreendimentos não seriam
concluídos tal como definira o projeto original. Ao lado do canal ligando os dois lagos, da
concepção paisagística de Burle Marx na sua integralidade, da avenida que partindo da
extremidade da lagoa inferior desembocaria em outra, rumo à cidade, o parque sofreria
intervenções, mutilando, assim, a criação dos seus idealizadores:
709
Ibidem.
710
Ibidem.
711
BURKE, Peter. Testemunha Ocular: história e imagem. Tradução de Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru:
EDUSC, 2004. p.20-21; 99-118.
246
712
VALLADARES, Benedicto. Op. cit. p.266 e 267.
713
Ibidem.
714
HOGGART, Richard. As utilizações da cultura. Lisboa: Presença, 1973. p.219-225.
715
Panfleto intitulado “Missa em ação de graças pela saúde do presidente Getúlio Vargas”. 03/07/1942. Arquivo
PO/ 0029-141/ AMDB-03/ FCCB.
716
Panfleto intituado “Inauguração oficial das Obras do Barreiro”. 22/04/1944. Arquivo EH/ 0002-141/ AMDB-
03/ FCCB.
247
Dando seqüência ao programa oficial, quatro dias depois, em 23 de abril, nas Termas
inaugurou-se o andar inferior, a princípio, partindo do térreo do hall circular. O Grande Hotel
entraria em funcionamento apenas no ano seguinte, uma vez que, na ocasião daquela oficial,
os últimos andares não haviam sido concluídos. Deles podiam-se ver os ferros verticalizados à
espera da alvenaria.717 A equipe construtora, por seu turno, mantinha-se instalada em Araxá,
até porque, nos três primeiros anos, as gerências das Termas, do parque, dos jardins, das
fontes (as três ultimas, reunidas) e da obra do Grande Hotel estavam hierarquizadas e
subordinadas a uma diretoria vinculada ao governo estadual.718
No interior do hall do Balneário, diante da placa de inauguração, solenizou-se a
materialização do projeto que pretendeu fazer de Araxá uma estância cosmopolita, à altura
das “cidades balneárias da Europa, oferecendo maiores possibilidades de cura”. Uma
seqüência de exaltação à presença de Vargas – com aclamações e banda de música
executando hinos patrióticos – atribuía-lhe a conquista material por meio dos
estabelecimentos de crédito da União, mas, sobretudo, a sensibilidade de sugerir, estimular e
orientar aquele projeto. Em sua fala, o governador mineiro lembrou as dificuldades materiais
para concluir o ambicioso projeto. Segundo ele, para um Estado de “recursos limitados” como
Minas Gerais “aventurar-se” a tal empreendimento explica-se somente como mostra de uma
“compreensão do dever com a coletividade que levou a aproveitar as águas para minorar os
males humanos”.719
O invólucro de nobreza e de dever cívico presente na justificativa requereu
cerimonial elucidativo da intencionalidade. Cumprimentos efusivos do presidente ao
governador, discursos do prefeito Álvaro Cardoso, da professora Maria Soares Santos, do
médico Edmar Cunha e do bispo da diocese de Uberaba, Dom Alexandre Amaral, salvas,
palmas e descerramento da bandeira brasileira sobre o bronze inaugural imprimiram
oficialidade à cerimônia. Funcionários e funcionárias previamente contratados e treinados
para lidarem com a aparelhagem do novo Balneário mantiveram-se perfilados na recepção ao
presidente. Getúlio posicionou-se junto deles e todos formaram a letra “V” de vitória, numa
alusão à performance do Brasil na guerra e à atmosfera nacionalista.720
717
Depoimento de Abel Neuppmann concedido ao Projeto Viva Voz/ FCCB, 1995.
718
Recorte de O ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo, 25/07/1948. p.5. Arquivo FCCB.
719
Discurso de Benedicto Valladares pronunciado naquela ocasião e publicado em GUIMARÃES, Anchieta.
Secretários da Agricultura de 1933 a 1988. Vol.1. Belo Horizonte: Secretaria de Estado da Agricultura, Pecuária
e Abastecimento, 1990. p.319.
720
Depoimento de Olívia Pereira Marques Schwelter concedido à autora em fevereiro de 2003, Araxá.
248
Na placa afixada na rotunda das Termas lê-se que a inauguração aconteceu no dia 19
de abril de 1944. Esta foi a data registrada ainda no impresso que divulgou o discurso do
bispo proferido naquela ocasião. No entanto, essas evidências históricas da programação
prevista anteriormente para a data considerada nacional – a do aniversário do presidente –
revelam que o término das obras não se confirmou também desta vez. Da mesma forma como
se pretendeu concluir o plano da estância em 1943, 1944 chegou sem que houvesse tempo
hábil para tal, tampouco o 19 de abril fora cumprido para a solenização de abertura das
Termas.721 Cabe ressaltar aqui a importância da relação entre as imagens visuais e as palavras
quando ambas são trabalhadas na construção da memória coletiva. Se, por um lado, o relato
oral enquanto fonte não pode constituir-se na essência de um “objeto de conhecimento
histórico”,722 por outro, a palavra emitida pela oralidade ou por meio da escritura ganha
sentidos a mais quando é associada à imagem.723
721
Depoimentos orais indicam o dia 23 de abril como sendo o dia em que se efetivou a inauguração, em especial,
o de Arnaldo de Almeida Castro, concedido à autora em outubro de 2006, Araxá.
722
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. “Fontes visuais, cultura visual, história visual. Balanço provisório,
propostas cautelares.” In: REVISTA BRASILEIRA DE HISTÓRIA - Órgão Oficial da Associação Nacional de
História. São Paulo, vol.23, n.45, 2003. p.11-36.
723
MAUAD, Ana Maria. “Fragmentos de memória: oralidade e visualidade na construção das trajetórias
familiares.” In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUSC, n.22, jun. 2001. p.157-169.
724
Cerimônia oficial de inauguração das Termas do Barreiro com a presença, entre outros, do presidente Getúlio
Vargas e do bispo Dom Alexandre Amaral. 23/04/1944. Fonte Iconográfica; fundo: Agência Nacional; EH/
COC-P/ 437.20. Arquivo Nacional.
249
Algo de desconfortável pairava nos ares daquele cerimonial. O bispo – para quem o
evento configurava-se como uma homenagem dos católicos do Triângulo Mineiro ao
presidente da República, no dia do seu aniversário – lançou sua bênção ao Balneário e, em
seguida, discursou. Depois de comparar a autoridade de Cristo para a Igreja àquelas do
prefeito para a comunidade municipal e do presidente para a Nação, agradeceu o convite que
recebera para participar da solenidade e a deferência que lhe fora concedida. Referiu-se ao
fato de a bênção restringir-se apenas ao Balneário e não ao cassino, no interior do Grande
Hotel. Como se prenunciasse a suposta participação da Igreja na medida constitucional quanto
à situação dos jogos de azar, Dom Alexandre referiu-se a isto como uma atenção a ele
dispensada: “[...] foi uma das maiores alegrias íntimas que experimentei na minha vida”. Em
outros pontos de seu discurso teceu elogios à existência de apartamentos luxuosos, mas
também de “aposentos modestos [...] acessíveis às pessoas menos providas de fortuna”. E,
ainda, considerando seu comentário “uma ousadia”, sugeriu ao governo mineiro, que dizia
pretender concluir a obra, que a completasse com uma “coroa”: a construção de uma “capela
católica”.725
Finalizado o ato inaugural com a mensagem do bispo, a comitiva presidencial
percorreu algumas dependências do Balneário para, então, dirigir-se ao Grande Hotel. O
acesso interno – via galeria que une os dois edifícios – permitiu que as autoridades seguissem
em direção à suíte presidencial sem que necessitassem ter contato com os populares ali
presentes. Estes se postaram abaixo da sacada de onde o presidente fez aparição pública, e o
bispo, após abençoar as suítes do presidente e do governador, jogou bênçãos sobre todo o
parque da estância hidromineral. O isolamento da população e o impedimento do acesso desta
aos ambientes restritos do Grande Hotel já despertavam para a formação de idéias fetichistas a
respeito da tradição das suítes presidenciais e dos seus ocupantes privilegiados.
725
A igreja Nossa Senhora das Graças, no Barreiro, seria construída e inaugurada oficialmente muito depois, em
1969.
250
726
Esta fotografia integra uma série de imagens que registrou os momentos de inauguração oficial do Complexo
Termal do Barreiro. 23/04/1944. Fonte Iconográfica; fundo: Agência Nacional; EH/ COC-P/ 435.03. Arquivo
Nacional.
727
Depoimento de Svent Kierulf concedido à autora em maio de 2003, Belo Horizonte.
728
Manuscrito, por José Abdanur. Araxá, 1997. 30p. (Coleção particular); Depoimento de José Abdanur
concedido à autora em fevereiro de 2003, Araxá.
251
da República e pelo governador do Estado, passando por outras presenças civis e militares,
conduziu, ainda assim, algumas centenas de habitantes àquelas festividades.
Não raro é possível ouvir entre a população feminina araxaense a afirmação de que a
ausência de mulheres ao evento deveu-se, de certa maneira, à distância geográfica do Barreiro
em relação às suas residências e à rigidez dos padrões de comportamento e de convivência
social impostos às esposas, às filhas e às irmãs.729 O fato é que a inauguração consistiu,
sobretudo, num ato político e, por mais que se tentasse projetar um viés de popularidade,
alguns fatores contribuíam para que se tivesse a sensação de que se tratava de uma espécie de
cerimônia reservada. A separação física entre um espaço e outro e as possíveis dificuldades de
integração dela decorrentes poderiam ser alguns deles. É certo que os caminhos entre ambos
colocaram lado a lado os construtores e os moradores, mas também é certo que isto se dava
em dimensão mais ampliada se relacionada às elites.
Ainda assim, deve-se considerar que durante o período de construção – de mais de
seis anos – as obras estiveram cercadas de tapumes por todos os lados. Embora o início
propriamente dito das atividades do Complexo tenha sido gradativo, a retirada dos muros que
impediam a visão do conjunto e dos ambientes interiores, em 1944, provocou sensações
impactantes aos seus espectadores.730 Se aquela imagem causou profunda impressão em
alguns, em outros poderia ter se refletido em forma de resistência devido à dimensão e ao luxo
expostos. Possivelmente, em razão desses aspectos, o presidente e o governador mantiveram
outro contato com o “povo de Araxá”, desta vez em manifestação pública de homenagem aos
visitantes, realizada no centro da cidade e para a qual a população fora convocada também por
comunicado impresso da Prefeitura.731 Do palanque à frente do prédio do Banco Comércio e
Indústria de Minas Gerais, situado à rua principal, Getúlio e Benedicto assistiram ao desfile
escolar especialmente marcado pelo modelo varguista e programado para ocorrer dois dias
após a abertura do Complexo Termal do Barreiro.
Da cidade ideal à construção real chegou-se finalmente à sua ocupação, a partir de
1944. Este acontecimento por si só configurou-se num monumento, reunindo, em torno dele,
um conjunto de imagens ancoradas em percepções individuais e coletivas e também em
suportes técnicos. Decifrar os códigos das imagens da construção da estância hidromineral do
Barreiro em Araxá é, portanto, interpretar a visão de estação balneária presente à época do
729
Depoimento de Dalva Santos Zema concedido ao Projeto Viva Voz/ FCCB em 1995.
730
SANTOS, Paulo de Tarso. A lógica do compadre: e outros casos mineiros. São Paulo: Bocatto Editores,
1991. p.103-105.
731
Panfleto intitulado “Visita oficial do Presidente Getúlio Vargas e do Governador Benedito Valadares a
Araxá”. 24/04/1944. Arquivo PO/ 0013-141/ AMDB-03/ FCCB.
252
Estado Novo, ou seja, um modelo semelhante àquele que se criou ou se imaginou como
símbolo de estância hidromineral.
As fotografias alusivas a esse período em particular, deixam de ser percebidas como
um registro de experiências vividas para ganharem sentido oficial, sendo decodificadas,
revistas e repensadas. O caminho para historicizá-las e compreendê-las em seu sentido
enquanto fonte visual deve partir, necessariamente, da forma e do momento da sua produção,
passando pela intenção e pela forma de divulgá-la, com vistas ao público a que se destinava.
O objetivo revela-se em alcançar a interação ou o diálogo entre o documento e a questão na
qual se insere a imagem, especificamente nesta apresentada a seguir732:
732
MENEZES, Ulpiano Op. cit. p16-17. Há possibilidades de ampliar o alcance das fontes imagéticas
disponíveis, ao abarcar múltiplas temporalidades e espacialidades. Assim, é possível ponderar a análise de
pinturas, esculturas, fotografias e projetos arquitetônicos, conferindo à “imagem imutável uma vida infinita e
inesgotável”. MANGUEL, Alberto. Op. cit. p.27.
733
Vista aérea do Complexo Termal do Barreiro de Araxá, inaugurado a partir de 1944, onde se vêem o Hotel, as
Termas, a Praça de Esportes, a Fonte Dona Beja e a Fonte Andrade Júnior, circundados pela lagoa superior,
pelos jardins e pela avenida do Contorno. Não foi possível identificar o autor dessa fotografia. Arquivo
Fotográfico/ 0741. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
253
possibilidade “[...] repousa na nossa convicção de que aquilo que nós, os espectadores, vemos
existiu de fato, que aquilo ocorreu em determinado e exato momento e que, como realidade,
foi apreendido pelo olho do observador”.734 Neste aspecto, vale frisar a referência e o hábito
de se enviar o cartão-postal como prova ou testemunho do privilégio de freqüentar uma
estação balneária.735
Prosseguindo, percebe-se que a fotografia produzida pelo fotógrafo oficial do novo
projeto do Barreiro privilegia a monumentalidade da obra, em detrimento dos cidadãos –
profissionais, em sua maioria, sem habilitação específica – que compunham a massa de
trabalhadores e cujas práticas ali foram imprescindíveis. É nesse sentido que outra abordagem
se impõe. Refletindo sobre a obra, enquanto produzida como questionamento da superioridade
de outrem – a imagem como subversão –, percebe-se que a execução do projeto do Barreiro
empreendido pelo governo Vargas pretendeu provar aos estrangeiros que o país mostrava-se
capaz de fazer algo tão belo (no caso, uma estância balneária) quanto os seus pares europeus.
Tal como outros projetos desenvolvidos em países e em séculos diferentes, o projeto
do Complexo Termal do Barreiro seria um exemplar de imagem como filosofia? O Grande
Hotel, as Termas, as fontes, os parques e os jardins seriam a materialização da idéia de uma
estação de águas? Seria a idéia de um filósofo sobre o que é este espaço urbano que também
se destina à cura e aos lazeres do dia e da noite? Na fotografia anterior, o cenário intitulado
“Aguas do Araxá” parece contrastar com outro texto, aquele que a imagem constrói. A
paisagem natural que circunda as águas e que por elas é integrada sofre a interferência
arquitetônica, cuja imagem luxuosa se quer gravar. O registro oferece uma visão panótica
definida a partir de um ângulo superior, com ares de autoritarismo.736
Assim como determinados profissionais de capacidade e prestígio reconhecidos são
escolhidos para executar as obras consideradas importantes, o mineiro Luiz Signorelli assinou
o projeto de Araxá a convite do governo estadual. A equipe do arquiteto fora composta ainda
por técnicos formados pelo Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, entre outros de Belo
Horizonte e do Rio de Janeiro. O fato de o então presidente Getúlio Vargas ter declarado que
a partir daquele momento Araxá não mais precisaria de outro hotel (Ver item 4.2) indica que
734
MANGUEL, Alberto. Op. cit. p.93.
735
SCHAPOCHNIK, Nelson. “Cartões-postais, álbuns de família e ícones da intimidade.” In: NOVAIS,
Fernando A. (Coordenador-geral da coleção); SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da vida privada no Brasil:
República da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. (História da vida privada no
Brasil; 3). p.424-448.
736
Alberto Manguel analisa neste aspecto a imagem da usina de sal projetada por Ledoux, o arquiteto francês do
século XVIII, como exemplo de imagem como filosofia. MANGUEL, Alberto. Op. cit. p.251-268; CERTEAU,
Michel de. Op. cit. p.169-191; BRESCIANI, Maria Stella. “Cidade e história.” In: OLIVEIRA, Lúcia Lippi
(Org.). Cidade: história e desafios. Rio de Janeiro: CNPq/ FGV Editora, 2002. p.25.
254
esses novos espaços estariam trazendo a cidade tangível ainda que num futuro intangível?737
As expectativas dos gestores da obra seriam compartilhadas pelas centenas de trabalhadores
no dia-a-dia da construção, sob os olhares vigilantes dos mestres do saber técnico-
científico?738
De um lado, havia as experiências do espectador e, de outro, aquelas vividas pelo
morador. O sentido da viabilização do sonho da estância com o seu coroamento por meio da
suntuosa obra podia ser percebido pelas leituras que dela faziam os aquáticos ou visitantes e
os moradores de Araxá. Os visitantes chegavam atraídos pela possibilidade de descanso,
divertimento e tratamento médico num ambiente natural, sadio e considerado propício ao
lazer, ao tempo do não-trabalho. Já os moradores viviam uma situação de expectativa e de
certa euforia. Durante muito tempo eles presenciaram as mudanças e construíram diversas
imagens do que seria a estância ideal. Ao certificarem-se dessa conquista, ainda que o acesso
fosse restrito a determinados segmentos, por imposição de circunstâncias sociais, a sua
existência, por si só, causou ares de deslumbramento e êxtase, provocando a síndrome de
Stendhal.739 Afinal, seria aquela a construção coletiva de um sonho ou uma questão de
interesse de muitos, cujas reações de quem as vê seguem as sensações individuais?
Se o sonho da estância foi monumentalizado, causando impressões significativas aos
moradores e aos visitantes, o Complexo identifica-se em alguns sentidos com a cidade e com
seus outros espaços, bem como, com certos segmentos sociais, no que se refere à
possibilidade de pertencimento a um quadro formado por requinte e luxo. Se a fotografia
significa representação – uma imagem como teatro – o espaço da estância hidromineral pode
ser associado ao “espaço do drama”,740 onde o convívio se manifesta com experiências que
envolvem elegância, refinamento e, até mesmo, aventura. Essa sociabilidade teatral pode ser
entendida como um fim a que se destina a moda.741 Se a estação de águas tornou-se moda
diante de um tempo vivido de forma articulada com relações sociais e culturais próprias, é a
sua singularidade que a diferencia enquanto espaço ou lugar de descanso, de lazer e de cura.
A representação que se criou desse espaço remete à imagem como memória quando
esta se torna palpável, transferindo-se em espécie, mas assumindo a condição de algo que
deve ser lembrado ou de referência para novas idéias e atitudes. É possível, então, pensar o
Barreiro de Araxá como uma forma de construção do hegemônico, sendo um espaço que
737
CARVALHO, Maria Alice Rezende de. Quatro vezes cidade. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1994. p.96-97.
738
CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Tradução de Diogo Mainard. São Paulo: Companhia das Letras,
1990. p.59; 69; 117. Depoimento de José Abdanur concedido à autora em fevereiro de 2003, Araxá.
739
MANGUEL. Alberto. Op. cit. p.29.
740
Ibidem. p.291.
741
BAUDRILLARD, Jean. A troca simbólica e a morte. Lisboa: Edições 70, 1996. p.157.
255
742
WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar Editores,
1979. p.113-123.
743
CORBIN, Alain. O território do vazio: a praia e o imaginário ocidental. Tradução de Paulo Neves. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p.266-271; SOUZA, Gilda de Mello e. O espírito das roupas: a moda no século
dezenove. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.157-159.
744
Panfleto com dados informativos sobre a Rádio Imbiara e sobre a cidade de Araxá. s/d. Arquivo OC/ 0002-
141/ AMDB-03/ FCCB; Fotografia-cartão de Boas Festas da Rádio Imbiara. 1947-1948. Arquivo Fotográfico/ P-
021/ 00305/ FCCB.
256
745
Diante da diversidade de reflexões teóricas sobre memória concentrei-me, especialmente, em: BRESCIANI,
Maria Stella; Márcia Naxara (Orgs.) Memória e (res)sentimento: indagações sobre uma questão sensível.
Campinas: Unicamp/ Fapesp/ CNPq, 2001; CALVINO, Italo. As cidades invisíveis. Tradução de Diogo Mainard.
São Paulo: Companhia das Letras, 1990; CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: artes de fazer.
Petrópolis: Vozes, 1994; LE GOFF, Jacques. História e memória. Vol.2. Campinas: Unicamp, 1992;
HUYSSEN, Andreas. Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000; SEIXAS, Jacy Alves de. “Os
tempos da memória: (des)continuidade e projeção. Uma reflexão (in)atual para a história?” In: ARTES DA
HISTÓRIA & OUTRAS LINGUAGENS. Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do
Departamento de História. In: PROJETO HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.24, 2002.
746
Experiência no sentido dado por: SCOTT, Joan W. “A invisibilidade da experiência.” In: PROJETO
HISTÓRIA. São Paulo: EDUC, n.16, 1998. p.297-321.
747
LE GOFF, Jacques. Op. cit. p.49-59; MATOS, Maria Izilda Santos de. Cotidiano e cultura: história, cidade e
trabalho. Bauru: EDUSC, 2002. p.32-37.
748
BOSI, Ecléa. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T.A.Queiroz/ EDUSP, 1987. p.81-83.
749
RAGO, Margareth. Os prazeres da noite-prostituição e códigos da sexualidade feminina em São Paulo
(1890-1930). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. p.51-57.
750
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano - Paris, Rio de Janeiro,
Porto Alegre. Porto Alegre: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 1999. p.17; MAKINO, Miyoko. “A
cidade na pintura histórica: o mito da fundação.” In: BATISTA, Marta Rossetti; FABRIS, Annateresa (Orgs.).
Cidade: história, cultura e arte. V CONGRESSO BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA ARTE. São Paulo: Comitê
Brasileiro de História/ FAPESP/ ECA/ USP, 1995. p.303-306.
257
751
CALVINO, Italo. Op. cit. p.95-96; 138.
752
O formato circular expresso em forma de torre fora muito utilizado, de forma original, no estilo missões para
abrigar escritórios e bibliotecas. Característica presente no mesmo estilo arquitetônico adotado nas Termas,
nestas, a torre circular deu forma ao hall de entrada de onde partem os espaços hidroterápicos.
753
SENNET, Richard. Op. cit. p.80-84.
754
BURKE, Peter. Op. cit., 2004. p.73-96.
755
Recorte do jornal A NOITE ILUSTRADA. Rio de Janeiro, 04/01/1944. p.31. Arquivo FCCB.
258
756
Vista do hall circular das Termas de onde partem as alas para os banhos e tratamentos hidroterápicos. 2007.
Fotografia: Augusto César Resende Goulart. (Coleção particular).
259
757
CORBIN, Alain. Op. cit. p.277.
758
COSTA, Waldir. Op. cit. p.70-73.
260
O salto de cem anos do pintor rumo ao século XX conduz à chegada dos primeiros
aquáticos após estudos científicos iniciais sobre o teor das águas. O efeito curativo delas
advindo, intensificando as estações de cura e de veraneio, alcança o tempo do governador
Benedicto Valladares, a quem se atribuem méritos humanitários, políticos e administrativos
para dar concretude ao projeto em execução. Fecha-se o ciclo descrito por meio de imagens,
justapostas a pequenos textos, ou seja, ligeiramente legendadas, não sem antes personificar,
ao lado do chefe do governo, figuras masculinas representativas dos donos dos saberes
técnico-científicos que ali trabalharam e, portanto, legitimadoras da obra.759
Ao alto, a cúpula de nove vitrais conjugados mostra pontual e reiteradamente cenas
de maior expressão histórica, definidas sob aspectos positivistas. As referências avançam
linearmente, cumprindo o formato curvilíneo da rotunda. Partem de questões relacionadas à
formação geológica do Barreiro, como o vulcanismo e, depois, a presença de vida animal pré-
histórica. Possivelmente captadas subjetivamente por Franki Urban – autor da obra – na
tradição histórica local, vêm, em seguida, as representações de figuras humanas, como o pajé
na vida religiosa dos índios araxás; o colonizador na saga de avançar sobre os referidos
indígenas; e o mesmo colonizador no ato da “descoberta” das águas, ingerindo-as e,
posteriormente, usando-as na prática do banho. Logo adiante, introduz-se novamente a figura
animal, com o gado alimentando-se do sal das águas. E, por último, inicia-se mais um
percurso com a exibição da antiga Casa de Banhos, encerrado com a possibilidade da vivência
de um novo ciclo, agora sob o magnetismo luxuoso das Termas.
Dessa vez, as imagens translúcidas apresentam-se mediadas por um dos vitrais, ao
centro, no qual constam dados informativos sobre Araxá. Em forma de organograma, a cidade
impõe-se como lugar conectado a grandes centros do país e do exterior por meio de
transportes e comunicações. Com os pontos cardeais indicados é possível situar-se
espacialmente, assim como localizar Araxá e o Barreiro inseridos no desenho cartográfico de
Minas Gerais, a despeito da “posição arrevesada”760 em que se definiu ali o território dos
mineiros.
759
Recorte do jornal A NOITE ILUSTRADA. Rio de Janeiro, 04/01/1944. p.31 e 32. Arquivo FCCB; BURKE,
Peter. Op. cit., 2004. p.43-56; 175-196.
760
COSTA, Waldir. Op. cit. p.70.
261
Como espaço de memória, o Grande Hotel, unido às Termas por galeria interna,
concentraria uma pluralidade de sentidos. No afã de refigurar uma identidade, as memórias
partem dos afrescos alusivos a algumas especificidades de Minas Gerais em temporalidades
diferentes: vão desde cidades representativas de núcleos com predomínio de atividades rurais
até aquelas que alcançaram apogeu urbano à época da mineração e, ainda, algumas de caráter
industrial manifesto naqueles anos 40. Tais afrescos podem ser vistos na recepção do Hotel,
em alguns salões no seu interior e no referido corredor que une o Hotel às Termas. Outras
lembranças se notam: reservados às leituras, festas, refeições ou aos jogos, os salões
deixavam transparecer, por entre os vidros bisotados das portas e janelas, as imagens daqueles
que por eles circulavam. São imagens que remetem à “promoção das aparências”, acentuando
o “sentimento de identidade individual”762 e que se tornam ainda mais reluzentes se vindas da
761
Corredor em forma de galeria unindo as Termas ao Grande Hotel. Década de 1940. Fotografia: Octavio
Fonseca. Arquivo Fotográfico/ 194-195. Fundação Cultural Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
762
SANT’ANNA, Denise Bernuzzi de. “Corpo e História.” In: CADERNOS DE SUBJETIVIDADE. São Paulo:
Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica da PUC-SP, vol.3, n.2, set./fev. 1995. p.251 e 252.
262
nitidez cintilante dos espelhos nas ante-salas do salão de festas, originalmente construído para
nele funcionar o cassino.
Salões que dão acesso a outros salões, ricos em amplitude de espaços e em
refinamento de ambientes, facilitavam a encenação de histórias e personagens historicamente
produzidos. O jogo assumia grande parte desses sentidos construídos por oferecer, para além
do entretenimento e da inserção num grupo fechado, a possibilidade, a priori, de se praticar o
risco como sinal de prestígio, ao lado da linguagem simbólica expressa nos trajes, nos gestos,
nas palavras.763 Na esfera do oculto dá-se visibilidade ainda à existência de uma certa
passagem subterrânea. Assim como nas construções palacianas seria possível transitar por
caminhos escuros e misteriosos, estes poderiam ser reproduzidos na imensidão do Grande
Hotel e das Termas.764 Mas não; em Araxá pretendeu-se unir o cassino aos aposentos do hotel
justamente em nome da privacidade dos seus freqüentadores; afinal, o eu privado é elemento
integrante das temporadas.765
Turismo e curismo, hábitos originalmente aristocráticos reproduziram-se na era
Grande Hotel, assimilando as referências materiais complementares de cada ambiente
usufruído. Dos elementos arquitetônicos aos adornos sofisticados, como lustres, tapetes,
cristais e pratarias, nasceu uma infinidade de memórias decorrentes do esmero explícito. Tal
qual a idéia de pertencimento ao Estado-Nação definindo uma identidade, a idéia de
pertencimento individual ou em grupo àquele universo de sofisticação e elegância contribuiu
para definir uma identidade que se quer preservar.766
763
MARRAS, Stelio. Op. cit. p.186-189.
764
Depoimento de Hilário Nício Gomes de Menezes concedido à autora em janeiro de 2007, Araxá. As
memórias em torno dessas passagens circulam como reprodução também daquelas presentes em Poços de
Caldas, onde cassino e hotel são edifícios separados fisicamente.
765
SENNET, Richard. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo: Companhia das
Letras, 1988. p.203-221.
766
Ibidem. p.211 e 212. A esse respeito, as fotografias são formas de construção identidade a partir da
representação de uma “auto-imagem de classe”. MAUAD, Ana Maria. “Imagem e auto-imagem do segundo
reinado.” In: NOVAIS, Fernando A. (Coordenador-geral da coleção); SEVCENKO, Nicolau (Org.). História da
vida privada no Brasil: Império: a corte e a modernidade nacional. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
(História da vida privada no Brasil; 2). p.225.
263
767
CORBIN, Alain. Sabores e odores: o olfato e o imaginário social nos séculos XVIII e XIX. Tradução de
Ligia Watanabe. São Paulo: Companhia das Letras, 1987. p.9-15.
768
ARAXÁ nas décadas de 30 e 40 (filme-vídeo). Acervo particular de Vitor Signorelli. Belo Horizonte, 1988.
90min, p&b, son., VHS, v.o.; Manuscrito, por José Abdanur. Araxá, 1997. 30p. (Coleção particular). Arquivo
FCCB; Depoimentos de Abel Neuppmann e de Dâmaso Drummond concedidos ao Projeto Viva Voz/ FCCB, em
1995. Muitas dessas memórias reconfiguradas remetem ao trabalho de adolescentes e crianças. Depoimentos de
Adilson Pereira de Almeida e Diana Dalva de Almeida Maia concedidos à autora em julho de 2005, Uberaba;
Depoimento de Gismarina Afonso de Almeida concedido à autora em outubro de 2006, Araxá.
769
Conjunto de correspondências contidas no acervo Paulo Guimarães. 1943-1945. (Coleção particular).
770
Depoimento de José Abdanur concedido à autora em fevereiro de 2003, Araxá.
771
Há casos como o de Alegria Elbas (Madame Alegria), freqüentadora assídua nos anos 40 que, em Araxá, fez
amizades, adquiriu imóvel e faleceu de forma trágica em acidente de elevador no Grande Hotel. O vínculo com a
cidade fez com que nela se realizasse o seu sepultamento após velório em residência de amigos. Há também a
experiência registrada da família Aranha, especialmente, de Luiz Aranha, que chegou a formar uma banda de
música com crianças carentes moradoras do Barreiro. Sobre reflexões acerca de uma ausência indicando
presença, ver: PESAVENTO, Sandra Jatahy. Op. cit. p.7-25.
264
Após a inauguração oficial do Complexo Termal muito ainda havia por fazer. Do
governo mineiro dependia a finalização das obras e das instalações hidroterápicas: “[...] há
que se ter em vista, entretanto, que o acabamento dos edifícios e as montagens suplementares
foram concluídos quando os vortilhões da guerra engoliam as indústrias e com elas as
máquinas e rareação dos recursos”.773 Entre a valorização suprema e a depreciação
polemizada brotavam interrogações que esclareceriam aspectos por ventura obscuros:
772
Vista da recepção do Grande Hotel partindo do interior para a passagem “abrigada para automóveis”. Década
de 40. Fotografia: Octavio Fonseca. Arquivo Fotográfico/ 193. Fundação Calmon Barreto de Araxá (FCCB).
773
COSTA, Waldir. Op. cit. p.93.
265
774
Ibidem. p.67.
775
MATOS, Maria Izilda Santos. Op. cit. p.21-32.
776
A imprensa escrita local ativou-se apenas no final dos anos 50 com a criação do “Correio de Araxá”, hoje
cinqüentenário.
777
Recorte de O ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo, 25/07/1948. p.5. Arquivo FCCB.
266
778
Panfleto com dados informativos sobre a Rádio Imbiara e sobre a cidade de Araxá. s/d. Arquivo OC/ 0002-
141/ AMDB-03/ FCCB.
779
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/Decreto-Lei/Del9215.htm>. Acesso em 15 dez. 2006.
780
Manuscrito, por José Abdanur. Araxá, 1997. 30p. (Coleção particular); Depoimento de Arnaldo de Almeida
Castro concedido à autora em outubro de 2006, Araxá.
781
Depoimentos de Olívia Pereira Marques Schewetter, Gasparina Elvira de Souza (D. Lina) e Gismarina
Afonso de Almeida concedidos à autora em fevereiro de 2003, outubro de 2004 e outubro de 2006,
respectivamente, Araxá.
267
782
NOGUEIRA, Octaciano. A Constituinte de 1946: Getúlio, o sujeito oculto. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
p.284.
783
Ibidem. p.286.
784
O presidente Dutra em visita ao cassino do Grande Hotel de Araxá, em 1947. A descontração evidente
opunha-se ao momento de crise e de desemprego. Não foi possível identificar o autor dessa fotografia. Família
Alonso José de Aguiar. (Coleção particular).
268
Na derrocada de um governo para o início de outro, a repressão aos jogos de azar pôs
fim, prematuramente, ao recém inaugurado cassino do Grande Hotel. Ainda que as redes de
sociabilidade e de reciprocidade pudessem ser mantidas com os atrativos diurnos e, ainda,
tantos outros noturnos, como se apresentam as relações entre esse tempo de euforia e de
descobertas vivido em um espaço de representações mágicas? Qual o significado do
fechamento do cassino para a estância hidromineral e para a própria cidade, após um
investimento de imensas proporções? Este espaço revelou-se como algo inacabado tal qual o
projeto político empreendido nacionalmente em igual período?
Os sentidos do fechamento do cassino foram muitos, representando o abalo e o
desmantelamento de sonhos, de anseios e de meios de sobrevivência. A desestabilização do
Estado Novo, alimentada pelos efeitos da guerra e convulsionada pela negação do
continuísmo varguista, não agilizara apenas a abertura oficial das Termas de Araxá e de todo
o Complexo ainda inacabado. Às dificuldades de se manter o novo Balneário aparelhado e
ativo tal como fora concebido somou-se a disseminação dos medicamentos produzidos
quimicamente. A inovação dos tratamentos com a descoberta da penicilina, por um lado, e o
fechamento dos cassinos, por outro, alteraram mais uma vez o ritmo das estações. A cura
conquistada lentamente com as águas, mas estimuladora do clima intenso vivido nas
temporadas, foi substituída pelas novas curas. O tempo em contínuo movimento nas estâncias
passou a sofrer a perda de grande parte do fetichismo de outrora.
A interrupção contribuiu também para iluminar fragilidades existentes. A situação
deficitária dos operários que ali trabalhavam e a busca pelo retorno financeiro no
investimento, somadas às percepções de vaidades pessoais e susceptibilidades, consistiram em
impeditivos à conclusão, de fato, da obra. Determinadas visões apontavam para a necessidade
de se impulsionar o “hospital de indigentes e a enfermaria de pensionistas”,785 concebidos
originalmente e não ativados. O fato é que na história tecida pelo fio das elites abstraíram-se
dessa trama as histórias de centenas de trabalhadores, em torno dos quais agregavam-se
famílias inteiras no Barreiro e na cidade.
Novos investimentos não se efetivaram. O que se colocou em prática fora um “plano
de cura e repouso”, para o qual se requisitaram dois hotéis: o Hotel Radio, construído havia
três décadas, e o Hotel Cura e Repouso, o antigo Hotel Cavallini, de propriedade agora do
governo estadual. Tratava-se de um “plano de socialização da estância” em que ambos os
hotéis permaneceriam com os serviços de hospedagem, mas cada um atenderia a um público
785
Recorte do jornal O DIÁRIO. Rio de Janeiro, 12/04/1947. Arquivo FCCB.
269
786
COSTA, Waldir. Op. cit. p.95.
787
Ibidem. A portaria (de 08/02/1949) que instituiu os direitos aos servidores públicos estendia-se também à
estância hidromineral de Poços de Caldas.
788
Recorte do jornal DIÁRIO DE NOTÍCIAS. Rio de Janeiro, 19/07/1947. Arquivo FCCB.
789
Ibidem.
270
[...] Pareciamos ver o local das fontes, já dentro de uma linda cidade,
replecta de veranistas e aquistas, ligada a nossa velha Araxa, por uma
ampla estrada macadamisada, com suas linhas duplas de bondes
electros, trafegando repletos de passageiros, dentro de um bojo de um
formidavel tunel verde, formado por arborização de essencias
indigenas que de kilometro em kilometro floressessem em mezes
differentes, de sorte que no trajecto, sempre se atrevassasse um
kilometro juncado de flores sylvestres durante todo o anno. Esta via de
communicação nos parecia vel-a pontilhada, aqui, ali, acolá, de
elegantes bungalows ou ricas vivendas de campo, quasi já servindo de
ligação entre as duas cidades ou melhor, tornando-as uma só.[...]792
790
Manuscrito, por José Abdanur. Araxá, 1997. p.4. (Coleção particular); Panfleto em forma de convite:
“Convite ao povo - para recepcionar o selecionado Brasileiro”. 27/03/1950. Arquivo EE/ 0034-141/ AMDB-03/
FCCB; THE TRIANGLE. Araxá, n.10, 26/04/1950, p.3. Arquivo FCCB.
791
Da cooperação entre experiências vividas e relatadas, utilizando-se, para isso, de imagens e de relatos orais,
podem resultar outras referências. Ana Maria Mauad diz que a “[...] descontinuidade do tempo é patente na
relação dialógica que o sujeito do discurso estabelece com suas memórias”. MAUAD, Ana Maria. Op. cit., 2001.
p.165.
792
SILVA, Sebastião de Affonseca. Ligeiros commentarios sobre a localização do novo estabelecimento
balneario de Araxá. Abril de 1936. p.4. Arquivo FCCB.
271
O mundo que se reservara à miraculosidade das águas, aos salões suntuosos, aos
shows atraentes e ao fulgor do cassino sofreria metamorfoses capazes de alterar o cotidiano da
estância, da cidade, de muitos moradores e de visitantes para eternizar-se na memória eleita
da população. Se o parâmetro estético do Complexo Termal do Barreiro fora definido pela
cultura greco-romana no delineamento dos espaços, por extensão projetados às linhas do
corpo que se curava ou embelezava, imperaram aqui os princípios daquela com a eternização
de si e da sua cidade.
272
CONSIDERAÇÕES FINAIS
273
tal, articulada pelo discurso progressista e, sobretudo, como cidade das águas que podem
higienizar, curar e aliviar as tensões urbanas, exigiu os chamados melhoramentos. Serviços de
água, energia elétrica, telefonia, calçamento e rede de esgoto, matadouro, mercado, hospital e
vias com jardins públicos, higienizados e embelezados, hotéis e “Casa de Banhos”,
impuseram-se como essenciais. Criar o grupo escolar, o teatro e o cinematógrafo constaram
do conjunto de medidas inovadoras constantemente reivindicadas e lentamente praticadas.
Nesse sentido, o discurso médico-higienista articulado ao do racionalismo dos engenheiros-
construtores ancorou as ações normativas que disseminavam noções de higiene e exerciam
domínio sobre os espaços públicos e os ambientes privados.
Se questões como estas se apresentavam como fundamentais à cidade, transportadas
à estação de águas tinham a sua dimensão ampliada. A contínua presentificação de mudanças,
mirando-se sempre em modelos afamados, transferiu ao poder público o dever de buscar
recursos oriundos do poder privado para suprir as necessidades de sobrevivência da população
e as conveniências individuais. Nesse cenário transformador que entrevia o real
aproveitamento do Barreiro, as negociações dos direitos de posse e de uso das fontes
envolveram uma rede de interesses conflitantes que colocaram em confronto as relações de
poder.
À concepção das transformações no tecido urbano seguiu-se a viabilização de
estradas, pontes e ferrovia, espaços destinados às mais variadas experiências de bem-estar e
de crescimento material, decorrentes do fetichismo promovido pela existência das águas. Os
tempos então sentidos por Araxá configuraram-se como representativos de um quadro de
expectativas e anseios em que moradores e visitantes compartilhavam possibilidades de
mudanças pessoais e coletivas.
Os novos hábitos e comportamentos adotados nos espaços públicos ou naqueles
restritos às elites – onde eram cultivadas idéias, opiniões e críticas – reproduziram os ditos
padrões europeus de civilização, que foram apropriados pelas cidades e pelos cidadãos
brasileiros de acordo com as especificidades presentes. A cidade-balneário contava com o que
as estações européias também podiam oferecer. Afora os parâmetros de conforto e de avanço
técnico-científico, aqui se dispunham de elementos tais quais àquelas, como as águas, o clima,
a vegetação e, particularmente, a liberdade diante das pressões rotineiras e da possibilidade de
se fazer, no mínimo, algo diferente do habitual.
O impacto da viagem inaugural do trem de ferro, em 1926, ligando Araxá às
principais capitais do país, havia cristalizado uma antiga aspiração, renovando alguns dos
modos de viver da população. No entanto, o caráter efêmero dos significados das
275
transformações que a locomotiva conduzia rumo à cidade e à estação de águas logo se tornou
evidente. Novos anseios e inquietações foram surgindo e o plano de se criar um modelo de
estância hidromineral foi adiado até a “Era Vargas”.
Seguramente, imensas dificuldades permeavam a vida das estâncias mineiras. Em
Araxá, o aparelhamento adequado incluiria, fundamentalmente, um Balneário definitivo,
novos hotéis, empresas arrendatárias das águas com engarrafamento e exportação do produto,
melhorias de serviços urbanos – entre estes os de saneamento, pavimentação e
embelezamento – e extração dos sais minerais com pequenas indústrias deles derivadas.
Pontuavam-se esses componentes havia décadas e os discursos que os reivindicavam, assim
como os próprios objetos de reivindicação, pareceram infindáveis e sujeitos às relações de
luta e de poder.
O fato é que o processo de urbanização e de modernização de Araxá, até os anos 20 e
30, expressou o desejo de reformular o espaço público, fazendo com que os cidadãos
pudessem viver um novo tempo, mais salubre, confortável e ativo. A dinâmica dessas
transformações vividas pressupunha a existência das águas minerais e a viabilidade de sua
utilização como referencial terapêutico, e o debate acerca da necessidade de se realizarem
melhoramentos urbanos e de se aparelhar o Barreiro apontou para a constante busca de uma
posição de estância modelar, integralmente destinada a receber aquáticos e visitantes.
Todavia, não se extinguiram, conforme muitas vezes sugerido e prometido, as formas de
produzir, de circular e, fundamentalmente, de pensar.
Nos anos 20 e em parte dos anos 30, as fontes do Barreiro e os espaços ao seu redor
passaram a contar com alguns dos desejados melhoramentos, considerados então
indispensáveis. A cidade também buscou a alteração do seu cenário. Reformas físicas foram
promovidas, bens e serviços foram incorporados às necessidades cotidianas e formas de viver
próprias de um mundo em transformação foram adotadas pelos habitantes, incluindo-se entre
esses os pertencentes à categoria dos trabalhadores. Havia os filhos da terra – uns mais atentos
às mudanças, outros menos – e os que chegavam atraídos diretamente pela possibilidade de
crescerem juntos com a estação de águas.
O engajamento dos habitantes e a organização do trabalho favoreceram a abertura de
pontos comerciais e de opções de entretenimento como cinemas, bares, confeitarias e casas de
jogos. No interior dessas relações de trabalho estiveram à mostra condições dissonantes do
cotidiano que se quisera adotar como digno de um “padrão civilizatório”. Se já se podia
dispor de elementos como a estrada ligando a cidade ao Barreiro, o Balneário ampliado, as
fontes reformadas, os jardins elaborados com aparência bucólica, os hotéis em número
276
A cidade tinha seu próprio cotidiano urbano, mesclado ao rural, e aquele que se
projetava para as temporadas, a princípio, de três semanas. Nesse período, o cenário local
parecia absorver a diversidade de referências que apontavam as potencialidades individuais e
coletivas. Os divulgadores da estância de Araxá depositavam confiança nas possibilidades da
aludida variação do lugar, que, aliadas à hidroterapia e aos benefícios climáticos, permitiam a
introdução de um tempo próprio ditado pela ingestão de doses diferentes de água, pela
imersão relaxante dos banhos e pelos prazeres de degustação e contemplação. Essas práticas e
representações corporais e sensoriais possibilitavam, ainda, o ingresso no mundo da estética,
carregando os signos da beleza e da aparência. Novamente, a sociabilidade permitida
promovia a reciprocidade e, ao final daquelas semanas, as ausências dos visitantes ainda
sugeriam suas presenças por meio dos caminhos que se abriam.
Quando se decidiu pela implantação do novo Complexo Termal do Barreiro de
Araxá e, por conseguinte, pela construção de um modelo emblemático de estância
hidromineral – “a maior e mais bela do continente” – o cenário desenhou-se como uma
tentativa de recriação da própria cidade. Da visão idealizada à materialização, de fato,
chegou-se à ocupação a partir de 1944. O cotidiano da cidade-balneário sofreu alterações
semelhantes àquelas anteriormente vividas, se comparadas às melhores temporadas.
O projeto de estância hidromineral executado se sobrepôs às expectativas da
população e aos anseios manifestos durante mais de meio século. Opções mais modestas e,
ainda assim, capazes de atender às necessidades e reforçar o discurso de uma vocação natural
viram-se preteridas. Os objetivos de uma obra de dimensão física gigantesca e de significado
social que extrapola a pretensão de objetividade e neutralidade dos mestres do saber técnico-
científico vieram de encontro às idéias nacionalistas, autoritárias e permeadas por certezas. As
linguagens expostas por meio dos discursos e da materialidade foram adotadas para oferecer
uma visão etérea, causando impacto diante do belo, do majestoso, do propulsor de riquezas
necessárias à sobrevivência da cidade, dos corpos que as procuram e dos interesses
individuais delas decorrentes.
As mudanças refletiram-se no esquadrinhamento da cidade à medida que se
implantaram determinados serviços de saneamento, pavimentação, embelezamento e
assistência social, reunidos sob o simbolismo de uma nova versão inscrita em uma das praças
centrais da cidade. As possibilidades de trabalho evidenciadas durante o processo de gestação
e mesmo depois de concluído o projeto integraram em grande medida as reações de quem se
via na materialização daquela idéia, mais próxima da construção coletiva de um sonho do que,
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“Visita do Governador Benedito Valadares Ribeiro a Araxá no próximo dia 15.” 09/02/1944
(PO/0095-141/AMDB-03)/FCCB.
“Partido Progressista convidando o povo para ficar do lado do Governador Dr. Benedito
Valadares.” (PO/0084-141/AMDB-03)/FCCB.
“Missa em ação de graças pela saúde do presidente Getúlio Vargas.” 03/07/1942 (PO/0029-
141/AMDB-03)/FCCB.
“Associação Comercial de Araxá - circular n.1 - sobre a necessidade que o comércio precisa
compreender.” 09/01/1944 (ASS/0001-141/AMDB-03)/FCCB.
Certidão verificada no livro de atas do antigo Conselho Consultivo desta Prefeitura, a compra
do Cine-Teatro Glória. (ACMA/45)/FCCB.
Ofício datado de 30/01/1940 referente ao início da construção de uma linha telefônica que
parte da sede do município de Sacramento e atinge a sede do município de Araxá.
(ACMA/25)/FCCB.
Ofício enviado pelo Chefe de Serviço de Estâncias Hidrominerais, Paulo Jaguaribe, pedindo
informação sobre a situação do prédio onde se acha instalado o Hotel das Fontes. 05/01/1939.
(EC/000612)/FCCB.
Ofício solicitando fotografias e dados sobre a estância para serem inseridos em folhetos e
cartazes. 17/01/1940. (EC/000615)/FCCB.
Ofício encaminhando cópia das Instruções a serem observadas no Balneário desta Estância.
29/07/1939. (EC/000614)/FCCB.
Ofício encaminhando um projeto de lei que serviria para regulamentar o serviço de Registro
de Cães, da sua Apanha e Profilaxia Anti-rábica. 12/08/1940. (CM/001949)/FCCB.
Certidão pedida pelo Prefeito Fausto Alvim sobre a compra do Cine-Teatro Glória.
(CM/001948)/FCCB.
Ofício encaminhando um modelo do contrato padrão que esta Companhia estaria disposta a
assinar com a Prefeitura para exploração do serviço telefônico local em Araxá. 07/05/1940.
(CM/1932)/FCCB.
306
Ofício comunicando que posto público interurbano nessa cidade será inaugurado. 07/05/1940.
(CM/001953)/FCCB.
Decreto-lei s/n e s/d sancionado pelo prefeito Fausto Alvim, que dispõe sobre o serviço de
calçamento. (CM/001918)/FCCB.
Decreto lei s/n e s/d sancionado pelo Prefeito Municipal sobre abertura e fechamento do
comércio em Araxá. (CM/001951)/FCCB.
Lei n.1259, 19 dez. 1865. Livro da Lei Mineira, Tomo XXXI, parte 1ª, folha 3. Arquivo
FCCB.
Recibo emitido referente aos serviços de calçamento de ruas, travessas, sarjetas, bueiros,
assentamento de meio-fio e fundições. 06/08/1930. (OU/000026)/FCCB.
Recibo emitido referente aos serviços de calçamento na rua Mariano de Ávila e praça da
Matriz. 28/08/1930. (OU/000027)/FCCB.
Dr. Pedro Pezzuti requer licença para remodelação e reforma do prédio situado na praça da
Conceição. 14/11/1950. (CC/000909)/FCCB.
Luiz Charéo Corrêa requer licença para construção de um prédio no terreno situado na rua
Presidente Olegário Maciel. 25/11/1932. (CC/000941)/FCCB.
T. João de Deus requer licença para construção de um prédio no terreno situado na rua
Presidente Olegário Maciel e também a abertura de uma pena d’água. 17/11/1930.
(CC/000910)/FCCB.
Irmã Maria Osanna, Diretora do Colégio São Domingos, requer licença para consertar,
reformar e aumentar o prédio onde funcionou o Grupo Delfim Moreira, e que foi doado pelo
Governo de Minas às Irmãs Dominicanas. 29/12/1930. (CC/000916)/FCCB.
Emmanuel Gianni, engenheiro construtor solicita o empréstimo da planta que serviu de base
para a construção do prédio do Dr. Pedro Pezzuti situado na praça da Conceição. 11/09/1930.
(CC/000892)/FCCB.
Geminiano Paulo de Magalhães Góes, engenheiro civil, requer licença para construir uma
cerca de madeira no alinhamento do meio-fio do terreno situado na avenida Olegário Maciel
n.306, onde irá construir o edifício da nova Agência do Banco do Brasil S/A. 24/07/1947.
(CC/001191)/FCCB.
Clelia Chiavez Trippa solicita aprovação da planta do aumento do Hotel Radio. 08/02/1930.
(CC/000810)/FCCB.
A Associação Rural de Araxá requer licença para construção do prédio da sua sede em terreno
situado na rua Presidente Olegário Maciel. 26/09/1947. (CC/001141)/FCCB.
A Associação Comercial de Araxá solicita a reparação da entrada e da ponte que liga a cidade
com o matadouro, a fim de se evitar prováveis prejuízos para o comércio local. 11/02/1940.
(OU/000182)/FCCB.
309
Alvará n.225 que concede ao Sr. João Gobbo licença para continuar com o seu negócio de
auto caminhão no corrente exercício. 01/02/1928. (EC/000169)/FCCB.
Alvará n.222 que concede ao Sr. Luiz Montandon licença para continuar com o seu negócio
de auto caminhão no corrente exercício. 01/02/1928. (EC/000166)/FCCB.
Alvará n.224 que concede ao Sr. José C. Ferreira licença para continuar com o seu negócio de
engenho de cana no corrente exercício. 01/02/1928. (EC/000168)/FCCB.
Alvará n.223 que concede ao Sr. Elias José Ragge licença para continuar com seu negócio de
Ind. e profissão no corrente exercício. 01/02/1928. (EC/000167)/FCCB.
Alvará n.217 que concede ao Sr. José Velloso de Paiva licença para continuar com seu
negócio de Ind. e profissão no corrente exercício. 31/01/1928. (EC/000161)/FCCB.
Alvará n.218 que concede ao Sr. José Velloso & Cia. licença para continuar com seu negócio
de Ind. e profissão no corrente exercício. 31/01/1928. (EC/000162)/FCCB.
Alvará n.219 que concede ao Sr. João Pereira Júnior licença para continuar com seu negócio
de Ind. e profissão no corrente exercício. 31/01/1928. (EC/000163)/FCCB.
Alvará n.220 que concede à Sra. Thereza Teixeira & Cia. licença para continuar com seu
negócio de Ind. e profissão no corrente exercício. 31/01/1928. (EC/000164)/FCCB.
Alvará n.221 que concede ao Sr. João Geraldo licença para continuar com seu negócio de Ind.
e Profissão no corrente exercício. 31/01/1928. (EC/000165)/FCCB.
Braz Pidemonti, comerciante ambulante de louças, requer licença para permanecer 30 dias
nesta cidade. As vendas serão efetuadas na avenida Antônio Carlos esquina com Dom José
Gaspar. 26/10/1956. (EC/000193)/FCCB.
Antônio Cabral, tendo adquirido a livraria e papelaria de Jaime Oliveira, situada na rua
Presidente Olegário Maciel n.64, solicita transferência do conhecimento do imposto de
Indústrias e Profissões para o seu nome. 27/09/1950. (EC/000191)/FCCB.
310
João Pereira Valle, engenheiro legalmente habilitado, se apresenta como candidato ao cargo
de chefe de serviço de obras desta Prefeitura. 09/09/1947. (EC/000190)/FCCB.
José Nolli Filho requer licença para o funcionamento de uma oficina de consertos de veículos
situada na rua Belo Horizonte n. 38. 06/07/1933. (EC/000188)/FCCB.
Manoel Botelho Júnior, negociante de bebidas e outros artigos, requer licença especial por 15
dias para ter sua casa comercial aberta depois das 7 horas, para aproveitar o comércio, com a
estada da Cia. de Cavalinhos nesta cidade. 11/08/1930.( EC/000186)/FCCB.
Joaquim Lopes de Oliveira, tendo adquirido uma carroça para serviços de praça, requer
licença. 10/07/1930. (EC/000185)/FCCB.
Daniel Henrique Pinto, negociante, requer licença especial para vender artigos de confeitarias
aos domingos e mais outros dias proibidos por lei. 19/04/1930.( EC/000183)/FCCB.
Salomão Pereira de Mesquita requer licença para colocar uma bomba de gasolina na avenida
Antônio Carlos, em frente a sua farmácia. 12/03/1930. (EC/000182)/FCCB.
O arrendatário do Hotel Radio, no Barreiro, requer licença para colocar uma tabuleta
indicando a estrada do referido hotel, na esquina em frente a venda do Sr. Fortunato Lopes.
07/02/1930. (EC/000183)/FCCB.
João de Paula Teixeira Filho, tendo adquirido a fotografia do Sr. Octavio Fonseca, requer
licença. 02/02/1930. (EC/000179)/FCCB.
“As Casas Pernambucanas requer licença para que a filial desta cidade possa negociar em
tecidos no corrente exercicio”. 31/01/1930. (EC/000178)/FCCB.
311
“As Casas Pernambucanas requer licença para colocar um reclame artistico no Barreiro, nas
proximidades do balneario, fora da area das fontes”. 15/01/1930. (EC/000177)/FCCB.
Nagib Galdino, negociante, tendo comprado a casa comercial do Sr. Salim Bittar, requer a
transferência do imposto para seu nome. 10/01/1930. (EC/000176)/FCCB.
Olímpio Pereira Marques, comerciante nesta cidade à praça São Sebastião n.273, requer
licença para fazer limpeza de cal e areia em seu prédio. 22/09/1933.( EC/000505)/FCCB.
Leonídio José da Silva, requer isenção de imposto com Salão de Barbeiro, por motivos
financeiros, relativa ao exercício de 1932 e 1º semestre deste ano. 23/08/1933.
(EC/000501)/FCCB.
Arlindo Amaral, estabelecido com oficina de seleiro requer baixa em seu lançamento, por
estar de mudança para Formiga. 05/08/1933. (EC/000498)/FCCB.
Fortunato Lopes, negociante, querendo mudar a bomba de gasolina instalada na rua Belo
Horizonte para a avenida Antônio Carlos, EC/000171. Sebastião Pacheco de Oliveira, requer
licença para estabelecer com negócio de gêneros do país. 03/01/1930. (EC/000170)/FCCB.
Jamille & Irmão resolvendo explorar o comércio de negócio misto, vem requerer o
cadastramento de sua firma na lista dos contribuintes de pequena escala. 03/01/1930.
(EC/000172)/FCCB.
Rosimera Guimarães requer licença para estabelecer no bairro Lava-pés com gêneros do país.
07/01/1930. (EC/000173)/FCCB.
João Manuel de Jesus requer licença para estabelecer no bairro Lava-pés com gêneros do país
em pequena escala. 08/01/1930. (EC/000174)/FCCB.
Olyntho Affonso Teixeira requer licença para estabelecer na rua Santa Rita com gêneros do
país. 09/01/1930. (EC/000175)/FCCB.
Enéas Santos & Cia. informa que nesta data deixou de fazer parte da firma e pede alteração
para Rosalvo Santos. 21/09/1933. (EC/000506)/FCCB.
312
Antônio dos Santos requer licença para estabelecer com uma padaria na avenida Lava-pés.
12/10/1933. (EC/000508)/FCCB.
José Costa Teixeira, proprietário de uma olaria situada no lugar denominado Pirapetinga,
requer baixa do imposto. 11/12/1933. (EC/000510)/FCCB.
Waldemar Fernandes Corrêa requer: 1) baixa da placa de reclame do saldo. 2) licença para
continuar com a sua profissão. 3) informar que o Salão Triângulo instalado na avenida
Lavapés n. 34 foi transferido para Waldemar Martins Furtado. 15/12/1933.
(EC/000511)/FCCB.
Felício de Souza, proprietário, residente na rua do Comércio, não podendo continuar com a
profissão de caldeireiro, requer baixa no seu lançamento. 14/12/1933. (EC/000513)/FCCB.
Antenor Gomes de Menezes, tendo vendido seu carro de boi ao Sr. Agenor de Ávila, requer
transferência do lançamento de imposto. 26/12/1933. (EC/000568)/FCCB.
Oliveiro Antônio Morais, tendo vendido seu carro de boi ao Sr. Joaquim Sebastião de Souza,
requer baixa no lançamento de imposto. 26/12/1933. (EC/000569)/FCCB.
Areowaldo Affonso, tendo alugado para a Sra. Maria José Palhares Rosa o “Brazil Hotel”
inclusive o prédio n.276 (lavanderia) situado na rua São Miguel, requer transferência de
impostos. 27/12/1933. (EC/000572)/FCCB.
313
Laudelino Gomes, tendo instalado nesta cidade um cinematografo, requer isenção de imposto
de acordo com art. 9º da lei municipal n.247 de 22/09/1913. (EC/000580)/FCCB.
Francisco Martins Lobato, não querendo continuar com a empresa Auto Viação de Araxá à
Sacramento com seu ônibus Ford V8, requer baixa no lançamento de impostos. 29/12/1938.
(EC/000581)/FCCB.
E. Rosa & (...) requer licença para construção de um posto de serviços para automóveis.
30/05/1939. (EC/000589)/FCCB.
Salim Dib, de naturalidade síria, casado, residente nesta cidade desde 1908, com a profissão
de comerciante, requer atestado de que é cidadão idoneo. 28/11/1939. (EC/000594)/FCCB.
314
Rosalvo Santos & Cia, estabelecido à rua Mariano de Ávila n.232 com o comércio de Armas,
Munições, Ferragens etc., solicita informações sobre quitação de impostos referentes ao
último exercício. 06/01/1950. (EC/000596)/FCCB.
Fuad Feres e Irmão requer baixa no lançamento de imposto com fazendas. 30/01/1950.
(EC/000597)/FCCB.
Joaquim Inácio Pereira, comerciante, estabelecido na Estação da Rede Mineira de Viação com
o comércio de Botequim etc, requer baixa no lançamento de imposto. 31/03/1950.
(EC/000598)/FCCB.
Aziz J. Chaer, agente da Texas Cia., requer autorização para instalação de uma bomba de
gasolina elétrica, defronte o prédio de sua sede comercial, situado na praça Governador
Valadares n.453. 02/05/1950. (EC/000600)/FCCB.
Jerônimo Antônio Mendes, tendo vendido o seu Botequim situado na avenida Antônio Carlos
n.170, ao Sr. José Mariano de Souza, requer a transferência no lançamento de imposto.
01/09/1950. (EC/000602)/FCCB.
Francisco de Paula Ferreira, negociante na praça São Sebastião, tendo vendido o seu negócio
de secos e molhados ao Sr. João Ferreira de Resende, requer baixa no lançamento de
impostos. 14/05/1932. (EC/001231)/FCCB.
Alfredo Alves de Barcelos, residente na avenida Lava-pés, não querendo continuar com seu
depósito de lenhas, requer baixa no lançamento de impostos. 17/06/1932.
(EC/001233)/FCCB.
Osório Alves Barcelos, tendo transferido o seu negócio de gêneros do país que vinha
mantendo na “Chapada” ao Sr. Francisco Ferreira de Paula, requer baixa no lançamento de
imposto. 06/07/1932. (EC/001235)/FCCB.
Hudson Alvarenga requer baixa no lançamento de imposto sobre o salão de diversões do Bar
Trianon. 30/11/1932. (EC/001237)/FCCB.
315
Paulo Villela, tendo fechado sua casa comercial no alto do Lava-pés, onde estava estabelecido
com gêneros e bebidas, requer baixa no lançamento de imposto de indústrias e profissões.
12/12/1932. (EC/001240)/FCCB.
Alim Mauseff, comerciante, estabelecido com negócio de fazenda seca, tencionado fazer a sua
transferência de casa comercial para Itaipu, requer a transferência. 22/12/1932.
(EC/001243)/FCCB.
Argeu Alves da Costa, estabelecido na rua Presidente Olegário Maciel com botequim e tendo
transferido o mesmo ao Sr. Venino Ribeiro Marins, requer baixa no lançamento de imposto.
24/12/1932. (EC/001245)/FCCB.
João Senna & Cia, comerciante de secos e molhados, situado na rua Presidente Olegário
Maciel n.775, requer baixa no lançamento de imposto para o exercício de 1933. 26/12/1932.
(EC/001246)/FCCB.
Arlindo José da Rocha requer baixa de lançamento de imposto com sua fábrica de fogos.
27/12/1932. (EC/001251)/FCCB.
Freitas e Affonso estabelecidos com salão de barbeiro na rua Presidente Olegário requerem
baixa no lançamento de imposto. 04/07/1933. (EC/001256)/FCCB.
Fenelon dos Santos requer ligação de rede de esgoto no prédio de sua residência, situado na
rua Presidente Olegário Maciel esquina com rua Mariano de Ávila. 30/12/1932.
(SB/000585)/FCCB.
Luis Pinto da Silva Pereira requer ligação de rede de esgoto em sua casa de residência, situada
na rua Belo Horizonte. 25/07/1933. (SB/000586)/FCCB.
Hugo Levy requer licença para construir e ligar sua instalação de esgoto à rede geral.
19/08/1933. (SB/000588)/FCCB.
Mozart Machado Rezende requer licença para fazer ligação de rede de esgoto, do prédio
situado na rua Mariano de Ávila esquina com Belo Horizonte. 27/09/1933.
(SB/000589)/FCCB.
Octavio Fonseca requer licença para fazer ligação de seu esgoto à rede geral. 12/12/1933.
(SB/000590)/FCCB.
317
E. Rosa & Cia requer licença para fazer ligação de rede de esgoto do prédio, Agência
Chevrolet, situado na rua Mariano de Ávila s/n. 24/02/1939. (SB/000591)/FCCB.
José Fonseca Júnior, proprietário do prédio n.259, situado na avenida Antônio Carlos, requer
ligação de rede do esgoto. 10/04/1939. (SB/000592)/FCCB.
José Florencio da Fonseca, proprietário do prédio n.47, situado na avenida Antônio Carlos,
requer ligação de rede de esgoto. 10/04/1939. (SB/000593)/FCCB.
Carlos Moura, requer ligação de rede de esgoto de sua casa de comércio situada na rua do
Comércio com rua Mariano de Ávila. 08/05/1939. (SB/000594)/FCCB,
Alonso Ribeiro de Paiva, proprietário do prédio n.45 da rua São Miguel, requer licença para
fazer ligação de rede de esgoto. 09/05/1939. (SB/000595)/FCCB.
Ezequiel Pinto da Silva, proprietário do prédio n.19 da praça São Domingos, requer licença
para fazer ligação de rede de esgoto. 09/05/1939. (SB/000596)/FCCB.
Felix Renato Palmerio, residente à rua Dom José Gaspar n.321, requer licença para fazer
ligação de rede de esgoto. 03/02/1947. (SB/000597)/FCCB.
Joaquim de Souza, residente à rua Dom José Gaspar n.129, requer licença para fazer ligação
de rede de esgoto. 10/07/1947. (SB/000598)/FCCB.
Arthur Paixão, residente à avenida Imbiara n.260, requer licença para fazer ligação de rede de
esgoto. 21/03/1947. (SB/000599)/FCCB.
Cardolina Soares de Moura, proprietário do prédio n.234 situado à rua Dr. Franklin de Castro
requer licença para fazer ligação de rede de esgoto. 13/05/1947. (SB/000600)/FCCB.
Benedito Candido de Oliveira, residente na avenida Senador Montandon n.63 esquina da rua
Quintino Bocaiúva requer licença para fazer ligação de rede de esgoto. 31/05/1947.
(SB/000601)/FCCB.
Mário Rosa, residente na rua Dom Bosco n.135, requer licença para fazer ligação de rede de
esgoto. 18/07/1947. (SB/000602)/FCCB.
Apulchro Porfírio de Azevedo requer ligação de luz e esgoto em sua casa situada a rua
Mariano de Ávila. 01/08/1947.(SB/000603)/FCCB.
318
José Lemos da Silva requer ligação de rede de esgoto em sua casa situada na avenida Imbiara.
09/09/1947. (SB/000604)/FCCB.
Hugo Caturri, diretor e secretário do Circo Theatro Bandeirantes, requer licença para instalá-
lo na praça São Sebastião. 23/06/1939. (EC/000591)/FCCB.
Oscar Pereira, secretário do “Circo Irmãos Prata”, requer licença para armá-lo na praça São
Sebastião. 23/05/1939. (EC/000588)/FCCB.
Arlindo José da Rocha requer licença para construir uma fábrica de fogos no Alto de Santa
Rita. 03/10/1938. (EC/000578)/FCCB.
Leonídio José da Silva, Francisco Pennello, Alberto Ribeiro de Almeida, Celso Affonso,
Francisco Ratto, Waldemar Fernandes Corrêa, Enéas Araújo, Antônio Camattari e José Maria
Perfeito requerem licença para que os seus salões conservem abertos nos dias 24 e 31 de
dezembro. 15/12/1933. (EC/000512)/FCCB.
Luiz Colombo requer licença para instalar uma pequena confeitaria com bilhar, anexo ao
Hotel das Thermas, de sua propriedade. 09/08/1933. (EC/000499)/FCCB.
Oscar Pereira, secretário do circo “Piolin”, requer licença para armá-lo na avenida 3 de
outubro e também ligação de energia elétrica. 08/07/1933. (EC/000496)/FCCB.
Luiz Chalréo Correia, tendo vendido a fábrica de “Sabonete Araxaense” aos Srs. Marçolla &
Cia., requer baixa no lançamento do imposto. 30/07/1932. (EC/0001236)/FCCB.
Elias Porfírio de Azevedo, proprietário dos cinemas “Trianon” e “Capitólio”, requer baixa no
lançamento do imposto. 31/12/1930. (EC/001226)/FCCB.
319
José Cassimiro da Silva, proprietário do “Grande Hotel Central”, situado na avenida Antônio
Carlos, requer baixa no lançamento do imposto de caixa de engraxate e pena de água.
31/12/1930. (EC/0001331)/FCCB.
Antônio Trivellato requer baixa do imposto sobre sua casa de diversão “Petit Club” situada no
Barreiro. 02/04/1930. (EC/001288)/FCCB.
Antônio Trivellato requer permissão para pagamento do 1º semestre do imposto de sua casa
de diversão situada no Barreiro. 02/04/1930. (EC/001200)/FCCB.
Otamilo Cunha requer isenção de multa imposta sobre atraso de pagamento sobre casa de
diversão que funciona no Barreiro. 24/03/1930. (EC/001199)/FCCB.
Otamilo Cunha, não querendo continuar com suas casas de diversões Clube Avenida – Clube
Commercial – Clube Glória e Cassino das Thermas, requer baixa no lançamento de imposto.
28/12/1930. (EC/001281)/FCCB.
Fabrício Martins requer isenção de impostos de 2 automóveis que fazem corridas para
Sacramento. 24/03/1930. (EC/001193).
José Carlos Pedro Grande, autor da planta do “Grande Hotel”, requer o empréstimo da
original, a fim de estudar modificações que serão feitas no prédio. 25/08/1930.
(EC/000883)/FCCB.
Fortunato Lopes requer licença para construir um prédio no terreno de sua propriedade
situado no Barreiro denominado “Villa Cavallini”. 07/08/1930. (EC/000880)/FCCB.
6. Revistas
FONTE Andrade Júnior. In: ARCHITECTURE DÁUJOUR' HUI. n.13-14, set. 1947.
REVISTA EU SEI TUDO. Rio de Janeiro, dez. 1936, abr./maio 1937. Arquivo do IEB/ São
Paulo.
7. Jornais
A FAÍSCA, de José Carlos Pedro Grande e Antônio Cabral, que circulou, semanalmente,
entre 19/01/1930 e 12/07/1930. Total: 35 edições.
A VOZ PAROCHIAL. Araxá, n.08, 15/08/1917; n.11, 01/10/1917; n.17, 1/01/1918; n.22,
01/04/1918.
CORREIO DE ARAXÁ. Araxá, n.03, 27/01/1913; n.12, 29/06/1913; n.13, 12/04/1917; n.14,
13/07/1913; n.19, 17/08/1913; n.22, 29/06/1913; n.120, 01/08/1915; n.137, 05/12/1915;
n.140, 26/12/1915; n.145, 12/03/1916; n.153, 14/05/1916; n.168, 27/08/1916; n.172,
24/09/1916; n.176, 22/10/1916; n.191, 18/02/1917.
321
GAZETA DE ARAXÁ. Araxá, n.09, 23/11/1890; n.10, 30/11/1890; n.16, 11/01/1891; n.19,
15/02/1891; n.21, 01/03/1891; n.28, 19/04/1891; n.33, 07/06/1891.
GAZETA DO ARAXÁ. Araxá, n.01, 27/05/1917; n.03, 16/06/1917; n.04, 17/06/1917; n.10,
29/07/1917.
JORNAL DE ARAXÁ. Araxá, n.01, 16/02/1919; n.02, 23/02/1919; n.04, 09/03/1919; n.13,
18/05/1919; n.23, 03/08/1919; n.29, 28/09/1919; n.42, 01/01/1920.
MINAS GERAIS. Órgão Official dos Poderes do Estado. Belo Horizonte, 04/01/1917.
MINAS BRASIL. Araxá, n.26, 01/11/1925; n.114, 24/06/1923; n.142, 06/01/1924; n.186,
09/11/1924; n.193, 28/12/1924; n.210, 26/04/1925; n.211, 01/05/1925; n.253, 28/02/1926;
n.258, 11/04/1926; n.275, 10/08/1926; n.276, 22/08/1926.
RENOVAÇÃO, dos Drs. Álvaro Ribeiro e Tomás de Almeida, que circulou, semanalmente,
entre 14/01/1934 e 23/09/1934. Total: 36 edições.
TRIBUNA DE ARAXÁ. Araxá, n.10, 15/03/1915; n.15, 01/07/1915; n.16, 15/06/1915; n.22,
22/12/1915.
8. Recortes de Jornais
9. Mapas e Plantas
Mapa “Localização da Mancha Urbana e do Barreiro”, por Maria Beatriz Brandão Rocha,
Araxá.
Planta de ajardinamento da área da praça Cel. Adolfo e das quadras em direção à Igreja na
Cidade de Araxá. No canto esquerdo, carimbo com os dizeres: “Dierberger & Companhia.
Floricultura. S. Paulo”. São Paulo. 12/03/1930. (OU/000220)/FCCB.
323
Projeto para Estação Rodoviária de Araxá por Valentino Antônio Senna. 08/05/1949.
(OU/000192)/FCCB.
II – MANUSCRITAS:
1. Livros de Atas
2. Relatórios
Adendo da mensagem proferida pelo prefeito Mário Álvares da Silva Campos em 15/02/1929
sobre sua administração durante o ano de 1928. (CM/00082)/FCCB.
Araxá sob a administração José Adolpho de Aguiar. Dezembro, 1947; Dezembro, 1953.
Araxá: Tipografia Irmãos Barreto. 1947. 33p. Arquivo FCCB.
324
Mensagem proferida pelo prefeito Mário Álvares da Silva Campos em 15/02/1929 sobre sua
administração durante o ano de 1928. (CM/00081)/FCCB.
3. Diários
4. Fragmentos de acervos
Conjunto de documentos família Severino José Catella. Manuscrito, por Severino José
Catella. Belo Horizonte, jan. 2007. 2p. (Coleção particular, transcrito por Ahilton Guimarães).
325
5. Correspondências
Série de radiogramas mantidos entre os órgãos oficiais do governo de Minas Gerais, ligados à
administração do então Complexo Termal em construção. Foram lidos e anotados os
radiogramas do período compreendido entre 1936 e 1944. Fundo da Secretaria da Viação e
Obras Públicas. Arquivo Público Mineiro.
Filmes produzidos pelo antigo DIP referentes às visitas da comitiva presidencial em Araxá
nos anos 1940 e 1944, conforme as seguintes referências: Cine-Jornal Brasileiro vol.1, n.10,
1940; Cine-Jornal Brasileiro vol.1, n.102, 1940; Cine-Jornal Brasileiro vol.1, n.106, 1940;
Cine-Jornal Brasileiro vol.3, n.60, 1944. Arquivo Cinemateca Brasileira.
IV – ORAIS:
VI – ELETRÔNICAS:
ANEXOS
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22 Piumhi