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Revista Brasileira de História & Ciências Sociais

Vol. 4 Nº 8, Dezembro de 2012


© 2012 by RBHCS

A grande repressão de 1932 em São Paulo.

The great repression of 1932 in São Paulo.

Marcos Tarcisio Florindo1

Resumo: O presente artigo analisa a grande repressão política e social que


acompanhou o desenrolar da revolução constitucionalista de 1932 na cidade de São
Paulo e avalia o impacto das práticas de contenção nas organizações atingidas,
sobretudo os sindicatos e partidos dirigidos por militantes da revolução social. As
fontes principais para a elaboração do texto são os documentos produzidos pelo
DEOPS/SP.
Palavras-Chave: Revolução. São Paulo. DEOPS/SP.

Abstracts: This article analyzes the political and social repression that followed the
course of the constitutionalist revolution of 1932 in São Paulo city and assesses the
impact of practices restraint in affected organizations, especially trade unions e
parties led by activist of the social revolution. The main sources for the preparation of
the text documents are produced by DEOPS/SP.
Keywords: Revolution. São Paulo. DEOPS/SP.

A revolução constitucionalista de 1932, episódio capital da história paulista,


ocupa cada vez mais um lugar de destaque na história política da república brasileira.
A guerra civil, exposta desde os anos 1930 pelos ex-combatentes em seus relatos
memorialísticos (os quais na maioria mitificavam os combates e as virtudes paulistas)
foi analisada também pela pena de sociólogos e de historiadores que destacaram
desde o caráter elitista da pretensa revolução até os efeitos republicanos e
democratizantes emanados com o fim da contenda2. A partir dos anos 1980, com a
redemocratização, vem ampliando o campo dos analistas que a exaltam a guerra civil
em São Paulo como um momento de mobilização popular em prol da democracia, isto
em detrimento do olhar crítico que a percebeu como uma reação conservadora das

1 Mestre em História e Doutor em Sociologia pela Unesp, é professor da Fundação Escola de Sociologia
e Política de São Paulo.
2 Sobre o assunto, ver BORGES, Vavy Pacheco. Memória Paulista. São Paulo: Edusp, 1997.

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oligarquias paulistas, inconformadas com a nova situação política criada pela


revolução de 1930. Em que pese certa necessidade de celebrar mártires para
constituir o longo caminho da construção democrática3, a revolução
constitucionalista segue após 80 anos como importante tema de fomento do debate
histórico e político, enriquecendo-os com pesquisas que observam os acontecimentos,
as causas e as conseqüências da principal guerra civil do século XX brasileiro sob
diferentes abordagens e diversos aspectos4.
O objetivo do presente artigo é lançar luzes sobre um ponto obscuro da guerra
civil e de seus desdobramentos: rememorar a intensa repressão política e social que
acompanhou o desenrolar da crise política na cidade de São Paulo e que se acirrou
violentamente com a eclosão do conflito, avaliando seu impacto sobre as organizações
do movimento operário atingidas, sobretudo o Partido Comunista do Brasil (o qual
teve aprisionado seu Comitê Central, então recentemente transferido do Rio de
Janeiro para a capital paulista) e os sindicatos dirigidos por militantes da revolução
social (sobretudo por militantes do anarcossindicalismo, que permaneceram atuantes
em alguns sindicatos até a metade da década de 1930). A contenção, capitaneada pela
Delegacia de Ordem Política e Social já ocorria desde antes da contenda militar,
devido ao intenso movimento de reorganização sindical que acontecia desde o fim do
ano de 1930, colocando em disputa pelos corações e mentes operárias os sindicatos
autônomos e os sindicatos “oficiais”, frutos da recente política de sindicalização
orquestrada pelo Departamento do Trabalho, órgão ligado ao Ministério do Trabalho
criado por Getúlio Vargas e centro da nova política corporativa de atrelamento dos
sindicatos ao Estado. Neste ínterim, a guerra civil e a instauração do estado de sítio
permitiram a intensificação da repressão para níveis somente comparáveis aos anos
de chumbo do governo Arthur Bernardes ou aquela que se seguiu a intentona
comunista de 1935. As fontes principais utilizadas neste trabalho são os próprios
documentos produzidos pelo DEOPS/SP, sob guarda do Arquivo do Estado de São
Paulo.

3 Nunca é demais lembrar que os “mártires da revolução” (os estudantes Martins, Miragaia, Dráusio e
Camargo) foram incluídos no ano de 2012 no Livro dos Heróis da Pátria ou Livro de Aço, por decreto
sancionado pela Presidenta Dilma Roussef (Lei Federal 12.430 de 20 de junho de 2011).
4 Cito por exemplo o trabalho do historiador e professor da UFSCar Marco Antônio Villa 1932:

imagens de uma revolução (Prensa Oficial do Estado de São Paulo, 2008) e do jornalista e
historiador Osvaldo Faustino Legião negra: a luta dos afro-brasileiros durante a revolução
constitucionalista de 1932 (São Paulo, editora agora, 2011).

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O intenso movimento de reorganização sindical orquestrado pelos


militantes da revolução social após o golpe de Estado que levou Getúlio Vargas ao
poder era acompanhada lance a lance pelos investigadores do DEOPS. Os secretas do
órgão apontavam em seus relatórios de investigação o frenético trabalho dos
militantes da revolução social para reconstruir suas associações sindicais,
destroçadas pela repressão dos anos finais do regime anterior. Os
anarcossindicalistas reorganizaram sua Federação Operária (FOSP), congregando os
sindicatos sob orientação dos militantes ácratas. Os comunistas do PCB também
passaram a intensificar seu trabalho nos ambientes operários de São Paulo, cuja
penetração até então era reconhecidamente insuficiente pelos próprios militantes5.
Estes formariam a Federação Sindical Regional (FSR)6 no intuito de comandar
frações nos sindicatos que contavam com a participação de membros do partido. A
distensão no movimento comunista internacional promovida pela luta sucessória na
União Soviética, que culminaria com a vitória de Stalin sobre Trotsky, fomentou o
surgimento da oposição de esquerda em São Paulo (cujos membros seriam expulsos
do PCB acusados de trotskismo e fundariam em 1933 a LCI, ou Liga Comunista
Internacionalista) levando a direção da União dos Trabalhadores Gráficos (ou UTG, o
mais combativo segmento do operariado paulistano sob direção do partido), a
reboque, para a influência trotskista. A UTG, embora dirigida por comunistas “por
uma questão corporativa, mantinha-se relutantemente filiada a FOSP”.7

5 Comentando sobre as quedas dos quadros dirigentes do PCB ocorrida em São Paulo em 1932
(assunto que será abordado posteriormente neste trabalho) comenta Leôncio Basbaum: “Praticamente
se acabara o PCB em São Paulo, onde, aliás, nunca fora grande coisa”. (BASBAUM, 1976, p.111). Sobre
as deficiências do PCB na capital paulista, afirma Octávio Brandão: “São Paulo sempre foi uma das
nossas falhas, sempre as nossas posições foram fracas” (BRANDÃO, 1993, p.35).
6 Embora a atividade sindical comunista fosse considerada, pelos próprios, insuficiente em São Paulo,

os analistas do DEOPS/SP percebiam que havia a preocupação do partido em incrementar essa


atividade, e apontavam a melhoria do trabalho dos comunistas neste setor desde o ano de 1929.
“Relatando o movimento comunista, é preciso dividi-lo em duas partes: uma – o desenvolvimento das
idéias políticas, alteração delas de acordo com o crescimento político da classe operária local ou sob
influência dos diversos acontecimentos políticos, em soma – idéia oficial do comunismo
representativo, e outra parte – a de aplicação prática destas idéias e a revelação da fisionomia
verdadeira do trabalho comunista no país e estudos dos métodos – legais e ilegais – de
desenvolvimento da influência bolchevista na vida social. Quanto à parte primeira, o movimento
socialista- comunista no Brasil tinha passado no ano findo pela etapa de maior importância, pela etapa
que passam todos os partidos comunistas da sua idade. Acabou-se o período de crescimento e começa
a vida de um partido adulto[...] as organizações comunistas no ano findo aumentaram em quantidade
e qualidade [...] Uma vez pronta a construção partidária em linhas gerais [...] parece que os comunistas
são preocupados em reforçar esta construção e ensinar seus novos membros. Fazemos essa conclusão
a priori, pois que a confirmação só pode ser obtida por meio da rigorosa vigilância dentro do
organismo partidário.” “A atividade comunista em 1929”. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB, vol. 4.
7Relatório reservado”. Agente Antônio Ghioffi. 10/06/1931. Prontuário DEOPS/SP n. 716 da FOSP.

Vol.2. doc.18.

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Os próprios policiais atestavam o maior sucesso dos anarcossindicalistas


do que dos comunistas no movimento de reorganização sindical ocorrido logo após a
queda da república velha. A FOSP, reorganizada, arregimentara quinze sindicatos de
diversos ofícios e formara duas ligas operárias de bairro.8 “A FOSP tem desenvolvido
atividades nos centros operários, por meio de seus delegados, efetuando comícios em
sedes particulares, nos arrabaldes e subúrbios. Imprime e manda distribuir boletins e
pelos seus órgãos difundi o anarcossindicalismo.”9
Ao contrário dos anarcossindicalistas, os comunistas do PCB não haviam
logrado atingir a direção de nenhum sindicato em São Paulo – afora a UTG, o
tradicional reduto gráfico dos membros da oposição de esquerda, os quais, embora
renegados pelo partido, ainda se consideravam como uma fração do PCB. Para
reverter o quadro, a FSR10 apostava na ampliação da propaganda nas associações de
classe e nas empresas: “A maior propaganda é feita nas fábricas, onde existem células
e com o auxílio dos chamados intelectuais. A propaganda externa consiste em
boletins distribuídos entre operários”11. A atenção dos comunistas para o movimento
operário paulistano se acentuaria a partir do congresso das seções comunistas latinas,
promovida pela IIIa Internacional na cidade de Montevidéu em 1931. O congresso
deliberou em favor de escolher São Paulo como base para as ações sindicais no

8 Entre esses, encontravam-se a União dos Trabalhadores da Light, Sindicato dos Manipuladores de
Pão, Liga Operária da Construção Civil, União dos Artífices em Calçados, Sindicato dos Vendedores
Ambulantes, União dos Operários Metalúrgicos, União Geral dos Profissionais do Volante, Sindicato
dos Operários em Fábricas de Chapéu, Sindicato dos Alfaiates de São Paulo, União dos Operários em
Fábricas de Vidro, Sindicato dos Ferroviários do Estado de São Paulo, União dos Ladrilheiros, União
dos Operários em Ofícios Vários, Liga Operária da Lapa e Água Branca, Liga Operária da Vila
Anatácio, União dos Canteiros de Itatiba e União dos Trabalhadores Gráficos. Sobre o assunto, ver:
Prontuário DEOPS n. 716 da FOSP, vol 2 (informes reservados) e Prontuário n. 2.431 do PCB vol.4.
“Informação reservada” de 02/08/1934.
9 “FOSP”. Prontuário DEOPS/SP n.716 da FOSP vol. 3.
10 Uma apreciação resumida das atividades da FSR em São Paulo e das práticas de contenção do

DEOPS sobre a entidade no ano de 1931 consta do “relatório sobre sindicatos”, enviado do DEOPS
para o Gabinete de Investigações: “Tem funcionado sempre clandestinamente e sem sede declarada.
Suas reuniões são efetuadas ora na residência de um membro, ora na residência de outro. A polícia,
diversas vezes, tem varejado a casa onde os elementos se reuniam. Os componentes da FSR são
membros da comissão de agitação e propaganda do PCB, sua atividade é desenvolvida nos centros
operários e procurando se infiltrar-se nos seus sindicatos, afim de capturar a simpatia do proletariado.
Geralmente são escolhidos indivíduos de fácil oratória, conhecedores profundos dos assuntos sociais e
que sabem cativar os auditórios. Até escolas comunistas freqüentam para esses fins. A FSR não conta
com grandes elementos para um movimento grevista em São Paulo. Entretanto, iniciada uma greve, a
FSR incontinenti, procura se assenhorar da situação, por meio dos seus agentes que se infiltram nos
meios operários, até conseguir ‘desideratum’, haja visto o movimento de maio do ano corrente na SPR
e outras indústrias”. “Relatório sobre sindicatos”. Prontuário DEOPS/SP n.880 da Federação Sindical
Regional de São Paulo.
11 “Informação reservada”. Delegado de Ordem Social, 02/08/1934. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do

PCB.

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continente, por esse ser o seu maior centro industrial. “Assim os comunistas foram se
concentrando na capital paulista, estabelecendo ligações com o interior, formando
células e aplicando diretamente, no meio paulista, as ordens emanadas do
Komintern”(CAMPOS, 2000, p.152). No final de 1931, a FSR realizou a conferência
da unidade sindical, participando os sindicatos dos metalúrgicos unidos, do vestuário
e dos madeireiros. A UTG dos gráficos trotskistas, em turras com os dirigentes
anarquistas da FOSP, também se fez representar no congresso da FSR, que por sinal,
teve suas plenárias invadidas pelos policiais do DEOPS12.
A crescente presença dos comunistas em São Paulo, disputando espaço com
os anarcossindicalistas nos meios operários, despertou os investigadores da polícia
política para as diferenças ideológicas e de atuação entre os militantes do partido e
das organizações ácratas. Tais diferenças, conhecidas desde antes pelas autoridades,
ganharam nova ênfase nos documentos da policia a partir do momento em que a
influência da FSR fez-se sentir com maior ressonância nas organizações operárias
oficializadas pelo Departamento do Trabalho.13 Foi com a “permanente agitação”
promovida pelos comunistas nos meios sindicais que os policiais paulistas passaram
a produzir relatórios que referenciavam a estrutura e o funcionamento do aparelho
burocratizado do partido, apontando suas distinções em relação às organizações
sindicais independentes, que até então eram os segmentos “privilegiados” na
elaboração dos roteiros de investigação e contenção desenvolvidos pela agência. A
medida evidencia o pragmatismo orientador da atividade policial, que selecionava
seus “alvos” conforme as exigências da época e o conhecimento capturado in loco, no
cenário do conflito. Outro fato que chamou a atenção dos policiais sobre as atividades
clandestinas do aparelho do PCB foi a transferência da cúpula partidária do Rio de
Janeiro para São Paulo.
A empreitada de transferir o Comitê Central (C.C.) do partido do Distrito
Federal para a capital paulista, efetivada com intuito de reforçar a atividade sindical

12Sobre o assunto, ver: Prontuário DEOPS/SP n. 880 da Federação Sindical Regional de São Paulo.
13O sucesso dos comunistas nos sindicatos legais, em 1932, seria avaliado pelo DEOPS num relatório
elaborado em 1935 com o escopo de refazer o histórico da propaganda comunista anteriormente
verificada em São Paulo: “Do trabalho sindical resultaram conseqüências imediatas, entre elas a
criação de um permanente estado de agitação em vários sindicatos notadamente bancários,
comerciários, contadores, ferroviários, agitação essa capeadas pelas reivindicações econômicas de
classe. Os movimentos grevistas da época tiveram notória publicidade, salientam recordar, entre eles o
de têxteis e ferroviários da SPR, dirigida por comunistas, e padeiros, que embora orientada por
anarquistas, foi largamente explorada pelo partido comunista como movimento de massas”. “A
propaganda comunista no Estado de São Paulo”. 10/07/1935. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB.
Vol 9.

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no principal centro industrial do país e abster a intensa repressão sobre os dirigentes


do PCB no Rio de Janeiro, acarretaria num enorme prejuízo à organização. Pois foi na
esteira da intensa repressão, ocorrida durante a revolução constitucionalista de 1932,
que ocorreria a primeira grande “queda” da organização comunista em São Paulo,
atingindo o quadro dirigente nacional e estadual, além dos organismos de apoio e
propaganda, dos núcleos formados nos grupamentos estrangeiros e também dos
ativistas atuantes no movimento sindical. A repressão de 1932 desestruturou os
trabalhos desenvolvidos pelo PCB de São Paulo desde 1930, e foi celebrada desde
então pelos policiais como a primeira grande vitória do DEOPS/SP sobre os ativistas
do partido. Como nos dizeres do célebre investigador Luiz Apolônio14, professor de
investigação política e social da Academia de Polícia de São Paulo, nas apostilas
preparadas por ele para suas atividades docentes: “em 1932 foi quando se realizaram
as maiores diligências em São Paulo, pois aqui estava funcionando o Comitê Central
do partido, além do C.C. do Socorro Vermelho Internacional” (APOLÔNIO, 1954,
p.27). Os estragos na estrutura material da organização seriam assim sintetizados
num relatório policial.

Durante os três meses da revolução foi verdadeiramente notável o


sucesso das diligências policiais que resultaram no completo
esfacelamento do partido, com a localização e confisco de duas
tipografias, localização de diversos escritórios de propaganda, com a
apreensão de diversos mimeógrafos e farto material de propaganda.15

A intensidade da repressão de 1932, potencializada pela decretação do


Estado de sítio com o irromper da revolução constitucionalista, atingiu todos os
núcleos e grupos considerados perigosos sob a ótica policial. A agitação dos meios
operários era intensa antes da conflagração do conflito. As greves, meetings e
manifestações operárias, entre fins de 1931 e o primeiro semestre de 1932, em cuja
testa estavam os partidários da revolução social, já haviam alertado a polícia sobre os
perigos da agitação revolucionária naquele delicado momento político, marcado por
ressentidas rupturas nos quadros do poder paulista. O irromper da guerra civil

14 Ex-chefe do corpo de investigadores e do Serviço Secreto do DEOPS, um dos principais quadros


especializados da delegacia na repressão ao comunismo, chefe das equipes de investigadores que
trabalharam nas diligências principais contra o PCB nas décadas de 1930, 1940 e 1950, professor da
Academia de Polícia após findar sua longeva carreira de investigador.
15 “A propaganda comunista no Estado de São Paulo”. 10/07/1935. Prontuário DEOPS/SP n.2.431 do

PCB. Vol 9.

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combinou-se com à forte intervenção policial no seio das “classes perigosas”. Assim
como nos anos de chumbo da implacável repressão bernardista, ocorreram prisões
em massa de operários, incluindo mulheres e crianças. Estimou-se em 6.800 o
número de pessoas detidas pela polícia durante o conflito. 16 Os partidários da
revolução social denunciavam, em boletins distribuídos nas ruas da cidade, a
arbitrariedade das diligências e prisões promovidas pela polícia política. Alguns
desses manifestos foram apreendidos pelo DEOPS e, como de costume, seu destino
era o arrolamento aos prontuários dos militantes. Esses documentos, guardados pela
polícia, ajudam hoje a dimensionar a intensidade da repressão que se abateu sobre o
movimento operário de São Paulo – pauta pouco discutida pela historiografia –
durante os meses da revolução constitucionalista.

Dezenas de trabalhadores oprimidos se acham presos nos cubículos


dos Gusmões, onde são espancados e molhados com água fria! O
operário Ernesto Herreira se acha encarcerado a quatro meses! Os
operários de São Bernardo se acham presos sem que suas famílias
possam vê-los. Quatro irmãos trabalhadores se acham presos,
deixando desamparada sua velha mãe [...]17

Os militantes das diversas correntes revolucionárias, desde sempre sob a


alça de mira dos agentes do DEOPS/SP, não escaparam ao cerco policial naquela
temporada de caça liberada nas ruas de São Paulo. A polícia agia com vigor
redobrada, aproveitando-se da oportunidade de atuar sem o comprometimento de
oficialização à justiça sobre os prisioneiros e os seus destinos. O DEOPS/SP esvaziava
seus arquivos e prendia todos os militantes conhecidos. Dos trinta e cinco aderentes à
LCI trotskista, trinta e quatro foram presos em São Paulo durante a revolução
constitucionalista (CAMPOS, 2000, p.138). O ambiente de terror era reforçado pelas
transferências e deportações dos presos considerados mais perigosos. As colônias
correcionais, como a de Dois Rios, na Ilha Grande, litoral carioca, se encheram de
ativistas, enviados para o desterro acompanhados de uma simples petição, assinadas
pelos delegados da polícia política paulista. O clima de incerteza que envolvia os
prisioneiros foi rememorado pelo militante comunista Leôncio Basbaum em suas

16 Sobre o assunto, ver: O que era proibido dizer, cartilha escrita pelo trotskista Mário Pedrosa e
publicada pela LCI. Um exemplar, apreendido pela polícia, pode ser observado no Prontuário
DEOPS/SP n.2030 de Mário Pedrosa.
17 “O Socorro Vermelho protesta energicamente contra as bárbaras perseguições praticadas pela polícia

política paulista”. Prontuário DEOPS/SP n. 1962 do Socorro Vermelho Internacional.

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memórias, quando após ser preso em São Paulo e remetido ao Rio de Janeiro, acabou
por desembarcar na Ilha Grande sem nenhuma referência de até quando seria
obrigado a cumprir a penitência requisitada pelos policiais paulistas.

Não sabíamos quanto tempo iríamos ficar. Se fossemos condenados,


saberíamos: tantos meses ou tantos anos. Mas não éramos
condenados, nem estávamos sob cuidados da justiça, que ignorava a
nossa existência. Isolados do mundo, poderíamos ficar ali anos e anos,
ou quem sabe, até o fim da vida. Quando estávamos ainda no Rio, na
detenção, o Socorro Vermelho se esforçara por encontrar um advogado
para tratar de nossos casos, mas agora ninguém se atreveria e o Estado
de sítio, estava em vigor, por causa da revolução constitucionalista, de
São Paulo. Agora que estávamos nesse fim de mundo, era mais difícil
ainda [...] (BASBAUM, 1976, P.134).

A onda repressiva, que atingiu os quadros do PCB e forneceu à polícia


fontes importantes para a caracterização dos aparelhos clandestinos do partido em
funcionamento na capital paulista, foi posta em movimento antes mesmo do início da
revolução. O partido, apesar de ser contínuo seu crescimento em São Paulo –
relatórios policiais confirmavam o aumento do número de militantes e
simpatizantes18 – enfrentava uma séria crise de direção após a defecção dos antigos
dirigentes considerados “intelectuais” e sua substituição pelos quadros ditos
“proletários”, como requeriam as diretivas de Moscou. A nova direção política da
organização enfatizava a subordinação da atividade partidária à lógica do controle da
IIIª Internacional. Emissários do Komintern, vindos de Montevidéu, como o casal
Augusto e Inêz Guralsky e o argentino Gonzáles Alberdi19 arbitravam os dissensos
entre os militantes e reforçavam as diretrizes obreiristas requisitadas por Moscou. Os
antigos dirigentes, caso de Astrojildo Pereira, foram obrigados a reconhecer seus
“erros” em penosas auto-críticas.20 As novas direções, “eleitas” e substituídas com
rapidez, por vezes cooptavam e traziam para a cúpula partidária militantes com
pouca experiência, cujo principal atributo era ser um “autêntico operário”. Entre 1931
e 1932, passaram pelo cargo de secretário geral do PCB os militantes Heitor Ferreira
Lima, José Villar, Duvitiliano Ramos e Fernando de Lacerda. Embora este último

18 Em 1932, o número estimado de militantes era de 1.500. No final de 1933, as estimativas policiais
calculariam em 3.000 o número de adeptos do partido. Sobre o assunto, ver: “A propaganda
comunista no Estado de São Paulo”. 10/07/1935. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol. 9.
19 Sobre o assunto, ver: BASBAUM, 1976; DULLES, 1977; PINHEIRO, 1993.
20 Uma cópia da célebre auto-critica de Astrojildo, elaborada no momento de sua retirada do comando

do PCB, na qual “se considera incapaz de dirigir o partido e afirma que se retirava do palco para a
platéia” repousa em seu prontuário DEOPS/SP, de n. 44.

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fosse médico e pertencente a uma tradicional família de políticos, foi um dos quadros
mais identificados com a política de subordinação ao Komintern e as suas diretrizes21.
A disputa entre os quadros dirigentes arrefecia as normas internas de
segurança que deviam preservar o organismo clandestino do partido das investidas
policiais.22 Leôncio Basbaum, então secretário do C. R. de São Paulo, militante tido
como intelectual, cuja influência nas bases do partido era visceralmente combatida
por Fernando de Lacerda e sua mulher, Erecina (Cina) – elevada ao Comitê Central
por imposição do marido – relembra até que ponto as divergências entre os quadros
de direção comprometiam a segurança do organismo partidário:

Novas divergências começaram a surgir a propósito das questões mais


tolas e insignificantes, a ponto de tornar a própria atividade do C.C.
impraticável. Uma dessas divergências surgiu quando uma noite Cina
trouxe para uma reunião dois camaradas da base do partido, operários
naturalmente, a pretexto de informar sobre determinados fatos. Na hora
da votação uma proposta de Cina havia sido derrotada, mas ela exigiu
que os dois companheiros que ela havia trazido, convidado, votassem
embora não fossem membros do C.C. ‘porque éramos um partido
operário e democrático e todo operário tem direito de voto’. O C.C. se
reunia uma ou duas vezes por semana e, de cada vez, ela trazia novos
operários para apoiar suas propostas. Aí resolvi mobilizar o meu fã-clube
e comecei a trazer operários que, portanto, teriam direito a voto nas
decisões do C.C. O resultado foi que o número de pessoas que se reuniam
tornou as reuniões impraticáveis por excesso de gente: havia algumas em
que o número de presentes passava de quinze pessoas, quando o número
legal do Bureau Político era apenas cinco, o que, nas condições de
ilegalidade em que vivíamos, era absurdo (BASBAUM, 1976, p.116).

Foi na esteira das divergências entre as lideranças partidárias que a


direção da organização sucumbiu às investidas policiais. As prisões começaram a
ocorrer em maio de 1932, após o insucesso da comemoração do 1o de maio promovida

21 Segundo John Foster Dulles: “Inêz Guralsky e Fernando de Lacerda [...] levaram a política do
obreirismo bem além do que seria o desejo de Ferreira Lima: negaram aos intelectuais o direito de
voto nas reuniões do C.C. [...] Fernando de Lacerda tornou-se o novo secretário geral, enquanto Inêz
mandava no partido” (DULLES, 1977, p.389).
22 As condições de admissão dos partidos comunistas, elaboradas desde o I Congresso da III

Internacional, previam a criação de um organismo legal e outro clandestino, protegido da reação, que
devia estar apto para coordenar as atividades de agitação e propaganda mesmo nos momentos de
maior repressão: “Em quase todos os países da Europa e da América, a luta de classes entra no período
da guerra civil. Em tais condições, os comunistas não podem confiar na legalidade burguesa. Por isso é
seu dever criar paralelamente à organização legal, um organismo clandestino, capaz de cumprir no
momento decisivo o seu dever para com a revolução. Em todos os países onde, devido ao Estado de
Sítio ou as leis de exceção, os comunistas não tenham a possibilidade de desenvolverem legalmente
toda a sua ação, é indubitavelmente necessário coordenar a atividade legal e a ilegal”. 3a condição de
Ingresso na Internacional. In Os quatros primeiros congressos da Internacional Comunista.
Edições Maria da Fonte, p. 119.

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pela Federação Sindical Regional. Algumas datas comemorativas do movimento


operário, como a dia do trabalho, o aniversário da revolução russa, entre outros,
requeriam a intensificação da vigilância policial. Nesses dias, rondas policiais
percorriam os bairros pobres da cidade e uma enorme quantidade de efetivos era
deslocada para os locais de comemoração previamente apontados pelos secretas. Os
comícios e manifestações “antecipadas” sofriam sistemática repressão. A
comemoração do 1o de maio de 1932 ocorria em circunstâncias especiais. O
desemprego ampliava-se em São Paulo e as greves atingiam diversas categorias
profissionais, como os ferroviários, marceneiros, gráficos e tecelões. Do comitê dos
grevistas participavam os principais agitadores sindicais do PCB em São Paulo, como
Roberto Morena e Mário Grazini. As divergências na direção atrapalharam os
preparativos para a comemoração da FSR, marcada para o Largo da Concórdia no
bairro do Brás. A manifestação não pode ocorrer devido à intensa vigilância policial.23
Em contrapartida ao fracasso da manifestação para o 1o de maio de 1932, a
cúpula do partido determinou a ampliação da agitação dos quadros nos meios
grevistas. Ainda durante o mês de maio, foi marcada uma reunião pública do comitê
de greve. Era um desafio à polícia. Para representar o PCB na reunião, realizada na
sede da UTG, foram designados membros importantes da direção partidária24. O
momento estava propício para a polícia arrebanhar comunistas. Como afirmou
Leôncio Basbaum, enviado para insuflar ânimo aos grevistas, exatamente por ser o
secretário de agitação e propaganda do Bureau Político do partido: “À noitinha,
despedi-me de minha mulher na certeza que iria ser preso. Dei-lhe algumas
recomendações, apanhei uma escova de dentes, uma muda de meias e cuecas, que
meti no bolso do sobretudo e lá me fui” (BASBAUM, 1976, p 123).
Quando Basbaum assumiu a tribuna da reunião para falar em nome do
PCB, a a polícia invadiu o recinto espancando e prendendo os participantes, incluindo
os quadros do PCB presentes, entre eles Roberto Morena, Mário Grazini, Coripheu de
Azevedo Marques, Caetano Machado, o próprio Basbaum, entre outros. Os militantes
presos na ocasião seriam mantidos sob custódia até o final do ano de 1932.
A desarticulação dos organismos do PCB seria complementada com as
“quedas” da direção do Socorro Vermelho e das “casas de propaganda do PCB”,
ambas ocorridas durante a revolução constitucionalista. A queda da “casa de

23 Sobre o assunto, ver: BASBAUM, 1976, p.122 e 123.


24 Sobre o assunto, ver: DULLES, 1977, p. 398.

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propaganda” do PCB, na qual se imprimiam os jornais do partido (entre eles A classe


operária) aconteceu quando a polícia acampanava a comunista Eulália da Conceição.
No dia 30 de julho de 1932, Eulália se dirigiu à casa de “Miguel” onde residia também
“Regina Machado”, pseudônimo de Silvia, mulher do então detido Leôncio Basbaum.
O investigador designado para acampanar Eulália percebeu a vigiada empacotando
grande quantidade de papel. Anotou também que no quarto havia uma cama de
solteiro, e num canto, “uma máquina com um rolo que muito parecia um
mimeógrafo”. O investigador requisitou reforços e os policiais esperaram Eulália sair
para então penetrar na casa, encontrando o mimeógrafo, grandes quantidades do
jornal A classe operária e diversos metros de pano vermelho. As evidências eram
contundentes e os policiais resolveram esperar a volta da comunista para efetuar a
prisão, o que ocorreu às 18:00 horas do mesmo dia. Na casa também seria preso
Samuel Kleiman, que foi até lá para procurar Eulália25.
A queda da direção e do aparato gráfico do Socorro Vermelho aconteceria
no mês seguinte. A tipografia do SVI funcionava na casa da comunista intelectual
Eneida Costa, ou “Neide”. Em junho, as atividades de Eneida foram denunciadas por
um comissário do DEOPS alocado na Secretaria de Viação do Estado de São Paulo,
local onde trabalhava Eneida. Segundo o agente, na repartição Eneida nada fazia,
passando os dias “a fumar, a discutir comunismo e a aconselhar os colegas a leitura
deste ou daquele livro de idéias subversivas”26. Em agosto, com o acirramento da
repressão após a eclosão da revolução, os policiais resolveram dar uma “batida” na
casa de Eneida, encontrando um mimeógrafo e diversos documentos comprobatórios
das atividades do SVI em São Paulo. Na mesma época, outro mimeógrafo cairia na
casa de Cid Franco, então membro da direção da organização de auxilio aos presos.27
A repressão de 1932 desarticulou também o trabalho dos comunistas
desenvolvidos nas comunidades estrangeiras de São Paulo. As “quedas” seriam
substanciais nos meios lituanos28 e húngaros, porquanto as organizações mantidas
pelo PCB para angariar adeptos nessas comunidades estrangeiras (como a Sociedade

25 Prontuário DEOPS/SP n. 1739 de Eulália da Conceição.


26 Prontuário DEOPS/SP n. 1948 de Eneida de Moraes Costa.
27 Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.4.
28 Eduardo Maffei, militante comunista atuante nos anos 1930, relembra que os agentes do DEOPS

fomentavam um especial ódio aos comunistas lituanos. “[...] os lituanos, comunistas, eram odiados
pela polícia. Quem tivesse cabelo loiro e olhos azuis apanhava desde a detenção, mesmo que fosse
simplesmente suspeito” (MAFFEI, 1984, p. 92)

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Húngara de São Paulo e o Centro Lituano de Cultura da Vila Zelina29), teriam seus
ativistas presos e suas sedes ocupadas pela polícia. Os simpatizantes da comunidade
judaica, “que muito contribui para a propaganda subversiva clandestina, sendo
elemento de destaque na organização comunista denominada O Socorro
Vermelho”30, também sofreriam com as apreensões e prisões policiais.
Embora as denúncias dos infiltrados corroborassem grande parte das
investigações e prisões efetuadas em 1932 – como no caso das supostas delações de
Sebastião “Gaguinho”, “policial declarado e responsável de imprensa do PC, da JC e
do SVI roubada pela policia”31 ou do lituano João Gerulaits, o qual se tornou
reservado da polícia após sua prisão na casa de Olga Pandarsky e que
“gratuitamente prestou relevantes serviços à ordem social”, facilitando a
“desarticulação de um importante núcleo comunista dirigente no setor estrangeiro,
bem como a apreensão de uma bem montada tipografia dos comunistas lituanos”32 –
a intensa repressão forneceu ao DEOPS um novo cabedal de informações e de saberes
sobre o PCB, permitindo aos agentes aprimorar suas técnicas investigativas. Na casa
de Fernando de Lacerda, preso em maio durante as agitações sindicais, foram
encontrados os arquivos do PCB33. A quantidade enorme de documentos internos
apreendidos, composto de minuciosas atas de reuniões de células e dos comitês
deliberativos, informes da direção nacional e do bureau sul-americano, entre
outros34, ampliava o leque de informações da policia política sobre o modus operandi
da organização. O conteúdo dos documentos, analisados pelos policiais, permitiu
também a caracterização mais precisa, por parte das autoridades, das normas de
conduta e meios de atuação utilizados pela militância comunista. Os documentos
apreendidos corroboravam informações outrora levantadas por secretas e traziam
novos dados para a elaboração das diligências policiais.

29 Sobre o assunto, ver os prontuário DEOPS/SP n. 538 e n.539, da Sociedade Amizade Húngara de
São Paulo e do Clube Lituano de Cultura, respectivamente.
30 “Informação reservada” 02/10/1934. Prontuário DEOPS/SP n. 2431 do PCB, vol.4.
31 “Circular da Comissão da Juventude Comunista de São Paulo”. Prontuário DEOPS/SP n. 2391 de

Noé Gertel.
32 “Comunicado referente ao requerimento de naturalização de João Gerulaits”. Delegado Manuel

Ribeiro da Cruz, 29/01/1952. Prontuário DEOPS/SP n.205 de João Gerulaits.


33 Sobre a prisão de Lacerda, afirmaria o DEOPS/SP: “detido em maio, quando a testa da direção

técnica do partido, e isso foi corroborado pela abundante cópia de material interno”. Prontuário
DEOPS/SP n. 2431 do PCB. Vol.4.
34 Os documentos apreendidos na ocasião podem ser observados no prontuário DEOPS/SP n. 780 de

Fernando de Lacerda.

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A centralização das cadeias de comando do PCB e seu ajuste aos ditames


de Moscou reforçaram a lógica do controle burocrático sob as instâncias partidárias,
em todos seus níveis. O controle dos procedimentos dos dirigentes tornou-se
enfático, requerendo cada vez mais o ritual – pouco recomendável para uma
organização ilegal – da elaboração de atas, relatórios, balancetes, manuais, agendas,
entre outros documentos escritos que cuidavam de normalizar o funcionamento das
diversas instâncias do partido. A prática da elaboração de arquivos tornou-se uma
atividade recorrente às diversas direções regionais e nacionais que assumiram o
controle da organização no período e, nos momentos de cerco policial aos dirigentes,
ocorreram invariavelmente à apreensão dessa documentação pela polícia.
As conseqüências da “queda” dos documentos partidários em mãos
policiais foram sempre nefastas para o partido. Esses papéis expunham a organização
clandestina e permitiam o incremento do conhecimento da polícia sobre as atividades
partidárias. Os documentos apontavam os indivíduos em ascensão ou decadência na
organização, determinando, ao mesmo tempo, as diretivas para os interrogatórios dos
presos, além de auxiliarem as autoridades a apontar os culpados nos casos sob
investigação. O caso citado anteriormente, que envolveu o militante João Batista
Dubieux, apontado como comunista perigoso por conhecer a “casa de propaganda”
do partido, explicita como os documentos apreendidos – no caso específico, as
normas de segurança da organização, que entre outras afirmações, recomendavam
que a localização da tipografia devia ser de conhecimento de um número restrito de
militantes – corroboravam a formação da convicção policial e o apontamento das
“culpas” dos implicados35.
Os documentos apreendidos forneciam ao DEOPS uma bússola para o
exercício da repressão. Embora o quadro reservado da agência há tempos viesse

35 A prática da manutenção de arquivos pelas camadas dirigentes do PCB permitiria aos agentes da
polícia a descoberta de outros crimes, para além dos delitos contra a ordem política e social. Esse foi o
caso do célebre assassinato de Elvira Cupelo Calônio, ou “Elza Fernandes”, mulher de “Miranda” ou
Américo Maciel Bonfim, secretário do PCB durante o episódio da malograda intentona de 1935 e
apontada falsamente como uma agente provocadora. O inquérito sobre o “justiçamento” de Elza só
seria aberto pelos policiais devido aos documentos que caíram com Luis Carlos Prestes em sua célebre
prisão na Rua Honório em 1936. A investigação somente seria encerrada em 1940, quando “caiu” o
C.C. do PCB sediado no Rio de Janeiro acarretando a prisão dos demais acusados do assassinato, entre
eles Adelino Deycola dos Santos “Tampinha”, Lauro Reginaldo da Rocha “Bangu”, Honório de Freitas
Guimarães “Martins” e Eduardo Ribeiro Xavier “Abóbora”. É interessante lembrar que nessa ocasião
também foram apreendidos novamente os arquivos do PCB, encontrados na casa de “Abóbora”. O
episódio será analisado no quarto capítulo deste trabalho. Sobre o assunto, ver no Cedem/Unesp no
Fundo DK os documentos referentes aos processos do TSN contra militantes do PCB. Na caixa 2
repousa uma cópia do processo n.1.381sobre o caso de Elvira Calônio.

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informando sobre o modo de organização e os meios de atuação do partido


comunista, foi com a queda do C.C. do PCB em São Paulo, ocorrida num momento de
“intensa agitação sindical promovida pelos partidários de Moscou”, e com a
apreensão dos documentos internos da organização, que os agentes passaram a
elaborar relatórios minuciosos sobre o organograma do partido36. Nada que pudesse
consubstanciar as futuras diligências escapava ao olhar arguto dos técnicos da
polícia: os meios de ligação entre as diversas instâncias partidárias, a característica e
o funcionamento das células e comitês, os modos de atuação dos militantes
envolvidos em tarefas de responsabilidade, as diretivas políticas e as subordinações
hierárquicas, enfim, os policiais dissecavam a estrutura burocrática do partido com o
fito de perceber suas rotinas e com o objetivo de direcionar suas investidas. A velha
tática policial de atuar conforme o conhecimento prévio do “inimigo”, corroborado
pela infiltração e delação, conquistava um substancial aporte com os documentos
apreendidos em 1932.
A intenção policial se revela no conteúdo dos relatórios elaborados pelas
autoridades. A ênfase na discussão e sistematização dos denominados “métodos
ilegais” de atuação dos militantes expõe os objetivos da polícia. A análise dos agentes
procurava dissecar e elaborar um quadro geral das diretivas do partido para abster a
reação, afinal, “existe em todo partido uma forte ilegalidade. Os membros de um
órgão não conhecem os de outros e até os membros do mesmo órgão ignoram os
meios em que o outro atua”. Nesse item, era importante para as autoridades
entender como os ativistas procediam às ligações e normalizavam o fluxo de
informações entre as diversas instâncias organizativas. “A ilegalidade não é só para a
polícia, como para eles mesmos, pois não depositam confiança recíproca. Desconfiam
até da própria sombra”. A desconfiança entre os membros da organização, exagerada
propositadamente pelos policias, era derivada das preocupações com as infiltrações e
as campanas mantidas pelo DEOPS. Os agentes policiais já conheciam o modo
habitual de efetuar as ligações entre os militantes, em pontos de encontro pelas ruas
da cidade. E a técnica do ponto de encontro também estava relacionada entre os

36 Existem diversos relatórios nos prontuários do DEOPS que evidenciam e caracterizam a organização
do PCB e os modos e meios de atuação das instâncias partidárias clandestinas e dos militantes. Alguns
repousam no prontuário n. 2431 do PCB em seus diversos volumes. O primeiro documento elaborado
com essa finalidade é datado de novembro de 1932 (vol.7), corroborando a afirmação de que foi a
partir da queda do arquivo do partido, em maio do respectivo ano, que o DEOPS/SP passou a
sistematizar estas informações.

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métodos ilegais de atuação do partido, ganhando destaque na dissecação das


autoridades a partir das apreensões.

As ligações entre os órgãos, isto é, Comitê Central, Comitê Regional,


Comitê de Zona e células são feitos por meio de encontros diários,
chamados na gíria comunista de ‘ponto de encontro’, em determinados
locais públicos que variam constantemente. A residência de um
membro, embora da mesma célula, é ignorada pelos demais, assim
como os membros de todos os outros órgãos. As reuniões do Comitê
Central são ignoradas por todos os Comitês Regionais, isto é, são
ignorados os dias certos, horas e locais. O mesmo sucede com os
Comitês Regionais para os Comitês de Zona e destes para as células. Os
Comitês de Zona também são ilegais uns para os outros. A ligação da
célula com o Comitê respectivo é feita por meio do secretário de cada
célula, quer dizer, se uma zona tem cinco células, somente os cinco
secretários tem encontro com o Comitê de Zona. São expulsos todos os
membros que conhecem outros que fazem parte de outro órgão e
contam as atividades do seu órgão a aquele membro. 37

Os relatórios policiais elaborados a partir da apreensão dos documentos


partidários, embora enfatizassem o funcionamento dos órgãos de comando da
organização, destacavam também o importante papel das células na difusão das
idéias comunistas pelo corpo social. “Da célula comunista: é o início da carreira
comunista. A célula é um órgão de base que liga todo o partido com as massas
trabalhadoras, tendo vida própria”. Era dever dos militantes fomentar a formação de
células em empresas, ruas e bairros. “Numa empresa, onde haja um militante
comunista, é seu dever conversar com seus companheiros de trabalho sobre a
situação econômica de cada um, incitando-os a rebelar-se”. Segundo as autoridades,
após “seduzir” os trabalhadores e apontar a necessidade da “formação ou apoio a um
partido da classe”, os militantes convidavam o “simpatizante” para reuniões e
sugeriam o ingresso no PCB. Os documentos apreendidos permitiram aos policiais
elaborar uma sistemática caracterização do funcionamento orgânico das células,
elevando o conhecimento do DEOPS/SP sobre os organismos de base do partido.

A célula se compõe de três membros até o máximo de sete e tem um


secretário, que é responsável pela vida orgânica de célula, um elemento
de agitação e propaganda (agit-prop como é conhecido) que deve ter
ligação com a comissão de agitação e propaganda do Comitê de Zona.
É o responsável por todo o material que vem para a célula enviado pelo
Comitê de Zona. Também é o encarregado de todo o material de

37“O Partido Comunista, sua estrutura orgânica, métodos e táticas”. Novembro de 1932. Prontuário
DEOPS/SP n.2.431 do PCB vol. 7.

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propaganda, como sejam: pinturas de parede com dísticos comunistas,


colocação de bandeiras, que são confeccionadas na própria célula e etc.
A célula também tem um tesoureiro, que deve fazer a cobrança das
mensalidades dos ‘camaradas’ [...] deve-se dar um balancete no fim de
cada mês da reunião de célula [...] Do dinheiro que recebe, fica o
tesoureiro com 20% que é para a célula e o restante é remetido ao
Comitê de Zona. Esse mesmo tesoureiro deve encarregar-se da
realização de pic-nics, angariar dinheiro por meio de listas, etc. 38

A sistematização das informações sobre as instâncias da organização,


assim como dos meios de atuação dos comunistas, não demorou a demonstrar seus
resultados práticos na efetivação das diligências policiais. Após a reorganização do
partido em São Paulo, acontecida em 1933, o delegado de ordem social, Ignácio da
Costa Ferreira, recém reempossado no cargo, determinou aos investigadores “que
exercessem severa vigilância em torno das atividades de elementos comunistas em
atividade nesta capital”. Os investigadores confirmavam que “vários deles estão
sendo vigiados”.39 A relevância da ampliação do conhecimento sobre a organização
clandestina do PCB era citada nos relatórios policiais, elaborados pelos inspetores
designados para o acompanhamento das atividades dos militantes. Nesses, os dados
coligidos sobre o funcionamento da estrutura partidária eram referenciados como um
importante aporte para as investigações, visto que otimizavam as intervenções da
polícia política. Segundo os policiais, “a agência está perfeitamente aparelhada para
lhe dar combate”, porquanto era “conhecedora das táticas desses indivíduos, das
instruções que os mesmos recebem para seu trabalho ilegal e outros meios para a
organização e propaganda das idéias de Moscou”.40
No documento citado, após fazer a apologia da eficiência tática da polícia
política e de seus renovados instrumentos para o combate ao comunismo, o policial
responsável pela redação passa a descrever o resultado de uma diligência efetuada
com sucesso, cujo alvo era uma célula comunista. Segundo o agente, as informações
coligidas após a prisão do C.C. em 1932 foram cruciais para o bom desempenho
“técnico” da equipe de inspetores. Afinal, como diria o redator, numa clara alusão ao
trecho que exemplificava os modos e meios de se efetuar ligações entre os militantes,
copiado dos relatórios elaborados pelos especialistas sobre a organização e o
funcionamento do aparelho clandestino do partido: “entre as várias manobras para o

38 Idem.
39 “Célula comunista varejada pela polícia”. 04/09/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.1.
40 Idem.

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despiste, os comunistas usam o ponto de encontro na via pública, em determinadas


ruas da capital [...] os pontos variam constantemente, a fim de distrair a atenção
policial, não só, mas também dos próprios elementos do partido”.
Sabedores dessas características de atuação, o grupo de investigadores foi
designado para acampanar num sábado o militante Mário Palermo, cujo endereço
fora apontado, para as autoridades, por delação dos secretas. A discreta observação
iniciou-se com a saída do comunista de sua residência. Um a um, os inspetores se
revezaram durante o dia na vigilância sobre as atividades de Palermo. No início da
noite, o inspetor de “plantão” notou que o vigiado “foi para o Largo do Santo Antônio
do Pari, onde por alguns minutos, ficou a espera de alguém. Em dado momento [...]
um indivíduo dele se aproximou e disse-lhe alguma coisa. Era o característico ponto
de encontro”.41
O inspetor redobrou seus cuidados e passou a seguir Palermo e seu
acompanhante, que andavam pela Rua Rodrigues dos Santos, mantendo “uma
diferença de poucos metros” entre um e outro. A caminhada terminou quando os dois
entraram numa loja, “no n. 124b, cuja porta de aço modulada levantou-se”. O
investigador deteve-se à espreita. Anotou a entrada de outros três indivíduos, “entre
os quais outro elemento conhecido e que poucos dias havia saído do gabinete [de
investigações]. Tratava-se de Antônio Arini, alfaiate”. As evidências eram fortes
demais, sobretudo porque o investigador havia identificado outro comunista
adentrando a loja. “Não restava dúvida, aquela era uma reunião de célula, em virtude
do número de pessoas entradas, porquanto essa não comporta mais de sete pessoas e
um mínimo de cinco”.42
Convicto de que havia localizado uma reunião de célula, o inspetor
rapidamente entrou em ligação com o delegado Costa Ferreira. Esse determinou o
deslocamento de um grupo de inspetores para efetuar a “batida” no local. No
comando do grupo estava Luiz Apolônio, que começava a se destacar como o grande
“perito” do corpo de investigadores designados para a repressão ao comunismo.
Segundo o relato de Apolônio:

Ali chegando, e cercando o prédio em questão, cujos fundos dão para


uma vila composta de várias casas, verifiquei, antes de entrar, pela
fechadura da principal porta do número citado, que três indivíduos,

41 “Célula comunista varejada pela polícia”. 04/09/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol 1.
42 Idem.

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entre eles Antônio Arinis, conhecido militante comunista, estavam


prestando atenção a alguém que falava, mas não se podia ver em
virtude de existir na loja uma prateleira que o cobria.43

Luiz Apolônio percebeu um “vacilo” dos comunistas, visto que a porta de


aço da frente da loja “estava apenas abaixada”.44 Daí decidiu por uma entrada rápida
“afim de não lhes dar tempo para uma fuga. Entrando nessas condições, foram
surpresos naquela casa oito indivíduos reunidos”.45 Apolônio enfatizaria que “um
deles, cujo nome abaixo segue, teve tempo de se desfazer de alguns papéis, atirando-
os ao chão, debaixo de uma cama ali existente”. Cercados pelo grupo de “tiras”
armados, os militantes não impuseram resistência à voz de prisão dada por Apolônio.
Foram presos, “em posse de documentos comprometedores”: Antônio Arinis e Mário
Palermo, já conhecido da policia, mais Raul Salgueiro, Sebastião Caetano, José
Dirman, João Del’osso (vulgo “mulato”, cuja atividade em prol do PCB já havia sido
apontada por infiltrados), João de Araújo (locatário do imóvel) e Alfredo Soares.
Sobre o último, os policiais acrescentariam ao relatório a informação de que esse,
“natural do Estado de Alagoas, diz ter chegado a esta capital há quatro dias,
procedendo de Campinas e de ter saído do Rio há quatro meses, onde deixou suas
malas”.46
Segundo o relato de Apolônio, era exatamente Alfredo Soares o indivíduo
que falava ao grupo no momento da interceptação dos agentes, tentando também, na
ocasião, se livrar dos papéis comprometedores apreendidos. Os documentos
recolhidos, “referentes à organização comunista e planos de reorganização da região
de São Paulo”, ainda abalada pelos reveses de 1932, somado ao acréscimo de um
indivíduo a mais no número considerado pelos policiais como limite para o
funcionamento das células, convenceu os agentes que Alfredo Soares era um dos
“elementos” encarregados pela cúpula do partido para colaborar com a renovação do
setor paulista. A impressão estava corroborada também pelas declarações do detido,
que afirmou sua estadia no Rio de Janeiro, local onde funcionava o C.C.
reorganizado, antes de encaminhar-se para Campinas e São Paulo. A convicção era
reforçada por outras afirmações de Soares no depoimento. Esse negou a tentativa de
esconder os papéis apreendidos, conforme apontado pelos agentes nos relatórios da

43 “Relatório”.02/09/1933. Inspetor Luiz Apolônio. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol.1.


44 “Célula comunista varejada pela polícia”. 04/09/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol 1.
45 “Relatório”. 02/09/1933. Inspetor Luiz Apolônio. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB. Vol. 1.
46 Idem.

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diligência. No mais, segundo ainda os policiais, os outros presos interrogados


confirmaram que Soares era o militante mais experiente presente à reunião. Luiz
Apolônio, somando os indícios, concluía o relatório elaborando um perfil do
“perigoso” ativista detido: “pela conversa, pelo modo de falar, nota-se que é um
elemento ativo do P.C.B, conservando calma e lucidez em sua defesa. Os seus
companheiros, entretanto, dizem que o mesmo, na reunião, deu lições de comunismo
a todos”.
Outra importante “queda” de acervo documental do PCB ocorreria no ano
seguinte, com as diligências policiais efetuadas contra uma escola de capacitação
comunista situada no bairro da Lapa, em São Paulo. Os agentes do DEOPS sabiam da
medida comunista, organizada pela juventude do partido, de preparar cursos para a
aprimorar a formação dos militantes neófitos, “imitando a URSS, que mantém essas
escolas naquele país, e que são freqüentadas por elementos inexperientes”. Foi com a
queda dos documentos de 1932 que os policiais concluíram definitivamente que “o
partido comunista, nessa capital, ideou esses cursos de capacitação para os novos
adeptos”.47 A existência da escola na Lapa foi apontada pelos reservados do DEOPS.
De posse da informação, as autoridades conseguiram mesmo infiltrar um agente para
freqüentar os cursos. Este “apressou-se a informar que, de fato, se tratava de uma
escola comunista”, ligada aos comitês deliberativos do partido e não à juventude
comunista, como pensaram de pronto os policiais. “Mas a escola, objeto desse
informe e do PCB, porquanto a integram indivíduos todos maior de idade e que, uma
vez de posse de todos os requisitos necessários para o perfeito agitador, se atirariam à
luta”.48
O DEOPS/SP resolveu efetuar a “batida” no período “letivo” da escola, com
o intuito de arrecadar o máximo possível de alunos para seus cárceres. A casa onde
funcionavam os cursos, composta de quatro cômodos e banheiro, já havia abrigado
anteriormente um posto policial. “Em prateleiras rústicas” segundo o investigador
responsável pelo relatório de diligência, foram apreendidos diversos documentos,
entre eles:

[...] livros de propaganda comunista, folhetos mimeografados, cujos


teores eram atinentes ao aperfeiçoamento comunista; temas

47 “Fechamento da escola de capacitação comunista e prisão dos seus principais elementos”.


30/07/1933. Prontuário DEOPS/SP n.2431 do PCB.
48 Idem.

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comunistas, também mimeografados; circulares inúmeras sobre as


tarefas do Partido Comunista; correspondência entre elementos
comunistas de vários Estados do país; programas de propaganda e
inúmeros outros documentos.49

No momento da invasão policial estavam presentes na casa dez pessoas,


“sendo que um deles quis fazer uso de arma de fogo contra um inspetor de segurança,
que foi obstado imediatamente”. Foram presos Estevam e Rosa Kovacs, húngaros,
apontados pelo DEOPS como responsáveis pela escola e que tiveram portaria de
expulsão instaurada pela delegacia, mais os militantes Eduardo Braz da Silva,
Marcelo José dos Campos, Nelson Sierra, José Fonseca, João Pereira, Rogério Dias,
Rafael Monteaperto e Sebastião Francisco. O último seria eleito para o secretariado
do restaurado Comitê Regional de São Paulo do PCB em 193450, formando com
Joaquim Câmara Ferreira, Hermínio Sachetta, José Stachinni, Noé Gertel, Tito
Batini, Issa Maluf, entre outros, uma nova geração de quadros dirigentes do partido
no setor paulista, que então despontavam para a militância e cujas trajetórias seriam
“temperadas” pelos duros combates contra o fascismo. A propagação dos ideários
inspirados nas ideologias fascistas assumiriam novo espectro em São Paulo ainda nos
meses finais de 1932.
Para além da queda da organização comunista, da prisão dos trotskistas e
lideranças sindicais anarquistas durante o período da revolução constitucionalista, o
ano de 1932 traria uma nova e inquietante preocupação para os militantes
revolucionários. No dia 07 de outubro, quando já se conhecia o lado vencedor da
guerra civil em São Paulo, Plínio Salgado lançaria o manifesto fundador da Ação
Integralista Brasileira (AIB) em cerimônia ocorrida no Teatro Municipal da capital
paulista. Os ventos renovados do autoritarismo que varriam a Europa desde a
ascensão de Mussolini à chefia do governo na Itália – o que granjeou simpatizantes e
adeptos do fascio na colônia italiana de São Paulo já na década de 1920 – atingiam
definitivamente o Brasil, com a fundação da organização construtora da variante

49Idem.
50Segundo depoimento de Sebastião Francisco ao DEOPS carioca em 1940 – quando da queda do C.C.
do PCB que funcionava no Rio de Janeiro – a reunião na Escola de Capacitação comunista que o levou
à prisão em 1933 tinha como escopo reorganizar diversas comissões do partido destruídas pela
repressão de 1932. Tal fato não foi mencionado pelos policiais no relatório elaborado à época,
demonstrando que os agentes envolvidos na diligência, embora houvessem percebido que a escola era
mantida pela cúpula partidária e destinada ao aprimoramento de militantes “maduros”, não
perceberam o verdadeiro intuito dos comunistas naquela ocasião. Sobre o assunto, ver no
Cedem/Unesp, fundos Dainis Karepovs, na caixa 2, referente ao processo do TSN n.1.362, o termo de
declaração de Sebastião Francisco ao DEOPS/RJ em 13/05/1940.

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mais representativa do fascismo tupiniquim. A AIB se consolidaria nos anos


subseqüentes como um verdadeiro partido de massas.
Os movimentos inspirados no fascismo, com mais ou menos apelos
políticos modernizantes ou conservadores, apresentam diversas variações entre si,
conforme as próprias diferenças de cada região ou país onde esses se formaram.
Entretanto, os partidos e as associações de inpiração fascista, tinham como
características comuns o nacionalismo, o antiliberalismo e o virulento
anticomunismo. A assunção de Hitler ao cargo de chanceler na Alemanha, ocorrida
em janeiro de 1933, iniciando a ditadura nazista naquele país, consolidaria a idéia do
“fascismo como um movimento universal, uma espécie de equivalente direitista do
comunismo internacional tendo Berlim como sua Moscou” (HOBSBAWN, 1995,
p.120). Foi também com a vitória de Hitler na Alemanha que o modelo político
tornou-se o mais promissor da década de 1930.“O fascismo sem dúvida parecia à
história de sucesso da década” (HOBSBAWN, 1995, p.137).
O fascismo seduziria indivíduos tanto à direita como também à esquerda do
espectro político. Como no caso do italiano Edmondo Rossoni, ex-anarquista e ex-
professor da escola racionalista da Água Branca, divulgador da pedagogia de
Francisco Ferrer51 entre os filhos de operários de São Paulo. O professor idealista,
voltando para Itália após sua expulsão do Brasil ainda na década de 1910, tornou-se
ativo jornalista, dirigente sindical e Ministro da Agricultura de Mussolini. Rossoni
pertenceu ao “Grande Conselho fascista” da Itália desde sua fundação até sua reunião
final, a qual destituiu o Dulce em 1943. Numa carta enviada para sua amiga
anarquista Teresina Carini, moradora então na cidade mineira de Poços de Caldas,
Rossoni sintetizaria o aspecto sedutor e “revolucionário” do fascismo, que provocaria
defecções nos simpatizantes da esquerda de todo o planeta: “Não se reconhece mais a
Itália. Toda ela é jovem, vibrante, dominada por uma vontade ilimitada de poder.
Venceremos muitas provas!” (CÂNDIDO, 1996, p.67).
Por outro lado, a curta e grossa resposta de Terezina (que morreria fiel ao
socialismo) à carta de Rossoni, sintetizava a impressão dos partidários da revolução
social sobre o fascismo e seus adeptos: “Rossoni: sei um cani!” (CÂNDIDO, 1996,
p.67).
51O educador espanhol Francisco Ferrer, fuzilado na Catalunha em 1909 foi o construtor de uma
pedagogia educacional que acreditava no papel da instrução como base da transformação social.
Algumas escolas modernas, baseadas na pedagogia de Ferrer, foram criadas pelos anarquistas em São
Paulo durante a década de 1910 e 1920.

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No início dos anos 1930, as idéias fascistas se espalhavam por São Paulo e
conquistavam novos adeptos, fornecendo renovado alento aos críticos do socialismo
revolucionário. A vitória nazista na grande potência alemã faria exportar as idéias
xenófobas e anti-semíticas do partido, que encontrariam entusiastas nos meios
intelectuais da cidade. Em novembro de 1933, o jornalista Assis Chautebriand
publicaria no Diário da Noite o artigo As águas turvas do socialismo. O ensaio,
recheado das idéias “renovadoras” do nazismo e do fascio italiano, demonstra como o
ideário totalitário permitia a reconstrução, sob nova argumentação, de velhos
preceitos das elites políticas conservadoras nacionais, sempre pouco afeitas à idéia da
participação popular nos assuntos referentes ao poder:

O capital e o trabalho devem andar de mãos dadas, servindo


reciprocamente, como na Itália fascista [...] a uma questão social
evidentemente madura, como há uma questão judaica, não menos
inquietante que a primeira [...] por um jogo bombástico de palavras,
promete o socialismo, como promete a demagogia liberal, aquilo que
é em si mesmo irrealizável: descer o governo para as massas, como se
estas, incapazes e superficiais, pudessem dirigir alguma coisa.52

A propaganda eivada de preceitos fascistas se fazia em todos os ambientes


sociais. Na abertura do Salão Paulista de Belas Artes, o presidente da comissão
organizadora proferiu o discurso à propaganda comunista pela Arte, outro libelo às
idéias hitlerianas sobre arte sã e “arte degenerada”, esta última promovida pelos
“comunistas judeus de Moscou”:

A arte é sempre social como expressão da vida. E reconhecendo esse


seu grande valor é que levou Hitler a determinar na Alemanha à volta à
arte nacional e tradicional germânica, dando combate aos
vanguardistas da pintura e aos modernistas da arquitetura, que
desnacionalizando a arte visavam implantar a desordem na sociedade
[...] Daí a necessidade dos governos montarem vigilância no setor
intelectual-artístico, auxiliando também a arte equilibrada e sã com
que alimentará espiritualmente as multidões sofredoras e fáceis de
serem empolgadas pelas promessas falaciosas dos extremistas. O
cultivo do espírito e o convívio com a beleza enobrecem e nutrem as
multidões, ensinam a moral, propagam o civismo, elevam o nível da
humanidade e confortam e amenizam a existência, sublinhadas estas
premissas, temos a notar que o grande escritor e crítico de arte Camill
Mouclair (entre outros) em vários de seus artigos e livros revela o
plano oculto dos judeus-comunistas de pretenderem destruir uma das

52“As águas turvas do socialismo”. Artigo publicado no Diário da Noite em 08/11/1933. Prontuário
DEOPS/SP n.1.009 do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Vol.1.

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colunas mais sólidas e nobres da nossa civilização ocidental cristã, que


é a arte tradicional latina. Dois são seus principais objetivos: 1o) o
rebaixamento do valor dos quadros clássicos [...] 2o) a desorganização
e aviltamento e o embrutecimento social produzido pela arte por eles
preconizada, a fim de preparar o terreno para uma ação mais segura,
num meio inculto, insensível e depravado [...]53.

A “reação policial” conquistaria substancial reforço com o surgimento da


AIB, pois o integralismo buscava perfilar seus militantes lado a lado dos policiais nas
trincheiras do combate aos partidários do “extremismo”. Aliás, a instituição policial
tornou-se ambiente privilegiado para a expansão da doutrina integralista. Um
relatório elaborado por colaboradores do PCB alocados na polícia do Rio de Janeiro
confirmavam que no DEOPS carioca haveriam mais de setenta funcionários filiados à
AIB. Entre esses, estavam agentes que se notabilizaram no período por suas ações
violentas contra os partidários da revolução social, como Francisco Menezes Julien,
Emílio Romano, Sarandi Raposo e Serafim Braga.54
Nos quadros da polícia paulista não devia ser diferente. Os próprios
documentos policiais, a partir de 1933, passaram a fazer referências diretas às
premissas ideológicas do nazi-fascismo. Nos inquéritos policiais existem mesmo
citações de frases dos hierarcas do nazismo, como Goebbels55, indicando como o
tratamento policial aos desordeiros sociais era um meio efetivo de limpar a sociedade
e garantir a proeminência do bem comum. Por outro lado, o avanço da xenofobia no
rol dos instrumentos cotidianos da política permitia que os preconceitos (étnicos,
religiosos, entre outros), transparecessem com maior reforço e fervor, nos
documentos escritos pelos agentes. Um reservado encarregado de vigiar uma peça
teatral nos meios lituanos vociferava: “este drama de certo foi escrito por algum
judeu de Moscou”.56 A vigilância policial sobre o bairro do Bom Retiro, considerado o
“gueto” judeu da capital, se intensificaria pari passu a propagação da idéia do complô
judaico comunista.57 A truculência da polícia política dos regimes fascistas contra os
agrupamentos da revolução social seduzia os policiais de São Paulo. Para esses, a
liberdade de atuação contra os extremistas, promovidos pelos regimes de força e de

53 “A propaganda comunista pela arte”. Prontuário DEOPS/SP n. 163 de Galeão Coutinho.


54 Sobre o assunto ver: FLORINDO, 2000. Do documento em questão encontra-se uma cópia no
Cedem/Unesp, fundos Dainis Karepovs, caixa de documentos avulsos.
55 “Inquérito de qualificação dos militantes da UTG” Delegado A P Moreira, 16/08/1936. Prontuário

DEOPS/SP n. 577 da UTG, vol.2.


56 “Impressões do festival dos culturistas”. Jonas, 18/11/1933. Prontuário DEOPS/SP n.539 do Clube

Lituano de Cultura da Vila Zelina.


57 Sobre o assunto, ver: WIAZOVSKI, 2001.

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“regeneração social” modelado pelas doutrinas totalitárias de direita, era a justa


medida para a execução da tarefa de profilaxia social. Como afirmaria Luiz Apolônio
em 1954 para seus alunos na Academia de Polícia, comentando sobre a propagação
internacional do ideário comunista: “o nazi-fascismo, por exemplo, era um entrave à
sua caminhada” (APOLÔNIO, 1954, p.11).
Para os partidários da revolução social, desde 1931 tolhidos na organização
sindical, enquadrados sob brutal repressão desmobilizadora durante a revolução
constitucionalista e enfrentando o avanço das idéias reacionários do fascismo no
corpo social, a reação a “esse estado das coisas” tornava-se uma questão de vida ou
morte. Paulatinamente, o conflito entre as tendências divergentes dos revolucionários
daria lugar ao entendimento que somente a união contra o inimigo comum poderia
garantir a sobrevivência dos distintos grupos. Dos seus postos privilegiados de
observação, o DEOPS/SP acompanhava o acirramento da agitação política. Sua
atuação não se conformaria à atenta vigilância. Cabia à polícia de ordem influir
diretamente nas refregas. Antifascistas e fascistas se degladiavam desde os anos 1920
no Brasil, mas a formação da AIB criaria um novo panorama para o entendimento da
gravidade do conflito e de suas conseqüências. Para anarquistas, comunistas,
socialistas, integralistas e policiais, as disputas pela proeminência de suas assertivas
nos espaços públicos não seriam as mesmas após a intensificação dos combates nas
ruas, acontecido entre 1933 e 1935.

Prontuários DEOPS/SP (Arquivo do Estado de São Paulo)

Prontuário n. 163 de Galeão Coutinho


Prontuário n. 205 de João Gerulaits
Prontuário n. 538 da Sociedade Amizade Húngara de São Paulo
Prontuário n. 539 do Clube Lituano da Vila Zelina
Prontuário n. 577 da União dos Trabalhadores Gráficos
Prontuário n. 716 da Federação Operária de São Paulo
Prontuário n. 780 de Fernando de Lacerda
Prontuário n. 880 da Federação Sindical Regional
Prontuário n. 1009 do Partido Socialista Brasileiro
Prontuário n. 1962 do Socorro Vermelho Internacional

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Prontuário n. 1739 de Eulália da Conceição


Prontuário n. 1948 de Eneida Moraes Costa
Prontuário n. 2030 de Mario Pedrosa
Prontuário n. 2391 de Noé Gertel
Prontuário n. 2431 do Partido Comunista do Brasil
Arquivos do Centro de Documentação e Memória da Unesp

Fundos Dainis Karepovs – Autos do Tribunal de Segurança Nacional


Processos 1362 e 1381.

Referências bibliográficas

APOLÔNIO, Luís. Manual de polícia política e de ordem social. São Paulo:


Acadepol, 1953.
BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos (memórias). São Paulo: Alfa-
Omega, 1976.
BORGES, Vavy Pacheco. Memória Paulista. São Paulo: Edusp, 1997.
BRANDÃO, Octávio. Entrevista ao CPDOC. Rio de Janeiro, CPDOC/FGV, 1993.
CÂNDIDO, Antônio. Teresina e seus amigos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.
CAMPOS, Alzira Lobo de A. Tempos de viver: Dissidência comunista em São
Paulo (1931 - l936). Tese de livre docência em metodologia da história, FHDSS
Unesp/Franca, l998.
CANCELLI, Elizabeth. O mundo da violência: A polícia da era Vargas.
Brasília: Ed. UNB, 1993.
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci. O anti-semitismo na era Vargas: Fantasma
de uma geração. (1930 - 1945) . São Paulo: Ed. Brasiliense, 1988.
DULLES, John Foster. Anarquistas e comunistas no Brasil. Rio de Janeiro: Ed.
Nova Fronteira, 1977.
DULLES, John Foster. O Comunismo no Brasil (1930- 1945). Rio de Janeiro:
Ed. Nova Fronteira, 1985.
HOBSBAWN, Eric. A era dos extremos: O breve século XX (1914- 1991) . São
Paulo: Cia das Letras, 1995.
KAREPOVS, Dainis. Luta subterrânea. O PCB em 1937 – 1938. São Paulo:
Hucitec/Editora Unesp, 2003.
MAFFEI, Eduardo. A batalha da Praça da Sé. Rio de Janeiro: Philobiblium, 1984.
NOGUEIRA, Marco Aurélio. Os anos 30, Perspectiva - Revista de ciências
sociais da Unesp. Araraquara, Unesp, 1988.
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão: A revolução mundial e o
Brasil, 1922 -1935. São Paulo: Cia das Letras, 199l.
SOUZA, Antônio Francisco de. Poder de polícia, polícia civil e práticas
policiais na cidade de São Paulo. Tese de doutorado em sociologia, FFLCH/
USP, 1998.
VIANNA, Marli Gomes. Revolucionários de 1935: sonho e realidade. São
Paulo: Cia das Letras, 1992.

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WIAZOVSKY, Taciana. Bolchevismo e judaísmo. A comunidade judaica sob


o olhar do DEOPS. São Paulo: Arquivo do Estado/Imprensa oficial, 2001.

Recebido em Agosto de 2012


Aprovado em Novembro de 2012

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