Plano de Aula 02 - Ética Aplicada

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CO MER

Ética
Aplicada

Planos de aula
2
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto

Johns Hopkins – Center for Talented Youth


Instituição parceira criadora do material

Claretiano – Centro Universitário


Instituição parceira responsável pela divulgação do material no Brasil

ORGANIZAÇÃO DA EDIÇÃO BRASILEIRA

Organizador: Edson Renato Nardi

CORPO TÉCNICO EDITORIAL DO CLARETIANO - CENTRO UNIVERSITÁRIO

Gerente de Material Didático: Rodrigo Ferreira Daverni

Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira

Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado

Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami

Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso

INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Ética Aplicada
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 24 páginas
Edição: 1ª

Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education

Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education

2020 Claretiano – Centro Universitário


Todos os direitos reservados.
SUMÁRIO
DIA 1 – ÉTICA APLICADA: ADMISSÕES PREFERENCIAIS.......................................................................... 6
O PROBLEMA............................................................................................................................................................ 6
O CASO DE CHERYL HOPWOOD................................................................................................................................ 6
DISCUSSÃO GUIADA DE ARGUMENTOS A FAVOR E CONTRA HOPWOOD................................................................. 7
DECISÃO E CONSEQUÊNCIAS DO TRIBUNAL............................................................................................................ 7

DIA 2 – ÉTICA APLICADA: ADMISSÕES PREFERENCIAIS.......................................................................... 8


ARGUMENTO RETRÓGRADO: CORRIGIR UMA INJUSTIÇA HISTÓRICA...................................................................... 8
ARGUMENTOS INOVADORES.................................................................................................................................... 9
ARGUMENTO DA IGUALDADE DE OPORTUNIDADES................................................................................................. 9
ARGUMENTO PARA UM MELHOR AMBIENTE EDUCACIONAL: PROMOVER A DIVERSIDADE..................................... 9
ARGUMENTO PARA A REDUÇÃO DO PRECONCEITO E DA ESTRATIFICAÇÃO RACIAL............................................. 10
O ÚLTIMO PASSO: A QUESTÃO DO MÉRITO E FINALIDADE DE UMA UNIVERSIDADE............................................... 10

DIA 3 – O ESTATUTO MORAL DOS ANIMAIS............................................................................................ 12


O PROBLEMA........................................................................................................................................................... 12
DOIS CASOS............................................................................................................................................................ 12

DIA 4 – AS DIFERENÇAS ENTRE OS SERES HUMANOS E OUTROS ANIMAIS: QUESTÃO DE POSTURA


MORAL................................................................................................................................................. 15
ENUNCIADO DO PROBLEMA.................................................................................................................................... 15
DEBATE SOBRE A POSIÇÃO MORAL: REGAN E FREY............................................................................................... 15

DIA 5 – BIOÉTICA: CONCEBENDO UMA VIDA PARA SALVAR OUTRA: O CASO DA BEBÊ MARISSA.......... 17
INTRODUÇÃO AO CASO........................................................................................................................................... 17
PROCEDIMENTO PARA ANALISAR O CASO............................................................................................................. 18
AMOSTRA DE ANÁLISE DO CASO............................................................................................................................ 18
PROLONGAMENTO DO CASO: TIRAR UMA VIDA PARA SALVAR OUTRA................................................................... 19

DIA 6 – BARRIGA DE ALUGUEL: O CASO DO BEBÊ “M”............................................................................ 20


INTRODUÇÃO AO CASO BEBÊ “M”........................................................................................................................... 20
DECISÕES JUDICIAIS............................................................................................................................................... 20
ANÁLISE DO CASO................................................................................................................................................... 21
EXTENSÃO: DESENVOLVIMENTOS RECENTES E SUAS IMPLICAÇÕES ÉTICAS....................................................... 22
PLANOS DE AULA
Esta série de planos de aula de Filosofia é composta pelos seguintes módulos:

Ética

Ética Aplicada

Epistemologia

Estética

Filosofia da Religião

Filosofia Política

Livre Arbítrio

Filosofia da Ciência

Método Filosófico

Identidade Pessoal

Filosofia da Mente
INTRODUÇÃO
Este módulo aborda questões em três tópicos extraídos da ética aplicada: o status moral dos
animais, as cotas raciais nas universidades e a bioética (maternidade comercial: barriga de alu-
guel, conceber uma vida para salvar outra). O formato deste módulo é consistente entre uma
pergunta e outra. São sugeridos dois dias para cada pergunta, embora seja possível discutir
casos relevantes em um dia ou ampliar a análise para uma unidade mais longa. Cada pergunta
começa com os casos destinados a dois alunos para provocar e ancorar discussões. Os casos
são seguidos por considerações importantes e questões orientadoras, bem como orientações
para a análise dos argumentos relevantes. Embora as leituras sejam sugeridas para cada per-
gunta, é possível desenvolver boas discussões apenas com os casos. As notas ao final do mó-
dulo também direcionam os professores para fontes adicionais para sua própria leitura de base.

© ÉTICA APLICADA 5
DIA 1 – ÉTICA APLICADA: ADMISSÕES
PREFERENCIAIS
O problema

Entre os bens da sociedade estão as oportunidades de admissão em faculdades e universida-


des competitivas. Dadas a escassez de vagas e a abundância de candidatos, como as oportuni-
dades na educação superior devem ser distribuídas de forma justa? As admissões preferenciais
para grupos que historicamente têm sido alvo de discriminação são uma prática justa? Ou é
injusto considerar fatores como a raça nas admissões da universidade? A ação afirmativa na
educação, ou admissões preferenciais, são políticas que favorecem determinadas minorias em
relação à maioria dos outros candidatos, com objetivos de remediar a discriminação, alcançar
a diversidade e alcançar a igualdade de oportunidades. Atribuir Hopwood v. State of Texas
(1996) como a leitura para o dia 1 ou usar o resumo do caso e a decisão judicial abaixo1.

O caso de Cheryl Hopwood2

Revise com os alunos o seguinte resumo do caso Hopwood, incluindo seu histórico pessoal
e acadêmico, a política de admissão da Faculdade de Direito da Universidade do Texas (UT),
a base para sua decisão de não admitir Hopwood e o caso de Hopwood contra a Faculdade de
Direito da UT:
Cheryl Hopwood não veio de uma família rica. Criada por uma mãe solteira, ela pas-
sou pelo colégio, a faculdade comunitária e a Universidade Estadual da Califórnia em
Sacramento. Mudou-se para o Texas e candidatou-se à Faculdade de Direito da Uni-
versidade do Texas, a melhor escola de Direito do estado e uma das principais escolas
de Direito do país. Embora Hopwood tenha conseguido uma nota média de 3,8 e foi
razoavelmente bem no teste de admissão da escola de Direito, ela não foi admitida.
Hopwood, que é branca, achou que sua rejeição foi injusta. Alguns dos admitidos
concordaram que os estudantes afro-americanos e mexicano-americanos obtiveram
notas e pontuação no teste inferiores às dela. A escola utilizou uma política de ação
afirmativa que deu preferência aos candidatos minoritários. Na verdade, todos os
alunos minoritários com notas e pontuações iguais à de Hopwood foram admitidos.
Hopwood levou seu caso ao tribunal federal, argumentando que ela havia sido vítima
de discriminação. A universidade respondeu que parte da missão da faculdade de
Direito era aumentar a diversidade racial e étnica na profissão jurídica do Texas,
incluindo-se não apenas escritórios de advocacia, mas também na legislatura e nos
tribunais. No Texas, os afro-americanos e os mexicano-americanos fazem parte dos
quarenta por cento da população, mas uma proporção muito pequena está na profis-
são legal. Quando Hopwood se inscreveu, a faculdade de Direito da Universidade do
Texas usou uma política de admissão de ação afirmativa que visava inscrever cerca
de quinze por cento da classe entre os candidatos minoritários. Para atingir esse obje-
tivo, a universidade estabeleceu padrões de admissão mais baixos para os candidatos
minoritários do que para os candidatos não pertencentes à minoria. Funcionários da
universidade argumentaram, no entanto, que todos os estudantes minoritários que
foram admitidos foram qualificados para fazer o teste, e quase todos conseguiram se
formar na faculdade de Direito e passar no exame final do estado, que é controlado
pela Suprema Corte. Mas isso foi apenas um pequeno conforto para Hopwood, que
acreditava que ela tinha sido tratada injustamente e deveria ter sido admitida3.

1
“Hopwood versus Estado do Texas” pode ser encontrado na Justiça: A Reader, ed. Michael Sandel. Nova York: Oxford
University Press, 2007, p. 240-243.
2
Os professores também podem introduzir o caso Bakke. Em 1978, o Supremo Tribunal dos EUA manteve uma política
de admissão de ação afirmativa da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em Davis. O caso de Bakke é
discutido na leitura de Ronald Dworkin, sugerida para o Dia 2.
3
SANDEL, Michael J. Justiça: qual é a coisa certa a fazer? New York: Farrar, Straus e Giroux, 2009, p. 67-68.

6 PLANO DE AULA
Discussão guiada de argumentos a favor e contra Hopwood

Ignorando a dimensão legal, Hopwood tem um caso legítimo do ponto de vista moral? Fo-
ram seus direitos violados pela política de admissão da UT?

Depois de dividir os alunos em grupos, introduza as seguintes perguntas e peça a cada


grupo que discuta o mérito do caso de Hopwood do ponto de vista moral. Depois de discutir o
caso, cada grupo deve compartilhar sua avaliação de argumentos concorrentes sobre a ampla
questão de admissões preferenciais e apresentar sua conclusão dizendo se os direitos de Ho-
pwood foram violados em seu caso particular.

Considere o seguinte:

1. Que fatores são levados em conta na admissão da faculdade? Se a raça ou outros fato-
res? (Discutir quais os fatores que estão fora do controle do estudante).

2. Quais os fatores que devem ser levados em conta nas admissões da faculdade? Se a
raça não deve ser tida em conta, que outros fatores também devem ser excluídos? Quais
fatores devem ser a única base para admissões na universidade ou faculdade?

3. É uma política de admissão baseada parcial ou totalmente em características que estão


fora do controle do requerente e que são particularmente injustas?

4. Quem deve determinar os objetivos, o bem social ou a missão de uma universidade? Uma
universidade deveria ser livre para definir suas políticas de admissão para atender a qual-
quer propósito social que julgar desejável? Importa se a universidade é uma instituição
pública ou privada?

5. O conceito de direitos pode ser aplicado com justificativa tanto para a coletividade como
individualmente?

6. A Universidade do Texas violou os direitos de Hopwood? Em caso afirmativo, quais direitos


estão em jogo?

No final da discussão, faça a seguinte pesquisa: quantos estudantes concordaram que a UT


tratou injustamente Hopwood?

Decisão e Consequências do Tribunal

Compartilhe com o aluno a descoberta do tribunal no caso Hopwood e suas consequências


para as admissões da UT, Faculdade de Direito. Em Hopwood versus Texas (1996), o Tribunal
de Apelações do Quinto Circuito (Corte Federal com jurisdição de apelação que é superior às
cortes dos distritos americanos) argumentou que uma instituição de ensino só poderá, justi-
ficadamente, implementar um programa de ação afirmativa se ele é projetado simplesmente
para corrigir a discriminação do passado dessa mesma instituição. O objetivo da diversidade
educacional dessa universidade foi julgado como não suficiente para justificar uma política de
ação afirmativa. No que se refere aos propósitos para uma proteção de direitos iguais, Ho-
pwood fez o primeiro desafio legal bem sucedido contra uma política de ação afirmativa da
universidade, no que diz respeito a admissões de estudantes desde Bakke (1978)4. Depois de
sete anos como um precedente no 5º Circuito, a decisão para o caso Hopwood foi revogada
por uma decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, que julgou que a raça pode ser usada
como um fator nas admissões, enquanto as quotas não forem utilizadas.

Leitura para o Dia 2:

MARTINS, U. L Análise crítica sobre o entendimento de Ronald Dworkin sobre “o caso Bakke:
as quotas são injustas?” Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.
php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9515> . Acesso: 20 out. 2018.

4 DWORKIN, Ronald. Bakke’s Case: Are Quotas Unfair? In: Justice: a reader. ed. Michael Sandel. Nova York: Oxford,
2007, p. 248-255.

© ÉTICA APLICADA 7
DIA 2 – ÉTICA APLICADA: ADMISSÕES
PREFERENCIAIS
Passe o segundo dia sondando com os alunos os argumentos retrógados e os argumentos
mais inovadores que permeiam as admissões preferenciais. Note que ambos, os apoiadores e
críticos, compartilham a suposição de que as admissões são justificadas em termos do princípio
da igualdade de oportunidades. Os defensores das admissões preferenciais argumentam que o
princípio deve ser aplicado para eliminar práticas discriminatórias. Os críticos argumentam que
um padrão de grupo é inconsistente para com o ideal básico do mérito individual, subjacente
ao princípio da igualdade de oportunidades.

Provoque uma resposta crítica dos alunos para os argumentos esboçados abaixo: qual o
conjunto de argumentos é mais forte? Que objeções podem ser levantadas contra cada argu-
mento? Como o defensor das admissões preferenciais responderia a cada objeção?

Argumento retrógrado: corrigir uma injustiça histórica5

Os argumentos de aparência contrária justificam a ação afirmativa como compensação por


feridas injustas causadas no passado. Representar os dois principais argumentos:

1. A ação afirmativa compensa os descendentes afro-americanos para as lesões que


sofreram como resultado do preconceito racial injusto e a discriminação dirigida a eles.
Esse argumento tem duas versões: (a) indenização por atos específicos de discriminação
(por exemplo, a negação de admissões em uma universidade somente por causa de uma
única raça) ou (b) a compensação, mesmo que nunca tenham sofrido pessoalmente atos
específicos de discriminação racial porque, como o Juiz Thurgood Marshall pronunciou:
o racismo é tão difundido que não há negros que tenham conseguido escapar de seus
impactos.

2. A ação afirmativa é justificada como compensação aos atuais afro-americanos com as


injúrias que sofreram, como resultado da escravização e tratamento racial injusto para
com seus antepassados africanos e afro-americanos.

Considere o seguinte: explorar com os estudantes as duas formas em que o legado da


escravidão, indiscutivelmente, prejudicaram a atual população afrodescendente e beneficia-
ram a população branca: (a) a população negra começou com menos riqueza e educação na
sociedade em comparação às outras pessoas, porque os seus antepassados eram escravos e
tinham, assim, menos riqueza, o que não podia ser transmitido aos seus descendentes; (b) a
exploração histórica da população afrodescendente conferiu benefícios imerecidos à população
branca que foram transmitidos aos seus descendentes.

Objeções: em seguida, explore com os alunos possíveis objeções aos argumentos ante-
riores: (a) a legislação, destinada a eliminar a presente discriminação contra indivíduos, é
suficiente para enfrentar os efeitos do preconceito racial histórico. É melhor acabar com a dis-
criminação atual do que introduzir uma política sensível, e que assim justifique um tratamento
especial para esses grupos historicamente oprimidos; (b) por que as admissões preferenciais
consideram especialmente alguns grupos historicamente discriminados, mas não outros (por
exemplo, italianos, irlandeses)?; (c) se uma dívida é devida, os seus custos são um encargo
injusto para os descendentes imigrantes não discriminados que não foram vítimas nem bene-
ficiários da escravidão; (d) por que os membros afluentes de grupos historicamente oprimidos
se beneficiam de admissões preferenciais, quando as mesmas oportunidades estão fechadas
para homens brancos economicamente desfavorecidos, mas igualmente talentosos? Qualquer
política de admissão preferencial sensível ao grupo deve ser orientada por diferenças socioe-
conômicas em vez de raça ou sexo.

5
Esta visão geral dos principais argumentos retrógrados e inovadores são demonstradas extensivamente a partir de
duas fontes: veja BOXILL, Bernard; BOXILL, Jan. A Companion to Applied Ethics. ed. R.G. Frey e Christopher Heath
Wellman. Oxford: Blackwell, 2005, p.118-141; FEINBERG, Walter. The Oxford Handbook of Practical Ethics. ed. Hugh
LaFollette. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 272-297.

8 PLANO DE AULA
Responder: os alunos, em seguida, podem querer oferecer respostas às objeções acima:
comparando a situação dos escravos com grupos de imigrantes, ignora-se a distinção entre
imigração forçada e voluntária. O comércio de escravos também foi muito pior do que a dis-
criminação dirigida a outros grupos de imigrantes. Finalmente, a cor da pele dos imigrantes
brancos permitiu que eles se integrassem com outras raças brancas. O argumento para as
admissões preferenciais baseadas nas necessidades ignora o papel dos profundos estigmas
culturais que estão baseados na privação cultural e econômica.

Argumentos inovadores

Os argumentos orientados para o futuro dizem que o futuro se beneficiará da ação afirma-
tiva, ambientes educacionais melhorados e redução da estratificação racial e preconceito. De
acordo com esse argumento, as consequências da ação afirmativa ajudam a tornar as oportu-
nidades mais iguais. De acordo com o princípio da igualdade de oportunidades, lugares e po-
sições devem ser concedidos para aqueles que estão melhor qualificados, todos os indivíduos
devem ser avaliados para esses cargos estritamente com base em suas qualificações e proíbe a
discriminação com base em considerações irrelevantes. Convide os alunos a discutir a questão
sobre o que torna um candidato mais altamente qualificado do que outro. Em seguida, intro-
duza os seguintes argumentos.

Argumento da igualdade de oportunidades

Se as pessoas com aptidões não possuem uma educação adequada, a sociedade não es-
tará fazendo o melhor uso dos talentos disponíveis. Aqueles que defendem a ação afirmativa
dizem que a igualdade formal de oportunidades não é suficiente. Ser permitido a entrar em
uma corrida em que a linha de partida não seja necessariamente uma oportunidade igual para
se competir ou vencer, será o caso de quem nunca tenha tido oportunidade para fazer um
treinamento adequado para competir em igualdade de condições. Por exemplo, se os estereó-
tipos históricos desencorajarem as mulheres de estudar engenharia, é necessária uma ação
afirmativa para oferecer às mulheres maiores oportunidades de se qualificarem e competir por
cargos na profissão.

Objeção: o Juiz Harlan fez uma célebre declaração dizendo que a Constituição norte-ameri-
cana é daltônica. Em sua opinião, o princípio de igualdade de oportunidades é violado quando:
(a) presumimos que os cidadãos têm o direito de serem avaliados para posições desejáveis
unicamente com base em suas qualificações e: (b) a cor e sexo são fatores usados de forma
irrelevantes para justificar um tratamento desigual. Se considerarmos a raça, o gênero ou a
etnia, nós apenas perpetuamos as práticas discriminatórias de distribuição de oportunidades
de forma desigual e injusta. As consequências da ação afirmativa podem ser desejáveis ​​para os
afrodescendentes e as mulheres, mas a prática ainda é inaceitável porque viola os direitos dos
brancos para serem avaliados unicamente com base em suas qualificações. Se aceitarmos esse
argumento, a ação afirmativa é razoavelmente caracterizada como “discriminação reversa”.

Resposta: a objeção acima repousa sobre a premissa questionável de que as pontuações e


as notas, sozinhas, indicam qualificações para os cargos. Cada estado estabelece Faculdades
de Direito para formar seus graduados para o serviço em suas comunidades. Se o estado acre-
dita que os advogados afrodescendentes são muito mais aptos do que os advogados brancos
para exercer a advocacia em comunidades afrodescendentes, e, se a Faculdade de Direito dá
igual peso aos interesses dos negros e brancos no recebimento de serviços jurídicos, a conside-
ração de raça seria relevante como qualificação para admissão. Nessa visão, a ação afirmativa
pode ajudar a sociedade a considerar de forma mais igual os interesses de todos, sem se sentir
culpada de favorecer arbitrariamente um grupo em detrimento de outro.

Argumento para um melhor ambiente educacional: promover a diversidade

Outro argumento importante para o futuro é que as admissões preferenciais produzam um


melhor ambiente educacional para todos, incluindo estudantes brancos. Nessa visão, a edu-
cação ideal não é aquela em que todos os alunos compartilham os graus e pontuações mais

© ÉTICA APLICADA 9
altos possíveis. As diferenças de experiência, os pressupostos de base e as atitudes sociais são
criticamente importantes para uma atmosfera educativa de pluralismo, diálogo e abertura para
questionamentos.

Objeção: o propósito de uma universidade não é a engenharia social em prol de um objetivo


social, por mais louvável que seja. Sua missão deve ser a de promover e recompensar a exce-
lência acadêmica com base no mérito da realização no compromisso individual do aluno. (Veja
“O Último Passo” abaixo para responder).

Argumento para a redução do preconceito e da estratificação racial

As admissões preferenciais reduzirão a estratificação racial por meio de maiores oportuni-


dades para as minorias nas universidades e nas profissões. Como consequência, o preconceito
racial também será reduzido.

Objeção: precedentes históricos desafiam as conclusões de que a redução da estratificação


racial resultou na redução do preconceito racial. Por exemplo, os judeus assimilados, que vi-
vem na Europa, após a emancipação legal obtiveram acesso a posições elevadas na sociedade,
mas sofreram com o crescente antissemitismo devido, pelo menos em parte, ao seu sucesso
e pelo despeito dos não judeus. Mesmo que as admissões preferenciais tenham o efeito de
minar os estereótipos, isso não é motivo para assumir que o preconceito racial diminua. Os
afrodescendentes podem sofrer despeito precisamente porque mantêm posições de sucesso.

Resposta: pode ser verdade que a redução da estratificação racial não seja suficiente para
justificar admissões preferenciais. Mas o que deve ser considerado não são apenas as atitudes
racistas dos brancos, mas o efeito das admissões preferenciais na resposta dos afrodescen-
dentes ao preconceito racial: “Com a eliminação da estratificação racial, não será mais racional
para os afrodescendentes inferir que podem ter sucesso... a ação afirmativa se justifica porque
prevê uma compensação na forma de esperança restaurada... o que realmente roubou a es-
perança dos afrodescendentes não foi só o racismo, mas os efeitos aparentes de racismo em
mantê-los inferiores”6. Shelby Steele, negro e conservador, expressa uma visão divergente de
que as admissões preferenciais são um “remédio” para a culpa sentida pelos liberais brancos,
que patrocinam os afrodescendentes, reforçando, assim, sua condição de dependência.

O Último Passo: a questão do mérito e finalidade de uma universidade7

Depois de discutir os argumentos acima, volte para o caso de Cheryl Hopwood. Faça uma
segunda pesquisa para ver se os estudantes mudaram de opinião ou encontraram novos mo-
tivos para sua posição. Os direitos de Hopwood foram violados? Especificamente, quais direi-
tos? As respostas possíveis incluem: (a) o direito de não ser julgada de acordo com fatores fora
de seu controle; (b) o direito de ser julgada de acordo apenas com mérito acadêmico.

Avaliar o argumento de Ronald Dworkin, resumido em Justiça, de Michael Sandel, em que


admissões preferenciais se justificam uma vez reconhecido que: (a) a maioria dos critérios uti-
lizados nas decisões universitárias envolvem fatores que estão fora do controle dos candidatos
(por exemplo, estado de origem, capacidade atlética, o talento musical, aptidão para testes
padronizados); e (b) que nenhum estudante tem o direito de ser julgado pelo mérito. O argu-
mento baseia-se na distinção central de Dworkin:

Mérito Moral: uma recompensa ou honra que reconhece a virtude, mérito ou excelência do
indivíduo.
6
Boxill e Boxill, “Ação Afirmativa”, p. 126. Veja também Feinberg, “Ação Afirmativa” por seu apelo à “Strategy of
simultancity” (p. 293-94). Uma cultura pode ser criada e mantida de forma que se perpetue práticas discriminatórias,
mesmo quando ninguém deseja discriminar. Por exemplo, se um treinador de time do ensino médio sabe que não há
oportunidades para jogadores afrodescendentes no nível da faculdade, este treinará atletas afrodescendentes para
outras posições. As admissões preferenciais são uma estratégia de simultaneidade que quebra esses ciclos: “Pretende-
se tanto afetar a maneira como os membros das minorias visadas pensam sobre suas oportunidades para uma vida boa
dentro das estruturas institucionais estabelecidas, quanto mudar a forma como as estruturas institucionais estabelecidas
respondem às minorias” (p. 294).
7
Ver SANDEL, Michael. Discutindo Ações Afirmativas. Justiça. New York: Farrar, Straus e Giroux, 2009. p. 167-183.

10 PLANO DE AULA
Expectativa Legítima de Benefício: uma atribuição sólida dos benefícios para a sociedade
baseada em uma declaração pública das metas sociais.

Dworkin argumenta que as admissões da universidade devem depender apenas de se o


candidato atende aos padrões de admissão estabelecidos de acordo com os objetivos sociais
específicos da missão da universidade (ou seja, a expectativa legítima de benefício). Como
Sandel escreve: “A admissão se justifica na medida em que se contribui para a finalidade social
para a qual a universidade serve, não porque recompensa o aluno por seu mérito ou virtude,
definido de forma independente”8.

Considere o seguinte: os estudantes devem avaliar, criticamente, a reivindicação de Dworkin,


que a expectativa legítima de benefícios deve substituir o mérito moral para decidir a justiça de
admissões preferenciais. Se aceitarmos a distinção de Dworkin, as universidades e faculdades
devem ser livres para definir suas missões como desejarem? Observe que, ao mesmo tempo,
a Faculdade de Direito da Universidade do Texas foi segregada, quando negou a admissão de
Heman Marion Sweatt, alegando que a escola não admitia afrodescendentes. Seu caso levou
a uma decisão que foi considerada ponto de referência pelo Supremo Tribunal, Sweatt versus
Painter (1950), que desafiou a segregação na educação superior. Existe uma distinção baseada
em princípios entre a discriminação praticada pelas universidades nos dias do sul da América
do Norte segregada, ou as admissões “restritas” dos judeus e o uso da raça nos programas de
admissão preferenciais contemporâneos?

8
SANDEL, Michael J. Justiça: qual é a coisa certa a fazer? New York: Farrar, Straus e Giroux, 2009, p. 174.

© ÉTICA APLICADA 11
DIA 3 – O ESTATUTO MORAL DOS ANI-
MAIS
O problema

Os animais sofrem nas mãos humanas e são mortos em grande número por falta de alimen-
to e também quando são usados em esportes ou sacrificados em pesquisas científicas. Ambos,
filósofos e ativistas morais, têm se mantido dispostos há décadas em condenar essas práticas e
defender os «direitos dos animais». Mas o que significa dizer que os animais têm «direitos»? E,
se os animais têm direitos, como devem ser medidos ​​contra os direitos e os interesses dos
seres humanos? Quais são as implicações morais de casos marginais, quando alguns seres
humanos que são atingidos por doenças mentais como a demência, retardo grave ou doença
debilitante em que eles não possuem, nem mesmo, as capacidades de alguns animais? Em
que fundamentos os direitos mais robustos, ou de maior posição moral, serão atribuídos a se-
res humanos mais debilitados do que a muitos animais? Estimule uma discussão sobre essas
questões em relação aos dois casos que se seguem.

Dois casos

Carne de vitela

Peça aos alunos que levantem as mãos se comeriam vitela. Em seguida, leia a seguinte
descrição de como os bezerros são preparados para consumo humano. Depois disso, pergunte
aos alunos que levantaram as mãos se continuariam comendo vitela e, em caso afirmativo,
por quê?
Os bezerros passam suas vidas em currais muito estreitos, de um modo que possam
apenas se virar ou se deitar confortavelmente – mas, do ponto de vista dos produto-
res, isso é bom, porque o exercício endurece os músculos, o que reduz a “qualidade”
da carne; e, além disso, permitindo que eles vivam em um espaço pequeno, torna
a atividade de criar animais bem barata. Nessas canaletas, os bezerros não podem
realizar ações básicas como se lamberem para se limparem, algo que fazem natu-
ralmente, porque não há espaço para eles virarem a cabeça. É claro que os bezerros
sentem falta de suas mães e, como os bebês humanos, eles querem algo para sugar,
assim, os bezerros podem ser vistos tentando em vão sugar as madeiras que cercam
os seus currais. A fim de manter sua carne pálida e saborosa, eles são alimentados
com uma dieta líquida deficiente em ferro, que é insuficiente também no pasto animal
(forragem). E, é claro, eles desenvolvem desejos por esses alimentos. O desejo de
consumir um mineral como o ferro torna-se tão forte que, se ele conseguisse virar
a cabeça, ele lamberia a própria urina, embora os bezerros normalmente achem
isso repugnante. A pequena canaleta em que ele vive impede o animal de se virar,
“resolvendo esse problema”. O desejo de forragem é especialmente forte, uma vez
que, sem ele, o animal não pode ruminar. Não pode ser dada qualquer palha em que
ele possa se deitar, uma vez que o animal seria levado a comê-lo, e isso afetaria a
carne. Então, para esses animais, o matadouro não é um final desagradável para uma
existência tão miserável. Por mais aterrador que o processo de abate seja, para eles
pode ser, na verdade, uma libertação misericordiosa.9

A criação de bezerros para o consumo humano é importante? Eles são importantes a par-
tir de um ponto de vista utilitário, ou a consideração do prazer e da dor deve ser restrita aos
seres humanos que criam e consomem carne de vitela? Note-se que, de acordo com Jeremy
Bentham, senciência (ou seja, a capacidade de experimentar prazer e dor) é uma caracterís-
tica suficiente para dar aos animais idoneidade moral (ou seja, para torná-los merecedores
de consideração moral):

9
RACHELS, James. The Elements of Moral Philosophy. 2. ed. New York: McGraw Hill, 1996, p.100-101.

12 PLANO DE AULA
Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos
que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os france-
ses já descobriram que o escuro da pele não é razão para que um ser humano seja
irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que um
dia se reconheça que o número de pernas... [é] motivo insuficiente para abandonar
um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível?
A faculdade da razão, ou talvez a capacidade de linguagem? Mas um cavalo ou um cão
adultos são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um bebê de
um dia, de uma semana, ou até mesmo de um mês. Supondo, porém, que as coisas
não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é “Eles são capazes
de raciocinar?” nem “São capazes de falar?”, mas sim: “Eles são capazes de sofrer?”.10

Considere o seguinte: os estudantes que se opõem ao modo de tratamento dado aos bezer-
ros, no entanto, podem comer carne. Note-se que milhões de animais são mortos a cada ano
para o consumo humano e que a grande maioria deles são criados em condições de “fazenda
industrial” ​​em que seu bem-estar é sistematicamente sacrificado para reduzir gastos e maxi-
mizar os lucros. Se esses animais vivem vidas de contínua miséria, todos os humanos têm a
obrigação de se tornar vegetarianos? Qual é a diferença entre o prazer que temos em comer
carne e o prazer que o se deitaremapenas se virarempoderia começar a partir de uma dieta
totalmente vegetariana? Pode-se argumentar que o estreitamento das opções alimentares
seria mais do que compensado pela vitalidade, saúde e bem-estar humano, reforçados, por
exemplo, por taxas significativamente mais baixas de obesidade, diabetes, doenças cardiovas-
culares e alguns tipos de câncer?

Cães experimentais

Em seu livro Libertação Animal (1975), o contemporâneo utilitarista Peter Singer usou o
exemplo a seguir em condenar o uso de animais em experiências:
Na Universidade de Harvard, R. Solomon, L. Kamin e L. Wynne testaram os efeitos
de choques elétricos no comportamento de cães. Eles colocaram quarenta cães num
dispositivo chamado shuttlebox (caixa de transporte), que consiste numa caixa divi-
dida em dois compartimentos, separados por uma barreira. Inicialmente, a barreira
foi colocada à altura das [costas] dos cães. Foram desferidos centenas de choques
elétricos intensos nas patas dos cães através de uma rede no chão. No começo, os
cães conseguiam escapar ao choque se aprendessem a pular a barreira e passar
para o outro compartimento. Na tentativa de “desencorajar” um cão de saltar, os
especialistas forçaram o cão a saltar cem vezes para a rede eletrificada. Afirmaram
que quando o cão saltava dava um “guincho agudo de antecipação que se transfor-
mava num ganido quando aterrava [caía] na rede eletrificada”. Por fim, bloquearam
a passagem entre os compartimentos com uma placa de vidro e testaram de novo o
mesmo cão. O cão “saltava e batia com a cabeça de encontro ao vidro”. Inicialmente,
os cães revelaram sintomas tais como “defecar, urinar, ganir e guinchar, tremer, e
atacar o aparelho” e assim por diante, mas após dez ou doze dias de testes os cães
que foram impedidos de escapar aos choques deixaram de resistir. Os especialistas
afirmaram-se “impressionados” com este fato, e concluíram que a combinação da
barreira de vidro e dos choques nas patas era “muito eficaz” na eliminação dos saltos
dos cães.11

Considere o seguinte: discuta com os alunos as três posições principais na experimentação:


(a) o abolicionismo, (b) qualquer coisa serve, (c) posição intermediária.

Os cientistas devem adotar uma posição “qualquer coisa serve” em relação ao uso de ani-
mais na experiência? A defesa dessa posição dependeria das duvidosas afirmações de que os
animais não humanos: (a) não sentem dor, (b) há inexistência de posição moral, (c) e vivem
vidas sem valor. Os estudantes podem sentir repulsa a partir da experiência demonstrada aci-
ma, especialmente aqueles que têm cães como animais de estimação e não veem benefício
humano significativo. Pergunte à classe se outras experiências, que tem o ato de infligir dor
aos animais e tirar suas vidas, podem contribuir significativamente para a pesquisa médica e

10
BENTHAM [s.d.] apud RACHELS, 1996, p. 97-98.
11
CANTOR [s.d.] apud RACHELS, 1996, p. 99-100.

© ÉTICA APLICADA 13
tratamento de doenças humanas?12 Para os alunos que acreditam que tais experiências são
justificadas, pergunte se em um importante benefício para humanidade, poderá ser adotado
em experiências com animais a abordagem dos “três R”:

• Reduzir o número de animais utilizados em experiências e diminuir a dor e o sofrimento


infligidos.

• Refinar os experimentos para eliminar a utilização repetitiva dos animais, e o número de


animais utilizados.

• Recusar animais para experimentos trocando-os por modelos não animais (por exemplo,
culturas de tecidos), o tanto quanto possível.

Note-se que aqueles que defendem a abolição (abolicionismo animal) imediatamente veem
a posição gradualista como não mais justificada do que o encerramento gradual dos campos
de concentração.

Para o Dia 2, atribua a leitura de OLIVEIRA, G. D. A teoria dos direitos animais humanos
e não-humanos, de Tom Regan. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ethic/
article/viewFile/14917/13584>. Acesso: 20 out. 2018.

12 Por exemplo, através da inserção de um gene humano no ADN de um rato, os cientistas


podem sujeitar o rato para essas doenças debilitantes como a doença de Huntington ou esclerose
lateral amiotrófica, avançando, assim, as perspectivas para a terapia de gene como tratamento em
seres humanos. Os cientistas também estão explorando o xenoenxerto, ou transplante de espécies
cruzadas, para criar, por exemplo, babuínos para transplante de coração para bebês humanos.

14 PLANO DE AULA
DIA 4 – As diferenças entre os seres
humanos e outros animais: questão de
postura moral13
Enunciado do problema

Justificação para os recursos de pesquisa com animais para o benefício humano, esse apelo
precisa ser complementado com um argumento que mostre o que pode torná-lo errado, ao se
ter o direito de usar animais ao invés de se usar humanos em experiências.

Considere o seguinte: os alunos deverão abordar as seguintes considerações na resposta à questão anterior.

1. Se a ciência é compartilhada por animais e seres humanos, por que não deveria a dor
sofrida por um animal ser levada moralmente em conta? E se uma dor animal não conta
moralmente, por que não deveria uma vida animal, arruinada por uma experimentação,
também contar moralmente? A sensibilidade, tanto em seres humanos como em animais
não humanos, justificaria impedir toda e qualquer experimentação em animais?

2. Se houvesse alguma característica que fosse impedir seres humanos de serem usados em
experiências médicas, como, por exemplo, em sua capacidade mental ou de produção, e
que fosse adquirida alguma anomalia por alguns seres humanos em uma escala inferior,
como em bebês anencefálicos, ou vítimas de Alzheimer, poderiam ambos, os seres
humanos e animais serem usados em experiências médicas.

Debate sobre a posição moral: Regan e Frey

Peça aos alunos para identificar uma única característica ou conjunto de características que
podem distinguir uma criatura que conta moralmente (ou seja, que lhe confere autoridade mo-
ral ou torna merecedor de consideração moral) e outra que não. E quais, se houver, nos itens
mencionados no seguinte desafio, os que se posicionam em uma posição extrema em que os
seres humanos desfrutam exclusivamente de idoneidade moral, que pertençam a uma comu-
nidade moral e que levam vidas valiosas?

• A capacidade de sentir dor

• Produção e autonomia (ou autossuficiência)

• Valor inerente

• Posse de interesses

• Capacidade de celebrar acordos voluntários

• Assunto experiencial

Agora, volte para a leitura atribuída por Tom Regan em defesa dos direitos como base para
a posição moral dos animais não humanos. Peça aos alunos para analisar o argumento Regan
à luz das seguintes questões.

1. Por que Regan rejeita abordagens contratualistas e utilitárias para avaliar a moralidade
da agricultura industrial e experimentos que usam animais? Por que ele não adota uma
visão de direitos em vez disso?

2. Como é que Regan defende a ideia de que todos os animais, incluindo os animais não
humanos e animais humanos que são profundamente retardados, como parte igual, va-
lor inerente? Você acha essa parte de seu argumento persuasiva?
13
A análise que se segue se baseia extensamente a partir de FREY, R. G. Animais. In: FREY, R. G. The Handbook of
Practical Oxford Ética. ed. Hugh LaFollette. Nova York: Oxford University Press, 2005. p. 171-185.

© ÉTICA APLICADA 15
3. O argumento de Regan pelos direitos dos animais efetivamente complementa o apelo
para o benefício humano?

4. Regan diz que é imoral para os seres humanos comer carne? Ele também diz que é imo-
ral, em todas as circunstâncias, usar animais não humanos em experimentos? Como ele
defende sua posição? Você acha seu(s) argumento(s) persuasivo(s)?

Agora volte para o apelo de Frey para o assunto experiencial. Frey afirma que a quali-
dade comparativa e valor das decisões de vida podem ser feitas sobre os seres humanos e
animais. Embora ambos os animais e seres humanos sintam dor e prazer, Frey afirma que a
maioria dos seres humanos são capazes de sentir e saber que tem abundância, e que tem a
vida mais completa do que a maioria dos animais. Características específicas da experiência
humana que Frey tem em mente incluem talentos intelectuais e artísticos; experiências sociais
de amor, amizade e família; autossuficiência em moldar-se a si mesmo de acordo com uma
concepção de vida boa; e participando da comunidade moral como agentes com deveres e
responsabilidades plenas para com os outros. De acordo com Frey, os animais não pertencem
à comunidade moral, mas eles têm menos posicionamento moral que os seres humanos nor-
mais. Discuta as seguintes questões sobre a posição moral na avaliação do argumento de Frey:

1. Frey é vulnerável à acusação de “especismo” (discriminação com base em uma única es-
pécie)? Por que ou por que não?

2. Será que a posição de Frey, de que os animais têm um posicionamento menos moral do que os seres humanos
normais, pode justificar o uso de animais em experiências? Será que o seu argumento com base no assunto expe-
riencial efetivamente complementa o apelo para o benefício humano?

3. Será que o argumento de Frey apela implicitamente para a distinção que faz Mill en-
tre prazeres “inferiores” e “superiores” (“É melhor ser um ser humano insatisfeito que um
porco satisfeito”)? Você acha que Mill aplicaria sua distinção em defesa da experimenta-
ção em animais?

4. Podemos dizer com confiança que os seres humanos normais têm experiências mais ricas,
dado o pouco que sabemos sobre a vida interna dos animais?

5. Será que o argumento dado por Frey justifica o uso de seres humanos seriamente debili-
tados para experiências devido à baixa qualidade e valor de suas vidas, em comparação
com os primatas não humanos? Como se pode argumentar que temos obrigações muito
mais fortes para, digamos, uma criança gravemente retardada do que para um animal
não humano possuindo capacidades mentais com o mesmo problema?

6. Se os marcianos conduzem vidas manifestamente mais ricas do que os humanos, eles


seriam justificados em nos tratar da mesma forma que tratamos os animais na produção
industrial e nos experimentos científicos?

16 PLANO DE AULA
DIA 5 – BIOÉTICA: CONCEBENDO UMA
VIDA PARA SALVAR OUTRA: O CASO DA
BEBÊ MARISSA
Introdução ao caso

O caso da bebê Marissa levanta a difícil questão de se saber se é moralmente permitido


conceber uma criança com o único propósito de salvar outra. O caso da bebê Marissa, resumi-
do a seguir, convida estudantes a aplicar o utilitarismo de Mill e a ética deontológica de Kant
como ferramentas de análise. O caso também os obriga a examinar o mérito relativo dessas
duas abordagens, particularmente, quando há embate entre considerações de utilitarismo e a
da obrigação.
Em 3 de abril de 1990, um casal concebeu uma menina a fim de que essa criança
servisse como doadora de medula óssea para outra filha desse mesmo casal, Anis-
sa, que estava morrendo de leucemia. Abe e Mary Agola, que moram no subúrbio
de Walnut, deram o nome ao bebê de Marissa Eve. Testes fetais mostraram que a
medula do bebê era compatível com Anissa, e os médicos disseram que o transplante
poderia ocorrer em seis meses. Havia uma chance entre 70 a 80 por cento de que o
transplante curaria Anissa. O Sr. Agola teve de se submeter a uma reversão da sua
vasectomia, e a Sra. Agola, que contava com quarenta e poucos anos, tinha apenas
73% de chance de concepção e 23% de chance de conceber uma criança que fosse
uma doadora compatível. Os médicos então, discutiram sobre os princípios éticos
que envolveriam o fato de uma criança ser gerada para salvar outra e, dessa forma,
proibiram a cirurgia. O bebê, assim disseram, não foi concebido como “um fim em
si mesmo, mas para um propósito utilitário”. Os Agola ficaram magoados por tal
esclarecimento e que amariam o bebê, mesmo que fosse provado ser uma doadora
de medula óssea incompatível. Dra. Patricia Konrad, médica do casal, disse que o
transplante de medula óssea representaria pouco risco para o bebê. O procedimento
exige que a criança seja submetida à anestesia geral para bloquear a dor, enquanto
uma agulha é inserida no osso do quadril para remover a medula. A Leucemia, um
câncer nos glóbulos brancos, é tipicamente tratada matando as células produtoras
de sangue com radiação de quimioterapia e, em seguida, transplantando a medula
óssea compatível para o paciente. Depois de esperar quase dois anos, o casal não
conseguiu encontrar um doador vivo adequado para a Anissa. As chances de fazê-lo
são cerca de 1 em 20.000. Mr. Agola disse a um reporter: “Nós simplesmente não
podemos ficar de braços cruzados e esperar que Anissa morra.”14

Considere: peça aos alunos para discutir as seguintes questões:

1. Quais são as considerações relevantes para julgar a moralidade de conceber Marissa para
salvar Anissa?

2. Eles concordam com a ética médica de que Marissa não foi concebida como um “fim em
si mesmo”?

3. Conceber um filho para salvar outro seria justificado para um utilitarista? Se sim, por quê?

4. Considere as várias razões pelas quais os pais têm filhos (como, por exemplo, descen-
dentes apenas para continuar o nome de família; fonte de apoio na velhice; trabalho para
cuidar dos campos; garantia de um herdeiro do trono; cura para um casamento em difi-
culdades). Quando esses pais não conseguem conceber crianças como “fim em si”?

5. Em que condições, se houver, conceber Marissa seria moralmente permissível? Moralmente


obrigatório?

6. Faça uma enquete entre os estudantes para ver quantos aprovam e quantos desaprovam
a decisão dos Agola.
14
HARRIS JR., C. E. Applying Ethical Theories. 3. ed. Belmont: Wadsworth, 1997. p.156-57.

© ÉTICA APLICADA 17
Procedimento para analisar o caso

Em seguida, peça aos alunos que avaliem o caso metodicamente seguindo um procedimento
inspirado nas duas formulações de Kant sobre o imperativo categórico.15 O procedimento, que
tem três etapas, modifica um pouco as formulações de Kant para permitir uma flexibilidade
maior na avaliação de consequências morais relevantes:

1. Identificar a regra relevante pressuposta pela ação em causa. A regra deverá ter ampla
aplicação, aplicar-se ao caso particular e não incluir considerações diferentes. Harris
propõe a seguinte regra: “Os pais podem conceber filhos, cujo tecido orgânico humano
dessas crianças deverá ser usado para salvar a vida de outra pessoa, desde que a criança
não seja prejudicada pelo uso desse tecido.”16

2. Aplicar o princípio de universalização (versão da primeira formulação do imperativo cate-


górico) para o caso. De acordo com esse teste, uma ação é correta, se você aconselhar
outras pessoas a adotar a moral pressuposta pela ação. Na aplicação do princípio, os
alunos devem perguntar: “Poderiam os Agola aconselhar os outros a agirem de acordo
com essa regra, sem prejudicar a sua própria capacidade de agir dessa mesma maneira?”

3. Aplicar o princípio meios-fim negativo e positivo para o caso. Segundo Kant, esse princí-
pio afirma que essas ações são corretas para se aplicar aos seres humanos, seja para ele
mesmo ou para outra pessoa, como um fim e não meramente como um meio. O princípio
é então dividido em versões negativas e positivas: (a) a ação se aplica para o meu pró-
prio bem-estar ou dos outros? (teste negativo); (b) a ação positiva contribui para o meu
próprio bem-estar ou dos outros? (teste positivo). “Bem-estar” aqui não é de utilitarismo,
refere-se às condições necessárias para uma moral eficaz. Esta inclui: (a) autonomia (in-
cluindo o direito à proteção contra a violência, coerção e o engano que limitaria a escolha
e a ação livre ou voluntária); (b) os bens necessários para uma moral eficaz (incluindo
produtos básicos, como comida e abrigo, bem como bens adicionais, tais como a autoes-
tima e formação de caráter, que permitam às pessoas alcançar seus objetivos de forma
mais eficaz).

Amostra de análise do caso

Poderá ser atribuída para toda a classe ou em pequenos grupos. Os alunos deverão (1) for-
mular e avaliar regras alternativas para o caso, (2) aplicar o teste autodestrutivo e (3) aplicar
os testes de meios-fim negativo e positivo. Harris oferece sua própria análise e julgamento,
que pode servir de modelo ou ponto de partida para o debate em sala de aula:

Pergunta: os Agola passariam no teste autodestrutivo? Sim, a aceitação generalizada desta


regra tornaria mais fácil para os Agola fazerem o que fizeram porque não enfrentariam críticas
e pressões da imprensa e da opinião pública.

Pergunta: os Agola passariam no teste meios-fim negativo? Eles realizaram a ação com o
desejo de salvar a vida de sua filha. A única pessoa cuja liberdade e bem-estar está ameaça-
da é a da própria Marissa. O fato de que o Sr. Agola teve de se submeter a uma vasectomia
reversa indica que o casal não pretendia ter mais filhos. A concepção de Marissa surgiu prin-
cipalmente porque o casal queria salvar a vida de Anissa. Nesse sentido, Marissa foi “usada”
para salvar a vida de Anissa. No entanto, é difícil ver como Marissa será usada como um sim-
ples meio, porque, caso contrário, ela não teria sido concebida. Além disso, ela não será pre-
judicada permanentemente pelo procedimento médico. A dor, se houver, será temporária. E
é duvidoso que ela seja prejudicada emocionalmente, mesmo porque não temos motivo para
questionar a afirmação de Agola de que amará Marissa como ama Anissa.

Objeção: se Anissa morre, Marissa terá falhado na única tarefa para a qual nasceu. Mesmo
que Anissa viva, ela poderá sofrer emocionalmente em um certo momento de sua vida, por
causa das circunstâncias de seu nascimento.

Os alunos também podem apontar para o grande perigo, ou seja, se todos começarem a

15
HARRIS, Applying Ethical Theories. 1997, p. 158-164.
16
Ibid., p. 175-178.

18 PLANO DE AULA
utilizar desse procedimento, a concepção para salvar a vida de outrem, a vida humana pode-
rá ter menos valor. Talvez as crianças possam ser concebidas para uso médico em algumas
circunstâncias, em que as expectativas de vida das crianças seriam gravemente prejudicadas
pelos procedimentos médicos ao se fazer uso de seus tecidos orgânicos. Ou, até mesmo, crian-
ças pudessem ser mortas para serem usadas apenas para o transplante de tecidos e órgãos.

Resposta: embora a objeção não deva ser tomada de forma branda, é claro que esse proce-
dimento não deverá incentivar ou permitir que esses tipos de práticas possam ser prejudiciais
para o doador.

Pergunta: os Agola passariam no teste meios-fim positivo? Como pais de Marissa e Anissa,
eles têm uma obrigação especial de promover sua própria liberdade e bem-estar. Uma vez que
a ação é uma tentativa de ajudar Anissa, a única questão tem a ver com Marissa. Ela nunca
teria nascido além do desejo de seus pais para ajudar sua irmã, e existem todas as indicações
de que ela será criada em um ambiente em que sua ação moral será plenamente respeita-
da. Portanto, não temos motivos claros para acreditar que o teste positivo tenha sido violado.

Revise a questão para saber se os Agola não conseguiram tratar Marissa como um “fim em
si” à luz de sua análise do caso. Repita a pesquisa para avaliar por que os alunos mudaram de
ideia ou se tornaram mais firmemente unidos à sua posição original.

Prolongamento do caso: tirar uma vida para salvar outra

À luz do caso do bebê Marissa, discuta um caso mais recente que introduz uma perspectiva
religiosa à questão de se tirar uma vida em favor de outra. Como poderá ou deverá o procedi-
mento acima ser aplicado a este segundo caso resumido abaixo?
Os pais de duas gêmeas que nasceram unidas pelos quadris viajaram de sua casa
em Malta para Manchester, na Inglaterra, para procurar cuidados médicos de quali-
dade para suas filhas que ainda estavam no útero materno. Após o nascimento, os
médicos esclareceram ao casal que seria necessário separar as gêmeas, e que seria
fatal para uma delas. Os pais protestaram e disseram que essa não seria a vontade
de Deus, que um filho fosse morto para que o outro pudesse sobreviver. O tribunal
inglês decidiu contra os desejos dos pais, invocando um argumento utilitarista justi-
ficado com base em testemunho médico. Os especialistas concordaram que a gêmea
mais forte e mais alerta, conhecida como Jodie, tinha uma chance entre 80 a 90 por
cento de sobreviver por apenas alguns meses se ela continuasse a alimentar o cora-
ção e os pulmões enfraquecidos de Mary, cujo cérebro já se encontrava danificado. O
advogado nomeado pelo tribunal para representar Jodie insistiu que Mary, naquele
momento, já era uma “vida inútil.”17

17
SIRICO, Robert. An unjust sacrifice. Op-ed. New York Times, 28 set. 2000.

© ÉTICA APLICADA 19
DIA 6 – Barriga de aluguel: o caso do
bebê “M”
Introdução ao caso bebê “M”

Os libertaristas defendem os mercados livres como uma expressão da liberdade indivi-


dual. Os utilitaristas defendem os mercados livres como favoráveis ​​ao bem-estar geral. A
prática da barriga de aluguel levanta o questionamento se a capacidade reprodutiva de uma
mulher deve ser comercializada como uma mercadoria, independentemente de a venda ser
regida por acordos contratuais. Os limites morais devem ser colocados no direito do livre ar-
bítrio e ao alcance do mercado? A maternidade em troca de dinheiro é uma violação da ética
e do respeito pelas pessoas?

Peça aos alunos para discutirem essa questão à luz do caso do bebê “M”, resumido abaixo
por Michael Sandel:
William e Elizabeth Stern eram um casal que morava em Tenafly, Nova Jersey – ele
era um bioquímico, ela era pediatra. Eles queriam um bebê, mas não podiam ter, pelo
menos não sem risco médico para Elizabeth, que tinha esclerose múltipla. Então eles
foram até um centro de infertilidade que organizava barrigas “de aluguel”. O centro
gerava anúncios que procuravam “mães de aluguel” – as mulheres que desejavam
engravidar para outra pessoa, em troca de um pagamento monetário. Uma das mu-
lheres que responderam aos anúncios foi Mary Beth Whitehead, de vinte e nove
anos, mãe de duas crianças, casada com um trabalhador do saneamento básico da
cidade. Em fevereiro de 1985, William Stern e Mary Beth Whitehead assinaram um
contrato. Mary Beth concordou em ser artificialmente inseminada com o esperma
de William, para gerar a criança em seu útero e entregá-la a William ao nascer. Ela
também concordou em desistir de seus direitos maternos, para que Elizabeth Stern
pudesse adotar a criança. Por sua parte, William concordou em pagar a Mary Beth
uma quantia de US $ 10.000,00 (a ser paga no momento da entrega do bebê), além
das despesas médicas. (Ele também pagou um valor de US $ 7.500,00 para o centro
de infertilidade para organizar o negócio.) Após várias inseminações artificiais, Mary
Beth ficou grávida e, em março de 1986, deu à luz uma menina. O casal Stern, pre-
vendo sua futura filha adotada, deu o nome ao bebê de Melissa. Entretanto, Mary
Beth Whitehead decidiu que não iria se separar da criança e queria tê-la para si. Ela
fugiu para a Flórida com o bebê, mas os Sterns conseguiram uma ordem judicial exi-
gindo que ela retornasse com a criança. A polícia da Flórida encontrou Mary Beth, o
bebê foi entregue ao casal Stern, e a luta pela custódia foi à corte em Nova Jersey.18

Decisões judiciais

Considere o seguinte: os professores devem considerar atribuir as decisões judiciais em


preparação para a discussão do caso. Consulte “In the Matter of Baby ‘M” (31 de março de
1987) e “In the Matter of Baby ‘M” (3 de fevereiro de 1988, NJ – Supremo Tribunal) em Justice:
A Reader, ed. Michael Sandel (Oxford: Nova York, 2007), p. 138-144. Ou eles poderão usar o
seguinte resumo do módulo:
O juiz do julgamento, Harvey Sorkow, confirmou o acordo, rejeitando argumentos de
que Mary Beth Whitehead não entrou voluntariamente no contrato – nenhuma das
partes tinha uma posição vantajosa no momento da transação sobre a outra – ou que
seu consentimento estava de alguma forma prejudicado. Ele também rejeitou o ar-
gumento de que “barriga de aluguel” equivaleria à venda de um bebê, determinando
que William Stern, o pai biológico, tinha pago para o serviço de gestação do seu filho
e que não podia comprar o que já lhe pertencia. O juiz Sorkow também invocou o
princípio da proteção da igualdade na lei. Se os homens podem vender seus esperma-
tozoides para a procriação, as mulheres também devem ter o direito de vender sua
capacidade reprodutiva. No julgamento 7-0, o Supremo Tribunal de Nova Jersey, mais
tarde, anulou a decisão do tribunal de primeira instância, afirmando que os contratos
comerciais de barrigas de aluguel são ilegais. O juiz Wilentz concluiu que, porque o
18
SANDEL, M. Justice: qual a coisa certa a fazer? New York: Farrar, Straus e Giroux, 2009. p. 91.

20 PLANO DE AULA
consentimento de Whitehead não foi informado, o contrato não era verdadeiramente
voluntário. Ele também julgou que o contrato constituía venda de bebê. No último
ponto, Wilentz escreveu: “Há, em uma sociedade civilizada, algumas coisas que o
dinheiro não pode comprar [...] E esta é a venda do direito que a mãe tem sobre seu
filho, o único fator atenuante é que um dos compradores é o pai [...] [Um] revendedor,
impulsionado pelo lucro, promove a venda. Seja qual for o idealismo que possa ter
motivado qualquer um dos participantes, a motivação do lucro predomina, permeia
e, finalmente, governa a transação.”19 A Corte Suprema de Nova Jersey reconheceu
Mary Beth Whitehead como a mãe natural e legal, mas permitiu que os Sterns man-
tivessem a custódia temporária, devido aos problemas que ela tinha em família.20

Análise do Caso

Considere o seguinte: os alunos devem pesar e considerar as decisões de ambos os tribu-


nais para determinar qual deles tem a justificativa mais forte a partir do ponto de vista moral:
o tribunal inferior (de primeira instância), que aceitava o contrato, ou do tribunal superior (de
segunda instância), que o invalidou? A discussão deve abordar as seguintes questões:

1. Será que o tribunal inferior decidiu corretamente que “negócio é negócio”, já que dois
adultos entraram em um acordo voluntário? O consentimento de Whitehead foi realmen-
te informado? Ou será que a decisão do tribunal superior foi distorcida quando julgou
ambas as situações: a necessidade financeira de Whitehead e sua incapacidade de prever
suas emoções quando chegasse a hora de entregar o bebê?

2. Será que o tribunal inferior julgou corretamente que, porque nenhuma das partes tinha
uma posição vantajosa, o contrato foi justo? Ou foi o tribunal superior correto ao argu-
mentar que barriga de aluguel é ilegal, pois permite casais ricos explorarem os pobres, ou
seja, mulheres desamparadas que se voltam para essa prática como último recurso para
suas dificuldades financeiras?21

3. Será que o julgamento da primeira instância foi correto, (a) pelo fato de que no contrato
houve uma troca razoável de serviço, quando o pai biológico da criança obteve um serviço
de gestação por um pagamento de US$ 10.000,00; e (b) que, sob a igualdade de prote-
ção da lei, desde que os homens estão autorizados a vender seu esperma, as mulheres
têm o direito de vender sua capacidade reprodutiva, ou foi o tribunal superior correto
ao argumentar que o contrato de barriga de aluguel era inválido, pois nem a capacidade
reprodutiva de uma mulher e nem a criança que ela gera devem ser considerados como
uma mercadoria a ser comprada e vendida no mercado?   

A última pergunta convida os alunos a aplicar e testar a distinção de Kant entre pessoas
dignas de respeito e objetos a serem usados para o caso do bebê “M”:

• Os contratos de barriga de aluguel denigrem a mulher envolvida no parto, assim como


a criança nascida desse processo, já que ambos têm um tratamento dito inferior ao que
seria apropriado a eles (por exemplo: o “uso” como sendo um objeto, e que estaria abaixo
de “estima” e “amor”)?

• Se mercadorias são diferentes em espécie, é um erro avaliar todas as mercadorias da


mesma maneira? Deveriam as normas econômicas que regem a produção de bens serem
distintas das normas dos pais ao serem aplicadas na gestação de filhos?  

• Se a mãe de aluguel for inibir o crescimento de sentimento de amor maternal pela criança,
deverá o contrato exigir dela uma maneira em que “não haja uma ligação sentimental”?

• Se a forma correta de avaliar mercadorias e práticas sociais depende dos propósitos e fins
a que essas práticas servem, o contrato de barriga de aluguel previne a mãe de alcançar
o propósito de um laço emocional com a criança?22
19
“Matter of Baby ‘M”, NJ – Supremo Tribunal Federal, 1988. In: SANDEL, Justiça: A Reader, p. 94-95.
20
SANDEL, 2009, p. 94-95.
21
Um estudo relatou que sete dos treze programas de barriga de aluguel pesquisados mostraram que mulheres o
aceitaram para o próprio bem-estar e que o rendimento médio das mães substitutas aceitas pelos treze programas foi
de US$ 18.000 em 1987. Veja: TONG, Rosemarie. Surrogate Motherhood. In: A Companion to Applied Ethics. Ed. R. G.
Frey e Christopher Heath Wellman. Blackwell: Oxford, 2005. p. 371.
22
Professores podem desejar atribuir para o segundo dia: SILVA, P. A. et al. A prática da barriga solidária e suas
implicações éticas. Disponível em: <https://academico.univicosa.com.br/revista/index.php/RevistaSimpac/article/

© ÉTICA APLICADA 21
Extensão: desenvolvimentos recentes e suas implicações éticas

Tradicionalmente, na barriga de aluguel, a mãe substituta é artificialmente inseminada com


o esperma do casal. Porque ela é a mãe genética e gestacional, ela deve entregar seus direitos
parentais aos pais adotados. Com o início da fertilização in vitro (FIV), a mãe substituta podia
gerar um embrião sem qualquer conexão genética para a criança. Agora é possível especificar
e subdividir o processo de reprodução entre a mãe gestacional (substituta), a mãe genética
(doadora de óvulos) e o pai a que se destina (aquele que adota). Em 2000, o custo médio de
uma barriga de aluguel era de US$ 60.000, incluindo uma taxa de mãe de aluguel de US$ 20-
25.000 e mais pagamentos a médicos, advogados e financeiras.23

Considere o seguinte: com o advento da fertilização in vitro, a existência de preocupações


quanto à moral sobre barriga de aluguel foi resolvida? Os alunos devem considerar o seguinte
na discussão dessa questão:

• Dividir o papel de mãe em três maneiras acaba com a polêmica de quem tem maior direito
sobre a criança?

• Ao remover o vínculo antigo entre óvulo, útero e mãe, a gestação in vitro reduz o risco
emocional que envolvia a mãe de aluguel tradicional?

• Uma vez que a substituta não fornece o óvulo e a criança não é geneticamente dela,
podemos concluir, nesse caso, que nenhum bebê está sendo comercializado?

• A tecnologia de reprodução da FIV incentiva mercados novos e mais discriminatórios, pois


os corretores de barrigas de aluguel procuram óvulos com características genéticas parti-
culares e úteros personalizados? Em caso afirmativo, a FIV só aprofunda as preocupações
com a mercantilização?

• A terceirização global da gravidez suporta a afirmação de que a barriga de aluguel é ex-


ploradora, mesmo que a prática tenha grande utilidade?24

viewFile/466/563>. Acesso: 20 out. 2018. PAIANO, D. P. et al. A cessão do útero e suas implicações na ordem contratual.
Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/a_cessao_do_utero_e_suas_implicacoes_na_
ordem_contratual.pdf>. Acesso: 20 out. 2018.
23
Tong, “Surrogate Motherhood”, p. 370.
24
Por exemplo, Sandel relata que “Suman Dodia, aos vinte e seis anos de idade, Indiana, que era uma substituta
gestacional para um casal britânico, já havia ganhado uns US$ 25 por mês de trabalho como empregada doméstica. Para
ela, a perspectiva de ganhar $ 4.500 por nove meses de trabalho deve ter sido muito atraente para resistir”. Veja Justice:
What Is the Right Thing to Do? p. 101.

22 PLANO DE AULA

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