Plano de Aula 02 - Ética Aplicada
Plano de Aula 02 - Ética Aplicada
Plano de Aula 02 - Ética Aplicada
CIA LIZA
CO MER
Ética
Aplicada
Planos de aula
2
Squire Family Foundation
Instituição financiadora do projeto
Preparação: Aline de Fátima Guedes • Camila Maria Nardi Matos • Carolina de Andrade Baviera • Cátia Aparecida
Ribeiro • Elaine Aparecida de Lima Moraes • Josiane Marchiori Martins • Lidiane Maria Magalini • Luciana A. Mani
Adami • Luciana dos Santos Sançana de Melo • Patrícia Alves Veronez Montera • Simone Rodrigues de Oliveira
Revisão: Eduardo Henrique Marinheiro • Filipi Andrade de Deus Silveira • Rafael Antonio Morotti • Vanessa Vergani Machado
Projeto gráfico, diagramação e capa: Bruno do Carmo Bulgarelli • Joice Cristina Micai • Lúcia Maria
de Sousa Ferrão • Luis Antônio Guimarães Toloi • Raphael Fantacini de Oliveira • Tamires Botta Murakami
Videoaula: André Luís Menari Pereira • Bruna Giovanaz • Gustavo Fonseca • Marilene Baviera • Renan de Omote Cardoso
INFORMAÇÕES GERAIS
Título: Plano de Aula - Ética Aplicada
Formato: 210mm x 297mm
Páginas: 24 páginas
Edição: 1ª
Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida por qualquer meio ou forma sem a prévia autorização da
Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing Philosophy Education
Copyright © Johns Hopkins – Center for Talented Youth e Squire Family Foundation – Advancing
Philosophy Education
DIA 5 – BIOÉTICA: CONCEBENDO UMA VIDA PARA SALVAR OUTRA: O CASO DA BEBÊ MARISSA.......... 17
INTRODUÇÃO AO CASO........................................................................................................................................... 17
PROCEDIMENTO PARA ANALISAR O CASO............................................................................................................. 18
AMOSTRA DE ANÁLISE DO CASO............................................................................................................................ 18
PROLONGAMENTO DO CASO: TIRAR UMA VIDA PARA SALVAR OUTRA................................................................... 19
Ética
Ética Aplicada
Epistemologia
Estética
Filosofia da Religião
Filosofia Política
Livre Arbítrio
Filosofia da Ciência
Método Filosófico
Identidade Pessoal
Filosofia da Mente
INTRODUÇÃO
Este módulo aborda questões em três tópicos extraídos da ética aplicada: o status moral dos
animais, as cotas raciais nas universidades e a bioética (maternidade comercial: barriga de alu-
guel, conceber uma vida para salvar outra). O formato deste módulo é consistente entre uma
pergunta e outra. São sugeridos dois dias para cada pergunta, embora seja possível discutir
casos relevantes em um dia ou ampliar a análise para uma unidade mais longa. Cada pergunta
começa com os casos destinados a dois alunos para provocar e ancorar discussões. Os casos
são seguidos por considerações importantes e questões orientadoras, bem como orientações
para a análise dos argumentos relevantes. Embora as leituras sejam sugeridas para cada per-
gunta, é possível desenvolver boas discussões apenas com os casos. As notas ao final do mó-
dulo também direcionam os professores para fontes adicionais para sua própria leitura de base.
© ÉTICA APLICADA 5
DIA 1 – ÉTICA APLICADA: ADMISSÕES
PREFERENCIAIS
O problema
Revise com os alunos o seguinte resumo do caso Hopwood, incluindo seu histórico pessoal
e acadêmico, a política de admissão da Faculdade de Direito da Universidade do Texas (UT),
a base para sua decisão de não admitir Hopwood e o caso de Hopwood contra a Faculdade de
Direito da UT:
Cheryl Hopwood não veio de uma família rica. Criada por uma mãe solteira, ela pas-
sou pelo colégio, a faculdade comunitária e a Universidade Estadual da Califórnia em
Sacramento. Mudou-se para o Texas e candidatou-se à Faculdade de Direito da Uni-
versidade do Texas, a melhor escola de Direito do estado e uma das principais escolas
de Direito do país. Embora Hopwood tenha conseguido uma nota média de 3,8 e foi
razoavelmente bem no teste de admissão da escola de Direito, ela não foi admitida.
Hopwood, que é branca, achou que sua rejeição foi injusta. Alguns dos admitidos
concordaram que os estudantes afro-americanos e mexicano-americanos obtiveram
notas e pontuação no teste inferiores às dela. A escola utilizou uma política de ação
afirmativa que deu preferência aos candidatos minoritários. Na verdade, todos os
alunos minoritários com notas e pontuações iguais à de Hopwood foram admitidos.
Hopwood levou seu caso ao tribunal federal, argumentando que ela havia sido vítima
de discriminação. A universidade respondeu que parte da missão da faculdade de
Direito era aumentar a diversidade racial e étnica na profissão jurídica do Texas,
incluindo-se não apenas escritórios de advocacia, mas também na legislatura e nos
tribunais. No Texas, os afro-americanos e os mexicano-americanos fazem parte dos
quarenta por cento da população, mas uma proporção muito pequena está na profis-
são legal. Quando Hopwood se inscreveu, a faculdade de Direito da Universidade do
Texas usou uma política de admissão de ação afirmativa que visava inscrever cerca
de quinze por cento da classe entre os candidatos minoritários. Para atingir esse obje-
tivo, a universidade estabeleceu padrões de admissão mais baixos para os candidatos
minoritários do que para os candidatos não pertencentes à minoria. Funcionários da
universidade argumentaram, no entanto, que todos os estudantes minoritários que
foram admitidos foram qualificados para fazer o teste, e quase todos conseguiram se
formar na faculdade de Direito e passar no exame final do estado, que é controlado
pela Suprema Corte. Mas isso foi apenas um pequeno conforto para Hopwood, que
acreditava que ela tinha sido tratada injustamente e deveria ter sido admitida3.
1
“Hopwood versus Estado do Texas” pode ser encontrado na Justiça: A Reader, ed. Michael Sandel. Nova York: Oxford
University Press, 2007, p. 240-243.
2
Os professores também podem introduzir o caso Bakke. Em 1978, o Supremo Tribunal dos EUA manteve uma política
de admissão de ação afirmativa da Faculdade de Medicina da Universidade da Califórnia em Davis. O caso de Bakke é
discutido na leitura de Ronald Dworkin, sugerida para o Dia 2.
3
SANDEL, Michael J. Justiça: qual é a coisa certa a fazer? New York: Farrar, Straus e Giroux, 2009, p. 67-68.
6 PLANO DE AULA
Discussão guiada de argumentos a favor e contra Hopwood
Ignorando a dimensão legal, Hopwood tem um caso legítimo do ponto de vista moral? Fo-
ram seus direitos violados pela política de admissão da UT?
Considere o seguinte:
1. Que fatores são levados em conta na admissão da faculdade? Se a raça ou outros fato-
res? (Discutir quais os fatores que estão fora do controle do estudante).
2. Quais os fatores que devem ser levados em conta nas admissões da faculdade? Se a
raça não deve ser tida em conta, que outros fatores também devem ser excluídos? Quais
fatores devem ser a única base para admissões na universidade ou faculdade?
4. Quem deve determinar os objetivos, o bem social ou a missão de uma universidade? Uma
universidade deveria ser livre para definir suas políticas de admissão para atender a qual-
quer propósito social que julgar desejável? Importa se a universidade é uma instituição
pública ou privada?
5. O conceito de direitos pode ser aplicado com justificativa tanto para a coletividade como
individualmente?
MARTINS, U. L Análise crítica sobre o entendimento de Ronald Dworkin sobre “o caso Bakke:
as quotas são injustas?” Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.
php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9515> . Acesso: 20 out. 2018.
4 DWORKIN, Ronald. Bakke’s Case: Are Quotas Unfair? In: Justice: a reader. ed. Michael Sandel. Nova York: Oxford,
2007, p. 248-255.
© ÉTICA APLICADA 7
DIA 2 – ÉTICA APLICADA: ADMISSÕES
PREFERENCIAIS
Passe o segundo dia sondando com os alunos os argumentos retrógados e os argumentos
mais inovadores que permeiam as admissões preferenciais. Note que ambos, os apoiadores e
críticos, compartilham a suposição de que as admissões são justificadas em termos do princípio
da igualdade de oportunidades. Os defensores das admissões preferenciais argumentam que o
princípio deve ser aplicado para eliminar práticas discriminatórias. Os críticos argumentam que
um padrão de grupo é inconsistente para com o ideal básico do mérito individual, subjacente
ao princípio da igualdade de oportunidades.
Provoque uma resposta crítica dos alunos para os argumentos esboçados abaixo: qual o
conjunto de argumentos é mais forte? Que objeções podem ser levantadas contra cada argu-
mento? Como o defensor das admissões preferenciais responderia a cada objeção?
Objeções: em seguida, explore com os alunos possíveis objeções aos argumentos ante-
riores: (a) a legislação, destinada a eliminar a presente discriminação contra indivíduos, é
suficiente para enfrentar os efeitos do preconceito racial histórico. É melhor acabar com a dis-
criminação atual do que introduzir uma política sensível, e que assim justifique um tratamento
especial para esses grupos historicamente oprimidos; (b) por que as admissões preferenciais
consideram especialmente alguns grupos historicamente discriminados, mas não outros (por
exemplo, italianos, irlandeses)?; (c) se uma dívida é devida, os seus custos são um encargo
injusto para os descendentes imigrantes não discriminados que não foram vítimas nem bene-
ficiários da escravidão; (d) por que os membros afluentes de grupos historicamente oprimidos
se beneficiam de admissões preferenciais, quando as mesmas oportunidades estão fechadas
para homens brancos economicamente desfavorecidos, mas igualmente talentosos? Qualquer
política de admissão preferencial sensível ao grupo deve ser orientada por diferenças socioe-
conômicas em vez de raça ou sexo.
5
Esta visão geral dos principais argumentos retrógrados e inovadores são demonstradas extensivamente a partir de
duas fontes: veja BOXILL, Bernard; BOXILL, Jan. A Companion to Applied Ethics. ed. R.G. Frey e Christopher Heath
Wellman. Oxford: Blackwell, 2005, p.118-141; FEINBERG, Walter. The Oxford Handbook of Practical Ethics. ed. Hugh
LaFollette. Oxford: Oxford University Press, 2005, p. 272-297.
8 PLANO DE AULA
Responder: os alunos, em seguida, podem querer oferecer respostas às objeções acima:
comparando a situação dos escravos com grupos de imigrantes, ignora-se a distinção entre
imigração forçada e voluntária. O comércio de escravos também foi muito pior do que a dis-
criminação dirigida a outros grupos de imigrantes. Finalmente, a cor da pele dos imigrantes
brancos permitiu que eles se integrassem com outras raças brancas. O argumento para as
admissões preferenciais baseadas nas necessidades ignora o papel dos profundos estigmas
culturais que estão baseados na privação cultural e econômica.
Argumentos inovadores
Os argumentos orientados para o futuro dizem que o futuro se beneficiará da ação afirma-
tiva, ambientes educacionais melhorados e redução da estratificação racial e preconceito. De
acordo com esse argumento, as consequências da ação afirmativa ajudam a tornar as oportu-
nidades mais iguais. De acordo com o princípio da igualdade de oportunidades, lugares e po-
sições devem ser concedidos para aqueles que estão melhor qualificados, todos os indivíduos
devem ser avaliados para esses cargos estritamente com base em suas qualificações e proíbe a
discriminação com base em considerações irrelevantes. Convide os alunos a discutir a questão
sobre o que torna um candidato mais altamente qualificado do que outro. Em seguida, intro-
duza os seguintes argumentos.
Se as pessoas com aptidões não possuem uma educação adequada, a sociedade não es-
tará fazendo o melhor uso dos talentos disponíveis. Aqueles que defendem a ação afirmativa
dizem que a igualdade formal de oportunidades não é suficiente. Ser permitido a entrar em
uma corrida em que a linha de partida não seja necessariamente uma oportunidade igual para
se competir ou vencer, será o caso de quem nunca tenha tido oportunidade para fazer um
treinamento adequado para competir em igualdade de condições. Por exemplo, se os estereó-
tipos históricos desencorajarem as mulheres de estudar engenharia, é necessária uma ação
afirmativa para oferecer às mulheres maiores oportunidades de se qualificarem e competir por
cargos na profissão.
Objeção: o Juiz Harlan fez uma célebre declaração dizendo que a Constituição norte-ameri-
cana é daltônica. Em sua opinião, o princípio de igualdade de oportunidades é violado quando:
(a) presumimos que os cidadãos têm o direito de serem avaliados para posições desejáveis
unicamente com base em suas qualificações e: (b) a cor e sexo são fatores usados de forma
irrelevantes para justificar um tratamento desigual. Se considerarmos a raça, o gênero ou a
etnia, nós apenas perpetuamos as práticas discriminatórias de distribuição de oportunidades
de forma desigual e injusta. As consequências da ação afirmativa podem ser desejáveis para os
afrodescendentes e as mulheres, mas a prática ainda é inaceitável porque viola os direitos dos
brancos para serem avaliados unicamente com base em suas qualificações. Se aceitarmos esse
argumento, a ação afirmativa é razoavelmente caracterizada como “discriminação reversa”.
© ÉTICA APLICADA 9
altos possíveis. As diferenças de experiência, os pressupostos de base e as atitudes sociais são
criticamente importantes para uma atmosfera educativa de pluralismo, diálogo e abertura para
questionamentos.
Resposta: pode ser verdade que a redução da estratificação racial não seja suficiente para
justificar admissões preferenciais. Mas o que deve ser considerado não são apenas as atitudes
racistas dos brancos, mas o efeito das admissões preferenciais na resposta dos afrodescen-
dentes ao preconceito racial: “Com a eliminação da estratificação racial, não será mais racional
para os afrodescendentes inferir que podem ter sucesso... a ação afirmativa se justifica porque
prevê uma compensação na forma de esperança restaurada... o que realmente roubou a es-
perança dos afrodescendentes não foi só o racismo, mas os efeitos aparentes de racismo em
mantê-los inferiores”6. Shelby Steele, negro e conservador, expressa uma visão divergente de
que as admissões preferenciais são um “remédio” para a culpa sentida pelos liberais brancos,
que patrocinam os afrodescendentes, reforçando, assim, sua condição de dependência.
Depois de discutir os argumentos acima, volte para o caso de Cheryl Hopwood. Faça uma
segunda pesquisa para ver se os estudantes mudaram de opinião ou encontraram novos mo-
tivos para sua posição. Os direitos de Hopwood foram violados? Especificamente, quais direi-
tos? As respostas possíveis incluem: (a) o direito de não ser julgada de acordo com fatores fora
de seu controle; (b) o direito de ser julgada de acordo apenas com mérito acadêmico.
Mérito Moral: uma recompensa ou honra que reconhece a virtude, mérito ou excelência do
indivíduo.
6
Boxill e Boxill, “Ação Afirmativa”, p. 126. Veja também Feinberg, “Ação Afirmativa” por seu apelo à “Strategy of
simultancity” (p. 293-94). Uma cultura pode ser criada e mantida de forma que se perpetue práticas discriminatórias,
mesmo quando ninguém deseja discriminar. Por exemplo, se um treinador de time do ensino médio sabe que não há
oportunidades para jogadores afrodescendentes no nível da faculdade, este treinará atletas afrodescendentes para
outras posições. As admissões preferenciais são uma estratégia de simultaneidade que quebra esses ciclos: “Pretende-
se tanto afetar a maneira como os membros das minorias visadas pensam sobre suas oportunidades para uma vida boa
dentro das estruturas institucionais estabelecidas, quanto mudar a forma como as estruturas institucionais estabelecidas
respondem às minorias” (p. 294).
7
Ver SANDEL, Michael. Discutindo Ações Afirmativas. Justiça. New York: Farrar, Straus e Giroux, 2009. p. 167-183.
10 PLANO DE AULA
Expectativa Legítima de Benefício: uma atribuição sólida dos benefícios para a sociedade
baseada em uma declaração pública das metas sociais.
8
SANDEL, Michael J. Justiça: qual é a coisa certa a fazer? New York: Farrar, Straus e Giroux, 2009, p. 174.
© ÉTICA APLICADA 11
DIA 3 – O ESTATUTO MORAL DOS ANI-
MAIS
O problema
Os animais sofrem nas mãos humanas e são mortos em grande número por falta de alimen-
to e também quando são usados em esportes ou sacrificados em pesquisas científicas. Ambos,
filósofos e ativistas morais, têm se mantido dispostos há décadas em condenar essas práticas e
defender os «direitos dos animais». Mas o que significa dizer que os animais têm «direitos»? E,
se os animais têm direitos, como devem ser medidos contra os direitos e os interesses dos
seres humanos? Quais são as implicações morais de casos marginais, quando alguns seres
humanos que são atingidos por doenças mentais como a demência, retardo grave ou doença
debilitante em que eles não possuem, nem mesmo, as capacidades de alguns animais? Em
que fundamentos os direitos mais robustos, ou de maior posição moral, serão atribuídos a se-
res humanos mais debilitados do que a muitos animais? Estimule uma discussão sobre essas
questões em relação aos dois casos que se seguem.
Dois casos
Carne de vitela
Peça aos alunos que levantem as mãos se comeriam vitela. Em seguida, leia a seguinte
descrição de como os bezerros são preparados para consumo humano. Depois disso, pergunte
aos alunos que levantaram as mãos se continuariam comendo vitela e, em caso afirmativo,
por quê?
Os bezerros passam suas vidas em currais muito estreitos, de um modo que possam
apenas se virar ou se deitar confortavelmente – mas, do ponto de vista dos produto-
res, isso é bom, porque o exercício endurece os músculos, o que reduz a “qualidade”
da carne; e, além disso, permitindo que eles vivam em um espaço pequeno, torna
a atividade de criar animais bem barata. Nessas canaletas, os bezerros não podem
realizar ações básicas como se lamberem para se limparem, algo que fazem natu-
ralmente, porque não há espaço para eles virarem a cabeça. É claro que os bezerros
sentem falta de suas mães e, como os bebês humanos, eles querem algo para sugar,
assim, os bezerros podem ser vistos tentando em vão sugar as madeiras que cercam
os seus currais. A fim de manter sua carne pálida e saborosa, eles são alimentados
com uma dieta líquida deficiente em ferro, que é insuficiente também no pasto animal
(forragem). E, é claro, eles desenvolvem desejos por esses alimentos. O desejo de
consumir um mineral como o ferro torna-se tão forte que, se ele conseguisse virar
a cabeça, ele lamberia a própria urina, embora os bezerros normalmente achem
isso repugnante. A pequena canaleta em que ele vive impede o animal de se virar,
“resolvendo esse problema”. O desejo de forragem é especialmente forte, uma vez
que, sem ele, o animal não pode ruminar. Não pode ser dada qualquer palha em que
ele possa se deitar, uma vez que o animal seria levado a comê-lo, e isso afetaria a
carne. Então, para esses animais, o matadouro não é um final desagradável para uma
existência tão miserável. Por mais aterrador que o processo de abate seja, para eles
pode ser, na verdade, uma libertação misericordiosa.9
A criação de bezerros para o consumo humano é importante? Eles são importantes a par-
tir de um ponto de vista utilitário, ou a consideração do prazer e da dor deve ser restrita aos
seres humanos que criam e consomem carne de vitela? Note-se que, de acordo com Jeremy
Bentham, senciência (ou seja, a capacidade de experimentar prazer e dor) é uma caracterís-
tica suficiente para dar aos animais idoneidade moral (ou seja, para torná-los merecedores
de consideração moral):
9
RACHELS, James. The Elements of Moral Philosophy. 2. ed. New York: McGraw Hill, 1996, p.100-101.
12 PLANO DE AULA
Talvez chegue o dia em que o restante da criação animal venha a adquirir os direitos
que jamais poderiam ter-lhe sido negados, a não ser pela mão da tirania. Os france-
ses já descobriram que o escuro da pele não é razão para que um ser humano seja
irremediavelmente abandonado aos caprichos de um torturador. É possível que um
dia se reconheça que o número de pernas... [é] motivo insuficiente para abandonar
um ser senciente ao mesmo destino. O que mais deveria traçar a linha intransponível?
A faculdade da razão, ou talvez a capacidade de linguagem? Mas um cavalo ou um cão
adultos são incomparavelmente mais racionais e comunicativos do que um bebê de
um dia, de uma semana, ou até mesmo de um mês. Supondo, porém, que as coisas
não fossem assim, que importância teria tal fato? A questão não é “Eles são capazes
de raciocinar?” nem “São capazes de falar?”, mas sim: “Eles são capazes de sofrer?”.10
Considere o seguinte: os estudantes que se opõem ao modo de tratamento dado aos bezer-
ros, no entanto, podem comer carne. Note-se que milhões de animais são mortos a cada ano
para o consumo humano e que a grande maioria deles são criados em condições de “fazenda
industrial” em que seu bem-estar é sistematicamente sacrificado para reduzir gastos e maxi-
mizar os lucros. Se esses animais vivem vidas de contínua miséria, todos os humanos têm a
obrigação de se tornar vegetarianos? Qual é a diferença entre o prazer que temos em comer
carne e o prazer que o se deitaremapenas se virarempoderia começar a partir de uma dieta
totalmente vegetariana? Pode-se argumentar que o estreitamento das opções alimentares
seria mais do que compensado pela vitalidade, saúde e bem-estar humano, reforçados, por
exemplo, por taxas significativamente mais baixas de obesidade, diabetes, doenças cardiovas-
culares e alguns tipos de câncer?
Cães experimentais
Em seu livro Libertação Animal (1975), o contemporâneo utilitarista Peter Singer usou o
exemplo a seguir em condenar o uso de animais em experiências:
Na Universidade de Harvard, R. Solomon, L. Kamin e L. Wynne testaram os efeitos
de choques elétricos no comportamento de cães. Eles colocaram quarenta cães num
dispositivo chamado shuttlebox (caixa de transporte), que consiste numa caixa divi-
dida em dois compartimentos, separados por uma barreira. Inicialmente, a barreira
foi colocada à altura das [costas] dos cães. Foram desferidos centenas de choques
elétricos intensos nas patas dos cães através de uma rede no chão. No começo, os
cães conseguiam escapar ao choque se aprendessem a pular a barreira e passar
para o outro compartimento. Na tentativa de “desencorajar” um cão de saltar, os
especialistas forçaram o cão a saltar cem vezes para a rede eletrificada. Afirmaram
que quando o cão saltava dava um “guincho agudo de antecipação que se transfor-
mava num ganido quando aterrava [caía] na rede eletrificada”. Por fim, bloquearam
a passagem entre os compartimentos com uma placa de vidro e testaram de novo o
mesmo cão. O cão “saltava e batia com a cabeça de encontro ao vidro”. Inicialmente,
os cães revelaram sintomas tais como “defecar, urinar, ganir e guinchar, tremer, e
atacar o aparelho” e assim por diante, mas após dez ou doze dias de testes os cães
que foram impedidos de escapar aos choques deixaram de resistir. Os especialistas
afirmaram-se “impressionados” com este fato, e concluíram que a combinação da
barreira de vidro e dos choques nas patas era “muito eficaz” na eliminação dos saltos
dos cães.11
Os cientistas devem adotar uma posição “qualquer coisa serve” em relação ao uso de ani-
mais na experiência? A defesa dessa posição dependeria das duvidosas afirmações de que os
animais não humanos: (a) não sentem dor, (b) há inexistência de posição moral, (c) e vivem
vidas sem valor. Os estudantes podem sentir repulsa a partir da experiência demonstrada aci-
ma, especialmente aqueles que têm cães como animais de estimação e não veem benefício
humano significativo. Pergunte à classe se outras experiências, que tem o ato de infligir dor
aos animais e tirar suas vidas, podem contribuir significativamente para a pesquisa médica e
10
BENTHAM [s.d.] apud RACHELS, 1996, p. 97-98.
11
CANTOR [s.d.] apud RACHELS, 1996, p. 99-100.
© ÉTICA APLICADA 13
tratamento de doenças humanas?12 Para os alunos que acreditam que tais experiências são
justificadas, pergunte se em um importante benefício para humanidade, poderá ser adotado
em experiências com animais a abordagem dos “três R”:
• Recusar animais para experimentos trocando-os por modelos não animais (por exemplo,
culturas de tecidos), o tanto quanto possível.
Note-se que aqueles que defendem a abolição (abolicionismo animal) imediatamente veem
a posição gradualista como não mais justificada do que o encerramento gradual dos campos
de concentração.
Para o Dia 2, atribua a leitura de OLIVEIRA, G. D. A teoria dos direitos animais humanos
e não-humanos, de Tom Regan. Disponível em: <https://periodicos.ufsc.br/index.php/ethic/
article/viewFile/14917/13584>. Acesso: 20 out. 2018.
14 PLANO DE AULA
DIA 4 – As diferenças entre os seres
humanos e outros animais: questão de
postura moral13
Enunciado do problema
Justificação para os recursos de pesquisa com animais para o benefício humano, esse apelo
precisa ser complementado com um argumento que mostre o que pode torná-lo errado, ao se
ter o direito de usar animais ao invés de se usar humanos em experiências.
Considere o seguinte: os alunos deverão abordar as seguintes considerações na resposta à questão anterior.
1. Se a ciência é compartilhada por animais e seres humanos, por que não deveria a dor
sofrida por um animal ser levada moralmente em conta? E se uma dor animal não conta
moralmente, por que não deveria uma vida animal, arruinada por uma experimentação,
também contar moralmente? A sensibilidade, tanto em seres humanos como em animais
não humanos, justificaria impedir toda e qualquer experimentação em animais?
2. Se houvesse alguma característica que fosse impedir seres humanos de serem usados em
experiências médicas, como, por exemplo, em sua capacidade mental ou de produção, e
que fosse adquirida alguma anomalia por alguns seres humanos em uma escala inferior,
como em bebês anencefálicos, ou vítimas de Alzheimer, poderiam ambos, os seres
humanos e animais serem usados em experiências médicas.
Peça aos alunos para identificar uma única característica ou conjunto de características que
podem distinguir uma criatura que conta moralmente (ou seja, que lhe confere autoridade mo-
ral ou torna merecedor de consideração moral) e outra que não. E quais, se houver, nos itens
mencionados no seguinte desafio, os que se posicionam em uma posição extrema em que os
seres humanos desfrutam exclusivamente de idoneidade moral, que pertençam a uma comu-
nidade moral e que levam vidas valiosas?
• Valor inerente
• Posse de interesses
• Assunto experiencial
Agora, volte para a leitura atribuída por Tom Regan em defesa dos direitos como base para
a posição moral dos animais não humanos. Peça aos alunos para analisar o argumento Regan
à luz das seguintes questões.
1. Por que Regan rejeita abordagens contratualistas e utilitárias para avaliar a moralidade
da agricultura industrial e experimentos que usam animais? Por que ele não adota uma
visão de direitos em vez disso?
2. Como é que Regan defende a ideia de que todos os animais, incluindo os animais não
humanos e animais humanos que são profundamente retardados, como parte igual, va-
lor inerente? Você acha essa parte de seu argumento persuasiva?
13
A análise que se segue se baseia extensamente a partir de FREY, R. G. Animais. In: FREY, R. G. The Handbook of
Practical Oxford Ética. ed. Hugh LaFollette. Nova York: Oxford University Press, 2005. p. 171-185.
© ÉTICA APLICADA 15
3. O argumento de Regan pelos direitos dos animais efetivamente complementa o apelo
para o benefício humano?
4. Regan diz que é imoral para os seres humanos comer carne? Ele também diz que é imo-
ral, em todas as circunstâncias, usar animais não humanos em experimentos? Como ele
defende sua posição? Você acha seu(s) argumento(s) persuasivo(s)?
Agora volte para o apelo de Frey para o assunto experiencial. Frey afirma que a quali-
dade comparativa e valor das decisões de vida podem ser feitas sobre os seres humanos e
animais. Embora ambos os animais e seres humanos sintam dor e prazer, Frey afirma que a
maioria dos seres humanos são capazes de sentir e saber que tem abundância, e que tem a
vida mais completa do que a maioria dos animais. Características específicas da experiência
humana que Frey tem em mente incluem talentos intelectuais e artísticos; experiências sociais
de amor, amizade e família; autossuficiência em moldar-se a si mesmo de acordo com uma
concepção de vida boa; e participando da comunidade moral como agentes com deveres e
responsabilidades plenas para com os outros. De acordo com Frey, os animais não pertencem
à comunidade moral, mas eles têm menos posicionamento moral que os seres humanos nor-
mais. Discuta as seguintes questões sobre a posição moral na avaliação do argumento de Frey:
1. Frey é vulnerável à acusação de “especismo” (discriminação com base em uma única es-
pécie)? Por que ou por que não?
2. Será que a posição de Frey, de que os animais têm um posicionamento menos moral do que os seres humanos
normais, pode justificar o uso de animais em experiências? Será que o seu argumento com base no assunto expe-
riencial efetivamente complementa o apelo para o benefício humano?
3. Será que o argumento de Frey apela implicitamente para a distinção que faz Mill en-
tre prazeres “inferiores” e “superiores” (“É melhor ser um ser humano insatisfeito que um
porco satisfeito”)? Você acha que Mill aplicaria sua distinção em defesa da experimenta-
ção em animais?
4. Podemos dizer com confiança que os seres humanos normais têm experiências mais ricas,
dado o pouco que sabemos sobre a vida interna dos animais?
5. Será que o argumento dado por Frey justifica o uso de seres humanos seriamente debili-
tados para experiências devido à baixa qualidade e valor de suas vidas, em comparação
com os primatas não humanos? Como se pode argumentar que temos obrigações muito
mais fortes para, digamos, uma criança gravemente retardada do que para um animal
não humano possuindo capacidades mentais com o mesmo problema?
16 PLANO DE AULA
DIA 5 – BIOÉTICA: CONCEBENDO UMA
VIDA PARA SALVAR OUTRA: O CASO DA
BEBÊ MARISSA
Introdução ao caso
1. Quais são as considerações relevantes para julgar a moralidade de conceber Marissa para
salvar Anissa?
2. Eles concordam com a ética médica de que Marissa não foi concebida como um “fim em
si mesmo”?
3. Conceber um filho para salvar outro seria justificado para um utilitarista? Se sim, por quê?
4. Considere as várias razões pelas quais os pais têm filhos (como, por exemplo, descen-
dentes apenas para continuar o nome de família; fonte de apoio na velhice; trabalho para
cuidar dos campos; garantia de um herdeiro do trono; cura para um casamento em difi-
culdades). Quando esses pais não conseguem conceber crianças como “fim em si”?
6. Faça uma enquete entre os estudantes para ver quantos aprovam e quantos desaprovam
a decisão dos Agola.
14
HARRIS JR., C. E. Applying Ethical Theories. 3. ed. Belmont: Wadsworth, 1997. p.156-57.
© ÉTICA APLICADA 17
Procedimento para analisar o caso
Em seguida, peça aos alunos que avaliem o caso metodicamente seguindo um procedimento
inspirado nas duas formulações de Kant sobre o imperativo categórico.15 O procedimento, que
tem três etapas, modifica um pouco as formulações de Kant para permitir uma flexibilidade
maior na avaliação de consequências morais relevantes:
1. Identificar a regra relevante pressuposta pela ação em causa. A regra deverá ter ampla
aplicação, aplicar-se ao caso particular e não incluir considerações diferentes. Harris
propõe a seguinte regra: “Os pais podem conceber filhos, cujo tecido orgânico humano
dessas crianças deverá ser usado para salvar a vida de outra pessoa, desde que a criança
não seja prejudicada pelo uso desse tecido.”16
3. Aplicar o princípio meios-fim negativo e positivo para o caso. Segundo Kant, esse princí-
pio afirma que essas ações são corretas para se aplicar aos seres humanos, seja para ele
mesmo ou para outra pessoa, como um fim e não meramente como um meio. O princípio
é então dividido em versões negativas e positivas: (a) a ação se aplica para o meu pró-
prio bem-estar ou dos outros? (teste negativo); (b) a ação positiva contribui para o meu
próprio bem-estar ou dos outros? (teste positivo). “Bem-estar” aqui não é de utilitarismo,
refere-se às condições necessárias para uma moral eficaz. Esta inclui: (a) autonomia (in-
cluindo o direito à proteção contra a violência, coerção e o engano que limitaria a escolha
e a ação livre ou voluntária); (b) os bens necessários para uma moral eficaz (incluindo
produtos básicos, como comida e abrigo, bem como bens adicionais, tais como a autoes-
tima e formação de caráter, que permitam às pessoas alcançar seus objetivos de forma
mais eficaz).
Poderá ser atribuída para toda a classe ou em pequenos grupos. Os alunos deverão (1) for-
mular e avaliar regras alternativas para o caso, (2) aplicar o teste autodestrutivo e (3) aplicar
os testes de meios-fim negativo e positivo. Harris oferece sua própria análise e julgamento,
que pode servir de modelo ou ponto de partida para o debate em sala de aula:
Pergunta: os Agola passariam no teste meios-fim negativo? Eles realizaram a ação com o
desejo de salvar a vida de sua filha. A única pessoa cuja liberdade e bem-estar está ameaça-
da é a da própria Marissa. O fato de que o Sr. Agola teve de se submeter a uma vasectomia
reversa indica que o casal não pretendia ter mais filhos. A concepção de Marissa surgiu prin-
cipalmente porque o casal queria salvar a vida de Anissa. Nesse sentido, Marissa foi “usada”
para salvar a vida de Anissa. No entanto, é difícil ver como Marissa será usada como um sim-
ples meio, porque, caso contrário, ela não teria sido concebida. Além disso, ela não será pre-
judicada permanentemente pelo procedimento médico. A dor, se houver, será temporária. E
é duvidoso que ela seja prejudicada emocionalmente, mesmo porque não temos motivo para
questionar a afirmação de Agola de que amará Marissa como ama Anissa.
Objeção: se Anissa morre, Marissa terá falhado na única tarefa para a qual nasceu. Mesmo
que Anissa viva, ela poderá sofrer emocionalmente em um certo momento de sua vida, por
causa das circunstâncias de seu nascimento.
Os alunos também podem apontar para o grande perigo, ou seja, se todos começarem a
15
HARRIS, Applying Ethical Theories. 1997, p. 158-164.
16
Ibid., p. 175-178.
18 PLANO DE AULA
utilizar desse procedimento, a concepção para salvar a vida de outrem, a vida humana pode-
rá ter menos valor. Talvez as crianças possam ser concebidas para uso médico em algumas
circunstâncias, em que as expectativas de vida das crianças seriam gravemente prejudicadas
pelos procedimentos médicos ao se fazer uso de seus tecidos orgânicos. Ou, até mesmo, crian-
ças pudessem ser mortas para serem usadas apenas para o transplante de tecidos e órgãos.
Resposta: embora a objeção não deva ser tomada de forma branda, é claro que esse proce-
dimento não deverá incentivar ou permitir que esses tipos de práticas possam ser prejudiciais
para o doador.
Pergunta: os Agola passariam no teste meios-fim positivo? Como pais de Marissa e Anissa,
eles têm uma obrigação especial de promover sua própria liberdade e bem-estar. Uma vez que
a ação é uma tentativa de ajudar Anissa, a única questão tem a ver com Marissa. Ela nunca
teria nascido além do desejo de seus pais para ajudar sua irmã, e existem todas as indicações
de que ela será criada em um ambiente em que sua ação moral será plenamente respeita-
da. Portanto, não temos motivos claros para acreditar que o teste positivo tenha sido violado.
Revise a questão para saber se os Agola não conseguiram tratar Marissa como um “fim em
si” à luz de sua análise do caso. Repita a pesquisa para avaliar por que os alunos mudaram de
ideia ou se tornaram mais firmemente unidos à sua posição original.
À luz do caso do bebê Marissa, discuta um caso mais recente que introduz uma perspectiva
religiosa à questão de se tirar uma vida em favor de outra. Como poderá ou deverá o procedi-
mento acima ser aplicado a este segundo caso resumido abaixo?
Os pais de duas gêmeas que nasceram unidas pelos quadris viajaram de sua casa
em Malta para Manchester, na Inglaterra, para procurar cuidados médicos de quali-
dade para suas filhas que ainda estavam no útero materno. Após o nascimento, os
médicos esclareceram ao casal que seria necessário separar as gêmeas, e que seria
fatal para uma delas. Os pais protestaram e disseram que essa não seria a vontade
de Deus, que um filho fosse morto para que o outro pudesse sobreviver. O tribunal
inglês decidiu contra os desejos dos pais, invocando um argumento utilitarista justi-
ficado com base em testemunho médico. Os especialistas concordaram que a gêmea
mais forte e mais alerta, conhecida como Jodie, tinha uma chance entre 80 a 90 por
cento de sobreviver por apenas alguns meses se ela continuasse a alimentar o cora-
ção e os pulmões enfraquecidos de Mary, cujo cérebro já se encontrava danificado. O
advogado nomeado pelo tribunal para representar Jodie insistiu que Mary, naquele
momento, já era uma “vida inútil.”17
17
SIRICO, Robert. An unjust sacrifice. Op-ed. New York Times, 28 set. 2000.
© ÉTICA APLICADA 19
DIA 6 – Barriga de aluguel: o caso do
bebê “M”
Introdução ao caso bebê “M”
Peça aos alunos para discutirem essa questão à luz do caso do bebê “M”, resumido abaixo
por Michael Sandel:
William e Elizabeth Stern eram um casal que morava em Tenafly, Nova Jersey – ele
era um bioquímico, ela era pediatra. Eles queriam um bebê, mas não podiam ter, pelo
menos não sem risco médico para Elizabeth, que tinha esclerose múltipla. Então eles
foram até um centro de infertilidade que organizava barrigas “de aluguel”. O centro
gerava anúncios que procuravam “mães de aluguel” – as mulheres que desejavam
engravidar para outra pessoa, em troca de um pagamento monetário. Uma das mu-
lheres que responderam aos anúncios foi Mary Beth Whitehead, de vinte e nove
anos, mãe de duas crianças, casada com um trabalhador do saneamento básico da
cidade. Em fevereiro de 1985, William Stern e Mary Beth Whitehead assinaram um
contrato. Mary Beth concordou em ser artificialmente inseminada com o esperma
de William, para gerar a criança em seu útero e entregá-la a William ao nascer. Ela
também concordou em desistir de seus direitos maternos, para que Elizabeth Stern
pudesse adotar a criança. Por sua parte, William concordou em pagar a Mary Beth
uma quantia de US $ 10.000,00 (a ser paga no momento da entrega do bebê), além
das despesas médicas. (Ele também pagou um valor de US $ 7.500,00 para o centro
de infertilidade para organizar o negócio.) Após várias inseminações artificiais, Mary
Beth ficou grávida e, em março de 1986, deu à luz uma menina. O casal Stern, pre-
vendo sua futura filha adotada, deu o nome ao bebê de Melissa. Entretanto, Mary
Beth Whitehead decidiu que não iria se separar da criança e queria tê-la para si. Ela
fugiu para a Flórida com o bebê, mas os Sterns conseguiram uma ordem judicial exi-
gindo que ela retornasse com a criança. A polícia da Flórida encontrou Mary Beth, o
bebê foi entregue ao casal Stern, e a luta pela custódia foi à corte em Nova Jersey.18
Decisões judiciais
20 PLANO DE AULA
consentimento de Whitehead não foi informado, o contrato não era verdadeiramente
voluntário. Ele também julgou que o contrato constituía venda de bebê. No último
ponto, Wilentz escreveu: “Há, em uma sociedade civilizada, algumas coisas que o
dinheiro não pode comprar [...] E esta é a venda do direito que a mãe tem sobre seu
filho, o único fator atenuante é que um dos compradores é o pai [...] [Um] revendedor,
impulsionado pelo lucro, promove a venda. Seja qual for o idealismo que possa ter
motivado qualquer um dos participantes, a motivação do lucro predomina, permeia
e, finalmente, governa a transação.”19 A Corte Suprema de Nova Jersey reconheceu
Mary Beth Whitehead como a mãe natural e legal, mas permitiu que os Sterns man-
tivessem a custódia temporária, devido aos problemas que ela tinha em família.20
Análise do Caso
1. Será que o tribunal inferior decidiu corretamente que “negócio é negócio”, já que dois
adultos entraram em um acordo voluntário? O consentimento de Whitehead foi realmen-
te informado? Ou será que a decisão do tribunal superior foi distorcida quando julgou
ambas as situações: a necessidade financeira de Whitehead e sua incapacidade de prever
suas emoções quando chegasse a hora de entregar o bebê?
2. Será que o tribunal inferior julgou corretamente que, porque nenhuma das partes tinha
uma posição vantajosa, o contrato foi justo? Ou foi o tribunal superior correto ao argu-
mentar que barriga de aluguel é ilegal, pois permite casais ricos explorarem os pobres, ou
seja, mulheres desamparadas que se voltam para essa prática como último recurso para
suas dificuldades financeiras?21
3. Será que o julgamento da primeira instância foi correto, (a) pelo fato de que no contrato
houve uma troca razoável de serviço, quando o pai biológico da criança obteve um serviço
de gestação por um pagamento de US$ 10.000,00; e (b) que, sob a igualdade de prote-
ção da lei, desde que os homens estão autorizados a vender seu esperma, as mulheres
têm o direito de vender sua capacidade reprodutiva, ou foi o tribunal superior correto
ao argumentar que o contrato de barriga de aluguel era inválido, pois nem a capacidade
reprodutiva de uma mulher e nem a criança que ela gera devem ser considerados como
uma mercadoria a ser comprada e vendida no mercado?
A última pergunta convida os alunos a aplicar e testar a distinção de Kant entre pessoas
dignas de respeito e objetos a serem usados para o caso do bebê “M”:
• Se a mãe de aluguel for inibir o crescimento de sentimento de amor maternal pela criança,
deverá o contrato exigir dela uma maneira em que “não haja uma ligação sentimental”?
• Se a forma correta de avaliar mercadorias e práticas sociais depende dos propósitos e fins
a que essas práticas servem, o contrato de barriga de aluguel previne a mãe de alcançar
o propósito de um laço emocional com a criança?22
19
“Matter of Baby ‘M”, NJ – Supremo Tribunal Federal, 1988. In: SANDEL, Justiça: A Reader, p. 94-95.
20
SANDEL, 2009, p. 94-95.
21
Um estudo relatou que sete dos treze programas de barriga de aluguel pesquisados mostraram que mulheres o
aceitaram para o próprio bem-estar e que o rendimento médio das mães substitutas aceitas pelos treze programas foi
de US$ 18.000 em 1987. Veja: TONG, Rosemarie. Surrogate Motherhood. In: A Companion to Applied Ethics. Ed. R. G.
Frey e Christopher Heath Wellman. Blackwell: Oxford, 2005. p. 371.
22
Professores podem desejar atribuir para o segundo dia: SILVA, P. A. et al. A prática da barriga solidária e suas
implicações éticas. Disponível em: <https://academico.univicosa.com.br/revista/index.php/RevistaSimpac/article/
© ÉTICA APLICADA 21
Extensão: desenvolvimentos recentes e suas implicações éticas
• Dividir o papel de mãe em três maneiras acaba com a polêmica de quem tem maior direito
sobre a criança?
• Ao remover o vínculo antigo entre óvulo, útero e mãe, a gestação in vitro reduz o risco
emocional que envolvia a mãe de aluguel tradicional?
• Uma vez que a substituta não fornece o óvulo e a criança não é geneticamente dela,
podemos concluir, nesse caso, que nenhum bebê está sendo comercializado?
viewFile/466/563>. Acesso: 20 out. 2018. PAIANO, D. P. et al. A cessão do útero e suas implicações na ordem contratual.
Disponível em: <http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/a_cessao_do_utero_e_suas_implicacoes_na_
ordem_contratual.pdf>. Acesso: 20 out. 2018.
23
Tong, “Surrogate Motherhood”, p. 370.
24
Por exemplo, Sandel relata que “Suman Dodia, aos vinte e seis anos de idade, Indiana, que era uma substituta
gestacional para um casal britânico, já havia ganhado uns US$ 25 por mês de trabalho como empregada doméstica. Para
ela, a perspectiva de ganhar $ 4.500 por nove meses de trabalho deve ter sido muito atraente para resistir”. Veja Justice:
What Is the Right Thing to Do? p. 101.
22 PLANO DE AULA