ARTIGO

#OKR #ESG
66
O caminho das pedras para salvar o mundo
por Leandro Franz

Em seu novo livro, o investidor de risco John Doerr apresenta um plano detalhado para
o planeta cumprir os desafios do Acordo de Paris e resolver o drama da crise climática. A
proposta está amparada na mesma estrutura de planejamento que ele apresentou a um
então desconhecido Google em 1999: os objectives and key results (OKRs)

É
consenso que temos um desafio externalidades negativas que geram.
socioambiental gigantesco pela Para Larry Fink, CEO da Blackrock,
frente. As conclusões da últi- maior fundo de investimentos do
ma conferência climática da ONU, mundo, optar por empresas que fo-
a COP 26, realizada em 2021, estão quem o tema “não é mais uma esco-
alinhadas com a insistência de in- lha, é um imperativo”.
vestidores e líderes no tema ESG (si- Mas temos um plano? Temos um
gla em inglês para ambiental, social mapa estratégico, algo para comuni-
e governança). A era do lucro a qual- car e alinhar esforços, defendido por
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

quer custo terminou, os ganhos ago- Robert Kaplan e David Norton, gran-
ra precisam ser buscados sem des- des nomes da gestão de projetos?
truir o planeta, os negócios devem Na rotina corporativa, trabalhamos
neutralizar e prestar contas sobre as com metas e indicadores cada vez

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 153

 Doerr publicou um livro a respeito, SÓ O SETOR DE
o best-seller Avalie o que Importa.
Hoje, assim como Bill Gates e ou-
TRANSPORTES
tros pensadores do Vale do Silício, GERA 8 MILHÕES
Doerr tem voltado suas pesquisas DE TONELADAS
para a questão das mudanças cli-
máticas. O resultado está em um DE GASES DE
novo livro, Speed & Scale: an Action EFEITO ESTUFA
Plan for Solving Our Climate Crisis
POR ANO.
Now. Lançado no fim de 2021 e ain-
da sem tradução para o português, PRECISAMOS
o título traz histórias de gente de REDUZIR ISSO A
peso, como Jeff Bezos e Al Gore.
Atualmente, o mundo emite 59 gi- 2 MILHÕES ATÉ
gatoneladas (ou 59 milhões de tone- 2050.
ladas) de gases de efeito estufa por
ano. Para combatê-las, Doerr sugere
um plano que elenca seis objetivos
e 55 resultados-chave que, se alcan-
çados, garantem que a temperatura
global não suba mais de 1,5 grau.
As seis metas são eletrificar o
transporte, descarbonizar o sistema
energético, otimizar a produção ali-
mentícia, proteger a natureza, lim-
mais numerosos e complexos para par a indústria e remover o carbono.
garantir esse alinhamento. Mas, en- Objetivos claros, mas nada simples.
tão, como criar um plano com metas Complementando o mapa de 67
simples e claras para neutralizarmos OKRs, o autor lista quatro alavancas
nossa emissão de carbono? essenciais para acelerar a conclusão
É aí que entram os “objectives and dos objetivos: vencer a política com
key results” (OKRs). Sua criação é planejamento, transformar movi-
atribuída a Andrew Grove, húngaro mentos em ação, inovar e investir.
que fugiu do regime socialista em Com cada um dos objetivos, Doerr
seu país e se tornou o terceiro fun- visa eliminar uma certa quantidade
cionário de uma então pequena fir- de emissões. O setor de transporte,
ma chamada Intel. Anos mais tarde, por exemplo, é responsável hoje por
acabou promovido a CEO e, sob seu 8 gigatoneladas de gases por ano.
comando, ela se tornou a maior em- Até 2050, esse número precisa cair
presa de semicondutores do mundo. para 2 gigatoneladas anuais. A in-
John Doerr trabalhou com Grove dústria alimentícia, com o metano
nos anos 1970 e depois se tornou gerado na pecuária, é uma fonte po-
um lendário investidor. Em 1999, luidora ainda maior, com 9 gigato-
ele apresentou a metodologia aos jo- neladas. Mas o setor mais crítico é
vens Larry Page e Sergey Brin para a matriz energética, responsável por
facilitar o cascateamento de obje- quase 50% das emissões.
tivos e resultados-chave por toda
organização. A empresa deles, o plano de ação
Google, se tornou uma das mais va-
liosas do mundo na década seguinte Como cada objetivo é associado
(Doerr também foi um dos primei- a resultados-chave (KRs) bastante
ros a investir na Amazon). Em 2013, específicos, o plano fica mais claro
um treinamento interno vazou na para nos guiarmos. Para eletrificar
internet e popularizou os OKRs. O o transporte, por exemplo, os veícu-
tema ficou tão quente que, em 2017, los elétricos precisam alcançar pre-

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 153

 A LETRA DO ESG QUE VOCÊ NÃO VÊ
JUNTO COM AS DEMAIS INICIAIS, É PRECISO INCLUIR O “R” DE REGENERAÇÃO

U ma das grandes novidades do plano de John Doerr é endereçar o impac-

to de nossa alimentação nas mudanças climáticas. A letra R, de regene-
ração, é talvez um dos maiores insights de sua mensagem. Buscar susten-
tabilidade ambiental não é mais suficiente; a urgência climática demanda
regeneração ambiental, o que depende diretamente de uma mudança em
nossa alimentação.
Segundo um estudo de Oxford publicado na revista Science, seguir uma
dieta à base de plantas pode reduzir em mais de 70% a emissão de carbono
de nossa alimentação. É algo que podemos fazer já. Além disso, a migração
para uma dieta baseada em vegetais consegue manter a mesma quantidade
de alimentos produzida e “liberar espaço” para reflorestar até 76% das atuais
terras agricultáveis.
A mudança na alimentação é necessária para que o planeta consiga sus-
tentar 8 bilhões de habitantes. Segundo o Banco Mundial, com o crescimen-
to populacional de mais 2 bilhões até 2050, a demanda por comida aumen-
tará em 50%, e a por proteína animal, em 70%. Não há terras agricultáveis
suficientes para esse aumento sem destruir mais florestas ou colonizar ou-
tros planetas.
O modelo atual tem causado desmatamentos e perda de biodiversidade. A
alimentação do futuro, focada em plantas e não na pecuária, gera um ciclo vir-
tuoso de proteção da natureza. A própria COP 26, realizada no final de 2021,
68 se preocupou em criar um cardápio sustentável e, principalmente, com op-
ções locais. Existe um amplo espaço nas corporações para repensar o ESG no
dia a dia, incluindo até o que é servido em seus refeitórios, workshops e o que
é reembolsado nos almoços executivos.
Um passo inicial é incluir a regeneração na pauta principal. Regenerar a
rotina das corporações e começar a conectá-las ao mapa de OKRs de John
Doerr pode ser tão simples quanto trocar o pão de queijo do escritório por
uma receita com queijo feito de plantas.
Para concluir, indico dois livros recentes sobre o tema.
O primeiro é Regeneration: Ending the Cli-
mate Crisis in One Generation, de Paul
Hawken, um dos principais pensadores
do tema regeneração. Ele aborda todas as
possíveis ações, individuais e corporativas,
para combater a crise climática em tempo
hábil. O outro é Homo Integralis – uma Nova
História Possível para a Humanidade, de Fe
Cortez. Idealizadora do projeto Menos 1 Lixo, que
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

transformou uma pequena ação em um impacto

gigantesco no descarte de plásticos no Brasil,
a autora traz uma visão possível para o
futuro da humanidade, em que a pa-
lavra-chave também é regeneração
(tanto do ambiente quanto das
relações econômicas e
sociais).

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 153

 ços iguais aos do motor a combustão a mais 2 bilhões de pessoas nos pró- DOERR DIVIDE O
até 2024 nos EUA (US$ 35 mil) e até ximos 30 anos.
2030 na China (US$ 11 mil). Em segundo lugar, tanto as soluções PLANO DE SALVAR
A lista de resultados-chave tam- para a mudança climática quanto os O PLANETA EM
bém busca apoio dos consumidores. contratempos que podemos enfrentar,
SEIS OBJETIVOS-
O KR 1.2, por exemplo, diz que os se não agirmos com rapidez suficien-
veículos elétricos devem responder te, criarão novos desafios ao longo do CHAVE E 55
por metade das vendas do mercado caminho. Em 2050, os carros elétricos METAS. PARA
até 2030. Já o KR 1.3 propõe que to- precisarão de 50 mil terawatt/hora por
dos os novos ônibus vendidos sejam ano. A capacidade de produção atual ELE, SOMENTE
elétricos até 2025. está na metade disso. COM INOVAÇÃO
Com foco na matriz energética, o É por isso que o autor coloca até E INVESTIMENTO
objetivo 2 aborda as já bastante co- pontos de exclamação nos dois últi-
nhecidas soluções eólicas e solares. mos objetivos: “Inovar!” e “Investir!”. ISSO SERÁ
Sigamos para o terceiro: consertar Somente com capital e pesquisa será POSSÍVEL.
nossa cadeia alimentícia. O KR 3.5 possível chegar perto de todos os alvos
aponta a necessidade de reduzir o necessários. Os KRs do objetivo “Ino-
desperdício de comida (hoje em 33%) var!” buscam reduzir o custo das tec-
para 10%, e o KR 3.3 demanda que nologias limpas e até da engenharia
a humanidade reduza em 50% a in- de retirar carbono da atmosfera.
gestão de leite e proteína animal até Por último, o objetivo “Transfor-
2050, devendo focar proteínas alter- mar o movimento em ação” possui
nativas menos poluentes. KRs para governos, eleitores, econo-
O objetivo 4, de proteger a nature- mistas, educadores e empresas. Isso
za, está muito ligado à alimentação. conecta ainda mais a necessidade
O KR 4.2, por exemplo, sugere proi- de as corporações tomarem o mapa
bir grandes redes de pesca, pois elas como um grande guia para suas ini-
varrem os mares e destroem a biodi- ciativas de ESG. Não é preciso rein- 69
versidade. ventar a roda, todos os resultados
Já o objetivo 5, de limpar a indús- quantitativos necessários estão lá. O
tria, foca principalmente os setores que as organizações precisam agora
de cimento e aço, os mais poluentes, é cascatear internamente esses de-
que precisam se adaptar e inovar em safios, apoiando e liderando o cami-
processos. Hoje, para cada quilo de nho nos OKRs em que seu negócio
cimento produzido, a mesma quanti- possa contribuir.
dade de carbono é liberada na atmos- Dependendo do setor em que a
fera. A soma dessas duas indústrias empresa atua, ela consegue apoiar
chega a quase 10% do desafio de neu- em grande parte os 55 KRs listados,
tralização de emissões. desde ações menores, internas, até
O objetivo 6 é bastante direto: re- renegociação com fornecedores e co-
capturar até 10 gigatoneladas de municação com clientes.
carbono da atmosfera, seja mecani- Se é possível organizar com tanta
camente (por inovações) ou natural- clareza os OKRs necessários para
mente (por reflorestamento). Não frear a crise climática, desdobrá-los
é nada fácil. Jeff Bezos, que lidera como pano de fundo no planejamen-
IMAGEM: ACERVO PESSOAL

uma iniciativa que propõe antecipar to corporativo e nas ações de ESG LEANDRO FRANZ É
em dez anos as metas do Acordo de não tem como ser complexo. sócio e consultor da
Paris, chegou a dizer que o cenário é People+Strategy.
“assustador e muito difícil”. BARACK OBAMA DISSE QUE Mestre em Economia
A tendência é o cenário se compli- “SOMOS A PRIMEIRA GERAÇÃO com especialização
car ainda mais. Primeiro, a popula- A SENTIR OS EFEITOS DAS MU- em Teoria dos
ção global tem cada vez mais acesso DANÇAS CLIMÁTICAS e a última Jogos pelo Insper
a produtos e serviços. Isso significa que pode fazer algo a respeito”. Já e economista
que o consumo de energia, alimentos passou da hora de trabalhar, mas pela UFSC.
e transporte aumentará para atender agora temos um guia.

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 153