Textos Instrucionais

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the ESPecialist,

AUTONOMIA vol.
: R29, nº especial
EQUISITO NA FORMAÇÃO
(61-77) 2008
DO PROFESSOR DE LÍNGUAS 61
ISSN 0102-7077

O TEXTO INSTRUCIONAL COMO UM GÊNERO TEXTUAL


The Instructional Text like a Textual Genre

Adiane Fogali MARINELLO


(Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Brasil)
Odete Maria Benetti BOFF
(Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Brasil)
Vanilda Salton KÖCHE
(Universidade de Caxias do Sul, Caxias do Sul, Brasil)

Abstract
This article analyses the instructional text as a textual genre and is part
of the research called Reading and text production from the textual
genre perspective, done at Universidade de Caxias do Sul, Campus
Universitário da Região dos Vinhedos. Firstly, some theoretical
assumptions about textual genre are presented, then, the instructional
text is characterized. After that an instructional text is analyzed and,
finally, some activities related to reading and writing of the mentioned
genre directed to High School and University students are suggested.

Key words: instructional text; textual genre; teaching; textual


production.

Resumo
Este artigo objetiva analisar o texto instrucional como um gênero
textual, e faz parte da pesquisa denominada Leitura e produção de
textos na perspectiva dos gêneros textuais, realizada na Universidade
de Caxias do Sul, Campus Universitário da Região dos Vinhedos.
Apresentam-se inicialmente, alguns pressupostos teóricos sobre gêneros
textuais e, na seqüência, caracteriza-se o texto instrucional.
Posteriormente, analisa-se um texto instrucional, e, por fim, sugerem-
se atividades relacionadas à leitura e escrita do gênero em questão,
direcionadas a alunos do Ensino Médio e Superior.

Palavras-chave: texto instrucional; gênero textual; ensino; produção


textual.

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1. Introdução

Uma das grandes contribuições da Lingüística Moderna para o


ensino de língua materna foi apresentar dados científicos acerca da
constituição e funcionamento da língua enquanto instrumento de
comunicação numa dimensão sócio-histórica. Com esses conhecimentos
à disposição, tornou-se mais fácil para o professor tomar decisões quanto
ao que é pertinente trabalhar em sala de aula e como organizar as
atividades, a fim de contribuir para que o aluno atinja um domínio maior
da língua e se torne cada vez mais proficiente na operacionalização de
variados gêneros textuais.
Verifica-se que essas conquistas lingüísticas influenciaram
também a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (doravante
PCN) (Brasil, 1999). O documento propõe um ensino que se detenha
numa concepção mais apropriada de língua, entendida como interação,
e ressalta a importância de desenvolver competências comunicativas
no discente tanto no que se refere ao uso da modalidade oral quanto no
que tange à utilização da escrita.
A proposta dos PCN (Brasil, 1999) ocasiona uma quebra com o
tradicional ensino de língua e incentiva o trabalho com gêneros textuais,
visto que a comunicação se efetiva por meio de textos. Assim, um dos
aspectos mais importantes na prática pedagógica é possibilitar aos
indivíduos produzir e compreender textos adequados a cada evento
comunicativo. Cada tipo de situação constitui uma forma de interação
que acaba configurando um gênero textual apropriado àquele tipo de
interlocução. Desse modo, um indivíduo só terá uma boa competência
comunicativa se for capaz de produzir e compreender diferentes gêneros
textuais.
Na vida diária, a interação social ocorre através dos gêneros
textuais de que o falante dispõe. Não há comunicação simplesmente
através de tipologias textuais, como a narração, a descrição ou a dissertação,
nem mesmo somente por meio de textos, mas através de gêneros
específicos. A escolha do gênero depende da intenção e da situação
sócio-comunicativa em que está inserido: quem é o autor do texto, para
quem escreve, com que finalidade, em que contexto histórico etc.

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Este artigo tem o objetivo de abordar o texto instrucional


enquanto gênero textual. É significativo analisar este gênero, pois faz
parte do cotidiano do aluno e está presente nos diversos ambientes
discursivos de nossa sociedade. Expõem-se os referenciais teóricos sobre
gêneros textuais, sua relação com o ensino de língua portuguesa, carac-
teriza-se o texto instrucional, apresenta-se um exemplo ilustrativo e,
finalmente, propõem-se sugestões de atividades referentes à leitura e
escrita do gênero em questão, voltadas a alunos do Ensino Médio e
Superior. Bakhtin (1992), Bazerman; Dionísio e Hoffnagel (2006),
Bronckart (1999), Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1999),
Koch e Fávero (1998), Marcuschi (2002 e 2006) e Travaglia (1991) são
os teóricos que fundamentam este trabalho.

2. Os gêneros textuais

As atividades sociais são recorrentemente mediadas pela


linguagem, o que supõe a utilização dos gêneros textuais. Nessa
perspectiva, um gênero textual é uma combinação entre diferentes
elementos lingüísticos que se articulam na linguagem empregada nos
vários contextos de interação social. Conforme Bakhtin, o gênero define
as infinitas possibilidades de uso da linguagem na produção de
mensagens no tempo e no espaço das culturas. De acordo com o autor,
os gêneros do discurso são tipos relativamente estáveis de enunciados,
produzidos pelas mais diversas esferas da atividade humana. Para ele,
os gêneros definem-se por três características - plano composicional,
estilo verbal e conteúdo temático – que se fundem “no todo do enunciado
e todos eles são marcados pela especificidade de uma esfera de
comunicação” (1992: 279).
A utilização da língua dá-se como um processo com múltiplas
maneiras de realização. O ser humano em suas atividades vale-se da
linguagem verbal e, a partir do interesse, intenções e fins específicos de
cada ação, os enunciados realizam-se de maneiras distintas, e dão origem
aos diferentes gêneros textuais. Por conseguinte, cada gênero apresenta
características próprias em termos de conteúdo, estrutura, aspectos
lingüísticos específicos, entre outros, conforme as situações de interação
comunicativa em que o usuário se encontra envolvido. Dessa forma,

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para classificar determinado enunciado como pertencente a dado gênero,


é preciso verificar suas condições de produção, circulação e recepção.
Os gêneros são concebidos como fenômenos sociais, que se
concretizam somente em determinada situação comunicativa e sócio-
histórica. Assim, são variados e sujeitos a mudanças. Em virtude da sua
extrema heterogeneidade, produto da diversidade de relações sociais
que se estabelecem na vida humana, Bakhtin (1992: 281) agrupa os
gêneros em dois tipos: primários (simples) e secundários (complexos).
Na visão do autor, os primários emanam das situações de comunicação
verbal espontâneas, não elaboradas. Pela informalidade que os diferencia,
pode-se afirmar que eles mantêm uma relação mais imediata com a
realidade existente, já que são produzidos em situações simples. Isso
ocorre nos enunciados da vida cotidiana: diálogos com a família, carta,
bilhete, reuniões de amigos, diário íntimo etc.
Por sua vez, conforme o autor, os gêneros secundários surgem
nas condições da comunicação cultural mais complexa, organizada e
principalmente escrita. Ou seja, o gênero funciona como instrumento,
uma forma de uso mais elaborada da linguagem para construir uma
ação verbal em situações de comunicação que se constituem nas esferas
sociais mais formalizadas e relativamente mais evoluídas: artística,
cultural, política. Esses gêneros, chamados mais complexos, como o
romance, o teatro, o discurso científico e o discurso ideológico absorvem
e modificam os gêneros primários (Bakhtin, 1992: 281).
Os gêneros constituem ações de linguagem que requerem do
agente produtor uma série de decisões para cuja execução ele necessita
ter competência: a primeira das decisões é a escolha que deve ser feita
a partir do rol de gêneros existentes, ou seja, ele escolherá aquele que
lhe parecer adequado ao contexto e à intenção comunicativa; e a segunda
decisão é a aplicação que poderá acrescentar algo à forma destacada ou
recriá-la (Bronckart, 1999). Isso significa que o produtor pode valer-se
dos gêneros que circulam socialmente e modificá-los conforme a situação
comunicativa em que serão utilizados, ou até mesmo criar um novo
gênero a partir do já existente. Exemplificamos: o gênero e-mail pode
derivar do bilhete, da carta pessoal ou da carta comercial. No que se
refere à aprendizagem, portanto, os gêneros conferem suporte às

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atividades de linguagem, constituindo-se em pontos de referência para


o aprendiz, sendo instrumento de comunicação e objeto de ensino-
aprendizagem.
Os gêneros surgem das necessidades presentes nas atividades
sócio-culturais e na relação com inovações tecnológicas, que motivam
a explosão de novos gêneros e novas formas de comunicação, quer na
oralidade, quer na escrita (Marcuschi, 2002: 19). Os gêneros textuais
constituem-se em diversas designações, podendo-se mesmo dizer que
são ilimitados. Constituem textos de ordem variada, como telefonema,
redação de vestibular, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance,
conto, bilhete, reportagem jornalística, reunião de condomínio, lista de
compras, editorial, resenha, resumo, esquema, e-mail, blog, chats, piada,
horóscopo, receita culinária, bula de remédio, edital de concurso,
cardápio de restaurante, notícia jornalística, aula expositiva, inquérito
policial, resenha, conversação, conferência, entre outros.
Todos os textos se realizam em algum gênero. Para Marcuschi
(2002: 22-27), cada gênero contém diversas tipologias textuais, que se
definem pela natureza lingüística predominante de sua composição
(modalidade, aspectos sintáticos, lexicais, tempos verbais, relações
lógicas, estilo, organização do conteúdo etc.). Ainda, segundo o referido
autor, constituem modos discursivos organizados no formato de
seqüências estruturais sistemáticas que entram na composição de um
gênero textual. Conforme Bronckart (1999), as seqüências tipológicas
abrangem um número limitado de categorias conhecidas como: narração,
argumentação, exposição, descrição, injunção.
O estudo dos gêneros garante um espaço privilegiado de
transformação humana porque permite a exploração dos sentidos e o
enriquecimento de possibilidades; com eles e através deles os sujeitos
produzem, reproduzem ou transformam práticas sociais. Considerando-
se que os gêneros textuais resultam de enunciados produzidos em
sociedade, são garantia de via de acesso ao letramento e refletem o
processo social envolvido em dado momento comunicativo, sugere-se
que, no ensino de português, as atividades voltem-se para os textos
caracterizados por padrões sócio-comunicativos definidos pela sua
composição, objetivos e estilos.

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3. Os gêneros textuais e o ensino de língua portuguesa

Os PCN (Brasil, 1999), norteadores dos currículos escolares do


ensino fundamental e médio, concebem a língua como atividade sócio-
interativa, cognitiva e histórica. Ressaltam que “pela linguagem os
homens e as mulheres se comunicam, têm acesso à informação,
expressam e defendem pontos de vista, partilham ou constroem visões
de mundo, produzem cultura” (:19). Também dão ênfase à respon-
sabilidade da escola de contribuir para garantir a todos os alunos o acesso
aos saberes lingüísticos necessários para o exercício da cidadania.
O espaço da sala de aula é o ambiente privilegiado para a
aprendizagem de conteúdos e a criação de mediações que contribuem
para a construção de uma efetiva comunicação. É no contexto das
relações criadas entre professor, aluno e textos que se configura a
interação, surgem comprometimentos e são tomadas decisões para a
efetivação de processos qualificados ou não de leitura e escrita.

No ensino e aprendizagem de língua portuguesa quanto mais


ações estiverem embasadas em textos que circulam na vida diária, com
as evidentes características históricas, sociais, institucionais e
tecnológicas que os configuram, maior será a garantia de ações
competentes para a formação de sujeitos mais críticos, responsáveis,
integrados e comprometidos com seu pensar e seu dizer. O gênero textual
torna possível todo o envolvimento que ocorre nesse processo
comunicativo e encerra realizações possíveis e pertinentes às aulas de
linguagem, porque potencializa investigações próprias da língua.

Dentro dessas complexas relações, a fim de contribuir para fazer


emergir uma prática de escrita profunda e útil, há que se considerar a
língua em sua funcionalidade e contextualização, na medida em que
desenvolve a reflexão, a crítica e a criatividade. Assim, enquanto fenô-
menos lingüísticos que sofrem variações e multiplicam-se, os gêneros
são os objetos presentes no tempo e na realidade para auxiliar as relações
humanas e permitir o funcionamento da sociedade. Segundo Marcuschi,
devem ser vistos na relação com as práticas sociais, os aspectos cog-
nitivos, os interesses, as relações de poder, as tecnologias, as atividades

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discursivas no interior da cultura. Eles mudam, fundem-se, misturam-


se, para manter sua identidade funcional como inovação organiza-
cional (2006:25).

Nessa perspectiva, as relações estabelecidas entre os inter-


locutores na prática dos diferentes gêneros nas variadas culturas precisam
estar presentes na sala de aula. Dessa forma, professores e alunos poderão
desempenhar seus papéis de forma diferente, sentindo-se atuantes nas
complexas experiências humanas constituídas pela linguagem, bem
como apreciadores das mesmas e capazes de gerar oportunidades e
desafios comunicativos porque se percebem sujeitos falantes e escritores
circunscritos no universo da língua. Assim, o caminho para o ensino e
aprendizagem da língua portuguesa vai encontrando solidez nas relações
advindas das percepções e formas de participação comunicativa dos
sujeitos que interagem nas mais variadas esferas sociais, e esse processo
carrega sempre as complexidades próprias de mudança que a língua
permite. Bazerman; Dionísio e Hoffnagel (2006: 58) afirma que:

A escrita vai acontecer em uma grande variedade de ocasiões.


O professor tem autoridade para tentar selecionar e reorganizar
as diversas forças presentes na sala de aula de modo a formar
o caráter desse fórum particular que a sala de aula vai se tornar,
mas aí ela passa a ser o resultado das forças que atuam dentro
desse fórum. Assim, a determinação de como ensinar a escrever
é uma questão de escolha social e ética, mas os eventos reais
da sala de aula e a aprendizagem são produtos dinâmicos da
interação acima de qualquer controle do indivíduo.

Sendo assim, as atividades de leitura e escrita propostas em sala


de aula precisam destacar a organização textual própria dos diferentes
gêneros e as características específicas daquele dado momento
comunicativo.

Na medida em que forem considerados outros gêneros do


discurso, fazendo parte das aulas de língua portuguesa, como o texto
instrucional, é possível ao professor uma atuação centrada nos modos
de apresentação dos gêneros. Assim, ele levará em conta a estruturação

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textual dos diferentes gêneros, as características de sua composição -


aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas -, as possi-
bilidades de modificações do próprio gênero e a análise da variedade de
seqüências tipológicas que os compõem. Esses aspectos não podem ser
percebidos isoladamente por um leitor em formação, mas são apreen-
didos através da mediação do professor.
A escolha dos gêneros que serão trabalhados em sala de aula e
as propostas voltadas sobre sua materialidade estão ligadas ao objetivo
de auxiliar o aluno a atribuir sentidos aos gêneros que lê e a construir
textos consistentes, com coerência e coesão. Para isso, as aulas de língua
portuguesa precisam oferecer recursos que desenvolvam estratégias de
leitura de gêneros subsistentes e de referência ao universo discente. À
escola cabe a tarefa de apresentar diferentes gêneros textuais, presentes
em situações distintas e com objetivos diversos, de modo a contribuir
para ampliar a competência comunicativa de cada aluno. Como
conseqüência, o professor estará permitindo que sua prática docente
oportunize ao educando reconhecer a riqueza da pluralidade de discursos
que circulam no mundo atual e, envolto por essa variedade, possa
aprimorar sua auto-estima, seu sentido de cidadania e seu papel social.
O profissional da área de ensino de língua deve levar em conta
que o estudo dos gêneros possibilita a exploração de regularidades nas
esferas sociais em que são utilizados. É imprescindível voltar-se também
para os aspectos da interação escrita e focalizar uma reflexão sobre a
estrutura dos textos, permitindo uma abertura para a interação com outros
meios e até uma possível definição profissional. Assim, torna-se
necessário viabilizar iniciativas de estudo e produção de material
didático, voltadas ao ensino da leitura e da escrita na perspectiva dos
gêneros textuais, a fim de auxiliar o trabalho pedagógico e facilitar o
desenvolvimento das habilidades e competências comunicativas dos
alunos nos diferentes níveis de ensino.

4. O texto instrucional

O texto instrucional é um gênero que orienta o leitor na realização


de uma atividade ou na utilização de um produto. Caracteriza-se pela

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ênfase na ação, apresentada de modo detalhado. Mostra o funcionamento


de um aparelho ou mecanismo ou os estágios de um procedimento.
Conforme Koch e Fávero (1998), esse gênero direciona
comportamentos seqüencialmente ordenados. Pertence à ordem
descrever ações, pois verbaliza um processo linear de observação, e o
olhar se detém no objeto. Segundo Schneuwly, Dolz e colaboradores
(2004:61) descrever ações ou instruir e prescrever ações diz respeito
às instruções e prescrições, e indica a regulação mútua de compor-
tamentos (receitas, manuais de instruções, regras de jogo etc.).
Travaglia (1991) classifica o texto instrucional como injuntivo.
Para o autor, a injunção caracteriza-se pelas modalidades de ordem e
prescrição; o enunciador/locutor coloca-se na perspectiva do fazer
posterior ao tempo da enunciação. Consideram-se textos instrucionais
os manuais de instrução para montagem, instalação e uso de aparelhos,
instrumentos, utensílios e programas de computador. Também pertencem
a esse gênero as regras de jogo, os regulamentos, os textos de orientação,
como recomendações de trânsito e direção.
Desse modo, o texto instrucional caracteriza-se basicamente pelas
modalidades imperativas (leia, utilize, selecione, coloque, evite, man-
tenha). Usam-se também os verbos no infinitivo (funcionar, apresentar,
oferecer, observar) e no futuro do presente (estará, será, deverá).
O texto instrucional emprega uma linguagem comum, que se
caracteriza por vocábulos, expressões e construções usuais, porém
corretas. Também é objetiva, pois transmite ao leitor a instrução com
clareza. Vale-se ainda de uma sintaxe acessível ao leitor, com períodos
simples, evitando-se construções extensas e confusas.
O texto instrucional apresenta um título (marca do produto, nome
do aparelho, mecanismo ou estágio), seguido de um subtítulo (manual
de instruções, guia de instalação, recomendações gerais), e, na
seqüência, normalmente, aparecem outros subtítulos destacados
(localização, instalação, precauções importantes, instruções de uso,
guia de cuidados). Essa organização facilita a busca de informações
pelo interlocutor e lhe dá uma orientação clara e segura, que garanta o
sucesso na execução do processo.

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Em alguns desses textos, especificam-se, geralmente na parte


inicial, os elementos que serão manipulados no procedimento. Pode-se
apresentar apenas uma lista desses elementos, acompanhada ou não de
sua descrição. Conforme Travaglia (1991: 293), comumente, a descrição
dos elementos é substituída por fotos ou desenhos com indicação dos
nomes das partes, seguida ou não de indicação de sua função.

A progressão do texto instrucional faz-se normalmente através


de itens, numerados ou não, iniciados por verbos operacionais, que
expõem, em ordem cronológica, as instruções a serem entendidas e
executadas pelo interlocutor. As frases iniciam-se por verbos que
conduzem a ação do leitor, indicando o que deve ou não ser feito: evite,
mantenha, não exponha, limpe, instale etc. Verifica-se, ainda, a presença
de operadores argumentativos adequados ao encadeamento de ações
(em seguida, após, em primeiro lugar, finalmente). Isso favorece ao
interlocutor o entendimento da direção nas ações a serem seguidas.

As orientações podem vir acompanhadas por ilustrações que


elucidam a parte escrita. Além disso, mensagens importantes ou avisos
aparecem normalmente precedidos de expressões destacadas no texto,
acompanhadas ou não por símbolos: Atenção! Cuidado! Importante!

5. Uma análise ilustrativa de um texto instrucional

O texto Instruções de operação do BOF DVD (Figura 1) é um


manual que acompanha o aparelho. Pertence à ordem descrever ações
(Schneuwly, Dolz e colaboradores, 2004), pois indica ao interlocutor,
de modo detalhado, as ações a serem seguidas para a utilização adequada
do aparelho.

O texto está redigido numa linguagem comum, constituída por


palavras, expressões e construções de fácil compreensão, mas corretas.
A tipologia de base é a injunção, e predominam os verbos no modo
imperativo (remova, pressione, ligue).

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BOF DVD1
Instruções de operação
Uso do controle remoto
1. Aponte o controle remoto na direção do sensor existente no painel
frontal do aparelho.
2. Quando estiver usando o DVD player, não deixe nenhum objeto entre
o controle remoto e o aparelho.
CUIDADO!
- Remova as pilhas caso elas estejam descarregadas ou se vai ficar muito
tempo sem usar o controle remoto.
- Não use pilhas velhas e novas misturadas ou de tipos diferentes.
- As pilhas contêm substâncias químicas, por isso devem ser descartadas
corretamente.
Passo 2: ajuste da TV
Salvo indicação em contrário, todas as operações descritas baseiam-se no
uso do controle remoto.
IMPORTANTE!
- Verifique se foram feitas todas as conexões.
1. Pressione STANDBY-ON no DVD Player para ligá-lo.
2. Ligue a TV e selecione o canal de entrada de vídeo correto. Feito isso,
você vê a tela DVD Magnavox, de fundo azul, na TV.
• Normalmente esses canais se encontram entre os canais de número
maior ou menor e podem ser chamados de FRONT, A/V IN ou VIDEO.
Para mais detalhes, consulte o manual da TV.
• Ou, selecione o canal 2 e pressione o botão Channel down (canal -)
continuamente até aparecer o canal Video In.
• Ou, o controle remoto da TV pode ter uma tecla ou chave que seleciona
diferentes modos de vídeo.
• Ou, selecione o canal 3 ou 4 da TV, caso esteja usando um modulador
de RF.
3. Se estiver usando um equipamento de áudio externo (ex.: um aparelho
de som ou receptor), ligue-o e selecione a fonte de entrada apropriada
usada para conectar na saída do DVD player. Para mais detalhes, consulte
o manual do equipamento em questão.

Figura1: Instruções de operação do BOF DVD

1
As denominações originais do produto e de seu respectivo fabricante foram substituídas por
nomes fictícios para preservar os direitos autorais (fragmento adaptado).

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A progressão do texto ocorre por meio de itens numerados e


subitens não numerados, iniciados por verbos operacionais que indicam
o que é necessário ou não ser feito (aponte, verifique, selecione).
O texto apresenta um título (BOF DVD), seguido de um subtítulo
(instruções de operação); na seqüência, seguem outros subtítulos
destacados que apontam os procedimentos a serem efetuados (Uso do
controle remoto). A parte inicial apresenta as orientações acerca do uso
do controle remoto. Em seguida, expõe, em ordem cronológica, as
instruções para o ajuste da TV.
Verifica-se também a presença de expressões destacadas
(Cuidado! e Importante!) que apontam para informações relevantes. O
emprego dessas expressões objetiva proteger o comprador de riscos
desnecessários (as pilhas contêm substâncias químicas, por isso devem
ser descartadas corretamente) e auxiliá-lo a utilizar de forma correta o
produto adquirido (verifique se foram feitas todas as conexões).

6. Atividades

As atividades que seguem exploram a compreensão do texto


instrucional, sua caracterização e produção, e servem como sugestão
para os professores do Ensino Médio e Superior trabalharem a recepção
e produção desse gênero. Na seqüência, mostram-se os passos que podem
ser seguidos para trabalhar com o gênero.
Inicialmente, recomenda-se apresentar aos alunos vários textos
instrucionais, a fim de instigá-los a explorar o título, as imagens, a
diagramação, as formas de composição, as expressões comuns e os
tempos verbais empregados. Em seguida, questioná-los acerca da
importância desse gênero e em que situações sociais ele é produzido.
Esse diagnóstico inicial sobre o texto instrucional objetiva investigar o
que os discentes conhecem acerca desse gênero.
Na seqüência, realizar a leitura silenciosa do texto instrucional
Bof & Koc: manual de instruções (Anexo 1), que acompanha o aparelho,
e, em seguida, ler o texto em voz alta. Depois disso, apresentar questões

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O TEXTO INSTRUCIONAL COMO UM GÊNERO TEXTUAL 73

orais que levem os discentes a identificar as características desse gênero


(produto apresentado, marca, utilização, itens destacados, presença de
imagem, entre outras).
A seguir, sugere-se a aplicação das atividades escritas, propostas
neste artigo, que exploram a compreensão do texto instrucional em anexo
e as características do gênero, como: função, estrutura, ordem a que
pertence, tipologia de base, tempo verbal predominante, nível de
linguagem e presença de imagens (Figura 2).
Concluídas as atividades de recepção e compreensão do texto,
desafiar os alunos a produzir os textos instrucionais indicados. Essa
produção é importante, tendo em vista que eles têm contato direto com
esses textos no seu dia-a-dia, e seu domínio é fundamental (Figura 3).

Leia o texto instrucional2 e resolva as questões propostas3 .


1) Pode-se afirmar que esse texto instrucional pertence à ordem
descrever ações. Justifique essa afirmativa.
2) Nesse gênero, o enunciador busca direcionar comportamentos
seqüencialmente ordenados. Como se verifica isso no texto
apresentado?
3) No manual de instruções, temos a presença da injunção. Aponte
elementos textuais que comprovam essa característica.
4) Nesse texto instrucional, aparecem subtítulos destacados. De
que forma isso contribui para o entendimento do texto?
5) Como se caracteriza a linguagem presente no texto (comum,
cuidada, oratória, familiar ou popular)? Justifique sua resposta.
6) Observe os verbos empregados no texto. Que modo verbal
predomina nas instruções?
7) Como se dá a progressão do texto?

Figura 2: Questões propostas para os alunos como atividade

2
Cf Anexo 1.
3
Cf possíveis respostas no Anexo 2.

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Produção do gênero
1) No Código de Defesa do Consumidor, consta que nenhum produto
deve ser colocado no mercado sem algumas orientações que protejam o
comprador de riscos desnecessários ou que o ajudem a usá-lo de forma
correta. É o chamado manual de instrução.
Reflita sobre a utilização de alguns aparelhos, baseado em experiências
pessoais. Escolha um aparelho e elabore um manual que oriente as pessoas
a usá-lo com segurança e não danificá-lo.
2) A partir de um jogo de sua infância, elabore suas regras.

Figura 3: Atividades para a produção do gênero

7. Considerações finais

Como se observou neste artigo, torna-se importante no ensino


de Língua Portuguesa um trabalho a partir da perspectiva dos gêneros
textuais. Todavia, para que a proposta apresentada se torne realmente
um mecanismo de transformação, é necessário que se amplie o estudo
acerca dos gêneros, sobretudo o texto instrucional, visto que ele faz
parte do cotidiano do aluno.
É imprescindível desenvolver práticas de língua portuguesa que
considerem a heterogeneidade de textos existentes em nossa sociedade,
além de criar atividades que priorizem a leitura e escrita de diferentes
gêneros, para auxiliar na formação de usuários da língua cada vez mais
competentes. Esse olhar não pode se limitar ao que os livros didáticos
propõem, mas é preciso que os alunos tenham acesso aos textos nos
suportes em que foram publicados. Almeja-se, assim, com as reflexões
empreendidas e as sugestões apresentadas, poder fornecer subsídios para
a prática docente direcionada ao aperfeiçoamento das competências e
habilidades necessárias para a recepção, sistematização e produção
textual.
Recebido em: 02/2008; Aceito em: 05/2008.

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O TEXTO INSTRUCIONAL COMO UM GÊNERO TEXTUAL 75

Referências Bibliográficas

BAKHTIN, M. 1992 Os gêneros do discurso. IN: M. BAKHTIN (1992).


Estética da criação verbal. Martins Fontes.
BAZERMAN, C.; DIONÍSIO, A. P. E HOFFNAGEL, J.C. (orgs.) 2006 Gênero,
agência e escrita. Cortez.
BRONCKART, J.-P. 1999 Atividade de linguagem, textos e discursos: por
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KOCH, I.G.V. E FÁVERO, L.L. 1998 Lingüística textual: introdução.
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MARCUSCHI, L.A. 2002 Gêneros textuais: definição e funcionalidade.
IN: M.A. BEZERRA; A.P. DIONISIO e A.R. MACHADO, 2002, Gêneros
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76 the ESPecialist, vol. 29, nº especial 2008

ANEXO 1

BOF & KOC4


MANUAL DE INSTRUÇÕES
MODELO SC659 – Secador de Viagem

INSTRUÇÕES DE USO
1. Não enrole o cabo elétrico em volta do aparelho.
2. Este produto é exclusivamente para uso doméstico. O uso indevido implica
em perda de garantia.
3. Nunca mergulhe qualquer parte do aparelho em água ou outro líquido.
4. Nunca bloqueie as aberturas de ar do aparelho ou o coloque em superfícies
macias, tais como camas ou sofás, onde o ar poderá ser bloqueado. Mantenha as
aberturas de ar livres de plumas, cabelos ou semelhantes.
5. Nunca jogue ou insira qualquer objeto em nenhuma abertura do aparelho.
6. Não use o aparelho ao ar livre.
7. Não utilize extensões do cabo elétrico caso estas não estejam de acordo com as
recomendações do fabricante.
8. Não direcione o ar quente nos olhos ou outras áreas sensíveis ao calor.
9. Acessórios podem esquentar durante o uso. Deixe-os esfriar antes de manuseá-los.
10. Não coloque o aparelho sob nenhuma superfície enquanto estiver ligado.
11. Enquanto o aparelho estiver ligado, mantenha seus cabelos longe da abertura
traseira do mesmo.
12. Quando o aparelho for usado em banheiros deve ser desconectado da tomada
logo após o uso, pois a proximidade com água pode ser perigosa, mesmo estando
o aparelho desligado.
13. O ar concentrado direciona o fluxo correto para todos os tipos de modelagem.
Use-o com uma escova e seque o cabelo por partes. Direcione o fluxo do ar para
a raiz dos cabelos para obter uma modelagem homogênea, procurando não secar
as pontas excessivamente.

COMO OBTER A MELHOR MODELAGEM


1. Após lavar os cabelos, certifique-se de que eles estejam muito bem enxaguados.
Resíduos de produtos podem tirar o brilho dos cabelos.
2. Para obter maior brilho nos cabelos, enxágüe-os em água fria.
3. Passe uma toalha no cabelo, lentamente no início e depois esfregue com vigor
para remover o excesso de umidade.
4. Penteie o cabelo com um pente para desembaraçar antes de modelar.

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O TEXTO INSTRUCIONAL COMO UM GÊNERO TEXTUAL 77

ANEXO 2
Possíveis respostas
1) O texto pertence à ordem de descrever ações porque apresenta, de forma clara
e detalhada, as instruções de operação e uso do secador de viagem.
2) Nesse texto, o enunciador orienta o interlocutor na perspectiva de que este
instale e utilize o secador de cabelos, através de procedimentos ordenados (não
enrole o cabo elétrico em volta do aparelho, nunca mergulhe, ...).
3)Temos a presença das modalidades de ordem e prescrição através do uso de
verbos no imperativo, como certifique-se, use, jogue, utilize e direcione.
4) Essa divisão por subtítulos faz com que as informações buscadas pelo
interlocutor sejam rapidamente localizadas.
5) O texto apresenta linguagem comum, visto que utiliza um vocabulário simples
e uma sintaxe acessível ao leitor.
6) Predominam verbos no imperativo (não coloque, deve ser, use-o).
7) Está organizado em itens numerados iniciados por verbos operacionais
(enxágüe-os, penteie, passe) os quais explicitam as instruções que conduzirão a
ação do interlocutor.

Adiane Fogali Marinello is a Professor at Universidade de Caxias do


Sul (UCS), Campus Universitário da Região dos Vinhedos. Master in
Language Studies and Regional Culture by Universidade de Caxias do
Sul. [email protected].
Odete Maria Benetti Boff is a Professor at Universidade de Caxias do
Sul, Campus Universitário da Região dos Vinhedos. Master of Education
by Universidade de Passo Fundo (UPF). [email protected].
Vanilda Salton Köche is a Professor at Universidade de Caxias do Sul,
Campus Universitário da Região dos Vinhedos. Master in Language
Studies by Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
[email protected].

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