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Danças com Adufes

As danças praticadas em Portugal ao longo da sua História poderão ter sido originárias de antigas
culturas pagãs e moldadas pela Igreja Católica, e poderão ter sido influenciadas por elementos Judaicos e
Muçulmanos e elementos de África, América do Sul e Ásia, mas também por elementos palacianos -
aculturadas por danças estrangeiras, as danças portuguesas são o reflexo de contínuos contactos,
influências, aculturações e assimilações. 
Durante os Séculos XIX e XX, instituiu-se um "mapa musical" de Portugal, dividindo as práticas artísticas
por regiões administrativas: Minho, Beiras, Ribatejo… mostrando uma prática (dança, música ou cante)
associada a cada uma, tal como a danças das Saias no Alentejo, o Corridinho no Algarve. Com
consequências na redução da diversidade e no esquecimento das danças. Em Portugal sai-se aos poucos
desta interpretação obsoleta das danças no passado para chegar a uma nova visão do seu património
coreográfico.
Além das influências exteriores, durante anos deram-se movimentos migratórios de trabalhadores entre as
regiões, como a ida para o Alentejo para a ceifa, ou a recolha de arroz em zonas costeiras, com as
consequentes trocas e contactos de tocadores, instrumentos, repertórios e géneros coreográficos - para
não falar da influência dos sucessos musicais do teatro de revista ou da rádio, ainda antes da chegada da
televisão.

Hoje em Portugal, encontramos danças de roda, danças de pares, quadrilhas, bailes mandados, danças
com paus, danças das mais simples às mais complexas, seja pela coreografia ou pela organização da
própria dança (por exemplo, as valsas mandadas na região de Grândola).

O instrumento Adufe
Instrumento musical bimembranofone de caixilho, o adufe tem a forma quadrada, com soalhos ou outros
objectos percussivos no seu interior. As peles são fixas, cosidas uma à outra sobre o aro ou pregadas
neste.
Toca-se suportado pelas duas mãos. A sua técnica de execução incluí movimentos de percussão e de
abafamento da membrana de pele.
O mesmo instrumento é também designado por “pandeiro” em função da região. A etimologia de adufe e
pandeiro provem das palavras árabes “duff” (ou daf) e “bendir”, instrumentos usados no Magrebe.
Referências literárias do século XIII falam deste instrumento em Portugal. O seu uso na primeira metade
do século XX foi registado sobretudo nas regiões de Trás-os-montes, Beira Baixa e Alentejo interior. A sua
forma pode ser quadrada ou de losango, de diferentes tamanhos e tocado de várias maneiras.

O Adufe na Beira Baixa


Na Beira Baixa, sobretudo no distrito de Castelo Branco (7000 km2), o adufe é ainda na primeira metade de
século XX o instrumento fundamental da região; ele ouve-se ali a acompanhar toda a espécie de cantares,
profanos e festivos, danças e canções de trabalho; e outros de carácter religioso e de romaria. Trata-se
porém de um instrumento festivo. O repertório é de uma extraordinária riqueza pela variedade de ritmos,
por vezes muito complexos.
O adufe é empunhado bastante alto, em frente à cara, com um canto para cima, segurado por um lado,
entre as pontas do polegar e do indicador esquerdo sobre as peles de cada face (sem encostar o resto da
mão), e mais a meio do aro, apoiado do outro lado contra o polegar da mão direita sobre o aro. Os dedos
de cada mão batem sempre ao mesmo tempo, mas ficam soltos.

O interesse por este instrumento cresceu particularmente após o concurso criado pelo Secretariado de
Propaganda Nacional do Estado Novo em 1938: o concurso da "Aldeia mais Portuguesa de Portugal".
Monsanto e Paúl eram as duas aldeias representes desta região, e Monsanto ganhou. Durante o processo
do concurso e depois, os registos do material musical intensificaram-se.

Um Instrumento feminino
Alem das características morfológicas e organológicas, os adufes distinguem-se dos tambores por
motivos de ordem social: enquanto o tambor é um instrumento sobretudo masculino e tem normalmente

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Danças com Adufes

um carácter colectivo, o adufe é quase sempre tocado só pelas mulheres e tem um carácter individual:
cada uma possui o seu e elas tocam em conjunto cantando em coro. Desde o Século XV, temos
referências de grupos de mulheres a tocar adufe.

(definição adaptada a partir da "Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX" e do livro de  Ernesto
Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira, "Instrumentos Musicais Populares Portugueses", informação
detalhada na bibliografia).

Danças com Adufe


Como ainda não foram realizados estudos sistemáticos sobre as danças acompanhadas pelos adufes,
descreveremos o contexto em que eram dançadas, a sua organização espacial e coreográfica. Os registos
em Portugal ainda se focam muito nas práticas instrumentais e vocais, deixando o aspecto coreográfico
muitas vezes fora da pesquisa. Para já, deixamos o testemunho de Leonor Narciso, ensaiadora do grupo
das Adufeiras do Paúl.

As danças no Paúl
Ainda há muito que saber das danças da Beira.
“Dizia a minha avó que o povo cantava “sempre” e dançava aos domingos nos vários largos da aldeia.
Desde o amanhecer até ao “Sol posto”, as vozes não se cansavam, pareciam “lírios”-comentava - as
canções saíam como um rosário de contas…
Fernando Lopes Graça, um inegável pesquisador da música popular portuguesa afirmou, “ …os lugares
que me foi dado visitar - Monsanto, Malpica, Paúl, Silvares - oferecem, com efeito, matéria vasta aos
investigadores do folclore”, para além de referir “…foi-me dado escutar canções de uma beleza
verdadeiramente surpreendente e que me parece poderem sofrer cotejo com os melhores espécimes do
folclore russo, húngaro ou espanhol, considerados, em geral como os mais característicos da Europa”.
Alguns historiadores da matéria afirmam que as canções da Beira Baixa jamais sofreram influência
espanhola.

Tal como a música, as danças são uma das mais fortes e pujantes expressões da alma e do sentimento do
povo. É verdade que muitas das antigas danças do povo, deixaram de se bailar, mas, em contrapartida
muitas das danças que o povo mais amou, ainda hoje se dançam nas festas e romarias da nossa vila do
Paúl. Uma das mais belas danças de Portugal é sem dúvida a Farrapeira. Não se sabe bem desde quando
o povo a baila, mas pelo seu aspecto musical, e pelo que dizem os nossos antigos, é uma das mais
antigas danças do nosso povo.
Dança de roda, bem ritmada, acompanhada unicamente pelo adufe. Julga-se que a Farrapeira é uma dança
burguesa ou citadina que o povo adaptou, pois o seu ritmo é o da polca e a sua marcação faz lembrar as
quadrilhas, ou seja danças de salão”.
Leonor Narciso

A Farrapeira
Farrapeira era uma pessoa que comprava e vendia farrapos (pedaços de tecido em geral já usados) para
fabrico de papel. Caminhava nas aldeias à procura de clientes.
A Farrapeira é uma dança de terreiro, acompanhada pelo canto e adufes e segue algumas técnicas do fado
mandado, outra dança presente na região. Como as danças desta região, os pés arrastam-se pelo chão,
aproveitando os sons da terra. Como diz a Leonor Narciso, “a terra é vida, aproveitemos dela”.

O fado mandado é um jogo bailado. Ao som de realejo das concertinas (ou harmónio) como do adufe, os
bailadores em pares seguem os mandos de um mandador como: “Frente ao par – ao centro – todos bailam
– todos viram”. Era como uma provocação, para ver se as pessoas seguiam a dança - e também um
espectáculo, onde se observam as reacções dos bailadores. Era uma dança de deslocação, as pessoas
dançavam de rua em rua.
Durante as romarias, as tocadoras de adufe caminhavam e tocavam, mas nesta situação não podemos
falar de coreografia, somente de passos.

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Danças com Adufes

A Farrapeira diferencia-se de outras danças acompanhadas pelos adufes por ser uma dança mandada e a
sua estrutura alterna-se de dança de roda para dança de pares, com momentos de passeio.

Ao Domingo, era um divertimento normal, para juntar muitas pessoas que dançavam e caminhavam. A
dança permite esta aglomeração de pessoas, pelo seu carácter simples.

A Farrapeira é uma dança de roda executada em pares, de homens e mulheres ou só mulheres.


As adufeiras ficavam fora da roda a tocar. Só algumas mulheres conseguiam tocar adufe, cantar e dançar
ao mesmo tempo. Hoje, o grupo das Adufeiras do Paúl consegue pôr todas as mulheres a tocar e dançar.
O ritmo da dança vai do instrumento até ao corpo, como um prolongamento deste.
Um mestre de canto começava o primeiro verso (fora da roda) e as pessoas (na roda e não só)
continuavam. As letras eram conhecidas por todos, não há improvisação como pode acontecer no fado
mandado. O mandador fazia parte da roda (uso o masculino para falar do mandador e do mestre de cante,
por não saber se eram mulheres e/ou homens a fazer estes dois papéis).

Descrição da dança
Ao som do adufe, os bailadores, braços perto do corpo (nas ancas para as mulheres) estão em roda,
soltos e executam um passo de polca: dois passos a esquerda, dois passos a direita (nos dois casos o
outro pé junta-se para avançar de novo). Com o adufe, a primeira quadra é lançada. No final desta, os
bailadores viram se para o meio da roda e executam um novo passo: o passo cruzado; os braços
levantados no ar (homens e mulheres). O passo cruzado consiste em deslocar o pé pela frente do outro,
acompanhado pelo corpo. Cruzar de um lado e do outro, um apoio rápido é executado ao meio para fluir o
movimento e permitir rodar mais facilmente. Este apoio é feito com o pé que cruzou à frente e chama-se
“picar”.
Para conseguir cruzar sem parar a dança, o passo deve ser iniciado com o pé esquerdo.
O mandador diz “Siga” e recomeça o passo de “caminhar” ou “passeio”. A dança alterna entre momentos
tocados só com adufes ou adufes e canto. O mestre de canto lança o refrão: larilolela, larilolela. Começa
de novo uma quadra, a sequência é igual, alternam-se os passos de “passeio” e passo cruzado.

As letras das quadras permitem dar informação aos bailadores, como é o caso da troca no par. No terceiro
verso da quadra (ver as letras da Farrapeira mais abaixo), os pares vão trocar e voltar ao seu próprio lugar.
Na roda com passo de “passeio”, a mulher, à frente do homem, vai recuar pelo exterior da roda, o homem
avançando por dentro e sentido inverso, a mulher avança e o homem retorna ao seu lugar. A roda toda
pode trocar de sentido seguindo as letras da quadra. Nestes dois casos, as letras não dizem o que fazer,
faz parte da coreografia.

Esta sequência é a base da dança ao qual  se adiciona os mandos. Por exemplo, no passo cruzado,
pode-se fazer o deslocamento pelo centro da roda, a roda pode ser animada mesmo com este passo, e os
bailadores não ficam no mesmo local.
No passo cruzado, um mando permite pôr todas as pessoas a  caminhar. Como foi dito antes, a Farrapeira
era também caminhada. Criam-se assim duas filas, o par de uma extremidade vai passando entre as duas
filas, os outros pares imitam.

As Letras
A estrutura é composta de 4 versos diferentes, sendo alguns repetidos, no total faz uma moda de 8 versos.
Além disso é acrescentado no terceiro verso e no sexto “ó meu bem” e “larilolela”. 12234412.
{audio}/media/mp3/farrapeira.mp3{/audio}
CD Paúl e seus cantares: Chão do canto

O MINHA FARRAPEIRINHA  (1)


O MINHA TROCA FARRAPOS (2)
Ó meu bem ó minha troca farrapos (2)
TENHO UMA CAMISA NOVA (3)

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Danças com Adufes

TODA CHEIA DE BURACOS (4)


Larilolela, toda cheia de buracos (4)
Ó minha farrapeirinha (1)
Ó minha troca farropos (2)

O MINHA FARRAPEIRINHA
O MINHA FARRAPEIRELA
O MEU PAI É MUITO RICO
TEM MACACOS À JANELA

ENCONTREI A FARRAPEIRA
LÁ NO ALTO DA PORTELA
A MODA DA FARRAPEIRA
É BONITA E GOSTO DELA

CHAMASTE-ME FARRAPEIRA
Ó MEU GRANDE FARRAPÃO
FARRAPEIRA É VOCE
MAIS A SUA GERAÇÃO

AS ARMAS DO MEU ADUFE


SÃO PAU DE LARANJEIRA
QUEM HOUVER DE TOCAR NELAS
HÁ – DE TER A MÃO LIGEIRA

Duas outras danças com adufes


Vamos descrever mais rapidamente duas outras danças acompanhadas só pelo adufe e canto: “A Candeia
da Esquina” e “Os Olhos da Carolina”. Como na “Farrapeira”, alternam-se os momentos instrumentais e
os momentos vocais-instrumentais. No caso destas duas músicas, a estrutura de “A Candeia da Esquina”
é quadra – refrão – refrão, e quadra – refrão para “Os Olhos da Carolina”.
A candeia da esquina e os olhos da Carolina são duas danças de roda de pares com mãos dadas, no
refrão os braços levantam se no ar.

A Candeia da Esquina
No meio da quadra, os bailadores mudam de sentido. No refrão viram-se para o seu par, depois para o
contrapar, a roda continua a andar. Depois param. Quando inicia pela segunda vez o refrão, dança-se
virado para o contrapar e depois para o par. A roda volta a seguir, de mãos dadas, todos caminham no
mesmo sentido, orientado pelo centro da roda.  

Olhos da Carolina
A dança começa como a Candeia: no meio da quadra, os bailadores trocam todos de sentido. No refrão
viram para o par e caminham braços no ar. No meio de refrão viram para o contrapar. No final do refrão
voltam para o seu par e fazem uma volta inteira. A roda volta a seguir, de mãos dadas.

Texto escrito com o apoio da Leonor Narciso.

Bibliografia selectiva
Tomás Ribas, "Danças Populares Portuguesas", Lisboa, ICALP - Colecção Biblioteca Breve, 1982
Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira, "Instrumentos Musicais Populares Portugueses", Fundação
Calouste Gulbenkian, Lisboa 1966
"Adufe", in "Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX" vol.1, dir. Salwa Castelo- Branco, Circulo
dos Leitores / Temas e debates e autores, Lisboa, 2010.

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