Corpo, Masculinidade e Efeminização, Atílio
Corpo, Masculinidade e Efeminização, Atílio
Corpo, Masculinidade e Efeminização, Atílio
Resumo: Este artigo parte das discussões sobre sujeito e liberdade presentes na
arqueogenealogia foucaultiana e tem por objetivo analisar a produção dos sujeitos
homossexuais nos discursos virtuais. Para tanto, o corpus utilizado é composto de
discursos que circulam em dois grandes sites brasileiros, o Disponível.com e o Bate Papo UOL.
As análises permitem observar um funcionamento discursivo pautado na diferenciação
entre práticas masculinas positivas e práticas efeminadas negativas. Conclui-se, a partir
de então, que o dispositivo sexual brasileiro está ainda marcado por um discurso fantasma,
cindido entre uma assunção pública da diversidade e uma negação de seu aparecimento
na esfera privada.
Palavras-chave: Discurso homossexual. Sujeito. Resistência. Discurso virtual.
Abstract: This article starts from the discussions on subject and freedom present in
foucaultian archaeogenealogy, and its objective is to analyze the production of homosexual
subject in virtual discourses. For this, the corpus used consists of discourses circulating in
two large Brazilian sites, Disponivel.com and Bate Papo UOL. The analyses allow observing a
discursive functioning guided by the differentiation between positive male practices and
negative effeminate practices. From this, it is concluded that the Brazilian sexual vision
is still marked by a shadow reasoning, split between a public assumption of diversity and
a denial of its appearance in the private sphere.
Keywords: Homosexual discourse. Subject. Resistance. Virtual discourse.
Introdução
Seguindo Facchini (2003), no Brasil, a partir da década de 90 do século
XX, inicia-se um processo de visibilidade e orgulho gay. Sob a égide ini-
cial do GLS (sigla para gays, lésbicas e simpatizantes forjada na década
de 90), surgem algumas séries de enunciados: enunciados de “orgulho”
e de assunção de identidade, calcados em estratégias de coming-out;
enunciados da virilidade corporal, que tornam a homocorporalida-
de uma espécie de função distintiva; enunciados sobre a “modernida-
de” dos comportamentos − no Brasil, como o caso dos clubbers e das
Atilio d rag-queens; enunciados de defesa e luta pelos direitos civis − “casamen-
Butturi Junior to”, homoparentalidade etc.
De acordo com a mesma autora (FACCHINI, 2003), o discurso GLS
304 aparece no Brasil na coluna de André Fisher, na Folha de São Paulo, em
meados da década de 90. Fisher é o mesmo que, em 1993, realizou o Fes-
tival Mix Brasil da Diversidade Sexual e o primeiro Mercado Mundo Mix. Até
hoje, é o responsável pelo primeiro site GLS do Brasil, o MixBrasil.
Tendo em vista essa nova discursividade positivante, este arti-
go tem por objetivo analisar, de uma perspectiva arqueogenealógica
(Foucault), a emergência de um discurso da/sobre a homossexualidade
que, a partir da década de 90, caracteriza as relações homoeróticas e
homocorporais na internet. Para isso, o recorte do corpus parte de dois
dos sites mais acessados para práticas afetivas e sexuais entre os ho-
mossexuais masculinos no Brasil, quais sejam: o Disponível.com e o Bate
Papo UOL, com dados coletados entre setembro de dezembro de 2011.
A hipótese defendida aqui é a de que há, no discurso de subjetivação e
objetivação das homossexualidades brasileiras on-line, uma espécie de
cisão axiológica entre práticas masculinas e efeminadas, sendo as pri-
meiras da ordem do verdadeiro e do positivo e as segundas tomadas
como abjetas ou fora da norma.
A fim de forjar a análise, o texto se divide em algumas seções: na
primeira, recorre-se a Foucault para inteligir a relação entre poder e
resistência dos sujeitos no dispositivo sexual; na segunda, apontam-se
características do virtual; na terceira e na quarta, realizam-se as análi-
ses dos sites. Finalmente, as considerações finais retomam a hipótese da
cisão e da hierarquia, atestada nas análises.
O discurso do virtual
Ao tomar os discursos on-line como objeto, faço uma ressalva, seguindo
Lévy (1999): as mudanças na tecnologia têm um impacto na produção
dos discursos e, no caso de uma “cibercultura”, é preciso atentar para
a função de deslocamento que os sujeitos possuem, em termos de inte-
ratividade. Não quero, com isso, nem reafirmar o “otimismo” de Lévy
de um mundo mais democrático nem imaginar uma esfera de liberda-
des irrestritas. Para a discussão aqui proposta, entretanto, vale a pena
assumir um deslocamento dos enunciados relativo ao virtual segundo a
modificação da materialidade enunciativa.
Dito de outra forma, quero, com Maingueneau (2002), postular
que a materialidade e o discurso são constitutivos e que, na contempo-
raneidade, divisões entre a oralidade e a escrita, o formal e o informal,
devem ser colocadas em suspenso. Quanto aos enunciados que circu-
lam na internet e sobre os quais me debruço agora, é essa mudança que
se revela fundamental, pois nota-se um deslocamento dos discursos,
que supostamente circulam em esferas públicas e formais, para uma
1 Os dados são de outubro e novembro de 2011. Mantive a grafia original e o uso de maiúsculas, o
que na internet é inferido como uma espécie de “grito”, com força elocucional imperativa.
2 Apenas quatro perfis são de sujeitos “passivos”, entre os sessenta perfis ranqueados que utilizei.
3 “Monossexual” é uma categoria discursiva aventada por Michel Foucault para se referir à relação
entre homens não estigmatizada e simétrica. Essa ordem, chamada pelo autor de “monossexual”,
permitiria o abandono de relações desiguais ou estigmatizadas (FOUCAULT, 2010a, p. 124).
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