Dissertao Jaqueline Maria Da Silveira e Silva

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CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS

DIRETORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA

JAQUELINE MARIA DA SILVEIRA E SILVA

HISTÓRIA DA INSTITUIÇÃO QUE EDUCA PARA O COMÉRCIO:


DE LYCEU MINEIRO (1927) A COLÉGIO PADRE CURVELO (1957)

BELO HORIZONTE – MG
2020
JAQUELINE MARIA DA SILVEIRA E SILVA

HISTÓRIA DA INSTITUIÇÃO QUE EDUCA PARA O COMÉRCIO:


De Lyceu Mineiro (1927) a Colégio Padre Curvelo (1957)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em


Educação Tecnológica (PPGET) do Centro Federal de
Educação Tecnológica de Minas Gerais, como requisito
parcial à obtenção do título de Mestra em Educação
Tecnológica.
Orientador: Prof. Dr. Irlen Antônio Gonçalves

BELO HORIZONTE
2020
AGRADECIMENTOS

A construção de uma dissertação depende sempre de um conjunto alargado de múltiplos


contributos, sem os quais, o resultado final nunca seria o mesmo. É por isso que as dissertações
são sempre antecedidas dos agradecimentos. Também eu os faço, não por uma questão de
“praxe”, mas por um dever de justiça que me exige reconhecer e agradecer os apoios e os
estímulos recebidos ao longo do processo de investigação e durante o indispensável tempo de
solidão e de isolamento do ato de escrita.

O primeiro agradecimento dirijo ao Professor Doutor Irlen Antônio Gonçalves,


orientador e professor/coordenador do Mestrado em Educação Tecnológica (MET), do Centro
Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais e responsável pelo primeiro sim que recebi
nesse percurso. O sim foi a acolhida de uma bióloga no campo da História da Educação que,
apesar de não ter evidenciado antes, já havia me conquistado. Obrigada, Prof. Irlen, por me
apresentar a possibilidade dessa ousadia e percorrer o caminho comigo nesse objetivo. Minhas
desculpas pela “operária em construção” que, por muitas vezes fui, e pelas lacunas que
encontramos ao longo do percurso.

Ao CEFETMG, essa instituição Centenária, que se desvela um pouco mais a cada dia.
E ao MET, a minha gratidão por estarem presentes na junção: pioneirismo e ousadia de fazer
pessoas pensantes e, por isso, melhores.

Aos professores, minhas considerações. Vocês conquistaram não somente a minha


atenção, mas a distinção entre aqueles que fazem muito pela Educação deste país. Indispensável
se faz nomear pelo menos os que fizeram frente ao meu percurso, porque sei que o grupo se
encontra diluído e agregado a eles nessa honrosa missão. Professores, Adriana Tonini, Geraldo
Pedrosa, Irlen Antônio, Raquel Quirino, Sabina Maura, do MET; Giani David do curso de
Mestrado em Estudo de Linguagens, Luciano Faria Filho (UFMG), Rosana Areal (UFOP) e
Vera Nogueira (UEMG) da matéria interinstitucional, muito obrigada!

Ao campo de pesquisa: “História da Educação” e seu resumo: renúncia e altruísmo.


Retirar da história guardada em arquivos e papéis velhos, para a maioria das pessoas, diários,
atas e possibilidades de uma história de construção social. Ou ainda, das histórias de uma aula,
da visita do inspetor escolar, das pequenas escolas ou escolas rurais, dos grupos escolares, dos
prédios que falam de república e dos jovens da EJA, estudantes noturnos, um prenúncio de
educação para todos, torna vocês um exemplo a seguir e faz com que ao término do trabalho,
não sejamos mais quem éramos, mas defensores árduos da história da educação, que torna o ato
de educar possível e audível pelas gerações. São as Veras (NOGUEIRA), as Rosanas (AREAL),
Anas Cristinas (LAGE), Irlens (GONÇALVES), Lucianos (FARIA FILHO), Décios (GATTI),
Justinos (MAGALHÃES), Geraldos (PEDROSA e ÁLVARES) que há pouco trataria como
referências, e hoje os tenho como um seleto grupo de pescadores de pérolas e colecionadores
de tesouros.
Aos colegas de turma, aos particularmente amigos, agradeço pela colaboração, pelos
trabalhos em grupo, pela preocupação com as minhas viagens de ida e volta e pela imensa troca.
São administradores, historiadores, bibliotecários, assistentes sociais, pedagogos, engenheiros
e matemáticos que, por hora, serão apenas, “Mestres em Educação”. Com certeza se
beneficiarão do título, mas a Educação ganhou por trocar experiências com vocês e fazer-se
presente no meio de tão ricas pessoas. Aos colegas do campo, minha distinção e alegria por tê-
los conhecido: Marcela, Natália, Nívea, Helbert e Poliana, obrigada pelo apoio e
companheirismo.

Ao apoio pontual de Narlisson, Miliane e Fábio da Secretaria do Mestrado e ao Sr. João


da Portaria que sempre me receberam com as “Boas-Vindas” de sempre. Minha homenagem
por serem servidores públicos envolvidos e que ocupam seus espaços com desvelo.

Ao arquivo e aos que por ele passaram ou produziram, deixando suas marcas e pistas a
minha reverência. Especialmente, ao diretor Padre Lindomar da Rocha Mota e à Profa.
Fernanda da Faculdade Arquidiocesana de Curvelo, agradeço pelo segundo sim, que permitiu
a continuidade e os novos rumos da pesquisa.

Aos colegas do trabalho, que supriram as minhas ausências, o meu reconhecimento,


afinal coexistir vale a pena porque existem pessoas empáticas, e por isso são capazes de
destacar-se: Arnaldo, Aniel, Fernanda, Maria das Graças e Simone, vocês são dez!

A toda minha FAMÍLIA: Maria Adeide e Manoel (pais amados), irmãs e irmão
(Aparecida, Janete, Eliane e Fábio), o meu carinho e distinção pelo respeito com que trataram
esse percurso; à Dona Terezinha, Adriana e Guido, obrigada por estarem em orações e dispostos
a acolherem minha falta; à Erika e Daniel, família que o mundo me concedeu, obrigada pela
torcida. E a você, Adriano, meu amado esposo, obrigada por ser apoio, leitor e coalimentador
de sonhos.

Especialmente aos meus sobrinhos: Albert, Agno, Ítalo, Marco Túllio, Victor, Luiz
Gustavo, Lara, Maria Júlia e Yasmin, agradeço a convivência pacífica, já que a “Tia Jac” não
pode viajar, passear e nem mesmo ajudar nas tarefas do cotidiano. Quero dedicar-lhes essa
vitória. Quero que entendam que vocês também poderão conquistar o que desejarem, e de que
o NUNCA não é um lugar para quem se dedica e sonha!

Ao meu Deus Pai, Criador e que se faz presente em minha vida, o meu reconhecimento,
por fazer-me pessoa e por sempre realizar meus sonhos.
“Fiz a escalada da montanha da vida removendo
pedras e plantando flores”
“Caminhando e semeando, no fim terás o que
colher”

(Cora Coralina)
RESUMO
Esta dissertação traz uma pesquisa histórica que se encontra inserida no âmbito da
História da Educação Profissional, que é um subcampo da História da Educação. Trata-se de
um relatório de pesquisa sobre o ensino comercial, entendido como uma expressão da
modernidade, cujo foco é a história de uma instituição educativa denominada, em 1927, de
Lyceu Mineiro, tendo seu nome modificado em 1957 para Colégio Padre Curvelo. O objetivo
geral da pesquisa foi produzir a história da instituição que educa para o comércio - Lyceu
Mineiro, no período entre os anos 1927 e 1957, destacando permanências e mudanças ocorridas
ao longo de seu ciclo de vida, que caracterizaram seu desenvolvimento e sua identidade
histórica, a partir da pergunta: “por que uma escola de comércio para Curvelo, e como se
constituiu naquela localidade?” A partir dos pressupostos do conhecimento historiográfico
segundo o historiador Justino de Magalhães, buscou-se a institucionalização e
reinstitucionalização que caracterizaram o ciclo de vida e desenvolvimento da instituição,
produzindo sua identidade histórica. A pesquisa é bibliográfica e documental, e ocorre nas
fontes públicas do arquivo da escola, no museu da Faculdade Arquidiocesana de Curvelo - FAC
e nos jornais que circulavam na época e que estão no Centro de Referência do Museu da
Faculdade de Ciências Humanas de Curvelo – FACIC, além de fontes iconográficas
encontradas nesses ambientes, tendo por contorno a legislação do Ensino Comercial. O
conhecimento historiográfico da instituição educativa revelou que a associação do ato de educar
encontra-se “profundamente marcado pela sua inscrição na conjuntura histórica local”,
atrelando-se ao desenvolvimento da cidade e da formação pedagógica e política dos sujeitos
que permeiam a atividade educativa, construindo a memória e a unicidade da cultura escolar.
Afinal, cada instituição escolar ou educativa integra um todo mais amplo que é o sistema
educativo, mas constitui-se um todo em si mesma a partir da construção de uma cultura escolar
única e determinante do fazer escolar.

Palavras-chave: Ensino Comercial. Educação Profissional. Instituições Educativas.


ABSTRACT
This dissertation brings a historical research that is inserted in the context of the History
of Professional Education, which is a subfield of the History of Education. This is a research
report on commercial education, understood as an expression of modernity, whose focus is the
history of an educational institution named, in 1927, Lyceu Mineiro, having its name changed
in 1957 to Colégio Padre Curvelo. The general objective of the research was to produce the
history of the institution that educates for commerce - Lyceu Mineiro, in the period between
1927 and 1957, highlighting permanences and changes that occurred throughout its life cycle,
which characterized its development and its historical identity. , from the question: “why a
school of commerce for Curvelo, and how was it constituted in that locality?” From the
assumptions of historiographical knowledge according to historian Justino de Magalhães, we
sought the institutionalization and reinstitutionalization that characterized the cycle of life and
development of the institution, producing its historical identity.
The research is bibliographic and documentary, and takes place in the public sources of
the school archive, in the museum of the Archdiocesan College of Curvelo - FAC and in the
newspapers circulating at the time and which are in the Reference Center of the Museum of the
School of Humanities of Curvelo - FACIC, as well as iconographic sources found in the
environments, having as contour the legislation of the Commercial Education. The
historiographical knowledge of the educational institution revealed that the association of the
act of educating is “deeply marked by its inscription in the local historical conjuncture”, being
linked to the development of the city and the pedagogical and political formation of the subjects
that permeate the educational activity. building the memory and uniqueness of the school
culture. After all, each school or educational institution is part of a broader whole which is the
educational system, but it is constituted as a whole in its own right through the construction of
a unique and determinant school culture.

Keywords: Commercial Education. Vocational Education. Institution that educates.


LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 – Marco Teórico..................................................................................................50


FIGURA 2 – Propaganda do Lyceu Mineiro..................................................................... 56
FIGURA 3 – Localização de Curvelo................................................................... 58
FIGURA 4 – Prédio onde funcionava o Lyceu Mineiro, em 1926..................................... 63
FIGURA 5 – Planta baixa do Novo Prédio à Rua João Pessoa, 1931................................. 64
FIGURA 6 – Fachada do Novo Prédio à Rua João Pessoa, 1931........................................66
FIGURA 7 – Vista panorâmica do Novo Prédio à Rua João Pessoa, 1931 ........................67
FIGURA 8 – Fotografia dos alunos da Instituição Escolar............................................... 68
FIGURA 9 – Tablado com indicação de formandos ano de 1932 do Curso Secundário:
Professores acima e 11 alunos abaixo................................................................................ 69
FIGURA 10 – Tablado com indicação de formandos do ano de 1934 do Curso
Secundário: Paraninfo e professores acima e alunos abaixo................................................ 70
FIGURA 11 – Grupo de Professores......................................................................................74
FIGURA 12 – Apólice referente à compra de cotas............................................................ 82
FIGURA 13 – Certificado de aprovação no Exame de Admissão..................................... 88
FIGURA 14 – Resultado de Exame de Admissão de 1928................................................ 89
FIGURA 15 – Pontos da Prova Parcial de Canto Orfeônico para a 4ª série...................... 94
FIGURA 16 – Síntese de Vida: Profa. Cleide Mourthé................................................... 100
FIGURA 17 – Normas de Proceder.....................................................................................108
LISTA DE TABELAS

TABELA 1 – Alunos por naturalidade (Amostragem) ........................................................ 71


TABELA 2 – Matrícula por profissão dos pais..................................................................... 72
TABELA 3 – Profissão dos Cotistas da Sociedade Lyceu Mineiro Sociedade Ltda................81

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Rede Escolar do Ensino Comercial no território Brasileiro......................... 34

QUADRO 2 – Estabelecimentos Comerciais existentes em Curvelo no início século XX.. 61


QUADRO 3 – Relação de Professores do Ano de 1929 (Janeiro)........................................ 76
QUADRO 4 – Relação de Professores do Ano de 1929 (Abril)............................................ 76
QUADRO 5 – De Lyceu Mineiro a Colégio Padre Curvelo................................................ 86
QUADRO 6 – Quadro de Horários da 1ª turma do Curso Técnico em Contabilidade.......... 90
QUADRO 7 – Disciplinas do Curso Comercial Básico........................................................ 90
QUADRO 8 – Disciplinas do Curso Técnico em Contabilidade.......................................... 91
QUADRO 9 – Número de turmas a partir de 1945: evolução das matrículas......................... 96
QUADRO 10 – Comparativo entre matrículas e concluintes do Curso Comercial Básico
por ano a partir de 1945.............................................................................. 96
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CEFET-MG – Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais


SEE/MG – Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais
CPC – Cooperativa de Professores de Curvelo Ltda.
UFVJM – Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri
FAC – Faculdade Arquidiocesana de Curvelo
FACIC – Faculdade de Ciências Humanas de Curvelo
CAPES – Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior
FECAP – Fundação Escola de Comércio Alvares Penteado
ETC – Escola Técnica de Comércio
UFSC – Universidade Federal Santa Catarina
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.................................................................................................................... 13

CAPÍTULO I – ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA – HISTÓRIA DA 22


EDUCAÇÃO E A RENOVAÇÃO EPISTEMOLÓGICA....................................................

1.1.– História da Educação Profissional e História das Instituições Educacionais:


interfaces......................................................................................................................... 23
1.2. – Educação para o Comércio – Evolução 28
Histórica...................................................................... 38
1.2.1 – Decreto 20.158 de 30/06/1931 – “Reforma Francisco Campos”...............................
1.2.2 – Um Decreto que tem força de Lei – Decreto Lei 6.141 de 28/12/1943 Lei Orgânica 43
do Ensino Industrial................................................................................................
1.3 – Instituição Educativa - conceito e organização............................................................. 46
1.3.1–Marco Teórico segundo Justino Magalhães................................................................. 49

CAPÍTULO II – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ESCOLA POR MEIO DA


MATERIALIDADE E DOS SUJEITOS............................................................................... 54

2.1 – A materialidade/O instituído - O Lyceu Mineiro e sua trajetória em Curvelo............. 54


2.1.1 – Por que o Lyceu Mineiro veio para Curvelo?............................................................ 57
2.2 – Prédio Escolar, dimensão social e documental............................................................. 62
2.3 – Alunos, Corpo Docente e as mantenedoras do Lyceu Mineiro..................................... 67
2.3.1 – Origem dos alunos...................................................................................................... 67
2.3.2 – Corpo Docente............................................................................................................ 73
2.3.3– Mantenedoras do Lyceu Mineiro................................................................................ 80

CAPÍTULO III – REPRESENTAÇÃO/APROPRIAÇÃO – DE LYCEU MINEIRO A


COLÉGIO PADRE CURVELO 84
Curvelo.........................................................................................................................
3.1 - Estrutura didático-pedagógica do Curso de Comércio ................................................. 85
3.1.1 – Admissão e critérios de matrícula.............................................................................. 86
3.1.2 – Conteúdo e objetivo das disciplinas........................................................................... 90
3.2 – Estrutura do processo avaliativo – provas escritas e provas orais................................. 92
3.3– Números referentes à matrícula, evasão e promoção no Curso Comercial da “Escola
Técnica de Comércio Padre Curvelo”.................................................................................... 95
3.4 – Síntese de Vida: alunos, professores e contadores; um pouco da escola em cada um
e a apropriação da cultura escolar na cidade e em Minas Gerais........................................... 97
3.4.1 – Síntese de Vida: o aluno, o professor e o contador municipal José Gregório Sousa
Filho...................................................................................................................................... 98
3.4.2 – Síntese de Vida: o aluno e o escritor, André de Carvalho.......................................... 99
3.4.3 – Síntese de Vida: a aluna bolsista, a professora e a diretora Cleide Mourthé............. 99
3.4.4 – Síntese de Vida: o aluno, o escritor e o historiador Sílvio Gabriel Diniz.................. 101
3.4.5 – Síntese de Vida: o aluno, o desportista, o prefeito Paulo Dayrell de Oliveira........... 102
3.5 – O Grêmio “Euclides da Cunha”.................................................................................... 104

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................. 109


REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 114

ANEXOS.............................................................................................................................. 119
13

INTRODUÇÃO

Esta dissertação, ora apresentada ao Mestrado em Educação Tecnológica do Centro


Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFETMG), vincula-se à Linha I de
Pesquisa - Ciência, Tecnologia e Trabalho: abordagens filosóficas, históricas e sociológicas. É
uma pesquisa histórica que se encontra inserida no âmbito da História da Educação Profissional,
que é um subcampo da História da Educação. Trata-se de um relatório de pesquisa sobre o
ensino comercial1, entendido como uma expressão da modernidade2, cujo foco é a história de
uma instituição educativa denominada, em 1927, de Lyceu Mineiro, tendo seu nome
modificado, em 1957, para Colégio Padre Curvelo.
O objetivo geral da pesquisa foi produzir a história da instituição que educa para o
comércio - Lyceu Mineiro, no período entre os anos 1927 e 1957, destacando permanências e
mudanças ocorridas ao longo de seu ciclo de vida, que caracterizam seu desenvolvimento e sua
identidade histórica, a partir da pergunta: “por que uma escola de comércio para Curvelo, e
como se constituiu naquela localidade?”.
No esforço para se chegar à resposta da questão, considerou-se importante ressaltar que
a citada instituição escolar permeia a cidade e constrói-se a partir da concepção coletiva do
imaginário educacional de diversas épocas e arranjos, durante todo o século XX e, logicamente,
durante os vindouros anos; que os ideais educacionais do professor “Érico de Bacellar e Souza”3

1Ensino voltado a “formar profissionais aptos ao exercício de atividades específicas no comércio e, bem assim, de
funções auxiliares de caráter administrativo nos negócios públicos e privados”, Decreto Lei n. 6141 de 28 de
dezembro de 1943 – Lei Orgânica do Ensino Comercial. O ensino teve marco histórico no Brasil com a assinatura
do Alvará de 1809, pelo príncipe regente Dom João VI, em 15 de julho de 1809, proporcionando a abertura da
comercialização junto a países aliados de Portugal.
2
Modernidade como “à época da história”, em que predominam as categorias da “novidade”, da “superação” e do
“progresso” sob égide do marco da Revolução Francesa. (Faria Filho, organizador, 2012, p.19).
3
Professor, gaúcho de nascimento, que depois de ter fundado diversos estabelecimentos de ensino em várias
localidades do país, chegou a Curvelo e transferiu para a cidade, o Lyceu Mineiro, que mantinha em Belo
Horizonte. (SOARES, 1988). Apesar das inúmeras tentativas de identificar a existência da outra escola e de
remanescentes familiares do Sr. Érico de Bacellar, não foi possível obter mais informações sobre esse sujeito.
Tentamos identificar sua existência junto à Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais – SEE no setor de
Arquivos de Escolas Extintas ou Existentes, através de contato com a Metropolitana A e Metropolitana B, que são
responsáveis pela guarda dos arquivos. Tentamos em vão na cidade de Batatais, São Paulo, já que a escritura de
venda dos imóveis que possuía em Curvelo, tem como endereço a cidade da Grande São Paulo, fato também
elencado nos jornais. Para a imprensa curvelana, esse seria o destino após a saída de Curvelo e, ainda, ousou-se
localizar a origem da família no Rio Grande do Sul, que dizem ser o estado originário. Pesquisou-se também junto
ao arquivo de ex-alunos ou professores da Escola de Comércio de Juiz de Fora, tendo em vista que o professor
dava aulas de contabilidade. Buscamos também pela sua esposa Sra. Santa de Bacellar e Souza, que atuou como
professora do Lyceu Mineiro.
14

– sujeito forasteiro que embala o desejo dos filhos de curvelanos de se formarem no secundário
ou no Ensino Comercial, que até então não existia na cidade de Curvelo.
Importa afirmar que, controversamente ao progresso alavancado em poucos anos de
funcionamento, o sujeito idealizador, num dado momento, abre mão da escola e muda-se para
outra cidade. No entanto, a comunidade, segundo os relatos em jornais, não aceitou o
fechamento da instituição e se organizou em uma sociedade civil para dar continuidade à escola,
por meio da Sociedade Lyceu Mineiro Ltda., fundada por comerciantes, fazendeiros,
profissionais liberais e alguns professores da escola.
A motivação para tal intento foi porque a comunidade tinha a clareza de que a instituição
acolhia os filhos de curvelanos e de pessoas da região em regime de internato, semi-internato e
externato e, então, favorecia a formação próxima das casas, já que na redondeza não havia curso
semelhante, a não ser na Capital Belo Horizonte ou Sete Lagoas, sendo esta onde funcionou
uma escola pública, que ofertava o curso comercial, no período de 1926 a 1943.
Nesse sentido, historiar o Lyceu Mineiro, localizado na cidade de Curvelo, Minas
Gerais, é produzir uma “(re) construção das representações simbólicas das práticas educativas
e da problematização da relação das instituições educativas com o meio sociocultural
envolvente” (MAGALHÃES, 1996, p.7), atrelados à História do Ensino Comercial, dentro da
perspectiva do conhecimento historiográfico renovado da História da Educação que confere
identidade às instituições educativas, destacando-se permanências e mudanças ocorridas ao
longo de seu ciclo de vida, que caracterizam o próprio desenvolvimento e a respectiva
identidade histórica.
O recorte temporal e espacial que orientou o trabalho se deu a partir da trajetória da
instituição, que foi inaugurada em 16 de outubro de 1927. Ainda na primeira década de
existência teve a mantença alterada, devido ao retorno do primeiro proprietário para São Paulo
e, como já dito, a criação da Sociedade Lyceu Mineiro Ltda., que passou a ser a mantenedora.
Depois de 17 anos, deu-se entrada ao processo de autorização junto aos órgãos de
fiscalização, isso no ano de 1944. Já em 1957, a sociedade mantenedora e gestora resolveu doar
as ações da instituição para a Mitra Arquidiocesana de Diamantina, que assumiu a escola e as
cotas da sociedade civil. Foi nesse momento de mudança que o recorte final da pesquisa foi
estabelecido. Ficou constado na leitura das Atas da Sociedade, ocorrida numa reunião da
Congregação, naquele ano de 1957, o registro da doação das cotas para a Mitra Arquidiocesana,
começando assim um novo ciclo de funcionamento para a instituição.
Do ponto de vista metodológico, trata-se de uma investigação bibliográfica e
documental. O acesso inicial aos documentos se deu no arquivo da instituição, que fica sob a
15

guarda da Cooperativa de Professores de Curvelo - CPC, e que detém o controle da


documentação dos alunos. Entretanto, a pesquisa empírica, nos arquivos da Cooperativa de
Professores de Curvelo – CPC, não logrou resultados conclusivos, devido à negativa da direção
da escola e à determinação de não acesso aos arquivos, impedindo, assim, a construção dos
relatórios a partir dos documentos do Lyceu Mineiro.
A negativa por parte da diretora ao acesso da documentação, que continha as pastas dos
alunos4, foi justificada com o argumento baseado na Lei de Acesso à Informação – Lei nº 12.527
de 18 de novembro de 2011 que, segunda ela, era um impedimento ao acesso aos dados. Ainda
assim, apresentamos recurso junto à Superintendência Regional de Ensino de Curvelo, mas
também não obtivemos respaldo.
Mesmo com o impedimento, que ocorreu durante a fase em que documentos eram
acessados, ainda foi possível catalogar as pastas de 120 alunos e organizar alguns documentos
de forma dispersa, como o processo formal enviado para legalização do curso, livro de Atas da
Mantenedora e normativas, ofícios e instruções dos órgãos gestores e fiscalizadores da atividade
educativa, além de dois livros de Termos de Visita do Inspetor Escolar.
Diante dessas circunstâncias, buscaram-se novas alternativas que viabilizassem a
continuidade da pesquisa. Assim, procurou-se, junto à Arquidiocese de Diamantina,
autorização para acesso a algumas fontes da Escola que estavam em sua guarda. O motivo pelo
qual a Arquidiocese ficou com parte da guarda documental foi o fato de ter sido ela quem deu
continuidade aos trabalhos do educandário, logo após ter recebido as cotas do patrimônio da
Sociedade Lyceu Mineiro Ltda, em 1957. A Arquidiocese deu continuidade à instituição apenas
com o Curso Superior, da Faculdade de Ciências Administrativas de Curvelo, hoje, Faculdade
Arquidiocesana de Curvelo- FAC e, mesmo assim, manteve em seus registros históricos parte
da saga institucional do Lyceu Mineiro, acervo que não havia sido repassado à Cooperativa de
Professores de Curvelo.
A Mitra Arquidiocesana gerenciou a Educação Básica até 1999, quando o colégio e a
faculdade foram separados, iniciativa dada pela fundação da Cooperativa. Esse acervo
encontra-se no Centro de Referência Histórica da instituição, e faz alusão ao Lyceu Mineiro na
construção da história da faculdade e dos cursos que são direcionados à área de administração,
ciências contábeis e direito. Buscou-se nos documentos do Lyceu Mineiro, informações sobre:
profissão e formação do corpo docente, histórico profissional e disciplinas lecionadas; corpo

4
A escola organizava os arquivos de forma administrativa – por ordem alfabética, e para separar as enturmações,
por ano, houve a necessidade de manusear as pastas e registrar separadamente todos os alunos, tendo em vista a
composição por turmas.
16

discente e suas origens sociais e de procedência; registros de eventos como formaturas,


conclusão de cursos, inaugurações e eventos culturais; diários e históricos; livros de registros
escolares, atas e inventário; regulamentos, relatórios e notícias diversas que faziam referência
à cultura escolar.
Complementarmente, intensificou-se a busca de informações da instituição em jornais
que circularam na época, sob a guarda do Centro de Referência “Antônia Cleuza Guimarães”,
pertencente ao Museu de História Viva da Faculdade de Ciências Humanas de Curvelo- FACIC,
rastreando-se eventos e notícias que aproximavam o Lyceu Mineiro da comunidade, além de
fontes iconográficas, concebidas não como ilustração, mas como “portadoras de significados e
de estrutura” (PEDROSA, 2018). Para além das fontes documentais, tornou-se significativo o
conhecimento das normas e legislações empregadas na orientação e organização do Ensino
Comercial.
A partir de um apanhado criterioso das legislações que se incumbiram de organizar e
fazer acontecer o ensino comercial, percebe-se a renovação dos cursos e conceitos aplicados no
início dos mesmos, que se originam em instituições particulares, e tinham dificuldades em se
afirmar, devido, principalmente, à baixa matrícula de alunos, pois o curso não chamava tanta
atenção como Medicina e Direito. O ensino comercial tinha como púbico alvo, alunos com
melhores níveis sociais, uma vez que atuava na tentativa de formar os empregados públicos e
responsáveis pelas rotinas administrativas, que se organizaram a partir da transferência do
príncipe regente para o Rio de Janeiro e em seguida à proclamação da república.
Além da busca da documentação para a garantia das fontes, buscou-se também conhecer
a produção de pesquisa sobre Escola do Comércio, com vistas a averiguar a relevância para a
realização da pesquisa e respaldar a escrita da dissertação. Para isso, efetuou-se um estado da
arte, acessando os bancos de Teses e Dissertações da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal
do Nível Superior (CAPES). Como resultado, constatou-se que são poucos os trabalhos sobre
instituições que formavam para o comércio. Essa ausência indicou, por sua vez, uma lacuna na
produção do conhecimento historiográfico sobre o ensino comercial, tanto em Minas Gerais
quanto no restante do país, o que contribuiu decisivamente para a produção do objeto de estudo
da presente dissertação. A partir da revisão bibliográfica, foi evidenciado que não havia
pesquisas que tomassem para si a formação comercial dentro de uma instituição educativa
privada e que refletisse, mais especificamente, sobre a cultura escolar comercial, em Minas
Gerais.
Dentre os trabalhos encontrados sobre a temática, há a dissertação de Fábio Vasconcelos
Lima Pereira, defendida no Mestrado em Educação Tecnológica, do Centro Federal de
17

Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET-MG, em 2014, intitulada, “A criação da


Escola Complementar do Comércio de Sete Lagoas: uma instituição educativa criada para a
formação do trabalhador do comércio”. Essa dissertação trata da trajetória e do itinerário de
uma instituição pública criada para a formação do trabalhador do comércio, que funcionou no
período de 1926 a 1943, em Sete Lagoas. Segundo o seu autor, era uma escola que primava
pela formação complementar, atendendo alunos oriundos da escola primária.
Outro trabalho com a mesma temática é a dissertação de mestrado, defendida na
Fundação Getúlio Vargas, “Texto e contexto das leis orgânicas dos ensinos industrial, comercial
e agrícola: 1942-1946”, escrita por Solange Carneiro Molinaro Ferreira (1980), que caracteriza
e delineia o conteúdo expresso no texto das Leis Orgânicas dos Ensinos Industrial, Comercial
e Agrícola, respectivamente, Decreto-lei nº 4.073 de 30 de janeiro de 1942, Decreto-lei nº 6.141
de 28 de dezembro de 1943 e Decreto-lei nº 9.613 de 20 de agosto de 1946, e a sua vinculação
com o contexto político-socioeconômico-administrativo-educacional. Ferreira trata com afinco
das três leis orgânicas, demonstrando os distanciamentos e as permanências, comparando-as e
tecendo uma reflexão formativa que leva a conhecer um pouco mais da proximidade dos atos
legais e das realidades por eles impostas, ou que as determinam.
Sobre a Escola de Comércio de Juiz de Fora – pioneira nesse ramo de ensino, em Minas
Gerais, temos a tese de doutorado de Dalva Carolina de Menezes Yazbeck, da Universidade
Federal de Juiz de Fora – UFJF, sob o título “Do ensino superior confessional ao laico: as
origens da Universidade de Juiz de Fora, 1997”. A tese trata do desenvolvimento econômico de
Juiz de Fora e da Educação Superior, partindo da estrutura confessional ao laico. Nesse viés, é
importante destacar que sobre essa mesma escola, no percurso da pesquisa, adquiriu-se o livro
de Wilson Silva Bastos, intitulado: “Subsídios para a História e a Historiografia da Academia
de Comércio de Juiz de Fora”, que retrata a Constituição da Sociedade Anônima Academia de
Comércio e inauguração da escola em 24/06/1894 e também os ideais de Francisco Baptista de
Oliveira, o idealizador da escola e grande entusiasta do Ensino Comercial.
Essa Sociedade pode ser considerada a primeira a investir na formação escolarizada dos
trabalhadores do comércio em Minas Gerais. O trabalho de Yasbeck (1997) é distante da
pesquisa, mas, de certa forma, comunga com a ideia de surgimento dos cursos de comércio para
posterior vinculação com cursos superiores, demonstrando o distanciamento dos cursos de
profissionalização para o comércio da realidade de formação apenas para o trabalho.
Para além disso, é interessante apontar que a cidade de Juiz de Fora justificou-se no
desenvolvimento econômico para iniciar o ensino de comércio com a constituição da sociedade
anônima e da própria dinâmica de idealização da escola. No decorrer da pesquisa foi possível
18

perceber que Juiz de Fora tinha alguma ligação com a cidade de Curvelo, a criação da instituição
pode ter inspiração daquela instituição de Juiz de Fora.
Destaca-se também o trabalho de dissertação de Renata Cristiane Romanini de Oliveira,
que está intitulada de “Rádio e Educação Profissional à distância: a experiência da universidade
do ar (1947 – 1961)”, do CEFET-MG, orientação do Prof. Dr. José Geraldo Pedrosa. Ela trata
da experiência de educação à distância para os comerciários do estado de São Paulo, por meio
de seu único curso, denominado Curso Comercial Radiofônico, que é também estudada pelo
seu viés de Educação à Distância, sendo uma das pioneiras nesse aspecto no país.
A dissertação traz à tona uma estrutura educacional bem próxima ao ineditismo, e é rica
em criatividade e praticidade. O trabalho é uma “abordagem situada na interseção da história
do rádio, da educação à distância e da educação profissional” (ROMANINI, 2013, p. 202),
aproximando-se do referencial teórico-metodológico da História das Instituições Educativas.
Além de descrever os aspectos da experiência de escolarização radiofônica, a autora afirmou
que há uma “simbiose entre escola e rádio”, no contexto de uma sociedade em processo de
industrialização, urbanização e massificação, com expansão do comércio e consequente
demanda pela (re)formação profissional de comerciários.
Outro trabalho de mestrado que pode ser destacado é o estudo intitulado: “A fundação
Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP) e o ensino comercial em São Paulo (1902-
1931)”, de Maurício Fonseca Polato, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC-SP. Esse estudo apresenta como objetivo, em um primeiro momento, descrever
as transformações urbanas que ocorreram na capital paulista que justificaram a criação da escola
em 1902. Posteriormente, buscou-se analisar o envolvimento das pessoas na fundação, sua rede
de relacionamentos e expectativas que tinham em relação ao ensino comercial, relacionando os
discursos desse novo grupo social com a história da escola até o advento do Decreto nº 20.158,
de 30 de junho de 1931 – norma federal que prescreveu a organização do ensino comercial e
regulamentou a profissão de contador no país.
Portanto, é importante estudar essa instituição privada no período em que praticamente
é ausente a regulamentação estatal. Por fim, demonstrou como ocorreu o desenvolvimento do
ensino comercial na cidade de São Paulo, evidenciando a FECAP como modelo. O que
entendiam como curso comercial e quais foram os cursos oferecidos no decorrer dos seus
primeiros 29 anos de existência. A pesquisa baseou-se na documentação administrativa da
FECAP, artigos e anúncios publicados em jornais e revistas especializadas da época, na
legislação federal, livros comemorativos da instituição e bibliografia acerca da história do
ensino contábil no Brasil.
19

Outro estudo paulista sobre o tema é a tese de doutorado de Fernando Antônio Peres,
defendida na Faculdade de Educação, da Universidade de São Paulo (USP), em 2010, com o
título “Revisitando a trajetória de João Penteado: O discreto transgressor de limites. São Paulo,
1890-1940”, que retrata a trajetória de João de Camargo Penteado (1877-1965). Penteado,
nascido em Jau (SP), ficou conhecido na historiografia como o diretor da Escola Moderna nº 1,
iniciativa educacional escolar dos anarquistas e seus aliados em São Paulo. Ele criou a escola
de comércio no bairro paulistano do Belenzinho, a Academia de Comércio “Saldanha
Marinho”. Neste estudo, o autor desvela outras faces desta figura da história da educação,
utilizando-se dos conceitos de sociedade de ideias e de ambiência, a partir de fontes primárias
inéditas, como os escritos de João Penteado, documentos institucionais das escolas que ele criou
e dirigiu e jornais.
Há, por fim, uma pesquisa que foi desenvolvida no sul do país, especificamente na
Pontifícia Universidade Católica/RS, por Eduardo Cristiano Hass da Silva, que dissertou sobre
“A gênese de um espaço profissional: a Escola Técnica de Comércio do Colégio Farroupilha
de Porto Alegre/RS (1950-1983)”. O seu objetivo foi investigar o processo de formação dos
técnicos contabilistas do Rio Grande do Sul, a partir do estudo da Escola Técnica de Comércio
(ETC) do Colégio Farroupilha de Porto Alegre/RS (1950-1983). Atentando-se especificamente
para a biografia coletiva dos professores que formaram as primeiras turmas de técnicos em
contabilidade da escola, bem como para os laços sociais e as carreiras destes docentes.
Dentro do cenário de formação para o Comércio, tendo por objeto a história das
instituições escolares, o estudo delineado por POLLATO (2008) é o que mais se aproxima do
Lyceu Mineiro, tanto do ponto de vista do ensino para o comércio quanto daquele que
compreende o período de instalação da instituição até as demandas impostas pela legislação
que organizou o Ensino Comercial no país. Entretanto, na periodicidade, há um distanciamento,
já que o estudo compreende apenas o período de 1902 a 1931 e, portanto, tem alvo final no
Decreto 20.158/1931, Decreto de Francisco Campos que trouxe a organização da profissão de
contador e organizou o ensino Comercial.
Outrossim, o estudo de Ferreira (1980) que trata das Leis Orgânicas do Ensino
Industrial, Comercial e Agrícola, a evolução do ensino comercial até a promulgação da Lei
Orgânica do Ensino Comercial pode ser dividida em duas fases características. A primeira fase
se inicia com a chegada do Príncipe Regente D. João ao Brasil e se prolonga até a promulgação
do primeiro texto legal de âmbito nacional sobre o ensino comercial – Decreto Legislativo de
1905. Essa fase dura aproximadamente um século podendo ser chamada de "fase embrionária".
20

A segunda fase tem início como Decreto Legislativo de 1905 e se estende até a
promulgação da Lei Orgânica do Ensino Comercial. A fase se subdivide em três momentos –
1905, 1926 e 1931, que correspondem à promulgação de atos legislativos diferentes que são
resultados da crescente conscientização, por parte do Governo Federal, da necessidade de
crescimento do ensino comercial na conjuntura do país. Essa fase pode ser rotulada de "fase de
oficialização".
Nesse cenário, o descortinamento histórico do Ensino Comercial e das escolas que se
ocuparam em formar profissionais do comércio encontra-se a ser produzido dentro do âmbito
da História da Educação Profissional, já que a maioria das pesquisas encontradas foi sobre o
campo de ensino na área contábil ou econômica. As dissertações e teses acima delineadas são
aquelas que mais se aproximaram da constituição do campo de pesquisa da História das
Instituições Educacionais. Especificamente, sobre as instituições que educam para as atividades
do comércio, constatou-se que ainda muito precisa ser feito. Por isso, o investimento desta
pesquisa, presente nesta dissertação.
Esta dissertação está organizada em três capítulos, que se propõem a conhecer um
pouco da dinâmica de estudo da instituição que educa para o comércio. São eles:
Capítulo I – “Abordagem teórico-metodológica – história da educação e a renovação
epistemológica” que, percorrendo os caminhos da pesquisa, trata da estruturação do estudo
dentro do Campo da História da Educação, História da Educação Profissional e da História das
Instituições Escolares no contexto da Escola de Annales, para trazer à tona a questão dos
documentos e da rotina escolar, suas falas ou seus silêncios. Explicita a referência teórico-
metodológica utilizada, a partir de Justino Pereira de Magalhães e de Décio Gatti.
Capítulo II – “A institucionalização da escola por meio da materialidade e dos sujeitos”
apresenta a organização e institucionalização da escola com a enumeração das fontes em tabelas
e dados que constroem e alimentam a cultura da instituição escolar, demandando conexões e
descontinuidades, com o objetivo de compreender as razões e motivos que levaram à sua
criação, a constituição da unicidade escolar na cidade e identificar as expectativas e resultados
obtidos, a partir dos sujeitos envolvidos no processo de criação e consolidação do ato de educar
e educar-se que permeia a relação pedagógica e formativa, perpassando pela organização
didática, administrativa e social da rotina escola.
Capítulo III - Da vinculação entre materialidade e a representação, tem-se a apropriação
(identidade institucional). Tomando o sentido dado por Magalhães à apropriação como as
particularidades das práticas e do que foi apropriado a partir do ato educativo transforma-se em
cultura da escola e não mais se prende ao ambiente escolar, mas soma as práticas já consolidadas
21

e promove autonomia nos sujeitos e espaços por onde exercem sua práxis diante do trabalho,
convivência social, ações concretas na família e no processo formativo e social de reconstrução
diante das necessidades, objetivos e conveniências.
Portanto, como visto é preciso desvelar a formação dos profissionais que compõem a
estrutura urbana e se ocuparam de negócios, lojas, vendas e mercados, inclusive para a venda
da produção agrícola, manufaturas, maquinários e meios para a subsistência dos moradores que
ocuparam as cidades, a presente dissertação vem de encontro aos estudos das instituições
escolares e dentre elas as instituições que formaram para o comércio. Então, no próximo
capítulo trataremos da abordagem teórica metodológica de renovação dos estudos em História
da Educação, do histórico e desenvolvimento da Educação Profissional no Brasil e do ensino
de comércio e finaliza-se com a conceituação das instituições escolares a partir do pensamento
do pesquisador Justino Pereira de Magalhães.
22

CAPÍTULO I – ABORDAGEM TEÓRICO-METODOLÓGICA –


HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO E A RENOVAÇÃO EPISTEMOLÓGICA

Investigar o histórico a partir de uma pergunta que o tempo presente


faz a ele indica que a história é uma construção e não um dado do
passado (VERSIEUX, 2014).

Em uma primeira análise, vale destacar que essa dissertação procura produzir uma
história dentro do campo da História da Educação, particularmente da História da Educação
Profissional. Para isso, são mobilizados referenciais que vão ao encontro da história das
instituições escolares no contexto da Escola de Annales5, e utilizando-se como referencial o
pesquisador Justino Pereira de Magalhães6. Busca-se o relacionamento entre o aspecto material
e humano e as diversas representações e papéis desempenhados pelos sujeitos, tendo em vista
o aspecto social e cultural de uma instituição educativa.
Este trabalho pretende desvelar o envolvimento e preocupação com os processos de
criação e desenvolvimento da instituição escolar, destacando-se as permanências e mudanças
ocorridas ao longo de seu ciclo de vida, verificando sua integração na sociedade em que atuou
o processo formativo a partir das fontes arquivistas e da imprensa local. Nesse sentido, é
importante ressaltar, ainda, a redefinição do conceito de documentos, entendidos aqui como
fontes da análise historiográfica.
Dessa forma, ao se deslocar o olhar da superfície dos acontecimentos em busca da
realidade, a trajetória de líderes e instituições será deixada de lado, para se debruçar sobre as
relações sociais dos diversos sujeitos que compõem o espaço da construção social. Assim, as
práticas cotidianas devem ser compreendidas “não somente nos seus aspectos marcados pela
estrutura social que uniformiza, padroniza, mas também, e, sobretudo, nos aspectos
relacionados às ações dos atores que produzem lance a lance, com conflito, mas também com
criatividade esse lugar particular” (GONÇALVES, 2004, p. 152).

5
A “escola dos Annales”, segundo Justino Magalhães, é uma lenta construção científica e social, uma
historicização total, que se desenvolveu conferindo coerência a abordagens complexas e multifacetadas: visando
ao contraponto e à superação do positivismo e da segmentação teórico-metodológica, desenvolvendo metodologias
articuladas e integrativas; justapondo uma síntese analítico-estrutural à síntese integrativa e valorativa que marca
a historiografia anglo-saxônica. (JUSTINO, 2004)
6
Historiador da Educação e Professor Catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Os seus
interesses atuais de investigação são nas áreas de História da Educação, Cultura Escrita e Educação, História do
Livro e da Leitura em Portugal (particularmente o livro escolar) e Metodologias de Investigação em Educação. E
coordena o projeto "Atlas-Reportório dos Municípios na Educação e na Cultura em Portugal (1820-1986)".
23

1.1 História da Educação Profissional e História das Instituições Educacionais :


Interfaces

A sociedade contemporânea vive um grande dilema relacionado à perda do referencial


histórico, como consequência disso, a história tende a cair no esquecimento. E na tentativa de
buscar soluções para esse dilema, nos últimos anos, a temática história da educação ganhou
ênfase na academia brasileira, principalmente a partir da criação de grupos de pesquisa, eventos
e periódicos científicos dedicados, especificamente, à temática (FARIA FILHO, 2001; FARIA
FILHO, 2002; GATTI JÚNIOR, 2004). Nessa perspectiva, para melhor compreensão do objeto
desta pesquisa, faz-se necessário discorrer sobre a História da Educação Profissional que
também se dedica aos estudos das instituições escolares.
De acordo com Manfredi (2002, p.66), a história da educação profissional é remota há
tempos em que o homem primitivo que aqui vivia tinha sua educação baseada nos costumes e
nos hábitos, e essas práticas de aprendizagem efetivavam-se mediante à “observação e
participação direta nas atividades de caça, pesca, de coleta, de plantio e de colheita, de
construção e de confecção de objetos”.
Para essa autora, a educação profissional no Brasil já percorreu um longo caminho,
permeado por atrasos e conquistas, discriminação e aceitação. Esse caminho principia no Brasil
Colônia, tempos em que do ciclo do ouro e a Casas de Fundição e de Moeda fizeram emergir a
necessidade de um ensino mais especializado, voltado a filhos de homens brancos. A
aprendizagem na Casa da Moeda era diferente daquela do engenho, principalmente pelo fato de
que “estabelecia-se uma banca examinadora que deveria avaliar as habilidades dos aprendizes
adquiridas em um período de cinco a seis anos” (MEC, 2009, p. 1).
Diante dos apontamentos de Manfredi (2002) que revelam a vasta historiografia acerca da
história da Educação Profissional no Brasil, será feito um recorte histórico, além de discorrer
sobre a educação profissional a partir da instituição da República no Brasil.
No início do século XX, por consequência do novo regime Federativo da República,
alguns estados brasileiros iniciaram ações voltadas para o fortalecimento do ensino profissional.
De acordo com Manfredi (2002, p.85), “alguns governos estaduais redesenharam o
funcionamento dos antigos liceus ou criaram suas próprias redes de ensino profissional”.
Nilo Peçanha, frente ao governo do Rio de Janeiro, por meio do Decreto n. 787 de 11
de setembro de 1906, criou três escolas de ofício nas cidades de Petrópolis, Niterói e Paraíba
do Sul. Para alguns estudiosos, a instituição dessas escolas foi um marco histórico no processo
de instituição do ensino técnico-industrial no Brasil:
24

[...] realização do “Congresso de Instrução” que apresentou ao Congresso Nacional


um projeto de promoção do ensino prático industrial, agrícola e comercial, a ser
mantido com o apoio conjunto do Governo da União e dos Estados. O projeto previa
a criação de campos e oficinas escolares onde os alunos dos ginásios seriam
habilitados, como aprendizes, no manuseio de instrumentos de trabalho. A Comissão
de Finanças do Senado aumentou a dotação orçamentária para os Estados instituírem
escolas técnicas e profissionais elementares sendo criada, na Estrada de Ferro Central
do Brasil, a Escola Prática de Aprendizes das Oficinas do Engenho de Dentro, no Rio
de Janeiro. Declaração do Presidente da República, Afonso Pena, em seu discurso de
posse, no dia 15 de novembro de 1906: A criação e multiplicação de institutos de
ensino técnico e profissional muito podem contribuir também para o progresso das
indústrias, proporcionando lhes mestres e operários instruídos e hábeis
(BRASIL/MEC/SETEC, 2017).

No ano de 1909, já presidente da República, Nilo Peçanha assinou o Decreto nº 7.566,


criando as Escolas de Aprendizes e Artífices. Passados alguns anos, o Presidente Getúlio
Vargas promulgou a Constituição Federal de 1937. Essa constituição tratou da educação
profissional e industrial ao passo que ressaltou o dever de Estado na oferta dessa educação. O
art. 29 dessa Constituição definiu que as indústrias e os sindicatos econômicos deveriam
patrocinar a criação de escolas de aprendizes na esfera da sua especialidade. Esse artigo
constitucional foi regulamentado pela Lei Federal nº 378, de 13 de janeiro de 1937. A partir
dessa lei, as escolas de aprendizes e artífices que eram financiadas pela União seriam
transformadas em liceus industriais. Essa lei também legislou sobre a criação de novos liceus e
a expansão do ensino profissional no território brasileiro.

As escolas pré-vocacionais e profissionais, destinadas às classes menos favorecidas,


constituíam dever do Estado, a quem competia, com a colaboração das indústrias e
dos sindicatos econômicos, criar, na esfera de sua especialidade, escolas de
aprendizes, destinadas aos filhos de seus operários e associados (Brasil, 1937, s.p.).

É importante destacar que a Constituição de 1937 foi a primeira, de todas as


constituições brasileiras, que abordou e legislou sobre o ensino profissional, técnico e industrial.
Contudo, houve uma grande crítica sobre os preceitos estabelecidos na constituição de 1937
para o ensino profissional, técnico e industrial. Para alguns críticos e pesquisadores
educacionais, as normativas constitucionais para o ensino profissional, regulamentadas por
meio da Lei Federal nº 378, apresentaram uma séria limitação ao ensino profissional, pois o
estudante formado no curso técnico era proibido de ingressar no ensino superior.
Esse impeditivo solidificava a dualidade existente na educação brasileira que, por sua
vez, alicerçada nos princípios da desigualdade social, assegurava a formação profissional aos
estudantes provenientes das classes menos favorecidas financeiramente. Por outro lado, o
ensino secundário, com objetivo de preparar o estudante para ingresso no ensino superior, era
25

ofertado para os estudantes oriundos das classes mais abastadas. Manfredi (2002) corrobora
com essa informativa:

A política educacional do Estado Novo legitimou a separação entre o trabalho manual


e o intelectual, erigindo uma arquitetura educacional que ressaltava a sintonia entre a
divisão social do trabalho e a estrutura escolar, isto é, um ensino secundário destinado
às elites condutoras e os ramos profissionais do ensino médio destinados às classes
menos favorecidas. Outra característica desse período é o papel central do Estado
como agente de desenvolvimento econômico (MANFREDI, 2002, p. 95).

No ano de 1942 foi editado o Decreto-Lei nº 4.073, de 30 de janeiro de 1942, titulado


como a Lei Orgânica do Ensino Industrial. Essa norma estabeleceu que o ensino industrial fosse
ministrado em dois ciclos: o primeiro seria o ensino industrial básico, voltado para o ensino de
mestria, o ensino artesanal e a aprendizagem. O segundo ciclo compreendia o ensino técnico e
também o ensino pedagógico.
Ainda no ano de 1942, por meio do Decreto-lei n.º 4.422, foi instituída a Reforma
Capanema que propôs uma remodelação no ensino do país. De acordo Escott & Moraes (2012),
essa remodelação no ensino brasileiro assegurou a criação dos cursos médios de 2.º ciclo,
científico e clássico, com duração de três anos, com o objetivo de preparar os estudantes para o
ingresso no ensino superior. A partir disso, a educação profissionalizante, última etapa do
ensino secundário, passou a ser constituída pelos cursos normal, industrial técnico, comercial
técnico e agrotécnico, com o mesmo nível e duração do colegial e que, no entanto, não
habilitavam para o ingresso no ensino superior.
Ainda no ano de 1942, foram estabelecidas as bases de organização da rede federal de
estabelecimentos de ensino industrial. Essa rede era composta por escolas técnicas, industriais,
artesanais e de aprendizagem. Essa norma extinguiu os liceus industriais e os transformou em
escolas industriais e técnicas para ofertar formação profissional nos dois ciclos do ensino
industrial.
Ressalta-se que no ano de 1942 foi instituído o Sistema S4, que possibilitou a criação
do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI). De acordo com Souza (2011), o
SENAI foi criado com o objetivo de apoiar a indústria na formação de recursos humanos, por
meio da Educação Profissional e da prestação de serviços destinada ao trabalhador da indústria,
sendo este o objetivo até nos dias de hoje.
Um ano depois, foi aprovada a Lei Orgânica da Educação Nacional do Ensino
Comercial. Em 1946, foram criados o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC),
o Serviço Social do Comércio (SESC) e o Serviço Social da Indústria (SESI). Todos esses
serviços tinham por objetivo fortalecer o sistema de atendimento em educação profissional.
26

Ainda no ano de 1946 foi promulgada a nova Constituição Federal que definiu que as
empresas industriais e comerciais deveriam ministrar, em cooperação, aprendizagem aos seus
trabalhadores menores, respeitados os direitos dos professores.
No ano de 1959, foram criadas, a partir das escolas industriais e técnicas mantidas pelo Governo
Federal, as escolas técnicas federais. Após dois anos, foi aprovada a Lei nº 4.024/61, a primeira
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). A partir dos efeitos dessa lei, foi
permitido aos concluintes de cursos de educação profissional acesso ao ensino superior.
No final da década de 1960, as fazendas-modelo voltadas para a formação profissional,
que eram de responsabilidade do Ministério da Agricultura, foram incorporadas no
organograma do MEC. Com essa transferência, essas fazendas-modelos passaram a ser
denominadas escolas agrícolas. Também no findar da década de 1960, foi sancionada a Lei
Federal nº 5.540, de 28 de novembro de 1968. Essa lei permitiu a oferta de cursos superiores
destinados à formação de tecnólogos.
No início da década de 1970, foi instituída a Lei nº 5.692/71 que impeliu que o ensino
de segundo grau, hoje denominado ensino médio, deveria assegurar ao estudante, uma
habilitação profissional técnica, mesmo que fosse uma habilitação profissional básica, por meio
da conclusão do curso de auxiliar técnico. Ainda na década de 1970, foi aprovada a Lei Federal
nº 6.297, de 11 de dezembro de 1975, com propósito de assegurar formação profissional aos
trabalhadores. Essa lei definiu incentivos fiscais no imposto de renda de pessoas jurídicas
(IRPJ) para as empresas que mediassem treinamentos profissionais para os seus empregados.
No ano de 1978, foram criadas as primeiras Escolas Técnicas Federais do Brasil: Escola
Técnica Federal do Paraná, do Rio de Janeiro e de Minas Gerais. Neste mesmo ano, essas
escolas foram transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFETs), pela
Lei nº 6.545, de 30 de junho.
No segundo ano da década de 1980, foi sancionada a Lei Federal nº 7.044/82 que deu
nova redação à Lei Federal nº 5.692/71. Uma das implicações da Lei nº 7.044/82 foi a retirada
da obrigatoriedade da habilitação profissional no ensino de segundo grau. Na última década do
século XX, foi instituído o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), por meio da Lei
nº 8.315, de 23 de dezembro de 1991. Esse serviço foi criado em formato institucional
semelhante ao do SENAI e do SENAC.
No ano de 1994, foi instituído o Sistema Nacional de Educação Tecnológica, formado
pela Rede Federal e também pelas escolas de ensino técnico, geridos por estados e municípios.
A partir da criação dessa Rede Federal, as escolas técnicas federais e as escolas agrícolas foram
transformadas em Centros Federais de Educação Tecnológica.
27

Doravante ao advento da aprovação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação


Nacional (LDB), sancionada em 20 de dezembro de 1996, a formação profissional perdeu o
caráter assistencialista, de favorecimento e inclusão. Essa nova lei orgânica da educação
dedicou o Capítulo III do seu Título VI para legislar sobre a educação profissional no Brasil.
Com os efeitos dos dispositivos elencados pela nova LDB, entre os anos de 1998-2002,
foram estabelecidas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional de Nível
Técnico. Essa modalidade de ensino foi regulamentada por meio da Resolução CNE/CEB nº
04/99 e também do Parecer CNE/CEB nº 16/99.
A partir do ano de 2005, no governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o
Brasil avançou nas políticas de garantia de acesso à educação profissional. Esse avanço foi
consolidado com a sanção da Lei Federal n.º 11.195 que normatizou o Plano de Expansão da
Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica. Esse plano permitiu que os diversos
territórios brasileiros, marcados pelas diversidades sociais, culturais e econômicas, tivessem
uma escola federal de educação profissional e tecnológica.
De acordo com Silva (2011), nesse momento histórico, a concepção de educação
profissional perpassa a formação para o trabalhado, sendo concebida como mola propulsora nas
políticas públicas de redução das desigualdades sociais e regionais.

[...] assim a Educação Profissional e Tecnológica é levada ao estatuto de Políticas


Públicas, e, como tal, é considerado direito e bem público, condição de
desenvolvimento humano, econômico e social, comprometida com a redução das
desigualdades sociais e regionais (SOUZA, 2011, p. 43).

A partir desse recorte histórico, buscou-se compreender como se deu o processo de


construção das políticas de formação profissional no território brasileiro. E ainda ressalta-se a
importância dessa cronologia histórica para melhor compreensão do objeto de estudo dessa
pesquisa, o Lyceu de Curvelo, uma instituição de formação profissional criada no século XX.
Assim, de forma a auxiliar nas discussões propostas nos objetivos dessa investigação, o texto
seguinte discorre sobre as escolas de comércio e seu funcionamento dentro da história e, por
conseguinte, como se deu a criação de instituições escolares para essa modalidade de ensino.
28

1.2 Educação para o Comércio: evolução histórica

Dentro da perspectiva educacional, na Capital do Império - Rio de Janeiro, foi criada,


em 1808, a cadeira e a Aula Pública de Ciências Econômicas a cargo do Visconde de Cairu 7 e,
no ano seguinte, as aulas de Comércio, tornando a capital do Império a primeira a receber aulas
de comércio (CARVALHO, 1965; RODRIGUES, 1984; SAES, 2001). No entanto, as aulas de
Comércio não chegaram a ser verificadas na prática. Somente a partir de 1830 é que o Governo
Imperial passa a identificar de modo mais claro o que seriam as Aulas de Comércio na capital,
pela edição de diversos atos normativos, especificamente entre 1835 e 1880, para regulamentar
as aulas de comércio da corte que, posteriormente, se transformou no Instituto Comercial do
Rio de Janeiro (PELEIAS, 2007, p. 32 e RODRIGUES, 1986, p. 27).
No instituto Comercial do Rio de Janeiro, o curso era diurno e pago, então o
funcionamento se deu com número reduzido de alunos, até sua extinção em razão da fundação
do Curso Comercial do Imperial Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro, em 26 de junho de
1882, que oferecia o curso gratuito e em período noturno (no primeiro ano de funcionamento,
recebeu 478 candidatos à matrícula) (BIELLINSKI, 2000, p. 05-06). A mesma autora
transcreve o Relatório do Ministro de Estado que confirma a causa da extinção do Instituto em
1882: “O Instituto Comercial há muito não funciona por falta de alunos. Tendo o Liceu de Artes
e Ofícios aberto as aulas para o curso Comercial, o governo resolveu extinguir o Instituto”.
Quase todo o investimento inicial se verifica na capital. Fora dela, destaque para as aulas
de comércio no Maranhão (1831), Bahia (1846), Juiz de Fora (1891) e Pará (1899). A aula de
Comércio no Maranhão, após tentativa fracassada, em 1811, foi restabelecida por Decreto de
02 de agosto de 1831, publicado em 04 de janeiro de 1832. O novo “lente”8, Estevão Raphael
de Carvalho, lançou uns dos primeiros livros sobre contabilidade de que se tem notícia, escrito
e editado no Brasil (ACM-MA, 2007 e Ricardino, 2008); na Bahia, foi criado em 1846 um
“Curso de contabilidade por partidas dobradas9 e geografia”, dirigido especificamente aos
comerciantes, seus filhos e empregados, suprindo uma falta aguda de guarda-livros e elementos
treinados em administração comercial (ACB, 2007).

7
José Antônio Lisboa foi quem recebeu a atribuição da cadeira de Aula Pública de Ciências Econômicas no Rio
de Janeiro. Em sua obra, publicada em 1804, intitulada Princípios da Economia Política, iniciou os estudos do
comércio e em 1809 tornou-se o primeiro a apresentar um sistema de direito comercial e a realizar os primeiros
estudos de economia política no Brasil.
8
Como eram chamados, à época, os docentes da Aula de Comércio.
9
O marco da contabilidade ocorreu quando o frade franciscano e famoso matemático Luca Paccioli escreveu o
livro intitulado “Summa de Arithmética, Geometrica, Proportioniet Proportionalita”, que foi publicado em 1494,
na Itália. “Para cada crédito corresponde um débito de igual valor.”
29

Em função das irregularidades na nomeação e escolha dos “lentes”, foi elaborado um


Decreto de nº 121 de 31/01/1842, para dirimir a preocupação que ocupou o monarca quanto à
lisura do processo. No decreto eram indicados os critérios para seleção dos docentes e
determinava que os mesmos fossem avaliados pelo Governo Imperial.
Outro Decreto nº 456 de 06/07/1846 foi criado para regulamentar as aulas de Comércio
no Rio de Janeiro. Ele previa a duração de 02 anos para os cursos, e com exames finais
abordando disciplinas como direito comercial, prática das principais operações e atos
comerciais, e a arte de arrumação de livros. O regulamento definiu para o segundo ano, a oferta
de disciplinas: história geral do comércio e arrumação e prática de livros. Para cursar as aulas
de comércio, os alunos teriam que apresentar mais de quatorze anos, obter aprovação no exame
da gramática de língua nacional, aritmética e língua inglesa ou francesa. Nesta legislação o
diploma legal a denominação foi alterada de “aulas práticas” para “aulas de comércio”
(PELEIAS E BACCI, 2004). Os bacharéis de letras do Colégio Pedro II estavam dispensados
do exame admissional.
Na década de 50, do século XIX, ocorreram eventos importantes para o Ensino
Comercial e contábil brasileiro. Outra reforma da Aula de Comércio da capital imperial com o
Decreto nº 769 de 09/08/1854, materializado pelo Decreto 1763 de 14/05/1856 deu origem ao
Instituto Comercial do Rio de Janeiro. Houve mudanças na grade curricular, mantendo a
duração do curso de 02 anos e o conteúdo foi distribuído em 04 cadeiras, sendo a primeira de
Contabilidade e Escrituração Mercantil. Bielinski (2000), Saes e Cytrynowics (2001, p. 40) e
Leite (2005) concordam que apesar da existência há cerca de meio século, as aulas de comércio
não atraiam grande número de alunos. Outros cursos como Direito, Medicina e Engenharia
atraiam número maior de interessados.
Neste período também, com a progressiva substituição do trabalho escravo, o centro
econômico do país começou a migrar para a região sudeste. A produção de café expandiu-se
decisivamente, tornando-o o principal produto da pauta de exportações em torno da década de
40 do século XIX. Furtado (1995) observa que a gestação da economia cafeeira deu origem a
uma nova classe empresária que desempenhou papel fundamental no desenvolvimento
subsequente do país. Atrelado à cultura cafeeira, o surgimento do Código Comercial, em 1850,
a expansão das estradas de ferro, das empresas de serviços urbanos e dos investimentos
estrangeiros foram indicadores de crescimento da economia. Outro evento importante foi a
promulgação da Lei nº 1083 de 22/08/1860- Lei das Sociedades Anônimas do Brasil.
O Decreto 2741, de 09/02/1861 definiu que o Instituto Comercial do Rio de Janeiro teria
a formação dividida em um curso preparatório e outro profissional. No Artigo 1º, salienta que
30

o curso profissional possuía 04 cadeiras, sendo a segunda de Escrita Mercantil e Legislação da


Fazenda. No artigo 10º consta que para todas as aulas oferecidas no curso profissional não seria
exigida habilitação anterior, exceto escrituração mercantil, cuja matrícula dependia de
aprovação na cadeira de Aritmética Completa. SAES e CYTRYNOWICZ (2001, p. 41)
mencionam que o governo imperial intensificou a necessidade de maior atenção à gestão dos
negócios. Isso se traduziu na promulgação de outro Decreto nº 3058, de 11/03/1863, que
reorganizou mais uma vez o ensino comercial e definiu novos Estatutos para o Instituto
Comercial do Rio de Janeiro.
Dentre as mudanças estavam: a duração do curso passou de dois para quatro anos; a
idade admissão passa a ser a partir de 13 anos, desde que tivessem aprovação em exames de
Gramática Nacional e Caligrafia. As disciplinas do Curso foram distribuídas nos quatro anos e
a Escrituração mercantil passou a ser oferecida no 3º e 4º anos. Na grade curricular constavam
03 disciplinas de línguas estrangeiras – inglês, francês e alemão e quatro disciplinas da área de
exatas – aritmética, álgebra, geometria e estatística comercial. Posteriormente, ainda ocorrem
dois novos decretos em 1870 e no início de 1880 do século XIX, extinguindo as cadeiras de
Francês, Inglês, Alemão, Caligrafia e Matemática e os cargos de Diretor e Porteiro, no Decreto
7538 de 15/11/1879 e no Decreto 7679 de 28/02/1880, a duração do Curso volta a ser de dois
anos, e as disciplinas extintas no decreto anterior entrariam como pré-requisitos para ingresso.
A extinção do Instituto Comercial do Rio de Janeiro em 1882 ampara-se na pouca
atratividade do curso em relação ao outros, além do alto nível de exigência aos alunos para o
ingresso e a dificuldade do curso em atender as necessidades que o comércio da então Capital
Federal exigia (BIELINSKI, 2000). Destarte, já se registrava o surgimento dos primeiros
profissionais e em 1870, o Decreto Imperial nº 4475 reconheceu oficialmente a Associação dos
Guarda-Livros da Corte, tornando o guarda-livros umas das primeiras profissões liberais
regulamentares no Brasil, talvez até como incentivo ao desenvolvimento da profissão.
Em Minas Gerais a Escola de Comércio Juiz de Fora foi pioneira no ensino comercial
com a sociedade Anônima Academia de Comércio, fundada no dia 30 de março de 1891, e
com funcionamento demarcado em dia 26 de junho de 1894. Wilson de Lima Bastos (1982),
em seu livro intitulado Academia de Comércio de Juiz de Fora – O primeiro instituto superior
de Comércio no Brasil, retrata a saga da Academia de Comércio de Juiz de Fora, idealizada por
Francisco Baptista de Oliveira10 (BASTOS, 1982, p. 20-29.).

10
Francisco Baptista de Oliveira nasceu em Entre Rios, Minas Gerais, e era um homem de grande visão, rara
capacidade de trabalho e dotado de caráter puríssimo. Foi um dos maiores benfeitores de Juiz de Fora, sendo um
dos criadores dos dois estabelecimentos de crédito da cidade e também membro da Companhia Mineira de
Eletricidade. Além disso, sua casa de comércio – “A Barateza” era a principal da cidade. Investia na indústria
31

De acordo com o relato de Bastos (1982) Francisco Baptista fez visitas à Europa e
entusiasmou-se pelo ensino comercial. Com o intuito de organizar um Curso comercial entrou
em contato com diversos estabelecimentos entre os quais a “Escola dos Altos Estudos
Comerciais de Paris” e passou a “desejar ardentemente fundar um estabelecimento do gênero
em Juiz de Fora” (BASTOS, 1982, p. 21). Fez tentativas junto ao governo do Estado de Minas
Gerais – Presidente Cesário Alvim, de quem não obteve apoio e, logo depois, com Affonso
Pena11 que, em carta na Revista Industrial de Minas Gerais (1894), assim escreveu:

O iniciador da ideia e que por ela tem-se dedicado, sem medir sacrifícios, é o Sr.
Francisco Baptista de Oliveira. Se não fora a sua tenacidade e inquebrantável energia
não desanimando perante dificuldades, que pareciam invencíveis, não teríamos a
fortuna de possuir brevemente um estabelecimento de ensino comercial, moldado pelo
que há de melhor no assunto (Revista Industrial de MG, Volume I , nº 7).

Francisco Baptista já havia percebido o pioneirismo europeu em matéria do Ensino


Comercial que, nos últimos trinta anos do século XIX, mostrava-se em evolução com a criação
e diversos estabelecimentos como “Instituto Público de Comércio de Leipzig”, na Alemanha,
“Escola Superior de Comércio de Veneza”, na Itália, “Instituto Superior de Comércio de
Anvers” e “Academia de Comércio de Praga”, na Áustria e Portugal, respectivamente
(BASTOS, 1982). Em uma de suas viagens, ele contratou um professor da “Escola de Altos
Estudos Comerciais de Paris”, o Dr. Georges Quesnel para alavancar seu sonho e pioneirismo
no Ensino comercial no Brasil, particularmente na cidade de Juiz de Fora, em Minas Geais.
Inicialmente, fundou a sociedade Anônima Academia de Comércio, no dia 30 de março
de 1891, com empenho na busca de sócios e, finalmente, em 1894, no dia 26 de junho, com a
presença do ilustre Dr. Affonso Augusto Moreira Pena, Presidente do Estado de Minas Gerais,
foi solenemente inaugurada a Academia de Comércio e iniciaram-se as aulas. Em 1912, foi
criado o primeiro Curso Comercial Superior no Brasil – Sociedade Anônima: Academia de
Comércio de Juiz de Fora. Percebe-se, assim, a semelhança da organização da Academia de
Comércio de Juiz de Fora com a Sociedade Lyceu Mineiro Ltda., que se organizou em Curvelo.

mineradora e obras assistenciais junto aos Vicentinos, com os quais fundou a Associação de Caridade “Pão de
Santo Antônio”. Na área de imprensa foi fundador/proprietário do jornal “Diário de Minas”, fundou o Jornal “O
Pobre”, que tinha cunho religioso e era correspondente telegráfico com o “Jornal do Comércio” do Rio de Janeiro.
Mascarenhas (1934)
11
Afonso Augusto Moreira Pena Júnior nasceu em Santa Bárbara (MG), no dia 25 de dezembro de 1879, filho de
Afonso Augusto Moreira Pena e de Maria Guilhermina de Oliveira Pena. Seu pai foi deputado geral por Minas
Gerais (1878-1884), ministro da Guerra (1882), da Agricultura (1883-1884) e do Interior (1885), novamente
deputado geral (1886-1889), presidente de Minas Gerais (1892-1894), vice-presidente (1902-1906) e presidente
da República (1906-1909). Tendo feito os estudos secundários no Colégio Caraça, em Minas, ingressou na
Faculdade de Direito de Belo Horizonte, pela qual se bacharelou em 1902. Deputado estadual em 1902, foi reeleito
para a legislatura 1907-1910, mas renunciou ao mandato antes do fim do período.
32

As cotas também foram oferecidas através de uma reunião a cidadãos bem distintos da
sociedade da época, com anúncio em jornal local e convites aos cidadãos que compunham as
lideranças locais. Prova disso, é que havia representantes de todas as esferas formativas, assim
como no Lyceu com alguns cotistas em comum, como era o caso dos irmãos Mascarenhas.
Todas as iniciativas nesse período ficaram a cargo de instituições particulares, que
ofereciam “aulas de comércio” para atender a essa demanda de profissionais, como as do
Colégio Atheneu Paulista, o Mackenzie College e a Escola Politécnica de São Paulo. O curso
Superior do Mackenzie foi criado em 1886, sucedendo a “classe do comércio” que existia desde
1880, por Horácio Lane e “visava preparar profissionais adestrados para altos cargos do
Comércio Cafeeiro de Santos e São Paulo, notadamente nas casas comissárias” (GARCEZ,
1970, p.138). Já a Escola Politécnica de São Paulo dava o título de contador pra os alunos que
concluíssem o curso geral de um ano. Entre 1894 e 1918 formaram-se 282 contadores
(MOTOYAMA, 2004, p. 62). Tratava-se de cursos, e não de uma escola regular dedicada ao
ensino comercial propriamente dita.
Desde 1897, Horácio Berlinck12, representando o comércio, e João Pedro da Veiga Filho,
então vereador municipal, tentavam sem êxito, a criação e manutenção por parte do governo
paulista de uma instituição de ensino de natureza comercial. Somente em 1902, por meio do
apoio da Sociedade Humanitária dos Empregados do Comércio de São Paulo foi criada a
“Escola Prática do Comércio de São Paulo – FECAP”, referência no ensino comercial paulista.
No início do século XX, porém, as ofertas existentes de classes comerciais pareciam
não atender a tal demanda e “crescia a agitação em torno da ideia de organizar as atividades
comerciais paulistas” (CARVALHO, 2005, p. 80), especificamente da necessidade da criação
de uma escola de comércio, como demonstra Veiga Filho, em seu artigo de 1901:

Por estarmos plenamente convencidos dos inestimáveis proveitos que, para o Estado
de S. Paulo, podem advir da fundação de uma Escola de Comércio, nesta capital, desde
1890, em que nos confiaram a redação do Diário do Comércio, até hoje, sempre temos
propugnado pela realização de tão momentoso empreendimento (Veiga Filho, 1907,
p. 26).

Depois de pouco mais de quatro meses, em 25 de abril de 1902, foram aprovados os


estatutos da primeira escola especializada no ensino comercial do Estado de São Paulo, em
reunião ocorrida na Sociedade Humanitária de Empregados do Comércio, em São Paulo.
Finalmente em 1º de junho de 1902 ocorreu a sessão solene de inauguração da “Escola Prática

12
Horácio Berlink, um dos fundadores da Escola Prática de Comércio de São Paulo, era de origem humilde, filho
de imigrantes que aprendera as noções de contabilidade ao trabalhar nos escritórios das indústrias de Álvares
Penteado.
33

de Comércio de São Paulo”, em um imóvel oferecido por Eduardo Prates, para ser a primeira
sede da escola.
Vale apontar o relacionamento existente entre essas figuras – Eduardo Prates foi o
primeiro secretário da Associação Comercial e Agrícola de São Paulo, a qual teve como
primeiro presidente Antônio da Silva Prado. Este, por sua vez, era vizinho de fazenda de
Álvares Penteado, que viria a se tornar o quarto presidente da Associação Comercial de São
Paulo (sucessora da Associação Comercial e Agrícola). O início das aulas se deu em 15 de julho
de 1902, com um grupo de 216 alunos e um corpo docente formado por aproximadamente trinta
pessoas (FAZOLI FILHO, 1992, p. 26).
Durante o período republicano, iniciou-se uma nova fase para o ensino, com grandes
mudanças e expansão do ensino comercial, entre 1889 e 1931. Para o estudo de Ferreira (1980),
que trata das Leis Orgânicas do Ensino Industrial, Comercial e Agrícola, a evolução do ensino
comercial até a promulgação da Lei Orgânica do Ensino Comercial pode ser dividida em duas
fases características. A primeira fase se inicia com a chegada do Príncipe Regente D. João ao
Brasil e se prolonga até a promulgação do primeiro texto legal de âmbito nacional sobre o
ensino comercial – Decreto Legislativo de 1905. Essa fase dura aproximadamente um século,
podendo ser chamada de "fase embrionária".
A segunda fase tem início como Decreto Legislativo de 1905 e se estende até a
promulgação da Lei Orgânica do Ensino Comercial. A fase se subdivide em três momentos –
1905, 1926 e 1931, que correspondem à promulgação de atos legislativos diferentes que são
resultados da crescente conscientização, por parte do Governo Federal, da necessidade de
crescimento do ensino comercial na conjuntura do País. Essa fase pode ser rotulada de "fase de
oficialização".
Essas mudanças foram motivadas por uma combinação de fatores: crescimento
econômico causado pelo aumento na produção e crescimento e urbanização, principalmente na
cidade de São Paulo. O Brasil com o formato agrário exportador ainda dominava a pauta das
exportações e a economia nacional e as flutuações no preço do café e os períodos de grave crise
no setor cafeeiro, ao final do século XIX e início do século XX, causados pela superprodução
e pela queda da demanda entre as grandes guerras levaram os produtores de café a investir em
outras áreas. Para Furtado (1995, p.71) nesse período cresceram os serviços públicos por meio
de órgãos administrativos e aumento burocrático, o que exigiu maior qualificação dos
funcionários para executar suas funções. Para Furtado:

As necessidades de ação administrativa no campo dos serviços públicos, da educação


e da saúde, da formação profissional, da organização bancária, etc. no sul do país são
34

cada vez maiores. [...] A proclamação da república em 1889 toma, em consequência,


a forma de um movimento de reivindicação da autonomia regional. Aos novos
governos estaduais coubera, nos dois primeiros decênios da vida republicana, um
papel fundamental no campo da política econômico-financeira [...].

Complementarmente, Furtado (1995, p.172) delineia o surgimento de novos grupos de


pressão política: a classe média urbana – empregados do governo, civis e militares e do
comércio, os assalariados urbanos e rurais, os produtores agrícolas ligados ao mercado interno,
as empresas estrangeiras que exploram serviços públicos, das quais nem todas têm garantias de
juros.
Comparativamente ao restante do país, São Paulo realmente era pioneira na prática do
Ensino Comercial e na época em que a FECAP foi criada o número de estabelecimentos de
Ensino Comercial era inexpressivo, se comparado ao crescimento da população Brasileira. Veja
quadro abaixo:

Quadro 1 – Rede Escolar 13 do Ensino Comercial no território Brasileiro


Data Estabelecimentos de Nº de alunos População Geral
Ensino Comercial do Brasil
1905 2 343 19.998.000
1915 2 500
1920 06 773 30.835.605
1925 20 1000
1930 145 15.500 38.381.000
1935 236 24.439
1940 280 49.843 41.236.315
1945 436 79.370
1950 591 75.420 51.944.937
Fonte: Carvalho, 1965, p.89
Baseando-se na regulamentação de 1905, o Quadro 01 mostra que, ainda em 1915,
continuam a existir apenas as duas academias de Comércio – do Rio de Janeiro e de São Paulo
– fundadas em 1902. Por essa informação percebe-se que a Academia de Comércio de Juiz de
Fora, apesar de já se encontrar em funcionamento desde 1894, não consta nos dados oficiais.
Registra-se, nessas duas academias, um aumento de 45% dos “alunos matriculados”
entre 1905 e 1915. Em 1920, a “matrícula” cresce na mesma proporção do número de
estabelecimentos, porém esses triplicam em relação a 1905, enquanto as “matrículas” apenas
dobram. Somente em 1925 é que efetivamente o número de estabelecimentos de ensino
comercial chega a duas dezenas. Mesmo tendo representado um aumento de 900% em relação
a 1905, aparentemente o número de estabelecimentos não atende às necessidades do contexto,

13
A expressão Rede Escolar foi utilizada por Carvalho e reproduzida aqui, apesar de não ser empregado nesta época.
35

principalmente por causa da imensidão do país. Registra-se fenômeno semelhante em relação


ao número de matrículas, atingindo apenas a 1000 alunos.
O Ministro da Educação e Saúde Pública no período de 16/09/1932 a 23/07/1934,
Washington Pereira Pires, alega que o Governo Federal passou a direcionar maiores esforços
em prol do aperfeiçoamento da educação comercial desde 1905, considerando um marco oficial
de referência o Decreto 1.339, de 09 de janeiro de 1905, que declarou de utilidade pública a
“Academia de Comércio do Rio de Janeiro” e a “Escola Prática de Comércio de São Paulo”,
ambas fundadas em 1902, além de reconhecer como oficiais os diplomas expedidos por essas
instituições (BRASIL, 1932). Aos portadores destes diplomas eram dispensados os exames e
aprovação para o pleno exercício da profissão.
A realidade do Ensino Comercial apresenta mudanças a partir da década de 1930 o que
pode ser verificado no Quadro acima, fato que justifica a mensagem do presidente Getúlio
Vargas14, encaminhada ao Poder legislativo em 1936, em que verifica-se que o número de
escolas comerciais em 1925/1926 compreendia vinte e seis instituições com 911 alunos. Em
1936, o número de escolas comerciais elevou-se para 236, com 24.349 alunos. Esse crescimento
demonstra como o ensino comercial “[...] tornou-se popular e vem interessando vivamente às
classes médias, desejosas de obter melhor preparação técnica [...]” (BRASIL, 1936. p.99).
O segundo fundamento legal, posterior ao Decreto 1339/1905, é o Decreto nº 4.724-A,
de 23 de agosto de 1923, de iniciativa do poder executivo, no governo de Artur da Silva
Bernardes (mandato 1922/1926), que implantou o regulamento do ensino comercial. Este
documento reconhece oficialmente todas as escolas de comércio e seus diplomas expedidos,
bem como, a fiscalização no cumprimento integral do regulamento em vigor (VIEIRA, 1957).
Infere-se que talvez isso tivesse ligação com o Primeiro Congresso Brasileiro de Contabilidade
em 1924 (SÁ, 2008). O congresso a nível nacional é uma justificativa da existência de

14
Getúlio Vargas nasceu em São Borja (RS), em 1882. Em 1907, concluiu o curso de Direito pela Faculdade de
Porto Alegre. Dessa data até 1930, elegeu-se pelo Partido Republicano Rio Grandense, deputado Estadual,
deputado Federal, tendo sido líder da bancada gaúcha, entre 1923 e 1929. De 1926 a 1927, foi Ministro da Fazenda
de Washington Luis e presidente do Rio Grande do Sul de 1927 a 1930. No ano de 1929, candidatou-se à
presidência da República na chapa oposicionista da Aliança Liberal. Derrotado, assumiu a liderança do movimento
revolucionário de 1930 que depôs o presidente Washington Luis. Em consequência disso, em novembro deste
mesmo ano, assume o Governo Provisório (1930-1934). A Assembleia Nacional Constituinte ao promulgar a nova
Constituição em julho de 1934, elege Getúlio Vargas presidente da República para o período 1934-1938. Em 1937,
alegando a existência de um plano comunista, conhecido como Plano Cohen, com apoio militar o Congresso
Nacional foi fechado e instalou-se o Estado Novo, e em 10 de novembro de 1937, Vargas outorga uma nova
Constituição Federal. Nos termos dessa Constituição redigida por Francisco Campos e que ficou conhecida como
Polaca, por ter se inspirado na Constituição fascista da Polônia, Getúlio passa a controlar os poderes Legislativo e
Judiciário. Durante os 15 anos que governou o Brasil (1930-1945), criou o moderno Estado Nacional, orientando-
se para uma intervenção do Estado na Economia.
36

profissionais do ramo e já começavam a ser organizar enquanto grupo socialmente representado


e talvez já reivindicassem novas atitudes sobre o Ensino Comercial por parte do governo.
Dando continuidade a esse processo de reconhecimento/oficialização, em 1926, o
Governo Federal pelo Decreto nº 17.329 de 28 de maio, aprovou o regulamento para os
estabelecimentos de ensino técnico-comercial, reconhecidos oficialmente pelo Governo, donde
se verifica que havia o funcionamento de estabelecimentos que ainda não eram reconhecidos
pelo governo, e, portanto, dependiam de inspeção para continuarem funcionando. É o primeiro
texto legal que determina o nível técnico para os estabelecimentos de ensino comercial,
dividindo-o em cursos: geral, superior e de especialização.
É uma regulamentação centralizadora, criando fiscais de caráter rotativo, ligados ao
Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, correndo à conta do depósito previamente feito
pelos estabelecimentos e buscando uma organização uniforme para o ensino comercial. Esse
decreto é o primeiro dispositivo legal que estabelece para essa modalidade de ensino: o número
de anos de cada curso e a distribuição das matérias por séries; o número de minutos e de aulas
semanais por matéria; a uniformidade do ensino através do currículo, desdobrando disciplinas
já determinadas e outras; além de relacionar normas precisas para o funcionamento,
organização, validade e fiscalização dos estabelecimentos de ensino técnico-comercial
reconhecidos (BRASIL, 1926).
Em certos tópicos, o regulamento de 1926 apresenta excesso de minúcias, cuidado que
até então o ensino comercial não tinha recebido. As principais críticas recaíram sobre a
estruturação dada ao curso geral, mormente em relação ao curso de quatro anos de duração,
com cerca de trinta e cinco matérias e na dificuldade de se encontrarem no Brasil professores
especializados para certas matérias. Na exposição de motivos do Decreto nº 20.158 de 30 de
junho de 1931 há críticas sobre a grande quantidade de matérias estabelecidas pelo decreto de
1926, o que não permitia que os alunos tivessem uma formação mais precisa, por não ser
possível o aprofundamento em todas as disciplinas e então é sugerida a reformulação do ensino
comercial.
O Artigo 11, do Decreto 17.329 de 28 de maio de 1926 traz as diretrizes para serem
reconhecidos oficialmente. Observa-se nelas o teor de reconhecimento do ensino praticado e da
sua apuração mediante avaliações e atividades formalizadas e registradas pela instituição e do
levantamento do corpo docente:

Art. 11. Os estabelecimentos de ensino technico commercial, a fim de serem


reconhecidos officialmente e para validade o registro dos respectivos diplomas, ficam
obrigados: a) a prover os cargos do professores mediante concurso ou estagio, pelo
menos, de dous annos; b) a effectuar os exames finaes de cada disciplina, tomando
37

em conta a média de anno, obtida por meio de provas, no minimo, trimensaes; c) a


organizar as bancas examinadoras com os professores ou substitutos regulares,
lavrando-se a acta logo em seguida ás provas oraes; d) a lavrar termo de conclusão
dos cursos, do qual constem as approvações alcançadas, com indicação das
respectivas datas; e) a conceder diplomas sómente aos alumnos que concluirem os
cursos regulares, sendo o de contador após o curso geral, e o de graduado em sciencias
economicas e commercia es após o curso superior; f) a exigir diploma do curso geral,
conferido por estabelecimento no gozo das regalias legaes, para matricula no curso
superior; g) a inscrever os alumnos em livros proprios, por ordem chronologica dos
despachos exarados nas respectivas petições, as quaes deverão ser instruidas, não só
com a prova de idade minima de doze annos para o curso geral e de dezeseis para o
superior, como tambem com attestado de saude e vaccina; h) a ter os livros de actas
da congregação e das comissões creadas no regimento interno visados pelo fiscal e,
bem assim, os termos da conclusão de curso, abertura e encerramento de matriculas e
de exames; i) a observar integralmente as disposições deste regulamento. (BRASIL,
1926)

Além dos critérios pedagógicos e de registro, é considerada também pelo Decreto


17329, a obrigatoriedade pelo Artigo 13, da apresentação pelo diretor de cada estabelecimento
de ensino de um minucioso relatório do funcionamento da instituição no ano anterior. No Artigo
é bem taxativa a apresentação de dados quanto ao número de aulas, mapa de frequência às aulas,
resultados de exames e relação de diplomados e quadro de corpo docente.
Em termos didáticos no decreto, em seu Artigo 2º, há previsão da duração do curso
geral, separando-o em propedêutico e técnico, além do Curso Superior com duração de 03 anos
após o Curso Técnico. Esclarece o Decreto que o ensino deveria ser essencialmente prático,
com período letivo de pelo menos 09 meses por ano, fixado em regimento interno em cada
estabelecimento.
A fiscalização dos estabelecimentos do ensino comercial seria com fiscais rotativos
nomeados pelo Ministro da Agricultura, Indústria e Comércio, mediante depósito prévio feito
pelos estabelecimentos, para pagamento de despesas com transporte e diárias. Nos relatórios
circunstanciados, apresentados pelo fiscal, segundo Artigo 16, deveria constar sobre:

a prática rigorosa dos preceitos do regulamento e quanto ao regular funcionamento


das aulas, fiel execução dos programas, moralidade dos exames e provas parciais,
suficiência do aparelhamento escolar, especialmente dos gabinetes e laboratórios,
provimento das vagas do corpo docente e aptidão deste, a legalidade dos diplomas
conferidos.

E, se no relatório fosse denunciada qualquer irregularidade, o Ministro da Agricultura,


Indústria e Comércio mandaria saná-la, e só depois seria restituído ao estabelecimento o gozo
de suas regalias. O Curso Geral, que habilitava para as funções de guarda-livros, perito judicial
e empregos públicos nas áreas de Fazenda, compreendia o ensino de português, francês, inglês,
aritmética, álgebra, geometria, geografia, história, ciências naturais (inclusive o conhecimento
38

de drogas, tecidos e outras mercadorias, noções de direito civil e comercial e legislação de


Fazenda e aduaneira), prática jurídico-comercial, caligrafia, estenografia, desenho e
escrituração mercantil.

1.2.1 – Decreto 20.158 de 30 de junho de 1931- “Reforma Francisco Campos”

O Ensino Comercial na Reforma Francisco Campos, Decreto 20.158, de 1931 é


destacado no estudo de Eduardo Cristiano Hass da Silva (2004) que traz à tona que o Projeto
que dá origem ao Decreto 20.158, de 30/06/1931, decorre praticamente na íntegra de um projeto
encaminhado a Francisco Campos por uma equipe paulista liderada por Horácio Berlinck,
representante do comércio de São Paulo, juntamente com colaboradores e fundadores da
FECAP.
É importante notar que, de todos os cursos técnicos, o único que recebeu atenção foi o
Ensino Comercial que, por meio do dito decreto, foi organizado e regulamentou a profissão
contábil. “Ficariam reconhecidos por contadores todos os portadores de diplomas – conferidos
por Instituições de Ensino Comercial que, oficialmente reconhecidas” (BRASIL, 1931). Esses
diplomas e certificados teriam validade em todo o território nacional e os diplomados lograriam
preferência nos cargos de fiscais de banco (perito contador) e de fiscais da companhia de
seguros (contadores e atuários). Acrescenta-se a esse período a criação do Ministério da
Educação e Saúde Pública, em 14 de novembro de 1930, tendo como titular o jurista Francisco
Campos. Segundo Moraes (1992), as reformas de Francisco Campos configuravam-se com duas
formas distintas de educação: uma para pensar e outra para fazer (MORAES, 1992)
No Decreto 20.158, de 30 de junho de 1931, fica em destaque, já no Artigo 1º, que o
ensino comercial constará de: a) um curso propedêutico, b) cursos técnicos: de secretário,
guarda-livros, administrador-vendedor, atuário e de perito-contador, c) curso superior de
finanças, d) curso auxiliar de comércio, compreendendo as seguintes disciplinas:

A) Curso propedêutico:

1) Português; 2) Francês; 3) Inglês; 4) Matemática; 5) Geografia;) Corografia do


Brasil; 7) História da Civilização; 8) História do Brasil; 9) Noções de Física, Química
e História Natural; 10) Caligrafia.

B) Cursos técnicos:

1) Datilografia; 2) Mecanografia; 3) Estenografia; 4) Desenho; 5) Francês comercial;


6) Inglês Comercial; 7) Correspondência portuguesa, francesa e inglesa; 8) Geografia
econômica; 9) Matemática comercial; 10) Matemática financeira; 11) Cálculo
atuarial; 12) Estatística; 13) Economia Política e Finanças; 14) Seminário econômico;
15) Direito Constitucional e civil; 16) Direito comercial; 17) Prática do processo civil
39

e comercial; 18) Legislação fiscal; 19) Legislação de Seguros; 20) Contabilidade


(noções preliminares); 21) Contabilidade mercantil; 22) Contabilidade industrial e
agrícola; 23) Contabilidade bancária; 24) Merceologia e tecnologia merceológica; 25)
Tecnica comercial e processos de propaganda; 26) História do comercio, indústria e
agricultura; 27) Organização de escritórios. [...]

D) Curso Auxiliar de Comércio:

1) Caligrafia; 2) Datilografia; 3) Português; 4) Inglês; 5) Aritmetica; 6) Contabilidade


(noções preliminares); 7) Contabilidade mercantil. (BRASIL, 1931) grifo nosso.

O curso auxiliar de comércio era o que o Lyceu Mineiro oferecia, tendo em vista os
documentos analisados na pesquisa e professores existentes na escola. Além disso, o Decreto
regulamenta os laboratórios e gabinetes específicos que deveriam portar os estabelecimentos
de ensino Comercial, citação do artigo 30, conforme os cursos que mantiverem e requererem:

gabinete de Física, laboratório de química, museu de merceologia e história natural,


de acordo com a respectiva região econômica; biblioteca apropriada; instalações de
escritório modelo para execução dos respectivos exercícios, observações,
experiências e escriturações, de acordo com finalidade de cada curso. Parágrafo
único. Todo o material deverá ser subordinado à finalidade dos cursos e não precisará
exceder ao estritamente necessário, cabendo ao Conselho Consultivo organizar a lista
do mínimo permitido, dentro de variantes e sem uniformidade de aparelhos, atendendo
às condições locais e à oportunidade dos mercados.

Acrescenta-se, ainda, no Artigo 31, que os estabelecimentos de ensino técnico-


comercial, a fim de serem reconhecidos oficialmente e para validade e registro dos respectivos
diplomas, ficam obrigados;

a) a prover os cargos de professor mediante concurso ou estágio no magistério pelo


menos de dois anos;
b) a observar, de acordo com os respectivos cursos, a seriação e a organização didática
e o regime escolar instituídos neste decreto;
c) a organizar as bancas examinadoras com três professores destacados do seu corpo
docente e os substitutos regulares, lavrando-se ata em seguida às provas orais;
d) a lavrar termo da conclusão dos cursos, do qual constem as aprovações alcançadas,
com indicação das respectivas datas;
e)a conceder diploma somente aos alunos que concluírem os cursos regulares;
f) a inscrever os alunos em livros próprios, por ordem cronológica dos despachos
exarados nas respectivas petições;
g) a ter os livros de atas da congregação e das comissões criadas no regimento interno
visados pelo fiscal, e, bem assim, os termos de conclusão do curso, de abertura e
encerramento de matrículas e de exames.
h) a cumprir todos os outros preceitos deste decreto.

No Título II, foi criada a Superintendência do Ensino Comercial que ocupa o lugar da
antiga Superintendência de Fiscalização dos Estabelecimentos do Ensino Comercial- Artigo 34
40

do Decreto, subordinada diretamente ao Ministro da Educação e Saúde Pública, e terá ao seu


cargo a fiscalização dos estabelecimentos de ensino comercial, reconhecidos ou em período de
fiscalização prévia. Então, conclui-se que com a reforma Francisco Campos, o ensino comercial
deixa o Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio e incorpora-se, em definitivo, ao quadro
da educação brasileira passando a pertencer ao Ministério da Educação e Saúde Pública.
Paralelamente às medidas tomadas por Getúlio Vargas, com relação à educação,
particularmente o Ensino Comercial que aqui foi destacado, vê-se que tais mudanças vinham
ao encontro de valores defendidos pelo grupo que dominava o cenário político e de acordos que
antecederam até mesmo o início das negociações partidárias, conforme se percebe na
autorização e dinamização da Escola de Comércio de Juiz de Fora, em Minas Gerais.
A origem da Reforma Francisco Campos, Decreto 19.890 de 18/04/1931 e do Decreto
20.158, segundo Paulino de Oliveira, em seu livro sobre a História de Juiz de Fora (1950),
citado por Wilson de Lima Bastos (1982), concede mérito ao dirigente mineiro e ex-professor
e benfeitor da Academia de Comércio de Juiz de Fora, Sr. Antônio Carlos15, então Presidente
de Minas Gerais (forma como eram chamados na época os governadores de estado),em uma
visita à cidade de Juiz de Fora em 1929, criou o Partido Aliança Liberal de cuja campanha
resultou a Revolução de 1930.
Com a Revolução e apoio do partido, o Dr. Getúlio Vargas sobe ao Poder e inicia uma
série de Reformas em diversos setores de atividade nacional de onde provém a Reforma
Francisco Campos - Decreto 19.890 de 18/04/1931 que concedeu, após um ano a inspeção
permanente, ao Ginásio anexo à Academia de Comércio de Juiz de Fora, as prerrogativas de
estabelecimento livre de ensino secundário, amparada pelo Decreto 21.477, de 06 de junho de

15
Antônio Carlos Ribeiro de Andrada nasceu em Barbacena (MG) em 1870. Foi aluno da Faculdade de Direito de
São Paulo onde participou do movimento republicano antes de se formar em 1891. Iniciou a carreira política ainda
no final do século XIX, como vereador em Juiz de Fora, 1902- secretário de Finanças de Minas Gerais, 1906-
prefeito de Belo Horizonte, 1907- senador estadual e novamente vereador em Juiz de Fora e presidente da Câmara
Municipal, acumulando as funções de prefeito da cidade, 1911- deputado federal na legenda do Partido
Republicano Mineiro (PRM). Permaneceu por reeleições na Câmara dos Deputados até setembro de 1917, quando
a convite do presidente Venceslau Brás, assumiu o Ministério da Fazenda. Deixou o ministério em novembro de
1918, voltou à Câmara em maio do ano seguinte e em 1925 foi eleito senador da República. Eleito presidente de
Minas em março de 1926, tomou posse em setembro, portanto era o candidato natural à presidência da República
na sucessão de Washington Luís em 1930. No entanto, o acordo tácito que vinha garantindo a alternância de São
Paulo e Minas, no governo federal foi rompido quando Washington Luís, representante de São Paulo, preferiu
indicar outro paulista para sucessor. Preterido, Antônio Carlos passou a articular a candidatura do gaúcho Getúlio
Vargas à presidência. Tal projeto se concretizou com a formação da Aliança Liberal, coligação que reunia os
situacionismos de Minas, Rio Grande do Sul e Paraíba, e era ainda apoiada pela maioria dos "tenentes" que haviam
lutado contra o governo federal nos anos anteriores. (disponível em
https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/biografias/antonio_carlos_ribeiro_de_andrada, acesso em
25/08/2018).
41

1932. Vinte e quatro dias depois, em 30 de junho de 1932, Vargas assinaria um novo Decreto
sob o nº 20.158, organizando o ensino comercial e regulamentando a profissão de contador
(BASTOS, 1950, p. 176-178).
Pode-se afirmar que a preocupação com esta modalidade de ensino parte das
modificações sofridas pelo país como o processo de industrialização e de urbanização, mas
também como uma nova condição de exploração do capital por parte daqueles que viviam na
exportação de café e que, ao vivenciar a Crise de 1929, perderam domínio e precisavam de uma
nova estratégia de exploração mercantil.
O comércio serviu como outra fonte de renda e de exploração; uma nova opção,
diferente dos latifúndios e que precisava ser apreendida. Atrelada à visão de crescimento das
indústrias e do país, Vargas viu no cenário do Comércio uma forma de construção de novos
trabalhadores nacionais e de um novo cenário de crescimento para a República. Portanto,
investir e criar melhores meios para o ensino comercial vem ao encontro ao seu projeto
republicano e reformador da sociedade brasileira.
O Lyceu Mineiro inicia suas atividades nesse período de transição entre o Decreto n°
16.782A, de 15 de abril de 1925, para o Ensino Secundário e do Decreto nº 17.329 de 28 de
maio de 1926, para o Ensino Comercial e reestrutura-se a partir das reformas do período
varguista: Reforma Francisco Campos - Decreto 20.158, de 1931 e o Decreto Lei nº 6.141 de
1943, de Gustavo Capanema ou Lei Orgânica do Ensino Comercial.
É importante salientar que segundo os jornais, que divulgaram a chegada do professor
“Erico de Bacellar” trazendo uma nova escola para a Cidade de Curvelo, tratava-se de uma
transferência de uma escola que o mesmo detinha na Capital do Estado para Curvelo. Infere-se,
então, que o fundador já possuía experiência com as normas legais e com uma instituição
dedicada ao ensino comercial e, portanto, não desconhecia a dinâmica escolar, além de
acompanhar de perto as demandas decorrentes dessas mudanças que representaram inovações
importantes para esse tipo de ensino.
Além disso, o gestor escolar trazia consigo uma capacidade para a divulgação e
conquistas de apoios diversos no tocante ao funcionamento da instituição escolar. Além de
notícias nos jornais da época que não eram poucos, mas em torno de 05 jornais diferentes: Voz
do Povo, O Curvellano, Centro de Minas, A Mocidade, Jornal do Comércio ainda dispunha de
uma Revista Semanal chamada, Nossa Terra, que seria de organização do diretor e proprietário
do Lyceu Mineiro e da qual ele mesmo, o Sr. Bacellar, era o redator. Para além de propagandas
e sobra de elogios sobre o perfil do gestor escolar, da instituição e dos méritos para a cidade
das novas oportunidades oferecidas, no trabalho de pesquisa foram encontrados indícios de
42

acordos e garantias da administração municipal para a escola. Como por exemplo, a Lei
Publicada em 01 de outubro de 1927, que garantiria a situação financeira para a transferência e
permanência da instituição. Foi publicada em meio a outras legislações no Jornal “O Curvello,
de Outubro de 1927, a Lei de nº 329 de 01 de outubro, onde se lê:

Art. 1 - O agente do executivo, auxiliará com 500$000 (quinhentos mil reis) mensaes ao Prof.
E. de Bacellar e Souza, que se propõe a organizar nesta cidade um estabelecimento de ensino
secundário moldado no regulmento dos gymnasios officiaes.
Art. II – Esse auxilio começará a ser pago após a installação do Gymnasio. Art. III – O mesmo
professor E. de Bacellar e Souza terá o auxilio de 4000$000 (quatro contos de reis)16 pagos de
uma só vez para a mudança de seu estabelecimento de ensino de Bello Horizonte para esta
cidade.
Art. IV – Recorrer-se-á a verba Instrucção Pública.
Art. V – Revogam-se as disposições em contrario. Assinada pelo Sr. Agente do Executivo
Municipal - o Sr. Cel. José Soares dos Santos, ” (O CURVELLO, 1927).

Denota-se que em relação às outras publicações legislativas do mesmo dia, há uma Lei
promulgando e liberando o Agente do Executivo a contrair um empréstimo de R$ 80:000$000
(oitenta contos de reis) nas melhores condições encontradas (JORNAL O CURVELLO, 1927,
p.1). Ou seja, não havia disponibilidade financeira no município, mas ainda assim fechava-se o
acordo com a instituição.
Apesar de frustradas as tentativas de uma melhor identidade desse sujeito para a
construção da sua biografia, percebe-se que mesmo antes da decisão de investir na cidade com
a construção de uma instituição escolar o Sr. Érico de Bacellar já fazia parte da rotina de
“amizades” ou “políticas locais”, até pelo apoio do comandante do Executivo local à época- o
Coronel José Soares dos Santos, que era segundo Antônio Gabriel Diniz (1975, p. 127):
“comerciante e político de muito prestígio, presidente da Câmara e Agente Executivo
Municipal”. Foi um dos Chefes da Aliança Liberal em nosso município.
Após a revolução de 30, foi nomeado prefeito municipal, cargo que ocupou até o seu
falecimento. Há, na cidade, uma avenida que o homenageia – a Avenida Soares dos Santos”
(DINIZ, 1975). Posteriormente, no ano seguinte à implantação da escola, em 19 de setembro
de 1928, foi publicada uma nova Lei de nº 368, que no Art. 1º escreve: “fica autorizado o Sr.
Agente Executivo Municipal a promover os meios de officializar o Lyceu Mineiro,
transformando-o em Gymnasio Municipal” (Jornal A MOCIDADE, 1928).

16
Um conto de réis era uma quantia de grande valor intrínseco: em 1833, 2$500 era representado por uma oitava (equivalente
a aproximadamente 3,59 gramas de ouro de vinte e dois quilates), sendo que um conto de réis corresponderia a 1,4 quilogramas
do mesmo material. Quatro contos seria o equivalente a 5,6 quilogramas de ouro.
43

1.2.2 Um Decreto que tem força de Lei: Decreto Lei nº 6.141 de 28 de dezembro de 1943
– “Lei Orgânica do Ensino Comercial”

A partir do Estado Novo, que é implantado a partir de novembro de 1937, com apoio
militar, toma posse um novo Ministro da Educação, Gustavo Capanema, que inicia sua reforma
com a publicação de inúmeros decretos-leis. Nesse período, é votada a Lei Orgânica17 do ensino
Comercial sob o Decreto nº 6.141, de dezembro de 1943. Na exposição de motivos para a defesa
da Reforma ele declara que o ensino comercial não teve organização geral em nosso país,
retaliando inclusive o decreto anterior que fez parte da Reforma Francisco Campos. Ele destaca
que o Decreto 19.890 tornou o currículo mais exequível, mas como pendurava há 11 anos já
havia necessidade da reforma:

“EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
20 de dezembro de 1943.

Sr. Presidente:
[...]“até os últimos tempos da primeira República, o ensino comercial não teve
organização geral em nosso país”.
[...]“As regulamentações expedidas, omissas e raras, não buscaram estabelecer as
linhas e os processos de um sistema desse ensino, mas se limitaram a dispor sobre
determinados estabelecimentos de ensino existentes.
Somente em 1923, o Congresso Nacional tomou iniciativa de determinar que se
instituísse a fiscalização dos estabelecimentos de ensino comercial e de recomendar a
adoção de um padrão legal para os seus cursos. O decreto n. 17.329, de 29 de maio de
1926, deu execução ao preceito, e foi a partir de então que o ensino comercial teve
entre nós organização uniforme.
O sistema não podia, entretanto, perdurar. Os currículos fixados não tinham
atualidade, eram os mesmos que o decreto n. 1.339, de 9 de janeiro de 1905,
estabelecera para a Academia de Comércio do Rio de Janeiro, com a circunstância de
terem sido agravados pelo aumento de disciplinas.
A reforma, decretada em 1931 pelo Governo Provisório, deu um novo e importante
passo. Comunicou ao sistema existente o sentido das exigências modernas,
discriminando várias modalidades de cursos que pudessem atender ao
desenvolvimento do comércio e dos negócios administrativos de ordem pública e
privada em nosso país. Essa discriminação, possibilitando uma orientação profissional
mais precisa, permitiu a constituição de currículos menos pesados e, portanto mais
exequíveis.
Doze anos de experiência aconselham agora uma revisão da matéria.
Antes do mais observemos que foi acentuado o progresso que nesse período se
verificou no nosso ensino comercial. Poucos dados estatísticos bastarão para indicar

17
O primeiro resultado desse esforço saiu em 1942, com a promulgação de dois decretos-leis (autodenominados
leis, embora não tivessem sido promulgados pelo Congresso Nacional), tratando da organização do ensino
industrial (Decreto-Lei nº 4.073, de 30 de janeiro) e do ensino secundário (Decreto-Lei nº 4.244, de 9 de abril). As
“leis” orgânicas do ensino industrial e do ensino médio serviram de matriz para a elaboração de outras referentes
ao ensino comercial (Decreto-Lei nº 6.141, de 28 de dezembro de 1943), ao ensino normal (Decreto-Lei nº 8.530,
de 2 de junho de 1946), ao ensino agrícola (Decreto-Lei nº 9.613, de 22 de agosto de 1946) e ao ensino primário
(Decreto-Lei nº 8.529, de 2 de janeiro de 1946). disponível em
https://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-tematico/leis-organicas-do-ensino
44

o progresso indicativo. Em 1931, eram 83 os estabelecimentos de ensino comercial


reconhecidos; esse número subiu a 304 no ano de 1943. A matrícula em 1931 era
apenas de cerca de doze mil e quinhentos alunos; no corrente ano, atingiu a cerca de
setenta mil. Por outro lado, elevou-se de um modo geral a regularidade e a eficiência
da organização e da vida escolar. Esse progresso qualitativo teve início com a
regulamentação centralizadora de 1926, mas, sobretudo, se verificou a partir de
1931, em virtude do novo e minudente sistema legal e das providências executivas
cada vez mais amplas e eficientes que vierem a ser tomadas pelo Ministério da
Educação; [...]” (adaptação do Discurso de Capanema publicado como prefácio da Lei
Orgânica do Ensino Comercial, conforme:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-6141-28-
dezembro-1943-416183-133673-pe.html> grifo nosso

Em seu Artigo 1º, a Lei conceitua o Ensino Comercial “entendido como um ramo de
ensino de segundo grau destinado a formar profissionais para lidarem com as atividades
específicas do comércio e de funções de caráter administrativo em negócios tanto públicos
quanto privados.” (BRASIL, 1931).
A Lei Orgânica do Ensino Comercial estabeleceu dois ciclos para o ensino comercial:
primeiro ciclo, de formação com o curso comercial básico, com duração de 04 anos e segundo
ciclo com cinco cursos de duração, denominados curso comercial técnico: “curso de comércio
e propaganda, curso de administração, curso de contabilidade, curso de estatística e curso de
secretariado”. Além disto, determina a partir dos tipos de cursos existentes como serão os
estabelecimentos de ensino comercial: Escolas comerciais – aquelas que ministravam o curso
comercial básico e Escolas Técnicas de Comércio – as que tinham um ou mais cursos técnicos.
O Lyceu Mineiro a partir de então passa a chamar-se “Escola Comercial Padre Curvelo” e a
partir de 1949, com a 1ª turma do Técnico em Contabilidade, muda a denominação para
“Escola Técnica de Comércio Padre Curvelo”.
Nessa reforma, foram atentamente discriminadas como seriam as formas de avaliação
do ensino Comercial deliberando-se no seu Artigo 15 como seriam compostos os trabalhos
escolares, além de se preocupar, também, (Artigo 53) com a formação dos professores e
orientadores que atuariam no Ensino Comercial.
Nos documentos do Lyceu Mineiro, anteriores ao ano de 1949, a Portaria de Autorização
do Ensino Comercial não consta e, inicialmente, alimentou-se a dúvida se realmente o Ensino
Comercial iniciou desde a fundação da instituição. Entretanto, um registro de Atas de Visita do
Inspetor Federal, no dia 06 de maio de 1929 (Livro de Termos de Visita do Inspetor Escolar,
em 06/05/1929), citação feita na página 73 adiante, discrimina por números os alunos do Curso
Comercial. Paira a dúvida de como era a dinâmica do curso nesse período e se realmente tratava-
se do Curso Comercial, ou apenas aulas práticas de comércio, como por exemplo datilografia,
já que aparecia nos folhetos de propaganda nos jornais nas chamadas para a matrícula. Certo
45

que após o Decreto 20.158/1931, principalmente no determina o seu artigo Art. 55, que trata
dos guarda-livros práticos, a fiscalização e necessidade da regulamentação dos cursos vem à
tona:
Os guarda-livros práticos, que já exerçam ou tenham exercido a profissão, para
gozarem das prerrogativas deste decreto, deverão requerer ao superintendente do
Ensino Comercial, dentro do prazo de um ano a contar da data da publicação deste
decreto, sejam submetidos a exames de habilitação (BRASIL, 1931).

Também porque se havia chamada nos jornais, mas não acontecia a fiscalização federal
o próprio decreto colocava em evidência a necessidade de formatação legal a partir da proibição
da veiculação de propaganda dos cursos sem a devida legalidade. Isso traz à tona que tal
situação era uma prática que acontecia, já que a legislação toma a explicação e proibição. Veja
o artigo 81 que determina inclusive o valor da multa, para tal prática:

Art. 81. Os estabelecimentos de ensino comercial que não sejam fiscalizados pelo
Governo Federal, não poderão inculcar em seus documentos, folhetos, prospectos,
anúncios, certificados ou diplomas a declaração de estabelecimentos de ensino
fiscalizados ou oficializados, sob pena de multa de cinco contos de réis (5:000$0), que
será imposta pela Superintendência do Ensino Comercial, ficando de sua cobrança
encarregado o representante da justiça federal.

Quanto ao processo legal para Verificação Prévia da Escola Técnica de Comércio Padre
Curvelo, foi encontrada uma correspondência da Diretoria do Ensino Comercial, data de
06/01/1949, designando o Inspetor Federal Messias Pereira Donato, em substituição ao inspetor
anterior, Sr. Mauro Ferreira da Silva, para proceder a verificação prévia já iniciada em 1944,
conforme citado no próprio ofício.
A história do Lyceu Mineiro e do ensino comercial perpassam essas mudanças, que
proporcionaram uma reinstitucionalização, devido às diversas vertentes políticas e sociais que
envolveram a trajetória da escola - a Era Vargas, o Estado Novo; as mudanças regimentais e
sociais, inclusive com a criação do aparato legal para os cursos comerciais e para o Curso
secundário, que também fazia parte do universo de atendimento da escola. Acrescendo a isso
ainda há a alteração da mantenedora com a mudança do primeiro proprietário para São Paulo –
Prof. Érico de Bacellar e Souza, e a organização do Liceu Mineiro Sociedade Ltda. para assumir
a escola.
Com o desenvolvimento da pesquisa documental percebe-se a falta de documentos
correspondentes à primeira década de existência da instituição - 1927 a 1937, e no museu da
Faculdade Arquidiocesana de Curvelo encontramos as plantas das edificações, as certidões de
cartório, doações de terreno e legislações municipais de amparo à escola, além de algumas fotos
que faziam parte do patrimônio histórico e escolar, donde faz-se constar alunos e suas atividades
46

escolares corroborando com a existência de turmas e crescente número de matrículas, apesar da


inconsistência dos registros.

1.3 Instituição Educativa – Conceito e Organização

Estudos acerca da História das Instituições Escolares foram fortalecidos a partir da


década de 1990, sendo a criação de inúmeros cursos de pós-graduação em educação, um fator
determinante para consolidação desses estudos. De acordo com Gatti Junior (2002), a pesquisa
histórica sobre as escolas procura investigar o que ocorre nelas, buscando a compreensão dos
fatores que constroem um sentido próprio à instituição dentro do contexto de que ela faz parte,
mesmo com as mudanças ocorridas no passar do tempo. Ainda de acordo com esse autor, a
história das instituições educativas tem melhorado no contexto dos estudos de história da
educação no Brasil, renovando o campo da história da educação e organizando-se como um
novo campo temático da historiografia da educação brasileira (GATTI JUNIOR, 2002, p.19).
Ressalta-se que o estudo das representações e das práticas produzidas a partir das fontes
das instituições educativas passou a ser valorizado para a compreensão dos mais diversos
contextos históricos e sociais. Isso foi determinante na revisão do próprio conceito de Educação,
extrapolando o sentido de simples escolarização para ser compreendido como prática social,
que nos ocorre mais diversos espaços, apresentando formas e finalidades, atendendo a interesses
de grupos antagônicos. Fazer história dessa prática é compreendê-la em suas especificidades,
revelar diferentes pensamentos e ações que fazem parte de sua trajetória.
Contudo, apesar de uma maior organização do campo de discussão sobre a História da
Educação no Brasil, propiciando uma articulação e promovendo um maior intercâmbio de
pesquisas, metodologias, fontes e temas, observamos que há algumas lacunas, nos estudos sobre
as instituições educacionais, dentre elas, as escolas profissionais relacionadas ao Ensino
Comercial.
Nesse sentido, essa dissertação relata a pesquisa que objetivou desvelar a história de
uma instituição escolar criada no século XX: o Lyceu Mineiro de Curvelo. Para melhor
compreensão das discussões e análises apresentadas nesta investigação, nos apropriamos do
conceito de instituição educativa construído pelo pesquisador Justino Pereira de Magalhães que
se dedica a compreender a relação entre o aspecto material e humano e as diversas
representações e papéis desempenhados pelos sujeitos tendo em vista o aspecto social e cultural
de uma instituição educativa.
47

o plano histórico, uma instituição educativa é uma complexidade espaço-temporal,


pedagógica, organizacional, onde se relacionam elementos materiais e humanos,
mediante papéis e representações diferenciados, entretecendo e projectando futuro(s),
pessoa(s), através de expectativas institucionais. É um lugar de permanentes tensões.
As instituições educativas são projectosarquitectados e desenvolvidos a partir de
quadros sócio-culturais. (MAGALHÃES, 1998, p. 61-62).

Para Magalhães (2004), antes de elucidar os vários aspectos que envolvem as


instituições educativas, é primordial entender as dimensões física, administrativa e
sociocultural, nas quais essas instituições se situam historicamente. Ainda de acordo com
Magalhães:

A instituição educativa apresenta uma identidade que não varia significativamente


com as circunstâncias geográficas ou com as circunstâncias históricas. É, porém, na
relação que se estabelece com o público e com a realidade envolvente, na forma como
a cultura escolar interpreta, representa e se relaciona com o contexto na sua
multidimensionalidade, como na medida em que o público se apropria e se relaciona
com as estruturas e órgãos de uma mesma instituição, que as instituições educativas
desenvolvem a sua própria identidade histórica (MAGALHÃES, 2004, p. 68).

Com o fito de apreender o que faz a unicidade da instituição educacional, diante da


diversidade, torna-se essencial conhecer os vários aspectos que envolveram essa instituição
educativa, permitindo um aprofundamento em sua história e a compreensão de sua dimensão
espacial e educativa.
Dessa forma, para realização de leitura e análise das fontes elencadas em uma pesquisa,
a História das Instituições Educativas precisa compor a base do referencial teórico. De acordo
com Gatti Junior (2007), a análise de uma instituição educativa envolve a preocupação com os
processos de criação e seu desenvolvimento.
A pesquisa histórica de uma instituição educativa permite identificar não somente sua
identidade e as características da educação praticada, mas também seus interesses, percebendo
tais instituições como instrumentos de disseminação de valores (LIMA 2015). Sendo assim,
busca-se problematizar sua trajetória, no sentido de compreender a organização escolar, tais
como: estruturação arquitetônica e ocupação do espaço, seleção e origem dos alunos,
qualificação dos professores e servidores, estruturação curricular, dentre outros.
Segundo Antônio Nóvoa (1992), a investigação histórica continua a denotar três
características principais, ela é sobretudo uma história institucional, pois não aborda novas
problemáticas, é cronológica e descritiva, centrada nos fatos, e é unidimensional, pois não
mobiliza outras disciplinas científicas para o estudo das questões educativas. Nóvoa (1992)
parte do pressuposto de que história parte do presente, que o passado não é o objeto, mas que
48

buscamos no passado vestígios deixados que nos ajudem a responder as questões sugeridas pelo
mundo em que vivemos.
A história das Instituições Educacionais almeja dar conta dos vários atores envolvidos
no processo educativo, investigando aquilo que se passa no interior das escolas, gerando um
conhecimento mais aprofundado destes espaços sociais destinados aos processos de ensino e de
aprendizagem (GATTI JÚNIOR, 2002, p. 145).
Tanto autores estrangeiros quanto brasileiros têm seguido um roteiro de pesquisa
bastante similar, em que se destacam preocupações com os processos de criação e de
desenvolvimento das instituições educativas, a configuração e as mudanças ocorridas no prédio
escolar, o processo de conservação e mudança do perfil dos docentes e dos alunos, as formas
de configuração e transformação do saber veiculado nestas instituições de ensino, entre outros.
Buscam-se, assim, os elementos que conferem identidade a instituição educacional.
O primeiro passo do pesquisador em seu trabalho é a revisão bibliográfica do tema,
quando acontece o encontro de diversas obras, cabendo ao pesquisador filtrá-las, operando por
negações e associações, buscando entender o que se diz entre as palavras, pois, segundo Nunes
(1992) ler é praticar uma problemática. Ao pesquisar uma instituição educacional, deve-se fazer
um resgate da problemática da cidade, onde ela está instalada, para saber certas representações
cristalizadas da escola, da sociedade, dos educadores e da própria história da educação. Isso
decorre do próprio quadro institucional que diz respeito a cultura material e simbólica e refere-
se à representação, à apropriação das aprendizagens e à qualificação e reconhecimento da mais
valia educacional pelos grupos, indivíduos e organizações (MAGALHÃES, 2004, p. 112).
Por seu turno em cada instituição escolar, em cada tempo as interpretações serão
particulares e próximas ao ineditismo. Embora haja respeito e enquadramento na legalidade e
normatividade, as interpretações do quotidiano são próprias em consonância com as
necessidades, objetivos e conveniências. Haverá sempre resistências, emancipação e novas
configurações diante do estabelecido e socialmente imposto. E, para além dos acontecimentos
particulares e institucionais, haverá a ressignificação da influência da instituição educativa.
Porque a mesma ultrapassa seus muros e defere-se no tempo, seja pelas transformações de
caráter material, seja especificamente como representação, referência e memória dos indivíduos
e dos grupos. Magalhães (2004, p. 118) afirma que a construção da identidade história da

instituição educativa: “é um desafio de complexificação e de integração multidimensional e

multifatorial, documentado e avaliado por meio de variáveis e categorias de análise


interdisciplinares”.
49

A construção na totalidade depende de um marco teórico interdisciplinar e de uma


hermenêutica cruzada entre memórias, arquivos museus. A evolução histórica opera-se
primeiramente pela institucionalização que é resultado do poder instituinte e dos diversos
participantes. Correspondendo às necessidades e aos interesses do público a que se destina,
constituída em território educativo e projetando-se através de biografias e destinos de vida dos
sujeitos, a instituição e evolui e transforma-se (MAGALHÃES, 2004, 139). Essa construção
(institucionalização) manifesta-se nas aprendizagens, na subjetivação/autonomização e nos
destinos de vida dos sujeitos sob a forma de apropriação, relacionando-se com a realidade
sociocultural e geográfica envolvente.

1.3.1 Marco Teórico segundo Justino Magalhães

Como embasamento para análise e estudo do Lyceu Mineiro de Curvelo, apropriaremos


do marco teórico proposto por Justino de Magalhães que compreende as fontes e procedimentos
de investigação a partir do exercício contínuo de análise e interpretação documental/visual e o
seu uso nos estudos históricos. Esse marco teórico vale-se das informações colhidas na análise
institucional e permite combinar uma descrição e uma representação da instituição e da
realidade que cerceia essa instituição a partir de um complexo histórico-geográfico definido,
operacionalizando um quadro de reflexão/ação multidimensional e multifatorial
(MAGALHÃES, 2004, p. 138).
A constelação epistêmica de natureza objetual será constituída por materialidade,
representação, apropriação, com uma natureza teórico-instrumental, composta por instituído,
instituinte/institucionalização, instituição. Veja a representação, conforme Magalhães, 2004,
p.138:
50

Figura 1 – Marco Teórico

Fonte: Magalhães (2004, p. 138)

De acordo com Magalhães (2004, p.139), a materialidade inclui condições materiais,


espaços, tempos, meios didáticos e pedagógicos, programas e estruturas (organizacional, de
poder e de comunicação), instâncias objetivas e de funcionamento. Já a representação engloba
aspectos relativos às memórias, à bibliografia, aos arquivos e ao grau de mobilização e
aplicação como os currículos, estatutos, agentes. A apropriação refere-se às aprendizagens, ao
modelo pedagógico, ao ideário, a identidades dos sujeitos e da instituição, aos destinos de
vida.
O esquema 3 (Figura 1) proposto pelo teórico, e que será aplicado a partir do esforço
da análise das fontes, levará em consideração:

1ª constelação – O instituído (praxeologia/materialidade)

2ª constelação – Institucionalização/representação

3ª constelação – Instituição/apropriação
51

Logicamente não haverá fontes para delimitar todas as categorias elencadas pela
explicação da educação na sua complexidade epistemológica, como conceitua Magalhães
(2004), nem pelo menos esgotá-las, mas a própria análise propõe a discussão a partir de uma
investigação indiciária. Ginzburg (2004) compreende e explica o processo de construção e
reconstrução que precisa também ser valorizado e conhecido: “a investigação baseada em
indícios deve levar em consideração todo o universo em que está inserido seu objeto de estudo,
sendo as fontes históricas uma composição da narrativa, compondo um método que permite
apenas uma parte de processo de investigação”.

[...] a postura, hoje difundida, em relação às narrativas historiográficas me parecer


simplista por que examina, normalmente, só produto literário final sem levar em
conta as pesquisas (arquivísticas, filológicas, estatísticas etc.) que tornaram possível.
Deveríamos, pelo contrário, deslocar a atenção do produto literário final para as
fases preparatórias, para investigar a interação recíproca, no interior dos processos
de pesquisa, dos dados empíricos com os vínculos narrativos. Há muitos anos,
LucienFebvre observou que as fontes históricas não falam sozinhas mas só se
interrogadas de maneira apropriada. Hoje isto nos parece óbvio. Menos óbvia é a
observação de que as perguntas do historiador são coladas sempre direta ou
indiretamente, em formas narrativas. Essas narrações provisórias delimitam um
âmbito de possibilidades que, frequentemente, são modificadas ou até descartadas
no curso do processo de pesquisa. Podemos comparar essas narrativas a instâncias
mediadoras entre questões e fontes, as quais influem profundamente (ainda que não
de maneira exclusiva) sobre os modos pelos quais os dados históricos são recolhidos,
eliminados, interpretados – e por fim, naturalmente narrados (GINZBURG, 2004,
p.114).

Tal método suplementa a interpretação de indícios como uma orientação de pesquisa


baseada na investigação dos detalhes, que se encara como memórias, pistas, sinais e sintomas.
Juntamente com as fontes estabelecem-se parcerias com pesquisadores e suas pesquisas que
possibilitam um alicerce teórico, com argumentos, conceitos próprios e vinculados às áreas
temáticas da história da Educação.
Em consulta ao acervo da escola, não foram encontrados livros sobre a primeira década
da escola e do curso comercial antes da legislação de 1943 e material de registro ou livros
relativos a inventários e situação financeira. Entretanto nos jornais há sempre as chamadas
para a matrícula, cursos e disponibilização de datas e do valor da escola no processo formativo,
além de imagens e descrições de funcionamento, época da matrícula e corpo pedagógico,
corroborando com a existência e funcionamento da instituição.
Com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre a instituição, foram analisadas
algumas fontes escritas como as fichas individuais, matrícula, históricos, livros de resultado
final, livros de termo de inspeção escolar, encontradas no acervo da Faculdade de
Administração – FAC, além de parte do acervo da escola que guarda os documentos do Lyceu
52

Mineiro. Ainda buscando identificar os sujeitos que faziam parte do cenário institucional, quais
as suas origens e lugares de fala, como eram as suas práticas pedagógicas e disciplinares e como
as regulamentações oficiais eram praticadas.
Nos registros dos livros de Atas de Resultado final18 onde constam as notas por conteúdo
e de onde é possível inferir as demandas de provas de 2ª chamada, provas especiais e repetência.
A partir da década de 1940, consta nos livros a cidade de origem dos alunos e a profissão do
pai, e na consulta realizada em 120 pastas de alunos, tais dados foram registrados, o que
fornecerá uma ideia do universo de origem dos alunos.
Com relação aos docentes, a partir do livro de pontos de professores, buscar-se-á
subsídios para elencar os responsáveis pelos conteúdos ano após ano e sua formação, além dos
referenciais pedagógicos para as aulas, por meio dos registros de livros utilizados e laboratórios
existentes na instituição. Acrescenta-se a esses dados os relatórios diversos das bancas de
avaliação, as publicações nos jornais dos participantes de provas e seu desempenho, além das
notícias divulgando os novos professores e adequações nos prédios. Do ponto de vista de
representatividade social, há divulgação na imprensa local desde a demanda de matrículas para
provas de admissão e exames finais, até notícias de eventos cívicos, comemorativos, culturais
e formaturas.
Além das fontes documentais do arquivo escolar e da legislação e publicações em anais
e revistas relacionadas ao Ensino Comercial e Secundário utilizou-se também jornais que
circulavam na cidade naquele período os quais foram pesquisados no Centro de Referência
“Antônia Cleuza Guimarães” do Museu de História Viva de Curvelo, que funciona na
Faculdade de Ciências Humanas de Curvelo-FACIC. A imprensa dialogava constantemente
com a instituição escolar, seja na publicidade de propagandas para a matrícula, seja na atuação
social ou nos convites para formaturas ou eventos escolares, como por exemplo resultados de
exames de admissão. Atreladas a elas utilizou-se fontes iconográficas dos jornais porque são
públicas e outras disponibilizadas pela FAC, sob o ponto de vista do “significado que portam”,
e não somente como ilustração.
Nessa direção de raciocínio, é interessante o que o sociólogo Walter Benjamin (1985)
complementa: “A fotografia é o primeiro meio de reprodução verdadeiramente revolucionário”.
Ela compõe o processo de revolução documental, alargando o conceito de documento e
alterando o panorama acadêmico a partir da década de 1990, face ao interesse que este tipo de

18
Foram encontrados 05 livros de Atas de Resultado Final, donde foram feitas as listagens de alunos e a partir
disso pode-se inferir número de aprovados, reprovados e abandonos que serão utilizados para construção de tabelas
no próximo capítulo.
53

documentação desperta, o que vem suscitando o debate e reflexão acerca do alcance, do valor
e dos limites das fontes fotográficas.
Ainda sob essa ótica, é importante relatar que as fontes iconográficas têm significado
na ampliação dos conceitos de escolha documental e Paiva (2002) fornece-nos indicações que
as mais novas gerações de historiadores brasileiros “vêm usando como fonte privilegiada a
iconografia e têm feito isso com muita destreza. (...) não tomam como simples ilustrações,
figuras, gravuras e desenhos que servem para deixar o texto mais colorido, menos pesado”,
mas “devem estabelecer um diálogo contínuo”. (PAIVA, 2002 p. 17). Além disso, tornam o
relato mais leve e interessante para leitores e pesquisadores.
Dessa forma, ficaram claros os objetivos de nossas indagações e que deveríamos adotar
procedimentos de investigação que não se circunscrevessem apenas ao levantamento e à
organização do material documental, que se tornou raro e não disponível, e iconográfico, mas
a um exercício contínuo de análise e interpretação que procurasse entender essa forma de
representação documental/visual e o seu uso nos estudos históricos, em especial, no caso, na
história da educação, que se refere à realidade do Lyceu Mineiro, localizado em Curvelo.

Concluímos aqui nossas discussões relacionadas às concepções históricas do Ensino


Profissional e Comercial com as quais iremos dialogar nesta pesquisa. Evidenciamos também
as principais facetas para a criação de uma instituição escolar para retomarmos estas questões
adiante no Capítulo que segue que compõe-se dos dados para sua materialização. Magalhães
(2004, p. 139) traz a compreensão de que “a materialidade compõe-se de instâncias objetivas
de funcionamento”. Portanto, trataremos da construção da instituição escolar, trazendo todos
os elementos necessários para melhor compreendermos a localização espacial e geográfica, a
origem dos seus alunos e professores e como seu deu a sua mantença para funcionamento e
construção de identidade histórica, ou seja sua institucionalização.
54

CAPÍTULO 2 – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ESCOLA POR MEIO


DA MATERIALIDADE E DOS SUJEITOS

Nesse Capítulo serão descritos os elementos materiais que constituíram o Lyceu Mineiro
e os sujeitos que nele atuaram, para formar o trabalhador do comércio, com vistas a atender a
população da cidade de Curvelo e das regiões circunvizinhas. Ainda, levantar as razões e os
motivos que levaram à sua criação da instituição.
Na visão de Justino Magalhães, a instituição escolar caracteriza-se como epistemologia
de uma totalidade. Por isso, é preponderante que seja considerada numa dimensão mais ampla.
Nesse sentido, Magalhães afirmou que a instituição escolar deve estar integrada “de forma
interativa no quadro mais amplo do sistema educativo, nos contextos e nas circunstâncias
históricas, implicando-a na evolução de uma comunidade e de uma região, seu território, seus
públicos e zonas de influência” (MAGALHÃES, 2004, p. 133-134).

2.1 A materialidade/O instituído - O Lyceu Mineiro e sua trajetória em Curvelo

A escola foi instalada em 16 de outubro de 1927, em um casarão de dois pavimentos19, à


Avenida Dom Pedro II, antiga residência do Dr. Pacífico Mascarenhas20, sob a denominação de
Lyceu Mineiro. Tratava-se do sonho do Sr. Érico de Bacellar e Souza. A escola adotou um
lema para o processo formativo: “Educar com liberdade, amor e gratidão” (MEMORIAL DE
TOMAMENTO, 2015). Inicialmente matricularam-se 74 alunos, dos quais 72 concluíram a 4ª

19
Ver Faria Filho (2000, p. 42) [...] “o fato de os grupos escolares ocuparem não apenas os melhores prédios, mas
também aqueles mais centrais, denota a importância atribuída aos grupos escolares na composição do desenho
urbanístico da cidade, um esforço por demonstrar a centralidade que o lugar da educação escolar deverá representar
no interior da cidade” [...]
20
Pacífico Gonçalves da Silva Mascarenhas, médico e político. Estudou no Colégio do Caraça, e depois se formou
em medicina. Iniciou-se na política por volta de 1870, ao ser eleito vereador e presidente da Câmara Municipal de
Curvelo. Em 1886 foi eleito deputado geral pela província de Minas Gerais. Reeleito para as legislaturas seguintes,
exerceu o mandato até a proclamação da República em 15 de novembro de 1889. No novo regime, foi eleito
deputado constituinte em 15 de setembro de 1890. Assumindo em 15 de novembro sua cadeira no Congresso
Nacional Constituinte, no Rio de Janeiro, agora Distrito Federal, participou dos trabalhos de elaboração da primeira
Constituição republicana do Brasil e foi um dos signatários da Emenda Lauro Müller, que propunha a demarcação
de uma zona no Planalto Central destinada à construção da futura capital federal. Depois da promulgação da nova
Carta em 24 de fevereiro de 1891 e da eleição do marechal Deodoro da Fonseca como o primeiro presidente da
República, participou da legislatura ordinária que se seguiu, entre junho de 1891 e dezembro de 1893. Disponível
em: http://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-
republica/MASCARENHAS,%20Pac%C3%ADfico%20Gon%C3%A7alves%20da%20Silva.pdf
Acesso em 15/10/17.
55

série do Curso Ginasial em 1931. Neste mesmo ano o Sr. Érico de Bacellar de Souza, transfere-
se de Curvelo e uma Sociedade foi organizada – Lyceu Mineiro Sociedade Ltda.
Conforme registrado no Livro de Atas do Conselho Gestor da Escola nº 05 de 1931, a
instituição foi transferida para novas dependências, construídas à Rua João Pessoa. A
construção do novo prédio é uma afirmação da importância do Lyceu Mineiro para a Educação
Republicana. Mesmo sendo uma instituição privada, os ideais urbanísticos e arquitetônicos
coadunavam com a realidade dos grupos escolares da rede estadual, destacada nos estudos de
Faria Filho (2000, p. 42), quando ele relatou a realidade dos grupos escolares de Belo Horizonte,
que no seu início ocuparam os melhores prédios, “aqueles mais centrais”, “num esforço por
demonstrar a centralidade que o lugar da educação escolar deveria representar no interior da
cidade”.
A Rua João Pessoa era o centro comercial da cidade e, na época, chamava-se Rua Aurora
e era movimentada pelas firmas atacadistas que ali funcionavam, sendo uma delas a Atacadista
Pereira Avelar. Também se avizinhava a outros estabelecimentos comerciais e de serviços,
como o açougue de Sr. Elias Pinto e de profissionais liberais, como o médico Geraldo Valadares
e o gabinete do Sr. Vicente Boaventura e Miguel Véo, dentistas cujo consultório fazia divisa
com os muros da escola; além dos prédios do Cinema e do Fórum, que ficavam na Pça da
Bandeira, local central da cidade e utilizado para pronunciamentos e reuniões com a população.
No mesmo prédio eram oferecidos os cursos primário, secundário e comercial, no sistema
de internato para homens e externato para ambos os sexos, até o ano de 1928, precisamente dia
06 de maio, quando começou a atender o sexo feminino em regime de internato, que ocorreu
em decorrência da reforma no prédio (Jornal Voz do Povo, Anno I, nº 46). Acrescenta-se a
esses cursos as aulas preparatórias para o exame de admissão e os cursos livres de datilografia
e mecanografia e Cursos Especiais de Música (piano e violino), conforme se pode ver na figura
abaixo a propaganda do Jornal “Voz do Povo”, de 26 de junho de 1928.
56

Figura 2 – Propaganda do Lyceu Mineiro

Fonte: Jornal A Voz do Povo, 1928

O dispositivo legal que orientava a organização e o funcionamento dos cursos que


seriam oferecidos pelo Lyceu Mineiro, inicialmente, foi o Decreto 16782-A, de 1925, que
estabeleceu ações da União para a difusão do ensino primário, organizou o Departamento
Nacional do Ensino, reformou o ensino secundário e o superior, além do profissional.
Especificamente sobre o ensino comercial, a orientação foi dada pelo Decreto 17.329 de
28/05/1926, que aprovou o regulamento para os estabelecimentos de ensino técnico-comercial,
reconhecidos oficialmente pelo Governo Federal.
Por conseguinte, com a promulgação do Decreto 19.890, de 18 de abril de 1931 -
conhecida como Reforma Francisco Campos -, a instituição escolar teve novos rumos e
equiparou-se ao Colégio Pedro II, sendo determinada a fiscalização por inspeção federal 21,
apesar de constar nas propagandas da instituição escolar, desde o início a fiscalização pelo
Departamento Nacional de Ensino. O Decreto nº 20.158, que organizou o Ensino Comercial e
regulamentou a profissão de contador, foi promulgado logo após, em 30 de junho de 1931.
Finalmente, por força da Lei Orgânica do Ensino Comercial22, Decreto Lei nº 6.141 de
28/12/1943, o Lyceu Mineiro passou a denominar-se Ginásio Comercial Padre Curvelo, sendo

“O inspetor faz referência ao profissional remunerado que, como previsto na reforma de 1899, era um agente
21

de confiança do governo, encarregado da fiscalização das escolas [...]” (GONÇALVES)


22
Lei Orgânica do Ensino Comercial- Decreto-Lei n. 6.141 – de 28 de dezembro de 1943.
57

que o Ginásio Comercial foi determinação do Decreto e o nome “Padre Curvelo”, sugestão em
homenagem ao fundador da cidade - o Padre Antônio Corvello de Ávila.
Somente em 1945, foi que se criou formalmente o Curso Comercial Básico, por força
do Decreto-Lei 6.141, de 28 de dezembro de 1943, que habilitava o Auxiliar de escritório e, em
1949, o curso Técnico em Contabilidade. A formalidade se deve ao fato de que nessa data
houve a entrega do Relatório de Verificação Prévia para o Ministério da Educação e Saúde –
Diretoria de Ensino Comercial. Percebe-se que há um anseio da própria comunidade para a
legalização dos atos escolares, o que culminaria com a permanência e afirmação da educação
praticada desde o início da instituição.

2.1.1 Por que o Lyceu Mineiro veio para Curvelo?

O município de Curvelo é integrante da microrregião do Alto do Médio São Francisco.


Localiza-se entre as bacias do Rio São Francisco, Rio das Velhas, Paraopeba, Cipó e Bicudo e
ainda apresenta os ribeirões Maquiné, Picão, Almas, Meleiros e Santo Antônio como os mais
importantes (IBGE, 1920). Curvelo possui uma posição geográfica privilegiada, que liga a
região central de Minas aos Três Estados da região Sudeste e a Brasília. Tem uma área de
3.306,1 Km2 e fica distante 160 km da capital do Estado.
A história do município inicia-se no final do século XVII, com desbravadores como os
baianos, que subiam os rios São Francisco e Guaicuí; e os paulistas que desciam, uns povoando
às margens dos rios e outros à procura de ouro e pedras preciosas. Os viajantes tinham como
um dos pontos de parada as margens do Ribeirão Santo Antônio da Estrada e, por isso, o
lugarejo chamava-se Santo Antônio da Capela, depois Santo Antônio da Estrada, Santo Antônio
dos Corvelos e finalmente Curvelo. O nome faz referência ao Padre Antônio Corvelo de Ávila,
que resolveu fixar residência no pequeno povoado(DINIZ, 1975, p.309).
58

Figura 3 - Localização de Curvelo

Fonte: Mapa de abrangência regional da SEDESE-MG –2019.

Cabe ressaltar que em 11 de setembro de 1816, o Príncipe Regente Dom João, concedeu
a Curvelo o foro de Vila. O município foi criado por decreto da Regência Trina em 13 de
outubro de 1831. A primeira Câmara tomou posse e começou a funcionar em 30 de julho de
1832, sob a presidência do Tenente Coronel João Marciano de Lima. Em 15 de novembro de
1875, pela Lei 2.153, Curvelo é elevado à categoria de cidade e, em 13 de novembro de 1891,
a denominação da Comarca de Curvelo.
Uma resposta para a pergunta: Por que o Lyceu Mineiro veio para Curvelo? - título desta
sessão, toma a origem geográfica da cidade como resposta – devido à sua localização central,
interligando várias regiões do Estado, e outros estados. Para, além disso, e em consequência,
Curvelo era importante centro de desembarque do comércio vindo do Norte de Minas e do
sertão da Bahia. Os contatos entre áreas de mineração do centro de Minas Gerais e as fazendas
de criação do sertão de São Francisco e Bahia se faziam pelas terras de Curvelo, que funcionava
como importante “pouso de tropas” na estrada da Bahia.
Durante os séculos XVIII e XIX teve como principais atividades econômicas a criação
de gado bovino e o comércio fortalecido pelos tropeiros23. No início do século XX iniciou-se a

23
Principal grupo de agentes comerciais do mercado mineiro colonial. Ver: CHAVES, Cláudia Maria das
Graças, 1999, Perfeitos Negociantes: mercadores das minas setecentistas.
59

fase da cultura algodoeira e mais tarde a industrialização. A região de Curvelo foi pioneira da
indústria têxtil mineira, com a instalação de duas fábricas: a primeira fábrica de tecidos de
Minas foi a Cedro, instalada em 1865, em Taboleiro Grande, onde hoje é Caetanópolis, distrito
de Curvelo até 1872, quando se emancipou compondo o município de Paraopeba, na região de
Sete Lagoas (VAZ, 1990).
Em 1875, instalou-se a segunda, a Fábrica de Tecidos Cachoeira, no distrito de Ipiranga,
hoje Inimutaba, que na época também era distrito de Curvelo. Posteriormente foram fundidas
em Cedro e Cachoeira instalando-se em 1883 como a primeira sociedade anônima do Estado.
Também se destacou na indústria de óleos, da Companhia Agropecuária de Curvelo, com
fábricas de óleo de caroço de algodão e mamona.
Assim, como consequência da localização e do interposto de comércio das Minas
Setecentistas ou época da mineração, houve a instalação da linha férrea Central do Brasil até
Curvelo, em 04/08/1904 (DINIZ, 1975 p. 309), “causando admiração dos sertanejos e
população das redondezas”, o que dotou a cidade de condições para ampliar a comercialização
com grandes centros como Juiz de Fora, Rio de Janeiro e São Paulo. Antônio Gabriel Diniz
(1975, p. 310) afirma que de “toda parte vinham pessoas que pernoitavam na cidade e
movimentavam o comércio local, aumentando a população urbana”. Segundo a observação oral
feita pelo professor e ex-aluno da instituição escolar, Prof. Fausto Ferreira dos Santos, que foi
diretor no período de 1998 a 2004.

“a transferência do Sr. Érico de Bacellar e Souza para Curvelo tem forte relação com
o grande desenvolvimento que a cidade tinha nessa época, devido à movimentação
ferroviária já que Curvelo era a última estação de trem para o Norte, porque a linha
do trem não chegava a Montes Claros e nem a Pirapora, e não havia ligação nem
mesmo para Salvador.”

Dentro da rara literatura existente sobre a história de Curvelo, não foi possível encontrar
explicitamente a resposta para a indagação da escolha de Curvelo para a transferência da escola,
mas diante da situação econômica atrelada ao respaldo político da época é realmente
interessante o comentário do ex-diretor, em conformidade, logicamente, com a localização e a
organização e desenvolvimento urbano. Isso porque a afirmação da república se deu pela
educação e o desenvolvimento urbano exigia novas rotas de transporte até mesmo pelo
abastecimento interno, porque Minas Gerais tem uma significativa amplitude territorial e desde
épocas colônias os governantes sofriam com a dinamização do comércio até mesmo para a
subsistência. No Jornal do Comércio de 04 de abril de 1937 há a explicação do grande
desempenho comercial de Curvelo, em números:
60

...e o 1908 o município exportou mais de 10.000 bois gordos, consumiu uma parte e
exportou o restante de 15.000 fardos de algodão; exportou tecidos de algodão, cereais,
madeira, borracha, massa alimentícia, couros crus e preparados e muitos outros
produtos. Possuía mais de 100 casas de 1ª classe e outras tantas de 2ª classe (Jornal
do Comércio, 04/04/1937, p. 1).

Nesse cenário, importa afirmar que na época em que se instalou o Lyceu Mineiro,
Curvelo possuía um comércio alvissareiro, servindo de entreposto para as regiões
circunvizinhas e contava ainda com o serviço do transporte férreo da rede ferroviária que
facilitava o intercurso de recebimento e movimentação de matéria prima e gêneros diversos
para abastecimento do comércio local e dos arredores. Em texto publicado pelo historiador
curvelano e ex-aluno do Lyceu Mineiro, Sr. Silvio Gabriel Diniz, cujo título é “Dados para a
História de Curvelo”, o autor descreve a cidade no início do século XX:

Já em 1915 a cidade possuía iluminação elétrica, água canalisada, rede telefônica e


telegráfica, posto metereológico, banda de música, o semanário “Centro de Minas”,
dois cinemas, linha do Tiro de Guerra, e “Tiradentes Foot-Ball Club” e as sociedades
União Beneficente Operária, Conferência de São Vicente de Paula, Damas da
Caridade e Servas dos Pobres. [...] havia na cidade 6 médicos, 12 farmacêuticos e 6
farmácias, 7 advogados, 4 dentistas e 1 agrimensor. Além de Juiz de Direito, Juiz
Municipal e Promotor Público. (DINIZ, 1975, p.103).

Abaixo será apresentado o Quadro 1, em que observa-se o grande número de


estabelecimentos comerciais para venda de fazendas, ferragens e armarinhos. Além de artigos
de subsistência como arroz, milho e cereais. É interessante destacar a existência de uma agência
de automóveis e um antiquário de móveis, além do comércio de máquinas de escrever. Artigos
de luxo, como roupas de casimira, que eram importadas à época, e da existência de casas
comerciais com a indicação de cômodos para pernoite “para bruaqueiros, carreiros e tropeiros
e tinha curral para bois”. Richard Burton, apud CHAVES (1990), descrevendo as vendas
mineiras relata:

as vendas pertenciam a um estágio intermediário entre o rancho e a estalagem na


escala de hospitalidade mineira. Na terra onde um de cada dois cavalheiros montam
uma casa de comercio” (Burton, 1976, p. 101). Segundo o autor, nas vendas se
encontrava de tudo “desde alho e livro de missa, até cachaça, doces e velas, e, além
disso, encontrava-se, também, um quarto para acomodar viajantes.
61

Quadro 2 – Estabelecimentos Comerciais existentes em Curvelo no início século XX

Fonte: Livro “Dados para a História de Curvelo”, DINIZ, 1975, pag. 103 a121 autoria própria

Como pode ser percebido, a própria realidade da cidade sinalizava uma demanda de
formação para atender ao seu expansivo comércio, justificativa plausível para a instalação de
uma escola que educa para o comércio. Para além dessa questão inicial importa ainda dar
continuidade a pergunta da pesquisa que não se esgota na justificativa da instalação de uma
escola de comércio na cidade de Curvelo, mas vai além, na tentativa de responder como se
organizou a instituição e suas demandas institucionais.
62

2.2 Prédio Escolar, dimensão social e documental

Segundo Escolano, na Europa, “o lugar que a escola teve que ocupar na sociedade, foi
um ponto de especial preocupação para os reformadores dos fins do século XIX e início do
século XX” (FRAGO; ESCOLANO, 1998, p. 30). Da mesma forma, no Brasil, começou a
surgir, na mesma época, uma preocupação com um lugar específico para a escola funcionar, ou
seja, com a construção do prédio escolar. Souza corrobora com a afirmação que

em determinado momento, políticos e educadores passaram a considerar


indispensável a existência de casas escolares para a educação de crianças, isto é,
passaram a advogar a necessidade de espaços edificados expressamente para o serviço
escolar. Esse momento coincide com as décadas finais do século XIX e com os
projetos republicanos de difusão da educação popular (SOUZA, 1998, p. 122).

No que se refere ao ambiente e os projetos de construção predial ou de instalação


espacial de uma dada escola. Justino Pereira de Magalhães destaca que a História das
Instituições Educativas permite, dentre as principais facetas, “descrever, compreender e analisar
as instituições educativas – os espaços e a estrutura arquitetônica”. Sobre o assunto, declara que

Quanto aos espaços e a estrutura arquitetônica dos edifícios, há instituições educativas


que resultaram de projetos arquitetônicos de origem e instituições escolares e
educativas instaladas em prédios adaptados. Numa e noutra dessas circunstâncias, não
podem deixar de ser considerados aspectos como localização, projeção e plano
arquitetônico [....]. A implantação do edifício na paisagem física e humana, os acessos
e formas de isolamento e/ou de relações refletem, condicionam ou estimulam a relação
com a comunidade envolvente (MAGALHÃES, 2004, p. 142).

Aplicando as observações traçadas por Magalhães, temos a situação da escolha do


prédio para o funcionamento inicial da escola, objeto dessa dissertação. “O Lyceu Mineiro foi
instalado numa das ruas principais de Curvelo, em 16 de outubro de 1927, em um casarão de
dois pavimentos, localizado na Avenida Dom Pedro II, antiga residência do Dr. Pacífico
Mascarenhas” e cedida pelo mesmo. Essa foi uma situação muito semelhante ao que ocorreu
com a escolha do lugar de funcionamento dos grupos escolares, como relatou Faria Filho (2000,
p. 42):

O fato de os grupos escolares ocuparem não apenas os melhores prédios, mas também
aqueles mais centrais, denota a importância atribuída aos grupos escolares na
composição do desenho urbanístico da cidade, um esforço por demonstrar a
centralidade que o lugar da educação escolar deverá representar no interior da
cidade[...].
63

Assim, pode ser afirmado que a localização da instituição educativa foi pensada, mesmo
porque o prédio, além de destacar-se dos demais, oferecia as condições para receber alunos em
sistema de internato, que demandava um espaço ampliado e adaptado. Nesse prédio, a escola
funcionou durante 03 anos.
Com o passar do tempo, e com o crescimento da escola, mais espaços foram
demandados. Fato esse que fora percebido na leitura das Atas das reuniões da Congregação
Escolar. Ademais, as afirmações denotavam o anseio de todos pela construção de um novo
prédio, visto como um assunto premente. Vimos também nas Atas, a constante preocupação
com a instalação da escola em local apropriado, principalmente no que se refere à questão da
higiene e do ensino.
Na revista “Nossa Terra”, de junho 1928, encontra-se a seguinte referência ao prédio:
“instalado em prédio amplo e confortável, adaptado para estabelecimento de ensino, com todas
as exigências da higiene e as mais rigorosas prescrições pedagógicas” (1928, pag. 3). O prédio
referenciado é o que se encontra na Figura 4.

Figura 4 – Prédio onde funcionava o Lyceu Mineiro em 1926, a Avenida Dom Pedro II

Fonte: Revista Nossa Terra, junho 1928


64

Quando ocorreu a mudança do primeiro gestor escolar, em 1931, a escola foi transferida
para um novo prédio, conforme relatado pelo memorialista da cidade Juvenal Pereira Soares,
citando o Livro de Atas do Conselho Gestor da Escola:

Em 1931, a escola foi transferida para novas dependências construídas à Rua João
Pessoa. Isso se deveu a mudança do fundador/proprietário e diretor da escola Sr. Érico
de Barcelar e Souza para São Paulo e a organização da Sociedade Lyceu Mineiro
Sociedade Ltda., representada por cidadãos Curvelanos que “acreditavam na
Educação como força propulsora do progresso[....] que compraram a instituição
educativa, e através de empréstimos construíram o novo prédio (SOARES, 1988, p.
22).
É importante enfatizar que quando se faz referência à arquitetura ou da localização do
espaço físico de uma dada escola, o seu arranjo interno também precisa ser apresentado. Nesse
sentido, deve-se ressaltar a disposição da estrutura interna da arquitetura escolar, no que diz
respeito à disposição das salas e áreas de alimentação, lugar da aula de educação física e pátio
utilizado no recreio, das brincadeiras, das apresentações e das comemorações.
Ademais, constatou-se que os gestores da instituição, no momento da procura de um
novo prédio, levaram em consideração que o espaço físico deveria ir ao encontro dos objetivos
da instituição escolar. Essa constatação pode ser visualizada na Figura 5, que retrata a
individualização das salas de aula, sala de espera, diretoria e secretaria, localizadas logo na
entrada do prédio, demarcando o local dos gestores escolares como condutores do processo de
escolarização e também limitando a entrada, já que para adentrar a instituição dever-se-ia passar
em frente às salas da direção e da secretaria.

Figura 5 - Planta após a reforma do Prédio a Rua João Pessoa

Fonte: Acervo da FAC


65

Quanto ao acesso dos alunos à escola, eles entravam por outro portão, localizado entre
o jardim e a diretoria, e que permanecia fechado na maior parte do tempo escolar, sendo aberto
apenas nos momentos de recebimento dos alunos externos ou da saída dos mesmos, e
acreditamos, sempre sobre a vigilância de porteiros ou disciplinários da escola, veja seta
indicativa na Figura 5. Ao fundo havia um galpão onde se encontrava um pequeno palco,
utilizado para atividades de apresentação, horas cívicas, e logo em frente a uma cantina e o local
onde eram servidas as refeições. Já o espaço dos dormitórios para os alunos internos ficava no
2º pavimento ao fundo, no lado direito, no retângulo demarcado entre as letras A/B/C/D
conforme indicado na própria planta, o que permitiria um maior controle sobre esse espaço e
consequentemente dos alunos. Ao fundo encontra-se o Campo de Futebol que complementa a
estrutura com local para recreação e participação nas aulas de Educação Física.
Faz-se oportuno informar que os registros fotográficos utilizados nessa dissertação estão
sendo considerados, de acordo com Marcus Levy Bencostta (2011, p. 400), como “objetos
culturais que guardam fortes vínculos entre a memória dos personagens da escola e a memória
da própria instituição”, visto que enquanto fontes, essas fotografias consistem em testemunho
e representação da escola em determinada época, pois revelam a um só tempo o modo de ser,
mas também o de se conceber a escola. As fotografias trazem informações sobrea cultura
material escolar, a partir dos arranjos espaciais (arquitetura) e também das memórias do que foi
vivido nos espaços.
Observa-se que nas duas fotografias (Figura 4 e Figura 6) é possível identificar o letreiro
com o nome da instituição escolar em letras garrafais, demarcando o local e o prédio. No prédio
da figura 04, “Lyceu Mineiro”, e na figura 06, “Ginásio Padre Curvelo”, talvez porque queriam
deixar evidente o nível de ensino fomentando maior procura por matrículas, ou simplesmente
fazer menção à nova dimensão social, já que a escola, desde 1931, não pertencia mais a Erico
de Bacellar e Souza, mas à Sociedade Lyceu Mineiro Ltda.
Essa ênfase dada ao nome da escola de Ginásio, pode também estar relacionada às
dificuldades com a normatização do Curso Técnico de Comércio, tendo em vista a publicação
do Decreto nº 20.158, de 30/06/1931, principalmente no que se refere ao Artigo 30, que trata
dos gabinetes e laboratórios que deveria possuir o estabelecimento para serem reconhecidos
oficialmente. Isto porque houve temporariamente a cassação do funcionamento escolar em
1932, por não atender aos requisitos do Decreto. Como se pode ver na notícia veiculada em 03
de julho de 1932, pelo Jornal Centro de Minas, na 1ª página:

Causou péssima impressão nesta Cidade o acto do Ministerio da Educação, que cassou
a inspecção preliminar do Liceu Mineiro. Esse estabelecimento modelar quanto ao
66

ensino e methodos pedagógicos, devia merecer do poder competente as attenções que


se devem aos que com esforços hercúleos mourejam pelo engrandecimento e
moralização do ensino. (JORNAL CENTRO DE MINAS, 1932, p.1).

Após alguns dias, para alívio da comunidade escolar e da cidade, no dia 10/07/1932, o
mesmo Jornal publicou com letras garrafais, na 1ª página o seguinte:

Temos a satisfação de anunciar que o caso do Lyceu Mineiro teve solução satisfatória
para nós. Nesse sentido o Diretor do estabelecimento recebeu carta do tenente coronel
José Vargas, ilustre curvellano que perante o Ministério da Educação defendeu os
interesses do educandário que se sacrificava (JORNAL CENTRO DE MINAS, 1932,
p.1).

E, ainda, não satisfeito o comunicado da superação do caso, volta novamente com um


relato, no dia 24/07/1932, com uma chamada de atenção:

Felizmente, desta vez, na questão do nosso gimnasio, os dados correram ao nosso


favor. [...]. Esse fato, porém, vem nos por de sobreaviso para o futuro: uma vez que
fomos favorecidos com a prorrogação do decreto até dezembro, é tempo de se porem
em acção os mais enérgicos esforços afim de que, no mais breve espaço de tempo, se
satisfaçam todas as exigências do Regulamento de ensino. É do domínio de todos que
o que falta está reduzido na construção de prédio apropriado para laboratório, gabinete
e aulas.

Figura 06 – Fachada do novo Prédio à Rua João Pessoa, 1931

Fonte: Jornal “Centro de Minas”


67

Figura 07 – Vista panorâmica do Novo Prédio à Rua João Pessoa, 1931

Fonte: Jornal “Centro de Minas”

2.3 Alunos, Corpo Docente e as mantenedoras do Lyceu Mineiro

2.3.1 Origem dos alunos

Em 1927, na cidade de Curvelo, havia 04 escolas já institucionalizadas: Escola Normal


Livre de Curvelo, inaugurada em 17/06/1913, com o Curso Normal, Grupo Escolar de Curvelo,
fundado em 03/03/1917, que atendia o Ensino Primário, Orfanato de Santo Antônio, fundado
em 1921 e que atendia o Curso Normal e Ensino Primário. Portanto, a notícia publicada no
Jornal Voz do Povo, no dia 28 de outubro de 1928, a apenas 12 dias da inauguração da escola,
confirma que a vinda de uma instituição escolar de Ensino Secundário foi uma grande conquista
para a localidade, uma vez que ainda não possuía tal modalidade. Os noticiários trataram a
novidade como um símbolo de progresso. Eis o que disse o jornal:

Seus alunos poderão fazer ali, o curso gymnasial em transição para os cursos
superiores do paiz; quer dizer, sem grandes sacrifícios e sem separarem de junto de
suas famílias, fazem todos os preparatórios antes de seguirem para qualquer curso
superior ou universidade. Ahi está o motivo dessavictória que bem representa um
marco do progresso para Curvelo. (JORNAL VOZ DO POVO, 1928, p. 1).
Na Figura 8, abaixo, observa-se a composição de alguns alunos de turmas que podem
ser de 1931 ou 1932, época na qual foram localizados os nomes dos alunos nas listas da escola.
68

No universo dos alunos organizados para a fotografia vemos que existem jovens e crianças,
público de várias idades. Encontramos alguns que são menores, que deveriam pertencer ao
curso primário; outros com idade já adiantada que deveriam compor o curso secundário e o
comercial. Além das meninas que em menor número compunham o grupo, em destaque ao
meio. Ao centro, temos os professores da escola e, dentre eles, o Monsenhor Xavier Rolim24.

Figura 8 - Fotografia dos alunos da Instituição Escolar

Fonte: Acervo da FAC


No estudo das fontes25 verificou-se, em relação à procedência geográfica dos alunos,
uma ampla diversificação de suas origens, o que denota a boa aceitação da instituição nas
proximidades da cidade de Curvelo (1927 a 1931). Com a indicação de originários de Curvelo
encontram-se 30 alunos. É a cidade sede da escola de onde se originaram a maioria dos alunos,
conforme verificado que se repetia nas matrículas de anos posteriores. Entretanto, constata-se
que a maioria das matrículas realizadas, pelo menos no início da instituição (1927 a 1929), e na

24
ROLIM, Francisco Xavier de Almeida, monsenhor, político, sacerdote, jornalista e historiador, nasceu em Datas,
então Distrito de Diamantina, Província de Minas Gerais, a 3de dezembro de 1855, e faleceu em Curvelo, a 31 de
janeiro de 1943. Formando-se no curso de Humanidades e os estudos eclesiásticos no Seminário de Diamantina.
Foi Ordenado sacerdote em 1878, desempenhou a função de vigário de Datas até março de 1883. Ingressou então
na política, como Vereador à Câmara Municipal de Diamantina (1883-1886). Passando a residir em Curvelo, ali
exerceu o paroquiato por 57 anos além de fundar e dirigir o Colégio Boa Esperança e a Escola Normal,
estabelecimentos em que lecionou várias disciplinas, além de Professor no Lyceu Mineiro. Como político foi
Vereador (1892-1912). Presidente da Câmara e Agente Executivo Municipal (1895-1912). Deputado Estadual da
3ª à 6ª Legislaturas (1899-1914), ocupou a Vice-Presidência da Câmara e teve a iniciativa de leis que introduziram
ampla reforma no ensino oficial. Em seguida, elegeu-se Senador Estadual da 7a à 9a Legislaturas (1915- 1926).
Encerrou sua carreira política com atuante participação no movimento da Aliança Liberal.
25
Como já dito na introdução, conseguiu-se acesso somente aos dados das pastas de 120 alunos.
69

década de 1930 de modo geral, eram de cidades mais distantes, como Manga, Ouro Preto, Santa
Luzia, Itabirito, Entre Rios, Passa Quatro, Juiz de Fora, Tijucal.
Esses dados podem ser corroborados nos Quadros de fotografias de formandos de cada
ano, que adornaram as paredes da escola e que se encontram no museu da FAC e que estão
apostos a seguir, nas Figuras 09 e 10, dando visibilidade aos concluintes nas turmas de 1932 e
1934. Nota-se a diferença de apenas 02 anos no espaço temporal de uma turma para outra e as
vestimentas (uniforme) se alteraram. No início da instituição escolar, os jornais chamavam a
atenção para o “vanglorioso pelotão de meninos com o fardamento típico da época – quepe,
botas, talabarte, polainas de cor esverdeada” (SOARES, 1928, p. 23) fazendo referência a esse
suntuoso uniforme.

Figura 09 – Tablado com indicação de formandos do ano de 1932, do Curso Secundário:


professores acima e 11 alunos abaixo.

Fonte: Museu da FAC


70

Figura 10 – Tablado com indicação de formandos do ano de 1934, do Curso Secundário:


paraninfo e professores acima e alunos abaixo.

Fonte: Museu da FAC

Não foi encontrado o Tablado de 1933, mas há nota na imprensa da formatura de 13


“quinto anistas”, que foram titulados, segundo a legislação em “bacharéis em sciencias e
letras”26.
A cidade de Curvelo possuía os seguintes distritos: Traíras, Santo Antônio da Lagoa,
Ipiranga, Piedade do Bagre, Morro da Garça, Cedro, Corinto, Ponte do Paraúna, Silva Jardim
que, hoje, já foram emancipados e são as cidades de Inimutaba, na época Ipiranga; Presidente
Juscelino, na época Paraúna; Felixlândia, que se chamava Piedade do Bagre; e Almas, dentre
outras, compunham o universo de cidades e localidades próximas que possuíam alunos que
frequentavam a escola (Resenceamento, 1920).
Destaque para os locais de origem dos alunos que formaram em 1934, conforme Tabela
1, abaixo, que mostra os alunos por naturalidade. Como se vê, a naturalidade era bem
diversificada demonstrando a dimensão de atendimento e abrangência da instituição escolar.
Esses dados não necessariamente comungarão com os dados da Figura 2, já que a mesma foi

26
Pelo Decreto 16.782 A de 13 de janeiro de 1925, segundo o Art 54, parágrafo 2º : “ao estudante que fizer o
curso do 6 anno e for aprovado em todas as matérias que o constituem será conferido o grao de bacharel em
sciencias e letras” (BRASIL, 1925).
71

feita por amostragem apenas das pastas que foram pesquisadas no início dos trabalhos. Atrelado
a isso, está o fato de que somente foram pesquisadas as pastas que representavam o Ensino
Comercial, e não o Ensino Secundário.

Tabela 1 – Alunos por naturalidade (amostragem)

NÚMERO DE
LOCALIDADE ALUNOS
Abaeté 1
Almas 1
Araçai 2
Bagre 9
Baldim 1
Belo Horizonte 1
Bragança 1
Buenópolis 2
Cordisburgo 2
Corinto 2
Curvelo 30
Felixlândia 9
Gouveia 1
Ipiranga 1
Montes Claros 1
Morro da Garça 4
Paraopeba 1
Pequi 1
Tomaz Gonzaga 1
Pirapama 1
Rio Vermelho 1
Santa Rita do Cedro 2
Sete Lagoas 2
TOTAL ALUNOS 77
Fonte: Elaborada pela autora, a partir do acervo escolar

Outro aspecto importante a considerar sobre a origem social dos alunos é a origem das
profissões de seus pais. Cabendo informar que nem todas as pastas consultadas continham o
dado, por isso apresentamos tão somente uma amostragem. Das consultas exitosas elenca-se
uma maioria de comerciantes, fazendeiros e industriais, respectivamente, nessa ordem em
número de amostras. Acresce-se a esses outros profissionais, em menor número, profissões de
bombeiros, pedreiros, pintor, chofer, carpinteiro, lavrador, guarda livros e funcionário da
Central. Essa origem profissional majoritariamente de profissões prestigiosas socialmente
72

permite-se inferir que possivelmente a Escola atendia em maior número a uma população com
condições de vida financeira privilegiadas (PATTO, M. 1999). Na leitura das Atas de Reuniões
da Congregação a situação econômica dos alunos vem à tona e esses dados são corroborados
com as discussões sobre a distribuição de bolsas de estudo para “alunos reconhecidamente
pobres”, deixando em evidência que os alunos não bolsistas tratavam-se daqueles alunos com
melhores situações financeiras. Confira na TABELA 2, abaixo:

Tabela 2 – Matrícula por profissão dos pais


NÚMERO
PROFISSÃO PAIS
Guarda Livros 1
Industrial 3
Comerciante 11
Fazendeiro 4
Bombeiro 2
Pintor 1
Chofer 1
Pedreiro 1
Negociante 1
Lavrados 2
Carpinteiro 1
Funcionário Público 1
Funcionário da Central 1
TOTAL DE PAIS 30
Fonte: Elaborada pela autora, a partir do acervo escolar

Além das dimensões de cunho social e profissional dos pais, o zoneamento da


residência, demarcava um local de prestígio social; isso pode ser verificado por meio do
endereço constante nas fichas de matrícula dos alunos. A localização, na maioria dos casos, era
próxima à escola, em ruas que compõem o perímetro central da cidade, como a Praça do
Mercado, a Rua Dr. Pacífico Mascarenhas, Rua General Carneiro, Rua Juvenal Borges, Rua
Barão do Rio Branco, Rua Visconde de Ouro Preto, Rua Jose Bonifácio, Rua Padre Curvelo, e
Rua Sete de Setembro. Como se tratava de uma instituição educativa de internato e semi-
internato havia os casos de alunos que não residiam na cidade e, portanto, moravam na própria
escola e lá faziam suas refeições e lazeres.
Como pôde ser visto, e é importante destacar, o Lyceu Mineiro não atendia apenas a
alunos para o Curso Comercial. Havia também aqueles do curso Secundário. Ressalta-se que,
mesmo não pertencentes ao curso técnico, os alunos participavam das aulas de datilografia.
73

Essa informação foi encontrada registrada no Livro de Termos de Visita do Inspetor Escolar,
em 06/05/1929.
O inspetor Antônio Ribeiro de Paula relatou que havia 133 alunos, sendo 85 “gynasial”
e 13 comercial, mais 1 aluno no Curso preparatório, 8 na Admissão e 19 no primário; além de
citar 17 alunos de datilografia não pertencentes ao curso comercial. Ou seja, os alunos do
Ensino Secundário ou de outras modalidades existentes na instituição experimentavam algumas
rotinas de técnico de comércio, como aulas de datilografia. Outras vezes os que frequentavam
apenas o período diurno, quando concluíam seus cursos, por não terem opções para o Curso
Superior, retomavam os estudos para fazer o Curso Técnico. Exemplo muito comum eram
alunos do curso Normal, já diplomados, optarem por fazer o Curso Técnico para complementar
os estudos. Isso foi normatizado pela Circular nº 01 de 15/02/1947, que deu às normalistas
direito de requerer matrícula nas escolas de Comércio, no Curso Comercial Básico, com
adequação apenas no conteúdo de Língua Estrangeira.
Aqueles que não estudaram tal conteúdo fariam exame de admissão, apenas desse
conteúdo, para verificar se havia conhecimento satisfatório. Isso já constava do parágrafo único,
do Artigo 21, do Decreto 6.141, que a partir de 1947, torna-se verificação habitual, como se
pode ver abaixo:

Art. 21. Além das condições referidas no artigo anterior, deverá o candidato satisfazer
o seguinte:
I. Para o curso comercial básico:
a) ter pelo menos onze anos, completos ou por completar até o dia 30 de junho;
b) ter recebido satisfatória educação primária;
c) ter revelado, em exames de admissão, aptidão intelectual para os estudos a serem
feitos.
Parágrafo único. É facultado a cada estabelecimento de ensino comercial prescrever,
no respectivo regimento, a exigência de exames de admissão para concessão da
matrícula inicial em qualquer dos cursos de que trata o n. II do presente artigo.

2.3.2 Corpo Docente

Desde o início do funcionamento da instituição, as notícias publicadas no Jornal Revista


Nossa Terra destacavam a formação de um grupo seleto de profissionais que lá trabalhavam.
Noticiavam, destacando os professores como portadores “de reconhecida idoneidade intelectual
e moral”. Tais destaques ao corpo docente apareciam como um dos indicadores da dinâmica
escolar e, com isso compunham as notícias nos jornais fazendo a propaganda para as matrículas
74

na escola. Abaixo, na Figura 11, uma fotografia publicada, com a identificação dos professores
e professoras.

Figura 11 – Grupo de Professores

Fonte:
Revista Nossa Terra, 1928. A fotografia faz referência ao ano letivo de 1927.

Observou-se nos relatos documentais que os deveres do professorado para com a


instituição, exigidos no regulamento e presentes em suas práticas, eram bastante incisivos. Eles
desdobravam-se entre aulas, entrega de avaliações com prazo determinado, aferição de
frequência, participação em bancas de provas orais de exames de admissão e regulares e,
também, com a presença em eventos escolares como comemorações cívicas, reuniões
quinzenais da congregação, reuniões literárias do “Grêmio Euclides da Cunha”, viagens,
trabalhos de campo e formaturas. Além disso, consta do Regimento escolar, que o processo de
seleção foi primoroso e exigente, levando-se em conta além da idoneidade moral e competência
pedagógica dentre tantos outros tantos atributos, como consta do Capítulo IV do documento:

O apelo uníssono do educandário encontrou forte ressonância a quadros


humanos que constituem a magistratura, a medicina, o aparelhamento do
direito e outras magníficas manifestações da inteligência curvelana,
75

possibilitando-lhe destarte, uma composição honrosa do corpo docente. Da


soma apreciável de semelhantes valores humanos, nasceram resultantes de
culto da disciplina e da aptidão pedagógica. (Regimento Escolar, 194427)

Alguns professores estiveram presentes em todo o período da pesquisa, de 1927 a 1957,


como é o caso do Professor de Matemática, Sr. José Raimundo de Moura, que além de professor
exerceu as funções de secretário escolar, membro atuante da congregação, figurando como um
dos exemplos da instituição escolar, sendo lembrado pelo zelo da rotina nas funções de
professor de matemática da instituição. Além da função de professor da instituição, o professor
Jose Raimundo de Moura também exercia a função de Oficial do Cartório de Protesto. Destaca-
se que até os anos de 1933, ao fim de cada período letivo, eram publicados anúncios nos jornais
com os professores que lecionariam no ano seguinte. Por exemplo, esse anúncio publicado no
ano de 1928 no Jornal Voz do Povo (25/12/1928) na primeira página:

O diretor do Lyceu Mineiro, fez sciente aos snrs professores, ter recebido aviso de
São Paulo, da chegada dos cathedraticos Rodolpho Wolf, lente de grego, latim, inglês,
physica e chimica e Bento Ferreira de Carvalho, lente de escripturação mercantil e
contabilidade comercial (JORNAL VOZ DO POVO, 1928).

Ao se pesquisar na imprensa local foi possível identificar quais profissionais estavam à


frente dos trabalhos da escola, no tempo inicial já que não foram encontrados indícios ou fontes
sobre os profissionais. Apesar disso, percebe-se que as informações veiculadas nos jornais não
coadunavam com a publicação formal da escola sobre distribuição das aulas por professores.
Dentre elas, cita-se a que se encontra no texto referenciado acima, que faz menção à chegada
de dois novos professores, “lentes de escrituração mercantil e contabilidade comercial”, Srs.
Rodolpho Wolf e Bento Ferreira de Carvalho, e cuja informação também se encontra no Quadro
3, de 20/01/1929, abaixo.
Em contrapartida, no Quadro 4, que já representa uma informação de abril de 1929,
esses professores não mais compõem o quadro de docentes e, nem mesmo, há indicação do
conteúdo de contabilidade que seria da regência do professor Bento Ferreira de Carvalho. Fica
a indagação se as turmas que eles atuariam não obtiveram matrículas ou se no decorrer do
processo não aconteceu conforme o combinado. Desse modo, a “oscilação dos processos para
os produtos e dos produtos para os processos, de forma progressiva e regressiva”, chamado por
Magalhães (2004, p. 135) como um percurso de “dupla entrada” deve compor o estudo do
conhecimento historiográfico da relação educativa.

27
Na busca nos arquivos no início dos trabalhos foram encontradas partes de um Regimento Escolar que
acreditamos ser aquele entregue a Equipe de Inspeção Escolar juntamente com o Processo enviado em 1944 para
Autorização dos Cursos Técnicos de Comércio.
76

Quadro 03 - Relação de Professores do Ano de 1929 (janeiro)


GEOG
RAFIA
GERAL
ANO DE HISTÓ
,
1929 MATEMÁ FRANC RIAUN DESENH CONTABIL
INGLÊS LATIM CHOR
PORTUGU TICA ÊS IVERS O IDADE DATILO
OGRAP
ÊS AL GRAFIA
HIA DO
BRASI
L,
João Lima Erico
Edith
Juvenal Guimarães, Bacellar Erico de
Ferreira,
Gonzaga João Violeta e Souza Araceli Bacellar e
Rodolph João Monsen
Gabriel Hargreaves Antonio de Souza Irene
o Wolf, Gabriel, hor
Antônio Ribeiro, Ribeiro, R. Bacellar e Bento Aguilar,
Xavier
Gabriel Diniz Jose Guimarã Souza Ferreira de Antônio
José Rodolph Rolim
Raymundo Rodolpho es, Carvalho e Meira
Raymun o Wolf
Claudovino de Moura, Wolf Jurandy Edith Jose
do de
de Carvalho Celso Gonzaga Ferreira Canabrava
Moura
Gonzaga
Fonte: Elaborado pela autora, a partir de informações do Jornal Voz do Povo, 20/01/1929

Quadro 04 - Relação de Professores do Ano de 1929 (abril)


GEOGRAFI
ANO DE 1929 A GERAL, HISTÓRIA DATILOG
MATEMÁTICA INGLÊS FRANCÊS LATIM DESENHO
PORTUGUÊS CHOROGR UNIVERSAL RAFIA
APHIA DO
Juvenal João Lima Violeta José João Erico Bacellar Monsenhor Araceli de Irene
Gonzaga Guimarães, Hargreaves Raymundo Gabriel e Souza, Xavier Bacellar e Aguilar,
Antônio João Gabriel Ribeiro, de Moura Antônio Rolim Souza, Antônio
Gabriel Diniz Ribeiro, Edith Ribeiro Cecília Alves Meira
Claudovino de Jose Raymundo de Ferreira Guimarães, Gomes,
Carvalho Moura, Antonio Jurandy Edith
Celso Gonzaga Ribeiro Gonzaga Ferreira,
Guimarães
Fonte: Elaborado pela autora, a partir de informações do Jornal Voz do Povo, 21/04/1929

No que se refere às funções públicas que os professores exerciam para além da docência
na escola, a pesquisa indicou que pertenciam ou trabalhavam em entidades como a Associação
Comercial, Associação Católica de Moços, cartórios e partidos políticos, além de outras funções
como as de profissionais liberais, sendo proprietários de empresas, além do exercício das
atividades de advogados, farmacêuticos e comerciantes.
A credibilidade dos professores transcendia os muros da escola, sinalizando e
ratificando a própria imagem da instituição escolar. Com isso, eram exaltados tanto os nomes
da escola, quanto dos próprios professores. O reconhecimento dos docentes junto à
comunidade, para Magalhães (2003), está no fato de que a docência é “[...] uma profissão que
se situa entre as mais exigentes pela sua especificidade, quanto ao desempenho funcional e ao
grau de responsabilidade, bem como quanto às repercussões da ação docente nos destinos
individuais e comunitários” (MAGALHÃES, 2003, p. 74).
Como visto, a presença da imprensa na vida da cidade é bastante intensa, demarcando
inclusive, a produção identitária tanto da escola quanto dos docentes. Essa assertiva está
77

presente em Goodwin Junior (2006) quando “trata a atuação dos homens da imprensa”28. A
imprensa fica antenada a todos os fatos da cidade, não deixando de imprimir nas suas páginas
as ideias e as várias notícias acerca do cotidiano da escola, do seu ensino e de sua
funcionalidade, como segmento importante para a cidade. Ela também atuava fazendo as
propagandas para as matrículas, divulgando várias informações, que iam desde as convocações
para exames de 2º época ou de admissão, até as chamadas para as formaturas.
Para além dessa comunicação formal, sempre que era possível, a imprensa atentava-se
para os registros da presença dos professores em eventos públicos, assim como para as
participações dos alunos nos desfiles cívicos, nas datas comemorativas e formaturas, e em
outras ações ocorridas no interior da escola, promovendo-a e recomendando para aqueles que
não a conheciam ou frequentavam. Não é de se estranhar a vinculação da imprensa aos
interesses de divulgação dos docentes e da escola. Isto porque, na constituição do corpo editorial
dos jornais a Mocidade, A Voz do Povo, Revista Nossa Terra e O Curvellano, estavam presentes
os professores do Lyceu, como redatores.
Além da presença destacada na imprensa, os professores participavam da liderança das
agremiações de estudantes. É o caso da professora Araceli de Bacellar e Souza, esposa do
proprietário do Lyceu, que foi a primeira presidente do Grêmio Juvenil, conforme noticiado
pela imprensa no dia 18 de dezembro de 1927, dois meses após a inauguração da instituição
escolar (Jornal Voz do Povo, número 26, 1ª página). Posteriormente, outros professores
exerceram funções junto ao Grêmio, notadamente o os professores Cristovam Breiner e
Francisco Venâncio.
O que foi dito até agora permite aferir que, por meio das práticas escolares ou mesmo
somente com sua vinculação ao Lyceu, os professores atuaram como agentes promotores da
Escola corroborando com a sua identidade como instituição diferente das demais do mundo
social. Entretanto, não foi sem sentido essa imersão no universo da imprensa, pois era por meio
dos jornais que eles poderiam garantir a sobrevivência da Escola, conquistando a simpatia da
população e, com isso, angariando alunos que pudessem pagar as mensalidades.
Dada a importância dos professores na formação identitária da Lyceu/Escola, o
conhecimento desses sujeitos é preponderante para essa pesquisa. Por isso, na sequência iremos
nos ater ao quadro biográfico, intentando trazer dados biográficos desses sujeitos. Esse
procedimento ganha importância na História das Instituições Educativas, uma vez que para

28
O termo “homens de imprensa” é utilizado por Goodwin Junior (2006) e trata não de jornalistas profissionais,
mas de intelectuais que usavam a imprensa como um veículo de divulgação de ideias políticas as quais os mesmos
se vinculavam. (GOODWIN, 2006, p. 193)
78

Magalhães, as histórias de vida figuram entre as categorias fundamentais que estruturam o


quadro historiográfico.
Assim, a partir das fontes acessadas, relacionou-se abaixo alguns dos professores com
suas histórias de vida, atendendo ao que Chervel (1990, p. 191) sugere: “é preciso que nos
voltemos um instante em direção ao indivíduo”. Quem eram eles? Como conseguiam realizar
a função de professor atrelada a tantas outras dinâmicas de vida? Como se deu o processo
formativo?
1 – ANTÔNIO GABRIEL DINIZ, nascido em Curvelo em 1891 e falecendo em 1969,
foi historiador e jornalista curvelano, além de professor, político, tabelião, escrivão e
conferencista apreciado. Iniciou seus estudos em Sabará e fez o secundário em Ouro Preto, onde
colou grau em Farmácia na Escola de Farmácia de Ouro Preto. Atuou como um dos fundadores
da Escola Normal Livre de Curvelo, lecionando português e matemática, exercendo o
magistério também no Lyceu Mineiro e no Orfanato Santo Antônio, a partir de 1929,
lecionando francês. (DINIZ, 1975, p. 140)
Escreveu vários livros, dentre os quais “Dados para a História de Curvelo”, Volume I e
Volume II, sendo que o terceiro volume foi publicado após sua morte pelo seu filho, Silvio
Gabriel Diniz, que seguiu os passos do pai. Foi sócio correspondente do Instituto Histórico e
Geográfico de Minas Gerais e pertenceu a Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais.
Foi fundador presidente (1929) da União de Moços Católicos, liderando junto aos padres
redentoristas. Como Jornalista dirigiu e foi proprietário de vários jornais de Curvelo, entre eles:
Centro de Minas, A Mocidade, A Vanguarda e colaborou em jornais de Belo Horizonte e Rio
de Janeiro.
2 – JOÃO GABRIEL RIBEIRO, professor catedrático do Curso Gynasial da Academia
de Comércio de Juiz de Fora, exerceu a função durante 6 anos e mudou-se para Curvelo para
dar aulas de Português, Francês, Inglês, Latim e Matemática, trabalhando inicialmente com aula
particulares (Jornal O Curvelo, 6/2/1927, 1ª página). Nasceu em Gouveia, Minas Gerais, e fez
seus estudos no Seminário de Diamantina e depois partiu para Juiz de Fora. Em seu retorno a
Curvelo, lecionou no Orfanato de Santo Antônio, na Escola Normal Oficial e no Lyceu Mineiro.
Casou-se com a Sr. Violeta Ribeiro (também professora do Lyceu).
Além de professor, foi Secretário da Prefeitura Municipal de Curvelo no governo do
Cel. José Soares dos Santos. “Católico praticante, pertencia a todas as associações religiosas e
beneficentes de Curvelo. (DINIZ, 1975, p. 142). Nas palavras de Diniz (1975) eis a definição
do professor: “Dotado de grande inteligência, vasta cultura, captava a estima e admiração de
79

seus alunos”. “Exercia o magistério como um sacerdócio”. Faleceu em 13/03/1933, e foi


homenageado pelo Grêmio “Euclides da Cunha”.
3 – JOSÉ RAYMUNDO DE MOURA nasceu em 18/02/1900 em Traíras, hoje Santana
de Pirapama. Além de professor de matemática e desenho no Lyceu Mineiro, de 19/09/1927 até
27/12/1974, ou seja, desde os primórdios da instalação da escola, também trabalhou como
Oficial do Cartório de Protesto. Foi um dos fundadores da antiga escola Técnica de Curvelo.
Como desportista fundou o Revólver Clube de Curvelo, antigo Clube de Futebol. Além de
futebol, foi treinador de basquete, mestre de Festas Juninas e incentivador de promoções em
prol da escola. Foi um dos fundadores do Clube Recreativo Curvelano (Ata de Inauguração da
Rua com o nome do Prof. José Raymundo de Moura, publicado no Jornal Curvelo Notícias no
dia 13/09/1975).
4 – Dr. JUVENAL GONZAGA PEREIRA DA FONSECA, natural de Pitanguy, Minas
Gerais, se considerava curvelano por adoção. Advogado de formação transferiu-se para Curvelo
em 1904 para trabalhar como professor no Gynasio Curvelano, juntamente com seu irmão o
Prof. Luiz Gonzaga Pereira. Depois atuou como advogado e como promotor de justiça do
Termo de Curvelo, até o ano de 1908, quando foi nomeado Juiz Municipal, função que ocupou
até 1912. Iniciou carreira política pelo distrito do Bagre, como vereador e exerceu a função e
1912 a 1918, exercendo a função “com obras úteis e necessárias ao progresso da cidade e do
município”. Dentre elas a iluminação pública, serviço urbano e interurbano de telefonia,
construção do primeiro grupo escolar e o abastecimento de água potável para Curvelo e
distritos.
De facção mascarenhista29, desinteressou-se da política reassumindo a função de
advogado. Mas em 1929 retoma a política como partidário da Aliança Liberal e elegeu-se
deputado à Constituinte Mineira em 1935 (DINIZ, 1975, p. 198). “O Dr. Juvenal Gonzaga
sempre preocupou com a cultura da inteligência. Nunca descuidou da boa leitura. Sua biblioteca
particular é uma das melhores e das mais selecionadas. Os seus artigos nos jornais agradam
pela seriedade da matéria versada e clareza da exposição, ao par da correção e apuro da
linguagem” ( DINIZ, 1975, p. 200).

29
Segundo o memorialista Padre Alberto Vieira de Araujo (1970) “Curvelo foi por quase um século um grande
centro político e denominação comum na política da Província, polarizando a região Centro Norte de
Minas”(ARAUJO, 1970, p.290). Complementa ele que “a batalha era travada entre Liberais e Conservadores,
Republicanos e Monarquistas, Vianistas versus Mascarenhistas. Sendo que dentre os Mascarenhistas os que davam
as cartas eram o Dr. Pacífico Mascarenhas e o Monsenhor Rolim” (p. 291), ambos já apresentados ao longo dessa
dissertação.
80

5 - CRISTOVAM BREINER, Juiz Municipal de Curvelo, poeta e jornalista. Fundou e


redigiu o “Jornal do Comércio”.
6 - CLAUDOVINO DE CARVALHO, idealista de fabulosa capacidade de trabalho,
educador e jornalista. Esteve ligado a duas instituições de Curvelo: Associação Comercial,
como presidente, e a Escola Normal de Curvelo, conseguindo após longos anos de luta o seu
restabelecimento.

2.3.3 Mantenedoras do Lyceu Mineiro

Quando a manutenção econômica, inicialmente tratava-se de uma instituição escolar


particular de caráter privado e de propriedade do Sr. Érico de Bacellar e Souza. Não há como
precisar se se tratava de uma firma individual ou sociedade, pois a busca nos cartórios de
registro mostrou-se infrutífera. Como após dois anos à frente da escola, o Sr. Bacellar resolveu
deixar a cidade, transferindo-se para São Paulo, uma Sociedade Civil é organizada e recebe o
nome de “Lyceu Mineiro Sociedade Ltda.”, passando a gestão da escola e manutenção das a
partir de cotas integralizadas por seus sócios e da participação dos mesmos na gerência da
sociedade.
Nos livros, que retratam a memória da cidade de Curvelo, aparecem como integrantes
da sociedade os senhores: Dr. Juvenal Gonzaga, Professor Pedro Ad. Vindula Veado, Professor
José Raimundo de Moura, e José de Almeida Júnior, além de outros “que acreditavam na
Educação como força propulsora do progresso” (SOARES, 1988, p.22). Entretanto, nas fontes
foi encontrado um universo de 87 cotas primitivas de integralização, feita por diversos sujeitos
e segmentos da sociedade Curvelana conforme consta nos Apêndices.
A análise dos integrantes contempla desde profissionais do comércio, professores, ex-
alunos, sacerdotes, entidades empresariais como a Casa Pereira Diniz e Cia Ltda - casa
atacadista que possuía 02 cotas, e a Casa Bancária Dr. Alú Marques, pertencente ao médico Alú
Marques, um dos fundadores da Santa Casa de Misericórdia, que possuía 1 (uma) cota. É
peculiar na listagem a descrição da pessoa das “viúvas de fulano de tal”, cujos nomes não
vinham explícitos, mas apenas o título de viúva com o nome do esposo falecido. A listagem
utilizada foi confeccionada em uma busca realizada nos cartórios de registro, que a prepararam
para que fossem feitas as certidões de transferência das cotas para a Mitra Arquidiocesana de
Diamantina, em 1957.
81

Veja na Tabela 3, abaixo, a dimensão de profissionais que faziam parte do grupo inicial
que compunha a sociedade, onde se destaca, mais uma vez, uma maior quantidade de
representantes dentre os fazendeiros e comerciantes. Da mesma forma que foi observada na
origem do alunado da instituição, o grupo seleto de cotistas também está atrelado a cidadãos
oriundos desse seleto grupo. Dentre os cotistas, o número de fazendeiros e comerciantes se
destacava, sendo inclusive superior ao número de professores.

Tabela 3 – Profissão dos cotistas da Sociedade Liceu Mineiro Sociedade Ltda.


PROFISSÕES DE COTISTAS
Advogado 2
Tabelião 2
Fazendeiro 14
Comerciante 14
Industrial 1
Funcionário Público Federal 1
Professor 6
Negociante 1
Agrimensor 1
Secretário 1
Cirurgião dentista 3
Farmacêutico
Capitalista 2
TOTAL 48
Fonte: Elaborada pela autora, a partir de registro da Sociedade Lyceu Mineiro Sociedade Ltda

A Congregação, órgão gestor da sociedade, reunia-se quinzenalmente e a convocação


era publicada em jornais da cidade. No livro de Atas das Reuniões da Congregação, um dos
poucos disponíveis no acervo da escola, consta como comum, apesar da convocação, a não
realização da reunião devido à falta de quórum. Os assuntos discutidos na reunião perpassavam
desde a prestação de contas e sua aprovação até na comunicação de renúncias de integrantes da
direção por motivos diversos e, ainda, por diversas vezes, a referência a adequações do prédio
escolar, tendo em vista o reconhecimento dos cursos e sugestões para contratação de professores
e indicação de diretores, que na maioria das vezes era direcionada a padres.
Há duas atas da Congregação em que se cogita a indicação de alunos para obtenção de
bolsas, onde os nomes eram apresentados e a assembleia deliberava pelo acatamento da
82

proposta. Na assembleia de 17/02/1932 o diretor secretário, Sr. Antônio Lisboa de Abreu Filho,
propôs que o Lyceu Mineiro recebesse 03 alunos gratuitos, filhos de município,
“reconhecidamente pobres” e com “provas de aplicação, aproveitamento e bom proceder”, o
que foi aprovado por unanimidade. (Livro de Atas 2ª Assembleia em 17/02/1932). A expressão
do reconhecidamente pobre vem de encontro à dimensão já apresentada de que o nível social
dos alunos da escola não estava entre os pobres da cidade.
Além de cotistas da sociedade, vários membros exerciam a função de professores e/ou
exerciam cargos de direção, secretários, tesoureiros e conselheiros. Não se pode afirmar que
os professores eram impelidos à filiação voluntária ou obrigatória, mas a grande maioria assim
o fazia. Pode-se citar os senhores Antônio Teixeira Guimarães, Celso Gonzaga Pereira da
Fonseca, João Mourthé Sampaio, Cônego João Tavares de Souza, Aroldo de Oliveira, Prof.
Joao Gabriel Ribeiro, Prof. Claudovino de Carvalho, Sr. João Lima Guimaraes e Prof. José
Raimundo de Moura.Abaixo, na Figura 12, uma apólice referenciando o valor da cota de um
determinado associado.

Figura 12 – Apólice referente a compra de cotas

Fonte: Acervo da FAC

Realizamos aqui a caracterização da materialidade da instituição escolar, desde a sua


localização espacial e geográfica, e particularmente, da sua instalação em prédio que trata-se
de uma das principais facetas para descrever, compreender e analisar as instituições educativas.
Com relação aos sujeitos trouxemos à tona pontos que ilustraram os dados levantados na
pesquisa como a origem geográfica e social dos estudantes e a caracterização por amostragem
de alguns professores que atuaram na escola, além dos mantenedores. Pretendemos trazer à tona
83

o que trabalha Magalhães, (2004), de que o instituído tenta “corresponder às necessidades e


interesses do público a que se destina, evoluindo e transformando-se” (MAGALHÃES, 2004,
p.139). A essa construção o autor chama de institucionalização. A partir da institucionalização
tem-se as memórias, bibliografias, os agentes, os arquivos, os currículos, estatutos
(representação), que será a discussão do Capítulo 3, juntamente com a apropriação, onde tem
lugar às aprendizagens, modelo pedagógico, a identidade dos sujeitos e da instituição.
(MAGALHÃES, 2004, p. 139).
84

CAPÍTULO III – REPRESENTAÇÃO/APROPRIAÇÃO – DE LYCEU


MIINEIRO A COLÉGIO PADRE CURVELO

Para fazer ver, a escola devia dar a ver. Daí os edifícios escolares majestosos,
amplos e iluminados, em que tudo se dispunha em exposição permanente.
Mobiliário, material didático, trabalhos executados, atividade discentes e docentes
– tudo devia ser dado a ver de modo que a conformação da escola aos preceitos da
pedagogia moderna evidenciasse o Progresso que a República instaurava.
Carvalho (1989, p.25)

Neste capítulo trazemos à luz as questões da internalidade da instituição, concebendo


que o seu processo de produção “ocorre dentro de si mesma, mas que também geram reflexos
que extrapolam as suas fronteiras” (GONÇALVES, 2004, p. 182). Pela dinâmica da pesquisa
já foi possível denotar que conhecer a maneira como a escola se produziu nas relações
cotidianas, voltando-se para o seu funcionamento interno: “o lugar onde a escola se faz, se
realiza como escola”, proporciona a sua institucionalização.
Assim a história do sistema educativo não é um somatório de instituições escolares
justapostas nem, por outro lado, a história de uma dessas instituições se torna possível fora de
um todo coerente (MAGALHÃES, 2004, p. 114). É nos domínios da representação e da
apropriação que uma autonomização se revela. E aí na apropriação que se se alargam os
aspectos informais e subjetivos, denotando-se as interpretações particulares (em consonância
com as suas necessidades, objetivos e conveniências).
A evolução histórica de uma instituição educativa projeta-se a partir das biografias e dos
destinos de vida dos sujeitos, fazendo com que a instituição evolua e transforme-se
(MAGALHÃES, 2004, p. 139). Essa construção (institucionalização) manifesta-se nas
aprendizagens, na subjetivação/autonomização e nos destinos de vida dos sujeitos a partir da
apropriação, bem como no relacionamento (territorização) com a realidade sociocultural e
geográfica existente. Portanto, é preciso sair do instituído em direção à institucionalização para
adentrarmos na identidade da instituição num determinado momento histórico e com suas
práticas e modelos, que por vezes é específico de uma única instituição e permanece a partir do
repasse aos seus alunos, professores e colaboradores.
Neste capítulo utilizando-se da dinâmica de estruturação do Curso de Comércio e das
orientações para organização e funcionamento da instituição e da sua própria interpretação do
que a ela era imposto demonstraremos a institucionalização da Instituição Escolar e finalmente,
85

com o propósito de apresentar os articuladores dessa dinâmica seguimos o caminho de


Magalhães que sugere que “sejam analisados os percursos de vida dos alunos e ex alunos que
direta ou indiretamente representam e permitem aprofundar o conhecimento historiográfico
sobre a instituição” (2004, p. 163).

3.1 Estrutura didático-pedagógica do Curso de Comércio

Em contraposição às notícias veiculadas nos jornais e de uma Ata do Inspetor datada


de 1928, citada a página 73, que faz referências ao Curso de Comércio, com o andamento da
pesquisa percebe-se que a 1ª turma devidamente autorizada somente ocorreu em 1945 para o
nível básico, e 1949 para o nível Técnico de 2º grau. Entretanto, isso não impediu a escola de
realizar propagandas e intitular-se como possuidora de turmas de ensino comercial, apesar de
acreditarmos que os cursos funcionavam de forma prática e por vezes havia apenas o curso de
datilografia.
Após a formalização legal percebe-se que o Curso Comercial Básico tinha duração de
04 anos e correspondia a um curso de formação, estando vinculado ao ensino primário,
conforme o Decreto 6.141/43 – Lei Orgânica do Ensino Comercial. As escolas que oferecessem
apenas o Curso Básico receberiam o nome de “Escolas Comerciais”. Devido a isso é que em
1944 a instituição escolar passou a ser chamada de Escola “Comercial Padre Curvelo” de 1945
até 1949, e em 1949, quando começou a oferecer o Curso Técnico de Comércio a nível de 2º
grau a denominação passou a ser: Escola “Técnica de Comercio Padre Curvelo. ”
No Quadro 5, abaixo, tentamos traçar essas mudanças na mantença, denominação e
fontes ou responsáveis por cada uma delas.
86

Quadro 5 – De Lyceu Mineiro a Colégio Padre Curvelo

ANO SITUAÇÃO/DENOMINAÇÃO CURSOS FONTE/NORMA


Curso Primário e Secundário/ Curso
Oficial de Datilografia e Mecanografia/
Inauguração em 16/10/1927 do Lyceu Revista Nossa Terra de
1927 Curso Especial de Música Piano e
Mineiro 28/06/1928
Violino/Preparatório para Exames de
Admissão
Mudança de Mantenedora de Erico
Bacellar e Souza para Lyceu Mineiro Curso Primário e Secundário/ Curso
1931 Sociedade Ltda. Oficial de Datilografia e Mecanografia/ Livro de Atas da Mantendora
Mudança de Endereço para a Rua João Preparatório para Exames de Admissão
Pessoa
Decreto Lei 4244 de
09/04/1942 (Lei Orgânica do
Curso Primário e Secundário/ Curso
Mudança do nome para Ginásio Padre Ensino Secundário), isso
1942 Oficial de Datilografia e Mecanografia/
Curvelo porque os estabelecimentos de
Preparatório para Exames de Admissão
Ensino Secundário não
poderiam mais chamar Lyceu
Decreto Lei 6.141, de 28 de
Mudança do nome para "Escola dezembro de 1943- Lei
1945 Autorização do Curso Comercial Básico
Comercial Padre Curvelo" Orgânica do Ensino Comercial.

Decreto Lei 6.141, de 28 de


dezembro de 1943, porque os
Ginásio Padre Curvelo e "Escola Inicia-se o Curso Técnico em
1949 estabelecimentos com Curso
Técnica de Comércio Padre Curvelo" Contabilidade
Técnico trocam de nome para
Escola Técnica
Fonte: Elaborada pela autora, a partir da legislação e dos documentos da escola

3.1.1 Admissão e critérios de matrícula

Desde o início do funcionamento do Lyceu Mineiro, em 1927, como já anunciado, as


chamadas na imprensa indicavam a existência de uma nova instituição educacional na cidade
de Curvelo. Foram as notícias de tais jornais que tornaram possível o levantamento de como se
dava o processo do acesso à escola. Assim, foi possível compreender os procedimentos de
ingresso do estudante na instituição e quais os documentos legais deveriam fazer parte para
efetuação da matrícula. Desta forma para entrada nas turmas da 1ª série ginasial ou comercial,
o candidato deveria passar pelo exame de admissão, considerado, à época, como “o requisito
mais importante de comprovação do conhecimento e maturidade do estudante para o ingresso
no curso secundário” (SOUZA, 2008, p. 91 e 108).
O requerimento para o exame de admissão deveria ser feito pelo candidato no mês de
dezembro ou na 2ª quinzena de fevereiro. Se o candidato fosse maior de idade, ele mesmo se
inscrevia, ou caso contrário, se menor de idade a inscrição era feita pelo seu responsável. A
idade exigida para o ingresso era 11 anos completos ou acima disso. Além do requerimento,
deveria apresentar prova de sanidade comprovada por meio de atestado médico e certificado de
87

vacinação contra varíola. O requerimento para o exame só poderia acontecer uma vez no ano,
pois não haveria dentro do mesmo ano uma nova oportunidade de reavaliação, caso não fosse
logrado o êxito no exame.
Para lograr êxito no exame de admissão a nota deveria ser igual ou superior a 5, no
conjunto das disciplinas de português, matemática, geografia e história do Brasil. Essa avalição
seria aplicada por uma banca constituída por 03 professores. No manuseio das fontes foi
percebido como era seriamente tratado o exame de admissão, tanto no que se refere à exigência
da documentação, quanto no relato que se fazia nas atas de promoção e, ainda, na comprovação
da conclusão do exame.
Os resultados dos exames de admissão circulavam nos jornais, veja Figura 14,
explicitando o bom êxito. Inferimos sobre um sentimento de angústia que deveria acompanhar
o percurso de espera pelos resultados para o candidato e seus familiares. Os candidatos que não
lograssem resultado positivo não tinham seus nomes elencados, no entanto, apesar de não haver
destaque havia a indicação de quantos eram os candidatos que não conseguiram a nota
suficiente para aprovação.
Em contrapartida aqueles que lograssem resultado com média acima de 5 pontos eram
certificados da sua aprovação, constando, inclusive, a nota por conteúdo e a média global do
exame de admissão na publicações dos jornais. Na Figura 13, vemos o resultado de um exame
de admissão para o Curso Comercial. Observa-se que o nome da escola já é Escola Comercial,
em decorrência da Lei Orgânica do Ensino Comercial, Decreto Lei 6.141 de 1943, que assim
determinava, e também porque nessa época encontrava-se em funcionamento o Curso Básico
de Comércio:
88

Figura 13 – Certificado de aprovação no Exame de Admissão

Fonte: Arquivo da FAC

No tocante à realização da matrícula é importante esclarecer que ela deveria ser feita
mediante a comprovação e certificação da aprovação no exame de admissão, entregue junto aos
demais documentos. O certificado da Figura 13 refere-se a um dos documentos encontrados na
pasta da aluna Lúcia Diniz Vale por ocasião da sua matrícula na escola. Esse documento
também poderia ser utilizado para matrícula em outra escola, independentemente de ter sido
feito o exame de Admissão na Escola Comercial Padre Curvelo. Para o Curso Técnico, o aluno
deveria possuir o diploma ou o certificado de conclusão do curso comercial básico; de
conclusão do curso propedêutico, conforme Decreto 20.158, de 1931, de licença ginasial
acompanhado de aprovação na 4ª ou 5ª série do Curso Secundário fundamental; diploma de
normalista, sendo que para esses, era exigido o exame de admissão apenas em língua inglesa.
Nas publicações era aposto o nome do conteúdo e o grau obtido pelo aluno do maior
grau para o menor, seguido da palavra plenamente (notas 10 a 6) e simplesmente (nota 5). Na
publicação que se observa na Figura 14 do Jornal Voz do Povo de 1929 refere-se a notas do
primeiro exame admissão da instituição.
89

Figura 14 – Resultado do Exame de Admissão de 1928

Fonte: Jornal Voz do Povo, 18/03/1928, p.1


Além dos critérios legais para admissão dos alunos, era observada e exigida a sujeição
dos mesmos a um regime de completa disciplina, que para a escola, funcionava como “natural
complemento de sua formação moral e intelectual” (Capítulo V do Regimento Escolar).
Alertando que as correções seriam feitas com o “intuito de não atentar contra a dignidade e o
caráter do adolescente, mas restabelecendo o prestigio da autoridade, estimulando o brio natural
do educando, sem jamais coibir-lhe as tendências inatas”, o regimento descreve o porquê da
utilização de critérios tão duros e a quem seriam impostos:

A ordem é a base do progresso e da cultura humana. O aluno adquire no educandário


os hábitos que seguirá em todas as fases da sua vida de cidadão. Por isso constitui
matéria de relevante importância a disciplina imposta aos educandos. Penas
disciplinares são impostas aqueles que transgredindo à ordem dos trabalhos, atentam
contra as verdadeiras finalidades de uma perfeita e sadia formação de inteligência e
de caráter (REGIMENTO ESCOLAR, capitulo V, 1944).
Os cursos de Auxiliar de Comércio e Técnico em Contabilidade funcionavam a noite no
horário de 18h40 as 21h50 com aulas de 40 minutos de duração e 10 minutos de intervalo. As
aulas de práticas esportivas funcionavam pela manhã com turmas separadas por aptidão e por
sexo, onde os professores também eram independentes separados por sexo. Veja abaixo a
distribuição dos horários e conteúdos da 1ª turma do Curso Técnico em Contabilidade:
90

Quadro 6 – Horário de Aulas do Curso Técnico em Contabilidade


ESCOLA TÉCNICA DE COMÉRCIO PADRE CURVELO
CURSO TÉCNICO DE CONTABILIDADE 1945
HORAS SEGUNDA FEIRA TERÇA FEIRA QUARTA FEIRA QUINTA FEIRA SEXTA FEIRA SÁBADO

18:40 MATEMÁTICA E. DE ECONOMIA MATEMÁTICA MATEMÁTICA CONTABILIDADE MECANOGRAFIA

19:30 PORTUGUÊS MECANOGRAFIA PORTUGUÊS CONTABILIDADE MATEMATICA INGLÊS

20:20 FISICA E QUIMICA CONTABILIDADE FÍSICA E QUÍMICA MECANOGRAFIA PORTUGUES ________

21:10 __________ INGLÊS FRANCÊS E. DE ECONOMIA FRANCÊS ________

PRÁTICAS ESPORTIVAS

07:00 ____________ Sexo Feminino ______________ _______________ _________________ _______________

07:00 Sexo Masculino _____________ ______________ _______________ _________________ _______________

Fonte: Elaborado pela autora, a partir do acervo escolar

3.1.2 Conteúdo e objetivo das disciplinas

Pelo Quadro 6, observa-se que além das disciplinas de Cultura Geral: matemática,
português, inglês, francês, física e química e aquelas da Cultura Técnica: contabilidade,
elementos de economia e mecanografia, ainda havia as práticas educativas: educação física para
alunos até 21 anos e canto orfeônico para aqueles até 16 anos, ou seja, do Curso Comercial
Básico e instrução pré-militar para alunos do sexo masculino, sendo extinta a partir de 1947,
pelo Decreto Lei nº 9.331/46.

Quadro 7 – Disciplinas do Curso Comercial Básico, em 1944


SÉRIE I II III IV
Disciplinas de Cultura Geral
1 - Português 3 3 3 3
2 - Francês 3 2 2 2
3 - Inglês - 3 3 2
4 -Matemática 3 3 3 3
5 -Ciências naturais - - - 3
6 - Geografia Geral 2 2 - -
7 - Geografia do Brasil - - 2 -
8 -História Geral 2 2 - -
9 -História do Brasil - - 2 -
Disciplinas de cultura Técnica
10 - Caligrafia - 3 - -
11 - Desenho 5 - - -
12 - Dactilografia - - 3 -
13 - Estenografia - - - 3
14 - Prática de escritório – escrituração mercantil - - - 4
Total 18 18 18 20
Fonte: Elaborado pela autora, a partir do acervo escolar
91

Com relação às disciplinas do Curso Técnico elas variavam de acordo com os cursos. O
Lyceu Mineiro ou “Escola Técnica de Comércio Padre Curvelo” oferecia o Curso Técnico em
Contabilidade a partir de 1949 e as disciplinas eram as seguintes:

Quadro 8 – Disciplinas do Curso Técnico em Contabilidade, em 1949


SÉRIE I II III
Disciplinas de Cultura Geral
1 - Português 3 2 2
2 – Francês ou Inglês 2 2 -
3 -Matemática 3 2 -
4 -Física e Química 2 - -
5 – Biologia - 2 -
6 – Geografia Humana do Brasil - - 2
7 -História Administrativa e econômica do Brasil - - -
Disciplinas de Cultura Técnica
8 – Contabilidade Geral 3 - -
9 – Elementos de Economia 2 - -
10 – Mecanografia 3 - -
11 – Organização e técnica Comercial - 3 -
12- Contabilidade comercial - 3 -
13 – Mecanografia 2
14 – Prática Jurídica Geral e Comercial - 3 3
15 -Elementos de estatística - - 2
16 – Contabilidade industrial - - 2
17 – Contabilidade Bancária - - 3
18 – Contabilidade Pública - - 2
Total 18 19 16
Fonte: Elaborado pela autora, a partir do acervo escolar.

Na organização curricular, expressa nos Quadros 07 e 08, percebe-se a relevância dos


conteúdos de linguagens, tanto na diversidade, onde se vê: português, francês e inglês, quanto
no número de aulas. Tomando-se o Curso Comercial Básico, por exemplo, verifica-se que o
número de aulas semanais de linguagem corresponde a 50% no 1º ano, 40% no 2º ano e apenas
no 3º ano apresenta um montante menor, talvez devido às matérias específicas do curso.
No Curso Técnico em Contabilidade, dentro da mesma perspectiva, há um declínio do
número de aulas, mas permanecessem os mesmos conteúdos, com a mudança entre inglês ou
francês, que apresentam-se de forma alternada. Os conteúdos de linguagem representam 50%
do universo das disciplinas de Cultura Geral.
Ao analisar os dados da primeira turma do Curso Técnico em Contabilidade, em 1949,
percebe-se que foi composta por um universo bem diferenciado de alunos e nos relatórios
encontrados junto ao Censo Escolar daquele ano, havia a discriminação do percurso escolar
dentro do seguinte contexto: Concluintes do 1º grau do Curso Normal – 08; Concluintes do
Curso Comercial Básico – 07; sendo que 6 deles haviam concluído o Comercial Básico no ano
92

de 1948; Concluintes de Licença Ginasial Curso Secundário – 18; Concluintes de Licença


Ginasial da 5ª série – 04; Concluintes do Curso Científico – 01 - Totalizando 38 alunos. Pode-
se inferir desse levantamento a credibilidade e entusiasmo que a organização da turma de
Técnico em Contabilidade proporcionou para a instituição e para a comunidade Curvelana,
além do tempo que a comunidade esperou por essa autorização.

3.2 – Estrutura do processo avaliativo – provas escritas e provas orais.

O processo avaliativo consta no Capítulo III – Regime Escolar, do Regimento Escolar.


De acordo com esse documento e nos indícios encontrados nas pastas de alunos, o processo
avaliativo compunha-se de notas e frequência de caráter obrigatório, apurados de 1º de março
a 30 de novembro de cada ano, no conjunto das aulas dadas e práticas educativas, de acordo
com a Lei 8.196 de 20 de novembro de 194530. Tomando-se a frequência por referência
percebe-se que para prestar provas de 1ª época o aluno não poderia ter faltado a 25% da
totalidade das aulas dadas no conjunto das disciplinas ou 30% da totalidade das aulas da prática
educativa.
Diante das práticas educativas, há uma exceção para as alunas do sexo feminino, que
estavam sujeitas à disciplina de “Economia Doméstica” na 4ª série do curso comercial básico,
cujo aproveitamento e frequência também eram apurados. A frequência seria somada às demais
disciplinas da série para apuração das frequências na totalidade das aulas dadas. Se a estudante
não alcançasse em “Economia Doméstica” a média 4 (quatro), exigida por lei, prestaria exames
da disciplina em 2ª época, servindo a média aritmética das provas escritas e orais desse exame
como nota final.
No que concerne aos tipos de exame, o Lyceu Mineiro aplicava exames de admissão e
suficiência. O exame de admissão era para ingresso e os de suficiência para promoção para a
série seguinte. Os exames de suficiência compreendiam 02 provas parciais e 01 prova final,
além de exercícios que teriam as notas computadas nos meses de março, abril, maio, agosto,
setembro e outubro, e cuja nota anual seria apurada a partir da média ponderada de cada
disciplina, atribuindo-se o peso 2 (dois). As provas parciais eram realizadas na segunda
quinzena de junho e na segunda quinzena de novembro.

30
Esta Lei publicada em 20 de novembro de 1945 alterou algumas disposições da Lei 6.141 de 1943,
principalmente no que se refere a práticas educativas, ensino de religião, critérios para admissão e apuração de
frequência e pontuação nos exames de admissão, e revisão de carga horária e exames para o Curso de Comércio.
93

Quanto à organização do conteúdo, a matéria da primeira prova seria a lecionada até


uma semana antes da realização da mesma. O valor da primeira prova parcial era de 10 pontos
distribuídos em três assuntos diferentes em no mínimo 03 questões, sendo que na prova de
português eram obrigatórios os exercícios de redação em pelo menos uma questão. A segunda
prova parcial tinha o valor de 20 pontos. O tempo era de 60 minutos para cada prova. A segunda
chamada da primeira prova parcial deveria ser realizada até 60 dias após a prova e na segunda
antes do termino das provas finais.
Dando continuidade às avaliações no período de 1 a 15 de dezembro realizavam-se as
provas finais com valor de 20 pontos e composta por 03 assuntos diferentes, além das provas
práticas de caligrafia, desenho, datilografia e prática de escritório (escrituração mercantil).
Atuavam na aplicação uma banca examinadora composta por 03 professores regularmente
investidos no estabelecimento de ensino, juntamente a um professor externo de estabelecimento
equiparado ou reconhecido. Nessas ocasiões acontecia a arguição de cada examinador, prova
oral, não excedendo a 15 minutos.
Na Figura 16, abaixo registrada, tem-se uma ideia de como eram selecionados os pontos
para a arguição dos examinadores. O professor do conteúdo elencava pontos de seu plano de
aula durante o período previsto para avaliação, que deveriam ser do conhecimento do aluno.
Para tanto os numerava e distribuía em um livro ou pastas com série e a especificação da
atividade. Seriam sorteados os pontos e cobrados do aluno a resposta de forma oral.
Na Figura 16, pode-se observar a Avaliação de Canto Orfeônico, para a 4ª série, e nota-
se que se tratava de cantos que demarcavam a origem brasileira, valorizando conceitos de
cidadania e heroísmo dos que lutam pela pátria. Após ouvir todas as músicas e retomar as letras
que trazem à tona o estudo de Areal e Bernardo (2013, p. 116), ao destacarem os objetivos
conformativos da escola republicana, percebeu-se que “os discentes seriam orientados, por
meio do programa e de atividades empíricas, a nutrir pela pátria o sentimento de amor e
responsabilidade por seu progresso”.
Assim, após a aplicação dos exercícios e provas, atribuía-se uma nota final utilizando-
se a escala decimal de 0 a 10 com média ponderada dos seguintes elementos:

a) nota anual de exercícios, atribuído peso 2

b) nota da primeira prova parcial, atribuído peso 2

c) nota da segunda prova parcial, atribuído peso 3

d) nota da prova final, atribuído peso 3


94

Como critério de aprovação, a nota final deveria ser superior a 04 em cada disciplina da
série e a média global igual ou superior a 5 em cada grupo de disciplinas de cultura geral e
cultura técnica, separadamente. Se para participar da prova final não havia requerimento,
quando não houvesse aproveitamento dever-se-ia requerer a 2ª chamada ou nos casos em que
houvesse justificativa para não ter realizado a 1ª chamada. Ela acontecia em fevereiro do ano
seguinte, na 2ª quinzena.

Assim, tomando por referência esse apanhado do processo avaliativo, pode-se concluir que o
nível de exigência ao alunado era elevado. Os alunos tinham que lidar com uma banca de
examinadores, muitas vezes composta pelo inspetor escolar ou uma pessoa externa à rotina da
instituição, a quantidade de conteúdos que ele deveria estudar era expressiva e os critérios para
sorteio de pontos e valorização das notas era significativa. Abaixo, na Figura 15, observamos
os pontos de uma Prova Parcial de Canto Orfeônico para 4ª série.

Figura 15 – Pontos da prova parcial de Canto Orfeônico para 4ª série

Fonte: Livro de Registro de Pontos para Avaliação


95

3.3 Números referentes à matrícula, evasão e promoção no Curso Comercial da Escola


Técnica de Comércio Padre Curvelo

A história de instituição escolar também é contemplada através do movimento dos seus


alunos. O histórico de vida desses alunos torna-se representativo para a construção da narrativa
histórica da instituição. Assim, Magalhães (2004) descreve que:

Tomando o movimento dos alunos como representativo da problemática da


relação entre a Instituição e a comunidade envolvente, a política de acesso e de
sucesso educativos e de seguimento dos egressos, a relação entre a oferta e a
procura, origem geográfica, econômica e sociocultural, recrutamento são
indicadores fundamentais (MAGALHÃES, 2004, p. 159)

Buscando-se entender o sucesso educativo e partindo das considerações sobre a forma de


avaliar buscou-se elaborar um relato de como se dava a dinâmica escolar de acesso e repetência.
Foram utilizados os Livros de matrículas e de conclusão, tentando-se delimitar o número de
abandonos a cada ano. O objetivo foi utilizar os dados para uma análise das dificuldades
enfrentadas pelos alunos na conclusão dos cursos de Comercial Básico, 1ª turma – 1945/1948
e Curso Técnico, 1ª turma – 1949/1951.
Para isso foram construímos o Quadro 9 que traz o número de turmas a partir de 1945,
referente ao curso Comercial Básico, fonte de pesquisa inicial nos livros de matrículas da
escola. Os dados relativos ao número de alunos por turma compõem-se até 1950 devido à
proibição de acesso ao arquivo. Paralelamente a ele, no Quadro 10, onde se encontram os
concluintes por ano, que foram retirados de listagem nominal no processo de verificação prévia
da instituição escolar. Considerando-se que os concluintes correspondem às 4ª séries, porque já
temos a informação que se demanda 04 anos para se formarem observa-se que:
Tomando-se a turma de 1945, como exemplo, percebe-se que a mesma concluiria seu
percurso em 1948, já turma de 1946, concluiria em 1949 e assim por diante. Continuando nessa
linha de raciocínio como a 1ª turma do Curso Comercial Básico que tem início em 1945,
apresenta 29 alunos no total, deveríamos ter ao final de 1948 o número de 29 formandos.
Entretanto, em 1948 há apenas 09 alunos concluintes do curso denotando, então, uma grande
quantidade de alunos que não dá andamento ao curso, entrando no critério de abandono ou
desistência, ou mesmo não obtém sucesso em seu percurso escolar, ou seja reprovados. Da
listagem de alunos, no livro de concluintes, 05 abandonam até a 3ª série, sobrando 24 para
cursar a 4ª série. Destes apenas, 37% destes concluem a 4ª série, ou seja, os 09 alunos.
Diante desse raciocínio e sem a posição dos dados de abandono individualizados, para
afirmarmos se foram desistentes ou transferidos, percebe-se que em 1946, do total de 61 alunos
96

matriculados, 37 são do 1º ano e no ano de sua formatura em 1949, perfazem apenas 15 alunos,
ou seja, 40% dos alunos terminam o ano em 1949. Já em 1947, a matrícula inicial é de 41 alunos
no 1º ano e em 1950 apenas 13 se formam, compondo o universo de 31% dos alunos que deram
entrada em 1947. Em 1948, com formatura em 1951, esse percentual aumenta um pouco
chegando a 50% de formandos, compondo 19 alunos e finalmente, a partir dos dados, dos 36
ingressantes em 1949, 33% dos alunos se formam em 1952, ou seja, apenas 12 alunos.
Sob a mesma perspectiva de análise, considerando que o curso é de 03 anos, a turma de
Curso Técnico em Contabilidade começa o ano letivo de 1949 com 39 alunos. Ao final em
1951, segundo publicação do Jornal Tribuna apenas 21 alunos concluem, num percentual de
53% dos alunos.

Quadro 9 – Número de turmas a partir de 1945/Evolução de matrículas


nº total
ANO turmas alunos
1945 1 29
1946 2 61
1947 3 86
1948 4 110
1949 4 109
1950 5 147
Fonte: Elaborado pela autora, a partir do acervo escolar.

Quadro10 – Comparativo entre matrículas e concluintes do Curso


Comercial Básico por ano a partir de 1945
ENTRADA FORMANDOS
ANO 1º ano 4º ano
1945 29
1946 37
1947 41
1948 38 9
1949 36 15
1950 13
1951 19
1952 12
1953 4
1954 10
1955 15
1956 12
TOTAL 109
Fonte: Elaborado pela autora, a partir do acervo escolar.
97

Da análise dos dados pode-se entender que a dinâmica escolar de acesso e repetência
eram marcadas por raras aprovações com um número bem elevado de reprovações, além do
também alto número de evasão de alunos. Entretanto mesmo assim, com um grande número
de evasão e reprovações as matrículas continuavam acontecendo e tiveram crescimento no
período analisado. Faltaram dados para uma avaliação mais profunda desses números, mas o
parâmetro vem de encontro a nossa fala de que houve a institucionalização da instituição
escolar, permitindo que a dinâmica escolar se perpetuasse, infelizmente até mesmo na
reprovação.

3.4 Síntese de Vida: alunos, professores, contadores um pouco da escola em cada um e a


apropriação da cultura da escola

Os percursos de vida dos alunos e ex-alunos que direta ou indiretamente representam e


permitem aprofundar o conhecimento historiográfico sobre a instituição, nos planos global,
relacional e integrativo são citados por Magalhães (2004, p. 163), como uma meso abordagem
com bases em dimensões e fatores socioculturais e biográficos, que ressaltam o conceito de
território educativo.
Com o objetivo de destacar o processo formativo para além da aprendizagem
convencional que fornece, principalmente a partir da educação profissional, meios de
subsistência e trabalho, pretende-se alinhar papéis onde a cultura da escola e dos seus agentes
acabam por atuar intencionalmente ou a partir de apropriações dos discursos, ideias e
conhecimento para além do processo formativo meramente intelectual, transformando em ações
concretas de formação para a vida social.
Segundo Moita (2000, p. 134), os “percursos de vida” também são “percursos
formadores”, isto é, as histórias de vida dos sujeitos são histórias sobre o seu processo
formativo; sobre o processo que os levou a ser o que são as escolhas feitas, as contingências, as
tensões, os conflitos, as relações pessoais, familiares e sociais, enfim, todo o contexto de vida,
seja macro (universal) ou micro (particular), em que o sujeito está inserido e em constante
interação contribui de forma direta ou indireta par a sua formação.
A compreensão de processo formativo nesse viés aponta para o fato de que o processo
formativo pessoal e/ou profissional não é algo localizado e limitado a uma dada parcela de
tempo e espaço, mas um processo contínuo de formação de si mesmo, no qual estão interligados
vários fatores. Assinala Moita:
98

Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais,


aprendizagens, um sem fim de relações. Ter acesso ao modo como cada pessoa se
forma é ter em conta a singularidade da sua história e sobretudo o modo singular como
age, reage e interage com os seus contextos. Um percurso de vida é assim um percurso
de formação. (MOITA, 2000, p. 115)

3.4.1 Síntese de Vida: o aluno, professor e contador municipal José Gregório Sousa Filho

No percurso de conhecimento da instituição foram vários os sujeitos que merecem


respeito e admiração pelo seu fazer escolar. Retomando as listas de alunos encontrados nas
fontes e os dados de formaturas e dispostos nos livros que contam a história dos profissionais
curvelanos construímos as histórias de vida de alguns sujeitos. O primeiro que será citado é o
Prof. José Gregório de Sousa Filho, que nascido em Curvelo aos 30/06/1916 cursou por 03 anos
o seminário em Diamantina e retornando a Curvelo, fez o Curso Ginasial no Lyceu Mineiro.
No ano de 1934 cursou a 1ª série, com 18 anos. Formando-se em 1938, retoma os
estudos no educandário em 1949 no Curso Técnico em Contabilidade, da qual em 1951 é o
orador na Formatura e para a qual muito contribuiu como professor auxiliar, apesar de aluno,
já que sua atuação na área junto a municipalidade fez com que se destacasse junto aos seus
colegas. (Jornal Centro de Minas, ano 1951, pag.01)
Na Prefeitura Municipal atuou por 41 anos junto à contabilidade, saindo apenas quando
da sua aposentadoria. Além dessa função atuou como jornalista emprestando seus trabalhos
aos jornais “Pão de Santo Antônio”, fundado por Monsenhor João Tavares de Souza e “Centro
de Minas”, do jornalista Altino Argemiro. Dentro da mesma vertente juntamente com o
radialista e empresário Januário Carneiro e outros idealistas foi o introdutor do rádio em
Curvelo. Casou-se com Dona Lourdinha e teve 04 filhos, que juntamente com ele abraçaram a
Congregação Redentorista como missionários, principalmente por ocasião dos Festejos de São
Geraldo, que arrasta romeiros de grande parte do estado e do país (SOUSA, 1993, p. 38-40).
Como professor do Curso Comercial Básico e do Curso Técnico em Contabilidade por 32
anos, atuou com zelo e eficiência as matérias: contabilidade pública, contabilidade industrial,
organização e técnicas comerciais, prática de escritório, merceologia e mecanografia. Deixou
sua marca registrada como um Homem que teve o “Ideal de Servir” (Título conferido pelo
Livro: Imagem Histórica de Curvelo, do Acadêmico Geraldo de Sousa, 1993, p.38).
99

3.4.2 Síntese de Vida: o aluno e o escritor, André de Carvalho

O Escritor, Jornalista e Editor, André Ferreira de Carvalho, nasceu em Curvelo, aos


11/10/1937, e fez a 1ª série ginasial em 1950 no Ginásio Padre Curvelo e quando complementou
o Ginásio em 1954, com apenas 17 anos, fundou e dirigiu o Jornal Curvelo Notícias e,
posteriormente, a Revista Anuário de Curvelo.
Em 1966, mudou-se para Belo Horizonte e cursou Letras, pela Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras, da UFMG e Didática pela Faculdade de Educação, além de Comunicação
pelo International Exchange Program nos EUA. Posteriormente graduou-se em psicologia pela
FUMEC. Em 1955, publicou seu primeiro livro: “Conte-me uma estória, mamãe!”, para o
público infantil. Trabalhou como repórter e colunista em diferentes jornais e revistas como
Alterosa e Correio de Minas. Foi editor do Programa “Alta Tensão” e produtor de fotonovelas
para revistas Isabela e Carinho. Foi diretor de reportagem da Radio Itatiaia e Radio Cultura,
além de redator e cronista de TV e rádio do Diário de Minas e disk-jockey da rádio
Inconfidência. Entre 1968 a 1980 foi editor e apresentador do Programa TV Mulher.
Também trabalhou como professor de português e literatura infantil e editou
suplementos para esse público em vários jornais. É editor da coleção Pergunte ao José da
Editora Armazém de Ideias, que tem título como: Dourado e Feminismos. O seu romance Cuba-
Livre tem tradução para o Espanhol e foi distribuído em 13 países hispânicos. DINIZ, 1975, p.
253, assim o retrata: “é uma das belas expressões da intelectualidade jovem de Curvelo”.

3.4.3 Síntese de Vida: a aluna bolsista, a professora e diretora Cleide Mourthé

Cleide Mourthé, sempre foi protagonista em seus feitos. A professora nasceu em


05/11/1937, em Curvelo, e se encontra hoje com 81 anos. Nas fotos da figura 17, percebe-se a
professora em várias ocasiões onde exerceu seu processo formativo e desempenhou a profissão
de Professora. A primeira foto foi de sua formatura no Curso Intensivo de Geografia Geral e do
Brasil no Instituto de Educação, onde foi a oradora da turma e logrou a autorização para
Professora de Geografia no 1º Ciclo.
100

Figura 16 – Síntese de Vida Profa. Cleide Mourthé

Fonte: Arquivo FACIC

Formou-se no Lyceu Mineiro no Ginasial, em 1954, com outras duas colegas e, logo
após, no Curso Técnico em Contabilidade, em 1958, onde foi a única mulher da turma. Em
1963 realizou os exames de suficiência para Professor de Geografia do 1º Ciclo no Instituto de
Educação e logrou nota 8,1 recebendo com louvor a autorização para lecionar.
Dando continuidade aos estudos licenciou-se em Geografia pela Pontifícia Universidade
Católica de Minas Gerais - PUC Minas, e passou a atuar como professora na E. E. Bolivar de
Freitas, por volta de 1963, logrando êxito no concurso para Professor do Estado em 1969, dando
continuidade à carreira como professor efetivo. Além da rede pública atuava no Instituto Santo
Antônio, Colégio Padre Curvelo e também a partir de 01/06/1977, na Faculdade de Ciências
Humanas de Curvelo- FACIC, como professora (Documentos de nomeação na Pasta Funcional
da Servidora).
A FACIC foi inaugurada no ano de 1968, como extensão à Universidade Católica de
Minas Gerais, PUC Minas, permanecendo como extensão da PUC até 1985. Após essa data, a
Fundação Educacional de Curvelo – FEC, passa a ser mantenedora da faculdade o que perdurou
até 2009, com a Profa. Cleide Mourthé à frente como diretora da instituição no ano seguinte
1986 (Atas da Congregação da Faculdade, Livro 1, p. 40).
A faculdade ainda contava com uma área de influência significativa, abrangendo a
Microrregião do Rio das Velhas, com 16 municípios e suas respectivas comunidades. Essa
microrregião aporta cerca de 1800 mil pessoas, o que lhe impôs a obrigação de formar docentes
qualificados para atender às necessidades educacionais regionais. No campo das atividades
Educacionais, desenvolveu programas de melhoria de vida da comunidade e, em alguns
aspectos, procurando criar consciência de direitos e deveres do cidadão e do profissional.
101

Dentre os programas para melhoria da educação e qualidade de vida, com o crescimento


da FACIC e empenho da diretora Cleide Mourthé, houve a criação em 2000 do CPEC – Centro
de Pesquisa e Extensão à Comunidade, com objetivo de coordenar, orientar os trabalhos de
extensão e a iniciação à pesquisa científica, apoiadas pelo corpo discente e docente, buscando
a integração com as comunidades locais e regionais.
Dando continuidade às inovações, a faculdade trouxe a complementação com a
plenificação dos Cursos, ou seja, a formação de professores para atuar no Ensino Médio, e a
construção da sede própria da instituição com adequações arquitetônicas para acessibilidades,
laboratórios para pesquisa e espaço físico para a criação do Centro de Referência e Museu.
A partir da criação do CPEC e da estruturação do novo prédio foi possível a dinamização
Centro de Referência “Antônia Cleuza Guimarães” pertencente ao Museu de História Viva da
Faculdade de Ciências Humanas de Curvelo - FACIC, e que passou a organizar as fontes
históricas sobre a cidade de Curvelo, arrecadando material histórico e um amplo acervo doados
pela imprensa e famílias curvelanas, que foram entregues pelo Sr. Maurício Gabriel Diniz, que
é a quarta geração do professor e historiador Prof. Antônio Gabriel Diniz e do historiador, Silvio
Gabriel Diniz.

3.4.4 Síntese de Vida: o aluno, o escritor, o historiador Sílvio Gabriel Diniz

Silvio Gabriel Diniz nasceu em Curvelo no dia 25 de março de 1917 e faleceu, aos
setenta anos de idade, na capital do Estado, no dia 04/06/1987. Filho do historiador curvelano
Antônio Gabriel Diniz e Babita Moreira Diniz (presente na Figura 13, como professora do
Lyceu Mineiro). Estudou as primeiras letras no Grupo Escolar de Curvelo, e em seguida no
Ginásio Padre Curvelo. Para continuar os estudos ingressou no Colégio do Caraça, e após foi
aluno da Escola Superior de Agronomia de Viçosa, onde se diplomou, em 1940, no curso de
Agronomia, profissão que levou a ocupar altos cargos: diretor da Escola Média de Agricultura
de Florestal, Secretaria de Agricultura do Governo de Minas Gerais e Companhia Agrícola de
Minas Gerais, onde se aposentou no cargo de Chefe de Gabinete da Presidência do órgão.
Segundo Geraldo de Souza (1993, p. 78), “pelo espaço de quatro anos emprestou seus
trabalhos à Fundação Nacional dos Índios, na reserva dos índios Maxacalis. Recebeu em 1979
a medalha de Honra da Inconfidência pelo Governo Mineiro. Tornou-se cidadão honorário da
Cidade de Pitangui no ano de 1965. Em 1983 recebeu a comenda da Ordem dos Bandeirantes,
por Decreto nº 151/83 e em 1982, recebeu a medalha de Mérito Agronômico, da Sociedade
Mineira de Engenheiros Agrônomos”.
102

Entretanto, os méritos acadêmicos são os mais marcantes. Como membro do Instituto


Histórico e Geográfico de Minas Gerais ocupou por mais de um mandato (1971-1982) a vice-
presidência do órgão. Em seus ideais de vida sempre tentou a elevação cultural da sua terra
natal, Curvelo. Sonhava com a instalação de uma academia Curvelana de Letras, que só foi
possível após a sua morte, com instalação datada de 23 de setembro de 1988. As finalidades
postuladas pelo Silvio:

a) reunião dos valores culturais e literários; b) difusão de obras literárias e monumentos


artísticos; c) cultura do vernáculo e da literatura nacional; d) publicação em revista literária; e)
incentivo à mocidade estudiosa ao culto da História Local e Geral; f) incentivo e apoio a todo
movimento tendente a melhorar a estado cultural e social da região (DINIZ, 1975, 80).

Como jornalista colaborou com a “Gazeta de Paraopeba”, “Curvelo Notícias”, no órgão


oficial de Minas Gerais, “Diário de São Paulo” e nas “Revistas UPC”, “Revista do Instituto
Histórico e Geográfico de Minas Gerais”, na “Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro”, “Revista Kriterion”, na “Revista de História da Arte”, “Revista Brasileira de
Estudos Políticos”. Dentre as obras impressas cita-se: Pesquisando a História de Pitangui
(1965), Capítulos da História de Pitangui (1966), O Gonçalvismo em Pitangui (1969),
Anotações ao Curvelo do Padre Corvelo (1970), Curvelo, Meu Curvelo (1975), Dados para a
História de Curvelo (1975).
Sobre o trabalho escrito e de pesquisas destacava ele no prefácio de sua obra: “na
verdade o nosso trabalho pessoal pouco representa, em respeito ao levantamento da
documentação que fundamenta esta obra póstuma”. Só a partir de 1955, começou a atuar mais
efetivamente nas pesquisas junto ao Arquivo Público Mineiro em Belo Horizonte e no Museu
do Ouro em (Sabará). As pesquisas eram divulgadas nos jornais locais e em revistas, e deixou
boa parcela rascunhada, não chegando a sistematizar no formato de livros. (SOUZA, 1993, p.
82).

3.4.5 Síntese de Vida: o aluno, o desportista, o prefeito Paulo Dayrell de Oliveira

Paulo Dayrell de Oliveira, filho de João Evangelista de Oliveira e Ana Benedita Dayrell
de Oliveira, nasceu em 22 de agosto de 1936, em Curvelo, e faleceu dia 16/12/2018. Formou-
se Contabilista pelo Colégio Padre Curvelo, presidiu o Clube Recreativo Curvelano em duas
103

gestões. Marcou época com o apito e o cartão vermelho com os quais repreendia os casais mais
fogosos na piscina do clube.
Na área da educação, presidiu o MOBRAL e a Fundação Educacional de Curvelo,
entidade mantenedora da FACIC. De espírito filantrópico, presidiu também o Rotary Club de
Curvelo. Ainda adolescente, entrou para a Sociedade de São Vicente de Paulo, na Conferência
São Tarcísio, ao mesmo tempo em que acompanhava o saudoso padre Alberto Vieira de Araújo
na associação dos Congregados Marianos.
Na imprensa, militou como colunista, articulista e editorialista de vários jornais e,
quando jovem, dirigiu “A Voz Estudantil. Amante da literatura, e ainda ajudou a fundar a
Academia Curvelana de Letras e nela ocupou a cadeira cujo patrono é o historiador Sílvio
Gabriel Diniz.”. Desportista, fundou e presidiu o hoje extinto Vasquinho Futebol Clube e
pertenceu ao Conselho Deliberativo do Curvelo Esporte Clube. Foi prefeito de 01/02/1983 a
31/12/1988 e, depois, de 01/01/1993 a 31/12/1996.
Tomando as histórias de vida acima percebe-se a influência que a formação no Lyceu
Mineiro exerceu sobre os alunos que pela instituição passaram. Dos 04 profissionais citados
todos desempenharam funções ligadas à formação de outras pessoas tanto do ponto de vista
prático, como professores, ou mesmo de forma indireta como escritos sobre a cidade ou pessoas
da cidade ou na literatura. Já foi destacado na pesquisa e nos dados apresentados que o público
alvo da instituição era de filhos de pais com origem profissional prestigiosas socialmente,
indicando que a Escola atendia em maior número uma população com condições de vida
financeira privilegiadas.
Haja vista que a grande preocupação da instituição era com publicações nos jornais para
angariar novos alunos, então subentende-se que a população que tinha acesso à cultura escrita,
a leitura e participação social no município tinha o direcionamento dos olhares dos proprietários
ou responsáveis pela instituição. Comparativamente observa-se que as outras 04 escolas
existentes na cidade, não detinham espaço nos jornais com publicações mais restritas a ocasiões
como formaturas ou datas comemorativas. Também havia o fato de que ser professor era ter
uma profissão de prestígio socialmente, destacando-se como presença nos eventos sociais e, no
caso do processo formativo, se o mesmo havia estudado na instituição educativa transformava-
se em um continuador da educação praticada. Talvez por isso o universo de professores sempre
esteve coadunado a ex-alunos.
A cultura da escola se perpetuava com o exemplo daqueles que pela instituição
passavam e nas atuações dos sujeitos historiados percebe-se os elogios como “bom cidadão,
pioneirismo, capacidade intelectual”, destaque naquilo que faziam ou simplesmente com
104

valores como, por exemplo, o fato de “serem católicos” etc. Além do mais, com o processo
formativo e a própria atuação profissional, como o caso do Sr. Jose Gregório, que exercia o
cargo de Contador Municipal junto à prefeitura, não mais a escola demandava profissionais
externos, oriundos de outras localidades e também de outras realidades formativas e sociais,
permanecendo a cultura já disseminada e incorporada ao habitus da cultura da escola.
É percebido isso também na atuação dos órgãos estudantis e das esferas de ação com
propostas que semeariam a realidade da cultura escolar e da preparação para atuação em uma
sociedade letrada, organizada, com participação dos cidadãos e que se destacava por ocupar as
funções que demandariam para o comércio, política e ou funções públicas. Como próprio dos
estudantes vê-se na atuação do Grêmio “Euclides da Cunha”, certo pioneirismo até mesmo no
nome escolhido para a agremiação, que traz à tona, um nacionalista, mas também um
temperamental. Talvez, o nome esteja atrelado ao fato de que Euclides da Cunha e tornou
internacionalmente famoso com a publicação desta obra-prima que lhe valeu vagas para a
Academia Brasileira de Letras e para o Instituo Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB).

3.5 O Grêmio “Euclides da Cunha”

Um dos importantes vínculos que os estudantes do Lyceu Mineiro mantinham era a


agremiação que funcionava como uma forma de autonomia e socialização das ideias e dos
assuntos que, por vezes, permeavam o ambiente escolar. Tomando-se conhecimento deste
“sujeito”, que na verdade tinha uma representação de professores, alunos e da sociedade em
geral, tentou-se localizar o livro de atas ou um Livro presença nas reuniões, sem êxito.
Fato é que os representantes que primavam por esse zelo, eram os alunos e discípulos
dos historiadores - Antônio Gabriel e Silvio Gabriel, o Sr. Newton Gabriel que já foi destacado
no texto devido a sua doação, a partir dos filhos, do material de pesquisa da família para o
Museu da FACIC. Como tais livros não constaram das doações percebe-se que provavelmente
se perderam ou encontram-se fora de Curvelo. Entretanto, foi possível encontrar junto a
documentação doada para o Museu dois jornais: um produzido pelos alunos do quinto ano, de
nome “Estudante” e outros dos participantes do grêmio, por nome “A Folha” (JORNAL “A
FOLHA”, n. 01, 07/06/1931).
O inspetor de Ensino do Estado de Minas Gerais, Guerino Casasanta publicou em 1939
o livro “Jornais Escolares”, fruto de um inquérito sobre jornais escolares, realizado em Minas
Gerais no ano de 1933, quando ocupava o cargo de inspetor de ensino do Estado. Nesse
105

trabalho, o aluno, sob a supervisão de seus professores, exerceria uma atividade que o prepararia
para o futuro, vivenciando situações que levassem a: “preparar o indivíduo a viver numa
democracia; tornar o indivíduo guia de si mesmo; ensinar o valor da cooperação; despertar o
interesse do educando pela escola; despertar no educando os sentimentos de ordem e de
legalidade, etc.” (CASASANTA, 1939, p. 39 e 40).
Assim, no presente estudo, constata-se que os jornais estudantis podem levantar novas
questões sobre a cultura escolar não só de uma instituição, mas também podem auxiliar no
entendimento das culturas escolares em todo o país. São saberes e fazeres que ocuparam um
dado momento histórico, mas que evidenciam que o espaço escolar não é um espaço que está
fora de embates (políticos, econômicos, sociais, educacionais e culturais).
Com relação à dinâmica implantada no jornal “A Folha” organizado pelo Grêmio
Euclides da Cunha de nº 1, produzido em 07 de junho de 1931, tendo como redatores, o Prof.
Francisco Venâncio de Mello, Pedro Veado Filho e a aluna Myrtha Galuppo, destaca-se em seu
corpo de notícias: a agenda das reuniões do mês de maio e as comemorações em que estiveram
presentes os representantes do Grêmio e as atividades que foram realizadas. As comemorações
foram: dia 15 – Comemoração da data de libertação dos escravos com discurso, poesia Navio
Negreiro e a Cruz da Estrada apresentadas na forma de declamação. Dia 24 – Discurso sobre a
batalha de Tuiuty e declamação da poesia Ingratidão de Raul de Leoni, e a leitura de um trabalho
de geografia sobre a Formação das Nações Americanas. Destaca-se que todos os trabalhos são
antes apresentados aos alunos no começo da aula de História Universal e amplamente debatidos.
Também foi destacado que os gremistas receberam novas doações de livros, sendo que
foi apresentada uma crítica literária de Katucha, a última produção de Benjamin Costallat,
salientando-se a facilidade de leitura, os trechos de comoção, a apresentação de figuras de
linguagem metáfora no livro e uma definição do enredo e da moralidade que se encontra,
delimitando-se que nesse aspecto não é indicado para todos os leitores indistintamente.
Continuando a explanação os gremistas trouxeram uma notícia sobre a narração de um
Gol, os ex-diretores do Grêmio e a chegada de um novo professor de física par a Instituição
Escolar, além da inauguração do novo pavilhão, destacando-o como moderno. Além disso,
reportaram os acontecimentos das outras escolas, como festival em benefício da Caixa escolar
pela Escola Normal, a entrega do diploma de curso primário, detalhando quais foram os alunos
que participaram com falas no evento e das apresentações com o sarau como término, do Grupo
Escolar. Com relação ao Grupo Escolar foi destacado também o aniversário da Diretora,
chamada pelos gremistas de competente, e do aplauso que o Monsenhor Rolim ofereceu a todos
as participantes durante a missa pela homenagem prestada à professora.
106

Na primeira página, das 03 existentes no jornal, há um soneto com o subtítulo: “Para o


álbum dos collecionadores”; seguida de uma homenagem a Maria, declarada como Padroeira
do Brasil, e um preâmbulo com explicação do porquê um novo jornal na cidade, apesar de tantos
já existentes, alertando que o cunho é “instruir, ilustrar e formar principalmente a mocidade que
é a preciosa reserva do futuro em nossa terra”. E, finalmente, uma pequena notícia reportando
que para “A Folha” exclui de suas colunas o tema “política” e justifica “porque nossos ideais
são outros e o fim que desejamos alcançar está fora dessas lides perigosas”. Nos assuntos que
diretamente afetam o funcionamento do jornal apresentam os gremistas o valor da assinatura, a
convocação para uma reunião, e um pequeno recado: “quem não devolver o exemplar será
considerado assinante”.
Com relação ao outro jornal dos “quinto anistas” do Lyceu Mineiro, também com o nº
1, datado de 20/08/1933, não contém nenhum dado de responsáveis pela redação das notícias,
nem para a impressão do jornal. De início traz um texto explicando o aparecimento do jornal,
com frases bem entusiasmadas: “com brado forte de alegria e entusiasmo, soltado no peito de
todos os que labutam no quinto ano do Lyceu Mineiro [...] sem o temor das críticas e
patuscadas”. E, continuando, exaltam a união da turma, o entusiasmo por fazer o jornal,
terminando com os dizeres: “vamos marchando para a frente sempre”. Logo após uma
explanação da origem dos hospitais, uma paródia, versos e tirinhas sobre os integrantes da turma
e suas demandas urgentes de “corte de cabelo, boca fechada e meias mal cheirosas” .
Com relação ao artigo que recebeu o nome de “Rigor” denota-se um episódio causado
por um atraso para a Aula de História do Brasil, do Prof. Cristovão Breiner e relata com ironia
questões sobre a aula:

O atrazo foi causado por um piscar de olhos. Mas não importa! Muito amolado
fiquei porque tive de assistir parte da aula de pé, meio acocorado, olhando pelo
buraco da fechadura. A aula versava sobre a descoberta do Brasil. Assim
começou: Caros alunos, no ano de 1500, faltando 500 prá dois mil reis (coisa
lógica!) o almirante português Pedro Alvares Cabral descobriu o Brasil. Os
navios navegavam nas (mas! Que lógico!). Em alto mar só se viam céu e água
(logicissimo!...). Todos trajados com vestimentas próprias da época...(È claro:
com vestimentas do século XX não podia ser). Não agüentei mais ficar de pé
pois estava cansadíssimo. Como a ordem para entrar após a chamada é pagar
$500 ao porteiro, $500 ao Gremio Euclides da Cunha e $500 à caixa de
estudantes Pobres fundação do benigno Dr. C. Breiner, não pude ir me assentar
na carteira...Estava quebrado

Tecendo-se uma comparação entre os dois jornais percebe-se que o Jornal do Grêmio
Estudantil traz uma dinâmica mais madura e de escrita menos pejorativa. Ele lembra os jornais
da imprensa curvelana com suas notícias e prestação de serviço com anúncios e diálogos entre
107

alunos e comunidade externa, possivelmente porque há dois professores redatores e que


monitoravam os trabalhos. Não obstante, o Jornal “Estudante” do quinto ano do Lyceu Mineiro
traz a ironia como experiência de escrita e apesar de citar um artigo de utilidade pública, quando
trata da origem dos hospitais, ele carrega o tom de menosprezo pelas características pessoais
dos alunos e seus possíveis romances, e dialoga de forma unilateral com o professor, que
aparentemente era rigoroso e “havia demonstrado seu rigor para o 5º ano”.
Levando-se em conta que não havia indicações de autores e utilizava-se de nomes
fictícios, os envolvidos possivelmente acreditavam que sairiam ilesos. É extraído do texto que
todas as regras e o processo de vigília para com a civilidade, têm no anonimato seu esconderijo.
Isso porque apesar de conhecerem bem as regras da escola e suas aplicações, apresentaram um
comportamento que não seria acolhido como tão correto e que se descoberto poderia impor
punições. Prova disso é que, na pesquisa, encontram-se nos assentamentos das pastas dos
alunos, documentos como o apontado pela Figura 21, da página seguinte, com o intuito de
trabalhar a disciplina que vem destacada em letras garrafais, já no título do documento: “A
disciplina é a base do Progresso e da grandeza”. (sic).
Notadamente percebe-se no documento a atribuição de notas para o procedimento,
aplicação, assiduidade, asseio e estado da saúde. Então, o indicativo de rebeldia dos alunos do
5º ano não comungava com os propósitos formativos e conformativos da instituição escolar.
Infere-se que talvez os alunos não estariam tão temerosos das represálias tendo em vista que
como eram do 5º ano e estavam no fim da vida escolar junto ao Lyceu e o Jornal datado de
agosto de 1933, já no segundo semestre de aulas. Isso se justifica até mesmo com a publicação
“Orgulho e Convensimento”(sic) que faz uma referência aos alunos do Liceu que desejam ver
pelas costas o atual quinto ano. E chama os assim desejosos de “orgulhosos”.
Por outra vertente, mas considerando as normas, o atraso escolar também tem destaque
no episódio com o nome de “Rigor”. Isso porque o relator anônimo deixa claro nas primeiras
linhas o motivo pelo qual acompanhou pelo buraco da fechadura: o atraso de poucos minutos.
O tratamento do tempo na escola constituía-se conforme Faria Filho e Vidal (2000) quando se
referem à pontualidade como delimitação do tempo, já que esse era um requisito importante
para a sociedade industrial que se pretendia construir. (FARIA FILHO; VIDAL, 2000, p. 25).
108

Figura 17 – Normas de Proceder

Fonte: Arquivo Lyceu Mineiro


109

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com este trabalho de pesquisa e construção da dissertação tratamos da tecitura de um


relatório sobre o ensino comercial, cujo foco é a história de uma instituição educativa
denominada, em 1927, de Lyceu Mineiro, tendo seu nome modificado em 1957 para Colégio
Padre Curvelo. A instituição educativa atuava nos cursos Secundário, Comercial e Primário,
além de realizar cursos preparatórios para o exame de admissão e cursos de datilografia e de
mecanografia. Chegamos à conclusão de que a produção da escola se configurou numa época
histórica determinada a partir da ação conjunta de sujeitos diversos que atuaram na produção
da mesma, na sua institucionalização o que implicou na apropriação não somente da dimensão
estrutural, mas nos conceitos de cultura da escola, determinando-a e individualizando-a.
A pesquisa traz à tona, que nas primeiras décadas do regime republicano houve
crescimento considerável no Brasil, não somente de uma política educacional para a população
agrícola, como aparecem na maioria dos trabalhos de pesquisa, mas também a formação da
população urbana ligada ao ensino secundário, ensino industrial e, particularmente na cidade
de Curvelo e na escola pesquisada, do ensino comercial. A formatação dessa política
educacional se deu em meio a Reformas educacionais e permearam divergências, acertos e
manobras políticas, que mesmo sutilmente, já que não compunham o escopo do nosso estudo,
tornaram-se perceptíveis no percurso do Lyceu Mineiro a partir das fontes e na imprensa
curvelana. Ficou evidenciado a partir do estudo realizado que as políticas educacionais para as
Escolas de Comércio se configuram com mais dinamismo a partir do governo Vargas,
representando um conjunto de normas cujo objetivo era o de organizar, acompanhar, fiscalizar,
advertir ou orientar, caso necessário, a organização escolar, profissional ou secundária,
passando não somente pelas Leis Orgânicas do Ensino Comercial, mas com relação também
Agrícola, e Industrial, definindo papéis e responsabilidades ao próprio Governo e as
instituições e suas demandas.
Esse tempo histórico que se instalava e no qual estavam em descortinamento as
mudanças do governo Vargas e, posteriormente, do Estado Novo, trazia convergências
civilizatórias e mantenedoras do ordenamento social, passando pelo ideal do catolicismo e da
política, que ficaram evidentes não somente na legislação mas também na cultura da escola
estudada, em seus documentos e procedimentos. Transformar o povo em cidadão; superar as
condições precárias na qual a educação pública se encontrava e, com isso, colocar o Estado em
pé de igualdade com outros estados e países ditos civilizados tornava-se meta nos discursos
110

reformadores e nas intenções e propostas de governabilidade, e foram incorporadas também


pelo Lyceu Mineiro, apesar de se tratar de uma instituição particular. Prova disso é que o
Regimento Escolar do Lyceu Mineiro, em 1944, colocava a educação como “natural
complemento de sua formação moral e intelectual” (Capítulo V do Regimento Escolar).
Assim a escolha da Cidade de Curvelo para a implantação da instituição escolar e a
formação para o Comércio, que vem ao encontro a situação demandante, conforme comprovado
pela apresentação do município e de suas casas de comércio, o que vem culminar com os anseios
dos pais e alunos em ter uma formação próxima de suas casas, numa escola organizada ali para
atendê-los, com o nível secundário. Fica claro esse entendimento quando ocorre a mudança do
Prof. Erico de Bacellar e Souza, proprietário da instituição escolar, em 1931 e a organiza-se
uma Sociedade Lyceu Mineiro Ltda. para dar continuidade à instituição escolar o que resultou
na mudança de prédio, mudança de denominação, e investimentos em reformas do prédio e
adaptação de espaços e material culminando com o processo de regularização formal do Curso
em 1944. Assim a organização da instituição escolar se deu com as iniciativas de um professor
externo a trama social e política da cidade em consonância com os mesmos e apoio de
professores já atuantes na Educação da cidade e com lugares demarcados em diversas frentes
ligadas ou não ao comércio e, segundo eles, atuavam ou buscavam “o progresso”.
O ato autorizativo, inicialmente, não aparecia como condição preliminar para a oferta
do Curso, já que havia a possibilidade de trabalhar o ensino comercial em instituições ligadas
a Colégio já autorizados, como o Colégio Pedro II do Rio de Janeiro, entretanto ao longo da
pesquisa percebe-se que organização legal de diplomas e registros para as funções de guardas
livros, técnicos em contabilidade e auxiliares de escritório dependiam dele. Em decorrência da
falta de autorização não acontecem formaturas para o Curso Comercial antes do processo legal
ser referendado. Isso se deu a partir das novas regulamentações, conforme disposições da Lei
6.144 – Lei Orgânica do Ensino Comercial, de 28 de dezembro de 1943. Se levarmos em conta
que a escola já possuía, desde o início, o Curso de datilografia e mecanografia, e considerarmos
o entendimento pela própria Lei Orgânica que haveria uma formação de práticos para atuação
na área, concluímos que eram promovidos pela escola de 1927 a 1943 apenas uma formação
prática.
Para além da necessidade da formação para o comércio, apresentada pela pesquisa e nos
indícios encontrados nas fontes, fica a indagação de que outros processos formativos eram
demandados pelo agrupamento de jovens em uma instituição com alta rotatividade de alunos e
professores e com uma gestão ligada a comerciários, professores e cidadãos ilustres da
sociedade civil curvelana. Infelizmente nem todas as indagações e descobertas originadas a
111

partir desta pesquisa concluíram-se devido à indisponibilização dos arquivos já com a pesquisa
em andamento, mas partimos para as inferências e contextos discursivos que colocaram-nos
frente às demandas existentes. Acreditamos, que o grande desejo que permeava a educação no
Lyceu Mineiro e que sustentou todas as expectativas para o ato autorizativo e captação de novos
alunos e públicos, como por exemplo, a rotatividade de professores é a formação de lideranças
para ocupação de cargos públicos, políticos e de disseminação da cultura da escola.
Nessa direção toda a rede de legislações e mudanças implementadas com programas
específicos para as instituições escolares comerciais e a legitimação do Curso de Comércio, e
suas contradições, ambiguidades e tensões, foram fundamentais para a construção da identidade
da escola e das diversas campanhas que promoveram sua reinstitucionalização. Esses fatores
levaram um grande número de pessoas a interessar-se pela participação na sociedade, a
acompanhar os fatos ou mesmo a realizar-se politicamente a partir das demandas do Ensino
Secundário e Comercial que atendia à região e não somente a cidade.
Para além do processo educativo a instituição escolar funcionava como um reduto de
discussões políticas republicanas e nos diálogos com os professores e ideais do partido
republicano e governo local, modelavam-se novas lideranças. Isso fica evidente nas sínteses de
vida de alguns alunos da escola produzidas pelos memorialistas da cidade e segundo as
vertentes e olhares daqueles ligados diretamente à instituição, mas que denotam esse lugar que
ocupavam.
Ao iniciar este trabalho destacamos algumas questões que são consideradas desafios
encontrados pela instituição Escolar e o ensino comercial, dentre elas as permanências e
mudanças que deveriam ser destacadas. Com certeza a reinstitucionalização do Lyceu Mineiro,
que por diversas vezes muda de nome, espaço físico e mantença são critérios de mudanças e,
bastante significativos, também para permanências. Isso porque se a escola mudava e se
reorganizava devia-se aos impactos das novas exigências para autorização dos cursos,
manutenção e segurança da instituição e do interesse de gestores e professores, além das
cobranças da sociedade civil e da necessidade imposta pelo crescimento no número de alunos.
A Sociedade Lyceu Mineiro Ltda. que geriu a escola até 1957, demandava a cada dois anos a
captação de novos membros para as diretorias e gestão da sociedade e no começo contava
apenas com 06 membros, chegando a possuir 85 cotistas. Isso tem explicação porque talvez a
atuação na sociedade fornecia prestígio social e acontecia não somente porque a instituição se
consolidava, mas também devido a necessidade da integralização de capital social e cada novo
membro, aumentando o dinheiro envolvido na gestão da escola através do pagamento de cotas.
112

E, relembrando, a cassação da autorização preliminar, em 1932, porque faltavam


adequações de materiais de laboratórios, que teve na atuação política a solução do fato
inferimos que, apesar do alto nível de exigência e das vigilâncias que ocorriam com a visitas
mensais ou até por duas vezes no mês dos inspetores escolares, a escola sobreviveu sem
autorização por 17 anos. Mesmo com todas as Atas da Sociedade Lyceu Mineiro Ltda.
reportando as dificuldades financeiras, pagamentos atrasados e formas de financiamento, como
por exemplo, por empréstimos, a instituição continuava bancando as visitas que seriam feitas
mediante depósitos para os Departamentos de Ensino e continuava sua existência, apesar desses
atropelos.
Ademais, percebemos que foi expressivo o número de alunos que formavam no curso
Normal e de Auxiliar de Comércio que se interessavam no retorno ao seus estudos no Curso de
Técnico em Contabilidade, que foi autorizado somente em 1949. Essa ocorrência evidencia o
valor que a formação para o comérico representava para a sociedade e como era socialmente
positiva a formação nessa instituição escolar. Também é pertinente destacar o número de
estudantes que pela instituição passaram e exerceram ou exercem funções de contadores
públicos, donos de escritórios e responsáveis pela dinâmica de escrituração e assistência
contábil as empresas localizadas na cidade e região.
Além do percurso formativo foi percebida que a dinâmica escolar fazia frente a uma
consolidação de valores e referenciais que formavam os cidadãos que exerceriam o poder na
localidade. Como por exemplo, cita-se a atuação de ex-alunos que estiveram à frente da política:
o conhecido Sr. José Marcos Soares de Souza, primeiro prefeito de Inimutaba que, ao explanar
sobre si próprio em um livro publicado, assim especifica “filho de tradicional família mineira,
que prima pelo respeito à pátria, à honestidade e à liberdade, criado de acordo com esses
princípios”; entre outros que exerceram cargos de prefeitos, vice-prefeitos e deputados: Olavo
de Matos, Paulo Dayell, Vice Prefeito Maurício Gabriel Diniz, Deputado Federal Dalton
Canabrava, dentre outros.
Também foi intenção desta dissertação: contribuir com as reflexões e produções no
campo da história da educação em Minas Gerais, incluindo o tema do Ensino Comercial para a
Educação Profissional, levando uma dinâmica de uma instituição escolar como precursora de
uma cultura que se perpetua nas cidades e nas pessoas. A Instituição escolar, mesmo diante da
vigília e da imposição legal tem particularidades que a levam a criar seu próprio habitus,
demarcando seus próprios destinos de vida. Portanto, não é por acaso, que ao escolher novos
profissionais a instituição escolar optou várias vezes por contar com ex-alunos, que trariam
113

consigo todo um aprendizado, que longe de ser somente pedagógico, acabava por reproduzir e
incorporar aos novatos toda uma articulação para ser ela mesma novamente.
Por tudo isso, consideramos a dissertação não como um trabalho conclusivo, que encerra
uma discussão, mas sim como uma porta que se abre ao diálogo, a outras interpretações e,
acreditamos, descortina um amplo leque para novas investigações. Dentre algumas das
possibilidades, apontamos a temática relativa aos sujeitos diretores e os alunos, que apareceram
em números ou por citação, mas ainda não foi possível um aprofundamento significativo.
Muito há para se conhecer sobre os sujeitos. Enfim, os leitores perceberão que a dissertação
está aberta a novos olhares, novas leituras e a novos e muitos questionamentos, principalmente
no que diz respeito à acessibilidade de fontes e heurística de documentos, o que infelizmente
fomos impedidos de fazer.
Alia-se a isso, a escassez de informações históricas sobre a produção escrita e oral de
alunos e dos próprios professores, que se associam e são decorrentes de uma política que não
atua em esclarecer sobre a conservação, preservação e organização documental, ficando os
documentos/fontes sobre o livre arbítrio dos agentes responsáveis que não dispõem nem de
conhecimento, e por vezes, demandam pormenores como, por exemplo, espaço físico para
acomodação e disposição de arquivos.
A despeito de todas as dificuldades, foi possível produzir a história do Lyceu Mineiro
(1927) e do Colégio Padre Curvelo (1957), com as poucas fontes que foram acessadas. Em
síntese, a constatação de que a instituição pesquisada tinha uma proposta de ensino que atrelava
a formação do profissional do comércio com a formação ou conformação do sujeito social
morador da cidade de Curvelo, culminou com a ideia de Magalhães sobre as instituições
educativas e sua apropriação pelos sujeitos. Foi um ponto importante de se observar, o interesse
da escola em manter práticas que demarcavam se lugar social, com a divulgação dos rituais de
ingresso, de avaliação dos alunos, formaturas, dentre outros. Também como forma de
perpetuação da insituição exibiam em tablados com fotos, os ex-alunos e professores, que
marcaram suas passagens por aquele lugar formativo. Não ficamos sabendo ao certo se todos
os alunos eram incluídos no tablados mas foram significativos para algumas de nossas
indagações sobre as demandas de concluintes, por exemplo.
Concluindo analisamos a importância desse estudo para a História da educação e a
historiografia das instituições escolares e atentamos para o quanto o conhecimento histórico da
instituição educativa revelou que a associação do ato de educar está “profundamente marcado
pela sua inscrição na conjuntura histórica local”, atrelando-se ao desenvolvimento da cidade e
114

da formação dos sujeitos que permeiam a atividade educativa, e constroem a memória e a


unicidade da cultura escolar.

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ANEXOS
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