Julia - Livro 1 - Serie Renda-S - Anne Marck
Julia - Livro 1 - Serie Renda-S - Anne Marck
Julia - Livro 1 - Serie Renda-S - Anne Marck
RENDA-SE
Júlia
Livro 1
Copyright © 2018 Anne Marck
Anne Marck
1ª Edição — 2018
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Todos os direitos reservados.
São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte dessa obra,
através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o consentimento escrito da
autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e punido
pelo artigo 184 do Código Penal.
Índice
Dedicatória
Sinopse
Apresentação
Prólogo 01
Prólogo 02
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 11
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Epílogo
Agradecimentos
Leia um trecho de Alice, segundo livro da série
Recado da autora
Dedicatória
Júlia verá sua zona de conforto implodir e descobrirá que Frederico não
é o tipo de sujeito que se deixa usar, não sem lhe ensinar uma boa lição: não
aposte sentimentos, menina, você pode perder.
Júlia nem sempre diz o que pensa. Bem, na maioria das vezes, ela não
diz. Sua pouca habilidade em enfrentar os problemas em algumas situações a
coloca em problemas ainda maiores. É assim quando conhece Frederico.
Uma aposta (decidida numa brincadeira de moeda no copo, entre ela e suas
amigas) leva um novo e instigante desafio à sua vida: conquistar aquele
homem. E, aparentemente, o plano está indo bem... se não fosse a
incapacidade dela de resistir aos sentimentos que o furacão enraíza em seu
coração.
A questão agora é lidar com a reação desse homem tempestuoso
quando ele descobrir a verdade... E é só uma questão de tempo para isso
acontecer, com sua sorte.
“O que ele não conseguiu ver foi que, com ou sem aposta, no momento
em que coloquei os olhos nele, eu me senti imediatamente atraída. Foi isso,
não tinha mais como voltar atrás”.
Júlia
Prólogo 01
Júlia
Frederico
No interior (onde fui criado), entre tantas crenças e hábitos, há algo que
se considera como sendo uma lei exata e absoluta da vida: colheremos tudo
aquilo que semearmos, independentemente da qualidade do fruto. Ninguém
está imune a isso ou pode fugir do seu destino. Acho honestamente que meu
momento de colheita está acontecendo.
Apressado, entro pelo local frio e asséptico empurrando portas até
avistar Bia, minha irmã, encolhida na cadeira da sala de espera parecendo
uma menininha frágil, debilitada pelo medo. A cena leva um sabor amargo à
língua. Tudo o que tenho, o que lutei para ser, o dinheiro que conquistei, não
significam nada, absolutamente nada, neste momento.
— Fred — ela sussurra chorosa e vem para mim assim que me vê.
Abraço-a contra o peito e me dou conta do quanto senti sua falta.
— Como ele está?
Um suspiro engasgado e mais lágrimas.
— Os médicos estão operando ele agora, mamãe teve uma queda de
pressão e está sendo atendida também.
Dor e culpa fazem um bom trabalho me rasgando de dentro para fora.
Meus músculos se tencionam ao nível da dor. Tudo culpa minha. Este inferno
está acontecendo unicamente por minha causa.
— Eu sinto muito, Bia — murmuro de forma abafada, mal escutando
minha própria voz.
Minha pequena irmã se solta e me encara.
— Isso não foi culpa sua, Fred. Papai já estava reclamando de dor no
peito, mas você sabe como ele é teimoso demais para procurar um médico.
Ignoro sua tentativa de me fazer menos responsável. Meu pai está neste
hospital porque fui um estúpido ambicioso. Meu nome sendo arrastado das
páginas de negócios para as colunas de fofoca é resultado do maldito ego que
cultivei. Foi ele que me levou a me relacionar com pessoas como Rebeca e
Paolo.
Espera. O que foi que ela disse?
— Ele não estava bem? — o tom denuncia minha surpresa.
Bianca suspira baixo, evitando meus olhos.
— Ele anda muito preocupado ultimamente — percebo sua hesitação.
— A fazenda não vai nada bem... Papai está passando por algumas
dificuldades... — Sua face ganha um discreto rubor.
Estreito os olhos, engolindo o amargor ácido.
— Por que ele não me disse nada?
Minha irmã morde o lábio, ansiosa.
— Desde que você se afastou, ele achou melhor não te incomodar...
Suas palavras têm o poder de me atingir como um punhal afiado.
Bia se afasta e vai para as máquinas de água, pegando dois copos.
Desabo na cadeira, sufocado, desfrouxando o nó da gravata, e então ouço
meu nome na pequena televisão suspensa na parede. O programa de
noticiários local escolheu este momento para, pela incontável vez no dia,
fazer seu sensacionalismo.
— ...Voltamos a falar do escandaloso caso de traição que abalou o
mundo das celebridades esta manhã. A modelo Rebeca Olseni, figura
conhecida por suas extravagâncias, noiva do bilionário das Indústrias
Falcon, Frederico Falcon Casagrande, teve um vídeo íntimo vazado na
internet. A surpresa, caros telespectadores, é que não é seu noivo que vemos
com ela nas imagens picantes. Rumores dizem que se trata de Paolo Dantas,
o homem que já trabalhou para a Falcon e hoje desponta como um
concorrente nos negócios. Pessoas próximas ao casal contaram em nossa
reportagem que a modelo estava supostamente vendendo informações
sigilosas das Indústrias Falcon para o amante. Nenhum dos envolvidos foi
encontrado por nossa equipe para se pronunciar sobre o assunto.
Imagens minhas saindo da empresa são transmitidas. Abaixo, a
legenda: Bilionário das minas traído pela noiva, a modelo Rebeca Olseni.
Sorrio de maneira amarga, segurando-me para não arremessar uma cadeira
contra o aparelho de TV. Se eles soubessem da história inteira, de como o
canalha do Dantas tentou usar esse vídeo para arrancar meu dinheiro, seria a
cereja no bolo para esses jornalistas abutres.
Eu não sei como isso chegou até meu pai. Maldição! Por que eu deixei
a coisa ir tão longe entre ele e mim, ao ponto de mal nos falarmos? Saí da
fazenda tão obstinado a ter sucesso, construir um império que passei a me
cercar de interesseiros sem nenhum caráter e deixei minhas origens morrerem
em mim. E agora estou prestes a perder o cara que mais admiro no mundo.
Deixo a cabeça pender entre as mãos, exausto.
Eu não posso perder meu pai. É tudo minha culpa. Seu AVC, os
problemas da fazenda, eu não estava lá para ajudá-lo. Fui um egoísta.
Fecho as pálpebras e inspiro profundamente.
Júlia
Júlia
Frederico
Júlia
Frederico
Júlia
Júlia
Frederico
Júlia
Frederico
Júlia
Frederico
Júlia
Eu não vou suportar ficar a próxima hora com ele, não vou mesmo.
Teimosamente, não me aproximo do homem. Escuto com atenção as
orientações da organizadora.
— Atenção, senhores — ela fala altiva, pedindo que olhemos para si.
Engraçado como eu não vi essa determinação toda quando ela obedeceu
como um cachorrinho às ordens dele. — Vamos ensaiar a entrada dos
padrinhos.
Vejo cada uma das meninas se aproximar de seu par e caminhar lado a
lado para a marcação onde será a entrada. Eu as sigo sem olhar para conferir
se o homem de gelo está perto. Minha liberdade dura pouco; em segundos ele
já está colado a mim.
— Não fuja, é pior, você já sabe — ele sussurra em meu ouvido com
uma voz dura.
Fico furiosa com sua arrogância.
— Ah, claro. Você vai me jogar nos ombros — falo irônica.
— Se continuar me evitando, sim, serei obrigado a fazer isso — ele
afirma determinado e nada discreto.
Verifico seu rosto sério e posso ver que ele não está blefando.
— Muito bem, madrinhas e padrinhos, por favor. — A cerimonialista
medrosa bate palminhas. Argh! — Vou pedir que Alice e Gustavo iniciem a
entrada e peço que vocês prestem atenção.
Assisto a Alice toda empolgada se enroscar ao braço do homem e
caminhar vagarosa e elegantemente até onde será o altar. Pontuando tudo o
que vejo de errado nessa cena, só me causa mais desgosto: primeiro, vou ter
que me enganchar ao braço desse grosseiro bipolar, o que poderia ser
maravilhoso, se ele não fosse um patife, Ok, um patife lindo, cheiroso, forte,
com uma boa pegada e tudo mais, mas não menos patife; a segunda coisa é o
ritmo das passadas que essa cerimonialista filha da mãe quer que sigamos,
lenta e dolorosamente, aliás, no que depender dela, os convidados assistirão à
entrada de padrinhos mais longa da história, ou seja, terei que andar como
uma lesma atrelada ao homem que me detesta; terceiro, e não menos pior,
quem foi que decidiu que teria que haver quase uma milha entre a entrada e o
altar? Minha nossa, quanta ostentação, custava fazer um caminhozinho mais
curto?
É isso. O destino decidiu conspirar contra mim, deu-me a melhor transa
de toda a minha vida com o homem mais bipolar de todos – nada contra
homens bipolares – e com quem vou ter que conviver por uma semana.
Obrigada a Katy e suas ideias furadas.
— Será que eu deveria perguntar no que você está pensando? —
Frederico sussurra próximo ao meu ouvido.
Oh, corpo traidor! Eu preciso mesmo me arrepiar inteira quando ele faz
isso?
— Melhor não — respondo seca, sem olhar para ele.
Agora Pini e o outro padrinho recomeçam a marcha da agonia. Katy
está a cerca de dois metros à frente, esperando sua vez.
— Eu já disse como você está bonita hoje, Júlia? — a voz dele é como
uma pluma acarinhando meu ombro.
Ignoro os arrepios novamente e não respondo. Ele está fazendo isso
para me provocar, só pode. Mordo forte o lábio inferior para me causar dor
como forma de punição por eu ser uma toupeira e agir de forma libertina
quando não deveria.
— Esse vestido caiu muito bem em você. — Ele respira perto demais.
— No entanto, eu ainda prefiro você sem ele.
Penso em chamar a cerimonialista e reclamar da atitude dele... mas
nesse caso, eu diria o que para ela? Que ele está me assediando? E quem eu
acho que ela é, a diretora da escola primária? Faça-me rir, nunquinha que
essa medrosa iria intervir. Estou por minha conta.
E eu vou deixar ele me intimidar assim? Não, não, Sr. Moço Bipolar,
você está enganado.
— Se você não tivesse problemas psicológicos, eu adoraria ficar sem
ele, também — retribuo docemente, quase inocente. Quase.
Fito o casal lá na frente, mas sei que o homem fuzila meu rosto sem
nenhum humor. Hum!
Corajosa, dou-lhe uma olhadinha, só para conferir, e paraliso com o
olhar sombrio e desafiador que ele me lança.
— Fale mais uma gracinha dessas, e eles terão que fazer esta porcaria
sem nós — as palavras saem entredentes, enquanto ele me encara com um
desejo revelador.
Sua atitude me excita profundamente, deixando-me totalmente em
estado de alerta. Minha respiração acelera no mesmo ritmo dos batimentos.
De repente até este vestido fresco não alivia o calor.
— Não pense que eu não estou vendo que você quer isso tanto quanto
eu, Júlia. — Sem receber um argumento à altura, ele se posiciona ao meu
lado e assume sua expressão séria de novo. — Boa menina.
Neste momento, Katy já está na metade do caminho com seu par, e a
cerimonialista faz sinal para começarmos a marcha.
Como se não pudesse ficar pior, encosto o braço no dele e sinto todo o
calor de seu corpo. Por favor, bom Deus, faça com que isto acabe logo.
Expiro ruidosamente.
— Relaxe, mulher, você já esteve mais enroscada em mim do que isso.
— O patife se inclina discretamente para o meu ouvido. — E, se bem lembro,
pediu.
Ignoro seu comentário e foco em olhar para frente.
Exceto pelas meninas, que me observam preocupadas, quem não sabe
sobre nós nem percebe que ele está me dizendo essas coisas, sua cara de
pôquer é muito boa para disfarçar. Sorrio também e finjo que está tudo bem,
eu não quero que ele vença. Na verdade, eu só quero que esta semana acabe
logo.
Frederico
Ter seu corpo tão próximo aperta minhas entranhas. Eu pensei que
conseguiria ter tudo sob controle. Entretanto, no momento em que nossas
peles se tocaram, percebi que estava enganado. Júlia é muito bonita, não
nego, e seu corpo certamente reage ao meu. O arrepio em sua pele foi a
resposta que eu precisava para saber que ela não está indiferente a mim como
tenta mostrar.
Sua teimosia em não se aproximar quando a cerimonialista determinou
não caiu muito bem em meus nervos. E não menti quando disse à pequena
bruxa que, se ela mantivesse esse seu comportamento arredio comigo, eu a
lançaria nos ombros e a arrastaria para um lugar onde poderíamos ficar
sozinhos outra vez, porque é exatamente esta a minha vontade no momento.
Se Júlia está minimamente pensando que vai se livrar de mim depois do
que ela mesma começou, a pobre bruxa nunca esteve mais equivocada.
Júlia
Júlia
Frederico
Júlia
Júlia
Frederico
Júlia
Frederico
Júlia
Júlia
Júlia
Enquanto ele se seca, saio do banheiro e vou até minha mala retirar
uma roupa. O que eu deveria vestir? Será que vamos ao jantar? Eu realmente
não gostaria de socializar, eu preferiria ficar sozinha com ele. Volto para o
banheiro enrolada na toalha e me encosto ao batente. Meus lábios se
entreabrem enquanto o observo secar o cabelo vestindo apenas toalha na
região da cintura, descalço, com o peito nu e molhado. Fico úmida
novamente com a visão.
Frederico para de passar a toalha no cabelo e me olha sorrindo de lado.
Droga, o homem é o pecado em carne e isso. Fecho rapidamente a boca,
evitando babar. Limpo a garganta, desajeitada.
— Nós vamos para o jantar? — Não sei se consegui mascarar o
desânimo com a ideia.
Ele se aproxima em dois passos e me envolve nos braços.
— Não. Eu e você vamos jantar na minha casa.
— Vamos?
Isso é bom?
Frederico
Nem sei o que se passa na minha cabeça. Júlia tem algo que consegue
derreter minha racionalidade. Vê-la se debatendo na cama contra um sonho
ruim apertou minhas entranhas com a sensação de impotência.
Não quero permitir, mas sinto que a pequena bruxa está fincando suas
raízes em mim e nem se dá conta disso. Observando seu rosto limpo, livre de
toda a pose de menina da cidade, ela parece tão vulnerável. Eu sei que estou
pisando em um caminho perigoso, e o pior é que mal consigo me manter
longe dessa mulher.
Eu deveria ter me contentado com a ausência dela no jantar e deixado
para lá, mas, inferno, desde que eu a deixei aqui, há algumas horas, tenho a
inexplicável sensação de vazio. Mal pude me impedir de vir atrás dela.
Tenho experiência suficiente para saber que isso que está havendo entre
nós não tem nenhum jeito de funcionar. Não é nem mesmo o que eu quero
para mim. No fundo eu sei que Júlia é só mais uma mulher sem escrúpulos
entre as muitas que existem por aí. Sua atitude de me colocar como alvo de
uma aposta infantil só demonstra que ela é exatamente como eu penso que
é... Mesmo que o maldito desejo aqui dentro nunca consiga ter o bastante
dela.
Capítulo 11
Júlia
Frederico
Júlia
Frederico
Júlia
Júlia
Demora um tempo até que Frederico entra com o carro dentro de uma
mata fechada, com uma clareira ao centro.
— Agora somos nós dois. — Seu modo frio, tão diferente de como
vinha agindo até agora, desconserta-me. Engulo em seco.
O homem desliga o carro, dá a volta e abre minha porta.
— Saia — rosna.
Nervosa, minhas pernas se atrapalham ao descer e eu caio de joelhos no
chão. Frederico sequer move um músculo para me ajudar a levantar. Olho
para cima e assisto ao desprezo com que ele me encara.
Algo dentro de mim se parte com um sentimento que ainda não sou
capaz de descrever. Levanto-me e fico em pé, somente pare ter um dedo
acusador apontado para mim.
— Você é uma mentirosa! Eu tentei fingir que você não era, mas, Júlia,
você não passa de uma mentirosa superficial — há tanta frieza em suas
palavras que me assusto. O ar queima meus pulmões como veneno diante de
seu tom de desprezo.
— Eu não sou pior do que você, que se esfrega em outra bem na minha
frente depois de passar a noite comigo! — grito.
A intensidade de seu olhar me abala.
— Eu não me esfreguei em ninguém. Mas você só está tentando
inventar desculpas para suas ações de merda, não é? Querendo nos tornar
iguais — aproxima-se um passo, e eu recuo um, instintivamente —, se
fazendo de inocente.
— Isso sendo dito pelo cara que se finge de traumatizado é até
engraçado — acuso irônica.
Frederico continua se aproximando, olhos escurecidos... assustador.
— O que você acha que sabe sobre mim? — ele rosna entre os dentes.
Minhas costas encontram o carro.
— Sei que você é um falso. Foi traído porque é um escroto!
Um ruído de horror sai de meus lábios involuntariamente diante do que
vejo. Sorvo o ar, petrificada quando assisto ao homem empunhar sua mão em
direção ao meu rosto. Cerro os olhos, esperando o golpe que vai me
machucar. Oh, Senhor!
O estrondo ensurdecedor de seu punho contra a lataria ao meu lado me
aterroriza. A força é tanta que o metal inclusive amassa.
Pânico me invade o corpo, bombardeando-me com uma mistura de
medo, raiva e incredulidade. Esse cara é doente.
Frederico não me toca, mas, caramba!, eu realmente, realmente estou
com medo.
— Você quer saber do que mais? Para que você não pense que sou
como você, eu vou te dizer que aquela mulher que você usou como desculpa
é minha prima! — A ira deforma seu semblante.
Engulo toda a dor, não permitindo que isso me derrube, e revido:
— Prima que você já namorou! E agora, que ela voltou, você quer
continuar de onde parou. Você é ridículo!
Ele emudece, olhando intensamente em meus olhos. Assisto ao
movimento de seus globos oculares e tenho uma pequena sensação de vitória.
— Que triste. Ele achou que eu não soubesse. Own! Coitadinho! —
faço uma vozinha parecendo compreensiva e sorrio de forma falsa.
Isso eleva tudo a um nível pior.
— Nós namoramos quando eu era uma criança! E quem foi que te
contou isso? O Matheus? O DST ambulante?
Oi? DST ambulante?
— Você me fez beijar um cara com DST, seu... seu bastardo! —
Consigo empurrar seu peito para que se afaste.
O homem estreita os olhos e me encara como se eu fosse nada além de
lixo.
— Eu estaria com mais medo por ele, visto o tipo de mulher que você
é. — Seu meio sorriso sem humor contrasta com a raiva em seus olhos. —
Você me dá nojo.
Lágrimas queimam novamente em meus olhos e começam a deslizar
sem controle.
— Só se eu peguei alguma coisa de você! — grito, insanamente
ofendida.
Frederico inspira profundamente.
— Certo, vamos deixar uma coisa bem clara entre nós — a nova
intensidade de sua voz me paralisa, como se eu estivesse esperando por algo
ainda pior. — Você não precisa mais vestir a máscara de boa moça comigo
— ele rosna amargo. — Eu sei exatamente quem você é. Eu ouvi você e suas
amiguinhas.
Fico muda. E ele aproveita o momento para ir mais fundo:
— Até achei engraçado no começo. E cá entre nós, eu pensei que você
não iria perder para sua amiga, Alice o nome dela, não é?
Meu queixo cai com o tom de desprezo e a maneira fria com que ele
revela tudo.
— Mas você perdeu — ele acusa. — De propósito, eu acho. Porque no
fundo você queria ser a única a ir para a cama com algum imbecil — seu
sorriso de deboche me fere tanto quanto as palavras — Era tudo por prazer,
Júlia?
Oh, Senhor. Isso deve ser um pesadelo, não pode ser real. Isto não está
acontecendo.
— Você é doente — sussurro em choque, anestesiada.
— Não. Doente eu estava quando vi vocês procurando um otário e
fiquei esperando, acreditando que no fundo você mudaria de ideia. Eu fiquei
tão puto quando vocês me escolheram que precisei sair para não fazer uma
besteira. — Ele balança a cabeça, transtornado. Sua mão livre desliza pelos
próprios cabelos. — Mas então, você foi atrás, foi me procurar lá fora, se
achando a caçadora. Tão estúpida que, no final, quem acabou sendo usada
foi você.
Meu corpo enrijece com as palavras. Eu nem sei o que dizer. Ele está
sendo muito além de cruel.
— Te usei do jeito que eu quis e quando eu quis. — O sorri sombrio
arremata o golpe certeiro.
Isso não é real, o homem dizendo essas coisas não pode ser real. Inclino
a cabeça, olhando mais atentamente para o desconhecido, tentando encontrar
o homem caloroso com quem eu passei os dois últimos dias.
— Você é cruel, e eu não vi isso antes — constato em um sussurro,
com uma emoção estranha embargando minha garganta.
— Se bem me lembro, você gostou dessa crueldade enquanto gemia
implorando por mim — ele debocha triunfante.
— Eu achei que estava apaixonada por quem eu pensei que você era —
revelo, escutando o som morto da minha voz, como se a frase fosse mais para
mim do que para ele.
A decepção tem o poder de paralisar nossos sentidos. De nos matar por
dentro lenta e dolorosamente, de alguma forma. Assim eu me sinto. Frederico
acabou de matar uma parte aqui dentro que eu nem sabia que existia.
Assisto a uma emoção diferente passar através de seu rosto. Um nuance
de tristeza, talvez. Porém, eu não quero mais ficar imaginando coisas nas
quais eu gostaria de acreditar. Desvio os olhos para baixo, sentindo o peso de
meu erro.
Frederico dá um passo para mim novamente, ficando a poucos
centímetros de distância.
— Eu não caio nesse seu papinho, já vi várias iguais a você. Eu vejo
seu jogo, Júlia, eu vejo você.
— Por favor, Frederico, me deixe ir — sussurro vazia, nada mais me
restando.
E, por alguma inexplicável razão, o homem me vira as costas.
Minha cabeça parece pesar uma tonelada, nem consigo levantá-la. Eu
só consigo caminhar para longe dele de forma lenta como se uma corrente
estivesse amarrada nos meus pés.
Escuto-o novamente atingindo o carro, mas não me viro para verificar.
Caminho vagarosamente para a mata e ando para o mais longe possível,
desnorteada, até as pernas doerem.
Ele me usou. Sinto que estou sangrando por dentro. Tudo o que eu
achei que tinha vivido foi uma mentira. Frederico é cruel, e eu fui tola por
não perceber isso antes. Fui covarde por não contar para ele sobre a aposta,
mas no final ele já sabia. E disse que me usou.
Eu mal consigo respirar, não consigo mais andar. Não posso nem evitar
as lágrimas. Caio no chão, deslizando as costas pelo tronco de uma árvore,
encolho as pernas, abraço os joelhos e deixo a tristeza, decepção, vergonha e
raiva apoderarem-se de mim. No fundo, ele tem razão sobre o que eu fiz. No
entanto, eu não entendo como tudo o que vivemos nas duas últimas noites
pode ter sido uma mentira.
Choro muito e tão forte que fico fraca, oca, tão vazia que não sobrou
mais nada. Eu não acho que seja possível eu me sentir assim de novo.
Frederico, mesmo sem querer, deu-me esperanças de uma vida diferente da
que eu tenho, fez-me pensar que eu poderia encarar o mundo... e no fundo,
ele mesmo me tirou tudo isso.
Frederico, em tão pouco tempo, arrancou de mim a vontade de amar, de
conhecer alguém, de mudar minha vida e fazer tudo diferente.
Estou me sentido suja, quebrada.
Capítulo 15
Frederico
Júlia
Júlia
Por mais que eu tenha tentado, não consegui pregar o olho. Não dormi
nem por um minuto e ouvi os cochichos de minhas amigas, tentando não me
incomodar. Passar a noite em claro foi bem útil para pensar. É certo que eu
não posso ficar nem mais uma hora neste lugar. Eu tenho que arrumar minhas
malas e voltar para casa. Não é justo com Ivan e Bianca, eles confiaram em
mim para ser madrinha, ele me escolheu com carinho, e eu sei que vou
simplesmente virar as costas para isso, mas não posso fazer diferente.
Permanecer nesta fazenda seria uma missão totalmente impossível.
Outra decisão que eu tomei é nunca mais sequer pensar em Frederico.
Depois que eu for embora, a probabilidade de encontrá-lo novamente é nula,
e ainda assim eu nunca irei a qualquer comemoração que envolva a família de
Ivan e Bianca. Nunca mais deixarei meus olhos caírem sobre ele.
Verifico o relógio; 5h15 da manhã. Embora o cansaço, não consigo
mais permanecer na cama.
Levanto-me silenciosamente e vou ao banheiro. Meu rosto está
horrível, acho que eu nunca me vi tão feia. Meus olhos são apenas borrões,
inchados e envoltos em grandes bolsas. O cabelo está uma bagunça também.
Abro a torneira e jogo um pouco de água no rosto, somente para refrescar,
porque tentar desinchar é inútil. Escovo os dentes e penteio o cabelo para que
ele não pareça um ninho de pássaros.
Volto para o quarto, mas não consigo me deitar, eu preciso de ar.
Visto uma calça de moletom e a camiseta da universidade que
normalmente uso para me exercitar e saio do quarto. O dia, apesar de ainda
escuro, está começando a clarear. O cheiro da manhã é uma das coisas de que
eu vou sentir falta daqui. Porém, tudo tem seu preço.
Já do lado de fora do quarto, que dá para a varanda, sento-me no degrau
e coloco meus tênis de corrida. Ligo a playlist do celular, enfio os fones nos
ouvidos e saio para correr na direção oposta à casa principal da fazenda. Não
quero correr nenhum risco de encontrar alguém por aí. Corro ouvindo Bruno
Mars e sua enganosa letra dizendo o que ele gosta na sua garota, seus olhos,
seus cabelos. Ele diz que ela é tão linda e que ele lhe fala isso todos os dias,
diz que gosta dela do jeito que ela é e que ela é incrível. Que porcaria! Por
que essas músicas querem fazer a gente acreditar que realmente existe esse
tipo de amor?
Estou correndo numa estrada de terra estreita ao lado de um pasto a
perder de vista. Bem ao longe, vejo algumas cabeças de gado. Corro mais um
pouco até que minhas pernas começam a doer. Olho para trás e percebo que
eu fiz um longo caminho, pelo menos uns três quilômetros.
Desacelero os passos e passo a caminhar. Retiro os fones dos ouvidos,
porque a cabeça começou a doer. Ando mais um pouco, apreciando o clarear
do dia. O cheiro de mata e poeira invade meu cérebro como um calmante.
Até que escuto um barulho cru, um grunhido alto de algum animal.
Parece um gemido agudo de dor. Minhas pernas amolecem imediatamente.
Invadida pelo medo de ser atacada, ainda assim paro para escutar mais
atentamente. O urro doloroso corta o ar, deixando nítido que, atrás do mato
alto, paralelo à estrada, há algum animal passando por uma dor excruciante.
Ciente de que corro o risco de ser atacada, mas atraída pelo instinto de
livrar o bicho do que quer que lhe esteja fazendo mal, eu me enfio pelo meio
da cerca de arame. Uma parte do meu cabelo se enrosca nas farpas, e na
tentativa de soltá-la, minha testa é cortada pelo arame pontiagudo. Suprimo
um gemido de dor. Droga.
O animal percebe minha aproximação, e seus gemidos aumentam. Ele
deve estar morrendo de medo de mim, assim como eu me sinto em relação a
ele.
Livro-me dos arames e do mato alto e me aproximo para ver a cena
mais surreal da minha vida. À minha frente há uma vaca bem grande e gorda,
malhada de preto e branco. Contudo, surpreendente é o que está acontecendo
em sua área traseira. Há um filhote com apenas parte do corpo para fora. Ele
está preso dentro da vaca, e ela não consegue pari-lo completamente.
Oh, Deus! É, sem sombra de dúvidas, a coisa mais surreal da face da
Terra, pelo menos para mim. O que eu faço? O que eu deveria fazer? Estou
entrando em pânico.
Procuro desesperadamente meu celular no bolso do moletom para ligar
para sei lá quem. Porém, o aparelho está sem sinal. O que eu faço?
Com as mãos trêmulas e lentamente, muito lentamente, toco o alto de
suas costas e a aliso com carinho.
— Calma, vaquinha, calma. Tudo vai ficar bem.
Estou tremendo dos pés à cabeça, e ela responde com um apelo ainda
mais alto. Ou ela quer que eu me mande daqui e a deixe em paz, ou quer
ajuda. Olho novamente para o seu filhote e não vejo nenhum sinal de que as
coisas vão ficar melhores.
Meu Deus, eu preciso tomar uma atitude, me dê forças!
Caminho a sua volta com o máximo de suavidade que posso, para ficar
atrás dela. Quando tento me aproximar, uma de suas patas se lança ao ar, com
fraqueza, como se ela tentasse me dar um coice. Oh, minha nossa, eu devo
mesmo tentar ajudar?
— Escute, eu quero ajudar você, amiga, mas você precisa se acalmar —
falo com tranquilidade numa tentativa de transmitir segurança.
Posso estar vendo coisas, mas acho que ela está chorando. É o sinal de
que eu precisava. Com jeito, eu fico na sua traseira, posicionada de modo que
nenhuma de suas patas possa me atingir, se ela tentar. Junto as mãos trêmulas
e as esfrego uma na outra.
— Vamos lá, Júlia, você precisa ser forte e ajudá-la. Você não pode
tremer.
Fecho os olhos, respiro fundo e tento puxar na memória um programa a
que eu assisti no Discovery sobre o cotidiano de um senhor veterinário que ia
às fazendas para cuidar dos bichos. Vamos lá. Eu já assisti a ele fazendo um
parto, eu só preciso lembrar como ele fez.
Ok. Outra respiração profunda, e lá vamos nós. Observo melhor a
situação. Ponto um: ela não pode me atacar na posição em que eu estou.
Ponto dois: eu preciso me certificar de me manter sempre aqui; um
centímetro para qualquer lado, e ela pode me dar uma patada
involuntariamente. Ponto três: o bezerro tem as duas patas traseiras para fora
dela, ou seja, ele pode não estar vivo por falta de oxigênio.
Respire, Júlia.
Eu deveria puxar o bebê pelas patas e estaria resolvido, certo? Contudo,
e se ele estiver enroscado lá dentro? Melhor não tentar puxar sem ter certeza.
Levo as mãos em direção ao bebê e o toco. Ele está quentinho. Bom, pelo
menos não está morto... ou, se está, morreu agora. De qualquer forma, ele
tem que sair. Com uma coragem que eu nem sabia que eu tinha, deslizo as
mãos por cima do bichinho, entrando com ele no buraco. A sensação é
absolutamente estranha. Dentro da vaquinha é extremamente quente e
apertado. Apalpo com cuidado e tento separar minhas mãos lá dentro, de
forma que cada uma toque em um lado do bebê. Sinto-o. Eu posso senti-lo!
Suas laterais, suas costelas! Meu Deus, isso é muito louco! Com cuidado,
milímetro a milímetro, vou puxando-o para fora.
A vaca ruge alto, como se eu a estivesse machucando. Eu preciso ser
rápida. Vou deslizando o bicho com cuidado. Flexiono as pernas para me
apoiar, suportar as patas traseiras do filhote e diminuir o peso em minhas
mãos e percebo que, mesmo bebezinho, ele é bem pesado.
Mais da metade do animal já está para fora, tanto porque estou puxando
quanto pela gravidade e pela contração que eu sinto nas paredes interiores da
vaca expelindo-o. Quando toco seu tronco e cabeça, eu sinto alguma coisa no
pescoço dele. Puxo com um pouco mais de cuidado e quase paraliso com o
que eu percebo: ele tem o cordão umbilical envolto no pescoço.
Se eu não tirar o bezerro, ele vai morrer sem ar; se eu o puxar com
força demais, irei estrangulá-lo.
Suor escorre pela minha face em bicas. Eu não tenho a menor condição
de continuar, mas se eu parar, estas duas vidas podem morrer.
— Deus, me ajude! — Suspiro, nervosa e amedrontada como nunca.
O peso do bicho nas minhas pernas está sendo demais. Entretanto, se eu
não o segurar, ele vai ser estrangulado. Estou no limite, e a vaca também está
no dela, visivelmente. Ela está se contorcendo, tentando me acertar com
coices e rugindo em agonia.
Quando eu avisto o pescoço do bebê, sei que preciso cortar o cordão,
ou o bicho vai morrer. Vou cortar com o quê, Senhor?!
— Pense rápido, Júlia!
Eu só consigo pensar em um jeito de cortar esse negócio. Minhas
pernas flexionadas sustentam as patas do bezerro. Com a mão direita dentro
da vaca, eu seguro a cabeça do bicho. Com a esquerda, que está para fora, eu
agarro o cordão e aproximo meu rosto. É a sensação mais estranha do
mundo... E eu acho que não consigo ir em frente.
— Deus, me ajude com isso! O que eu faço?
A resposta vem por meio de uma pulsação no pescoço do bezerro. Esse
bebezinho está vivo e precisa de mim. Cravo os dentes no cordão grosso,
vermelho escuro, rígido, de cheiro forte e gosto metálico, mal posso explicar.
Aperto e faço movimentos de cerra com os dentes, pressionando forte até que
finalmente a coisa é rompida.
Afasto o cordão com rapidez e, num puxão mais forte, retiro a cabeça
de uma vez, a última parte que faltava para ele finalmente nascer. Com o peso
do bicho e a sensação de moleza nas pernas, eu caio para trás trazendo o
bebezinho comigo, que para deitado em cima das minhas pernas.
A pobre mamãe também cai no chão, exausta.
Lágrimas de emoção invadem meu rosto. Senhor! Que sensação é
essa? Dou um grito bem alto, a plenos pulmões, para botar para fora toda a
adrenalina correndo em minhas veias. Lágrimas escorrem desenfreadas.
— Obrigada, Deus! Obrigada! — grito feito uma louca.
De repente, ouço vozes e pessoas correndo próximas a mim.
— Júlia?
Oh, não. Nem lascando. Essa é a última voz que eu gostaria de ouvir na
vida. Não me permito olhar para ele.
Logo outra voz se aproxima.
— O que aconteceu aqui, moça? — a voz parece assustada. — Vo-vo-
você fez o parto? — O espanto é encantador.
Contrariando minha vontade, obrigo-me a erguer os olhos e encará-los.
Suas expressões de choque se intensificam conforme analisam melhor minha
face.
O rapaz ao lado do patife leva as duas mãos à cabeça.
— Moça, não me diga que você fez o parto e cortou o... cortou o... com
a... com a boca?
Pisco várias vezes para entender a situação e como o homem soube,
então passo a mão na boca e fico ciente do sangue em meu rosto.
— Ele não conseguia nascer — sussurro sem emoção, quase tão
exausta quanto a vaca.
Um terceiro homem se aproxima correndo e, vendo-me sentada,
ensanguentada e com o bezerro no colo, chega à mesma conclusão.
— Moça... — A surpresa estampada em seu rosto é seguida de um
suspiro. — Deixe-me ajudar.
Ele e o outro homem retiram o bezerro do meu colo e tentam o pôr em
pé. O pobre animalzinho está fraco, mal consegue se sustentar nas pernas
bambas.
Permaneço sentada no chão, totalmente trêmula e extasiada, assistindo
à cena em transe, como se o que eu tivesse feito e visto fosse apenas um
sonho e eu estivesse em outra dimensão. Entretanto, sou puxada para a
realidade pela presença de Frederico, em pé, parado a minha frente.
— Você está bem? — a voz é um ruído rouco, forte, enquanto ele
estende a mão oferecendo ajuda para eu me levantar. A mesma mão que
apertou meu braço, que me apontou o dedo cheio de ofensas e acusações.
Impossível esquecer a dor física e emocional que esse homem me
causou. Mesmo no momento mais mágico da minha vida, como é o caso
agora, eu não consigo perdoá-lo. Meu coração endureceu, e foi Frederico o
responsável por destruir qualquer sentimento bom dentro de mim.
Com a força e coragem que hoje eu descobri que tenho, apoio a palma
das mãos no chão e me coloco em pé sozinha, sem ajuda e sem olhá-lo.
O homem que me ajudou chega mais perto.
— O que você fez foi realmente impressionante, senhorita...?
— Júlia — respondo baixo.
— Sou Jefferson, o veterinário. — Ele estende a mão, e eu a aperto sem
muita ênfase. — Você cortou o cordão com os... dentes?
— Estava enrolado no pescoço dele — sussurro com uma sensação de
queimação apertando a garganta.
O tal doutor Jefferson sorri.
— Isso foi muito corajoso.
Suspiro profundamente. Estou sem nenhuma vontade de ficar
conversando no mesmo ambiente em que o patife sem coração está. Com um
passo para o lado, afasto-me do veterinário e da presença sufocante de
Frederico. Puxo a barra da camiseta até a face e limpo brevemente a boca e
bochechas, só para tirar a sujeira maior.
— Eu preciso ir — murmuro, cansada e estrangulada com as sensações.
Frederico corta a distância entre nós.
— Eu vou te levar — sua voz grossa, determinada, faz meu peito se
apertar.
Ignorando-o, viro-me para o veterinário.
— Cuide deles — peço honestamente, apontando para os animais.
Eu gostaria de ficar aqui e ter a certeza de que os bichos vão ficar bem,
mas eu não posso suportar a ideia de estar mais um minuto na presença do
homem que me machucou. Caminho para o bebezinho, abaixo-me e beijo sua
cabeça. Lágrimas de emoção teimam em aparecer.
Frederico acompanha de perto meus movimentos, com a confiança de
que vou permitir que ele me leve, depois de tudo.
Sem olhá-lo, eu interrompo sua investida e faço um sinal de pare com a
mão. Minhas pernas estão muito fracas para percorrer todo o caminho de
volta. Eu preciso de uma carona, mas não será com ele.
Olho para o outro funcionário e pergunto:
— Será que você pode me levar de volta? — minha voz soa exausta, e
minha aparência está péssima.
Ele só faz olhar para o seu chefe e sacudir a cabeça.
Eu realmente estou agradecida pelo fato de que o patife não tentou
fazer um showzinho. Eu iria a pé até a cidade mais perto – a cerca de
cinquenta quilômetros –, mas não pegaria uma carona de três quilômetros
com Frederico nem a pau.
O funcionário abre a porta do carro para mim e, no caminho de volta,
faz-me perguntas sobre por que eu estava ali, como eu sabia o que tinha que
fazer, se eu já fiz aquilo antes. Repondo pacientemente e com os detalhes que
eu consigo lembrar, rezando para que a gente chegue logo e eu possa dormir.
Frederico
Júlia
Frederico
Júlia
Frederico
Júlia
Júlia
Frederico
Não está sendo fácil. Pela primeira vez em minha vida, eu não estou
sabendo como gerir uma situação. Passei anos construindo o que alguns
chamariam de império, lutando contra os piores percalços. Administrei a
bagunça que se tornou minha vida depois de toda aquela merda com Rebeca.
Consegui manter a cabeça no lugar diante do risco de perder meu pai. E ainda
assim, nada se compara ao sentimento de estar perdendo definitivamente este
jogo com a mulher aqui ao meu lado.
Eu não sei determinar exatamente quando isso aconteceu, mas o fato é
que Júlia despertou sentimentos em mim que eu jamais achei que fossem
possíveis, e agora estou assistindo impotente à parede que ela está
construindo entre nós crescer centímetro a centímetro e me esmagar.
O problema é que eu nem sei o que fazer com tudo isso. Eu a
machuquei, não só aqui, em seu braço delicado enroscado ao meu enquanto
aguardamos o momento de entrar no circo montado por essa maldita
cerimonialista, mas a feri em algum lugar mais profundo. O brilho que
outrora havia em Júlia se foi. Ela já não me olha como nos primeiros dias.
Seu olhar agora está coberto de ressentimento por mim.
Inferno. Não posso desistir. Ainda tenho mais deste jogo pela frente.
Júlia ainda está aqui, em minhas terras, não está? Está no meu lado do campo,
eu só preciso colocar isso a meu favor... ou serei esmagado por esta dor me
rasgando a cada minuto.
Júlia
Olho para os lados e vejo os outros casais tomando o mesmo ritmo que
o nosso. Foco a atenção à frente, tanto para não cair, como para não me
perder com o contato de Frederico queimando minha pele.
Assim que colocamos o pé no círculo, nossa música começa. Lá vamos
nós.
Frederico puxa meu corpo para junto de si, pousa uma de suas mãos
possessivamente nas minhas costas e segura minha mão com a outra. Tento
manter uma mínima distância entre nossos corpos, mas o homem astutamente
nos une sem restrições. Com a mão livre toco superficialmente seu ombro,
como se ele fosse uma brasa, evitando me queimar. O contato de nossos
corpos traz a sensação mais intensa do mundo, dificultando o simples ato de
respirar. Viro o rosto para o lado oposto e sigo o ritmo que ele determina,
sem olhá-lo, segurando a respiração para não inalar seu cheiro, que me
remete a tantas lembranças.
— Relaxe, Júlia — ele sussurra com uma voz profunda. — Não é como
se eu fosse te despir e fazer tudo o que gostaríamos aqui, em frente a toda
essa gente nos olhando. Além disso, você conhece muito bem o meu corpo,
então pode se sentir à vontade.
Uma mistura de desejo e irritação bagunça minha cabeça, obrigando-
me a reagir.
— Talvez você não cause o efeito que imagina — devolvo seca, com o
rosto pegando fogo.
Sinto o peito de Frederico retumbar em uma risada baixa.
— A veia de seu pescoço está agitada. — A boca do homem toca
minha orelha, alastrando arrepios por minha pele. — Eu sinto seu coração
acelerado. — Seu braço me puxa mais para si, transformando nossos corpos
em um só. — Estou vendo as gotas de suor brotando em sua testa, menina
bonita. — Engulo em seco, com o calor consumindo as partes mais
indiscretas do meu corpo. — Seus mamilos estão duros por baixo desse
vestido. — Ele ri maliciosamente. — Eu já conheço os seus sinais, Júlia.
Mesmo que você não goste da ideia, você está excitada demais para negar.
O peso sufocante desta situação toda é demais para mim. Não quero
perder o controle de minha mente, e é isso que ele está tentando fazer com
esse joguinho.
Numa tentativa de desanuviar o cérebro, cravo os dentes
profundamente no lábio inferior a ponto de sentir o gosto metálico e
permaneço apertando. Não posso perder o foco da dor, então mordo mais
forte.
— Júlia — ele sussurra assustado. — Por favor, não faça isso. Por
favor.
Inclino a cabeça para olhar para ele, confusa com a mudança em seu
tom. Frederico solta minha mão e passa o polegar em meus lábios. Observo
seu dedo, na altura dos meus olhos, com gotas de meu sangue. Ele lambe o
dedo, seus olhos cheios de algo parecido com culpa.
O fato de ele saber que estou me infligindo dor para evitar que suas
palavras me excitem me deixa mortificada. A música já está no fim. Fico
tempo suficiente apenas para ouvir a última batida. Assim que acontece, solto
sua mão e disparo para o banheiro tão rápido quanto minhas pernas bambas
podem suportar, sem chamar ainda mais atenção.
Corro pelo corredor e logo ouço seus passos atrás de mim. Entro e tento
fechar a porta em sua cara, mas Frederico não permite. Habilmente ele força
sua entrada, trancando a porta atrás de si.
— Por favor, não faça mais isso — ele sussurra irritado, encostando-me
à parede. — Não se puna desse jeito.
— Não me punir? — Dou uma risada de escárnio, perdendo qualquer
controle que eu ainda tinha. — É sério isso, Frederico? Eu não devo me punir
para deixar que você faça isso por mim? Você prefere me machucar a eu
fazer isso sozinha?
A fúria distorce os traços de ferro do homem. Seu grande corpo me
pressiona contra a superfície da parede, e ele inclina a cabeça para que nossos
rostos estejam numa mesma linha. A proximidade é tanta que eu estou
aspirando o seu hálito.
— Não fale isso! — ele grunhe, seus olhos atormentados. — Eu sei que
eu mereço, mas, por favor, nã...
— Por favor?! — grito, interrompendo-o. — Tenha dó! Estou te
pedindo para me deixar em paz o tempo todo, e você só está me humilhando
e envergonhando. Você tem prazer nisso e vem me falar em por favor?!
— Eu não tenho prazer em merda nenhuma, Júlia. — Ele trava o
maxilar, seus olhos escurecendo. — Eu só quero conversar, e você está
fugindo, não vê?
— Nós não temos nada para conversar! — berro em seu rosto. — Você
já falou tudo o que queria, e eu não quero ouvir mais nada!
— Eu estava de cabeça quente! — o homem ruge como um animal
selvagem.
— No entanto, nada mudou! Eu ainda sou para você a pessoa que passa
DST! — lanço-lhe suas próprias palavras. — Então se afaste de mim, me
deixe em paz! — imploro em meio às lágrimas que já nem me importo mais
em deixar fluírem.
Frederico não pode me humilhar mais do que já fez, de qualquer forma.
— Nada disso é realmente o que penso... — ele declara diminuindo seu
tom, parecendo travar uma batalha consigo mesmo, mas não permito que o
homem tente desfazer o que fez depois de tudo.
— Nada vai mudar, Frederico, suas palavras não me atingem mais.
Você me feriu de verdade, e já chega. Depois deste casamento eu vou embora
e não pretendo te ver nunca mais na vida — destilo meu rancor
destemidamente.
Com uma mão deslizando por seus cabelos, antes perfeitamente
penteados, fechando os olhos brevemente e respirando de forma pesada, o
homem luta duramente contra o que eu acabei de lançar em seu rosto.
— Você está com raiva, e eu também. — Ele suspira, falando baixo: —
Então vamos respirar um pouco e pensar no que estamos falando, Júlia, por
favor.
Sua tentativa de se acalmar eleva meu desejo de manter minha própria
fúria em atividade.
— Eu sei muito bem o que estou falando, Frederico — digo embalada
pela mágoa e irritação. Então termino de cravar meu punhal: — Eu me
arrependo amargamente de ter me envolvido com você, não haverá punição
maior do que esta para mim, portanto me deixe em paz.
Assisto ao movimento de sua garganta engolindo a saliva. Seu corpo,
prendendo-me contra a parede, não se move um milímetro. Frederico aspira
uma grande quantidade de ar e a solta lentamente, até que um lampejo de
algo que ainda não consigo distinguir atravessa seu rosto. Fixando seus olhos
em mim, ele me encara com uma nova emoção, como se uma decisão fosse
tomada. Seja lá o que for, não parece nada bom.
— Eu só conheço um jeito de falar com você... — Seu olhar se torna
sombrio.
Oh, porcaria. Não tenho nem tempo de processar sua expressão,
quando sou surpreendida com sua boca me tomando com ferocidade,
forçando a entrada de sua língua em um desespero cru. Travo os dentes,
resistindo com toda a força de vontade que eu ainda possa ter diante da luta
sedenta de meu corpo em ceder e deixar que toda a angústia, dor e desejo
venham à superfície.
Diante de minha relutância, Frederico rosna nos meus lábios, um som
brutal, dolorido.
— Não lute, menina. Por favor, me beija. Me beija, porra! — ele
implora e também exige; é louco, mas é assim. Somente esse homem
consegue agir de forma tão contraditória.
Mantenho os dentes cerrados, até que, num golpe baixo, o homem
lambe o cantinho dos meus lábios e suga a carne machucada e faz isso
repetidas vezes, provocando um desespero desgraçado em meu âmago.
Impossível ficar indiferente e manter a fraca força de vontade. Não consigo
mais lutar, não posso diante do turbilhão de emoções que me atinge. E então,
vergonhosamente, eu cedo. Abro os lábios e permito sua entrada. Sua boca
me toma com desespero. O sabor é maravilhoso, a língua áspera desliza e
persegue a minha. Não há nada de afetivo, é um beijo necessitado, como se
ele tentasse me mostrar o que suas palavras não conseguem dizer.
Meu corpo estremece debilmente, umedecendo e esquentando num
ritmo fatal. Sinto sua ereção ganhando vida através de nossas roupas e sei que
Frederico tem a mesma necessidade que me corrói. A sensação é perfeita e
consegue incinerar qualquer linha coerente de pensamento que tenta me
devolver a capacidade de raciocinar.
E no minuto seguinte, a razão vem à tona, num alerta.
— Não — gemo em tom fraco, lutando internamente contra o desejo
para recuperar o controle.
— Escute seu corpo, Júlia, pelo amor de Deus, escute! — Ofega. E a
língua volta a me tomar com fúria, com paixão. Eu nunca me senti tão viva
quanto agora. Estou à beira de ceder... mas então todas as palavras de
Frederico me atravessam a mente. Lembro-me de sua expressão de nojo
quando eu estava caída no chão e da frase que mais doeu: tão estúpida que,
no final, quem acabou sendo usada foi você.
Isso tudo é como um balde de água fria, reprimindo todo o desejo e
trazendo à tona a vergonha, dor e ódio. Empurro seu peito com uma força que
eu nem sonhava possuir. O homem vai para trás, assustado, olhos arregalados
e confusos. E é aí que eu aproveito o momento e selo nosso fim.
— Se afaste! — Aponto o dedo para a cara dele, como ele já fez
comigo. — Você nunca mais vai me tocar e fazer com que eu me sinta suja
de novo! Nunca mais!
Empurro-o mais uma vez só para ter espaço e saio em disparada,
ajeitando o vestido, correndo para a porta do banheiro.
Desvio do caminho que me leva para onde as pessoas estão e saio por
uma porta lateral. A distância entre o salão e a casa de hóspedes é bem
pequena, então me esforço para conseguir velocidade suficiente para que
ninguém possa me impedir.
Frederico e eu. Isso acaba aqui.
Frederico
Júlia
Júlia
Frederico
Júlia
Júlia
No SPA, tenho bobs por toda a cabeça enquanto espero para ser
maquiada. O lugar está cheio de mulheres que não param de tagarelar.
Frenesi da beleza resume a situação, e hoje, particularmente, minha cabeça
não está ajudando muito a suportar tudo isso. Não dormi praticamente nada,
repassando os acontecimentos da semana mentalmente, e o resultado é uma
pele horrível e o peso de uma tonelada comprimindo meu cérebro. Tomei um
ibuprofeno, mas aparentemente ele ainda não fez efeito.
Dei o meu melhor hoje para não cruzar com quase ninguém durante o
café da manhã. Recebi uma ligação de minha chorosa mãe, de um número
desconhecido, tão chantagista emocional quanto meu pai. Francamente, a
escola em que eles aprenderam a persuadir fez um bom trabalho. Contudo, eu
não cedi dessa vez. Minha decisão foi tomada, e quando eu disse isso, ela
soltou um palavrão quase impronunciável.
E cá estou de volta ao presente, assistindo a uma bela cobra se
esgueirando na minha direção.
— Olá, Júlia — o desdém escorre de seus lábios. — Esse é o seu nome,
não é?
Sem que eu convide, Christine se senta ao meu lado. Olho para um
relógio imaginário em meu pulso e faço cara de inocente.
— Até quando eu conferi pela última vez, sim, meu nome ainda é Júlia
— respondo com falsa simpatia.
— Uma puta com senso de humor, gosto disso — ela sussurra tão baixo
que eu nem tenho certeza se ela disse isso mesmo.
— Como é?
Christine me oferta um sorriso fabricado.
— Exatamente o que você ouviu. — Sua cabeça se inclina para mais
perto. — Agora um recado: fique longe do meu homem.
— Seu homem? — repito debochada. — Achei que tivesse sido um
namorico de criança, sem importância. — Devolvo o sorriso venenoso. —
Mas, de qualquer forma, não perca seu tempo se preocupando comigo,
Barbie.
Minha provocação desmonta seu falso humor.
— Fred e eu nos casaremos — a voz nociva esquenta meu sangue. — E
não será alguém como você que nos afastará. O aviso está dado.
Antes que meu gênio ruim venha à tona, a boneca inflável sai de meu
lado rebolando em seus quadris, e só então volto a respirar. Eu nem tinha
percebido que estava prendendo o ar. Observo meus punhos cerrados,
afrouxo o aperto e relaxo. Ao contrário do que essa mulherzinha pensa, por
mim ela pode ter Frederico inteirinho para si.
Porcaria. Eu não deveria me importar, mas imaginá-lo com ela ou com
qualquer outra mulher me faz sentir péssima.
Guardo os sentimentos confusos e espero pacientemente até ser
chamada para a maquiagem. Uma senhora de cabelos vermelhos e uma
mecha propositalmente branca na franja, estilosa com seus óculos de gatinha,
começa o trabalho.
— Vou reforçar um pouquinho a maquiagem na região de seus olhos,
mocinha. Parece que alguém aqui não dormiu muito bem. — Ela dá uma
risadinha cúmplice. O chiado no peito indica que a mulher fuma há alguns
anos.
Depois de algum tempo, ela me gira para o espelho. Oh, nossa! Essa
mulher definitivamente tem um dom. A palidez e as enormes manchas
arroxeadas embaixo dos olhos foram embora. Seu truque de maquiagem
afinou meu rosto, bronzeou a pele, e até meus lábios ganharam um volume
maravilhoso.
— Uau! — Assovio surpresa.
— Técnica de contornos. — Ela dá uma piscadela, orgulhosa de si.
— Você faz mágica, mulher! — Dou-lhe um sorriso e um abraço
apertado em agradecimento.
Estou terminando de me vestir. Todas nós, madrinhas, estaremos
usando o mesmo modelo de vestido, de uma alça, longo e justo, cor-de-rosa
claro, com uma pequena transparência na região do colo. Brilhos estão
estrategicamente distribuídos pela cintura. O vestido acentua o corpo nos
lugares certos.
Olho para o espelho do quarto e nem me reconheço. Meu cabelo está
semipreso, com fios deslizando suavemente pelo rosto. Fazia tempo que eu
não me via tão bonita. Minhas amigas, como sempre, estão exuberantes. Pini,
Katy e Ali já são naturalmente lindas, arrumadas, então, são de quebrar
corações.
— Meninas, nós temos que ir — Alice verifica o horário em seu celular
e dá a indicação.
Suas palavras me fazem transpirar. Eu não estou pronta, quero dizer,
fisicamente sim, mas psicologicamente não. Em minutos vou ter que encarar
o homem e ficar ao lado dele. A ideia me apavora.
Deus me ajude e faça com que ele se mantenha calado, por favor! Com
as palmas das mãos suadas, inspiro profundamente algumas vezes e concordo
com a cabeça.
— Tem mais uma coisa — percebo a voz de Alice recuar uma nota,
seus olhos vêm direto para mim. — Os padrinhos estão vindo nos buscar.
— Não... — murmuro, perdendo qualquer pouco de coragem. Para não
ser traída pelo tremor das pernas, sento-me na beirada da cama.
Minha intenção é permanecer longe de Frederico o quanto mais
possível. Eu não confio em mim e no meu corpo para ficar perto dele, eu só
estaria dando mais munição para ele me atingir.
— Não se preocupe, vamos resolver isso — Pini anuncia firme. —
Olhe para mim, Ju. — Levanto a cabeça e faço o que ela pediu. — Você não
vai no mesmo carro que ele, se você não quiser. Nós estamos aqui e não
vamos permitir.
— Eu não quero ficar sozinha com ele, Pini. — Estou tão apavorada
com a ideia.
— Ok — Katy afirma decidida. — Então você não vai.
— Vou pedir para trocar a carona — Alice sugere.
— Ele não vai aceitar, Alice, ele vai fazer aquilo de novo — faço
menção ao ensaio.
— Confie em nós, Ju — Pini pede decidida.
Levanto-me da cama e limpo as mãos. Ajeito o vestido pela milésima
vez e inspiro uma grande quantidade de ar.
— Tudo bem.
Pini abre a porta e sai primeiro, Alice e Katy saem atrás, e eu sou a
última. A cena lá fora é bastante... impressionante.
Dou um passo atrás, a cabeça em branco. Oh, minha nossa!
Há quatro homens impecavelmente vestidos com smoking preto,
gravata-borboleta e camisa branca, com lenço cuidadosamente colocado no
bolso do paletó apoiados em suas caminhonetes. Cacete! Isso está parecendo
propaganda de carro esportivo de luxo, cheia de galãs bem-vestidos exalando
poder.
Olho ligeiramente para Frederico e fico literalmente sem ar. A explosão
de borboletas dentro de meu peito causa danos em meus pulmões, coração e
estômago, tudo ao mesmo tempo. Lindo demais... Maldição!
— Caralho... — Pini silva tão fascinada quanto qualquer uma de nós.
Ninguém ri. Estamos todas sob o mesmo efeito: hipnotizadas pela
beleza do time masculino.
Frederico me encara com tanta intensidade que me faz ruborizar inteira.
Uma luta começa a ser travada dentro de mim. A razão me lembra de quem
ele é, mas o coração não quer ficar mais nem um milímetro longe dele. Faço
meu habitual exercício de respiração discretamente e foco em olhar para
qualquer outra coisa que não ele.
Gustavo, confiantemente, é o primeiro a se mexer. Ele se aproxima e,
inesperadamente, planta um beijo na boca de Pini com intimidade. Minha
amiga nem tem tempo de protestar. Ele rapidamente puxa as mãos de Alice e
deposita um beijo delicado em seus dedos.
— Vocês estão — ele faz um beicinho como se estivesse buscando
palavras — fantásticas.
Alice limpa a garganta.
— Obrigada, Gustavo, você é muito gentil... mas preciso... — Ela olha
para mim. — Precisamos de um favor.
Gustavo me sonda, e compreensão ilumina seu rosto, mas ele não diz
nada. Seu olhar se volta para Alice, paciente.
— Preciso que você leve a Júlia em seu car...
— Nem pensar — a voz dura de Frederico a interrompe.
Em um piscar de olhos, ele já está ao lado do amigo. O poder de sua
presença, o cheiro e a energia que emanam dele me paralisam.
Imediatamente Pini me afasta para eu ficar atrás dela, e as três fazem
uma espécie de barreira à minha frente.
— Ela não quer ir com você — Pini explica calmamente. — Por favor,
Frederico. Não vamos criar um caso sobre isso — o jeito educado, mas
determinado como ela diz não deixa brecha para argumentos.
— Eu respeito sua opinião, Priscila, mas eu prefiro que a mantenha
para você — ele rosna baixo entredentes.
— Irmão, vamos atender ao pedido delas, eu levo a Júlia e você leva a
Alice, e depois...
Noto os outros dois padrinhos já próximos, sorrindo, achando graça da
situação.
Pini me olha por cima do ombro.
— Na festa você fala com ela — ela anuncia tranquilamente.
O quê? Levanto as sobrancelhas. Ela sabe que eu não vou ficar para a
festa. Abro a boca para falar, mas Katy faz um sinal com a cabeça, pedindo
silenciosamente que eu confirme, e então eu compreendo que talvez esse seja
o único jeito.
Frederico olha para nós, de uma para as outras, e estreita os olhos.
— Eu quero ouvir da boca da Júlia. — Sua desconfiança é evidente.
Se eu confirmar, vou parecer uma mentirosa... Porém... ele já pensa tão
mal de mim que não muda nada.
— Eu não quero ir com você — sussurro mirando sua gravata, para não
ter que o encarar.
— Olhe para mim — ele exige.
Relutantemente, eu o faço. No momento em que miro seus olhos,
arrependo-me. Sou tomada por tantas emoções inexplicáveis. Eu iria com ele
até para o inferno agora se ele me pedisse só para estar perto e o sentir de
novo. Como ele consegue mexer tanto comigo?
— Me deixe ir — peço controlada, tentando convencer um corpo
traidor que quer pular em seus braços.
— Júlia... — Ele bufa frustrado.
— Por favor — entoo firme.
Seus olhos afiados estão em meu rosto, e eu os evito.
— Ok. — Um suspiro irritado abandona seu peito. — Mas nem pense
em não entrar comigo naquela cerimônia. E depois que toda esta merda
acabar, nós vamos conversar. Você está me ouvindo? — sua voz é baixa e
intimidante.
Balanço a cabeça, concordando, sem coragem de encará-lo e mostrar
que não haverá conversa entre nós. Nunca mais.
Como o furacão que é, o homem abruptamente vira as costas,
visivelmente contrariado.
Alice o segue. Frederico, furioso, segura a porta aberta para ela, e em
seguida entra no carro batendo sua porta estrondosamente. No interior, vejo-a
colocar uma mão em seu ombro, provavelmente tentando acalmá-lo.
Frederico
Júlia
Júlia
Júlia
Frederico
Olho para o relógio, impaciente. Já faz mais de vinte minutos que Júlia
foi para o quarto trocar as sandálias. Estou no salão esperando por ela, e nada.
Mal consigo administrar a ansiedade. Precisamos conversar e acabar
logo com essa confusão em que eu nos meti. Eu sei que a tarefa não será
fácil. A mulher está jogando duro comigo, e eu totalmente mereço toda a
merda que vier. Eu fui um babaca e só quero que ela entenda o meu lado, e
me perdoe.
Não consigo tirar meus olhos da porta.
— Filho — escuto a voz cautelosa de meu pai.
O velho está parado ao meu lado, com as mãos nos bolsos. Para ser
honesto, eu nem sei há quanto tempo ele está aqui, tudo o que estou pensando
é em encontrar as palavras certas para fazer a pequena bruxa me escutar.
— Pai — solto junto a uma respiração pesada.
Meu pai é o cara que mais respeito no mundo. Ele é minha motivação e
maior exemplo. Eu dei duro para recuperar sua confiança e até hoje ainda me
sinto um lixo quando penso em toda a dor que lhe causei. Porra, eu quase o
matei. Vou levar para sempre essa culpa. Todos os dias trabalho pesado para
fazê-lo se orgulhar de mim.
Todavia, nesta semana, acho que orgulho não é bem o que ele está
sentindo a meu respeito.
— Fred, o que você está tentando fazer? — sua voz exala preocupação.
Penso na resposta certa para sua pergunta. O que estou tentando fazer?
Talvez consertar a burrada que fiz ao arrastar a mulher que vem me deixando
maluco nos últimos dias para o meio do mato e a arrasar com acusações e
palavras que tenho até vergonha de me lembrar.
Eu não consegui raciocinar direito quando a vi com a boca colada
naquele DST ambulante. Fiquei cego. Maldição. Por que Júlia tinha que fazer
aquilo? Estava tudo bem entre a gente, estávamos nos entendendo... apesar
daquela aposta ridícula que não saía da minha cabeça.
Vê-la com outro cara explodiu meu juízo. E na hora da raiva, eu só tive
vontade de infligir a ela toda a dor que eu mesmo estava sentindo. Fato é que
Júlia mexeu comigo. Entrou nas minhas veias, e isso tem me perturbado.
Se eu pudesse voltar no tempo... mas as marcas de meus dedos em seus
braços pálidos me lembram que não dá para voltar atrás e não será tão fácil
consertar essa situação.
— Eu preciso que ela me escute, pai. Eu só preciso que ela me ouça. Eu
nunca deveria tê-la tratado daquele jeito... Eu...
— Filho, dê um tempo para essa menina. Suas atitudes nos últimos dias
não estão deixando que ela veja o grande homem que você realmente é. Se
afaste um pouco e espere, no momento certo vocês vão conversar. Eu sei
disso.
Não é uma ordem, é um pedido do cara que está vendo o caos por que
estou passando.
Olho para o relógio de novo. Ela está demorando.
— Eu não consigo, pai. Ela vai embora em poucos dias, se eu não falar
com ela hoje, talvez nunca tenhamos chance de resolver isso. Ela é...
importante para mim — falo resoluto, cansado de lutar contra esse
sentimento.
Meu pai só faz balançar a cabeça. No fundo, ele me compreende.
Gustavo chega ao meu outro lado, e meu pai aproveita o momento para
nos deixar.
— E aí, irmão, como você está? — Ele me dá um tapa de leve nas
costas.
— Do mesmo jeito — respondo sem mais. Ele me conhece desde
moleque e sabe que definitivamente estou sem chão. Penso nessa mulher o
tempo todo, desde que botei meus olhos nela, quando presenciei aquele
maldito joguinho. Eu nunca pretendi que as coisas ficassem como estão. Fiz
de tudo para removê-la completamente de meu sistema, mas não é o
suficiente, a garota é como uma droga viciante. Ela virou minha obsessão, e
isso tem me deixado maluco.
— Elas estão demorando — falo mais para mim do que para ele.
Neste momento, a tal Priscila, a amiga assassina de Júlia, entra pela
porta. Sozinha. Olho para os seus lados e não vejo Júlia em lugar nenhum.
Onde ela está?
Caminho rapidamente para encontrar a mulher. Seus olhos, quando
encontram os meus, dizem-me tudo o que eu precisava saber.
— Cadê ela? — pergunto não escutando o som de minha própria voz.
Gustavo se aproxima e fica ao nosso lado.
Priscila olha para o chão, dá uma respiração forte e volta a me encarar.
— Ela se foi...
Porra!
— O quê?! — solto um grunhido quase ininteligível.
Ela morde o lábio e olha de mim para meu amigo. Seus olhos exibem
algo como culpa e pena.
— Ela precisava ir embora, Frederico. A garota não estava se sentindo
bem aqui — ela gira a mão, apontando para mim —, com esta situação. Foi
melhor assim.
Como se o chão fosse puxado de sob meus pés. É assim que estou me
sentindo, além de com uma dor absurda me rasgando. Talvez a pior que eu já
senti.
Suas amigas se aproximam de nós, mas já não vejo nada à frente. Eu a
perdi. Ela foi embora, e nós não tivemos chance de nos entender. Ela não me
deu uma chance. Eu estraguei tudo.
— Frederico. — Alice toca meu ombro com cuidado, assim como fez
no carro há mais de uma hora. — A Ju está muito magoada agora, mas isso
vai passar com o tempo. Quem sabe vocês possam conversar num outro
momento?
Não digo nada, pois não sei o que falar. Só consigo pensar no que fazer
para reverter isso. Júlia não deve estar longe. Não faz tanto tempo assim que
ela saiu. Eu ainda posso impedi-la.
— Como ela foi? — pergunto sem foco, mas olho diretamente para
Priscila. Estou ficando sem ar.
— Ela pegou um avião — ela responde imediatamente. No entanto, não
vejo muita segurança em sua voz.
Provavelmente Júlia está no aeroporto tentando conseguir um voo. Eu
ainda tenho chance de encontrá-la lá.
— Eu vou atrás dela — afirmo, decidido. Suas amigas e mesmo
Gustavo me olham atônitos. Eles definitivamente não acham isso uma boa
ideia, mas que se fodam. — Vocês não entendem, eu preciso falar com ela.
Desvio deles e saio correndo para o meu carro. Coloco as chaves na
ignição com as mãos tremendo. Eu não posso deixá-la sair da minha vida. Eu
amo essa mulher.
Como um louco, após voar pelas estradas, deixo o carro de qualquer
jeito no estacionamento do pequeno aeroporto e entro correndo no saguão, só
para constatar que o avião acabou de decolar. Levo as mãos para o cabelo e o
agarro com força. Mal consigo ficar em pé, meu peito está queimando.
Eu a perdi.
Capítulo 27
Júlia
(Eu estou completamente sem amor, estou tão perdido sem você)
Minhas cordas vocais estão ardendo, mas eu grito alto com a música.
No topo da sacada, com o vento no rosto, de braços abertos, sinto-me a
própria Rose de Titanic. Canto e choro igual a uma demente.
— Cale a boca! — o berro de um vizinho do prédio em frente me
chama a atenção.
Estou tão bêbada que não tenho a menor ideia se o cara pode ver, mas
mesmo assim lhe mostro o dedo do meio e continuo. Tenho certeza de que
amanhã vou estar profundamente envergonhada de minha breguice.
Frederico
Júlia
✉ Remetente: Pini
Avise-me se deu tudo certo no aeroporto. Vou voltar para a festa
agora. Amo você.
✉ Remetente: Pini
Ju, sua fuga já foi notada. O cara está desnorteado e indo para o
aeroporto. P.S.: Minha companhia pós-festa ficou aborrecido e acabou de
me dispensar. Trate de me apresentar um amigo bem gostoso para
compensar minha terrível perda J . Amo você, gatinha. Boa sorte.
✉ Remetente: Alice
Ju, deixe-nos saber que você está bem. Estamos preocupadas.
✉ Remetente: Katy
Ursinha, como você não nos responde, liguei para sua portaria e me
disseram que você já chegou. Descanse e não vá fazer nenhuma besteira. Sei
que não é o momento para dizer isso, mas o cowboy está quebrado.
✉ Remetente: Desconhecido
Júlia, atenda esse telefone e me deixe falar nem que seja pela última
vez. Por favor, menina bonita, vamos conversar. Não sei como trabalhar esta
situação toda, eu só sei que dói como o inferno.
✉ Remetente: Desconhecido
ATENDA A PORRA DO TELEFONE. AGORA.
✉ Remetente: Desconhecido
Como sempre, mentindo e fugindo. Pensei que você fosse mais
corajosa do que isso. Pelo menos atenda.
✉ Remetente: Desconhecido
Você prometeu que conversaríamos. Fale comigo.
✉ Remetente: Desconhecido
Tudo bem. Já entendi seu silêncio.
Suas mensagens me dão uma noção de como foi sua reação quando eu
saí. Metade de mim está feliz por pensar que ele pode estar sofrendo pelo
menos um terço do que estou passando. A outra metade está se segurando
para não ligar para ele neste momento.
A sensação de lágrimas nos olhos, tão familiar, já está presente, e
imagino que ainda vá levar algum tempo até que eu me permita não chorar
mais por tudo isso. O importante é que a decisão foi tomada, vou me manter
longe de qualquer pensamento sobre Frederico. Será uma dura batalha a ser
travada, mas vou conseguir.
Não tem como negar que eu não esperava que ele fosse ligar ou mandar
mensagens e que suas palavras balançaram profundamente minhas estruturas.
Porém, é só isso e logo vai acabar. Imagino que em um mês ele nem vá se
lembrar de mim, e eu espero não me lembrar mais dele também, mesmo
achando que é quase impossível.
Contra a vontade da masoquista em meu interior, faço o que é esperado
por alguém que quer esquecer: bloqueio o número do telefone dele. Ele não
poderá mais mandar mensagens ou fazer chamadas para o meu número.
Por hoje já tive uma dose cavalar de informações, mais do que gostaria.
Envio uma única mensagem para as meninas, dizendo que estou bem e que
ligo de volta quando eu puder. Desligo o celular e o enfio na última gaveta.
Encho a xícara com mais café e fico em pé, inclinada na ilha da
cozinha, divagando. Racionalizando sobre tudo, eu não consigo mais me
sentir magoada. Eu sinto tristeza pelas palavras que ele usou naquele dia,
pareceram sujas, mas eu entendo – agora que estou longe. Ele estava nervoso
e possivelmente perdeu o raciocínio. Ainda assim, dói para cacete.
Avaliando friamente todos os nossos momentos juntos, eu posso ver
com clareza que ele me deu várias oportunidades para contar sobre a aposta, e
sim, eu deveria ter dito... talvez evitaria todo esse transtorno.
Se na primeira noite, na gruta, eu tivesse falado a verdade, ele
provavelmente teria a mesma reação negativa, acredito que com menos
intensidade, mas teria. E o problema real não foi o fato de termos feito uma
brincadeira boba entre amigas. O fato é que ele tem feridas profundas
causadas pela tal mulher que brincou com seu coração no passado, e meu
comportamento fez com que ele me associasse a ela.
O que ele não conseguiu ver foi que, com ou sem aposta, no momento
em que coloquei os olhos nele, eu me senti imediatamente atraída. Foi isso,
não tinha mais como voltar atrás.
Bufo, conformada. Eu já tenho minhas próprias batalhas para enfrentar
e preciso ter a cabeça em ordem. Vida que segue. A tristeza e a dor um dia
irão embora.
Tomo um banho sem muito cuidado e me enfio na cama. Dia e noite se
emendam, mas eu não me levanto, exceto para usar o banheiro. Não consigo
beber ou comer nada, o sono me satisfaz. Minhas costelas chegam a doer de
tanto tempo deitada, mas dormir é bom, consome o tempo livre, e não preciso
pensar em nada. Não é o caso de sonhar, porque Frederico entrou em meus
sonhos mais vezes do que eu gostaria.
Sinto-me como uma pessoa em reabilitação.
Capítulo 28
Júlia
Júlia
Frederico
Júlia
Frederico
Eu não deveria ter bebido tanto. Mal sei onde está o trem que me
atingiu. Passei a manhã inteira com Gustavo no bar do hotel, e a cada dose, a
coragem de procurar Júlia parecia se esvair. Acho que me perdi em algum
momento, com a mistura de estômago vazio há vários dias, noites sem
dormir, uma execrada dor me rasgando e o álcool fazendo um bom trabalho
em amortecer tudo isso.
O que Júlia pensaria se eu batesse assim, neste estado, à sua porta?
Gargalho alto com as possibilidades. A pequena bruxa me colocaria para
fora. Certamente. Porém, ela já fez isso, não fez?
Tateio atrás de meu celular e disco seu número pela incontável vez. A
ligação nem se completa. Eu sei que a mulher me bloqueou em seu aparelho
há dias. É a única explicação. Que droga... Isso é mais uma coisa que
pretendo resolver assim que eu conseguir encontrar meu cérebro novamente.
Arrasto-me para próximo ao telefone da suíte e tento chamar seu
número a partir daqui. Ela não tem como saber que sou eu, tem?
Caixa postal.
Você conseguiu mais algumas horas sem mim, bruxinha. Não mais do
que isso. De qualquer jeito, de hoje você não passa.
Sem condições sequer de ficar em pé, caio de qualquer jeito na cama,
encarando fixamente o teto, pensando no rosto sorridente da mulher, na
cachoeira, onde tudo parecia que daria certo. Júlia, Júlia. Por que você fugiu
de mim?
***
O tempo voou. Entreguei a cada uma delas uma carta de indicação com
horário e data agendados com uma defensora pública que foi minha colega de
universidade. Ao todo foram seis casos que eu instruí e agendei entrevista.
Dei a todos uma relação dos documentos que serão necessários e preparei as
petições iniciais para agilizar os trabalhos. Houve também um caso de
solicitação de danos contra uma grande empresa por um funcionário que se
acidentou em pleno cumprimento das funções e foi demitido. Sem dinheiro e
sem casa, ele está morando nas ruas.
Foi uma tarde bem produtiva, e hoje, pela primeira vez em minha vida,
eu tive prazer em advogar.
Volto para casa cansada e satisfeita. No caminho passo no
supermercado e me abasteço com algumas coisas para preparar o jantar.
Entro com o carro no estacionamento de subsolo de meu prédio e pego
o elevador até o térreo. Preciso parar na portaria e pegar a correspondência.
Ando para a recepção.
— Oi, Simas — cumprimento o porteiro.
— Boa noite, senhorita Júlia. Há alguém aqui esperando para vê-la.
Capítulo 32
Júlia
Giro a cabeça na direção para onde ele aponta – a área dos sofás – e
vejo ninguém menos do que Gustavo, melhor amigo do homem que estou
tentando esquecer, sentado confortavelmente e mexendo em seu telefone.
Penso em fugir antes de ser vista, mas seus olhos logo me notam.
— Júlia! — Ele caminha sorridente até mim.
— Gustavo — resmungo surpresa.
Ele coloca a mão em meu ombro e me puxa para um beijo no rosto.
— Como você está? — a pergunta vem como se fôssemos velhos
amigos.
Estou meio confusa com sua presença aqui.
— Bem... — falo desajeitada. — E você?
— Bem também. — Ele sorri, provavelmente entendendo minha
expressão desnorteada. — Podemos conversar um pouco?
Olho para ele e para os lados, vendo se realmente está sozinho. Estou
nervosa com a possibilidade da presença de Frederico.
— Cla-claro... — Não estou certa sobre levá-lo à minha casa. — Há um
pub aqui na esquina, podemos ir lá.
— Perfeito. — Ele sorri, bem-humorado.
— Só vou deixar estas sacolas lá em cima.
Júlia
Às 8h, atendo a campainha para receber minhas três lindas irmãs. Elas
são de casa, e os porteiros já nem precisam anunciá-las. Sirvo taças de vinho
e me deleito com a felicidade de as ver depois de dias.
O som está ligado, Pini e Katy trocam as músicas freneticamente. Alice
se senta numa das banquetas da ilha da cozinha.
— O que você está cozinhando?
— Fiz um peixe recheado, está quase pronto. — Dou uma piscadinha e
tomo um pouco de vinho.
— Você se lembra daquela vez em que assou o peru com aquele
plástico que vem dentro?! — Pini grita da sala, fazendo todas rirem.
— Isso foi no Natal há uns oito anos, Pini, eu já melhorei minhas
habilidades culinárias desde então.
— Aquele peru estava ótimo, se não fosse o gosto de plástico derretido
— Katy lembra toda engraçada.
— Vocês lembram que acabamos pedindo uma pizza para a ceia? —
Alice relembra nossa noite de Natal, a primeira que passamos somente nós
quatro.
— Foi o melhor Natal da minha vida — lembro com saudade.
— O meu também — Alice diz, olhando para seu vinho.
— Nem me fale, tudo era tão mais fácil naquela época. — Pini fica ao
meu lado e me abraça. — Eu estava tão feliz por começar a carreira e ganhar
liberdade.
Olhamos umas para as outras com olhos lacrimejantes.
— Mas uma coisa não mudou. — Katy se aproxima. — Ainda somos
as melhores amigas do mundo.
Despejamos nossa felicidade no vinho. O sinal do forno avisa que o
peixe está pronto. Mecanicamente cada uma vai para um lado pegar pratos,
talheres, fazer salada, levar para a mesa.
— Hummm... — Pini geme. — Você realmente melhorou sua
capacidade de cozinhar, garota, isto aqui está divino.
O peixe está mesmo bem gostoso.
— Receita da internet — confesso.
Comemos batendo papo de forma aleatória. Eu conto sobre o Centro
Comunitário e as consultorias.
— Júlia, isso é maravilhoso! — Alice fala entusiasmada.
— Nunca me senti tão bem advogando. — Suspiro feliz.
As meninas fazem muitas perguntas, e eu tenho a sensação de que
Dominic acaba de conseguir mais três voluntárias. Só vou deixar de lado a
parte de que ele é atraente como o inferno. Isso é melhor elas verem com seus
próprios olhos.
Vamos para a sala, com vinho e música. Sento-me sobre as pernas e
encaro a taça em minhas mãos, desejando começar o assunto que está
pairando como um grande elefante branco desde o início do jantar.
— Gustavo esteve aqui hoje mais cedo... — começo baixo, deslizando
o dedo sobre a borda de cristal vagarosamente.
O silêncio me faz encher ainda mais a taça, seguida de perto por seus
olhares.
— Eu fiquei surpresa por ele aparecer, sabe? — Encolho os ombros. —
Então fomos ao pub da esquina. — Tomo um pouco do vinho. — Ele falou
umas coisas sobre... o homem... — Faço um gesto com a taça, distraindo-me
da dor de mencionar seu nome, mas sei que não vou me curar desse amor
assim. — Frederico está na cidade.
Minhas amigas suspiram quase compassadas, parecendo esperar pelo
momento.
— Gustavo acha que ele gosta de mim... — Mordo o lábio.
O silêncio estranho dura até Katy inspirar ruidosamente.
— Eu não tenho nenhuma dúvida disso — ela sussurra olhando para
mim.
Aliso a testa, tentando afugentar a dor de cabeça chata que está
querendo vir me acompanhar na festa.
— Você sabe o que penso sobre essa... essa coisa toda de amor,
relacionamentos... — Pini delibera cuidadosamente. — Mas eu acho que
Frederico realmente se importa com você, gatinha. Se você visse como ele
ficou quando percebeu que você tinha ido embora... Eu fiquei com pena do
cara.
Ela sorve uma boa quantidade de seu vinho, enganosamente distraída.
— Ele saiu como um louco, tentando te encontrar e voltou depois todo
acabado. Parecia perdido.
Meu coração descompassa. É uma sensação de dor.
— O que vocês acham que eu deveria ter feito? A situação parecia uma
bomba-relógio prestes a explodir — falo com voz embargada e com a
sensação de nós estrangulando-me. — Frederico tem os piores pensamentos
sobre mim, ficar lá só pioraria as coisas.
Alice, calada, aperta minha mão. Mesmo contra a minha vontade,
algumas lágrimas insistem em aparecer.
— Eu me sinto terrivelmente culpada por tudo isso. — Katy se senta ao
meu lado no sofá.
— O quê? — Encaro-a confusa.
— A ideia da aposta foi minha, Ju. Provavelmente vocês ficariam
juntos de qualquer jeito, basta ver a química que há entre os dois. Eu coloquei
você em uma situação ruim.
Toco seu rosto bonito e a faço me olhar nos olhos.
— De forma nenhuma. Nem pense nisso — rejeito peremptoriamente.
— Aquilo foi uma brincadeira, e eu sou bem grandinha para fazer o que
quero. Você não me obrigou a nada.
— O fato aqui, Júlia — Pini volta a falar —, é que você está tão mal
quanto ele, então por que não resolver isso de uma vez?
— Não é tão fácil... — murmuro num fio de voz.
— Ninguém disse que seria — ela rebate.
— Ele gosta de você, Ju. E você, dele, nada mais pode importar. —
Alice me envolve em seus braços, docemente, e esse gesto derruba qualquer
mínimo sinal de autocontrole que eu ainda tinha.
— Eu acho que ferrei tudo ao fugir, não é?
Tampo o rosto com as mãos e deixo as lágrimas virem livremente. Mal
contenho os soluços baixos escapando pelos dedos. Esperando eu me
acalmar, as meninas me acarinham nas costas e cabelos.
— Você não ferrou nada, amiga. Você agiu como qualquer uma de nós
faria. Afastou-se do que estava lhe causando dor.
— Alice... — Suspiro chorosa, olhando seu rosto delicado. — Isso foi
tão bonito.
Um longo silêncio ecoa pela sala, seguido por gargalhadas. Choro e rio,
tudo ao mesmo tempo.
Capítulo 34
Júlia
Júlia
Júlia
Frederico
Júlia
Frederico
Tateio a cama ao meu lado. Vazia. Busco por Júlia por seu pequeno,
mas aconchegante apartamento. Nem sinal da mulher. Encontro meu telefone
na sala e disco seu número. Maldição, ela ainda me tem bloqueado. Meu
ventre se aperta um pouco, mas opto por não fazer disso um cavalo de
batalha. Pego uma garrafa de água em sua geladeira, abro-a e deixo a água
gelada me despertar de vez.
De repente, um zunido estranho ecoa de dentro de uma das gavetas. A
curiosidade me toma. Abro-a e vejo seu celular dançar freneticamente,
iluminado. Na tela, o nome de um homem pisca ritmado. Cogito atender... sei
que não é exatamente certo... mas...
— Júlia? — o cara pergunta do outro lado.
— É o namorado dela, pode falar — digo seco, enfatizando nosso
relacionamento.
Um segundo de silêncio do sujeito me faz esmagar o pequeno
eletrônico entre os dedos.
— Oh... sim? — o cara se atrapalha. — Oh, claro, certo. Hum, bem.
Você pode, por favor, dizer a ela que a viagem que ela me pediu já está certa
e eu lhe mandei os dados por e-mail?
— Viagem?
— Sim, sim. Ela embarca amanhã, diga a ela, por favor. Até mais.
Antes que eu possa abrir a boca, o desgraçado desliga. Na minha cara!
Por que ela não me contou que estava prestes a viajar? Para onde Júlia
pretende ir?
Esfrego o rosto, controlando meu temperamento. Eu preciso parar com
isso. Deixo o celular de volta na gaveta e vou atrás de minhas roupas.
Certamente um banho me fará bem agora.
Júlia
Estou em pé, presa contra a porta, sendo beijada com paixão, numa
despedida de apenas um dia. Será por pouco tempo, e nem assim consigo
relaxar. Estou doente de medo de que alguma coisa tenha mudado esta
manhã.
Confie, Júlia. Se vier, que venha para ser bom. Tudo acontece com um
propósito, e se o destino quis assim, eu não tenho que temer a distância entre
nós.
Capítulo 37
Júlia
✉ Destinatário: Frederico
Já sinto sua falta. Seu cheiro está em todo o apartamento, me
enlouquecendo. Isto é algum tipo de feitiço para me seduzir? J
Frederico
Júlia
✉ Remetente: Frederico
Por que não atende? Onde você está?
✉ Destinatário: Frederico
Desculpe por não responder antes, esqueci de checar a bateria. Acabei
dormindo demais abraçada aos lençóis com o seu cheiro. Avise-me quando
estiver vindo, sinto saudade. P.S.: Eu te amo.
Júlia
Frederico
Júlia
Frederico
Júlia
Estou noiva há uma semana. Noiva! Nem acredito nisso. Acho que
ainda estou sonhando, Senhor! Em pensar que ele manteve o anel por tantos
meses... Sim, meu cowboy tem levado a sério a missão de estabelecer um elo
de confiança, não há dúvidas... mas precisava me fazer esperar tanto?
Rio baixinho, amando sentir o peso de nosso amor em meu dedo.
Convidamos nossos amigos mais próximos para um jantar na fazenda,
para anunciarmos as boas novas. Gabrielle, Pini, Alice, Benjamin e Daniel
chegaram esta manhã. Meu irmão trouxe consigo uma amiga, namorada, sei
lá. Meus pais não estão falando comigo e não fizeram questão de vir, e
Katarina chegou há poucas horas. Ainda não a vi. Ao contrário dos outros,
ela decidiu vir dirigindo, parece que tinha que visitar um cliente no caminho
para cá. Achei estranha essa história, mas por enquanto deixa para lá.
Ivan, Bianca e Gustavo também estão aqui, além do senhor José
Alfredo e da senhora Cecília, a quem já amo como se fossem meus próprios
pais.
Por falar em Katarina, pego o momento exato de sua entrada. Minha
amiga está absolutamente linda, com cabelos ondulados jogados de lado e o
corpo delineado em um vestido preto de tirar o fôlego. Se eu não a
conhecesse, diria que a danada quer impressionar alguém.
— Katy! — dou um gritinho baixo, indo diretamente para ela.
Vou para onde ela está parada, próxima à porta, observando as pessoas
na sala.
— Que bom que você chegou! — Pego-a em meus braços e a esmago
em um grande abraço. — Como foi a viagem?
— Foi boa, fazia tempo que eu não pegava a estrada, você sabe. — Ela
sorri, olhando-me de cima a baixo. — Você está tão linda, amiga.
Suspiro e lhe mostro o anel em meu dedo.
— Não é lindo? Ele me pediu no sábado, na gruta! Estou tão feliz,
Katy! — anuncio emocionada, como sempre desde que Frederico fez o
pedido.
Ela toca meu rosto.
— Eu vejo isso, Ju. Seus olhos estão brilhando, amiga. Estou tão feliz
por você!
Pego sua mão livre e a beijo, demonstrando todo o sentimento que
mantenho por ela, uma de minhas irmãs e que sempre esteve comigo.
— Eu te amo muito, irmã — sussurro com o coração inflado.
— Eu também te amo, irmã — ela responde emotiva.
Katy tem os olhos umedecidos como os meus. Duas choronas. É isso o
que parecemos.
— Agora vou dar um oi por aí. — Ela se ajeita, tentando recuperar a
postura. — Nenhum gato solteiro, pelo jeito. — Sua piscadela atrevida me
faz rir alto.
Observo-a por alguns minutos. Indo para o pequeno grupo onde está
Alice – diga-se de passagem, mais linda do que nunca depois de tudo o que
aconteceu –, Katy beija minha sogra, cumprimenta os homens e puxa Ali
para alguma conversa. Aos poucos, vejo Katarina passear discretamente entre
as pessoas e conversar com quase todos os presentes. Quase todos.
Decido interferir. Essa situação ela e Daniel tem que acabar.
Frederico
Fim
Agradecimentos
Alice