Sebenta Matilde Pinho
Sebenta Matilde Pinho
Sebenta Matilde Pinho
23/02
1. Enquadramento dogmático-sistémico
O Direito das Pessoas, na perspetiva do Professor, não é um subramo do Direito Civil, pois não
tem autonomia dogmática. Está, sim, disperso, em atos normativos para além do CC. O CC não é
a base do Direito das Pessoas.
O Direito das Pessoas trata de toda a parte subjetiva do Direito e das relações jurídicas. Isto tem
alguma relevância. As relações jurídicas são feitas entre pessoas ou entre pessoa-coisa. O que
falamos em Direito das Pessoas baseia-se nos sujeitos.
Atualmente, as pessoas em sentido jurídico podem corresponder a seres humanos, mas não só.
Existem pessoas jurídicas que não são seres humanos (pessoas coletivas). Existem seres humanos
que não nasceram, mas já foram concebidos, que não são pessoas em sentido jurídico (têm
alguma proteção legal).
Há uma confluência entre as famílias jurídicas (Civil Law e Common Law) no que respeita ao
conceito de pessoa.
Definição (com base na doutrina) - Indivíduo ou entidade suscetível de ser titular de direitos e
ficar suscetível a obrigações. As pessoas são destinatários de normas jurídicas.
Nota quanto aos animais: Até há pouco tempo, os animais eram considerados objetos (usufruto).
Entende-se, agora, que os animais são seres recipientes, mas não podem ser equiparados a
pessoas. Então, não são coisas em sentido próprio, mas sim equiparados a coisas em alguns
aspetos.
Este artigo pôs fim a uma discussão anterior ao Código de Seabra, sobre a ideia de “monstros”
(aqueles que não tinham a figura humana) não terem personalidade jurídica. Hoje em dia não é
requisito da personalidade jurídica ter a figura humana.
Atualmente, discute-se se a personalidade jurídica é algo pré-existente, e que o Ordenamento
Jurídico apenas positiva uma regra que é natural (direito natural) ou, se, pelo contrário, a
personalidade jurídica é algo imposto pelo Ordenamento Jurídico.
O Professor Menezes Cordeiro defende que a personalidade jurídica é inerente à pessoa: pelo
simples facto de sermos pessoa, trazemos connosco a qualidade de ser pessoa. É algo qualitativo.
Nº1
1
Definição - Aptidão, idoneidade de estar sujeito a situações jurídicas. A pessoa assume-se o centro
de imputação de relações jurídicas. Visto como algo qualitativo (ou se tem ou não se tem).
Incondicional e indivisível. É inerente a todas as pessoas singulares, ao ser humano e, nos termos
do princípio da igualdade, igual para todos.
1) O nascimento enquanto facto – O parto, separação do feto da mãe (por extração ou por
expulsão). É um facto incerto quanto à sua existência (não se sabe se o bebé vai nascer
nem o momento exato em que vai nascer), uma condição legal suspensiva e imprópria.
2) A completude – Nascimento que fisicamente terminou. Extração ou expulsão completa.
Quanto ao cordão umbilical, o entendimento maioritário é o de que este não invalida o
nascimento.
3) A vida – O OJ não define “vida”. No momento do nascimento, tenha ou mantenha a vida,
isto é, os seus órgãos vitais funcionam. Se o bebé morre depois do trabalho de parto, mas
antes da separação, não tem personalidade jurídica.
Nº2
→ Nascituro em sentido estrito – filho que já foi concebido, mas ainda está em gestação;
→ Conceturos – filhos que ainda não foram concebidos.
Posição divergente: Tal como a vida não pressupõe a completude das funções cerebrais, a morte
também não deverá fazer depender a ausência desse facto. Também a verificação da ausência
de funções vitais (sistema cardiorrespiratório) pode acrescer a esta definição. Não é isso que está
positivado na lei.
Neste caso, admite-se uma interpretação extensiva do art. 68º do CC e só se considera a morte
com a paragem da irrigação sanguínea.
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A morte cerebral é uma ficção (em termos jurídicos) de morte, porque na verdade há órgãos vitais
que, após a morte cerebral se mantêm ativos e isso pode ser relevante para a colheira de órgãos,
por exemplo.
O nosso Ordenamento Jurídico valora o dano do feto. Isto porque este goza de direitos inerentes
à sua condição, como o direito à vida, o direito a nascer, o direito à integridade física e o direito
ao desenvolvimento da personalidade.
Sabemos que, não tendo personalidade jurídica, o OJ confere uma proteção de determinados
valores. Assim sendo, após o nascimento completo e com vida o bebé adquire o direito de
indemnização.
O que está em causa é o dano morte como dano não patrimonial, regulado no art.496º do CC.
Não é exigível que a vítima tenha tido alguma vez personalidade jurídica, protegendo-se os
nascituros que vieram a falecer por lesões provocadas durante a gravidez. A expressão “morte da
vítima” não significa necessariamente uma pessoa singular que já tenha tido personalidade
jurídica, também abrange os nascituros. O dano morte é indemnizável, onde os lesados são os
ascendentes.
Questão 2: No caso da esterilização, o nascimento (como facto) pode ser considerado dano?
Há que ter em conta que a responsabilidade civil tem determinados pressupostos e só com a
verificação desses pressupostos haverá direito à indemnização ou reposição, dependendo das
modalidades. São estes a verificação de um facto ilícito (culposo), um dano e um nexo causal
entre o facto e o dano. Se não há dano, não há responsabilidade civil e não há direito à
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indemnização. Se o facto é ilícito e culposo, mas não gera danos, não preenche os requisitos da
responsabilidade civil.
A existir indemnização, discute-se se quem tem direito a esta indemnização é o nascituro ou os
pais (ou a mãe). O Tribunal da Relação alemão considerou que não havia dano de todo, mas o
Supremo considerou que sim. Há, de facto, dano, mas o nascido nunca será o titular da
indemnização, uma vez que o dano foi provocado na mãe e não na criança.
Questão 3: Num caso de negligência médica, em que a criança nasce com graves deformações,
haverá direito a indemnização e quem tem direito à indemnização?
Questão 4: Uma criança que nasceu, mas não era suposto nascer e ninguém queria que nascesse,
pode exigir uma compensação?
Este caso é semelhante ao anterior e foi decidido em Portugal. Prende-se com o chamado “direito
à não existência”. Este direito não existe no Ordenamento Jurídico português, que não admite a
exigibilidade de um direito (situação jurídica ativa) de alguém que acha que nunca devia existir e
que quer exercer esse direito. Coisa diferente é saber se é possível repor um dano/prejuízo
causado pela existência. A jurisprudência não é muito extensa, mas podíamos olhar para o ato
ilícito como uma possível violação à integridade física da criança e, assim, justificar que a criança
possa exigir aos pais uma indemnização pelos danos causados.
Definição: Medida concreta dos direitos e obrigações que uma pessoa (singular ou coletiva), de
que uma pessoa, num determinado momento, pode ser titular. Visto como algo quantitativo
(quais são as situações jurídicas a que o sujeito pode estar sujeito). No caso das pessoas
singulares, a sua capacidade de gozo está limitada apenas por lei. Já no caso das pessoas coletivas,
possuem capacidade de gozo específica (atribuições).
Exemplo: Os menores
Um menor tem personalidade jurídica, mas tem capacidade de gozo? Em abstrato sim. Mas não
é assim que devemos formular a pergunta. Antes: Quais são as situações jurídicas que não cabem
na capacidade jurídica do menor? A lei nunca define pela positiva o que uma pessoa pode fazer,
mas sim pela negativa (o que não pode fazer).
Definição: Suscetibilidade de uma pessoa exercer pessoal e livremente os seus direitos e cumprir
os seus deveres. É a capacidade para exercer um determinado direito de forma livre, esclarecida
e consciente.
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Exemplo: Um menor tem capacidade de gozo num negócio de compra e venda, mas já não de
exercício. Os pais, seus representantes, celebram o negócio jurídico por nome e conta do menor,
embora a parte negocial seja o menor.
SIM
SIM
8. Capacidade delitual
Os menores – pessoas singulares que não completaram dezoito anos, nos termos do art. 122º CC
– carecem de capacidade para o exercício de direitos, como se dispõe no art. 123º CC. Já a
capacidade delitual situa-se no campo da responsabilidade civil por factos ilícitos. Entende-se que
a falta do livre exercício da vontade e a falta de discernimento apenas funciona, e
presuntivamente, para os menores de sete anos e interditos por anomalia psíquica.
Como refere Heinrich Hörster, a lei define a capacidade delitual de uma maneira negativa, não
dizendo quem a possui, mas explicando quem não responde por um facto ilícito praticado.
Definição: Conexão entre a pessoa e um determinado lugar. Serve para estabelecer ou manter
relações jurídicas com uma determinada pessoa.
Distinguir entre:
Residência – Local que serve de base à vida da pessoa. Tem uma dimensão maior do que
o paradeiro. Está intimamente conectado com o elemento psicológico do “sitio onde se
vive”.
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o Elemento objetivo – verificação do facto de que a pessoa reside naquele local.
o Elemento subjetivo – intenção de usar aquele local como residência e manter aquele
local como residência. Também chamado animus da residência.
Exemplo: Num contrato de compra e venda de ações de uma empresa muito grande, os clientes
por vezes não querem chatear-se e receber as notificações todas. Então, os advogados colocam
a morado do seu escritório como domicílio eletivo da parte que representa.
O Ordenamento Jurídico não se sente confortável com a ausência sem notícias, embora confira
essa possibilidade. Fá-lo de forma escalonada e diferente em função do tipo de ausência. A
curadoria provisória, definitiva e morte presumida não correspondem a três fases, pelo contrário
podemos ter curadoria definitiva sem curadoria provisória e por aí em diante.
Pressupostos:
Tem-se entendido que o nº1 está escrito de forma sequencial (primeiro será o cônjuge, depois
os herdeiros presumidos, por aí em diante). A dúvida que se coloca é se este nº1 não tem uma
norma incompatível com o art.1678º/2/f.
Art.94º - Envia-nos para as regras do mandato (arts. 1157º e seguintes). O curador só pode atuar
em atos relativos à administração ordinária. Estes artigos apresentam regras especiais quanto à
oneração de bens imóveis.
Pressupostos (art.99º):
→ Terem passado dois anos desde a ausência, se o ausente não deixou representante legal
ou procurador
→ Terem passado cinco anos desde a ausência, se o ausente deixou representante legal ou
procurador
→ Verificação do paradeiro (para alguns autores, conjugação com art.112º/a e b)
Legitimidade (art.100º);
Curadores definitivos (art.104º) – indica quem vai ser nomeado como curador definitivo sendo
que, comparado com o regime da ausência provisória é nomeado apenas um curador provisório
(em regra), aqui temos vários curadores definitivos. Não há remuneração dos curadores, mas ver
art.111º.
Exigibilidade das obrigações (art.106º) – efeito obrigacional que decorre da aplicação do regime
da ausência. As obrigações ficam suspensas.
Pressupostos (art.114º)
→ Terem passado dez anos sobre a data das últimas notícias (regra geral);
→ Terem passado cinco anos sobre a data das últimas notícias, se o ausente tiver
completado 80 anos de idade
Atenção! Art.114º/2
Se o ausente é menor, atingindo a maioridade, só passados cinco anos poderá ser declarada
a morte presumida (proteção de menores).
Regresso do ausente (art.119º) – se existir má-fé dos sucessores, o ausente pode ser indemnizado
pelo prejuízo. Definição de má-fé (nº3).
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Os direitos de personalidade são inerentes à personalidade jurídica. São a sua primeira
consequência.
Noção (Mota Pinto e Pinto Monteiro): poderes jurídicos pertencentes a todas as pessoas por força
do seu nascimento, sendo verdadeiros direitos humanos vigentes no plano do direito civil,
direitos integradores de relações entre particulares, sendo certo que também o Estado deve
respeitar os direitos de personalidade e que os mesmos são oponíveis a terceiros.
A tutela dos direitos de personalidade não se esgota por aqui. Têm também tutela constitucional,
tutela penal e estão dispersos por vários diplomas, para além do Código Civil.
Características:
o Gerais;
o Pessoais ou extrapatrimoniais;
o Erga omnes – Têm inerente um dever geral de respeito e são oponíveis a terceiros,
relacionado com o caráter absoluto dos direitos de personalidade;
A posição minoritária na doutrina (que inclui o Prof. Miguel Moura) defende que a
oponibilidade a terceiros é, de facto, uma vertente do caráter absoluto dos direitos de
personalidade, mas não corresponde a todos os direitos de personalidade (por exemplo,
o direito à confidencialidade). Não se confunde ainda com o conceito de dever geral de
respeito, a faculdade de impor não condutas a outros para respeitar o meu direito,
protegido pela responsabilidade civil extra obrigacional.
o Indisponíveis (irrenunciáveis);
o Imprescindíveis;
o Inalienáveis/intransmissíveis.
Defende que os direitos de personalidade são qualidades ou posições das pessoas que se
confundem com a própria personalidade.
Apresenta a contraposição entre direito geral de personalidade (art.70º do CC) versus direitos
especiais de personalidade.
O art. 70º do CC é uma cláusula geral de tutela dos direitos de personalidade – protege
personalidade física e moral, sendo ainda possível proteger bens jurídicos pessoais não
previstos no CC através da cláusula geral, não havendo preocupação de exaustividade do CC
em fixar direitos de personalidade, prevendo apenas os direitos de personalidade mais
paradigmáticos. Tutela residual através da cláusula geral.
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A violação de direitos de personalidade consubstancia um ilícito cível nos termos do art.70º/2 do
CC, bem como assim, nos casos em que existe violação de providências com vista a evitar a
violação de direitos de personalidade.
A tutela geral do art.70º/1 do CC deve ser articulada com o art.24º e seguintes da CRP, mas ainda
os arts.34º/1, 35º/1, 37º/4, 42º/2, entre outros.
Quanto aos direitos de personalidade das pessoas coletivas, procede-se a uma adaptação dos
direitos de personalidade das pessoas singulares (nome, reputação, proteção do sigilo). A este
propósito, o art.5º do Código das Sociedades Comerciais:
As sociedades gozam de personalidade jurídica e existem como tais a partir da data do registo
definitivo do contrato pelo qual se constituem, sem prejuízo do disposto quanto à constituição de
sociedades por fusão, cisão ou transformação de outras.
A tutela constitucional dos direitos da personalidade insere-se na defesa dos direitos, liberdades
e garantias e confunde-se com ela.
Tutela ocorre também a nível penal, revelando a importância pessoal e comunitária destes
direitos.
Classificações:
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Direitos de personalidade eventuais – de que dependem a existência dos
respetivos bens de personalidade.
Exemplo: confidencialidade da missiva.
Inerência ao objeto (bem/bem moral) - Todos os direitos subjetivos estão associados a um bem,
têm um objeto. Quando há ausência do bem, e por isso do objeto, não há dever geral de
personalidade.
Posições na Doutrina:
Capelo de Sousa – Art.68º CC, mas há bens que perduram no mundo das relações
jurídicas e como tal são autonomamente protegidos;
Pires de Lima e Antunes varela – Moderados, em certa medida, a proteção dos direitos
de personalidade depois na morte constitui um desvio à regra geral do art.68º;
Leite de Campos – Os herdeiros do falecido não defendem um interesse próprio, mas sim
um interesse do defunto, pelo que a personalidade jurídica se prolonga depois da morte;
Oliveira Ascensão – Defende a proteção da memória do falecido e recusa a
responsabilidade civil;
Mota Pinto – São tutelados os herdeiros que seriam afetados por atos ofensivos da
memória do falecido;
Pedro Pais Vasconcelos – Está em causa o respeito pelos mortos, mas também pelos que
são próximos destes, pois a difamação e desonra pode causar-lhes sofrimento, suscetível
de indemnização.
o Crimes pessoas falecidas - “Dos crimes contra o respeito devido aos mortos”;
o Art.253º - Impedimento ou perturbação de cerimónias fúnebres;
o Art.254º - Profanação de cadáver ou lugar fúnebre.
Direito à vida
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Este é um direito que não está previsto no CC, mas precede todos os direitos de personalidade,
na medida em que assegura a preservação das funções vitais do organismo biológico humano.
Não admite compressão e só cede perante outra vida (art.335º do CC): é irrenunciável,
indisponível e inviolável.
A propósito do direito à vida, coloca-se a questão da tutela da vida intra-uterina. Neste sentido,
é questionável se o art.24º CRP, que tutela a vida humana, inclui a vida intra-uterina dos fetos. O
Professor Jorge Miranda admite que sim.
Quanto à questão do aborto, regulado nos arts.140º e segs do Cód. Penal, não deixa de constituir
um ilícito cível e coloca-se a questão se deve ou não existir consentimento do progenitor para a
sua realização.
Já o suicídio também é um ilícito, embora sem dignidade penal. Este encontra-se regulado nos
termos da Lei da Saúde Mental (Lei nº 36/98).
A eutanásia é admitida nos casos de doenças incuráveis, com especial ressalva para a distinção
entre eutanásia ativa e passiva (direito ao dissentimento).
No Cód. Penal, estão previstos crimes contra a vida nos arts.131º e seguintes, nomeadamente o
homicídio.
Este direito assegura a proteção do ser biológico e das suas diversas funções nos casos em que
não esteja em causa a sua imediata sobrevivência. Possui uma vertente negativa, relativo à
abstenção de lesões, ameaças de agressões, não existindo uma fronteira nítida entre integridade
física e moral, pois que a ofensa a um, repercute-se no outro.
O direito ao repouso inclui-se no direito à integridade física e moral e está regulado na Lei do
Ruído.
Quanto aos atos médicos, estes devem-se pautar pela beneficência e não maleficência,
promoção/proteção da saúde e os utentes têm o direito aos melhores cuidados de saúde em
tempo útil, segundo os termos do art.64º da CRP, a Lei nº 15/2014, de 21/03 que regula os
direitos e deveres dos utentes.
A proteção da integridade física vem explanada no Cód. Penal, nos arts. 143º (simples), 144º
(grave), 145º (qualificada), 146º (privilegiada) e 148º (negligente).
Neste sentido, a personalidade de cada pessoa integra valores éticos que merecem a tutela
cível, onde se insere a autonomia, liberdade religiosa de convicção (art.41º CRP) e de culto,
respeito pela honra, pela privacidade e pelo pudor.
No Cód. Penal, temos muitos exemplos da tutela deste direito, a começar pelo art.181º
relativo à injúria, até ao 152ºA, entre muitos outros.
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Direito à sexualidade
Quanto a este direito, surge a questão de saber se é autónomo do direito à integridade física. Há
autores que defendem que sim, mas há que ter em consideração a dimensão holística do bem
protegido, que ultrapassa a componente da integridade física.
A fruição sexual, por sua vez, constitui uma fonte de prazer e bem-estar necessária ao livre
desenvolvimento da pessoa.
No Cód. Penal, este direito é especialmente relevante em matéria de crimes contra a liberdade e
autodeterminação sexual (art.163º e seguintes), ofensa à integridade física grave (art.144º) e
mutilação genital feminina (art.144ºA).
Este direito inclui o respeito e consideração que cada pessoa tem por si própria e o respeito e
consideração que cada pessoa goza na comunidade a que pertence (pessoal e social).
O conceito de honra assume particular relevância. Por definição, honra é a dignidade pessoal
pertencente à pessoa, reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive
com outras pessoas.
Nos que diz respeito aos media e, em particular, ao agravamento pela repercussão, tem que
existir uma compatibilização com o interesse público no caso das figuras públicas, ainda que
subordinado ao princípio do mínimo dano.
Este direito goza ainda de tutela penal, nos termos do art.180º referente ao crime de difamação.
O direito à privacidade é o direito a estar sozinho e ser deixado em paz. O âmbito ou esfera da
privacidade é o âmbito da vida familiar, doméstica, sexual e afetiva (estado civil). O espaço de
privacidade é um espaço em que a pessoa possa estar à vontade, ao abrigo da curiosidade dos
outros. Obsta à devassa da vida privada de cada um.
Em relação aos Media, pode haver licitude da exposição da vida privada ou em caso de interesse
público (no caso das figuras públicas). Estas, por sua vez, podem optar por fixar limites da sua
vida privada, não significando que existe renúncia deste aspeto.
Nos atos médicos, deve imperar a confidencialidade do processo clínico, o sigilo médico e o
respeito pelos dados sensíveis, nos termos da Lei nº 12/2005.
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Em sede de tutela penal, o Cód. Penal prevê, nos artigos 190º a 197º esta tutela, onde se inclui o
sigilo médico e bancário e questões relativas aos advogados.
As modificações do nome suscitam questões de direito da família, mas pode-se adiantar deste já
que este se pode ser alvo de retificações nos casos autorizados pelo Ministério da Justiça ou para
efeitos de naturalização.
O direito ao nome engloba a faculdade de exprimir a identidade própria e de exigir que outros,
nas suas relações, o atribuam ao seu titular; inclui ainda a possibilidade de usar o nome completo,
de abreviar o nome, de opor-se a quem o usar ilicitamente, e de requerer providenciais em casos
de homonímia: art.72º/2 CC.
O Professor Menezes Cordeiro apresenta três teorias para dar resposta a esta questão:
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Art.34º CRP – Proíbe ingerência das autoridades públicas na correspondência e nas
telecomunicações (com exceção das escutas telefónicas).
Art.76º e 77º CC – Proíbem a difusão de escritos íntimos, com exceção do próprio, seus herdeiros
ou suprimento judicial se houver interesse cultural ou histórico nessa divulgação.
O Professor Menezes Cordeiro defende que as missivas encerram direitos de autor e tutelam
bens íntimos patentes na carta.
Em sede penal, o Cód. Penal vem tutelar estes direitos nos arts. 194º, 195º e 196º, relativos à
violação de correspondência, sigilo e aproveitamento de segredo.
Este direito permite aos seus titulares a defesa contra a exposição, reprodução e comercialização
do seu retrato/vídeo sem consentimento. Corresponde a um desdobramento do resguardo ou
intimidade da vida privada.
Não se confunde com o direito à autodeterminação da imagem exterior. O direito que temos de
usar uma tatuagem, piercings, vestirmo-nos de determinada forma não está abrangido por este
artigo, mas sim pelo art.70º/1 (cláusula geral), como direito de personalidade atípico. Neste
sentido, procede-se a uma interpretação restritiva de “imagem”, no sentido de “retrato”, isto é,
a cara de uma pessoa, estabelecendo uma ligação entre identificação visual do objeto com a
identificação da pessoa.
A imagem da pessoa, quando divulgada, raramente o será de modo abstrato: terá sempre uma
mensagem associada que pode, ou não, ser aprazível ao próprio, podendo envolver o seu bom
nome e a sua reputação. Deste modo, existe um compromisso publicitário que dita que o uso da
imagem tem de ser autorizado.
Interpretação do nº2:
“finalidade científica, didáticas e culturais” – Tem sido adotada uma interpretação muito
restritiva por parte dos tribunais, apenas aplicado em última ratio.
Quanto à ausência de consentimento retratada em lugares públicos, tem-se entendido que esta
apenas se repercute à sua reprodução e NÃO ao lançamento no comércio (para isso é necessário
consentimento).
A palavra humana pode ser gravada e reproduzida, tendo características que permitem reportá-
la a uma pessoa e apenas a ela. Assim, a utilização indevida de gravações pode afrontar a
privacidade, o bom nome ou direitos patrimoniais legítimos.
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O Cód. Penal protege a palavra e a imagem no seu art.199º.
O Professor Oliveira Ascensão apresenta uma estrutura tripartida dos direitos para retratar esta
matéria. Neste sentido, as limitações podem cingir-se à periferia do direito, atingir a sua orla ou,
por último, o seu núcleo duro, consoante a gravidade da limitação.
Já o direito à honra, imagem e reserva da vida privada podem ser limitados de modo válido.
Estabelece-se uma contraposição, no art.335º do CC, entre a limitação voluntária dos direitos de
personalidade e o conflito dos direitos de personalidade.
Os direitos de personalidade, para serem tutelados, não têm necessariamente que estar previstos
no Cód. Civil.
1) Tutela preventiva;
2) Atenuação do possível;
3) Responsabilidade civil (art.70º/2 + 483º CC).
12. Menoridade
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Condição jurídica dos menores (art.122º a 129º do CC)
A condição jurídica dos menores não se confunde com todo o regime jurídico aplicado a menores.
Em termos sistemáticos, por influência italiana e germânica, a condição jurídica dos menores é
colocada na parte da Parte Geral do Cód. Civil, pois estes artigos referem-se à incapacidade de
exercício.
Menor é aquele que ainda não tiver completado 18 anos de idade. Dentro da menoridade, não
existe no CC uma definição de “criança” ou de “jovem”.
A forma como o OJ português pensa sobre esta subseção é muito paternalista, hoje muito
criticada, pois a estrutura destes artigos está pensada para que qualquer menor seja incapaz –
incapacidade genérica de exercício – com exceções. A doutrina mais recente, vanguardista, tem
entendido que se observarmos a quantidade de negócios jurídicos celebrados por menores,
vamos concluir que é muito superior aos que são inadmissíveis. Então, as regras deveriam ser
alteradas estruturalmente, passando a capacidade a ser a regra.
Alguns exemplos:
A primeira parte do preceito - “salvo disposição em contrário” – deve ser conjugada com o
art.127º do CC.
Este artigo costuma ser o argumento da doutrina vanguardista, que defende que a regra seja a
capacidade (e não a incapacidade genérica, como se verifica atualmente).
Regra: Só são válidos os negócios jurídicos que se inserirem nas alíneas a), b) e c) do nº1 do
art.127º. Não esquecer que a invalidade significa que um negócio jurídico é contrário aos
princípios e regras do ordenamento jurídico.
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a) Os menores (com mais de 16 anos) podem trabalhar, celebrar contratos de trabalho. Os frutos
desse trabalho, em contrapartida do esforço, são do menor, que tem o poder de administrar e
dispor deles. Não se refere a atos aquisitivos.
“Disposição de bens” – Refere-se a negócios quer a nível oneroso (contrato de compra e venda)
ou a nível gratuito (doações).
Atenção! Art.951º CC - Quando a doação é pura (sem encargos) e feita a incapaz (inclui
menores), é um negócio unilateral, isto é, não está sujeito a consentimento do donatário.
Atenção! Art.1879º
Exemplo: Menor (16 anos) trabalha, ofere uma determinada remuneração. A mãe faleceu e o pai
encontra-se no desemprego. O menor tem a obrigação de contribuir para a vida familiar.
b) Devemos olhar para esta regra objetivamente (do ponto de vista do homem médio) ou do
ponto de vista económico, de forma subjetiva? A interpretação tradicional desta alínea é objetiva,
independentemente da situação económica do menor, e tem em conta a sua faixa etária. De
forma mais atualista, tem-se entendido que se deve olhar para a condição socioeconómica, para
a concretização do conceito indeterminado de bem de pequena importância. Quanto ao conceito
de negócio próprio da vida corrente do menor, prevalece uma interpretação objetivista. No
entanto, este é um artigo que tem de ser analisado casuisticamente, muito difícil de interpretar
em abstrato.
Neste caso, é verdade que em termos subjetivos, para este menor, o bem é de pequena
importância. No entanto, há que conjugar esse facto com uma interpretação objetivista do
conceito de negócio próprio da vida corrente. Ora, comprar uma casa não é uma prática comum,
reiterada, de uma pessoa de 14 anos, ainda que os pais devessem a sua fortuna ao negócio
imobiliário. O Professor considera que o direito constituído não permite essa celebração negocial,
porque é um ato isolado e excecional.
c) Negócios relativos à profissão (assumindo que o menor pode trabalhar e exercer aquele
serviço).
Nº2 Todos os bens que, nos termos do nº1/a), o menor pode dispor, são os bens que vão
responder pelos atos que o menor pratica no exercício da sua profissão. Corresponde a um
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regime de limitação da responsabilidade do menor pelos atos praticados, através da criação de um
património “separado”, constituído pelos bens que adquire como frutos do seu trabalho.
Nota: O património separado integra os bens que o menor adquire fruto do seu trabalho e os que
adquire através do dinheiro que recebe, fruto do seu trabalho. Para além disso, integra os bens
necessários à prática do ofício (exemplo do avental para cozinhar).
Exemplo 1:
Um menor (16 anos) recebe 20 mil euros, fruto de um trabalho que realizou e decide comprar
uma mota com esse dinheiro, para a qual não possui habilitação para conduzir. Pode fazê-lo e
qual a base legal?
O ato dispositivo do bem, neste caso, é o ato dispositivo do bem dinheiro. Permite, nos termos do
art.127º/1/a), dispor desse bem para adquirir um bem material, no caso, a mota.
Exemplo 2:
Um menor (14 anos) recebe 20 mil euros e decide comprar uma mota para fins recreativos com
esse dinheiro, para a qual não tem habilitação para conduzir. Pode fazê-lo e qual a base legal?
Neste caso, não se aplica a alínea a) do nº1 do art.127º, uma vez que esta estabelece um limite
mínimo de idade (16 anos) para a disposição de bens. Resta-nos a alínea b) e c). Da análise destas
alíneas, faz sentido admitir o negócio?
Sem prejuízo do art.287º/2 do CC, os NJ praticados por menores podem ser anulados através de
3 formas:
Nº 1
Nº 2
18
Nota: Conta-se o prazo a partir do momento em que o menor completa 18 anos ou é emancipado
(se casar entre os 16 e os 18), com ressalva para o art.126º. A lei protege a contraparte de boa-
fé, nos casos do art.126º (abuso de direito, venire contra factum proprium).
Este artigo deve ser conjugado com o art.1878º/2. Está um pouco deslocado do contexto do
regime da capacidade de exercício dos menores. Analisaremos mais à frente, quando estudarmos
direito da família.
A incapacidade dos menores termina em dois casos: quando é atingida a maioridade ou após a
emancipação.
Este artigo refere-se à capacidade de exercício, no âmbito daquilo que a lei permite para a
capacidade de gozo (um maior de 18 anos tem capacidade para casar, mas não para adotar).
Atenção! O termo da incapacidade dos menores não significa que termina a menoridade (o menor
pode ser menor em termos formais, mas emancipado).
Hoje vamos tratar da capacidade de exercício dos maiores de idade, mais concretamente, o
regime dos maiores acompanhados. Este regime está previsto no Cód. Civil, nos arts.138ºa 156º.
O regime incide sobre pessoas maiores de idade que sofram de alguma incapacidade (parcial ou
total). Foi instituído pela Lei 48/2019, substituindo o regime da interdição e inabilitação. É um
regime manifestamente mais flexível do que o anterior, que recebeu várias críticas por parte da
doutrina a propósito da sua rigidez e à potencial violação do princípio da igualdade derivado do
seu caráter demasiadamente genérico. Ademais, este tinha um efeito estigmatizante das pessoas
visadas, não estava assente na lógica da recuperação das mesmas.
“Pessoas pródigas” – são pessoas que gastam muito dinheiro, que podem gastar o seu
rendimento num só dia e tomar parte em negócios ruinosos.
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a) Acompanhado/beneficiário;
b) Acompanhante – auxiliar do acompanhado em tudo o que ele necessitar para suprir as
suas insuficiências;
c) Família (questão da tutela, vamos desenvolver em direito da família).
Art.138º - Acompanhamento
Pressuposto: Este instituto parte do princípio de que as pessoas têm capacidade e não o contrário.
Só de decretam medidas para aquilo que a pessoa não consegue fazer sozinha.
→ Requisito objetivo – o requisito subjetivo deve ter subjacente razões de saúde, deficiência
ou comportamento;
→ Requisito subjetivo – impossibilidade de exercer plena, pessoal e conscientemente os seus
direitos e cumprir os seus deveres. O maior acompanhado não é capaz de compreender
o alcance dos seus atos e isso afetar o governo da sua pessoa e dos seus bens, pode ter
a sua capacidade de autodeterminação e intelectual afetada e isso afetar o cumprimento
dos seus deveres e o exercício dos seus direitos.
Verifica-se um exercício casuístico de fixação das medidas pelo tribunal, após audiência pessoal e
direta do beneficiário (obrigatória) e ponderação das provas.
Neste sentido, argumenta-se que este critério pode levar a situações em que duas pessoas, com
igual patologia ou em igual situação, podem ser alvo de medidas completamente diferente,
decretadas por dois juízes diferentes, o que pode dar origem a uma situação desigual.
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O espírito desta regra rege-se por uma lógica temporânea, isto é, as medidas devem ser, na
medida do possível temporárias, transitórias, nunca tendente à perpetuidade como acontecia no
regime da interditação e inabilitação.
Nº3: O acompanhante não pode dispor do património do acompanhado sem autorização judicial
prévia para o efeito.
Não é um elenco taxativo, meramente exemplificativo. Em regra, o juiz não faz restrições aos
direitos pessoais, à exceção da capacidade de testar dos maiores acompanhados.
Nº 1 – Regra geral – Não se celebrarem quaisquer negócios quando exista conflito de interesses
entre o acompanhante e o acompanhado. Não obstante essa situação, ver nº3. O conflito de
interesse tem limitações ao nível de doações (art.953º CC) e da capacidade de testar (art.2192º/1
CC).
Nº2 - Remissão para o art.261º, referente ao negócio consigo mesmo, que tem como
consequência a anulabilidade.
Se o acompanhado praticar atos para os quais não tem capacidade de exercício são anuláveis,
nos termos do art.154º se praticados após o registo da sentença do maior acompanhado. É nítido
que a anulabilidade antes do início do processo só se faz nos termos do art.257º. Após o início do
processo, verifica-se uma crela doutrinária:
Uma parte da doutrina defende que a anulabilidade do art.154º pode ter lugar assim que
o processo ser iniciado e outra parte da doutrina apenas admite a anulabilidade dos atos
após a sentença.
O nº3 não ajuda na resolução desta divergência, antes, faz uma remissão para o regime
da incapacidade acidental, previsto no art.257º (facto notório ou conhecido do
declaratário).
Vamos estudar as pessoas coletivas inseridas no contexto do Direito Privado, isto é, a sua vertente
privatística, sem prejuízo de fazermos algumas alusões a entidades coletivas públicas (ex:
fundações).
Associações
Fundações
Sociedades
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Este modelo tripartido faz sentido e cada um deles tem uma natureza e modo de funcionamento
diferentes.
Já sabemos que as pessoas coletivas estão inseridas no conceito de pessoa jurídica (que se divide
pessoas singulares e pessoas coletivas).
A palavra “coletiva” tem raízes históricas, mas a coletividade não representa todas as pessoas
coletivas que conhecemos. Então, pessoa coletiva não significa que haja um conjunto de pessoas
que cria uma organização. Exemplo: sociedades unipessoais a quotas.
Alusão ao termo “corporação” – Para o Prof. Miguel Moura, é um conceito dúbio, sujeito a várias
interpretações. Em termos históricos, pode corresponder às três categorias de pessoas coletivas;
pode também significar pessoas coletivas que têm o fim o lucro; e por fim, pode apenas significar
sociedade comercial.
Têm um negócio jurídico como ato constitutivo (contrato, negócio jurídico unilateral).
Com efeito, a sua função económico-social é a cooperação, daí serem designados como
negócios jurídicos cooperativos);
Tradicionalmente, são todas as pessoas jurídicas ou entidades que não são individuais e
têm personalidade jurídica. Isto significa que as associações sem personalidade jurídica
não são, tecnicamente, consideradas pessoas coletivas (são equiparadas para alguns
efeitos).
As sociedades (comerciais e civis) distinguem-se das restantes pessoas coletivas uma vez que têm
como fim o lucro dos sócios, ao contrário das fundações e das associações.
A forma de se obter o lucro através das pessoas é através das sociedades e não através do
associativismo puro.
As associações podem ser constituídas por escritura pública (meio formal e solene) ou por outro
meio legalmente admitido (chamado comummente de “associação na hora”).
Em relação ao registo, as PC são registadas no RNPC. Só a partir do ato do registo é que produzem
efeitos para terceiros (eficácia erga omnes).
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Exemplo: Se uma associação tiver como objeto a reflexão política, mas como fim um golpe de
estado, o MP pode anular? Não!
O único efeito útil do art.158º-A é a atribuição de competências ao MP para declarar judicialmente
a nulidade. A primeira parte do art.158º já resultava do art.280º.
Art.159º - Sede
Art.160º - Capacidade
Refere-se à capacidade de gozo (não de exercício). O nº1 (regra geral) é muito amplo.
Art.162º - Órgãos
O número ímpar é para evitar impasses. Uma PC pode ser membro de um órgão colegial da
associação (elegendo um representante).
Art.163º - Representação
O artigo está mais virado para a representação voluntária e não para a representação legal.
Exemplo: Quando assumimos uma posição num órgão de uma PC, automaticamente somos
representantes legais dessa pessoa coletiva.
O que está em causa é uma relação jurídica entre os titulares dos órgãos e a própria PC.
Tradicionalmente, essa relação é equiparada às relações de mandato.
→ “corpos gerentes” – Os órgãos que gerem a sociedade, que praticam os atos executórios.
Os membros dos órgãos executivos são obrigados a votar em todas as deliberações e são
responsáveis pelos prejuízos decorrentes do seu voto, salvo se tiverem votado em sentido
oposto. Uma deliberação é um NJ unilateral e corresponde a um ato de vontade do órgão.
Exceção: quando a matéria em causa suscita uma questão conflituante entre um membro da
administração e o próprio ato, o membro tem o dever de não votar.
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Confrontar com art.500º CC.
Próxima aula:
Art.167º
Esta distinção não é clara, pois há elementos que se encontram nos dois documentos. Existem
alguns elementos mínimos, sob pena da nulidade do ato. O estatuto, para além dos elementos
comuns ao ato constitutivo, pode indicar os direitos e obrigações dos associados,
Património associativo/social – não se confunde com o património dos associados; corresponde
aos bens e serviços que os associados prestam à associação para que esta possa desenvolver a
sua atividade. Aplica-se às sociedades de igual forma.
Art. 168º
Nº3 – é com a publicidade que a todos os atos da associação produzem efeitos erga omnes. Qual
o momento da personalidade jurídica? É o momento de assinar o ato constitutivo e dos estatutos
ou o momento da sua publicidade? Tem-se entendido que a associação pode adquirir
personalidade antes da publicidade, com esta apenas adquire eficácia externa porque só aí fica
disponível para o conhecimento de todos. Aqui joga sempre a regra da boa-fé, é feita uma análise
no caso concreto.
Art.170º
Regra supletiva - se os estatutos definirem o processo de eleição ou designação dos titulares dos
órgãos, compete à assembleia geral a eleição dos (?).
A eleição resulta sempre de uma votação. A designação é um ato direto de indicação de uma
pessoa, que pode ser feita através de designação no próprio estatuto (estatutariamente) ou
através da indicação específica por um órgão.
Art.171º
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Quórum constitutivo – espécie de “controlo de presenças”. Nº mínimo para iniciar os
trabalhos (reunir em sentido jurídico). Nº1 parte final.
Quórum deliberativo – nº mínimo de votos para decidir uma determinada matéria. Nº2.
Regra imperativa mínima: pode-se exigir em termos estatutários a presença de mais da
maioria dos seus titulares, mas nunca menos.
Art.172º
Art.174º
No caso das associações com um grande nº de associados, pode não fazer sentido a convocação
ser feita por aviso postal. Admite o tribunal que sejam usados os meios adequados, mas com um
senão: essa possibilidade tem de estar prevista nos estatutos. se não existir norma estatutária
que permita outros meios que não permita outros meios, tem de se alterar o estatuto e incluir
essa possibilidade.
→ “Dia, hora, local e reunião” - tem-se entendido (prof não é solidário com este entendimento)
que se os estatutos não tiverem uma norma que prevê a possibilidade de reunir virtualmente,
não se pode reunir virtualmente.
→ “Ordem do dia” – pontos de trabalho, dita as matérias sujeitas a discussão. Matéria muito
sensível, no sentido em que limita as matérias em discussão. Não se pode, salvo uma exceção,
adicionar mais pontos de trabalho à ordem do dia do que aqueles que constam da
convocatória. APENAS quando todos os associados estiverem presentes e todos
concordarem com esse aditamento, porque o período de antecedência entre o momento da
convocatória e da reunião permite às pessoas refletirem sobre os pontos de discussão, o que
é absolutamente importante para a tomada de decisão. Os assuntos deliberados sem
estarem incluídos na ordem do dia existem juridicamente, mas são inválidos.
Art.175º
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→ “Segunda convocação” – segunda marcação da reunião, presente desde logo no ato da
convocatória. A reunião feita em segunda convocação não está sujeita ao quórum
constitutivo.
Cada vez mais se tem entendido, em termos legais, que não é possível fazer uma reunião em
segunda convocação no mesmo dia da reunião em primeira convocação. Este entendimento não
é pacífico.
Art.176º
A privação é do voto, não da presença nem da participação. Existe o direito a estar presente, o
direito a participar na discussão e o direito a votar, e o que está aqui em causa é o direito de voto.
Existem certas matérias em que não se deve admitir a presença (e a participação): assuntos para
a constituição de júris, relatórios de desempenho de um determinado membro de um órgão. Há
outras situações em que a pessoa, embora privada de votar, pode participar: quando está em
causa a exclusão do membro (possibilidade de contraditório).
Sempre que está em causa uma matéria deliberativa (sujeita a deliberação), o ato de deliberação
é sempre o ato positivo, no sentido de manifestar a concordância com o ponto ou não
concordância com este.
Art.177º
Se não convoquei de todo e reuni, a reunião é inexistente. Se convoquei, mas convoquei mal, a
reunião é anulável.
As deliberações que são contrárias à lei e não aos estatutos, como existe uma ficção de
conhecimento da lei, não posso vir a beneficiar da boa-fé, justamente porque existe esta
presunção geral de conhecimento da lei. O mesmo não acontece em relação aos estatutos, uma
vez que isso esvaziaria o sentido do art.179º.
Art.178º
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Não posso, por negócio, que quero deixar de ser associado e transmitir esta posição a terceiro.
Também não posso dizer que a minha posição se transmite para os meus descendentes após a
minha morte.
O “;” a seguir a “sucessão” leva-nos fazer uma interpretação no sentido de que a segunda parte
do artigo não é supletiva, mas sim imperativa. Não posso incumbir um terceiro ou outro associado
de beneficiar de serviços, de usufruir de direitos que são meus. A representação é possível, mas
aí é tudo em meu nome.
Art.181º
Regra geral: saída de uma associação deve ser livre. Seria contrário à lei proibir a saída de um
associado.
O associado que deixar (sair ou for excluído) a associação não tem o direito de receber as quotas
que, entretanto, foi pagando e entende-se que perde também o direito ao património social.
Património esse que só pode recuperar após a liquidação da associação e se tal for permitido.
O substrato de uma associação é tendencialmente pessoalista, daí uma das causas ser o
falecimento ou desaparecimento de todos os associados, expressa na alínea d).
Art.184º
15.2 Associações sem personalidade jurídica e comissões especiais (art.195º e seguintes CC)
Cap. III (não uma secção) – art.157º a 166º referem-se a PC com personalidade jurídica. Essas
disposições gerais não se aplicam às associações sem personalidade jurídica nem às comissões
especiais.
Não são consideradas verdadeiras pessoas coletivas, mas um tercio género entre pessoa singular
e pessoa coletiva. Alguns autores chamam personalidade jurídica rudimentar ou não plena. O que
importa reter é o facto de que, efetivamente, não têm personalidade jurídica, o que significa que
não seguem os trâmites “normais” que as pessoas com personalidade jurídica seguem.
Apesar de não serem pessoas coletivas propriamente ditas, podem tomar posição como parte
em NJ. As consequências em sede obrigacional repercutem-se, por sua vez, nos indivíduos que
tomam parte no negócio.
Outro aspeto relevante é que este Capítulo foi alterado em 1975. Na altura do Estado Novo, todas
as associações estavam sujeitas a ato prévio estatal de reconhecimento para poderem exercer a
sua atividade. Já vimos que atualmente as associações com personalidade jurídica não precisam
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desse ato, pese embora ainda subsista uma referência no Código (que deve ser ignorada
atualmente). Também se entende que, em alguns casos, a não verificação de elementos formais
necessários à constituição de uma associação com personalidade jurídica podem resultar na
instituição desta associação como associação sem personalidade jurídica. Esta linha de
pensamento não é maioritária, pois pode-se argumentar que os indivíduos que constituíram a
associação podem não querer constituir uma associação sem personalidade, prevalecendo a
vontade das partes constituintes. O Regente admite uma interpretação casuísta e averiguar se
faz sentido aplicar o regime por ausência formal.
A lógica histórica do regime era que sem o ato de reconhecimento, as associações caíam na
categoria das comissões especiais.
Então, que artigos do regime das associações com personalidade jurídica se aplicam às
associações sem personalidade jurídica?
Quando se diz que estes preceitos são aplicáveis, é PARA ALÉM dos artigos 195º e seguintes.
Art.195º
Uma associação sem personalidade jurídica compreende o elemento orgânico, à semelhança das
associações com personalidade jurídica.
Art.196º
Art.197º
Nº1: “a disposição fica sem efeito” refere-se ao próprio ato donativo, a toda a norma.
Art.198º
Difere da parte geral aplicável às associações com PJ. É uma regra específica, por isso prevalece
(critério da especificidade).
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Existindo dívidas, quem responde em primeiro lugar? O fundo comum. Se o fundo não tiver
dinheiro ou não existir fundo, responde o património daquele que tiver contraído a obrigação em
nome da associação.
Se as obrigações não tiverem sido validamente assumidas, responde o património daquele que
tiver contraído a obrigação em nome da associação.
Sendo o ato praticado por mais de uma pessoa, respondem todas solidariamente. Numa obrigação
solidária, o credor pode exigir todo o dinheiro a qualquer um dos devedores e posteriormente os
devedores decidem como fazem a divisão (esclarecer esta ideia).
Nº2 - Se A contribuiu 5% para o fundo e B contribuiu 10%, se não existir património dos outros
associados para salvar a dívida, o credor vê o valor a que correspondem as contribuições de A e
B e pode exigir esse valor para ressarcir os meus créditos. Este preceito pressupõe a existência
de fundo comum (que não é obrigatória). Isto significa que a não existência de um fundo comum
é menos protetora dos credores.
Pressupostos: o fundo tem de ser insuficiente e o património daqueles que contribuíram para o
fundo também não é suficiente. Só aí vou atacar, enquanto credor, o património dos associados
de forma proporcional às suas contribuições (aplico o nº2).
Art.199º
Esquecer “se não pedirem o reconhecimento da personalidade” (já não se aplica atualmente).
São criadas através de NJ com uma natureza de ato constitutivo. Não possuem elemento
orgânico.
Art.200º
Os membros da comissão (as pessoas que integram a comissão especial e que podem ser
confundidos ou não, dependendo do caso concreto, com os administradores). Não se confundem
com os subscritores (funciona nos casos em que coloco dinheiro numa determinada comissão).
Não há a ideia de fundo comum, o que se diz é que os membros da comissão respondem direta,
pessoal (em primeira linha) e solidariamente (entre si).
Nº3: Se meti 1000 euros para que a comissão venha a restaurar uma obra e esse fim não é
cumprido, posso exigir esse dinheiro de volta.
Art.201º
Nº1:
1ª parte - insuficiência: subscritor sabe de antemão que o dinheiro que investe pode ser
reconduzido a outro fim. É um risco que corre do lado dele.
16. Fundações
Vamos utilizar a Lei-quadro das Fundações (disponível com notas do Prof. no moodle).
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Ao contrário das associações, o património assume um grande peso na fundação. O fundador,
por seu lado, tem uma participação diminuta, releva para efeitos institutivos e depois liberta-se.
Art.3º - Conceitos
A existência de fim lucrativo é um dos elementos relevantes nas sociedades. Nas fundações, esse
fim lucrativo não existe. Existe, sim, um fim de interesse social.
Art.185º/2 CC
O momento técnico da criação não corresponde, à exceção das fundações públicas, ao momento
do reconhecimento (da aquisição da personalidade jurídica). Corresponde sim ao momento de
atribuição dos meios patrimoniais à futura pessoa coletiva fundacional (art.3º/3/a).
O ato institutivo de uma fundação é SEMPRE um ano unilateral, não tem natureza contratual.
Pode existir mais que uma parte, mas sempre do mesmo lado. Negócio jurídico este que não tem
natureza pessoal (diferente de um testamento, por exemplo), mas sim institutiva.
O que distingue as fundações públicas de direito privado das fundações privadas é a influência
dominante das pessoas coletivas públicas na sua composição (art.4º/a) e c).
O que é a influência dominante? Art.4º/2. Inclui-se as pessoas que têm poder de gestão da
fundação.
Nº3: exceção das fundações públicas (reconhecimento resulta do ato de criação, normalmente
ato legislativo).
Nº1: Os códigos de conduta são tradicionalmente vistos como soft law, mas cada vez mais se tem
entendido que as normas possuem a eficácia das normas de hard law.
Nº2: protege os interesses dos credores na verificação que o ato de reconhecimento da fundação
não prejudica os mesmos. Exemplo: um devedor não pode criar uma fundação para fugir ao
pagamento de uma dívida.
Art.9º - Transparência
Evitar que a atividade prosseguida pelas fundações seja obscura ou não cumpra os fins de
interesse social a que está sujeita.
Regra supletiva.
O instituidor é relevante no momento da afetação dos bens e pode sê-lo quanto ao destino dos
bens e nos casos de modificação, revogação do destino dos mesmos. Fora disso, não tem
relevância.
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16.1 Fundações privadas
Art.24º
Art.26º - Órgãos
Regime no CC
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PARTE II - DIREITO DA FAMÍLIA
Para o Prof. Jorge Duarte Pinheiro, “família” abrange todas as pessoas que estabeleçam os
vínculos presentes no art. 1576º CC.
Natureza jurídica
Dicotomia: direito civil ou direito público? No direito da família, temos muitas normas imperativas
(ex: casamento). O entendimento maioritário é de que se trata de direito civil, não obstante de
existirem normas de direito público (direito penal, direito fiscal, etc). Há quem entenda que
corresponde a um tercis generis, entre o direito público e o direito privado.
Existem normas na CRP que se destinam a proteger a família, enquanto célula essencial da
sociedade.
2. Conceito de família
Conceito de família
Atualmente, a família tem como finalidade a humanização e socialização do ser humano. Tem
defesas assistenciais, mas também existe uma lógica de realização do bem-estar nos seus
membros.
Art.36º
Prof. Guilherme de Oliveira (entendimento): Direito a casar (nº1, não é absoluto), direito a
constituir família, direito a divorciar (nº2), igualdade de cônjuges (nº3), dever de educação (nº5
e 6), inseparabilidade de pais e filhos (nº6), não discriminação de filhos (nº4), proteção da adoção
(nº7).
Quando se fala no conceito de direito à família, este é mutável consoante o contexto jurídico ou
sociológico em que é expresso.
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Em bom rigor, o direito a casar não é subjetivo na medida em que não posso exigir ao Estado o
cumprimento desse direito. Posso, sim, exigir que o Estado impeça o casamento se não tiver
capacidade para tal (direito de crédito?).
Art.26º
Decisão de querer casar ou não, ter ou não ter filhos, orientação sexual.
Preceitos relevantes no CC
Art. 1576º
Art.1577º
Define casamento. Não tem necessariamente de existir a finalidade de filiação. Não está assente
a lógica catolicista segundo a qual a base do casamento é a filiação.
Art.1578º
Define parentesco.
Art.1579º
Regula como se determina o parentesco. Análise do esquema dos graus de parentesco (PDF). Por
exemplo, o que J é ao seu bisavô? É descendente de 3º grau em linha reta. Na linha colateral, não
há 1º grau. Só há 2º grau e são os irmãos.
Art.1584º
Define afinidade. Há quem defenda que a afinidade não é uma figura própria da família, uma vez
que resulta do casamento.
Art.1973º e seguintes
Regulam a adoção.
Normas imperativas (por exemplo, familiares próximos não podem casar ou 3 pessoas
não podem casar);
Coexistência com o direito canónico;
Tribunais especializados;
Permeabilidade social (evolução no tempo e no espaço);
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Recurso a conceitos indeterminados (família, interesse superior da criança);
Dimensão pessoal.
Internacionalização (globalização, casais de diferentes nacionalidades);
Mecanismos alternativos de resolução de litígios;
Situações tendencialmente perpétuas (só cessam por morte ou por divórcio, consoante
os casos);
Indisponíveis, intransmissíveis e irrenunciáveis;
Oponíveis a terceiros (proibição de ingerência);
Funcionais (lógica de entreajuda entre os seus membros);
Estatutárias (emergem de um status, ligação orgânica entre o indivíduo e um grupo);
Tipicidade (NJ são típicos, não podem ser constituídas relações de famílias fora do que a
lei prevê);
Fraca garantia/exigibilidade dos direitos das situações jurídicas familiares (abandono
efetivo dos idosos não prevê sanção jurídica, não são suscetíveis de execução específica).
O que a lei prevê é o desencadear de mecanismos próprios, como por exemplo a
faculdade de divórcio.
5. Parentesco e afinidade
O casamento é um facto com relevância jurídica, mas para além disso, é um negócio jurídico que
produz efeitos pessoais: altera o estado em sentido técnico das pessoas (de solteiro para casado),
faz emergir deveres para com o outro cônjuge e produz efeitos patrimoniais.
A decisão de casar tem relevância jurídica? Pode ser relevante (art.227º). A decisão de casar tem
de ser tomada num momento prévio ao casamento. É indiferente se há um ato material que
significa a vontade de casar.
Art.1591º
1ª parte: “Não dá direito a exigir” – Contrato preliminar com vista a contratar no futuro. Não
posso usar o mecanismo da execução específica na promessa de casamento. Seria estranho dar
a possibilidade a uma das partes de ir a tribunal obrigar a outra a casar.
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Nota: em sede de execução específica de um contrato contrato promessa, o tribunal substitui-se
à vontade do contraente e avança com a compra (no caso de uma compra e venda).
2ª parte: “Cláusula penal” – Independentemente do valor estabelecido na indemnização, pago a
cláusula penal. Na promessa de casamento, até ao limite estabelecido no art.1594º.
O que importa perceber é que o legislador não se sente confortável de pedidos de indemnização
(irrisórios ou avultados) decorrentes do incumprimento da promessa de casamento.
Objetivo indireto – Não está expresso na lei, mas entende-se que é atribuir aos noivos mais um
período de reflexão.
Art.1592º
Exemplo: Quando descobrem que a filha está noiva, os pais oferecem um carro ao casal para
utilizarem na vida futura. Nos casos de incapacidade e retratação, como o carro foi uma compra
com base no casamento, os noivos estão obrigados a restituir o carro aos pais.
Art.1593º
Art.1594º - Indemnizações
Nº1: este preceito não é alterado deste 1966. Está estabelecido pelos usos que são os pais da
noiva a contrair as despesas da previsão do casamento. Podem ser indemnizados em caso de
retrato ou rompimento sem justo motivo.
Nº3: aplicação típica do juízo de equidade. Não vamos exigir uma indemnização avultada de uma
pessoa que não tenha condição para a pagar.
O que NÃO está previsto: danos patrimoniais. Há quem defenda que este regime não invalida a
aplicação do regime responsabilidade civil, por via dos termos gerais do art.496º.
O instituto do casamento tem provado uma ideia proveniente da AED. Para além do facto de o
casamento ser um ato jurídico com relevância do ponto de vista pessoal (por alterar um estado
para a vida), se existisse outro regime jurídico quanto às indemnizações por rompimentos da
promessa de casamento, podíamos cair na situação, do ponto de vista puramente económico, de
ser mais vantajoso para um dos contraentes casar do que não casar. A cláusula penal podia ser
mais custosa do que o casamento, a nível puramente económico. É para evitar essas situações
que o art. 1594º tem uma aplicação tão restrita e as partes podem desvincular-se.
Art.1595º
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6.2 Impedimentos matrimoniais (arts.1600º e segs)
Exemplos: Se A casa com B e B morre: A não pode casar com a mãe de B. No entanto, se
A casa com B, B morre e posteriormente A casa com C, pode fazê-lo.
a) A falta de autorização dos pais ou do tutor para o casamento do nubente menor, quando não
suprida pelo conservador do registo civil;
b) (Revogada.)
c) O parentesco no terceiro grau da linha colateral;
d) O vínculo de tutela, acompanhamento de maior ou administração legal de bens;
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e) (Revogada.)
f) A pronúncia do nubente pelo crime de homicídio doloso, ainda que não consumado, contra
o cônjuge do outro, enquanto não houver despronúncia ou absolvição por decisão passada
em julgado.
“outros designados em lei especial” – Regime do apadrinhamento civil. O padrinho, nos termos
do apadrinhamento civil, não pode casar com o afilhado.
Nº1/b) – Interpretação em conjugação com o art.1608º. Para pedir dispensa, posso pedi-la num
prazo inferior a 1 ano, desde que as contas já estiverem aprovadas (e o conservador do registo
civil aceite).
Porque é que para as mulheres o prazo é mais longo? O legislador português tradicional
considerava que era mal visto, do ponto de vista social, não existir um “luto” depois da dissolução
do casamento. A razão pela distinção do prazo era para se poder averiguar se a mulher estava
grávida, fruto do casamento anterior. Havia jurisprudência a admitir a possibilidade de a mulher
apresentar análises clínicas como prova de que não estava grávida, de forma a reduzir o prazo
para 180 dias.
Art.1610º
Art. 1612º
Suprimento do conservador: caso em que o conservador faz uma análise da capacidade mental e
psíquica dos nubentes e substitui-se aos pais e declara (autoriza), em nome dos pais.
Art.1614º
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Se não se realizar o casamento no prazo de 6 meses, após a emissão do despacho, tem de ser
reiniciado o processo matrimonial.
Nota (convenção inter-nupcial): Também é dada a possibilidade aos nubentes de se quiserem
fazerem convenções inter-nupciais, que ficam associadas ao contrato de casamento e que vai
regular o regime de bens. O regime supletivo é o regime da comunhão de adquiridos. Se as partes
quiserem, podem optar pelo regime de comunhão geral de bens ou da separação na convenção
inter-nupcial. Se nada disserem, não podem alterar o regime depois de casar.
Princípio da publicidade
O casamento (ato de casar) é público. Isso significa que qualquer pessoa pode entrar no
casamento? Não. Esta regra deve ser entendida em conjunto com os usos e as tradições
sociais. Não teria cabimento admitir que um estranho entrasse no local onde alguém se está
a casar, pelo caráter sério e íntimo da cerimónia. O que está na base da ideia do legislador é
que o casamento não seja algo obscuro, que ninguém saiba, etc. Isto relaciona-se com as
pessoas que devem intervir, enunciadas no art.1616º.
Art.1616º/a) – apenas um dos contraentes pode casar com procuração (só pode haver um
procurador).
Princípio da atualidade
Este princípio implica a presença. Não posso enviar o e-mail, ou uma carta, em momento
anterior ao do ato da celebração do casamento, não é relevante.
Podemos, no entanto, casar pelo Zoom? Na prática, não (mesmo no contexto pandémico),
por violação do princípio da pessoalidade e da atualidade, que implica a presença (da pessoa
ou do procurador). No entanto, o Prof. argumenta que, através de uma interpretação
atualista, tal é perfeitamente possível.
Princípio da pessoalidade
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Art.1618º - Eficácia plena significa imperatividade das normas que compõe este regime, isto
é, não podemos alterar a lei quanto aos efeitos jurídicos do contrato de casamento. Na
prática, a lei não se importa se cumprimos ou não, mas se queremos casar, temos que nos
sujeitar aos efeitos que o casamento produz.
Art.1620º
a) poderes especiais;
b) designação expressa do outro nubente;
c) indicação da modalidade de casamento.
Art.1621º
A procuração é revogável a todo o tempo, isto é, se decido não me casar, o procurador não pode
casar por mim.
Art.1622º (Celebração)
No fundo, o processo é feito no momento, redige-se uma ata que é homologada pelo funcionário
competente do registo.
Casos previstos:
Vamos tratar das causas de invalidade do negócio jurídico casamento, causas estas especiais que
se sobrepõe ao regime geral.
Art.1627º
O regime da invalidade está sujeito ao princípio da tipicidade: tem de estar previsto na lei um
determinado facto como causa da invalidade do casamento para que o ato seja considerado
inválido. Isto é, não existem outras causas de invalidade para além das que vamos ver hoje. São
estas a anulabilidade e a inexistência (de jure). Ou seja, não existe nulidade na modalidade civil.
Então, sempre que o CC faz referência à nulidade refere-se à modalidade católica.
39
Art.1628º
Art.1629º
Se os nubentes não sabiam que a pessoa não tinha competência para tal, o ato de casamento
não é inexistente, mas o ato do registo é nulo (art.89º do Código do Registo Civil).
Quanto ao regime da anulabilidade, é um regime mais complexo e que na prática é mais comum.
já existe alguma jurisprudência nacional sobre as causas de anulabilidade e os seus efeitos.
Regulada no artigo 1631º e seguintes.
Art.1631º
Alínea a) - A contrario, podemos extrair que um casamento celebrado por um impedimento
impediente não é causa de anulabilidade. Não há nenhuma consequência, em termos de
invalidade do negócio jurídico, em relação aos impedimentos impedientes, apenas sanções
específicas.
Alínea b) – houve declaração de vontade, mas na verdade não queria celebrar o casamento.
Paralelismo com alínea c) do art.1628º. O ónus da prova é de quem declara a falta de vontade.
Art.1632º
Ao contrário do que acontece no regime geral da anulabilidade dos NJ, aqui, é necessária uma
declaração judicial para se extrair qualquer efeito da anulabilidade do casamento. Regime
diferente da inexistência, já que esta pode ser invocada por qualquer pessoa a qualquer
momento, independentemente de declaração judicial.
Art.1633º
Art.1634º
40
Presunção ilidível – se há uma declaração, presume-se que foi pessoal, expresso, esclarecido, etc.
Art.1635º
Art.1636º
Já há bastante jurisprudência quanto a este assunto. Este artigo aplica-se a casos excecionais, de
forma muito restritiva.
Critérios:
Ter filhos: Um caso em que A casa com B, mas só tomou conhecimento que B tinha filhos um
ano depois de casar. Ter filhos é uma qualidade essencial da pessoa? Não, os tribunais
tendem a não considerar. Estamos a discutir o momento da declaração de querer ou não
casar. No caso de o filho nascer depois, a declaração não está viciada.
Infertilidade: Um dos casos admitidos pelos tribunais enquanto qualidade essencial da pessoa
é a questão da infertilidade. Se conseguir demonstrar que casei com a intenção de ter filhos
e descubro que a o meu cônjuge é infértil, os tribunais tendem a aplicar este artigo.
Impotência (sem infertilidade): Os tribunais têm entendido que se pode considerar uma
qualidade essencial da pessoa, porque entende que não se verifica o dever de coabitação
plena.
Doenças sexualmente transmissíveis: Os tribunais têm entendido que se pode considerar
uma qualidade essencial da pessoa e aplicar-se o artigo.
Estado civil ou religioso: O Estado de casado não cabe no art.1636º, na perspetiva do Prof,
mas é, na verdade, um impedimento dirimente absoluto (art.1601º/c);
Nacionalidade;
Prática de crime infamante;
Vida e costumes desonrosos;
Doenças incuráveis ou deformidades físicas graves;
Atenção! Alterações comportamentais (doenças mentais) não são causas justificativas para
aplicar o art.1636º. Problemas de personalidade e as intenções do outro cônjuge também não
são.
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Art.1638º - Coação moral
Nº1 - Se o ato for ilícito e o mal for grave, mas não existir um receio justificado da sua
consumação, não posso anular o casamento. Posso aplicar o instituto da responsabilidade civil
nos termos gerais (tenho outros mecanismos de proteção dos meus interesses).
Nº2 - Exemplo: uma pessoa está sob ameaça de terceiro e outra fá-la casar para a libertar daquela
ameaça.
Tanto o regime substantivo, como o da legitimidade, quer dos prazos, está dividido em
impedimentos dirimentes (1601º), faltas de vontade (1635º) e vícios da vontade (1636º).
Art.1639º - Legitimidade
O MP, ex oficio, tem o dever de intentar uma ação judicial se tem conhecimento de um
impedimento dirimente.
Nº2 parte final – conjugação com art.1601º/c) – o primeiro cônjuge pode intentar a ação.
1640º/1 pensado para os casos do art.1635º/d) e o art.1640º/2 está pensado para os casos
do art.1635º/a), b) e c).
Art.1643º - Prazos
Os efeitos decorrentes do art.289º são efeitos retroativos (ex tunc). Depois, ainda temos efeitos
não retroativos (ex nunc). No casamento, os efeitos são, à partida, não retroativos (ex nunc):
produziu os seus efeitos até à declaração de anulabilidade, deixando de produzir para o futuro.
Art.1647º
O legislador considera que o casamento anulado, ou declarado nulo (no caso do casamento
católico), para proteção de terceiro ou dos cônjuges, os efeitos do casamento produzem-se até
ao trânsito em julgado da sentença.
Nº1: A contrario, se houver má-fé de ambos os cônjuges, não se aplica o regime do casamento
putativo. Em relação a terceiro, há que averiguar se este estava de má-fé. No que toca à
presunção de paternidade, aplica-se sempre.
Nº2: Se apenas um dos cônjuges estava de boa-fé, mantém-se os efeitos em relação a esse
cônjuge. Como a boa-fé, no código canónico, tem uma amplitude diferente do direito civil, apenas
os tribunais civis têm competência para aferir a boa-fé nestes casos.
Art.1649º
Aplica-se este artigo ao menor (com idade núbio) que case sem autorização nem suprimento.
Pode casar, mas a administração dos bens que, à partida, passaria para o menor, mantém-se na
esfera dos pais ou tutor: não se transmite para a esfera do outro cônjuge, mesmo este sendo
maior.
O motivo pelo qual o legislador excluiu a alínea f) do art.1604º do escopo deste artigo é porque
este reporta-se a um caso transitório, não há justificação para aplicar uma sanção especial. Se
proceder, há impedimento dirimente relativo; se não proceder, não há qualquer impedimento.
A sanção é a de não receberem atribuições patrimoniais por vida através da doação ou mortis
causa, através do testamento. O testamento é um negócio unilateral voluntário, depende da
vontade do testador, e por ter efeitos sucessórios.
Art.153º
Art.155º
É o artigo que conduz o conservador no ato do casamento. Uma das partes mais relevantes é a
explicação aos cônjuges dos deveres e dos direitos conjugais.
Art.1651º
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Art.1670º
Um dos problemas que se colocam quanto aos registos é a de saber se o ato do registo tem
efeitos constitutivos da relação jurídica, ou meramente declarativos? No primeiro caso, só após
o registo é que há casamento (casamento válido e eficaz). No segundo caso (produz efeitos erga
omnes, mas não é um facto constitutivo), posso ter produção de efeitos entre as partes desde o
momento da celebração do casamento até ao ato do registo.
→ “assento” – nome técnico para o próprio registo. Podemos depois ter averbamentos que
alteram o registo.
Art.1659º
“Não pode ser invocado” – pelos cônjuges perante terceiros, mas entre os cônjuges, se durante
o período que medeia o ato de casar e o ato de registo existam violações de deveres conjugais,
as partes podem invocar. Ratio: registo tem uma função declarativa e de publicidade e, por isso,
os seus efeitos ficam dependentes do registo.
Artigos relevantes:
Art.1588º
Quanto aos efeitos civis (por exemplo, os efeitos patrimoniais), o casamento católico rege-se
pelas normas do Cód. Civil, salvo disposição em contrário.
Exemplo: A e casado com B na modalidade católica. A pode divorciar-se, de acordo com a lei civil.
Mas o divórcio não produz efeitos na ordem religiosa. Não há escolha entre um e outro, podemos
aplicar as normas em simultâneo, tendo em atenção o efeito que pretendemos obter. Se for um
efeito civil, são as normas do CC que devemos ter em vista.
Art.1596º
Capacidade matrimonial exigida na lei civil: não é livre, legislador quer controlar capacidade
matrimonial.
Art.1597º
Art.1625º
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Quanto à invalidade, o Cód. Civil atribui a competência aos tribunais eclesiásticos quanto à
verificação de competências para o casamento católico.
→ “rato e não consumado” (casamento válido, mas ainda sem práticas sexuais entre os
nubentes).
Quanto aos efeitos pessoas, há muitas questões, mas não muitos problemas interpretativos.
Contrariamente, quanto aos efeitos patrimoniais existem vários problemas relevantes.
As estipulações do contrato de casamento não podem ser alteradas pelas partes, o que leva a
maioria da doutrina a considerar que o elenco de deveres previsto nesta sede é taxativo: não há
outros deveres conjugais que não aqueles identificados no art.1672º.
Art.1671º
Nº1: Refere-se ao princípio da igualdade entre os cônjuges, que já estaria dentro da esfera jurídica
dos cônjuges nos termos constitucionais. Ainda assim, e bem, o legislador decidiu admitir que,
através do casamento, podem surgir desigualdades entre os cônjuges, mas o legislador tenta
dirimir, na medida do possível, estas desigualdades. É uma concretização do art.36º CRP.
Nº2: contém uma norma que, no fundo, atribui um dever e um direito. Princípio da direção
familiar tem um lado ativo (direito de dirigir a família) e um lado passivo (dever de acordar na
proteção comum). Pertence a ambos os cônjuges (ideia de igualdade), o que pode gerar situações
conflituantes, mas põe termo à ideia de a direção da família pertencer apenas ao “pai de família”.
Já houve lugar a jurisprudência em dizer que este poder/dever de direção familiar tem natureza
imperativa (um dos cônjuges não pode renunciar), mas na prática, por vezes nem sempre se
verifica.
O legislador entende (a doutrina também é sólida) que todas as matérias que estão relacionadas
com a vida privada de cada um dos cônjuges ficam de fora do poder de direção/dever de acordar
sobre a orientação da vida comum.
Art. 1672º/2
a) Dever de respeito – vertente generalista (dever geral de respeito). Inclui não lesar a honra da
outra parte, não praticar atos que atinjam a integridade moral da outra parte, não injuriar ou
praticar atos obscenos, respeitar autodeterminação sexual e de imagem. Dever geral de
respeito.
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Ratio: legislador quer evitar que, por estar casado, deixe de ter o dever para com o meu
cônjuge; clarificar e sublinhar o dever geral de respeito que já existe anteriormente ao
casamento.
e) Dever de assistência – art.1675º. Distingue-se dos anteriores por ter uma natureza
primordialmente patrimonial. Engloba duas componentes: obrigação de prestação de
alimentos e obrigação de encargos familiares. A diferença é apenas uma: no conceito de
obrigação de prestação de alimentos, estão abrangidos os cônjuges. Só abrange os cônjuges,
porque o art.2015º remete expressamente para o art.1675º.
Nº2 – A separação de facto – do ponto de vista factual, os cônjuges não estão a conviver -
não faz cessar o dever de assistência, a não ser que tenha sido provocada por uma das partes
(adultério, por exemplo). Este último ponto é discutível. Temos duas vidas: interpretação
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abrogante desta regra através do regime do divórcio; e assumir que o legislador não foi
correto, aplicar o artigo independentemente de existir de culpa.
Nº2 – A ideia é a de que tem que existir solidariedade matrimonial: um dos cônjuges abdica
de um aspeto preponderante da sua vida (vida profissional, entre outros). Estão em casa
decisões de tal forma importantes na vida de um dos cônjuges que merecem proteção.
Exemplo: Ambos os cônjuges decidiram que um deles abdica do seu trabalho para prestar
mais apoio à família
Só há partilha se existirem bens comuns, isto é, nos regimes de comunhão geral de bens e de
comunhão de adquiridos. Então, se vigorar o regime da separação de bens, o que sucede?
Há duas interpretações possíveis:
Uma interpretação possível leva em conta o momento a partir do qual o crédito pode
ser exigido: se vigorar o regime da separação, o crédito não pode ser exigido no
momento da partilha porque não há partilha.
Outra interpretação é a de que, em regime de separação de bens, o crédito não é
exigível: se vigorar o regime de separação, não há crédito (não parece razoável).
12. Direitos e deveres dos cônjuges de natureza patrimonial (administração de bens, dívidas dos
cônjuges)
Têm por objeto a fixação do regime de bens, principalmente. No entanto, está previsto um regime
de proibição de regulação de alguns temas em sede de convenção antenupcial:
d) Mesmo em regime de comunhão geral, há bens que mantém a sua qualidade de bens
próprios.
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Nº2 – Ratio: se caso em comunhão geral, os bens que levo para o casamento vão integrar o
património comum. integrando o património comum, quem pode sair prejudicado é o filho.
Parecer da PGR que restringe a imperatividade do regime de comunhão geral nestes casos às
situações em que os filhos não são comuns.
Art.1708º
Capacidade de gozo: capacidade para celebrar uma convenção. Quem tem capacidade
patrimonial, tem capacidade para celebrar uma convenção antenupcial.
Art.1710º
As convenções sujeitas a forma escrita, por declaração prestada perante funcionário do registo
civil ou por escritura pública.
Art.1711º
Art.1713º
Art.1715º
a) Quanto a estas questões sucessórias em particular, pode haver alteração destas condições
durante o casamento.
Art.1716º
A convenção caduca, se o casamento não for celebrado dentro de um ano, ou se, tendo-o sido,
(o casamento) vier a ser declarado nulo ou anulado, salvo o disposto em matéria de casamento
putativo. Se o casamento vem a ser anulado, a dependência funcional da convenção manifesta-
se na caducidade (não é, ela própria, inválida) da convenção.
Art.1678º
Nº1 – Princípio basilar: cada cônjuge tem poder de administração sobre os bens próprios.
Nº2 – Princípio: se os bens são comuns, à partida, cada um dos cônjuges necessita da autorização
do outro para dispor dos bens, à exceção de atos de administração ordinária (corrente).
a) e b) pese embora sejam bens comuns, um dos cônjuges pode, sem autorização, administrar os
bens.
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d) casos em que o bem é doado ou deixado a um dos cônjuges sob a condição de só poder ser
administrado por este; prevalece a vontade do doador.
f) regra contrária ao art.92º/1 (herdeiros presumidos)? De princípio, pode existir uma
incompatibilidade, porque o cônjuge, já tem ex lege o poder de administração sobre os bens.
Deve-se entender que o cônjuge tem prevalência, se quiser e se o tribunal considerar pertinente,
sobre os demais.
g) uma coisa são poderes de administração, outra coisa é qualificar um bem como próprio. Uma
coisa não implica a outra. Posso administrar um bem próprio do outro cônjuge através da figura
do mandato. O mandato e a procuração não se confundem: a procuração é o NJ que atribui
poderes representativos; o mandato pode, ou não, atribuir poderes. A forma só é exigida quando
há atribuição de poderes.
Nota: a administração pode ser exclusiva, mas não tem de o ser. Neste nº2, em princípio, a
administração seria exclusiva do cônjuge, mas é possível, através da figura do mandato, atribuir
poderes a outro cônjuge. Por isso, esta não é uma regra imperativa.
Art.1679º
Se os atos forem de natureza urgente, o art.1679º diz que o cônjuge que não tem a administração
dos bens tem o dever (dever de atuação) de tomar providências para administrar esses bens.
Art.1681º
Nº1 - Referência a alíneas a) a f): g) trata do mandato, não há problema porque há atribuição de
poderes voluntária.
Ratio: evitar litigiosidade entre cônjuges nos tribunais. Não impede que o cônjuge que
administrou mal, com prejuízo e com dolo, possa responder pelos atos praticados, nos termos da
responsabilidade civil, compensando o outro cônjuge pelos danos resultantes da má
administração.
Nº2 – nestes casos, são aplicáveis as regras do contrato de mandato, mas, supletivamente, o
cônjuge administrador só tem de prestar contas e entregar o respetivo saldo por atos praticados
durante os últimos 5 anos. De 5 em 5 anos, o mandante pode exigir a prestação de contas e a
entrega do respetivo saldo.
1ª parte: admite a administração de bens sem poderes administrativos para tal, mas se o cônjuge
tiver conhecimento desse facto e não se opõe, não há problema;
Última parte: administração sem poderes e o outro cônjuge opõe-se. O cônjuge que administrou
responde como possuidor de má-fé: responde pela perda da coisa (mesmo que tenha agido sem
culpa, 1269º), deve restituir ao outro cônjuge todos os frutos entretanto gerados.
Art.1682º
Se existirem bens móveis que pertencem ao cônjuge, mas não é ele que administra, é preciso
consentimento de ambos os cônjuges para a sua alienação.
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Quanto ao repudio da herança, à partida é porque a herança traz mais passivo (responsabilidades)
do que ativos. A não ser que seja o regime de separação de bens, o outro cônjuge tem de dar o
seu consentimento.
Tenho de prestar consentimento específico, não posso prestar um consentimento genérico (“ah
até ao final do ano eu consinto tudo). A forma exigida é a forma exigida para a procuração. Se o
negócio em causa for sujeito a alguma forma específica, o consentimento terá de cumprir com
essa formalidade também.
→ É necessário consentimento, ele não foi prestado, mas o ato foi praticado na mesma. O que
acontece? 1687º.
Os atos praticados contra estes últimos artigos são anuláveis a requerimento do cônjuge que não
deu o seu consentimento. Se um dos cônjuges ratificar o ato já não pode pedir a anulação do ato,
pois este sana-se.
O direito à anulação deve ser exercido sob pena de caducidade nos primeiros 6 meses após
conhecimento do cônjuge que não prestou consentimento, e o mesmo se aplica aos herdeiros.
Mas nunca decorridos 3 anos. Ou seja, se o ato foi praticado dia 1 de janeiro de 2020, e eu tomei
conhecimento no dia 1 de novembro de 2022, só tenho 2 meses para pedir.
Dissolução do casamento;
Declaração de nulidade ou anulação do casamento;
Separação judicial de pessoas e bens art.1795º-A.
Primeiro, olhámos para o regime de bens para qualificar bens próprios e bens comuns. Depois,
vimos que poder de administração cada cônjuge tem quanto a bens próprios e a bens comuns e
os atos que podem praticar. Agora, vamos olhar para as dívidas. Quem tem legitimidade para
assumir uma dívida e que tipos de dívidas são qualificadas como dividas próprias ou dívidas
comuns.
Atenção! No regime de separação de bens, do lato ativo, não há património comum. no lado
passivo, na parte das responsabilidades, posso ter comunicabilidade de dívidas.
50
Suscita logo uma questão: regime imperativo ou supletivo? A lei nada diz de forma expressa.
Questiona-se saber se as partes podem, ainda enquanto nubentes e em sede de convenção
antenupcial ou após, podem regular as matérias relativas às responsabilidades. O entendimento
maioritário é o de que não podem, considera-se que o regime é imperativo. O Prof. Guilherme
Leite Campos defende que é supletivo, mas só pode ser estabelecido um regime diferente em
sede de convenção antenupcial.
Art.1690º
Nº1 - Qualquer um dos cônjuges tem, independentemente do regime de bens, legitimidade para
contrair dividas sem o consentimento do outro. Isto é algo que já resultaria da regra geral do
direito das obrigações.
Como é que o legislador divide esta secção? Esta secção está divida em dois grandes módulos:
saber quais as dívidas comunicáveis e saber que bens é que vão responder em função dessa
classificação (art.1695º e 1696º). Quanto ao primeiro, o legislador opta, uma vez mais, por duas
regras genéricas (art.1691º e 1692º) e três regras especiais (art.1693º e 1694º), face aos
primeiros.
d) As dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges no exercício do comércio, salvo se se provar
que não foram contraídas em proveito comum do casal ou se vigorar entre os cônjuges o regime
de separação de bens;
Nº2 - No regime da comunhão geral de bens, são ainda comunicáveis as dívidas contraídas antes
do casamento por qualquer dos cônjuges, em proveito comum do casal.
Nº3 - O proveito comum do casal não se presume, exceto nos casos em que a lei o declarar.
Se o credor do cônjuge comerciante quer atacar o património dos dois, a respeito de uma dívida
comunicável, para fazê-lo, tem o ónus da prova em como o ato de comercio que deu origem à
dívida foi praticada em proveito comum (conceito indeterminado). Assim, o proveito comum não
se presume.
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Art.1692º - Dívidas incomunicáveis
Se estiver em causa responsabilidade civil e os factos que originaram a dívida forem contraídos
nos casos dos nºs 1 e 2 do art.1691º, então a dívida é comunicável.
Nº1 - As dívidas que onerem doações, heranças ou legados são da exclusiva responsabilidade do
cônjuge aceitante, ainda que a aceitação tenha sido efetuada com o consentimento do outro.
Nº2 - Porém, se por força do regime de bens adotado, os bens doados, herdados ou legados
ingressarem no património comum, a responsabilidade pelas dívidas é comum, sem prejuízo do
direito que tem o cônjuge do aceitante de impugnar o seu cumprimento com o fundamento de
que o valor dos bens não é suficiente para a satisfação dos encargos.
1. As dívidas que onerem bens comuns são sempre da responsabilidade comum dos cônjuges,
quer se tenham vencido antes, quer depois da comunicação dos bens.
Se A tem uma dívida que onera um bem certo e determinado no momento da constituição da
dívida o bem é próprio e mesmo que a dívida se tenha vencido em momento anterior a casar,
mas depois do casamento, aquele bem passar a ser qualificado como bem comum, a dívida é
comunicável.
2. As dívidas que onerem bens próprios de um dos cônjuges são da sua exclusiva
responsabilidade, salvo se tiverem como causa a perceção dos respetivos rendimentos e estes,
por força do regime aplicável, forem considerados comuns.
A pede um empréstimo para comprar uma casa. Quando o pede, fá-lo na expetativa do
casamento.
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Art.1695º - Bens que respondem pelas dívidas da responsabilidade de ambos
1. Pelas dívidas que são da responsabilidade de ambos os cônjuges respondem os bens comuns
do casal, e, na falta ou insuficiência deles, solidariamente, os bens próprios de qualquer dos
cônjuges.
Se em causa estiverem dividas comunicáveis e se existirem bens comuns, isto é, se o regime for
de comunhão (de adquiridos ou geral), responde em primeira linha os bens comuns. Se, por
força do caso concreto, não existir, na prática, bens comuns, ou se os bens comuns não forem
suficientes para satisfazer a dívida, vão responder os bens próprios de cada cônjuge, segundo o
regime da solidariedade. Não se aplica ao regime de separação de bens.
Não sendo solidário, significa que é parciária ou conjunta: cada um responde 50/50. Os bens que
respondem são bens próprios (porque não há bens comuns), mas no contexto de uma
responsabilidade parciária (não solidária). Se os cônjuges convencionarem o regime da
solidariedade, nada impede que o façam.
Não esquecer! Art.1676º: contribuição proporcional dos bens perante a família, pode existir
outra ratio. Coloca-se a questão de saber se há uma presunção de 50/50 e se as partes podem
ilidir essa presunção, estabelecendo uma proporção diferente.
a) Os bens por ele levados para o casal ou posteriormente adquiridos a título gratuito, bem como
os respetivos rendimentos;
Disposições gerais:
Art.1718º
O legislador admite que as partes possam convencionar regimes de bens mistos em primeira
mão: os nubentes não têm, necessariamente, que escolher entre os 3 regimes de forma
alternativa. Também é admitida a possibilidade de se aplicarem regras consuetudinárias ou lei
estrangeira, desde que, sobre a alçada do princípio da clareza e da transparência, os nubentes o
façam de forma clara.
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O que se pretende com este princípio é que a convenção seja percetível e clara para os que a
leem.
Art.1720º
Há dois casos em que o legislador considera que o casamento tem necessariamente de seguir o
regime de separação de bens: os casamentos urgentes e os casos em que um dos nubentes tem
mais de 60 anos. Para o Professor, este segundo caso suscita questões de inconstitucionalidade.
Possibilidades de interpretação:
Bens comuns ou bens que integram o património comum. O património comum não é um
património autónomo, mas sim verifica-se a comunicabilidade dos bens. Os cônjuges podem ter
bens próprios, sem prejuízo do património comum.
Art.1722º
Exemplos: art.1722º/2.
Art.1723º
Está em causa a sub-rogação legal. Neste sentido, entende-se “trocar uma coisa por outra”. O
exemplo mais comum é o caso dos imóveis.
a) Os bens sub-rogados no lugar de bens próprios de um dos cônjuges por meio de troca
direta;
b) O preço dos bens próprios alienados;
c) Os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos
cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente
mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com
intervenção de ambos os cônjuges. Ratio: fungibilidade do dinheiro, extrema dificuldade
de prova da sua proveniência.
Art.1724º
54
a) O produto do trabalho dos cônjuges. Engloba qualquer remuneração auferida pelos cônjuges
fruto do seu trabalho. A ideia de esforço subjacente a este regime;
b) Os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam excetuados
por lei. Engloba os bens adquiridos a título oneroso, nos casos das doações já vimos que não é
assim.
Que bens integram o património comum? Este artigo dá-nos dois casos de bens que integram o
património comum (o outro está no art.1729º): o produto do trabalho (em sentido amplo) dos
cônjuges, segundo a ideia de que o resultado do esforço que os cônjuges fazem durante o
matrimónio deve integrar o património comum; bens adquiridos pelos cônjuges na constância
do matrimónio que não sejam adquiridos a título gratuito (segundo o art.1722º/1/b), são
considerados bens próprios). As exceções estão mais abaixo, veremos adiante.
O art.1729º prevê a situação segundo a qual os bens que são doados em vida ou deixado mortis
causa, integram o património comum se o doador ou testador assim o determinar.
Art.1725º
Quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes presumem-se comuns
(integram o património comum). Esta presunção é ilidível, naturalmente.
Art.1726º
Este artigo dá resposta à questão de saber o que acontece se, para a aquisição de determinada
coisa, contribuírem bens próprios e bens comuns.
O que sucede se vou adquirir um bem utilizando dinheiro que é considerado património comum
e dinheiro que é considerado próprio? Art.1726º: devemos olhar para a proporção relativa da
distribuição e decidir se o bem adquirido vai ser próprio ou comum.
Art.1730º
Aqui está vertida a ideia de que cada cônjuge tem direito à metade (lado ativo). De acordo com
o princípio da metade, olho para o património comum e ficciono que cada um dos cônjuges tem
direito a metade (aprofundamos adiante).
Art.1731º
Se os cônjuges adquirem um carro utilizando o património comum, mas só um dos cônjuges
utiliza o carro, no momento da partilha é este quem ficará com o carro (sem prejuízo das devidas
compensações).
55
Comunhão quase plena do domínio da posse e da administração dos bens. Todos os bens são
levados para o casamento e todos os bens futuros são considerados comuns, à exceção dos
casos explicitados no art.1733º.
Art.1733º
Regra imperativa – não pode ser derrogada, só posso acrescentar outros bens incomunicáveis.
b) reversão (cláusula que diz “se tu donatário morreres primeiro os bens revertem a meu favor,
pelo que doo este bem sob condução resolutiva de eu morrer primeiro que tu – art.1960º);
fideicomissário (Substituição fideicomissária é quando deixo parte da herança a alguém mas
esse alguém fica com o encargo de ficar com a herança até ela se transferir a um terceiro).
Regime está pensado para a separação ser absoluta e completa, o que não impede que, nas
relações entre os cônjuges se estabeleçam relações de compropriedade – por natureza,
diferente do património comum. como vimos, no património comum, tenho direito à metade
(expresso no art.1730º/1), enquanto na compropriedade isso não sucede necessariamente:
posso ser comproprietário de um determinado bem numa proporção diferente de 50/50.
Os requisitos subjetivos e objetivos vêm elencados no art.1782º CC. No entanto, não podemos
basear-nos neste artigo para delimitar a definição de separação de facto, porque para este
releva os casos de divórcio (separação há mais de um ano).
A separação de facto inclui os casos em que o casal se separa temporariamente ou não, não há
o desencadear de nenhum mecanismo jurídico por parte do casal para dissolver o matrimónio.
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Tem efeitos ao nível do regime de bens do casal. Não há alterações do ponto de vista dos deveres
pessoais dos cônjuges.
Art.1767º
A doutrina aponta para a existência de 3 requisitos: perigo de perda, perigo de perda de bens
comuns ou de bens próprios, perigo decorrente da má administração de um dos cônjuges.
Art.1768º
Princípio da judicialidade.
Art.1770º
Art.1771º
Crise matrimonial séria que cessa os efeitos patrimoniais entre o casal. Discute-se na doutrina
quais os deveres entre o casal: a Prof. Margaria Silva Pereira diz que apenas subsiste a obrigação
de alimentos. Há outros autores que defendem que se mantêm os deveres de cooperação, de
respeito e de fidelidade.
As doações com vista à celebração do casamento podem ter de vir a ser restituídas ou podem
reverter os bens para os filhos do casal.
Como pode cessar? Pela conciliação ou pelo divórcio. Ainda assim, há casos em que os cônjuges
permanecem indefinidamente nesta situação, até um deles falecer.
Art.1795º - Reconciliação
A reconciliação, para produzir efeitos jurídicos, não pode ser tácita. Têm de voltar à conservatória
ou ao tribunal para pôr termo a este estado dos cônjuges.
Nota: Segundo o art.496º, o cônjuge não tem direito a indemnização por danos neste regime.
Mantém-se nos outros dois regimes.
Art.1794º
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Art.1781º
d) válvula de escape para os casos em que os cônjuges se queiram separar ou divorciar com
fundamento em nenhum dos casos anteriores. Este preceito é tido como ultima ratio e analisado
casuisticamente. Conceitos indeterminados que necessitam de densificação.
15. Divórcio
No caso de morte de um dos cônjuges, é conferida alguma proteção ao cônjuge que sobrevive
(incluindo a aplicação do art.496º).
(esta parte da aula ficou super incompleta, não tenho capacidade para ouvir a professora com
atenção).
Na última aula, vimos que o divórcio por mútuo consentimento dispensa a intervenção do
tribunal. É um processo mais célere e basta os cônjuges se dirigirem à conservatória. Esta figura
do divórcio por mútuo consentimento encontra-se nos arts. 1775º e seguintes do CC. O divórcio
não se pode fazer sem haver acordo das partes em relação aos aspetos do art.1775º. Remissão
do art.1775º/1/a) para o art.1790º CC (partilha). A partilha destina-se a pôr fim às relações
patrimoniais entre os cônjuges. Este artigo aplica-se aos casamentos com regime geral de bens e
com convenções antenupciais.
Críticas: questão da intromissão que o legislador faz na esfera privada do casal. Prof. MSP diz que
este artigo viola o art.1671º CC, em que o casal combina entre si a direção da vida familiar, em
que uma das partes pode querer compensar a outra pelo esforço que aquela faz em prol da
família.
Art.2016º
Art.2016º-A/2
Este artigo diz-nos que se houver um conflito sobre a pensão do filho e a pensão de vida ao ex
cônjuge, prevalece a pensão do filho.
Art.2019º
Este artigo refere que cessa a obrigação alimentar quando o devedor não os possa prestar, por
motivos de equidade ou quando o credor já não necessite deles (voltou a casar, união de facto,
arranjou emprego). Não é razoável que o devedor continue a pagar pensão de alimentos se o
credor já refez a sua vida.
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Art. 1775º/1/d): remissão para os arts.1105º e 1793º CC
Quando um dos cônjuges não consente no divórcio, diz-se que o divórcio “convola-se”.
O juiz tenta sempre procurar um acordo. Se não houver acordo, decide o tribunal.
Art.1788º
No caso da dissolução por casamento por morte, há uma tutela do cônjuge que sobrevive que
não se verifica no divórcio. Remissão art.1688º.
Art.1789º
Qual a ratio legis? Não faz sentido a pessoa ter um novo estado civil sem transitar a sentença em
julgado. Em relação aos bens, se um dos cônjuges se endivida na pendencia da ação do divórcio,
não faz sentido que se proceda à partilha desses bens. Proteção de abusos de um cônjuge em
relação ao outro e do património depois da rutura do laço afetivo.
Ratio do nº3: a decisão tem de ser definitiva e deve estar publicitada para ser oponível a terceiros.
Tutela dos terceiros de boa-fé. Até aí as pessoas estão casadas.
17. Filiação
A palavra filiação remete de imediato para o termo “filhos”. A matéria que vamos estudar
corresponde à parte no CC que trata dos filhos biológicos.
A filiação é uma relação jurídica de parentesco que une os descendentes aos seus progenitores.
A filiação estabelece-se. O que vamos estudar é o estabelecimento da filiação, quer ao nível da
mãe, quer ao nível do pai. O estabelecimento da filiação tem como efeito declarar quem é a mãe
e o pai.
Estabelecimento da paternidade
Pode ser:
Estabelecimento de maternidade
Há duas vias:
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Declaração de maternidade;
Reconhecimento judicial.
No CC, regime geral do estabelecimento da filiação, regime especial para o estabelecimento da
maternidade e depois o regime especial para o estabelecimento da paternidade.
Princípio segundo o qual a mãe legal (que está no registo) corresponde à mãe natural. Já no caso
do pai, é através de reconhecimento.
Nos casos em que o filho nasce fora do casamento (ou não existindo casamento), não há
presunção, o que pode haver é reconhecimento voluntário (perfilhação) ou não voluntário
(reconhecimento judicial).
Art.1797º
A importância da filiação é de que todos os poderes e deveres funcionais apenas sejam exigidas
com o seu estabelecimento. Um pai só tem responsabilidades parentais nos casos em que existe
reconhecimento de paternidade em relação ao filho, sem prejuízo de efeitos retroativos de gastos
que a mãe teve até ao momento do estabelecimento da paternidade.
Art.1798º
Nem os médicos sabem, em bom rigor, o momento da conceção. O que há aqui é, em bom rigor,
uma ficção legal. O legislador não quer saber se é verdade ou não, ficciona uma conceção.
Art.1801º
Na prática, em muitos hospitais já existem salas com funcionários do registo civil para elaborar as
declarações de maternidade.
A averiguação oficiosa não é uma forma de reconhecimento da maternidade, poder dar lugar à
declaração ou ao reconhecimento judicial.
Se a mãe confirmar, há declaração. Se a mãe não confirmar, mas o tribunal achar que há indícios,
há reconhecimento judicial.
Art.1809º
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b) prazo extintivo, o que não impede que o filho intente uma ação de reconhecimento judicial
para saber quem é a mãe. Também não invalida que a pretensa mãe depois declare que é mãe
(declaração).
Art.1812º
Ratio: são matérias que mexem com a vida íntima das pessoas e o legislador, e bem, quer evitar
que haja intromissões na vida privada.
Art.1815º
Pensado na seguinte lógica: verificar se há registo; anular ou retificar o registo e só depois avançar
para tribunal.
Se o filho acha que não é aquela a sua mãe, mas é ela que está registada como sendo sua mãe, o
filho terá de impugnar o registo, o registo terá de ser declarado nulo e só depois pode pedir o
reconhecimento.
Art.1816º
É o filho que tem o ónus da prova. Esta prova faz-se através de presunções:
a) Quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pela pretensa mãe e reputado como
filho também pelo público;
b) Quando exista carta ou outro escrito no qual a pretensa mãe declare inequivocamente a sua
maternidade.
Art.1824º
Estabelecimento da paternidade
Art.1826º
Apesar das críticas, esta presunção facilita as coisas, porque, em bom rigor liberta muitas
questões. Não tenho de declarar a paternidade se for casado, é automática e presumível.
Art.1827º
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Isto é criticável nos casos de simulação – em princípio, não houve relações sexuais. Mas, a
presunção de paternidade mantém-se mesmo nestes casos.
Art.1828º
Art.1829º
Art.1830º
Legislador considera que há casos em que a presunção de paternidade cessa. Pensada para os
casos em que há a celebração de um contrato de casamento (há quem entenda que se estende
para as uniões de facto, mas é um entendimento minoritário). A presunção reinicia nos termos
deste artigo se os cônjuges se conciliaram (ficaram separados judicialmente), se o ausente
regressa ou se há trânsito em julgado
Art.1831º
a) Casos em que os cônjuges estão em coabitação e é quase indiscutível que houve relações
sexuais;
b) Filho beneficiou da posse de Estado – filho é tratado, reputado como filho daquele “pai”.
Art.1832º
Nº1 – a declaração faz com que não exista presunção de paternidade. A mãe pode fazer esta
declaração unilateralmente.
Art.1834º
Art.1838º
Art.1839º
Nº 1 - Quem tem legitimidade para impugnar a paternidade? O marido da mãe, pela mãe, pelo
filho ou pelo MP.
E o verdadeiro pai? Também, mas pela via do MP que é quem processualmente tem essa
legitimidade. Questões de proteção da família.
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Art.1840º
Há certos casos em que a presunção se mantém, mesmo que o filho tenha sido concebido antes
do matrimónio (180 dias após a conceção).
Art.1841º
2. Reconhecimento
a) Voluntário – perfilhação
Arts.1849º e seguintes
O ato de perfilhação pressupõe que o filho daquele pai tenha sido concebido fora da constância
do matrimónio, com alguém casado ou não casado. O pai não beneficia da presunção e pode
perfilhar o filho.
Art.1854º
Pode-se perfilhar nascituro ou alguém que já morreu. Comporta certos efeitos hereditários.
Art.1857º
Nº4 – silêncio não vale como meio declarativo, a não ser que a lei o diga (art.218º). Este é um dos
casos.
Art.1858º
Art.1859º
O próprio perfilhado que deu consentimento pode impugnar a perfilhação, credores ou MP.
A mãe menor tem legitimidade para intentar a ação em representação do filho menor.
Art.1871º
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Da mesma forma que temos no art.1816º/2 uma presunção de maternidade, temos uma
presunção no art.1871º que não se confunde com a presunção do art.1826º. A presunção do
art.1871º apenas têm relevo probatório na ação de investigação.
d) caso entre o pretenso pai e a mãe menor: o pai seduz a mãe menor durante o período legal de
conceção presume-se que é pai (sedução simples) ou o pai obtém o consentimento para ter
relações sexuais através da promessa que vai casar com ela (sedução qualificada).
O termo “poder paternal” foi abolido, porque esta expressão remetia para o uso de autoridade,
de poder, e não é a isso que nos referimos.
“questões de particular importância” – coisas muito importantes, que podem acarretar situações
irreversíveis para a criança e que têm impacto no desenvolvimento físico e psicológico da criança.
Exemplos: cirurgias, educação, religião, área que escolhe seguir no secundário.
“atos da vida corrente” – coisas de menos importância, que não acarretam situações irreversíveis
e não constituem situações de especial perigo. Exemplo: vestuário, alimentação, etc.
Arts.1877º e seguintes
Surgem como um meio do suprimento da capacidade dos menores de 18 anos. Os pais agem por
conta e no interesse dos filhos. Poderes-deveres que assumem durante este período – segurança,
sustento, guarda, direção da educação.
O seu exercício dá-se ainda durante a gravidez, não sendo necessário que a criança tenha nascido.
16 anos - A lei considera que o menor já tem autonomia para tomar determinadas decisões.
Art.1880º - as pessoas ficam cada vez mais tempo em casa dos pais, o legislador tem consciência
dessa situação. Até aos 25 anos de idade pode ser pedida uma pensão de alimentos.
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Art.1882º - Os pais são titulares das responsabilidades parentais por inerência. Art.35º e 36º da
CRP. Situação jurídica irrenunciável. Caráter estatutário, à semelhança das restantes relações
jurídicas familiares. Típicas, intransmissíveis, oponíveis erga omnes.
Regra: pais podem administrar os bens dos filhos. Exceções: art.1888º e art.1899º.
Art.1910º e 1911º.
Têm cada vez mais relevo, em detrimento dos casamentos. É um modo de estabelecimento de
família, nos termos do art.36º da CRP. também se fala aqui do art.26º, as pessoas dentro da sua
autonomia têm o direito de constituir família em união de facto.
Está regulado na Lei 7/2001. Este diploma foi sofrendo sucessivas alterações (casais
homossexuais, união de facto com menos ou mais de 2 anos).
Art.1º/2 – definição.
Embora a lei não preveja explicitamente, ela é protegida se for uma união de facto exclusiva – as
duas pessoas que vivem juntas são exclusivos um do outro. Coloca-se a questão de saber se as
pessoas casadas, mas separadas podem estabelecer se podem usufruir deste regime. A doutrina
e a jurisprudência dividem-se quanto a este ponto. A união de facto é uma situação composta
por modo livre, informal, não há negócios jurídicos celebrados formalmente nem um registo.
Art.2º - Exceções
A união de facto não estabelece nenhum regime de bens (nem separação de bens!). No entanto,
podem ser comproprietários de bens, em caso de separação procede-se à divisão. Em relação aos
créditos, aplica-se o regime geral do Direito das Obrigações. Não são herdeiros um do outro.
Coloca-se a questão de saber se não se deve proteger terceiros de boa-fé que pensam que um
casal em união de facto é casado. Alguma doutrina defenda a aplicação analógica do art.1691º/d)
e art.1695º. A Prof. Margarida Silva Pereira refuta esta opção.
Art.3º/e) – Aplica-se às situações em que um dos unidos de facto morre, para evitar que o que
sobrevive fique sem proteção.
Os unidos de facto são para-familiares um do outro. Esta é uma construção jurídica. Prof. DLC
defende que não são família.
Lei nº 6/2001
Podemos encaixar aqui família afastada, amigos, relações poligâmicas, divorciados que vivem na
mesma casa, etc.
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A diferença para a união de facto é que na primeira temos a comunhão de mesa, leito e habitação
e na segunda não encontramos a comunhão de leito.
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