AraciFariasSilva Tese
AraciFariasSilva Tese
AraciFariasSilva Tese
JOÃO PESSOA
2020
ARACI FARIAS SILVA
JOÃO PESSOA
2020
Para todas as mulheres das periferias do Brasil, em especial as
representantes da Associação de Mulheres do Porto do Capim,
que de forma coletiva lutaram e lutam cotidianamente para
garantir a reprodução digna da sua vida e das suas famílias.
Sua luta e resistência associativa são hoje formas concretas e
ficasses de combate à invisibilidade e à segregação, que o
planejamento urbano neoliberal impõe às famílias de mulheres
trabalhadoras e de baixa renda, em grande parte das cidades
de América Latina e do Caribe.
AGRADECIMENTOS
Em momentos como esse, nos que vivemos uma crise global sanitária, ambiental,
política e econômica (Pandemia COVID-19), observamos que “o humano” continua sendo
o objeto de pesquisa central dos afazeres acadêmicos geográficos, direta ou
transversalmente. As lutas contra o necrocapital1, como define Ricardo Antunes o capital
“endêmico, pandêmico e pestilento”, em defesa da vida comparecem com força em todos
os cantos do planeta, mostrando ao mundo que a luta de classe continua tensionando os
conflitos globais e locais, hoje mais do que nunca com rebatimentos ambientais a escala
planetária. Quem faz da sua vida uma experiencia concreta de resistência à dominação
e controle político, económico, social, cultural e ambiental do capitalismo liberal e
patriarcal deste primeiro terço do século XXI, e constrói instrumentos de combate à
tendência destrutiva hegemónica da acumulação de capital e sua reprodução, são, não
apenas exemplos a seguir, mas também alvo dos nossos interesses de análise.
Agradeço aos membros da banca, nas pessoas das professoras: Regina Célia
Gonçalves, Laura Pallarés Ameneiro, Martha Priscila Bezerra, Doralice Sátyro e dos
professores: Rafael Pádua, Alexandre Sabino, Xose Manoel Santos Solla e a
Emanuel Oliveira Braga, por aceitarem participar e avaliar o estudo proposto colocando
seu tempo e seus conhecimentos ampliados a disposição da ciência, em especial nesse
momento do ressurgimento da negação dos conhecimentos científicos.
O nosso agradecimento vai direcionado a essas mulheres e homens em luta,
sujeitos da nossa pesquisa, particularmente às representantes a Associação de Mulheres
do Porto do Capim em João Pessoa, Paraíba: as senhoras: Maria Aparecida França
(Cida), Cláudia, Maria da Penha Nascimento, Maria da Penha Silva, Odaci Oliveira,
Odenice Oliveira, Giselda Holanda, Regina, Roseane Mendes, Wilma do Nascimento,
Adriana Lima, Verônica Lima, além das jovens Rossana e Rayssa Holanda.
Aos jovens moradores do Porto o Capim, componentes do Coletivo Garças do
Sanhuá, dirigidos pelas irmãs Rossana e Rayssa Holanda que formam cidadãos no Ponto
1Usamos este termo, para enfatizar as ações danosas do capital na busca de sua ampliação,
consumindo tudo, inclusive a vida humana.
de Cultura Comunitário. São jovens com força e esperança, do verbo esperançar, que
vão atrás, se levantam e se transformam em senhoras e senhores das suas vidas.
Agradecemos a todas as matriarcas do Porto, que como Dona Maria Diogo da
Silva, Dona China, com 78 anos de idade, são a memória viva das mudanças da vida e
das transformações da paisagem do Porto desde meados do século XX. Agradecemos a
participação nesta pesquisa as mulheres que se fizeram responsáveis pelas suas famílias
e originaram os assentamentos que hoje dão vida e identidade ao Porto do Capim, como:
Dona Lúcia de Fátima, Dona penha Mateus, Dona Ednalva Gomes dos Santos, Dona
Odaci de Oliveira, Dona Geraldina Pereira da Silva, Dona Fátima da Silva Santos, Dona
Lurdes, Dona Regina (Da Penha), Dona Fátima Melo da Silva, Dona Maria da Penha de
Souza e Dona Suely Tabajara.
Aos parceiros da comunidade, participantes de projetos de extensão e pesquisa
na área, representantes de instituições públicas de ensino na forma de assessoria técnica
na defesa da permanecia na área das famílias de moradores. Especialmente,
agradecemos à Professora Regina Célia e todos os membros do grupo que compõe a
Fundação Casa de Cultura Companhia da Terra.
Agradecemos também, a participação nesta pesquisa do Grupo da Extensão
“PROBEXT/Cidades” da UFPB, sob a coordenação da Professora Elisabetta Romano;
ao Centro de Referência de Direitos Humanos da UFPB, especialmente ao Professor
Hugo Belarmino, que produziu o Relatório de Violações de Direitos Humanos, fonte
importante das nossas análises; à equipe técnica multidisciplinar da UFPB, responsável
pelo Informe Técnico da tradicionalidade da comunidade sob a coordenação do Professor
Fábio Mura; ao Grupo de Trabalho do IPHAN, que subsidiou todas as ações que vieram
a somar na luta pela permanecia da comunidade de moradores e moradoras do Porto do
Capim na sua área, nosso agradecimento especial é para Emanuel Braga e Helena
Tavares.
Todavia, somos gratos pela ação e participação na pesquisa do Ministério Público
Federal da Paraíba (MPF-PB), particularmente à Procuradoria Regional dos Direitos do
Cidadão, na pessoa do Dr. José Godoy Bezerra de Souza. O MPF além de ser fazer
presente na mediação dos conflitos na área, foi interlocutor direto de este trabalho de
Tese e fonte importante de documentação. Agradecemos, pelo mesmo empenho à
Defensoria Pública da União (DPU), especialmente à Dr. Diana Andrade e ao Dr. Edison
Júlio de Andrade Filho.
A todos os representantes do poder legislativo municipal e estadual que
colocaram o seu mandato ao serviço dos moradores e moradoras da periferia a cidade
de João Pessoa, garantindo o direito das famílias trabalhadoras de baixa renda à cidade
e a uma justiça social inclusiva: Vereadora Sandra Marrocos (PSB), Vereador Tibério
Limeira (PSB) e Vereador Marcos Henrique (PT). Agradecemos também, na Câmara dos
Deputados da Paraíba, à Deputada Cida Ramos (PSB) quem sempre se fez presente
junto à comunidade e foi solicita com as demandas desta pesquisa.
Aos parceiros, alunos e colegas de trabalho, profissionais da educação que
desenvolveram suas pesquisas na área, algumas sob minha orientação, todas elas com
retorno à comunidade: sou grata a Patrícia Assad, que desenvolveu o seu Trabalho de
Conclusão de Curso (TCC) e su Dissertação de Mestrado (DM) junto à Comunidade; a
Akene Shionara (TCC), a Iran Cabral (TCC), a Helena Tavares (DM), a Regina Célia
Nogueira (Tese de Doutorado), a Magno Erasto (Tese de Doutorado), a Flávio Boaventura
(Especialização em Assistência Técnica em Habitação e Direito a cidade), a Acácio
Lopes e a Hugo Belarmino.
Aos colegas que dispensaram horas valiosas na discussão sobre a área, como
Magno Erasto, Helena Tavares, Hugo Belarmino, Rossana Holanda, Amanda Marques,
Regina Célia Nogueira, Regina Célia Gonçalves, Acácio Lopes.
Aos companheiros do Centro de Estudos de Geografia do Trabalho, CEGeT, nas
Jornadas do Trabalho, realizadas anualmente, que somaram na discussão da pesquisa
na área do Porto do capim. Aos colegas da sessão do CEGeT na Paraíba, especialmente
pelas contribuições com a pesquisa nos nossos Seminários Internos anuais, que
contribuíram sobremaneira para conclusão deste trabalho. Sou grata ao Fabinho, Caio,
Rodrigo, Emmy, Lucas e Lu. Em especial a Katinha, por nossas conversas sobre a cidade
e sua produção espacial, pela nossa troca de “figurinhas”. A Ana Carolina pela ajuda nas
traduções, e a amiga Neilinha.
A orientadora e parceira de pesquisa, professora e amiga, María Franco García,
sempre me trazendo de volta aos trilhos, no caminho de uma pesquisa séria, acadêmica,
com dados oficiais, referenciais teórico-metodológicos sólidos e atuais, prezando pela
clareza na escrita. Propôs um mergulho na materialidade que compõe a vida da mulher
trabalhadora na periferia de um país periférico, no contexto de uma sociedade capitalista
bárbara. Grata a todos os momentos, que não foram poucos, toda paciência nas idas e
vindas na viagem da vida. Grata por me apresentar Heleieth Saffioti, Michelle Perrot,
Nancy Fraser e Judith Butler. Aos poucos fui descobrindo outras autoras e a(s) história(s)
das mulheres nas sociedades de classe, como Margareth Rago, Luzinete Simões, Mirla
Cisne, Hildete Pereira entre outras. Acima de tudo, grata por me dar instrumentos para
pensar, TAMBÉM desde a academia e dentro da potência que é a geografia e a ciência
social, um mundo onde as mulheres participem equitativamente de justiça social; pensar
nas lutas legítimas das mulheres contra estruturas de dominação e controle secular;
pensar a cidade como dimensão de reprodução/reforço de essa dominação ou como
espaço para a sua superação e, finalmente; pensar que a Geografia e nós geógrafos e
geógrafas temos alguma coisa a dizer sobre isso e devemos dizê-la.
Agradecer a minha família, minhas filhas Ester e Vitória pela força que me deram
nessa caminhada, entendendo generosamente minha ausência em muitos momentos.
Sou grata a minha filha Ester pelo aprendizado, pelo tempo que participou mais
ativamente das minhas atividades no Porto do Capim, pelas leituras feministas, com as
que me presenteio e pela elaboração de um videodocumentário sobre o Porto do Capim,
fonte documental desta Tese. A meus pais e irmãs pelo apoio e cuidado.
Aos meus netos que me ensinam o quanto valoroso é a troca de saberes,
construir, elaborar e transformar desejos em realidade, a partir de uma vida coletiva e
simples.
A família farias, meus tios irmãos, em especial tia Corrinha, tio Geraldinho e tia
Lourdinha, me ensinaram a caminhar na trilha da luta, olhando sempre para o lado,
estendendo as mãos a quem desejar nos acompanhar na caminhada. As minhas primas
e irmãs, por nossa ligação, simples assim “somos as netas das bruxas que não puderam
ser queimadas”.
Aos meus país, pelo simples ato de se doar.
Finalmente a minha companheira de caminhada, a minha esposa sempre
preocupada com minha pesquisa e meus conflitos na escrita, sempre disposta a me
ajudar nos campos, nas formatações, nas discussões. Aquela que cotidianamente me
impulsionava para frente, mesmo com toda resistência. Obrigada Ava por estar do meu
lado todo tempo, compreender minhas dificuldades.
A Graça que na reta final, veio somar nas correções e orientações, em conjunto
com professora María Franco.
Por todas as mulheres cuidadoras, realizam o trabalho exaustivo na garantia da
reprodução da família, e as que tem o cuidado como serviço produtivo. Pelas empregadas
domésticas e diaristas, mulheres essas com seu direito a vida negado em tempo de
pandemia.
Pelas mulheres na frente dos cuidados com a saúde coletiva. Mulheres
trabalhadoras de saúde (médicas, enfermeiras, fisioterapeutas, nutricionistas,
seguranças dentre outras) que lidam diretamente contra o lado mais duro e perverso que
a pandemia do COVID-19 mostrou ao mundo, nos hospitais, com os doentes, suas
famílias e mesmo com falecidos.
Agradecer, por fim, pela lição de resistência e solidariedade cotidiana dada pelas
trabalhadoras da economia informal deste país. Especialmente, as moradoras do Porto
do Capim, precarizadas em bicos e serviços informais estão hoje seriamente afetadas
pelas restrições de circulação e redução do contato social, o que impacta de modo direto
nelas, colocando em risco o acesso ao sustento próprio e de suas famílias.
“Do rio que tudo arrasta se diz que é
violento. Mas ninguém diz violentas as
margens que o comprimem”
(Bertolt Brecht).
RESUMO
A tese intitulada “Espaço urbano e gênero: resistência e luta das mulheres do Porto do
Capim em João Pessoa, Paraíba”, tem como objetivo analisar o conflito pelo uso do solo
urbano no Centro Histórico da cidade de João Pessoa. Os protagonistas diretos do
conflito são a Prefeitura Municipal de João Pessoa (PMJP) e as famílias moradoras da
Comunidade do Porto do Capim (que compreende espacialmente as áreas Vila Nassau,
Praça XV de Novembro, Porto do Capim e Frei Vital). O conflito iniciou-se na década de
1980, quando se cogitou, por primeira vez, a possibilidade de remoção das famílias
moradoras da área. Em 2010 a PMJP inicia uma nova fase de planejamento urbano para
a área, visado a construção de um polo econômico, cultural, histórico e artístico que
ampliasse os atrativos turísticos da cidade. A ameaça de remoção instalou-se novamente
sobre as famílias moradoras do Porto do Capim, todavia nesse momento iniciou-se um
processo de mobilização coletiva e luta organizada contra a proposta de planejamento
excludente da entidade municipal.
O processo de resistência à remoção tem envolvido durante os últimos 10 anos diferentes
parceiros, projetos de modificação do uso solo, propostas de planejamento urbano e
ações concretas. Todavia, em 2020 o conflito continua vigente.
Constatamos, durante nosso trabalho de tese, que o caminho trilhado pela comunidade
desde o início do conflito pelo uso do solo na área foi, inicialmente, o da organização e
luta pelo reconhecimento do seu direito à permanência no território. A resistência, ainda
que coletiva, foi protagonizada, desde o início do conflito, amplamente pelas mulheres da
comunidade. Elas se transformaram em representantes do interesse das famílias
moradoras e criaram a Associação de Mulheres do Porto do Capim (AMPC), que as
identifica como sujeitos políticos na disputa pelo uso do solo no Centro Histórico de João
Pessoa. A AMPC tem lutado e organizado à comunidade na procura do desenvolvimento
de uma forma de planejamento urbano inclusivo, próprio de um modelo de cidade
democrática, onde os espaços são planejados seguindo a lógica do seu valor de uso,
defendendo a plena redistribuição dos serviços urbanos, na busca de justiça espacial e
acesso pleno ao direito à cidade.
Defendemos, por tanto, neste trabalho que o fenômeno de generificação da luta por
moradia e/ou habitação, sinaliza a centralidade das mulheres na reprodução social da
força de trabalho e na preservação dos seus territórios de vida.
La tesis doctoral nombrada “Espacio urbano y género: resistencia y lucha de las mujeres
de Porto del Capim en João Pessoa, Paraíba”, analiza el conflicto por el uso del suelo
urbano en el Centro Histórico de la ciudad de João Pessoa. Los protagonistas del conflicto
son el Ayuntamiento Municipal de João Pessoa (PMJP) y las famílias que viven en la
Comunidad de Porto del Capim (que comprende espacialmente las áreas Vila Nassau,
Plaza XV de Noviembro, Porto del Capim y Frey Vital). El conflicto se inició en la década
de 80, cuando se consideró, por primera vez, la posibilidad del despeje de las familias
que viven en el área. En el 2010, la PMJP inicia una nueva fase de planificación urbana
para el área, tras el planteamiento a la construcción de un sector económico, cultural,
histórico y artístico que ampliara los atractivos turísticos de la ciudad. La amenaza de
despeje, trajo una vez más la inseguridad e incertitumbre a las familias que viven en Porto
del Capim. Sim embargo, tras este sentimiento se inicia un proceso de mobilización
colectiva y lucha organizada contra la propuesta de planificación excluyente de la entidad
local.
El proceso de resistencia al despeje involucra, a lo largo de los 10 años, diferentes socios,
proyectos de modificación del uso del suelo, propuestas de planificación urbana y
acciones concretas. Aún, en el 2020, el conflicto continua vigorante. Vimos, a lo largo del
trabajo doctoral, que el camino que sigue la comunidad desde el inicio del conflicto por el
uso del suelo en el área fue, inicialmente, por la organización y lucha por el
reconocimiento de su derecho a vivir en el territorio. La resistencia, aún que colectiva, fue
protagonizada, desde el inicio del conflicto, de forma amplia, por las mujeres de la
comunidad. Ellas se volvieron en representantes de los intereses familiares de los que
allí vivían y crearon la Asociación de Mujeres de Porto del Capim (AMPC), que las
identifica como sujetos políticos a la disputa por el uso del suelo en el Centro Histórico
de João Pessoa. La AMPC lucha y organiza la comunidad a la búsqueda por el desarrollo
de forma que la planificación urbana sea inclusiva y adecuada a un modelo de ciudad
democrática, donde los espacios son planificados a la lógica del valor de uso, y
argumenta a favor de la íntegra redistribución de los servicios urbanos, a la búsqueda por
justicia espacial y acceso íntegro al derecho a la ciudad. Proponemos, en esta tesis, que
el fenómeno de generificación de la lucha por la vivienda señala la centralidad de las
mujeres en la reproducción social de la fuerza de trabajo y en la preservación de sus
territorios de vida.
Palabras-clave: Porto del Capim; Planificación urbana; Conflicto por el uso del suelo;
Mujeres.
ABSTRACT
The thesis entitled “Urban space and gender: resistance and struggle of women from
Porto do Capim in João Pessoa, Paraíba”, aims at analyzing the conflict over the use of
urban land in the Historic Center of João Pessoa, a city in the state of Paraíba, in the
Northeast of Brazil. The protagonists of the conflict are the Municipality of João Pessoa
(Prefeitura Municipal de João Pessoa - PMJPA) and the families living in the Porto do
Capim Community (which encompasses the areas of Vila Nassau, Praça XV de
Novembro, Porto do Capim and Frei Vital).The conflict began in the 1980s when, for the
first time, the possibility of removing families living in the area was considered. In 2010,
PMJP started a new phase of urban planning for the area, aiming at the construction of
an economic, cultural, historical and artistic pole that would expand the tourist attractions
of the city of João Pessoa. Thus, threat of eviction had been installed over the families
living in Porto do Capim. However, at that moment, a process of collective mobilization
and organized struggle against the exclusive planning proposal of the municipal entity
began. This way, the process of resistance against the removal has involved, over the
past 10 years, different partners, land use modification projects, urban planning proposals
and concrete actions. In 2020 the conflict still remains. We have found out, during our
thesis work, that the strategy used by the community since the beginning of the conflict
was that of organization and struggle for the recognition of its rights to remain in the
territory. Even though resistance was collective, it has largely been carried out, since the
beginning of the conflict, by women in the community. They became representatives of
the interest of the resident families and created the Women's Association of Porto do
Capim (AMPC) which identifies them as political subjects in the dispute over land use in
the Historic Center of João Pessoa. As a result, AMPC has been fighting and has
organized the community in search for a form of inclusive urban planning and proper
model of democratic city where spaces are planned following the idea of use value,
defending a total redistribution of urban services, in the search for spatial justice and full
access to the right of being part of the city. We state, therefore, in this work that the
phenomenon of generification of the struggle for housing shows the centrality of women
in the social reproduction of workforce and in the preservation of their territories of life.
Keywords: Porto do Capim; Urban planning; Conflict over land use; Women
Keywords: Porto do Capim; Urban planning; Conflict over land use; Woman.
LISTA DE FIGURAS
APRESENTAÇÃO
A minha relação com a comunidade do Porto do Capim data dos anos 1990. O
primeiro contato deu-se a partir da minha participação no movimento da igreja católica.
Fazíamos visitas em comunidades periféricas da cidade e eu fiquei no grupo que
acompanhava essa comunidade.
No ano de 1996 me afastei das atividades da igreja e, com isso do Porto do Capim.
Após 10 anos, em 2006, ingressei no Departamento de Geociências da UFPB e retomei
o contato com os moradores e moradoras da área. Desta vez, já afastada da igreja, minha
volta tinha que ver com a elaboração de uma série de mapas temáticos que viriam auxiliar
a minha colega Lúcia Araújo, na sua pesquisa de mestrado, defendida sob a título de:
“AS TRANSFORMAÇÕES NA PAISAGEM DO PORTO DO CAPIM: leituras de uma
paisagem urbana”.
O trabalho de mapeamento me permitiu percorrer novamente as ruas da
comunidade, revendo antigos conhecidos e conhecendo novos moradores. Naquele
momento o que me chamou a atenção foram as contínuas reclamações sobre a ameaça
de remoção a que estavam expostos, e a intranquilidade que se respirava. Foi nesse
momento que decidi direcionar minhas atividades acadêmicas de extensão e orientação
de graduandos do Curso de Geografia da UFPB para o Porto do Capim e sua questão
urbana. Três anos depois, em 2009, elaborei um projeto de doutorado e o submeti ao
Programa de Doutorado Interinstitucional (DINTER). A proposta de tese abordava a
questão patrimonial do Centro Histórico, dando ênfase a importância da comunidade do
Porto do Capim na produção de bens imateriais na poligonal do Centro Histórico. Esse
ingresso no DINTER permitiu-me que durante os anos de 2010 e 2011 minha
aproximação à comunidade fosse cada vez maior, procurando participar ativamente das
tensiones e preocupações dos moradores frente ao projeto de requalificação do uso da
área e a sua remoção involuntária 2 . A grande questão para a comunidade naquele
momento era ter acesso às informações sobre o processo que planejava o novo uso do
solo, já que nesse debate a comunidade estava sendo omitida. A participação da
2O termo remoção involuntária é utilizado para indicar a ação que a Prefeitura Municipal de João Pessoa
(PMJP) quis impingir ao moradores do Porto sem sua aceitação.
26
novas mudanças de uso e ocupação do solo, que atendem tanto aos interesses de
políticas locais como globais.
As diretrizes escolhidas para analisar objetivamente o processo de luta e
resistência da comunidade do Porto do Capim, contra o projeto impositivo de
REVITALIZAÇÃO que pode vir a resultar na remoção involuntária da comunidade do
Porto, é o materialismo histórico-dialético. Para isso, nos valemos da teoria do valor (que
estabelece a relação entre o valor de uso e o valor de troca) para entender a produção
do espaço na cidade, levantando as contradições inerentes ao sistema capitalista nesse
recorte territorial. Contudo, o conflito pelo uso do solo no Porto do Capim nasce vinculado
uma série de políticas de valorização dos bem históricos, da renovação urbana, da
recuperação das cidades e sítios urbanos de interesse histórico-cultural, com novos usos.
Essas ações são produto de um planejamento urbano que enfatiza os valores
arquitetônicos da cidade-monumento em detrimento de outros usos, entre eles a moradia
popular.
Como apontamos inicialmente, o percurso metodológico utilizado neste capítulo
tem como suporte a teoria urbanística crítica3, baseada nas contradições oriundas do
capital pós-industrial em países periféricos no início do século XXI. Com populações
predominantemente urbanas, no Brasil especificamente, revela-se central o papel que o
poder público, como mediador e facilitador dos interesses do capital privado, exerce na
produção do urbano. A classe trabalhadora, informalizada, precarizada, uberizada e
desprovida historicamente de poder econômico é, geralmente, invisível ao Estado. Seu
protagonismo na reprodução social é desconsiderado, assim como suas práticas e
necessidades socioespaciais. Na cidade, homens e mulheres trabalhadores/as são,
antes de qualquer coisa, a força de trabalho necessária para garantir produção,
circulação e consumo de todo e qualquer tipo de mercadoria. Não são necessariamente
cidadãos e sim clientes/consumidores. Essa lógica urbana nos aproxima muito mais à
compreensão de cidade-empresa, de natureza mercadológica que do cidade-obra,
enquanto expressão espacial da nossa sociabilidade.
A representatividade da comunidade do Porto no combate a mercantilização da
cidade, sob a égide da valorização do patrimônio material, ocorreu através da
necessário, por tanto, discutir seus problemas e sua natureza, na procura de constituir
mudanças, em uma reforma urbana, aparentemente comum.
Muito embora a expressão reforma urbana seja mais antiga do que isso […].
Aquilo que, antes dos anos de 1960 […] era chamado de reforma urbana, deveria,
mais apropriadamente, ser chamado de reforma urbanística, ao contrário do uso
corriqueiro do termo reforma, que nos leva a percepção de uma mudança
contestadora e revolucionária da ordem estabelecida, a reforma urbana desde
sua gênese nunca teve participação popular, se tratando de “intervenções
autoritárias de conteúdo antipopular, como a Reforma de Pereira Passos, no Rio
de Janeiro (1902-1906) (2011, p. 155).
4 Teve como ponto de partida o evento em 1963, na cidade de Petrópolis, e, mesmo com a demanda por
moradia, a repercussão foi insignificante diante do movimento da organização das “Ligas Camponesas”,
clamando por reforma agrária (SOUZA, 2011).
5 As políticas higienistas nasceram do movimento higienista, que por sua vez, chegava ao Brasil em
meados do século XIX e início do século XX. Mediante reapropriações e reinterpretações, um novo ideal
de saúde. Suas propostas residiam na defesa da Saúde Pública, na Educação, e no ensino de novos
hábitos. Ficou conhecido como “movimento higienista” (SOARES, 1990). Trazendo novos hábitos que
contribuiriam com o aperfeiçoamento da saúde individual e coletiva. No entanto existem outras análises do
movimento higienista, como podemos ver na publicação “Habitação e Vizinhança: limites da privacidade
no surgimento das metrópoles brasileiras”, ele trata como o movimento como movimento social, garantidor
dos interesses das classes dirigentes. O autor considera as narrativas e políticas higienistas reflexo do
pensamento das elites, com interesse de perseguir a população pobre em suas próprias habitações. As
populações pobres seriam: “Acusadas de atrasadas, inferiores e pestilentas, essas populações seriam
perseguidas na ocupação que faziam das ruas, mas sobretudo ficariam fustigadas em suas habitações”
(MARINS, 1998, p.133).
32
[...] nos últimos anos, cidades de diferentes países e de diversas regiões do Brasil
propuseram intervenções em seus centros antigos visando à reabilitação de seu
patrimônio cultural. Atente-se para o fato de que nos cinco últimos anos as
propostas são mais complexas e articulam projetos de transformação dos usos,
do valor do solo e das funções. Apesar de uma crescente visibilidade e suposta
valorização de áreas públicas e do patrimônio cultural em centros urbanos,
sobretudo a partir da década de 1990, muitos são os impasses, controvérsias e
conflitos permanecendo uma exponencial deterioração e segregação sócio-
espacial, especialmente nos casos brasileiros (2010, p. 69).
As áreas centrais das cidades, muitas delas centros históricos, como é o caso do
Porto do Capim, são os principais alvos dessa trama. O discurso da REVITALIZAÇÃO no
Centro Histórico de João Pessoa vem reforçar o processo de gentrificação6, como a única
forma possível de ordenar aquele espaço: banindo definitivamente os problemas
paisagísticos, causados, em tese, pela presença das comunidades ribeirinhas, tornando
a cidade "pacificada", "modelada", porém desigual e, cada vez mais, injusta (HARVEY,
2014).
Todos os esses termos (GENTRIFICAÇÃO, REVITALIZAÇÃO,
REQUALIFICAÇÃO) são estratégias de valorização de áreas degradadas, porém,
dotadas de patrimônio cultural. É criada uma nova função para aquele espaço,
estrategicamente ligada ao capitalismo global, via turismo, cultura, negócios, comércio e
residências.
O termo REVITALIZAÇÃO7 de áreas urbanas, foi o primeiro empregado no Brasil,
apesar de uma série de discussões do significado do termo, entre os profissionais da
área o termo REVITALIZAÇÃO claramente sugere uma conotação de exclusão dos usos
6 O conceito de gentrificação foi elaborado por Ruth Glass em 1964, quando a socióloga constatou lgumas
mudanças na dinâmica populacional em bairros londrinos. Ocorreu que imóveis de áreas centrais
degradadas e ocupadas pela classe trabalhadora, foram reabilitados, o que ocasionou a apropriação
dessas áreas renovadas por uma classe média que substituiu os moradores antigos. “O termo gentrification
tomou proporções mundiais e passou a caracterizar o processo de segregação socioespacial
desencadeado por reformas urbanas de reabilitação” (GONÇALVES, 2014, p. 157).
7 O processo de REVITALIZAÇÃO urbana está ligado à produção cultural das cidades, sendo fator
primordial de dinâmica urbana, atuando na transformação dos núcleos urbanos, na perspectiva de cidade-
empresa-cultura, fortalecido pela lógica do capital cultural, no contexto do planejamento estratégico voltado
para mercantilização da cidade, reforçado por políticas neoliberais (ARANTES; MARICATO; VAINER,
2013).
33
e de grupos sociais que ocupavam tais áreas antes da implantação dessa estratégia
(OLIVEIRA, 2002; ARANTES et al, 2013). Diante das controvérsias no interior do debate,
surgem termos análogos, como recuperação, reabilitação, renovação, requalificação e
gentrificação. As discussões sobre os termos empregados para as novas funções do
espaço da cidade, suas especificidades, ainda são fonte de dissenso entre os
profissionais envolvidos no planejamento e o estudo dos espaços urbanos (VARGAS,
2006; MOURA et al, 2006).
Os planos estratégicos mais atuais, em ações e projetos para os Centros
Históricos estão substituindo sistematicamente a REVITALIZAÇÃO por
REQUALIFICAÇÃO URBANA. Ao contrário da REVITALIZAÇÃO, o termo
REQUALIFICAÇÃO apresenta propostas inclusiva mesmo dando nova função do
espaço, nas bases da recuperação e valorização das origens e das verdadeiras
representações sociais. Humanizada e reforçando a resistência ao “sistema de exclusão
das cidades, e, ao mesmo tempo, reinventando identidades baseadas em produções
socioculturais locais” (SOTRATTI, 2015, p. 1).
A requalificação urbana tem como centralidade do seu discurso a tentativa de
inclusão da população marginalizada pelo poder público, a tentativa de estabelecer
inclusão social nos novos espaços projetados, agora valorizados, por novas funções
urbanas.
Seguindo as reflexões de Scocuglia os modelos criados para atender o capital e
suas agendas, reinventam os lugares, via ressureição simbólica de funções inexistentes
no espaço, como se colocasse uma nova roupa num morto, e ele fosse capaz de sair e
reviver suas práticas, para a autora:
[...] nos últimos anos, cidades de diferentes países e de diversas regiões do Brasil
propuseram intervenções em seus centros antigos visando à reabilitação de seu
patrimônio cultural. Atente-se para o fato de que nos cinco últimos anos as
propostas são mais complexas e articulam projetos de transformação dos usos,
do valor do solo e das funções. Apesar de uma crescente visibilidade e suposta
valorização de áreas públicas e do patrimônio cultural em centros urbanos,
sobretudo a partir da década de 1990, muitos são os impasses, controvérsias e
conflitos permanecendo uma exponencial deterioração e segregação sócio-
espacial, especialmente nos casos brasileiros (SCOCUGLIA, 2010, p. 69).
A classe trabalhadora [...] quer da cidade, num primeiro momento, o valor de uso.
Ela quer moradia e serviços públicos mais baratos e de melhor qualidade.
9 Diz respeito ao valor do solo urbano, contendo serviços e infraestrutura (benfeitorias) presentes nele.
10 Também chamado de ativo imobilizado, o capital fixo é o que não é consumido no decorrer do ciclo da
produção, a exemplo da casa e das infraestruturas. Disponível em:<
https://www.sunoresearch.com.br/artigos/capital-
fixo/#:~:text=Capital%20fixo%20%C3%A9%20o%20valor,do%20ciclo%20operacional%20e%20produtivo.
>. Acessado em: 18/07/2018.
11 Poligonal de tombamento, estadual e Federal, para área, além dos tombamentos específicos para
edificações; criação de marcos regulatórios urbanísticos, nos Planos Diretores de 1992 e de 2009,
contendo zonas diferenciadas de uso restrito.
36
A autora revela na cidade segregadora, que o espaço é disputado por duas lógicas
distintas (valor de uso X valor de troca), permitindo que a reprodução dos trabalhadores
fique em segundo plano (moradia, lazer), em detrimento da mercantilização dos espaços.
Projetos de mudança no uso do espaço, como o de “REVITALIZAÇÃO DO ANTIGO
PORTO DO CAPIM” seguem essa lógica.
A mercantilização do espaço público, a ausência de políticas públicas de
habitação, a apropriação de áreas com infraestrutura realizada com recursos públicos
pelo capital privado, faz com que a classe trabalhadora, se reproduza em espaços
abandonados das cidades, destituídos de infraestrutura e sem serviços essenciais. Os
solos urbanos de pouco, ou nenhum, valor econômico, os vales de rios, as franjas
urbanas, as vertentes de morros, as pontas de ruas, são ocupados por pessoas de baixa
renda, ou nenhuma. Essa é a realidade de grande parte das comunidades periféricas, e,
nesse mesmo contexto, foi que surgiu a comunidade do Porto do Capim, na margem
direita do rio Sanhauá.
O papel do Estado como regulador e produtor da cidade, teve sua origem na
sociedade moderna, e funciona como suporte ao capital, como preveniram Marx e Engel
“O Estado é se não um comitê para gerir os negócios comuns de toda classe burguesa”
(1999, p. 10). A afirmativa dos autores é confirmada nas ações do poder público, na
criação de normatização e regulação urbanística e órgãos que facilitam a reprodução
ampliada do capital na cidade. Assim, o processo de expansão urbana é resultado da
junção de novos recortes territoriais à cidade, compondo uma contínua dinâmica de
redefinição dos usos do solo, normatizado pelo poder do legislativo e executivo.
No caso do Porto do Capim, numa retrospectiva, temos que o poder público, na
escala municipal e estadual, desde 1971 elaborou o arcabouço legislativo, norteador dos
usos do Centro Histórico. A criação do Instituto de Patrimônio Histórico Artístico do
Estado da Paraíba (IPHAEP) em 1971 no papel, foi concretizada em 1974, por meio do
37
intensificação do uso e ocupação do solo e na qual o índice de aproveitamento único poderá ser
ultrapassado até o limite de 4,0, e nos termos da lei. Nas demais áreas da cidade de João Pessoa o índice
de aproveito único é igual a 1,0. Fonte: PD/JP.
15 As Zonas de Especiais de Preservação (ZEPs) são porções territoriais localizadas tanto nas áreas
urbanas como rurais, nas quais o interesse social de preservação, manutenção e recuperação de
características paisagísticas, ambientais, históricas e culturais, impõem normas especificas e diferenciadas
para o uso e ocupação do solo, abrangendo: I- O Centro Histórico da cidade. III os vales dos rios
Jaguaribe, Cuia, do Cabelo, Água Fria, Gramame, Sanhauá, Paraíba, Tambiá, Mandacaru, Timbó,
Paratibe, Aratu e Mussuré, na forma da Lei Federal e Estadua. (Plano Diretor de João Pessoa. Art. 39.
Disponível em:< http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-
content/uploads/2012/04/planodiretor2009.pdf>. Acessado em: 28/10/2017)
38
Os grupos sociais que vendem sua força de trabalho, moradores das periferias,
desenvolvem práticas socioespaciais de solidariedade, e têm a coletividade como
estratégia de luta e resistência. Na inexistência de políticas públicas que viabilizem
condições materiais à sua reprodução próximas a sua moradia, tais como creche, escola,
16Programas passaram a ter vinculação com agentes financeiros nacionais e internacionais, a exemplo do
BID.
40
17Na ségunda década do século XIX, o porto da capital Paraíba que se localizava no centro da cidade, foi
desativado e transferido para o municipio vizinho, Cabedelo”. Com o fim das atividades portuárias a área
se tornou espaço de moradia, porém sem assistência do poder público, na implementação de infraestrutura
básica.
41
Ora, a moradia vai além da habitação, eis que compõe os espaços coletivos,
praças, calçadas, o rio, a rua, os prédios tombados, o trapiche e o mangue, e, até áreas
além do continente, como as ilhas do estuário. Confinar todas essas práticas distantes
da natureza, sua relação com a vizinhança, o trabalho de pesca e/ou coleta dentro de um
apartamento, é uma medida desestruturadora e aterrorizante.
Para os moradores o ambiente natural, que circunscreve a comunidade,
paisagem, não é um atrativo contemplativo e bucólico a ser vendido, sua paisagem e
entorno, é espaço de reprodução e de cuidado. O cuidado compõe o valor de uso, em
detrimento do valor de troca. Para eles, proteger a natureza é se proteger. A simbiose
dos moradores com a natureza, garantiu, e garante, na ausência do Estado, na crise
econômica, o meio de se reproduzir. Retira do rio, e do mangue, a proteína necessária
ao corpo; coletada e/ou pescada, garante a sobrevivência, como relata uma das mulheres
moradoras e representante da AMPC:“ quando viemos aqui, minha mãe criava os filhos
com tudo que pegávamos do rio e do mangue, a vida não era fácil, mas nunca nenhum
filho passou fome, graças a Deus que nos deu esse rio” (Moradora A3, 2018).
As contradições presentes na lógica capitalista que usa o discurso da
sustentabilidade em suas agendas globais, desenvolvidas por agências multilaterais18
como a ONU, são apresentadas como solução aos problemas das cidades periféricas19,
A continuidade das políticas neoliberais nas cidades tem como alvo das ICES na
América Latina e Caribe, ordenando o espaço urbano, através da aplicação de Planos de
Ação. Esse modelo foi acolhido pela PMJP, que elaborou o seu “Plano de Ação” em 2014.
Nele constava o projeto de REVITALIZAÇÃO do Porto do Capim que implicava na
remoção dos moradores para outras áreas:
aos próprios Estados nacionais, submetidos por razões óbvias aos seus interesses” (MACHADO, 1999,
p.204).
20 Propositura desenvolvida pelo BID, para as cidades da América Latina e Caribe
44
A agenda estatal formal [...] é composta pelos problemas em que o poder público
já decidiu atuar e tomar ação para resolvê-los. A prioridade deste tipo de agenda
não necessariamente segue a priorização da agenda sistêmica, disparidade esta
que gera conflitos no sistema político. A prioridade de resposta para cada tema
depende de quatro fatores [...] (i) o tomador de decisão tem vínculos ou se
identifica com determinado grupo, (ii) o grupo de interesse possui recursos e sabe
como utilizá-los, (iii) posição econômica ou social estratégica, (iv) alguns atores
contam com um prestígio público (como médicos, advogados, por exemplo), o
que facilita o seu acesso aos tomadores de decisão. Estes quatro fatores
resultam em que grupos ou atores específicos recebam maior atenção dos
tomadores de decisão e formuladores de políticas públicas. [...], a composição da
agenda formal poderá variar por período, devido à priorização de temas antigos
ou à ação de líderes políticos, que possuem visibilidade na mídia e poder de
barganha com esses e outros tomadores de decisão (2017, p. 7-8).
Ações Executivas: São ações que possuem dentro de seu escopo intervenções
no espaço físico da cidade. Referem-se a obras de construções de qualquer
natureza, reparos, reassentamentos de populações, urbanizações e
reurbanizações, implantação de redes de infraestrutura urbana, aquisição de
equipamentos etc. Exigem mobilização de recursos próprios, de fontes
governamentais do Estado ou da União a fundo perdido e, ou
financiamentos bancários nacionais e internacionais. Ações Normativas e/ou
institucionais: São as ações concretizadas por meio de normas, leis, decretos,
planos de ação, planos operacionais, estudos específicos, projetos etc. Portanto,
dependem da decisão política do Executivo e, ou a aprovação pelo poder
Legislativo. Ações colaborativas e/ou compartilhadas: São ações implementadas
por meio de parcerias com o setor privado ou o terceiro setor ou, ainda,
cooperativas entre municípios, por meio de consórcios. Representam caminhos
alternativos à viabilização dos projetos e oportunidades de redução de gasto
público para os municípios (2014, p. 84)
O projeto que atinge o Porto do Capim segue as normativas das Ações Executivas:
a) obras de construção, como a “Praça de Eventos”; b) reassentamento de populações
e; c) remoção da comunidade ribeirinha. Foram disponibilizados recursos a fundo
perdido, além de financiamentos de agentes internacionais. O respaldo de normas,
contidas nos Planos Diretores, e criação de zonas especiais foram efetivados. Já as
parcerias público-privadas, só devem ocorrer a posterior implantação do projeto.
Segundo o poder público municipal o projeto deveria criar uma “dinâmica turística”
e resgatar a “vitalidade urbana perdida”, (PMJP, 2014, p. 98). Em mais de 20 anos da
primeira proposta até hoje (2020), só foram modificados dois elementos: a) a exclusão
das moradias, que constava na primeira proposta e b) a denominação de
46
22Estatuto da Cidade é a denominação oficial da lei 10.257 de 10 de julho de 2001, que regulamenta o
capítulo da "Política Urbana" na Constituição brasileira. Seus princípios básicos são o planejamento
participativa o e a função social da propriedade, para atender a esses princípios foram “sistematizados
vários instrumentos (administrativos, tributários, financeiros e jurídicos)” de uso do poder público e da
sociedade. Fonte: Constituição Federal. Art. 182 e 183. estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá
outras providências.
47
23 Subdivisões da Área Urbana da Cidade, delimitadas por lei e caracterizadas por sua função diferenciado.
Fonte: Plano Diretor de 1992, em seu Art. 7°. Para os fins desta lei são adotadas as seguintes definições:
Acessado pelo site: < http://www.joaopessoa.pb.gov.br/secretarias/seplan/plano-diretor/ >. Em: 30 outubro
2015.
24 I – Zonas Adensáveis Prioritárias; II – zonas adensáveis não prioritárias; III-Zonas Não Adensáveis; IV-
Zonas de Restrição Adicional; V- Zonas Especiais. O Art. 11. do Plano Diretor de João Pessoa, define como
ZAP aquela onde a disponibilidade de infraestrutura básica, a rede viária e o meio ambiente permitem a
intensificação do uso e ocupação do solo e na qual o índice de aproveitamento único poderá ser
ultrapassado até o limite de 4,0 pontos.
25As Franjas Urbanas/Rurais são o território onde o rural e o urbano se encontram, criando uma mistura
onde não existe o predomínio de um sobre o outro, de tecido e de relações. Foram caracterizadas como
“espaços plurifuncionais, nos quais coexistem características e usos do solo, tanto urbanos como rurais” e
geralmente há a “ausência de estrutura urbana* coerente que proporcione a unidade espacial,
submetidos a profundas transformações econômicas, sociais e físicas, com uma dinâmica estreitamente
vinculada à presença próxima de um núcleo urbano”, de acordo com Miranda (2009, p. 4) Grifo nosso.
48
26Art.6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição. Acessado pelo
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> 26/07/2016.
49
27Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social: [...]IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas
necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer,
vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder
aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim
[...].<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> 26/07/2016.
28 IX - Promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de
cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-
lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.
30 Cidade Utópica, inserida em uma sociedade capitalista, cujo lucro e a privatização é a lógica a ser
seguida.
31 O PAC foi um programa de iniciativa do Governo Federal, teve seu início em 2007, coordenado pelo
32No dia 31 de agosto de 2016, ocorreu um golpe de Estado, via legislativo, resultou no impeachment da
presidenta Dilma Rousseff. Freando as políticas inclusivas, reforçando as políticas neoliberais. Negação
de pautas identitárias e de minorias. Suspendendo a liberação dos recursos dos projetos das diversas
linhas de ações do PAC.
33A Iniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES) nasceu no BID em 2010 como um produto de
conhecimento, e se apresenta como uma resposta aos cidadãos da América Latina e Caribe (ALC) diante
dos enormes desafios de construir cidades melhores para se viver. Fonte: PMJP, 2014. Plano de Ação
João pessoa Sustentável.
51
34No dia 31 de agosto de 2016, ocorreu um golpe de Estado, via legislativo, resultou no impeachment da
presidenta Dilma Rousseff. Freando as políticas inclusivas, reforçando as políticas neoliberais. Negação
de pautas identitárias e de minorias.
35 As Franjas Urbanas/Rurais são o território onde o rural e o urbano se encontram, criando uma mistura
onde não existe o predomínio de um sobre o outro, de tecido e de relações. Foram caracterizadas como
“espaços plurifuncionais, nos quais coexistem características e usos do solo, tanto urbanos como rurais” e
geralmente há a “ausência de estrutura urbana* coerente que proporcione a unidade espacial, submetidos
a profundas transformações econômicas, sociais e físicas, com uma dinâmica estreitamente vinculada à
presença próxima de um núcleo urbano”, de acordo com Miranda (2009, p. 4) (Grifo do autor).
52
Diante dos esforços para silenciar a presença da mulher na história dos territórios
o seu resgate parece-nos importante e necessário. Nesta tese, partimos da concepção
de que a mulher na história participou de processos de contestação e resistência e não
apenas foi sujeito passivo de opressão. Se a história “oficial” só recentemente se
preocupou com o lado “feminino” do tempo, a história dos lugares e dos seus processos
estão longe de serem (re) escrita, porém outras geografias são possíveis.
Além de terem seus direitos cerceados, dentro da lógica patriarcal, também era
moeda de troca e transferência de poder entre homens, quiçá possibilidade de ascensão
social, em contrapartida a objetivação do corpo físico e político, como mostra Klapisch-
Zuber:
A liberdade e igualdade é o motivo da luta das mulheres, nada mais salutar que
reconhecer na história da Revolução Francesa o berço das lutas feministas, partilhando
a mesma busca por Liberdade, Igualdade e Fraternidade. As mulheres militantes tiveram
um papel importante nessas manifestações (motins populares 36 ), no movimento
revolucionário popular e nas suas marchas. A marcha à Versalhes ou como ficou
conhecida “a marcha das mulheres”, levou de volta a família real à Paris, em 1789, como
revela o trecho de Schmidt:
36 Muitas mulheres desesperadas pela fome que abatia sua família devido à escassez de alimentos
elaboraram motins populares, como por exemplo, na primavera de 1789 que um grupo de manifestantes
liderados por uma mulher grávida Marie-Jeane estimulou a invasão a manufatura Réveillon. Disponível
pelo site: <https://mundohistoria.com.br/idade-contemporanea/as-mulheres-na-revolucao-francesa/>
Acessado em: 02/05/2019.
56
O que une as mulheres na luta não é espaço geográfico, França, Inglaterra, Brasil,
Europa ou América Latina. O cimento é a participação sempre contundente na luta pela
defesa da vida, contra a fome, por territórios de representatividade, por moradia e por
reconhecimento.
Espaços de representatividade feminina eram raros, a feira era um deles, para
Morin (2009), as lojas e mercados de alimentos em Paris, do século XVIII, era exemplos
espaciais do poder das mulheres:
37 A “onda” feminista foi um momento histórico relevante de efervescência militante e/ou acadêmica, onde
determinadas pautas e questões das mulheres, se insurgiram e dominaram o debate. Foram enumeradas
quatro ondas feministas, a primeira onda datada da segunda metade do século XIX e no começo do século
XX, lutava pelo direito ao voto; a segunda onda, definida como “neofeminismo”, surge na metade da década
de 1960 e começo da década de 1970, lutava por múltiplas frentes, na exigência por igualdade, ciente da
impossibilidade de tê-la dentro do sistema patriarcal, contra os quatro pilares do capitalismo estatal, na
busca da ampliação do espaço público para as mulheres; a terceira onda do feminismo, natureza das
questões em disputa era de natureza políticas e, filosóficas identitária, resquícios da segunda onda, do
movimento negro. Seu surgimento se deu a partir dos anos 90, o mundo vivia mudanças profundas na sua
geopolítica, a queda do muro de Berlim, o fim da União Soviética e, das ditaduras que se instalaram em
parte significativa dos países periféricos da América Latina; A quarta e última onda “é tipicamente Latino-
Americana”, luta se faz no coletivo, enquanto corpo político, é individual nas questões especificas, com um
grau de complexidade nunca visto. Intersecciona questões de classe, étnico-raciais e, de liberdade sexual,
se fazendo premente uma interlocução “com os movimentos feministas em todos os continentes para trocar
experiências. Fonte: DOMINIQUE, 2009; FRANCHINI, 2017.
58
As histórias das mulheres só podem ser reveladas por meio da escrita das próprias
mulheres, em defesa de suas causas. As mulheres sem estudo não podiam existir na sua
integridade, reveladas por meio de suas histórias de vida, sua participação no espaço
60
39No México, em 1910, eclodiu a revolução Mexicana; em 1917, foi a vez da Revolução Russa, tendo no
meio, iniciada em 1914, a I Guerra Mundial” (MELO; THOMÉ, 2018, p. 47).
61
Apesar das mudanças não terem alcançado todos os países do mundo, tem-se
hoje que o lugar da mulher é “onde ela quiser”, slogan da persistência em busca de
autonomia e liberdade. Ou seja, o lugar da mulher é na revolução. O século de XX foi o
período das revoluções socialistas, e a participação e reconhecimento efetivos desse
gênero, tem um marco da luta feminista no dia oito (8) de março. Segundo registros
variados, durante a II Conferência Internacional de Mulheres Socialistas em 1910, que
reuniu mulheres de mais de 17 países, o 8 de março, se concretizou a luta pela obtenção
do direito feminino ao voto, em escala internacional. Nesse contexto, o “Dia da Mulher”
segundo Marcelino foi idealizado:
Como propriedade, cai sobre ela a ausência de direitos sociais, sem o poder de
tomar decisões. Castrada do seu saber ancestral, envolvida pela opressão, subjugada
por meio do casamento monogâmico, luta e resiste a se fazer sujeito político, com direitos
garantidos, para chegar à autonomia, mudando assim as correlações de forças na
sociedade. Para Matos e Gitahy:
À mulher, restou buscar o elo perdido, o seu poder social e territorial, e reconhece
no trabalho ontológico a ferramenta de empoderamento; no setor produtivo usa seu corpo
político, como forma de ser visibilizada, e valorar sua força de trabalho, e, a fim de
exterminar preconceitos e injustiças, luta por paridade nos trabalhos domésticos, e
reconhecimento via redistribuição no trabalho produtivo, denunciando a exploração do
capital.
No mundo globalizado, as mudanças exigidas pelo sistema de produção capitalista
levaram as civilizações contemporâneas a viverem contradições cotidianas, regidas pela
exploração do trabalhador, e acumulação ampliada do capital. A divisão sexual de direitos
e trabalhos - consequência de uma hierarquização social, põe o ônus da desvalorização
nos corpos femininos, que são apropriados pelo capital para sua ampliação, através de
estratégias de subalternização, seja nos espaços do campo, ou da cidade.
Porém a caça às bruxas foi uma estratégia de dominação e controle via terror
imposta as mulheres Europeias pobres, que vivam na mendicância pós perda das
terras comunais, as mais idosas eram as que mais sofriam Perrot (2007, p. 83).
Então, as mulheres lutaram por lugar no espaço público, para ser presença efetiva
na sociedade, e ter autonomia e controle sobre seus destinos. Os movimentos
reivindicatórios feministas, tiveram importantes pleitos, e o voto foi um deles, estava
presente na primeira onda feminista. A segunda reivindicação surge na Europa, onde
tinha suas bases, na determinação da liberdade e empatia da condição feminina, sempre
na busca de autonomia (ARAGÃO, 2018).
A segunda onda do feminismo surgiu no contexto de crítica eurocêntrica ao
capitalismo estatal, entendido como o estado de bem-estar social. As feministas deste
momento rejeitaram os quatro pilares do capitalismo estatal: economicismo,
androcentrismo, estatismo e estado de bem-estar social 40 . Segundo Fraser (2007) a
crítica das feministas da segunda onda ao capitalismo estatal, na da década de 1970,
abriu espaço ao espírito do novo capitalismo da década de 1980, reformas que
destruíram a rede de segurança social e previdência do governo, privatizações do
Estado, modelo de Estado mínimo. Políticas neoliberais adotadas pela Inglaterra e EUA,
sob a influência do Consenso de Washington, forçando a países periféricos devedores a
aplicá-las (CASTRO, 2010).
Na cidade, o controle espacial versus a liberdade de uso de transformação do
espaço, nos leva ao urbano e seus conflitos, suas possibilidades de requalificar usos e
suas limitações. Diante de uma cidade originada da perspectiva eurocêntrica, patriarcal
e machista, marcando por segmentação e fragmentação, o gênero tem seu lugar
40 Estado de bem estar, surgiu depois da segunda guerra mundial, implantada nos países de primeiro
mundo. E a síntese do capitalismo estatal em seus quatro pilares e a crítica das feministas, foram, na
sequência: (1) o economicismo - o poder público como regulador do mercado - que as feministas da
segunda onda criticavam: “não existem apenas injustiças econômicas, mas o pessoal também é político e
sujeito a relações de injustiça”; (2) androcentrismo - versava sobre as políticas salariais voltadas ao
trabalhador, e o salário do homem sustentaria toda família – que as feministas contrapunham “contra a
divisão de gênero do trabalho, exclusão da mulher do trabalho produtivo, espaço público, e a não
remuneração do trabalho reprodutivo no espaço doméstico, privado, reforçando o patriarcado pela
hegemonia masculina, reforçando a dependência e inferioridade feminina”; (3) o estatismo - visão
empresarial estatal do Estado, provedor de profissionais tecnocratas, que determinariam as políticas
públicas econômicas. Ao que reagiam as feministas, reivindicando uma outra forma de fazer política, com
base na contracultura, autonomia de ação política, diminuição da presença do Estado em organizações
sociais e privadas; por último o (4) Westphalianismo - a defesa da nação-Estado, fronteiras nacionais claras
que definiria um padrão de cidadania próprio, que, para as feministas da segunda onda, a justiça deveria
superar as fronteiras nacionais, porque uma justiça real, seria transnacional, e uma solidariedade feminina
internacional (FRASER, 2007; CASTRO 2010).
72
O espaço privado, o lugar da reprodução sempre foi o definido para elas por eles,
sua importância estava em segundo plano, seus conhecimentos marginalizados, suas
crenças abominadas, sendo considerada a causa de perseguições e mortes.
Todavia, desde a origem da humanidade até hoje, a ocupação do tempo, a
distribuição das atividades e sua distribuição na carga horária de trabalho efetivado
(produtivo e reprodutivo) é fator preponderante da atuação das mulheres no espaço
público.
Figura 2-Gráfico da proporção de ocupação em trabalho por tempo parcial na semana de referência,
por sexo
Classe, gênero e raça são dispositivos sociais que condicionam a participação nas
tarefas de reprodução social entre elas o trabalho doméstico. Para Medeiros e Pinheiro:
Figura 3-Os moradores e as moradoras se reúnem na entrada da comunidade, Praça XIX, contra a remoção
forçada
42 Balanço Preliminar das Economias da América Latina e do Caribe, elaborado pelo Observatório da
Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe da CEPAL, em 2015.
78
direitos, entre eles o reconhecimento como produtora de espaços - a partir das formas
alternativas de relações sociais forjadas no espaço, fora da lógica patriarcal, abrindo um
leque de possiblidades coletivas. Processo que objetiva melhoria na qualidade de vida
das populações de baixa renda, que sofrem a ausência de políticas públicas inclusivas.
A participação efetiva das mulheres na produção de espaços, por meio da
centralidade do trabalho, nas lutas e resistência contra o poder do capital impresso na
produção de mercadoria, seja na forma cidade, ou nos produtos dessa cidade, é possível
na efetivação do sujeito político, atuante em movimentos sociais, enquanto sujeito de
classes, “possuidora de força de trabalho”, entender as causas do conflito é visibilizar os
interesses, e poderes socioeconômicos do capital existentes e não revelados.
Com a luta global por direitos, as análises das reivindicações de mulheres por
justiça social ganharam fôlego, miraram nas políticas públicas como instrumento de
alcançá-la. Os pressupostos para chegar ao alvo da justiça social passam
peremptoriamente pela presença do trio: reconhecimento, redistribuição e
representatividade (R3), efetivação da democrática, no interior dos direitos humanos, em
nível global (FRASER, 2009).
Fraser (2009) nos leva a considerar, por meio de sua análise feminista de base
crítica, o caminho para chegar na justiça social, com a indissociabilidade do “R3”. Os
estudos feministas vão de encontro da realidade material, envolve as demandas das
mulheres em sua pluralidade, os efeitos do sistema socioeconômico, no qual vive, à
classe social a que pertence e, a relação com a feminização da pobreza.
Existe um tencionaram entre duas alternativas, as políticas focalizadas (locais),
defendidas por esse estudo em contraposição as políticas universalizantes (global). A
luta de classe e a luta por igualdade de direitos entre gêneros devem estar presentes na
idealização de políticas inclusivas aos pobres, como coloca Lavinas:
79
Mesmo a luta sendo global, embaladas pelas chamadas “nenhum direito a menos,
ninguém solta mão de ninguém”, a realidade local requer resoluções à suas
especificidades. Nos países periféricos, nas comunidades de baixa renda, a
representatividade e o reconhecimento são alavancas para redistribuição. Pois são as
mulheres mais pobres, que vivem em condições precárias na esfera da reprodução social
e na da produção econômica, as profundamente mais atingidas e exploradas. Já que
acumulam duplas e triplas jornadas de trabalho, quando em risco a garantia da
reprodução sua e da família vão as ruas reivindicarem seus direitos, políticas públicas
inclusivas, serviços de saúde, educação (PSF, Creches, Coleta de lixo) e moradia.
Também são elas as mais atingidas em períodos de crise econômica.
Reforçando a análise de Fraser (2009) a ausência ou a presença justiça social
depende da garantia do reconhecimento, da representatividade e da redistribuição. Já
que a autonomia econômica só é possível com a equidade redistributiva, com salários
iguais em quando se desempenha as mesmas atividades e; com políticas públicas de
Estado com transferência de renda, como as políticas focalizadas para a mulher que
prevaleceram a partir de 2003, em especial o Programa Bolsa Família (PBF)43 e/ou; pela
política de titularidade da habitação no nome das mulheres, em moradias derivadas de
políticas sociais, a exemplo do Programa Minha casa Minha Vida (PMCMV).
44 Primeira mulher a exercer o cargo de presidenta da república do Brasil, 1 º mandato de 2011 a 2014, 2º
mandato 2015 a 2016, quando sofreu um golpe parlamentar que a destituiu do cargo legitimamente eleita.
45 Os dados que se seguem foram disponibilizados pela ONU, no relatório de uma nova série de estudos
sobre planos de igualdade de gênero na América Latina e no Caribe, atualizados em março de 2017. A
estatística de gênero da América Latina e Caribe, elaborado pelo observatório de igualdade de gênero da
América latina e Caribe, na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL/ONU) e,
compondo os estudos referentes a posição da mulher na sociedade, abordam três linhas de análise sobre
a autonomia: econômica, na tomada de decisão e física, se inter-relacionam socialmente, sua composição
pode ou não chegar a autonomia em sua completude. Disponíveis na página das Nações Unidas Brasil.
Disponível pelo site:< https://nacoesunidas.org/cepal-desemprego-e-maior-entre-as-mulheres-na-america-
latina-e-caribe/>. Acessado em: abril de 2018.
81
46Os dados fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Trimestral (PNAD
Contínua) do quatro trimestre de 2018.
82
um passo adiante, os estudos e dados oficiais nos mostram que a exploração também
tem um viés gênero, pois atinge de forma desigual a homens e mulheres.
Apesar da grande luta e esforço das mulheres para entrar no mercado formal de
trabalho, é notória a grande desigualdade salarial e funcional entre homens e mulheres
(Figura 4). Os dados, relativos ao quarto trimestre de 2018 da PNAD contínua, mostram
que a disparidade entre os rendimentos médios mensais de homens (R$ 2.579) e
mulheres (R$ 2.050) ainda é de R$ 529, porém vale salientar que consideraram apenas
pessoas entre 25 e 49 anos. A menor diferença foi de R$ 471,10 em 2016, quando as
mulheres ganhavam 19,2% menos (IBGE/PNAD, 2019).
negra é de 1.427 reais, 44% do valor do homem branco (Figura 5) (IBGE/PNAD, 2019).
A pergunta é quem fica com a diferença?
.
Corrêa (2004) destaca como um dos motivos da não participação equânime das
mulheres no mercado de trabalho, em igual condição aos homens, deve-se a jornada de
trabalho, já que ela continua responsável pelas atividades do lar. O infográfico mostra
como o tempo é gasto pelas mulheres com atividades de cuidado.
Outro dado representativo sobre carga de trabalho na mulher brasileira é relativo
às mulheres que são “mães solas”, número que atinge um total de 14,6 milhões no país.
(IBGE/PNAD, 2019).
O excesso de trabalho e a ausência na casa geram a necessidade da presença
efetiva do Estado, por meio de políticas públicas garantidoras da reprodução das forças
reprodutivas, uma das políticas públicas mais importantes para dar suporte a mulher
84
As demandas são inúmeras, dentre elas, uma das mais importantes é ter local
seguro, acolhedor para deixar os filhos, no período do labor da mãe, já que são elas a se
responsabilizar pelos cuidados. Os dados mostram a ausência e/ou insuficiência dos
serviços e de políticas públicas ligadas ao cuidado, em especial creches e escolas
públicas.
Em 2017 com o aumento dos percentuais de demandas às escolas e creches, em
contraposição a diminuição do aporte de recursos para setor da educação, as famílias de
baixa renda buscam alternativas se solidariedade, entre vizinhos e familiares para
preencher a lacuna dos cuidados. Segundo a mesma pesquisa:
As cuidadoras dessas crianças, na maior parte das famílias são mulheres, tias,
avós, ou outras mulheres da rede de sociabilidade. Em alguns casos são remuneradas,
já que em grande parte das ocorrências o suporte é solidário.
Outro indicador importante para entender a experiencia concreta das mulheres
brasileiras nos territórios é o apresento em 2017 pelo Senado Federal. O painel de
violência contra a mulher do senado, mostrou o cenário da violência física, ao qual foram
vítimas homens e mulheres do estado da Paraíba (Figura 6).
85
Figura 7-Evolução da taxa de homicídios por 100 mil de mulheres no Brasil e nas três UFs com as maiores
taxas em 2017 (2007-2017)
e 2017, destaca-se ainda a taxa de homicídios de mulheres por arma de fogo dentro das
residências que aumentou em 29,8%. Este instituo mostra ainda que a taxa de homicídios
de mulheres negras é maior e cresce mais que a das mulheres não negras. Entre 2007
e 2017, a taxa para as negras cresceu 29,9%, enquanto a das não negras aumentou
1,6%. Com essa variação, a taxa de homicídios de mulheres negras chegou a 5,6 para
cada 100 mil, enquanto a de mulheres não negras terminou 2017 em 3,2 por 100 mil
(IPEA, 2019).
No Brasil, os dados relativos ao feminicídio aumentam assustadoramente nos
últimos anos, ao tempo que se reafirmam e celebram pautas morais de
ultraconservadoras no país, o aumento da pobreza feminina ou de mulheres pobres, o
incremento do desemprego urbano e rural e a exaltação do patriarcado e suas
assimetrias.
A violência contra a mulher no Brasil também é institucional. As recentes propostas
de modificação e reforma dos marcos regulatórios, norteadas pela política neoliberal,
atingem diretamente às mulheres. A PEC 287 48 , modifica a Constituição Federal,
normatiza parâmetros para aposentadoria, inviabilizando o direito garantido, desde 1941
pelo presidente Getúlio Vargas, das mulheres se aposentarem cinco anos antes dos
homens. Essa diferença positiva se configurava como uma forma de reconhecimento da
jornada de trabalho com os cuidados (não remunerados) desempenhado pelas mulheres.
Uma forma de colocar travas reais ao processo de construção justiça social é esse tipo
de medidas, que findam o reconhecimento de um direito. O Dieese, coloca:
Figura 8-Linha do tempo: Ações da comunidade e parceiros do Estado, desenvolvidas de 2012 a 2017
A Fundação Casa de Cultura Companhia da Terra é uma entidade civil, com prazo
de duração indeterminado, com personalidade jurídica de direito privado, sem fins
lucrativos, com autonomia administrativa, financeira e patrimonial e rege-se por um
Estatuto, por um Regimento Interno e pela Legislação Aplicável. A Fundação tem sede e
foro na cidade de João Pessoa, à Praça Antenor Navarro, nº 15, 1º Andar, bairro
Varadouro.
A participação da Fundação Casa de Cultura Companhia da Terra na defesa dos
direitos dos moradores do Porto tem como objetivos: a) difundir o gosto pela cultura
expressa pela arte, em todos os seus segmentos, tendo como finalidades:
(1) pautar a discussão sobre a democratização da cultura e da comunicação;
52 A CPCA foi criada em 2012. Era composta exclusivamente pelo gênero feminino.
96
O direito à cidade é, portanto, muito mais do que individual ou grupal aos recursos
que a cidade incorpora: é um direito de mudar e reinventar a cidade mais de
acordo com nossos mais profundos desejos. Além disso, é um direito mais
coletivo que individual, uma vez que reinventar a cidade depende inevitavelmente
do exercício de um poder coletivo sobre o processo de urbanização (HAVEY.
2014. p. 28.)
53 Evento realizado em 22 de maio de 2013, ocorreu durante a tarde e à noite. Organizado pela
comunidade, mobilizou vários sujeitos sociais, entidades, coletivos culturais do Centro Histórico, ex:
Coletivo Mundo; Fundação Casa de cultura Cia. Da Terra, representantes da comunidade acadêmica da
UFPB, da Universidade estadual da Paraíba, representantes legislativos. O evento contou com ações
múltiplas, O Post TV, cujo debate foi sobre a remoção dos moradores, o projeto de REVITALIZAÇÃO
proposto e a luta da comunidade para serem reconhecidos como tradicional ribeirinho, com direito a
permanência na área. Estiveram presentes na discussão, representante da Comissão Porto do Capim em
98
Ação (Rossana Holanda) que trouxe para discussão os problemas enfrentados pela comunidade, e a
possibilidade de uma remoção forçada da área, a professora Regina Célia Gonçalves (historiadora) com o
debate da importância do valor imaterial da comunidade para o patrimônio histórico, professora Elisabetta
Romano (arquiteta e urbanista) trouxe a discussão a possibilidade de projetos participativos para área, com
a inclusão dos moradores, a professora Araci Farias (geógrafa) abordou a questão da sustentabilidade
ambiental, e o papel dos moradores a preservação ambiental. A ação foi disponibilizada via internet,
contando com a participação de todos que tinham interesse no tema. O evento também objetivou, envolver
os moradores na discussão e nas atividades. Além do Postv, houve uma intensa programação cultural, com
apresentações do grupo cultural do Porto e de parceiros, além do Brechó, das apresentações teatrais
dentro do projeto Subindo a Ladeira.
54 O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) é uma autarquia federal vinculada ao
Ministério do Turismo que responde pela preservação do Patrimônio Cultural Brasileiro. Cabe ao Iphan
proteger e promover os bens culturais do País, assegurando sua permanência e usufruto para as gerações
presentes e futuras. Fonte: Página Oficial do IPHAN Nacional. Acessado pelo site:
<http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/872>.
99
Esta visita foi importante para alguns membros do GT, porque dissipou vários
mitos e pressupostos até então sempre mencionados pelos técnicos interessados
na instalação de uma arena de eventos naquele local e por entes governamentais
nas reuniões e documentos consultados, como o de que “as habitações desta
área da cidade não possuem condição alguma de moradia”. Pelo contrário,
deparamo-nos com alguns imóveis em bom estado de conservação, com
condições de habitabilidade e moradia satisfatória (IPHAN, 2012. P.39)
55 Esse foi o 2º Plano Diretor de João Pessoa, mas considerado nas normas necessárias, contendo mapas
de Zoneamento, o primeiro, instituído pela Lei Complementar n.º 4, de 30 de abril de 1993”. No momento
da elaboração do Dossiê, era o que estava em validade. O Plano Diretor atualmente em validade, da João
Pessoa, foi intitulado pelo Decreto nº 6.499 de 2009 e os mapas atualizados e disponibilizados pela PMJP
datou do final do ano de 2012 (PMJP, 2009)
56 A Defesa Civil é um é uma coordenação na estrutura da prefeitura municipal, foi criada através da lei nº
12.644/13, e constituído como órgão de prevenção, preparação, resposta e reconstrução. Finalidade- A
Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil – COMPDEC/JP tem a finalidade básica de planejar,
articular e coordenar todas as ações de proteção e defesa civil, nos períodos de normalidade e
anormalidade no município de João Pessoa. A COMPDEC/JP constitui órgão integrante do Sistema
Nacional de Proteção e Defesa Civil e manterá estreito intercâmbio com os demais órgãos congêneres
101
municipais, estaduais e federais com o objetivo de receber e fornecer subsídios técnicos para
esclarecimentos relativos à proteção e defesa civil. Fonte: PMJP. Disponível pelo site:
<http://www.joaopessoa.pb.gov.br/governo/defesacivil/>. Acessado em: 20/01/2019.
102
Figura 9-Campanha dos moradores para manutenção da limpeza das ruas da comunidade
57 Terrenos de marinha são as faixas de terra fronteiras ao mar, numa largura de 33 metros contados da
linha do preamar médio de 1831 para o interior do continente, bem como as que se encontram à margem
dos rios e lagoas que sofram a influência das marés, até onde está se faça sentir, e mais as que contornam
ilhas situadas em zonas sujeitas a esta influência. Considera-se influência das marés a oscilação periódica
do nível médio das águas igual ou superior a 5 centímetros (artigo 2º e parágrafo único do Decreto-lei 9760,
de 5 de setembro de 1946). Diante do aumento de requisições públicas e particulares para utilização de
terrenos costeiros visando à construção de armazéns, trapiches, igrejas, pequenos comércios, ruas e
praças, em 15 de novembro de 1831, foi autorizada, via Lei Orçamentária, a cessão de terrenos costeiros
para as Câmaras Municipais construírem logradouros públicos. Também foi autorizado que os Governos
das Províncias aforassem tais terrenos a particulares, obtendo foros e laudêmios para si. O termo "cessão"
foi utilizado em acepção ampla, devendo-se entender que a autorização abrangia não só aforamentos, mas
também vendas e doações. Fonte: Jus Brasil. Disponível pelo site< https://jus.com.br/artigos/59537/as-
formas-de-utilizacao-do-terreno-de-marinha>. Acessado em:16/03/2017.
103
B) A segunda visita técnica, teve como objetivo “identificar áreas potenciais para
a implantação dos espaços livres públicos, elegendo, para tal, os setores onde a mata
ciliar já havia sido parcialmente ou completamente suprimida ou degradada; áreas de
convivência já utilizadas pela população” (IPHAN, 2012. p. 48), além da visita aos “dois
trapiches”, sendo decidido que “novas áreas deveriam tomar partido dos setores já
utilizados pelos moradores locais, como o trapiche público do Porto do Capim,
confirmando sua vocação e uso já constituídos historicamente” (IPHAN, 2012 p. 48).
Vale enfatizar que a chegada da comunidade após o fim das atividades portuárias,
recuperou quase a totalidade da Área de Preservação Permanente (APP), como mostrou
o “Trabalho de Conclusão de Curso” de SILVA (2014)58, informação compartilhada pelo
“Relatório técnico multidisciplinar” elaborado pela assessoria do PROEXT59.
C) A terceira visita técnica, ocorreu com a participação a participação dos
representantes do GT e de consultores60, a determinação era saber a viabilidade técnica
e econômica da implantação do sistema de esgotamento sanitário na área do porto do
Capim. Com a resposta da viabilidade, se desfaz “alegação da impossibilidade técnica e
da carestia de implantar”, dada pela PMJP, a não execução (IPHAN, 2012, p. 48).
O produto técnico resultante das visitas dos consultores foi um relatório
denominado “Viabilidade técnica de implantação de sistema de esgotamento sanitário
nas comunidades do Porto do Capim e Vila Nassau em João Pessoa-PB”, com um mapa
sobre o atendimento do sistema sanitário de esgotamento, suporte as decisões projetuais
da contraproposta inclusiva do GT, como recolhe o relatório:
58 SILVA, 2014. Análise visual das transformações na paisagem do Porto do Capim ao longo do
século XX e início do século XXI: uma proposta metodológica para o uso de imagens. Monografia
(Bacharelado em Geografia). João Pessoa, Universidade Federal da Paraíba/CCEN, 2014. Disponível pelo
site: <https://repositorio.ufpb.br/jspui/handle/123456789/817>. Acessado em: 28/10/2017.
59 PROEXT - PORTO DO CAPIM EM AÇÃO. Relatório Técnico Multidisciplinar Comunidade Porto Do
Capim. UFPB, 2015.
60 Laboratório de Recursos Hídricos da UFPB, professores engenheiros Gilson Barbosa Athayde Júnior e
José Reinolds Cardoso de Melo. Especialistas na área de recursos hídricos. (IPHAN, 2012. p. 49)
104
Figura 10-Planta baixa do Porto do Capim e Vila Nassau, indicando a viabilidade de implantação de
sistema de esgotamento sanitário
Fonte: Dossiê, elaborado pelos consultores: Athayde Júnior & Melo, 2012.
105
interativo, (5) o turismo comunitário ligado ao patrimônio cultural e, por fim, (6) A proposta
de REQUALIFICAÇÃO - aqui definida como contraproposta, será detalhada no O
CONFLITO PELO USO DO SOLO URBANO E SEU PLANEJAMENTO: Requalificação
e/ou Inclusão.
66 Desde 2013 compõe o quadro de secretários da PMJP, nos anos de 2013-2015 secretária municipal de
meio ambiente, de 2015 a 2020 Secretária de Planejamento.
67 O documento completo está disponível pelo
site:<https://issuu.com/pablohonoratonascimento/docs/relat__rio_porto_do_capim>. Acessado
em:19/08/2017.
109
68 Grupo culturalmente diferenciado e que se reconhece como tal, que possuí formas próprias de
organização social, que ocupa e usa territórios e recursos naturais como condição para sua reprodução
cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utilizando conhecimentos, inovações e práticas gerados
e transmitidos pela tradição.
69 Fio incorporado ao direito internacional no ano de 1989, no âmbito 76ª Conferência da organização
Internacional do Trabalho (OIT), por meio da Convenção 169, da qual o Brasil se tornou signatário a partir
do Decreto presidencial 5.051/04.
110
primeiro plano, “fenômeno político de percepção social e da produção dos sentidos” “ato
de autoridade” “ato jurídico de classificação e delimitação”. Com a defesa do senso de
pertencimento. A autodeterminação seu sentimento de pertença, compõe a lógica do
reconhecimento, no campo político.
A “obrigação de consulta prévia aos povos acobertados por tal diploma
internacional”, sempre que forem afetados por ações administrativas e legislativas que
atinjam diretamente (CRDH/UFPB, 2012, p. 14).
Outro ponto relevante discutido no relatório foi a questão dominial da área e a
regularização fundiária. Se tratar de terreno de marinha, patrimônio da união70, podendo
ser disponibilizado a comunidade tradicional via instrumentos legislativos:
Entendendo que o acesso aos bens públicos dominiais depende de ato pelo qual
a administração outorga parcela de seu domínio ou de sua posse a particulares,
por meio de uma diversidade de mecanismos postos ao seu dispor, com vistas a
regularização fundiária (CRDH-UFPB, 2012, p. 22).
70 Art. 20. São bens da União: VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos.
111
71 Impõe limitações à construção de grandes obras, no que diz respeito a visibilidade dos bens tombados.
72 Na época o procurador era o senhor Welton Magalhães Costa.
112
76Tal projeto registrou histórias e memórias da comunidade através da produção de material audiovisual.
A primeira ação do projeto junto ao bairro foi a realização de entrevistas com os moradores mais antigos
do lugar, que revelaram como foi a chegada das primeiras famílias na década de 1940 e descreveram
como a comunidade foi crescendo. A segunda etapa do projeto foi a realização da oficina “Percepção do
Olhar” onde as crianças do Porto do Capim tinham a missão de capturar imagens sobre momentos,
paisagens e situações que julgavam importantes. O projeto foi realizado pela Casa do Patrimônio (IPHAN-
PB) de João Pessoa em parceria com a Coordenação do Patrimônio Cultural de João Pessoa
(COPAC/PMJP) (Gonçalves, 2014).
77 Conhecido como os dissidentes do IPHAN/PB.
116
para área, defendido pelo poder público. Após análise das suas práticas cotidianas de
valor de uso, sua simbiose com o espaço natural, seus valores simbólicos, suas
narrativas históricas, realizadas pelos moradores mais antigos a tradicionalidade foi
atestada através do laudo antropológico (Figura 13).
Aquele que até 30 de junho de 2001, possuiu como seu, por cinco anos,
ininterruptamente e sem oposição, até duzentos e cinquenta metros quadrados
de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de
sua família, tem o direito à concessão de uso especial para fins de moradia em
relação ao bem objeto da posse, desde que não seja proprietário ou
concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.
79 n. 1279/2017. PP 1117-2015-16 Vol V.pdf”, p. 176-177, lista de frequência em anexo nas folhas
seguintes.
80 MPF-PB, DPU, PMJP, UFPB, IPHAN/PB, Comunidade do porto do Capim.
81 Depois mudou para o cargo de secretária de Planejamento, onde se encontra até esse momento
(fevereiro 2020).
119
arquiteto responsável pelo projeto, para tratar das intervenções, algumas reuniões foram
realizadas nos dias 17.5.2018, 23.5.2018 e 5.6.2018.
Além das ações no interior do GT, o MPF/PB realizou outros acordos relacionados
a questões constadas no relatório de violações, referentes a melhorias na qualidade de
vida dos moradores, “sobretudo em relações institucionais firmadas com diversas
entidades, por exemplo, CBTU, IPHAN/PB, CAIXA” (Ação civil pública com pedido de
tutela de urgência em caráter antecedente, 2019, p. 30)
Diversas reuniões também foram realizadas no MPF/PB, atestando que a PMJP
manteve um diálogo permanente com o grupo de trabalho criado para tratar das
intervenções na área onde se encontra a comunidade tradicional, destarte houve
reuniões nos dias 17.5.2018, 23.5.2018 e 5.6.2018.
No final de 2018 a PMJP cessou o diálogo com o Grupo de Trabalho. Em 2019
“realizou o procedimento licitatório Concorrência nº 33036/2018”, a fim de contratar
empresa especializada para “Implantação do agora “Parque Ecológico Sanhauá””,
ressuscitando a REVITALIZAÇÃO e o processo de exclusão. Os recursos utilizados
seriam os do “Termo de Compromisso n. 0.424.015-34 IPHAN/PAC/Cidades
Históricas/REVITALIZAÇÃO do Rio Sanhauá”, e “realizando licitação”82, “emitiu ordem
de serviço 83 a favor da pessoa jurídica PLANES ENGENHARIA E CONSTRUÇÕES
LTDA, dando início a intervenção nas áreas 84” (ACP, 2019, p. 30).
A prefeitura impôs uma notificação de despejo (Figura 14) aos moradores da
subárea da Vila Nassau, onde vivam cerca de 162 famílias, dando um prazo de 48 horas
para os moradores deixarem suas casas, gerando grande tensão na comunidade.
82 Concorrência nº 33036/2018
83 Contrato n. 33001/2019,
84 (CNPJ 21.084.632/0001-50)
120
Figura 14-Notificação de despejo imitada pela PMJP, (secretaria de Meio Ambiente e de Planejamento
Algumas famílias que viviam na subárea da Vila Nassau, e que não tinham relação
com o território, nem a identidade ribeirinha, aderiram a proposta da PMJP, e foram
relocadas para o conjunto Saturnino de Brito, resultando em ações de demolição (Figura
15). As ações foram realizadas por agentes de PMJP que, por sua vez, se tornaram
investidas conflituosas contra os moradores que ficaram, e suas casas. “Os agentes da
SEDURB85 e guardas civis, chegam nos intimidando, porque não vamos sair, dizem que
vamos sair de todo jeito, mas vamos lutar até o fim” (moradora da Vila Nassau e
representante da AMPC). Tudo indicava que se tratava de uma estratégia de opressão
psicológica, da PMJP sobre os moradores.
Muitas casas foram atingidas, com a demolição, pois eram conjugadas – dividiam
as paredes laterais. Os entulhos não eram removidos, causando enorme risco para as
crianças e jovens da comunidade, além dos danos causados nas casas vizinhas.
A pedido dos moradores o MPF/PB e a Defensoria Pública da União, elaboraram
um Relatório Social, com recomendações a PMJP. Segundo o MPF/PB:
Com a não existência da cessão da área do Porto do Capim para a PMJP, por
parte da SPU/PB, é prova de que a PMJP incorre no descumprimento de acordos e
recomendações, e que persistiram com ações interventivas na área da comunidade
tradicional ribeirinha Porto do Capim, impelindo o MPF/PB ajuizar “a presente ação civil
pública com pedido de tutela de urgência em caráter antecedente”, no dia 31 de julho de
2019 (MPF/PB, 2019, p. 39).
Expõe o MPF/PB que a Ação Civil Pública tem por escopo “o direito à proteção
territorial da comunidade tradicional ribeirinha do Porto do Capim, e suas subáreas, a
exemplo da Vila o Nassau, em face de intervenção realizada pela PMJP em seu território,
notadamente, a realização da obra denominada “Parque Ecológico Sanhauá”, que tem
Figura 16-magem da página dos pedidos que regem a ação civil pública, pedido de tutela de urgência em
caráter antecedente
87 A tutela antecipada permite a imediata realização do direito alegado pela parte demandante, em casos
que esteja presente o perigo para o direito material, permitindo a satisfação provisória, com isso também é
conhecida como tutela satisfativa. O procedimento para requerer esta modalidade de tutela em caráter
antecedente está previsto no artigo 303, do Código de Processo Civil, e prevê que apenas o pedido seja
apreciado, sem a exposição completa da argumentação relativa a lide. Acessado pelo Disponível pelo site:
<https://marianarocharossetti.jusbrasil.com.br/artigos/398667597/tutelas-de-urgencia-de-carater-
antecedente>. Acessado em: 16 01/2020.
125
garantem o fim dos assédios sofridos pela comunidade por parte de agentes da
SEDURB/PMJP, até julgamento do mérito e aplicação de multa caso descumprimento
judicial.
No dia 27 de fevereiro 2020, foi promulgada a decisão favorável ao pleito do
MPF/PB, acatando o pedido de suspensão das obras do “Parque Ecológico Sanhauá”,
como podemos ver no despacho do representante judiciários (Figura 17).
126
Figura 17-Imagem da última página da decisão judicial favorável a ação civil pública com pedido de tutela
de urgência em caráter antecedente
e exclusão do IPHAN/PB, conforme decisão anterior. O Juiz federal explica que a medida
é de urgência porque a prefeitura já realizou um processo de licitação e início das obras.
A resposta do judiciário a favor da comunidade trouxe alívio, mesmo que
temporário, aos moradores. Como mostra a fala: “parabéns para nós Ribeirinhos, mais
principalmente a todos que acreditaram na AMPC e no MPF/PB! Essa já é uma Vitória
muito significativa, devemos ir para as ruas comemorar” (representante da AMPC).
Outros parceiros partícipes do GT, produtores de material técnico comprobatório
da tradicionalidade, foram relevantes à não remoção forçada. O Programa de extensão
do PROEXT/UFPB, foi um destes parceiros.
Figura 18-Mapa com cenário 2, e quadro síntese das permanências, reformas e relocações, para as
moradias do Porto do Capim João Pessoa – PB
Figura 19-Quadro síntese mostra soluções possíveis compartilhadas pelas duas propostas
91 A
Comissão Porto do Capim em Ação é um grupo formado por mulheres moradoras das comunidades
do Porto do Capim, tendo como objetivo a mobilização e a representação legítima dos interesses da
comunidade.
137
O feminismo não é uma luta por privilégios ou concessões, mas uma luta por
protagonismo. As mulheres querem ter o direito de decidir para deixarem de ser
cidadãs de segunda classe. A emancipação da mulher não será um conjunto de
“concessões generosas” de homens, será uma revolução no processo de tomada
de decisão. Ao reivindicarem o direito de decidir, criticar e organizar as mulheres
estão afirmando a sua universalidade enquanto sujeitos políticos (CALDEIRA,
2015).
94 Projeto promove o empreendedorismo juvenil na Bomba do Hemetério, bairro de baixa renda da cidade
do Recife/PE.
95 Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas.
141
autoridades queriam implantar no porto, mas que a gente não conhecia, só sabia que ia
ser removida”, a reunião só teve cunho informativo (CPCA, 2013).
No início de 2013, logo após essa reunião com a representante CPCHJP e a
CPCA, tentou-se estabelecer um diálogo com a prefeitura, enviando ofício solicitando
audiência, mas não houve retorno da PMJP. O recém-empossado Prefeito Luciano
Cartaxo 96 , não teve sua gestão aberta ao diálogo com a comunidade, nem seus
representantes, “Enviamos o ofício ao prefeito, mas ele não respondeu ao nosso pedido”
(CPCA).
Em paralelo à solicitação de audiência, foram feitas reivindicações de melhorias
na urbanidade e na qualidade de vida dos moradores e enviadas à PMJP. Constavam as
seguintes proposições: posto de saúde na comunidade (com obstetra, pediatra, geriatra
e laboratório de análises clínicas); saneamento básico; coletores para lixo reciclável e
regularização da coleta de lixo na Vila Nassau e na Frei Vital; Iluminação nas entradas
do bairro (na entrada da Frei Vital e na 15 de Novembro); praça com equipamentos de
atividades físicas e atividades esportivas; programas PETI e PROJOVEM; e maior
fiscalização das queimadas no curtume e na beira da linha.
Semanas após o envio do oficio, na busca de informações, o então prefeito esteve
presente na comunidade, acompanhado de representantes da Caixa Econômica Federal
(CEF) e do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com a finalidade de
apresentar aos potenciais financiadores a área do Porto do Capim, como potencial polo
de desenvolvimento econômico, turístico e cultural, aos moldes propostos por agências
multilaterais aos países da América Latina e Caribe, com a implementação do projeto de
REVITALIZAÇÃO do “Antigo Porto do Capim” vindo da década de 1997.
A CPCA aproveitou a presença do recém-empossado prefeito e entregou em mãos
uma nova cópia do ofício, pedindo uma audiência que foi, finalmente, agendada e
atendida, como relata a representante da CPCA, “aproveitamos a visita do prefeito com
os representantes de banco, e entregamos em mãos a cópia do ofício, falamos que
precisávamos está por dentro do projeto, pois as famílias não queriam sair daqui” (2013).
Figura 22-Sessão especial na câmara dos vereadores de João Pessoa, presença dos representantes da
PMJP e da Comunidade do Porto do Capim
Desta vez a cidade antiga de João Pessoa vai passar por uma grande
transformação, não é mais retórica, não é mais discussão é coisas com jeitão de
quem vai acontecer de fato. Portanto, a discussão é, por demais, pertinente. O
que é que nós enquanto Governo Municipal de João Pessoa está pensando para
aquela região? O projeto envolve o que a gente chama dentro do plano de
governo de Complexo Integrado de Turismo Cultural e de Serviços, da
cidade antiga de João Pessoa. Isso é uma concepção que envolve o Patrimônio
Histórico, que já está mais que na hora de ter alguma coisa efetiva para
recuperar aquele patrimônio, que corre sério risco; envolve o Porto do
Capim, envolve o rio Sanhauá [...] porque nenhum projeto tem chance de
prosperar naquela região, com o rio poluído, assoreado. O rio é o
equipamento básico, para qualquer projeto de renascimento de reconstrução da
vida socioeconômica daquela região (POLARI, 2013. Grifo nosso).
Uma sociedade não pode desprezar tanta tradição, tanta história e tanto
fundamento para o jeito de ser paraibano, da cultura paraibana [...] resgatar a
nossa história, e começando com cidadania, trazendo as pessoas para seu
lugar certo, colocar as pessoas num lugar melhor (POLARI, 2013, grifo da
autora).
97 Na época a gestão pública federal tinha como presidente Dilma Rousseff (PT), mesmo partido do
prefeito Luciano Cartaxo.
98 O Secretário do Planejamento da PMJP era Romulo Polari (2013).
145
99Parque Zoobotânico Arruda Câmara, também conhecido como Bica, devido à presença de uma das
fontes que abasteciam a cidade em séculos passados.
146
os turistas que vêm a João Pessoa vão gastar mais na cidade [...] Os moradores
do Porto do Capim vão ter que se sensibilizar e se qualificar, para serem incluídos
na economia do turismo [...] O Pelourinho é o maior exemplo do que deu certo
[...] Não tem como a comunidade do Porto do Capim não ser contemplada
(BRUNET, 2013).
100 A suposta lista que a secretária fez menção era a lista do orçamento participativo de 2010.
147
Houve a reunião com o prefeito, mas acreditamos que essa sessão será o
pontapé inicial porque é um pouco mais ampla. [...] Em 22 de janeiro desse ano
foi entregue ao prefeito Luciano Cartaxo, documento protocolado que constavam
questionamentos sobre o PAC-Cidades Históricas, várias perguntas foram
colocadas e a maioria delas não foram respondidas até agora [...] Na reunião que
aconteceu no dia 02 de abril com o prefeito, na ocasião o prefeito sequer se
referiu aos documentos e nenhuma resposta foi apresentada; é como se a
comunidade não existisse e não tivesse nada a dizer [...] O encaminhamento que
foi dado pelo prefeito foi a realização de uma reunião com a secretária de
habitação na comunidade, para apresentação do projeto de moradia que foi
formulado sem que a população tenha tido participação, mas a nossa expectativa
era de pelo menos conhecer e discuti-lo [...] Na reunião com o prefeito fomos
ouvidos, que é o protocolo, mas que seja absorvido o que a comunidade tem que
dizer [...] O projeto da contraproposta elaborado por um Grupo de Trabalho do
IPHAN-PB prevê desenvolvimento turístico, econômico, saneamento básico,
desenvolvimento ambiental com a população no lugar que ela está. Há a
necessidade de que esse projeto seja apresentado oficialmente e seja colocado
da pauta de discussão (representante da CPCA, 2013).
ser recebido, não sou ninguém, só que sou um cidadão. Não tenho uma falha na
justiça, minha vida foi trabalhar de carregar e descarregar mercadorias, na área
do Porto do Capim [...] foi onde eu amparei a minha família, meus netos e
bisnetos. Eu estou ali nesse Varadouro. Nesse instante eu ouvi falar nesse
governo isso agora. Eu cheguei nesse Porto do Capim era novo, como todos nós
já fomos! Agora estou velho, cansado, com 81 anos, agora para sair desse canto
que estou acostumado, onde criei uma família, eu não tenho marginal na minha
família, graças a Deus! Tudo é trabalhador, tenho testemunho desse pessoal
todinho. Agora veja só, eu sair do canto onde estou, do canto que nós estamos,
para sair para um canto que vai ser misturado com gente desconhecida, gente
de toda qualidade de convivência, eu vou sair chorando. Eu concordo que cada
um que tem uma idade como a que eu tenho, que viveu 20, 30, 40,50 anos num
canto, para sair para outro canto desconhecido. Convivendo com vizinho que tem
suas manias que eu não tenho, como eu vou conviver com ele, eu vou sair
chorando. Eu queria um benefício dos governos, dos administradores, do Estado.
Que pelo amor de Deus considerasse a gente, deixasse a gente ali, melhorasse
nosso modo de vida, melhorasse tudo da gente ali, que a gente ficava muito
agradecido (Morador a mais de 50 anos do Porto).
A desabafo de seu Alagoas mostrou como a ausência de diálogo foi uma marca
que perpassou as gestões públicas municipais durante décadas, na construção do
projeto de REVITALIZAÇÃO e no projeto de habitação para as famílias que seriam
relocadas, desconsiderando as práticas socioespaciais e relação de vizinhança
existentes na comunidade.
Após a sessão na câmara dos vereados foi perguntado à representante da CPCA,
qual seria as medidas a serem tomadas?
Figura 23-Reunião para decidir a programação e a data do evento Ocupe o Porto do Capim
Na reunião foi decidida a data do evento - que ficou marcada para o dia 01 de
junho. Em seguida foi aprovada a programação do evento. Estiveram presentes
representantes da sociedade civil Paraibana.
No dia 29 de maio de 2013 aconteceu a última reunião de planejamento das
atividades do Ocupe o Porto do Capim. Na programação constavam manifestações
artísticas, debates, rodas de conversas e oficinas durante todo o dia do evento.
A programação do #OcupePortoDoCapim estava nas redes sociais,
principalmente no Facebook, as mulheres da comunidade organizaram mutirões de
limpeza, realizavam reuniões para a solução das pendências, e observação das
demandas ainda inconclusas.
A comunidade de forma generalizada apoiou o evento, que se transformou numa
vitrine para chamar atenção sobre a violência sofrida pela comunidade, a ausência de
diálogo, a negação de sua existência, e dos seus direitos.
Os movimentos também se intensificaram nas redes sociais, a página da comissão
publicava a programação, dando ênfase ao FÓRUM DE DISCUSSÃO- Porto do Capim:
Por que ficar? via POSTV (Figura 24).
101 O Projeto Subindo a Ladeira teve início em 2010 (segundo semestre) com o Curso de Educação
Patrimonial Através da Arte, envolvendo alunos da Escola Estadual Pe. João Félix, com apoio da
PROBEX/UFPB.
102 Programa online que tem como objetivo que cada pessoa possa apresentar conteúdos importantes e
que não são veiculados nas mídias de massa e pode ser acompanhado pela internet. Também pode ser
construído por qualquer pessoa que tenha uma câmera e queira compartilhar temáticas relevantes para a
sociedade como um todo.
153
“[...] a cidade é produzida como negócio, ela o é, ao mesmo tempo, produzida como
segregada” (ALVAREZ, 2015, p. 65).
As contradições do sistema capitalista reveladas nas ações do poder público
municipal, usa recursos de um programa cuja natureza é salvaguardar o meio ambiente
e seus protetores, PAC-Sanhauá, na implementação de um projeto que contém uma
arena de eventos de concreto armado, que ficara sobre o mangue, o projeto hoje se
denomina “Parque Ecológico Sanhauá103”.
Quer dizer que um parque (des)ecológico é melhor do que o povo? Ele dá mais
sustentabilidade que o povo? Como é que pode fazer isso, que prefeito é esse?
Isso não existe! Que preservação ele disse que ia preservar, que parque
ecológico é esse? É (des)ecológico! Ele veio aqui e colocou o esgoto da lagoa
para cá e agora está fedendo demais, vai acabar com a maré, que foi agente que
revitalizou, vai passar com a máquina derrubando as árvores do mangue, que
parque ecológico é esse? Que preservação é essa? Ele sabe o que é
preservação? Sabe nós indígenas que preservamos nossa mata, nossa mãe
maré, nosso rio, nossa natureza, damos valor ao que Deus fez. Não destruímos,
não a gente dá valor! (Moradora da Vila Nassau, tabajara. Vive há 25 anos na
comunidade do Porto).
A importância é muito grande, que a AMPC teve e tem, foi por causa dessa
associação que passamos a conhecer nosso direito. Toda comunidade, toda
comunidade que luta deve ter uma associação, começamos como comissão,
depois viramos essa associação, que é muito importante, de mulheres fortes e
guerreiras, que lutam pela família, luta pelo bem-estar e luta pela moradia, pelo
direito à moradia. Portanto foi e continua sendo muito importante para nós a
103 Esse projeto já foi denominado de Projeto de REVITALIZAÇÃO do Antigo Porto do Capim.
156
associação de mulheres, sem essa associação acredito que não estaríamos onde
estamos hoje, já teríamos perdido a luta (Moradora da Vila Nassau, 2019).
Aqui na comunidade tinha uma associação que não era legitima, nem falava
pelos moradores, o Sr. Bastos se dizia presidente da associação, mas só
104 A áreadenominada Porto do Capim é composta por 4 subáreas, de Sula Norte a saber: Vila Nassau,
Praça XIX de novembro, Porto do Capim e Frei Vital.
105 Dados informativos, cedidos pela Associação de Mulheres do Porto do Capim, 2016.
157
aparecia prá falar com a agente, quando era interesses de políticos, mais nada,
ficávamos ao Deus dará (Morador do Porto do Capim).
Por não serem representadas (os) nos seus interesses, as ações de resistência
dos moradores se intensificaram, e o conhecimento sobre seus direitos também. A partir
de então, requisitam a participação do Ministério Público Federal da Paraíba, na função
de mediador do conflito de uso do solo urbano e pela permanência na área em que vivem
há mais de 70 anos.
As reuniões públicas nas ruas do Porto e na sede da Fundação Casa de Cultura
Cia. da Terra, dando continuidade as ações da CPCA. Para Soihet:
Também era nos largos e praças que as mulheres costumavam reunir-se para
conversar, discutir ou se divertir da mesma forma que se aglomeravam nas bicas
e chafarizes, não raro, brigando pela sua vez. Em grande proporção,
responsáveis pela manutenção da família, a liberdade de locomoção e de
permanência nas ruas e praças era vital para as mulheres pobres, que
cotidianamente improvisavam papéis informais e forjavam laços de sociabilidade
(2011, p.337)
A demanda não era mais por informações, agora se tratava da inclusão dos
moradores em contrapropostas, em projetos de REQUALIFICAÇÃO urbana para área. A
participação das mulheres na resistência passou a ser pela permanência, por demandas
por serviços urbanísticos básicos, saneamento, equipamentos urbanos de uso coletivo.
As necessidades e os desejos de serem inclusos na urbanidade estão presentes em toda
a narrativa da resistência, trata do reconhecimento consciente de um direito. Segundo
Carlos:
Refiro-me a reprodução de um mundo que se realiza como objetividade material,
uma vez que toda ação responde a uma necessidade e produz um objeto que
sacie essa necessidade e, além dela, o desejo. Essa reprodução envolve e
supõe, portanto, o homem e a natureza, a ação e o conhecimento (CARLOS,
2018. p. 15)
lutaram, e lutam, por seus desejos, constantes na oficina de mapas dos desejos106, que
revelou seus desejos por uma condição de urbanidade adequada.
Ao lado desses movimentos, várias outras ações, com parceiros extra
comunidade, foram desenvolvidas. Em 2015 é entregue o “Relatório de Violação de
Direitos Humanos na Comunidade do Porto do Capim”, pelo Centro de Referência de
Direitos Humanos da UFPB, com a participação efetiva da AMPC.
Ainda no decorrer do processo outros sujeitos sociais foram agregados à luta e
resistência, alguns com mandatos eletivos, nas funções de vereador e de deputados
estaduais, outros como representantes de Órgãos públicos, a se saber: MPF/PB,
Defensoria Pública Estadual (DP-Paraíba), SPU/PB, UFPB, Centro de Referência de
Direitos Humanos da UFPB (CRDH/UFPB), IPHAN/PB, Instituto dos Arquitetos do Brasil
(IAB), IPHAEP, e a Fundação Arte e cultura Companhia da Terra que continuou como
parceira em seus projetos de extensão, grupos artísticos e culturais representado por
coletivos, todos defendendo sua visão de uso e de direito a cidade.
Todo esse processo fez com que as mulheres deixem o lugar da subalternidade,
se despeçam do individual e do privado, para o exercício da representação cidadã na
forma coletiva. Toma o poder político no micro espaço, legitimadas pela comunidade,
como grupo organizado com interesses comuns, e criam estratégias de resistência.
Incluem sua vida nas três dimensões, a política, a econômica e a cultural.
A dimensão política da representação ocorre no porto quando é criado ano de
2013 a Comissão das Mulheres do Porto do Capim, que se tornou oficialmente AMPC
em 2014, gerando um grupo de ações em defesa das necessidades e demandas da
comunidade.
A dimensão econômica aqui requerida, no contexto da cidade, é a da
Redistribuição dos serviços e infraestrutura, com a implantação de saneamento na
comunidade - que é outra demanda dos moradores reverberada pela AMPC, na busca
de equidade distributiva e democrática no espaço da cidade e, por fim a dimensão cultural
do reconhecimento.
Na dimensão cultural, reconhecimento dos direitos e justiça social, desde o início
do conflito entre a prefeitura e a comunidade do Porto do Capim, a luta que inicialmente
era pela não remoção e por moradia digna, tinha seu lastro na narrativa do
reconhecimento de direitos. Da mesma forma incluía a busca por reconhecimento da
comunidade como tradicional ribeirinha, guardiãs do rio e do mangue.
Outras atividades iniciaram a parceria entre o Programa de extensão,
PROEXT/UFPB “Abrace o Porto do Capim” - financiado pelo Ministério da Educação pelo
biênio 2015/2016, e a comunidade, representada efetivamente pela AMPC. Um dos
projetos era “Projeto de Requalificação Urbana e Arquitetônica”, segundo o relatório
PROEXT:
107 Anexo 1.
161
108No segundo mandato a Prefeitura municipal de João Pessoa, Luciano Cartaxo mudou para o Partido
Verde, apoio no sufrágio para presidente em 2018, a candidatura do atual presidente da república, Jair
Messias Bolsonaro (PL), tem sua linha de gestão a diminuição de políticas sociais, pauta de costumes e
ampliação de políticas neoliberais, objetivando a mercantilização e privatização de tudo.
162
Como evidente, trata-se de uma luta por território no espaço da cidade São as
mulheres as que mais perdem. São violadas no direito ao uso desse espaço, por isso são
elas que estão à frente da luta. Para Soihet:
[...] além das tentativas de “reajuste social” das mulheres dos seguimentos
populares, havia a preocupação de que adquirissem um comportamento “próprio
para mulheres”, marcado pela presença das características já nomeadas de
recato, passividade, delicadeza etc. Fato que facilitava a repressão e a
arbitrariedade policial, pois não se enquadrando nesse esquema, fugiam às
normas próprias de sua natureza. Ocorre que esse processo não se desenrolou
sem uma efetiva resistência dos membros das camadas populares, inclusive da
parcela feminina, que disputava, palmo a palmo, o seu direito ao espaço urbano.
Deve-se ter mente que para muitos a rua assumia ares de lar onde comiam,
dormiam e extraíam o seu sustento. (2011, p. 366)
Figura 25-A comunidade do porto do Capim fechando ruas do centro, contra despejo
sejam agregados à luta por direitos basilares, por meio da empatia democrática. Para
Ribeiro:
109 A condição existencial de respeito a regência do sujeito as normas impostas pela sociedade vigente.
165
Figura 27-Audiência Pública: Vereadores (Tibério Limeira, Sandra Marrocos) e a então Diretora Executiva
do IPHAEP (Cassandra Figueiredo) e a representante AMPC (Rossana Holanda)
Naquela região não tem só história e cultura, e sim um patrimônio imaterial, que
é o modo de viver e de trabalhar das pessoas que ali residem. São pessoas que
têm seu ofício, que criaram seus filhos e que têm uma cultura própria daquela
área. Portanto, queremos fazer um projeto ecológico, turístico, cultural, mas,
sobretudo, um projeto humanizado com as pessoas” (Cida Ramos, ALPB, 2019).
110A pedido do Ministério Público, foi editada uma complementação ao Laudo antropológico, produzido um
informe técnico sobre a tradicionalidade de ocupação da comunidade do Porto do Capim, com as
dimensões territoriais e a genealogia das famílias ribeirinhas que vivem no porto, sua origem das ilhas
estuarinas. O Coordenador Pro. Fábio Mura formou uma equipe multidisciplinar, para produção dos dois
volumes do informe técnico.
172
Figura 29-Tabela das prentelas e residências em Porto do Capim (obs. Os dados não representam a
totalidade das parentelas residentes no local, mas a parte significativa delas)
Toda minha família mora aqui tenho muitos amigos aqui na comunidade. A gente
sempre teve contato com o rio desde pequena, quando comecei a andar, acho
que o meu primeiro passo foi lá na maré. Sempre gostei muito da maré, gostava
muito do rio, de tomar banho, de pegar caranguejo. Às vezes de manhã cedo a
primeira coisa que fazia era correr prá beira da maré, prá ver se tinha alguma
novidade, vê se estava acontecendo alguma coisa (Ribeirinha, moradora da Vila
Nassau, nasceu no Porto e sua família chegou em 1967).
112 Instituto Nacional de Meteorologia - INMET (2009). As médias históricas de precipitação e de umidade
do município de João Pessoa são respectivamente: 2.145,4mm e 77,7%. Disponível pelo site:
<http://www.inmet.gov.br/projetos/rede/pesquisa/ >. Acessado em 115/10/2017.
113 Com dados oriundos da estação meteorológica do INMET na cidade de João Pessoa.
180
Figura 32-Mapa de localização, contendo as subáreas do Porto do Capim e o curtume desativado e ocupado
Tais feições são observadas desde a região do município de Bayeux, até a foz do
rio, no município de Cabedelo, numa distância, aproximadamente, de 20 km. Esta porção
estuarina é margeada por uma vegetação de mangue em quase toda sua extensão e
possuem sete tributários: quatro deles na margem esquerda (rios: Paroeira, Tiriri, Ribeira
e da Guia); e três, pela margem direita (rios: Sanhauá, Tambiá e Mandacarú) (Figura 33).
Os tributários contribuem para um aporte de água superficial de baixa salinidade, que
carreia materiais erodidos, detritos domésticos e/ou industriais (SASSI; WATANABE,
1980).
Figura 33-Hidrografia do rio Paraíba e seus tributários/Rio Sanhauá
114 O Projeto de construção do Porto Internacional do Varadouro foi financiado pelo Governo Federal da
época, por intermediação de Epitácio Pessoa. Os detalhes estão no livro “Porto Político”, escrito por José
Joffily.
115 A definição mais largamente citada para estuário na literatura científica foi a dada por Pritchard em
1967, como estuário sendo um corpo de água semifechado que tem uma livre conexão com o mar aberto
e dentro a água marinha sofre diluição pelo aporte de água continental (DAY JR. et al., 1989, p.9 e ELLIOTT;
McLUSKY, 2002, p.55).
116 Lucena, Santa Rita, Bayeux, João Pessoa e Cabedelo.
183
[...] rios, no sentido geral, são cursos naturais de água doce, com canais definidos e
fluxo permanente ou sazonal para um oceano, lago ou outro rio. Dada a sua capacidade
de erosão, transporte e deposição, os rios são os principais agentes de transformação
da paisagem, agindo continuamente no modelado do relevo. São importantes para a
atividade humana, seja como vias de transporte e fontes de energia hidroelétrica e de
água potável, seja como supridores de recursos alimentares através da pesca e de água
para irrigação (GIANNI; RICCOMINI 2001, p. 192).
117 O que estamos chamando Porto Estuarino diz respeito à existência de vários trapiches utilizados, pelas
populações locais, para transportes de pessoas e bens entre diversos pontos da bacia do Rio Paraíba, em
seu Baixo Curso. Há vários trapiches deste tipo em diferentes áreas do estuário do rio Paraíba. In:
UFPB/PROEXT. RELATÓRIO TÉCNICO MULTIDISCIPLINAR COMUNIDADE PORTO DO CAPIM. 2016.
p. 5.
185
vivenciavam o lugar “Isto por conta de relações de trabalho ou por habitarem localidades
próximas, ou por ambas as razões” (UFPBa, 2019. p. 10).
A migração das famílias das ilhas, e de localidades do estuário para o continente
ocorreu, em grande parte, porque muitas dessas localidades do estuário passaram a ser
implementada a carcinicultura, paralelamente a, ainda tão presente cultura da cana de
açúcar.
A consolidando de habitação da área do porto pela comunidade tradicional
ribeirinha, se deu “na busca por melhores condições de vida”, devido ao “deslocamento
forçado” fosse ele “de forma direta [...] a partir da venda das terras em que há décadas
viviam, pelos novos “donos” do local”, ou pela falta de condições propiciadas pelos
“ambientes ficaram tão hostis que as pessoas se viram forçadas a procurar um novo local
para viver” (UFPBa, 2019. p.11).
Para os moradores do Porto do Capim, o seu território, onde desenvolvem práticas
de reprodução, se dá em várias localidades do estuário, são considerados, Ilha do Eixo,
Ilha Stuart, Ilha Tiriri e, ilha da Restinga, são ilhas de comum reconhecimento de todos.
Há locais que também são denominados como ilhas, por ter um histórico de acesso só
pelo rio, com a ligação via continente - caso do acesso a Livramento, distrito do município
de Sana Rita, feito pela PB 011 via continente, no entanto ainda é conhecida como ilha
pelos moradores do Porto do Capim (ASSAD, 2017).
A paisagem do lugar de origem dos moradores mais antigos, continua presente na
memória, simbolicamente relembrada em suas narrativas, como no caso de um dos
moradores mais antigos que, segundo o informe técnico de tradicionalidade em seu vol.
1: “descreve a ilha onde nasceu, a Ilha do Stuart, como um lugar que no passado era
flórido de atividades agrícolas. Ele lembra que lá havia também engenhos e casas de
farinha, além de várias árvores frutíferas” (UFPB, 2019a, p. 18)
As práticas ribeirinhas, navegação, coleta e pesca, foram, em parte, responsáveis
pela construção de uma rede de comunidade ribeirinha, ao longo do estuário. Reforçada
pela mobilidade via rio, que possibilitou se intercomunicaram entre gerações, reforçando
a tradicionalidade que permeiam os conhecimentos dos moradores/usuários do rio e do
mangue, base de sustentação de sua reprodução.
186
118 Elaborado em uma construção coletiva, entre a equipe multidisciplinar elaboradores do Informativo
técnico e os moradores do Porto do Capim (UFPB, 2019).
187
Figura 34- Mapa de uso e ocupação tradicional dos rios Sanhauá e Paraíba
Quando eu cheguei aqui só em 1949, tinha oito anos, só existiam quatro famílias
morando no porto, aqui era muito movimentado, existiam três feiras, se vendia
de tudo, e os cavalos vinham se alimentar aqui no porto, de onde chegava barcos
vindos da ilha trazendo capim para os cavalos do exército. Trabalhei como
cozinheira em todos os lugares, bares, restaurantes, motel, cabaré para meus
filhos não passarem fome (Moradora do Porto do Capim, 78 anos, mora a 70 no
Porto, a sua família está na quinta geração morando na área).
maior exemplo. A remoção proposta iria criar dificuldades na vida dos moradores, mais
diretamente às mulheres que seriam afetadas no seu cotidiano, pois dependem do
arranjo de vizinhança como estratégia reprodutiva.
Segundo o GT/IPHAN/PB, os dados do projeto de relocação da Comunidade do
Porto do Capim e dos arquivos CPCH-JP para o ano de 2016:
Figura 35- Águas Pluviais desviadas para dentro da comunidade na área da Vila Nassau
moradoras deu início à procissão para pagar uma graça alcançada. Desde esse
momento, tornou-se prática cultural dos moradores:
Minha filha estava doente, era criança, mais de 20 anos atrás, ai eu fiz uma
promessa a Nossa Senhora da Conceição, na intenção da saúde dela, alcancei
a cura dela e decidi pagar a promessa, levando minha filha, vestida de túnica
azul, da cor do manto que protege a imagem da santa, pelo rio Sanhauá,
acompanhada de alguns pescadores em suas canoas, que conduziram a imagem
da Santa lá prá ilha que tem a imagem dela, onde foi celebrada uma missa pela
graça alcançada (Moradora do Porto do Capim).
“fico tão feliz quando chega o dia da procissão, eu nasceu e morei 42 anos na
Ilha de Tiriri, ela fica na frente da Ilha da Santa, mas tivemos que sair, o novo
dono chegou e disse que a gente tinha que ir embora, a gente tinha tudo, comida
e paz” (Moradora do Porto do Capim).
120 Grupo artístico de tradições culturais composto por crianças e jovens da comunidade do Porto do
Capim, faixa etária de 6- 28 anos. O grupo apresenta espetáculos, com danças folclóricas, Xote, Xaxado,
Baião, Ciranda, Quadrilha junina. As apresentações ocorrem durante todo o ano. Maiores informações
disponíveis no site:< https://www.catarse.me/xotedasmeninas>. Acessada em: 28/10/2017.
194
2019, antes existia uma quadrilha Junina121 que surgiu num momento de tensão entre a
comunidade e a PMJP. Em 2013 as apresentações fizeram parte das ações de
resistência à remoção, evocando a identidade tradicional e o sentimento de pertença nas
comemorações junina, apoiados inicialmente pela CPCA, e depois pela AMPC.
A CPCA e a AMPC, usaram o mecanismo da sociabilidade e participação
comunitária já existente nas práticas dos moradores, revelados nos festejos (procissão e
quadrilha junina) - eventos anteriores ao processo de resistência em 2010 - como
instrumento de luta coletiva, contendo representatividade da tradicionalidade.
Nesses eventos, as relações entre a comunidade se estreitam, e os sentimentos
e a autoestima afloram espontaneamente, criando um ambiente de coletividade. Práticas
que deveriam ser reconhecidas e valorizadas, para além da estética, referendados como
patrimônio cultural imaterial.
Foram os moradores que forjaram a cultura ali existente, são os protagonistas
desse espaço, e, como tal, deveriam ser vistos como interlocutores na construção de dos
projetos de intervenção na área, e não, serem tratados como obstáculos a serem
removidos.
As ações culturais são integradas ao Ponto de Cultura Comunitário, e ao Coletivo
Jovens Garças do Sanhauá, este último formado desde 2012 por jovens moradoras,
responsáveis pela organização cultural comunitária. O objetivo do grupo é fortalecer a
identidade tradicional ribeirinha. Integram as ações no ponto de cultura entre os grupos:
Grupo Cultural Xote das Meninas, Grupo Jovens, Grupo de Comunicação, Grupo de
Produção e Vendas 122 e fomentam o turismo comunitário, através do “Projeto
Vivenciando o Porto” 123 . A representatividade do grupo coletivo é outro elemento de
resistência, que se inicia nas primeiras fases da vida, como aponta a presidenta da
AMPC:
saibam quem são, por isso criamos as Jovens Garças do Sanhauá, o Xote das
Meninas e todas as ações que desenvolvemos no ponto de cultura, a luta
continua sempre, somos povo tradicional que cuida de suas raízes e quer ver um
futuro melhor para suas crianças e jovens, temos direito a esse lugar, querem
nos tirar daqui para colocar quem tem poder e dinheiro, mas vamos lutar sempre.”
(Presidenta da AMPC, moradora do Porto do Capim).
Figura 37-Encarte do turismo comunitário desenvolvido pelas jovens moradoras do Porto do Capim
anos, agora vem um projeto da prefeitura e quer nos tirar da nossa casa, a gente não é
lixo, a gente vai lutar pra ficar aqui na nossa casa” (Moradora do Porto do Capim).
As respostas as questões: 3) A efetivação do projeto era uma preocupação para
ela(o), se sim, qual era a preocupação?), responderam “Sim” 100% dos entrevistados; a
preocupação era ter que sair da comunidade em que vivem há mais de 20 anos e questão
4) O que gostaria de ocorresse em relação ao projeto elaborado pela PMJP?,
responderam conhecer o projeto e não serem removidos, mas se não fosse possível
gostariam de ficar próximo a comunidade, com acesso ao rio e ao mangue. A
reivindicação da comunidade, era de fato o reconhecimento.
O primeiro passo no processo de resistência era reivindicar a permanência nas
suas casas, e sua inclusão nos projetos de intervenção na área da comunidade. Assim,
a elaboração do Mapa de Arqueologia Social do Porto do Capim (Figura 38), parte
integrante do relatório multidisciplinar entregue ao MPF/PB, teve a participação efetiva
dos moradores.
O mapa teve objetivo de mostrar uma nova faceta metodológica que valoriza o
processo de ressignificação dos objetos, dos usos e da cidade. A arqueologia social tem
por objetivo mostrar a importância das práticas cotidianas como construtoras de valor, de
paisagem e de espaço. Indo na direção contrária dos modelos capitalistas impostos a
cidades da periferia do globo, por meio de agendas neoliberais que exigem um
modelamento da cidade, uma higienização e padronização estética, com o fim de vender
a cidade e seus espaços de vida.
A aceitação da ressignificação, é a aceitação da dinâmica constante da cidade,
que transforma, e propicia seus usos modificados, de forma natural, respeitando a
diversidade dos sujeitos, suas relações socioespaciais, práticas cotidianas, e valor de
uso.
Por isso, as práticas da comunidade se entrelaçam com os marcos simbólicos lá
presentes, criando uma ambiência, revelada pela paisagem de uma nova cultura
socioespacial, a exemplo da integração entre o fazer cotidiano e um marco arqueológico.
200
124 Estuda as culturas e os modos de vida das diferentes sociedades humanas, tanto do passado como do
presente, a partir da análise de objetos materiais.
125 As comunidades presentes no Porto do Capim são: Frei Vital (composta pela rua de mesmo nome e
pelo agrupamento com essa denominação), Porto do Capim, XV de Novembro e Vila Nassau.
126 A Fundação Casa de Cultura Companhia da Terra é uma entidade civil, com prazo de duração
indeterminado, com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, com autonomia
administrativa, financeira e patrimonial e reger-se-á pelo presente Estatuto, por seu Regimento Interno e
pela legislação aplicável.
202
4- a participação comunitária;
O levantamento tem como base o total de 193 (cento e noventa e três) unidades
habitacionais e 228 (duzentos e vinte e oito) famílias.
Na chefia do núcleo familiar, observa-se que as mulheres são maioria com
67,75%; e os homens compõem 32,25%. Esse dado mostra que as mulheres no Porto
203
são responsáveis pelo núcleo familiar em percentual superior à média nacional, e fornece
pistas do porquê são as mulheres que estão na frente da luta por moradia e território.
Elas são as maiores responsáveis pela casa e a reprodução familiar.
A escolaridade é uma variável a ser considerada, e os projetos de educação
patrimonial e história, como o Subindo a Ladeira e, Memórias Ribeirinhas, foram o marco
inicial para a resistência.
O alto quantitativo de analfabetos demonstrado pelo resultado, com 8,73 %, de
crianças que não frequentam a escola, com 17,93 %, na faixa etária de até 7 anos,
demonstra a necessidade do Ponto de Cultura como suporte à escolarização e incentivo
ao ingresso na vida acadêmicas, como ocorreu com Rossana e Rayssa, podendo ampliar
o percentual de 0,65% de moradores com ensino superior completo (PMJP/SEMHAB,
2010).
No que concerne à renda média mensal do chefe da família, a pesquisa mostrou
que temos entre os moradores a seguinte estratificação: sem renda 16,61 %; renda até
1 SM: 26,38 %; de 1 a 2 SM: 39,41 %; de 2 a 3 SM: 11,40%; acima de 3 SM: 6,19 %.
Acreditamos que o cenário tenha piorado com a ampliação do desemprego, e fim dos
direitos trabalhistas. Para garantir condições de reprodução, morar próximo ao rio é uma
estratégia: “quando não temos nada para comer em casa, vamos na maré e pegamos,
nunca ficamos sem comida” (Moradora do Porto do Capim).
Os dados do mutirão de levantamentos realizados à época nos levaram a
considerar a importância do tempo de permanência numa comunidade, como fator
positivo para o grau de empatia e confiança, que são criados com o tempo de convivência
entre as pessoas, e facilita a participação nas ações coletivas da comunidade.
O maior percentual de moradores antigos no Porto do Capim, representa 24% do
total. Moram na localidade pessoas com idade de 16 a 25 anos, possivelmente nasceram
na comunidade, que participam dos movimentos coletivos internos da comunidade,
Jovens Sanhauá e do Xote das meninas, além de do projeto Subindo a Ladeira.
O menor percentual por grau de “antiguidade” foi de 4% do total de pessoas
enquadradas na pesquisa. Esses moradores que não se reconhecem ribeirinhos, porque
buscaram refúgio na comunidade por questões econômicas, e, logo que a prefeitura
204
Esse último item foi revelador, a equipe do projeto conseguiu entender o porquê,
só depois da implantação da AMPC, a comunidade se uniu com um objetivo comum,
lutando por suas pautas reivindicatórias, por serviços e equipamentos urbanos e de
saúde.
A área circundante ao Porto do Capim contempla alguns serviços e equipamentos
urbanos. Podemos citar dois (2) Centros de Referência da Educação Infantil (CREI).
Lembramos que 13,22 % da população do Porto está na faixa etária de 0 a 5 anos.
Crianças de até 7 anos, e que não frequentam a escola, somaram um percentual de
17,93%. Um problema para as mães que precisam desse serviço para poder garantir a
escolaridade e segurança dos filhos ao saírem para trabalhar.
Outro equipamento público urbano necessário disponível aos moradores para
desempenhar suas atividades fora da moradia, é o transporte público. Constatamos a
presença de ônibus urbanos (31 linhas de ônibus ligam a área e o entorno aos diversos
bairros da cidade). O acesso e a circulação da classe trabalhadora é outro facilitador para
o desenvolvimento de suas atividades produtivas e reprodutivas, a remoção pode
dificultar sua locomoção.
206
é bom; 8- apoia, mas acha que deveria ser opcional; 9- considera doloroso pela falta de
informações precisas.
Dos entrevistados 62,8% não concordaram com o projeto; 20,1% responderam
que apoia, porém não cita o motivo. Os entrevistados apoiam porque sua moradia é
precária, somou um percentual de 7,3%; já 3,7% dos entrevistados respondeu no
questionário que apoia porque quer ter uma casa própria; os que não têm opinião formada
são 2,4% dos moradores; 1,8% dos entrevistados não acreditam existir esse projeto; 3
respostas diferentes tiveram o mesmo percentual de 0,6%, nas quais as questões
levantadas foram: (1) consideram doloroso a falta de informações precisas; apoia, mas
acha que deveria ser opcional e o último (2) acha que o projeto é bom, apesar de que,
até o momento da coleta dos dados, a CPCA não tinha tido acesso ao projeto de
REVITALIZAÇÃO.
O cenário atual é outro, várias questões apontadas no questionário no ano de 2013
forma resolvidas, uma representação legítima reivindica as demandas dos moradores,
entre elas a permanência na área, o reconhecimento como comunidade tradicional
ribeirinha, e a solidificação de duas formas de associativismo, complementares, AMPC e
Jovens Garças do Porto do Capim, juntas, constroem mecanismos alternativos e
sustentáveis de manter as ações culturais da comunidade, resultando na formação em
diferentes frentes: social, jurídica e política e econômica.
turística comunitária. Tudo, no primeiro momento, para resistir ao projeto higienista, mas
se transformou na mudança da subjetividade da comunidade - uma semente que
germinou e superou o primeiro objetivo, o reconhecimento, passando pela representação
(AMPC), chegando à redistribuição, proposta nos projetos inclusivos.
O próximo capítulo trará os projetos defendidos pela gestão pública municipal,
desde a criação do convênio Brasil/Espanha na década de 1987, as estratégias de
ordenamento do espaço da cidade, com marcos jurídicos para abarcar o projeto de
REVITALIZAÇÃO.
210
130 O vice-presidente do Brasil, filiado ao Partido Movimento Democrático Brasileiro, fica na presidência
durante dois anos, até as eleições de 2018.
131 Jair Messias Bolsonaro, defensor da política economia ultraliberal e do conservadorismo social, foi
eleito como presidente da República em 2018 pelo Partido Social Liberal (PSL). Em 2019 desfiliou-se e
criou a organização política Alianza pelo Brasil.
212
Figura 40- Linha do tempo das ações do Estado para efetivação do projeto de Revitalização do Antigo Porto do Capim
132Realizado durante a gestão do então governador do estado Tarcísio de Miranda Burity, por meio da
assinou acordo de delimitação do Centro Histórico da cidade com o governo espanhol (OLIVEIRA, 2009).
214
133 A lógica preservacionista ou doutrina preservacionista caracteriza-se por padrões ideais urbanísticos.
Traduzida pela noção de monumento ideal, a restauração de um edifício passa a ser a restituição de um
estado que pode jamais ter existido. Reflete a doutrina de reconstrução histórica. (FIGUEIREDO, 2001, p.
5).
134 Marcelo Silva é arquiteto, foi membro da Comissão Permanente de Desenvolvimento do Centro
Histórico de João Pessoa e é servidor do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Desde março
de 2014 ocupa cargo de Superintendente do Iphan na Paraíba (GONÇALVES, 2014).
135 Decreto Estadual nº 12.239.
136 Durante a vigência do Convênio, as ações da Comissão foram financiadas pela AECI (CPDCHJP,
2000).
215
137 Tipificação da área de preservação do Centro Histórico de João Pessoa, dividida em: Área de
Preservação Rigorosa (APR), Área de Entorno (AE) e Setores Homogêneos (SH) (FERREIRA; ARAÚJO,
2019, p. 7). A definição da tipificação escrita por CLEMENTE, APR é definida como “conjunto de
logradouros públicos, dos lotes e edificações com qualquer limite voltado para eles (...) cujos elementos
devam ser observados, valorizados e restaurados ou adaptados às características arquitetônicas e
urbanísticas originais”, como os “ exemplares significativos da arquitetura religiosa, civil, institucional e
militar” bens que estivessem “relacionados a conhecimentos históricos ou a personalidade locais, estaduais
e nacionais” ou que constituísse “testemunho das práticas e tradições de uma época ou de um momento
da sociedade”. APR concentrava ainda, conjuntos e edificações que formassem a ambiência de edifícios
significativos, mesmo que se tratasse de construções de natureza popular, bem como “elementos naturais
portadores de significação histórica, paisagística e ambiental”; a AE ou Área de Preservação de Entrono
(APE), consiste na “porção de território natural ou urbano vinculado pela continuidade espacial evolutiva
do traçado urbano e pelos laços históricos, culturais e sociais, econômicos e funcionais à APR, mas que
não possua semelhante densidade de bens de significado cultural”. A APE funciona como uma área de
transição e manutenção da ambiência entre a APR e a área de expansão da cidade; A APE seria dividida
em SH, definidos a partir de estudos de “relação de escala, volume e texturas de materiais com a APR,
com objetivo (2017, p. 137-138).
216
Art. 40. O Centro Histórico e a portão da Área Urbana definida pelo Decreto
Estadual n° 9484, de 10/05/82, e que deve ser objeto de regulamentação
específica, contemplando: I o estabelecimento de mecanismo conjunto de
consulta, aprovação e fiscalização de projetos e obras entre o Poder
Executivo e os órgãos de preservação; II a utilização do instrumento da
Operação Urbana; III uma política gradual de substituição de usos, para
aqueles mais adequados a preservação do Centro Histórico e a utilização de lotes
vazios e áreas deterioradas em projetos de interesse social; IV a restrição ao
tráfego de veículos (PMJP/PD/JP, 1992)
Segundo o Art. XX da referida Lei (?): O Centro Principal, incluindo o Centro Histórico da Cidade, e a portão
da área urbana que sofre um processo acelerado de transformação e que abriga funções urbanas
conflitantes, tais como: maior concentração de trafego de veículos e pessoas e um número significativo de
edificações de uso institucional, comercial e de serviços, sendo portanto, objeto de regulamentação
complementar especifica, submetidas a apreciação do órgão estadual de preservação do Patrimônio
Histórico, e que deve contemplar: I a restrição a circulação de veículos; II a regulamentação de horários
e percursos para operação de carga e descarga; III a exigência um número suficiente de vagas para
estacionamento, em todos os projetos de construções novas e reformas; IV a recuperação e livre
desimpedimento das vias para circulação de pedestres; V o estabelecimento de índices urbanísticos
específicos para cada quadra considerando a proximidade da área do Centro Histórico, o entorno do
Parque Sólon de Lucena e as áreas onde é possível o uso residencial ou o adensamento dos outros usos
(Plano Diretor de João Pessoa. Art. 39. Disponível pelo site:< http://www.joaopessoa.pb.gov.br/portal/wp-
content/uploads/2012/04/planodiretor2009.pdf>. Acessado em: 28/10/2017).
219
143 Seção II Das Zonas Especiais de Interesse Social do Art. 33. Zonas Especiais de Interesse Social são
aquelas destinadas primordialmente a produção, manutenção e a recuperação de habitações de interesse
social e compreendem: I terrenos públicos ou particulares ocupados por favelas ou por assentamentos
assemelhados, em relação aos quais haja interesse público em se promover a urbanize acho ou a
regularizar, ao jurídica da posse da terra, delimitados no Mapa 3, que e parte integrante desta lei; II glebas
ou lotes urbanos, isolados ou contíguos, não edificados, subutilizados ou não utilizados com área igual ou
superior a 1.000 m²;III edificações de valor para o Patrimônio Histórico que abriga ocupação plurifamiliar
subnormal. Art. 34 diz que o Poder Executivo deverá elaborar plano de urbanização para as Zonas
Especiais de Interesse Social, que estabelecerá. I padrões específicos para o parcelamento, uso e
ocupação do solo e para as edificações; II as formas de participação da iniciativa privada, em especial dos
proprietários de terrenos, dos promotores imobiliários e das associações de moradores na viabilização do
empreendimento; III a fixação de prático e forma de financiamento, transferência ou aquisição das
unidades habitacionais a serem produzidas. Art. 35. O Poder Executivo, para promover a regularização
fundiária nas Zonas Especiais de Interesse Social, poderá: I utilizar a Concessão Real de Uso, quando o
assentamento for sobre área pública Municipal, mediante lei específica; II assegurar a prestação de serviço
de assistência jurídica e técnica gratuita a população de baixa renda, para a promoção da Ação de
Usucapião Urbano; III promover as ações discriminatórias cabíveis, quando for o caso. § 1°. Em nenhum
caso poderá ser utilizada a doação de imóveis.
144O planejamento estratégico representou uma transposição dos conceitos do planejamento de empresas
para o planejamento urbano (KAUFMAN; JACOBS, 2007), e vem sendo utilizado em várias cidades ao
redor do mundo e inclusive no Brasil (VAINER, 2013).
220
145 Edificado em 1929, na década de 1930 foi construído o segundo bloco, inspirado nos hotéis europeus
mais populares da época, e era considerado o melhor hotel da cidade, com seus salões, ornados por
espelhos de cristais tchecos, ricas luminárias, mobiliário e ornamentos importados dos mais diversos
países da Europa. Foi palco dos grandes acontecimentos sociais e políticos de João Pessoa, sendo um
marco da paisagem urbana e geográfica da capital. O hotel Globo faz parte do conjunto arquitetônico do
pátio São Pedro Frei Gonçalves e é tombado pelo Patrimônio Histórico. Disponível pelo site:<
http://portal.iphan.gov.br/noticias/detalhes/3733>. Acessado em: 05/04/2017.
146 Segundo Laraia (2008): “Podemos afirmar que existe dois tipos de mudança cultural: uma que é interna,
resultado da dinâmica do próprio sistema cultural, e uma segunda que é o resultado do contato de um
221
sistema cultural com outro. No primeiro caso, a mudança pode ser lenta, quase imperceptível para o
observador que não tenha o suporte de bons dados diacrônicos [...] O segundo caso [...] pode ser mais
rápido e brusco. No caso dos índios brasileiros, representou uma verdadeira catástrofe. Mas pode ser um
processo menos radical, onde a troca de padrões culturais ocorre sem grandes traumas. [...] É praticamente
impossível imaginar um sistema cultural que seja afetado apenas pela mudança interna. Isso só seria
possível no caso, quase, absurdo, de um povo totalmente isolado dos demais” (p. 96-97).
147 A Associação Folia de Rua surgiu em 1996, com o objetivo de organizar os blocos que resgatavam o
carnaval da cidade. Segundo o coordenador de comunicação da Associação Folia de Rua, Jairo Pessoa,
o pré-carnaval hoje com mais de 200 blocos espalhados por todos os bairros da Capital, sendo cerca de
130 cadastrados na Secretaria de Desenvolvimento Urbano (Sedurb). “Isso sem contar os novos blocos que
nascem todos os anos e que vão se juntando a esta grande família”, ressaltou. Disponível pelo site:<
http://jpcultura.joaopessoa.pb.gov.br/projeto/30/>. Acessado em 28/03/2018.
148 Exemplo da do Porto do Capim, com seu calendário anual de comemorações, integram festejos
diversos: Carnaval, São João (com sua quadrilha), Dia de Nossa Senhora das Neves (Padroeira da
Cidade), A procissão de Nossa senhora da Conceição, o dia Folclore, repletas e ricas em referências
simbólicas. Disponível pelo site:<https://www.facebook.com/groups/299654220205593>. Em: 22/08/2019.
149Programa criado em 1995, pelo Ministério da Cultura - MinC com a direção do Banco Interamericano de
Desenvolvimento - BID deram início aos entendimentos para viabilizar um programa de preservação do
patrimônio cultural do país, com ênfase nos sítios e conjuntos urbanos. No ano seguinte, o IPHAN elabora
a Carta-Consulta ao BID, aprovada em agosto. Na sequência, são discutidos os fundamentos do programa
e fixados os locais de intervenção prioritária, a saber, Olinda, Recife, Salvador, Ouro Preto, Rio de Janeiro
e São Paulo. Nesse mesmo período é também criada uma comissão técnica no IPHAN para apoio à equipe
do Monumenta e são contratados os primeiros consultores, em cooperação com a Unesco (DUARTE
JÚNIOR, 2010.p.55). As ações buscavam conjugar restauração e recuperação de bens tombados aliados
a questões de desenvolvimento econômico e social” (GONÇALVES, 2014, p. 35 nota de rodapé).
222
150O PRODETUR direciona a infra-estrutura urbana para o turismo em localidades relevantes para o
desenvolvimento dessa atividade. Na cidade de João Pessoa em 2002 os recursos do PRODETUR-NE
foram utilizados para restaurar Igreja de São Frei Pedro Gonçalves e Prédio Nº 02 do Largo de São Frei
Pedro Gonçalves, atualmente se localiza a sede do Instituto dos Arquitetos do Brasil (LEANDRO, 2006).
223
Segundo os entrevistados, uma das causas pode ser entendida pelo fato de que
tal programa era focado diretamente aos municípios, e no caso de João Pessoa
a Comissão do Centro Histórico estava instruída em âmbito estadual. Um dos
resultados dessas configurações políticas foi que a Comissão Permanente de
Desenvolvimento do Centro Histórico de João Pessoa conseguiu trabalhar em
parceria com um programa de turismo, mas não conseguiu o mesmo resultado
na tentativa de se trabalhar com um programa de preservação do patrimônio
cultural de nível nacional (2014, p. 35).
151Objetivo era a geração de recursos para o equilíbrio financeiro das atividades desenvolvidas e que
mantenham conservados os imóveis da área do projeto, facilitando com isso, a manutenção das
características originais dos bens (CPDCHJP, 2007).
224
152 Em João Pessoa o programa não teve muita representatividade, diferente do que ocorreu em Salvador,
no Pelourinho, onde ocorreu mudança de uso do solo, remoção involuntária dos moradores de baixa renda,
isenção fiscal durante anos aos empreendimentos lá instalados, e posterior abandono da área com o fim
desse benefício fiscal (GONÇALVES, 2014).
225
6.1.2 - Elaboração de marcos regulatórios nos Planos Diretores, para habilitar o projeto
de requalificação o Centro Histórico
153Tombar esse universo, restrito geograficamente, mas amplo em sua ação sinérgica, é a materialização
dos avanços, percalços, erros e acertos de um polo tão antigo quanto a própria memória nacional possa
alcançar. Além de tudo, é lindo de se ver. O rio invade a urbs e o casario penetra o mangue, num espetáculo
de rara plasticidade, cuja preservação passa, necessariamente, por uma regulamentação federal. Assim,
impõe-nos a obrigação em pleitear um tombamento nacional. Fonte: ACEHRVO, 2002 In: IPHAN, [2007].
227
Figura 42-Mapa do macrozoneamento da cidade de João Pessoa com destaque para o Porto do Capim
Fonte: Prefeitura Municipal de João Pessoa. Secretaria de Planejamento, adaptado pela autora.
228
155 O termo remoção é utilizado nesse trabalho como referência a retirava involuntária dos moradores da
comunidade do Porto do Capim, em qualquer das subáreas que compõe a comunidade, sem sua
permissão, acordo, ou algo que lhe valha.
156 O PAC lançado em 2007 buscava retomar as obras de infraestrutura econômica e social. Constava do
PAC projetos e obras de: 1) Logística- rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, com orçamento de RS 58,3
bilhões; 2) Energia- geração e distribuição de energia, combustíveis renováveis, petróleo e gás natural,
com orçamento de RS 274,8 bilhões; 3) Infraestrutura social e urbana- Luz para todos, saneamento,
habitação e recursos hídricos, com orçamento de RS 170,8 bilhões (MARICATO, 2014, p. 64).
232
157 O processo de higienização social ocorre com quando da remoção de população de baixa renda, de
locais da cidade, que se tornam espaço de disputa e interesse do capital, seus produtores. ex: imobiliário,
turístico. Ação na maioria das vezes realizada pelo poder público, embalada por projetos de interesse do
capital.
234
inaugurou uma nova fase na política econômica do governo do Partido dos Trabalhadores (PT),
estabelecendo um conjunto de regras, compromissos de ação e diretrizes de governo objetivando o
crescimento econômico de 5% ao ano para o período de 2007 a 2010 e incorporado à política de governo
da atual presidenta Dilma Rousseff.
235
160Segundo relato da própria PMJP, empresários do ramo náutico e de turismo, trariam suas embarcações
e catamarãs para o novo espaço, os píeres do Porto do Capim.
236
6.3 - As três versões do mesmo projeto para área do Porto do Capim: Projeto de
REVITALIZAÇÃO do Antigo Porto do Capim (1987), Projeto de REVITALIZAÇÃO do
Porto do Capim (2010) e o Parque Ecológico Sanhauá (2019).
Esse mesmo modelo de intervenção foi adotado pela Prefeitura Municipal de João
Pessoa na praça do Ponto de Cem Réis, no centro de João Pessoa, paulatinamente
transformada em um pátio árido, cuja única função é showmícios a noite, no centro da
cidade.
As diretrizes do segundo projeto, definidas pela PMJP, tratava-se de um espaço
aberto para eventos a ser implantada na área atual ocupado pela Comunidade Porto do
Capim, considerando espaço de ocupação irregular, que sofreu sucessivos aterros.
241
informação. A área 2, é totalmente fora da área do Porto, fica no baixo Roger, bairro
vizinho, (Figura 49).
Foi feita uma proposta de uso de duas áreas na própria comunidade. O curtume
desativado e a área da antiga PROSERV em amarelo. As duas poderiam ser utilizadas
para construção de habitações sociais.
161 O Plano de Ação João Pessoa Sustentável é resultado da colaboração entre o BID, a Caixa
Econômica Federal (CAIXA), a Fundação Apolônio Salles de Desenvolvimento Educacional (Fadurpe), a
Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj), e a PMJP, em um processo participativo desenvolvido entre junho de
2013 e junho de 2014. A parte final do Plano indica caminhos e estratégias para as áreas priorizadas no
sentido de garantir o desenvolvimento sustentável de João Pessoa no curto, médio e longo prazos, com
uma projeção dos custos e metas a serem cumpridas PMJP, 2014, p. 5).
244
162 AIniciativa Cidades Emergentes e Sustentáveis (ICES) nasceu no BID em 2010 como um produto de
conhecimento, e se apresenta como uma resposta aos cidadãos da América Latina e Caribe (ALC). [...] A
ICES nasceu no Brasil apoiando a cidade de Goiânia/GO com um Plano de Ação lançado em 2012. Uma
parceria com a Caixa econômica Federal (PMJP, 2014, p. 9).
245
Este capítulo dá continuidade à discussão sobre o conflito pelo uso do solo na área
do Porto do Capim, mostrando proposituras de planejamento inclusivo. Estas
contrapropostas caminham na direção oposta às defendidas, até o momento, pela PMJP
e apresentadas no capítulo anterior. Por isso, neste trabalho definimo-las como
contrapropostas “insurgentes".
Os projetos aos que nos referimos neste capítulo compõem duas contrapropostas.
A primeira proposta elaborada no ano de 2012, por um grupo de trabalho técnico (GT)
criado no interior do IPHAN/PB. Esse GT tinha como objetivo criar um consenso entre os
técnicos da autarquia, em relação aos projetos que deveriam ser implantados na área do
Porto do Capim.
A segunda contraproposta deu-se no ano de 2015, construída em parceria do
programa de extensão da UFPB: “REQUALIFICAÇÃO URBANA, AMBIENTAL E
PATRIMONIAL DO PORTO DO CAPIM EM JOÃO PESSOA-PB”, junto à comunidade do
Porto do Capim. Este projeto, de requalificação urbana, criou um subtítulo, “abrace o
Porto do Capim”.
O projeto de requalificação urbana: abrace o porto do capim, elaborou duas
propostas para a área: a) uma de urbanização do Porto do Capim e do Curtume163 e; b)
uma proposta é de habitação do Porto do Capim e do Curtume. Ambas as propostas
seriam construídas concomitantemente.
Os projetos de urbanização e habitação na área do Curtume, foram elaborados
por alunos da disciplina Projeto de Edificações V164, ministrada pela professora Elisabetta
Romano.
O Projeto de urbanização e habitação na área do Curtume, elaborado por alunos
da disciplina Projeto de Edificações V , ministrado pela professora Elisabetta Romano; já
163 O Curtume se localiza na subárea do Porto do Capim, na rua Frei Vital, mapa de localização no item
4.1, Figura 33. Era um curtume desativado, a partir de 2016 foi ocupado por parte de moradores da própria
área do Porto e moradores da periferia da cidade. No ano de 2015 é crida uma ZEIS Curtume (lei
12969/2015 e decreto 8361/2014). Porém nunca foi proposta a sua efetivação em projetos de habitação
social.
164 Componente curricular do Curso de Arquitetura e urbanismo da UFPB.
247
165 O uso diferenciado das áreas Porto do Capim e Vila Nassau, no título do documento que deu origem a
proposta, se refere as subáreas, que compõe a comunidade. Vale lembrar: Porto do Capim, Frei Vital,
Praça XV de novembro e Vila Nassau. Acrescentado do Curtume, que espacialmente se localiza entre a
frei Vital e o Porto do Capim, na rua Frei Vital. Há um entendimento de quem não é da área, senso comum,
de que tudo é Porto do capim, menos a Vila Nassau, por se localizar na outra ponta da área do Porto.
166 Detalhado no capítulo 3, referente as parcerias na construção da luta e resistência no Porto do Capim
248
elaborada a partir das visitas técnicas, diálogo com os moradores, análise de documentos
referentes a questões patrimoniais, ambientais e dominiais.
A instituição do GT possibilitou a construção, dentro do IPHAN/PB, de uma outra
visão de planejamento urbano mais ampliado e inclusivo. O GT propôs um estudo
aprofundado e crítico do projeto elaborado pela CPCHJP, depois de mais de 20 anos de
sua elaboração. A análise do projeto pelo GT, possibilitou afirmar que não houve
mudanças significativas, na visão patrimonial do poder público municipal sobre a área e
seus moradores.
As mudanças estruturais e de visão patrimonial do Poder Público e de setores com
interesses políticos é a mesma, e as propostas defendidas no projeto original, não
condizem com as cartas patrimoniais167 e normativas ambientais168, contidas nos marcos
legais nacionais e internacionais, os quais o Brasil é signatário (IPHAN, 2012).
Os GT insurgente do IPHAN/PB, na tentativa de cumprir seu papel de guardião
oficial dos patrimônios materiais e imateriais, seguiram o caminho oposto ao da
superintendência da autarquia, seguiu as normativas que os regem. Seus objetivos na
produção de uma contraproposta era.
amarelo: a linha imaginária de 15 metros a partir da margem do rio Sanhauá; na cor rosa
mais escuro: as habitações que serão removidas; e na cor rosa mais claro, as habitações
que permanecerão.
Figura 52- Planta Baixa da Proposta de Requalificação das Áreas Urbanas do Porto do Capim e da Vila
Nassau
169 3o da Resolução CONAMA no 302, de 2002, devendo ser respeitada faixas mínimas de 15 m para
cursos de água de até 50 m de largura e faixas mínimas de 50 m para os demais”.
255
O projeto integra a cidade ao rio, como reivindicado pela PMJP, já que contempla
à comunidade, as áreas de sociabilidade coletiva, as praças e trapiches, espaços
garantidores da reprodução de práticas socioespaciais coletivas.
A disponibilização de equipamento urbanos e infraestrutura de saneamento, traz,
todavia, dignidade e qualidade de vida à comunidade. Trata-se de uma forma de
redistribuição de recursos sociais a um grupo de famílias trabalhadoras de baixa renda e
poder de consumo, diminuindo parte da segregação na que vivem, e efetivando
instrumentos que potenciam a conquista da justiça social ampliada.
O projeto além de requalificar, abre possibilidades de ampliação de alternativas
econômicas, voltadas para o setor turístico e de lazer, que incluem a comunidade, dentro
daquilo que, no planejamento e na literatura, tem sido denominado como um turismo
comunitário. É retirado do contexto uma árida praça de eventos - proposta pela prefeitura,
e no seu lugar projeta-se a construção de um espaço de integração do ecossistema de
mangue e rio, como podemos observar (Figura 53).
Figura 53-Perspectiva da Proposta de Requalificação das Áreas Urbanas do Porto do Capim e da Vila
Nassau
Figura 54- Perspectiva da Proposta de Requalificação das Áreas Urbanas do Porto do Capim e da Vila
Nassau
171 Etapa de planejamento inicial, define as diretrizes gerais do empreendimento levando em consideração
as demandas e conveniências da empresa contratante, as exigências legais, as condições topográficas e
ambientais do terreno, procurando sempre a solução urbanística mais adequada. Nesta etapa são definidas
as estratégias de aprovação ambiental e urbanística assim como a estratégia comercial, tendo como
resultado a definição das fases de implantação do projeto ao longo do tempo, produtos, e demais
estratégias de desenvolvimento urbanístico. Disponível pelo site:
<http://www.areaurbanismo.com.br/master-plan>. Acessado em: 29/03/2017.
260
Figura 55-Maquete digital com a disposição tipológica das moradias e urbanização da área do Curtume
O produto desse trabalho é uma planta de uso e ocupação do solo (Master Plan)
em que são registrados os pontos sobre as quais há consenso entre a proposta
da Prefeitura e a dos moradores da Comunidade; questões sobre as quais é
possível encontrar uma solução compartilhada e outros pontos sobre os quais a
Comunidade tem uma opinião contrária bastante consolidada ROMANO, 2016a,
p. 5).
Figura 59-Quadro de registro dos consensos entre os projetos da PMJP e a Contra proposta do PROEXT
A discussão nos GTs, eram uma disputa entre a defesa de um projeto inclusivo e
participativo, contra outro, tecnicista, cuja lógica era preparar o espaço para que virasse
mercadoria. As estratégias e defesas feitas pela PMJP e pelo IPHAN/PB, se baseava na
cenarização histórica e paisagista, hiper valorização dos patrimônios materiais, para isso
se propunha a remoção de várias casa no Porto, destruindo o arranjo de vizinhança,
intervindo diretamente na tradicionalidade.
173 Termo utilizado para definir a amplitude de visão da paisagem aproximadamente de 180º.
269
174 muro de arrimo classificado como uma estrutura de contenção à gravidade e flexível. As gaiolas são
“costuradas” continuamente por um arame, formando estruturas monolíticas que serão preenchidas
manualmente com as pedras.
175Projetos que envolvem retirada e colocação de areia, sempre são de alto custo, de difícil contabilidade
e fiscalização, em projetos públicos, com desperdício do erário, a exemplo do sedimento retirado do Parque
Sólon de Lucena, nas obras de limpeza. No documento, o órgão identificou um prejuízo de R$ 5,9 milhões
em pagamentos pelo serviço referente à remoção de solo mole e cerca de R$ 3,6 milhões em pagamentos
na construção de um túnel para regularização do espelho d'água da Lagoa. Durante a execução da obra,
a Câmara de Vereadores de João Pessoa chegou a dar início a uma Comissão Parlamentar de Inquérito
270
A relocação das casas próximas ao mangue com uma passarela de madeira para
pedestre e ciclovia, atraindo o turista e os pessoenses a circulação e contemplação,
dando acesso ao rio, a natureza e ao mangue, sem retirar os quintais dos moradores que
restaram na borda, cujas casa não apresentavam perigo. A contenção seria feita com
“mourões ou gabião, em seguida a elevação das cotas das casas para 3 metros” (30cm
acima da maré excepcional), permitindo acesso ao saneamento (BOAVENTURA, 2016,
p.41).
Coube aso alunos da residência da especialização do RAU, e alunos de “disciplina
de PE V (Projeto de Edificações V), no primeiro período de 2016, terem suas atividades
voltadas para o projeto do Porto do Capim”, elaborar a representação gráfica do
mosaico das soluções, projetuais para o Porto do Capim, suporte a carta dos consensos.
273
Para esse fim foram definidas cinco categorias espaciais que, por apresentarem
problemáticas e potencialidades parecidas, permitiriam que cada grupo
desenvolvesse estudos prevalentemente focados para apresentar soluções para
a superação da maior dificuldade ou para a valorização da maior potencialidade
para aquela área específica. A partir dessas premissas foram formados os
seguintes grupos: NOSSO MANGUE, NOSSA VIDA: Estratégias Integradas de
Requalificação para a reforma das habitações ribeirinhas coordenado pela
residente Marina Fontenele; CONVIVENDO COM A ÁGUA EM HARMONIA:
Requalificação Urbana e Saneamento para a área da Frei Vital coordenado pelo
residente Flávio Boaventura MÃOS NA MASSA, FAZ A CASA: Autoconstrução
assistida coordenado pelo concluinte Diogo Choia SE ESSA RUA FOSSE
MINHA: Processo Participativo para a requalificação dos espaços públicos do
Porto do Capim coordenado pela residente Camila Furtado; ALÉM DOS
TRILHOS: O mercado do Porto do Capim como polo de integração da
comunidade com a cidade coordenado pelo residente Ezio Luiz Martins Simões
(ROMANO, 2016a. p.11).
A efetivação dos projetos na área do Porto do Capim, suas etapas, deveria ter sido
dada continuidade, realizando um projeto de vanguarda, com a participação dos sujeitos
sociais, do início ao fim do processo. Com o fim da Grupo de Trabalho, os projetos foram
disponibilizados ao Poder Público, que se negou a utilizá-los.
Em 2019 a PMJP resolve implementar o projeto “Parque Ecológico do Rio
Sanhauá”, e o projeto com a contraproposta fica arquivado.
O momento que se encontra a comunidade é de tratativas com a PMJP, mediado
pelo MPF/PB e Defensoria Pública da União, a fim de se chegar a um consenso, com a
inserção da comunidade no projeto de requalificação da área. Seguem as considerações
realizadas a respeito do conflito de uso pelo solo e do protagonismo feminino na luta.
281
CONSIDERAÇÕES
das demandas daquele grupo social, além de criar condições econômicas à manutenção
de seus eventos festivos (Carnaval; São João; dias comemorativos: pais, mães, criança;
Procissão de Nossa senhora da Conceição e dia da Cidade), além do turismo
comunitário. Todas as ações são componentes das suas práticas culturais, que ora
reforçam, e ora reinventam, na dinâmica da construção da cultura.
A unificação da luta, através das múltiplas ações promovidas pelas diferentes
associações, fortificou a consciência coletiva nos momentos de resistência, e, somando-
se experiências de diferentes gerações, conecta a energia da criança e do jovem, com a
maturidade e experiência dos adultos e dos mais antigos. A unificação da luta abarcada
pelas, associação e coletivo foi facilitada pela intersecção da suas representantes
Rossana Holanda, presidenta da AMPC, que, também, é uma das responsáveis pelo
coletivo, levando a luta por reconhecimento do grupo na forma de status, que reforça a
solidariedade - um dos pilares da luta coletiva.
A teoria da unificação das 3R3, defendida por Fraser, viabilizou
metodologicamente preceitos ao estudo e análise do conflito pelo uso do solo urbano do
Porto do Capim. Os R3 é o eixo que perpassa todo o estudo da tese, revelando a
representatividade na comunidade do Porto como instrumento de luta coletiva, para além
da identidade de autossatisfação, sem abandoná-la. As condições subjetivas se fundem
com as condições intersubjetivas, garantindo a paridade participativa e a justiça
ampliada, quanto ao uso e produção da cidade, e a reivindicação de inclusão em projetos
propostos para área.
O reconhecimento no processo de luta teve sua natureza alterada, assumindo o
da redistribuição, afinal, o reconhecimento também é um bem a ser distribuído, referindo-
se a valores de uso defendido por grupos tradicionais, defesa e guarda do território,
práticas socioespaciais coletivas de solidariedade, práticas conservacionistas (rio e
mangue), que são resultado da simbiose homem/natureza, e devem ser reconhecidas e
partilhadas com a sociedade, como condições subjetivas.
O deslocamento da identidade, do individual para o coletivo, faz com que a luta
seja ampliada, assim como a justiça social. As condições intersubjetivas, por sua vez,
excluem padrões institucionalizados que negam e depreciam, sucessivamente, sujeitos
sociais de baixa renda, em contraposição a projetos excludentes, com base na
285
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APÊNDICE
Apêndice I - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Sua participação no estudo é voluntária e será realizada por meio de entrevista livres e
questionário semiestruturado, assim como será utilizado gravações de voz, registros
fotográficos, e/ou filmagens. A qualquer momento você poderá desistir, tendo o direito e
a liberdade de retirar seu consentimento em qualquer etapa da pesquisa, sem nenhum
prejuízo, e sua participação não será considerada. Suas informações não serão
utilizadas para fins além desta Pesquisa. Para garantir a seguridade da pesquisa, será
entregue uma cópia do referido termo com o contato do pesquisador. Para
esclarecimento de dúvidas ou maiores informações o(a) Sr. / Sr.ª poderá entrar em
contato com o pesquisador pelos telefones (xx) xxxxx-xxxx/xxxxx-xxxx ou por meio do
endereço eletrônico xxxxx@xxxxxx.
303
Apêndice II - Questionário
Dados pessoais
a) Nome: _________________________________________________idade:__________________
b) Quanto tempo morava no Porto do Capim:____________________________________________
d) Você é a favor ou contra o projeto proposto pela prefeitura para a área do Porto do Capim?
_____________________________________________________________________________
e) A efetivação do projeto é uma preocupação para você? se a resposta for positiva, qual a preocupação?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
f) O que gostaria de ocorresse em relação ao projeto elaborado pela PMJP?
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
________________________________________________________________________________
304
ANEXOS
Anexo 1 - DECRETO Nº 5.051, DE 19 DE ABRIL DE 2004. Promulga a Convenção no
169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.
305