2012 - Semo, Rosina Januário Zuanze
2012 - Semo, Rosina Januário Zuanze
2012 - Semo, Rosina Januário Zuanze
LICENCIATURA EM ANTROPOLOGIA
i
O SISTAFE como instrumento de combate à corrupção: Um estudo
antropológico sobre as percepções e representações sociais, face à sua
introdução na Função Pública
Autora:
ii
ÍNDICE
Declaração …………………………………………………………………………... ii
Agradecimentos ……………………………………………………………………... iv
Resumo....................... ………………………………………………………………. v
CAPÍTLO 3. METODOLOGIA....................................................................................... 11
......................................................................................................................... 20
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................... 34
ANEXOS
LISTA DE ENTREVISTAS
GUIÃO DE ENTREVISTAS
iii
Declaração
Eu, Rosina Januário Zuanze Semo, estudante da Universidade Eduardo Mondlane, Faculdade de
Letras e Ciências Sociais, declaro por minha honra que o presente trabalho do fim de curso de
Licenciatura em Antropologia, nunca foi apresentado na sua essência para obtenção de qualquer
grau académico e que ele constitui o resultado da minha investigação individual, feito com base
nas fontes mencionadas na bibliografia e nos métodos descritos no texto.
Autora
----------------------------
i
Dedicatória
À minha mãe Floriana Uainda Manhice, meus heróis, que muito se sacrificaram para que o
meu sonho de ter uma formação do nível superior se tornasse uma realidade e aos meus irmãos,
Alberto, Ana, Nelsa, Ilídio e Cenissa para que nunca desistam dos seus objectivos.
ii
Agradecimentos
Em primeiro lugar, agradeço a Deus por me ter concedido a vida na sua Graça e iluminado os
meus caminhos durante os quatro anos da minha formação académica e por me ter dado a força
e coragem para poder continuar com os estudos que contribuirão no meu crescimento
intelectual;
Ao meu esposo, Agostinho Semo, por todo apoio e compreensão dispensados durante a minha
formação, à minha filha Cristina Agostinho Semo, aos meus sobrinhos Birmânia, Ana,
Filomena e Orlando, pelas infinitas horas de convívio roubado a eles para que me dedicasse aos
estudos;
Agradeço, de forma especial, ao meu supervisor, Dr. Johane Zonjo pelo apoio técnico, para a
materialização desta singela dissertação de fim do curso;
Aos meus colegas de turma e de curso que caminharam comigo ao longo destes quatro anos de
formação. Aos entrevistados durante a realização do trabalho de campo e a todos que aqui não
mencionei mas que directa ou indirectamente contribuíram para que a realização deste trabalho
fosse possível.
iii
Resumo
O presente trabalho tem como título: O SISTAFE como instrumento de combate à corrupção:
um estudo antropológico sobre as percepções e representações sociais face a sua introdução na
Função Pública. Trata-se de uma análise antropológica sobre uma política pública. Tem como
objectivo geral, compreender as percepções e representações sociais associadas à introdução do
SISTAFE como instrumento de combate à corrupção. De forma específica, pretende (i)
identificar as narrativas associadas à introdução do SISTAFE; (ii) analisar em que medida o
SISTAFE é interpretado como um instrumento de combate à corrupção e (iii) examinar em que
medida o SISTAFE contribui para a Reforma do Sector Público.
O estudo constatou que existem várias interpretações sobre a introdução do SISTAFE, por
exemplo a de operadores, funcionários, agentes do Estado e beneficiários que interpretam o
SISTAFE como um instrumento de transparência na execução do orçamento. Existe ainda o
grupo daqueles que têm a percepção do SISTAFE como um instrumento que promove
burocratismo, por criar obstáculos e demora na tramitação dos processos administrativos.
Outros ainda interpretam-no como sendo um instrumento que é sujeito à manipulação porque
apesar de deixar registo e detectar irregularidades, é um sistema que por si só não faz o trabalho,
depende do homem para o seu funcionamento.
As conclusões a que se chega é que o SISTAFE, sendo uma política pública, tem conhecido
diferentes reacções desde a sua aprovação que vai desde a aceitação, a resistência até à
manipulação. Por um lado, é uma política que veio criar um novo ambiente e uma nova
dinâmica no relacionamento entre o Estado e o Sector Privado e entre as próprias instituições do
Estado. E por outro lado, o SISTAFE veio reduzir as práticas de corrupção, mas não as eliminou
na totalidade, pois requer a combinação de outras medidas preventivas.
iv
Lista de abreviaturas
TI – Transparência Internacional
v
CAPÍTULO 1. INTRODUÇĂO
Nesse quadro da reforma, o Governo criou medidas de combate à corrupção, tais como
a Lei nº.09/2002 que cria o Sistema de Administração e Finanças do Estado (SISTAFE),
como uma das políticas para garantir a transparência na gestão de fundos públicos e
combater a corrupção através de controlo intercorrente, comparabilidade, uso de
padrões internacionalmente aceites, uniformidade de critérios em todo o país e formação
e capacitação de recursos humanos.
1
A análise das percepções e representações em torno do SISTAFE surge na medida em
que hoje em dia, na Antropologia desenvolve-se um campo de análise das políticas
públicas. Shore et al (1980) demonstram o quão é importante que os antropólogos
estudem as instituições, organizações burocráticas e seus sistemas de redes, pois tais
sistemas e políticas internas e externas adoptados pelas instituições afectam a vida das
pessoas.
Neste sentido, o SISTAFE por ser uma política pública que veio alterar
consideravelmente o funcionamento das instituições públicas, criou de certo modo
novas dinâmicas na forma de trabalhar dos funcionários públicos e agentes do Estado,
nas organizações públicas e privadas, assim como ao nível social, estruturando desta
forma, novas relações entre indivíduos que vivem as normas estabelecidas pelo sector
público.
2
CAPÍTULO 2. REVISĂO DA LITERATURA
Segundo Haller e Shore (2005:3), nas ciências sociais, a corrupção é abordada em duas
perspectivas gerais: a estrutural e interacional. Nelas, a abordagem estrutural inclui a
corrupção na lista das características que são tipicamente aplicadas ao “outro”, tais
como o subdesenvolvimento, a pobreza, a ignorância, o fanatismo e a irracionalidade.
Este “outro” que a abordagem estrutural refere, situa-se fora da democracia moderna,
civilizada do estilo ocidental ou seja de sociedades eurocêntricas ou desenvolvidas.
Na abordagem estrutural, nota-se que está patente o estereótipo do discurso que tende a
considerar a corrupção como uma patologia sintomática social, derivada de
instabilidade dos países do terceiro mundo e da falta da disciplina social. E a abordagem
interacional encontra-se no comportamento dos actores, em particular, aqueles das
instituições públicas. Esta abordagem define a corrupção como sendo um
comportamento desviado dos deveres formais da Função Pública a favor dos benefícios
privados ou pessoais.
3
Esses interesses de fazer o bem ou melhor verificam-se nos governos através das suas
promessas de fazerem o melhor, nos esforços das organizações internacionais em
promover a responsabilidade, nas empresas privadas ao discutir acerca da integridade,
da ética, e no sucesso das redes da sociedade civil que impulsionam, estimulando com
êxito esses actores, através das suas actividades de sensibilização, o lobismo, a
advocacia, a denúncia de irregularidades e manifestações públicas (Ibid: 106).
4
Com a preocupação de aderir e adequarem-se nas exigências do mercado internacional,
muitos países instauraram comissões de combate à corrupção, desenvolveram modelos
de gratificações para funcionários dignos de confiança, intensificaram investigações e
inovaram a legislação tributária, trabalhista e penal. Surgem ainda protocolos e
convénios contra a corrupção, como é o caso de Convénio de Luta Contra Corrupção
(CLCC) de agências públicas estrangeiras (Chrispim 2007:8 e Santos 2009:49).
Para além da OCDE, destaca-se também, a Organização das Nações Unidas (ONU)
com uma iniciativa mais expressiva dentro dos seus instrumentos, o caso da Convenção
das Nações Unidas contra Corrupção, a qual é destacada como sendo um dos
instrumentos jurídico global. Este instrumento trata de diversos factores, tais como, a
criminalização, a prevenção e a cooperação internacional. Assinala também medidas a
serem adoptadas pelo sector privado, como por exemplo, as boas práticas comerciais e o
relacionamento com o Estado, o código da ética e transparência, na identidade das
instituições.
A Transparência Internacional (TI) que foi criada em 1993 por Peter Eigen, como
primeira organização da sociedade civil, dedicada exclusivamente ao combate à
corrupção, propunha ferramentas para a luta contra corrupção, entre as quais se
destacam: princípios empresariais contra o suborno e pactos de integridade criados em
2002. A Transparência Internacional (TI) visava ainda valorizar a transparência, a
responsabilidade social e empresarial, revisão dos procedimentos do governo, revisão
dos salários do sector público, revisão de procedimentos legais e recursos para torná-los
um dissuasor eficaz e a prestação de contas (Ibid:8).
5
Estes instrumentos na sua óptica de criação são exemplos concretos que demonstram
que o combate à corrupção depende da construção de uma rede transaccional formada
por indivíduos, Governo e organizações que actuem de maneira cooperativa.
Assim, em 2003, foi assinado por mais de cem países, um instrumento jurídico
internacional de combate à corrupção. Tal instrumento foi o primeiro tratado global
desse tema, o tratado conhecido como a “Convenção de Mérida”, promovida pelas
Nações Unidas onde estabeleceu um Comité Especial encarregue de negociar uma
convicção contra a corrupção. O instrumento integrava questões de maneira equilibrada
entre prevenção, criminalização e cooperação internacional. Neste contexto, o combate
à corrupção passou a ser visto como uma busca por mudanças na cultura cívica e na
estrutura de estímulos e sanções que favorecem a redução da corrupção (Ibid:1).
Na perspectiva de Pereira (2003), o combate à corrupção está para mais além de uma
governação responsável, exige uma energia, mobilização na política e na sociedade civil
de modo a estabelecer o controlo aos detentores de poder.
Ainda de acordo com Pereira (2004:3) a maior deficiência de combate à corrupção não
se resume na aprovação e implementação dos instrumentos mas sim, a deficiência é das
instituições no que diz respeito ao estabelecimento das normas internas de fiscalização,
promoção, que possam estimular os funcionários a não adoptar um comportamento
corrupto. Portanto, para Pereira o combate efectivo da corrupção implica uma reforma
6
das instituições públicas, e por meio de acesso do cidadão à informação governamental,
o que torna mais democrática as relações entre o Estado e a sociedade civil.
Este posicionamento encontra sustento em Gupta (2000:21), pois para este estudioso
não é suficiente que a política de combate à corrupção exija “transparência” e reforma
institucional, é preciso que haja um trabalho prático e ideológico para mudar as
narrativas dominantes sobre a corrupção.
Enquanto Gupta apresenta-nos que para combater a corrupção é preciso trabalho prático
e ideológico para mudar as narrativas dominantes sobre a corrupção, para Haller e Shore
(2005:12) não existe uma receita óbvia para erradicação da corrupção porque em
algumas sociedades, a corrupção é vista como sendo um fenómeno normal.
7
É nessa linha que Mosse (2004:5) por sua vez, sustenta também a ideia de que a
corrupção em Moçambique é fruto da herança deixada pelos colonizadores portugueses.
Ainda no âmbito das fragilidades apontadas, o relatório apresenta dados que evidenciam
uma série de dificuldades para o combate à corrupção em Moçambique, afirmando que
combater a corrupção é assunto complicado, apontando entre outros factores: a questão
da democracia vigente no país, o domínio de todos os braços do governo por um único
partido, facto que mina o controlo e a fiscalização, a inexistência da prestação de contas
directa aos cidadãos; mecanismo de controlo frágil para detectar abusos; impunidade de
indivíduos ricos e com ligações políticas, fraca capacidade da sociedade civil;
inexistência de um envolvimento significativo da sociedade e opacidade penetrante no
governo e nos partidos (Ibid, 2005: 65).
Como tal, Mosse (2004), no seu artigo Alguns elementos para Debate, identifica quatro
pontos essenciais como sendo elementos chaves do enfraquecimento para o combate à
corrupção: (i) a precaridade da lei; (ii) fragilidade no procurement público; (iii) reforçar
e dar independência às instituições de controlo; (iv) responsabilização, moralização e
clientelismo.
9
consubstancia em receber benefícios com o consentimento, para efectuar um acto que
cabe dentro das funções que o indivíduo deve realizar (Mosse, 2006:13).
Para Chichava (2008:5), o combate à corrupção decorre das mudanças positivas que
forem operadas nas estruturas e procedimentos de prestação de serviços, na
profissionalização da Administração Pública, modernização na gestão e
desenvolvimento dos recursos humanos e mecanismo de prestação de contas.
Mondlane apresenta um estudo que olha para SISTAFE, não como instrumento de
combate à corrupção. Nesse estudo analisa-se o comportamento das finanças públicas
em Moçambique e o impacto no desenvolvimento económico no período de 1975 à
2005. O SISTAFE foi abordado numa perspectiva das reformas fiscais que foram
efectuadas pelo governo com intenção de alterar aspectos meramente financeiros e
introdução da reforma na área dos recursos humanos. Mondlane, no seu trabalho
concluiu que a reforma orçamental tinha como objectivo modernizar o sistema, de modo
a torná-lo adequado às mudanças políticas, institucionais e as reformas económicas em
curso em Moçambique dotando o país de um sistema orçamental adequado as
necessidades de desenvolvimento.
Deste modo, ao analisar-se as três categorias dos documentos produzidos pelo Governo,
em Moçambique, conclui-se que estudos antropológicos que reflictam sobre a
introdução do SISTAFE, são ainda escassos. Os estudos que existem foram efectuados
no âmbito económico e não trazem reflexões mais aprofundadas em relação às
percepções e representações da introdução do SISTAFE como instrumento de combate
a corrupção.
10
CAPÍTULO 3. METODOLOGIA
Para além dos estudos de Boas destacam-se ainda estudos efectuados por Edward E.
Evans-Pritchard, Max Gluckman, Raymond Firth e Frederik Barth, onde procuravam
estudar como as insitutições sociais e políticas sociais são organizadas, o seu
funcionamento e como é que as mudanças sociais influenciavam a vida social dos
actores. Ainda na mesma linha do pensamento, na escola Britânica funcionalista,
Malinowski fez também por sua vez um trabalho antropológico, através de um estudo
de “primitivos”, onde procurava perceber até que ponto os impactos e efeitos das
políticas públicas interferiam no comportamento dos indivíduos (Ibid, 2005:32).
A Antropologia das Políticas Públicas tem um foco amplo e restrito. É amplo na medida
em que o seu objectivo é explorar a forma como o Estado se relaciona com a população
local e é restrito no sentido de que o seu foco etnográfico tende a dar informações com
objectivo de compreender como as políticas e processos governamentais são
interpretadas pela população ao nível micro. Pela sua natureza, as políticas públicas não
impõem o comportamento das pessoas alvo mas sim, impõem um tipo ideal de que um
cidadão normal deve ser. (Ibid, 2005).
É neste sentido que um dos métodos para a Antropologia estudar as políticas públicas,
é fazer o estudo do percurso de uma determinada política pública, ou seja, fazer o
studying through (método pormenorizado). Segundo Shore et al (2011:101), o studying
through é uma abordagem metodológica que visa analisar as transformações de
11
processos políticos e culturais. Para tal, este método consiste numa estratégia que
oferece aos investigadores a possibilidade de seguir um processo de constatação
movimentando-se em diferentes contextos na área política de modo a revelar como os
novos discursos governamentais emergem e se tornam institucionalizadas. O método
evita a ideia de que a elaboração das políticas públicas segue uma sequência de eventos
linear, desde a definição do problema, a formulação e implementação das políticas.
12
Desse universo entrevistado, três (3) são implementadores que trabalham directamente
com o SISTAFE na Direcção Nacional da Contabilidade Pública; dois (2) gerentes de
estabelecimentos comerciais; dois (2) empreiteiros de obras financiadas pelo Estado e
uma funcionária pública que recebe os seus salários, via SISTAFE.
13
CAPÍTULO 4. O COMBATE À CORRUPÇÃO EM MOÇAMBIQUE: BREVE
CONTEXTUALIZAÇÃO
Em 1979, o Governo aprovou a Lei n.º 1/79, de 11 de Janeiro (Lei sobre Desvio de
Fundos do Estado) que punia de forma especial o peculato (crime que só pode ser
cometido por um funcionário público), considerando-o como crime de desvio de bens
do Estado e agravando as penas daqueles que, sem respeitarem os comandos legais
sobre o destino a dar aos bens e dinheiros do Estado, os usarem em benefício próprio ou
alheio.
Contudo, a partir de 1979, o Governo por querer prestar e melhorar cada vez mais o
sector público, adoptou estratégias de combate aos males que aquando da tomada do
poder pela primeira vez prometera combater. Foi neste âmbito que em 1980, o governo
desencadeia, o que apelidou de "Ofensiva Política e Organizacional" a qual visava,
segundo a Sessão Alargada do Conselho de Ministros, realizada de 6 a 7 de Fevereiro
14
de 1980, criar as condições para que podesse se fazer, efectivamente, da década de 80,
a década da vitória sobre o subdesenvolvimento (José, 2005:9).
A Reforma lançada em 2001, pelo Presidente Joaquim Chissano, focalizava com mais
profundidade a necessidade de combater a corrupção, pois tinha como foco, transformar
o sector público num instrumento efectivo para melhorar a qualidade da vida da
população e para tal era necessário, atacar-se com rigor e com todas as armas
disponíveis, o fenómeno da corrupção, pois segundo Chissano (2001:44):
15
Administração e Finanças do Estado (SISTAFE), através da Lei nº. 09/2002 que será
tratado no próximo capítulo.
Em 2004, o governo aprovou a Lei Anti-corrupção (Lei nº. 6/2004, de 17 de Junho) que
tinha como objectivo o reforço do quadro legal vigente para o combate aos crimes de
corrupção e participação económica ilícita. A Lei introduziu os mecanismos
complementares de combate a corrupção e com base nessa Lei, cria-se o Gabinete
Central de Combate a Corrupção (GCCC).
Como se pode notar pelos discursos e pelas políticas que foram sendo adoptados desde
a proclamação da independência nacional, o combate à corrupção foi sempre
periodizado pelos sucessivos governos moçambicanos.
16
5. INTRODUÇĂO DO SISTAFE EM MOÇAMBIQUE
A Lei nº.09/2002 indica ainda que o SISTAFE providencia igualmente uma prestação
ou caminho transparente das transacções e interacções, facilitando as auditorias e
fazendo com que os indivíduos sejam responsáveis pelos seus actos. A Lei nº 09/2002
acrescenta ainda que o SISTAFE para além de providenciar uma prestação ou caminho
transparente das transacções e interacções, tem como objectivos:
17
• Estabelecer e harmonizar regras e procedimentos de programação, execução,
controlo e avaliação dos recursos públicos;
18
disponibilizados na internet nas vésperas de serem enviados à Assembleia da República,
a 30 de Setembro de cada ano (CIP 2008:1).
19
CAPÍTULO 6. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS DO SISTAFE COMO
INSTRUMENTO DE COMBATE À CORRUPÇĂO
As representações sociais fazem com que o mundo seja o que se pensa que ele é ou deve
ser, mostra-se que a todo instante, alguma coisa ausente se lhe adiciona e alguma coisa
presente se modifica. As representações sociais referem-se às imagens construídas sobre
uma determinada realidade e resultam da relação entre indivíduos em seu grupo no
tempo e espaço determinados. E elas têm um carácter dinâmico e relacional à trajectória
ou à história da vida de cada grupo que as cria, pois são o resultado da construção,
reconstrução e desconstrução influenciado por factores internos e externos ao campo da
sua actuação (Araújo, citando Moscovici, 1978).
20
Por exemplo, António Sousa, gerente de um estabelecimento Comercial, numa das lojas
da Shoprite, que se dedica à venda de mobiliários domésticos, apresentou a sua visão
sobre a introdução do SISTAFE na função pública, onde disse o seguinte:
“ O SISTAFE veio a calhar, era necessário que houvesse uma política dessa natureza, o
sistema ẻ eficaz, as operações feitas pelos funcionários são visualizadas em tempo real,
ou seja, no momento em que as informações são produzidas, logo há disponibilidade do
relatório de gestão e controle, bem como de todas transacções referentes à execução do
orçamento do Estado. Então, acho que com base nesses procedimentos de o sistema
produzir informações, em tempo real, contribui para combater a corrupção, porque o
sistema cria uma transparência na execução de fundos públicos. Apesar de que os
desvios de fundos do Estado assistem-se mesmo assim, então quer dizer que o sistema
em si, não combate a corrupção, pode até detectar certas anomalias, não quer dizer
que combate efectivamente a corrupção. O combate à corrupção deve ser feito pelo
próprio homem que inventa instrumentos não o sistema em si, porque este é passível de
ser manipulado pelo homem”2.
1
Entrevista realizada no dia 09.07.2012, fornecida pelo Sousa, gerente num dos estabelecimentos
comerciais da Shoprite na cidade de Maputo.
2
Entrevista realizada no dia 18.07.2012, concedida por Ana funcionária da DNCP – MPF na cidade de
Maputo.
21
A mesma funcionária defende ainda que a corrupção é fruto da modernização, ou seja,
um fenómeno decorrente das mudanças sociais e políticas, proporcionalmente
determinadas pela institucionalização, portanto, a modernização constitui elemento
contribuinte para o surgimento de novos grupos sociais à cena política e para a expansão
governamental na multiplicação de actividades sujeitas ao controlo do governo. Como a
seguir se demonstra:
[…] Portanto pode se inventar vários instrumentos, a corrupção não vai acabar
facilmente, este é um mal que vem desde os tempos de Jesus até aos nossos dias e
acho que até a corrupção é necessária. É um fenómeno que decorre e acompanha as
mudanças sociais em que vivemos hoje em dia, ajuda de certa forma as pessoas
viverem a sua maneira, há pessoas que constroem casas, empresas e dão emprego aos
outros graças aos esquemas da corrupção3.
Para além do SISTAFE ser entendido como instrumento que garante a transparência e
com capacidade de fornecer informações em tempo útil, existe uma representação
simbólica do SISTAFE, como um instrumento que define regras e procedimentos que
regulam o comportamento dos funcionários, na gestão financeira. Neste contexto o
sistema é interpretado como um instrumento ou política que o governo adoptou para
impor um tipo ideal de como os indivíduos devem agir no desenvolvimento e
acompanhamento das transformações e mudanças que ocorrem nos tempos actuais. Por
exemplo, Ramos defende o seguinte:
3
Ibid nº 2
4
Entrevista realizada no dia 26.07.2012, concedida por Cuna, gerente de uma loja dedicada a vende de
electrodomésticos no centro comercial da Shoprite.
22
individuais, outros como por exemplo, Jonas Cossa, no seu depoimento, representa o
sistema em si, como um instrumento de modernização e transformação por ter trazido
mudanças na gestão de fundos do erário público. Como se pode ver:
5
Entrevista realizada no dia 21.07.2012, concedida por Jonas, funcionário sénior na DNCP-MPF em
Maputo.
6
Entrevista realizada no dia 09.08.2012, concedida pelo director do CEDSIF no CPD- Centro de
Processamento de Dados, na cidade de Maputo.
23
Mateus Cardoso também acrescentou o seguinte, na sua abordagem sobre a mesma
questão:
[...] Este sistema para mim trouxe mudanças significativas não apenas na execução de
fundos públicos, mas também reduziu de forma mais melhorada o sistema de circular
7
com dinheiro de forma física.
[…] E quanto ao contributo para reforma do sector público diria que o sistema
trouxe uma evolução enorme para as instituições, não só como também, para todos
aqueles que já se beneficiam deste sistema, já não se anda com dinheiro nos bolsos, as
prestações de contas que dantes eram feitas manualmente, hoje o sistema se
encarrega de efectuar, organizar os dados no sistema, as informações que o sistema
8
fornece são partilhadas por muitos em pouco tempo.
7
Entrevista realizada no dia 26.07.2012, concedida por Cardoso, empreiteiro de uma obra financiada
pelo fundo do Estado, no Bairro Central zona Baixa da cidade de Maputo.
8
Entrevista realizada no dia 17.08.2012, concedida por Juliana, funcionaria na DNCP na cidade de
Maputo.
24
perfil de consulta que possibilita entrar no sistema, visualizar as informações de
execução financeira feita pelas demais instituições, a nível nacional.
“ […] Eu tenho uma percepção negativa do SISTAFE, não gosto do Sistema, acho-o
mais burocrático na tramitação do expediente, digo, cotações e facturas, pois quando
se trata de comprar ou pagar uma certa despesa é preciso que os funcionários
desloquem várias vezes para o estabelecimento. (…), Mas deixando isso, o SISTAFE é
um sistema eficaz porque o dinheiro não passa de mão em mão, os assaltos. Mas eu não
gosto porque acho que o tempo que se leva a fazer-se vai e vem acaba tirando a
eficiência do próprio sistema. E no que concerne ao combate à corrupção digo que, não
é sistema que deve combater a corrupção, quem deve combater este fenómeno são as
pessoas que precisam de mudar de mentalidade, a forma de agir e de pensar, aceitar
neste contexto, as normas, os procedimentos, as leis e os instrumentos aprovados como
ferramenta de combate à corrupção. A corrupção não pode ser combatida num pais
onde o tráfico de influências e o nepotismo reinam”.9
9
Entrevista realizada no dia 26.07.2012, concedida por Cuna.
25
implementadores assim como de alguns funcionários do Estado, este sistema
ainda está longe de combater efectivamente a corrupção10.
[…] O combate à corrupção deve ser feito pelo próprio homem que inventa
instrumentos não o sistema em si, porque este é passível de ser manipulado pelo
homem. E digo mais, ainda há uma resistência no cumprimento das normas
preconizadas pelo sistema, as pessoas continuam praticando a corrupção, manipulando
dados e inventar facturas fantasmas.11
[…] Para mim, o SISTAFE e outros instrumentos aprovados pelo Governo, o caso por
exemplo da Lei 6/2004 (Lei anticorrupção) esta não satisfaz a nossa preocupação
devido as constantes fragilidades da mesma, o GCCC é uma das instituições criadas
pelo governo mas não é independente é teleguiado pelo próprio governo. E o SISTAFE
é só um sistema que a sua eficiência depende da acção humana, e a corrupção envolve
as mesmas pessoas que estão a combatê-la, então para que haja o combate à
corrupção, é necessário uma segurança aos combatentes da corrupção, a formação
deve envolver a todos os seguimentos da sociedade, melhorando – se o sistema
democrático e que a informação seja abrangente para todos”.12
Num outro prisma, para contribuir sobre as percepções face à introdução do SISTAFE,
como instrumento de combate à corrupção, Jonas Cossa, Formador de técnicos, na área
do SISTAFE e funcionário da DNCP, referiu o seguinte:
“ […] Para mim, o sistema em si só não combate a corrupção, existem muitas falhas
que ocorrem no SISTAFE. O sistema apenas ajuda a descobrir os caminhos
10
Ibid. nº 8
11
Ibid . nº 8
12
Entrevista realizada no dia 21.08.2012, fornecida por Jonas da DNCP.
26
percorridos ao deixar registos. O SISTAFE é apenas um instrumento que é
manipulado pelas pessoas e não combate a corrupção, apenas reduz. […] Em suma é
possível haver desvios de fundo pelo SISTAFE porque se trata de um instrumento
operacionalizado por pessoas e o governo quando introduziu o sistema devia ter
criado antes os fiscalizadores e auditorias, mas não primeiro criou
13
implementadores.”
Nesta percepção, existe uma visão de que o sistema, para além de combater a corrupção,
também garante a integridade física dos beneficiários. Existe uma representação de que
o sistema é eficiente e eficaz porque alguns casos julgados e posteriores detenções, são
resultados da eficiência do sistema, muitos julgamentos de funcionários públicos nos
últimos anos estão relacionados ou detectados pelo sistema. Então, neste caso, o sistema
funciona como instrumento de combate à corrupção porque ajuda a descobrir
irregularidades cometidas pelos técnicos que executam as transacções. Como referiu
Jonas Cossa:
[…] E quanto ao contributo para reforma do sector público, diria que o sistema
trouxe não só uma evolução enorme para as instituições como também, para todos
13
Ibid. nº 11
14
Ibid. nº 12
27
aqueles que já se beneficiam deste sistema, já não se anda com dinheiro nos bolsos, as
prestações de contas que dantes eram feitas manualmente, hoje o sistema se
encarrega de efectuar, organizar os dados no sistema, as informações que o sistema
15
fornece são partilhadas por muitos, em pouco tempo .
Ao longo do trabalho de campo, foi possível também, perceber que pelo facto de o
sistema ser uma política recente e que ainda está na fase da sua implementação, existe
aquilo que os entrevistados chamaram de desafios, dificuldades e melhorias a serem
tomados em consideração para o bom funcionamento, tanto do sistema, assim como do
próprio Governo, para com a sociedade em geral. Por exemplo, o director do CEDSIF
disse:
15
Ibid. nº 12 e 13
16
Entrevista concedida pelo director do CEDSIF, realizada no dia 09.08.2012
17
Ibid. nº. 5, 12,13,14 e 15
28
via directa, o que faz com que existem lacunas e fraquezas na gestão de finanças
públicas, em algumas áreas ao nível sectorial e provincial em particular, sobre os
processos de prestação de contas, pois verifica-se morosidade.”18
Estes dois funcionários seniores apontam como dificuldade, a resistência das pessoas na
mudança de mentalidade que passa necessariamente pela aceitação dos instrumentos
aprovados pelo governo; a outra dificuldade refere-se à falta de informação por parte
dos fornecedores que não estão preparados para viver as novas mudanças.
“ […] Existe um grande desafio que o governo deve ultrapassar que consiste na
revisão dos vários cadastros (a dos funcionários, contas bancárias) de modo a
permitir integração com o NUIT a fim de permitir a execução orçamental por via
directa. È preciso que haja mais diálogo entre os Ministérios das Finanças e os
Ministérios Sectoriais sobre o uso do SISTAFE na execução orçamental. O uso do
diálogo permitirá ou vai contribuir para evitar que haja resistência às mudanças e a
18
Ibid. nº.6 e 16
19
Ibid. nº. 5 , 12,13,14 , 15 e 17
29
facilitar a transição do sistema antigo ao sistema moderno e assim realizando os
objectivos previstos20.
Para além da criação de espaço de diálogo, é preciso também que a sociedade deixe de
ser espectadora e passar a ser vigilante, para não correr risco de ser vítima em todo
momento.
20
Ibid. nº.6, 16 e 20
21
Ibid. nº. 6, 16, 20 e 21
30
O Tribunal Administrativo sublinhou ainda que esse tipo de procedimentos não inspira
confiança para uma melhor gestão de bens do Estado porque se efectuam gastos fora do
estipulado e uma vez identificados, durante as auditorias que têm sido efectuadas por
este órgão, acabam penalizados com penas que vão até um sexto do salário anual ou
mesmo conduzidos ao Tribunal (Notícias, 2012:2).
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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existe ainda o grupo daqueles que tem a percepção do SISTAFE, como um instrumento
que promove burocratismo, por criar obstáculos e demora na tramitação dos processos
administrativos. Outros ainda interpretam o mesmo instrumento (SISTAFE), como
sendo um instrumento que é sujeito à manipulação porque apesar de deixar registo e
detectar irregularidades, é um sistema que por si só, não faz o trabalho, depende do
homem, para o seu funcionamento.
Existem também aqueles que defendem que o SISTAFE, funciona como instrumento
normativo que o governo adoptou para impor um tipo ideal de como os indivíduos
devem agir no desenvolvimento, acompanhamento das transformações e mudanças que
ocorrem nos tempos actuais. Portanto, o SISTAFE é interpretado como instrumento que
veio impor novas maneiras, condutas e procedimentos nas instituições públicas na
forma de gerenciar o orçamento público e privado.
Para além de mais, este instrumento é visto como um instrumento que garante a
integridade física dos beneficiários para diminuir consideravelmente a onda de assaltos
e a circulação física de massa monetária.
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Constatou-se ainda que o SISTAFE por ser um sistema que para o seu funcionamento
depende da acção humana, é passível de ser manipulado tanto pelos implementadores
assim como pelos beneficiários. Para além da manipulação que o sistema é passível,
verificou-se que ainda existe uma resistência no cumprimento integral dos
procedimentos, normas e princípios preconizados pelo governo.
O estudo constatou que existem várias interpretações. Existem operadores, funcionários, agentes
do Estado e beneficiários que interpretam o SISTAFE como um instrumento de transparência na
execução do orçamento.
Existe ainda o grupo daqueles que tem a percepção do SISTAFE como um instrumento que
promove burocratismo, por criar obstáculos e demora na tramitação dos processos
administrativos. Outros ainda interpretam o mesmo instrumento (SISTAFE) como sendo um
instrumento que é sujeito à manipulação porque apesar de deixar registo e detectar
irregularidades, é um sistema que por si só não faz o trabalho, depende do homem para o seu
funcionamento.
As conclusões a que se chega é que o SISTAFE sendo uma política pública tem conhecido
diferentes reacções desde a sua aprovação que vai desde a aceitação, a resistência até à
manipulação. Por um lado, é uma politica que veio criar um novo ambiente e uma nova
dinâmica no relacionamento entre o Estado e o sector privado e entre as próprias instituições do
Estado. E por outro lado, O SISTAFE veio reduzir as práticas de corrupção, mas não as
eliminou na totalidade, pois requer a combinação de outras medidas preventivas.
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8. Referências Bibliográficas
Gupta, Akhil 2005. Narratives and Practices of Everyday Corruption, Pluto Presse,
London Ann Arbor, MI.( In Haller and Shor at al).
34
Haller at al 2005. Introduction – Sharp Practice Antropology and the Study of
corruption, Pluto Press London. ANN ARBOR,MI.
Medeiros, Karl Marx de 2010. “The Impact of Political corruption on society.” Revista
Facitec, disponivel em http://www.facitec br.erevista/index.php?option=com_content&task=vieeld=9&temid=2.
Sampsom, Steven 2005. Integrity Warriors: Global Morality and the Anti-Corruption
Movement in the Balkans. Pluto Presse, London. AnnArbor, MI.
35
Santos, Rui Teixeira 2009. “Economia Política da Corrupção, casos dos Estados
Lusófonas”. Horácio Piriquito, Lisboa.
Wright and Reinhold 2011. Studying Through: A Strategy for Studing Political
Transformation. Or Sex, Lies and Britsh Politics,Berghabn Books, New York. Oxford.
Wedel, Jenine R.at al 2005. Toward an Antropology of Public Policy, SAGE, American
Academy of Political and Social Science.
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LISTAS DE ENTREVISTAS
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GUIĂO DE ENTREVISTA
Implementadores
5. As pessoas para trabalhar com este sistema precisam de ser formadas e quanto tempo
leva a formação?
7. O SISTAFE é uma política adoptada pelo governo para modernizar o sistema financeiro
e combater a corrupção. Acha que combate a corrupção?
2. Como é que recebias o seu salário no final de cada mês antes da introdução do
SISTAFE?
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3. O que mudou com a introdução do SISTAFE?
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b. Fale me do SISTAFE,
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