Territorios Negros em Jaguarão

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Territórios Negros

em Jaguarão

Organizadores/as:

Caiuá Cardoso Al-Alam


Sara Teixeira Munaretto
Bruna Teles Mena
Isadora Teixeira da Cunha
Vinicius Costa Franco
Anderson Machado
TERRITÓRIOS NEGROS EM JAGUARÃO

Organizadores/as:

Caiuá Cardoso Al-Alam


Sara Teixeira Munaretto
Bruna Teles Mena
Isadora Teixeira da Cunha
Vinicius Costa Franco
Anderson Machado

2022
T327 Territórios negros em Jaguarão [recurso eletrônico] / Caiuá Cardoso Al-
Alam [et al.] organizadores. – Jaguarão, RS: Unipampa, 2022.
65 p. : il..

ISBN 9786500468885
Inclui referências.
Disponível em: http://repositorio.unipampa.edu.br/

1. História 2. Escravidão 3. Povo negro 4. Jaguarão I. Al-Alam,

Caiuá Cardoso

CDU 94(816.5)

Ficha catalográfica elaborada por Marcos Anselmo CRB-10 1559


Sumário

Introdução.......................................................................................................................... 5
Roteiro.................................................................................................................................... 8
Mapa........................................................................................................................................... 8
Jaguarão: uma cidade negra.................................................................................. 9
Cais do Porto de Jaguarão..................................................................................... 12
Praça do Desembarque ou Praça das Figueiras..................................... 15
Mercado Público Municipal.................................................................................. 18
Casarão Barão Tavares Leite................................................................................ 21
Cadeia Municipal, atual Presídio...................................................................... 24
Praça Alcides Marques, antiga Praça 13 de Maio................................. 27
Igreja Matriz do Divino Espírito Santo...................................................... 30
Círculo Operário Jaguarense, antiga Sociedade
Operária Jaguarense................................................................................................... 34
Clube 24 de Agosto....................................................................................................... 37
Clube Recreativo Gaúcho...................................................................................... 40
Clube Suburbanos.......................................................................................................... 44
Outros Territórios Negros em Jaguarão.................................................. 46
Casas de Religiões de Matriz Africana......................................................... 47
Rua do Cordão................................................................................................................. 50
Charqueadas...................................................................................................................... 53
Rastilho................................................................................................................................. 56
Cerro da Pólvora e Bairro Kennedy.............................................................. 59
Quilombo Madeira......................................................................................................... 62
Proposta de atividade pedagógica.................................................................. 65
Introdução

Sejam muito bem-vindos e bem-vindas. Este ebook compõe material didático que faz
parte dos diálogos que formam a condução do projeto de extensão Oficina Territórios Negros
em Jaguarão. Está estruturado por alguns verbetes, que apresentam no fim três indicações
bibliográficas para aprofundamento dos temas abordados. Esta atividade, parte da organização
do Grupo de Estudos Sobre Escravidão e Pós-Abolição, o GEESPA, que tem executado
trabalho de pesquisa desde sua fundação em 2019, debatendo bibliografia e executando
diferentes projetos. Ainda, este coletivo é uma continuidade de práticas de pesquisa do
Laboratório de História Social e Política (LAHISP), do curso de História-Licenciatura da
Unipampa campus Jaguarão, que desde 2011 vem pesquisando os temas da História Social da
Escravidão e do Pós-Abolição.

O projeto de extensão Oficina Territórios Negros em Jaguarão nasceu de uma prática


estabelecida em 2011, inspirado no Museu do Percurso do Negro de Porto Alegre
(VILASBOAS; JÚNIOR, 2010), a partir da mobilização contra a perda da sede do Clube 24
de Agosto (AL-ALAM; LIMA, 2018), clube negro centenário da fronteira. Na época, em
parceria com a comunidade da instituição, foi pensada esta prática educativa, buscando
abordar a história do povo negro na região, servindo também como elemento de contribuição
para a mobilização da luta daquele momento. Assim, foi criada a Oficina Territórios Negros
em Jaguarão, de autoria de Andrea da Gama Lima e Caiuá Cardoso Al-Alam, em parceria
com a comunidade do Clube 24 de Agosto (AL-ALAM, LIMA, 2013; AL-ALAM, LIMA,
2018b).

O presente projeto, vinculado ao Grupo de Estudos Sobre a Escravidão e o Pós-Aboli-


ção (GEESPA), tem como objetivo a realização junto às escolas, da Oficina Territórios
Negros em Jaguarão, cidade situada no extremo sul do Brasil, fronteira com o Uruguai. Esta
prática educativa pretende abordar a história de africanos/as e seus/suas descendentes na
localidade, evidenciando o protagonismo desta comunidade negra, como um importante
exercício para a prática do Ensino de História em diálogo com a Lei 10.639/03. A atividade
envolve preferencialmente os 9º anos do Ensino Fundamental e os 3º anos do Ensino Médio.
Consiste em atividades dialógicas e formativas com educadores/as das redes municipal e
estadual, atividades com estudantes nas escolas, e em roteiro de visita ao centro histórico da
cidade de Jaguarão de forma guiada e com abordagem crítica. Buscamos, portanto, realizar
uma prática de Ensino de História que objetiva refletir sobre a sociedade brasileira, nos
desafios colocados para o combate ao racismo, os direitos da população negra, e pela luta por
cidadania ampla e irrestrita.

É importante enfatizar que Jaguarão era e é uma cidade negra: sua experiência histórica
teve intensa presença africana e estava vinculada ao Mundo Atlântico como outras cidades
brasileiras (FARIAS; GOMES; SOARES; MOREIRA, 2006). Se destaca, na história da
Região Platina, como um espaço onde houve intenso protagonismo negro no associativismo
5
operário e na luta contra o racismo. Propor e realizar tal atividade no interior do Rio Grande
do Sul se constitui como um importante ato educativo por questionar a hegemonia de uma
perspectiva de História no Estado que se colocava branca e europeia. A presença da
comunidade negra na região sul tem sido evidenciada em diversos estudos, e Jaguarão se
destaca, para além da densa relevância, por estar vinculada às experiências com as famílias
negras uruguaias (CARATTI, 2013; SILVA, 2017). Nos atentamos na perspectiva de uma
abordagem a partir da História Social da escravidão que busca compreender as agências, as
resistências, fortalecendo narrativas que vislumbrem os amplos protagonismos da população
negra no período. Ainda, compreendemos ser importante focar o campo do Pós-Abolição, nas
lutas do povo negro em busca por cidadania, sendo entendido por Fernanda Oliveira da Silva
como “[...] campo de estudos que oferece um repertório de análises, cujo problema histórico
está centrado nas experiências de liberdade, e especialmente de cidadania, de pessoas
escravizadas e seus descendentes após a abolição da escravidão, identificados e hierarquizados
nas relações sociais por termos que evocam uma ideia de raça” (SILVA, 2017, p. 26).

Importante enfatizar que escolhemos a realização do roteiro pelos territórios negros da


cidade, com o foco no centro histórico, uma área de tombamento federal, pois buscamos
"revisitar" estes espaços consagrados pelas histórias vinculadas às memórias das elites, em
que boa parte das visitas orientadas ao lugar, voltadas a grupos de turistas ou a estudantes,
privilegiavam as narrativas centradas nos referenciais portugueses e espanhóis da fronteira.
Através da Oficina, de forma colaborativa, buscamos outra perspectiva para a história local.

A atividade se constitui em três etapas: Atividade dialógica e formativa com docentes


das escolas municipais e estaduais; Atividade com as turmas a serem objeto da abordagem nas
escolas municipais e estaduais; Atividade do roteiro da Oficina Territórios Negros no centro
histórico com as turmas das escolas municipais e estaduais.

Como objetivos do projeto, destacamos:

- Realizar abordagem prática de Ensino de História com as escolas e educadores/as a


partir da Oficina Territórios Negros de Jaguarão.
- Visibilizar as histórias dos protagonismos e os territórios negros de Jaguarão.
- Proporcionar o engajamento da comunidade universitária e da região na luta antirra-
cista.
- Proporcionar diálogo e formação educativa em História com os/as educadores/as da
cidade e região.
- Constituir-se como atividade pedagógica formativa aos/as discentes do curso de
História/Unipampa, proporcionando a articulação dos saberes relativos ao tripé ensino,
pesquisa e extensão.
- Refletir sobre a sociedade brasileira atualmente, nos desafios colocados para o com-
bate ao racismo, os direitos da população negra, e pela luta por cidadania ampla e irrestrita.

6
Nesta perspectiva, buscamos contribuir com a atuação de educadores e educadoras da
região, fomentando reflexões juntos aos/as estudantes das escolas, instigando uma educação
inclusiva, antirracista e que fomente o importante debate das políticas de reparações e das
ações afirmativas na educação.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso; LIMA, Andréa da Gama. Territórios negros em Jaguarão:


revisitando o Centro Histórico. In: AL-ALAM, Caiuá Cardoso; SILVA, Adriana Fraga;
FRAGA, Hilda Jaqueline; GASPAROTTO, Alessandra; FERRER, Everton;
BERGAMASCHI, Maria Aparecida (Orgs.). Ensino de História no CONESUL: patrimônio
cultural e fronteiras. Porto Alegre: Evangraf, 2013. p. 261-272.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso; LIMA, Andréa da Gama. Patrimônio cultural e protagonismo


negro: a ameaça de perda da sede e o tombamento histórico do Clube Social 24 de Agosto. In:
AL-ALAM, Caiuá Cardoso; ESCOBAR, Giane Vargas; MUNARETTO, Sara (Orgs.). Clube
24 de Agosto (1918-2018): 100 anos de resistência de um clube social negro na fronteira
Brasil-Uruguai. Porto Alegre: ILU, 2018. P. 183-200.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso; LIMA, Andréa da Gama. Territórios Negros em Jaguarão. In:
AL-ALAM, Caiuá Cardoso; ESCOBAR, Giane Vargas; MUNARETTO, Sara (Orgs.). Clube
24 de Agosto (1918-2018): 100 anos de resistência de um clube social negro na fronteira
Brasil-Uruguai. Porto Alegre: ILU, 2018b. P. 37-54

CARATTI, Jônatas Marques. O solo da liberdade: as trajetórias da preta Faustina e do pardo


Anacleto pela fronteira rio-grandense em tempos de processo abolicionista uruguaio (1842-
1862). São Leopoldo: Oikos; Editora UNISINOS; 2013.

FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Flávio dos Santos; SOARES, Carlos Eugênio Líbano;
MOREIRA, Carlos Eduardo de Araújo. Cidades Negras: Africanos, crioulos e espaços
urbanos no Brasil escravista do século XIX. São Paulo: Alameda, 2006.

MATTOS, Hebe; RIOS, Ana Maria. O pós-abolição como problema histórico: balanços e
perspectivas. Topoi, Rio de Janeiro, v. 5, n. 8, jan.-jun.2004. p. 170-198.

MOREIRA, Paulo Roberto Staudt. Justiçando o cativeiro: a cultura de resistência escrava. In:
PICCOLO, Helga Iracema Landgraf; PADOIN, Maria Medianeira (Orgs). Império. Passo
Fundo: Méritos, 2006.

SILVA, Fernanda Oliveira da. As lutas políticas nos clubes negros: culturas negras,
racialização e cidadania na fronteira Brasil-Uruguai no Pós-abolição (1870-1960). Porto
Alegre: UFRGS, 2017. (Tese de Doutorado).

VILASBOAS, Ilma Silva; JÚNIOR, Iosvaldyr Carvalho Bittencourt; DE SOUZA, Vinicius


Vieira. Museu de percurso do Negro em Porto Alegre. Prefeitura de Porto Alegre, 2010.
7
Proposta do Roteiro a ser realizado a pé

1 - Cais do Porto
2 - Praça do Desembarque ou Praça das Figueiras
3 - Mercado Público Municipal
4 - Casarão Barão Tavares Leite
5 - Cadeia Municipal, atual Presídio
6 - Praça Dr. Alcides Marques, antiga Praça 13 de maio
7 - Igreja Matriz do Divino Espírito Santo
8 - Círculo Operário de Jaguarão, antiga Sociedade Operária Jaguarense
9 - Clube 24 de Agosto

Mapa (pontos em vermelho)

8
Jaguarão: uma cidade negra

Caiuá Cardoso Al-Alam

A cidade de Jaguarão, foi uma cidade negra e africana durante o século XIX. A antiga
Guarda do Serrito surge da demanda de ocupação do projeto lusitano nas Américas. A partir
de 1790, com as doações de sesmarias, a região passa a ser ocupada para criação de rebanhos.
O acampamento militar que originou o território, se deu em 1802. A demarcação da fronteira,
e a lógica de ocupação colonial, foi fundamentalmente realizada com base no sistema da
escravidão. A usurpação da mão-de-obra compulsória está intimamente ligada à política
fronteiriça colonial e também à estratégia de ocupação do lugar. Desde este princípio,
africanos/as escravizados/as, foram trazidos/as para Jaguarão. Com a expansão da produção
agrícola e criação de gado vacum, o número de pessoas escravizadas na localidade foi
aumentando. Posteriormente, Jaguarão foi espaço intenso da produção saladeiril, com a
constituição de charqueadas, que abasteciam o mercado local e regional. Ainda, foi espaço
atrativo para práticas de comércio e contrabando, todas também assentadas no trabalho
escravizado.

O tráfico transatlântico de africanos/as escravizados/as, tinha íntima relação com o por-


to de Jaguarão. Se realizava na região a chamada “terceira perna” do tráfico, escoando para
esta localidade africanos e africanas recém-chegados nos portos de Rio de Janeiro e também
Salvador, que vinham ser comercializados. O tráfico transatlântico para a região de Jaguarão
era miúdo, feito junto com outros produtos, sem grandes especialistas no processo, mas
intenso. A posse de escravizados/as era miúda também, pulverizada na região. Haviam grande
proprietários de escravizados, como o estancieiro Manoel Amaro da Silveira com 57
trabalhadores/as escravizados/as, mas eram exceção a uma realidade que era de posse de
pequenos proprietários, sendo na primeira metade do século XIX mais de 70% destes/as com
1 a 9 escravizados/as.

A região contou com grande número de escravizados/as e africanos/as. No primeiro


cen-so da Câmara Municipal, em 1833, chamado de Mapa Geral, haviam 5.457 habitantes,
sendo 2.601 tidos como negros, e destas pessoas 70 eram livres. Em 1859, o índice de
escravizados/as na cidade, que era de 5.059, só ficava inferior na província ao de Porto
Alegre. Em números percentuais, relacionado ao número de pessoas ao todo da população,
Jaguarão ficava com 28% de pessoas escravizadas, sendo o maior número na província,
inclusive em relação a Pelotas, o principal pólo charqueador. No primeiro censo nacional em
1872, registrou-se 3.248 escravizados/as, mas os dados mais confiáveis foram gerados um ano
depois, com a obrigatoriedade da matrícula de escravizados com a lei do Ventre Livre,
senhores realizaram declaração de forma mais contundente, registrando em 1873 o número de
4.592 pessoas escravizadas. Um número considerável de pessoas que viviam na condição da
escravidão.
9
Importante considerar que a experiência da comunidade negra em Jaguarão e nas
Amé-ricas não se deu apenas na escravidão. Muitos homens e mulheres já haviam
conquistado suas cartas de alforrias e experienciavam suas vidas em liberdade, o que denota
experiências negras mais complexas do que as que veiculam apenas aos grilhões. A marcada
presença africana na cidade, legou a cidade uma numerosa população negra, que depois ficou
responsável por criar diferentes instituições, como clubes, sociedades, um forte
associativismo, que marcaram as lutas contra o racismo e por cidadania do povo negro em
Jaguarão. Ainda, realizou íntima relação com comunidades negras do outro lado da fronteira,
do Uruguai, articulando práticas de ajuda mútua, de acolhimento para fugas da escravidão, de
trocas e parcerias entre associações negras interfronteiras e compartilhando relações
familiares. Uma experiência histórica riquíssima, complexa e atlântica.

FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Flávio dos Santos; SOARES, Carlos Eugênio Líbano;
MOREIRA, Carlos Eduardo de Araújo. Cidades Negras: Africanos, crioulos e espaços
urbanos no Brasil escravista do século XIX. São Paulo: Alameda, 2006.

GULARTE, Gustavo da Silva. Formação da Fronteira de Jaguarão, 1801-1835: estrutura


agrária e trabalho escravo. 2015. Porto Alegre: UFRGS, Alegre, 2015. (Dissertação de
Mestrado).

MATTOS, Hebe; ABREU, Martha; GURAN, Milton (Orgs.). Inventário dos lugares de
memória do tráfico atlântico de escravos e da história dos africanos escravizados no
Brasil. Niterói: PPGH-UFF, 2014. p.18-19.

10
Fotografia s/d. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão.

Ilustração datada de 1880. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico.

11
Cais do Porto de Jaguarão

Sara Teixeira Munaretto

É impossível falar da formação de Jaguarão descolada de sua relação com as águas e


a orla do rio Jaguarão/Yaguarón. Esta que foi a principal via de acesso à cidade até meados do
século XIX, conectando a região às redes de trabalho e ao Atlântico Negro. Contavam os
guaranis, antigos moradores destes pagos, que havia no rio a presença de um terrível animal.
Um medonho híbrido, meio jaguar, meio peixe, do tamanho de um cavalo pequeno, olhos
flamejantes e uma boca repleta de dentes pontudos. Diz a lenda que o Jagua-Ru (ou Yaguaru)
atocaiava suas presas na beira do rio, fazendo desmoronar as barrancas e devorando as pobres
vítimas que caiam no rio. Apesar das inúmeras tentativas para capturá-lo, o Jagua-Ru nunca
foi encontrado…

O rio está na gênese da fronteira, marco físico e central entre conflitos militares,
ocupação do território e escravização. Também marco de travessias, comunidades solidárias,
vivências, trocas e experiências de liberdade. É na beira do rio que forma-se o povoado que
dará origem à cidade, a partir de um acampamento militar português instalado nas
proximidades da antiga Guarda espanhola do Cerrito, no ano de 1802. Região de intensidade
na passagem da população que realizava comércio, contrabando e também acessava o
Uruguai. Não por acaso nossa atividade da Oficina dos “Territórios Negros” inicia-se aqui,
tomando em consideração o papel central do rio como uma veia que transporta e conecta
produtos e gentes, na região platina, no Brasil e no mundo atlântico.

Por essas águas na antiga área portuária ingressaram grandes contingentes de


africanos/as e afrodescendentes no porto de Jaguarão, provenientes de diferentes regiões da
África. Este território dá sentido à abordagem da formação social de Jaguarão construída com
base no trabalho da mão de obra africana escravizada, onde inúmeras pesquisas apontam um
expressivo índice populacional de escravizados e a composição predominantemente negra do
município durante todo século XIX. O protagonismo negro no trabalho que forja a cidade está
em evidência nos dados disponíveis sobre os índices populacionais de Jaguarão que aponta
que até o final da década de 1860, havia no município, resguardada a proporcionalidade, a
maior população escravizada na Província. Por suas características, Jaguarão pode ser
compreendida e comparada como uma cidade negra com atributos muito semelhantes a outras
cidades litorâneas tais como Pelotas, Rio Grande e até Rio de Janeiro e Salvador.

A orla do rio está conectada ao processo de tráfico transatlântico interno do Rio


Grande do Sul (a chamada “terceira perna”), onde africanos/as eram reconduzidos para
diversas regiões do país pelos portos do Rio de Janeiro, Bahia e Pernambuco. Diversas
pesquisas e fontes históricas demonstram que a região participava do mercado de
redistribuição da população escravizada, caracterizado por ter uma dimensão menor, porém
bastante intenso.
12
Era na região da orla onde acontecia o desembarque e onde realizava-se o comércio de
compra e venda de escravizados. Africanos e afrodescendentes desembarcados na cidade eram
destinados principalmente às principais atividades econômicas da região que tinham
predomínio do trabalho rural de fronteira nas fazendas, pecuária e do setor saladeiril,
fundamental na região com suas charqueadas instaladas nas margens do rio e seus afluentes,
onde o trabalho escravizado foi usado em larga escala.

Por fim, destacamos a importância crucial da orla e das águas na perspectiva da cons-
trução das experiências de liberdade, pois foi território de rotas de fugas para o Uruguai, que
aboliu oficialmente a escravidão em 1842. Nos jornais da província, inúmeros anúncios de
fuga indicavam como possível paradeiro as Bandas Orientais.

Um conhecido Itan[1] Yorubano, fala sobre como dos seios e ventre de Yemanjá bro-
tam os rios onde vão reinar as demais Yabás, como Osun, Oyá e Obá, que juntamente com
Yemanjá e Nanã, as orixás femininas orientam os caminhos e fluxos, os ciclos das águas
trazendo força vital.

CARATTI, Jônatas Marques. O solo da liberdade: as trajetórias da preta Faustina e do pardo


Anacleto pela fronteira rio-grandense em tempos de processo abolicionista uruguaio (1842-
1862). São Leopoldo: Oikos; Editora UNISINOS; 2013.

BERUTE, Gabriel Santos. Dos escravos que partem para o porto do sul: características do
tráfico negreiro de São Pedro do Rio Grande do Sul, c. 1790- c. 1825. Porto Alegre:
PPGH/UFRGS, 2006. (Dissertação de Mestrado)

SILVA, Tiago Rosa. Uma fronteira negra: resistência escrava através das fugas anunciadas
nos jornais jaguarenses (1855-1873). Jaguarão: UNIPAMPA, 2015. (Trabalho de Conclusão
de Curso).

[1] 1Itans: mitos e canções com ensinamentos da ancestralidade africana, legados que chegam pelas águas. 13
Fotografia datada de 1928. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de

Jaguarão.

Fotografia datada de 1913. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de

Jaguarão.

14
Praça do Desembarque ou
Praça das Figueiras

Bruna Teles Mena


Vinicius Costa Franco

No dia 6 de julho de 1832, Jaguarão foi fundada como Vila, a partir de uma proposta
do Conselho Geral da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Anterior a isso, a
localidade era uma Freguesia (fundada em 1812), onde havia uma ocupação militar estratégica
para a colônia e posteriormente para o Império Brasileiro, vinculado a um projeto de expansão
do território português, local que esteve em constante disputa com o Império Espanhol.

É neste contexto que a Praça do Desembarque se coloca como um local importante


para o desenvolvimento desta localidade. Desde seus primórdios, com a proximidade ao rio
Jaguarão como principal porta de entrada fluvial na região, se deu como um espaço tradicional
de comércio, principal local de chegada e ponto de venda dos/as escravizados/as, além de sua
função militar. O próprio nome, Praça do Desembarque, era uma referência à atividade
comercial, que ocorria desde os primeiros momentos do povoado, junto a guarda militar
chegavam pequenos comerciantes que aproveitavam das vantagens da localização fronteiriça
e também era uma região marcada pela prática do contrabando. Assim este território se coloca
como um importante local de início e desenvolvimento de Jaguarão, intimamente ligada ao
rio, fluindo uma significativa atividade comercial.

Logo após a efetivação da localidade como Vila, mais precisamente em 17 de julho


de 1833, se efetuou um censo local, a pedido da Presidência da Província, que resultou em
uma população estimada em 5.457 indivíduos, divididos em 2.856 brancos e 2.601 negros
(desses somente 70 libertos). Esta parte da estatística já nos mostra que havia uma forte
presença da população negra, principalmente escravizada, mesmo antes da elevação para Vila,
que por conta dos conflitos com o Uruguai a localidade foi bastante povoada e resultando na
sua elevação. Esses números constatam uma forte ligação de Jaguarão com o comércio
atlântico de escravizados e justamente por sua posição privilegiada junto ao Rio Jaguarão, a
Praça do Desembarque além de ser a porta de entrada, foi também de distribuição às
freguesias próximas (como Arroio Grande e Herval). Mas o porto também comercializava
para outras províncias do território brasileiro, indo além do comércio de cativos, se
destacando principalmente na exportação do charque e seus derivados, e da pecuária, produtos
característicos da região. Era um espaço de partidas e chegadas de pessoas via os vapores que
faziam diferentes destinos, como Santa Vitória do Palmar, Pelotas, Rio Grande. Como parte
inicial da cidade na perspectiva da consolidação da malha urbana, ficou conhecida esta zona
como cidade baixa, devido o desnível do terreno da cidade.

15
Hoje, a Praça do Desembarque é também conhecida como Praça das Figueiras, que
re-mete às árvores da praça, e este nome nos mostra dois aspectos deste território: a relação da
cidade com a memória da escravidão e a influência do mundo mágico religioso da população
negra de Jaguarão. Com isso, o conjunto de figueiras na praça remete às ressignificações da
cultura e memória dos/as africanos/as que forçadamente desembarcaram ali. No imaginário
popular jaguarense, os ganchos de ferro que se encontram cravados nas figueiras do lugar,
remete aos suplícios sobre a população negra escravizada, que ali ficariam amarrados para
serem vendidos.

Mas para além desta memória, há a ressignificação por parte da comunidade negra
jaguarense, tornando-a uma forma simbólica de árvores sagradas, assim como os baobás em
território africano, mostrando a importância das religiões de matriz africana na formação da
cultura do Pampa Gaúcho. Hoje aos pés desta árvore, na Praça, se encontram muitas oferendas
aos orixás, das religiões de matriz africana, mostrando que nesta praça existe um importante
significado dentro da tradição afro religiosa da cidade, e uma forma da comunidade negra
ressignificar uma memória que remete a um período de sofrimento, para um lugar para
catalisar as forças dos orixás.

LIMA, Andrea da Gama. O Legado da Escravidão na Formação do Patrimônio Cultural


Jaguarense (1802 – 1888). Pelotas: UFPel, 2010. (Dissertação de Mestrado.)

FRANCO, Sérgio da Costa. Origens de Jaguarão (1790-1833). Porto Alegre: Evangraf,


2007.

MARTINS, Roberto Duarte. A ocupação do espaço na fronteira Brasil - Uruguay: a


construção da cidade de Jaguarão. Universitat Politècnica de Catalunya. Escola Técnica
Superior D’Arquitetura, 2001.

16
Fotografia retirada do site: https://www.jaguarao.rs.gov.br/pontos-turisticos/

Fotografia de Caiuá Cardoso Al-Alam

17
Mercado Público Municipal

Bruna Teles Mena


Vinicius Costa Franco

O Mercado Público de Jaguarão começou a ser construído em 1864 e foi inaugurado


no ano de 1867, estando situado ao lado na Praça do Desembarque ou Praça das Figueiras. O
responsável pela construção foi Polidoro Antônio da Costa. Desde o final dos anos de 1850, a
Câmara Municipal já planejava e orçava a obra. O comércio na cidade, no século XIX, se
concentrava em duas praças, na Praça das Feiras, onde era vendido produtos ligados ao
mundo rural; e a Praça do Desembarque, onde se ergue o Mercado Público, local ligado ao
comércio de produtos portuários.

Foi local de presença, e de passagem constante dos/as trabalhadores/as negros/as


escravizados/as, desembarcando e exercendo transporte e comércio de todo tipo de
mercadoria que chegava do Rio Jaguarão, além daquelas mercadorias produzidas por esses
mesmos trabalhadores. O perfil da posse de escravizados/as de Jaguarão, nos mostra que além
dos charqueadores, com seus grandes plantéis de escravizados, havia uma predominância de
pequenos proprietários durante todo o século XIX, como por exemplo os 71% dos
proprietários possuindo um plantel entre 1 a 9 cativos, no período de 1835 a 1855. Padrão que
permaneceu o mesmo durante todo o século XIX, sendo a posse de trabalhadores/as
escravizados/as pulverizada na sociedade, apesar de alguns plantéis maiores.

Fica evidente, para além das charqueadas, a presença de escravizados/as na vida urba-
na da cidade. A exemplo, entre os escravizados temos os “cangueiros”, que deslocavam
produtos e pessoas, circulando principalmente na área portuária. Em relação às mulheres
negras, estas eram mais presentes no meio urbano, principalmente pelo trabalho de domésticas
nas grandes casas centrais dos renomados charqueadores, além disso, essas libertas ou
escravizadas, exerciam um protagonismo no comércio, circulavam por essa área vendendo
quitandas e produtos em geral. Esses/as trabalhadores/as são exemplos do que se chamava de
escravizados/as de ganho, fazendo serviços a terceiros, ou seja, que não eram prestados
diretamente ao seu proprietário. Conseguiam uma relativa autonomia e algum lucro,
hegemonicamente de posse do senhor, mas a parte que conseguiam poderia ser juntada para
conseguir a alforria, por exemplo. Foi assim, que muitas cartas de liberdade foram compradas.
O Mercado Público, surge em um momento de transformações do meio urbano, como
aconteceu em muitas cidades do Brasil, sendo uma iniciativa ligada ao controle da população
negra (escravizada, livre e liberta), tirando-as de circulação das outras ruas da cidade.
Contexto esse de projetos de embelezamento e limpeza das regiões centrais das localidades,
onde os/as negros/as não faziam parte deste projeto, pelo contrário, a exclusão destas
populações era foco principal, limitando o acesso a espaços, e a autonomia de ocupação das
ruas. Com isso, o Mercado Público foi uma tentativa de centralizar e regular de forma mais
18
objetiva o comércio informal que ocupava os principais espaços centrais da cidade, e limitar o
acesso destes espaços. Apesar disso, este projeto de higienização não se efetivou de fato, pois
estas/os trabalhadoras/es continuavam ocupando os espaços tradicionais, além também de
hegemonicamente comporem o cotidiano do trabalho no Mercado Municipal, fazendo deste
espaço, um importante território negro na cidade.

LIMA, Andrea da Gama. O Legado da Escravidão na Formação do Patrimônio Cultural


Jaguarense (1802 – 1888). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em
Memória Social e Patrimônio Cultural. Pelotas, 2010

MOREIRA, Paulo Roberto Staud. Uma Parda Infância: Nascimento, primeira letras e outras
vivências de uma criança negra numa vila fronteiriça (Aurélio Veríssimo de
Bittencourt/Jaguarão Século XIX). In: 4º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil
Meridional, 2009, Curitiba/Paraná. 4º Encontro e Liberdade no Brasil Meridional, 2009.

POPINIGIS, Fabiane. “Aos pés dos pretos e pretas quitandeiras”: experiências de trabalho
e estratégias de vida em torno do primeiro mercado público de Desterro – 1840-1890. Afro-
Ásia, 46, 193-226. Centro de Estudos Afro-Orientais-Universidade Federal da Bahia. 2012.

19
Fotografia retirada da publicação: Apontamentos para uma Monographia de

Jaguarão. Intendência Municipal de Jaguarão, 1912.

Fotografia s/d. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão.

20
Casarão Barão Tavares Leite

Sara Teixeira Munaretto

A perspectiva patrimonial de Jaguarão, exemplificada em seu conjunto histórico e


paisagístico tombado pelo IPHAN, privilegiou um enfoque nos patrimônios dos grupos
dominantes, as elites. O sobrado do Barão Tavares Leite, ainda que um dos últimos
exemplares de opulência da arquitetura colonial portuguesa, foi incluído aqui com o objetivo
de afirmar que as casas, casarões, obras públicas, a cidade como um todo, foi erguida por
meio de muito trabalho de africanos/as e afrodescendentes. Este palacete do charqueador
português estabelecido na região localiza-se na cidade baixa, próximo da orla e do Mercado
Central, na antiga Rua do Comércio e atual XV de Novembro. Um destaque nesta construção
é que a memória da comunidade negra da cidade relativa ao casarão referência a presença de
um elevador de madeira em duas dependências, que funcionava a partir da força braçal dos
trabalhadores, mostrando a barbárie do trabalho escravizado.

É um sítio importante para refletirmos sobre o trabalho dos/as escravizados/as em am-


biente urbano e doméstico. Por sua atividade econômica, as fontes disponíveis nos mostram
uma grande importância do trabalho escravizado na área rural, nas fazendas, pecuária e setor
saladeiril. Mas também tinha uma importância na zona urbana, onde essas pessoas tinham
conhecimentos em diversos ofícios como trabalhos domésticos, ferreiros, carpinteiros,
comércio de rua, etc. É importante destacar o quanto os saberes relativos aos métodos
construtivos, também foram formulados e exercidos por africanos e seus descendentes. Ou
seja, para além da mão-de-obra braçal, havia um conhecimento articulado desde o continente
africano, que favoreceu a construção das edificações e outras obras urbanas.

Pesquisas nos mostram que os cativos que circulavam pela área urbana possuíam uma
relativa autonomia e mobilidade, talvez em decorrência da característica da posse de
escravizados, onde uma grande quantidade de proprietários detinha a posse de em média de 1
a 9 cativos, o que resultaria em uma mobilidade e o desempenho de diferentes trabalhos.
Ressalta-se que o contexto do trabalho urbano favorecia a execução de diferentes serviços
remunerados que ao fim do dia rendiam uma cota aos seus senhores e cujo excedente ficava
com esses/as trabalhadores/as. Era relativamente comum nesse tipo de trabalho que os
chamados escravizados/as de ganho acabassem acumulando pecúlio com diferentes serviços,
ocasionando inclusive recursos para alforria. Em Jaguarão houve alto índice de acumulação de
pecúlio por parte dos/as escravizados/as, mesmo antes da Lei do Ventre Livre. Entre 1830 e
1860, 39% das cartas de alforrias foram compradas pelos/as próprias escravizados/as e entre
1870-1887 o índice baixa um pouco para 27,6%, mas ainda extremamente representativo.
Historiadores/as tem evidenciado em pesquisas sobre a cidade, que o número de alforrias na
década de 1880 foi ainda maior, pois muitas cartas se perderam, ou as liberdades foram
realizadas por outros tipos de contratos. Chama atenção as cartas de alforrias nestes períodos
21
terem abarcado de forma mais geral as mulheres, e aqueles/as que estavam em idade
produtiva, o que evidencia um intenso trabalho de mediação das conquistas de
trabalhadores/as escravizados/as para almejarem a sua liberdade jurídica. Fato inclusive
perceptível quando observamos entre os mesmo dois períodos citados acima, as alforrias tidas
como incondicionais somarem 30% e depois 56%, respectivamente.

Essa situação era favorável à circulação de informações e na construção das


sociabilidades, onde certamente escravizados construíam relações diárias entre si e com outras
camadas populares que incluíam livre pobres e libertos.

BOM, Matheus Batalha. Porosas fronteiras: experiências de escravidão e liberdade nos


limites do Império (Jaguarão – segunda metade do século XIX). Dissertação (mestrado) –
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em História, São
Leopoldo, 2017.

FERRER, Francisca Carla Santos. Entre a liberdade e a escravidão na fronteira


meridional do Brasil: estratégias e resistências dos escravos na cidade de Jaguarão entre
1865 a 1888. São Paulo: USP, 2011. (Tese de Doutorado).

WISSENBACH, Maria Cristina Cortez. Sonhos africanos, vivências ladinas: escravos e


forros em São Paulo (1850-1888). São Paulo: HUCITEC, 1998.

22
Fotografia s/d. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão.

Fotografia datada provavelmente do final do século XIX. Acervo do Museu

Fundação Carlos Barbosa. Retirado de: FERRER, Francisca Carla Santos. Entre a

liberdade e a escravidão na fronteira meridional do Brasil: estratégias e resistências

dos escravos na cidade de Jaguarão entre 1865 a 1888. São Paulo: USP, 2011. (Tese

de Doutorado). p. 278.
23
Cadeia Municipal, atual Presídio

Caiuá Cardoso Al-Alam

Defronte a antiga Praça da Constituição, que fazia alusão a primeira carta magna do
estado brasileiro promulgada em 1824, reside até hoje o prédio da cadeia, conhecido também
como presídio estadual. É um dos exemplares raros de prédio de cadeia construído no século
XIX e que continua sendo utilizado para o mesmo fim. Tombado pelo IPHAE, e com muitas
dificuldades de manutenção devido o prédio ser antigo e pouco adaptável para acolher de
forma adequada quem cumpre pena de prisão na localidade, a edificação constitui-se um
patrimônio do Estado.

Próximo ao rio Jaguarão, foi colocado naquela posição geográfica não por acaso. No
final da década de 1850, os vereadores procuravam constituir um espaço que pudesse ser
edificado um prédio de prisão, pois até então as casas de cadeia eram realizadas em prédios
alugados. O prédio da cadeia municipal foi inaugurado em 1862. E na beira do rio Jaguarão,
ficaria próximo a água, mais fácil para despejos de fezes, longe dos olhares e convivência da
urbe, evitando que miasmas, pestes, que pudessem se encontrar dentro do espaço, não
atingissem a população.

Durante a escravidão, para lá foram enviados escravizados e escravizadas para cum-


prirem penas corretivas. A sociedade escravista tipificava diferentes crimes, como os de
atentado contra a vida e propriedade, e dentro desta lógica as práticas que eram realizadas para
liberdade ou reações ao sistema da escravidão, também eram criminalizadas. O sistema
carcerário brasileiro foi forjado na perspectiva de uma atuação racializada, estruturado na
prática de enquadramento da população negra, buscando realizar a propriedade escravista.

Mas interessante que, mesmo com uma estrutura policial complexa no século XIX,
que demandava guardas permanentes municipais, corpo policial provincial, Guarda Nacional,
Marinha, Exército, Capitães-do-mato, inspetores de quarteirão, a comunidade negra
escravizada e liberta realizava suas sociabilidades e resistências. Em Jaguarão não existem
mais os livros de registros de prisões, mas em Pelotas, o livro que sobrou é específico para
prisões de escravizados, e um dos crimes mais evidentes nos registros é o de andar fora de
hora nas ruas da cidade. Ou seja, mesmo com toda repressão, escravizados/as e libertos/as
continuavam construindo suas vidas, seus sonhos, suas famílias, relações, mundo afro
religioso, suas vivências. construindo suas vidas, seus sonhos, suas famílias, relações, mundo
afro religioso, suas vivências. Flavio dos Santos Gomes chamou esta rede de sociabilidades e
reciprocidades entre a comunidade negra, escravizada e liberta, que passava ao largo dos
olhares senhoriais, de “campo negro”. Portanto, este espaço deve ser refletido como um lugar
que representa a estrutura racista do sistema prisional e policial brasileiro, mas também como

24
espaço onde fica evidente que nunca as comunidades negras, mesmo com estado policial
extremamente repressivo, deixaram de viver suas lutas diárias, suas resistências.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso. A negra forca da princesa: polícia, pena de morte e correção em
Pelotas (1830-1857). Pelotas: Sebo Icária, Do Autor, 2008.

BOM, Matheus Batalha. Entre o ideal e o real: a cadeia civil de Jaguarão (1845-1870).
Jaguarão: Unipampa, 2015 (Trabalho de Conclusão de Curso).

GOMES, Flávio dos Santos. Histórias de Quilombolas. Mocambos e comunidades de


senzalas no Rio de Janeiro - século XIX. Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1995.

25
Presídio de Jaguarão. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão. s/d.

Fotografia retirada do site: https://www.mprs.mp.br/noticias/20445/

26
Praça Alcides Marques,
antiga Praça 13 de Maio

Bruna Teles Mena


Vinicius Costa Franco

O princípio da ocupação desta cidade é marcado pela forte presença militar, as


instalações da Guarda se deram na margem do rio Jaguarão e no espaço identificado Praça
Militar, sendo esses locais onde hoje é respectivamente a Praça das Figueiras e a Praça
Alcides Marques. Assim sendo, a segunda foi de grande significação desde os primeiros
momentos de Jaguarão, sendo fundamental para o desenho urbano da cidade, que
desenvolveria em seu entorno. Assim, a Praça Alcides Marques foi um local de expressão
política e social, mais ocupada pelas elites da cidade, principalmente a partir da metade do
século XIX, onde ali se instalaram as primeiras residências, sendo ocupada pela elite
jaguarense.

A Praça como conhecemos hoje, está ligada ao projeto de desenvolvimento e


embelezamento da cidade, surgindo em 1856 as primeiras manifestações no sentido de
modernizar a praça central, com a implementação de elementos arbóreos em seu interior. Pela
sua localização central, as casas mais bem ornamentadas acabaram localizadas à sua volta,
numa expressão nítida do poder econômico. Este processo de desenvolvimento foi comum nas
cidades da América Latina, estabelecendo nas praças um aspecto romântico e de
contemplação. Ao mesmo tempo que há este embelezamento, também se afirma uma
hierarquização de quem poderia frequentar este espaço, sendo um local para lazer e
contemplação da elite branca, e a exclusão do povo negro, este último concentrando sua
circulação na parte próxima ao rio, onde havia as demandas de serviços.

A efervescência dos argumentos abolicionistas, o incômodo dos projetos públicos de


infraestrutura com a população negra, e o almejo de uma cidade aos moldes das cidades
europeias, com cidadãos majoritariamente brancos, foi de extrema importância para os
posicionamentos políticos da elite estancieira e escravocrata, que começavam a pautar a
agenda republicana. Sujeitos da elite, com plantéis de escravizados, se organizavam em
sociedades republicanas, a exemplo da sociedade Cassino Jaguarense (1884) e a Sociedade
Emancipadora Jaguarense, que promoviam, no último quarto do século XIX, festas de
distribuição de alforrias, em sua maior a partir de contratos de serviços a cumprir por parte do
escravizado, para efetivar sua liberdade.

Assim, é evidente uma apropriação deste momento político para ressignificar o


discurso sobre a escravidão, e a Praça se tornou um símbolo deste posicionamento político da
elite jaguarense. No ano seguinte ao fim da escravidão, que se deu em 13 de maio de 1888,
houve a construção de símbolos, na área central da cidade, representada na Praça, que reme-
27
tiam a liberdade recém conquistada: a Estátua da Liberdade, situada à frente da Igreja da
Matriz, quem fevereiro do ano seguinte a abolição, a Câmara decide levantar uma “estátua da
liberdade”, em um espaço privilegiado na praça central da cidade, para comemorar a “gloriosa
data”; Praça que também foi batizada com o nome de Praça 13 de Maio, em alusão ao dia da
abolição; ornamentos nas casas ao redor da Praça, como os ornamentos na residência do
charqueador e proprietário de escravizados, Zeferino Lopes de Moura, logo a frente da Praça
Alcides Marques, que construiu, provavelmente na década de 1890, uma estátua de uma figura
feminina com correntes rompidas na mão, bem acima da fachada, representando a liberdade
conquistada pela abolição.

Essa manifestação, e apropriação dos discursos abolicionistas, por parte das elites da
cidade se mostrou de extrema importância para a manutenção de seu status quo neste contexto
de mudança na sociedade. A elite de Jaguarão usufruiu até o fim da mão-de-obra escravizada,
através dos dados sobre a lista de matrículas dos escravizados elaborada pela Diretoria Geral
de Estatísticas em 1872-73, ainda existiam 4.592 escravizados matriculados. Em 1885,
segundo Relatório do Presidente da Província, ainda havia 1.232 escravizados/as. A narrativa
republicana e abolicionista, buscou suprimir a resistência do povo negro e sua luta por
liberdade. Porém a comunidade negra não estava passiva a este processo, e acionou a própria
narrativa republicana para reivindicar melhores condições de cidadania, e mesmo com a
agenda política da abolição sendo capitaneada pelas elites, a população negra celebrou e
memorizou o 13 de maio como uma conquista. É significativa a troca de nome da Praça 13 de
maio para Praça Dr. Alcides Marques, mostrando um apagamento dessa memória da
escravidão. Porém a Praça, foi e ainda é um local de concentração de luta antirracista, e
principalmente de subversão da ordem nos períodos de festa do carnaval, onde prevalece
como espaço de circulação e poder do povo negro jaguarense.

LIMA, Andrea da Gama. O Legado da Escravidão na Formação do Patrimônio Cultural


Jaguarense (1802 – 1888). Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em
Memória Social e Patrimônio Cultural. Pelotas, 2010

MARTINS, Roberto Duarte. A ocupação do espaço na fronteira Brasil - Uruguay: a


construção da cidade de Jaguarão. Universitat Politècnica de Catalunya. Escola Técnica
Superior D’Arquitetura, 2001.

FERRER, Francisca Carla Santos. Entre a liberdade e a escravidão na fronteira


meridional do Brasil: estratégias e resistências dos escravos na cidade de Jaguarão entre
1865 a 1888. São Paulo: USP, 2011. (Tese de Doutorado).

28
Fotografia s/d. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão.

Fotografia s/d. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão.

29
Igreja Matriz do Divino Espírito Santo

Anderson Machado

A Freguesia Divino Espírito Santo foi estabelecida em 31 de janeiro de 1812, fazendo


com que Jaguarão passasse a contar com a presença de um pároco. Já a Igreja Matriz do
Espírito Santo começou a ser construída no ano de 1847, sendo finalizada em torno de 1875.
O prédio foi sede de diferentes irmandades religiosas, que garantiam práticas ritualísticas
importantes como batismos, sepultamentos, mas também práticas de caridade, sendo elos
fundamentais para os diferentes estratos sociais de núcleos de famílias.

Desde o período colonial, a população negra enfrentava grandes dificuldades de pra-


ticar o catolicismo, pois sua presença era negada dentro de espaços das igrejas pelos seus
senhores. Mesmo assim, a partir de estratégias de negociação e da organização de coletivos de
ajuda mútua, as famílias negras constituíram tradição na mediação com o mundo sagrado
cristão. Destes processos, surgiram as irmandades negras católicas, como a Nossa Senhora do
Rosário, onde além da função de abrigar a sua religiosidade, era também um espaço de
sociabilidade e resistência do povo negro. Havia também a Irmandade de Nossa Senhora da
Conceição que congregava famílias brancas e negras.

A morte era um momento que exigia uma grande necessidade de uma ritualização pa-
ra a população, e a criação de sociedades onde o pano de fundo era zelar para que a população
negra pudesse ter os seus direitos de ter um funeral digno, seguindo esta premissa passava
então a demonstrar aos seus senhores que eles também faziam parte da sociedade e que
poderiam ser organizados socialmente.

Em Jaguarão, a Irmandade Nossa Senhora do Rosário foi fundada no dia 17 de maio


de 1860, pelo padre Joaquim Lopes Rodrigues, que era devoto de nossa senhora e havia
chegado da Bahia um ano antes. Trouxe provavelmente a experiência da organização das
comunidades negras junto a Igreja, o que é mais uma evidência das experiências históricas
conectadas no Atlântico. A Irmandade foi extinta oitenta anos depois. Dentre os fundadores da
Irmandade, constam escravizados e libertos, o que evidencia a Irmandade de Nossa Senhora
do Rosário como um importante espaço do associativismo negro. Além desta Irmandade,
houve em Jaguarão a Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, que também congregava a
comunidade negra local, mas também mesclava a participação com a comunidade branca.
Estas duas irmandades foram espaços importantes da organização comunitária do povo negro
local.

As irmandades, como a do Rosário, foram importantes espaços para o fortalecimento


de laços das comunidades e serviram para garantir ajuda mútua entre seus membros
estratégias que também foram utilizadas para garantir a compra das cartas de alforrias de
seus/suas membros e pessoas das famílias durante a escravidão. Esta organização comunitária
30
foi fundamental para a tradição da mobilização da comunidade negra local, assim como em
outras localidades nas Américas. Em Jaguarão, o primeiro clube social negro surgido, que foi
o Clube 24 de Agosto em 1918, tinha diferentes membros de suas direções compondo os
espaços diretivos da Irmandade Nossa Senhora do Rosário, talvez o principal nome sendo o de
Theodoro Rodrigues. Esta liderança negra da cidade, além de fazer parte do núcleo fundador
do Clube 24 de Agosto, foi membro do Rosário e também participou da Sociedade Operária
Jaguarense, outra entidade católica. Esta tradição de organização do associativismo negro na
cidade, via o catolicismo, foi fundamental para as lutas por cidade das famílias negra do local,
o que não inviabilizou que estas mesmas pessoas também continuassem praticando a
celebração dos/as orixás, mediando as diferentes cosmos visões.

Demonstrar a presença de sociedades católicas contribui para a desmistificação de que


a população negra era pertencente a uma religião específica de culto afro-brasileiras (Batuque,
Umbanda e Candomblé), e exibir que estas pessoas transitavam em outros espaços religiosos,
principalmente manejando relações sociais que pudessem qualificar suas vidas.

GRIGIO, Ênio. “No alvoroço da festa, não havia corrente de ferro que os prendesse, nem
chibata que os intimidasse” : a comunidade negra e sua Irmandade do Rosário (Santa Maria,
1873-1942). São Leopoldo/RS: UNISINOS, 2016 (Tese de Doutorado).

MOREIRA, Paulo Roberto Staud. Uma Parda Infância: Nascimento, primeira letras e outras
vivências de uma criança negra numa vila fronteiriça (Aurélio Veríssimo de
Bittencourt/Jaguarão Século XIX). In: 4º Encontro Escravidão e Liberdade no Brasil
Meridional, 2009, Curitiba/Paraná. 4º Encontro e Liberdade no Brasil Meridional, 2009.

MULLER, Liane. As contas do meu rosário são balas de artilharia. Porto Alegre:
Pragmatha, 2013.

31
Fotografia retirada da publicação: Apontamentos para uma Monographia

de Jaguarão. Intendência Municipal de Jaguarão, 1912.

32
Inauguração da Estátua da Liberdade, 1891. Acervo do Instituto Histórico e

Geográfico de Jaguarão.

33
Círculo Operário de Jaguarão,
antiga Sociedade Operária Jaguarense

Caiuá Cardoso Al-Alam

A Sociedade Operária Jaguarense foi fundada em 1911. A partir de 1948 passou a ser
chamada de Círculo Operário de Jaguarão, e sua sede fica na atual Marechal Deodoro nº 377.
Eram instituições que buscavam a partir da moral cristã, realizar práticas de assistência à
classe trabalhadora, pautando uma perspectiva de inclusão social a partir de uma pauta
conservadora dos costumes. A Sociedade Operária Jaguarense, celebrava o rito católico, o
zelo pelo valor da família, pautando junto a classe trabalhadora tudo aquilo visto como imoral,
como o consumo de álcool e outras práticas tidas como desvios sociais. Mas
fundamentalmente, a Igreja no trabalho de base na Sociedade, buscava distanciar a classe
trabalhadora dos movimentos socialistas, comunistas, aqueles que previam a emancipação da
classe trabalhadora. A Sociedade realizava este trabalho, a partir das diferentes atividades,
como palestras, ritualizações das práticas cristãs, por meio das oficinas de trabalho, cursos de
primeiras letras, mas também continha um jornal, o chamado O Amigo do Operário. Em 1913,
era enfática na condenação ao socialismo: “No socialismo, o operário não passa de um
instrumento, de um escravo. Operários que amais a verdadeira liberdade e prezais a vossa
dignidade humana – alerta! Tudo por Deus, pela Pátria, pela Família; tudo pelo bem e
progresso de nossa classe! ”. A partir dos valores da Igreja Católica, como a valorização da
família, buscavam também a vinculação de uma ideia de pátria atrelada a concepção de uma
comunidade tida como ordeira, em harmonia, coisa que a sociedade da época, e a de hoje, não
o são. Escondendo assim as contradições das condições de vida da classe trabalhadora na
época, em uma conjuntura política em que as elites buscavam de todas as maneiras disciplinar
operários, que mantinham uma organização em sindicatos e outros movimentos que
alvoreciam naqueles anos, culminando com as grandes greves em 1917.

Dentre o coletivo de famílias operárias que compunham as atividades da Sociedade


Operária Jaguarense, e depois o Círculo Operário, constam muitos homens e mulheres negras.
A comunidade negra de Jaguarão, tinha íntima relação nos manejos de organização
comunitária via Igreja Católica, constituindo desde o século XIX os núcleos que sustentavam
as irmandades religiosas, como as de Nossa Senhora do Rosário e Nossa Senhora da
Conceição, garantindo iniciativas importantes no que tange ao assistencialismo e auxílio
mútuo. As irmandades citadas e a Sociedade Operária Jaguarense, estavam vinculadas aos
núcleos familiares que geraram em 1918 o Clube 24 de Agosto, clube negro centenário e em
funcionamento até hoje em Jaguarão. Os diretores do Clube, também assumiram cargos na
Sociedade Operária como nas irmandades, principalmente na do Rosário, como foi o caso de
uma das lideranças do processo de fundação do 24, o senhor Theodoro Rodrigues. Outro fato
importante, é constatado quando observamos que a primeira sede do Clube 24 de Agosto, foi
na Rua 20 de Setembro nº332, na beira do rio Jaguarão, num prédio dividido com a Sociedade
34
Operária Jaguarense. Este é apenas um dos fatores que enfatizam a estreita relação destas
trêsinstituições e o quanto a Sociedade Operária foi também um importante território negro,
espaço de formação de ofícios, letramento e outras práticas associativas. Portanto, a moral
cristã vinculada à organização dos/das trabalhadores/as foi uma marca da atuação da
comunidade negra da cidade. Mas apesar de ser uma tradição de organização da comunidade
negra local, esta era apenas uma das formas de atuação política, hegemônica na cidade, mas
certamente houveram dissonâncias nas suas posições. Exemplar foi a circulação do jornal A
Alvorada, criado em Pelotas no ano de 1907, e que teve um suplemento especial chamado O
Jaguarense, que circulou entre 1932 e 1934 contando com quase 100 assinaturas na cidade de
Jaguarão, trazendo posições críticas contundentes nas interferências da Igreja Católica nos
movimentos sociais e sindicais da classe trabalhadora negra. Um elemento é importante de
destacar, se havia por parte da Sociedade Operária, e da Igreja, uma intenção moralizadora por
parte dos princípios cristãos, outra era a receptividade que a própria comunidade negra fazia
disso, não reproduzindo certamente aquilo que exatamente esperavam os padres, manejando
estes espaços de inserção social para qualificar suas vidas, a inclusão no mercado de trabalho
e o combate ao racismo. Posteriormente, a partir de 1948 no Círculo Operário, esta instituição
continuou a ter participação das lideranças negras da cidade, contando com parceria efetiva na
vinda de cursos de artes e ofícios, na articulação da representação da União dos Homens de
Cor na cidade, fundada em Porto Alegre no ano de 1943, tendo anunciada sede própria em
Jaguarão no ano de 1952. O espaço foi acolhedor também do Colégio Noturno 20 de
Setembro, fundado em 1918, escola de primeiras letras fundamental para as famílias negras e
da classe trabalhadora da cidade.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso. O Jaguarense no jornal A Alvorada (1932-1934): imprensa negra


e política na fronteira Brasil-Uruguai. MÉTIS: história & cultura – v. 19, n. 37, p. 54-79,
jan./jun. 2020.

DIEHL, Astor. Os círculos operários: um projeto sociopolítico da Igreja Católica no Rio


Grande do Sul (1932-1964). Porto Alegre: EDIPUCRS, 1990.

VERGARA, Patricia Lima. Um por todos, todos por um: a Sociedade Operária Jaguarense
(1911-1948). Jaguarão: Unipampa, 2019. (Trabalho de Conclusão de Curso)

35
Fotografia retirada do site: https://mapio.net/images-p/88962905.jpg

36
Clube 24 de Agosto

Bruna Teles Mena


Vinicius Costa Franco

O Clube 24 de agosto foi fundado em 1918 por um grupo de famílias negras, com o
intuito de ser um espaço de mobilização e ajuda mútua da classe trabalhadora negra que
buscava um local para socializar e articular ações, promovendo letramento, aprendizado de
ofícios, profissões e espaço para conferências. Seus membros tinham relação com a Igreja
Católica, através da Irmandade Nossa Senhora do Rosário e também com a Sociedade
Operária Jaguarense, que tinha a participação direta dos padres. Proibidos de frequentarem os
espaços de sociabilidade da cidade das famílias brancas, constituíram o seu espaço, mas o
sentido da construção do Clube foi para além disto, sendo um território importante de
demarcação da cidadania do povo negro na cidade.

No carnaval, o Cordão Carnavalesco União da Classe, vinculado ao Clube e fundado


em 1924, teve enorme e marcante participação nas festas da cidade de Jaguarão durante a
primeira metade do século XX. Sua organização e empolgação eram destacadas e os desfiles
sempre muito aguardados, ao ponto de ser notícia nos jornais da imprensa branca da cidade
quando em 1930 não conseguiu participar do carnaval, com elogios e lástimas pela não
participação.

Posteriormente ao Cordão, o Clube também contou com uma escola de samba,


denominada Bataclan, que participou de festas carnavalescas do outro lado da fronteira, em
Rio Branco/UY, chegando inclusive a conquistar prêmios e ser notícia no periódico de Melo,
o Orientaccion.

Nas décadas de 1930 e 1940, com o objetivo de arrecadar fundos para a instituição, o
Clube 24 de Agosto realizou Festivais de Cultura no Teatro Esperança, chegando a organizar
um Centro Dramático que contava com um grupo de atores e atrizes negros e negras da cidade
para a execução de peças de teatro.

O Clube, continua até os dias de hoje, como um espaço muito importante para a cul-
tura e a resistência da comunidade negra de Jaguarão, além de se constituir um espaço de
afirmação da identidade negra, sendo hoje uma referência na cidade.
O Clube 24 de Agosto é o primeiro clube do Estado a ser tombado como Patrimônio
Histórico do Rio Grande do Sul. Hoje, com sede própria, localiza-se na rua Augusto Leivas, nº
217. Sua primeira sede foi na beira do Rio Jaguarão, dividindo espaço com a Sociedade
Operária Jaguarense, na Rua 20 de Setembro, nº 332. Posteriormente, teve sua sede na Rua
General Marques, nº 363, atrás da Igreja Matriz em um prédio emprestado pelas famílias
Marques e Gonçalves, na figura de Odilo Marques Gonçalves.
37
Nas duas últimas décadas, o Clube contraiu dívidas com o Escritório Central de
Arrecadação e Distribuição (ECAD), que foram ganhando proporções questionáveis, tendo
sua sede leiloada por um processo judicial, que foi tido como arbitrário. Neste processo, a
comunidade negra da cidade, mobilizada em torno do Clube, reagiu de forma contundente,
articulando atividades e protestos que traziam como referência a luta por cidadania e contra o
racismo. O Clube 24 de Agosto tornou-se uma referência ao Estado do RGS, e continua ativo
e atuante, construindo além de bailes e festas, atos e eventos onde a cultura e tradição da
comunidade negra é celebrada e valorizada.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso; ESCOBAR, Giane Vargas; MUNARETTO, Sara Teixeira


(orgs.). Clube 24 de Agosto (1918-2018): 100 anos de resistênciade um clubesocial negro
nafronteira Brasil-Uruguai. Porto Alegre: ILU, 2018.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso; OLIVEIRA, Fernanda. A comunidade negra na fronteira entre


Brasil e Uruguai: uma análise sobre o Pós-Abolição por meio dos Clubes Negros de Jaguarão
e Melo em meados do século XX. História Unisinos, v. 25, n. 3, p. 503-517, 2021.

NUNES, Juliana. “Somos o suco do carnaval!”:A marchinha carnavalesca e o Cordãodo


Clube Social24 de Agosto.Pelotas/RS: UFPel, 2010. (Trabalho de Conclusão de Curso)

38
Fotografia s/d. Acervo do Clube 24 de Agosto.

Fotografia s/d. Acervo do Clube 24 de Agosto.

39
Clube Recreativo Gaúcho

Bruna Teles Mena

O Clube Recreativo Gaúcho foi o segundo clube negro a ter atividades na cida-de de
Jaguarão, existindo entre os anos de 1930 e provavelmente até a década de 1950.

Fundado no dia 6 de outubro de 1932, mantendo sua sede própria, o Clube coexistiu
com o Clube 24 de Agosto, o que impressiona por, neste período de tempo, Jaguarão ser uma
cidade tão pequena com dois clubes e mais algumas instituições que destacavam o
associativismo negro. Os dois clubes tinham uma boa relação com convites e saudações em
seus discursos e nos jornais da cidade.

Um ano após a fundação do Clube Recreativo Gaúcho foi fundado um time chamado
Gaúcho Footbal Club, provavelmente vinculado ao Clube, que disputou o campeonato
municipal de Jaguarão na década de 1930 e realizou em 1933 um amistoso na cidade de
Arroio Grande com um time local chamado José do Patrocínio, indicando conexões entre as
comunidades negras das duas cidades, e preocupação em manter a representatividade e a pauta
política da celebração da luta pela abolição.

O Clube foi formado por integrantes do Cordão Carnavalesco Malandros do Amor, e


manteve o Cordão em suas atividades, o que indica sua ligação também com o carnaval, com
importante atuação durante a década de 1940 e destaque na imprensa local, realizando desfiles
pelas ruas e também bailes a fantasia em sua sede.

Além da ligação com o futebol e com o carnaval, o Clube Recreativo Gaúcho realizou
também destacada atuação nos festivais culturais na década de 1940, notícia do Jornal A
Folha, em 1941, dá indícios de que os festivais do Gaúcho eram muito esperados e contavam
com um grande número de público para assistir. Os festivais de cultura que buscavam
arrecadar fundos para a instituição, ocorriam no Teatro Esperança, principal teatro da cidade e
palco de muitos eventos realizados pelas elites, o que demonstra a importância e muita
organização política do Clube, que manejava os apoios políticos para realizar sua afirmação
cidadã enquanto um clube das famílias negras na cidade.

40
AL-ALAM, Caiuá Cardoso. O Clube Recreativo Gaúcho: um clube social negro em Jaguarão
(1930-40). Encontro Ecsravidão e Liberdade no Brasil Meridional., v. 9, p. 1-15, 2019.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso; OLIVEIRA, Fernanda. A comunidade negra na fronteira entre


Brasil e Uruguai: uma análise sobre o Pós-Abolição por meio dos Clubes Negros de Jaguarão
e Melo em meados do século XX. História Unisinos, v. 25, n. 3, p. 503-517, 2021.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso; ESCOBAR, Giane Vargas; MUNARETTO, Sara Teixeira


(orgs.). Clube 24 de Agosto (1918-2018): 100 anos de resistência de um clube social negro na
fronteira Brasil-Uruguai. Porto Alegre: ILU, 2018.

41
Fotografia s/d, provavelmente da década de 1930. Acervo do Clube 24 de Agosto.

42
Clube Suburbanos

Bruna Teles Mena

O Clube Suburbanos começou suas atividades em 1949 como um bloco carnavalesco


formado por alguns amigos que tocavam músicas de casa em casa para arrecadar dinheiro para
seu churrasco “pós-carnaval”. No começo eram chamados de “bloco dos sujos” por não terem
um uniforme, o que mudou em 1952.

Em 1º de janeiro de 1962 foi fundado oficialmente o Clube Suburbanos, com sede


própria, situada na Rua Independência, nº 1272, comprada com a ajuda de seus fundadores
que teriam tido uma desavença com a direção do Clube 24 de Agosto, relatada em ata. Antes
de adquirir sua própria sede, as reuniões do bloco se davam na residência de seu primeiro
presidente enquanto clube, o senhor João Carlos Machado. Este foi o terceiro clube social
negro que temos conhecimento na cidade.

Além de sua diretoria masculina, a partir do ano de 1963, o Clube passou a contar
também com uma diretoria feminina. Porém, as mulheres só participavam do Clube por serem
esposas ou parentes dos sócios, só depois de algum tempo que também puderam ser sócias de
fato.

No Suburbanos, também existiam atividades políticas e culturais e sua sede possuía


uma biblioteca. Eram realizadas festas de aniversários, batizados, concursos, reuniões,
leituras, entre outras atividades. Também eram realizados serviços assistenciais aos sócios
doentes ou com dificuldades financeiras, o que demonstra que além de ser um clube
recreativo, também se preocupava com a resistência da comunidade negra.

O Clube era organizado através de um estatuto onde continha todas as atribuições de


cada membro de sua diretoria e seus fundadores além de conter também “normas de
convivência” e critérios para entrada de novos associados. A entrada de novos sócios era feita
através de reunião com todos os membros da diretoria do clube, sendo que se o solicitante
tivesse alguma desavença com algum membro, sua entrada no quadro de sócios ficaria mais
difícil.

O Clube mantinha relações com outros clubes negros da cidade de Jaguarão, de cida-
des vizinhas, como Arroio Grande e Rio Grande e também do Uruguai, excursionando para a
cidade de Mello (UY).

Entre os anos de 2001 e 2002 o Suburbanos teve sua primeira presidente mulher. O
Clube mantinha as mesmas atividades de sua fundação, com diversas festas e bailes. Porém
em 2008, com um acúmulo de dívidas adquiridas por gestões anteriores, o clube acabou indo à
falência, fechando suas portas e sua sede indo a leilão.
43
SILVEIRA, Darlize Martinez. “Suburbanos surgiu porque nós era tudo dessa zona, assim,
do subúrbio...”: O Clube Suburbanos enquanto resistência negra. Universidade Federal do
Pampa. Jaguarão: Unipampa, 2015 (Trabalho de conclusão de curso).

AL-ALAM, Caiuá Cardoso; OLIVEIRA, Fernanda. A comunidade negra na fronteira entre


Brasil e Uruguai: uma análise sobre o Pós-Abolição por meio dos Clubes Negros de Jaguarão
e Melo em meados do século XX. História Unisinos, v. 25, n. 3, p. 503-517, 2021.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso; LIMA, Andreia da Gama. Territórios negros em Jaguarão. In:
AL-ALAM, Caiuá Cardoso; ESCOBAR, Giane Vargas; MUNARETTO, Sara Teixeira
(Orgs.). Clube 24 de Agosto: 100 anos de resistência de um clube social negro na fronteira
Brasil-Uruguai. Porto Alegre: Ilu Editora, 2018.

44
Fotografia s/d, provavelmente década de 1980. Acervo do Clube 24 de Agosto.

45
Outros Territórios Negros
em Jaguarão

Muitos outros territórios negros também importantes, marcados pela presença das
famílias, moradias, por instituições ou por terem se realizado como espaços de convivência,
existiram e ainda existem na cidade. Buscamos na Oficina dar conta de espaços em torno do
centro histórico, que possam ser visitados a pé, que façam sentido em uma mediação
pedagógica e que tenham relação com o que chamamos de História Social da escravidão e do
Pós-Abolição. Durante o século XIX e XX, podemos destacar dentre alguns destes territórios,
os que seguem. Antes, importante frisar que outros muitos existiram e existem, mas nesta
publicação não puderam ser trabalhados pois a intenção não é esgotar o assunto, assim como
outros estão sendo ainda pesquisados. Seguem algumas possibilidades:

46
Casas de Religiões de Matriz Africana

Anderson Machado

Dentro do Estado do Rio Grande do Sul, pode-se perceber a influência da cultura de


matriz africana nas três maiores vertentes de religiosidade sendo elas: o Batuque, a Umbanda
e a linha Cruzada. Assim o primeiro é considerado o mais complexo pois estabelece uma
relação direta aos povos Iorubás, ele é destinado somente aos cultos dos Orixás. Estas são
divindades africanas, e sua variação tanto em sua quantidade como nomenclaturas é dado a
nação que o terreiro corresponde, podendo ser Jejê. Nagô, Cambinda, Ijexá e Oyó. Também
há em solo gaúcho uma forte participação do Candomblé. Já a Umbanda é uma religião
totalmente brasileira e corresponde aos guias espirituais, sendo eles os Caboclos, Pretos-
Velhos, Ciganos, Marinheiros e Cosmes. E a linha Cruzada corresponde a inserção do povo de
rua, exús e pombagiras, dentro da Umbanda. Todos esses segmentos são comuns de se
encontrar dentro do mesmo espaço, na mesma casa, coabitando em harmonia.

Em Jaguarão, município localizado no extremo sul do Rio Grande do Sul que faz
fronteira com Uruguai, fortes características estão sendo preservadas com a passagem do
tempo, bem como a presença efetiva do povo negro neste território. Essas características são
visíveis pelo seu traço cultural que permeia nos centros de cultos Afro-religiosos, onde
encontra-se sua ancestralidade dentro de seus ritos, comidas, vestes e oralidade.

A religião é tida como uma cultura, onde seus saberes e ensinamentos são essencial-
mente transmitidos através da oralidade e essa troca se dá entre os mais velhos para com os
mais novos, logo dos que são mais velhos dentro deste campo para aqueles mais novos dentro
da casa de santo. Assim podendo então reafirmar que a oralidade é a maior base para a
construção destes espaços culturais, os terreiros.

Um ponto de grande referência na cidade é o Ylê Axé de Mãe Nice de Xangô, onde
além de praticar o segmento do Candomblé pratica a Umbanda. Situada na rua Claudino
Echevenguá nº 320, um pouco afastada do centro da cidade. Este espaço além de ser um local
de resistência e sociabilidade do povo negro, também se remete a ancestralidade de negras e
negros que vieram habitar essa região e deixaram o seu legado religioso que perpassa por
gerações. Existem diferentes casas de religião espalhadas pelos diversos bairros da cidade, e
chama a atenção a cidade de Jaguarão contar com uma grande representatividade de números
de espaços de culto afro-religioso, destacando-se nisto em âmbito do Estado.

O encontro de Mãe Nice com o Seu Pai de Santo se deu através das relações de
sociabilidade e de família no terreiro. O Pai Nilo de Xangô foi o responsável por cuidar da
parte espiritual de Mãe Nice, e atender a necessidade dela em alimentar o seu Ori.[2]

[2] Ori é o nome dado a cabeça, espaço onde na crença africana fica a sua ligação direta ao Orixá que te guia. 47
Outros territórios, vinculados ao sagrado, também são importantes e reconhecidos
adeptos das religiões de Matriz Africana, como por exemplo a beira do Rio Jaguarão e o culto
às divindades vinculadas às águas, e também o Cerro da Pólvora, mais especificamente a
pedreira que está localizado neste bairro, que é utilizada nas entregas de oferendas ao Orixá
Xangô. Orixá que representa a Justiça, sendo a sua maior virtude.

Há também festividades da Umbanda, tradicionais na cidade, que são contempladas


por toda a comunidade de Jaguarão, como a Procissão de Ogum, realizada anualmente no dia
23 de abril. Ogum é o Orixá guerreiro, responsável por toda a tecnologia, e representado no
sincretismo na imagem de São Jorge. Esta festividade é realizada no formato de uma
procissão que percorre as principais ruas da cidade, onde são levadas as referências culturais
de matriz africana em forma de cânticos referente a este Orixá.

CORRÊA, Nelson Luís. Experiências e sensações: um estudo de caso em um terreiro de


Candomblé Angola na cidade de Jaguarão. Jaguarão: Universidade Federal do Pampa, 2017.
(Trabalho de Conclusão de Curso).

OLIVEIRA, Vinicius Pereira de; GOMES, Denis Pereira; SCHERER, Jovani de Souza.
Histórias de batuques e batuqueiros: Rio Grande, Pelotas e Porto Alegre . Pelotas: Ed. dos
Autores, 2021.

TAVARES, Leandro Mateus de Almeida. Afrotur: proposta de um roteiro étnico-religioso no


município de Jaguarão/RS. Jaguarão: Universidade Federal do Pampa, 2017. (Trabalho de
Conclusão de Curso).

48
Imagem da parte interna do terreiro dirigido por Mãe Nice em uma festividade

alusiva a Cosme e Damião, ao fundo se vê o congá, altar onde tem a função de

canalizar a energia da Umbanda. Foto retirada do Facebook de Nice.

Registro da festa de Ogum. Foto retirada do Facebook de Nice.

49
Rua do Cordão

Isadora Teixeira da Cunha

A região da atual rua Barbosa Neto no bairro Vencato, no local que faz a curva entre
as ruas Fernandes Vieira e Mena Barreto, na cidade de Jaguarão, já foi conhecida como Rua
do Cordão, nome que fazia referência a tradicionais ritos e festejos de matriz africana. Hoje
há, próximo ao local, uma rua com o mesmo nome, batizada pela Câmara Municipal no ano de
1996. Tradicionalmente conhecida como uma rua que abrigava diversas famílias negras,
aparece como referência de espaço de sociabilidade destes núcleos desde o século passado. O
nome faz referência aos populares cordões carnavalescos, que marcaram presença no espaço,
mas não só a estes vislumbram-se o território em questão. Aqueles que passaram pela
escravização, após conquistarem a liberdade e fixarem-se ao espaço referenciado, praticavam
ainda antigos ritos funerários africano. Os cordões fúnebres parecem ter servido então como
referência aos futuros cordões carnavalescos e como forma de ressignificação de aspectos
culturais de sua origem que mais tarde se fizeram presentes nos festejos da cidade.

Chamar o espaço de Rua do Cordão, pode ser lido também como um ato de resistên-
cia e formação de uma identidade. Tendo em vista que além das origens citadas anteriormente
a rua pode ter adquirido este nome em homenagem a um grupo de mulheres negras que
residiam na localidade. O coletivo, identificado como Cordão das Minas, é lembrado por sua
vinculação aos festejos de carnaval, e tinham como marca seus vestidos brancos e as canções
que entoavam, os cantos em questão faziam referência a África, celebrando suas origens.

Enquanto espaço que se perpetuou como local de sociabilidade de famílias ne-gras, a


região da antiga Rua do Cordão, traz em sua história a presença de lideranças negras fortes e
que marcaram a cidade, como é o caso de Osvaldo Emílio Medeiros, o Mestre Vado.
Apaixonado por música, Mestre Vado começou cedo, aos 12 anos tomou aulas com Mestre
Euclides, baiano que chegou a Jaguarão com o exército e ficou alguns meses na cidade.
Circulou por outros outros territórios negros da cidade, sendo um grande exemplo de laços
formados pela sociabilidade desses espaços. Aos 13 anos foi convidado por Theodoro
Rodrigues, para sair no Cordão Carnavalesco União da Classe, cordão vinculado ao Clube 24
de Agosto.

Mestre Vado não ficou detido ao nosso lado da fronteira, como é tradição na zona
fronteiriça, a troca é a lei. Participou de folias nos clubes da cidade uruguaia vizinha de Rio
Branco e de seus cordões carnavalescos. Vado viveu para a música, fazendo dela parte central
da sua vida. Ensinou desde muito cedo o que aprendeu e deixou registrado a importância que
dava ao estudo, nas palavras do próprio Mestre: o estudo é o progresso da juventude. Como
nunca se negou a compartilhar seus conhecimentos, também foi generoso ao dividir suas me-

50
mórias do local onde nasceu, a Rua do Cordão.

Ao dividir suas lembranças em entrevistas, contava das memórias relacionadas a avó,


uma ex-escravizada que fez da Rua do Cordão seu lar. A marca significativa do poder da
história contada, que passa de geração para geração lutando contra o esquecimento, se
apresenta nas memórias do Mestre que recontava o que ouvia da avó sobre os cordões
funerários e os ritos africanos que fizeram parte e marcaram a história desse espaço.

Entre os emblemáticos moradores da antiga Rua do Cordão, encontramos o Sr. Nergi-


pe Machado, referência nos clubes e organizações da comunidade negra. Que também nos faz
perceber as fortes conexões entre esses territórios. Em suas memórias guardava, e muito
generosamente não se recusou a dividir, as lembranças que tinha dos cordões carnavalescos,
da importância de um local como o Clube 24 de Agosto, fundado para receber aqueles/as que
não podiam se associar em outras instituições clubistas por serem de brancos na cidade.

A importância de ressaltar e reafirmar a antiga Rua do Cordão como um espaço de


sociabilidade, luta e memória da população negra na cidade de Jaguarão, está diretamente
vinculada à necessidade de manutenção de uma história que está muito marcada pela
oralidade. Como Mestre Vado lembrava das histórias da avó sobre os cordões e ritos e as
compartilhou; como o Senhor Nergipe fez ao compartilhar suas lembranças de outros espaços,
como morador da rua e liderança de sua comunidade. Visitar, demarcar e questionar sobre
esse espaço também é uma forma de perpetuar as histórias que foram vividas e que nasceram
ali.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso. O Jaguarense no jornal A Alvorada (1932-1934): imprensa negra


e política na fronteira Brasil-Uruguai. MÉTIS: história & cultura – v. 19, n. 37, p. 54-79,
jan./jun. 2020.

ARENCE, Maria Túlia Duarte Mendes. Práticas de ensino da história e cultura afro-
brasileira. Jaguarão: Universidade Federal do Pampa, 2015. (Dissertação de Mestrado).

NUNES, Juliana dos Santos. "Somos o Suco do Carnaval": A Marchinha Carnavalesca e o


Cordão do Clube Social 24 de Agosto. Pelotas: Universidade Federal de Pelotas, 2010.
(Trabalho de Conclusão de Curso).

51
Fotografia s/d. Acervo do Clube 24 de Agosto.

Fotografia s/d. Acervo do Clube 24 de Agosto. O primeiro à esquerda e sentado, é

Mestre Vado.

52
Charqueadas

Isadora Teixeira da Cunha

Em meados do século XIX Jaguarão passou a ser um dos polos charqueadores da re-
gião sul do estado, tendo características propícias para o estabelecimento de indústria
saladeiril, como a proximidade com rotas fluviais utilizáveis para importação e exportação do
produto. Passou a atender então a demanda de produção de carne salgada da região, mas
também produziu para grandes centros urbanos do país e fora dele, visando suprir a
alimentação de população pobre e escravizada.

A mão de obra escravizada configurava grande parte dos trabalhadores envolvidos na


produção artesanal do charque na cidade, ainda que existam registros de trabalhadores livres
nas estâncias, seu número era reduzido. Os números de escravizados que chegaram até
Jaguarão no período são marcadores da presença escravizada na região, a cidade chegou a
tornar-se maior importadora de escravizados do que exportadora para áreas cafeeiras. A
reivindicação do espaço charqueador como um território negro acontece devido ao fato de que
muitos membros da comunidade negra da cidade têm em sua memória familiar fortemente
vinculada ao espaço de produção do charque.

Para entender a situação da produção na cidade e a população que tinha vínculos


empregatícios com o manejo e feitura do charque, é importante conhecermos as duas
Charqueadas proeminentes dos séculos passados. Embora com uma produção de charque
menor do que a dos polos como Pelotas, por exemplo, as quantidades que eram produzidas em
Jaguarão abasteciam bem a região fronteiriça e garantiam a exportação do volume excedente.
Dando destaque a dois exemplos da indústria saladeiril da cidade, podemos citar a Charqueada
São Pedro, fundada ainda na primeira metade do século XIX; e a Charqueada São Domingos,
tendo como data de fundação o ano de 1902.

A fundação da Charqueada São Domingos não significou o fechamento da anterior, e


ambas funcionaram paralelamente por alguns anos, até o encerramento da Charqueada São
Pedro. A produção do charque na cidade ultrapassa o segundo quartel do século XX e chega a
década de 1960/70, quando o avanço nas tecnologias de armazenamento de carnes chega
através das câmaras frias. Sabemos que a chegada de novas formas de armazenar e conservar
carnes não extingue de imediato a produção do charque e que a produção na cidade também
passa por adaptações para essa era de frigoríficos.

53
Para entender os espaços charqueadores como espaços de sociabilidade é preciso vol-
tar a atenção para os homens que compunham a base da indústria, trabalhadores que lidavam
com o abate e o preparo da carne. Para esses trabalhadores, a charqueada também é um espaço
para manejar estratégias de sobrevivência e trocas. Em alguns relatos é possível entender
como pequenos desvios de mantas de carne precisavam ser pensados por grupos, para que não
houvessem prejudicados; como aqueles homens que estavam em posições mais confortáveis
para fazer isso eram procurados pelos outros trabalhadores e de que forma essa mesma carne
fora da charqueada é utilizada como moeda de troca e de aproximação.

Assim como era comum em outros territórios, a charqueada não é um mundo à parte
isolado de outros locais de associatividade e sociabilidade, alguns dos trabalhadores das
charqueadas, que trabalharam posteriormente no frigorífico, ocuparam cargos frente ao Clube
24 de Agosto ou eram simplesmente associados ao clube. A exemplo disso, temos a figura de
Malaquia de Oliveira, um dos fundadores do Clube 24 de Agosto, e encontramos os relatos do
Sr. Natálio Cardoso Chagas, que traz na memória lembranças das formas de "negociação" de
peças de carne e de histórias que ouviu a respeito de estratégias de sobrevivência nesses
espaços, isso já nos anos de 1950 e 1960 do século passado. Um reflexo da longa duração da
cultura da carne na cidade e da representação desses locais como territórios propícios à
sociabilidade.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso; OLIVEIRA, Fernanda. A comunidade negra na fronteira entre


Brasil e Uruguai: uma análise sobre o Pós-Abolição por meio dos Clubes Negros de Jaguarão
e Melo em meados do século XX. História Unisinos, v. 25, n. 3, p. 503-517, 2021.

CEREDA, Allan Mateus. “Não tinha o que comer, botava no bolso”: Situações de classe na
charqueada/frigorífico São Domingos (1950-1975). Jaguarão: Universidade Federal do
Pampa, 2017. (Trabalho de Conclusão de Curso).

LIMA, Andrea da Gama. Territórios do charque em Jaguarão, RS: patrimônio, memória e


diáspora africana na fronteira meridional do Brasil. Pelotas: UFPel, 2020. (Tese de
Doutorado).

54
Fotografia s/d. Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Jaguarão.

Fotografia retirada da publicação: Apontamentos para uma Monographia de

Jaguarão. Intendência Municipal de Jaguarão, 1912.

55
Rastilho

Caiuá Cardoso Al-Alam

Ramão Machado, conhecido como Negro Rastilho, epíteto lhe dado pela fama relacionada a
prática do roubo, foi morto pela polícia no dia 8 de março de 1943, na beira do Arroio Juncal,
no 2º Subdistrito, em Santana. Perseguido, foi encontrado numa cova seca na beira do arroio,
nos campos do Dr. Constantino Lila da Silveira. Resistiu à prisão, abrindo tiros contra os que
o perseguiam, sendo executado dentro da cova.

Alfredo Crispim, capataz da granja Belóca, de propriedade do Sr. Dr. Mirabeau Baltar,
onde Rastilho está enterrado, relata sua história e canonização popular em matéria de jornal A
Folha do dia 15 de janeiro de 1955. O espaço até hoje é frequentado por muitos populares que
vão lá fazer pedidos e agradecimentos ao Negro Rastilho, realizando orações e oferendas,
como velas e cachaça.

Em 5 de fevereiro do mesmo ano, é publicado um texto a pedido, assinado por Luiz


Cassuriaga, prefeito do 2º Subdistrito, e que teria sido escrito para “esclarecer” as
informações. A autoridade dizia que não teria sido “uma malta de policiais” de Jaguarão e
Arroio Grande que perseguiram Rastilho o matando, e sim ele mesmo e o guarda rural
Orotildes Pereira Alves. Reivindicava a façanha. De acordo com Cassuriaga, Rastilho teria
sido surpreendido ao tentar roubar um domicílio rural, e perseguido, reagindo com tiros, o que
fez com que outras pessoas corressem atrás dele. Fugindo, se “entrincheirou numa cova feita
pela água do rio Juncal”, reagindo com seus dois revólveres. Acuado, acabou alvejado com
cinco tiros, morrendo no local. Rastilho estava com os pertences de Gabriel Corrêa da Silva,
supostamente roubados na semana anterior de sua residência: um revólver com cabo
madrepérola, um relógio de algibeira da marca “ômega” e um outro de marca “Ramenzoni”.
Luiz Cassuriaga alegou terem agido em legítima defesa, o que é questionável, já que Rastilho
ficou acuado em um buraco, sendo executado. Meses após o acontecido, o proprietário da
fazenda, Dr. Constantino Lila da Silveira, teria solicitado que o corpo de Rastilho fosse
retirado de sua propriedade, já que havia sido enterrado no local. Ao exumarem o corpo e
observado o estado putrefato que se encontrava, o Dr. Mirabeau Baltar autorizou que Rastilho
fosse enterrado em campo seu. A partir daí começaram os relatos relacionados aos casos de
milagre realizados por ele.

Em 1959, um poema intitulado Negro Rastilho, assinado por Luiz Felippe Amaro da
Silveira, em homenagem ao Dr. Mirabeau Pacheco Baltar, o dono da propriedade onde foi
enterrado Rastilho, faz referência a este como “negro guapo e andarilho, mui peleador e
campeiro”. Comparava a contação de sua história com a do Negrinho do Pastoreio, de tão
famosa na época, andando de boca em boca. Faz referência a Rastilho como “criado em beira
de rancho, tinha baldas de carancho e manhas de sorro esperto”. A referência a prática de rou-
56
bo parece estar naturalizada na figura de Rastilho, inclusive no seu apelido isto fica evidente,
mas no poema a justificativa era a fome, certamente a situação de penúria da peonanada pobre
que trabalhava esporadicamente nas estâncias, em sua maioria homens negros. No fim do
poema, a referência à santificação de Rastilho vem à tona, “Santo campeiro num ritual
campeiro: um túmulo solito...canha e velas...e seus milagres hoje se esparramam. Se pedem
chuva o Negro manda chuva. Se querem sol o Negro para a chuva”. Dizem os relatos que o
proprietário do campo onde está enterrado o Negro Rastilho, Dr. Mirabeau, certo dia injuriado
e já desesperançoso com a falta de chuvas para a lavoura, pediu a ele que enviasse chuva, que
logo veio. A partir de então, populares realizam oferendas em seu túmulo, construído com um
funil para ser colocado cachaça ao santo. Fica evidente a relação com a figura de Exú,
importante entidade das religiões de matriz africana na região, evidenciando que alguns
elementos são objetivamente relacionados a experiência do povo negro no local. É um
território com vínculos ao imaginário popular religioso africano, na resistência de um homem
negro que até hoje recebe leituras racistas sobre a sua experiência, o desmerecendo retratando
como um ladrão. Negro Rastilho ficou encantado, histórias são vinculadas a ele, como a gaita
que tocava (a música novamente vinculada a perspectiva mágica da encruzilhada-Exú, como
no blues de Robert Johnson), a realização de práticas quase mágicas que faziam desaparecer
utensílios e objetos, e até mesmo sua alma bondosa e ingênua.

IHGJ. Jornal A Folha. Dia 5 de fevereiro de 1955.e 11 de julho de 1959.

CALDEIRA, Alef Franco; FARINHA, Alessandra Buriol. O Negro Do Rastilho: Memória


Social e Identidade Cultural em Jaguarão, RS. RELACult - Revista Latino-Americana De
Estudos Em Cultura E Sociedade, 2(4), 2016, p. 831–843.

NUNES, Geice Peres. Os caminhos de Rastilho: expressões da literatura oral na fronteira sul-
riograndense. BOITATÁ, Londrina, n. 23, jan-jul 2017, p. 164-178.

57
Túmulo do Negro Rastilho. Foto de Alessandra Buriol Farinha e

Alef Franco Caldeira.

58
Cerro da Pólvora e Bairro Kennedy

Caiuá Cardoso Al-Alam

O nome Cerro da Pólvora remete aos tempos em que havia no local a Pedreira Muni-
cipal, espaço que usufruía dos diques de basalto que caracterizam a natureza do lugar. Além
da Pedreira administrada pelo município, havia a mineração por particulares que tinham as
autorizações para extração distribuídas pela prefeitura. Alguns moradores das redondezas,
inclusive crianças e mulheres, quebravam basalto a mão com marretas e martelos, a fim de
venderem para empresas que utilizavam nas obras e construções na cidade, gerando mínima
renda para estas famílias que labutavam duramente neste tipo de trabalho. Ainda hoje restam
algumas pessoas que realizam a extração manualmente e que podem ser vistas no local. O
trabalho era árduo e perigoso, já que muitas explosões ocorriam no local, inclusive ameaçando
moradores/as das redondezas. Em torno da Pedreira, haviam muitas moradias, algumas como
resultado das ocupações e outras incentivadas pelo poder público. Segundo relatos em
pesquisas, a população do lugar era composta por moradores/as advindos da zona rural e
cidades vizinhas, caracterizando-se principalmente a ocupação daquele território por famílias
negras. Muitas destas famílias viviam uma realidade muito dura, com a permanente falta de
estrutura, como acesso a água, luz, esgoto, que teriam chegado no local apenas no início da
década de 1980. Houveram muitas ações assistenciais das comunidades e lideranças das
Igrejas Católica e Anglicana, que realizavam campanhas de alimentação, de doação de roupas
e outros auxílios. As religiões de matriz africana também tiveram importante influência no
local, tanto com ações assistenciais quanto também com terreiros naquele espaço. A
localidade da Pedreira, no mundo afro religioso, é remetida a forte presença de Xangô,
vinculado ao poder, a força, a justiça. A Igreja Católica também marcou território no campo
simbólico, com a construção do monumento ao Cristo, inaugurado em 1961.

No Cerro da Pólvora, também se faz presente outra importante referência que é a


Enfermaria Militar. Construída no século XIX e inaugurada em 1883, foi utilizada como
espaço hospitalar, de aquartelamento e também, como espaço de presos políticos durante a
ditadura civil-militar. No fim da década de 1970, o prédio começou a ser desativado e anos
depois fechado. Hoje o prédio é tombado, e ainda espera a finalização da sua restauração, que
segundo projeto original, deverá abrigar o Centro de Interpretação do Pampa, vinculado à
Unipampa.

Em 1964, o a ditadura civil-militar implementou o Banco Nacional de Habitação


(BNH) para financiar uma política de construção de moradias via os usos do FGTS. Os
projetos, enquanto política, respondiam ao desencadeamento de incentivo a especulação
fundiária e de afastamento dos grupos populares, dentre eles fundamentalmente as famílias
negras, de regiões melhor valorizadas, para as periferias das cidades. Ainda assim, algumas
famílias acabaram fazendo usos importantes. Primeiramente, em 1967, a Prefeitura em parce-
59
ria com a ditadura, entregou casas para oito famílias alojadas no Cerro da Pólvora, numa
continuidade da Rua Julio de Castilhos. Posteriormente, no mesmo ano, mais 35 residências
foram vendidas a preços baixos num projeto conhecido como COHAB (Companhia de
Habitação), focadas em famílias que não necessariamente eram do Cerro da Pólvora, mas que
tinham acesso a serviço assalariado e, portanto, condições mínimas para pagamento. Formava-
se assim o atual Bairro Kennedy.

Se por um lado, famílias tiveram acesso a um pouco de estrutura e melhores condi-


ções de vida, outras denunciaram a situação por terem sido removidas a contra vontade das
suas antigas habitações no Cerro da Pólvora, e levadas ao Bairro Kennedy. Ainda, existem
relatos de precariedade, de autoritarismo, de falta de cumprimento de promessas, e
principalmente, queixas sobre serem alvo de preconceitos de setores da sociedade jaguarense.
A organização comunitária foi uma marca nas duas localidades, tendo algumas associações de
moradores sido estabelecidas nas décadas que se seguiram, deixando marcas em conquistas
estruturais presentes até hoje. Atualmente, tanto o Cerro da Pólvora como o Bairro Kennedy,
ainda carecem de melhor investimento dos poderes públicos, e ainda contam com muitas
famílias negras compondo sua população. Territórios negros da periferia da cidade,
importantes para refletirmos a respeito das políticas de planejamento urbano, ou a falta delas,
sobre a luta contra estigmas preconceituosos relacionados aos moradores da região, mas
também os processos de resistência vinculados às pautas de luta por cidadania, como o direito
à moradia.

ROSA, Alzemiro Gonçalves da. A voz popular: o Cerro da Pólvora nas décadas de 1960-
1970 em Jaguarão-RS. Jaguarão: Universidade Federal do Pampa, 2015. (Trabalho de
Conclusão de Curso)

CORRÊA, Nelson Luís. Experiências e sensações: um estudo de caso em um terreiro de


Candomblé Angola na cidade de Jaguarão. Jaguarão: Universidade Federal do Pampa, 2017.
(Trabalho de Conclusão de Curso).

GONÇALVES, Darlise Gonçalves de. Travessia: o protagonismo da fronteiriça Jaguarão na


rota dos passageiros da liberdade durante a Ditadura Civil-militar brasileira (1964-1973).
Jaguarão: Universidade Federal do Pampa, 2018. (Trabalho de Conclusão de Curso).

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Fotos da Família Gonçalves Rosa. Fotografia e informações extraídas do trabalho:

ROSA, Alzemiro Gonçalves da. A voz popular: o Cerro da Pólvora nas décadas

de 1960-1970 em Jaguarão-RS. Jaguarão: Universidade Federal do Pampa, 2015.

(Trabalho de Conclusão de Curso). P.26.

Fotos da Família Gonçalves Rosa. Fotografia e informações extraídas do trabalho:

ROSA, Alzemiro Gonçalves da. A voz popular: o Cerro da Pólvora nas décadas de

1960-1970 em Jaguarão-RS. Jaguarão: Universidade Federal do Pampa, 2015.

(Trabalho de Conclusão de Curso). P.34.

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Quilombo Madeira

Caiuá Cardoso Al-Alam

O Quilombo Madeira, situado na localidade do Cerrito, na 3ª Zona do município de


Jaguarão, tem uma história de longa data. O território negro fica ao norte da cidade jaguarense
e ao sul de Herval, próximo ao chamado Arroio Quilombo. Referências ao arroio e também a
uma estância que carregava o mesmo nome, Quilombo, são feitas na documentação já no
século XIX. Ainda próximo a estes locais, fica o chamado Cerro dos Mulatinhos, cartografias
que evidenciam um intenso território ocupado pelas famílias negras e suas experiências de
escravidão e liberdade. Portanto, a história do Quilombo Madeira remete a diversas gerações,
provavelmente situada nas mediações de antigos/as trabalhadores/as escravizados/as e os
proprietários de terra e criadores de gado vacum.

Segundo informações de pesquisas e bibliografia, o Quilombo é composto por cerca


de 40 hectares que acolhem o número de 60 famílias. O Madeira preserva uma cultura
extremamente rica e composta pela experiência do mundo do trabalho na Pampa. A criação de
animais, plantio de alimentos, assim como o artesanato, compõe a economia das famílias do
lugar, que também executam outros ganhos com diferentes tipos de trabalho. Estão lá
presentes os elementos do que se chama de cultura afrogaúcha, destacada por Oliveira
Silveira, o poeta da Consciência Negra, durante toda sua vida nas suas poesias e pesquisas.
Expressões culturais, de linguagem como a sanga e o fandango, receitas de comidas como o
quibebe, práticas de trabalho como as realizadas com o couro do boi e a lã das ovelhas, a
música como o tango e a milonga, remetem a muitas influências de procedência do continente
africano. São evidências da diáspora africana no sul das Américas. A comunidade do
Quilombo Madeira representa esta cultura da Pampa negra.

No período colonial, durante o contexto do Império Marítimo Português, ficou


cristalizada a definição do Conselho Ultramarino realizada em 1740, definindo os quilombos
como “toda habitação de negros fugidos que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que
não tenham ranchos levantados, nem se achem pilões neles”. Vinculou-se as experiências
quilombolas a espaços isolados, fora do contexto da sociedade escravista, o que hoje
entendemos como equivocado, pois os quilombos estavam integrados a esta sociedade, em
posições ardilosas, mediando estratégias de resistência, de sobrevivência, em redes sociais
com trocas de informações e mantimentos. Estes laços de contatos, de sociabilidade e táticas,
são atualmente tratados pela historiografia como campo negro, férteis experiências entre o
povo africano e descendentes, em escravidão e até mesmo em liberdade. Eram espaços
demarcados para além de coletivos de escravizados/as em fuga, sendo locais de intensa
experiência social, de mediações culturais, saberes, e de estratégias de resistência.

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A comunidade foi certificada como terra quilombola pela Fundação Cultural Palma-
res a partir da portaria nº 51 de 22 de março de 2010, tendo seu processo no Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) correspondendo ao número 54220.002583/2009-
94. Mas é importante enfatizar que, segundo informações do site da Palmares, a comunidade
do Madeira ainda não foi titulada. Das 3.400 terras quilombolas certificadas no país, esta é
uma realidade de cerca de 90% das terras de remanescentes de quilombos, que até hoje não
conseguiram ter seu registro de posse da terra efetivado. O que é um direito garantido pela
Constituição de 1988, assim como reconhecimento destes territórios negros enquanto
patrimônio cultural brasileiro. O que evidencia a perversidade do lento processo de reparação
ao povo negro no Brasil.

CAPA. Revelando os quilombos no Sul. Pelotas: Centro de Apoio ao Pequeno Agricultor,


2010.

FUNDAÇÃO CULTURAL PALMARES. Portaria Nº 51, de 22 de março de


2010/Certidão emitida pela Fundação Cultural Palmares | Diário Oficial da União. 2010.

MOREIRA, Paulo Roberto Staudt; AL-ALAM, Caiuá Cardoso; PINTO, Natália Garcia. Os
Calhambolas do General Manoel Padeiro: práticas quilombolas na Serra dos Tapes (,
Pelotas, 1835). São Leopoldo: OIKOS, 2020.

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Fotografia de Isac Morais, retirada do texto: SANTOS, Damaris de Lima;

MARCELINO, Isac Morais Lages; SANTANA, Raiciliane Barbosa de Jesus.

Análise Etnofotográfica da Comunidade “Quilombo Madeira”: Identidade e

Memória - Jaguarão/RS. RELACult - Revista Latino-Americana De Estudos Em

Cultura E Sociedade, 2(1), 2016, 78–87.

Fotografia de Raiciliane Santana, retirada do texto: SANTOS, Damaris de Lima;

MARCELINO, Isac Morais Lages; SANTANA, Raiciliane Barbosa de Jesus. Análise

Etnofotográfica da Comunidade “Quilombo Madeira”: Identidade e Memória -

Jaguarão/RS. RELACult - Revista Latino-Americana De Estudos Em Cultura E

Sociedade, 2(1), 2016, 78–87.

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Proposta de Atividade Pedagógica

Durante todo este livro, procuramos relacionar diferentes territórios negros na cidade
de Jaguarão. Neste sentido, é importante enfatizar que podemos entender os territórios negros
de algumas formas: como na perspectiva ocupacional, em que estes espaços são definidos pela
fixação das famílias negras nos locais; como também pela perspectiva interacional, ou seja,
espaços de trocas de experiências sociais coletivas, e que foram demarcados pelo
pertencimento relacionado a estas localidades a partir do ponto de vista do pertencimento em
torno de uma identidade étnico-racial negra. Nos dois exemplos, tornam-se os territórios
negros espaços de referência para o processo de identificação coletiva, para a demarcação de
uma identidade negra positiva, valorizando a cultura e história afro-brasileira.

Assim, em acordo com a lei 10.639, que busca fortalecer a produção de conhecimento
e abordagem da história de África e da cultura afro-brasileira, propomos uma atividade
pedagógica. Muitos territórios ficaram de fora deste roteiro e deste livro. São vários os
espaços de pertencimento na região de Jaguarão, que podem ser evidenciados.

Busque propor a sua turma de estudantes, ou participantes de uma oficina, que em


diálogo com seus familiares e conhecidos, a partir de entrevistas, evidenciem espaços que
abarquem a presencialidade da população negra em Jaguarão. Proponha que identifiquem o
local, referenciem no mapa da cidade, e que busquem algum registro de fonte histórica, tal
como uma fotografia, por exemplo. A construção de uma cartografia realizada pelos/as
próprios/as estudantes, estimula a reflexão sobre os espaços, as relações sociais presentes
nestes, uma prática de educação antirracista, além de fortalecer pertencimento com a memória
local. Certamente, ampliaremos o acesso a estes espaços, e visibilizaremos tais localidades,
contribuindo para uma outra história da fronteira Brasil-Uruguai, desta cidade negra de
extrema relevância para a construção do conhecimento histórico nas Américas.

AL-ALAM, Caiuá Cardoso; LIMA, Andréa da Gama. Territórios Negros em Jaguarão. In:
AL-ALAM, Caiuá Cardoso; ESCOBAR, Giane Vargas; MUNARETTO, Sara (Orgs.). Clube
24 de Agosto (1918-2018): 100 anos de resistência de um clube social negro na fronteira
Brasil-Uruguai. Porto Alegre: ILU, 2018b. P. 37-54.

LEITE, Ilka Boaventura. Território negro em área rural e urbana: algumas questões. Textos e
debates. Núcleo de Estudos sobre Identidade e Relações Interétnicas - UFSC. Ano I, n° 2,
1990. p. 39-46.

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