D. Penal Teórica Final 2º Semestre-53-62
D. Penal Teórica Final 2º Semestre-53-62
D. Penal Teórica Final 2º Semestre-53-62
Na verdade, todas elas podiam ser agrupadas nalguns pontos dessa matéria. Bem vistas
as coisas, e de acordo com a doutrina, todos os crimes são problemas de ilicitude. Quando
estudamos a ilicitude, podemos englobar estas formas especiais.
Desde o início desta cadeira, partimos sempre de um modelo: um agente que pratica um
crime consumado contra uma vítima. Contudo, não é assim que a realidade se apresenta.
Há situações em que um ou mais agentes praticam um ou mais crimes contra uma ou mais
vítimas…Todas estas hipóteses são equacionáveis. Este modelo é apenas ensinado por
ser o mais simples.
Tentativa
Os crimes por tentativa estão intrinsecamente ligados aos conceitos do desvalor da ação
e desvalor do resultado. Tal como foi dado, a doutrina maioritária segue hoje uma
conceção pessoal da ilicitude (tese do ilícito pessoal) que dá mais relevo ao desvalor da
ação do que à do resultado (diferente do ilícito objetivo).
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Existe um caminho até chegarmos à consumação do crime: o iter criminis (ex: um dos
exemplos padrão do homicídio qualificado é o agente ter persistido na preparação do
homicídio).
Iter criminis
1º-Pensamento: no plano das ideias, o direito penal não pode nem deve intervir.
Seria impossível e, do ponto de vista dogmático, se o direito penal é de ultima ratio, então
nunca poderia intervir antes da consumação.
Para haver tentativa tem de haver atos de execução (elemento objetivo) e tem de haver
dolo (elemento subjetivo- é evidente que não há tentativa em relação a crimes
negligentes). Estes atos estão previstos no art. 22º do CP, onde se consagram as várias
teorias do fundamento da punibilidade da tentativa. A alínea a) consagra a teoria formal
objetiva, a alínea b) a teoria formal subjetiva e a alínea c) a fórmula de Frank.
O nosso legislador optou por uma conceção ampla de atos de execução. A tentativa tem
um lastro histórico muito amplo. No Direito Romano não havia distinção. Eram punidos
de qualquer maneira.
Art. 22º, nº1CP: definição de tentativa- atos de execução de um crime que o agente
decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se (não é a vontade interna, mas fatores
externos que impedem a consumação).
Art. 22º, nº2CP: elenco taxativo. Consagra três alíneas com três diferentes teorias a este
propósito.
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a) Teoria objetiva (aponta para o elemento literal de interpretação das
normas). São atos de execução aqueles que correspondem ao
preenchimento do tipo objetivo (ex: crime de homicídio- preenchimento
do tipo objetivo).
Aquilo que é expectável em função da ação que o agente decide apreender é que o
resultado se produza. A alínea c) é sempre uma alínea que antecipa a tutela penal. A partir
do momento em que os agentes começam a executar um ato de execução, se tudo correr
de acordo com o planeado e se nada anormal acontecer, sendo os atos adequados, os atos
irão culminar nas alíneas anteriores. Esta alínea antecipa o efeito útil das alíneas
anteriores.
Não precisam de estar verificadas todas as alíneas para que estejamos perante atos de
execução, sem prejuízo do facto de a al. c) remeter para uma das outras. Se há dolo do
agente sem que haja consumação, estamos perante a tentativa, punível nos termos do art.
23ºCP. O nº1 exige que o crime consumado respectivo corresponda a uma pena superior
a 3 anos de prisão. Isto porque o desvalor do resultado, apesar de não ser o mais
importante, continua a ter relevo. Há interesse no desvalor do resultado, até porque o
direito penal é uma ordem que protege bens jurídicos.
Percebemos então que a tentativa nem sempre é punível, porque os crimes que sejam
puníveis até 3 anos consideram-se menos graves.
Exceções: caso do art. 203º/nº2CP, que pune o furto simples. O Professor considera esta
situação absurda. Fará sentido uma tentativa de furto simples ser punível, mas uma
tentativa de ofensa à integridade física já não o ser (art. 143ºCP)?
Como é que se pune a tentativa: com a pena prevista pelo crime consumado. Art. 23º,
nº3CP. Deve fazer-se uma remissão para o art. 73ºCP (ex: a pessoa ter uma paragem
cardíaca antes de levar um tiro-tentativa inidônea). A tentativa pode ser inidônea por
inexistência do objeto de ação (a pessoa ou a coisa sobre a qual se atua) ou então por
inidoneidade do meio (o meio não é capaz de produzir aquele resultado).
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Exemplo: no séc. XVIII, havia na Suíça a crença que tomar absinto era uma forma de
aborto. A ciência médica diz-nos que isso não é verdade. A tentativa não é punível quando
for manifesta (para a comunidade no seu conjunto) a inaptidão da atuação do agente, ou
a inexistência do objeto… (art. 23º, nº3CP).
Teoria da aparência: é, ou não, aparente para a comunidade no seu conjunto que este
meio não é idóneo para produzir o resultado desejado. A questão da aparência relaciona-
se com o ilícito pessoal. O meu desvalor da ação é igual estando ou não a pessoa já morta
(porque eu achava que ela estava viva e queria com a minha ação que a pessoa morresse).
Salvaguarda-se a ideia de punição geral (tese do ilícito pessoal).
Art. 24ºCP: A tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desiste. Há
casos em que o próprio agente desiste voluntariamente da tentativa (desistência essa que
não tem de ser por um motivo nobre, podendo apenas ser por uma circunstância). A
tentativa deixa de ser punível se o agente tem o dolo, mas desiste voluntariamente (e não
põe em prática atos de execução- ideia de Direito premial).
(exemplo: eu dou um tiro a alguém mas ele não morre. Eu nesse momento pego nele e
levo-o ao hospital de S. António. É uma hipótese de arrependimento ativo. O agente
praticou todos os atos de execução para o crime de homicídio, mas não conseguiu
produzir o resultado e tentou evitá-lo. Chegamos e impedimos o resultado. Se pelo
caminho a pessoa que levou o tiro morrer, eu não vou beneficiar do 24º, nº1CP, mas a
tentativa de salvar a vida da pessoa interessa para determinar a medida concreta da pena.
Art. 24º, nº2CP: temos as hipóteses em que, por exemplo, A acerta com um tiro em B e
ele não morre. As pessoas à volta da situação levam B ao hospital e ele sobrevive. Neste
caso, essa circunstância já não vai beneficiar o agente, porque ele não teve nenhuma
conduta de arrependimento ativo. Logo, ele será punido por crime de homicídio na forma
tentada. Se o agente também vai em socorro de B, a consumação de facto já está a ser
impedida por um facto que decorre da conduta do agente. Logo, ele só não será punido
se também estiver a intervir no processo de salvamento e se tiver evitado o resultado.
Concurso
O concurso engloba todas as situações em que um ou mais agentes praticam vários crimes,
sem que nenhum desses crimes tenha sido objeto de decisão com trânsito em julgado (30
dias).
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Qual é o critério para saber se o agente praticou um ou mais crimes? Ex: crime de
homicídio + profanação de cadáver (aplica-se o critério do art. 20º, nº1 do CP- critério
normativo do concurso de crimes).
O 1º critério que surgiu no direito penal para esta questão foi um critério naturalístico.
Haveria tantos crimes quantas as ações praticadas pelo agente. Isto não era aplicável na
prática. Pensar, abrir a boca, colocar o aparelho vocal, emitir sons… Tudo isto são ações
que de alguma forma podem levar a um crime (neste caso de injúria). Assim, teriamos de
punir o agente por cada uma destas ações (pois todas seriam crime). Esta ideia não é
compatível com a ideia de que o direito penal protege bens jurídicos. Por outro lado, com
uma ação podemos lesionar mais que um bem jurídico (ex: disparar sobre um vidro e
sobre uma pessoa- crime de dano + homicídio).
Mais tarde, para aperfeiçoar este critério, surgiu a figura alemã do concurso ideal: situação
em que uma só ação acaba por lesar o mesmo bem jurídico várias vezes (sendo que o
concurso ideal pode ser heterogéneo ou homogéneo). Vê-se muito nos ordenamentos
jurídicos a figura do concurso ideal VS real. O ideal é uma ficção, porque parte de um
conceito naturalístico de ação, onde se ficciona que há uma só ação que vai lesar o mesmo
bem jurídico várias vezes, ou vários bens jurídicos diferentes. Esta ideia é um erro, e não
é o critério que o nosso CP segue.
Art. 30º, nº1 do CP: o nosso ordenamento jurídico rejeita o conceito naturalístico de ação.
O número de crimes afere-se pelo número de tipos legais de crimes preenchidos, não
interessando o número de ações. Seguimos um critério normativo (graças a Eduardo
Correia). Há tantos crimes quanto o número de tipos legais preenchidos, ou o número de
vezes que eu, através de uma ação, lesei o mesmo bem jurídico.
Ex: uma coisa é eu, por exemplo, partir um vidro e matar alguém. Aí estamos perante o
preenchimento de dois tipos legais diferentes. Outra coisa é eu dar uma facada várias
vezes numa pessoa. Aí o tipo de legal é o mesmo. Se eu por exemplo der uma facada em
alguém e, após verificar que a pessoa ainda estava viva, voltar a dar-lhe uma facada, eu
estou a praticar o mesmo tipo legal várias vezes.
Podemos falar de duas modalidades de concurso: concurso efetivo (art. 30º/1) e concurso
aparente (ou legal ou de normas).
O efetivo pune-se nos termos do art. 77º. O nosso sistema é um sistema cumulativo (e
não de acumulação como os americanos). Se houver concurso efetivo de crimes, o sistema
não perde de vista os crimes parcelares. Cada crime mantem a sua autonomia.
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(nota: como é que se determina qual a medida de pena a aplicar num caso de concurso?
1º fase- determina-se a pena de cada crime; 2º fase- constrói-se uma moldura penal geral;
3º fase- calcula-se a medida única da moldura penal (cúmulo jurídico) ).
Concurso efetivo: conjunto de crimes praticados pelo mesmo agente e sobre o qual
o tribunal ainda não se pronunciou em transito em julgado (período de 30 dias entre a data
da prolação da decisão- data do depósito. Conta-se a partir do deposito). É tudo julgado
no mesmo processo.
Logo, neste caso considera-se que só houve um projeto criminoso. O critério temporal
ajuda a perceber. Se houve um afastamento temporal entre atos, então há 2 projetos
criminosos diferentes (o mesmo tipo legal preenchido duas vezes).
Especialidade
Ex: A matou a sua irmã. Que normas é que o ordenamento jurídico quereria aplicar a este
caso?- art. 131º e 132º. Eu tenho duas normas que se querem aparentemente aplicar ao
caso em abstrato. Mas eu por um processo de mera interpretação dos factos, concluo que
o art. 132º prevê a mesma hipótese do 131º, mas com um elemento acrescido. Se no caso
concreto, o agente revelar especial perversidade e for irmão da vítima, afastamos o art.
131º e aplicamos o 132º (pr. da especialidade: norma especial revoga norma geral).
Ou seja, no concurso aparente parece que, em abstrato, várias normas se querem aplicar,
mas depois, recorrendo à hermenêutica, conclui-se que na prática só podemos aplicar uma
norma.
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Ex: furto simples + entrada ilegal na habitação de uma pessoa (aplica-se o art. 204º/1/).
Aqui, ninguém tem dúvidas de que se aplica o art. 204º e não o 203º.
Ex: homicídio privilegiado (homícidio cuja causa que diminui a ilicitude ou a culpa do
crime, ou os dois- por exemplo matar para salvar outra pessoa).
Consunção
Ex: A quer burlar B. B quer comprar um prédio no sítio X. A falsifica uma certidão de
registo predial para se fazer passar por proprietária. Ambos celebram um contrato.
Seria aplicável o disposto no art. 218º (burla qualificada) e do art. 256º (falsificação de
documentos) (nota: o documento, nos termos do art. 255º, é uma das modalidades da burla
/formas de burlar).
O professor discorda desta opinião: na opinião do professor, não é pelo bem jurídico ser
diferente o concurso deixa de ser aparente. Há zonas de sobreposição de plano, e de
sobreposição de normas jurídicas. O que o professor e grande parte da doutrina defendem
é que a relação de consumação não deve usar o critério do bem jurídico, mas sim o do
conteúdo da ilicitude, de modo a saber se é ou não absorvido. O conteúdo de burla abrange
o conteúdo da falsificação de documentos, visto que o 2º esteve ao serviço do 1º.
Outro ex: furto simples + ofensa à integridade física simples (Art. 143º/1 + 203º). Parece
que há dois crimes, mas o ordenamento jurídico já configurou um crime que abrange as
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duas ilicitudes- o roubo (art. 210º). O roubo consome o conteúdo e ilicitude dos crimes
anteriores. Já há um crime pensado para abranger o conteúdo e ilicitude. Trata-se de uma
relação de consunção.
Subsidariedade
Ex: crime de violência doméstica (art. 152º). A lei estabelece uma moldura penal abstrata
para este crime. Mas refere que só se “não houver pena mais agravada”. Há várias formas
de violência doméstica (sequestro, violação…). As normas com esta previsão são norma
de aplicação subsidiária. A pena da uma norma é garantida, mas se a conduta se
subsumir a outra norma com uma penamais grave, aplica-se a pena dessa norma. O 152º
apenas garante o mínimo de pena.
O crime de ameaça é menos grave que o da coação. A coação é uma ameaça com
determinadas caraterísticas específicas. Na ameaça, o agente ameaça alguém apenas para
lhe provocar medo. Na coação, há um objetivo de constranger a pessoa a uma ação ou
omissão, ou a suportar uma atividade. Há uma relação de subsidiariedade tácita entre a
ameaça e a coação. A pena da coação é superior à da ameaça, pelo que a norma do 2º
crime aplica-se subsidiariamente.
Coação sexual (art. 163º): na coação sexual, a ameaça tem de ter como objetivo
constranger a pessoa a praticar um ato sexual de relevo (ficxa a dúvida sobre o que é um
ato sexual de relevo). Ex: um agente ameaça divulgar fotos intimas da vítima se ela não
tiver relações sexuais com ele. Podiamos aplicar 3 normas: coação sexual, coação e
ameaça. Se faltar os requisitos da coação sexual, ficamos com a possibilidade de aplicar
o crime de coação. Se faltarem os requisitos da coação, aplica-se o crime de ameaça.
Tentamos preencher os tipos legais com as penas mais graves, e vamos descendo até aos
menos graves (que se aplicam subsidiariamente).
Alternatividade
Ex: manter alguém sem a alimentar. Será sequestro ou rapto? Uma parte do bem jurídico
é igual: a liberdade de movimento. O Art. 158º pune a privação de liberdade, qualquer
que seja. O Art. 161º pune o rapto. No sequestro, a privação de liberdade é suficiente. No
rapto, tem de haver um fim específico que agrava a conduta. Estas duas normas nunca se
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aplicam ao mesmo tempo. Estão numa relação de alternatividade: ou se aplica um ou se
aplica outro. Não são sinónimos.
Comparticipação
Nas situações de comparticipação, em que o mesmo crime é praticado por mais do que
um agente, para identificar quais os agentes que participaram na prática do crime
utilizamos o um critério de Roxin: o critério do domínio do facto.
Art. 26º: (a lei não quis entrar em divergências dogmáticas- é punível como autor). Prevê
a autoria imediata/material e a autoria mediata (dependendo de quem é o executor
imediato).Se os dois atuarem são coautores. Requisitos cumulativos:
1- acordo (em regra prévio). Diferente de haver apenas o mesmo projeto criminoso.
Pode ser tácito e, às vezes, contemporâneo (ex: assalto uma casa e encontro outro
assaltante. Posso combinar, sem qualquer tipo de mensagem expressa, um acordo na hora)
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Instigação: o art. 26º considera a instigação como uma forma de autoria (“quem
determinar outra pessoa à prática do facto”), desde que se verifiquem certos requisitos. O
instigador tem de dolosamente colocar na psique do agente a vontade de praticar o crime.
Tem de ser uma pessoa essencial. E tem ainda de haver execução (se não não posso punir
a pessoa).
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