Anais - Congresso Internacional de Fenomenologia Existencial
Anais - Congresso Internacional de Fenomenologia Existencial
Anais - Congresso Internacional de Fenomenologia Existencial
EXPEDIENTE
REALIZAÇÃO
POIESIS- Núcleo de Psicologia Fenomenológica
Grupo de Estudos Subjetividade e Desenvolvimento Humano – GESDH/UFRN
APOIO
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES – CCHLA
DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA – DEPSI
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA – PPGPSI
GRUPO DE ESTUDOS SUBJETIVIDADE E DESENVOLVIMENTO HUMANO - GESDH/UFRN
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA - ANPEPP
GRUPO DE TRABALHO PSICOLOGIA & FENOMENOLOGIA - ANPEPP
ORGANIZAÇÃO
Amanda Rocha Assessoria de Eventos
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www.nucleopoiesis.com.br
COMISSÃO ORGANIZADORA
Elza Dutra (Presidente)
Ana Andréa Barbosa Maux
Ana Karina Silva Azevedo
Cíntia Guedes Bezerra
Cynara Carvalho de Abreu
Kadidja Suelen de Lucena Santos
Melina Séfora Souza Rebouças
Symone Fernandes de Melo
COMISSÃO CIENTÍFICA
Elza Dutra
Ana Andréa Barbosa Maux
Ana Karina Silva Azevedo
Cíntia Guedes Bezerra
Cynara Carvalho de Abreu
Kadidja Suelen de Lucena Santos
Melina Séfora Souza Rebouças
Symone Fernandes de Melo
SECRETARIA GERAL
Kadidja Suelen de Lucena Santos
ISSN: 2763-7441
Acesso: http://www.nucleopoiesis.com.br
Evento realizado nos dias 22, 23 e 24 de setembro de 2021.
SUMÁRIO
Vanuza Flor
UNIDEP – Centro Universitário de Pato Branco
O presente relato refere-se à experiência de atendimento clínico de uma acadêmica de Psicologia em um Centro
Universitário do Estado do Paraná, onde atuou como estagiária na Clínica-Escola. Os atendimentos foram
realizados no 9º período do curso de psicologia, durante o Estágio Supervisionado II. Considerou-se o
indivíduo como ser inacabado, tendo de lançar-se às possibilidades para construir a própria existência e tendo
a morte como a possibilidade que encerra todas as demais, sendo a consciência dessa possibilidade a fonte de
angústia, mas também a impulsionadora da construção da existência do ser, caracterizando-o como ser-para-
a-morte. A paciente em foco passou a ser atendida no período de março a junho de 2020. Ela havia sido
diagnosticada com um aneurisma ao lado do coração que, por suas características, mostrava-se inoperável.
Demandas sobre o relacionamento familiar da paciente surgiram no decorrer do processo, interferindo
diretamente na forma de vivenciar o diagnóstico supracitado. Considerando o contexto vivencial da paciente,
objetivou-se durante os atendimentos lhe possibilitar autoconhecimento e autonomia psicológica através da
psicoterapia existencial, para que pudesse, de forma livre, assumir a sua existência e as escolhas que ela
constitui. Diante do diagnóstico médico, o medo da morte e a falta de previsibilidade surgiram como angústia
no discurso da paciente, a qual foi incentivada a refletir sobre a inerência da finitude diante da existência, e o
quão imprevisível ela é, porém, embora essa possibilidade exista, muitas outras possibilidades se apresentam
até a morte. A maneira como o indivíduo estabelece suas relações com o outro interfere diretamente na forma
de vivenciar sua existência. A paciente, ao mencionar seu contexto familiar, demonstrou sentir-se desamparada
pela família, atribuindo-lhes a escolha de negligenciar os cuidados médicos exigidos, porém, todo sujeito é o
que escolhe ser e só pode contar com o que depende de si mesmo, ou, das probabilidades que tornam suas
ações ou desejos possíveis. Considerando as dificuldades de responsabilização apresentadas pela paciente, fez-
se necessário intervir na sua perspectiva geral rígida, a qual fazia com que a paciente agisse sempre da mesma
forma, afinal, é a partir do momento em que se vislumbram outras possibilidades de estado é que os sofrimentos
podem ser percebidos como insuportáveis, considerando sempre a liberdade e responsabilidade do indivíduo.
Neste trabalho apresentamos a experiência de um atendimento clínico realizado a uma mulher de 58 anos,
aposentada, casada, mãe de duas filhas e que chegou à clínica no mês de maio de 2021 em busca de ajuda para
a crise que estava vivendo em seu casamento, essa era sua queixa inicial. Os atendimentos estão sendo
realizados de maneira on-line em virtude da pandemia. Ela apresenta uma grande angústia existencial por
nunca ter sido amada, reconhecida, valorizada e compreendida por sua parentela, tendo vindo de uma família
de 08 irmãos, mãe e pai. Em seus relatos, o abandono afetivo por parte da família a conduziu por uma
caminhada de investimento nos estudos e na carreira profissional como uma forma de busca e encontro de
reconhecimento e aceitação, embora as pessoas que se aproximavam dela, faziam pelo que ela poderia oferecer
em troca, sempre havendo uma permuta, uma barganha nessas relações. Na sua caminhada existencial, calcada
em uma sociedade machista e patriarcal, sempre experienciou relações abusivas permeadas por violências
físicas e psicológicas. Como mulher, buscou fugir do lugar da figura feminina de referência, sua mãe, que
sempre se vitimizou por existir como mulher negra e filha fora de um casamento na década de 1920. Reproduz
esse padrão de vítima e vitimização, de incompreensão e profunda angústia por não ser amada e compreendida
por seu atual companheiro e filhas. O medo da solidão, a incerteza a que se vê lançada diante da finitude do
seu casamento a tem aprisionado em uma relação abusiva, cercada de crises de ciúmes, ansiedades e uma
excessiva necessidade de controlar o tempo, a finitude do casamento e da vida do seu companheiro, assim
como a existência das suas filhas e dela mesma como sujeitos lançados no mundo. Ser no mundo, ser-aí, ainda
é um lugar desconfortável e inseguro para essa mulher que resiste em viver e a lidar com a possibilidade de
sentir-se sozinha e abandonada no mundo, uma condição que inviabiliza qualquer possibilidade do seu devir.
Na escuta clínica, a partir da perspectiva fenomenológica heideggeriana, buscou-se um lugar de acolhimento,
escuta e fala, abrigo, reflexão e, por vezes, tensionamento dos fenômenos que se apresentavam, refletindo
sobre essa existência repleta de aprisionamentos, violências, possibilidades e potência. Uma prática clínica que
se assenta no caminhar com a paciente, abrindo espaço para lidar com o sofrimento com a possibilidade de
ampliar horizontes, repertórios e formas de existir.
O suicídio – ato de pôr fim à própria vida – vem em crescimento estatístico nos últimos anos, de acordo com
os dados da Organização Mundial da Saúde. Segundo o Mapa da Violência (2014), no período de 2000 a 2012
verificou-se um aumento de 40% no número de suicídios de crianças e adolescentes com idades entre 10 e 14
anos. A partir disso, em levantamento bibliográfico realizado no SciELO (Scientific Eletronic Library Online),
no início do segundo semestre de 2020, utilizando os descritores “suicide AND children”, foram encontrados
159 artigos, no entanto, nenhum consistia em estudos qualitativos e/ou que se propusessem a compreender a
experiência do suicídio infantil a partir dos seus viventes: as crianças. Alguns autores apontam que a escassez
de pesquisas nessa temática teria relação com a dificuldade da sociedade reconhecer o sofrimento infantil, já
que há uma crença de que essa faixa etária seria marcada por sonhos e alegrias e, portanto, isenta de dores
existenciais. Além disso, a baixa letalidade dos meios utilizados também justifica a dificuldade na identificação
da intenção suicida em crianças. A partir disso e da compreensão do suicídio como ato de comunicação de um
sofrimento insuportável e que encontra na morte um caminho de sentido, reflete-se: Temos dado lugar ao
sofrimento infantil? O que o suicídio de uma criança nos convoca a compreender? Pensar este fenômeno a
partir da ontologia hermenêutica é compreender as crianças como Daseins, marcadas pelo caráter de
indeterminação, da abertura, e lançadas em um mundo que, por vezes, apresenta-se como um lugar inóspito.
Diante disso, o objetivo deste trabalho é compreender, a partir da ontologia heideggeriana, o suicídio em
crianças. Mesmo que ainda haja uma tentativa de distanciar as crianças das discussões em torno da finitude da
existência, sendo um ser-para-a-morte, não é possível fazer essa separação. Sabe-se também que a forma como
o suicídio será socialmente compreendido tem relação com a cultura e o contexto histórico da época, assim, é
válido destacar que o século XXI tem sido marcado pelo surgimento dessa temática entre o público
infantojuvenil por meio do aparecimento de séries e desafios, os quais, apesar de trazerem desdobramentos
negativos, despertaram discussões importantes sobre a morte e retomaram a importância de espaços onde seja
possível falar sobre essa dor.
A pandemia da COVID-19 tem ocasionado relevantes impactos na economia, na saúde pública e na saúde
mental da sociedade. Com a finalidade de conter a transmissibilidade da doença, o isolamento social apareceu
como método de prevenção, influenciando os hábitos pessoais e os afazeres profissionais da população em
geral. Tantas mudanças demandaram uma rearticulação dos modos de ser e estar no mundo. De forma abrupta,
fomos inseridos em um contexto de grande sofrimento e solicitados a nos inserirmos com mais agilidade nas
interações sociais virtuais, que apesar de já comporem a realidade cotidiana do homem contemporâneo, tem
exigido de nós uma celeridade de aprendizado e acesso às tecnologias. Nesse contexto, a Psicologia é
demandada a contribuir para com o enfrentamento da pandemia e entre as formas de contribuição, está o
cuidado em saúde mental, através de atendimentos em psicoterapia de forma virtual. Nessa linha contextual,
este relato de experiência tem como objetivo trazer uma reflexão sobre o atendimento em psicoterapia online.
Para tanto, apoiamo-nos no olhar da Psicologia Fenomenológico-Existencial, de inspiração heideggeriana. A
ontologia de Martin Heidegger nos possibilita pensar as questões ônticas do homem em sua cotidianidade e o
compreende como o ser que se relaciona com o mundo, com ele coexiste e é atravessado pela historicidade.
Para o procedimento deste relato, utilizamos as transcrições das sessões dos atendimentos virtuais de
psicoterapia, de março de 2020 a junho de 2021, cuja interpretação se fundamenta na compreensão
hermenêutica heideggeriana. As demandas trazidas em sessão atravessam questões como angústia e medo
diante da instabilidade do cenário de saúde global e sua expressiva taxa de mortalidade. Observou-se, em
muitos casos, um movimento de maior autenticidade e busca pelo sentido da própria existência a partir da
percepção da própria finitude. Ainda, devido ao mergulho ainda maior no mundo digital, nota-se uma grande
sobrecarga mental nos sujeitos, os quais são interpelados por uma sociedade do desempenho, da midiatização
da existência e da positividade tóxica. O serviço de psicoterapia, neste cenário, permite aos sujeitos um
encontro com o próprio horizonte de sentidos, a compreensão de singularidade e, por isso, mostra-se como
pilar importante para o acolhimento e apoio emocional dos sujeitos. Devido a relevância deste tema, evidencia-
se a necessidade de se debruçar ainda mais na sua reflexão, análise e compreensão.
O presente estudo se propõe a compreender a experiência de estágio em Psicologia Clínica, diante do atual
cenário pandêmico, em virtude da covid-19. Para tanto, foram utilizados os recursos dos diários de bordo de
duas estagiárias: sendo uma delas aluna da graduação e a outra da Pós-graduação, que realizou o estágio de
docência vinculada a disciplina de estágio II. As compreensões acerca da situação de estágio e supervisão
revelaram-se a partir de um diálogo com as narrativas das estagiárias, à luz da Fenomenologia Hermenêutica.
Foi possível, a partir destes diálogos, compreender a pandemia enquanto “crise” que revela-se como
possibilidade para a desconstrução/construção dos modos de ser estagiário/estagiária e para a produção de
novos sentidos para a formação do Psicólogo. Dificilmente, se imaginaria que a experiência de estágio se daria
em meio a uma pandemia, que obrigaria a adoção de protocolos sanitários na tentativa de minimizar o risco de
um possível contágio pela covid-19. O medo foi sem dúvida uma tonalidade afetiva bastante presente nesta
situação. Medo de se contaminar, medo de contaminar os outros, o medo frente a situação vivida foi
companheiro constante. Frente a crise-vivida, o fazer clínico enquanto técnica mostrou-se insuficiente diante
desse contexto que escancarou a impossibilidade da mensuração, do controle e da previsibilidade da existência
humana. Tal situação convocou a todos os envolvidos a repensarem seus modos de ser psicólogos (estagiários
e supervisores). Diante de tal horizonte desafiador, a possibilidade da construção de redes de confiança e
colaboração entres os estagiários e entre esses e os supervisores revelou-se fundamental para o
encaminhamento do estágio e da prática clínica. O estranhamento frente aos novos limites impostos pelo
contexto pandêmico, fez-se companheiro constante. E, nesta direção, a estagiária de docência compartilha seu
sentimento frente a "presença-ausente" dos alunos e alunas no contexto da supervisão, na qual muitos se
encontravam com as câmeras de seus computadores e ou telefones fechadas. Por fim, a ação clínica, assim
como a espaço de supervisão, revelou-se como possibilidade de tessitura de diálogos que convoca o
deslocamento, o pôr-se a caminho, tanto para o estagiário/psicólogo, supervisores, como para o paciente. Nesta
direção, enquanto situação hermenêutica, a supervisão e a prática clínica revelaram-se enquanto caminho
aberto ao inesperado.
A autorização pelo MEC para que as disciplinas teóricas e as supervisões de estágios clínicos pudessem ser
desenvolvidas por meio de plataformas virtuais, na modalidade remota, nos cursos de graduação em Psicologia
das universidades brasileiras, possibilitou a continuidade da formação dos estudantes em meio à pandemia da
COVID-19. O ineditismo das práticas e supervisões remotas, somado aos desafios impostos pela pandemia,
exigiram rápida resposta do Conselho Federal de Psicologia, bem como a adaptação de todos os envolvidos.
A supervisão de estágio em psicologia da saúde/clínica é caracterizada como uma prática formativa essencial
que integra o suporte técnico, teórico e experiencial ao estagiário. Numa perspectiva humanista, o supervisor
se depara com o desafio de integrar aspectos técnicos e experienciais, ou seja, compreender a dimensão
relacional do encontro clínico entre o estagiário e o cliente. Dessa forma, o supervisor assume a função de
compreender um relacionamento psicoterapêutico entre estagiário e cliente que aconteceu virtualmente. Ao
professor supervisor cabe apreender elementos sutis e significativos da vivência do estagiário em relação ao
encontro clínico. A partir da vivência das autoras nesse contexto, alguns limites foram percebidos na
experiência de ser supervisor: (1) restrição quanto ao campo visual e perceptivo (a câmera focaliza apenas o
rosto do estagiário); (2) estagiários que por algum motivo não ligam a câmera; (3) dificuldades de conexão;
(4) tensão por parte do supervisor em garantir que o ambiente do estagiário seja privativo. Por outro lado,
percebe-se também potencialidades: (1) apreender os significados por meio da expressão facial, do tom de voz
e da presença; (2) possibilitar o cuidado aos usuários do Serviço-Escola em situação de sofrimento em
decorrência de luto, ansiedade e outras questões decorrentes da pandemia ou não, garantindo assistência
psicológica à população; (3) possibilidade de formar psicólogos preparados para lidar com as adversidades e
novas tecnologias, que estarão presentes no contexto da atuação profissional. Considera-se que as supervisões
remotas têm potencial de desencadear encontros intersubjetivos com os estagiários pela via da empatia. Espera-
se que este trabalho promova discussões e contribua para a prática de docentes que atuam em cursos de
graduação em Psicologia, especialmente no momento atual.
Este trabalho trata-se de um relato de experiência, de abordagem qualitativa, em um grupo de estudos sobre
plantão psicológico humanista fenomenológico em formato virtual, buscando descrever a experiência de
quatro participantes em um espaço virtual acadêmico para estudantes de psicologia e psicólogos graduados. O
ensino virtual na graduação, convocado devido à pandemia da Covid-19, trouxe mudanças na forma do aluno
de experienciar a formação. Os grupos de estudos, nesse contexto, buscaram novas ferramentas e estratégias a
fim de compartilhar a aprendizagem entre alunos vinculados a programas de iniciação científica e alunos
interessados no tema oferecido. Devido à pandemia da COVID-19, foi necessário pensar em ajustes das
atividades acadêmicas para o ambiente virtual, o que trouxe mudanças na forma do aluno experienciar a
formação. Nesse contexto, os grupos de estudos virtuais aparecem como uma possibilidade de se facilitar a
aprendizagem. O grupo de estudos "plantão psicológico humanista fenomenológico" tinha como proposta
discutir artigos e experiências, sendo realizado semanalmente às quartas-feiras através da plataforma Google
Meet, de fevereiro a maio de dois mil e vinte um. Destarte, o plantão psicológico se caracteriza como uma
modalidade de atendimento psicológico que se dá no encontro com o outro no momento da sua urgência, é um
atendimento emergencial à demanda da pessoa. Dessa forma, a arte foi utilizada como ferramenta de coesão,
possibilitando que o grupo não fosse apenas de aprendizado, mas também de cuidado, onde os estudantes
puderam compartilhar suas reflexões sobre o tema através da música, do canto, da poesia e da leitura. A arte
foi o meio pelo qual o grupo buscou a aproximação genuína do processo de tornar-se plantonista. Experienciar
a participação em grupo através do formato on-line tem mostrado várias vantagens no que se refere à superação
das barreiras físicas e geográficas, bem como a possibilidade de fomentar socialização, informação e
sentimento de pertencimento, que perpassa estudantes e profissionais. Por fim, o grupo, utilizando a arte como
ferramenta, possibilitou uma integração dos alunos que permitiu ir além do aprendizado sobre o tema proposto,
construindo um espaço potente de cuidado, de compartilhamento de experiências e fortalecimento de vínculos.
O processo de ensino-aprendizagem das disciplinas de base fenomenológica e existencial mostra-se, por vezes,
desafiador em função da necessidade de integrar elementos vivenciais aos conteúdos acadêmicos. O presente
trabalho apresenta uma proposta que visa facilitar o processo de compreensão dos conceitos da disciplina de
teorias e sistemas psicológicos humanistas e existencialistas, bem como proporcionar uma aprendizagem
significativa aos alunos. Desde 2016 ministrando a referida disciplina, a primeira autora solicita, como parte
do processo avaliativo, que os alunos elaborem um diário vivencial das aulas ao longo do semestre letivo. No
início do semestre os alunos são orientados a registrar, preferencialmente em um caderno pessoal, suas
percepções e sentimentos após cada aula da disciplina. Tais registros são pessoais e a professora responsável
não os lê, a fim de que os alunos possam se expressar livremente. Ao final do semestre, os alunos são orientados
a reler todos os registros em ordem cronológica, adotando a atitude fenomenológica e percebendo como a
leitura os impacta. Após a leitura dos registros, o aluno redige uma síntese em primeira pessoa contendo os
elementos mais significativos de sua experiência, visando compreender o sentido da disciplina para ele.
Inicialmente os alunos apresentam dificuldade em redigir relatos em primeira pessoa, focados em suas
vivências, de modo que os primeiros registros comumente sejam realizados sob a forma de resumo do conteúdo
ministrado. Ao se familiarizarem com a proposta, exploram novas formas de expressão e, ao final do semestre
letivo, costumam relatar surpresa, tomada de consciência em relação às dificuldades vivenciadas durante o
semestre, bem como maior responsabilidade pelos estudos. A confecção dos diários e, principalmente a
elaboração da síntese, facilita um processo de autodescoberta nos alunos em relação às dificuldades enfrentadas
e ao processo de aprendizagem como um todo, favorecendo a integração da vida pessoal com a vida acadêmica.
Percebem-se mais responsáveis pelo processo de aprendizagem, identificando afinidades e como os conteúdos
estudados ressoam em sua experiência pessoal. Espera-se que a experiência relatada contribua para a reflexão
de metodologias de ensino que integrem a aprendizagem vivencial, considerem a singularidade dos alunos e
promovam sua autonomia.
O presente trabalho propõe uma análise do filme “Alice no País das Maravilhas” (2010) com o objetivo de
refletir acerca de conceitos existenciais teorizados por Martin Heidegger. Para tanto, algumas cenas do filme
foram escolhidas como fio condutor desta reflexão sobre as vivências de Alice. Enquanto a personagem
explora o País das Maravilhas, protagonizando encontros com múltiplas possibilidades por ela antes
desconhecidas, permite que teçamos apontamentos acerca do Dasein, do Clamor, da Impessoalidade e
Pessoalidade. Logo no início do filme, quando os personagens duvidam da identidade da menina e perguntam
se ela é a Alice certa, tendo em vista as mudanças físicas e comportamentais que percebem, há uma
representação da fluidez do Dasein, cuja essência não pode ser capturada objetivamente em razão de ser
construída ao longo da existência. Outro confronto importante da trama ocorre quando Alice pergunta à mãe
quem define o que é apropriado e não obtém resposta, expondo a Impessoalidade do modo de vida de sua mãe,
que se apropria dos significados já existentes quando foi lançada ao mundo, sem contestá-los, ocasionando um
estado de Inautenticidade. O questionamento de Alice consiste no chamamento à urgência de viver o que faz
sentido para si próprio, o Clamor. Neste percurso em busca da Autenticidade, é importante observar que até o
ataque da fera Capturandam, Alice não reconhecia os perigos do País das Maravilhas, numa representação do
não reconhecimento da finitude de seu projeto de existência naquela realidade. No entanto, à medida que se
relaciona com os demais personagens, compreende os riscos dos perigos aos quais se expõe. Assim,
considerando que a interiorização do pensamento da morte é o caminho para o Dasein alcançar o autêntico, o
processo de assimilação da morte por Alice é representado na batalha final contra o Jaguadarte, e confere
sentido ao seu encontro com o McTwisp, personagem do coelho que carrega um relógio. Ao retornar de sua
aventura no subterrâneo, Alice decide por se distanciar das expectativas sociais e seguir o caminho singular de
sua existência, recuando da inautenticidade do projeto de existência mediado pela vivência inflexível nas
estruturas sociais do cotidiano londrino. Portanto, o filme retrata a trajetória de Alice como Dasein na busca
por um modo de vida dotado de autenticidade, explorando possibilidades de vir-a-ser amparadas pela abertura
às experiências de ser-no-mundo e abandonando o estado de impessoalidade.
Este estudo apresenta uma análise fenomenológico-existencial da obra O Show de Truman, do diretor Peter
Weir. O filme foi lançado no ano de 1998 e até hoje instiga reflexões diante da problemática proposta.
Interpretado por Jim Carrey, a obra cinematográfica conta a história de Truman, um típico jovem adulto
americano. No entanto, desde seu nascimento, sua vida é transmitida em um reality show para mais de 1 bilhão
de pessoas. Sendo assim, Truman sempre foi um grande astro, ainda que não tivesse conhecimento disso, e,
dessa maneira, viveu costumeiramente a sua própria cotidianidade. Confortável com a sua vida repetitiva, não
costumava fazer questionamentos ou mudanças significativas, até que, aberto a uma nova ótica da sua própria
existência, Truman passou a se sentir preso em uma narrativa que, do contrário que tentavam instituir, não foi
construída por ele. Partindo dessa síntese cinematográfica, este estudo tem por objetivo compreender o Dasein
enquanto ser de abertura, o qual exerce o ser-aí junto aos outros e existe lançado no mundo. Para isso, pretende-
se discutir os aspectos da propriedade e impropriedade nos modos de relacionar-se no ser-com; e refletir o ser-
para-morte como abertura para a angústia, o sofrimento existencial e a possibilidade de mudança.
Considerando a ontologia heideggeriana, o existir do Dasein está em jogo a partir do momento em que ele é
lançado no mundo, sendo assim, variados são os modos de estabelecer as relações sociais e vivenciar os
desdobramentos de como este ente escolhe cuidar do seu existir. Inicialmente, Truman apenas vive a história
que lhe é dada, mas, no decorrer do filme, começa a buscar a apropriação de si e das possibilidades que o
abarcam, provocando o espectador a refletir sobre a sua própria realidade. Conclui-se que analisar o filme
permite compreender alguns aspectos do Dasein, pois o personagem Truman é convocado a refletir o seu existir
através dos seus momentos de angústia, e isso permite a expansão da compreensão do humano para outras
possibilidades do ser.
Gabriela Bal
Instituto de Psicologia da USP
Esta reflexão tem como ponto de partida a obra filosófica de Benjamin Fondane (1898-1944), filósofo romeno
radicado na França, poeta, dramaturgo, cineasta e crítico literário, e de seu mestre, Leon Chestov (1866-1938),
filósofo e escritor russo, que se exilou na França em 1920/1921, fugindo da Revolução de outubro.
Impressionam a atualidade, a perspicácia e a nevrálgica sensibilidade destes dois filósofos, pouco conhecidos
e que cabe aqui serem relembrados ou redescobertos enquanto pensadores existenciais "avant à lettre", e
precursores da filosofia existencial. Em sua ânsia por denunciar os desmandos da razão, a filosofia de Chestov
e Fondane esboçava-se enquanto uma “crítica das evidências da razão”, uma crítica acirrada e bem
fundamentada contra o racionalismo, o cientificismo ocidental, podendo ser considerado, neste sentido,
enquanto um pensamento decolonial "avant à lettre". A filosofia de Chestov foi denominada, num primeiro
momento, enquanto "filosofia do desenraizamento” e posteriormente de “filosofia da tragédia”. Chestov
dialogava com os filósofos de seu tempo, e muito especialmente, com Edmund Husserl, Martin Heidegger e
Martin Buber. A descoberta de Soren Kierkegaard, após o encontro com Buber, em 1928 em Frankfurt, e com
Heidegger, na casa de Husserl, com quem nutria uma rica amizade e interlocução, foi fundamental para o
pensamento de ambos. O pensamento de Chestov e de Fondane acabou sendo “esquecido” ou desconsiderado
pela filosofia existencial do pós-guerra. Um pensamento atípico e “sem lugar”, que ainda não pôde ser
escutado, nem mesmo enquanto grito. Este grito nada mais é que um NÃO, uma forma de irresignação, uma
forma de sair do torpor e de ajudar os outros a despertarem. O despertar acontece ou não acontece. Ele é
instantâneo, é como um salto para fora do abismo. O grito enquanto forma de irresignação é ainda atual e
pungente, urgente de ser escutado. Dei voz e corpo a este grito em minha pesquisa de pós-doutoramento,
realizada junto ao Departamento de Psicologia Clínica do Instituto de Psicologia da USP sob supervisão do
Prof. Dr. Gilberto Safra (2021): "O grito inatendido de Benjamin Fondane para além da dor da humanidade".
Recuperar a memória da história do pensamento existencial em seus primórdios, ajuda-nos não apenas a
restituir uma parte da história da filosofia existencial ainda desconhecida, mas especialmente a entender a dor
e o desamparo ético-político da contemporaneidade.
Palavras-chave: Filosofia existencial; Léon Chestov; Benjamin Fondane; crítica das evidências da razão;
crítica decolonial.
O presente resumo se detém em mostrar os alicerces das tramas literárias de Jean-Paul Sartre, considerando o
uso de seu método regressivo-progressivo, mostrando, assim, a grande valia de suas apreensões existenciais
feitas através de sua literatura, nas quais se pode inspirar a um olhar sensível acerca da clínica fenomenológico-
existencial. O pensamento do autor é caraterístico por suas marcantes apreensões acerca da condição de
liberdade e da concretude da existência, considerando a impossibilidade de fundamentar a si mesmo. Nessa
medida, a sua literatura foi alicerçada à sua filosofia, procurando evidenciar, de maneira engajada na cultura,
a trama humana compreendendo as contradições de ser liberdade. Dado isso, o autor expôs a ambiguidade da
existência através do que se chamou de método regressivo-progressivo. Esse empreendimento visa
compreender a articulação da existência enquanto tensão universal-singular: ser livre, porém contingenciado
por seu horizonte histórico/material. Esse olhar se entrelaça no ônus de sua escrita, que convoca
responsabilidade de pensar a si e ao outro, apreendendo a interrelação da existência com a sua época e suas
circunstâncias, levantando, assim, possibilidades diversas de descrição da experiência humana. Trazendo essa
ótica à clínica psicológica, a ontologia de Sartre nos detém a transitoriedade e a indeterminação existencial, o
que viabiliza pensarmos o ser como continuidade de se fazer em lida consigo mesmo. E ao nos apropriarmos
dos aspectos psicológicos de seus personagens e biografias, nos é inspirado um olhar cuidadoso às
manifestações da singularidade, evidenciando o projeto fundamental e como essas se fazem em situação.
Assim, consideramos que a literatura sartreana pode inspirar um olhar sensível ao que se vive concretamente,
não buscando adequar a vida à trama, mas aprendê-la em suas múltiplas dimensões e sentidos. Sartre nunca
dividiu radicalmente o seu empreendimento literário da sua filosofia, mas mostrou a relação entre esses temas,
apontando suas consonâncias no que se poderia inspirar afetação aos seus interlocutores. Ao considerarmos a
implicação da clínica psicológica com a literatura, compreendemos que as tramas de Sartre podem inspirar um
olhar à existência enquanto vir-a-ser, nos atentando à condição de liberdade que nos faz, podendo proporcionar
e potencializar ao contexto clínico maior amplitude de possibilidades ao acolhimento e o cuidado
experienciados com o outro.
Este estudo teórico tem por finalidade apresentar reflexões, a partir da filosofia da existência de Martin
Heidegger acerca dos possíveis impactos nos modos de ser-no-mundo, no cenário inaugurado pela pandemia
da COVID-19. Em tempo recorde, assistiu-se à disseminação do vírus Sars-Cov-2, a nível mundial, de forma
a ser declarada pela OMS a pandemia da COVID-19, em março de 2020. Desde então, no Brasil, em meio a
uma crise sanitária, política, social e econômica, o distanciamento social é adotado como uma das medidas de
enfrentamento à pandemia, trazendo uma nova realidade a parte da população. Para alguns, o trabalho e o
ensino passaram a acontecer na modalidade remota, e houve uma intensificação das relações familiares. Para
outros, as medidas de distanciamento anunciaram o aumento do desemprego e da pobreza, além do conflito
entre a necessidade de se proteger e de subsistir materialmente. Para compreender o que se constitui como
sofrimento nesse tempo histórico e o que ganha relevo com a chegada da COVID-19, é preciso lançar luz sobre
o mundo em que vivemos, o cenário no qual a pandemia eclode. Ainda que atônitos frente à situação de crise,
o vivido nesse tempo convoca à responsabilidade de uma leitura sobre o presente, ancorada historicamente,
que aponte possibilidades futuras. Vivendo em um horizonte histórico em que o sentido é dado pela
produtividade, consumo e vivência de uma vida pública, este modo de ser incorporado no senso comum da
cotidianidade aparece muitas vezes como o único modo de ser-no-mundo possível, afinado a um horizonte
técnico. A eclosão de uma pandemia, a adoção de medidas de distanciamento social e a presença da morte
como possibilidade no cenário cotidiano podem operar uma quebra nesse paradigma e convocar cada um a
novos modos de habitar esse mundo, a um outro modo de ser-no-mundo. Diante da ruptura no cotidiano das
pessoas, a filosofia de Heidegger mostra-se atual, nas possibilidades de debate acerca do novo cenário. As
noções de angústia, temor, impessoalidade e era da técnica norteiam a discussão tecida. Tematiza-se, no
cenário de uma pandemia, sobre o confronto do homem com a facticidade da existência, a inospitalidade do
mundo e a possibilidade da morte, como possíveis mobilizadores de um clamor no sentido do ser si-próprio,
que pode ser correspondido, ou não, pelo Dasein.
Este trabalho apresenta um relato de experiência de atendimento em plantão psicológico mediado por
tecnologia de informação. Essa modalidade de atendimento psicológico compreendida por atendimentos de
urgências psicológicas ofertada no presencial, em decorrência da Covid-19 necessitou migrar para o modo
remoto por meio do uso de tecnologias da informação e da Comunicação (TICs). Às práticas no formato on-
line tomaram grandes proporções e como forma de flexibilizar os atendimentos alguns artigos da Resolução
011/2018 foram suspensos, o Conselho Federal de Psicologia (CFP), precisou emitir a Resolução 04/2020,
como forma de possibilitar o plantão psicológico e outros atendimentos que não estavam autorizados.
Compreendendo a importância dos atendimentos psicológicos nesse período o projeto de plantão passou a
acontecer no formato online. Os atendimentos foram realizados de forma síncrona, pelas plataformas; Skype
e Google meet, e bem como por vídeo chamadas pelo WhatsApp. Os agendamentos realizados no mesmo dia
dos atendimentos. Objetivo: Relatar as experiências dos atendimentos em plantão psicológico do formato
online. Metodologia: Trata-se de um estudo descritivo, de tipo relato de experiência, como psicoterapeuta em
um projeto de plantão psicológico da cidade de Fortaleza. Resultados: Os atendimentos psicológicos através
do formato on-line têm mostrado vantagens no que se refere à prestação do serviço e atendimento de pessoa
em situação de crise, possibilita o acesso de diferentes lugares e alcança um maior número de pessoas. Mesmo
acontecendo por TICs o atendimento é potente e se mostra capaz de atender à urgência da pessoa que busca
pelo serviço. No atendimento online, percebemos a dimensão terapêutica atuando e as demandas diversas e
inesperadas como propõe o a modalidade em plantão psicológico. A ambiência e qualidade da conexão de
internet e um aspecto que se torna por vezes desafiador, já que o psicoterapeuta não consegue inferir sobre
essas variáveis e o cliente é corresponsável pela garantia das condições de sigilo. Conclusões: Por tratar-se de
uma modalidade de atendimento com prática recente e poucos estudos publicados nacionalmente sobre a
temática disponível na literatura, percebe-se que o fluxo dos atendimentos e fenômenos psicológicos não
diferem do presencial e sendo, portanto, uma possibilidade promissora, entretanto existem limitações quanto
a qualidade da conexão de internet.
Este trabalho traz reflexões fenomenológico-existenciais a partir das experiências em um ciclo de mesas-
redondas e de estágio supervisionado, ambos na modalidade remota. O objetivo foi pensar criticamente sobre
a motivação para a participação nestas atividades e sobre como os discursos sobre tédio e ociosidade têm dado
lugar aos de cansaço. As mesas-redondas aconteceram em junho-julho de 2020, quando as universidades
federais retomaram as atividades de ensino, suspensas por causa da pandemia, mesmo período em que havia,
por todo o país, uma miríade de eventos e transmissões online. Isto chama atenção, já que o evento fora
considerado como uma forma de “sair da ociosidade acadêmica” e “dar prosseguimento à formação”, apesar
dos entraves sociais, sanitários e tecnológicos enfrentados. Dessa forma, é possível relacionar os discursos
encontrados nas avaliações feitas com as ideias heideggerianas acerca da questão da técnica que ressalta a
importância da permissão de que as coisas aconteçam de acordo com suas possibilidades, e com as ideias de
Byung-Chul Han em "Sociedade do Cansaço", que aponta o excesso de positividade da sociedade atual como
expressão da exorbitância de estímulos, informações e impulsos, os quais exigem desempenho e produção. De
forma análoga, a proliferação de eventos online promoveu também no contexto universitário a necessidade de
buscar conhecimento e ter motivação para continuar a formação acadêmica apesar das adversidades. É possível
compreender, então, como universitários têm sido levados ao imperativo do poder, ou seja, à ideia de que tudo
podem e de que dependem apenas da própria iniciativa para alcançar o que necessitam. Assim, surgem o
esgotamento e o cansaço solitário que individualiza e isola. Além disso, passado um ano de atividades
acadêmicas remotas, vê-se chegar à clínica queixas sobre frustração, baixa produtividade e cansaço que
impossibilitam a realização idealizada das atividades assumidas. O “posso fazer”, presente nos primeiros
discursos, perde espaço para o “não aguento mais ter que fazer”. Por fim, as experiências aqui descritas
convocam a pensar sobre novos modelos de educação, nos quais os discentes necessitam ultrapassar toda e
qualquer adversidade em busca de ter a melhor formação acadêmica possível, destacando que esse movimento
leva ao adoecimento e ao cansaço, os quais se revelam dia após dia nas salas de aulas virtuais e, principalmente,
nos atendimentos remotos de estágio.
O presente trabalho objetiva relatar uma experiência de estágio em psicologia clínica, no formato remoto, à
luz da fenomenologia hermenêutica heideggeriana. No cenário da pandemia provocada pelo SARS-CoV-2,
foram registrados no Brasil, até junho de 2021, mais de 18 milhões de casos e 500 mil óbitos pela COVID-19
(OMS). A psicologia precisou adaptar-se a tal contexto e, diante do imperativo do distanciamento social, o
modelo on-line de atuação foi flexibilizado e ampliado, a partir da Resolução CFP nº 04/2020, o que
possibilitou a realização de estágio curricular na área, no decurso da pandemia. Na UFRN, a experiência de
estágio em Psicologia clínica, na perspectiva fenomenológico-existencial, na modalidade remota, ao romper
com expectativas prévias, suscitou nos psicólogos em formação, inicialmente, disposições afetivas como temor
e angústia. O desafio de habitar a clínica em um formato diverso do tradicional, de construir-se como
psicoterapeuta por meio de telas, foi vivido na tensão entre familiaridade e estranheza, desvelando, em muitos
momentos, a condição humana de um habitar desalojado. A perda da presencialidade, a preocupação em
compartilhar o setting terapêutico com o cotidiano da residência, a necessidade de assegurar o sigilo nos
espaços ocupados por terapeuta e cliente, as restrições no contato com o cliente, advindas do meio virtual e a
vivência da formação clínica em um tempo de pandemia, constituíram-se em obstáculos a serem enfrentados.
A experiência evidenciou a dificuldade de acesso aos meios eletrônicos por parte de alguns estagiários e
clientes, além de episódios de falhas na conectividade, em um país em que não são igualitárias as condições
de inclusão digital. No entanto, a partir da prática, do demorar-se na experiência de uma clínica psicológica
on-line, foi possível perceber, para além das dificuldades encontradas, uma abertura de possibilidades para
psicoterapeutas em formação e clientes em sofrimento. Tendo em vista um contexto de distanciamento social,
inúmeras perdas, processos de luto e outros sofrimentos existenciais latentes, ofertar atendimento e dar
continuidade à formação, permitiu-nos o contato com um contexto profissional em mudança e a reflexão sobre
o lugar que passamos a habitar, como profissionais em formação e futuras psicólogas, frente ao horizonte
histórico vivido. Assim, foi possível pensar sobre uma atuação profissional aberta ao formato on-line, a partir
da compreensão de seus limites e potencialidades.
Este trabalho trata-se de um relato de experiência, de abordagem qualitativa, com o objetivo de descrever a
vivência dos facilitadores em um espaço de aprendizado e cuidado desenvolvido no ambiente virtual
acadêmico para estudantes de psicologia e psicólogos graduados. O mundo vem atravessando a pandemia de
COVID-19, de elevada taxa de transmissão e geradora de diversas consequências na vida de todos. Esse
cenário traz em cena uma grande inquietação quanto ao sofrimento psíquico vivenciado por todos, incluindo
profissionais de saúde mental. Assim, as próprias universidades atuam como ferramenta para promoção de
saúde e formação de profissionais capacitados para lidar com situações emergenciais e de sofrimento como a
vivenciada no contexto atual. Dessa forma, destaca-se aqui a utilização das tecnologias de informação e
comunicação (TIC) tanto nas práticas educacionais quanto nas práticas de cuidado. Novas metodologias de
ensino-aprendizagem foram, então, demandadas ganhando destaque essencial, principalmente para o
desenvolvimento de competências tão emergentes. Nesse cenário, destaca-se o objeto de estudo deste artigo:
o grupo de estudos sobre plantão psicológico humanista-fenomenológico. Sendo esta uma modalidade de
atendimento emergencial que se utiliza de um encontro único, que se ancora nessa perspectiva teórica, a qual
é discutida durante os encontros do grupo e se apresenta como uma das possibilidades de se atuar no plantão
psicológico. Em cada encontro do grupo, o espaço é aberto para que os participantes possam partilhar vivências
e sentimentos acerca da sua prática profissional – seja a de estagiário, curricular ou extracurricular ou de
formado – visto que são profissionais que contribuem na intervenção em saúde mental diante do contexto
emergencial da pandemia. Para potencializar a discussão teórica e aproximar os membros do grupo, foram
utilizados recursos artísticos, tais como crônicas, poesias, músicas e afins, que suscitaram discussões sobre a
vivência do ser plantonista e os desafios dessa prática de cuidado em um contexto pandêmico. Os diálogos e
interações ali produzidos possibilitaram o acolhimento das singularidades existenciais, bem como vínculo e
morada para cuidar de quem se propõe a cuidar do sofrimento experienciado nesse contexto. Portanto, pode-
se destacar que o espaço do grupo de estudos apresenta um caráter não só atrelado ao aprender, mas também
se destaca como um espaço de cuidado e de promoção de saúde.
Introdução: O curso médico é dotado de um reconhecido impacto nocivo sobre o bem-estar psíquico de seus
componentes. Isso se justifica pela comparação das altas prevalências para a depressão e o suicídio na
população médica com aquelas relativas à população comum. O olhar estatístico, uma vez voltado aos
estudantes da área, revela um aumento em 100 a 200% da frequência de suicídio, em paralelo aos dados da
população geral. A tal grupo também foi legada uma prevalência de 30.6% de depressão. Nesse sentido, uma
vez consideradas as assimetrias de gênero que permeiam todos os âmbitos de sociedade, a investigação de tal
viés no funcionamento da ciência médica se faz mister. A interpretação da bibliografia permitiu acertar a
existência de uma maior vulnerabilidade do gênero feminino, uma vez imerso no âmbito médico, traduzido
em um maior crescimento dos índices de depressão e suicídio para o gênero. Foi revelada uma prevalência de
ideação suicida do grupo de discentes e médicas 130% maior que aquele estimado para a população feminina
geral. Em comparação similar, o crescimento do suicídio entre homens na classe médica foi de 40% frente aos
valores de homens não-médicos. Além disso, a diferença entre os gêneros frente às comorbidades psiquiátricas
destacou uma maior prevalência feminina no desenvolvimento de depressão e de ansiedade. Assim, o projeto
objetiva o esclarecimento de possíveis disparidades de gênero no interior da academia médica da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Desenvolvimento: A pesquisa lança mão de uma investigação em
duas frentes. Num primeiro momento, há a intenção de desenho do perfil sociodemográfico e de bem-estar
psíquico dos estudantes de Medicina da Universidade, descrevendo-se as diferenças cabíveis de gênero das
respostas. Para tal etapa, um questionário de 41 questões foi idealizado consistindo em questões abertas e
fechadas. A segunda frente de pesquisa se baseia na escuta ativa das estudantes de Medicina, utilizando-se,
com tal propósito, de entrevistas. Tal movimento, assim, tem o intuito de esclarecer, de forma atenta, a
realidade feminina particular no curso, tornando possível a identificação de possíveis discrepâncias, assim
como o desenho direcional de futuras propostas de intervenção. Considerações Finais: O projeto, por fim,
objetiva o esclarecimento da lógica de gênero na realidade da academia médica da UFRN e como tal fenômeno
pode estar associado ao perfil de adoecimento dos estudantes de medicina.
Na clínica gestáltica infantil, é fundamental que o psicoterapeuta utilize recursos lúdicos para auxiliar a criança
a exteriorizar sentimentos e ressignificar dificuldades. Um dos recursos é o uso do experimento Self-box (caixa
do eu), que possibilita a coleta de informações sobre o mundo vivido das crianças, ao compartilharem objetos
que tenham significado para elas. O objetivo do estudo é compreender o processo criativo da criança e o uso
da Self-box enquanto instrumento de intervenção de Gestalt-terapeutas e estagiárias do Serviço Escola de
Psicologia Aplicada do Centro Universitário Christus (SEPA) em Fortaleza-CE. Foram realizadas cinco
entrevistas online, três com psicólogas e duas com estagiárias que atendem crianças e atuam sob a perspectiva
da Gestalt-terapia. A abordagem é qualitativa, com o uso da pesquisa fenomenológica, e o foco é a
compreensão do vivido dos indivíduos entrevistados. Foram seguidas três etapas para atingir os objetivos: 1)
Estudo bibliográfico; 2) Entrevistas narrativas, e 3) Construção da versão de sentido. Os critérios de escolha
dos participantes foram: 1) Atuar com a Gestalt-terapia como abordagem psicológica; 2) Atender crianças; 3)
Conhecer a Self-box. A clínica gestáltica compreende a criança como um ser global em constante relação com
o meio e as figuras parentais são identificadas como o centro de sociabilização da criança. O gestalt-terapeuta
precisa oferecer um ambiente seguro e livre de julgamentos, onde a criança possa desenvolver autonomia e ser
quem ela é. O processo criativo é compreendido enquanto forma de ampliação do mundo vivido,
desenvolvendo uma maior abertura para as experiências, permitindo à criança o enfrentamento de situações
com fluidez, explorando a imaginação e a criatividade. O brincar é utilizado como base do processo terapêutico
e facilita a comunicação da criança. O uso da Self-box com crianças, possibilita o estabelecimento da relação
terapêutica e a compreensão do seu mundo vivido. Este estudo oferece contribuições significativas, sendo
possível compreender como a self-box é utilizada como ferramenta de intervenção no atendimento infantil.
O tempo de desassossegos e ausência de controle vivido no horizonte histórico que estamos lançados, no
contexto da pandemia de covid-19 nos convocou enquanto profissionais da psicologia a pensar formas para
estar-com mesmo no distanciamento social estabelecido como medida de proteção. Ao pensar a prática do
atendimento infantil, foi ainda mais desafiante pensar caminhos de cuidado diante do temor frente ao novo que
se apresentava: como atender crianças no formato remoto/online? O questionamento se fazia presente, tendo
em vista uma compreensão prévia de que as crianças são mais vivenciais que reflexivas e que ficariam
limitadas neste modo de contato por telas. Pretende-se aqui apresentar compreensões da experiência no
atendimento infantil em formato remoto/online na pandemia. O referencial da fenomenologia, convoca ao
olhar para a experiência como um acontecimento que nos atravessa, ao entendermos o caráter de liberdade do
ser-aí, sua indeterminação como condição, enxergamos na criança e na relação clínica como acontecimento, a
possibilidade de um saber-fazer para além das compreensões prévias. Na abertura para a experiência,
questionou-se verdades absolutas na atenção psicológica para crianças em um tempo de exceção, crises e
rupturas. A ludoterapia se reposicionou na liberdade e na autenticidade do poder-ser, na recriação do lúdico,
na reinvenção do ser brincante a partir de uma tela, possibilitando: contações de histórias, uma clínica com
brinquedos não estruturados, descobertas de jogos reinventados, a presença do corpo, a imaginação, a
proximidade que se apresenta no estar implicado com o outro. Desafios foram percebidos no caminho e
compreende-se que o atendimento remoto/online não se desenha como uma regra a ser imposta para todos, é
necessário um olhar para as singularidades e diferentes modos de ser, que podem não ser contemplados pelo
formato. Por outro lado, o que se apresentou como uma possibilidade em um tempo marcado pelo
distanciamento, trouxe também algo concreto diante de situações nas quais, o único caminho para o cuidado
seja naquele momento um atendimento clínico nesse formato. No afinamento que se estabelece na relação com
cada criança, encontraremos a medida, contudo não é possível invisibilizar aquilo que tomou forma como
experiência atravessadora e pode trazer novas contribuições ao campo dos estudos da clínica infantil, das
infâncias, especialmente quando falamos de uma clínica de inspiração fenomenológico-existencial.
Durante muitos séculos não existia a noção de família, tampouco sentimento de cuidado e responsabilidade
afetiva, especialmente quando destinada à proteção social de crianças e adolescentes. Atualmente, o Estatuto
da Criança e do Adolescente (ECA), além de regulamentar, coloca como dever fundamental da família e
sociedade os cuidados prestados aos jovens, logo, a adoção é considerada uma possibilidade de efetivar o
direito da convivência familiar e comunitária. No entanto, ainda hoje há muito preconceito relacionado a
supervalorização dos laços de sangue e a invalidação das famílias formada por laços de afetos, desta forma, o
objetivo desse trabalho é refletir sobre os desafios vivenciados na experiência da parentalidade adotiva. Esses
processos envolvem medos, fantasias e expectativas, com isso, considerando a fenomenologia através do
pensamento heideggeriano, esses desafios que parecem “vir de dentro” apenas como experiências pessoais,
podem ser entendidos principalmente como um sintoma social vindo de “fora”, uma vez que são angústias que
decorrem do ser-com-o-outro. Nesse sentido, a perspectiva ontológica apresenta esse sintoma - aqui entendido
como social, não como algo individual, mas como uma forma de “ser-no-mundo”. Neste quadro de prática
psicológica surgiu o projeto de extensão “Laços do Amor”, atuante na cidade de Mossoró/RN, com o intuito
de agir na visão de prestar assistência psicológica às famílias adotantes, bem como aos adotados e instituições
de acolhimento, viabilizando assim um espaço de atenção à essas partes. Portanto, os resultados estão
relacionados à psicologia que está à serviço de auxiliar na construção dos laços afetivos que formam uma
família, bem como de potencializar as chances de sucesso na concretização desse processo. Assim, também
foi possível perceber que alguns preconceitos sociais enraizados interferem também na família que adota, o
que na experiência prática foi encontrado o “medo” dos pais adotivos de entrar em contato com a família
biológica dos adotantes, gerando, entre outros movimentos, uma tentativa de segredo ou apagamento da
história das crianças e adolescentes antes de adentrar na família adotiva.
Este estudo teórico parte da experiência no Projeto Acolher, de extensão universitária, vinculado ao Serviço
de Psicologia Aplicada – SEPA, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. O referido projeto provê
atenção psicológica a crianças e adolescentes em medida protetiva de acolhimento institucional, sob a forma
de Ludoterapia – psicoterapia por meio do brincar e de atividades de resgate da história de vida, através da
construção de scrapbooks – álbuns autobiográficos. No decurso dos dez anos de funcionamento do projeto, a
temática do habitar se mostrou presente nas discussões e reflexões da equipe, sendo referenciada também pelas
crianças e adolescentes acompanhados ao discorrerem sobre sua casa, seu lugar no mundo, e os sentidos de
habitar um Abrigo Institucional, o que instigou o estudo sobre o tema. O encontro com a realidade de crianças
e adolescentes institucionalizados suscitou o questionamento sobre como a experiência do habitar, no sentido
heideggeriano, se revela no âmbito de uma medida protetiva de acolhimento. Na busca de respostas a esta
questão, partimos de alguns objetivos: 1. Estabelecer conexões entre o habitar em Heidegger e os modos de
ser criança, 2. Compreender a experiência infantil no acolhimento institucional, 3. Compreender os sentidos
do habitar na experiência da criança que vivencia tal medida protetiva. Para tecer tais reflexões, recorremos à
ontologia heideggeriana, mais especificamente ao existencial habitar. Além de Heidegger, outros autores nos
acompanham no percurso reflexivo sobre o tema, a exemplo de Bachelard e sua "Poética do Espaço" e de
Merleau-Ponty, que nos apresenta a concepção de criança mundo-centrada. Ao construir pontes entre o estudo
teórico e a experiência com as crianças no Projeto, destacamos aspectos como: a transitoriedade entre muitas
casas; os sentidos que as crianças atribuem à sua casa de origem e à unidade de acolhimento; as possibilidades
da pessoalidade em um ambiente marcadamente coletivo; a experiência de pertencimento na relação com as
figuras de cuidado e referência na unidade. No desenvolvimento do estudo, constata-se que o cenário de
acolhimento institucional comporta uma multiplicidade de sentidos, desde a referência a um lugar inóspito,
onde se reproduzem experiências de desalojamento e desenraizamento no mundo, a uma possibilidade de
experienciar um habitar que abriga e protege, sob o signo de uma familiaridade em que a criança é livre para
ser si-mesma.
Este relato tem como objetivo discutir a respeito do processo de vinculação no atendimento infantil,
vislumbrando a importância da utilização da técnica de ludoterapia como facilitador no atendimento clínico
infantil para criação de vínculo, propondo liberdade e responsabilização deste paciente em seu existir, através
do brincar, a experiência baseia-se na atuação prática realizada durante o estágio supervisionado II do 9°
período do curso de psicologia na clínica escola do Centro Universitário de Pato Branco – UNIDEP. Ao olhar
para uma criança, a compreendemos como um ser que também já é responsável pelo seu existir, com a
facticidade de seu contexto familiar/social, porém, já capaz de escolher dentre suas possibilidades. Acolhê-la
e acolher suas demandas é também acolher a forma como essa está aprendendo a dar significado às vivências
ao seu redor. Considerando a forma como o mundo é apreendido pelo olhar infantil, abrindo-se frente às
possibilidades que este contexto propõe, pode-se construir através deste viés vivências que proporcionem a
vinculação entre psicólogo e paciente e também o trabalho de demandas apresentadas pelo pequeno ser que se
mostra em atendimento. O afeto e acolhimento colocado no atendimento ao abraçar o mundo infantil do ser
em análise, propõe a valorização daquilo que o paciente quer externalizar, sejam suas angústias, suas
curiosidades sobre o mundo, ou qualquer outra demanda, valorizando a sua liberdade. Assim, abre-se as
representações de um mundo particular que se mostra através do olhar infantil, e com atividades, desde as mais
simples, pode-se abordar demandas de grande importância para um sujeito que ainda está aprendendo a
significar o mundo ao seu redor, mostrando na prática de estágio no campo clínico a importância do vínculo
para o andamento do atendimento. Por fim, podemos concluir que a ludoterapia não é apenas uma ferramenta
básica para a atuação do psicólogo no atendimento infantil, mas também sinal de empatia no atendimento
infantil e acolhimento, que busca não só levantar demandas, mas também ajudar esse ser a se perceber autêntico
sobre seu existir e principalmente responsável por suas escolhas e pela significação de seu ser-no-mundo.
Ramila I F Alckmin
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS)
Geni A J Wolf
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS)
Bolsista CAPES
Tiago Bastos de Moura
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS)
Bolsista CNPq
Vera Engler Cury
Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-CAMPINAS)
Este trabalho busca apresentar uma proposta de articulação e reflexão da fenomenologia-hermenêutica como
método crítico de pesquisa para uma investigação em psicologia clínica, que tem por objetivo analisar a
experiência de cuidado psicológico em situações de terminalidade e fim de vida. Da fenomenologia-
hermenêutica, herdamos os projetos da destruição da história da metafísica e da hermenêutica da facticidade,
que nos colocam diante de um confronto com a tradição que nos antecede e nos convidam a resgatar sentidos
mais originários para os fenômenos que se apresentam em nossa relação existencial e mundana. Ao
resgatarmos o sentido do método como caminho que se faz ao caminhar (metà-hódos), privilegiamos o
fenômeno em seu próprio desenrolar no processo da pesquisa, de modo que os recursos metodológicos e a
análise de dados devem ser pensados em harmonia com os caminhos da investigação, seja nos trabalhos de
revisão teórica ou de estudos com enfoque empírico-qualitativo. Apresentamos, então, o nosso metà-hódos
nessa pesquisa, que se inicia com a reflexão sobre o sentido originário da clínica. A clínica como debruçar-se
diante do outro concebe o ato de pesquisar também como um ato clínico e que, nesta direção, se deixa interpelar
por aquilo que o fenômeno investigado revela no próprio caminhar da pesquisa. Tal atitude também nos
convoca a pensar o sentido ético do pesquisar diante do sofrimento humano, que neste momento de pandemia
em solo brasileiro, encontra-se atravessado por uma atmosfera de desamparo ético-político. A ética do
pesquisar envolve um rigor teórico-metodológico e uma postura de acolhimento da experiência humana,
atentando também para a dimensão social e histórica que perpassa as experiências do mundo de seus
envolvidos, seja o pesquisador ou participantes da pesquisa. Assim, uma articulação crítica da fenomenologia-
hermenêutica na pesquisa destaca a possibilidade da quebra de pré-concepções e paradigmas teórico-
interpretativos que sustentam os modos como abordamos os fenômenos, exigindo uma escuta atenta às
experiências vividas e a reivindicação de outros contornos ao ato de investigação, explicitando seu caráter
ético e político diante do horizonte histórico que busca investigar.
O filme “O Show de Truman” (1998) conta a história de Truman Burbank, um vendedor de seguros que possui
uma vida feliz e estável. Em dado momento, começa a perceber inconsistências em seu cotidiano, passando a
estranhar e questionar sua vida até descobrir que vive em um reality show. Este trabalho analisou o referido
filme à luz da analítica heideggeriana, tendo sido possível desenvolver diálogos com as ideias sobre ser-aí,
cuidado, clamor e angústia. Ao considerar a noção de ser-aí como o modo como o homem existe
ontologicamente, sendo capaz de compreender e questionar a si mesmo e a sua própria existência, bem como
de ir construindo quem é ao passo que existe, observou-se que, embora nunca tenha se questionado acerca
disso, Truman passa, em um dado momento, a ser convocado a apropriar-se da própria existência para vivê-la
com autenticidade. Em relação à noção de cuidado, observa-se o modo substitutivo, aquele que livra o sujeito
de suas próprias ações como o mais presente na trama, isso porque, o protagonista podia experienciar apenas
o que lhe era dado de modo que não vivesse uma realidade diferente da que fora lhe apresentada desde o
nascimento. O outro tipo de modo de cuidado possível de ser identificado é o ante positivo, que coloca o
sujeito diante de suas próprias possibilidades de existir, desempenhado pelas personagens que questionam o
show e tentam alertar Truman da farsa que estava vivendo. Acerca do clamor, entendido pelo filósofo da
existência como um chamado da consciência que possibilita a singularização do ser-aí, um modo de ser
autêntico e aberto a novas possibilidades, sendo este, ao mesmo tempo, o chamado e aquele quem o faz. Nesse
sentido, o clamor pode transformar a compreensão temporal, sobre o mundo, os outros entes e o próprio ser-
aí. Truman experimenta o clamor a partir das contradições daquele mundo e de seus questionamentos acerca
destas. Assim, é a partir da inquietude da angústia advinda dessas indagações que Truman pôde apropriar-se
de sua própria existência, reencontrar a vontade de sair da ilha e conhecer novos lugares, libertando-se,
finalmente. Sendo assim, a leitura fenomenológica dessa obra permitiu a expansão da analítica heideggeriana
na sua relação com a sétima arte, dado que assim como esta, se debruça sobre a existência humana e ao que a
ela é inerente.
O presente trabalho consiste em uma análise dos filmes “live action” de “Alice no País das Maravilhas” (2010)
e “Alice Através do Espelho” (2016) sob uma perspectiva fenomenológico-existencial de base heideggeriana.
Na adaptação do enredo criado por Lewis Carroll, a menina imaginativa e sonhadora retorna ao País das
Maravilhas, aos 19 anos de idade, em uma aventura de redescoberta do próprio ser. A partir da interpretação
do Mundo Subterrâneo como uma representação do modo de ser e estar no mundo de Alice, as ideias de Dasein,
cuidado, temor, angústia, habitar e ser-para-a-morte permeiam a obra. Ademais, a figura do psicoterapeuta
fenomenológico-existencial se faz representada por Absolem, a lagarta, que nunca propõe respostas, mas
reflexões sobre voltar a si mesmo. Ao ser questionada sobre quem ela é, a protagonista encontra-se com a
angústia, que a mobiliza no decurso da trama. Um intenso desalojamento se configura frente ao questionamento
alheio do seu Eu, que se intensifica quando Alice se depara com uma decisão muito importante a tomar. Desse
modo, Alice é mobilizada pela angústia a renascer e dar luz a novas possibilidades de ser e estar no mundo.
Na continuidade da história, “Alice Através do Espelho” nos mostra uma Alice 3 anos mais velha, convocada
mais uma vez ao seu mundo. Lá, ela descobre que seu fiel amigo Chapeleiro Maluco está bastante melancólico,
pois este pensa que sua família, dada como morta, não havia morrido. Desse modo, Alice trava uma luta
arriscada e impossível contra o tempo, voltando ao passado e tentando reverter o ocorrido. Nessa conjuntura,
o tempo ganha uma figura personificada, que controla tudo e todos. Para Heidegger, o Dasein, em sua
cotidianidade, leva em conta o tempo sem compreender existencialmente a temporalidade. Os relógios de bolso
no Castelo do Tempo usados na película para representar cada ser mostram claramente como o ser-aí existe
refém da finitude. Nesse contexto, Alice falha na tentativa de controlar o tempo, mas entende que não se pode
mudar o passado, mas se pode apenas aprender com ele. Aos olhos heideggerianos, o passado nunca perde o
vigor de ter sido e pode influenciar no processo de morte e renascimento constante do Dasein, em decorrência
das escolhas que mobilizam a vida. Por fim, a obra de Alice nos mostra, no encontro entre literatura e cinema,
o processo fenomenológico do existir essencialmente presente no ser--aí, nos fazendo pensar nas nuances do
nosso existir finito e angustiante.
A morte é um fenômeno existencial inerente ao homem, porém, a sociedade ainda costuma tratá-la como um
assunto velado e, de tempos em tempos, ela aparece na mídia e em obras de arte. Desse modo, This is Us, série
de televisão norte-americana lançada em 2016, obteve destaque ao representar de modo profundo as condições
próprias da existência e, com isso, oportuniza valiosas reflexões sobre os conceitos do luto e o ser-para-a-
morte. Com este relato de experiência, pretende-se contribuir para o diálogo interdisciplinar entre a psicologia
e a arte televisiva. A fim de discorrer sobre os construtos fenomenológicos observados na obra, utilizamos
como referencial teórico a fenomenologia hermenêutica heideggeriana. Heidegger apresenta o homem como
um Dasein ou ser-aí, isto é, como um ser em constante relação com o mundo. Para ele, a morte limita a unidade
originária do ser-aí e o oferece a possibilidade de não-ser. Com isso, o Dasein pode refletir acerca da própria
existência e assume o seu ser-para-a-morte, ou seja, compreende o morrer como fenômeno produtor de
autenticidade da própria existência e não o seu término. Desse modo, a narrativa da série em questão retrata a
dinâmica da família Pearson, a qual anuncia desde o início a morte de Jack, patriarca admirado e protagonista
da série. Realizada em três linhas temporais - passado, presente e futuro -, a obra ilustra a vivência familiar
entre os pais, Rebecca e Jack, e os filhos, Kate, Kevin e Randall. Ao passo do desvelar do enredo, percebe-se
nos personagens uma tendência à supressão dos sentimentos mais delicados, diante de uma exigência silenciosa
para se manterem ilesos após o sofrimento e, assim, o doloroso assunto da morte é interditado. Na linha
temporal do presente, é possível observar as consequências da falta de diálogo sobre a morte, sobretudo na
vida dos filhos, os quais passam a adotar atitudes autodestrutivas como compulsão alimentar, alcoolismo e
esgotamento no trabalho. Diante disso, ressalta a importância de tematizar o assunto da morte, a fim de
permitir a vazão dos sentimentos dolorosos e favorecer a elaboração do luto como vivência. Assim, a arte e a
psicologia podem dialogar e facilitar debates importantes para a existência humana.
O trabalho em questão consiste numa análise do longa-metragem “Pequena Miss Sunshine” (2006), que se
propõe a discutir, à luz da fenomenologia heideggeriana, sobre as vivências e afetações dos personagens ao
entrar em contato com questões tão íntimas e densas que se dão ao longo do enredo. Nesse sentido, para ilustrar
o caráter existencial do filme e sua relação com o pensamento de Martin Heidegger, foram selecionados cenas
e elementos, dos quais dois foram destacados para o presente resumo. Tem-se, primeiramente, a kombi
amarela, que é a base, simbolicamente, do processo de constituição do ser de cada um dos integrantes da
família a partir de seu contato outros mundos. Para Heidegger, o Dasein, ente mundano, é constituído como
Ser-no-mundo, que se faz presente num universo compartilhado. Logo, ele está em constante relação com o
outro, Ser-com, e constrói sua existência a partir disso. Nesse sentido, os Hoover, inicialmente, são um núcleo
muito disfuncional, porém, ao se unirem em prol do sonho de Olive, nota-se uma abertura de sentidos para
todos e que as relações intrafamiliares dão espaço para cada um existir mais autenticamente, aproximando-os,
consequentemente. Assim como a família, a kombi precisa do “empurrãozinho” de todos dali para ter
funcionalidade. Finalmente, destaca-se a cena a do concurso de beleza, na qual Olive se utilizou da dança, e
recebeu muitos olhares de julgamento de todos ali presentes por estar se movimentando de forma inapropriada.
Porém, o que se nota nesse momento é a felicidade inegável da personagem, e conclui-se que ela estava
emergindo enquanto Dasein, saindo da Impessoalidade para a sua forma mais autêntica. Além disso, é possível
enxergar na cena o que Heidegger falava sobre Clamor: uma voz na consciência instigando o Dasein a ser ele
mesmo, a abrir-se para outras possibilidades. Diante da situação, o restante da família se junta à personagem
no palco para lhe dar apoio, evidenciando que a disfuncionalidade da família, muito visível no começo do
filme, após a abertura de sentido e de mundos pelas quais os personagens passaram, mostrou-se ser o que os
mantinha juntos e unidos o tempo todo. Porém, agora, estavam muito mais próximos uns dos outros por
estarem em seus estados mais autênticos. Portanto, a análise pôde explorar a narrativa do filme e mostrar como
o que teorizou Martin Heidegger sobre fenomenologia está presente de forma tão simples e ordinária no
cotidiano de nossas vidas, assim como na rotina dos Hoover.
A partir de um estudo que se propôs a pensar estratégias de cuidado psicológico a estudantes de uma
universidade pública, o presente trabalho tem como objetivo apresentar o Aconselhamento Psicológico na
perspectiva fenomenológica existencial de Rollo May. Esse autor traz uma importante concepção teórica
acerca da prática do aconselhamento, construída com base em uma significativa vivência no atendimento a
estudantes em uma universidade norte-americana. Frente ao sofrimento existencial tão recorrente na nossa
sociedade, especialmente entre os jovens universitários, May revela os caminhos utilizados nessa modalidade
de atendimento, com o intuito de auxiliar os sujeitos a encontrarem melhores ajustamentos para lidar com os
conflitos que vivenciam. O autor concebe a personalidade como dinâmica e criativa, referindo-se à fluidez e
capacidade de transformação que caracterizam a existência humana. Nesse sentido, ser saudável é uma
condição vinculada aos fundamentos da criatividade, liberdade e individualidade. A partir desse entendimento,
o aconselhamento tem a intenção de possibilitar ajustamentos novos e construtivos diante das tensões que
surgem, cabendo ao conselheiro ouvir atentamente o aconselhando e auxiliá-lo a expressar e perceber outros
aspectos do problema. A empatia é apontada como primordial para que o aconselhamento alcance seus
objetivos, em um processo capaz de levar à transformação tanto o aconselhando quanto o próprio conselheiro.
May demonstra que, por meio da expressão dos conflitos e de uma maior compreensão de si mesmo, essa
modalidade clínica de cuidado, caracterizada por uma intervenção mais breve, sem uma necessária
continuidade e constância, pode contribuir para que o sujeito alcance uma atitude responsável e autônoma
rumo à tomada de decisões. No decorrer do aconselhamento, é provável que o aconselhando se sinta menos
confuso, que consiga ter um maior entendimento de si e dos outros, que tenha maior flexibilidade para lidar
com os conflitos que apareçam, que se sinta mais livre para fazer suas escolhas e seja capaz de utilizar
criativamente suas potencialidades. Tais entendimentos, ao serem interiorizados, darão sequência a um
processo de mudança e de desenvolvimento existencial após o fim do aconselhamento.
O presente trabalho é uma revisão teórica sobre o plantão psicológico e tem como objetivo apontar as
possibilidades de trabalho, sobretudo nesse contexto de pandemia de COVID-19. O plantão psicológico é
compreendido como uma modalidade de atendimento clínico, no qual busca acolher pessoas em momentos de
crise. Comprometido com o contexto social no qual os sujeitos estão inseridos, o serviço é aberto e acessível
à comunidade. Há alguns aspectos que caracterizam esse tipo de atendimento, como o acolhimento, escuta
atenta, compreensão empática, o não julgamento, sendo pautados na relação dialógica entre o usuário e o
plantonista, buscando compreender esse outro de acordo com sua experiência de mundo e significados
atribuídos; o atendimento tem um fim em si mesmo, no sentido de compreender o sofrimento e buscar
possibilidades naquele momento. O plantão psicológico não é sobre buscar uma resposta imediata para a
resolução dos problemas, mas procurar outras formas de trabalhar o sofrimento. Sendo uma perspectiva
recente, há poucos estudos aprofundados sobre o tema e seus impactos na sociedade. Nosso trabalho, de
pesquisa e extensão, é ambientado em Santa Cruz, no Serviço Escola de Psicologia Aplicada (SEPA),
funcionando através da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairí (Facisa) ofertando atendimento psicológico
aos alunos e à toda comunidade santacruzense. O projeto de extensão “Cuidar da existência: plantão
psicológico e psicoterapia na Facisa/UFRN”, disponibiliza estudantes para realizar atendimento de plantão
psicológico à comunidade, complementando os serviços que já são ofertados pelo poder municipal.
Atualmente, esse serviço está sendo oferecido no formato remoto e isso tem trazido desafios para os estudantes
e supervisores, mas também as potencialidades desse trabalho. A prática do estudante é pautada em sua
capacidade de refletir de maneira crítica, para que sua escuta seja comprometida com os aspectos éticos e
políticos pautados nas diretrizes da prática profissional. Além do projeto de extensão, está em andamento uma
pesquisa que busca identificar e analisar os resultados do atendimento sob a perspectiva do usuário. É um
trabalho promissor que visa identificar as possibilidades e as limitações no atual cenário sempre com o intuito
de contribuir para o fortalecimento da clínica fenomenológica-existencial.
O plantão psicológico, compreendido como uma prática exercida por profissionais de psicologia ou estudantes
sob supervisão de um profissional da área que se disponibilizam a atender, em local, dias e horários pré-
estabelecidos pessoas que procuram espontaneamente o serviço a partir de uma demanda emergente ou quase
emergente vivenciada, desdobra-se sobre o cuidado e acolhimento, possibilitando espaço de compreensão da
queixa, de escuta e reflexões sobre o modo de existir, além do fornecimento de informações. Este trabalho
objetiva compreender a vivência do inesperado nos atendimentos realizados pela equipe de plantonistas que
utiliza a lente humanista fenomenológica nos atendimentos de uma clínica-escola na cidade de Fortaleza.
Trata-se de um estudo qualitativo, em que foram entrevistados 9 estagiários plantonistas desse serviço-escola.
Os achados revelam que o fenômeno do inesperado se apresenta como uma das características do plantão
psicológico que emergiram a partir das entrevistas. A atitude de abertura ao desconhecido que chega à procura
desse serviço impõe ao plantonista uma necessidade de uma disponibilidade incondicional para o encontro, o
que favorece não só o acolhimento do sofrimento psíquico, mas também lidar com possibilidades de
clarificação e de enfrentamento daquilo que emerge. Nesse sentido, o fenômeno do inesperado revelou ser uma
característica fundamental no serviço dessa equipe de plantão psicológico. Portanto, a equipe investigada
precisa estar em contínua capacitação quanto aos fundamentos de uma clínica humanista fenomenológica
mundana para se assegurar de um olhar e um ouvir diferenciados. Espera-se, com isso, que esse estudo, pautado
na própria experiência de plantonistas, auxilie na compreensão do funcionamento do plantão psicológico, que
apresenta o fenômeno do inesperado como uma das características principais do serviço, e das implicações
teóricas-práticas no exercício de um serviço que se pretende ser ancorado na perspectiva humanista
fenomenológica.
A pandemia do novo coronavírus vem impondo a necessidade de maior atenção à saúde, mudanças nas relações
e distanciamento social, o enfrentamento cotidiano das mortes, além das outras mazelas econômicas e sociais,
tornando-se fonte de diversos sofrimentos, expressos nos relatos de estresse, ansiedade, incertezas, tédio,
depressão, compulsão e solidão, que chegam aos serviços de acolhimento psicológico. Diante deste contexto,
que impôs ao homem contemporâneo uma nova dinâmica de vida e de relação com as coisas e com as outras
pessoas, começamos a nos perguntar sobre os novos arranjos existenciais requeridos e os sofrimentos que
parecem expressar todos os medos, conflitos e incertezas experimentados nos dias atuais. Quais experiências
de sofrimento têm emergido na pandemia e como estão relacionadas aos novos modos de vida? Com o objetivo
de refletir sobre a existência e sofrimento que se desvelam em meio ao contexto pandêmico, recorremos ao
pensamento do filósofo alemão Martin Heidegger para pensar o tédio como atmosfera epocal e a era da técnica
como horizonte de sentido, e as suas repercussões nas experiências de sofrimento descerradas em meio às
novas dinâmicas de vida. A partir da reflexão ontológica de Heidegger podemos compreender mais
originariamente os sentidos e afetos que sustentam as possibilidades de ser e sofrer no contexto da pandemia,
permitindo refletir como os arranjos existenciais atuais tentam se esquivar do tédio na busca de novos
passatempos e rotinas, e continuam correspondendo à provocação técnica de exploração, produção e controle,
intensificada a necessidade de domínio técnico sobre a vida. Ao mesmo tempo, é possível observar que a
pandemia fomentou modificações no ritmo cotidiano de realização da existência, pelas transformações
comportamentais e relacionais, mas também por favorecer a emergência de experiências que confrontam o ser-
aí com a sua temporalidade, indeterminação e finitude, abrindo oportunidades de uma escuta mais aguçada do
tédio como tonalidade afetiva fundamental e epocal. Assim, ao trazer o desconhecido e diferente, ao remeter
à vulnerabilidade e finitude da existência, a pandemia confronta o homem contemporâneo com a dor própria
do seu existir, favorecendo ainda a emergência de muitas experiências designadas como sofrimento a partir da
tentativa frustrada de esquiva do tédio e de domínio técnico da vida, que se mostra especialmente desamparada
e vulnerável nesse novo contexto.
O objetivo desse estudo foi compreender a experiência de psicólogos ao ofertar psicoterapia remota durante a
pandemia da COVID-19, tematizando seus principais desafios e possibilidades. Trata-se de uma pesquisa
qualitativa de orientação fenomenológica hermenêutica ao modo de Heidegger, utilizando-se de entrevistas
narrativas e pergunta disparadora. As narrativas foram colhidas mediante videochamadas individuais, sendo
gravadas, transcritas e interpretadas pela analítica do sentido. Participaram desse estudo sete psicólogos de
diferentes abordagens, residentes em Petrolina-PE e com pelo menos um ano de atuação clínica. Emergiram
três temáticas orientadoras de sentido da experiência: Afetações da pandemia e do trabalho remoto; Desafios
e possibilidades da psicoterapia remota e Modos de enfrentamento no trabalho remoto. A experiência foi
marcada pela exaustão, acentuada pelo trabalho remoto e em casa; e ainda, pelas novas configurações de vida,
que envolve redução de movimentos, 'presencialidade ausente' e sensação de insuficiência do ‘manejo’ clínico.
Angústia, medo e tédio foram tonalidades afetivas expressas pelos colaboradores e ultrapassam o momento
dos atendimentos. A ampliação da assistência para um maior público de diferentes regiões, as vantagens de se
resguardar dos riscos de contaminação e a não descontinuidade das sessões foram vistas como possibilidades
da psicoterapia remota. Já os desafios envolvem as constantes quebras de setting, a instabilidade de conexão
com a internet, as dificuldades para oferta de atendimento infantil remoto e para manutenção de privacidade.
O autocuidado e o cultivo das redes de apoio foram mencionados como modos de enfrentamento,
proporcionando um certo alento diante das tonalidades afetivas emergentes. As incertezas do momento vivido
e a ameaça de morte tem desalojado e arrancando os psicólogos de seu modo cotidiano outrora estabelecido,
desafiando-os a criarem novos modos de ser/estar mediados pelo uso de tecnologias. A tarefa de suportar a
nadidade existencial inerente à escuta clínica parece desassossegar mais agora. O esforço para articular fala-
escuta e o desamparo intensificado pela ausência de respostas afetam não só o trabalho remoto, mas também,
as relações com o tempo-espaço. Por fim, ainda se observa uma prática pautada em enquadramentos pré-
estabelecidos e agora, diluídos. Tal situação nos convoca a recriar modos de se tornar presentes no trabalho e
na vida, dada as circunstâncias do tempo vivido.
Este trabalho objetiva compartilhar experiências de estágio curricular realizado no Serviço de Atenção
Psicossocial a Estudantes de Medicina (SAPEM) à luz da ontologia heideggeriana. O SAPEM é um serviço
para acolhimento psicológico e existencial dos graduandos de medicina da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN) por meio da oferta de diversas ações clínicas e pedagógicas, entre elas, atendimentos
de plantão psicológico e psicoterapia realizados por estudantes de Psicologia. Um dos cursos mais tradicionais
e concorridos da UFRN, o curso de formação de médicos tem experimentado uma série de mudanças que
demandam um olhar diferente sobre questões até então pouco discutidas. O novo perfil socioeconômico dos
estudantes, as transformações teórico metodológicas, a expansão dos cursos de medicina e as particularidades
de fazer parte de uma universidade federal de referência, são aspectos que compõem o horizonte e a trama de
significados em jogo no existir de jovens estudantes de medicina. A rigidez da tradição e a emergência do novo
tensionam a cultura desse curso e demandam um espaço de cuidado que abrigue sofrimentos desvelados nesse
contexto. Nas falas dos estudantes, alguns temas costumam aparecer com frequência: o imperativo da
produtividade, a interdição do erro, a solidão, a fragilidade da vida, as iniquidades sociais, a pressão e o
estresse. Os relatos clínicos revelam um sofrimento desvelado no horizonte histórico vivido atualmente e
descortina aspectos importantes de uma contemporaneidade marcada pela exigência por desempenho. A esse
respeito, ganha destaque o que Heidegger denomina como "Era da Técnica", período que nos permite refletir
sentidos acentuados na atualidade e também presente nos discursos de jovens acadêmicos de medicina, sobre
eficiência, foco na produção de diagnósticos e a instrumentalização da vida – assim como a impessoalidade,
sendo esta um modo de ser do homem que carece de apropriação de si mesmo. O ambiente acadêmico, que
pode ampliar possibilidades, também pode produzir restrições e, portanto, adoecimentos na medida em que
delimita quais modos de ser e corresponder às demandas acadêmicas são aceitáveis e desejáveis. No SAPEM,
os estudantes têm encontrado um espaço onde é possível se demorar, lançar luz sobre suas questões, se haver
com a angústia e legitimar o que é ou não sentido e possibilidade para cada um.
RESUMO Atualmente, a sociedade teve que se adaptar a uma nova realidade por causa da pandemia pelo novo
coronavírus. O isolamento social foi uma das medidas adotadas em diversos locais e no Brasil. Ficar em casa
isolado é uma maneira de enfrentar o novo coronavírus, ou seja, se ajustar a uma nova realidade. Viver
determinadas experiências é algo que nos permite pensar e enfrentar as situações com um novo sentido. Para
a gestalt-terapia, o ajustamento criativo refere-se à capacidade do indivíduo de interagir com o campo/ambiente
na fronteira do contato, ajustando-se criativamente, quando é necessário. Este trabalho visa investigar a
experiência das pessoas na pandemia com enfoque na noção de ajustamento criativo na Gestalt-terapia. A
metodologia utilizada foi a da abordagem qualitativa com a pesquisa do tipo fenomenológica. Foi aplicado
questionário como forma de coleta de informações sobre o ajustamento criativo na pandemia. Foram realizadas
seis entrevistas com sete perguntas com o tema “ajustamento criativo na pandemia”. No questionário, as
perguntas abordavam as estratégias que as pessoas estão utilizando para lidar com a pandemia, se conseguiram
se adaptar com as problemáticas, o que fez sentido nesse momento, que tipo de desafios tiveram, se incluiu ou
excluiu atividades, que valores foram expostos e quais necessidades que o entrevistado teve. A gestalt-terapia
trabalha no aqui-e-agora como forma de investigação e, dessa forma, mostra como o contato com o mundo é
preciso, ajustando-se criativamente quando as necessidades do ser humano não são atendidas. Este estudo nos
convida a compreender esta nova conjuntura e seus desafios que promovem novas maneiras de funcionar e
estratégias que possibilitam a autorregulação, ampliando a awareness, para selecionar novos recursos para
propiciar uma vida saudável. O ser humano é um ser que abrange sua totalidade, buscando se adequar, viver e
reagir às situações propostas pelo ambiente. Mostramos a emergência de prosseguir na direção do ajustamento
criativo para vencer suas dificuldades. Palavras-chave: Ajustamento criativo. Pandemia. Gestalt-terapia. Aqui-
e-agora. Contato
Simone de Beauvoir foi uma filósofa francesa conhecida por sua leitura fenomenológica-existencial sobre a
situação da mulher, principalmente em sua obra “O Segundo Sexo”, publicado em 1949, a qual ela discute a
mulher nos aspectos científicos, históricos e na vida concreta das mulheres em seu tempo. Nessa investigação,
a filósofa conclui que a mulher foi construída historicamente como o Outro do homem; a humanidade é
masculina e não define a mulher em si mesma, mas relativa a ele, nunca é visto como um sujeito autônomo. A
mulher foi construída na história sendo-lhe negada a condição de possibilidade, toda determinação lhe é
imputada como limitação. Nesse sentido, a maternidade tem um papel importante na dinâmica dos sexos; sendo
esse exclusivo da fêmea e que teve, até hoje, grande impacto na construção social dos papéis de cada sexo,
será neste ensaio investigado a discussão que a filósofa faz sobre a maternidade em “O Segundo Sexo. É
sabido, que o corpo da fêmea é o único que pode engravidar e que esse processo de gerar filhos exige muito
dela, mas é uma dinâmica natural e necessária para a reprodução da vida. Contudo, Beauvoir coloca que o
corpo humano não se dá pela mesma regra de outros animais que estão destinados em si mesmo; o corpo
humano não se justifica na natureza, para além disso, marcada pela condição de possibilidade, a maternidade
ou gravidez não tem significado prévio, mas é dado sentido em um contexto sócio-histórico. Portanto, esse
fator não deve ser visto como um destino natural, mas como uma escolha feita no mundo. O trabalho de
reproduzir seres humanos, papel destinado às mulheres desde o começo da civilização, é visto pela autora
como uma atividade de iminência, ou seja, uma função que não cria nada novo, não transforma a realidade;
em oposição à transcendência que inova, supera e conquista; é o que nos diferencia dos outros seres e
historicamente papel masculino. Beauvoir reconhece, no entanto, que no começo da humanidade a mulher não
tinha tantas condições concretas para negar a maternidade, hoje a tecnologia e a ciência já permitem
materialmente que a maternidade seja assumida diante da vontade. Apesar da tecnologia, as leis e a moralidade
seguem negando essa escolha às mulheres na maioria das culturas, encerrando-lhes, ainda hoje, ao espaço da
reprodução, da iminência.
Ao levar em consideração o preconceito que figura no imaginário social acerca da mulher que não deseja ou
não pode maternar e que, consequentemente, quando gestante tem afetado o seu direito em decidir ou não pela
realização do procedimento de entrega da criança gerada para Adoção, o presente estudo intenta compreender
os processos sociais envolvidos na Entrega Legal realizada pela genitora que não deseja ou não pode exercer
a maternagem. Dessa forma, destaca-se que esse procedimento de entrega passou a ser reconhecido apenas
através da Lei nº 12.010, de 2009, conhecida como Lei da adoção, que apesar de ser conhecida assim, também
regulamenta o acolhimento da gestante que manifesta interesse em entregar a criança. De acordo com essa
legislação, a mulher que busca o judiciário deve ser acolhida e ter resguardado o seu direito ao sigilo, pois se
intenta atenuar o desgaste psicológico, tanto da genitora como do neonato. Porém, tendo em vista o preconceito
relacionado ao mito do amor materno, que coloca a mulher como única responsável por gerar e maternar a
criança gerada, há discursos que possuem capacidade de dificultar o acolhimento da gestante pela equipe de
profissionais que trabalham na área. Considera-se, portanto, o processo de Entrega Legal como uma
possibilidade, supondo que a genitora, com responsabilidade, possa refletir sobre seu desejo de cuidar da
criança. Além disso, estima-se que a gestante seja acolhida de forma humana por uma equipe que compreenda,
minimamente, que existem diferentes formas de ser mulher e de escolher exercer ou não a maternagem.
Seguindo essa lógica, a fenomenologia existencial defendida por Simone de Beauvoir considera o sujeito como
um ser que precisa escolher, sendo então a escolha uma exigência do existir humano que está intimamente
relacionado com a liberdade existencial. Corroborando com isso, para Heidegger, o conceito de Dasein é
descrito quando há a escolha de uma possibilidade em favor de outras, onde é necessário que o ser assuma a
responsabilidade por sua escolha, apesar das consequências. Desta forma, a mulher possui liberdade para
escolher a partir de seu contexto de vida, no qual a maternidade pode se apresentar como uma possibilidade,
não existindo uma escolha ou modo de ser pronto e definido, mas sim a escolha das pessoas como responsáveis
pelo seu projeto de vida.
As famílias não são mais representadas apenas por um modelo normatizado, mas percebe-se a coexistência de
diversas configurações familiares. Na contemporaneidade, um componente primordial para definir família é a
presença da afetividade, em contrapartida, sua ausência compromete a manutenção dessa instituição. Desse
modo, a família se constitui de pessoas que compartilham entre si um mesmo sentimento, e nesse conceito
incluem-se as novas configurações familiares, sendo uma delas a família adotiva homoafetiva. Assim, essa
pesquisa buscou compreender e refletir sobre a adoção de filhos por casais homoafetivos. Fizeram parte do
estudo três casais homoafetivos masculinos. O caminho tomado para o processo de construção e análise das
entrevistas realizadas foi por meio do método fenomenológico, mais especificamente, pela utilização do círculo
hermenêutico compreensivo do filósofo Heidegger, partindo da percepção prévia, fazendo o recorte do olhar,
a partir da visão prévia e elaborando novas compreensões mediante a concepção prévia. No tocante aos
resultados obtidos, um que emergiu de forma expressiva em todas as entrevistas foi o questionamento dos
“papéis de gênero” engendrada na experiência dessas famílias, no processo de assumirem o papel de pais, ficou
nítida a necessidade de questionarem as concepções socialmente construídas, de que certas tarefas e cuidados
eram primordialmente femininos. Desse modo, os colaboradores precisaram abandonar o velho lugar delegado
ao homem socialmente, e se debruçar sobre todas as necessidades biológicas, materiais, físicas, sociais e
afetivas de seus filhos, e dessa forma, demonstrarem para os demais e para eles próprios, com suas vivências,
que filhos precisam de cuidados, mas não necessariamente esses têm que ser exercido por uma figura feminina.
Nessa direção, tal experiência colocou os colaboradores diante do que Heidegger denomina de angústia, a qual
é constituinte da existência do Dasein como ser-no-mundo. Nela, segundo esse filósofo, o homem se sente
dominado por uma estranheza, que é como um sentir-se fora de casa. É também nesse estranhamento que o
homem é provocado a revisar o estar-no-mundo e que, no caso dos entrevistados, possibilitou reflexão sobre
sua existência enquanto pais. Por fim, percebeu-se que essa possibilidade de constituição familiar, apesar de
ser juridicamente aceita, ainda é alvo de questionamentos sociais, pois rompe com noções cristalizadas a
respeito do ser família.
Este trabalho apresenta uma proposta de pesquisa em andamento para uma tese de doutorado, subsidiada pelos
resultados obtidos numa dissertação de mestrado já concluída A pesquisa de mestrado teve como foco
investigar a inserção da psicologia na atuação com um grupo de gestantes na preparação para o parto. Pesquisa
qualitativa de natureza fenomenológica pautada na perspectiva da psicologia humanista, especificamente a
Abordagem Centrada na Pessoa. Realizada em grupo, entre os meses de junho e novembro de 2018, com 12
mulheres em acompanhamento de pré-natal em duas unidades básicas de saúde do município de Cuiabá, Mato
Grosso. Os encontros foram gravados e transcritos, em seguida compreendidos mediante a busca pelo vivido
no espaço grupal. O estudo evidenciou que o cuidado psicológico na perspectiva da promoção de saúde
viabiliza o fortalecimento de recursos subjetivos durante o processo gestacional e parturitivo e que as práticas
de atenção e cuidado estiveram demarcadas pelas relações intersubjetivas estabelecidas entre quem cuida e
quem é cuidado. Diante da acentuação das relações intersubjetivas balizadas na dissertação, a pesquisa em
construção para a tese de doutorado objetiva compreender, fenomenologicamente, a experiência vivida por
mulheres gestantes e por profissionais de saúde em relação aos cuidados disponibilizados durante o processo
de gestar e parir no contexto da rede pública de saúde do Município de Cuiabá, Mato Grosso. Propõe-se como
pesquisa qualitativa de natureza fenomenológica, norteada epistemologicamente pelas ideias de Husserl, Edith
Stein e Angela Alles Belo e pelos pressupostos teórico-práticos da Abordagem Centrada na Pessoa. Justifica-
se pela importância de se compreender o cuidado ao ciclo gestacional para além dos aspectos fisiológicos de
forma a ter como foco as relações intersubjetivas entre gestantes e profissionais da rede pública de saúde. Serão
realizados encontros dialógicos da pesquisadora com dois grupos: gestantes e profissionais de saúde.
Propositalmente, os encontros não serão gravados, pois o intuito é deixar-se impactar e impregnar-se pelos
sentidos e significados da experiência dos participantes. Posteriormente, serão escritas narrativas
compreensivas sobre cada encontro. Uma narrativa síntese será construída a partir dos encontros da
pesquisadora com os dois grupos de participantes de forma a compor uma interpretação dos elementos
essenciais da experiência vivida em relação ao cuidado.
O espaço em que se produz psicoterapia é marcado pela indefinição e estranheza do contato com o que aparece,
desocultado pela relação entre o psicoterapeuta e o vivente. Ocorre em um tempo e lugar determinado, sob o
nome de atendimento psicológico. Relacionar-se com os conteúdos emergentes durante o atendimento é
mergulhar na linguagem que fala sobre a indeterminação daquele que deseja reconhecer-se em si mesmo,
permitindo que ele se expresse de modo livre, original e artístico. Estar aberto ao que surge é fundamental para
apreciar o atendimento como uma obra de arte. O presente trabalho tem por base a experiência como
psicoterapeuta fenomenológico-existencial e objetiva tecer reflexões a partir de inquietações sobre como o ato
clínico de atender é um descortinar dos sentidos como obra de arte, a partir do pensamento de Heidegger.
Pensar o fazer clínico é não definir previamente o que será feito na relação, mas deixar que o estado de obra
de arte apareça. Fundamentalmente, o estado de obra de arte diz de um expressar-se que se constitui no espaço
não preenchível da linguagem, totalmente desestruturado, fluido; que só pode ser acessado pelo ato de criar,
pela própria poiesis. O psicoterapeuta é convocado a relacionar-se de modo poético com a existência que
aparece, colocando-se como um instrumento para que o vivente construa sua arte. Não há uma determinação
pré-estabelecida dessa forma de fazer-se, mas sim, uma possibilidade constante de vir-a-ser, que passa a ser
iluminada ao passo que vai sendo contatada. A psicoterapia será o espaço no qual a falta de estruturação é
bem-vinda. No atendimento psicológico, se perceber com apreciador e apreciado, em obra de arte, é
compreender a necessidade de utilizar-se do conhecimento com base na téchne para poder criar com o outro
de modo artesanal. Enquanto esse entendimento marcar o atendimento psicológico as coisas se apresentam a
mim e eu as darei a ver. Como psicoterapeuta, poder me pôr como abertura significa demorar-se ao que me
chega ao encontro. Significa não ficar restrito a diagnósticos ou buscar nomear o fenômeno da existência nos
seus diversos modos de apresentação. A consequência de se colocar enquanto abertura é poder conectar-se ao
que se desvela, ainda que, aparentemente, se mostre como uma comunicação sem organização, sem ordem. A
condição de sermos nós mesmos, no atendimento e fora dele, aproxima-se da condição de arte pela presença
de estar-com-o-outro e permitir que ele seja.
A arteterapia é uma prática que utiliza a arte como ferramenta terapêutica. Com a arte é possível acessar
diversas situações de conflitos que fazem parte da vida, facilita na busca do autoconhecimento e autoexpressão.
Na Gestalt-Terapia o ser humano é visto como potencialmente saudável, já a doença é vista como um bloqueio
de energia, com suas fragilidades. Dessa forma a pessoa fica contida, onde o gestalt-terapeuta compreende
como formas de evitação do contato. O objetivo é caracterizar o uso da arteterapia como facilitador no processo
criativo dos participantes do grupo na busca do equilíbrio emocional como ferramenta no processo de cuidado
e de valorização da vida. O método de investigação é de abordagem qualitativa com enfoque na pesquisa do
tipo bibliográfico. Através de um relato de experiência realizado a partir da facilitação do grupo, foi percebida
nessa prática a arteterapia como forma de cuidado. As pessoas eram direcionadas ao grupo no Movimento de
Saúde Mental e a partir da triagem junto ao CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) da Regional V em
Fortaleza, dando prioridade aos que sofriam de depressão e ansiedade. Inicialmente, de forma presencial, o
grupo teve a composição de 23 membros, homens e mulheres, com idades entre 19 a 58 anos. No período
pandêmico, já de forma online, ficaram 14 participantes. O grupo tinha encontros semanais às terças-feiras,
das 10h às 11h30min, tendo como facilitadora uma psicóloga. No grupo era utilizado a arteterapia como
ferramenta de cuidado no processo terapêutico com os participantes que estavam em sofrimento psíquico. Esse
processo facilita por meio da imagem que os participantes possam entrar em contato com seus sentimentos e
emoções com a utilização da arte no contexto terapêutico, despertando o processo da criação. Na psicoterapia
em grupo, o gestalt-terapeuta procura facilitar a participação e interação dos membros que podem se expressar
de forma livre, descobrir e resolver suas dificuldades interpessoais e reconhecer-se em sua intersubjetividade,
mantendo o trabalho em grupo na busca de objetivos compartilhados. Cada membro tem oportunidade de
perceber e sentir o mundo e a si mesmo, com o olhar do outro, assim como também de se ouvir e ouvir o outro
com a percepção do outro. Conclui-se que foi possível perceber que o uso da arteterapia é um fator que
contribui e influencia no equilíbrio psicológico e reorganização dos pensamentos em prol da valorização da
vida e da busca de si mesmo.
O presente trabalho pretende tematizar caminhos possíveis para o desenvolvimento de intervenções em saúde
mental a partir da interseção entre loucura, arte e clínica. A partir da perspectiva fenomenológico-existencial,
que compreende a loucura como um modo de existir, de estar-no-mundo, propomos o desenvolvimento ações
de atenção à saúde mental para além da concepção de verdade sedimentada na clínica psicológica/psiquiátrica
enquanto ciência. O referido modo de pensar baseia-se em códigos diagnósticos que classificam o sofrimento
e os comportamentos humanos a partir de uma norma, desconsiderando a condição de indeterminação da
existência. Nesse sentido tudo que é diferente e foge a essa norma é considerado doença/loucura. Que
intervenções outras poderíamos oferecer que não aprisionassem ou reduzissem o homem a um diagnóstico?
Que não o apartassem de uma vida coletiva? Mas que considerem o indivíduo em sua singularidade e
historicidade? Nesse sentido, objetivamos apresentar o projeto de extensão universitária Poetas do Deck, que
através da arte, propõe um caminho para estar junto a alguém em sofrimento buscando compreender seu modo
de existir. Promovendo atividades artísticas no âmbito da clínica psicológica e como meio de interação entre
universidade e comunidade externa, o projeto tem algumas ações, são elas: (1) grupo de reflexão, que ocorre
semanalmente, utilizando produção artística como forma de expressão, seja pintura, poesia, cordel ou canto.
Nesses encontros são apresentados (remotamente) as produções reflexivas de cada participante; (2) Uso da
arte na psicoterapia. Os estagiários que fazem parte do projeto apresentam a arte como uma forma de caminho
para comunicação com os clientes. Relacionar arte e clínica é vislumbrar possibilidades que abram caminho
para a liberdade do existir. A arte aqui é apontada como uma dessas possibilidades de expressão e
contemplação da existência diante do fenômeno da loucura. As reflexões heideggerianas sobre a arte seriam
um oásis em meio à técnica, que nos ajudariam a sobreviver para além do que está constantemente instituído.
Ou seja, o investimento na arte como intervenção é uma forma de nos aproximamos da loucura, do estranho,
daquilo que o discurso racional não acessa. Inclinar-se com atenção em direção as pessoas em sofrimento
abrindo espaço para a emergência da voz, do discurso, da expressão é uma forma de estimular a autonomia e
protagonismo social, promovendo a possibilidade de habitar.
A arteterapia é uma técnica utilizada nos atendimentos terapêuticos e que tem variações de expressões
artísticas, é um processo que expressa uma comunicação não verbal, por meio das artes plásticas e da
dramatização. Na Gestalt-terapia trabalhamos com a arte de maneira mais profunda, não apenas percebendo
as expressões, mas também as sensações e os sentimentos, pelas quais as pessoas poderão encontrar novas
possibilidades buscando novas formas criativas. O artigo tem como objetivo investigar o manejo clínico das
pessoas que têm esquizofrenia, utilizando a arteterapia gestáltica como forma de inserção dos mesmos no meio
social, visando desencadear o ser humano em sua subjetividade e melhorar as relações interpessoais. O método
de pesquisa é a abordagem qualitativa com enfoque na pesquisa bibliográfica, fazendo a leitura dos materiais
já produzidos em relação ao tema para gerar um maior aprofundamento. A seguir, são analisados os
pressupostos fundamentais que norteiam a arte nessa prática, assim como os aspectos conceituais e
metodológicos em arteterapia gestáltica. A esquizofrenia na visão gestáltica, não é vista como uma patologia,
como uma doença, pois ocorrem ajustamentos psicóticos, uma criação na fronteira de contato, na qual o sujeito
tem dificuldades em se perceber, dessa forma ele não consegue o contato consigo mesmo, nem com o outro e
com o mundo a sua volta. Com o uso da arteterapia, o gestalt-terapeuta facilita a expressão dessa realidade,
onde o contato criativo ocorre nos pensamentos, nas sensações e emoções. Observa-se que a arte vem
possibilitando ao sujeito uma vivência de suas dificuldades, de seus medos e angústias de um modo mais
humanizado. Conclui-se sobre a importância da inclusão social, minimizando o adoecimento psicológico e
proporcionando uma melhor qualidade de vida para as pessoas com esquizofrenia perpassadas pela arteterapia
como forma de expressão das emoções e dos sentimentos e ainda poderá servir de base para outras pesquisas
relacionadas ao tema.
O objetivo dessa pesquisa foi analisar como o enlutamento de pessoas que perderam entes em decorrência da
COVID-19 tem sido abordado por periódicos publicados no Brasil em 2020. Trata-se de um estudo teórico de
caráter qualitativo no formato de revisão narrativa de literatura. Utilizou-se termos oriundos dos Descritores
em Saúde, tendo como base de dados, a Biblioteca científica eletrônica online e a Biblioteca Virtual em Saúde.
Ao todo, foram encontrados 58 artigos, e após exclusão dos trabalhos duplicados e aplicação dos critérios de
inclusão, chegou-se ao total de oito estudos teóricos, sendo 4 deles oriundos da Enfermagem, 3 da Psicologia
e 1 da Psicanálise. Os dados foram interpretados mediante três categorias temáticas: Rupturas provocadas pelo
luto na vida social; Modos de elaboração/enfrentamento do luto e Possibilidades de Patologização do Luto na
pandemia. O luto foi visto como evento complexo, solitário, e com pouco espaço para expressão de rituais
fúnebres devido restrições sanitárias em vigor. O uso de tecnologias de informação e de comunicação foi visto
como instrumento facilitador da comunicação/interação, podendo promover momentos de despedidas entre os
envolvidos e acolhimento aos entes enlutados. A rede de apoio e o cultivo da espiritualidade foram
mencionados como modos de elaboração/enfrentamento das perdas. As investigações atentam para uma
possível epidemia de luto, apontando que aqueles que hoje estão enlutados poderão enfrentar, mais adiante,
um processo de luto complicado. A interrupção ou a privação dos rituais de despedida, as altas taxas de óbitos,
inclusive de membros da mesma família, a instabilidade e a insegurança geradas pela falta de medicamentos
ou vacinas no Brasil foram vistos como agravantes para a elaboração do luto. Os efeitos da privação/limitação
de rituais de despedida, embora ainda pouco conhecidos, podem afetar a saúde mental dos enlutados, haja vista
que a vivência do luto em seu curso “esperado” contribui para organização da vida em sociedade. O pequeno
número de artigos encontrados aponta para a complexidade do tema em questão. Assim, sugere-se a realização
de novos estudos, incluindo pesquisas de campo e revisões sistemáticas de literatura em outras localidades, a
fim de se contrastar modos de lidar/enfrentar o luto antes e depois da pandemia.
Pensando o suicídio no território norte-rio-grandense, observamos altos índices no município de Caicó, Região
Seridó do Estado. Tal região compõe o semiárido nordestino, região desgastada pela exploração dos recursos
naturais e pela seca. Apesar de tais características, desponta um dos melhores Índices de Desenvolvimento
Humano (IDH) do Estado, evidenciando as lutas históricas da população por melhores condições de vida. O
Seridó traz ainda em sua história e cultura características marcantes de religiosidade e lutas políticas. Este
trabalho tem como objetivo compreender a experiência da tentativa de suicídio na região do Seridó potiguar.
Tal estudo configura-se como uma pesquisa fenomenológico-hermenêutica, inspirada na ontologia
heideggeriana. Foram entrevistados cinco sobreviventes da tentativa de suicídio, residentes no município de
Caicó-RN. A análise do material compreendeu as narrativas dos colaboradores e as afetações da pesquisadora,
por meio da interpretação fenomenológico-hermenêutica. Os resultados do estudo apresentaram os sentidos da
experiência de desistir de viver em meio ao semiárido nordestino. Percebemos a presença da historicidade
construindo sentidos para as pessoas que residem na região do Seridó potiguar. As interpretações das narrativas
apresentaram relatos de sentimentos de falta de sentido, medo de julgamentos sociais, conflitos amorosos,
culpa e tristeza, dentre outros. Observamos nas narrativas que o suicídio ainda é um tema atravessado de muitos
preconceitos sociais e que causam ainda mais sofrimento a quem sobrevive a uma tentativa. Por ser um tema
tabu, as pessoas que pensam em cometer o ato encontram dificuldades em se expor, guardando para si a sua
dor. Os relatos revelaram a influência de alguns aspectos sociais e culturais seridoenses nos modos de vivenciar
o fenômeno do suicídio, aspectos esses que são fruto da história, crenças e tradições da região. Nas falas dos
colaboradores deparamo-nos com o fenômeno do suicídio atravessado pela cultura do território seridoense:
tradicionalismo, falta de abertura para as mudanças, terra marcada pela religiosidade, falta de espaços de escuta
e de abertura para o sofrimento. Algumas vezes tais características apareceram como limites para novas
possibilidades de ser, outras vezes como sentidos de vida. Esperamos que a aproximação existencial da
condição ontológica vivida por essas pessoas, quando de suas tentativas suicidas, contribua com um novo olhar
sobre o fenômeno do suicídio.
Adoção pode ser compreendida como um processo de acolher, afetiva e legalmente, uma criança e/ou
adolescente em uma família substituta. Ressalta-se que todo o processo da adoção, desde a espera do filho até
sua chegada, tanto por parte da família, quanto do adotando é envolto de medos, expectativas, de frustrações,
alegrias e dúvidas. Sendo necessário que os candidatos e os adotados elaborem as diversas fantasias, crenças,
valores e desejos que permeiam este tipo de parentalidade, para que o processo de adaptação e acolhimento
deste novo membro seja mais tranquilo. Essas vivências podem gerar dúvidas tanto nos adotantes quanto nos
adotados, os quais precisam muitas vezes de cuidado e orientações, inclusive do campo psicológico, para que
o processo possa fluir. Foi nesse sentido que o grupo “Laços do Amor” situado na cidade de Mossoró/RN foi
criado, justamente com a proposta de oferecer um espaço acolhedor de cuidado e expressão para as crianças e
adolescentes adotados, assim como, um consequente espaço de cuidado e orientação para as famílias adotivas,
para que juntos possam construir um processo de vinculação familiar mais harmonioso e saudável. O grupo é
constituído de uma coordenadora, e 14 extensionistas do curso de psicologia da Faculdade Católica do RN,
que juntos desenvolvem atividades de grupo com crianças e adolescentes, atendimentos psicológicos
individualizados, capacitações de profissionais de instituições de acolhimento, capacitações em geral e
palestras/rodas de conversas sobre o tema da adoção. Compreendendo que, como traz o filósofo Heidegger, o
Dasein é “com os outros”, mesmo quando não há outras pessoas por perto, esse projeto visa auxiliar as
crianças/adolescentes estar com esses outros, no caso com essas novas famílias ou com as pessoas da
instituição de acolhimento, encontrando a melhor forma de estar no mundo nesse contexto que muitas vezes
lhe é imposto. No tocante aos atendimentos clínicos realizados com esses sujeitos, há uma valorização do
encontro no aqui-agora, onde o outro comparece com sua alteridade própria, afetando e sendo afetado,
buscando abrir um espaço para que eles se conquistem em sua alteridade. Por fim, percebe-se por meio do
retorno das pessoas acompanhadas e da avaliação dos próprios condutores do processo, que o projeto vem
alcançando seu objetivo de ser um facilitador da vivência de famílias, crianças e adolescentes no tocante ao
processo de adoção.
Este trabalho apresenta os elementos que constituem a estrutura do relato de experiência no projeto de extensão
ProlVida - Grupo de Cuidado em Saúde Mental, ofertado pela escola da saúde, do curso de Psicologia na
Universidade Potiguar, localizada em Natal/RN campus Roberto Freire, com intuito de promover espaços de
diálogos entre alunos e a comunidade sobre saúde mental, automutilação e suicídio, ofertando promoção,
prevenção e proteção ao cuidado a saúde mental. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS,
2019), o suicídio é a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, perdendo apenas para
acidentes de trânsito. Com índices crescentes do suicídio nos últimos anos, se fez necessário possibilitar
espaços de falas e formação de (futuros) profissionais de diversas áreas como Psicologia, Medicina, Direito,
Enfermagem, Farmácia, Serviço Social, Odontologia, Biologia e entre outros cursos para poderem lidar de
uma forma mais preparada com essas demandas, assim como a comunidade externa. Este projeto de extensão
acaba sendo um convite para refletir sobre saúde mental e suas formas de afetação no cotidiano, diante da
pandemia de COVID-19 foi reformulado sua atuação com o Grupo de Reflexão Finitudes e o ProlSeguir com
eventos sobre saúde mental, bem como a oferta de acolhimento, plantão psicológico e psicoterapia de forma
presencial e on-line. Tem como base teórica a psicologia fenomenológica-existencial, mas também permite a
comunicação entre convidados de diferentes abordagens para relatar suas visões sobre o mesmo fenômeno
com outras perspectivas. Com surgimento do ProlVida, foi possível oferecer palestras, oficinas, workshops,
minicursos, eventos, capacitações e grupo de reflexões, até mesmo dentro dos serviços-escolas da
universidade, Serviço Integrado de Psicologia (SIP) e Centro Integrado em Saúde (CIS). Portanto, tive
vivências em diversas perspectivas, tanto como ouvinte, em meados de 2018 e 2020, quanto por ser estagiária
dessa extensão universitária no ano atual, atuando em conjunto como os estagiários e extensionistas para
ofertar o cuidado e espaço para abertura do ser-aí.
Escritor múltiplo, Jean-Paul Sartre apontou seu texto para diversas formas e gêneros literários. Uma das
expressões mais relevantes de sua produção foi o teatro, arte que considerava potente para colocar a plateia
diante de situações-limite. Estas, sendo reveladoras da condição humana como liberdade que se constitui por
seus atos no mundo, trazem consigo sempre a possibilidade de um contato com aquilo que chamava de
autenticidade ou, nos escritos de Simone de Beauvoir, sua companheira de pensamento e de vida, o homem
autenticamente livre. Esta comunicação de estudo teórico parte dos resultados da pesquisa empreendida no
doutorado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(PPGPS/UERJ) e apresenta, dentre outros temas, como este teatro de Sartre chegou ao Brasil durante um
período específico de nossa história (1955-1969). Tal pesquisa se deu por meio do levantamento de matérias
presentes no jornal O Globo, fio condutor do olhar lançado para a recepção das ideias de Sartre no período,
que mencionavam o filósofo francês ou os termos existencialismo e existencialista. Dentro deste recorte
cronológico mais amplo, escolhi aqui me aprofundar nas reflexões sobre a recepção durante a Ditadura Civil-
Militar brasileira (1964-1985). Marcado pela censura e perseguição política, o regime ditatorial impôs
restrições ao fazer artístico e, principalmente, às reflexões afinadas com as chamadas esquerdas políticas.
Ainda assim, mesmo que desde 1945 Sartre tenha sido recebido no país como um pensador “comunista”, isso
não impediu a encenação de espetáculos de sua autoria durante o período ditatorial. Os achados da pesquisa
apontam para uma circulação de seus textos teatrais em encenações sobretudo realizadas em festivais amadores
em cidades do interior ou em estados fora do Eixo Rio-São Paulo. Nesse sentido, a comunicação dá luz a uma
circulação das peças de Sartre ainda não tematizadas por pesquisas anteriores, sobremaneira centradas nos
grandes grupos teatrais – Oficina, Teatro de Arena, Teatro Brasileiro de Comédia etc. – e neste referido eixo,
permitindo perceber uma maior capilarização das propostas do pensador francês no território brasileiro.
O fundamentalismo é um dos grandes desafios para os estudos de religião na atualidade. Tal desafio se dá
especialmente por não se restringir a um grupo religioso específico, mas a um modo de se relacionar com a
modernidade utilizando como fundamentação para suas práticas e discursos as tradições dos diferentes grupos
religiosos. Diferentemente do que muitos pensam, o fundamentalismo não é puramente um movimento de
radicalização religiosa que apareceria de forma recorrente na história ocidental, mas sim, um fenômeno reativo
ao surgimento e consolidação das características da modernidade. Este trabalho é fruto de um Trabalho de
Conclusão de Curso de Pós-Graduação em Filosofia da Religião, onde objetivou-se fazer uma leitura crítica
do fundamentalismo protestante, utilizando para isso o pensamento existencial do filósofo Jean-Paul Sartre.
Para tanto, apresentamos uma caracterização do fundamentalismo protestante, seu surgimento e sua relação
com a modernidade; depois procuramos compreender o fenômeno a partir de importantes conceitos do
pensamento de Sartre, a saber: liberdade, angústia, projeto existencial e má-fé, tendo como base suas obras O
existencialismo é um humanismo e O ser e o nada. A partir de tal articulação compreendeu-se que tanto os
estudiosos da Modernidade quanto Sartre observam a presença de uma angústia característica do homem
moderno, que lançado em um contexto onde os antigos absolutismos se mostram dissolvidos, muitas vezes vê
neste movimento religioso reativo respostas à essa angústia. Não obstante todas as violências presentes em tal
contexto, parece sobressair para os fiéis o apelo de um suposto retorno à um estado de segurança existencial e
a promessa de dissolução da angústia de construir o próprio projeto. Considera-se o fundamentalismo
protestante como uma possível atitude de má-fé diante da liberdade, onde há um enrijecimento da dimensão
em-si e pouco estímulo à vivência da dimensão para-si. Sem orientações de como escolher e como constituir-
se no mundo, muitas pessoas podem encontrar um modo-de-ser já delimitado, aprovado por um grande número
de pares e considerado por muitos como um projeto existencial que carrega a chave da felicidade não só terrena
mas também eterna. Conclui-se sobre a urgente necessidade de promover mais debates a respeito do
Fundamentalismo por um viés da Filosofia Existencial a fim de promovermos outras reflexões sobre formas
mais autênticas de manejo da angústia diante dos desafios da Modernidade.
O presente trabalho pretende investigar e apresentar a obra de Jean-Paul Sartre, mais exatamente a noção de
"má-fé", assimilando-a como uma crítica frontal à psicanálise freudiana. Assim, ao contextualizar a recepção
sartriana da psicanálise, o intuito é o de demonstrar que a teoria da má-fé, exposta por Sartre na primeira parte
de O Ser e o Nada, pode ser explorada como uma rejeição radical da ideia de inconsciente, na medida em que
ocupa seu lugar. Ao pensar a consciência como "puro ato", desde seus trabalhos em psicologia fenomenológica,
Sartre já indicava que sua leitura da hipótese freudiana do inconsciente não seria animadora para a psicanálise,
pois o inconsciente compromete a espontaneidade da consciência, concepção à qual Sartre se vinculara desde
seus trabalhos de juventude, como A Transcendência do Ego. Além disso, sua concepção radical da liberdade
também encontra na psicanálise um adversário explícito, uma vez que o sujeito freudiano é determinado por
pulsões e complexos sobre os quais não tem domínio. Enfim, é contra uma concepção passiva da subjetividade,
flagrantemente presente na obra de Freud, na psicologia empírica de modo geral e em algumas filosofias, que
Sartre apresenta sua tese da consciência como "espontaneidade impessoal" e "translucidez". Como se sabe,
essa nova concepção do sujeito, lentamente tecida em A Transcendência do Ego e O Ser e o Nada, bem como
a oposição à teoria freudiana, irão desembocar na "Psicanálise Existencial", esboçada por Sartre na última
parte da obra. Assim, nosso objetivo neste trabalho é o de indicar que a crítica da metapsicologia freudiana
culminará na Psicanálise-Existencial, tendo nestes diálogos e críticas, a formação desta vertente filosófica e
psicológica. Através deste prisma, poder-se-ia desvelar as nuances que acompanham o enfoque de uma
psicologia embasada nestas ponderações, vindo a pensar na psicologia contemporânea sartriana também como
uma resposta a psicanálise freudiana, em especial, como uma recusa ao posicionamento acerca do inconsciente.
Simone de Beauvoir (1908-1986), filósofa e escritora francesa, conhecida por obras como “O segundo sexo”,
“A velhice”, entre outros, tem sido mal interpretada e mal afamada ao longo desses anos, sobretudo em função
de um projeto conservador que tem ganhado força no Brasil. É possível conhecer melhor seu contexto de vida
e suas reflexões a partir de seus textos autobiográficos (“Memórias de uma moça bem comportada”, “A força
das coisas” e “A força da idade”). O objetivo desse ensaio é tecer considerações sobre a obra autobiográfica
de Simone de Beauvoir, numa perspectiva fenomenológica existencial, apontando para a compreensão de uma
época, sob seu ponto de vista, e identificando modus de descrição fenomenológica através do desvelamento
de suas experiências, contradições, reflexões e espanto com o mundo. Assim, nos escritos autobiográficos de
Beauvoir, encontra-se o gosto pela vida, bem como o movimento em experimentar os sabores e as cores do
mundo. Ela busca também, sempre em um exercício crítico-reflexivo, compreender os acontecimentos sociais
e políticos de seu tempo, desde os sentimentos evocados pela ocupação alemã durante a II Guerra Mundial,
até a tristeza com sua pátria diante da guerra com a Argélia, nos anos 1955-1960. A coragem em assumir uma
existência fora dos padrões de uma época, sobretudo em suas relações afetivas, em fazer aquilo que tinha
sentido e não se submeter aos padrões exigidos para uma mulher branca de sua cultura, são as marcas dos seus
escritos. O contexto social e histórico vivenciado por Beauvoir pode ser considerado como envolto em má fé,
no sentido de não enxergar a existência como única e singular, bem como em estabelecer padrões de
comportamento, sobretudo para as mulheres. Foi um período com muitos eventos dolorosos em função de um
sistema que se desenvolvia ao longo do século XX, mais voltado para o poder, o consumo e a dominação. Na
atualidade, as ideias de Beauvoir têm sido mal interpretadas justamente em função de um ideário de extrema-
direita, que tem contribuído fortemente para um retrocesso em todas as conquistas nos últimos anos, sobretudo
no que concerne às questões de gênero.
O ser-para-morte refere-se sobre lidar com as inúmeras possibilidades do modo de ser dentro da própria
finitude. Sendo assim, a morte é algo dada a sua existência, já que somos seres finitos. Visto que a ideação
suicida e as tentativas de suicídio aumentaram no período de pandemia da COVID-19, a morte tem se tornado
cada vez mais próxima para o ser humano, devido ao sofrimento e estar vulnerável ao vírus, tendo que lidar
constantemente com a possibilidade e reflexão sobre a morte. A existência do ser-no-mundo neste período está
entrando em crise por conviver com a incerteza, logo a finitude deixa interrogações que abrem as possibilidades
para o desconhecido. Deste modo, esta pesquisa objetiva refletir, a partir da perspectiva da psicologia
fenomenológico-existencial heideggeriana, sobre a relação entre a pandemia da COVID-19 e a finitude. Para
isso, o método escolhido para essa pesquisa foi de cunho qualitativo e teórico, possuindo base narrativa para
seu desenvolvimento, ao buscar a reflexão sobre a temática. O suicídio sendo um fenômeno de saúde pública,
reflete em índices mundiais crescentes a cada ano que afeta diferentes classes sociais, raças, culturas, faixas
etárias, gênero e sexualidades, por ser uma questão multifatorial, podendo ser resultado um sofrimento gerado
pela interação com um mundo, da sua existência enquanto ser-no-mundo. Em 2018, a Organização Mundial
da Saúde apontou que um dos fatores de risco para o suicídio é o isolamento social, no contexto atual foi
sugerido a população mundial estar em isolamento como protocolo de saúde pública. Visto que a Organização
Pan-Americana de Saúde (OPAS) no mês de setembro de 2020 alertou que a pandemia de COVID-19 aumenta
os riscos de suicídio, afetando a saúde mental de muitas pessoas por diversos motivos: seja pelo isolamento,
rompimento brusco de atividades cotidianas e limitações nas relações sociais. Levando em consideração todos
os fatores da vivência do ser-para-morte, buscamos a reflexão sobre essa proximidade com a possibilidade da
morte deste ser-finito no período de pandemia de COVID-19 ao lidar com o desconhecido e o incerto na sua
existência.
Nas sociedades humanas, rituais surgem como pontes capazes de facilitar as transições da vida, conferindo
sentido às mudanças inerentes ao existir. Rituais fúnebres, desse modo, apresentam forte caráter simbólico
para a elaboração da perda de um ente querido. No contexto da pandemia da COVID-19, a vivência desses
rituais tem sido limitada devido à necessidade de reduzir riscos de infecção, afetando diretamente o sofrimento
dos enlutados. Nesse sentido, o presente trabalho buscou compreender o papel dos rituais fúnebres na
elaboração do luto, bem como a singularidade desses fenômenos no contexto pandêmico. A vivência de uma
perda significativa implica transformações que podem significar intenso sofrimento existencial, uma vez que
a ausência do “outro” suscita novos modos de ser-no-mundo para aquele que a sofreu. Assim, os rituais de luto
surgem como possibilidades de significar o morrer, gerando espaços de fundamental importância para
expressão da dor frente à morte e, simultaneamente, para a continuidade da vida, que é colocada em perspectiva
diante da evocação da própria finitude do ser-para-a-morte. Essa dualidade característica dos rituais fúnebres
surge de um momento de forte conexão interpessoal, base para a vivência do apoio mútuo, da livre expressão
das emoções e do suporte do grupo familiar e de amigos, criando um ambiente de segurança. Na atualidade, a
autenticidade desses rituais se revela ameaçada pela interdição da morte, banalizada e oculta quanto aos seus
significados mais profundos, uma vez que é, por essência, a negação da lógica de produtividade dominante.
Tais atributos reverberam em rituais de luto rígidos, automatizados e esvaziados de sentido, pois evitam a
manifestação da angústia. Na pandemia, esse cenário se mostra agravado, uma vez que, para evitar a
contaminação, caixões são lacrados e velórios e enterros estão proibidos ou realizados com restrições. A
impossibilidade de visualização do corpo dificulta a concretude da perda, assim como a ausência do apoio
emocional e do conteúdo simbólico inerente aos rituais fúnebres. A realização de rituais virtuais e o amplo uso
da tecnologia têm sido alternativas exploradas nessa situação particular. Nesse sentido, compreende-se a
importância dos rituais fúnebres para a elaboração do luto e a necessidade da busca por estratégias que
amenizem o sofrimento decorrente da ausência desses rituais em um duro contexto de perdas em massa.
Questões de lutos e perdas sempre foram vivenciadas de acordo com expressões específicas em cada época e
cultura. Todas as relações significativas estão sujeitas ao luto. Somos parte uns dos outros e nosso sentido
existencial está atrelado ao sentido do que somos a alguém e do que podemos ser na relação com alguém.
Contudo, percebe-se que na cultura ocidental há uma evitação da angústia e uma busca pela neutralização do
desconforto e da dor psíquica, havendo assim um afastamento de situações e temáticas que evoquem a questão
da perda. Nesse contexto, quando se trata de falar sobre esse tema com crianças a dificuldade é ainda maior, é
socialmente comum os argumentos de que elas não entendem o que está acontecendo, causando assim, a
retirada da criança de cena. Mas, a criança vivencia o luto, contudo o elabora de uma forma diferente. A forma
como ela vive o luto e o representa internamente varia de acordo com idade, personalidade, desenvolvimento
cognitivo e desenvolvimento social. O momento atual de pandemia tem nos colocado a reflexão de que não
tem como e nem se deve mais tentar “proteger” e/ou impedir as crianças de entrar em contato com o luto, como
se as mesmas não fossem capazes de assimilar tudo aquilo que o mesmo pode vir acarretar. A respeito dessa
temática o filósofo Heidegger já trazia reflexões pertinentes, pois para ele o Dasein é sempre posto diante de
possibilidades ainda não realizadas. Todavia, há para o Dasein uma possibilidade final, a qual faz cessar todas
as outras possibilidades, que é a morte. Mas a morte não é simplesmente nem mesmo primordialmente algo
que acontece ao final da vida da pessoa. A consciência que o Dasein tem de que vai morrer, pode perpassar
toda sua vida, assim como suas escolhas. Pois, uma vida sem a perspectiva da morte seria uma vida de perpétuo
adiantamento. Compreende-se que falar com a criança sobre a morte de forma clara e natural apesar de
desafiador, permite a ela lidar com os medos que podem surgir pelo desconhecido, tendo a possibilidade de
elucidar algumas dúvidas e mitos que lhe são transmitidos, sendo ainda mais necessário no contexto atual de
pandemia vivenciado mundialmente, em que esse tema invade a vida repentinamente, das mais diversas
formas, sem nos pedir licença, sem aviso prévio, sem controle, pedindo-nos ajustamentos diversos no nosso
modo de viver.
Este trabalho tem o intuito de realizar uma investigação teórica sobre o conceito de saúde e de adoecimento na
Gestalt-terapia, em que usaremos exemplos do filme “Sete minutos depois da meia noite”, para aprofundar e
clarificar o estudo a partir das vivências terapêuticas de cuidado. O método do artigo é de pesquisa qualitativa
com enfoque na pesquisa bibliográfica. Ocorreu então o diálogo entre o filme e os materiais teóricos coletados,
em que o filme é relevante para apresentar exemplos e ser material ilustrativo das concepções apresentadas,
configurando-se como uma totalidade descritiva, afetiva e significativa da experiência do protagonista da
produção. O filme “Sete Minutos depois da meia noite” foi baseado no romance de Patrick Ness e representa
o gênero drama e fantasia. Retrata a história de Conor, que é um jovem de 12 anos, que vivencia o adoecimento
de sua mãe, que sofre com um câncer em estágio terminal. Na Gestalt-terapia, a noção de saúde e de
adoecimento constitui-se de maneira relacional e contextualizada, compreendendo assim o ser humano de
forma total em interface com o seu meio, que implica em reconhecer-se como ser biológico, social, emocional,
ambiental e espiritual. O adoecimento e o luto podem ser ressignificados por meio de estratégias terapêuticas,
como o trabalho com sonhos, que permitem revivenciar situações inacabadas no momento. Na relação
terapêutica, manifesta-se o cuidado entre terapeuta e cliente como forma de potencializar os fatores de saúde
e ressignificar os processos de adoecimento, a partir de um contato que promova satisfação de necessidades,
congruência com os seus sentimentos e possibilidades de escolhas responsáveis. No filme, percebemos que
Conor realiza reflexões a partir de sua fantasia sobre momentos da existência, promovendo estratégias de
ressignificação de situações dolorosas, como por exemplo, o adoecimento da sua mãe, a vivência do luto e a
relação com a sua avó. Percebemos que a possibilidade de transformação surge do entendimento do cliente a
partir das vivências em uma relação terapêutica de cuidado e de encontro, em que ele pode ser quem se é, sem
julgamentos. O gestalt-terapeuta promove o cuidado com o outro, baseado em uma relação terapêutica
acolhedora, respeitosa e ética. A Gestalt-terapia preconiza relações éticas que se expressa no compromisso
social com a sociedade, que percebe seus direitos e seus deveres (responsabilidade) consigo e com a
coletividade.
Os impactos da pandemia da Covid-19 têm afetado diferentemente homens e mulheres, atingindo as últimas
sobremaneira. O cuidado com crianças, idosos e pessoas doentes passaram a ser ainda mais atribuídos às
mulheres, sendo elas as mais impactadas pelo trabalho doméstico não remunerado. Elas também estão em
maior número na linha de frente do enfrentamento da pandemia, sendo mais propensas à contaminação. A
partir da fenomenologia crítica, que compreende que as estruturas sociais organizam como experienciamos o
mundo, objetiva-se refletir sobre o aumento das condições de desigualdade de gênero ao longo da pandemia e
suas implicações na limitação das possibilidades existenciais da mulher como ser-no-mundo. Para tanto,
utilizaremos a perspectiva interseccional que indica que ao falarmos sobre mulheres estamos tratando de um
grupo multifacetado e heterogêneo em termos de raça, classe e gênero. Simone de Beauvoir fala sobre a
situação da mulher, compreendendo que a existência é marcada pela individualidade transcendental, mas
também pela facticidade. Nesse momento pandêmico, a mulher está sobrecarregada do trabalho relacionado
ao cuidado, pois tradicionalmente tem sido associada a "ser essencialmente" cuidadora e em uma crise
sanitária, econômica e política observa-se uma intensificação dessa situação. Ademais, a feminização da
pobreza também se intensifica nesses contextos, o que afeta o acesso ao direito à moradia, alimentação,
atendimento médico, ao planejamento familiar, e também dificulta o acesso aos canais de atendimento em caso
de violência - apesar de ser um problema precedente à pandemia, a violência contra a mulher aumentou nesse
período. Esse cenário desnuda a desigualdade de gênero e limita as possibilidades e projetos existenciais da
mulher. Diante disso, discutir as implicações da pandemia da Covid-19 para as mulheres considerando o
entrelaçamento sujeito-mundo convida à realização de políticas públicas que considerem as diferenças de
gênero, raça e classe.
A perspectiva de cuidado e intervenção do psiquiatra italiano Franco Basaglia se tornou um marco na história
da saúde mental do ocidente e serviu como fundamentação teórico-metodológica para o Brasil. A chamada
psiquiatria democrática italiana afirmava a importância da criação de serviços totalmente substitutivos ao
hospital psiquiátrico, assinalando a premência da eliminação dos muros do manicômio e da estrutura
hierárquico-autoritária de cuidado que sustentava essa instituição na sociedade. Também foram postos em
questão os aparatos científicos, legislativos e administrativos, assim como o que disso estava entranhado na
cultura e definia relações de poder em relação à doença e, consequentemente, às pessoas em sofrimento,
fomentando uma verdadeira revolução social e política. Dentre tantas influências que compuseram a visão
crítica de Basaglia estavam a fenomenologia e o existencialismo que, apesar de declaradas, não costumam ser
reconhecidas. Com base na obra do próprio Basaglia e em registros de outros autores, o presente trabalho
pretende estimular reflexões em relação ao que se conhece sobre tal influência. Ratifica-se então que o ativista
valorizava a psiquiatria inovadora de Binswanger e Minkowski, assim como era influenciado pela
fenomenologia crítica de Husserl e Heidegger. Tinha ainda uma relação próxima com Sartre, quem considerava
seu mestre. Acredita-se que a compreensão da psicopatologia pelas lentes fenomenológico-existenciais está
relacionada às suas críticas sobre a limitação da psiquiatria para a função de tutora da saúde mental e à
constatação da necessidade de uma consideração mais ampla e complexa do que é ser humano. Do mesmo
modo, esse vínculo se torna evidente na ação revolucionária de pôr a “doença mental” e a classificação
nosográfica entre parênteses. Assim, pode se dizer que a atitude de consideração da individualidade e
consequente respeito à vivência da alteridade, premissas eminentemente fenomenológico-existenciais, seria o
ponto de partida para a estruturação dos serviços de saúde mental italianos a partir dali, assumindo um
compromisso prático, civil e político.
O presente trabalho visa compreender o que a literatura científica de língua portuguesa tem publicado, entre
2015 e 2020, sobre aspectos psicossociais no tratamento da esquizofrenia no cenário brasileiro. Para tanto, foi
realizada uma revisão sistemática metassintética de artigos publicados em periódicos revisados por pares, dos
quais foram selecionados nove estudos, analisados a partir dos seguintes eixos: (1) de pessoa para pessoa: um
enfoque centrado no paciente: marca a importância de conferir à pessoa em sofrimento uma participação ativa
nas decisões referentes ao seu tratamento; (2) o encontro com a diferença e os limites da empatia: sinaliza
dificuldades quanto à compreensão empática das vivências psicóticas por serem inalcançáveis àqueles que não
as experienciam; (3) a relação paciente-família: destaca os benefícios e malefícios do vínculo entre o paciente
e seus familiares/cuidadores para o tratamento; (4) reinserção social: explora as contribuições de oficinas
terapêuticas e de práticas voltadas para a reabilitação do paciente e inserção no ambiente laboral; (5) recovery:
propõe novas e promissoras perspectivas tangentes aos cuidados em saúde mental quanto à assistência das
pessoas esquizofrênicas. A partir dos achados reunidos, foi evidenciada a existência de uma uniformidade
quanto ao conteúdo da literatura investigada acerca da importância de se pautar os cuidados em saúde mental
na centralidade da pessoa em sofrimento, distanciando-se, assim, da impessoalidade de um tratamento restrito
a uma busca apriorística pela remissão sintomática dos quadros psicopatológicos. Tais resultados vão ao
encontro dos aportes de estudos realizados por Carl Rogers na Universidade de Wisconsin, bem como da
crença, sustentada pelo recovery, na capacidade das pessoas com sofrimentos psíquicos severos de apropriação
de suas experiências singulares. Posto isso, encoraja-se a produção de mais estudos científicos por parte da
Psicologia, de maneira a despertar uma maior sensibilidade nos profissionais de saúde quanto aos cuidados em
saúde mental.
Débora C G de A Vale
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Ana Karina Silva Azevedo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
A criança com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) surgiu na literatura médica na
primeira metade do século XX, e a partir de então, sua sintomatologia foi nomeada e renomeada várias vezes.
Vários fatores históricos e culturais influenciaram no diagnóstico do transtorno e suas comorbidades. As
décadas entre 1960-1980 marcaram parte das produções nas teorias humanistas, as quais preconizavam a
Liberdade Experiencial como estado interno de reconhecimento das próprias experiências e sentimentos, o que
fez com que comportamentos como: retraimento, temores, solidão e agitação motora em crianças pudessem
ser compreendidos como manifestações de sofrimento infantil. Em paralelo, no entanto, acontecia o advento
da distribuição de anfetaminas e dos estudos neurológicos acerca do transtorno. Estas crianças passaram, então,
a ser medicalizadas, tendo sido este o caminho adotado para acolhê-las. Pensamos se esse pensamento
naturalizante não seria um caminho para um enquadramento das esferas do existir, instituindo-se aquilo que é
saudável e normal. Sendo assim, a partir da ontologia heideggeriana, tentaremos refletir se categorizar crianças
apenas por critérios diagnósticos de TDAH seria suficiente para compreender suas existências. Para a
fenomenologia hermenêutica de Heidegger, ser-no-mundo é uma estrutura originária, e constantemente total,
e ele nos convida a visualização do fenômeno através de um olhar de questionamento, de desconhecimento,
afastando-se de uma posição que naturaliza a realidade como dada, acabada. Perguntamo-nos se o olhar
medicamentoso oferecido a crianças diagnosticadas com TDAH não seria um esforço para adaptar o
desempenho dessas crianças às demandas da era da técnica, e desta forma, pensamos sobre os modos de ser-
criança para além do diagnóstico neste transtorno. Nesse sentido, a proposta do presente estudo teórico é, à luz
da fenomenologia hermenêutica-heideggeriana, pensar o sofrimento de crianças que recebem o diagnóstico de
TDAH, e refletir sobre se essa categorização poderia trazer o encobrimento dos modos-de-ser-como-criança.
Outrossim, acerca da normatização tão presente nos discursos da contemporaneidade, pensamos se limitar o
tratamento ao prisma medicamentoso não seria privilegiar um único aspecto de seu sofrimento. Nesse sentido,
pretendemos sustentar um espaço para pensarmos o sofrimento infantil presente na psicoterapia,
problematizando modos menos hegemônicos de intervenção e cuidados terapêuticos infantis.
Ao longo do tempo, o desenho tem sido utilizado como recurso na psicoterapia com crianças. Independente da
perspectiva teórica do psicoterapeuta, este instrumento se faz presente na prática clínica, buscando contemplar
uma especificidade que se apresenta no tratamento deste público, a saber, o acesso à experiência infantil a
partir de outras possibilidades de linguagem. O desenho possui a finalidade de facilitar o desvelamento dos
conflitos infantis que, no uso da linguagem falada, poderia encontrar limitações de expressão. O filósofo
francês Maurice Merleau-Ponty dedicou-se, dentre outros campos, ao estudo do desenho infantil. Por meio da
fenomenologia, refletiu criticamente sobre os estudos de sua época e buscou contribuir com sua compreensão
acerca desse fenômeno. O presente estudo tem por objetivo discutir, através de uma revisão de literatura, as
possíveis contribuições de Merleau-Ponty acerca do desenho infantil para a psicoterapia com crianças. Como
resultados, verificamos que o desenho infantil não se apresenta como uma percepção enfraquecida das coisas,
nem como coisa “psíquica”, mas sim como uma convicção global. Quando a criança desenha algo, não há o
algo da imagem e o algo da realidade só existe o que está ali. Há na criança uma sensibilidade para a
comunicação via desenho e é preciso uma abertura do adulto para compreender este fenômeno, não com uma
descrição negativa do mundo, como um malogro do desenho adulto, mas uma ação expressiva autêntica e
original. O mundo percebido pela criança é diferente do mundo visto pelo adulto; a primeira tenta representar
toda a realidade que a circunda, nunca uma simples imitação, enquanto o segundo realiza sínteses que
suprimem partes do mundo. Na infância, o desenho corresponde a um modo de comunicação, a um
posicionamento afetivo, à expressão de uma atitude reveladora das coisas e não do que se parece com elas ou
a um conhecimento pré-estabelecido. Ao representar os objetos, estes possuem uma gravidade afetiva: peso,
consistência, temperatura, é como se a criança possuísse uma capacidade latente de pintar não só formas e
cores, mas odores, sabores etc. Para psicoterapia com crianças, compreendemos que este olhar crítico acerca
do desenho infantil, reposiciona o clínico quando a potência desse instrumento interventivo e sua capacidade
de viabilizar uma exploração profunda do mundo vivido da criança, pois o psicoterapeuta passa a visar os
significados afetivos e não os traços pintados.
A compreensão do fenômeno do transtorno do espectro do autismo (TEA) no nível estrutural pode auxiliar o
psicólogo humanista na sua atuação clínica. Observa-se que as pessoas autistas têm uma experiência de mundo
fragmentado que resulta em uma vivência hiper reflexiva. A intensa racionalidade torna-se uma compensação
para a crise que se forma na compreensão de sentido. A dificuldade em apreender o sentido, que é proveniente
das estruturas fundantes do psiquismo, pode ser observada a partir, por exemplo, da fixação por detalhes. Essa
característica se apresenta nos autistas desde elementos mundanos concretos, passando pela expressividade
humana de senso comum até a compreensão dos contextos sociais vivenciados. Por isso, um dos objetivos da
psicoterapia é ajudá-los na formação de sentidos. Ao destacar mais a forma como estão se sentindo e
percebendo, os autistas vão construindo seus próprios caminhos que viabilizam a promoção de sínteses.
Enquanto que, ressaltar apenas os conteúdos pode deixá-los ainda mais capturados pelos detalhes e sem a
compreensão do todo; com isso, sentem-se angustiados, irritados e exaustos, levando-os a se retirarem do
mundo com mais frequência. Como ilustração, será mostrado um caso clínico com uma mulher adulta autista
sob o nome fictício de Luiza. Os atendimentos ocorreram em um consultório particular na modalidade online.
Após alguns meses em psicoterapia, Luiza encontrou um meio para reconectar-se consigo usando recortes de
imagens durante as sessões. Os recortes se transformaram em colagens com pedaços da vivência que Luiza
pouco entendia. Desse modo, abriram-se possibilidades de intervenções terapêuticas, para juntas, psicóloga e
Luiza, tentarem acessar uma parte do seu mundo vivido e captar o sentido pré-reflexivo. As intervenções
devem estar em sintonia com as necessidades da pessoa autista para que ela possa se beneficiar. Assim, com
um pouco mais de confiança em si e na sua forma de perceber o mundo, Luiza evoluiu das colagens para
desenhos e, por fim, para escritos. Com isso, ela foi rememorando fatos isolados de seu passado na medida em
que compreendeu suas vivências de infância e adolescência, construindo assim, uma vida de sentido. Uma
perceptível mudança foi observada tanto no auto respeito pelo seu modo peculiar de ser quanto na sua forma
de lidar com questões interpessoais, que lhe possibilitam estar no mundo de um modo mais aprazível.
Atualmente o brasil é o país que mais mata indivíduos travestis e transexuais, ao passo que também é o país
que mais realiza paradas de orgulho LGBTQIA+. Podemos perceber que a realidade dos integrantes dessa
comunidade é permeada por inseguranças, de todos os âmbitos, e pela marginalização presente em suas
vivências, principalmente entre os indivíduos não-cisgêneros. Dentro de muitas características desenvolvidas
por essa comunidade, podemos destacar o tão falado “orgulho”, que se estabelece como forma primordial de
sobrevivência desses sujeitos ao se depararem com a realidade social que está sempre submetendo-os à
invisibilização. Esse “orgulho” foi construído através de um percurso histórico único, uma busca incessante
pela identidade dessa comunidade e é por conta disso que identificamos a importância da disseminação de
informações voltadas a esse tema. Dentro da própria comunidade há discussões sobre a viabilidade de tantas
letras para compor a sigla inteira, inclusive não havendo um consenso sobre como a mesma deveria ser grafada.
Não por acaso, encontra-se artigos mencionando LGBT’s, LGBTI’s etc. Contudo, a adoção de uma sigla com
mais letras se justifica, quando se leva em consideração a importância da representatividade de cada elemento,
que possui sua individualidade e sua história. O trabalho buscou expor o percurso histórico LGBTQIA+,
desenvolver as definições de termos importantes para o entendimento da pluralidade dessa comunidade e
definir, através de uma tabela, breves explicações sobre cada letra que compõe a sigla LGBTQQICAPF2+.
Também procuramos desenvolver uma visão fenomenológica, de modo que fosse captado o como das
experiências dos integrantes dessa comunidade e para isso foram realizadas entrevistas com questões abertas
nos indivíduos integrantes da comunidade estudada. Após tais definições, foi possível entender um pouco da
historicidade envolvida no processo de formação da comunidade LGBTQIA+ e pôde ser desconstruído parte
do estigma acerca da sigla, visto que a complexidade dela pode se justificar na medida em que toda essa
diversidade de vivências é levada em consideração. Finalmente, esse trabalho expõe a importância da produção
de pesquisas na área e que a disseminação de informações pode ser o cerne para a busca de direitos básicos
dessa comunidade.
Este trabalho é um ensaio teórico e questiona-se aqui os sentidos atribuídos à tentativa e aos suicídios para
uma pessoa LGBTI+, que segundo à Organização Mundial da Saúde é considerada como população vulnerável
para o risco de suicídio. A literatura também aponta que essa população tem cinco vezes mais chances de tentar
suicídio. Embora existam estimativas sobre os dados de suicídios, eles são extremamente subnotificados e
quase inexistentes no Brasil. O Estado brasileiro não produz dados sobre essa população, nem tampouco sobre
seus suicídios e sofrimentos. A declaração de óbito não assinala orientação sexual/identidade de gênero e as
notificações de violência não aparecem nas plataformas oficias. É uma comunidade invisibilizada na vida e
na morte, criminalizada e exterminada, que sofre e morre anonimamente como não-existentes. Experienciam
cotidianamente o preconceito, a discriminação e a violência. Assim, ao nos inclinarmos sobre esse fenômeno
não deixaremos de considerar que ele está inscrito e relacionado ao mundo que habitamos, pelo qual nos é
revelado um horizonte histórico. Este ensaio convida-nos a pensar sobre o sofrimento ético-político da
população LGBTI+ e os seus suicídios a partir da perspectiva fenomenológico-existencial norteada pela
ontologia hermenêutica do filósofo Martin Heidegger. Ele retoma a questão do sentido do Ser, do homem
enquanto ser-no-mundo, outrora esquecida pela filosofia e pela metafísica. Questiona quem e como é esse
homem, como se constitui no mundo e proporciona uma reflexão sobre as condições fundamentais da
existência, trazendo algumas noções, como: historicidade, temporalidade, ser-no-mundo, habitar, corporeidade
e ser-para-a-morte. Nosso modo de existir na contemporaneidade aponta para o desamparo humano, um habitar
que surge mediante diversas crises de caráter social, político, econômico, sanitário e humanitário. Logo, é
impossível nos descolarmos desse horizonte histórico para tematizar o fenômeno do suicídio, uma vez que ele
permeia questões complexas da própria existência. Diante disso, cabe uma reflexão sobre a saúde mental,
sofrimento, suicídio e a existência da população LGBTI+, salientando que o que encontramos na literatura
aponta que essa comunidade habita um sofrimento sem lugar, uma violência estrutural, uma invisibilidade
doída e seguem padecendo nos armários abaçanados da existência. É preciso, então, problematizar e
questionar: Por que muitas pessoas LGBTI+ decidem por não mais viver?
O sofrer, na modernidade, é um fenômeno existencial que varia de acordo com o ponto de vista. Nesse sentido,
esse trabalho propõe-se a pensar o sofrer no ângulo dos usuários do CAPS II, localizado especificamente na
cidade de Mossoró-RN. A observação essa feita por um estágio profissionalizante com duração de um ano
letivo. Nessa experiência, rodas de conversas foram propostas a cada semana um novo tema, em consonância,
dessa forma, com o modo de pensar heideggeriano, que sugere uma formação do psicólogo que rompa os
modelos ancorados no domínio das teorias e técnicas psicoterápicas e de tal modo na direção contrária ao
pensamento preponderante na psicologia científica. Então, a fenomenologia-hermenêutica heideggeriana
considera a indeterminação do Dasein e sua impermanência que foi possível de ser percebida, nessa
experiência, com o fazer psicologia norteado pela abertura do psicólogo às possibilidades que se desvelam na
sua existência, na sua condição de ser-no-mundo-com-outros, cujos sentidos de ser não poderão ser dados a
priori, o que significa arriscar-se na aventura de ser-no-mundo com todas as implicações da sua condição
existencial. Uma delas é a disponibilidade de lançar-se no desconhecido, na experiência originária de ser-com-
o-outro, ou seja, lançar-se ao nada, ao não-saber. Os resultados obtidos ao lançar-se para o desconhecido nesse
contexto foi o surgimento de palavras para se referir ao papel do psicólogo como “humildade”, “generosidade”
e sentimento de gratidão por parte dos usuários do equipamento pela escuta e acolhimento. O que torna
interessante de refletir sobre o papel do psicólogo, ao acolher nesse contexto. Sabendo que o CAPS II é uma
instituição destinada a acolher pessoas com sofrimento psíquico grave e persistente, é entendido o objetivo de
estimular sua integração social e familiar, apoiando-os em suas iniciativas de busca da autonomia, levando em
conta os princípios da equidade do SUS – ou seja, de clínica ampliada. Dessa forma, o fazer saúde mental, no
que compete ao psicólogo, assiste principalmente na inscrição de diferentes estratégias que visam a produção
de algum modo de inclusão de questões subjetivas na produção de bem-estar e de saúde, alcançando a
diferentes sujeitos e situações, não se deixando confundir com o senso comum latente nesse contexto que
remete à humildade e generosidade o que é, por direito, desses usuários.
Neste trabalho nos propomos a apresentar relato de experiência de um atendimento socioeducativo, realizado
no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS) – Parnamirim/RN. Refletiremos acerca
de questões emergentes a partir da experiência de atuação, com enfoque no percurso de construção de projeto
de vida pelos adolescentes e as intervenções possíveis a partir da perspectiva fenomenológica-existencial
heideggeriana. Atualmente são atendidos 25 adolescentes com idade entre 14 e 18 anos, encaminhados pela
justiça. São executadas Medidas Socioeducativas (MSE) de meio aberto, Liberdade Assistida (LA) e Prestação
de Serviço à Comunidade (PSC). O acompanhamento dos adolescentes nas referidas medidas compreende a
elaboração de Plano Individual de Atendimento (PIA), participação em oficinas semanais (LA), prestação de
serviço em instituição pública (PSC), acompanhamento da família e atendimento individual aos adolescentes,
encaminhamentos externos para rede. A adolescência, com a inauguração do ECA e sua doutrina da proteção
integral, é compreendida como estágio peculiar do desenvolvimento em que está sendo construído o repertório
de referências importantes para o processo de tomada de decisões que marcam a vida. É a partir das
experiências, das relações, do acesso a direitos básicos que o adolescente vai dando sentido a sua existência e
realizando suas escolhas. A história de vida dos adolescentes e jovens que se encontram em cumprimento de
MSE é, na maioria das vezes, marcada pela violência, desigualdade, exclusão, e carregada de sentidos
preestabelecidos de como ele pode ser. A ação socioeducativa tem como objetivos garantir ao adolescente o
acesso aos seus direitos, a inclusão social e comunitária, o favorecimento do seu pleno desenvolvimento e a
(re)construção do seu projeto de vida. Investir na (re)construção de um projeto de vida implica, para esses
jovens, colocar em questão os sentidos sedimentados que lhes foram apresentados. E ainda, no reconhecimento
do seu protagonismo e na abertura às possibilidades da existência. Para que seja possível alcançar esses
objetivos, se faz necessária uma metodologia que permita a participação ativa do jovem no processo de
cumprimento da medida e a ampliação das suas referências por meio do fortalecimento da sua relação familiar
e comunitária.
Esse estudo visa fazer correlações sobre o contexto da pandemia, o distanciamento social e a questão da técnica
segundo o pensamento heideggeriano. O decreto da pandemia do Coronavírus revolucionou modos de ser e
estar no mundo. No Brasil, foram e estão sendo tomadas diversas medidas de controle e prevenção da doença
pelas autoridades sanitárias, dentre elas o distanciamento social para que se diminua a velocidade de
transmissão do vírus, o uso de máscaras e álcool e a vacinação. O distanciamento social propõe a diminuição
de interação entre as pessoas para diminuir a velocidade de transmissão do vírus. Consequentemente, essa
situação coloca em evidência a desigualdade social do país, a velhofobia, o racismo, a violência doméstica,
entre outras, instalando-se uma crise na saúde pública e potencializando a crise política brasileira. O contexto
atual, em múltiplas dimensões, apresenta um deslocamento do tempo e do espaço, em que o quando já não
equivale ao onde; torna o tempo vazio e passível de ser operado tecnicamente. Desse modo, ao se estabelecer
uma relação de confiança, com os agentes do saber técnico, pautada no reconhecimento das alternativas e na
tentativa de calcular os riscos, simultaneamente se constitui uma relação de corresponsabilidade. Assim, a
técnica passa a ser um instrumento que rege nossas vidas e comportamentos, notadamente na pandemia, em
que a possibilidade de adoecimento e morte, se nos apresentam, sem exceção, nos meios de comunicação e
como tema principal na relação com o outro. O pensamento heideggeriano indica que não podemos fugir da
questão da técnica negando-a ou afirmando-a, mas é possível estabelecer com ela uma relação mais livre
abrindo-se a sua essência. A chegada da pandemia nos ofereceu a perda da familiaridade com o mundo,
quebrou o cotidiano. Os sentimentos de desamparo, ansiedade e solidão envolvem os dias nebulosos
restringindo a visão do horizonte. Tal situação, nos possibilitou estar com o outro através da tela, mas também,
abriu espaço para o diálogo quanto ao respeito, à impessoalidade e modos-de-ser e cuidar engessados e
capturados por uma técnica pondo em xeque as certezas e despertando para a solicitude como um dos modos
de cuidado.
Este trabalho se trata de um estudo fenomenológico motivado pelo recrudescimento da migração interna no
contexto universitário a partir do Sistema de Seleção Unificada do Ministério da Educação (SISU), que
possibilita a concorrência a vagas de graduação em diversas regiões do país, assim como a vivência de diversas
mudanças, rompimento de laços e encontros com o novo. Diante desse cenário, as autoras mobilizaram-se na
direção de compreender o sentido das redes de apoio na experiência de ser estudante migrante. Para tal foram
realizadas entrevistas semi-estruturadas, com as perguntas norteadoras “Como foi o seu processo de mudança
para a cidade atual?”, “Como se deu a formação dos novos vínculos?” e “Qual é o sentido desses vínculos na
sua vida atualmente?”. Pretendeu-se com esta metodologia delinear o discurso acerca daquilo que se busca
aproximar, ao passo que haja liberdade para a emergência e elaboração dos fenômenos e sentidos. Contou-se
com a participação de duas mulheres, migrantes exclusivamente em razão do estudo, de nomes fictícios Nuvem
e Onda, ambas com 22 anos. Os discursos coletados na entrevista foram organizados em temas e
compreendidos à luz da hermenêutica heideggeriana, quais sejam as noções “ser-com”, referente a disposição
ontológica do ser-aí de constituir-se em relação, e “habitar”, que implica na acepção de familiaridade e
pertencimento entre presença e mundo. Os resultados evidenciaram a importância da formação de vínculos
afetivos e amizades, considerando o contexto ímprobo no qual se inserem os estudantes migrantes, tendo sido
apontado pelas estudantes que as relações sociais e vínculos formados na nova morada são aspectos que
influenciam positivamente suas vidas, a partir da construção de uma nova rede de apoio e da sensação de
pertencimento. O estudo pôde desvelar a experiência e os sentidos das participantes, compreendendo-os
hermeneuticamente, de modo que se evidenciou a importância dos vínculos afetivos para as estudantes
migrantes, que vão além de somente redes de apoio, pois também colaboram para a sensação de pertencimento,
suporte e companheirismo.
A situação de grupo pensada a partir da noção de fusão de horizontes proposta por Hans Georg Gadamer,
objetiva a elaboração da experiência e de novas possibilidades compreensivas acerca do fenômeno interrogado
por meio da troca dialógica construída entre os participantes. No grupo, há um jogo compreensivo que requer
dos envolvidos abertura à alteridade do outro, disponibilidade de se colocar em questão, sem nenhuma intenção
de condução ou sobreposição de saberes. O presente relato pretende descrever a experiência de grupos
reflexivos, destinados aos profissionais de saúde que atuam no enfrentamento da Covid-19, prestando
assistência aos pacientes internados em diversos setores de um hospital particular de Recife (PE), que durante
a pandemia passou a ser exclusivo para atendimento de Covid-19. Trata-se de uma proposta interventiva que
objetiva proporcionar um espaço de reflexão acerca do momento pandêmico atual e suas ressonâncias nas
existências dos participantes. Desde abril de 2021, foram realizados grupos mensais, contando com a
participação de até cinco colaboradores, em diferentes turnos e em local amplo e apropriado. A vivência da
experiência grupal oportunizou a apropriação e expressão dos sentimentos mobilizados pela situação de crise,
evidenciando o sofrimento compartilhado entre os profissionais de saúde e a necessidade de ampliarmos nossas
estratégias de cuidado. Enquanto facilitadora dos encontros e psicóloga hospitalar da instituição, estive
intimamente envolvida durante todo o processo, estando aberta à possibilidades de mudança e apropriação de
novos sentidos provenientes do diálogo. As compreensões desveladas a partir do encontro, apontaram o
despertar das tonalidades afetivas de temor e impotência diante de um cenário que anuncia a finitude da vida
como possibilidade eminente através do adoecimento e morte do outro. Por outro lado, também desvelam
formas coletivas de autoproteção percebidas a partir da tendência de adotar um viver automático, irrefletido,
imerso nos deveres e exigências do cotidiano numa tentativa de fuga e entrega ao impessoal.
A proposta deste ensaio teórico é sinalizar, refletir e problematizar as dificuldades da população LGBTI+ na
pandemia de COVID-19 a respeito dos impactos do isolamento social que se entrelaçam às questões de saúde
e direitos humanos. Para tanto, adentramos a literatura mais recente, publicada em forma de artigos científicos
e/ou jornalísticos, que tratam sobre a experiência dessa população em meio à pandemia. Apesar da existência
de poucos artigos, foi possível perceber que o entrelaçamento entre a pandemia e a população LGBTI+ reflete-
se em uma maior vulnerabilidade e marginalização. É importante lembrar que mesmo em uma situação de
crise global, como a de uma pandemia, cujo contexto propicia impactos psicológicos para todas as pessoas de
maneira geral, há algumas populações e comunidades que apresentam maior vulnerabilidade bio-sócio-
político-econômica, em especial no Brasil, um país culturalmente tão diverso e economicamente tão desigual.
Destacamos aqui a população LGBTI+, que tem direitos violados, experienciam a fragilidade e carência de
políticas públicas de saúde e assistência adequadas, e são massacradas diariamente por causa da LGBTIfobia.
É uma população que habita uma sociedade e uma cultura as quais manejam o entendimento das questões de
gênero e sexualidade por meio de um viés moral, separatista e preconceituoso. Desta forma, cabe-nos
interrogar sobre como a vivência de um isolamento/distanciamento social na pandemia de COVID-19 podem
acentuar questões já vivenciadas, mesmo antes da pandemia, por algumas pessoas LGBTI+ como: solidão,
isolamento, fragilidade dos direitos humanos, desemprego, fome, desmonte de políticas públicas de saúde e
assistência, além de um cardápio de violências. Como tem habitado a população LGBTI+ nesse tempo
marcado por desalojamentos e sofrimentos? A ontologia heideggeriana nos convoca a pensar o habitar do
homem sobre a terra. Um habitar que não é apenas físico e geográfico, mas implicadamente, ontológico e
existencial. É preciso refletir que habitamos uma sociedade marcada por inúmeras crises que apontam para o
desassossego e desamparo humano, que empenhamos nossa condição fundamental de ser-no-mundo em meio
a tempos sombrios e inóspitos, sobretudo, que experienciamos um sofrimento ético-político acentuado por
uma necropolítica e negacionismo da ciência. Com a pandemia de COVID-19, percebemos que esse contexto
atinge com maior força algumas populações em maior vulnerabilidade social, como a LGBTI+.
O racismo é parte da estrutura social capitalista, sendo assim, ele opera por meio de tecnologias que
reproduzem relações desiguais e opressão que moldam o contexto social contemporâneo. Nesse contexto, há
um silenciamento sobre o lugar de privilégio do branco, colaborando com a desigualdade racial e social. Há
diversos estudos que mostram que o conceito de raça é um mito, no sentido de que não há nenhuma distinção
biológica ou comportamento inato que implique nessa diferenciação, no entanto a raça é vivida concretamente,
trazendo consequências materiais e simbólicas para as pessoas. O método fenomenológico clássico tem como
objetivo descrever a estrutura transcendente da experiência vivida, porém a fenomenologia crítica compreende
que também é necessário entender como as estruturas históricas e sociais condicionam nossas experiências e
a nossa forma de refletir sobre elas. Estruturas como o patriarcado, o racismo e a heteronormatividade
permeiam o mundo da atitude natural, fazendo com que as diferenças sociais entre grupos privilegiados e
oprimidos sejam tratadas de forma naturalizada. Desse modo, esse trabalho tem como objetivo apresentar
contribuições da fenomenologia crítica para a compreensão das branquitude como experiência vivida, e mais
especificamente compreender essa experiência a partir de seus horizontes interpretativos situados
corporalmente. Consideramos que o homem branco é tomado como norma, enquanto os outros é que precisam
proclamar a sua identidade: negros, homossexuais, mulheres e indígenas. Nesse sentido, a branquitude não é
um conceito estático e dependendendo do contexto cultural, raça, gênero e classe, diferentes pessoas podem
ocupar este lugar de privilégio. Tomando a branquitude como ponto de partida, os corpos brancos não são um
ponto de estresse em sua relação com o mundo, eles sentem-se habituados a ocupar os espaços, estendendendo
o seu alcance, as suas possibilidades. Além disso, a branquitude tem papel importante em categorizar o não
branco, fazendo com que apenas o corpo do outro pareça ser racializado, assim o não branco encontra maiores
dificuldades em ocupar espaços, principalmente espaços de poder. Nesse sentido, a experiência vivida do
branco expressa mobilidade e transcendência, enquanto a experiência vivida do não branco traz restrições e
limites. Desse modo, a fenomenologia crítica nos ajuda não só a compreender a branquitude, mas torna-la
visível, tencioná-la, como possiblidade de transformação social.
O advento de um mundo líquido, no qual as relações se dão de forma cada vez mais superficiais e carente de
diálogo, tem sido palco de um constante aumento da intolerância nos diversos âmbitos da convivência em
sociedade, devido a divergência de crenças, pensamentos, ideologias, entre outros fatores. Diante deste cenário
de constante atrito e gradual desconsideração pela pessoa humana, tratar de possibilidades dialógicas e
empáticas diante do outro tende a contribuir para reflexões e possibilidades de convivência pacífica e
harmoniosa em diferentes grupos e contextos sociais. O presente trabalho terá como objetivo compreender
fenomenologicamente a experiência de pessoas nas relações humanas, especialmente no que diz respeito ao
diálogo com as diferenças. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de natureza fenomenológica, norteada pelos
princípios do filósofo Edmund Husserl. Pretende-se realizar encontros dialógicos individuais com 3 a 7
participantes e posteriormente, será construída uma narrativa compreensiva, que será retomada de tempos em
tempos. A partir da escrita de todas as narrativas compreensivas, será desenvolvida uma única narrativa síntese,
que compilará os elementos significativos da experiência de todos os participantes. a pesquisa propõe
primeiramente uma passagem pelo conceito do outro, ou alteridade, que se apresenta como um ser diferente e
separado dos demais, e não uma extensão do interlocutor. Em seguida, se apresenta algumas reflexões sobre o
convívio em sociedade, seus impasses agravados pela modernidade líquida e atitudes de fechamento diante da
diferença e por fim suas possibilidades dialógicas de convivência e de consideração humana. Através desta
pesquisa é esperado que a temática do diálogo com a diferença seja fomentada ainda mais no meio científico,
agregando sentidos e espaços de discussão no meio da psicologia e das relações sociais, além de novas
propostas de reflexão para atuação clínica, tanto a partir dos relatos, como das narrativas desenvolvidas.
O presente trabalho se constitui como um relato de experiência de estágio curricular em clínica com uma
mulher em situação de violência, a partir da analítica da existência de Martin Heidegger. O caso foi
encaminhado pelo CREN, instituição especializada no atendimento a mulheres vítimas de violência em
Natal/RN. Devido ao contexto pandêmico, os atendimentos foram realizados na modalidade virtual. Helena
(nome fictício) é uma mulher que acionou a medida protetiva, após ter sido vítima de violência sexual por
parte do ex companheiro. Atualmente em processo de divórcio, a paciente tem três filhos e está desempregada
devido aos impactos emocionais da violência sofrida. Os encontros com Helena desvelaram, a seu tempo, um
modo de ser-no-mundo como mulher marcado pela restrição do seu poder-ser. Em sua historicidade, a
violência perpetrada pelas referências masculinas, a submissão social e econômica ao companheiro, o contexto
de pobreza e vulnerabilidade social, junto ao sofrimento psíquico decorrente do desenraizamento nesse mundo
são marcas que a fazem questionar a validade da própria existência. Helena se encontrava restrita a um modo
de existir como mulher em que a violência era parte do cotidiano. Quando finalmente encontrou recursos
pessoais e institucionais para sair do ciclo de violência, viu-se em desamparo existencial ainda maior: o
afastamento da família, o cerceamento do lugar de mãe e um modo de existir na impessoalidade cuja trama de
sentidos se dá pela tutela do outro. Ao questionar sobre o sentimento suscitado por toda sua narrativa, a paciente
responde “é o sentimento de ficar sozinha”. A solidão de Helena nos convoca a pensar o ser mulher em um
horizonte histórico cujo enraizamento cultural se dá pela hegemonia do patriarcado, que influencia projetos
encontrados na tradição como o casamento feliz e a maternidade. A possibilidade de romper com tais projetos
parece lançar a paciente a um lugar inóspito e de incompreensão. Como habitar esse mundo como mulher,
vítima de violência, longe do signo da tutela? Como ser cuidada frente a tantos desamparos? O processo
psicoterapêutico permitiu à paciente habitar esse espaço de um outro modo possível, devolvendo a ela a
responsabilidade do seu existir. Vivenciar um outro modo de existir com-o-outro e consigo mesma, diferente
da indiferença do modo violento e da substituição de um modo de tutela, permitiu à Helena resgatar-se em sua
potência de escolher a si mesma e empunhar o seu projeto de ser.
O propósito deste trabalho é refletir sobre uma experiência como voluntária em um lar de longa permanência
para idosas na cidade do Recife, Pernambuco. Para tanto, foram utilizadas as experiências narradas no diário
de bordo e tecer diálogos com estudiosos do envelhecer humano. O estudo proposto, nesta direção, reflete os
modos como a autora/voluntária foi afetada, possibilitando um horizonte compreensível possível pelo qual tal
experiência pode ser vista. O trabalho visou, ainda, aproximar-se de questionamentos na direção de privilegiar
compreensões acerca da singularidade daquele que envelhece, de modo a assumir uma perspectiva do ser do
humano que reconheça suas peculiaridades. Envelhecer mostra-se como um modo de ser-no-mundo, assim
como a infância, a adolescência e/ou a adultez, que não pode ser reduzido a uma mensurabilidade cronológica
ou mesmo a determinações prévias. A localização da velhice no asilo parece não ser apenas geográfica, mas
também representativa: o asilo vira um lugar de espera para o que há de vir; o tema da morte passa a tomar
forma e se materializa ao passo que nos dias seguintes, umas chegam e outras morrem. Neste sentido, o
pensamento coincide com os estudos feitos para elaboração deste trabalho, onde se destaca o fato de que, sem
que haja especial intenção, o isolamento precoce dos moribundos ocorra com mais frequência nas sociedades.
A partir deste trabalho, mostrou-se necessário, para projetos futuros, um debruçar ainda maior junto à temática,
assim como, de modo fenomenológico, articularmos com os pressupostos heidiggerianos. Importa ressaltar
que a vivência com a idosas desvelou-se como um despertar desse modo de encontrar-se consigo, com o mundo
e com outros, aberta pela experiência do tédio. Com isso, novos horizontes compreensivos acerca do
envelhecimento, da morte e da experiência com a tonalidade afetiva do tedio foram desvelados. Essas
possibilidades compreensivas, assim como as articulações feitas a partir dos diálogos com os autores, revelam
a importância e necessidade de um novo modo para estarmos diante dos idosos. Durante toda a elaboração, a
angústia, companheira inseparável, fez-se presente e, por diversos momentos, lembrou-me, tal como amiga,
de dar voz a essas idosas que tanto contribuíram para a elaboração deste trabalho. Abrir espaço para um
dialogar junto a elas virou comprometimento para trabalhos futuros.
Em 1963 é publicado pelo psiquiatra suíço Medard Boss (1903-1990) o livro Psychoanalysis e Daseinsanalyse
no qual são dados os primeiros e decisivos passos para a estruturação da Daseinsanalyse Clínica através da
explicitação de sua proposta em relação ao modo de ver homem e cuidar de seu sofrimento segundo uma
compreensão da atividade clínica fundamentada na filosofia de Martin Heidegger e criticamente baseada na
psicanálise de Sigmund Freud. Um dos primeiros passos deste percurso encontra-se no primeiro capítulo deste
livro. Subvertendo o modo tradicional de apresentação de propostas teóricas, quando primeiramente são
apresentadas proposições e razões que definem uma teoria, Boss inicia a explicitação de sua proposta a respeito
de uma nova visão sobre o homem através da apresentação de um caso clínico que intitulou “Dra. Cobbling”.
Tal caso clínico se dá de modo emblemático à proposta da Daseinsanalyse Clínica porque ilumina o ponto
virada no pensamento de Boss em relação a sua primeira orientação teórica baseada na psicanálise para uma
orientação fenomenológica Daseinsanalítica, mas também, porque explicita caraterísticas centrais para o
trabalho clínico orientado pela Daseinsanalyse Clínica. Deste modo, o relato do caso Dra. Cobbling se
apresenta como um fecundo campo de estudo para investigação a respeito de como importantes elementos
desta abordagem devem guiar não só a compreensão clínica como também os movimentos terapêuticos ao
longo das sessões de psicoterapia orientadas pela perspectiva da Daseinsanalyse Clínica. Portanto, a partir do
estudo deste emblemático caso, o presente trabalho busca refletir ao articular outros 3 casos clínicos relativos
a clínica psicológica contemporânea de orientação Daseinsanalítica, importantes aspectos relativos a
compreensão clínica e aos movimentos terapêuticos realizados ao longo dos processos psicoterapêuticos
orientados pela perspectiva da Daseinsanalyse Clínica.
Palavras-chave: Daseinsanalyse Clínica; Medard Boss; Caso Dra. Cobbling; Compreensão clínica.
A população nascida entre os anos 1996 a 2010 é definida por muitos estudiosos como geração Z. Alguns
pontos unem muitos dos jovens que se encontram nessa fase, tais como a imersão na internet e demais
tecnologias e, por este motivo, são considerados nativos digitais. Também observa-se nestes a efemeridade e
celeridade como modo de apreensão do mundo, pois experimentam o cotidiano em “cliques”. Ao passo disso,
com a eclosão da pandemia de covid-19, a população mundial precisou ingressar de modo mais intenso no
mundo virtual, pois foram necessárias adequações nas demais esferas sociais visando-se o controle do vírus.
O existir em tempos de pandemia, para esta população nascida na era cibernética, é também atravessado por
um cenário de problemas diversos, tais como o sofrimento psíquico advindo dos temores em relação à saúde
própria e coletiva, preocupações de ordem relacional, acadêmica, profissional, financeira e política. Acresce-
se a isso o esgotamento mental diante do excesso de compromissos virtuais, bem como tensão devido ao
aumento da convivência familiar, devido ao isolamento social. Desse modo, este relato de experiência pretende
refletir acerca da experiência do sofrimento psíquico da geração Z e as afetações produzidas por estes durante
o período pandêmico. Para isso, iremos nos nortear pelo olhar da Fenomenologia Existencial do filósofo Martin
Heidegger, ontologia cujo principal elemento é o fenômeno em si e o que ele revela. O maior objeto de estudo
dessa teoria é a existência humana ou Dasein, um ser cujo dado primordial é a intencionalidade da consciência,
isto é, a sua relação com o mundo e os outros seres humanos. Como procedimento deste relato, utilizamos a
análise das transcrições dos relatos de sessão. Os discursos mais predominantes observados durante as sessões
de psicoterapia se relacionam com questões de ordem familiar, principalmente acerca das incompreensões e
falta de acolhimento intergeracionais advindo dos pais (boomers e millennials). A experiência com o
sofrimento, para eles, muitas vezes se apresenta pelo isolamento familiar e imersão ainda mais intensa no
mundo virtual, sentimentos de angústia, vazio e tédio, bem como ideação suicida e prática de cutting. Este
relato pretende compreender o fenômeno percebido desse recorte da sociedade em um período de crise
mundial, porém, devido à relevância do assunto, faz-se necessário aprofundá-lo ainda mais.
A modalidade terapêutica de Grupo de Encontro foi desenvolvida por Carl Rogers. O objetivo é favorecer o
amadurecimento psicológico dos participantes por meio de um processo experiencial em grupo auxiliado por
um facilitador. Devido a pandemia de Covid-19, foram planejados encontros virtuais mensais nos moldes dos
Grupos de Encontro com adultos autistas. Entende-se que o núcleo do espectro do autismo é a obscuridade das
relações interpessoais que se mostra desde tenra idade. Essas pessoas apresentam de modo mais ou menos
acentuado, um maior retraimento, fragmentação no contato interpessoal e rigidez defensiva. Ademais, possuem
interesses focais, apego a rotinas e padrões e susceptibilidade sensório-motoras diferenciadas que lhes confere
comportamentos pouco usuais. O público-alvo se reconhece ou foi diagnosticado com o transtorno do espectro
do autismo (TEA) apenas na fase adulta, após anos sentindo-se à parte do grupo familiar e social. Percebem-
se insuficientes apesar de todos seus esforços. Alguns conseguiram se adaptar na sociedade num nível
funcional, mas não foi incólume num nível existencial. É comum sentirem-se uma farsa, com ideações suicidas
que lhes acompanham desde a adolescência. O convite para o Grupo foi realizado nas redes sociais da
facilitadora com uma breve explicação sobre o formato do mesmo. Em média, participaram 12 pessoas em
cada encontro, com duração de 1h30min. A proposta de um encontro não estruturado em que o Grupo pudesse
escolher seus próprios caminhos e direcionamentos era algo inteiramente novo para os participantes, ainda que
já houvesse a confiança de um clima psicológico de segurança devido a contatos anteriores com a facilitadora
em outras propostas terapêuticas. Foram adotados cuidados condizentes com a estruturação autista e a
singularidade dos participantes. O Grupo de Encontro começava com o convite para uma breve respiração
seguida por uma pergunta norteadora: "como você está se sentindo agora?" Ou "o que você gostaria de
compartilhar?" Aos poucos, os participantes sentiram-se impelidos a se expressarem, ainda que causasse
estranheza sem regras explícitas de como lidar com a situação. A cada expressão de um, voltavam-se para si
mesmos buscando semelhanças, e também, percebendo diferenças, num movimento de reconhecimento de si
e dos outros. Ao final, pode-se observar uma maior compreensão de quem são, dos efeitos que causam nos
outros e da satisfação em pertencer a um grupo que os acolhe.
A pandemia da COVID-19 vem causando expressivos conflitos na economia, na saúde pública e na saúde
mental da sociedade. As mudanças são muitas e em um curto espaço de tempo, exigindo a rearticulação dos
modos de ser e estar no mundo. Sabemos que um dos grupos mais afetados são os profissionais da saúde, pois
precisam estar à frente do combate à pandemia. Nesse prisma de abordagem, Heidegger nos inspira a pensar o
sofrimento desses profissionais em um contexto de morte e de cuidado com o qual eles têm se deparado
diariamente. Desse modo, este relato de experiência tem como objetivo trazer uma reflexão sobre os
sofrimentos vivenciados pelos profissionais da saúde, na pandemia da COVID-19, à luz da fenomenologia
hermenêutica heideggeriana. Tal reflexão parte da minha experiência como psicoterapeuta ao atender quatro
pacientes que são profissionais da saúde e que atuam na linha de frente da pandemia. Foram realizados
atendimentos clínicos semanais, sendo esses transcritos. As transcrições foram revisitadas e interpretadas
através do olhar da fenomenologia. Os atendimentos possibilitaram perceber as mudanças impactantes que a
pandemia causou em suas vidas como: reorganização da rotina, relações familiares fragilizadas perante o
isolamento, sentimentos de desamparo, caos nos ambientes de trabalho, discriminação social por serem
considerados “contagiosos”, o lidar com a morte dos seus familiares e pacientes, o medo de trazer o vírus para
suas casas, insatisfações profissionais, cansaço mental, perda de sentido em diferentes âmbitos da vida. A
fenomenologia hermenêutica nos auxilia a refletir sobre as narrativas desses pacientes, tendo em vista que
Heidegger nos caracteriza como seres-para-a-morte, pois sabemos que somos finitos e buscamos
constantemente nos esquecer de nossa finitude, porém sem êxito. A pandemia evidenciou para esses
profissionais que realmente isso é impossível. Também foi possível pensar o existencial do cuidado tão
presente na atuação desses profissionais. Ao longo dos atendimentos, as histórias de vida foram narradas e
ressignificadas, ao mesmo tempo em que novas possibilidades foram lançadas. Diante do exposto, podemos
refletir sobre a necessidade de se compreender com mais afinco estes profissionais a partir de suas existências,
auxiliando-os a reencontrarem-se com suas escolhas, possibilitando-os a narrarem seus sofrimentos em tempos
pandêmicos e a pensarem novos modos de ser no mundo.
Resumo da mesa
A partir do encontro entre docentes e discentes do curso “Fenomenologia Crítica: ações clínicas educacionais
e institucionais” do Instituto Sedes Sapientiae, surgiu o Núcleo de Fenomenologia Crítica: um coletivo
mobilizado em plantar ações a partir de um olhar fenomenológico engajado no mundo, implicado com as
questões éticas, sociais e políticas da nossa realidade. Com a chegada da pandemia de COVID-19 no Brasil,
um isolamento social parcial foi acessado pela burguesia enquanto a população pobre, negra e periférica se
expos cada dia mais, em virtude da restrição socioeconômica. Isso somado à desinformação difundida tanto
pelo governo federal quanto por parte da mídia, evidencia e acentua as relações construídas historicamente que
produziram e produzem sofrimento, desigualdades e ausência de acesso aos direitos fundamentais de grande
parte da população. O plantão surge como uma possibilidade de sustentar uma tensão frente a essa realidade,
abrigando uma potência terapêutica ao mesmo tempo em que muitos serviços públicos interromperam seu
funcionamento, dificultando o acesso e a continuidade dos atendimentos à saúde mental. Oferecer um espaço
de cuidado à saúde mental sem a necessidade de deslocamento, de encontro físico ou de troca de capital se
mostrou emergencial. O Plantão Psicológico On-line do Núcleo é formado por uma equipe de plantonistas
psicólogas/os que realizam atendimentos de caráter pontual através de plataformas digitais, nos quais constrói-
se um espaço de escuta, compreensão e acolhimento às demandas, preocupações e angústias de quem procurou
o Plantão. O atendimento em caráter de plantão na modalidade on-line, aliado ao método fenomenológico e
hermenêutico, tem desvelado reflexões críticas sobre a ampliação qualitativa das possibilidades do encontro
terapêutico: essa modalidade favorece o alcance a um público plural e, por isso, contempla uma diversidade
de gêneros, idades, classes sociais, etnias e cores. Zelamos pelo Plantão como um espaço de troca e de
construção de conhecimento constante, assim, além dos atendimentos oferecidos à população em geral,
fazemos reuniões de supervisão e discussão de fundamentação teórico-prática e construímos um campo de
formação continuada horizontal e capilarizada. Desse modo, entendemos o Plantão Psicológico On-line em
sua importância como ação clínico-política.
A expressão “Fenomenologia Crítica” vem sendo utilizada por um grupo de professoras/es empenhadas/os em
abrir espaço para um olhar fenomenológico engajado no mundo, implicado com as questões éticas, sociais e
políticas da nossa realidade. Acreditamos que a fenomenologia - pensamento oriundo do eixo epistêmico
europeu - deva ser por nós apropriada e reciclada, aproximando-a da situação latino-americana. Por mais que
a proposta da fenomenologia seja disruptiva em relação à concepção de ser humano e de mundo preponderante
no campo da psicologia, e por isso nos provoque a olhar para nossa presença profissional de uma maneira
diferente do que a psicologia tradicional poderia propor, ainda estamos nos referindo a autores que fazem parte
dessa hegemonia que aprendemos a criticar. A maior parte dos autores que estudamos, dentro da
fenomenologia, são europeus e norte-americanos, predominantemente homens brancos do século passado. Há
uma predominância no que nos é apresentado como fundamentação filosófica consistente, primazia essa que,
na maior parte das vezes, é tácita. Podemos deduzir que o conhecimento construído dessa forma tem como
parâmetro principal o homem heterossexual, cis gênero, branco e pertencente ao Norte Global, o que afeta
diretamente o modo como nos direcionamos para a prática profissional. Trazendo a psicologia fenomenológica
e hermenêutica para o seio da realidade brasileira, percebemos o quanto as questões se complexificam, e o
quanto estamos imersos em um ambiente colonizado epistemologicamente. Destarte, torna-se urgente a
construção de uma fenomenologia decolonial, enraizada em nosso território, que volte a atenção às populações
historicamente invisibilizadas pela colonialidade. Mobilizadas/os por essas inquietações, surge o Núcleo de
Fenomenologia Crítica: um coletivo dedicado a plantar ações no mundo através da organização política e
social, fruto do encontro entre docentes e discentes do curso “Fenomenologia Crítica: ações clínicas
educacionais e institucionais” do Instituto Sedes Sapientiae. Uma das principais ações do Núcleo é o Plantão
Psicológico On-line, que foi criado no início da pandemia de COVID-19 no Brasil, como iniciativa clínica e
política de atenção à saúde mental da população em geral, em tempos de restrição acentuada de acesso a
serviços e de acirramento das desigualdades sociais.
No início da pandemia de COVID-19 no ano de 2020 iniciamos um projeto de plantão psicológico on-line com
o objetivo de oferecer à população um espaço de acolhimento e escuta clínica em caráter de urgência. O plantão
se caracteriza como uma possibilidade de atendimento psicológico que acontece em encontros pontuais,
oferecendo escuta, acolhimento, compreensão e abertura para novos olhares. A construção desse projeto
fundamentado na metodologia fenomenológica hermenêutica se deu de forma coletiva pelos membros do
Núcleo de Fenomenologia Crítica, imerso em discussões e reflexões derivadas da sua própria prática nos
atendimentos, bem como a partir de estudos e experiências clínicas anteriores na modalidade de plantão
psicológico. A estruturação desse plantão psicológico on-line passou pela discussão de quais organizações e
ferramentas seriam usadas pelas/os psicólogas/os, quem era o público que queríamos acessar e como foram se
construindo as diferentes frentes de formação continuada, estudos e cursos dentro do Núcleo de Fenomenologia
Crítica. O manejo clínico e a proposta do plantão como um espaço de construção conjunta que visa
esclarecimento de demandas da/o atendida/o são aspectos centrais na fundamentação desse serviço. Outro
ponto importante diz respeito às especificidades que fomos percebendo e incorporando ao nosso plantão, como
por exemplo, a questão da autonomia e da liberdade na hora do atendimento por parte da pessoa que nos
procura, a acessibilidade que o on-line traz e os deslocamentos que ocorrem no setting terapêutico quando nos
disponibilizamos a estar nessa nova modalidade de plantão psicológico. Ao longo deste período, fomos nos
deparando com muitos desafios que trouxeram questionamentos e reflexões que nos ajudaram a definir o que
fazemos e seguimos nesse processo de construção contínua conforme a prática vai suscitando novas questões.
O plantão, embasado tanto no método fenomenológico hermenêutico, como em uma fenomenologia decolonial
e crítica, nos convida a olhar de maneira próxima para cada atendimento nas particularidades daquele encontro.
A construção desse saber-fazer, fomentada nas trocas nos momentos de supervisão, coloca a caminho, a cada
vez, nossa proposta de plantão psicológico on-line.
A crise sanitária mundial que assolou o Brasil a partir de março de 2020 provocou mudanças significativas no
tecido social. A imposição do isolamento e das demais restrições de convívio coletivo, fundamentais para a
contenção da pandemia, comprometem de forma significativa as relações afetivas e sociais, resultando em
cargas emocionais sentidas de diferentes maneiras nas pluralidades de singularidades dos viventes. O presente
é marcado de um lado pelas ações solidárias, criativas e singulares referentes ao enfrentamento dessa realidade
e, de outro, pela indeterminação e desesperançar coletivo, bem como por consequências que escancaram a
inequidade brasileira e impactam de diferentes maneiras os modos de sujeições contemporâneas. Este trabalho
apresenta reflexões sobre os atravessamentos de gênero, raça e classe social presentes no Plantão Psicológico
On-line do Núcleo de Fenomenologia Crítica, partindo de atendimentos realizados durante o período da
pandemia, visando explicitar a importância dessa prática como ação clínico-política. Em meio a múltiplas
crises na saúde, política e economia, que evidenciam e acentuam relações construídas historicamente que
produzem e reproduzem desigualdades e ausência de acesso a direitos fundamentais, o Plantão visa alcançar
um público de maior vulnerabilidade social, por meio da abordagem da Fenomenologia Crítica como uma
construção decolonial para oferecimento de serviço de atenção pontual às questões de saúde mental. Através
de um olhar construído criticamente nos espaços do projeto para delineamento dos fundamentos éticos,
políticos e sociais, nossas ações visam fortalecer a relação estreita entre ação e discurso na qual o ator da
procura se insere. Como desdobramentos da modalidade on-line, podemos notar as dimensões de cuidado e
autonomia, pois permite que se construa junto à/ao plantonista diferentes maneiras de encontros, estimulando
a liberdade da/o paciente de se mostrar da forma como escolhe dentro de suas possibilidades. Vimos que essa
acessibilidade contempla uma variedade de gêneros, idades, classes sociais, etnias e cores, favorecendo a
expressão de pluralidades.
Resumo da mesa
Desde março de 2020 estamos vivendo uma situação de pandemia que, no Brasil, já resultou em mais de 500
mil mortos. As estatísticas apontam que para cada pessoa falecida corresponde pelo menos três pessoas
enlutadas. Atentos e preocupados com essa situação que se instalou em nossa rotina, o Núcleo de Pesquisas do
IFEN, coordenado pela professora Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo, numa parceria com o LAFEPE/UERJ –
Laboratório de Fenomenologia e Estudos em Psicologia Existencial da UERJ – também coordenado pela
professora Ana Maria, organizou a pesquisa que dá título a esta mesa institucional, intitulada Morte, luto e
psicoterapia em tempos de Corona vírus. A equipe envolveu as seguintes pessoas, além da coordenadora, Ana
Maria Feijoo: Elaine Lopez Feijoo (IFEN); Elina Eunice Montechiari Pietrani (UVA e UNIFASE); Elvira
Maria Silva Lopes (IFEN); Flávia Moreira Protasio (IFEN); Jaynete de Sousa França (graduação-UERJ);
Marcia Noleto (IFEN); Maria Bernadete Medeiros Lessa (IFEN); Mônica Ferraz (IFEN); Myriam Moreira
Protasio (IFEN) e Valéria Marques Rocha (IFEN). O projeto começou como uma pesquisa-ação que tinha
como propósito abrir um espaço de escuta aos enlutados numa disponibilidade que, ao mesmo tempo em que
os ouvia e os acompanhava em seu processo de luto, buscava compreender o modo como eles eram afetados e
correspondiam à situação que estavam atravessando. Nosso objetivo principal era poder, a partir dessa
investigação, constituirmos uma base rigorosa para articularmos o manejo clínico psicológico com pessoas
enlutadas pela perda de pessoas queridas durante a Covid-19. A pesquisa foi se desdobrando e resultou em
dois artigos – já submetidos para publicação. É sobre estes dois braços da pesquisa que discorremos nesta
mesa. O primeiro ramo da pesquisa teve como objetivo compreender o comportamento do homem em situações
de pandemia, enquanto o segundo teve o objetivo de apontar para outro modo de lida da dor do luto, que se
agrava com a interdição do ritual dos velórios e sepultamentos em época de COVID-19, para além daquilo que
prescrevem os manuais e códigos de doenças mentais, que orientam aos profissionais da saúde como proceder
para superar a dor e a solidão dos enlutados.
Este estudo faz parte da pesquisa intitulada Morte, Luto e Psicoterapia em tempos de Coronavirus coordenada
pela professora Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo no Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial do
Rio de Janeiro e tem como objetivo compreender o comportamento do homem em situações de pandemia.
Percorremos a história das afetações sofridas durante as pandemias, nos aproximando das diferentes expressões
do homem frente a algo que, em dado momento, assola a humanidade. Para alcançar nossos objetivos,
realizamos pesquisa bibliográfica que incluiu matérias veiculadas em jornais de grande circulação, artigos
científicos e dispositivos da Organização Mundial da Saúde e da Secretaria de Saúde do Estado do Rio de
Janeiro. Acreditamos ser de grande relevância acompanhar o comportamento do homem em diferentes
períodos de epidemias, para, assim, entendermos mais claramente o que acontece hoje, aproximando-nos do
modo como os homens enfrentaram as pandemias e das soluções e dificuldades encontradas. Concluímos que,
frente à morte que se escancara no nosso cotidiano, nossa condição humana de mortais e vulneráveis se mostra,
retirando-nos a ilusão de poder e controle. Em meio a crises como as provocadas por pandemias, as ações do
homem se fazem presentes em suas expressões de ambiguidade, temor, desconfiança, descrença, indiferença
e, ainda, pela surpresa. Enxergamos que muito do que ocorreu em outras pandemias se repetiu nesta que
estamos vivendo, assim como foi possível identificar as peculiaridades de nossa própria época que está lançada
à tarefa de lidar com o que lhe vem ao encontro, nas condições que lhe são dadas. Essa lembrança pode nos
tirar da ilusão de que, no século XXI, com os avanços médicos e tecnológicos, não seremos mais atingidos por
pandemias ou outros acontecimentos. Trazemos assim à recordação nossa condição mais originária de sermos
lançados à precariedade em que todos nós nos encontramos. Por fim, de posse dessas informações constatamos
que a atuação do psicólogo, para além da confecção de cartilhas e manuais, deve compreender também as
expressões enigmáticas presentes em épocas de pandemia. Esse profissional acolhe o outro frente a sua
expressão de vulnerabilidade e medo, bem como frente a sua expressão de indiferença e descrença. O psicólogo
sabe que tudo isso mostra o caráter de liberdade do homem que grita e se faz aparecer e, assim, pode acolher
qualquer realidade, até mesmo essa que até então parecia inusitada.
Este estudo faz parte da pesquisa intitulada Morte, Luto e Psicoterapia em tempos de Coronavírus
coordenada pela professora Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo no Instituto de Psicologia Fenomenológico-
Existencial do Rio de Janeiro e tem como objetivo apontar para outro modo de lida da dor do luto, que se
agrava com a interdição do ritual dos velórios e sepultamentos em época de COVID-19, para além daquilo
que prescrevem os manuais e códigos de doenças mentais, que orientam aos profissionais da saúde como
proceder para superar a dor e a solidão dos enlutados. Para alcançar esse objetivo, primeiramente, investigamos
como em outras épocas, em que a humanidade atravessou momentos de pestes, epidemias e pandemias,
ocorreram os sepultamentos e a experiência dos enlutados. Com isso, concluímos que a situação que
atravessamos hoje com o COVID-19 não é muito diferente do que aconteceu em épocas anteriores. Nos dias
atuais, a morte e, com ela, a pessoa, tornam-se invisíveis, passam a fazer parte das estatísticas. Por outro lado,
pessoas próximas, muitas vezes, queridas, se foram, ou precisam ser mantidas à distância dos seus familiares
e amigos. Como constatam Barboza e Almeida (2020), ocorre uma interrupção de contato do doente com
familiares, profissionais da saúde e da sociedade em geral, desde o momento em que a pessoa é diagnosticada
com o vírus SARS-CoV-2, dificultando, ou mesmo impedindo, não só o acompanhamento de seu estado, como
também seu processo de morte, caso esta venha a ocorrer. A realização de cerimônias fúnebres culturalmente
adotadas e até o sepultamento ou a cremação do falecido são destituídas de seu valor, frente à realidade do fim
ao modo pandêmico. Na mesma linha, Araújo (2020), ao lembrar as imagens das longas filas de caminhões do
Exército levando corpos de vítimas da COVID-19, em Bérgamo, na Itália, para serem cremados, destaca que
a morte pelo novo coronavírus vem recebendo, pelos italianos sobreviventes, o nome de dupla-morte, uma vez
que, sem a possibilidade da despedida de seus entes próximos, os enlutados vivem as marcas psíquicas desse
impedimento. Há nessas denominações e declarações o prenúncio da solidão que abate não só os doentes que
ficam isolados nos hospitais, como também aqueles que sobreviveram e tiveram sua experiência de luto sem
o conforto de outras pessoas que poderiam ao menos abraçá-los.
Este estudo faz parte da pesquisa intitulada Morte, Luto e Psicoterapia em tempos de Coronavírus coordenada
pela professora Ana Maria Lopez Calvo de Feijoo no Instituto de Psicologia Fenomenológico-Existencial do
Rio de Janeiro – IFE, que tem como objetivo apresentar a atuação clínica norteada por uma perspectiva
fenomenológico-existencial no enfrentamento da dor pelo luto ocasionadas pela pandemia de COVID-19.
Diante da gravidade e urgência da situação pandêmica, esta pesquisa intervenção foi de suma importância na
medida em que ao mesmo tempo que investiga, desenvolve um trabalho clínico com os enlutados. Realizamos
um estudo dos manuais psicológicos que visam orientar os enlutados traçando um modo de lida com a morte
que pode ser correto, mas pode não alcançar a experiência daquele que sofre. Vimos que os diferentes códigos
permitem diagnosticar a gravidade da dor do luto e os manuais indicam os comportamentos que os enlutados
devem acionar para enfrentar a dor. A nossa proposta é que possamos atuar para além dos manuais e códigos,
em uma perspectiva fenomenológico-existencial em psicologia clínica. Isso significa que a nossa lida com a
dor do luto em tempos de COVID-19, consiste em acolher, em caráter singular, o enlutado em sua dor
prescindindo da necessidade de categorizações e consequentes identidades diagnósticas universais.
Destacamos que a experiência do luto vai aparecendo na medida em que nos afinamos com a dor do enlutado.
Não se trata de algo fixo, fora do percurso, vem daquele que sofre a dor e não para ele. Assim, o luto tal como
compreendido na perspectiva fenomenológico-existencial não deve ser considerado como patológico.
Acreditamos que quando a experiência do enlutado se define no como deve ser a experiência do luto, a própria
experiência se esvai, reduzindo sua potência. Para tanto, esclareceremos o modo não dicotômico como
enxergamos vida e morte, dor e alegria. E nessa cadência poder acolher momentos de luto ao mesmo tempo
que acolhemos a vida que punge. Em uma perspectiva fenomenológico-hermenêutica, consideramos que o
modo de ser dos homens se constitui em meio ao espírito de sua época (Zeitgeist). Sendo assim, precisamos
compreender como nossa época articula o sentido da morte, do luto e da pandemia, para então poder tornar
mais compreensível a lida dos sobreviventes da pandemia com o luto.
Resumo da mesa
Poucos dias após o início da pandemia do novo coronavírus, o Laboratório de Estudos em Fenomenologia
Existencial e Prática em Psicologia (LEFE) junto a docentes e técnicos da Clínica-Escola do IP-USP (CEIP),
organizou o Projeto Apoio Psicológico Online (PAPO) com vistas a oferecer atendimento pontual e
emergencial às pessoas impactadas pela pandemia. O vigor desse projeto chamou a atenção da Secretaria de
Estado da Saúde de São Paulo (SES-SP) e articulou-se, entre outras ações, uma plataforma de formação
(aperfeiçoamento) e atenção à saúde, o Autoestima, visando a formação continuada dos profissionais de saúde
do SUS-SP e atenção remota à população. Um dos cursos oferecidos é o “Escuta Oportuna como cuidado em
saúde mental na situação de Pandemia”. A presente comunicação tem por objetivo refletir, a partir da
experiência do LEFE nos grupos de supervisão que compõem o estágio do curso, o caráter interprofissional
que a escuta, tal como compreendida no curso, pode ter. Entende-se por oportuna, a temporalidade aberta no
sofrimento humano e discute-se como esta pode ser o fundamento articulador do sentido do cuidado e possível
modo de organização das ações em saúde. A escuta, assim compreendida, busca apreender as aberturas a
possíveis modos de existir que urgem no sofrimento. Para tanto faz-se necessário que o/a profissional de saúde
se coloque a escutar e tecer a narrativa dos acontecimentos que irromperam no sofrimento e, a partir da
historicidade, vislumbrar e aproximar um devir possível a ser cuidado. Dado o caráter singular da
temporalidade no sofrimento, tal escuta exige que a perspectiva técnica do cuidado à saúde seja colocada em
segundo plano num primeiro momento para que possa ser retomada como possibilidade de cuidado, mas
enredada à historicidade de quem sofre. Por essa perspectiva fomos levados a questionar o caráter propriamente
psicológico do plantão, uma vez que o sofrimento pode e deve ser cuidado por todos aqueles que se propõem
a serem profissionais de saúde.
Seria impossível imaginar que o Plantão Psicológico no Hospital Universitário da Universidade de São Paulo
(HU) se manteria o mesmo ou que novos caminhos não precisariam ser traçados e repensados devido à retirada
dos plantonistas do seu território de atuação durante a pandemia. A cartografia clínica - ação investigativa
concebida em trabalhos de campo no Laboratório de Estudos em Fenomenologia Existencial e Prática em
Psicologia (LEFE) do Instituto de Psicologia USP (IPUSP) - mostrou-se, portanto, um movimento essencial
para a produção de reflexões no projeto, uma vez que era preciso compreender o atual contexto e singularidades
da instituição e dos atores sociais para elaborar possíveis intervenções em meio a tantas mudanças
indispensáveis na tentativa de controlar a proliferação do vírus, como por exemplo, a necessidade do
isolamento social. Nesse sentido, ao longo dos últimos meses, nós, plantonistas, nos deparamos com diversas
questões que não só se relacionavam com as dificuldades causadas pela pandemia de Covid-19, mas também
questões que já se manifestavam no plantão no HU desde o seu surgimento, como a rara busca por atendimento
por parte dos profissionais de saúde. Dessa forma, o resgate histórico do LEFE e do Plantão Psicológico foi
fundamental para compreender que tipo de cuidado era possível oferecer e assim encontrar modos possíveis
de nos disponibilizarmos. Nesse movimento de prática e reflexão, antes e durante a pandemia, fomos re-
descobrindo o potencial terapêutico da própria disponibilidade dos plantonistas. Assim, a importância do
projeto se mostra na busca pela garantia de espaços abertos para acolher os profissionais, se e quando
desejarem. Ação essa que não se faz descolada de uma possibilidade de assumir e sustentar uma posição
política diante do oferecimento de cuidado, que se dá desde a abertura de escuta para os trabalhadores da saúde,
não restringindo-a apenas para pacientes e acompanhantes do HU, até o cuidado para não atender uma demanda
institucional que fosse capaz de silenciar queixas sobre condições de trabalho.
O Departamento Jurídico XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP (DJ) possui uma parceria com o LEFE
desde 2001, o que proporciona um trabalho interdisciplinar fundamental para capacitação profissional tanto da
Psicologia quanto do Direito. A atuação da Psicologia no DJ viabiliza uma construção mútua: primeiras
experiências clínicas aos estudantes de Psicologia, fundamental para nossa formação, concomitantemente ao
acolhimento dos assistidos pela instituição. Somos constantemente atravessados por relatos dolorosos,
angústias pessoais, dilemas éticos, preconceitos, julgamentos e revoltas sociais, o que dá base e experiência
para nossa construção profissional, para compreensão da função do psicólogo e para as limitações da nossa
atuação. Trabalhamos em forma de Plantão Psicológico Online, com 2 a 3 encontros em média com cada
assistido ou estagiário do DJ. Atuamos em duplas, sempre com um “novato” e um “mais experiente”, para que
o “mais experiente” oriente quem está iniciando no projeto. Temos o costume de sempre conversar com nosso
parceiro após o atendimento para contarmos como nos sentimos, além de termos as supervisões, individuais e
em grupo, com uma doutoranda como supervisora geral e quatro supervisores de campo, o que nos fornece
suporte para os atendimentos e nos proporciona formação por meio dos relatos dos colegas. O procedimento
de atendimento se inicia pelo aceite do assistido pelo DJ, que realiza rodas de conversa diariamente para
distribuir os casos para os estagiários do Direito. Estagiários da Psicologia também participam dessas rodas a
fim de oferecer suporte e de sugerir nosso serviço quando pode ser benéfico. Quando os estagiários do DJ
contatam o assistido, eles oferecem o atendimento psicológico do LEFE, e, conforme interesse, eles nos
encaminham o caso. Isso faz com que tenhamos também experiência com questões jurídicas, além da própria
prática psicológica em si. Os casos mais comuns do DJ que solicitam o auxílio do LEFE são majoritariamente
de violência, principalmente doméstica, mas também de maus tratos e de abandono. Também costumamos
atender pessoas com sofrimento psíquico grave, em cujo delírio há uma demanda jurídica, por isso procuram
o DJ. Além disso, há casos de ações contra a USP ou outras instituições com relação à matrícula,
desentendimentos em comunidades, problemas de condomínio ou de vizinhança, ações trabalhistas e processos
de pensão alimentícia.
Resumo da mesa
A mesa-redonda é composta por docentes do curso de psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do
Norte – UFRN que, atuando em campos diversos, têm entre os fundamentos de seu saber-fazer, a perspectiva
fenomenológico-existencial. Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty fundamentam o trabalho desenvolvido, em
atividades de pesquisa, ensino e extensão. Em uma época marcada por processos formativos pautados na
técnica, em seu sentido moderno, o grupo de docentes segue por rotas alternativas, trazendo uma perspectiva
de produção pautada na ideia de techne. Desta forma, fomenta no cenário acadêmico questionamentos acerca
dos modos de ser contemporâneos, enfocando temáticas existenciais. Objetiva-se compartilhar reflexões e
experiências que têm por cena uma instituição de ensino na qual a perspectiva em foco tem forte presença na
formação em psicologia.
Resumo da mesa
A presente mesa apresenta as reflexões que vêm sendo desenvolvidas pela ABRAMD-Fenomenologia, grupo
de profissionais que trabalham e pesquisam na área de drogas, filiado à ABRAMD-Nacional, unidos não só
pela perspectiva fenomenológica, mas fundamentalmente, pela vertente antiproibicionista. A mesa está
dividida em três apresentações, a primeira, versa sobre a temporalidade e os desdobramentos na compreensão
do uso de drogas.; a segunda, consiste em apresentar o tema do uso de drogas e pensamento decolonial e, e a
terceira, discute sobre reflexões existencialistas e o desamparo ético-político na contemporaneidade. Não
obstante, sem desconsiderar a singularidade de cada apresentação e sua contribuição para a melhor
compreensão do fenômeno do uso de drogas, o mais importante é ressaltar que as três falas convergem para
uma mesma direção: a urgência do total rompimento com as atuais políticas de drogas. A Fenomenologia tem
a obrigação ética-política de desvelar o fracasso total da famigerada “Guerra às drogas”. Afinal, não existe
guerra às drogas, mas sim, guerra às pessoas, o que no Brasil significa guerra a uma população específica: as
pessoas pobres e negras.
Pensar sobre o uso de drogas é pensar sobre a condição humana. Porém, nos últimos 100 anos, via a vigência
da postura proibicionista, o que presenciamos foi justamente a tentativa de obscurecimento desse fenômeno.
Forçoso é admitir que o uso de drogas é entendido no nosso tempo como uma fraqueza humana, como um
desvio de caráter, como uma doença química, enfim, como algo que a todo custo deve ser eliminado. Esse
sentido sustenta as políticas proibicionistas que, além de serem ineficazes, provocam mais danos (morte) à
sociedade do que o próprio consumo de drogas. O pensamento fenomenológico de Martin Heidegger, tanto
em sua primeira fase quanto a segunda, descortina o fenômeno humano a partir de outras condições
ontológicas, rompe com a noção de natureza humana, abre um caminho radical para a psicologia; o fenômeno
humano compreendido na sua temporalização. A partir da fenomenologia-hermenêutica heideggeriana é
possível compreender o uso de drogas na sua dimensão temporal, o que marca a singularidade dessa
experiência. O uso de drogas é agora entendido como um possível, como uma possibilidade vinculada à própria
vulnerabilidade do existir humano, ou seja, ao fundamento da nulidade do “ser” do ser humano. A
temporalização do existir humano afinado pelas tonalidades afetivas abre os modos de ser no mundo, abre a
tarefa intransferível de ter que cuidar do próprio ser. Onticamente, como o uso de drogas se relaciona com o
fundamento temporal do nosso existir? Nessa direção, torna-se evidente a impossibilidade de extinguir o
fenômeno de uso de drogas no nosso mundo, já que para isso acontecer teríamos que mudar a própria condição
humana. Torna-se fundamental aproximar o pensamento fenomenológico com a postura de Redução de Danos,
revisitando todas as possibilidades de trabalhos de prevenção como os projetos terapêuticos.
O presente trabalho busca elaborar uma compreensão crítica sobre o fenômeno do uso de drogas, e do uso
problemático de drogas em particular, na contemporaneidade através das reflexões fenomenológico-
hermenêuticas de Martin Heidegger, Enrique Dussel e Nelson Maldonado-Torres, considerando a dimensão
do desamparo ético-político decorrente da violência institucional do Estado quanto da nova pandemia da
coronavírus e os conflitos dela derivados. Para isso alia-se uma crítica da Modernidade tanto pela reificação
da existência dela decorrente, tal como apontado por Heidegger, quanto pela sua vinculação ao projeto colonial
de dominação e silenciamento dos povos não-europeus como apontado por Dussel e Maldonado-Torres. Assim
considera-se uma reflexão histórica sobre as drogas, o paradigma Proibicionista e a Guerra às Drogas tendo
em vista um arco histórico mais amplo vinculado a Modernidade e a Colonialidade, sua face oculta. Pretende-
se com isso indagar se o sustentáculo do proibicionismo nos processos de moralização,
medicalização/patologização e criminalização das drogas ancora-se em um processo mais amplo de violência
epistêmica, marcado pela dominação ideológica europeia, negando a contribuição de saberes oriundos de
outras matrizes epistemológicas dentro das políticas de drogas. Na mesma direção, discute-se como a Guerra
às Drogas reproduz opressões de gênero, raça e classe, operando uma seletividade penal de seus alvos em
plano local, e uma seletiva repressão do tráfico em plano internacional. Tal efeito, portanto, aproxima-se
daquilo que Frantz Fanon indicou com a produção de zonas de “não-ser”, consideradas por Maldonado-Torres
fundamentais para uma compreensão adequada da existência dos povos do Sul Global, marcada por aquilo que
ele denomina Colonialidade do Ser. Por fim, indaga-se como a pandemia do novo coronavírus tem articulando-
se com estes processos e seus possíveis desdobramentos, considerando tanto os avanços da pauta proibicionista
em determinados contextos, quando do aumento do sofrimento psíquico e de sua possível medicalização
associada ao consumo de psicotrópicos.
Sartre discute na biografia sobre Flaubert, intitulada de “O idiota da família”, o conceito de “neurose objetiva”.
O existencialista reflete ali o quanto certas respostas patológicas são condições de possibilidades vivenciadas
para certos sujeitos no enfrentamento de um dado momento histórico. Por isso, conforme a época, são certas
psicopatologias que predominam. No final do século XIX, com a racionalidade moralizadora e a repressão
sexual, a questão predominante da histeria; em tempos de transformação do mundo do trabalho e das exigências
do ritmo da produção, o predomínio de quadros de burnout e suicídio relacionados ao trabalho; em território
urbanos dominados pela violência e insegurança, o desenvolvimento de quadros de transtorno do pânico e
estresse pós-traumático; em contextos de exclusão social e miserabilidade da existência humana a escolha pela
embriaguez, entorpecimento e intensidade das vivencias do instante produzidas pelo uso de drogas. A
contemporaneidade vem sendo uma condição geradora de desamparo, já que vivemos em uma sociedade do
consumo, baseada na exigência do imediatismo, da volatilidade das relações, das exigências de produtivismo
exacerbado, nas disputas de poder, na produção de exclusões sociais e construção de relações baseadas na
intolerância e no ódio. Neste sentido, o abuso de drogas é uma resposta que “se encaixa como uma luva” a
esses condicionantes temporais hodiernos, já que a droga absorve a pessoa na intensidade de seus efeitos,
mergulhando-a na instantaneização das vivências prazerosas e no corte com as exigências futuras, oferecendo
uma resposta química aos condicionantes sociológicos. A questão é que os efeitos cessam rápido e logo
necessita-se a próxima dose, dinâmica que levará ao ciclo vicioso, dominado pelas experiências de compulsão
e tolerância. Com isso, fica claro, que as condições epocais se dizem através das psicopatologias. O espírito
objetivo nada mais é do que a cultura como prático-inerte, ou seja, a totalidade dos imperativos impostos ao
homem desta ou daquela sociedade numa determinada data. Sartre questiona como estabelecer a relação entre
estes dois tipos de condicionamento, ao mesmo tempo, singular e universal? Um sofrimento psíquico pode, ao
mesmo tempo, valer-se das antinomias sociais e dar-se como saída individual? É exatamente essa dialética que
vamos trazer para discutir a complexidade dos problemas relacionados ao uso de drogas.
Resumo da mesa
A pandemia da COVID-19 mobilizou diversas mudanças na rotina de todos, seja pessoal, seja
profissionalmente. Para as mulheres, restringir-se ao espaço doméstico tem requerido manejo e reorganização
de limites entre a vida familiar e a vida profissional, uma vez que, no horizonte histórico em que vivemos, os
papeis delegados a homens e mulheres ainda se mostra bem desigual, com destaque especial aqueles papeis
que envolvem a administração de uma casa e de uma família. As obrigações domésticas e os cuidados com os
filhos costumam ser delegados às mães e, na medida em que a família precisou ficar restrita aos limites da
privacidade do lar, as mulheres precisaram de jogo de cintura para administrar todas as mudanças domésticas
e, ao mesmo tempo, reajustar-se em suas demandas profissionais para se adaptar ao modelo de trabalho remoto.
Nesta mesa institucional, as provocações giram em torno das mulheres e suas experiências, seja a partir de
reflexões de psicólogas com a prática dos atendimentos remotos, discutindo seus limites e possibilidades, seja
a partir de provocações a respeito do aumento da violência doméstica contra mulheres e a desproteção que as
medidas sanitárias lhe impuseram.
O mundo foi impactado radicalmente com a pandemia da COVID-19. No Brasil, vivemos além da crise
sanitária, uma crise política e social, contexto este que repercute intensa e negativamente na saúde da
população. A morte tem sido contabilizada com números alarmantes e a falta de perspectivas de resolução ou
saídas dessa problemática tem contribuído para fortes sentimentos de angústia e ansiedade. Neste trabalho,
apontamos alguns efeitos desse tempo no âmbito do ensino superior, o qual precisou inaugurar um modo
remoto de funcionamento em todos os níveis, desde o processo formativo ao assistencial. No âmbito da atenção
aos estudantes, oferecemos um espaço de escuta aos universitários através de plantão psicológico on-line.
Realizamos a leitura dessa experiência sob a ótica da hermenêutica heideggeriana e apontamos alguns achados
a respeito dos limites e possibilidades do atendimento on-line, bem como da fundamental importância de se
disponibilizar meios para enfrentamento de tensões e dores provenientes desse tempo. Evidenciamos o quanto
o cenário pandêmico pode favorecer tanto o surgimento quanto o agravamento de expressões de sofrimento,
convidando a Psicologia a se reinventar. Foi preciso enfrentar dificuldades, não só no âmbito do uso da
tecnologia, mas também nas limitações com práticas de atendimento on-line, o que gerou questionamentos e
desconstruções quanto ao que já houvera consolidado no que se refere ao saber-fazer, tendo que se abrir para
práticas efetivas de cuidado por meio do ambiente virtual. O plantão psicológico, agora na modalidade on-line
se mostrou, uma vez mais, como uma ação clínica atual e comprometida com o que podemos chamar de uma
existência em trânsito, já que o mundo e com ele o seu movimento epocal e histórico nos constitui e atravessa
o sofrimento em cada momento em que se manifesta. Tivemos acesso ao sofrimento particular e a dificuldades
características da ruptura da cotidianidade com o necessário distanciamento social imposto pela pandemia.
Ressaltamos a importância de mais pesquisas nessa esfera a fim de que práticas clínicas possam pensar a
respeito da escuta do sofrimento a partir da consideração do cenário histórico e suas implicações nos modos
atuais de ser e sofrer.
Ao longo da história Ocidental, a maternidade foi se configurando como uma das principais possibilidades
existenciais apresentadas e assumidas pelas mulheres. A gestação tem especial destaque em sua existência
havendo a naturalização de que a gravidez eleva a mulher a uma condição quase divina. Espera-se dela
comportamentos que indiquem uma dedicação total e abdicação de suas necessidades em prol dos filhos, além
da subordinação de quaisquer outras possibilidades existenciais à maternidade. Quando uma mulher entrega
um bebê em adoção ela quebra a tida “ordem natural”, causando o estranhamento que a angústia dá a ver
quando um acontecimento questiona a atitude natural com a qual convivemos cotidianamente. A entrega de
um bebê em adoção logo após seu nascimento já é descrito em lei como possível, Porém, o olhar lançado à
mulher que decide não assumir o lugar de mãe de uma criança a quem gerou e comentário como “mãe
desnaturada” se mostra frequente. Através de comportamentos condenatórios ou diagnósticos que questionam
sua condição de saúde mental, profissionais que assistem essa mulher reafirmam o lugar sagrado e natural na
maternidade. São atitudes que se apresentam como restritivas das condições existenciais da mulher à
maternidade. No atendimento a essas mulheres percebemos o quanto é difícil assumir tal decisão, sendo a culpa
e o medo da condenação social aspectos descritos por elas continuamente. A atuação da equipe técnica do
judiciário potiguar em casos de entrega de bebês pelas genitoras se faz a partir do espaço de escuta, acolhendo
o sofrimento dessas mulheres frente a decisão de abrir mão da condição sacralizada que se apoderou de si pelo
fato de ter engravidado. A pandemia da COVID-19 e as recomendações para se evitar o contato presencial,
especialmente no período inicial da pandemia, impôs mudanças na condução do atendimento prestado. Neste
trabalho, apresentamos a experiência de acompanhamento de uma mulher que decidiu entregar o bebê que
havia gestado para que fosse adotado. O acompanhamento aconteceu de forma remota, a partir de contatos
telefônicos e mensagens de texto e apenas um momento presencial, ocorrido por ocasião da audiência judicial
e entrega do bebê. Buscamos lançar luz sobre as possibilidades e os limites do atendimento psicológico remoto
em situações de tomada de decisão que envolve questões legais, especialmente considerando a pressão do
tempo jurídico e a necessidade do acolhimento e do espaço afetivo para que a mulher possa refletir sobre a
decisão e suas possíveis consequências. Também objetiva apresentar uma possibilidade de prática psicológica
no âmbito jurídico sob a perspectiva fenomenológica heideggeriana.
O aumento das demandas do cuidado, diminuição na produção científica e acadêmica, menor índice de
participação no mercado de trabalho nos últimos 30 anos, são alguns dos desdobramentos da atual pandemia
do COVID-19 para as mulheres. Na tentativa de combate ao vírus, uma das primeiras medidas de orientação
à população foi ficar em casa. No entanto, esse cenário encurralou as mulheres em situação de violência
doméstica, já que o principal local onde as agressões ocorrem é dentro de suas próprias casas. Os esforços de
combate ao vírus e a violência doméstica, no Brasil, estão aquém da sua gravidade, mas, as medidas que ainda
existem reproduzem, muitas vezes, as desigualdades sociais, raciais e de gênero, presentes no nosso horizonte
histórico. Dessa forma, esse trabalho tem como objetivo discutir, a luz da fenomenologia existencial, como as
medidas que visam proteger a vida das mulheres, não atendem ao que se propõem e podem servir como
recursos de restrição e diminuição de possibilidades para as mesmas. Antes da pandemia, um dos pilares da
política de enfrentamento a violência doméstica consistia no abrigamento de mulheres em casas gerenciadas
pelos programas de proteção governamentais, onde as mulheres ficavam apartadas de seus contextos de
origem. Dessa forma, na tentativa de proteger as mulheres a guardamos, como um objeto, uma coisa. Um
vegetal também tem vida, e reduzir as medidas de combate da pandemia e da violência doméstica a esse critério
é igualar a mulher ao status de coisa, pois, não acabamos com este fenômeno apenas mantendo as mulheres
vivas. A contribuição que a fenomenologia-existencial traz para esta discussão é colocar em destaque o ser do
homem, o dasein, que se constitui no e pelo mundo, como abertura, sendo assim, observa-se a necessidade de
preservar a vida objetiva das mulheres, sem perder de vista que suas possibilidades existenciais que continuam
ameaçadas e restritas. Para isso, a noção de proteção não pode ser vinculada a estar dentro ou fora de casa,
mas, em garantir condições de vida existenciais e isso não ocorre sem de fato mexer nas estruturas que criam
e agravam o contexto de violência. As medidas que escolhem reabrir os bares e restaurantes antes das escolas
são exemplos de como as decisões de manter as mulheres em casa não são genuinamente uma preocupação
com as suas vidas, mas que inclusive ajudam na manutenção das desigualdades de oportunidades e condições
de vida.
A prática clínica na perspectiva fenomenológico-existencial tem como lócus primordial de acesso aos
fenômenos a própria existência. Enquanto ser-no-mundo, o homem está, desde sempre, inserido num horizonte
de sentido das coisas, numa pré-compreensão daquilo que vem ao seu encontro no mundo. Nesse modo de
pensar, os “problemas” psicológicos não se referem a um psiquismo, mas sim as condições concretas da
existência, ou seja, se referem a relação ser-aí/mundo. É na própria abertura de ser-no-mundo e em sua
facticidade que o homem se reconhece, se identifica, pensa, sonha e sofre. A prática clínica consiste em
acompanhar o próprio movimento da existência de modo a se aproximar das identificações restritivas que
imprimem uma experiência de sofrimento. A partir da fala/escuta compreensiva busca tematizar o modo como
o outro cuida da sua existência, relembrando-o da sua condição de poder-ser. Considerando que a prática
clínica nesta perspectiva não parte de uma postura técnica/explicativa como acontece a supervisão? E em
tempos de pandemia, quais desafios foram impostos a prática clínica e ao seu ensino? É com essas inquietações
que buscamos tecer reflexões sobre o ensino da prática clínica no contexto de pandemia. A supervisão clínica
de modo geral é compreendida como uma espécie de treinamento técnico para a condução dos casos clínicos.
Todavia, a prática clínica fenomenológico-existencial não é tomada em sua mera aplicabilidade. Não parte de
um método interventivo. Considerando que a ação clínica é uma postura/atitude de disponibilidade para escutar
aquele que sofre, cabe a supervisão cuidar dessa atitude. A supervisão é o espaço de abertura para que o
psicólogo fale da sua própria afetação com o paciente. O olhar do supervisor não é para o paciente, mas para
a relação psicólogo/paciente. É a partir dessa relação que é possível tecer uma compreensão do paciente. O
psicólogo é convocado a se abrir para a incerteza do clinicar e para a imprevisibilidade do existir. Dada a
vulnerabilidade da vida, fomos surpreendidos por uma pandemia que nos exigiu mudanças extremas. De
repente passamos a ter uma rotina e cotidiano diferentes, um novo modo de lidar com o tempo, o espaço e os
outros, como também abriu a possibilidade do adoecer e do morrer. Do mesmo modo a prática clínica precisou
se reinventar, exigiu dos profissionais flexibilidade para manter os serviços mesmo à distância. Passamos a
habitar o espaço virtual e com isso muitos desafios se impuseram: Como oferecer atendimento on-line? Como
ensinar uma prática tão pouco conhecida? Em um ano de pandemia ainda não temos respostas, nos adaptamos
por força maior e a experiência nos revelou que esta é uma prática possível e importante para o acolhimento
das pessoas nesse momento de crise, mostrando que a ação clínica se faz na abertura aos próprios
acontecimentos e a supervisão se apresenta como espaço de problematização da prática e de cuidado com o
clínico.
Resumo da mesa
Com a finalidade de apresentar os achados das pesquisas de mestrandas e doutorandos do Programa de Pós-
Graduação de Psicologia Clínica da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP) serão discutidos nesta
mesa o fenômeno do pôr fim à vida, em diferentes perspectivas. Para tanto, foram tecidas compreensões a
partir das experiências de professores universitários e companheiros de cônjuges que apresentaram ideações
e/ou tentativas de pôr fim à vida; de pacientes que buscam psicoterapia pelas mesmas demandas; e ainda o
relato de experiência de um enlutado por suicídio. O caminho metódico adotado foi o da Fenomenologia
Hermenêutica de Heidegger e a Hermenêutica Filosófica de Gadamer, tendo como recursos para a produção
de dados as entrevistas narrativas e o diário de campo. As entrevistas foram realizadas tanto em plataforma
digital como presencial, de acordo com a disponibilidade dos colaboradores de pesquisa, nos estados do Piauí,
Rio Grande do Norte e Pernambuco. Dessa forma, compreende-se que os estudos do fenômeno do pôr fim à
vida podem contribuir para um outro modo de pensar o cuidado para além dos imperativos da técnica moderna.
Normas e orientações têm sido instituídas na tentativa de prevenir o suicídio, sendo os cônjuges e outros
membros da sociedade convocados a assumirem o lugar de previsão e controle dos “impulsos suicidas”, com
base em sintomas e perfis estatísticos. Essas medidas protocolares são muitas vezes ofertadas sem que haja a
possibilidade de compreensão e a elaboração da experiência vivida, por parte daquele que busca ou deseja a
morte. A presente discussão tem por objetivo compartilhar algumas compreensões tecidas na dissertação de
mestrado de uma das autoras, construída a partir do diálogo entre: narrativas de cônjuges que vivem em tal
contexto; teóricos da temática em questão; diários de bordo da pesquisadora e imagens que a interpelaram ao
fim de cada entrevista. As trilhas percorridas apontam para uma conjuntura propícia à lida do “suicida”, na
forma do cuidado substitutivo, na medida em que se estabelece, ao longo da história, um lugar de
deslegitimação e silenciamento dos possíveis desejos de pôr fim à vida. O lugar de atenção para evitar o que
poderia indicar um possível “ato suicida”, para então evitá-lo, sustenta-se em um modo técnico de
desocultamento dos fenômenos humanos, na medida em que nos relacionamos apenas com “perfis suicidas” e
não mais com a experiência singular. Essa tentativa de previsibilidade daquilo que se dá na dimensão
existencial, posiciona os cônjuges enquanto aqueles que devem salvar o outro ou ainda, como ineficientes
quando falham na execução de tal função. Tais modos pré-instituídos de ser cônjuge apresentam semelhanças
com os aspectos herdados do ideal romântico do amor. Em meio às modificações nas configurações das
relações amorosas, o modo do desencobrimento dos vínculos conjugais, preponderante nos dias atuais, parece
ser o do uso de tudo e de todos, vistos como fundo de reserva, dentro de uma lógica utilidade, manipulação e
exploração. Verdadeiros passatempos em uma sociedade entediada, que cultiva as relações de cuidado de si e
do outros, no modo do (des)cuido. Diante de tal horizonte, abre-se uma reflexão acerca dos modos de cuidado
e a possibilidade da quebra das “identidades” encouraçadas que podem aprisionar o ser-aí em situações de
sofrimento. Nesse contexto, a dimensão dialógico-hermenêutica aponta para a possibilidade de que os cônjuges
possam assumir-se enquanto cuidado que são, em uma atitude de pré-ocupação antecipadora, podendo pôr-se
constantemente em jogo, encaminhando-se para novos horizontes possíveis de sentido.
O fenômeno do pôr fim à vida, considerado um problema de saúde pública, atinge diferentes classes sociais,
gêneros e faixas etárias. Em cada momento da história tem assumido diferentes concepções, de acordo com a
moral e ética vigentes em cada época. Na contemporaneidade, muitas vezes, é associado aos transtornos
mentais, com ênfase em determinações positivistas e causalistas, na busca de explicar e prevenir a decisão de
quem pensa ou decide dar cabo à vida. Este trabalho apresenta um recorte da tese de doutorado de uma das
autoras que tem por objetivo compreender a experiência de professores universitários com ideações e tentativas
de pôr fim à vida. Os recursos utilizados na produção de dados foram duas entrevistas narrativas e o diário de
campo para compreender as narrativas dos colaboradores de pesquisa, a partir das ressonâncias da
Hermenêutica Filosófica de Gadamer. Realizou-se uma entrevista com um professor com ideação e outra com
uma professora com três tentativas de pôr fim à vida. As narrativas revelavam como a temática ainda é tabu
entre os pares e familiares. O pôr fim à vida é visto por um dos entrevistados como um meio de aplacar uma
dor. “Nenhuma das vezes eu pensei que era porque não queria viver. Eu tava sentindo dor, e as dores pareciam
que não tinham fim”. Já no caso da ideação, o professor utiliza figuras mentais, por exemplo, um precipício
como modo de avaliar o risco do ato. “O outro lado é um vazio em mim, como se fosse um precipício mesmo,
dá muito medo chegar ali. Tive muito medo de chegar ali. Eu imagino que ali é como se fosse o final de minha
vida, alguma coisa assim, quando eu quis me suicidar”. Para os entrevistados, o pôr fim à vida é uma
possibilidade que tentam deixar distantes. O professor afirmou ter um “exército de guerreiros” - família,
amigos e terapeuta - que o ajudam a manter distância do precipício. A docente, ao tematizar o pôr fim à vida
referiu-se a dificuldade em atender às solicitações do trabalho “Eu não conseguia dá resposta ao trabalho que
achava que tinha que ser dada ... e quanto mais eu exigia mais eu afundava”. Como é habitar em uma morada
que convoca ao pensamento calculante e desvela tudo como fundo de reserva - prevê, manipula e controla?
Como é fazer parte de uma sociedade que exige a melhor performance nos diferentes papéis? Como o professor
universitário é afetado diante das cobranças institucionais, governamentais e na relação com seus pares e
alunos? Como é ser professor em tempos sombrios?
Palavras-chaves: Professores; Pôr fim à vida; Ideação suicida; Tentativas de pôr fim à vida.
O suicídio é um fenômeno que nos últimos anos tem despertado a atenção das mais diversas áreas do
conhecimento. Diante da amplitude dos casos de suicídio no mundo, que alcançou um quantitativo de 800 mil
mortes por ano, observa-se uma mobilização de organizações e categorias profissionais, para a produção de
explicações e a criação de estratégias e serviços que possam, tanto responder aos questionamentos que
emergem com o fenômeno, como, auxiliar em sua prevenção. O psicólogo, articulado em seu campo de saber,
tem sido convocado a agir e a ofertar cuidado àqueles que pensam e/ou tentam pôr fim à vida. A psicoterapia,
é uma das práticas psicológicas, frequentemente, apontada como este espaço em que se destina a acompanhar
pacientes com essa demanda. Frente a isso, este estudo tem como objetivo geral compreender as possíveis
ressonâncias da psicoterapia em pacientes que procuraram esse atendimento, diante de ideações ou de
tentativas de pôr fim à vida. Trata-se de uma pesquisa qualitativa que privilegia a orientação fenomenológica
hermenêutica como caminho metódico. A pesquisa foi realizada na cidade de Teresina – PI, com a participação
de quatro mulheres que pensaram e/ou tentaram pôr fim à vida e buscaram a psicoterapia por esse motivo. Os
recursos utilizados na produção dos dados foram a entrevista narrativa e o diário de campo. As narrativas das
colaboradoras e da pesquisadora, foram compreendidas a partir das ressonâncias da Hermenêutica Filosófica
de Gadamer, que nos ilumina o caminho de como se dá a convers(ação) e o acontecer do jogo compreensivo.
Nesta empreitada, foi possível acompanhar o emergir de fios narrativos que colocam em questão como a dor
de uma existência esvaziada de sentidos, e que beira a decisão de pôr fim à vida, é compreendida e cuidada na
cotidianidade. Os diagnósticos e a medicalização desvelam-se como normatizações que, ao explicarem e
provocarem o entorpecimento da dor, não acolhem a dimensão existencial. A psicoterapia apresentou-se como
um modo de cuidado que se abre para o acolhimento e tensionamento da questão entre o viver e o morrer,
possibilitando um acompanhar dos sentidos que estão em jogo nessa (in)decisão. Ademais, cabe
questionarmos, diante de alguns apontamentos acerca das intervenções e do que é esperado em relação a
psicoterapia, como a ação clínica tem coadunado com a ideia de prevenção ao suicídio vigente na sociedade?
E ainda, como isso pode repercutir no modo como o paciente sente-se cuidado?