Estatuto Processual Do Arguido
Estatuto Processual Do Arguido
Estatuto Processual Do Arguido
A partir do momento da sua constituição como arguido, este adquire uma posição e um
estatuto processual especial, com regulação nos artigos 57.º e ss.. Pode dizer-se que a
especialidade do estatuto do arguido decorre do facto de ele não ser hoje considerado apenas
como objeto do processo e da prova, mas como um verdadeiro sujeito processual autónomo.
Em função deste especial estatuto, assiste ao arguido um conjunto de direitos e deveres, dos
quais o artigo 61.º contém um elenco (não exaustivo).
Aquele que é mais vezes invocado a propósito da temática das “conversas informais” é o
direito ao silêncio do arguido. Aliás, a maioria da jurisprudência sobre esta matéria trata
casos em que o arguido se remete ao silêncio na audiência, exercendo assim o direito
legalmente consagrado no artigo 61.º, n.º 1, alínea d) e amplamente reafirmado para a
audiência de julgamento nos artigos 343.º, n.º 1, e 345.º, n.º 1. Com efeito, quando é chamado
para prestar declarações (em interrogatório, perante OPC ou autoridades judiciárias, ou em
audiência de julgamento, perante o juiz), o arguido pode sempre optar por “não responder a
perguntas (…) sobre os factos que lhe forem imputados e sobre o conteúdo das declarações
que acerca deles prestar” (artigo 61.º, n.º 1, alínea d)).
Afirma SANTOS CABRAL que este direito não gera “o efeito negativo de obstaculizar
qualquer depoimento sobre o que o mesmo referiu anteriormente”, pois tal “não tem
fundamento legal e colide com o princípio da legalidade da prova a que alude o artigo 125º
do Código de Processo Penal”1.
O silêncio não pode ser objeto de qualquer valoração, não podendo o arguido ser prejudicado
por ter exercido um seu direito. Como se diz no Acórdão do STJ, de 11.07.2001, “o silêncio
não pode ter (…) significado, pois em direito, como princípio, o silêncio não tem o valor de
sim (quem cala consente), de não ou talvez, é mesmo a ausência de declaração” 2. Noutras
palavras, “o silêncio não pode, segundo a lei, implicar consequências desfavoráveis para
quem o invoca, ou seja, o silêncio não é valorável e, como tal, não pode ser sujeito ao
princípio da livre apreciação da prova”3.
1
GASPAR, ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUES, JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS
CABRAL, EDUARDO MAIA COSTA, ANTÓNIO JORGE DE OLIVEIRA MENDES, ANTÓNIO PEREIRA
MADEIRA, ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA, Código de Processo Penal Comentado, Almedina,
Coimbra, 2014, p. 489; Acórdão do STJ, de 27.06.2012.
2
Acórdão do STJ, de 11.07.2001, in CJ (STJ), Ano IX, Tomo III, p. 169.
3
SOFIA SARAIVA DE MENEZES, “O direito ao silêncio: a verdade por detrás do mito”, in Prova
Criminal e Direito de defesa – Estudos sobre Teoria da Prova e Garantias de Defesa em Processo Penal ,
Almedina, Coimbra, 2010, p. 129.
Um princípio que decorre do direito ao silêncio é o nemo tenetur se ipsum accusare4 ou
privilégio contra a autoincriminação: para impossibilitar que sejam utilizados contra um
indivíduo elementos com que ele próprio tenha contribuído, existe o princípio de que
ninguém pode ser obrigado a produzir uma declaração autoincriminatória. Porém, aceita-se
hoje pacificamente que tal não implica que ele tenha um direito a mentir ou à mentira. Com
efeito, como afirma CASTANHEIRA NEVES, “o que (…) ninguém hoje exige (…),
superadas (…) as atitudes degradantes do processo inquisitório (a recusar ao réu a qualidade
de sujeito do processo e a vêlo apenas como meio e objecto de investigação), é o heroísmo de
dizer a verdade auto-incriminadora”5. Apesar de o princípio nemo tenetur se ipsum accusare
não ter expressa previsão na CRP nem no CPP, aceita-se a sua vigência no direito processual
penal português enquanto princípio não escrito.
Diz COSTA ANDRADE quanto à extensão do direito ao silêncio e do princípio nemo tenetur
se ipsum accusare, que “não é tanto o reconhecimento do princípio nemo tenetur quanto e
sobretudo a definição da sua compreensão e alcance, sc., a precisa demarcação da respectiva
área de tutela que suscita dificuldades”6. Com efeito, existem situações de fronteira em que
pode haver uma colisão entre a realização de diligências probatórias e o direito ao silêncio,
casos que têm sido abordados pela doutrina. “Cabe então questionarmo-nos se o direito ao
silêncio e à não auto-incriminação têm como objecto apenas as declarações do arguido ou se
têm um âmbito tão amplo que permita a recusa à sujeição às diligências de obtenção da
prova”7.
A este propósito, é relevante referir os artigos 61.º, n.º 3, al. d), e 172.º, n.º 1. Impõe o
primeiro ao arguido um dever de sujeição “a diligências de prova e a medidas de coacção e
garantia patrimonial especificadas na lei e ordenadas e efectuadas por entidade competente”.
O segundo dispõe o seguinte: “se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame
devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da
autoridade judiciária competente”.
4
“Ninguém é obrigado a acusar-se a si próprio”.
5
ANTÓNIO CASTANHEIRA NEVES, Sumários de processo criminal, Coimbra Editora, Coimbra,
1968, pp. 175-176.
6
MANUEL DA COSTA ANDRADE, Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, p. 127.
7
SOFIA SARAIVA DE MENEZES, “O direito ao silêncio: a verdade por detrás do mito”, pp. 133-
134.
artigo 61.º, n.º 3, al. d), no sentido de que apenas será exigível a sujeição do arguido a
diligências de prova, mas não a sua colaboração ativa.
Em favor da posição contrária, ressalta desde logo a falta de base legal para tal extensão. Por
outro lado, note-se ainda que o artigo 60.º impõe expressamente que os direitos e deveres do
arguido não prejudiquem as diligências probatórias. Assim, existe uma obrigação de sujeição
a diligências, nos termos dos artigos 61.º, n.º 3, al. d), e 172.º, n.º 1.
Só podendo haver uma condenação com prova de culpa, surge, como corolário dos princípios
da presunção de inocência e da culpa, o princípio in dubio pro reo10. Como o arguido se
presume inocente até ao trânsito em julgado de uma decisão condenatória, qualquer dúvida
sobre os factos que alegadamente provem a responsabilidade criminal do arguido só pode
servir para reforçar esse seu estatuto de inocente, e não uma eventual condenação. Isto é, se
existirem dúvidas, estas não poderão prejudicar o arguido, apenas beneficiá-lo. Assim, não se
trata de um princípio de obtenção, produção, apreciação ou valoração da prova, mas sim de
um princípio que intervém somente no caso de persistirem dúvidas sobre a prova depois de
terminada a sua produção. A prova não tem, portanto, de ser valorada de forma favorável ao
8
AUGUSTO SILVA DIAS E VÂNIA COSTA RAMOS, O Direito à Não Auto-Inculpação (…), p. 23.
9
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Aulas de Direito Processual Penal Especial,
Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 23.04.2012.
10
“Na dúvida, a favor do réu”.
arguido, devendo ser produzida independentemente deste princípio, de acordo com o
princípio da investigação ou da busca da verdade material11.
É nos artigos 356.º e 357.º que surge a única restrição imposta aos OPC quanto ao conteúdo
dos seus depoimentos: “Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja
leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem
participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo
daquelas” (artigo 356.º, n.º 7, aplicável às declarações do arguido, por remissão do artigo
357.º, n.º 3).
Afirma CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA que esta norma determina como exigências de
“eficácia probatória (mesmo que relativa)”15 das declarações do arguido a oralidade e o
respeito pelos requisitos legalmente impostos.
11
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Aulas de Direito Processual Penal, Lisboa,
Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 11.11.2010.
12
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações (…)”, p. 404.
13
Ac. do TC n.º 1052/96, de 11.07.1996, Processo n.º 321/96, DR, II Série, n.º 297, de 24.12.1996, pp.
17720 e ss..
14
Ac. do TC n.º 1052/96, de 11.07.1996, p. 17723.
15
CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, “Depoimento indirecto e arguido”, p. 177.
A propósito da ratio desta mesma disposição, defendem DAMIÃO DA CUNHA16 e os
MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO JUDICIAL DO PORTO 17
tratar-se de prevenir a fraude à lei que sucederia se o tribunal, impedido de se debruçar sobre
declarações de leitura proibida, fizesse valer em audiência declarações cuja leitura não era
permitida. Sobre a mesma norma, diz VINÍCIO RIBEIRO que se esta não estivesse
consagrada se poderia “deixar entrar pela janela o que se quis evitar que entrasse pela
porta”18, expressão coloquial que também surge recorrentemente na jurisprudência19.
Analisando a letra da lei, verifica-se, em primeira linha, que a disposição se aplicará a casos
em que tenham sido prestadas declarações em sentido formal (declarações do arguido
enquanto meio de prova, prestadas segundo o disposto nos artigos 140.º e ss. e 343.º e ss., e
portanto reduzidas a escrito), pois só declarações que estejam reduzidas a escrito poderão
estar sujeitas a uma proibição de leitura. Assim, à partida, não se encontram incluídas no
âmbito desta proibição as ditas “conversas informais” que não sejam reduzidas a escrito.
Neste sentido, afirma FREDERICO COSTA PINTO: “as proibições (…) têm duas limitações
(…): apenas se aplicam literalmente à prestação de declarações que ficam registadas em auto
cuja leitura não é depois permitida em audiência (…) e, em si mesma, não abrange o
conhecimento obtido em conversas ocasionais entre intervenientes processuais fora do âmbito
de uma inquirição formal”20.
16
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações (…)”, p. 423.
17
MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO JUDICIAL DO PORTO, Código de
Processo Penal,
Comentários e notas práticas, p. 894.
18
VINÍCIO A. P. RIBEIRO, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, p. 981.
19
Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do STJ, de 20.05.1992, in BMJ, n.º 417, p. 611; do TRC, de
30.11.2005; de 07.04.2010; de 29.05.2013; do TRG, de 04.06.2007; de 29.03.2011, in CJ, Ano XXXVI, Tomo
II, pp. 304 e ss.; de 11.04.2011; do TRP, de 09.11.2011.
20
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, “Depoimento indirecto, legalidade da prova e
direito de defesa”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, Volume III, Coimbra
Editora, Coimbra, 2010, p. 1048.
21
MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO JUDICIAL DO PORTO, Código de
Processo Penal,
Comentários e notas práticas, p. 899.
audiência em face do art. 357º, nº 1, salvo solicitação do arguido, e, portanto, não tendo
sequer sido reduzidas a escrito, não passam de uma “conversa informal” (…) cujo conteúdo
não pode ser reproduzido em audiência”22.
Também alguma jurisprudência se debruça sobre a letra deste artigo. Veja-se o que se diz no
Acórdão do STJ, de 27.05.1998: “o art.º 356, do CPP, não proíbe que um agente de PJ preste
depoimento em audiência de julgamento só porque interveio na investigação. A mesma
norma proíbe, sim, esse depoimento quando tal agente haja recebido declarações cuja leitura
não for permitida e, ainda nesse caso, só não pode ser inquirido sobre o conteúdo dessas
declarações”23.
Ainda em relação ao limitado âmbito de aplicação desta norma, concorda-se com MAIA
GONÇALVES quando rejeita a interpretação daquela no sentido de que os OPC não podem
ser testemunhas, defendendo que este preceito “proíbe apenas a reprodução daquelas
declarações cuja leitura não é permitida, como aí claramente se expressa e resulta do
pensamento legislativo”24. Ou seja, excluído o disposto no artigo 356.º, n.º 7, e não existindo
qualquer imposição de segredo profissional, os OPC poderão sempre, em abstrato, depor em
audiência de julgamento. Com efeito,
Em suma, diz JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS, “o artigo 356.º, n.º 7, do CPP (…) o que
proíbe é a leitura indirecta em audiência, ou seja, que o OPC (…) ao prestar depoimento se
não pode reportar (…) ao que consta de autos documentando prova testemunhal que o
22
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, p. 363.
23
Acórdão do STJ, de 27.05.1998, www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios, Criminal – Ano de 1998, p.
165.
24
MANUEL LOPES MAIA GONÇALVES, Código de Processo Penal Anotado, p. 808.
25
GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, volume II, p. 231.
26
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações (…)”, p. 423.
próprio recolheu ou em cuja recolha participou, ou seja, não pode fazer-se eco, pela sua voz,
em depoimento, daquilo que (…) escreveu como tendo sido dito por outrem”27.
Para finalizar, chame-se a atenção para o facto de a Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, ter
vindo alterar o artigo 357.º, pois, ainda que estas alterações relativas à possibilidade de usar
declarações anteriores do arguido como fonte autónoma de prova (quando respeitados os
requisitos impostos pelos artigos indicados) não se refiram a declarações prestadas perante
OPC, mas sim autoridades judiciárias, têm relevância enquanto argumento sistemático no
sentido do combate à informalidade das declarações do arguido.
Como nota FREDERICO COSTA PINTO, as referidas alterações acarretam alguns riscos,
pois não se respeitam integralmente alguns princípios centrais do nosso Processo Penal de
estrutura acusatória, tais como a imediação, a oralidade e o contraditório. O facto de o uso de
declarações anteriores do arguido em audiência de julgamento ter perdido o seu carácter
excecional pode ter o efeito de constranger o arguido, que poderá limitar a sua colaboração na
fase de inquérito28.
27
JOSÉ ANTÓNIO BARREIROS, “Depoimento policial em audiência penal. Âmbito e limites”, in
Polícia e Justiça, n.º 4, 2004, p. 22.
28
FREDERICO COSTA PINTO, “Razão e finalidade na revisão de 2013 do Código de processo
penal), in Themis, Ano 13, nº 24/25, 2013, pp. 194-199.
3. Regime do depoimento indireto
Note-se, porém, que pode dar-se o caso de uma situação cair no âmbito de aplicação dos
artigos 356.º e 357.º e 129.º em simultâneo. Neste caso, a este regime, geral, sobrepõe-se
aquele, especial, e que, portanto, “acaba por delimitar negativamente o âmbito do art. 129º do
CPP”29.
Desde logo, os casos sobre que dispõe o n.º 3 do artigo 129.º são alvo de uma proibição
absoluta de valoração30: o depoimento é prestado, mas, em função de a testemunha recusar ou
não estar em condições de indicar a fonte, o seu conteúdo não poderá ser valorado pelo
Tribunal.
Diferentemente, nas situações de impossibilidade fáctica previstas na parte final do n.º 1 (“se
a inquirição das pessoas indicadas não for possível por morte, anomalia psíquica
superveniente ou impossibilidade de serem encontradas”), existe admissibilidade automática
do depoimento31. Estas últimas configuram exceções ao previsto na primeira parte do n.º 1, a
que se pode chamar regra de permissão condicionada ou de proibição relativa de valoração 32:
“se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas determinadas, o juiz pode chamar
estas a depor. Se o não fizer, o depoimento produzido não pode, naquela parte, servir como
meio de prova”. Ou seja, em princípio, os depoimentos indiretos não podem ser tidos como
meio de prova, mas sê-lo-ão caso se chame a fonte a depor.
29
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, “Depoimento indirecto, legalidade da prova e
direito de defesa”, p. 1048.
30
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Aulas de Direito Processual Penal Especial,
Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 16.04.2012.
31
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Aulas de Direito Processual Penal Especial,
Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 16.04.2012.
32
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, Aulas de Direito Processual Penal Especial,
Lisboa, Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, 16.04.2012.
Não é unânime a doutrina em relação à condição que é necessário verificar-se para
desbloquear a referida proibição de valoração do depoimento indireto, havendo uma
separação entre uma interpretação permissiva (quem considera que aquela condição se
resume à convocação da fonte) e uma interpretação restritiva (quem exige que a fonte
compareça em audiência, que preste depoimento ou até que o conteúdo deste coincida com o
do depoimento indireto da testemunha).
A interpretação que se prefere é a permissiva, com apoio na letra da lei, que por si só parece
impor apenas que a pessoa seja chamada a depor. Com efeito, como salienta FREDERICO
COSTA PINTO, “a letra da lei não exige nem a efectividade do depoimento da fonte, nem a
confirmação da conversa mantida com a testemunhade-ouvir-dizer, nem tão pouco a
coincidência de conteúdo na descrição do facto probando” 33. Assim, apenas será necessário
chamar a fonte e esta comparecer e mostrar-se disponível para depor acerca dos factos em
causa. Desta forma, o depoimento indireto cairá na margem de livre apreciação do julgador e
ficará assegurado o respeito pelos princípios da imediação e do contraditório.
Entende FREDERICO COSTA PINTO que com a defesa de uma interpretação mais restritiva
“acaba por se reconhecer à fonte um poder de controlar, com o seu depoimento ou com a sua
recusa, a valoração da prova disponível”34.
Resumindo, o legislador parece ter querido deixar a matéria sujeita à apreciação do Tribunal
no caso concreto, e não “eleger uma solução rígida e abstracta que poderia aumentar
segurança jurídica mas estaria a afastar-se da verdade material”35.
A defesa de uma ou de outra tese tem consequências práticas. Pode acontecer, por exemplo,
que a pessoa chamada a depor invoque um regime de segredo, uma causa de recusa a depor
ou o direito ao silêncio (caso se aceite a aplicação do regime do depoimento indireto às
situações em que a fonte é um arguido). Para quem apenas exige o chamamento a juízo da
fonte, tal não afetará a valoração do depoimento indireto. Porém, para quem exige a
confirmação do conteúdo deste, como é o caso de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE,
estes casos constituirão um entrave à valoração do depoimento em causa, “sob pena de este se
33
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, “Depoimento indirecto, legalidade da prova e
direito de defesa”, p. 1059.
34
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, “Depoimento indirecto, legalidade da prova e
direito de defesa”, p. 1061.
35
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, “Depoimento indirecto, legalidade da prova e
direito de defesa”, p. 1059.
transformar num instrumento de fraude à lei, in casu, dos regimes de segredo ou recusa de
depoimento testemunhal” 36.
Outro problema que se coloca e que divide a nossa doutrina é o do alargamento das chamadas
condições de admissibilidade automática de valoração do depoimento indireto que
desbloqueiam a proibição relativa além dos casos de impossibilidade fáctica de inquirição da
fonte previstas na parte final do n.º 1 do artigo 129.º.
Diz o n.º 1 do artigo 129.º que “se o depoimento resultar do que se ouviu dizer a pessoas
determinadas, o juiz pode chamar estas a depor”. Pode acontecer que estas pessoas sejam
arguidas, colocando-se nesses casos a questão da aplicação do regime do depoimento indireto
a situações em que a fonte é o arguido, estando em causa se a valoração desses depoimentos
não contrariará o seu direito ao silêncio. Assim, como salienta o STJ, “falta demonstrar que o
36
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, p. 360.
37
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, “Depoimento indirecto, legalidade da prova e
direito de defesa”, p. 1068.
38
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, p. 360.
39
FREDERICO DE LACERDA DA COSTA PINTO, “Depoimento indirecto, legalidade da prova e
direito de defesa”, p. 1086.
artigo 129.º do Código de Processo Penal proíbe depoimento por ouvir dizer quando quem
diz é o arguido”40, sendo esta problemática discutida pela nossa jurisprudência. Porém, a
corrente doutrinária vai, na sua maioria, no sentido de apenas aceitar a aplicação deste regime
no âmbito da prova testemunhal.
Assim, DAMIÃO DA CUNHA considera que os sujeitos processuais não podem prestar
depoimentos indiretos e que não podem ser prestados depoimentos indiretos sobre o que se
oiça dizer a sujeitos processuais. Ou seja, “a testemunha-de-ouvir-dizer é, no fundo e em
princípio, uma testemunha que ouviu dizer a outra testemunha”46.
Conclui este autor a exposição da sua posição radical defendendo que “irrazoável e ilógico é
(…) alargar as margens de permissão de o Tribunal aceder ao conteúdo de declarações
40
Acórdão do STJ, de 29.03.1995, in BMJ, n.º 445, p. 297.
41
CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, “Depoimento indirecto e arguido”, p. 176.
42
VINÍCIO A. P. RIBEIRO, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, p. 982.
43
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações (…)”, p. 430.
44
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações (…)”, p. 430.
45
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações (…)”, p. 435.
46
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações (…)”, p. 438.
prestadas fora da audiência de julgamento e alargar, com isso, as situações em que são postos
em questão princípios fundamentais da estrutura da audiência de julgamento”47.
No mesmo sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE: “sendo o artigo 129.º uma norma
excepcional, ela não pode, em prejuízo do princípio constitucional da imediação, ser aplicada
analogicamente ao depoimento de uma testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido, ao
assistente e às partes civis (…). (…) acrescem, no caso de depoimento de ouvir dizer a
arguido, as limitações decorrentes do direito constitucional do arguido ao silêncio,
consagrado entre as garantias de defesa do artigo 32.º, n.º 1, da CRP”48.
Oferece apoio a esta linha de pensamento FREDERICO COSTA PINTO, defendendo que
“um conhecimento directo de um facto probando de uma parte interessada no processo (…) é
um meio legal de prova, autónomo em relação à prova testemunhal, e não pode ser
convertido numa modalidade atípica desta por via do depoimento indirecto de uma
testemunha que o refere”49.
Como bem resume SANTOS CABRAL, “por conseguinte, (…) revela-se inaplicável, quer
sob o ponto de vista jurídico quer sob o ponto de vista operativo, a admissibilidade de o
arguido funcionar como “testemunha-fonte” (…). É, assim, evidente a convergência de
conclusão sobre a inaplicabilidade do artigo 129º (…) quer se arranque do pressuposto do
direito ao silêncio, quer se apele ao estatuto do arguido e à interpretação literal do preceito”51.
32.º da CRP54.
Desde logo, o TC afasta a violação do n.º 3 do artigo 32.º da CRP, pois considera que a
exceção consagrada na parte final do n.º 1 do artigo 129.º “não retira ao arguido o direito de
escolher o seu defensor oficioso e a ser por ele assistido em todos os actos do processo”55.
53
Acórdão do TC n.º 213/94, de 02.03.1994, p. 8643.
54
Acórdão do TC n.º 213/94, de 02.03.1994, p. 8642.
55
Acórdão do TC n.º 213/94, de 02.03.1994, p. 8646.
56
Acórdão do TC n.º 213/94, de 02.03.1994, p. 8646.
57
Acórdão do TC n.º 213/94, de 02.03.1994, p. 8646.
O TC considerou a interpretação do STJ, no Acórdão do STJ, de 07.10.1992, contrária ao
disposto no n.º 1 do artigo 32.º da CRP, pois a arguida “só podia ser interrogada pela primeira
vez pelo juiz de instrução, não podendo os órgãos de polícia criminal tomar declarações dela,
visto que tal só poderia suceder nos interrogatórios subsequentes e mediante delegação do
Ministério Público ou daquele juiz (artigo 144.º, n.º 2, do CPP), sendo proibidos quaisquer
outros interrogatórios, ainda que designados como «conversas»”58. O TC apoiou-se no
argumento de que “não faria sentido que, pela via do artigo 129.º, n.º 1, se tolerasse o que
pelo artigo 356.º, n.º 7, explicitamente se proibiu”59.
58
Acórdão do TC n.º 213/94, de 02.03.1994, pp. 8646-8647.
59
Acórdão do TC n.º 213/94, de 02.03.1994, p. 8647.
60
Acórdão do TC n.º 213/94, de 02.03.1994, p. 8647.
61
Acórdão do TC n.º 440/99, de 08.07.1999, Processo n.º 268/99, DR, II Série, n.º 261, de 09.11.1999,
pp. 16874 e ss..
62
Acórdão do TC n.º 440/99, de 08.07.1999, p. 16877.
experiência”63), os devem depoimentos indiretos em causa ser valorados como meios de
prova.
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE critica aqui o TC, considerando que é feita uma
analogia “inadmissível, em face do carácter excepcional do artigo 129.º, n.os 1 e 2”66. Explica
este autor que à aplicação analógica que o TC faz está subjacente uma equiparação entre
inquirição de testemunhas e interrogatório do arguido67.
63
Acórdão do TC n.º 440/99, de 08.07.1999, p. 16878.
64
Acórdão do TC n.º 440/99, de 08.07.1999, p. 16878.
65
Acórdão do TC n.º 440/99, de 08.07.1999, p. 16878.
66
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, p. 361.
67
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, p. 361.
68
Acórdão do TC n.º 440/99, de 08.07.1999, p. 16878.
69
Acórdão do TC n.º 440/99, de 08.07.1999, p. 16878.
70
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, p. 362.
71
PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código de Processo Penal, p. 362.
Poder-se-á, assim, concluir, com SANTOS CABRAL, que “na disciplina legal do artigo 129º
é suficiente a tentativa de realização do contraditório e não é de exigir a efectiva consumação
para que o depoimento indirecto tenha potencialidade para ser valorado”72.
Alvo de grande atenção foi o mediático “caso Joana”, sobre uma menina de oito anos que
desapareceu no concelho de Portimão no dia 12 de Setembro de 2004. No
Acórdão do STJ, de 20.04.2006, aprovado com três votos a favor e dois contra, reduziram-
se as penas aplicadas à mãe e ao tio da criança, que foram condenados em co-autoria pelos
crimes de homicídio qualificado e ocultação de cadáver.
Foram prestados depoimentos indiretos cuja fonte eram os arguidos e o STJ considerou,
apoiando-se no Acórdão do TC n.º 440/99, de 08.07.1999, que a valoração dos depoimentos
feita pelo Tribunal “a quo” respeitou o princípio da livre apreciação da prova e não excedeu a
prudência, pois não terá dado como provados factos apenas com base no conteúdo destes
depoimentos, antes se tendo apoiado neles em matéria já comprovadas por outros meios de
prova. Concluiu, assim, o STJ que a referida valoração não ofendeu o disposto no art. 129.º,
nem os direitos dos arguidos, nomeadamente o direito de defesa consagrado no art. 32.º, n.ºs
1 e 5 da CRP.
Neste caso, o arguido exerceu o direito que lhe é conferido e optou por não prestar
declarações na audiência de julgamento, tendo a testemunha OPC sido informada de que não
poderia depor sobre as declarações daquele, de acordo com o disposto no artigo 356.º, n.º 7.
Vem o Tribunal entender que não existe, porém, qualquer impedimento a que OPC
deponham sobre factos de que possuam conhecimento direto obtido por meios diferentes das
declarações que recebam do arguido no decurso do processo.
72
ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUES GASPAR et al, Código de Processo Penal Comentado, p.
487; Acórdão do STJ, de 27.06.2012.
73
Acórdão do STJ, de 13.05.1992, in BMJ, n.º 417, pp. 592 e ss..
Argumenta o STJ que, desde que o depoimento dos OPC não verse sobre o conteúdo de
declarações cuja leitura não é permitida, o simples facto de haver no processo tais
declarações não pode implicar por si só que os OPC não possam depor acerca de factos de
que tenham obtido conhecimento direto na prossecução da atividade investigatória de que são
incumbidos, pois tal seria contraditório com o princípio da investigação ou da verdade
material que rege o nosso Processo Penal.
Assim, considerou Tribunal que “as respostas a perguntas como a semelhança de processos
de actuação criminosa no caso dos autos e noutros processos em que o arguido já se encontra
identificado (…) como autor de idênticas infracções, a adequação dos instrumentos
apreendidos para a prática do crime, o motivo da infracção colhido no modo de vida do
agente, podem manifestamente resultar do conhecimento directo obtido através da actividade
de investigação, sem qualquer relação com as declarações do arguido”74.
Passada uma semana, o mesmo Tribunal proferiu nova sentença adotando a mesma posição
(Acórdão do STJ, de 20.05.199275).
Neste aresto, salienta-se que nada impossibilita, à partida, que a testemunha em questão,
agente da PJ, preste depoimento, pois não se pode concluir se irá ou não versar sobre
declarações de leitura proibida antes de ter sido efetivamente prestado; assim, deve tão-só
atender-se à restrição a nível do conteúdo imposta pelo artigo 356.º, n.º 7.
O STJ defende ainda que, no contexto do nosso Processo Penal, em que é necessário
encontrar um equilíbrio entre os interesses “do arguido em não ser meio de prova e os da
justiça em que se alcance uma verdade material e não meramente formal” 77, o facto de o
arguido se recusar a prestar declarações não pode inutilizar todo o conhecimento dos factos a
que a investigação chegou. Assim, “os testemunhos proibidos serão aqueles – e só aqueles –
74
Acórdão do STJ, de 13.05.1992, p. 597.
75
Acórdão do STJ, de 20.05.1992, pp. 606 e ss..
76
Acórdão do STJ, de 20.05.1992, p. 611.
77
Acórdão do STJ, de 20.05.1992, p. 611.
de que o agente policial tomou conhecimento através das declarações que recebeu do arguido
e não os factos de que já tinha conhecimento anterior, durante a investigação”78.
Também nesta mesma linha segue o Acórdão do STJ, de 07.10.1992. Estava em causa o
depoimento de agentes da PJ acerca de conversas mantidas na esquadra, enquanto se
aguardava o primeiro interrogatório judicial, com uma das arguida, que se veio a encontrar
em paradeiro desconhecido e que foi declarada contumaz. Esta terá dito a um agente da PJ ter
conhecimento do transporte de uma mala que conteria heroína para uma determinada
residência, tendo-se aquele então dirigido ao local e procedido ao exame do conteúdo da
referida mala, e, na sequência desta busca, tendo procedido à detenção de outros arguidos.
DAMIÃO DA CUNHA critica este acórdão, considerando que “conduzirá, no resultado final,
a uma subversão de toda a estrutura processual de produção de prova” 81, pois “ficaria,
naturalmente, em aberto saber quem é que deve provar: o arguido ou o próprio agente
investigador?”82.
Este argumento foi apresentado por mais alguma jurisprudência 84, nomeadamente pelo
Acórdão do TRC, de 18.06.200385, que tratou de conversas entre OPC e arguido, antes da
sua constituição como tal, tidas no hospital para onde este havia sido conduzido na sequência
de um acidente de viação objeto de um processo. Em causa estão os depoimentos de OPC e
de um enfermeiro que presenciou as conversas. O Tribunal concluiu pela admissibilidade dos
depoimentos acerca das ditas “conversas informais”.
80
Acórdão do STJ, de 29.03.1995, p. 296.
81
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações (…)”, p. 426.
82
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações (…)”, p. 425.
83
Acórdão do STJ, de 29.03.1995, p. 297.
84
Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do STJ, de 15.11.2000, in CJ (STJ), Ano VIII, Tomo III,
pp. 216 e ss.; de 20.04.2006; de 14.06.2006; do TRC, de 18.06.2003, pp. 51 e ss.; de 12.11.2003; de 09.05.2012;
de 26.06.2013; do TRP, de 27.02.2008; de 05.05.2010; de 17.04.2013.
85
Acórdão do TRC, de 18.06.2003, pp. 51 e ss..
86
Acórdão do TRC, de 18.06.2003, Sumário, p. 51.
à garantia dos seus direitos de defesa e para assegurar o respeito pelo princípio do
contraditório.
O autor conclui a sua crítica a este propósito chamando a atenção para os riscos que surgem
associados a uma “admissão, pouco criteriosa e pouco cautelosa, da reprodução, em
audiência de julgamento, de declarações prestadas em fases anteriores à de julgamento”88.
É, portanto, possível afirmar que não existe qualquer dúvida neste ponto, mas sim um amplo
consenso e jurisprudência consolidada neste sentido: quanto a factos que tenham conhecido
no decurso do processo por meios diferentes das declarações do arguido, ainda que através de
“conversas informais”, os OPC poderão depor sobre aquilo de que tenham conhecimento
87
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações (…)”, p. 430.
88
JOSÉ DAMIÃO DA CUNHA, “O regime processual de leitura de declarações (…)”, p. 431.
89
Acórdão do STJ, de 25.09.1997, in BMJ, n.º 469, pp. 351 e ss..
90
Acórdão do STJ, de 25.09.1997, pp. 355-356.
direto919293. Assim, uma eventual proibição de valoração de “conversas informais” não afeta
diretamente as provas consequenciais cuja obtenção tenha sido possível graças àquelas, não
sendo, à partida, proibido o uso e valoração destes conhecimentos em audiência de
julgamento enquanto meios de prova autónomos94.
Utilizando a divisão preconizada por CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, pode afirmar-se que
as “conversas informais” mantidas com o arguido se reconduzem a três grupos distintos. Em
primeiro lugar, “aqueles casos que dizem respeito às afirmações percepcionadas pelo OPC,
enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana (porventura, sem saber do crime
cometido ou em preparação e sem suspeita prévia do seu “interlocutor”) 96. Estas situações,
que se podem remeter para o conceito de “conversa informais” extraprocessuais tout court,
configuram indubitavelmente depoimentos indiretos. Contudo, não se aceitando a aplicação
do regime do artigo 129.º aos casos em que a fonte seja o arguido, não poderão ser valorados
91
Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do STJ, de 25.06.1992; de 24.02.1993, in CJ (STJ), Ano I,
Tomo I, pp. 202 e ss.; de 22.04.1993; de 30.06.1994; de 16.05.1996, www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios,
Criminal – Ano de 1996, p. 37; de 09.10.1996, www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios, Criminal – Ano de 1996, p.
112; de
92
.10.1996, www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios, Criminal – Ano de 1996, p. 132-133; de 30.10.1996,
in BMJ, n.º 460, pp. 425 e ss.; de 11.12.1996, in BMJ, n.º 462, pp. 299 e ss.; de 22.01.1997; de 22.05.1997; de
93
.09.1998, in BMJ, n.º 479, pp. 414 e ss.; de 21.01.1999, www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios, Criminal – Ano
de 1999, pp. 17-18; de 13.05.1999; de 15.11.2000, pp. 216 e ss.; de 30.05.2001,
www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios, Criminal – Ano de 2001, pp. 136-137; de 11.07.2001, in CJ (STJ), Ano IX,
Tomo III, pp. 166 e ss.; de 20.11.2002, in CJ (STJ), Ano X, Tomo III, pp. 232 e ss.; de 17.11.2004,
www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios, Criminal – Ano de 2004, p. 66; de 23.02.2005, in CJ (STJ), Ano XIII,
Tomo I, pp. 210 e ss.; de 30.03.2005, www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios, Criminal – Ano de 2005, pp. 126127;
de 20.04.2006; de 14.06.2006; de 15.02.2007; de 28.09.2011; de 08.01.2014; do TRC, de 12.11.2003; de
10.12.2003; de 18.02.2004; de 16.01.2008, in CJ, Ano XXXIII, Tomo I, pp. 43 e ss.; de 02.04.2008; de
09.07.2008; de 01.04.2009; de 07.04.2010; de 05.01.2011; de 12.01.2011; de 21.03.2012; de 29.05.2013; de
18.06.2014; do TRE, de 02.12.2003; de 02.03.2004; do TRG, de 29.03.2011, p. 304 e ss.; de 11.04.2011; do
TRL, de 30.03.2009; de 24.01.2012; do TRP, de 07.03.2007, Processo n.º 0642960; de 27.02.2008; de
09.09.2009; de 09.11.2011; de 27.06.2012; de 17.04.2013.
94
SANDRA OLIVEIRA E SILVA, “Legalidade da prova e provas proibidas”, p. 567, nota de rodapé 42.
95
MAGISTRADOS DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO JUDICIAL DO PORTO, Código de
Processo Penal, Comentários e notas práticas, p. 899.
96
CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, “Depoimento indirecto e arguido”, p. 176; Acórdão do STJ, de
27.06.2012.
ao abrigo deste regime. Em segundo lugar, “aqueles casos que, no extremo oposto,
correspondem às afirmações proferidas por ocasião ou por causa de actos processuais de
recolha de declarações (maxime, à saída, no decurso ou antes do interrogatório)”97.
Quanto à primeira corrente, veja-se desde logo o Acórdão do STJ, de 29.01.199299, que foi
um dos primeiros a pronunciar-se sobre esta temática. A questão diretamente submetida aos
poderes de cognição deste Tribunal era a da admissibilidade de depoimento de OPC acerca de
conversa tida com o arguido antes da sua constituição como tal.
97
CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, “Depoimento indirecto e arguido”, p. 176; Acórdão do STJ, de
27.06.2012.
98
CARLOS ADÉRITO TEIXEIRA, “Depoimento indirecto e arguido”, p. 176; Acórdão do STJ, de
27.06.2012.
99
Acórdão do STJ, de 29.01.1992, pp. 20 e ss..
Também GERMANO MARQUES DA SILVA se pronuncia neste sentido: “as declarações de
uma pessoa prestadas a um órgão de polícia criminal antes da sua constituição formal como
arguido, mas quando já o deveria ter sido, não podem ser utilizadas no processo e por isso
também que o órgão de polícia criminal não possa ser admitido a depor sobre o conteúdo
dessas declarações”100. A lei não deixa aqui margem para dúvidas, sendo claro que, quando já
recaia uma suspeita sobre uma determinada pessoa e esta não seja imediatamente constituída
arguida, quaisquer declarações que ela venha a prestar não poderão ser apreciadas pelo
Tribunal.
Outro acórdão que se revelou marcante para a temática das “conversas informais”, e em que
se retomou de certo modo a linha de pensamento do Acórdão do STJ, de 29.01.1992101, foi o
Acórdão do STJ, de 11.07.2001102. No caso deste aresto, o arguido confessou os factos no
inquérito, negou-os na instrução e remeteu-se ao silêncio na audiência de julgamento. O que
está em causa é o depoimento de um inspetor que procedeu ao inquérito e uma diligência
externa realizada com base em declarações do arguido (identificação dos locais onde ateou os
fogos e o modo como os ateou).
O tribunal não teve em conta as declarações prestadas pelo arguido nas fases anteriores do
processo, por aplicação do disposto no artigo 356.º, n.º 7 (aplicável às declarações do
arguido, por remissão do artigo 357.º, n.º 3; hoje, n.º 3), não tendo sido valorado o
depoimento do OPC nem o relatório da diligência externa, por ter sido considerada como
uma extensão das palavras do arguido.
100
GERMANO MARQUES DA SILVA, Curso de Processo Penal, volume II, p. 232.
101
Acórdão do STJ, de 29.01.1992, pp. 20 e ss..
102
Acórdão do STJ, de 11.07.2001, pp. 166 e ss.
considerado contraditório ou discrepante da prestação anterior de declarações, num ou noutro
sentido. O oposto do silêncio consiste em falar ou expressar-se de modo inteligível”103 104.
O arguido foi absolvido, concluindo o Tribunal nos seguintes termos: “em resumo: porque a
confissão do arguido durante o inquérito, mesmo perante magistrado judicial, não pode ser
atendida dada a proibição da sua leitura uma vez que o arguido se remeteu ao silêncio em
audiência de julgamento; porque a diligência externa realizada assenta nas declarações do
mesmo arguido, sendo um seu complemento, ainda assim apenas realizada pelo OPC; porque
o Colectivo considerou insuficientes para a condenação os restantes elementos, em sua livre
convicção”105.
A posição adotada pelo STJ neste aresto foi, portanto, a de que o princípio da legalidade,
assim como, nomeadamente, o disposto no artigo 275.º, n.º 1, impõem que quaisquer
conversas da natureza das que estão em discussão devam ser reduzidas a escrito. Caso
contrário, nunca poderão ser valoradas em audiência de julgamento. E mesmo constando de
auto, estarão abrangidas pela proibição de leitura.
103
Acórdão do STJ, de 11.07.2001, p. 169.
104
Este argumento é utilizado por alguma jurisprudência. Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do
TRC, de 15.12.2004, pp. 53 e ss.; do TRE, de 02.12.2003; de 13.01.2004; do TRP, de 10.09.2008.
105
Acórdão do STJ, de 11.07.2001, p. 172.
106
Acórdão do STJ, de 11.07.2001, p. 170.
107
Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do STJ, de 29.06.1995; de 10.01.2001; de 07.02.2001,
www.stj.pt/jurisprudencia/sumarios, Criminal – Ano de 2001, p. 37; de 30.10.2001; de 03.10.2002; de
108
.01.2003; de 09.07.2003; de 22.04.2004; de 30.03.2005, pp. 126-127; de 20.04.2006; de 14.06.2006;
de
S109OFIA MENEZES afirma concordar com o “entendimento da jurisprudência, ao proteger o
silêncio do arguido mediante a proibição da valoração das denominadas «conversas
informais», entre o arguido e os agentes policiais, realizadas na fase do inquérito e à imagem
das garantias e formalidades que a lei impõe, e que poderiam frustrar ilegitimamente o seu
direito ao silêncio, através da «confissão por ouvir dizer», relatada pela testemunha”110.
113
Acórdão do STJ, de 11.07.2001, p. 172.
Neste contexto, faz sentido separar as situações anteriores e as posteriores ao momento da
constituição de arguido. Defendeu neste acórdão o nosso Supremo Tribunal uma diferença no
tratamento a dar aos depoimentos de OPC em função de se referirem a declarações anteriores
ou posteriores à constituição de arguido. Esta posição, apresentada e defendida em termos
muito claros, veio a receber adesão jurisprudencial114.
Diferente é o caso das “conversas informais” que tenham lugar depois da instauração do
inquérito e da constituição de arguido. Na base da argumentação do Tribunal está o
pressuposto de que o direito ao silêncio apenas “ganha vida” com a constituição de arguido,
momento a partir do qual a recolha e valoração das suas declarações tem de ser feita no
estrito respeito da lei, não podendo ter-se em conta quaisquer provas recolhidas de forma
informal.
Conclui este autor que não são abrangidos pelas proibições plasmadas nos artigos 129.º e
357.º os depoimentos de OPC acerca de “afirmações e contribuições infamatórias do arguido
– tal como de factos, gestos, silêncios, reacções, etc – de que tomaram conhecimento fora do
âmbito de diligências de prova produzidas sob a égide da oralidade (interrogatórios,
acareações etc.) e que não o devessem ser sobre tal formalismo, bem como no âmbito das
demais diligências, actos de investigação e meios de obtenção de prova (actos de investigação
proactiva, buscas e revistas, exames ao lugar do crime, reconstituição do crime,
reconhecimentos presenciais, entregas controladas, etc) que tenham autonomia técnico-
114
Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do STJ, de 03.03.2010; de 27.06.2012; do TRC, de 09.07.2008; de
05.01.2011; de 12.01.2011; de 09.05.2012; de 11.09.2013; de 12.12.2013; de 18.06.2014; do TRE, de
04.06.2013; de 02.07.2013; de 21.10.2014; do TRL, de 30.03.2009; de 29.05.2012; do TRP, de 21.03.2013; de
17.04.2013; de 23.10.2013.
115
ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUES GASPAR et al, Código de Processo Penal Comentado, p.
492; Acórdão do STJ, de 27.06.2012.
jurídica”116. Saliente-se que a solução possível ao abrigo do regime do CPP recebe algumas
críticas por parte da doutrina, em especial relativamente à sua adaptação aos dias de hoje.
À luz do disposto nos artigos 356.º e 357.º, pode dar-se o caso de um arguido confessar a
prática de um crime nas fases anteriores ao julgamento e posteriormente vir a ser absolvido
por essa confissão não ser poder ser valorada e não existirem outros meios de prova
suficientes para o efeito. Este regime, “gizado para prevenir as confissões prestadas à força
em tempos de ditadura, perante um inquérito meramente policial e não judicial” 117, talvez não
se adapte inteiramente à atualidade.
A relevância destes comentários é indiscutível, mas também é importante não esquecer que o
Processo Penal tem uma multiplicidade de finalidades (entre as quais a realização da justiça,
a descoberta da verdade e a proteção dos direitos fundamentais das pessoas, nomeadamente o
arguido, face ao Estado) e que, sendo impossível alcançar a sua harmonização integral, deve
procurar-se sempre a sua compatibilização da forma mais equilibrada possível119.
Relativamente a esta matéria, uma argumentação que se revelou importante e foi amplamente
seguida120 foi a desenvolvida no Acórdão do STJ, de 05.01.2005. No caso em apreço, dois
inspetores da PJ, que efetuaram diligências de investigação em relação ao assalto de que o
arguido vinha acusado, referiram em depoimento que um arguido teria indicado as casas
assaltadas no decurso de um auto de reconstituição dos factos. Na audiência de julgamento os
arguidos não prestaram declarações. Este Supremo Tribunal afasta a recondução da
problemática ao disposto nos artigos 356.º, n.º 7, e 357.º, n.º 2 (atual n.º 3), que têm um
116
ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUES GASPAR et al, Código de Processo Penal Comentado, p.
495; Acórdão do STJ, de 27.06.2012.
117
VINÍCIO A. P. RIBEIRO, Código de Processo Penal, Notas e Comentários, p. 991.
118
“O silêncio do arguido”, in Boletim da Ordem dos Advogados, n.º 68, 2010, p. 12.
119
JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, “Os princípios estruturantes do processo e a revisão de 1998 do
Código de Processo Penal”, p. 202.
120
Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do STJ, de 20.04.2006; de 27.06.2012; do TRC, de
01.04.2009; do TRE, de 30.09.2008; do TRP, de 07.03.2007, Processo n.º 0642960; de 12.12.2007; de
09.09.2009; de 23.05.2012; de 27.06.2012; de 08.10.2014.
âmbito de aplicação limitado às declarações do arguido enquanto meio de prova, prestadas
segundo o disposto nos artigos 140.º e ss. e 343.º e ss..
O STJ conclui pela possibilidade de valoração e pela não inclusão no âmbito de aplicação do
artigo 356.º, n.º 7, de depoimentos de OPC acerca da forma como decorreu uma
reconstituição, mesmo que o arguido nela tenha participado. Isto porque as contribuições do
arguido se confundem com a própria diligência, não correspondendo a declarações do
arguido enquanto meio de prova, mas já a um outro meio de prova autónomo, a
reconstituição.
JOSÉ VAZ SANTOS CARVALHO, que votou vencido no Acórdão do STJ, de 20.04.2006,
conhecido como “caso Joana”, tomou posição acerca da valoração da reconstituição com
participação do arguido. A este propósito, afirma só considerar diluídas na reconstituição “as
contribuições verbais do arguido (…) que se mostrarem indispensáveis à compreensão dos
actos que o arguido pretende reconstituir”, tudo o resto devendo receber o mesmo tratamento
que as “conversas informais”.
121
EURICO BALBINO DUARTE, “Making of – A reconstituição do facto no processo penal
português”, in Prova Criminal e Direito de defesa – Estudos sobre Teoria da Prova e Garantias de Defesa em
Processo Penal, Almedina, Coimbra, 2010, pp. 53-58.
valendo portanto enquanto tal, pelo que não obstaculizam a válida reprodução em audiência
do meio de prova prevista no art. 150.º”122 123.
Por sua vez, a orientação contrária defende a separação entre a reconstituição do facto e as
declarações do arguido, advogando que “apenas os actos materiais praticados na
reconstituição realizada no inquérito ou na instrução e os correspondentes resultados factuais
são atendíveis em sede probatória no julgamento, e não já as declarações que o arguido tenha
proferido no decurso da mesma”124 125.
Face a esta distinção, bem como às diversas posições acerca daquilo que se deve entender por
“declarações de leitura proibida” para efeitos dos artigos 356.º e 357.º, o autor apresenta três
correntes que representam as consequências em matéria de depoimento de OPC sobre
declarações prestadas no contexto de uma reconstituição.
A primeira corrente, de natureza permissiva, considera que estes depoimentos não são
abrangidos pela proibição do artigo 356.º, n.º 7 (aplicável às declarações do arguido, por
remissão do artigo 357.º, n.º 3), pois se reportam a elementos distintos das declarações do
arguido, podendo os OPC depor sobre o ocorrido numa reconstituição126127.
No vetor oposto, outra corrente, de carácter restritivo, proíbe “não apenas o depoimento sobre
as declarações ouvidas ao arguido durante a diligência, mas também aquele que verse sobre
os próprios factos percepcionados na sequência (…) das informações prestadas – situação que
será a mais frequente na reconstituição do facto”128 129.
Por sua vez, uma corrente mais moderada concede o depoimento de OPC acerca do curso de
uma reconstituição, somente permitindo a valoração daquilo que tenha sido observado
diretamente, e não do que tenha sido revelado pelo arguido na diligência130.
122
EURICO BALBINO DUARTE, “Making of – A reconstituição do facto no processo penal
português”, p. 53.
123
Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do STJ, de 05.01.2005; de 20.04.2006; do TRE, de
30.09.2008; do TRP, de 10.09.2008; de 12.12.2007.
124
EURICO BALBINO DUARTE, “Making of – A reconstituição do facto no processo penal
português”, p. 54.
125
Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do STJ, de 03.10.2002; de 14.06.2006; do TRC, de
22.10.2003.
126
Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do STJ, de 11.12.1996, pp. 299 e ss.; de 05.01.2005; de
20.04.2006; de 27.06.2012; do TRC, de 02.04.2008; do TRP, de 12.12.2007; de 10.09.2008; de 23.05.2012; de
127
.06.2012; de 08.10.2014.
128
EURICO BALBINO DUARTE, “Making of – A reconstituição do facto no processo penal
português”, p. 58.
129
Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do STJ, de 11.07.2001, pp. 166 e ss.; de 03.10.2002; do
TRC, de 18.02.2004.
130
Refiram-se, nomeadamente, os Acórdãos do STJ, de 22.04.2004; de 14.06.2006; do TRC, de
01.04.2009; de 22.10.2003; do TRP, de 27.02.2008; de 13.06.2012.
Aqui se situa a posição de EURICO BALBINO DUARTE, que defende que “as declarações
prestadas durante a reconstituição do facto (…) não são de todo informais, porque ainda que
não tenham sido gravadas ou reduzidas a auto, (…) encontram-se compreendidas no âmbito
de um meio de prova legalmente previsto, o qual lhes dá, por assim dizer, forma
processual”131 e recorre à proibição do artigo 356.º, n.º 7 (aplicável às declarações do arguido,
por remissão do artigo 357.º, n.º 3) para afirmar que “enquanto declarações sobre
declarações, não são válidos os depoimentos de testemunhas da reconstituição sobre o que
quer que o arguido tenha nela verbalizado, a menos que ele nisso consinta”132.
Quanto aos factos percecionadas diretamente pelas testemunhas, não existe dúvidas de que
são admissíveis enquanto conteúdo de um depoimento indireto.
131
EURICO BALBINO DUARTE, “Making of – A reconstituição do facto no processo penal
português”, 58.
132
EURICO BALBINO DUARTE, “Making of – A reconstituição do facto no processo penal
português”, 59.