(2018-10-25) Artigo OPUS

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DOI 10.

20504/opus2018c2410
Cave carmen: o uso da habanera na abertura Gabriela, Cravo e
Canela, de Fernando Lopes-Graça

Guilhermina Lopes
(Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP /
Universidade Nova de Lisboa, Lisboa)

Resumo: Apresento, neste artigo, uma análise da abertura sinfônica Gabriela, Cravo e Canela (1963), do
compositor português Fernando Lopes-Graça (1906-1994), inspirada no romance homônimo de Jorge
Amado. Destaco alguns aspectos da relação entre a ambientação no romance e na música, tomando como
ferramenta de análise a identificação de tópicas. Partindo das categorias de relações transtextuais de Gérard
Genette (1982, 1987) e de sua adaptação à análise musical por Paulo Ferreira de Castro (2015), abordo o uso
do padrão rítmico da habanera como elemento estruturador da partitura e, mais especificamente, do motivo
Prends garde à toi! entoado pelo coro na Habanera da ópera Carmen, de Georges Bizet, destacando o paralelo
entre as características de sensualidade e liberdade associadas às duas personagens. Acrescentando a
ingenuidade e a espontaneidade infantil de Gabriela, associo estas características ao que identifico como
tópicas circenses e pastorais, estas últimas também observadas na análise literária de José Paulo Paes (2012) e
relacionadas por este autor aos conceitos de “bom selvagem” e “criança-juiz”. Tomando como base as
análises de Carmen por Susan McClary (2002) e de Gabriela na nota de encarte de João de Freitas Branco
(1967), discuto a ideia de “morte necessária” da mulher que foge às expectativas morais e sociais e sua
subversão por Amado e Lopes-Graça, esta realizada musicalmente a partir do recurso de anticlímax. Aponto
brevemente, por fim, a questão da presença e a pertinência do exotismo na abordagem musical de Gabriela, a
partir de sua associação ao erotismo e do uso do tresillo.
Palavras-chave: Fernando Lopes-Graça. Gabriela Cravo e Canela. Carmen. Habanera. Intertextualidade.

Cave carmen: The Use of Habanera in the Overture Gabriela, Cravo e Canela by Fernando
Lopes-Graça
Abstract: In this paper, I aim to present an analysis of the symphonic overture Gabriela, Cravo e
Canela by Portuguese composer Fernando Lopes-Graça (1906-1994), based on the homonymous
novel by Brazilian author Jorge Amado. First, I briefly point out a few aspects of the relationship
between the novel’s setting and the music, using topic identification as an analytical tool. Starting with
Gérard Genette’s (1982,1987) categories of transtextual relations and their adaptation to musical
analysis by Paulo Ferreira de Castro (2015), I approach the use of the habanera rhythmic pattern as a
structuring element of the score and, more specifically, of the motif Prends garde à toi! sung by the
chorus in the aria Habanera from the opera Carmen by Georges Bizet, highlighting the parallel
between the characteristics of sensuality and liberty associated with both characters. Adding the
naivety and childish spontaneity of Gabriela, I relate those characteristics to what I identify as circus
and pastoral topics. The latter are also present in José Paulo Paes’ literary analysis (2012) and
associated with the concepts of “noble savage” and “child-become-judge”. Based on the analyses of
Carmen by Susan McClary (2002) and of Gabriela in the LP booklet by João de Freitas Branco (1967), I
discuss the idea of “necessary death” of the woman that does not correspond to social and moral
expectations and its subversion by Amado and Lopes-Graça, the latter musically constructed using
anticlimax. Finally, I briefly point out the question of exoticism in Lopes-Graça’s musical approach to
Gabriela, considering its relation to eroticism and the use of tresillo.
Keywords: Fernando Lopes-Graça; Gabriela Cravo e Canela; Carmen; Habanera; Intertextuality.

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LOPES, Guilhermina. Cave carmen: o uso da habanera na abertura Gabriela, Cravo e Canela, de Fernando
Lopes-Graça. Opus, v. 24, n. 3, p. 245-270, set./dez. 2018. http://dx.doi.org/10.20504/opus2018c2410
Este artigo constitui versão revista e ampliada de comunicação apresentada no III Congresso da Associação
para a América Latina e Caribe da International Musicological Society (ARLAC-IMS), realizado em Santos em
agosto de 2017. Apenas o resumo foi publicado na programação do evento, não tendo ocorrido a publicação
dos anais. Uma análise mais detalhada da obra aqui abordada encontra-se em um dos capítulos de minha tese
de doutorado (LOPES, 2018).
Submetido em 20/07/2018, aprovado em 25/10/2018.
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G abriela, Cravo e Canela: abertura para uma ópera cómica, sobre o romance homônimo de
Jorge Amado, foi composta pelo português Fernando Lopes-Graça entre os anos de
1960 e 1963. Em carta de 13 de setembro de 1960, Amado concede a Lopes-Graça a
autorização para compor a abertura e diz estar “sumamente honrado com o fato da pequena
Gabriela ter te inspirado uma peça sinfônica”1. Foi dedicada à Academia Brasileira de Música,
possivelmente em agradecimento pela sua eleição como membro correspondente em 1961
(TACUCHIAN, 2004).
A obra 2 teve sua primeira audição na Holanda em 24 de janeiro de 1964, pela
Noordhollands Philharmonisch Orkest, sob a regência do português Joaquim da Silva Pereira
(CASCUDO, 1997). Foi gravada pela Orquestra Sinfónica do Porto em 1968, também sob a sua
regência. Uma primeira tentativa de apresentação no Brasil seria realizada em 1965 pelo maestro
Alceo Bocchino, junto à orquestra da Rádio Ministério da Educação, conforme podemos ler na
correspondência entre Lopes-Graça e Guerra-Peixe3, que, à época, integrava a orquestra como
violinista. Ricardo Tacuchian (2006:105), a partir da leitura da referida documentação, atribui o
problema ao fato de o então diretor da rádio ter sido designado pelo regime militar, que
possivelmente fazia reservas à apresentação de uma obra inspirada em texto de um antigo
militante comunista.
Jorge Amado recebeu a gravação em 1968 e o maestro Carlos Veiga, amigo do escritor,
entusiasmado, decidiu apresentar a obra com a orquestra da Universidade Federal da Bahia. A
audição brasileira deu-se a 8 de maio de 1969, num programa que incluía ainda obras de Villa-
Lobos, Glazunov e Borodin. Alguns dias depois, curiosamente, Lopes-Graça, que havia aqui estado
em 19584, realizaria sua segunda visita ao Brasil, participando do júri do I Festival de Música da
Guanabara, no Rio de Janeiro, num roteiro que, desta vez, não incluía a capital baiana. Amado
envia ao compositor um recorte do jornal A Tarde com a notícia da estreia (Fig. 1). Sem fazer
qualquer referência a tentativas prévias de apresentação no Rio de Janeiro, a reportagem destaca a
insistência do escritor para que fosse a capital baiana a primeira cidade brasileira a ouvir a
abertura. Gabriela também seria apresentada e gravada em 4 de dezembro de 1976 pela orquestra
da Radiodifusão Portuguesa, novamente sob a batuta de Silva Pereira (SILVA PEREIRA, 2006) e em
14 de julho de 2006, ano do centenário de nascimento do compositor, no Teatro Nacional São
Carlos, pela Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida por Cesário Costa (CENTRO, 2016).

1
Não foi ainda possível ter acesso às cartas enviadas por Lopes-Graça, uma vez que a correspondência do
escritor, aos cuidados da Fundação Casa de Jorge Amado, em Salvador, ainda não está disponível para consulta
pública. A data de 1963 é a que consta da edição autógrafa, cuja cópia foi obtida junto ao Museu da Música
Portuguesa – Casa Verdades de Faria, em Cascais.
2
Gravação por Silva Pereira e Orquestra Sinfónica da RDP. Disponível em:
<https://soundcloud.com/guilhermina-lopes/39-gabriela-cravo-e-canela-op-156/s-LEclZ>. Coleção Centenário
Fernando Lopes-Graça. Arquivos da RDP (Radiodifusão Portuguesa), Antena 2. Reprodução autorizada.
3
Carta de Guerra-Peixe a Fernando Lopes-Graça de 16 de julho de 1965 e carta de Lopes-Graça a Guerra-
Peixe de 12 de agosto de 1965.
4
Entre os meses de agosto e outubro, realizando recitais e conferências em São Paulo, Rio de Janeiro,
Salvador, Belo Horizonte e Florianópolis (ASSIS, 2013. LOPES, 2018. TACUCHIAN, 2004).

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Fig. 1: Reportagem sobre a primeira audição brasileira de Gabriela (GABRIELA, 1969).

Segundo Romeu Pinto da Silva (2009), João de Freitas Branco (1967) e Sérgio Azevedo
(2006), não era intenção de Lopes-Graça compor uma ópera inteira, mas propor, num bem-
humorado jogo, uma “abertura sem ópera”, ou uma “abertura real para uma ópera imaginária”
(2006), nas palavras de Azevedo. Na música, os doze primeiros compassos (excerto até 43” na
gravação de referência) trazem, com lentos arpejos de Si♭ maior, à maneira de instrumentos
sendo afinados (ideia que remete ao início da 9a Sinfonia de Beethoven - Fig. 3), essa “expectativa
de abrir-do-pano”, nas palavras de Freitas Branco (Fig. 2).

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Fig. 2: “Abrir do pano” em Gabriela. Edição da autora a partir do manuscrito autógrafo.

Fig. 3: Início da 9ª Sinfonia de Beethoven, possível referência para o “abrir do pano” de Gabriela
(BEETHOVEN [1824] 2009).

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Uma primeira escuta, referenciada pela leitura do romance, põe em relevo a alternância
entre momentos de agitação e tranquilidade, possivelmente refletindo a surpresa da simplória
Gabriela ao chegar à cidade de Ilhéus (sul da Bahia), ou até mesmo a atmosfera da cidade no início
do século XX, misto de raízes rurais e desenvolvimento urbano5.

Progresso era a palavra que mais se ouvia em Ilhéus e em Itabuna naquele


tempo. Estava em todas as bocas, insistentemente repetida. Aparecia nas colunas
dos jornais, no cotidiano e nos semanários, surgia nas discussões na papelaria
Modelo, nos bares, nos cabarés. Os ilheenses repetiam-na a propósito das novas
ruas, das praças ajardinadas, dos edifícios no centro comercial e das residências
modernas na praia, das oficinas do Diário de Ilhéus, das marinetes saindo pela
manhã e à tarde para Itabuna, dos caminhões transportando cacau, dos cabarés
iluminados, do novo Cine-Teatro Ilhéus, do campo de futebol, do colégio do dr.
Enoch, dos conferencistas esfomeados vindos da Bahia e até do Rio, do Clube
Progresso com seus chás dançantes. “É o progresso!” diziam-no
orgulhosamente, conscientes de concorrerem todos para as mudanças tão
profundas na fisionomia da cidade e nos seus hábitos. Havia um ar de
prosperidade em toda parte, um vertiginoso crescimento. Abriam-se ruas para
os lados do mar e dos morros, nasciam jardins e praças, construíam-se casas,
sobrados, palacetes. Os aluguéis subiam, no centro comercial atingiam preços
absurdos. Bancos do sul abriam agências, o Banco do Brasil edificara prédio
novo, de quatro andares, uma beleza! (AMADO, [1958]6 2012: 19)7.

O compositor não faz uso direto de temas ou instrumentos tradicionais, mas em alguns
trechos utiliza-se de recursos que evocam a música da região Nordeste do Brasil, como alguns
motivos em modo mixolídio com quarta aumentada8, duetos de flauta e piccolo com alternância de
5
Embora não tenha visitado precisamente a cidade de Ilhéus, devemos ter em mente que Lopes-Graça esteve
em Salvador durante sua primeira viagem ao Brasil, em 1958, e que, como relatou em um postal enviado aos
seus amigos Manuel e Berta Mendes, não teve de sua experiência na cidade as melhores impressões: muito
calor e desorganização, tanto do ambiente urbano quanto dos compromissos para ele preparados. A sua
leitura do romance foi, portanto, mediada por essa experiência concreta, que teria possivelmente contribuído
para o seu retrato da paisagem e dos costumes.
6
As datas em colchetes referem-se ao ano da primeira publicação das obras citadas.
7
Utilizo como referência na realização das citações a edição de 2012, publicada pela Companhia das Letras. É
interessante observar que 1960, ano do início da composição de Gabriela, foi o mesmo da publicação da
primeira edição portuguesa, pelas Publicações Europa-América, a qual também tive a oportunidade de
consultar.
8
É provável que Lopes-Graça tenha tomado conhecimento da presença dessa escala na música nordestina em
sua correspondência com o compositor brasileiro César Guerra-Peixe. Em carta de 22 de abril de 1957, onde
comenta sobre seu recém-concluído livro A Dança do Côco em Pernambuco, este faz referência a uma escala “de
dó a dó com fá sustenido e si bemol”, cuja semelhança com exemplos publicados no livro A canção popular
portuguesa (1953), de Lopes-Graça, confirmariam a sua hipótese de que a raiz desse modalismo estaria nas
monodias medievais ibéricas. A consulta aos exemplos musicais em A canção popular portuguesa não revelou,
contudo, a escala utilizada em Gabriela. Há melodias que evitam o uso do sétimo grau, gerando ambiguidade
entre maior e mixolídio, como é o caso de Mineta, romance de Trás os Montes (1953: 85), ou Ó da casa
cavalheira, cantiga dos Reis do Douro Litoral (1953: 91), e Lavra, boi, lavra, toadilha de aboiar do Minho (1953:
64), em que há ambiguidade entre Dó mixolídio e Lá frígio. Convém lembrar que o modo em questão, que
também pode ser entendido como um lídio com sétima abaixada ou uma mistura das escalas lídia e mixolídia,
não é exclusivo destas regiões, estando presente na música de outras culturas, especialmente do leste
europeu, tendo sido utilizado em obras de Liszt, Debussy, Prokofiev, Béla Bartók e no jazz. É também
conhecido como escala acústica (acoustic scale), escala lídia de dominante ou escala de sobretons harmônicos
(overtone scale). Cf. Persichetti (1961: 44), Berle (1997: 55), Tymoczko (2011) e Cooper (2015: 354).

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sextas maiores e segundas menores, criando um efeito que faz lembrar a sonoridade dos pífaros,
e violoncelos com acordes em quartas e terças paralelas sobre um pedal das demais cordas,
remetendo ao som das rabecas9. No caso dos “pífaros”, os choques de segundas, considerados
uma das marcas estilísticas do compositor, e que seriam ouvidos com mais nitidez em uma obra
para piano ou coro, apresentam-se aqui camuflados pelo timbre das madeiras como elemento de
rusticidade.

Fig. 4: Piccoli “imitando pífaros” em Gabriela (c. 21 a 23). Edição da autora a partir do manuscrito autógrafo.

Partindo do trabalho de estudiosos como Kofi Agawu, Leonard Ratner, Robert Hatten e
Raymond Monelle sobre a música europeia dos períodos clássico e romântico, Acácio Piedade
(2011) propõe algumas tópicas 10 específicas da música brasileira. Adaptando sua proposta,
podemos interpretar os elementos musicais há pouco descritos como tópicas nordestinas.
Os momentos de agitação são marcados por uma textura mais densa, dissonante, com
intervenções dos metais, numa tentativa de ilustrar a paisagem sonora da Ilhéus em modernização
que, numa livre adaptação da proposta de Piedade, aqui chamo tópica urbana. Outro aspecto
musical que contribui para a “crônica de uma cidade do interior”, subtítulo do romance, é a
presença, na orquestração, de instrumentos mais associados às bandas de música (chamadas
“bandas filarmónicas” em Portugal), como o sarussofone contrabaixo – que pode ser substituído
por saxofone alto em Mi♭ – e o saxofone, além de uma grande variedade de instrumentos de
percussão, o que também pode ser associado ao que Piedade chama tópicas “época de ouro”.
José Paulo Paes, no ensaio Arte de mestre ([1991] 2012) 11 , destaca no romance a
justaposição de duas linhas narrativas: uma coletiva, centrada na luta entre o exportador de cacau

9
Reminiscências do comentário de Guerra-Peixe, em carta de 28 de maio de 1958, podem ter servido de
inspiração a Lopes-Graça para o uso desse recurso de orquestração: “Ontem o ‘Quarteto de Cordas
Municipal’, de São Paulo, executou o meu QUARTETO N. 2 […] Baseado nas escalas nordestinas (escalas
medievais e outra de origem africana), a coisa é completamente diversa disso que está na SUÍTE N. 1. No
começo, o público se assustou com a obra. Não por causa de dissonâncias, que não são muitas, mas, parece-
me, por causa do caráter um tanto áspero e estranho de um toque do segundo violino, imitando a rabeca
nordestina... Finalmente, o público foi aceitando o negócio e a música foi aplaudida”. Não sabemos se Lopes-
Graça dispunha desta partitura, mas podemos observar que Guerra-Peixe enfatizou, no seu quarteto, não
apenas o elemento tímbrico, a partir das articulações acentuadas com o talão do arco, mas também buscou
retratar os pedais com cordas soltas, muito frequentes no idiomatismo da rabeca nos dois países. Lopes-Graça
certamente teve contato com a rabeca em Portugal durante as pesquisas realizadas em parceria com o
etnólogo corso Michel Giacometti. Um exemplo é a chula recolhida no concelho de Resende (Viseu),
reproduzida no primeiro volume da antologia de discos Música Regional Portuguesa (LOPES-GRAÇA,
GIACOMETTI, [c.1968-1970] 2008).
10
Segundo o referido autor (2011: 103), uma possível definição de tópicas seria “elementos e figurações
musicais [rítmicos, melódicos, harmônicos, tímbricos ou uma combinação destes] que […] carregam consigo
nexos socioculturais e históricos que, de alguma forma, são experimentados [e, pode-se dizer, compartilhados]
pelos músicos e audiências”.
11
Republicado como posfácio à edição de 2012 de Gabriela pela Companhia das Letras.

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Mundinho Falcão e os coronéis, representados por Ramiro Bastos, e uma individual, centrada no
romance entre Nacib e Gabriela. Tal duplicidade faz-se também presente no título, cuja primeira
parte traz o nome da protagonista e a segunda tem como foco os acontecimentos da cidade.
Confluem e dialogam, segundo o referido autor, as questões da sujeição/libertação feminina e do
atraso/progresso urbano. No presente artigo, concentramo-nos na primeira questão, porém sem
desconsiderar a segunda, dado que esta confluência também se verifica no plano musical.
Para o ouvinte familiarizado com o repertório operístico, destaca-se na abertura a
referência à Habanera da ópera Carmen de Georges Bizet, mais precisamente o refrão “Prends
garde à toi!” (Toma cuidado!) entoado pelo coro, que, em Gabriela, é repetido três vezes,
alternando saxofone alto e cordas agudas com cordas e madeiras graves (c. 81 a 83), e volta a
aparecer claramente no saxofone no compasso 100. Apesar de reconhecível, não se trata de uma
citação literal em termos intervalares, mas ligeiramente modificada, com uma quarta justa, uma
terça maior e uma terça menor, em vez de uma quarta justa seguida de duas segundas maiores,
como no original12.

Fig. 5: Primeira aparição do “tema” de Gabriela (c. 78 a 83).

Fig. 6: Refrão “Prends garde à toi!” da Habanera de Bizet (BIZET [1877]: 51).

Uma análise mais atenta leva a perceber a célula rítmica base da habanera – com ligeiras
modificações – como elemento estruturador de toda a partitura, presente também nas tópicas
nordestinas13 e circenses – de que falaremos mais adiante –, embora com diferentes desenhos
melódico-harmônicos. Temos aqui uma curiosa situação: a habanera como ritmo de dança e, mais

12
O prends garde à toi original, por sua vez, é semelhante ao início do refrão L’amour est un enfant de Bohème
(quatro primeiras notas, iniciando-se, porém, por uma quinta justa, inversão da quarta).
13
A associação entre a habanera e a tópica nordestina que aqui destaco dá-se pelo uso de uma das variantes
da célula rítmica-base desta dança em um excerto de violoncelos soli que evoca a chegada dos retirantes a
Ilhéus. A harmonia modal e o andamento lento desse trecho dificultam a percepção do ritmo de habanera, o
que possivelmente levou, no processo de avaliação deste artigo, ao questionamento da pertinência da relação
aqui proposta. Mantive o argumento buscando melhor esclarecê-lo nos parágrafos que se seguem. A mesma
relação estabelece-se em outros trechos que evocam a música nordestina, como o de flauta e piccolo imitando
pífaros.

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especificamente, o excerto da Habanera de Carmen são percebidos como tópica, no sentido de


elemento significativo, que se destaca na escuta superficial, nos trechos entre os compassos 78 e
8314 e 97 e 102 (excerto entre 2’50” e 3’50” da gravação), este último com uma sensível variação
agógica que, adaptando o termo de Raymond Monelle (2000), poderíamos denominar uma tópica
disfórica da habanera.
Se, por um lado, no início da peça, a presença dos tímpanos e uma maior regularidade
agógica remetem para a habanera, a intrincada mistura de referências culturais acaba por destacar,
entre os compassos 12 e 14, o elemento nordestino, num excerto que faz pensar na chegada dos
retirantes à cidade, em passo lento e cansado, o que dificulta a percepção do elemento habanera
enquanto tópica.

Fig. 7: Célula rítmica da habanera “escondida” na tópica nordestina


(3 violoncelos soli “imitando” rabecas, c. 12 a 14).

Em seu livro Palimpsestes: la litérature au second degré (1982), Gérard Genette propõe um
estudo das obras literárias a partir do conceito de transtextualidade, que define como
“transcendência textual do texto […], tudo o que o põe em relação, manifesta ou secreta, com
outros textos” 15 (GENETTE, 1982: 7, tradução nossa).
No ensaio La musique au second degré (2015), clara referência ao livro de Genette, Paulo
Ferreira de Castro traça um breve histórico do conceito de transtextualidade, desenvolvido a
partir da noção mais ampla de intertextualidade, termo que foi pela primeira vez utilizado por
volta de 1966 por Julia Kristeva, no contexto da teoria literária pós-estruturalista. A estudiosa
estava à época bastante envolvida com a noção de dialogismo de Mikhail Bakhtin. No mesmo
período, Michel Foucault, sem usar diretamente a palavra intertextualidade, em seu livro A
arqueologia do saber ([1969] 1995), destacava as “fronteiras abertas” dos livros e a sua inserção
numa rede de referências a outros livros. O termo logo passou a ser utilizado por outros
estudiosos, principalmente franceses, por exemplo Roland Barthes, para se referir à presença, em
qualquer texto, de diferentes textos.
Segundo Castro (2015), essa forma de ver a relação entre os textos reflete uma

[…] tendência generalizada nos estudos literários e culturais a afastar-se da


noção herdada do texto – ou da obra de arte – como um objeto unitário,
autocontido e, num sentido pleno, autônomo e original, em direção a uma visão
que enfatiza a natureza relacional de todas as produções culturais16 (CASTRO,
2015: 83, tradução nossa).

14
Com um breve “aviso” nos compassos 63 e 64.
15
“[…] transcendance textuelle du texte […] tout ce qui le met em relation, manifeste ou secrète, avec
d’autres textes” (GENETTE, 1982: 7).
16
“[…] widespread tendency in literary and cultural studies to move away from the inherited notion of the
text—or the work of art—as a unitary, self-contained and, in a strong sense, autonomous and original object,
toward a view that emphasizes the relational nature of all cultural productions” (CASTRO, 2015: 83).

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Genette identifica cinco tipos de relações transtextuais. À primeira categoria o autor


chama intertextualidade, referindo-se à presença literal de um texto em outro. A
intertextualidade englobaria, portanto, os processos de citação, plágio e alusão. Em sua descrição
de tais categorias, na busca de uma adaptação à linguagem musical, Castro acrescenta ainda os
procedimentos de colagem.
A segunda categoria é a da paratextualidade. Genette (1987: 3, tradução nossa) define
paratextos como “um conjunto de produções, verbais ou não […], que compõem o entorno de
um texto e o prolongam para o apresentar e o tornar presente, garantindo sua recepção e
consumo”17. Temos uma definição mais didática do termo nos próprios paratextos (prefácio e
contracapa) elaborados por Richard Macksey para a tradução inglesa (1997: xviii, tradução nossa)
como “dispositivos e convenções liminares dentro [peritexto] e fora [epitexto] do livro que
formam parte da complexa mediação entre livro, autor, editor e leitor”18. Seriam os títulos,
subtítulos, prefácios, notas de rodapé, epígrafes, sinopses, notas de publicidade etc. No caso da
música, deve-se destacar ainda nessa relação o papel das indicações textuais de caráter e
andamento (peritexto)19.
Metatextualidade, isto é, o comentário, crítica ou discussão do texto em outros textos,
define a terceira categoria. A quarta categoria de relações é a da hipertextualidade, isto é, o
desenvolvimento de um hipertexto (B) a partir de um hipotexto (A) preexistente, por meio de
um princípio de transformação. Finalmente, temos a relação de arquitextualidade – situada,
segundo Serge Lacasse (2008: 12), no nível mais abstrato. Trata-se das categorias mais gerais
(estilo, gênero, modo de enunciação) que envolvem, segundo Castro (2015: 85), a expectativa do
leitor.
Castro (2015: 88, tradução nossa) destaca o alerta do próprio Genette para a
interconexão entre tais categorias e sua natureza de “ferramentas heurísticas, cujo valor último
pode ser aferido apenas em situações analíticas e interpretativas concretas”20 Tomando como
base a leitura da teoria das relações transtextuais de Genette por Paulo Ferreira de Castro e suas
sugestões de adaptação à análise musical, poder-se-ia dizer que temos na abertura uma relação de
hipertextualidade. Gabriela é desenvolvida a partir da Habanera de Bizet, embora de uma forma
aparentemente difusa em que se misturam as referências a essa peça específica e à habanera como
gênero de canção e dança. Exploraremos melhor esse aspecto mais adiante.
Concentremo-nos no momento onde juntamos Gabriela e Carmen: o primeiro excerto
(c. 78 a 81) traz nas cordas e no saxofone alto, com a marcação da percussão, o que denomino o
“tema” de Gabriela – embora se trate de uma frase de sentido bastante suspensivo – baseado no
motivo do prends garde à toi. Interpreto este trecho como a “impressão” da chegada de Gabriela
pela população ilheuense, notadamente a masculina, que já se começa a seduzir. Susan McClary,

17
“[…] un certain nombre de productions, eles-mêmes verbales ou non, […] qui en tout cas l’entourent et le
prolongent, précisément pour le présenter, au sens habituel de ce verbe, mais aussi en son sens le plus fort:
pour le rendre présent, pour assurer as présence au monde, as “réception” et as consommation […]”
(GENETTE, 1987: 3).
18
“Paratexts are those liminal devices and conventions, both within and outside the book, that form part of
the complex mediation between book, author, publisher, and reader” (MACKSEY, 1997: xviii).
19
Castro (2015) destaca ainda, no caso da música, a relação transmidiática entre texto e paratexto, uma vez
que este assume normalmente a forma linguística ou visual.
20
“[…] heuristic tools, whose ultimate value can only be gauged in concrete analytic and interpretative
situations” (CASTRO, 2015: 88).

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sobre Carmen, observa a associação entre a incitação do desejo e um padrão rítmico de dança,
que, em suas palavras, “envolve a parte inferior do corpo, exigindo meneios dos quadris em
resposta”21 (2002: 57-58, tradução nossa). Podemos dizer o mesmo sobre a “sorridente e
meneante Gabriela” (nas palavras de Freitas Branco), embora não da mesma maneira.
O referido excerto musical traz, à partida – utilizando mais uma vez os termos de
Genette –, um paratexto: a seção inicia-se com a indicação de caráter lusingando, expressão
italiana que pode ter os sentidos de “adulando, seduzindo, acariciando” (GROVE, [2001]). A
escolha da palavra faz traçar um paralelo com a sedução de Carmen, mas já indica uma sedução
diversa, não o impacto da cigana dominatrix e femme fatale (McCLARY, 2002. LOCKE, 2009), mas
uma sedução gentil, mais sutil e graciosa. Podemos interpretar o excerto entre os compassos 97 e
102 como um olhar mais detalhado de Lopes-Graça sobre Gabriela. Numa textura menos densa,
seu “tema” é trazido agora por um saxofone solo, instrumento cuja associação à sensualidade é
referida nos dois encartes que acompanham as gravações, erotismo que, conforme destaca Ralph
Locke, está também carregado de exotismo 22 . O solo de Gabriela é imitado
contrapontisticamente por uma trompa (Fig. 8), que se poderia talvez entender como um homem
seduzido que a segue.

Fig. 8: Segunda aparição do tema de Gabriela (c. 97 a 102).

21
“[…] engages the lower body, demanding hip swings in response” (MCCLARY, 2002: 57-58).
22
Lembremo-nos, por exemplo, da proeminência desse instrumento no Boléro, de Maurice Ravel, composto
originalmente para um balé de caráter espanhol da coreógrafa Ida Rubinstein, recebido à época como
altamente escandaloso.

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Além do erotismo e do exotismo, outro traço da personalidade de Gabriela é aqui


sugerido: o seu jeito um tanto desengonçado, representado pelo ritmo defasado do chocalho.
Considerando-se os excertos mais estreitamente relacionados à ária da personagem de Bizet, à luz
da adaptação da teoria de Genette proposta por Castro, podemos dizer que Lopes-Graça realiza
aqui uma paródia – transformação lúdica – da Habanera, sugerindo uma Gabriela que é uma
“Carmen desajeitada”. Não quero dizer, com isso, que o compositor português pretenda
inferiorizar a personagem amadiana. Entendo, na verdade, como uma cúmplice brincadeira com as
referências prévias do ouvinte, na tentativa de criar um retrato o mais sutil possível da personagem.
Outra característica presente na abertura é a ingenuidade infantil de Gabriela, representada
por frases rápidas das flautas e piccoli e pelo que chamo “tópicas circenses” (excerto entre os
compassos 174 com anacruse e 201 – entre 5’40” e 6’25” da gravação). Proponho interpretar a
densa e movimentada textura nas cordas, madeiras e percussão, com a referência proeminente do
prends garde à toi pelos metais, compreendida entre os compassos 174 e 183 como o “alvoroço”
da chegada do circo à cidade. O ritmo sincopado numa textura um pouco menos densa, de cordas,
metais, madeiras graves e percussão pode ser entendido como uma referência aos desengonçados
palhaços (c. 183 a 186). Podemos talvez entender, por sua vez, o progressivo adensamento da
textura, em legato e predomínio de cordas e madeiras como as graciosas bailarinas.
A participação dos instrumentos de sopro e percussão nesses trechos pode também ser
entendida como um pastiche (imitação lúdica de um estilo) da música circense.
As intervenções mais ligeiras de flautas e percussão ao longo da peça poderiam ainda ser
relacionadas às Pastorinhas, folguedo tradicional nordestino ligado ao período do Natal e festas de
Reis. José Paulo Paes (2012: 327) identifica também em sua análise literária uma ética pastoral,
relacionada a uma oposição de base entre vida natural e artificial23, à qual associa os conceitos de
“bom selvagem”, proposto por Rousseau, e de “criança-juiz” – visão crítica das convenções a partir
da perspectiva da ingenuidade –, proposto por William Empson em seu estudo da personagem
Alice, de Lewis Carroll.
No romance, o fascínio pelo circo e pelas Pastorinhas desencadeia fugas de Gabriela de sua
condição de “senhora dona”, já casada com seu antigo patrão Nacib, as quais constituem
momentos marcantes de alegria infantil associada ao seu desejo de liberdade, outro de seus traços
marcantes.

Gabriela não enxergava mais nada além do terno de reis, das pastoras com suas
lanternas, Nilo com seu apito, Miquelina com o estandarte. Não via Nacib, não
via Tonico, não via ninguém. Nem mesmo a cunhada de nariz insolente. Seu Nilo
apitava, as pastoras formavam, o bumba meu boi já ia adiante. Outra vez apitava,
as pastoras dançavam, Miquelina volteava o estandarte na noite. “As pastorinhas
já vão noutra parte cantar...”. Iam noutra parte cantar, pelas ruas dançar. Gabriela
descalçou os sapatos, correu para a frente, arrancou o estandarte das mãos de
Miquelina. Seu corpo rolou, suas ancas partiram, seus pés libertados a dança
criaram. O terno marchava, a cunhada exclamou: “Oh!” (AMADO, [1958] 2012:
271-272).

23
Associada imprecisamente, segundo o autor, à ideia de cidade e campo, visto que a protagonista não
demonstra nostalgia de sua terra ou arrependimento pelo êxodo rural.

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Prends garde à toi! Cave carmen! O nome da cigana, além de referir a Carmo e carmim,
relaciona-se com a palavra latina que significa charme, encanto, feitiço. Se o fascínio hipnotizante
de que ambas têm consciência é orgulhosamente usado por Carmen como instrumento de
dominação (McCLARY, 2002), para Gabriela é algo que simplesmente não consegue evitar.
Ambas querem gozar os prazeres da vida em plena liberdade, dançar a seguidilla, beber a
manzanilla24, ou brincar nos folguedos populares. Se Carmen faz questão de escolher ao seu bel
prazer os seus parceiros sexuais, Gabriela relaciona-se apenas com o bonachão Nacib no período
anterior ao casamento25, não pelas convenções sociais, mas por ter prazer e satisfazer-se, tanto
no aspecto afetivo quanto sexual. Casou-se por insistência do comerciante, sem qualquer
interesse de ascensão social.
Segundo Susan McClary, o fato de Carmen ser uma mulher desafiadora das convenções
sociais e morais faz de seu assassinato condição inevitável na trama do escritor Merimée e
posteriormente de Bizet. O mesmo se pode dizer da morte de Maria, em Wozzeck, de Alban
Berg, referida por João de Freitas Branco na, em suas palavras, “mais voluntariamente enganadora
e completamente eficaz preparação do final” de Gabriela (compassos 212 a 242, excerto a partir
de 6’30” da gravação).

Engendra-se uma atmosfera expressionista, “mittel-europeia”. Nove das onze


[sic] notas da escala cromática entram nesse acorde. Será que no calor dos
trópicos a nossa Gabriela, tão espontânea, e natural, e pura nos seus atropelos
cívicos se transformou numa outra Maria, a sucumbir nas mãos dum alucinado
Wozzeck? Nada disso. Uma dúzia de compassos em allegro non troppo bastam a
explicar-nos que era tudo brincadeira. O si bemol vibrado com toda a alma do
timpaneiro dá o sinal ao director de palco. Atenção: acabou a abertura, vai subir
o pano (FREITAS BRANCO, 1967).

É o chamado anticlímax, marca estilística de Lopes-Graça observada por Mário Vieira de


Carvalho (2006), que consiste em alterações inesperadas de dinâmica, harmonia ou caráter – caso
desta peça –, ou ainda finais de peças suspensivos, interrogativos, nas palavras do referido
musicólogo.
A espontânea Gabriela não pode ser “senhora dona”, mas pode divorciar-se e ser a
concubina de Nacib. Em consonância com a ironia amadiana, temos aqui uma crítica de Lopes-
Graça à hipocrisia de uma sociedade de rígida moral e costumes libertinos.
Curiosamente, como pude notar durante a apresentação de uma primeira versão do
texto deste artigo em um seminário durante meu estágio PDSE26 na Universidade Nova de Lisboa,
Gabriela foi percebida pelos colegas portugueses27 como portadora de uma leveza e irreverência
pouco comuns ao panorama geral da obra de Lopes-Graça, mais imediatamente associada às

24
Referência ao texto da Seguidilla, da ópera Carmen, de Bizet.
25
Gabriela inicia seu idílio com Nacib já desinteressada do agressivo Clemente e trai o comerciante com
Tonico Bastos apenas quando as regras sociais do malogrado matrimônio tornam a relação insustentável.
26
Sigla de “Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior”, programa da CAPES (Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) por meio do qual são concedidas bolsas para que doutorandos
de universidades brasileiras realizem parte de suas pesquisas em instituições estrangeiras. Realizei o referido
estágio no Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical, ligado à Faculdade de Ciências Sociais e
Humanas da Universidade Nova de Lisboa, de setembro de 2015 a julho de 2016.
27
Um destes colegas inclusive relatou ter sido aluno do compositor na Academia de Amadores de Música.

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ideias de seriedade e tensão. Conforme já mencionado, mesmo os choques intervalares, tão


presentes em sua escrita, apresentam-se aqui camuflados como elemento de rusticidade dos
pífaros imitados pelos piccoli. O anticlímax do “falso final” (anexo 2) talvez seja a única assinatura
perceptível do compositor. Justamente esse recurso é assinalado por Mário Vieira de Carvalho
(1987, 2012) como de intenção humorística (seja de matiz jocoso, irônico ou desafiador) em
diversas de suas obras, como, por exemplo, em Os adufes troam na romaria da Senhora da Póvoa de
Val-de-Lobo, das Viagens na minha Terra.

Habanera: instrumento consolidado de caracterização ou marca de exotismo?


Ao tentarmos verificar o papel do exotismo na abordagem musical de Lopes-Graça a
partir de seu uso da habanera – gênero e ária –, deparamo-nos com um cenário bastante
complexo. Segundo a entrada escrita por Frances Barulich e Jan Fairley no Dicionário Grove de
Música, a habanera é resultado de uma complexa rede de “ida e volta” estabelecida durante
séculos entre Cuba, outras ilhas da América Central e distintas regiões da Espanha, como a
Catalunha, a Andaluzia e as Ilhas Canárias, além da França e da Inglaterra. O gênero teria
influenciado o danzón cubano e o tango argentino, que, por sua vez, a influenciou de volta. Na
Espanha, foi absorvida na zarzuela. Acrescento o tango brasileiro ou maxixe, presente na obra de
compositores como Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, cuja audição muito influenciou as
Saudades do Brasil do francês Darius Milhaud, obra apontada por Sérgio Azevedo como outra
possível referência de Lopes-Graça.

Fig. 9: Uso do ritmo de habanera na mão esquerda do piano – início de Sorocaba,


de Saudades do Brasil, de Milhaud.

Também há que se destacar o parentesco da habanera com a dança afro-brasileira do


lundu (ou lundum), que teve grande popularidade em Portugal. A célula rítmica utilizada como
base por Lopes-Graça em Noutros tempos a Figueira da Foz dançava o lundum, das Viagens na minha
terra (1954), é a mesma da “habanera de Gabriela” e das tópicas nordestinas.

Fig. 10: Início de Noutros tempos a Figueira da Foz dançava o lundum, das Viagens na minha terra. Reprodução
do manuscrito autógrafo em Gama (2013: 4).

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Segundo Cacá Machado (2007: 108), a síncopa, nas Américas, constituiu-se, ao mesmo
tempo, como um fenômeno recorrente e singular. Diversos gêneros, como o danzón, o ragtime e
os tangos argentino e brasileiro desenvolveram-se a partir de deslocamentos rítmicos na
interpretação de gêneros europeus, como a contradança e a polca, todos, segundo o autor, “sob
o signo da síncopa”. Na seção do Ensaio sobre música brasileira dedicada ao ritmo, Mário de
Andrade argumenta que, ao chegar às Américas, a síncopa europeia teria se convertido de
elemento de exceção em norma, isto é, de contratempo que gera irregularidade e surpresa em
elemento recorrente, percebido como regular e constituinte da identidade rítmica. Para o
referido autor, a síncopa na música brasileira seria fruto de um frágil equilíbrio entre a síncopa
tradicional (pensada a partir da divisão de tempos na quadratura do compasso) e a síncopa “livre”
(que tem como base a adição de tempos, sem se prender a um determinado compasso). A
intuição de Mário seria corroborada pelo trabalho de Carlos Sandroni sobre o samba (2001), a
partir dos conceitos de cometricidade (quando o ritmo confirma o fundo métrico constante) e
contrametricidade (quando o ritmo contradiz o fundo métrico constante) propostos por
Mieczyslaw Kolinski em seu estudo do jogo de paridades e imparidades rítmicas na música centro-
africana.
Conforme observa Machado (2007: 113), “a padronização da síncopa característica pelas
casas editoras de partituras no final do Oitocentos criou uma equivalência entre os gêneros
sincopados sob o signo nacional”. Isso era percebido por diversas personalidades do meio musical
letrado no início do século XX, como Mário e o também já citado Darius Milhaud, que, durante
sua passagem pelo Brasil, ficou profundamente intrigado com tais sutilezas, esse “pequeno nada”
que o papel não captava e que provavelmente só seus ouvidos puderam ajudar a apreender.
E quanto ao exotismo em Carmen? Quão espanhol, quão andaluz é o uso pelo francês
Bizet da habanera, reconhecida, ainda que imprecisamente, na partitura como baseada na canção
El arreglito, do basco Sebastián Yradier?28
É certo que, em Gabriela, as referências à ária de Carmen e o uso do paradigma rítmico do
tresillo29 contribuem, conforme já mencionei, para o jogo com as referências prévias do ouvinte,
levando-o a estabelecer relações entre as duas personagens. Creio, porém, que seria apressado
qualificar como exótica a abordagem de Lopes-Graça partindo simplesmente da consideração do
material temático utilizado, uma vez que a difusão mundial, tanto da ópera quanto do ritmo, na
qual o exotismo não deixa de ter um importante papel, contribuiu para diluir, naturalizar esse
mesmo exotismo.
Outro dado importante é a associação, na habanera como gênero de canção cubana, à
figura sensual da mulata (BARULICH; FAIRLEY, 2001). A relação entre exotismo, erotismo e pele
escura (ou outras diferenças étnicas) também é destacada por McClary e Locke na análise de

28
Na primeira edição, é indicado apenas “Imitée d’une chanson espagnole. Propriété des Éditeurs du
Ménestrel” (Imitada de uma canção espanhola. Propriedade dos Éditeurs du Ménestrel).
29
O tresillo é um termo que caracteriza um paradigma rítmico que pode ser entendido tanto como uma
subdivisão dos ritmos binários em oito unidades, agrupadas em três, três e dois, ou, mais precisamente, de

maneira aditiva, como um agrupamento de três articulações, sendo as duas primeiras mais longas .

Fórmulas como , referida por Mário de Andrade como síncopa característica, e , conhecida
como ritmo de habanera, são consideradas variantes desse padrão. Conforme discutido anteriormente, esse
padrão rítmico não é exclusivo da habanera, estando presente em diversos gêneros ibero-afro-americanos,
com sutis diferenças agógicas. Para mais informações, cf. Sandroni (2002).

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diversas óperas, como Carmen e Samson et Dalila, de Camille Saint-Saëns; Aida, de Giuseppe Verdi,
e até mesmo Madama Butterfly, de Giacomo Puccini.
E quanto ao (auto)exotismo em Jorge Amado, que não deixa de dar à sua protagonista um
apelido de especiaria oriental que, por sua vez, se relaciona à sua cor, constantemente referida ora
como mulata, ora como morena, e de falar sempre no árabe (ou sírio, ou turco, como
erroneamente o chamavam) Nacib, destacando também no marido-patrão sua condição de
outro30?
Consciente ou inconscientemente, o exotismo (e seu frequente companheiro, o
erotismo) teve, tanto ou mais que a propalada universalidade de sua obra, papel determinante na
popularidade por ela alcançada31, que resultaria em traduções de Gabriela para 32 idiomas, e, além
da abertura de Lopes-Graça, numa canção de Milton Nascimento, um samba-enredo da escola
Estácio de Sá em 1969, três adaptações teledramatúrgicas, uma cinematográfica, um espetáculo de
dança, uma fotonovela, uma história em quadrinhos e um espetáculo de teatro musical 32
(FUNDAÇÃO).
Podemos pensar que, buscando um retrato o mais próximo possível do livro e,
consequentemente, mais sutil da personagem e do que a cerca, Lopes-Graça teria se afastado ou,
ao menos, estaria munido de uma atitude crítica ao exotismo. Apesar da discussão, já presente em
seus textos e pronunciamentos, sobre a construção ideológica do termo “universal”, atribuído à
música de determinados países centrais da Europa, a aproximação composicional a uma obra já
consagrada pode ser entendida como uma busca de visibilidade e “universalidade” (no sentido de
alcance da mensagem), em resistência a uma posição de subalternidade e relativa ausência da
música de concerto, tanto brasileira quanto portuguesa.

Considerações finais
Em Gabriela, Lopes-Graça apresenta, a partir de um complexo tecido de referências e
relações, uma detalhada ambientação do cenário e de suas transformações e caracterização das
personagens, notadamente da protagonista. Por meio do anticlímax, o compositor realiza, fiel ao
espírito amadiano, uma crítica à hipocrisia da sociedade, com um resultado sonoro que revela um
humor pouco associado ao seu estilo.
A leitura e a escuta mediadas por referências contemporâneas acabam por destacar,
paralelamente à crítica social, uma crítica de gênero, dado surpreendente ao se considerar
criações de autores homens, ainda no início da segunda metade do século XX, entre cujas
preocupações conscientes esta não costuma ser apontada.

30
A propósito, a sensualidade ou o apelo aos sentidos também se fazem presentes na obra através da
valorização dos aromas e da culinária, associados por José Paulo Paes ao que Bakhtin denominava, em seu
estudo de Rabelais, o “antigo complexo folclórico” onde haveria uma equiponderância e indistinção de valores
materiais e espirituais – corpo, vestuário, alimentação, bebida, embriaguez, sexo, morte, excrementos.
31
Gabriela é tratada por grande parte dos estudiosos como romance de transição de uma fase de explícita e
dura crítica social para uma mais irônica e bem-humorada, com personagens mais sutis. Segundo Benedito
Veiga (2003), os críticos da época dividiram-se entre os que viam esse momento como afrouxamento ou
como apuração da crítica social do autor. Os primeiros destacavam o exotismo no romance como um recurso
de apelo à popularidade fácil.
32
Acrescentei à listagem constante no site da Fundação Casa de Jorge Amado, além da própria abertura de
Lopes-Graça, que ali não está indicada, a minissérie produzida pela Rede Globo no ano de 2012, a canção de
Milton Nascimento e o musical de autoria João Falcão, estreado em 2016.

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O exotismo, se por um lado, é construído a partir de referências que, de tão difundidas,


naturalizam-se, por outro confere interesse às obras em apreço e, no caso do romance, tem sido
determinante para sua enorme popularidade.
Por último, mas não menos importante, deve-se destacar a busca de universalidade,
preocupação declarada de ambos os artistas e que se manifesta, no caso da abertura, no paralelo
proposto entre Gabriela e Carmen, figura de histórica projeção na literatura operística.

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Anexo 1 – “Abrir do pano” em Gabriela – grade completa. Edição da autora a partir


do manuscrito autógrafo (LOPES-GRAÇA, 1963)

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Anexo 2: Subversão musical da “morte necessária” (anticlímax) em


Gabriela (c. 212 a 242)

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Guilhermina Maria Lopes de Carvalho Santos é doutora em Música pela UNICAMP, sob
orientação da prof. Dra. Lenita Nogueira. Entre 2015 e 2016, realizou um estágio PDSE-CAPES
no Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical da Universidade Nova de Lisboa, sob a
coorientação do prof. Dr. Mário Vieira de Carvalho. Participante do projeto temático O Musicar
Local (FAPESP – UNICAMP/USP), investigadora colaboradora do CESEM-UNL e segunda-
secretária da ABET, gestão 2017-2019. Escreve crítica musical para a revista Glosas. Principais
publicações: “O local nos musicares de Fernando Lopes-Graça” (Debates, n. 19), “Mostrando a
casa ao visitante: a visão de seis compositores sobre a música no Brasil em entrevista a Fernando
Lopes-Graça” (III Encontro Iberoamericano de Jovens Musicólogos – Sevilha, 2016), “Desafio:
retrato [de um] desconstelizador” (Colóquio Internacional Voz no Palco – Lisboa, 2016), “As
Dezassete Canções Tradicionais Brasileiras: homenagem de um nacionalista da contracorrente ao
país irmão” (International Conference Music and shared imaginaries: Nationalisms
Communities and Choral Singing – Aveiro, 2014). [email protected]

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