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Genes

fatos e fantasias

Eloi S. Garcia

SciELO Books / SciELO Livros / SciELO Libros

GARCIA, E.S. Genes: fatos e fantasias [online]. Rio de Janeiro: Editora


FIOCRUZ, 2006, 124 p. ISBN: 978-65-5708-102-0.
https://doi.org/10.7476/9786557081020.

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EDITORA F1OCRUZ

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Editor Executivo
joão Carlos Canossa Pereira Mendes

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Conselho Editorial
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Pedro Lagerblad de Oliveira
Ricardo Lourenço de Oliveira
Ci5N5S
Fíltos e Fíl VvtílsLíls

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FIOCRUZ
Copyright© 2006 do autor
Todos os direitos desta edição reservados à
F'l.JNDAÇÃO ÜSWALDO CRUZ/ EDITORA F!OCRUZ

ISBN: 85-7541-107-1

Capa, Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica:


Guilherme Ashton

Revisão e Copidesque:
Janaina de Souza Silva

Catalogação na fonte
Centro de Informação Científica e Tecnológica
Biblioteca da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca
G216g Garcia, Eloi S.
Genes: fatos e fantasias./ Eloi S. Garcia. Rio de Janeiro: Editora
FIOCRUZ, 2006.
124 p.

1. Genômica. 2. Proteôrnica. 3. Projeto genoma humano. 4. Clonagem


humana. 5. Biodiversidade. 6. Biotecnologia. I. Título.

CDD - 20.ed. - 611.01816

2006
EDITORA F!OCRUZ
Av. Brasil, 4036 - 12 andar - sala 112 - Manguinhos
21040-361 - Rio de Janeiro - RJ
Tels.: (21) 3882-9039 e 3882-9041
Telefax: (21) 3882-9006
http://www.fiocruz.br/editora
e-mail: [email protected]
Este livro é dedicado a todos aqueles
que participaram de minha carreira científica e
dividiram comigo a bancada do laboratório.
Prefácio ......................................................................................... 9

Apresentação ............................................................................... 11

1. Genômica e Proteômica .......................................................... 13

2. Genômica Comparada ............................................................ 51

3. Genômica Funcional ............................................................... 65


4. Manipulação Genética ............................................................ 79

5. Agricultura e Genes ............................................................... 107

ConsideraçõesFinais: genes e responsabilidade ....................... 117


Bibliografia ................................................................................ 123
Há combinações de talentos que são dificilmente encontrados concentrados
em uma única pessoa. Eloi S. Garcia é um destes raros indivíduos. Cientista
capaz, homem de bancada, pensador sábio e mestre que sabe cativar seus
aprendizes, ensinando-os a destrinçar com tranqüilidade as aparentes
complexidades das ciências biológicas.
Como se não fossem suficientes estas qualidades, Eloi também provou ser
administrador competente, que soube conduzir grandes instituições de forma
produtiva através dos fortes ventos das intrigas políticas exacerbadas pela escassez
de recursos.
O bom uso destes talentos permitiu-lhe imiscuir-se de forma ativa e produtiva
nas diversas facetas de uma das maiores revoluções de nossos tempos, a revolução
dos genes. Pessoas como ele enxergam o mundo sem preconceitos, encarando
com coragem os desafios hoje existentes para a biologia molecular, bem como
seus aspectos benéficos, críticos e seus riscos para a sociedade.
Em Genes: Jatos e fantasias, Eloi S. Garcia discursa de forma sucinta os
principais temas centrais desta revolução, procurando despertar o interesse do
leitor, afugentando o medo que o desconhecido desperta em todos nós.
Cada capítulo explora de forma sintética, mas com uma linguagem acessível
ao grande público, a importância das novas descobertas e seu impacto não só
no mundo acadêmico, mas principalmente na sociedade como um todo. Parabéns
ao autor por mais este livro de divulgação científica.

Leopoldo de Méis
Professor Titular de Bioquímica Médica da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
e Membro da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

9
Este é um livro sobre a fronteira entre ciência e tecnologia que focaliza as
novas idéias da era pós-genômica. Muitas pessoas acreditam que a ciência
genômica está muito distante de seu cotidiano e da vida que levam. Isto não é
verdade! O progresso científico invade as nossas vidas, afeta nossas decisões
mais simples, influencia nossas escolhas, nossos hábitos alimentares, os
medicamentos de que dispomos. A ciência deve ser vista com mais compreensão
pela sociedade.
Para o público, a ciência é imutável, completamente racional, objetiva,
metodológica e livre das influências políticas e sociais. Ciência não é somente
evidência e método, também é intuição e criatividade. Assim, a revolução gênica
oferece novas e extraordinárias possibilidades para a prevenção e tratamento de
patologias, bem como para compreender como os organismos interagem entre
si e com o ambiente.
A ciência, às vezes, pode tornar-se de difícil entendimento devido ao fato de
os cientistas utilizarem freqüentemente uma linguagem técnica, geralmente
complicada, e falarem sobre assuntos abstratos para o leigo. Para não dificultar
a leitura deste livro, as informações científicas contidas nos capítulos procuram
introduzir idéias e hipóteses atuais, apresentadas em linguagem clara, simples
e direta, por vezes, contundente, mas de fácil compreensão.
Numa época de discussão e polêmica acerca das aplicações da biologia
molecular, a ciência não está imune à fascinação pública obtida com os últimos
avanços da genômica e proteômica. Assim, os temas apresentados discutem as
maravilhas da máquina celular. Os artigos dão ênfase à genômica estrutural,
comparada e funcional, sistemas biológicos, bioinformática, proteômica,
dinâmica das proteínas, farmacogenômica, clonagem, transgênese, além de
demonstrarem as oportunidades na era da nova biotecnologia.

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Às vezes, é preciso deixar a euforia de lado e analisar com cautela processos
que julgamos já ter compreendido completamente. O desenvolvimento da ciência
e da tecnologia na era pós-genômica tem controvérsia e cria questões éticas e
morais que também são consideradas neste livro.
Sem um debate livre e amplo, até pesquisas importantes podem tornar-se
suspeitas. A opinião pública informada e consciente é meio caminho andado
para o sucesso e para a aceitação de uma inovação vinculada à ciência e tecnologia.
É fundamental que a sociedade participe do debate e compreenda os impactos
da ciência para o futuro da humanidade. Esta é mais uma boa oportunidade
para analisar mais profundamente a relação entre ciência e sociedade.

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1

Genômica é o estudo dos genes de um organismo bem como das suas funções
e interações. A genômica está estimulando a descoberta de novos tratamentos
médicos e revelando milhares de novos alvos biológicos (locais de ação de
medicamentos) que podem servir para a criação de medicamentos, vacinas e
diagnósticos.
Proteômica é um campo emergente que estuda todas as proteínas produzidas
pelas células. Este estudo envolve a classificação,caracterização, variações e interações
bioquímicas estruturais das proteínas em suas condições normais ou patológicas.

A pesquisa moderna na genética começou quando Francis Crick com James


Watson, após uma caminhada que fizeram até um pub inglês, anunciaram que
tinham descoberto 'o segredo da vida'. Desde a descoberta da estrutura do DNA
por Watson e Crick, o interesse acadêmico e da indústria biotecnológica pela
biologia molecular vem progressivamente aumentando. Nos últimos três anos, esse
crescimento se refletiu na mídia, como foi o caso do projeto genoma humano.
Após os anos 70, a biologia molecular começou a tomar conta da pesquisa da área
biomédica. Tudo tinha de ser compreendido completamente no nível molecular, se
possível no nível da genômica. A evolução da enfermidade, sua sintomatologia
e conseqüências eram reduzidas ao genoma humano ou do agente infeccioso.
Os estudos clínicos, bioquímicos, :fisiológicos,imunológicos e patológicos foram
perdendo a razão de existir, minimizados pelas investigações dos genes.
As notícias sobre as descobertas da genética molecular, por exemplo, têm
levado a sociedade à loucura. Um dia os cientistas encontram genes para asma
e para o câncer de pele. No outro dia, são descritos genes de doenças degenerativas
nervosas e de síndromes, como a hipertensão, obesidade e depressão. A anemia

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falciforme foi a primeira doença bem definida em termo molecular. Esta doença
é causada por uma anomalia na hemoglobina. O problema é devido a uma
simples proteína que foi identificada nos anos 40, seu defeito compreendido
nos anos 50 e sua estrutura tridimensional revelada nos anos 60.
Não resta dúvida de que a genômica, principalmente a comparada e funcional,
é fundamental para delinear o mecanismo biológico de uma patologia. A busca é
pelo desenvolvimento de um modelo animal que tenha a seqüência genética
mais similar à dos seres humanos. O alvo inicial é realizar modificações genéticas
que reflitam na célula ou tecido e o torne sensível, por exemplo, a um hormônio
ou a alguma droga que possa reverter a doença no modelo animal utilizado. Se
o tratamento funcionar nestes animais, daí então, deverá ser testado em seres
humanos.
Um dos objetivos almejados pelos pesquisadores é o de criar animais
transgênicos que possam desenvolver doenças humanas. Isto facilita a
investigação sobre alterações moleculares responsáveis pelas patologias e sobre
o efeito de drogas utilizadas na investigação. Distrofias musculares, degenerações
nervosas e de órgãos, doenças genéticas que afetam a espécie humana, podem
ser investigados em animais de laboratório ou animais domésticos transgênicos.
Doenças causadas por mutação genética podem ser graves, normalmente, levando
à morte milhares de jovens por deficiências respiratórias, imunológicas ou falhas
cardíacas. Várias dessas doenças não têm cura, e os cientistas estão procurando
maneiras de inserir nos pacientes os genes responsáveis para bloquear a evolução
da doença ou de buscar novos medicamentos para, pelo menos, amenizá-las.
Em alguns casos já se consegue inserir genes análogos em camundongos, mas
este modelo não reproduz exatamente a doença humana.
Na produção de um animal transgênico vários aspectos científicos necessitam
ser analisados com muito cuidado. Por exemplo, estão sendo desenvolvidos animais
transgênicos, como a cabra e a vaca, por serem considerados geneticamente
próximos aos humanos. Mas a preocupação é de que a modificação genética
desses animais possa refletir na qualidade do leite, que é um produto importante
em termos nutricionais e de geração de riqueza. É moralmente correto a
experimentação em animais como modelos de doenças humanas? É ético usar
animais em benefício do ser humano? Não devem ser tolerados experimentos
que agridam a ética humana e animal. Se o experimento for um sucesso e, por
exemplo, o animal produzir em seu leite uma proteína que beneficie o ser humano
com esclerose múltipla, é moralmente correto transformar criaturas vivas em
fábricas ou bio-reatores para a indústria farmacêutica humana?

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Este é um ponto complexo porque a maioria dos nossos genes não é
exclusivamente do ser humano. Noventa e oito por cento de nossos genes são
compartilhados com os chimpanzés, 90% com os ratos e camundongos, 36%
com os insetos, 23% com a levedura e 21 % com os vermes. O código genético
é essencialmente universal, contendo muitas informações similares em todas as
células de diferentes espécies. Ou seja, os genes ultrapassam a barreira das
espécies. Por exemplo, a insulina é composta de cerca de 150 aminoácidos, dos
quais somente cinco fazem a diferença da insulina humana para a suína. Assim,
se a insulina de porco for alterada para insulina humana pela transgênese, o
resultado é praticamente o mesmo.
Talvez, para a produção de animais transgênicos, devam ser considerados e
reconhecidos os nossos ancestrais mais próximos, que compartilham conosco
o maior número de genes. O progresso na compreensão de cada patologia
depende do sucesso do trabalho conjunto e multidisciplinar. Para a ciência, as
investigações sobre a genômica e da proteômica são da maior importância. No
entanto, as promessas exageradas publicadas nos jornais, revistas e programas
de rádio e televisão, do que a genômica e o projeto genoma humano podem
fazer, não são boas para a ciência biomédica.
Mas, nem tudo está nos genes. Se quisermos que essas áreas sejam benéficas
para a população há que se valorizar os bioquímicos, os fisiologistas, os farma -
cologistas, os imunologistas, os patologistas, os epidemiologistas, os
microbiologistas e tantos outros profissionais. Entre os anos 40-60 os cientistas
brasileiros estavam trabalhando na bioquímica das &ações celulares, células
intactas, organismos unicelulares, órgãos de animais e até do próprio homem.
Talvez esse período tenha sido considerado 'os anos de ouro' na utilização do
conhecimento gerado pela pesquisa básica e sua aplicação na melhoria da saúde
da população.
Não resta dúvida de que a medicina dos anos 60-70 era infinitamente melhor
do que a realizada nos anos 30. Neste período as soluções dos problemas vinham
de várias maneiras. Por exemplo, os sanitaristas que trabalhavam nos níveis
social, cultural, educacional e econômico ficaram responsáveis pelo controle
da doença de Chagas. A transmissão da enfermidade pelo vetor em nosso país
foi controlada há mais de 25 anos. Os especialistas em cultura de células e
tecidos se juntaram aos médicos e aos epidemiologistas e erradicaram a varíola
e a poliomielite do Brasil. Várias doenças infecciosas foram controladas pela
união dos microbiologistas e bioquímicos aos químicos e médicos.

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As infecções ocorriam na natureza devido à existência de bactérias, vírus,
fungos ou parasitas, e dependiam da interação molecular entre o germe e o
hospedeiro. Desde que Stanley Prusiner descobriu o príon em 1982, a medicina
passou a conviver com uma infecção sem um organismo patogênico. Existe um tipo
de doença cujo agente infeccioso é uma proteína, sem participação de organismos
infectantes. Esta patologia é fatal e apresenta formas diferentes de manifestação
nos seres humanos e animais. As partículas protéicas infecciosas são conhecidas
como príons, que são proteínas mal formadas capazes de se desenvolverem,
replicarem e passarem para células próximas. Além da manifestação da doença, os
príons também ocorrem naturalmente em alguns organismos (como a levedura)
e podem ter um importante papel no crescimento e desenvolvimento celular.
A descoberta de que proteínas podem transmitir doenças foi uma surpresa
para a comunidade científica. O que leva uma seqüência de aminoácidos que
induz os príons a se agregar e replicar e assim se perpetuar por gerações de
células? As proteínas que formam os príons existem normalmente como
componentes celulares normais, mas possuem uma habilidade inata para alterar
as estruturas tridimensionais de proteínas próximas, as quais mudam suas
funções e se tornam quase indestrutíveis. Os príons se propagam por este
mecanismo de induzir proteínas normais a modificar suas estruturas terciárias
espaciais e se transformarem nestas fortalezas moleculares.
Durante muitos anos acreditava-se na hipótese que o príon era uma única
proteína que poderia gerar diferentes tipos moleculares com variados graus de
infectividade. Recentes pesquisas estabeleceram que os príons podiam ser
decorrentes de estruturas mal formadas de uma mesma proteína. Esta descoberta
pôde esclarecer como os príons causam doenças nos seres humanos e animais.
Estes dados foram obtidos com príons de levedura, os quais são similares aos
príons de mamíferos que causa patologia fatal, destruindo o cérebro humano -
doença conhecida, em bovinos, como mal de Creutzfeldt-Jacob, encefalopatia
espongiforme, mal da vaca louca, e, em ovinos, como scrapie.
Com base nos dados dessas pesquisas foi levantada a hipótese de que os
príons transmitem suas características via interação proteína-proteína, na qual
um príon com conformação tridimensional anormal influencia sua contrapartida
a assumir o enovelamento irregular. Nos mamíferos, a infecção por príons
induz proteínas anormais, que formam massas insolúveis, que se aderem na
superfície dos neurônios levando a formações esponjosas.

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Os príons afetam diferentes regiões do cérebro. A morte das células nervosas
infectadas dá ao cérebro a aparência de uma esponja, daí o nome genérico da
doença, encefalopatia espongiforme. Em células de levedura a proteína príon
insolúvel não é letal; ela altera o metabolismo celular. Tanto os príons de
mamíferos como os de leveduras adotam conformações infecciosas similares,
caracterizadas pelo alto conteúdo de lâminas beta (43%), com de alfa-hélices
(30%). Estes agregados, conhecidos como amilóides, estão também associados
a várias doenças neuro-degenerativas de origem não infecciosa, incluindo
Alzheimer e Parkinson.
A produção de tipos diferentes de príons pode levar a conformações que
infectam espécies diferentes dos animais originalmente infectados. Vários
experimentos realizados demonstraram que cepas diferentes de príons de
levedura podem transmitir suas características estruturais específicas
simplesmente moldando outras proteínas. Estão sendo desenvolvidas técnicas
para produzir tipos específicos de proteínas príons de levedura variando a
temperatura na qual as proteínas enoveladas são novamente produzidas em
suas conformações infectivas.
Em tubos de ensaios os pesquisadores demonstraram que as conformações
produzidas nas proteínas, em diferentes temperaturas, propagaram suas estruturas
em tipos distintos de príons, provendo moldes em suas formas para o
enovelamento de outras proteínas. Estas proteínas de diferentes conformações,
quando introduzidas em células de levedura, induziram a produção de diferentes
tipos de príons, que passaram suas propriedades moleculares e biológicas a
várias gerações destas células. Este fato comprovou a hipótese de que a doença
da vaca louca e outras relacionadas são causadas somente por proteínas príons.
Extraindo as proteínas príons de gerações subseqüentes das células, verificou-
se que tais proteínas tinham as mesmas propriedades da proteína original que
infectou a levedura. A habilidade de produzir, manipular e investigar tipos
distintos de príons em levedura permitirá estudos mais detalhados de como as
proteínas amilóides se formam e propagam. Essas investigações serão bastante
úteis para dirigir futuras pesquisas sobr(; as propriedades dos príons que causam
a doença nos mamíferos e sobre como estas proteínas se infectam em diferentes
espécies animais.
Pequenas quantidades de formas d_iferentes de proteínas príons obtidas de
espécies de diferentes mamíferos, quando colocadas em contato com proteínas
normais de uma das espécies, podem formar um novo príon, o qual absorve as

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propriedades do príon da espécie fornecedora. Ou seja, esta nova espécie de
príon tem a mesma seqüência inicial de aminoácidos, porém adquire a
conformação molecular tridimensional e a especificidade do príon que serviu
de molde à proteína.
Assim, este príon pode infectar outras espécies de organismos, o que não
ocorria com a proteína em sua forma original. O fato descrito levanta novas
hipóteses para um problema complexo, que é a passagem de uma proteína
anormal por diferentes espécies de mamíferos. Este fenômeno também ocorre
nos príons de leveduras.
A aparente habilidade de príons diferentes adotarem novas especificidades,
contornando as barreiras naturais entre as espécies, tem implicação nos fatores
de risco envolvidos na transmissão das doenças de príons animais para os seres
humanos. Agora os pesquisadores possuem uma ferramenta de trabalho para
explorar o mecanismo molecular pelo qual a proteína espontaneamente muda
sua estrutura tridimensional para causar a doença.

NOVC!SLV\,fOYV\ACIÇÕes

1) Recentemente, os príons foram purificados sendo retirados contaminantes,


como micróbios, vírus, bactérias, ou quaisquer agentes que contenham DNA
ou RNA. Estas proteínas purificadas foram inoculadas em cérebros de
camundongos que posteriormente apresentaram a doença. Foram também
sintetizados fragmentos grandes da molécula protéica normal que poderia gerar
o príon. Estes fragmentos foram enovelados anormalmente e inoculados em
camundongos. Após um ano, estes animais desenvolveram a doença da 'vaca
louca'. Os cérebros desses camundongos inoculados em animais normais
causaram o aparecimento da doença em seis meses. Isto demonstrou, pela primeira
vez, que um fragmento protéico do príon, sintetizado em tubos no laboratório,
era suficiente para transformar, nos animais, as proteínas em príons infecciosos.
Este fato representa o renascimento da biologia do príon, pois agora se
tem uma ferramenta capaz de explorar, no laboratório, o mecanismo pelo qual
a proteína pode-se enovelar espontaneamente para forma espacial que causa a
doença. É uma curiosa ironia que este conhecimento tenha sido divulgado na
mesma semana que Francis Crick morreu. Este cientista afirmava desde o início
que o código genético era universal para todas as formas de vida e formulou o
dogma central da biologia molecular que afirmava que a seqüência normal de

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eventos vem do DNA para RNA e deste para proteínas. O dr. Prusiner postulou
que para a produção de príon não são necessários DNA e RNA.
2) A revista Science,de 11 de novembro de 2004, publicou um artigo que
mostra que a variação genética pode causar resistência ao mal da 'vaca louca',
levando a uma diferente forma da doença. Esta anomalia ainda não foi encontrada
em seres humanos, mas foi observada em camundongos. É sempre muito
complicado aplicar os dados de animais de laboratórios para o ser humano. No
entanto, são esperadas outras formas da doença. Como já vimos, a doença é
conhecida como encefalopatia esponjiforme bovina (BSE) e destrói o cérebro
causando um enorme problema quando contamina o ser humano. Esta patologia
causou 146 óbitos na Inglaterra e mais de dez mortes em outros países entre
1980 e 1990. A versão humana da doença não é causada pela BSE, mas é causada
também por príon e conhecida como variante Creutzfeldt-Jakob (vCJD).
O trabalho da Sciencemostra, após uma década de investigação, que a injeção
de cérebros de camundongos como príons vCJD, conhecidos por alterar as
proteínas produzidas pelos genes MM, leva à aparência de esponja do cérebro.
No entanto, cérebros deletados dos genes MM também apareciam como
esponjas, uma nova forma da doença que agride o cérebro, mas com depósitos
de material diferente na extensão e localização se comparados às formas
conhecidas da doença vCJD. A proteína envolvida na doença é conhecida como
PrP, e, dependendo de uma diferença genética, pode existir em duas formas no
homem: M129 (considerando o aminoácido a metionina) e V129 (a valina).
Os camundongos contaminados com a forma humana da doença (PrP M129)
podem apresentar sintomas da vCJD, enquanto que, quando apresentam a forma
V129, são resistentes. Qyando estes camundongos resistentes tornam-se
infectados, aparece uma forma nova da patologia. O fato mais chamativo do
artigo é a possibilidade de aparecer uma nova doença causada por príon não
associada ao BSE e vCJD.

A 'F~V'vlilLlzlil
~tfo' d.oProjeto eieV'voVlAlil rh{ VlAlilV'vO
Em fevereiro de 2000, Francis Collins e Craig Venter, os dois líderes do
Projeto Genoma Humano (PGH), junto ao então Presidente Bill Clinton na
Casa Branca, anunciaram a 'finalização' do primeiro rascunho da seqüência
genômica. Clinton declarou: "estávamos aprendendo a linguagem pela qual
Deus criou a vida". No início de 2004, vinte anos após ter sido lançada a idéia

19
do projeto mais ambicioso da pesquisa biomédica e após a revelação de
inúmeros aspectos dos genes responsáveis pela vida humana, o PGH foi dado
como finalizado.
Em futuro próximo, pretende-se dar continuidade a este desafio com a
investigação de genes para a determinação da raça, etnia, comportamento,
personalidade e patologias. Outros enfoques genéticos importantes para a
condição humana, incluindo planos para amenizar as dificuldades éticas, sociais
e legais que envolvem este assunto bem como aspectos médicos, também serão
investigados. A seqüência de nucleotideos do DNA levou a decifrar a intimidade
e os mistérios da vida, causando um profundo impacto social. Aprendemos
rapidamente como os seres humanos são geneticamente semelhantes ou
diferentes um dos outros.
A idéia de elaborar um PGH surgiu em 1984. Um grupo de cientistas,
reunidos em Utah nos EUA, debatia sobre as maneiras de identificar as mutações
genéticas induzidas nos sobreviventes às bombas atômicas que explodiram em
Hiroshima e Nagasaki, durante a Segunda Guerra Mundial. Em 1987, o
Departamento de Energia americano, em seus relatórios, já recomendava ao
governo realizar um esforço para determinar a seqüência do genoma humano.
Não se sabe como, mas esta idéia foi apoiada por alguns setores mais
conservadores da sociedade americana. Em 1990, o congresso americano
disponibilizou recursos financeiros para a realização do PGH. Os esforços
embutidos nos objetivos do PGH foram comparados aos desafios de elaborar a
tabela periódica no século XIX, a qual ordenou sistematicamente os cem átomos
conhecidos, de modo que fossem detectadas suas similaridades e diferenças.
O projeto tinha como prazo para encerramento o ano de 2005 e o
compromisso de tornar todos os dados públicos. Muitos acreditavam que o
PGH não poderia ser realizado no período estipulado para a tarefa. A tecnologia
necessária para a realização do projeto ainda era precária, fragmentária e quase
indisponível. Os primeiros anos foram dedicados principalmente ao
desenvolvimento de metodologia para seqüenciar fragmentos de DNA e avançar
na parte da biologia computacional, armazenamento e análise das seqüências
(bioinformática).
Os genes são compostos de DNA, que é uma molécula formada de 4 bases:
adenina (A), timina (T), guanina (G) e citosina (C). Cada molécula de DNA
consiste em duas fitas, com a base nitrogenada ligada por pontes de hidrogênio
a uma base da outra fita, processo conhecido como pareamento das bases (A-

20
T e G-C), levando à famosa estrutura da dupla hélice. A tecnologia do
seqüenciamento revela as ordens das bases em cada fita que compõe o D A.
O PGH envolveu um enorme, estafante, metódico e rotineiro trabalho de
laboratório. A determinação da seqüência não poderia ser realizada por um
simples grupo de pesquisadores. Assim, a realização da tarefa somente foi possível
com a formação de uma rede de laboratórios, principalmente nos EUA e Europa.
Somente nos EUA foram 258 laboratórios, financiados pelo Instituto acional
de Pesquisa do Genoma Humano ( HGRI), criado em 19 9 para administrar
o PGH, o qual é parte dos Institutos Nacionais de Saúde (NIH).
Com um custo estimado de USS 2,6 bilhões, a seqüência do genoma humano
forneceu a ordenação de 3,1 bilhões de letras que compõem o D A,
preenchendo os espaços que ainda faltavam e corrigindo erros observados nos
primeiros dados apresentados, em 2000, em cerimônia na Casa Branca.
A seqüência foi divulgada cinqüenta anos após de James Watson e Francis
Crick terem publicado na revista Nature Reviews Genetics o histórico trabalho
da revelação tridimensional da estrutura do DNA. Esta descoberta revelou,
pela primeira vez, a conformação do DNA e a base química da hereditariedade.
Após a revelação da estrutura do genoma, muitos processos bioquímicos
necessitaram ser compreendidos. Por exemplo, como os genes realmente são
ativados e inibidos no ato do desenvolvimento e manutenção de um organismo
ou do próprio ser humano. Ou seja, como certas regiões do genoma, que
codificam as instruções genéticas responsáveis pelo desenvolvimento de um ser
vivo, são reguladas.
É difícil desenvolver um programa de computador que identifique os genes
ao longo da imensa fita de DNA. Procurar genes no D A é como tentar
localizar uma agulha no palheiro. Genes são como ilhas espalhadas no oceano
do genoma. A estimativa final é de que o genoma humano é constituído de
cerca de 30 mil genes, bem menos dos 100 mil que se pensava inicialmente.
Mas, estes números ainda podem mudar, pois continua a análise em busca de
novos genes. A longa fita do DNA é formada de regiões codificantes (genes),
que representam somente 1,5% do genoma e que controlam a síntese de proteínas
no organismo. Mas grande parte do DNA (98,5% do genoma) possui regiões
não codificantes que foram conhecidas por vários anos como DNA lixo. Os
cientistas estão trabalhando nestes segmentos misteriosos do DNA, que parecem
ser essenciais para a sobrevida dos vertebrados, mas cuja função ainda é
totalmente desconhecida.

21
Tais segmentos são ultraconservados na linha evolutiva e podem ter funções
nunca imaginadas antes. Em um estudo de genômica comparada, feito em uma
'varredura' em duzentas ou mais regiões do DNA lixo do ser humano, do
camundongo e do rato, foram encontrados mais de oitocentas bases que eram
absolutamente iguais entre as três espécies. Embora 111 destes elementos
ultraconservados coincidam com regiões de genes conhecidos por codificar
proteínas, 256 demonstraram não ter coincidência com genes, e em 114 regiões
os resultados não foram conclusivos. Nas 111 regiões que coincidiam com os
genes, somente uma pequena porção estava em regiões realmente codificantes.
Várias estavam em regiões não que não eram traduzidas pelos RNA mensageiros,
ou em regiões que eram deletadas antes da mensagem ser traduzida para proteína.
Isto é realmente uma surpresa. A seqüência dos genes que compõem os genomas
do camundongo, do rato e do homem, por exemplo, apresenta somente 85% de
similaridade.
Assim, concluímos que cerca de 1/4 das seqüências do DNA lixo coincide
com regiões do genoma que são codificantes e podem ser convertidas em RNAm
- a molécula intermediária que codifica as proteínas. Estas seqüências,
geralmente envolvendo um gene que produz diferentes proteínas, podem ser
retiradas, ou não, da molécula de RNAs de diferentes formas, dependendo de
como são transcritas. Um outro grupo de segmentos de DNA lixo não está
associado com genes, e sim, possivelmente, com a regulação genética, a
transcrição do DNA para RNA, ou a ligação com proteínas regulatórias do
DNA. Foi descoberto no DNA lixo de leveduras uma nova classe de genes - o
gene chamado SRG1 que sintetiza uma molécula de RNA, o qual reprime ou
inativa a função do gene adjacente.
Aparentemente, as regiões conservadas, que não coincidem com os genes,
estão envolvidas na regulação da transcrição. Entretanto, se isto é verdade,
como elas funcionariam ainda é um mistério. O que os cientistas acham mais
interessante sobre estes dados é que eles levantam mais questões do que respostas.
Por exemplo, vários elementos conservados não vinculados a genes tendem a se
agrupar em certos locais dos cromossomos. Estes grupos estão freqüentemente
próximos a genes e são conhecidos por terem papéis na regulação de atividade
de genes envolvidos no desenvolvimento embrionário. O fato de as regiões
conservadas no processo evolutivo estarem agrupadas espacialmente ao redor
dos genes importantes para o desenvolvimento sugere que elas têm algum papel
na regulação dos processos do desenvolvimento e diferenciação, ainda que no
segmento linear estas regiões estejam distantes do gene.

22
Estas regiões similares coincidem também com as das aves e cães. Entretanto,
estes segmentos foram menos conservados no genoma de um peixe chamado
fugu. Qyando se estende a comparação para genomas mais antigos, como da
Drosophila e do verme, quase não se encontram estes elementos conservados.
A conclusão mais interessante é que as regiões ultraconservadas identificadas
parecem representar inovações evolucionárias que podem ter ocorrido em alguma
época durante a evolução dos vertebrados. Talvez, as espécies de cordato tenham
evoluído quando nossos ancestrais ainda estavam no oceano, quando os animais
iniciaram a colonização do solo. Após este período, os segmentos gênicos foram
mantidos congelados nas aves e nos mamíferos.
Uma nova visão sugere que muito dos códigos contidos no DNA são para
síntese de RNAs especiais, não codificantes de proteínas, os quais agem com
moléculas reguladoras. Estes RNAs podem agir ligando-se a RNAs
mensageiros, tornando-os inativos, e também podem funcionar como reguladores
da atividade gênica. Assim, a grande parte da estrutura do DNA é para produzir
estes RNAs regulatórios não codificantes de proteínas. Olhando para além dos
genomas, estes segmentos do DNA lixo do homem, camundongo e rato possuem
97% de similaridades e 95% deles são semelhantes aos das aves. O fato de estes
segmentos terem sofrido poucas mudanças nos 400 milhões de anos de evolução
em que o peixe e o ser humano dividiram um ancestral comum mostra que estes
segmentos do DNA lixo são essenciais para os descendentes destes organismos.
Recentemente, os pesquisadores descobriram que é ativada a expressão
de genes em óvulos fertilizados de mamíferos nos estágios iniciais de
desenvolvimento embrionário em parte por regiões do DNA que podem ter
origem de retrovírus. Estas regiões, encontradas em DNA humano, do
camundongo e de outros mamíferos em centenas de cópias, são chamadas de
retrotransposons devido ao fato de terem a habilidade de se propagarem e
inserirem em posições diferentes do genoma. Estas regiões parecem não serem
apenas DNA lixo, elas podem ser sítios repositórios para iniciar a expressão
gênica. Assim, regiões do DNA antes consideradas não funcionais podem ter
um papel importante na regulação da expressão e na promoção da diversidade
genética. Tais elementos podem sincronicamente iniciar a expressão de genes
múltiplos relacionados ao desenvolvimento do embrião e, devido à inserção
randômica de tais regiões, podem introduzir variações potenciais em genes
modificando suas funções. A expressão de retrotransposons pode contribuir
para a reprogramação do genoma embrionário dos mamíferos, um pré-requisito
para o desenvolvimento normal.

23
Os erros no genoma podem ser encontrados pelo computador, e talvez
corrigidos por ele. Se isto for verdade, o conceito de um gene como uma
simples seqüência de segmento do DNA está se evaporando. No início do
PGH, a identificação de um simples par de bases, ou letra do código genético,
custava cerca de USS 10, e um técnico altamente especializado poderia seqüenciar
10 mil pares de bases por dia. Hoje, com o avanço tecnológico na área, o custo
da identificação de um par de bases é de 5 cents, e os equipamentos robóticos
chegam a seqüenciar 10 mil pares de bases por segundo. Em 2000, a freqüência
de erros encontrada na seqüência do DNA era de 1 para cada 10 mil bases,
agora é de 1 para 100 mil, e a distância ao longo da seqüência onde poderia ter
uma falha era de 82 mil bases; agora é de 27 milhões de bases.
No entanto, embora o PGH esteja formalmente 'finalizado', a seqüência do
genoma ainda não está completada. Aproximadamente 1% do genoma não
pode ainda ser seqüenciado pelas metodologias existentes. Deverão ser
desenvolvidas novas tecnologias para completar esta tarefa. O atual desafio está
sendo a compreensão da biologia molecular básica através da interpretação da
vasta informação contida na molécula de DNA. Um grupo de 152 pesquisadores
está conseguindo novos detalhes e desenvolvendo um catálogo mais
compreensivo dos genes humanos. Para isto, está sendo caracterizado o genoma
não somente pela sua seqüência, mas também pela sua função e diversidade. O
genoma humano possui aproximadamente 30.000 genes em um organismo
que deve produzir mais de 200 mil proteínas diferentes. Isto sugere que existe
um mecanismo complexo e interdependente de regulação genética,
demonstrando a complexidade da rede genômica e proteômica que diferencia
os seres humanos entre si e dos organismos inferiores.
Especialistas em análise do genoma humano, utilizando-se de uma
combinação de algoritmos computacionais, processaram 41.118 DNA
complementares (cDNAs). Desde que os éxons (regiões do DNA) foram
separados e os introns removidos, estes cDNAs correspondem às versões
funcionais destes genes. A comparação destas seqüências do cDNAs com as do
genoma levou a validar 21.037 genes funcionais e identificar 5.155 candidatos
novos a genes.
O conceito de gene, entretanto, é ainda nebuloso. Uma única seqüência
pode ser usada de maneira diferente para sintetizar RNAs e proteínas. Se um
gene pode ser expresso em maneira e locais diversos e em tempos variados, não
é possível dizer que ele é um único gene. Este é um problema novo a ser

24
resolvido. A análise de gene por todos estes métodos tem mostrado seqüências
complexas. Por exemplo, parece que as seqüências genéticas tendem ser mais
longas no início e no final dos genes que nas regiões do meio. Ainda não há
uma explicação para isto. Fragmentos de DNA, às vezes compreendendo
milhares de nucleotídeos, estão presentes ou ausentes em genomas de pessoas
saudáveis.
As informações do PGH indicaram que o DNA era 99,9% idêntico entre
os indivíduos, apresentando somente 0,1 % de variação, geralmente distribuída
por todos os cromossomos. Novos dados, entretanto, revelam que, em 255
regiões do genoma (mais de 0,1 %), grandes fragmentos do DNA estão presentes
em cópias diferentes entre os indivíduos. Estes estudos mostraram que, por
exemplo, algumas pessoas têm 10 cópias do gene da amilase e outras podem
apresentar mais de 24 cópias.
A genômica tem tido um profundo impacto nos estudos dos microorganismos
e das doenças. Qyando os biologistas discutem sobre a revolução genética,
prometem o desenvolvimento de novos medicamentos para patologias incuráveis,
novos revolucionários tratamentos e uma mudança expressiva nos cuidados
médicos. É difícil imaginar o que seria da ciência na ausência da genômica.
Desde que o primeiro genoma de uma bactéria patogênica foi divulgado em
1995, mais de 100 bactérias patogênicas e mais de mil vírus foram seqüenciados.
Por todo o planeta há sinais de impaciência e desilusão sobre o que o genoma
pode oferecer. Parece que houve um exagero por parte dos líderes do projeto
criando uma percepção pública de que o DNA seria a resposta para todos os
mistérios biológicos. Por outro lado, especulações financeiras lançaram a idéia
de que este conhecimento teria aplicações imediatas. Ledo engano, todos
envolvidos no PGH sabiam que não seria assim, ou seja, conheciam o script,
mas não entendiam a linguagem.
Vários cientistas argumentam que, após quatro anos da revelação do genoma
humano, ainda não houve um progresso real no tratamento dos principais males
que afetam a humanidade: pobreza, Aids, malária e outras doenças infecciosas.
Outros acreditam que houve um gasto de bilhões de dólares no desenvolvimento
do PGH, em detrimento de uma pesquisa mais holística. Por exemplo, se gasta
milhões de dólares na pesquisa do genoma do plasmódio (protozoário causador
da malária) e do mosquito transmissor desta doença, quando não há recursos
financeiros na África para utilizar um método simples de prevenir a transmissão
da malária. É difícil rejeitar completamente estes argumentos.

25
Apesar do dilema levantado pelas novas descobertas genômicas, ainda é
muito cedo para uma reação contrária ao estudo de genomas. Vivemos um
período maravilhoso da ciência de nossa época, da descoberta da estrutura de
DNA à decodificação genoma humano. Afinal de contas, o DNA contém o
nosso passado, pode definir o nosso presente e ser o início de nosso futuro.

A revista Nature Reviews Genetics publicou a seqüência 'final' do genoma


humano no dia 21 de outubro de 2004. Algumas pessoas ficaram confusas com
esta notícia. Antes já tínhamos visto por duas vezes esta divulgação. A primeira
em uma cerimônia na Casa Branca em fevereiro de 2000, quando o primeiro
rascunho do DNA humano foi completado, e a segunda em abril de 2003,
quando o Consórcio anunciou a 'finalização' do PGH.
A surpresa neste artigo foi a redução do número de genes humanos contidos
nos cromossomos: de 35 mil genes para somente 20 a 23 mil genes. A seqüência
apresentada representa 99% da região_ eucromática (que contém genes) e foi
seqüenciada com uma eficiência de 99,999%, o que significa a possibilidade de
um erro em cem mil pares de base - 10 vezes mais acurada de que no objetivo
original. Desta maneira foi confirmada a existência de 19 .599 genes e 2.188
segmentos de DNA 'prováveis' de codificarem proteínas. A média de bases do
DNA seqüenciada ininterruptamente equivale a 38,5 milhões de pares de base,
isto é, aproximadamente 475 vezes mais longa do que os 81.500 pares descritos
anteriormente.
Além da redução do número de genes, os pesquisadores reportaram que a
melhor qualidade da seqüência do genoma humano, comparada com os
primeiros dados divulgados, permitiu observar uma imagem mais realista de
certas regiões como, por exemplo, a duplicação de segmentos do DNA e do
surgimento e desaparecimento de certas atividades gênicas. Os segmentos
duplicados são extensos, quase cópias idênticas do DNA, apresentando pelo
menos duas localizações no genoma. Esta alta proporção de segmentos
duplicados demonstra que nosso material genético, nos últimos 40 milhões de
anos, sofreu inovações funcionais e estruturais, contribuindo para a separação
do ser humano dos outros ancestrais primatas.
A alta qualidade da seqüência do genoma humano revelada no artigo permitiu
aos cientistas detectarem mais de mil novos genes que apareceram após nossa
divergência dos roedores, processo que ocorreu há cerca de 75 milhões de

26
anos. Muitos desses genes apresentaram duplicações recentes na história do
homem e estão envolvidos com a imunidade, o olfato e a reprodução.
Foram também identificados e caracterizados 33 genes - conhecidos corno
pseudogenes -, que sofreram uma ou mais mutações, conduzindo a perdas
funcionais. Por exemplo, dez desses pseudogenes têm função de codificar
proteínas envolvidas no olfato. Isto pode explicar por que os seres humanos
têm um número menor de receptores olfativos e, conseqüentemente, apresentam
a recepção do cheiro menor do que os roedores. Estes estudos deram o prêmio
Nobel de fisiologia e medicina a Richard Axel e Linda Buck, em 2004.
Os pesquisadores também alinharam e compararam os 33 pseudogenes com
o rascunho do genoma do chimpanzé para investigar se estas seqüências eram
ainda funcionais antes de o Homo sapiens divergir dos macacos há cinco milhões
de anos. Esta análise revelou que 27 dos pseudogenes não eram funcionais no
homem e no chimpanzé. Entretanto, cinco genes não ativos nos seres humanos
eram ativos no primata, o que explica a vantagem olfativa do chipanzé em
relação ao homem.
Qyando se fala que a seqüência do DNA humano está 'finalizada' não
significa que se tem a seqüência perfeita do genoma. Em 2000, por ocasião do
primeiro anúncio do rascunho do genoma humano, havia 150 mil regiões
desconhecidas. Agora somente permanecem 341 brechas no DNA que
necessitam novas tecnologias para serem desvendadas. Assim, esta publicação
da Nature Reviews Genetics ainda não é o final da história. Há algumas regiões
do genoma humano que não podem ser elucidadas pelos métodos utilizados
até agora. Nos próximos cinco anos poderão aparecer novas histórias sobre a
'finalização' do DNA humano.

o Retorl/\,odc:isZooV\,oses
O mundo está ficando pequeno para seus habitantes. Em busca de novas
áreas para plantio ou exploração, o ser humano devasta florestas, drena pântanos,
constrói estradas e represas, invade regiões e florestas virgens à procura de
riquezas. As viagens internacionais estão ficando cada vez mais freqüentes e
mais ousadas. Qyalquer região deste planeta, antes inexplorada e inexplorável,
pode ser atingida por uma pessoa em 24 horas. A locomoção de um indivíduo
permite que ele tenha contato, por exemplo, com um vírus na África ou no
Brasil e, no outro dia, esta pessoa poderá estar caminhando nas ruas de Nova
Iorque, Londres, Paris ou Rio de Janeiro.

27
Os cientistas estão extremamente preocupados. As mudanças causadas no
planeta, principalmente aquelas relacionadas ao desenvolvimento econômico,
estão alterando o ecossistema, aumentando a possibilidade de novos agentes
patogênicos se propagarem e causarem riscos à saúde humana e animal. Ou
seja, as mudanças ecológicas estão influenciando na epidemiologia das zoonoses,
podendo ser de origem natural ou antropogênica, quando considerada a
economia. Estas alterações incluem, mas não estão limitadas, a expansão da
população humana, o reflorestamento e outras trocas no habitat, poluição ou
mudanças climáticas. Um exemplo mais global do que isto representa é o caso
de vírus da Aids. Inicialmente, devido ao desenvolvimento da rede viária no
interior do continente, o vírus infectou caçadores que tiveram acesso às florestas
tropicais da África. A doença se propagou pelo contato humano e tornou-se
uma tragédia global devido à relativa facilidade das pessoas viajarem pelo planeta.
Novas doenças aparecem ou emergem, como a gripe espanhola, que se
espalhou pelo planeta em 1919, matando de 30 a 50 milhões de pessoas. Esta
doença tirou mais vidas do que a primeira guerra mundial. A gripe asiática, de
1957, levou quase 100.000 vidas, e a de Hong Kong matou aproximadamente
50.000 indivíduos, em 1968.
Uma nova epidemia é esperada. Não se sabe se ela virá de forma natural ou
mesmo por um ataque terrorista. Uma nova ameaça para a humanidade poderá
ocorrer por um novo micróbio ou por uma mutação de um microorganismo já
conhecido. Não resta dúvida que os agentes patogênicos continuam evoluindo.
Novos micróbios têm sido descobertos e merecem uma atenção permanente
das autoridades responsáveis pela saúde pública, pois poderão causar epidemias.
Dos novos microorganismos identificados podemos citar o hantavírus,
responsável pela síndrome pulmonar, o ébola, os vírus Lasso e Marburg que
são agentes causadores da febre hemorrágica, o vírus Nipa da encefalite, o
microorganismo causador da doença dos legionários e a cepa de Escherichia
coli, responsável por uma diarréia sanguinolenta e alterações renais. Vários
casos já apareceram nos noticiários rotineiros da mídia como prováveis infecções
zoonóticas ainda sem explicações científicas convincentes.
Embora várias doenças sejam transmitidas entre a mesma espécie (espécie-
específica, ou seja, aquelas enfermidades que podem ocorrer em uma única
espécie animal), outras tantas podem se propagar entre diferentes espécies. São
consideradas zoonoses, as doenças de animais que passam ao ser humano, ou
seja, a passagem de agentes infecciosos entre os animais, domésticos ou selvagens,
e o homem. Algumas zoonoses são bem conhecidas, como a praga, a doença de

28
Lime, a raiva, a influenza, várias verminoses e doenças parasitárias de cães,
gatos e outros. Em 2001 foram catalogadas 1.415 agentes patogênicos para o
ser humano, 62% destes tinham origem nas zoonoses.
Especialistas acreditam que há risco de novas viroses animais contaminarem
o ser humano. Trinta e cinco doenças zoonóticas já foram descritas nos últimos
25 anos. Dezenas de doenças graves, transmitidas por animais, serão descobertas
nos próximos 50 anos. A maioria delas será detectada na América Central e do
Sul, África e Ásia.
A passagem de micróbios dos animais para o ser humano é conhecida
desde os tempos remotos. Há milhares de anos, quando os primeiros pequenos
aglomerados humanos se formaram e os animais começaram a ser domesticados,
iniciaram-se as permutas de germes entre os animais e o homem. Há dois mil
anos o ser humano começou a viver em grandes cidades e esta situação piorou.
É importante saber mais sobre a interface existente entre o homem e animais
e como e por que certos microorganismos ultrapassam as barreiras das diferentes
espécies animais e passam ao ser humano. Certas zoonoses causam doenças
devastadoras. Um exemplo marcante de zoonose é o próprio vírus HIV, que
está causando a pior pandemia desde a peste no século XIV. Originado de
macacos selvagens, passou ao ser humano em poucas décadas, causando a Aids.
Em contrapartida, acredita-se que o coronavírus responsável pela Síndrome
Respiratória Aguda Grave (Sars) contaminou ao homem através de gatos
selvagens asiáticos. Recentemente, uma nova gripe asiática, possivelmente,
transmitida por aves, causou várias mortes no Vietnã e quase se transformou
em uma pandemia.
Doenças como a Sars, HIV e a gripe asiática, provavelmente tornaram-se
infecções zoonóticas por uma razão básica do processo evolutivo dos organismos.
Na realidade, todos que pensam ecologicamente não ficaram surpresos com o
aparecimento dessas doenças. Estas viroses estão tentando se evoluir. Por
exemplo, os cientistas acreditam que as pandemias mortais de influenza tiveram
início na Ásia e foram transmitidas por animais. Possivelmente a cepa virulenta
do vírus se desenvolveu onde porcos e aves são criados juntos, em locais próximos
a fazendas. Os suínos foram infectados pelo vírus de pato, e este vírus, ao
recontaminar os porcos, infectou os seres humanos, criando epidemias desastrosas
para o planeta.
Um dos grandes problemas das epidemias humanas é que um vírus que
circula entre animais, sofrendo uma mutação, pode tornar-se um agente agressivo

29
às pessoas. Como isto pode ocorrer? É um risco sério? Por exemplo, uma cepa
de influenza A tem circulado pelo mundo há dezenas de anos. Este
microorganismo normalmente se propaga somente entre as aves, causando, por
vezes, uma patologia menos grave e, em outras vezes, uma doença grave, levando
a uma grande incidência de mortalidade entre estes animais.
O vírus é essencialmente um parasita que penetra numa célula e utiliza a
sua maquinaria metabólica e reprodutiva para se dividir (replicar). Para
sobreviver com sucesso, este organismo deve se adaptar à célula infectada. Muitos
vírus não sofrem mutações facilmente. O vírus H5Nl da influenza aviária,
como o HIV, notoriamente é uma exceção. O microorganismo da influenza
possui um alto índice de mutação, o que significa que é muito flexível e pode se
adaptar a novos ambientes. Este vírus pode sofrer mutação de duas maneiras:
uma de mudanças mais lentas, com reflexo pequeno na saúde pública, pois o
indivíduo contaminado tem tempo para desenvolver resistência produzindo
anticorpos. E a outra, de transformações genéticas rápidas, que podem originar
novas epidemias.
A maior transformação genética ocorre quando um tipo de vírus animal
permuta genes com um vírus relacionado. Desta maneira, o novo vírus pode
ganhar características que não tinha antes, tornando-se competente e mais
virulento ou contagioso ao homem. Este é o caso do H5Nl que pode fundir-
se com um vírus comum da gripe humana, talvez em alguém que tenha influenza,
ou com um vírus de um animal, como o porco, o qual pode estar contaminado
pelo vírus da gripe humana e aviária. Assim, um novo vírus letal e contagioso
pode surgir. Dados recentes demonstraram que este vírus coletado em 2002 é
muito mais infeccioso para frangos e camundongos do que o vírus isolado em
1997. Isto pode indicar pequenas mudanças genéticas no H5Nl. No entanto, o
vírus H5Nl possui quatro obstáculos genéticos e ambientais que dificultam a
sua contaminação na população humana. O primeiro é que a replicação viral
em células humanas não é muito eficiente. Ou seja, somente uma pequena
concentração do vírus pode ser espalhada pela tosse ou espirro. O segundo
obstáculo é que o vírus aviário é incapaz de infectar eficientemente células
humanas. Aparentemente, o receptor celular de certos tipos de células humanas
não é muito adequado ao vírus. A terceira dificuldade é que o vírus aviário é
encontrado no tubo digestivo das aves, onde a temperatura é em torno de 37 ºC.
No trato respiratório humano a temperatura é de cerca de 33-34 ºC. Esta
diferença de temperatura pode prejudicar a replicação virótica. O último

30
obstáculo é que as viroses aviárias estão bem adaptadas e escapam do sistema
imune das aves. Entretanto, não conseguem fugir do sistema de defesa humano.
Aparentemente, o vírus H7N3, que ataca maciçamente os frangos, não entrou
ainda em contato com nenhum material genético humano. Esse vírus não é
normalmente letal, mas alguma coisa acontece com ele, que passa a ser altamente
patogênico. O H7N3 é diferente da cepa H5 que matou várias pessoas bem
como milhares de frangos na Ásia. O H e N representam diferentes proteínas.
Existem 15 variedades de H e 9 de N. As proteínas se combinam de diferentes
modos para fazer as viroses específicas, algumas mais mortais que outras.
Recentemente foram revelados detalhes de como o vírus da gripe espanhola,
originada de uma gripe aviária, se transformou na epidemia mais destrutiva da
história. Devido ao fato de o vírus manter as características básicas de seu
precursor aviário, ele pode escapar do sistema imune, causando uma alta
disseminação entre indivíduos e uma mortalidade extraordinária. Baseando-se
em amostras isoladas de vítimas preservadas e enterradas em regiões cobertas
permanentemente de gelo no Alaska, os cientistas reconstruíram partes do
genoma do vírus extinto. Regiões do genoma reconstruído foram usadas para
produção de proteínas do vírus, principalmente uma glicoproteína
(hemaglutinina) de membrana conhecida com HA.
Esta molécula tem um papel crucial nos primeiros estágios da infecção
virótica, em que o vírus se adere nas células humanas e sofre o primeiro ataque
pelo sistema imune. O HA do vírus da gripe de 1918 é similar aos vírus de
origem aviária. Isto explica a razão desta pandemia ter sido tão letal. A proteína
HA pode ser reconstruída em forma tridimensional após sua cristalização e
após a determinação da estrutura ter sido estudada em raios-X. Esta molécula
foi comparada com a do vírus da gripe aviária atual, cepa A (H5Nl) e foi
demonstrado que elas não são semelhantes e se aderem em células humanas de
modos diferentes.
Baseando-se nos dados da epidemia de 1997 em Hong Kong, estas variações
explicaram porque o H5Nl se espalha pelos seres humanos de modo limitado,
em contraste com o vírus de 1918 que tem a habilidade de ser propagado
rapidamente. O vírus H5Nl necessitaria de mais mutações para transformar
em infectante e contaminar de pessoa a pessoa. Em parte, a grande mortalidade
de 1918 foi devida a complicações das infecções secundárias causada por
bactérias. Hoje, estas seriam tratadas com antibióticos, de modo que uma
epidemia similar àquela seria mais difícil.

31
Os pesquisadores acreditam que a evolução dos microorganismos seja a razão
de doenças animais passarem aos seres humanos, sendo este processo de ocorrência
mais freqüente no futuro. Recentes trabalhos científicos têm demonstrado que as
migrações de aves, de significado nostálgico às pessoas, pode ser a causa principal
da transmissão de vírus. Não temos a capacidade de evitar as catástrofes naturais
nem as epidemias. Qyanto mais mudar a ecologia humana, mais estaremos criando
oportunidades para os micróbios e doenças evoluírem e se espalharem pelo planeta.
A vigilância sanitária humana e animal deve estar sempre em estado de alerta.
Pela sua natureza, a saúde pública é multidisciplinar, devido à utilização de
vários determinantes sociais e econômicos, bem como por ter um enorme
espectro de ações de promoção e prevenção da saúde. Assim, causou-nos surpresa
a mídia ficar interessada na Sars somente dois anos após começar a surgir
conseqüências da epidemia que ocorreu de 2002 a 2003. Em 2003, ocorreram
8.098 casos de Sars, em 29, países causando 774 mortes. Os sistemas de saúde
desses países, que deviam estar preparados para enfrentar doenças emergentes e
reemergentes, cometeram equívocos primários ao enfrentarem a epidemia. Por
exemplo, através do contato com pacientes infectados com Sars, as autoridades
de Toronto identificaram 23.103 pessoas que ficaram em quarentena, ou seja,
cerca de 1% da população da cidade. Em Taiwan 211.045, indivíduos suspeitos
de terem contato com pessoas doentes foram isolados entre 10-14 dias.
Felizmente, somente 133 destas pessoas foram contaminadas. Situações
semelhantes foram observadas em outros países onde a Sars ocorreu. Esta foi a
principal lição desta epidemia. Os países devem organizar seus sistemas de
saúde para enfrentar epidemias imprevistas ou novas que, de alguma maneira,
possam colocar a população em risco.

Em novembro de 2004, a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou


que, após quase um ano tentando controlar, na Ásia, a gripe aviária, esta é
candidata a causar, nos próximos anos, uma pandemia, com possibilidade de
provocar cerca de três milhões de casos fatais. O vírus responsável pela doença
não somente é resistente, mas também extremamente versátil. O vírus da gripe
das aves, H5Nl, que causou mais de 30 óbitos humanos na Tailândia e Vietnã
além de milhares de mortes de frangos em toda a Ásia, em 2004, é certamente
o agente patogênico mais provável para causar a próxima pandemia.
Historicamente, as pandemias de influenza aparecem a cada 20 a 30 anos,

32
quando ocorrem mudanças no vírus, e a população tem pouca ou nenhuma
imunidade para este agente com novo perfil genético.
A OMS acredita que o vírus aviário possa combinar-se ao vírus da gripe
humana, criando uma nova forma que pode se espalhar rapidamente pelo planeta,
estimando cerca de dois a sete milhões de mortes e bilhões de pessoas
contaminadas.
A vacina para proteger os seres humanos deste vírus deverá estar sendo
produzida em 2007, após extensos testes clínicos. Pesquisadores tailandeses
isolaram o vírus de cinco casos humanos e enviaram amostras para o Centro de
Controle de Doenças nos Estados Unidos. Tais amostras virais estão sendo
usadas para desenvolver vacinas contra a doença. A primeira vacina será testada
no início de 2005, e os pesquisadores acreditam que em três anos será
desenvolvida uma vacina eficiente e segura para proteger a população.

c;eV\,ôv1.iüe,ci, e sciúde
Proteôv¾Le,ci
O relatório do Foro Global para Pesquisa em Saúde nos mostra que a maior
parte dos recursos financeiros liberados vai para pesquisa de doenças, como a
influenza, hepatite, doenças cardiovasculares, diabete, entre outras que afetam
problemas globais, principalmente do Primeiro Mundo. Por outro lado, ainda
são insuficientes os recursos para pesquisa contra malária, Chagas, Aids,
tuberculose, esquistossomose, leishmaniose, filariose, das quais várias
predominam ou são problemas exclusivos dos países em desenvolvimento ou
menos desenvolvidos. Por isto, estas doenças são consideradas doenças
negligenciadas. Entre 1975 e 1999, de aproximadamente 1.200 medicamentos
novos existentes no mercado, somente 13 eram para tratar doenças tropicais.
A OMS reuniu-se em Genebra no mês de maio de 2004, em sessão plenária
com todos os 192 países associados. Uma das decisões tomadas pela assembléia
foi de como o setor saúde se beneficiará pela enorme revolução ocorrida na
genômica e proteômica, células-tronco e transplantes. As investigações foram
facilitadas com a divulgação da seqüência do genoma humano bem como de
muitos agentes patogênicos (incluindo a malária, cólera, doenças diarréicas,
tuberculose, Aids e hanseníase) e de agentes vetores de doenças (como o
mosquito Anofeles e o verme Esquistossomo).
O genoma é a seqüência completa do DNA de um organismo. Possuindo
um tamanho variável dependendo do organismo considerado, representa a

33
unidade de hereditariedade. O menor genoma conhecido é o das bactérias que
contém cerca de 600 mil pares de bases, enquanto o genoma humano e de
camundongo possuem aproximadamente 2,9 bilhões. Entre os objetivos do
PGH estava a identificação de aproximadamente 30 mil genes e as seqüências
dos pares de base, além de tornar os dados acessíveis gratuitamente para pesquisas.
O PGH é uma extraordinária fonte de informação sobre o desenvolvimento
científico da bioquímica, fisiologia e evolução das espécies existentes no planeta.
O DNA carrega os códigos para síntese das proteínas. Entretanto, até 1960,
ainda era totalmente desconhecido, assim como as informações contidas no
DNA eram utilizadas para produzir as proteínas. Sidney Brenner e François
Jacob, quando trabalharam na Califórnia, identificaram o RNA mensageiro
(RNAm), molécula que transportava as informações contidas no código genético
do DNA ao ribossomo, local da síntese de proteínas. O RNAm é produzido no
núcleo celular de maneira complementar ao gene contido no DNA e serve
como molde para a síntese de proteínas ao ligar-se aos ribossomos, nos quais,
através um processo complexo, o código é então traduzido na seqüência de
aminoácidos que forma uma proteína particular.
O proteoma representa o conjunto das proteínas que compõe um organismo
vivo. Este tema de investigação pretende catalogar e caracterizar as proteínas
derivadas do código genético, comparar as variações dos níveis de expressão
em diferentes condições, estudar suas interações e identificar suas funções na
célula. A natureza e a estrutura das proteínas contribuem para a dificuldade da
proteômica, fazendo com que ela seja um desafio maior do que da genômica.
Por exemplo, as proteínas têm 20 moléculas (aminoácidos) como componentes
básicos, enquanto o DNA é composto de somente quatro substâncias
(nucleotídeos).
Além disso, a estrutura da proteína pode se modificar. Uma simples proteína
pode ser expressa e se estruturar de maneira diferente dependendo do local de
síntese em um organismo ou de seu estágio de desenvolvimento. Trabalhar
com proteínas é muito mais difícil do que com ácidos nucléicos. As proteínas
não podem ser amplificadas e são mais raras de serem encontradas. De mais a
mais, as proteínas freqüentemente desnaturam durante os experimentos, o que
leva a pequenas ou grandes mudanças estruturais em nível terciário e quaternário.
A genômica e a proteômica causaram modificações dramáticas na química
dos ácidos nucléicos e das proteínas e no uso de vários sistemas biológicos.
A implementação de processos eficientes para culturas de células, regeneração

34
de tecidos e fertilização in vitro de animais pode ser realizada devido à
disponibilidade de protocolos estabelecidos para utilização das ferramentas
moleculares (enzimas de restrição, sistemas vetores de DNA, elementos
transposomais, promotores, marcadores genéticos, genes clonados etc) pela
inserção precisa e rápida de genes úteis em plantas, animais e microorganismos.
Calcula-se que o ser humano, entre proteínas funcionais (enzimas,
hormônios, etc) e estruturais (componentes de membranas, organelas, etc),
possua de quatro a seis vezes mais proteínas do que o número de genes. A teoria
de que um gene codifica uma proteína, como se ensinava na universidade, já
saiu dos livros modernos de bioquímica.
O PGH passou quase despercebido pelos laboratórios brasileiros, mas o país
acabou investindo bastante em rede genômica de microorganismos e parasitas
e, mais recentemente, na rede para investigação da proteômica. A comunidade
científica brasileira pôde assim participar ativamente na produção e na
interpretação dos dados de genomas e proteomas de diferentes organismos.
As informações contidas nas seqüências de DNA, no entanto, não revelam suas
funções celulares. A transformação dessas seqüências em informações úteis é
uma tarefa científica enorme.
A maioria dos medicamentos desenvolvidos tem como alvo a ação funcional
e/ou estrutural das proteínas. Estima-se que qualquer proteína codificada por
um único gene possa ter inúmeros tipos de variações, que podem ser produzidas
de diferentes maneiras: erros resultantes de mutação genética e modificações
pós-transcrição e pós-tradução, por exemplo. As vias metabólicas nas quais
moléculas de RNAs e proteínas agem e interagem podem elucidar as bases
genéticas das doenças humanas e seus tratamentos. As oportunidades e desafios
na utilização dessas informações fornecem novos conhecimentos que podem
ser convertidos em inovações significantes em termos comerciais.
Cada vez mais aparecem evidências de que a compreensão da genômica e
proteômica dos microorganismos e seus vetores facilita a prevenção e o
tratamento da doença. Um desses casos foi a divulgação do genoma de três
organismos envolvidos em uma enfermidade: o parasita, o mosquito e o ser
humano. Este é o caso da malária em que o plasmódio possui cerca de 5 .300
genes distribuídos em 24 milhões de pares de base química do DNA; o
mosquito, aproximadamente 14.000 genes em 278 milhões de pares de base.
Talvez, a melhor maneira de olhar uma doença é considerarmos os fatores
ambientais e genéticos. Enquanto o debate continua, muitas empresas estão

35
investigando a relação entre gene e doença. Numa perspectiva genética, as
doenças são causadas quando um gene que devia estar inativo torna-se ativo, ou
vice-versa. De qualquer maneira, não resta dúvida de que vários aspectos da
saúde ou da doença humana são definidos pelo DNA. Conhecendo a seqüência
genética do hospedeiro e do microorganismo causador da patologia, será possível
estudar os vários genes envolvidos, as proteínas codificadas por estes genes e
como estas moléculas atuam numa patologia. Este enfoque explicará os
mecanismos das doenças, de como os microorganismos patogênicos driblam o
sistema imune e afetam as funções básicas de nosso organismo. Tais informações
poderão gerar diagnósticos mais sensíveis e específicos, medicamentos com
menores reações colaterais e novas vacinas. Os testes genéticos serão usados
para diagnosticar, dar informações do prognóstico, evolução ou estimar o risco
de uma doença futura em indivíduos saudáveis ou em suas proles. Por exemplo,
mutações no gene PIK3CA são encontradas em diversos tipos de câncer. Este
gene e outros de sua família fornecem as instruções genéticas para a síntese de
enzimas chamadas de lipídeo-quinases, que modificam moléculas de gorduras.
Estes dados abrem oportunidades para o desenvolvimento de terapias específicas
que podem ser úteis para tratamento de câncer com mutação neste gene.
Um outro exemplo é a esperança de cura para a diabete tipo 1. Normalmente,
esta doença ocorre devido a uma combinação entre o ambiente e fatores genéticos.
No entanto, pessoas que não possuem o gene Sumo-4, que regula o sistema
imunológico, também possuem diabete tipo 1 por destruição das células
produtoras de insulina no pâncreas. Foi demonstrado, por outro lado, que células-
tronco humanas ativam certos genes que têm uma função importante no pâncreas.
Os genes da insulina e glucagon normalmente ativados nas ilhotas pancreáticas
também foram ativados em células-tronco. O próximo passo será recriar nas
células-tronco as condições que produzem insulina e glucagon em resposta ao
nível de glicose no sangue.
O conhecimento sobre os genes envolvidos em uma doença e a via metabólica
ou o local de ação de um medicamento leva à descoberta de centenas de novas
possibilidades de alvos para uma droga. Utilizando-se desta estratégia,
medicamentos também têm sido testados em vários tipos de câncer, lúpus,
hepatite C, deficiência de hormônio do crescimento, úlceras venosas crônicas,
imunodeficiências, doenças cardiovasculares e osteoporoses, entre outras.
Além dos exemplos anteriores, pelo uso da genômica e proteômica, pode-
se produzir insulina humana em animais para tratamento da diabete, ativador
de plasminogênio para dissolver coágulos sangüíneos, fator VIII utilizado nos

36
hemofílicos para formação do coágulo, ou estreptoquinase e uroquinase na
dissolução do mesmo, fatores de crescimento. Estas tecnologias também são
utilizadas para controle da poluição ambiental pelo tratamento de lixos e
poluidores, como o petróleo, DDT, dioxina, PCBs e outros químicos que
envenenam a natureza com microorganismos (bactéria e fungo) engenheirados.
As investigações sistemáticas e compreensivas da genômica e proteômica
de diferentes microrganismos, animais e vegetais levarão a novos enfoques para
entender a biologia nos próximos anos. No Brasil já existe uma massa crítica
altamente especializada em ciências biológicas e nas tecnologias da informática
aplicada à biologia. É preciso estimular a interação de grupos que trabalham
em genômica e proteômica com os que estão criando ferramentas para acelerar
o desenvolvimento de novas drogas. No entanto, ainda há vários senões quanto
ao uso da genômica e proteômica na área de saúde. Nos anos recentes, o
desenvolvimento da medicina parece depender quase que exclusivamente da
genômica médica. A idéia de produzir novos medicamentos utilizando o
conhecimento da genética das pessoas para identificar prematuramente doenças
de alto risco para intervir no início ou mesmo antes de a doença aparecer é
uma promessa. Esta seria a medicina do futuro, a qual identificaria indivíduos
cujo genes aumentariam a susceptibilidade a certas doenças.
Apesar de esta promessa ser amplamente divulgada é ainda precipitado assumir
que a genômica médica se tornará rapidamente uma realidade. O conhecimento
sobre genes e doenças ainda é muito pequeno para predizer o risco de um paciente
desenvolver ou não uma doença. Durante algumas décadas, a pesquisa médica
identificou 1.500 doenças (chamadas mendelianas), nas quais uma mutação em
um único gene prediz o risco de uma pessoa desenvolver a doença.
No entanto, a maioria das doenças é dependente de mais de um gene, ou
seja, é poligênica, e isto complica em muito a utilização da genômica na área
médica. É verdade que pessoas portadoras dos genes BRCAl e BRCA2 têm
riscos de desenvolver câncer de mama, e aquelas com o gene FAP podem ter
câncer colo-retal. Mas estes representam somente a minoria dos casos de câncer.
O nosso mercado farmacêutico, estimado em mais de US$12 bilhões/ano, é
um grande competidor no mercado mundial. Uma das áreas importantes para o
processo de inovação de fármacos é a bioinformática (a integração da biologia,
ciência da computação e tecnologia da informação). Os avanços significativos
dependem da área de aplicação e integração com bases de dados, simulação,

37
modelagem molecular, desenho de novas drogas, entre outras. A bioinformática
é fundamental para o desenvolvimento das indústrias de medicamentos e vacinas
por diminuir significativamente o custo da inovação de um produto.
A rede brasileira de laboratórios vinculados à genômica e proteômica está
distribuída por todo o país. O mercado mundial com vistas ao desenvolvimento
de novos medicamentos pelo uso da bioinformática é de USS 25 bilhões, crescendo
a uma base de 15% ao ano. Em um planeta onde se patenteia tudo, apesar do
custo proibitivo da descoberta e desenvolvimento de um novo medicamento, uma
droga nova no mercado rende muito mais. A genômica e a proteômica são bases
da fundação de uma nova pesquisa biomédica voltada à indústria farmacêutica. O
Brasil, possuindo a maior diversidade biológica do planeta e uma comunidade
científica competente, pode realmente fazer a diferença nesta nova era se houver
estímulo e cooperação público/privado fértil e eficiente.

sobre o fuvv...o
NotCc~íls
Em um estudo conduzido pela doutora Jacqueline Vink da Holanda e
publicado no Pharmacogenomicsjournal, foi sugerido que o grau de dependência
à nicotina e, até mesmo, o número de cigarros que é fumado por dia por uma
pessoa, são influenciados geneticamente. Utilizando-se de gêmeos não idênticos,
os pesquisadores encontraram quatro marcadores genéticos que parecem estar
associados ao vício do fumo. Eles se localizavam nos cromossomos 3, 6, 10 e
14, sugerindo que pelo menos quatro genes estão envolvidos neste processo. O
resultado obtido especialmente no cromossomo 6 revelou que o marcador
genético identificava um conjunto de genes de um tipo conhecido como alfa
glutationa S-transferase. Estes genes carregam as instruções para síntese de
enzimas que desintoxicam vários agentes químicos tóxicos, incluindo alguns
conhecidos como causadores de câncer. Tais genes são mais ativos nos pulmões
e no intestino. Pessoas com deficiência nestes genes demoram a metabolizar a
nicotina, aumentando o prazer causado pela droga. É possível, com base neste
artigo, que se possa classificar as pessoas que fumam socialmente e aqueles que
são viciados fisicamente em nicotina.
Em minha opinião, esses resultados devem ser interpretados com muito
cuidado, como em todo artigo que relaciona os genes a comportamentos, pois
a repetição de tais estudos em populações com valores culturais e morais
diferentes é sempre de difícil comprovação.

38
A seq L-<.êV'vC~CI e o ProteCI.SOV¾CI
deis ProtÚV'vCI.S
Há alguns anos atrás, imaginava-se que a seqüência dos genes no genoma
humano refletia automaticamente, nos produtos funcionais dos genes, a seqüência
dos aminoácidos nas moléculas de proteínas, e assim poder-se-ia desvendar os
mecanismos responsáveis pela biologia celular e processos patológicos.
Entretanto, este cenário nos livros didáticos está se modificando rapidamente.
Recentemente, foi descrito um processo celular inédito que levanta algumas
dúvidas sobre o paradigma: a seqüência de uma proteína está baseada na
seqüência do seu gene. Por exemplo, quando uma enzima é necessária para que
se processe uma etapa do metabolismo celular, segmentos de uma região
específica do DNA, chamados éxons, são transcritos em moléculas de RNA.
Este é traduzido na seqüência dos aminoácidos que forma a estrutura da proteína
enzimática. Qyando esta enzima não é mais necessária para o metabolismo
celular, é degradada por um complexo enzimático conhecido com o nome de
proteasoma. Ou seja, numa definição mais ampla, proteasomas são enzimas,
encontradas no núcleo e no citoplasma celular, que degradam proteínas que
têm a vida curta, bem como proteínas anormais e defeituosas obtidas por erros
de tradução ou transcrição, ou mesmo por deficiência gênica. Conseqüentemente,
os proteasomas, participando da destruição destas proteínas, influenciam na
regulação do ciclo celular.
O que se sabia, anteriormente, era que proteínas com diferenças funcionais
podiam ser produzidas por pequenas modificações, como a incorporação de
pequenas moléculas aos aminoácidos, quebra ou falha na seqüência protéica,
ou omissão de certas regiões do gene alterando a tradução do RNA mensageiro.
Entretanto, hoje se sabe que a seqüência de uma proteína pode ser modificada
pelo proteasoma. Esta descoberta leva a um novo processamento da proteína e
é uma novidade para a função do proteasoma.
A modificação pós-tradução foi descoberta após a análise de seqüências de
peptídeos que ativam o sistema imunológico em resposta à presença de células
cancerígenas. Estes peptídeos antígenos são formados quando os proteasomas
fragmentam proteínas específicas em peptídeos e os transportam para a superfície
celular, marcando-a para ser destruída pelas reações imunes.
A destruição ou modificação das proteínas demonstrou como um processo
celular realmente importante guarda um equilíbrio complexo entre as formas
úteis e as que vêm a ser dizimadas. A ubiquitina é uma das moléculas que se
encarrega de marcar as proteínas que devem ser destruídas. Este processo é

39
chamado por alguns pesquisadores como o 'beijo da morte', devido ao fato de
as células 'ubiquinadas' serem imediatamente destruídas no proteasoma.
O grupo de pesquisadores que estudou este processo encontrou um antígeno
peptídico, com uma seqüência totalmente diferente da seqüência de seu gene,
que estimulava o sistema imune a reconhecer e destruir células de melanoma.
O mecanismo de ação também ficou esclarecido. O proteasoma age sobre uma
proteína recém-sintetizada quebrando-a em três peptídeos. Posteriormente, estes
peptídeos são reagrupados de maneira que a proteína antígeno passe a ser
reconhecida pelo sistema imune após perder parte de sua seqüência original.
Este processo de modificação pós-tradução é realmente fantástico e pode
ter implicações no planejamento de vacinas baseadas em peptídeos sintéticos,
contra a Aids, câncer e outras patologias. Os peptídeos utilizados nas
vacinações, por exemplo, podem sofrer modificações estruturais pela ação
dos proteosomas, complicando o monitoramento, nos pacientes, das respostas
imunológicas a vacinas. Esta descoberta é intrigante pela complicação
adicional na identificação do peptídeo antígeno. Até se saber quando, por
que e qual é a freqüência deste processo ocorrer, não se pode garantir que o
genoma humano responda a todas as questões relacionadas às seqüências
das proteínas sintetizadas pela célula.

James Watson e Francis Crick, os pais da biologia molecular, trabalharam no


modelo da estrutura de dubla hélice do DNA, na Universidade de Cambridge, e
divulgaram a descoberta em um modesto artigo de uma página da revista Nature
Reviews Genetics, em 1953. Basicamente, os dois cientistas descreveram a estmtura
de dupla hélice e mostraram como os dois segmentos que formam a hélice do
DNA se separam, cada um servindo de molde para formar a outra metade, quando
a célula se divide. Pela primeira vez, ficava demonstrado que o DNA podia se
reproduzir sem mudar sua estmtura.
Pouco anos depois, Watson mudou-se para Cambridge nos EUA, onde, em
1956, tornou-se professor da Universidade de Harvard. Com sua entrada,
concomitantemente chegava também a biologia molecular na Harvard, uma
disciplina ainda incipiente naquela época. A biologia molecular teve um
crescimento explosivo e um avanço extraordinário nos últimos 50 anos. Naquele
tempo ela tinha um enfoque reducionista, fracionando os organismos vivos em
pequenas estmturas celulares e/ou moleculares.

40
Apesar da revolução biológica iniciada em 1953, os cientistas não acreditavam
que a biologia molecular fosse suficiente para esclarecer alguns dos processos
importantes do que conhecemos como vida. O sucesso da revolução reducionista
estava na idéia de que o processo que acontecia em nível molecular forneceria
dados para interpretar o mais geral, ou seja, refletiria a atividade celular.
Cinqüenta anos após a descoberta da estrutura do DNA e o fortalecimento da
biologia molecular, uma nova visão mais integrada para compreender as células,
que conhecemos como sistema biológico, está ganhando espaço na ciência.
A atenção atual está direcionada, por exemplo, na exploração da complexidade
com que as redes de proteínas celulares interagem entre si e com outras
moléculas, e não simplesmente na beleza estrutural da dupla hélice.
O encerramento do PGH, no início de 2004, revelou a seqüência fria e
cansativa das bases de nucleotídeos A, C, T e C que compõem a longa fita do
DNA. A maioria dos segmentos contidos nesta estrutura ainda é completamente
misteriosa e obscura para a ciência. Agora, a tarefa para os pesquisadores é
estudar como as seqüências dessas bases são agrupadas para constituírem genes
ativos, e como estes genes são regulados para produzir proteínas e manter um
organismo vivo. Não há possibilidade de saber o que está ocorrendo em uma
célula se não se entenderem as interações entre seus componentes. Ou seja,
somente uma visão ampla e irrestrita dos sistemas biológicos nos mostrará
como funciona a biologia celular.
O DNA, que contém as instruções genéticas necessárias para fazer um
homem ou qualquer outra forma de vida, é uma molécula longa que está muito
compactada no núcleo da célula. Várias regiões do DNA constantemente são
desempacotadas e expandidas, como as dobras do fole de um acordeão, em
resposta às necessidades celulares. O!,iando a molécula do DNA relaxa ou
expande, proteínas, chamadas fatores de transcrição, têm acesso ao código
genético para ler as instruções responsáveis pela síntese de RNA mensageiros,
os quais servem de moldes para síntese de proteínas. Qiando o DNA está
enovelado e compactado, como o fole de um acordeão fechado, os genes não
estão acessíveis para as proteínas de transcrição.
Sabe-se que a célula humana coordena, de maneira extremamente eficiente
e precisa, a atividade de seus 30.000 genes. Cada uma de nossas células contém
a molécula de DNA medindo um total de dois metros, enovelada dentro do
núcleo celular, que possui um diâmetro de somente 1/100 de um milímetro.
Isto é comparável a empacotar 20K.m de um fio finíssimo de arame dentro de
uma bola de tênis. Este enovelamento é importante na ativação e inativação dos

41
genes e decide como a célula se comporta, tornando-se uma célula da pele,
uma célula hepática ou um neurônio, ou se a célula é saudável ou doente. Sem
o desenvolvimento de tecnologias sofisticadas seria impossível investigar os
sistemas biológicos, pois estes envolvem centenas de processos que ocorrem
simultaneamente na célula.
Várias técnicas estão sendo utilizadas para analisar o grau de expansão ou
compactação do DNA. Geralmente estas técnicas se baseiam em chips de RNA.
Entretanto, somente uma pequena fração de genes induz uma síntese de RNA
suficiente para ser detectado pelos chips. Recentemente, foi desenvolvida a técnica
do chips de cromatina, que dá um detalhe maior de quais genes estão propensos
as ativações ou inibições. Com esta técnica, se comparada aos chips de RNA,
pode-se conseguir maior informação sobre o número de genes e saber se eles
estão ou não induzindo a síntese de RNA. Assim, esta técnica pode nos indicar
não somente se um dado gene do DNA está presente ou não, mas também o
grau de compactação ou extensão do DNA.
A compreensão de como o genoma controla as funções celulares não diminuiu
a importância do enfoque reducionista usado com sucesso por tantos cientistas
e por tanto tempo. Por exemplo, os pesquisadores estão aprendendo mais sobre
uma proteína chamada condensina, que tem uma importância vital para
compactar a molécula de DNA e manter sua integridade estrutural. Assim, a
longa fita de DNA mantém seus constituintes compactados através de um
complexo especial de condensina, até o período da divisão celular. Os cientistas
observaram como o DNA é compactado pelo complexo de proteínas por meio
de microscópios magnéticos e vídeos. Assim, observou-se, por exemplo, como o
material genético dos organismos vivos se duplica para criar outras gerações de
células. A técnica é relativamente simples: moléculas individuais de DNA são
fixadas, por uma de suas extremidades, a uma lâmina de vidro, e, pelo outro lado,
a uma superfície magnética. Pequenos magnetos distendem e contraem as
moléculas. Uma força variável e controlada distende a molécula de DNA,
possibilitando avaliar as mudanças na compactação, seguida das interações com
o complexo da condensina.
Com base neste teste foi revelado que este complexo de condensina, quando
submetido a forças fracas, compacta o DNA. Ao aumentar as forças magnéticas,
este processo é revertido, ocorrendo a distensão da estrutura do DNA. Um
outro método excelente para entender a complexidade das redes biológicas é a
técnica de microarray para DNA, descoberta na década de 1990, e que permite

42
que os cientistas determinem, em uma única vez, os níveis relativos dos genes
expressos nas células.
As células rearranjam dramaticamente seus genomas para permitir que os
genes sejam expressos. Como mover os móveis em uma casa para arrumar mais
espaço, a mudança cromossomal extensiva é acompanhada por estruturas móveis
de empacotamento do DNA. Estas estruturas - conhecidas como nucleossomas
- são complexos de proteínas presentes em diferentes pontos do genoma. Sabe-se
agora que o nucleossoma marca território. Os genes para serem expressos de
modo mais eficiente perdem seus nucleossomas que, entretanto, retornam quando
os genes são inibidos.
A focalização de um simples gene não permite perceber os processos que
estão ocorrendo na célula em um dado momento. É necessário estudar a genômica
de um organismo, pois ela significa algo mais integrado para compreender o
que está ocorrendo na célula. A genômica é uma ciência altamente comparativa.
A tecnologia dos chips pode ajudar no diagnóstico de defeitos genéticos que
causam doenças. Células obtidas de um tecido canceroso e um tecido saudável
podem ser comparadas e analisadas, dando idéia do que levou o câncer a se
desenvolver.
Esta técnica pode também ajudar no entendimento e tratamento de doenças. Os
medicamentos podem ter efeitos diferentes em indivíduos que possuem pequenas
modificações genéticas. Mas, encontrando o tipo de gene de uma pessoa, pode-se
escolher o medicamento e a dose ser determinada para um máximo da efetividade
(farmacogenôrnica). Tais avanços, entretanto, necessitam de novos conhecimentos
de como as proteínas interagem na célula. Nos próximos 15 anos, quando um
paciente for ao médico, levará o mapa de seu DNA seqüenciado por somente
algumas centenas de reais.

O prêmio Nobel Francis Crick faleceu nos EUA, no dia 28 de julho de


2004, aos 88 anos.
Após 13 anos de trabalho, um novo, e talvez o último, relatório do consórcio
internacional de laboratórios que decodificaram o genoma humano, publicado
na Nature Reviews Genetics, de 21 de outubro de 2004, mostra que o ser humano
possui um genoma menor do que se estimava. O consórcio, ao divulgar a
seqüência do genoma em 2000, falhou em 147.821 regiões do DNA nos 23
pares de cromossomos humanos. Isto não significa que a seqüência anunciada

43
agora seja perfeita. Faltando somente 341 regiões, cerca de 20.000 genes
humanos foram identificados e 5.000 mais necessitam serem revelados.
Coincidentemente no mesmo número da revista foi publicado que um peixe
biologicamente importante possuía também de 20.000 a 25.000 genes. Vamos
também lembrar que um dos modelos favoritos para pesquisa, o verme C.
elegans, possui 19.500 genes e a planta mostarda, Arabidopsis, tem cerca de
27.000 genes. Aparentemente, em comparação com organismos mais simples,
o ser humano se beneficia mais dos genes que ativam a produção de proteínas
múltiplas do que dos genes que codificam somente uma proteína. Assim, muito
da complexidade biológica está baseada na seleção de diferentes combinações
de proteínas e não em uma simples estrutura seqüencial de aminoácidos.
Em 11 de novembro de 2004, o jornal eletrônico PLOS Biology divulgou
um artigo mostrando que regiões não-gênicas do DNA estavam associadas
com o desenvolvimento dos vertebrados. Neste trabalho, foi demonstrado que
o genoma humano contém inúmeras regiões do DNA que são regulatórias, o
que, aliás, está estimado nos métodos computacional e funcional. As análises
da seqüência comparativa de regiões do genoma de diferentes organismos podem
identificar similaridades e diferenças no DNA. Em geral, as similaridades na
seqüência entre organismos divergentes relacionam-se com as atividades
funcionais. Neste artigo, os autores comparam o genoma humano com o de
peixe, Fugus rubripes, para identificar aproximadamente 1.400 seqüências
altamente conservadas em regiões não-codificantes do DNA. Respeitando a
divergência evolucionária entre as duas espécies, conclui-se que estas seqüências
são essenciais a todos os vertebrados. Além disso, tais seqüências estão localizadas
pertos de regiões que agem como reguladoras do desenvolvimento. Algumas
destas seqüências são mais de 90% idênticas. Apesar disto, não se pode encontrar
similaridade nos genomas dos invertebrados.

O governo brasileiro definiu o desenvolvimento de fármacos como uma de


suas prioridades para a ciência e tecnologia. Não resta dúvida de que as
descobertas de novas drogas e o domínio da tecnologia de produção e inovação
de medicamentos são pontos importantes para a política de saúde de um país.
A população deve ter acesso aos novos medicamentos, que estão cada vez mais
caros e de difícil aquisição. No desenvolvimento de medicamentos, a primeira
instância de ação deve ser o estímulo à busca de drogas para combater as

44
grandes endemias e as doenças degenerativas, vasculares e crônicas que afetam
principalmente a terceira idade. A segunda prioridade refere-se a medicamentos
de alto valor agregado, como fármacos sofisticados e de última geração e drogas
cuja ação depende do perfil genético do paciente.
A inovação de um medicamento é um excelente negócio para a indústria.
No entanto, o processo de descoberta de um novo fármaco é lento e depende de
grandes investimentos em pesquisa. As grandes empresas investem de USS 600
a USS 800 milhões - duas vezes mais que uma década atrás - para colocar um
novo medicamento na prateleira de uma farmácia. Este é quase o valor utilizado
pela Nasa para colocar um homem na Lua. Estes valores são decorrentes de
investimentos, realizados pelas indústrias, de mais de USS 30 bilhões/ano em
pesquisa e desenvolvimento na busca de um novo produto - cerca de 15 vezes
mais do que era gasto há 20 anos. Apesar disto, em 2001, foram introduzidos
24 novos medicamentos - metade do número de 1996. Somente 17 novas drogas
foram comercializadas em 2003. Este foi o menor número desde 1983. Algumas
grandes empresas há mais de dez anos não conseguem produzir novos fármacos.
Normalmente os medicamentos não são efetivos em 100% da população, e
alguns trabalhos revelam que agem somente em 50/60% dos casos. Nos demais
casos, os pacientes não respondem ou os remédios provocam sérios efeitos
colaterais. Muitos medicamentos prescritos pelos médicos não agem nos
pacientes devido às pequenas diferenças nos perfis genéticos (microgenéticas)
entre os indivíduos. A recente revelação da seqüência do genoma humano facilitou
a solução da questão genética e abriu uma nova área comercial para os próximos
anos, a farmacogenômica, cujo mantra é: fármacos certos, nas doses certas, para
os pacientes certos. Ou seja, a farmacogenômica epidemiológica passa por várias
especialidades médicas, da genética a estudos estatísticos de doenças e controle,
e considera como fatores genéticos influenciam a resposta de uma pessoa a
uma droga. Isto é visto como um modo de realizar tratamentos mais seguros e
efetivos para cada pessoa individualmente. Apesar de esta área estar ainda no
primeiro estágio de desenvolvimento, o seu potencial para melhorar o tratamento
de pacientes é enorme e, mais importante, a farmacogenômica pode salvar vidas.
Um belo exemplo foi o experimento realizado com uma droga que reduz os
níveis de colesterol no sangue. O DNA de 1.536 pessoas foi analisado para a
verificação de 148 snps (polimorfismo que ocorre em um único nucleotídeo)
em 10 genes candidatos que agem no metabolismo de lipídios. As variações
nestes genes foram examinadas pelas mudanças nos níveis de lipídios ocorridas

45
durante 24 semanas de tratamento com a pravastatina. Foi descoberto que
indivíduos heterozigotos (que carregavam dois alelos diferentes de um gene),
para uma variação genética no gene HMG-CoA redutase (enzima alvo da
droga), tiveram reduções menores de colesterol quando tratados com
pravastatina. Este dado é interessante por fornecer uma forte evidência clínica
para a 'medicina personalizada' e o uso de genômica para certas terapias.
A maioria dos medicamentos tem ação em proteínas encontradas em diferentes
compartimentos e estruturas celulares. Por exemplo, o princípio ativo de um
remédio pode interagir com enzimas - substâncias que catalisam as reações
bioquímicas - ou com proteínas encontradas nas membranas, que são 30% de
todas as proteínas do organismo. Laboratórios dispendiosos que utilizam
cristalografia ou imagens de ressonância nuclear magnética são utilizados para
conhecer a estrutura tridimensional da proteína-alvo de uma droga. Conhecendo
a proteína, para descobrir um novo medicamento, é necessário desenhar
potenciais fármacos adequados à estrutura da molécula-alvo, além de desenvolver
sistemas para expressar essa proteína, medir a cinética da reação e incorporação,
conhecer a termodinâmica do processo, a estabilidade do complexo fármaco-
proteína alvo e os possíveis efeitos indesejáveis dos fármacos. Não é fácil investigar
um novo medicamento antes de ser testado nos animais e nos seres humanos.
Recentemente uma nova técnica conhecida como RNA de interferência
(RNAi) permite a inserção nas células de RNAi para inibir a ação de um gene
escolhido. O RNAi é um fenômeno que tem evoluído rapidamente com técnica
poderosa para silenciar a expressão gênica em células eucarióticas. De imediato,
essa técnica foi vista como poderosa para tratamento de doenças, como o câncer,
diabetes e outras patologias. Os cientistas descobriram que, na célula, moléculas
pequenas de RNA se ligam a moléculas maiores responsáveis pela síntese de
proteínas. Em experimentos com C. elegans, os pesquisadores mostraram que
as moléculas de RNA sintetizadas no laboratório podiam unir-se a RNAs
interferindo no componente funcional desta molécula, daí nasceu o nome RNAi.
Estima-se que 30% de todas as doenças genéticas humanas envolvem erros
nos RNAs. Assim, inúmeras patologias que se relacionam com defeitos nos
genes ou mesmo descontroles genéticos poderiam ser silenciadas através o
RNAi. A diversidade de sua aplicação faz do RNAi uma ferramenta essencial
para pesquisadores envolvidos na caracterização da função de um determinado
gene, na análise de uma via importante para ação de um medicamento ou
mesmo na validação de alvos terapêuticos. O uso desta tecnologia gera inúmeras
oportunidades e desafios.

46
Não resta dúvida de que o potencial desta tecnologia no campo da genômica
funcional e na descoberta de novos medicamentos é promissor. Por exemplo, o
RNAi pode suprimir genes que causam tumores diminuindo o desenvolvimento
de câncer. Entretanto, várias barreiras necessitam ser ultrapassadas para utilização
desta técnica para pesquisa e aplicação clinica.
As moléculas de RNAi não funcionam em bactérias utilizadas normalmente
em experimentos. Também elas não podem ser aplicadas sem interferir nas
células, e os genes não permanecem suprimidos por longo tempo. Para contornar
esses problemas, pesquisadores estão mudando a composição química das
moléculas convencionais de RNA usadas no RNAi e combinando a fita simples
de RNA com a fita simples complementar do DNA para criar pequenas
moléculas híbridas de RNA-DNA.
Estes híbridos são mais estáveis que os RNAi, passivamente penetram nas
células por um mecanismo ainda não conhecido e permanecem intactos no
interior das células. Assim, as moléculas híbridas de RNA-DNA são mais
eficientes que os RNAi, seus efeitos demoram 10 vezes mais dos que os gerados
pelas moléculas convencionais, são mais baratas para serem produzidas e são
ativas em bactérias e vírus. As moléculas híbridas podem localizar um dano ou
uma pequena alteração em um gene, entre seis bilhões de nucleotídeos contidos
em uma única célula, e torná-lo silencioso. É bom lembrar que os genes agem
no organismo através da expressão de proteínas e enzimas específicas que cada
gene codifica. O código genético contido na seqüência de DNA é transcrito
para RNA e finalmente traduzido em polipeptídios - proteínas, enzimas ou
hormônios peptídicos. Uma doença genética é resultante de uma mudança no(s)
gene(s), gerando produtos genéticos anormais.
O gene inibido pelo RNAi não produz a proteína pela supressão de sua
expressão. Esta estratégia de intervenção não está limitada à inibição de genes
endógenos - aqueles que ocorrem naturalmente na célula. Ela pode ser também
usada para silenciar genes estranhos, tais como aqueles de um vírus ou uma
bactéria invasora, assim protegendo o organismo de uma infecção.
Em resumo, para utilizar moléculas híbridas de RNA-DNA, deve-se
inicialmente identificar a seqüência de nucleotídeos no gene-alvo. Então, uma
pequena seqüência de cerca de 20 nucleotídeos é sintetizada para identificar a
seqüência genética a ser silenciada. Qyando esta molécula híbrida for inserida
em uma célula, ela se liga seletivamente no RNAm da seqüência-alvo,
bloqueando sua capacidade de expressar o produto. A experiência mostra que

47
moléculas lubridas, tendo corno alvos genes que causam câncer, inibiram o
crescimento rápido das células cancerígenas e não causaram efeito deletério
nas células normais próximas ao câncer.
A indústria de biotecnologia, tão criticada por cientistas conservadores,
movimenta algo em torno de USS 30 bilhões/ano, produzindo mais de 160
medicamentos e vacinas, e possui cerca de 370 drogas e imunobiológicos em
vários estádios de testes. A prioridade no desenvolvimento de fármacos depende
de urna política industrial forte e agressiva e de grandes investimentos em
pesquisa básica e aplicada e de reconhecer que países que negligenciam a
produção própria de medicamentos amargam uma perene condição de
dependência tecnológica. Há que se investir para fazer a diferença.

RNA~: sobreci c!escobertci téuücci


c!ciV'vOVCl
A descoberta de RNAi foi em 1998 quando os cientistas revelaram que
pequenas fitas duplas de RNA podiam efetivamente se ligar a genes específicos.
Logo se imaginou o potencial revolucionário dessa técnica no tratamento de
inúmeras doenças. A chamada terapia por RNAi é considerada uma das
descobertas mais importantes nos últimos tempos para a ciência biológica devido
ao seu poder de silenciar genes indesejáveis relacionados a doenças deixando os
demais genes intactos. No entanto, se os RNAis forem dissolvidos no sangue,
por exemplo, eles não conseguem penetrar nas células. Mas esta terapia será
útil para a medicina se for administrada pelos métodos da medicina convencional.
Dados publicados na segunda semana de novembro de 2004 pela revista
Nature Reviews Genetics demonstraram que a técnica de RNAi silenciava o
gene responsável pela síntese de apolipotroteína B, diminuindo sua concentração
no sangue aproximadamente em 70% e, conseqüentemente, reduzia a mais da
metade os níveis de colesterol no sangue de camundongos. O RNAi ligava-se
a proteínas do sangue, o que aumentava sua estabilidade por 15 vezes.
A idéia é que a população de moléculas lipofílicas, como a de colesterol,
agiria como cavalo de Tróia para colocar RNAi no interior das células. Os
pesquisadores ligaram RNAis a moléculas de colesterol que rapidamente são
absorvidas pela célula. Ironicamente, a molécula de colesterol carreava um
RNAi para silenciar um gene responsável pelo alto nível de colesterol no sangue.
As moléculas de colesterol-RNAi reduziram 37% o nível de colesterol em
camundongos.

48
Este é mais um passo em direção ao uso clínico de RNAi. A beleza desse
resultado está em sua simplicidade. No entanto, ainda são necessárias várias
experiências para monitorar as aplicações diretas e sistêmicas de RNAi em
doenças, como as cardiovasculares, diabetes, obesidade, hepatite, câncer e outras
patologias, e para verificar os potenciais efeitos colaterais, quanto tempo o
efeito da droga persiste sem a necessidade de inoculações adicionais, ou seja,
revelar a eficiência da terapia por RNAi.

49
2

A genômica comparada envolve o estudo de genomas de diferentes espécies


e as possíveis alterações biológicas causadas por pequenas modificações quando
comparadas as estruturas dos genes, o que leva a um melhor entendimento de
um processo patológico ou mesmo do processo evolutivo.

Alguns pesquisadores acreditam que para compreender a natureza humana


deve-se entender o comportamento dos primatas. As interações sociais e a
organização das comunidades dos primatas mais evoluídos, em teoria, podem
levar às raízes evolucionárias de nossas próprias relações sociais. A partir do
século XVII até recentemente, nossa familiaridade com o chimpanzé se deve à
semelhança dos corpos e à ignorância do que representa o DNA.
Após vários séculos estudando os macacos, ficamos familiarizados com cada
uma das diferenças entre os primatas. No entanto, a emergência das comparações
moleculares, nos anos 60, e as tecnologias do DNA, nos anos 80 do século
passado, revelaram novas maneiras de comparar as espécies. A comparação
linear de polímeros, como as proteínas, que possuem aminoácidos como
componentes básicos estruturais, ou os DNAs, compostos de cadeias de
nucleotídeos, indicaram um enfoque tabular para a evolução.
Na era da genômica, os cientistas tornaram-se adeptos às seqüências
genômicas e buscaram nelas explicação para a evolução humana. O segredo de
como diferimos de nossos 'parentes' evolucionários, os primatas, e de como os
primatas diferem entre si, pode estar contido em nosso genoma e nos genomas
dos primatas não-humanos. A comparação de genes dos primatas nos leva à
compreensão da base genética das vias bioquímicas que distinguem as espécies
de primatas dos seres humanos.

51
Os mecanismos genômicos e processos mutaciona.is mais importantes para
o entendimento dos processos evolucionários, estudados nos últimos 25 anos,
demonstraram ser mais complexos do que se pensava. Os mecanismos básicos
utilizados para criar novos genes e processos bioquímicos são a duplicação,
transposição e recombinação ilegítima dos genes, as quais resultam no aumento
do número de cópias de genes e diferenças qualitativas entre os genomas
considerados. As duplicações gênicas, bem como suas reduções, que são
específicas para cada espécie, ou linhagem, podem ser características únicas
para uma determinada espécie de primata.
Comparando os genomas de quatro diferentes primatas evoluídos, foram
identificados genes que representam uma significante maioria das principais
cópias de genes e que foram modificados em processos que ocorreram nos
últimos 15 milhões de evolução da espécie humana e de outros primatas. Foram
encontrados mais de mil genes que sofreram mudanças específicas no número
de cópias no ser humano, chimpanzé, gorila e orangotango. Destes, a expressão
de 134 estava aumentada somente nos seres humanos.
Os primatas mais evoluídos demonstraram mais aumento que diminuição
dos números de cópias desses genes. Isto é indicativo de uma evolução de
novas funções e habilidades desses animais. Estes dados foram mais expressivos
para os seres humanos, incluindo o número de genes envolvidos na estrutura
e função do cérebro humano, que contribuem para as habilidades cognitivas
e únicas do homem.
A distribuição dos genes modificados no genoma não era randômica. Vários
genes que apresentavam variações no número de cópias estavam localizados
em aglomerados de genes propensos à instabilidade. Estas regiões têm uma
história evolucionária dinâmica e são conhecidas por estarem associadas a
doenças humanas. Isto sugere que tais regiões podem ter sentido duplo: de um
lado como adaptações dos processos evolucionários, de outro, a mesma
instabilidade levando a doenças genéticas.
As primeiras comparações realizadas entre os genes de dois primatas, homem
e chimpanzé (Pan troglodytes), revelaram que há mais diferenças entre esses
anima.is do que se imaginava. A primeira delas foi a rápida evolução de genes
ligados à audição, ao olfato e à digestão de proteínas. No entanto, esse
desenvolvimento não aconteceu no chimpanzé, mas sim no homem. Os dois
anima.is compartilham quase 99% do material genético. Esperava-se que na
diferença de e r a de 1% estariam os traços que marcariam a diferença entre o

52
macaco e o ser humano. Foram analisadas 7.645 seqüências de genes de
chimpanzé que foram comparadas com genes compartilhados com o homem e
o camundongo. Dos 7.645 genes compartilhados, 1.547 genes humanos e 1.534
genes de chimpanzé experimentaram transformações relativamente rápidas, que
provavelmente deram uma vantagem à sobrevivência.
Este estudo que começou com praticamente os 23.000 genes, caiu para
7.645, devido à necessidade de assegurar o alinhamento dos genes humano, do
chimpanzé e do camundongo. Genes também são afetados pela seleção natural
e pelo meio ambiente. Essas mutações podem ser neutras, negativas ou positivas.
Nesse último caso, fazem surgir mudanças que facilitam a sobrevivência.
A distinção é que o olfato, a audição e o catabolismo de aminoácidos
mostraram um excesso de genes sendo positivamente selecionados. A maneira
como os genes são regulados e como as proteínas são sintetizadas pelo organismo
também é importante para definir a diferença entre o chimpanzé e o homem.
Em algumas análises realizadas, os dois genomas foram também comparados
com o genoma de camundongo, para tentar encontrar genes que evoluíram
mais rapidamente no ser humano. Neste sentido, as seguintes perguntas podem
ser feitas: quais são os genes que nos faz humanos? Ou melhor, quais foram os
genes obtidos da seleção natural que resultam nas diferenças entre o homem e
o chimpanzé?
É possível que nos genes - e em sua regulação - se concentrem os seis
milhões de anos de evolução que separam o homem do chimpanzé. A evolução
rápida de genes ligados à audição pode estar vinculada ao desenvolvimento da
linguagem, uma das características que separa o homem dos animais. Os genes
que causam o catabolismo de proteínas podem ter ajudado quando houve uma
mudança de dieta na pré-história. Há os que correlacionam a expansão do
cérebro com o aumento de consumo de carne (proteínas).
As diferenças nos genes que controlam a produção de receptores nas células
do olfato podem ser devidas aos chimpanzés usarem mais o olfato no dia a dia
do que o ser humano. No entanto, a expansão de genes ligados a esse sentido
ainda é um mistério. Pode estar associada ao comportamento sexual, ou a alguma
função desconhecida. A evidência de a seleção natural ter favorecido mais o
humano do que o chimpanzé, no sentido do olfato, é devida à importância
deste sentido para encontrar o alimento e para o acasalamento.
Em adição à maior percepção do olfato, diferenças no metabolismo de
aminoácidos também parecem afetar o chimpanzé e o homem, principalmente

53
em suas habilidades de digerir proteínas. É claro que o ser humano ingeria
mais proteínas durante mais tempo. Isto deve ter ocorrido há aproximadamente
dois milhões de anos em consonância com uma grande variação climática.
Genes relacionados à fertilização, à gestação, ao crescimento dos ossos longos
e à distribuição de pêlos também apresentaram diferenças.
Não se pode evitar a tentação de imaginar uma diferença mais complexa: a
habilidade de falar e compreender a linguagem. Talvez alguns desses genes
capacitaram o homem a entender como a linguagem funciona, não somente no
cérebro, mas também na audição. Na realidade há duas pequenas, mas
importantes, diferenças entre genes individuais. Por exemplo, uma está no gene
FoxP2, relacionado com a fala e linguagem. A outra diferença envolve os genes
do olfato que codificam receptores das narinas. Progressivamente o ser humano
está perdendo uma grande parte desses genes e tornando-se menos acurado em
detectar o cheiro.
Este processo começou há cerca de 3 milhões e, possivelmente, continuará
por outros 1,8 milhões de anos. Assim como a nossa habilidade na linguagem
melhorou nos últimos 200 mil anos, nosso sentido de olfato está se deteriorando.
Por outro lado, um ponto que tem intrigado os pesquisadores é porque os
chimpanzés são imunes a várias doenças humanas, como a malária e a Aids.
Se, ao investigar as variações dos genes do sistema imune do chimpanzé e do
homem, certamente se avançará na compreensão dos processos envolvidos na
patologia dessas doenças, o que poderá nos levar ao desenvolvimento de melhores
medicamentos?
Uma outra evidência de mudança na seleção está nos genes que codificam
uma proteína obscura existente na membrana tectorial do ouvido interno. Uma
forma inata de surdez é causada por uma mutação neste gene, conhecido com
alfa-tectorina. Uma anomalia neste gene resulta em audição insuficiente, alguma
coisa como não distinguir o som emitido por um violinista, como Turíbio
Santos, de um emitido por um tocador de violão comum.
Também foi observada sistematicamente a atividade gênica nos cérebros do
chimpanzé, ser humano, orangotango e macacos, e, quando comparadas,
verificou-se grandes diferenças. Em uma região particular do cérebro,
aproximadamente 10% dos genes diferiam entre o homem e o chimpanzé.
A distinção entre as duas espécies também pode ser devida à importância
funcional de diferentes níveis de expressão genética cerebral. Este racional
mostra que a biologia do homem e do chimpanzé não difere devido a um gene

54
em particular. o entanto, não impede que várias hipóteses possam ser testadas
para se entender que somente 1 % da seqüência de DNA é que nos faz diferentes
de um chimpanzé.
Todavia, devemos lembrar sempre que a seqüência do DNA é uma entidade
unidimensional e induz sempre comparações lineares e não espaciais. Os genes
que regulam a produção do fêmur humano e do chimpanzé podem ser 99%
idênticos, mas é impossível dizer se os ossos femurais são mais ou menos
semelhantes entre as duas espécies.
É sempre bom lembrar que duas seqüências de DNA geradas
randomicamente devem ser 25% idênticas, devido ao fato de que o DNA é uma
seqüência de somente quatro bases. Como todos os organismos multicelulares
se desenvolveram de um simples ancestral comum, as semelhanças entre seus
DNAs devem ser maiores do que 25%. Em outras palavras, o ser humano e
uma mosca têm muito em comum em termos genéticos, apesar de serem
totalmente diferentes fisicamente. Este é um belo exemplo de uma comparação
grosseira entre o DNA de duas espécies.
Assim, este fato aparente da natureza - a similaridade genética entre o
homem e o macaco - é construído pela nossa cultura. Isto não quer dizer que
este fato seja falso, e sim que seu significado é menos óbvio do que parece.
Culturalmente procura-se dar sentido a vida, e a ciência fornece informações
para construção do nosso lugar no planeta. No entanto, como em qualquer
sociedade, usamos essas informações para explicar nossa existência, que é
influenciada fortemente pelas nossas idéias não científicas e por ideologias
da hereditariedade.

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A pergunta continua: o que faz a diferença entre o homem e o chi mpanze.
Por que tem sido um mistério para a ciência o fato de o ser humano ser
semelhante na aparência e no comportamento com o chimpanzé? A revista
Nature Reviews Genetics, de novembro de 2004, publicou um artigo sobre a
evolução do cérebro humano sugerindo que o homem e o chimpanzé pensam
de maneira diferente. Eu, particularmente, acredito nisto. Após uma extensa
análise dos dois genomas, os pesquisadores demonstraram o porquê de o
cérebro humano ter evoluído de maneira diferente do cérebro do chimpanzé.
Como as seqüências dos DNAs entre eles são muito semelhantes, a hipótese
levantada é a de que as diferenças ocorrem entre os níveis de expressão genética

55
e de como os genes são regulados. Ou seja, o número de genes ou a diferença
na seqüência de DNA entre os dois animais não são importantes, e sim como
e quando estes genes são expressos ou desativados.
Utilizando-se da técnica de microarranjos - microarrays -, os cientistas
exploraram e compararam o genoma do ser humano e do chimpanzé examinando
quais genes são expressos ou não ativados em diferentes órgãos. Os dados
encontrados permitiram concluir que a regulação genética era diferente quase
que exclusivamente no cérebro, e não em outros órgãos como o fígado e o
coração. Isto sugere que as diferenças genéticas são específicas para o cérebro
e associadas como nossa função cognitiva. Além disso, também foi demonstrado
que os genes eram mais freqüentemente desligados, ou desativados, no cérebro
humano do que no chimpanzé. Em uma linguagem mais popular, parece que o
cérebro humano é como um computador de última geração e o do chimpanzé
é mais parecido com um modelo XT.
Os genes que regulam o desenvolvimento e função cerebral evoluíram mais
rapidamente nos seres humanos que nos primatas não-humanos e outros
mamíferos devido ao processo único de seleção natural que ocorreu na linhagem
dos humanos. Pesquisadores anunciaram na revista Gel!, de 29 de dezembro de
2004, que o desenvolvimento das habilidades cognitivas dos seres humanos
não ocorreu devido a mutações acidentais, e sim em decorrência de um grande
número de mutações favorecendo uma seleção intensa e excepcional destas
habilidades.
Os pesquisadores examinaram 214 genes envolvidos no desenvolvimento e
função cerebral de quatro espécies de primatas: humanos, macacos ( do Velho
Mundo), rato e camundongo. É bom lembrar que os primatas se separaram
dos roedores a cerca de 80 milhões de anos, e os humanos dos macacos há 20-
25 milhões de anos; os ratos divergiram dos camundongos a cerca de 20 a 23
milhões. Para cada um desses genes cerebrais foram identificadas mudanças
que alteravam a estrutura da proteína resultante, bem como genes que não
afetam a seqüência das proteínas. A seleção evolucionária focalizava somente
os genes que alteravam a estrutura protéica. Trocas em um gene que não muda
a proteína indicam uma mutação dentro do esperado, da normalidade, ou seja,
mutações randômicas basais conhecidas como relógio molecular genético.
A relação entre estes dois tipos de mudanças fornece uma estimativa da pressão
sobre a seleção natural levando à evolução do gene. Assim, os pesquisadores
chegaram à conclusão de que os genes relacionados com o cérebro evoluíram
mais rapidamente nos seres humanos que nos macacos e estes mais que nos

56
ratos e camundongos. Adicionalmente, a linhagem humana possui uma maior
mudança nas proteínas que os macacos, entre eles, os chimpanzés. Possivelmente,
essas mudanças evolutivas rápidas foram as responsáveis pelo desenvolvimento
da linguagem e inteligência nos seres humanos.

o vioV¼.eV¼.
e .sel.,(_
V¼.elvior
civvügo
Os mamíferos existentes no planeta, em algum ponto da escala evolutiva,
tiveram um ancestral comum. A descoberta que os seres humanos são
geneticamente próximos dos cães e dos camundongos fez as pessoas olharem
com mais respeito a vida dos animais. Os cães divergiram do ancestral comum
transformando-se em uma espécie independente há aproximadamente 95milhões
de anos. Apesar disso, em termos da genética comparativa, esta relação não é tão
lógica assim. O cão é geneticamente mais similar ao ser humano do que este é do
camundongo, que divergiu do homem há 87 milhões de anos. Ou seja, nós estamos
mais próximos dos cães do que dos camundongos e os ratos, quando se compara
o conteúdo e a estrutura genética dessas quatro espécies de mamíferos.
Desde o início dos estudos de genética molecular, mais de 150 espécies
tiveram o genoma seqüenciado. A maioria dessas espécies era de
microorganismos. Somente agora está sendo seqüenciado o genoma de uma
espécie de convivência tão próxima ao ser humano. A relação ancestral entre o
ser humano e o cão tem sido caracterizada como um longo experimento de
genética, pois se iniciou quando o ser humano cruzava diferentes raças de cães
para conseguir um animal que pudesse segui-lo, desse melhor proteção e que
fosse ativo caçador.
Mas a ciência genética canina está apenas em seu começo. O cão, domesticado
há cerca de 10.000 anos, logo após a exploração agrícola ser estabelecida, teve o
primeiro rascunho de seu genoma divulgado. Existem mais de 400 linhagens
distintas de cães, as quais fornecem aos caninos uma enorme variedade de
diferenças físicas e comportamentais à disposição de exploração genética.
Dentre essas espécies, um poodle, macho, chamado Shadow, e uma fêmea
boxer, conhecida pelo nome de Tasha, foram escolhidos para reservar seu lugar
na história, tornando-se a quarta espécie de mamífero, após o ser humano, rato
e camundongo, a ter o genoma mapeado. Para a crescente comunidade de
geneticistas de cães, dos criadores aos pesquisadores veterinários, esta revelação
foi um grande passo, pois, tendo a seqüência genômica, diminuirá o tempo na
pesquisa por genes do comportamento do animal, por exemplo.

57
O primeiro rascunho do genoma canino demonstrou que este animal possui
aproximadamente 2,4 bilhões de pares de base, número ligeiramente inferior
quando comparado com os2,9 bilhões de bases que estruturam o genoma humano.
É sempre conveniente lembrar que o cão possui 78 cromossomos (pacotes de
DNA que se encontram no núcleo de cada célula) e o ser humano 46. Com 85%
do genoma seqüenciado foram encontrados 650 milhões de pares de bases comuns
ao cão e ao ser humano. De um total de 24.567 genes humanos já conhecidos,
18.473 genes são também encontrados no genoma do cão.
A preservação das seqüências entre os dois genomas não está restrita aos
genes, mas inclui também uma grande fração dos genomas de função ainda
desconhecida (DNA lixo). A razão de as seqüências serem altamente
conservadas em diferentes espécies após milhões de anos de evolução divergente
é um dos principais desafios atuais para os biologistas. No entanto, uma grande
diferença, já esperada, foi encontrada: o genoma do cão codifica uma maior
variedade de proteínas envolvidas no sentido do olfato do que os genes humanos.
No genoma do cão foram identificados 974.400 single nuc!eotide
po!ymorphisms (snps), mudança em um único nucleotídeo. Essas variações
genéticas de uma só letra são importantes para a compreensão de genes que
contribuem para as doenças. Curiosamente, o cão possui cerca de 400 doenças
genéticas, sendo a maioria delas homólogas às doenças existentes no ser humano.
Não resta dúvida de que o conhecimento do genoma do cão torna a compreensão
do processo evolutivo mais fascinante, além de entendermos mais as histórias e
origens de doenças comuns entre as 4.600 espécies de mamíferos existentes.
O campo da genética de cães tem crescido pelo uso de novas tecnologias
derivadas do conhecimento do genoma. Várias destas ferramentas moleculares
têm sido utilizadas para investigar doenças genéticas caninas, entre elas a desordem
na coagulação do sangue, displasia, cegueira e epilepsia. A idéia dos criadores
de cães é usar estas tecnologias para ajudar na criação de cães mais saudáveis
ou com pêlos da cor desejada.
Os criadores de cães também estão investigando a possibilidade de usar
marcadores genéticos para melhorar o temperamento do animal. Por exemplo,
pode-se combinar o genoma de um labrador com um poodle para criar um
labradoodle, o qual teria a inteligência e pêlos hipoalergênicos de um poodle e a
relação amigável de um labrador. Ou seja, pela engenharia genética será possível
desenvolver animais que sejam mais confiáveis e menos violentos e nervosos.

58
cio CílV1Av<.l/\,ciol/\,go
Do HoV1AeV1A, e cioRílto
Já mostramos que os mamíferos tiveram um ancestral comum em algum
ponto da escala evolutiva. O ser humano divergiu do camundongo a cerca de 87
milhões de anos e do rato há 80 milhões. Este período não está muito distante da
época em que os dinossauros foram extintos, fato este que favoreceu a propagação
dos animais mamíferos no planeta. Assim, na árvore evolutiva dos mamíferos, o
ser humano um dia compartilhou a mesma linhagem desses roedores.
Os ratos não devem ser considerados simplesmente uns camundongos
maiores. Esses animais diferiram evolutivamente entre si mais do que o homem
divergiu do macaco. Os dados do genoma do rato e do camundongo confirmaram
que eles divergiram, entre 12 e 24 milhões de anos, de um ancestral comum,
para formarem estas duas espécies. Após esta divergência evolutiva, cerca de 50
rearranjos cromossomais ocorreram em cada uma das linhagens desses roedores.
Oliando comparadas às seqüências dos genomas do homem, do camundongo
e do rato, abre-se uma nova maneira de investigar, facilitando o estudo do
tratamento das doenças, desenvolvimento de novos medicamentos e drogas e
evolução dos animais mamíferos. A disponibilidade para trabalhar
comparativamente com os três genomas nos oferece a habilidade de triangular
informações e analisar o que é similar ou não, interpretando e resolvendo detalhes
da biologia humana.
O ser humano divide 99% de seus genes com o camundongo e possui até
genes que poderiam desenvolver uma cauda. De fato, somente cerca de 300
genes são exclusivos para cada uma dessas espécies. Por outro lado, a região
não-codificante do DNA dessas espécies (DNA lixo), separada evolutivamente
por dezenas de milhões de anos e milhões de gerações, é altamente e
estranhamente conservada. O significado disto no processo evolutivo ainda
não está claro. Sabe-se que certos segmentos do DNA lixo participam da reunião
e organização da estrutura dos genes.
Entretanto, recentemente, os pesquisadores 'engenheiraram' geneticamente
células embrionárias e desenvolveram camundongos que apresentavam 2,3
milhões de bases do DNA (das 2,7 bilhões de pares de bases que formam o
genoma co camundongo em regiões não-codificantes). Comparando os animais
alterados geneticamente com camundongos normais, os pesquisadores não
observaram diferenças na viabilidade, desenvolvimento e longevidade. Assim,
é importante salientar que as modificações genéticas não alteraram a biologia
do animal. Esses dados necessitam ser mais profündamente analisados.

59
As principais diferenças entre o homem e o camundongo aparecem em
áreas dos genomas que governam a imunidade, desintoxicação, olfato e sexo.
Isto faz sentido se considerarmos onde estes roedores vivem, como eles encontram
alimentos e o número de filhos que eles podem gerar. Cerca de 40% do genoma
desses mamíferos vêm do último ancestral comum. Este percentual equivale a
um bilhão de bases encontradas próximas aos genes e seus sinais _regulatórios.
Comparando os genomas dessas três espécies, pode-se observar quantas
seqüências comuns do DNA são compartilhadas pelo camundongo, rato e ser
humano. Por exemplo, camundongos e ratos possuem a mesma distância
evolutiva, se comparados o cromossomo X entre o rato e ser humano e o ser
humano com camundongo.
Documentos históricos revelam que os ratos vêm sendo usados como animais.
modelo de laboratório desde 1828. Somente 100 anos depois os camundongos
ficaram em moda, provavelmente, por serem menores e mais fáceis de serem
criados. Por razões técnicas, o camundongo tornou-se o animal experimental
dominante para os estudos genéticos, principalmente aqueles que envolvem
retiradas ou inserção de genes.Já foram desenvolvidos camundongos com sistema
imune similar ao do humano, o que torna possível estudar doenças que desenvolvem
os seres humanos. Este é um modelo que fornece uma nova ferramenta para
investigar agentes patogênicos que especificamente atacam o sistema imune
humano, bem como para testar potenciais intervenções terapêuticas.
Como animal de laboratório, o rato tem vantagens sobre o camundongo.
Ele é mais esperto, ágil, serve como um melhor modelo rotineiro na pesquisa
biomédica para determinar a toxicidade de fármacos em desenvolvimento, antes
de serem testados nos seres humanos. Também são usados para estudos de
câncer, diabete e doenças cardiovasculares (hipertensão), desordens
psiquiátricas, regeneração neural, cirurgia, transplantes e doenças auto-imunes.
Os rearranjos cromossomais, bem como outros tipos de mudanças no
genoma, são menores nos primatas do que nos roedores, indicando que as
transformações evolucionárias ocorreram mais rapidamente nestes animais.
O rato possui 21 pares de cromossomos, o camundongo 20 e o homem 23
pares. Entretanto, uma análise comparativa entre os cromossomos dos três
últimos mamíferos revelou que cerca de 280 regiões contêm seqüências similares,
chamadas blocos sintênicos, distribuídas por todo cromossomo.
O genoma do rato possui aproximadamente 2,75 bilhões de pares de base,
sendo assim menor do que o do ser humano, o qual tem cerca de 2,9 bilhões e,

60
um pouco maior do que o genoma do camundongo, que possui 2,6 bilhões de
pares de bases. Entretanto, o genoma do rato contém aproximadamente o mesmo
número de genes que o ser humano e o camundongo, ou seja, entre 25 a 30 mil
genes. Quase todos os genes humanos associados com doenças são
compartilhados com o genoma do rato e do camundongo. Uma análise mais
refinada revelou que alguns aspectos da evolução do genoma do rato parecem
estar acelerados quando comparados com o do camundongo.
Devido a uma expansão rara e rápida de algumas famílias de genes
selecionados, os ratos apresentaram genes não encontrados em camundongos,
incluindo genes envolvidos na imunidade, produção de feromônios, degradação
de proteínas e detecção e neutralização de substâncias tóxicas. Por exemplo,
certas regiões do genoma do rato evoluíram mais rapidamente dando a esse
animal um sentido de olfato maior, para uso na detecção de perigo, marcação
de território e escolha de casais. Os ratos possuem cerca de 2.070 genes
codificantes de receptores de cheiro, o que significa um terço a mais do que os
camundongos. As mutações que desenvolveram esta diversidade ocorreram
provavelmente randomicamente, mas deram algumas vantagens aos ratos que
podem viver em uma variedade do pior habitat existente em todo o planeta.
Recentemente, pesquisadores estão trabalhando com animais luôridos,
conhecidos como quimeras - da criatura grega mítica com cabeça de leão,
corpo de ovelha e cauda de serpente. Estes animais estão permitindo que os
cientistas vejam, pela primeira vez, como uma célula humana nascente e órgãos
maduros interagem - não em uma placa de vidro, mas dentro do organismo de
um animal vivo. Talvez, um dos mais ambiciosos projetos utilizando-se de
quimera veio da Universidade de Stanford. Irving Weissman tentou desenvolver
o primeiro camundongo com um sistema imune próximo ao do humano.
Posteriormente, sua equipe injetou células-tronco neurais humanas em fetos de
camundongos, desenvolvendo animais com 1% do cérebro humano. Dissecando
camundongos em diferentes dias após este procedimento, os pesquisadores viram
como as células nervosas se moviam, multiplicavam e faziam conexões com
células do camundongo. Agora, este grupo pretende adicionar células-tronco
que possuem defeitos causadores da doença de Parkinson e investigar se esta
doença aparece nas primeiras etapas do desenvolvimento humano, além de
desenhar novos medicamentos e testá-los em animais quimeras, de modo não
possível em pacientes.
Isto faz lembrar a história da "Ilha do dr. Moreau", escrita em 1986 por H.
G. Wells, na qual o referido doutor desenvolve criaturas que são parte animal

61
e parte humana. Agora isto não é mais uma ficção, as quimeras são criações
reais de cientistas reais, procurando esclarecer a complexidade da biologia.

A gciLLtrvVlll
verl'¾elvillc!ClCvi~trvCl
Um consórcio internacional publicou na revista Nature Reviews Genetics, de
9 de dezembro de 2004, a seqüência do genoma da galinha vermelha selvagem
chinesa (red jungle Jowl, Gallus gallus). Esta ave foi obtida de uma criação
desenvolvida em UC Davis pelo geneticista Hans Ablanalp, professor emérito
de ciência aviária, nos primeiros anos da década de 1950. Assim como o lobo
é ancestral do cão, o Gallus é considerado ancestral das demais espécies de
galinhas. Este animal foi a primeira ave, o primeiro animal de valor agrícola
comercial e o primeiro descendente do dinossauro a ter seu genoma seqüenciado.
O seu genoma contém 39 pares de cromossomos, com um DNA contendo de
20.000 a 23.000 genes. Apesar do tamanho do genoma ser 2/3 menor do que
o do humano, 60% dos genes codificaram proteínas existentes no genoma
humano. A diferença na amostra total de DNA reflete uma redução substancial
do genoma referente a duplicações gênicas, bem como a poucos pseudogenes
no genoma da galinha. Este animal parece ser a única espécie de vertebrado,
cujo genoma tenha sido seqüenciado, que perdeu mais genes do que ganhou no
processo evolucionário.
De fato, a análise comparativa entre dois DNAs revelou que o ser humano
possui genes relacionados com os genes da galinha produtores de proteínas da
casca do ovo. Obviamente, estes genes têm um papel da formação de ossos dos
humanos. Foi com certa surpresa que os pesquisadores verificaram que as galinhas
possuem mais genes relacionados com a sensação do odor do que era esperado.
Isto sugere que estes animais detectam o cheiro de uma forma mais elaborada
do que se acreditava. Por outro lado, estas aves possuem menor número de
genes relacionados ao paladar do que as pessoas. Finalmente, não foi
surpreendente que as galinhas não apresentaram nenhuma versão dos genes
humanos relacionados à produção de leite, saliva e dentes.
Como todas as aves, as galinhas são descendentes dos dinossauros no meio
do período Mesozóico. Aparentemente, o ser humano e a galinha dividiram
um ancestral comum há 310 milhões de anos - mesmo antes de os dinossauros
emergirem - comparados com os 80-87 milhões de anos desde que os humanos
e os roedores se separaram na árvore evolucionária.

62
Os primeiros pássaros apareceram 150 milhões de anos depois. As galinhas
foram domesticadas na Ásia a cerca de 8.000 anos. A criação intensiva de
galinhas iniciou-se na metade do século passado, levando ao desenvolvimento de
linhagens altamente especializadas, as quais produzem mais carne e ovos que
os animais antigos. Hoje bilhões de galinhas são criadas por ano. O melhora-
mento de galinhas representa um dos mais extraordinários exemplos de evolução
dirigida.
Os segredos do genoma de galinha podem levar à produção de superaves
que produzirão mais ovos e mais carne e serão mais resistentes a doenças. Este
DNA poderá esclarecer muitas dúvidas sobre doenças, corno a gripe aviária
que causou urna epidemia grave no sudeste da Ásia. A Organização Mundial
da Saúde (OMS) acredita que a gripe aviária se espalhará pelo planeta, podendo
transformar-se em um agente perigoso que poderia matar milhares de pessoas.
Com o conhecimento do genoma tomar-se-á possível determinar as variações
genéticas entre as aves e conhecer as linhagens que transmitem mais o vírus da
gripe e aquelas que são mais susceptíveis a ele, e possivelmente qual a parte do
genoma é responsável por este fato. Se nas pesquisas forem encontradas linhagens
de maior risco, poder-se-á recomendar a não criação desses animais. Finalmente,
o genoma desse animal servirá como um modelo para 9.600 espécies de aves
conhecidas com o DNA não seqüenciado.

63
3

A genômica funcional descarta o enfoque reducionista - estudar


individualmente os genes e seus produtos - e focaliza holisticamente a compre-
ensão biológica da expressão genética, pela definição compreensiva e estudos
simultâneos de todos os genes nos estados fisiológicos e patológicos. A análise
global da função do gene melhorou nossa habilidade de descobrir novos genes
envolvidos em funções biológicas específicas, mesmo que dados não mensuráveis
estejam presentes na investigação. A genômica funcional procura refinar a
compreensão comple.·-::adas patologias ao definir novos alvos terapêuticos e
marcadores moleculares para diagnósticos, e é fundamental porque envolve
métodos que facilitam a compreensão da multiplicidade das funções dos genes
no complexo sistema biológico.

o B.cüédeis MoLfouLcis
Semanalmente a imprensa divulga descobertas de novos medicamentos para
o tratamento de doenças humanas, como câncer, moléstias nervosas ou
degenerativas, e até mesmo infecções resistentes a antibióticos. Inúmeros avanços
na área médica foram divulgados após os dados do genoma humano estarem
disponíveis. Um dia, são descobertos os genes da asma ou do câncer de pele.
No outro, vem à tona a ameaça dos alimentos transgênicos ou dos clones
humanos. Faz parte dos protocolos científicos em todos os continentes saber
onde os genes estão, o que fazem e quais os modos de controlá-los ou alterar
sua atividade.
O ser humano já está aprendendo a modificar seus genes e outros aspectos
de seu sistema biológico. Ou seja, está modificando a si próprio. Até
recentemente, as pesquisas de moléculas potencialmente aptas a servirem como
fármacos no futuro ainda eram realizadas nos laboratórios de maneira clássica.
Uma vez que a estrutura de um novo princípio ativo era identificada - o que
65
geralmente ocorria pelo estudo da química das plantas -, os químicos
determinavam sua rota de síntese, produziam análogos estruturais, estudavam
como a substância atuava em animais de laboratórios e, numa segunda etapa,
verificavam sua atividade êm nível molecular.
Nesse processo clássico de triagem de substâncias para o desenvolvimento
de um medicamento novo, a cada 10 mil compostos analisados 100 mostravam-
se promissores, 10 chegavam a ser testados em seres humanos e um 1 era
eventualmente colocado no mercado como medicamento.
Tudo mudou! A genômica funcional tem sido um sucesso para a identificação
de novos alvos terapêuticos. A possibilidade de identificação de mais dez mil
antígenos-alvo, no genoma humano, abre oportunidades inéditas para a descoberta
de novos fármacos e moléculas terapêuticas. Adicionalmente a genômica funcional
possibilita também demarcar geneticamente os pacientes e estimar suas respostas
a determinados medicamentos. Isto permite redução nos custos dos tratamentos,
aumenta sua segurança e eficácia e reduz a toxicidade da droga.
O desenvolvimento da química combinatória, o aperfeiçoamento de bancos
de dados com dezenas de milhares de estruturas químicas e os testes moleculares
realizados em laboratórios totalmente 'robotizados' e computadorizados têm
acelerado a descoberta de novos fármacos. Nesses laboratórios, milhares de
compostos poderão ser analisados em poucos meses, com modelos de detecção
em receptores protéicos envolvidos em doenças específicas, sem a utilização de
animais. Com esta tecnologia, um químico poderá desenvolver 100 compostos
novos por ano, a um custo reduzidíssimo.
Espera-se muito mais inovação tecnológica na área dos medicamentos.
Recentemente, foram desenvolvidos métodos que geram, em tempo real, um
verdadeiro videoclipe sobre efeitos de uma droga. Por exemplo, foram filmadas
moléculas enzimáticas em pleno processo de catálise. A resolução desta
tecnologia é enorme. Nos clipes animados os cientistas foram capazes de observar
os movimentos de átomos individuais nas moléculas atuantes. O próximo passo
será capturar, em imagens, passo a passo, a ação de uma droga - reação que na
maioria das vezes ocorre em uma fração do segundo - ligando-se a um receptor
responsável por uma patologia. Esta tecnologia congela, literalmente, o processo
do medicamento em cada fase de sua ação. A parte mais difícil nesta etapa é
correlacionar o tempo correto para observar cada fase da atividade do fármaco.
Pelo desenvolvimento da seqüência animada do efeito do medicamento sobre
moléculas específicas, os pesquisadores acreditam que estão detectando uma

66
intricada dança da vida, em nível molecular. Este método representa mais que o
desenvolvimento de uma técnica sensível para flagrar o bailado dos átomos, ele
transforma o paradigma da formulação de um medicamento. Com esta técnica,
identificam-se, com precisão, quais regiões da molécula são ativas e, para
melhoria do efeito da droga, quais os radicais moleculares poderão ser alterados.
Ou seja, utilizando-se este método, pode-se desenhar novas drogas para agir
em locais específicos ou em configurações críticas, aperfeiçoando a eficiência
de um fármaco. Esta tecnologia, aliada à química combinatória e a laboratórios
'robotizados', poderá desenvolver substâncias que inibirão etapas cruciais do
balé das moléculas, diminuindo os indesejáveis efeitos colaterais que, em alguns
casos, podem ser debilitantes e fatais, quase sempre anulando a possibilidade
de novas terapias.
Também estão sendo desenvolvidas técnicas que revelam os genes em ação.
Utilizando embriões de galinha e corantes fluorescentes de diferentes cores,
pesquisadores demonstraram que é possível observar a atividade simultânea de
três genes e visualizar, com mais detalhes, como os embriões se desenvolvem.
Qyando dois ou três genes são ativados no tecido, ou na célula, as cores
fluorescentes se combinam para formar uma nova cor. Genes marcados em
vermelho e verde formam uma imagem amarela. Se os genes forem marcados
com vermelho e azul formam a cor púrpura. Combinando genes marcados
com azul e verde aparece a cor turquesa. 01iando os três genes marcados em
vermelho, verde e azul são ativados, produzem uma imagem branca. O método
associa e expande três tecnologias existentes para detectar genes:
1) Hibridização in situ, uma técnica para detectar material genético (DNA
e RNA) em uma única célula· )

2) Imunoquímica, na qual anticorpos detectam antígenos que podem se


ligar aos genes;
3) Sinal de amplificação da tiramida, na qual se amplificam corantes
fluorescentes que podem ser vistos quando iluminam os genes.
A técnica do uso de corantes fluorescentes permite a combinação de imagens
do embrião em duas dimensões, num computador, para desenvolver uma imagem
tridimensional que pode ser manipulada para examinar, por exemplo, a relação
entre o desenvolvimento dos tecidos e órgãos. Este conhecimento possibilitará
investigar medicamentos que agem em nível genético com muito mais eficiência.
Espera-se que nos próximos dez anos, com a simulação em computadores do
movimento das moléculas, das novas variações moleculares, dos análogos

67
estruturais, e a revelação dos genes em ação, um químico possa desenvolver
milhares de novos fármacos que podem agir em pontos específicos do
metabolismo ou diretamente nos genes.

A medicina teria caminhado além das maravilhas observadas se os avanços


biológicos dramáticos, que ocorreram nas últimas duas décadas, tivessem atendido
as esperanças originais criadas nas cabeças dos cientistas. As doenças poderiam
ser curadas pela inserção de novos genes ou células modificadas nos pacientes.
Por exemplo, a seqüência dos genes poderia ser utilizada para desenvolver novas
drogas. Entretanto, a medicina baseada em genes é, sem dúvida, um alvo no
horizonte, mas a distância para alcançá-lo ainda é grande. A indústria acredita
que é difícil desenvolver novas drogas antes da compreensão total dos processos
biológicos envolvidos na doença. Mas a medicina é complexa e, infelizmente,
compreendemos somente uma pequena parte da biologia humana.
Nesta área, a ciência caminha lentamente. Sete anos após o nascimento da
ovelha Dolly, e um ano após a sua morte, ainda não existe uma tecnologia
consistente e confiável para clonar animais, com garantia de serem saudáveis.
Mesmo na investigação das células-tronco, os estudos estão complicados. Injetar
tais células nos seres humanos pode ser perigoso. Mesmo se no laboratório o
experimento funcionasse não se sabe se seria uma boa idéia usar as células-
tronco para tornar um produto viável,
Mas mesmo com estes questionamentos, continua o desenvolvimento de
novas drogas. Senão vejamos: a indústria farmacêutica tem procurado uma
estratégia inovadora para produzir novos kits para detecção de doenças e novas
drogas. O primeiro ponto importan e foi a conclusão de que, para entender
uma doença, é necessário conhecer genética e biologia molecular. Ou seja,
fazer uma correlação entre as patologias e os genes envolvidos. Uma nova
aplicação da técnica de microarranjos, onde milhares de genes são colocados
numa simples lâmina, está sendo desenvolvida para comparar os perfis genéticos
de diferentes tecidos ou órgãos e revelar quais genes estão ativos ou são
responsáveis por uma determinada doença.
A herança genética é randômica porque é impossível prever, precisamente,
quais genes, entre os 50% de origem materna e os 50% de origem paterna, são
provenientes do pai ou da mãe. Por causa disto, é extremamente raro, mas

68
teoricamente possível, que irmãos não tenham coincidências e similaridades
genéticas. Uma das heranças paternas transmitidas geneticamente aos filhos é a
diabetes. Esta doença é grave e pode levar a ataques cardíacos, derrames e
deficiências de circulação, podendo ainda causar alterações da visão, provocando
a cegueira. São também comuns, nas diabetes, complicações renais e nervosas.
Os cientistas têm estudado inúmeras seqüências genômicas para investigar
os elementos que controlam a atividade do genoma. Entretanto, devido a
estas constituírem somente um pouco mais que uma lista estática de substâncias
químicas, como se fosse uma lista de peças para construção de um avião 747,
a atenção tem sido voltada para a questão de como os organismos vivos
controlam a atividade genética. A chave para esta compreensão, ou seja, de
como o genoma é controlado são os reguladores genéticos, também conhecidos
como fatores de transcrição.
Estas pequenas moléculas se ligam intermitentemente em regiões do DNA,
próximas a um gene em particular, e então ativam a fünção gênica. Elas também
podem iníluenciar a quantidade de proteínas que o gene produzirá via RNAm.
O problema é que somente poucos dê·ss·esreguladores têm sido identificados nos
organismos, pois são difíceis de serem localizados. Os genes reguladoresse ajustam
a um pequeno pedaço da fita de DNA, fazem sua fünção, e então desaparecem.
Devido ao tamanho do genoma, a localização de um gene regulador com as
técnicas convencionais de laboratório é praticamente impossível.
Um novo método de varredura do genoma humano para detectar a relação
doença e genética identificou mutações associadas com a diabetes tipo 2. Esta
técnica analisa a relação entre os genes e a doença, focalizando os genes
reguladores e os fatores de transcrição. Estes são proteínas que se ligam em
áreas específicas do genoma e coordenam as ações de certos genes. Para descobrir
como um fator de transcrição específico contribui para uma certa doença, é
necessário localizar no genoma cada região onde o fator atua, identificar os
genes deste segmento do DNA e entender como mutações nestes genes, ou
defeitos neste processo, podem causar a doença.
Foram detectados vários fatores de transcrição localizados em tecidos
pancreáticos e hepáticos, órgãos associados a diabetes do tipo 2. Este estudo
mostrou que um fator de transcrição, chamado HNF4, controla cerca de 50%
dos genes necessários para o desenvolvimento do fígado e do pâncreas. Isto
sugere que, sem este fator, os órgãos não funcionam normalmente. O fator
HNF4 possui várias mutações que predispõem uma pessoa a diabetes do tipo 2.

69
Uma pequena mudança na função do fator HNF4 pode afetar a saúde do pâncreas.
Assim, em poucos anos, poderá ser possível desenvolver medicamentos que
previnam a diabetes em indivíduos de risco e realizar diagnóstico e prognóstico
para saber a probabilidade de uma pessoa vir a ter esta doença.
Compreender como os processos biológicos são regulados é um enfoque
recente para investigar as doenças. Por exemplo, a compreensão do mecanismo
de controle genético da divisão celular é importante para a pesquisa de doenças
como o câncer, onde as células se dividem de modo descontrolado. Ao mesmo
tempo, oferece novas possibilidades e estratégias para terapia.
Qyando a célula está funcionando normalmente, ela reconhece os sinais
químicos que induzem os processos metabólicos. Ao interpretá-los corretamente
e traduzir códigos (instruções genéticas) contidos em seu DNA, centenas de
proteínas são produzidas, as quais levam o organismo a funcionar normalmente.
Em algumas doenças, a célula perde a capacidade ou torna não específica a
habilidade de reconhecer estes sinais, o que leva a uma instrução genética
aberrante e à produção descontrolada de proteínas.
Os cientistas desenvolveram o menor computador jamais imaginado, feito
de DNA, que pode ser utilizado, automaticamente, no diagnóstico e tratamento
doenças. Este aparelho, que está sendo testado em laboratório, é tão pequeno
que um trilhão deles caberia em uma gota de água, podendo ainda demorar
décadas para vir a ser usado na prática. Mas nos faz prever um futuro onde as
tecnologias operam dentro do organismo, detectando e tratando de doenças,
mesmo antes de elas apresentarem sintomas. Este computador, uma solução de
DNA e enzimas, está programado para detectar RNAs que poderiam estar
presentes em genes particulares, associados a doenças, se estiverem ativos. Por
exemplo, o computador detecta que dois determinados genes estavam ativos e
dois outros inativos, e, assim, faz o diagnóstico de câncer de próstata.
Os testes genéticos podem determinar a susceptibilidade de um indivíduo
para câncer, doença cardíaca, diabetes, mal de Alzheimer e fibrose cística, entre
outras doenças. A esta lista, quase que diariamente, outras patologias são
acrescidas. Mas esta promessa está temperada pelo risco de que a herança
genética seja usada contra o próprio indivíduo. As pessoas compreendem que
os testes genéticos podem identificar predisposições para uma variedade de
doenças. Algumas acreditam demais no poder preventivo desta tecnologia. De
fato, somente uns poucos testes podem prever se um indivíduo desenvolverá ou
não determinada doença. No entanto, ainda há um sério debate ético sobre o
'.ISO desta tecnologia e a legitimação da informação genética em vários países.

70
o seV\,sor"ls~oLógLco
O ataque cardíaco, também conhecido como infarto do miocárdio,
normalmente ocorre quando é reduzido ou severamente bloqueado o suprimento
de sangue que irriga o coração e as células do músculo cardíaco não conseguem
oxigênio suficiente para suas demandas metabólicas. Estas células morrem se
não são supridas com oxigênio. Um novo tipo de terapia gênica, que responde
especificamente ao músculo cardíaco com baixo teor de oxigênio, pode proteger
contra lesões decorrentes de um infarto.
Esta terapia está baseada em um sensor biológico que ativa os genes protetores
quando os sinais de deficiência de oxigênio sugerem um ataque cardíaco. Estes
genes são desativados quando o fluxo sanguíneo restabelecer níveis adequados de
oxigênio no coração. Em camundongos com ataques cardíacos, este sensor, regulado
pelo teor tecidual de oxigênio, protege contra lesões as células do miocárdio.
Nestes experimentos, a terapia gênica, para limitar as lesões iniciais e prevenir
novos problemas no órgão, foi realizada após o primeiro ataque cardíaco. Este
novo conceito de terapia pode ser um tratamento alternativo à utilização de
cents ou cirurgias de pontes de safena. Não é raro que o indivíduo que sofre um
ataque cardíaco tenha outro ataque subseqüente.
Freqüentemente, a diminuição do fluxo sanguíneo do músculo do coração,
conhecida como isquemia, não causa dor ou outro sintoma marcante. Esta
isquemia silenciosa ou assintomática pode levar a um segundo ou terceiro ataque
cardíaco sem sintomatologia. Efeitos repetidos da isquemia no miocárdio
provocam lesões cumulativas no coração que podem culminar em um ataque
cardíaco fatal. Desse modo, o que o paciente necessita é uma terapia gênica
estratégica capaz de agir nas células cardíacas, ativando ou desativando genes
específicos. Ou seja, as proteínas terapêuticas serão produzidas somente quando
e onde forem necessárias.
Um dos aspectos mais importantes deste enfoque está na habilidade de
vincular diretamente genes potencialmente terapêuticos a um estímulo patológico
associado a uma isquemia no miocárdio. Esta linha de pesquisa deságua em
um modo de desenvolver terapias inteligentes para o coração, levando o
tratamento precoce e rápido a uma variedade enorme de doenças cardíacas.
A terapia gênica é uma técnica que envolve a inserção de genes em um
vetor, normalmente um plasmídio, para corrigir genes anormais ou defeituosos.
Os pesquisadores desenvolveram uma molécula, batizada como vetor vigilante,
que é um detector sensível dos níveis de oxigênio e pode aumentar ou diminuir
71
a expressão de genes da oxigenase heme-protetora 1 (H0-1). Este plasmídio
foi inoculado diretamente nos músculos cardíacos de camundongos, uma hora
após os animais sofrerem ataques cardíacos. Dez dias após, os camundongos
que receberam os sensores biológicos que regulavam a terapia gênica
apresentaram menos lesões nas células cardíacas e melhores recuperações da
função bombeadora do coração quando comparados a camundongos injetados
com salina. Os genes protetores H01 agiram evitando mortes das células da
musculatura cardíaca e limitando a área tecidual da lesão.
Recentemente, um 'nanobiosensor' foi desenvolvido para estudar o ambiente
intracelular. Este dispositivo é uma sonda de fibra ótica de 40 nanômetros de
diâmetro, suficientemente fino para ser inserido no interior de uma célula.
O aparelho é imobilizado em uma molécula biorreceptora, como um anticorpo,
DNA, RNA ou enzima, que pode aderir na molécula-alvo, no interior da célula.
O biosensor pode ter inúmeras aplicações. A habilidade de trabalhar em
células vivas abre novas oportunidades de investigação básica para entendimento
de processos celulares, por exemplo, como compostos tóxicos e microorganismos
patogênicos modificam o sistema biológico celular. Também pode auxiliar no
desenvolvimento de novos medicamentos com mais segurança, proteção e
compreensão de sua ação no interior da célula.

Após o dia 12 de fevereiro de 2001, quando o mundo tomou conhecimento


que a seqüência do genoma humano tinha sido desvendada, uma revolução
silenciosa começou a ocorrer no campo da genética. Esta nova maneira de
olhar os genes refletiu mudanças hercúleas na área médica. Vários aspectos da
clínica médica e dos serviços de saúde serão modificados com o desenvolvimento
da biotecnologia baseada na genômica e na proteômica.
A prática da saúde pública será beneficiada pelo desenvolvimento de
diagnósticos mais precisos para um número mais variado de enfermidades,
bem como pelos novos fármacos para controle de doenças. Detectaram-se mais
de 30 mil genes e sabe-se que 0,1% da seqüência do genoma humano responde
pelas diferenças entre os indivíduos. Estas diferenças poderão determinar se
uma pessoa está predisposta a uma doença específica e o que poderá ser feito
para preveni-la, ou até mesmo prever reações secundárias quando for usado um
medicamento específico.

72
Este conhecimento levará a mais do que uma revolução na área médica,
pois também terá conseqüências na economia, na política, nas técnicas·
reprodutivas, nas novas drogas, nos medicamentos imunobiológicos e na
qualidade e expectativa de vida do cidadão. É muito provável que novos
medicamentos desenvolvidos com base na genômica e proteômica sejam
utilizados para o tratamento de doenças hoje tidas como de difícil terapia.
Hoje, as empresas biotecnológicas produzem cerca de 140 medicamentos e
vacinas. Com o uso da tecnologia da genômica outros 350 produtos destas
indústrias estarão chegando ao mercado ainda neste ano.
Dentre as tecnologias atuais para produção de vacinas, destacamos a vacina
viva viral (e bacteriana) atenuada, que mimetiza a infecção natural e induz
repostas humoral e celular, e a vacina de vírus (e bactéria) inativado, que
revolucionou o controle de doenças infecciosas no século XX e, certamente,
será uma tecnologia importante neste novo século. Vacinas baseadas em proteínas,
peptídeos, polissacarídeos e até vacinas de DNA estão sendo desenvolvidas.
As prováveis novas vacinas imunizarão contra citomegavírus, Aids, doenças
meningocócicas, Alzheimer, abuso de drogas, HPV, peste, certos tipos de câncer,
Escherichia coli, doença de Lime, hepatites, Clamídia, Helicobacter, tuberculose,
febre amarela, dengue, malária, resfriado comum, influenza, entre outras doenças.
Novas formas de aplicação de medicamentos estão sendo testadas. Em breve,
ao usar sabonetes, pastas de dente, cosméticos, aerossóis e alimentos, uma pessoa
poderá estar tomando sua dose diária de medicamentos ou de vacinas. Em
breve, será descartada a necessidade de refrigeração para preservar vacinas.
Numa projeção mais ousada, a terapia do futuro poderá reconstruir lesões,
tecidos doentes, deficiências fisiológicas, estimulando o organismo a reconstruir
a si próprio. Plantas serão transformadas geneticamente para expressar princípios
ativos específicos. Por exemplo, vegetais transgênicos já produzem vacinas contra
tétano, difteria, hepatite B e cólera. Ovelhas já produzem leite com anticorpos
e proteínas humanas que combatem doenças, principalmente associadas a
deficiências na coagulação sangüínea. Insetos transgênicos poderão tornar-se
vacinadores naturais, verdadeiras seringas voadoras, pois em suas salivas estarão
presentes antígenos contra inúmeras doenças.
Um dos próximos passos será o domínio tecnológico que dará um novo
enfoque para a área dos imunobiológicos - a vacinologia reversa. Utilizando o
conhecimento disponível, estão sendo desvendadas seqüências de genes de
microorganismos patogênicos para desenvolverem moléculas que são candidatas

73
potenciais a novas vacinas. Um belo exemplo da utilização desta tecnologia
está no rápido seqüenciamento do genoma do vírus causador da síndrome
respiratória aguda (Sars) e na velocidade que esta informação genômica forneceu
moléculas para desenvolvimento da vacina contra esta doença.
O desenvolvimento convencional das vacinas leva em conta que os
microorganismos são cultivados no laboratório, para obtenção de proteínas ou
outras moléculas que estimulem o sistema imunológico a produzir anticorpos.
É um trabalho longo e demorado, mesmo sem ainda levar em conta que alguns
agentes patogênicos não se desenvolvem em culturas. Para acelerar este processo,
os pesquisadores já estão se preparando para o domínio da genômica-reversa.
Mas, o que vem a ser esta tecnologia? Sabe-se que as vacinas apresentam, ao
sistema imunológico do indivíduo, moléculas que informam que o organismo
precisa se defender contra a invasão real de um agente infeccioso.
Recentemente, foram divulgados os estudos de genomas de 150 bactérias e
1.600 vírus que estão sendo seqüenciados e disponibilizados para a comunidade
científica. Nos bancos de dados desses genomas pode-se encontrar genes de
proteínas interessantes, que são expressas na superfície destes microorganismos.
Estes genes podem ser inseridos em bactérias, por exemplo, na Escherichia coli.
Estas bactérias transgênicas, além de suas proteínas, produzirão as moléculas
baseadas nas instruções genéticas dos genes inseridos. Após serem isoladas, as
proteínas escolhidas poderão ser testadas em animais. Esta é a vacinologia -
reversa, que pode realizar em poucos meses testes que, pela metodologia
convencional, poderiam demorar mais de 30 anos.
Um outro belo exemplo é o da vacina contra a varíola. Recentemente, os
pesquisadores produziram a vacina usando apenas quatro genes do vírus vaccinia
(responsável pela varíola bovina), o mesmo vírus usado na produção da vacina
licenciada contra a varíola humana. Normalmente, esta vacina contém o vírus
amortecido, o que leva a um potencial enorme de indução de sérios efeitos
colaterais, às vezes levando a mortes.
Esta vacina é suspeita de causar inflamação cardíaca e, no passado, podia
causar a morte de duas a cada 1 milhão de pessoas vacinadas. Indivíduos com
imunodeficiência estão sempre em risco quando vacinados contra varíola. No
entanto, a vacina de DNA não causou efeitos adversos. Como os vírus são
muito parecidos geneticamente, é possível encontrar uns poucos genes que
protegerão os seres humanos, bem como os animais, contra estes três tipos de
viroses: varíola humana, bovina e de macaco.

74
Nesta investigação, os primatas foram divididos em quatro grupos, o
primeiro contendo macacos inoculados com a vacina antivaríola clássica. Um
outro grupo, com macacos injetados com a vacina de DNA contra a varíola,
contendo apenas um único gene, chamado LlR. Um terceiro continha macacos
inoculados com urna vacina de DNA contra o Hanta vírus. E um último, o
grupo-teste, consistindo de macacos tratados com a vacina produzida com quatro
genes. A técnica da vacina de DNA envolve imunização com plasrnídios, o que
codifica um ou mais genes do vírus. Qyando o plasrnídio é introduzido em
uma célula, o gene clonado é expresso e as proteínas codificadas são apresentadas
ao sistema imune que inicia a produção de anticorpos protetores contra o vírus.
O resultado deste experimento demonstrou que, após urna injeção letal do
vírus da varíola de macacos, os animais vacinados com a vacina clássica não
apresentaram sinais clínicos da doença e, conseqüentemente, não morreram.
Entretanto, os primatas vacinados contra Hanta vírus morreram 7 a 14 dias
após o desafio, como conseqüência da inoculação do vírus.
Os animais que foram inoculados com a vacina de DNA LlR tornaram-se
portadores da doença, mas recuperaram-se, sugerindo que este gene conferiu
alguma proteção. Os Rhesus imunizados com a vacina de DNA 4-genes não
foram somente protegidos contra a letalidade do vírus, mas também não
apresentaram a doença em sua forma mais severa.
Nos últimos 25 anos, a varíola foi erradicada corno uma doença natural
humana. Assim, as licenças de futuras moléculas que se candidatam a vacinas
são obtidas somente quando se utilizam os primatas não-humanos para testes.
Entretanto, com a ameaça do bioterrorisrno, a produção da vacina molecular é
fundamental para dar segurança à humanidade. Na vacinologia reversa, os
pesquisadores utilizam supercomputadores (algoritmos bioinforrnáticos) para
responder a questões específicas envolvendo a comparação de vários genomas e
proteomas de agentes infecciosos e suas possíveis respostas imunes.
Numa visão de futuro, com estes supercomputadores, gastaríamos somente
algumas poucas horas para resolver problemas genôrnicos e proteôrnicos
complexos, que necessitariam de anos de estudos em laboratórios caríssimos,
planejados para ter uma segurança biológica impecável contra agentes patogênicos
e outros micróbios perigosos.
Estudando genomas e proteomas de patogênicos múltiplos, observando as
similaridades ou 'homologias' entre as proteínas expressas na superfície de várias
espécies de microorganismos e o tempo evolucionário, pode-se escolher ou

75
prever com maior segurança quais são os genes e as proteínas candidatas
prováveis à vacina. Com este conhecimento será possível desenvolver um vacina
totalmente sintética.

A evoLl,(_çtío
clC!.s
VvtetocloLogLC!.s
fCIY-CI
fY'DC\l,(,çtío VC!cLV\,íl.S
ele V\,Q\/Cl.s
A área do desenvolvimento tecnológico na produção de metodologias para
criação de novas vacinas evolui de uma forma muito rápida, senão vejamos:
1. Pesquisadores australianos divulgaram, em outubro de 2004, nos
Proceedings ofthe NationalAcademy ofSciences, a criação de uma vacina sintética
efetiva contra vírus, bactérias patogênicas e tumores, e que pode gerar um novo
arsenal de vacinas para os seres humanos e animais. A vacina sintética oferece
uma série de vantagens se comparada às vacinas tradicionais. Por exemplo,
enquanto a vacina tradicional contém pequenas quantidades de vírus vivo ou
atenuado, a vacina sintética não possui nenhum material infeccioso. A vacina
sintética pode ser produzida em larga-escala de maneira econômica e não
apresentar efeito colateral. Ou seja, ela é planejada para tipos de alvos específicos
da reação imunológica. Assim ela pode, de um lado, ativar a produção de
anticorpos; de outro, estimular a resposta imune celular. As primeiras tentativas
de desenvolver vacinas baseadas em peptídeos sintéticos fracassaram devido à
fraca resposta de produção de anticorpos. Agora, para resolver este problema,
os pesquisadores adicionaram uma estrutura lipídica para aumentar a capacidade
para indução de anticorpos. Assim, a nova vacina sintética se baseia em uma
simples estrutura composta de dois epitopos: a) pequenas seqüências de
peptídeos que são reconhecidas pelo sistema imunológico; b) uma estrutura
lipídica que age como identificadora de alvo - uma particular célula no
organismo -para a vacina. A adição do lipídio amplifica enormemente o resultado
da resposta imune.
2) Pesquisadores também estão trabalhando em desenvolvimento de novas
tecnologias para vacinas e imunoterapia para câncer. Até o início dos anos 80,
a tendência da tecnologia das vacinas era a purificação do princípio ativo. Por
exemplo, a vacina contra hepatite B não era produzida utilizando-se parte do
vírus, e sim uma única proteína da superfície do vírus da hepatite B. Agora, a
nova maneira de pensar é que, para inúmeras doenças, é necessária uma resposta
imunológica complexa envolvendo elementos do sistema imune como as células
T, células B, que produzem anticorpos, e citoquinas, que são moléculas que
induzem as células T e B a realizarem seus trabalhos. É como uma orquestra

76
sinfônica executando um clássico. Para isto não são necessários somente violinos
e piano, há que se ter outros instrumentos de sopro e percussão. No
desenvolvimento de uma vacina contra câncer, por exemplo, não se utiliza
somente o gene que seja o antígeno do tumor, mas também se usa um gene que
codifica uma citoquina. Com isto, aumentará a resposta imunológica desejada.
Este é um fato novo porque até agora ninguém desenvolveu uma vacina baseada
somente na resposta celular. Explicando melhor, vamos imaginar doenças que
possuem vacinas como o sarampo e a varíola. Estas vacinas estão baseadas na
produção de anticorpos que atacam o vírus diretamente. As vacinas que produzem
uma resposta celular não destroem o agente patogênico; elas agem destruindo
as células infectadas pelos microorganismos. Estas poderão ser células infectadas
por um vírus, como o do HIV ou uma célula cancerígena, que de alguma
maneira são reconhecidas pelo sistema imune celular. Por exemplo, quando um
vírus contamina uma célula, interfere no sistema de síntese de proteínas, fazendo
que esta célula produza também proteínas virais. Partes dessas proteínas podem
aparecer do lado externo da célula, levando as células T a reconhecê-las e
identificando-as como proteínas estranhas. Assim, as células T destroem as
células que expressam estas proteínas. Esta nova tecnologia poderá colocar em
uma mesma vacina a resposta de destruição celular e a resposta com produção
de anticorpos. Este tem sido o foco mais pragmático desta nova tecnologia
para produção de agentes vacinais.
3) A diabete é um tipo de doença grave aparentemente resultante de uma
predisposição genética causada por fatores ambientais desconhecidos que levam
a uma resposta auto-imune. Esta doença se manifesta de duas maneiras: a
diabete do tipo 1, que ocorre geralmente em pessoas com menos de 40 anos
quando as células pancreáticas, chamadas de células beta, produtoras de insulina,
são destruídas; e a diabete do tipo 2, que geralmente ocorre em pessoas mais
idosas quando o organismo não responde normalmente ao hormônio ou não
produz a insulina em quantidade suficiente para controlar os níveis de glicose
no sangue. Os cientistas britânicos estão investigando o uso de células-tronco,
transplante de órgãos, regeneração celular e também drogas novas e vacinas
para terapia, procurando restabelecer a habilidade de o organismo produzir
insulina. O único tratamento desta doença nos últimos 80 anos ainda é a injeção
diária de insulina. A Bristol University e o King's College de Londres estão
desenvolvendo uma vacina contra esta doença. Esta vacina já está sendo testada,
desde agosto de 2004, em 18 pacientes com o tipo da diabete 1. O início dos
testes nos seres humanos marcou um dos mais importantes avanços na luta

77
contra a doença desde a prescrição de insulina recomendada a partir de 1920.
Este novo tratamento pode agir como uma vacina e uma cura. :Pessoas que
possuem familiares com risco de diabete podem ser vacinadas para prevenir
aparecimento da doença, e aquelas que foram diagnosticadas recentemente como
diabéticas podem bloquear o seu progresso, pois, em média, o organismo demora
cinco anos para cessar a produção de insulina. No entanto, infelizmente, os
pacientes portadores da doença não se beneficiarão desta vacina em curto prazo.
Os pesquisadores ingleses iniciaram o estudo em seres humanos, após o sucesso
do tratamento de camundongos, que foram inoculados com uma proteína, isolada
do sangue de camundongo e que é uma molécula idêntica a uma parte das
células beta produtoras de insulina. Esta estrutura adicionada ao sangue impedia
o organismo de destruir estas células. Os animais diabéticos foram protegidos
da doença pelo resto de suas vidas. Estudando amostras de sangue humano, os
cientistas identificaram uma proteína que apresentava uma seqüência equivalente
à observada em camundongos. A vacina desenvolvida contém um peptídeo
com seqüência semelhante, e que, quando adicionada ao sangue, protege as
células produtoras de insulina contra a ação agressiva do organismo. Este tipo
de tratamento foi um sucesso em camundongos e espera-se agora o mesmo nos
testes com os seres humanos.

78
4

A manipulação genética consiste em experiência científica na qual células


são fundidas, genomas são manipulados pela recolocação de genes existentes
ou modificados, há adição de genes extras e produção de clones, células-tronco
e animais transgênicos, ou para fins de terapia gênica, mostrando que a natureza
biológica pode ser alterada para produzir organismos melhorados, órgãos para
transplantes e curas para certas patologias.

A fl,(SêÍO c;eV\,éhcCI
Para alguns, a ciência deveria estar ligada somente ao que às pessoas
consideram como aspectos positivos para a humanidade. Tal relação ideológica
geralmente se alinha ao que é bom para a humanidade com o que não é progresso.
Muitas vezes, porém, esse raciocínio não corresponde à realidade, mesmo quando
novas tecnologias são desenvolvidas e utilizadas sem a necessária compreensão
e discussão com toda a sociedade. Um dos casos que deverá tornar-se um item de
pauta na imprensa, em futuro próximo, é a fusão de células animais. A capacidade
de duas células se fundirem em uma é essencial para a geração de um feto
(fusão do esperma com o óvulo) e para o desenvolvimento de tecidos como os
ossos, músculos e placenta.
Apesar da enorme importância biológica do processo da fusão, pouco se
conhece das proteínas e genes envolvidos neste processo. Foi identificado o
gene o eff-1, no verme C. elegans, que não é somente essencial, mas também
suficiente para as células se fusionarem. Pesquisadores expressaram este gene
artificialmente em células que não se fusionam naturalmente, e estas adquiriram
a habilidade de se fundirem entre si. Aparentemente, o gene eff-1 é essencial
para a fusão de células, desde o primeiro orifício entre as membranas celulares
até sua completa fusão.

79
Assim, alguns experimentos desenvolvidos revelaram as condições para a
fusão de células vivas e biologicamente ativas, através da utilização de células
com membranas modificadas por engenharia genética. A fusão celular significa
que duas células entraram em contato e suas proteínas se fundiram na superfície
de uma das células, que reconheceu um receptor na outra célula. O ato de
reconhecimento leva à fusão das membranas lipídicas. Este processo, conhecido
como biofusão, pode levar ao desenvolvimento de novas terapias, de vacinas e a
reparos de tecidos lesados.
Recentemente, foram desenvolvidos embriões de porcos inoculados com
células-tronco humanas, que produziram células híbridas com materiais
genéticos de ambas as espécies. Os dados, totalmente inesperados, mostraram
que células humanas e suínas fusionadas tinham marcadores semelhantes de
superfície celular. E mais: surpreendentemente, a análise molecular do sangue
e dos órgãos dos suínos adultos que, quando fetos, tinham recebido células
humanas, demonstrou a presença de células com material genético de porcos,
de humanos e também células híbridas.
No entanto, observou-se que nessa fusão foi carreado um retrovírus suíno
(Perv), primo distante do HIV (o vírus que causa a Aids), apto a infectar
células humanas normais. O mais interessante é que um dado prévio mostrava
que o vírus suíno não infectava células humanas. Embora não exista uma
explicação plausível para a questão de saber como esta fusão se processa, e se a
infecção viral pode ser útil, por exemplo, para o estudo da Aids, esse resultado
aponta, pela primeira vez, para uma maneira de fundir células entre espécies
diferentes, e mostra uma infecção viral que passa diretamente de células animais
para células humanas.
Os dados da fusão de células puderam explicar como um retrovírus pode
infectar células de espécies diferentes, facilitando a compreensão das zoonoses.
Esse tipo de fusão celular é do maior interesse para aqueles que estudam saúde
pública, doenças infecciosas, imunologia e transplantes. Alguns vírus, como o
da influenza (gripe), são bem conhecidos por passarem de uma espécie animal
para outra. Algumas viroses podem se difundir entre diferentes espécies animais,
o que de fato ocorre, embora raramente, e em circunstâncias especiais.
A ciência quer saber como e por que certas viroses podem passar para
diferentes espécies animais, pois certas zoonoses são doenças devastadoras.
Exemplos terríveis são os do vírus HIV, que causa a Aids humana e que pode
ter surgido entre macacos selvagens, passando para a espécie humana em poucas

80
décadas; do coronavírus, responsável pela Sars, que passou para o homem através
de gatos selvagens asiáticos; e do vírus da gripe dos frangos, que já matou
diversos vietnamitas.
Essa pesquisa é importante para entender a biologia dos transplantes. Pelo
mundo afora, inclusive no Brasil, milhares de pessoas necessitam de
transplantes de órgãos como fígado, coração, pulmão, rins e pâncreas. Muitas
dessas pessoas morrem por não ter, no momento necessário, órgãos disponíveis.
O xenotransplante- uso de órgãos de animais no homem - é uma das tecnologias
que pode ser explorada para salvar a vida do ser humano necessitado. Se a
fusão genética vier a permitir o desenvolvimento de órgãos animais com baixa
rejeição pelo sistema imune humano, por que não usá-los nos transplantes de
órgãos? A nossa sociedade precisa começar a discutir o uso desta tecnologia.

deis CéLlA.LCIS-TYOl/\,C.,O
A CLêl/\,c.,LCI
As células-tronco são encontradas em embriões humanos, fetos, cordões
umbilicais, placentas e alguns outros tecidos. Recentemente, pesquisadores
induziram a diferenciação celular para produzir novamente células-tronco.
Embora tal re-diferenciação ocorra em processos naturais, jamais tinha sido
realizada em laboratório. Os cientistas esperam algum dia cultivar células-
tronco em laboratório para utilizá-las no tratamento de doenças. A pesquisa
sobre as células-tronco, no fundo, é uma 'batata quente', devido ao potencial
terapêutico e ao dilema ético associado às técnicas necessárias para produção
dessas células.
Para diminuir o problema ético, os pesquisadores têm usado células-tronco
obtidas de cordões umbilicais e de placentas. No entanto, elas mostraram-se
menos versáteis que as células-tronco embrionárias. Além disso, também foi
demonstrado que células da medula óssea e células adiposas, obtidas por
lipoaspiração, têm o potencial de serem reprogramadas, ou seja, de se
comportarem como células-tronco.
Certas células envolvidas no desenvolvimento de ovos da 'mosca da fruta'
puderam ser estimuladas a se transformarem em células-tronco. Estas células
são precursoras dos ovos, podendo apontar para novas fontes de células-tronco
em outros tecidos animais, inclusive os dos humanos. Por outro lado,
pesquisadores coreanos criaram as primeiras células-tronco humanas obtidas a
partir de embriões clonados, com uma :lÍstura de métodos: a técnica padrão e
uma outra não convencional. Basicamente, foram utilizados óvulos humanos

81
desnucleados, nos quais foi inserido DNA de outras células, conseguindo-se
que os ovos se desenvolvessem até os primeiros estágios de divisão embrionária.
Após esta fase, os embriões foram destruídos para remoção das células-tronco.
Foi demonstrado que estas células eram geneticamente semelhantes às da pessoa
que forneceu o DNA.
As células-tronco são classificadas em três grupos:
· Totipotentes - capazes de tornarem-se quaisquer tipos de células;
· Pluripotentes - geram quaisquer tipos de células com exceção daquelas
necessárias ao desenvolvimento do feto, como a placenta;
· Multipotentes - transformam-se em um número limitado de células.
Enquanto o óvulo fertilizado é considerado totipotente, as células isoladas
do interior de um embrião de um dia são pluripotentes e as células-tronco
obtidas de adultos são multipotentes. Estas últimas são conhecidas como células-
tronco adultas - o termo adulto se refere à maturidade das células e não à idade
do indivíduo. Todos os seres humanos têm como origem um óvulo fertilizado
- uma célula-tronco totipotente. Esta célula se divide em duas, que formam
quatro, quatro fazem oito, 16, 32-60 trilhões de células. Neste desenvolvimento,
as células, seguindo suas instruções genéticas, estimulam certos genes e inibem
a ação de outros. Se alguma coisa na natureza pode ser considerada mágica são
estas células, pois são versáteis e podem tornar-se células especializadas e serem
transplantadas no doador que deseje substituir um tecido lesado ou doente, sem
ameaças de rejeição.
O uso médico de células-tronco não é novo nem foi motivo de controversa
na área médica. Como já vimos, após a célula-tronco se diferenciar em um
tecido embrionárip ela se torna célula 'somática' ao invés de se chamar célula
totipotente. Como o embrião desenvolve em feto, as células-tronco continuam
a se especializar em células multipotentes, que possuem funções específicas e
limitado potencial de produzir tecidos. Por exemplo, células-tronco multi potentes
da pele podem produzir quaisquer tipos de células de pele, mas não podem se
transformar em células sanguíneas ou cerebrais. Elas têm sido usadas para
tratar doenças sanguíneas e condições de auto-imunidade, bem como para
produzir ossos e cartilagens, por mais de 20 anos. O primeiro tratamento de
lúpus sistêmico com transplantes de células-tronco foi realizado há sete anos e
apresentou 70% de sucesso. Células-tronco hematopoiéticas (hemato significa
sangue; poiético significa criar) são somente multipotentes.

82
No entanto, vanos cientistas acreditam que mesmo as células-tronco
embrionárias não são panacéias para todas as doenças. Para eles, a idéia de que
as células-tronco totipotentes possam curar doenças ou lesões teciduais ainda
não tem fundamento científico. As células-tronco são encontradas no organismo
humano desde o desenvolvimento do feto até o indivíduo falecer e têm a função
de durante a vida refazer as células que, por vários motivos, são destruídas pelo
organismo. Os pesquisadores acreditam que as células-tronco estão disponíveis
para todos os tipos de tecidos e refazem quaisquer ferimentos, se necessário.
Espera-se que no futuro estas células possam ser utilizadas em transplantes
para tratamento de lesões nervosas e cardíacas ou de diabetes.
Mesmo com estes questionamentos, pesquisadores sul-coreanos utilizaram
242 óvulos humanos frescos, obtidos de 16 voluntárias que os doaram
especificamente para este estudo. Este pode ser um dos pontos importantes
para o sucesso da técnica, pois normalmente os óvulos são obtidos em clínicas
de fertilidade, desconhecendo-se sua idade e apresentando, potencialmente,
menor qualidade biológica. Também foi utilizada uma nova técnica para remover
o DNA dos óvulos. Ao invés do DNA ser sugado por uma pipeta finíssima, foi
feita uma pequena abertura na membrana dos óvulos que, delicadamente
espremidos, permitiam a saída dos núcleos.
De fato, a sucção do núcleo utilizando pipeta pode causar microlesões no
tecido próximo ao núcleo, deixando os cromossomos defeituosos, quando são
chamados de aneuplóides. Aparentemente, a remoção do DNA, realizada pelos
coreanos, retira menos material celular das vizinhanças do núcleo. Uma outra
inovação foi que o núcleo reposto em cada óvulo era da mesma pessoa que
doou o óvulo. Na clonagem de animais, foram usados DNA de indivíduos
diferentes, para facilitar a comprovação de que o embrião clonado possuía o
mesmo DNA do doador.
É possível que a utilização do óvulo e do DNA de uma mesma pessoa
tenha sido uma vantagem para o sucesso dessa clonagem. Qyando o núcleo é
inserido no óvulo desnucleado, ele carreia material da célula de onde foi retirado.
No caso dos coreanos, isto pode ter levado a uma menor incompatibilidade,
pelo fato de o núcleo doado ser da mesma pessoa. Uma vez inserido o DNA,
esperou-se duas horas para que ele fosse reprogramado, ativando genes
embrionários versáteis, aptos a coordenar o desenvolvimento fetal. Os sinais
que regulam o desenvolvimento das células-tronco e o controle da obtenção de
um determinado tipo específico de célula são os segredos para utilização das
células-tronco na regeneração ou reparação de tecidos lesados.

83
Recentemente foi demonstrado que células-tronco mesenquimais, que
naturalmente se transformam em células gordurosas, cartilagens, ossos e
músculos, quando forçadas a assumirem forma esférica, transformam-se,
eficientemente, em células precursoras das células gordurosas, enquanto aquelas
esticadas tornam-se células ósseas. Os cientistas também investigaram os
compostos químicos nos quais as células se desenvolvem. Após cultura de cinco
ou seis dias, o embrião atinge o estágio de blastócito. Neste ponto, a massa
celular é de aproximadamente 100 células, compondo uma forma arredondada,
com 75 células do lado externo e 25 células na parte interna. Com esta técnica
foram cultivados 30 blastócitos para se obter 20 massas de células-tronco.
Entretanto, foi obtida somente uma simples linhagem de células-tronco.
Os resultados são promissores, mas o transplante baseado em células-tronco
ainda é uma esperança distante e deve-se ter cuidado antes de afirmar que este
é um avanço espetacular. A verdade é que ninguém ainda sabe se as células-
tronco terão poderes curativos.
Apesar de ter sido divulgado que as células-tronco poderiam reparar danos
causados por lesões parasitárias ou funcionais no tecido cardíaco, teses
contrárias têm sido demonstradas, como as que se referem às células-tronco
não se transformarem em miócitos cardíacos após a injeção em um miocárdio
lesado. Outros pesquisadores estão otimistas e acreditam que as células-tronco
poderão ser usadas no tratamento de infarto do miocárdio. Estudos prévios
demonstraram o potencial das células-tronco de reativar a musculatura cardíaca
e desenvolver vasos sangüíneos. O tratamento não causou nenhum efeito colateral
sério. Os batimentos cardíacos eram anormais e os corações bombearam mais
sangue, se comparados a órgãos que somente sofreram cirurgias.
Nos próximos cinco anos, os especialistas estimam que seja desenvolvida a
tecnologia dos tecidos engenheirados, possivelmente cultivando órgãos humanos
flácidos em formato tridimensional, sem contaminação de ossos, cartilagens e
outros tecidos. Assim, órgãos complexos, como fígado e pâncreas, poderão ser
desenvolvidos. Isto poderá levar a um tremendo impacto no que se refere ao
transplante desses órgãos para tratamento de hepatite e diabetes. Em uma década
será possível desenvolver ou regenerar órgãos, como o coração, diversos músculos,
estômago etc., causando impacto na vida de milhões de pessoas. O ganhador
do Prêmio Nobel Walter Gilbert acredita que nos próximos 20 anos cada um
dos órgãos humanos será desenvolvido em laboratório. Assim que um órgão se
tornar doente, envelhecido ou lesado, haverá a opção produzir um novo órgão
com o uso de células-tronco.

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Pesquisadores demonstraram recentemente, procurando superar questões
éticas e legais levantadas pelo uso de células-tronco de tecido fetal, que células-
tronco da medula de indivíduos adultos, chamadas estromas, cultivadas na
presença de fatores de crescimento, transformaram-se em células-tronco que
foram convertidas em células cerebrais e responderam a critérios utilizados
para transplantes em cérebros lesados. Estudos estão sendo desenvolvidos através
de experimentos, em animais com desordens neuro-degenerativas, para explorar
o potencial regenerativo dessas células convertidas.
Células-tronco obtidas de tecidos adultos oferecem um grande potencial
terapêutico. Mas, permanece o desafio de tratar uma doença com estas células,
por causa de sua incapacidade de se desenvolverem num laboratório. É prioritário
definir o mecanismo molecular do crescimento e o processo de replicação ou
ciclo destas células. Há pouco tempo foi descrito que células-tronco sangüíneas
de camundongos, com deficiência do gene p18, tinham a capacidade de se
multiplicarem e desenvolverem com facilidade. Este gene é da classe dos
chamados 'inibidores da quinase dependente de ciclinas', que são inibidores
críticos na regulação do ciclo celular. Assim, o isolamento de células-tronco
deficientes de p18, ou a retirada deste gene, é uma estratégia nova para proliferá-
las e torná-las mais eficazes no combate às doenças.
Mesmo com estes possíveis avanços, a questão da clonagem terapêutica
levanta questões políticas e éticas. Um ponto se refere à pressão para as mulheres
não doarem óvulos para a clonagem. Um outro questionamento diz que o uso
de células-tronco embrionárias reduz a vida humana a pouco mais que um
produto farmacêutico. Ainda temos a questão sobre quando a vida começa.
Responder a isto, pelo menos até agora, está além da ciência. No momento da
fecundação, o ovo tem o potencial de gerar um bebê. Se isto significa vida
humana não está claro cientificamente. Entretanto,já existe um consenso mundial
no meio científico de que a clonagem humana para reprodução seria altamente
perigosa e equivocada. Toda clonagem reprodutiva deveria ser evitada.
Temos de iniciar o engajamento de pessoas da comunidade científica e não
científica para nos ajudar nas questões éticas e sociais relacionadas a este assunto.
Parece-me claro que criar o novo ser humano por clonagem não tem uma
justificativa plausível numa sociedade civilizada. No entanto, a geração de células-
tronco por meio da técnica da transferência nuclear envolvendo as mesmas
pessoas interessadas pode tornar-se um avanço extraordinário nos transplantes
e terapias, vindo a socorrer indivíduos afetados por terríveis lesões e doenças.

85
Em toda a ciência biológica, nos últimos anos, houve um avanço
extraordinário na utilização de ferramentas moleculares. Nos campos da medicina
e agricultura foi dada uma ênfase particular, no início da década de 1970, à
tecnologia de transferência de genes. O desenvolvimento desta técnica sugeria
novas possibilidades para o uso da engenharia genética em várias áreas de
biologia pura e aplicada. No campo da aplicação, foram considerados alvos as
doenças que prejudicavam a produção agrícola e a saúde pública. Nestas duas
áreas do conhecimento, apesar dos esforços dos entomologistas, químicos e
ecologistas em desenvolver novos métodos para efetivo controle, os insetos
representavam o maior problema para a sociedade moderna, como pragas
agrícolas ou vetores de doenças para o homem e os animais.
A mosca Drosophila melanogaster foi transformada geneticamente, na década
de 1980, estimulando novas idéias relacionadas ao uso da transgênese para
controle de insetos. Entretanto, a aplicação desta tecnologia em outros insetos
somente foi possível quando quatro transposons (pedaços de DNA que carreiam
os genes a serem inseridos) foram construídos: mariner, Minas, Hermes e
piggy-Bac. Estes elementos transposonais têm sido usados para transformar 15
espécies de insetos, incluindo dípteros, himenópteros, lepidópteros e coleópteros.
Como ferramentas de laboratório, os elementos transposomais provaram ser a
tecnologia-chave para mediar a transformação nestes animais. Estes vetores
podem ser úteis para modificação genética em uma enorme variedade de espécies
de insetos.
Utilizando-se deste conhecimento, a biotecnologia está desenvolvendo insetos
geneticamente modificados para uma variedade de propósitos, incluindo os
relacionados à agricultura e saúde pública. A liberação dos insetos transgênicos
em larga escala na natureza ainda deve demorar alguns anos. Se realmente
tiverem uma repercussão positiva, os insetos modificados podem ser importantes
para a economia e a saúde pública. Por exemplo, os Anopheles transgênicos
seriam incapazes de transmitir malária, doença que ataca de 300 a 500 milhões
de pessoas por ano, e que causa de um a três milhões de óbitos. OsAedes aegypti
não transmitiriam o vírus da dengue que infecta, anualmente, milhares de pessoas
além de causar um grande impacto na economia. Em insetos confinados em
laboratórios, a utilização de mosquitos geneticamente alterados, refratários ao
plasmodium, parasita da malária, é um modelo espetacular e elegante do uso da
transgênese em insetos.

86
Já foram identificados três genes do mosquito que podem afetar o ciclo de
vida do plasmódio no Anopheles gambiae. Dois desses genes, CTL4 e CTLMA2,
codificam proteínas que protegem o desenvolvimento dos parasitas. Qyando
estes genes são silenciados, o sistema imune do mosquito destrói mais de 97%
dos parasitas. Um terceiro gene, LRIMl, tem o efeito oposto: mosquitos que
têm este gene retirado produzem mais parasitas do que os insetos normais.
Estas descobertas trouxeram novas possibilidades para controlar a malária. Por
exemplo, mosquitos transgênicos com genes extras que destroem os parasitas,
ou deleção dos genes que protegem o plasmódio, podem ser extremamente
úteis na diminuição da propagação da doença.
Também está sendo estudado um aspecto molecular relacionado a um
mecanismo hormonal da e,xcreção do Aedes aegypti, o vetor da dengue e da febre
amarela. Como o mosquito produz a resposta diurética após o repasto sangüíneo?
Os mosquitos se alimentam e, rapidamente, iniciam a excreção ou produção de
urina. Estão sendo clonados genes e estudados receptores celulares de mosquitos.
Os receptores são proteínas de membranas celulares envolvidas na transferência
de informação de uma região da célula para outra. Este processo de comunicação
celular é regulado por hormônios. A interferência neste processo refletirá na
diminuição da diurese, levando o inseto à morte.
Outros exemplos de transgênese: as abelhas geneticamente modificadas
tornaram-se resistentes a doenças e parasitas que devastaram inúmeras populações
desses insetos. O bicho da seda 'engenheirado' produziu proteínas, como a seda
mais resistente para produzir vestimentas especiais, pára-quedas e ligamentos
artificiais. Entretanto, ainda não se sabe que efeitos estes insetos terão sobre o
ecossistema, a saúde pública e a segurança dos alimentos, se liberados na
natureza. O sucesso dos insetos transgênicos está na habilidade de destruir os
insetos selvagens e de estabelecer uma população sem prejuíw ao meio ambiente.
Os receios dos pesquisadores na liberação dos insetos transgênicos é que
esta liberação aumente a possibilidade de um gene modificado se espalhar
através da população de insetos e piore os problemas pré-existentes ou crie
novos desafios biológicos. Também é possível que o inseto modificado liberado
no campo cause uma conseqüência não imaginada, por exemplo, tornando a
população de insetos mais eficiente na propagação de uma epidemia ou, até
mesmo, tornando-se vetor de uma doença que antes não era transmitida pelo
inseto. Há a possibilidade que a modificação genética da abelha, por exemplo,
possa alterar a composição do mel produzido, criando problemas quanto à
segurança do alimento.

87
A engenharia genética aplicada aos insetos, infelizmente, ainda não possui
normas regulatórias bem definidas, que focalizem a segurança ambiental e outras
exigências associadas aos insetos geneticamente modificados. São necessárias
uma articulação e uma condução transparente de como os insetos transgênicos
serão controlados, quais os ministérios envolvidos, quais os riscos, benefícios e
incertezas científicas relacionadas a este tipo de tecnologia molecular. Não nos
parece que um simples ministério possua a autoridade para cobrir todos os
aspectos levantados para liberação de diferentes tipos de insetos modificados.
Pelo menos os ministérios da Saúde, da Agricultura e do Meio Ambiente deverão
estar envolvidos nesta regulamentação.

A terapia gênica envolve a inserção de genes selecionados em um paciente,


com a esperança de melhorar ou curar uma doença. Inicialmente, foi vista
como uma solução para o tratamento de doenças genéticas. Atualmente, esta
terapia está sendo avaliada para outros tipos de doenças, incluindo câncer, doença
vascular, artrite e desordens neuro-degenerativas. Muito embora as estratégias
para o uso da terapia gênica sejam muito variadas, certos elementos são
indispensáveis para o sucesso desta tecnologia. Como ponto inicial é básico
que um gene importante tenha de ser identificado e depois clonado.
Na terapia genética o gene 'ruim' pode ser corrigido pela inserção, através
um vetor, geralmente um vírus, do gene 'bom'. Após a identificação e clonagem
do gene, o próximo passo é a sua expressão. Problemas quanto à eficiência da
transferência gênica e sua expressão permanecem como tópicos importantes no
desenvolvimento da terapia gênica. Uma das dificuldades desta tecnologia se
relaciona com a transferência do gene desejado para as células-alvo, além da
obtenção de um nível de expressão suficiente para o tratamento da doença.
Normalmente, um vírus é utilizado para carrear o gene e infectar o organismo.
O vírus multiplica-se rapidamente injetando o gene 'bom' nas células do paciente.
São necessárias mais investigações sobre a transferência de gene e a especi-
ficidade do tecido na sua expressão. Um outro ponto importante na estratégia
da terapia gênica é a compreensão da genética da doença considerada, inclusive
dos efeitos colaterais potenciais da terapia gênica, e o conhecimento sobre as
células-alvo que receberão a terapia gênica. Os avanços recentes da biologia
molecular facilitaram a identificação, isolamento, determinação da seqüência,

88
clonagem e expressão de inúmeros genes e seus produtos. As ferramentas usadas
para isto, como 'northern, western e southern blots', e a reação da cadeia da
polimerase (PCR) levaram a uma avaliação mais precisa das atividades de
genes individuais na reposta celular. A facilidade de introduzir genes em várias
células in vih·o e a fidelidade da replicação do material genético nestas células
tornaram a terapia gênica uma tecnologia importante para várias atividades
médicas.
Nos próximos dez anos, os especialistas acreditam que cinco a dez doenças
genéticas poderão ser tratadas por esta terapia. Nos próximos 20 anos, calcula-
se que 50 a 100 doenças genéticas poderão utilizar a terapia genética. No
entanto, o tratamento ficará restrito a doenças dependentes de um simples gene,
devido à enorme dificuldade de estudar doenças causadas por uma combinação
de genes, e à interação com o ambiente. Nos próximos 30 anos, é provável que
centenas de doenças sejam tratadas por esta terapia. Doenças multigênicas vão
demorar décadas para serem tratadas pela terapia gênica. Estas doenças incluem
problemas mentais que afligem 1o/oda humanidade (em geral esquizofrenia),
doenças auto-imunes (artrites, lúpus) e doenças cardíacas.

severncow.bLV1-GldGl
A Lw.vlV1-odefLcLêV1-cLGl e GlteYGlfLGl
gêVI-LcGl
Cientistas ingleses publicaram na revista The Lancet, de dezembro de 2004,
novas informações sobre a tecnologia de terapia gênica que normaliza o sistema
imunológico de crianças com imunodeficiência severa combinada (SCID). Esta
doença interfere no sistema imune, em particular no sistema de leucócitos ativos,
levando à patologia descrita há alguns anos, como a de David Vetter, paciente
que viveu por 12 anos na 'bolha' para se prevenir de infecções. Neste estudo,
quatro crianças com SCID tiveram as células-tronco removidas da medula, e
os genes foram identificados e colocados em um vírus da leucemia. Este vírus
foi então introduzido de volta nos pacientes nos quais os genes foram z:eplicados.
Após este tratamento gênico o sistema imune dos pacientes funcionou
normalmente.

Um dos assuntos científicos mais apaixonantes, neste inicio de século, refere-


se ao debate mundial sobre a realização ou não da clonagem humana. Vários
países acabaram de optar pela proibição do uso desta tecnologia, inclusive da

89
clonagem terapêutica, terapia que os cientistas acreditam ser a chave para tratamento
de várias doenças degenerativas, corno mal de Parkinson, Alzheirner, diabetes e
lesões no tecido nervoso. Baseados no lobby dos contras e do movimento contra
o aborto, o principal argumento utilizado pelos proibicionistas foi que a clonagem
humana é baseada na destruição de embriões de quatro dias de idade, processo
classificado por eles corno um assassinato. Argumento oposto a este, com base
nas centenas de embriões descartados pelas clínicas de fertilização in vitro, diz
que seu uso poderia levar ao tratamento de pessoas necessitadas.
Diariamente vemos na imprensa notícias e argumentos utilizados para tornar
ilegal a clonagem humana para obtenção de células-tronco. Geralmente são
reflexões que mexem mais com o imaginário e o emocional das pessoas do que
com sua lógica e raciocínio, não levando em consideração que a clonagem tem
enormes perspectivas benéficas para a sociedade. Ouvimos que a clonagem
pode ameaçar a dignidade do clone, ou que os cientistas estão brincando de
Deus e tentando criar um futuro desumanizado gerando castas corno em urna
colméia em que o genoma de inúmeros indivíduos será único e padronizado.
Estes argumentos nos deixam a impressão de que a clonagem terapêutica
humana será condenada por todos ou considerada um crime contra a
humanidade. Os cientistas estão profundamente divididos sobre esse assunto,
mas mesmo os mais conservadores não são claros sobre o descarte dos embriões
ou sua utilização em pesquisas. A questão básica é: quando um ser humano se
torna um ser humano? Os especialistas em ética argumentam, e com razão, que
o problema não está em quando a vida começa, mas na utilização dos embriões
que são descartados pelas clínicas de reprodução assistida. Também garantem que,
na era da globalização, leis nacionais obviamente não são suficientes para
controlar este tipo de atitude.
A tecnologia da clonagem realmente pode responder a algumas questões básicas
da biologia. Enquanto a maioria dos cientistas se opõe à clonagem humana,
que leva ao nascimento de urna criança, conhecida como clonagem reprodutiva,
vários pesquisadores apóiam a clonagem terapêutica. Nesta mesma linha, cerca
de 40 cientistas, laureados com o Prêmio Nobel, se manifestaram.
Sabemos que inúmeros avanços científicos relevantes, hoje vistos com a maior
naturalidade, foram condenados levando em conta os valores morais e religiosos
enraizados em nossa sociedade. Corno bom exemplo, ternos o caso de Galileu,
que há 400 anos, em Florença, descobriu que a Terra não era o centro do universo.
Ou de Charles Darwin, cuja teoria da evolução mexeu com os que acreditavam
que Deus tinha criado direta e pessoalmente todas as criaturas.
90
Ainda podemos citar as repercussões negativas que tiveram a anestesia, as
vacinas, os transplantes de órgãos, a fertilização in vitro e mais recentemente
dos animais e plantas transgênicos, entre outros - técnicas utilizadas normalmente
no mundo de hoje. O que podemos concluir desses fatos é que o ser humano
possui reações imediatas que são emocionais e morais e não que dizem respeito
ao bom senso e à lógica, ou a uma visão promissora e esperançosa quanto ao
futuro. Oliantas pessoas morreriam ou sofreriam hoje sem vacinas e anestesias?
Em 1869, o Papa Pio IX declarou que a vida começa na concepção.
Entretanto, em 1978, a embriologia humana mudou para sempre. Louise Brown,
o primeiro bebê nascido de fertilização in vitro (test tube baby), provou que era
possível manter um embrião humano no laboratório - pelo menos por 14 dias;
depois, o embrião deve ser implantado no útero de uma mulher, ou congelado.
A fertilização in vitro criou problemas para os eticistas. O que é realmente
aglomerado de células em uma placa de laboratório? O debate permanece não
resolvido. Se quisermos testar, por exemplo, um risco genético, toma-se um
embrião no estágio de desenvolvimento de cinco células e removem-se duas
células para o teste. As células remanescentes ainda podem ser chamadas de
embrião? Cada uma das duas células retiradas, em teoria, é capaz de desenvolver
um embrião. Elas são embriões também?
A clonagem é também conhecida como transferência nuclear ou transferência
nuclear de células somáticas, um processo que pode produzir uma cópia genética
de uma outra pessoa, sem o convencional encontro entre o óvulo e 0
espermatozóide. Na clonagem, o núcleo de um óvulo é removido e substituído
pelo núcleo de uma célula somática adulta. Este núcleo contém toda a informação
genética de uma pessoa particular. Após o núcleo ter sido colocado no óvulo, a
célula é submetida a uma carga elétrica, e o novo núcleo passa a coordenar o
desenvolvimento de um novo ser humano, cuja composição genética de DNA
nuclear é uma cópia idêntica da célula somática original. O embrião também
pode ser formado por partenogênese - um modo de o ovo não fertilizado formar
um indivíduo. Alguns peixes, pássaros e cobras se reproduzem naturalmente
através da partenogênese. No entanto, ainda não se sabe o potencial deste método
na produção de células-tronco humanas.
A clonagem tem sido realizada também numa grande variedade de animais:
Dolly, a ovelha, foi um dos mais famosos clones. Recentemente, em um estudo
detalhado, foi comparada a clonagem por transferência nuclear de células
somáticas com a inseminação por injeção intracitoplasmática de espermatozóide
e a partenogênese em óvulos de camundongo. Os embriões desenvolvidos por

91
partenogênese e por injeção intraplasmática de esperma apresentaram similares
desenvolvimentos até o estágio de blastócito, e não revelaram quaisquer sinais
de anormalidades, enquanto os clones atingiram somente 30% deste
desenvolvimento, alguns com sinais de anormalidades.
O maior interesse da clonagem não é a formação de um novo indivíduo.
A clonagem reprodutiva humana é considerada uma técnica de riscos e enfrenta
enormes dilemas éticos. No entanto, se os embriões pudessem se desenvolver
para formar estruturas multicelulares conhecidas como blastócitos, eles poderiam
ser fontes de células-tronco embrionárias, aquelas que são capazes de se dividir
repetidamente, e, quando estimuladas com sinais biológicos corretos, podem se
transformar em diferentes tipos de células. Alguns afirmam que já conseguiram
clonar embriões humanos até 16 células, entidade chamada de mórula -
predecessor de um blastócito. Outros dizem que já geraram células-tronco,
através da partenogênese, e estão trabalhando para construir um banco de células-
tronco com características particulares do sistema imune, a fim de diminuir o
risco de rejeição, quando for o caso.
Os primatas (incluindo o ser humano) são mais difíceis de serem clonados
do que outros animais, devido à maquinaria molecular necessária para a divisão
celular ser, de algum modo, alterada durante o processo da clonagem. Um
modo de evitar esta agressão é a partenogênese, que já foi feita em macacos.
Estas células se desenvolveram e se dividiram em diferentes tipos, incluindo
células nervosas que produziam dopamina, uma substância que se torna deficiente
no mal de Parkinson. O próximo passo será inoculá-las em macacos para verificar
se tais células se comportam de maneira similar a células cultivadas. Outro
problema é tentar cultivar células-tronco humanas em tubos de ensaio.
Infelizmente, nesta condição, essas células não crescem bem e em quantidades
e purezas suficientes para trabalhos de pesquisa, ou para aplicações terapêuticas.
Foi divulgado pela impressa mundial que cientistas sul-coreanos deram um
enorme salto em direção à clonagem de um embrião humano para obtenção de
células-tronco - células que podem substituir tecidos de indivíduos que estão
doentes ou com algum tecido lesado. Os cientistas desenvolveram a técnica
com base na 'compressão' delicada de ovócitos para retirada do núcleo, ao invés
da técnica tradicional com agulha e vácuo, e utilizaram 242 óvulos humanos
para realizar a clonagem. A idéia era produzir embriões clonados de células
saudáveis de pacientes e retirar do embrião as células-tronco que poderiam ser
usadas para reparar o órgão ou o tecido lesado. Estas células, provenientes de
pacientes geneticamente idênticos, não seriam, em teoria, rejeitadas pelo sistema

92
imune dos receptores. Dos 242 óvulos doados, 176 tiveram o núcleo retirado, e
destes somente 30 embriões foram gerados, cada qual contendo de 100 a 150
células-tronco. Entretanto, apesar disso, foi produzida somente uma linhagem
de células que puderam ser cultivadas no laboratório. Em dezembro de 2005,
os trabalhos do sul-coreano Woo-Suk Hwang sobre clonagem humana foram
considerados fraudes, e a revista Science cancelou as publicações dos artigos.
Todavia, com esta técnica será possível, no futuro, que um coração com parte
do tecido necrosado tenha este tecido substituído por um novo músculo cardíaco;
ou que células-beta das ilhotas pancreáticas não funcionais sejam substituídas
por células normais, produtoras de insulina; ou ainda que células nervosas
ativas sejam usadas para tratamento do mal de Parkinson. Mas ainda há um
longo caminho pela frente até chegar ao processo terapêutico. No entanto,
mesmo com essa longa estrada a ser percorrida, a promessa é real, embora, até
agora, os cientistas tenham produzido somente células-tronco, que ainda devem
ser transformadas em células específicas de tecido cardíaco, pancreático ou
nervoso.
Antes de considerar a possibilidade de inocular células-tronco em pacientes,
uma série de questões necessitam ser respondidas: as células-tronco serão
realmente incorporadas somente no tecido lesado? As células-tronco poderão
se transformar em tipos de células não necessárias ao tecido lesado? As células-
tronco se multiplicarão, incontrolavelmente, e poderão produzir câncer? Apesar
desses questionamentos, a descoberta dos cientistas coreanos é um avanço para
a biologia. A clonagem terapêutica deixou de ser um sonho.
As primeiras células-tronco embrionárias foram isoladas em 1994, por Ariff
Bongso, professor de obstetrícia e ginecologia da Universidade Nacional de
Singapura. Desde esta época sabe-se que, para torná-las úteis à terapia, teriam de
ser transformadas em células específicas de tecidos a fim de serem inoculadas nos
pacientes. Para evitar complicações colaterais, como formação de teratomas, a
população de células transformadas deve estar sem contaminação de outras células.
Ian Wilmut, o cientista que clonou a ovelha Dolly, quer investigar uma
doença neuromotora que afeta os neurônios motores do cérebro e espinha dorsal.
Estes neurônios são células nervosas que recebem as instruções cerebrais e as
transmitem em forma de impulsos elétricos para os músculos. A degeneração
desses neurônios torna os músculos flácidos e enfraquecidos. Wilmut quer
encontrar os erros existentes nas células nervosas de pessoas que sofrem desta
doença. Ele pretende retirar DNA do sangue, ou de um outro tecido, de uma
pessoa que tenha a doença neuromotora, e implantar num óvulo humano que

93
tenha tido o núcleo removido. O ovo é estimulado a produzir células-tronco e
não bebês. Enquanto o embrião ainda estiver nos primeiros estágios de
desenvolvimento, algumas células serão retiradas para estudos. Estas células
poderão ser usadas para criar vários tipos de células nervosas, que são afetadas
na doença neuromotora. O embrião depois será destruído. O sucesso de seu
trabalho pode ter profunda implicação em várias doenças nervosas e genéticas.
A identificação dos genes envolvidos nesta doença seria mais fácil. É bem
verdade que o conhecimento da seqüência dos genes é o primeiro passo para
resolver a terapia contra determinadas doenças. No entanto, ainda faltaria saber
como as influências ambientais determinariam se o indivíduo portador destes
genes teria ou não a doença.
O próprio Wilmut vai tentar criar um animal clonado perfeito nos próximos
cinco - dez anos. Wilmut admitiu que se a clonagem de mamíferos é agora
uma realidade, o processo de clonagem ainda é um problema não bem resolvido.
Ele acredita que pode desligar o 'relógio biológico' na célula clonada, evitando
os problemas do envelhecimento prematuro que afligiu a Dolly. Este 'relógio'
parece estar embebido nos núcleos das células, o qual pode ligar ou desligar
vários processos e sinalizar inclusive a morte celular. Isto significa na clonagem
que, quando um núcleo é transferido para um ovócito, elementos da célula
agem como se fossem da mesma idade do organismo doador. Isto não é problema
se o núcleo for obtido de uma célula jovem, mas se ele for adquirido de uma
célula adulta pode causar inúmeros problemas. No caso da Dolly, cujo material
genético foi obtido da glândula mamária de animal adulto, o efeito 'relógio'
estava relacionado com a artrite e o câncer de pulmão que a levou à morte com
somente seis anos, sendo que a vida média de uma ovelha é por volta de 10 a 16
anos. O que Wilmut deseja é compreender como os vários processos biológicos
são controlados no núcleo e como 'convencê-los' de que são novamente de um
organismo jovem.
Todavia, não se pode repetir aqui os erros que ocorreram com a difusão da
biotecnologia vegetal. A maneira como esta tecnologia foi divulgada ao grande
público foi arrogante. O receio da sociedade deve ser levado em conta. As questões
levantadas sobre a moralidade de usar embriões existentes, ou que serão criados,
com o propósito de pesquisa e utilização para tratamento médico, devem ser
consideradas profundamente. Homens e mulheres têm seus limites sociais.
No caso da clonagem humana terapêutica, nós temos três alternativas de
engajamento. a primeira, podemos lutar contra o desenvolvimento científico
e somar nossas forças às conservadoras que procuram deturpar toda nova

94
tecnologia que poderá mudar o futuro do planeta. Na segunda, podemos ainda
ficar sentados e passivamente ver o panorama do futuro que está vindo.
Alternativamente, podemos participar da criação de um futuro melhor no qual
o ser humano usará os avanços científicos e tecnológicos para evitar, prevenir
ou tratar de doenças e do processo de envelhecimento, para aumentar sua
expectativa e melhorar a qualidade de vida e, conseqüentemente, aumentar o
bem-estar no planeta.
De qualquer maneira, a sociedade brasileira deve iniciar o debate e agir
com discernimento em questões como 'quando a vida humana começa?' e tentar
legalizar a clonagem terapêutica e as pesquisas com células-tronco. Finalmente,
é preciso colocar na balança o fato de a ciência tentar socorrer as pessoas que
necessitam de tratamento para doenças que hoje não têm cura contra a possível
eliminação neste processo de terapia de células de um embrião de quatro dias.

Gle~r~V\I\.Gltcis
A c.LoV\,cigeV\I\. V\,tío-~1A.V\A..C1V'vos

Gerald Schatten e colegas da Universidade de Pittsburgh, Pensilvânia, Estado


Unidos, divulgaram na revista Developmental Biology, em 11 de dezembro de
2004, o resultado da pesquisa sobre a clonagem de um ovo de um primata não-
humano até o estágio de blastócitos. Nesta fase, o fluido interno do ovo contém
camadas de células-tronco embrionárias. Utilizando a técnica de 'comprimir'
delicadamente do ovócito para remoção do núcleo - método descrito pelos
sul-coreanos para criar a primeira linhagem de células-tronco de um clone
humano -, os cientistas deram um enorme avanço em direção ao sucesso da
clonagem terapêutica em embriões de primatas não-humanos. Este
conhecimento facilitará a compreensão das células-tronco humanas
embrionárias e responderá inúmeras questões sobre como as células-tronco
embrionárias funcionam e se elas podem ou não ser usadas efetivamente e com
segurança no tratamento de doenças e lesões.
Apesar de este estudo representar um significativo progresso, várias barreiras
para clonagem de primatas não-humanos ainda permanecem. Schatten e seus
colegas descreveram na revista Science,de abril de 2003, que, apesar de a técnica
de transferência nuclear ter sido sucesso na clonagem da Dolly, camundongos
e outros animais, em macacos não funcionava. Neste estudo, os pesquisadores
encontraram obstáculos moleculares básicos que bloqueavam o desenvolvimento
celular, como a ausência ou deficiência de proteínas importantes, estruturas
mi táticas caóticas e cromossomos desalinhados.

95
Para melhorar o processo de clonagem, no artigo recente, o grupo americano
retirou o núcleo de um ovócito, 'comprimindo' delicadamente a célula, ao invés de
remoção do material genético utilizando-se uma agulha e vácuo. Os pesquisadores
também utilizaram, na transferência nuclear, ovócitos que não estavam
completamente maduros, ainda no primeiro estágio da meiose, quando o número
de cromossomos começa a reduzir pela metade, para formar o ovócito pronto
para a fertilização pelo espermatozóide. Na técnica tradicional, os ovócitos tinham
os núcleos retirados no segundo estágio (metáfase) antes de ocorrer a mitose.
Apesar do sucesso, a clonagem reprodutiva nestes animais permanece distante.
O grupo americano mostrou no artigo, claramente, a dificuldade de obter
primatas clonados (e talvez humanos): 135 embriões clonados de macacos
foram implantados em 25 fêmeas Rhesus e nenhuma gravidez obteve sucesso.

A lista de espera para transplantes de órgãos continua a aumentar mais


rapidamente do que o número de órgãos humanos disponíveis. Centenas de
pacientes falecem à espera de órgãos. Os avanços científicos e tecnológicos têm
fornecido esperanças para estes indivíduos, devido à possibilidade de órgãos de
outras espécies animais serem transplantados nos seres humanos. Esta terapia
dos sonhos, porém, ainda vai demorar a chegar, mas estão sendo dados os
primeiros passos nesta direção. Este revolucionário processo de transplantes de
órgãos entre diferentes espécies é conhecido como xenotransplante, e se refere
a um futuro grande negócio para transplantes de órgãos vivos de uma espécie
para outra.
A maior vantagem do uso de órgãos de animais para transplantes em humanos
é o fato que se trata de uma maneira de ofertar órgãos de um animal saudável,
ao invés de órgãos de uma pessoa já falecida, que podem ter alguma lesão
tecidual resultante da morte. Mesmo órgãos obtidos de uma pessoa com morte
cerebral, considerados candidatos ideais para transplantes, contêm normalmente
pequenas anomalias. Sabe-se que o processo da morte cerebral causa lesões em
outros órgãos, particularmente no coração. Como resultado, alguns órgãos
transplantados não estão numa condição ideal.
Utilizando-se a tecnologia dos transgênicos, a idéia é produzir quimeras,
parte homem, parte animal, como fábricas vivas de produção de células e órgãos
para transplantes. Alguns tecidos suínos têm sido usados pelo ser humano,

96
como pâncreas para produção de insulina e válvulas cardíacas para substituição
das defeituosas humanas. Além disso, por exemplo, pode-se combinar DNA
do homem com o de suínos. Como resultado desta junção de dois segmentos
de DNA, o porco transgênico levará em seu genoma uma pequena amostra de
genes humanos, em número insuficiente para criar uma nova espécie animal.
Olianto mais geneticamente similar um animal for do homem, menos o sistema
imune rejeita o órgão animal. Qiando a diferença nos genes for muito grande
o órgão animal é rejeitado em nano-segundos pelo ser humano transplantado.
Entretanto, o porco transgênico deverá possuir genes suficientes para que seus
órgãos não sejam rejeitados quando transplantados para um ser humano. Não
resta dúvida de que esta tecnologia será questionada, ética e moralmente, por
várias facções sociais, que vêem este processo como não natural.
Além disso, há sempre o risco de o transplante de órgão animal ser uma
fonte de transmissão de viroses animais para a população humana. O porco,
por exemplo, coexiste muito bem com um vírus conhecido com retrovírus
endógeno suíno (Perv em inglês) que não pode ser eliminado do animal. Tem
sido demonstrado que o Perv não causa doença em ratos de laboratório, embora
não se saiba se este retrovírus pode contaminar o homem. Considerando os
efeitos de viroses animais que infectam o homem, como o ébola, e possivelmente
o vírus da Aids, não pode ser descartado o risco desta contaminação.
No entanto, este animal quimera já está sendo criado e um dia produzirá
células geneticamente idênticas, suficientes para reparar tecidos danificados ou
mesmo órgãos para transplantes. Estas células terão um baixo índice de rejeição
pelo paciente e serão conhecidas como tecidos 'humanizados'. Os
xenotransplantes poderão salvar centenas de vidas humanas e ser considerados
como um método de tratamento. Esta tecnologia deverá ser implementada e
melhorada, pois, se bem sucedida, será um avanço fundamental para a medicina.
Uma vantagem importante seria que não estariam sendo criados embriões
humanos, como na clonagem terapêutica, que é um método mais questionável.
Alguns indagarão por que utilizar suínos como fonte de órgãos? Por várias
razões. Uma delas é que estes animais existem em grande quantidade, são
relativamente baratos e de fácil manuseio zootécnico. Na prática do
xenotransplante sempre haverá o risco de introduzir novos agentes patogênicos,
como retrovírus que poderiam sofrer uma mutação e infectar células humanas.
Entretanto, os pesquisadores acreditam que poderão selecionar suínos livres de
microorganismos. Uma outra vantagem é que o tamanho dos órgãos dos porcos

97
é semelhante ao dos de seres humanos. Além disso, as anatomias dos corações
de ambas as espécies são similares, bem como as dos rins, pulmões e fígados.
Já foram realizados experimentos de transplantes de três corações de suínos
transgênicos em três macacos. Um dos animais transplantados foi capaz de
sobreviver por trinta horas. Tal experimento, realizado antes do desenvolvimento
da tecnologia dos transgênicos, levava os macacos a viverem somente de 30 a
90 minutos. A rejeição atrasa o uso deste processo nas práticas clínicas, mas o
coração de um suíno transgênico bate muito mais tempo no peito de um macaco
do que um coração de porco normal. Em termos genéticos, como os macacos
são muito próximos aos seres humanos, acredita-se que estes dados representem
como o homem reagiria a um xenotransplante.
Imagina-se que nos próximos cinco anos ocorrerão os primeiros transplantes
de órgãos de animais em homens e mulheres. O maior problema do uso de
órgãos de suínos nos humanos é a rejeição. Os porcos têm um açúcar - a galactose
- na superfície de seus vasos sanguíneos, que é um excelente alvo para anticorpos
humanos. Os anticorpos atacam o órgão transplantado, levando a uma rápida
destruição. Uma solução para a rejeição é transformar geneticamente o animal
doador, de tal modo que seus órgãos não mais expressem a galactose.
A produção de suínos transgênicos é um processo relativamente simples.
As porcas são expostas a um aumento de hormônios que as conduz a um processo
de superovulação. As fêmeas são acasaladas e os óvulos fertilizados. Os ovos
resultantes, conhecidos como zigotos, são coletados nos ovidutos - tubos que
ligam os ovários ao útero. O ovo embrionário é então inoculado com uma
solução contendo segmentos do DNA humano. Desde que somente um pequeno
segmento de DNA é inoculado no ovo, nem todos serão incorporados ao DNA
do animal, ou seja, em média somente 1% deles expressará a nova informação
genética. Entretanto, quando os porcos transgênicos cruzam entre eles, 50%
dos embriões resultantes expressam 1% do segmento do DNA humano. Os suínos
crescerão até a fase adulta, idade em que seus órgãos serão removidos
cirurgicamente. Depois os animais serão sacrificados.
Nos experimentos iniciais foram extraídas e injetadas em fetos de ovelhas
células-tronco mesenquimais humanas. Elas se tornaram partes dos corações,
peles, músculos, gorduras e outros tecidos das ovelhas. Mas o número de células
humanas ainda era muito pequeno. Recentemente, foram obtidas, através do
aprimoramento dessa tecnologia, quimeras ovelha-homem com uma proporção
de 15% de células humanas no fígado do animal. As células humanas deviam

98
ser inoculadas por volta da metade do período de gestação, antes de o sistema
imune do feto ter aprendido a diferença entre suas próprias células e as humanas.
Para assegurar que o animal ainda é uma ovelha normal, foram criados animais
híbridos por fusão dos embriões das ovelhas 'humanizadas' com carneiros.
Com a familiarização lenta e gradual desta tecnologia pela sociedade, o
conceito de xenotransplante se tornará mais aceitável, principalmente
considerando que estes órgãos poderão salvar a vida de um grande número de
pacientes que enfrentam a lista de espera, devido à falta de doadores de órgãos
humanos. Com o avanço do conhecimento científico sobre genética da
hibridização e quimeras, em um futuro não muito distante, o xenotransplante
se tornará uma opção real para aqueles que necessitam de um órgão por sofrerem
de uma enorme variedade de doenças lesivas a seus organismos.

A natureza decidiu que para os mamíferos a reprodução sexual é a mais


interessante, pois nela participam os genomas do macho e da fêmea. Por outro
lado, as abelhas, formigas e alguns peixes, aves e répteis, podem reproduzir-se
assexuadamente, utilizando o DNA maternal, através de um processo biológico
conhecido como partenogênese. Este mecanismo jamais foi observado
naturalmente nos mamíferos. Estes animais possuem uma reprodução
característica, que necessita dos componentes Y e X para produzir um novo
indivíduo. No ser humano, o óvulo e o espermatozóide contêm similar número
de cromossomos (22 autossomos + o cromossomo sexual X, na fêmea; e Y, no
macho). Na reprodução, a fusão do óvulo e do espermatozóide reconstitui um
genoma humano completo com 46 cromossomos.
Entretanto, foi divulgado, recentemente, o nascimento de Kaguya, a filha
de duas camundongas, o que demonstrou que um mamífero saudável conhecido
como 'partenota', pôde ser produzido pela fusão de dois grupos de cromossomos
femininos, sem a participação do sexo masculino. A inserção de um núcleo de
um óvulo geneticamente modificado em um óvulo normal foi realizada em
aproximadamente 600 óvulos. Após implantes de 457 ovos nos úteros de
camundongas, somente 28 embriões foram produzidos. Destes, nasceram duas
camundongas. Os restantes foram abortados ou nasceram anormais. Um dos
'partenotas' se desenvolveu até a fase adulta e apresentou habilidade de
reprodução, produzindo várias ninhadas após acasalamento com um macho.
Normalmente, os mamíferos adquirem a metade dos cromossomos das fêmeas

99
e a outra metade dos machos. Qyando acontece dos embriões possuírem somente
cromossomos femininos, normalmente morrem nas primeiras etapas do
desenvolvimento placentário. Aqueles que possuem somente materiais genéticos
masculinos geralmente são defeituosos.
O imprinting genômico foi a grande descoberta para o desenvolvimento
desta tecnologia. Ou seja, alguns genes são expressos no DNA maternal, mas
estão bloqueados no DNA paternal, ou vice-versa. Após bloquear o gene-
chave no óvulo da doadora do DNA, os cientistas fusionaram dois óvulos.
O gene bloqueado está envolvido no mecanismo que controla a atividade dos
genes oriundos do macho e da fêmea. Os óvulos fusionados foram ativados
quimicamente para produzir embriões que foram implantados nas placentas de
camundongas.
Assim como na clonagem, um outro tipo de reprodução assexuada é possível
em camundongos, e talvez seja possível em alguns outros mamíferos. Entretanto,
a eficiência desta tecnologia é muito baixa, menor que no processo de
desenvolvimento da ovelha Dolly. Somente 0,6% dos embriões criados
sobreviveu. Assim é impensável, inaceitável e inseguro utilizá-la em seres humanos.
No experimento divulgado, os pesquisadores focaram dois genes importantes
para o imprinting genômico. Os genes Igf2 e Hl 9, que residem no cromossomo
7 do camundongo, são também expressos no embrião humano. Qyando o óvulo
do camundongo amadurece, o H19 torna-se ativo e o Igf2 é inativado.
Entretanto, no espermatozóide, o oposto ocorre com os mesmos genes.
No cromossomo masculino, o gene H19 está inativo e o gene Igf2 é ativo.
Normalmente, quando dois grupos de cromossomos maternais são
fusionados, o embrião não se desenvolve porque os genes não são apropriadamente
ativados. Os pesquisadores retiraram o gene H19 de um ovócito imaturo de
camundonga e observaram que o gene Igf2 no genoma maternal tinha sua
atividade aumentada. Sabe-se que o Igf2 regula a produção de uma proteína
que por sua vez regula o desenvolvimento do embrião. O gene alterado teve um
grande impacto sobre a expressão de mais de mil genes, demonstrando a
complexidade da regulação do desenvolvimento embrionário.
Por que na evolução dos mamíferos foi selecionado o processo de reprodução
que envolve genes de macho e de fêmea? Uma resposta simples seria que isto
maximiza a mistura de gene dos dois sexos. Sem dúvida, se somente as fêmeas
fossem responsáveis pela reprodução, elas produziriam uma população de
indivíduos geneticamente semelhantes. O mesmo é verdade para os machos.

100
Plantas e animais que têm a competência de reproduzir por partenogênese ou
androgênese (fusão de dois espermatozóides) produzem machos quando aumenta
a necessidade deles. No entanto, este não foi o processo de seleção na evolução
dos animais mamíferos.
De qualquer maneira, acreditamos que ainda não chegou o fim do sexo
masculino. Dados recentes demonstraram que o macho não é obsoleto. Apesar
da clonagem, que produz um embrião sem a fertilização do óvulo pelo
espermatozóide, e do nascimento de camundongos sem pai, o macho tem mais
importância na procriação do que se pensava. Foi descoberto que o
espermatozóide fornece, além dos cromossomos masculinos na fertilização do
óvulo, cerca de três mil moléculas de RNA mensageiras que são introduzidas
no óvulo pela célula reprodutiva masculina no ato da fecundação. Destas, foram
identificadas seis moléculas encontradas no espermatozóide e nos ovos fecundados,
mas não nos óvulos não fertilizados.
Aparentemente, estes RNAs agem nas primeiras etapas do desenvolvimento
embrionário. Utilizando espermatozóides humanos para 'fertilizar'
artificialmente óvulos de hamsters, foram encontradas nos óvulos duas moléculas
de RNA provenientes das células masculinas. Elas carreavam instruções genéticas
para síntese das proteínas protamina-2 e clusteína. Esta última molécula está
envolvida em numerosos processos da fertilização e no desenvolvimento
embrionário saudável. Talvez estes dados expliquem a baixa eficiência da
clonagem, ou seja, no embrião clonado deve haver deficiência dos RNAs
fornecidos pelos espermatozóides.

A MLsterLosci MílquLV\,íl ceLuLcir


Nos últimos anos, apesar de a ciência ter a~ançado como nunca em toda sua
história, ainda conhecemos muito pouco sobre os mecanismos moleculares
que controlam o desenvolvimento, a diferenciação e a regulação da divisão
celular. Há pouco tempo a união de um espermatozóide com um óvulo era a
única maneira de gerar a vida nos mamíferos. Este conceito começou a mudar
quando os cientistas criaram animais através da clonagem, como foi o caso de
Dolly, a ovelha vedete, e de tantos outros animais.
Estas investigações são importantes porque existem cientistas que acreditam
que a espécie humana poderá se extinguir em 10 milhões de anos. Isto se refere
principalmente ao cromossomo Y que poderá perder seus 45 genes, incluindo
o gene SRY responsável pela produção de hormônios. Este cromossomo surgiu

101
a 300 milhões de anos possuindo 1.438 genes. Assim, neste período já perdeu
1.393 genes. Aparentemente um outro cromossomo terá a tarefa de desenvolver
um gene para determinação do sexo. Os pesquisadores acreditam que se o
cromossomo Y for extinto isto poderia criar dois ou mais sistemas de
determinação sexual resultando em duas espécies humanas diferentes. Alguns
cientistas acham que o cromossomo Y perdeu genes desnecessários e que não
perderá os genes essenciais para a manutenção da espécie.
Sabendo do risco de extinção, pesquisadores japoneses há pouco tempo
produziram um camundongo misturando DNA obtidos de duas fêmeas.
O macho ficou fora da jogada! Em contrapartida, cientistas americanos sugeriram
uma maneira de as fêmeas não fazerem parte desta equação reprodutiva, pois
acabam de mostrar que camundongos machos foram capazes de produzir óvulos.
Este novo modo de manipular a construção da vida pode, eventualmente,
encaminhar a ciência para um lado que evitará as objeções éticas, morais e
religiosas existentes em torno da pesquisa envolvendo embriões humanos. Com
isto espera-se que se torne realidade a promessa médica de desenvolver células-
tronco humanas sem destruir nada que seja considerado uma vida em potencial.
Os pesquisadores conseguiram produzir óvulos a partir de células-tronco
embrionárias, sem utilização de fêmeas. Este experimento foi realizado em
camundongos, mas a possibilidade de que dois homens pudessem combinar
seus materiais genéticos para gerar um bebê existe, pelo menos teoricamente.
Um homem supriria o espermatozóide e o outro o óvulo. Na realidade este não
é o problema, os pesquisadores querem é entender o ainda complexo mistério
da vida. Como alguma coisa tão pequena, como um ovo, pode desenvolver-se
como um animal ou um ser humano completo?
Os óvulos são as células mais importantes do organismo, mesmo se
comparados aos espermatozóides, por que eles colocam em sintonia o relógio
biológico da reprodução. Numa clonagem, ao se transferir um DNA de uma
célula adulta normal para um óvulo, o ovo formado reprograma o DNA,
tornando-o totalmente diferente daquele existente no tecido do qual foi retirado.
Esta célula clonada torna-se capaz de se desenvolver como qualquer tipo de
células do organismo ou de tornar-se uma entidade complexa, como um
organismo vivo. A clonagem fornece para a misteriosa máquina celular chamada
ovo a possibilidade da volta no tempo.
Se o óvulo for fertilizado ou clonado, no ovo resultante formam-se células-
tronco, desejadas pelas suas promessas médicas, já que podem se dividir e se

102
tornarem diferentes tipos de tecidos, como células de pele para serem utilizadas
no tratamento de queimaduras, neurônios para serem usados em pacientes com
doenças neuro-degenerativas, ou células pancreáticas que podem revolucionar
o tratamento da diabete, e assim por diante. No chamado clone terapêutico, o
DNA de um paciente é transferido para um óvulo e produz células-tronco
embrionárias que podem se diferenciar em tecidos e células que possuem o
código genético do paciente: um perfeito tecido ou órgão, à prova de rejeição.
Na busca de tais células, cientistas coreanos anunciaram, este ano, que tinham
clonados embriões humanos, utilizando óvulos de mulheres doadoras.
A objeção a este trabalho não é somente devida ao fato de essa clonagem
poder produzir uma criança, mas também devida à produção e destruição de
aglomerados de células, em um estágio do desenvolvimento que, em teoria,
poderia produzir bebês, caso fossem implantados num útero. Alguns indivíduos
argumentam que embriões, mesmo que ainda microscópicos e desestruturados,
não importando como foram desenvolvidos, são seres humanos. Outros somente
vêem, nestes casos, aglomerados de células.
Os óvulos gerados por camundongos machos, caso produzissem células-
tronco, evitariam as objeções quanto a colocar as fêmeas para doarem seus
óvulos. Qyando os óvulos obtidos de dois machos foram identificados, tentou-se
fertilizá-los com espermatozóides. Mas, infelizmente, não funcionou! Os óvulos
possuem o tempo fisiológico exato para serem fecundados. A utilização destas
células muito cedo ou muito tarde impossibilita a fecundação. O controle da
natalidade baseado na tabela da ovulação tem este princípio. O espermatozóide
é mais versátil, ele poderá fecundar um óvulo se for inserido durante diferentes
estágios de sua maturação.
Outros cientistas conseguiram produzir espermatozóides de camundongos
a partir de células-tronco e usaram as células para fecundar óvulos desses animais.
Os óvulos normalmente possuem somente o cromossomo X, enquanto os
espermatozóides podem ter um X ou um Y, assim determinando o sexo da
prole. Para sobreviver, o animal necessita pelo menos de um cromossomo X.
No entanto, os pesquisadores que produziram óvulos a partir de células-tronco
acreditam que possam ter óvulos Y que se desenvolveriam em machos se
fertilizados com um espermatozóide X.
Qyanto mais se desenvolvem os trabalhos engenhosos de biologia nos
laboratórios, mais opções éticas e legais estarão sendo buscadas. Por exemplo,
o uso da clonagem para desenvolver células-tronco embrionárias é preferível

103
ao pagamento de uma mulher para incubar células clonadas até o embrião
estar crescido e ser depois abortado para possibilitar seu uso como fonte de
tecidos para tratamento de lesões.

e MortciLs
"PobreelosAtLetcisCov1.,1.,uV\,s
Antes do atentado terrorista na Espanha e, mais recentemente, ao
aproximarem-se as olimpíadas da Grécia, as autoridades encarregadas da
segurança já tinham solicitado à Organização do Tratado do Atlântico Norte
(Otan) ajuda para garantir a tranqüilidade e evitar acontecimentos indesejáveis
dur. nt j gos em Atenas. Agora, com maior razão, a preocupação deve ter
aumentado. No entanto, em jogos olímpicos anteri r s, a maior ameaça aos
atletas era a utilização de substâncias estimulantes ou excitantes ilegais -
conhecidas como doping- para melhorar o desempenho. A aplicação ilegal de
estimulantes já era comum em cavalos de corridas para aumentar o rendimento.
Historicamente, as primeiras drogas conhecidas para tal finalidade foram o
ginseng, o ópio, e esteróides obtidos de testículos de ovelhas. Nas décadas de
1940 e 1950, com o avanço do conhecimento na área da endocrinologia,
apareceram os esteróides anabolizantes e algumas outras substâncias não
esteróides, com efeitos semelhantes. Os esteróides anabolizantes são derivados
do hormônio masculino, a testosterona, formando a androstenediona, a
nandrolona e o estanowlol, entre outros compostos. Eles aumentam a massa
muscular e sua contratura e a resistência à fadiga, diminuindo o ritmo cardíaco,
bem como o período de recuperação - fatores críticos para os atletas em vários
tipos de esportes que envolvem força de explosão muscular. Estas drogas não
são específicas, e os pesquisadores estão aprendendo mais sobre fatores locais
de desenvolvimento muscular.
Os avanços da biologia molecular e da engenharia genética perrni tiram que
pacientes que possuem distrofia muscular, com perda de músculo seletivo,
pudessem ser tratados com fatores genéticos locais para recuperarem sua atividade
física. Por outro lado,já se sabe que os bons velocistas tendem a ter uma versão
do gene chamada alfa-actinina-3, ou ACTN3, enquanto corredores de longas
distâncias tendem a apresentar uma versão diferente, a ACTN2, e os corredores
mais rápidos tinham não apenas urna, mas duas cópias do ACTN3.
A investigação na terapia gênica, com objetivos voltados ao tratamento e
prevenção de doenças, está avançando continuamente. O conhecimento científico
sempre pode ser utilizado sem ética e ilegalmente. Assim, esta tecnologia pode

104
rapidamente infiltrar-se nas atividades esportivas, contaminando os atletas. Corno
os genes funcionarão no doping? Imagine os genes corno o seftware de nosso
organismo. Corno num computador, os genes contêm códigos que assinalam,
para cada célula em nosso organismo, quais são e quando devem realizar certas
tarefas. Se tivermos urna falha no código que leve nosso computador a não
funcionar apropriadamente, um técnico de computador pode inserir um
segmento do código correto para corrigir o defeito. A transferência de genes é
similar a fazer mudanças no software de nosso computador pessoal. O!iando
isto é realizado com material genético num organismo vivo, isto é conhecido
como terapia genética. Se o computador esta funcionando bem, mas nós
qu remo fazer um upgrade em certa área, podemos arrumar um software que
r for e o 'digos existentes, tornando-o mais poder soou com mais recursos
computacionais. O upgrade genético para aumentar a força muscular numa
pe soa normal, utilizando-se a transferência de genes, é a base da terapia gênicu,
e no caso de atletas, do dopinggenético.
A injeção de camundongos com o gene de crescimento conhecido corno
fator Ide crescimento (IGF-I) levou estes animais a obterem urna musculatura
30% mais forte. Assim, é possível que a transferência de genes dirigida ao
músculo seja usada para aumentar seu rendimento. O doping gênico foi um
problema para as olimpíadas de agosto de 2004 em Atenas, mas em 2008,
poderá ser problema nos jogos olímpicos de Beijin.
Recentemente, os cientistas identificaram o gene responsável pela síntese
de eritropoetina (EPO), o qual estimula a eritropoese (formação de hemácias,
células vermelhas sangüíneas). Estas células são importantes para provas de
resistência como a maratona e o ciclismo. A eritropoetina sintética, utilizada
para tratamento de anemia é considerada ilegal pelo Comitê Olímpico
Internacional, foi o centro de um escândalo de doping na clássica competição
de ciclismo na França, em 1998. Utilizando corno veículo vírus não patogênicos,
o gene EPO já foi inoculado em músculos da perna de primatas, para mantê-
los com alto suprimento de hemácias. A dificuldade neste trabalho, corno em
outros casos de terapia gênica, é controlar a atividade do gene EPO ligado ao
vírus. Este é um problema tão importante na terapia gênica que logo terá urna
solução tecnológica.
Devido ao fato de a transferência de gene usar o próprio organismo do
atleta para desenvolver mudanças a nível celular, as evidências químicas do
doping genético não são tão aparentes, corno nos casos do uso de drogas, corno
esteróides e anfetaminas. As tecnologias disponíveis incluem a biopsia muscular,

105
imagens obtidas por ressonância magnética e a utilização de alguns marcadores
do vírus vetor, que transporta o gene alterado no organismo. Ao longo dos
anos, observou-se que alguns técnicos e empresários, para aumentar a
performance dos atletas, querem usar o conhecimento científico mais moderno.
Por isto, logo devem ser regulados os efeitos da engenharia genética no esporte
e iniciado o desenvolvimento de métodos para detecção do doping molecular.

106
5
Ag v~e,l,{Ltl,{víle c;e0ve.s

Atualmente estamos entrando em uma nova era da agricultura com um


papel central da biologia molecular, devido ao enorme avanço nos conhecimentos
básicos da biologia vegetal e a aplicação de técnicas de engenharia genética.
Esta revolução vai depender menos das inovações mecânicas ou químicas e
mais do uso intensivo do saber científico e técnicas moleculares e celulares. As
promessas da biotecnologia agrícola focalizam a produtividade, a redução de
custos, a geração de inovações e melhorias nos alimentos e o estabelecimento
de práticas agrícolas mais ecológicas. Nunca houve tanta aplicação prática da
ciência como na área agrícola.

A maior parte de aproximadamente 30 milhões de espécies de plantas, animais,


bactérias, fungos e vírus que existem no ~osso planeta encontra-se nas florestas
tropicais. Na floresta Amazônica, por exemplo, 15.000 espécies de animais foram
catalogadas, oito mil das quais consideradas novas quando descobertas. Qyarenta
por cento dos peixes de água doce, 25% das espécies de pássaros e 5.000 espécies
de árvores conhecidas no planeta são encontradas na Amazônia.
O número de microorganismos encontrados no solo é enorme. Utilizando-se
marcadores de DNA, estima-se que em um grama de solo da floresta nativa
sejam encontradas mais de duas mil espécies de microorganismos. Imaginem os
milhares de novos genomas e proteomas que serão descobertos nesta diversidade
biológica! Estimem o número de genes inéditos que serão conhecidos em nossa
biodiversidade! Entretanto, o desflorestamento diminui enormemente o número
e as espécies de bactérias e fungos, além de alterar várias propriedades do solo,
como o pH, elementos químicos, densidade e porosidade.

107
Desde que as técnicas de biologia molecular tornaram-se disponíveis,
avalanches de descobertas estão sendo divulgadas relacionando a biodiversidade
com saúde, principalmente na área dos fármacos. Este desenvolvimento científico
levará a mais do que uma revolução na área médica, pois se refletirá na economia,
na política e na qualidade de vida do ser humano. Novos medicamentos
desenvolvidos com base na biodiversidade serão utilizados para tratamento de
doenças intratáveis ou tidas como de difícil terapia. Novas formas de aplicação
de drogas estão sendo inovadas. Em breve, ao usar sabonetes, pastas de dente,
cosméticos, aerossóis e alimentos, uma pessoa poderá estar tomando sua dose
diária de medicamentos. Nos últimos 10 anos, 60% das drogas novas usadas no
tratamento de câncer foram descobertas nas florestas tropicais. O mercado mundial
de medicamentos derivados de plantas é de 200 bilhões de dólares/ano.
Apesar dos esforços realizados pelas universidades e institutos de pesquisa
nacionais, a diversidade biológica brasileira ainda é pouco investigada.
Verdadeiras barreiras restritivas à pesquisa e inovação nesta área são as leis
rígidas e verticalizadas vigentes na burocracia pública. É importante concentrar
o debate no que é factível e não em fantasias. Os avanços do conhecimento
impõem a necessidade urgente de mudanças destas normas. É importante traçar
leis flexíveis para determinar, deliberar e facilitar a investigação com material
biológico, bem como a cooperação nacional e internacional.
Já é hora de encarar os receios e as vantagens do estudo da biodiversidade.
Inexplorada e desconhecida, ela tem valor zero para a sociedade, pois não gera
empregos nem riquezas. Não resta dúvida de que é necessário prevenir possíveis
abusos. No entanto, dificultar e burocratizar a investigação científica tira o
ânimo e a competitividade de nosso país e não resolve o problema. Afinal,
quantas espécies de microorganismos podem estar saindo no barro ou na poeira
aderida nos tênis de nossos turistas?

LeiAgv[e,oLci
"E;Lotee,V\,oLog
Não resta dúvida que o mundo está crescendo. A população hoje é de
aproximadamente seis bilhões de pessoas. As estimativas demonstram que ela
será nove bilhões em 2050. Isso significa uma população crescendo na base de
78 milhões por ano e que cerca de 20% deste crescimento demográfico estará
na Índia, 50 milhões de pessoas aumentará na Ásia, 18 milhões na África e 8
milhões na América Latina e no Caribe. O restante deste crescimento estará
em países estáveis, como os Estados Unidos e Europa. Mais do que isto,

108
enquanto a economia dos países ocidentais crescerá aproximadamente 2%, a
China vai crescer mais do que 8% e a Índia em torno de 5%. Isto significa
que a população destes países terá mais dinheiro para o consumo. Por outro
lado, os países em desenvolvimento estão se urbanizando, o que induzirá a
diminuição dos produtores e o aumento dos consumidores. Para onde isto
poderá direcionar o mundo?
O passo lógico será um aumento da produção agrícola. A biotecnologia pode
oferecer aos agricultores uma maneira mais elaborada de produzir cultivares. Os
principais benefícios da biotecnologia agrícola incluem resistência a doenças e
pragas, redução do uso de pesticidas, frutas e grãos com composição mais nutritiva,
tolerância a herbicidas, mais rápido desenvolvimento dos vegetais e melhoria do
sabor e qualidade do alimento. As plantas são manipuladas geneticamente (GM)
de maneira mais fácil do que animais. Assim, o avanço nesta tecnologia aplicada
a plantas será mais rápido do que para animais. O solo para cultivo está limitado
devido aos ambientalistas. A biotecnologia poderá melhorar a eficiência da seleção
natural de plantas e aumentar a produtividade agrícola. Nos próximos cinco anos
os alimentos transgênicos comerciais terão seus genomas conhecidos. Estes
produtos utilizarão menos fertilizantes, crescerão em terrenos ácidos e áridos e
produzirão mais do que uma planta comum.
O suplemento de alimento deve crescer no mundo. Para continuar este
aumento utilizando-se da agricultura tradicional, teríamos necessidade de plantar
em mais 10 milhões de hectares. Isto seria uma catástrofe para o ecossistema.
Ou seja, isto significaria mais desmatamento com drásticas conseqüências para
o meio ambiente. O suprimento de alimento deve dobrar nos próximos 30
anos. No entanto, 80% da futura produção de alimentos deve continuar sendo
em terras utilizadas hoje, ou seja, haverá limitação para expansão de solos
produtivos. Um dos maiores problemas será na África que terá um solo com
diminuição da fertilidade, difícil aplicação da melhoria tecnológica, isolamento
rural devido à falta de estradas e transportes, bem como educação deficiente e
falta de serviço de saúde.
Em 2003, as plantações GMs foram cultivadas em mais de 70 milhões de
hectares de 18 países, o que representa uma área duas vezes maior que a Inglaterra.
Aproximadamente cinco milhões de pequenos agricultores no Brasil, China,
Índia, África do Sul e México estão plantando algodão GM resistente a pragas.
Calcula-se uma economia de cerca de US$500 por hectare, principalmente
através uma redução de 70% no uso de pesticidas. O cultivo de plantas GMs
está crescendo no mundo todo e já é bastante difundido nos EUA, Canadá e

109
Argentina, mas somente agora está sendo liberado em alguns países da Europa,
pois ainda existe receio quanto à ameaça que ele representa para o meio ambiente
e a saúde humana e animal.
As maiores contribuições dos vegetais GMs ainda estão para chegar. Uma
delas, provavelmente, será a redução drástica do uso de agrotóxicos. Este é o
caso das variedades de feijão e mamão resistentes a doenças viróticas, ou da
melhora do milho e do algodão resistentes a lagartas. No Brasil, a Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) investiu muito nesta tecnologia
e desenvolveu inúmeros tipos de plantas modificadas. China, Cuba e Índia
avançam velozmente nas plantas transgênicas. A investigação de plantas
geneticamente alteradas trará benefícios para a saúde pública. Algumas vantagens
já foram obtidas somente pela redução do uso de inseticidas.
Maiores benefícios virão com o desenvolvimento de vacinas, anticorpos e
outras proteínas medicamentosas. Vacinas contra hepatite B, bactérias e vírus
que causam diarréias foram desenvolvidas em batatas e bananas e estão sendo
testadas. Possivelmente para fins comerciais estas vacinas serão produzidas em
bananas, alface ou em suco de tomate, para serem ingeridas. Uma das vantagens
é que estes produtos não serão administrados por injeção e estarão livres de
possíveis contaminações por agentes patogênicos humanos. Estas vantagens
devem ser mais discutidas pela mídia e ignorá-las não é uma opção.
Os principais produtos melhorados pelo uso da biotecnologia foram o milho, a
soja e as batatas que necessitam de menor aplicação de pesticidas/herbicidas;
a soja com menor teor de lipídeo saturado, mais ácido oléico e maior estabilidade à
oxidação; o mamão papaya resistente a vírus; o arroz que cresce mais rápido,
mais rico em proteínas e capaz de tolerar melhor o solo ácido; a batata e o
milho resistentes a doenças e com produção aumentada; entre outros. A produção
de novas variedades de cultivares pela biotecnologia continua.
Veja um belo exemplo do que pode ser a agricultura nos próximos anos.
O ser humano e o trigo caminham juntos pelo planeta pelo menos há 10.000
anos, adaptando-se a climas e solos diferentes. O homem tornou-se dependente
do trigo, que é cultivado em mais de 70 países. Utilizando-se deste cereal
foram descritos recentemente genes que dão habilidade ao trigo de crescer em
diferentes climas, permitindo a esta planta sobreviver em condições extremas.
Os dois genes revelados foram o VRN, que ativa a florescência, e o VRN2, que
atrasa este processo, permitindo ao trigo desenvolver-se desde regiões de longo
inverno até áreas temperadas e tropicais.

110
Os benefícios esperados num futuro próximo são as reduções dos níveis
de toxinas naturais em plantas, a obtenção de métodos mais específicos, simples
e rápidos para localização de um agente patogênico, toxinas e contaminantes
e o aumento do tempo de exposição nas prateleiras dos supermercados sem
os produtos estragarem. Os principais produtos já desenvolvidos para o mercado
incluem o óleo de soja e de canola contendo mais estearato, podendo-se
produzir margarinas mais saudáveis, melões menores e sem sementes, bananas
e abacaxis com menor tempo de maturação, ervilhas de crescimento mais
rápido e em maior quantidade, amendoim com mais proteínas e bananas
resistentes a fungos. Ainda poderemos ter tomates com maior concentração
de antioxidante (licopeno); batatas com maior conteúdo sólido (amido), o
que reduz a quantidade de óleo absorvido durante a fritura; frutas e verduras
com maiores teores de vitaminas, como a C e a E; alho que produz mais
alicina, possivelmente socorrendo na redução dos níveis de colesterol; arroz
com maior teor de proteínas, utilizando genes obtidos de ervilhas; cerejas com
maior nível de ácido elágico, um agente anticancerígeno natural, entre outros.
A população mundial deverá dobrar, ou seja, o planeta terá aproximadamente
10 bilhões de pessoas até 2050. Poucas outras tecnologias serão capazes de
oferecer as mesmas vantagens da biotecnologia, com o potencial de socorrer e
evitar a fome no próximo século. Solos áridos e ácidos poderão ser utilizados
para agricultura com a mesma eficiência de um solo fértil. Isto certamente
aumentará a economia dos países em desenvolvimento, gerando mais empregos
e maior produtividade.
Alguns acreditam que a ciência está planejando a natureza melhor do que a
própria natureza. Entretanto, os impactos e as implicações desta tecnologia
ainda não são completamente compreendidos. A discussão do momento é sobre
os riscos e benefícios possíveis dos organismos geneticamente modificados
(OGMs), sob o ponto de vista de uma ciência ambientalista e ecológica.
Ou seja, como os OGMs devem ser desenvolvidos e regulados levando em
conta a perspectiva científica, política, socioeconômica, moral e ética.
Um monitoramento bem planejado é crucial para identificar os riscos de
um OGM no ambiente, principalmente quando há razão de suspeita de um
problema possível. Em alguns casos, quando uma planta GM é cultivada, este
monitoramento detecta riscos ao ambiente que não eram evidentes em pequena
escala. Ecologistas e ambientalistas do mundo todo, a princípio, fazem oposição
radical aos OGMs, principalmente às plantas geneticamente manipuladas.

111
É difícil entender esta posição. Oposição radical contra alimentos transgênicos
é o triunfo do dogma sobre a razão. Ou da esquerda sobre a direita. Ora, os
transgênicos servem tanto para o capitalismo quanto para o socialismo. É melhor
não entrar neste véu ideológico.
Por que não fazem campanha contra os medicamentos e vacinas produzidas
por modificação genética? A mesma tecnologia utilizada para inserir um gene
humano na levedura a fim de produzir insulina para indivíduos diabéticos é
usada para modificar uma plantação GM. Qyal a razão de uma técnica poder
ser usada para produção de medicamentos, mas não poder modificar vegetais
tornando-os resistentes a pragas? Porque existe esta reação gigantesca dos ativ-istas
verdes contra a modificação genética de plantas?
Devido à comercialização de plantas GM ser relativamente recente e limitada
somente a poucos tipos de vegetais muitas das questões levantadas necessitam
de um estudo mais profundo, pois somente foram analisadas empiricamente.
Mas os riscos dos OGMs são mais conhecidos entre os ecologistas, as agências
reguladoras e o público, enquanto os benefícios ao meio ambiente necessitam
ainda serem pesquisados e documentados com mais rigor científico.
Por centenas de anos as plantas têm sido usadas para tratamentos e terapias
de inúmeras doenças. Com o avanço da biotecnologia, as plantas estão começando
a serem utilizadas com 'fábricas' produtoras de proteínas terapêuticas que servirão
de matéria-prima para formulação de medicamentos. Plantas produtoras de
drogas são resultados de urna aplicação alternativa da biotecnologia. Esta
metodologia é de baixo custo, segura e mais eficiente se comparada aos
tradicionais processos utilizando fermentação microbiana ou culturas de células
animais. Uma outra vantagem é de que as plantas não propagam agentes
patogênicos que podem infectar o ser humano ou outros animais.
Comparado com outros métodos existentes, a planta tem mais habilidade
para assimilar a informação genética e produzir proteínas complexas que
podem ser usadas na formulação de remédios mais efetivos. Os métodos de
culturas de células são caros e trabalhosos e não produzem a quantidade suficiente
de proteínas terapêuticas para atender as necessidades do mercado. Em muitos
casos, o custo de produção de uma proteína medicamentosa é significativamente
barato porque não necessita tanto de investimentos como nos métodos
tradicionais de produção.

112
AgrLe,uLturci PrLv1úUVCle o Futuro

A humanidade vem modificando plantas no nível genético desde o seu


primórdio. O destino da sociedade humana, bem como da agricultura, tem
sido mutuamente vinculado e dependente desde então. A agricultura permitiu
ao ser humano deixar de ser somente caçador para construir seu desenvolvimento
econômico e cultural. Nossos ancestrais escolheram umas poucas plantas
selvagens e, gradualmente, as modificaram pela seleção das maiores, mais
saborosas e mais resistentes, para então propagá-las. Assim, organismos têm
sido alterados por milênios, nos trazendo arroz, trigo, milho, soja, batata e
tomates que têm poucas semelhanças com seus ancestrais. Por exemplo, o tomate
e a batata continham potentes toxinas. Hoje, variedades destas plantas têm sido
cultivadas, produzindo alimentos saudáveis e nutritivos.
A maioria das plantações não é natural por apresentar diferenças com seus
ancestrais selvagens e, também, devido à sua origem e domesticação ter ocorrido
em locais diferentes dos de sua origem. Por exemplo, o Brasil produz milho e
soja que são variedades nativas do México e da China, respectivamente.
O trigo foi domesticado na Mesopotâmia, o café tem origem na Etiópia, a
laranja na Índia, a cana de açúcar em Papua Nova Guiné, a batata na Europa, a
mandioca na África, a batata doce no Japão. Um exemplo de modificação genética
foi revelado num estudo recente, onde os pesquisadores compararam genes de
milho recuperados no México e nos Estados Unidos, e descobriram que três
variantes genéticas foram sistematicamente melhoradas, provavelmente através
de cultivas seletivos, por centenas e centenas de anos, pelos fazendeiros
primitivos. A planta ancestral do milho, o teosinto, foi domesticada entre 6.000
e 9.000 anos atrás no México. Esta planta, considerada somente uma semente,
ainda é encontrada no país. Pelo cultivo e seleção das características desejáveis,
os agricultores daquele tempo causaram, no teosinto, mudanças fantásticas
visando ao aumento da produção de alimento.
Há cerca de 5 .500 anos o tamanho dos poucos grãos de milho na espiga era
maior. Entretanto, todas as variantes genéticas já eram encontradas no milho
'moderno' que crescia no México há 4.400 anos. A planta foi tão modificada
pelo cultivo direto que evoluiu para uma forma que não podia se desenvolver e
dependia dos agricultores para sobreviver nas consecutivas gerações. Hoje, o
México possui 59 espécies de milho. Os pesquisadores acreditam que
dificilmente estas modificações genéticas tenham sido realizadas de maneira

113
espontânea. Aparentemente, os agricultores primitivos eram muito mais
sofisticados do que imaginávamos. A diferença entre o teosinto e o milho está
somente em alguns poucos genes que causam uma enorme mudança.
Provavelmente o agricultor primitivo descobriu que, plantando as sementes de
um milho de melhor qualidade perto de um outro de pior qualidade, poderia
ocasionar trocas benéficas no de pior qualidade nas próximas gerações. Caso
tivesse encontrado a combinação correta, o fazendeiro ancestral dividia este
conhecimento com seus amigos e parentes.
Somente três genes que apareceram num curto espaço de tempo melhoraram,
dramaticamente, a qualidade do milho. Um gene mudou a arquitetura da
semente. Outro induziu a produção de um grão mais macio, e uma mudança na
consistência do milho, facilitando o brotamento da planta. O terceiro gene
tornou o grão de sabor mais agradável, pela modificação da concentração de
amido. Provavelmente estas mudanças nas características do milho encorajaram
os agricultores primitivos a propagarem a planta para outras regiões.
A agricultura moderna somente se desenvolveu nos primeiros anos de 1700,
quando os cientistas criaram as primeiras plantas híbridas, obtidas pelo
cruzamento de dois tipos de plantas diferentes. Na década de 1840, um monge
austríaco, Gregório Mendel, trabalhando com ervilhas, definiu as primeiras
leis da hereditariedade. Pesquisadores europeus, no início de 1900, utilizando a
técnica desenvolvida por Mendel, começaram a melhorar as plantas existentes.
Em 1953, Watson e Crick descobriram a estrutura do DNA. Vinte anos após,
foi descoberto como isolar genes. Na década de 1980, a informação genética
pôde ser transferida de um organismo para outro. Pela manipulação de genes,
os pesquisadores puderam formar novas proteínas que protegem a planta contra
doenças. Em 1985, plantas geneticamente modificadas foram testadas no campo.
O tomate Flavr Savr, que tem seu processo de maturação retardado, foi liberado
para consumo nos EUA em 1994. Logo após, foi desenvolvida a soja resistente
a herbicidas. De lá para cá, inúmeras plantas foram alteradas geneticamente.
Como vimos os avanços na genética foram progressivamente rápidos.
As aplicações deste conhecimento em processos inovadores estão apenas se
iniciando. Os genes transferidos artificialmente para o genoma de um organismo,
isto é, os transgenes, permitem a criação de organismos que não podem ser
obtidos através de uma reprodução sexual normal. O ser humano tem receio do
alimento que come. Mas a civilização foi desenvolvida utilizando plantas
geneticamente modificadas pela natureza e pelo homem. A humanidade não

114
existiria se não fosse esta técnica empiricamente desenvolvida pelo agricultor
primitivo há mais de 8.000 anos. Assim, na evolução da espécie, o ser humano
se alimentou de plantas geneticamente modificadas pela natureza. Por milhares
de anos o arroz, na China, e o milho, no Mé..xico,por exemplo, foram alterados
através do cultivo seletivo. Com efeito, foi praticamente urna revolução verde
na pré-história.
Desde então a demanda global por alimento tem levado ao melhoramento
dos vegetais. A biotecnologia tem desenvolvido tecnologia para produzir
alimentos mais saborosos e nutritivos, com alta produtividade das plantas que
são protegidas naturalmente das doenças e pragas. As plantações biotecnológicas
estão se tornando significantes componentes da economia de vários países,
inclusive do Brasil. A biotecnologia vegetal tem feito o possível para o
melhoramento seletivo e hibridização das colheitas. Este processo permite a
transferência de sornen te um ou poucos genes desejáveis, perrni tindo o
desenvolvimento de vegetais benéficos sem problemas indesejáveis. A tecnologia
de hoje permite a alteração de urna característica da planta, reduzindo o tempo
do desenvolvimento de urna planta melhor. Ao invés de gastar 10 a 12 anos
para desenvolver plantas da maneira tradicional, misturando milhares de genes,
no sistema moderno seleciona-se um gene específico de qualquer vegetal que é
posteriormente colocado no genoma de urna outra planta através da biotecnologia.
Além de ser benéfico em termos de crescimento, proteção contra pragas,
produtividade e, conseqüentemente, economia, esse método também pode ser
saudável para o meio ambiente devido ao fato de as plantações protegidas contra
pragas, por exemplo, reduzirem a utilização de pesticidas. A transgênese de
plantas também reduz a necessidade de controle de pragas, o tempo e a área
cultivada, protegendo o solo. Por séculos, os agricultores têm usado a biologia
pela sua vantagem de modificar genes para produzir melhores pães, cervejas,
vinhos e queijos. Os processos por eles empregados foram semelhantes aos
utilizados pela biotecnologia agrícola atual.
Um belo exemplo está no processo usado para produzir queijos. Num passado
ainda recente, a principal enzima envolvida era a renina, extraída do estômago
de bovinos. Utilizando a biotecnologia remove-se o gene específico que codifica a
renina e se produzem bactérias através do processo de fermentação, eliminando
a necessidade da extração do bovino. Atualmente, 50% da renina usada
na fabricação de queijos é produzida por fermentação. O fermento utilizado na
fabricação de pães também foi trabalhado pela biotecnologia, resultando numa

115
levedura que age mais rapidamente no processo de produzir pães e outras massas.
Este fermento tem certos genes rearranjados e duplicados. Os padeiros ancestrais
poderiam ter feito a mesma coisa, mas só alcançariam resultados com dezenas
de anos de experimentos.

116
As implicações e os problemas éticos, legais, morais e sociais que resultam
dos novos conhecimentos científicos e das tecnologias não poderão ser
esquecidos. É importante que cada setor da sociedade zele pela boa utilização
do conhecimento cientifico e suas aplicações. Insistimos: a responsabilidade
do uso de uma tecnologia é de cada um de nós.

Reflexões,s,obreci cLoV\,cigeVvt
~uVvtClV\,Cl

Nos últimos 50 anos temos observado que a biotecnologia está fornecendo


novas maneiras de solucionar problemas associados à reprodução humana,
especialmente com a vida iniciada fora do organismo materno. Apesar dos
avanços terem um grande significado para a sociedade, a interseção da reprodução
assistida com técnicas de varredura genética e seleção de sexo, por exemplo,
confronta os pacientes com as vantagens e os dilemas das novas oportunidades.
A genética e a revolução genômica e proteômica desenvolveram informações
e técnicas que podem ser utilizadas para mudar o conceito sobre o que significa
o ser humano. A ciência moderna fornece credenciais biotecnológicas e
promessas às nossas assombrações infantis, refletidas em sonhos místicos sobre
os ancestrais, à inteligência sobrenatural, ao temor das coisas desconhecidas, às
doenças genéticas do metabolismo, ao planejamento de um indivíduo melhor, à
fonte da juventude e do prazer eterno, e agora, à clonagem humana.
A história da genética humana depende de um diálogo informado sobre a
implicação ética, moral e social que resulta da multiplicidade de áreas envolvidas
no desenvolvimento da pesquisa genética. Por exemplo, as questões bioéticas
são pontos importantes da cultura pós-moderna global. Argumentos sobre
pesquisa em células-tronco, a incerteza sobre a engenharia genética para
melhorar a vida do ser humano e dúvidas sobre o acesso da população aos

117
avanços genéticos contemporâneos são pontos que a sociedade necessita resolver
nos próximos anos, enfrentando as novas possibilidades das utilizações e
promessas que estão vindo numa velocidade espantosa, a respeito das implicações
das descobertas de genômica e proteômica bem como do uso das células-tronco.
Por exemplo, o conceito do status moral de um embrião humano deve ser
discutido e avaliado pela sociedade. Um embrião é um ser humano, um ser que
se desenvolverá por toda a vida, se provido de nutrientes e ambientes adequados.
É necessário regulamentar o uso destas tecnologias para finalidades respeitáveis,
aceitando a modernidade das técnicas reprodutivas, sem comprometer a liberdade
humana, a medicina, a moral social, a religião, a dignidade e a ética.
Além disso, assuntos relacionados com a reprodução humana levantam
questões profundas de caráter íntimo e familiar, produzindo uma forte reação
emotiva popular contra o aborto e as pesquisas que utilizam embriões, células-
tronco e clonagem humana. Estamos numa encruzilhada entre proteger a
investigação biológica e biomédica e o progresso da medicina e da saúde pública,
ou não regulamentar e legalizar estas atividades. A população, para participar e
decidir, necessita ter, com transparência, mais detalhes para compreender o assunto.
A ciência como moralidade neutr~ é simplificação de nossa realidade. Devido
aos valores enraizados na nossa cultura, a ciência não é neutra nas definições de
prioridades, nas hipóteses propostas e nos questionamentos e dúvidas. Ciência
e ética tiveram sempre uma relação difícil, baseada na ambição científica e no
respeito à dignidade do ser humano. A bioética não é somente a ética baseada
na biologia, mas é a ética a serviço do ser vivo. A vida não é meramente
fisiológica ou bioquímica, mas também mental, social, cultural, política e
espiritual. A atividade científica deve ser humanizada dentro dos padrões de
uma profunda reflexão sociológica e ética.
É a partir desse olhar que deve ocorrer o debate sobre a clonagem humana
terapêutica versus clonagem reprodutiva. A clonagem terapêutica não deve ser
confundida com a reprodutiva. A clonagem terapêutica é uma nova tecnologia
com potencial de aliviar ou curar doenças lesivas em milhares de pessoas.
Entretanto, esta investigação tem sido questionada devido, em parte, ao fato de
esta tecnologia também ser usada para clonagem reprodutiva.
Qyal a diferença básica entre os dos tipos de clonagens? Na clonagem
reprodutiva a intenção é produzir um outro ser humano. Pelo contrário, a
clonagem terapêutica utiliza células humanas específicas, genes e outros tecidos,
somente para propósito médico. É importante distinguir entre criar um ser

118
humano e a clonagem terapêutica, que, usada em conjunto com a investigação
de células-tronco, tem o potencial para produzir novos diagnósticos,
medicamentos e vacinas.
A questão que está na raiz do problema é se um blastócito humano no
quinto dia após o espermatozóide penetrar no óvulo é a mesma coisa que um
blastócito clonado. O transplante nuclear é o processo de retirar o núcleo de
uma célula somática (não de um espermatozóide ou óvulo) e inoculá-lo em um
óvulo cujo núcleo foi também removido. O ovo, contendo o núcleo transferido,
divide-se até chegar ao estágio de blastócito, do qual as células da massa celular
interna são removidas e cultivadas. As células-tronco resultantes têm risco
reduzido de rejeição, desde que produzidas a partir de células do próprio paciente,
para que as células sejam compatíveis com os tecidos receptores. Na clonagem
reprodutiva, as células resultantes do transplante nuclear são transferidas para o
útero, que fornece os fatores críticos para prosseguir o desenvolvimento até
formar o embrião.
Na clonagem terapêutica, as células se desenvolvem numa placa de cultura,
na presença de nutrientes especiais, por poucos dias, até chegar-se a um conjunto
de aproximadamente 120 células que podem ser usadas para formar células-
tronco. Assim, as células não são nunca transferidas para um útero, não podem
se desenvolver num ser humano (ou animal). Adicionalmente, não há fertilização
neste processo. O problema é que há uma diferença entre criar uma vida em
laboratório e a possibilidade de, através da clonagem terapêutica, livrar o mundo
de inúmeras doenças e lesões graves. A lógica diz que é errado produzir uma
nova vida, mas melhorar a vida de outros não justifica a experimentação na
clonagem terapêutica?
De um lado, um grupo imagina que um mundo novo está se abrindo para a
cura de doenças. Do outro, há os que acreditam que a vida começa na concepção.
Uma experiência com células-tronco que levasse à destruição de um embrião
seria um assassinato? No momento, esta pergunta é básica, pois cientistas estão
tentando clonar um embrião humano até o estágio de blastócito. Entretanto, ao
invés de implantá-lo no útero para desenvolver um bebê, eles destruirão o
embrião para produção de células-tronco. Não há dúvida de que este resultado
seria a primeira evidência séria da possibilidade de domínio da técnica da
clonagem humana.
A existência de linhagens de células-tronco cria possibilidades extraordinárias
de tratamento de doenças, substituindo tecidos cancerosos ou lesados, ou de
investigações das anomalias genéticas. Porém, cenários catastróficos podem ser

119
divulgados, como sua utilização para clonagem reprodutiva, ou para fabricar
ou produzir em massa embriões, ou mesmo para destruição em massa. Não é
ainda possível, tecnicamente, separar o 'bom' do 'mau' uso da tecnologia da
clonagem, do mesmo modo que é impossível separar a 'má' da 'boa' genética,
que pode desenvolver terapias nunca imaginadas para algumas doenças ou armas
de bioterrorismo.
Em resumo, há dois tipos fundamentais de clonagem humana por
transferência nuclear: a reprodutiva e a terapêutica. O objetivo do primeiro
tipo é produzir uma criança geneticamente idêntica a um indivíduo. A clonagem
terapêutica tem a finalidade de produzir células embrionárias (células-tronco)
geneticamente idênticas às do paciente. Estas células podem se diferenciar em
diferentes células para tratamento de uma variedade de doenças degenerativas
que o doador do DNA pode sofrer.
O debate científico sobre a clonagem humana tem como pontos centrais o
direito de um indivíduo ou um casal estéril ter filhos e o da criança clonada não
ser exposta a um risco excessivo de desenvolvimento de anormalidades. A definição
de risco aceitável é totalmente subjetiva. Se o risco do desenvolvimento de uma
anormalidade ou de morte pré-natal na clonagem humana, por exemplo, for
menor do que 3% - que é o risco observado na reprodução sexual normal -,
um significativo número de pessoas opositoras da clonagem mudaria de opinião.
A tecnologia da clonagem ainda não está totalmente dominada. Em animais,
um grande número de fetos é sacrificado no processo de produzir um clone
saudável. Além disto, inúmeros defeitos genéticos aparecem na clonagem,
prejudicando a saúde do clone. Estes seres geralmente sofrem de obesidade,
envelhecimento prematuro, artrite e outros problemas médicos. Ao analisar
10.000 genes de animais clonados, verificou-se que uma grande quantidade de
mutações genéticas era introduzida pela clonagem.
Aparentemente, todos os riscos da clonagem reprodutiva humana têm como
base os resultados observados nas clonagens de outros animais. A clonagem
ainda é considerada uma técnica ineficiente e que produz animais com sérios
problemas, como doenças respiratórias e desenvolvimento anormal da placenta.
Um dos pontos considerados na produção de células-tronco é a utilização dos
embriões congelados in vitro nas clínicas de reprodução. Estes embriões poderão
ser simplesmente destruídos e transformados em células-tronco, ou ser
implantados no útero de uma mulher. A destruição do embrião clonado para
produção das células-tronco levanta os mesmos problemas éticos da destruição
dos embriões congelados nas clínicas de reprodução. O desenvolvimento de
120
um feto obtido por clonagem é o ponto ético importante na clonagem humana.
Não é ético tentar a clonagem reprodutiva quando não se tem a evidência
necessária que não levaria risco para o bebê e a mãe.
Uma sugestão científica prudente seria a investigação extensiva da clonagem
por transferência nuclear em primatas antes de uma decisão final a favor ou
contra esta tecnologia reprodutiva. Assim, a tecnologia da clonagem se
focalizaria na redução de fetos inviáveis e no número de mutações introduzidas.
Após a resolução dos problemas técnicos da clonagem animal, a clonagem
humana poderá ser uma possibilidade. Entretanto, o mercado para esta clonagem
deverá ser muito pequeno e secundário. Assim como no caso dos bebês de
proveta, que causaram um intenso debate ético quando foram introduzidos,
mas agora são aceitos, a sociedade deverá aceitar que uma pequena percentagem
da raça humana será de clones.
A explicação que se deve dar à clonagem terapêutica tem como pontos
importantes o benefício terapêutico e o custo ético da destruição de um embrião
clonado. Muitos consideram que o embrião em sua primeira fase de crescimento
tem o status de um indivíduo com todos os direitos humanos fundamentais e
consideram a destruição deste embrião equivalente a um assassinato. Nos
primeiros estágios de desenvolvimento de um embrião, porém, o que se tem é
um conjunto de células sem o mais rudimentar sistema nervoso. A divisão
deste conjunto de células resulta em dois ou mais gêmeos monozigóticos. Assim,
se este embrião pode ser considerado um indivíduo, é bastante questionável.
Por outro lado, é enorme o percentual de resultados negativos na reprodução
sexual natural, motivados pelo não implante do embrião no endométrio uterino,
ou seja, por abortos espontâneos.
Para evitar controvérsias morais e éticas, alguns pesquisadores estão
envolvidos na produção de células-tronco a partir de um óvulo não fertilizado
de macaco, ou seja, por partenogênese. Acredita-se que, utilizando este método
como fonte de material para células-tronco, haja menos controvérsia ética ou
moral, pois estas células serão criadas sem a união de espermatozóide e óvulo.
Inúmeras questões éticas necessitam ser revistas e repensadas para chegarmos a
um posicionamento tranqüilo da sociedade. Isto iria acontecer mais cedo ou
mais tarde. Ameaças aos seres humanos como meios e não fins não são mais
possíveis. Os embriões clonados devem ser tratados com respeito e não somente
como uma linhagem celular.
Uma sugestão científica prudente seria a investigação extensiva da clonagem
por transferência nuclear em primatas antes de uma decisão final a favor ou

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contra esta tecnologia reprodutiva. Assim, a tecnologia da clonagem se
focalizaria na redução de fetos inviáveis e no número de mutações introduzidas.
Após a resolução dos problemas técnicos da clonagem animal, a clonagem
humana poderá ser uma possibilidade. Entretanto, o mercado para esta clonagem
deverá ser muito pequeno e secundário. Assim como no caso dos bebês de
proveta, que causaram um intenso debate ético quando foram introduzidos,
mas agora são aceitos, a sociedade deverá aceitar que uma pequena percentagem
da raça humana será de clones. O simples posicionamento contra todas as
tecnologias criadas para clonagem celular levanta questões e dilemas éticos:
qual é o direito do Estado proibir os cientistas de desenvolverem métodos para
tratamento de doenças? Ou: a destruição de um punhado de células (blastócitos)
que não tem ainda a menor evidência de um sistema nervoso, para salvar dezenas
de pessoas, é aética?
O uso da clonagem humana, de células-tronco embrionárias e da intervenção
genética não pode constranger a liberdade da ciência nem os valores contidos
na sociedade. É preferível vetar o uso da clonagem humana somente para
propósitos reprodutivos, ou seja, gerar uma criança clone. Tal atitude teria a
vantagem de diminuir os argumentos contrários à clonagem. Na prática, este
seria um esforço árduo, pois uma vez que exista um embrião clonado, torna-se
difícil evitar que alguns cientistas secretamente o implantem numa mulher.
Qyando nos referimos à clonagem humana não há uma maneira fácil de decidir
entre o que é útil e o que é inútil para a sociedade.
Certamente é melhor para o nosso país criar leis severas, mas que permitam
dominar esta tecnologia de ponta, de maneira a desenvolver uma ciência moderna
e responsável, com padrões éticos aceitáveis, do que deixar a decisão para outra
instância, outro país ou outra cultura. Temos de enfrentar esta realidade com
coragem. Esta é a diferença entre ter uma ciência pioneira e inovadora ou ter
um papel secundário no mundo da investigação científica. Afinal, qual é o
valor maior, o da vida de uma pessoa adulta, ou de uma criança, sofrendo ou
morrendo de uma doença degenerativa qualquer, ou o de um embrião de cinco
dias que é um pouco mais do que uma massa de células? É este o futuro da
medicina que queremos? É esta a ciência que vamos desenvolver? No meio
acadêmico a discussão está avançando. No entanto, o debate está polarizado na
sociedade, e é ela, conhecendo o problema e participando, que deve aprovar
normas éticas razoáveis para o avanço deste conhecimento tornando-o útil
para a saúde pública brasileira.

122
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