A Liberdade de Imprensa Cerceada - Artigo PDF
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Resumo
A partir da obra de Sérgio Mattos aqui em foco, esta resenha apresenta perspectivas
históricas da presença da censura à imprensa no Brasil e no mundo e os marcos legais que
acabam por controlar a liberdade de imprensa. Mattos aborda o cerceamento à prática
jornalística em contextos diversos, desde a atuação do Tribunal do Santo Ofício, na Idade
Média, passando pela ação censória exercida no Brasil ainda em sua fase colonial e pelos
momentos de regimes autoritários no país, até o período democrático que se vive desde o
fim da ditadura militar e a promulgação da Constituição brasileira de 1988. O autor aponta
que o Jornalismo sempre esteve sob ameaça de censura no Brasil, seja em termos políticos,
econômicos ou policiais. Ainda hoje, a ação censória continua a ser praticada e surge uma
censura cada vez mais complexa.
Palavras-chave: Censura; Jornalismo; Liberdade de imprensa; Sérgio Mattos.
1
Estudante de Graduação do 6º semestre do curso de Jornalismo da ECA-USP. É bolsista de iniciação
científica da Fapesp junto ao projeto temático “Comunicação e Censura – Análise teórica e documental de
processos censórios a partir do Arquivo Miroel Silveira da Biblioteca da ECA/USP”, coordenado pela Prof.ª
Dr.ª Maria Cristina Castilho Costa, atuando no eixo de pesquisa “Liberdade de Expressão: Manifestações no
Jornalismo”, sob responsabilidade da professora Profª. Drª. Mayra Rodrigues Gomes. E-mail:
[email protected]
de 1809, instituía também o veto à crítica (além da censura já existente). Pouco tempo
depois, em 1811, surgiria o jornal Idade d’Ouro do Brasil, cuja linha editorial baseava-se
em uma política de autocensura.
Nos anos de 1822 e 1823, diz Mattos, foram baixadas determinações legais que
visavam ao controle e à regulação da liberdade de imprensa. Até que, em 1824, a
Constituição outorgada de D. Pedro I pôs fim à censura prévia, determinando, no inciso 4º
do artigo 129, o direito de todos à liberdade de expressão por meio da imprensa, “contanto
que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício deste direito, nos casos e
pela forma que a lei determina”. (Mattos, 2005: 102) Apesar disso, Mattos aponta a ideia
de Werneck Sodré (1977) de que a interrupção da censura só foi concretizada formalmente
por um decreto em 28 de agosto de 1827.
Não obstante, de acordo com Mattos, essa liberdade durou apenas durante o
Império. Após a proclamação da República e a Constituição de 1891, o governo baixou,
em 1897, o decreto 557, que subordinava os espetáculos e as diversões públicas à censura
policial. Em 1923, foi promulgada outra lei destinada a regular os abusos da imprensa, o
Decreto 4.743. O autor aponta que, a partir de então, houve a adoção de várias medidas
visando à preservação da moral e dos bons costumes por meio do controle de atitudes,
consideradas abusivas, da imprensa e de espetáculos públicos. Assim, a censura aos meios
de comunicação mostrou-se intensa durante a Primeira República, quando todos os
períodos governamentais – de 1889 à Revolução de 1930 - foram marcados por fases de
estado de sítio (Mattos, 2005: 102 Apud Moraes, 2005).
Depois que Getúlio Vargas tornou-se presidente em caráter de governo provisório,
vários dispositivos legais foram implantados a fim de controlar a atividade da imprensa e
censurá-la. Poucos dias antes da promulgação da Constituição de 1934, Vargas instituiu a
Nova Lei de Imprensa, segundo a qual a polícia poderia apreender veículos de
comunicação sem mandato judicial. Em 1935, foi promulgada a Lei de Segurança Nacional
(LSN), que definia crimes militares e contra a segurança do Estado.
Mas foi no Estado Novo (1937-1945), diz Mattos, que a censura tornou-se mais
intensa e sistemática. Já em 1937, a Constituição promulgada estabelecia a censura prévia
aos veículos de comunicação a fim de assegurar “a paz, a ordem e a segurança”. Em 1939,
foi criado o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), cujas funções incluíam, além
da regulamentação do registro de jornais, de emissoras de rádio e de serviços de
autofalantes, o controle da opinião pública conforme a estratégia do governo, bem como a
preparação de listas de assuntos proibidos, as quais deveriam ser encaminhas aos jornais e
às emissoras de rádio. O departamento era também responsável por, em certas ocasiões,
nomear censores – identificados na época como “fiscais” – específicos para cada jornal, a
fim de executar a censura direto nos originais.
Após o golpe militar de 1964, a censura se caracterizou, segundo Mattos (2005),
como um dos mais fortes elementos de controle do Estado sobre os veículos de
comunicação de massa - principalmente a partir da edição do O Ato institucional nº. 5, em
1968, durante a vigência do qual muitos jornais foram invadidos, empastelados ou lacrados
pela força policial. Muitos diretores de jornais foram presos. Jornais e revistas estiveram
sob censura, em períodos contínuos ou não, em todo o território nacional. Além disso,
artistas e intelectuais também sofreram perseguição.
Em 1969, a Junta Militar modificou a Lei de Imprensa e a Lei de Segurança
Nacional, endurecendo-as e restabelecendo a censura sistemática à imprensa, que começou
a ser institucionalizada com a Lei 4.483, sancionada em novembro de 1964 e
regulamentada pelo Decreto 56.510, de 28 de junho de 1965. Mais tarde, o governo de
Médici baixou, em 26 de janeiro de 1970, o Decreto-Lei 1.077, pelo qual a censura à
imprensa foi estabelecida segundo critérios de proteção à moral e aos bons costumes.
Os veículos que se recusaram a aceitar proibições sofriam represálias. Como
resultado, Mattos destaca que jornalistas e radiodifusores modificaram seus estilos na
transmissão de notícias para o público, utilizando duplo sentido, linguagem subjetiva e
metafórica e tentando passar informações e críticas nas entrelinhas. Alguns jornais e
revistas – como O Estado de S. Paulo (sobretudo após o AI-5), Jornal da Tarde e,
enquanto Mino Carta comandou a redação, a revista Veja - passaram a publicar textos e
imagens desrelacionados no lugar de textos que haviam sido proibidos.
Em contrapartida, houve também setores da imprensa que não combateram a
censura e - ao contrário - acataram suas determinações. Com relação à época da ditadura
militar, Mattos aponta que a censura aos meios de comunicação - principalmente à tevê -,
além de facilitar a manipulação da opinião pública, limitar o crescimento da produção dos
próprios veículos e diminuir a criatividade, também incentivou a autocensura. Essa prática,
diz o autor, passou a ser adotada pelas próprias emissoras, que constituíram seus
departamentos de autocensura ou de controle de qualidade.
Além disso, os governos militares se valiam de mecanismos de pressão política e
econômica para controlar os meios de comunicação de massa. No segundo capítulo de
Mídia controlada, Mattos cita exemplos de ações dessa natureza apontadas por Paolo
Marconi (1980), entre as quais estavam a concessão de publicidade oficial pelo critério de
favorecimento ao governo demonstrado pelos veículos e o exercício de pressões sobre
anunciantes privados (Mattos, 2005: 39 Apud: Marconi, 1980: 127).
Desde antes de 1964, na verdade, a influência governamental na mídia impressa já
incluía o favorecimento à concessão de empréstimos a veículos favoráveis ao Estado, bem
como a colocação de publicidade oficial em jornais dessa natureza, além de subsidiar
jornalistas pró-governo, os chamados “chapa branca”. É o que Mattos aponta no quinto
capítulo de Mídia controlada, no qual o autor analisa o desenvolvimento dos meios de
comunicação no Brasil.
De acordo com ele, a influência governamental sobre os meios de comunicação no
Brasil é determinada pela própria lógica de desenvolvimento das mídias no país e,
historicamente, a importância do Estado brasileiro na expansão dos mass media se traduz
em elementos estruturais que condicionam esse controle exercido pelo governo. A esse
respeito, Mattos diz que o modelo de desenvolvimento econômico adotado no Brasil a
partir de 1964 tem o Estado como a grande força propulsora do crescimento da indústria
cultural. Por isso, até hoje, o governo se apresenta como a principal força política
exercendo controle sobre os veículos de comunicação no país.
Embora a Constituição de 1988 tenha representado o fim da censura policial e a
extinção do Serviço de Censura da Polícia Federal, Mattos ressalta que continuam sendo
praticadas no Brasil medidas de retaliação política e econômica aos meios de comunicação,
mesmo após o fim do regime de ditadura militar. Para o autor, há novas ameaças à
liberdade de imprensa, tentativas, diretas ou indiretas, de controlar os meios de
comunicação. São atentados contra a liberdade de expressão calcados em dispositivos e
propostas legais. Como exemplos, cita a Lei Mordaça, a discussão em torno da criação do
Conselho Federal de Jornalismo, os debates envolvendo a Agência Nacional do Cinema e
do Audiovisual (Ancinav) e a Lei Geral de Comunicações.
Por tudo isso, Sérgio Mattos faz um amplo retrato histórico da ameaça à qual
sempre esteve submetida a liberdade de imprensa no Brasil. Mas o autor reforça que a ação
censória não é só coisa do passado. Novos métodos de controle dos meios de comunicação
de massa podem estar a caminho, beneficiados com o desenvolvimento tecnológico e o
fortalecimento das estruturas burocráticas governamentais. “A tendência que se pode
observar”, diz o autor, “é que a censura está se tornando cada vez mais sutil e complexa”
(Mattos, 2005: 183).
Assim, Mídia controlada: a história da censura no Brasil e no mundo chama a
atenção para a importância de se falar sobre a censura, que desde tempos coloniais cerceia
não apenas o Jornalismo, mas toda a produção cultural e intelectual em nosso país. Para
que, vasculhando-se a memória da imprensa, venha à tona o princípio fundamental de sua
liberdade. Para que não se deixe que a censura caia em esquecimento, já que – citando-se
as palavras finais de Mattos na obra – a indiferença “é uma forma de censura tão eficaz
quanto o assassinato”, o qual constitui a forma extrema de censura de acordo com Bernard
Shaw (Mattos, 2005: 183).
Referência Bibliográfica