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João Batista Dornelles
RESUMO: O presente artigo trata da inserção dos negros egressos da escravidão no mercado de trabalho livre de Pelotas.
Mediatizados pela imprensa da cidade, procuram os detectar o lugar de classe social ocupado pela comunidade negra nos
primeiros anos do nosso século, bem como, se este representou oportunidades de ascenção social.
PALAVRAS - CHAVE: trabalho livre, profissões, ascensão social.
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Professor licenciado em História pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel); e licenciado em Filosofia pela
Universidade Católica de Pelotas (UCPel).
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História em Revista, Pelotas, v.4, 95-138, dezembro/1998
histórico, tanto no que diz respeito a profissões e/ou ofícios exercidos pela comunidade negra
1
neste século, sendo oriundos do sistema escravista , como na preocupação da elite dirigente em
organizar o mercado de trabalho livre mediante o controle social e a compulsão de todos ao
2
trabalho .
Em História do Rio Grande do Sul, PESAVENTO (1985), aponta para a gestação de
novas relações de trabalho, de novas classes sociais que estavam acontecendo no Brasil. Nosso
Estado se articulou com os seus “novos grupos sociais” dentro da realidade brasileira em
3
transformação.
A instalação do governo republicano gaúcho propiciou o enriquecimento das classes
4
econômicas aqui cristalizadas, os comerciantes e os industriais.
O mesmo não podemos dizer com relação aos trabalhadores negros, que na sua maioria
ocuparam postos de trabalho desprovidos de uma remuneração digna para o período. Apesar de
algumas exceções, aqui colocamos, ao nosso ver a razão mais importante no que concerne à
continuidade do processo histórico de dominação, ou seja, os trabalhadores escravizados no
5
século XIX (...) “só puderam se integrar em posições de inferioridade sócio-econômica (...)” , no
mercado de trabalho livre.
GEBARA (1986), referindo-se ao Mercado de Trabalho Livre no Brasil, afirma que a
questão da abolição ou transição devem ser analisados a partir do mercado de trabalho livre que
estava sendo articulado como o projeto político da elite brasileira. No que diz respeito à transição,
havia a preocupação que ela se fizesse pacificamente e aceitável por todos. Simultaneamente,
havia o interesse de manter o sistema produtivo. Quanto à abolição, seria mediatizada pelo
aparelho estatal privilegiando e satisfazendo as classes dominantes com adoção de políticas de
locação de serviços. Todavia, aqueles que sofreram na pele a imposição dessas leis resistiram
através de fugas e outras formas de boicote, somando-se a falta de articulação da comunidade na
repressão aos negros, não restando outra saída a não ser declarar em 1888 a abolição total,
enfatizada pelo autor no sentido de uma rápida “incorporação ao mercado de trabalho do ex-
escravo”, bem como a articulação do controle sobre a organização do mercado de trabalho livre.6
Nove anos antes da data oficial da abolição da escravatura, os interessados na
continuidade do regime servil, face ao colapso do mesmo e à emergência de relações
assalariadas de produção, propuseram a normatização do trabalho obrigatório e gratuito. Sendo
assim, o trabalho escravo seria substituído gradativamente pela mão-de-obra livre e remunerada.
7
Isto significou para os negros mais alguns anos de relações compulsórias de trabalho.
1
MAESTRI FILHO, Mário. Breve história da escravidão. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986, p.82.
2
PESAVENTO, Sandra Jatahy. A emergência dos subalternos: trabalho livre e ordem burguesa. Porto Alegre:
Editora da Universidade/UFRGS, 1989, p.36.
3
PESAVENTO, Sandra Jatahy. História do Rio Grande do Sul. 4ª ed., Porto Alegre: Mercado Aberto, 1985, p.64.
4
Ibidem., p.80.
5
QUEIROZ, Maria Isaura Pereira de. “Coletividades Negras: Ascenção Sócio-econômica dos Negros do Brasil e em
São Paulo”. Ciência e Cultura. 29 (6) Centro de Estudos Rurais e Urbanos e Departamento de Ciências Sociais,
FFLCH, USP, São Paulo, junho 1977, p.651.
6
GEBARA, Ademir. O Mercado de Trabalho Livre no Brasil (1871-1888). São Paulo: Brasiliense, 1986. pp.200-9.
7
BAKOS, Margaret Marchiori. RS: Escravismo e Abolição. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982, p.9, pp.19-21.
(Série Documenta 13).
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De fato, tendo que trabalhar mais alguns anos para seus senhores de forma gratuita, os
negros seriam inseridos mais tarde no mercado de trabalho livre, como também ficaria para mais
tarde a “implantação de relações assalariadas de produção”.8
Pesquisas recentes de Zilá Bernd e Margaret M. Bakos em O negro consciência e
trabalho - ao abordarem sobre a questão da transição do trabalho cativo ao livre - reconhecem a
proposta radical do Partido Republicano Rio-grandense (PRR) no que concerne à libertação dos
escravos sem nenhuma indenização aos senhores escravocratas, contrastando com a dos liberais
que desejavam as cláusulas de prestação de serviços obrigatórias. Porém havia uma segunda
“preocupação” dos “ideólogos republicanos” quanto à suposta exploração que os negros libertos
iriam sofrer do setor industrial, como também desejavam que a integração do ex-escravo na
9
sociedade de classes ocorresse de forma organizada. Na verdade, o trabalhador livre iria ser
explorado não só na indústria, bem como nos diversos estabelecimentos de trabalho.
A inserção conforme a acepção das autoras deu-se de forma desorganizada, inexistindo
10
um planejamento que favorecesse os setores populares.
Ao contrário, a mão-de-obra imigrante acabou beneficiando-se do incentivo estatal no
acesso ao mercado de trabalho livre.11
Além da ausência de políticas que favorecessem a inserção do ex-escravo no trabalho
livre, havia obstáculos que estavam alicerçados no seio social, quais sejam: “(...) o despreparo do
negro para o trabalho livre, devido à falta de escolarização, a competição da mão-de-obra
12
imigrante e o preconceito racial (...)”.
Uma ressalva importante feitas pelas autoras, a partir da obra Emergência dos
subalternos, de PESAVENTO: ao referirem-se à integração do ex-escravo nas relações de
trabalho livre, classificaram este estudo de difícil compreensão, devido ao sumiço das idéias de
“libertos e ex-escravos”, tanto do “vocabulário dos políticos”, bem como dos “jornais e
13
periódicos”.
Da mesma forma, duas questões pertinentes ao estudo da inserção no mercado de
trabalho livre do contingente negro são colocadas. A primeira diz respeito a concepções de história
do Rio Grande do Sul “norteados pelo mito da democracia racial”; a segunda refere-se aos
“registros históricos pouco reveladores”, impondo limites epistemológicos “no processo de
14
integração do negro liberto”. No entanto, LE GOFF alerta para a necessidade do
8
PESAVENTO, Sandra Jatahy. República Velha Gaúcha: Estado autoritário e economia. In: RS Economia e Política.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1979, p.200. (Documenta).
9
BERND, Zilá e BAKOS, Margaret M. O negro: consciência e trabalho. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1991, pp. 74-5
(Síntese Rio-Grandense; 4).
10
Ibidem., p.75.
11
Ibidem., p.76. Cf. também, PESAVENTO, Sandra Jatahy. “O imigrante na política rio-grandense”. In: RS:
Imigração e Colonização. 3ª ed., Porto Alegre: Mercado Aberto, 1996, p.179. (Documenta 4). No governo de Borges
de Medeiros - na República Velha, conforme análise de Pesavento - ocorreu enquanto medida política “a redução do
preço das terras para os colonos nacionais, bem como a dilatação dos prazos de pagamento da dívida colonial”.
12
BERND e BAKOS, O negro... Op. cit., p.76.
13
PESAVENTO, Emergência... Op. cit., p.66 - Apud BERND e BAKOS, O negro..., Op. cit., p.76.
14
Ibidem.
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“questionamento da documentação histórica sobre as lacunas (...) (...) fazer a história a partir dos
15
documentos e das ausências de documentos”.
Sabemos graças às diversas contribuições da historiografia que o negro, tanto no regime
escravista bem como no capitalista, em nenhum momento, salvo casos isolados de exceção, foi
16
detentor dos meios de produção. Sendo escravo, o trabalho exercido articulou-se nas terras do
“senhor” que concomitantemente possuía a posse privada deste trabalhador - o negro aqui foi um
17
mero instrumento a serviço de “seu amo”. A transição do sistema escravista para o capitalismo
18
daria continuidade a um processo de dominação e marginalização social , principalmente no que
19
concerne à Reforma Agrária inexistente para a comunidade dos libertos. Isto fez com que a
mão-de-obra emergente da escravidão ficasse sem alternativas, salvo a venda na forma de
“aluguel” de sua força-trabalho - não sendo fruto do por acaso - antes sim, como vimos
anteriormente, “o projeto político da elite brasileira”, desde a extinção do tráfico negreiro na
20
segunda metade do século XIX.
Todavia o projeto político da “classe dominante” brasileira teria que estar em sintonia com
as exigências do “capitalismo mundial”, que impunha a supressão das relações de produção nos
moldes do trabalho cativo. O processo de industrialização é considerado a causa do colapso
escravista sob a égide da Inglaterra a partir dos pressupostos do liberalismo.21
15
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas, São Paulo: Ed. da UNICAMP, 1992, p.109.
16
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim. O cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da “belle
époque”. São Paulo: Brasiliense, 1986, p.27.
17
GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. 5ª ed., São Paulo: Ática, 1988, p.49.
18
CHALHOUB, op. cit., p.28.
19
CARDOSO, Fernando Henrique. Capitalismo e escravidão no Brasil Meridional: o negro na sociedade
escravocrata do Rio Grande do Sul. 2ª ed., Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. p.197. (Estudos Brasileiros, v. 19).
20
CHALHOUB, op. cit., p.27-8. A propósito o autor faz menção a medida chave adotada pelos “grandes
proprietários de terras e pessoas” da época - “vedando ao trabalhador livre e pobre” o acesso à posse de uma pequena
propriedade. Dentro do mesmo parâmetro de análise de Chalhoub, a historiadora Sandra Jatahy Pesavento faz
referência “a lei de terras, de 1850” através do qual a posse da terra legitimava-se unicamente mediante a compra. Cf.
A emergência dos subalternos... op. cit., p.12.
21
LARA, Tiago Adão. Caminhos da razão no ocidente: a filosofia ocidental, do renascimento aos nossos dias. 3ª ed.,
Petrópolis: Vozes, 1988. p.155. Cf. Também duas obras esclacedores sobre a transição da mão-de-obra escrava à
livre: BAKOS, RS: ... Op. cit., e PESAVENTO, Emergência..., Op. cit.
22
Para Sidney Chalhoub, op. cit., p.26. - a chegada do imigrante em “grande número” - referindo-se à cidade do Rio
de Janeiro (1906) - iria propiciar uma “competição acirrada” pela “sobrevivência entre os populares”. Na nossa
versão a partir das fontes primárias - à imprensa pelotense - ao que tudo indica, ocorreu simultaneamente ao contexto
brasileiro com o ingresso dos imigrantes no mercado de trabalho de Pelotas uma grande competição.
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cidade - o preconceito étnico - levando-as à segregação e discriminação social. Sendo assim,
vejamos como expressou-se um dos mais influentes jornais de Pelotas:
“AMA DE LEITE - precisa-se de uma preferindo-se de cor branca, a rua General Victoriano
n.30” (C. Mercantil, 21 ago 1909, p.1).
Ser branco não foi o único critério de exclusão nas ofertas de trabalho. Delineou-se uma
segunda premissa através do qual se justificava pelo anúncio uma ideologia de superioridade
racial - a opção pelos arianos:
“Creada - precisa-se de uma boa creada para pequena família e que durma em casa. Prefere-
se alemã. Rua General Victorino 104”. (A Opinião Pública, 22 jul 1908, p.3)
A propósito, a historiografia rio-grandense deixou seu registro no que diz respeito à idéia
de superioridade do imigrante europeu com relação ao afro-brasileiro, PESAVENTO (1989),
aludindo à condição de trabalho fabril do negro, detectou a preferência dos industriais pela mão-
de-obra estrangeira. A grosso modo, este dilema condenou a maioria dos negros à ocupação de
23
postos de trabalho sem exigência de qualificação e conseqüentemente de baixa remuneração.
O fato de determinado anúncio de emprego não colocar como condição necessária a cor
e/ou nacionalidade, não quereria dizer que a mulher pretendente ao trabalho se eximisse da
discriminação. Por sua vez, a ausência de exigências com o ser branco, alemão, italiano, etc,
permitiu uma brecha no sistema, favorecendo o público feminino negro. (A Reforma, 27 nov 1906,
p.3).
As ofertas de trabalho foram uma constante no que diz respeito aos serviços de costuras
(C. Mercantil, 1º jul 1909, p.1). Todavia, a identificação de costureiras negras a partir dos jornais
pesquisados praticamente inexistiu. Por outro lado, trabalhos recentes abordam o exercício da
costura pela mulher negra desde a fase escravista. Em Os Filhos da Escravidão, VECCHIA (1994)
24
afirma mediante entrevistas com descendentes de escravos a prática deste trabalho, e
PESAVENTO (1994), embora não mencione o “ethos-afro” das costureiras, mostra-nos a
25
exploração no trabalho destas operárias.
As desvantagens colocadas aos negros nos primeiros anos do nosso século estiveram
intrinsecamente ligadas a um período anterior. Na definição de CARDOSO (1977), o processo de
imigração de mão-de-obra européia para o Rio Grande do Sul estabelece uma ressalva importante
no sentido de uma compreensão “menos simplista” da questão abolicionista e do “problema da
mão-de-obra”. Ao remontarmos contudo ao século XIX, perceberemos na acepção do autor a
existência concomitante do trabalho cativo e livre, entretanto, os dois eram considerados fatores
de atraso para a implantação do capitalismo. O problema da mão-de-obra agravou-se com o fim
do tráfico negreiro em 1850 - simultaneamente, “segmentos populacionais” somados aos “índios
perambulavam de um lado para outro à margem da economia de mercado”. Na ótica da elite rio-
grandense concluiu-se que tanto o negro como a mão-de-obra livre local seriam incompetentes
para “o progresso da civilização”.26
23
PESAVENTO, op. cit., p.7-14.
24
VECCHIA, Agostinho Mario Dalla. Os filhos da escravidão: memórias de descendentes de escravo da região
meridional do Rio Grande do Sul. Pelotas: Ed. UFPel, 1994, p.181.
25
PESAVENTO, Sandra Jatahy. Os pobres da cidade: vida e trabalho - 1880-1920. Porto Alegre; Ed. UFRGS, p.35.
26
CARDOSO, op. cit., p.188-190.
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“Também desde antes do fim do tráfico havia preocupação não apenas com a mão-de-obra
livre, mas com a mão-de-obra que seria por assim dizer regeneradora e civilizadora (...) a
27
radicação no país de uma população “industriosa” e “civilizadora”.
“Colonização alemã
(...) a Colonização de nossa terra pelo elemento germânico, impõe-se como uma necessidade.
(...) o elemento germânico, que é, a nosso ver, o que melhor se adapta a nossa mais palpitante
necessidade: - o desenvolvimento da agricultura. O alemão é, e ninguém o tentará negar, o
homem talhado para esse ramo da atividade humana.
(...) encaminhar a imigração alemã para a região sul do país, onde a harmonia e a boa vontade
sempre existentes entre eles poderão momentaneamente, suprir ligeiras lacunas, que por
ventura dêem-se por parte da administração pública no tocante a distribuição de recurso,
ferramentas e outros meios indispensáveis a instalação da mesma: (...)” (Correio Mercantil, 18
jan 1907, p.1)
27
Ibidem.
28
De certa forma, CHALHOUB elucida muito bem a primazia da mão-de-obra imigrante em detrimento da nacional.
Analisando versões da imprensa carioca a partir da ótica do Correio da Manhã (1907), onde o periódico reforça a
idéia oriunda do século passado com a gestação de relações assalariadas de produção -associando a mão-de-obra
estrangeira “amigo declarado do trabalho” em oposição a nacional “cínico, provocador e violento”. Cf. Trabalho, lar
e botequim... op. cit., p.21. Cf. também VECCHIA, entrevistando descendentes de escravos aponta para o total
abandono dos egressos da escravidão, bem como dos seus filhos com relação aos meios de sobrevivência que haviam
sido sonegados logo após a libertação do cativeiro e que sem sombra de dúvidas iriam repercutir profundamente no
lugar a ser ocupado pelos negros no mercado de trabalho que se articulava. In: Os filhos da escravidão... op. cit.,
p.160.
29
PESAVENTO. Os pobres da cidade... op. cit., p.131-134. a autora, a partir da imprensa de Porto Alegre
(Gazetinha, 26 mar 1896), refere-se ao crescimento da prostituição de “meninas de 12 a 15 anos”, simultaneamente à
preocupação da imprensa com a moral e os bons costumes a partir da “mulher idealizada” nos parâmetros burgueses.
“(...) Entre a Santidade e a Perdição, não havia muito meio termo, e as que ousassem seguir outros caminhos estavam
condenadas (...)”
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O aluguel de uma mãe não constituiu novidade para Pelotas, mesmo que houvesse
passado vinte anos desde a véspera da data oficial da abolição da escravatura no Brasil, quando
apareceram os anúncios na imprensa local de “aluguel de cozinheiras negras e amas-de-leite”.30
De certa maneira ocorreu uma continuidade do processo histórico, como vemos nesta citação:
“Ama de leite
Aluga-se uma ama de leite, sadia. Informações nesta typografia.”
(A Reforma, 20 jun 1907, p.3)
Encontramos através de informes nos jornais, muitos negros que biscateavam com a
venda de vários artigos, geralmente de primeira necessidade.
Em 1907, o Relatório do Intendente engenheiro Cypriano Corrêa Barcelos, apresentado ao
Conselho Municipal de Pelotas, estabelecia uma série de impostos com relação ao setor
imobiliário da cidade, atingindo indistintamente toda a população pelotense. Além da taxação
sobre aluguéis, seria simultaneamente cobrado o imposto sobre esgoto. Esses impostos doeram
muito mais no bolso da classe proletária, dos negros ambulantes, (Diário Popular, 8 jan 1909, p.1),
empregados em casa de famílias, sendo que uma grande parcela habitavam cortiços, casebres e
outras moradias insalubres. (Diário Popular, 24 nov 1908, p.2; 8 dez 1910, p.2)
“(...)
A companhia cobrará as seguintes taxas em moeda nacional e sem consideração de cambio:
(...)
(...)
4º) de cada quatro, pequena acomodação ou casinha das agrupadas em cortiço, estalagem ou
avenida, com entradas independentes, por pátio ou corredor, em comunicação com a rua por
uma entrada comum, de aluguel mensal até 200$ - inclusive - 9$ por semestre; (...)
(Diário Popular, 10 out 1907, p.1)
30
CONRAD, Robert. Os últimos anos da escravatura no Brasil: 1850-1888. 2ª ed., Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1978, p.253. Apud VECCHIA, Os filhos... Op. cit., p.32.
31
VECCHIA, op. cit., p.131 e 163.
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Ao que tudo indica, uma grande parcela dos trabalhadores negros pagava aluguel e mais
os impostos derivados das profissões, agravando mais a situação. As notícias sobre a miséria em
que muitas famílias se encontravam são freqüentes nesta fase. Campanhas de esmolas eram
articuladas e anunciadas pela imprensa da cidade na ajuda dos trabalhadores moribundos (C.
Mercantil, 14 mar 1910, p.3). Até mesmo a categoria dos tipógrafos, que manipulavam a escrita,
muito valorizado naquele período, viviam, em alguns casos, “em extrema pobreza”. Embora sendo
raros, ocorreram casos de busca de suicídio e homicídio de negros movidos pelos “dramas da
miséria”. (A Opinião Pública, 7 ago 1908, p.2)
“Nova seção
No intento de auxiliar as classes proletárias, na consecução de um emprego e colocações,
resolvemos criar uma seção de pequenos anúncios, baratos, na primeira página do nosso
jornal. Os novos anúncios, em duas, três ou quatro linhas, custarão a bagatela de 600 rs por
três dias. Julgamos assim prestar um serviço de real valor às classes pobres, que, com
facilidade poderão encontrar colocação. Têm cabimento na mesma seção os pedidos de
cosinheiros, amas e creados.” (C. Mercantil. 7 jul 1909, p.1)
Günter Weimer em o Trabalho escravo no Rio Grande do Sul, cita algumas profissões
ocupadas pelos negros escravos: serviços de cozinha, sapataria, marinheiro, pedreiro, carpinteiro,
charqueador. Da mesma forma as mulheres negras trabalharam como amas-de-leite, lavadeiras,
32
qualquer serviço.
Entretanto, essas ocupações típicas do período escravista perpetuaram-se no mercado de
trabalho livre. Localizamos esses serviços executados pelos negros na imprensa pelotense. Houve
exceções, devido às poucas ofertas de trabalho que contemplavam simultaneamente a profissão e
a cor do indivíduo. De fato, veremos que isso ocorreu com relação ao trabalho de menores do
sexo feminino. A tendência geral, contudo, revelava a profissão e a cor do trabalhador em situação
de acidentes, como vemos abaixo:
“Desastre e morte.
Na Viação Férrea
Ontem, as 8 ½ horas da noite, a rua Gonçalves Chaves, esquina da rua João Manuel, a
locomotiva nº 146 da viação férrea esmagou o preto Francisco de tal, ex-cosinheiro de hiate,
atualmente desembarcado. Francisco era moço ainda e o seu cadaver foi removido para o
necrotério (...)” (C. Mercantil, 8 de maio 1908, p.2)
Desde o regime escravista o negro serviu como militar, fosse em períodos de guerra ou de
paz. Nos primeiros anos do séc XX, mediante a imprensa de Pelotas, não há notícias de que o
negro tenha alcançado um posto maior do que soldado.
32
WEIMER, Günter. O Trabalho Escravo no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Ed. UFRGS, SAGRA, 1991, p.36-7.
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Localizamos muitos negros no exercício da profissão - estivadores, mediante notícias de
acidentes de trabalho e conflitos das mais variadas naturezas; desencontros amorosos, brigas, e
na prática de pequenos delitos. (Diário Popular, 28 fev 1907, p.2)
A grosso modo, a maior parte da população negra pelotense ficou a mercê de uma
profissão que lhe rendesse uma vida melhor - aqui entendida enquanto proprietário residenciais,
com o exercício de um emprego com remuneração que lhe garantisse uma condição de existência
saudável, como proprietário de uma posse de terra que lhe propiciasse subsistência, ou como
dono de empresa dando-lhe mais autonomia financeira. Pelo menos, ao que nos parece, alguns
conseguiram tal projeção e ascensão social, adquirindo pelos meios de comunicação da cidade o
reconhecimento e cidadania. Por exemplo, o negro chamado Crescencio de tal, sendo “Patrão da
Lancha Flora” (Diário Popular, 19 jul 1910, p.1)
Em Vozes do Silêncio - VECCHIA (1994), traz à tona o trabalho nas charqueadas
mediatizado por entrevistas com descendentes de escravos, que trabalharam na Charqueada do
coronel Pedro Osório. O depoente, seu Ildebrando Garcia, tinha 20 e poucos anos quando
exerceu atividades nesta charqueada, mais ou menos entre 1907 à 1910.
A entrevista foi feita em 1991, quando o entrevistado dizia ter 104 anos.
Conforme memória histórica deste trabalhador, havia mais de 100 pessoas trabalhando
nas atividades do charque entre homens e mulheres com a presença de muitos negros, e a
revelação de uma pesada carga horária que começava a 1 da madrugada indo até as 11 da
manhã, fora as atividades na tarde.
Ao longo de sua existência seu Ildebrando trabalhou como “carroceiro e quitandeiro”,
vendia “laranjas e frutas”. Foram profissões que a imprensa pelotense fazia menção
corriqueiramente (Diário Popular, 4 jul 1905, p.4). Chegou ao posto de Cabo nas fileiras do
33
exército, uma das poucas exceções desta fase.
A consciência da opressão sofrida pela classe trabalhadora, em alguns casos expressou-
se de forma palpável. Setores mais críticos do operariado urbano mostravam-se descontentes
com relação a carga horária de trabalho extenuante. A exploração das horas de trabalho, mesmo
ocorrendo com funcionários públicos do correio de Rio Grande, era uma tendência geral que
poderia estar acontecendo em Pelotas. Vimos que muitas greves neste período, além das
exigências de melhores salários, apreciavam a redução da jornada de trabalho. (Correio Mercantil,
17 jun 1905, p.2)
“Trabalho excessivo - Devido ao excessivo trabalho que tem tidos os empregados da agencia
do correio de Rio Grande passaram o seguinte telegrama: ‘Administrador correios Porto Alegre
- pessoal agencia sobrecarregado extraordinário serviço, sem tempo refeições, sente-se
aniquilado. Solicita-vos providência situação apremeante, impossível suportar mais tempo.
(Assinando) Torres, Mattos, Mello, praticantes; Novaes Adolpho, Sant’Anna, Azevedo, Avelino,
Santos, Badejo, carteiros; Balbino, servente.” (Diário Popular, 12 abr 1907, p.2)
Como vimos, o excesso de horas-trabalho neste caso, suprimia até mesmo uma
necessidade primária de alimentação. Nesta fase, o trabalho é idolatrado e ideologicamente
difundido pela imprensa local a partir dos pressupostos do positivismo.
33
VECCHIA, Idem, p.249-251, 254.
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“O TRABALHO
A pagina mais bela e sublime do contingente humano é o trabalho. Afugenta a miséria, dissipa
o vício, combate os erros, sana as dificuldades, vence os obstáculos, fortalece o coração,
nobilita e engrandece a alma (...)” Sylvio Roméro (A Opinião Pública, 6 jul 1907, p.1)
Com certeza, para os ideólogos da “filosofia do trabalho”, da forma como era concebido,
“espiritualmente”, só traria benefícios ao corpo e alma. O mesmo não poderíamos afirmar para
com a classe trabalhadora que o via na prática como “pena a ser cumprida ao longo da vida”,
principalmente aqueles que tiravam seu sustento como estivadores, porteiros , criadinhas,
cozinheiros, lavadeira, foguista de charqueada, etc.
Na definição de um dos jornais pelotenses, a classe operária dos tipógrafos distinguia-se
com relação às demais categorias do proletariado urbano.
34
O intelecto fazia a diferença, a exemplo da “filosofia de Aristóteles e de Platão” - há um
abismo entre o trabalho intelectual e o manual -, desta forma a anterioridade do trabalho
intelectual o valorizava com relação à atividade braçal, fato que fazia parte da grande maioria do
operariado da cidade. A repercussão desse pensamento encontrava eco nos salários dos que
ganhavam mais e dos que ganhavam menos, significando com isso que aqueles serviços
exercidos sem maiores exigências do “pensar” teriam que amargar salários baixos e a concepção
elitizada do trabalho como “pena”. (Diário Popular, 1º de maio 1906, p.1)
“A Tipografia
Higiene dos operários
Os tipógrafos são, por assim dizer, uma exceção da classe operária dos nossos dias: - são
homens inteligentes e instruídos na mór parte dos quais a profissão está colocada sobre a
indicisa fronteira que separa o trabalho manual do cerebral propriamente dito. Michel Servet,
Franklin Pierre Didot, Perrin Hachelet, Dr. Peter Richardson, marechal Brune, Rétif dela
Betonne, Béranger, p.J.Proud’hon, J. Michelet, Pierreleroux e muitos outros, cujos nomes não
nos vem a mente, começaram como tipógrafos, para elevarem-se em seguida as mais altas
situações sociais e intelectuais.” (A Opinião Pública, 6 fev 1909, p.1)
34
Aristóteles no livro I, cap. II §11, em sua obra “A Política” afirmava que “(...) A alma atinge o corpo, como o
senhor ao escravo. O entendimento governa o instinto, como um juiz aos cidadãos e um monarca aos seus súditos
(...)”. Aqui podemos detectar a primazia do pensamento (Senhor e/ou Patrão), com relação ao corpo (Escravo e/ou
proletário), daquele que trabalha com o espírito em oposição ao que labuta com a força física. ARISTÓTELES, A
Política. Rio de Janeiro: Ouro, 1965, p.15. Da mesma forma, Platão propunha que os melhores, principalmente os
dotados de capacidades intelectuais, deveriam estar na frente dos outros, comandando a sociedade. Aos trabalhadores,
a condição do exercício do trabalho manual, aos “sábios” a direção da cidade “(...) é necessário que um mais filósofos
se encontrem na direção da cidade, ou que seu dirigente se torne um filósofo”. PLATÃO. A República. Livro VII,
São Paulo: Ática, 1989, p.32.
35
IANNI, Octávio. Raças e Classes Sociais no Brasil. 2ª ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1966, pp. 266-
267. Apud VECCHIA, Os Filhos... op. cit., p.230.
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às ameaças de exclusão deste negro da Câmara - os mais esclarecidos procuravam polemizar e
congregar a comunidade dos “homens de cor” a fim de derrubar a cassação. A convocação deu-se
primeiramente no Rio de Janeiro, entretanto em Pelotas buscou-se uma articulação de forma
similar.
As crianças negras solapadas por uma condição social de pobreza tiveram que
precocemente trabalhar para ajudar no sustento de suas famílias. Como vendedores de jornais,
copeirinho, mandalete, creadinha, vendedores de frutas, copeira, abarcando as mais variadas
funções do período.
Muitas trabalhavam de pé no chão: era o caso dos meninos da venda avulsa dos jornais:
A Reforma, Correio Mercantil, Diário Popular, A Opinião Pública. A constatação da ausência
de calçados não aparece descritivamente em nenhum momento dentro dos limites cronológicos
investigados por nós, porém, através de fotografias destes trabalhadores, conseguimos localizar
os meninos negros e brancos sem qualquer proteção para os pés, evidenciando uma faceta das
péssimas condições de trabalho. (A Opinião Pública, 5 maio 1908, p.2.)
Quanto à faixa etária, encontramos com idade mínima de 8 anos no serviço de criadagem
como “babá”. (Diário Popular, 1º fev 1907, p.4)
No que diz respeito às ofertas de trabalho para “meninos e meninas” foram constantes em
todos os jornais da cidade, como exemplificamos abaixo:
“Meninos
Nesta redação precisa-se de meninos para a venda avulsa do jornal”
(Correio Mercantil, 12 jul 1909, p.3)
Vimos que o preconceito racial nesta fase foi a marca da herança escravista de Pelotas.
Tanto na esfera privada, bem como na pública, as crianças de cor sofreram a discriminação.
Entretanto, as que protestam em nome dos negros, o fazem a partir da ótica “cristã”, vinculando a
educação no sentido de adequação dos pobres na sociedade de classes. A discussão evidenciava
a marginalização da comunidade negra do “pão espiritual”.
O trabalho de crianças negras, conforme a historiografia rio-grandense, remonta, contudo,
ao século passado. Alguns historiadores citaram as visitas de estrangeiros ao nosso Estado,
sendo o caso de Saint-Hilaire, - descrevendo a presença do trabalho infantil nas estâncias
36
gaúchas vivenciado em precárias condições.
Felizmente, mediante as ofertas de trabalho, embora raras, constatamos a presença de
crianças negras no trabalho fabril, devido a alguns casos, onde se enfatizava a preferência pela
cor negra. (A Opinião Pública, 21 abr 1909, p.3)
Referências do exercício de trabalhos em casa de família freqüentemente aparecem em
todos os jornais pesquisados. Detectamos também quando da ocorrência de acidentes de trabalho
ou através de pequenos delitos praticados pelas crianças. (C. Mercantil, 5 ago 1907, p.2)
36
VECCHIA, Os Filhos... Op. cit., p.67.
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Dos jornais pesquisados, pelo menos um deles nos apresentou, no que diz respeito à
questão salarial dos menores, uma fórmula de pagamento que de certa forma fugia aos padrões
oficiais do período. A remuneração transformava-se em gratificação, sendo assim, o patrão iria
37
pagar o que quisesse. Comprovando a ausência de leis que protegessem as crianças, bem
como, sua conseqüente exploração no trabalho:
No caso que mostraremos, embora o autor construa um conto fictício, a vida real dos
operários-crianças mostravam que o mundo-fábula traduzia, o que de fato foi vivenciado:
“A CRIANÇA
Sabe cozer?
Alguma coisa...
E cozinhas?
Sei, sim senhora...
É preciso estar aqui as 6 horas da manhã, para arrumar a casa e fazer a comida.
Pagamos quarenta mil réis por mês e também damos vinho as refeições. Serve-lhe?
Sim, senhora como queira...(...)”
(...)
Havia uma semana que estava a morrer de fome. Já sabia daquela resposta de cor!
Ah! Se conhecesse um ofício!... Mas, não sabia... A única coisa em que se podia empregar era
ser creada de servir (...)
MAURÍCIO LEVEL” (A Opinião Pública, 2 mar 1907, p.1)
Costura, cozinha, quarenta mil réis por mês, horário de sono às 6 horas da manhã - a
“regalia” dos intervalos regado com um copo de vinho - Itinerário percorrido pelas criadinhas
negras em um cotidiano de trabalho sofrível. O desprestígio dos serviços de criadagem era
evidente, e com ele somava-se os baixos salários pagos às criadinhas. Ser conhecedor de
determinado ofício representava para alguns casos uma melhor posição no mercado de trabalho
local, principalmente aqueles trabalhadores que se especializavam.
Quanto aos expedientes de trabalho que eram praticados pelos meninos, podemos afirmar
que giravam em torno de 10 a 14 horas diárias e/ou noturnas, principalmente os que labutavam
como plantonistas das Agências de Mensageiros pelotenses:
“Mensageiros pelotenses
Os novos proprietários dos Mensageiros pelotense farão estabelecer, dentro em breve, serviço
noturno, fazendo dormir na agencia dois meninos, que, durante a noite, atenderão a qualquer
chamado.” (Diário Popular, 5 mar 1909, p.1)
No que diz respeito aos dias trabalhados dos menores nas agências de mensageiros, era
extenuante, estendendo-se aos domingos, segundo informes da imprensa pelotense (Diário
Popular, 9 ago 1908, p.3).
37
VECCHIA, Idem., p.169. Ao entrevistar descendentes de ex-escravos, o autor faz menção a remuneração do peão
em que os patrões davam o que queriam. Vimos que, a fórmula “gratificação” não ocorreu exclusivamente com
trabalhadores-crianças da venda avulsa da imprensa pelotense, mas estendeu-se as demais categorias. Dando outro
enfoque ao mesmo assunto, o historiador Décio Freitas, referiu-se a “salários baixíssimos” pagos aos peões, como
também justifica que devido ao “(...) baixo grau de desenvolvimento social do peão fazia dele um indivíduo que se
contentava com pouco - um pedaço de carne, uma choça, uns farrapos (...)” FREITAS, Décio. Escravos e Senhores de
Escravos. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983, p.27. (Série Novas Perspectivas).
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A exigência do conhecimento da escrita e leitura com certeza iriam contemplar mais aos
brancos do que aos negros, uma vez que raríssimos foram os casos em que famílias negras
conseguiram pagar o ensino particular, nesta fase.38
Todavia, um espaço tinha-se criado no âmbito público, - a Biblioteca Pública Pelotense -
onde muitos negros estudavam apesar das limitações e dificuldades. (Diário Popular, 10 ago 1906,
p.2) Simultaneamente ministrava-se na Biblioteca Pública, cursos noturnos pagos. (Diário Popular,
24 mar 1907, p.3)
A propósito, VECCHIA (1994), nos mostra as grandes dificuldades vividas pela população
quanto ao acesso ao ensino, sendo as principais: “o preconceito contra os negros e a falta de
39
condições financeiras para subsidiar a educação” . Neste sentido, podemos dizer que a maioria
dos negros ficaram alijadas, não conseguindo conduzir seus filhos para escola onde por força das
“circunstâncias de sobrevivência” os educavam para o trabalho precoce.
De fato, a precocidade para o trabalho de crianças negras foi constatado por nós, dado os
inúmeros noticiários da imprensa pelotense, onde crianças negras labutavam quando deveriam
brincar e estudar.
Foi o caso dos meninos da venda avulsa dos periódicos, das crianças mensageiras, das
criadinhas e assim por diante.
Os Acidentes de Trabalho:
“Acidentes
Sábado, quando lidava com a maquina, na padaria em que é empregado, o menor Annibal
Alberto Alves, de cor preta, esmagou a região palmar dos dedos da mão esquerda (...)” (C.
Mercantil, 20 jun 1910, p.2)
O menor Euclydes, negro, funcionário da folha pelotense A Opinião Pública foi vítima
fatal de um acidente, logo após a saída de mais uma exaustiva jornada de trabalho. Euclydes era
conhecido pelo pseudônimo “Macaquinho” e trabalhava na venda avulsa do periódico ajudando
sua mãe no sustento da família. O relato abaixo nos mostra a dura realidade das crianças negras
que ao invés de estarem estudando e/ou brincando, trabalhavam precocemente pela
sobrevivência. Os pobres da cidade de Pelotas tiveram que levar a vida desse jeito, trabalhando
face ao despreparo para tal e conseqüentemente sendo vítimas dos mais variados acidentes. A
Opinião Pública foi um dos jornais que fez campanha para ajudar a mãe do Euclides:
“Desastre Lamentável
POBRE “MACAQUINHO”
O pequeno Euclydes é um creoulinho esperto, vivaracho e inteligente, que ha algum tempo se
ocupava na venda avulsa d’ A Opinião Pública. Por ser um diabrete desinquieto, saltador e
38
VECCHIA, idem, p.235. O autor cita um caso de uma família negra que consegue pagar um professor particular.
39
Idem, p.230-231.
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brincalhão, os outros vendedores do jornal puseram-lhe a alcunha de Macaquinho. O
pobrezinho no fundo é um excelente guri e ainda ha dias se mostrara muito contente porque a
venda de jornais ia-se lhe aumentando e assim ele podia ajudar sua mãe a viver. Ontem,
porém, foi um mal dia para o pobre Macaquinho: a saída da nossa tipografia, as 6 horas da
noite, na azafama de todos os dias, a berrar o reclame para a folha, o inditoso pequeno não vio
que o bonde n.1 descia a rua 15 em acelerada marcha e foi de encontro a ele... (...). (...)
Entanto, o pobrezito, com um animo raro em tão tenra idade como a sua, com a perna muito
ferida, só pensava e dizia ao nosso companheiro que o amparava - no que seria de sua mãe,
agora que ele já não poderia auxiliá-la... E como o havia de se tratar? interrogou Macaquinho,
com uma grande aflição nos olhos sem lágrimas (...)” (A Opinião Pública, 7 maio 1907, p.2)
Ao que tudo indica, a freqüência dos acidentes de trabalho em Pelotas apontava para a
inexistência de instrumentos que protegessem os trabalhadores nas frentes de trabalho.
Percebemos mediante notícias de acidentes, desastres, sendo que em nenhum momento o que
era relatado mencionava qualquer dispositivo de segurança que evitasse os acidentes, salvo
iniciativas improvisadas de alguns colegas que no desespero tentavam salvar a vítima (Diário
Popular, 30 jul, 1909, p.1). Mesmo assim, notadamente, na maioria dos casos prevaleceu o
inevitável desastre no trabalho que ceifava muitas vidas:
“QUEIXAS DO POVO
Vagabundagem
O Sr. Luiz Espindola pediu-nos reclamarmos contra a desenfreada vagabundagem que vae
pela Varzea, onde diariamente indivíduos desocupados promovem toda a sorte de disturbios e
gatunices. Ainda a noite passada alguns daqueles vagabundos penetraram no tambo de
propriedade daquele cavalheiro, sito a rua Santa Cruz esquina General Telles, roubando-lhe
um par de arreios, soltando terneiros e comentendo outras tropelias. Do mesmo sr, foi ferida
uma vaca, perversamente. Aquele ponto costuma ser a noite abrigo de desocupados que ali
vão pernoitar, praticando tais excessos. Um policiamento melhor organizado terminaria com
semelhantes abusos, para os quais chamamos a atenção das autoridades competentes.” (C.
Mercantil, 21 out 1909, p.2)
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Para os considerados “cidadãos de 1ª classe”, a vagabundagem constituía-se como a
“mãe” de todos os vícios. Com ela, o tecido social estava corroendo-se e a propriedade privada
era violada. Por outro lado, a citação acima revela-nos as contradições sociais inerentes ao
sistema capitalista excludente do período. A rigor, os que foram considerados “desocupados”
faziam parte daqueles que ficaram à mercê de uma chance no mercado de trabalho da cidade.
O controle social articulado pela sociedade de Pelotas por intermédio de seus periódicos
atingia a todos indistintamente. Todavia, os mecanismos de repressão do indivíduo recaíram sobre
os “ombros” dos pobres da cidade, dos negros, dos menores. Estes, ao que parece, não se
adequaram à lógica do sistema, sua “ética ontológica” de que o homem havia sido feito para o
trabalho:
“GATUNO CONTUMAZ
Ontem, as 11 horas da manhã, foi avisado ao guarda nº 8 que se achava de serviço a rua 16
de Julho e 3 de Fevereiro, que o menor Abílio Soares, de cor preta, e já conhecido da polícia,
por seguidas gatunagens, andava com quantia regular em seu poder e procurava trocar uma
nota de 10$000. Quando o guarda pretendia prender o referido menor, estes disparou e sendo
perseguido atirou fora, a rua 3 de Fevereiro esquina Andrade Neves, uma carteira contendo
311$400. O menor gatuno não foi capturado. Ignora-se a quem pertence a carteira. A polícia
deve remeter tão prometedor larapio para a escola de aprendizes marinheiros, unico lugar
onde poderá perder o feio vício.” (C. Mercantil, 11 dez 1909, p.2)
“Fome ou vício? - Abrilino Correa foi, ontem, preso no mercado público, por haver furtado
peixes que estavam ali expostos a venda.” (Diário Popular, 6 fev 1906, p.1)
40
MELLO, Marco Antônio Lírio de. Reviras, Batuques e Carnavais: a cultura de resistência dos escravos em
Pelotas. Pelotas: Ed. UFPel, 1994, p.139.
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O 1º de maio, consagrado ao trabalhador, em muitos casos foi utilizado para este fim. O
trabalho, na acepção dos periódicos, deveria ser louvado, dado o seu caráter “sagrado”. Para os
proletários seria considerado castigo vivido como “purgatório” através da qual ressurgiria,
libertando-se igualitariamente das suas “culpas”:
“HINO AO TRABALHO
1º de maio
A gloria do labor, a festa do trabalho, proletários, saudai!
Dai um repouso leve a pena, esquadro, ao malho,
Artistas, descançai!
A voz da redenção igualitária e clara,
Longe, cantando vem... (...)” (Diário Popular, 1º de maio 1906, p.1)
“(...) e se o discurso liberal afirma que todos os homens são iguais, a dura realidade do mundo
urbano demonstra que “uns são mais iguais que os outros” ... Os ventos do progresso
embalam a crença nas virtudes redentoras do trabalho, mas a vida demonstra que há um
41
abismo entre a labuta de um banqueiro e a de um operário na forja.”
“(...)
Um hino triunfal invade as oficinas
Escutai! escutai!
Deus deu quinhão igual a todos e a tudo
Na mesa universal!
Desde o luzente rei até ao camponio rude
No banquete frugal (...)”
(...)
Tendes buril ou malho, a pinça ou o compasso,
Eu, uma pena em mão:
Vamos fraternizar num rude e franco abraço,
pois eu sou vosso irmão!
Eu sou como vós sois um rígido operário,
curvado para o chão.
Carrego dia a dia a cruz do meu calvário,
para ganhar um pão! (...)” (Diário Popular, 1º maio 1906, p.1)
41
PESAVENTO, Os pobres... op. cit., p.8.
42
Para Ciro Flamarion S. Cardoso e Brignoli, H.P. Sem a disciplina e o controle articulados pela vigilância o sistema
escravista desmoronava e com ele “o mundo do trabalho” da época. Apud VAINFAS, Ronaldo. Ideologia e
escravidão: Os Letrados e a Sociedade Escravista no Brasil Colonial. Petrópolis: Vozes, 1986, p.35.
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tudo, até mesmo com relação às intempéries do clima. Algumas charges foram instrumentos de
controle com destinatário certo, o trabalhador; todavia evidenciaram a resistência dos proletários:
“NOVAS E VELHAS
Patroa - porque não veio ontem ao serviço?
Criada - porque choveu
Patroa - Quem tem obrigação não olha a chuva. Até o presidente do Estado comparece em
dias de chuva a Secretaria.
Criada - Ah! Mas isso é outra coisa. Esse precisa, e eu, graças a Deus, não preciso!... (...)” (C.
Mercantil, 27 ago 1910, p.1)
“Onde estará elle? - Há vinte dias, desapareceu da caso do Sr. João Crespo de Oliveira, a rua
dos Voluntários, o pardo, Paulino Luz, de 30 anos de idade e que se entregava ao vício de
embriaguez. Não estará la pelos trabalhos de Picareta, enxada e pá?
Responda-nos o Sr. Sub-intendente do 1º distrito.” (C. Mercantil, 10 ago 1905, p.2)
Direitos primários foram solapados pela moral vigente, o ir e vir eram reprimidos
constantemente no momento que as autoridades de Pelotas achassem necessário.
Na verdade, como vimos, a normatização do mercado de trabalho livre e sua conseqüente
organização remontou, contudo, ao século XIX. Neste sentido, Décio Freitas (1991) - referindo-se
aos trabalhadores oriundos do continente europeu, que teriam imigrado no intuito de constituir
uma mão-de-obra livre para o trabalho nas lavouras de café em São Paulo, bem como do açúcar
nordestino compulsoriamente se submeteram às regras de trabalho e salários desfavoráveis. Pior
seria, se os mesmos não se enquadrassem nestas normas, tentando alguma forma de autonomia
que consistia “clandestinamente ocuparem determinado pedaço de terra” pelo qual teriam seu
sustento e sobrevivência. Porém, conforme o autor caso fossem expulsos da posse, quando não
enfrentando violência e morte estariam em situação de “errantes”, vagando, podendo sofrer
45
prisões, pois não estavam trabalhando.
Preocupados com seus interesses de classe dominante, a elite articulou juridicamente
formas de repressão a todos os que não se adequassem à “ética do trabalho”, efetivando através
do aparato policial toda sorte de prisões, que como vimos, recaiu principalmente sobre a
comunidade negra pelotense.
43
CASTRO, Therezinha de. História Documental do Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1968, p.59.
44
BERND e BAKOS, O negro... Op. cit., p.59.
45
FREITAS, Décio. O escravismo brasileiro. 3ª ed., Porto Alegre: Mercado Aberto, 1991, p.134.
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Na acepção de CHALHOUB (1986), são histórias recuperadas através dos jornais -
evidenciando um confronto e luta de classes, por isso todo o instrumental visando o controle
social, a construção de “estereótipos” contra as camadas populares e o papel preponderante da
46
imprensa, buscando a sacralização da ordem, apesar das dicotomias sociais.
Encerramos nossas considerações com relação ao controle social e compulsão ao
trabalho com um fato que contradizia a “tese” daqueles que indicavam o trabalho para a solução
dos males sociais. Estar inserido no mercado de trabalho em Pelotas, bem como pertencer a uma
“privilegiada classe de funcionários públicos” não eximiu e imunizou aqueles operários, proletários
que exerciam profissões humildes e quase sempre desprovidos de uma especialização - da
prática de delitos - conduzindo-os à inevitável entrada no mundo do crime, motivado, ao que
parece, às condições salariais insuficientes inerentes à exploração do sistema capitalista. Sendo
assim, noticiou-se a prisão de um negro por furto, o mesmo era empregado do município na
função varredor das ruas. (C. Mercantil, 28 jun 1910, p.2)
“OS COCHEIROS
Diminuição de serviço.
Os cocheiros em geral desta cidade
fundaram uma associação denominada protetora dos cocheiros - um por todos e todos por um
- com o fim de garantirem os seus interesses, pretendem eles trabalhar das 5 horas da manhã
as 9 da noite, exigindo fora desse horário, por todo o serviço que se fizer, um salário
independente ao determinado pelos seus patrões.
46
CHALHOUB, Op. Cit., p.23.
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A nova associação está funcionando a rua Felix da Cunha, na casa da residência de Victor
Chaves.
É presidente Luiz Costa e interino Napoleão da Silva, tendo como 1º orador Joaquim Leandro
Duarte Filho e 2º José da Silva. Uma comissão de cocheiros desta cidade a respeito de suas
pretensões. Concordaram, por achá-las justas, os Srs Antonio Petiz e Antonio Nascimento de
Matos.
Os cocheiros aguardam o pronunciamento dos demais proprietários que, julgamos, não
discordarão, atendendo-se a que se trata de uma reclamação de todo o posto justa.” (C.
Mercantil, 9 jul 1909, p.2)
“(...)
Uma costureira da fábrica de calçados dos Srs. Júlio Silva $ C. recebeu, como ordenado
correspondente ao seu trabalho no mês de setembro, a quantia de 600 réis (...)
(...) segundo a lei da fábrica ela incorreu em diversas penas que são punidas com multas, o
que lhe reduziu o ordenado a 600 réis. Na fábrica dos Srs. J. Silva & C. paga-se multa por vir
tarde, paga-se multa por conversar, paga-se multa por cuspir no chão, paga-se multa por fumar
47
(...)”
“Das ruas
aos postos
(...)
Piá Azevedo, sem piar, foi para o 1º Posto, por ser inimigo do inventor do trabalho.”
(A Reforma, 17 jun 1907, p.2)
O furto de alimentos foi constante nesta fase constituindo-se enquanto ato de resistir e
sobreviver ao sistema. No fundo esta prática fazia com que houvesse por parte do implicado a
apropriação de um direito à vida, até então sonegado:
“Furto - Foi preso e recolhido ao 1º Posto Venancio Fernandes Corrêa, por haver
furtado uma arroba de xarque ao cidadão Julio Valente.” (Diário Popular, 27 fev
1906, p.1)
Na acepção de MELLO (1991) - “a fuga do trabalho foi a prática mais usual no período
escravista”, o negro resistia e buscava sua libertação neste ímpeto radical dado “a opressão
47
PESAVENTO, Os Pobres... Op. cit., p.53.
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48
sofrida pelos escravos no regime servil”. Da mesma forma, no mercado de trabalho livre a fuga
de suas relações foi noticiada pelos jornais pelotenses:
“Menor que foge - Da casa de família do Sr. Viterbo Cruz, onde ocupava-se em
serviços domésticos, fugiu na madrugada de ante-ontem a menor Manoela
Rodrigues da Silva, de 13 anos de idade, de cor parda e orfão de pai e mãe.” (A
Opinião Pública, 23 mar 1910, p.1)
Conclusão:
Como vimos, a historiografia que discorreu sobre a transição do trabalho cativo ao livre
nos forneceu elementos fundamentais para um entendimento da posição da classe ocupada pelos
negros egressos da servidão.
Ao nosso ver, a ausência de Reforma Agrária aos negros rurais; bem como a inexistência
de políticas públicas de financiamento de qualquer ordem à comunidade negra; o preconceito e o
despreparo motivados pela falta de condições à educação profissionalizante e a competição com o
imigrante foram preponderantes na inserção no mercado de trabalho capitalista e livre como
classe subalterna, acenando para a continuidade do processo histórico de dominação sobre os
negros.
Antagonicamente, a mão-de-obra européia recebeu incentivos fiscais, acesso à terra.
Mediatizados pelo aparelho estatal que a priori haviam sido sonegados àqueles que deveriam ter
sido contemplados primeiramente com estes direitos.
O proletariado negro pelotense - mulheres, homens e crianças com seu trabalho precoce -
enfrentaram grandes dificuldades ao buscarem inserção no mercado de trabalho livre da cidade, a
começar pela segregação étnica imposta pelas ofertas de emprego somando-se com a
competição da mão-de-obra estrangeira.
A imprensa de Pelotas, de modo geral, continuou dando apoio à mão-de-obra imigrante,
identificando-os “as virtudes redentoras do trabalho” que contrastava com o trabalhador nativo e
negro, associado a idéia “vagabundagem mãe de todos os vícios”.
Nas relações de trabalho da urbe, fábricas, casas comerciais, casas de famílias,
ocorreram muitos acidentes noticiados corriqueiramente pelos principais jornais pesquisados e
que vitimaram uma grande parcela de negros entre eles crianças com conseqüências de toda
sorte, desde leves escoriações até mutilações e mortes.
Fica evidente que as principais causas dos acidentes eram motivadas pela carga horária
extenuante, má alimentação devido aos baixos salários e ausência de dispositivos de segurança
que evitassem tais tragédias.
Ao que parece, os pobres da cidade, sobretudo a população negra, não se adequavam
docilmente ao modelo social de trabalho instituído e desejado pela elite branca local, levando-os à
articulação dos inúmeros instrumentos de controle social e compulsão de todos ao trabalho.
Prisões da polícia municipal eram freqüentes e atingiram a todos indistintamente,
independente de faixas etárias, em sua maior parte aos negros que devido à sua condição de
marginalização social vivenciavam as mais variadas práticas de delito.
Os jornais informavam sobre as detenções e faziam charges procurando induzir os pobres
à disciplina do trabalho.
48
MELLO, Marco Antonio Lírio de. e LONER, Beatriz Ana. Os mecanismos de resistência à escravidão em Pelotas:
1840 - 1884. Relatório de pesquisa. FAPERGS. Pelotas:UFPel, mimeo, 1991, p.27.
49
VECCHIA, Os Filhos... Op. cit., p.183.
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Ao mesmo tempo, a imprensa utilizava um instrumento de controle mais sofisticado,
procurando formatar consciências quando exaltava os frutos oriundos do trabalho, principalmente
nas datas em que se comemorava o 1º de maio. De fato, o projeto político da elite brasileira, e
particularmente da elite pelotense foi o do mercado de trabalho livre, que necessariamente
pressupôs a organização e disciplinalização deste mercado, mediante o controle social e
compulsão ao trabalho.
Contudo, a comunidade negra local não assistiu calada a tudo isso, houve resistência
exteriorizada por manifestações coletivas - as greves - e manifestações individuais - o furto de
charque, dinheiro, fugas do trabalho, etc. As “opções” pela “vadiagem”, pelo vagar nas ruas, bem
como ocupações informais de biscate constituíram formas de afirmação da alteridade, conscientes
ou não pelos negros de Pelotas.
Por fim, a partir das fontes que tivemos acesso podemos dizer que as ocupações
exercidas em Pelotas pelos negros recém libertados, entre 1905-1910, apontaram para um
cenário de marginalização e exploração no trabalho, apesar das exceções de alguns que
conseguiram ascensão social e da resistência da população negra pelotense.
FONTES PRIMÁRIAS
Jornais:
Correio Mercantil, 1905-1910.
A Reforma, 1906-1910.
Diário Popular, 1905-1910.
A Opinião Pública, 1907-1910.
Referências Bibliográficas:
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BAKOS, Margaret Marchiori. RS: Escravismo e Abolição. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1982.
(Série Documenta).
BERND, Zilá e BAKOS, Margaret M. O negro consciência e trabalho. Porto Alegre: Ed. UFRGS,
1991.
CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de Janeiro da
“belle époque”. São Paulo: Brasiliense, 1986.
CARDOSO, Fernando Henrique; Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional. Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1977.
CASTRO, Therezinha de. História Documental do Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1968.
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História em Revista, Pelotas, v.4, 95-138, dezembro/1998
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